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Universidade Federal de São Carlos Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Coordenadoria de Iniciação Científica Relatório Final de Pesquisa: ETNOMOTRICIDADE DOS POVOS INDÍGENAS DA ALDEIA UMUTINA: COMPREENDENDO E EDUCANDO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Nome do Orientador: < Luiz Gonçalves Junior > Departamento/Centro: < DEFMH/CCBS > Nome do Aluno: < Lennon Ferreira Corezomaé > Nome do Curso de Graduação: < Licenciatura em Educação Física > São Carlos / 2012

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Universidade Federal de São Carlos

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Coordenadoria de Iniciação Científica

Relatório Final de Pesquisa:

ETNOMOTRICIDADE DOS POVOS INDÍGENAS DA ALDEIA UMUTINA:

COMPREENDENDO E EDUCANDO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Nome do Orientador:

< Luiz Gonçalves Junior >

Departamento/Centro:

< DEFMH/CCBS >

Nome do Aluno:

< Lennon Ferreira Corezomaé >

Nome do Curso de Graduação:

< Licenciatura em Educação Física >

São Carlos / 2012

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RESUMO DO PLANO INICIAL Nas aulas de educação física escolar comumente observamos o esporte como conteúdo por vezes exclusivo, o que acaba por reduzir o universo da Motricidade Humana, circunscrevendo-o, não raro, ao contexto cultural estadunidense e/ou europeu, em detrimento das potencialidades que podem ser exploradas ao propor a vivência de outras manifestações da Motricidade Humana, oriundas da diversidade cultural de diferentes povos que construíram e constroem o Brasil, tais como os africanos, os indígenas e os orientais. Diante dessa situação e entendendo a educação física como um dos componentes curriculares que pode e deve contribuir para apresentação, diálogo e reflexão acerca da diversidade cultural, propomos ampla pesquisa acerca da Motricidade Humana, particularmente nas manifestações relacionadas aos jogos, brincadeiras, lutas, danças, festas, histórias, cantos e rituais de diferentes culturas, com o objetivo de compreender os processos educativos envolvidos na construção da motricidade destes. Neste projeto, em particular, estaremos investigando a etnomotricidade do povo indígena Umutina, particularmente o residente na Aldeia Indígena Umutina, localizada no município de Barra do Bugres, Mato Grosso. Como procedimentos básicos na coleta de dados utilizaremos o registro sistemático de notas em diários de campo e entrevistas, após autorização das lideranças e comunidades com a assinatura no “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. As descrições dos entrevistados, bem como os registros do diário de campo, serão agrupadas em categorias, organizadas a posteriori na matriz nomotética, de inspiração fenomenológica. Acreditamos que tal investigação poderá trazer contribuições no sentido do fortalecimento da identidade desta cultura, o respeito e a valorização da mesma, bem como apoiar professores da educação básica para a educação das relações étnico-raciais, conforme inclusive preconiza a lei nº 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino da “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. A pesquisa tem como referenciais centrais a Ciência da Motricidade Humana (Manuel Sérgio), a Pedagogia Dialógica (Paulo Freire) e a Fenomenologia Existencial (Maurice Merleau-Ponty e Joel Martins).

PALAVRAS-CHAVES: Processos Educativos, Educação das Relações Étnico-Raciais, Diversidade Cultural, Cultura Indígena Umutina.

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Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................ 3

UM POUCO SOBRE O POVO UMUTINA ................................................................................................................... 4

METODOLOGIA E FORMA DE ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................ 6

ENTREVISTADOS E TRANSCRIAÇÕES ................................................................................................................. 10

ENTREVISTADO I – PEDRO AMAJUNEPA ........................................................................................................................ 10 ENTREVISTADA II – GONÇALINA AMAJUNEPA .............................................................................................................. 11 ENTREVISTADO III – FIRMINO TORIKÁ KIRI .................................................................................................................. 24 ENTREVISTADO IV – JOAQUIM KUPODONEPÁ ............................................................................................................... 29 ENTREVISTADO V – JOVAIL AMAJUNEPA ...................................................................................................................... 37 ENTREVISTADO VI – ANTONIO UAPODONEPA............................................................................................................... 39 ENTREVISTADA VII – DIRCE PARECIS HUARE .............................................................................................................. 42 ENTREVISTADO VIII – ITAMAR MAITAWA TAN HUARE ................................................................................................ 44 ENTREVISTADO IX – CLEOMAR MIAUHE TAN HUARE .................................................................................................. 49 ENTREVISTADA X – EDILENE COREZOMAÉ MONZILAR ................................................................................................. 52

CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS ......................................................................................................................... 54

QUADRO 1: MATRIZ NOMOTÉTICA ................................................................................................................................ 54

CONSIDERAÇÕES ....................................................................................................................................................... 71

REFERÊNCIAS .............................................................................................................................................................. 74

APÊNDICES ................................................................................................................................................................... 75

APÊNDICE 1 - GLOSSÁRIO ............................................................................................................................................. 75 APÊNDICE 2 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .............................................................................. 77 APÊNDICE 3 – PRODUÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA ........................................................................................................... 78 APÊNDICE 4 – AUTO-AVALIAÇÃO DO BOLSISTA ............................................................................................................ 79 APÊNDICE 5 – AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR ................................................................................................................ 80 APÊNCICE 6 – DESTINO DO BOLSISTA ........................................................................................................................... 81

ANEXOS.......................................................................................................................................................................... 82

ANEXO 1 – PARECER DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA ........................................................................................ 82

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INTRODUÇÃO

Nas aulas de educação física escolar1 comumente observamos o esporte como conteúdo por

vezes exclusivo, o que acaba por reduzir o universo da Motricidade Humana, circunscrevendo-o,

não raro, ao contexto cultural estadunidense e/ou europeu do futebol, voleibol, basquetebol e

handebol, em detrimento das potencialidades que podem ser exploradas ao propor a vivência de

outras manifestações da Motricidade Humana (jogos, brincadeiras, lutas, danças), oriundas da

diversidade cultural de diferentes povos que construíram e constroem o Brasil, tais como os

africanos, os indígenas e os orientais (GONÇALVES JUNIOR, 2007).

Compreendemos, com Freire (2005), que não se trata da “justaposição de culturas, muito

menos no poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito

assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da outra, correndo risco livremente de ser

diferente, de ser cada uma ‘para si’” (p.156).

Neste sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - (BRASIL, 1997) indicam a

importância de se: “conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem

como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer

discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crença, de sexo, de etnia ou

características individuais e sociais” (p.7).

O mesmo documento indica ainda que:

A Educação Física permite que se vivenciem diferentes práticas corporais advindas das mais diversas manifestações culturais e se enxergue como essa variada combinação de influências está presente na vida cotidiana. As danças, esportes, lutas, jogos e ginásticas compõem um vasto patrimônio cultural que deve ser valorizado, conhecido e desfrutado. Além disso, esse conhecimento contribui para a adoção de uma postura não-preconceituosa e discriminatória diante das manifestações e expressões dos diferentes grupos étnicos e sociais e às pessoas que dele fazem parte (BRASIL, 1997, p.28-29).

Diante dessa situação e entendendo a Educação Física como um dos componentes

curriculares que pode e deve contribuir para apresentação, diálogo, reflexão e valorização da

diversidade cultural propomos o estudo da etnomotricidade.

Entendemos a etnomotricidade como práticas (jogos, brincadeiras, lutas, danças, festas,

histórias, cantos e rituais) com características próprias de um povo/comunidade desenvolvidas com

1 Manuel Sérgio, grande idealizador da Ciência da Motricidade Humana, prefere o uso da expressão Educação Motora ao invés de Educação Física, conforme explicita em diversos de seus escritos, em particular no texto: “Educação motora: ramo pedagógico da cmh”. In: SÉRGIO, Manuel. Motricidade humana: contribuições para um paradigma emergente. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p.67-89. No entanto, nesta pesquisa utilizaremos preferencialmente Educação Física por ser a nomenclatura oficial do respectivo componente curricular.

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intencionalidade2 relacionada a processos educativos de tradição e resistência de tais manifestações

(GONÇALVES JUNIOR, 2010).

Explicitamos que a etnomotricidade ancora-se na ciência da motricidade humana de Manuel

Sérgio, e na pedagogia dialógica de Paulo Freire, as quais, entre outras influências em suas

respectivas constituições, têm suporte na fenomenologia existencial de Maurice Merleau-Ponty

(GONÇALVES JUNIOR, 2010).

Objetivamos, nesse estudo, compreender a etnomotricidade dos povos indígenas habitantes

da Aldeia Umutina atentando para a compreensão das manifestações relacionadas aos jogos,

brincadeiras, lutas, danças, festas, histórias, cantos e rituais e os processos educativos envolvidos

em sua prática. Salientamos que a investigação se dará especificamente junto aos residentes na

Aldeia Indígena Umutina, localizada no município de Barra do Bugres, Mato Grosso.

Acreditamos que tal investigação poderá trazer contribuições no sentido do fortalecimento

da identidade cultural Umutina, o respeito e a valorização da mesma, bem como apoiar professores

da educação básica para a educação das relações étnico-raciais, conforme inclusive preconiza a lei

nº 11.645, de 10 março de 2008, que altera a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada

pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História

e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (BRASIL, 2008).

UM POUCO SOBRE O POVO UMUTINA

A aldeia indígena Umutina localiza-se atualmente entre o Rio Paraguai e o Rio Bugre, no

município de Barra do Bugres, estado do Mato Grosso, a 180 quilômetros da capital, Cuiabá.

Encontram-se na Aldeia Umutina nove povos distintos: Umutina, Bakairi, Bororo, Chiquitano,

Kayabi, Manoki, Nambikwara, Pareci.

Umutina, tem o significado de “branco”3, pois os antepassados da etnia Umutina eram de

cor mais clara se comparados com outros povos indígenas da região, tais como os Pareci e os

Nambikwara. Inicialmente, no entanto, foram denominados como Barbados pelos não indígenas,

2 “Comportamento corpóreo-mundano e existencial, no qual se constitui e reconstitui o mundo significado” (FIORI, 1986, p.4) 3 Esta e outras palavras do idioma Umutina encontram-se descritas no glossário, apresentado no apêndice 1.

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devido ao uso de barbas confeccionadas a partir do cabelo das mulheres. Por outro lado, os anciões

se autodenominavam Balatiponé, cujo significado é “gente nova”.

Os primeiros contatos com os não indígenas foram muito violentos e agressivos, os

ancestrais defendiam o território pela força quando atacados por poaieiros (cultivadores não

indígenas de poaia – planta medicinal) ou por posseiros (interessados na tomada da terra para fins

diversos, particularmente para procura de ouro). Os ancestrais Umutina tinham como principais

armas o tacape-espada e o arco e flecha. Enquanto estratégias de guerra, utilizava-se principalmente

de ataques em noites de chuva.

Vale destacar, entretanto, que quando os Umutina tentavam se comunicar com os não

indígenas, eram atacados, pois os mesmos não compreendiam a saudação de boas vindas Umutina,

posteriormente denominada, pelos não indígenas, como “saudação agressiva”. A saber: se

aproximavam com os arcos retesados, prestes a soltar as flechas, saltando de um lado para o outro e

da frente para trás, batendo o pé no chão e gritando misticamé, significando “quem é você?”, os não

indígenas se assustavam e atacavam os Umutina.

Embora pacificados em 1911, durante muito tempo continuaram a existir ataques contra os

Umutina, os quais revidavam. Epidemias contribuíram para a depopulação do grupo e “os órfãos

foram recolhidos pelo pessoal do posto indígena e por eles educados” (HISTÓRIA, 2011).

Para se ter uma melhor compreensão do contingente populacional Umutina, explicitamos

que, em 1862, havia aproximadamente 400 pessoas. Já em 1911, passaram a contar com 300

indivíduos, porém, oito anos depois, um surto de sarampo reduziu a população para 200 indígenas,

vivendo em difíceis condições. Em 1923, um relatório do Serviço de Proteção ao Índio (SPI)

registrou em torno de 120, e em 1943 menos de 73, a maior parte vivendo no posto Fraternidade

Indígena, que hoje é identificada como Aldeia Indígena Umutina. “Nesta mesma época viviam 23

índios na última aldeia existente no alto do rio Paraguai, que ficaram conhecidos como ‘os

independentes’, por recusarem qualquer tipo de contato com os não-índios”. Tal local era designado

de “maloca”, mas deixou de existir em meados da década de 1940, isto porque, além dos conflitos,

uma epidemia de coqueluche e bronco-pneumonia reduziu seu número para 15 pessoas, e os poucos

sobreviventes se encaminharam também ao posto, onde se deram diversos casamentos intertribais.

Em 2009 a população era estimada em 445 pessoas (POPULAÇÃO, 2011).

Os Umutina, atualmente, pouco falam a língua materna (classificada como pertencente ao

tronco linguístico Macro-Jê, da família Bororo), devido a violência do contato deste povo com os

não indígenas, as guerras travadas e as epidemias. Os sobreviventes passaram a viver junto aos

pacificadores do SPI que atuavam na região e foram educados em uma escola para indígenas, que

ensinava a cultura dos não indígenas, sendo proibidos de falar sua língua e praticar qualquer tipo de

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atividade relacionada à sua cultura material (adornos, arco e flecha, tacape-espada) e imaterial

(danças, rituais, língua). “Atualmente o português é a língua predominante, porém os membros da

comunidade lutam, por meio do conhecimento dos idosos, de professores e universitários indígenas,

para vitalizar a língua Umutina” (LÍNGUA, 2011).

A língua materna vinha sendo cultivada especialmente através de um ancião chamado Julá

Paré, que foi pesquisado e falou na língua Umutina, as quais foram guardadas pelo povo. Julá Paré

também ensinou algumas danças e um pouco dos seus significados. Porém, o mesmo faleceu em

2005, e, atualmente, encontram-se na aldeia apenas dois indígenas que falam a língua Umutina

fluentemente: Joaquim kupodonepá e Antonio Uapodonepa.

No que diz respeito à alimentação, esta tem sua base no milho, na mandioca, no cará, em

frutas (particularmente banana, melancia, goiaba, manga, seriguela, compati-sé, coco de buriti,

marmelada e bacava), peixes (sobretudo pintado, pacu, dourado, bagre e jaú), em animais (tais

como: anta, porco do mato, capivara e paca) e mel. Com o milho se faz xixá, mingau, cural e bolo,

além dele ser consumido assado ou frito. Já com a mandioca especialmente o biju (parecido com

uma tapioca). Ela também é usada frita ou assada.

No período da seca, nos meses de agosto e setembro, ocorre a tradicional Festa Timbó.

Trata-se o timbó de um cipó que possui veneno que deixa os peixes estonteados, assim bate-se o

timbó, após cortado em feixes, em algum trecho dos rios e córregos onde se formam baías, para que

o veneno seja dissipado e os peixes estonteados, facilitando aos Umutina a pesca com arco e

flechas. Quando há muito peixe se assa e come os mesmos na beira da própria baía onde foi

realizada a pesca, mas também se separa uma parte para casa, para se comer nos dias em que não há

outras possibilidades, pois na seca, o peixe fica escasso e a caça se torna difícil.

A seguir apresentamos a metodologia e forma de análise dos dados para melhor

compreensão do leitor de como foi desenvolvida cada etapa da pesquisa, seguem-se ainda as

apresentações dos entrevistados e transcriações de cada entrevista.

METODOLOGIA E FORMA DE ANÁLISE DOS DADOS

Sabendo da importância das histórias dos povos indígenas e buscando fortalecê-las por meio

da pesquisa que realizamos, fundamentamos nossa metodologia na História Oral, pois a mesma

possibilita que:

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[...] minorias culturais e discriminadas – principalmente mulheres, índios, homossexuais, negros, desempregados, pessoas com necessidades especiais, além de migrantes, imigrantes e exilados – têm encontrado espaço para validar suas experiências, dando sentido social aos lances vividos sob diferentes circunstâncias (MEIHY; HOLANDA, 2007, p.26).

Compreendemos História Oral conforme Meihy e Holanda (2007) como:

[...] recurso moderno usado para a elaboração de registros, documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do tempo presente e também reconhecida como história viva (p.17).

A história oral, em acordo com Meihy e Holanda (2007) também permite fazer uma “outra

história” (p.26), ou seja, possui “[...] gênese diferenciada do conjunto estabelecido oficialmente”

(p.26), inclusive atentando para “[...] setores desprezados por outros documentos, [...] ao filtrar as

experiências do passado através de narradores no presente” (p.29).

Optamos por um dos segmentos de História Oral denominado de Tradição Oral. Dessa

forma realizamos levantamentos de informações anteriores a realização das entrevistas, visando

melhor adequar a formulação das questões temáticas que seriam realizadas junto aos colaboradores

entrevistados da Aldeia Indígena Umutina. Levamos em consideração que o pesquisador faz parte

do povo Umutina e tem boa compreensão desse meio cultural, sendo um facilitador, pois os autores

Meihy e Holanda compreendem que Tradição Oral não se limita apenas a entrevistas:

[...] Viver junto ao grupo, estabelecer condições de apreensão dos fenômenos de maneira a favorecer a melhor tradução possível do universo mítico do segmento é um dos segredos da tradição oral [...] A complexidade da tradição oral reside no reconhecimento do outro nos detalhes auto-explicativos de sua cultura [...] (MEIHY; HOLANDA, 2007, p.41).

Como procedimento de recolha de dados fizemos usos da entrevista, que, segundo Meihy e

Holanda (2007), no contexto da história oral pode ser compreendida como o suporte material

derivado da oralidade expressa para esse fim, nesse estudo, apreendidas por meio de gravação

digital feita com o propósito de registro, tornando-se também fonte oral, passível de utilização para

outros estudos.

Visando maior flexibilidade na obtenção de informações junto aos colaboradores as

entrevistas foram realizadas na forma de diálogo, assim, havia para entrevistador e entrevistado a

possibilidade de ampliar a reflexão diante das duas pautas inicialmente previstas:

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a) Com quem e de que maneira você aprendeu jogos, brincadeiras, lutas, danças, festas,

histórias, cantos e rituais dos povos indígenas habitantes da Aldeia Umutina?

b) Quais e como se desenvolvem jogos, brincadeiras, lutas, danças, festas, histórias, cantos

e rituais dos povos indígenas habitantes da Aldeia Umutina?

As entrevistas foram registradas em áudio e imagem através de câmera fotográfica filmadora

digital e, posteriormente, transcritas na íntegra de modo literal, ou seja, tudo o que o entrevistado

respondeu e como ele respondeu, sem mudar elementos do vocabulário e configurando fonte oral.

Posteriormente, no entanto, as transcrições passaram pelo procedimento identificado na história oral

como transcriação, conforme proposto por Meihy e Holanda (2007), no qual as descrições dos

colaboradores são reordenadas, realizando-se correções do ponto de vista da língua portuguesa, haja

vista que alguns entrevistados falam originariamente línguas indígenas e, com alguma dificuldade, a

língua portuguesa. Também foram agrupados os trechos transcritos referentes a um mesmo assunto

que, no momento da fala espontânea, ficaram isolados. O objetivo foi dar mais sentido à palavra

dita na sua transposição para a escrita, com o cuidado de não alterar as ideias comunicadas.

Explicitamos que foram entrevistadas dez pessoas indígenas na Aldeia Umutina, localizada

no município de Barra do Bugres, Mato Grosso, a aproximadamente 164 quilômetros de Cuiabá,

capital do estado. Os colaboradores entrevistados foram: Pedro Amajunepa (Umutina de 53 anos),

Gonçalina Amajunepa (Pareci de 54 anos, considerada Umutina, inclusive recebendo nome dessa

etnia), Firmino Torika Kiri (filho de pai Umutina e mãe Bororo, possui 68 anos), Joaquim

Kupodonepá (Umutina de 75 anos), Jovail Amajunepa (Umutina de 36 anos), Antonio Uapodonepa

(Umutina de 96 anos), Dirce Parecis (Pareci de 56 anos), Itamar Maitawa Tan Huare (filho de pai

Bakairi e mãe Pareci, possui 22 anos), Cleomar Miauhe Tan Huare (filho de pai Bakairi e mãe

Pareci, possui 24 anos) e Edilene Corezomaé Monzilar (filho de pai Pareci e mãe Nambikwara,

possui 21 anos).

Observamos que o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade

Federal de São Carlos (Parecer nº 179/2012 – anexo 1), contando também com autorização da

Cacique da Aldeia Indígena Umutina e do Chefe do Posto local da FUNAI. Observamos ainda que

todos os colaboradores entrevistados optaram em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(apêndice 2), devidamente assinado, pelo uso do nome próprio, não fazendo uso de nomes fictícios.

Para obter os significados que nos permitem compreender o fenômeno interrogado, fez-se

necessária uma análise detalhada das descrições registradas nas entrevistas. Assim, realizamos

análise com procedimento inspirado na fenomenologia que, de acordo com estudos de Martins e

Bicudo (2005); Bicudo e Espósito (1997) e Gonçalves Junior (2008), possuem os seguintes

momentos:

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� Identificação das unidades de significado: Nesse primeiro momento realizamos uma leitura

geral das entrevistas sem buscar interpretar ou identificar qualquer elemento contido nas

mesmas. Essa leitura inicial tem o intuito de nos proporcionar visão geral do todo, pois esta é

necessária para realização do processo de busca das unidades de significado do fenômeno

interrogado. Tal identificação de unidades de significado se faz necessária enquanto um

movimento em direção a essência do fenômeno. As unidades foram identificadas com a

inscrição de um número arábico ao final da mesma. A numeração é crescente e respeita a ordem

em que aparecem nas entrevistas, sendo sua contagem reiniciada a cada nova entrevista.

� Organização das categorias: Após a identificação das unidades significativas, as analisamos em

busca de convergências e divergências ou mesmo de idiossincrasias, e, a partir do agrupamento

das referidas unidades segundo os critérios citados, emergiram categorias que nos permitiram

caminhar em busca da essência do fenômeno interrogado. As categorias de análise são

identificadas por letras maiúsculas do alfabeto.

� Construção dos resultados: Fase final da pesquisa em que apresentamos a estrutura do

fenômeno obtida a partir da leitura dos dados construídos na matriz nomotética (Quadro 1).

Do descrito processo de análise emergiram quatro categorias, as quais são apresentadas após

a transcriação das entrevistas e identificação das unidades de significado (US), tais categorias tem o

intuito de apresentar uma compreensão geral do fenômeno interrogado neste estudo.

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ENTREVISTADOS E TRANSCRIAÇÕES

Entrevistado I – Pedro Amajunepa

Descendente da etnia Umutina – Entrevista realizada em 13/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Pedro Amajunepa, 53 anos, é filho de Apikoré (da etnia Umutina) e de Inês (também da

etnia Umutina), casado com Leontina (da etnia Pareci) com quem tem quatro filhos: Pedrinho

(desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os

filhos), Mateus (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a

casa e com os filhos), Isaac (estuda engenharia elétrica na UFMT), Rosinei (secretária da escola

indígena Jula Paré, que fica na própria Aldeia Umutina). Sua esposa, Leontina, tem mais quatro

filhos de outro casamento: Eliene, Eliete, Elizeu e Emilio (todos desenvolvem trabalho diário na

aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os filhos).

A entrevista foi feita na casa do próprio Pedro, aproximadamente às oito e trinta da manhã,

havia sol durante a mesma e manteve-se uma sensação térmica agradável na casa dele, construída

com pau-a-pique coberta de palha. Durante a entrevista estavam no local além do entrevistador e

entrevistado, também a esposa dele, Leontina, e minha esposa, Tainara (auxiliando na filmagem).

Durante a entrevista Pedro permaneceu sentado em um banquinho feito com madeira nativa

confeccionado por ele próprio e nos ofereceu outro similar para sentarmos, enquanto a esposa dele

revezava entre tarefas da casa e observação dos acontecimentos na entrevista.

Na área da casa havia uma orquídea lilás, alguns cachorros e ainda havia mais uma casa ao

lado, também de pau-a-pique coberta com palha, onde mora o filho dele mais velho.

Transcriação da Entrevista

Meu nome é Pedro Amajunepa, nasci no Posto Indígena Umutina, sou filho de Apikoré com

Nice e não me lembro das brincadeiras, porque depois que meu pai e os Umutina mudaram da

maloca para o posto indígena Umutina, o pessoal não indígena os proibiu de falarem a língua e de

dançar (1). Essas danças que as crianças fazem agora foram ensinadas por Jula Paré. O povo conta

que Jula foi caçar por ai e atirou em um bicho no mato ai o bicho ficou perseguindo ele, não podia

nem dormir e o bicho já ia pegar ele. Então lhe mandaram sair daqui para o bicho largar de

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persegui-lo, ai ele ficou fora daqui e só depois de velho voltou de novo, ocasião em que ensinou os

alunos da escola a dançar entre outras coisas.

Eu aprendi muito com o pai do Joaquim, o Kupo. Ele sempre contava histórias, eu era

pequeno, mas de algumas das histórias eu ainda lembro (2). Uma vez Kupo estava contando que os

Umutina andavam caçando no Rio Paraguai e no Rio Bugre e havia um pessoal lá para cima no Rio

Bugre que convidaram os Umutina para irem lá dançar, assim, os Umutina foram dançar todos

pintados e com adornos, mas enquanto um pouco dos Umutina dançavam, um pouco ficou

escondido no mato. Então você vê que os Umutina não são bestas, mas enquanto os Umutina

dançavam os não indígenas que convidaram eles começaram a atirar neles, e os Umutina que

estavam no mato ficaram somente olhando os que estavam dançando cair no chão quando eram

atingidos pelos tiros. Como eles não sabiam o que era arma, pois nunca tinham visto uma antes,

correram assustados e foram embora e passando uns dias eles retornaram no local onde seus

parentes haviam morrido e ficaram a espreita, e depois conseguiram matar muitas pessoas que

tinham matado os parentes deles (3).

Kupo outra vez contou que os Umutina vieram caçar na cachoeirinha. Eles vinham caçando

desde o Piapó, perto donde esse rio nasce lá no meio do mato, passaram por onde morava Joaquim e

continuaram descendo o Rio Piapó até chegar na beira do Rio Paraguai, então, montaram

acampamento na beira do rio e logo depois começaram a escutar barulhos que vinham do mato.

Eles estavam com o fogo acesso e, ao escutarem o barulho que vinha do mato, apagaram o fogo e

foram ver o que estava emitindo o som estranho, e quando voltaram falaram que não era bicho, que

na verdade eram homens que eles nunca tinham visto e que só andavam de noite. Os Umutina

corriam desses homens porque não os enxergavam de noite, portanto, os denominavam de índios

morcegos (4).

Entrevistada II – Gonçalina Amajunepa

Descendente das etnias Pareci e Umutina – Entrevista realizada em 16/01/2012.

Apresentação da Entrevistada

Gonçalina Amajunepa, 54 anos, é da etnia Pareci e esta casada com Mateus (não indígena).

Ela Tem seis filhos de outro casamento com “Girino” da etnia Umutina, sendo esses: Valdivino

(Professor da Escola Indígena Jula Paré), Silvinho (Professor da Escola Indígena Jula Paré), Silvia

(formada em enfermagem), Rosinete (Professora da Escola Indígena Jula Paré), Donizete

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(desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os

filhos) e Cacildo (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com

a casa e com os filhos).

A entrevista foi recolhida na casa da Gonçalina Amajunepá aproximadamente às oito horas

da manhã, o dia estava ensolarado. A casa dela é feita de tábua, e coberta com palha. No local da

entrevista encontravam-se o entrevistador e a entrevistada, e também a minha esposa Tainara Toriká

Kiri de Castro (auxiliando na filmagem).

Durante a entrevista Gonçalina Amajunepá estava sentada na rede de confecção não

indígena. No local havia televisão, geladeira e um fogão de barro. Em determinado momento da

entrevista entrou um porco do mato na casa, o qual foi tocado imediatamente pelos cachorros dela.

Transcriação da Entrevista

Meu nome é Gonçalina Amajunepa, aliás, meu sobre nome não é nem Amajunepa, eles

somente me registraram com esse nome por causa de Maxipá, porque na verdade meu sobre nome é

Toizoque.

Eu acompanhei pouco os Umutina, porque eu era criança ainda quando eles começaram a

morrer. Eles logo adoeciam, mas ainda cuidei do finado Maxipá muito tempo, ele contou algumas

histórias bonitas para mim que hoje eu acho que ninguém sabe delas (1). Ele contava algumas

histórias de quando os Umutina começaram a ter contato com o homem branco na baía de

Massepopare.

O cacique dos Umutina era Batalarepa, eu acho que esse cacique morreu na roça do finado

Ataíde, que ficava do outro lado do Rio Pari. Maxipá me contou a história de quando os Umutina

entraram pela primeira vez em contato com os não indígenas e, é bastante emocionante.

Os Umutina estavam em festa, então, o cacique Batalarepa pediu para os homens saírem

para caçar, e junto foi o pai do finado Maxipá. Os Umutina tinham o ritual que quando saiam para

caçar, só iam os homens adultos e deixavam as crianças e as mulheres, então, escolhiam alguns

homens para ficar na aldeia e cuidar das mulheres, porque elas não podiam ficar sozinhas (2). Eu sei

essas histórias que João Adalberto Amaxipá contou para mim, mas nós somente o chamávamos de

Amaxipá. Acredito que pouca gente sabia o nome dele por extenso. Ele dizia que o povo Umutina

tinha morada na cabeceira do Rio Seputuba, de lá eles desciam o Rio Seputuba até na Barra do

Bugres, muitas vezes eles subiam o Rio Bugre e iam para cabeceira do Rio Bugre e depois o

desciam e subiam o Rio Paraguai e, assim, eles viviam nessa região aqui do Seputuba até a

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cabeceira do rio Paraguai. Poucas vezes eles subiam o Rio Jukwara, só subiam-no para pegar

cambaiuva4 para fazer flecha.

A primeira história que Maxipá me contou foi quando os Umutina tiveram o primeiro

contato com os não indígenas na barra do Rio Seputuba, ele falou bandeirante, mas ele achava que

era a caravana de Marechal Rondon, ele já tinha noventa e oito anos na época que me contou essas

histórias.

Os bandeirantes mataram muitos Umutina na aldeia deles na barra do Rio Seputuba, então,

os Umutina fugiram subindo o Rio Paraguai até na Barra do Bugres onde o Rio Bugre deságua no

Rio Paraguai. Eles estavam atravessando para o lado de onde é a reserva agora porque conheciam

essa mata, então, eles atravessaram o Rio Bugre e ficaram um pouco no Maitá, mas foi por pouco

tempo, depois somente passaram por onde moramos hoje, e foram morar mais acima do Rio

Paraguai, lá para cima do Joaquim. Nessa época os Umutina tinham o cacique deles Batalarepá. Os

Umutina fizeram roça, fizeram morada e, construíram uma aldeia grande para ficarem permanente

por causa do ataque dos bandeirantes que haviam sofrido (3).

Em um certo dia o cacique falou para os Umutina “vamos caçar, vamos fazer festa porque

nós estamos bem, porque nós colhemos bastante milho”, e realmente tinha bastante milho porque

eles sempre plantavam, milho, mandioca, banana, cará, batata e feijão fava. Antes de saírem

deixaram um pouco dos homens para cuidar das mulheres e foram pelo Rio Paraguai, depois pelo

Rio Bugre para caçar e pescar, e nesse pedaço do mato eles ficavam a cada trinta dias e um pouco

iam caçar em outros lugares (4).

Quando estava faltando uma semana para os Umutina chegar na maloca o pessoal que estava

na aldeia ouviam estalos, eles escutavam fazendo “tá” e saiam para olhar o que era. Era tiro, mas

para eles era faísca porque saiam para olhar o tempo e ver se ia chover e nesse momento os não

indígenas atiravam neles e eles caiam no chão e, assim, morriam um por um, até que os Umutina

foram saindo em maior número e viram que eram os Wasse5 que estavam atirando, então, os

Umutina ao verem um não indígena saindo do mato correndo, foram atrás desse homem e cada vez

chegavam mais perto, então, o indígena Larepá gritou para o não indígena e tocou a buzina em sinal

de alerta para o pessoal que estava na aldeia e, assim, todas as mulheres correram para dentro do

mato, mas nesse meio tempo os não indígenas já haviam matado muitos indígenas, e quando os

homens brancos viram que os Umutina correram, eles pegaram as duas irmãs do cacique

Batalarepá. Até então os não indígenas já haviam matado muita gente, principalmente crianças e

4 Similar a taquara. 5 Expressão da língua Umutina, proveniente do tronco linguístico macro-jê, com o significado de estranho, pessoa não indígena.

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mulheres e estavam tacando fogo nas casas quando os Umutina que estavam cuidando das mulheres

voltaram da procura do não indígena que havia corrido para o mato e tocaram a buzina, ai os não

indígenas fugiram e levaram as duas irmãs de Batalarepá que eram as únicas irmãs que o cacique

tinha. Depois que os não indígenas pegaram as duas irmãs de Batalarepá eles pararam de atacar,

pegaram mais gente também, mas as duas mais importantes eram as irmãs do cacique da aldeia.

Levaram elas até na beira do rio, acho que elas estavam mordendo ou batendo neles, então, eles

cortaram o pescoço de uma delas, cortaram uma forquilha e coloram a cabeça dela na forquilha e

nunca mais os Umutina acharam o corpo dessa mulher.

Depois que passou toda a briga, os não indígenas já haviam colocado fogo em tudo e o povo

Umutina havia corrido para o mato, assim, depois de um dia inteiro na mata os Umutina voltaram

pouco a pouco para a aldeia para ver o que tinha acontecido. Encontraram muitas pessoas mortas e

as casas deles queimadas, então, um homem com mais outro companheiro resolveram ir atrás do

homem que eles tinham deixado responsável pelas mulheres, e depois foram atrás dos não indígenas

para encontrar o caminho por onde eles tinham chegado até a aldeia. Durante a procura, numa

baixada estava a cabeça de uma das irmãs do Cacique Batalarepá sem seu corpo, o qual nunca

conseguiram encontrar, mesmo procurando por muito tempo. Além disso, suspeitavam que outras

mulheres que eles não encontravam haviam sido levadas a força para o outro lado do rio pelos não

indígenas.

Os Umutina estavam se mudando quando o Cacique Batalarepá chegou e não deixou que o

povo se mudasse, falou para eles esperarem o restante do povo que estava caçando chegar. Eles

chegaram com muita caça, ele esperou todos, os reuniu e falou que ele ia buscar a irmã dele que

estava com os não indígenas, caso ainda estivesse viva, e ia vingar a morte da outra irmã e a do

povo que tinha morrido, falou que se alguém quisesse acompanhar ele era só ir junto, ele não estava

obrigando ninguém a ir, então, atravessou o Rio Paraguai e foi em busca da sua irmã e não falou

mais nada, somente atravessou o rio e os homens foram acompanho, no momento que ele

atravessou o rio não falou com mais ninguém, ele só ficava cantando e soltava gritos de guerra (5).

Eu acho que foi no Vãozinho que Batalarepá foi buscar breu e cambaiuva para fazer flecha,

ele atravessou na barra do Rio Pari e foi por Vãozinho a fora. O breu é uma resina que eles

desmanchavam para misturar com a cera do mel, eu acho que até hoje ninguém sabe disso, porque o

breu é como piche, ele da aquela resina grande, depois os Umutina derretem o breu e mistura com

cera de mel e fica preto, fica forte para passar na corda e amarrar qualquer coisa, fica igual uma

cola. Batalarepá buscou o breu e voltou para fazer as flechas e também fez um chiquiteiro grande e

o encheu de flecha, enquanto isso, o povo ficava apenas prestando atenção nele porque ele estava

fazendo somente flecha com taquara pequena e a ponta grande. Essa é a flecha de guerra deles, é

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para matar, para flechar longe, para fazer qualquer competição era esse tipo de flecha com taquara

pequena e a ponta grande e pesada, então, ele fez muitas flechas.

Finado Maxipá conta que Batalarepa depois foi pegar veneno, ele falava para mim que aqui

tinha a arvore de feitiço, só que aqui eu nunca vi, mas tem. Nos Canoeiro tem essa árvore, mas só

que é uma árvore pequena e finado Maxipá falava que era uma arvore grande parecido com pé de

timbó, agora eu não sei se era o timbó nativo igual o que tem também nos Pareci. Aqui tem uma

árvore que você corta e ela solta um liquido que é veneno puro, se passar esse veneno em alguma

coisa, essa coisa morre ou vira ferida, agora eu não sei se era do lado da nossa reserva que tem essa

árvore ou se era do outro lado que eles achavam o veneno para passar na ponta da flecha.

Maxipá colocou o veneno retirado da raiz da arvore numa cabaça e misturou com o veneno

de cobra que o mesmo tirou e passou na ponta das flechas (6), o homem era tão poderoso que ele

sabia mexer com esses feitiços, ele pintou o corpo todo de jenipapo, por isso que eu falo que as

pinturas que os meninos usam são pinturas para guerra. Batalarepá pintou todo corpo com jenipapo,

passou cinza por cima e passou folha no corpo e depois que terminou de fazer as pinturas, fez trança

no cabelo e foi embora, tocou a buzina três vezes, foi a ultima vez que ele tocou a buzina, assim,

atravessou o Rio Paraguai para ir atrás da irmã dele.

Finado Maxipá contava que ele estava junto com o povo e que os Umutina desceram a barra

do Rio Pari e que lá tem uma baía que eu ainda não conheço, mas só que essa baía já esta dentro da

fazenda dos não indígenas e foi onde eles encontraram os não indígenas que tinham atacado o povo

Umutina.

Os não indígenas estavam acampados na beira do rio quando os Umutina os encontraram. O

Cacique Batalarepá começou a atacar e a matar o povo e, matou muito, mas tinha bastante wasse.

Finado Maxipá contava que tinha sobrado pouco não indígena, como ele dizia, ele era guri, mas ele

estava junto com o pai dele e ainda lembrava de tudo o que tinha acontecido, ele não falava se havia

sobrado dez ou vinte não indígenas, ele achava que era três ou quatro pessoas que conseguiram

matar Batalarepá porque o restante o cacique já havia matado.

Os não indígenas começaram a atirar quando viram que os Umutina estavam atacando com

arco e flecha, quando Batalarepá percebeu que as suas flechas tinham acabado, o mesmo quebrou o

arco em dois e entrou no meio dos não indígenas somente com o arco e ainda assim matou muito

dos não indígenas. Só mataram Batalarepá porque um dos não indígenas pegou no cabelo comprido

dele, segurou-o pela trança e agarrou-o, mas mesmo assim o cacique exterminou com o pessoal que

estava ao seu redor, mas o homem que conseguiu pegar no cabelo de Batalarepá acabou de enforcá-

lo com o próprio cabelo e cortou o pescoço dele.

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Maxipá permanecia com tanta raiva e o corpo dele estava tão tenso que não caiu depois que

o homem decepou a cabeça dele, assim, os não indígenas tentavam empurar o corpo para cair. Os

restantes dos Umutina correram quando viram que tinham matado Batalarepá. Nessa época estava o

pai do finado Maxipá, e o pai do finado Kupo, quando acabou a briga os Umutina voltaram para a

aldeia e como não tinha ninguém para ser cacique eles falaram que não iam ter mais pessoas para

liderá-los, e ficaram tudo perdido, então, juntaram todas as coisas e foram embora da aldeia,

subiram o rio e foram parar um pouco para baixo da onde atualmente Joaquim mora (7). Acredito

que é perto de uma baía que o povo fala que assombra a gente, mas eles ficaram perto do Rio

Paraguai porque Maxipá conta que os mesmos foram para cima da cachoeirinha e pararam entre o

Rio Piapó e Joaquim, e perto da onde os Umutina ficaram tem uma baía que da medo para a gente,

não sei se você já ouviu falar? Depois que tinha passado três dias, os Umutina atravessaram o Rio

Paraguai e buscaram o corpo de Batalarepá e também a cabeça da irmã dele para enterrar, e enterrou

ele perto da baía assombrada que chamam de baía de Alarepá, finado Maxipá me falou que

Batalarepá foi enterrado no pé de dois pés de jatobá grandes, e depois os Umutina ficaram

esparramados pela mata.

Os Umutina desceram de novo na Barra do Rio Jukwara quando um pessoal não indígena os

encontraram, mas como os Umutina não estavam morando neste local e sim estavam caçando

quando houve o encontro com os não indígenas, o confronto foi brutal para ambas as partes, e foi

aonde morreu mais pessoas do povo Umutina (8).

Os Umutina subiram o Rio Paraguai depois da morte do cacique, e foram procurar a

cabeceira do Rio Paraguai para fazer morada porque todos estavam assustados, só que eles não

podiam sair da beira do Rio Paraguai, por isso, que os não indígenas os achavam, quando o povo

Umutina corria, sempre acompanhavam o rio, eles não faziam estradas por meio da mata para morar

no meio do mato, sempre andavam na beira dos rios por causa da água e por causa do jeito que eles

iam caçando e pescando. Os Umutina subiram o Rio Paraguai e foram morar em um lugar que não é

conhecido por nós atualmente e nesse lugar os indígenas Habusé atacaram os Umutina e, então, a

briga foi de indígena contra indígena (9d). Depois os Umutina resolveram sair de lá e estavam

voltando pelo Rio Paraguai quando encontraram os bandeirantes na beira do rio, foi nesse momento

que os não indígenas mataram muitas pessoas do povo Umutina e, é nesse momento que finado

Maxipá fala que estava Marechal Rondon porque tinha um homem que os Umutina falavam que

estava com casca de ferro, e foi esse homem que matou muitos deles, matava sem dó e jogava no

rio, cortava o corpo dos Umutina, cortava os pescoços deles também.

O tio do finado Maxipá morreu em um desses confrontos sangrentos, morreu na beira do Rio

Jukwara, e Maxipá falava: “por isso que eu não gosto desse Marechal Rondon, eu não gosto porque

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ele matou bastantes pessoas do nosso povo”. E conversando com os Pareci, eles falam que quem

matou mais nos Bororo foi Marechal Rondon, e só depois que estava acabando com todos os

indígenas que já viviam aqui que ele foi dar proteção para eles, mas isso foi depois de muito tempo,

Rondon já tinha matado, já havia revirado essa mata atrás de ouro, madeira e poaia6. Aqui na aldeia

já foi uma região de muito mogno só não tinha cerejeira, mas até hoje subindo o Rio Paraguai

encontra muito mogno que é nativo e poaia e nunca vai acabar porque esse tipo de material não

acaba tão fácil, nessa época tinha muita poaia e os não indígenas exploravam muito a poaia e muito

ouro.

Em uma das comissões de Marechal Rondon pelo território em que os Umutina andavam.

Os Umutina falavam que viam uma casa que flutuava na água, eles não sabiam que era um navio

que estava no Rio Paraguai. Foi dessa vez que os não indígenas pegaram muitas mulheres indígenas

novas, cerca de dez a doze anos de idade e levaram embora e nunca mais o povo Umutina as viu de

novo.

Os Umutina viviam correndo assustados de um lado para outro e foi quando desceram de

novo o Rio Paraguai que encontraram com outro grupo dos não indígenas que ficou marcado como

sendo o primeiro contato entre os Umutina e os não indígenas porque estes dois grupos vieram

brigando desde da parte de cima do Rio Paraguai, passaram pela atual aldeia e desceram até no

Posto Velho, onde os Umutina encontraram mais não indígenas. Foi nesse momento em que os

Umutina passavam pelo Posto Velho que os não indígenas marcaram o primeiro contato com os

indígenas Umutina.

Os não indígenas estavam na beira do Rio Bugre, perto da onde eu estou morando, e fizeram

roça na beira do Rio Bugre e foram colocando coisas para os Umutina como: açúcar, facão e panela

entre outras coisas. Colocavam somente coisas que sabiam que os Umutina iam comer. Maxipá

conta que o povo Umutina chegava e perguntava: “que é que o wasse ta fazendo?” Tudo o que eles

achavam estranho era wasse como: boi, gente, panela e facão entre outras coisas. Hoje eu paro e

penso, muitas coisas Maxipá falava comigo na língua, mas não passou pela minha cabeça que um

dia íamos precisar de tudo isso e, ele contava tanta história triste que tinha acontecido nesse pedaço

de mato, só que não era só esse pedaço da terra, tinha muitas histórias na beira do Rio Jutupo, no

Rio Massepopare e na baía perto donde mora Joaquim hoje que é Massepo. Na baía do retiro onde

Pedro ta morando tem uma história muito triste, então, essa história foi quando os não indígenas

“amansaram” os Umutina. Os não indígenas quando estavam fundando a cidade de Barra do Bugres

trouxeram várias pessoas e foram povoando a cidade e esses lugares aqui perto e a cada momento

6 Pequena planta abudante na Aldeia Umutina que os não indígenas usam com finalidade medicinal, suas raízes são expectorantes, também atuam contra hipertensão e reumatismo.

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aumentavam mais pessoas. Então, na época que eles “amansaram” os Umutina aqui vinha muita

gente, havia ainda muitos Umutina apesar de muitos terem sido mortos pelos não indígenas ou

terem morrido por doenças dos não indígenas. Eles estavam com a maloca aqui perto, pode cavar

aqui por perto que você acha pedaço de panela, eles moravam nesse pedaço onde agora moram

Divino e Silvinho, e aqui perto tem cemitério dos Umutina porque todo lugar onde eles moravam e

eram atacados eles deixavam os corpos dos mortos enterrados no lugar e fugiam. Os Umutina

sempre mudavam, mas não era porque eles queriam, era porque eles eram atacados pelos

bandeirantes ou eram atacados pelos próprios indígenas Habusé que também não deixavam os

Umutina em paz, então, tinham como alternativa ficar mudando a todo o momento, pois quando

paravam em um lugar os Umutina eram atacados pelos Habusé e se mudavam para outro lugar e

quando eles estavam na beira do Rio Paraguai começando a se instalar, chegavam os bandeirantes

atacando eles também (10).

Quando um membro do grupo Umutina morria, eles colocavam o corpo do morto numa

esteira de palha, depois tiravam a casca do jatobá verde com machado para colocar a esteira com o

corpo nesta casca. Esse era o enterro dos Umutina. O finado Maxipá falou para mim quando ele

estava doente: “se você não aprender a tirar a casca do jatobá quando eu morrer você não

conseguirá me enterrar assim” (11). Eu não fazia ideia de como tirar a casca do jatobá, eu já tentei

tirar depois que ele morreu porque as crianças ficam perguntando para mim como que tira, mas não

consegui porque a casca do pé de jatobá é dura para tirar, mas Maxipá falava que eles conseguiam

tirar a casca com muito cuidado, é uma técnica deles para tirar a casca só com pedra. O finado

Apikoré tinha um machado de pedra, acredito que Jovail ainda tem um machado desse pequeno.

Maxipá também tinha e ele tirava a casca do jatobá.

Eu lembro ainda da dança em que as mulheres pegam no ombro dos homens e ficam

sapateando, essa dança é de enterro porque quando Maxipá morreu finada Zakaru dançou essa

dança chorando. Esqueci-me de falar que quando os Umutina viam uma pessoa sacudiam, o corpo

todo, iam para trás, para frente e para os lados, era muito bonito o cumprimento deles, mas quando

eles faziam para os wasse, os mesmos começavam a atirar neles.

Finado Maxipá mostrou para mim como eles cumprimentavam, mas eu não lembro direito,

como na época as pessoas não entendiam, matavam os Umutina. Na época em que conheci finada

Zakaru, ela fez a saudação deles para mim, agora você pode reparar na ema, ela também faz desse

jeito quando vê a gente sacode a cabeça, balança o corpo e abre as asas, depois que os Umutina

faziam tudo isso eles ainda abriam os braços para cumprimenta as pessoas. Só não

cumprimentavam as pessoas quando iam para guerra. Os Umutina tinham uma lança que

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carregavam, quero dizer espada, eles seguravam nessa madeira, sacudiam e batiam a espada duas

vezes no chão e falavam “miticami”?7 (12).

Eu vi finada Zakaru dançando aqui uma vez, somente não me lembro do canto, pois eu sabia

cantar na língua, já tentei lembrar, mas desde que eu tive problema na minha cabeça esqueci de uma

vez, isso porque meu filho Divino já veio pergunta para mim se eu ainda me lembrava dos cantos

do povo Umutina. Eu falei: “filho eu sei, mas só que eu não lembro”. Esses dias atrás eu tive uma

vaga lembrança de como cantava, mas depois eu esqueci de uma vez, eu falava que era uma coisa

que nunca ia esquecer porque finado Maxipá cantava bastante na língua, era muito bonito. Finada

Zakaru muitas vezes chorou na língua aqui na aldeia, mas como eu não me lembro direito eu não

posso passar para vocês, ela ficava toda trajada quando morria alguém, ela tinha o cabelo comprido

e pintava todo o rosto de urucum.

Eu já vi a dança que uma mulher Umutina fez aqui na frente da casa de Jovail, eram somente

mulheres que dançavam. Os Umutina tiravam bastante broto de buriti e faziam várias casas

pequenas, de pau encostado, eles abriam o buriti e o amarravam com o cipó na casa. As mulheres

iam dançando e entrando nas casas, essa dança era muito bonita, mas finado Julá não ensinou para o

povo, essa foi a primeira e última dança dos Umutina que vi e lembro que somente tinham

mulheres. Essa era uma festa para fazer casamento. As mães dos rapazes corriam atrás das meninas

que queriam que casasse com os filhos delas e, então, pegavam e levavam as meninas para dentro

da casa (13).

Finado Maxipá me ensinou a fazer as flecha para guerra, as flechas para flechar nas festas e,

ainda ensinou-me a fazer algumas comidas do povo Umutina, pois eu falo para vocês que essa tinta

preta que hoje em dia o pessoal usa não é assim que faz, acho que fazem de outro jeito porque quase

não tem matéria prima para fazer ou porque não sabem fazer mesmo, pois quando é para pintar para

festa, tem que se pintar de vermelho, o preto faz parte da festa mais é pouco preto que se usa a

maioria tem que ser urucum e nós quase não usamos o urucum.

O finado Maxipá me ensinou a preparar a tinta vermelha. Primeiro tem que pegar bastante

urucum e colocar para cozinhar, tem que deixar ferver bastante e quando estiver engrossando é

preciso pingar o leite da figueira, ou da seringa, ou ainda o leite da mangava para o urucum misturar

e formar aquela bolinha dura (14). Eu já fiz essa massa, eu tenho uma bolinha de urucum aqui em

casa, eu nem sei onde que ela está porque esses dias os meninos a pegaram. Eu fiz uma bolinha

pequena porque eu achei só um pouco de leite de mangava e só um pouco de urucum, então, fico

guardando ela, se eu tivesse mais urucum eu ia guardá-lo para vocês verem como que faz a massa

7 Significa “quem são vocês?” em língua Umutina.

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do urucum, mas assim que eu puder eu vou pegar urucum com uma mulher na Barra do Bugres que

falou que tem bastante e ela ainda disse que vai cortar o pé de urucum que tem na casa dela e vai me

chamar para ir lá pegar o urucum. Quando eu pegar o urucum vou fazer a tinta para vocês verem e

se por acaso não estiverem aqui por esses dias, vou fazer e pedir para as crianças filmarem para

depois mostrar para vocês. Faz dias que eu estou falando que vou ensinar Divino a fazer a tinta, ele

fica só rindo e fala: “a senhora só fala que vai fazer para eu ver”. Eu tenho que fazer para ele

aprender a fazer a tinta preta e vermelha.

Finado Maxipá me ensinou a fazer a tinta preta também, essa tinta preta você tem que pegar

o pau chamado “rimate” que na língua significa sangue, na onde mora Felisberto tinha um pé de

rimate. Depois que pega o rimate você o coloca na água, só de você por ele na água ele solta um

liquido igual a sangue, então, na hora que você ta cortando e rapando ele você vê que a madeira

solta aquela cola com sangue, então, coloca a casca do rimate para cozinhar junto com o caldo do

miolo do jenipapo, porque o miolo do jenipapo que é a tinta, quando esta fervendo tem que ficar de

olho porque a tinta tem que dar ponto para você usa-la, tudo isso tem uma ciência enorme para os

Umutina, porque tem que ter a lua certa para ta mexendo com a tinta, tem que estar calmo para

mexer a tinta, porque se mexer com pressa a tinta não presta, então, a lua boa é a lua cheia ou na

crescente, a tinta tem que dar ponto, liga e, assim, fica muito boa, fica uma tinta que não seca, fica

aquela tinta grossa, ai quando você passa no corpo demora a sair. Maxipá fez a tinta na minha frente

porque ele tava pintando palha para fazer apá, não tem esses pacarazinho que o pessoal faz todo

pintadinho, é com essa tinta, os Pareci também fazem essa tinta, agora eu nunca vi eles fazerem de

urucum.

Maxipá me ensinou a fazer arco, mas hoje em dia eu não faço mais, me ensinou também a

fazer a flecha para caçar e para enfeitar. Para a flecha de caçar ficar dura para ser usada em uma

competição você tem que limpar os nós da taquara e deixar ela lisa. Depois tem que tirar o imbé e

colocar para secar, fazer um rolinho dele e limpá-lo para depois passar a cera do breu ou pode ser

usado ainda rezina de jatobá ou misturar com cera de mel, aí passa no imbé para amarrar os nós da

taquara. Para eu fazer essas coisas para vocês, eu faço, mas é demorado e tudo tem que ser com

calma, tem que ter paciência, mas se vocês quiserem eu vou pedir para o meu filho Caio que

conhece o lugar onde tem cambaiuva do mato ir lá e pegar para mim, tem do lado da casa dele, vou

pedir para ele secar e endireitar as cambaiuvas para mim e, depois eu vou pegar imbé na minha

roça. Tem ainda duas variedades do imbé, tem do grosso e do fino, o imbé grosso é melhor porque

ele é mais largo. O breu eu vou ver se eu acho de rezina de jatobá para fazer. Então quando eu

estiver com todos os materiais necessários para fazer a flecha eu vou chamar vocês e o meu filho

Divino também para ver como se faz a flecha.

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Você tem que saber escolher a cera do mel, tudo tem que ser escolhido, tem uma cera que

escolhi faz tempo porque meu marido Mateus retirou o mel e ficou aquela cera preta, então, retirei a

cera, fiz uma bola dela e guardei na minha casa do Rio Bugre, vou aproveitar ela para mistura com

a resina de madeira para dar liga, assim, a cola que resulta fica duro e nem mole também, fica macia

para mexer com ela.

Maxipá me ensinou a fazer as flechas com o imbé8 e a passar a mistura da tinta na corda de

tucum do arco de guerra, por isso, os Umutina tinham um arco e flecha grande e bonita. Para que

vocês aprendam, precisam ir tirar no mato o que for preciso para fazer o arco, para saber tirar o

imbé, como preparar ele. Todas essas coisas têm que aprender porque se você quer contar uma

história você vai ter que ir fundo para você mostrar depois para as pessoas e falar: “isso aqui foi tal

pessoa que me ensinou”, mas vou ensinar para você o que Maxipá me ensinou porque se não fosse

ele eu também não sabia fazer essas coisas.

Eu ficava observando o finado Maxipá enquanto ele me ensinava a fazer as comidas do povo

Umutina. Ele me ensinou a fazer o xinrunru. Essa comida é feita com o milho fofo, esta é uma

espécie de milho que na terra boa as espigas ficam grande, ele falava para mim: “eu vou trazer

milho para você aprender a fazer o xinrunru e ver como é gostoso”, mas criança! Realmente, é

muito gostoso!

Quando o milho estava secando os Umutina o faziam para comer com peixe ou então para

comer com alimentos do dia-a-dia, muitas vezes eles faziam o xinrunru com açúcar e canela.

Lembro-me de uma vez que eles fizeram o xinrunru desse jeito para uma festa e ainda teve um

xinrunru que colocaram mel, mas esse com o mel ficou tão bom! O xinrunru tem que ser feito na

terra porque é assim que os Umutina faziam, eu não sei se dou conta de fazer, mas eu acho que

consigo sim.

O mais importante quando for fazer o xinrunru é ter o milho e o fogo no chão com a terra

fofa, mas é no chão mesmo! E não no fogão! Então, para fazer o xinrunru tem que ralar o milho e

lava-lo, depois tem que fazer o fogo no chão e quando este estiver com muita brasa e cinza temos

que espalhar um pouco, então, tem que apertar a cinza com uma cabaça pequena para depois

colocar a massa do milho molhada sobre a cinza, aí tem que alisar a massa com a cabaça e a cada

camada de massa que vai colocando sobre a outra tem que aperta bastante para não entrar terra e

nem cinza, depois tem que jogar a cinza encima da massa e deixar assar. Ainda tem como fazer o

xinrunru com a folha de bananeira, mas dessa forma o xinrunru fica com gosto de folha verde, mas

fica muito gostoso crianças! Na verdade essa comida é um biju, mas na língua dos Umutina é

8 Árvore de grande porte da qual se retira a casca para com essa confeccionar cordas utilizadas na amarração das casas e no artesanato.

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xinrunru. Eu perguntava o que você quer Maxipá? Ele dizia: “xinrunru”, - eu continuava: mas o que

é isso? – ele respondia “xinrunru”.

Depois que o xinrunru está pronto, você tem que tirar uma fina camada de cima e outra de

baixo dele e somente comer a parte do meio, mas fica bom de mais!

E tem o tamakare que é feito de arroz, para prepará-lo você tem que socar o arroz e se quiser

com sal ou açúcar é só colocar, mas se quiser ele puro não precisa colocar nada, assim, pode comer

só o tamakare mesmo que fica bom também. Depois de ter socado o arroz você coloca a água para

ferver e enquanto isso amassa o arroz batido como se amassa a massa de bolo e mistura bastante

para virar um grude, então, você faz umas bolas pequenas e as coloca na água fervendo para

cozinhar e já está pronto, é simples de fazer e gostoso para comer com peixe.

Você percebe que o povo Umutina não era bobo! Eles tinham uma ciência tão profunda no

conhecimento da comida. Então, todos esses tipos de comidas são tradicionais dos indígenas

Umutina. Você pode perceber que as comidas dos Umutina eram naturais, por isso, que eles viviam

bem de saúde.

Maxipá também me ensinou a fazer farinha de peixe, mas crianças é muito bom! Farinha de

peixe com pimenta. Eu aprendi porque ele pedia para eu fazer, perguntava para mim: você quer

aprende a fazer? Eu falei, eu quero! Então, ele me ensinava, ele pegava bastante sauviru, fazia um

giral para colocar o peixe para assar, o peixe tem que secar no fogo por mais ou menos três dias, o

peixe chega a envergar. Depois você soca o peixe com escama, com espinho, com tudo no pilão e

depois o coua e se quiser é só colocar pimenta, então, a farinha de peixe já esta pronta, você põe a

farinha para comer com arroz e feijão, mas menino! você come! fica gostoso mesmo! E Maxipá

comia a farinha com biju, ele socava muito bem o peixe e coava, enchia a cabaça dele e tampava,

mas passava tempo com a farinha de peixe na cabaça, tinha vez em que eu ia lá no quarto dele e

pegava a farinha de peixe dele, mas fica gostoso criança! E é uma comida natural e simples de fazer

e forte para manter a gente, o peixe sauviru já não é gordo, é sequinho e ainda tira a gordura que ele

tem.

Outra coisa que Maxipá me ensinou a fazer também é o sal do acuri, pois você acredita que

ele queimava o acuri para retirar o sal! E esses tempos atrás eu vi na televisão mostrando o pessoal

tirando o sal do acuri. Maxipá cortava o acuri inteiro e o colocava na caieira de fogo para queimar,

então, a cinza do palmito virava o sal, mas fica salgado crianças! Mas não é esse sal forte que a

gente tem aqui, ele é um sal muito gostoso. Escuta só, ele cortou o acuri e o carregou inteiro, depois

ele jogou o acuri em cima da fogueira, eu não me lembro se foi na lua cheia ou na minguante, aí foi

só esperar até o outro dia para aparecer na brasa o branco do sal.

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Eu já ia me esquecendo da parte mais importante que ele me ensinou. Nós temos que

agradecer a Deus quando fazemos essas coisas. Você tem que agradecer a Deus quando, por

exemplo: você plantou uma roça e depois colheu bastante ou você foi pescar e pegou bastante

peixe. Olha! Naquela época a gente não imaginava que ia precisar de tanta coisa para ensinar! Ele

tinha uma taquara meio grossa, eu não sei como ele a enleio! Hoje eu paro e penso! Porque eu não

tive a ideia de ver como ele enrolou aquela taquara! Sei que ela era grossa e toda trançada de

urubamba, só que a taquara tinha uns buraquinhos, aí ele trançou o cabo e abriu a boca da taquara, e

ela ficou com aquela boca aberta, então, cada abertura que tinha nela ele colocava cigarro, biju de

burraio, peixe e xixa para fazer o agradecimento (15).

Maxipá estava com noventa e nove anos quando ele faleceu no dia vinte e sete de novembro

de setenta e oito, eu estava com trinta e três anos, marquei bem o dia que ele faleceu porque foi uma

data muito triste para mim, ele contou-me muitas histórias, me ensinou a fazer muitos artesanatos,

coisa que eu não sabia fazer. Igual o batido, vovó Vera fazia esse batido, mas nunca me ensinou a

fazer, foi Maxipá que me ensinou a fazer o batido de rede, ele me ensinou uma trança que hoje eu

vejo o povo comprando, eu comprei uma revista e vi que ele fazia esse trançado de macrone.

Ele me ensinou a fazer buque, que é uma ferramenta para eles pescarem. O buque tem um

arco grande e duro, em todo arco tem tranças de fio de tucum com pouco espaço, assim, ficava

aquele saco pendurado tipo uma rede. Depois de pronto pegava até peixe grande Maxipá me

ensinou a fazer vários trançados como a trança de buque, trança de colar, trança de rede e de apá,

tudo isso eu aprendi com ele.

Os Umutina faziam o batido da saia de algodão das mulheres, você vê filha! Até fazer o fio

de algodão Maxipá me ensinou! Ele me disse: “Gonçalina eu vou fazer um fozo para você”, eu

perguntei, mas o que é fozo Maxipá? Então, ele fez uma pequena roda de telha e a furou no meio,

colocou um pauzinho de siriva no furo e falou “toma esse daqui, eu vou ensinar você a fazer fio de

algodão”. Como Maxipá plantava e colhia muito algodão, ele tinha um saco cheio de algodão

porque a todo tempo eles utilizavam. Então, para me ensinar a fiar o algodão para fazer o novelo ele

sentou e limpou todo o algodão, depois pegou um pequeno arco de madeira que ele tinha e começou

a bater no algodão, bateu! Bateu! Bateu até o algodão misturar, ficou a coisa mais linda! Tudo

fofinho! Ai ele pegava o algodão e ia fazendo os fios comprido tipo uma corda, só que, depois tinha

que torcer um fio no outro. Ele falou para mim, “agora você vai torcer o algodão para fazer rede”.

Olha! Quando a gente tem interesse de aprender a gente aprende, eu aprendi muita coisa com ele e

foi com Maxipá que eu aprendi a fazer rede, eu faço rede de dormir, faço rede de pesca, faz dias que

eu prometi fazer uma rede de dormir para Mateus e ele vive só me cobrando, mas agora para mim

fazer todo esse procedimento, eu tenho que ter o algodão, tenho que ter tempo para fazer. Maxipá

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falava para mim como eu tinha que fazer e ia me ensinando e eu ia fazendo, alguma coisa boa ele

me deixou, e eu aprendi!

Ele me ensinou a fazer o trançado do cocar e o pai dos meus filhos também aprendeu com

ele. O cocar é trançado e depois pintado com jenipapo, mas é pintado numa embira e é trançado

com palha de aguaçu, você pode fazer a tinta vermelha e pintar. O apá também é a mesma coisa, a

tinta tem que ser cozida para pintar a palha. Ressalto que o apá é diferente de peneira porque a

peneira tem os buraquinhos mais abertos e o apá é fechadinho, então, ele me ensinou a fazer

bastante coisa naquela época e ai era interesse meu em aprender também (16).

Entrevistado III – Firmino Toriká Kiri

Descendente das etnias Umutina e Bororo – Entrevista realizada em 17/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Firmino Toriká Kiri, 68 anos, é filho de José Toriká Kiri da etnia Umutina, e de Antonia

Bororo da etnia Bororo. Ele foi casado com Eugracia da Silva Soares (não indígena) com quem teve

dois (as) filhos (as) sendo: Eriston da Silva Toriká Kiri (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça,

pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os filhos), Sebastiana da Silva Toriká Kiri

(faleceu aos 18 anos). Tem ainda Aurora que é filha de outro casamento.

A entrevista foi recolhida na casa de dele aproximadamente ás oito horas da manhã, foi um

dia inteiro de sol, mantendo uma temperatura amena em sua casa de tabua coberta com palha, com

uma divisória de tabua no meio da casa. Firmino permaneceu sentado em uma cadeira enquanto

respondia as perguntas. No local da entrevista além do entrevistador e o entrevistado, também

estava minha sua esposa Tainara Toriká Kiri de Castro auxiliando na filmagem.

Na casa do entrevistado observei uma cama de madeira nativa um tanto rústica

confeccionada pelo próprio Firmino. Ainda havia aparelhos eletrodomésticos como geladeira, rádio,

televisão, guitarra. Firmino Toriká Kiri toca guitarra em festas nas redondezas.

Transcriação da Entrevista

Eu me chamo Firmino Toriká Kiry e vou fazer sessenta e nove no mês de março.

Antigamente o povo não brincava como hoje, os mais velhos que apresentavam as danças

indígenas, inclusive a última dança que eu assisti dos Umutina foi aqui no pátio da Aldeia, todos

que moravam aqui ajudaram a limpar o pátio e ficou muito bonito. Atrás da casa da dona Inês tinha

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quatro, cinco aviões que ficavam esperando o povo não indígena assistir os indígenas dançarem

para depois levá-los embora. Foram os Umutina que fizeram a festa no meio do pátio, apresentaram

a dança, teve muita xixa, eu que era criança me lembro, essa foi a última festa que eu assisti aqui

(1). Depois fui embora morar em outros lugares e agora que voltei com o meu filho Aristom que eu

vejo os meninos apresentando, e está certo mesmo, porque em todo lugar que já passei as pessoas

falam que os indígenas não podem abandonar a cultura, eles falam que cada um tem sua cultura e

tem que preservar, muitos que vem aqui não sabe o que é o indígena, não conhecem os indígenas,

então, esses podem ter a oportunidade de conhecer também. Os não indígenas também falam que

não podemos abandonar a nossa língua materna, mas eu não abandonei, é porque não aprendi

mesmo, quando eu nasci tudo já estava civilizado e os mais velhos não incentivaram a gente para

aprender, como hoje, já tem livro para ensinar esses que estão estudando.

Meu pai me contava como era a tradição dos Umutina na maloca, eles falavam maloca,

todos eles iam sempre caçar, pescar e o que mais plantavam naquela época na roça sem ter contato

com o não indígena era mandioca, milho, batata e cará. Os Umutina não plantavam arroz, então,

eles comiam somente essas plantas, mas mandioca eles sempre plantavam para fazer massa, biju e

farinha para eles comerem com carne de bicho assada e cozida ou com peixe, depois que eles

tiveram contato com os não indígenas eles foram sendo obrigados a aprender a cultura dos não

indígenas, ai tiveram que aprender a comer arroz e feijão (2).

Nós quando éramos crianças não brincávamos de brincadeiras de indígenas como hoje

apresentam e brincam, naquele tempo não! Só os mais velhos que apresentavam, hoje que eu estou

vendo essas apresentações, mas está certo, porque tem que incentivar os mais novos.

Nós brincávamos de roda, igual os não indígenas mesmo, brincávamos cantando,

brincávamos de carrinho de pau que nós mesmo fazíamos, essas eram as nossas brincadeiras do

tempo em que éramos crianças, flechávamos também, quando tinha época de bater timbó nós íamos

matar os peixes de flecha, depois juntávamos os peixes para lava-los e coloca-los no giral para

assar, muquear como eles falam, assim era a tradição dos indígenas que viviam aqui naquela época

(3).

Eu estava falando para Tainara, essas dez casas que tem de alvenaria, mais a casa grande, escola e

hospital precisaram de madeira, vigota, caibro, ripa e porta, todos esses materiais foi meu pai que serrou na

serra braçal, já pensou! Existe o serviço dele até hoje, e outra, os materiais que tem nessas casas de

alvenaria foram todos feitos aqui também o que veio de fora foi só os pregos para pregar as portas e

o cal para pintar as casas, o restante do material foi todo fabricado no Maitá (4).

O meu pai ainda falava na língua, mas eu não consegui aprender o nosso idioma, somente os

Umutina mais velhos que falavam entre eles, quando um falava na língua o meu pai entendia e

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respondia na linguagem também. O finado Jukuepa foi o Umutina mais velho que eu conheci, ele

era pai do finado Julá. Jukuepa e sua mulher morreram sem aprender a falar português, nem o irmão

do finado Julá que é Atukwaré aprendeu a falar português, morreram só falando a língua indígena

Umutina, mas os outros todos aprenderam o português (5).

Eu não lembro o nome das brincadeiras que a gente sempre brincava, somente lembro que

era aquele monte de meninada sempre brincando de roda, cantando e fazendo verso. Nós fazíamos

peteca de milho para nós jogarmos, e ainda existia naquela época um brinquedo que eu acho que

você não chegou a ver, mas seu pai deve ter visto, em Cuiabá era cheio desse brinquedo, o nome

dele é brocha, o brinquedo é um bolo de pau redondo igual bola, e com esse brinquedo que nós

brincávamos aqui na aldeia, ele era feito de pau, os não indígenas de Cuiabá que inventaram e nós

fizemos aqui também. Nós gostávamos de brincar com flecha também, bastante menino brincava de

flechar no alvo, nós fazíamos uma placa e desenhávamos um passarinho e ficávamos flechando,

gostávamos de banhar no rio e jogar bola.

Quando havia torneio de futebol na Barra do Bugres nós íamos pela estrada de chão ruim,

que hoje já é asfaltada, então, também podíamos ir pela estrada que passa por dentro da aldeia e na

seca atravessamos o Rio Bugre com carro de boi e de cavalo, mas quando o rio estava cheio só

atravessávamos de canoa, alguns iam a cavalo e outros de pé mesmo.

Nós brincávamos ainda de luta, rolávamos no chão lutando e depois nós íamos banhar no

córrego, nós fingíamos que éramos peixe enquanto outra pessoa jogava a linhada e nos puxava. Era

aquele monte de gente que brincava, finado Mané, Moacir, Davi, França, Alinor e têm mais outros

que eu não estou lembrando. Quando eu fui embora da aldeia o povo estava tudo sadio e quando

retornei não vi mais ninguém, tinha morrido tudo, eu não sei o que aconteceu que todos morreram.

Eu não me lembro das danças que os Umutina fizeram aqui no pátio, mas as danças eram

iguais as que os meninos dançam hoje em dia, é do jeito que Jula ensinou mesmo (6).

Ainda lembro quando os Umutina vieram da maloca e chegaram aqui na aldeia, ainda

alcancei os não indígenas lutando com os Umutina no Massepopare que era onde eles moravam, na

beira do Rio Paraguai, até que os Umutina obedeceram e vieram para onde moramos hoje, essas dez

casas de alvenaria foram feitas para eles. Então, entregaram as casas para cada família dos Umutina

que moravam na maloca, ainda cheguei de ver todas as casas novas, pintadas de cal, tudo

branquinho, mas é como eu tava explicando quase toda matéria para construir as casas foram

fabricadas na aldeia, ali no Maitá, de fora só veio o cal e o prego, e os indígenas mais velhos eram

trabalhadores (7).

Depois que os Umutina vieram morar aqui na aldeia eles não voltaram mais para a maloca e

todos tinham a própria roça e podiam plantar e colher, assim, guardava parte do mantimento para

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passar o ano e o restante levavam no carro de boi no tempo da seca do Rio Bugre para vender na

Barra do Bugres para comprar sapato, roupa bonita e perfume, e outra, no meu ponto de vista que

até agora eu já andei por várias aldeias, essa é a que tem mais fartura.

Depois que os Umutina vieram para essa aldeia só fizeram mais uma dança, a última vez que

eu vi foi no meio do pátio e nunca mais, mas tinha muito indígena também, foi bem animado,

estavam todos muito bem enfeitados, praticamente do mesmo jeito que eles dançavam lá na maloca,

estavam todos cheios de colar, pintados, com os cocares grandes. Tinha mais ou menos uns

cinquenta Umutina ou mais que apresentavam a dança fora os indígenas das outras etnias que

ficavam ao redor assistindo, mas aqui tinha muito indígena, depois começou a morrer muitos

indígenas também, eu não sei o que dava neles que era só adoecer para morrer, não tinha jeito,

ainda levavam eles para tratar em Cuiabá, mas morriam do mesmo jeito (8). Eu mesmo ficava

impressionado porque quando eles moravam na aldeia deles no Massepopare era difícil ouvir falar

que havia morrido indígena, só depois que vieram para essa aldeia, e tiveram contato direto com os

não indígenas que começaram a adoecer e morrer (9).

Mas essa aldeia aqui já foi boa de fartura, qualquer baile que faziam aqui era cheio de

comida, tinha de tudo um pouco, tinha bolo de arroz, biscoito e leite com chá, não faltava nada para

ninguém comer, não era como é hoje. Quando eu lembro que nessa aldeia já teve de tudo e que os

meninos de agora nunca vão saber como era..., se eu conto como foi naquele tempo, ninguém

acredita. Um dia eu estava contando essa história e Miro perguntou para mim, então, os indígenas

trabalhavam de escravos? Eu falei “não! Escravo não!”, aqui cada um tinha o seu dever, quem era

vaqueiro já pegava seu cavalo pela manhã para ir olhar os outros cavalos no campo, quem era

leiteiro já madrugava no curral para tirar leite das vacas, quando chegava segunda feira o povo já ia

a pé para a roça na beira do Rio Bugre, quem era zelador de porco, tinha uma palhoça e um

chiqueiro que tinha entre oitenta e cem porcos capados, o trabalho era só de debulhar o milho na

máquina para jogar para os porcos, não tinha esse negócio de estar mandando: “seu serviço é aqui!

Quem é roceiro, é você! Quem é vaqueiro, é você!”. Aqui ninguém trabalhava de escravo não, tinha

ordem, cada um tinha seu dever de cumprir, não precisava ninguém estar mandando, “ou você, faz

isso! Ou você, para ai!”, cada um tinha seu dever de fazer.

O finado João Fonseca que era chefe de posto naquela época, morou muitos anos nessa

aldeia. Ele que puxava frente, naquele tempo não existia cacique aqui, eu estou vendo cacique

depois que retornei para essa aldeia. Existia cacique quando os Umutina estavam na outra aldeia,

mas depois que vieram para essa aldeia eles já não tinham mais cacique, só ficou tendo chefe de

posto mesmo para comandar, mas só como eu já expliquei, a ordem era uma só, não precisa ta

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mandando toda hora, porque cada um já sabia o serviço que tinha que fazer, deu segunda-feira!

Cada um ia trabalhar na sua função.

O pior é que o povo não se cuida, o pessoal da Barra do Bugres repara quando nós vamos

comprar arroz e feijão, eu já prestei atenção nisso, um dia eu vi uma pessoa perguntando para Arí,

“escuta, mas vocês não plantam?! vocês não plantam roça lá não?!” Arí ficou sem jeito, mas

respondeu “planto sim!”. Esses dias mesmo tinha uma pessoa da Barra do Bugres conversando

comigo e falou: “moço, mas a mata dos indígenas é muito bonita na beira dos Rios Bugre e

Paraguai”, eu falei que “era só terra boa, tudo que planta nasce, é só fazer roça para plantar e o ano

correr bem de chuva para nascer tudo”. Então, esses dias eu com o meu filho Eriston estávamos

tirando palmito e mostrei para ele uma arvore muito grossa, e falei: “ta vendo!” Presta bastante

atenção! Aqui já foi roça até acima da cachoeirinha na beira do Rio Paraguai e aqui nesse córrego

nosso já foi roça até sair dentro do sapezal, anda hoje ai para você vê, parece que nunca foi roça, o

meu filho falou: “mas sabe que é mesmo pai! Nossa, como que já esta mata virgem outra vez!”. Da

onde Alam mora já foi roça até na beira do Rio Paraguai e descia o rio, rodeava um meio serrado

que tinha e subia até no córrego do seringal, da cabeceira do seringal, já foi roça até na beira do Rio

Bugre. Tem outro córrego na cabeceira do sapezeiro que já foi roça até na beira do Rio Bugre, anda

hoje ai para ver, parece que não foi roça, só quem viu! Eu mesmo trabalhei muitos anos aqui sem

ganhar um centavo, depois de oito anos para frente que comecei a trabalhar no carro de boi

transportando arroz, feijão, milho e rapadura quando era época de moer cana (10).

Tem um velho amigo meu da Barra do Bugres que é só me ver e ele fala: “E Firmino!

Aquela aldeia já foi movimentada! Já teve muita festa boa!”, eu falo para ele: “Ainda bem que você

sabe Cardoso!” depois ele disse: “Pois é! conheci ali muitos anos, quando nós dançávamos todo ano

na festa de 19 de abril! São João! São Pedro! Firmino é de lá, ele que tocava mais os primos dele

para nós dançarmos”. O Cardoso falou desse jeito para o povo.

Quando eu era rapaz aprendi a tocar violão aqui na aldeia com os meus primos Paulo,

Aurélhão e Bastião, eles tocavam violão debaixo do pé de mangueira, eu era criança e ficava

olhando eles tocando e cantando, eu pegava o violão e começava a tocar solando, o pior que aprendi

a tocar violão solando. Meu pai foi em Cuiabá levar minha mãe para tratar de uma doença e lá ele

comprou um cavaquinho e trouxe para mim, ai eu aprendi a solar no cavaquinho, depois aprendi a

afinar sozinho o violão. Aqui na aldeia todo mundo era bom para tocar, nós saíamos para tocar na

Barra do Bugres na festa de santa cruz e festa de santa Terezinha e todo mundo gostava (11). Então,

é como eu estou dizendo, essa aldeia já foi movimentada e alegre, hoje que ta desse jeito. A única

coisa que melhorou para mim nessa aldeia foi a água encanada e energia elétrica, parece até um

sonho! Quem diria que ia ter água e energia nessa aldeia!

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Os parentes Umutina que conheci foram Uakixi, Capitão, Oscar, Antonio Uapodonepá e sua

mulher Bakoré, finado Kupo, Piaká (mãe do Joaquim), Bakalana (pai da Vera) e Alice.

Quando eu fui embora da Aldeia Bakalana estava vivo e quando retornei já estava morto,

conheci Maxipá, o pai do finado Apikoré que é Amajunepá e a mulher dele chamava Manédoto

Amajunepá.

Agora todos os filhos dos Umutina colocaram o nome dos pais no sobre nome deles, por

exemplo: o nome do pai do Davi Wakixinepá, era somente Wakixinepá. A dona Inês Bakonepa cuja

mãe se chamava Torepata era irmã de meu pai. A mãe da Nice chamava Zakaru, o nome da mulher

do finado Maxipa era Bakorépata, ela morreu nova.

Eu fico encabulado, como os Umutina puros, principalmente as mulheres, eram todas

brancas e tinham os cabelos cacheados, geralmente os indígenas puros têm os cabelos pretos, lisos e

a pele morena. Aqui quem era pura e tinha a pele branca era a mulher de finado Maxipá, mãe do

Joaquim que chamava Apiaká e as meninas do finado Amajunepa os outros indígenas eram todos

morenos, igual a mim! Manédoto tinha o cabelo comprido e cacheado, a mãe da Nice também.

O pai da Nice chamava Boroponepa, o pai do Bernide se chamava Moacir Boroponepa que é

filho de Boroponepa. O Bernide é a cara do finado Moacir, hoje mesmo estava olhando ele, mas

como que parece com o pai!

Entrevistado IV – Joaquim Kupodonepá

Descendente da etnia Umutina – Entrevista realizada em 18/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Joaquim Kupodonepá é da etnia Umutina, casado com Elsa da etnia Umutina. O casal tem

dez filhos: Jairton (Professor da Escola Indígena Jula Paré), Jordinho (desenvolve trabalho diário na

aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os filhos), Adailton (desenvolve

trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os filhos),

Amilton (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e

com os filhos), “Gigante” (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita,

cuidados com a casa e com os filhos), Eneida (professora da Escola indígena Jula Paré), Sandra

(desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os

filhos), “Colega” (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com

a casa e com os filhos), “Chepé” (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio,

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colheita, cuidados com a casa e com os filhos), Euzira (merendeira da Escola Indígena Jula Paré)

totalizando sete homens e três mulheres.

A entrevista foi feita na casa de alvenaria coberta com telha do entrevistado. A casa foi feita

pelos indígenas a mando dos não indígenas para serem entregues aos Umutina e a mesma pertenceu

ao pai dele (Kupo). Ficamos na parte da casa onde acredito ser a sala, e não tinham muitos objetos

visuais a não ser por uma mesa coberta com pano a qual Joaquim ficou sentado ao lado numa

cadeira no momento da entrevista.

A entrevista foi recolhida aproximadamente às nove horas da manhã. Durante todo o dia e

no momento da entrevista houve sol. Estava presente durante a entrevista o entrevistador e o

entrevistado e, também a esposa dele (Elsa), minha esposa Tainara Toriká Kiri, minha irmã Helena

Corezomaé (auxiliando na filmagem) e o primo da minha esposa Genilson Oliveira Kiri.

Transcriação da Entrevista

Naquele tempo não existia brincadeira igual tem hoje, tinha brincadeira de arco e flecha. Os

Umutina faziam duas rodas com a seda da palha do buriti, trançavam o buriti até virar uma roda

grande, então, jogavam uma roda de cada lado e quem acertava mais vezes as rodas utilizando o

arco e flecha ganhava em primeiro lugar, mas o povo jogava a roda muito forte, o arqueiro tinha que

flechar com bastante força para a flecha ir a alta velocidade e atingir a roda de buriti enquanto

estava em movimento, quem conseguisse ficar em primeiro lugar jogava a roda para os outros

acertarem até alguém ficar em segundo lugar.

Querem fazer essa brincadeira aqui também ou não? Se tivesse alguém para pegar o buriti

para mim no buritizal, eu fazia a roda. Essa brincadeira tem significado, mas eu não sei qual é. Eu

não sei por que os Umutina não deixavam a gente ver as brincadeiras deles, crianças com dez e

doze anos não podiam ver as brincadeiras, eram somente os adultos e algumas mulheres idosas que

bricavam, nós víamos escondidos. Os Umutina faziam uma parede comprida na frente da casa,

vamos supor! Aqui é a minha casa, então, ia ficar uma parede na frente para as mulheres e as

crianças não verem as brincadeiras, era proibido rapaz novo olhar também, somente depois que

havia terminado tudo que eles nos chamavam na língua para irmos ver quem havia ganhado em

primeiro lugar e ia receber o arco bem feito e bem enfeitado com três flechas.

Antigamente os mais novos não podiam participar dos rituais, era por isso que Jula não

queria ensinar as danças do povo Umutina para o pessoal, porque depois iam incluir criança

pequena. O povo antigo ficou bravo com ele, o machucaram e quase que o mataram, depois ficaram

com pena dele e fizeram-no melhorar de novo, mas não adiantou muito porque depois carregaram

Jula e jogaram-no córrego e mataram ele por causa disso. Antes de morrer, ele veio aqui na minha

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casa e me falou: “olha Joaquim! Você faz parte do meu povo, porque casou com a minha sobrinha,

então, eu não quero que você ensine esse povo! Principalmente não indígena! Meu pai judiou

comigo e com minha irmã, é por causa disso que eu não queria ensinar esse povo”, mas quem

convenceu Jula Paré a ensinar a cultura foi Iraci com Filadelfo, mas não é como a dança do nosso

povo.

Os meninos usam a saia de tucum, mas ela não é do nosso povo, esse daí é do povo Terena,

eu falo porque eu vi em uma reunião na época de Mané jú Terceiro quando o indígena Xavante

Juruna foi deputado, cada aldeia tem sua tradição, aqui ta igual a tradição dos Terena, sabe porque?

Porque que eles pegaram isso? Porque a mulher de Antonio João é Terena, então, ela ensinou a

tradição do povo dela para o povo dessa aldeia e por isso que eles pegaram essa mania de usar saia.

Os Umutina têm a época certa para fazer as festas, quando se passam dois anos e completa o

terceiro, vem aviso para eles fazerem as festas porque os espíritos estão pedindo, então, os Umutina

fazem bastante xixa e comida para chamar os espíritos. Os Umutina começam a chamar os espíritos

quando esta escurecendo, então, um homem começa a cantar dentro da casa falando o nome dos

espíritos. Os espíritos normalmente querem somente comer, e se eles quiserem as brincadeiras, eles

autorizam os Umutina a fazerem, mas se não querem eles não autorizam.

Os Umutina sabiam que os espíritos queriam festa através dos sonhos, os espíritos

conversam com os Umutina e os mesmos também conversam com os espíritos pelos sonhos,

quando os Umutina acordavam eles ficavam pensando se iam fazer a festa ou não, então, reuniam

um grupo para conversar e decidir se realmente iam fazer a festa, quando decidiam fazer, eles

mandavam as mulheres irem à roça pegar milho para fazer xixa, mandavam alguns homens irem

pescar e mandavam dois homens irem caçar bicho como porco do mato e caititu para fazer a carne

da caça com biju, mas os espíritos pedem os bichos que eles querem comer, porque quando estavam

vivos não maltratavam os bichos, só que eles gostam de comer a carne de alguns bichos porque

onde eles estão não existe nada, então, se lembram do que já comeram aqui e pedem para os

Umutina prepararem para eles.

Os Umutina não usavam vestuários quando dançavam, eram simples iguais a mim, quando

iam fazer algum ritual colocavam o cocar na cabeça e o bracelete chamado axuaré no braço, tinham

somente uma cabaça para cantar e chamar o nome dos espíritos enquanto a mulher respondia

também cantando na língua Umutina. Vamos supor que aqui tem seis panelas de xixa e biju, os

Umutina chamavam os que não estão vivos, chamavam os que já foram, então, aqueles que já

morreram vinham e ficavam em vocês, como aqui são quatro pessoas, vão ser quatro pessoas que

morreram que vão vim e ficar no corpo de cada um. Os Umutina chamavam os espíritos pelos

nomes deles e ofereciam xixa para eles beberem, as mulheres não podiam ver esse ritual, somente

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os homens participavam e quando acabava o ritual os homens levavam xixa, milho e carne de

qualquer bicho para a família (1).

Faz tempo quatro Umutina começaram a fazer as festas aqui na aldeia, eles estavam fazendo

as festas perto do galpão onde o povo não indígena e indígena fazem palestra, mas ficou faltando

uma festa para eles fazerem porque o chefe de posto da época os proibiu de fazer a ultima festa,

então, os Umutina falaram, “nós temos que fazer essa festa, pois esta que é a mais perigosa e se nós

não fazermos os espíritos vão tirar nós todos daqui”, e foi fato, os Umutina não fizeram a ultima

festa e morreram, foi quando morreu o pai da minha esposa, meus cunhados e mais dois rapazes,

somente Jula Paré que escapou, porque ele era criança e não deixaram ele participar da festa (2).

Os Umutina tinham varias brincadeiras, mas não me lembro delas. Eu lembro somente da

brincadeira de arco e flecha, mas eles fazem outras brincadeiras também, mas eu nem sei como que

as realiza.

Os Umutina somente falavam na língua materna, não paravam de falar no idioma deles, os

que param de falar são os jovens de agora, eles não querem mais saber da língua materna, agora que

estão precisando do idioma Umutina ficam correndo atrás da gente para pesquisar as palavras.

Chance o povo dessa aldeia já teve, tinham muitos idosos que sabiam falar na língua como finada

Kusakaru, finado Jula entre outros.

Os professores pedem para os alunos pesquisarem o idioma Umutina comigo para depois o

levar à sala de aula, entregar para o professor e este vai passar as palavras no quadro para os

meninos (as) aprenderem. As palavras que eu falei para os meninos (as) servem para eles estudarem

para amanhã, quando for ao outro dia o professor os chama para lerem o que foi passado na aula, e

esse é o papel do professor, mas não sei se os professores fazem isso ou se são os alunos que não

entendem e dessa maneira ha dificuldade para o aprendizado da tradição dos Umutina (3). Na aldeia

dos Pareci tem crianças com um ano de idade que já sabem falar no idioma deles. Desde pequeno as

crianças sabem o que é brabeza de pai e mãe, e os filhos não maltratam os mais velhos, eles sabem

escutar e respeitar. Hoje não! Quando conversamos, eles já falam aquele palavrão feio que nunca

nós falamos para os nossos pais.

O professor que sabe como o aluno se comporta na sala de aula, então, na sala de aula o

professor é o segundo pai ou segunda mãe da criança se for professora.

Os professores têm que passar na sala de aula o que os mais velhos ensinam para eles, e os

alunos têm que anotar a tarefa que o professor passa no quadro porque quando o aluno chegar na

casa dele, vai ter que estudar o que copiou. Eu falo pouco na língua, mas para eu falar a pessoa tem

que perguntar o que ela quer saber. Eu converso com a minha esposa na língua, mas a língua dela

não dobra para falar.

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Eu estou percebendo que os alunos que pesquisam as palavras comigo escrevem em

português o que eu falo e acabam escrevendo errado, porque cada lugar tem sua forma de escrever,

vamos supor: Argentina e Paraguai têm sua maneira de escrever e é esse jeito que nós temos que

acompanhar porque nós escrevemos igual a eles mesmo com i, k, Y. Eu falo para minha filha Jaque

que não é desse jeito, não é assim, por exemplo: “Koxiporé”! O que significa Koxiporé? Na língua

Umutina significa “grande” e como os alunos não sabem escrever eles querem escrever igual aos

professores escrevem “Koxiporé”, eles escrevem alguma palavra com k, i, ki, eles colocam desse

jeito, eu escrevo com “y”, não escrevo com “i” como os professores fazem, se eu fosse estudado eu

ensinava todas as crianças da aldeia a escrever com letra de Paraguai, Argentina, Bolívia (4).

Eu estava na maloca quando Harald Schutz estava lá, mas só que eu não ia ver ele, o povo

não deixava, então, eu ficava em casa com mamãe e papai, nem papai não ia ver Harald Schutz

porque ele ficava cuidando da nossa casa. Tem algumas palavras que o Schultz pesquisou e

escreveu errado. Quando a Estela veio aqui na aldeia ela estava lendo para eu corrigir algumas

palavras, algumas estavam erradas e ela corrigia no caderno dela mesmo, agora os professores estão

usando o livro do Harald Schultz para ensinar os alunos, mas tem algumas palavras erradas, mas

mesmo assim eles não vêm ler para eu corrigir, esse que é o papel dos professores, procurar a gente,

mas eles não procuram só mandam os alunos, em vez de aproveitar a oportunidade enquanto

estamos vivos.

Agora eu não ensino mais ninguém, não quero mais ensinar, sabe por quê? A gente ensina

os alunos e depois de um tempo estão tudo emburrado comigo, eu já ensinei eles, já me

disponibilizei para ajudar eles em qualquer coisa para no final passarem emburrado, não falam nem

bom dia, nem boa tarde. Eu fico só olhando e no dia que os alunos precisarem eu não vou fazer

pesquisa com ninguém. Como é que fala mesmo?! Dor de barriga não bate só uma vez! Pois agora

eu não quero saber de ensinar mais ninguém, os alunos vêm e fazem a pesquisa comigo e depois

quando passam aqui na frente de casa não dão nem bom dia e nem boa tarde, não falam nada, só

passam de cabeça baixa, agora não quero ensinar mais ninguém! Eu gosto quando o pessoal vem

aqui, mas agora eu não quero mais saber disso não, chega! Acabou! Eu estou conversando com

vocês porque vocês vieram aqui me procurar, eu estou fazendo de bom coração.

Todos os nomes das pessoas têm um significado para os Umutina, o nome Torika Kiri não é

desse jeito, porque os Umutina colocavam o nome na criança de algum bicho. Tóri significa pedra

no idioma Umutina, mas não sei o que significa Kiri. O meu nome é Ikipapakixipa e significa

medroso, mas eu não sou medroso! Agora o pai da minha esposa se chamava Atukwaré que é uma

concha grande que fica aberta na praia, a mãe da minha esposa se chamava barokolotó e o

significado é estrela e o nome da minha esposa na língua é ymakó e significa mãe.

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Quando os meus filhos eram pequenos eu só falava no idioma com eles, mas quando

começaram a frequentar a escola, começaram a parar de falar o idioma e ficaram falando só o

português mesmo, mas mesmo assim a gente não esquece o nosso idioma. Aqui teve um chefe de

posto não indígena que proibiu os indígenas de falarem na língua materna, porque os Umutina

ficavam bravos e xingavam na língua os não indígenas, então, eles não gostavam e falaram que nós

tínhamos que conversa só em português mesmo, mas ninguém parou de fala no idioma mesmo

assim (5).

O Firmino ficava mais nessa aldeia e o pai dele nem ia à outra aldeia, eles ficavam

trabalhando, finado Torika aprendeu a serrar madeira, as madeiras dessa casa foi Torika quem

serrou, esse era o serviço dele. Quando eu cheguei nessa aldeia Torika, finado Bastião e uma

mulher ficavam na comadre Inês, essas casa foram eles que construíram (6).

Finado Torika sabia fazer violão e tocar, ele com Firmino Torika que faziam as festas para o

povo dessa aldeia. Lembro numa festa finado Bakalana solando no violão enquanto Torika

acompanhava e quando Bakalana cansava era Torika que começava a solar e Bakalana só

acompanhava, então, Firmino se interessou e pediu para o pai dele fazer um violão para ele (7).

Quem civilizou essa aldeia foi finado Torika, finado Bakalana, meu pai Kupo, pai de Apodonepá,

pai de Davi e irmão de Apodonepá, enquanto os restantes dos Umutina moravam lá na outra aldeia

no meio do mato, mas de vez em quando os Umutina da outra aldeia também vinham para essa

aldeia e o povo daqui de vez em quando ia para a aldeia no mato passar uma semana.

Os Umutina moravam no lugar onde hoje eu estou morando e também tinha mais alguns que

moravam na divisa da aldeia. Quando eu era criança nunca entrou não indígena na aldeia para pegar

o nome dos caciques, meu pai me contou que eram três caciques, porque tinha muito índio naquela

época, mas só que eu não me informei sobre o nome dos caciques. O titulo de cacique era passado

de pai para filho, mas quando acabou os caciques, quem ficou sendo foi o pai da minha esposa, ele

era chefe mesmo! Guerreiro mesmo! Por isso que falam Atukwaré guerreiro, ele executava mesmo.

Os Umutina faziam o arco e flecha maior do que eu, os confeccionavam com muito cuidado, com a

corda forte para arca muito e para a flecha ir que nem uma bala, eles flechavam até passarinho e

macaco no alto, matavam peixe grande no Rio Paraguai, no Rio Bugre e matavam os não indígenas

do outro lado do rio quando os não indígenas queriam atacar, então só escutava grito do outro lado

do rio, mas os não indígenas atiravam do outro lado do rio nos Umutina (8).

Quando o pai da minha esposa morreu, meu pai ficou sendo cacique porque desde novo eles

já trabalhavam junto, papai trabalhou muitos anos como cacique, ele que mandava aqui tudo.

Quando os paulistas vieram morar nessas terras meu pai teve que demarcar nossa terra. Meu pai

falou para mim, “meu filho me acompanha, pelo menos quando eu morrer você sabe onde que é a

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nossa divisa” e eu fui acompanhando até no Rio Bugre e, até hoje tem meu nome na beira do Rio

Bugre. Naquele tempo nós não sabíamos que ia precisar saber a dada de quando marcamos a divisa

da nossa aldeia, a gente não sabia nem escrever, agora ta precisando de tudo. Eu lembro que a

demarcação da terra foi durante uma festa de índio no mês de abril, porque que eu tava loco para vir

embora para participar da festa, mas só que a demarcação foi até dia 25, mais não sei de que ano.

Depois eu fiquei de cacique durante três meses, dois chefes de posto não queriam que eu

saísse, mas sai porque eu estava com problema na minha perna e não aguentava mais nem andar, se

eu não tivesse com essa doença que da no osso da perna eu estava até hoje de cacique, ainda

levantei a casa de artesanato e fiz inauguração.

Eu conheço João Garimpeiro desde quando começamos a ser cacique, o homem é cacique

até hoje e foi enfermeiro e chefe de posto também, agora ele aposentou de chefe de posto e

enfermeiro e continua sendo cacique de todas as aldeias dos indígenas Pareci. Quando eu o

encontrei, ele me falou “seu Joaquim eu to na luta ainda, mais se eu morrer as aldeias Pareci ficam

bagunçada, esse povo quer é beber, gente bêbada eu mando embora, mando mete pau mesmo,

branco nem pensa em entrar lá”. O povo o respeita, mesma coisa quando tem invasão de terra, ele

que leva todos os indígenas Pareci para irem lutar contra os não indígenas que querem invadir as

aldeias deles. João Garimpeiro falou que se ele morrer os não indígenas vão invadir as terras deles

tudo.

As danças dos Umutina que as crianças dançam estão certas, mas o vestuário está errado, só

mulher que ficava de saia e com bastante colar para tampar o seio. Tem uma festa que os Umutina

dançam que as mulheres acompanham os homens, depois que termina a dança passando cinco dias

os homens têm que ir caçar para pagar a dama deles, ai dão o bicho para as damas e elas vão

preparar a carne, fazer xixá, biju e quando está pronto chamam o homem que levou o bicho para ir

comer.

A pintura do corpo tem significado para os Umutina, mas só que não me lembro dos

significados, tudo o que eles faz tem significado, mais eu não lembro.

Os Umutina tinham cacique e pajé para curar as doenças, era difícil ver os índios adoecerem

na aldeia, era difícil ouvir falar que cobra tinha picado algum indígena, porque estavam todos

benzidos, eles andavam pelado no mato, mas não eram picados de cobra (9).

Uma vez o pajé benzeu dois guerreiros Umutina porque os não indígenas estavam atacando

os Umutina que moravam na beira do Rio Bugre, e os não indígenas acabaram com a Aldeia, meu

pai me mostrou onde que era a aldeia, ela era maior que essa que nós moramos hoje. Os dois

guerreiros Umutina que foram benzidos pelo pajé acabaram com os não indígenas que tinham

destruído a aldeia deles, as balas não entravam no corpo deles de jeito nenhum, quando a munição

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batia no corpo deles só ficava aquele bola preta mas não entrava, parecendo aquele bicho “pega

fogo” que queima a gente, ficaram cheios de queimado no rosto, mas os não indígenas não

conseguiram matar eles e quando acabava a flecha dos dois guerreiros Umutina eles arrancavam as

flechas que estavam no corpo dos não indígenas que estavam caídos no chão.

Papai contou outra história em que os não indígenas acabaram com uma aldeia e com quase

todo o nosso povo, escapou somente um rapaz e uma moça do ataque. A moça que escapou correu

para o lado do mato que estava mais perto da cidade dos não indígenas, o rapaz correu no lado

oposto da moça e foi parar longe, depois ele subiu na arvore para ver se avistava mais alguém do

povo Umutina e a mulher também subiu em uma arvore para ver se avistava mais alguém povo

Umutina.

Quando os não indígenas foram embora, antes do escurecer o rapaz desceu de cima da

arvore e foi andando rápido para ver se ainda encontrava alguém vivo na aldeia, mas não encontrou

ninguém vivo, então, ele foi embora para dentro da mata. Depois de uma semana que a moça

andava pelo mato, ela começou a encontrar no chão os rastros do rapaz, ela foi seguindo o som do

pica-pau porque é parecido com o som dos estalos da madeira quando estamos rachando lenha, ela

ainda caminhou durante muito tempo, toda vez que escurecia ela picava o talo de acurí ao redor do

pé de jatobá e batia tapuí para onça não chegar perto, de noite ela só ouvia a onça urrando por perto,

mas quando amanhecia ela continuava indo atrás do homem, até que escutou o barulho do machado

batendo na madeira, era o homem do povo dela que estava rachando lenha, então, ela foi atrás do

barulho e quando estava chegando perto viu o homem socando arroz e o mesmo já havia cercado a

roça com pau a pique.

Então ela subiu em uma arvore e ficou olhando para ele e como o conhecia, chamou-o pelo

nome, ele ficou quieto pensando, “quem será que é?”, mas continuou a socar o arroz até escutar

alguém falando o nome dele de novo, ele levantou e olhou para os lados e como não viu ninguém

foi beber água, então, a mulher chamou-o novamente, dessa vez ele foi atrás de quem estava

chamando ele e viu a moça encima da arvore. Ele a levou para casa dele para ela descansar e beber

xixa, mas a xixa fez mal para moça, porque ela havia ficado sem comer e estava fraca, então, ela

deitou até relaxar o corpo e quando acordou o rapaz deu comida para, até que a moça foi

melhorando. Restou somente esse casal dos Umutina, depois eles tiveram dois filhos homens e duas

filhas meninas, como não havia ninguém para casar com os filhos deles, o casal conversando de

noite, resolveram casar os filhos entre eles, porque se não o fizessem, ia acabar o povo Umutina,

assim, casaram irmão com irmã para aumenta o povo de novo, e foi dessa vez que começou a

aumentar os Umutina.

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Antigamente tinha várias doenças como tosse cumprida, catapora e sarampo, foram essas

doenças que acabaram com os Umutina também, como eles não conheciam essas doenças, quando

estava muito calor eles iam banhar no córrego para refrescar, ai a doença recolhia tudo por dentro

das pessoas, assim foi morrendo homens, mulheres e crianças Umutina (10). O que eu cheguei de

ver foram vinte e três famílias que estavam lá no mato, e só aumentou porque foram casando primo

com prima e se não fizessem assim os Umutina não iam aumentar.

Entrevistado V – Jovail Amajunepa

Descendente da etnia Umutina – Entrevista realizada em 24/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Jovail Amajunepa, 36 anos, é filho de Apikore (Umutina) e filho de Inês (Umutina),

encontra-se solteiro. Ele Já foi casado com Aparecida da etnia Umutina com quem teve dois filhos:

Adevail (Estuda na Escola Indígena Jula Paré), Sheila (Estuda na Escola Indígena Julá Paré). E

ainda mais um filho chamado Dovanir (Mora com a mãe) com Claudiane (não indígena).

No local da entrevista além do entrevistador e do entrevistado, também estava minha esposa

Tainara Torika Kiri de Castro (auxiliando na filmagem). A entrevista foi recolhida na frente da casa

do entrevistado debaixo de uma arvore, aproximadamente às oito e meia da manhã e durante todo o

tempo da entrevista houve sol, permanecendo um clima ameno durante a entrevista.

Jovail Amajunepa permaneceu sentado em um banco de madeira nativa durante a entrevista.

O espaço ao redor da casa dele é cercado por arames, e no local a quatro casas, sendo duas de Tabua

cobertas com palha, outra antiga de alvenaria coberta com telha, esta feita antigamente pelos

próprios indígenas para serem entregues aos índios Umutina que viviam na maloca, outra casa de

pau-a-pique coberta com palha.

Transcriação da Entrevista

Meu nome é Jovail Amajunepá e sou pai de três crianças, dois moram comigo e um mora

com a mãe dele na Barra do Bugres, trabalhei aqui na comunidade durante dois anos como cacique,

depois comecei a dar aula na escola aqui da aldeia, licenciei por três anos, depois sai para trabalhar

fora da aldeia, depois retornei para aldeia e hoje continuo ajudando a escola como eu posso, e na

comunidade contribuo como eu puder também, assim, ajudo em algumas coisas nos trabalhos para a

aldeia.

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Eu me recordo quando minha finada mãe me contava histórias que ela tinha vivido quando

criança, ela viu o ultimo ritual do povo Umutina, eles ainda viviam na maloca, os que viviam nessa

aldeia não praticavam mais os rituais, as danças, não falavam mais a língua materna. Os Umutina

que vinham da maloca quando chegavam perto dessa aldeia e estavam preparados, eles gritavam, e

os Umutina que moravam aqui já sabiam e respondiam para eles, então, os Umutina da maloca

vinham cantando e dançando já todos enfeitados com os adornos.

Eu aprendi três danças com finado Jula e foram estas as da buzina do buriti, a da taquara e a

dança com as mulheres. Na dança das mulheres os Umutina imitam alguns animais, são quatro,

primeiro eles fazem “cucucucucucucucu”, segundo “pitpitpitpitpitpitpit”, terceiro “wiwiw, wiwiw,

wiwiw”, quarto “ru,ru,ru,ru,ru,ru,ru”. Agora os cantos das danças mais recentes que os meninos

cantam eu não aprendi, que é o canto do eclipse da lua e o canto da andorinha.

O que podemos considerar hoje como jogo dos Umutina é mais o arco e flecha mesmo, eles

eram bons flechadores e caçadores. Já eu quando criança brincava de soltar pipa que a professora

fazia para nós, jogava futebol e também gostava muito de banhar no rio, nós brincávamos bastante

no rio de pega-pega e de Xiripa, esta ultima é uma brincadeira de bater a mão na cabeça do colega e

depois sair correndo porque ele que tinha que pegar alguém, e a noite nós brincávamos de caí no

poço e rouba bandeira, ainda brincávamos de peteca de milho que aprendemos na escola com o

professor, foi como eu aprendi, agora não sei se esse jogo já foi parte cultural, mais eu aprendi na

escola.

Eu me lembro das festas que tinha aqui na aldeia de santo Antonio, são Sebastião, são João.

Teve uma festa de são João na casa da Maria, mãe da Leontina que eu estava lá na hora do almoço e

tinha bastante pessoas lá e começamos a brincar, colocávamos os meninos para “lutar” e nisso

colocaram eu contra o Hélio, mas só que primeiro o Hélio foi com Caio, depois foi com Miro, só

que nós começávamos a brincar de luta no chão, mas como os meninos faziam uma roda e

começavam a atiçar, depois começávamos a lutar de verdade. Outro divertimento nosso era montar

no bezerro e como aqui tinha muito gado naquela época, o pessoal que tinha vaca e bezerro

mamando, nós pegávamos e montávamos no bezerro, até Branco com Caio mesmo machucaram o

braço caindo do bezerro (1).

Faltou Jula Paré passar o significado das danças e dos cantos para nós, ele só falou os nomes

das danças porque os significados ele já não lembrava e nem da pintura corporal, nem Joaquim e

nem Antonio se lembravam das pinturas corporais, foi através das pesquisas e fotos dos Umutina

antigos que nós conseguimos buscar as pinturas do corpo e alguns significados, a única pintura que

tem na língua é a do risco que sai do canto do olho e vai até na orelha, e tem diferença da pintura do

homem e da mulher, o risco do homem desce até no buraco ouvido e a da mulher desce até na ponta

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inferior da orelha. O nome dessa pintura esta escrito em uma revista que o Voninho trousse de

Cuiabá e tinha ganhado do amigo dele, a revista foi publicada pelo museu do índio do Paraguai,

mais tem que traduzir o que está escrito porque a revista foi escrita em espanhol e só quem entende

bem é que sabe o significado (2).

Entrevistado VI – Antonio Uapodonepa

Descendente da etnia Umutina – Entrevista realizada em 27/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Antonio Uapodonepa é filho de Apodonepa da etnia Umutina e, de Bakorépata (Umutina),

encontra-se solteiro e morando sozinho em uma casa de tabua coberta com palha, mais já foi casado

do com Luíza (não indígena), com quem teve quatro filhos, sendo estes: Maria Uapodonepa (agente

da pastoral da criança), Luzia Uapodonepa (ex-presidente da Associação Indígena Otoparé,

atualmente desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa

e com os filhos), Jocelino (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca, plantio, colheita,

cuidados com a casa e com os filhos), Dionizio (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça, pesca,

plantio, colheita, cuidados com a casa e com os filhos).

A entrevista foi recolhida ao lado da casa de alvenaria, construída pelos indígenas da época a

mando do SPI para os Umutina da maloca morar, atualmente mora o filho dele Dionizio.

Sentado em um banquinho de ferro Antonio responde as perguntas. Durante toda a

entrevista e todo o resto do dia houve sol, a entrevista foi recolhida aproximadamente às dez horas

da manhã, o terreno da casa é cercado por arame farpado.

Transcriação da Entrevista

Eu e Joaquim somos os índios Umutina mais velhos que tem nessa aldeia, Davi ainda é

criança. Os não indígenas falam que os Umutina são muito diferentes das outras etnias, eles já

falaram isso para mim. Eu nasci no Maitá e não morei na maloca onde amansaram os indígenas

Umutina (1).

Eu vi as brincadeiras dos Umutina uma vez aqui na aldeia quando estavam todos pelados

dançando. Os Umutina fizeram uma casa pequena de palha debaixo da mangueira para eles ficarem

e também guardarem as armas dentro da casa, somente vi rapazes grandes dentro da casa, o Jula

Paré estava nesse meio juntamente com o irmão dele chamado Benjamim. A festa começou com

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Kusakaru cantando na casa dela, depois Jukuepa começou a cantar no meio do pátio e a chamou na

língua dos Umutina, então, ela veio toda enfeitada com colar e urucum e pegou no ombro de

Jukuepa, assim, foram dançando rodeando, rodeando, até que terminou. Depois ela voltou para a

casa dela e Jukuepa continuou cantando, e cantando ele chamou os homens na linguagem, aí eles

saíram da casa em fila com a saia de buriti comprida arrastando no chão e começaram a dançar

rodeando, mas não estavam cantando, eles somente rodeavam, então, Jukuepa falou na linguagem

com eles e os mesmos pararam e entraram na casa outra vez e lá tiraram todos os enfeites. (2)

Nosso chefe naquele tempo se chamava Carmom, aquele era homem bravo, aquele era pai

dos índios, ele não gostava de vagabundo, mandava trabalhar. Os Umutina que moravam no mato

vinham ajudar os parentes deles a trabalharem sem falar nada, eles não falavam nem português, só

na linguagem. Hoje tem tanta gente, mas ninguém quer trabalhar, já ouvi falar que enquanto uns tão

trabalhando os outros estão conversando na beira do mato. Agora ninguém quer mais nada, eu

lembro aquele tempo o povo da Barra do Bugres elogiava muito o nosso povo. Os não indígenas

atravessavam o Rio Bugre e vinham andando na estrada de terra por dentro da aldeia e ficavam

admirados de verem as plantações, falavam: “estão vendo só como os Umutina são trabalhadores!

Queria um deles para trabalhar na minha fazenda”, então, eu interessei e fui trabalhar para um dos

fazendeiros, chegando na fazenda ele me deu uma enxada para trabalhar, mas eu queria aprender a

trabalhar em outro tipo de serviço. Eu peguei a enxada, coloquei-a de pé e olhei para frente, avistei

aquele mato que ia longe e pensei comigo, “eu tenho pai, eu vou trabalhar para cuidar do meu pai”,

ai vim embora de novo e fui morar lá para cima do Rio Paraguai. (3).

Meu finado pai chamava Apo, por isso que meu nome é Antonio Apodonepa e minha mãe se

chamava Bakorépata. Eu fiz uma roça na beira do Rio Paraguai e nela plantei banana, mandioca,

cana, cara, batata e arroz, assim, nós nunca passamos fome, somente ficava eu com Deus na minha

roça, depois eu vim aqui na aldeia e falei para o meu pai e minha mãe que o canavial já estava bom

para colheita, então, meu pai convidou os irmãos dele Kipo e Capitão para nós irmos moer cana.

Como papai era carpinteiro ele fez o engenho para ele com os irmãos dele moerem a cana e fazerem

a rapadura, enquanto isso mamãe e eu estávamos fazendo farinha, depois que tudo ficou pronto eu

desci sozinho no remo o Rio Paraguai para ir à Barra do Bugres vender mandioca, farinha,

rapadura, polvilho e comprei somente o que nós precisávamos que era sal, sabão, roupa e cobertor

(4). Por isso que eu sempre falo, hoje o povo daqui esta comprando de tudo, o povo da Barra do

Bugres sempre vem reclamando para mim, eu fico com vergonha sabe, eles falam que era para nós

estarmos fazendo “lama de manjula” para levar para eles venderem na Barra do Bugres, os

mantimento antigamente saiam tudo dessa aldeia para o povo vender.

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Antigamente não tinha nada, eu lembro que o povo Umutina somente comia frutas, depois

disso que já foram aparecer as plantas como milho, batata, cara, mandioca, cana, e os bichos, isso

tudo foi Deus quem deu para nós, naquele tempo não existia bicho, nós andávamos por esses

caminhos e não víamos nem um bicho, nada! Nem onça! Depois que apareceu a onça, agora na

beira do Rio Paraguai tem um monte de onça, esta até perigoso para andar no mato (5). Os Umutina

antigos colocavam o timbó na baía para deixar os peixes desorientados, assim flechavam os peixes e

não deixavam desperdiçar, aproveitavam todos os peixes. No Rio Paraguai tinha muito peixe

também, e os Umutina andavam flechando no rio Paraguai, matavam os peixes só para comer,

depois de certo tempo eles iam caçar e matavam macaco ou quati para comer com biju (6), e agora

o peixe esta acabando, por isso que eu falo para esse povo todo, o que nós temos foi Deus quem deu

para os filhos dele.

Antigamente não existia peixe no mundo, o povo de Cuiabá me contou que eles passavam a

rede no Rio Cuiabá, jogavam a tarrafa no rio e não pegavam nada, até que um dia jogaram a tarrafa

na beira do saram e a tarrafa sacudiu, então, os pescadores foram puxando e viram aquele corpão da

Nossa Senhora de Aparecida, depois continuaram descendo o rio e mais abaixo jogaram a tarrafa

novamente e conseguiram pegar a cabeça da Nossa Senhora de Aparecida e colocaram a cabeça no

corpo e ficaram muito alegres, eles falaram “agora nós vamos fazer uma igreja para a santa”, então,

construíram uma igreja para a santa e todos os dias faziam orações pedindo para começar a ter

peixe, no outro dia os pescadores foram pescar e pegaram bastante peixe grande, não aguentavam

nem puxar a rede, assim, tiveram que saltar na praia para poder puxar a rede. Os peixes foi Nossa

Senhora de Aparecida que deu para nós e agora nós temos que adorá-la, agora o peixe está

acabando, está todo mundo reclamando para todo canto (7).

Tem muita gente que não acredita em Deus e nem em santo, eu tive uma nossa senhora aqui

na minha casa, e o meu genro falou que ela não prestava porque era de barro. Faz muito tempo eu

aposentei e ganhava somente quarenta reias, ai eu fui pedir para nossa senhora de joelho para que

ela fizesse aumentar o meu dinheiro e sobrar um pouco para mim no dia que eu fosse para Barra do

Bugres para comprar as coisas para minha mãe, no outro dia eu fui para Barra do Bugres, peguei o

meu dinheiro e não gastei tudo, a gente tem que ter fé mesmo em Deus, sempre eu tenho as coisas

para eu comer, não ta faltando nada para mim.

Não lembro mais de muitas palavras no idioma Umutina, só tem algumas frases que eu

sempre falo quando o pessoal passa na frente da minha casa, “urixa” é mulher, “urixa pitukwa?” Eu

estou perguntado, se a mulher esta bem. “Urixa arikixi imy” quer dizer olha para mim, “imy

tawakiri imy?” Eu estou perguntando, vocês estão com vergonha de mim? “Urixa amuxixi pitukwa”

que dizer mulher gorda e bonita. É assim que o nosso povo fala, agora homem no idioma é “abedo”,

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“abiodo kurika” significa criança pequena, quando tem gente aqui na minha casa e já vão embora eu

falo, “amy pixé?” quer dizer vocês já vão embora?! Ai o povo pergunta o que significa isso?! Eu

falo que estou perguntado se eles já vão embora e eles respondem que sim, mas eles têm que falar

“imy pixé”, que significa já vou embora, depois eu falo “axipá imy?” E eles não sabem o que

significa e perguntam o que é “axipá imy?!” Eu respondo que significa que eles estão falando que

vão para casa deles. Eles não sabem e eu os ensino, eu também falo “amy aurixa imy arikixi imy”,

eles perguntam o que significa?! Eu respondo que estou falando vocês vieram olhar os índios aqui,

ai eles respondem que sim. Outra frase que os Umutina falam é “imy tabiá” que significa eu estou

doente. Eu falo “imy iho bárbaro”, bárbaro é remédio para curar (8).

Entrevistada VII – Dirce Parecis Huare

Descendente da etnia Pareci – Entrevista realizada em 28/01/2012

Apresentação da Entrevistada

Dirce Parecis Huare, 56 anos, é casada com Clarindo Tan Huare da etnia Bakairi. O casal

tem filhos, sendo eles: Itamar Maitawa Tan Huare (desenvolve trabalho diário na aldeia: caça,

pesca, plantio, colheita, cuidados com a casa e com os filhos), Ducinéia (Diretora da Escola

Indígena Jula Paré), Débora (agente da saúde na Aldeia Umutina), Silene (Enfermeira formada),

Simone (Enfermeira formada), Karine (Cursando o ensino médio) e Cleomar (Cursando o Ensino

Superior).

A entrevista foi recolhida na casa dela aproximadamente às nove horas da manhã. Durante a

entrevista e todo o dia houve sol. Estamos sentados nas cadeiras debaixo do pé de siriguéla em

frente a casa da entrevistada.

A casa dela é feita de tijolo coberta com telha, estando com reboque na parede e piso em

algumas partes do lado de dentro da casa, observamos o banheiro de alvenaria coberto com telha do

lado de fora da casa. Havia no local quatro cachorros, um bode e uma cabra, assim como um

galinheiro. O terreno da casa é grande e mantém uma grama rasteira por grande parte, sendo

cercada por mata alta nativa da região.

Estavam presentes no momento da entrevista além do entrevistador e a entrevistada, o filho

dela Itamar Maitawa Tan Huare e minha esposa Tainara Torika Kiri de Castro (auxiliando na

filmagem).

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Transcriação da Entrevista

Meu nome é Dirce Parecis Huare, nasci em 18 de outubro de 1956, naquela época ainda vi

os Umutina fazerem algumas brincadeiras e jogos.

Lembro-me de vários jogos que os Umutina jogavam junto com os Pareci, também vinham

pessoas da Barra do Bugres e das redondezas para participarem dos torneios de futebol, então, aqui

existiam muitos jogadores bons que eram o Edson, o Virgilho, o Pedro, o marido da Maria, o Leu, o

cinquentão e até meu esposo Clarindo jogava, eu lembro que tinham vários jogadores, mas eu não

estou me lembrando de todos os que jogavam (1).

Antigamente havia vários tipos de jogos e de brincadeiras também, tinha o jogo da peteca,

nós fazíamos a peteca de palha de milho e ficávamos jogando, e lembro que era tempo de

brincadeira de roda, nós fazíamos uma roda grande cheia de jovens e brincávamos, tinha a

brincadeira do “meu bombarqueiro”, então nós brincávamos bastante.

Eu aprendi as brincadeiras de roda através da escola e dos jovens que nos ensinaram, porque

os jovens daquela época já haviam aprendido, então, eles nos ensinavam, assim, acabamos

aprendendo as brincadeiras.

O jogo da peteca tinha regras e ganhador também, porque quando uma pessoa deixava a

peteca cair, esta tinha que sair da roda, então, não podia deixar a peteca cair, ela tinha que

permanecer no ar para passarmos de mãe em mão. A brincadeira meu bombarqueiro era de roda e

nós brincávamos e cantávamos assim: “passa, passa meu bombarqueiro, da licença para passar eu

tenho fila pequena não posso mais sustentar passa, passa três vezes pela última ficará”. Enquanto

nós estávamos cantando nós íamos passando pelas outras pessoas e outras crianças vinham e

entravam atrás da fila e então iam rodeando e o que ficava por último saía da brincadeira.

Nós também brincávamos de passar anel, assim, nos reuníamos todos sentados e uma pessoa

tinha que passar o anel para a mão de quem estava sentado e, quem ficava por último tinha que

adivinhar com quem estava o anel e quando não adivinhava a pessoa pagava prenda, tinha que

cantar, pular igual gato ou imitar um cachorro.

Eu já dancei a dança dos Pareci aqui na aldeia. Os Pareci fizeram uma dança chamada

Zolane, aquela foi uma festa grande! Os Pareci faziam muito mingau para os espíritos dos Pareci

antigos que já haviam morrido participarem da festa, então, os espíritos vinham para beber a xixa

junto com os que estavam vivos. Eles faziam xixa e colocavam no canto da casa, perto do pau que

segurava a casa e os Pareci colocavam a xixa ao redor desse pau. Nós dançávamos o Zolane quando

era para fazer o batizado das crianças, então, colocávamos os nomes das crianças na língua Pareci,

mas quem sabia qual ia ser o nome da criança era somente o cacique, assim, os espíritos traziam o

nome para o cacique colocar na criança, para fazer esta festa os Pareci tinham que matar muito

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bicho e pescar muito peixe para assar tudo no dia da festa e quando sobrava o povo repartia para

quem quisesse (2).

Entrevistado VIII – Itamar Maitawa Tan Huare

Descende das etnias Bakairi e Pareci – Entrevista realizada em 28/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Itamar Maitawa Tan Huare, 22 anos, é filho de Dirce Parecis (etnia Pareci) e filho de

Clarindo Tan Huare (etnia Bakairi), o mesmo é solteiro e não tem filhos. A entrevista foi recolhida

em frente à casa dele aproximadamente as nove e quarenta da manhã. Estávamos sentados em baixo

de um pé de siriguéla, permanecendo uma temperatura agradável. Durante todo o dia houve sol,

assim, como no momento da entrevista. No momento da entrevista estava no local além de

entrevistador e entrevistado, a mãe dele Dirce Parecis e minha esposa Tainara Torika Kiri de Castro

(auxiliando na filmagem).

A casa dele é feita de tijolo coberta com telha, estando com reboque na parede e piso

em algumas partes do lado de dentro da casa, observamos o banheiro de alvenaria coberto com telha

do lado de fora da casa. Havia no local quatro cachorros, um bode e uma cabra, assim como um

galinheiro. O terreno da casa é grande e mantém uma grama rasteira por grande parte, sendo

cercada por mata alta nativa da região.

Transcriação da Entrevista

Meu nome é Itamar Maitawa Tan Huare, e tive contato com a cultura Umutina porque os

mais velhos sempre falavam que os jovens não falavam nas reuniões da comunidade e que nós não

nos interessávamos pela cultura e que isso era uma perda para o povo porque é através da cultura

que se mostra a identidade de um povo e é assim que somos reconhecidos pelos não indígenas.

Como os mais velhos estavam falando muito e como eu não sou Umutina, mas de estar

morando aqui eu me considero Umutina, mas mesmo assim como meu pai não é Umutina ele

sempre reclamava, falava que eu não podia ficar mexendo com a cultura do outro povo, mas como

aqui na comunidade precisava! Precisava não! Precisam que a cultura seja divulgada para fora! Por

nós sermos muito descriminados! Eu como jovem achei bom buscar os saberes do povo Umutina,

então, fui pesquisando e conversando com os Umutina mais velhos da aldeia e depois da conversa

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ia para o mato e procurava o objeto que eles falavam e desse jeito eu me interessei pela cultura

Umutina.

Aqui na Aldeia tinha um ancião chamado Jula Paré que era o ultimo falante fluente da

língua Umutina. Resolvi entrar no grupo “nação nativa Umutina” o qual foi o Valdomiro que

fundou e acabou facilitando bastante porque eu mesmo ficava com muita vergonha de participar do

grupo, mas por força das pessoas mais velhas e dos professores que estavam cobrando muito os

jovens, dizendo que nós não nos interessávamos. Conversei com o Valdomiro que é meu cunhado

para eu entra no grupo e isso facilitou bastante porque eu não tinha muita ligação com os meninos

do grupo, então, conversei com o Valdomiro e ele aceitou que eu entrasse no grupo.

Aprendi praticamente tudo o que sei com o grupo, o Luciel é um menino que eu respeito

bastante. Nessa época o Luciano havia saído, então, entrei um pouco por força dos meninos que não

se interessavam pela cultura, alguns meninos que estavam no grupo não estavam se interessando

muito, então, eu entrei e perguntei se eu podia ser o cantor, queria aprender a música para ser o

cantor porque os meninos já estavam deixando a cultura um pouco de lado.

Eu pesquisei os mais velhos, conversei com o Valdomiro porque eu não tinha aproveitado a

época do Jula Paré porque ele faleceu em 2003 e foi nessa época que a minha família veio da Barra

do Bugres para essa aldeia (1).

Eu aprendi somente um pouco das danças dos Umutina, antes eram realizados pelos

Umutina dezessete cerimoniais, tinham os cerimoniais e os sub-cerimoniais e eu aprendi mais ou

menos oito danças com o grupo nação nativa, fora o que eu aprendi fazendo as pesquisas. As danças

que eu conheço são a da guerra que se chama akakono e boika, que significa arco, tem também duas

danças de mulheres chamadas yuri e lorunó, tem também a dança do jikirinó9, a dança do katamã10,

a dança do mixinoze, a dança do pikurina que é a brincadeira dos homens, a dança das flautas

kurioká, a dança das flautas de buriti que eu estou esquecendo o nome, mas acho que é

zanimbukwa, são essas danças que eu aprendi.

Eu sei cantar algumas músicas, sei cantar a música que as mulheres dançam com os homens,

sei mais três músicas que aprendi no grupo nação nativa e de fora eu sei cantar mais uma que é a de

tirar mel, mas essa ultima não tem nome, já canta direto quando vai tira mel.

Agora eu vou cantar a música do mel:

Akapieixa, Akapieixa

aminimukwaixa, aminimukwaixa

o’rukwáixa, o’rukwáixa

9 Significa Andorinha na língua Umutina. 10 Significa Martim Pescador na língua Umutina.

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ixiponíxipu húrure’toté

akaxiká hotubé He

nóuva húro háltámi hã

Houououououou

Akapieixa, Akapieixa

aminimukwáixa, aminimukwaixa

o’rukwáixa, o´rukwáixa

ixiponíxipu húrure’toté

akaxiká hotubé He

nóuva húro háltámi hã

Hououououououou

Só assim que os Umutina cantam, minha voz ta um pouco ruim.

Tem a música do jikirinó que é a dança das andorinhas do céu, a do katamã e, a dança do

Akakono que é a dança da guerra.

Eu vou cantar agora a música do Akakono que é a dança dos guerreiros, eles cantavam essa

música quando iam para guerra para eles não terem medo, então, os mais velhos da aldeia que eram

veteranos de guerra sempre cantavam para os meninos se espelharem neles, eles também cantavam

para que as forças protetoras da aldeia os protegessem, para terem muita coragem, para eles não

terem medo, para poder matar o invasor.

Haaaaaa, Houu’u’u’u’u’u’u, houu’u’u’u’u’ueeeeee’e’e’e’e’e

Houhusohuzae’e’e’e’e’e, he’e’e’e’e’e’euuuuuuuu

Há’a’a’a’a’aaaaa Hooou’u’u’u’u’u’u, hou’u’u’u’u’u’u heeeeeeeeu’u’u’u’u’u

Houhu, he’eeeeeee hi’i’i’i’i’i’i’ihuhe houhotokweeeeeeeee

Hokorreeeeeee, heeeeeeee, hu’u’u’u’u’u

Houhui’i’i’i’i’ieeeeeeee hourru heeeee

Hotupu houruru’pu houpupuzepo Ikigigizequeze

Zooooooooo’u’u’u’u’u’u’uvaaaaa’a’a’a’a’a’a’a

Yo ,hyo, hyo’o’o’o’o’o’o’ Jkuepa’a’a’a, Jukuepa’a’a’a’a’a’a’a

Jula Paré, yoko Jula Paré, Yoko Jula Paréee’e’e’e

Yooo, Yooo’o’o’o’o

Yboo, ybooo’o’o’o’o

Hynokokezuko, Ynokwarekokezuko

Yooo, Yooo’o’o’o’o

Hyokokinarramotare, Hyokokinarramotare

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Yooo, yooo’o’o’o’o

Hynokotarezebemotunebozebo, hynokotarezebemotunebozebo

Yooo, yooo’o’o’o

Heheee Hiaaaa heeee

Então essa é a música da guerra Akakono. Agora eu vou cantar só a primeira estrofe do

katamã:

Hu’u’u’u’u’u’u’u

Hymatare ymataruu’u’u’uhe, Hymatare ymataruu’u’u’u’uhe

Hymatare ymataruu’u’u’uhe, Hymatare ymataruu’u’u’u’uhe

Hymatare ymataru Katamã katama’ré yhuuu’u’u’u’uhuhe

hou’u’u’u’uhuhe, hou’u’u’u’u’uhuhe

Hymatare ymataru’u’u’u’u’uhuhe Hymatare ymataru’u’u’u’u’uhuhe

Hymatare ymataru pitukwaiiiiiiii

Hou’u’u’u’u’u’uhuhe, hou’u’u’u’u’uhuhe

Hymatare ymataru’u’u’u’u’uhuhe, Hymatare ymataru’u’u’u’u’uhuhe

Hymatare ymataru pitukwa katamã katama’rei’i’i’i’i’ihe

Houu’u’u’u’u’uhuhe, houu’u’u’u’u’uhuhe

Hymatare ymataru pitukwa katamã katama’rei’i’i’i’i’ihe

Houu’u’u’u’u’uhuhe, houu’u’u’u’u’uhuhe

Ai continua, termina e volta até cansar, eu acho que eles sempre cantavam assim, terminava

e voltava a mesma música. Meu pai fala que quase todos os indígenas têm as músicas iguais a essa

dos Umutina, essa música fala da dança do Katamã e como a dança é bonita, a dança do katamã é

bonita de mais.

Agora eu vou cantar a música do jikirinó que significa andorinha do céu. Os homens

antigamente dançavam a dança boiká e jikirinó com saia e com as mulheres, não sei se você já viu a

dança dos Bororo?! Os Umutina têm uma dança parecida com a dos Bororo. As mulheres pegavam

um pouco da saia dos homens que é feita de broto verde e os homens vão dançando e elas

segurando na ponta da saia. Agora é difícil fazer essa dança porque é muito difícil achar o broto em

grande quantidade e para fazer a saia precisa de muito broto de buriti (2).

Nós sabemos fazer essa saia, ela vem até no peito, eu e o meu irmão Cleomar temos vontade

de fazer todas as coisas relacionada a cultura, nós conversamos que vamos fazer mais para frente

porque agora não temos condições, temos que fazer projeto para termos mais ajuda, pois gasta

muitos materiais para fazer uma festa grande e bonita fora da aldeia. Da vontade de fazer festa

tradicional sempre, eu e meu irmão gostaríamos de morar no meio do mato e abrir uma aldeia

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tradicional e fazer várias coisas tradicionais dentro dessa aldeia para trazer gente de fora e divulgar

a aldeia, nós pensamos em fazer um filme também (3).

Eu vejo que aqui na aldeia tem várias maneiras de ganhar dinheiro, mas fica difícil porque o

povo não tem muito conhecimento, nós que somos jovens temos que fazer alguma coisa! Os mais

velhos conseguem fazer uma boa parte, mas eles não conseguem ir mais para frente, as vezes por

falta do estudo, nós temos que buscar o conhecimento lá fora para depois trazermos para a nossa

comunidade e trabalhar nela.

Depois poderemos trabalhar com o povo todo ou somente com o pouco que quiserem

participar. O pessoal fala em união, mais só que fica difícil unir porque aqui tem muitas pessoas

diferentes e muitas ideias diferentes, tem como unir em algumas partes mais em outras não tem.

Já a dança Apikurina é um tipo de luta e brincadeira ao mesmo tempo. Na dança ha dois

grupos, um representa o pessoal do mal e o outro representa o pessoal do bem, o grupo do mal fica

de um lado e esta pintado de jenipapo e o grupo do bem fica do lado contrario ao do mal e esta

pintado de urucum. Quando começa a dança um grupo começa a rodear gritando de um jeito e tem

um homem que puxa a fila dos que estão pintados de urucum de um lado e os que estão pintados de

jenipapo rodeiam do outro lado dançando.

Cada grupo grita de um jeito diferente, um faz uhuhuhuhuhu rápido e o outro grupo

responde fazendo uhuhuhuhuh mais lento e, assim, os dois grupos vão rodeando e enquanto um

grupo bate o pé no chão o outro arrastar o pé devagar, quando os dois grupos param, cada uma de

um lado, os guerreiros do mal tentam invadir o espaço dos guerreiros do bem, mas os guerreiros do

bem não podem deixar, então, eles pegam e seguram os guerreiros do mal e ficam gritando alto com

eles na língua, falando que eles são feios, que eles são malvados e não devem ir para o lado do bem,

então, eles fazem os guerreiros do mal voltarem de novo para o lugar da onde saíram. Essa dança

não tem ganhador (4).

Como jovem eu quero falar que a população está crescendo e a terra é a nossa principal

fonte de vida, nós temos que lutar por ela porque os nossos ancições estão morrendo e a cada dia a

tendência é que eles nos deixem e nós vamos envelhecendo e daqui uns tempos vamos embora

também e como a terra é a nossa fonte de vida, porque na terra nós podemos plantar e sem ela

perdemos nossa cultura, porque é através da terra que nós podemos preservar a cultura do nosso

povo, mas perdendo a terra nós não temos o que preservar, eu falo isso porque tem muitos povos

que querem ter uma vida como nós temos aqui nessa aldeia e tem muitos jovens que não têm a vida

que nós temos aqui, eles querem um lugar para morar, pescar e caçar, então, como temos a terra

demarcada precisamos cuidar e lutar por ela, então, nós jovens temos que lutar pela nossa terra e

não deixar a cultura morrer, podemos buscar o conhecimento lá fora, mas depois traze-lo para nos

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fortalecemos e repassar a nossa cultura para as nossas crianças que estão nascendo, eu como jovem

entendo que a terra é o principal objetivo de estarmos lutando, pois na nossa terra temos moradia,

caça, pesca, filhos e proteção (5).

Entrevistado IX – Cleomar Miauhe Tan Huare

Descende das etnias Pareci e Bakairi – Entrevista realizada em 29/01/2012.

Apresentação do Entrevistado

Cleomar Miauhe Tan Huare, 24 anos, é filho de Dirce Parecis Huare (etnia Pareci), e filho

de Clarindo Tan Huare (etnia Bakairi). Ele é casado com Edilene Corezomaé Monzilar e tem três

filhos, sendo eles: Minikamá que significa no dialeto Umutina “sol nascente” (tem

aproximadamente seis meses), Aumatari (tem aproximadamente dois anos) e Taila (tem

aproximadamente quatro anos).

A entrevista foi recolhida na casa dele aproximadamente as quinze horas da tarde. Um

pouco antes da entrevista havia chovido mais quando chegamos na casa dele o sol já havia

resurgido no céu, permanecendo com sol durante toda a entrevista.

A casa é feita de pau-a-pique coberta com palha. Na sala da casa tem muitos artesanatos,

pois o casal é artesão, portanto, fabricam artesanatos tradicionais dos índios Umutina para si

próprios com intuito de participar das danças da aldeia e para vender como forma de sustento.

Sentado em uma rede o entrevistado começa a responder as perguntas enquanto a esposa dele

observa-o com a dele filha Minikamá no colo.

No momento da entrevista estava presente além do entrevistador e a entrevistado, a mulher

dele Edilene Corezomaé Monzilar, a filha dele Minikamá e minha esposa Tainara Torika Kiri de

Castro (auxiliando na filmagem).

Transcriação da Entrevista

Meu nome é Cleomar, trabalho com artesanato e também estou estudando na faculdade

indígena UNEMAT que fica na Barra do Bugres - MT. Vou optar pelo curso depois de três anos, eu

vou optar para linguagem de arte.

Nós sempre praticamos a cultura Umutina, estamos tentando revitaliza-la e temos algumas

danças pesquisadas como Mixinoze, Katamã e da andorinha, essas são as que nós mais dançamos

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aqui na aldeia. Eu aprendi as danças do povo Umutina a partir do momento que entrei para o grupo

“Nação Nativa”, nessa época o Oscar que coordenava e quem ensinava era o ancião Jula Paré.

Os Umutina praticavam alguns jogos, o Antonio me disse que eles jogavam peteca

antigamente, agora sobre a luta corporal eu nunca ouvi falar e nas pesquisas que nós fizemos eu

nunca ouvi ou vi escrito que tinha luta, eu me lembro da passagem dos meninos para virarem

adultos e guerreiros.

Nós aprendemos sete danças, mas existem várias outras que o Jula Paré não nos ensinou

porque ele dizia que eram muito sagradas e muitas vezes os rapazes do grupo nação nativa não

davam tanta atenção para que ele pudesse ensinar, eram danças espirituais e não pode brincar com o

espírito e os rapazes levavam um pouco na brincadeira tinha hora.

Eu gosto bastante da dança da flauta que é kurioká, a flauta é feita de bambu e o nome dela é

Zanimbokwa. Para dançar o pessoal faz uma fila com um atrás do outro e começa a bater o pé duas

vezes de um lado e depois bate o mesmo pé duas vezes do outro lado e ao mesmo tempo vão

tocando a flauta conforme a batida do pé. Essa dança era realizada quando alguém morria, essa é a

dança do adoê, a maioria das danças dos Umutina são fúnebres, eles dançam em homenagem aos

mortos. Essa dança da flauta é só homem que participa. A flauta que usamos nessa dança na

verdade são várias flautas, é uma pequena encaixada em uma grande.

Agora sobre as pesquisas que nós fizemos da passagem do menino para virar homem, esse é

um ritual muito espiritual, eu mesmo nunca havia tido a experiência da passagem, somente conhecia

de livros, mas nunca tinha sentido na pele tudo o que os meninos Umutina sentiam antigamente

quando faziam a passagem.

Quando os meninos Umutina iam fazer a passagem, os pais escolhiam os padrinhos,

normalmente escolhiam as pessoas mais próximas da família, então, os padrinhos tinham que fazer

o primeiro feixe peniano para o menino e o restante dos adornos que ele ia precisar. Para os

Umutina o ritual de passagem é igual um batismo, é uma crença mesmo, uma religião é parecida

com as pessoas que se convertem na igreja, então, você faz votos para que você não venha a

desonrar sua comunidade ou a sua pátria, igual quando houver uma guerra, você vai ajudar o seu

próximo a combater em defesa da terra ou em defesa da sua cultura e tradição, você vai ser o

progressista disso e cada um que batiza tem que dar continuidade na cultura e não pode desonrar o

seu nome e nem o da etnia.

Para eu fazer o ritual de passagem tive que pensar muito porque ia mudar completamente a

minha vida e também o meu jeito de viver e depois eu não ia ser mais criança. Eu não sabia que ia

mudar tanto, mas mudou!

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Eu fiquei entre vários rapazes que iam furar o lábio, fizemos uma reunião primeiro e depois

decidimos que íamos furar, então, nós pegamos osso de onça para furar o lábio mas pode usar

também o espinho de ouriço que não dói tanto para furar o lábio, com os materiais em mãos foi só

furar o lábio devagar até o osso ou espinho passar todo o lábio, enquanto isso você tem que suportar

a dor, você tem que sentir esse momento espiritual e depois de termos furado o lábio nós ficamos

com uma sensação tão marcante que você nunca esquece, nós passamos para o estado de espírito e

ficamos diferente.

Na mesma noite que eu furei o lábio eu tive muitos sonhos diferentes, alguns sonhos eram

bons e outros sonhos eram maus, eu não sabia que isso poderia acontecer, mas tudo isso acontece

comigo ainda hoje, mas nós não podemos deixar o espírito do mal tomar conta de nós porque

estamos fracos, ficamos um pouco loucos e ha momentos que nós não conseguimos nos controlar,

eu acredito que é por causa da furação do lábio que é muito forte e é um ritual muito espiritual. Os

espíritos dos povos antigos se juntam com a gente e nos ajudam a seguir com a cultura e muitas

vezes ficam bravos porque algumas pessoas não querem dançar, então, temos que dar continuidade

na cultura.

Eu venho de família Bakairi e sempre quem me ensinou a cultura foi a minha avó, ela me

ensinou a sempre dar valor na cultura, meu pai mesmo nunca me deu incentivo até porque ele é

cristão e ele queria que todos os filhos sempre seguissem o evangelho e não queria que nós

seguíssemos a cultura indígena, minha avó foi quem sempre deu apoio para nós dançarmos e para

enfeitarmos, ela sempre fazia os nossos enfeites, então, ela foi uma das maiores incentivadoras e

iniciadoras da nossa vida cultural.

Eu sempre gostei muito da cultura desde criança, sempre me encantei com os cocares, com

os cantos e com as mascaras, parece que nós já nascemos para praticar a cultura e não tem como

desviar porque gostamos e nos sentimos alegres, essa alegria vem de dentro do nosso coração por

estar praticando a cultura, não é para nos vangloriarmos porque é bonito, nós fazemos porque é

preciso fazer. A cultura nos torna forte e faz com que nós tenhamos união e com união nós sempre

somos mais fortes e buscamos essa união através da cultura.

Nós nos lembramos do povo que vivia aqui antigamente, então, nós temos noção disso tudo

o que falei porque a partir do momento que nós viramos guerreiros, tudo isso vem na nossa cabeça,

a todo o momento vem lembranças, sempre temos sonhos com as pessoas do passado, eu mesmo

não esperava que isso viesse acontecer comigo e depois da furação do lábio nunca mais fui o

mesmo, esse ritual nos trás muita responsabilidade (1).

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Entrevistada X – Edilene Corezomaé Monzilar

Descendente das etnias Nanbikwara e Pareci – Entrevista realizada em 29/01/2012.

Apresentação da Entrevistada

Edilene Corezomaé Monzilar, 21 anos, é filha de Carminda Monzilar (Etnia Nanbikwara), e

filha de Marcondes Corezomaé (etnia Pareci), casada com Cleomar Miauhe Tan Huare (etnia Pareci

/ Bakairi) com quem tem trê filhos, sendo eles: Minikamá que significa no dialeto Umutina “sol

nascente” (tem aproximadamente seis meses), Aumatari (tem aproximadamente dois anos) e Taila

(tem aproximadamente quatro anos).

No momento da entrevista estavam presente além do entrevistador e a entrevistada, o esposo

dela Cleomar Miauhe Tan Huare, a filha dela Minikamá e minha esposa Tainara Torika Kiri de

Castro (auxiliando na filmagem).

A entrevista foi recolhida na casa de Edilene aproximadamente às quinze horas e 45 minutos

da tarde. Um pouco antes da entrevista havia chovido mais quando chegamos na casa dela o sol já

estava reluzente, permanecendo com sol todo durante a entrevista.

Sentada numa rede com a filha dela Minikama no colo, ela começa a responder as perguntas

enquanto seu esposo observa-a. A casa é feita de pau-a-pique coberta com palha, a sala da casa tem

muitos artesanatos, pois o casal é artesão, portanto, fabricam artesanatos tradicionais dos índios

Umutina para si próprios com intuito de participar das danças da aldeia e para vender como forma

de sustento.

Transcriação da Entrevista

Meu nome é Edilene Corezomaé Monzilar, vou fazer vinte e dois anos ainda nesse ano e

estou estudando no ensino médio. Com relação à cultura! Nós sempre estamos praticando! Desde

criança nós mulheres participamos da cultura, nós dançamos a dança Yuri e Lorunó, essas são

danças sagradas e são as duas danças que nós mais praticamos aqui na aldeia, além dessas duas

existem outras, mas elas não foram repassadas para nós. Então, são essas as duas danças que são

dançadas com par, nós mulheres dançamos junto com os homens. Meu marido Cleomar havia me

explicado que são danças que o povo Umutina dançava quando alguém morria, então, são danças de

culto aos mortos.

Vou descreve as duas danças que nós mulheres participamos, na dança Lorunó os homens

tocam a flauta de taquara, a dança é somente ao som da flauta, depois nós mulheres fazemos uma

roda juntamente com os homens e colocamos as mãos no ombro do parceiro de dança e vamos

dançando em circulo. Já a dança Yuri é realizada com mascara, os homens usam as mascaras e as

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mulheres ficam saltitando na frente do parceiro com a mão no ombro dele, então, enquanto nós

estamos saltitando os homens ficam imitando pássaros e outros animais. As mulheres não cantam

nessa dança, nós nunca soubemos se as mulheres cantavam, mas quando alguém morria a mulher

mais velha cantava na língua Umutina.

Lembro que quando criança nós brincávamos aqui na Aldeia Umutina de arco e flecha, de

canoa, de nadar e de banhar, essas são as brincadeiras que nós mais gostávamos. Nós brincávamos

de brincadeiras de roda também, essas são as brincadeiras que as meninas mais gostavam de fazer.

Eu me lembro de algumas brincadeiras como “ciranda cirandinha”, mas as tradicionais eram

natação, banho, corrida e arco e flecha. Na brincadeira de arco e flecha nós flechávamos qualquer

coisa que víamos pela frente como laranja e pássaro (1).

Eu aprendi a cultura com o incentivo da minha avó e do meu avô, meu avô Antonio tinha

muita cultura ainda, ele falava bem na língua, cantava, rezava na língua, falava poesia, montava

verso entre outras coisas, nós já nascemos com esses dons também.

Eu gostaria de falar que a cultura é muito importante para a nossa vida porque a cultura traz

união para uns com os outros e traz paz de espírito, assim como traz arte e respeito para todos os

povos (2).

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CONSTRUÇÃO DOS RESULTADOS

Quadro 1: Matriz Nomotética

Transcriação Categorias

Pedro Gonça lina

Firmino Joaquim Jovail Antonio Dirce Itamar Cleomar Edilene

A) Exploração dos indígenas e de seu território pela manipulação e/ou imposição dos Wasse

1; 3 3; 5; 7; 8; 10; 12

2; 7; 9; 10

2; 5; 8; 10

1; 3

B) Congraça mento entre as distintas etnias indígenas habitantes da Aldeia Umutina

1; 9d 1

C) Jogos, brincadeiras, lutas, danças, festas, histórias, cantos e rituaisna afirmação da cultura dospovos indígenas da Aldeia Umutina

2; 4 2; 11; 13; 15

1; 3; 5; 6; 8; 11

1; 3; 4; 7; 9

1; 2 2; 5; 7; 8

2 1; 2; 3;4; 5

1 1; 2

D) Pesca, caça, plantio, preparação de pratos e trabalhos manuais dos povos indígenas da Aldeia Umutina

4; 6; 14; 16

4 6 4; 6

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A) Exploração dos indígenas e de seu território pela manipulação e/ou imposição dos Wasse

Nesta categoria observamos que houve a tentativa dos wasse impor a sua cultura a força aos

indígenas da chamada maloca e da Aldeia Umutina por visarem a exploração das riquezas naturais e

de mão de obra análoga a escrava. Observamos na categoria A que os não indígenas proibiram o

povo da Aldeia Umutina de praticarem suas tradições, por não as considerarem civilizadas. Através

da força buscaram “amansar” os indígenas da maloca e da Aldeia Umutina, conforme expressaram

Gonçalina (US-10) e Antonio (US-1). Ressaltamos, com base nos dados das entrevistas, que além

da força também foi usada a persuasão por parte dos não indígenas para conseguirem a mão de obra

indígena para os diversos trabalhos na lavoura sem qualquer remuneração (Firmino - US-10), sendo

os indígenas que não aderiam ao trabalho julgados como vagabundos (Antonio - US-3).

Muitos também foram forçados a se mudar de sua aldeia original e, pouco a pouco iam os

não indígenas buscando imprimir-lhes invizibilização e esquecimento de suas raízes, conforme

segue:

(...) não me lembro das brincadeiras, porque depois que meu pai e os Umutina mudaram da maloca para o posto indígena Umutina, o pessoal não indígena os proibiu de falarem a língua e de dançar (Pedro - US-1). Ainda lembro quando os Umutina vieram da maloca e chegaram aqui na aldeia, ainda alcancei os não indígenas lutando com os Umutina no Massepopare que era onde eles moravam, na beira do Rio Paraguai, até que os Umutina obedeceram e vieram para onde moramos hoje (Firmino – US-7). Existia cacique quando os Umutina estavam na outra aldeia, mas depois que vieram para essa aldeia eles já não tinham mais cacique, só ficou tendo chefe de posto mesmo para comandar (Firmino – US-10). Faz tempo quatro Umutina começaram a fazer as festas aqui na aldeia, eles estavam fazendo as festas perto do galpão onde o povo não indígena e indígena fazem palestra, mas ficou faltando uma festa para eles fazerem porque o chefe de posto da época os proibiu de fazer a última festa, então, os Umutina falaram, “nós temos que fazer essa festa, pois esta que é a mais perigosa e se nós não fazermos os espíritos vão tirar nós todos daqui”, e foi fato, os Umutina não fizeram a última festa e morreram, foi quando morreu o pai da minha esposa, meus cunhados e mais dois rapazes, somente Jula Paré que escapou, porque ele era criança e não deixaram ele participar de nehuma das festas (Joaquim – US-2). Quando os meus filhos eram pequenos eu só falava no idioma com eles, mas quando começaram a frequentar a escola, começaram a parar de falar o idioma e ficaram falando só o português mesmo, mas mesmo assim a gente não esquece o nosso idioma. Aqui teve um chefe de posto não indígena que proibiu os indígenas de falarem na língua materna, porque os Umutina ficavam bravos e xingavam na língua os não indígenas, então, eles não gostavam e falaram que nós tínhamos que conversar só em português mesmo, mas ninguém parou de falar no idioma mesmo assim (Joaquim – US-5).

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Através da análise dos dados da categoria A observamos muitas histórias do povo da aldeia

Umutina sobre os contatos com os não indígenas, sendo que a maioria deles envolveu conflitos

sangrentos em que houve ataque dos não indígenas a maloca e as Aldeias do povo Umutina

conforme expressa Gonçalina:

Depois que passou toda a briga, os não indígenas já haviam colocado fogo em tudo e o povo Umutina havia corrido para o mato, assim, depois de um dia inteiro na mata os Umutina voltaram pouco a pouco para a aldeia para ver o que tinha acontecido. Encontraram muitas pessoas mortas e as casas deles queimadas (...) (US-5).

Gonçalina acrescenta que decorrente dos inúmeros conflitos os Umutina resolveram deixar a

maloca e:

(...) é nesse momento que finado Maxipá fala que estava Marechal Rondon porque tinha um homem que os Umutina falavam que estava com casca de ferro, e foi esse homem que matou muitos deles, matava sem dó e jogava no rio, cortava o corpo dos Umutina, cortava os pescoços deles também. O tio do finado Maxipá morreu em um desses confrontos sangrentos, morreu na beira do Rio Jukwara, e Maxipá falava: “por isso que eu não gosto desse Marechal Rondon, eu não gosto porque ele matou bastante pessoas do nosso povo”. E conversando com os Pareci, eles falam que quem matou mais nos Bororo foi Marechal Rondon, e só depois que estava acabando com todos os indígenas que já viviam aqui que ele foi dar proteção para eles, mas isso foi depois de muito tempo, Rondon já tinha matado, já havia revirado essa mata atrás de ouro, madeira e poaia (US-10).

Houve ainda caso de rapto de mulheres e crianças, conforme manifestou a colaboradora

Gonçalina:

Durante a procura, numa baixada estava a cabeça de uma das irmãs do Cacique Batalarepá sem seu corpo, o qual nunca conseguiram encontrar, mesmo procurando por muito tempo. Além disso, suspeitavam que outras mulheres que eles não encontravam haviam sido levadas a força para o outro lado do rio pelos não indígenas (US-5). Os Umutina falavam que viam uma casa que flutuava na água, eles não sabiam que era um navio que estava no Rio Paraguai. Foi dessa vez que os não indígenas pegaram muitas mulheres indígenas novas, cerca de dez a doze anos de idade e levaram embora e nunca mais o povo Umutina as viu de novo (US-10).

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Também identificamos que houve muitas mortes do povo da maloca e da Aldeia Umutina

por causa das doenças contagiosas contraidas após o contato com os não indígenas, já que aqueles

não tinham resistência às doenças dos wasse, conforme declararam Gonçalina (US-10), Firmino

(US-9) e Joaquim (US-9 e US-10).

Curioso, embora triste, e elemento que nos faz perceber o absoluto não cuidado, não

conhecimento mínimo e não respeito à diversidade quando dos primeiros contatos realizados pelos

não indígenas junto ao povo Umutina é que quando os Umutina tentavam se comunicar com os não

indígenas, eram atacados, pois os mesmos não compreendiam a saudação de boas vindas Umutina,

denominada “saudação agressiva”, conforme asserção de Gonçalina:

(...) quando os Umutina viam uma pessoa sacudiam o corpo todo, iam para trás, para frente e para os lados, era muito bonito o cumprimento deles, mas quando eles faziam para os wasse, os mesmos começavam a atirar neles. Finado Maxipá mostrou para mim como eles cumprimentavam, mas eu não lembro direito, como na época as pessoas não entendiam, matavam os Umutina. Na época em que conheci finada Zakaru, ela fez a saudação deles para mim, agora você pode reparar na ema, ela também faz desse jeito quando vê a gente sacode a cabeça, balança o corpo e abre as asas, depois que os Umutina faziam tudo isso eles ainda abriam os braços para cumprimentar as pessoas. Só não cumprimentavam as pessoas quando iam para guerra. Os Umutina tinham uma lança que carregavam, quero dizer espada, eles seguravam nessa madeira, sacudiam e batiam a espada duas vezes no chão e falavam “miticami”? (US-12).

Também desvelamos situações de engodo dos wasse em relação aos Umutina, por exemplo,

na descrição de Pedro:

(...) havia um pessoal lá para cima no Rio Bugre que convidaram os Umutina para irem lá dançar, assim, os Umutina foram dançar todos pintados e com adornos, mas enquanto um pouco dos Umutina dançavam, um pouco ficou escondido no mato. Então você vê que os Umutina não são bestas, mas enquanto os Umutina dançavam os não indígenas que convidaram eles começaram a atirar neles, e os Umutina que estavam no mato ficaram somente olhando os que estavam dançando cair no chão quando eram atingidos pelos tiros. Como eles não sabiam o que era arma, pois nunca tinham visto uma antes, correram assustados e foram embora e passando uns dias eles retornaram no local onde seus parentes haviam morrido e ficaram a espreita, e depois conseguiram matar muitas pessoas que tinham matado os parentes deles (US-3).

B) Congraçamento entre as distintas etnias indígenas habitantes da aldeia Umutina

Observamos nesta categoria que apesar de haver distintas etnias presentes na Aldeia

Umutina houve congraçamento entre as mesmas, por exemplo, quando o indígena Maxipá, da etnia

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Umutina, estava doente quem cuidou do mesmo foi a indígena Gonçalina da etnia Pareci conforme

ela própria afirmou (US-1).

Dirce acrescenta que houve jogos praticados juntos pelas distintas etnias que moram na

Aldeia, desde que era menina na década de 1960:

(...) naquela época ainda vi os Umutina fazerem algumas brincadeiras e jogos. Lembro-me de vários jogos que os Umutina jogavam junto com os Pareci, também vinham pessoas da Barra do Bugres e das redondezas para participarem dos torneios de futebol, então, aqui existiam muitos jogadores bons que eram o Edson, o Virgilho, o Pedro, o marido da Maria, o Leu, o cinquentão e até meu esposo Clarindo jogava, eu lembro que tinham vários jogadores, mas eu não estou me lembrando de todos os que jogavam (US-1).

Ressaltamos ainda que, conforme identificamos na apresentação de cada um dos

colaboradores entrevistados, estes desenvolvem trabalhos diários conjuntos na aldeia, tais como:

caça, pesca, plantio, colheita, entre outros. Sendo imprescindível para a sobrevivência de todos.

Além disso, desde quando houve a redução do número de indígenas Umutina da maloca e da Aldeia

Umutina foram trazidos indígenas pelo SPI das etnias Pareci e Nambikwara para que houvesse

casamentos entre as diferentes etnias e, ainda depois, indígenas de outras etnias forma se mudando

para a Aldeia Umutina, sendo que atualmente moram na Aldeia Umutina nove distintos povos, a

saber: Umutina, Nambikwara, Manoki, Kayabi, Pareci, Bakairi, Bororo e Chiquitano

Observamos termos identificado divergência nessa categoria, pois apesar do congraçamento

entre as diversas etnias indígenas, quando os Umutina subiram o Rio Paraguai “(...) os indígenas

Habusé atacaram os Umutina e, então, a briga foi de indígena contra indígena” (US-9d).

C) Jogos, brincadeiras, lutas, danças, festas, histórias, cantos e rituais na afirmação da cultura

dos povos da Aldeia Umutina

A tradição dos povos indígenas da Aldeia Umutina gira em torno das histórias dos

antepassados, das guerras, de como surgiu o mundo, o sol, a lua, os rios, as pessoas, as plantações

entre outros, são histórias dos ancestrais e repassadas através da oralidade.

São para os povos indígenas histórias e não contos, como muitas vezes designam os não

indígenas, pois assim como os religiosos que seguem a tradição cristã acreditam piamente que Deus

criou o homem e a mulher, o céu, a terra e tudo que nela há; como o cientista acredita que o

surgimento da terra se deu através de uma grande explosão, e o ser humano pela divisão celular e

posteriormente pela evolução dos primatas; os povos indígenas também não identificam as suas

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histórias como mitos ou contos, pois, estes dois últimos são geralmente associados pejorativamente

a folclore.

Como já analisado na categoria A o povo da Aldeia Umutina foi diversas vezes proibido

pelos não indígenas de vivenciarem plenamente sua cultura, buscando levá-los ao esquecimento de

suas raízes, invisibilização e mesmo a desvalorização de suas tradições. Decorrente disso

observamos certa dificuldade do relato referente a etnomotricidade dos povos indígenas habitantes

da Aldeia Umutina, ou seja, suas manifestações relacionadas a jogos, brincadeiras, lutas, danças,

festas, histórias, cantos e rituais.

Ressaltamos que a maior parte de tais manifestações foram ensinadas pelo indígena Umutina

Julá Paré que faleceu em 2003, bem como de outros indígenas mais velhos que ainda se encontram

vivos e nos concederam entrevista, como Pedro, Firmino, Antonio e Joaquim:

Essas danças que as crianças fazem agora foram ensinadas por Jula Paré. (...) ele ficou fora daqui e só depois de velho voltou de novo, ocasião em que ensinou os alunos da escola a dançar entre outras coisas. Eu aprendi muito com o pai do Joaquim, o Kupo. Ele sempre contava histórias, eu era pequeno, mas de algumas das histórias eu ainda lembro (Pedro – US-2). (...) mas as danças eram iguais as que os meninos dançam hoje em dia, é do jeito que Jula ensinou mesmo (Firmino – US-6).

Joaquim relata o jogo de arco e flecha com todas as suas complexidades e como este se

desenvolve dentro da cosmovisão Umutina. A descrição nos faz perceber que os jogos, as

brincadeiras, as lutas, as danças, as festas, as histórias, os cantos e os rituais não são fragmentados

ou descontextualizados do mundo-vida do povo indígena Umutina, estes são interligados na vida

corrente:

Os Umutina têm a época certa para fazer as festas, quando se passam dois anos e completa o terceiro, vem aviso para eles fazerem as festas porque os espíritos estão pedindo, então, os Umutina fazem bastante xixa e comida para chamar os espíritos. Os Umutina começam a chamar os espíritos quando esta escurecendo, então, um homem começa a cantar dentro da casa falando o nome dos espíritos. Os espíritos normalmente querem somente comer, e se eles quiserem as brincadeiras, eles autorizam os Umutina a fazerem, mas se não querem eles não autorizam. Os Umutina sabiam que os espíritos queriam festa através dos sonhos, os espíritos conversam com os Umutina e os mesmos também conversam com os espíritos pelos sonhos, quando os Umutina acordavam eles ficavam pensando se iam fazer a festa ou não, então, reuniam um grupo para conversar e decidir se realmente iam fazer a festa, quando decidiam fazer, eles mandavam as mulheres irem à roça pegar milho para fazer xixa, mandavam alguns homens irem pescar e mandavam dois homens irem caçar bicho como porco do mato e caititu para fazer a carne da caça com biju, mas os espíritos pedem os bichos que eles querem comer, porque quando

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estavam vivos não maltratavam os bichos, só que eles gostam de comer a carne de alguns bichos porque onde eles estão não existe nada, então, se lembram do que já comeram aqui e pedem para os Umutina prepararem para eles. Vamos supor que aqui tem seis panelas de xixa e biju, os Umutina chamavam os que não estão vivos, chamavam os que já foram, então, aqueles que já morreram vinham e ficavam em vocês, como aqui são quatro pessoas, vão ser quatro pessoas que morreram que vão vim e ficar no corpo de cada um. Os Umutina chamavam os espíritos pelos nomes deles e ofereciam xixa para eles beberem, as mulheres não podiam ver esse ritual, somente os homens participavam e quando acabava o ritual os homens levavam xixa, milho e carne de qualquer bicho para a família (Joaquim – US-1).

Alguns indígenas mais novos, tais como Itamar, Jovail e Cleomar, por nós entrevistados,

também tiveram contato e aprendizado com indígenas mais velhos, os quais a partir da oralidade

lhes passaram valiosas informações sobre a ancestralidade cultural do povo habitante Umutina:

Eu pesquisei os mais velhos, conversei com o Valdomiro porque eu não tinha aproveitado a época do Jula Paré porque ele faleceu em 2003 e foi nessa época que a minha família veio da Barra do Bugres para essa aldeia (Itamar – US-1). Eu aprendi três danças com finado Jula e foram estas as da flauta do buriti, a da taquara e a dança com as mulheres. Na dança das mulheres os Umutina imitam alguns animais, são quatro, primeiro eles fazem “cucucucucucucucu”, segundo “pitpitpitpitpitpitpit”, terceiro “wiwiw, wiwiw, wiwiw”, quarto “ruu, ruu, ruu, ruu, ruu, ruu” (Jovail – US-1). Eu aprendi as danças do povo Umutina a partir do momento que entrei para o grupo “Nação Nativa”, nessa época o Oscar que coordenava e quem ensinava era o ancião Jula Paré (Cleomar – US-1).

De acordo com a diversidade étnica existente na Aldeia Umutina, na qual habitam além do

povo Umutina, também os povos Bakairi, Bororo, Chiquitano, Kayabi, Manoki, Nambikwara,

Pareci, igualmente foram realizadas festas tradicionias destas etnias. Dirce, por exemplo, relata uma

dança dos Pareci denominada Zolane:

Eu já dancei a dança dos Pareci aqui na aldeia. Os Pareci fizeram uma dança chamada Zolane, aquela foi uma grande festa! Os Pareci faziam muito mingau para os espíritos dos Pareci antigos que já haviam morrido participarem da festa, então, os espíritos vinham para beber a xixa junto com os que estavam vivos. Eles faziam xixa e colocavam no canto da casa, perto do pau que segurava a casa e os Pareci colocavam a xixa ao redor desse pau. Nós dançávamos o Zolane quando era para fazer o batizado das crianças, então, colocávamos os nomes das crianças na língua Pareci, mas quem sabia qual ia ser o nome da criança era somente o cacique, assim, os espíritos traziam o nome para o cacique colocar na criança, para fazer esta festa os Pareci tinham que matar muito bicho e pescar muito peixe para assar tudo no dia da festa e quando sobrava o povo repartia para quem quisesse (Dirce – US-4).

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Também foram relatadas práticas de origem não indígena que foram realizadas e/ou ainda

são praticadas na Aldeia Umutina, muitas das brincadeiras não indígenas foram ensinadas pelos

professores wasse que davam aula para os povos da Aldeia Indígena Umutina no tempo do SPI e,

assim, foram passadas de geração em geração juntamente com as práticas indígenas. Ressaltamos,

no entanto, que tais práticas são ressignificadas, ocorrendo interface entre as manifestações de

origem indígena e de origem não indígena:

Nós brincávamos de roda, igual os não indígenas mesmo, brincávamos cantando, brincávamos de carrinho de pau que nós mesmos fazíamos, essas eram as nossas brincadeiras do tempo em que éramos crianças, flechávamos também, quando tinha época de bater timbó nós íamos matar os peixes de flecha, depois juntávamos os peixes para lavá-los e colocá-los no giral para assar, muquear como eles falam, assim era a tradição dos indígenas que viviam aqui naquela época (Firmino – US-3). (...) lembro que era aquele monte de meninada sempre brincando de roda, cantando e fazendo verso. Nós fazíamos peteca de milho para nós jogarmos, e ainda existia naquela época um brinquedo (...), o nome dele é brocha, o brinquedo é um bolo de pau redondo igual bola, e com esse brinquedo que nós brincávamos aqui na aldeia, (...). Nós gostávamos de brincar com flecha também, bastante menino brincava de flechar no alvo, nós fazíamos uma placa e desenhávamos um passarinho e ficávamos flechando, gostávamos de banhar no rio e jogar bola. Nós brincávamos ainda de luta, rolávamos no chão lutando e depois íamos nos banhar no córrego, nós fingíamos que éramos peixe enquanto outra pessoa jogava a linhada e nos puxava (Firmino – US-6). O que podemos considerar hoje como jogo dos Umutina é mais o arco e flecha mesmo, eles eram bons flechadores e caçadores. Já eu quando criança brincava de soltar pipa que a professora fazia para nós, jogava futebol e também gostava muito de me banhar no rio, nós brincávamos bastante no rio de pega-pega e de Xiripa, esta ultima é uma brincadeira de bater a mão na cabeça do colega e depois sair correndo porque ele que tinha que pegar alguém, e a noite nós brincávamos de caí no poço e rouba bandeira, ainda brincávamos de peteca de milho que aprendemos na escola com o professor, foi como eu aprendi, agora não sei se esse jogo já foi parte cultural, mais eu aprendi na escola. (...) colocávamos os meninos para “lutar” (...), só que nós começávamos a brincar de luta no chão (...). Outro divertimento nosso era montar no bezerro e como aqui tinha muito gado naquela época, o pessoal que tinha vaca e bezerro mamando, nós pegávamos e montávamos no bezerro, até dois amigos aqui da Aldeia machucaram o braço ao cair do bezerro (Jovail – US-1). Antigamente havia vários tipos de jogos e de brincadeiras, tinha o jogo da peteca, nós fazíamos a peteca de palha de milho e ficávamos jogando, e lembro que era tempo de brincadeira de roda, nós fazíamos uma roda grande cheia de jovens e brincávamos, tinha a brincadeira do “meu bom barqueiro”, então nós brincávamos bastante. Eu aprendi as brincadeiras de roda através da escola, foram os jovens que nos ensinaram, porque os jovens daquela época já haviam aprendido (...). O jogo da peteca tinha regras e ganhador também, porque quando uma pessoa deixava a peteca cair, essa tinha que sair da roda, então, não podia deixar a peteca cair, ela tinha que permanecer no ar para passarmos de mão em mão. A brincadeira “meu

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bom barqueiro” era de roda e nós brincávamos e cantávamos assim: “Passa, passa meu bom barqueiro, da licença para passar, eu tenho fila pequena não posso mais sustentar. Passa, passa três vezes pela última ficará”. Enquanto nós estávamos cantando nós íamos passando pelas outras pessoas e outras crianças vinham e entravam atrás da fila e então iam rodeando e o que ficava por último saía da brincadeira. Nós também brincávamos de passar anel, assim, nos reuníamos todos sentados e uma pessoa tinha que passar o anel para a mão de quem estava sentado e, quem ficava por último tinha que adivinhar com quem estava o anel e quando não adivinhava a pessoa pagava prenda, tinha que cantar, pular igual gato ou imitar um cachorro (Dirce – US-4). Lembro que quando criança nós brincávamos aqui na Aldeia Umutina de arco e flecha, de canoa, de nadar e de banhar, essas são as brincadeiras que nós mais gostávamos. Nós brincávamos de brincadeiras de roda também, essas são as brincadeiras que as meninas mais gostavam de fazer. Eu me lembro de algumas brincadeiras como “ciranda cirandinha”, mas as tradicionais eram natação, banho, corrida e arco e flecha. Na brincadeira de arco e flecha nós flechávamos qualquer coisa que víamos pela frente como laranja e pássaro (Edilene – US-1).

É notório o interesse dos povos indígenas da Aldeia Umutina por instrumentos musicais não

indígenas, como o violão. Joaquim diz que “Finado Torika sabia fazer violão e tocar, ele com

Firmino Torika que faziam as festas para o povo dessa aldeia. Lembro numa festa finado Bakalana

solando no violão enquanto Torika acompanhava e quando Bakalana cansava era Torika que

começava a solar e Bakalana só acompanhava, então. Firmino se interessou e pediu para o pai dele

fazer um violão para ele” (US-7). Observamos também presença de festas dos não indígenas na

Aldeia Umutina, tais como a festa de: Santo Antonio, São Sebastião e São João conforme explicita

Jovail (US-1) e Firmino, a seguir, este último tendo participação ativa nas festas supracitadas, bem

como em festas nas cidades vizinhas:

Tem um velho amigo meu da Barra do Bugres que é só me ver e ele fala: “E Firmino! Aquela aldeia já foi movimentada! Já teve muita festa boa!”, eu falo para ele: “Ainda bem que você sabe Cardoso!” depois ele disse: “Pois é! conheci ali muitos anos, quando nós dançávamos todo ano na festa de 19 de abril! São João! São Pedro! Firmino é de lá, ele que tocava mais os primos dele para nós dançarmos”. O Cardoso falou desse jeito para o povo. Quando eu era rapaz aprendi a tocar violão aqui na aldeia com os meus primos Paulo, Aurélhão e Bastião, eles tocavam violão de baixo do pé de mangueira, eu era criança e ficava olhando eles tocando e cantando, eu pegava o violão e começava a tocar solando, o pior que aprendi a tocar violão solando. Meu pai foi em Cuiabá levar minha mãe para tratar de uma doença e lá ele comprou um cavaquinho e trouxe para mim, ai eu aprendi a solar no cavaquinho, depois aprendi a afinar sozinho o violão. Aqui na aldeia todo mundo era bom para tocar, nós saíamos para tocar na Barra do Bugres na festa de Santa Cruz e festa de Santa Terezinha e todo mundo gostava (Firmino – US-11).

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Ressaltamos que ao longo do tempo houve a substituição de professores não indígenas por

professores indígenas e, atualmente, a Escola Estadual de Educação Indígena Jula Paré conta

somente com professores e funcionários indígenas da própria Aldeia Umutina.

Na construção dessa categoria percebemos que processo educativo de afirmação da

identidade Umutina acontece também por meio dos professores indígenas da Escola Estadual de

Educação Indígena Jula Paré, na qual há componente curricular denominado “língua materna”, com

o intuito de valorizar a cultura, a ancestralidade, o melhor acesso a sabedoria dos anciões da Aldeia,

bem como fortalecer o idioma Umutina, pois as palavras tem um sentido, um significado, uma

intencionalidade específica no contexto do povo que a profere, que dialoga, que se comunica

através dela, comunicando mais que informações, uma tradição, uma cultura.

Assim:

Os professores pedem para os alunos pesquisarem o idioma Umutina comigo para depois o levar à sala de aula, entregar para o professor e este vai passar as palavras no quadro para os meninos aprenderem. As palavras que eu falei para os meninos servem para eles estudarem para amanhã, no outro dia o professor os chama para lerem o que foi passado na aula, e esse é o papel do professor, mas não sei se os professores fazem isso ou se são os alunos que não entendem e dessa maneira há dificuldade para o aprendizado da tradição dos Umutina (Joaquim – US-3). Os professores têm que passar na sala de aula o que os mais velhos ensinam para eles, e os alunos têm que anotar a tarefa que o professor passa no quadro porque quando o aluno chegar na casa dele, vai ter que estudar o que copiou. Eu falo pouco na língua, mas para eu falar a pessoa tem que perguntar o que ela quer saber (Joaquim – US-4).

O idioma Umutina é também conservado por meio dos anciões e é falado diariamente para

que não seja esquecido como podemos observas na descrição de Antonio:

Não lembro mais de muitas palavras no idioma Umutina, só tem algumas frases que eu sempre falo quando o pessoal passa na frente da minha casa, “urixa” é mulher, “urixa pitukwa?” Eu estou perguntado, se a mulher esta bem. “Urixa arikixi imy” quer dizer olha para mim, “imy tawakiri imy?” Eu estou perguntando, vocês estão com vergonha de mim? “Urixa amuxixi pitukwa” que dizer mulher gorda e bonita. É assim que o nosso povo fala, agora homem no idioma é “abedo”, “abiodo kurika” significa criança pequena, quando tem gente aqui na minha casa e já vão embora eu falo, “amy pixé?” quer dizer vocês já vão embora?! Ai o povo pergunta o que significa isso?! Eu falo que estou perguntado se eles já vão embora e eles respondem que sim, mas eles têm que falar “imy pixé”, que significa já vou embora, depois eu falo “axipá imy?” E eles não sabem o que significa e perguntam o que é “axipá imy?!” Eu respondo que significa que eles estão falando que vão para casa deles. Eles não sabem e eu ensino eles, eu também falo “amy aurixa imy arikixi imy”, eles perguntam o que significa?! Eu respondo que estou falando vocês vieram olhar os indígenas aqui, ai eles respondem que sim. Outra frase que os

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Umutina falam é “imy tabiá” que significa eu estou doente. Eu falo “imy iho bárbaro”, bárbaro é remédio para curar (Antonio – US-8).

Percebemos ainda nas falas de Firmino que os anciões resistiram durante muito tempo a

imposição dos wasse que deveriam falar o português:

O meu pai ainda falava na língua, mas eu não consegui aprender o nosso idioma, somente os Umutina mais velhos que falavam entre eles, quando um falava na língua o meu pai entendia e respondia na linguagem também. O finado Jukuepa foi o Umutina mais velho que eu conheci, ele era pai do finado Julá. Jukuepa e sua mulher morreram sem aprender a falar português, nem o irmão do finado Julá que é Atukwaré aprendeu a falar português, morreram só falando a língua indígena Umutina, mas os outros todos aprenderam o português (Firmino – US-5).

Também observamos a vontade de divulgação da cultura para afirmar a mesma mediante a

própria Aldeia como diz Itamar:

(...) eu e o meu irmão Cleomar temos vontade de fazer todas as coisas relacionada a cultura, nós conversamos que vamos fazer mais para frente porque agora não temos condições, temos que fazer projeto para termos mais ajuda, pois gasta-se muitos materiais para fazer uma festa grande e bonita fora da aldeia. Da vontade de fazer festa tradicional sempre, eu e meu irmão gostaríamos de morar no meio do mato e abrir uma aldeia tradicional e fazer várias coisas tradicionais dentro dessa aldeia para trazer gente de fora e divulgar a aldeia, nós pensamos em fazer um filme também (US-3).

As falas de Edilene refletem como o processo educativo de manutenção da tradição é

realizado pelos anciões, fontes de conhecimentos, e estes o fazem através da oralidade, junto aos

jovens:

Eu aprendi a cultura com o incentivo da minha avó e do meu avô, meu avô Antonio tinha muita cultura ainda, ele falava bem na língua, cantava, rezava na língua, falava poesia, montava verso entre outras coisas, nós já nascemos com esses dons também (Edilene – US-2).

Também se tem afirmação da cultura através de pesquisas que são realizadas por

praticamente toda comunidade, em sua maioria junto aos anciões que ensinam o que sabem, viram

ou ouviram, ou também através de pesquisas em museus, bibliotecas e internet, entre outros,

ajudando o povo da Aldeia Umutina a preservar seus costumes.

Faltou Jula Paré passar o significado das danças e dos cantos para nós, ele só falou os nomes das danças porque os significados ele já não lembrava e nem da pintura

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corporal, nem Joaquim e nem Antonio se lembravam das pinturas corporais. Foi através das pesquisas e fotos dos Umutina antigos que nós conseguimos buscar as pinturas do corpo e alguns significados, a única pintura que tem na língua é a do risco que sai do canto do olho e vai até a orelha, e tem diferença da pintura do homem e da mulher, o risco do homem desce até no buraco do ouvido e a da mulher desce até a ponta inferior da orelha. O nome dessa pintura está escrito em uma revista que um amigo da Aldeia trousse de Cuiabá e, por sua vez, tinha ganhado de um amigo dele. A revista foi publicada pelo Museu do Índio do Paraguai, mas tem que traduzir o que está escrito porque a revista foi escrita em espanhol e só quem entende bem é que sabe o significado (Jovail – US-2). (...) temos algumas danças pesquisadas como mixinoze, Katamã e da andorinha, essas são as que nós mais dançamos aqui na aldeia (...). Agora sobre as pesquisas que nós fizemos da passagem do menino para virar homem, esse é um ritual muito espiritual, eu mesmo nunca havia tido a experiência da passagem, somente conhecia de livros, mas nunca tinha sentido na pele tudo o que os meninos Umutina sentiam antigamente quando faziam a passagem. (Cleomar – US-1).

O jovem Itamar relata algumas danças e cantos do povo Umutina que aprendeu através de

pesquisas, podemos observar o relato da dança apikurina, esta de cunho espiritual para os Umutinas,

onde os dançarinos representam o bem e o mal e são diferenciados pela pintura corporal e o tipo do

canto entre os dois grupos que dançam e há presença de contato (Itamar – US-4). O mesmo ainda

ressalta que havia dezessete cerimônias e estas continham os sub-cerimoriais. Itamar ainda canta a

música de tirar mel; do Akakono, que é a dança dos guerreiros, a qual era cantada pelos veteranos

de guerras para que as boas forças dos espíritos protetores pudessem os proteger em momentos de

conflitos e para os jovens não terem medo; depois canta a música do Katamã, a qual elogia o

guerreiro Umutina (Itamar – US-2). Cleomar também relata a dança kurioká (dança da flauta),

realizada com flauta de bambu denominada zanimbokwa, tratando-se de uma dança fúnebre em

homenagem aos mortos que tem lugar no ritual adoê, com participação somente dos homens

(Cleomar – US-1). A colaboradora Edilene (US-1) relata duas danças que tem a participação das

mulheres, sendo estas yuri e lorunó, as quais são de culto aos mortos, conforme descreve:

(...) na dança Lorunó os homens tocam a flauta de taquara, a dança é somente ao som da flauta, depois nós mulheres fazemos uma roda juntamente com os homens e colocamos as mãos no ombro do parceiro de dança e vamos dançando em círculo. Já a dança Yuri é realizada com máscara, os homens usam as máscaras e as mulheres ficam saltitando na frente do parceiro com a mão no ombro dele, então, enquanto nós estamos saltitando os homens ficam imitando pássaros e outros animais. As mulheres não cantam nessa dança, nós nunca soubemos se as mulheres cantavam, mas quando alguém morria a mulher mais velha cantava na língua Umutina (Edilene – US-1).

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Os entrevistados Itamar, Clemar e Edilene comunicam reflexões acerca da cosmovisão

indígena, e como a cultura indígena está interconectada a vida, a terra, aos ancestrais, ao outro (o

semelhante):

Eu gostaria de falar que a cultura é muito importante para a nossa vida porque a cultura traz união de uns com os outros e traz paz de espírito, assim como traz arte e respeito para todos os povos (Edilene – US-2). Como jovem eu quero falar que a população está crescendo e a terra é a nossa principal fonte de vida, nós temos que lutar por ela porque os nossos anciões estão morrendo e a cada dia a tendência é que eles nos deixem e nós vamos envelhecendo e daqui uns tempos vamos embora também e como a terra é a nossa fonte de vida, porque na terra nós podemos plantar e sem ela perdemos nossa cultura, porque é através da terra que nós podemos preservar a cultura do nosso povo, mas perdendo a terra nós não temos o que preservar, eu falo isso porque tem muitos povos que querem ter uma vida como nós temos aqui nessa aldeia e tem muitos jovens que não têm a vida que nós temos aqui, eles querem um lugar para morar, pescar e caçar, então, como temos a terra demarcada precisamos cuidar e lutar por ela, então, nós jovens temos que lutar pela nossa terra e não deixar a cultura morrer, podemos buscar o conhecimento lá fora, mas depois trazê-lo para nos fortalecemos e repassar a nossa cultura para as nossas crianças que estão nascendo, eu como jovem entendo que a terra é o principal objetivo de estarmos lutando, pois na nossa terra temos moradia, caça, pesca, filhos e proteção (Itamar – US-5). Eu sempre gostei muito da cultura desde criança, sempre me encantei com os cocares, com os cantos e com as mascaras, parece que nós já nascemos para praticar a cultura e não tem como desviar porque gostamos e nos sentimos alegres, essa alegria vem de dentro do nosso coração por estar praticando a cultura, não é para nos vangloriarmos porque é bonito, nós fazemos porque é preciso fazer. A cultura nos torna fortes e faz com que tenhamos união e com união nós sempre somos mais fortes e buscamos essa união através da cultura (Cleomar – US-1).

Ressaltamos ainda relatos sobre o ritual de passagem, quando meninos se tornam homens:

Quando os meninos Umutina iam fazer a passagem, os pais escolhiam os padrinhos, normalmente escolhiam as pessoas mais próximas da família, então, os padrinhos tinham que fazer o primeiro feixe peniano para o menino e o restante dos adornos que ele ia precisar. Para os Umutina o ritual de passagem é igual um batismo, é uma crença mesmo, parecida com um ritual religioso, como quando as pessoas se convertem a dada igreja, então, você faz votos para que você não venha a desonrar sua comunidade ou a sua pátria. Assim, quando houver uma guerra, você vai ajudar o seu próximo a combater em defesa da terra ou em defesa da sua cultura e tradição, (...) e cada um que batiza tem que dar continuidade na cultura e não pode desonrar o seu nome e nem o da etnia. Para eu fazer o ritual de passagem tive que pensar muito porque ia mudar completamente a minha vida e também o meu jeito de viver e depois eu não ia ser mais criança. Eu não sabia que ia mudar tanto, mas mudou! Eu fiquei entre vários rapazes que iam furar o lábio, fizemos uma reunião primeiro e depois decidimos que íamos furar, então nós pegamos osso de onça para furar o lábio, mas pode usar também o espinho de ouriço que não dói

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tanto, com os materiais em mãos foi só furar o lábio devagar até o osso ou espinho passar todo o lábio. Enquanto isso você tem que suportar a dor, você tem que sentir esse momento espiritual e depois de termos furado o lábio nós ficamos com uma sensação tão marcante que você nunca esquece, nós passamos para o estado de espírito e ficamos diferentes. Na mesma noite que eu furei o lábio eu tive muitos sonhos diferentes, alguns sonhos eram bons e outros sonhos eram maus, eu não sabia que isso poderia acontecer, mas tudo isso acontece comigo ainda hoje, mas nós não podemos deixar o espírito do mal tomar conta de nós porque estamos fracos, ficamos um pouco loucos e há momentos que nós não conseguimos nos controlar, eu acredito que é por causa da furação do lábio que é muito forte e é um ritual muito espiritual. Os espíritos dos povos antigos se juntam com a gente e nos ajudam a seguir com a cultura e muitas vezes ficam bravos porque algumas pessoas não querem dançar, então, temos que dar continuidade na cultura. Nós nos lembramos do povo que vivia aqui antigamente, então, nós temos noção disso tudo o que falei porque a partir do momento que nós viramos guerreiros, tudo isso vem na nossa cabeça, a todo o momento vem lembranças, sempre temos sonhos com as pessoas do passado, eu mesmo não esperava que isso viesse acontecer comigo e depois da furação do lábio nunca mais fui o mesmo, esse ritual nos trás muita responsabilidade (Cleomar – US-1).

O ancião Joaquim explica porque não podia se passar a tradição Umutina para os mais

novos:

Antigamente os mais novos não podiam participar dos rituais, era por isso que Jula não queria ensinar as danças do povo Umutina para o pessoal, porque depois iam incluir criança pequena. O povo antigo ficou bravo com ele, o machucaram e quase que o mataram, depois ficaram com pena dele e fizeram-no melhorar de novo, mas não adiantou muito porque depois carregaram Jula e o jogaram no córrego e mataram ele por causa disso. Antes de morrer, ele veio aqui na minha casa e me falou: “olha Joaquim! Você faz parte do meu povo, porque casou com a minha sobrinha, então eu não quero que você ensine esse povo! Principalmente não indígena! Meu pai judiou de mim e de minha irmã, é por causa disso que eu não queria ensinar esse povo”, mas quem convenceu Jula Paré a ensinar a cultura foi um indígena Pareci e uma não indígena, professora na Aldeia, mas não é como a dança do nosso povo (Joaquim – US-1).

D) Pesca, caça, plantio, preparação de pratos e trabalhos manuais dos povos indígenas da

Aldeia Umutina

Observamos nessa categoria que os alimentos mais consumidos pelos povos indígenas da

Aldeia Umutina, antes do contato com o não indígena, eram milho, mandioca, banana, cará, batata,

feijão, fava, peixes e animais de caça (porco do mato, paca, anta, catitu, tatu, capivara, quati e

matero), conforme descrevem Gonçalina e Antonio:

(...) eles sempre plantavam, milho, mandioca, banana, cará, batata, feijão e fava. Antes de saírem deixaram um pouco dos homens para cuidar das mulheres e foram pelo Rio Paraguai, depois pelo Rio Bugre para caçar e pescar (Gonçalina - US-4).

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Eu fiz uma roça na beira do Rio Paraguai e nela plantei banana, mandioca, cana, cará, batata e arroz (Antonio – US-4).

Também preparavam, alguns ainda preparam, a partir dos alimentos tradicionais pratos e

bebidas derivados, tais como: farinha de mandioca, farinha de peixe, tamakare, xinrunru, xixa,

rapadura, polvilho e o sal do acuri, conforme relatam Gonçalina e Antonio:

Eu ficava observando o finado Maxipá enquanto ele me ensinava a fazer as comidas do povo Umutina. Ele me ensinou a fazer o xinrunru. Essa comida é feita com o milho fofo, esta é uma espécie de milho que na terra boa as espigas ficam grandes (...). O mais importante quando for fazer o xinrunru é ter o milho e o fogo no chão com a terra fofa (...). Então, para fazer o xinrunru, tem que ralar o milho e lavá-lo, depois tem que fazer o fogo no chão e quando este estiver com muita brasa e cinza temos que espalhar um pouco, então, tem que apertar a cinza com uma cabaça pequena para depois colocar a massa do milho molhada sobre a cinza, aí tem que alisar a massa com a cabaça e a cada camada de massa que vai colocando sobre a outra tem que apertar bastante para não entrar terra e nem cinza, depois tem que jogar a cinza em cima da massa e deixar assar. Ainda tem como fazer o xinrunru com a folha de bananeira (...). Depois que o xinrunru está pronto, você tem que tirar uma fina camada de cima e outra de baixo dele e somente comer a parte do meio (...). Tem o tamakare que é feito de arroz, para prepará-lo você tem que socar o arroz (...). Depois de ter socado o arroz você coloca a água para ferver e enquanto isso amassa o arroz batido como se amassa a massa de bolo e mistura bastante para virar um grude, então, você faz umas bolas pequenas e as coloca na água fervendo para cozinhar e já está pronto (...). Maxipá também me ensinou a fazer farinha de peixe, (...) ele pegava bastante sauviru, fazia um giral para colocar o peixe para assar, o peixe tem que secar no fogo por mais ou menos três dias, o peixe chega a envergar. Depois você soca o peixe com escama, com espinho, com tudo no pilão e depois o coa e se quiser é só colocar pimenta, então, a farinha de peixe já esta pronta (...). Outra coisa que Maxipá me ensinou a fazer também é o sal do acuri (...). Maxipá cortava o acuri inteiro e o colocava na caieira de fogo para queimar, então a cinza do palmito virava o sal, (...) ele cortou o acuri e o carregou inteiro, depois ele jogou o acuri em cima da fogueira, eu não me lembro se foi na lua cheia ou na minguante, aí foi só esperar até o outro dia para aparecer na brasa o branco do sal (Gonçalina - US-15). Como papai era carpinteiro ele fez o engenho para ele com os irmãos dele moerem a cana e fazerem a rapadura, enquanto isso mamãe e eu estávamos fazendo farinha, depois que tudo ficou pronto eu desci sozinho no remo o Rio Paraguai para ir à Barra do Bugres vender mandioca, farinha, rapadura, polvilho (Antonio - US-4).

Observamos que a caça e a pesca não era exacerbada, se caçava e pescava somente o

necessário para o consumo da comunidade e, este ato é descrito por Antonio quando relata um

pouco da pesca tradicional do povo indígena da Aldeia Umutina, denominada timbó:

Os Umutina antigos colocavam o timbó na baía para deixar os peixes desorientados, assim flechavam os peixes e não deixavam desperdiçar, aproveitavam todos os peixes. No rio Paraguai tinha muito peixe também, e os

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Umutina andavam flechando no rio Paraguai, matavam os peixes só para comer, depois de certo tempo eles iam caçar e matavam macaco ou quati para comer com biju (Antonio – US-6).

Os trabalhos manuais feitos pelos povos da Aldeia Umutina demostram conhecimento

obtido dos antepassados, passados de geração em geração pela oralidade. A vivência em harmonia

com a natureza e o respeito ao saber ancestral os ensinou a escolher as melhores plantas e

instrumentos para o artesanato, a fazer as tintas que são utilizadas no mesmo, bem como distinguir

as plantas medicinais das venenosas. Gonçalina (US-6, US-14, US-16) relata como se fia o algodão,

como se confecciona a rede de dormir, o cocar, o buque (cesto para pegar peixes ou carregar

produtos da roça), o apa (espécie de peneira com orifícios mais abertos) e o arco e flecha, bem

como se prepara a tinta e o veneno para passar na flecha.

Gonçalina descreve que foi com Maxipá, ancião da comunidade com quem ela conviveu,

que aprendeu sobre artesanato:

(...) foi Maxipá que me ensinou a fazer o batido de rede, ele me ensinou uma trança que hoje eu vejo o povo comprando, eu comprei uma revista e vi que ele fazia esse trançado de macrone. Ele me ensinou a fazer buque, que é uma ferramenta para eles pescarem. O buque tem um arco grande e duro, em todo arco tem tranças de fio de tucum com pouco espaço, assim, ficava aquele saco pendurado tipo uma rede. Depois de pronto pegava até peixe grande. Maxipá me ensinou a fazer vários trançados como a trança de buque, trança de colar, trança de rede e de apá, tudo isso eu aprendi com ele. Os Umutina faziam o batido da saia de algodão das mulheres, você vê filha! Até fazer o fio de algodão Maxipá me ensinou! Ele me disse: “Gonçalina eu vou fazer um fozo para você”, eu perguntei, mas o que é fozo Maxipá? Então, ele fez uma pequena roda de telha e a furou no meio, colocou um pauzinho de siriva no furo e falou “toma esse daqui, eu vou ensinar você a fazer fio de algodão”. Como Maxipá plantava e colhia muito algodão, ele tinha um saco cheio de algodão porque a todo tempo eles utilizavam. Então, para me ensinar a fiar o algodão, para fazer o novelo ele sentou e limpou todo o algodão, depois pegou um pequeno arco de madeira que ele tinha e começou a bater no algodão. Bateu, bateu, bateu, até o algodão misturar, ficou a coisa mais linda! Tudo fofinho! Ai ele pegava o algodão e ia fazendo os fios comprido tipo uma corda, só que, depois tinha que torcer um fio no outro. Ele falou para mim, “agora você vai torcer o algodão para fazer rede”. Olha, quando a gente tem interesse de aprender a gente aprende, eu aprendi muita coisa com ele e foi com Maxipá que eu aprendi a fazer rede, eu faço rede de dormir, faço rede de pesca (...). Ele me ensinou a fazer o trançado do cocar e o pai dos meus filhos também aprendeu com ele. O cocar é trançado e depois pintado com jenipapo, mas é pintado numa embira e é trançado com palha de aguaçu, você pode fazer a tinta vermelha e pintar. O apá também é a mesma coisa, a tinta tem que ser cozida para pintar a palha. Ressalto que o apá é diferente de peneira porque a peneira tem os

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buraquinhos mais abertos e o apá é fechadinho, então, ele me ensinou a fazer bastante coisa naquela época e ai era interesse meu em aprender também (US-16)

Com base nas entrevistas observamos que os indígenas da aldeia Umutina também

aprenderam a fazer alguns trabalhos de origem não indígena a maneira wasse, tais como: serrar

madeira, fazer tijolo, fazer telha, entre outros. Esses trabalhos tiveram a finalidade de construir

casas de alvenaria a mando dos não indígenas no tempo do SPI e, como relata o indígena Firmino,

somente o prego e o cal foram trazidos de fora da Aldeia, sendo o restante do material para

construção das casas feitos nela própria pelos indígenas que nela viviam, conforme relatam:

(...) essas dez casas que tem de alvenaria, mais a casa grande, escola e hospital precisaram de madeira, vigota, caibro, ripa e porta, todos esses materiais foi meu pai que serrou na serra braçal, já pensou?! Existe o serviço dele até hoje, e outra, os materiais que tem nessas casas de alvenaria foram todos feitos aqui também o que veio de fora foram os pregos para pregar as portas e o cal para pintar as casas, o restante do material foi todo fabricado no Maitá (Firmino – US-4). O Firmino ficava mais nessa aldeia e o pai dele nem ia à outra aldeia, eles ficavam trabalhando, finado Torika aprendeu a serrar madeira, as madeiras dessa casa foram serradas por ele, esse era o serviço dele. (...) essas casa foram eles que construíram (Joaquim – US-6) (...) Como papai era carpinteiro ele fez o engenho para ele com os irmãos dele moerem a cana e fazerem a rapadura, enquanto isso mamãe e eu estávamos fazendo farinha (Antonio – US-4).

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CONSIDERAÇÕES

Este projeto foi desenvolvido, inicialmente, através de pesquisas e conversas no NEFEF

(Núcleo de Estudo de Fenomenologia em Educação Física) na Universidade Federal de São Carlos,

então, houve o despertar por investigar a motricidade humana do povo indígena que vive na Aldeia

Umutina com a finalidade de fortalecer a cultura desse povo, bem como, mostrar a diversidade de

motricidade que há no Brasil, assim também, ajudar os professores da Educação Física e educadores

em geral a elaborar planos de aulas com conteúdos que abordem a cultura indígena e sua

motricidade.

Posteriormente tivemos a possibilidade de realizar a pesquisa juntamente ao povo da Aldeia

Indígena Umutina, o que veio a somar e engrandecer a mesma, pois, desta forma possibilitamos

diminuir o estranhamento e a timidez no momento de realizar a entrevista com os colaboradores,

assim, deixando-os o mais confortável dentro do possível. Ressaltamos ainda que o pesquisador é

pertencente ao povo indígena da Aldeia Umutina o que diminui o estranhamento e, assim,

possibilita melhor compreensão dos dados colhidos.

As dificuldades encontradas pelo pesquisador foram nos deslocamentos, sendo estes feitos

primeiramente de ônibus de São Carlos – Cuiabá por volta de 24 horas de viagem e de Cuiabá –

Barra do Bugres por volta de três horas de viagem, depois houve o deslocamento da Barra do

Bugres até o Porto da Aldeia Indígena Umutina, sendo este feito no carro da comunidade indígena

Umutina e depois foi realizada a travessia do rio Paraguai a barco e andamos aproximadamente três

quilômetros até o centro da aldeia e, assim, de maneira reversa na volta da Aldeia Indígena Umutina

até São Carlos.

A estadia foi na casa do próprio pesquisador, assim, não houve dificuldade ou

estranhamento com a alimentação, com a moradia, com as pessoas, com o espaço geográfico, com a

temperatura e com a cultura em geral entre outros.

De acordo com a análise de dados podemos observar que primeiramente houve entre os

indígenas e os não indígenas contatos nada amistosos devido a exploração da terra e seus bens

naturais no espaço dos Umutina pelos poaieiros e pelos neobrasileiros, o que, por muito reduziu o

povo da aldeia Umutina com o passar dos anos, há relatos de atrocidades contra o povo indígena

Umutina que morava na região explorada como: rapto de crianças e mulheres, decapitação de

algumas pessoas, atear fogo nas Aldeias entre outras, por muito os indígenas Umutinas resistiram

contra os ataques investidos a eles, mas as doenças levadas pelos não indígenas também contribuiu

para redução significativa do povo Umutina, o que justifica uma dificuldade de relato dos jogos,

danças, brincadeiras, histórias e contos tradicionais, pois, alguns dos colaboradores foram levados

pelo Serviço de Proteção ao Índio para a Aldeia Umutina e são de outra etnia e outros como

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Antonio Uapodonepa já nasceu no Posto Fraternidade Indígena Umutina e morou juntamente com

os não indígenas, pouco dos que moravam na maloca como Joaquim Kupodonepá saiu ainda

criança e alguns colaboradores entre a idade de 18 a 35 relataram o que aprenderam com os pais ou

outros anciões da Aldeia como Julá Paré, este sendo mencionado por diversas vezes.

Podemos obervar nos relatos os artesanatos, utensílios e as comidas tradicionais do povo

Umutina. Os artesanatos e utensílios eram confeccionados com muito cuidado e envolvia toda uma

ciência do povo Umutina, assim, os Umutinas tinham cesto para pescar os peixes, cesto para

carregar os peixes, apá, peneira, fiador de algodão entre outros, confeccionavam também o arco e

flecha para pescar, caçar e nos embates contra o não indígena. As tintas do urucum e do jenipapo

são utilizadas para pintar o corpo para os rituais e para pintar os artesanatos e tendo relação com o

sobrenatural quando utilizadas nos rituais, assim, como relatado por Itamar Maitawa Tan Huare na

dança da guerra em que alguns homens ficam pintados de urucum representando o bem e outros se

pintam de jenipapo representando o mal durante a dança. As comidas tradicionais são a base de

peixe, caça, milho, mandioca, cará, feijão fava, frutas silvestres entre outros, sendo relatado pela

Gonçalina Amajunepá derivados como o xinrunru, a xixa, o tamakare, o sal do acurí, a farinha de

peixe entre outros. Os artesanatos ainda são confeccionados pelo povo que mora na Aldeia

Umutina, sendo fonte de renda e também servindo como utensílios e usados nos rituais realizados

na Aldeia Umutina. Os rituais sempre são acompanhados de xixa e peixe.

São realizados na Aldeia Umutina jogos, danças, brincadeiras, lutas, cantos e histórias de

origem deste povo também como de origem não indígena como citado por Dirce Parecis Huare e

Jovail Amajunepá nas brincadeiras de roda, entre outras, aprendida através dos professores não

indígenas. Entendemos que as danças são compostas por dezessete cerimoniais e os sub-cerimoniais

como diz Itamar Maitawa Tan Huare. A afirmação da cultura se fortaleceu pelo ensinamento do

indígena Julá Paré sendo este citado por diversos colaboradores, percebemos também que o grupo

denominado Nação Nativa teve muita influência para a afirmação da cultura do povo que vive na

Aldeia Umutina.

Retornando ao objetivo da pesquisa, entendemos que alcançamos parte da identificação e

compreensão das manifestações dos povos indígenas habitantes da Aldeia Umutina relacionadas aos

jogos, brincadeiras, danças, cantos, festas e histórias e os processos educativos envolvidos em suas

práticas, pois, ainda são necessários mais estudos e aprofundamentos para que se entenda melhor

tais manifestações culturais e suas inesgotáveis perspectivas.

De toda forma, consideramos que os resultados deste estudo contribuirão no sentido do

fortalecimento da cultura dos povos indígenas residentes da Aldeia Umutina, o respeito e a

valorização da mesma por outras culturas, bem como será possível material de reflexão e apoio a

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estudantes de licenciaturas e professores da educação básica no que diz respeito a educação das

relações étnico-raciais, conforme inclusive preconiza a lei nº 11.645/2008, que torna obrigatório o

ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena

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REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC / SEF, 1997.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei no 11.645, de 10 de março de 2008. Brasília: MEC, 2008.

FIORI, Ernani M. Conscientização e educação. Educação e Realidade, v. 11, n. 1, 1986, p.3-10.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GONÇALVES JUNIOR, Luiz. A motricidade humana no ensino fundamental. In: I Seminário Internacional de Motricidade Humana: passado-presente-futuro, 2007, São Paulo. Anais... São Paulo: ALESP, 2007. v.1. p.29-35.

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GONÇALVES JUNIOR, Luiz. Lazer e trabalho: a perspectiva dos líderes das centrais sindicais do Brasil e de Portugal em tempos de globalização. In: GONÇALVES JUNIOR, Luiz (org.). Interfaces do lazer: educação, trabalho e urbanização. São Paulo: Casa do Novo Autor, 2008, p. 54-108.

HISTÓRIA do contato. In: Povos indígenas do Brasil. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/umutina/2023 - Acesso em: 15 abr 2011.

LÍNGUA. In: Povos indígenas do Brasil. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/umutina/2020 - Acesso em: 15 abr 2011.

MARTINS, Joel; BICUDO, Maria A. V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 5 ed. São Paulo: Centauro, 2005.

MEIHY, José C.S.B; HOLANDA, Fabíola. História oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

POPULAÇÃO. In: Povos indígenas do Brasil. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/umutina/2021 - Acesso em: 15 abr 2011.

SÉRGIO, Manuel. Motricidade humana: contribuições para um paradigma emergente. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

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APÊNDICES

Apêndice 1 - Glossário

Acuri: Fruto de uma palmeira, os Umutinas retiram o sal do acuri através de uma técnica tradicional desse povo. Apá: Feito de palha, sendo similar a peneira utilizada pelos não indígenas, mas tem os espaços entre os trançados mais fechados. Biju de Burraio: Biju é o nome dado a uma comida típica dos povos indígenas, esta é feita a base de mandioca, sendo similar a tapioca feita pelos não indígenas e Burraio é uma expressão utilizada para algo que foi feito no fogo a lenha. Breu: Produto que se retira de árvore, de cor preta, sendo grudento e servindo para o povo da Aldeia Umutinas para misturar com outro produto na intenção de formar uma cola para passar nas cordas de tucum entre outros. Buque: Nome dado a um artefato do povo Umutina que tem a finalidade para pesca, sendo feito do cabo da palha do aguaçu e de fio de tucum. Caieira de fogo: Expressão utilizada para denominar uma fogueira. Cambaiuva: Similar à taquara, servindo para os Umutina na confecção de flechas. Chiquiteiro: Referente a um artesanato do povo da Aldeia Umutina feito de corda de tucum e palha, sendo, utilizado para armazenamento de alguns materiais. Cocar: Artefato composto por penas e fio de tucum, sendo de alta representatividade para o povo indígena Umutina, sendo utilizado na cabeça em rituais. Fio de tucum: Primeiro a seda é retirada da planta nativa tucum para então ser feito o fio de tucum, este tem diversas finalidades para os povos indígenas. Forquilha: Pedaço de galho que em uma das pontas apresenta divergência formando um V. Fozo: Artefato composto por madeira arredondada com furo no meio ou podendo ser outro material, mas que contenha essa forma geométrica havendo uma vareta que atravessa o furo, sendo utilizado para fazer o fio do algodão. Giral: Armação feita com madeiras, o qual tem a finalidade de sustentar os peixes enquanto estão sendo assados. Haypuku: É o Deus criador do povo Umutina. Imbé: Arvore que os Umutinas retiram fibras da casca para fazer cordas.

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Miticami: Expressão original do povo indígena Umutina na qual significa “quem é você?!”, sendo esta expressão utilizada quando havia encontro com outros povos indígenas ou não indígenas, esta expressão faz parte da saudação dos Umutinas. Muquear: Sinônimo de assar. Pacarazinho: Sexto feito com trançado de palha e fio de tucum, sendo arredondado e podendo ter vários tamanhos, serve para armazenamento de objetos. Palha de Aguaçu: Aguaçu é uma palmeira da qual é retira a palha para confecção de artesanatos. Poaia: Pequena planta abundante na Aldeia Umutina que os não indígenas usam com finalidade medicinal, suas raízes são expectorantes, também atuam contra hipertensão e reumatismo. Rimate: Madeira da região do povo Umutina, a qual serve para fazer tinta preta juntamente com o jenipapo. Sauviru: Peixe pequeno, esbranquiçado, sendo encontrado facilmente em lagoas, córregos e rios. Siriva: Árvore nativa do território do povo Umutina, sendo esta utilizada para várias finalidades, entre uma delas a vareta do fozo ou ponta de flechas. Tamakare: Prato típico do povo Umutina feito a base de arroz. Tarrafa: Artefato de origem não indígena, é utilizado para pesca, é confeccionado com linha de pescar. Trançado de macrone: Expressão utilizada para o trançado feita pelos Umutinas na confecção de artesanatos, sendo esta nomenclatura não indígena, oriunda de revista de costura. Umutina: Inicialmente dito “imute”, com significado de branco, pois os antepassados da etnia Umutina eram de cor mais clara se comparados com outros povos indígenas da região, tais como os Pareci e os Nambikwara. Urubamba: Cipó utilizado para confecção de utensílios do povo da Aldeia Umutina. Wasse: Expressão inicialmente utilizada com o significado de algo (situação ou objeto) estranho, a partir do contato com pessoas não indígenas passou a ser utilizada também para referir-se a tais pessoas. Xinrunru: Prato típico dos indígenas Umutinas feito a base de milho. Xixa: Bebida tradicional do povo indígena Umutina entre outras etnias, sendo feito de arroz, milho, bocaiuva, mandioca entre outros. Xuaré: Artefato utilizado pelos Umutinas no braço quando há rituais. Para sua confecção utiliza-se pena de aves e fio de tucum entre outros materiais.

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Apêndice 2 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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Apêndice 3 – Produção Técnico-científica

Trabalhos Apresentados e Publicados na Íntegra em Anais de Eventos: 1. COLLOCA, Edson A.; CARMO, Clayton da S.; BENTO, Clovis; COREZOMAÉ, Lennon F. Programa de índio: aprendendo e ensinando nas relações étnico-raciais em aulas de educação física In: X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE: formação para mudanças no contexto da educação: políticas, representações sociais e práticas - versão internacional. 2011. Curitiba. Anais... Curitiba: PUCPR, 2011. p.4148-4160. (ISSN 2176-1396). 2. CARMO, Clayton da S.; COLLOCA, Edson A.; COREZOMAÉ, Lennon F. Da aldeia para escola: manifestações da cultura indígena na educação física escolar. In: V Colóquio de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana: motricidade, educação e experiência/ II Congresso Internacional de Educação Física, Esporte e Lazer/ VI ShotoWorkshop. 2012. São Carlos. Anais... São Carlos: UFSCar/SPQMH, 2012. p.127-136. (ISSN 1981-7142). 3. CARMO, Clayton da S.; COLLOCA, Edson A.; COREZOMAÉ, Lennon F. Jogos, brincadeiras e outras manifestações da cultura indígena. In: VI Congresso Nacional de Educação Física.2012. Bauru. Anais... Bauru: DEF/UNESP, 2012. p.35-36. (ISSN 1981-8564).

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Apêndice 4 – Auto-avaliação do Bolsista

Durante a pesquisa desenvolvida através do PIBIC (ações afirmativas) tive o apoio dado

pelo NEFEF, pelo CNPq e pelo meu orientador o que resultou em meu amadurecimento pessoal

durante a realização deste projeto.

Devido ao meio indígena em que vivo e por ser um indígena realizando uma pesquisa no

meio não indígena, acredito que ultrapassei barreiras na área da Educação Física promovendo a

afirmação da minha cultura e do meu povo neste âmbito que é a universidade, assim, também deixo

uma contribuição de suma importância à sociedade não indígena para que a lei nº 11.645/2008 seja

cumprida com a máxima eficácia e não permaneça apenas como lei. Ao que pude observar muitos

professores da Educação Básica se queixam por não terem material adequado ou disponível para

trabalhar a cultura indígena na Escola, sendo, comumente limitada a prática da motricidade

indígena somente no dia 19 de abril e muitas vezes de forma errônea, assim, aumentando o

estereótipo que existe do indígena brasileiro.

Fui entendo aos poucos os passos do projeto que comecei timidamente, assim, agradeço ao

meu orientador pelas leituras que me disponibilizou e por ter acreditado em mim durante toda a

pesquisa, nesse momento percebo que em frente aos novos conhecimentos e dificuldades que foram

postos a mim consegui superar e me aprimorar durante todo esse processo.

Lennon Ferreira Corezomaé

Bolsista PIBIC-UFSCar-CNPq

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Apêndice 5 – Avaliação do Orientador

O desempenho do bolsista foi excelente, demonstrando compromisso em todas as fases da

pesquisa. Foi de fundamental importância ser ele próprio membro da Aldeia Indígena Umutina,

tendo melhor acesso para coleta das entrevistase, especialmente, melhor condição de interpretação

dos dados coletados.

Considero, sem sombra de dúvidas, que o bolsista superou qualquer expectativa, e temos

intecionalidade de dar continuidade ao estudo.

Prof. Dr. Luiz Gonçalves Junior

Orientador

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Apêncice 6 – Destino do Bolsista

O bolsista se encontra realizando curso de Licenciatura em Educação Física e temos pretensão de solitiar Bolsa de Iniciação Científica à FAPESP para darmos continuidade a esse estudo, agora com uma proposta de intervenção nas aulas de Educação Física escolar.

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ANEXOS

Anexo 1 – Parecer de Aprovação do Comitê de Ética