avaliação - concepção dialética-libertadora - 1992

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Vasconcellos - Avaliação - Concepção Dialética-Libertadora - 1992

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  • AVALIAAOConcepo Dialtica-Libertadora

    do Processo de Avaliao Escolar

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    92-0174

    Vasconcellos, Celso dos Santos, 1956-Avaliao : concepo dialtica-libertadora do processo

    de avaliao escolar / Celso dos Santos Vasconcellos. So Paulo : C.S. Vasconcellos, 1992. (Cadernos pedaggicos do Libertad; v. 3)

    Bibliografia.

    1. Avaliao educacional 2. Avaliao educacional Filosofia 3. Educao Filosofia I. Ttulo. II. Srie.

    CDD-370.783

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Avaliao educacional: Educao 370.783

    Atknfad, - (Zenifr

  • CONCEPO DIALTICA-LIBERTADORA DO PROCESSO DE AVALIAO ESCOLAR

    V- PARTE

  • "Quando vedes levantar-se uma nuvem no poente, logo dizeis: ai vem chuva. E assim sucede. Quando vedes

    soprar o vento do sul, dizeis: haver calor, e assim acontece. Hipcritas, sabeis distinguir os aspectos do

    cu e da terra; como, pois, no sabeis reconhecer o tempo presente? Por que no julgais por vs mesmos o que justo?"

    Lucas, cap. 12, vers. 54-57

    I-INTRODUAO

    Fato n- 1: "Suicdio de aluno punido cria polmica""(...) Celestino, 14 anos, aluno do Colgio Militar do Rio de janeiro, foi pego

    'colando' quando fazia uma prova de geografia. Por isso, foi suspenso por seis dias e perdeu seis pontos em comportamento. O aluno deu um tiro na cabea na tera feira, morrendo no dia seguinte (...)".

    Folha de So Paulo, 18 de maio de 1990

    Fato n2 2: "D iretora diz que puxo rasgou orelha de aluno""(...) L A , 8 anos, aluno de uma escola estadual da zona oeste de So Paulo,

    estava colando na prova de estudos sociais quando foi flagrado pela professora, que lhe deu um puxo. O menino recebeu cinco pontos na orelha (...)".

    Folha de So Paulo, 26 de setembro de 1990

    Fato n2 3: "V ice-diretor acusado de bater em aluno no PI""(...) Os pais do estudante Alexandre, 17 anos, da 8 - srie do Colgio Sinopse

    de Teresina, disseram que seu filho levou um soco no estmago do vice-diretor da escola, aps protestar contra a aplicao de uma prova de ingls (...)".

    v Folha de So Paulo, 7 de dezembro de 1990

    Fato n2 4: "C hins mata 4 e fere 2 na universidade de Iowa, nos EUA""Gang Lu, estudante de fsico de nacionalidade chinesa, matou ontem quatro

    pessoas e feriu duas outras no campus da universidade de lowa, Estados Unidos, antes de suicidar-se. (...) Segundo as autoridades universitrias, Gang Lu estava irritado por no ter sido includo no quadro de honrarias acadmicas".

    Folha de So Paulo, 3 de novembro de 1991

    Estes so alguns fatos que se tornaram pblicos em funo da gravidade extrema a que chegaram. claro que o cotidiano escolar no marcado por esse grau de violncia fsica. No entanto, se pensarmos em termos de violncia simblica, psicolgica, j no temos tanta certeza... O que estes fatos tm em

  • 8 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    comum? Todos esto relacionados a situaes de avaliao. Concretamente, verificamos que a avaliao se tornou um dos principais problemas da educao escolar. Basta ver os elevados ndices de reprovao1 e evaso escolar ou ainda os efeitos de inculcao ideolgica.

    Evidentemente, o problema da avaliao tem que ser encarado no contexto da educao escolar, que, por sua vez, precisa ser encarada no contexto social mais amplo. Num pas em que, segundo dados da UNICEF (Relatrio "Situao Mundial da Infncia 1991"), morrem cerca de mil crianas menores de 4 anos por dia(!) em conseqncia de causas sociais, falar em avaliao escolar pode parecer secundrio, face a desafios to urgentes como a preservao da vida. Entretanto, entendemos que a luta pela libertao passa por muitas frentes, inclusive a educao escolar. Nesta viso de totalidade que gostaramos de tratar, em sua especificidade, a problemtica da avaliao escolar.

    Percebemos que o problema da Avaliao muito srio e tem razes profundas: no problema de uma matria, srie, curso ou escola; de todo um sistema educacional,2 inserido num sistema social determinado, que impe certos valores desumanos como o utilitarismo, a competio, o individualismo, o consumismo, a alienao, a marginalizao, etc., valores estes que esto incorporados em prticas sociais, cujos resultados colhemos em sala de aula, uma vez que funcionam como "filtros" de reinterpretao do sentido da educao e da avaliao.

    1 . interessante analisar a ocorrncia da reprovao em funo da classe social: enquanto na rede privada o ndice de reprovao na Ia srie do I o grau de 5%, na rede pblica este ndice chega a 50% (Cf. Maria Laura P.B. Franco, op. cit. p. 63). Na prpria rede particular seria interessante analisar que segmento social a reprovao atinge; no seria o dos mais pobres?

    2 .Existe at uma cincia criada especialmente para estudar as provas, os exames: a "DOCIMOLOGIA" (do grego dokim = prova). Cf. P. FOULQU1, Dicionrio da Lngua Pedaggica. Lisboa, Livros Horizonte, 1971,

    II-LOGICA DO ABSURDO(TESES SOBRE A AVALIAO PERVERTIDA OU

    SOBRE A PERVERSO DA AVALIAO)

    Do Caos ao Cosmos

    No princpio era o caos. Um dia, o professor descobriu que podia mandar o aluno para fora da sala de aula, que a instituio cuidava de amea-lo com a expulso. Mais tarde um pouco, descobriu que tinha em mos uma arma muito mais poderosa: a nota. Comea a us-la, ento, para conseguir a ordem no caos. O caos se fez cosmos, o maldito cosmos da nota...

    A situao que vivemos hoje no sistema escolar em termos de avaliao to crtica, que gerou uma verdadeira lgica do absurdo. Vejamos algumas destas"prolas":

    1- Tem sua lgica a escola valorizar muito a nota e dar-lhe grande nfase, pois, afinal, ela o que de mais importante ali acontece. A escola precisa aumentar as exigncias em relao s notas, para que os alunos a valorizem e estudem mais...

    2- Tem sua lgica a escola montar todo um clima de tenso em cima das provas, pois, afinal, na sociedade tambm assim, e a escola tem mais que adaptar o aluno ao mundo que est a... (o que ningum confessa que logo mais a escola ter itatrias do tipo: "Estudos Avanados em Corrupo III", "Seminrios de Explorao Alheia II", "Tcnicas Contemporneas de como Levar Vantagem em Tudo IV", etc.).

    3- Tem sua lgica a escola ceder s presses dos pais e de muitos professores no sentido de no mudar o sistema de avaliao, pois, afinal de contas, sempre foi assim...

    4- Tem sua lgica as escolas usarem o argumento da transferncia dos alunos como justificativa de no mudana de suas prticas, pois assim garante-se que nenhuma escola mude e se perpetue o sistema...

    5- Tem sua lgica o professor fazer toda uma super-valorizao das notas, pois, caso contrrio, no consegue dominar a classe. O professor no pode dar muita nota no comeo do ano, seno perde o controle da turma...

  • 10 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    6- Tem sua lgica o aluno ir mal no 4 bimestre, tirando s a nota que precisa, pois est interessado em passar e no em aprender. Trata-se da Sndrome do 4- Bimestre: "No quero deixar pontos para a secretaria"...

    7- Tem sua lgica o professor s valorizar a resposta certa, pois, na sociedade, isto que importa. O professor respeitado por pais, alunos e direo, o bom professor, no aquele que d boa aula, mas aquele que "duro"...

    8- O fato dos alunos terem "branco", medo, nervosismo, ansiedade, etc., etc., tudo culpa deles (e das famlias), por no terem o hbito de estudar todo dia. A escola nada tem a ver com isto...

    9- Os alunos ainda no perderam esta terrvel mania de acreditar mais no que fazemos do que no que falamos. Ns falamos toda hora que o importante no a nota e eles no acreditam, s porque, com relao a provas e notas, fazemos semanas especiais, dias especiais, horrios especiais, papis especiais, dificuldades especiais, comportamentos especiais, rituais especiais, conselhos especiais, assinaturas especiais dos pais, datas especiais para entrega, pedidos especiais de reviso, legislao especial, reunies especiais com professores e pais, caderneta especial, ameaas especiais atravs da nota, rotulaes especiais em funo da nota, tratamento especial para os alunos de acordo com as notas que tiram, etc. Tem sua lgica o aluno dar muita nfase nota, pois sabe que, no fundo, ela que decide sua vida...

    10- Tem sua lgica o aluno no estudar todo dia, na medida que nem percebe essa necessidade, j que o professor vai transmitindo tudo to direitinho, "dando" to bem a matria, o ponto, que ele tem a sensao que, de fato, est aprendendo...

    11- muito comum a prova tipo "Amazona aestiva" (ave psitaciforme, da famlia dos psitacdeos, mais conhecida como Papagaio); tambm chamada prova "bate e volta" (bate no aluno e volta para o professor). O professor faz pergunta para ouvir exatamente o que disse na aula. Tem sua lgica o aluno estudar na vspera da prova, na medida que comumente a prova decorativa e, como se sabe, o que decorado fica pouco tempo na memria...

    12- Tem sua lgica os professores desejarem "Boa Sorte" na prova, j que frequentemente as questes so irrelevantes e arbitrrias, sem contar as vezes em que esta expresso tem um sentido velado de vingana...

    13- Tem sua lgica os alunos fazerem baguna durante as aulas, para "segurar" o professor que quer despejar novas matrias, pois assim h menos pontos para estudar para prova...

    II Lgica do Absurdo 11

    14- Muitas vezes, diante de provas que no exigem reflexo, mas apenas nomes, classificaes, datas, locais, etc., a "cola" representa uma forma de resistncia do aluno...

    15- Tem sua lgica os professores fazerem avaliao sem ouvir os alunos, afinal, assim que eles tambm so avaliados por seus superiores...

    16- Tem sua lgica o aluno adular o professor, na medida que, de modo geral, os professores no tm maturidade para ouvir uma crtica...

    17- As classes populares queriam escola e o governo deu. Agora, so reprovadas e se evadem, porque "no tm condies" de acompanhar o "nvel" do ensino. Tem sua lgica o aluno evadir-se da escola, na medida que sente que no adianta continuar, uma vez que, tendo sido rotulado, estabeleceu- se sobre ele uma "profecia auto-realizante" de fracasso...

    18- Tem sua lgica o aluno pouco falar e pouco escrever, na medida que, segundo muitos professores, quanto mais se escreve, mais se pode errar...

    19- Tem sua lgica os pais prepararem os filhos para as provas na base do "questionrio", na medida que isso que acaba caindo mesmo...

    20- Tem sua lgica os pais engolirem os "sapos" da escola e dos professores, pois sabem que se reclamarem muito, os prejudicados sero os prprios filhos, e, alm do mais, o que interessa mesmo o diploma...

    21- Tem sua lgica os filhos estarem preocupados em tirar nota para os pais, pois sabem que existe uma relao direta entre a nota e a qualidade do presente ou & tamanho da surra...

    22- Tem sua lgica o professor fazer a avaliao dos alunos apenas em determinados momentos, de forma estanque, pois tambm assim que est acostumado a avaliar o seu trabalho e o da escola (quando muito, nas famosas "reunies bimestrais")...

    23- Tem sua lgica o professor "distribuir" nota no final do ano, pois assim no fica com alunos para recuperao, nem tem chateao com pais, alunos e escola por causa de eventuais reprovaes...

    24- A escola tem desempenhado bem o seu papel, pois recebe crianas curiosas, vivas, alegres e em poucos anos consegue deix-las indiferentes, obedientes, desgostosas, passivas. Onde j se viu ter alunos fazendo aquelas desagradveis perguntas: qual o sentido do que estou aprendendo? Para que serve isto? Qual a importncia disso para meu futuro?

  • 12 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    25- Seria melhor que voltasse a violncia fsica na escola (palmatria, belisco, joelho no milho, etc.), pois ao menos o aluno poderia se defender, j que a violncia simblica, psicolgica mais difcil de ser denunciada e enfrentada, na medida que suas marcas so mais sutis e profundas...

    26- Antes de mudar o sistema de avaliao a escola precisa pensar bem, pois, se de fato ele melhorar, vai causar desemprego para muita gente que sobrevive do estrago que a nota faz nos alunos: professores particulares, empresas de aula de reforo, clnicas de recuperao, psiclogos, psicopedagogos, etc...

    27- Dizem que um certo ministro da educao, querendo entrar na histria de qualquer jeito, resolveu acabar com o sistema de notas e reprovao. Antes, porm, de solicitar Medida Provisria, atendeu a inmeros pedidos de seus assessores, no sentido de que fosse feito um estudo da repercusso de tal medida na rede escolar. Diante do "Relatrio de Impacto Ambiental", o ministro teve que voltar atrs, pois percebeu que entraria para a histria sim, mas como aquele que desmoronou o sistema escolar, tal seria a desorientao e o desespero que a ausncia de notas provocaria num sem- nmero de professores...

    As afirmaes anteriores so desconcertantes, mas lamentavelmente, tm sua "lgica"; expressam o grau de perverso a que chegou a situao de avaliao no sistema escolar. possvel reverter essa situao? O que se pode fazer?

    Nossa opo por uma educao libertadora, no nos permite a acomodao ou a simples acusao e o cruzar de braos. Como os profetas, temos o dever de denunciar, mas tambm anunciar, buscar alternativas, mesmo que limitadas num primeiro momento. Assim que necessrio colocar a avaliao em questo, para poder transform-la.

    / m u a o

    CONCEPO DIALETICA-LIBERTADORA DO PROCESSO DE AVALIAO ESCOLAR

    2- PARTE

  • A Histria do Rato

    Romo disse a um ratinho que ia passando por perto dele: "Pare a. Temos j de ir ao juiz. Quero te acusar". "Vamos", respondeu o ratinho. "A conscincia de nada me acusa e saberei defender-me". "Muito bem", disse o gato. "Aqui estamos diante do

    senhor juiz". "No o vejo", disse o ratinho. "O juiz sou eu", disse o gato. "E o jri?", perguntou o ratinho. "O jri tambm sou eu", disse o gato. "E o promotor?",

    perguntou o ratinho. "O promotor tambm sou eu". "Ento voc tudo?", disse o ratinho. "Sim, porque sou o gato. Vou acusar voc, julgar voc, e comer voc".

    Lewis Carroll

    III-QUESTAO METODOLOGICA

    a)Problema

    Existe uma problemtica em torno da avaliao escolar. Muitas so as manifestaes de professores, diretores, coordenadores, orientadores, alunos, pais, etc. No entanto, no h uma mesma percepo deste problema; ele apontado com diferentes matizes pelos diferentes sujeitos do processo educacional.

    H necessidade de se desmascarar o cinismo reinante, a "trama inconfessvel" (Cf. Margot Ott, 1986). Qual o problema fundamental com relao avaliao? Qual o seu real problema? Onde est o fundamento do problema de que tanto falam os educadores?

    BjPOSSIBILIDADE

    Uma questo que precisa ser colocada a seguinte: possvel a transformao da avaliao escolar? viso voluntarista: s querer;3 viso determinista: s quando mudar a estrutura; viso dialtica: h necessidade de anlise, para se saber as reais possibilidades

    de mudana, levando em conta tanto as determinaes da realidade, quanto a fora da ao consciente e voluntria da coletividade organizada. O homem faz a histria, mas sob as condies que herdou e no que escolheu.

    Um dos problemas que se observa na formao dos professores que na graduao at que se tem dado uma concepo terica adequada do que deve ser a avaliao: contnua, diagnstica, abrangente, relacionada aos objetivos, etc. No entanto, por um lado, falta a crtica realidade atual (a crtica genrica se faz: "as coisas vo mal"; trata-se mais de lamria do que propriamente de crtica). Por outro lado, at como reflexo do anterior, faltam indicaes de mediaes, de formas de concretizar uma nova prtica de avaliao, falta clareza do que fazer no lugar da antiga forma de avaliar.

    3 .No v os limites, as determinaes; d-se uma idia (falsa) de que fcil mudar.

  • c) Perspectiva do Trabalho

    Nosso trabalho se coloca numa dupla perspectiva: inicialmente, tentar despertar o querer mudar em todos, atravs de uma crtica ao problema, para possibilitar o desequilbrio, o acordar, o aprofundamento da compreenso; em seguida, oferecer alguns subsdios para orientar concretamente os que querem realmente mudar (os que esto abertos, os que querem abrir mo do uso autoritrio da avaliao). Para os que no querem, os subsdios no servem, pois falta-lhes vontade poltica; estes, provavelmente, sero atingidos por outro desequilbrio: a presso grupai (colegas professores, alunos, pais, etc.), que vo cobrar uma nova postura a partir de novas prticas que estiverem tendo.

    Entendemos que a mudana no se d de uma vez (tudo e j); vemos a necessidade de passos pequenos, assumidos coletivamente, mas concretos e na direo certa, desencadeando um processo de mudana com abrangncia crescente (sala de aula, escola, grupo de escolas, comunidade, sistema de ensino, sociedade civil, sistema poltico, etc.), a partir da criao de uma base crtica entre educadores, alunos, pais, etc. Trata-se de uma luta da educao, mas articulada a outras frentes e setores da sociedade (desde novas prticas na escola, mudana de legislao, at a construo de uma nova sociedade).

    d) Mtodo de Trabalho

    Para o enfrentamento desta situao toda em torno da avaliao, em primeiro lugar, necessrio compreender efetivamente o problema, captar o movimento do real em termos da avaliao na prtica (o que de fato ocorre nas escolas). Por falta de anlise crtica temos visto muitos e muitos esforos de educadores irem terra abaixo. Se a aparncia do fenmeno coincidisse com a essncia, no haveria necessidade da Cincia; ocorre, no entanto, que no dia a dia temos contato com a aparncia, que mais esconde do que revela a essncia da realidade, do problema. Temos que superar a "pseudo-concreticidade". Devemos compreender o problema para neg-lo dialeticamente, para transform- lo.

    Qual o procedimento que devemos ter diante disto?Se desejamos de fato colaborar com o processo de transformao da

    realidade da avaliao escolar, precisamos buscar um procedimento metodolgico que nos ajude. Entendemos que uma metodologia de trabalho na perspectiva dialtica-libertadora deve compreender os seguintes elementos: Partir da Prtica ter a prtica em que estamos inseridos como desafio para

    a transformao. Refletir sobre a Prtica procurar conhecer como funciona a prtica, quais

    so ^suas contradies, sua estrutura, suas leis de movimento, captar sua essncia, para saber como atuar no sentido de sua transformao.

    Transformar a Prtica atuar, coletiva e organizadamente, sobre a prtica, procurando transform-la na direo desejada.

    16 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar Ill Questo Metodolgica 17

    Novas idias abrem possibilidades de mudana, mas no mudam. O que muda a prtica. Para se atingir um nvel mais profundo de conscientizao, o parmetro deve ser colocado em termos da mudana da prtica. O educador pode ler um texto que critica o uso autoritrio da avaliao, concordar com ele e continuar com o mesmo tipo de avaliao. Quando se tenta mudar o tipo de avaliao que se pode ter a real dimenso do grau de dificuldade da transformao, bem como do grau de conscientizao do grupo de professores.

    No que se refere Reflexo sobre a prtica, esta reflexo deve ser feita em trs dimenses: onde estamos (o que est sendo) para onde queremos ir (como deveria ser) o que fazer (o que fazer para vir-a-ser)

    onde estamos

    saber onde/como estamos, como chegamos aqui (passar da sensao de mal-estar para a compreenso concreta da realidade: entendemos que o que vai dar o concreto de pensamento o estabelecimento de relaes, a busca de captao do movimento do real);

    para onde queremos ir

    saber o que queremos com a avaliao (avaliar para qu?); saber o que queremos com a educao escolar; dependendo de nossa concepo de educao, teremos diferentes atitudes diante do problema (da simples conivncia -ajustes tcnicos, mudana de nomes-, transformao radical).

    o que fazer

    estabelecer um plano de ao. A busca de "soluo" tem que ser coerente com nosso posicionmento educacional. No h soluo boa "em si" (ex: semana de prova uma soluo tima para determinada concepo de educao; no entanto uma aberrao para outra...).

    Isto atravs de um processo de construo de conhecimento a respeito da realidade em questo, que se d num movimento de: sncrese anlise sntese

    sncrese

    percepo inicial do problema, ainda de forma confusa, desarticulada;

    anlise

    busca captar o movimento do real, sua relaes. O problema da avaliao no pode ser compreendido "em si" (nenhum problema pode). Assim como no

  • 18 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    d para entender o problema da avaliao "em si", no d para buscar solues "em si" do problema, desvinculadas de outras frentes de atuao;

    sntesecompreenso do real nas suas determinaes, contradies, tendncias,

    espaos de autonomia relativa, espaos de possveis aes conscientes e voluntrias dos agentes histricos.

    O presente trabalho apenas a proposta de um momento de reflexo sobre a prtica, e certamente no ter repercusso no cotidiano da escola, se no houver uma tomada de deciso quanto s necessrias alteraes no Processo de Avaliao e uma continuidade desse trabalho, seja da escola como um todo dos cursos, das reas ou mesmo das disciplinas.

    IV-ANALISE DO PROBLEMA

    "Para que serve a nota na escola? bvio -respondero muitos- a nota serve para indicar o quanto o aluno aprendeu! Desta forma, promover aqueles que estiverem preparados para exercer sua profisso e reter os que no estiverem aptos. (...) Esta obviedade, porm, contestada diariamente pela prtica escolar em que os alunos aprovados demonstram, a seguir, que no aprenderam o que sua nota faz pressupor".

    FLEURI, P. 85

    Quando se questiona mais profundamente os educadores sobre as causas dos problemas da avaliao, encontram-se, muitas vezes, trs diferentes posturas: "Alienados": Problema? Que Problema? "Voluntaristas": O problema de cada professor! "Deterministas": problema do sistema!sendo que esta ltima tem estado mais presente atualmente no senso comum

    dos professores (" a estrutura"; "sempre foi assim"; "uma andorinha s, no faz vero"; etc.)

    1 Mediao entre o problema geral e o particular

    a) Como se concretiza em sala de aula?Vimos que o problema da avaliao de todo o sistema de ensino.

    Precisamos, no entanto, responder a uma questo fundamental: como que ocorre a mediao desse problema numa realidade especfica, ou seja, como se concretiza essa determinao geral em cada caso particular, em cada escola, em cada sala de aula? Trata-se de uma anlise difcil de ser feita, pois envolve diretamente os agentes da educao: pais, alunos das sries mais adiantadas, diretores, coordenadores, supervisores, delegados de ensino, inspetores de alunos, e, em especial, os professores. Se no, vejamos: Ser que o sistema tem "agentes" infiltrados nas escolas, de tal forma que,

    enquanto os educadores trabalham numa linha emancipatria, esses agentes interferem no processo, dando nfase e colocando medo nos alunos no que se refere avaliao?

    Ser que j h transmisso gentica do problema, de gerao para gerao?

  • 20 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    Ou ser que esta distoro acontece em cada escola, em cada sala de aula, a partir de prticas concretas com a mediao inclusive dos educadores, tenham ou no eles conscincia disso?4

    Temos que ganhar clareza com relao a este fato, sob pena de ficarmos nos enganando e fazendo o jogo do "empurra-empurra", to comum na cultura brasileira (ningum responsvel por nada, o que um faz decorrncia do que o outro faz, etc., etc.). Quando comeamos a tomar conscincia do que de fato fazemos, chega ser angustiante, na medida que percebemos que estamos fazendo algo que no desejamos... a situao de alienao, to comum ao homem contemporneo, uma vez que no domina mais nem o processo, nem o produto do prprio trabalho -at na educao!

    b) Responsabilidade do educadorEstamos dando destaque aqui aos educadores por estarmos nos dirigindo

    a eles; no se trata de acusar ningum particularmente.

    "O problema mais crucial est no lado do professor, inabilitado formal e politicamente paraexercer sua funo, no por culpa, mas por ser vtima de um processo adestrador defasadoe apenas reprodutivo".

    DEMO, 1990, p. 23

    H uma engrenagem social que envolve a todos, de tal forma que no h necessidade de se tomar posio pela reproduo basta no decidir pelo contrrio e lutar fortemente. Trata-se, isto sim, de procurar explicar objetivamente como se d o problema. No queremos dizer que os professores so responsveis pelo problema da avaliao. A determinao desse problema mais geral (de ordem social/econmica). No entanto, existe um fato concreto: com maior ou menor intensidade, com maior ou menor conscincia, os professores tm colaborado para a reproduo da avaliao atual. Queremos ver em que medida os professores so envolvidos neste esquema, para que possam lutar pela sua superao.

    claro que neste processo de distoro os professores no esto absolutamente sozinhos, contando, por exemplo, com muito apoio dos pais (que muitas vezes so os primeiros a chantagear ou a aterrorizar os filhos com a nota),5 dos dirtores e supervisores (que freqentemente dificultam as mudanas da prtica),6 * * do sistem a de ensino (que dificulta a transformao de uma escola, dissemina o medo de eventuais transferncias e o que isto pode significar para os alunos, favorecendo que nada mude), do sistem a de vestibular (que serve

    4 .No se trata de "herana gentica", mas de herana cultural.5 .Alguns pais chegam afirmar: "Esta escola no presta, pois no d prova".6 .E impressionante o medo dos educadores em termos de eventuais processos que possam ser feitos

    contra eles pelos pais e a falta de apoio que podem vir a ter por parte da delegacia de ensino. Isto funcionacomo fator de resistncia mudana.

    IV Anlise do Problema 21

    de libi para a reproduo, para o imobilismo), etc. Se, de um lado, o fato de apontarmos para as responsabilidades dos educadores pode ser algo que pese, por outro, significa que efetivamente tm um poder de mudana em mos, que, articulado com outras frentes de luta, pode levar a uma transformao da prtica educacional, na direo de um ensino de melhor qualidade e mais democrtico. O limite, se assumido conscientemente, tambm fora de uma mudana que deve ser ensaiada desde a base.

    2 Gnese e desenvolvimento do problema

    Vejamos como se manifesta o problema na prtica da escola.No comeo, tudo novidade e tudo no passa de uma brincadeira, sem

    maiores complicaes: uma gracinha ver aqueles toquinhos de gente j fazendo provas como os mais velhos... Muitas vezes, as crianas fazem as provas e nem tm noo, no sabem que esto sendo avaliadas. Com o tempo, os pais, apreensivos em funo das experincias anteriores, passam a questionar a escola a respeito das datas das provas. Para evitar faltas nos dias de prova, passa-se a avisar a famlia, que se sente toda orgulhosa de ver seu filho j passando por esses rituais. A prpria criana quer fazer prova para se igualar ao irmo ou colega mais adiantado, sentindo-se toda importante. Os aluninhos, por curiosidade, passam a perguntar aos coleguinhas quanto tiraram. E assim vai... Tudo comea to inocentemente, que mais tarde os professores, perplexos, no conseguem entender o que foi que houve, pois, dessa pequena brincadeira, chega-se grande distoro do ensino: estudar para tirar nota e no para aprender!

    a) Gnese da necessidade de controle por parte do professorO professor tem uma tarefa a cumprir que lhe foi atribuda pelo conjunto

    da sociedade, com a mediao da escola, e para a qual est "habilitado e autorizado", na medida que recebeu um diploma. Normalmente, esta tarefa est definida muito mais em funo de uma tradio, do que em funo de um projeto educativo (fundamentao pedaggica, psicolgica, poltica, sociolgica, filosfica, etc.). Em funo de sua formao deficitria, o professor no tem domnio de como o aluno se desenvolve, de como aprende, de qual o sentido ltimo de seu trabalho, etc. No entanto, quer cumprir sua tarefa e considera, por um lado, que ela relevante (mesmo que o aluno no entenda no momento) e, por outro lado, que est bem preparado (afinal, conseguiu o certificado a duras penas). Acontece que os alunos "no sabem" disto, ou seja, no vem significado e nem se sentem mobilizados com aquilo que o professor prope.

    b) Contradies do sistema educacionalIsto tudo ocorre num contexto de contradies sociais:

  • 22 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    mudana no quadro de valores da sociedade: crescimento da licenciosidade, queda da "autoridade natural" do pai, do padre, do patro, do poltico e tambm do professor;

    diminuio da motivao pelo estudo: desvalorizao progressiva da escola enquanto instrumento de ascenso social;

    distncia cultural-ideolgica daquilo que proposto na escola e a realidade da maioria dos alunos, oriundos das camadas populares; contedos desvinculados da realidade;

    no alterao da metodologia de trabalho em sala de aula: metodologia passiva, "bl-bl-blante";

    situao do professor: m formao, baixa remunerao, carga excessiva de trabalho, etc.;

    situao da escola: super-lotao das classes, falta de instalaes e equipamentos, falta de projeto educativo, falta de espao de reunies pedaggicas, etc.

    c) Redescoberta da nota como instrumento de coeroTem-se, portanto, um quadro pattico: de um lado, o professor cheio de boas

    intenes, mas mal preparado e com uma proposta equivocada; de outro lado, o conjunto dos alunos, que no tm conscincia do que esto fazendo ali e no percebem o sentido daquilo que est acontecendo. Evidentemente, a situao explosiva; os alunos das sries iniciais at que aceitam, mas a coisa vai se complicando nas sries seguintes. O professor se v desorientado diante de uma turma que rejeita aquilo que tem a oferecer. Reflete, ento: o erro no est naquilo que est oferecendo; o erro no est nele; logo, o erro s pode estar nos alunos -que so desinteressados, sem base, dispersos, indisciplinados, cada vez mais mal-educados, irresponsveis, etc.

    Se assim, o que pode fazer para conseguir superar a rejeio e ter clima para desenvolver o trabalho? Neste difcil momento redescobre7 o recurso coero da nota! Passa usar a avaliao para garantir a autoridade.

    O professor acha que exigindo nota, ameaando com a nota, vai levar o aluno a se interessar, a se envolver mais com as aulas. O argumento de que a avaliao serve para "motivar" o aluno precisa ser bem analisado. De um lado, a avaliao pode ter um sentido positivo na medida que o aluno tenha oportunidade de ver o seu crescimento e se animar a continuar. Por outro lado, achar que o aluno vai estudar para no ir mal -como de fato acontece- significa uma distoro no sentido da avaliao, j que h uma predominncia do medo, o que no formativo.

    "Achar que a nota um estmulo para aprendizagem ou ingenuidade ou mal disfaradadefesa ideolgica de uma postura autoritria",s

    7 .Pois muitos j o fizeram antes dele.8 .R.M. FLEURf, Revista de Educao AEC (60), p. 53.

    IV Anlise do Problema 23

    Trata-se de um tpico caso de confuso entre conseqncia e causa. O que de fato ocorre que o professor reprime e condiciona o aluno a se comportar de determinada maneira, sob a mira de sua arma.

    O professor pode ainda sentir esta necessidade de usar a nota como instrumento de presso a partir de uma outra situao. o caso quando tem uma boa proposta de trabalho, mas os alunos j esto deformados pela nfase nota, ou seja, s se mobilizam, s "ficam quietos", quando so ameaados pela nota. Nesta circunstncia, haver uma luta inicial do professor at conseguir desalienar os alunos deste tipo de relao com o conhecimento e com a nota; dependendo da srie, este trabalho pode ter pouqussimos resultados, tal a deformao assimilada.

    d) Autoritarismo ingnuoExiste um outro caminho que pode ser trilhado na prtica da deformao

    do papel da avaliao. Alguns educadores no sentem necessidade de utilizar a nota como instrumento de coero, seja porque j realizaram uma mudana substancial na sua forma de trabalho em sala de aula, seja porque no sentem ainda a rejeio por parte dos alunos;9 no entanto, sem se darem conta do papel autoritrio que a avaliao desempenha no sistema de ensino, acabam mantendo o mesmo esquema de nfase avaliao: seguem a regra, fazem o que a escola pede, fazem o que seus companheiros fazem (no percebendo a necessidade de mudar). Dessa maneira, introduzem ou mantm a deformao no sentido da avaliao; o professor no decidiu dar nfase avaliao, fazer uso autoritrio da avaliao, mas faz. Apesar de terem origem num "autoritarismo ingnuo", os resultados na formao do aluno so tambm funestos.

    e) "Preparao para a vida"No ntimo, o .educador sente que no era bem isto que gostaria de fazer,

    mas, afinal, "o caminho deve ser este, j que to comum entre os colegas". Procura, ento, uma justificativa para tal atitude e a encontra no "vestibular" e na "sociedade": a escola precisa dar nfase avaliao, para melhor preparar o aluno para a vida, que " cheia de momentos de tenso".10 Quando no, afirma laconicamente: "a avaliao um mal necessrio!".11

    f) Conseqncias Aula para a Prova

    A aula passa a girar no em tomo da preocupao com a formao e construo do conhecimento do aluno, mas sim em torno da preocupao com a prova: "Olhem, prestem ateno, isto vai cair na prova".

    9 .Esta situao mais comum nas sries iniciais.10 .Mais frente analisaremos este argumento.11 .Cf. J.M. Monarca PINHEIRO, A-Neurose da Avaliao, p.28.

  • 24 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    Os professores costumam reclamar que os alunos s pensam em nota, mas esquecem-se que a prpria escola, que eles mesmos formaram o aluno assim... Presso sobre o Aluno

    A prtica da avaliao escolar chega a um grau assustador de presso sobre os alunos, levando a distrbios fsicos e emocionais: mal estar, dor de cabea, "branco", tenso, medo, angstia, insnia, pesadelo, vergonha, transpirao, enjo, ansiedade, diurese, nervoso, confuso, esquecimento, preocupao, "frio na barriga", decepo, introjeo de auto-imagem negativa, etc.12

    Uma escola que precisa recorrer presso da nota logo nas sries iniciais, , certamente, uma triste escola e no est educando; uma escola fracassada...

    3 Anlise do Problema na sua Totalidade

    a) Percepo inicial do professorNormalmente, o professor mais aberto coloca a avaliao em questo a partir

    de um apelo de sua sensibilidade, quase que no nvel tico: percebe os alunos sofrendo, preocupados em demasia com a nota. No tem idia, no entanto, da dimenso do problema com que est se deparando; est se aproximando de um dos pontos centrais da concretizao do autoritarismo no sistema escolar. O que ele observa no aluno o resultado de uma complexa cadeia de relaes de reproduo das estruturas dominantes ( apenas a ponta do iceberg).

    O professor, de modo geral, no tem conscincia de que mais um agente dessa engrenagem de discriminao e dominao social. Faz simplesmente aquilo que "sempre foi feito" na escola, para o que, inclsive, recebeu "fundamentos cientficos" na sua graduao. No percebendo, inicialmente, a real dimenso do problema, sua procura de tcnicas mais apropriadas, para que, tanto ele como seus alunos, possam se sentir melhor em relao avaliao.

    b) Relao Avaliao-ObjetivosA Avaliao Escolar no pode ser reduzida a uma questo tcnica, pois ,

    antes de tudo, uma questo poltica, ou seja, est relacionada ao poder, aos objetivos, s finalidades, aos interesses que esto em jogo no trabalho educativo; numa sociedade de classes, no h espao para a neutralidade: posicionar-se como neutro, diante dos interesses conflitantes, estar a favor da classe dominante, que no quer que outros interesses prevaleam sobre os seus. Afinal de contas, a favor de quem, contra quem se coloca nossa escola, o trabalho de cada educador? Qual nossa viso de Homem e de Sociedade? Se no sabemos para onde queremos ir, como podemos avaliar se estamos indo bem ou no?

    12 Para perceber melhor a presso que o aluno sente, o professor deve lembrar da presso que sente quando chega o fim do ano, na escola particular, e o diretor vai decidir sobre sua "aprovao" ou "reprovao"...

    IV Anlise do Problema 25

    c) Papel Poltico da AvaliaoSempre que se observa a organizao da sociedade, no deixa de vir

    tona uma questo crucial: como possvel to poucos dominarem a tantos?13 claro que a resposta a essa pergunta demanda profundas anlises, mas certo tambm que podemos a encontrar reflexos da avaliao escolar. A classe dominante, para a manuteno do status quo, precisa contar com um certo consenso junto s classes dominadas ( muito desgastante e improdutivo ficar usando o aparelho de represso a toda hora). Para isto, lana mo da inculcao ideolgica. Este processo visa que cada um se conforme com seu lugar na sociedade, pelo "reconhecimento" de sua desvalia, de sua incompetncia (com justificativas "cientficas", inclusive). Essa cooptao ideolgica terrvel, pois interioriz-se no sujeito, sem que ele se d conta e, dessa forma, acaba levando a que apie e colabore com seu dominador. Evidentemente, se o sujeito no tem conscincia de sua dignidade, de seu valor, de seus direitos, se sente-se culpado, inferior, como pode ter nimo para a luta? A avaliao escolar colabora com este processo de dominao, ajudando a formar um auto-conceito negativo, desde a mais tenra idade, em milhes e milhes de crianas, jovens e adultos, especialmente das camadas populares, que tm o "privilgio" de passar pelos bancos escolares. No podemos, entretanto, cair no erro de considerar que a escola a responsvel pela organizao social; na verdade, a escola apenas refora e realimenta toda uma organizao j existente, que tem uma base material muito concreta. Basta lembrar da "pedagogia do cotidiano" do trabalhador: pouco tempo de descanso, m alimentao, nibus superlotado, baixos salrios, acidentes de trabalho, desemprego, hierarquia, burocracia, etc.

    No que diz respeito avaliao, h uma particular dificuldade na captao da essncia do problema, pois muito comum aqui confundir-se conseqncia com causa. Frequentemente, a avaliao aparece como um problema tcnico: como fazer uma vprova que possa medir adequadamente, como avaliar tal componente curricular, como dimensionar o tempo, que peso dar s notas bimestrais, estabelecer mdia 5 ou 7, usar nota ou conceito, como fazer o arredondamento dos dcimos da nota, como formular bem as perguntas, fazer avaliao objetiva ou dissertativa, como corrigir os erros de portugus, etc. No entanto, o problema crucial e determinante da avaliao neste momento histrico do sistema escolar de carter poltico,14 ou seja, o seu uso no como recurso metodolgico de reorientao do processo de ensino-aprendizagem, mas sim como instrumento de poder, de controle, tanto por parte do sistema social, como pela escola e pelo prprio professor. Este carter poltico se traduz concretamente na possibilidade de reprovao do aluno. A avaliao no seria este "bicho de sete cabeas", se no houvesse o respaldo legal para a reprova-

    13 .Cf. Etienne Li HOTIE, Discurso iiii Seiviihio Voluntrio. So Paulo, llrasiliense, 1982H .Por poltico entendemos as relaes de exerccio de poder, que se do na convivncia dos homens

    (Cf. Polis, Cidade-Estado grega). No confundir com poltica partidria.

  • 26 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    o15 do aluno por parte do professor. A base da reprovao encontra-se na sociedade de classes, que determina um sistema de ensino seletivo (que mediatizado pela escola e pelo professor).

    Esquema: Desenvolvimento do Problema

    remota : forma de estruturao do sistema que j confere ao professor e escola o poder de julgar (reprovar)

    Origem do Problema\ prxima: inadequao da proposta de trabalho

    em sala de aula (contedo e metodologia)

    rejeio por parte dos alunos; desinteresse; indisciplina

    ameaa atravs da nota (mais ou menos conscientemente) resultado: aceitao, interesse e disciplina aparentes

    Problema decorrente : dependncia do aluno com relao nota(manifestao final) inverso da avaliao: Meio ===> Fim

    claro que a avaliao tem problemas especificamente pedaggicos 5("tcnicos"), que ,no s colocam no mbito estritamente poltico. Mas estes problemas s podem ser enfrentados depois de uma tomada de conscincia do problema poltico, que determinante, e de uma opo por uma outra prtica em termos de avaliao. Caso contrrio, corre-se o risco de se ter pequenos ajustes na velha estrutura.

    De instrumento de anlise do processo educacional, a avaliao tornou-se instrumento de dominao, de controle,16 de seleo social, de discriminao, de represso, de vingana ("acerto de contas"). Objetivamente, no sistema educacional, a avaliao hoje o instrumento de controle oficial, o "selo" do sistema, o respaldo legal para a reprovao/aprovao, para o certificado, para o diploma, para a transferncia, etc.

    "A avaliao, sob uma falsa aparncia de neutralidade e de objetividade, o instrumento por excelncia de que lana mo o sistema de ensino para o controle das oportunidades educacionais e para a dissimulao das desigualdades sociais, que ela oculta sob a fantasia do dom natural e do mrito individualmente conquistado''.

    SOARES, p. 53

    Manifestao Inicial:I

    Tentativa de soluo:

    15 Qual o sentido da reprovao? Quando um aluno deveria ser reprovado? Em princpio, a reprovao seria um instrumento de que dispe a escola/professor para no permitir o avano de um aluno sem condies de continuidade do estudo em graus mais elevados. No entanto, a reprovao, que deveria ser uma exceo, acaba se transformando em regra de ameaa ao aluno.

    16 ."Se a gente deixasse livre, a escola ficaria vazia o ano inteiro".

    IV Anlise do Problema 27

    Esquema: Problema Aparente x Problema Essencial

    Nota se tomou mais importante que aprendizagem(para alunos, professores, pais, escolaetc.)

    Problema aparente = perceptvel (no que no seja real; real, s que no essencial)

    Problema essencial

    Avaliao como instrumento de discriminao e seleo social

    A avaliao, portanto, acaba desempenhando, na prtica, rr papel maispoltico que pedaggico: pelo sistema: como forma de inculcao ideolgica, domesticao, seleo e

    discriminao social; pela escola: como forma de legitimao da sua prpria existncia, como

    afirmao de sua importncia (assumi-se em nvel local a determinao do sistema), bem como forma de controle do trabalho do professor;

    pelo professor: como forma de controle da disciplina e/ou como forma de coero para o aluno reproduzir a ideologia dominante, expressa no saber ali transmitido.

    d) Qual pedagogia est por trs da nota?Por detrs da maneira como a nota trabalhada na escola, pode-se perceber

    a presena de uma pedagogia comportamentalista, baseada no esforo-re- compensa, no prmio-castigo. A nota, ao invs de ser um elemento de referncia do trabalho de construo de conhecimento, passa a desempenhar justamente o papel de prmio ou de castigo, alienando a relao pedaggica, ou seja, tanto o aluno como o professor passam a ficar mais preocupados com a nota que com a aprendizagem. A essa pedagogia poderamos contrapor uma outra que tivesse como meta a construo da autonomia, onde a avaliao seria uma referncia para a prpria criana, no sentido de superao das dificuldades que venha encontrando. Na pedagogia do esforo-recompensa, a nota passa a ser algo fora do processo educativo, enquanto que na pedagogia da autonomia, a nota remete ao interior do prprio processo de ensino-aprendizagem.

    e) Localizao do problema da Avaliao no campo PedaggicoO problema da avaliao complexo, pois tem um duplo rebatimento, uma

    dupla ocultao: primeiro, aparece como um problema tcnico, quando na verdade , antes de tudo, problema poltico; segundo, aparece como causa de outros problemas pedaggicos, quando , na verdade, antes disso, conseqncia do

  • 28 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    problema da inadequao metodolgica em sala de aula. Esvaziada de sua utilizao autoritria (uso poltico), a avaliao no chega a ser um problema to difcil de ser equacionado do ponto de vista pedaggico; neste sentido, nos parece, a alterao da metodologia de trabalho em sala de aula muito mais difcil e importante que a alterao da avaliao (sem perder de vista a mtua influncia). Como vimos, o uso da avaliao como forma de presso decorre da tentativa de contornar o problema disciplinar em sala de aula, que por sua vez decorrncia da inadequao da proposta de trabalho do professor e da escola. Assim, o principal problema da educao escolar, enquanto enfoque micro-estrutural, se encontra muito mais na metodologia de trabalho que na avaliao.

    f) Dificuldade da MudanaUma questo que no deixa de vir tona quando se pensa na problemtica

    da avaliao a seguinte: por que to difcil mudar a avaliao? muito difcil porque exige, antes de mais nada, uma mudana de postura do educador tanto em relao avaliao propriamente dita, quanto educao e sociedade (no limite). O substrato de uma nova concepo da avaliao est na tomada de posio: estar a servio da reproduo ou da transformao! No , portanto, simplesmente uma questo "tcnica", como por exemplo no fazer semana de prova, fazer avaliao de cunho reflexivo, etc. Como, em ltima instncia, o problema da avaliao poltico, a superao, em ltima instncia, tambm passa por uma nova postura poltica, o que muito difcil, dado o processo de alienao, a ideologia, as estruturas dominantes, etc. No estamos inaugurando o mundo; ao contrrio, nos situamos num mundo que tem uma lgica em andamento. A conscientizao um longo processo de ao-reflexo-ao; no acontece "de uma vez", seja com um curso ou com a leitura de um texto. Vai- se ganhando clareza medida que se vai tentando mudar e refletindo sobre isto, coletiva e criticamente. Coloca-se, assim, para quem quiser se engajar, o desafio da transformao.

    Entendemos que o que precisamos hoje no tanto uma nova relao de idias sobre a realidade, mas sim uma nova relao com as idias e com a realidade.

    CONCEPO DIALTICA-LIBERTADORA DO PROCESSO DE AVALIAO ESCOLAR

    3 PARTE

  • V - EM BUSCA DE ALGUMAS ALTERNATIVAS

    A gente toma a iniciativa... e vai contra a corrente..."

    Chico Buarque

    Aviso aos navegantes:

    Veja bem, se voc quiser, pode continuar s se lamuriando a respeito dos problemas da Avaliao (e da profisso); motivo para reclamar que no falta. Existem hoje muitas justificativas, at cientficas, para a gente no fazer nada: o sistema, a legislao, o salrio, a sobrecarga de trabalho, a falta de apoio, a m formao, o nmero de alunos por sala, os pais, os alunos, os colegas, os superiores, etc., etc. Pode ficar tranqilo. Ningum obrigado a sair da mediocridade. Ningum obrigado a tomar a iniciativa. Ningum obrigado a ser agente da prpria histria. Ningum obrigado a se comprometer com uma educao democrtica.

    Lgica do detetive x do educadorQue esprito deve ter o professor, diante da avaliao: do policial que fica

    procurando o culpado, o errado, o fora do padro ou o do pedagogo que acompanha o crescimento da criana, procurando dar-lhe as melhores condies de desenvolvimento? O educador no pode se deixar levar pela "lgica do detetive", ou seja, estar mais preocupado em verificar quem cometeu um "crime",17 do que em ajudar no processo de construo do conhecimento. Atualmente, os educadores assumiram tanto esse papel de controle, de fiscais, que nem h mais necessidade de controle do trabalho de sala de aula por parte dos inspetores do Estado.18 Muitas vezes, desempenhamos, ainda que sem querer, o papel do detetive que procura avidamente entre os alunos aqueles que no so "capazes", que estariam a "enganar" a sociedade. Localizados, nos realizamos, punindo-os com nota baixa e reprovao... De que pressuposto partimos: de que h "farsantes" no meio do grupo ou de que todas as crianas so capazes de aprender? Em relao questo do "limite" do aluno ("tal aluno limitado"), caberia uma pergunta: considerando que toda criana capaz de aprender (a menos que tenha srias disfunes, nem chegando a freqentar a escola), o "limite" estaria no aluno ou no professor? Teramos "Problemas de Aprendizagem" dos alunos ou, na ver-

    17 .0 aluno culpado at que prove o contrrio...18 .Por ironia do destino, o prprio Estado chega hoje a pedir que os professores sejam menos autoritrios

    na avaliao; veja-se o caso da Deliberao 3/91 do Conselho Estadual de Educao de So Paulo.

  • 32 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    dade, "Problemas de Ensinagem"19 dos professores? (restaria desenvolvermos competncia para ajud-las)

    Relao Avaliao-Concepo de EducaoA primeira questo que se coloca quando se fala de avaliao relativa

    mente aos objetivos da educao escolar, pois deles que derivaro os critrios de anlise do aproveitamento. A avaliao escolar est relacionada a uma concepo de homem, de sociedade (que tipo de homem e de sociedade queremos formar, etc.), ao Projeto Pedaggico da instituio. justamente aqui que encontramos uma distoro, qual seja, uma distncia muito grande entre o discurso e a prtica, em funo da alienao que perpassa nossas relaes sociais; de modo geral, no se percebe a discrepncia entre a proposta de educao e a prtica efetiva. Em parte, isto ocorre em funo de uma prtica de planejamento meramente formal, levando a que os professores simplesmente "esqueam" quais foram os objetivos propostos.20 Temos que superar esta contradio atravs da reflexo crtica e coletiva sobre a prtica.

    Evidentemente, o sentido dado pelo professor avaliao est intimamente relacionado sua concepo de educao:

    Esquema: Postura do Professor frente ao Ensino e Avaliao

    Concepo Tarefa

    Professor

    Transmissor ==> transmitir e fiscalizar a absoro do transmitido Avaliao = Controle/Coero

    ' Educador ===> ensinar e fazer tudo para que aluno aprenda Avaliao = Acompanhamento /Ajuda

    Entendemos, pois, que o sentido da avaliao o seguinte:

    Avaliar para que os alunos aprendam mais e melhor.

    15 .Cf. COLLARES, Ceclia A.L. Ajudando a Desmistificar o Fracasso Escolar. In Tain Criana Capaz tie Aprender? (Srie Idias, n. 6). So Paulo, FDE, 1990, p. 28.

    :o .Cf. SOUZA, Clarilza, Avaliao do Rendimento Escolar, p. 85.

    V Em Busca de Algumas Alternativas 33

    Avaliao x NotaH que se distinguir, inicialmente, 'Avaliao' e 'Nota'. Avaliao um

    processo abrangente da existncia humana, que implica uma reflexo crtica sobre a prtica, no sentido de captar seus avanos, suas resistncias, suas dificuldades e possibilitar uma tomada de deciso sobre o que fazer para superar os obstculos. A nota, seja na forma de nmero (ex.: 0-10), conceito (ex.: A, B, C, D) ou meno (ex.: Excelente, Bom, Satisfatrio, Insatisfatrio), uma exigncia formal do sistema educacional. Podemos imaginar um dia em que no haja mais nota na escola -ou qualquer tipo de reprovao-, mas certamente haver necessidade de continuar existindo avaliao, para poder se acompanhar o desenvolvimento dos educandos e ajud-los em suas eventuais dificuldades.

    Esquema: Avaliao x Nota x Prova

    A Provn npenns uma tins formas de se gerar Nota, que, por sun vez, npenns umn das formns de se Avaliar. Assim, podemos atribuir Nota sem ser por Prova, bem como podemos Avaliar sem ser por Nota (este dia parece no ter chegado ainda...).

    Mudana de Prtica

    Algumas mudanas dependem de instncias superiores ao professor ou escola; nestes casos, a luta mais longa e exigente. Mas muitas mudanas esto, muito objetivamente, ao alcance do professor e da escola (ex: no marcar semana de prova, etc.); estas mudanas devem ser feitas, se queremos construir algo novo.

    Seria importante lembrar que a mudana de mentalidade se d pela mudana de prtica. Se o discurso resolvesse, no teramos mais problemas com a avaliao, pois qual o professor que j no disse "n" vezes para seus alunos que o importante no a nota, mas sim a aprendizagem...

    O professor que quer superar o problema da avaliao precisa, a partir de uma auto-crtica: abrir mo do uso autoritrio da avaliao que o sistema lhe faculta, lhe

    autoriza; rever a metodologia de trabalho em sala de aula; redimensionar o uso da avaliao (tanto do ponto de vista da forma como

    do contedo);

  • 34 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar V Em Busca de Algumas Alternativas 35

    alterar a postura diante dos resultados da avaliao; criar uma nova mentalidade junto aos alunos, aos colegas educadores e aos

    pais.A seguir detalhamos um pouco estas sugestes para a transformao da

    prtica.

    Pressuposto: Professor abrir mo do uso autoritrio da avaliaoO pressuposto de que partimos para apresentar as sugestes seguintes

    que o professor queira abrir mo da "autorizao" dada pelo sistema e pelos pais para que faa uso autoritrio da avaliao; queira estabelecer uma ruptura -prtica (e no idealista/voluntarista) com o status quo autoritrio; recuse-se a entrar no circuito da perverso. Como vimos anteriormente, o problema da avaliao , antes de mais nada, um problema poltico. Por isto, seu nfrentamento passa primeiramente por uma tomada de posio poltica: modificar a postura diante da avaliao (deciso poltica, no tcnica). Muitos dos fatores que interferem no problema da avaliao esto fora do raio de ao imediata do professor; no entanto, a mudana de postura est ao alcance do professor. No basta, numa atitude passiva, no fazer intencionalmente, no fazer por querer: a reproduo "automtica", faz parte da engrenagem social. Exige-se um esforo ativo e consciente no sentido contrrio, qual seja, de no reproduzir a regra dominante; necessrio desejar e se empenhar na transformao do que est a, atravs die uma nova prtica (ainda que limitada).

    Muitas vezes, nos sentimos divididos: de um lado, a percepo da necessidade de mudar, de outro, a resistncia, o medo do novo. Temos que lutar conosco mesmos! Se o professor muda sua postura, com um pouco de esforo, trabalho coletivo e criatividade, encontra os melhores meios de realizar a avaliao.

    Propostas

    Ateno:Apresentamos um conjunto de propostas que refletem uma concepo de avaliao. A considerao de uma proposta desvinculada das demais pode distorcer seu sentido.

    1- Proposta: Alterar a metodologia de trabalho em sala de aula

    O educador deve rever sua prtica pedaggica, pois, a origem de muitos dos problemas de sala de aula encontra-se aqui. Deve procurar desenvolver um contedo mais significativo e uma metodologia mais participativa, de tal forma que diminua a necessidade de recorrer nota como instrumento de coero.

    N o se pode conceber uma avaliao diferente, em ancipatria, num processo de ensino passivo, alienante; se o contedo no significativo, como a avaliao pode s-lo? O professor que no dia a dia ensina nomes e datas, no tem condies de solicitar relaes na avaliao. Enquanto o professor no mudar a forma de trabalhar em sala de aula, dificilmente conseguir mudar a prtica de avaliao formal, decorativa, autoritria, repetitiva, sem sentido.

    Alguns professores cobram "criatividade" dos alunos -principalmente na hora da prova-, quando todo o trabalho em sala de aula est baseado na repetio, na reproduo, na passividade, na aplicao mecnica de passos que devem ser seguidos de acordo com modelos apresentados. Ora, a criatividade fundamental na formao do educando e do cidado, mas ela precisa de uma base material: ensino significativo, oportunidade e condies para participao e expresso das idias e alternativas, compreenso crtica para com o erro, pesquisa, dilogo, etc.

    a) Sentido para o conhecimentoComo vimos, tem havido uma inverso no sentido da avaliao: de um m eio

    de verificao de um processo, acabou se transformando no fim desse processo, na prtica dos alunos e da escola. Trate-se da to famosa questo do "estudar para passar" ou "estudar para tirar nota" ("Professor, pra nota?"),21 e no estudar para aprender. Os alunos, desde de cedo, precisariam ser orientados para dar um sentido ao estudo; a nosso ver, este sentido se encontra na trplice articulao entre compreender o mundo que vivemos, usufruir do patrimnio acumulado pela humanidade e transformar este mundo, qual seja, colocar este conhecimento servio da construo de um mundo melhor, mais justo e fraterno. claro que esta tarefa no fcil no atual contexto social; este empenho do educador tem a ,ver com o enfrentamento da alienao: trata-se de uma luta de perspectivas, de sentidos para o conhecimento e para a vida.

    b) Agir para conhecerAs cincias pedaggicas contemporneas demonstram que o sujeito s

    adquire o conhecimento quando, num processo ativo (seja motor, perceptivo, reflexivo, intuitivo), reconstri o objeto de conhecimento. O bl-bl-bl depositante no leva aprendizagem. O testemunho dos alunos muito claro: "Na hora da explicao eu entendo tudo direitinho, mas quando tento me lembrar quase sempre no me lembro". E claro que quando o professor vai explicando "vai tudo muito bem"; na verdade o educando no est se confrontando com o objeto do conhecimento, mas apenas recebendo passivamente informaes sobre esse objeto. O professor deve propiciar uma metodologia que leve a esta participao

    :i .Isto por parte dos alunos; por parte dos professores, o "ensinar para a prova" ("Isto c matria de prova").

  • 36 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    ativa dos educandos (problematizao, debate, exposio interativa-dialogada, pesquisa, experimentao, trabalho de grupo, dramatizao, desenho, construo de modelos, estudo do meio, seminrios, exerccios de aplicao, aulinhas dos alunos, etc.).

    c) Direito dvida

    A dvida um dos direitos fundamentais do educando, justamente porque est em fase de formao. No entanto, na prtica em sala de aula, este direito tem sido sistematicamente desrespeitado, seja pelos colegas (que ficam gozando quando algum pergunta),22 seja pelo prprio educador (que acha que gozando se aproxima mais dos alunos ou que "ganha tempo" para dar os seus contedos...). Instala-se o medo de perguntar. Dessa forma, o aluno no constri adequadamente seu conhecimento, o que o leva a se desinteressar pela aula, as dvidas se acumulam e o professor no tem elementos para fazer uma avaliao continua da aprendizagem. As dvidas revelam ao professor o percurso que o aluno est fazendo na construo do conhecimento. O professor dever, ao contrrio, incentivar e garantir a prtica de perguntar durante a aula, combatendo os preconceitos e as gozaes, estabelecendo um clima de respeito.23

    d) libi do Vestibular

    Alguns professores argumentam, por exemplo: "Tenho que dar, na 62 srie, os nomes das Capitanias Hereditrias porque cai no vestibular". O que acaba ocorrendo quem nem do bem o que deveria ser dado naquele momento, nem resolvem o problema do vestibular, pois, como se sabe, cerca de um ms depois, o aluno j no se lembra de quase nada do que foi ensinado de forma no significativa. O melhor fazer bem o que tem que ser feito e apontar para a necessidade de estar atento a eventuais contedos alienantes que o vestibular pode pedir; quando chegar a poca de prestar exame, o aluno decora uns dias antes, se for o caso.

    1- Proposta: Diminuir a nfase na Avaliao

    Em termos de avaliao s h necessidade de se mudar o contedo e a forma (ou seja, tudo!). Inicialmente, vamos tratar mais da questo da forma, levando em conta, no entanto, que contedo e forma no so independentes um do outro, mas tm uma articulao intrnseca.

    33 .Geralmente, em cada classe, somente alguns poucos alunos tm o "direito" dvida.33 .Esta atitude radicalmente diferente daqueles professores que chegam a chamar seus alunos de

    "orelhudos" (numa "delicada" aluso ao asno).

    V Em Busca de Algumas Alternativas 37

    Importante: No adianta mudar forma e no mudar contedo!!(e vice-versa)

    a) Tenso estimulada

    Vamos retomar aqui aquele argumento citado anteriormente: "Na vida toda o aluno vai ter que enfrentar situaes de avaliao e de tenso; ento, a escola, para ser ligada vida, deve propiciar tambm uma nfase na avaliao: dias especiais, horrios especiais, questes complexas, presso durante a resoluo, tempo limitado, poucas explicaes, etc.". A nosso ver, esta uma viso totalmente equivocada, pois, novamente, se confunde a consequncia com a causa. O argumento de que temos que preparar o aluno para a vida pode parecer muito moderno, mas dependendo de como entendido, pode ser extremamente conservador e reacionrio, pois pode significar a simples adaptao ao mundo que a est. claro que o educando tem que ser preparado para a vida, mas levando em conta tambm aquilo que tem que ser mudado, transformado.

    Muitos educadores tm dificuldade em admitir a influncia dos fatores scio-afetivos na educao escolar. Sabemos, no entanto, que estes fatores podem ser decisivos, no no sentido de constiturem um caminho especial de construo de conhecimento, mas no sentido de poderem funcionar como elemento de bloqueio aprendizagem; basta ver os to comuns casos de "branco".24 O trabalho da escola no pode caminhar para o condicionamento operante, que reduz o aluno a um animal condicionado a dar determinadas respostas sob determinados estmulos. Para ser educativo, deve colaborar para a formao integral, do sujeito. Assim, uma vez que o sujeito se sinta efetivamente preparado, auto-confiante, uma vez que tenha aprendido efetivamente a resolver problemas, sua eventual tenso tender a se reduzir a nveis perfeitamente administrveis. O papel da escola, ento, justamente propiciar a construo significativa do conhecimento e o desenvolvimento da autonomia, da auto-confiana. Alm do mais, como sabemos, no so os "momentos de tenso" que realmente avaliam e sim a vida (no o sucesso no exame da Ordem que garante o sucesso na vida profissional...). Especificamente com relao ao Vestibular, se o aluno teve este ensino de qualidade, se teve essa formao integral tanto do ponto de vista cognitivo, quanto scio-afetivo e psico-motor, est plenamente preparado para enfrentar qualquer situao-problema, bastando, quando muito, participar de alguns simulados desse exame para que conhea sua estrutura.25

    34 .Negar a interferncia do emocional no cognitivo ("O aluno que fica nervoso porque no sabe"), negar o aluno enquanto ser concreto.

    35 .Levantamento do perfil de alunos aprovados feito pela UFRGS e pela PUC de Porto Alegre, demonstram que alunos oriundos de escolas "alternativas" (mais crticas e participativas) so os que tm os maiores ndices de aprovao.

  • 38 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    b) Avaliao no processoA primeira proposta especificamente com relao avaliao, ento, visa

    recoloc-la no seu lugar: avaliao como processo.26A avaliao deve ser contnua para que possa cumprir sua funo de auxlio

    ao processo de ensino-aprendizagem, ou seja, a avaliao que importa aquela que feita no processo, quando o professor pode estar acompanhando a construo do conhecimento pelo educando; avaliar na hora que precisa ser avaliado, para ajudar o aluno a construir o seu conhecimento, verificando os vrios momentos do desenvolvimento dos alunos e no julgando-os apenas num determinado momento. Avaliar o processo e no apenas o produto, ou melhor, avaliar o produto no processo.

    A separao entre a avaliao e o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, o fazer-se avaliao no no cotidiano do trabalho de sala de aula, mas em momentos especiais, com rituais especiais,27 etc. causou srios problemas para a educao escolar. Em nome da objetividade, da imparcialidade, do rigor cientfico chegou-se a uma profunda desvinculao da avaliao com o processo educacional. Provas preparadas, aplicadas e corrigidas por outros, que no os professores das respectivas turmas, eram sinnimo de qualidade de ensino.28 E bvio que toda essa nfase no passou desapercebida pelos alunos, que, por sua vez, comearam a dar-lhe um destaque especial tambm, introduzindo, assim, uma distoro no sentido da avaliao. Como apontamos anteriormente, at hoje muitas escolas e educadores defendem esta nfase em nome da "preparao para a vida". No entanto, o questionamento dos professores mais lcidos muito claro: por que dar uma avaliao para os alunos no final do bimestre muito semelhante a tantos trabalhos que fizeram no decorrer do mesmo? Trata-se de uma situao artificial, ao passo que a avaliao poderia ser contnua, com as prprias atividades dirias.

    No seu verdadeiro sentido, a avaliao sempre faz parte do processo de ensino-aprendizagem, pois o professor no pode propiciar a aprendizagem a menos que esteja constantemente avaliando as condies de interao com seus educandos. Est relacionada ao processo de construo do conhecimento, que se d atravs de trs momentos: Sncrese, Anlise e Sntese. Pela avaliao, o professor vai acompanhar a construo das representaes no aluno, percebendo onde se encontra (nvel mais ou menos sincrtico), bem como as elaboraes sintticas, ainda que provisrias, possibilitando a interao na perspectiva de superao do senso comum.

    36 .No estamos nos referindo aqui a processo no sentido funcionalista, mecanicista, tecnicista, em que h definio d o input e do output desejado e o controle das variveis (Cf. Mrcia BRITO, op. cit. p. 61). Processo aqui tomado no sentido do desenvolvimento histrico do sujeito e do social, nas suas mltiplas relaes e facetas.

    27 .Existem casos patolgicos e quase que antolgicos: professor que fazia furo no jornal para surpreender alunos colando, professor que punha cadeira sobre a mesa e sentava-se em cima para vigiar melhor, etc.

    28 .Esta uma forma de controle sobre o trabalho do professor. Infelizmente esta prtica ainda comumnas I a a 4a series do 1 grau (Cf. Pura MARTINS, op. cit. p. 59).

    V Em Busca de Algumas Alternativas 39

    c) Crtica "Prova"Quais os problemas que vemos na "prova", enquanto instrumento de

    avaliao com horrio especial, rituais especiais, etc.? Ruptura com o processo de ensino-aprendizagem nfase demasiada nota Como est desvinculada do processo ensino-aprendizagem, acaba servindo

    apenas para classificar o aluno, no tendo repercusso na dinmica de trabalho em sala de aula.

    A avaliao tipo prova individual revela o passado, aquilo que se estruturou no sujeito, no dando conta de avaliar aquilo que est em desenvolvimento, em processo de vir-a-ser, que poderia desabrochar na interao com os colegas, com o professor, atravs de atividades de outro tipo.29

    d) No se trata de abolir a avaliao preciso esclarecer que quando se faz crtica nfase na avaliao ou

    prova, no se est fazendo crtica necessidade de avaliao ou necessidade de produo de conhecimentos e expresso dos educandos. Deve-se estar atento para "no jogar fora a gua suja junto com a criana": alguns educadores tomam, precipitadamente, a crtica ao problema da represso pela nota e "prova", como a defesa da abolio da avaliao, como a dispensa da necessidade do aluno fazer seus trabalhos (certa viso "espontaneista" que se contrape viso "autoritria", como reao mecnica e oposta a esta).30 Isto um grande equvoco, pois, neste caso, os alunos no seriam trabalhados em suas dificuldades, por no haver uma avaliao do processo. No se trata disto. O que se prope que esses elementos para avaliao sejam tirados do prprio processo, do trabalho cotidiano, da prpria caminhada de construo e produo do conhecimento do aluno e que no se tenha um momento "especial", "sacramentado" e "destacado", cohro o uso corrente na "prova".

    e) Aprender x tirar notaUm outro aspecto a ser considerado o seguinte: enquanto existir nota que

    reprova, no podemos iludir os alunos, fazendo de conta que ela no existe e no final do ano ele ser surpreendido por uma reprovao. Entendemos que, em primeiro lugar, o professor no deve fazer uso autoritrio dela e, dessa forma, mostrar (atravs de novas prticas concretas -e no de discursos- isto fundamental) ao aluno que, se ele aprender, a nota vir como conseqncia natural, enquanto que a recproca no verdadeira, ou seja, o aluno que s se preocupa com nota acaba no aprendendo, mas s apresentando um comportamento de memria superficial.

    29 .Cf. L.S. VYGOTSKY, zona Ae Acsenmhmncnlo proximal".30 .Semelhante distoro foi verificada na implantao do Ciclo Bsico no Estado de So Paulo.

  • 40 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    Dada a realidade das distores j presentes hoje no sistema educacional, esta proposta de avaliao processual se desdobra em dois nveis, a saber:

    Ia srie do T grau: mudana radical==> fim das provas

    Sries mais adiantadas: mudana paulatina ==> aes concretas

    I a nvel: sries iniciaisLevando-se em conta que nas sries iniciais que comea a se manifestar

    o problema, devemos elimin-lo a pela raiz, ou seja, no deixar que surja. Para isto, devemos simplesmente eliminar qualquer prtica que deforme o sentido da avaliao. Objetivamente, para no pairar dvidas, propomos:

    No marcar "semana" de prova, "dia" de prova, "horrio" de prova, rituais especiais de prova, etc., mas fazer a avaliao continuamente, a partir dos diversos trabalhos cotidianos realizados na sala de aula.

    Observao:No se trata s de no marcar. E no marcar e no ter mesmo!!! No adianta no marcar e continuar fazendo momentos especiais, etc.;31 * se for para continuar dando, o mais honesto avisar, pois ao menos o aluno pode se preparar para estes momentos... No adianta deixar de marcar data (mudar form a) e continuar dando prova de cunho decorativo (no mudar contedo).

    A nossa prtica tem mostrado que importante que a escola e os educadores tomem essa deciso, muito concreta e objetivamente, a partir de uma srie num determinado ano; freqentemente, deseja-se mudar toda a escola de uma s vez e acaba no se mudando nada. Assim, consideramos muito mais vivel a implantao dessa sistemtica inicialmente numa srie. Teramos, por exemplo, num ano, a I a srie do 1B grau; no ano seguinte, a Ia e a 2a, e assim sucessivamente, a escola iria implantando de acordo com sua realidade, mas garantindo efetivamente essa transformao da prtica, mesmo que no ao ritmo que gostaria.

    Em relao Educao Infantil, timo que no tenha nota, nem reprovao, mas uma questo fundamental deve ser colocada: como trabalhado o erro? Sabemos que certos "olhares" ou certos "comentrios" de professores podem ter um efeito muito pior sobre a criana que uma nota baixa. A Educao Infantil tem um papel muito importante na formao da criana e, em especial,

    31 .'Ah, agora no marcamos mais o dia da prova; a qualquer momento o aluno pode ser avaliado.Cuidado: se no mudou o contedo, s deixou de avisar, pode ser terror espalhado ao invs de terror concentrado de antes...

    V Em Busca de Algumas Alternativas 41

    com relao avaliao, pois onde socialmente se tem hoje maiores espaos de se fazer um trabalho mais democrtico e significativo. A Educao Infantil no deve ceder s presses das sries posteriores.

    2a nvel: sries mais adiantadasNas sries mais adiantadas, o problema maior, em funo da deformao

    que a prpria escola j impingiu nos alunos. Geralmente encontramos tambm maiores resistncias por parte dos professores e dos pais dessas sries. Tudo isto, evidentemente, dificulta o mbito de ao, mas no o elimina. O que propomos nestas sries :

    Paulatina dim inuio da nfase na avaliao,

    atravs de algumas prticas concretas, como por exemplo: no fazer "sem ana de prova", realizar a avaliao no horrio normal de aula; no mudar o ritual (no ter postura especial, fiscal especial, etc.); propor a

    avaliao como uma outra atividade qualquer (no mudar de sala, no mudar alunos de lugar, etc.);

    avaliar o aluno em diferentes oportunidades (estabelecer um nmero mnimo de momentos de avaliao);

    no se prender s a provas: diversificar as formas de avaliao: atividades por escrito, dramatizao, trabalho de pesquisa, avaliao oral, experimentao, desenho, maquete, etc. (levar em considerao os estgios de desenvolvimento dos educandos);

    diversificar os tipos de questes: testes objetivos, V ou F, palavras cruzadas, completar, pedir desenhos, enumerar de acordo com ordem de ocorrncia, copiar parte do texto de acordo com critrio, associar, formas frases com palavras dadas^etc. Destacamos, no entanto, a necessidade de espao para a avaliao dissertativa, por dar a oportunidade de expresso mais sinttica do conhecimento (sntese construda pelo aluno);

    dar peso maior para questes dissertativas, por exigirem maior empenho e domnio do conhecimento;

    contextualizar as questes: questes a partir de texto, perguntas relacionadas aplicao prtica, problemas com significado, acompanhados por desenhos, grficos, esquemas, etc.;

    colocar questes a mais, dando opo de escolha para os alunos (este recurso simples e d oportunidade de maior individualizao das avaliaes);

    dimensionar adequadamente o tempo de resoluo da avaliao, de forma a evitar a ansiedade. No ficar fazendo presso durante a aplicao ("Faltam 30"; "Faltam 25", etc.);

    as atividades (avaliaes, trabalhos, etc.) que tiverem data determinada para realizao ou entrega, devero ser marcadas ("negociadas") diretamente entre a classe e o professor, com um prazo adequado;

  • 42 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    ao invs de "Prova"32 (nibgum tem que provar nada para ningum), usar o termo "A tividade"; substituir a "Folha de Prova" por "Folha de Atividades", que tambm pode ser usada para trabalhos, pesquisas, etc. (lembrar, no entanto, que no se trata apenas de mudar o termo...);

    deixar muito claro para os alunos e os pais quais os critrios de avaliao que esto sendo adotados pelo professor;33

    no pedir assinatura dos pais: como as avaliaes fazem parte do processo, no tem sentido os pais terem que assin-las, uma vez que devem acom panhar todo o trabalho dos filhos e no apenas as avaliaes; devolver todas as atividades para os alunos;34

    no vincular a reunio de pais entrega de notas; essas reunies devem ser momentos de interao entre a escola e a famlia, de formao dos pais, etc. Entregar as notas na reunio acaba dando destaque nota. Que sejam entregues antes aos alunos.35

    realizar avaliao em dupla e/ou em grupo (sem dispensar a individual); fazer avaliao com consulta; elaborar avaliaes interdisciplinares (questes comuns servindo para duas

    ou mais disciplinas); alunos elaborarem sugestes de questes (ou propostas de trabalhos) para

    a avaliao;36 eliminar uma das notas de um conjunto, para que o aluno fique menos tenso;

    etc.;37 38 no ter pedido especial para avaliao substitutiva (impresso, taxa, etc.); o

    professor pode dispensar, no caso de j ter outros instrumentos, ou acertar a realizao diretamente com o aluno;

    avaliao no ser elaborada por terceiros, mas sim pelo prprio professor. Avaliao no ter que passar pela coordenao, antes de ser aplicada.33

    Para no se sobrecarregar com correes, o professor pode fazer correo por amostragem, auto-correo ou correo-mtua pelos alunos com sua superviso.

    Um outro ponto que precisa ficar claro, quando se busca recolocar a avaliao no seu devido lugar, que problemas de disciplina devem ser tratados

    33 .Do crime? Cf. Repensado a Didtica, p. 135.33 .Neste particular, muito pode colaborar o Servio de Orientao Educacional.34 .No caso dos alunos menores, por uma questo de organizao, pode-se ter uma pasta onde se coloca

    tudo que relativo escola (comunicados, circulares, avaliaes, atividades, trabalhos, etc.) O importante que no seja pasta s para avaliao (no dar nfase).

    35 .Se os pais no vm reunio, no tentar resolver isto com o subterfgio da nota. Analisar o problema e encontrar alternativas mais apropriadas.

    Ao elaborarem esto estudando e ao mesmo tempo dando elementos para o professor analisar se captaram o que 6 essencial da unidade trabalhada.

    33 .Exemplo: alunos fazem seis atividades no bimestre e so consideradas apenas as cinco melhores.38 .A escola deve apresentar a priori quais so seus critrios para elaborao de avaliao; a coordenao

    pedaggica deve acompanhar todo o trabalho do professor e no s a "prova". Analisando, a posteriori, as avaliaes, pode sentir necessidade de orientar algum professor, assim como orienta em outras situaes. Deve-se partir de uma confiana no educador. Lembrar que a nfase avaliao deve ser evitada por todosna escola.

    V Em Busca de Algumas Alternativas 43

    como problemas de disciplina, no se tentando sufoc-los atravs da ameaa da nota.

    Por fim, pois sempre bom lembrar, o professor no deve incentivar a competio entre os alunos, ou, melhor dizendo, o professor precisa combater sua ocorrncia, pela no valorizao da nota, uma vez que, normalmente, a competio j est presente no contexto social.

    O professor deve aproveitar a oportunidade de introduo de novas prticas para abrir o debate, fazer uma reflexo com os alunos sobre suas experincias com avaliao e sobre a necessidade de mudana. importante que a discusso seja em cima de prticas concretas que se vai introduzir e no s discursos a respeito.

    3 Proposta: Redimensionar o contedo da avaliao

    Com relao ao contedo, coloca-se uma exigncia bsica:

    N o fazer avaliao de cunho decorativo!

    mas sim reflexiva, relacional, compreensiva. Infelizmente, essa uma prtica muito comum: palavras, regras, nomes, datas, locais, operaes, frmulas, algoritmos, classificaes fora de contextos significativos.39 Isto acaba levando a distores na relao de ensino-aprendizagem, uma vez que o aluno obrigado a decorar, ao invs de se preocupar em aprender.

    O uso de "cola" (seja escrita no papel, na borracha, etc.) no aceito pela escola por ser considerado recurso alheio ao processo de ensino-aprendizagem. J a cola na cabea ("decoreba") -que tambm no faz parte do processo de formao e construo do conhecimento- frequentemente aceita e at legitimada pelo tipo-de prova que dado pela escola. Isto deve ser superado.

    Olhando para sua avaliao, o professor deveria ver ali o reflexo daquilo que essencial em sua rea de conhecimento, ou seja, aquilo que realmente significativo que o aluno tenha aprendido (auto-anlise: isto que espero dos meus alunos? isto que considero importante?).40

    33 .Exemplo: aluna estudando nomes, datas, locais de movimentos abolicionistas, pede ajuda para me; a me, inicialmente, pergunta o que so movimentos abolicionistas; a aluna pensa, pensa e responde: "No me, isto a professora no vai perguntar!"...

    40 .Um contra-exemplo: a professora de 3J srie comentou em sala que a frmula da gua era 11,0; segundo ela, era para "apenas o aluno ter uma informao a mais. S que na prova foi pedida a tal frmula... Tudo bem que o professor introduza novas informaes, mesmo que ainda estejam um pouco alm da capacidade de total compreenso dos alunos; uma preparao sincrtica para novos conhecimentos. A questo no confundir isto com o essencial daquele momento.

  • 44 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    A l g u m a s o b s e r v a e s s o b r e o c o n t e d o d a a v a l ia o :

    a) Ortografia: saber escrever x adquirir sistema de escrita

    Deve-se definir critrios para a avaliao de forma a possibilitar a valorizao do que efetivamente importa e a flexibilidade na correo de acordo com a realidade dos educandos. Na avaliao de um texto, por exemplo, pode-se levar em conta, com diferentes pesos especficos, o contedo, a argumentao, a organizao das idias, o aspecto gramatical, a esttica, etc. Na avaliao de um texto nas sries iniciais, deve-se valorizar mais a organizao das idias de que os aspectos gramaticais.41 *

    "E importante que a ortografia, a gramtica, seja ensinada tendo em vista que a criana adquire um sistema de escrita e no simplesmente aprende a escrever as palavras que copia na escola. A correo rigorosa dos erros constitui uma forma de bloqueio da expresso, bem como de discriminao social, j que valoriza a forma dialetal da classe dominante. Finalmente, porque nunca demais enfatizar, lembramos que a lngua escrita s ser apresentada criana pela leitura. E, pois, de esperar que o melhor plano para o desenvolvimento de uma boa ortografia seja nem a correo de seus erros em vermelho e nem a cpia sem compreenso, mas levar a criana a ler".

    SO PAULO, Isto se aprende com o ciclo bsico, p. 116

    Lembrar que o aluno tem 8 anos ( l Grau) para dominar a norma culta.

    b) Continuidade: dia a dia e avaliao

    Existe uma tendncia autoritria de se solicitar nas provas exerccios com grau de complexidade bem mais elevado do que os dado em aula. No se trata de dar na prova exerccios iguais aos dados em aula, mas sim no mesmo nvel de complexidade (nem mais fceis, nem mais difceis), j que deve haver continuidade entre o trabalho de sala de aula e a avaliao, pois fazem parte de um mesmo processo (ou pelo menos, deveriam fazer...).

    c) Dificuldade artificial

    Deve-se buscar avaliar aquilo que fundamental no ensino, como por exemplo, o estabelecimento de relao, a comparao de situaes, a capacidade de resolver problemas, a compreenso crtica, etc. A dificuldade da avaliao

    41 .Pnmrfoxo P.M.ib. a professora, percebendo o desejo do aluno, avisa que no deve escrever muito, pois escrever muito significa ter muitos erros. O aluno entrega a redao em branco e pede nota mxima. A professora, por uma questo de coerncia, obrigada a dar, pois no havia nenhum erro...

    1'ara muitos professores, alm de tudo, falta ainda uma noo mnima de proporcionalidade, de percentual...

    V Em Busca de Algumas Alternativas 45

    deve estar centrada na soluo do problema e no no enunciado prolixo. No usar "pegadinhas".

    d) Sobre o "Questionrio"H necessidade de se romper com essa deformao pedaggica chamada

    "questionrio". Trata-se de uma tradio -ao que tudo indica, fundada nos antigos "Catecismos"- de que certas matrias, como Estudos Sociais, Histria, Geografia, Cincias, etc. so matrias "decorativas" e que a melhor forma, ou a nica (?), de estudar atravs de relaes de perguntas e respostas. De preferncia, o professor deveria dar uma longa lista e escolher algumas para a prova. Se o professor no d, os pais, depois de reclamarem e cobrarem isto da escola, acabam elaborando seus prprios questionrios para "preparar" os filhos para as provas. O pior que, nas provas, acabam caindo aquelas perguntas factuais, decorativas, desconexas (nomes, datas, locais, etc.) e o mtodo de preparao pelo "questionrio" vai triunfando de gerao em gerao. Os alunos vo passando para as sries seguintes sem saber interpretaruma frase sequer.

    H que se romper com este ciclo vicioso: revendo a formao dos professores, especialmente dos cursos de magistrio;

    o professor precisa ser capacitado para um outro enfoque do ensino; desenvolvendo, desde a pr-escola, um tipo de ensino que no seja factual,

    decorativo, mas relacional, crtico e reflexivo; elaborando um novo tipo de avaliao, coerente com a nova forma de ensinar,

    ou seja, onde se busque verificar a compreenso dos fatos e conceitos e no sua memorizao mecnica;

    a partir da clareza dessa metodologia, trabalhar com os pais, de forma a que possam colaborar e orientar corretamente o estudo dos filhos.

    No adianta ficar criticando o questionrio e continuar dando o mesmo tipo de aula e de prova...

    e) Avaliao Scio-AfetivaRealizar a avaliao scio-afetiva (atitudes, valores, interesse, esforo,

    participao, comportamento, iniciativa, etc.), mas sem vincul-la nota. Esta avaliao muito importante e deve ser feita; para evitar, no entanto, a distoro de seu sentido em funo do uso autoritrio da nota, pode-se trabalhar, por exemplo, com conceitos ou parecer descritivo, que no tenham o carter de "aprovao" ou "reprovao". Para um melhor desenvolvimento deste tipo de avaliao h necessidade de se melhorar tanto a formao dos educadores (capacidade de observar, de analisar, melhor conhecimento de psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, etc.), quanto suas condies de trabalho (n de alunos por classe, tempo para contato pessoal com alunos, tempo para elaborao de relatrios, organizao de verdadeirosconselhos de classe, etc.).

  • 46 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    Aspectos que podem ser objeto de observao:42

    Desenvolvimento intelectualPresta ateno nas aulas e no trabalho independente persistente na realizao das tarefasTem facilidade de assimilao da matriaDemonstra atitude positiva em relao ao estudoTem facilidade na expresso verbalL e escreve corretamenteTem pensamento criativo e independente.

    Relacionamento com os colegas e com o professorTem facilidade em fazer amizadesE leal e sincero com os outrosRespeita os colegas e o professorTem esprito de solidariedade e cooperaoObserva as normas coletivas de disciplinaCoopera com o professor e os colegas nas tarefas

    Desenvolvimento afetivoTem interesse e disposio para o estudo Resolve suas prprias dificuldades responsvel em relao s tarefas de estudo Controla suas emoes e seu nervosismo Tem iniciativaFaz uma imagem positiva de suas prprias possibilidades bem-humorado e alegre E expansivo e espontneo

    Organizao e hbitos pessoaisMantm em ordem seus cadernos e materiais Cuida de higiene pessoal (roupas, cabelo, unhas etc.)Tem presteza para iniciar as tarefas Apresenta as tarefas no prazo solicitado Tem boa postura do corpo Tem hbitos de urbanidade e cortesia

    f) Auto-avaliao

    Com relao ao entusiasmo escola-novista, de cunho psicologizante, que propunha a auto-avaliao como a grande sada, a crtica j se encarregou de recolocar os nimos nos devidos lugares.

    43 .Cf. J.C. LIBNEO, Didtica, p. 215.

    V Em Busca de Algumas Alternativas 47

    Foi mostrado que, na verdade, a auto-avali- ao, se praticada em contextos autoritrios - como a regra geral-, pode perder seu sentido formativo e converter-se em "fator de correo" da nota do professor, ou, o que pior, pode ser um sutil mecanismo de introjeo no sujeito dos valores e padres dominantes (Cf. Marilena Chau, op. cit, p. 31).

    Assim, da mesma forma que a avaliao scio-afetiva, entendemos que a auto-avaliao deve ser feita sem vnculo com a nota, de forma que possa constituir-se efetivamente num importante instrumento de formao do educando.43

    Frequentemente os professores defendem a nota de "participao" como forma de fazer justia a um aluno que foi mal, que no conseguiu tirar a nota que merecia nas atividades. Entendemos que os alunos que foram mal merecem, precisam, de um processo de recuperao e de uma nova oportunidade de avaliao. O fato de "dar nota" pelo esforo do aluno ("ele bonzinho", caprichoso") pode representar uma atitude paternalista e mesmo prepotente por parte do professor, que se coloca como juiz supremo.44 O fato do aluno "tirar nota" por sua prpria atividade, restitui-lhe a dignidade, faz com que desenvolva a fibra e a auto-confiana.

    No caso do professor querer trabalhar com nota de "Participao", esta dever ser estabelecida em cima de critrios bem objetivos, como por exemplo: entrega de exerccios, tarefas, trazer o material, presena, etc45. Desta forma ter elementos para dialogar objetivamente com o aluno e ajudar sua formao. A avaliao do tipo "interesse", "envolvimento", "responsabilidade", etc. dever ficar para a avaliao scio-afetiva (desvinculada da nota).

    g) Nota de "Participao"

    h) "Trabalhinho"Algo semelhante ocorre com os "trabalhinhos". Muitas vezes, diante do fato

    dos alunos no terem ido bem na prova, o professor prope um "trabalhinho" para dar ponto.46 Esta atitude muito estranha do ponto de vista pedaggico.

    43 .H necessidade de anlise dos critrios da auto-avaliao: o que devo considerar como meu bom aproveitamento: memorizao ou compreenso? repetio ou reflexo? silncio ou participao? (Cf. Imaco, A Questo da Avaliao-texto 2, p. 2).

    44 .Da mesma forma que se acha no direito de "dar" alguns pontos para o aluno "esforado", se achar tambm no direito de "tirar" alguns pontos do "mau" aluno.

    45. Esta nota de "participao" pode ser usada numa fase de transio, uma vez que , no limite, estas atividades no so mais que obrigao do aluno.

    16 .Ateno especial deve ser dada aos trabalhos para casa, onde freqentemente os pais fazem pelos filhos...

  • 48 Concepo Dialtica-Libertadora do Processo de Avaliao Escolar

    O professor deveria reconhecer que ou a avaliao no foi bem elaborada,47 ou os alunos precisam passar por um processo de recuperao. Sustentar os "trabalhinhos" ingenuidade, no se percebendo a farsa que significam. Como vimos, a questo principal no o aluno tirar nota, mas realizar um trabalho significativo, aprender.

    i) Trabalho de GrupoMuitas vezes, os professores apontam a dificuldade de avaliar o trabalho

    em grupo. O enfrentamento desta questo exige que mltiplos aspectos sejam analisados, a comear pela prpria proposta de trabalho que o professor faz: at que ponto ela est clara para o