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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE DIREITO JEAN MATTOS ALVES TEIXEIRA ÉTICA AMBIENTAL: uma análise da racionalidade ambiental latino-americana à luz de uma cosmovisão ética libertadora Florianópolis 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

JEAN MATTOS ALVES TEIXEIRA

ÉTICA AMBIENTAL:

uma análise da racionalidade ambiental latino-americana

à luz de uma cosmovisão ética libertadora

Florianópolis

2015

1

JEAN MATTOS ALVES TEIXEIRA

ÉTICA AMBIENTAL:

uma análise da racionalidade ambiental latino-americana

à luz de uma cosmovisão ética libertadora

Trabalho de Conclusão de Curso

submetido ao Curso de Graduação em

Direito da Universidade Federal de Santa

Catarina, como requisito à obtenção do

título de Bacharel em Direito. Orientador:

Prof. Dr. José Rubens Morato Leite.

Florianópolis

2015

2

AGRADECIMENTOS

Inicialmente agradeço ao amor incondicional de minha família, pelos valores

ensinados desde o berço, os quais me orgulho em demasia; pelo apoio incondicional e

pelo incentivo aos estudos; em especial ao meu pai Antônio Teixeira, à minha mãe

Maria Alves, às minhas irmãs Aline e Danisa e ao meu sobrinho querido, Igor.

Registro também o meu agradecimento à minha tia Filomena Alves, à minha tia

Anete Teixeira, ao meu primo Anderson Luz, mas em especial à minha segunda Mãe,

tia e madrinha, Antonieta Teixeira, pelo amor ímpar, pela compreensão e pelos

conselhos acertados, os quais sempre buscarei seguir. Adiciono um agradecimento com

muito carinho e admiração ao meu tio Laureano Teixeira, pelo exemplo de vida, que

mesmo sendo preso e torturado por anos pela ditadura militar, resistiu e hoje nos ensina

com a sua experiência de vida e de militância política.

Agradeço imensuravelmente à Lana Donatti pela sua sensibilidade, pelo seu

ombro amigo, pelo seu carinho incomensurável e pelo seu apoio que em diversos

momentos me acalmou, me orientou e me incentivou a seguir nesta caminhada.

Aos amigos de infância e aos que conquistei na graduação, em especial ao

Gilberto Luciano, Suélen Benincá, Roberto de Bona, Joaquín Corrêa, Larissa Vidal,

César Rodrigues, Marina Machado pelas horas de conversas em momentos de desespero

em razão obrigações acadêmicas e também em momentos de alegria, os quais - ressalto

aqui – a maioria foi no Bar do Silvinho, com a companhia sempre alegre do próprio

Silvinho e da Dona Regina.

Aos amigos da Guarda Municipal de São José, Muller, Farias, Fábio (xiita), em

especial aos da Inspetoria Ambiental, Alonso, Vaz, Follmer, Eduardo pela parceria e

pela luta diária pela preservação do nosso ambiente.

Agradeço aos professores Curso de Graduação em Direito da Universidade

Federal de Santa Catarina, em especial ao meu Orientador Professor Dr. José Rubens

Morato Leite pela sensibilidade, pela oportunidade singular de poder vivenciar e

aprender os saberes de sua disciplina e pelo incentivo que sempre me deu em relação à

pesquisa acadêmica. Agradeço também ao meu Coorientador Professor Dr. Francisco

Quintanilha Véras Neto, que apesar do pouco tempo em que convivemos, pude aprender

muito sobre a causa ambiental e sobre a militância socialista.

Agradeço também aos amigos e às amigas do GPDA.

3

4

[...] Ocupamos o templo com o deus mercado, que

nos organiza a economia, a política, os hábitos, a

vida e até nos financia em parcelas e cartões a

aparência de felicidade.

Parece que nascemos apenas para consumir e

consumir e, quando não podemos, nos enchemos de

frustração, pobreza e até autoexclusão.[...]

Nossa civilização montou um desafio mentiroso e,

assim como vamos, não é possível satisfazer esse

sentido de esbanjamento que se deu à vida.

Isso se massifica como uma cultura de nossa época,

sempre dirigida pela acumulação e pelo mercado.

Prometemos uma vida de esbanjamento, e, no fundo,

constitui uma conta regressiva contra a natureza,

contra a humanidade no futuro.

Civilização contra a simplicidade, contra a

sobriedade, contra todos os ciclos naturais.

Ou pior: civilização contra a liberdade que supõe

ter tempo para viver as relações humanas, as únicas

que transcendem: o amor, a amizade, aventura,

solidariedade, família.[...]

(José Pepe Mujica, Discurso do Presidente da

República Oriental do Uruguay na ONU, 2013)

5

RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) procura analisar o contexto

internacional da atual crise ambiental propiciada pela globalização neoliberal, produto

da racionalidade instrumental apropriadora da natureza, que ameaça nosso futuro

comum. O modelo econômico hegemônico dos países desenvolvidos do Norte, de

cunho antropocêntrico, hierarquiza o ser humano em relação aos seus semelhantes e

também em relação à própria natureza, colocando-o como o centro do universo. Com a

finalidade de manter o seu padrão de consumo, estimulado cada dia mais pela ciência e

pelas novas tecnologias, os países do Norte subjugam econômica e politicamente os

países subdesenvolvidos do Sul, pilhando os recursos naturais, deixando para estes as

consequências negativas da globalização, como a degradação ambiental,

subdesenvolvimento, miséria, dominação. Neste contexto de sujeição, irrompe-se uma

nova visão crítico-emancipadora latino-americana fundamentada numa racionalidade

ambiental à luz de uma cosmovisão ética, religadora dos vínculos humanos com a

natureza, tendo como a única centralidade a vida, e não o capital. Para tanto, em um

primeiro momento, discute-se as causas e as consequências deste modelo econômico

hegemônico na sociedade de risco. Em seguida, através de uma abordagem ética,

discorre-se sobre a crítica ao antropocentrismo, sobre a emergência de tornar a vida a

única centralidade e sobre a importância da Hermenêutica Ambiental. Por fim, explora-

se o pensamento latino-americano libertador, como uma corrente alternativa ao

paradigma hegemônico tradicional.

Palavras-chave: Ética Ambiental. Filosofia da Libertação Latino-americana.

Antropocentrismo. Crise Ecológica. Sociedade de Risco.

6

ABSTRACT

This Work Course Conclusion (WCC) analyzes the international context of the current

environmental crisis by neoliberal globalization, a product of instrumental rationality

with appropriation of nature threatens our common future. The dominant economic

model of developed countries of the North, with an anthropocentric nature, ranks the

human being in relation to his fellow men and also in relation to nature, placing himself

as the center of the universe. In order to maintaining their standards of consumption,

stimulated each day more by science and new technologies, the North countries enslave

economically and politically underdeveloped countries of the South, plundering natural

resources, leaving negative consequences of globalization, such as environmental

degradation, underdevelopment, poverty, domination. In this context of subjection,

breaks up a new Latin American critical-emancipatory vision based on an

environmental rationality in the light of an ethical worldview, gathering human

relationships with nature, and as speech center the life and not the capital. Therefore, at

first, we discuss the causes and consequences of this hegemonic economic model in

Risk Society. Then, through an ethical approach, the research discuss about the criticism

of anthropocentrism, about the emergency of making life the only centrality and about

the importance of environmental Hermeneutics. Finally, it explores the Latin American

liberating thought, as an alternative current to the traditional hegemonic paradigm.

Key-words: Environmental Ethics. Philosophy of Latin American Liberation.

Anthropocentrism. Ecological crisis. Risk Society.

7

RESUMEN

La presente Tesis de Conclusión de Curso (TCC) busca analizar el contexto

internacional de la actual crisis ambiental provocada por la globalización neoliberal

producto de la racionalidad instrumental apropiadora de la naturaliza, que amenaza

nuestro futuro común. El modelo económico hegemónico de los países desarrollados del

Norte, de naturaleza antropocéntrica, sitúa por encima al ser humano en relación con sus

semejantes y también en relación con la naturaleza, colocándolo como el centro del

universo. Con el fin de mantener su nivel de consumo, estimulado cada día más por la

ciencia y las nuevas tecnologías, los países del norte subyugan económica y

políticamente a los países subdesarrollados del Sur, saqueando los recursos naturales,

dejando para estos las consecuencias negativas de la globalización, tales como la

degradación ambiental, el subdesarrollo, la pobreza, la dominación. En este contexto de

sujeción, irrumpe una nueva visión crítica-emancipatoria latinoamericana basada en una

racionalidad ambiental a la luz de una visión ética del mundo, que vincula las relaciones

humanas con la naturaliza y que posse como su único centro a la vida y no al capital.

Por lo tanto, en un primer momento, se discuten las causas y consecuencias de este

modelo económico hegemónico en la sociedad del riesgo. A continuación, a través de

un enfoque ético, se discurre sobre la crítica del antropocentrismo, sobre la urgencia de

tornar a la vida la única centralidad y sobre la importancia de la Hermenéutica

Ambiental. Por último, se explora el pensamiento libertario latinoamericano, como uma

corriente alternativa al paradigma hegemónico tradicional.

Palabras-Clave: Ética Ambiental. Filosofía de la Liberación Latinoamericana.

Antropocentrismo. Crisis ecológica. Sociedad del Riesgo.

8

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Grafite sobre a sociedade de consumo.........................................................15

Imagem 2 – Projeções Demográficas Mundiais..............................................................18

9

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.…………………………………………………………………..10

2. CRISE AMBIENTAL E OS RISCOS GLOBAIS...........................................14

2.1. A CRISE AMBIENTAL NA MODERNIDADE..........................................15

2.2. TEORIAS DA SOCIEDADE DE RISCO E DA MODERNIDADE

REFLEXIVA............................................................................................29

3. ÉTICA DA VIDA: EM BUSCA DE UMA NOVA CENTRALIDADE............34

3.1. COSMOVISÃO ANTROPOCÊNTRICA: A NECESSIDADE DE SE

REPENSAR O PARADIGMA ATUAL.........................................................35

3.2. RACIONALIDADE AMBIENTAL: A ÉTICA DA

VIDA................................................................................................................41

3.3. HERMENÊUTICA AMBIENTAL COMO FUNDAMENTO PARA A

CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO

AMBIENTAL..................................................................................................45

4. RACIONALIDADE AMBIENTAL LATINO-AMERICANA: UM REPENSAR

ÉTICO-FILOSÓFICO LIBERTADOR.............................................................52

4.1. SUBDESENVOLVIMENTO, DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E JUSTIÇA

AMBIENTAL...................................................................................................54

4.2. ÉTICA DA LIBERTAÇÃO E ECOSSOCIALISMO: CAMINHOS PARA

UMA ÉTICA AMBIENTAL DESCOLONIAL LATINO-

AMERICANA..................................................................................................61

4.3. VIRAGEM ECOCÊNTRICA LATINO-AMERICANA: UMA ANÁLISE À

LUZ DO NOVO PARADIGMA DO BUEN

VIVIR...............................................................................................................67

5. CONCLUSÃO........................................................................................................72

10

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa de conclusão de curso visa analisar o contexto internacional

da atual crise ambiental propiciada pela globalização neoliberal, fruto da racionalidade

econômica ou tecnológica apropriadora da natureza que ameaça nosso futuro comum.

O modelo econômico hegemônico dos países desenvolvidos do Norte, de cunho

antropocêntrico, constitui-se a partir de uma racionalidade econômica, pautada no

princípio da racionalidade instrumental, a qual situa o ser humano em um patamar

acima em relação aos seus semelhantes e também em relação à própria natureza,

utilizando-a como meio a concretizar os fins do sistema capitalista, centralizando o ser

humano como o mais importante ser do universo.

Com o intuito de manter o seu mesmo ritmo de consumo, fomentado cada dia

mais pela ciência e pelas novas tecnologias, os países desenvolvidos mergulhados numa

racionalidade que vai de encontro à racionalidade ambiental, subjugam econômica e

politicamente os países subdesenvolvidos, pilhando os recursos naturais, deixando para

estes as consequências negativas da globalização, como a degradação ambiental,

subdesenvolvimento, miséria, dominação – consequências inevitáveis da má

distribuição dos riscos ambientais dentro do modelo econômico que impera atualmente

e que promove profunda desigualdade ambiental.

É em virtude da necessidade de se buscar um novo paradigma para romper com

a hegemonia do princípio da racionalidade instrumental e fomentar a racionalidade

ambiental visando o fim das desigualdades ambientais entre os países desenvolvidos e

os subdesenvolvidos e uma maior equidade na distribuição dos riscos ambientais, que a

presente pesquisa se justifica.

Na conjuntura de sujeição dos países subdesenvolvidos faz-se mister o

nascimento de uma nova visão, crítico-emancipadora, latino-americana fundamentada

numa racionalidade ambiental à luz de uma cosmovisão ética, religadora dos vínculos

humanos com a natureza, tendo como única centralidade a vida, em detrimento do

capital. Esta nova visão, a qual se diferencia da anterior principalmente pelo modo

distinto de apropriação da natureza, busca a concretização dos valores do Estado de

Direito Ambiental, através da consecução da justiça ambiental.

11

A hipótese central do trabalho visa questionar a possibilidade de se construir

uma racionalidade ambiental a partir de um modelo ético-libertador próprio, diverso do

antropocêntrico, que rompa com o princípio da racionalidade instrumental em busca de

uma emancipação dos países subdesenvolvidos, retomando nossos vínculos com a

natureza e que tenha a vida como uma nova centralidade.

No desenvolvimento dessa proposta, esta monografia, cuja metodologia se

baseia em pesquisa bibliográfica e utiliza o método dedutivo, foi dividida em três

capítulos (2, 3 e 4), distribuídos da seguinte forma:

O primeiro capítulo (2) Crise Ambiental e os Riscos Globais, discute as causas e

as consequências do modelo econômico hegemônico na sociedade de risco estimulado e

reproduzido pela globalização neoliberal, que tem como uma das consequências a

mercantilização da natureza e a dominação dos países subdesenvolvidos pelos

desenvolvidos, dentre outras. Nesse sentido, abordam-se os elementos e os fatores que

corroboram para a atual crise global, bem como o questionável discurso do

desenvolvimento sustentável. Ademais, serão analisadas as teorias da Sociedade de

Risco e da Modernidade Reflexiva, ambas do sociólogo Ulrich Beck.

O segundo capítulo (3) Ética da Vida: em Busca de uma Nova Centralidade,

através de uma perspectiva ética, discorre sobre a crítica ao antropocentrismo,

elencando as consequências para a sociedade, advindas dessa cosmovisão. Além disso,

versa-se sobre a emergência de se tornar a vida a única centralidade em uma sociedade,

em detrimento do acúmulo de capital e da importância da Hermenêutica Ambiental

como fundamento para a concretização do Estado de Direito Ambiental.

Por último, o terceiro capítulo (4), intitulado Racionalidade Ambiental Latino-

americana: um Pensar Ético-Filosófico Libertador, explora a questão da Justiça

Ambiental, relacionando-a com o subdesenvolvimento e degradação ambiental, ambos

resultado dos fatores geoeconômicos e geopolíticos internacionais que legitimam, na

ótica dos dominadores, a submissão dos países do Terceiro Mundo. Versa-se também,

partindo de um debate ético-filosófico, sobre o pensamento emancipador latino-

americano e da corrente ecossocialista como modelos alternativos de desenvolvimento

frente à crise ambiental atual. Por último analisamos o Novo Constitucionalismo

Latino-americano fundamentado no novo paradigma do buen vivir, momento este em

que se discute a viragem ecocêntrica latino-americana, iniciada pela República do

Equador (2008) e pelo Estado Plurinacional da Bolívia (2009).

12

A filosofia do buen vivir vem, assim, auxiliar a construção de uma nova

racionalidade ambiental, centrada na vida e não mais no ser humano, perseguindo o

ideal de homeostase entre os seres humanos e a natureza como alternativa à crise

ambiental.

13

Figura 1 Grafite sobre a sociedade de consumo em um muro próximo à Universidade de Havana, Cuba,

janeiro de 2013 (Fonte: arquivo pessoal).

14

2. A CRISE AMBIENTAL E OS RISCOS GLOBAIS

“Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de

vida efêmera, que se esgota como se esgotam, logo depois de aparecer, as imagens que

a televisão dispara como uma metralhadora, e como se esgotam também as modas e os

ídolos que a publicidade, sem trégua, lança no mercado. Mas para que mundo vamos

nos mudar? [...] A sociedade de consumo é uma arapuca para bobos.

(Eduardo Galeano, De Pernas pro Ar: A Escola do Mundo ao Avesso)

Grandes mudanças marcam o cenário global na modernidade. A globalização,

com a promessa de integração econômica e objetivando quebrar barreiras, cria uma via

monocultural e consumista irresponsável que afeta os seres humanos e a natureza, o que

acarreta problemas ainda piores, como o subdesenvolvimento e a dependência política e

econômica, por exemplo. Neste cenário de entropia, empresas transnacionais vendem

um discurso cosmético verde, associando aos seus produtos a etiqueta “eco”, um

sedutor, falso e apelativo Marketing ecológico. Este modelo gera entropia, através da

externalização de diferentes tipos de poluição provenientes deste modelo de sociedade

capitalista e consumista apesar dos modelos de crescimentismo econômico serem

diferenciados.

A partir da própria práxis socioeconômica do capital, ocorre a mercantilização

da natureza, a criação de uma reação entrópica em relação ao metabolismo da sociedade

do capital com a natureza. Disto decorre o consequente esvaziamento de qualquer

projeto que envolva uma ética socioambiental capaz de alterar a lógica do sistema

produtor de mercadorias, em sua relação metabólica negativa com a natureza ilustrada

pela pegada ecológica excessiva gerada pela minoria próspera do planeta. É claro que

este sistema não opera de forma responsável, não expressando qualquer compromisso

de justiça ambiental dentro antropocentrismo alargado, ou biocêntrico, no que concerne

ao valor intrínseco da natureza.

Neste contexto, busca-se compreender no primeiro subitem (2.1), os motivos e

os fatores que evidenciam e corroboram para a crise ambiental em que (sobre)vive a

comunidade global, tal como o questionável discurso do desenvolvimento sustentável.

Ademais, procura-se evidenciar a crise ecológica mediante um olhar transdisciplinar,

15

buscando abordar, de forma não redutora e limitada, a complexidade da relação ser

humano-natureza na era dos riscos e incertezas científicas.

Em seguida, no segundo subitem (2.2), aprofundamos nossa pesquisa sobre esse

último tema: teoria da sociedade de risco juntamente com a teoria da modernidade

reflexiva. Objetiva-se verificar, portanto, as consequências em relação à globalização

dos riscos, do modelo econômico adotado, através da lupa da teoria da sociedade de

risco e de que forma esses riscos incidem na nova modernidade ou modernidade

reflexiva – ambas teorias propostas por Ulrich Beck, nos livros Sociedade de Risco:

rumo a uma nova modernidade e Modernización reflexiva: política, tradición y estética

en el ordem social moderno, respectivamente.

2.1. A CRISE AMBIENTAL NA MODERNIDADE

A partir do século XIX, a ação humana, estimulada por uma visão

antropocêntrica e liberal-individualista, com o advento dos avanços trazidos pela

Revolução Industrial, iniciou uma exploração desenfreada (e inconsequente) dos

recursos naturais. Tal modelo de desenvolvimento desencadeou a denominada crise

ambiental, fruto de uma colisão de interesses inversamente proporcionais: de um lado, o

desejo ilimitável da produção de bens atendendo aos interesses do mercado –

observados os riscos a ela inerentes-; do outro, a preservação do meio ambiente

ecologicamente equilibrado e de seus recursos naturais.

Segundo Leff, “a crise ambiental veio questionar os fundamentos ideológicos e

teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a

natureza e a cultura, deslocando a relação entre o real e o simbólico” (LEFF, 2006, p.

133). Nesse sentido torna-se necessária a reavaliação dos paradigmas econômicos

hegemônicos que ditam os rumos das economias e que compromete o direito

intergeracional.

Conforme estudo realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas-

UNFPA, foi necessário transcorrer milhares de anos para que a população mundial

atingisse a marca de 1 bilhão de habitantes. No entanto, nos últimos 200 anos, a

população global multiplicou-se 7 vezes, ultrapassando o montante de 7 bilhões1, e

estima-se que essa cifra atingirá o marco dos 9 bilhões em 2050 (UNFPA, 2015).

1 Segundo estudo divulgado pelo UNFPA, a população mundial neste ano atingiu a marca de 7.244

bilhões de habitantes (UNFPA, 2014).

16

Ainda de acordo com o mesmo

estudo, nas últimas décadas, as variantes

médias das projeções precisam ser

corrigidas para cima com frequência, o

que equivale a dizer que a população tem

crescido a um ritmo mais acelerado do

que o esperado. Acrescenta também que

esse crescimento populacional

exponencial tem como causas o crescente

número de pessoas que atingem a idade

reprodutiva, associado às importantes

mudanças nas taxas de fecundidade, o

aumento da urbanização, a consequente

aceleração da migração, a modernização

da medicina e a melhoria da qualidade de vida – estes dois últimos são responsáveis

pela redução da mortalidade infantil e materna, fatores que, consequentemente,

resultaram no aumento da expectativa de vida2 (UNFPA, 2015).

Nesse contexto, expõe o quinto Panorama do Meio Ambiente Global (GEO-5)3,

publicado pela primeira vez pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-

PNUMA em 2012, que a velocidade das mudanças ambientais diversas (como, por

exemplo, o descongelamento acelerado da camada de gelo no Ártico e o acentuado

derretimento das geleiras devido ao aumento do aquecimento global), é algo nunca visto

na história. A perspectiva de melhorar o bem-estar humano depende de como a

comunidade internacional vai responder às mudanças ambientais que aumentam os

riscos globais e reduzem as oportunidades, principalmente, de erradicar a pobreza das

populações mais hipossuficientes e vulneráveis (PNUMA, 2015b, p. 7).

O relatório pontua, ainda, que a deterioração ambiental evidencia que o objetivo

de evitar os efeitos adversos da mudança do clima acordado internacionalmente foi

cumprido apenas de forma parcial. Aduz também que tais finalidades estão ameaçando

as metas de desenvolvimento geral dos Estados e que a ineficácia da efetivação

2 No início da década de 1990, a expectativa de vida mundial era de 64,4 anos; atualmente, essa média é

de 70 anos. 3 O Panorama do Meio Ambiente Global (GEO-5), vinte anos após a Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro,

em 1992, proporcionou uma análise científica sobre a necessidade de o mundo mudar urgentemente o

sentido do seu desenvolvimento.

Imagem 2 - Projeções Demográficas Mundiais

Fonte: Tendências demográficas (UNFPA, 2015)

17

daquelas deve-se ao fato de que o progresso logrado na redução da intensidade de

carbono na produção e no consumo está sendo desprezado em razão do crescimento

global do nível de consumo. Desse modo, o estudo sentencia que restará inatingível

alcançar o desígnio de reduzir as emissões de gases do efeito estufa4 buscando garantir

que o aumento da temperatura média global permaneça abaixo de 2ºC em relação aos

níveis pré-industriais (PNUMA, 2015b, p. 8).

Acrescenta o parecer, ao abordar os vetores que colaboram para majorar a

pressão sobre as condições ambientais, que existem diversas razões para considerar as

políticas e programas que têm como enfoque as causas contributivas para o aumento da

pressão sobre as condições ambientais globais, ao invés de concentrar seus esforços tão

somente na redução dos sintomas ambientais - os quais se combinam e se inter-

relacionam, por exemplo, com os aspectos negativos do crescimento demográfico, da

urbanização, da produção, do consumo e da globalização (PNUMA, 2015b, p. 14).

Como numa doença, para curar o doente é preciso sempre identificar as causas e

não os sintomas. O mesmo ocorre com a Terra, lar de milhões de espécies de seres

vivos, que se encontra gravemente enferma. O ser humano, ser (i)racional que é, é o

causador de suas enfermidades e, ao mesmo tempo, o único ser capaz de curá-la. Para

tanto, os meios e recursos necessários, tais como a técnica, a tecnologia e a ciência, são

obtidos na própria natureza.

Neste sentido, no tocante à crise civilizacional e às suas origens, cabe trazer à

baila algumas teorias de outras áreas do conhecimento que auxiliam a compreender este

complexo momento vivenciado pela sociedade, motivado pela decadência das

instituições e pelo consumismo. Aduz Morin que:

A crise da modernidade surgiu a partir do momento em que a problematização,

nascida da modernidade e que se voltava para Deus, a natureza, o exterior, se

voltou, então, para a própria modernidade. A ciência se instala doravante em

uma ambivalência fundamental. Ela produz saberes novos que revolucionam

nosso conhecimento do mundo, concedendo-nos capacidades extraordinárias

de desenvolver nossas próprias vidas, mas, simultaneamente desenvolve

capacidades gigantescas de morte, tais como a morte nuclear, dada a

disseminação de armas de destruição em massa e de regressão humana, caso

prossiga a degradação da biosfera que o nosso desenvolvimento provoca

(MORIN, 2011, p. 23)

Para Leff, a visão mecanicista do mundo produzida pela visão cartesiana e pela

dinâmica newtoniana converteu-se na fonte criadora da teoria econômica, suplantando

4 Tal meta fora firmada na ocasião da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima

(UNFCCC), na Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992.

18

os paradigmas organicistas dos processos da vida e guiando o desenvolvimento

antinatural da civilização moderna. Dessa forma, a racionalidade econômica expulsou a

natureza da esfera de produção, ocasionando processos de destruição ecológica e

degradação ambiental que foram surgindo como externalidades (negativas) do sistema

econômico (LEFF, 2006, p. 134).

Desse modo, contrapondo a visão cartesiana, cabe destacarmos a importância do

pensar o contexto e o complexo5 em Morin. Aduz o autor que, dada a identidade

terrestre e antropolítica do ser humano e a relação dele com a natureza, esta não pode

ser concebida de maneira redutora, tampouco de forma disjunta, de modo a não

religarmos todos os conhecimentos compartimentados.

Os novos saberes, que nos possibilitam compreender e descobrir a Terra

enquanto uma totalidade física-biológica-antropológica, não possuem nenhum sentido

enquanto permanecerem separados uns dos outros; é dizer, toda essa sapiência

produzida unilateralmente, compartimentada, só faz sentido enquanto abordamos a

Terra-Gaia como uma totalidade complexa e de profunda interação. Necessita-se, desse

modo, um diálogo profícuo entre os saberes (MORIN, 2011, p. 57).

Corroborando com a importância do pensar o contexto e o complexo em Morin,

Dinnebier assevera que o sistema de ensino está inserido na lógica do paradigma

cartesiano, reproduzindo-o, de modo que os fenômenos estudados são fragmentados em

diferentes partes. Forma-se, assim, um sistema com múltiplas disciplinas, resultando em

um modelo de ensino sem diálogo entre elas e sem, principalmente, tentativa de visão

do todo (DINNEBIER, 2015, p. 6).

Desse modo, incute-se o paradigma cartesiano no pensamento das pessoas,

através do sistema de ensino; roga-se pela visão e pensamento fragmentado de mundo,

sem aperceber a complexidade da vida. Prega-se o valor do progresso contínuo e do

crescimento econômico, da técnica e da tecnologia como valores últimos, e que se deve

buscar uma renda que lhes possibilite consumir todos os bens que quiserem. Finaliza a

autora que é ensinado nas escolas “um conhecimento puramente baseado nas ciências,

ficando de fora o ensino de valores, moral, ética e a visão sistêmica da vida”

(DINNEBIER, 2015, p. 6).

Mostra-se imperioso destacar também, a função das estruturas dominantes de

produção e de consumo em relação aos reflexos ambientais, os quais podem ser notados

5 Cf. MORIN, 2011, p. 57

19

principalmente nos grandes centros urbanos, mormente evidenciados pelas questões de

saneamento básico, gestão dos resíduos e poluição atmosférica.

Observamos claramente que o século XXI é caracterizado por uma

complexidade de problemas ambientais que se intercomunicam, formando uma teia que

compromete a resiliência da natureza e a sobrevivência da biosfera. Sobressaem os

problemas envolvendo os riscos ambientais, que, muito embora representem um dano

futuro, podem ser previsíveis no presente.

Contudo, em razão do aumento exponencial das externalidades negativas

oriundas do “desenvolvimento” econômico inconsequente, a partir da década de 1970

fez-se necessário elevar o meio ambiente a uma categoria de direito autônomo,

independente, apartando-lhe dos interesses econômicos do homem e concedendo-lhe a

devida tutela jurídica – observando-se a conscientização do esgotamento dos recursos

naturais, o risco de catástrofes ambientais e o modelo econômico vigente.

O ponto de partida para essa tutela jurídica (internacional) do meio ambiente foi

a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, organizada pela ONU

na cidade de Estocolmo, na Suécia, em 1972. Ademais, ela foi o marco inicial do

diálogo entre desenvolvimento econômico e proteção do meio ambiente, propugnando,

desse modo, o denominado desenvolvimento sustentável.

No entendimento de Morin (2011, p. 76), este não passa de uma mera ficção

jurídica, uma vez que, ao acrescentarmos a palavra “sustentável” ao vocábulo

“desenvolvimento”, tenta-se atenuar as consequências negativas inerentes ao próprio

desenvolvimento - leva-se em conta o contexto ecológico, muito embora não se chegue

a questionar os seus princípios. Durante a Conferência, o debate se concentrou na

discussão acerca das distintas percepções de desenvolvimento entre os países

desenvolvidos e subdesenvolvidos, reforçando a dicotomia Sul/Norte

(ALBUQUERQUE et al., 2015, p. 723).

Ademais, um dos resultados da Conferência de Estocolmo foi a criação do

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-PNUMA, no ano de 1973, na

cidade de Nairóbi, Quênia, que tinha a missão de ser

A autoridade ambiental líder no mundo, que fixa a agenda ambiental global,

que promove a aplicação coerente das dimensões ambientais do

desenvolvimento sustentável no marco do sistema das Nações Unidas e que

exerce o papel de defensor habilitado do meio ambiente global. (PNUMA,

2015, tradução livre do autor).

20

Nesse caminho, analisando os diversos elementos que desencadearam a crise

ecológica, o filósofo e teólogo catarinense Leonardo Boff chegou a uma conclusão

elencando três causas da crise ecológica, a saber: a contradição do desenvolvimento

sustentável, a tecnologia e o modelo de sociedade vigente (BOFF, 2004, p. 93).

A primeira causa da crise ecológica mencionada pelo autor é a contradição do

discurso do desenvolvimento sustentável. Para o autor, o discurso do desenvolvimento

sustentável é um equívoco, pois ele ainda está vinculado e comprometido ao paradigma

desenvolvimento/crescimento. Assevera que, por mais que esse desenvolvimento seja

conhecido como “auto-sustentado” ou “autógeno”, ele não se dissocia de seu caráter

economicista de aumento de produtividade, acumulação e inovação tecnológica (BOFF,

2004, p. 95), onde os países mais desenvolvidos teriam políticas ambientais mais

rigorosas e melhor qualidade ambiental (ALBUQUERQUE et al, 2015, p. 724) –o que

não é verdade.

Ademais, sobre as causas reais da pobreza e da deterioração ambiental, arremata

adequadamente que:

Elas resultam exatamente do tipo de desenvolvimento que se pratica,

altamente concentrador, explorador de pessoas e dos recursos da natureza.

Portanto, quanto mais intenso for este tipo de desenvolvimento, beneficiando

a alguns, mais miséria e degradação irá produzir para a grande maioria

(BOFF, 2004, p. 96).

Nesse sentido, o desenvolvimento não deveria ser denominado tal como ele é,

mas apenas de “crescimento”, porquanto, na forma como atualmente é concebido, ele

possui apenas uma conotação de crescimento linear, quantitativo, preterindo-se os

aspectos qualitativos. Não se busca, contudo, o desenvolvimento como forma de

evolução das virtudes humanas nas suas variadas dimensões - em especial a espiritual-,

mas somente em relação aos interesses de lucro. A sustentabilidade aqui é meramente

fictícia e quimérica (BOFF, 2004, p. 97).

A segunda causa imediata da crise ambiental é a tecnologia. Assevera que o

desequilíbrio do sistema-Terra deve-se à tecnologia ainda rudimentar, agressiva e

poluidora. Ademais, acrescenta que ela acarreta a sistemática exploração dos “recursos

naturais”, o envenenamento do solo, o desmatamento, a poluição atmosférica, a

quimicalização dos alimentos etc., cobrando, certamente, elevadas taxas de iniquidade

ecológica (BOFF, 2004, p. 94).

Devido à característica suja e antiecológica da tecnologia clássica, os países

dotados de alta tecnologia cada vez menos a utilizam em seu território. Acabam, no

21

entanto, preferindo a tecnologia mais avançada, limpa, e exportando aos países

periféricos o primeiro tipo, a tecnologia clássica energívora - que não é ecologicamente

adequada, tampouco garante a sua reprodução para futuras gerações. Por fim,

considerando que toda tecnologia é um meio para uma finalidade, sendo apoderada a

um modelo de desenvolvimento, conclui que não é a tecnologia a culpada pelos

problemas ecológicos decorrentes de seu mau emprego, e sim o modelo de

desenvolvimento socialmente adotado (BOFF, 2004, p. 94).

Por último, o terceiro mecanismo elencado por Boff como causal e responsável

pelo déficit da Terra é o modelo de sociedade vigente. O desenvolvimento, tal como

processo, não existe por si só; ele pertence a um modelo de sociedade, e este modelo

como tal define o ritmo e o tipo de desenvolvimento que anseia.

Nas sociedades modernas, a contrario sensu das sociedades históricas, que desde

o Neolítico utilizavam de forma sistemática e crescente energias da natureza, a

economia não é mais entendida como a gestão racional da escassez - tal como previa

seu sentido originário-, mas sim como a ciência do crescimento ilimitado (BOFF, 2004,

p. 97).

Toda a modernidade, seja de vertente ideológica liberal-capitalista, seja

socialista-marxista, compartilha o mesmo pressuposto, desprezando as consequências

inerentes: sua preocupação maior é o crescimento, a expansão dos mercados, enchendo-

os de bens e serviços. Na sociedade liberal-capitalista, a centralidade é posta na

propriedade privada e na supervalorização do indivíduo, sendo esses bens acessíveis

somente a uma pequena elite de países ou de grupos sociais dentro dos próprios países,

ao passo que, na sociedade socialista, o foco é dado na propriedade social, tendo como

único proprietário e gestor o Estado, que busca distribuir os benefícios do crescimento

econômico decorrente do trabalho de todos ao maior número de pessoas possível

(BOFF, 2004, p. 98).

Entretanto, ainda sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, cabe

contextualizarmos o seu surgimento e acrescentarmos as razões de outros autores de

modo a ampliarmos o debate sobre esse importante conceito.

Pode-se dizer que essa ideia surgiu na pré-declaração de Estocolmo, quando em

meados da década de 1970 um grupo de empresas – reunidas sob o Clube de Roma –

assentaram sobre a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais. Criou-se então o

conhecido Relatório Meadows (“limites do crescimento”), confeccionado por cientistas

do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), advertindo sobre os riscos

22

provocados por um desenvolvimento sem limites, o qual acarretaria ocasionar um

colapso na humanidade caso o crescimento populacional não se alterasse (LEITE;

CAETANO, 2012, p. 155).

Mas somente em abril de 1987, por solicitação do Secretário-Geral das Nações

Unidas, que foi publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento o Relatório Brundtland6 (também conhecido como Nosso Futuro

Comum), através do qual foi “proposta uma redefinição/conciliação entre proteção

ecológica e o desenvolvimento, a partir de um conceito de desenvolvimento

sustentável” (ALBUQUERQUE et al, 2015, p. 723). Foram apontados, então, os limites

da racionalidade econômica face ao meio ambiente e os desafios ao projeto civilizatório

da humanidade em razão da degradação ambiental.

O Relatório apresentou pela primeira vez o conceito de desenvolvimento

sustentável, trazendo ao público tal discussão. Segundo ele, desenvolvimento

sustentável “é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer

a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades” (ONU, 2015).

Fundamentalmente, segundo a mesma Organização, o desenvolvimento sustentável é

compreendido como sendo:

um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, o

direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento

tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual e

futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas (ONU,

2015).

O discurso do desenvolvimento sustentável visa ao estabelecimento de uma

dimensão comum para uma política de consenso capaz de convergir os distintos

interesses de países, povos e classes que formam o corpo conflitivo da apropriação da

natureza. A ambivalência do discurso do desenvolvimento sustentado/sustentável já está

contida na polissemia do termo em inglês „sustentability‟, que expressa duas acepções: a

primeira implica a incorporação das condições ecológicas do processo econômico; a

segunda exprime o significado de desenvolvimento sustentado, que acarreta a

perenidade no tempo do progresso econômico (LEFF, 2006, p. 137).

6 A Comissão Brundtland foi montada em 1983 pelo então Secretário-Geral da ONU, o peruano Javier

Pérez de Cuéllar, para estabelecer e presidir a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento. As recomendações realizadas pela Comissão com a publicação do relatório,

culminaram na realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, no Rio de Janeiro,

em 1992 e a consequente adoção da „Agenda 21‟ para a proteção do planeta e seu desenvolvimento

sustentável, trazendo à público tal debate.

23

Sobre o tema, um dos ambientalistas mais prestigiados mundialmente, o

brasileiro Paulo Nogueira-Neto – o qual, inclusive, integrou a Comissão Brundtland das

Nações Unidas –, advoga que “o desenvolvimento sustentável é condição sine qua

non para acabar com o desemprego, a insegurança e a miséria no Brasil”. Ele alega que

o objetivo do desenvolvimento sustentável era o de afastar tudo o que fosse predatório,

intencionalmente, de modo que o desenvolvimento pudesse avançar, tendo como

fundamento o não comprometimento das atuais e futuras gerações (PNUMA, 2015).

Entretanto, essa concepção de desenvolvimento sustentável não é uníssona,

havendo controvérsias sobre tal entendimento entre alguns estudiosos. Segundo Leff, “o

princípio da sustentabilidade emerge no discurso teórico e político da globalização

econômico-ecológica como a expressão de uma lei-limite da natureza diante da

autonomização da lei estrutural do valor” (LEFF, 2006, 133).

Segundo Boff, o Relatório parte do pressuposto de que a origem da pobreza e a

degradação ecológica se sugestionam e se produzem reciprocamente. Defende o

Relatório que a causa da poluição é a miséria, deduzindo, desse modo, que o nível de

desenvolvimento é inversamente proporcional ao nível de miséria existente. Em outras

palavras, é dizer: quanto mais desenvolvimento, menos miséria, menos poluição e mais

ecologia. No entanto, no entendimento de Boff tal inferência consiste em um grave

equívoco, pois, desse modo, não se estaria investigando as causas reais da pobreza e da

deterioração ambiental e sim tomando partido em favor do

desenvolvimento/crescimento contra os argumentos de sustentabilidade ecológica

(BOFF, 2004, p. 96).

Complementando, esclarece a questão da opressão econômica realizada pelos

países desenvolvidos em relação aos subdesenvolvidos, afirmando que pouquíssimos

países detêm grande acumulação de bens e serviços e que esta condição ocorre à custa

de dois terços de países marginalizados ou excluídos (BOFF, 2004, p. 96).

À respeito, Bosselman aduz que o Relatório Brundtland possui um enfoque

excessivamente antropocêntrico, sendo pouco responsável por tal reducionismo, pois é

problemático pensar o desenvolvimento sustentável puramente em termos das

necessidades humanas, olvidando-se do seu princípio do núcleo ecológico. É evidente

que o desenvolvimento sustentável possui forte conotação humana, no entanto tem que

se ter em mente que as necessidade humanas só podem ser cumpridas dentro de limites

ecológicos (BOSSELMAN, 2015, p. 50-51).

24

Acrescenta ainda que desde 1972, mas especialmente desde 1992, o conceito de

sustentabilidade parece ter perdido o seu sentido. Para o autor, o termo

“desenvolvimento sustentável” se banalizou, não possuindo qualquer relação com o real

significado de sustentabilidade. Com a criação do Relatório Brundtland estava implícita

a noção de sustentabilidade ecológica. Afirma que, de fato, se atualmente o conceito de

desenvolvimento sustentável é reconhecido como um princípio do direito internacional,

ele deve sua qualidade operacional, ao princípio da sustentabilidade. Sem ele, o

desenvolvimento sustentável não poderia existir. Em outras palavras, “o conceito de

desenvolvimento sustentável só pode desempenhar as suas funções normativas na

medida em que incorpora a ideia de sustentabilidade ecológica” (BOSSELMAN, 2015,

p. 64).

Por seu turno, o sociólogo francês Edgar Morin assevera que o

“desenvolvimento, inclusive sob sua forma emoliente de desenvolvimento sustentável,

consiste em seguir o caminho que conduz ao desastre”. Sentenciando, afirma que para

se iniciar um novo começo é preciso mudar de caminho (MORIN, 2011, p. 32).

Com efeito, a expressão “desenvolvimento sustentável” acaba dissimulando a

real intenção do proselitismo desenvolvimentista/crescimentista do capitalismo. Nesse

norte, esse modelo de produção oculta, por meio do esverdeamento de seu discurso, a

sua verdadeira feição, qual seja: a apropriação da natureza e de seus “recursos naturais”.

Concede-se carta-branca à sociedade de consumo, desprezando-se, desse modo, a

sustentabilidade do desenvolvimento, tendo como prioridade somente o lucro.

Acerca destes mecanismos de poder, coadunando com os parágrafos

antecedentes, Galeano é enfático ao dizer que:

a linguagem o poder concede impunidade à sociedade de consumo, àqueles

que a impõem como modelo universal em nome do desenvolvimento e

também às grandes empresas que, em nome da liberdade, adoecem o

planeta e depois lhe vendem remédios e consolos (GALEANO, 2013, p.

222).

Estabelecidas as críticas relacionadas ao paradigma moderno responsável pela

estruturação do conceito de desenvolvimento sustentável, torna-se muito oportuno

trazermos à discussão as noções de sustentabilidade fraca e forte de modo a fornecer

elementos para uma compreensão política e jurídica mais enriquecida sobre aquele

termo. Nesse sentido Winter aponta a existência de dois conceitos de sustentabilidade:

um no sentido fraco e o outro no forte (WINTER 2009, apud LEITE; CAETANO, 2012,

p. 161).

25

A primeira, a mais divulgada, se sustenta sobre três pilares: a economia, os

recursos naturais e a sociedade, sendo acolhido pela Declaração de Joanesburgo sobre

Desenvolvimento Sustentável em 2002. No entanto, a crítica a ser feita é a

“interpretação branda” do Desenvolvimento Sustentável é frequentemente utilizada por

economistas, no sentido de justificar a redução do estoque natural em razão de um

avanço econômico ou tecnológico (BOURG, 2009 apud LEITE; CAETANO, 2012, p.

161).

No entanto Leite e Caetano rechaçam tal entendimento. Segundo eles, seria

inaceitável a retirada do poder de escolha das gerações futuras acerca da valoração dos

bens ambientais, posto que tal possibilidade de valoração é condicionada à existência

destes bens. Por isso “não se pode aderir à justificativa de transmitir tal déficit natural às

futuras gerações, ainda que com grandes avanços técnicos, econômicos e sociais, os

quais nunca são distribuídos igualitária e integralmente a todo o corpo social” (LEITE;

CAETANO, 2012, p. 163).

De acordo com esse entendimento, Winter (2009, apud LEITE; CAETANO,

2012)

Como a biosfera (embora flexível a certa medida) não pode refletir nela

própria e no seu relacionamento com os humanos, e como o conceito dos três

pilares é imprudente e descompromissado ele leva facilmente a

compromissos simulados. Sacrifícios da natureza, utilizados para o destaque

na economia a curto prazo ou para interesses sociais, podem tornar-se

destrutivos par a própria economia e sociedade, a longo prazo.

Por outro lado, “a sustentabilidade forte é aquela constituída por um fundamento

(recursos naturais) e dois pilares (economia e sociedade), nela a valoração diferenciada

do meio ambiente natural – a biosfera – em relação à economia e à sociedade permite

uma real proteção do ambiente” (LEITE; CAETANO, 2012, p. 164). Arremata Winter

que

Assim, a biosfera torna-se de „fundamental‟ importância. A economia e a

sociedade são parceiros mais fracos, pois a biosfera pode existir sem os

humanos, mas os humanos certamente não podem existir sem a biosfera.

Portanto, humanos, enquanto exploram a natureza devem respeitar suas

limitações, uma necessidade que eles são capazes de preencher, uma vez que

possuem o potencial da razão e então, os padrões alternativos de ponderação

do comportamento (WINTER, 2009 apud LEITE; CAETANO, 2012, p. 164).

Nesse sentido, resta mais acertada a concepção de sustentabilidade forte, pois, de

acordo com os entendimentos acima citados de Winter, Leite e Caetano, o fato da

biosfera ser o pressuposto da existência de qualquer forma de vida, não é digno de

26

crédito, a intenção de querer equipará-la ao peso da economia e da sociedade, por mais

relevantes que estes últimos pilares sejam.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento-

CNUMD, celebrada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, desenvolveu e aprovou uma

carta-programa global, conhecida por Agenda 21, para concretizar e dar legitimidade,

devido ao papel das Nações Unidas, às políticas de desenvolvimento sustentável. Nesse

sentido, buscou-se uma estratégia política e discursiva para cessar o contrassenso entre

meio ambiente e desenvolvimento. Ulteriormente, após a Conferência do Rio de

Janeiro, foi realizada em Johanesburgo, em 2002, a Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável, a qual detinha como mister estabelecer um Plano de

Implementação para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentado/sustentável.

Outrossim, a concorrência paraestatal de organizações internacionais corrobora a

tese a dominação neoliberal. A expropriação por parte do mercado, simbolizada pelas

empresas transnacionais, concebe o paradoxo entre a pobreza regionalizada, localizada

(países em desenvolvimento), e a opulência mundializada (países imperialistas)

(SARAIVA; VERÁS NETO, 2013, p. 34). Assim, esses detentores de alta tecnologia e

de grande poderio econômico importam matéria-prima daqueles (mormente de países

africanos7 e latinoamericanos

8), que em regra, são economicamente desfavorecidos,

contribuindo para o agravamento dos problemas ambientais ocasionado pela extração de

recursos naturais e acentuando a disparidade econômica e socioambiental nesses países

em vias de desenvolvimento. Para estes, ricos em recursos naturais, resta um passivo

ambiental pernicioso, intensificando a crise do ambiente.

A coalizão entre os Estados e as regras mercadológicas tornam os países

submissos à imposição de Ajustes Estruturais, que, incontestavelmente, cometem

ingerência de ordem política e econômica, interferindo nos processos políticos

decisórios e colaborando para a institucionalização da Sociedade de Risco9.

Sobre a disparidade econômica e socioambiental, Leonardo Boff adverte que o

ser mais ameaçado da natureza é o pobre. Sobre essa triste afirmação, o filósofo

7 Os países africanos representam a metade das economias dependentes da exportação

de matéria-prima do mundo (UNCTAD, 2015). 8 Os países latino-americanos que mais são dependentes são: Trinidad e Tobago, Belize,

Guiana, Suriname e Bolívia. Analisando as maiores economias da região, Brasil e

México, a porcentagem que representou esse comércio foi de 60 e 20 por cento,

respectivamente (UNCTAD, 2015). 9 Trataremos a Teoria da Sociedade de Risco no item 2.2.

27

apresenta alguns dados: grande parte desta pobreza (79%) está concentrada no

hemisfério sul, sendo que 1 bilhão de pessoas vivem em estado de pobreza absoluta; 3

bilhões não dispõem de alimentação suficiente; 60 milhões morrem de fome todos os

anos e 14 milhões de jovens, com idade inferior a 15 anos, morrem anualmente em

decorrência das doenças provocadas pela subnutrição (BOFF, 2004, p. 14).

Ainda citando alguns dados para ilustrar a disparidade econômica mundial e a

opressão socioambiental do consumo, o escritor uruguaio Eduardo Galeano,

comparando as médias do norte e do sul, afirma que:

cada habitante do norte consome dez vezes mais energia, dezenove vezes

mais alumínio, quatorze vezes mais papel e treze vezes mais ferro e aço.

Cada norte-americano lança no ar, em média, 22 vezes mais carbono do que

um hindu e treze vezes mais do que um brasileiro (GALEANO, 2013, p.

222).

Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento-

UNCTAD (2015), dois terços dos países em desenvolvimento são dependentes das

exportações de suas matérias-primas e tal dependência se constata quando, pelo menos,

60% de suas exportações são desse tipo de produto.

Acerca do intercâmbio ecológico desigual, Alier destaca que essa desigualdade

possui duas causas. A primeira se remete ao fato de que, muitas vezes, falta ao Sul a

força necessária para se incorporar no preço das suas exportações as externalidades

negativas locais - o que não significa ausência de consciência ambiental, mas debilidade

socioeconômica, pobreza e a falta de poder, entre outros elementos. Estes fatores

tornam desvantajosa a balança comercial do lado do Sul, forçando-os a negociar, de

certo modo, tanto o meio ambiente quanto a saúde local.

A segunda causa do intercâmbio ecológico desigual é o fator tempo. O tempo

ecológico necessário para gerar os bens exportados pelo Sul é geralmente menor que o

tempo necessário para a produção dos bens (manufaturados) ou dos serviços importados

por essas nações (ALIER, 2007, p.295).

Sob esse prisma, a noção de “intercâmbio ecologicamente desigual” significa “a

exportação de produtos oriundos de países ou de regiões pobres desconsiderando as

externalidades envolvidas na sua produção e o esgotamento dos recursos naturais,

trocado por bens e serviços das regiões mais ricas” (ALIER, 2007, p.289).

A ganância pela acumulação de capital desconsidera os valores intrínsecos da

natureza, desvaloriza as interações ecológicas entre os seres vivos, despreza as relações

sociais e culturais anteriormente existentes e produz riscos.

28

Nesse sentido, adverte Beck (2011, p.23) que “a produção social de riqueza é

acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos”. Desmatamentos,

assoreamento de rios e deslocamento de populações tradicionais são alguns dos reflexos

negativos dessa problemática socioambiental.

Nessa esteira, de acordo com o entendimento de Soler, Dias e Verás Neto, a

origem da intensa desigualdade social e do grande risco ecológico existente é

consequência da cosmovisão antropocêntrica de natureza, a qual esteve na base e

colabora para a manutenção e fortalecimento do modelo capitalista (SOLER; DIAS;

VERÁS NETO, 2013, p. 28)

Nesse contexto, com a intensificação das atividades humanas sobre a natureza e

com os avanços tecnológicos e científicos oriundos da Revolução Industrial, os

impactos que essas atividades causavam ao meio ambiente passaram a se tornar mais

nítidos para a humanidade, evidenciando uma contraposição de interesses, quais sejam:

os dos seres humanos (desenvolvimento) e os da natureza (preservação ambiental).

Tal visão antropocêntrica da natureza, estimulada e mantida por um interesse

economicista, põe em xeque o trabalho milenar do universo de criação e de evolução da

vida na Terra, menosprezando, desse modo, a importância da vida como bem supremo.

Entretanto, adverte Boff, é necessário o emprego de atitudes que nos abram à

sensibilização da importância da vida; que tais atitudes “implicam a mudança do

paradigma cultural vigente, assentado sobre o poder-dominação e a introdução de um

paradigma de convivência cooperativa, de sinergia, de enaltecimento por tudo o que

existe e vive” (BOFF, 2009, p.76).

Como o exposto nos últimos parágrafos, fica evidente a preocupação mundial no

período pós-industrial acerca da tomada de iniciativas e políticas públicas ambientais,

de modo a preservá-lo em respeito às futuras gerações. Entretanto, não há um consenso

em relação à definição de crise ambiental. Provavelmente, tal a indefinição conceitual

se deve em razão das distintas visões de Natureza por parte de quem as define e aplica, e

que variam conforme os interesses (econômicos) envolvidos. Pode-se dizer, não

obstante, que essa multiplicidade conceitual tem como causa a disputa pelo poder na

sociedade e sobre a natureza.

29

2.2. TEORIA DA SOCIEDADE DE RISCO E A MODERNIDADE REFLEXIVA

Abordando a temática da relação entre ser humano-natureza, diversos autores

desenvolveram estudos no intuito de estabelecerem regras para que essa ideologia

desenvolvimentista não comprometesse o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Para tanto, ressalta-se a necessidade de um debate transdisciplinar de modo a não se

limitar ao aspecto jurídico da questão, analisando também suas implicações

socioambientais.

Com a devida sensibilidade, observa o Professor José Rubens Morato Leite que,

para a ideal compreensão da crise ambiental, bem como para a obtenção de um diálogo

jurídico-constitucional mais profícuo do ambiente, faz-se mister demonstrar que a

racionalidade jurídica relativa à questão ambiental “[...] ultrapassa um olhar técnico,

dogmático e monodisciplinar, havendo a necessidade de se adotarem noções oriundas de

outras áreas do saber, buscando com isso compreender a crise ambiental através de uma

visão transdisciplinar e de um enfoque mais sociológico do risco” (LEITE, 2011, p.

151). Destaca-se, nesta seara, a chamada Teoria da Sociedade de Risco10

, criada pelo

sociólogo alemão Ulrich Beck. Torna-se imperioso o comentário do autor sobre a

passagem da Sociedade Industrial para a Sociedade de Risco:

[...]o que ocorre é que certas características da sociedade industrial tornam-se

social e politicamente problemáticas. Por um lado, a sociedade segue

tomando decisões e atuando segundo as pautas da antiga sociedade industrial,

mas, por outro lado, os debates e conflitos oriundos do dinamismo da

sociedade de risco pairam sobre as associações, o sistema judicial e a política.

(BECK, 2001, p. 18, tradução livre do autor, grifo no original)

Neste contexto, comenta o autor que um evidente sinal da obsolescência da

sociedade industrial é a aparição da sociedade de risco. Este conceito exprime uma fase

de desenvolvimento da sociedade moderna em que os riscos, sejam eles sociais,

políticos, econômicos e individuais, inclinam-se cada vez mais a desprender-se das

instituições de controle e proteção da sociedade industrial. Dessa forma, Beck define

Sociedade de Risco como “uma fase de desenvolvimento da sociedade moderna em que

os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar

das instituições de controle e proteção da sociedade industrial.” (BECK, 2001, p. 18,

tradução livre do autor).

10 Cf. BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernización Reflexiva: política, tradición

y estética en el orden social moderno. Madrid: Alianza Editorial S.A., 2001, p. 13-74.

30

Tal teoria é abordada com destaque no direito ambiental brasileiro por Morato

Leite, o qual define sociedade de risco como “aquela em que, em função de seu

contínuo crescimento econômico, pode sofrer a qualquer tempo as consequências de

uma catástrofe ambiental” (LEITE, 2011, p. 152).

Sobre o conceito de modernidade reflexiva, Beck não se restringe ao adjetivo

sugerido pelo seu nome: ao invés reflexão, utiliza autoconfrontação. Este termo

exprime a ideia da confrontação dos fundamentos da modernização com suas próprias

consequências. Portanto, a característica reflexiva da modernidade está associada aos

próprios efeitos da sociedade de risco que não podem ser abordados e concebidos

inseridos no sistema da sociedade industrial enquanto medidos pelos padrões

institucionalizados por esta sociedade (BECK, 2001, p. 19).

Portanto, chamaremos de reflexividade a transição do período industrial da

modernidade ao período do risco, a qual não ocorre de forma desejada, planejada, mas

de forma despercebida - como resultado natural do dinamismo autonomizado da

modernização. De modo acumulativo e latente, esse processo de mudança produz

ameaças que questionam e destroem os fundamentos da sociedade industrial (BECK,

2001, p. 19). Ou seja, “o conceito de sociedade de risco designa uma fase da

modernidade em que as ameaças produzidas pelo desenvolvimento da sociedade

industrial começaram a predominar.” (BECK, 2001, p. 19, tradução livre do autor).

Com o surgimento da sociedade de risco, há uma mudança marcante na pauta

das discussões. O que outrora eram conflitos característicos da sociedade industrial, tais

como os relacionados com a distribuição dos bens (renda, trabalho, previdência social),

são agora suplantados pelos conflitos advindos da distribuição dos males ocasionados

pelos riscos (BECK, 2001, p. 19).

E sobre tais riscos, o problema não se remete ao fato de eles não serem tão

palpáveis, objetivos ou pelo fato de eles escaparem da nossa percepção sensorial, mas

sim devido ao fato de eles não poderem, nem sequer, ser precisados cientificamente. É a

partir desse conceito que Beck afirma que a definição de perigo é sempre uma

construção cognitiva e social (BECK, 2001, p. 19).

Nesta obra, o referido autor destaca que na “modernidade tardia, a produção

social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção de riscos” e que,

nesse sentido, cabe salientar que o transcurso da lógica da distribuição da riqueza na

sociedade da escassez para a lógica da distribuição de riscos na modernidade tardia

31

relaciona-se a duas condições: a redução da autêntica carência material e a criação de

riscos e potenciais de autoameaça (BECK, 2011, p. 23).

Sobre a primeira condição, autêntica carência material, destaca-se que ela se

perfectibiliza na medida em que, em razão do patamar atingido pelas forças produtivas

humanas e tecnológicas e pelo Estado de Direito e Social, é categoricamente reduzida e

socialmente isolada. A respeito da segunda condição, criação de riscos e potenciais de

autoameaça, pode-se afirmar que ela se consubstancia devido ao avanço das forças

produtivas exponencialmente crescentes no processo de modernização (BECK, 2011, p.

23).

A despeito da dupla consequência do processo de modernização, ou da

reflexividade de tal processo, adverte Beck que:

o processo de modernização torna-se “reflexivo”, convertendo-se a si mesmo

em tema e problema. As questões do desenvolvimento e do emprego de

tecnologias [...] sobrepõe-se questões do “manejo” político e científico -

administração, descoberta, integração, prevenção, acobertamento - dos riscos

de tecnologias efetiva ou potencialmente empregáveis, tendo em vista

horizontes de relevância a serem especificamente definidos (BECK, 2011, p.

24).

Segundo o autor, enquanto o pensamento e a ação das pessoas dos países e

sociedades (em boa parte do Terceiro mundo) forem comandados pela “ditadura da

escassez”, haverá conflitos distributivos em torno da riqueza socialmente produzida,

acentuando-se a desigualdade social. Neste contexto, o processo de modernização

consolida-se com o desenvolvimento tecnológico-científico como meio para o

atingimento da riqueza social. (BECK, 2011, p. 24).

Ademais, sustenta ainda que, juntamente com as fontes de riquezas, existem

também efeitos secundários; é dizer, as consequências oriundas de um processo de

modernização não são apenas benéficas para a sociedade, mas também trazem consigo

efeitos negativos – os quais buscam ser ocultados ou amenizados por seus causadores –,

e que, por sua vez, acarretam um conflito social em decorrência da divisão dos riscos

que a sociedade deve arcar diante do processo de modernização (BECK, 2001).

Não obstante, para se compreender o conceito moderno de risco, analisando-o

dentro a sua conjuntura sócio-histórica, aduz o autor que o risco não é uma invenção

moderna associada exclusivamente à era industrial, mas um fato antigo, alterando sua

significação somente em relação aos sujeitos passivos (BECK, 2011, p. 25).

Nesse sentido, outrora, – tal como Colombo, que se aventurou rumo a novas

terras a descobrir - era vinculado tão somente à pessoa, sendo chamado de riscos

32

pessoais; o que diverge do que vivenciamos na sociedade pós-moderna, ou seja,

situações de perigos globais, como, por exemplo, a fissão atômica e o acúmulo de lixo

nuclear. Arrematando, o autor afirma que a palavra “risco”, naquele contexto, possuía

um caráter de ousadia, de aventura, e não a conotação que se tem modernamente: a da

provável autodestruição da vida na Terra (BECK, 2011, p. 25).

Seguindo a teoria de Beck, é possível defender que, em várias situações, os

danos decorrentes do processo de modernização não são perceptíveis à prima facie para

a humanidade, sendo que as suas consequências apenas se tornam evidentes ao longo

dos anos – a exemplo do acidente na usina de Chernobyl, cujos efeitos nefastos são

percebidos até a atualidade –, concluindo-se, portanto, que uma das características dos

danos ambientais decorrentes do processo de modernização é a atemporalidade (BECK,

2010, p. 31).

Ademais, citando outro fator importante, paira uma incerteza científica sobre as

externalidades negativas que se originam de determinada atividade humana. Isso ocorre,

primeiramente, porque, com o avanço da tecnologia e o surgimento de novas

substâncias químicas, torna-se árduo estabelecer um nexo de causalidade com relação a

uma conduta nociva e determinados efeitos. Soma-se a isso o fato de que os prejuízos

ambientais podem ser transfronteiriços; em outras palavras, torna-se difícil estabelecer o

alcance que determinado dano ambiental pode ter no meio ambiente (a exemplo do

desastre nuclear na usina de Fukushima, em que seus efeitos puderam ser sentidos na

costa oeste dos Estados Unidos).

Outro ponto a considerar é o fato de os riscos não se consubstanciarem em algo

pretérito, já ocorrido, mas sim em algo futuro. Portanto, os riscos que se configuram

como sendo a extensão futura de danos previsíveis no presente estão correlacionados

com a prevenção. Buscando democratizar o acesso à informação sobre os riscos da

modernização, Beck defende que a opinião pública deve adotar um posicionamento

crítico e de alerta, buscando, desse modo, intervir e participar dos avanços técnico-

econômicos (BECK, 2011, p. 30).

A ciência, em busca da racionalidade e almejando determinar objetivamente o

teor do risco, se frustra terminantemente. Isto porque se, por um lado, ela se fundamenta

em conjecturas especulativas e se solidifica com base em afirmações de probabilidades

cujas previsões de segurança não podem ser rebatidas nem mesmo por acidentes reais,

por outro, elas se baseiam em constatações de risco fundamentadas em possibilidades

matemáticas e interesses sociais, embora envolvidas por certeza técnica. Desse modo,

33

ocupando-se com riscos civilizacionais, afirma o autor, as ciências se distanciam de sua

base de lógica experimental, trazendo para a discussão elementos de outras áreas do

conhecimento - o que, nas palavras do autor, a força a contrair “um casamento polígamo

com a economia, a política e a ética” (BECK, 2011, p.35).

Muito embora o avanço científico associado à técnica tenha trazido facilidades

para a vida humana, também implicou problemas. É em razão da crise da modernidade

que boa parte das soluções se tornaram ao mesmo tempo problemas, sem deixar, à vista

disso, de serem soluções. Morin alega que a origem das noções de modernidades tardia

ou de pós-modernidade, ou de sociedade reflexiva - como tratada por Beck (BECK,

2001) - advém dessa crise da modernidade (MORIN, 2011, p. 28).

Morato Leite afirma que a Teoria da Sociedade de Risco representa a tomada de

consciência do esgotamento do modelo de produção. Ademais, exemplifica alguns dos

elementos que conduzem a sociedade atual a situações de periculosidade, tais como: o

uso do bem ambiental de forma ilimitada pela apropriação, a expansão demográfica, a

mercantilização e o capitalismo predatório (LEITE, 2011, p. 151-152).

O autor denomina de irresponsabilidade organizada o fenômeno da ausência de

políticas de gestão, mesmo sendo cediça a existência dos riscos. Tem-se, portanto, um

agravamento dos problemas ambientais, seguido de uma evolução da sociedade11

, sem,

no entanto, haver uma adequação dos mecanismos jurídicos visando à solução dos

problemas decorrentes dessa nova sociedade (LEITE, 2011, p. 152).

Exemplificativamente, Saraiva e Verás Neto mencionam que a concentração de

poder imperialista-bélico em determinados países, o colapso dos mecanismos de

crescimento econômico, os conflitos nucleares ou guerras em grande escala e,

principalmente, as degradações ou desastres ecológicos são alguns exemplos dos riscos

das altas-consequências que enfrentamos na modernidade (SARAIVA; VERÁS NETO,

2013, p. 34).

Nesse sentido, cabe o repensar do modelo de desenvolvimento que se quer,

tendo como base as consequências socioambientais negativas sofridas até o momento e

quais consequências e riscos aos quais se estaria sujeito no futuro, caso esse paradigma

vigente não seja quebrado/modificado. Ademais, faz-se mister questionar os

mecanismos de manutenção do status quo, que concentra o poder nas mãos de poucos,

visando democratizar as decisões que definirão o futuro das gerações vindouras.

11

da sociedade industrial para a sociedade de risco.

34

3. ÉTICA DA VIDA: EM BUSCA DE UMA NOVA CENTRALIDADE

“Em razão da mudança do padrão do paradigma cultural vigente, assentado sobre o

poder-dominação, e a introdução de um paradigma de convivência cooperativa, de

sinergia, de enternecimento por tudo o que existe e vive, urge definir os fins inspirados

na vida e adequar os meios para esses fins. Só assim a vida ameaçada terá chance de

salvaguarda e proteção.”

(Leonardo Boff, Ética da Vida: A Nova Centralidade)

É praticamente uníssona na atualidade a necessidade de preservar, restabelecer e

conservar o equilíbrio ecológico. Em verdade, é mais do que uma necessidade, é uma

questão de vida ou morte, pode-se dizer. Desse modo, o presente capítulo busca trazer à

baila uma discussão ética acerca de uma nova centralidade. Intenta evidenciar a

necessidade da quebra do paradigma atual da apropriação da natureza e de seus recursos

naturais, da acumulação de capital, fruto de uma ideologia liberal-individualista somada

à degradação ambiental.

Neste sentido, abordaremos no primeiro subitem (3.1) a origem da cosmovisão

antropocêntrica, bem como a sua característica de apropriação da natureza e suas

consequências ambientais. A concepção do pensamento antropocêntrico, cuja origem se

remete ao pensamento judaico-cristão, produziu a noção predatória ocidental. Sob esse

viés, tal cosmovisão tornou-se o fundamento filosófico para a dominação humana

presunçosa, face aos demais seres vivos e o próprio meio ambiente.

O método científico mecanicista de Descartes é o responsável pelos indícios da

crise que conduz a uma total ruptura entre o ser humano e a natureza (OST, 1995). Esse

modo de pensar transformou a relação do indivíduo com a natureza, fazendo-o perder o

real sentido da vida, influenciando as suas relações com o meio ambiente, com a

economia e com as demais áreas.

Em seguida, no segundo subitem (3.2), versaremos sobre a racionalidade

ambiental, numa perspectiva ética, questionando a emergência de uma redefinição de

nossa nova centralidade: a ética da vida. Neste norte, mais do que uma ética ambiental

ela é uma ética da sobrevivência.

35

Portanto, faz-se necessário a reflexão das condutas humanas em relação ao meio

ambiente de modo a repensar os excessos do antropocentrismo cujos fundamentos

estimulam a necessidade do debate sobre a ética da vida. Ressalta-se que essa

cosmovisão é um dos fundamentos da acumulação capitalista que empodera uma

pequena minoria em detrimento da grande maioria, a qual permanece em desamparo

socioambiental. O ser humano é o único ser dotado de racionalidade e deveria usá-la de

modo construtivo em relação à natureza, considerá-la como um fim em si mesmo, não

como um meio, observando os seus valores intrínsecos.

Por fim, no terceiro subitem (3.3), trataremos da Hermenêutica Ambiental como

fundamento para a concretização do Estado de Direito Ambiental. Nesta perspectiva,

tendo em mente que o Estado de Direito Ambiental é, em um primeiro momento, uma

abstração teórica, torna-se fundamental a análise da abordagem que a Carta Política de

um determinado país confere ao meio ambiente para saber se ela assegura/recepciona os

fundamentos e avanços do Estado de Direito Ambiental ou não, consoante lição de Leite

e Belchior (2009).

Realizaremos, portanto, uma análise dos princípios fundantes do Estado de

Direito Ambiental e da forma como estes dialogam e se relacionam com os demais

princípios. Ademais, discutiremos a importância do órgão julgador quando da análise do

caso concreto, do sopesamento desses princípios, e da importância para a Hermenêutica

Ambiental do pensamento complexo proposto por Morin.

3.1. COSMOVISÃO ANTROPOCÊNTRICA: A NECESSIDADE DE SE

REPENSAR O PARADIGMA ATUAL

O ser humano, assim como qualquer outra espécie natural, só pela sua presença

já transforma a natureza, interferindo e pesando nos ecossistemas que o abrigam. Da

mesma forma, como qualquer outro ser vivo, as pessoas retiram dela recursos para

assegurar/manter a sobrevivência. Desde a sua origem, portanto, o ser humano

transforma e modifica o meio em que vive. Num primeiro momento, essa transformação

é discreta, possuidora de uma determinada culpa, mas rapidamente se torna brutal,

predatória, dominadora (OST, 1995, p. 30-33).

Não obstante, antes de adentrarmos no mérito da racionalidade antropocêntrica,

torna-se salutar comentarmos a origem dessa cosmovisão, a qual resultou na ruptura da

36

relação entre o ser humano e a natureza nos dias de hoje, ocasionando a crise ambiental

que ameaça e compromete nosso futuro comum.

Nesse sentido, é cediço que o ser humano se considere e se comporte como o

centro de tudo. A palavra antropocentrismo (anthropos, “humano”; kentron, “centro”),

de origem grega, coloca o ser humano no centro do universo, elevando-o a um patamar

acima dos demais seres e da própria natureza, partindo de um pressuposto de que tudo o

que existe foi concebido para a sua própria satisfação. Ademais, de acordo com esta

cosmovisão, a natureza como um todo deve ser pensada e avaliada de acordo com a sua

relação com o ser humano e não pelo valor intrínseco que possui.

Desse modo, foi admitido e legitimado pela sociedade que os animais não-

humanos, selvagens ou não, fossem retirados de seus ecossistemas naturais para

posteriormente serem enviados a estabelecimentos circenses e zoológicos para serem

mantidos aprisionados em cativeiros, visando um mero entretenimento humano. Assim,

uma harpia (Harpia harpyja) ou uma surucucu (Lachesis muta), ambos animais

selvagens típicos da Amazônia brasileira poderia “viver”, em um ambiente artificial e

adaptado, como num desses estabelecimentos de uma megalópole qualquer.

Comenta a doutrina (LEFF, 2006, p. 134; MONTIBELLER-FILHO, 1999, p.17;

MORAES, 2014, p. 111; OST, 1995, p. 30) que a visão mecanicista do mundo

produzida pela razão cartesiana e pela dinâmica newtoniana transformou-se no princípio

constitutivo da teoria econômica em detrimento da dinâmica dos processos vitais,

orientando-se, desse modo, o processo desenvolvimentista e estimulando a degradação

ambiental moderna. Foi (principalmente) em Descartes, bem como outros pensadores

contemporâneos, que surgiram os primeiros indícios dessa racionalidade predadora,

apropriadora da natureza e de seus recursos, cujo método, segundo eles, era o melhor

caminho para a verdade.

Ao longo da história humana, considerando a diversidade de povos e culturas

outrora existentes, a concepção de natureza se apresentou sob distintas formas.

Acerca de tal concepção nas culturas arcaicas (pré-mercantis) da cultura

ocidental, Muller apud Montibeller-Filho (1999, p. 14) afirma que a primeira forma de

concebê-la constitui-se num conceito includente de natureza. Sobre esse caráter, afirma

o autor que o homem é, antes de tudo, parte integrante do grande organismo Natureza -

observada e concebida como uma totalidade viva e divina. Ademais, a relação entre ser

humano-natureza se caracteriza como uma relação umbilical e que, no transcorrer da

37

história, tal relacionamento marchou rumo a uma relação opositiva entre o ser humano e

a natureza.

Por outro lado, sobre o caráter opositivo, que se estende até a idade média, de

acordo a concepção teleológica, a natureza tem a finalidade de servir ao ser humano.

Neste momento, não há contrariedade quanto à figura de um Deus-Criador, de modo

que seria inconcebível uma conduta humana danosa em relação à natureza - esta

enquanto obra de divina (MULLER apud MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 14).

Em seguida, já na modernidade, esse conceito opositivo é reafirmado com o

advento da visão científica antropocêntrica. A partir de então, dá-se a dominação da

natureza pelo homem, que a explora através da técnica e da própria ciência, faces da

mesma moeda (MONTIBELLER-FILHO, 1999, p. 18).

Corroborando com o exposto por Montibeller-Filho e cotejando as distintas

concepções de natureza na história da humanidade, bem como sobre a diferença entre o

homem primitivo e o moderno, François Ost comenta que

[...] ao contrário do homem moderno, que, liberto de todas as amarras

cosmológicas transforma descomedidamente o mundo natural com a sua

tecnologia, o homem primitivo não se arrisca a perturbar a ordem do mundo

senão mediante infinitas precauções, conscientes da sua pertença ao universo

cósmico, no seio do qual natureza e sociedade, grupo e indivíduo, coisa e

pessoa, praticamente não se distinguem (OST, 1995, p. 31, grifou-se).

Outrossim, segundo Ost, inúmeros autores imputam grande carga da

responsabilidade no que tange à ação predatória do ser humano em relação à natureza e

às razões judaica e cristã (OST, 1995, p. 33). Sobre esta imputabilidade, ressalta

passagens bíblicas, como verifica-se na narrativa do Génesis (I, 26):

Então Deus disse: „Faça-se o homem à nossa imagem e semelhança. Que este

reine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre o gado e sobre toda

a terra.‟ [...] Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem divina,

criou o macho e a fêmea. E Deus abençoou-os: „Frutificai-vos, disse,

multiplicai-vos, povoai a terra e dominai-a. Reinai sobre os peixes do mar,

sobre as aves dos céus, e sobre todos os animais que se arrastam sobre o

solo.‟ E Deus disse: „Dou-vos toda a erva que semeia toda a superfície da

terra, bem como todas as árvores de fruto com semente; este será o vosso

alimento‟ (OST, 1995, p. 33).

Ademais, acrescenta que após o episódio do dilúvio, quando Deus abençoa Noé

e seus filhos, assim se refere outra passagem bíblica (Génesis IX, 9): “Sejai fecundos,

multiplicai-vos e povoai a terra. Vós sereis objecto [sic] de temor e de assombro par

todos os animais [...]: eles serão entregues às vossas mãos[...]” (OST, 1995, p. 33).

38

Entretanto, esse viés antropocêntrico da natureza, presente nos textos bíblicos de

outrora parece querer alçar novos ares interpretativos, se considerarmos a Encíclica

Ecológica publicada há poucos dias pelo Santo Papa Francisco (VATICANO, 2015). A

Santa Igreja reconhece a existência da crise ecológica atual ao afirmar que “nunca

maltratamos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos” e responde

à esse problema afirmando que a saída dessa rota catastrófica é a necessidade de se

“delinear grandes percursos de diálogo que nos ajudem a sair desta espiral de

autodestruição na qual estamos afundando” (VATICANO, 2015, n. 53 e 163).

Segundo Boff (2015a), o Papa operou uma grande virada no discurso ecológico

da Igreja Católica, ao passar da ecologia ambiental à ecologia integral, ao afirmar

(BOFF, 2015a) que

dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais

requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial,

proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos

duma ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e

sociais.” (VATICANO, 2015, n. 137).

Esta ecologia integral, segundo Boff, inclui a ecologia político-social, a mental,

a cultural, a educacional, a ética e a espiritual (BOFF, 2015a).

A despeito do despertar de consciência preservacionista ambiental, Morato Leite

e Ayala pontuam ser sabido que a preocupação jurídica do homem com a qualidade de

vida e com a característica difusa do bem ambiental é recente. Tal despertar de

consciência ambiental só veio a lograr certa relevância no ordenamento jurídico dos

Estados a partir da constatação do declínio da qualidade ambiental, bem como quando

da limitabilidade do uso dos recursos naturais; em outras palavras, tal preocupação

surgiu não como um resultado de um ato volitivo unilateral, visando à preservação, mas

somente “com a referida crise ambiental e do desenvolvimento econômico” (LEITE;

AYALA, 2010, p. 71-72).

Diante disso, destaca-se que a relação ser humano-natureza é interdependente,

uma vez que não há a possibilidade de dissociar a sobrevivência humana da natureza,

pelo fato de o indivíduo depender dela para a sua existência Ademais, os autores

consignam que meio ambiente é um conceito derivado do ser humano, e a ele está

relacionado. Desse modo, ocorrendo uma danosidade ao meio ambiente, esta reverbera

a toda a coletividade humana, porquanto se trata de um bem difuso interdependente

(LEITE; AYALA, 2010, p. 72-73).

39

Nesse sentido, cabe salientar que não se pode falar em meio ambiente sem

mencionar o seu irrefutável sujeitamento à cosmovisão antropocêntrica, uma vez que

toda a estruturação de sua proteção (jurídica) é dependente da ação humana. Tal fato

resta evidenciado no primeiro princípio da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento: “Os seres humanos estão no centro das preocupações com o

desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em

harmonia com a natureza” (ONU, 2015a).

A respeito do tema, Leite e Ayala (2010, p. 74) afirmam que o desenvolvimento

sustentável ocupa o centro das discussões dos seres humanos, ressaltando, no entanto,

que essa visão antropocêntrica pode ser correligionária de outros elementos e um pouco

menos pautada no ser humano - assim, possibilita-se a consideração e a reflexão

filosófica de seus valores, tendo em vista a complexidade ambiental globalizada. No

entanto, os autores apontam alguns cuidados que se deve ter ao governar a conduta

antropocêntrica em relação ao meio ambiente:

I- O ser humano pertence a um todo maior, que é complexo, articulado e

interdependente; II- A natureza é finita e pode ser degradada pela utilização

perdulária de seus recursos naturais; III- O ser humano não domina a

natureza, mas tem de buscar caminhos para uma convivência pacífica, entre

ela e sua produção, sob pena de extermínio da espécie humana; IV- A luta

pela convivência harmônica como meio ambiente não é somente

responsabilidade de alguns grupos “preservacionistas”, mas missão política,

ética e jurídica de todos os cidadãos que tenham consciência da destruição

que o ser humano está realizando, em nome da produtividade e do

progresso12

.

Neste sentido, a concepção de exploração ilimitada da natureza pelo ser humano

e de submissão dela ao seu livre arbítrio perdeu a sua racionalidade e fundamento.

Demonstrou-se, através da Ecologia, que a intervenção do ser humano destruía os

recursos naturais não renováveis, bem como representava uma situação de risco

referente à composição e ao equilíbrio do ser humano na Terra. Não se postula agora um

biocentrismo, mas apenas uma superação do modelo predatório do ser humano como

senhor e destruidor dos recursos naturais; busca-se a evolução para uma perspectiva

menos antropocêntrica, em que a proteção da natureza seja um fim em si mesmo -

considerados todos os seus elementos intrínsecos (LEITE; AYALA, 2010, p. 75).

12

AGUIAR, Roberto Arnaldo Ramos. Direito do Ambiente e participação popular. Brasília-DF :

Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal/IBAMA, 1994, p. 20-21 apud LEITE; AYALA,

2010, p. 74

40

Acrescenta-se a este panorama a forte vinculação que a defesa do meio ambiente

possui com relação a um interesse intergeracional, carecendo, assim, de um

desenvolvimento sustentável que tenha como mister a preservação dos recursos naturais

para as gerações vindouras. Torna-se enfraquecida a proteção antropocêntrica do

passado, uma vez que não se questiona tão somente o interesse da geração atual, mas os

interesses das futuras gerações. Portanto, com a concretização desse novo paradigma da

proteção ambiental, como consigna o direito intergeracional, pressiona-se um agir

político e coletivo sensível à questão ambiental (LEITE; AYALA, 2010, p. 76).

Nesse diapasão, conforme bem pontua Tônia Dutra, pode-se dizer que o direito

ambiental, por sua imprescindibilidade e alcance, destaca-se entre os outros direitos da

era da solidariedade pela conduta que requer para o futuro. Ele é intrageracional,

quando diz respeito aos membros da geração presente e, ao mesmo tempo,

intergeracional, quando se refere às gerações passadas, presentes e futuras. A ética da

responsabilidade pela garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as

futuras gerações é como uma espécie de retribuição às gerações precedentes pela

manutenção das condições de vida do planeta (DUTRA, 2015, p. 91).

Sobre o direito, definido pela ordem constitucional brasileira, ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, Leite et al. entendem que há a finalidade de assegurar a

proteção subjetiva da liberdade de acesso à qualidade dos próprios recursos naturais.

Destaca que se entende por liberdade a possibilidade de usufruto de cada um dos

recursos naturais, não podendo ser obstruída ou dificultada por ações de ordem pública

ou privada que comprometam a qualidade original do bem, mediante atos comissivos ou

comportamentos potencialmente perigosos (LEITE et al., 2015, p. 108 ).

É sob esse viés que se viabiliza a compreensão sobre a responsabilidade ética do

repasse igualitário da qualidade ambiental entre gerações, que pode ser denominada de

equidade intergeracional. Salienta-se também que “a liberdade de acesso e de usufruto

desses níveis de qualidade de vida é um compromisso sem limite temporal e que não

encontra sujeito a termos por meio de mandatos políticos(!)”(LEITE et al., 2015, p.

108).

A respeito da questão em comento, defendem Leite e Ayala que, tendo como

fundamento a vinculação da alteridade à responsabilidade, ultrapassando os limites

espaciais e atingindo dimensão intergeracional, pode-se dar início a uma real

compreensão do ambiente. Logo, a constituição da equidade intergeracional denota

ainda a formulação de uma ética de alteridade intergeracional, evidenciando que o ser

41

humano também é possuidor de deveres, obrigações e responsabilidades compartilhadas

em face ao futuro. (LEITE; AYALA, 2001, p. 7).

3.2. RACIONALIDADE AMBIENTAL: A ÉTICA DA VIDA

A crise civilizacional, da racionalidade moderna e do mundo globalizado,

facilmente identificada no mundo após a Segunda Guerra (como abordado no primeiro

capítulo do presente trabalho), ocasionou a catástrofe ecológica moderna, que tanto

compromete nosso futuro comum e que hipoteca o direito das gerações vindouras a um

meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Nesse ínterim, cabe ressaltarmos que a racionalidade ambiental não é uma

“ecologização” do pensamento, tampouco um sistema de normas e instrumentos com a

finalidade de controle social e da natureza, visando a uma administração eficaz do

ambiente, como bem pontua Leff (2006, p. 388); ao contrário, ela é

uma razão desconstrutora da racionalidade da modernidade; é uma

racionalidade aberta ao impensável nos códigos da razão estabelecida. É a

razão crítica da racionalidade dominadora – encerrada em si mesma e cega à

outridade -, para pensar a diferença e o que ainda não o é; é uma categoria

para construir uma realidade que torne possível a realização desses fins aos

quais apontam essas desgastadas palavras (equidade, democracia,

diversidade, sustentabilidade), para devolver-lhes seu sentido e sua

potencialidade (LEFF, 2006, p. 389).

A racionalidade ambiental objetiva uma ruptura da racionalidade instrumentista

e, acima de tudo, predatória, objetificadora e mercantilizadora da natureza. Ademais,

prega a elevação ao máximo expoente da importância das relações econômicas

individuais, concentradoras de capital, em detrimento das relações humanas e sociais.

Em verdade, nesse contexto desenvolvimentista, a busca da felicidade tem sido o

motor das sociedades como a nossa, movida por mulheres e homens que sonham, que

lutam em busca de uma vida mais próspera. No entanto, não há nenhuma certeza de que

isto seja sinônimo de felicidade; é como se esse tipo de busca de felicidade não passasse

de um equívoco: movimenta-se a economia em busca desenvolvimento e progresso e de

uma felicidade ilusória (BAUMAN, 2009, p. 11).

Com a finalidade principal de acumulação de riquezas através de um

crescimento ilimitado por meio da exploração inconsequente de todos os recursos

naturais, o capitalismo organizou todas as forças produtivas ao seu alcance. Como

consequência, esse propósito irresponsável trouxe consigo inúmeros resultados

negativos, como, por exemplo, a produção sistemática de pobreza, injustiça social e

42

ambiental. Sobre este último, tal sistema ocasionou a devastação de ecossistemas

inteiros, exaustão de bens naturais, culminado em uma crise geral do sistema-vida e do

sistema-terra (BOFF, 2015).

Relata Boff que, desse modo, o tempo de vida do ser humano é apropriado por

esse sistema que não deixa espaço para o amor, a solidariedade, a compaixão, a

convivência fraternal entre as pessoas e com a natureza, o simples viver como alegria de

viver. Ele (capitalismo) elimina as conjunturas daquilo a que se propunha: a felicidade.

Destarte, ele não é só anti-vida, mas também anti-felicidade (BOFF, 2015).

A mercantilização de todas as coisas tendo como instrumento a especulação

financeira, visando à obtenção do maior lucro com o menor investimento e dispêndio de

tempo possíveis, faz da propaganda comercial o motor dessa locomotiva sem freio, em

que o beneficiário final será sempre o indivíduo singular (BOFF, 2015).

Neste caminho, resta-nos uma indagação: por que a cultura do capital se mostra

tão persistente? Boff responde a tal indagação sem maiores mediações. Afirma que esse

caráter se deve ao fato de ela ser responsável pela concretização da necessidade de

autoafirmação, que se configura como uma das dimensões primordiais da vida humana.

Esta necessidade se vincula à carência humana do fortalecimento de sua identidade, que

teme por ser eliminada ou absorvida pelo outro (BOFF, 2015).

Estudos empíricos comprovam que, entre as sociedades mais desenvolvidas,

pode não haver uma relação proporcional entre crescimento econômico – que muitos

consideram o principal caminho a uma vida feliz - e o nível de felicidade. A estratégia

de tornar as pessoas felizes aumentando as suas receitas não parece ser digna de crédito,

pontua Bauman (2009, p.12).

Nessa perspectiva, tendo em conta que o Produto Interno Bruto-PIB é um

indicador quantitativo do dinheiro que circula em um determinado país e que ele é fruto

das transações mercantis, questiona Bauman se ele deveria ou não considerar o

crescimento ou descenso de felicidade na sua equação. O autor parte do princípio de

que, se o gasto cresce, deve haver, do mesmo modo, um incremento nos índices de

felicidade daqueles que gastam - o que não acontece. Arremata afirmado que, se a busca

por felicidade como tal - a qual sabemos ser uma atividade que envolve riscos, demanda

energia e consome os nervos - conduz a uma maior incidência de depressões mentais,

sem dúvida alguma gastaremos mais dinheiro, mas com antidepressivos (BAUMAN,

2009, p. 13).

43

Em 1968, sobre a ineficácia da equação PIB para fins de análise de progresso

social, o Senador e candidato à Presidência dos Estados Unidos, Robert Kennedy,

afirmou:

Sejamos claros desde o início: não encontraremos nem um propósito para a

não nem a nossa satisfação pessoal na mera corrida pelo progresso

econômico, na infindável acumulação de bens materiais. Não podemos medir

o espírito nacional com base no índice Dow Jones, nem os sucessos nacionais

com base no Produto Interno Bruto (PIB).

Porque o nosso Produto Interno Bruto nacional compreende a poluição do ar

e a publicidade dos cigarros, e as ambulâncias para desimpedir as nossas

autoestradas das carnificinas. Inclui na conta as fechaduras especiais com que

trancamos as nossas portas, e as prisões para aqueles que as arrombam.

[...]

Se o nosso PIB compreende tudo isso, não leva em conta também o estado de

saúde de nossas famílias, a qualidade de sua educação ou a alegria de suas

brincadeiras. É indiferente à decência de nossas fábricas e à segurança de

nossas estradas. Não compreende a beleza de nossa poesia ou a solidez de

nossos casamentos, a inteligência de nossas discussões ou a honestidade de

nossos funcionários públicos. Não leva em conta nem a justiça de nossos

tribunais, nem a justeza das relações entre nós.

O nosso PIB não mede nem a nossa argúcia, nem a nossa coragem, nem a

nossa sabedoria, nem o nosso conhecimento, nem a nossa compaixão, nem a

devoção ao nosso país.

Em poucas palavras, mede tudo, exceto aquilo que torna a vida digna de ser

vivida [...] (FGV, 1968).

Poucas semanas depois de ter propalado esse desafiador e emblemático discurso

e de ter tornado pública a sua intenção de fazer com que a vida fosse considerada tendo

como fundamento o seu real valor, Robert Kenedy foi assassinado.

Nesse contexto, ressalta-se a importância da quebra de um paradigma

hegemônico estritamente econômico. Faz-se necessário, a substituição da racionalidade

econômica ou tecnológica, segundo Leff (2006, p. 268), em razão de uma racionalidade

ambiental cujos valores rompam com a supremacia do princípio da racionalidade

instrumental, uma vez que, para o autor, nenhum fim justifica os meios que corrompam

o fim desejado, pois seus valores modulam seus meios.

Nessa acepção, o controle técnico sobre o ser humano e a natureza conformava-

se pela racionalidade ambiental, concebendo uma estrutura de exploração e dominação

totalizante, em que a esfera pública e a ética foram simplesmente resumidas ao controle

burocrático (VERÁS NETO, 2015, p.135)

Afirma Leff que a ética ambiental quebra o paradigma dos sistemas de

racionalidade pautados em uma verdade objetiva, possibilitando um novo caminho a

uma nova racionalidade em que o valor da vida possa se reencontrar com o pensamento,

e a razão fundir-se com o sentido da existência (LEFF, 2006, p. 271).

44

O sentido da ética ambiental é uma ética da emancipação política, trazendo o Ser

ao seu real sentido, desconstruindo, dessa maneira, o processo de reificação dos valores

humanos e de reapropriação (social) da natureza e da cultura.

Nesse diapasão, a emancipação da racionalidade logocêntrica, marcada e

evidenciada pela crise ambiental, se postula como o momento da libertação da

hipereconomização global, a qual recodifica o mundo sob o signo monetário e a lógica

do mercado. Em outras palavras, é o mesmo que dizer que isso implica a ressignificação

da liberdade, da igualdade e da fraternidade como princípios da moral política (LEFF,

2006, 337).

Sobre o processo de emancipação e do “empoderamento” do Ser, acrescenta o

autor ainda que

A emancipação não é uma distribuição do poder, dos meios e estratégias

políticas para prover condições de produção, decisão e participação em uma

política de equidade e democracia. A emancipação vem mais de dentro, da

vontade de poder que tem suas raízes no ser e não na orem jurídica da justiça

e na ordem econômica da distribuição. O “empoderamento” com o qual se

pretende dar voz aos sem-voz não lhes devolve a palavra própria. A

emancipação do Ser é a libertação da palavra e do pensamento para exercer o

direito ao Ser, que está além das reivindicações por uma distribuição

ecológica e uma justiça ambiental (LEFF, 2006, p. 339).

Desse modo, a ecologia política visa à construção de um caminho democrático,

marchando em contracorrente de diversas outras disciplinas e pensamentos para que

seja possível a desconstrução do poder de uma minoria privilegiada em detrimento de

uma maioria oprimida, excluída e sujeitada a suas decisões egocêntricas.

Considerando toda a herança negativa trazida com a ganância criada pelo

espírito individualista econômico, o qual acarreta a atual crise ecológica, faz-se

necessário repensarmos os paradigmas postos. Como ferramenta para tanto, a ética e a

filosofia possibilitam a reflexão acerca do real sentido da vida, viabilizando esta tarefa.

Aberta essa discussão, deve-se tomar a vida como bem maior e ponto de partida

para toda e qualquer discussão ética e filosófica, e se considerar a crítica ao

antropocentrismo como outro pressuposto elementar. Observa-se, inicialmente, que o

ser humano é criado a partir das mesmas substâncias químicas e fruto da mesma

dinâmica universal que os demais seres vivos ou inanimados.

Contudo, a vida é frágil e vulnerável e necessita, portanto, de atitudes

apropriadas para a sua proteção, dentre as quais podemos citar: o respeito, o cuidado, a

veneração e a ternura, como bem assinala Boff (2009, p. 76). No seu livro „Ética da

45

vida: a nova centralidade‟, o autor elenca dois postulados para uma ética da vida: a

salvaguarda da Terra e a conservação das condições planetárias, bioatmosféricas,

biossociológicas e espirituais para a realização pessoal e coletiva do ser humano

enquanto espécie. (BOFF, 2009, p. 76)

Embora sejam valores evidentes em si, não se encontram inseridos na

consciência coletiva da humanidade. E isto muito se deve à consideração do

crescimento econômico como sendo o valor mais importante em nossa sociedade

capitalista, em detrimento do valor da vida e de suas dinâmicas relações.

É diante da necessidade de se tornar a vida o novo centro, rompendo com a

racionalidade econômica hegemônica, que surge a demanda por uma nova ordem

pública ambiental que venha concretizar os valores éticos ambientais. A partir disso

constroem-se os fundamentos do Estado de Direito Ambiental, o qual será tratado com

maior profundidade no próximo tópico.

3.3. HERMENÊUTICA AMBIENTAL COMO FUNDAMENTO PARA A

CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

O Estado de Direito Ambiental pode ser compreendido como sendo o resultado

de novas demandas sociais oriundas da sociedade pós-moderna, as quais exigiram uma

nova ordem pública ambiental. Entretanto, cabe salientar que tal conceito não engloba

somente aspectos de natureza jurídica, mas também de ordem econômica e social,

demonstrando sua característica de direito integrado face à interconexão com os demais

ramos dos saberes.

Alavancados pela crise ecológica inflamada após a Segunda Guerra, os riscos e

as incertezas oriundas da sociedade pós-industrial, associados à limitabilidade dos

recursos naturais, prenunciaram o comprometimento da qualidade de vida das gerações

futuras, evidenciando, por conseguinte, que as decisões tomadas agora, no presente,

podem efetivamente interferir no futuro.

Considerando que o Estado de Direito Ambiental é uma abstração teórica, fruto

do processo de ecologização (ou esverdeamento, como preferido por muitos) das

constituições da década de 1970 e seguintes, faz-se necessária uma análise teórica para a

sua devida compreensão. Há, então, que se fazer uma ressalva quanto à recepção

jusambiental constitucional nesse aspecto, vez que “a caracterização do ambiente por

uma Constituição denota a existência ou inexistência de postulados de um Estado

46

Constitucional do Ambiente” (LEITE, 2011, p. 171). Para tanto, resta verificar se a

Carta Política autoriza/recepciona o novo paradigma e se ela possibilita ou não a

configuração do Estado de Direito Ambiental.

Nesse caminho, faz-se mister trazermos a compreensão de Leite sobre tal

conceito. Para o autor, “Estado de Direito Ambiental [...] é um conceito de cunho

teórico-abstrato que abarca elementos jurídicos, sociais e políticos na busca de uma

situação ambiental favorável à plena satisfação da dignidade humana dos ecossistemas”.

Acrescenta que as normas jurídicas são apenas uma parte da complexidade que se

relaciona com a concepção de Estado de Direito do Ambiente (LEITE, 2011, p. 174).

Afirma que, para se atingir tais objetivos, são imprescindíveis diversas outras mudanças

– como, por exemplo, um novo sistema de mercado e uma redefinição do direito de

propriedade – (LEITE, 2011, p. 175).

Nessa perspectiva, segundo Herman Benjamin, “a ecologização do texto

constitucional traz um certo sabor herético, deslocado das fórmulas antecedentes, ao

propor a receita solidarista – temporal e materialmente ampliada, e, por isso mesmo,

prisioneira de traços utópicos – do nós-todos-em-favor-do-planeta (BENJAMIN, 2011,

p. 78-79).

Admoesta Morato Leite que a estruturação do conceito de Estado de Direito

Ambiental tem que ponderar elementos nos quais o próprio Estado se fundamenta. De

modo exemplificativo, podemos destacar a dificuldade que os países ditos “periféricos”

encontram na implementação das disposições jurídicas do Estado de Direito Ambiental,

pela necessidade de desenvolvimento (LEITE, 2011, p. 171).

No Brasil, muito embora a Constituição da República-CRFB de 1988 tenha

elevado a tutela ambiental a nível constitucional pela primeira vez13

- destinando um

capítulo exclusivo para esse direito difuso -, a sua proteção não se restringe ao nível

Maior. Sua tutela é mais ampla e extensa; abrange todo um sistema normativo

infraconstitucional que, direta ou indiretamente, se relaciona a valores ambientais de

forma holística e sistêmica (LEITE; BELCHIOR, 2009, p. 6). Além disso, convém

ressaltar que o meio ambiente insere-se no âmbito constitucional em absoluto período

de formação do direito ambiental.

13

Muito embora a CRFB/1988 tenha tratado pela primeira vez em sede constitucional da proteção

ambiental, a Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente-PNMA) e a Lei n. 7.347/85

(Lei da Ação Civil Pública) já davam o primeiro passo, à nível infraconstitucional, traçando os novos

direcionamentos rumo à um novo paradigma da tutela ambiental no Estado brasileiro.

47

É cediço que o meio ambiente sadio é condição sine qua non para a existência da

vida em geral. Visando ao equilíbrio ecológico, observados os princípios democrático e

solidário do Estado de Direito Ambiental, a missão de proteção do meio ambiente não

deve ser unilateral, e sim a soma de esforços do poder público e de todas as esferas do

campo social, objetivando minimizar os impactos ambientais. Nas palavras de Morato

Leite, “trata-se, efetivamente, de uma responsabilidade solidária e participativa, unindo

de forma indissociável Estado e cidadãos na preservação do meio ambiente” (LEITE,

2011, p. 171, grifou-se). Afirma o autor que uma “democracia ambiental participativa e

solidária pressupõe, ainda, um cidadão informado e uma coletividade que detenha como

componente indispensável a educação ambiental” (LEITE, 2011, p. 171).

Neste contexto, o Estado de Direito Ambiental possui como fundamento teórico-

jurídico o princípio da solidariedade, além de se pautar, fundamentalmente, nos

princípios da precaução e da prevenção, na democracia participativa, na educação

ambiental, na equidade geracional, na transdisciplinaridade e na responsabilização

ampla dos poluidores (POLI, 2015, p.45).

Afirma o autor que o princípio da solidariedade figura como um dos grandes

desafios aos juristas, uma vez que ele demanda relacionamento entre as diversas

gerações, tornando a temática complexa, pois não se sabe o que estar por vir. Ademais,

cabe observar, que, como dito, muito embora o referido princípio seja a o fundamento

teórico-dogmático do Estado de Direito Ambiental, não é possível a sua

atuação/aplicação jurídica, haja vista que o Estado Ambiental continua sendo um Estado

Democrático de Direito (LEITE; BELCHIOR, 2009, p. 7).

No entanto, cabe destacar que a única elementar diferença refere-se aos

acréscimos de novo princípio e valor-base, acarretando uma visão holística entre os

elementos já existentes. Desse modo, dá-se a atuação conjunta do princípio da

solidariedade com o princípio da legitimidade (Estado Democrático) e com o princípio

da juridicidade (Estado de Direito), além de outros que incorporam valores escolhidos

pelo constituinte (LEITE; BELCHIOR, 2009, p. 7).

Não obstante, dada a já mencionada característica de abstração teórica do Estado

de Direito Ambiental, de nada adianta a sua existência se não houver objetivamente

mecanismos para a sua concreta efetivação. Nesse sentido, a hermenêutica jurídica

ambiental se consubstancia como apenas um desses mecanismos usados em benefício

da sustentabilidade.

48

Segundo a hermenêutica filosófica, protagonizadas por Heidegger e Gadamer, as

normas precisam ser efetivadas de modo a concretizar o Estado de Direito Ambiental.

Entretanto, como a interpretação depende do sujeito, faz-se imperiosa a utilização da

Hermenêutica que, segundo Belchior, estabelece regras mediante a qual a interpretação

se opera. Comenta a autora que o propósito da interpretação é a captação de sentido,

livre e mutável, tendo como ponto de partida o pensamento, haja vista que o ser humano

é possuidor de livre arbítrio para fazer as suas escolhas de acordo com os seus valores

(BELCHIOR, 2015a, p. 124).

Sobre a perspectiva cultural da norma jurídica, Belchior (2015) afirma que ela

“se revela como uma alteração na natureza humana para lhe dar sentido de convivência

pacífica entre os homens e mulheres”. Em outras palavras, trata-se de uma criação

abstrata com a finalidade de impor balizadores à conduta humana; que o direito à

liberdade de um não sobreponha o direito à liberdade do outro.

Uma lei é criada pelo legislador, em tese, para determinada finalidade. No

entanto, como é considerada um objeto cultural, a lei está submetida a uma diversidade

de sentidos, de modo que caberá ao intérprete apreendê-la no sentido que mais lhe

aprouver, seja ela indo ao encontro da finalidade do legislador ou não (BELCHIOR,

2015, p. 130).

Ao adotar o novo paradigma do Estado de Direito Ambiental, por mais que a

Constituição e, inclusive, até mesmo as normas infraconstitucionais, se mantenham sem

alterações – no sentido de positivar normas e princípios ecológicos-, o intérprete deve

ter a sensibilidade de compreender a dinâmica da dialética do Direito, formada por

raciocínios jurídicos dedutivos e indutivos, o que fundamenta a necessidade de uma

hermenêutica jurídica ambiental (LEITE; BELCHIOR, 2009, p. 8).

Sobre a crítica ao positivismo dogmático, bem como a morosidade do

esverdeamento das Constituições e o papel do intérprete como agente aplicador da

Hermenêutica Ambiental, Leite e Belchior (2009, p. 9) afirmam que

não se pode ficar tão bitolado nos textos legais, como sugeria o positivismo

jurídico, nem tampouco desconsiderá-lo como defendem algumas vertentes

jusnaturalistas e do direito livre. O intérprete constitucional ambiental deve

analisar a evolução social, própria da dialética do Direito, preenchendo as

molduras deônticas dispostas na Constituição de acordo com o contexto

social, realidade esta traduzida em uma sociedade de risco.

49

A peculiaridade de uma hermenêutica ambiental se consubstancia pelo fato

de a ordem jurídica ambiental ser composta por conceitos vagos, confusos, amplos e

indeterminados, sem mencionar a intensa discricionariedade administrativa que é

concedida ao Executivo. Ademais, destaca-se que, diante do caráter principiológico dos

direitos fundamentais, é inevitável a constante colisão entre os mesmos, como ocorre

entre o direito ao meio ambiente com o direito à propriedade, o direito à liberdade, o

direito à iniciativa privada, o direito ao desenvolvimento, o direito ao pleno emprego

etc., levando à necessidade de técnicas interpretativas adequadas (BELCHIOR, 2015, p.

131).

Interpretar o Direito Ambiental não é o mesmo que interpretar outros ramos do

direito, como Direito Civil ou Tributário, por exemplo. E essa peculiaridade da

Hermenêutica Ambiental fica evidenciada pelo fato de a ordem jurídica ambiental ser

composta por inúmeros conceitos vagos, amplos, confusos e indeterminadas, além da

intensa discricionariedade administrativa que é concedida ao Executivo (BELCHIOR,

2015, p. 131).

O neoconstitucionalismo compele uma construção teórica que realize a devida

adaptação dos institutos jurídicos aos padrões firmados pela Constituição ao estabelecer

diretrizes principiológicas para a interpretação das normas infraconstitucionais. Desse

modo, em razão da ecologização, irrompe-se uma nova tendência hermenêutica da

ordem jurídica, seja ela pública ou privada (BELCHIOR, 2015, p. 131).

Outrossim, também deveras importante é a aplicação da hermenêutica verde

pelos magistrados que julgam cotidianamente demandas ambientais, haja vista a

tendência das especializações das varas no Judiciário brasileiro. Nessa perspectiva, a

Hermenêutica Jurídica Ambiental é propugnada por meio de princípios interpretativos

que possuem como escopo a busca por soluções socioambientais justas e

constitucionalmente adequadas para a interpretação de normas ambientais (BELCHIOR,

2015, p. 131).

Do mesmo grau de importância dos princípios interpretativos da Hermenêutica

Ambiental, temos a ética da responsabilidade do julgador. Sobre esta ética, Véras Neto

afirma que “ela consiste em uma ética aplicável ao reducionismo tecnocientífico, à

perda de consciência pelo sujeito, que desaparece em decorrência da

hiperespecialização científica” (VÉRAS NETO, 2015, p. 137). Ademais, acrescenta que

ela também visa à concessão de resposta aos perigos advindos da sociedade de risco

50

industrial, riscos estes criados pelo desenvolvimento tecnológico (VÉRAS NETO,

2015, p. 137).

Nesse diapasão, a ética do julgador deve servir de modulador da produção

industrial, agrícola e do setor de serviços urbanos, que, no desespero do lucro, ampliam

o poder do setor privado e removem as balizas de controle que somente podem ser

executadas pelo poder público (VÉRAS NETO, 2015, p. 137).

De modo a instaurar o Estado de Direito Ambiental, torna-se necessário observar

os seus princípios fundantes: princípio da legitimidade, princípio da juridicidade e

princípio da solidariedade; os princípios estruturantes do Direito Ambiental: princípios

da participação, da precaução, da prevenção, da responsabilização, do poluidor-pagador,

do usuário-pagador, da cooperação, da função socioambiental da propriedade, da

solidariedade intergeracional, da vedação do retrocesso ecológico e o do mínimo

essencial ecológico14

; e os princípios da interpretação constitucional: razoabilidade e

proporcionalidade. Toda essa rede principiológica acaba ficando interligada,

viabilizando o diálogo entre os princípios de modo a possibilitar as tomadas de decisões

do intérprete (LEITE; BELCHIOR, 2009, p. 8).

Destacando outro ponto importante, deslumbra-se que, devido ao fato de o

direito fundamental ao meio ambiente possuir natureza jurídica de princípios, essa

peculiaridade os posiciona em uma rota de colisão entre si. Todavia, o critério

tradicional (de antinomias) não se mostra suficiente para solucionar o aludido problema.

Assim, devido à natureza principiológica do direito fundamental ao meio ambiente, que

não é nem absoluta, nem imutável, ela pode ser flexibilizada, podendo ser definida pelo

intérprete no momento de sua aplicação, desde que respeitados os princípios da

ponderação e da proporcionalidade (BELCHIOR, 2015, p. 131).

Acerca do método de harmonização de conflitos entre o direito ao meio

ambiente com outro direito fundamental, diz o autor que se deve primariamente utilizar

o princípio do sopesamento e da ponderação visando à harmonia dos bens e dos valores,

bem como dos interesses envolvidos no caso específico por meio de mandamentos de

otimização. Em outras palavras, Leite e Belchior arrematam afirmando que

14

Cf. LEITE, José Rubens Morato. Princípios estruturantes no Estado de Direito Ambiental:

aplicação ao sistema normativo brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José

Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4ª ed. rev. São Paulo, SP : Saraiva,

2011.

51

no campo pragmático, deverá ser verificado, no momento da aplicação, o

peso dos valores e dos bens envolvidos dentro de cada direito fundamental

que está em jogo no caso concreto. E como não poderia deixar de ser, o meio

ambiente tem (e deve ter) influência na solução, pois é a partir dele que

surgem os demais direitos fundamentais, como o direito à vida. A pré-

compreensão ambiental exercerá, neste momento, influência na captação do

sentido do intérprete ao ponderar os interesses na balança hipotética do

Estado de Direito Ambiental (LEITE; BELCHIOR, 2009, p. 9).

Após esta etapa, tem-se a utilização do princípio da proporcionalidade; é dizer,

“a aplicação proporcional dos meios mais adequados, necessários em sentido estrito

para a solução” (BELCHIOR, 2015, p. 131).

Considerando-se que os princípios não têm como fornecer soluções objetivas e,

por mais que se utilizem todos os princípios interpretativos resta sempre a possibilidade

de ponderações dos fundamentos filosóficos da Hermenêutica, o sentido a ser captado

pela norma torna-se inesgotável, (BELCHIOR, 2015, p. 133), como anteriormente

aventado.

Entrementes, se mesmo utilizando toda a estrutura principiológica, objetivando

dirimir conflitos envolvendo princípios do direito do ambiente e outros direitos

fundamentais, ainda estes persistirem, aplica-se, então, o princípio in dubio pro

ambiente, com o fito de assegurar um mínimo existencial ecológico.

Nesse contexto de subjetividades face à interpretação do direito ambiental,

advindas da Hermenêutica, torna-se interessante trazer à baila uma propositura de

interpretação de mundo e dos fenômenos que nele sucedem intentada por Edgar Morin,

qual seja, o pensamento complexo.

A complexidade proposta por Morin provém de uma totalidade de eventos,

mormente aqueles vinculados à área científica no período compreendido entre o final do

século XIX e começo do século XX. Nesta época, a ciência rechaçava tudo o que

tivesse caráter individual e singular, para glorificar as leis gerais. Ao mesmo passo, no

século XIX, a ciência passou a ter uma ideologia oposta.

No entanto, o pensamento complexo é um paradigma pós-cartesiano, encontrando

as soluções de modo não simplista. Segundo Belchior, a construção da complexidade

fundamentada em alguns princípios de inteligibilidade começa a ser erigida a partir dos

problemas que a ciência clássica se viu impossibilitada de resolver. Não objetiva,

portanto, conceber um universo como se fosse uma máquina perfeita, num sentido

mecanicista, invariável (BELCHIOR, 2015a, p. 71-72).

52

Aludidos princípios são sempre revistos, amplificados e ressignificados, na

medida em que a complexidade é um método dinâmico, vivo, social. Acrescenta a

autora que não há nada simplista nas escolhas metodológicas, principalmente as

redutoras, uma vez que elas impossibilitam o real conhecimento do objeto e acarretam

consequências negativas para o desenvolvimento da ciência e para a vida social

(BELCHIOR, 2015a, p. 71-72).

À luz do pensamento complexo mencionado nos parágrafos anteriores, o julgador

não pode, de modo algum, se distanciar da sensibilidade social atinente à fase de

convencimento que enseja a decisão judicial. Portanto, ele tem o dever ético (ambiental)

de possuir uma sensibilidade social mínima com vistas a garantir uma justiça ambiental,

distanciando o máximo possível as suas decisões do padrão antropocêntrico e

apropriador da natureza.

4. RACIONALIDADE AMBIENTAL LATINO-AMERICANA: UM REPENSAR

ÉTICO-FILOSÓFICO LIBERTADOR

A América Latina é o filho da mãe ameríndia dominada e do pai hispânico

dominador. O filho, o outro, oprimido pela pedagogia dominadora da

totalidade europeia, incluído nela como bárbaro, o „bom sauvage‟, o

primitivo ou subdesenvolvido. O filho não respeitado como outro, mas

negado enquanto ente conhecido.

(Enrique Dussel, Método para uma Filosofia da Libertação)

Conflitos ambientais são cada vez mais evidentes no mundo contemporâneo e o

serão ainda mais, principalmente em razão dos problemas advindos das tensões pelo

acesso aos recursos naturais. O fomento da sociedade de consumo com o crescimento

exponencial da produção irresponsável de mercadorias em larga escala, estimula o

confronto com a natureza em razão do seu uso predatório. Nesse sentido, a acumulação

capitalista viabilizada pelo discurso desenvolvimentista e liberal, torna necessária a

busca por novos mercados fornecedores de matérias-primas provenientes do Sul, de

modo a sustentar o insustentável: a apropriação da natureza e de seus recursos.

Nesse contexto, se insere os países subdesenvolvidos, como os da América

Latina, que são explorados pelos países desenvolvidos em razão dos seus recursos

53

naturais, com a escusa da globalização e da promessa do desenvolvimento. Neste

capítulo abordaremos os reflexos sociais da dependência política e econômica de nosso

continente, os fundamentos éticos e filosóficos dessa dominação, bem como a

alternativa encontrada pela América Latina em busca do livramento das amarras da

dependência, do subdesenvolvimento e do pilhamento dos seus recursos naturais, que

tanto compromete o meio ambiente. Desse modo, os fundamentos para tanto, seguem

divididos da seguinte forma:

No primeiro subitem (4.1), abordaremos a questão da justiça ambiental e a sua

correlação com as consequências socioambientais negativas oriundas dos fatores

geoeconômicos e geopolíticos internacionais que legitimam, na ótica dos dominadores,

a submissão dos países do Terceiro Mundo, dando causa ao subdesenvolvimento como

mecanismo de exploração do continente latino-americano.

Ademais, trataremos do contexto político internacional propiciador do

subdesenvolvimento e os aspectos decorrentes dessa questão, como os relacionados à

migração populacional em direção às periferias dos grandes centros urbanos em busca

de qualidade de vida e os consequentes reflexos de ordem socioambiental. Utilizamos

como embasamento para este subtópico, estudos do Programa das Nações Unidas para

o Meio Ambiente-PNUMA e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento-

PNUD, dentre outros, além de pesquisa bibliográfica.

A seguir, no segundo subitem (4.2), trataremos do fundamento ético e filosófico

do pensamento emancipador latino-americano, tendo como máximo expoente o filósofo

argentino Enrique Dussel. Nesse momento, explicaremos o embasamento teórico da

filosofia da libertação dusseniana, que considera a cosmovisão do oprimido, do

subdesenvolvido e não uma filosofia clássica do velho continente.

Além disso, dialogaremos também sobre a corrente ecossocialista como uma

alternativa à crise ecológica e um modelo sustentável de desenvolvimento. Essa

corrente, que possui como fundamento princípios do marxismo, tem como dois

argumentos teóricos principais o modo de produção e de consumo e o cuidado da

natureza como um pressuposto de nossa espécie ante a ameaça em razão da expansão

da sociedade fundada sobre a economia de mercado e da expansão do “progresso”

capitalista (LOWY, 2004).

No último subitem (4.3) discorremos sobre a viragem ecocêntrica latino-

americana, à partir do Novo Constitucionalismo Latino-americano e do novo paradigma

54

do buen vivir, recepcionados pela Constituição da República do Equador, em 2008, e

pelo Estado Plurinacional da Bolívia, em 2009.

4.1. SUBDESENVOLVIMENTO, DEGRADAÇÃO E JUSTIÇA AMBIENTAL

Tanto o consumo quanto a produção são elementos a serem considerados na

equação desenvolvimento econômico. Somados a estes dois, adiciona-se a população,

que juntos influenciam sobre as pressões ambientais. Entretanto, não obstante consumo

e produção serem elementos distintos, torna-se dificultoso analisá-los separadamente,

uma vez que ambos estão intrinsecamente associados. Nesse sentido, o comércio de

alimentos, combustíveis e minerais tem aumentado consideravelmente nas últimas

décadas, o que fica evidenciado pelo comércio internacional, cujo crescimento vem

apresentando um ritmo de 12% ao ano desde 1990, sendo duplicado a cada seis (Peters

et al., 2011 apud PNUMA, 2015b).

Após o término da Guerra Fria, no início da década de 1990, dois desafios

mundiais emergiram consideravelmente na agenda mundial: a proteção do meio

ambiente e a redução da pobreza. Dada a importância desses temas para a agenda global

no início desse século, os líderes mundiais se reuniram, e, através da Declaração do

Milênio sob a chancela das Nações Unidas, convencionaram uma perspectiva de

desenvolvimento para o futuro, estipulando, nesse momento, os Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio-ODM, que foram as promessas de defesa dos princípios da

dignidade humana, igualdade, equidade e de liberação do mundo da extrema pobreza

(PNUD, 2014, p. 3). Dentre os 8 temas que versa a mencionada Declaração, esta

pesquisa abordará somente dois: pobreza e meio ambiente, dada a pertinência teórica

com o presente trabalho.

Estes temas-problemas são ainda mais agravados quando do aumento

populacional nos países em desenvolvimento, uma vez que o crescimento da taxa

demográfica neles não acompanha os índices da capacidade da terra e de seus recursos

naturais de prover alimentos, bem como de prover as necessidades básicas da população

(LEONARD, 1992, p. 15). Nesse diapasão, Alier enfaticamente firma que “à medida

que se expande a escala da economia, mais resíduos são gerados, mais os sistemas

naturais são comprometidos, mais se deterioram os direitos das gerações futuras, mais o

conhecimento dos recursos genéticos são perdidos” (ALIER, 2007, p. 36) – acarretando

problemas ambientais e sociais, tais como o comprometimento dos ecossistemas

55

naturais em virtude da má gestão dos resíduos sólidos que não apresentam uma

destinação adequada.

Nesse contexto, Leonard sentencia que são três os grandes fatores demográficos

que se influenciam mutuamente ocasionando o conflito a longo prazo e as estratégias de

sobrevivência a curto prazo dos pobres: “i. rápido crescimento populacional; ii.

consolidação da propriedade da terra e modernização agrícola nas áreas rurais férteis; e

iii. desigualdades predominantes no sistema de posse da terra” (LEONARD, 1992, p.

17).

Tais fatores acabam dando ensejo à migração da população rural para os grandes

centros urbanos, ocasionando o fenômeno também conhecido como êxodo rural. O

autor assevera (1992, p. 18), que os indivíduos mais pobres do mundo se aglomeram em

duas áreas: em áreas rurais longínquas e frágeis ecologicamente e nas periferias dos

grandes centros urbanos, o que suscita o agravamento da problemática socioambiental

das cidades. Nas áreas urbanas, a pobreza e a degradação ambiental também entram em

conflito, como dito, e isso muito se deve ao aglomeramento das indústrias e dos centros

comerciais nos mais expressivos centros urbanos do mundo.

Quando a migração não se perfectibiliza para as cidades, onde há pouco

trabalho, ela se dá para terras marginais, que se tornam sobrecultivadas, desflorestadas e

degradadas, fenômeno este que é provocado devido às “necessidades” do comércio

globalizado. Ademais, a origem do ciclo da fome e da degradação ambiental não tem

como causas o excesso populacional, o clima ou a insuficiência malthusiana – porque

estes são mitos, segundo Bennet apud Pepper (1996, p. 135) –, mas o comércio

internacional, o aumento da quantidade de intermediários no processo comercial, a

produção voltada para mercados e não para a subsistência, o agronegócio intensivo com

o auxílio da tecnologia (revolução verde), a atuação dos homens face às mulheres (que

formam a maioria da força de trabalho agrícola, mas não são donas da terra) e, por fim,

a atividade dos governos e corporações transnacionais do Norte (BENNET apud

PEPPER, 1996, p. 135).

Sobre as consequências nefastas da globalização sobre a economia e o meio

ambiente, Pepper adverte que

56

a globalização da economia de mercado capitalista destrói as comunidades

locais, obrigando-as a competir com povos distantes. Desprotegidos quanto

às variações dos preços no mercado mundial, as economias locais sofrem,

pois quanto mais países são encorajados a produzir cereais rendíveis tanto os

preços destas colheitas baixam. Para obviar a isto, mais terra é desflorestada

no sentido de permitir que ainda mais cereais rendíveis sejam produzidos

(PEPPER, 1996, p. 136).

Ao redor desses centros urbanos, como consequência e por não restar alternativa,

a massa operária acaba se instalando nas periferias em lugares popularmente conhecido

por favelas, as quais não possuem qualquer planejamento e estrutura urbana. Tal fato

agrava ainda mais a vulnerabilidade dos pobres devido à questões de saneamento

ambiental, desastres naturais e problemas ambientais em decorrências dessas áreas de

risco, haja vista que muitas delas estão situadas em morros, encostas ou ainda em

superfícies sujeitas à alagamentos (LEONARD, 1992, p. 18).

As favelas se caracterizam pela ausência de serviços básicos, tais como, fontes

melhoradas de água potável e de saneamento adequado, bem como insegurança de

posse das habitações, cujas instalações são frágeis e são superpopulosas. Em 2012,

quase 33% dos residentes urbano das regiões em desenvolvimento viviam em favelas.

Doze anos antes, esse percentual era de 40% (PNUD, 2014, p. 46). Contudo, os avanços

socioambientais comentados não acompanham o rápido ritmo da urbanização e a

quantidade de habitantes na periferia segue aumentando. Em 2012, a quantidade de

habitantes de favelas se estimava em 863 milhões, ao passo que nos anos 2000 e 1990,

as quantidades eram de 760 e 650 milhões de habitantes (PNUD, 2014, p. 46).

Aprofundando um pouco mais esse tema e versando sobre a questão da pobreza

nas regiões em desenvolvimento, sobretudo na Ásia meridional e na África subsaariana,

20% da população aproximadamente vive com menos de 1,25 dólar por dia, sendo que

os empregos informais representam 56% do total de empregos disponíveis, ao passo que

essa taxa cai para 10% quando verificado o mesmo item nas regiões desenvolvidas

(PNUD, 2014, p. 8).

Essa dicotomia econômica entre países dos hemisférios Norte-Sul é opressora

econômica, social e ambientalmente em relação aos países subdesenvolvidos. As

economias dos países desenvolvidos situados mormente no hemisfério Norte, dependem

cada vez mais das importações de matérias-primas do hemisfério Sul para que as suas

necessidades comerciais e industriais sejam atendidas. Nesse sentido, por exemplo, a

crescente dependência estadunidense de provisão estrangeira de recursos naturais, tais

como as reservas de ferro (Minas Gerais) e de manganês (Amapá) no Brasil, as de

57

petróleo na Venezuela ou ainda as de bauxita na Guiana Inglesa, demonstra os seus

(nem tão) obscuros interesses na América Latina sob uma escusa falaciosa de segurança

nacional (GALEANO, 2010, p. 193-195).

A globalização, portanto, é um fenômeno que inverte o efeito esperado pela

curva de Kuznets15

em países com economias emergentes. Em tese, o progresso

econômico deveria acarretar uma melhora nas condições ambientais, por mais difícil

que esta afirmação seja de se confirmar. Entretanto, o que se está ocorrendo é a

migração das indústrias mais contaminantes, situadas em países desenvolvidos que, por

sua vez, possuem uma maior preocupação jurídica com o meio ambiente, em busca de

países menos desenvolvidos, com uma regulação ambiental mais flexível, para não se

dizer inexistente (KIRKPATRICK; SCRIECIU apud PNUMA, 2015b, p. 19-20).

Destarte, de modo geral, os países economicamente mais fracos, possuidores de

leis ambientais mais tolerantes, concluem que a abertura comercial eleva o seu consumo

de energia, conforme maior seja a sua vantagem em relação à uma produção

contaminante; ao passo que os países economicamente mais fortes, observam uma

redução no consumo de energia como resposta a liberação comercial (COLE, 2006 apud

PNUMA, 2015b, p.20).

Ademais, temos a questão das novas tecnologias. Elas possuem o poder de

reduzir a intensidade de utilização de energia e de matérias-primas demandadas e

consumidas pela economia e, consequentemente, reduzir os impactos ambientais; mas,

em regra, isso só ocorre depois de já terem causado muitos danos ao meio ambiente. No

entanto, as novas tecnologias não representam, necessariamente, uma resposta para a

dicotomia entre economia e meio ambiente; ao contrário, em face das incertezas

científicas desconhecidas oriundas das novas tecnologias, elas acabam acarretando

riscos e, em muitos momentos, conflitos de justiça ambiental (ALIER, 2007, p. 36).

Os ecocêntricos, regra geral, são contra a alta tecnologia, como armamento e

energia nuclear e engenharia genética, por exemplo. Isso não significa dizer que eles

estão contra todos os tipos de tecnologias; eles apenas preferem os modelos alternativos

como os painéis solares, os vegetais orgânicos, a energia eólica etc., o que tem sido

visto com grande relevância no Terceiro Mundo, conforme comenta Pepper (1996, p.

123).

15

A curva ambiental de Kuznets (GROSSMAN; KRUEGER, 1995, apud PNUMA, 2015b) sugere que na

medida do enriquecimento dos países, o cuidado com o meio ambiente aumenta, o que,

consequentemente, acarretaria a adoção de políticas públicas que o protejam. Paralelamente, aconteceria a

predileção por bens e serviços menos danosos ao meio ambiente.

58

Nesse contexto de submissão econômica dos países subdesenvolvidos em

relação aos desenvolvidos, Leff justifica a origem do subdesenvolvimento se deu

quando da estagnação do capital, após os países atualmente desenvolvidos lograrem

certo nível de desenvolvimento. A partir desse momento, eles tiveram que recorrer à

novas fontes de mais-valia para a retomada de seu crescimento, que foi lograda através

da “apropriação dos recursos naturais dos países tropicais e da exploração do trabalho

das populações indígenas das regiões colonizadas pelos países europeus” (LEFF, 1994,

p. 155). Desse modo, foi-se concretizando “um processo de subdesenvolvimento como

resultado da divisão internacional do trabalho, do intercâmbio desigual de mercadorias e

da degradação ambiental gerados no processo de mundialização do capital” (LEFF,

1994, p. 155, tradução livre do autor).

A iniquidade entre países ricos e pobres não se consubstancia tão somente pela

repartição desigual da riqueza, que poderia ser explicada e até justificada pelo atraso

tecnológico e a diferença da capacidade dos fatores produtivos dos países do Sul, se

comparados aos padrões tecnológicos produzidos pelos do Norte. A diferença do nível

de desenvolvimento entre países é fruto da transferência para os países dominantes da

riqueza gerada pela exploração da força de trabalho e dos recursos dos países

dominados (LEFF, 1994, p. 156).

Esse processo de espoliação e exploração resulta na destruição da provisão de

recursos dos países pobres, que poderia estar sendo usado, por exemplo, para o seu

próprio desenvolvimento endógeno. Entretanto, o efeito mais durador se produz pela

destruição do potencial produtivo dos países do Terceiro Mundo que se perfectibiliza

por meio da introdução de tecnologias não adequadas, bem como através de intensivos

ritmos de extração e difusão de modelos sociais de consumo que ocasionam degradação

dos ecossistemas, erosão dos solos e esgotamento de recursos (LEFF, 1994, p. 156).

Nesse sentido, a quimera do desenvolvimento fundamenta-se na ideologia de

que os países subdesenvolvidos ainda poderiam alcançar alguma prosperidade social em

um sistema caracterizado pelas desigualdades e dissimetrias com os Estados nacionais

dominantes (VÉRAS NETO, 2007, p. 337).

Sobre as consequências ambientais do subdesenvolvimento, e acerca dos

mecanismos de exploração, ele pode ser definido como

59

o efeito da perda do potencial produtivo de uma nação, devido à um processo

de exploração que rompe os mecanismos ecológicos e culturais dos quais

depende a produtividade sustentável de suas forças produtivas e a

regeneração de seus recursos naturais. O “desenvolvimento do

subdesenvolvimento” não se produz somente pela transferência permanente

do excedente econômico dos países periféricos para os países centrais,

impedindo sua reinserção para o desenvolvimento autônomo e sustentado

pelos primeiros. Também implica o efeito acumulativo de custos ecológicos e

o desaproveitamento de um potencial ambiental que seria produzido por

meio da revalorização e o uso integrado dos recursos reais e virtuais de uma

formação social e de cada região geográfica particular, harmonizando suas

condições ecológicas, culturais e econômicas (LEFF, 1994, p. 156, tradução

livre do autor; destaque no original).

No entanto, a relação entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos transcende

à um patamar mais complexo de discussão; ela é fruto da implementação da nova ordem

hegemônica bipolar pautada por interesses geoeconômicos e geopolíticos característicos

das superpotências da guerra fria, projetados e articulados pela geoestratégia do

desenvolvimento adotada principalmente pela maior potência capitalista, os Estados

Unidos, o que favoreceu o desenvolvimento econômico asiático e o processo de

submissão econômica latino-americana (VÉRAS NETO, 2007, p. 337).

Nesse contexto, o que resta evidente é o fato dos riscos ambientais estarem

desigualmente distribuídos entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos,

principalmente por existir entre eles uma diferença na capacidade dos grupos sociais de

esquivarem-se às consequências das fontes de tais riscos.

Diante da evidente desigualdade distributiva que há, pode-se afirmar que o

direito ao meio ambiente de determinados sujeitos tem prevalecido sobre o de outros,

surgindo o que se denomina de “conflitos ambientais”, acarretando sérias consequências

negativas às gerações futuras e às presentes. Estas, com frequência, são aquelas que

denunciam a desigualdade ambiental; que delatam a exposição desproporcional dos

socialmente mais desprovidos aos riscos das redes técnico-produtivas da riqueza. Neste

diapasão, a poluição não é necessariamente “democrática”, podendo afetar de forma

variável os diferentes grupos sociais (ACSELRAD, 2010).

Ademais, considera o autor que

a injustiça social e a degradação ambiental têm a mesma raiz, haveria que se

alterar o modo de distribuição – desigual – de poder sobre os recursos

ambientais e retirar dos poderosos a capacidade de transferir os custos

ambientais do desenvolvimento para os mais despossuídos. Seu diagnóstico

assinala que a desigual exposição aos riscos deve-se ao diferencial de

mobilidade entre os grupos sociais: os mais ricos conseguiriam escapar aos

riscos e os mais pobres circulariam no interior de um circuito de risco. Donde

60

a ação decorrente visando combater a desigualdade ambiental e dar igual

proteção ambiental a todos os grupos sociais e étnicos (ACSELRAD, 2010).

A ideia de injustiça social e de desigualdade ambiental descritas por Henri vem

ao encontro do conceito de “justiça ambiental”, o qual representa um movimento de

ressignificação da questão ambiental. De acordo com Acselrad (2010) ele “resulta de

uma apropriação singular da temática do meio ambiente por dinâmicas sociopolíticas

tradicionalmente envolvidas com a construção da justiça social”. Segundo o autor, esse

processo de ressignificação torna possível a criação de um espaço para os embates

sociais pela construção dos futuros possíveis, tornando a questão ambiental centralizada

e intrinsecamente relacionada às questões sociais do emprego e da renda (ACSELRAD,

2010).

A origem da noção de justiça ambiental reporta-se à década de 1980, nos

Estados Unidos, quando grandes empreendimentos ambientalmente impactantes, como

depósitos de resíduos perigosos (químicos, bélicos, domésticos etc.), por exemplo, se

instalavam em comunidades pobres do país, como era o caso do Love Canal, em

Niagara Falls, e Warren Country, na Carolina do Norte, ambos nos Estados Unidos

(VÉRAS NETO, 2015).

Nessa época, constata-se uma articulação entre as pautas de movimentos sociais,

cuja militância era associada ao enfrentamento da pobreza e da discriminação racial, e

da agenda ambiental (ACSERLRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Foram estes

movimentos que evidenciaram a desigual distribuição dos riscos oriundos da crise

ambiental no país, os quais se concentravam mais nos locais habitados por comunidades

carentes e pouco desenvolvidas.

Outra questão relevante à discussão por justiça ambiental é o contumaz

ocultamento dos conflitos e dos sujeitos envolvidos nos conflitos ambientais. Porto

(2011) afirma que normalmente as populações vulneráveis e os problemas ambientais

encontram-se submersos em um contexto de relações de poder, envolvendo interesses

econômicos e políticos que expressam disputas entre distintas acepções e valores

relacionados, v.g., aos significados da natureza, vida e morte; ao acesso aos recursos

naturais; aos investimentos econômicos e formas de distribuição entre as vantagens e

desvantagens destes investimentos; ao próprio modelo de desenvolvimento humano e

social.

61

Infelizmente, o ocultamento dos conflitos e dos sujeitos envolvidos nos conflitos

ambientais é prática recorrente nos governos, banalizando, de certa forma, os problemas

socioambientais. Tal prática funciona como um mecanismo de retardamento ou até

mesmo de eximição da responsabilidade em relação ao enfrentamento dos aludidos

problemas. Em outras palavras, Porto afirma que

Não reconhecer a existência dos conflitos que emergem nos territórios, seja

no caso dos desastres ou dos problemas de saúde pública, pode fazer com que

as análises de vulnerabilidade desconsiderem a dimensão dialética da história

e os seus processos de vulnerabilização, assim como passivamente aceitem

como “natural” a desconsideração dos vulneráveis em sua condição de

sujeitos (PORTO, 2011).

No entanto, visando agasalhar todas as dimensões necessárias à proteção dos

sistemas ecológicos, o conceito de justiça ambiental mostrou-se insuficiente. Para

Bosselman (2015), as teorias convencionais de justiça “têm sido insuficientes para

conceituar a dimensão ambiental da Justiça”. O conceito de justiça ambiental está

relacionado à ideia da justiça da distribuição do ambiente entre as pessoas, ao passo que

o conceito de justiça ecológica simboliza uma noção mais abrangente de justiça entre os

seres humanos e o resto do mundo natural, tendo como objetivo integrar o mundo não

humano na tomada de decisões ambientais (BOSSELMAN, 2015, p. 108). Aquele tem

uma fundamentação mais antropocêntrica; este mais ecocêntrica.

A ecologização do conceito de justiça ambiental fundamenta-se numa

perspectiva da ética ambiental. Isso pode ser devido ao fato de a noção antropocêntrica

de desenvolvimento sustentável ter se portado de forma hegemônica, dominando o

debate político. Por outro lado, de acordo com a doutrina, a sustentabilidade ambiental

ou ecológica surgiu como uma proposta ecocêntrica que engloba o reconhecimento de

valores intrínsecos (BOSSELMAN, 2015, p. 132).

Nesse caminho, a proximidade do ecocentrismo com a sustentabilidade

ecológica é o caminho mais promissor em direção a uma teoria funcional da justiça

ecológica.

4.2. ÉTICA DA LIBERTAÇÃO E ECOSSOCIALISMO: CAMINHOS PARA

UMA ÉTICA AMBIENTAL DESCOLONIAL LATINO-AMERICANA

Simultaneamente ao desenvolvimento capitalista, portanto, desenrola-se o

quadro de desigualdade ambiental, relatado no tópico anterior, em virtude da má

distribuição entre os riscos ambientais suportados pelos países desenvolvidos e os

62

subdesenvolvidos. Esse quadro é fruto de um sistema que prima por uma racionalidade

econômica ou tecnológica, pautada no princípio de racionalidade formal e instrumental

da civilização moderna, a qual se legitima pelos valores da lucratividade, da eficiência e

da produtividade imediatas (LEFF, 2006, p. 263).

A lógica deste sistema acarretará ao ser humano uma dissensão com os outros

seres que com ele coexistem e com a própria natureza da qual faz parte. Nesse contexto,

emerge a crise ecológica que, indubitavelmente, é um dos principais desafios a ser

enfrentado neste novo século. No entanto, destaca-se a importância da

transdisciplinariedade do diálogo sobre o tema, transcendendo o campo das ciências e

adentrando o campo das humanas como o direito, filosofia, sociologia, ética, economia

e psicologia, por exemplo.

O ser humano, enquanto parte integrante da natureza, às escuras em razão das

paixões do capital, não compreende que a sua atividade econômica é predatória em

relação à natureza e aos seus recursos; tampouco percebe (ou prefere não perceber) a

necessidade de mudança dos seus padrões de consumo e da sua forma de se relacionar

com o meio ambiente. Torna-se premente, portanto, a mudança da racionalidade

econômica, utilitarista, antropocêntrica, por outra ambiental, ecológica.

Até os anos de 1960 não se dava tanta importância ao ambientalismo e à luta

ecológica, pois os marxistas desconfiavam que estas eram lutas de natureza “burguesa”,

sendo apenas reformista e anti-progresso, não buscando, à vista disso, adentrar nas

questões político-econômicas. No entanto, a tomada de consciência em relação à

importância do movimento ambientalista e da luta ecológica se deu no início da década

de 1970, mais nitidamente na década de 1980 com a concretização da “política verde” e

o encontro do “ecossocialismo” (PELIZZOLLI, 2002, p. 35-36).

A partir de então se destaca o ambientalismo das ONGs que começavam a forçar

a necessidade de mudanças dos valores sociais, econômicos, dos estilos de vida, dos

padrões de consumo, do comportamento reprodutivo e do questionamento dos centros

de poder quanto aos impactos ambientais, além da exigência da crítica à tecnocracia

que, por sua vez, tem o mister de gerenciar o progresso no capitalismo (PELIZZOLLI,

2002, p. 36-37). Sobre a crítica à tecnociência, o autor sustenta que

63

o capitalimo mundializado/globalizado, elevado ao máximo a apropriação

oportunizada pelo método científico e pela Revolução Industrial, valora e

controla mercadologicamente o tempo e as relações, fixadas agora numa

sociedade de consumo excludente e autodestrutiva. [...] Todos os índices

sociais e econômicos revelam a anarquia da situação, dentro mesmo da

propalada globalização neoliberal (PELIZZOLLI, 2002, p. 37).

Para tanto, deve-se repensar o modelo sobre o qual a tecnociência e o

capitalismo de mercado sustentaram suas fundamentações. Pelizzolli (2002, p. 39)

consigna que se torna iminente e central “a análise reconstrutiva e crítica dos valores e

práticas que vão permeando o corpo social diante do contexto de ingerência das

desiguais relações econômicas e de poder no mundo.” Afirma ainda a importância

elementar de se questionar as balizas educativas, comunicativas e educacionais que

reproduzem esta ethos capitalista que, indubitavelmente, esse capitalismo de mercado

sustenta. Cita, para tanto, alguns exemplos:

a descontextualização política, a desarticulação do discurso com a prática, o

utilitarismo, a incompreensão das interações com o meio ambiente, os quais

ligam ao habitus da sociedade de consumo, todos credores, ad initio, do

status antes exposto: dicotomia entre homem-natureza, cultura da

massificação, e a interdição a uma ética que reverta a objetificação da

natureza e a mercantilização da própria vida humana (Pelizzolli, 2002, p. 38).

Neste contexto emerge o ecossocialismo, vertente de pensamento e de ação

ecologista a qual possui como fundamento princípios fundamentais do marxismo. Para

os ecossocialistas, “a lógica do mercado e da ganância, do mesmo modo que o

autoritarismo burocrático do suposto “socialismo real”, é incompatível com as

exigências da salvaguarda do meio ambiente natural. Admoesta o autor que todos

criticam a ideologia dominante do movimento trabalhista, mas reconhecem que os

trabalhadores e as suas organizações políticas são o eixo central para a transformação

radical do sistema e para o estabelecimento de uma nova sociedade, socialista e

ecologista (LOWY, 2004).

A razão ecossocialista se sustenta e fundamenta por dois argumentos essenciais:

I- o modo de produção e de consumo (ostentoso e de destruição acelerada do meio

ambiente) dos países desenvolvidos, lastreados sobre a lógica da acumulação ilimitada

do capital, da ganância, do desperdício de recursos não pode ultrapassar a conjuntura da

atual crise ecológica global; II- o cuidado da natureza como um pressuposto da

existência de nossa espécie ante a ameaça em razão da expansão da sociedade fundada

sobre a economia de mercado e da expansão do “progresso” capitalista (LOWY,

2004).

64

Neste diapasão, Wolkmer e Ferrazzo (2015, p. 20), sustentam que o

desenvolvimento capitalista impõe o fim dos pudores do ser humano frente à destruição

da natureza - o que se alcança através da dicotomia civilização/barbárie - tornando-se

refém da moderna racionalidade universalista que cria uma oposição entre a o centro

civilizado (europeu) e as culturas periféricas (subdesenvolvidas), até vencê-las, dominá-

las, sujeitá-las.

Lowy sentencia que a limitabilidade da racionalidade do sistema capitalista, com

seus cálculos imediatistas de perdas e ganhos é a antítese de uma racionalidade

ecológica que toma em consideração a “temporalidade dos largos ciclos naturais”. E

mais, explica que o ecossocialismo se opõe ao fetichismo da mercadoria e a

autonomização coisificada da economia (fundamentada no liberalismo) que ameaçam a

implantação da “economia moral”, no sentido dado por E.P. Thompson16

. Em outros

termo, é “uma política econômica fundada sobre critérios não-monetários e extra-

econômicos”; ou ainda, é a “reimbricação do econômico no ecológico, no social e no

político” (LOWY, 2004).

Ademais, outro fator valoroso que se configurou como uma das críticas advindas

da conjunção entre ambientalismo/ecologia e a visão socialista à sociedade capitalista

do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001, é a questão da relação entre Norte-

Sul, como alentada no subitem 4.1 deste trabalho. Questiona-se, portanto, o modo de

operação dessa relação, as dívidas e(x)ternas dos países subdesenvolvidos, a

dependência econômica e o sistema financeiro que perpetuam a injustiça social e a

degradação socioambiental dos países. Propõe se a troca dívida econômica pela dívida

ecológica, não só pela produção da quase totalidade da degradação e poluição

ambiental, mas pela pilhagem e degradação ambiental do Terceiro Mundo

(PELIZZOLLI, 2002, p. 41).

Sobre essa conjuntura, se intenta uma análise em torno de materiais teóricos em

busca da compreensão das variedades das fontes de produção jurídica plural no contexto

regional latino-americana, a partir de uma fundamentação libertadora. Irrompe-se nesse

momento, uma postura que prioriza a proposta do pluralismo jurídico, como

manifestação teórico-prática com suplementos descolonizadores no campo jurídico.

Destarte, deve-se ter em mente uma emergência de reconstrução a partir da

fundamentação crítico/libertadora das juridicidades elaboradas pelo bloco social dos

16

Cfr. Daniel Bensaïd, Marx intempestivo, Herramienta, Buenos Aires, 2003, pp. 385 a 386 y p. 396 y

Jorge Riechmann, ¿Problemas con los frenos de emergencia? Revolución, Madrid, 1991, p. 15.

65

oprimidos, os quais são negados pelo direito moderno e suas categorias (WOLKMER;

FAGUNDES, 2014, p. 182).

Busca-se uma proposta de pluralismo jurídico da libertação, descolonizadora do

direito no continente que passaria a considerar, não um modelo hegemônico tradicional,

desde vertentes já concebidas como o norte-americano ou o europeu, mas um modelo

que passa prioritariamente pela localização e problematização assentada na realidade

regional, e identicamente fundamentada na reinterpretação das necessidades locais e

inclusive por uma perspectiva pluricultural, não excludente, reconhecedor de que a

diversidade, a diferença e a complexidade são especificidades de (re)construção de uma

cultura jurídica não monista, pautada nas fontes materiais dos sujeitos ausentes da

história oficial (WOLKMER; FAGUNDES, 2014, p. 183).

Trata-se, portanto, de avaliar a emancipação jurídica além do seu viés positivo,

mas se fundamentando em um dos princípios da crítica – a autocrítica, a começar pela

averiguação de quanto se produz de fetichismo ou de alienação em relação a outras

teorias em sua produção para inclusão. Se por um lado, a emancipação jurídica tem

como consequência a inclusão do outro no mesmo sistema da totalidade, por outro,

poder-se-á ficar entregue em mãos reacionárias, o que a torna um novo instrumento

colonizador, averso, portanto, ao real sentido à que foi concebida (WOLKMER;

FAGUNDES, 2014, p. 186).

Nesse contexto, insere-se a filosofia da libertação do filósofo argentino Enrique

Dussel, abordada em seu livro „Método para uma Filosofia da Libertação‟ (1986). Trata-

se, como mencionado acima, de uma filosofia particular, específica, não vinculada

histórica e teoricamente à filosofia clássica (europeia) do velho continente ou ainda a

norte-americana. O ponto central de localização da filosofia da libertação dusseliana é a

América Latina, partindo-se do pressuposto de que as considerações que se traça sobre a

filosofia clássica, são considerações de um observador a partir da periferia oprimida,

excluída. Como todo movimento, surgiu a partir de um contexto histórico e social

mundial.

Faticamente, é a tomada de consciência da realidade no mundo periférico, no

contexto dos países que foram colônias da Europa, e do surgimento de um pensamento

crítico ético e filosófico que tem como debate ético a crítica da razão instrumental e do

capitalismo; é uma ética contra hegemônica possuidora de um projeto de alteridade

capaz de ampliar as lutas pelos direitos da vida, tecendo uma crítica à sociedade de

consumo, convergindo desse modo em um freio ao capital contra o

66

desenvolvimentismo, criando um debate ético libertado, não antropocêntrico e religador

dos nossos vínculos com a natureza. Ademais, é também uma ruptura da repetição

epistemológica das ciências sociais e da filosofia do velho continente e criador de uma

nova filosofia ética a partir da realidade latino-americana.

Contrapondo Lévinas, Dussel (1986, p. 196) afirma que ele aborda sempre o

outro como o “absolutamente outro”, tendendo, então, para o equívoco. Desse modo,

Lévinas nunca pensou que o outro pudesse ser um índio, um africano, um asiático. Para

Dussel, o outro é o pobre e oprimido latino-americano em relação à totalidade europeia,

em relação às oligarquias dominadoras. Portanto, a distinção entre ambos os métodos é

que o método dusseliano, analético17

, vai mais além, vai mais alto que o mero método

dialético tradicional. (DUSSEL, 1986, p. 196-197).

Sobre a sensibilidade e a necessidade da criação uma filosofia própria, que tenha

como símbolo o rosto do pobre índio domado, do mestiço oprimido, do povo latino-

americano (DUSSEL, 1986, p. 197), o autor afirma que

Cada rosto no face-a-face é igualmente a epifania de uma família, de uma

classe, de um povo, de uma época da humanidade e da própria humanidade

como um todo, e ainda mais, do outro absoluto. [...] ele é a “palavra”

primeira e suprema, é o dizer em pessoa, é o gesto significante essencial, é o

conteúdo de toda significação possível em ato (DUSSEL, 1986, p. 197).

Ainda sobre a sensibilidade, Dussel comenta que o momento constitutivo do

próprio método, o qual se opõe ao método da filosofia clássica, é o saber-ouvir, que se

configura como a condição de possibilidade do saber-interpretar para saber-servir.

Nesse prisma, o filósofo ético deve se despir da arrogância cultural característica do

método clássico, devendo, portanto, “descer de sua oligarquia cultural acadêmica e

universitária para saber-ouvir a voz que vem de mais além, do alto, da exterioridade da

dominação” (DUSSEL, 1986, p. 199).

Por se tratar de uma filosofia não alinhada e não pertencente às raízes clássicas

da filosofia, pode-se afirmar que se trata de uma nova filosofia humana, a filosofia da

libertação latino-americana. Como exposto pelo autor em uma universidade europeia no

início de 1972:

17

Sobre o método analético, comenta Dussel (1986, p. 196): “O método analético é a passagem ao justo

crescimento da totalidade desde o outro e para “servi-lo” criativamente. A passagem da totalidade a um

novo momento de si mesma é sempre dialética.”

67

O que pretendemos é justamente uma “filosofia bárbara”, uma filosofia que

surja a partir do “não-ser” dominador. Por isso, por nos encontrarmos mais

além da totalidade europeia, moderna e dominadora, é uma filosofia do

futuro, é mundial, pós-moderna, de libertação (DUSSEL, 1986, p. 213).

Nesse sentido, sobre o modelo de filosofia que parte dos oprimidos e acerca do

futuro da nova ordem filosófica internacional, Dussel ratifica que

a filosofia latino-americana é, então, um novo modelo da história da filosofia

humana, um modelo analógico que nasce após a modernidade europeia, russa

ou norte-americana, mas antecedendo a filosofia africana e asiática pós-

moderna, que constituirão conosco o próximo futuro mundial: a filosofia dos

povos pobres, a filosofia da libertação humano-mundial (DUSSEL, 1986, p.

212).

Em contraposição, a Europa - historicamente dominadora -, não aceita, por

óbvio, esse levante dos dominados. Se assim o fizesse, estar-se-ia a aceitar o fim de sua

pretensa universalidade; ela acredita piamente eu seu universalismo, em sua hegemonia

filosófica (como sendo a única detentora da verdade existente), na superioridade de sua

cultura. (DUSSEL, 1986, p. 212). Corroborando com essa equivocada superioridade

cultural, o autor considera que

A Europa e seus prolongamentos culturais dominadores (Estados Unidos e

Rússia), não sabem ouvir a voz do outro (da América Latina, do mundo

árabe, da África negra, da Índia, da China ou do sudeste asiático). A voz da

filosofia latino-americana como não é meramente tautológica da filosofia

europeia, apresenta-se como “bárbara”, e ao pensar o “não-ser” tudo o que

diz é falso (DUSSEL, 1986, p. 213, destaque do autor).

Portanto, percebe-se em Dussel um intento de criar uma nova filosofia - não se

limitando a uma mera interpretação dos clássicos -, uma nova forma de pensar, ativa,

criadora (o que é raro em nosso continente, haja vista o forte alienamento à cultura

estadunidense e europeia) de um modelo que parta da minoria, até então subjugada

como inferior, pois tão somente dessa forma teremos um pensamento emancipador fruto

de uma filosofia autêntica, não tautológica, com as características antropológicas e

sociais dos povos latino-americanos.

4.3. VIRAGEM ECOCÊNTRICA LATINO-AMERICANA: UMA ANÁLISE À

LUZ DO NOVO PARADIGMA DO BUEN VIVIR

Antes da chegada dos europeus, os povos originários latino-americanos

consideravam o universo como uma divindade materna e dessa forma se relacionavam

com a natureza: com respeito e veneração. Acreditavam que a Terra provia a vida e que

68

sem ela esta não seria possível. A antiga civilização inca, originária da América do Sul

(da região dos Andes peruanos, bolivianos, do extremo norte chileno e do noroeste

argentino), chamava-a de pachamama, que em quéchua significa “Mãe Terra”, daí a

relação deles com a feição materna, fértil, originadora e propiciadora da vida.

Essa cosmovisão respeitosa e harmoniosa em relação à natureza foi corrompida

com a chegada dos colonizadores europeus em nosso continente juntamente com a

respectiva mentalidade predadora, antropocêntrica, espoliadora e egocêntrica fundada

em um capitalismo de mercado, inviabilizador da sustentabilidade.

Este modelo corrompido “tem como base axiológica a racionalidade

antropocêntrica, que hierarquiza o homem em relação aos demais elementos do meio

ambiente, fundando uma lógica separatista, oposicionista entre ambos” (MORAES,

2014, p. 107). Como consequência, sofrendo as consequências socioambientais

negativas desse sistema opressivo (tendo o subdesenvolvimento como consequência),

emergiu-se a necessidade de uma nova ética e filosofia socioambiental, desta vez,

levando em conta o lado do oprimido, como a filosofia da libertação dusseliana e o

movimento ecossocialista, de acordo com os pensadores abordados no subitem anterior.

Desse modo, a crise dos modelos epistêmicos da modernidade torna possível um

questionamento sobre as novas possibilidades de ruptura do antigo paradigma

hegemônico e a busca por outros, com a capacidade de explicitar novas cosmovisões

crítico-emancipadoras. Inaugura-se, portanto, um Novo Constitucionalismo Latino-

Americano, a partir dos valores trazidos pela filosofia andina centrada na concepção

ética do buen vivir18

, “por meio de uma ética cosmocêntrica e por novas diretrizes

paradigmáticas do constitucionalismo andino acerca dos direito da natureza”, de modo a

erradicar todas as formas produtivas de extrativismo e de cosmovisões mecanicistas de

desenvolvimento econômico (WOLKMER, 2014, p. 66-67). Representando, portanto,

um recomeço após anos de submissão a regimes autoritários e à exploração econômica,

consagrando-se como um novo conceito diante do antigo paradigma hegemônico:

Sumak Kawsay (FATHEUER, 2011, p. 7-9 apud MORAES, 2014, p. 121), que

traduzindo da língua indígena andina quéchua para o espanhol, significa “buen vivir”,

(como já mencionado) ou para o português, “bem viver”.

Uma sociedade assentada no consumo irresponsável de bens e na acumulação de

riquezas, quando transmite esse modelo a ser seguido por toda uma humanidade, ela

18

A concepção ética do buen vivir será abordada na sequência.

69

passa a ser insustentável. De modo tal que a ânsia gerada pelo desejo de consumo incute

nas pessoas uma suposta ideia de necessidade e por meio deste pensamento as pessoas

acabam contraindo empréstimos, financiamentos, o que acaba resultando na insolvência

dessas dívidas por essas pessoas, ocasionando nelas um verdadeiro inferno existencial.

(PORTANOVA, 2014, p. 86-87).

Assim, as constituições desse Novo Constitucionalismo, portanto, possuem

como base o multiculturalismo e a tutela do meio ambiente e das futuras gerações,

destacando que, em alguns casos, o meio ambiente e mesmo a pachamama se tornam

sujeitos de direitos19

(PORTANOVA, 2014, p. 87).

Com o advento dos movimentos independentistas na América Latina, no século

XIX, surgiu no campo do Direito Público a doutrina político-jurídica do

Constitucionalismo liberal, o qual não figurava mais os interesses das antigas

metrópoles, mas os da elite branca, proprietária e com o mesmo viés elitista. Constituia-

se, portanto, um novo instrumento dominador, uma vez que, não obstante limitasse o

poder das metrópoles, assegurava os direitos dessa elite dominante, que buscava

legitimar-se de forma hegemônica nos novos processos políticos que se

institucionalizavam e se racionalizavam (WOLKMER, 2014, p. 70).

Nesse período inicial, a absorção do modelo de produção capitalista e a

introdução do liberalismo individualista tiveram uma função determinante no processo

de positivação do Direito estatal. Momento este em que se uniformiza todo o pluralismo

cultural ao modelo oficial, “não se respeitam as diversidades à preservação da natureza

e as tradições originárias acerca do pluralismo legal consuetudinário dos povos

originários e dos conhecimentos ancestrais” (WOLKMER, 2014, p. 70).

Diante deste contexto de assimilação jurídica após o processo de independência

das nações latino-americanas, a consequente negação do respeito e consideração da

pluralidade cultural - mormente em relação à comunidade dos povos originários -,

diante da crise dos paradigmas da modernidade, dos consequentes impactos negativos

advindos da globalização e do cediço exaurimento de um falacioso discurso

desenvolvimentista capitalista, irrompe-se a imprescindibilidade da busca de um

modelo alternativo de sustentabilidade (WOLKMER, 2014, p. 69).

Tal paradigma se concretiza com o conceito que busca uma efetiva proteção à

biodiversidade, trazendo como proposta um novo paradigma, a noção andina do “bem

19

Condição esta reconhecida apenas atualmente pela Constituição do Equador, à qual abordaremos mais

adiante.

70

viver”, cuja cosmovisão, originária dos povos nativos, reintroduz o ser humano na

natureza, destacando a importância de cada elemento natural por seu valor intrínseco

(MORAES, 2014, p. 107), representando, portanto, um modelo de desenvolvimento que

tenha como premissa uma sustentabilidade baseada na interconexão e na

interdependência entre o ser humano com a natureza, reafirmando desse modo a sua

harmonia e a integração com o meio (WOLKMER, 2014, p. 69).

No entanto, para que se possa compreender bem o conceito sul-americano sobre

do buen vivir, faz-se necessário que se observe o contexto específico no qual ele foi

originado, as suas contingências; é dizer, a sua instrinsecabilidade com a cultura

indígena andina e a plurietnicidade destes países que constitucionalizaram tal conceito

como modelo de desenvolvimento. Em verdade, ele é mais que um conceito, é uma

filosofia de vida das sociedades indígenas que, historicamente, vinha sendo sufocada

pelos efeitos e práticas (nocivas) da racionalidade ocidental. Portanto, o buen vivir tem

como máxima, não a acumulação de bens e o crescimento econômico, mas a

viabilização de um estado de homeostase, de equilíbrio, entre os seres humanos e a

natureza (FATHEUER, 2011, p. 19 apud MORAES, 2014, p. 121).

Iniciando os primórdios do Constitucionalismo pluralista, este surge na

Constituição de 1999 da República Bolivariana de Venezuela. Tinha um caráter

independentista e anticolonial frente ao Estado Liberal de Direito, buscando a

refundação da sociedade venezuelana, com base no ideário de libertadores, tendo como

máximo expoente Simón Bolívar. Com forte apelo popular, apresenta como um dos

valores supremos o pluralismo político, tendo como marco inovador e de maior

importância a introdução/criação do Poder Público Nacional, que se divide em cinco

poderes independente: Legislativo, Executivo, Judicial (instância máxima) e o Poder

Eleitoral (DUSSEL, 2006 apud WOLKMER, 2014, p. 74).

Quanto à matéria ambiental, as diretrizes da Constituição bolivariana traçadas na

Lei Orgânica do Ambiente, de 2007, “estabelece as normas que desenvolvem as

garantias e os direitos constitucionais a um ambiente seguro, sadio e ecologicamente

equilibrado” (WOLKMER, 2014, p. 74).

Entretanto, buscando uma maior exatidão, o Novo Constitucionalismo Latino-

americano passa a ser representado primeiramente pela vanguardista Constituição do

Equador, de 2008, pelo seu giro biocêntrico, que admite direitos próprios da natureza, o

direito ao desenvolvimento do buen vivir e o Direito humano à água. De igual passo,

houve o enriquecimento dos direitos coletivos como “direitos das comunidades, povos e

71

nacionalidades”, destacando a ampliação de seus sujeitos, dentre as nacionalidades

indígenas, os afroequatorianos, comunais e os povos costeiros (WOLKMER, 2014, p.

74-75).

Destaca-se, na Constituição equatoriana, o artigo 15 enquanto dispositivo que

direciona a atuação estatal para a persecução dos valores trazidos pelo Novo

Constitucionalismo Latino-americano, quando afirma ser dever do Estado a promoção

do uso de tecnologias ambientalmente limpas, assim como o uso de energias

alternativas não poluentes e de baixo impacto (EQUADOR, 2008).

Ademais, Wolkmer aponta que os dispositivos de maior importância são os

princípios e o regime dos direitos do buen vivir (arts. 340-394), bem como os relativos à

“biodiversidade e recursos naturais (arts. 395-415)”, ou seja, sobre o que deve ser

denominado de direitos da natureza. Sobre a importância da Constituição Equatoriana

como movimento vanguardista e de quebra de paradigmas, o autor comenta que

a Constituição Equatoriana rompe com a tradição constitucional clássica do

Ocidente que atribui aos seres humanos a fonte exclusiva de direitos

subjetivos e direitos fundamentais para introduzir a natureza como sujeito de

direitos. Trata-se da ruptura e do deslocamento de valores antropocêntricos

(tradição cultural europeia) para o reconhecimento de direitos próprios da

natureza, um autêntico “giro biocêntrico” fundado nas cosmovisões dos

povos indígenas (WOLKMER, 2014, p. 75).

Como o Equador, a Bolívia, em 2009, trilhou o mesmo sentido, reconhecendo a

relevância dos recursos naturais e do Direito aos bens comuns, bem como sua necessária

proteção e preservação. Garante primeiramente o Direito ao meio ambiente saudável e

equilibrado, o Direito à saúde, à segurança social e ao trabalho. Em paralelo, os bens

comuns naturais do meio ambiente, das florestas, do subsolo, da biodiversidade, dos

recursos hídricos e da terra, foram consagrados com a garantia da conservação, proteção

e regulamentação por parte do Estado e da população. O autor enfatiza ainda que a

Constituição boliviana também concede direitos acerca da proteção às coletividades

presentes e futuras, da Amazônia boliviana - considerada um espaço estratégico -, e ao

fortalecimento de políticas ao desenvolvimento rural integral sustentável (WOLKMER,

2014, p. 76-77).

Wolkmer considera que possivelmente seja o capítulo que trata dos recursos

hídricos, garantindo-lhe o devido reconhecimento, defesa e manejo sustentável, além da

vedação da sua apropriação privada, o que fora melhor contemplado na cosmovisão

ambiental pelo constituinte boliviano -o que fica claramente ilustrado pelo dispositivo

72

que afirma o uso prioritário da água para a vida. Por último, ressalta-se a recente (2012),

ampla e inovadora legislação denominada Ley de la Madre Tierra (WOLKMER, 2014,

p. 77), que foi uma declaração universal, promovida pelo atual presidente Evo Morales,

para a preservação popular do nosso planeta.

5. CONCLUSÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo analisar o

contexto internacional da atual crise ambiental propiciada pela globalização neoliberal,

que se configura como sendo produto de uma cosmovisão antropocêntrica e de uma

racionalidade econômica, pautadas na instrumentalização e apropriação da natureza.

A ciência e a tecnologia, estimuladas por um capitalismo de mercado, colaboram

para a criação de riscos, incertezas científicas e para o fomento de uma sociedade de

consumo, cada vez mais predatória, que vem a comprometer a solidariedade planetária e

o contrato geracional. Objetivou-se, portanto, verificar as consequências em relação à

globalização dos riscos do modelo econômico adotado, através da lupa da teoria da

sociedade de risco e de que forma esses riscos incidem na nova modernidade.

O ser humano é o único ser dotado de racionalidade e, por esse motivo, deveria

utilizá-la de modo construtivo em relação à natureza visando considerá-la um fim em si

mesmo, e não um meio como se configura nos dias atuais. Nesse sentido a concepção

do pensamento antropocêntrico, cuja origem se remete ao pensamento judaico-cristão,

produziu uma noção predatória ocidental. Sob esse viés, tal cosmovisão tornou-se o

fundamento filosófico para a dominação humana presunçosa, face aos demais seres

vivos e também em relação ao próprio meio ambiente.

Tais fatores se configuram como sendo agentes catalisadores dos efeitos

negativos das mudanças climáticas, que ameaça o direito intergeracional caso não haja

uma mudança nos padrões de consumo e de desenvolvimento que equacione, em um só

cálculo, o desenvolvimento econômico, o social e o ambiental, tendo como valor maior

este último –uma vez que este não pode ter o mesmo peso dos demais, em razão de ele

ser o pressuposto de existência daqueles. Conclui-se também que se torna

imprescindível a observância dos valores intrínsecos da natureza e de seus recursos.

Ademais, comprovou-se que a globalização, com a promessa de quebrar

barreiras no comércio mundial, acaba ocasionando um novo modelo de colonialismo,

desta vez dos países desenvolvidos em relação aos subdesenvolvidos. Aqueles,

73

dependentes de matérias-primas para sustentar a sede de suas indústrias e de seu

consumo, exploram estes, subjugando-os, de tal modo que se cria um sistema nefasto de

dependência política e econômica, resultando uma situação de subdesenvolvimento e

dependência difícil de ser revertida.

Conclui-se, também, que o modelo econômico hegemônico dos países

desenvolvidos do Norte, de cunho antropocêntrico, hierarquiza o ser humano em relação

aos seus semelhantes e também em relação à própria natureza, colocando-o como

centro do universo.

Outrossim, através de uma perspectiva ética, ficou evidenciado a emergência de

se tornar a vida a única centralidade ética e ecológica em uma sociedade, em detrimento

do capital. O deus mercado que organiza a vida, a política, os hábitos e dita as regras

das relações humanas, incute culturalmente nas pessoas uma necessidade inexistente de

consumo e, quando esse consumo ultrapassa os limites da racionalidade, as dívidas

contraídas se fazem maiores do que a capacidade de quitá-las, ocasionando dessa forma

a frustração, a tristeza e a infelicidade nas pessoas. Sobram dívidas e falta tempo para as

relações humanas como o amor, o afeto, a compaixão, o respeito.

Ademais, à nível Constitucional, verificou-se a importância da Hermenêutica

Ambiental como fundamento imprescindível para a concretização do Estado de Direito

Ambiental, tendo em vista a característica de abstração teórica deste último.

Evidenciou-se a importância do órgão julgador quando da análise do caso concreto, do

sopesamento dos princípios fundantes do Estado de Direito Ambiental e da relevância

do pensamento complexo proposto por Morin.

Através de uma pesquisa utilizando dados de órgãos das Nações Unidas, ficou

constatado as questões relativas à justiça ambiental e a sua respectiva correlação com as

consequências socioambientais negativas oriundas dos fatores geoeconômicos e

geopolíticos internacionais que legitimam, na ótica dos dominadores, a submissão dos

países do Terceiro Mundo. Estes fatores que dão causa ao subdesenvolvimento do

continente latino-americano, propiciam o mecanismo de exploração destes pelas nações

desenvolvidas.

Em seguida, explorou-se o pensamento latino-americano libertador, como uma

corrente alternativa ao paradigma hegemônico tradicional, tendo como expoente o

filósofo argentino Enrique Dussel. Essa teoria não tem como marco teórico a filosofia

clássica do velho continente, pois busca uma posição emancipadora que considere a

inserção de uma nova visão de mundo conectada com a vida em harmonia com a

74

natureza preservada. Ademais, constatou-se que a corrente ecossocialista constitui uma

alternativa à crise ecológica e à uma proposta de modelo sustentável de

desenvolvimento.

Por último evidenciou-se que a viragem ecocêntrica latino-americana à partir do

novo paradigma do buen vivir, encabeçada pela República do Equador (2008) e pelo

Estado Plurinacional da Bolívia (2009), criou um novo modelo emancipador

fundamentado no Novo Constitucionalismo Latino-americano, quebrando, desse modo,

paradigmas científicos tradicionais.

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