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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO E DOUTORADO CENTRO DE EDUCAÇÃO
Cinara Santana da Silva Brandão
A NOTAÇÃO DE VOGAIS E CONSOANTES EM DIFERENTES FASES DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA
RECIFE
2016
Cinara Santana da Silva Brandão
A NOTAÇÃO DE VOGAIS E CONSOANTES EM DIFERENTES FASES DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação sob a orientação do Prof. Dr. Artur Gomes de Morais. Linha de pesquisa: Educação e Linguagem
RECIFE
2016
CINARA SANTANA DA SILVA BRANDÃO
A NOTAÇÃO DE VOGAIS E CONSOANTES EM DIFERENTES FASES DA PSICOGÊNESE DA ESCRITA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Aprovada em: 30/09/2016.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________Prof. Dr. Artur Gomes de Morais (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
Prof.ª Dr.ª Tânia Maria Soares Bezerra Rios Leite (Examinadora Externa) Centro de Estudos em Educação e Linguagem
Prof. Dr. Alexsandro da Silva (Examinador Interno) Universidade Federal de Pernambuco
Dedico esta dissertação a Deus, razão de minha existência. A meus pais Laudicéa (in memoriam) e Djalma, pilares que fortaleceram a minha vida; a minhas irmãs, cunhados e sobrinhos, sempre presentes durante minha caminhada; ao meu marido, Liélio, parceiro dedicado e motivador, em todos os momentos de minha vida e aos nossos filhos, Vinícius e Gustavo, motivo de minha inspiração.
“O Senhor é meu pastor e nada me faltará.” Salmo 23 - 1
AGRADECIMENTOS
Para que nada nos falte, é preciso, acima de tudo, acreditarmos em Deus,
bem como, na capacidade de se renovar e superar obstáculos, nos espelhando no
amor e força Dele. É necessário enxergar naqueles que nos cercam a possibilidade
de evoluirmos de várias maneiras.
Agradeço a Deus, pelo dom da vida, a graça da inspiração, a coragem, a
perseverança, o equilíbrio e as conquistas, a mim concedidos.
A Nossa Senhora, por interceder sempre por nós, nos ensinar a ter fé e
confiar no Criador, nosso Pai.
Aos meus pais, Laudicéa (in memoriam) e Djalma, que sempre acreditaram
que, através de nossos valores e conhecimento, poderíamos traçar o futuro e
alcançar nossos objetivos; por isso, grandes incentivadores da minha caminhada.
Ao meu orientador, Professor Dr. Artur Gomes de Morais, do qual tive o
privilégio de ser orientanda, por todo o apoio e a atenção fornecidos durante o
desenvolvimento deste trabalho, pelo profissionalismo, pela contribuição valiosa e
pela confiança em mim depositada.
A toda minha família, incluindo meus avós, que já não estão entre nós; tias,
em especial Olga Santana, tia mais presente; aos meus tios, primos e primas, que,
mesmo à distância, acompanham meus passos e fazem parte da minha história.
Aos meus queridos cunhados, irmãos que a vida me deu, José Fernandes
Barros, Jairo Batista, Gláucio Brandão, Bráulio Brandão, esposas e filhos, a minha
cunhada Fabíola Brandão e sogra Heloísa Brandão, por ampliarem e fortalecerem
meu ponto de apoio, a família.
Aos meus amados sobrinhos, Letícia, Gabriel, Maria Eduarda, Maria
Fernanda, Maria Luíza e Maria Eduarda Ferrer, sempre animando e colorindo
nossos finais de semana e eventos familiares.
Às minhas queridas irmãs, Egline, Flávia e Adriana por estarem, mesmo em
meio a tantos afazeres da rotina diária, comprometidas com nosso bem estar
familiar, por me fortalecerem e fazer acreditar que nossos sonhos não têm medida.
Minha eterna gratidão, ao meu marido, Liélio, ao qual tantos elogios não
caberiam em limitadas páginas; pelo amor, paciência, por me motivar, diariamente,
ser o suporte ilimitado e imediato para minhas dificuldades, favorecendo o equilíbrio
da nossa casa e família, suprindo a minha ausência em todos os momentos.
Aos meus amados filhos, Vinícius e Gustavo, por me ensinarem que o amor
não tem limite e nos transforma a cada dia; pela colaboração e compreensão,
durante o curso; pelos abraços carinhosos, lanches gostosos e massagens nos dias
de cansaço.
Às professoras pela efetiva contribuição para meu amadurecimento e
aprendizado: Ana Carolina Perrusi, Andréa Brito, Eliana Borges, Rosângela Tenório
e Telma Ferraz.
À minha amiga inspiradora, Jalma Prado, que, mesmo distante, se fez
presente durante todas as etapas do Mestrado. Uma das principais responsáveis
pelo meu ingresso no Programa da Pós, sinalizando que caminhos eu poderia
percorrer e me orientando em meio a tantas dúvidas, meus sinceros
agradecimentos.
À minha amiga Helena Heringer, que, generosamente, me acolheu em Belo
Horizonte, e viabilizou a conclusão da coleta de dados com seus alunos e alunos de
suas colegas de trabalho.
Aos colegas da turma 32B, Erika Vieira, Felipe Almeida, Giedre Benatto, Kátia
Virgínia, Letícia Melo, Mariana Maris e Mayara Palácio, um especial agradecimento,
por tornarem nossa caminhada mais leve, com os deliciosos lanches dos intervalos,
parceria, prontidão e amizade.
Aos meus amigos e amigas, que, mesmo à distância, me motivam e torcem
pelo meu sucesso, com os quais sei que posso contar sempre.
Aos professores Dr. Alexandro da Silva e Dra. Tânia Maria Soares B. Rios
Leite, que muito contribuíram para a realização deste trabalho, com intervenções
criteriosas e pertinentes, que me fizeram aprimorar os estudos.
Meu especial agradecimento às professoras das escolas municipais de Recife
e Belo Horizonte que, gentilmente, me confiaram seus alunos para realizarem as
atividades da pesquisa, durante seus horários de aula.
A todas as crianças que contribuíram com a pesquisa, realizando as longas
tarefas propostas.
Ao gestor do Colégio GGE Benfica, Ricardo Diniz e à coordenadora, Edivânia
Araújo, pelo apoio, por reconhecerem o valor e a importância do conhecimento e por
viabilizarem minhas idas à Universidade toda semana.
Aos demais colegas de trabalho do Colégio GGE Benfica, professoras, em
especial Adilza e Andrea que me ajudaram na pesquisa com as crianças, a Gil e
Maria pela parceria, professores, auxiliares e demais funcionários, pela
disponibilidade nas horas de necessidade.
À UFPE e a seus funcionários, pelo apoio ao longo do curso e a todos que, de
várias maneiras, contribuíram para mais uma conquista em minha vida, minha
sincera gratidão.
RESUMO
Esta pesquisa buscou examinar como crianças em diferentes hipóteses de escrita (silábica estrita e alfabética) empregam vogais e consoantes de diferentes tipos, ao escreverem, como sabem, palavras isoladas. Tivemos como objetivos específicos: verificar os efeitos da presença de vogais abertas (pedra) e fechadas (pera) na produção escrita das crianças em diferentes fases da psicogênese da escrita; investigar quais consoantes costumam ser usadas com valor de uma sílaba e em que fases tal tendência se instala; analisar se há mais a presença de letras que notam consoantes de determinado tipo ou características articulatórias, por exemplo (oclusivas ou fricativas) na escrita das crianças, antes de atingirem a hipótese alfabética; analisar as condutas apresentadas por crianças durante a escrita espontânea de palavras isoladas, a fim de identificar o que revelaram sobre conhecimentos das relações entre fonema e grafema. Apoiamo-nos em estudos sobre a teoria da psicogênese da escrita de Ferreiro e Teberosky (1979); em estudos voltados para a fonologia do português do Brasil; nas pesquisas sobre o papel do conhecimento de letras e da consciência fonológica na compreensão da escrita alfabética. Participaram da pesquisa alunos de 1º ano de três escolas da Rede Municipal de Recife e Belo Horizonte. Foram selecionadas vinte crianças para análise dos resultados, sendo dez silábicas com valor sonoro convencional e dez alfabéticas e, para análise de condutas, adicionamos mais dez, sendo cinco silábicas e cinco alfabéticas, totalizando trinta crianças. Adotamos três grandes etapas de atividades: 1) ditado de palavras para detectar o nível de hipótese de escrita das crianças; 2) tarefas de conhecimento das letras; 3) ditado de palavras com diferentes consoantes e vogais do português. Os resultados mostraram que o maior índice de acertos nos dois subgrupos de crianças, tanto entre as vogais abertas quanto fechadas referem-se aos fonemas abertos, provavelmente por coincidir com o nome da letra. Quanto às consoantes que foram mais usadas com valor de uma sílaba, verificamos que aquelas letras mais usadas pelas crianças nos ditados foram “B”, “D”, “V”, “P”, “T” e “Z”, respectivamente, sendo mais expressiva entre os silábicos, que fizeram uso da consoante sem vogal. Verificamos que, embora não haja notação de consoantes tão expressiva entre os silábicos, quanto no subgrupo dos alfabéticos, as crianças silábicas começavam a arriscar suas notações consonantais pelas letras que, devido ao seu nome coincidir com uma sílaba, facilitava a identificação de seus fonemas nas palavras pronunciadas ou ditadas, sobretudo quando os fonemas estavam na sílaba inicial da palavra. Inferimos, a partir dos dados, que, pelo menos no subgrupo de silábicos, as crianças não pareciam estabelecer essa compreensão fonema-grafema tão claramente, e se atinham à relação letra e nome da letra, pouco importando suas características articulatórias. Já os alunos alfabéticos pareciam compreender as relações fonema-grafema, notando-as sem cometer tantos erros. Quanto às condutas apresentadas pelas crianças revelaram diferentes comportamentos no que diz respeito ao conhecimento das relações entre fonema e grafema, que muitas vezes não levamos em consideração durante nossas avaliações e análises de seus processos de evolução da aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização. Psicogênese da escrita. Notação de vogais e consoantes.
ABSTRACT
This research aimed to examine how children with different writing hypothesis (strict syllabic and alphabetic) employed vowels and consonants of different kinds, when writing, as they could, isolated words. We had as specific objectives: to check the effects of the presence of open vowels (pedra) and closed (pera) in children’s written production, at different psychogenesis stages of writing; to investigate which consonants are more commonly used with value of a syllable and in which phases this trend occur; to analyze the effect of letters that note consonants of a certain type or phonological characteristics, for example (occlusive or fricative) on children’s writing before they reach the alphabetical hypothesis; and to analyse children’s behaviors presented during spontaneous writing of isolated words, in order to identify what they revealed about knowledge of the relationships between phonemes and graphemes. We have adopted the studies of the psychogenesis theory of the written language, by Ferreiro and Teberosky (1979); and also based our research on studies focused on Portuguese phonology of Brazil and about the role of letter-name knowledge and of phonological awareness in understanding the alphabetic writing principle. Our subjects were first-grade students of three municipal schools of Recife and Belo Horizonte. Twenty children were selected for analysis of results, ten syllabic with conventional sound value and ten alphabetic; we added ten more children for analysis of behaviors while writing (five syllabic and five alphabetic). We have adopted three major kinds of tasks: 1) spontaneous writing activities, in order to identify their level of understanding of alphabetic writing; 2) three activities of letter knowledge (naming, identification and production); 3) spontaneous writing of Portuguese words with different consonants and vowels. The results showed that the highest percentage of correct spellings in the two groups of children, occurred with open vowels (in comparison with closed ones), probably because they match the name of the letter. The consonants that were more often used with value of one syllable by children in the dictations were “B”, “D”, “V”, “P”, “T” and “Z”, respectively, being more expressive among syllabic children, who made use of a consonant without a vowel. We noticed that, although there were no consonants so expressive in the notation among syllabic kids (in comparison with their alphabetic peers), syllabic children started to risk producing consonantal notations with those letters which had names sounding like a syllable, what seemed to facilitate the identification of its phonemes in words pronounced or spoken, especially when the phonemes were on the initial syllable of the word. We infer from the data that, at least in the syllabic subgroup, where children did not seem to establish this understanding of phoneme-grapheme relationships so clearly, and if you stick to the letter and the letter name relationship, regardless of their phonological characteristics. The alphabetic children seemed to understand the relationships between phonemes and graphemes, noting them without making so many mistakes. The behaviors presented by the children while writing revealed different procedures related to knowledge of the relationship between phonemes and graphemes, which often are not taken into account when educators or researchers evaluate or analyze the evolution of children’s learning processes of the alphabet.
Keywords: Literacy. Psychogenesis of writing. Notation of vowels and consonants.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Grafismos primitivos. ................................................................................. 29
Figura 2 - Escrita sem diferenciação inter-figura. ...................................................... 30
Figura 3 - Grafia com predomínio do mesmo traçado. .............................................. 30
Figura 4 - Escrita unigráfica (a). ................................................................................ 31
Figura 5 - Escrita unigráfica (b). ................................................................................ 31
Figura 6- Escrita sem controle de quantidade (a). ..................................................... 32
Figura 7- Escrita sem controle de quantidade (b). ..................................................... 33
Figura 8- Escrita fixa (a). ........................................................................................... 34
Figura 9 - Escrita fixa (b). .......................................................................................... 34
Figura 10 - Escrita com letras do próprio nome (a). .................................................. 35
Figura 11- Escrita com letras do próprio nome com variações de posição. .............. 35
Figura 12- Escrita com letras do próprio nome (b). ................................................... 36
Figura 13- Escrita com sequência de repertório fixo e quantidade variável (a). ........ 37
Figura 14- Escrita com sequência de repertório fixo e quantidade variável (b). ........ 38
Figura 15 – Escrita com quantidade constante e repertório fixo parcial (a). .............. 38
Figura 16 – Escrita com quantidade constante e repertório fixo parcial (b). .............. 39
Figura 17 – Escrita com quantidade variável e repertório fixo parcial. ...................... 39
Figura 18– Escrita com quantidade fixa e repertório fixo parcial. .............................. 40
Figura 19– Escrita com quantidade constante com repertório ou posição variável (a).
.................................................................................................................................. 41
Figura 20– Escrita com quantidade constante com repertório ou posição variável (b).
.................................................................................................................................. 41
Figura 21– Escrita com quantidade e repertório variável (a). .................................... 42
Figura 22– Escrita com quantidade e repertório variável (b). .................................... 42
Figura 23– Escrita com quantidade e repertório variáveis e presença de valor sonoro
inicial (a). ................................................................................................................... 43
Figura 24– Escrita com quantidade e repertório variáveis e presença de valor sonoro
inicial (b). ................................................................................................................... 43
Figura 25– Escrita silábica inicial sem predomínio de valor sonoro convencional (a).
.................................................................................................................................. 45
Figura 26– Escrita silábica inicial sem predomínio de valor sonoro convencional (b)
.................................................................................................................................. 45
Figura 27- Escritas silábicas iniciais com valor sonoro convencional (a). ................. 46
Figura 28- Escritas silábicas iniciais com valor sonoro convencional (b). ................. 47
Figura 29- Escritas com estrutura silábicas iniciais com valor sonoro convencional
(a). ............................................................................................................................. 48
Figura 30- Escritas com estrutura silábicas iniciais com valor sonoro convencional
(b). ............................................................................................................................. 49
Figura 31- Escritas silábicas com marcada exigência de quantidade (a). ................. 50
Figura 32- Escritas silábicas com marcada exigência de quantidade (b). ................. 50
Figura 33- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (a). ..... 51
Figura 34- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (b). ..... 51
Figura 35- Escritas silábicas exatas sem predomínio de valor sonoro convencional
(a). ............................................................................................................................. 52
Figura 36- Escritas silábicas exatas sem predomínio de valor sonoro convencional
(b). ............................................................................................................................. 53
Figura 37- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (a). ..... 53
Figura 38- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (b). ..... 54
Figura 39 - Escrita silábico-alfabética sem predomínio de valores sonoros
convencionais. ........................................................................................................... 56
Figura 40 - Escrita silábico-alfabética ........................................................................ 56
Figura 41- Escrita silábico-alfabética com predomínio do valor sonoro convencional
(a). ............................................................................................................................. 57
Figura 42- Escrita silábico-alfabética com predomínio do valor sonoro convencional
(b). ............................................................................................................................. 57
Figura 43- Escrita alfabética sem predomínio sonoro convencional. ........................ 60
Figura 44- Escrita alfabética não convencional. ........................................................ 60
Figura 45- Escrita alfabética com algumas falhas na utilização do valor sonoro
convencional (a). ....................................................................................................... 61
Figura 46- Escrita alfabética com algumas falhas na utilização do valor sonoro
convencional (b). ....................................................................................................... 61
Figura 47- Escrita alfabética com valor sonoro convencional (a). ............................. 62
Figura 48- Escrita alfabética com valor sonoro convencional (b). ............................. 62
Figura 49 - Símbolos gráficos com valor sonoro múltiplo. ......................................... 74
LISTAS DE TABELAS Tabela 1 - Médias globais de acertos revelados pelas crianças nas três tarefas que
avaliavam conhecimento das letras. ....................................................................... 102
Tabela 2 - Médias percentuais de acertos revelados pelas crianças na tarefa de
Nomeação de letras. ............................................................................................... 104
Tabela 3 - Médias percentuais de acertos revelados pelas crianças na tarefa de
Identificação de letras.............................................................................................. 106
Tabela 4 - Médias percentuais de acertos revelados pelas crianças na tarefa de
Produção de letras. ................................................................................................. 108
Tabela 5 - Médias percentuais de crianças que não quiseram nomear, identificar ou
produzir a letra que não sabiam. ............................................................................. 110
Tabela 6 - Médias percentuais de acertos das crianças nas notações das vogais
abertas /ɛ/, /ɔ/ e das vogais fechadas /e/, /o/ nas sílabas iniciais de palavras. ..... 111
Tabela 7 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal aberta
/ɛ/ na primeira sílaba das palavras ditadas............................................................. 113
Tabela 8 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal fechada
/e/ na primeira sílaba das palavras ditadas. ............................................................ 116
Tabela 9 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal aberta
/ɔ/ na primeira sílaba das palavras ditadas. ............................................................ 119
Tabela 10 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal
fechada /o/ na primeira sílaba das palavras ditadas. .............................................. 120
Tabela 11 - Médias percentuais de acertos das crianças na notação das vogais /a/,
/ɛ/, /i/, /ɔ/, /u/. ........................................................................................................... 123
Tabela 12 – Resultados revelados pelas crianças na notação de 12 consoantes nas
sílabas iniciais de palavras. ..................................................................................... 127
Tabela 13 – Quadro das Consoantes. ..................................................................... 129
Tabela 14 – Resultados parciais e totais revelados pelas crianças na notação de 12
consoantes nas sílabas iniciais de palavras. ........................................................... 129
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 17 1.1 Objetivos. ...................................................................................................... 19
1.1.1 Objetivo geral. ............................................................................................... 19
1.1.2 Objetivos específicos. ................................................................................... 19
2 MARCO TEÓRICO ...................................................................................... 22 2.1 Superando a visão de código, tratando a escrita como sistema notacional. 22
2.1.1 Dos antigos métodos à teoria da Psicogênese da Escrita.. .......................... 22
2.1.2 Fases do desenvolvimento da escrita, segundo Ferreiro (1985).. ................ 27
I - Nível Pré-Silábico ........................................................................................ 28
II - Nível Silábico ............................................................................................... 44
III - Nível Silábico-alfabético ............................................................................... 55
IV - Nível Alfabético ............................................................................................ 59
2.1.3 A apropriação pedagógica da teoria da psicogênese, contribuições,
distorções e limites... .................................................................................... 64
2.2 O Sistema fonológico do Português e sua notação escrita........................... 70
2.3 Estudos a respeito dos conhecimentos infantis sobre letras no português... 82
3 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS .................................. 91 3.1 Sobre os dados pesquisados ....................................................................... 91
3.1.1 As escolas ................................................................................................... 93
3.1.2 Participantes da pesquisa ............................................................................ 94
3.1.3 Tarefas aplicadas às crianças ..................................................................... 95
3.1.3.1 Ditado para detectar o nível de hipótese de escrita das crianças ................. 95
3.1.3.2 Tarefas de conhecimento das letras. ............................................................. 96
1- Atividade de nomeação das letras ............................................................... 96
2 - Atividade de identificação das letras ............................................................ 97
3 - Atividade de produção das letras ................................................................. 97
3.1.3.3 Ditado de palavras com diferentes consoantes e vogais do português. ....... 98
4 ANÁLISE DE RESULTADOS ................................................................... 100
4.1 Análise dos resultados revelados pelas crianças nas tarefas sobre
conhecimento das letras. ............................................................................ 101
4.1.1 Desempenho das crianças na tarefa de nomeação. ................................... 104
4.1.2 Desempenho das crianças na tarefa de identificação. ............................... 106
4.1.3 Desempenho das crianças na tarefa de produção. .................................... 108
4.1.4 Análise complementar: casos de alunos que omitiram sua resposta diante de
algumas letras nas tarefas.. ........................................................................ 109
4.2 Análise dos Resultados revelados pelas crianças sobre a notação das vogais
abertas /ɛ/, /ɔ/ e fechadas /e/, /o/. ............................................................... 111
4.3 Análise dos resultados revelados pelas crianças na notação das vogais
abertas /a/, /ɛ/, /i/, /ɔ/, /u/.. ........................................................................... 123
4.4 Análise dos resultados revelados pelas crianças na notação de 12
consoantes nas sílabas iniciais de palavras.. ............................................. 127
4.5 Análise de condutas (outras) reveladas pelas crianças ao notarem as
palavras dos três ditados de dissílabos.. .................................................... 142
4.5.1 Condutas reveladas pelas crianças ao notarem as palavras dos três ditados
de dissílabos... ............................................................................................ 143
4.5.1.1 Condutas adicionais em relação à escrita... ............................................... 156
4.5.2 Análise de condutas reveladas pelas crianças ao lerem as palavras de dos
três ditados de dissílabos... ........................................................................ 157
4.5.2.1 Condutas adicionais em relação à leitura... ................................................ 162
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 164 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 175 APÊNDICES .............................................................................................. 179
17
1 INTRODUÇÃO
A busca por caminhos que possam minimizar o problema do fracasso escolar
tem sido observada em vários estudos e pesquisas de especialistas da área de
educação, como podemos verificar a seguir:
O sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita no 1º ciclo do ensino básico é essencial para o envolvimento das crianças na escola. Com efeito, sabe-se que o insucesso precoce nestas aprendizagens pode levar a um ciclo de desinteresse e de desinvestimento escolar como forma, nomeadamente, de protecção da auto-estima (MARTINS; SALVADOR; ALBUQUERQUE, 2014, s/p.).
Todavia, apesar de investimento em programas e formações para os
professores da Educação Infantil e séries iniciais, percebemos a grande defasagem
e dificuldade dos profissionais da área em realizarem seu trabalho com êxito, no que
diz respeito ao ensino do sistema de escrita alfabética – SEA, mais especificamente
na elaboração e na sistematização de atividades que deem conta das propriedades
do SEA.
Nas duas últimas décadas, observamos que estudos têm dado maior ênfase
às pesquisas voltadas à consciência fonológica, à importância desta para a
apropriação do SEA, chegando esta até mesmo a ser tratada por alguns estudiosos
(NUNES; FROTA; MOUSINHO, 2009) como estratégia de prevenção e remediação
de tal fracasso na alfabetização, a partir do treino fonêmico. Mas, as informações
derivadas de tais pesquisas muitas vezes têm sido analisadas de forma distorcida,
não só pelos docentes, mas também por sujeitos responsáveis pela formação
desses, seja ela inicial ou continuada. Por vezes, essas distorções ocorrem por
confundirem consciência fonológica com consciência fonêmica e até mesmo com
método fônico, que é uma comparação bastante equivocada, já que não se deve,
conforme Morais (2012, p.89), “reduzir consciência fonológica à consciência
fonêmica”.
A literatura sobre o tema chama a atenção à questão da interligação entre o
processo de aquisição da leitura e da escrita e o desenvolvimento da consciência
fonológica, mas sabemos que muito temos a aprender e a descobrir sobre como os
alunos têm se apropriado de algumas informações trabalhadas pelos docentes e
como os discentes as têm aplicado na prática.
18
Tendo em vista a complexidade que envolve o processo de ensino e
aprendizado do Sistema de Escrita Alfabética e o muito que temos a descobrir sobre
como ajudar as crianças a evoluírem em suas hipóteses de leitura e escrita, faz-se
necessário um estudo mais atento e aprofundado sobre suas notações.
Muitos estudos foram desenvolvidos nas últimas três décadas com o intuito
de aprofundar e compreender melhor a teoria da psicogênese. As secretarias de
educação investiram em cursos para tornar mais ampla a discussão do assunto,
trazendo para as salas de aula algumas inovações, como verificamos abaixo:
Atualmente, atividades de escrita inventada tornaram-se uma prática comum em muitas salas de aula em todo o mundo, desde a educação infantil [...]. Entretanto, pouco se sabe sobre como diferentes ações mediadoras podem fazer avançar a escrita inventada e as habilidades que com ela se relacionam (LEVIN; ARAM, 2013, p. 222, APUD SOARES, 2016, p. 239).
Porém, pouco foi investido em pesquisas que levassem à compreensão de
como orientar as crianças a mediar seus conflitos em direção ao avanço do
aprendizado da escrita alfabética. Nesse contexto, um mix de dúvidas ou incertezas
norteiam a prática pedagógica, que muitas vezes é guiada pela intuição. Com
frequência, em nossas escolas compartilhamos questionamentos comuns: Como
ensinar? Como avançar com determinado nível de escrita? O que faço com o
diagnóstico de escrita do meu grupo? Por que meus alunos só escrevem com vogal,
se trabalhamos todas as consoantes? Por que escrevem só uma letra, se
trabalhamos com sílabas? Além dos conflitos, ainda presenciamos as interpretações
equivocadas do que propôs a teoria, no que diz respeito aos diferentes níveis de
escrita.
Como docente, durante anos, presenciei situações em que alunos que
conheciam o alfabeto, faziam suas notações apoiados basicamente nas vogais e,
muitas vezes, essas notações não faziam sentido para mim, que achava que tal
postura deveria ser atribuída apenas às crianças que não dominavam o alfabeto.
Embora tomasse conhecimento de que outras crianças passavam por essa fase,
não compreendia as razões de tais notações e me envolvi em tentativas, por vezes
frustradas, de fazer com que as crianças passassem a empregar as consoantes,
como se tratasse apenas de um “toque de mágica”. Meu foco estava sempre voltado
para os resultados e não considerava o que estava nas entrelinhas do processo de
aprendizagem, tampouco, sabia como lidar com as diferentes condutas e estratégias
19
de escrita apresentadas pelas crianças. A incapacidade de resolver os problemas
com os quais me deparava e o pouco conhecimento que tinha sobre o
desenvolvimento das crianças para então ajudá-las, me despertaram o interesse de
buscar respostas para minhas limitações e dificuldades. Entendi que seria através
da pesquisa que poderia adentrar em um universo tão vasto e pouco explorado, de
maneira mais incisiva. Foi pensando em conhecer mais sobre a escrita das crianças
que decidi focar em aspectos relacionados ao aprendizado do SEA, para, com base
em tais conhecimentos, poder aprimorar a minha prática docente.
Dessa forma, diante de tantos aspectos que envolvem a apropriação do
sistema de escrita alfabética a serem desvendados, algumas perguntas surgiram:
Por que as crianças com hipótese “silábica qualitativa” tendem a fazer mais uso das
vogais do que das consoantes na escrita de palavras? Na fase alfabética as crianças
tendem a usar apenas a consoante, substituindo uma sílaba, quando o nome da
letra corresponde a uma sílaba inteira? A partir de tais questionamentos, elaboramos
os objetivos a seguir, que nortearam este trabalho.
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo geral Examinar como crianças em diferentes hipóteses de escrita (silábica estrita e
alfabética) empregam vogais e consoantes de diferentes tipos, ao escreverem, como
sabem, palavras isoladas.
1.1.2 Objetivos específicos
• Verificar os efeitos da presença de vogais abertas (pedra) e fechadas
(pera) na produção escrita das crianças em diferentes fases da psicogênese da
escrita.
• Investigar quais consoantes costumam ser usadas com valor de uma sílaba
e em que fases tal tendência se instala.
• Analisar se há mais a presença de letras que notam consoantes de
determinado tipo ou características articulatórias, por exemplo (oclusivas ou
fricativas) na escrita das crianças antes de atingirem a hipótese alfabética.
20
• Analisar condutas apresentadas por crianças durante a escrita espontânea
de palavras isoladas, a fim de identificar o que revelaram sobre conhecimentos das
relações entre fonema e grafema.
• Analisar condutas apresentadas por crianças durante a leitura de palavras
isoladas, a fim de identificar que relações estabelecem entre a escrita espontânea e
a leitura.
Acreditamos que tais objetivos nos ajudariam a compreender, por exemplo, se a
presença da vogal nas produções das crianças não estaria vinculada apenas à
facilidade de memorização de seus cinco grafemas, mas à possibilidade de
compreensão ou à de consciência das mesmas, de seus diferentes fonemas.
Segundo Soares:
Tendo aprendido que as vogais são cinco, e conhecendo-as apenas em sua forma oral, as crianças pouco erram na grafia de vogais orais, porque devem identificar o nome da letra com o fonema oral que ela representa; lembre-se de que já na fase silábica quase sempre privilegiam a vogal para representar a sílaba: OEA por boneca, AEA por panela, TEOI por telefone. (SOARES, 2016, p. 223).
Dessa forma, inferimos que para criança é mais fácil identificar o fonema de
uma vogal na palavra falada, do que uma consoante, sendo possível para elas
estabelecerem a relação entre o fonema, no caso das vogais representadas pelo
nome da letra, com o grafema, notando-as mais facilmente que as consoantes.
Certamente, nesse contexto, estamos levando em consideração que em um cenário
tradicional de ensino das vogais, não se trabalhe as variações de seus fonemas,
abertos, fechados ou nasais, mas apenas sua forma oral, como nos chamam a
atenção Freitas, Alves e Costa:
O exemplo clássico do equívoco que a reflexão sobre a língua com base na escrita provoca é o do número de vogais em Português. Qualquer falante português alfabetizado dirá que a sua língua possui 5 vogais (a, e, i, o, u ), sendo esta afirmação falsa e condicionada pelo facto de as propriedades da língua serem tradicionalmente tratadas com base na escrita (só há 5 vogais no alfabeto que usamos). Na verdade, o Português apresenta 14 vogais (9 vogais orais e 5 vogais nasais). Estas 14 vogais do Português são adquiridas pela criança nos 5/6 anos que precedem a sua entrada na escola e, salvo em contextos patológicos, qualquer criança no 1º ano do 1º Ciclo do Ensino Básico domina o seu funcionamento, produzindo palavras nas quais as vogais surgem no formato fonético esperado. O facto de a oralidade e a escrita funcionarem de forma tão distinta quanto ao sistema das vogais (14 vogais na oralidade; 5 grafemas na escrita, usados isoladamente ou
21
associados a outros diacríticos1 (exemplos: â, ã, à, á, am, an...) mostra de que modo cada um destes dois sistemas manifesta um funcionamento específico, estabelecendo, no entanto, correspondências entre as suas unidades. (FREITAS; ALVES; COSTA 2007, p. 23).
Diante da complexidade do aprendizado do sistema de escrita alfabética e da
necessidade de compreender elementos que Ferreiro não considerou ou priorizou
na teoria da psicogênese da escrita, como a consciência fonológica e o aprendizado
das convenções, sobretudo das correspondências entre som e grafia, percebemos a
importância de investigar como a criança tem compreendido a notação das
consoantes e das vogais, e como as têm utilizado na escrita das palavras, em
diferentes hipóteses da escrita.
O professor precisa buscar descobrir o que o aluno está pensando sobre a
escrita, com frequência, pois tal informação é condição primordial para planejar as
atividades adequadas para a turma. O conhecimento de como o discente processa
seu aprendizado do sistema de escrita alfabética, realizado desde cedo, é de suma
importância para orientarmos as crianças no desenvolvimento e na evolução de
seus níveis de aprendizagem, melhorando o desempenho de tarefas relacionadas à
leitura e à escrita, o que permitirá promover o sucesso escolar, funcionando como
medida de prevenção do insucesso na leitura e na escrita.
1 Diacríticos: diz-se dos sinais gráficos destinados a distinguir a modulação das vogais ou a pronúncia de certas palavras (Disponível em: <http://www.dicio.com.br>. Acesso em: 25/04/ 2015).
22
2 MARCO TEÓRICO
2.1 Superando a visão de código, tratando a escrita como sistema notacional.
Para melhor contextualizarmos nossa discussão, apresentaremos, a seguir,
os principais métodos de alfabetização que precederam a teoria da psicogênese da
escrita. Tal conhecimento é importante para compreendermos como a escrita
alfabética era concebido e os novos rumos que surgiram, a partir da teoria, sendo
visto como sistema notacional. Vejamos então os métodos de alfabetização mais
utilizados no Brasil, até meados da década de 1970.
2.1.1 Dos antigos métodos à teoria da psicogênese da escrita
Até a década de 1970, as formas tradicionais de alfabetização consistiam em
métodos nos quais o professor transmitia seus conhecimentos aos alunos. Porém,
tais métodos não se preocupavam em compreender as dificuldades que a criança
enfrentava antes de entender o verdadeiro sentido da leitura e escrita. Embora
carregassem suas peculiaridades e especificidades, os métodos traziam entre si
uma comum teoria de conhecimento: a visão empirista/associacionista de
aprendizagem. Como explica Morais:
Segundo tal perspectiva, o aprendiz é uma tábua rasa e adquire novos conhecimentos (sobre o alfabeto) recebendo informações prontas do exterior (explicações sobre as relações entre letras e sons) que, através da repetição do gesto gráfico (cópia) e da memorização (das tais relações entre letra e som), passariam a ser suas. A aprendizagem é vista como um processo de simples acumulação das informações recebidas do exterior, sem que o sujeito precisasse, em sua mente, reconstruir esquemas ou modos de pensar, para poder compreender os conteúdos (sobre letras e sons) que alguém (a escola, a professora) estava lhe transmitindo (MORAIS, 2012, p. 27).
O que observamos é que, independentemente de serem métodos sintéticos
ou analíticos, todos os métodos tradicionais de alfabetização tratam a escrita como
um mero código de transcrição da língua oral, ou seja, as letras como substitutas
dos fonemas como unidades “isoláveis” na mente da criança não alfabetizada
Morais (2012). Ambos os grupos de métodos visam levar o aprendiz à
correspondência entre os signos da língua escrita e os sons da língua oral.
23
Os métodos sintéticos pressupõem que o aprendiz deve partir de unidades
linguísticas menores (letras, sílabas ou fonemas). Consideram o processo de leitura
como esquema cumulativo, de modo que, pela soma dos elementos mínimos, letra,
fonema ou sílaba, o discente aprende a palavra. Nesse grupo estão três correntes
ou tipos de métodos principais: os alfabéticos, os silábicos e os fônicos.
Já os analíticos, partem das unidades maiores de significação da língua
(palavras, frases, textos), para análise das unidades menores, que são segmentadas
em seus elementos mínimos. Propõem que, por razões de tipo perceptivo e
motivacional, seria adequado começar com unidades maiores, ou seja, estes
métodos partem de unidades com significado, fazendo o inverso dos métodos
sintéticos. No grupo dos métodos analíticos temos três tipos principais: a palavração,
a sentenciação e o método global (dos contos ou das historietas).
As práticas alfabetizadoras eram baseadas na memorização das
correspondências entre sons e letras, reduzindo a aprendizagem da língua a um
conjunto de sons a serem representados por letras. Numa visão equivocada,
pressupõe-se que o aprendiz pensa em fonemas como unidades isoladas. A
alfabetização era entendida como mera sistematização do “B + A = BA”, isto é, como
aquisição de um código fundado na relação entre fonemas e grafemas.
Diferentemente do que defendem os métodos tradicionais, a perspectiva
evolutiva adotada pela teoria da psicogênese desenvolvida por Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky (1979) e Ferreiro (1985) trouxe diferentes e importantes contribuições
para a alfabetização. Esta teoria parte do princípio fundamental de que as crianças
começam a adquirir competências de leitura e escrita de modo informal, isto é, antes
mesmo de qualquer contato com o ensino estruturado e sistemático. A Psicogênese
da Língua Escrita estabeleceu novos parâmetros para as questões da intervenção
pedagógica no processo de aprendizagem do sistema de escrita alfabética (SEA).
Essa teoria levou-nos a entender que aquisição da leitura e da escrita não é
um processo natural como o de aprender a falar. Segundo Morais (2012), a teoria da
psicogênese demonstrou que a escrita alfabética é um sistema notacional e seu
aprendizado envolve um complexo trabalho conceitual. O autor defende “...que é
preciso ajudar as crianças a cedo descobrirem as regras ou propriedades do sistema
alfabético e que a consciência fonológica tem um grande papel nessa empreitada”
Morais (2012, p. 15). Assim sendo, não será fazendo inúmeras combinações de
24
letras que se fará com que o aluno internalize e compreenda como funciona o
sistema alfabético. Para se tornar alfabetizado, o aprendiz terá que refletir sobre as
várias regras que envolvem tal sistema. Como mostra a teoria da psicogênese, a
apropriação do SEA não acontece de forma repentina, pressupõe, um percurso
evolutivo, uma trajetória de aprendizado que vai gerando, gradualmente, novos
conhecimentos.
Segundo a teoria, a língua escrita deixa de ser encarada como mera
apropriação de um código ou como meros atos de codificação e decodificação de
palavras, sílabas e letras, passando a ser concebida como sistema de
representação (notação). Rompe com a perspectiva empirista/associacionista de
aprendizagem, a qual, como já dito, pressupõe um aprendiz passivo, que aprende
através de cópias, sem pensar, pois no enfoque dos métodos “o aprendiz é visto
como uma esponja que absorve informações do exterior sem transformá-las, o erro é
proibido.” Morais (2012).
Os estudos desenvolvidos por Ferreiro e Teberosky evidenciam o caminho
que as crianças percorrem no aprendizado da língua, definido por elas de
psicogênese ou gênese (origem, geração) do conhecimento da escrita. O erro de
escrita se transforma em indícios que evidenciam etapas constitutivas do processo
de aprendizagem. Tais estudos foram baseados na epistemologia genética de Jean
Piaget. A Psicogênese da Língua Escrita é uma abordagem psicológica de como a
criança se apropria da língua escrita e não um método de ensino.
Para dominar o SEA, o aprendiz precisa compreender as propriedades do
alfabeto como sistema notacional, num processo evolutivo, de reconstrução, no qual
a atividade do aprendiz é o que gera, gradualmente, novos conhecimentos, formula
respostas para as questões conceituais “o que a escrita representa/nota? E como a
escrita cria representações/notações?” Morais (2012, p. 53).
O que a escrita representa/nota? (O que se nota/registra no papel tem a ver com características físicas/funcionais dos objetos ou tem a ver com a sequência de sons que formam os nomes dos objetos?) e
Como a escrita cria representações/notações? (Cada letra substitui o quê? O significado ou idéia da palavra como um todo? Partes que pronunciamos como as sílabas? Segmentos sonoros menores que a sílaba?) (MORAIS, 2005, p. 42, grifos do autor).
25
Conforme atesta Ferreiro (1985), para responder tais questões conceituais o
aprendiz vai ter que compreender as propriedades do sistema notacional com o qual
está se defrontando. Implica compreender:
1) Que se escreve com letras, que as letras não podem ser
inventadas, que para notar as palavras de uma língua existe
um repertório finito (26, no caso do português); que letras,
números e outros símbolos são diferentes;
2) Que as letras têm formatos fixos (isto é, embora p, q, b e d
tenham o mesmo formato, a posição não pode variar, senão a
letra muda); mas, também que uma mesma letra tem formatos
variados (p é também P, P, p, P, p etc.), sem que elas, as
letras, se confundam;
3) Quais combinações de letras estão permitidas na língua
(quais podem vir juntas) e que posição elas podem ocupar nas
palavras (por exemplo, Q vem sempre junto de U e não existe
palavra terminando com QU em português.
4) Que as letras têm valores sonoros fixos, convencionalizados,
mas várias letras têm mais de um valor sonoro (a letra O vale
por /ó/ por letras diferentes (o som /s/ em português se escreve
com S, C, SS, Ç, X, Z, SC, SÇ etc.). (MORAIS, 2005, p. 42).
Tais questões conceituais são complexas e respondidas internamente pelo
aprendiz, gradativamente. O ritmo desse processo de evolução conceitual vai
depender do maior/menor contato que os aprendizes têm com a língua escrita na
escola e em seu meio e à possibilidade de vivenciarem situações em que essa é
empregada socialmente. Segundo Morais (2012), a teoria de Ferreiro e Teberosky
demonstrou, dentre outras coisas que,
É o contato com a notação escrita, em que as palavras são separadas por espaços em branco, o que vai provocar essa “descoberta” de unidades nas palavras orais e permitir ao aprendiz desvendar como é que um todo (palavra falada) tem a ver com outro todo (palavra escrita) e com suas partes (letras) (MORAIS, 2012, p. 42).
Ferreiro (1985) analisa a importância de se considerar, por um lado, a escrita
como representação da linguagem (e não um código de transcrição gráfica de
26
unidades sonoras) e, por outro lado, a criança que aprende como um sujeito ativo
que interage, de forma produtiva, com o objeto do seu conhecimento. Discute como
só a partir dessa perspectiva e, não a partir de novos métodos, materiais ou testes
de prontidão, se poderia enfrentar sobre novas bases, o problema da alfabetização
inicial. Para ela, a escrita pode ser considerada como uma representação da
linguagem ou como um código de transcrição gráfica das unidades sonoras.
Ainda, conforme Ferreiro (1985) “No caso da equivocada visão que trata o
alfabeto como codificação, tanto os elementos orais e escritos do SEA como as
relações entre eles já estariam pré-determinadas, na mente do aprendiz.” No caso
da visão de uma criação de uma representação, nem os elementos nem as relações
estão pré-determinados.
Como nos ensina Ferreiro (1985), no caso dos dois sistemas notacionais
envolvidos no início de escolarização (o sistema de representação dos números e o
sistema de representação da linguagem) as dificuldades que as crianças enfrentam
são dificuldades conceituais, semelhantes às da construção dos sistemas, pela
humanidade, e, ainda segundo a autora, por isso pode-se dizer, em ambos os
casos, que a criança reinventa esses sistemas. Não se trata de que as crianças
reinventem as letras e os números, mas que, para poderem se servir desses
elementos como elementos de um sistema, devem compreender seu processo de
construção e suas regras de produção, o que coloca o problema epistemológico
fundamental. Isto envolve entender o que a escrita representa para o aluno.
Para a autora, durante o processo de alfabetização, isto é, de apropriação da
notação escrita, as concepções das crianças a respeito do sistema de escrita
seguem uma evolução psicogenética. O método utilizado pela autora para analisar
estas etapas inclui a análise de textos escritos pelas crianças de forma espontânea.
Para a autora “Quando uma criança escreve como acredita que poderia escrever
certo conjunto de palavras, está nos oferecendo um valiosíssimo documento que
necessita ser interpretado para poder ser avaliado.” Ferreiro (1985, p. 17).
A seguir veremos as fases do desenvolvimento da escrita segundo Ferreiro e
colaboradores.
27
2.1.2 Fases do desenvolvimento da Escrita, segundo Ferreiro et. al. (1982) e Ferreiro (1985).
Segundo Ferreiro (1985), as crianças elaboram conhecimentos sobre a leitura
e escrita, passando por diferentes hipóteses – espontâneas e provisórias – até se
apropriar de toda a complexidade da notação escrita. Tais hipóteses, baseadas em
conhecimentos prévios, assimilações e generalizações, dependem das interações
delas com seus pares e com os materiais escritos que circulam socialmente.
Para a Teoria da Psicogênese, toda criança passa por níveis estruturais da
notação escrita até que se aproprie da complexidade do sistema alfabético. São
eles: o pré-silábico, o silábico, o silábico-alfabético e o alfabético. Tais níveis são
caracterizados por esquemas conceituais que não são simples reproduções das
informações recebidas do meio, ao contrário, são processos construtivos, nos quais
a criança leva em conta parte da informação recebida e introduz sempre algo
subjetivo. É importante salientar que a passagem de um nível para o outro é gradual
e depende muito das experiências vividas fora e dentro da escola.
Ferreiro distingue estes níveis estruturais da notação escrita em três grandes
períodos que marcam a evolução do aprendizado da escrita, dos quais cabem
múltiplas subdivisões:
• Distinção entre o modo de representação icônico e o não-icônico.
• A construção de forma de diferenciação (controle progressivo das
variações sobre os eixos qualitativo e quantitativo).
• A fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e culmina
no período alfabético).
Apresentaremos, a seguir, a lista de níveis de escrita com suas respectivas
categorias e subcategorias que foram usadas por Ferreiro e colaboradores (1982)
para agrupar e diferenciar a escrita das crianças. Para cada subcategoria
destacamos de duas a três mostras correspondentes, uma apresentada por Ferreiro
e outra destacada das atividades produzidas pelas crianças ao longo de nossa
pesquisa.
28
I- Nível Pré-Silábico
Neste nível a escrita é, exceto no último subnível, alheia a toda busca de
correspondência entre grafia e som. A criança ainda não percebe que a escrita
representa aquilo que é falado, podendo usar letras e números para escrever e
variar a ordem, a quantidade e o repertório de letras das palavras. Assim, numa
etapa bem inicial, observa-se que:
As primeiras escritas infantis aparecem, do ponto de vista gráfico, como linhas onduladas ou quebradas (zigue-zague), contínuas ou fragmentadas, ou então como uma série de elementos discretos repetidos (séries de linhas verticais, ou de bolinhas). (FERREIRO, 1985, p. 10).
Segundo Ferreiro (1985, p. 10) “O modo tradicional de se considerar a escrita
infantil consiste em se prestar atenção apenas nos aspectos gráficos dessas
produções, ignorando os aspectos construtivos”. Ou seja, quanto aos aspectos
gráficos, leva-se em consideração a qualidade de traço, a distribuição espacial das
formas, a orientação predominante (da esquerda para a direita, de cima para baixo),
a orientação dos caracteres individuais (inversões, rotações etc.). Quanto aos
aspectos construtivos têm a ver com o que se quis representar e os meios utilizados
para criar diferenciações entre as representações.
Do ponto de vista construtivo, a escrita infantil segue uma linha de evolução surpreendentemente regular, através de diversos meios culturais, de diversas situações educativas e de diversas línguas. (FERREIRO, 1985, p. 10).
Conforme Ferreiro (1985), no nível pré-silábico, se conseguem as duas
distinções básicas que sustentarão as construções subsequentes: a diferenciação
entre as marcas gráficas figurativas (icônicas) e as não figurativas (escrita), por um
lado, e a constituição da escrita como objeto substituto, por outro. As crianças, num
momento inicial, consideram que escrever é a mesma coisa que desenhar. Dessa
forma, muitas crianças, quando convidadas a escrever uma determinada palavra
como CASA, por exemplo, será provável que façam um desenho acreditando que ali
está a palavra.
A distinção entre, “desenhar” e “escrever” é de fundamental importância
(quaisquer que sejam os vocábulos com os que se designam especificamente essas
ações).
29
Ao desenhar se está no domínio do icônico; as formas dos grafismos importam porque reproduzem a forma dos objetos. Ao escrever se está fora do icônico: as formas dos grafismos não reproduzem a forma dos objetos, nem sua ordenação espacial reproduz o contorno dos mesmos (FERREIRO, 1985, p. 10).
Segundo Ferreiro (1985), no nível pré-silábico inicial, o escrito não está
regulado por diferenças ou semelhanças entre os significantes sonoros. As crianças
possuem hipóteses bastante elementares sobre a escrita.
Para os alunos escrita é uma representação direta do objeto, elas ainda não conseguem perceber que o que a escrita representa (nota) no papel são os sons da fala. As crianças têm tendência a acreditar que se escreve guardando as características do objeto a ser escrito (MORAIS, 2005, p. 53).
Vejamos, a seguir, mostras de diferentes subcategorias do nível pré-silábico:
A – Grafismos primitivos, escrita unigráfica ou sem controle de quantidade.
• Grafismos primitivos – predomínio de garatujas e/ou pseudo letras. Se excluem os
casos em que com grafias não convencionais (bolinhas e palitos) se estabelece uma
correspondência sonora.
Figura 1 - Grafismos primitivos.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
30
• A criança usa a mesma grafia para todas as palavras.
Figura 2 - Escrita sem diferenciação inter-figura.
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 3 - Grafia com predomínio do mesmo traçado.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
31
• Escrita unigráfica - utiliza uma só grafia para cada nome a representar
(quantidade constante)
Figura 4 - Escrita unigráfica (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 5 - Escrita unigráfica (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
32
• Escrita sem controle de quantidade: só quando chega ao limite da folha se
interrompe a sucessão de grafias.
Figura 6- Escrita sem controle de quantidade (a).
Fonte: FERREIRO, E.; PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones em el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
33
Figura 7- Escrita sem controle de quantidade (b).
Na subcategoria a seguir, veremos o uso de repertório fixo de letras, para
diferentes palavras.
B – Escrita fixa (com predomínio de grafias convencionais).
Nesta escrita se utiliza grafia convencional com controle de quantidade. Não
se apresenta a exigência de diferenciar a sequência de letras que representa nomes
diferentes. Tudo se escreve da mesma maneira.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
34
• A mesma série de letras serve para diferentes nomes.
Figura 8- Escrita fixa (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 9 - Escrita fixa (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
Nos exemplos, as crianças usam a mesma sequência de letras para
diferentes palavras, escrevendo tudo da mesma maneira.
35
• Verifica-se o uso das letras do próprio nome como escrita válida para tudo.
Figura 10 - Escrita com letras do próprio nome (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 11- Escrita com letras do próprio nome com variações de posição.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2016).
36
Figura 12- Escrita com letras do próprio nome (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
Observamos nos últimos exemplos o uso exclusivo de letras que fazem parte
do nome da criança, sendo que no segundo exemplo, a criança apresenta variação
de posição das letras.
O passo seguinte se caracteriza pela busca de diferenciações entre as
escritas produzidas, precisamente para “dizer coisas diferentes”.
Segundo Ferreiro, as crianças dedicam um grande esforço intelectual na
construção de formas de diferenciação entre as escritas e é isso que caracteriza a
subcategoria seguinte. Esses critérios de diferenciação são, inicialmente, intra-
figura, e consistem no estabelecimento das propriedades que um texto escrito deve
possuir para poder ser interpretável (ou seja, para que seja possível atribuir-lhe uma
significação).
Começa então uma busca difícil e muito elaborada de modos de diferenciação, que resultam ser inter-figura: as condições de legibilidade intra-figura se mantém, mas agora é necessário criar modos sistemáticos de diferenciação entre uma escrita e a seguinte, precisamente para garantir a diferença de interpretação que será atribuída. As crianças exploram então critérios que lhes permitem, às vezes, variações sobre o eixo quantitativo e sobre o eixo qualitativo. A coordenação dos dois modos de diferenciação (quantitativa e qualitativa) é tão difícil aqui como em qualquer outro domínio da atividade cognitiva (FERREIRO, 1985, p. 11).
Segundo Morais (2012, p. 57), no caso da hipótese de variedade, “a criança
descobre que não pode ler sequências nas quais todas as letras são iguais e que,
para escrever palavras diferentes, não se pode produzir notações iguais”.
37
C – Escritas diferenciadas (com predomínio de grafias convencionais).
Estas escritas não têm nenhuma das características próprias da Categoria A.
O uso exclusivo ou predominante de grafias convencionais, assim como sua
utilização em uma quantidade controlada, facilita seu manejo, para produzir
diferenciações intencionais, as quais constituem a principal característica desta
etapa, cuja estrutura depende de critérios alheios à compreensão de critérios de
correspondência sonora.
• Sequência de repertório fixo com quantidade variável: as grafias utilizadas
apresentam sempre a mesma ordem por palavra escrita e têm diferente quantidade
de letras.
Figura 13- Escrita com sequência de repertório fixo e quantidade variável (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
38
Figura 14- Escrita com sequência de repertório fixo e quantidade variável (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2016).
Figura 15 – Escrita com quantidade constante e repertório fixo parcial (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
ZEBRA FOGO VOTO SELO
39
Figura 16 – Escrita com quantidade constante e repertório fixo parcial (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2016).
• Quantidade variável com repertório fixo parcial. No primeiro exemplo,
começando pela letra do próprio nome.
Figura 17 – Escrita com quantidade variável e repertório fixo parcial.
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982
40
O exemplo que tivemos mais próximo deste nível de escrita é o exposto a
seguir.
Figura 18– Escrita com quantidade fixa e repertório fixo parcial.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
PELE BECO TOCA DOCE PERA
BOTE TORRE DEGRAU
41
Figura 19– Escrita com quantidade constante com repertório ou posição variável (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 20– Escrita com quantidade constante com repertório ou posição variável (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
42
No segundo exemplo observamos que a criança notou sete letras em quase
todas as palavras, com exceção de LÁPIS, que notou com seis.
Figura 21– Escrita com quantidade e repertório variável (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 22– Escrita com quantidade e repertório variável (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
43
D – Escrita diferenciada com valor sonoro inicial.
A diferenciação entre escritas se apresenta plenamente desenvolvida nesta
categoria, além de uma gradação importante: a presença de letras iniciais que têm a
ver com a sonoridade da palavra. No entanto, as outras letras que seguem não têm
por função representar a sonoridade.
• Quantidade e repertório variáveis e presença de valor sonoro inicial.
Figura 23– Escrita com quantidade e repertório variáveis e presença de valor sonoro inicial (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 24– Escrita com quantidade e repertório variáveis e presença de valor sonoro inicial (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
PELE
BECO
TOCA
44
II - Nível Silábico
É a atenção às propriedades sonoras do significante que marca o ingresso na
próxima grande fase ou nível desta evolução. A criança começa por descobrir que
as partes da escrita (suas letras) podem corresponder a outras tantas partes da
palavra escrita (suas sílabas). Sobre o eixo quantitativo, isto se exprime na
descoberta de que a quantidade de letras com a que se vai escrever uma palavra
pode ter correspondência com a quantidade de partes que se reconhece na emissão
oral.
Essas “partes” da palavra são inicialmente suas sílabas. Inicia-se assim, o período silábico, que evolui até chegar a uma exigência rigorosa. Uma sílaba por letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras. Esta hipótese silábica é da maior importância, por duas razões: permite obter um critério geral para regular as variações na quantidade de letras que devem ser escritas, e centra a atenção da criança nas variações sonoras entre as palavras. (FERREIRO, 1985, p. 12).
A criança começa a perceber a correspondência entre as letras e aquilo que é
falado, de modo que possa, ao final, a atribuir uma letra a cada sílaba oral da
palavra que quer escrever. Dessa forma, a criança, quando solicitada a escrever,
utiliza uma letra para cada sílaba da palavra. Quando a criança compreende que as
diferenças das representações escritas se relacionam com as diferenças na pauta
sonora das palavras, fica ainda por descobrir que classe de recorte da palavra dita é
o que corresponde aos elementos da palavra escrita. Com base em Ferreiro et al.
(1982) temos as seguintes subcategorias:
E – Escritas silábicas iniciais
Trata-se das primeiras tentativas de escrever assinando a cada grafia um valor
silábico. Como tentativas iniciais que são, resultam imperfeitas e coexistem ainda
com escritas que não correspondem a este princípio, e com exigências de
quantidade mínima de letras. Inicialmente preocupam-se com o aspecto quantitativo,
marcando uma letra qualquer para representar cada sílaba da palavra.
45
Figura 25– Escrita silábica inicial sem predomínio de valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 26– Escrita silábica inicial sem predomínio de valor sonoro convencional (b).
NO - VE
RE - DE
MO - ÇA
LE - QUE
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
46
• Escritas silábicas iniciais com valor sonoro convencional nas escritas sem
correspondência sonora (entre sílabas e letras) apesar do valor sonoro
convencional inicial.
Figura 27- Escritas silábicas iniciais com valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
47
Figura 28- Escritas silábicas iniciais com valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
48
* Estruturas silábicas iniciais com valor sonoro convencional nas escritas com
correspondência sonora.
Figura 29- Escritas com estrutura silábicas iniciais com valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
49
Figura 30- Escritas com estrutura silábicas iniciais com valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
F – Escritas silábicas com marcada exigência da quantidade.
Nesta categoria se agrupam as escritas construídas a partir da análise
silábica da palavra, mas que, em alguns casos, representam mais letras que as
exigidas a partir de tal análise; por predomínio de uma exigência mínima de
quantidade superior a dois. Portanto, são as escritas dos monossílabos e dissílabos,
as que representam maior dificuldade. O aprendiz terá dificuldades em compreender
a escrita de palavras comumente usadas como “eu” “tu”, pois para ele não existem
palavras com essa quantidade de letras.
• Escrita silábica com marcada exigência de quantidade e sem predomínio
de valor sonoro convencional. O problema surge, quando se escreve monossílabos
e dissílabos, porque implicariam uma e duas grafias respectivamente, pois esta
50
quantidade contraria os critérios de quantidade mínima (não basta com tão poucas
letras representar algo escrito).
Figura 31- Escritas silábicas com marcada exigência de quantidade (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 32- Escritas silábicas com marcada exigência de quantidade (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
51
• Escritas silábicas com exigência de quantidade e predomínio de valor
sonoro convencional, nas letras empregadas.
Figura 33- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 34- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2016).
52
No segundo exemplo, a criança só acrescentou as letras depois que falou a
palavra, escrevendo uma letra para cada sílaba. Observamos que, além da
preocupação com a quantidade mínima de letras, as crianças notam as palavras
com uma variedade de letras que assumem, por vezes, valor sonoro convencional.
G – Escritas silábicas estritas ou exatas.
São aquelas em que se aprimora a hipótese silábica (correspondência entre
quantidade de grafias na escrita e das sílabas orais da palavra que se escreve).
Essa correspondência se estabelece, quase sempre, assegurando uma grafia a
cada sílaba.
Figura 35- Escritas silábicas exatas sem predomínio de valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
53
Figura 36- Escritas silábicas exatas sem predomínio de valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2015).
Figura 37- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
54
Figura 38- Escritas silábicas com predomínio de valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados, (2016).
Vimos que, inicialmente, a hipótese silábica criava suas próprias condições de
contradição: contradição entre o controle silábico e a quantidade mínima de letras
que uma escrita deve possuir para ser “interpretável”. Assim,
Por exemplo, o monossílabo deveria se escrever com uma única letra, mas se se coloca uma letra só, o escrito “não se pode ler”, ou seja, não é interpretável), além disso, contradição entre a interpretação silábica e as escritas produzidas pelos adultos (que sempre terão mais letras do que as que a hipótese silábica permite antecipar (FERREIRO, 1985, p. 12).
Nesse mesmo período – embora não necessariamente ao mesmo tempo – as
letras podem começar por adquirir valores sonoros (silábicos) relativamente
estáveis, o que leva a se estabelecer correspondência com o eixo qualitativo: as
partes sonoras semelhantes entre as palavras começam a se exprimir por letras
semelhantes. E isto também gera suas formas particulares de conflito.
55
III - Nível Silábico-Alfabético
Os conflitos antes mencionados vão desestabilizando progressivamente a
hipótese silábica, até que a criança tem coragem suficiente para se comprometer em
um novo processo de construção. O período silábico-alfabético marca a transição
entre os esquemas prévios em via de serem abandonados e os esquemas futuros
em vias de serem construídos.
Quando a criança descobre que a sílaba não pode ser considerada como unidade, mas que ela é, por sua vez, reanalisável em elementos menores, ingressa no último passo da compreensão do sistema socialmente estabelecido. E, a partir daí, descobre novos problemas, pelo lado quantitativo, que se por um lado não basta uma letra por sílaba, também não se pode estabelecer nenhuma regularidade duplicando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas que se escrevem com uma, duas, três ou mais letras), pelo lado qualitativo, enfrentará os problemas ortográficos (a identidade de som não garante identidade de letras, nem a identidade de letras a de sons) (FERREIRO, 1985, pp. 13 e 14).
Enfim, nesta hipótese de escrita, as crianças têm o conhecimento do o que a
escrita nota (a pauta sonora da palavra) e começam a refletir sobre como a escrita
nota. Com base em suas reflexões, as crianças começam a perceber que,
internamente, as sílabas possuem “partes” menores e começam a notar algumas
sílabas das palavras com mais de um grafema, fazendo uma correspondência
sonora. Nesse momento, pode-se considerar que as crianças se encontram em um
estágio de transição entre a escrita silábica e a alfabética: a esta hipótese
chamamos de hipótese silábico-alfabética.
Este é, portanto, um período de transição, no qual a criança ora utiliza uma
letra para cada sílaba, ora reconhece os demais fonemas das sílabas das palavras e
passa também a notá-los. Neste nível coexistem duas formas de fazer corresponder
sons e grafias: a silábica e a alfabética. Há a sistematicidade, no sentido de que
cada grafia corresponde a um som. Segundo Ferreiro:
(...) as produções deste momento da evolução são mistas por natureza: algumas sílabas são escritas com uma única letra, como no período precedente, mas outras sílabas são escritas com mais de uma letra, anunciando, ao que parece, o abandono da análise silábica. (FERREIRO, 2013, p. 65).
Trata-se, em certa maneira, de um híbrido, porque algumas grafias
representam sílabas e outros fonemas. Mas, não se trata de estruturas com
omissões.
56
• Escrita silábico-alfabética sem predomínio de valores sonoros
convencionais.
Figura 39 - Escrita silábico-alfabética sem predomínio de valores sonoros convencionais.
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
O exemplo que tivemos mais próximo deste nível de escrita é o exposto a
seguir. Figura 40 - Escrita silábico-alfabética
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
57
• Escrita silábico-alfabética com predomínio do valor sonoro convencional.
Figura 41- Escrita silábico-alfabética com predomínio do valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 42- Escrita silábico-alfabética com predomínio do valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2016).
58
Neste nível de escrita, as crianças parecem ampliar os seus conflitos e, ao
mesmo tempo, demonstram tentar resolvê-los. Ferreiro (2013, pp. 65 -66), chama a
atenção de dois exemplos: um de escrita silábica justaposta e outro de alternâncias
grafofônicas. A primeira situação diz respeito a uma criança que, ao escrever a
palavra, nota para a mesma palavra, o que poderíamos dizer, duas escritas silábicas
convencionais, uma representada com vogal e outra com consoante. Na palavra
SOPA, por exemplo, a criança notou, após repetir a palavra, OA, o que representaria
a princípio a notação vocálica das sílabas. Após repetir a palavra, novamente, ela
torna a acrescentar, mais letras, sem que as notadas fossem repetidas, adicionando
SP, o que poderia se concluir, de maneira isolada, a notação da palavra
representada por consoantes. Tal fato foi analisado por Ferreiro, como a
representação da sílaba a partir de perspectivas diferentes, de ancoragens
diferentes, concluindo ser “duas escritas silábicas justapostas”.
O segundo caso, diz respeito a uma criança que foi solicitada a escrever uma
lista de compras no papel e depois no computador. Como a criança, já percebera
que não se pode escrever só com vogais, ao escrever SODA notou no papel SA,
representando as sílabas convencionalmente, e no computador, OD, ambos,
registros silábicos convencionais da palavra, sendo que uma sílaba notada com a
vogal e a outra com consoante. O mesmo fez para SALAME, SAM, no papel e ALE,
no monitor. Ferreiro chamou tal fenômeno de alternâncias grafofônicas. Segundo a
pesquisadora, a sílaba oral é considerada a partir de duas ancoragens, o que revela
que:
“A centração no “aspecto vocálico” da sílaba é seguida de uma centração no
“aspecto consonântico” da mesma sílaba. A mesma sílaba é ouvida “a partir de outro
lugar”. (Ouvida e “vista”, porque a escrita permite vê- la.)”. Ferreiro (2013, p. 66).
Tais condutas, nos levam a inferir que, embora avancem com suas
concepções em relação à escrita, as crianças demonstram um avanço gradativo,
que parece ser organizado e reorganizado a todo o momento, a partir de suas
interações, até que os novos conhecimentos possam ser confirmados e efetivados
em sua prática.
59
Dessa forma, como observado por Ferreiro,
Nas escritas silábicas, a fronteira silábica fica marcada, já que, quando se lhes permite escolher, as crianças preferem caracteres separados e cada letra, separada das outras, corresponde a uma sílaba. Na escrita alfabética esta fronteira desaparece. Parte da dificuldade reside no desaparecimento dessa fronteira (FERREIRO, 2013, p. 74).
Podemos dizer que tal fronteira representa um novo ponto de partida a ser
desvendado, gerando, conflitos e desestabilidade. A dificuldade da criança reside
em compreender ou desvendar o que significa a ausência dessa “fronteira”, em suas
notações, “materializar” uma linguagem, até então, “abstrata”, realizar a
“transformação da linguagem – instrumento de ação – em objeto de reflexão.”
Ferreiro (2013, p. 74). Segundo Ferreiro, compreender, em todos seus detalhes,
estes momentos de transição e, em particular, essa “desordem com pertinência” é
crucial para entender as dificuldades e as especificidades da alfabetização.
Ao abandonar a escrita com simples vogais, ao começar a introduzir consoantes, as crianças não estão acrescentando letras “alegremente”. A introdução das consoantes desorganiza o sistema anterior e as crianças devem empreender a penosa tarefa de enfrentar os desafios de encontrar uma nova organização. Essa nova organização impactará ao mesmo tempo a oralidade analítica e a escrita reflexiva. (FERREIRO, 2013, pp. 75 e 76)
O que podemos inferir é que da fase silábica até a alfabética, muitos são os
conflitos a se deparar, bem como, caminhos a serem percorridos pelas crianças e
cada uma delas tem o seu modo de olhar e perceber as sílabas na palavra, gerando
com isso a dualidade que vimos a chamar de fase ou nível silábico-alfabético.
IV - Nível Alfabético
A criança já consegue reproduzir, adequadamente, todos os fonemas de uma
palavra, caracterizando a escrita convencional que todos nós empregamos, mas
com erros ortográficos. É aquele estágio em que desaparece a análise silábica na
construção da escrita, a qual agora é formada com base em uma correspondência
entre fonemas e grafias, o que não exclui erros ocasionais. A criança ou aprendiz é
capaz de fazer as relações entre grafemas e fonemas. Como as crianças sabem que
a escrita nota a pauta sonora, elas têm tendência a escrever as palavras como são
pronunciadas. Ex.: KAJU para CAJU.
60
• Escrita alfabética sem predomínio sonoro convencional.
Segundo Ferreiro et al. (1982), ainda que pareça estranho, há crianças que
atribuem qualquer fonema a qualquer letra, ou até mesmo bolinhas, como é o
caso do exemplo a seguir, no qual a criança conhece poucas letras e prefere
ignorá-las para construir, centrada exclusivamente na pura correspondência
sonora (uma grafia para cada fonema). Não encontramos, em nossa pesquisa,
este tipo de escrita.
Figura 43- Escrita alfabética sem predomínio sonoro convencional.
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 44- Escrita alfabética não convencional.
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
61
• Escrita alfabética com algumas falhas na utilização do valor sonoro
convencional.
Figura 45- Escrita alfabética com algumas falhas na utilização do valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 46- Escrita alfabética com algumas falhas na utilização do valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
62
• Escrita alfabética com valor sonoro convencional.
Figura 47- Escrita alfabética com valor sonoro convencional (a).
Fonte: FERREIRO, E., PALACIO, M. G. Analisis de las pertubaciones en el proceso de aprendizaje escolar de la lectura y la escritura. Editora: México: SEP-OEA, 1982.
Figura 48- Escrita alfabética com valor sonoro convencional (b).
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
63
Como observado, o domínio da escrita alfabética implica não só compreender
o “como a escrita nota a pauta sonora”, ou seja, que as letras representam unidades
menores do que as sílabas, mas o desenvolvimento de “automatismos e agilidades
nos processos de “tradução do oral em escrito” no ato de escrever e de “tradução do
escrito em oral” (no ato de ler).” Morais (2012, 66). Porém, até atingir o nível de
escrita alfabética, muitos são os desafios a serem superados, e muitas respostas a
serem encontradas para as questões de âmbito conceitual, no percurso evolutivo
que envolve o conhecimento e aprendizdo das convenções do sistema de escrita
alfabética.
64
2.1.3 A apropriação pedagógica da teoria da psicogênese: contribuições, distorções e limites.
Assim sendo, a teoria proposta por Ferreiro e Teberosky (1979) foi uma das
inovações introduzidas no contexto do estudo da aquisição da linguagem escrita e
que produz, ainda hoje, os seus efeitos e só teve a contribuir para a reflexão e
compreensão sobre os conhecimentos que os aprendizes possuem em cada um dos
níveis de escrita.
Como explicam Martins, Salvador e Albuquerque (2014):
A teoria psicogenética da linguagem escrita assenta nos pressupostos básicos da teoria piagetiana que entende: i) a criança como um ser eminentemente activo na procura do conhecimento; ii) é através do mecanismo da assimilação que a criança conhece; iii) o processo de aprendizagem está centrado no sujeito na medida em que o conhecimento resulta da sua própria actividade; iv) a construção de conhecimento é progressiva ou evolutiva e não linear, sendo que implica reestruturações globais dos esquemas conceptuais das crianças devido à existência de conflitos cognitivos; v) é pela reconstrução do objecto de conhecimento que o sujeito o capta e compreende na sua essência; vi) nenhuma aprendizagem possui um ponto de partida absoluto.
Segundo Morais com a teoria da psicogênese:
Descobrimos que a escrita não é um código e que não é da noite para o dia, recebendo informações prontas, transmitidas pelo adulto (professora ou autor de cartilha), que, de forma mágica ou instantânea, as crianças passam a usar as letras para escrever ou ler palavras que não. (MORAIS, 2012, p.74),
O autor destaca, em suas considerações, que aprendemos que não é preciso
controlar as palavras com que a criança se defronta, porque isso em nada assegura
seu avanço. Aprendemos que o processo de letramento – ou de imersão das
crianças no mundo da escrita – começa fora da instituição escolar, bem antes do
ano de alfabetização, e que deve ser bem conduzido na escola, e pela escola, desde
a educação infantil. O autor destaca que a teoria da psicogênese da escrita, desde
seu anúncio, nos chamou a atenção para a natureza social dos objetos, língua
escrita e sistema de escrita alfabética. Destaca, dentre outras contribuições, que
aprendemos, também, que não existe “prontidão” para a alfabetização e que,
(...) fomos chamados a olhar sob outra perspectiva os erros dos alfabetizandos e a interpretá-los, tomando-os como indicadores do que os alunos já aprenderam e do que precisam aprender sobre as questões o que e como a que temos nos referido. (MORAIS, 2012, p. 74).
65
Morais chama a atenção, como última grande lição, que a partir da teoria da
psicogênese da escrita passamos a ver que muitos erros de nossos aprendizes não
são indicadores de patologias.
Assim como uma criança silábica ou silábico-alfabética não apresentaria uma dislexia na qual omitiria letras (o adulto que não compreende a psicogênese é que não saberia interpretar o que ela escreve), passamos a ver que “treinar” a emissão de fonemas não seria a forma adequada de ajudar todas as crianças com dificuldades ortográficas a escrever. (MORAIS, 2012, p. 76).
Contudo, se é preciso estar atentos e reconhecer que muitas foram as
contribuições e avanços da teoria da psicogênese, no que se refere ao processo de
alfabetização, não podemos deixar de considerar que, embora tenha inúmeras
contribuições, apresenta algumas limitações, as quais pretendemos mencionar. A
seguir, enfocaremos as lacunas, para permanecermos evoluindo em relação às
contribuições para o campo da alfabetização.
Alguns estudos e pesquisas têm auxiliado não apenas no aprofundamento
das contribuições desta teoria, mas, também, a evidenciar alguns dos seus limites. A
teoria da psicogênese, sem dúvidas, propôs uma mudança definitiva nas formas de
compreendermos como se desenvolve o aprendizado do sistema de escrita
alfabética. Em contrapartida, nos deparamos com as lacunas deixadas por ela, e
desafios para inovar e redescobrir o ensino da alfabetização. Mas, o que de fato
mudou?
Até a difusão da teoria da psicogênese da escrita, proposta por Ferreiro e
Teberosky (1979), os métodos tradicionais de ensino, como mencionado,
consideravam a escrita como um código, que era transmitido por um professor com
suas cartilhas e que, de forma instantânea, as crianças passariam a usar letras para
escrever ou ler palavras. A preocupação dos métodos tradicionais era descrever o
como o professor ensinava. Em contrapartida, a teoria da psicogênese contrariou
toda essa concepção, da escrita como código e do aprendiz como um “recipiente” a
ser preenchido com informações e passou a descrever o como a criança aprende.
Eis, então, que um novo cenário começa a se configurar na educação e na história
da alfabetização.
Ferreiro e Teberosky (1985) questionaram a busca do melhor método para a
alfabetização, demonstrando que aqueles métodos tinham uma visão adultocêntrica
e associacionista de aprendizagem. Entretanto, apesar dos estudos de Ferreiro e
66
Teberosky adentrarem no campo da educação brasileira, trazendo importantes
contribuições, estes foram mal compreendidos por nossos professores, que
passaram a acreditar que, por si só, a criança construiria seus conhecimentos sem a
intermediação docente, deixando-a livre para aprender em diferentes ritmos, de
acordo com o seu desenvolvimento psicogenético; em outras palavras, a partir da
disseminação da psicogênese da escrita no Brasil, a aprendizagem da criança ficou
relegada a ela mesma, por meio da própria sorte.
De acordo com Morais (2012) a má apropriação da teoria gerou três
problemas ou questões. A primeira questão abordada pelo autor é decorrente de ter-
se confundido uma teoria psicolinguística sobre o processo individual de
aprendizado da escrita alfabética, com uma metodologia de ensino, o que chamou
de didatização da teoria da psicogênese. Ainda, segundo o autor, observou-se, nos
anos 1980 e 1990, uma maciça divulgação dos quatro estágios da psicogênese, sem
que disso se derivasse uma didática de alfabetização. O “como” alfabetizar teria
ficado em segundo plano.
Desse processo resultou, em muitos lugares, o que Magda Soares (2003ª e 2003b) denominou “desinvenção” da alfabetização. Isto é, em muitas escolas e salas de aula instalou-se, como já assinalamos, um discurso segundo o qual as crianças, espontaneamente, aprenderiam a ler, desde que pudessem participar de situações onde se lesse e escrevesse textos, cotidianamente. Não seria preciso trabalhar com palavras e suas unidades menores (sílabas, letras) porque as crianças, “cada uma no seu ritmo”, “descobririam sozinhas” como a escrita funciona (MORAIS, 2012, p. 77 e 78).
A ausência de uma clara proposta de ensino do SEA gerou muitas dúvidas e
equívocos de interpretação da proposta da teoria, levando vários profissionais a
tirarem conclusões precipitadas de como trabalhar com as crianças em aula. Para
uns, as crianças seriam capazes de aprender sozinhas, cada um ao seu ritmo, como
a escrita funciona. Para outros, passaram a interpretar que não seria preciso indicar
o que estava errado na escrita, porque as crianças seriam capazes de superar seus
erros. Os resultados gerados por tais interpretações foram desastrosos.
Em consequência, a má apropriação da teoria provocou outros problemas nas
práticas dos alfabetizadores: o abandono do ensino sistemático das
correspondências grafema-fonema, o descaso com a caligrafia e com o ensino de
ortografia.
67
A segunda questão levantada por Morais relaciona-se ao descaso com a
caligrafia dos alunos.
Se como sabemos, as letras “bastão” ou de imprensa maiúscula são especialmente adequadas para as atividades de reflexão sobre palavras, atividades que auxiliam a criança a compreender as propriedades do SEA, uma vez alcançada uma hipótese alfabética, precisamos ajudar os aprendizes a escrever com letra cursiva, de forma legível e com mais velocidade. (MORAIS, 2012, p. 79).
Além das questões relacionadas ao descaso com a caligrafia, Morais destaca,
dentre outros problemas gerados pela interpretação equivocada da teoria, o
descuido com o ensino da ortografia.
Na mesma linha de raciocínio, diversos educadores passaram a acreditar que ensinar ortografia era algo “tradicional” (e repressor) e que os aprendizes, por si sós, avançariam no domínio da norma ortográfica, à medida que lessem e produzissem mais textos. (MORAIS, 2012, p. 79).
Mas, segundo Morais, esse tipo de distorção vem sendo superado e os
alunos alfabetizados têm aprendido de forma mais reflexiva e com menos
“decoreba” as regras e irregularidades de nossa norma ortográfica.
Embora a “chegada” da teoria tenha provocado grande desestabilidade no
cenário da educação brasileira, consideramos que suas contribuições foram de
extrema relevância para a evolução das práticas pedagógicas relacionadas à
alfabetização em nosso país, por tornar-se a principal referência sobre como os
aprendizes constroem hipóteses a respeito da escrita alfabética.
Morais (2012) também aponta o caráter secundário que a consciência
fonológica e o domínio das relações grafema-fonema recebem na teoria. Com base
em estudos prévios, este autor defende que certas habilidades fonológicas são de
grande importância para o alcance da escrita silábica e para o avanço da
compreensão total do SEA, pelo fato de permitirem a reflexão sobre os segmentos
sonoros das palavras.
Temos defendido, há mais de vinte anos (cf. MORAIS e LIMA, 1989), que o desenvolvimento de habilidades fonológicas é uma condição necessária, mas não suficiente, para uma criança atingir uma hipótese alfabética, algo que, sempre é bom lembrar, não é o mesmo que estar alfabetizando. (MORAIS, 2012, p. 91).
A relevância que a consciência fonológica exerce na apropriação do SEA vem
sido discutida em vários estudos, por meio de dados de pesquisas consistentes,
considerando que os aprendizes desse sistema de escrita, em dado momento de sua
68
aprendizagem, passam a refletir sobre os segmentos sonoros que constituem as
palavras, sejam eles as sílabas, as rimas maiores que as sílabas, as unidades intra-
silábicas ou os segmentos menores que as sílabas – os fonemas.
Assim sendo, em relação ao que pudemos compreender, a partir dos estudos
apresentados, é que quando as crianças manipulam os sons que constituem as
palavras da língua e passam a analisar e a refletir sobre os segmentos sonoros das
palavras, podemos afirmar que estão operando no nível explícito das habilidades
metafonológicas. É nesse momento que as tarefas de consciência fonológica devem
ser potencializadas, na escola, em um processo onde faz-se necessária a
sistematização do ensino do sistema alfabético de escrita.
Outro questionamento trazido por Morais, em relação à teoria, diz respeito à
visão de que os aprendizes, em determinado momento, escreveriam segundo uma
única hipótese de escrita. Isto foi discutido, inicialmente, em estudos de Azevedo;
Lima e Morais (2008), assim como de Leite e Morais, (2011) que buscaram fazer
uma reflexão sobre a relação que existe entre o conhecimento do nome das letras e
as hipóteses de escrita de crianças e adultos, verificando que, além de não existir
uma relação linear entre esses conhecimentos, observa-se grande variação de nível
em uma mesma criança e ocasião de escrita, levando a questionar a visão da teoria
de que os aprendizes “estariam em uma única hipótese de escrita”. Pesquisas
posteriores, realizadas por Oliveira e Morais (2013) e Gomes e Morais (2013),
evidenciaram as mesmas constatações, assim como, chamaram a atenção para
outros aspectos não abordados pela teoria:
(...) como a não influência sobre as hipóteses infantis do fato das palavras serem ou não de mesmo campo semântico, a presença de escritas singulares, que não cabem na classificação dos níveis propostos pela teoria, e a influência não muito significativa do tamanho da palavra em crianças com hipóteses de escrita menos avançadas (pré-silábicas) e mais avançadas (silábicas e alfabéticas). (MORAIS; CAVALCANTI; OLIVEIRA, 2014, p. 6).
Contudo, o que podemos dizer em relação às mudanças ocorridas no âmbito
da alfabetização nas últimas três décadas, é que conseguimos compreender o
porquê de o sistema de escrita alfabética ser considerado um sistema notacional,
conforme propõe a teoria, por isso complexo, e não um sistema de codificação,
conforme defendem métodos tradicionais e as implicações que essa má
interpretação pode trazer para a apropriação da escrita alfabética durante a
69
alfabetização. Daí a importância de continuarmos revendo nossos conceitos, assim
como, ponto de vista teórico para que possamos superar as lacunas ou limitações
encontradas na teoria, rumo a ajustar os caminhos explicativos dessa apropriação.
70
2.2 O Sistema fonológico do Português e sua notação escrita.
Etimologicamente, Fonologia significa "Estudo dos sons", uma significação
composta pelos elementos gregos "fono" (som) e "logia" (estudo). Em termos gerais,
pode-se afirmar que a Fonologia é uma vertente gramatical responsável por estudar
os fonemas.
Ferdinand de Saussure, em sua obra Curso de Linguística Geral (1969),
distingue fonética de fonologia, reservando a fonética o seu uso original de estudo
das evoluções dos sons. Segundo ele, “a fonética é uma ciência histórica, analisa
acontecimentos, transformações e se move no tempo. Enquanto que a fonologia se
coloca fora do tempo, já que o mecanismo da articulação permanece sempre igual a
si mesmo.” Saussure (1969, p. 63).
Para Câmara Jr.,
A nova fonologia vê nos sons da língua elementos da constituição das palavras com uma função gramatical nítida, e procura estudá-los neste sentido, destacando-a da fonética, uma disciplina integralmente linguística e contrastando-a com aquela, que estuda os sons da fala como meros produtos de física acústica e fisiologia articulatória. (CÂMARA JR. 2007, p. 14).
Podemos considerar, de acordo com estudos modernos, que a Fonologia se
ocupa em descrever os fonemas, por uma abordagem funcional, enquanto que a
Fonética estuda as diversas realizações físicas e articulatórias dos segmentos
fonológicos correspondentes. Estudos de Silva (2001) salientam que para transferir
a forma sonora para a forma gráfica, temos de abordar três aspectos distintos do
sistema fonológico e determinar sua correspondência na escrita: o aspecto físico da
corrente da fala (o som propriamente dito); o som como elemento significativo, no
sistema de comunicação (as entidades segmentáveis); traços que incidem sobre a
corrente da fala modificando a mensagem (as entidades supra-segmentais). Quanto
ao som como elemento significativo, Silva destaca que o sistema ortográfico
pretende substituir a corrente sonora. Pretende codificar o sistema linguístico como
o faz a fala. De acordo com o elemento linguístico tomado como a menor unidade
representável, temos: a palavra (unidade conceitual), a sílaba, o fone e o fonema.
O conceito de palavra diverge na opinião de alguns estudiosos da área. Para
Basílio (1987, p.11), “palavra é tudo aquilo que, na língua escrita, ocorre entre
espaços ou sinais de pontuação. Mais difícil é traçar a distinção entre palavras
71
diversas e diversas formas da mesma palavra.” É a mesma distinção que existe
entre flexão e derivação. Ou: palavra é a unidade linguística básica, facilmente
reconhecida por falantes em sua língua nativa. Conforme Basílio,
A palavra é uma dessas unidades linguísticas que são muito fáceis de reconhecer, mas bastante difíceis de definir, se tomarmos como base de definição a língua falada. Isto acontece porque na língua falada não fazemos pausas sistemáticas entre cada palavra pronunciada. Na língua escrita, não temos problemas de definição neste eixo, e podemos definir a palavra como qualquer sequência que ocorra entre espaços e/ou sinais de pontuação. Estamos nos referindo, naturalmente, a sequências possíveis na língua; uma sequência como sqwrn seria interpretada provavelmente como um erro de datilografia, nunca como uma palavra do português (BASÍLIO, 1987, p.11).
Para Saussure (1969), é difícil traçar o conceito de palavra, seja qual for o critério. Levantam-se vários problemas: to be - uma ou duas palavras? Peter's book, o 's é uma palavra? A cadeia fônica não ajuda, não há delimitação precisa entre palavras. (In: Freitas, 2007, p.70). Para Saussure,
A palavra falada é formada por um significante (imagem acústica) e um significado (conceito), é “a pausa acentual na cadeia acústica é o que faz a delimitação da palavra” (como veremos adiante, esse conceito está associado ao de palavra fonológica). Porém, os limites da unidade concreta não coincidem com os da unidade palavra. Ou uma palavra distingue diversas unidades, ou uma unidade reúne diversas palavras. (SAUSSURE, 1969, p. 24)
Do ponto de vista de Mattoso Câmara Jr., considerado um dos grandes nomes da Linguística e do Estruturalismo, palavras são:
“(aquelas que) [1] relacionam-se entre si os elementos idênticos existentes em múltiplas frases, e desta comparação emerge o modelo mental chamado vocábulo, com individualidade ao mesmo tempo significativa e formal. Em outros termos, a noção de vocábulo assenta na identificação parcial que se faz dentro da diferença global das frases” (CÂMARA JR. s/d).
Ele utiliza a nomenclatura vocábulo para se referir à palavra, considerando-a
como um misto entre formas livres e dependentes, isto é, entre formas que podem
existir com significação mesmo que isoladas no contexto da língua, que “tem
incontestável autonomia ou individualidade formal, porque não é condicionado pela
forma particular do vocábulo a que se adjunge” e formas que só absorvem sentido
quando acompanhadas de outras, respectivamente.
Segundo a definição de Câmara Jr., existiriam três critérios para a
classificação do vocábulo, sendo eles o semântico (que vê a palavra de acordo com
sua significação geral no contexto da língua), o ortográfico (que a admite pela sua
“imagem visual” e pelos espaços de separação que a delimitam) e
o morfossintático (que a avalia como uma junção de sua representação ortográfica e
72
semântica). O teórico, contudo, enfatiza a utilização deste último como o primeiro e
básico para a correta classificação do vocábulo na língua e no enunciado, consoante
afirma no fragmento citado.
Diante de diferentes opiniões, adotaremos como definição de palavra “tudo
aquilo que, na língua escrita, ocorre entre espaços ou sinais de pontuação; a
unidade linguística básica, facilmente reconhecida por falantes em sua língua nativa”
Basílio (1987, p.11), e que, conforme Basílio, pode ser interpretável, visto que
acreditamos ser mais pertinente aos nossos propósitos de pesquisa.
Quanto ao conceito de sílaba, adotamos a noção proposta por Stetson
(1951) que explica a sílaba em termos do mecanismo de corrente de ar pulmonar.
Na produção do mecanismo de corrente de ar pulmonar, o ar não é expelido dos
pulmões com uma pressão regular e constante. Cada contração e cada jato de ar
expelido dos pulmões constitui a base de uma sílaba. “A sílaba é então interpretada
como um movimento de força muscular que intensifica-se atingindo um limite
máximo, após o qual ocorrerá a redução progressiva desta força” (SILVA, 2001, p.
76). Mattoso considera, como Jakobson, que a sílaba é “A Estrutura Fonêmica
Elementar”. Delimita-se com um movimento de ascensão que culmina num ápice
(centro silábico) seguido de um processo de decréscimo auditivo, acústico e
articulatório. O ápice da sílaba em Português é sempre uma vogal; este elemento é
necessário, mas não o são nem o aclive nem o declive, as suas margens. Para
maior compreensão segue a explicação abaixo, extraída de Hernandez (2008).
Na estrutura da sílaba, existem três posições: o ápice ou centro da sílaba – sempre ocupado por vogal – e as encostas ou laterais: o aclive, a encosta em que se situa o fonema ou fonemas que antecedem a vogal, e o declive, encosta em que se localiza o fonema ou fonemas que a seguem. Vejamos como isso se passa em alguns exemplos de estrutura da sílaba:
Saiba que nem todas as sílabas possuem fonemas nessas três posições: há sílabas que têm fonema no aclive e ápice (“pa”, em “ca-pa”); outras, no ápice e declive (“ar”, em “ar-co”) e outras só no ápice (“a”, em “a-mor”). Agora, você vai ver alguns exemplos de fonemas na estrutura de sílabas que apresentam elementos nas três posições. Tomemos, nas palavras “bo-lor”, “fil-tro” e “de-mais”, as sílabas “lor”, “fil” e “mais”. No alfabeto fonético (que representa tecnicamente os fonemas), elas são escritas /lor/, /fil/ e /mays/. Vejamos agora como essas sílabas dispõem-se nos diagramas que as representam:
73
(http://www.paulohernandes.pro.br/dicas/001/dica164.html)
Embora, durante a fala, não façamos o uso de fragmentação das palavras em
sílabas, elas podem ser facilmente identificadas, pelo falante da língua. Segundo
Soares (2016, p. 193), “a criança desde cedo, revela sensibilidade fonológica às
sílabas, mostrando-se capaz de dividir uma palavra nesses segmentos, o mesmo
não ocorre com a sensibilidade a fonemas.” Para a autora, a consciência silábica é
fácil de adquirir porque sílabas podem ser produzidas isoladamente, pois
constituem, “atos articulatórios unitários” J. Morais et. al. (1987, p. 430).
Na palavra, além de identificarmos as sílabas, podemos também identificar os
fones e fonemas, sendo estes mais difíceis de serem percebidos por um falante que
não desenvolva conhecimentos específicos.
Consideramos como fone qualquer som vocal ou uma unidade sonora da fala.
Concordamos que “é portanto, uma entidade fônica estabelecida por nossa
percepção acústica de falante nativo para fins de comparação com a entidade
gráfica” Silva (2001, p. 26). Descrever os fones é considerar todos os sons que, de
fato, ocorrem na fala, inclusive aqueles que estão envolvidos na variação da
pronúncia das palavras. Dessa forma, são fones do português brasileiro, o som [d],
como o som [dʒ] que ocorrem na pronúncia da palavra dia, dita como [´dia] ou [dʒia],
dependendo da região do país.
A seguir, apresentaremos um grupo de letras, proposto por Silva (2001),
sobre os símbolos gráficos com valor fonológico múltiplo.
74
Figura 49 - Símbolos gráficos com valor sonoro múltiplo.
Os fones são representados pela transcrição fonética, que faz uso de
símbolos próprios, convencionalizados no Alfabeto Fonético Internacional, e são
apresentados entre colchetes. Uma palavra como casa é transcrita como [´ka.za.].
O conceito de fone se contrapõe ao de fonema. Fone diz respeito aos sons efetivamente produzidos na fala, que varia de região para região. Fonema é um elemento da língua que corresponde à imagem mental que os falantes têm das unidades sonoras do sistema fonológico. A ortografia representa os fonemas, e não os fones. Tanto quem pronuncia [´dia] quanto quem pronuncia [dʒia] deve escrever (dia) <http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/fone>
Dessa forma, ter conhecimento dos conceitos de fone e fonema é importante
para o professor alfabetizador, especialmente pelo fato de que os aprendizes iniciais
da escrita tendem a considerar os sons da fala (fones) ao grafar as palavras. Nesse
momento em que os alfabetizandos apresentam pouco conhecimento sobre a
Fonte: Silva (1981, p. 29)
75
ortografia, é comum que eles considerem a escrita como uma transcrição da fala, daí
a importância das intervenções pedagógicas.
Quanto aos fonemas, na Língua Portuguesa e para a Fonologia, são
classificados em vogais, consoantes e semivogais, sendo essas últimas também
conhecidas como Glides. Conforme Silva (2001, p. 109), fonemas “não são
pronunciáveis, pois expressam uma representação linguística abstrata”.
Consideramos fonema uma unidade mínima da estrutura fonológica. Ele não é um
signo linguístico. É dotado de uma função diacrítica, aquela que serve para
estabelecer distinção entre a forma das expressões dos signos e, por consequência,
mantê-los separados, caracterizados e diferenciados. Esta é precisamente sua
função distintiva. “(...) os fonemas são elementos da matéria fônica de um vocábulo,
se caracterizam (...) pela circunstância de não se confundirem entre si” Câmara Jr.,
(1977, p. 26-27). Com tal definição, a noção de sistema pode ser também aplicada
aos “sons” vocais.
O fonema não pode ser confundido com letra. Enquanto o fonema é o som
em si mesmo, a letra é a representação gráfica desse som. É bastante comum que
um mesmo fonema seja representado por diferentes letras, como o caso do fonema
/z/ que no português pode ser representado pelas letras “S” (CASA), “Z” (ZERO) ou
“X” (EXAME).
Assim, o papel funcional do fonema passa ao primeiro plano, e os seus
caracteres acústicos e articulatórios tornam-se secundários, pois não são,
primordialmente, eles que definem o fonema, mas apenas contribuem para tal
operação.
A classificação dos fonemas diverge de estrutura e nomenclatura entre alguns
linguistas. Segundo Saussure (1969), os fonemas são classificados de acordo com o
grau de abrimento bucal:
a) - Grau Zero: consoantes oclusivas;
b) - Grau um: consoantes constritivas fricativas;
c) - Grau dois: consoantes nasais;
d) - Grau três: consoantes líquidas (é cada uma das chamadas consoantes
vibrantes ou aproximantes (fonemas cuja emissão de ar é obstruída mas não o
suficiente ao ponto de constituir uma fricativa, que não são consideradas como
semivogais.)
76
e) - Grau quatro: semiconsoantes, ou semivogais;
f) - Grau cinco: vogais.
Tomaremos como referência a classificação fonética apresentada por Câmara
Jr., por vir de encontro ao consenso das convenções atuais. Como mencionado, os
fonemas são classificados em vogais, semivogais e consoantes. A seguir,
apresentaremos uma breve definição, assim como, classificação das vogais,
semivogais e consoantes.
Vogal é o fonema produzido pelo ar que, expelido dos pulmões, faz vibrar as
cordas vocais e não encontra nenhum obstáculo na sua passagem pelo aparelho
fonador. Classificam-se:
Quanto à intensidade
• Vogal tônica: é a vogal onde se encontra o acento principal da palavra.
• Vogal subtônica: é a vogal onde se encontra o acento secundário da
palavra.
• Vogal átona: é uma vogal onde não existe qualquer acento da palavra.
Quanto ao timbre
• Vogais abertas: São as vogais articuladas ao se abrir o máximo a boca.
Ex.: em "café", todas as vogais são abertas.
• Vogais fechadas: São as vogais articuladas ao se abrir o mínimo a boca.
Ex.: "êxodo" e "fôlego", todas as vogais são fechadas.
Alguns gramáticos da língua portuguesa ainda classificam as vogais "e" e "o" na
categoria de vogais reduzidas quando são átonas no fim de uma palavra, que em
geral são pronunciadas como "i" e "u". Ex.: DOCE e BECO.
Quanto ao modo de articulação • Vogais orais: São as vogais pronunciadas completamente através da cavidade
oral. Em português, existem de sete a nove vogais orais, de acordo com o dialeto,
a saber: "á" /ä/, "â" /ɜ̝/, "ê" /e/, "é" /ɛ/, "i" /ɯ̟/, "í" /i/, "ô" /o/, "ó" /ɔ/ e "u" /u/ (as
vogais representadas pelos símbolos [ɯ, ɜ] são comumente representados por [ɨ,
ɐ] por sua aproximidade e também por sua semelhança gráfica).
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Fonema#Vogais)
• Vogais nasais: São as vogais pronunciadas em que uma parte do ar usado para
a pronúncia, escapa pela cavidade nasal. Em português, existem cinco vogais
77
nasais. Nas palavras: "maçã", "sempre", "capim", "bondade", e "fundo", os
grafemas assinalados em negrito representam vogais nasais. Segundo Mattoso
Câmara (1977), nas “Vogais Nasais”, a constituição da sílaba é que determinará
a nasalidade fonológica (distinta) ou fonética da vogal. Como no exemplo a
seguir:
- Em junta, “u” é uma vogal nasal porque está num grupo de dois fonemas numa
mesma sílaba - vogal e elemento nasal.
- Em cama, “a” não é vogal nasal porque a nasalidade está em outra sílaba -
ocorre apenas assimilação fonética sem valor distintivo.
Quanto ao ponto de articulação • Vogais posteriores: São as vogais pronunciadas com a língua posicionada no
fundo da boca, entre o dorso da língua e o véu palatino. Em português, são
posteriores as vogais "ô", "ó" e "u".
• Vogais anteriores: São as vogais pronunciadas com a língua posicionada na
frente da boca entre o dorso da língua e o palato duro. Em português, são
anteriores as vogais "ê", "é" e "í".
• Vogais centrais: São as vogais pronunciadas com a lingua posicionada no centro
da boca. Em português, são centrais as vogais "á", "â", e em alguns dialetos
também têm o "i" átono, pronunciado ora central ora quase posterior.
As semivogais são fonemas que não ocupam a posição de núcleo da sílaba,
devendo, portanto, associar-se a uma vogal para formarem uma sílaba.
Em português, somente os fonemas representados pelas letras "i" e "u" em ditongos e tritongos são considerados semi-vogais. Um ditongo é sempre formado por uma vogal mais uma semivogal. Quando a semivogal vem antes da vogal, o ditongo é dito "crescente" (como em "jaguar"). Quando a semivogal vem depois, o ditongo é dito "decrescente" (como em "demais"). Nos ditongos "ui" e "iu", uma das letras é sempre considerada vogal e a outra é semivogal. No caso dos tritongos, todos eles são formados por uma vogal intercalada entre duas semivogais <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fonema#Vogais>.
As consoantes são fonemas assilábicos que se produzem após ultrapassar
um obstáculo que se opõe à corrente de ar no aparelho fonador. Estes obstáculos
incluem os lábios, os dentes, a língua, o palato, o véu palatino e a úvula. São
classificadas:
78
Quanto ao papel das cordas vocais
• Consoantes surdas (ou desvozeadas): São as consoantes pronunciadas sem
que as cordas vocais sejam postas em vibração. São surdas as seguintes
consoantes em português: “f”, “k”, “p”, “c”, “s”, “t”, “x”, “ch”.
• Consoantes sonoras (ou vozeadas): São as consoantes pronunciadas com a
vibração das cordas vocais. São sonoras as seguintes consoantes em português:
“b”, “d”, “g”, “j”, “l”, “lh”, “m”, “n”, “nh”, “r”, “v”, “z”.
Quanto ao modo de articulação
• Consoantes oclusivas: São as consoantes pronunciadas fechando-se
totalmente o aparelho fonador, sem dar espaço para o ar sair. São oclusivas as
seguintes consoantes: “p”, “t”, “k”, “b”, “d”, “g”.
• Consoantes fricativas: São as consoantes pronunciadas através de uma
corrente de ar que se fricciona em um obstáculo. São fricativas as seguintes
consoantes em português: “f”, “j”, “s”, “ch”, “v”, “z”.
• Consoantes laterais: São as consoantes pronunciadas ao fazer passar a
corrente de ar nos dois cantos da boca ao lado da língua. Em português, são
laterais apenas as consoantes "l" e "lh".
• Consoantes vibrantes: São as consoantes pronunciadas através da vibração
de algum elemento do aparelho fonador, em geral a língua ou o véu palatino. Em
português, são vibrantes apenas as duas variedades do "r", como em "carro" e
em "caro".
• Consoantes nasais: São as consoantes em que o ar sai pelas fossas nasais,
em vez da boca. Em português, são nasais as consoantes "m", "n" e "nh".
Quanto ao ponto de articulação
• Consoantes bilabiais: São as consoantes pronunciadas com o contato dos dois
lábios. Em português, são bilabiais as consoantes: /p/, /b/, /m/.
• Consoantes dentais: São as consoantes pronunciadas com a língua entre os
dentes. Em português são dentais as consoantes: /t/, /d/ e/ /n/.
79
• Consoantes alveolares: São as consoantes pronunciadas com o contato da
língua nos alvéolos dos dentes. Em português, são alveolares as consoantes: “s”,
“z”, “l” e o “r”.
• Consoantes labiodentais: São as consoantes pronunciadas com o contato dos
lábios na arcada superior dos dentes. Em português, são labiodentais as
consoantes "f” e “v”.
• Consoantes palatais: São as consoantes pronunciadas com o contato da língua
com o palato. Em português, são palatais as seguintes consoantes: “j”, “ch”/ʃ/, “lh”
/λ/ e “nh” /ɲ/, e, em alguns dialetos, também as consoantes “t” e “d” antes de "i".
• Consoantes retroflexivas: São as consoantes pronunciadas com a língua
curvada. Em português, somente alguns dialetos do Brasil têm uma consoante
retroflexiva, o chamado "r" caipira. Ex.: [maɾ]
• Consoantes velares: São as consoantes pronunciadas com a parte traseira da
língua no véu palatino. Em português, são velares as consoantes: “k”, “g” e “h”
(em alguns dialetos brasileiros).
• Consoantes uvulares: São as consoantes pronunciadas através da vibração
da úvula. Em português, existem na variedade europeia e no dialeto fluminense;
no caso, o “r”. Ex.: [mar]
• Consoantes glotais: São as consoantes pronunciadas através da vibração
da glote. Não há consoantes glotais em português e em praticamente nenhum
dos idiomas ocidentais. Exemplos de idiomas com consoantes glotais são
o hebraico e o árabe.
Desse modo, fica claro que o ponto responsável por diferenciar Fonética e
Fonologia está na própria perspectiva em que os sons são referidos. Então, afirma-
se que, de maneira simplificadora, a Fonética se preocupa em estudar os sons em
seus aspectos físicos, levando em consideração suas articulações, bem como o
local do aparelho fonador em que este som é produzido. Em contrapartida, a
Fonologia retém-se não aos aspectos físicos do som, mas, sim, com suas
microunidades sonoras que introduzem ao significado, os chamados fonemas.
Como mencionado, o fonema não pode ser confundido com letra, pois a letra
é a representação gráfica desse som. São as letras, que em nosso sistema de
escrita, compõem o nosso alfabeto.
80
Essa palavra é de origem grega (alphabetos) que com o passar dos tempos teve a sua derivação no latim (alphabetum), que é uma língua mais próxima à nossa. Como podemos observar a linguagem possui variações e existem vários alfabetos, ou seja, cada povo ou civilização através dos tempos criou a sua forma de linguagem <http://www.colegioweb.com.br/portugues/alfabeto-definicao-origem-e-curiosidades.html>.
A invenção da escrita alfabética pelos gregos, segundo Olson (1997), é um
dos pontos mais altos da evolução cultural, tanto dos gregos quanto dos latinos, que
passaram a utilizar e a adaptar o sistema alfabético ao latim. A escrita que usamos
vem do alfabeto latino que sofreu grandes modificações, ao longo de seu uso,
gerando uma enorme quantidade de estilos de letras. “Uma modificação notável
veio com as letras minúsculas, que começaram a aparecer já no século VII d.C.
Ainda na Idade Média, eram notáveis as confusões quando se juntavam letras do
tipo I e U.” Cagliari (1999, p. 46)
Segundo Cagliari (1999), no começo, o alfabeto dispunha apenas de um
conjunto de letras, sejam pictogramas oriundas da escrita egípcia, formas
cuneiformes derivadas das escritas acadianas da Mesopotâmia ou lineares, não
figurativas, como o protoaramaico, da qual se derivou o alfabeto fenício.
Com a adaptação dos antigos alfabetos às novas línguas e ao uso mais
generalizado do alfabeto, a forma gráfica das letras começou a apresentar
problemas. O que representava um som em uma língua podia representar dois em
outra. Os problemas de transformação na forma gráfica das letras começaram logo
no início da difusão do alfabeto. Os traçados das letras com o tempo ficaram difíceis
distinguir, letras como b/n- g/h – z/r – y/t – p/q, se confundiam. A dificuldade de
compreensão do traçado das letras era cada vez mais recorrente, daí a
necessidade de categorizar ou estilizá-las.
O nosso alfabeto é o alfabeto latino e possui 26 letras, das quais três delas
são de origem estrangeira e foram incorporadas devido à utilização das mesmas em
nossa linguagem; ele é dividido em consoantes e vogais. Nós usamos o alfabeto
latino conhecido também como alfabeto romano, criado pelos romanos
aproximadamente no século VII a. C. e possuía apenas 20 letras. Posteriormente, as
demais letras foram inclusas. O alfabeto romano é o mais utilizado no mundo.
E para saber, exatamente, o que é o alfabeto e como ele é capaz de
representar a linguagem, o aprendiz precisa se familiarizar com as letras que o
compõem, como veremos a seguir. Tomaremos como concepção de letra, em nossa
pesquisa, a definição de Silva:
81
A letra é uma figura cujos limites são bem definidos. Ela constitui a menor unidade segmental ortográfica. O mesmo não podemos dizer do fone. Impossível estabelecer exatamente os seus limites, quer acústicos, quer articulatórios (SILVA, 1981, p. 25).
O conhecimento das letras, segundo Soares:
(...) é pois, componente fundamental da compreensão do princípio alfabético. As crianças têm contato com as letras desde cedo, no contexto familiar e social, e também em práticas que, já na educação infantil, precedem o ensino formal da língua escrita: elas aprendem a copiar e memorizar as letras que compõem seu nome; são frequentemente expostas às letras em situações informais na educação familiar (SOARES, 2016, p. 209).
Como visto, bem antes de ingressarem na escola, as crianças se deparam
com as letras, em suas experiências, de forma sistemática ou informalmente,
iniciando seu desenvolvimento em direção à compreensão da natureza das relações
entre as letras e a língua oral. Segundo Soares (2016, p. 209), as letras para a
criança são formas visuais. “Ela vê letras e aprende a nomear letras em um
processo que não se diferencia fundamentalmente da aquisição de vocabulário na
língua oral.” Ainda, segundo Soares, em um primeiro momento, a criança incorpora
a seu vocabulário nomes de letras, como os nomes das letras de seu nome, e pode
mesmo aprender a recitar o alfabeto. Numa segunda etapa, a criança passa a
reconhecer e a tentar escrever letras, e é então que estas se tornam, para ela,
unidades distintas como ocorrem também com os números.
Logo após, inicia-se a etapa seguinte de conhecimento, que é descrito por
Soares:
Como se pode inferir, a terceira etapa no processo de conhecimento das letras, segundo Bialystok, corresponde à fase plenamente alfabética segundo Ehri, e ao nível alfabético segundo Ferreiro. Sob perspectivas diferentes – Ferreiro sob a perspectiva fonológica, Bialystok sob a perspectiva do processo cognitivo de conhecimento das letras -, o ponto de chegada é o mesmo: o momento em que a criança fonetiza a escrita, compreende a conexão entre letras e fonemas, tornando-se capaz de identificar fonemas em palavras e sílabas, chegando assim à consciência fonêmica (SOARES, 2016, p. 213).
A seguir, veremos alguns estudos que mostram como se dá a relação do
conhecimento das letras com o aprendizado do SEA.
82
2.3 Estudos a respeito dos conhecimentos infantis sobre as letras no português
Há muito tempo a importância da letra como representação da língua escrita
vem sendo alvo de pesquisa de muitos estudiosos que investigam sobre sua origem,
evolução, função social, como tem marcado as diferentes culturas etc. Muito temos
que explorar sobre este universo, sobre a compreensão desses sinais gráficos e
sobre como seu aprendizado influencia no desenvolvimento da leitura e da escrita.
Como mostra Cagliari (1998b), a categorização das letras é uma questão de “unidade na variedade”. Em outras palavras, em termos de categorização gráfica, a unidade está em poder chamar com um único rótulo (“A”, por exemplo) uma variedade de formas gráficas (A, a, A, a, a etc.) (CAGLIARI, 1999, p. 51).
Assim sendo, percebemos que o alfabeto, até chegar à forma como o
conhecemos, passou por uma série de modificações e adaptações e, devido a sua
variedade de grafias, é definido, por Cagliari, como algo abstrato, não só em relação
ao seu aspecto gráfico, mas também, quanto ao seu aspecto funcional. Para Cagliari
(1999), se o alfabetizando não souber a forma gráfica de cada uma das letras do
nosso alfabeto, não poderá distingui-las perfeitamente, e, depois categorizá-las
funcionalmente.
(...) deve-se saber distinguir quando o fato de o aluno não saber reconhecer ou traçar exatamente a forma gráfica de uma determinada letra, pode levá-lo a um problema de categorização funcional (ou seja, ao estabelecimento das relações entre sons e letras e vice-versa) e quando se trata apenas de um problema gráfico, sem maiores consequências em relação à categorização funcional das letras (CAGLIARI, 1999, p. 52).
Dssa forma, segundo Cagliari, é fundamental que, durante o processo de
aquisição do SEA, o aprendiz reconheça e produza o traçado correto da letra, para
assim categorizá-la funcionalmente.
Martins e Silva (2009) testaram dois programas com o objetivo de observar o
uso convencional de consoantes inicias, em palavras escritas por crianças pré-
escolares. Para isso, fizeram uso em um programa de consoantes seguidas de
vogais abertas e o outro de consoantes seguidas de vogais fechadas, para verificar
se havia o uso equivalente das letras convencionais nos dois programas. Para esta
pesquisa foram selecionadas 45 crianças portuguesas de 5 anos de idade com
83
níveis de inteligência e de consciência fonológica controlados, cuja ortografia era
pré-silábica.
Martins e Silva apresentaram uma revisão de literatura baseada em teóricos
que abordam conceitos referentes à escrita inventada, compreendida a nosso ver
como escrita espontânea2, rumo à compreensão da aquisição do Sistema de Escrita
Alfabética pelas crianças. Destacaram Chomsky (1970) e Read (1971) como os
primeiros autores a usar o conceito de escrita inventada, enquanto observavam as
crianças tentando escrever palavras. Apontaram os mesmos como os primeiros a
notarem que há alguma lógica na escrita precoce de crianças e que tal lógica
mudava ao longo do tempo, de acordo com experiências de alfabetização das
crianças. Os autores acreditavam que a escrita inventada refletia uma progressão do
desenvolvimento da sofisticação de como as crianças se tornavam mais hábeis em
registrar, representar os sons identificados em palavras faladas.
As autoras citaram Ferreiro e Teberosky (1979) e Ferreiro (1988) que, de um
ponto de vista construtivista, analisaram a natureza da escrita de crianças que não
tinham ainda recebido qualquer ensino formal sobre a leitura e a escrita. Sua
perspectiva salienta o papel das crianças como aprendizes ativos e o papel dos
conflitos cognitivos para a evolução da escrita inventada. Segundo Ferreiro e
Teberosky, um dos principais mecanismos para a evolução da escrita são as
descobertas infantis durante suas tentativas de escrever ou de analisar as formas de
escrita convencionais.
Martins e Silva (2009) destacaram que em estudos realizados com crianças
sobre escrita inventada foi observado que algumas palavras têm estruturas
fonológicas que são mais favoráveis à mobilização de letras, porque elas contêm
sílabas que coincidem com o nome de uma letra. Então, quando as crianças eram
convidadas a escrever palavras cuja primeira sílaba coincide com o nome de uma
letra com a qual elas estavam familiarizadas, elas mobilizavam convencionalmente a
sua escrita (por exemplo “pêra” [perα] “pêssego” [pesegu].
Para Martins e Silva, 2001; Mann, 1993; Quinteros, 1994; Treiman e Carneiro,
1997 (apud MARTINS; SILVA, 2009) quando as crianças sabem os nomes das
2 Usamos em nossa pesquisa a expressão “escrita espontânea” em lugar de “escrita inventada” ou “escrita criativa”, segundo Soares (2016), frequentemente usadas por pesquisadores e educadores, pois interpretamos espontânea como o ato da escrita que ocorre, sem intervenções de outras pessoas, independente de ser uma palavra solicitada ou ditada, onde, a criança estabelece relações, à sua maneira, entre objetos já conhecidos, letras que conhece e sons da língua que fala.
84
letras, elas podem achar mais fácil detectá-los na pronúncia deste tipo de palavra, o
que, por sua vez, facilita o entendimento do som-notação, função que as letras
executam no sistema alfabético. Martins e Silva destacam que estudo realizado por
Pollo, Kessler e Ytrimsn, em 2005, mostra que, no caso do português, o efeito é
mais acentuado para as vogais do que para as consoantes – o oposto para o caso
em inglês. Salientam, segundo Cardoso-Martins e Batista (2005), que os falantes do
português brasileiro, na pré-escola, usam mais frequentemente uma letra plausível
em sua ortografia, quando o som corresponde ao nome da letra no início da palavra
do que no final. Segundo Liberman et. Al (1974), crianças acham mais fácil tornar-se
cientes de vogais do que consoantes e identificar consoantes fricativas que as
oclusivas. Treiman (1998) e Fielding-Barnsley (1991;1993) trabalharam para mostrar
que é mais fácil treinar crianças em relação à identidade fonética de fricativas do que
ao de oclusivas, porque é mais fácil de produzir esses sons isoladamente.
Martins e Silva (2009) defendem que não são somente as propriedades
articulatórias de consoantes que podem ter alguma influência sobre os
procedimentos de fonetização, mas também as características das vogais que
estão/são núcleo de uma sílaba. O fato de as vogais serem mais sonoras do que
consoantes pode torná-las mais fáceis de serem abstraídas e grafadas do que as
consoantes. No caso do português, além da maior sonoridade das vogais abertas, a
pronúncia coincide com os nomes das letras que representam as vogais. Dessa
forma, em português, a natureza das vogais (abertas X fechadas) muitas vezes
combina com a maior facilidade criada pelo fato de que as vogais abertas são
representadas pela letra de seu próprio som. Assim sendo, as autoras supõem que a
representação das vogais na escrita precoce das crianças pode estar relacionada a
tais características.
Para realização de sua pesquisa, Martins e Silva (2009) usaram uma
sequência de letras aleatórias, não fazendo nenhuma tentativa de corresponder à
linguagem oral com a escrita. As crianças foram divididas em dois grupos
experimentais e um grupo de controle, nenhuma das crianças sabia ler. Sua escrita
foi avaliada em um pré e um pós-teste. As crianças dos grupos experimentais
participaram de dois programas onde elas tinham que pensar sobre as relações
entre a consoante inicial e o fonema correspondente em diferentes palavras: no
Grupo Experimental 1, as consoantes iniciais P, T e F foram seguidas por uma vogal
85
aberta, e no Grupo Experimental 2, estas mesmas consoantes foram seguidas por
uma vogal fechada. O grupo de controle classificou formas geométricas. As crianças
foram convidadas a soletrar palavras dissílabas iniciadas por B, D, F, P, T e V. As
consoantes P, T e F foram trabalhadas durante os programas, enquanto o B, D e V
não o foram. As crianças, após escreverem as palavras, confrontavam a mesma
palavra, escrita por outra criança, com um nível de desenvolvimento da escrita mais
avançado e eram questionadas sobre qual seria a forma mais próxima da escrita
convencional, refletindo, com isso, sobre a relação grafema e fonema.
Quanto aos resultados, observou-se que o Grupo Experimental 1 obteve
melhores resultados do que o Grupo Experimental 2 seguindo vogais abertas, sendo
mais capazes de generalizar os procedimentos fonológicos para sons que não foram
ensinados durante os programas. Ambos os grupos experimentais usaram letras
convencionais para representar vários fonemas no pós-teste, enquanto que o grupo
de controle continuou a produzir escritas pré-silábicas. Assim sendo, estes
resultados confirmaram a visão tomada por vários autores, como Alves Martins e
Silva (2006) que defendem a relevância da atividade de escrita inventada como
possibilidade de reflexão e de compreensão do princípio alfabético e facilitador do
início da grafia correta dos sons. Esta hipótese foi reforçada pelo fato de que houve
uma generalização dos processos fonológicos em ambos os grupos, ou seja,
adquiriram habilidades de identificação fonêmica, capacidade de perceber fonemas
como identidades estáveis dentro de palavras diferentes. Mas, as autoras salientam
a relevância de realizar mais estudos para a compreensão aprofundada do papel
que os componentes linguísticos de palavras como mediadores que favoreçam a
evolução do conhecimento ortográfico.
Abreu e Cardoso-Martins (2005), com o objetivo de verificar se o
conhecimento dos nomes das letras facilita no aprendizado inicial da escrita,
quando os nomes das letras podem ser ouvidos enquanto as palavras são notadas,
desenvolveram um estudo com 48 crianças de uma escola particular de classe
média, em que formaram dois grupos: crianças não conhecedoras do alfabeto
(sabiam os nomes entre 6 e 18 letras) e crianças conhecedoras do alfabeto
(conheciam o nome de mais de 18 letras). Os resultados apontaram que as crianças
notavam mais facilmente os nomes das imagens que ouviam quando existia o
conhecimento dos nomes das letras e esses nomes apareciam na fonética da
86
palavra. Por outro lado, as crianças que não tinham esse conhecimento
encontraram mais facilidade nas pistas visuais. Os resultados do estudo de Abreu e
Cardoso-Martins (2002) sugeriram, segundo as autoras, que crianças que dominam
o nome das letras podem aprender a ler através de processamento e lembrança das
relações letra-som, mesmo antes de ter qualquer instrução sistemática de leitura.
Leite e Morais (2011), em uma pesquisa de caráter longitudinal, buscaram
investigar como o conhecimento do nome das letras se relacionava à evolução das
hipóteses de escrita durante a alfabetização. Seu objetivo foi verificar se a
memorização dos nomes das letras interagia com a evolução das hipóteses de
escrita. Nas análises dos dados, evidenciou-se que: a) em ambas as turmas
pesquisadas, as crianças tendiam mais a reconhecer a letra de imprensa que a
cursiva, um desempenho provavelmente influenciado pelas interações que os
alunos estabeleciam nas diferentes situações de escrita e uso das letras nas salas
de aula; b) os alunos evoluíam quanto ao reconhecimento dos nomes das letras,
sem que isso tivesse uma repercussão direta em seus níveis conceituais. Isto é, o
reconhecimento das letras e seu uso efetivo, ao escrever, apresentavam uma
relativa independência, não determinando uma compreensão do princípio fonológico
da escrita alfabética; c) de um modo geral, crianças com diferentes hipóteses de
escrita já reconheciam muitas letras, mesmo quando ainda não sabiam estabelecer
as correspondências grafofônicas pertinentes à escrita alfabética; d) à medida que
as crianças avançavam em seus diferentes níveis conceituais de escrita,
avançavam também no reconhecimento das letras; e) mas havia crianças com
hipóteses menos avançadas (pré-silábicas) que reconheciam quase todas as letras
do alfabeto e, no entanto, não as utilizavam como objetos substitutos de segmentos
sonoros ao escrever; f) a hipótese silábica de escrita apresentou-se como momento
definidor, em que as crianças faziam uso do conhecimento do nome das letras nas
suas escritas (primeira evidência de fonetização da escrita), tendo sido observado o
uso não só de vogais, mas também de consoantes nas notações das crianças.
Leite e Morais (2011; 2013) concluíram que as crianças brasileiras cujas
produções se orientaram por critérios silábicos, escreviam as palavras fonetizando
as letras conhecidas, com predomínio nas suas representações do som das vogais,
não se excluindo a possibilidade de encontrarmos escritas silábicas baseadas em
consoantes. “O conhecimento das letras parece facilitar para as crianças silábicas
87
analisar o oral, não só do ponto de vista quantitativo, mas, também, qualitativo, o
mesmo não acontecendo para as crianças pré-silábicas.” Leite (2011, p. 152).
Ainda, conforme Leite e Morais,
“Quanto à correlação entre conhecimento do nome de letras e os níveis de escrita ao longo do ano letivo, esses níveis de escrita estiveram correlacionados significativamente em todas as etapas do ano letivo.” (...) Sem esquecer que a função que as crianças ainda não alfabetizadas atribuem às letras varia conforme seu nível de compreensão da escrita alfabética – tal como evidenciado pelo estudo de Quinteros (1997), vemos que as crianças se beneficiarão se tiverem como referentes os nomes das letras, para refletirem sobre as relações entre partes faladas e partes escritas das palavras (LEITE; MORAIS, 2011, p. 257 e 259).
O que inferimos, é que podemos observar que as pesquisas não são
convergentes no sentido de postular que o conhecimento do nome das letras é
necessário, mas não suficiente, para a criança compreender a natureza do sistema
de notação alfabética.
Procurando explorar, ainda mais, sobre a notação das letras pelas crianças,
revisamos um estudo realizado sobre a grafia das vogais “e” e “o”. Moresco (2008)
analisou a produção de crianças em fase de aquisição/aprendizagem da escrita,
destacando, sobretudo, a grafia das vogais átonas finais do português brasileiro. A
autora procurou estabelecer relações entre aspectos linguísticos relativos à
fonologia das vogais átonas (Câmara Jr., 1970), à morfologia desses segmentos
(Harris, 1991) e dois estudos sobre a aquisição das vogais, desenvolvidos por
Rangel (2002) e Alcântara (2005).
Os dados obtidos revelaram que as crianças tratam de modo distinto em suas
grafias o “e” e o “o”. Verifica-se, nos resultados, que a maior quantidade de erros
incidia mais sobre a grafia da vogal coronal “e” que sobre a dorsal “o”, tanto na 1ª
quanto na 2ª série. No primeiro ditado, o número de erros envolvendo a vogal
coronal alcançou índices entre oitenta e noventa por cento enquanto que na grafia
da vogal “o” ficou em torno dos vinte por cento. No segundo ditado, o de palavras
inventadas, os resultados obtidos confirmaram, parcialmente, os dados
mencionados antes.
A autora interpretou que tal distinção se daria pela influência da diferença
relativa ao estatuto morfológico dessas vogais ou em função do tipo de relação
existente entre a fonologia/morfologia das vogais e sua ortografia,
88
consequentemente, das relações que a criança estabelece entre seu conhecimento
linguístico e o novo sistema de construção.
Assim sendo, considera os dados fonológicos associados aos estudos
morfológicos relevantes para mostrar o comportamento das crianças em relação a
um determinado segmento da escrita, destacando contribuições de Harris (1991) e
Alcântara (2005), para os traços morfológicos, fornecendo pistas sobre a morfologia
da língua.
Em pesquisa realizada por Leite, Morais, Correa (2013) sobre “O
conhecimento das letras e a aprendizagem da escrita alfabética”, mostra-se que
estudos da psicologia da leitura têm apresentado um interesse crescente em torno
do papel que o conhecimento do nome das letras tem na aprendizagem do princípio
fonológico do alfabeto.
Ressaltam, conforme Teberosky (2004), que o interesse tem se voltado para
o inventário dos nomes das letras e em analisar se estas podem constituir uma
ponte entre a oralidade e a escrita, dado que, no nome da maioria das letras, se
pronuncia o fonema a que se refere, como por exemplo, em “b” se pronuncia o
fonema /b/. Segundo a referida autora, esse tema aborda questões teóricas já
colocadas numa perspectiva interdisciplinar, em âmbitos bem próximos. Da mesma
forma, para Teberosky (2004), a questão do papel do nome da letra na
aprendizagem do princípio alfabético requer uma distinção entre escrita e
conformação do alfabeto.
Segundo Teberosky e Olivé (2003) diferentemente de outras unidades da
língua, os nomes de letras formam parte do léxico, o mesmo não acontecendo com
os fonemas, que não podem ser representados mais que por letras (ou signos
adequados como os do Alfabeto Fonético Internacional).
Ehri e Wilce, 1985 (apud LEITE; MORAIS, 2011), baseados em estudos com
crianças em idade pré-escolar que conheciam e não conheciam letras, afirmam que
as crianças que conhecem um número considerável de letras conseguem utilizar
estratégias alfabéticas. O objetivo de seu trabalho foi determinar quando os
iniciantes mudavam o uso visual para pistas fonéticas, ao aprender a ler palavras.
Tanto os sujeitos “iniciantes” (crianças que estavam começando a desenvolver a
leitura) como os “veteranos” acharam o “soletrar fonético” (soletrar no qual as letras
representam sons nas pronúncias. Ex.: SZRS para “scissors” tesoura), mais fácil do
89
que o “soletrar visual” (soletrar em que as letras não representam sons na pronúncia
das palavras. Ex.: QDJK para “scissors”), sugerindo que o primeiro era melhor na
formação de rotas visuais-fonéticas do que de rotas visuais. Ao contrário, os pré-
leitores (crianças que ainda não eram leitoras) aprenderam o soletrar visual mais
facilmente do que o soletrar fonético, sugerindo que eles dependem somente de
pistas visuais para aprender a ler palavras.
Uma comparação do conhecimento do alfabeto dos três grupos revelou que,
enquanto os iniciantes e veteranos já dominavam os sons e nomes das letras, os
pré-leitores não o faziam. Baseados nesse achado, Ehri e Wilce sugeriram que o
domínio das letras do alfabeto é o fator-chave que possibilita aos iniciantes
aprender a ler através do processamento e lembrança das relações som-letra nas
palavras e, então, passar de pré-leitores para leitores.
A respeito dessa mesma questão, Byrne (1992) realizou uma investigação
sobre o conhecimento de letras, relacionado à aquisição do princípio alfabético. A
pesquisa foi realizada com crianças de cinco anos, que não conheciam letras. O
estudo consistia em uma atividade em que se mostrava à criança duas palavras
escritas de modo semelhante (ex: FAT e BAT). O pesquisador certificava-se que
eles reconheciam cada uma delas a partir de um treino. Após o treino, mostrava-se
uma outra palavra, na qual permaneceria somente a inicial com forma semelhante
às anteriores (ex: FUN) e era solicitado que dissesse se é “fun” ou “bun”. A
conclusão verificada foi que as crianças que não conhecem letras seriam incapazes
de extrair das palavras antigas uma regra de representação fonêmica. Isso
mostraria que, se os fonemas das palavras usadas eram os elementos que
permitiriam a distinção entre elas em nível abstrato, as letras eram pistas visíveis. O
estudo mostrou que as crianças não tinham consciência disso, apesar de
conseguirem distingui-las. O fato de “fun” e “bun” terem três letras, sendo a inicial
diferente, não permitiria que as crianças percebessem isso.
Byrne (1992) realizou vários outros estudos acerca dessa mesma questão e
chegou à mesma conclusão: que aprender a reconhecer palavras não garante à
criança descobrir o princípio alfabético. A partir do estudo acima, Byrne e Fielding-
Barnsley (1990) concluíram que perceber o mesmo som inicial nas palavras parece
ser mais fácil do que segmentar a palavra em fonemas, ou seja, ser capaz de dividir
uma palavra em segmentos não significaria que a criança registrou a identidade dos
90
sons isolados. Esse estudo, juntamente com os resultados de suas pesquisas
anteriores, levou Byrne e Fielding-Barnsley (1990) a concluírem que o
conhecimento de letras e o conhecimento de estruturas fonológicas são
necessários, mas não suficientes para a aquisição do princípio alfabético. Isso foi
confirmado pelos resultados com as mesmas crianças na primeira e na segunda
séries.
Numa perspectiva evolutiva, um estudo realizado em castelhano obteve
resultados diferentes dos acima citados, mostrando que a função que as crianças
pré-alfabetizadas atribuem às letras muda segundo o nível de desenvolvimento da
escrita (QUINTEROS, 1997), ou seja, que de início as crianças não pensam como
os adultos e, portanto, não atribuem a cada letra um determinado valor sonoro. Com
relação aos nomes das letras, a referida autora afirma que, assim como existem
letras consoantes com nomes silábicos (“k”, ”p”, ”t”, “b”), as crianças poderiam
pensar que existem nomes silábicos que correspondem a letras, por exemplo,
quando chegam à etapa denominada “hipótese silábica”. Em relação aos valores
sonoros, a análise das escritas espontâneas pôs em evidência que as crianças
utilizavam uma mesma letra para indicar valores sonoros diferentes em função da
posição que cada letra tinha no conjunto de letras da sua escrita. Não conseguiam,
também, ainda, interpretar que as formas gráficas são estáveis. Por exemplo, as
variações entre maiúsculas e minúsculas podiam ser usadas como variações não
de uma mesma letra, mas, sim, de letras diferentes Quinteros (1997). Nesse
sentido, Ferreiro (2003, p. 160) afirma que a consideração do conhecimento do
nome das letras como um fator que influi na aprendizagem deveria interpretar-se à
luz dos dados evolutivos e não dar-se como óbvio que, primeiro, o conhecimento
das letras (nome e forma) precederia a aprendizagem da leitura e da escrita e, só
depois, esse conhecimento poderia ser usado como ponte para a oralidade, como
se permanecesse igual durante todo o processo de aprendizagem.
91
3 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Nesta seção esclareceremos os percursos metodológicos que adotamos
durante nossos estudos, com intuito de atendermos os objetivos da pesquisa.
Inicialmente justificaremos o público pesquisado, bem como as escolas
selecionadas. Em seguida, abordaremos os instrumentos de coleta.
Assim sendo, com intuito de encontrarmos respostas para nossas indagações
adotamos três grandes etapas de atividades a serem descritas: 1) ditado de palavras
para detectar o nível de hipótese de escrita das crianças; 2) tarefas de conhecimento
das letras; 3) ditados de palavras com diferentes consoantes e vogais do português.
3.1 Sobre os dados pesquisados
Inicialmente, a fim de ajustarmos nosso teste (Ditado de palavras com
diferentes consoantes e vogais do português) e verificar sua eficácia, aplicamos o
ditado com uma mostra de crianças do Grupo 4, depois do Grupo 5 e em seguida,
do 1º Ano, da rede municipal de ensino de Recife, para mapearmos onde estaria, de
fato, o público que pudesse nos oferecer as informações necessárias para nossa
pesquisa. Observamos, dentre outras coisas, que as crianças dos Grupos 4 e 5,
pouco diferiam em seus níveis de escrita, situando-se, predominantemente, entre os
níveis pré-silábicos e silábicos quantitativos. Detectamos algumas crianças com a
escrita ainda não convencional ou icônica, fazendo rabiscos e desenhos e, boa parte
delas, não conhecia o nome das letras, o que foi verificado quando pedíamos para
que as crianças lessem o que escreveram no final do registro de cada ditado
aplicado, ou na identificação das letras de seu próprio nome.
A partir das observações, optamos pelo grupo do 1º ano, pois, nesse,
encontramos os diferentes níveis de escrita, sobretudo silábicos qualitativos e
alfabéticos, sendo possível obter maior contribuição para nossa investigação,
observando o uso das vogais e consoantes e de que forma as crianças estariam se
apropriando da escrita alfabética convencional. Nesse grupo de crianças, tivemos
uma quantidade, pouco expressiva, de alunos silábico-alfabéticos, não sendo
possível compor uma mostra significativa desse grupo, incluindo-as dessa forma,
entre os alfabéticos, para análise de dados.
92
Participaram como sujeitos da pesquisa as crianças regularmente
matriculadas nas cinco turmas, do primeiro ano das escolas 1, 2 e 3 do turno da
tarde, cujas professoras concordaram em ceder seus alunos. No final da realização
das três etapas da pesquisa, já mencionadas, selecionamos 20 crianças. O grupo
final foi composto por sorteio, apenas por crianças que cumpriram todas as etapas
da pesquisa, para não comprometer os resultados da análise. As crianças foram
divididas em dois grupos, conforme resultado do instrumento de pesquisa, realizado
na etapa 1, de acordo com seu nível de escrita, segundo Ferreiro e Teberosky
(1979), dez silábica-qualitavas e dez alfabéticas. Para a análise de condutas da
escrita e leitura, adicionamos mais dez crianças, também por sorteio, sendo cinco
crianças silábicas qualitativas e cinco alfabéticas, que tivessem realizado todas as
etapas da pesquisa. Nossa intenção foi ampliar, o máximo possível, a variedade de
condutas apresentadas pelas crianças durante as atividades, a fim de
enriquecermos nossas discussões sobre o assunto. Tais crianças não foram
incorporadas no grupo inicial, das 20 crianças, devido ao recorte necessário para
controle do tempo de conclusão da pesquisa.
Quanto às escolas selecionadas, optamos pela coleta em três escolas
públicas, de fácil acesso, que pudessem viabilizar nosso trabalho sem impor
obstáculos, tendo em vista que as etapas das atividades eram longas e envolviam
retirar as crianças de sala, em momento de aula, durante alguns dias, para realizá-
las. As turmas escolhidas para nossa pesquisa foram as do turno da tarde, nas três
escolas.
Iniciamos nossa pesquisa definitiva, entre os alunos, no segundo semestre
de 2015 e, observando os resultados revelados pelas crianças, verificamos que
tínhamos um quantitativo muito maior de crianças correspondendo ao nível
alfabético de escrita do que silábico. Ademais, dentre os silábicos, observamos que
nem todos tinham concluído as etapas da pesquisa. Para não termos que recorrer
ao Grupo 5 (turma de crianças de cinco anos da Educação Infantil), saindo do perfil
traçado para nosso público alvo e tendo em vista o final do semestre, optamos por
dar continuidade ao nosso trabalho, no primeiro semestre de 2016, nas turmas do 1º
ano, a fim de termos o quantitativo de crianças silábicas necessário, assim como
alfabéticas, para compor as mostras de dados, além de termos um quantitativo de
crianças extra, prevendo possíveis necessidades de substituição de dados
93
coletados. Diante da necessidade de termos mais dados de alunos, aproveitamos a
oportunidade de complementarmos nossa pesquisa, em uma escola municipal de
Belo Horizonte, por razão de mudança de Estado da pesquisadora, enriquecendo
ainda mais nossos resultados. Antecipamos que não registramos nenhum efeito
evidente das diferenças dialetais decorrentes do espaço geográfico (Recife, Belo
Horizonte) nas condutas das crianças, ao ler e escrever as palavras que ditamos
para elas.
3.1.1 As escolas
Nossa pesquisa foi realizada em duas escolas da Secretaria de Educação
Municipal da cidade do Recife e uma da Secretaria de Educação Municipal de Belo
Horizonte.
A escola 1 estava situada na RPA43 no bairro de Cordeiro. Atualmente,
atende crianças da própria comunidade, entre 4 e 12 anos, nas turmas do Grupo 4
(Educação Infantil) ao 5º ano Ensino Fundamental I, adolescentes e adultos, nas
turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), todas as turmas funcionando em
meio período. O espaço físico é dividido em 13 salas, sendo 1 biblioteca, 1 sala de
coordenação, 1 sala de professores, 1 sala para atendimento educacional
especializado (AEE), 1 sala para o laboratório de informática, 1 sala para a direção
e as demais salas de aula. Possui também 1 secretaria, 1 refeitório, 1 cozinha, e
uma área ao ar livre que é disponibilizada para uso dos alunos no horário do
recreio.
Atualmente, a escola funciona em três turnos e atende cerca de 580 alunos,
distribuídos entre 2 turmas da Educação Infantil, 5 do Ensino Fundamental e 2
turmas de Educação de Jovens e Adultos, que funciona no turno da noite. Quanto
aos funcionários de secretaria, há 2 no turno da manhã, 2 no turno da tarde e 1 à
noite. Já em se tratando de estagiário de informática, a escola dispõe de 1 em cada
turno.
A escola 2 está situada na RPA5, no bairro da Mangueira e atende a
comunidade carente na qual está inserida, alunos entre 4 e 10 anos de idade (nos
turnos da manhã e tarde), nas turmas do Grupo 4 (Educação Infantil) ao 3º ano
Ensino Fundamental I e jovens e adultos que são atendidos nas turmas de 3 Região Político Administrativa.
94
Educação de Jovens e Adultos (no turno da noite). Quanto à estrutura física possui
10 salas, sendo 2 da Educação Infantil (Grupo 4 e 5), 2 salas do 1º ano, 2 salas do
2º ano, 2 do 3º ano, 1 sala para atendimento educacional especializado, 1 sala para
biblioteca e outra para o laboratório de informática.
Dispõe, ainda, de sala de professores, uma secretaria, diretoria, área de recreação
(descoberta), cozinha, área coberta para o lanche e apresentações das crianças em
dias festivos, 2 banheiros para alunos e 2 para funcionários, 1 depósito para
material didático e de limpeza e uma sala, onde funciona as aulas de artes.
A escola 3 está situada no bairro Letícia, na região de Venda Nova, Belo
Horizonte/MG. Atualmente, atende crianças da própria comunidade e adjacência,
entre 5 e 12 anos nas turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I, atendendo
alunos portadores de necessidades especiais na Educação Integrada, todas as
turmas funcionando em meio período. O espaço físico é dividido em 23 salas de
aulas, 1 biblioteca, 1 sala de coordenação, 1 sala de professores, 1 sala para o
laboratório de informática, 1 sala para a direção, quadra de esportes coberta, parque
infantil, banheiro adequado à alunos com deficiência ou mobilidade reduzida,
dependências e vias adequadas a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida.
Possui também 1 secretaria, 1 refeitório, 1 cozinha, e uma área ao ar livre que é
disponibilizada para uso dos alunos no horário do recreio.
3.1.2 Participantes da pesquisa
Como mencionado anteriormente, tomamos como sujeitos de nossa pesquisa
alunos do 1º ano do Ensino Fundamental, de redes municipais de ensino. A idade
das crianças pesquisadas do 1º ano variou entre cinco anos e dez meses e sete
anos e dois meses. Todas as trinta crianças selecionados para comporem a análise
de nossa pesquisa frequentaram a Educação Infantil, antes de ingressar no 1º ano,
sendo que cinco delas, que compuseram a mostra dos silábicos, frequentaram a
Educação Infantil, por menos de seis meses, por serem matriculados no segundo
semestre do ano letivo, avançando em seguida para o 1º ano do Ensino
Fundamental.
As crianças pertenciam à classe média baixa ou classe baixa, vivendo em
contextos desfavorecidos. A maioria das famílias possui renda oriunda de empregos
informais como vendedores ambulantes, diarista, pedreiro, encanador, empregada
95
doméstica, manicure, zelador, marceneiro, entre outros, ou contam com programas
de bolsas oferecidas pelo governo. O nível de escolaridade dos pais, em sua
maioria, varia de analfabeto a ensino médio, alguns deles são alunos de EJA e
estudam à noite, na mesma escola que seus filhos.
3.1.3 Tarefas aplicadas com às crianças
Como mencionado, adotamos em nosso estudo três diferentes instrumentos
de pesquisa correspondentes a três grandes etapas: 1) ditado de palavras para
detectar o nível de hipótese de escrita das crianças; 2) tarefas de conhecimento das
letras; 3) ditados de palavras com diferentes consoantes e vogais do português,
descritas nas subseções a seguir.
3.1.3.1 Ditado para detectar o nível de hipótese de escrita das crianças
A atividade “ditado para detectar o nível de hipótese de escrita das crianças”
foi definida como etapa 1 de nosso instrumento de pesquisa. Tal etapa teve como
objetivo identificarmos, com base nos estudos realizados por Ferreiro e Teberosky
(1985) sobre a psicogênese da escrita, em que fase da escrita as crianças,
predominantemente, se encontravam.
Para detectarmos como as crianças estavam concebendo tal conhecimento e
em que fase da escrita se encontravam, solicitamos que elas escrevessem uma lista
de palavras, para as quais havia uma figura correspondente e lessem ao concluir a
atividade, verificando como as crianças fariam a leitura de suas notações. Segundo
FERREIRO (1990) as crianças apresentam produções escritas com evoluções
previsíveis, categorizadas por ela em quatro hipóteses ou níveis de escrita.
O instrumento utilizado com as crianças foi elaborado pelo CEEL da UFPE
(Centro de Estudos de Educação e Linguagem), para uso em seus cursos de
formação continuada para professores de séries iniciais e adaptado para nossa
pesquisa, pois sentimos a necessidade de retirar o cabeçalho para que as crianças
não se apoiassem nas letras escritas no mesmo. O instrumento, inspirado em
Ferreiro e Teberosky (1985), era constituído de oito gravuras relativas a palavras
com quantidades de sílabas diferentes (2 monossílabas, 2 dissílabas, 2 trissílabas e
96
2 polissílabas), tal como proposto por Ferreiro e Teberosky (1985). A atividade
aplicada encontra-se no apêndice A.
A atividade foi realizada individualmente. Cada criança teve à disposição
apenas a folha de papel ofício A4 do ditado, lápis e borracha. Foi informado que
escrevessem da forma como sabiam. Embora a folha disponibilizada apresentasse
figuras relacionadas às palavras, as mesmas foram ditadas, uma por uma, e, ao
concluir a escrita das oito palavras, solicitávamos que as crianças realizassem a
leitura de cada uma delas. Foi nesse momento que verificamos quem tentou ler o
que escreveu, fazendo ajustes à escrita, quando necessário, ou simplesmente se
apoiou na leitura da imagem apresentada no papel, sem se referir ao que tinha
escrito. Durante a atividade, fizemos o registro escrito em um diário de bordo dos
fenômenos observados e gravamos, em vídeo, todas as etapas.
3.1.3.2 Tarefas de conhecimento das letras
As tarefas de conhecimento das letras foram identificadas como etapa 2 de
nosssa pesquisa. Nosso objetivo foi investigar quantas letras as crianças
conheciam, ou seja, identificavam, nomeavam e produziam, para estabelecer
relações com a compreensão da escrita alfabética e desempenho das produções, a
serem observadas na etapa 3 de nossa pesquisa. Para tanto, lançamos mão do
material utilizado em estudo de Leite e Morais (2011) que fez uso das seguintes
atividades: Identificação de letras; Nomeação de letras e Produção de letras.
1 - Atividade de nomeação das letras
Na atividade de nomeação das letras, misturamos 26 cartelas com todas as
letras do alfabeto e colocamos em uma mesa. Em seguida, pegávamos uma letra
aleatoriamente e pedíamos que a criança a nomeasse, perguntando: “que letra é
essa”? Tal procedimento foi realizado com todas as letras do alfabeto, de forma
aleatória, para evitar a nomeação das letras com base na memória da sequência
alfabética; dessa forma poderíamos identificar quem de fato sabia nomear as letras,
independente da sequência apresentada. À parte, fizemos anotações quanto à
confirmação (ou não) do nome correto da letra. O repertório não incluiu o cedilhado
“ç”.
97
O material utilizado foram cartelas com as letras de imprensa maiúsculas e
papel para anotação das respostas (Vide Apêndice B).
2 - Atividade de identificação das letras
Assim como na atividade anterior, misturamos as 26 cartelas com as letras
do alfabeto, de imprensa maiúscula, colocamos todas as letras em cima de uma
superfície e pedimos para a criança mostrar onde estava determinada letra, como
por exemplo, “onde está a letra ....?” Isso foi realizado com todas as letras do
alfabeto e a criança apontava ou pegava a letra e anotávamos a resposta dada. Tal
procedimento foi realizado com todas as letras do alfabeto, de forma aleatória, para
evitar a identificação das letras com base na memória da sequência alfabética,
muitas vezes exposta em sala, associada a imagens. Dessa forma poderíamos
verificar quem de fato sabia identificar as letras, independente da sequência
apresentada ou associações.
3 - A atividade de produção das letras
A última atividade desta sequência foi a de produção das letras. Entregamos
à criança uma tira de papel, em branco e pedimos que escrevesse as 26 letras do
alfabeto que íamos solicitando, ditadas em sequência aleatória. Embora tivéssemos
realizado as atividades de nomeação e identificação, tal procedimento não pareceu
ter influenciado as respostas das crianças, pois as tarefas eram, de certa forma,
rápidas e a quantidade de letras não favorecia uma memorização de médio ou
longo prazo. Após o registro da letra, a folha era dobrada de maneira que as
crianças não visualizassem as letras que já haviam sido registradas, para evitar que
copiassem a mesma letra. À parte, foi anotado, em uma folha controle, o que a
criança tinha escrito para cada letra solicitada. O repertório de letras foi o mesmo
das atividades anteriores, ou seja, todas as 26 letras do alfabeto.
98
3.1.3.3 Ditados de palavras com diferentes consoantes e vogais do português
Levando em consideração os objetivos delineados para nosso estudo,
elaboramos uma lista de palavras pensando em garantir o contato das crianças com
diferentes consoantes, seguidas das vogais orais, incluindo as de fonemas abertos e
fechados (/ɛ/, /e/, /ɔ/ e /o/). Cada lista de palavras foi organizada conforme a
classificação do segmento consonantal do português brasileiro, levando-se em
consideração suas características articulatórias, modo e ponto de articulação, bem
como as consoantes que têm nome coincidindo com a sílaba inicial da palavra.
Selecionamos 12 consoantes, que foram distribuídas em três ditados. No ditado 1
destacamos as oclusivas (“p”, “b”, “t”, “d”), no ditado 2 as fricativas (“f”, “v”, “s”, “z”) e
no ditado 3 as nasais (“m”/“n”) a lateral (“l”) e vibrante (“r”). As folhas relativas a
esses ditados encontram-se no Apêndice C.
Visando não esgotar as crianças, dividimos o ditado em três etapas com 16
imagens para cada uma das etapas, correspondendo às palavras a serem ditadas,
denominados ditado 1, ditado 2 e ditado 3, somando um total de 48 palavras. As
imagens correspondiam a cada palavra do ditado, facilitando a compreensão do que
era dito, foram impressas coloridas, em pequenos cartazes e apresentadas uma por
vez, a cada momento que a palavra correspondente era ditada. As imagens depois
de visualizadas eram recolhidas. O longo ditado constituiu um desafio para algumas
crianças por conter muitas palavras por sessão, conforme observamos em Ferreiro,
2013, p. 67 “Propusemos a essas crianças que escrevessem uma lista de palavras
particularmente difíceis: 15 palavras em uma sessão (o que é muito), todas
dissílabas (que são particularmente difíceis pelo requisito da quantidade mínima)”.
No final da notação das dezesseis palavras, as crianças eram solicitadas a
ler. Nosso objetivo de solicitar a leitura no final de toda a sessão foi evitar que as
crianças “lessem” a palavra com base na imagem vista, sem que pudéssemos
analisar que relações estabeleciam entre os fonemas e grafemas, daí as figuras
serem recolhidas. Sendo assim, após a notação das dezesseis palavras, as crianças
não teriam como se remeter à sequência das figuras e eram induzidas a tentarem
ler, o que de fato escreveram. Foi neste momento, que tivemos a oportunidade de
analisar as diferentes condutas e “conhecimentos” de quem de fato tentou ler o que
99
escreveu, usando diferentes estratégias, ou simplesmente lançou mão da memória
das imagens para “simular” sua leitura.
A seleção das palavras foi feita em livros didáticos do 1º ano, em dicionários e
internet. Pensamos em um repertório que pudesse se desenhar para as crianças, ou
seja, que fosse possível usar figuras relacionando-as, para facilitar a compreensão
das mesmas. Dentro de nossas pesquisas, buscamos controlar algumas variáveis
como o número de letras das palavras, começar pelas consoantes selecionadas, ter
a mesma quantidade de letras, sílabas e tonicidade, mas devido à dificuldade de
encontrar palavras que se desenhassem para as crianças, algumas poucas fugiram
ao controle das variáveis listadas. Cabe ressaltar, contudo, que todas as palavras
dissílabas tinham no início uma sílaba constituída por consoante e vogal (CV).
Outra preocupação foi de como organizar a sequência de palavras para o
ditado. Mantivemos a mesma quantidade de palavras por ditado e, além de não
repetir a sequência de consoantes selecionadas, alternamos o conjunto de
consoantes com vogal aberta e fechada, como mostra o Apêndice C.
As crianças, antes de cada atividade, receberam informações sobre o ditado e
foram orientadas para escreverem seus nomes e ouvir o nome da palavra antes de
escrevê-la. As crianças não receberam ajuda quanto à escrita, nem sobre o traçado
de letras; elas registraram-nas como sabiam. No final de cada ditado, as crianças
foram convidadas a ler o que notaram sem as gravuras à mostra, conforme
mencionamos.
100
4 ANÁLISES DE RESULTADOS
Nossa pesquisa consistiu em um estudo experimental com tratamento
estatístico e qualitativo, levando-se em consideração que analisamos o fenômeno e
sua ocorrência no grupo pesquisado. Adotamos, então, tanto a abordagem
qualitativa quanto a quantitativa, pois a análise qualitativa nos garante a análise
aprofundada das produções das crianças, enquanto que a quantitativa, segundo
Falcão e Régnier (2000) abrange um conjunto de procedimentos, técnicas e
algoritmos destinados a auxiliar o pesquisador a extrair de seus dados subsídios
para responder à(s) perguntas que o mesmo estabeleceu como objetivo(s) do
trabalho.
A opção pela abordagem tanto qualitativa como quantitativa foi decorrente da
nossa concordância com Minayo (2002), quando a mesma comenta que,
frequentemente, se estabelece na prática da pesquisa social uma dicotomia entre
essas duas abordagens, gerando muitas vezes lacunas nas investigações. Segundo
a estudiosa, tal dicotomia, “de um lado, deixa à margem relevâncias e dados que
não podem ser contidos em números, e de outro lado, às vezes contempla apenas
os significados subjetivos, omitindo a realidade estruturada” (MINAYO, 2002, p. 28).
Dessa forma, em nossa análise, visamos a descrever e a interpretar o
conteúdo das produções das crianças, conduzindo a descrições sistemáticas,
qualitativas e quantitativas. Buscamos reinterpretar as mensagens e atingir uma
compreensão de seus significados num nível além de uma leitura comum.
Adotamos, como metodologia de análise dos resultados de nossa pesquisa, a
Análise de Conteúdo de Bardin (2002), por considerá-la uma via possível para a
revelação (reconstrução) do sentido dos nossos achados. Segundo Bardin (2002, p.
160) esta abordagem se refere a “um conjunto de descrição do conteúdo das
mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
das mensagens”.
A análise de conteúdo é comumente feita a partir de registros e, assim,
permite a possibilidade de inferência, entendida por Bardin, como a realização de
uma operação lógica, pela qual se admite uma proposição em virtude de sua ligação
com outras proposições já aceitas como verdadeiras. Bardin reforça a importância
101
da contextualização e do meio ambiente onde se produzem os dados, aumentando a
gama de informações e propiciando análise inferencial dos resultados no seu
contexto de produção.
Dessa forma, procuramos entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos
participantes da situação observada e, a partir daí buscamos interpretá-los, usando
conforme define Godoy (1995a, p. 62) o ambiente natural como fonte direta de
dados e o pesquisador como instrumento fundamental.
4.1 Análise dos resultados revelados pelas crianças nas tarefas sobre o Conhecimento das Letras
Realizamos as tarefas de conhecimento das 26 letras do alfabeto com o
objetivo de investigar quantas e quais letras as crianças conheciam, em três
modalidades: nomeando, identificando e produzindo, para estabelecer relações com
a compreensão da escrita alfabética (níveis silábico e alfabético) e, posteriormente,
com o desempenho das produções, que serão observadas nos ditados analisados
nas etapas seguintes desse capítulo. Para examinar o emprego das letras pelas
crianças, faremos análises quantitativas, de modo a verificar os diferentes empregos
das letras do alfabeto, apresentados por elas nas diferentes tarefas.
A partir desta seção, usaremos as letras do alfabeto correspondentes na
ortografia, em maiúscula, para análise dos resultados ou transcrição da escrita das
crianças e, segundo o Alfabeto Fonético Internacional, quando nos referirmos ao
timbre ou fonemas, evitando assim, confundir as interpretações.
A tabela 1, abaixo, sintetiza as médias de acertos encontrados.
102
Tabela 1 - Médias globais de acertos revelados pelas crianças nas três tarefas que avaliavam conhecimento das letras.
Nomeação Identificação Produção Silábicos 17,1
(65,7%) 17,7
(68,0%) 16,8
(64,6%) Alfabéticos 24,7
(95%) 24,7
(95%) 23,5
(90,3%) N máximo = 26 Um primeiro exame, comparando aqueles dados, demonstra que foram muito
semelhantes às médias de acertos reveladas pelas crianças tanto ao nomear, como
ao identificar ou ao produzir (escrever) as letras em foco. Isto se verificou tanto no
subgrupo de crianças silábicas como entre as alfabéticas. Estes resultados não
coincidem com os encontrados por Leite e Morais (2015), nos quais identificar letras
era significativamente mais fácil que nomeá-las; naquela pesquisa viu-se também
que produzi-las (isto é, escrever as letras) era significativamente mais complexo que
nomeá-las ou identificá-las. Provavelmente, a diferença entre os resultados esteja
relacionada ao quantitativo de crianças por ela pesquisado e analisado, ser bem
maior do que a composição de nossa mostra e ao fato de abranger os diferentes
níveis de escrita (pré-silábicos, silábicos, silábico-alfabéticos e alfabéticos),
proporcionando, assim, uma mostra maior de crianças com uma variedade de perfil
e níveis de desenvolvimento da escrita. Já em nossa amostra observamos dois
grupos distintos, um que dominava basicamente as vogais e outro que conhecia
quase todas as letras do alfabeto, refletindo, com isso, percentuais similares nas três
atividades propostas.
O exame da tabela 1 também indicou que, nas três provas, ficou evidente o
desempenho superior dos alunos em nível alfabético, quando comparados aos seus
pares de nível silábico. Esses resultados corroboram evidências de estudos prévios,
desenvolvidos por Aragão e Morais (2012) e Leite e Morais (2015). Naquelas
pesquisas, também se constatou uma tendência para que as crianças de nível
alfabético se distinguissem significativamente das de nível silábico, embora não
fossem encontradas diferenças significativas entre sujeitos de nível pré-silábico e os
silábicos, nem entre silábico-alfabéticos e seus pares de nível alfabético.
Veremos, a seguir, que os resultados apontam que tanto entre as crianças
silábicas, como entre as alfabéticas, os conhecimentos das vogais, nas três tarefas,
apresentaram os maiores índices de acerto. No subgrupo dos silábicos podemos
103
dizer que o conhecimento das vogais foi significativamente superior ao das
consoantes. Veremos também, que as letras com menores índices de acertos foram
“J”, “Q”, “K”, “W”, “Y”, sendo que no grupo dos alfabéticos as três últimas, foram
trocadas entre si, por parte das crianças.
Analisaremos, a seguir, mais detalhadamente, o desempenho das crianças
em cada tarefa. Faremos tanto análises quantitativas como observações de tipo
qualitativo sobre os resultados obtidos.
104
4.1.1 Desempenho das crianças na tarefa de nomeação
As médias de acertos das crianças dos dois subgrupos, ao nomearem cada letra que lhes era apresentada, aparecem na
tabela 2.
Tabela 2 - Médias percentuais de acertos revelados pelas crianças na tarefa de Nomeação de letras.
A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
Silábicos 100 80 70 40 90 70 50 50 90 50 50 60 60 60 100 50 60 70 60 60 90 70 50 90 40 50
Alfabéticos 100 90 80 90 100 90 100 100 100 80 100 100 90 100 100 100 90 100 100 100 100 90 80 100 90 100
105
Quanto à nomeação, a tabela 2 nos informa que os alunos silábicos, que
tinham alcançado a média global de 65,7% na tarefa ora em foco, tiveram
100% de acerto apenas nas vogais “A” e “O” e 90% nas letras “E”, “I”, “U” e “X”,
seguidas da letra “B” com 80% e “C”, “F”, “R”, “V” com 70%. Com 60% de
acertos tivemos as letras “L”, “M”, “N”, “Q”, “S”, “T” e com 50% ou menos as
letras “G”, “H”, “J”, “K”, “P”, “W”, “Z”, “D” e “Y”.
Observamos ainda, entre os silábicos, que das dez crianças apenas
duas aparentaram arriscar-se a nomear as letras de cujos nomes não tinham
certeza, mesmo que incorretamente, e as duas nomearam a letra “Q” como
“O”, provavelmente devido ao traçado semelhante. Os demais preferiram não
arriscar ou não sabiam o nome de tantas letras e diziam “não sei essa".
Quanto ao grupo de crianças alfabéticas, que alcançaram a média global
de 95% de acerto, registramos que seis (das dez) obtiveram 100% de acerto na
tarefa de nomeação, agora analisada.
No geral as letras em que registramos 100% de acerto, nesse subgrupo,
foram “A”, “E”, “G”, “H”, “I”, “K”, “L”, “N”, “O”, “P”, “R”, “S”, “T”, “U”, “X” e “Z”.
Ademais, 90% delas nomearam, corretamente, as letras “B”, “D”, “F”, “M”, “Q”,
“V”, “Y” e 80% as letras “C”, “J” e “W”.
No subgrupo dos alfabéticos não foi tão frequente dizer que não sabia o
nome da letra, mas observamos 20% de trocas nas seguintes letras: “D” por “B”
(duas consoantes oclusivas); “J” por “G” (duas fricativas palatais) e “C” por “K”
(ambas oclusivas velares). Provavelmente, o modo e zona de articulações
semelhantes teriam sido a principal causa das trocas, além da leve semelhança
gráfica entre “B” e “D” maiúsculas de imprensa.
106
4.1.2 Desempenho das crianças na tarefa de identificação
Analisaremos, a seguir, na tabela 3, as médias percentuais de acertos das crianças na tarefa de identificação de letras.
Tabela 3 - Médias percentuais de acertos revelados pelas crianças na tarefa de Identificação de letras.
A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
Silábicos 100 70 70 60 80 70 40 50 100 60 50 60 80 60 100 60 60 60 70 60 90 50 60 100 60 50
Alfabéticos 100 100 100 90 100 100 90 100 100 90 80 90 100 100 100 100 90 100 100 90 100 100 80 100 80 90
107
Todos os silábicos, além das vogais “A” e “O”, identificaram as letras “I”
e “X” e nove deles identificaram a letra “U”. Podemos considerar, também
nessa atividade, um maior conhecimento de letras focado nas vogais. Em
contrapartida, as letras com os menores índices de acertos foram “G”, “H”, “K”,
“V” e “Z”.
Assim como na atividade de nomeação, com os alfabéticos, na presente
tarefa de identificação, observamos entre os silábicos, algumas trocas de
letras, como “B” por “D”; “D” por “B” e “T”, mas não temos dado o suficiente
para concluir que tais trocas possam ter ocorrido em função da classificação
das letras, ou seja, de acordo com o modo e zona de articulação. Durante a
realização da atividade em questão, notamos que uma das crianças não sabia
identificar as letras, mas relacionava-as a uma figura que em seu nome, a letra
inicial correspondia ao grafema. Quando pedíamos, por exemplo, “me dê a
letra “D”.” ela dizia, “É a letra do DEDO, mas não sei qual é.” E em várias letras
procedeu da mesma maneira, com um repertório de imagens para cada letra
solicitada. Ocasionalmente, uma ou outra ela lembrava e identificava.
Já no grupo dos alfabéticos, verificamos 100% de acertos em 16 letras,
ou seja, mais de 60% do alfabeto e 90% de acerto nas letras “D”, “G”, “L”, “Q”,
“T”, “J”, “Z”, correspondendo a cerca de 26,9% do alfabeto. As letras com
menor índice de acerto foram “W”, “Y” e “K”. Nos casos de erros que
detectamos, observamos que as crianças confundiam “W” com “Y” ou com o
“K”, realizando a troca dos nomes entre elas.
Verificamos que nos dois subgrupos não houve dificuldades de
identificação das vogais e que a letra “X” foi a única consoante identificada por
todos as crianças silábicas.
108
4.1.3 Desempenho das crianças na tarefa de produção
Observaremos, nesta seção, os dados decorrentes da análise da tarefa de produção das letras, apresentados na tabela 4.
Tabela 4 - Médias percentuais de acertos revelados pelas crianças na tarefa de Produção de letras. A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z Silábicos 100 60 60 60 70 70 50 50 100 50 50 50 50 70 100 40 50 70 60 50 90 60 30 100 60 50
Alfabéticos 100 90 100 80 100 90 100 90 100 70 90 100 90 90 100 90 70 100 100 90 100 90 60 100 60 100
109
Quanto à tarefa de produção de letras, as crianças silábicas obtiveram 100%
de acertos nas letras “A”, “I”, “O”, “X” assim como na tarefa de identificação, 90%
acertaram a letra “U” e 70% as letras “E”, “F”, “N” e “R”. Observamos com isso que o
conhecimento das vogais predominou nas três atividades no subgrupo dos silábicos.
As letras que obtiveram 50% ou menos de acerto foram “G”, “H”, “J”, “K”, “L”, “M”,
“Q”, “T”, “Z”, “P” e “W”, respectivamente.
Quanto à conduta das crianças, assim como nas tarefas anteriores, a
tendência das crianças silábicas, diante das letras que não sabiam escrever, foi
dizer “Não sei essa.” e não as registravam. Um fato observado entre os silábicos é
que pelo menos três crianças, quando pedíamos para “escrever a letra tal” logo
perguntavam: “/tal/ de quê?”, querendo associá-las a uma figura ou imagem e muitas
vezes elas mesmas respondiam. Como não havia respostas para os
questionamentos, ora elas acertavam, ora erravam. Na letra “P” uma delas falou: “É
a letra do PATO, mas como é ela, que eu esqueci?” Em algumas letras do alfabeto
eram capazes de listar palavras iniciadas pela letra, como no caso do “V”, em que
uma menina disse: “V de VEJA de VACA”, e escreveu. Quase todas as letras eram
associadas a uma imagem, figura mental ou nome de um colega, quando se
tratavam das letras “K”, “W” e “Y”.
O subgrupo dos alfabéticos teve 100% de acerto nas letras “A”, “C”, “E”, “G”,
“I”, “L”, “O”, “R”, “S”, “U”, “X”, “Z” e 90% nas letras “B”, “F”, “H”, “K”, “M”, “N”, “P”, “T” e
“V”. As letras com menor índice de acerto, com 70% ou 60% foram “J”, “Q”, “W” e
“Y”. Os erros apresentados nessa seção, já demonstram trocas relacionadas aos
fonemas semelhantes em algumas sílabas como troca do: “J” por “G”; “D” por “B” e
“T”; “P” por “B”; “T” por “D” e troca entre as letras como o “W” e “Y”.
4.1.4 Análise complementar: casos de alunos que omitiram sua resposta diante de algumas letras nas tarefas.
Um aspecto observado, em relação à conduta dos subgrupos, nas três
tarefas, foi que os silábicos, em sua maioria, diante da dúvida, preferiam não se
posicionar, e diziam “Não sei essa.” Omitiam suas respostas, deixando de nomear,
identificar ou registrar as letras solicitadas, sobretudo as consoantes. Os índices de
110
abstenções só não foram maiores, porque em vários momentos insistíamos para
que arriscassem.
Vários alunos silábicos “cantavam” o alfabeto, com frequência, usando seus dedos,
como se tivessem buscando identificar uma posição ou sequência, para “identificar”
as letras, ou seja, quando pedíamos para notar uma letra, eles reiniciavam todo o
alfabeto, marcando as letras já pronunciadas com os dedos das mãos, para, só
depois, notar aquela que estavam “buscando”.
Entre os alfabéticos tal conduta, embora observada em alguns casos, não foi
frequente. Eles se posicionavam diante da folha de papel e questionavam a relação
de letras com figuras, ou até mesmo o traçado, quando se tratava da produção.
Podemos observar o percentual dessas omissões na tabela 5 a seguir.
Tabela 5 - Médias percentuais de crianças que não quiseram nomear, identificar ou produzir a letra
que não sabiam. NOMEAÇÃO IDENTIFICAÇÃO PRODUÇÃO
SILÁBICOS 14,6 13,4 25,3
ALFABÉTICOS 0 1,1 2,3
Com base nos resultados podemos supor que os motivos para tal omissão, entre
os silábicos, podem ser medo de errar, a falta de conhecimento do nome ou forma
das letras ou dificuldade de relacionar, com os fonemas, o repertório de letras que,
na sua maioria, sabem de memória. Mas, talvez seja esse, um fato relevante para
considerarmos na compreensão de suas notações nessa fase do desenvolvimento
da escrita.
Quanto às crianças alfabéticas, observamos que tal conduta tende a sumir,
que já demonstram ter maior conhecimento das letras, não se abstendo de escrevê-
las.
111
4.2 Análise dos Resultados revelados pelas Crianças sobre a notação das vogais abertas /ɛ/, /ɔ/ e fechadas /e/, /o/
Nesta seção, temos por objetivo verificar a presença de vogais abertas e
fechadas na produção escrita das crianças silábicas e alfabéticas. Queremos
observar se há variações quanto ao uso das mesmas diante das diferentes
consoantes. Para tanto, dividimos cada conjunto de palavras dos três ditados, 1, 2 e
3, de acordo com o timbre vocálico aberto (/ɛ/, /ɔ/) ou fechado (/e/, /o/), ficando
dessa forma, doze palavras em cada bloco.
Consideramos cada vogal analisada como fonema ou segmento sonoro e
essas foram representadas pelos símbolos padronizados do Alfabeto Fonético
Internacional (AFI). Teremos em cada bloco de palavras, um total de 20 crianças X
12 palavras. Lembrando que esse total foi composto por um subgrupo de dez
crianças silábicas e outro com dez alfabéticas.
Para verificar o emprego das vogais pelas crianças, apresentamos, a seguir,
na tabela 6, as médias percentuais de acertos nas notações das vogais abertas e
das vogais fechadas nas sílabas iniciais de palavras.
Tabela 6 - Médias percentuais de acertos das crianças nas notações das vogais abertas /ɛ/, /ɔ/ e das
vogais fechadas /e/, /o/ nas sílabas iniciais de palavras.
Vogais abertas Vogais fechadas
/ɛ/ /ɔ/ /e/ /o/ Total
Alunos silábicos
8,3
69,2%
10,7
89,2%
2,5
20,8%
8,7
72,5%
30,2
62,9%
Alunos alfabéticos
11,1
(92,5%)
11,7
(97,5%)
6,2
(51,7%)
10,6
(88,3%)
39,5
82,3%
Total de acertos por timbre vocálico
19,4
80,83%
22,4
93,33%
8,7
36,25%
19,2
80%
Os dados da tabela nos permitem concluir a princípio, que para todos os
quatro fonemas vocálicos as crianças de nível alfabético se saíram melhor, e que
nos casos do /ɛ/ e do /e/ as diferenças se revelaram muito grandes.
112
O maior índice de acertos nos dois subgrupos, tanto entre as vogais abertas
quanto das fechadas, relacionou-se à vogal /ɔ/. Comparando, ainda, o índice de
acertos entre os fonemas com timbre aberto e o fechado, verificamos que os
melhores resultados referem-se aos fonemas abertos, nos dois pares de vogais
analisadas. Provavelmente por coincidir com o nome da letra. Segundo Soares,
Tendo aprendido que as vogais são cinco, e conhecendo-as apenas em sua forma oral, as crianças pouco erram na grafia das vogais orais, porque devem identificar o nome da letra com o fonema oral que ela representa (SOARES, 2016, p. 223).
Podemos inferir que a criança nota com maior frequência as vogais orais
abertas nas palavras, possivelmente, pela influência dos nomes das mesmas, se
referirem aos fonemas das vogais orais abertas ensinadas no ambiente
alfabetizador. Sendo talvez essa a razão de crianças na fase silábica privilegiarem a
vogal para representar a sílaba, provavelmente pela facilidade de sua identificação
na fala. Como atesta Murray (1998: 462, apud SOARES, 2016) “... identidade e
identificação derivam da palavra latina idem, que significa ‘o mesmo’; identificar um
fonema é percebê-lo como o mesmo gesto vocal que se repete em diferentes
palavras”.
Refletindo sobre os resultados da tabela onde o emprego da vogal “o” foi
maior que o emprego da vogal “e”, destacamos resultados de pesquisa realizada por
Moresco (2008), onde analisou a produção de crianças em fase de
aquisição/aprendizagem da escrita. Tais resultados revelaram que a maior
quantidade de acertos na grafia das vogais átonas “e” e “o”, no final das palavras
incidia mais sobre a grafia da vogal “o”, tanto na 1ª quanto na 2ª série. A autora
interpretou que tal ocorrência seria fruto da influência da diferença relativa ao
estatuto morfológico das vogais ou em função do tipo de relação existente entre a
fonologia/morfologia das vogais e sua ortografia. Moresco (2008) traz para seu
discurso Harris (1991:29), que considera “a letra /o/ como marcador de palavra
portador de informação morfológica, enquanto a letra /e/ como elemento
preenchedor, que quando não vier lexicalmente determinado, possui apenas a
função de contribuir para boa formação da sílaba”. Podemos deduzir, nesse caso,
que notar a vogal aberta /ɔ/ seja mais fácil que a /ɛ/, sobretudo por aparecer com
maior frequência na escrita, relacionada à sua função morfológica (marcador de
gênero masculino), sendo assim mais evidente para as crianças.
113
Para compreendermos melhor os resultados apresentados pelas crianças,
analisaremos, nas tabelas seguintes, o desempenho e médias percentuais em cada
tarefa. Faremos tanto análises quantitativas como observações de tipo qualitativo
sobre os resultados obtidos.
Tabela 7 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal aberta /ɛ/ na primeira
sílaba das palavras ditadas. É É É É É É É É É É É É É
PELE DEGRAU TELA BELA FERA VELA SERRA ZERO METRO NEVE LEQUE RETA TOTAL
SILÁBICOS 8 7 7 6 9 5 8 3 8 7 9 6 83
69,16%
ALFABÉTICOS 1O 8 9 10 9 9 8 10 10 9 10 9 111
92,5%
TOTAL 18 15 16 16 18 14 16 13 18 16 19 15 194
80,83%
N máximo = 10 para cada subgrupo de crianças (silábicos e alfabéticos)
Quanto ao emprego da vogal aberta /ɛ/, a tabela 7 nos permite interpretar
que, apesar de as vogais abertas serem mais frequentemente notadas pelos alunos
silábicos, em nenhuma das palavras dessa sequência observamos 100% de acerto.
Embora não tenhamos totalidade de notação de vogal nas palavras, não podemos
subestimar que a média de acertos foi de 69,16%, de modo que mais de 2/3 das
crianças conseguiram empregar, convencionalmente, a vogal aberta na sílaba inicial
da palavra.
As palavras com maior índice de acerto foram, respectivamente, FERA,
LEQUE, PELE, SERRA, METRO, DEGRAU, TELA e NEVE, onde verificamos a
notação da sílaba inicial, predominantemente, com uma única letra que representa o
fonema /ɛ/. Poderíamos associar tal resultado ao fato do fonema da vogal oral /ɛ/,
ser mais perceptível na pronúncia da sílaba inicial da palavra, para os silábicos, do
que o fonema das consoantes “F”, “L”, “P”, “S”, “M”, “D”, “T” e “N”, “induzindo” a
criança a notar a vogal, núcleo da sílaba, certamente por apresentar um fonema
mais evidente. Foram observados resultados semelhantes com a letra “R”, onde
registramos para RETA as notações vocálicas em “EA” e consonantais em (RA, NA).
Poderíamos dizer também que o percentual de notação das vogais pode ter ocorrido
em função da pouca familiaridade das crianças em relação às consoantes,
identificando com mais facilidade o fonema vocálico.
114
Em contrapartida, analisando os erros das crianças, nas palavras destacadas,
observamos uma curiosidade, em suas notações. Na palavra LEQUE a notação de
uma criança foi SI, substituindo a sílaba inicial por “S” [esse], o que nos leva a
pensar na possibilidade de substituição do fonema /ɛ/, talvez percebido pela criança,
por uma letra com um nome que se aproxime da mesma [esse]. Em SERRA, a
criança notou LA, com a sílaba inicial, representada por “L” [ele], em DEGRAU,
observamos BA, a troca entre as oclusivas sonoras “D” por “B” e NRA, substituição
da sílaba inicial por “N”, consoante nasal, sonora [ene]. Na palavra TELA foram
notadas ROA e SL, ambas iniciadas por consoantes com nomes representadas em
VCV [erre] e [esse]. Por último a palavra NEVE com notação NR e RA, na primeira
situação, observamos a notação da consoante convencional seguida da consoante
“R”, que não representaria a sílaba final, o que nos leva a crer que foi notada, mais
por influência do primeiro fonema da sílaba inicial, do que a final e o segundo caso,
a notação da sílaba inicial em “R”, configurando mais uma vez a notação da
consoante que tem em seu nome VCV. Isso nos leva a especular que as crianças
poderiam ter feito uso de consoantes que apresentam algo em comum, seu nome
composto por vogal/consoante/vogal, se assemelhando à pronúncia aberta do /ɛ/.
Assim, como observado por Ferreiro (1986, p. 47) “as vogais são mais bem
utilizadas que as consoantes, mas não se exclui a possibilidade de encontrarmos
escritas silábicas baseadas em consoantes”, não impedindo a notação de sílabas
representadas por consoantes entre as crianças silábicas. Provavelmente, nossos
dados sugerem que a intenção das crianças não tenha sido notar a consoante
convencional da sílaba inicial, mas usar o nome das consoantes notadas, em
substituição ao fonema vocálico convencional da mesma sílaba.
Podemos dizer, a partir dos resultados, que, embora o subgrupo de silábicos
tenha apresentado um bom índice de notação da vogal aberta /ɛ/, não devemos
desconsiderar as observações feitas em relação aos erros, onde as crianças
pareciam estar se influenciando pelo nome da consoante e não propriamente por
seus fonemas que seriam representados na posição medial da sílaba (ele - ene -
erre e esse), em substituição da vogal aberta /ɛ/, que aparece ao pronunciarmos o
nome de cada uma das consoantes por elas notadas.
Os menores percentuais de acerto foram observados nas palavras VELA
(notadas em VA) sendo a sílaba inicial, notada pela consoante, convencional,
115
fricativa “V” e ZERO (ZU, OO, OI, OU, AO, OL) “Z”, notada com a fricativa “Z” e a
vogal “O” aparecendo em substituição à /ɛ/. Em análises posteriores veremos
também que alguns estudos apontaram o uso de consoantes fricativas com mais
frequência, mostrando que “crianças acham mais fácil tornar-se ciente de vogais do
que consoantes e identificar consoantes fricativas que as oclusivas.” conforme
Liberman et. al, 1974 (apud MARTINS; SILVA, 2009, p. 225.) Tal tendência pode ter
sido o caso das crianças que notaram suas sílabas com as fricativas destacadas.
Quanto ao grupo de crianças alfabéticas, que alcançaram a média global de
92,5% de acerto, registramos que em cinco, das dez palavras obtiveram 100% de
acerto e que os menores índices foram nas palavras DEGRAU e SERRA, com 80%
de acertos, onde notaram para a primeira DGANH e TALHA, configurando o uso da
consoante equivalente a sílaba /de/ e o uso da consoante oclusiva linguodental “T”,
que é nesse nível de escrita confundida por algumas crianças, com a consoante
oclusiva linguodental “D”. Para SERRA notaram VRA e CARRA, na primeira escrita
temos o caso da notação da consoante sem a vogal, evidenciando a fase de
transição de algumas crianças silábico-alfabéticas para alfabéticas, ao notarem suas
sílabas sem a vogal e, na segunda notação, certamente, a criança tenha sido
influenciada pelo nome da letra “C”, que carrega em seu nome o som do /e/ em /cê/,
levando-a a não registrar a vogal “E”, mas a “A”, presente na sílaba final. No geral
podemos dizer que o baixo percentual de erros não indicou grandes dificuldades no
subgrupo.
A seguir, veremos, na tabela 8, como foram os desempenhos das crianças
em relação à notação da vogal fechada /e/.
116
Tabela 8 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal fechada /e/ na primeira sílaba das palavras ditadas.
Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê Ê BECO PERA DEDO TELHA VEIA FEIJÃO ZEBRA SELO NEGRO MESA LETRA REDE TOTAL
SILÁBICOS 3 0 0 1 0 1 0 1 5 1 6 7
25 20,83%
ALFABÉTICOS 2 3 3 5 4 6 3 3 7 9 8 9
62 51,16%
TOTAL 5 3 3 6 4 7 3 4 12 10 14 16
87 36,25%
N máximo = 10 para cada subgrupo de crianças (silábicos e alfabéticos)
A tabela 8 nos aponta dados relevantes sobre o emprego da vogal “E”, onde
os índices globais foram os menores, dos dois subgrupos.
A presença da letra “E” entre os silábicos ocorreu, em sua maioria, nas
palavras NEGRO, REDE e LETRA, onde provavelmente o fonema da vogal ficou
mais evidente, para as crianças do que a consoante, da sílaba. Vale salientar que
observamos, nas palavras onde não foram notadas a vogal “E”, a substituição dessa
por uma consoante, que a princípio, poderíamos dizer apenas, ‘não convencional’,
mas observamos que todas tiveram algo em comum, o nome da letra representado
por uma sílaba fechada, /dê/, /tê/, /pê/ e /bê/ todas lembrando o fonema fechado da
vogal /e/, como podemos ver a seguir: para NEGRO - DU, TO; para REDE – TI; para
LETRA – PA, BA, TA. Provavelmente, as crianças nesse nível de escrita, não
tenham compreendido que uma letra possa representar mais de um fonema, no
caso (/ɛ/ e /e/) tentando possibilidades ou alternativas que possam se aproximar ao
máximo possível do fonema percebido.
No entanto, verificamos ausência total da vogal, em pelo menos, quatro
palavras (DEDO, PERA, VEIA e ZEBRA) e apenas uma notação, em outras quatro
(TELHA, FEIJÃO, MESA e SELO) sendo a última, correspondendo ao fonema inicial
/s/, representada na primeira sílaba da palavra ditada pelo som /cê/, sendo
substituída pelas crianças pela letra “C”, que já possui em seu nome o fonema da
vogal /e/, não sendo por isso notada. Nesse nível de escrita as crianças ainda não
dominam os contextos onde essa letra possa ser notada por “S”, por isso sendo
mais facilmente confundida. Na palavra DEDO, todas as sílabas iniciais foram
notadas com consoante, sendo 50% delas convencionais (notadas em D O ou D U)
e observamos trocas da consoante “D” por “B”, “P” e “T”, (BO, PO e TO), como é
comum ser observado no início do aprendizado da escrita.
117
Na palavra PERA não foi diferente; verificamos as notações com a consoante
convencional em 60% das crianças (PA) e não convencionais (DR, TA) que
continham o fonema /e/ em seus nomes. Em seguida, tivemos a palavra VEIA, que
apresentou notação da sílaba inicial em 80% dos casos com a consoante
convencional “V”, com notação VA, um caso de troca do “V” pelo “P” (PAI) e uma
notação vocálica IA. Em ZEBRA observamos que 90% das crianças notaram a
sílaba inicial apenas com consoante (70% notaram ZA e 20% com consoantes não
convencionais, respectivamente VA e KAA). Para TELHA, 70% das crianças
notaram TA e observamos outros três casos ORB, KQ e PE. Conforme observado
por Soares:
Conhecendo o nome dessas letras (B, D, P, T, V, Z) crianças, quando atingem o período de fonetização da escrita, costumam considerá-las como equivalentes a sílabas quando à consoante se segue a vogal E, como nos seguintes exemplos de escritas inventadas de crianças: BCO por beco, CABLO por cabelo, PTCA por peteca, VNENO por veneno (SOARES, 2016, p. 220).
Dessa forma, inferimos que as crianças silábicas supõem que a letra, graças
ao seu nome equivaler a uma sílaba oral, dispensaria com isso a necessidade de
adicionar a vogal “E”, necessária à composição da sílaba convencional, da palavra.
Na palavra FEIJÃO observamos a representação das sílabas com as vogais
(IO, EU) e os demais registros com representação da sílaba inicial com notação de
consoantes não convencionais como “V”, “T” e “B” em lugar de “F” ou até mesmo do
“E”. Tais notações só reforçam a possibilidade de supormos que as crianças
buscaram estratégias de representarem o fonema /e/ com letras “que se aproximem”
daquele fonema.
Em MESA observamos a sílaba inicial notada pelas consoantes “P” (OP, para
uma criança que invertia a ordem das letras), “V” (VA) e “T” (TA), repetindo-se o
observado nos demais casos, nos quais verificamos a tendência de substituir a vogal
fechada /e/ por uma consoante que tem em seu nome CV, configurando fonema
fechado, semelhante à vogal.
Assim sendo, os resultados nos mostram que em quase 66% das palavras
não houve o emprego da vogal, revelando-nos que para as crianças silábicas é mais
“difícil” notar a vogal fechada do que aberta. Em estudos realizados por Soares
(2016), tal evidência não foi observada em relação à escrita:
118
É na leitura, como dito no tópico anterior, que os grafemas vocálicos orais E e O podem levar a criança a erros de reconhecimento de palavras, quando deve decidir entre pronúncia /e/ ou /ɛ/, /o/ ou /ɔ/, em sílaba tônica de palavras paroxítonas; na escrita, essa dificuldade não se coloca, já que a grafia é sempre a mesma (exceto em casos em que regras de acentuação devem ser aplicadas) (SOARES, 2016, p. 306).
Não foi exatamente o que nossos resultados revelaram, principalmente, entre
as crianças silábicas em que a notação das vogais fechadas, foi muito mais difícil do
que as abertas.
Estudos realizados por Martins e Silva (2009) para verificar se havia o uso
equivalente das letras convencionais, para representar as consoantes seguidas das
vogais abertas e fechadas, revelam que crianças portuguesas, obtiveram melhores
resultados fazendo uso das vogais abertas do que as fechadas. No caso do
português, além da maior sonoridade das vogais abertas, a pronúncia coincide com
os nomes das letras que representam as vogais. Dessa forma, podemos concluir
que produzir vogais fechadas, seja mais difícil, não só pela natureza de seu fonema,
mas pela combinação da mesma com consoantes que possam sugerir a sua
inclusão no seu próprio nome.
No subgrupo dos alfabéticos, os índices mais altos foram registrados nas
palavras MESA, configurando apenas um erro (NSA), REDE (RIDI) e LETRA (LTA e
CA), coincidindo com as duas palavras mais notadas entre os silábicos, onde
observamos notação silábica sem o emprego da vogal da sílaba inicial. Verificamos
os menores índices de acerto nas palavras BECO, PERA, DEDO, ZEBRA e SELO,
algumas delas também identificadas entre as menos pontuadas do subgrupo dos
silábicos. O erro mais comum observado nessas palavras foi a notação da
consoante equivalendo a sílaba como revelam as seguintes notações: BCO, BCU,
BQO, BQU (para BECO), PRA, BRA, PHAL (para PERA ) e DO, DU, PITO, DIDO,
DDO (para DEDO ). Certamente, pelos mesmos motivos destacados no subgrupo
dos silábicos, aqueles alunos já com hipótese alfabética preferiram notar a
consoante equivalendo à sílaba inicial da palavra. Mas, devemos levar em conta que
os resultados entre as crianças alfabéticas já começam a revelar que, à medida que
vão evoluindo em seus níveis de escrita, elas tendem a identificar e segmentar as
sílabas, notando, além das consoantes, as vogais que fazem parte do núcleo da
sílaba, mesmo quando essas apresentam timbre fechado.
119
Os resultados da tabela 8 nos mostram que, nos dois subgrupos, os erros
ocorreram, em sua maioria, por influência das consoantes que trazem em seu nome
o fonema equivalendo à sílaba inicial, da palavra ditada, sendo notadas com as
letras “B”, “D”, “P”, “T”, “V”, “Z” e “C”, este último em substituição do “S”, sem a
notação da vogal “E”.
A seguir, observaremos as médias percentuais das crianças em relação à
vogal aberta /ɔ/.
Tabela 9 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal aberta /ɔ/ na primeira
sílaba das palavras ditadas.
Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó
TOCA BOTE POTE DORA SOLA ZOCA FOCA VOTO LOJA ROSA MOLA NOVE TOTAL
SILÁBICOS
8 10 10 5 9 10 7 10 10 10 8 10
107
89,16
ALFABÉTICOS
10 9 10 9 10 10 10 10 9 10 10 10
117
97,5%
TOTAL
18 19 20 14 19 20 17 20 19 20 18 20
224
93,33%
N máximo = 10 para cada subgrupo de crianças (silábicos e alfabéticos)
A tabela 9 revela a maior média percentual de emprego de vogais
apresentadas entre os quatro blocos de palavras analisadas /ɛ/, /ɔ/, /e/, /o/, nos dois
subgrupos.
Entre os silábicos verificamos que, das doze palavras ditadas, sete delas
apresentaram em 100% das crianças a notação da vogal /ɔ/. Alves Martins e Silva
(2001, 2009) defendem que quando as crianças sabem os nomes das letras, elas
podem achar mais fácil detectá-los na pronúncia deste tipo de palavra, que por sua
vez, facilita o entendimento do som-notação, função que as letras deveriam cumprir,
fielmente segundo o princípio alfabético. Martins (2013) destaca que, no caso do
português, o efeito é mais acentuado para as vogais do que para as consoantes – o
oposto para o caso em inglês. Nesse caso, a provável familiaridade com os fonemas
da sílaba inicial, tenha mobilizado a notação convencional da vogal /ɔ/.
Contrariamente, o índice de acerto mais baixo foi registrado na palavra DORA, onde
50% das crianças marcaram a sílaba inicial com a consoante, convencional e não
convencional, talvez por percebê-la mais evidente que a vogal, como podemos
observar em seus registros (PA, DE, TA, DNT).
120
O subgrupo dos alfabéticos revelou ótimo desempenho em suas notações. Da
sequência de palavras, nove apresentaram índice máximo de acerto e as demais
90%, garantindo um percentual global de 97,5%, o que nos leva a concluir que
empregar a vogal /ɔ/ nessa sequência de palavras não pareceu uma tarefa difícil
para as crianças, reinterando estudos mencionados anteriormente.
Quanto ao emprego da vogal fechada /o/, a tabela 10 nos revela que em
nenhuma das palavras da sequência, obtivemos 100% de acerto, entre as crianças
silábicas, se contrapondo à tabela 9, onde registramos seus melhores
desempenhos.
Tabela 10 - Médias percentuais globais de crianças que empregaram a vogal fechada /o/ na primeira
sílaba das palavras ditadas. Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô Ô
DOCE TORRE BOLO POÇO ZORRO SOPA VÔLEI FOGO RODO LOBO NOVO MOÇA TOTAL
SILÁBICOS
4 5 9 8 8 8 7 8 9 6 8 7
87
72,5%
ALFABÉTICOS
8 9 9 9 9 9 9 8 10 9 9 8
106
88,3%
TOTAL
11 14 18 17 17 17 16 16 19 15 17 15
193
80,4%
N máximo = 10 para cada subgrupo de crianças (silábicos e alfabéticos)
O maior índice de acertos ocorreu nas palavras BOLO e RODO, com 90%, as
demais variaram de 40% a 80%, onde as notações das sílabas iniciais foram
marcadas basicamente pela consoante, em alguns casos convencionais e em outros
não. As palavras registradas com os menores números de acertos foram DOCE,
notada como IE, DE, EC, UI, BS; TORRE (DI, TI, DE, EU, AL), onde percebemos a
troca entre consoantes oclusivas e o uso de vogais sem o valor convencional
esperado e LOBO (BA, EY, EI), com a notação de três crianças usando “EI” e “A”, no
lugar de “O”.
Assim como observado na vogal /e/, podemos inferir que a ausência de
notação da vogal “O”, nesse grupo de palavras, parece estar relacionada à mudança
fonêmica ou do timbre vocálico, de aberto /ɔ/ para fechado /o/, o que nos leva a crer
que a mudança do timbre vocálico, sim, pode induzir as crianças ao erro no início da
alfabetização, provavelmente por não compreenderem, como dito anteriormente,
que a mesma letra pode representar mais de um fonema.
121
Entre os alfabéticos houve 100% de acerto em apenas uma palavra e, em oito
outras, observamos 90%. Assim como no grupo dos silábicos, as palavras que
apresentaram menor número de acertos foram DOCE (DCI, DASI), FOGO (FGO,
FACO) e MOÇA (MESA e NALSA) com 80%. Observamos nas duas primeiras
palavras a notação silábica ocorrendo com a consoante, sem a vogal, como no
subgrupo dos silábicos, embora tenha sido menos comum a omissão da vogal “O”
entre os alfabéticos. Nos demais erros, percebemos a troca da vogal convencional,
configurando as falhas na utilização do valor sonoro, ainda comum entre as crianças
no início do nível alfabético de escrita.
Em síntese... Retomando a tabela 6 (Médias percentuais de acertos das crianças nas
notações das vogais abertas /ɛ/, /ɔ/ e das vogais fechadas /e/, /o/ nas sílabas
iniciais de palavras), o que os dados revelam é que para os dois subgrupos de
crianças a mudança de timbre vocálico configurou um fator de dificuldade para as
suas notações. Ressaltamos, ainda, que para o subgrupo de silábicos, notar vogais
fechadas com a mesma letra das abertas, pareceu ser um problema que necessitou
ser resolvido buscando alternativas de notações. Observamos que, com a evolução
do nível de escrita, esse problema é minimizado, pois a criança começa a perceber
que uma mesma letra, ou no caso analisado uma vogal, pode substituir mais de um
fonema, seja aberto, fechado, nasal ou reduzido. Inferimos, ademais, que não foram
exatamente as características articulatórias das consoantes que interferiram na
notação das vogais, mas o fato de seus nomes serem equivalentes a uma sílaba,
induzindo as crianças a notá-las, ignorando, principalmente a vogal fechada /e/.
Aproveitaremos a oportunidade para apresentarmos alguns comportamentos
verificados entre as crianças durante a realização dos ditados, quanto à escrita e
leitura das palavras ditadas. Tais condutas nos ajudaram a compreender melhor
como as crianças iam se posicionando, frente às suas descobertas e dificuldades.
Quanto à escrita as crianças que se encontravam em nível de escrita silábico com valor sonoro convencional usaram, em quase todas as palavras ditadas,
tanto as vogais quanto as consoantes de forma convencional, com algumas
exceções. Mas, observamos também que as três crianças com maior domínio do
alfabeto não fizeram muito uso exclusivo das consoantes em seus ditados para
representar as sílabas, escrevendo-as em sua maioria com vogais.
122
Os alunos silábicos com menor predomínio do valor sonoro convencional representavam as sílabas, ora com uma letra convencional, ora com
letras sem convenção sonora e, observamos, ainda, com certa frequência, a troca
de posição das letras, para representar as sílabas.
As palavras ditadas com vogais abertas foram mais fáceis de serem
registradas do que as palavras com vogais fechadas. Em alguns casos, observamos
a substituição da vogal “E” por uma consoante com fonema fechado, sem
convencionalidade com a escrita. Ex.: NEGRO – DO, DU e TO; MESA – VA, TA;
para LETRA – PA, TA, BA. É como se as crianças não aceitassem que os fonemas
/ɛ/ e o /e/ pudessem ser registrados com a mesma letra, representando-os com
outras letras com sons “semelhantes”, fazendo uso de estratégias de buscar letras
que pudessem substituir aquelas que desconheciam ou esqueceram para
representar nas palavras, como observado por Ferreiro (1986).
Quanto à leitura das mesmas palavras, solicitada ao final da escrita de cada
uma, no geral, os alunos silábicos disseram que não sabiam ler. Os silábicos que
conheciam todas as letras do alfabeto, liam letra por letra de seus escritos. E os que
não conheciam todas as letras do alfabeto, focavam basicamente nas vogais, mas
nem sempre identificavam as consoantes que tinham notado.
As crianças, de um modo geral, notaram mais rapidamente as palavras com
vogais abertas do que fechadas. Diante das palavras com fonemas fechados,
repetiam várias vezes a sílaba em foco, tentando buscar identificar seus grafemas.
Quanto ao grupo dos alfabéticos, uma das crianças demonstrou ter
consciência dos diferentes timbres das vogais e, quando a palavra foi ditada,
questionou: “É /BÉ/CO ou /BÊ/CO?” e, ao esclarecermos sua dúvida, ficou
pensativo, antes de escrever a palavra, buscando respostas para suas dúvidas.
Assim sendo, os resultados dos ditados evidenciaram que muito temos que
explorar sobre a notação das vogais orais abertas e fechadas, bem como as
estratégias utilizadas pelas crianças, principalmente silábicas, para substituí-las em
suas notações. O fato de as vogais serem ensinadas enquanto cinco letras que
compõem o alfabeto, apenas na versão oral aberta, faz com que as crianças
percorram um caminho de descobertas que ainda precisam ser monitoradas, para
compreendermos melhor suas notações. Mas, muito teremos a analisar até tirarmos
conclusões que possam atestar tais evidências.
123
4.3 Análise dos resultados revelados pelas crianças na notação das vogais abertas /a/, /ɛ/, /i/, /ɔ/, /u/.
Tendo por objetivo analisar o desempenho das crianças na notação de vogais
abertas /a/, /ɛ/, /i/, /ɔ/, /u/, selecionamos quatro das oito palavras ditadas na atividade
de ditado usada, originalmente, para verificar o nível de escrita. Em cada uma delas
analisaremos, exclusivamente, as vogais abertas que aparecem em destaque na
tabela a seguir.
A tabela 11 apresenta as médias percentuais de acertos dos subgrupos de
crianças silábicas e alfabéticas em relação à notação das vogais abertas.
Tabela 11 - Médias percentuais de acertos das crianças na notação das vogais /a/, /ɛ/, /i/, /ɔ/, /u/. /a/
c/a/ju
/ɛ/
p/e/teca
/i/
b/i/cicleta
/ɔ/
s/o/l /u/
caj/u/ Total
Silábicos 2
20%
9
90%
10
100%
9
90%
9
90%
39
74%
Alfabéticos 10
100%
9
90%
10
100%
10
100%
10
100%
49
98%
Os resultados da tabela 11 mostram que o desempenho das crianças no
emprego daquelas vogais apresentou variação significativa, entre os dois subgrupos,
em função da vogal /a/, onde registramos o menor percentual de acerto das vogais,
no subgrupo dos silábicos. Destacando tal ocorrência, podemos dizer que, no geral,
os dois subgrupos fizeram idêntico uso convencional das mesmas, não
demonstrando dificuldades de notá-las. Comparando as vogais abertas /ɛ/ e /ɔ/,
analisadas em seção anterior com as demais vogais /a/, /i/ e /u/, verificamos que os
dados não evidenciam diferença significativa entre elas, sobretudo, no subgrupo dos
alfabéticos, ou seja, as crianças demonstraram identificar e notar as vogais das
palavras, sem hesitar.
Observamos, no grupo dos silábicos, que, embora tenha apresentado, na
vogal analisada /a/, 100% de acerto nas atividades de conhecimento das letras,
verificamos apenas 20% de notação da mesma na palavra CAJU, o que não
costuma ser observado com frequência entre crianças silábicas, como apontam
124
resultados de pesquisas de Leite e Morais (2011) onde apresentam a relação entre
acerto no conhecimento do nome de letras e uso de seu valor sonoro convencional.
“Os possíveis acertos de fonetização apresentados nos escritos das crianças se deram no som inicial ou final das palavras com a representação da vogal A”
Assim, contrariando os dados observados por nós, a notação da vogal /a/
costumaria ser frequente entre as crianças no nível silábico de escrita. Mas isto pode
ter uma explicação: no caso do grupo de silábicos, o que observamos foi 70% de
notação da consoante “K”, seis crianças notaram [KU] ou [KO], para CAJU, notando
a sílaba inicial com a consoante que carrega em seu nome, o fonema da sílaba
inicial da palavra ditada /cá/. Esse fato também foi observado por Soares em seus
estudos:
(...) os nomes de algumas letras podem criar ambiguidades, como o nome da letra K, cá, que leva crianças a usá-las em lugar da letra C quando seguida de A, isto é, em lugar da sílaba CA, como em KVALO por CAVALO, KSA por casa (SOARES, 2016, p. 219).
Segundo Soares, os nomes das letras e seus fonemas, por elas
representados, no alfabeto português, podem explicar a ausência do emprego das
vogais na fase inicial do processo de alfabetização. Ou seja, as crianças, nesse
período, influenciadas pelo nome da letra, costumariam usá-la para representar o
som da sílaba, omitindo a vogal. Tal ocorrência não foi repetida com as demais
vogais abertas, as quais foram notadas por quase todas as crianças silábicas.
Devemos ressaltar que, embora, a vogal /a/ na palavra ditada, não ocupe posição de
sílaba tônica, não alterou seu fonema, como acontece com as sílabas átonas finais
/e/-/i/ e /o/-/u/ ou mesmo sofreu alteração de fonema, devido a questões de
diferentes formas dialetais brasileiras, como podemos obsevar em alguns exemplos
trazidos por Moresco (2008) como v/e/stido-v/i/stido, sac/o/-sac/u/, set/e/-set/i/.
Dessa forma inferimos que a característica/fonema da consoante notada, em lugar
da vogal, tenha sido o principal motivo de “erros”.
Em PETECA, tivemos uma das crianças que notou a palavra com duas letras,
usando a consoante convencional para notar toda a sílaba inicial, omitindo a vogal
(PA), configurando o provável uso da letra, equivalendo ao fonema da sílaba inicial.
Já em BICICLETA, observamos duas crianças que fizeram uso da vogal /i/ no final
da palavra, notando respectivamente BCEIA e PBIA, razão pela qual repetiam várias
125
vezes a mesma sílaba, acrescentando letras, conforme o momento da repetição e
percepção do fonema. Um fato semelhante foi observado por Ferreiro em suas
pesquisas:
O interessante é que Maria, procurando outras letras para colocar, não repete nenhuma das anteriores, mas repete “so-pa”, enquanto põe as consoantes correspondentes a estas sílabas. (De fato, repete várias vezes “so” antes de colocar o S e várias vezes “pa” antes de pôr o P, como se procurasse estas letras.) O resultado é OASP. Todas as letras da palavra estão ali, mas em desordem (FERREIRO, 2013, p. 65)
Dessa forma, consideramos o emprego da vogal, por termos acompanhado o
momento em que a criança fez uso da mesma, se referindo à sílaba
verbalizada/falada.
Quanto à palavra SOL, tivemos uma das crianças que escreveu RU, notando
uma consoante não convencional no início da sílaba.
E na palavra CAJU, uma notação da vogal “O” para substituir o “U” final,
ficando, portanto, KO. Tal substituição pode ter ocorrido em função da observação,
pela criança, do uso da vogal “O” no final de algumas palavras, com som reduzido,
representando o fonema /u/.
Quanto ao subgrupo dos alfabéticos, observamos que houve quase 100% de
acertos na notação das vogais nas palavras ditadas, configurando com isso que as
crianças já eram capazes de isolar os sons daqueles fonemas vocálicos e notá-los
em suas escritas. As crianças, em sua maioria, conseguiam escrever todos os
fonemas de uma palavra. O único caso de “erro” foi registrado em uma criança que
notou para PETECA – BOTCA, substituindo a sílaba inicial por BO. Quanto ao uso
do “B”, poderíamos justificar tal substituição como traço característico de crianças
alfabéticas que, segundo Ferreiro, 1985 “não exclui erros ocasionais”. Mas, estudos
realizados por MIRANDA (2008) apontam alguns casos onde ocorre a substituição
da vogal coronal /e/ pela dorsal /o/, conforme podemos observar a seguir:
Ao estudar a aquisição fonológica com o objetivo de verificar o que fazem as crianças em relação aos marcadores de classe de palavra, Alcântara, 2005 observou alguns casos de substituição da vogal coronal /e/ pela dorsal /o/, conforme podemos observar [‘kẽⁿtu] para ‘quente’ e [‘dẽⁿtu] para ‘dente’ (MIRANDA, 2008, p. 162).
Embora a autora tenha notificado poucos casos e estes tenham sido no final
da palavra, onde geralmente se marca a questão do gênero masculino, não
126
podemos inferir que foi uma simples questão de erro, sem nos aprofundarmos mais
sobre tal assunto.
O que podemos considerar, é que nossos dados convergem para os
resultados apresentados por diferentes estudiosos sobre a notação de vogais no
nível silábico de desenvolvimento da escrita, tais como: Ferreiro (1985, 1999),
Ferreiro e Teberosky (2009), Soares (2016), Leite e Morais (2009, 2011), Morais
(2012), onde observam que as crianças, desde cedo, apresentam em suas notações
maior incidência das vogais e, acrescentamos, sobretudo, as vogais orais com
timbre aberto, como discutido em seção anterior. Dessa forma, corroboramos com
Martins e Silva (2009), quando dizem que a natureza das vogais abertas, por serem
representadas pelo seu próprio nome/som, deve ser a provável causa de sua
notação tão frequente na escrita das crianças em fases de desenvolvimento da
escrita anteriores à hipótese alfabética.
127
4.4 Análise dos resultados revelados pelas crianças na notação de 12 consoantes nas sílabas iniciais de palavras.
A tabela 12, a seguir, nos mostra o desempenho das crianças na notação de
doze consoantes iniciais das palavras selecionadas para os ditados um, dois e três
desta pesquisa. As crianças notaram quatro palavras com cada consoante, diante
das vogais /ɛ/, /e/, /ɔ/ e /o/ e para cada uma delas, notada, corretamente, atribuímos
um ponto. Conforme acertos os resultados variaram de quatro a zero, para cada
consoante, por criança. O número máximo possível para cada subgrupo (silábicos e
alfabéticos) era, portanto de 40.
Tabela 12 – Resultados revelados pelas crianças na notação de 12 consoantes nas sílabas iniciais de palavras.
Nº NE P B T D F V S Z M N L R 1 1 0 1 1 0 0 2 0 1 0 0 0 1 2 1 0 2 1 0 0 2 0 1 0 0 0 1 3 1 1 2 0 2 0 1 0 3 0 1 0 0 4 1 1 3 1 3 2 3 0 1 0 0 0 2 5 1 2 0 0 2 0 0 0 0 0 0 0 0 6 1 1 1 2 1 0 1 0 1 1 0 0 0 7 1 1 1 1 2 1 1 0 1 0 0 1 0 8 1 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 9 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
10 1 0 4 4 2 0 2 0 3 4 1 0 3 ST 1 08 15 11 12 03 13 0 11 5 2 1 7 11 2 4 4 4 4 4 4 3 4 4 2 4 3 12 2 4 4 4 4 4 4 1 4 4 3 4 4 13 2 4 4 4 4 4 0 2 4 4 4 4 4 14 2 2 3 2 3 3 3 1 2 4 1 3 3 15 2 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 16 2 4 4 4 4 4 4 3 4 2 4 4 4 17 2 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 18 2 4 3 4 4 4 4 4 3 4 4 3 4 19 2 4 3 4 0 4 4 1 3 4 4 4 4 20 2 4 4 4 4 2 3 3 2 3 4 4 4 ST 2 38 37 38 35 37 34 26 34 37 34 38 38
Total 46 52 49 47 40 46 26 45 42 36 39 45 *NE - Nível de Escrita 1- Silábicos 2- Alfabéticos **ST- Subtotal
Para compreendermos melhor os índices de acertos apresentados pelas
crianças, e estabelecermos possíveis relações com as características articulatórias e
128
fonológicas das consoantes, achamos pertinente fazer uma breve retomada sobre a
classificação das letras a serem analisadas.
As consoantes, segundo linguistas, são fonemas imperfeitos, produzidos com
obstáculos à passagem da corrente expiratória. Já as vogais são produzidas
livremente, ou seja, a articulação das consoantes não se faz, como a das vogais,
com a passagem livre do ar através das cavidades supralaríngeas. Câmara Jr.
define consoante como:
Tipo de fonema em que a corrente de ar, emitida para a sua produção teve que forçar passagem na boca, onde determinado movimento articulatório lhe criou um embaraço (CÂMARA JR., Dicionário de Filologia, p. 89).
Dessa forma, com base em suas características articulatórias, as consoantes
foram classificadas, pelos linguistas, em diversas categorias, podendo ser: surdas
ou sonoras; orais ou nasais; oclusivas, fricativas, laterais, vibrantes, mas são melhor
descritas a partir da especificação de seus pontos e modos de articulação.
Conforme critérios de classificação as doze consoantes selecionadas para
nosso ditado são, quanto ao modo e ponto de articulação: - quatro oclusivas orais, delas duas bilabiais “P” surda e “B” sonora e duas
linguodentais “T” surda e “D” sonora;
- seis construtivas orais, delas quatro fricativas, duas labiodentais “F” surda
e “V” sonora e duas alveolares “S” surda e “Z” sonora; uma lateral, sonora, alveolar
“L” e outra vibrante, sonora, uvular “R”; e por fim,
- duas consoantes nasais sonoras sendo uma bilabial “M” e a outra alveolar
“N”, como podemos observar resumidamente, no quadro das consoantes a seguir.
129
Tabela 13 – Quadro das Consoantes.
Fonte: <http://portugues.uol.com.br/gramatica/classificacao-das-vogais-consoantes.html>.
Voltando aos nossos resultados, os números da tabela nos revelam uma
diferença significativa da notação das consoantes entre o subgrupo de crianças
silábicas e alfabéticas. Isto aparece na Tabela 14 abaixo:
Tabela 14 – Resultados parciais e totais revelados pelas crianças na notação de 12 consoantes nas sílabas iniciais de palavras.
Nº NE P B T D F V S Z M N L R
ST 1 08 15 11 12 03 13 0 11 5 2 1 7
ST 2 38 37 38 35 37 34 26 34 37 34 38 38
Total 46 52 49 47 40 46 26 45 42 36 39 45
*NE - Nível de Escrita **ST- Subtotal 1- Silábicos 2- Alfabéticos
• Análise dos alunos silábicos
Inicialmente, poderíamos inferir que esses dados refletem o pouco
conhecimento das crianças silábicas em relação às consoantes, apresentado nos
resultados das tarefas com as letras, mas sabemos que pode haver outras
implicações como as características fonológicas ou articulatórias das letras, ou seja,
de sua estrutura, que possam contribuir para a dificuldade da compreensão e
notação das mesmas.
130
Em análises anteriores, vimos que as vogais costumam ser mais facilmente
notadas pelas crianças silábicas, sobretudo as orais com timbre aberto, por terem,
em seu nome, a representação do fonema, mas não podemos falar o mesmo das
consoantes. O que parece acontecer é que, além de apresentarem mais grafemas
que as cinco vogais ensinadas no ambiente alfabetizador, assim como as vogais, as
consoantes podem assumir mais de um fonema, dependendo da vogal que compõe
a sílaba, ou de sua posição em relação à palavra, bem como se distinguem quanto
ao seu ponto e modo de articulação, gerando dificuldades entre algumas crianças de
diferenciarem sons surdos (quando as pregas vocais permanecem abertas sem
vibração) dos sonoros (quando, juntamente com sua articulação, ocorrem vibrações
das pregas vocais), como destacado por Scliar-Cabral:
“o reconhecimento das consoantes está na dependência de seu contexto vocálico imediato, e o que ocorre são movimentos simultâneos de mais de um articulador, na produção dos gestos fonoarticulatórios” (SCLIAR-CABRAL, 2003a:53, Apud SOARES, 2016, p. 194).
Assim sendo, podemos ter, por exemplo, a consoante “C” nas palavras CASA
e CEBOLA os fonemas /k/ e /s/, gerando uma mudança não só referente ao aspecto
fonêmico da consoante, mas aos diferentes gestos articulatórios para sua produção,
de um fonema surdo e outro sonoro, o que certamente pode gerar dificuldades no
início do processo de apropriação do sistema alfabético. A seguir, analisaremos o
que os resultados dos ditados realizados com as crianças nos revelaram em relação
à notação das consoantes.
No subgrupo dos silábicos verificamos que as letras que apresentaram os
menores índices de acertos foram as relativas aos fonemas /s/, /l/, /n/, /f/, /m/, /r/ e já
chamamos a atenção para o que elas têm em comum, o seu nome representado por
VCV (vogal/consoante/vogal).
Entre os silábicos não houve nenhum emprego da consoante “S”. Tivemos na
palavra SOLA 30% das notações, da sílaba inicial, com letras não convencionais
(IO, RF e EO), onde parece ocorrer a percepção, mesmo que fora da ordem da
vogal da sílaba inicial /ɔ/. Naquela palavra, 60% das crianças notaram as vogais
convencionais (OA) e uma notação COA, onde a criança substituiu a letra “S” por “C”
em todas as suas notações para palavras iniciadas com /s/ (para SOPA – COA,
SERRA – CA e SELO – CO), tendência de algumas crianças de trocarem os
grafemas, como veremos adiante em outras circunstâncias.
131
Como observado no exemplo citado há pouco, na palavra SOPA só tivemos
um registro da sílaba inicial com consoante (COA), correspondendo a 10% e 90%
vocálico (sendo 70% com vogais convencionais OA e 20% não convencionais, EA e
AI).
Na palavra SELO, 80% das notações da primeira sílaba foram feitas por
consoantes não convencionais, porém 60% delas foneticamente pertinentes (40%
CO, 20% CU), quando, mais uma vez, se observou a substituição do “S” pelo “C” e
20% sem correspondência sonora KO (fazendo a troca do “S” por “K”, a qual é
comumente trocada por “C” e não pela letra notada “K” que costuma ser confundida
com “C” e OP (onde possivelmente ocorreu a notação do “P” em substituição da
vogal fechada /e/, o que nos leva a crer que as crianças silábicas parecem se
influenciar mais pelo que o nome da letra possa representar diante da palavra a ser
notada do que por seus fonemas isolados), e duas notações vocálicas IA e OE
(notação de uma criança que trocava a ordem das sílabas ao escrever).
Com relação à troca de “S” por “C”, poderíamos dizer que, por começarem, a
saber, que algumas letras podem assumir diferentes fonemas, as crianças fazem,
em algumas situações, uso de letras equivocadas. Como observado por Soares
(2016, p. 92), em relação à letra “C”: “Sabemos que muitas crianças conhecem os
dois valores fônicos possíveis da letra C, sem ainda conhecer contextos onde esta
letra equivale a K e os contextos onde equivale a S”.
Assim como ocorrem dúvidas em relação à letra “C”, podemos dizer que
acontecem com as demais letras, que, diante de determinadas notações, assumem
diferentes fonemas. Ainda, segundo Soares,
De modo geral, porém, as crianças raramente incorrem em erros ortográficos na escrita de palavras em que as representações fonema-grafema são biunívocas, casos em que a escrita se apoia quase apenas na rota fonológica; são essas relações regulares que elas, sobretudo representam na escrita inventada, errando, porém, ao considerar regulares relações que são, sim, regulares, mas em dependência do contexto. As relações regulares contextuais são regulares porque, embora um mesmo fonema possa ser representado por mais de um grafema, cada representação é previsível, determinada pelo contexto, e por isso regular contextual (SOARES, 2016, p. 299).
No caso da letra “S”, da palavra ditada SELO, além de assumir uma das
possibilidades de fonema para seu grafema, ainda era confundida pelas crianças, na
circunstância da vogal fechada /e/, com a letra “C”, por aparecer em contexto que se
encaixava no fonema semelhante ao nome da letra [cê], da sílaba inicial.
132
Em SERRA registramos apenas 20% de notação com consoante, CA
(provável troca influenciada pelo nome da letra /cê/) e LA (troca observada em seção
anterior da vogal aberta /ɛ/ pela consoante com nome em VCV /ele/). As demais
notações, representando 80% dos registros foram vocálicas (50% EA, 10% EU, 10%
OE e 10% EL). Podemos dizer, em relação ao fato observado, que, por se tratar de
um subgrupo de silábicos, notar as sílabas das palavras com vogais, é uma
característica comum e observada por estudiosos, com frequência, sendo, portanto,
mais fácil de serem percebidas pelas crianças do que as consoantes. Tais notações
demonstraram a dificuldade das crianças silábicas em perceberem o fonema isolado
“S” diante das diferentes vogais, empregando letras que se aproximassem mais dos
fonemas vocálicos do que dos consonantais.
Podemos considerar, no caso dos silábicos, que a ausência total da letra “S”,
na notação das palavras ditadas, provavelmente esteja relacionada a duas
evidências: o uso das vogais para notar as sílabas e da troca de “S” por “C”, por
terem fonemas parecidos, sobretudo diante da vogal “E”, vogal onde tal evidência foi
mais observada.
Dando continuidade aos demais erros cometidos pelas crianças nas letras
com menor ocorrência de notações, observamos na consoante “L”, um único registro
da letra convencional na palavra LETRA, com LA, correspondendo a 10% das
crianças, 30% dos registros foram feitos com consoantes não convencionais, mas
que representam fonemas fechados (PA, BA e TA), configurando, a nosso ver, a
representação do fonema fechado da vogal tônica da sílaba inicial /e/ com tais
consoantes e 60% das notações com as vogais convencionais EA.
Em LOJA tivemos 100% das notações vocálicas, convencionais OA. Em
LOBO, onde a vogal inicial é fechada, já tivemos diferentes notações para uma
mesma palavra (30% OU, 20% EI, além de EY, OAI, BA, PO e OO), o que configura
não só a dificuldade de notar a correspondência sonora da vogal fechada, mas de
identificar a consoante inicial.
Em LEQUE observamos apenas uma notação da sílaba inicial com consoante
não convencional SI. Chamamos a atenção para tal notação, pois parece configurar
a notação da consoante [esse] para a vogal /ɛ/, representando, possivelmente,
notação silábica baseada em vogal, em substituição ao “L”, assim como o “I” para
/ki/. As demais notações variaram (50% EI, 20% EQ, além de EV e AEQ).
133
Na letra “N” registramos apenas duas notações convencionais da consoante
inicial, em todo o subgrupo dos silábicos, as duas antes da vogal aberta /ɛ/ para
NEVE (NI e NR) e uma consoante não convencional RA, sugerindo a notação
vocálica aberta /ɛ/ realizada com [erre]. As demais notações foram feitas com vogais
(50% EI, 20% EA).
Para NEGRO, observamos três notações consonantais, não convencionais
(DO, DU, TO), com base no nome das consoantes notadas. Ousamos dizer, mais
uma vez que se deve ter se tratado da tentativa de fazer a notação da sílaba inicial
com base na vogal fechada /e/ e não uma simples troca da consoante inicial “N”,
tendo em vista que tais opções, se encaixam mais no contexto sonoro vocálico da
sílaba, do que do fonema consonantal.
Na palavra NOVO não registramos nenhuma notação da sílaba inicial com
consoante (tivemos 30% OO, 40% OU, além de UV, OK, EAI), sugerindo que as
notações priorizaram o fonema vocálico. Em NOVE não foi diferente, (60% OI, além
de OY, OF, OE e AO), onde podemos entender na consoante “F” a possibilidade de
notação do “V”.
Na letra “F” observamos, na palavra FOCA, 20% de notação com a consoante
convencional (FK), outra não convencional (TA), 20% com vogais convencionais
(OA), 40% OK e 10% OT. Para FERA, apenas uma notação da sílaba inicial com
consoante (FA) e 90% vocálica (70% EA), além de EAK) e ER).
Em FOGO tivemos variadas notações, o que nos leva a crer que as crianças
viam a consoante “F” com vogal fechada /o/, sob diferentes pontos de vista.
Curiosamente, tivemos 50% das notações terminadas em /a/ (50% vocálica 30%
OA, 10% HA e 10% VA). Em FEIJÃO observamos, mais uma vez a troca entre as
fricativas “F” e “V” em 50% das notações (20% VO, 10% VA, 10% VAU e 10% VL),
seguidas das notações LO, TO e BO, sendo as duas últimas, notadas com
consoantes que sugerem substituição do nome das letras “T” e “B” pelo fonema
vocálico fechado /e/ e, por fim, duas notações vocálicas (IO e EU).
No emprego da consoante nasal “M” verificamos em METRO apenas uma
notação da sílaba inicial com a consoante convencional (MO) e outra não
convencional (RE) e 80% de notações vocálicas (30% EO, 40% EU e 10% AO).
Para MESA observamos 40% de notação com consoantes (MA, TA, VA, PO), onde
percebemos o uso de apenas uma consoante com valor sonoro convencional e
134
outras três que pareciam representar a notação da vogal inicial fechada /e/ com as
letras “T”, “V” e “P”. Em seguida, predominaram as notações vocálicas (OO, AA, UA,
UO, OU e EA) o que revela certa divergência no modo de pensar das crianças, em
relação à notação de palavras que apresentam sílabas iniciais com consoantes
diante de vogais fechadas e abertas.
Em MOLA destacamos apenas uma notação com a consoante convencional
MOA, outra em RA e 80% de notações vocálicas (40% OA, 20% AO, notação das
sílabas fora de ordem, OU e EA). Na palavra MOÇA observamos 30% das notações
da sílaba inicial com consoante, respectivamente (MO, MN, RA) e 70% vocálicas
(40% OA, uma invertida AO,UA e OC).
Na letra “R” não observamos nenhuma notação da consoante na sílaba inicial da
palavra RODO. Todas foram vocálicas (30% OU, 30% AO, além de OO, OA, UO,
AVO). Em ROSA apenas uma notação inicial com a consoante (RO) e 90% vocálica
(50% OA, 20% OU, além de OO e OZ). Para REDE verificamos 30% das notações
com a consoante convencional “R” (RI, REI e uma invertida ER) e uma não
convencional TI, possivelmente tentando notar o /e/ e 60% vocálicas (20% EI, além
de IE, EE, UI e AE). Para RETA 30% de notações convencionais para a sílaba inicial
(20% RA e 10% RE) e uma não convencional NA, seguida de 60% de notações
vocálicas (40% EA, além de AA e EI). As diferentes notações indicam a dificuldade
das crianças de perceberem os fonemas, não só da consoante inicial, mas também
os vocálicos, sobretudo com timbre fechado.
As letras mais usadas pelas crianças silábicas nos ditados foram “B”, “D”, “V”,
“T”, “Z” e “P”, respectivamente. Podemos relacionar tais notações com os resultados
obtidos nas atividades com as letras, onde pelo menos 50% das crianças obtiveram
êxito nas mesmas letras notadas. Segundo Treiman (1995, p. 110), “... o
aprendizado das correspondências letra-som nos dá um exemplo de como as
crianças usam seu conhecimento dos nomes das letras para conectar a escrita e a
fala.” Dessa forma podemos inferir que o fato de a criança conhecer as letras,
poderá ajudá-la a identificá-las na palavra, sobretudo em se tratando da sílaba
inicial, onde pode ser percebida com maior facilidade.
Entre as características dos nomes das letras, talvez a que mais fortemente determine seu efeito sobre a aprendizagem da língua seja a posição do fonema no nome da letra: o efeito pode ser significativo quando o fonema que a letra representa aparece no início de seu nome, como nome da letra P, pê, que representa o fonema /p/ (SOARES, 2016, p. 218-219).
135
Treiman, R., Trincoff, R. & Richmond-Welty, D. (1996) mostraram, em
estudos, que a probabilidade de as crianças americanas em idade pré-escolar
identificarem a primeira consoante de uma palavra é maior para palavras em que o
nome da consoante pode ser escutado no início da forma oral da palavra (Ex.: beach
‘praia’, em que o nome da letra “B” em inglês, /bi/, aparece no início da palavra) do
que para palavras em que o nome da consoante não é audível (Ex.: bone ‘osso’).
É provável que as crianças falantes do português também utilizem o seu
conhecimento do nome das letras em suas tentativas de conectar a escrita à fala.
Outro aspecto, que devemos salientar, pode estar relacionado às
características dos nomes das letras, em que está presente o fonema que
representam que, segundo Soares, 2016, pode auxiliar a criança, nesta fase de
escrita a identificar a relação letra-fonema na palavra:
Grande parte dos nomes das letras no alfabeto português são icônicos (ou acrofônicos, como preferem alguns): os nomes trazem em si o fonema que a letra representa, ora no início, ora no meio do nome da letra. A influência do nome das letras se revela particularmente na escrita inventada, (...). Os nomes de seis consoantes são uma sílaba CV que começa com o fonema que a letra representa:
Fonte: SOARES (2016, p. 220).
Certamente, algumas das crianças silábicas de nossa pesquisa devem ter
percebido, durante a pronúncia das palavras, as consoantes mais evidentes do que
as vogais que habitualmente costumam notar para representar as sílabas das
palavras. A seguir, observaremos suas notações, com as consoantes em ordem
decrescente de acertos, e erros mais comuns ao subgrupo.
Na letra “B” não observamos muitas trocas da consoante inicial por outras,
mas, no geral, obsevamos as notações das sílabas com as vogais, ora
convencionais, ora não convencionais. Para BELA tivemos 40% das notações com
136
consoante na sílaba inicial, sendo 30% convencional (BE, BN, BA) e 10% não
convencional (TA) onde verificamos a troca da oclusiva sonora /B/ pela oclusiva
surda “T” e 40% com vogais convencionais (EA) e (YO). Em BECO 70% dos
registros começaram com consoante convencional (50% BO, BE e BU) e uma
notação não convencional, onde ocorreu à troca da oclusiva sonora, bilabial “B” pela
oclusiva sonora linguodental “D” (DE), ambas semelhantes quanto a suas
características articulatórias, variando apenas quanto ao ponto de articulação,
seguida de duas vocálicas (EO, IR) da mesma sílaba inicial. Para BOTE, só 20% das
notações iniciais foram com consoante convencional (BO) e 80% vocálicas (50% OI,
20% OE e 10% ON). Em BOLO só 20% foram notadas BO e 80% vocálicas (40%
OU, 20% AO, além de OQ, OI).
Na letra “D”, para DEDO ocorreu 60% de uso da consoante convencional
(30% DO, 20% DU e DN) e 20% com a troca da oclusiva sonora “D” para a surda “P”
(PO), seguidas das trocas para “T” (TO) e “B” (BIO). Em DEGRAU houve 20% de
uso da consoante convencional (DE, DH) e 30% não convencional (NRA, BA, PEU),
onde percebemos a consoante nasal “N”, na provável substituição da vogal /ɛ/, o que
já passa a ser questionável nos casos do “B” e “P”, que têm características
articulatórias próximas à “D”. E as demais notações, somando 50%, foram vocálicas
(20 % EO, além de EKO, EA, AO).
Para as palavras notadas com “O” verificamos em DOCE uma única notação
com consoante convencional DE e uma não convencional BS, com diferença
articulatória das consoantes, apenas quanto ao ponto de articulação “D” linguodental
e “B” bilabial; as demais notações da sílaba inicial (80%) foram vocálicas (30% OI,
além de IE, OR, AV, EC, UI). Em DORA tivemos 30% de notações com consoante
convencional (DOA, DNT e DE) e 20% não convencional (PA e TA) e 50% vocálicas
(40% OA e UA).
Para palavras com “V” observamos em VEIA 80% de notação da consoante
inicial convencional (VA), uma não convencional, mas com substituição por letra com
fonema fechado “P” (PAI) e uma vocálica IA. Em VELA tivemos 40% de notação com
consoante convencional com escrita em VA e 60% vocálica (EA). Para VÔLEI
observamos apenas uma única notação com consoante inicial convencional (VL) e
90% vocálica (30% OI, 20% OE, 20% OA, além de EU, UR), onde verificamos
diferentes notações para a mesma palavra. Na palavra VOTO não tivemos nenhuma
137
notação com a consoante inicial “V”, mas com outra não convencional, com fonema
fechado em seu nome “T” (TO) e demais notações, somando 90% vocálicas (30%
OO, 30% OU, OH, OE, IU).
Nas palavras com “T” observamos em TELA apenas uma notação inicial
convencional (TE) e as demais, pareciam representar a substituição do fonema
vocálico /ɛ/, com as consoantes [esse] e [erre] (SE, ROA) e 70% de notações
vocálicas (60% EA e IE). Para TELHA, onde temos na sílaba inicial o nome da
consoante “T”, houve uma notação expressiva de 70% de consoantes convencionais
(TA), seguidas das não convencionais e uma vocálica (PE, KQ e ORB). Para TOCA
apenas duas consoantes na sílaba inicial (TOH e DI) onde na última ocorre a troca
das oclusivas surda “T” pela sonora “D” e 90% de notações vocálicas (40% OK, 20%
OA, além de IO, AC). E, por fim, na palavra TORRE, houve 40% de notações
consonantais, sendo 20% com “T” (TI e TOI), 20% com “D” (DE, DI), como visto na
palavra anterior, e demais notações, somando 60%, foram vocálicas (20% OI, além
de OER, OR, EU, AL).
Na letra “Z” observamos maior ocorrência da consoante na palavra onde a
sílaba inicial corresponde ao nome da letra. Para ZERO tivemos só uma notação
consonantal ZU e 90% vocálicas (20% EO, 20% OO, além de OU, OI, EU, OL, AO),
onde é evidente a variedade de registros, configurando diferentes pontos de vistas
das crianças sobre os fonemas da palavra. O contrário foi observado em ZEBRA,
onde 70% das notações foram feitas com a consoante inicial convencional (ZA) e
20% não convencionais (VA, nome da letra com fonema fechado) e KAA, além de
uma notação vocálica IA. Para ZOCA vimos só 20% de uso da consonante
convencional (ZO) e 80% vocálicas (50% OK e 30% OA). E, na última palavra da
sequência, ZORRO, encontramos apenas uma notação convencional ZO e outra
não convencional (RQ) e as demais, totalizando 80%, foram vocálicas (OV, OO, OU,
UO, OE, EU, OAI, OCA), onde se evidencia mais uma vez diferentes notações para
a mesma palavra, configurando os diferentes níveis de compreensão das crianças
para a mesma palavra.
Em síntese, considerando as crianças silábicas...
Assim sendo, podemos inferir que, embora não haja notação de consoantes
tão expressivas entre os silábicos, quanto no subgrupo dos alfabéticos, os
resultados revelam que as crianças silábicas começam a arriscar suas notações
138
consonantais, sobretudo pelas letras que, devido ao seu nome coincidir com uma
sílaba, facilitam a identificação de seus fonemas nas palavras pronunciadas ou
ditadas, sobretudo quando os fonemas estão na sílaba inicial da palavra.
Dessa forma, o que podemos dizer em relação às baixas notações das
consoantes entre os silábicos é que os pontos e modos de articulações parecem não
ter sido a principal causa da dificuldade das crianças, mas a relação de
conhecimento que as crianças têm entre o nome da letra e o fonema que ela nota.
Retomando as características articulatórias das consoantes menos notadas
pelas crianças – “S” consoante, fricativa, surda, alveolar, “L” lateral, sonora, alveolar,
“F” fricativa, surda, labiodental, “R” vibrante, sonora, alveolar, “M” e “N” nasais
sonora, labiodental e alveolar –, não observamos nenhuma oclusiva entre elas, o
que poderia nos levar a inferir, que são mais fáceis de serem apreendidas pelos
principiantes. Mas, preferimos defender a ideia de que são as oclusivas (“P”, “B”, “T”,
“D”) que, juntamente com as fricativas “V” e “Z”, trazem em seu nome o fonema de
uma sílaba, dando pistas fonéticas de sua inclusão nas palavras, que são por isso
percebidas e notadas com maior frequência em diferentes palavras. Contrariamente,
as demais que foram pouco notadas, apresentam em comum em seus nomes, a
formação da sílaba VCV (vogal + consoante + vogal) que, como visto em seção
anterior, apresenta seu fonema na posição medial, como podemos observar, no
quadro a seguir, apresentado por Soares.
Fonte: Soares (2016, p. 221)
Provavelmente, o fato de as letras agora destacadas não corresponderem
totalmente ao fonema apresentado no início das palavras ditadas, sobretudo diante
da letra “O”, levaria as crianças a cometerem mais erros em suas notações.
139
• Análise dos alunos alfabéticos
No subgrupo dos alfabéticos, as letras menos notadas foram “S”, “V”, “Z”, “N”
e “D”, três consoantes fricativas, uma nasal e uma oclusiva sonora. Vale salientar
que, das cinco letras destacadas, três delas, fizeram parte, das letras mais notadas
pelas crianças silábicas (“D”, “V” e “Z”), por serem mais facilmente identificadas por
elas nas palavras. A seguir, destacaremos os erros cometidos pelas crianças
alfabéticas em suas notações e compararemos em relação aos erros do subgrupo
de silábicos.
Nas palavras iniciadas por “S”, observamos em SOLA 20% das notações com
a substituição do “S” pelo “C” COLA, troca comumente observada entre as crianças
silábicas. Em SOPA uma única troca da consoante inicial por “V” VUPA; neste caso,
verificamos não só a troca da consoante convencional, mas da vogal fechada /o/,
pela vogal “U”. Para SERRA tivemos 40% das notações com consoantes não
convencionais (VRA, VERA, RERA, e CARRA) o que nos revela letras que parecem
se aproximar mais do fonema vocálico /ɛ/ que do consonantal “S”, com exceção para
a última notação em “C”.
Para SELO verificamos a maior ocorrência de erros. Em mais da metade das
crianças, 60%, observamos a troca da letra “S” por “C” (30% CLO, 30% CLU), assim
como os silábicos, e uma notação em ZLU, revelando uma provável tentativa de
notação do fonema /ce/, cabendo ressaltar que têm mesmo ponto de articulação de
“Z”, sendo um surdo e o outro sonoro.
No caso dos alunos alfabéticos, podemos considerar que a baixa notação da
letra “S”, assim como entre os silábicos, foi devido à troca da mesma, pela letra “C”,
configurando semelhança fonética, sobretudo na palavra SELO; mas atribuímos as
trocas, também, à semelhança dos pontos articulatórios com outras letras como “V”,
e “Z”, ambas fricativas sonoras como a letra “S”.
Para a consoante “N” observamos em NEGRO apenas uma notação não
convencional (TORA), provável troca do fonema silábico /ne/ por “T”. Em NEVE duas
notações com /M/ (MEVI, MEI), certamente, por se tratar de duas consoantes nasais
sonoras com sons e traçados semelhantes, diferindo só quanto ao ponto de
articulação, fáceis de serem confundidas por algumas crianças. Para NOVO
observamos duas trocas de “N” por “M” (MOVO e MOVU), repetindo o que
140
observamos na palavra anterior e para NOVE uma única notação não convencional
MO, com a mesma troca.
Na consoante “V” destacamos a substituição da fricativa sonora “V” pela
fricativa surda “F”, ambas labiodentais, fáceis de serem confundidas pelas crianças,
principalmente, quando estão pronunciando baixinho as palavras, como de costume,
antes de notá-las. Em VEIA tivemos as notações (FIA, FEA), para VOLEI, tivemos
FOU e FOLA. Para VOTO, FOTO e, para a palavra VELA, BELA, troca do “V” pela
oclusiva sonora “B”, que se revelou menos frequente entre as crianças.
Na consoante fricativa, sonora, alveolar “Z” observamos a troca pela fricativa,
sonora, labiodental “V”. Em ZORRO registramos VOU, VRU e EORO. Na palavra
ZOCA houve 20% de notações VOCA e 10% COCA, possível influência do nome da
letra /cê/ para “Z”. Já nas demais palavras ZEBRA e ZERO, verificamos todas as
notações das sílabas iniciais com a consoante convencional, o que atesta um claro
efeito do nome da letra corresponder à sequência sonora notada na primeira sílaba.
Quanto à letra “D” observamos em DEDO a troca das oclusivas “D” sonora,
por “P” surda. Não podemos afirmar se isto seria devido às suas características
articulatórias ou semelhanças gráficas, como observado por Soares:
Outra dificuldade que a criança enfrenta nesta etapa em que as letras são consideradas objetos decorre de que, enquanto os objetos propriamente ditos não se alteram segundo sua orientação e posição no espaço, o mesmo não ocorre com as letras; consideradas estas como objetos pela criança a simetria destes se estende a elas. A orientação e a posição não alteram a natureza dos objetos: um lápis, é sempre um lápis, esteja na posição vertical, horizontal, inclinada (...). Nas letras, ao contrário, não ocorre essa simetria, a orientação e a posição mudam sua natureza: n é diferente de u, b é diferentes de d, que é diferente de p, que é diferente de q (SOARES, 2016, p. 212).
Na palavra DEGRAU observamos 20% de trocas (TEGRAU e TALHA), das
oclusivas linguodentais “D” sonora, por “T” surda, bem semelhantes, quanto ao
ponto de articulação. Para as demais palavras, apenas 10% de trocas, para DOCE
(TOCI) e em DORA (TORA), novamente envolvendo o mesmo par mínimo. Segundo
Cagliari (1993) as crianças não têm como referência o conhecimento prévio da
escrita da palavra e tentam resolver sua dúvida pronunciando-a. Mas, o fato é que,
para resolver sua dúvida, geralmente, em ambiente escolar, para não atrapalhar os
colegas, as crianças costumam sussurrar as palavras ao escrever e, para Cagliari, é
nesse momento que se dão as trocas ou confusões.
141
O sussurro é um tipo de fonação diferente da produção de sons surdos ou sonoros. Por sua própria natureza, um som sussurrado é mais semelhante a um som surdo do que a um som sonoro, tanto é assim que muitos linguistas não usam tal distinção e chamam todas as realizações surdas ou sussurradas simplesmente de surdas (CAGLIARI, 1993, p. 63).
Dessa forma, o que inferimos é que a criança, ao sussurrar sons, no momento
de seu aprendizado, sentirá dificuldades em decidir que letra deverá usar para
escrever a palavra, cometendo com isso possíveis erros. Não estamos querendo
dizer que esse seja o único motivo para as trocas de letras entre as crianças, mas
que esse fator pode ser relevante e gerar confusão entre as principiantes.
No geral, não observamos muitos erros, mas eles revelaram semelhança aos
erros observados entre as crianças silábicas.
As demais consoantes (“P”, “B”, “T”, “F”, “M”, “L”, “R”) apresentaram melhores
níveis de notação entre os alfabéticos. Observamos poucos erros em relação aos
seus usos. Verificamos nas palavras com a oclusiva surda “P” a troca pela oclusiva
sonora “B”. O inverso ocorreu para PERA (BERA), POTE (BOTI). Na oclusiva,
sonora, bilabial /b/ tivemos, ainda, a troca pela oclusiva, sonora, linguodental “D” e
nasal “M” BELA (DELA e MELA). Para a oclusiva surda, linguodental “T”, obsevamos
a troca pela oclusiva sonora linguodental “D”. Para TOCA, DOCA, e para TELHA,
DLA.
Nas palavras com a letra “F” tivemos duas variações, da representação
vocálica /ɛ/ em “R” FERA (RAD) e da troca da fricativa surda, labiodental “F”, pela
fricativa sonora, labiodental “V”: FEIJÃO (VÃO), FOGO (VOU). Na consoante nasal,
bilabial “M”, encontramos a troca pela nasal, alveolar “N” MESA (NEZA, NESSA,
NILA), MOÇA (NALSA). Na palavra LETRA a provável troca do fonema da vogal
fechada /e/ da sílaba inicial, por “C”, certamente por influência do nome da letra /cê/
(CA). Em RODO com fonema inicial fechado, observamos as notações focadas na
vogal “O” (ONO, LODRI).
O que constatamos, em relação aos alfabéticos, é que seus erros pareciam
estar mais ligados às características articulatórias das letras do que da influência do
nome das letras, como entre os silábicos, mas isso não exclui os eventuais erros
relacionados a tal influência. Segundo Soares, 2016, p. 222 “A influência do nome
das letras (“F”, “M”, “N”. “L”, “R” e “S”) na escrita da criança é menos frequente e
discutível, já que a criança pode estar se guiando não pelo nome da letra, mas já
pela relação fonema-grafema”.
142
O que os nossos dados revelaram, nos leva a inferir que, pelo menos no
subgrupo de silábicos, as crianças não pareciam estabelecer essa compreensão
fonema-grafema tão claramente, mas à relação letra e nome da letra, pouco
importando suas características articulatórias. Já os alunos alfabéticos pareciam
compreender as relações fonema-grafema, notando-as sem cometer tantos erros.
4.5 Análise de condutas (outras) reveladas pelas crianças ao notarem as
palavras dos três ditados de dissílabos.
Nessa seção teremos por objetivo explorar outras condutas relevantes, que
observamos e não mencionamos em seções anteriores, apresentadas pelas
crianças durante a escrita do ditado de palavras isoladas um, dois e três, a fim de
identificar o que revelaram sobre o conhecimento das relações entre fonema e
grafema, tanto na escrita, como na leitura. Para tanto, não nos limitaremos aos
comportamentos observados apenas dos subgrupos de crianças silábicas e
alfabéticas analisadas em nosso trabalho, adicionamos mais dez crianças, por
sorteio, que concluíram as etapas das atividades dos ditados 1, 2 e 3, sendo cinco
silábicas e cinco alfabéticas, totalizando quinze crianças em cada subgrupo.
Vale salientar que as condutas destacadas foram observadas em outras
crianças que participaram da coleta, que não chegaram a concluir todas as etapas
da pesquisa ou que, por motivos de recorte, para controle do tempo de nosso
trabalho, não foi possível adicioná-las na análise. Ressaltamos, também, que não é
nossa pretensão trazer dados pontuais sobre os índices percentuais de ocorrência
de cada conduta, mas chamar a atenção para as diferentes formas de pensar e agir
durante o aprendizado do sistema de escrita e relações estabelecidas entre
grafemas e fonemas.
Para facilitar a compreensão dos dados observados, organizamos as
condutas em duas subseções, uma em relação à escrita, outra em relação à leitura.
As condutas foram brevemente listadas em tabelas, com os respectivos índices de
ocorrência e serão detalhadas durante a seção. Ademais, acrescentamos, no final
de cada subseção, algumas condutas, que chamamos de “adicionais”, porque foram
identificadas em apenas uma criança, não sendo por isso, menos importante que as
demais, para compreendermos o processo de desenvolvimento das crianças.
143
4.5.1 Condutas reveladas pelas crianças ao notarem as palavras dos três ditados de dissílabos.
A seguir, apresentaremos uma tabela onde buscamos elencar as condutas
que observamos com mais frequência entre as crianças. Tabela 14 - Condutas reveladas pelas crianças ao notarem as palavras durante os ditados um, dois e
três.
Condutas Silábicos Alfabéticos
1. Não balbucia, nem faz nenhum tipo de gesto
durante a escrita.
-
2
13%
2. Balbucia as sílabas das palavras com os lábios
sem emitir sons.
5
33%
7
46%
3. Balbucia as sílabas das palavras falando
baixinho ou alto.
10
66%
4
26%
4. Repete as palavras sem fragmentá-las em
sílabas antes de escrever.
-
2
13%
5. Bate palmas para cada sílaba da palavra ditada
ou conta nos dedos.
5
33%
-
6. Associa o alfabeto a imagens, usa os dedos ou
fala todo o alfabeto para lembrar do traçado de uma
letra.
5
33%
5
33%
7. Identifica as letras da palavra, oralmente, mas
não sabe seu traçado.
4
26%
2
13%
8. Apresenta erro de traçado das letras. 2
13%
3
20%
9. Questiona o uso de duas letras iguais na
palavra.
4
26%
-
10. Demonstra preocupação com a ortografia e boa
caligrafia.
-
4
26%
11. Artificializa o som das sílabas finais terminadas
em “E” e “O”, enquanto escreve as palavras.
4
26%
9
60%
12. Usa a letra “H” para substituir “G”, “K” ou “R”. 2
13%
5
33%
144
Os dados da tabela 14 nos mostram que, durante a apropriação do sistema
de escrita alfabética, as crianças dos dois subgrupos revelaram diferentes
comportamentos ou condutas no que diz respeito ao conhecimento das relações
entre fonema e grafema, que muitas vezes não levamos em consideração durante
nossas avaliações e análises de seus processos de evolução da aprendizagem.
Inicialmente, identificamos que as crianças apresentaram algumas posturas
em relação à escrita, umas gesticularam ou movimentaram os lábios durante a
escrita, sem emitir nenhum tipo de som, outras segmentaram as palavras em sílabas
ou letras, oralmente, algumas repetiram a palavra de uma vez, como se estivessem
se certificando ou confirmando a palavra a ser escrita, ou simplesmente escreveram,
sem nenhum tipo de manifestação. Mas, o que percebemos no geral, é que cada
conduta revelou um perfil ou pontos comuns entre as crianças de cada subgrupo,
em relação à notação e compreensão da escrita.
Quanto à primeira conduta “Não balbucia, nem faz nenhum tipo de gesto ou repetição da palavra, durante a escrita” foi observada em um pequeno
quantitativo de crianças, apenas duas no subgrupo dos alfabéticos. Tal
comportamento ocorreu com as crianças que obtiveram escrita convencional com
quase cem por cento de acerto para todas as palavras ditadas. Para tais crianças
podemos inferir que a confiança e autonomia durante a escrita pareceram dispensar
o uso de repetição de sílabas ou de palavras antes de escrevê-las. Como podemos
observar nos seguintes exemplos.
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015).
145
Fica evidente que, independentemente de pronunciar as palavras ou sílabas,
as crianças fizeram uso dos encontros consonantais, convencionalmente, do “R”
dobrado, bem como, dos dígrafos que apareceram entre as palavras.
Quanto à segunda conduta “Balbucia as sílabas das palavras com os lábios sem emitir sons”, a verificamos em 33% das crianças silábicas e 46% das
alfabéticas. Nessa conduta as crianças movimentaram apenas os lábios, sem
nenhuma emissão sonora audível; pareciam buscar confirmar por seus movimentos
labiais o grafema a ser escrito. Observamos, também, que as crianças dessa
categoria não demonstraram grandes dificuldades ao escrever, apresentaram certa
autonomia e segurança, embora cometessem erros, como podemos observar os
exemplos de uma criança silábica e outra alfabética para as palavras (PELE, TOCA,
BECO, DOCE, PERA, BOTE e DEGRAU).
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015).
A terceira conduta foi mais marcante entre as crianças silábicas com 66% e
26% das alfabéticas. “Balbuciaram as sílabas das palavras falando baixinho ou alto.” Nessa conduta, verificamos que as crianças sentiram a necessidade de ouvir e
repetir as palavras antes de serem escritas. As crianças silábicas segmentavam as
palavras em sílabas e as alfabéticas em sílabas e algumas em letras, principalmente
as palavras que pareciam ser mais difíceis de notar, no caso dos encontros
consonantais, dígrafos e iniciadas pela letra “V”. As palavras, em alguns casos, eram
repetidas várias vezes, pelas crianças e, em outros momentos, elas achavam
necessário que a palavra fosse repetida para elas. Ex.: Uma das crianças repetiu a
palavra VEIA várias vezes:
146
“/VE/ - /IA/... /VE/ - /I/ - /A/” e disse:
“Eu não estou entendendo esse nome não.” Dissemos:
“Repita devagar.”
E ela logo tornou a repeti-la e escreveu “VIHA”.
Outra criança soletrou várias vezes a palavra VEIA e perguntou antes de
escrevê-la:
“Essa palavra tem no BA-BE-BI-BO-BU-BÃO? Ou no TA – TE – TI – TO – TU-
TÃO?” Assim, tentava enquadrá-la em um padrão silábico conhecido ou trabalhado.
Na palavra SOLA outra criança perguntou:
“SOLA se escreve com C? É o C – H - O?”
“Pense.” E a criança logo falou:
“SA – SE – SI – SO. É com S”.
Inferimos que pareceu ser no momento da oralidade, durante a notação das
palavras, que para algumas crianças, surgiram os conflitos, dúvidas e reflexão sobre
a escrita. As crianças se depararam com o confronto entre fonemas e grafemas,
quando surgia a incerteza sobre que letra usar e como usar. Foi nesse momento que
pudemos observar como as crianças pensaram e tentaram administrar ou resolver
as suas dúvidas. Tal comportamento só evidencia o que foi observado em estudos
de Morais:
Uma primeira fonte de variação (das habilidades fonológicas) é o tipo de operação cognitiva que fazemos sobre as partes das palavras: pronunciá-las, separando-as em voz alta; juntar partes que escutamos separadas; contar as partes das palavras; comparar entre alguns pedaços sonoros; dizer palavras parecidas quanto a algum segmento sonoro etc. (MORAIS, 2012, p.84).
Concordamos com o autor, quando diz que “para avançar em relação a uma
hipótese alfabética de escrita, os aprendizes precisam desenvolver certas
habilidades metafonológicas.” (MORAIS, 2012, p.86) Assim como obsevado por
Morais, pensamos que algumas habilidades fonológicas contribuem,
significativamente, para o aprendizado da leitura e da escrita no período inicial de
sua apropriação, favorecendo a reflexão e compreensão do funcionamento do SEA,
embora não sejam garantia de tornar a criança alfabética.
Verificamos, ainda, uma quarta conduta, onde duas crianças repetiram,
durante o ditado, a palavra inteira, em bloco único, ou seja, “Repetiram as palavras sem fragmentá-las em sílabas antes de escrever.” O que observamos em comum
147
entre elas foi o raciocínio muito rápido: repetiram a palavra algumas vezes como se
estivessem visualizando a sua forma e logo escreveram. Embora tenham
apresentado alguns erros de notação, demonstraram segurança ao escrever e não
realizaram nenhum tipo de questionamento durante a escrita, como sugerem os
exemplos a seguir. (PELE, TOCA, BECO, DOCE, PERA, DEGRAU / VELA, SOPA,
ZOCA, FOCA, VÔLEI, SERRA).
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015).
A quinta conduta “Bate palmas para cada sílaba da palavra ditada ou conta nos dedos” refere-se ao comportamento observado, predominantemente
entre os silábicos, em 33% das crianças. Os alunos em hipótese silábica repetiram
as sílabas várias vezes, batendo palmas, mas não conseguiam registrar ao mesmo
tempo em seus dedos a quantidade de “partes” da palavra, se atrapalhando com a
contagem, partindo para a contagem em seus dedos. Para eles parecia ser
indispensável, identificar as sílabas com as palmas. Ex.: Uma criança bateu palmas
duas vezes falando /pɛ/ – /li/ e disse “Tem dois” e para cada sílaba que ia falando
escreveu uma letra “/e/- /i/” e notou o quantitativo de letras registrado em sua
contagem. O mesmo procedimento foi observado nas demais crianças. Contavam
em seus dedos e notavam, exatamente, o quantitativo de letras correspondente ao
número de dedos destacados. Observamos, nesse comportamento, a configuração
de uma habilidade fonológica, assim como mencionado na terceira conduta, onde as
crianças buscavam segmentar as palavras, na tentativa de identificar suas partes.
Esse grupo pareceu evidenciar que só conseguiam perceber as sílabas, sem a
capacidade de fragmentá-las em unidades menores, os fonemas, usando seus
dedos como referência para registrar cada fluxo ou sílaba da palavra. Na palavra
148
monossílaba um dedo ou uma letra, na dissílaba, dois dedos ou duas letras,
trissílaba três e assim por diante.
A sexta conduta chamou a atenção, pois verificamos que cerca de 33% das
crianças, de cada subgrupo, buscaram estratégias para lembrar-se do traçado de
algumas letras do alfabeto, “Associaram o alfabeto a imagens, usaram os dedos, como se estivessem contando ou falaram, repetidas vezes, todo o alfabeto para lembrar-se do traçado de uma determinada letra do alfabeto.” Nesse grupo
destacamos alguns comentários e questionamentos:
“BECO é com o B de BEIJO?”
“TELHA é com a letra do TATU?”
Para DOCE uma criança silábica falou:
“/dɔ/ é o “O” de OVO - /ci/ é o “I” de ÍNDIO” notando OI.
Observamos tal conduta, repetidas vezes entre as crianças. Elas se remetiam
às imagens trabalhadas em aula e, quando se tratava de letras como “K”, “W” e “Y”,
se reportavam a um nome de alguma criança da turma como Kelly, Wilson ou
Yasmim para resgatar o traçado da letra. Em outros casos, as crianças não
questionaram o traçado, mas contaram nos dedos ou repetiram “A – B – C – D – E
...” até chegar à letra que precisavam escrever e paravam para notá-la e repetiram
tal comportamento em vários momentos do ditado e às vezes para a mesma letra.
Uma das crianças falou:
“TOCA é o T” e falou todo o alfabeto até o “T”. Repetiu: “TO, TO, TO”, e “O”,
CA, CA...” e começou a falar o alfabeto, “contando” em seus dedos. “A – B – C – D –
E ... H” Ao chegar no “H” parou e inseriu a letra “H” às demais letras lendo para
TOH, TOCA.
A sétima conduta foi recorrente nas diferentes escolas analisadas. Foi
frequente observar algumas crianças soletrando as palavras, corretamente, mas
errando suas notações, pois “Identificaram as letras da palavra, oralmente, mas não sabiam o seu traçado.” Verificamos que tal ocorrência foi mais frequente entre
os silábicos em 26% das crianças e 13% das alfabéticas. Nesse grupo de crianças,
observamos três comportamentos pontuais. Entre os silábicos, quando perguntaram
qual era o traçado de determinada consoante e não receberam resposta, focaram
nas vogais e entre os alfabéticos algumas crianças arriscaram colocar uma letra
149
possível, ou simplesmente se negaram a escrever uma letra de que não tinham
certeza. Uma das crianças silábicas, por exemplo, falou:
“Toca é – T – O – C – A, mas como é o T mesmo, tia?”
E, como não obteve respostas, preferiu apostar nas vogais da palavra das
quais tinha conhecimento, notando OA. Analisando o conhecimento oral de tal
criança, diríamos ser alfabética, mas o mesmo não pudemos dizer para sua escrita,
com predomínio nas vogais que representavam as sílabas.
Outra criança disse:
“SOPA começa com S, como é o S? e escreveu (i PA para SOPA)”.
Em DOCE disse “D...D...D, eu nunca escrevi uma palavra com /DO/”.
“Então escreva como sabe.” A criança escreveu DUSE.
Nessa conduta dois aspectos nos chamaram a atenção. O primeiro, é que,
embora muitas vezes as crianças falassem letra por letra da palavra, na hora de
escrever apresentaram um nível de escrita inferior a sua capacidade de
compreensão da mesma, por não saber o traçado da letra, “maquiando” possíveis
diagnósticos feitos com base, apenas em um registro escrito, como é comum ser
feito. E o segundo aspecto, é que a criança realmente precisa ter o conhecimento
das letras no que diz respeito à nomeação, identificação e registro, além do
conhecimento das relações entre grafemas e fonemas, para avançar em suas
hipóteses de escrita.
Verificamos, na oitava conduta, que 16% das crianças apresentavam algum tipo de erro no traçado das letras. É comum observarmos, nas escolas, certa
preocupação das professoras em exigir uma boa caligrafia, mas nem sempre essa
preocupação aparece em relação aos erros do traçado da letra. Um tipo de erro que
nem sempre tem a devida atenção dada em aula, pois demanda um
acompanhamento mais sistemático e individualizado, que muitas vezes se perde no
meio da rotina do trabalho diário, podendo vir a comprometer o desenvolvimento do
aprendizado da escrita da criança.
Chamamos a atenção para a diferença entre uma boa caligrafia e a escrita
ou traçado da letra incorreta. Vimos crianças com letras bonitas, mas com erro de
traçado de algumas letras. Com isso, muitas vezes a escrita é analisada como
errada e, na verdade, a criança adotou um traçado incorreto para determinada letra,
pois alguns traçados se assemelham aos de outras letras, podendo ser confundidas
150
na hora de serem analisadas. Só foi possível identificar alguns erros, através dos
questionamentos realizados durante o ditado e leitura das palavras. Uma das
crianças, por exemplo, apresentou a escrita das letras “F” e “V” idênticas. Como
observamos nas palavras FOCA e VÔLEI, no exemplo 1, onde perguntamos à
criança, durante a leitura:
“Que letra é essa?” e ela responde “F”.
Logo em seguida, com muita dificuldade, leu VÔLEI e tornamos a perguntar:
“Que letra é essa?” A criança repetiu a palavra, pensou e disse: “É a letra V”.
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015).
Repetimos o questionamento, ao longo do ditado, e as respostas variaram
entre “V” e “F”. Na segunda sequência ocorreu a mesma coisa (VEIA, SOLA,
ZORRO, FEIJÃO E VELA): observamos um único traçado, para duas letras
diferentes.
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015).
Tal conduta, em uma sala de aula, onde o universo de informações e níveis
de aprendizagens é muito diversificado para serem administrados, pode vir a ser
ignorada pela professora, deixando de se corrigir em tempo, “maquiando” também
possíveis diagnósticos. O erro de traçado pode gerar vários problemas durante o
aprendizado; no caso mostrado, pode até induzir a um reforço ao erro cometido, se
a professora considerar a letra como “V” e na concepção da criança ela escreveu um
“F” ou vice-versa, além do risco do traçado ser confundido com a letra “B” cursiva,
EXEMPLO 2
EXEMPLO 1
151
minúscula, como o ocorrido na atividade com as letras, onde consideramos os
traçados das letras “V” e “F” como erradas, porque avaliamos como letra “B”,
minúscula.
Destacamos a seguir outros erros de traçado.
VOTO
(“v”
invertido)
DEGRAU
(“d” espelhado e
“h” incorreto)
REDE
(“d”
espelhado)
NOVE
(letras “o”
semelhante ao “Q” e
“v” parecido com “y”)
PERA
(“p”
espelhado)
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015). As letras dessa sequência podem ser facilmente confundidas com outras, se
apresentadas em um contexto diferente de um ditado.
Na nona conduta, verificamos que quatro crianças silábicas “Questionaram o uso de duas letras iguais na palavra”, representando um total de 26% das
crianças desse subgrupo. As letras iguais às quais se referiram foram as vogais que
se repetem nas palavras como: BOLO, LOBO, FOGO, ZORRO, VOTO etc. Como a
maioria dos silábicos, as crianças que realizaram suas notações com predomínio
das vogais, se sentiram incomodadas com a repetição das letras e fizeram
questionamentos quanto à repetição das mesmas. Registramos casos de alunos
que, após escrevê-las, apagaram e substituíram por outra vogal e outro aprendiz
que, simplesmente, se negou a notá-las, na mesma palavra. Uma das crianças após
notar OO para BOLO, falou:
“Duas iguais não podem.”
Então apagou o primeiro “O” e substituiu por “A”, resolvendo assim, o
“problema” notando AO.
Outra, após repetir várias vezes a palavra, perguntou “Pode duas iguais?”
Respondemos: “Pense.”
152
Depois de alguns segundos se convenceu de notá-las e, ao longo do ditado,
observou que a situação se repetia nas demais palavras com as mesmas vogais e
falou:
“Tem muitas palavras iguais nesse ditado.”
Nesse grupo de crianças, o que pode acontecer se não ficarmos atentos, é
inferirmos, durante a avaliação de sua escrita, que não há convencionalidade, mas,
na verdade, como discutem estudiosos:
Assim, vemos que, para muitas crianças silábicas estritas, torna-se conflituoso ter que escrever: • Palavras cujas sílabas podem ser notadas por uma mesma letra (Ex.: Como explicar ao notar arara a criança se depara com AAA?) • Palavras diferentes, usando as mesmas letras (como aceitar que, ao tentar escrever vovó e Totó, se tenha, ao final, a mesma sequência OO?) (MORAIS, 2012, p. 61).
O que podemos dizer é que assim como originalmente observado por
FERREIRO E TEBEROSKY (1979), FERREIRO (1985; 1990) e MORAIS, (2012),
algumas das crianças analisadas mostraram grande preocupação ao escrever letras
repetidas, a ponto de resolver seu conflito fazendo suas próprias “correções”.
A décima conduta diz respeito às crianças que “Demonstraram preocupação com a ortografia e boa caligrafia”. Essa conduta foi observada,
predominantemente, entre as crianças alfabéticas, cerca de 26% delas. Quanto mais
avançadas em suas hipóteses de escrita, mais preocupações demonstravam com a
escrita da palavra. As atenções estavam sempre voltadas para o traçado perfeito da
letra ou questões ortográficas. Algumas crianças apagavam várias vezes o que
escreviam buscando a “perfeição” do traçado. Como no exemplo a seguir.
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015).
153
Outras questionaram sobre a ortografia, o uso do “S” ou “C”, o emprego da
letra maiúscula ou minúscula, sobre o traçado correto das letras cursivas ou de
imprensa, refletindo aspectos mais elaborados da escrita. Observamos, durante os
ditados, que algumas crianças conseguiram não só ter o domínio das letras do
alfabeto, mas de seus diferentes fonemas, demonstrando, durante a escrita, a
percepção da variação dos diferentes fonemas de um mesmo grafema, bem como
dos sons abertos e fechados das vogais. As crianças com esse perfil empregaram
corretamente os dígrafos e encontros consonantais (das segundas sílabas de
algumas palavras), cometendo poucos equívocos em relação à escrita das palavras
ditadas. Destacamos alguns questionamentos e comentários das crianças.
Ø “PELE é com E ou I no final?”
Ø “DEGRAU é com G ou J?”
Ø “LEQUE é com U no meio?”
Ø “REDE é um lugar?”
Indagamos: “Por quê?” Ao que a criança respondeu:
“Porque estou com dúvida, se é nome de lugar ou não. É o lugar onde a
pessoa dorme. E se é nome de lugar, então é com letra maiúscula.”
Ø “As letras /e/ e /ɛ/ se escrevem do mesmo jeito?”
Ø Em DORA uma criança disse: “Eu não lembro o “D” maiúsculo cursivo e não
posso misturar as letras.”
Ø “É /bɛ/co/ ou /be/co?”
Ø “Em TORRE escrevo /tɔ/ ou /to/?
Foi interessante ouvir tais questionamentos e perceber como o nível de
desenvolvimento da percepção da escrita vai se aprimorando, gradativamente, entre
as crianças.
A décima primeira conduta apareceu entre as crianças que “Artificializaram o som das sílabas finais terminadas em “E” e “O”, com som final átono em /i/ ou /u/ enquanto escreveram as palavras”. Nessa conduta tivemos um número
significativo de crianças que artificializaram o som final das palavras, durante a
repetição das sílabas, para notá-las com “E” e “O” no final, 26% das silábicas e 60%
das alfabéticas. Os comentários foram os mais diversos durante as notações. No
grupo dos silábicos surgiram as seguintes colocações:
“/bo/+/lɔ/, são dois.” e escreveu “OO”
154
“Tia é /doci/, mas a gente tem que escrever /do/ + /cɛ/, com /ɛ/”, disse uma
criança, artificializando a pronúncia das sílabas enquanto escrevia, e falou sílaba
por sílaba, produzindo, ao final, a escrita “OE”.
No subgrupo dos alfabéticos não foi diferente:
“Tia, é /becu/, mas eu vou escrever /becɔ/.”
Outras soletravam “/de/ + /dɔ/”, alongando a pronúncia da sílaba final, como
se fosse tônica, antes de escrever DEDO.
Outra perguntou: “É /negru/ ou /negrɔ/?”
Em alguns casos, observamos tal conduta, até com as palavras terminadas
em “A”. Durante a escrita, a criança pronunciou “/lo/ + /já/” alongando a sílaba final.
Em NEVE, uma delas pronunciou “/nɛ/vɛ/” e não “/nɛ/vi/”. Nesse grupo de crianças, a
escrita convencional do /e/ e /o/ reduzidos, predominou.
A última conduta diz respeito ao equívoco do emprego da letra /h/ para
substituir os grafemas “G” e “R” e o fonema “K”. Não foram poucos os casos
observados, embora nem todos notificados em função do recorte de nossa pesquisa.
Tivemos 13% de crianças silábicas e 33% de crianças alfabéticas que fizeram o uso
não convencional da letra “H”. Vale salientar que cada criança apresentou uma
peculiaridade, no que diz respeito ao equívoco do uso da letra “H”, que não é nosso
objetivo explorar em detalhes nessa pesquisa. Observamos que algumas crianças
usaram a letra “H” para substituir o “R”, mas só em encontros consonantais, e não
em outras situações isoladas. Vimos também que uma das crianças usou apenas,
em um determinado encontro consonantal. Verificamos que outras, usaram o “H” e
“R” juntos. A princípio, poderíamos inferir que estavam substituindo a letra “G” por
“H”, adicionando em seguida a letra “R”, mas os demais casos apresentados nos
levam a outras inferências.
A troca da letra “G” por “H” já foi observada por alguns estudiosos, em outras
circunstâncias, no começo da palavra ou da sílaba, antes da vogal “A” “o nome da
letra “H”, agá, que leva crianças a usá-la com frequência pra grafar a sílaba ga, por
exemplo HTO por gato, HLIA por galinha.”(SOARES, 2016, p. 219). Tal interpretação
pode ser considerada no uso do “H” em substituição do fonema “K”, semelhantes
foneticamente (agá/cá) em algumas notações das crianças. Mas tal conduta foi
observada em outras ocasiões, em substituição de outras letras, como se as
crianças estivessem associando a letra “H” ao fonema a ser representado por “R”.
155
Além dos casos citados, a letra “H” foi identificada em outra situação interessante,
junto às vogais /ÃO/ da palavra FEIJÃO, como podemos observar em alguns
exemplos que destacamos para ilustrar, a seguir.
FOGO FOCA FEIJÃO DORA
ZERO PERA ZEBRA LETRA
METRO NEGRO DEGRAU TOCA
Fonte: Autoria própria, coleta de dados, (2015/2016).
Como podemos observar, muito teríamos a explorar e descobrir sobre as
concepções que estão por trás de cada notação da letra “H”, mas fica o registro do
quanto temos a aprender e descobrir sobre o modo de pensar e de ver a escrita
daquela letra, pelas crianças.
A seguir, listaremos duas condutas adicionas em relação à escrita que não
foram recorrentes entre as crianças pesquisadas, mas que configuram, a nosso ver,
a possibilidade de ampliarmos nosso discurso em relação ao aprendizado do
sistema de escrita alfabética.
156
4.5.1.1 Condutas adicionais em relação à escrita
Destacaremos, a seguir, condutas em relação à escrita, de duas das crianças
que foram pesquisadas, que chamaram a nossa atenção por sua peculiaridade.
Uma das crianças apresentou um comportamento inusitado. Identificava as
vogais das palavras com facilidade, mas não mencionava nenhuma consoante
convencional, embora repetisse várias vezes as sílabas das mesmas. Durante a
notação acrescentava a escrita das vogais às consoantes (B, P, D ou G), raramente
fez uso de outras, como se apenas estas letras pudessem formar sílabas. Ex.: para
CAJU ele escreveu DABU, embora tenha falado “CA, CA... é o D-A; JU, JU ... é o
BU”. Para PELE falou: “/pɛ/ - /pɛ/” é o BE + /lɛ/ - /lɛ/, é o DE” e escreveu BEDE; para
DORA – BOGA; POÇO – PODO; POTE – BODI; TELA – DEDA; TORRE – PODI; BOTE – BODI; FERA – DEGA; ZORRO – BOGO; SERRA – DEGA; ZEBRA –
ZOBA; FOGO – POGO, METRO – BEDO; NEGRO - PEDO.
Se analisarmos, todas as vogais notadas foram usadas com valores sonoros
convencionais, demonstrando, portanto, que ele já tinha consciência de seus sons
nas sílabas das palavras. Tal conduta nos leva a inferir duas hipóteses: a primeira
de que ele já percebeu que as sílabas, geralmente, são formadas a partir de
combinações com consoantes e a segunda, que ele faz uso do repertório de
consoantes que conhece. A única exceção foi ZEBRA, que notou com a letra “Z”, de
que também demonstrou conhecimento. Tal conduta se repetiu em quase todas as
56 palavras ditadas.
A segunda criança destacada, antes de escrever “juntava”, oralmente, cada
vogal da palavra ditada à letra “D”, independente da palavra, como se fosse uma
composição silábica. Ex.: Em “BOTE disse “É ... BO, BO... D com O, TE - TE ... é D
com E.”, mas em sua notação só fez o registro das letras “OE”. Para MOLA disse:
“MO – MO – D com O; LA – LA, D com A” e notou apenas “OA”. Em todas as
palavras fez a mesma coisa, como se a vogal para ser validada, precisasse de uma
“consoante de apoio” e essa consoante foi a letra “D” para todas as palavras, e o
mais interessante é que, nas tarefas que mediam conhecimento das letras, ela nem
nomeou, nem identificou, nem produziu a letra “D”.
157
4.5.2. Análise de condutas reveladas pelas crianças ao lerem as palavras dos três ditados de dissílabos.
As crianças, ao realizarem seus ditados, eram convidadas a lerem o que
escreveram sem ter acesso às imagens que eram mostradas durante a escrita. De
um modo geral, observamos que todas as crianças apresentaram mais facilidade
para escrever do que para ler o que escreveram. Algumas, embora com escrita
convencional e alfabética, não conseguiram ler suas notações, nem arriscaram,
demonstrando insegurança; outras identificaram o fonema das sílabas,
separadamente, mas não identificaram a palavra.
A seguir, apresentaremos uma tabela com algumas condutas observadas,
assim como seus índices de ocorrência, explorando-as mais detalhadamente
durante os comentários seguintes e, assim como na subseção anterior,
destacaremos algumas condutas adicionais em relação à leitura, as quais
ocorreram, isoladamente.
Tabela 15 - Condutas reveladas pelas crianças ao lerem as palavras durante os ditados um, dois e
três.
Condutas Silábico Alfabético
1. Não consegue ler o que escreve. 13
86%
3
20%
2. Faz leitura tentando se remeter as imagens ou lê
com muita dificuldade.
2
13%
6
40%
3. Lê com fluência ou sem soletrar. - 6
40%
4. Lê consoante sem vogal equivalendo a uma sílaba. - 3
20%
5. Corrige erro cometido na escrita da palavra durante a
leitura.
- 4
26%
6. Artificializa leitura das sílabas das palavras. - 3
20%
Na primeira conduta “não consegue ler o que escreve” encontram-se as crianças
que não conseguiram ler o que escreveram e nem quiseram arriscar, dizendo “Eu
158
não sei ler” ou “Eu ainda não aprendi ler”. Nesse grupo tivemos 86% de crianças
silábicas e 20% de crianças alfabéticas com escrita convencional.
Quanto ao subgrupo de silábicos, verificamos que quatro deles tinham
domínio de pelo menos 15 letras do alfabeto, fizeram notações de algumas
consoantes, mas só leram as vogais. Uma das crianças falou:
“Eu não sei ler ainda, só tenho 5 anos.”
Algumas das crianças pareciam não ter segurança em arriscar a leitura das
consoantes notadas e falaram durante a leitura: “Eu não sei essa.” Ou “Eu esqueci.”,
focando apenas na leitura das vogais.
Quanto ao subgrupo dos alfabéticos, embora com escrita convencional e um
deles com quase 100% de acerto em todas as suas notações, disse sem sequer
arriscar: “Eu não sei ler.” Uma das crianças, depois de muita insistência, falou letra
por letra, sem identificar a palavra a ser lida. As demais crianças conseguiram
“juntar” as letras formando sílabas com dificuldade, mas não identificavam a palavra
que se formava a partir delas. Ex.: Para a palavra DORA uma criança leu: “D com O
- /dɔ/, R com A - /ra/”, equivalendo a dois “R” e repetiu várias vezes, sem identificá-
la. Em alguns casos fizeram a omissão das vogais e não identificaram as sílabas,
como mostra o exemplo seguinte: Uma criança escreveu BSO para BECO e
perguntou: “BS forma o quê?”, desistindo em seguida da leitura.
A segunda conduta “Faz leitura tentando se remeter às imagens ou lê com muita dificuldade.”, diz respeito às crianças que demonstraram buscar superar
suas dificuldades e se lançaram a fazer tentativas de leitura. Observamos que as
crianças silábicas, totalizando 13%, pareciam compreender que as letras,
geralmente, se combinam para formar sílabas, mas não sabiam exatamente como
fazer isso, e na hora de ler perceberam que o que escreveram não podia ser lido.
Como não conseguiram ler, tentaram “simular” a leitura, apoiadas nas lembranças
das imagens vistas durante o ditado, certamente compreendendo que o que
escreveram, não poderia “traduzir” a palavra ditada.
Quanto às crianças alfabéticas, diferentemente das silábicas, conseguiram
“juntar” as letras formando padrões silábicos, mas identificaram as palavras com
dificuldades. Uma delas disse, durante a leitura da palavra TOCA: “T com O /tɔ/, C
com A /ca/”, repetidas vezes e não conseguia visualizar a palavra, como se, ao
pronunciar a segunda sílaba, a primeira já houvesse se apagado de sua memória. E
159
quando repetiu isoladamente, “/tɔ/, /tɔ/, /tɔ/ ...” arriscou, “TOCA”. Soares, 2016, traz
algumas colocações em relação a tal relação, discutindo que, segundo Treiman
(1998: 296):
Uma segunda possível causa de a escrita ser, inicialmente, mais fácil que a leitura é que, na etapa inicial de compreensão do princípio alfabético, a escrita exige da criança menos da memória de curto prazo; ainda segundo Treiman (1998: 299), “as crianças podem escrever fonemas à medida que os identificam pela análise de palavra, não precisando guardá-los na memória até que cheguem ao fim da palavra para então juntá-los em uma pronúncia unificada.” Assim, se na escrita cada segmento fonológico da palavra e seu correspondente grafema podem permanecer na memória da criança apenas o tempo suficiente para seu registro, na leitura é necessário guardar por mais tempo na memória cada grafema e o fonema correspondente, de modo a conectar progressivamente cada segmento com o anterior, até reunir todos os segmentos em uma palavra – assim se explica a leitura silabada (SOARES, 2016, p. 231)
Dessa forma, podemos inferir que a leitura e escrita não são aprendizados
simultâneos e que precisam ser sistematizados e desenvolvidos por meio de
processo formal de alfabetização.
Outras crianças já apresentaram conduta diferente para formar as sílabas,
identificando a palavra mais facilmente como o exemplo a seguir. Para a palavra
VOTO a criança falou: V - O /vɔ/, T - O /tɔ/, repetiu mais outras vezes a construção e
disse: /vɔtɔ/. Observamos que o fato de certas crianças apresentarem a construção
mais direta da sílaba, sem o acréscimo da palavra (com), como visto no exemplo
anterior, parecia favorecer a identificação das palavras, apesar das dificuldades
apresentadas. Observamos, ainda, certas crianças que não faziam a junção das
letras, mas já partiram direto para as sílabas. Ex.: Uma criança olhou a palavra
BELA e leu: “/bɛ/, /la/”; depois de identificar repetiu de uma só vez “/bɛla/” e repetiu
tal conduta em todas as demais palavras, demorando mais nas com dígrafos e
encontros consonantais, ou nas que apresentavam “falhas” de escrita. Ex.: Para
ZEBRA escreveu ZBA e diante da palavra parou, analisou sua escrita, parecendo
tentar compreender o “Z” sem vogal e leu: /z/, /ba/, corrigindo em seguida para
“ZEBRA”. Ainda entre os alfabéticos, observamos a “simulação” da leitura, com
base na memória visual das imagens vistas, sem arriscar a leitura das letras que
escreveu, diziam aleatoriamente “BECO, TOCA, DORA”. Observamos ainda,
durante a leitura, que em algumas palavras confundiram ou trocaram a relação
grafema/fonema. Como mostram os exemplos a seguir:
• Uma criança escreveu FELA e leu VELA.
160
• Uma das crianças trocou o fonema do “T” por “D”. Ex.: para TOCA leu
DOCA e para DORA escreveu TORRA, mas leu DORA.
• Uma das crianças apresentou a escrita das letras “F” e “V” idênticas e
na hora de ler conforme a combinação de letras arriscava a leitura da
palavra. Como ilustramos abaixo:
Na primeira tentativa de leitura leu “/vo/, /ca/” e em seguida corrigiu
para “/fɔ/, /ca/”, finalizando a repetição em “/foca/”. O mesmo
aconteceu na segunda palavra. Inicialmente leu “/foli/”, corrigiu para
“/fole/”, parou, pensou e releu “/volɛi/”.
Tivemos um caso interessante entre os alfabéticos. Inicialmente, uma das
crianças não quis ler o que escreveu. Disse que não sabia ler. Insistimos para que
falasse letra por letra, depois pedimos para juntá-las, propondo as palavras mais
“fáceis” como TELA, BELA, BOLO, até que, aos poucos, conseguiu ler todas as
combinações CVCV (consoante + vogal + consoante + vogal) e ficou muito surpresa
por conseguir e falou um tanto admirada: “Eu aprendi ler.”, como se aquele momento
isolado, tivesse sido fator determinante para realizar “sua primeira leitura”.
Foi muito relevante e, até surpreendente, observar a dificuldade, bem como
as condutas ou comportamentos revelados pelas crianças alfabéticas, durante a
leitura, pois, diante da convencionalidade da escrita, é difícil de acreditar que tais
crianças não consigam relacionar o que notaram com a leitura, embora saibamos
que é um aprendizado que envolve habilidades diferentes.
Quanto à relação entre o aprendizado da leitura e da escrita, observamos
opiniões divergentes entre estudiosos. Segundo Soares (2016), a leitura e a escrita:
(...) não são exatamente a mesma coisa, mas apenas quase a mesma coisa, porque o comportamento exigido pela leitura difere do comportamento exigido pela escrita: O ato de ler envolve uma resposta, a de pronunciar uma palavra. Ao contrário, o ato de escrever envolve múltiplas respostas, escrever várias letras na sequência correta. Escrever adequadamente exige da memória mais informações que ler palavras. (EHRI, 1997: 264, Apud SOARES, 2016, p. 226).
161
Tal colocação nos leva a inferir que escrever seria mais complexo ou difícil do
que ler, o que não podemos desconsiderar, mas na prática não foi o que
observamos entre a maioria dos alunos pesquisados, o que vimos foi a escrita
antecedendo a leitura.
Soares traz para essa discussão Frith (1985), em seu modelo de seis estágios
na aquisição de habilidades de leitura e escrita, que propõe:
Que os processos iniciais de leitura e de escrita não se desenvolvem de forma paralela: a fase alfabética é atingida antes na escrita, só depois na leitura; por outro lado, a fase ortográfica é atingida na leitura antes de se consolidar na escrita. Segundo Frith, a explicação para a ocorrência da fase alfabética na escrita, antes na leitura, é que o alfabeto foi inventado para resolver a necessidade de escrita, não de leitura, sendo por isso, um sistema mais adequado para registrar fonemas em grafemas que para traduzir grafemas em fonemas (SOARES, 2016, p. 227).
Essa maior facilidade da escrita em relação à leitura parece ser o que
observamos durante o processo de compreensão do princípio alfabético, no qual se
encontravam as crianças pesquisadas.
A terceira conduta, registrada na tabela 15, diz respeito às crianças que
“Leram com fluência ou sem soletrar.” Essa conduta foi observada em 20% das
crianças alfabéticas, que apresentaram convencionalidade em suas notações e,
após alguns segundos de observação, de cada palavra, leram-na em bloco único,
sem indicação de sílabas ou letras, demonstrando autonomia e segurança durante a
leitura. Verificamos que, além da convencionalidade na escrita e na leitura, as
crianças apresentaram raciocínio mais rápido tanto em suas notações como na
leitura. Quanto à quarta conduta “Lê consoante sem vogal equivalendo a uma
sílaba.”, foi observada em 20% das crianças alfabéticas. Algumas das crianças,
embora tenham notado algumas palavras, usando apenas a consoante para compor
a sílaba, durante a leitura, sentiram dificuldades, mas, após analisar alguns
segundos as palavras, fizeram a leitura da letra, como se representasse uma sílaba
completa. Na palavra PERA, por exemplo, uma criança notou PRA e durante a
leitura falou: “P com R...,” pensou e disse: “R com A - /ra/ e leu lentamente /pera/,
equivalendo ao /r/ duplo e em seguida corrigiu para /peɾa/. Outra tinha deixado um
discreto espaço depois da consoante, como se estivesse guardando o lugar de
alguma letra e para a palavra BECO escreveu B CO, lendo “/be/, /cɔ/”, artificializando
162
o som da última sílaba. O mesmo ocorreu para as palavras DEDO, ZEBRA, TELHA
e VEIA.
Percebemos que duas crianças não apresentaram a mesma postura de leitura
diante da consoante sem vogal, perceberam que faltava algo e logo comentaram
para palavra DOCE onde estava escrito DCI “D com C, eu não sei, não aprendi com
Helena”, se referindo à professora, e demonstrando a compreensão de que as
sílabas se formam juntando letras, embora haja sílaba com uma única letra.
Observamos que 26% das crianças alfabéticas “Corrigiram os erros da palavra notada, durante a leitura.” Ex.: uma criança escreveu NEGRO e durante a
leitura, apagou, corrigindo para NEGRU. Outra escreveu para LEQUE, LECI e, ao
realizar a leitura como /lesi/, percebeu que essa palavra não havia sido ditada,
apagou e escreveu, depois de pensar, LEQE, corrigindo sua leitura para /lɛki/.
Artificializa leitura das sílabas das palavras foi a sexta e última conduta
observada em 20% das crianças alfabéticas. Nessa conduta, verificamos que as
crianças demonstraram uma grande preocupação em ler exatamente como tinham
escrito, artificializando a leitura das vogais das sílabas finais das palavras, “E” e “O”,
que deveriam ter seus fonemas reduzidos durante a leitura para /i/ e /u/. As leituras
eram realizadas, atribuindo uma tonicidade às sílabas finais das palavras ou
alongamento de sua pronúncia. Exemplo de leituras: Para METRO leu /mɛtrɔ/; para
LOBO leu /lobɔ/; para NOVE - /nɔvɛ/ e assim por diante, como se estivessem a
justificar o uso de uma vogal que não correspondia ao som reduzido, de outra.
4.5.2.1 Condutas adicionais em relação à leitura
Durante a leitura dos ditados, observamos algumas condutas que achamos
significativas, embora não tenham sido recorrentes. Mas, isso não significa dizer que
não tenham ocorrido com outras crianças ou que não possam contribuir para futuras
análises e o desenvolvimento do trabalho em aula.
Verificamos, durante o ditado, que uma das crianças silábicas escreveu uma
letra para cada sílaba, leu “conferindo” a palavra representada nas duas letras e
depois acrescentou mais duas ou três letras, tendo em vista que a maioria das
palavras eram dissílabas e para ela, provavelmente “não se poderia formar uma
palavra com duas letras”. Esta conduta foi identificada por Ferreiro (1985) como
163
resultante do conflito entre o controle silábico e a quantidade mínima de letras que
uma escrita deve possuir para ser “interpretável”, como já mencionamos e podemos
observar nos exemplos abaixo:
Para a palavra PELE, o menino escreveu uma letra equivalendo a uma sílaba
(PE), e leu para cada letra /pe/ - /lɛ/, repetiu a palavra inteira /pɛlɛ/ e acrescentou
mais duas letras, ficando (PELA). Para BECO, escreveu (BO), leu o “B” como /be/ e
o “O” como /cɔ/, repetiu /becɔ/ e acrescentou (LA) ficando (BOLA). O mesmo se
repetiu para POTE, onde registrou (OE + LI), fez a leitura das duas vogais
equivalendo a uma sílaba O(PO) – E(TE) e acrescentou mais duas letras para que
pudesse “se tornar de fato” uma palavra (OELI). Para SELO escreveu CLOP e,
assim por diante. Identificamos tal procedimento em pelo menos 80% das 56
palavras ditadas para ele. O mais interessante é que ele, na maioria das vezes, não
cometeu os “erros” ortográficos.
Se alguém analisasse a sua escrita sem acompanhar o processo de
raciocínio ou construção da criança poderia classificá-la erradamente, achando que
era silábica quantitativa, devido à “falta” de correspondência sonora, no total das
letras, mas, quando observamos a construção da palavra feita por ele e a leitura,
durante a escrita, verificamos que ele refletia sobre o som das palavras, indicava as
letras de suas sílabas, mesmo que em algumas notações, agisse na ordem inversa
e acrescentando letras para completá-las.
164
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do nosso estudo, em seu aspecto exploratório, foi possível, dentre
outras questões, confirmar o fenômeno de que crianças brasileiras, no início do
desenvolvimento da escrita, grafam mais as vogais do que as consoantes e que
tendem a usar, em uma determinada fase da escrita, certas consoantes substituindo
uma sílaba, quando seus nomes (das consoantes) correspondem a uma sílaba
inteira. Observamos, também, condutas que revelaram diferentes olhares sobre a
relação grafema/fonema, ainda pouco explorados, entre as crianças e aprendizes do
SEA, refletindo, provavelmente, em alguns casos, práticas pedagógicas.
Nosso objetivo, nessa pesquisa, foi buscar explicações (psico)linguísticas
para as notações das vogais e consoantes em diferentes níveis de escrita. Para
isso, levantamos a hipótese de que a presença da vogal nas produções das crianças
não estaria vinculada apenas à facilidade de memorização de seus cinco grafemas,
mas à possibilidade de compreensão ou à possibilidade de consciência das
mesmas, de seus diferentes fonemas. Dessa forma, deduzimos que para as
crianças seria mais fácil identificar o fonema de uma vogal na palavra falada, do que
uma consoante, sendo possível para elas estabelecerem a relação com o fonema,
no caso das vogais representadas pelo nome da letra, com o grafema, notando-as
mais facilmente que as consoantes.
Para tal estudo, levantamos alguns questionamentos como: Por que as
crianças em hipótese “silábica qualitativa” tendem a fazer mais uso das vogais do
que das consoantes na escrita de palavras? Na fase alfabética as crianças tendem
a usar apenas a consoante, substituindo uma sílaba, quando seu nome corresponde
a uma sílaba inteira?
Nesta seção, considerando os objetivos traçados, abordaremos os principais
resultados em relação à notação de vogais e consoantes, pelas crianças e o que
revelaram em suas condutas. Logo após, refletiremos sobre as possíveis
implicações dessa investigação para a prática pedagógica, assim como os limites
da pesquisa e deixaremos algumas sugestões para futuros estudos.
Quanto aos resultados apresentados pelas crianças nas Tarefas sobre o
Conhecimento das Letras, observamos que as médias de acertos reveladas tanto ao
nomear, como ao identificar ou ao produzir (escrever) as letras do alfabeto foram
165
muito semelhantes, nos dois subgrupos de crianças pesquisadas. Tais resultados
não coincidiram com os encontrados por Leite e Morais (2015), que constataram que
identificar letras era significativamente mais fácil que nomeá-las e produzi-las era
significativamente mais complexo que nomeá-las ou identificá-las. Provavelmente, a
diferença entre os resultados deve estar relacionada ao universo de crianças por
eles pesquisado e analisado, ser bem maior do que a composição de nossa mostra
e ao fato de abranger os diferentes níveis conceituais de escrita: pré-silábicos,
silábicos (quantitativo e qualitativo), silábico-alfabéticos e alfabéticos, ampliando a
margem de variáveis de perfil e níveis de desenvolvimento da escrita.
Os resultados também indicaram que, nas três provas, um desempenho
superior dos alunos em nível alfabético, quando comparados aos seus pares de
nível silábico, corroborando as evidências de estudos prévios, desenvolvidos por
Aragão e Morais (2012) e Leite e Morais (2015).
Observamos que tanto entre as crianças silábicas, como entre as alfabéticas,
os conhecimentos das vogais, nas três tarefas, apresentaram os maiores índices de
acerto. No subgrupo dos silábicos, podemos dizer que o uso das vogais foi
significativamente maior do que das consoantes. Vimos que as letras com menores
índices de acertos, nos dois subgrupos, foram “J”, “Q” “K”, “W”, “Y”, sendo que no
grupo dos alfabéticos as três últimas, foram trocadas entre si, por parte das crianças.
Quanto à tarefa de nomeação, os alunos silábicos, que tinham alcançado a
média global de 65,7% na tarefa mencionada, tiveram 100% de acerto apenas nas
vogais “A” e “O” e 90% nas letras “E”, “I”, “U” e “X”, seguidas da letra “B” com 80% e
“C”, “F”, “R”, “V” com 70%. Com 60% de acertos tivemos as letras “L”, “M”, “N”, “Q”,
“S”, “T” e com 50% ou menos as letras “G”, “H”, “J”, “K”, “P”, “W”, “Z”, “D” e “Y”.
Letras que apareceram com maior ocorrência em seus ditados 1, 2 e 3. Nesse
subgrupo, foi frequente as crianças falarem que não sabiam qual era o nome da
letra. Provavelmente, seja esse um fato relevante, para considerarmos a notação
das vogais ser mais frequente do que das consoantes, nas escritas das crianças
silábicas.
No subgrupo dos alfabéticos não foi tão frequente dizer que não sabia o nome
da letra, mas observamos 20% de trocas nas seguintes letras: “D” por “B” (duas
consoantes oclusivas); “J” por “G” (duas fricativas palatais) e “C” por “K” (ambas
oclusivas velares). Certamente, o modo e zona de articulações semelhantes tenham
166
sido a principal causa das trocas, além da leve semelhança gráfica entre “B” e “D”
maiúsculas de imprensa.
Em relação ao desempenho das crianças na tarefa de identificação, todos
os silábicos, além das vogais “A” e “O”, identificaram as letras “I” e “X” e nove deles
identificaram a letra “U”. Consideramos, também nessa atividade, um maior
conhecimento de letras focado nas vogais. Em contrapartida, as letras com os
menores índices de acertos foram “G”, “H”, “K”, “V” e “Z”. Nessa tarefa, observamos,
entre os silábicos, algumas trocas de letras, como “B” por “D”; “D” por “B” e “T”, mas
não temos dados para concluir que tais trocas possam ter ocorrido em função das
características articulatórias das letras, ou seja, de acordo com o modo e zona de
articulação. Identificamos que uma das crianças não sabia identificar as letras, mas
as relacionava a uma figura em cujo nome a letra inicial correspondia ao grafema.
Já no grupo dos alfabéticos, verificamos 100% de acertos em 16 letras, ou
seja, mais de 60% do alfabeto e 90% de acerto nas letras “D”, “G”, “L”, “Q”, “T”, “J”,
“Z”, correspondendo a cerca de 26,9% do alfabeto. As letras com menor índice de
acerto foram “W”, “Y” e “K” que eram confundidas entre si.
Quanto ao desempenho das crianças na tarefa de produção de letras,
as crianças silábicas obtiveram 100% de acertos nas letras “A”, “I”, “O”, “X” e, assim
como na tarefa de identificação, 90% acertaram a letra U e 70% as letras “E”, “F”,
“N” e “R”. Observamos com isso que o conhecimento das vogais predominou nas
três atividades no subgrupo dos silábicos. As letras que obtiveram 50% ou menos de
acerto foram “G”, “H”, “J”, “K”, “L”, “M”, “Q”, “T”, “Z”, “P” e “W”, respectivamente.
O subgrupo dos alfabéticos apresentou um bom domínio das letras do
alfabeto com 100% de acerto nas letras “A”, “C”, “E”, “G”, “I”, “L”, “O”, “R”, “S”, “U”,
“X”, “Z” e 90% nas letras “B”, “F”, “H”, “K”, “M”, “N”, “P”, “T” e “V”. As letras com
menor índice de acerto, com 70% ou 60% foram “J”, “Q”, “W” e “Y”. Os erros
apresentados, nessa seção, demonstram trocas relacionadas às características
articulatórias das letras ou semelhança fonêmica, em algumas sílabas, como troca
do: “J” por “G”; “D” por “B” e “T”; “P” por “B”; “T” por “D” e troca entre as letras como
o “W” e “Y”.
No que diz respeito, aos resultados revelados pelas crianças sobre a notação das vogais abertas /ɛ/, /ɔ/ e fechadas /e/, /o/, os dados de nossa pesquisa nos
permitiram concluir que os maiores índices de acertos foram evidenciados entre os
167
fonemas com timbre aberto, nos dois pares de vogais analisadas. Observamos que
para todos os quatro fonemas vocálicos as crianças de nível alfabético se saíram
melhor.
Os maiores índices de acertos nos dois subgrupos, tanto entre as vogais
abertas quanto das fechadas, relacionaram-se à vogal /ɔ/, com timbre aberto.
Observamos, também, que as notações das vogais /ɛ/ e /e/, apresentaram grande
variação de notação entre os dois subgrupos, provavelmente pelo fato da mudança
de timbre e pela vogal fechada /e/, aparecer embutida no nome de algumas
consoantes.
Em contrapartida, analisando os erros das crianças, em algumas palavras,
observamos uma curiosidade, em suas notações. Na palavra LEQUE, por exemplo,
a notação de uma criança foi SI, substituindo a sílaba inicial por “S” [esse], o que nos
levou a inferir a possibilidade de substituição do fonema /ɛ/, talvez percebido pela
criança, por uma letra com um nome que se aproxime da mesma [esse]. Em
SERRA, a criança notou LA, com a sílaba inicial, representada por “L” [ele] e para
DEGRAU, NRA, substituição da sílaba inicial por “N”, consoante nasal, sonora [ene].
Isso foi constatado em várias crianças, o que nos levou a pensar que elas faziam
uso de consoantes que apresentaram algo em comum, seu nome composto por
vogal/consoante/vogal, se assemelhando a pronúncia aberta do /ɛ/, considerando o
mesmo no nome da letra e não seu fonema.
Quanto às médias percentuais de crianças que empregaram a vogal fechada /e/ na primeira sílaba das palavras ditadas, os resultados apontaram dados
relevantes sobre o emprego da vogal “E”, onde os índices globais foram os menores,
dos dois subgrupos. A presença da letra “E” entre os silábicos ocorreu em, sua
maioria, nas palavras: NEGRO, REDE e LETRA, onde, provavelmente, o fonema da
vogal ficou mais evidente, para as crianças do que a consoante, da sílaba.
Observamos, também nas palavras onde não foram notadas a vogal “E”, a
substituição dessas por uma consoante em que o nome da letra é representado por
uma sílaba fechada, [dê], [tê], [pê] e [bê], todas lembrando o fonema fechado da
vogal /e/, como podemos ver a seguir: para NEGRO - DU, TO; REDE – TI; LETRA –
PA, BA, TA. Inferimos que as crianças, no início do desenvolvimento da escrita, não
teriam compreendido que uma letra possa representar mais de um fonema, no caso
168
(/ɛ/ e /e/), tentando possibilidades ou alternativas que possam se aproximar ao
máximo do fonema percebido.
No entanto, verificamos, entre os silábicos, ausência total da vogal da sílaba
inicial, em pelo menos, quatro palavras (DEDO, PERA, VEIA e ZEBRA) e apenas
uma notação, em outras quatro (TELHA, FEIJÃO, MESA e SELO) sendo a última,
correspondendo ao fonema inicial /s/, representada na primeira sílaba da palavra
ditada pelo som /cê/, sendo substituída pelas crianças pela letra “C”, que já possui
em seu nome o fonema da vogal /e/, não sendo por isso notada. Isso nos levou a
interpretar que a ausência de notação da vogal se deu em função de as consoantes
das palavras em destaque, terem em seu nome o fonema de uma sílaba.
No subgrupo dos alfabéticos, verificamos os menores índices de acerto nas
palavras BECO, PERA, DEDO, ZEBRA e SELO, algumas delas identificadas entre
as menos pontuadas do subgrupo dos silábicos, inferimos que pela mesma razão
que do subgrupo dos silábicos.
Quanto ao emprego da vogal aberta /ɔ/ na primeira sílaba das palavras ditadas, os dados nos revelaram a maior média percentual de emprego entre os
quatro blocos de palavras analisadas /ɛ/, /ɔ/, /e/, /o/, nos dois subgrupos. Entre os
silábicos, verificamos que 58% das palavras ditadas, apresentaram 100% de
notação da vogal /ɔ/.
No subgrupo dos alfabéticos, 75% das palavras apresentaram 100% de
acerto e as demais, 90%, garantindo um percentual global de 97,5%, o que nos
levou a concluir que empregar a vogal /ɔ/ não pareceu uma tarefa difícil para as
crianças.
Quanto ao emprego da vogal fechada /o/ na primeira sílaba das palavras ditadas, apresentou índices inferiores ao fonema aberto /ɔ/. Inferimos que a
ausência de notação da vogal “O”, nesse grupo de palavras, pode estar relacionada
à mudança fonêmica ou do timbre vocálico, de aberto /ɔ/ para fechado /o/. O que
nos fez pensar que a mudança do timbre vocálico estaria influenciando o erro de
notação, no início da alfabetização, provavelmente por não compreenderem que a
mesma letra pode representar mais de um fonema.
Em resumo, as médias percentuais de acertos das crianças nas notações das
vogais abertas /ɛ/, /ɔ/ e das vogais fechadas /e/, /o/ nas sílabas iniciais de palavras,
revelaram que para os dois subgrupos de crianças a mudança de timbre vocálico
169
configurou um fator de dificuldade para as suas notações. Ressaltamos, ainda, que
para o subgrupo de silábicos, notar vogais fechadas com a mesma letra das abertas,
pareceu ser um problema que necessitou ser resolvido buscando alternativas de
notações. Inferimos que não foram exatamente as características articulatórias das
consoantes que interferiram na notação das vogais, mas o fato de seus nomes,
serem equivalentes a uma sílaba, induzindo as crianças a notá-las, ignorando,
principalmente, a vogal fechada /e/.
Quanto à leitura das palavras ditadas, que solicitamos às crianças ao final da
escrita de cada atividade, em sua maioria, os alunos silábicos disseram que não
sabiam ler. Os silábicos que conheciam todas as letras do alfabeto, liam letra por
letra de seus escritos ou tentavam juntar sílabas, quando apresentavam a
configuração de consoante/vogal. E os que não conheciam todas as letras do
alfabeto, focavam basicamente nas vogais, mas nem sempre identificavam as
consoantes que tinham notado. Quanto aos alfabéticos, embora com escrita
convencional, nem todos conseguiram ler as palavras notadas. Verificamos que
utilizaram várias estratégias para realizarem suas leituras, desde a leitura de letra a
letra, sílaba por sílaba à leitura global da palavra, o que evidenciou um domínio
maior no aprendizado da escrita do que na leitura. As crianças, de um modo geral,
apresentaram mais facilidade para escrever do que ler mesmo os alfabéticos,
revelando ser à escrita mais fácil do que a leitura, pelo menos entre os pesquisados.
No que diz respeito às médias percentuais de acertos das crianças na
notação das vogais orais abertas /a/, /ɛ/, /i/, /ɔ/, /u/, os resultados mostram um bom
conhecimento, mesmo entre os silábicos, com exceção da notação da vogal /a/,
onde registramos o menor percentual de acerto (no subgrupo dos silábicos), por ser
substituída pela letra “K”, que possui, no nome da letra, o fonema da sílaba inicial da
palavra. Vimos, assim, que os dois subgrupos apresentaram níveis de acertos bem
próximos, não demonstrando dificuldades de notá-las.
Verificamos nos resultados revelados pelas crianças na notação de 12 consoantes nas sílabas iniciais de palavras, no subgrupo dos silábicos, que as
letras que apresentaram os menores índices de acertos foram “S”, “L”, “N”, “F”, “M”,
“R” tendo seu nome representado por VCV (vogal/consoante/vogal), o que nos
levou a crer que as crianças silábicas pareciam se influenciar mais pelo que o nome
170
da letra pudesse representar diante da palavra a ser notada do que seus fonemas
isolados. As letras mais usadas convencionalmente pelas crianças silábicas nos
ditados foram “B”, “D”, “V”, “T”, “Z” e “P”, respectivamente. Podemos relacionar tais
notações com os resultados obtidos nas atividades com as letras, onde pelo menos
50% das crianças obtiveram êxito nas mesmas letras notadas. Dessa evidência,
inferimos que o fato de as crianças conhecerem as letras, poderia ajudá-las a vir
identificá-las na palavra, sobretudo em se tratando da sílaba inicial, onde pode ser
percebida com maior facilidade. Dessa forma, o que podemos dizer em relação às
baixas notações das consoantes entre os silábicos é que os pontos e modos de
articulações parecem não ter sido a principal causa da dificuldade das crianças, mas
a relação de conhecimento que as crianças têm entre o nome da letra e o fonema
que ela nota. Defendemos a ideia de que são as oclusivas (“P”, “B”, “T”, “D”) que,
juntamente com as fricativas “V” e “Z”, trazem em seu nome o fonema de uma
sílaba, dando pistas fonéticas de sua inclusão nas palavras, que são por isso
percebidas e notadas com frequência em diferentes palavras e posições das sílabas.
No subgrupo dos alfabéticos as letras menos notadas foram “S”, “V”, “Z”, “N” e
“D”, três consoantes fricativas, uma nasal e uma oclusiva sonora. As demais
consoantes (“P”, “B”, “T”, “F”, “M”, “L”, “R”) apresentaram melhores níveis de notação
entre os alfabéticos. Observamos poucos erros em relação aos seus usos.
Verificamos, nas palavras com a oclusiva surda “P” a troca pela oclusiva sonora “B”.
Desse modo, o que constatamos, em relação aos alfabéticos, é que seus erros
pareciam estar mais ligados às características articulatórias das letras do que da
influência do nome das letras, como entre os silábicos, mas isso não exclui
eventuais erros relacionados a tal influência.
Sobre as condutas reveladas pelas crianças ao notarem as palavras dos três ditados, vimos que, durante a apropriação do sistema de escrita alfabética, as
crianças dos dois subgrupos revelaram diferentes comportamentos ou condutas, no
que diz respeito ao conhecimento das relações entre fonema e grafema, que
devemos considerar durante nossas avaliações e análises de seus processos de
evolução da aprendizagem, pois elas nos revelam evidências de como as crianças
pensam o SEA.
171
Vale salientar que não podemos deixar de mencionar a importância do
desenvolvimento de atividades que explorem o uso das diferentes habilidades
fonológicas para ajudar a criança a compreender a relação som-grafia, dificuldade
observada entre os aprendizes no início de desenvolvimento da escrita.
Observamos que embora muitas vezes as crianças falassem letra por letra da
palavra, na hora de escrever apresentaram um nível de escrita inferior a sua
capacidade de compreensão da mesma, por não saber o traçado da letra,
“maquiando” possíveis diagnósticos feitos com base, apenas em um registro escrito,
como é comum ser feito.
Quanto à caligrafia, vimos crianças com letras bonitas, mas com erro de
traçado de algumas letras, podendo induzir uma análise equivocada de sua escrita
ou problemas relacionados à aquisição do SEA. Chamamos a atenção para um
trabalho mais sistemático, não no sentido de se obter caligrafias perfeitas, mas de se
ter o traçado correto das letras, incluindo a orientação dos caracteres, como devem
ser traçadas (de baixo para cima, de cima para baixo ou da esquerda para direita,
etc.).
Outro aspecto observado foi um número significativo de crianças que
artificializaram o som final das palavras, durante a repetição das sílabas, para notá-
las com “E” e “O” no final, 26% das silábicas e 60% das alfabéticas. Os comentários
foram os mais diversos, durante as notações, onde percebemos um provável reflexo
da prática equivocada, em aula, onde se pensa que artificializando os sons da
palavra, poderíamos “ajudar” as crianças a notá-las corretamente. Outra
interpretação possível, é que desde cedo as crianças se dão conta de que a
duplicidade (ou mulitplicidade) de valores sonoros de certas letras poderia ser
“controlada” através da artificialização da pronúncia das palavras onde aparecem.
Desse modo, percebemos que nossa pesquisa evidenciou dados que poderão
contribuir na discussão de diferentes aspectos da alfabetização, ampliando a
reflexão sobre detalhes ligados à apropriação do sistema de escrita alfabética.
Gostaríamos de ter adentrado em uma análise mais ampla, acerca das
implicações inerentes às notações das vogais e consoantes entre as crianças pré-
silabicas, silábicas predominantemente quantitativas e silábico-alfabéticos, trazendo
comparações também com esses diferentes níveis de escrita. Mas, o acréscimo de
tais subgrupos de crianças, inviabilizaria o controle do tempo da pesquisa, além de,
172
provavelmente, ampliar nossas reflexões e estudos, extrapolando nosso limite de
discussão4. Certamente, a análise dos diferentes níveis de escrita revelaria condutas
que seriam de grande relevância para os estudos na área.
Quanto ao quantitativo de palavras por ditado com as diferentes consoantes,
não acreditamos que o fato de termos 16 palavras por etapa, tenha constituído uma
influência nos resultados das crianças, silábicas qualitativas e alfabéticas, pois os
dois subgrupos, apresentaram raciocínio mais rápido que as demais e, embora
hesitassem diante da escrita de algumas palavras, resolviam seus conflitos, de
modo a seguir com a atividade. Algumas delas até se propunham a fazer mais outra
lista de palavras, no mesmo dia, por não se sentir esgotadas. Para padronizar o
trabalho, seguimos fazendo uma etapa por dia. O mesmo não aconteceu com as
crianças em níveis pré-silábicos e silábico-quantitativos, que apresentaram mais
dificuldades, demoravam mais, pensando as possibilidades de escrita, e,
consequentemente, demonstravam sinais de cansaço. Se fôssemos analisar todos
os níveis de escrita, seria aconselhável repensar o quantitativo de palavras por
ditado.
O que podemos inferir, ao final de nossos registros, é que muito temos a
explorar e aprender sobre as condutas reveladas pelas crianças durante o
desenvolvimento da escrita e leitura. A análise de tais condutas poderia contribuir
para o desenvolvimento de novas práticas realizadas em aula, bem como, auxiliar a
desenvolver um olhar diferenciado para as avaliações feitas com base,
exclusivamente, em registros escritos para identificação de níveis de escrita. Vimos
que, por trás de cada notação, há modos de pensar e de resolver conflitos, muitas
vezes inusitados, até que se conclua o aprendizado do sistema de escrita alfabética.
Os resultados evidenciam, dessa forma, a necessidade de observar o processo e
não apenas o produto no diagnóstico dos níveis de escrita, pois tal produto pode
4 Embora, pertinentes à nossa pesquisa, as grandes etapas de atividades e a sua realização, de forma individual, constituíram um fator de dificuldade. Por se tratarem de atividades longas, não podendo ser realizadas em uma única sessão, isso acabou por dificultar nosso acesso a um número maior de crianças por cada visita à escola, pois o quantitativo de crianças por dia era reduzido, devido ao tempo gasto em cada etapa de atividade e aos intervalos para lanche, recreio, atividades extraclasse etc. O quantitativo de crianças entrevistadas por dia variou de 4 a 8. Conforme o nível de escrita era mais avançado, maior a mostra de crianças e quanto mais inicial era o nível de escrita, maior a dificuldade e consequentemente, menor era a nossa mostra diária. Além do pequeno quantitativo de crianças por visita, nos deparamos com o grande número de crianças que não concluíram todas as etapas da pesquisa, em função de faltas. Dessa forma, o período de coleta, se estendeu além de nossas expectativas, até termos um quantitativo de dados suficientes.
173
revelar resultados não condizentes com o desenvolvimento do aprendiz. Quanto aos
aspectos pedagógicos, implica rever nossos conceitos acerca das avaliações
diagnósticas, bem como o tratamento dado para a elaboração de práticas que
visem a ajudar a avançar os níveis de desenvolvimento de escrita das crianças. Se
não temos a visão do processo, corremos um grande risco de cometer equívocos na
tentativa de superar as lacunas encontradas no trabalho desenvolvido. Por outro
lado, o estudo aponta a necessidade de aprofundarmos mais as pesquisas voltadas
para as condutas observadas, a fim de mensurar e validá-las, para, dessa forma,
encontrarmos caminhos para superar os obstáculos que envolvem o ensino e
aprendizado do SEA.
Com base nos resultados apresentados chamamos atenção para o estudo
mais sistemático do alfabeto, a que não temos dado a devida atenção e importância
para a aquisição do SEA, levando-se em consideração as diferentes etapas do
aprendizado das letras (como memorizar, nomear, identificar e registrar).
Salientamos, ainda, que é necessário repensar o ensino das letras de maneira mais
ampla, não focando apenas em seus 26 grafemas, mas nos diferentes fonemas.
Ferreira (2003) destacou, em sua pesquisa, que estudiosos como Morais
(1996) defendem que o alfabeto tem um enorme poder de representar a língua,
independente da complexidade de suas estruturas fonológicas.
Para compreender a aprendizagem do sistema alfabético, é preciso saber exatamente o que é o alfabeto, como ele se tornou capaz de representar a linguagem no nível dos fonemas, de que capacidades nós precisamos para aprender essa relação, e como a representação alfabética pode ser modulada por convenções ortográficas (MORAIS, 1995, p.50).
Desse modo, é preciso ampliar nossa concepção de alfabeto. Deixamos como
sugestão para estudos futuros um olhar mais aprofundado, não só sobre a influência
das características articulatórias das letras, mas uma análise ainda mais
aprofundada sobre como o nome da letra, pode estar influenciando a compreensão
do sistema de escrita alfabética, como sugeriram nossos dados em que aparece a
notação de consoantes que têm em seu nome a formação VCV (R, N, S) em
substituição à vogal das sílabas em que aparecem nas palavras.
Através dos resultados revelados, pudemos perceber que, apesar de terem se
passado mais de três décadas de estudo da teoria da psicogênese em nosso país,
ainda muito temos a aprender e pôr em prática em nossas salas de aula. Vimos
174
muitas crianças “presas” em padrões silábicos do “BA-BE-BI-BO-BU-BÃO” e leituras
truncadas do tipo “T com O TO, C com A CA” não conseguindo relacionar tais
junções com a palavra a ser lida. Tivemos a oportunidade, também, de compartilhar
os resultados de nossos estudos, com as professoras e vê-las, de certa forma,
surpreendidas com as análises feitas em relação ao nível de escrita das crianças,
por desconhecerem os subníveis do desenvolvimento da escrita, evidenciando, com
isso, a falta de conhecimento mais aprofundado dos diferentes níveis de escrita
proposto pela teoria. Outra dificuldade levantada entre as professoras, foi como
avançar com os diferentes níveis de escrita em sala. Conforme atesta Soares,
É que, se pesquisas contribuíram para o desenvolvimento e aprendizagem da língua escrita, poucas pesquisas se voltaram para a compreensão do como a criança pode ser orientada e incentivada em seu progresso de um nível a outro (SOARES, 2016, p. 239).
Percebemos com isso que, depois de três décadas, continuamos a nos deparar
com dúvidas e conflitos de como conduzir a prática pedagógica a caminho do
aprendizado do SEA. Segundo Soares (2016, p. 239) “têm sido em geral ausentes
ou intuitivas e descontínuas mediações que promovessem e facilitassem o avanço
da criança de um nível a outro”.
(...) pode-se concluir que, no ensino e na aprendizagem em contexto escolar, os diferentes olhares teóricos se unem e se conciliam para a compreensão de um processo que é complexo, multifacetado, vivenciado por uma criança que ao mesmo tempo evolui em sua conceitualização da escrita (SOARES, 2016, p. 238).
Dessa forma, podemos redirecionar nossos olhares para a busca de como superar
as lacunas e conflitos encontrados nas práticas pedagógicas, a fim de alinhá-las
com o que de fato condiz com a necessidade das crianças. Entendemos que, assim,
estaríamos caminhando para um discurso alinhado com a prática, evitando com isso
uma teoria sem vínculo com a realidade de sala de aula.
175
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179
APÊNDICES
APÊNDICE A – Avaliação Diagnóstica.................................................................... 180
APÊNDICE B – Atividade com as letras do alfabeto. .............................................. 181
APÊNDICE C – Ditado de palavras com diferentes consoantes e vogais do
português. ............................................................................................................... 182
APÊNDICE D - Mostra de atividade de identificação do Nível de Escrita, criança
silábica. ................................................................................................................... 183
APÊNDICE E - Mostra de atividade Ditado 1, com criança silábica. ....................... 184
APÊNDICE F - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 2, com criança
silábica. ................................................................................................................... 185
APÊNDICE G - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 3, com criança
silábica. ................................................................................................................... 186
APÊNDICE H - Mostra de atividade de identificação do Nível de Escrita, criança
silábica. ................................................................................................................... 187
APÊNDICE I - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 1, com criança
alfabética. ................................................................................................................ 188
APÊNDICE J - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 2, com criança
alfabética. ................................................................................................................ 189
APÊNDICE K - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 3, com criança
alfabética. ................................................................................................................ 190
180
APÊNDICE A – Avaliação Diagnóstica.
AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
1) ESCREVA O NOME DAS FIGURAS:
_______________ __________________ _____________
____________________ _______________ __________________
_______________________ _______________________
Atividade adaptada pela autora (2015)
181
APÊNDICE B – Atividade com as letras do alfabeto.
Cartela de letras para as atividades de identificação e nomeação das
letras.
B F H K Ç J M
A Z V E D W C
O N P S L Y G
I Q Z R U T
Folha de registro das atividades de identificação, nomeação e produção
de letras (O que o aluno respondia em cada uma das três atividades).
Registro do pesquisador
A------------------------------------ N------------------------------------ B----------------------------------- O------------------------------------ C------------------------------------ P------------------------------------ D------------------------------------ Q------------------------------------ E------------------------------------ R------------------------------------ F------------------------------------ S------------------------------------ G------------------------------------ T------------------------------------ H------------------------------------ U------------------------------------ I------------------------------------ V------------------------------------ J------------------------------------ W------------------------------------ K------------------------------------ X------------------------------------ L------------------------------------ Y------------------------------------ M------------------------------------ Z------------------------------------
Fonte: Leite (2008)
182
APÊNDICE C – Ditado de palavras com diferentes consoantes e vogais do português.
DITADO 1 DITADO 2 DITADO 3
1- Pele 2- Toca 3- Beco 4- Doce 5- Pera 6- Bote 7- Degrau 8- Torre 9- Tela 10- Pote 11- Dedo 12- Bolo 13- Bela 14- Poço 15- Telha 16- Dora
1- Fera 2- Veia 3- Sola 4- Zorro 5- Feijão 6- Vela 7- Sopa 8- Zoca 9- Foca 10- Vôlei 11- Serra 12- Zebra 13- Fogo 14- Voto 15- Selo 16- Zero
1- Metro 2- Negro 3- Loja 4- Rodo 5- Mesa 6- Neve 7- Lobo 8- Rosa 9- Mola 10- Novo 11- Leque 12- Rede 13- Moça 14- Nove 15- Letra 16- Reta
Fonte: Atividade de autoria própria, coleta de dados (2015/2016).
183
APÊNDICE D - Mostra de atividade de identificação do Nível de Escrita, criança silábica.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2016).
184
APÊNDICE E - Mostra de atividade Ditado 1, com criança silábica.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2016).
185
APÊNDICE F - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 2, com criança silábica.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2016).
186
APÊNDICE G - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 3, com criança silábica.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2016).
187
APÊNDICE H - Mostra de atividade de identificação do Nível de Escrita, criança silábica.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
188
APÊNDICE I - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 1, com criança alfabética.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
189
APÊNDICE J - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 2, com criança alfabética.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).
190
APÊNDICE K - Mostra de atividade Mostra de atividade Ditado 3, com criança alfabética.
Fonte: Ilustração de autoria própria, coleta de dados (2015).