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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA LUÍS GUILHERME FAGUNDES A CONSTRUÇÃO DAS ENCHENTES COMO DESASTRES AMBIENTAIS EM PALHOÇA: DO FINAL DO SÉCULO XIX À GRANDE ENCHENTE DE 1995 Florianópolis 2015

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE GRADUAO EM HISTRIA

    LUS GUILHERME FAGUNDES

    A CONSTRUO DAS ENCHENTES COMO DESASTRES AMBIENTAIS EM

    PALHOA: DO FINAL DO SCULO XIX GRANDE ENCHENTE DE 1995

    Florianpolis

    2015

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    CURSO DE GRADUAO EM HISTRIA

    LUS GUILHERME FAGUNDES

    A CONSTRUO DAS ENCHENTES COMO DESASTRES AMBIENTAIS EM

    PALHOA: DO FINAL DO SCULO XIX GRANDE ENCHENTE DE 1995

    Trabalho de Concluso de Curso para obteno

    do ttulo de Bacharel e Licenciado em Histria

    pela Universidade Federal de Santa Catarina,

    sob orientao da Prof. Dr. Eunice Sueli

    Nodari e coorientao do Prof. Dr. Alfredo

    Ricardo Silva Lopes.

    Florianpolis

    2015

  • Dedico este trabalho a meu pai Lus e a minha

    me Liana.

  • AGRADECIMENTOS

    O TCC simboliza o encerramento de mais um ciclo e abre novos horizontes para minha

    vida. Este espao serve para reconhecer aqueles que foram importantes para mim durante este

    perodo e tambm antes dele, quando o sonho de se formar em Histria parecia muito distante.

    Em primeiro lugar quero agradecer imensamente meus pais Lus e Liana e dizer que

    reconheo o enorme esforo que fizeram para que eu pudesse ter essa oportunidade. Vocs me

    ensinaram e continuam me ensinando tantas coisas que no conseguiria listar todas aqui, mas

    se pudesse resumir tudo em apenas uma frase ela seria mais ou menos assim: Nunca lamente

    meu filho, trabalhe duro e faa o que lhe deixa feliz, porque isso sem dvida o mais

    importante!. Saibam que ainda pretendo retribuir de alguma forma, se isso for possvel, toda

    essa dedicao e carinho que recebi nesses 23 anos de vida. Amo vocs.

    Quantas vezes emprestamos um livro para algum? Nesse mundo acadmico essa

    prtica muito comum no mesmo? Mas nunca imaginei que isso pudesse mudar tanto minha

    vida. Foi assim que me aproximei e mais tarde me apaixonei por uma das pessoas mais

    importantes para mim nesses ltimos anos. Hoje em dia no tenho dvida de que uma bela

    amizade pode virar um grande amor, ou voc tem? Obrigado por ser to compreensiva e

    companheira. Amo voc Aline.

    No poderia deixar de agradecer a minha amiga e orientadora Prof. Dr Eunice Sueli

    Nodari, j que sem ela esse trabalho no seria possvel. Obrigado por confiar em mim e acreditar

    na minha capacidade, muitas vezes mais do que eu mesmo. Tambm sou extremamente grato

    ao amigo e Prof. Dr. Joo Klug, que me deu a oportunidade de entrar para o Laboratrio de

    Imigrao, Migrao e Histria Ambiental (LABIMHA) e por seus conselhos e aulas no menos

    que fantsticas durante a graduao.

    Aos meus companheiros de projeto Marcos Aurlio e Alfredo Ricardo - que tambm

    meu coorientador - deixo o meu muito obrigado. Vocs dois foram fundamentais para o meu

    amadurecimento durante esses anos, sem dvida este trabalho tambm tem um pouco de vocs

    dois. Vida longa aos desastrosos!1

    Tambm quero agradecer todos os amigos que conheci no LABIMHA e durante a

    graduao, em especial a Ana, Angela, Esther, Lincon, Nilo e Tom. No apenas pelas

    discusses acadmicas que contriburam para minha formao, mas tambm pela amizade e

    pelas conversas descontradas que permitiram encarar os dias difceis de forma mais leve.

    1 Essa era a forma como carinhosamente nos chamvamos, por todos terem como tema de pesquisa os desastres ambientais.

  • Devo um muito obrigado aos meus grandes amigos de infncia e adolescncia Pedro e

    Jorge. Reconheo que ultimamente no tenho o mesmo tempo de antigamente para nossas

    conversas inenarrveis, mas saibam que guardo a amizade de vocs num lugar especial.

    Por fim, agradeo ao Conselho Nacional de Pesquisa Cientfica e Tecnolgica (CNPq)

    pela bolsa de Iniciao Cientfica fundamental para a realizao deste trabalho. E, ainda, a todos

    aqueles que de alguma forma me incentivaram a seguir esta carreira repleta de desafios. Muito

    obrigado a todos vocs.

  • RESUMO

    Em Santa Catarina um grande nmero de municpios so afetados todos os anos pelos

    mais diversos tipos de desastres ambientais. cada vez mais comum lermos notcias a respeito

    de secas, enchentes, vendavais, chuvas de granizo, geadas, tornados, eroses fluviais e marinhas

    e incndios florestais. De todos esses tipos de desastres que ocorrem em nosso Estado, o que

    acontece com maior frequncia e provoca os maiores danos, no Municpio de Palhoa, so as

    enchentes. Este trabalho busca compreender de que forma ocorreu o processo de construo

    das enchentes como desastres ambientais em Palhoa. Para tanto, analisamos as principais

    enchentes ocorridas entre o final do sculo XIX e o trmino do sculo XX, dando ateno

    especial para a grande enchente de dezembro de 1995. Vale ressaltar que os desastres

    ambientais so resultado tanto de fatores naturais (chuvas intensas, declividade, tipo de solo,

    etc.) como de aes antrpicas (desmatamento, ocupao desordenada, industrializao, etc.).

    Alm disso, determinado evento s se torna um desastre a partir da percepo e da presena

    humana. Dessa forma, este trabalho busca analisar parte da histria de Palhoa atravs da

    perspectiva da Histria Ambiental, que relaciona os desastres ambientais com questes sociais.

    Palavras-chave: Histria Ambiental; Desastres Ambientais; Enchentes; Palhoa-SC.

    ABSTRACT

    In Santa Catarina a large number of municipalities are affected every year by various kinds of

    environmental disasters. It is increasingly common to read news about droughts, floods,

    windstorms, hailstorms, frosts, tornados, fluvial and marine erosion and forest fires. Of all these

    types of disasters that occur in our state, which happens more often and causes the greatest

    damage in the municipality of Palhoa, are the floods. This monograph seeks to understand

    how was the process of building the flood as environmental disasters in Palhoa. Therefore, we

    analyze the main flooding occurred between the late nineteenth century and the end of the

    twentieth century, with special attention to the great flood of December 1995. It is noteworthy

    that environmental disasters are the result of both natural factors (heavy rainfall, slope, soil

    type, etc.) as human activities (deforestation, disorderly occupation, industrialization, etc.). In

    addition, certain events only become a disaster from the perception and human presence. Thus,

    this paper analyzes of the Palhoa story through the perspective of environmental history, which

    lists environmental disasters with social issues.

    Keywords: Environmental History; Environmental disasters; floods; Palhoa-SC.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 01: Localizao do Municpio de Palhoa na Mesorregio da Grande Florianpolis..14

    Figura 02: Limites do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.................................................16

    Figura 03: Mapa da Bacia Hidrogrfica do rio Cubato Sul.....................................................18

    Figura 04: Localizao da antiga Estrada de Lages e da atual BR-282....................................21

    Figura 05: Limites territoriais de Palhoa em 1894 com as divises polticas atuais................23

    Figura 06: Ponte sobre o Rio Maruim na dcada de 1920 vista a partir de So Jos..................34

    Figura 07: Centro da cidade durante a enchente de dezembro de 1995 ( esquerda fica a Praa

    7 de Setembro e ao fundo o prdio da Prefeitura).......................................................................53

    Figura 08: Parte das salas de aula da Escola de Educao Bsica Governador Ivo Silveira que

    desabaram com a enchente de dezembro de 1995......................................................................54

    Figura 09: Tcnicos do DNER trabalhando para desobstruir a BR-101 no Morro dos Cavalos

    em Palhoa................................................................................................................................56

    Figura 10: Acostamentos da BR-101 destrudos pelas enchente em Palhoa............................57

    Figura 11: O tnel do Passa Vinte, como era conhecido pelos moradores na dcada de

    1990...........................................................................................................................................58

    Figura 12: Imagem do tnel no dia 24 de dezembro..................................................................59

    Figura 13: Ponte sobre o Rio Maruim no incio dos anos 1990.................................................60

    Figura 14: Ponte sobre o Rio Maruim aps a enchente de 1995, j com a ponte metlica

    instalada. A esquerda podemos ver a cabeceira da nova ponte em construo...........................60

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 01: Evoluo da populao de Palhoa de 1970 a 1996..............................................40

    Tabela 02: Enchentes ocorridas em Palhoa de 1959 a 2011..................................................44

    Tabela 03: Dados climticos de Palhoa..................................................................................45

  • LISTA DE SIGLAS

    APESC Arquivo Pblico do Estado Santa Catarina

    AVADAN Avaliao de Danos

    BNH Banco Nacional de Habitao

    CASAN Companhia de guas e Saneamento

    CEPED Centro Universitrio de Estudos e Pesquisas sobre Desastres

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    COHAB Companhia de Habitao

    COMDEC Comisso Municipal de Defesa Civil

    DEINFRA Departamento Estadual de Infraestrutura

    DEOH Departamento de Edificaes e Obras Hidrulicas

    DER Departamento de Estradas de Rodagem de Santa Catarina

    DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

    DNOS Departamento Nacional de Obras de Saneamento

    ECP Estado de Calamidade Pblica

    ENOS El Nio Oscilao Sul

    FOD Floresta Ombrfila Densa

    FODm Floresta Ombrfila Densa Montana

    FODs Floresta Ombrfila Densa Submontana

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatstica

    INMET Instituto Nacional de Meteorologia

    ONU Organizao das Naes Unidas

    SC Santa Catarina

    SE Situao de Emergncia

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

  • SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 11

    CAPTULO I - PALHOA: ASPECTOS NATURAIS E HISTRICOS ........................ 14

    1.1 LOCALIZAO E CARACTERSTICAS GERAIS DO MUNICPIO ....................... 14

    1.2 O PROCESSO DE OCUPAO ................................................................................... 19

    1.3 DAS CHEIAS S PRIMEIRAS ENCHENTES ............................................................ 28

    CAPTULO II - A RECORRNCIA DAS ENCHENTES EM PALHOA .................... 40

    2.1 O CRESCIMENTO URBANO E A INTENSIFICAO DAS ENCHENTES ........... 40

    2.2 A MAIOR CHUVA DO SCULO: A GRANDE ENCHENTE DE DEZEMBRO DE

    1995 ...................................................................................................................................... 49

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 65

    RERERNCIAS ..................................................................................................................... 67

  • 11

    INTRODUO

    Vivemos um momento de grande interesse pelos assuntos relacionados ao meio

    ambiente. Dentro deste vasto campo de discusses, que inclui tpicos como desmatamento,

    mudanas climticas, destruio da biodiversidade, entre outros assuntos, a temtica dos

    desastres ambientais ganha cada vez mais espao e relevncia. Esse crescente interesse tanto de

    noticiar como de debater a respeito desses eventos catastrficos, em parte, pode ser explicado

    pela grande quantidade de pessoas que so afetadas todos os anos por desastres dos mais

    diversos tipos.

    Nos ltimos anos a frequncia e a intensidade com que esses eventos acontecem no

    mundo inteiro vm aumentando de maneira alarmante. No Brasil a situao no diferente: o

    total de desastres registrados passou de aproximadamente 8.600 na dcada de 1990 para 23.200

    na dcada de 2000. Durante todo esse perodo mais de 96 milhes de brasileiros foram atingidos

    por algum desastre ambiental, sendo as secas e as inundaes os eventos que mais afetaram

    pessoas, respectivamente 50% e 40% desse total.2 Alm desses tipos de desastres, tambm

    ocorrem com frequncia em nosso pas vendavais, chuvas de granizo, geadas, incndios

    florestais, deslizamentos, eroses e tornados.

    De 1991 2010, a regio Sul do Brasil formada pelos Estados do Paran, Santa

    Catarina e Rio Grande do Sul concentrou 34% de todas as ocorrncias de desastres, ficando

    atrs apenas do Nordeste, que registrou 40% das ocorrncias.3 Analisando o ranking dos

    municpios mais afetados por desastres no Brasil, produzido pelo Centro Universitrio de

    Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED/UFSC), veremos que dos setenta municpios que

    compem a lista, trinta e quatro deles so catarinenses, incluindo os sete primeiros colocados.4

    Esses nmeros nos permitem afirmar que Santa Catarina merece ateno especial quando

    tratamos de desastres ambientais.

    Todas as regies de Santa Catarina so afetadas por algum tipo de desastre, e neste

    trabalho a ateno ser voltada ao municpio de Palhoa. Podemos perceber, de uma forma mais

    apurada, a recorrncia dos desastres no municpio observando o perodo que vai de 1979 a 2011.

    Neste intervalo de trinta e dois anos foram registradas quarenta e trs ocorrncias entre

    2 HIGASHI, Rafael A. dos Reis. et. al. Atlas brasileiro de desastres naturais 1991 a 2010: volume Brasil. Centro Universitrio de Estudos e Pesquisas sobre Desastres. Florianpolis: CEPED UFSC, 2012. p. 28. Disponvel em: http://150.162.127.14:8080/atlas/Brasil%20Rev.pdf. Acesso em: 10 jan. 2015. 3 Ibidem, p. 86. 4 Ibidem, p. 89.

  • 12

    vendavais, secas, chuvas de granizo, deslizamentos, vazamento de produtos perigosos (txicos)

    e principalmente enchentes5, que causaram enormes prejuzos e afetaram milhares de pessoas.

    Estas ltimas se mostraram to destrutivas, sobretudo na dcada de 1990, que figuraram entre

    os principais problemas municipais, juntamente com o crescimento desordenado, a invaso de

    reas de preservao e a deficincia do saneamento bsico.6

    Este trabalho busca compreender de que forma ocorreu o processo de construo das

    enchentes como desastres ambientais em Palhoa. Para tanto, analisaremos as principais

    enchentes ocorridas entre o final do sculo XIX e o trmino do sculo XX, dando ateno

    especial para a grande enchente de dezembro de 1995.

    Para execuo do trabalho, foram utilizadas como fontes as notcias publicadas nos

    principais jornais da Grande Florianpolis, obras de referncia que tratam da histria do

    Municpio e vrios documentos oficiais como, relatrios dos Presidentes de Provncia, decretos

    municipais e relatrios de danos.

    A relevncia desta pesquisa se justifica pelo fato de existirem poucos trabalhos de cunho

    acadmico, desenvolvidos por historiadores, a respeito da histria do Municpio. Alm disso,

    quando de alguma forma os desastres so citados, antiga relao dos moradores com as

    enchentes, que remonta ao sculo XIX, fica limitada a pouqussimas pginas, no sendo

    portanto, tema relevante de nenhuma obra. Dessa forma, este trabalho busca contribuir para um

    novo olhar a respeito da histria de Palhoa, relacionando os desastres ambientais com

    problemticas sociais, por meio da perspectiva da Histria Ambiental. Sem dvida alguma, no

    se pretende esgotar este tema, pelo contrrio, esperamos que este trabalho sirva de estmulo

    para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o Municpio, principalmente em relao as

    questes ambientais.

    Este trabalho dividido em dois captulos. No primeiro captulo, intitulado Palhoa:

    aspectos naturais e histricos, so apresentados aspectos gerais do Municpio, e em seguida,

    analisamos como o processo de ocupao contribuiu para a ocorrncia das enchentes em

    Palhoa e tambm perceber em que momento a elevao das guas dos principais rios tornaram-

    se um problema para os moradores.

    No segundo captulo, intitulado A recorrncia das enchentes em Palhoa, a inteno

    compreender de que forma a expanso urbana e o crescimento populacional, a partir de 1970,

    5 Apesar de existirem vrias conceituaes que diferem as enchentes das inundaes, devido dificuldade de fazer tal distino, sobretudo em relao aos eventos mais antigos dos quais as informaes so limitadas, neste trabalho no faremos distino entre tais conceitos. 6 SILVEIRA, Claudir. Municpio de Palhoa - SC. Florianpolis: Artymagem, 1999. p. 46.

  • 13

    proporcionaram a intensificao das enchentes. Alm disso analisamos como o desastre de

    dezembro de 1995 alterou o cotidiano palhocense e porque at hoje esta considerada a maior

    enchente do municpio.

    Por fim, nas Consideraes finais so apontados os elementos, sejam eles naturais ou

    antrpicos, determinantes para a ocorrncia desses desastres ambientais ao longo dos anos em

    Palhoa.

  • 14

    CAPTULO I - PALHOA: ASPECTOS NATURAIS E HISTRICOS

    1.1 LOCALIZAO E CARACTERSTICAS GERAIS DO MUNICPIO

    O Municpio de Palhoa est localizado na mesorregio da Grande Florianpolis e, por

    apresentar uma rea total de aproximadamente 395 km2, considerado um dos maiores

    municpios do litoral catarinense. Possui atualmente, segundo estimativa do Instituto Brasileiro

    de Geografia Estatstica (IBGE), uma populao de 154.244 habitantes, sendo o dcimo

    municpio mais populoso do Estado. Dessa forma, a densidade demogrfica no chega aos 400

    hab/km. Entretanto esses dados no refletem a m distribuio da populao pelo espao

    demogrfico do municpio, que tem 75% do territrio protegido como rea de preservao

    permanente. Se considerarmos apenas a rea urbana (87km), que concentra 95% da populao

    a densidade demogrfica sobe para 1684 hab/km.7 Palhoa faz limite com os municpios de

    So Jos ao norte, Santo Amaro da Imperatriz a oeste, e Paulo Lopes ao sul, sendo banhada

    pela baa sul da Ilha de Santa Catarina e o Oceano Atlntico.

    Figura 01: Localizao do Municpio de Palhoa na Mesorregio da Grande Florianpolis

    Fonte: Disponvel em: http://www.scielo.br/img/revistas/floram/2013nahead/aop_037113fig01.jpg. Acesso em: 18 mar. 2015.

    7 IBGE. Cidades. Brasil. Disponvel em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=421190&search=santa-catarina|palhoca|infograficos:-informacoes-completas. Acesso em: 10 jan. 2015.

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  • 15

    De acordo com o Mapa de Climas do Brasil, produzido em 2002 pelo IBGE, podemos

    classificar o clima de Palhoa como Temperado de categoria Subquente e Super mido.8 No

    inverno as temperaturas variam entre 13C e 22C, podendo ocorrer mnimas de at 5C de maio

    a junho. Durante o vero as temperaturas aumentam, mas dificilmente passam dos 30C, mesmo

    nos meses mais quentes como janeiro e fevereiro. As precipitaes ocorrem durante todo o ano,

    no existindo uma estao propriamente seca, entretanto os ndices pluviomtricos variam

    consideravelmente, sendo o vero muito mais mido do que o inverno.

    A vegetao original do municpio era composta predominantemente pela Floresta

    Ombrfila Densa (FOD)9, com as formaes Montana (FODm) e Submontana (FODs) nas reas

    mais altas; de Terras Baixas com at 30 metros de altitude e Vegetao Litornea ou Pioneira

    caracterizada pelos manguezais e restingas. Vale ressaltar que esta vegetao original j foi em

    grande parte descaracterizada pela ao humana, atravs da derrubada da mata para a extrao

    de madeira, abertura de terrenos agricultveis e tambm para formao de pastagens para a

    criao de gado.

    Nesse sentido, Alberto E. Villaverde10 considera um grande avano a criao, em 1975,

    do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro que ocupa aproximadamente 75% do territrio de

    Palhoa e inclui os manguezais do Ariri-Cubato e do Massiamb (Figura 02). O Parque ainda

    abrange grandes reas dos municpios de Florianpolis, Santo Amaro da Imperatriz, guas

    Mornas, So Bonifcio, So Martinho, Imaru e Paulo Lopes e por esse motivo considerado

    a maior unidade de conservao de proteo integral do Estado.11

    8 IBGE. Mapa de clima do Brasil. Brasil, 2002, 1p. Disponvel em: ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdf. Acesso em: 10 jan. 2015. 9 O termo Floresta Ombrfila Densa, criado por Ellenberg e Mueller-Dombois (1967), substitui Pluvial (de origem latina) por Ombrfila (de origem grega), ambos com o mesmo significado amigo das chuvas. Assim, a caracterstica ombrotrmica da Floresta Ombrfila Densa est presa a fatores climticos tropicais de elevadas temperaturas (mdias de 25 C) e de alta precipitao, bem distribuda durante o ano, o que determina uma situao bioecolgica praticamente sem perodo biologicamente seco. Fonte: IBGE. Manual tcnico da vegetao brasileira. 2 ed. Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de Janeiro, 2012. p. 65. Disponvel em:ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturais/manuais_tecnicos/manual_tecnico_vegetacao_brasileira.pdf. Acesso em: 10 jan. 2015. 10 VILLAVERDE, Alberto E; POMPEO, Cesar Augusto. A problemtica ambiental no Municpio de Palhoa (SC): desenvolvimento urbano sustentvel. 1996. 118f. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnolgico Disponvel em: http://www.bu.ufsc.br/teses/PGEA0003-D.pdf. Acesso em: 19 mar. 2015. p. 34-35. 11 FATMA. Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Disponvel em: http://www.fatma.sc.gov.br/conteudo/parque-estadual-da-serra-do-tabuleiro. Acesso em: 10 jan. 2015.

    ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdfftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturais/manuais_tecnicos/manual_tecnico_vegetacao_brasileira.pdfftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/recursos_naturais/manuais_tecnicos/manual_tecnico_vegetacao_brasileira.pdfhttp://www.bu.ufsc.br/teses/PGEA0003-D.pdfhttp://www.fatma.sc.gov.br/conteudo/parque-estadual-da-serra-do-tabuleiro

  • http://www.blogderotas.com.br/roteirinho-aventure-se-no-parque-da-serra-do-tabuleiro/http://www.blogderotas.com.br/roteirinho-aventure-se-no-parque-da-serra-do-tabuleiro/

  • 17

    Alm do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, foi criado em 1996 o Parque Ecolgico

    Municipal dos Manguezais14, com o intuito de preservar o que havia restado do intensamente

    degradado manguezal, que fica a 800 metros da praa central de Palhoa. Entretanto, apesar da

    criao da rea de preservao, a fiscalizao ambiental praticamente no ocorre neste local,

    dessa forma o manguezal continua sofrendo com aterros irregulares e recebendo uma enorme

    quantidade de esgoto.15

    O municpio de Palhoa est localizado dentro de duas Bacias Hidrogrficas: a do rio

    Cubato do Sul e a do rio da Madre. A Bacia Hidrogrfica do rio Cubato do Sul faz parte do

    sistema de drenagem da vertente do Atlntico, a qual se caracteriza por apresentar rios com um

    perfil longitudinal acidentado tendo durante o seu curso cascatas e corredeiras, e nas partes mais

    baixas prximas a foz geralmente ocorre a formao de meandros.16 Esta Bacia possui uma rea

    de drenagem de 738 km, (dos quais 342 km pertencem ao Parque Estadual da Serra do

    Tabuleiro), com 167,44 km de permetro. Seu principal rio o Cubato do Sul, com 65 km de

    extenso. A bacia abrange os municpios de guas Mornas, Santo Amaro da Imperatriz, parte

    de So Pedro de Alcntara e Palhoa.17

    Neste trabalho nos limitaremos a tratar apenas da Bacia do Rio Cubato Sul, pois so os

    rios Maruim, Passa Vinte, Ariri e Cubato, todos pertencentes a esta Bacia, que esto

    intimamente relacionados as enchentes ocorridas no Municpio, (Ver Figura 03).

    O rio Maruim nasce aproximadamente a 740 metros de altura, na Serra Pai Joo, na

    divisa dos municpios de So Jos e Antnio Carlos e em seu mdio curso o rio se torna sinuoso,

    apresentando meandros, caracterizando uma plancie de inundao. Esse mesmo aspecto

    tambm podia ser observado em seu baixo curso, j em terras palhocenses, antes de sua

    retificao18 na dcada de 1960.19

    O Rio Cubato do Sul o principal rio da bacia e se origina da confluncia dos rios

    Cedro e Bugres, que possuem nascente superiores a 1000 metros. Este rio possui uma extenso

    14 Esta unidade de conservao engloba a maior parte dos manguezais do municpio. No entanto, seu processo de implementao no foi concludo e a situao de conservao atualmente problemtica em virtude da indefinio dos seus limites, da forte presso de urbanizao no entorno e sobre a rea, que dificultam sua gesto. A falta de polticas pblicas para o manejo do parque tambm intensifica os desastres no seu entorno. 15 SILVEIRA, op. cit., p. 25. 16 FERREIRA, Rubia Correa da Silva; LAGO, Paulo Fernando; HERRMANN, Maria Lcia de Paula. Bacia do Rio Maruim: transformaes e impactos ambientais. 1994. 153f. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Cincias Humanas. p. 42. 17 PEREIRA, Adilson; ZANIN, Vanessa Cataneo. Expedio ao Rio Cubato. Disponvel em: http://www.casan.com.br/menu-conteudo/index/url/expedicao-ao-rio-cubatao#0. Acesso em: 19 mar. 2015. 18 Trataremos a respeito dessa obra de retificao com mais detalhes no segundo captulo. 19 FERREIRA; LAGO; HERRMANN, op. cit., p. 54.

    http://www.casan.com.br/menu-conteudo/index/url/expedicao-ao-rio-cubatao#0

  • 18

    Figura 03: Mapa da Bacia hidrogrfica do rio Cubato Sul

    total de 62 km e prximo a foz apresenta a formao de meandros, desembocando num grande

    manguezal.

    Ao contrrio desses dois rios, o Passa Vinte e o Ariri encontram-se inteiramente

    inserido dentro dos limites municipais de Palhoa. O rio Passa Vinte nasce no Morro do Gato,

    400 metros de altitude e em seu caminho at o mar percorre o centro da cidade, por isso existe

    uma grande quantidade de pessoas que habitam suas margens. J o rio Ariri nasce no Morro

    dos Quadros na divisa entre Palhoa e Santo Amaro da Imperatriz e percorre 9 km at sua foz,

    que possui 90 metros de largura e sofre constantemente com o processo de assoreamento. Este

    rio d nome a um dos bairros mais antigos do municpio, a Barra do Ariri, que conta hoje com

    mais de 10 mil moradores.20

    Fonte: Blog Bacia do Cubato do Sul. Disponvel em: http://baciacubataosul.blogspot.com.br/. Acesso em: 19 mar. 2015.

    20 Pesca e a tradio aoriana [...]. Notcia do Dia online. Disponvel em: http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/172690-barra-do-aririu.html. Acesso em: 22 mar. 2015.

    http://baciacubataosul.blogspot.com.br/

  • 19

    1.2 O PROCESSO DE OCUPAO

    A histria da ocupao de Palhoa pelos europeus se confunde com a colonizao de

    todo continente fronteirio Ilha de Santa Catarina. Entre os anos de 1748 e 1756 ocorreu uma

    grande imigrao aoriana para o Sul do Brasil, na qual vieram para essa regio mais de 6.000

    pessoas procedentes do arquiplago dos Aores.21 Com a chegada dessas famlias aorianas

    comearam a surgir algumas povoaes no continente, dentre elas, as freguesias de So Jos da

    Terra Firme e da Enseada de Brito, ambas fundadas em 1750. Foi a partir desses dois ncleos

    e da inteno de povoar as margens da estrada que ia de So Jos Lages, que se iniciou o

    processo de ocupao do atual permetro urbano de Palhoa e de todo o restante do municpio.

    As primeiras doaes de sesmarias prximas aos rios Cubato, Ariri e Maruim,

    aconteceram respectivamente em 1753, 1772 e 177322, apesar dessa iniciativa parecia haver

    pouco interesse do Governo da Capitania em desenvolver as povoaes do continente e adentrar

    ao interior. Entretanto, essa situao se altera drasticamente aps a invaso espanhola Ilha de

    Santa Catarina em 1777. A rpida vitria espanhola trouxe pnico aos moradores de Desterro,

    ocasionando uma humilhante fuga, inclusive de soldados, para o vale do rio Cubato. Como

    no haviam vias de comunicao interna, os que no foram capturados pelos espanhis,

    procuraram se alojar em moradias perdidas na mata.23

    Buscando aumentar a povoao do continente prximo a Desterro e sobretudo melhorar

    a defesa do territrio, para que um episdio como aquele no se repetisse, o Governador da

    Capitania, o Coronel Joo Alberto de Miranda Ribeiro, encarregou o Alferes Antnio Jos da

    Costa e o Capito Antnio Marques dArzo de abrirem um caminho entre a freguesia de So

    Jos at a vila de Lages, no ento planalto serrano paulista.24 Em 1790, foram concludas 16

    lguas de estrada do litoral at a Serra do Trombudo, divisa entre Santa Catarina e So Paulo,

    de modo que o restante das obras at Lages ficaram a cargo da capitania vizinha. No entanto

    havia pouqussimo interesse do governo paulista em construir o segundo trecho, e aos poucos

    o caminho j construdo at a localidade de Trombudo (atualmente municpio de Trombudo

    Central) foi se deteriorando, a vegetao tomou conta novamente e as chuvas alagaram as reas

    21 FARIAS, op. cit., p. 69. 22 Ibidem, p. 77. 23 FILHO, A; ALMEIDA, A. S; MESSIAS, T. A. Integrando o territrio catarinense: a construo da Estrada de Lages. In: XXXIX Encontro Nacional de Economia, 2011, Foz do Igua. Anais... Braslia: ANPEC, 2011. v. XXXIX. p. 5. Disponvel em: http://anpec.org.br/encontro/2011/inscricao/arquivos/0076302f88d70811a732a1eeb4361577419.doc. Acesso em: 10 jan. 2015. 24 Idem.

    http://anpec.org.br/encontro/2011/inscricao/arquivos/0076302f88d70811a732a1eeb4361577419.doc

  • 20

    aterradas25. Apesar disso, o governador da Capitania de Santa Catarina no abandonou a ideia

    de ligar o litoral serra, at mesmo porque considerava esse empreendimento fundamental para

    a segurana da capitania. Em virtude disso, procurou estimular a formao de novos povoados

    s margens da estrada, o que facilitaria sua manuteno e serviria de apoio aos ilhus em caso

    de uma nova invaso a Ilha de Santa Catarina. Em 31 de julho de 1793, o Governador Joo

    Alberto de Miranda Ribeiro enviou um ofcio ao Vice-Rei do Brasil, propondo promover

    Caetano Silveira de Mattos ao posto de Capito da Companhia de Infantaria, o qual naquele

    momento construa um armazm no serto de So Jos da Terra Firme, como podemos observar

    no trecho abaixo:

    No havendo nesta Ilha muitos sujeitos, ou fallando com toda ingenuidade, no havendo nenhum que exceda a Caetano Silveira de Mattos, no meu conceito, para os importantes fins a que o destino e de que j principiei a servir-me, [...]. Este omem activo e zeloso para o servio, muito trabalhador e bastantemente remediado, porque possui uns poucos mil cruzados: tem principiado um famoso estabelecimento no serto digo no interior do serto da Terra Firme, na estrada que vai para a villa de Lajes, onde conserva bastante escravatura, e grandes derrubadas, para principiar as suas plantaes. Agora mesmo se acha actualmente empregado na factura de um armazem ou palhoa, que mandei construir nos mattos da Terra Firme, para fazer um deposito de farinha, com que possa subsistir naquelle logar, caso me seja, na preciso de me retirar a ele, depois de fazer na Ilha toda a oposio que me for possvel, aos inimigos.26

    Como podemos observar o armazm, de que o Governador Joo Ribeiro se refere, foi

    construdo por Caetano Silveira de Mattos beira da estrada que seguia para Lages, junto a foz

    do rio Maruim. Este empreendimento se tornou um entreposto comercial, no s de farinha,

    mas tambm de outros gneros e contribuiu significativamente para fixao de outros

    moradores nas imediaes. Mesmo j havendo outros habitantes nessa e em localidades

    prximas desde meados do sculo XVIII, devido importncia da propriedade de Caetano

    Silveira de Mattos para a ocupao do que viria a ser o distrito sede de Palhoa, lhe atribudo

    o ttulo de fundador do Municpio.

    Somente aps a anexao de Lages Capitania de Santa Catarina e a organizao da

    Provncia aps a Independncia em 1822, o que deu mais autonomia financeira e fiscal ao

    executivo local, que as obras na Estrada de Lages foram retomadas. A preocupao neste

    momento no era mais com a defesa de Desterro como no final do sculo XVIII, mas em manter

    25 Idem. 26 LOPES, Jos Luprcio. Monographia do Municpio de Palhoa. Florianpolis: Liv. Cysne, 1919. p. 10.

  • 21

    uma via de comunicao transversal para a consolidao do poder provincial, estimulando o

    comrcio entre o litoral e a serra catarinense. 27

    Em 1838 optou-se por um novo traado, visto que o primeiro, que seguia pelo rio

    Maruim e passava pela colnia de So Pedro de Alcntara, era frequentemente destrudo nas

    pocas das chuvas pelas cheias do rio, exigindo constantes obras de manuteno. J a estrada

    nova seguia pelas margens dos rios Cubato e So Miguel, passando pela colnia de Terespolis

    e Rancho Queimado, seguindo at Taquaras, de onde acompanhava o mesmo percurso da

    estrada velha. Este caminho ficou conhecido como Caldas da Imperatriz e passou a ser a opo

    do governo provincial, j que era menos dispendioso que o anterior.28 Assim, os viajantes que

    saam do Estreito com destino a Lages, e vice-versa comearam a passar necessariamente por

    Palhoa, como podemos observar na Figura 04.

    Figura 04: Localizao da antiga Estrada de Lages e da atual BR-282

    Fonte: FILHO, A; ALMEIDA, A. S; MESSIAS, T. A., op. cit. p. 20. Disponvel em: http://anpec.org.br/encontro/2011/inscricao/arquivos/007-6302f88d70811a732a1eeb4361577419.doc. Acesso em: 10 jan. 2015.

    27 FILHO, A; ALMEIDA, A. S; MESSIAS, T. A. op. cit., p. 5. 28 Ibidem, p. 7.

    http://anpec.org.br/encontro/2011/inscricao/arquivos/007-6302f88d70811a732a1eeb4361577419.doc

  • 22

    O Arraial de Palhoa, pertencente Freguesia de So Jos, continuou ainda por muitos

    anos a permanecer em estado de abandono.29 Segundo Jos Luprcio Lopes30, aos poucos

    foram sendo construdas casinhas cobertas de palha, semelhantes a palhoa de Caetano de

    Mattos, muito prximas ao mar, na localidade denominada Areias, ao sul da desembocadura do

    rio Maruim. Com o passar dos anos, o comrcio da Freguesia de So Jos cresceu

    consideravelmente, surgindo assim casas importantes de negcios que mantinham fortes

    relaes com os comerciantes da serra. Isso acabou proporcionando um intenso movimento pela

    rua principal do pequeno Arraial, que em dezembro de 1872 foi elevado categoria de Distrito

    Policial.31

    Os constantes melhoramentos na Estrada de Lages ora feitos pela Presidncia da

    Provncia ora pela Cmara de So Jos, contriburam decisivamente para que na dcada de

    1880, Palhoa tivesse um rpido crescimento econmico, como pode ser observado na

    descrio de Jos Luprcio Lopes:

    A lavoura e o commercio se desenvolviam em surtos admiraveis, promettendo as melhores esperancas de um risonho porvir. Os Poderes Municipaes, quando podiam, melhoravam as estradas. [...] Accentuava-se o movimento commercial, augmentava o numero de industriaes, dos quaes, muitos construam olarias, cortumes, xarqueadas, engenhos, etc. Data dahi o movimento sempre crescente do commercio, industria e artes, na Palhoca. A exportacao para esta Capital, de materiaes para construcao, era notavel; s segundas feiras as embarcaes, abarrotadas, traziam os generos coloniaes procedentes das diversas colonias e na tera, voltavam. Alm disso nos outros dias esses vehiculos conduziam lenha, madeiras, cereaes e outros productos da lavoura.32

    Nesta poca Palhoa diversificou sua produo agropecuria e era considerada o

    celeiro de Florianpolis.33 Alm disso, se tornou importante produtora de telhas e tijolos, que

    eram vendidos na Capital. Esse perodo de grande prosperidade foi marcado pela elevao de

    Palhoa categoria de Freguesia em 1882 e, principalmente, por sua emancipao em abril de

    1894. Naquela ocasio formou juntamente com as Freguesias de Santo Amaro do Cubato,

    29 LOPES, 1919, op. cit., p. 12. 30 Jos Luprcio Lopes nasceu em 1876, tendo exercido os cargos de professor, inspetor escolar e promotor de Palhoa, com jurisdio em todo o Estado. Em 1913 passou para os servios da Fazenda Federal, chegando a ser contador da Delegacia Fiscal, em Florianpolis. Desde cedo dedicou-se a pesquisa das origens de sua cidade, tendo contribudo para a histria da Grande Florianpolis, atravs da Revista do Instituto Histrico e Geogrfico, jornais e outros peridicos catarinenses. Suas principais obras so a Monographia do Municpio de Palhoa (1919), So Jos e Palhoa: seus antigos e atcuais limites (1926) e Palhoa Notcia-estatstico descritiva (1939). Faleceu em 1969, aos 92 anos. Disponvel em: http://www.poetaslivres.com.br/poeta.php?codigo=283. Acesso em: 19 abr. 2015. 31 SILVEIRA, op. cit., p. 10. 32 LOPES, 1919, op. cit., p. 19-20. 33 Santo Amaro. Repblica, Florianpolis, 26 nov. 1919, p. 2.

    http://www.poetaslivres.com.br/poeta.php?codigo=283

  • 23

    Enseada de Brito, Terespolis, Santa Isabel, Capivari e Santa Teresa, um municpio autnomo

    com a denominao de Municpio de Palhoa (Figura 03), tendo por sede o distrito do mesmo

    nome, trs quilmetros ao sul do rio Maruim.34

    Figura 05: Limites territoriais de Palhoa em 1894 com as divises polticas atuais

    Fonte: Notcias do Dia on-line. Disponvel em: http://www.ndonline.com.br/florianopolis/noticias/10474-

    palhoca-perdera-muitos-mais-do-que-em-extensao-territorial.html. Acesso em: 10 jan. 2015.

    Com o crescimento do comrcio em Palhoa, surgiram importantes pontos de negcio

    como a Casa do Globo e a firma Luz & Luz que dispunham de grandes quantidades de produtos

    como sal, querosene, acar e farinha.35 Alm desta oferta de produtos, aqueles que vinham de

    Lages com destino a Capital podiam embarcar em Palhoa diretamente para a Ilha, sem precisar

    passar por So Jos, com podemos perceber por meio da narrativa de Jos Vieira da Rosa:

    Houve um tempo em que So Jos era o emprio do comrcio com a serra, mas logo que a Palhoa comeou a tomar desenvolvimento, a antiga cidade entrou a decair at o ponto em que a vemos atualmente (1905) [...]. Era natural tal sucesso, que foras humanas no poderiam impedir, pois a Villa da Palhoa, ficando cinco quilmetros mais prxima dos negociantes da serra, e dispondo de mais facilidade em suas permutas e compras, apoderou-se do comrcio que anteriormente era feito com So Jos.36

    34 SILVEIRA, op. cit., p. 11. 35 LOPES, 1919, op. cit., p. 20. 36 ROSA, Vieira da. Chorographia de Santa Catharina. Florianpolis: Typ. da Livraria Moderna, 1905. p. 188.

    http://www.ndonline.com.br/florianopolis/noticias/10474-palhoca-perdera-muitos-mais-do-que-em-extensao-territorial.htmlhttp://www.ndonline.com.br/florianopolis/noticias/10474-palhoca-perdera-muitos-mais-do-que-em-extensao-territorial.html

  • 24

    Do final do sculo XIX at as primeiras dcadas do sculo XX, os comerciantes de

    Palhoa dominaram o transporte martimo de mercadorias at a Capital, o que exigiu a

    construo de vrios pequenos portos para que os lanches e botes pudessem atracar. Este fato

    promoveu uma verdadeira invaso das praias e manguezais mais prximos, onde foi construda

    a praa central da cidade. Podemos ter uma melhor noo desse processo de ocupao atravs

    da descrio de Jos Viera da Rosa37 em 1905:

    No lugar em que se acha a Vila no se encontram praias de branco ou amarelo areio, como soe (costuma) acontecer nos lugares que o ladeiam, mas sim uma linha de mangues, de terreno mole, onde cada negociante mais abastado abriu para o uso prprio um canalete, por onde saem os botes carregados de colonos e suas mercadorias, duas vezes por semana.38

    Deste modo, a partir do conhecimento de como aconteceu a ocupao do local, podemos

    compreender o porqu da cidade ter se desenvolvido em uma faixa estreita muito prxima ao

    mar, entre o rio Maruim, ao norte e o rio Cubato, ao sul. Apesar de essa ser uma posio

    estratgica em termos comerciais, ela possua uma sria desvantagem: a sede da Vila foi

    construda em [...] um terreno baixo, composto as vezes de manguezais formando patoraes39

    [...]40, que vinha desde a ponte sobre o rio Maruim, at a regio do Morro do Cambirela,

    prximo a foz do rio Cubato.

    Apesar de reconhecer a superioridade comercial de Palhoa em relao a So Jos no

    incio do sculo XX, Jos Viera da Rosa afirma que esse sucesso provavelmente seria

    momentneo, e que So Jos com o passar dos anos superaria Palhoa economicamente,

    justamente pelo local onde fora instalada a sede deste municpio:

    37 Jos Viera da Rosa nasceu no ano 1869 em So Jos e cursou a Escola Militar do Rio de Janeiro entre 1888 e 1892. Foi tambm diretor do Servio Geogrfico e Inspetor de Proteo aos ndios de Santa Catarina, alm de colaborador dos jornais Folha do Commercio e Terra Livre de Florianpolis. Fonte: PAULI, Evaldo. Gal. Paulo Gonalves Weber Viera da Rosa, um filsofo do dia-a-dia apud BRANDT, Marlon. O espao rural dos campos do Planalto na Chorographia de Santa Catharina. Histria: Debates e Tendncias, v. 9, n. 1, p. 218-231, jan/jun. 2010. Disponvel em: http://www.upf.br/seer/index.php/rhdt/article/view/3217. Acesso em: 17 mar. 2015. 38 ROSA, op. cit., p. 188. 39 At a dcada de 1940, ao que tudo indica, essa expresso no havia sido registrada em nenhum dicionrio. Naquela poca acreditava-se que a palavra patoral surgiu devido grande presena de patos nesses locais que geralmente ficavam alagados. Definiu-se, portanto, patoral como uma clareira no manguezal, onde nos preamares (mar alta), se v uma laguna. A terra ali, de sedimentos argilosos, apresenta uma tabatinga azul escuro muito empregada na cermica indgena. Fonte: Mensrio do Jornal do Comrcio, Rio de Janeiro, v. 9. Ed. 2, 1940. Disponvel em: https://books.google.com.br/books?ei=69c2VaGBKM-gyASf1YDIAw&hl=pt-BR&id=YitDAAAAIAAJ&dq=patoraes&focus=searchwithinvolume&q=patoraes. Acesso em: 21 abr. de 2015. J segundo o Novo Dicionrio Aurlio, patoral uma expresso tipicamente catarinense que significa terreno pantanoso e coberto de mangues. Fonte: FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p. 1046. 40 ROSA, op. cit., p. 196.

    http://www.upf.br/seer/index.php/rhdt/article/view/3217https://books.google.com.br/books?ei=69c2VaGBKM-gyASf1YDIAw&hl=pt-BR&id=YitDAAAAIAAJ&dq=patoraes&focus=searchwithinvolume&q=patoraes

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    Voltamos a Palhoa e fallemos sem medo. A meu ver ella no tem, no lugar em que se acha, futuro muito lisongeiro, e pela ordem natural das cousas S. Jos ha de suplantal-a. Palhoa no possue porto, est em lugar improprio para uma cidade, no tem agua que preste, ao passo que a cidade de S. Jos possue tudo isso.41 (Grifo nosso)

    No sabemos ao certo o que Vieira da Rosa quis dizer com a expresso lugar imprprio

    para uma cidade, entretanto pelo que ele escreve a respeito de Palhoa em sua obra, podemos

    acreditar que estivesse se referindo justamente aos terrenos baixos e pantanosos na qual se

    desenvolveu a cidade. Ainda segundo ele, em 1905 no distrito sede, s existia a referida estrada

    principal, que ligava So Jos estrada nova para Lages, j que no haviam sido construdas

    ruas laterais. Para ele seria necessrio primeiro drenar todos os terrenos que ficavam a oeste da

    estrada, pois eram quase todos compostos por banhados. Alm disso afirma que:

    O palhocense, se quizer fazer da Villa uma grande cidade, ter que conquistar o terreno por meio de canaes ou diques que impeam a invaso das aguas no preamar.42 A praa, em cujo fundo acham-se a intendencia municipal e a igreja matriz, tem espao bastante para edificaes, mas tambm um terreno encharcado.43

    Esta sugesto de Vieira da Rosa nunca foi posta em prtica, a cidade cresceu de maneira

    desordenada aterrando os mangues e canalizando os seus crregos naturais. Em relao a

    construo do prdio da prefeitura, Jos Luprcio Lopes afirma que quando a freguesia se

    emancipou, em 1894, foi assunto de muitas cogitaes entre os polticos-administradores, o

    logar para a referida instalao e construo do palacete da administrao municipal, ultimado

    e inaugurado em agosto de 1895.44 Entretanto, mesmo reconhecendo que a sede foi construda

    em uma regio relativamente baixa, para ele no poderia ter se dado em outro local, j que em

    1883 j havia sido concluda a construo da Igreja Matriz e da praa principal.

    Ainda que houvesse bastante espao no terreno da igreja, o fato deste ser encharcado,

    nas palavras de Viera da Rosa, exigiu que o cemitrio fosse construdo relativamente longe

    daquele local. Em 1886 conseguiram o terreno preciso e adequado a servir de cemitrio

    pblico, situado no alto da collina, ventilado e secco, no comeo do Passa-vinte [...] e distante

    da sede poucos quilmetros.45

    41 Ibidem, p. 200. 42 A palavra preamar significa o nvel mais alto da mar. Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa. Disponvel em: http://www.priberam.pt/dlpo/preamar. Acesso em 07 abr. 2015. 43 ROSA, op. cit., p. 196. 44 LOPES, Jos Luprcio. Palhoa: notcia estatstico-descritiva. Florianpolis: IBGE, 1939. p. 78. 45 LOPES, 1919, op. cit., p. 26.

    http://www.priberam.pt/dlpo/preamar

  • 26

    Estes no foram os primeiros relatos a respeito das condies alagadias das terras

    palhocenses. Em suas viagens pelo Sul do Brasil em 1858, Robert Av-Lallemant, vindo de

    Desterro, passou por So Jos e, a cavalo, se dirigiu Enseada de Brito. Ao passar sobre a

    recm construda ponte de pedra sobre o rio Maruim descreveu o local da seguinte maneira:

    Nas depresses do terreno, muitas fbricas de telhas e bela plantaes, apesar de parecer insalubre a regio meio pantanosa. Procurou-se conservar o caminho em terreno firme num amplo arco, porm mau em muitos lugares; alis, depois de alguns dias de chuva, absolutamente intransitvel. Por duas vezes tivemos que paear-nos e conduzir os cavalos, embora nos dissessem que por causa da prolongada seca, o caminho estava bom.46

    Opinio semelhante a esta encontramos nos escritos de Jos Luprcio Lopes, no trecho

    em que descreve as povoaes iniciais do ento Arraial de Palhoa. Segundo ele:

    Nesse tempo havia somente a pssima estrada de cargueiros que, da ento freguesia de S. Jose, ia a Vila de Lages. Pelos referidos ranchos transitavam somente aquelles que viajavam para a Serra, arriscando passar pelo tirirical47 e atoleiros que se encontravam na estrada geral, hoje, em parte a rua principal da sede do municpio e da comarca.48

    A condio dos terrenos obrigava aqueles que traziam tropas de bois ou cavalos com

    destino a Desterro, tomassem um pequeno desvio. Eles seguiam em direo ao morro do Tom,

    que fica ao sul da cidade, passando pela beira do mar at chegar ponte do rio Maruim, da em

    diante seguiam pela estrada geral at a freguesia de So Jos, j que o trecho da estrada entre a

    sede de Palhoa at tal ponte podia ser muito perigoso para os animais devido aos terrenos

    pantanosos. 49

    Como pudemos perceber, Jos Vieira da Rosa mais enftico e deixa bem clara a sua

    desaprovao do local que foi escolhido para a construo da sede de Palhoa, ressaltando

    inclusive que a condio dos terrenos pesaria negativamente para o futuro econmico do

    Municpio. J Jos Luprcio Lopes apesar de reconhecer tais condies, sempre procurou

    minimizar os possveis problemas ou mesmo neg-los. Em sua obra intitulada Monografia de

    46 AVE-LALLEMANT, Robert. Viagem pelo Sul do Brasil no ano de 1858. 2 v. Rio de Janeiro: INL, 1953. p. 29. 47 Tirirical era uma expresso utilizada no incio do sculo XX para se referir a um local onde era abundante a Tiririca. O Capim-Tiririca (Cyperus rotundus) tambm conhecido como Tiririca, Tiririca-do-Brejo, Barba-de-Bode, Capim-Dand e Juna. Ele pertence famlia Cyperaceae. Esta planta considerada uma macrfita aqutica, que so plantas herbceas que crescem na gua, em solos cobertos por gua ou saturados de gua. Fonte: ESTEVES, Francisco de Assis (Coord.). Fundamentos de limnologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Intercincia, 2011. 48 LOPES, 1919, op. cit., p. 12. 49 Idem.

  • 27

    Palhoa, de 1919, podemos perceber a sua preocupao em evitar que Palhoa fosse

    reconhecida por seus terrenos baixos e alagadios:

    Palhoa no e alagadia, como dizem espiritos prevenidos, nem loco de febres palustres e intermitentes. Ao contrario, a Vila esta localizada em um tal ponto que, sem ser dotada de rede de esgotos, entretanto esse servio feito pela prpria natureza. Do lado leste ha mare banha de quando em quando, levando no seu refluxo as materias em decomposio que encontra; da parte de oeste, da esgoto as aguas servidas um crrego que atravessa a villa em toda a sua extenso.50

    Com o mesmo objetivo, escreveu vinte anos depois na obra Palhoa: Notcia Estatstico-

    descritiva:

    No obstante, a sede encontrar-se em uma regio relativamente baixa, Palhoa tem prontos e francos escoamentos de suas aguas, tanto as pluviais, como as do mar. [...] Relativamente as aguas pluviais, Palhoa no teme consequncias que possam prejudicar ou concorrer para alterar a sade pblica. No se encontram guas paradas. Os muitos bueiros e canaletes preparados para este fim, tornam a sede sempre abrigada dos males oriundos das guas estagnadas ou paradas.51

    Analisando essas passagens, podemos supor que ele pretendia dar uma resposta queles

    que insistiam em dizer que Palhoa possua terrenos baixos nos quais se acumulavam grandes

    quantidades de gua, ambientes propcios para a proliferao de insetos causadores de algumas

    patologias muito temidas no final do sculo XIX e incio do XX.

    Sabendo que Jos Luprcio Lopes fez a leitura da Chorografia de Santa Catarina, pois a

    utiliza como referncia para descrever os rios que cortam Palhoa, podemos supor que um dos

    espritos prevenidos de que ele faz meno em 1919, seja o prprio Vieira da Rosa. Este autor

    possua uma opinio contrria Jos Luprcio Lopes em relao a este assunto, como podemos

    perceber no seguinte excerto:

    Este ano com especialidade, na zona que fica entre S. Jos e Laguna, febres diversas mataram muitos habitantes, febres at ento desconhecidas naquella regio. Essas terras que ficam desde S. Jos at o Sul da Laguna so baixas, cheias de banhados formados pelas chuvas, verdadeiros viveiros de mosquitos.52

    Ainda que houvessem opinies divergentes a respeito da topografia de Palhoa, e de

    como essa caracterstica podia ser determinante para o seu desenvolvimento, o fato que desde

    50 LOPES, 1919, op. cit. p. 38. 51 LOPES, 1939, op. cit., p. 78. 52 ROSA, op. cit., p. 42.

  • 28

    meados do sculo XIX j temos notcias de grandes cheias ocorridas, sobretudo, nos rios

    Maruim e Cubato provocadas, a princpio, por grandes quantidades de chuva que trouxeram

    alguns transtornos aos moradores de Palhoa.

    1.3 DAS CHEIAS S PRIMEIRAS ENCHENTES

    Desde o incio do sculo XIX, temporais j acometiam Ilha de Santa Catarina e o

    litoral fronteirio a ela. As terrveis lestadas53, tambm chamadas pelos antigos moradores da

    regio de o carpinteiro da praia, eram muito temidas pelos navegantes e pelos habitantes

    litorneos. Elas se caracterizavam por intensas chuvas, empurradas por um forte vento leste,

    que iam de encontro s serras dando logar a desmoronamentos, cheias de rios e prejuzos de

    toda sorte.54

    Este tipo de evento ocorreu nos anos de 1811, 1830 e 1838, causando muitos prejuzos

    materiais e tambm humanos. Sobre a fortssima lestada de 1838, Jos Vieira da Rosa o

    descreveu da seguinte forma:

    No anno de 1838, em os dias 9, 10 e 11 de Maro foi a ilha, e toda costa da Provincia, acommettida de um temporal de chuva e vento da parte de Leste to rijo, que abrio enormes rasges pelos morros: quasi toda lavoura ficou raza; todas quantas pontes havio desapparecero: na Capital rebentaro olhos d agua mesmo em terrenos muito elevados: algumas casas foram arrasadas e conduzidas ao mar pela fora das aguas: na Freguezia de N. S. das Necessidades, mais conhecida por Santo Antonio, desappareceu a casa, alis bem construda, do Tenente Joaquim Jos da Silva e conjunctamente com elle ficou sepultado toda sua familia composta de onze pessoas: na varzea do Ratones outra casa com a famlia de Joo Homem teve a mesma sorte: em outros logares da Provincia consta que houvero outras victimas. O mar tornou-se, em grande distancia da terra, vermelho do muito barro que reeebeo; e mal se vio boiar nalgumas partes animaes, ou a fortuna de muitos lavradores. Muitas familias ficaram reduzidas a penria e a misria. Embarcao houve no porto da Cidade, que virou de quilha para o ar.55 (Grifos nossos).

    As expresses toda a costa da Provincia e outros logares da Provincia nos sugerem

    que alm de Desterro, outras freguesias e arraiais do litoral de Santa Catarina tenham sido

    53 O sistema de Circulao Martima, popularmente conhecido como lestada forma muitas nuvens e chuva na costa catarinense e, dependendo da quantidade de umidade e dos ventos, pode chegar a vrios quilmetros no interior do continente. MONTEIRO, M. A. 2007, apud LOPES, Alfredo Ricardo Silva. Desastres socioambientais e memria no Sul de Santa Catarina (1974-2004). 1 v. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Cincias Humanas, Programa de Ps-Graduao em Histria, Florianpolis, 2015. 54 ROSA, op. cit., p. 39. 55 Idem.

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    acometidos por essa lestada. No podemos afirmar se houveram prejuzos ou vtimas no Arraial

    de Palhoa durante essa catstrofe, entretanto, a inteno de trazer relatos como este, de

    demonstrar como esses eventos extremos j ocorriam h muito tempo nesta regio central do

    litoral de Santa Catarina, provocando inclusive morte de famlias inteiras.

    Para que um desastre se torne um objeto histrico precisamos considerar que o desastre

    um evento prejudicial, sociocultural e extraordinrio. Ele se torna um evento prejudicial e

    extraordinrio quando escapa aos domnios humanos, superando nossa capacidade de absoro,

    o que acaba por gerar uma disrupo, estabelecendo uma srie de oposies entre o antes e o

    depois do acontecimento.56 Oliver-Smitch ressalta que a disrupo tem um papel importante,

    entretanto no deve ser o ponto principal para a compreenso do desastre, pelo fato de que tais

    eventos no esto inscritos numa curta durao e sim num longo processo. Ele ainda afirma que

    os desastres devem ser entendido como mais um dos eventos produzidos pela sociedade na sua

    relao com o ambiente.57

    A respeito do aspecto sociocultural dos desastres, Eunice Nodari e Marcos A. Espndola

    afirmam que:

    Inicialmente deve-se ponderar que todos os desastres, alm de construes sociais, so construes culturais, uma vez que a noo de desastre possui um vis demasiado antropocntrico, pois a partir da percepo humana que se define a calamidade, ou seja, em reas livres de presena humana, as intempries climticas no so percebidas como catstrofes. Ambos processos, natural e antrpico, so histricos e recprocos j que a experincia humana condicionou e foi condicionada pelas inter-relaes com o meio.58

    Desse modo, na perspectiva da Histria Ambiental um evento s se torna um desastre

    quando interfere de alguma forma na sociedade. Segundo Butzke e Mattedi em termos

    sociolgicos, a expresso desastre est relacionada a acontecimentos que alteram o modo de

    funcionamento rotineiro de uma sociedade.59

    56 MENDES, Simoni. A Construo scio-cultural dos desastres ambientais em reas de colonizao alem no sul do Brasil: o caso das enchentes em Blumenau (1850 - 1957). Florianpolis, 2012. 151 p. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em Histria p. 39. 57 OLIVER-SMIYH, A. What is a Disaster: Anthropological perspectives on a persistent question. In.: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN S. M. (Orgs.). The Angry Earth: Disaster in Anthropological Perspective. London: Routledge, 1999. Apud LOPES, Alfredo Ricardo Silva. 2015, op. cit., p. 100. 58 NODARI, Eunice S.; ESPNDOLA, Marcos Aurlio. Relaes complexas: as estiagens no Oeste de Santa Catarina. In: CORREA, Silvio M. de S; NODARI, Eunice S. (Orgs.). Migraes e Natureza. So Leopoldo: Oikos, 2013. p. 165-166. 59 BUTZKE, Ivani Cristina; MATTEDI, Marcos Antnio. A relao entre o social e o natural nas abordagens de Hazards e de desastres. Ambiente & Sociedade, ano IV, n. 9, 2 semestre de 2001. p. 9.

  • 30

    Ao contrrio do que se acreditou por muito tempo, os desastres ambientais no so

    causados estritamente por fatores naturais, mas so o resultado, sobretudo, do aumento da

    populao, do desmatamento, da ocupao desordenada e do intenso processo de urbanizao

    e industrializao. A Histria Ambiental fundamentam-se sobre a percepo de que todos os

    elementos que constituem o planeta podem interferir na organizao social, e por outro lado ela

    analisa as consequncias das aes humanas sobre a natureza. Estes dois processos so

    histricos e mtuos.60 nesse sentido que Lise Sedrez afirma que o estudo de desastres oferece

    uma enorme gama de possibilidade para entender as reaes entre histria e natureza, visto que

    o que reunimos na categoria desastre so fenmenos profundamente diversos.61

    Com base nessas perspectivas abordaremos alguns acontecimentos relacionados a

    grandes precipitaes que por sua vez, contriburam para a elevao do nvel dos principais rios

    que cortam a parte norte do atual Municpio de Palhoa. Vale ressaltar, que se alguns desses

    eventos trouxeram pnico aos moradores locais e provocaram uma ruptura da normalidade, em

    contrapartida, muito provvel que outros acontecimentos no foram considerados pelos

    moradores naquele momento como propriamente um desastre, ou mesmo, como uma catstrofe,

    posto que no alteraram consideravelmente o cotidiano da cidade.

    A prpria palavra enchente, at meados do sculo XX, no tinha necessariamente um

    aspecto negativo, essa expresso era usada corriqueiramente nos jornais para representar a

    elevao do nvel dos rios, como podemos perceber nesta matria publicada pelo jornal A Voz

    de Chapec, em 1948:

    Com as chuvas torrenciais dos ltimos dias, as guas do rio Uruguai aumentaram, verificando-se a enchente que ultrapassou o desejado ponto de balsa. Esta expresso significa a oportunidade de descida das balsas de madeira pelo dito rio, com destino aos mercadores do Estado do Rio Grande do Sul e, de preferencia, da Republica Argentina. Os interessados, quer os maiores ou menores comerciantes de madeiras, quer os praticos da navegao, na direo das balsas, e seus auxiliares, na descida do rio, ao embate das corredeiras ou do tumultuar das aguas, nas ilhas cobertas pela inundao, esto radiantes, pela oportunidade que surge para os negocios. O ano de 1948 tem corrido propicio, as enchentes foram diversas, para compensar os periodos em que as aguas permanecem baixas.62

    60 Hughes, 2009 apud LOPES, Alfredo Ricardo Silva. O Furaco Catarina: a transformao na percepo ambiental em Santa Catarina-Brasil. In: XI ENCONTRO NACIONAL DE HISTRIA ORAL MEMRIA, DEMOCRACIA E JUSTIA, 2012, Rio de Janeiro. Anais eletrnicos... Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. Disponvel em: http://www.encontro2012.historiaoral.org.br/resources/anais/3/1340200755_ARQUIVO_OFuracaoCatarina_final.pdf. Acesso em: 11 mar. 2015. 61 SEDREZ, Lise. Desastres socioambientais, poltica pblicas e memria contribuies para a histria ambiental. In: CORREA, Silvio M. de S; NODARI, Eunice S. (Orgs.). Migraes e Natureza. So Leopoldo: Oikos, 2013. p. 193. 62 Enchente do Rio Uruguai, A Voz de Chapec, Chapec, 07 nov. 1948. p. 2.

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    Assim como as enchentes deixavam radiantes os comerciantes de madeira do vale do

    rio Uruguai, visto que permitiam a descida das toras para que pudessem ser comercializadas,

    em Palhoa, por vezes, elas tambm podiam ser percebidas como acontecimentos benficos.

    Quando as guas do rio Cubato transbordavam e cobriam boa parte de suas margens,

    depositavam naquele solo grande quantidade de nutrientes que contribuam para a fertilidade

    do solo e portanto favoreciam a produo agrcola do ento distrito de Santo Amaro, que

    permaneceu ao Municpio de Palhoa at 1958:

    Santo Amaro, com suas terras fertilssimas, de quando em vez, lavadas pelas enchentes do rio Cubato, apresenta nos mercados de Florianpolis o feijo, o milho, a batata. Cultiva em quantidade a cana-de-acar, e fabrica a farinha de mandioca e de milho, e assim os distritos de Terespolis, Santa Isabel, Anitpolis, que exportam tambm os mesmos produtos.63

    Isso nos ajuda a compreender a concepo da Histria Ambiental, como dito

    anteriormente, de que um acontecimento s pode ser considerado um desastre ambiental, a

    partir da percepo humana sobre ele. Da mesma forma que a natureza sofreu e continua a

    sofrer com as intervenes humanas, as sociedades tm sofrido com os desastres. Contudo,

    importante destacar que no buscamos aqui entender um desastre ambiental como uma reao

    da natureza aos ataques por ela sofridos em todos esses anos, mas sim compreender de que

    forma as aes humanas tm intensificado as consequncias de fenmenos at ento tidos como,

    genuinamente, naturais.64

    As primeira informaes a respeito de cheias no rio Maruim e nas terras que viriam a se

    tornar o atual municpio de Palhoa, remontam ao dcada de 1820, quando chegaram em Santa

    Catarina os primeiros colonizadores alemes. Durante o ms de novembro de 1828 duas levas

    de imigrantes alemes chegaram a Desterro, com destino a alto vale do rio Maruim para a

    fundao de uma colnia. Entretanto, no final daquele ms, uma grande enchente inundou as

    vrzeas do rio Maruim e impossibilitou a passagem dos colonos, que acabariam fundando a

    Colnia So Pedro de Alcntara, apenas no ano seguinte.65

    Apenas dois anos mais tarde, uma forte lestada em dezembro de 1830, a qual Viera

    da Rosa suspeitou ser um furaco, provocou estragos no s na Ilha, mas tambm na Freguesia

    63 LOPES, 1939, op. cit., p. 98. 64 MENDES, Simoni. A Construo scio-cultural dos desastres ambientais em reas de colonizao alem no sul do Brasil: o caso das enchentes em Blumenau (1850 - 1957). Florianpolis, 2012. 151 p. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em Histria p. 33 65 GERLACH, Gilberto; MACHADO, Osni. So Jos da Terra Firme. So Jos: Floriprint, 2007, p. 21.

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    de So Jos, da qual o Arraial de Palhoa fazia parte, destruindo as pontes sobre os rios Arajo

    e Maruim.66 A ponte sobre o rio Maruim sofreu avarias novamente em outubro de 1852, com

    outro fortssimo temporal. Nesta poca a ponte ainda era de madeira e media 120 palmos de

    comprimento e 12 de largura, o que corresponde aproximadamente 27 e 2,70 metros.

    Em 1856, por meio de uma nota publicada no jornal o Mensageiro67, o governo da

    Provncia procurou mostrar seus esforos na reconstruo de vrias pontes, possivelmente,

    arruinadas por uma enchente ocorrida em 1854. Ao que indica foram reformadas quatro pontes

    na freguesia do Imaruhy, sendo trs delas no aterro do Patoral, que ligava esta freguesia ao sul

    do municpio. Neste mesmo caminho, em direo estrada nova para Lages, sobre o rio Ariri,

    temos o relato da reconstruo de uma ponte de 205 palmos de comprimento (45 metros), sobre

    18 de largura (4 metros).68

    Na dcada seguinte as chuvas trouxeram mais estragos. Em 1869, um morador de

    Garopaba precisou atravessar o rio Cubato, pois se dirigia ao municpio de So Jos, entretanto

    se deparou com um precipcio em determinado ponto do rio, onde segundo ele existia uma

    ponte. Ele de fato tinha razo, mas lhe disseram alguns moradores desse lugar, havia trs anos

    decorridos que as guas fluviais levaram-na.69 Estas informaes, enviadas para um jornal de

    Desterro pelo morador de Garopaba, indignado com as pssimas condies das estradas da

    Provncia, podem ser relacionas com o relatrio escrito pelo ento presidente da Provncia

    Adolpho de Barros C. de A. Lacerda. Na parte do relatrio em que o presidente descreve a

    Colnia de Terespolis, que ficava a montante da tal ponte destruda no rio Cubato, ele afirma

    que a colheita no ano de 1866 foi prejudicada pelas intensas chuvas que ocorreram desde

    novembro de 1865 at os primeiros meses do ano seguinte.70 Em vista disso, podemos

    considerar que a elevao das guas do rio Cubato foram ocasionadas pelas intensas chuvas,

    provocando a destruio da ponte em questo.

    Anos mais tarde, em 1868, novamente intensas chuvas que caram durante o ms de

    novembro na bacia desse rio causaram bastante prejuzos lavoura em diversas localidades e

    danificaram as estradas do nosso litoral.71 Alm disso, outra ponte foi arrancada pelas guas e

    66 Idem. 67 Publicao a pedido, O Mensageiro, Desterro, 06 ago. 1856, p. 3. 68 Relatrio apresentado Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina pelo presidente Joo Jos Coutinho, em 1 de maro de 1855. p. 22 Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015 69 Maus caminhos, O Despertador, Desterro, 06 mar. 1869, p. 2. 70 Relatrio apresentado Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina na sua sesso ordinria pelo presidente Adolpho de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, no ano de 1867. Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1867. p. 14. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015. 71 Desastres e prejuzos, O Despertador, Desterro, 05 dez. 1868, p. 2.

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    atirada para longe do seu lugar, sendo mais tarde recuperada pelo subdelegado de Santo Amaro

    que reuniu um grupo de moradores e conseguiu recoloc-la, apesar de estar muito arruinada.

    Em 1886, uma grande inundao atingiu toda a regio que mais tarde se emanciparia de

    So Jos para formar o Municpio de Palhoa. Todos os rios da localidade, Maruim, Passa

    Vinte, Ariri e Cubato transbordaram dos seus leitos. As guas ganharam tamanha fora que,

    [...] todas as pontes de madeira, desde S. Jos at Santo Amaro desapareceram dos seus lugares, a ponto de estarem interceptadas as comunicaes dos colonos com o porto onde costumam depositar os seus produtos agrcolas, alm disso existem grandes atoleiros, pelos quais no podem passar cargueiros sem risco de perderem-se com as cargas.72

    Nas vrzeas do Cubato as plantaes permaneceram embaixo dgua por algum tempo

    e muitos animais, ferramentas e utenslios dos agricultores foram arrastados at a foz do rio. Na

    tentativa de socorrer uma famlia que teve sua casa invadida pelas guas, trs homens

    embarcaram em uma canoa para atravessar o rio, no entanto, como a correnteza era muito forte

    a embarcao virou, causando a morte de duas pessoas.73 Essa a primeira notcia na qual

    consta o falecimento de pessoas, ocasionado pela elevao das guas dos rios em Palhoa, pois

    at ento os prejuzos tinham sido apenas materiais. As chuvas foram to fortes nesta ocasio,

    que impossibilitaram a passagem na estrada que da Palhoa seguia para Lages, sendo necessrio

    a construo de um desvio com pontilhes e estivas na extenso de 1.034 metros que custaram

    aos cofres da provncia 600.000 ris.74

    Em dezembro de 1888, uma nova enchente destruiu a ponte de pedra sobre o rio Passa

    Vinte, sendo substituda por uma nova ao custo de 2.190.000 ris. As mesmas chuvas tambm

    prejudicaram as obras na estrada de Lages, que margeava o rio Cubato, naquela rea as guas

    destruram os trabalhos j terminados atrasando a reforma do trecho prximo a Colnia de

    Terespolis.75

    Em 1894, como dito anteriormente, o ento Distrito de Paz de Palhoa que pertencia

    So Jos se emancipou, e seu territrio que estava compreendido basicamente entre os rios

    Maruim e Cubato, passou a ser muito maior em extenso, (Ver Figura 05).

    72 Parte Noticiosa, O Despertador, Desterro, 06 fev. 1886, p. 3. 73 Idem. 74 Relatrio apresentado Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catharina na 2 sesso de sua 26 legislatura, pelo presidente, Francisco Jos da Rocha, em 11 de outubro de 1887. Rio de Janeiro, Typ. Unio de A.M. Coelho da Rocha & C., 1888. p. 186. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015. 75 Relatrio com que ao Exm. Sr. Dr. Jos Ferreira de Mello passou a administrao da Provncia de Santa Catarina o doutor Coronel Augusto Fausto de Souza, em 13 de fevereiro de 1889. p. 16. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015.

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    Em 1900 ocorre o primeiro desastre do novo municpio. Na virada do ms de abril

    para maio, um fortssimo temporal assolou o litoral central de Santa Catarina, causando

    prejuzos de mais de 15 contos de ris em Florianpolis. No interior de Palhoa, na freguesia

    de Santo Amaro que ficava as margens do Cubato, as guas subiram em alguns lugares 13

    palmos dentro das casas76 e muitas plantaes foram levadas pelos grandes volumes

    dgua.77 Alm disso, uma ponte de 27 metros que ficava na estrada de Lages, sobre um

    afluente do Cubato, foi arrastada 50 metros. O trabalho de recuperao custou quase 3 contos

    de ris e foi concludo em janeiro do ano seguinte, sob a responsabilidade do engenheiro

    Frederico von Ockel.78

    Podemos constatar a recorrncia das enchentes em Palhoa durante o sculo XIX, no

    apenas atravs das notcias dos jornais, mas tambm por meio dos escritos de Jos Vieira da

    Rosa, quanto este, tratando de descrever o rio Maruim, fez o seguinte comentrio: Na sua foz

    atravessado o rio por uma slida e antiga ponte de pedra, ponte que tem resistido a todas as

    enchentes e que, pelo seu todo grosseiro e macio promete desafiar os sculos vindouros.79

    Figura 06: Ponte sobre o Rio Maruim na dcada de 1920 vista a partir de So Jos

    Fonte: LOPES, Jos Luprcio. So Jos-Palhoa: seus antigos e actuaes limites, Florianpolis: Typ. da Escola Artfices, 1926. p. 9.

    76 Temporal, Repblica, Florianpolis, 03 maio 1900, p. 2. 77 Palhoa, Repblica, Florianpolis, 12 maio 1900, p. 1. 78 Ponte do Riacho. O Dia, Florianpolis, 08 jan. 1901. p. 3 79 ROSA, op. cit., p. 106.

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    Esta ponte foi inaugurada em 1858 e tinha a extenso de 342 palmos (77 metros) com

    largura de 40 palmos (9 metros) e construda sobre 16 arcos de tijolos formados em peges de

    alvenaria, e se somarmos a extenso da ponte as duas rampas da cabeceira ela chega 153

    metros. Esta obra foi executada pelo mestre pedreiro Caetano e custou aos cofres pblicos

    11.006$090 ris. 80 Segundo histrias que chegaram aos dias de hoje atravs da oralidade, e que

    foram escritas pelo historiador lvaro Tolentino, o ento presidente da Provncia Joo Jos

    Coutinho se esmerara tanto nesta obra que mandara construir um rancho margem esquerda

    do rio, para dali poder acompanhar melhor os servios.81

    De fato essa ponte tornou a travessia do rio Maruim muito mais segura do que a antiga

    ponte de madeira, que era facilmente afetada pela enchente do rio. Assim como disse Viera da

    Rosa, a ponte de alvenaria resistiu as constantes enchentes por 136 anos, sucumbindo apenas

    na grande enchente de 1995.

    As constantes enchentes provocadas pela elevao das guas do Cubato j eram to

    conhecidas no incio do sculo XX que encontramos em um anncio de venda de uma

    propriedade em 1908, a seguinte descrio:

    Vende-se uma excelente situao, com mais de 80 braas de frente e quase 500 de fundos, terrenos de muito boa qualidade, tendo mais ou menos dois teros com mata virgem e o resto muito cafezal, superiores pastos e terras para outras plantaes; tem muitas rvores frutferas, faz frente Estrada de Lages e ao Rio Cubato. Livre de enchentes. Excelente agoada para consumo e move bem pequeno engenho para pilar caf; muito boa moradia e bom ponto para negcio [...].82

    Podemos perceber a preocupao do proprietrio, o Sr. Domingos Grosso, em destacar

    as boas qualidades da propriedade, a sua excelente localizao beira da Estrada de Lages, que

    permitia inclusive ao interessado, abrir um negcio. Todavia ao citar que o terreno tambm faz

    frente ao rio Cubato, ele logo ressalta que livre de enchentes. De fato, no incio do sculo

    XX, o rio Cubato era de certa forma temido, principalmente durante perodos de intensa

    precipitao, nos quais suas margens no podiam conter as guas e os cafezais e lavouras de

    cana de acar que o margeavam ficavam embaixo dgua.

    80 Falla que o Presidente da Provncia de Santa Catarina Dr. Joo Jos Coutinho dirigiu Assemblea Legislativa Provincial no acto dabertura de sua sesso ordinria, em 1 de maro de 1859. Typ. Catharinense de G. A. M. Avelim, 1959. p. 11. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 21 abr. de 2015. 81 GERLACH; MACHADO, op. cit., p. 73 82 Emprego de capital. O Dia, Florianpolis, 02 ago. 1908, p. 7.

    http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina

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    Como todos os rios que provm de morros ou serras, e que possuem muita declividade, este torna-se caudaloso e at perigoso quando as lestadas, derramando nas serranias as chuvas de muitos dias, fazem transbordar esses rios que correm ao Cubato. Ento o regato brando e rumoroso, torna-se caudal que no se passa sem perigo. Na margem direita, talvez pelo fato de ficarem alagadas as terras, so poucas as habitaes. No assim a sua margem esquerda, toda cheia de casas.83

    Portanto, essa dinmica de intensas chuvas na cabeceira do rio Cubato e de seus

    afluentes e a consequente elevao de suas guas foi o que muito provavelmente provocou as

    enchentes nos 1866, 1868, 1886, 1888, 1900 e muitas vezes depois.

    Em 1911, ocorreu em Santa Catarina a primeira grande enchente do sculo XX,

    considerada at hoje como uma das maiores da histria catarinense. Naquela ocasio, grande

    parte do Estado foi afetada, sobretudo, a regio do Vale do Itaja, castigando severamente as

    cidades de Itaja, Brusque e Blumenau. Nesta ltima as guas do rio Itaja-au chegaram aos

    16,90 metros de altura.84 A destruio provocada pela inundao foi to grande que o desastre

    ganhou repercusso nacional atravs das publicaes do jornal Gazeta de Notcias, do Rio de

    Janeiro, o qual publicou entre os dias 3 de outubro e 8 de novembro, quatorze matrias, inclusive

    com fotografias, a respeito das inundaes em Santa Catarina. 85

    Diante dos imensos prejuzos e danos, o Governo do Estado criou Comisses de Socorro

    para tentar atender as vtimas das enchentes o mais rpido possvel. Essas comisses ficaram

    sob a responsabilidade de pessoas consideradas distintas do municpio, como mdicos, oficiais

    do exrcito e membros eclesisticos. Os recursos, portanto, eram destinados a estes grupos de

    pessoas, as quais definiam como empregar o dinheiro para a recuperao da cidade. Alm da

    Comisso Central, presidida pelo governador Vidal Ramos da Silva, foram organizadas outras

    12 comisses nas cidades mais afetadas, foram elas: Blumenau, Itaja, Brusque, Joinville,

    Paraty (atual Araquari), Tijucas, Lages, Biguau, Curitibanos, Canoinhas, Campos Novos e

    Palhoa.86

    83 ROSA, op. cit., p. 107. 84 MENDES, Simoni; ESPNDOLA, Marcos A; NODARI, Eunice S. O crescimento urbano e as enchentes em Blumenau (SC). Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 8. p. 203, 2014. Disponvel em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204432/4133801/revista_agcrj_oito.pdf. Acesso em: 15 jan. 2015. 85 Para maiores detalhes a respeito das enchentes no Vale do Itaja ver: ESPNDOLA, Marcos A; NODARI, Eunice S. Enchentes inesperadas? Vulnerabilidades e polticas pblicas em Rio do Sul SC, Brasil. Revista Esboos, Florianpolis, v. 20, n. 30, p. 9-34, dez. 2013. Disponvel em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/viewFile/21757976.2013v20n30p9/27829. Acesso em: 15 jan. 2015. 86 Mensagem apresentada ao Congresso Representativo do Estado em 23 de julho de 1911 pelo governador Vidal Jos de Oliveira Ramos. p. 17-19. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015.

    http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204432/4133801/revista_agcrj_oito.pdfhttps://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/viewFile/21757976.2013v20n30p9/27829http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina

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    A Comisso de Socorro de Palhoa ficou sob a presidncia do Major Jos H. da Costa,

    que foi auxiliado pelo tambm Major, Vicente Silveira e pelo Doutor Pedro Alexandrino Pereira

    de Mello. Foram estes trs os responsveis por utilizarem os recursos enviados pela Comisso

    Central, cerca de 1.250.000 mil-ris, na recuperao do municpio. Essas so as nicas

    informaes, as quais tivemos acesso sobre a enchente de 1911 em Palhoa, isso porque, nos

    jornais catarinenses a ateno estava voltada para o Vale do Itaja, visto que essa regio era

    mais importante poltica e economicamente, e havia sido mais atingida.

    Ainda nessa mesma dcada, mais precisamente em 26 de janeiro de 1917, as guas do

    rio Maruim saram do seu leito prximo das 17 horas, aterrorizando os moradores da localidade,

    como podemos perceber neste trecho transcrito do jornal A Comarca:

    O murmrio das negras guas e a forte correnteza que trazia, parecia tudo levar de vencida contra a ponte, - aquela obra solida construda h tantos anos, que ia vencendo o forte impulso das guas da chuva, por sua vez contra a alta mar que veio ainda mais concorrer para tudo encher, invadindo as pequenas moradias dos pobres que residem pelo Casqueiro e Areais. O pedido de socorro por meio de buzinas, tiros e gritos constantemente se ouviam. Tanto do lado deste municpio como no do de S. Jos [...].87

    Atravs deste trecho, observa-se que, alm das intensas chuvas de vero que elevaram

    as guas do rio Maruim, a mar alta dificultou consideravelmente a vazo do rio, tornando a

    inundao ainda maior. O trecho da estrada principal, que ligava esta localidade sede de

    Palhoa, chamado de Patoral, possua uma distncia de um quilmetro e ficou quase

    completamente submerso, ligando-se com o mar. Essa parte da estrada j havia sido aterrada

    em meados do sculo XIX e em 1888 tambm havia recebido outra obra deste tipo, visto que

    com as grandes mars fica esta parte da estrada completamente inundada.88

    As guas formaram uma forte correnteza que ia em direo sede, onde via-se o

    mesmo aspecto de terror, as pequenas casinhas cheias dgua, os moradores contristados,

    acautelados para a primeira eventualidade tendo muitos j perdido grande nmero de animais

    ovelhum, aves e etc..89 A correnteza era to forte que levou praticamente tudo por onde passou:

    bois, porcos, aves, depsito de mantimentos, bueiros e pontes foram arrastadas. Alm disso, as

    87 A lestada, A Comarca, Palhoa, 28 jan. 1917, p. 2. 88 Relatrio com que ao Exm. Sr. Dr. Jos Ferreira de Mello passou a administrao da Provncia de Santa Catarina o doutor Coronel Augusto Fausto de Souza, em 13 de fevereiro de 1889. p. 16. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015. 89 Idem.

    http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarinahttp://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina

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    estradas ficaram intransitveis, impossibilitando o trafego dos carros que faziam as viagens de

    Palhoa ao bairro do Estreito, adjacente ilha de Florianpolis na parte continental.90

    Assim como o Maruim, o rio Cubato tambm transbordou, destruindo diversas pontes

    de madeira, pontilhes e bueiros, o que exigiu do Governo do Estado, alm da verba mensal

    destinada manuteno da Estrada de Lages, uma verba extra para tais estragos. E tambm para

    o aterro do leito da estrada e a abertura de valas laterais, do quilmetro 0 ao 1091, compreendidos

    no Municpio de Palhoa e do quilmetro 48 at Lages. Assim como na enchente de 1886, na

    qual morreram duas pessoas afogadas, segundo informaes enviadas para o jornal A Comarca,

    Joo da Charqueada como era conhecido, foi atender a pedidos de socorro e acabou se afogando

    no rio Cubato.

    De 1917 at os anos de 1950 ocorreram outras pequenas enchentes e alagamentos em

    Palhoa, mas como apresentaram uma menor fora destrutiva e afetaram menos pessoas do que

    os desastres ocorridos no mesmo perodo, principalmente no Vale do Itaja, no ganharam tanto

    espao nas pginas dos jornais catarinenses. A exceo foi a enchente de 1928, na qual a estrada

    em direo a Lages ficou completamente inundada pelas guas do Cubato, na altura de

    Terespolis, isolando o interior do municpio.92

    Como aponta Simone Mendes de Paula, em sua dissertao de mestrado, para fazermos

    uma Histria Ambiental dos desastres, no devemos apenas considerar o evento isoladamente,

    pois isso sugere que o desastre tenha sido provocado exclusivamente pela ao da natureza. Por

    isso importante analisar o sistema social da comunidade afetada em um longo espao de

    tempo, para compreendermos melhor toda a dinmica do desastre.93

    No caso de Palhoa, assim como de outras cidades, o processo de ocupao de terrenos

    baixos, prximos dos manguezais e rios, naturalmente inundados durante os perodos chuvosos

    e/ou de alta mar, foi determinante para as ocorrncias das enchentes descritas acima e tambm

    para as que aconteceram dcadas mais tarde.

    A partir da dcada de 1970, Palhoa sofreu uma rpida expanso das reas urbanizadas,

    promovida pela concluso das obras do trecho sul da BR101. O eixo formado pela rodovia

    federal favoreceu a urbanizao tanto leste em direo aos manguezais como oeste nas reas

    tradicionalmente rurais. O grau de urbanizao que era de 12,11% em 1960, passou para

    90Grande temporal. O Dia, Florianpolis, 27 jan. 1917, p. 1. 91 Mensagem apresentada ao Congresso Representativo, em 14 de agosto de 1917, pelo Dr. Felippe Schmidt, Governador do Estado de Santa Catarina. p. 57. Disponvel em: http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina. Acesso em: 22 jan. 2015. 92 Os grandes temporaes reinantes. Repblica, Florianpolis, 14 ago. 1928, ano II, n. 565, p. 2. 93 MENDES, op. cit. p. 47.

    http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarinahttp://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/santa_catarina

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    96,14% em 1991, e a populao cresceu mais de cinco vezes nesse perodo.94 Esse acelerado

    processo de urbanizao desordenada trouxe consigo, diversos problemas relacionados

    degradao ambiental, que com o passar dos anos contriburam para tornarem as enchentes cada

    vez mais destrutivas.

    94 VILLAVERDE; POMPEO, op. cit., p. 34.

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    CAPTULO II - A RECORRNCIA DAS ENCHENTES EM PALHOA

    2.1 O CRESCIMENTO URBANO E A INTENSIFICAO DAS ENCHENTES

    Quando se emancipou de So Jos, em 1894, o Municpio de Palhoa possua uma rea

    territorial de 3180 Km, muito superior sua extenso atual de 395 Km. Essa drstica reduo

    na rea total aconteceu depois de uma srie de emancipaes de seus antigos distritos, que

    ocorreram das dcadas de 1920 1960, dando origem aos municpios de Santo Amaro da

    Imperatriz, Garopaba, Paulo Lopes, Rancho Queimado e So Bonifcio.95

    Segundo Claudir Silveira, este desmembramento ocorreu, porque neste perodo Palhoa

    encontrava-se enfraquecida econmica e politicamente, visto que a construo da ponte

    Herclio Luz em 1926 afetou consideravelmente as empresas de transporte martimo e por

    consequncia as casas de comrcio que vendiam os produtos agrcolas para Florianpolis.

    Grande parte das mercadorias do interior do Estado que eram negociadas ou embarcadas em

    Palhoa, passaram a ser transportadas diretamente Capital por carroas e posteriormente por

    automveis.96

    Apesar da gradativa substituio do transporte martimo pelo rodovirio, Palhoa, por

    estar localizada entre a Serra Catarinense e Florianpolis, manteve at a dcada de 1960 um

    grande nmero de intermedirios, que trocaram os barcos pelos carros de transporte. Dessa

    forma, mesmo com o processo de industrializao e urbanizao brasileira e catarinense aps a

    dcada de 1930, o modelo colnia-venda persistiu no s em Palhoa, mas tambm nos demais

    municpios dessa regio.97

    As dcadas de 1950 e 1960 foram de grandes transformaes a nvel federal e estadual

    em relao s estruturas urbanas e econmicas. Neste perodo a principal preocupao do

    governo estadual era com a modernizao de sua capital, que havia sido superada pela puj