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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO Adriana Ribeiro de Barros TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA RECIFE 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Adriana Ribeiro de Barros

TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA

RECIFE

2011

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ADRIANA RIBEIRO DE BARROS

TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Educação da Universidade

Federal de Pernambuco, como requisito para

obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Tereza Luiza de França.

RECIFE

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ADRIANA RIBEIRO DE BARROS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE DANÇA

AFRO-BRASILEIRA

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________________

Profª. Drª. Tereza Luiza de França

1ºExaminador/Presidente

__________________________________________

Profº. Drº. Móseis de Melo Santana

2º Examinador

__________________________________________

Profº. Drº Edilson Fernandes de Souza

3º Examinador

_________________________________________

Profª. Drª. Clarissa Martins de Araújo

4ª Examinadora

MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADA

RECIFE, 29 de agosto de 2011

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DEDICARIA

Dedico este trabalho aos meus pais Argemiro

Barros (em memória) e Tereza Ribeiro de

Barros por sempre cuidarem de mim

compartilhando sucessos e dificuldades e por

seus ensinamentos de vida com tanto amor e

dedicação.

Aos meus irmãos Ana, Miro, Ró, Rafa e Deby

que sempre se alegraram com as minhas

conquistas.

Com eles experimentei minhas primeiras

―andanças‖ nas manifestações culturais de dança.

Foi no Clube das Pás Douradas em bailes de

carnaval que vi e senti cores, cheiros, formas,

rostos sem cores, formas sem rosto. Um

emaranhado de identidades que sem muita

clareza me levaram a minha própria investigação

corporal.

É, como painho diz: “Bora Dida, vem

dançar...” é com essa lembrança guardada

carinhosamente em meu coração que danço com

essa prática pedagógica de dança afro-brasileira

na escola.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me concedido nesse plano espiritual.

A minha mãe Tereza e meu pai Argemiro (em memória) que sempre acreditaram e

incentivaram na trajetória acadêmica.

À minha família pela compreensão nas ausências em encontros únicos jamais

recuperados.

À Andreia Paiva, minha primeira orientadora, por seus conhecimentos partilhados e

incentivos nos meus passos iniciais de aprendizagem e descobertas. Amiga que em momentos

difíceis de dúvidas e esclarecimentos epistemológicos esteve presente.

Á Cleone Santana, minha prima, pela amizade sincera principalmente nas situações

mais complicadas. E nas felicidades partilhadas.

Aos meus amigos Srº Baby, Edneide, Daniela, Léo, Mila, Eunapio e Sérgio, amigos de

todas as horas, aos que estão longe e perto; aqueles que ao longo do tempo de alguma forma

me ajudaram para que eu cultivasse a arte de me fazer educadora sem que cristalizasse as

minhas obras. Aos amigos que nesta trajetória, também, de perdas estiveram ao meu lado.

À Dª Ana, amiga e mestre espiritual, pelas orientações e dedicação comigo nos

cuidados neste plano, o que me permite diariamente renovar o sentir dos cheiros e perceber o

gosto de viver em espiritualidade.

Aos meus afilhados Duan, Yasmin, Juninho, Jéssyca, Júlia, Pipo, Pedro, Gabriel e

Jonatha pela ausência da tia, por vezes, adiando nossos passeios.

À Bruna Ferraz, amiga de todas as horas, pela dedicação disponibilizada no início de

tudo isso.

A Mônica, Vivianne, Edineide e Lizandre, companheiras de profissão e de

aprendizagens significativas nesta caminhada.

À professora Clarissa Araújo e Laêda Machado, pela sensibilidade e respeito nas

minhas apresentações do estudo apresentadas na disciplina de pesquisa I e II.

Ao corpo de alunos (as) da Universidade Salgado de Oliveira que juntos em sala

socializando saberes fazem parte dessa trajetória através dos debates e reflexões que

universalizam o objeto de estudo e por acreditarem no êxito do mesmo. E a coordenação do

curso pelo respeito, incentivos e confiança a meu trabalho.

À atual Coordenação do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE e,

especialmente, aos companheiros da Secretaria do Programa: Camila, Rebeca, Shirley e

Morgana, pela paciência em fornecer as informações solicitadas.

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Aos professores deste Programa de Pós-graduação, pelo incentivo, pela convivência e

pelos relevantes ensinamentos: Clarissa Araújo, Alexandre Simões, Conceição Carrilho,

Márcia Melo, José Batista, Eliete Santiago, Laêda Machado e Tereza França.

Aos professores doutores Edilson Souza e Moisés Santana pelos ensinamentos em

disciplina de estudo individualizado, possibilitando-me novos outros olhares, antes

desconhecidos frente ao objeto pesquisado.

À minha banca de qualificação. Primeiramente a professora Doutora Tereza França,

minha orientadora, responsável pela minha formação acadêmica depositando em mim

confiança e capacidade desde as primeiras trilhas construídas. Pelo meu ingresso no Mestrado

e por ter me estimulado o caminho para enxergar a base do objeto de estudo; ao professor

Edilson Souza, por sua disponibilidade de estudar comigo a categoria dança do estudo

presente e pelas valiosas contribuições acerca dos achados teóricos sobre dança afro-

brasileira; a professora Clarissa Araújo pelo respeito demonstrado as minhas simples

produções iniciadas em disciplina de mestrado por ela lecionada e por suas significativas

contribuições. E por fim mas, não por último ao professor Móises Santana que me fez desde

os momentos compartilhados de estudo ver com clareza o meu objeto. A este professor, em

sua simplicidade pela paciência em minhas ―andanças‖ nas aprendizagens aos saberes da

multiculturalidade.

Ao coletivo de atores desta pesquisa, que chamo de atores-dançantes deste Maracatu,

pela disponibilidade em cooperar, participando das entrevistas e abrindo as suas vidas, suas

casas e compartilhando, alegrias, desafios e tristezas vivênciadas.

Aos companheiros do NIEL – Núcleo Interdisciplinar de Esporte e Lazer,

especialmente à professora doutora Tereza França, sua coordenadora, pelos desafios,

conquistas, experiências vividas em momentos de estudos, discussão, socialização e produção

de conhecimento.

Agradecimento especialmente à Professora Doutora Tereza Luíza de França, minha

orientadora, a me ensinar com carinho, dedicação e confiança os caminhos de construir uma

produção científica e que me ensina partilhando e trilhando caminhos ao verdadeiro sentido

da reflexão epistemológica. Gingando os gestos diários, coletivos da vida acreditou comigo

neste sonho possível. A você Tereza por seu trabalho profissional comprometido com uma

educação transformadora que me ensinou a valorização do meu potencial criador. Meu muito

obrigada com todo respeito e admiração.

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―Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, pela sua

origem, ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam

aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”.

Nélson Mandela.

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RESUMO

O presente estudo buscou, compreender como a prática pedagógica na escola da rede

municipal de ensino sistematiza ações educativas para a com a dança afro-brasileira e qual

têm sido o rebatimento dessas ações para com a abordagem da cultura afro-brasileira do seu

sentido e significado. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, para a qual tomamos a

Etnometodologia como abordagem metodológica, para tratarmos o nosso objeto de estudo – a

prática pedagógica de dança afro-brasileira. Utilizamos como procedimentos para coleta de

dados a entrevista narrativa e, para a análise, os princípios da Etnometodologia:

prática/realização, indicialidade, reflexividade, accountability e noção de membro. Com esta

base, a pesquisa desvelou que: a sistematização de ações educativas para a dança afro-

brasileira na escola da rede municipal de ensino e o rebatimento de suas ações para a

abordagem da cultura afro-brasileira compreende uma prática pedagógica organizada em

projetos pedagógicos, por vezes, “pontuais” e pouco sistemáticos no cotidiano escolar,

ancorados por uma vivencia de dança afro-brasileira desenvolvida por pessoas que tenham

um saber da prática e, que também, é construída em tempos diversificados da escola -

tempos festivos/comemorativos onde o preconceito no espaço escolar embora se faça

presente é abordado nas situações educativas na perspectiva de superação. Os elementos

referendados emergiram do sentido que é trabalhado da cultura afro-brasileira relacionado a

questões históricas, enquanto o significado se aproxima daquele voltado para o Brasil colônia

escravocrata.

Palavras chave: Prática Pedagógica. Cultura e Dança Afro-Brasileira.

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ABSTRACT

This study sought to analyze the configuration of the teaching practice in school related to

educational activities involving african-Brazilian dance and bounce in the shares of their

teaching practice. It is a qualitative research, for which we get the Ethnomethodology as a

methodological approach, to address our object of study - the pedagogical african-Brazilian

dance. We used as data collection procedures for the interview and narrative, for the analysis,

the principles of Ethnomethodology: practice / performance, indexicality, reflexivity,

accountability and sense of membership. On this basis, the research unveiled that: the

pedagogical african-Brazilian dance is presented in an organized educational projects in

"isolated" and not systematic in everyday life, anchored by a representation of african-

Brazilian dance to be developed by a knowledge Practice consists of prejudices. In the actions

of those involved understood through their lines understand that this practice is constructed

and experienced teaching from a cultural calendar cycles folklore permeated by the tone of

multicultural challenges where prejudice at school is still present. The referenced elements

emerged from the sense that is given to African-Brazilian culture is still very tied to history,

while the meaning of that comes to Brazil slave colony. Besides the elements mentioned

above, new data emerged the practice setting african-Brazilian dance in school - the school's

diverse times - times that call the festival which are relevant to their daily lives.

Keywords: Pedagogical Practice. Culture and Afro-Brazilian Dance.

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LISTA DE QUADROS E ESQUEMAS

Esquema 1 – Relacionando os conceitos-chaves da etnometodologia .................................. 91

Esquema 2 – Os elementos que configuram a prática pedagógica de dança afro-

brasileira1 .............................................................................................................................. 132

Esquema 3 – Outros elementos que constituem prática pedagógica de dança afro-

brasileira e suas intersecções: Os elementos empíricos......................................................... 139

Quadro 1 – Representação dos atores dançantes como figuras brincantes do Maracatu

Nação ..................................................................................................................................... 103

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

GBFL.....................Gerência de Biblioteca e Formação de Leitores

GTERÊ..................Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Raciais

LDBEN..................Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC.......................Ministério da Educação e Cultura

MNB......................Movimento Negro Brasileiro

MNU..................... Movimento Negro Unificado

NIEL.......................Núcleo Interdisciplinar de Estudos do Lazer

PCNS......................Parâmetros Curriculares Nacionais

PCR.........................Prefeitura do Recife

PCRI.......................Programa de Combate ao Racismo Institucional

PE...........................Pernambuco

PPGE......................Programa de Pós-Graduação em educação

SEEL......................Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Recife

SNPD.....................Secretaria Nacional de Políticas sobre drogas no Ministério da Justiça

UFPE......................Universidade Federal de Pernambuco

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13

1 DELIMITANDO AS CATEGORIAS TEÓRICAS ....................................................... 20

1.1 O Mito da Democracia Racial: Os Mitos existem para esconder a realidade ................ 32

2 CULTURA AFRO-BRASILEIRA 37

2.1 Educação: convivência a cultura do outro. ..................................................................... 48

2.2 Uma chance para esta conversa: Lei 10.639/03 ............................................................. 56

3 DANÇA AFRO-BRASILEIRA ....................................................................................... 66

3.1 O Candomblé ................................................................................................................... 82

4 A DANÇA METODOLOGIA ......................................................................................... 86

5 TECENDO FIOS DAS NARRATIVAS DANÇADAS .................................................. 106

5.1 Primeiro Eixo: Trilhando caminhos da Cultura Afro-Brasileira. .................................... 109

5.2 Segundo Eixo: Tecendo fios de Dança Afro-Brasileira .................................................. 120

5.3 Terceiro Eixo: Os muitos caminhos trilham fios tecidos de outros novos

elementos empíricos .............................................................................................................. 133

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 141

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 144

APÊNDICES ........................................................................................................................ 152

ANEXO ................................................................................................................................. 162

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Fonte 1

1 As fotos que organizam a abertura dos capítulos foram retiradas de diversos sites de domínio público que

correspondem manifestações de grupos de macaratus.

INTRODUÇÃO Vai começar a dançada

Muita zuada

Impulsionar reflexões,

dentro e fora do campo

educacional.

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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UM COMEÇO DE CONVERSA

Realizar esta pesquisa se constituiu como um desafio que ao longo do percurso, nos

sentimos como transformadoras que vivem experiências profundas do ponto de vista não

apenas formal de um trabalho científico, porque envolve, também, relações humanas intensas

e arrojadas no convívio com todos que de uma forma ou de outra participam da mesma.

Como mestranda, faço parte do Núcleo de Formação de Professores e Prática

Pedagógica do Mestrado de Educação da Universidade Federal de Pernambuco e optei por

uma pesquisa acadêmica que a concebi por razões e princípios vislumbrando a possibilidade

de contribuir na produção científica no campo da educação alimentada pelo compromisso,

inquietações e enfrentamentos de professores e professoras, estudiosos e pesquisadores que,

desejam das práticas pedagógicas a possibilidade de construir junto aos envolvidos novos e

outros olhares para a cultura negra.

Desde o trabalho de iniciação científica2 no ano de 1999 na UFPE que abordou sobre o

resgate e possibilidades pedagógicas para o trato do conhecimento de dança popular numa

instituição de ensino governamental e de experiências decorrentes de minha atuação

profissional, surgiu o interesse em estudar a prática pedagógica. Professora de Educação

Física em escolas da Rede Pública do ensino fundamental e médio, atuando na Formação de

Professores/as, ex-dançarina, colaboradora em produções coreográfico artísticas e das

informações e conhecimentos advindos de eventos científicos e de cursos realizados

instigaram e estreitaram minha relação com a dança.

Vivências que provocaram anseios por descobertas a partir das observações realizadas

nos contextos de atuação profissional: a pouca ou quase ausência da dança afro-brasileira na

escola e quando presente chamava atenção às situações ocorridas no trato com este

conhecimento. Observava que a dança por aqueles que a lecionava não passava da cópia da

―arte‖ televisa ou americanizada, que reduz a expressão da arte como produto ou resultado. O

que acabava deixando claro no trabalho pedagógico desenvolvido a não compreensão de que a

dança enquanto arte está no processo, na construção, no entre, no não revelado, na sutileza, no

contato, na fronteira, na experimentação, no devir, na sua manifestação. Os olhares lançados

2 O projeto de iniciação científica intitulado ―O jogo, a dança e o brinquedo uma prática em construção: Resgate

da cultura nordestina nas ruas dos bairros‖ foi realizado nos anos de 1999/2001 (sob a orientação da Drª. Tereza

França, professora da UFPE e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos do Lazer/NIEL). Ele resgatou

a dança popular enquanto cultura nordestina nas ruas dos bairros do Recife, em uma escola do ensino

fundamental e médio da Rede Pública Estadual de Pernambuco através de oficinas temáticas, entrevistas,

seminários e observações. Registramos que o mesmo foi publicado na Revista Nova Escola em agosto de 2000.

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para o contexto fez com que entendesse que longe estava a compreensão para o despertar

dança provocando nos outros tais sentimentos, despertar no outro a visão subjetiva da beleza,

objetivos do educador que trabalha com dança enquanto arte.

As oficinas temáticas, os laboratórios de danças e a escuta frente as compreensões

trazidas pelos professores/participantes dos vários espaços de atuações foram a cada trabalho

observado e desenvolvido possibilitando perceber a falta de compreensão que esses atores

apresentavam frente a subsídios teóricos amplos do universo da dança afro-brasileira, bem

como, das relações que se estabelecem no âmbito desse conhecimento no ensino nas

instituições públicas, vistas a partir das possibilidades de expressões com e no corpo, sobre e

para o corpo, de seus próprios atores sociais: alunos, alunas, agentes/educadores da

comunidade com preparação acadêmica e/ou experiência artística em dança, coordenadores,

coordenadoras, diretores e diretoras, merendeiras, porteiro, auxiliares de serviços gerais, os

pais e/ou responsáveis e comunidade em geral.

É através desses espaços que abrigam seus os corpos dos atores sociais que criam e

(re)criam, que originam em sua gestualidade as mais variadas manifestações de um acervo

cultural de beleza, saberes, experiências, cores, ritmos e resistências construindo assim a

nossa historicidade.

A própria expressão corporal humana se constitui uma dança, ou a dança de cada

pessoa, pois os modos de viver significam expressões corporais diferenciadas, porém, nem

sempre essas questões são relevantes e torna-se bastante notório a vergonha que a maioria de

alunos /as nas aulas de Educação Física, por exemplo, possuem de se expressar

corporalmente, por terem a ideia de que a não-realização de práticas corporais definidas como

perfeitas, atléticas, preferidas ou ditas corretas3 e termina organizando-os em diversas

situações excludentes que desconsideram a diversidade de expressões.

A realização de determinado gesto convida crianças e jovens a formas

discriminatórias, que ocorrem, com crianças negras e com aqueles que possuem limitações

físicas e/ou cognitivas. Essas situações vão ao longo do tempo se concretizando nos

corredores das escolas, nas esquinas dos bairros e em locais de trabalhos, entre tantos outros

âmbitos, motivos de piadas e comparativos desagradáveis. Estimulados por manifestações

humanas, inquietações e questionamentos nasceram e ganharam o objeto de pesquisa os quais

destacamos: Que ações educativas a escola vêm proporcionando para desenvolver trabalhos

3 Tais definições de caráter restrito merecem questionamentos, pois não possibilitam as diversas possibilidades

do ser humano.

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com a cultura afro-brasileira? Como a dança afro-brasileira tomada como manifestação de sua

cultura, vem sendo vivenciada na prática pedagógica?

Tais observações refletem a necessidade de aprofundar e analisar de forma sistemática

a prática pedagógica na escola. Embora esta seja espaço de reflexão sobre a cultura, o que é

notório é a adequação de conteúdos curriculares para um mercado que reduz a condição

humana a um ―valor‖ como se fôssemos códigos de barra ou ainda, produtos expostos na

prateleira para serem consumidos mediante os critérios da máquina capitalista.

Reconhecemos que intervir na realidade da prática pedagógica, da cultura significa

compreender que a produção desse conhecimento só é possível através dos diversos diálogos.

É com base nos diálogos que grupos de pesquisas estudam o espaço escolar sendo possível

descobrir a dança como manifestação da cultura a partir de uma prática pedagógica

potencializadora de conhecimentos e que proporcione:

[...] caminhos para mudanças conceituais, valorativas, ideológicas,

resultando na corporalidade de saberes para entender a real importância de

práticas lúdicas dentro e fora da escola. Assim organizadas, as vivências

garantem tratar temáticas visando às condições sócio-educativas e políticas

em que se dá a dimensão da prática, com indicadores e/ou critérios que

tomam por base pressupostos centrais, como: auto-organização, novas

aprendizagens sociais, cooperação, descobertas, criatividades e

recriabilidade, enfatizando aspectos conceituais, atitudinais e processuais

(FRANÇA, 2004, p.181).

Isso significa exercer uma prática pedagógica sensível, articuladora e produtora de

conhecimentos. João Souza (2007) contribui muito para que a gente pudesse tratar melhor

esse conceito. Prática pedagógica é institucional. É uma prática que é plural, intencional e

coletiva. No caso da educação, a prática pedagógica se constitui como prática docente, que é a

prática do professor, prática discente, que é a prática do aluno, prática gestora que é a prática

da instituição escolar e a prática epistemológica que é a prática da produção de conhecimento.

Assim, o conjunto de várias instituições também é responsável pelo nosso processo de

formação, assim como as experiências que o ambiente cultural proporciona.

A questão da práxis pedagógica é de grande relevância para a formação de qualquer

profissional, pois:

A formação de quaisquer pessoas ou profissionais, inclusive da educação,

não resulta de uma prática docente, mas de uma práxis pedagógica não

apenas de uma instituição, mas de várias. Uma professora ou um professor

não se forma por meio da prática de um docente, ainda que um ou outro

possa ter sido decisivo nesse processo (SOUZA, 2009, p. 23).

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Nesse norte, entendemos que o sentido das atividades praticadas por um grupo não é

dado por ele mesmo, mas no diálogo com outros grupos, que vão mudando de acordo com os

contextos políticos, históricos e económicos. Toda educação se instala a partir de

determinadas concepções de ser humano e dos propósitos e objetivos educacionais, e nem

sempre atende a todos os interesses, daí ser inevitável o conflito, ou os amores e ódios para

repetir a fala de Souza (2009), que apenas está reforçando a ideia de que são muitas as

influências, pensamentos e desejos dentro de um mesmo lugar. Como tudo está em processo,

o embate sempre estará presente, mas cabe a todos os envolvidos a responsabilidade de fazer-

se presente, ter o direito à palavra e a decisão, enfim ao diálogo como um movimento

simultâneo de escuta e de intervenção para se chegar à mediação.

E foi considerando o diálogo com os pares que fixamos o olhar sobre o trabalho com

a cultura brasileira na escola tomando a manifestação dança afro-brasileira produção desta

cultura, que nos aproximamos de teóricos desde as nossas inquietações iniciais, dentre os

quais destacamos: Sodré (1993), Brasil (2004 e 2006), Mattos (2007), Chauí (1990), Geertz

(2001) e Bosi (1992); João Souza (2005 e 2008), Ferreira (1998), Moraes (1994), Conrado e

Assis (1993), Anchieta (1985), Souza ( 2006 ) e Freire (1996).

As leituras nos fez descobrir que alguns estudiosos contribuem com elementos

significativos para a construção da presente pesquisa, das leituras aprofundadas nasceram as

categorias teóricas do estudo, as quais apresentamos: prática pedagógica, cultura e dança

afro-brasileira, de suas relações estabelecidas encontramos a base filosófica para compreender

nosso objeto de pesquisa.

Pensar a cultura afro-brasileira na escola considerando a expressão corporal como

linguagem a partir de sua dança é mais do que saber como a mesma é trabalhada ou em que

medida as escolas continuam ou não implementando a Lei 10.639/2003, hoje alterada pela Lei

11.645/2008 que permite intervenções mais contundentes para a valorização da cultura negra

brasileira e africana.

É nessa dança cultural de reflexões que fazemos nossa pergunta enquanto problema

investigativo constituindo: Quais as possibilidades e os desafios que os espaços escolares

oferecem para sistematizar ações educativas para a dança afro-brasileira e qual têm sido o

rebatimento dessas ações para com a abordagem da cultura afro-brasileira considerando o seu

sentido e significado?

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Nos ritmos das batidas desse problema, a dança se define, estabelecendo o objetivo

geral: Compreender como a prática pedagógica na escola da rede municipal de ensino

sistematiza ações educativas para a dança afro-brasileira e qual têm sido o rebatimento dessas

ações para com a abordagem da cultura afro-brasileira do seu sentido e significado.

Para concretizar, descrevemos os nossos objetivos específicos:

Identificar as ações educativas promovidas pela escola que envolve a cultura afro-

brasileira considerando suas danças.

Analisar a configuração da prática pedagógica vivenciada na escola e

Aprofundar estudos acerca da prática pedagógica que sistematiza ações educativas

para a dança afro-brasileira enquanto manifestação cultural.

As questões de estudo, a problemática e os objetivos constitutivos dessa produção

delimitam critérios para a escolha do universo de pesquisa – escola da rede pública de Recife

ganhadora, entre outras, do concurso de Práticas Pedagógicas: ―As escolas do Recife

descobrindo-se negras” no ano de 2007.

No sentido de organização o presente estudo, apresenta no I Capítulo a delimitação das

categorias teóricas trabalhadas: prática pedagógica, cultura e dança afro-brasileira.

No II capítulo – evidenciando uma opção metodológica apresentamos a referencia

teórico-metodológica – A Etenometodologia - por entendemos que essa abordagem possibilita

compreender a prática pedagógica relacionada às ações educativas que envolvem a dança na

escola e os rebatimentos dessa na prática docente. Para a leitura dos dados obtidos através das

entrevistas narrativas vislumbra o capítulo III na busca de compreender como a prática

pedagógica sistematiza ações educativas para a dança afro-brasileira e qual tem sido o

rebatimento dessas ações para a abordagem da cultura afro-brasileira compreende uma prática

pedagógica organizada em projetos pedagógicos, por vezes, “pontuais” e pouco

sistemáticos no cotidiano escolar4, ancorados por uma vivencia de dança afro-brasileira

5

desenvolvida por pessoas que tenham um saber da prática6 e, que também, é construída em

tempos diversificados da escola - tempos festivos/comemorativos onde o preconceito no

4 A palavra está em negrito para dar destaque aos achados da pesquisa e/ou enquanto categoria da mesma.

5 Idem 3.

6 Idem 4.

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espaço escolar7 embora se faça presente é abordado nas situações educativas na perspectiva

de sua superação.

Nas considerações finais o refletir dos resultados encontrados os pontua avanços, os

limites e anunciamos algumas possíveis contribuições na compreensão da prática pedagógica

na escola da rede municipal de ensino ao sistematizar ações educativas para a dança afro-

brasileira e o rebatimento de suas ações para com a abordagem da cultura afro-brasileira do

seu sentido e significado.

7 A palavra está em negrito para dar destaque aos achados da pesquisa e/ou enquanto categoria da mesma.

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1 DELIMITANDO AS

CATEGORIAS TEÓRICAS A Prática Pedagógica, Cultura e

Dança Afro-Brasileira

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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O conhecimento é construído pela humanidade. Uma de nossas tarefas,

como educadores, é participar efetiva e qualitativamente dessa construção

produzindo e socializando um saber de qualidade para todos. Isso significa

existir, enquanto sujeito político no seio de um amplo processo civilizatório.

(FRANÇA, 1999, p.02).

A educação é um processo que pode permitir ao ser humano a produção de si mesmo,

na medida em que está presente a mediação e a ajuda do outro, possibilitando o construir de

pessoa humana enquanto ser social e singular.

Ao entrar no processo de construir-se enquanto ser humano, as pessoas, estabelecem

relação com o mundo, que é social, e com os pares, que estão também construindo o mundo.

Essa condição fantástica de sermos uno e diverso compartilhamos com Santana (2009)

ao afirmar,

[...] somos seres portadores da possibilidade de nos produzirmos

diversamente. Essa possibilidade inscrita nos seres humanos deve-se a

complexidade e riqueza cognitiva que portamos. Ela permite o ser humano

habitar o planeta e produzir identidade de forma interativa e dinâmica em

espaços aparentemente inóspitos e impossíveis de se viver (p. 2008).

Por isso, conhecimentos são utilizados como elementos construtores da humanidade,

ao mesmo tempo em que são construídos por ela. Enquanto elemento de construção humana,

os conhecimentos necessitam serem constantemente atualizados e avaliados quanto a sua

pertinência em relação às demandas sociais e às possibilidades de todos e todas frente a

aquisição dos mesmos, do ponto de vista pessoal e profissional.

Nesta perspectiva, vale ressaltar que o homem/mulher é um sujeito que, não nasce

pronto e nem seu instinto lhe dá condições para as relações em sociedade. Ele é um ser

inacabado, que segundo Freire (1996), precisa ter a consciência de que a nossa presença no

mundo se dá historicamente e socialmente, através das relações com seres inacabados, que

mutuamente se constroem.

Nesse contexto, reconhecemos a educação inerente à vida do homem, ou seja, ela

acontece de diferentes formas e em diferentes âmbitos sociais, porém, é o âmbito escolar seu

espaço privilegiado de sistematização mais elaborado. Para Machado (1989):

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[...] a Escola, por se tratar de um dos espaços privilegiados para a produção e

transmissão de conhecimentos mais elaborados, na sociedade capitalista

marcada por classes de interesses antagônicos, assume uma função política.

Em virtude disso, a Escola se constitui em núcleo de interesse da burguesia

para a difusão de sua visão de mundo e de seus valores em função do seu

fortalecimento hegemônico. Por outro lado, a classe subalterna luta também

pela Escola, uma vez que esta representa um dos espaços concretos que

possibilita a apropriação de um conhecimento mais elaborado, o qual pode

constituir-se num instrumento importante no confronto das classes (p. 30).

Podemos, então, reconhecer que ao lançarmos olhares para a educação no interior da

escola, essa constrói a concepção de homem que se quer ter na sociedade e que para a mesma

são delimitadas políticas educacionais públicas sob a proteção do Estado.

Uma de suas normatizações políticas via currículo, veio com os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), que a princípio eram orientações para as disciplinas, hoje na

sua formatação são Parâmetros em Ação, constituindo as formas e métodos de como os

professores podem trabalhar o conhecimento escolar. As discussões pelos especialistas nas

mais diversas áreas do conhecimento tiraram referencias para as áreas que se apresentam

como norte do currículo nacional.

Como expresso nos PCNs, à educação escolar corresponde a um espaço sociocultural

e institucional responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura. Espaço de

resgate, de diversidade racial e cultural, esta, aliás, considerada como fator negativo à

formação de nossa identidade nacional que tem a raça como eixo norteador dominante,

apresenta como grande desafio a afirmação e a revitalização da autoimagem do povo negro.

Essa revitalização encontra na diversidade cultural que são diferenças culturais que

existem entre o ser humano, elemento constituinte do mesmo (questão que trataremos em

nossa próxima categoria teórica), outro modo de ser no espaço escolar e que ao longo dos

tempos a ―escola‖ vem resistindo de maneira cruel a ele, pois este outro modo de ser não se

enquadra ao modelo ―ideal‖ para a política dominante.

Como o processo de construção da nação foi organizando uma cultura escolar

formatada que produziu e produz uma maneira de olhar e administrar a diversidade cultural

humana na qual ela seleciona, estigmatiza e elimina ―coisas‖, ou seja, formata a cultura

escolar dentro uma determinada maneira, de um princípio formativo que herdamos no

Ocidente, muitas vezes esquecemos que,

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Segundo Santana apud Geertz (1978):

um dos fatos mais significativos ao nosso respeito pode ser, finalmente, que

todos nós começamos com equipamento natural para viver milhares de

espécies de vida, mas terminamos apenas por viver uma espécie. Tendo essa

condição como um pressuposto, a multiculturalidade humana deverá ser

compreendida enquanto uma expressão daquilo que nos constitui

ontologicamente (SANTANA, 2009, p.21).

Constituição essa que não pode deixar de existir, constitui o ser enquanto ser, isto é,

ser multicultural é dimensão humana, é ser concebido como tendo uma natureza comum que é

inerente a todos e a cada um dos seres.

Para essa discussão, reconhecemos que a escola brasileira depois de 500 anos de

descobrimento começa a criar espaços e possibilidades, ainda que sob certo controle

excessivo de como os conhecimentos devem entrar no espaço escolar, para uma tentativa de

abertura de um diálogo formativo diferente que pode até causar tensão, mas uma tensão

formativa e produtiva na perspectiva de organizar outro projeto institucional. Para esta

consideração Rodrigues (1987) aponta que este espaço formador

[...] é uma instituição social e, como tal, está inserida na história. Ela é uma

instituição que sofre influência daquilo que acontece ao seu redor. Em outras

palavras: a escola está inserida numa certa realidade da qual sofre e exerce

influência. Ela não é apenas o local; onde se reproduzem os interesses, os

valores, a cultura, a ideologia. Também pode influenciar a ideologia, os

valores, a ciência, a política e a cultura na sociedade em que está inserida (p.

56 e 57).

Então é possível dizermos que não podemos perder de vista a necessidade de impor

resistências as mais variadas influencias que permeiam a instituição escolar em defesa das

conquistas populares.

Na busca incansável de interpretar mudanças qualitativamente significativas que,

decorrem de necessidades e interesses emergentes da prática e da escola, com amplo

envolvimento dos mais diversos tipos de formação, a educação e a escola pública, vem ao

longo dos tempos lançando um olhar historicamente determinado pela sociedade na qual

vivemos.

E, ainda quando pensamos nas diversas possibilidades de formações e na prática

daqueles que se encontram no âmbito escolar, considerando o movimento contextual de cada

escola e daqueles envolvidos nela, fica evidente que as práticas e produções se estabelecem

em diversos tempos e espaços, bem como, em vários níveis.

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Dando continuidade a essa discussão situando-a em um parâmetro sócio-histórico

educacional, ao longo da história educacional brasileira, momentos marcantes se deflagraram,

determinando o processo de reformulação dos paradigmas educacionais e do formato do

ensino no interior das escolas. Em especial, a década de 80 foi um período de grande

efervescência social, percebido historicamente como um marco político educacional, não

apenas no segmento da educação, sendo indispensável tê-lo como referência no trato em torno

da educação brasileira.

A partir da década ressaltada, é interessante lembrarmos que se constituiu momento de

reconstrução democrática, momento em que a escola tomou como tarefa a organização dos

grupos subalternos na luta pela construção de uma nova sociedade, e o professor, por

exemplo, identificado ao educador, privilegia a dimensão política, com a tarefa de formar

consciências críticas, decorrendo daí o fato de que ―a produção acadêmica foi silenciada em

relação a outros temas‖ (WEBER, 1994, p. 04).

Importantes contribuições foram possibilitadas e incorporadas ao fazer pedagógico,

questão central dos embates da referida época. É nela, que a ênfase é deslocada para a

dimensão sociopolítica, na qual o professor/professora assume um caráter crítico e lhe é

atribuído o papel de agente transformador da realidade. Antes visto como técnico (por

conhecimentos adquiridos através de cursos de atualização), agora o professor/a é aquele/la

que busca autonomia intelectual e profissional, o agente ativo, reflexivo e participante da

elaboração do conhecimento.

O projeto moderno para a educação, historicamente produzido, teve de ser

relativizado, uma vez que é necessário pensar no ser humano em todo o seu potencial, com

suas crenças e suas emoções, não o enquadrando em lógicas rígidas. Nesse sentido, estamos

constantemente passando por mudanças e nos submetendo a um exame permanente, na busca

de novos caminhos e respostas no que diz respeito a lidar com o conhecimento e enriquecer as

referências, rompendo com delimitações muitas vezes postas no âmbito educacional.

Este âmbito educacional pensado enquanto dinâmica social a partir de sua dialética,

pode possibilitar a alteração de várias dimensões, entre elas, destacamos: as relações de poder,

comunicação e linguagem e o trato com o conhecimento. Neste ambiente complexo,

interrogar o que está posto pode possibilitar entre os pares envolvidos um circular de

comunicação.

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Há, portanto, uma dinâmica entre a organização social e a organização da escola que,

quando efetivadas, retorna ao contexto social. Desse modo, a escola é um dos espaços em que

a sociedade materializa seus objetivos.

Além disso, nela podemos encontrar diversas relações que são estabelecidas entre os

sujeitos que a compõe e o contexto no qual eles estão inseridos.

Discutimos então a educação escolar partindo da seguinte referência: é uma prática

social humana, a qual prescinde a dialogicidade com o ser ético, estético, político e cultural

que intervém no mundo e com o mundo.

O anúncio dessa prática social tem sentido enquanto se considera que os

sujeitos humanos fazem parte da totalidade. A prática que inclui os sujeitos

de novas relações sociais, sujeitos que negam o existente e anunciam e

produzem o novo, afirma como negação da negação uma totalidade mais

aberta, síntese superadora porque contraditória. Nesse sentido, a relação da

educação com a totalidade é aberta, enquanto a educação inclui e implica a

ação-reflexão desses sujeitos (CURY, 1986, p. 70).

Nesse cenário particular, destacamos a prática pedagógica. Para ampliarmos reflexões

frente a nosso objeto de investigação analisamos o movimento de pesquisa em prática

pedagógica como categoria teórica considerando as produções acadêmicas do PPGE/UFPE a

partir do ensaio “Prática Pedagógica e Formação de Professores” do professor João

Francisco de Souza, fazendo um recorte entre os anos de 2006 a julho de 2009. A referida

escolha por esse recorte temporal se constitui em função da (re)significação da concepção de

prática pedagógica a partir do referido ensaio.

Nos achados da pesquisa, mediante nossos procedimentos de coleta8 considerando o

recorte temporal realizado, analisamos 123 produções, no nível de mestrado, das quais 45

8 Nosso procedimento de coleta se deu a partir da busca on-line no SIB- Sistema Integrado de Biblioteca /

Biblioteca Central, especificamente na Base de dados/ Biblioteca de teses e dissertações. Aqui encontramos um

total de 159 (cento e cinquenta e nove) trabalhos nos níveis de mestrado e doutorado, neste primeiro momento

percebermos que faltavam alguns trabalhos no sistema, de forma que solicitamos uma lista de todas as produções

defendidas à secretaria do PPGE para iniciarmos o mapeamento das produções. Até julho de 2009 havia uma

diferença de 25(vinte e cinco) trabalhos. No entanto, desses 25(vinte e cinco) apenas 2(dois) trabalhos do ano de

2006 estavam no Pergamum (on-line) e no acervo da biblioteca de educação. Diante desse quantitativo

elaboramos uma ficha sistemática para facilitar o levantamento dos trabalhos que traziam a categoria prática

pedagógica. Como critérios de seleção e análise elegemos os seguintes elementos estruturantes: nível mestrado e

doutorado; ano; linha de pesquisa; orientador; título; autor; onde a categoria prática pedagógica aparece (Título,

Palavras-chaves, Resumo, Capítulo); principais teóricos que tratam a prática pedagógica; as expressões que se

aproximam da categoria estudada e as concepções de prática pedagógica adotadas nos estudos. Na seleção dos

trabalhos estabelecemos uma amostra de 45(quarenta e cinco) em nível de mestrado e 07 (sete) em nível de

doutorado, para tanto seguimos o percurso do texto que aparece no banco de teses e dissertações, em seu

detalhamento eles trazem o autor, título, resumo, palavras-chaves. Quando a categoria prática pedagógica não

aparecia em nenhum desses elementos era necessário abrir a obra em PDF disponível no sistema, para

averiguarmos a partir do sumário, se havia algum capítulo que tratasse da mesma. Mediante amostra estabelecida

seguimos a sistematização de uma ficha que organizamos e a partir dos resumos e dos capítulos dos trabalhos

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apresentam como categoria de estudo o campo da prática pedagógica nas suas diversas

dimensões. Em relação às produções acadêmicas do curso de doutorado foram analisados 36

trabalhos, com a presença de 07 estudos na esfera da prática pedagógica.

Com as análises destes dados pudemos concluir que 1/3 das dissertações do centro de

educação sinalizam a temática prática pedagógica como um campo epistêmico de pesquisa

que se relaciona com as diversas temáticas educacionais.

Percebemos, também, que existe um crescente aumento de pesquisas trazendo um

olhar para as diversas dimensões da prática pedagógica entre os anos de 2006 à 2008, não

podendo ser contabilizado neste critério o ano de 2009 por encontrar-se em andamento.

Nos estudos do doutorado, pudemos observar que as produções com foco nas práticas

pedagógicas não se constituem tão recorrentes quanto no curso de mestrado, pois num

quantitativo de 36 produções a incidência se deu em apenas 07 trabalhos. Um dos fatores que

nos possibilita analisar tal situação seriam as quantidades de vagas ofertadas nesta modalidade

da pós-graduação.

Concluímos que este movimento nos possibilitou a compreensão de que a categoria

analisada, prática pedagógica, é evidenciada sob diferentes formas e contextos nas produções

acadêmicas, constituindo-se uma temática emergente em todos os núcleos de pesquisa e que

dois estudos, já referenciados, apresentaram aproximações para a discussão acerca do

conhecimento dança e, especificamente da dança afro-brasileira.

O percurso desenvolvido para o ‗desenhar‘ do estado da arte sobre o objeto de estudo

e consequentemente o aprofundamento reflexivo em torno de suas categorias teóricas nos

exige pensar a prática pedagógica com novo sentido porque acreditamos que desta forma o

novo sentido proposto vem proporcionar uma ruptura no modelo de concepção de prática

pedagógica até então percebida, vista como uma prática apenas voltada para a dimensão

docente.

Mediante a contribuição epistemológica do professor passamos a compreender a

prática pedagógica como ação de diferentes sujeitos que interferem e dialogam com a

fizemos um esforço para perceber o movimento da categoria prática pedagógica no recorte temporal

estabelecido. Para analisar as dimensões de prática pedagógica defendidas por (SOUZA, 2006) presentes nas

produções acadêmicas do PPGE utilizamos como critério apenas os trabalhos que apresentavam um capítulo

e/ou o subcapítulo que tratasse a categoria estudada.

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dinâmica educativa e partir do esforço acadêmico9 empreendido por João Souza (2006) a

prática pedagógica é refletida enquanto:

[...] uma ação coletiva, por isso argumentada e realizada propositadamente

com objetivos claros que possam vir a garantir a realização da finalidade da

educação e de certos objetivos de acordo com os problemas em estudo,

explicitamente assumidos por uma instituição. (JOÃO SOUZA, 2007 p.179).

Portanto, pensar a prática pedagógica, na perspectiva do professor é compreende - lá

numa dimensão humana que implica na remontagem/reconstrução de conceitos no campo

social, político e cultural, tendo como cenário a esfera educacional. Esta dimensão de

constante reconstrução na formação dos sujeitos humanos é perpassada pelas experiências

vivenciadas e/ou construídas tanto no campo individual quando na esfera coletiva (escola).

Diante deste contexto, a formação dos sujeitos sociais passa a ser objeto de várias

práticas e não acontece deslocada do cenário experiencial. No campo experiencial os saberes

gestados nas relações sociais que o indivíduo constrói ganham corporeidade nas ações de

diálogo entre prática e formação. As inter-relações das várias práticas dos sujeitos envolvidos

em suas instituições se organizam em uma práxis pedagógica10

que na concepção do professor

é ação institucional da agência formadora de quaisquer formações, inclusive da formação de

professores, de que esteja encarregada por uma sociedade ou por setores dessa sociedade

(SOUZA, 2006).

Souza (2006) defende, desta forma, que o processo de humanização é resultante de

uma prática pedagógica, a qual considera mais adequada denominar de práxis pedagógica, e

afirma que esta é construída pela influência mútua de seus diferentes sujeitos (docentes,

discentes e gestores – na construção de conhecimentos ou no trabalho dos/com conteúdos

pedagógicos – prática gnosiológica e/ou epistemológica11

, contribuindo para a formação de

atores sociais.

Passamos a compreender a prática pedagógica como ação de diferentes sujeitos que

interferem e dialogam na dinâmica educativa.

9 Ensaio elaborado para as provas de Professor Titular do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino do

entro de Educação da UFPE, 2006, intitulado: Prática Pedagógica e Formação de Professores. 10

A prática pedagógica considerada como práxis, encontramos em Ribas e Carvalho (2003) onde os objetivos,

finalidade e conhecimentos são objetivos para satisfazer as necessidades humanas. 11

Os sujeitos sociais em suas ações e relações serão sempre segundo o autor mediados pela construção dos

conteúdos pedagógicos ou de conhecimentos (prática gnosiológica e /ou epistemológica). Esses sujeitos na

definição do mesmo autor são: o sujeito educador (prática docente), o sujeito educando (prática discente) e o

sujeito gestor (prática gestora).

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Dessa forma, parece-nos importante salientar que, se admitirmos a ideia do referido

autor, de acordo com a intencionalidade proposta na prática poderá permear princípios da

dimensão política, do conhecimento, pedagógica e cultural (SOUZA, 2006).

A prática pedagógica tem, portanto características de coletividade, por isso é entendida

como práxis, pois a mesma é institucional, multidimensional e fundamentalmente intencional.

Como prática social, recebe influências de aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais

para sua organização e é, essa influenciada, que para Freire (2011), não existe, dessa forma,

neutralidade na educação.

A educação enquanto prática social, é resultante da práxis humana no mundo, é

histórica e síntese de múltiplas determinações. Ela é produzida pelos sujeitos historicamente

situados numa determinada totalidade social, e é aberta e produtora de identidades.

Pensar, portanto a práxis pedagógica na escola implica a análise das possíveis tarefas

da educação, no mundo contemporâneo, compreendido como um mundo complexo o qual se

configuram os processos educacionais. De acordo com Souza (2006), essa práxis pedagógica

ainda pode se configurar como,

[...] interrelações de práticas de sujeitos sociais formadores que objetivam a

formação de sujeitos que desejam ser educados (sujeitos em formação)

respondendo aos requerimentos de uma determinada sociedade em um

momento determinado de sua história, produzindo conhecimentos que

ajudem a compreender e atuar nessa mesma sociedade e na realização

humana dos seus sujeitos. Não esquecer que esses requerimentos são

contraditórios, conflitivos, ambíguos, mas também cheios de possibilidades e

probabilidades (SOUZA, 2009, p. 29).

Diante disso, a prática pedagógica tem na escola o espaço privilegiado de ação,

ocorrendo numa realidade social e é por ela influenciado, podendo exercer o caráter

contraditório na sociedade capitalista que segundo Santiago (1990), ―ao colocar-se a serviço

dos interesses dominantes, pode também ser posta a serviço dos interesses dos grupos

dominados‖ (p. 23).

Freire (1987) nos diz, também, que práxis é reflexão e ação dos homens sobre o

mundo para transformá-lo. A práxis é também definida por Evangelista (1992) como sendo a

síntese entre a atividade prática dos indivíduos e o conhecimento necessário e suposto em

toda atividade desenvolvida pelos humanos.

Nas contribuições de João Souza (2007) a discussão sobre práxis concorda com as de

Freire (1987) dizendo que práxis pedagógica é a prática educativa refletida e teorizada (p.

207).

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É importante ressaltar que, em Freire (2001), toda prática social tem limites. São

limites ideológicos, epistemológicos, políticos, econômicos, culturais, mas que ―não podendo

tudo a prática educativa pode alguma coisa‖, por exemplo, elevar os sujeitos como atores

sociais12

.

Pois, acreditamos que se alterado as formas do trato com o conhecimento, das relações

de poder e de comunicação e linguagens, estes poderão consolidar uma práxis educativa.

Dessa maneira, aquilo que transforma uma prática educativa em uma prática compromissada

(práxis), intencional, relevante será a transformação de si, do outro, e neste sentido o diálogo

assume um papel importantíssimo, torna-se o motor das relações com os conhecimentos e

entre as pessoas, e, neste processo inclui-se a ele a possibilidade de reflexão.

Ao falarmos em reflexão as contribuições de Frei (1996) sobre este tema são

essenciais ao considerar que o que nos leva a este ato é a consciência de nossa inconclusão.

Para ele a verdadeira reflexão crítica se origina e se torna dialética no interior da práxis, a qual

constitui o mundo humano, que, também, é práxis.

A partir de Saviani (2004, p.16) a reflexão requer pensar, um pensamento consciente

de si, capaz de avaliar, verificar sua relação com o real, ou seja, é o [...] ato de retomar,

reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado.

Também em Santana (1991) encontramos elementos que caracterizam a prática

pedagógica, a sua especificidade, como uma instituição pedagógica, oriunda de uma

necessidade social básica. Determina por uma concepção metodológica que orienta e

fundamenta uma concepção de mundo, de conhecimentos e um projeto histórico de sociedade.

É possível então compreender no contexto de nossa pesquisa que o processo educativo,

enquanto fenômeno participante da totalidade de nossas organizações sociais, a partir das

diversas ações na escola, não está desvinculado de um projeto histórico de sociedade, e atua

como atividade mediadora de nossas relações.

Nessa busca de compreensões relacionadas à práxis pedagógica, lembramos de

Gardner (2006) ao destacar que quanto mais se estuda mais se quer avançar. Então, não

poderia ser diferente. Recorremos ainda a algumas outras reflexões para ampliação de nosso

estudo pela fortaleza de seus conhecimentos.

12

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1996.

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Nos estudos de Vázquez (1977) uma atividade na qual podemos denominar de práxis

tem, através da mediação entre natureza, sociedade e homens reais, a finalidade de

[...] transformação real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer

determinada necessidade humana. E o resultado é uma nova realidade, que

subsiste independentemente do sujeito ou dos sujeitos concretos que a

engendram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo

homem e para o homem, como ser social (p.194).

Dialogar com base nesta concepção de práxis é considerar que as pessoas precisam

interagir umas com as outras para se tornarem mais humanas. Para compreender a

transformação a partir do social, trazemos a reflexão de Freire (1979) que nos aponta:

Se a possibilidade de reflexão sobre si, sobre seu estar no mundo, associada

indissoluvelmente à sua ação sobre o mundo, não existe no ser, seu estar no

mundo se reduz a um não poder transpor os limites que lhes são impostos

pelo próprio mundo, do que resulta que este ser não é capaz de

compromisso. É um ser imerso no mundo, adaptado a ele [...]. Sua imersão

na realidade, da qual não pode sair, nem ‗distanciar-se‘ para admirá-la e,

assim, transformá-la, faz dele um ser ‗fora‘ do tempo ou ‗sob‘ o tempo ou,

ainda, num tempo que não é seu. O tempo para tal ser ‗seria‘ um perpétuo

presente, eterno ‗hoje‘ (p.79).

Para Freire (1979), o ser humano para compreender o processo de transformação a

partir da sua própria criação precisaria afastar-se, distanciar-se do seu contexto para ficar com

ele mesmo.

Neste sentido, a práxis é viva, como afirma Kosík (1976),

A práxis é ativa, é atividade que se produz historicamente – quer dizer, que

se renova continuamente e se constitui praticamente – unidade do homem e

do mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto, do produto e da

produtividade. Como a realidade humano-social é criada pela práxis, a

história se apresenta como um processo prático no curso do qual o humano

se distingue do não-humano (p. 222).

Pela práxis o homem torna-se consciente, pela consciência de si adquiri a consciência

do mundo, a partir dessa compreensão ele torna-se sujeito de sua própria história. Por isso que

Silva (2000) a define como [...] toda atividade histórica e social, livre e criativa, através da

qual o homem modifica a si próprio e ao mundo (p. 94).

Assim, ao considerarmos nosso objeto de estudo como elemento social, que envolve

objetividade e subjetividade, estas, presentes nas relações sociais, partem da premissa que

através de uma práxis pedagógica podemos propiciar a formação humana voltada ao

desenvolvimento da ética, da cidadania, da solidariedade, do diálogo, do sentido de homem

como elemento constituinte do meio ambiente. Isso nos permite refletir que uma mudança nas

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concepções e, consequentemente nas atitudes das pessoas perpassa a educação e as relações

culturais que podem ser desenvolvidas por ela.

Neste sentido, a prática pedagógica caminha nessa pesquisa para uma relação que nos

permite compreensão dos problemas da realidade e que busca refletir sobre a mesma enquanto

produtora de conhecimento e que proporcione,

[...] caminhos para mudanças conceituais, valorativas, ideológicas, resultante

na corporalidade de saberes [...] com indicadores e/ou critérios que tomam

por base pressupostos centrais, como: auto-organização, novas

aprendizagens sociais, cooperação, descobertas, criatividade [...].

(FRANÇA, 2004, p.181).

A mudança e a elaboração de novas relações entre as pessoas nos ambientes escolares

e no dia a dia das atividades pedagógicas oferecidas tornam-se possível se as ideias planejadas

forem postas em prática numa ação efetiva sobre a realidade, de maneira que o resultado seja

a sua transformação.

Isso significa que as questões trazidas e dialogadas com os autores presentes no estudo

nos permitem dizer que todo ser humano está num processo contínuo de mudanças estruturais

e no âmbito escolar as relações vividas também englobam mudanças. Pois a experiência

humana é um fator de formação tanto do ponto de vista da história quando das evidências

cotidianas, é um momento também de conhecimento interior para se perceber enquanto

pessoa.

A partir desta discussão sobre práxis pedagógica, buscaremos refletir, posteriormente,

a respeito das relações que se estabelecem no âmbito da cultura, pois a escola enquanto

espaço de educação trata diretamente com a mesma. Afinal, reconhecer sua diversidade é a

mesma coisa de considera – lá enquanto um caldeirão de culturas, portanto, espaço de

efervescência cultural, identificado na sua forma de organização e nos elementos que a

constitui.

Em sua constituição encontra-se um grande debate social ocorrido ao longo do tempo

da história social brasileira, resultando, entre outros aspectos, na descriminação social, um

núcleo duro e denso de nossa tradição sociocultural brasileira.

Este núcleo foi construído na nossa história de maneira bastante silenciada a partir de

um mito democrático racial. Considerando que num país em que a população negra foi

durante anos a fio relegada a segundo plano, desconstruir o mito da democracia racial para

materializar a igualdade das relações étnicas não é tarefa fácil e não apenas tarefa da escola.

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Mais do que normativas legais, a tarefa requer esforços genuínos do maior número de

instituições da sociedade, a fim de propiciar a necessidade de mudança de valores, de posturas

e de atitudes.

E é, portanto, sobre o mito da democracia racial que trataremos no segundo momento

deste capítulo, num esforço de desvelá-lo.

1.1 O Mito da Democracia Racial: Os Mitos existem para esconder a realidade

No Brasil, as categorias raça e preconceito de cor foram marcadas por hierarquias e

posições. Com a ideia de reconstruir e consolidar a nação13

, a condição do negro, libertados

do sistema escravocrata, tornou-se tema central para elite intelectual ao final do século XIX.

A presença do negro entre as raças14

que fazia parte a população do Brasil era definida

enquanto impedimento para que o país se afirmasse diante de outras nações (Skidmore, 1976;

Schwarcz, 2001, 2001). A questão da raça era vista então como um dos pilares para pensar o

progresso da nação. E o negro passava então a ser um problema para os Estados-Nação. Isso

porque se estabeleceu a crença de que o atraso do continente africano seria herdado,

consequentemente, para a ―raça negra‖ e para as elites isso era inato. Coloca desta forma, o

negro na escala inferior das raças.

Podemos dizer então que raça foi um dos primeiros conceitos que se criou para

estabelecer a desigualdade biológica entre os diferentes grupos (Elias, 1990). Como forma de

agregá-los, unificou-se a pluralidade africana a favor de uma identificação, ainda que na

África seja composta de diferentes grupos com distintas localizações geográficas, históricas e

culturais (MUNANGA, 1988; RIBEIRO, 1995).

13

Nos encontros de Estudo Individualiza realizado com Profº. Drº Moises Santana tive a oportunidade de

conhecer e debater em torno do livro: A invenção do ser negro: Um percurso das ideias que naturalizam a

inferioridade dos negros de Gislene Santos (2002). Nele, segundo a autora observamos que a necessidade de se

construir uma nação ―civilizada‖, aos moldes das nações eleitas como ideais de desenvolvimento, é uma marca

na construção histórica brasileira. Para nós essa marca é repensada e construída diariamente, inclusive na

atualidade (estado capitalista) através de seus ‗modos‘ de hierarquizar e hegemonizar. Estudo Individualizado é

uma disciplina do programa de pós-graduação em educação na qual se organiza em encontros de orientações,

debates e discussões para ampliação de temas frente a temática trabalhada em dissertação de mestrado e/ou

doutorado. 14

A grande influência que a hegemonia da raça branca orientava (e ainda orienta) a hierarquia das raças foi

organizando ao longo da história um grupo ―rácio-cultural‖ dominante, através de teorias e crenças, bem como,

de intencionalidades políticas que se apropriava da negação da realidade, principalmente na rejeição do negro.

Sem ―instrução nem senso de responsabilidade, pois está só existe quando é possível escolha e ação‖, os negros,

mesmo na condição de libertos, estavam subjugados a outras restrições (Abolição).

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[...] o negro torna-se então, sinônimo de ser primitivo, inferior, dotado de

mentalidade pré-lógica [...] No máximo foram reconhecidos nele os dons

artísticos ligados à sua sensibilidade de animal superior (MUNANGA, 1988,

p.9).

Os sentidos e significados criados dos valores raciais mediante as concepções

construídas baseadas nas características físicas foram utilizados para ampliar as diferenças

sociais e culturais. Essas, porém camufladas através do que se tornou um ―mores‖, como

dizem alguns sociólogos, algo intocável, a pedra de toque da "contribuição brasileira" ao

processo civilizatório da humanidade: o mito democrático racial.

A expressão ―democracia racial‖, segundo Guimarães (1990), estudioso do assunto,

teria surgido em discursos intelectuais da década de 30. O termo foi oficialmente empregado

pela primeira vez por Arthur Ramos, em 1941, durante um seminário de discussão sobre a

democracia no mundo pós-fascista, mas é apenas nos anos 50 que a crença na democracia

racial tornou-se consenso.

Na década seguinte, esta crença atingiu seu ápice, designando um ideal de igualdade e

respeito que foi incorporado à fala de intelectuais e universitários por todo o Brasil, como

uma cura para o trauma da escravidão negra.

Mas esta crença não passa apenas por mito construído ao longo de nossa história que

possibilitou e ainda possibilita uma das formas mais perversas de racismo para que se

propagasse no Brasil, aquela mascarada pelo status democrático, cuja aceitação e

compreensão das diferenças não passam de pura dissimulação. Alguns estudiosos apontam

que este mito teria sido um dos mecanismos de dominação ideológica mais poderosa

produzido no país, tanto que, apesar de toda a crítica que a ele foi feita, o mito permanece

bem atual.

Desde o primeiro encontro entre o colonizador português, o escravo africano e o

nativo indígena, a fábula das três raças é contada de geração a geração, propagando o fato de

que o povo brasileiro é resultante da mistura entre brancos, negros e índios. A fábula das três

raças pode ser ilustrada por um triângulo que coloca o branco, o negro e o índio como

formadores de um novo padrão racial. Nele, os brancos situam-se no vértice superior,

enquanto os últimos nos vértices inferiores. Na nossa sociedade em que cada coisa tem o seu

lugar demarcada, cada lugar tem sua coisa (DaMatta, 1981), os negros passam a ter posição

demarcada. Embora, nem houvesse necessidade disso, porque num sistema como o nosso, as

hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante.

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Podemos afirmar isto, através da ―identidade negra‖ que se criou pelo discurso do

branco, a suposta superioridade revela pelos negros para as artes corporais, que na visão de

Souza (1983) esses qualificados corporais privilegiam na ―identidade negra‖, um contraponto

à ideia da racionalidade da ―raça branca‖. Essa reflexão vai indicando os lugares que os

afrodescendentes devem ocupar na sociedade brasileira.

Freyre, em Casa Grande e Senzala (1933), consolidam o mito baseado na dupla

mestiçagem biológica e cultural entre as três raças. Essa ideia traz em sua essência a crença de

que o Brasil, fruto desta mistura, é um lugar onde as relações ocorrem de forma harmônica e

pacífica, em um verdadeiro lugar de respeito racial e humano. Permitindo,

[...] às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os

membros das comunidades não-brancas de terem consciência dos sutis

mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade. Ou seja, encobre

os conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como brasileiros

e afastando das comunidades subalternas a tomada da consciência de suas

características culturais que teriam contribuído na construção e na expressão

de uma identidade própria (MUNANGA, 1984, p.184).

Para Florestan Fernandes, os mitos nascem para tentar mascarar uma realidade e

acabam por revelar a realidade íntima de uma dada sociedade. Outros autores também

apontam para a tese do ―branqueamento‖ da população brasileira como catalisador da ideia do

mito. Segundo essa tese, a partir da mistura da raça branca (superior) e da raça negra

(inferior), haveria um melhoramento da genética dos brasileiros, ou seja, uma tentativa de

‗melhorar‘ a raça.

Esse ideal de branqueamento15

foi incutido na sociedade brasileira ao longo de toda sua

história, de tal maneira, que levou o próprio negro à sua autonegação, levando a uma

fragmentação das identidades raciais no país. E tornou-se possível com a chegada de

imigrantes europeus para suprir a necessidade de mão de obra qualificada, pois só existiam

aqui, negros libertos, posto que não possuísse qualificação desejada para assumir os cargos

que eram oferecidos, pondo desta forma o ideal de ―branqueamento‖ como uma solução para

15

Quando procuramos compreender o processo que naturalizou a condição do negro, ou seja, as ideias que

foram condição para tornar invisível a população negra vão entender como foi se consolidando o racismo

estrutural, revelado ora pela invisibilidade (quase) da raça, ora pelo mito da democracia, que ao longo dos

tempos organizou, a luta pelo rompimento desses mecanismos. Os esforços das autoridades no sentido do

branqueamento como a condição bom positiva da raça relacionada a isto a uma visão de modernizá-la, nos faz

perceber esta visão como sendo um dos pilares das desigualdades raciais no Brasil. As presentes reflexões

geraram a possibilidade de compreender outros sentidos e significações da questão racial no Brasil, para além da

polaridade racismo x antirracismo. O fato é que construímos uma cultura do racismo. A ponto de rejeitarmos

mudanças justificando como única forma de sobrevivência aquela existente. Ao lado da política do

branqueamento, do modelo europeu a ser seguido, segue também uma ideologia, uma forma de pensar racista, ou

seja, o ‗ser negro‘ na perspectiva do branco é ser algo negativo.

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o problema racial brasileiro onde a miscigenação era um processo de extinção das

características negadas nos indivíduos. Sendo incorporado pela população à ideia de

desvalorização da estética negra e em contrapartida a valorização da estética branca,

apresentando uma tentativa de ‗melhorar‘ a raça através dos casamentos inter-raciais. Então,

notamos que a miscigenação no Brasil era descrita como a esperança para a diminuição do

atraso do país, pois o negro era algo desagradável que causava mal-estar e muito prejuízo.

Em lugar da raça, admitia-se no país apenas uma classificação baseada na cor, que

pretendia ser encarada como uma mera descrição objetiva da realidade sem implicações

político econômico-sociais, tais como preconceito e discriminação, a cor passa a designar uma

hierarquia classificatória onde aqueles nomeados de branco são considerados melhores e os

considerados negros como piores, inferiores.

O mito da democracia racial juntamente com o intuito do ―branqueamento‖ social gera

nessa sociedade várias consequências práticas: desenvolveu-se a crença de que não existe raça

no Brasil, isso porque se entende por raça, agrupamento de indivíduos que compartilham

características hereditárias sendo restrito a apenas este grupo de indivíduos.

Consequentemente como não existiam raças, não cabia falar da população negra. Assim

permaneceram negros, índios e outras minorias, as margens da sociedade brasileira.

Positivo ou não, o fato é que essa situação possibilitou às elites brasileiras, que

comandavam o país, difundir a ideia de que o Brasil era livre de preconceitos e discriminação

racial e as circunstâncias histórico-sociais apontadas fizeram com que esse mito manipulasse

os mecanismos sociais através da defesa dissimulada de atitudes, comportamentos e ideais

aristocráticos da raça ―dominante‖.

Compreendemos que o mito da democracia racial serve de reflexão para o ideal de

transformações profundas em nossa sociedade, visando diminuir a distância entre os discursos

igualitários e a sua prática possibilitando a equidade como condição obrigatória para

promover e qualificar o processo de educação de crianças, adolescentes, adultos e idosos/as

no Brasil, que reflete não apenas na melhora da qualidade do ensino público, mas também

numa maior permanência e no sucesso na trajetória escolar de todos e todas.

Reconhecemos que a escola não é a única no processo enquanto espaço que

sistematiza conhecimentos afro-brasileiros, mas tem em sua responsabilidade o favorecimento

do reconhecimento e da celebração da diversidade, embora quase que sempre o que vemos é a

escola silenciar as ‗coisas‘.

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Essa celebração enquanto princípio norteia o princípio formativo, e dialogando com a

escola que nós herdamos no Ocidente ela é acaba sendo desse princípio. Nossa civilização

ocidental não é de um princípio norteador, mas como não se pode eliminar a diversidade, pois

ontologicamente a mesma é um elemento constituinte do ser humano, princípios norteadores

sociais acabam por administrar as relações e desta forma, dentre outras, as relações culturais

administram os processos de produção e de circulação de diferentes modos de ser no planeta,

refletimos então: como a escola tem lidado com isso?

Como a cultura escolar ela foi formatada (seleciona coisas, elimina outras, nem quer

ver algumas coisas) compreendemos que são desses processos de administração da

formatação da diversidade que compõe nossa dita nação e que acabou por influenciar,

também, a formação afro cultural brasileira.

Por isso que entendemos ser interessante trazer para o debate as questões do mito da

democracia racial brasileira porque apreendemo-lo enquanto parte de um processo de

formação da sociedade brasileira que cristalizou processos diante de uma sociedade

extremamente apartada do ponto de vista sócio racial que criou uma engenharia extremamente

sofisticada para se viver, para criar o modo de ler a sociedade que diz inclusive que não há

apartação social no Brasil, há quem nos diga que isso é coisa da relação social dos Estados

Unidos (EUA), por exemplo, ou de outros países, mas reconhecemos existir sim uma

apartação profunda em nossa sociedade.

E isso se torna claro na própria produção de [...] espaços antidialogais (Santana, 2011)

construídos socialmente nos vários âmbitos, ou seja, espaços que não dialogam e são

incorporados de maneiras formatadas de ser, viver e educar para quando da incorporação dos

mesmos reinar as formas subordinadas construídas e aí o mito da democracia racial ele

consegue fazer isso muito bem.

Quando a escola não possibilita esse conhecimento ela reproduz a formatação social

construída, quando não ela mesma produz, caracterizando-se em uma escola produtora de

silêncios. Assim ela vai reforçando esses aspectos quando mesmo com a presença

significativa da discussão da matriz afro-brasileira em todos os espaços de formação da

sociedade brasileira permite uma ausência desses elementos em seu âmbito, quando não certo

controle excessivo.

Porém, diante de toda a cultura possível de ser socializada na escola, podemos

entendê-la, também, como um grupo social interativo e entrelaçado por diferenças simbólicas.

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A cultura juntamente com a educação escolar são aspectos que atravessam diferentes

dimensões da vida das pessoas.

Neste contexto, o trabalho na escola, constitui uma rede de interações entre valores,

crenças, conhecimentos e saberes, o seu coletivo ―[...] como membros de uma instituição

social, participam do jogo de relações que aí acontece, sofrendo e exercendo influência‖

(Falsarella, 2004, p.68). Neste contexto, desenvolvem complexas relações interculturais.

As relações interculturais constituídas nos processos de produções dos modos culturais

são alguns dos elementos que pretendemos refletir a seguir a partir de algumas definições e

compreensões em torno da cultura e educação afro-brasileira. Nossa segunda categoria teórica

da pesquisa.

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2 CULTURA

AFRO-BRASILEIRA

Círculo, a roda, a

circularidade é fundamento

para saberes afro-

brasileiros.

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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A possibilidade de enraizar no passado a experiência atual de um grupo se

perfaz pelas mediações simbólicas. É gesto, o canto, a dança, a oração, a fala

que invoca. No mundo arcaio tudo isto é religião, vínculo do presente com o

outrora-tornando-agora, laço da comunidade com as forças que criaram em

outro tempo e que sustém a sua identidade (BOSI, 1993, p.15).

A cultura é, pois, essa dinâmica de relacionamento que o indivíduo tem com o real

dele, com a sua realidade, com o outro. A citação acima pode nos ajudar a compreender

melhor o diálogo entre os pares realizados a partir de símbolos construídos socialmente. Há

que dialogar então com aspectos de identidades que surgem de nosso ―pertencimento‖ a

culturas étnicas, raciais, religiosas e acima de tudo, do sujeito que é formado na relação com

―outras pessoas importantes para ele‖, que mediam para o mesmo os valores, sentidos e

símbolos - cultura.

Isso significa que tratar do conceito como o de cultura é o mesmo que querer, como se

diz numa linguagem popular, ―abraçar o mundo com as mãos‖. ―Mundo‖ porque estamos

tratando com tudo que o homem produziu, produz e produzirá em sua existência. Essa

afirmação, no entanto, já consiste na apresentação de um conceito de cultura, o que não

estamos nos propondo. Optamos por discutir partindo da etimologia do referido termo.

Segundo Bosi a palavra cultura deriva do ―(...) verbo latino colo, cujo particípio

passado é cultus e o particípio futuro é culturus (...) ‖, significando, em latim, morar, ocupar e,

consequentemente, cultivar, trabalhar. Ainda no presente, este verbo denota um ―quê‖ de

infinitude e transitividade, indicando a incompletude do processo de produção da vida, através

da transformação (cultivo, trabalho) da natureza.

Cultura, como forma nominal, que é também verbo, refere-se, na língua latina, àquilo

que foi plantado e cultivado. A ―plantação‖ não é só o objeto transformado pela ação humana,

como também armazena o processo de trabalho necessário para tal. Nesse sentido, cultus traz

em si um entendimento de passado como presente, porque o passado se encontra representado

no objeto que recebe a ação. Como afirma Bosi,

Cultus é sinal de que a sociedade que produziu seu alimento já tem memória.

A luta que se travou entre o sujeito e o objeto do suor coletivo contém-se

dentro do particípio, e o torna apto a designar a inerência de tudo quanto foi

no que se passa agora. Processo e produto convêm no mesmo signo (1992,

p.15).

A memória representa a herança do que não se perdeu no tempo e no espaço, porque

se tornou presente no produto.

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Já cultus, enquanto substantivo significava, para os romanos, não só o cultivo sobre a

terra, mas também ―... o que se trabalha sob terra‖ (BOSI, 1992, p.13), ou seja, o cuidado com

os mortos. Cultuar os mortos era relacionar o passado com o presente, numa redenção do que

somos ao que éramos num campo simbólico e, para os antigos, essencialmente religioso.

A esfera do culto, com a sua constante reatualização das origens e dos

ancestrais, afirma-se como um outro universal das sociedades humanas

juntamente com a luta pelos meios materiais de vida (BOSI, 1992, p.15).

As mediações simbólicas vividas no culto aos mortos então se uniam à transformação

da matéria (a natureza) na criação da vida. Voltando-nos para o futuro, teremos culturas, que

significa o que se vai trabalhar, o que se quer cultivar. Nesse sentido, refere-se tanto a terra

(agricultura) quanto à criança (puericultura). Segundo Bosi ―(...) essa terminação em culturus

informa a ideia de porvir ou de movimento em sua direção‖ (1992, p.16).

Cultura em sua concepção latina é uma ação do passado no presente que remete os

homens ao futuro, sempre como produtores da vida, através da transformação das condições

materiais e não materiais de nossa existência.

Após essas observações acerca de alguns dos sentidos encontrados para a palavra

cultura desenvolvidas por Bosi a partir de sua origem latina, examinaremos as representações

da cultura que prevaleceram em alguns momentos da história, e serão analisadas de acordo

com a valorização de um ou de outro significado, a depender do momento vivido.

Bosi, Schelling e Chauí (1990), ao se remeteram ao século das Luzes nos falam no

mito da sociedade moderna e civilizada, uma noção de cultura baseada na existência de

valores universais e perseguido por todos os homens de ―bem‖16

. Esses valores se tornavam

acessíveis a todos os homens na mediada em que só do indivíduo dependia à vontade para o

―esclarecimento‖, uma vez que a sociedade industrial prometia ―benesses‖ em série. Ainda

segundo os autores, cultura, neste sentido, estava relacionada com a produção material e

imaterial dessa sociedade, distanciando-se de todas as formas de atraso, representadas pela

vida agrária e pobre voltada para o passado. Essa época se observa a vivência da supremacia

do trabalho contido no colo e do culturus, em detrimento do culto presente em cultus, porque

viu na técnica a possibilidade de produção da vida humana e negou ou, pelo menos, pouco

valorizou o culto, enquanto um processo, também, de criação da vida. (Bosi, Schelling, Chaui,

1990, p. 12).

16

O termo em aspas representa grifo nosso.

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Segundo Schelling17

e Chauí, o século XVIII viu nascer outra representação de

cultura. A sociedade estava desumanizando os homens e para superá-la, eles (os homens)

deviam se voltar para a natureza, valorizando a produção humana desinteressada voltada para

o engrandecimento do espírito, qual, seja: a arte. Naquele momento, a noção de cultura se

confundiu com a produção artística da humanidade, separando-se completamente de sua

produção material e do pensamento social (CHAUÍ, 1989, p.12-13). O cultivo da criança

(culturus) separou-se da noção de trabalho, contido em colo, ao mesmo tempo em que se

separou do processo social.

O ideal de educação defendido pela cultura era concebido mais em termos de

crescimento livre e criativo do ser integral, como um fim em si mesmo, do

que como uma formação instrumentalizante onde ele serviu a um fim

exterior a si próprio. O conceito de cultura era utilizado para designar tanto

uma denúncia quanto uma alternativa à sociedade. Essa ideia de cultura

como arte, literatura, esfera superior e destacada da sociedade, tornou-se

uma espécie de defesa compensatória da subjetividade e das noções

correlatadas de criatividade, imaginação e espontaneidade (SCHELLING,

1990, p.23).

Os homens modernos e contemporâneos, como vimos, denotaram e denotam

significados contrários para a cultura, na medida em que enalteciam e enaltecem seu papel na

construção e produção da sociedade moderna. Com isso a primeira questão que se coloca no

mundo contemporâneo é a importância de se entender a relação cultura e educação. De um

lado está a educação, e do outro, a ideia de cultura como o lugar, a fonte de que se nutre o

processo educacional para formar pessoas, para formar consciências. Mas a cultura como já

falamos é dinâmica. O lugar, o território não apenas o espaço. E sobre isso falaremos adiante.

Lamentavelmente, as instituições oficiais ao longo do tempo conceberam cultura em termos

patrimonialistas18

.

17

Em sua obra: A presença do povo na cultura brasileira; ensaio sobre o pensamento de Paulo Freire e Mário de

Andrade. Campinas: UNICAMP, 1990. 18

É antes de qualquer coisa acreditar que a ideia de cultura é a de monopólio oficial de ideias já prontas,

preestabelecidas. Cultura, nessa visão se limita ao que está presente nos monumentos do passado, é o que está

presente nos arquivos, é o que permitiu a construção dos edifícios, a formação de riquezas [...] Isso também é

cultura, mas é uma visão de cultura apenas como um patrimônio, um bem cultural a ser guardado. E esse bem

patrimonial, a sua materialidade está nos manuais escolares, nos ministérios, em tudo aquilo que o Estado se

sente capaz de administrar. No entanto, esse patrimônio só é patrimônio, porque se entende cultura como o que

resulta de um valor global, de um valor universal que é o valor cristalizado, no modo como os europeus vivem e

pensam. Tanto a cultura como patrimônio, gerida pelo Estado. É valor porque trata de uma coisa que cristaliza

que corporifica o que a Europa produziu, o que a Europa é. Por outro lado, junto com essa ideia superior de

cultura, há um sistema educacional no Brasil que conflui para a educação e que veio do sistema discriminatório

da sociedade escravagista do passado. Assim, de um lado, dentro desse sistema discriminatório temos elites, que

são elites sociais, elites econômicas e são também elites culturais, que administram aquele patrimônio, que têm

um cabedal (bens, capital, riqueza e conhecimentos) de saber, e este saber é voltado para a Europa.

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Nesse ínterim surgiu, entre aqueles19

que se preocupavam com a vida de povos não

europeus, outro entendimento de cultura que viria a ser conhecido como conceito

antropológico de cultura. Trabalho, cultivo, produto, processo e projeto estão implícitos no

ato de criar e ser criado pela cultura.

Deparar-se com outras sociedades e civilização foi, inicialmente, um encontro

valorativo. Laplantine (1993), transcrevendo trechos de cartas de navegadores e exploradores,

demonstra como esses apreendiam os outros povos a partir de um referencial próprio. Para

aqueles que se encontravam satisfeitos com a sua sociedade, os selvagens viviam com os

animais. Já aqueles que não conseguiam se adaptar com a sociedade moderna, como

Cristóvão Colombo, os ―indígenas‖ eram pessoas dóceis que viviam de forma comunitária,

sem as intempéries à vida atribuída das grandes cidades. Esse foi o primeiro momento que

contribuiu para o surgimento dos estudos antropológicos.

Mais adiante, autores como Malinowski e Boas (1993), os chamados pais da

etnografia, organizarão um conceito abrangente, diferencial e não valorativo de cultura, o qual

se encontra traduzido, contemporaneamente nas palavras de Geertz,

Para obter a informação adicional necessária no sentido de agir, fomos

forçados a depender cada vez mais de fontes culturais, o fundo acumulado de

símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples

expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica,

psicológica e social: eles são pré-requisito. Sem os homens não haveria

cultura, mas de forma semelhante e muito significativa, sem cultura não

haveria homens (GEERTZ, 1978, p.61).

Nessa citação, o autor expõe, inicialmente, o conteúdo da cultura, qual seja: toda a

produção sob a terra que se torna humana através da atribuição de significados. Os

significados, construídos na interação com o outro, interferem no modo como cada um age,

pensa e é. Aquilo que os sujeitos dizem aos outros e aquilo que lhes dizem têm papel central

em sua formação. Aprendemos o que somos em meio às relações que estabelecemos, tanto

com os nossos "semelhantes" (somos, todos nós, brasileiros) quanto com os que diferem de

nós (somos meninos, por não sermos meninas). Aprendemos também o que somos em meio

aos significados atribuídos, pelos outros, "àquilo que somos".

E, ainda quando refletimos mais atentamente sobre suas palavras, observamos em seu

conceito, cultura, mais explicitamente no final de sua afirmação. Aqui, a cultura emerge da

relação ontológica do homem com o mundo social e histórico. Ambos, homem e cultura, só

19

Os românticos que atestaram e atestam seu poder de contraposição a essa sociedade moderna ainda que

separados do processo.

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existem como produtores e produção da história, sem que exista a sobreposição do conteúdo

da cultura sobre o homem e/ou o contrário.

Cultura é, portanto, tudo que esse homem produziu e deu significado no processo

histórico, ao mesmo tempo em que essa produção é sua condição de existência.

Bosi (1987) alerta para o caráter plural da cultura brasileira, por não ser homogênea.

Isso seria um processo decisivo para compreendê-la como resultado de um processo de

múltiplas interações e oposições, no tempo e no espaço. O papel histórico numa ação cultural

e de uma ação educacional é o de estar comprometido com a ―saúde‖ de seu território. O

território não é o lugar físico, abstrato, ele é o lugar marcado pelo humano. Corpo é território,

a casa é território, são os lugares simbólicos do espaço ocupados pelo humano. Ajudam-nos,

ainda, nesta compreensão os estudos de Fourquin (1993) pela explicação de que não é

possível ver a cultura como algo imutável o que nos possibilita entender que (re)conhecê-la

por sua pluralidade, diversa, pode obrigar à revisão de si mesmo.

E nesta condição enquanto processo de múltiplas interações e oposições tentar

compreendê-la é um exercício difícil, porém possível. Compreender considerando o nosso

―ser produzir‖ de formas tão diversas. Essa é uma reflexão que precisamos realizar, pois

geralmente tratamos o fenômeno, mas pouco, o porquê do mesmo ocorrer.

E como ocorre em muitos outros fenômenos sociais, é impossível oferecer afirmações

conclusivas ou fazer julgamentos seguros sobre as alegações ou preposições teóricas que

estão sendo apresentadas. É importante considerar os elementos que a constitui, ter isso em

mente, ao se ler o que estamos propondo. A fim de explorar a afirmação acima examinamos

então cultura considerando sua pluralidade. Constituímo-nos numa aparente relação paradoxal

uno - diverso, ou seja, dimensão de unidade no ser humano, condição que possibilita nos

produzir de formas diversas. Essa dimensão humana se encontra hoje articulada a educação

que é a dimensão cognitiva humana. Essa capacidade sofisticada de aprender do ser humano

que todos comungam nos oferece possibilidade de organizar formas de aprender criando20

condições para o produzir diferentes modos de ser. Os diferentes modos de ser que vamos

20

A criação hoje, se não é coletiva não existe. Porque o ato de pensar, de criar, é um ato de se integrar enquanto

indivíduo, primeiro a outro indivíduo, depois a outras instituições, depois aos livros biblioteca, depois às

máquinas. As máquinas fazem parte desse ciclo de pensamento, elas não são estranhas a esse pensamento,

portanto, tem que dialogar com elas. Há que dialogar com elas há que dialogar com o livro, que vão constituir o

processo formativo. Hoje, só se pode pensar coletivamente, grupalmente. E dentro desse processo entra gente,

entra máquina, entra livro, entra objeto. A ideia de grupo, do coletivo na atividade pedagógica é mais forte nesse

momento que no passado; não basta eu sugerir individualmente, solitariamente, estudar aquilo e responder

àquele professor. Ele tem que ver como essas coisas se conecta com outras coisas e outras pessoas. É esta ideia

de coletivo que pensamos.

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construindo nem sempre se articulam de modo harmônico. Pelo contrário, chegamos mesmo a

entrar em conflito, evidenciando o caráter contraditório de nossa identidade porque não

gravitamos em torno de um núcleo orgânico, constante e coerente o que somos se define em

relação ao que não somos.

Esta arquitetura humana concebe a diversidade enquanto expressão dessa capacidade.

E, em uma perspectiva mais dialética falar dessa capacidade de produzirmos cultura, algo

além do que nos foi dado naturalmente, é considerarmos, também, da capacidade do ser que

antecipa, mas que aprende e que acumula aprendizados e estes elementos fazem com que o

ser humano organize a vida nesse planeta.

Então a relação unidade diversidade é muito importante para a compreensão da cultura

e de processos formativos mais abertos. E esse diálogo também tem relação com a experiência

da vivência democrática em seu modo mais radical. Quer dizer, a radicalidade do período de

experiência democrática é a radicalidade do reconhecimento da diversidade cultural.

Se reconhecer na diversidade é nos percebermos como o Ghetts (1978) diz, que nós

nascemos com possibilidades de sermos milhares de outros, diverso, em outras palavras, o

que eu não sou o outro sendo é uma dimensão de possibilidade minha também de ser através

do outro. Porque sou ―eu‖ num determinado contexto, uma casa determinada historicamente

com relações envolvidas, mas sou o outro também.

O outro passa a ser essencial para a descoberta do eu, que nessa perspectiva

anunciasse inacabado, buscando sentido para si, na construção permanente

em diálogo com os outros. Essa abordagem exige o desenvolvimento de uma

atitude policêntrica (SANTANA, 2011, p.9).

Nessa reflexão emergi então uma dimensão de incompletude21

de qualquer espaço

cultural seja ele de qualquer matriz.

E como destaca Morin (2000)22

, os seres vivos passam a vida a produzir, manter,

salvaguardar a sua vida, e a sua vida coincide com a sua unidade, a sua integridade, a sua

21

Sobre a dimensão de incompletude, presente nos diversos modos de ser, torna-se um elemento muito

importante para se pensar modelos e projetos educativos que considere o princípio da diversidade como essencial

formativo. O princípio da diversidade cultural formativo apreende que eu posso aprender com o outro, que eu

devo respeitar determinado universo que foi produzido pelo outro, que eu posso também criticar o outro porque

o que o outro produziu nem é absoluto, nem é relativo no sentido de compreender que ser relativo, não significa

dizer, que se algo não for igual ou não ―pensar‖ (compartilhar) com o que ―eu‖ penso, isto é, do que foi

produzido/construído pelo outro, não significa que não ―preste‖, que não serve. 22

Edgar Morin é um pensador francês que vem contribuindo com a elaboração de um pensamento que assuma a

complexidade do real, buscando a relação das partes com o todo e do todo com as partes. Sua principal obra: ―O

Método‖ está formulada em cinco volumes até então. Nesta obra o autor propõe alguns princípios para se

construir o conhecimento a partir do pensamento complexo.

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45

identidade: si mesmo. Em seus estudos podemos explorar o pensamento complexo, que além

de ser aquilo que não é simplificado23

é o conjunto de coisas, circunstâncias ou atos ligados

ou relacionados entre si. Dessa forma, se constituir diverso certamente é uma dimensão

complexa.

A dimensão complexa para Morin (1997) propõe associar aquilo que era considerado

antagônico, sem ignorar o antagonismo. Nesse sentido, mente e corpo, espírito e matéria,

trevas e luz, masculino e feminino, interior e exterior (...) devem ser religados, amalgamados

para constituir unidade, e isso acontece em virtude do árduo e incessante trabalho e

necessariamente por meio da condição corporal. Isso nos indica que é,

[...] necessário ligarmos as noções de desordem, ordem e organização, até

então separadas pela lógica da ciência clássica. Ele afirma que é

desintegrando-se que o cosmo se organiza (MORIN, 1997, p. 48).

Morin (1997, p.49) referindo-se à origem do Cosmo, relata que a formação de uma

ordem e de uma organização se desenvolve a partir de uma situação de desordem. A formação

vai operar por meio de interações e a ordem já se mostra presente. Os primeiros seres vivos

caracterizam uma organização produtora de si, a qual, ao criar a sua organização

informacional, gera auto-organização. Eles se diferenciam dos seres físicos que detêm apenas

organização (os átomos). A auto-organização é sempre auto-eco-organização: a capacidade

de lidar simultaneamente com a organização das interações internas e a organização das

interações externas (MORIN, 1997, p. 190 e 191).

Na necessidade de concebermos desordem e ordem, uma na outra, co-produzindo-se

entendemos que tais noções são relativas e relacionais entre si, o que introduz a complexidade

lógica: temos de pôr desordem na noção de ordem; temos de pôr ordem na noção de

desordem. Uma não vive sem a outra. Por isso, a ligação é necessariamente de natureza

dialógica.

As situações de desordem acompanham a ação pedagógica, trabalhá-las como

processo construtivo fornece condições para o entendimento de que o desequilíbrio/problema

é fundamental para que aconteçam novas aprendizagens. Nesse sentido, a intervenção

prematuro determinista do professor, por exemplo, pode limitar a amplitude da experiência.

23

O simplificado é diferente do simples. Simplificar é a característica do pensamento científico clássico que

separa as várias características que constituem o ser humano, atribuindo a cada especialista, de uma área do

conhecimento, a tarefa de pesquisar uma determinada qualidade humana. Neste sentido, cada área olhará para o

ser humano a partir do seu enfoque, buscando compreendê-lo apenas a partir desse ponto, o que formará uma

visão fragmentada, não só do ser humano, mas de tudo o que é estudado.

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46

Vejamos que, a origem do Cosmo se dá a partir da desordem e, neste contexto se faz

fundamental compreendermos que o resgatar de nós mesmos precisará de ações intencionais

de ruptura de padrões comportamentais, ou seja, intencionar uma (des)equilibração e

aventurar-se no desconhecido onde a desordem será vivida. Esse é um mecanismo de

autoconhecimento. Observemos que é no se conhecer que conhecemos a ―outros‖.

É necessário também entender que desordem e ordem se coproduzem como acentua

Morin (1997). Assim, entrelaçar em dialogo as duas instâncias nos levará à compreensão de

que vivemos em constante desorganização e organização, passando por estágios de

estabilidade. As relações que permitem as aprendizagens seguem um princípio de expansão e

recolhimento indicando a necessidade de sair e entrar na ―casa‖ (conhecer as coisas conhecer-

se, conhecer o outro, conhecer o que nasce a partir dessas relações).

Partindo da posição em que nos encontramos, ou seja, tendo a consciência do nosso

enraizamento no universo físico e no universo da vida, o que significa sermos seres vivos e

corpóreos, e nos observando como espécie humana pertencente ao universo antropo social,

podemos nos compreender hoje que o corpo humano é um sistema ou uma organização que

não se reduz a uma estrutura orgânica-física-motora, como até então era entendido, mas, sim,

um sistema/organização que guarda toda a complexidade presente no universo físico, no

universo da vida e no universo antropo social e que se define melhor pela palavra

corporeidade, porque enquanto a palavra corpo está associada apenas ao que é orgânico-

físico-motor em nós serres humanos, a palavra corporeidade permite compreender as várias

partes, dimensões humanas, que compõem o todo de nós seres humanos.

Essa perspectiva impõe uma aproximação em diferentes planos, ou seja, um diálogo

transversal, fecundo, produtivo. Convidam-nos a conhecer os outros como formas de nos

conhecermos. E como alerta Santana (2011) no caso brasileiro, a nossa apartação sócio racial

contribui para a produção de espaços antidialogais. Pensamos que esses espaços aprofundam

o processo de desconhecimento, de falta de integração entre os diferentes brasis24

. O fato é

que, a necessidade de perspectivas pedagógicas que contribuam com a formulação de projetos

formativos que efetivamente possibilitem o diálogo e o trânsito entre as diferentes matrizes

culturais brasileiras, precisa estar baseada na ideia de que,

24

O termo designa a metáfora refletida pelo autor: ―Os brasis não conhecem os brasis...‖. O autor parte do

pressuposto de que é necessário construir uma abordagem transcultural-dialógico-crítica na educação. Essa

abordagem deverá relativizar os lugares culturais de origem dos sujeitos a fim de desenvolver um efetivo

diálogo. Essa postura pedagógica transcultural sugere a superação do processo de desconhecimento, da falta de

interação entre os diferentes brasis e desta maneira o transculturalismo crítico impõe uma aproximação em

diferentes planos, um diálogo transversal, fecundo, produtivo entre os brasis.

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47

Esse diálogo poderá sugestivamente se construir a partir de uma perspectiva

que redesenhe a maneira de perceber e de interagir, nos diferentes espaços

educativos. Esses processos formativos mais criativos devem incorporar a

diversidade bio-sócio-cultural enquanto um princípio orientador de políticas

culturais e curriculares (SANTOS, 2009).

Esse diálogo exige rever criticamente o próprio lugar do sujeito, a fim de transitar por

e em outros lugares e neste sentido o próprio lugar cultural do sujeito é colocado em questão.

Nos processos educativos significa também que tipo de saber e que tipo de diversificação

cultural é importante. Porque, reconhecer democraticamente a riqueza da diversidade é aceitar

outros tipos de saberes. É procurar compreender o verdadeiro sentido democrático25

. É

procurar o que tem de reacionarismo – que tem também – o que tem de vital, para o dia a dia

das pessoas. Por isso a questão da diversidade cultural implica relativizar um pouco o saber,

também, e a memória que muitas vezes é preservada na forma de livro, na forma de obra de

arte, de monumentos, de arquivos. Tudo isso é importante, mas só ganha sentido, quando

agente recria esse saber, ou reapropria, por exemplo, através de ações vinculadas a projetos

educacionais, aberto ao enraizamento comunitário. Ou seja, como é que os saberes se

articulam com um projeto de enraizamento do lugar onde estamos, do que somos, e de como

somos e não como deveríamos ser.

Cada um é o seu próprio mundo, constituindo-se a si mesmo como ser no mundo. A

expressão ser no mundo não deve ser entendida como se um objeto dado fosse colocado

sobre uma superfície qualquer, nem como junção ou fusão de duas realidades que se unem,

mas em uma autocriação, em que não se supõe duas peças anteriores, o homem e o mundo,

mas a autoconstrução do que se chama ser no mundo, sou simplesmente existência humana

(SANTIN, 1987, p. 76-77).

O existir humano se faz a partir de sua individualidade e em unidade com o mundo; o

ser humano é um ser no mundo. Que,

[...] não age por partes, mas age sempre como um todo; o pensar, as

emoções, os gestos são humanos, não são ora físicos ora psíquicos, mas

sempre totais... O homem é corporeidade e, como tal, é movimento, é gesto,

é expressividade, é presença. ―Maurice Merleau-Ponty descreve esta

presença do homem como corporeidade, não enquanto o homem se reduz ao

conceito material, mas enquanto fenômeno corporal, isto é, enquanto

expressividade, palavra e linguagem‖ (PONTY, 1987, p. 25).

25

Utilizamos a palavra democrático, embora acreditamos que nos últimos tempos ela foi bastante usada no

sentido de desgastada que pode até ter perdido seu valor como conceito. Quanto ao sentido da vivência

democrática não é essa da simples distribuição. É deixar viver uma estrutura sensível de percepção, de modo que

todos os equipamentos de distribuição de cultura fiquem afetados por uma estrutura de percepção, contemplando

tanto a letra quanto o que não é letra. Que contemple o diverso e saia dessa ideia de cultura como monopólio

controlado pelas elites socioeconômicas.

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48

Esse ser e se fazer ―ser‖ no mundo é condição do homem, princípio de sua

diversidade26

que norteia o princípio formativo em diferentes modos de ser existente e nos

convida curiosamente a articular compreensões e reflexões em torno do multiculturalismo,

interculturalismo e transculturalismo, dimensões culturais significativas para melhor

entendimento de nossas relações de ser estar no mundo culturalmente existente.

2.1 Educação: convivência a cultura do outro.

O multiculturalismo engloba a multiplicidade, ser sendo/ o no outro produzindo um

ser outro, sem deixar de ser ―si mesmo‖, ou seja, compreender a nós mesmos, aos outros, a

natureza é permanentemente nos construirmos em condições de conhecimentos, fazeres e

sentimentos enquanto pessoa ou grupo cultural confrontados com os de outras pessoas ou

grupos resultando em outros conhecimentos, sentimentos e ações promovendo em cada um

dos envolvidos uma maior socialização, riqueza cultural, simbólica e material.

O multiculturalismo é expressão da própria condição humana, ser uno e

diverso, capaz de criar a partir da complexidade cognitiva que somos

portadores, diversos modos de habitar o planeta. Contudo os processos de

produção desses modos culturais são constituídos nas relações, ou seja, os

processos são interculturais. No entanto, a forma de lidar com os processos

nos convida a pensar sobre as perspectivas formativas, as maneiras e os

modos em que são administradas as relações inter e intraculturais. Nesse

sentido, podemos afirmar que os processos institucionais formativos de

produção de identidades expressam perspectivas, tendências, mesmo que

elas não sejam explicitadas (SANTANA, 2011).

As tendências e perspectivas produzidas nos processos institucionais formativos estão

embutidas em nossos sistemas culturais, o que nos permite considerar que muitos de nossos

significados sociais se constroem nas relações de similaridade e diferença, eu sei quem ―eu‖

sou em relação com ―o outro‖ que eu não posso ser. Somos ―multimodulados‖ carregamos

ecos de significados, temos um ―antes e um ―depois‖, uma ―margem‖ nas quais outras pessoas

podem escrever. Entretanto, nós efetivamente pensamos nessas questões como se fosse parte

de nossa natureza essencial. O filósofo conservador SCRUTON (1986) argumenta que,

A condição de homem exige que o indivíduo, embora exista e aja como um

ser autônomo faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a

si mesmo como algo mais amplo – como membro de uma sociedade, grupo,

classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar

nome, mas que ele reconhece instintivamente como seu lar (p.156).

26

A diversidade aqui também é entendida como elemento ontologicamente constituinte do ser humano.

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49

O argumento que estamos considerando aqui é que, o ser e se fazer homem não é ser e

ter coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior das formas

diferentes pelas quais residimos. Esta ideia estrutura a formação de pessoas e grupos humanos

mais desenvolvidos socialmente e capazes de viver multiculturalmente pela interculturalidade.

Souza (2001) identifica claramente essa relação quando nos afirma que,

[...] Multiculturalidade é o resultado de um processo consciente de diálogo

entre culturas ou traços culturais numa mesma cultura (interculturalidade),

que se caracteriza como ―invenção da unidade na diversidade [...] e através

do diálogo crítico entre as culturas e das culturas (p.158-159).

Para dizer de forma simples: o indivíduo constrói o conhecimento através de

interações que ocorrem entre cultura e o pensamento e, desta forma, resgata a visão de

contexto, retratada por Morin (2003), revelando que os indivíduos são dentro de determinados

contextos, podendo ser compreendidos a partir de suas conexões e de suas relações com sua

realidade contextual. Apenas se reconhecendo na matéria e no outro o homem se torna

autoconsciente e humano. Sujeito e objeto, razão e matéria, encontram-se unidos na criação e

transformação do mundo social e histórico.

Isso implica em considerar que a Educação/Estado/Sociedade deva promover o

respeito às diferenças, à diversidade entre os seres, às variações culturais e aos diferentes

processos de desenvolvimento humano. Moraes (2003) e Maturana (2001) destacam que o

ambiente de aprendizagem é um espaço de ação/reflexão e de convivência que possibilitam o

fazer e o conviver.

Pensar sobre o multiculturalismo e educação pressupõe o enfrentamento dos conflitos

gerados em função das questões econômicas, políticas e étnico culturais, na tentativa de

combater discriminações e preconceitos haja vista as dificuldades de indivíduos e grupos de

acolher e conviver com a pluralidade e as diferenças culturais. Sobre isso Valente (1999, p.63)

argumenta: ―Aceitar as diferenças e enriquecer com elas continua sendo um problema que

hoje ninguém sabe resolver porque supõe o reconhecimento da alteridade (...)‖.

Essa dificuldade de reconhecimento, culturalmente, com o vertiginoso avanço da

tecnologia, tem-se ajudado no acelerado do intercambio cultural. Definitivamente as feições e

as marcas da multiculturalidade, da diversidade cultural, fazem-nos crer a importância do

pensar a unidade humana a partir de sua diversidade cultural e nos desafia a desenvolver a

capacidade de conviver com as diferenças. Salienta-se com isso, o caráter em relação às

identidades culturais diversas, sobretudo quando se leva em conta o processo opressivo de

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globalização que pode significar entre outras questões homogeneizar, diluindo identidades e

apagando as marcas das culturas dita inferiores (FLEURI, 2003).

Marcada pelos processos de reestruturar o sistema capitalista, a globalização de certa

forma resulta na chamada universalização do capital e marca o crescimento dos intercâmbios

culturais, que cada vez mais evidenciam diferenças e acirram conflitos e desperta os sujeitos e

os grupos alvos de descriminação para lutar em defesa das formas plurais e diversas de ser e

de viver.

Olhando sob esse ângulo,

O transculturalismo crítico, no seu desenho e esboço inicial, concebe a

diversidade bio-sócio-cultural, enquanto um princípio formativo

fundamental, pois expressa tanto a complexidade ecossistêmica quanto a

condição ontológica humana, ser uno e diverso, portador de possibilidades e

produtor de incompletudes culturais. Assim sendo, o diálogo é elemento

central, estruturador. Ele exige abertura e conhecimento crítico sobre o

outro. É impossível transitar de forma respeitosa sem abertura para dialogar.

As relações temporais entre passado, presente e futuro devem ser

repensadas, pois não produzimos linearmente a história (SANTANA, 2009).

Amplia-se para esta compreensão que a transitoriedade, a criatividade presente nos

processos da natureza são importantes para a evolução da humanidade. Partindo dessa ideia à

visão frente à diferença é associada à inferioridade e desigualdade, e o ―outro‖ que é diferente

porque diverso e plural torna-se inferior e passa a apresentar uma ameaça aos padrões

estabelecidos socialmente de ser e de viver. Salienta-se que a ideologia do branqueamento

está centrada numa visão etnocêntrica de mundo, isto é, na cultura do próprio grupo como

única aceitável e correta. Projetadas de si mesmo e reproduzidas como,

[...] uma espécie de narcisismo coletivo anestesiante, afetando a vivência

social de todos os grupos culturais, sejam os ditos superiores ou inferiores

(SILVA; BRANDIM, 2008, p.03).

Outra questão à convivência plural são os passos lentos a que temos caminhado no

sentido de acolher a diversidade cultural, assumimos de forma rápida práticas

preconceituosas, racistas, estereotipadas diante do ―outro‖. Práticas estas que com a formação

de uma cultura que cria padrões universais, generaliza a língua como meio dominante, criando

uma cultura homogênea e que mantém instituições culturais nacionais, como por exemplo, um

sistema educacional dentre outras instituições formadoras (escolas e universidades) que vai se

tornando urgente e inadiável a mobilização de esforços no sentido de solucionar e combater a

opressão, em última instância, aliviar as tensões.

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Nesse sentido, levar em conta a pluralidade cultural no âmbito da educação implica

pensar formas de reconhecer, valorizar e incorporar as identidades plurais em políticas e

práticas curriculares. Significa ainda refletir sobre mecanismos discriminatórios que tanto

negam a voz a diferentes identidades culturais e que silencia manifestações e conflitos

culturais.

Moreira (1999), ciente de que a base da dinâmica social vigente é a opressão

econômica e social, ressalta a crescente importância da questão cultural no mundo

contemporâneo. A cultura é vista como esfera de lutas e de relações de poder desiguais,

constituindo-se na fonte fundamental de conflitos mundiais no cenário atual e são eles que

originam as divergências de interesses entre os diferentes grupos e de suas tentativas de

imposições dos significados de determinados grupos em relação a outros, com a intenção de

exercer a hegemonia cultural aprofundando as contradições e incertezas que colocam em

xeque a própria existência humana na terra.

Podemos pensar que para compreensão do ser multicultural é possível refletir e

considerar o ser ―sendo‖ no sentido de estar sempre se fazendo, evoluindo enquanto ser, e que

nesse processo de formatação a cada dia deve (trans)formar, transcender a si mesmo,

conhecendo limites e traçando estratégias adequadas ao crescimento individual e

consequentemente coletivo.

Assim, quando vamos discutir sobre estas questões, devemos ter em mente que a

formação humana está intimamente ligada a vida cotidiana e à sociedade e tem diálogo com a

escola espaço multicultural. Pensar o multiculturalismo neste âmbito é considerar que o

mesmo é capaz de emergir com abordagem curricular contrária a toda forma de preconceito e

descriminação, embora nem sempre seja o que aconteça. A multiplicidade de culturas e a

pluralidade de identidades, em face de relações de poder assimétricas, geram a necessidade de

questionar e desafiar práticas silenciadoras de machismos, preconceitos e discriminações, tão

importantes para a escola e o currículo no processo de formação de seus educandos/as e

educadores.

Então não há como deixar de se oferecer alguma resposta a essa inescapável

pluralidade. E, multiculturalismo envolve a natureza dessa resposta. Multiculturalismo em

educação envolve a natureza da resposta que se dá nos ambientes e arranjos educacionais, ou

seja, nas teorias, nas práticas e nas políticas. Multiculturalismo na escola envolve, ainda, um

posicionamento claro a favor da luta contra a opressão e a discriminação a que certos grupos

minoritários que têm, historicamente, sido submetidos por grupos mais poderosos e

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privilegiados. Nesse sentido, multiculturalismo envolve, necessariamente, além de estudos e

pesquisas, ações politicamente comprometidas. A intenção não é, nem jamais poderia ser

oferecer soluções ou propostas aplicáveis a toda e qualquer situação educativa. Contudo,

sustentamos que questões como o racismo e a desinformação sobre a ascendência africana no

Brasil, por exemplo, constituem sérios obstáculos à formação de uma consciência coletiva que

tenha como eixo de ação política a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Parto da afirmação de que não há educação que não esteja imersa nos processos

culturais do contexto em que se situa. Neste sentido, não é possível conceber uma experiência

pedagógica "desculturizada", isto é, desvinculada totalmente das questões culturais da

sociedade. E, o que parece consensual é a necessidade de se reinventar a educação escolar

(CANDAU, 2005) para que possa oferecer espaços e tempos de ensino-aprendizagem

significativos e desafiantes para os contextos sociopolíticos e culturais atuais e as inquietudes

de crianças e jovens.

Partindo deste universo de preocupações, acreditamos que o mal-estar que se vem

acentuando em nossas escolas, entre os professores e professoras, assim como entre os alunos

e alunas, e demais atores sociais que nela vive e convive exige que nos enfrentemos com a

questão da crise atual da escola não de um modo superficial, que tenta reduzi-la à

inadequação de métodos e técnicas, à introdução das novas tecnologias da informação e da

comunicação, ou ao ajuste da escola à lógica do mercado como se apenas isso bastasse.

Situamos a crise da escola em um nível mais profundo. Façamos nossas as palavras de Veiga

Neto (2003) quando afirma:

Sentimos que a escola está em crise porque percebemos que ela está cada

vez mais desenraizada da sociedade. [...] A educação escolarizada funcionou

como uma imensa maquinaria (encarregada de fabricar o sujeito moderno.

[...] Mas o mundo mudou continua mudando rapidamente sem que a escola

esteja acompanhando tais mudanças (p. 110).

A escola como instituição está construída tendo por base a afirmação de

conhecimentos considerados universais, uma universalidade muitas vezes formal que, se

aprofundarmos um pouco, termina por estar assentada na cultura ocidental e Europeia,

considerada como portadora da universalidade. No entanto, as questões multiculturais

questionam este universalismo que informa o nosso modo de lidar com o conhecimento

escolar e o conhecimento de modo geral. Exige desvelar o caráter histórico e construído dos

conhecimentos escolares e sua íntima relação com os contextos sociais em que são

produzidos. Obriga-nos a repensar nossas escolhas, nossos modos de construir o currículo

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escolar e nossas categorias de análise da produção dos nossos alunos/as.

Nesta perspectiva, situações de discriminação e preconceito estão com frequência

presentes no cotidiano escolar e muitas vezes são ignoradas, encaradas como brincadeiras. É

importante não negá-las, e reconhecê-las e trabalhá-las, tanto no diálogo interpessoal como

em momentos de reflexão coletiva, a partir das situações concretas que se manifestem no

cotidiano escolar. Em pesquisa analisando como no cotidiano da cultura escolar se estruturam

e se reproduzem os preconceitos raciais, Santana (2011) nos relata,

As brincadeiras ocupam uma centralidade no conjunto das formas de

discriminação racial. Essa forma de racismo aparece em todas as narrativas.

Parece ser esta forma a mais comum e mais freqüente. Vale frisar que o

termo brincadeira aqui não representa na íntegra o seu significado, essa

manifestação discriminatória recebe esse nome por se apresentar em piadas,

caricaturas, apelidos, além de, muitas vezes, partirem de pessoas que

possuem certa proximidade (p.6).

Trata-se de uma dinâmica fundamental e que exige o trabalho com ações

multidimensionais, para que sejamos capazes de desenvolver práticas curriculares27

que

incorporem referências de diferentes universos culturais, considerando a perspectiva

intercultural. Nesta perspectiva, trabalhar o cruzamento de culturas28

presentes na escola

constitui também uma exigência que lhe está intimamente associada.

O que significa atuar os professores/as, equipe pedagógica, gestores e todos os demais

educadores envolvidos no processo enquanto mediadores na construção de relações

interculturais positivas, o que não elimina a existência de conflitos. O desafio está em

promover situações em que seja possível o reconhecimento entre os diferentes, exercícios em

que promovamos o se colocar no ponto de vista, no lugar sociocultural do outro, nem que

sejam minimamente, descentrar nossas visões e estilos de afrontar as situações como os

melhores, os verdadeiros, os autênticos, os únicos válidos.

Trata-se então explicitar aqui que nossa compreensão de interculturalidade é central à

(re)construção de um pensamento crítico outro - um pensamento crítico a partir de outro

modo.

27

Entendemos que o currículo não é apenas um conjunto de conhecimentos, mas um artifício, um caminho

social e cultural, que produz inclusões e exclusões. 28

Para Perez Gómez (1994; 2001), a escola deve ser concebida como um espaço ecológico de cruzamento de

culturas, cuja responsabilidade específica que a distingue de outras instâncias de socialização e lhe confere

identidade e relativa autonomia é a mediação reflexiva daquelas influências plurais que as diferentes culturas

exercem de forma permanente sobre as novas gerações.

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A perspectiva intercultural que defendemos quer promover uma educação para o

reconhecimento do "outro", para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma

educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de

poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a

construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente incluídas.

Para Walsh29

(2001) a interculturalidade é:

[...] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e

aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua,

simetria e igualdade...Um intercâmbio que se constrói entre pessoas,

conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando

desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença. Espaço de

negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e

políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos

ocultos e sim reconhecidos e confrontados. Tarefa social e política que

interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais

concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e

solidariedade (p.10-11).

Para esta autora, apesar de vários países latino-americanos terem introduzido a

perspectiva intercultural nas reformas educativas, "não há um entendimento comum sobre as

implicações pedagógicas da interculturalidade, nem até que ponto nelas se articula as

dimensões cognitiva, procedimental e atitudinal; ou o próprio, o dos outros e o social" (p. 12).

Na América Latina e, particularmente, no Brasil a questão multicultural apresenta uma

configuração própria. Nosso continente é um continente construído com uma base

multicultural muito forte, onde as relações interétnicas têm sido uma constante através de toda

sua história, uma história dolorosa e trágica principalmente no que diz respeito aos grupos

indígenas e afrodescendentes.

A nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do "outro" ou por sua

escravização, que também é uma forma violenta de negação de sua alteridade. Os processos

de negação do "outro" também se dão no plano das representações e no imaginário social.

Neste sentido, o debate multicultural na América Latina nos coloca diante da nossa própria

formação histórica, da pergunta sobre como nos construímos socioculturalmente, o que

negamos e silenciamos, o que afirmamos, valorizamos e integramos na cultura hegemônica.

Relacionando às representações que construímos dos "outros", daqueles que

consideramos diferentes as nossas maneiras de situarmo-nos em relação aos outros tende

29

Esta professora da Universidade Andina Simon Bolivar (sede Equador), coordenadora do programa de

doutorado em Estudos Culturais Latino-Americanos, vem desenvolvendo trabalhos interessantes e inovadores

sobre a questão intercultural hoje na América Latina, especialmente a partir da experiência dos países andinos.

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"naturalmente", isto é, estão construídas, a partir de uma perspectiva etnocêntrica. Incluímos

na categoria "nós", em geral, aquelas pessoas e grupos sociais que têm referenciais culturais e

sociais semelhantes aos nossos, que têm hábitos de vida, valores, estilos, visões de mundo que

se aproximam dos nossos e os reforçam. Os "outros" são os que se confrontam com estas

maneiras de nos situar no mundo, por sua classe social, etnia, religião, valores, tradições, etc.

Skliar e Duschatzky (2000) distinguem três formas como a diversidade tem sido

enfrentada, configurando os imaginários sociais sobre a alteridade: o outro como fonte de

todo mal, o outro como sujeito pleno de um grupo cultural, o outro como alguém a tolerar. E

para Taylor (2002), nosso sentido tácito da condição humana pode bloquear nossa

compreensão dos "outros". Portanto, é importante promover processos educacionais que

permitam que identifiquemos e desconstruamos nossas suposições, em geral implícitas, que

não nos permitem uma aproximação aberta e empática à realidade dos "outros".

É também sabido que, apresentando heterogeneidade notável em sua composição

populacional, o Brasil desconhece a si mesmo. Na relação do país consigo mesmo é comum

prevalecerem vários estereótipos, tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos, sociais e

culturais.

Tendemos a uma visão homogeneizadora e estereotipada de nós mesmos, em que

nossa identidade cultural é muitas vezes vista como um dado "natural". Desvelar esta

realidade e favorecer uma visão dinâmica, contextualizada e plural das nossas identidades

culturais é fundamental, articulando-se a dimensão pessoal e coletiva destes processos. Ser

conscientes de nossos enraizamentos culturais, dos processos de hibridização (cruzamentos de

diferentes processos) e de negação e silenciamento de determinados pertencimentos culturais,

sendo capazes de reconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los constitui um exercício fundamental.

Os estereótipos construídos socialmente também são convividos nos espaços escolares

fazendo-se presentes na inter-relação entre os diferentes grupos culturais presentes na mesma

acabam por confrontar-se com a cultura escolar que é, em geral, construída marcada pela

homogeneização e por um caráter monocultural, invisibilizador as diferenças, tendemos a

apagá-las, são todos alunos/as, são todos iguais, no entanto, a diferença é constitutiva da ação

educativa.

Para Moreira e Candau (2003),

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A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença.

Tende a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortável com a

homogeneização e a padronização. No entanto, abrir espaços para a

diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande

desafio que está chamada a enfrentar (p.161).

Um ensino pode estar endereçado a um público culturalmente plural, sem ser, ele

mesmo, multicultural. Ele só se torna multicultural quando desenvolve certas escolhas

pedagógicas que são, ao mesmo tempo, escolhas éticas ou políticas. Isto é, se na escolha dos

conteúdos, dos métodos e dos modos de organização no ensino, levar em conta a diversidade

dos pertencimentos e das referências culturais dos grupos de alunos a que se dirige, rompendo

com o etnocentrismo explícito ou implícito que está subtendido historicamente nas políticas

escolares "assimilacionistas", discriminatórias e excludentes.

Ter consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais

inclusive na escola constitui uma característica importante. As relações culturais não são

relações idílicas, não são relações românticas, elas estão construídas na história e, portanto,

estão atravessadas por questões de poder, por relações fortemente hierarquizadas, marcadas

pelo preconceito e discriminação de determinados grupos. São relações intensas e

mobilizadoras, em construção permanente, o que supõe que as culturas não são "puras",

atuando fortemente no campo escolar.

É possível sim, embora seja longo o caminho a percorrer para que se instaurem

processos formativos institucionais de respeito e valorização a diversidade, de forma, que seja

enfrentado considerando os vários diálogos entre eles inter e intracultural e os sistemas de

ensino, a partir da lei 10639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico Raciais do CNE/CP 3/2004 têm esta oportunidade, a partir de um processo

produtor, fortalecedor, de reproduzir(-se) os mecanismos institucionais e pedagógicos. E é

sobre algumas de suas considerações que trazemos no tópico a seguir aspectos da Lei referida.

2.2 Uma chance para esta conversa: Lei 10.639/03

Partindo de uma ideia inicial para tentar explicar nossa concepção de cultura, vimos

diversas inter-relações que se cruzam mutuamente no que diz respeito à cultura e estamos de

certa forma, dialeticamente organizando-a e produzindo-a, estabelecendo formas de

interconexão com o ―outro‖. E, em linhas gerais a mesma é experiência e criação do homem

na sua relação com o mundo.

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Essa relação no âmbito escolar se destaca a partir de realidades diferentes e ao mesmo

tempo de um contexto social próprio por atender a educandos (as) multiculturais, e sendo

assim, suas produções culturas podem ser compreendidas e manifestadas de formas diversas.

As manifestações, conhecimentos produzidos em seus cotidianos precisam, portanto,

serem considerados no processo educativo para garantir uma aprendizagem significativa,

contextualizada. O que não é tarefa fácil para as ações adotadas na escola. Ainda porque tem a

escola na modernidade a abordagem numa diversidade que ou assimila tudo que é diferente a

padrões unitários o faz ou "segregando-o" em categorias fora da "normalidade" dominante.

Agora se considerarmos a educação escolar constituída enquanto princípio formativo a

diversidade pode sugerir ações a serem vivenciadas e incorporadas de forma efetiva de

―modos de ser culturais‖, em outras palavras, é possível, desta forma, o transitar de

conhecimentos de maneiras mais transculturais.

Adotar esta ideia é considerar que elementos significativos que organizam e

constituem os conhecimentos trabalhos na escola podem ser melhores absorvidos e

dialogados. E isso exige um diálogo mais pecúlio e produtivo entre sujeitos que são

cognitivos e que estão ocupando os espaços escolares brasileiros hoje docentes, gestores e

alunos necessitando que se instaure e institua um novo modo de formação. Mas isso não é

coisa simples, pois observamos que as instituições e os processos formativos ainda ―não dão

conta‖ do que eles apresentam inclusive do ponto de vista até legal estão longe de darem

conta por mais que se tenha avançado. Esse olhar reflete quase que sempre nos debates

propostos historicamente sobre a temática em tensões e dificuldades.

E em síntese, as relações em torno do universo de compreender a noção de cultura a

qual destacamos caracteriza a organização social daqueles envolvidos (as) no processo. Desta

forma, a organização social interfere na organização do trabalho e de modo geral, na

organização do trabalho pedagógico, mais especificamente. Há, portanto, uma dinâmica entre

a organização social que interfere na organização escolar e nos faz conceber o trabalho, de

modo geral, como nos fala Freitas (1995) ―a maneira como o homem se relaciona com a

natureza que o cerca com intenção de transformá-lo e adequá-la às suas necessidades de

sobrevivência (apropriação/objetivação)‖ (p. 97).

Essa relação é caracterizadora da interação entre homem/mulher e natureza, porém,

não modifica apenas a segunda, mas modifica o próprio homem, na medida em que produz

conhecimento. Segundo Matos (1998), nessa relação com a natureza, o homem/mulher

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constrói o mundo humano que é produto e produtor do homem/mulher, isto é, produtor de

cultura. Neste contexto, os conhecimentos produzidos e produtores do homem/mulher são

formas de ver a realidade inserida em uma cultura e a educação, o veículo que transporta o

conhecimento.

Este veículo herda do Ocidente a escola do princípio formativo norteado pelo discurso

do princípio da diversidade (já debatido no presente estudo) que por não poder eliminar o

diverso, administram as relações culturais os diferentes processos de produção e circulação de

diferentes modos de ser no planeta.

Esse olhar sinaliza que é na formação afro cultural brasileira, dos processos de

administração da formatação da diversidade, que compõe nossa nação. Por isso que o mito da

democracia (discutido no estudo) se constitui enquanto parte de um processo de formação da

sociedade brasileira que cristaliza nossa construção histórica e organizou uma sociedade

extremamente apartada do ponto de vista sócio racial que criou e cria uma engenharia

excentricamente sofisticada para ler a sociedade e viver nela.

Essa engenharia para assegurar o controle e evitar a propagação do racismo no mundo

acaba contribuindo, também, para desmistificar sociedades supostamente democráticas. Para

reafirmar a ideia várias organizações mundiais30

firmam o compromisso de promover uma

educação para a cidadania baseada no respeito à diversidade cultural.

Vários eventos31

ao longo da história tem colocado o diálogo e as reflexões em torno

da cultura afro-brasileira como tema recorrente nas discussões da nossa educação

especialmente, na educação escolar e encontram-se na mesma ordem da luta contra o racismo

no que concerne às políticas educacionais, às ações governamentais ou mesmo às práticas e

discursos pedagógicos.

Essa recorrência tem relação direta com o contexto sócio educacional vivido no Brasil,

que através de suas reivindicações e propostas históricas, as fortes campanhas empreendidas

pelo Movimento Negro, intelectuais e outros grupos sociais têm possibilitado ao estado

brasileiro formular projetos no sentido de promover políticas e programas para a população

afro-brasileira e valorizar a história e a cultura do povo negro.

30

Candau (1997) menciona a Conferencia Mundial sobre políticas culturais, promovida pela UNESCO em 1982,

no México, cujo papel é o d contribuir para a aproximação entre os povos e uma melhor compreensão entre as

pessoas. 31

Conferencia Mundial de Educação para Todos (1990) na Tailândia. Declaração de Nova Delhi – assinada

pelos nove países (entre eles o Brasil) em desenvolvimento, reconhecendo os direitos universais, a qualidade dos

recursos humanos e o respeito à diversidade cultural.

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Esses grupos partilham da concepção de que a escola é uma das instituições sociais

responsáveis pela construção de representações positivas dos afro-brasileiros e por uma

educação que tenha o respeito à diversidade como parte de uma formação cidadã. Acreditam

que a escola, sobretudo a pública, exerce papel fundamental na construção de uma educação

antirracista e proveniente de ações reivindicatórias deste movimento percebe-se no Brasil, a

partir da década de 90, o surgimento de um aparato jurídico-normativo que contempla a

diversidade como variável nuclear propondo mudanças na proposta curricular.

São esses ajustamentos apontados como inovadores nascidos das bases inscritas na

Carta Magna, que se constituem na matéria-prima da Lei de Diretrizes e Bases. Da ação

conjunta do texto constitucional e do contexto da LDB nascem a política e o planejamento

educacional, e depende o dia a dia do funcionamento das redes escolares de todos os graus de

ensino.

A Constituição Federal de 1988, alcunhada de Constituição cidadã, em seu artigo 5º,

―instituiu a discriminação racial como prática de crime inafiançável e imprescritível, sujeito à

pena de reclusão, nos termos da lei‖.

Essas práticas discriminatórias aliadas à exclusão social impedem muitos brasileiros de

terem uma vivência plena da sua cidadania. É possível afirmar que a ―Carta Magna‖ incorpora

algumas das históricas reivindicações dos Movimentos Negros no que diz respeito à

discriminação racial, o que demonstra um relativo avanço desta matéria no âmbito do poder

legislativo. No que se refere especificamente à educação, o artigo 27, inciso I, da Constituição

Federal destaca que os conteúdos curriculares da educação básica deverão observar ―a difusão

de valores fundamentais no interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos de respeito ao

bem comum e a ordem democrática‖.

Já as indicações expressas nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN‘s para se

trabalhar nas escolas de Ensino Fundamental e Médio é trazer à tona debates que afligem a

sociedade atual como: Meio Ambiente Sexualidade e Pluralidade Cultural, levantando

questões para que os profissionais da educação possam se subsidiar e lidar com menos

preconceito sobre esses assuntos. Ainda de acordo com o referido documento, a postura laica

da escola torna-se imperativo no cumprimento do dever do Estado, referente ao

estabelecimento pleno de uma educação democrática, voltada para o aprimoramento e a

consolidação de liberdades e direitos fundamentais da pessoa, como pode ser apreciado pelo

fragmento abaixo:

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A aplicação e o aperfeiçoamento da legislação são decisivos, porém

insuficientes. Os direitos culturais e a criminalização da discriminação

atendem aspectos referentes à proteção de pessoas e grupos pertencentes às

minorias étnicas e culturais. Para contribuir nesse processo de superação da

discriminação e de construção de uma sociedade justa, livre e fraterna, o

processo há de tratar do campo social, voltados para a formação de novos

comportamentos, novos vínculos, em relação àqueles que historicamente

foram alvos de injustiças, que se manifestam no cotidiano (PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS, 1997).

Como expresso nos PCNs, à educação escolar corresponde a um espaço sociocultural e

institucional responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura.

De acordo com as diretrizes dos PCNs, a escola deve contribuir para que princípios

constitucionais de igualdade fossem viabilizados, mediante ações em que a escola trabalhe

com questões da diversidade cultural, indicando a necessidade de se conhecer e considerar a

cultura dos diversos grupos étnicos. Na área educacional, a desigualdade social dominou as

preocupações de pesquisadores (as) e educadores (as) durante as décadas de 1960 a 1980 no

Brasil.

A partir da década de 1990, a questão da diferença se destacou na pauta de estudos e

propostas de inovações, como destacamos nesse trecho do PCN - Pluralidade Cultural:

Há necessidade imperiosa da formação de professores no tema Pluralidade

Cultural. Provocar essa demanda específica na formação docente é exercício

de cidadania. É investimento importante e precisa ser um compromisso

político pedagógico de qualquer planejamento educacional /escolar para

formação e/ou desenvolvimento profissional dos professores (PCN. Temas

Transversais, 1997, 123).

Ao incluir a Pluralidade Cultural como Tema Transversal os PCNs avançam um passo

importante em prol de uma proposta educacional e curricular multiculturalista, na medida em

que reconhece o valor da pluralidade e a diversidade cultural, bem como a necessidade de

formar para a cidadania com base no respeito as diferenças.

Todavia, apoiando-se em vários estudos (Moreira, 1996, 1998; Candau, 1997; Lopes,

1999) defendemos que não basta propor nos PCNs a importância da convivência pacífica

entre grupos culturais plurais e diversos. A sensibilidade para o outro não acontece por meio

de propostas impostas.

Em termos de educação multicultural isso requer a corporificação no currículo daquilo

que Conel (1998) chama de justiça curricular, a partir de três princípios: 1) interesses dos

grupos em desvantagens sem que com isso se constitua em guetos; 2) a participação e a

escolarização resultam comuns enquanto processo coletivo de tomar decisões e 3) a produção

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de igualdade em que a cidadania participe e que os critérios contra-hegemônicos sejam vistos

como elementos de um mesmo processo. Sem esses aspectos acreditamos que a igualdade

racial só nos serve para camuflar a diversidade.

Ainda no contexto de lutas mais recentemente o arcabouço jurídico-normativo é

acrescido da Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003 que altera a LDB32

para incluir no currículo

oficial nos estabelecimentos de ensino básico das redes pública e privada do país a

obrigatoriedade da temática ―história e cultura afro-brasileira‖ e inclui no calendário escolar o

dia 20 de novembro como ―Dia da Consciência Negra. Com o intuito de viabilizar a

implementação da lei, são elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana,

aprovada pelo Conselho Nacional de educação em 10 de março de 2004.

Nas suas especificidades as diretrizes apontam para que as condições materiais das

escolas e de formação de professores são indispensáveis para uma educação de qualidade,

para todos, assim como é o reconhecimento e valorização da história, cultura e identidade dos

descendentes de africanos.

Não restam dúvidas de que mesmo existindo, ainda, sérias barreiras à cultura

afro-brasileira nas escolas, os avanços alcançados até hoje são

importantíssimos. Crianças brasileiras de todas as origens étnico-racias têm

direito ao conhecimento da beleza, riqueza e dignidade das culturas negro-

africanas. Jovens e adultos têm o mesmo direito. Nas universidades

brasileiras, procure, nos departamentos as disciplinas que informam sobre a

África. Que silêncio lamentável é esse, que torna invisível parte tão

importante da construção histórica e social de nosso povo, e de nós mesmos?

(RIBEIRO, 2002, p, 150).

Após a sanção da Lei 10.639/03, o Conselho Nacional de Educação aprovou a

Resolução 1, de 17/03/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

A partir de então, as escolas da educação básica passam a ter um documento legal que discute

e aprofunda o teor da Lei 10.639/03, capaz até de orientar a prática pedagógica.

32

A Lei 9.394/96 passa a vigorar acrescida dos seguintes arts: 26-A, 79-A e 79-B. Art. 26-A. Nos

estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre

História e Cultura Afro-Brasileira (incluído pela Lei 10.639, de 09/01/2003).§ 1° O conteúdo programático a que

se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil,

a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro

nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil (Incluído ela Lei 10.639, de 09/01/2003). §

2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo

escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (Incluído pela Lei

10.639, de 09/01/20031. Art. 79-A. VETADO; Incluído pela Lei 10.639, de 09/01/2003).Art. 79-B. O calendário

escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. (Incluído pela Lei 10.639, de

09/01/2003) (Grifos nossos).

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Isso porque, ela supera a visão de que a ação da população negra no Brasil se resume a

meras contribuições e traz para o debate a ideia de participação, constituição e configuração

da sociedade brasileira pela ação das diversas etnias africanas e seus descentes. Além disso,

extrapola o conhecimento específico do ensino de História incluindo outras áreas do

conhecimento.

Ao lermos a lei juntamente com as Diretrizes Curriculares Nacionais, poderemos ter

uma visão ainda mais alargada da sua amplitude e do seu caráter interdisciplinar. Esse é um

exercício que precisamos fazer para desenvolvermos estratégias pedagógicas para a

implementação da lei. Contudo, é preciso reconhecer que há campos do conhecimento que

ficaram pouco explorados na referida lei e esses dependerão da competência e criatividade

dos educadores e educadoras, da condução hábil do MEC e das equipes das secretarias de

educação, a fim de que essas lacunas sejam sanadas3.

É importante salientar que a introdução de uma re leitura sobre a África e a cultura

afro-brasileira na escola afeta e causa impacto não só na subjetividade dos negros. Os outros

grupos étnico-raciais presentes nessa instituição, sobretudo o segmento branco, também

usufruirão dessa mudança.

No caso específico da população branca, tocaremos em uma dimensão pouco discutida

no Brasil e na escola brasileira, a saber: a construção da "branquitude". Esta se refere,

segundo Bento (2002), aos traços da identidade racial do branco brasileiro, uma dimensão

subjetiva formulada no contexto das relações de poder e raciais do nosso país.

De acordo com a autora, a "branquitude" é a produção de uma identidade racial que

toma o branco como padrão de referência de toda uma espécie.

Descentrar os impactos do racismo na construção da identidade e da subjetividade dos

negros e incluir como esse fenômeno afeta essas mesmas dimensões dos outros grupos étnico-

raciais é um dos debates desencadeados pela introdução da Lei 10.639/03. Para tal, exigirá de

nós um aprofundamento teórico sobre o tema, a superação de valores preconceituosos e uma

visão sobre a identidade conquanto uma construção social, cultural e política povoada de

ambiguidades e conflitos, e não como algo estático.

Por fim, o que destacamos é a necessidade de investimentos na formação inicial e

continuada de professores (as)-educadores (as) para que possamos lidar com a diversidade

cultural, mas acima de tudo, preparados para criticar o currículo e suas práticas. Propomos

aqui, educadores (as) reflexivos (as) que busquem modificar o ambiente escolar a fim de

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torná-lo menos opressor e mais democrático sem esquecer que o próprio educador faz parte

desse processo como alerta Gonçalves e Silva (1996),

Nós professores fazemos parte de uma população culturalmente afro-

brasileira, e trabalhamos com ela; portanto, apoiar e valorizar a criança negra

não constitui em mero gesto de bondade, mas preocupação com a nossa

própria identidade de brasileiros que têm raiz africana. Se insistirmos em

desconhecê-la, se não a assumimos, nos mantemos alienados dentro de nossa

própria cultura, tentando ser o que nossos antepassados poderão ter sido, mas

nós já não somos. Temos que lutar contra os preconceitos que nos levam a

desprezar as raízes negras e também as indígenas da cultura brasileira, pois,

ao desprezar qualquer uma delas, desprezamos a nós mesmos. Triste é a

situação de um povo, triste é a situação de pessoas que não admitem como

são, e tentam ser, imitando o que não são (p.175).

Como os (as) educadores (as) fazem parte desse processo precisam saber aprender

com e para ele, iniciando um refletir em torno de como ser importante saber conviver.

Conviver a perspectiva da cultura africana, por exemplo, se estabelece pelo processo

de aprendizagem com o outro que se dá por toda a vida, e nesta perspectiva considera-se a

valorização da pessoa desde o seu nascimento até sua velhice. O respeito aos mais velhos é

um valor que precisa ser transmitido às crianças, sendo também um valor de destaque na

cultura afro-brasileira. A ancestralidade é um princípio que norteia a visão de mundo das

populações africanas e afro-brasileiras. Os que vieram primeiro, os mais antigos, os mais

velhos são referências importantes.

Portanto, o processo de aprender não é possível fora da dimensão da relação, da inter-

relação entre os mais novos e os mais velhos. De acordo com Gonçalves e Silva (2003) ―para

aprender é necessário que alguém mais experiente, em geral mais velho, se disponha a

demonstrar, a acompanhar a realização de tarefas, sem interferir, a aprovar o resultado ou a

exigir que seja refeita‖ (p. 186).

A dimensão de educação na cultura afro-brasileira tem um sentido de constituição de

pessoa e, enquanto tal é um processo que permite aos seres humanos tornarem-se pessoas que

saibam atuar em sua sociedade e possam conduzir sua própria vida. Compreendemos que se

tornar pessoa não tem sentido dissociado da compreensão do que somos, porque não vivemos

sozinhos, pois estamos em coletivo, em grupo.

Outro efeito desse processo é o fato de que não existe aprendizagem sem troca, sem

solidariedade, sem afeto, sem cuidado, sem implicações conscientes. Romão (2003) nos

chama atenção para importância da pesquisa e do estudo por parte de educadores no processo

de construção de uma educação antirracista,

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Ao olhar para alunos que descendem de africanos, o professor comprometido

com o combate ao racismo deverá buscar conhecimentos sobre a história e

cultura deste aluno e de seus antecedentes. E ao fazê-lo, buscar compreender

os preconceitos embutidos em sua postura, linguagem e prática escolar;

reestruturar seu envolvimento e se comprometer com a perspectiva

multicultural da educação (2001, p.20).

O papel dos envolvidos no processo escolar é o de também buscar formas para atuar

com os preconceitos, por meio de pesquisas e levantamentos para permitir maior

conhecimento da história de vida dos alunos/as enquanto um caminho a ser trilhado e

compartilhado. Munanga (1999) nos faz lembrar que,

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não

interessa apenas aos alunos de ascendência negra (...). Além disso, essa

memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em

vista que a cultura da qual nos alimentamos cotidianamente é fruto de todos

os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se

desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza

econômica e social e da identidade nacional (p.21).

Conviver com desigualdades e com outros, os quais organizam e constroem

identidades – portugueses, crioulos, indígenas e africanos de diferentes partes da África –

foram imposição e opressão que passaram muitos africanos quando chegaram ao Brasil, ainda

que não tivessem tido muitas opções frente às formas dessa convivência.

Assim no contexto de reconhecimento de uma sociedade multirracial e pluricultural,

como é o caso do Brasil, não pode mais continuar pensando a cidadania e a democracia sem

considerar a diversidade e o tratamento desigual historicamente imposto aos diferentes grupos

sociais e étnico-raciais.

Em qualquer sociedade, a construção da diversidade assume contornos diferentes de

acordo com o processo histórico, relações de poder, imaginários, práticas de inclusão e

exclusão que incidem sobre os diferentes sujeitos e grupos. Nesse sentido, é preciso

compreender os processos históricos e culturais singulares vividos por esses grupos no

contexto das desigualdades e como esses nem sempre são considerados quando lutamos pela

construção da democracia.

Muitas vezes, o caráter universal e abstrato do discurso em prol de uma democracia

para todos acaba uniformizando e homogeneizando trajetórias, culturas, valores e povos.

Por isso, os movimentos sociais cada vez mais buscam ampliar a noção de

democracia, a fim de que ela insira a diversidade e apresente alternativas para lidar com as

políticas de identidade. Essa outra perspectiva de democracia deverá radicalizar ainda mais a

luta pelos direitos sociais, incluindo nessa o direito à diferença.

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Assim, a democracia estará mais próxima das vivências concretas dos diferentes

sujeitos sociais e de sua luta pela construção da igualdade social que incorpore e politize a

diversidade. É, também, nesse contexto que emerge a Lei 10.639/03.

No Brasil, a educação, de modo geral, e a formação de professores, em específico -

salvo honrosas exceções -, são permeadas por uma grande desinformação sobre a nossa

herança africana e sobre as realizações do negro brasileiro da atualidade.

Ao introduzirmos a discussão sobe a África, na escola, por exemplo, podemos

possibilitar uma mudança de postura ante a história da diáspora africana e o negro brasileiro,

poderemos extrapolar a história factual que tanto criticamos e incluir uma dimensão social e

cultural tão necessária na formação histórica de todos os alunos e alunas. Nessa perspectiva,

veremos que, ao contar a história do Brasil, fatalmente nos reportamos à África.

O que nos permitirá conceber as culturas em contínuo processo de elaboração, de

construção e reconstrução. Certamente cada cultura tem suas raízes, mas estas são históricas e

dinâmicas. Não fixam as pessoas em determinado padrão cultural engessado.

Esta reflexão situa uma perspectiva mais aberta e interativa, que acentua a

interculturalidade por considerá-la adequada para a construção de sociedades democráticas,

pluralistas e inclusivas, que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade.

Pensando em um processo educativo mais plural, aberto e diverso os africanos não

contribuíram culturalmente apenas no âmbito do trabalho, marcaram a sociedade brasileira em

vários aspectos, como na forma de organização de suas ―nações‖, na constituição de família

muitas vezes simbólicas, nas manifestações culturais de dimensões religiosas, habituais, de

costumes e de suas danças peculiares criaram, criam e (re)creiam aspectos mutantes

constituídos no cosmos, compartilhando de códigos que se colocam como parceiros (as) e que

se autorrespeitem.

O compartilhamento de saberes entre os negros africanos era de fundamental

importância e para eles a transmissão do saber se dá através da dança, utilizavam as suas

danças para os fatos existentes nas suas vidas. Manifestação cultural que trataremos a seguir,

enquanto categoria teórica dialogada em nossa pesquisa.

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66

3 DANÇA

AFRO-BRASILEIRA

A dança manifestação afro-

brasileira enuncia, legitima

e resulta nossa cultura.

Dança do negro ou dança

do branco, não importa.

O fato é que esquecem da

dança da vida, da dança da

gente.

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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[...] valores que estão intimamente representados na dança, que é para os

povos africanos o mais potente elemento de aglutinação social.

Originalmente, a dança estava tão intrinsecamente ligada à cultura ancestral

africana que, com certeza, poderíamos considerá-la como mais um órgão que

tivesse em seu corpo (ASSIS, 1993, p.23).

A herança africana, trazida por milhões de negras e negras vítimas do tráfico de

pessoas, com uma enorme diversidade de grupos étnicos, fez do Brasil a segunda maior

população de negros fora da África. Essa herança de luta vem sendo expressa de forma

singular nas manifestações culturais, artísticas e religiosas, trazidas por povos Yorubanos,

Nagôs, Bantos, Sudaneses, Jejes, Hauçás, e tantos outros arrancados da Mãe África.

Hoje, as manifestações culturais que cantam e celebram a vida do povo negro, são

responsáveis pela permanência das nossas referências afro culturais. Todavia, a falta de

informação e formação sobre a história e as culturas afro-brasileira e africana, tem intervindo

de forma crucial na manutenção do preconceito e da discriminação racial contra a população

negra.

As possibilidades de alteração e superação frente aos preconceitos e a inserção das

Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico Racial e para o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos escolares e no cotidiano avançam

à medida que o aprender esteja relacionado com a vivência, experiência e os valores da

comunidade escolar envolvida.

Se a ideia da Lei nº 10.639/03 é de promover a educação de cidadãos atuantes e

conscientes no seio da sociedade multicultural e pluri étnica do Brasil para buscar relações

étnico sociais positivas em meio de espaços verdadeiramente democráticos, no que

concernem as pesquisas que vem sendo construídas e debatidas no Afro Centro de Estudos

Afro-Brasileiros – UCAM/RJ, o professor e pesquisador Amauri Pereira (2004) em matéria

na revista espaço acadêmico nos chama a atenção para os desafios da implementação que trata

o trabalho da História e Cultura Afro-Brasileira que segundo o autor são da mesma ordem dos

que se antepõem ao avanço da luta contra o racismo.

Partimos do entendimento que o racismo no Brasil é fenômeno marcante, arraigado e

vigente na sociedade, e com contornos bastantes particulares. O reconhecimento da existência

do racismo e, consequentemente, do preconceito e da discriminação racial é aspecto-chave

para que se compreendam quais são e como são articulados os mecanismos que operam a

reprodução das desigualdades raciais no país.

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É na dimensão cultural que compreendemos a complexidade das relações sociais, os

preconceitos e as desigualdades, inclusive a racial. Através da cultura, é possível criar,

orientar e enriquecer a prática educativa, pois resgatar e vivenciar elementos culturais, em sua

ampla diversidade, favorece a construção da identidade no meio social.

Fundamentando-se em sua tese de doutorado ―Capoeira Angola: Cultura Popular e o

Jogo dos saberes na roda‖ (2006), Pedro Abibi elege a capoeira angola como manifestação da

cultura afro-brasileira das mais significativas, na tentativa de buscar os seus sentidos e

significados, enfocando-os para construir elementos de análise que deem conta de interpretar

sua simbologia, ritualidade e ancestralidade. A leitura percorrida no referido estudo nos

permite compreender que a discussão e socialização da capoeira consistem em esmiuçar a

compreensão das matrizes africanas, reforçando o conceito de identidade e cidadania,

enfocando tal arte como meio de manifestação cultural e forma de organização social.

Gehres (1994) ao analisar as representações do conhecimento popular que emergem de

um projeto de educação popular (Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo - CECDM)

constatou que o centro é um local de aprendizado e exercício do "direito de fala" das camadas

populares, onde a cultura é reinventada cotidianamente no processo de construção da

realidade. Neste projeto as danças afros fazem parte do processo educativo enquanto

conhecimento elaborado e de resistência cultural.

Em estudo de doutorado a pesquisadora acima referida evidenciou que a dança no

ensino, no Brasil, estabelece-se prioritariamente sob a forma extracurricular e quando se

manifesta sob a forma curricular está vinculada ao componente educação física restringindo-

se a algumas propostas produzidas no campo desta área.

Atualmente observa-se um esforço sobre-humano dos profissionais da área do ensino

da arte (antiga educação artística), não necessariamente, profissionais especializados em

dança, procurando aplicar e sistematizar a dança no ensino.

Brasileiro (2001) em pesquisa de mestrado a autora constatou, com base nos dados

obtidos, que a Educação Física não está incorporada às discussões do projeto de escolarização

da escola, ficando clara a ausência do conhecimento dança em suas aulas. No que se refere à

seleção de conteúdo, o estudo evidenciou a não opção pelo trato com o conhecimento dança,

por parte dos (as) professores (as).

Recorrendo a outras fontes para conhecimento em torno de nossas categorias teóricas,

encontramos no estudo de Souza (1995), a história oral de vida de dançarinos/atores

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possibilitando compreender através dos seus depoimentos como de desenvolveu a construção

da identidade e da consciência social alcançados por eles a partir da atividade artística de

dança. Entre os resultados de sua pesquisa, as representações não apenas trouxeram à

discussão da produção e a organização do conhecimento, como também, explicitaram em que

condições o conhecimento foi elaborado.

Vemos no estudo que os atores criaram e se apropriaram de um sistema de

conhecimento místico, produzido no espaço conflituoso da sociedade capitalista, sustentado

pelo ethos e visão de mundo da cultura negra.

Tais questões foram aprofundadas pelo pesquisador acima referido em estudo de

doutorado, o que resultou posteriormente na publicação de um novo livro, o qual se encontra

em sua segunda edição (2005) intitulado: ENTRE O FOGO E O VENTO: As práticas de

batuques e o controle das emoções.

A pesquisa nos conta sobre as experiências e emoções vividas pela população africana

e Europeia ao som dos batuques que movimentavam os recantos da cidade do Rio de Janeiro

no século dezenove. A obra é rica nas especificidades do corpo que dança, das emoções e das

interdições éticas e religiosas que influenciaram e condicionaram modos de ser, de viver e de

compreender os aspectos da cultura afro-brasileira.

Percebemos que os estudos referenciados estão de alguma forma relacionados ao

campo educacional e que tem sido realizada tanto em escolas públicas como em espaços não

formais em um exercício permanente de superação frente as discriminações existentes nos

contextos, seja com a pessoa negra e/ou com os elementos que lhe são atribuídos, como relata

Santana (2007) ao falar que a discriminação em nosso contexto pode ser declarada inteligente,

visto que não perde a capacidade de ferir e rebaixar, mas consegue se camuflar numa aparente

e inocente brincadeira.

Por isso a necessidade de se ampliar, estimular e diversificar a pesquisa em prática

pedagógica relacionada à dança afro-brasileira é necessário para o cuidado de nossas relações

étnico-raciais. Pois conhecer a diversidade cultural do povo negro poderá subsidiar ações

políticas e pedagógicas mais sólidas e, também, apontar a necessidade de investigações sobre

a dinâmica do cotidiano escolar no que tange às questões étnico-raciais, de forma que possa

gerar recomendações que tornem esse ambiente mais favorável para a (re) significação das

questões relacionadas à cultura afro-brasileira.

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Em busca de outras pesquisas para ampliar o debate, a dança afro-brasileira relata

Nóbrega (1992) em estudo que os negros africanos utilizavam a mesma para os fatos

existentes na sua vida. Para eles, transmitir o saber era de fundamental importância, ―para o

africano a transmissão do saber se dá através da dança‖ (OLIVEIRA, 1992, p. 31).

Todos os fatos ocorridos, como nascimento, plantio, colheita, saúde, morte, eram

comemorados pelos ancestrais com a dança.

Souza (1991) diz que,

para o povo africano, a dança se faz presente em todos os momentos; tanto

pelo nascimento de uma criança como por ocasião da morte de um sobá,

além das ocasiões de ludicidade por demais realizadas. Todos estes

momentos dançantes são, no entanto, acompanhados pelo tambor, cujo som

está presente de diferentes maneiras, tonalidades e intensidade (p.31-33).

No Brasil a dança e a religião se misturam, fazendo de várias manifestações

principalmente a afro-brasileiras, verdadeiros momentos de adoração e dança. Dentro de

nossas políticas de respeito às diferenças, cores, religiões e raças não pode a escola ignorar

estas manifestações.

Nessa ação, a dança entra na escola como possibilidade real afinal a entendemos

enquanto local onde há espaço tanto para a racionalidade como para a sensibilidade; noutras

palavras, para as manifestações compreendidas como expressão corporal do povo brasileiro.

A dança na escola tem importância nesse momento de discussões, reflexões

e reformulações de códigos, conceitos e práticas educacionais. Sabemos que

é parte das culturas ameríndia e negra, a educação e conhecimento através

dos contos — mito, das danças, músicas, religião, e por herança, são traços

da sociedade brasileira (CONRADO, 1993b, p.7).

Considerando que o homem se apropria do seu ser integral de maneira universal,

portanto, como homem total, todas as suas relações com o mundo, todos os órgãos da sua

individualidade (imediatos na sua forma enquanto órgãos comuns) são, na sua relação

objetiva ou no seu comportamento diante do objeto, constituintes da manifestação da

realidade humana. Com isso, a dança, como educação pode ser criadora de novas

necessidades indispensáveis ao seu humano e ao meio social em que vive. Melo (1984)

oferece uma grande contribuição, ao afirmar:

[...] a educação é, ao mesmo tempo, uma área de conhecimento teórico e de

atividade prática, um processo de cultura do indivíduo e de mudanças em

pessoas singulares e para intervir no conjunto de uma dada formação social.

Tanto a teoria quanto a pesquisa e a prática em educação enfrentam

dificuldades decorrentes dessa sua complexidade e oscilam ora para um ora

para outro dos polos extremos entre os quais ela é mediadora (1984, p. 81).

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A dança, portanto, como uma das vias de educação do corpo criador e crítico, se torna

praticamente indispensável para vivermos presentes, críticos e participantes na sociedade

atual.

Nesse contexto, concordamos com o Coletivo de Autores (1992) que propõe uma

abordagem de totalidade da dança, na compreensão por parte dos alunos e alunas acerca do

seu universo simbólico, que se inicia a partir da interpretação espontânea, passando pelos

temas formais, em que o corpo é o instrumento de comunicação. Como destaca França (2000,

p.4):

Falar do corpo que brinca, do corpo que se aventura, do corpo que se

encanta, do corpo aberto aos prazeres da natureza, do corpo que reflete a

beleza estética de suas linhas ao dançar, enfim, é falar de corporeidade,

entendida como forma de construir, vivenciar e/ou experimentar a realidade

de forma lúdica, prazerosa. Entretanto, implica, também, pensar numa

corporeidade vivida e tratada num mundo contraditório, num mundo de

relações consigo, com outros corpos, com o mundo natureza, com o mundo

cultural.

Pensar propostas para a dança afro-brasileira é focalizar as possibilidades que este

corpo que brinca que canta e se encanta pode produzir e (re) construir. E, é ainda, reagir a

estruturas escolares que nos enquadram em modelos por demais rígidos. Atentarmos para a

interdisciplinaridade é estarmos abertos a diálogos, à escuta, à integração de saberes, à ruptura

de barreiras, às segmentações disciplinares estanques.

Estabelecer um diálogo para o trabalho de dança na escola é entendermos que não

existe uma única forma, mas as múltiplas formas vão se tecendo conforme os desafios

propostos por nós, pelos outros e pela nossa interação com e sobre a dança.

Assim sendo, durante a educação básica é imprescindível a abordagem de danças de

livre interpretação de músicas diferentes para que o/a aluno/a possam identificar as relações

espaço-temporal e reconhecer as relações pessoais entre os parceiros e os espectadores. É

importante também o trabalho com as danças de interpretações de temas figurados, como as

ações do cotidiano, estados afetivos, religiosidade, sensações corporais, fenômenos do mundo

animal, vegetal e mineral, o mundo do trabalho, o mundo da escola e as problemáticas sociais,

políticas e econômicas da atualidade. As danças com interpretação técnica também

representam um conteúdo essencial para os alunos e alunas tanto no que diz respeito aos

aspectos da cultura nacional, quanto aos da cultura internacional.

A dança por meio da linguagem do corpo é notada em vários níveis simultâneos, que

precisa a educação escolar nesse processo compreender o homem e o mundo numa visão

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dialética do qual os dois se completam; percebendo o movimento com significado, com

intencionalidade, como uma característica fundamental do ser humano e a dança como objeto

da cultura de movimento, capaz de ser mediadora no processo de construção de um ser

humano mais sensível, criativo e autônomo.

No processo de escolarização, portanto, as danças podem ser revisitadas a partir do

aprimoramento de suas técnicas considerando o que historicamente foi e é criado pelo ser

humano, recriadas pelos próprios alunos/as e compreendidas por sua corporeidade.

Sendo assim nossa compreensão de dança na pesquisa em discussão é de que a dança é

manifestação cultural popular criada e (re) criada, (re)siginificada, pois seu fazer sentir nunca

está dissociado do corpo, que é a própria dança.

As manifestações populares são, não só reprodução dos valores da sociedade

instituída – conformismo, mas também portadores de um inconformismo,

traduzidas na veiculação, concomitante, de elemento de uma lógica que se

contrapõe a essa lógica instituída e dominante. ((CHAUÍ, 1989, P.73-74)

Na cultura negra o corpo é fundamental. Sobre o corpo se assenta toda uma rede de

sentidos e significações.

Esse não é apartado do todo, pertence ao cosmos, faz parte do ecossistema: o

corpo integra-se ao simbolismo coletivo na forma de gestos, posturas,

direções do olhar, mas também de signos e inflexões microcorporais, que

apontam para outras perspectivas (SODRÉ, 1996, p.31).

Para este autor o corpo deve ser entendido em relação a outros corpos, e é ao mesmo

tempo ―sujeito e objeto‖ (idem, p.31).

O corpo é representação concreta do corpo e movimento, para a cultura negra a força

está no corpo que procura mediações e relações no compartilhamento em suas formas de ser,

sentir e estar no mundo sem partilha, não existe possível33

. A cultura negra não está marcada

por uma necessidade de conversão, existe sentido de agregação que não gira em torno de uma

única verdade.

Uma visão de mundo negro implica a possibilidade de abertura para o mundo e para

vida e principalmente para o outro.

33

Decorre dessa visão de mundo a importância dada ao orixá Exu no interior do sistema africano Yorubá e

afrodescendente, pois é ele o responsável pelo movimento. Sem Exu o mundo seria estático, não haveria vida.

Aqui vale uma pequena explicação quanto ao significado de Exu e quanto conceito que nos direciona ao

cotidiano, suas contradições, seus fluxos e refluxos, a comunicação e não necessariamente uma entidade

religiosa, mas princípio dinâmico de diálogo e encontro entre seres humanos e a natureza como um todo.

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Neste sentido, o processo investigativo e sistematizado34

de construção da dança na

escola dialogam com a diversidade étnica do povo brasileiro. Dimensões culturais, filosóficas,

mitológicas e religiosas se caracterizando enquanto relevantes para a construção deste

conhecimento.

O jongo, o maculelê, o lundu, o samba, o maracatu, a capoeira, o frevo, dentre outras,

danças afro-brasileiras que se constituem em função de sua forma de estruturação,

compreendidas de maneiras diferenciadas ou apreendidas distintamente estabelecem relações

no ato educativo com o mundo a partir de seu sentido e significado. Esta relação nos faz

compreender a educação como exercício permanente da interação entre o conhecimento

teórico-prático de uma dada realidade sociopolítico existencial,

Nesse processo, o conhecimento produzido acerca do cotidiano escolar e de

suas relações mais amplas na dinâmica social pode vir a configurar uma das

pistas possíveis para a sua construção (FERREIRA, 1998, p. 33).

A dança afro-brasileira trabalhada na escola considerando seu contexto histórico-

cultural implica em estabelecer relações entre o passado cultural histórico, as raízes e o

presente do aluno/a. Isso porque consideramos que,

Neste sentido, essa dança, ao mesmo tempo em que é produto de um sistema

desigual e opressor, representado por uma cultura eurocêntrica e que

impunha a produção do trabalho escravo, representa, cultural e teatralmente,

os modos de produção escravocrata e a relação mítica entre homens e os seus

ancestrais (SHERIFF, 1991; CONRADO, 1993a e ASSIS, 1993b).

E observamos dentre outras literaturas,

A dança afro tem se apresentado, na diáspora35

, como elemento de uma

cultura e de uma expressão corporal que veicula um sistema de significação,

cuja expressão simbólica faz-se presente nas diversas representações sociais

de seus atores. Diante de uma organização econômica que oprime e

discrimina, além de excluir e ofuscar as grandezas das diferenças étnico-

culturais, a dança afro, em suas movimentações para a sobrevivência e

resistência, tem também servido para a busca de aceitação social dos seus

intérpretes, para a quebra do preconceito com a cultura africana, oferecendo

ainda grandes contribuições à arte e cultura brasileiras (SOUZA, 1995,

p.07).

Assim, autores como Souza (1991a), Assis (1993), e Conrado (1993a) discutem em

seus trabalhos as duas concepções de mundo em que o povo brasileiro está vivendo em nossa

34

Para entender o termo, tomamos como referência a compreensão de sistematizado como um dos elementos que

compõem, junto com a seleção e a organização, o trato com o conhecimento, objetivando juntos a ―organização

do tempo e do espaço pedagógicos necessários para aprender‖; a sistematização, portanto, focaliza a estruturação

lógica e metodológica do conhecimento (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 30). 35

A perseguição de grupos dominadores que causam a dispersão de povos por motivos políticos, religiosos ou

econômicos, como foi o caso da Colônia brasileira que começou a surgir a partir da entrada obrigatória dos

primeiros negros vindos, no século XVI, da região denominada Bantu, (LUZ, 1983).

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sociedade, enfatizando a dança como manifestação corporal do ethos que envolve a cultura

negra no Brasil.

Por conseguinte, a dança, ao se fazer presente na cultura africana, mantém a

organização familiar em termo de seus ancestrais divinizados (VERGER, 1990) e tem na

religiosidade sua maior expressão dramática para manutenção da tradição, uma vez que as

religiões africanas têm em seus princípios rituais, o movimento corporal: a dança, como a

lógica de comunicação entre os orixás e os homens.

Esse espaço de interseção e interação sociomítica faz com que o povo extrapole o

campo religioso e reviva a dança dos deuses africanos em contextos diferenciados do campo

estritamente sagrado (CONRADO, 1993).

No candomblé, ritual religioso de tradição negro-africana no Brasil, o orixá

Oxum simboliza a divindade da fertilidade, da beleza, riqueza e procriação, a

sua dança e ritmo, chamados Ijexá, detêm uma simbologia dos gestos, a

forma arredondada do ventre. O seu emblema sagrado, abebé (espelho),

juntamente com o jogo sinuoso e calmo do corpo, emanam a beleza da

deusa-mãe. A porta desse ―ir e vir‖ da comunidade religiosa à vida fora do

terreiro, elementos dessa dança foram assimilados pela sociedade que, em

outros espaços sociais, veriam-na noutro contexto, traços de sua cultura que

indiretamente o homem negro-brasileiro afirma sua identidade.

(CONRADO, 1993, p. 3b).

Com isso, Conrado reafirma a possibilidade de criação e recriação de um elemento

religioso em representações artísticas, nos quais a dança religiosa dos deuses africanos

transforma-se em arte, como uma reapropriação da cultura ancestral, a partir do movimento

corporal. Isso também evidencia para a autora a possibilidade de afirmação de identidade do

negro aqui no Brasil através da dança, numa espécie de reconstrução da identidade social que

fora deturpada no momento da colonização. Com essa concepção, a autora apresenta alguns

argumentos possíveis de se/a reconheça no aluno sua bagagem histórica, que, muitas vezes,

está reprimida ou recalcada pela cultura hegemônica.

Segundo Portinari e Faro (1989, p.19) as danças afro-brasileiras derivam, basicamente,

dos cultos religiosos africanos trazidos pelos negros escravos, os quais foram transformados,

no Brasil, no candomblé. Num primeiro momento as danças representam uma explicação

mística de criação do mundo, através de orixás e elementos da natureza e, num segundo

momento quando reúne dança e religião na invocação desses orixás, ou seja, entendida como

meio para atingir outro plano do ponto de vista espiritual, em ―transe‖ a pessoa sai de um

plano para a transposição em outro numa relação de energia cósmica.

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Concordamos que tais elementos relacionados e trazidos nesse primeiro momento nos

fazem refletir como o trabalho de dança afro-brasileira é complexo para a ação docente no

seio escolar, mas acreditamos que se o educador/a se constituir como produtor (a) consciente

de conhecimento, pesquisador de sua prática, sua própria ação educativa, de sabres a esse

respeito, isso pode se tornar altamente possível de vivência.

Afinal, no trabalho voltado para a cultura afro-brasileira tendo as danças desta

manifestação cultural e quanto um conhecimento possível de ser materializado é identificar

sociabilidades e ―possibilidades de transmissão do conhecimento através do movimento

humano‖ (SOUZA e ASSIS, 1991).

Alterações e mudanças fundamentais podem ser empreendidas no sentido de contribuir

para a melhoria do sistema educacional. Vive-se na contemporaneidade um intenso repensar

sobre paradigmas educacionais a construir. A garantia de acesso e permanência, com

qualidade e inclusão de todos (as), de manifestações culturais trabalhadas e valorizadas na

escola como a cultura, a história e porque não a dança afro-brasileira, manifestação da cultura

do povo negro, é um dos aspectos mais importantes nessas reflexões.

A tarefa posta a professores/as é saber reconhecer, respeitar e valorizar as diferenças

colocadas pela diversidade dos atores sociais na escola. Conforme assinalam vários estudos,

entre os quais Corti e Souza (2005), o que torna o trabalho docente mais eficaz é exatamente o

conhecimento que se tem da trajetória daqueles envolvidos no processo da prática pedagógica.

Conhecê-los (las) é abrir a escola para considerar suas necessidades de sobrevivência digna,

suas buscas e escolhas, suas vivências diárias e seus saberes muita vezes ignorados.

Tal conhecimento que nos leva a entender os sentidos e significados das crenças e dos

valores que, dentre outras expressões, aparecem nas manifestações de criatividade populares,

ou na explicação da nossa experiência é cultura, herança de um povo e de uma vida.

Vida que tem sentimento, que tem movimento em cada e em todos os corpos que

necessitam e precisam respeitar o saber de si próprio e pelo saber do outro, como partes

importantes para a aprendizagem e o desenvolvimento da compreensão da construção coletiva

em torno da trilha e da partilha que são possíveis de serem vivenciadas na construção de uma

prática docente que (re) conheça a cultura afro-brasileira, suas dimensões e manifestações

enquanto contribuição para a formação humana.

Dimensões e manifestações que encontramos nas danças de origem africana, um

caminho para o desenvolvimento da criticidade, a qual pode ajudar na constituição da

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consciência política e histórica, pois a linguagem corporal por meio da dança afro-brasileira

permite o próprio reconhecimento de sujeitos inseridos numa sociedade que tem, em sua

estruturação e fundamentos, a forte influência da cultura negra.

“Para caminhar te dou meus pés”36

A trajetória histórica da América Latina37

não nos deixa negar uma ancestralidade

comum aos diversos países integrantes desta região. Mais que uma denominação determinada

por um tronco linguístico comum, a expressão América Latina traz consigo um discurso

imbuído de fatores culturais, étnicos, políticos, econômicos e sociais. É na confluência de tais

fatores que nasce, neste território fértil, as danças afro-brasileiras e apesar do crescente

número de estudos e pesquisas que abordam como temática os folguedos populares, ainda é

escassa a produção literária nesse âmbito, se considerarmos à complexidade e a importância

dos mesmos para a sociedade.

As etnias formadoras do que identificamos hoje como população latino-americana,

bem como, o processo político e econômico aos quais foram submetidos os países integrantes

desta região, trouxe consigo uma carga cultural sem precedentes para as diversas

manifestações folclóricas e para as danças que viriam a ser construídas no espaço do

continente latino-americano.

É no contexto de um ambiente marcado pela presença de povos nativos, (ainda que na

sua maioria dizimados), pela chegada do colonizador europeu no século XVI e a subsequente

migração forçada dos povos africanos (em face ao processo escravocrata então instaurado)

que temos a ancestralidade desses povos. E é, especificamente, na matriz cultural africana

onde encontramos a cerne maior da questão das danças folclóricas.

Segundo Ferreira38

(2008) a América Latina é caracterizada pela multiplicidade de

povos afrodescendentes, seja em países em que há sociedades e culturas predominantemente

36

Frase utilizada pelo artista plástico Roberto Lúcio para intitular uma de suas mostras baseada na observação

dos pés. O artista utilizou fotografias, apropriação de objetos e uma instalação composta por pães em forma de

pés, intitulada; ―A mesa continua posta‖, para desvendar nos pés identidades, marcas do tempo, características

pessoais, destinos e almas. 37

O termo América Latina é empregado neste estudo com a finalidade de enfatizar o tronco histórico comum dos

países que fazem parte da mesma. 38

Luis Ferreira é Doutor em Antropologia. Atualmente é Pesquisador Associado do Núcleo de Estudos Afro

brasileiros da Universidade de Brasília. Seus interesses de pesquisa compreendem a Música Negra da América

Latina e os Estudos sobre Cultura, Poder e Relações Raciais, publicando Los Tambores del Candombe (2002), e

El Movimiento Negro en Uruguay(2003).

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negras, como é o caso do Brasil, até outros com importantes e significativas minorias. E, a

presença e a formação dos afrodescendentes no novo mundo têm como mola percussora o

colonialismo e o modelo escravocrata instaurado no continente em detrimento de culturas

como o café, o açúcar, o algodão e a extração de minérios, o que ao longo do tempo reforça o

mito construído do nosso país.

A chegada dos escravos africanos nos trópicos é marcada principalmente por

agrupamentos que compreendiam diversas etnias, e sob a condição opressora, tribos e famílias

foram separadas.

Entretanto, muitos autores costumam subdividir, os negros chegados à América Latina

em bantos e sudaneses. Porém, essa divisão, por si só, engloba uma diversificada gama de

etnias.

Os povos bantos, em geral, estão caracterizados, principalmente, pelo agrupamento

através do viés linguístico, ou seja, grupos étnicos negros africanos do centro, do sul e do

leste continente que apresentam em comum à raiz linguística banta39

.

Costuma-se atribuir ao grupo banto os escravos africanos provenientes da África

equatorial e tropical, da região do golfo da Guiné, Congo e Angola, Moçambique, planaltos

da África oriental e costa sul. Já os sudaneses estão comumente relacionados aos povos

vindos da Nigéria, Daomé e Costa do Marfim. No Brasil, há estudos que afirmam a

predominância do desembarque desses grupos por estados:

Os negros trazidos para o Brasil pertenciam, principalmente, a dois grandes

grupos étnicos: os sudaneses, originários da Nigéria, Daomé e Costa do

Marfim, e os bantos, capturados no Congo, Angola e Moçambique. Estes

foram desembarcados, em sua maioria, em Pernambuco, Minas Gerais e no

Rio de Janeiro. Os sudaneses ficaram na Bahia.40

Ainda nesse sentido, de acordo com Barros41

(2006) sobre o grupo banto:

Os bantos que aqui aportaram nesses mais de 300 anos de escravidão eram

de grupos distintos: de Angola e do Congo na maioria das vezes, mas

também da Guiné, de Cabo Verde, de São Tomé, da Costa da Mina, da Costa

dos Escravos, de Moçambique etc., e eram genericamente chamados de

angolas, benguelas, cabindas, congos, moçambiques (p.12).

39

O termo genérico banto surgiu em 1860 e está atribuído a um grupo de cerca de 2000 línguas. 40

Informações disponibilizadas pelo site da Secretaria de Educação da Prefeitura do Estado do Rio de Janeiro.

Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo01/traf_negreiro.html. 41

Rachel Barros é professora de antropologia e pesquisadora do Laboratório da Cidade e do Contemporâneo

(LACC) do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

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Entretanto, para além de tal subdivisão, Lopes (2008) argumenta que os antigos

manuais de história do Brasil, se preocuparam demasiadamente em realizar essa

categorização, tendo como pressuposto a inferiorização42

do grupo banto em relação ao grupo

sudanês, sendo apenas considerado, por muito tempo, o legado deste último para a formação

da cultura afro-brasileira em detrimento do esquecimento do legado advindo da raiz banto. De

acordo com o autor:

Enredados, então, num juízo apriorístico, esses estudos sobre o negro

brasileiro só viram as aparências: não souberam definir com clareza os

conceitos de Banto e Sudanês; não mostraram os diversos contextos

históricos em que esses Bantos vieram para o Brasil; não falaram das

grandes civilizações florescidas nas partes meridional, central e oriental da

África antes da chegada dos portugueses; não mencionaram a formidável

obra de pilhagem e destruição que esses portugueses levaram em efeito em

território africano; não se aprofundaram na heróica e organizada existência

dos africanos à escravização e ao domínio colonial; não viram a República

Livre dos Palmares como um Estado criado e dirigido por Bantos;

confundiram etnias com portos de embarque; não estudaram os Bantos enfim

(p.95).

Ainda sobre o caminho de distinguir etnias através dos grupos bantos e sudaneses

como já citado, é relevante a fala de Peixe (1980), sobre, por exemplo, uma das danças que

conhecemos o surgimento dos maracatus nação,

O maracatu (...) deve haver-se derivado do cortejo do auto dos congos e das

nações de outrora – parece refletir elementos de origem banto, da mesma

maneira como ocorrem reminiscências de fonte sudanesa estas naturalmente

aqui reinterpretadas e adaptadas aos motivos do folguedo (p.115).

A partir de tais referências históricas, no que diz respeito às possíveis origens das

manifestações afro-brasileiras, podemos traçar um paralelo inicial pelas falas por parte dos

pesquisadores e folcloristas como algumas danças que têm um legado advindo da raiz banto.

Entretanto, para além de tal subdivisão, por sempre termos uma referência de que tais grupos

já englobavam uma série de outros grupos com culturas diferenciadas entre si, podemos

ressaltar aqui outra variante que se faz recorrente nas falas de muitos pesquisadores: As

coroações dos ―Reis do Congo‖ incluindo nas palavras de Peixe (1980).

Segundo Tinhorão (2008), a mais antiga das dramatizações, incluindo sons de

percussão e dança é a de coroação dos reis do congo. Realizada no âmbito das Confrarias de

42

O autor ressalta como exemplo a visão equivocada na colocação dos historiadores Sílvio Romero e Nina

Rodrigues, que enfatizavam a inferioridade do grupo Banto em relação ao Sudanês, em obras como Os Africanos

no Brasil (1977) e História da Literatura Brasileira (1953), respectivamente.

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79

Nossa Senhora do Rosário43

os festejos ligados às coroações dos Reis do Congo, antes mesmo

de ser uma tradição ligada a história dos escravos e seus descendentes crioulos no Brasil,

eram promovidas em Portugal por volta do ano de 1533. Para Tinhorão (2008) tais

dramatizações constituíam uma forma simbólica de promover a política missionária

desenvolvida pela igreja e pelo poder real português na África. E, por sua vez, tal prática

política tinha como principal interesse a manutenção das relações comerciais com o

continente africano, mais precisamente com o tráfico de escravos.

Em meados da segunda metade do século XV, as diretrizes para as relações entre

Portugal e a costa litorânea da África, foram de substituição dos ataques armados pelo

encontro pacífico com os líderes locais, no sentido de obter margem para uma política de

troca comercial duradoura. Para que essa política obtivesse sucesso, a ação missionária da

igreja, iniciada no reinado de D. João II (e conservada por D. Manuel e D. Afonso III), se

fazia imprescindível. Neste mesmo período, onde tais ideias e práticas políticas se faziam

regra, o navegador Diogo Cão chegara às terras congolesas, estabelecendo o primeiro contato

dos portugueses com o reino do Congo.

Neste primeiro contato, o então rei do Congo, Muemba Nzinga, certo da proposta feito

pelo navegador Diogo Cão, fez-se batizar com o nome católico de Afonso I, passando a

considerar-se irmão do rei de Portugal. Para enfatizar e demonstrar a importância desta

aliança, o rei D. Manuel projetou, em 1512, o envio de uma embaixada do Congo ao papa

Júlio II, tendo o rei Afonso I - antes Muemba Nzinga, como já citado – assinado um

documento conferindo a sua conversão e a do seu povo a ser levada a Roma. Entretanto, antes

que tal fato ocorrera o papa Júlio II faleceu. Mas a ideia da conversão do Reino do Congo

como arma política juntamente com o poder do papa não foi esquecida pelos portugueses.

Assim, o sucessor de D.Manuel, D. Afonso III, escolheu o filho de D. Afonso I, para membro

da delegação dos prelados portugueses ao concílio ocorrido em 1529, pelo papa Clemente

VII.

Tais fatos não passaram despercebidos pelos escravos vindos do Congo para Portugal.

Assim, apesar da origem tribal dos mesmos ter sido sempre muito diversificada, a importância

dada pelo rei D. Manuel ao reino do Congo (reino nesta época compreendendo a região entre

o rio Congo, ao norte; rio Bengo, na atual Luanda, em Angola, ao sul; e a linha do rio

43

A Confraria da Nossa Senhora do Rosário, assim como, as religiões africanas, teve papel de extrema

importância na formação das manifestações folclóricas. Funcionavam como verdadeiras irmandades, nas quais o

principal acontecimento, segundo Mello e Souza, eram as festas onde havia a invocação à Nossa Senhora do

Rosário e a coroação dos reis e rainhas das nações de outrora.

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Cuango, pelo interior) deveria ter levado a certo sentimento de superioridade aos integrantes

desta região frente a grupos de escravos advindos de outras localidades. E, esse sentimento

contribuiria para que tais escravos, nas suas confrarias, encenassem um espetáculo que

simbolizava, sob forma teatral, o reconhecimento do reino do Congo por parte do reino de

Portugal.

Dessa forma, ainda segundo Tinhorão, algumas características de tais encenações

promovidas pelos escravos na Lisboa do século XVI passariam para o Brasil colônia no

século XVII, e, posteriormente, ganhariam aqui o caráter de auto-popular. Dentre as

características que foram assimiladas das coroações realizadas em Portugal, estaria o uso da

manifestação como instrumento de controle social dos escravos na época. Tal fato se inicia, a

partir do momento em que Sevilha e Lisboa passam a ser os grandes entrepostos de escravos

(por volta da segunda metade do século XV). Surge assim, para as autoridades, o problema de

controlar as comunidades de escravos. Como a repressão policial se mostrou ineficiente, a

solução encontrada pelo poder real foi atribuir à autoridade policial aos membros destas

comunidades. E isso era realizado mediante nomeação de chefes ou governos subordinados à

autoridade moral dos Reis do Congo.

Em relação a Portugal, os documentos que dissertam acerca da vida dos negros em

Lisboa não oferecem maiores notícias a respeito, entretanto com relação a Espanha, na cidade

Sevilha, há registros de que já no ano de 1498 os reis católicos Fernando e Isabel concederam

ao negro Juan de Vallloid o título de Mayoral, o que conferia ao mesmo a responsabilidade

sobre o comportamento dos escravos dentro e fora da cidade. Tal fato nos faz pensar na

possibilidade dessa assimilação da característica de eleger um negro como autoridade

mediante os escravos.

Carámbula (2004) falando da coroação dos reis do congo ao descrever sobre as

nações44

relata a eleição de reis e rainhas negros como uma assimilação da cultura do homem

branco.

44

Segundo Carámbula, a denominação nação surgiu inicialmente dos traficantes de escravos, que, para facilitar

o reconhecimento da procedência dos mesmos, os denominavam de acordo com a região de origem e também

com a função que viram a desempenhar no trabalho forçado. Posteriormente os próprios escravos se

organizavam em grupos onde comungavam de idioma e costumes semelhantes. No Brasil, para a pesquisadora

Marina de Mello e Souza, as nações estavam primeiramente relacionadas à designação dada aos negros pelos

traficantes de escravos a partir do porto de onde os mesmos haviam sido capturados na África. Do século XV ao

XIX, para a mesma autora, nação designava um grupo com características culturais que os distinguiam e os

tornavam diferentes daqueles que a ele se referiam. Judeus, ciganos, tupinambás e carijós, minas e angolas eram

grupos de ―nação‖ no linguajar de todo esse período.

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Para este pesquisador, o homem africano simulava, utopicamente, a ideia de pátria, e

reivindicava com orgulho o título de nação. Diante de seu olhar um dos aspectos mais

interessantes dessas nações, constituía-se na organização política das mesmas, à semelhança

da aristocracia da época. Estas congregações elegiam seus reis e rainhas, com seus súditos

hierarquicamente estabelecidos, que se identificavam através de suas vestimentas simbólicas,

tais reis presidiam as grandes recepções e as festas.

Mas, ainda segundo Carámbula, a função desses monarcas não se limitava a presidir

os festejos. Primordialmente se preocupavam da ordem em geral, e com grande espírito

humanitário, faziam das nações uma espécie de centro de ajuda mútua entre os integrantes das

mesmas. Além disso, os reis eleitos eram firmes em sua forma de conduzir suas respectivas

nações, assim, o integrante da nação que não cumprisse com os deveres sociais ali

suplantados, eram expulsos e malvistos pela congregação.

Podemos refletir neste caso, que, de certa maneira, tal coroação também pode ter sido

utilizada como uma forma de controle social dos escravos.

Nesse caminho, de acordo com Lélis45

(2008), algumas danças afro-brasileira se

originam da coroação dos próprios reis negros com o intuito de inspecionar e manter o

controle de seus subordinados e neste caso há também uma possibilidade dos folguedos terem

iniciado a partir de uma relação mimética dos escravos para com as visitas de nobres

portugueses e representantes da aristocracia.

Durante essas visitas aconteciam festas, e nestas a população negra escravizada era

obrigada a comparecer sob intervenção policial e em tais ocasiões encenava-se a devoção ao

poder real. Assim, estas solenidades teriam contribuído para o surgimento de alguns dos

folguedos africanos com suas respectivas figuras da realeza.

No que diz respeito às coroações dos reis do congo, encontramos uma linha tênue

enquanto veículo de controle dos escravos e simultaneamente um instrumento de resistência,

de luta e de identidade dos mesmos na América Latina. E muito dessa resistência foi

fortalecida pela ligação ritualística e religiosa existente.

45

Carmem Lélis é historiadora e pesquisadora. Atualmente é gerente de Preservação do Patrimônio Cultural

Imaterial da Secretaria de Cultura do Recife.

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3.1 O Candomblé

Outro fato que pode nos fazer refletir a respeito da divisão histórica banto sudanesa

são as próprias versões históricas que giram em torno do próprio vocábulo candomblé. Apesar

de não ser o principal foco do nosso trabalho, é importante ressaltar como se relaciona a

religião diante das manifestações folclóricas aqui estudadas.

De acordo com Mello e Souza (2007), apesar de o termo pertencer à língua banta, no

Brasil o candomblé se refere a cultos religiosos de origem iorubá e daomeana (historicamente

vinculados ao grupo sudanês). Para além de tais discussões, o fato é que hoje algumas danças

afro-brasileiras quando trabalhadas na dimensão mística e ritualística fazem referência ao

culto dos orixás em seus cortejos, seja em seu imaginário ou na presença de figuras

dramáticas presentes nos cortejos de suas manifestações.

As primeiras referências dos candomblés no Brasil datam do século XIX. Em uma

breve definição, o candomblé poderia resumir-se na prática de oferendas aos ancestrais

(orixás46

) e no processo de iniciação dos praticantes em um ritual de possessão.

Os orixás são entidades ancestrais e heróis divinizados fundadores de linhagens, reinos

e cidades-estado, sendo não só a origem da organização social e política, como também os

responsáveis por orientar toda a ação dos homens em sua vida terrena. Desde aquela época, os

devotos que entravam em contato com os orixás por meio da possessão eram conhecidos

como pais e mães de santo, fato que para Mello & Souza (2007) já imbuía a forte influência

católica, presente no vocábulo santo.

Segundo Mattos (2009), o candomblé baseado no culto aos orixás dos povos iorubás

também chamados de nagôs foi formado na Bahia do século XIX, quando o tráfico trouxe do

continente africano os escravos originários de várias cidades ditas iorubás como Queto, Ijexá,

Efã, entre outras. No Brasil, estas cidades acabaram emprestando o nome aos terreiros de sua

influência. Em Pernambuco, ainda segundo esta autora, o candomblé conhecido como xangô,

recebeu a influência da nação Egba.

Dessa maneira, para a autora, o candomblé, além de ser uma forma de expressão

religiosa, também servia para marcar os espaços das diferentes nações47

africanas.

46

Segundo a historiadora Marina de Mello e Souza, a denominação orixá é dada quando a influência iorubá é

maior e voduns, quando a influência daomeana se destaca. 47

Ver nota 38 na página 78.

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83

Porém, para além de tais questões possíveis de nos levar a caminho de uma história tão

multifacetada, o fato que queremos ressaltar para esta discussão, é o cunho social que

representava as nações através dos relatos dos periódicos da época. Pois, eram comuns as

reclamações nos jornais sobre as manifestações das danças afro-brasileiras, vistos pela elite da

época como perturbadores da paz e do sossego público. Foi então se construindo um caminho

de intolerância com os folguedos afro-brasileiros.

Na virada do século XIX para o XX, espelhadas no liberalismo europeu e

nas convicções ‗científicas‘ correntes na época, que acreditavam na

inferioridade racial dos negros, as práticas culturais afro-descendentes

passaram a sofrer intensa perseguição policial. As religiões foram

criminalizadas, acusadas de práticas de curandeirismo/charlatanismo, sendo

seus adeptos presos e denunciados por exercício ilegal da medicina. Os

batuques, fossem eles de Xangô ou de Maracatu, invariavelmente recebiam

inspeções da polícia, que prendiam seus praticantes e recolhiam os objetos

de culto que encontravam nos terreiros (COUCEIRO, 2010, p. 45).

Os registros de escritores como José Lins do Rêgo, em seu romance, ―O Moleque

Ricardo‖, também nos trazem uma impressão importante desse período. Para o escritor, assim

como para Mário Sette as manifestações de dança afro-brasileiras refletia algo sombrio, que

levava às lembranças do tempo de escravidão dos negros.

De acordo com Lima (2005), além desse sentimento negativo que era imbuído também

se concretiza como fator determinante para essa intolerância, o barulho das tocadas nos

terreiros de nações, que era malvisto pela população. Além dessa ideia de incômodo que

houve também um período em que pouco ou nada se falou a cerca das manifestações.

Podemos dizer ter sido um período em que se discutia a identidade que deveria prevalecer no

Brasil, tudo que remetesse ao negro ou a matriz africana, era não só rejeitado como também

ocultado, principalmente quando o tema era carnaval ou festa.

Para Couceiro (2010), após essa fase, a partir dos anos 30 do século XX, quando

ocorre a divulgação das ideias modernistas e o 1º Congresso Afro-Brasileiro, podemos ver

uma modificação na visão da sociedade em relação as manifestações afro-brasileiras.

Destacamos intelectuais da época, em busca de símbolos que reafirmassem a

pernambucanidade, tiveram como fonte inspiração a cultura popular. Entre eles e autora cita

na luta pela legitimação das danças afro está o poeta Ascenso Ferreira, músicos e

compositores como Capiba e Nelson Ferreira, pintores e fotógrafos como Lula Cardoso Ayres

e Alexandre Berzin e o escultor Abelardo da Hora.

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Couceiro ainda nos fala do surgimento da Noite dos Tambores Silenciosos48

, que foi

criada em 1961 pela iniciativa do jornalista e folclorista Paulo Vianna, juntamente com alguns

intelectuais da época e participantes dos maracatus.

Por outro lado, para Lima (2005) a década de 60 é vista como uma fase do auge da

decadência da cultura afro-brasileira. Essa decadência, segundo o autor, tem sua origem

vinculada às teorias do branqueamento, já referenciada na pesquisa em momento anterior, que

se desenharam no país e da forte repressão sobre as religiões afro principalmente na Primeira

República e no Estado Novo.

Mas os movimentos negros organizados do país e os movimentos culturais, surgidos

nas décadas de 80 e 90, que promovem a ideia de pernambucanidade, redesenham com grande

contribuição para que a cultura afro-brasileira passasse por um processo de valorização da

sociedade pernambucana como um todo.

Acontecimentos como, o surgimento do grupo de maracatu Nação Pernambuco, no

final dos anos 80, e a eclosão do movimento Mangue Beat, eternizado através do ícone da

música Chico Science e do Grupo Nação Zumbi, entre outros, propiciaram nova fase para a

reflexão das manifestações afro-brasileiras.

É importante também citar que, pelo viés do ensino da dança, o Balé Popular do

Recife também se concretizou como um grande aliado para a construção desse momento

favorável.

Através do ensino do método brasílica49

tanto em sua sede, como em diversas escolas

(públicas e particulares) do Recife e Olinda, o Balé Popular do Recife contribuiu para que

diversos outros folguedos do Nordeste fossem estudados e vivenciados por diversas camadas

sociais do estado. Contribuindo também para a formação de tantos outros grupos folclóricos e

para folclóricos, que viabilizaram cada vez maior promoção dança afro-brasileira.

Desta forma, é possível ver que a cultura afro-brasileira passou por longo caminho, um

percurso que está intimamente ligado às questões políticas e históricas vivenciadas. Da

omissão e rejeição ao estado de identidade, as danças, e do caráter marginal à oficialização e

48

A Noite dos Tambores Silenciosos tem como objetivo prestar uma homenagem à memória dos negros que

morreram no cativeiro. O espetáculo tem se repetido desde 1961 até os dias de hoje, fazendo parte da

programação das segundas-feiras do carnaval do Recife. 49

O Método ‗Brasílica de Arte‘, criado por André Madureira, fundador do Balé Popular do Recife, foi

desenvolvido a partir dos resultados das pesquisas realizadas sobre a cultura brasileira, inspirando-se nas danças,

ritmos, interpretações, vestimentas e artesanato. O objetivo do método é levar a arte popular aos palcos, escolas,

e instituições culturais e sociais, através de uma linguagem artística e pedagógica, intitulada Brasílica.

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ícone do carnaval, é possível visualizar os imaginários sociais que foram constituindo

socialmente as suas manifestações.

Desse modo, dentre inúmeras possibilidades, estamos seguindo os sinais, indícios,

para o desenvolvimento do trilhar que nos convidam ao diálogo de nosso percurso

metodológico, sobre o qual continuamos nossa conversa.

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86

4 A DANÇA

METODOLOGIA

A ponte é para atravessar para

unir caminhos e se encontrar.

É para ir e para voltar

Caminhar para saber onde vai

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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A vida é complexa e, por ser assim, difícil de ser analisada por um único

enfoque. O (A) pesquisador (a), ao desenvolver pesquisas de caráter

qualitativo, é condição singular e inegociável incorporar tais princípios.

Sobretudo, ao ousar um mergulho, com curiosidade, criticidade e

criatividade, na frequência ritmada, ao som de notas graves ou agudas da

realidade, com mutações que afetam e determinam os fatores políticos,

sociais, ideológicos, educacionais, culturais e econômicos no mundo

contemporâneo (FRANÇA, 2003, p.79).

Compreendemos que existem diferentes maneiras de pesquisar, entretanto, é

fundamental a busca de elementos para orientar o caminho. Elementos importantes que

estabelecem reflexão desde o objeto de estudo aos procedimentos de coleta e análise, para

fugir de uma linearidade de pensamento enquanto unificação de padrões de análise na medida

em que ―o pensamento linear é um dos instrumentos mais eficazes para criar e manter atitudes

preconceituosas‖ (MARIOTTI, 2000, p.66).

Nosso olhar metodológico é guiado através de uma perspectiva de que construir o

conhecimento, conforme destaca Morin (2001), significa situar as informações em seu

contexto. Integrar o conhecimento ao contexto é torná-lo pertinente, isto é, conferir-lhe

significado e sentido, possibilitar sua percepção global visto que o todo tem qualidades que

não são encontradas nas partes, e certas propriedades das partes podem ser inibidas pelas

restrições provenientes do todo, reconhecer seu caráter multidimensional e enfrentar sua

complexidade, que é a integração entre a unidade e a multiplicidade.

Nessa perspectiva, Rosa (2002, p.18) compartilha com o pensamento de França (2003)

ao afirmar que ―[...] a pesquisa não é um mero procedimento de resolução de problemas

educativos, mas um meio de produzir a autonomia do professor‖, ao que acrescentamos a

capacidade de coproduzir e refletir sobre as teorias e as práticas de ensinar. É por meio da

autonomia que as possibilidades de sua produção podem se caracterizar como processo em

um contexto dinâmico de vir-a-ser, decorrente da reorganização reflexiva que permite a

passagem do entendimento frente a um conhecimento para outro mais ampliado.

Essa concepção parte do princípio da mutação permanente do conhecimento, do

desvelamento contínuo da realidade que nos resultados de uma pesquisa e suas possíveis

contribuições é um processo inacabado, pois a cada encontro, surgirá um novo.

O envolvimento com processo de pesquisa faz emergi ambiente favorável à

conscientização de um espírito científico como parte integrante e indispensável ao ritmo

próprio da pesquisa apontando elementos que estabeleceram formas e atenderam à

inquietação que norteou o estudo. Como diria Bachelard (1996, p.18), ―para o espírito

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científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver

conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído‖.

Assim, é no diálogo de construção na realidade social que esteve presente o caminho

metodológico, orientado a partir de um processo de pesquisa que supere as lacunas da simples

constatação da realidade e mergulhe na concreta investigação de conhecimentos

cientificamente elaborados. Compreender as subjetividades e o universo de significados que

constituem o objeto social foi o nosso trajeto.

Neste sentido, aos procedimentos adotados que abarcam o que denominados

metodologia, e essa ―inclui as concepções teóricas da abordagem, o conjunto de técnicas que

possibilita a apreensão da realidade e também o potencial criativo do pesquisador‖

(MINAYO, 1998, p. 22).

A abordagem qualitativa, nas palavras de Minayo (1994, p.21-22), responde a

questões muito particulares - trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações.

Preocupa-se com a relação dinâmica entre a realidade e o objeto estudado, tomando a

realidade como um todo que, mesmo fazendo parte de uma realidade, apresenta características

próprias.

Isto porque nas metodologias qualitativas há uma possibilidade de conhecer melhor os

seres humanos e compreender como ocorre a evolução das definições de mundo destes

sujeitos, fazendo uso de dados descritivos derivados de registros e anotações pessoais, de falas

de pessoas, de comportamentos observados. O sujeito observador pesquisador é parte

integrante do processo de conhecimento e para além de interpretar, compreende os fenômenos

através do sentido e significado50

que é atribuído pelo sujeito pesquisado.

Sendo preocupação com o processo, concebemos os colaboradores – professores,

gestora, alunos e representante da comunidade - não como um dado inerte e neutro, pois

possuem significados e relações permeados por uma dialética, que segundo Kosik (1989,

p.15) é o pensamento crítico que se propõe a compreender a ―coisa em si‖.

Por base na dialética do problema central do estudo - Quais as possibilidades e os

desafios que os espaços escolares oferecem para sistematizar ações educativas para a dança

50

Para abordar o sentido e o significado, tomamos como referência o conceito do Coletivo de Autores (1992): o

sentido exprime um atributo pessoal, uma subjetividade às significações e o significado é atribuído às

representações, às ideias, os conceitos produzidos pela consciência social – as significações objetivas.

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afro-brasileira qual têm sido o rebatimento dessas ações para com a abordagem da cultura

afro-brasileira considerando o seu sentido e significado?

O caminho que buscamos nos possibilitou conhecer melhor os colaboradores da

pesquisa e compreender como ocorre a evolução das definições de mundo deles fazendo uso

de dados descritivos derivados de registros de suas falas. ―O material obtido nessas pesquisas

é rico em descrições de pessoas, situações, acontecimentos; inclui transcrições de entrevistas e

de depoimentos, fotografias, desenhos e extratos de vários tipos de documentos‖ (Ludke e

André, 1986, p.12), ou seja, dados predominantemente descritivos existe preocupação maior

com o processo que com o produto.

Aprofundar, portanto uma investigação é (re)interpretar o modo de pensar sobre uma

determinada realidade, e pensar essa realidade é compreender seu processo, ou seja, a forma

como os pesquisados entendem e se relacionam com as questões que estão sendo focalizadas,

portanto o significado e o sentido é o foco de atenção do pesquisador. Isso porque revelar um

objeto singular num conglomerado requer uma perícia especial, uma análise cuidadosa

disponíveis, no sentido de buscar um significado numa realidade complexa, num espaço

profundo de relações (FRANÇA, 2000).

E é nas relações que outros participantes colaboram para o desenvolvimento e

realização desta pesquisa e encontra manifestação em outros estudos desenvolvidos por

autores que visam contribuir para a possibilidade do produzir novos outros caminhos a

transformar determinadas relações, que como nós, optam pela etnometodologia como

abordagem metodológica.51

Os princípios críticos dialéticos da etnometodologia os quais vamos apresentar a

seguir fundamentam a referida abordagem que surge na Califórnia nos anos 60 como uma

corrente sociológica americana. E, enquanto concepção metodológica desvela o mundo vivido

dos atores da pesquisa.

Coulon (1995, p. 8) nos relata a estrutura do pensamento que baseia os princípios da

etnometodologia. Para o autor,

51

Nesta pesquisa, apresentamos trabalhos que têm a etnometodologia como abordagem metodológica: Pires

(2002), França (2003), Guimarães (2006), Santos (2007) e Kohl (2007).

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90

Analisando as práticas ordinárias no aqui e agora sempre localizado das

interações, ela vem somar-se a outras correntes mantidas à margem da

sociologia oficial, em particular a sociologia de intervenção que leva

também em conta o fato de todo o grupo social ser capaz de se compreender

a si mesmo, comentar-se, analisar-se. [...] existe mesmo um vínculo muito

estreito entre a etnometodologia e as sociologias de Durkheim e de Weber. A

Etnometodologia não é um ramo separado do conjunto da pesquisa em

ciências sociais. Pelo contrário, acha-se em relação, mediante múltiplas

ligações, com outras correntes que, como o marxismo, a fenomenologia, o

existencialismo e o interacionismo, alimentam a reflexão contemporânea

sobre a nossa sociedade.

Ao adotarmos a etnometodologia passamos a entender como meio primordial as

abordagens microssociais dos fenômenos, dando maior importância à compreensão do que à

explicação. Desta forma, ela valoriza exatamente as interpretações, que passam a ser o objeto

essencial da pesquisa. ―Dá-se aí a mudança de paradigma sociológico com a etnometodologia,

passa de um paradigma normativo para um paradigma interpretativo‖ (COULON, 1998,

p.10).

O referido autor define essa abordagem como a ciência dos etnométodos, isto é,

procedimentos que constituem o raciocínio sociológico prático. Em outras palavras, constituí

em analisar as maneiras habituais de proceder que são mobilizadas pelos atores sociais

comuns nas ações assíduas em sua vida cotidiana.

A etnometodologia é a pesquisa empírica dos métodos que os indivíduos

utilizam para dar sentido e, ao mesmo tempo, realizar as suas ações de todos

os dias: comunicar-se, tomar decisões, raciocinar (ibid, p. 31).

A obra Stuties in Ethnomethodoly, do sociólogo Haroldo Garfinkel, é o marco dessa

forma de fazer pesquisa e encontramos nela sua preposição de que a etnometodologia se

interessa pelos mesmos fenômenos que a sociologia trata.

Toma base teórica e epistemológica, e rompe radicalmente com pensamentos da

sociologia tradicional, é então vista por ele como uma teoria e uma perspectiva possível e

viável, de fato concreta de pesquisa. Nesse sentido, Coulon (1995, p.15) afirma que,

A palavra ‗Etnometodologia‘ não deve ser entendida como uma metodologia

específica da etnologia ou uma nova abordagem metodológica da sociologia.

Sua originalidade não reside aí, mas em sua concepção teórica dos

fenômenos sociais. O projeto científico dessa corrente é analisar os métodos

– ou, se quisermos, os procedimentos - que os indivíduos utilizam para levar

a termo as diferentes operações que realizam em sua vida cotidiana. Trata-se

da análise das maneiras habituais de proceder, mobilizadas pelos atores

sociais comuns a fim de realizar suas ações habituais.

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Sendo assim, em qualquer que seja o objeto investigado, o que nos media é o sentido

e significado que os atores atribuem. A etnometodologia se preocupa com as atividades

corriqueiras da vida cotidiana, tentando compreendê-las como fenômenos. É nessa direção

que ao tentar compreender a ação cotidiana dos atores-dançantes, as mensagens emitidas nas

diversas formas de comunicação, as objetividades e subjetividades presentes nas práticas

pedagógicas a etnometodologia aponta possibilidades teóricas para adentrar nesse universo e

identificar possíveis transformações e implicações sociais. As contribuições que a abordagem

etnometodológica traz para uma pesquisa em educação são referendadas por Macedo (2006,

p. 78):

Etnometodologia e educação fundam um encontro tão seminal quanto

urgente, em face da parcialidade compreensiva fundada pelas análises

‗duras‘. Pelo veio interpretacionista etnometodólogos interessados no

fenômeno da educação buscam o tracking dos etnométodos pedagógicos,

isto é, uma pista pela qual tetam compreender uma situação dada, bem como

praticam a filature, ou seja, o esforço de penetrar compreensivamente no

ponto de vista do autor pedagógico, em suas definições das situações, tendo

como orientação forte o fato de que a construção do mundo social pelos

membros é metódica, se apoia em recursos culturais partilhados que

permitem não somente o construir, mas também o reconhecer.

Dessa maneira, este estudo, com a presente metodologia, ―compreende o outro, isto é,

uma individualidade, uma personalidade ou grupamento humano, uma formação sociocultural

própria e dinâmica‖. (LUZ, 1983, p. 16) considerando a presença dos diversos fatores que

interferem e interagem nas relações estabelecidas. ―Define-se a interação como uma ordem

negociada, temporária, frágil, que deve ser permanentemente reconstruída a fim de interpretar

o mundo‖ (COULON, 1995, p.16).

Como forma de apresentar e visualizar os conceitos-chave52

dessa abordagem

metodológica, tomando como referência a linguagem adotada por França (2003, p.89),

trazemos a construção realizada pela autora em tese de doutorado o qual tem como base os

princípios da etnometodologia. É um vocabulário bastante particular com a intenção de

facilitar, compreender e captar, suas particularidades.

No esquema abaixo apresentamos os conceitos-chaves da abordagem

etnometodológica: realização, indicialidade, reflexividade e accountability.

52

Ao prefaciar sua mais importante obra, Studies in Etnomethodology, Harold Garfinkel destaca a importância

da utilização do conceito accountability, conceito a partir do qual Louis Quéré, em Arguments

etnométhodologiques, 1984, ressalta duas características importantes – reflexividade e racionalidade.

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92

Esquema 1 – Relacionando os conceitos-chaves

Fonte: FRANÇA, 2003.

A prática/realização – Este conceito compreende a ideia de atividades práticas,

circunstâncias práticas e raciocínio sociológico prático. Abarca estudos empíricos. São ideias

e aplicações que os atores realizam em situações concretas. Abordar a prática pedagógica na

escola, relacionada às ações educativas que envolvem a dança afro-brasileira e qual tem sido o

rebatimento dessas ações na prática docente, é compreender a realidade social criada por seus

atores, isto é, como decidem, como colocam em evidência os modos de interpretar sua

realidade e como se estabelecem as relações de poder, de comunicação e de linguagem.

A indicialidade – para a etnometodologia a vida social se constitui basicamente

mediante a linguagem do dia a dia. A significação de uma palavra depende do contexto em

que aparece, não tem mesmo sentido para todos, a palavra, a força da palavra, o esforço de

narrar e de narrar-se definem a incompletude natural que tem sua significação. A

compreensão profunda de uma palavra exige se aprofundar na abertura e diálogo que a mesma

propõe que em particular é uma abertura social e só ganha sentido completo no seu próprio

campo de produção. São os gestos, as regras, as ações e a convicção de uma análise que não

termina nunca.

Assim podemos citar o exemplo de um dos atores-dançantes que leciona numa escola

e havia na ocasião realizado um curso à distância de cultura afro-brasileira e africana

oferecido pelo MEC. Observando o dia a dia em sua sala e no movimento enquanto escola

identificou o preconceito do aluno com o aluno em relação ao cabelo do outro, e pejorativos

prática

realização

indicialidade reflexividade accountability

(re)construir

(re)descobrir

(re)elaborar

(re)significar

linguagem

expressão

(re)ação

comunicação

descrição

constituição

reconstituição

disponibilizar

descrever

analisar

objetivar

C A R A C T E R Í S T I C A S C E N T R A I S

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de que o negro não sabe de nada. Pensou, então, em um projeto que inicialmente, seria pensar

um projeto enquanto regente na sua sala de aula. Mas incentivada por outra colega de trabalho

resolveram lançar a ideia para o grupo para ter como tema do ano letivo a cultura afro-

brasileira. Só em falar esta palavra relatou a colaboradora da pesquisa que a situação ficou um

pouco complexa, pois percebeu o preconceito dos colegas com relação a algumas questões da

cultura afro. Pelo seu relato parecia que falar em cultura afro para a equipe da escola era

apenas tratar da questão da religião afro, que segundo ela, para seus colegas de trabalho isso

significava tratar apenas de macumba e candomblé, diz nossa colaboradora que ―alguns

professores travaram em relação a isso‖.

Possivelmente se este projeto ou uma determinada ação muito próxima a que nossa

colaboradora nos falou fosse em ―espaço‖ de religião afro, tratar desta temática enquanto

princípio educativo, em relação a palavra dita e proferida na sua escola, em um outro espaço

teria outras conotações. Com esse exemplo, relata a colaboradora que observou, também, não

só a palavra em ―si‖ que foi falada incomodou, o escutar manifestou na dimensão corporal e

as expressões das pessoas na reunião e seus gestos mudaram.

Por estar ligada ao contexto de sua produção, a palavra ganha sentido e significado

diferenciado. Palavra enuncia preposições que expressa relações, e relações entre preposições

do que dito, falado expressa as relações entre os acontecimentos. Através da palavra dos

atores-dançantes da pesquisa, buscaremos desvelar a configuração da prática pedagógica na

escola, relacionada às ações educativas que envolvem a dança afro-brasileira e qual tem sido o

rebatimento dessas ações na prática docente.

A reflexividade – Designa as práticas que ao mesmo tempo descrevem e constituem o

quadro social. É a equivalência entre descrever e produzir uma interação, entre a compreensão

e a expressão dessa compreensão. Não se pode confundir a reflexibilidade com a reflexão –

quando refletem sobre aquilo que fazem. A reflexividade é uma condição primeira para

Garfinkel que compreende,

[...] as práticas que ao mesmo tempo descrevem e constituem o quadro

social, designa a equivalência entre descrever e produzir uma interação,

entre compreensão e a expressão dessa interação, assim ‗fazer‘ uma

interação é o mesmo que ‗dizer‘ a interação (p. 36).

Esse princípio indica que os atores da pesquisa, ao falarem, descrevem e ao mesmo

tempo constroem a realidade.

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A accountability – Esse termo quer dizer descritível, ou seja, descritibilidade. Para

Louis Quere (1984, apud Coulon, 1995a, p. 42), existem duas características importantes da

accountability – ser reflexiva e racional. Reflexiva, pois isso faz parte das atividades e é

racional, pois é produzida metodicamente em uma situação inteligível, podendo ser, então,

descrita e avaliada de modo racional.

Vivemos num mundo que é descritível, inteligível, analisável. E tal descritibilidade é

revelada nas ações práticas empreendidas no dia a dia. A competência social dos membros

nasce no seio de uma determinada comunidade. A escola, por exemplo, possui uma cultura

própria que resulta das ações e também do estabelecimento de regras, normas e valores que

são criados e recriados no cotidiano das relações e que nem sempre estão documentadas

(MACEDO, 2006, p. 76).

A etnometodologia vê o mundo real em situações, a própria descrição já fabrica,

constrói o próprio mundo. E, com isso já envolve valores, crenças, visão de mundo, de

homem, de educação, estruturas produzidas por determinado grupo social. Buscaremos com

esse apoio descrever a prática pedagógica e torná-la compreensível, revelar o seu sentido e os

processos pelos quais ela é relatada.

A noção de membro – Essa noção significa a filiação a um grupo que exige o uso de

uma linguagem institucionalizada. Um membro consegue sem dificuldade preencher as

lacunas induzidas pela indicialidade – incompletude que toda palavra possui – dos discursos

através da busca de padrões do senso comum. Podemos dizer que membro é aquele que tem

competência para interagir naturalmente com os membros do seu grupo, e a linguagem é um

dos mais confiáveis indícios de tal pertencimento. Uma pessoa é considerada membro quando

dotada de um conjunto de modos de agir, métodos, atividades que fazem dela capaz de

inventar dispositivos para dar sentido ao mundo que a cerca.

Em nossa pesquisa, abordamos os atores-dançantes como membros que pertencem a

um grupo de uma unidade escolar – professores, gestores (localizados na escola e na gestão

pública enquanto gerência de regional de educação), alunos (as) e comunidade escolar

(representada por pais e/ou responsáveis) com turmas do Ensino Fundamental I, em cujas

práticas pedagógicas identificamos indícios relacionados a ações educativas que envolvem a

cultura afro-brasileira considerando suas danças como possibilidades de vivências, a partir de

produções sistematizadas que propiciam situações didáticas guiados por um conjunto de

modos de agir, métodos, atividades próprias, dentre outros aspectos.

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É considerando esses conceitos que organizam e orientam nossa abordagem

metodológica a prática, a indicialidade, a reflexividade, a accountability e a noção de membro

– e da escolha de nosso percurso metodológico, analisamos nosso objeto de estudo alicerçadas

no entendimento de que a realidade não se apresenta sob o aspecto de um objeto que pode ser

intuído, analisado e compreendido teoricamente. Mas, sim se caracteriza como um campo em

que o pesquisador cria suas próprias representações e elabora todo um sistema de elementos

que capta e fixa um objeto dessa realidade, guiado pelo foco do pensamento complexo, o qual

explica que a produção do conhecimento deve ser gerada a partir da assimilação do mundo

real – ―mundo em que as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos

do homem social, e o próprio homem se revela como sujeito do mundo social‖ (KOSÍK,

1976, p. 18).

Compreendemos que esta abordagem possibilita olharmos para o nosso objeto de

estudo e para nossos atores-dançantes da pesquisa como capazes de compreender a si mesmo,

de comentar-se e de avaliar-se. Pautada nessa perspectiva, partimos em busca dessa prática na

Rede Municipal de Ensino da cidade do Recife, pelo conhecimento de uma Política de

Promoção da Igualdade Racial53

, pela aproximação nas ações e aos integrantes do GTERÊ54

,

pelo conhecimento da materialização do processo sistemático de experiências pedagógicas de

abordagem da questão racial nas escolas e, ainda por ser gestada por uma política pública

popular.

A referida Rede, através da Secretaria de Educação, Esporte e Lazer - SEEL desde os

anos 80 vem possibilitando parecerias, entre elas, na primeira gestão do Prefeito Jarbas

Vasconcelos em 1987 realizando ações conjuntas com o MNB. A ideia na ocasião era

mobilizar discussões referentes às atividades para celebração do Ano da Consciência Negra e

o Centenário da Abolição, culminando em encontro intitulado Encontro das Comissões

Municipais para o Ano do Centenário da Abolição tendo como finalidade a deliberação, em

1987, o Ano Nacional Contra a Discriminação Racial, as atividades de solenidades para

celebração do Centenário da Abolição.

53

Esta política vem realizando atividades para a implementação da Lei 10.639/2003, ações que se tornaram

corriqueiras mesmo antes da Lei em parceria com outras secretarias e setores, grupos de trabalhos que foram e

vem sendo criados e organizados para discutir questões de etnia nas diversas áreas de organização política, com

a participação do movimento negro, entre outras demandas 54

O GTERÊ - Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico Raciais é um grupo de trabalho Secretaria

de Educação, Esporte e Lazer da PCR que materializam ações voltadas para as discussões amplas e especificas

da Lei 10.639/2003 e promove cursos e formações para os educadores das escolas da referida rede.

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96

É nesta década que o movimento traz para o debate em âmbito nacional a inclusão da

temática Pluralidade Cultural. Como ressalta Batista (2009),

O Movimento Negro como espaço de cidadania procura legitimar suas

reivindicações com base na Constituição de 1988 potencializando o debate

em termos nacionais. São frequentes as cobranças aos poderes públicos da

disponibilização de quadros preparados técnica e politicamente, na

perspectiva de avançar a luta por uma educação voltada para a igualdade

racial (p.29).

A preparação para comemorar o Centenário da Abolição provocou uma grande

mobilização em toda a rede de ensino do Recife, como também em outros municípios, entre

eles Olinda, Cabo e Itambé, organizando atividades com seminários, palestras, cursos de

formações e a I.ª Caminhada, que teve como tema ―As escolas Municipais Descobrindo-se

Negra‖.

No ano de 2004 ocorreu em pareceria com a Rede Municipal de Ensino do Recife e a

ONG - GESTOS uma formação sobre a temática racismo, homofobia, sexismo e em 2005 foi

realizada uma formação a distância promovida pelo MEC – Curso de história e Cultura Afro-

Brasileira e Africana, visando subsidiar as escolas sobre como incluir nos currículos as

orientações da LEI 10.639/03. Nesses cursos participaram dois de nossos atores-dançantes.

Partimos da compreensão que para adentrar nesta temática requer dos educadores uma

sólida formação teórico-metodológica e o conhecimento de técnicas promovidas pela pesquisa

educacional, para que sejam capazes de interpretar e intervir na realidade socio-educacional.

Nessa perspectiva, entendemos que os processos de formação continuada de professores são

importante na medida em que poderá possibilitar elementos para o refletir em torno de

práticas não-alienantes, reprodutoras de discursos silenciadores de discriminações e de

exaltações de mitos construídos socialmente. A formação se torna então enquanto parte de um

processo que decorre de contribuição aqueles (las) que atuam na escola, não é o único e pode

sim, se tornar objeto da busca coletiva de novas alternativas organizacionais e institucionais

nas quais os docentes são qualificados.

A formação contínua é um ato político-educativo capaz de provocar,

promover e emancipar, contribuindo para um desenvolvimento profissional

docente autônomo. Com estes pressupostos, podemos considerar como

finalidade desse processo educativo contribuir para a valorização e

qualificação de professores de modo que estes assumam com inteligência

crítica o seu papel de sujeitos de transformação social (CORREIA, 2007, p.

38).

Desse modo, a Secretaria Municipal de Educação tem buscado a valorização dos seus

educadores, as formações podem se constituir em ―espaços‖ que promovem a atualização de

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conteúdos e a renovação de métodos de trabalho que tenham consonância com as constantes

mudanças pelas quais a educação e o mundo passam.

Também outras possibilidades têm promovido ações para a temática da Cultura Afro-

Brasileira e Africana como a promoção de socialização de experiências através do concurso

que nos referimos anteriormente. Por sugestão do GTERÊ a SEEL em março de 2007 lança o

concurso de Práticas Pedagógicas: ―As escolas do Recife descobrindo-se negras”55

. Embora

já se soubesse da existência de algumas dessas experiências o concurso possibilitou que elas

aparecessem em bloco, enriquecendo o contexto das discussões das práticas vivenciadas nas

escolas. O referido concurso56

resultou em uma publicação compondo a série Portifólios

Pedagógicos57

, do projeto editorial da SELL.

Essa configuração nos motivou a escolher essa Rede como campo empírico da

pesquisa. Definido o universo, passamos à seleção dos nossos atores-dançantes, a qual se deu

a partir dos critérios baseados:

Ter experiências pedagógicas sistematizadas e socializadas na publicação Portifólios58

Pedagógicos, projeto editorial da SELL, 2007: As escolas do Recife descobrindo-se

negras e experiências, artigos ou pôsteres nos quais se evidenciam práticas

pedagógicas com a cultura afro-brasileira, especialmente com dança afro-brasileira.

Estar atuando como professor (a) em regência ou gestor na rede municipal de ensino

do Recife; ser aluno (a) matriculado (a) na rede municipal de ensino do Recife e ter

participado da experiência pedagógica referida ou de outra mais recente;

55

A ideia do concurso partiu do curso de formação, denominado História e Cultura Afro-brasileira: promovendo

a equidade racial na educação, oferecido pela SELL a 250 professoras e professores da Rede Municipal de

Ensino, envolvendo uma parceria com o PCRI (Programa de Combate ao Racismo Institucional), da Secretaria

de Direito Humanos e Segurança Cidadã, nos anos de 2005 e 2006. Curso no qual já foi referendado no texto

acima. O curso, em suas duas etapas, possibilitou que viessem à tona várias experiências pedagógicas de

abordagem da questão racial, com estudantes de diferentes faixas etárias. O concurso teve como objetivos apoiar,

através de subsídios pedagógicos, a implementação da Lei 10.639/03 no município de Recife; sensibilizar,

incentivar e subsidiar professoras (es) e profissionais da educação para a inclusão da temática racial nos projetos

pedagógicos formulados e executados nas escolas; Difundir e ampliar as experiências educacionais criadas e

realizadas pro professoras (es) e estudantes, visando a eliminação do racismo institucional na escola e a

promoção da equidade racial, bem como, dar visibilidade às práticas educativas que fazem abordagem da

questão racial em sala de aula, diretamente com estudantes da rede municipal de ensino do Recife. 56

Anexo A. 57

A série Portifólios Pedagógicos tem como objetivo de documentar a forma como os projetos didáticos foram

realizados, valorizando-se os relatos e práticas educativas, abordando a temática da promoção da equidade racial,

especialmente no que se refere às questões dos afrodescendentes, acompanhados de fotografias, produções dos

estudantes e uma avaliação simples, buscando-se sempre fazer associação com referências teóricos dos processos

de formação continuada. A série a qual referimos foi organizada pelas professoras Ana Helena Gouveia dos

Santos e Carmem Lúcia Bezerra Bandeira, a qual constitui o volume 2 Prefeitura do Recife, SELL, Diretoria-

geral de Ensino e Formação Docente da Fundação de Cultura do Recife de 2008. 58

Anexo B.

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98

Estar envolvido em situações educativas com a cultura afro-brasileira na escola através

de projetos ou de outras formas educativas.

Para o primeiro critério, a publicação foi escolhida por atender às nossas expectativas

e por ser a produção mais recente nesse formato. O segundo e terceiro critério surgiu a partir

das informações de professores, gestores e colegas de trabalho que conheciam os

trabalhos/ações e os parceiros envolvidos nas escolas. Este entendimento nos levou a tomar

como base as experiências exitosas de duas escolas vencedoras do referido concurso, obtidas

no primeiro critério, o qual possibilitou a seleção de seus trabalhos e tendo como

colaboradores (as) seus professores, gestores, alunos (as) e comunidade escolar, neste

momento inicialmente não foi possível identificar nossos colaboradores mais especificamente.

Feita a seleção das escolas, identificamos que as mesmas precisariam ser localizadas.

Para obtermos essas informações, fomos várias vezes ao Centro Administrativo Pedagógico

da Prefeitura da Cidade do Recife, inicialmente, sem protocolos formais e, posteriormente

munida de ofícios.59

No referido Centro foi possível conversar com a coordenadora do GTERÊ que nos

ajudou a entender questões específicas do percurso do referido concurso, o qual que já nos

referimos, bem como, demais ações que este grupo de trabalho vem realizando. E, ainda nos

orientou na DIGP – Diretoria de Gestão de Pessoas – para acessar as localizações das escolas

e dos nossos possíveis atores selecionada a partir do primeiro critério.

Após essa consulta, visitamos as escolas e, constatamos que, do quantitativo inicial,

apenas uma escola atendia ao segundo e terceiro critério e nela podemos identificar e

conhecer nossos seis atores-dançantes da pesquisa. Os demais que faziam parte do grupo (no

caso a outra escola que não atendia os critérios) haviam migrado para uma outra escola, no

caso de professores e gestores estavam exercendo outras funções ou já estavam aposentadas.

Com relação aos outros dois critérios estabelecidos configurou-se que a escola não dera

continuidade ao projeto e nem a demais ações com a cultura afro-brasileira.

Feita a identificação dos atores-dançantes, levando em conta o caráter empírico,

refletíamos sobre qual seria a tática adequada para coletar os dados necessários para essa

investigação. Nesse ponto do trabalho, os objetivos, as reflexões epistêmicas acerca do objeto

59

Apêndice A.

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99

de estudo e a escolha da abordagem metodológica tenderam para que escolhêssemos a

entrevista narrativa.

A entrevista, como procedimento mais usual do trabalho de campo em pesquisas

qualitativas, nos proporcionou obter dados substanciais contidos nas falas dos atores sociais.

Partimos do pressuposto que a entrevista não é uma conversa despretensiosa e neutra, mas sim

―meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos objeto da pesquisa‖

(MINAYO, 1994, p.57). Neste sentido, são informações que emergem da realidade social

expressa nas falas dos entrevistados, de seu cotidiano, as quais são reveladoras das condições

objetivas, códigos, símbolos e enfoques representativos de suas falas.

Verbalizando as perguntas a partir da sua própria linguagem, compreendemos que

desta forma o entrevistado revela-se melhor quando lida com suas próprias linguagens

espontâneas, como afirma Freire (1980, p.15) sobre as palavras, quando este entende a

também como palavra e ação,

[...] palavra viva e dinâmica, não categoria inerte, examine. Palavra que diz e

transforma o mundo... Dizer a palavra equivale a assumir conscientemente....

a função de sujeito de sua história.

Com este olhar, ao abordar a categoria indicialidade Coulon (1995) anteriormente,

explica que as palavras e as frases não têm o mesmo sentido para todos, pois para cada ator o

significado de sua linguagem depende do contexto em que esta linguagem aparece, uma vez

que são os dados mais importantes de nossa pesquisa, sem elas – as palavras de nossos atores

não teríamos pesquisa.

A entrevista narrativa é uma forma de entrevistar que encoraja e estimula o

entrevistado a narrar à história de algum acontecimento importante de sua vida num

determinado contexto social, revelando que qualquer experiência humana pode ser expressa

através de uma narração. Saliente-se que essa narrativa não é apenas uma listagem de

acontecimentos, mas uma tentativa de ligação destes aos elementos: tempo e espaço

(JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002).

Esse tipo de entrevista, dependendo da base teórica que a sustenta e a sistematiza,

possibilita aos entrevistados refletir sobre suas práticas, valores e crenças e fornece base para

as seguintes argumentações de Chaves (1999) com as quais procuraremos relacionar com o

objeto de estudo:

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Levanta a questão da voz e da autoria – quanto a isso, podemos ressaltar que os atores-

dançantes já são reconhecidas como personagens importantes no processo de

construção de conhecimento, uma vez que as suas experiências socializadas em

publicação oficial foram o ponto de partida para nossa pesquisa de campo;

Possibilita a penetração nas barreiras culturais – a narrativa propiciou o interesse em

comunicar as experiências da vida profissional e da vida pessoal e a possibilidade de

refletir sobre elas;

Atribui significado às experiências temporais e às ações pessoais, sintetiza as ações

diárias e os eventos em unidades episódicas, estrutura eventos passados e planeja

eventos futuros – a reflexão sobre a própria prática possibilitou aos colaboradores

atribuir sentido e significado a essa prática e o incentivo para a ampliação de

conhecimento para consubstanciá-la;

Contradiz a dicotomia pensar/sentir, ligando o conhecimento ao sentimento e o

pensamento à razão – ao evocarem suas próprias experiências refletiram sobre o que

ensinam (os conteúdos), como ensinam (a metodologia), o que aprendem e como

aprendem e, principalmente, os porquês e o quando.

Por lidar diretamente com as experiências humanas, esse tipo de instrumento torna o

pesquisador mais ligado ao processo de investigação e propicia o contato com questões

metodológicas, epistemológicas e ontológicas, numa perspectiva multidisciplinar, ou seja,

conhecer o ser humano e situá-lo no universo através dos conhecimentos oriundos das

ciências naturais, bem como integrar a contribuição das humanidades: a filosofia, a história, a

literatura, a poesia, as artes... (MORIN, 2000, p. 48).

Refletido sobre a entrevista narrativa levamos em conta ser a mesma uma técnica

alternativa para se obter dados em contato direto com a fonte escolhida. Entretanto,

reconhecemos os limites da mesma, pois há riscos tanto para quem for entrevistado

(fornecendo informações não muito precisas) como para o (a) entrevistador (a) no caso

apresentar postura não adequada e venha a distorcer as informações obtidas.

Mas, tal limite sendo alimentado pela base teórica que sustenta e sistematiza a

entrevista narrativa, a abordagem etnometodológica, apontando princípios que estimulará o

(a) narrador (a) a realizar um percurso imersível, descrevendo detalhes sobre o que lhe é

perguntado, acreditamos que com essa técnica de entrevista o (a) colaborador (a) pode se

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expressar, se incluir, se escutar, relembrar e refletir sobre sua situação, enquanto sujeito

social, promotor (a) de culturas. Possibilita retratar os limites e as possibilidades de situações

da prática pedagógica, considerando sentidos e significados.

Como a organização dos acontecimentos é socialmente construída, há de se

procurar essa estruturação nas expressões e nos gestos dos participantes.

(COULON, 1995, p. 86).

Nossos estudos, leituras e pesquisas observaram que,

O entrevistador deve manter-se na escuta ativa e com atenção receptiva a

todas as informações, quaisquer que sejam [...] conversar, ouvir, permitir a

expressão livre de seus interlocutores. (CHIZZOTTI, 1991).

Por isso, desde a elaboração do convite60

, procuramos aproximar as leitoras da nossa

fundamentação teórica de uma forma leve que permitisse a interlocução entre o pensamento

dos autores e a nossa construção a partir do mergulho nesse pensamento. E assim,

construímos o texto norteador61

, cujas perguntas sugerem que

A arte de contar, escrever, ouvir e registrar sentimentos, expressões verbais e

não verbais permite aos brincantes62

da pesquisa, incluindo-se o(a)

pesquisador(a), adentrar barreiras culturais, descobrir o poder do ego,

aprofundar perspectivas e possibilidades, abrigando em essência a

complexidade da vida (FRANÇA, 2003, p. 89-90).

Fizemos os primeiros contatos com os atores-dançantes por telefone e, depois, lhes

entregamos pessoalmente o material.

A entrega do material foi feita no primeiro semestre de 2011 em meses diversos.

Algumas entrevistas foram marcadas segundo a disponibilidade de cada um e aconteceram

com data e hora marcada, algumas na própria escola e outras na casa/residência dos atores-

dançantes a pedido dos mesmos. Outras ocorreram após cancelamentos por motivos diversos,

como falta de horário e imprevisto familiar. No caso dos colaboradores alunos a

disponibilidade foi marcada mediante o tempo de cada pai e mãe ou responsável e as

entrevistas foram feitas depois de autorizadas e realizadas na presença dos mesmos, conforme

Termo de Autorização63

elaborado para professores, gestores, alunos e representante da

comunidade.

60

Apêndice B. 61

Apêndice C. 62

Brincantes, para a autora, são os atores participantes da sua pesquisa. FRANÇA, Tereza Luiza de. Lazer –

Corporeidade – Educação: o saber da experiência cultural em prelúdio. Natal-RN. Tese de Doutorado em

Educação. UFRN, 2003. 63

Apêndice D, E, F, G e H.

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102

A entrevista teve por base três questões, apoiada no texto norteador, um instrumento

de informações acerca da temática da pesquisa e ao mesmo tempo um meio de provocar nos

atores-dançantes o desejo de comunicar o ―movimento‖ que eles vêm realizando na escola em

torno das suas experiências com a cultura afro-brasileira e especialmente como compreendem

suas danças. A terceira e última pergunta do referido texto deveriam ser respondidas pelos

informantes por escritos e foram entregues via e-mail conforme combinado com cada ator

colaborador.

Com base nesse texto, os atores-dançantes discorreram sobre as situações educativas

que vem acontecendo na escola e como compreendem a dança afro-brasileira.

Iniciava pela experiência do projeto o qual a escola havia sido ganhadora do concurso

e migravam para acontecimentos importantes atuais que aconteciam no dia a dia na escola e

na sociedade em geral frente a temática tratada, também, falavam das suas vidas no campo

pessoal, familiar, financeiro e até sentimental, revelando-se assim o homo complexus:

O ser humano é um ser racional e irracional, capaz de medida e desmedida;

sujeito de afetividade intensa e instável. Sorri, ri, chora, mas sabe também

conhecer com objetividade; é sério e calculista, mas também ansioso,

angustiado, gozador, ébrio, extático; é um ser de violência e de ternura, de

amor e de ódio; é um ser invadido pelo imaginário e pode reconhecer o real

[...] (MORIN, 2000, p. 59).

A interação nas entrevistas constituiu uma importante experiência para a pesquisadora

e as gravações e transcrições revelam a riqueza deste processo. Na referida pesquisa ao

analisar as narrativas em torno das situações verbalizadas pelos atores em que a escola vem

promovendo com a cultura afro-brasileira e como eles compreendem as danças, nosso olhar

foi no esforço de compreender os percursos que professores, gestores, alunos (as),

representante da comunidade escolar expressam como influentes nas situações educativas e

assim poder compreender a prática pedagógica estabelecida neste universo.

Destes, emergiram crenças, valores, saberes, mitos e ritos e sentimentos, retrataram as

dificuldades, os limites e discriminações ainda presentes em seus universos. Esse momento de

infinito valor aconteceu num clima de confiança estabelecido desde os contatos anteriores e

contribuiu para que aflorassem dados pertinentes da realidade social, dos conhecimentos, das

experiências e das próprias representações sociais expressas nas falas.

As constatações e compreensões feitas mediante a análise das entrevistas serão

vislumbradas mais adiante, antes é importante descrever como realizamos à organização dos

dados e à sua respectiva análise, nesta ótica seguimos o seguinte percurso:

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103

Transcrição das gravações, desvelando as ideias trazidas pelos atores-dançantes,

expressas de forma falada, escrita e até registradas através de desenhos;

Em seguida, a revisão do conteúdo e a escolha do momento narrativo coerente com a

pergunta.

Identificamos os seis atores-dançantes: a professora da escola é concursada,

pertencentes ao quadro de professores da Prefeitura da Cidade do Recife e possui uma dupla

jornada de trabalho. A outra professora que na ocasião do projeto inicial na escola e no

concurso fazia parte desta unidade de ensino é concursada e atualmente é gestora de outra

unidade escolar e, também, possui uma dupla jornada de trabalho. A gestora do GTERÊ é

concursada por outra rede de ensino e possui dupla jornada de trabalho. Os alunos

participantes são matriculados na referida rede de ensino e são alunos (as) da escola que

segundo os critérios estabelecidos é nosso universo. Estes também fizeram parte do projeto

em 2005 ou de outras ações com a temática na escola. A representante da comunidade escolar,

mãe de aluna da escola e membro do conselho gestor participa, é da comunidade e participa

das atividades da escola.

Para preservar as suas identidades e, ao mesmo tempo, continuar no clima com os

nossos dançantes, os denominamos: Porta-Estandarte, A Dama-do-Paço, Yabá (baiana), a

Duquesa, o Rei e a Rainha, principais personagens que compõe o cortejo64

de Maracatu

Nação dança afro-brasileira.

64

O cortejo é o desfile de Maracatu consiste em um cortejo régio, que desfila com toda solenidade inerente à

realeza, e revestido, portanto de galas e opulências [...] rompe o préstito um estandarte [...], seguindo-se em alas

dois cordões de mulheres lindamente ataviadas [...], figurando no meio desses cordões vários personagens que

conduzem os fetiches religiosos [...]. Fechando o préstito o rei e a rainha [...], ostentando as insígnias da realeza,

como coroas, cetros e compridos mantos.

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Quadro 01 – Representação dos Atores-Dançantes como principais personagens65

que compõe o cortejo de Maracatu Nação

Fonte: Internet – Domínio Público

65

As fotos que representam os personagens no cortejo do Maracatu Nação simbolicamente aqui representando os

atores-dançantes da pesquisa são de domínio público, escolhida através de uma pesquisa realizada na internet

quando da organização do referido quadro.

PORTA-ESTANDARTE

Pedagoga. 8 anos na área

de educação. Especialista

em Psicomotricidade

Professora.

Porta-estandarte do

Maracatu Nação

Cambinda de Estrela

DAMA-DO-PAÇO

Curso de Magistério.

15 anos na áreas de

educação. Especialista.

Gestora, de outra escola

da mesma rede de ensino.

Professora-gestora

Porta-estandarte do

Sinhá Nana, Dama-do-paço

do Maracatu Nação

Almirante do Forte.

YABÁ (BAIANA)

Pedagoga. 10 anos na

área de educação.

Mestre em Educação.

Gestora da Política das

Relações Ético-

raciais/PCR-GTERÊ Baianas do Maracatu Nação

Cambinda de Estrela

DUQUESA

Moradora da comunidade

há mais de 20 anos,

conselheira da escola,

mãe de aluna e bisneta

Arthur Rosendo da Nação

Xambá. Duquesa do Maracatu

Estrela Brilhante

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MERGEFOR

MATINET

���

REI

Aluno da escola há 5

anos, 10 anos de idade,

participante do Projeto,

vencedor do concurso de

desenhos da SNP no ano

de 2011. orta-estandarte do

Eudes Chagas: rei do

Maracatu Nação

Elefante. Foto de

Lula Cardoso Ayres.

RAINHA

Aluna da escola, há 7

anos, moradora da

comunidade, 11 anos de

idade, participante do

Escola Aberta, vencedora

do concurso de desenhos

da SNP no ano de 2009.

Porta-estandarte do

Dona Santa: foi rainha

dos Marcatus Leão Coroado

e Nação Elefante.

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Esses atores-dançantes, agora denominados, Porta-estandarte, A Dama-do-Paço,

Yabá (baiana), Duque, o Rei e a Rainha declararam-se satisfeitos por terem sido

selecionadas como colaboradoras desta pesquisa e surpresas pelo primeiro critério de seleção,

uma vez que os trabalhos selecionados para a composição do livro ―Portifólios Pedagógicos‖

foram publicados no ano de 2007. Também foram bastante receptivas ao serem entrevistadas.

No tratamento dos dados, partimos das categorias centrais estabelecidas no estudo e do

encontro de outros possíveis dados surgidos das entrevistas, objetivo, identificação e analise a

compreensão como a prática pedagógica na escola da rede municipal de ensino sistematiza

ações educativas para a dança afro-brasileira e qual tem sido o rebatimento dessas ações para

com a abordagem da cultura afro-brasileira do seu sentido e significado tomando como

referência para a análise e organização da proposta conclusiva os conceitos-chave da

etnometodologia.

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106

5 TECENDO FIOS DAS

NARRATIVAS

DANÇADAS

Porta estandarte, o Rei e a

Rainha

Nosso maracatu invade

com alegria ruas e morros

a dançar na madrugada

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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Tudo o que dá valor ao dado do mundo, tudo o que atribui um

valor autônomo à presença no mundo, está vinculado ao

outro...é a respeito do outro que se inventam histórias, é pelo

outro que se derramam lágrimas, é ao outro que se erigem

monumentos; apenas os outros povoam os cemitérios; a

memória só conhece, só preserva e reconstitui o

outro...(BAKHTIN, 1992, p.126)

Iniciamos o capítulo com esta citação por representar a construção que

compartilhamos com parceiros que escolhemos como atores para nossa produção. O estudo

chega a seu momento que decorre o somatório das muitas vozes traduzidas em forma de

palavras, proferidas por diferentes interlocutores que nos permitiram viagens, caminhos,

descaminhos, acertos e construções.

Passamos, então, a apresentar as narrativas deste coletivo de atores-dançantes, vozes

que foram apreendidas/gravadas por meio magnético, nos encontros que realizamos com cada

um deles (as). Esta escrita carrega emoções evocadas pelas lembranças das ações e

acontecimentos realizados na escola, contadas não somente por meio de palavras, mas

também de gestos, olhares, mudanças de tom de voz e pensamentos prolongados entre um

dizer e outro. Um partilhar de emoções advindas das falas de suas experiências profissionais e

pessoais permitindo-nos adentrar nas criações humanas.

Prosseguimos, nesse clima, vivenciado encontros de elementos de uma reflexão que

apresenta características de uma prática de dança, que cruza histórias com referências teóricas

e conceptuais com dimensões pessoais e profissionais com nossos atores-dançantes que se

dispuseram a participar.

Pensar nessa viagem, em territórios outros, nos fez aprender a dialogar também. Isso

porque a construção de um grupo, o que pensa, sente e fala seus integrantes vai se dando nas

aprendizagens passadas e experimentadas, nas curiosidades presentes e, nas preocupações

futuras.

Esse pensar nos impulsionou a construir este capítulo em formato de diálogos em que

as figuras brincantes do Maracatu Nação a saber: Porta-Estandarte (professora), Dama-do-

Paço (professora gestora), Yabá/Baiana (gestora), Duquesa (representante da

comunidade e membro do conselho escolar), o Rei (aluno) e a Rainha (aluna) são

personagens vivos da pesquisa em debate. E interagem, resgatando as memórias de diferentes

períodos de suas vivências na esfera pessoal, pontuando momentos significativos, e, na esfera

profissional, vislumbrando as dificuldades, os caminhos, e atitudes no processo de ensino e

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aprendizagem, compartilhando suas vivências, experiências e valores de forma que ao se

narrar pudesse a si conhecer-se melhor.

Metodologicamente respaldada nos princípios da abordagem etnometodológica,

organizamos aqui de forma a dar visibilidade às vozes e aos significados delas tendo como

foco o objeto e objetivos de nossa pesquisa, apoiada nos resultados das entrevistas narrativas.

Neste percurso, os atores-dançantes se dispuseram à vontade em suas falas que fluíram

com naturalidade, socializando pensamentos e possibilitando-nos interpretar as suas posições,

as suas análises e as suas reflexões.

Ouvindo cada ator dançante, suas diferentes histórias e percepções sobre o objeto

tratado foi possível aprender com suas experiências e, com isso para analisá-las, tomar por

base o objetivo da pesquisa: Compreender como a prática pedagógica na escola da rede

municipal de ensino sistematiza ações educativas para a dança afro-brasileira e qual têm sido

o rebatimento dessas ações para com a abordagem da cultura afro-brasileira do seu sentido e

significado, buscando identificar as categorias apresentadas nas falas dos atores-dançantes

através das aproximações entre a realidade e a teoria dos campos que subsidiam nossa análise.

Essa elaboração foi organizada em três eixos, integrando categorias que emergiram

nas entrevistas, as quais algumas foram recorrentes. A análise da concepção de culturas que

nossos atores-dançantes expressaram em suas falas abre a nossa discussão no primeiro

momento. Vale salientar que esta categoria não era foco principal do trabalho mas para

contextualizar as situações didáticas os atores da pesquisa se reportavam quase que

retoricamente a expressar os conceitos e entendimentos sobre esta temática e a partir da

mesma introduzia a concepção do significa e sentido de cultura afro-brasileira. Neste

caminhar desvelavam a compreensão de dança afro-brasileira.

Num segundo eixo, trabalhamos o ―movimento‖ que o espaço escolar vem oferecendo

para o trabalho da cultura afro-brasileira considerando suas danças entra em debate e se torna,

para nós, importantes eixos de estudos e reflexões a partir das narrativas. Por fim,

apresentamos um terceiro eixo no qual pautado no princípio da sua importância, pois

influenciam no processo da prática pedagógica por serem espaços formadores, como um outro

achado da pesquisa, a formação continuada ganha destaque devido ao sentido atribuído nos

relatos, como subsídio de articulação a prática pedagógica através das narrativas registradas

em alguns dos depoimentos, identificando qual a concepção deste processo formativo hoje

para os profissionais da escola.

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No contínuo das narrativas, de posse dos materiais produzidos os quais destacamos:

gravação de entrevistas, filmagens, transcrições das mesmas e registro de desenhos dos

alunos, é possível analisar como vem se organizando e vivenciando a implementação do

debate da cultura afro-brasileira na escola e os elementos que compõe sua prática pedagógica.

E como é típico das pesquisas que buscam apreender as subjetividades dos acontecimentos,

emergiram novos dados relevantes para análise como: a sistematização de ações educativas

para a dança afro-brasileira vivenciada através de projetos pedagógicos e trabalhada

enquanto conhecimento desenvolvido por um saber prático, isto é, por pessoas

(profissionais) que vivenciam a mesma em sua trajetória artístico-profissional (neste caso nos

referimos aos educadores (agentes) da comunidade e do programa de animação cultural da

Prefeitura do Recife; a “luta” pela eliminação do preconceito no espaço escolar e os

tempos diversificados da escola reconhecidos enquanto tempos festivos compreendidos a

partir da organização de um calendário cultural enquanto tempo de interações pedagógicas.

Os três eixos serão apresentados, a seguir, aos ritmos da construção dos

conhecimentos organizados que se completam partindo das experiências relatadas e inscritas

no ritmo dos diálogos dos atores-dançantes que são vivenciados com as reflexões dos

estudiosos que vão sendo chamados a dançar, a brincar e a batucar.

5.1 Primeiro Eixo: Trilhando caminhos da Cultura Afro-Brasileira.

A partir das narrativas desenvolvidas, buscamos apresentar, como a categoria cultura

afro-brasileira é evidenciada, tomando como referência desvelar seu sentido e significado66

.

Nas narrativas interessa-nos conhecer e compreender o que vem sendo estabelecido na

prática pedagógica no contexto escolar onde a manifestação cultural encontra local

privilegiado para acontecer e ser (re)construída. Isso porque a reflexão realizada por nossos

atores-dançantes implica em certa aprendizagem que resulta em uma possível modificação de

suas condutas, isto é, em suas maneiras de acolher, compreender e entender uns aos outros.

Compreende-se a assim que o texto norteador, utilizado no momento da entrevista narrativa,

se constitui num instrumento de informações acerca da temática da pesquisa e, ao mesmo

tempo, num meio de provocar, nos entrevistados o desejo de comunicar suas experiências

acadêmicas, pessoais e/ou profissionais.

66

Para abordar o sentido e o significado, tomamos como referência o conceito do Coletivo de Autores (1992): o

sentido exprime um atributo pessoal, uma subjetividade às significações e o significado é atribuído às

representações, às idéias, os conceitos produzidos pela consciência social – as significações objetivas.

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110

A Porta-Estandarte, professora da escola abre o cortejo portando cores e símbolos se

referindo à cultura, enquanto histórica, construída no cotidiano das relações constituindo as

realidades.

“...na minha sala de aula o movimento que faço e penso a cultura vinculada

à questão histórica. Então, eu trago muitos elementos da história para esta

trabalhando a questão... O conceito de cultura e o que ela abrange. Então,

assim, é uma coisa que eu trabalho muito com os alunos. O que é a cultura?

O que é que a gente entende por cultura? Que tem a ver com a vida da

gente. Que tem a ver com os fazeres da gente. Não é uma coisa do outro

mundo. E aí, então, aí vamos conhecer essa cultura nossa. Essa realidade

nossa. Mas, aí também eu procuro trabalhar não só nas gerações passadas,

como hoje. Mas também, assim, saindo um pouco desse contexto muito local

e fazendo uma relação mais global....músicas de diferentes lugares....vídeos

com diferentes propostas. Textos...”

Considerando o sentido atribuído pela Porta-Estandarte ainda apresenta-se ligado ao

conceito de cultura entendida como conjunto de normas, valores, artefatos e crenças de um

grupo ou sociedade, o que se construiu no passado. Ao se reportar que cultura faz parte da

vida das pessoas se remetendo ao fazer que possa ser criado e construído. Contudo, há uma

indicação de superação dessa concepção na medida em que considera a importância da cultura

no conhecer a realidade, o hoje, ou seja, conhecer outras e diferentes culturas é também,

construir outros significados e respeitá-los.

Apoiadas nos estudos de Geertz (1978) concebemos a cultura como símbolos

significantes, eles são pré-requisito, ou seja, toda a produção sob a terra se torna humana

através da atribuição de significados.

A esse respeito, Dama-do-Paço, carregando o mais importante símbolo religioso

boneca (calunga) e dando vida à dança, faz o seu comentário:

“Então, assim...a escola de lá, como essa escola que eu ensino que estou

aqui hoje, nós sempre damos ênfase à cultura, vivência, costumes,

linguagem, hábitos, situação geográfica e histórica do negro. Porque é

cotidiano nosso... Partindo da origem. Partindo do negro. Da história do

negro. Vivenciando as dificuldades. As limitações. E que, com o passar do

tempo, o legado que ele nos deixou. Que ele nos deixa. E que é infinito. E

que, muitas vezes, nós participamos da vida do negro e somos pessoas que

vivenciamos também, mas nem todo mundo tem essa vivência de que tudo e

que toda a nossa origem foi a partir do negro... Porque toda a nossa história

é baseada em costumes, em danças, em crendices, em lendas do negro. Nós,

brasileiros, não somos uma raça pura. Nós somos uma raça mestiça e o

negro tem uma grande influência nisso. ”

Complementando o discurso da Dama-do-Paço, o Porta-Estandarte que se apresenta

portando a respectiva data de fundação do Maracatu e cores e símbolos de sua nação, entra na

conversa:

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111

“Trabalhar personalidades negras...interessante também. As personalidades

da TV...só se vê loiro do olho azul.....Mas que personalidades em todas as

áreas são referência para a história do Brasil, para a nossa cultura, e que

os alunos não conhecem? Então, assim, a gente conseguiu trabalhar com

alunos isso. Que muitas vezes eles não conheciam, né? A Xica da Silva. O

próprio Zumbi, né? O próprio... do quilombo.... Políticos, escritores,

também artistas, jogadores de futebol....aquela coisa, assim, de que as

personalidades...O negro não poder ter acesso a esse status. Não só social.

Cultural, financeiro...porque é negro, então agente tem que trabalhar

isso....‖

As três narrativas evidenciam que os atores-dançantes, em suas ações do dia a dia,

buscam debater as concepções construídas ao longo do tempo em torno da cultura e história

afro-brasileira em um trilhar para a quebra de barreiras frente ao que é estabelecido.

Reconhecem que para isso é essencial considerar as mais diversas formas de organizar o

conhecimento para os alunos. Partem para trabalhar a temática desde a época do Brasil

colônia que é significativo, pois é constituição de nossa história. Todavia, ao anunciarem a

importância da cultura nessa concepção, de certa forma apresentam uma compreensão

contraditória. Ao mesmo tempo em que apresentam a cultura numa perspectiva da busca de

construção e de significados do conhecimento, também a colocam como apreciação, como se

não fizessem parte da mesma, porque, passam a ideia de que conhecer a ―história do negro‖ é

conhecer algo que está ―lá‖ longe. Que diante de nosso entendimento não é nessa perspectiva

que vem sendo estabelecido os debates quando nos reportamos ao parecer das diretrizes

curriculares nacionais e a LEI 10.639/03. O parecer é no sentido de que possamos ―se ver‖

nesse processo.

O contexto do passado é importante, mas o seu significado necessita ser trabalhado no

dado da realidade, isto é, como interage hoje em nossas vidas, na cultura escolar, ou seja, a

prática pedagógica pode ao trabalhar a cultura afro problematizar questões no sentido de que

os atores envolvidos possam refletir como é que cada um pode se perceber, no sentido de

pertencimento dessa cultura e de seus elementos, os quais fazem parte da nossa história.

Dados os argumentos, o que observamos ainda quando se fala em África na escola e

até mesmo no campo da pesquisa acadêmica, é a ideia de se reportar mais ao escravismo e ao

processo de escravidão instituindo as formas escolares de como se aprende a ver a África e os

africanos escravizados em nossa trajetória educativa: Africanos escravizados recebendo

castigos, crianças negras brincando aos pés dos senhores e senhoras, os instrumentos de

tortura, o pelourinho, o navio negreiro, os escravos de ganho e algumas danças típicas.

Imagens mais comuns para ajudar e forjar o imaginário sobre a nossa ancestralidade negra e

africana.

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Trabalhar a história do escravismo no Brasil é importante na medida em que

compreendemos o que foi esse processo escravocrata, não o que contam ou dizem enquanto

um mito da democracia67

. O trabalho pedagógico está em desvelar o que a população escrava

fez e contribuiu. Como nos fala o professor Gebara (2001) ao tratar, dos movimentos de fuga

desse período que contribuíram para estabelecer uma nova relação de trabalho o que resultou

na organização do trabalhista no Brasil. Geralmente não se sabe disso porque não se tem

acesso a esse tipo de informação. Então, quando essas relações não são estabelecidas, nessa

perspectiva, observamos a limitação para a abordagem da educação das relações étnico-raciais

na escola.

As falas referendadas nos oportunizam lembrar que esse entendimento acerca da

cultura afro-brasileira é ainda muito comum em nossa sociedade, especialmente, no processo

educativo. Munanga (1988) nos adverte a esse respeito ‗o negro torna-se então, sinônimo de

ser primitivo, inferior...no máximo foram reconhecidos nele os dons artísticos (p.9)‘. Visto

nessa perspectiva, Silva e Amaral (1996) complementa,

Quando se trata de entender a sociedade brasileira a partir das diferenças

culturais que a construíram, frequentemente temos que lidar com a

conhecida ―fabula das três raças‖, para usar a expressão de Roberto Da

Matta (1991). É inevitável falar da contribuição de índios, brancos, de

negros....se é incontestável a contribuição desses grupos....é importante ter

em mente que, ao pensá-los como...padrões culturais...permanentes...corre o

risco de desprezar a principal característica de qualquer cultura: a

potencialidade de projetar valores para além da experiência concreta dos

indivíduos, produzir sentidos novos e estabelecer conexões entre essas

dimensões (p.195).

Desse modo, essa categoria sendo tratada quase que sempre relacionada ao passado, ao

mito construído socialmente, pode sim identificar valores culturais, mas, por outro lado,

podem, também, reduzir nossa história a dimensões estanques, como se o valor estivesse

relacionado apenas à caracterização do que nos é relato e registrado em livros e demais

produções do que foi o negro africano. Daí, ressaltarmos a importância em relação aos

símbolos e seus significados que têm elo imediato com a vida para repensarmos nossa herança

cultural e formação de identidade.

Além de estarem atentos com a construção histórica brasileira, ainda que na

perspectiva de um ―mito‖ construído, nas falas dos atores-dançantes vemos à possibilidade de

reflexão para o mito da democracia, como relata a Yabá, com a sua indumentária de fortes

ligações:

67

O mito da democracia racial já foi debatido em capítulo do referido estudo.

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113

[...]ainda fica naquela discussão do mito...Do passivo, né? Depois veio a

rainha... a rainha, não. Princesa! A princesa e “a super” e libertou os

escravos. Então, a gente percebe, tirar dessa situação. E nessa imagem de

submisso, de fraco, eu não quero essa representação. Eu não quero ser isso.

Eu não quero. Não quero ser. Então essa negação... É quando você nega

essa outra informação que potencializa essa representação, eu desconheço.

Se você desconhece, como que eu vou dizer para o outro? Como eu vou

discutir com o outro? Aí eu fico no que eu conheço. Aí passa desenhos... Aí,

pronto. Passa a escravidão....”

A informação pode ser apenas um enfeite, um adorno ou uma estratégia de administrar

o sujeito no espaço social. Informação pode ser administrada. O que a diferencia nessa relação

será o posicionamento político que tomamos e, é nele que se constitui a luz do processo de

mobilização e de dinamização da informação.

Nessa linha de raciocínio, a Rainha aluna da escola, utilizando-se de sua sabedoria,

figura mais importante da nação do Maracatu, continua o diálogo:

Eu acho que a cultura africana é uma coisa muito importante para a

sociedade brasileira. Mas importante tanto no passado como no

presente...no que sou hoje... na aula...ela fala da exploração dos negros.

Que os negros trabalhavam muito... Para as pessoas brancas. Que as

pessoas brancas têm que comprar negros. Levar para trabalhar na casa

deles. Comprar negras que cozinhassem, lavassem....e hoje também é...eu

acho isso como se fosse uma vergonha, né?....eu sou bisneta de Artur

Rosendo, que foi quem implantou a Nação Xambá68. Entendeu?...me sinto

importante. Então quando vejo essas coisas não é só isso....porque negro

também é uma raça e também é gente.

Os atores-dançantes, ao referendarem seus entendimentos, evidenciam que suas

atenções não estão voltadas apenas à história que se conta, mas a suas próprias histórias de

vida que se relaciona com a temática. A forma trabalhada sobre a África e os negros

brasileiros relata acima nos faz pensar sobre que imagem a geração brasileira, hoje adulta que

passou pela escola básica, foi formada? Certamente, pela visão do "outro", do branco, do

europeu. A África e os negros brasileiros vistos de forma cristalizada, estereotipada e, muitas

vezes, animalizada. E mais, ao retomarmos essas imagens, hoje, elas vêm à nossa mente de

forma isolada, desconexa, desarticulada de uma discussão mais ampla do contexto histórico,

político e cultural da época. São como flashes de um passado que não têm mais nada a ver

conosco. O problema é que essas imagens fazem parte da vivência curricular na escola. Elas

extrapolaram o aprendizado dos conteúdos propriamente ditos e formaram subjetividades,

produziram discursos sobre o outro e sobre as diferenças. Nesse sentido, essas imagens

podem ter pouco possibilitado a construção de subjetividades mais abertas ao trato da

68

A Nação Xambá é uma religião afro-brasileira. O babalorixá Artur Rosendo iniciou muitos filhos de santo,

tendo muitos deles aberto terreiro em nossa cidade.

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diversidade. Junto a esse processo, outros valores são considerados importantes e vão sendo

apresentados, mais uma vez como o apontado pela Yabá:

[...]de fazer o reconhecimento e a valorização da cultura afro-brasileira, da

indígena, no interior da escola, passa por esses elementos. A falta de

informação, né? Ainda, né... “Eu não conheço!” E eu conheço o indígena, o

negro do século passado, né? Um indígena primitivo do século 16 e o afro-

brasileiro, o africano também. O que chegou como uma peça no Brasil. E

quando vem trazer a questão cultural é o que é a imagem, por exemplo, do

que foi o festival africano na Copa do Mundo. Quando a gente pergunta, nas

oficinas, pergunta para o professor e o estudante, “diga uma palavra que

venha da África”. Então é alegria, festança, é dança, é superação. Por quê?

Faz a análise. Então, um povo que foi escravo, quando a gente agora na

Copa do Mundo...aquela festa, então eles superaram o período de

escravismo. E agora, com o desenvolvimento, é superação, é guerreiro.

Entendeu? Também associa à situação que Mandela passou, de prisão dele.

Então, o tempo de prisão de Mandela é o tempo de aprisionamento do

africano. E agora ele está livre. Então, é tudo isso. É a referência de

Obama, que é um afro-americano. Então, é mais uma liberdade. Então, para

um povo que saiu de uma situação de prisão e agora dança na Copa do

Mundo, faz aquela festa toda, é livre, é guerreiro, é superar. Superou!

Então, é essa a projeção...da cultura...mas nada além disso....vamos

cuidar....vamos buscar.

De acordo com Munanga e Gomes (2006), até hoje, nas imagens que são veiculadas

sobre a África, raramente são mostrados os vestígios de um palácio real, de um império, as

imagens dos reis e muito menos as de uma cidade moderna africana construída pelo próprio

ex-colonizador. Geralmente, a África ainda é apresentada de forma dividida e reduzida,

localizando os aspectos negativos, como atraso, guerras "tribais", selva, fome, calamidades

naturais, doenças endêmicas, Aids, etc.

Continuando, nessa mesma direção, a Duquesa representante da comunidade, uma das

principais figuras do cortejo, conta como faz para ser embaixadora na nação:

“Eu sei porque meus pais... Tem meus tios. Que me contam. E quando eu fui

nessa... eu nem sabia dessa importância que ele tem. Mas ele disse assim,

olha: “Você sabia? Se você for na Federação Espírita e você disser que é

neta de Artur Rosendo... Você sabia que fazem reverência para você?

Porque teu avô foi um dos babalorixá que implantou a Nação Xambá”. E

era uma pessoa bem renomada. Uma pessoa de renome...meu avô, dentro da

cultura afro, ele “só não fazia chover”...Porque, dizem que, dentro do

conhecimento dele, da religião, quando as coisas estavam para acontecer,

ele já dizia. Essa é a historia que tem. Entendeu? E dizem que, diante

dessa... Negócio de cura... Essas coisas. Por isso que ele foi muito

perseguido...isso é cultura pra mim”.

Nos contextos apresentados, a concepção de atores revela o cuidado e o respeito em

conciliar o conhecimento que possuem com os anseios diante dos processos de discriminação

e preconceitos existentes na sociedade. Observamos que para construir outros significados o

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tema cultura se relaciona ao lugar social. Como aponta Santos (2000, p.33) ‗a construção da

rebeldia e, portanto, de subjetividades inconformistas e capazes de indignação...é própria, um

processo social contextualizado‖. Como vemos na fala de nossa Yabá ao se reportar a copa

do mundo, lembra que as práticas que ela vem vivenciando na escola para pensar a cultura vai

traçando e valorizando um ―apogeu‖ para o negro, em que a (re)significação não pode ser

acolhida como consenso e impossibilidade de inverter as trajetórias e representações que

construímos até o presente. Essas narrativas implicam e nos mostram a visibilidade às

imagens construídas em tempo e território produtoras de concepções de cultura. São

referências pertinentes que anunciam um entendimento de cultura que não se finaliza em si

mesma. Como nos lembra Fourquin (1993) que não é possível ver a cultura como algo

imutável, e sim a entender (re)conhecendo-a por sua pluralidade, diversa é preciso e

necessário. Isso nos remete ao princípio etnometodológico, denominado prática/realização,

na medida em que os atores-dançantes, ao (re)pensarem suas concepções e compreensões,

pode investir em suas (re)construções, (re)significando suas ideias considerando o diálogo de

um processo consciente.

Esse dinamismo, ao ser descrito pelos dançantes da pesquisa, revela o sentido de

cultura afro-brasileira. Isso, na abordagem etnometodológica chama-se accountability ou

descritibilidade e é caracterizada pela reflexividade evidenciada em umas falas em outras

não. As narrativas na expressão desse eixo temático têm relação com o contexto da história de

vida de cada brincante, com o mito que socialmente foi estabelecido e, também, pela falta de

maiores informações relacionada com a formação acadêmica, pessoal e profissional (inicial e

continuada) que se corporificam numa linguagem social construída no dia a dia, isto é, na

prática-realização.

A linguagem dos atores possui expressões próprias representadas através da ação e da

comunicação, dos conhecimentos trabalhados em sala de aula, das estratégias vivenciadas

com as turmas, das atividades com toda a comunidade escolar, nas excursões pedagógicas

dentre, outras ações e, está em constante construção. É a indicialidade ou indexalidade das

ações, princípio etnometodológico, e faz parte da experiência de determinado contexto, como,

a Porta-Estandarte narra:

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116

“...um exemplo desse movimento que fiz em sala de aula este ano...eu acabei

de chegar agora de Brasília com um aluno. Fomos receber um prêmio que

foi um concurso do SENAD, que é a Secretaria Nacional de Políticas Sobre

Drogas. E a proposta era fazer um cartaz....através de imagens, o tema era

a prevenção de drogas. Como é que a cultura pode contribuir para a

prevenção ao uso de drogas? Então, é a cultura na relação com as drogas.

Então, a gente teve que discutir essas questões em sala de aula para que

eles pensassem.... a orientação era...trabalhe a cultura local....A imagem

tem que dizer tudo. É o segundo ano que eu tenho um aluno premiado nesse

concurso... no outro ano a aluna também tirou primeiro lugar...e neste o

aluno tirou o primeiro lugar, também, na categoria de nossa turma. E aí ele

conseguiu colocar no desenho dele essa questão da cultura

pernambucana... E aí ele trabalha a questão do frevo....do artesanato...da

capoeira...que é cultura afro-brasileira.... e aí, nas imagens, ele conseguiu

fazer essa relação do jovem vivenciando esses momentos....no dia a dia,

dentro da aula de História, Geografia, de Artes, eu procuro vivenciar outras

realidades para que eles possam... Primeiro, que eles possam primeiro

valorizar o que têm. Mas também conhecer outras”.

E o aluno, nosso Rei, para garantir e reafirmar este diálogo complementa dizendo:

A gente costuma fazer cartazes sobre tudo. Sobre o Natal, carnaval.

Principalmente cultura. A gente costuma fazer vários cartazes. E os

cartazes, minha professora, ela faz em grupo. Ela...minha professora faz um

grupo. Tipo, grupo de quatro. Grupo de cinco. Aí, se senta no chão, porque

não tem uma estrutura de uma mesa para quatro. Aí, se senta no chão e

trabalha...a gente vai desenhando. A gente vai colando. A gente vai fazendo

textos...no concurso foram cada estado. É Amapá, Amazonas, Macapá.

Foram todos os estados...O melhor desenho daquele estado ganha. Aí, leva.

O melhor desenho daquele outro estado ganha...essa questão das drogas

tem a ver com a educação com a família...por isso desenhei a mãe

levando...a criança à escola. Fui para Brasília. Tirei foto. Inclusive tem um

CD aí. Filmei Brasília...É. Fui com a professora e minha mãe. Fiz amigos

também, que é muito importante. Foi tudo isso. Foi uma experiência ótima

para mim. Vi o clima de lá. Assim, muito frio de noite e muito quente de

dia...Viu a cultura de lá também, né?.

O engajamento na fala das entrevistas relata a preocupação em trabalhar a temática.

Observa-se este ―movimento‖ na prática da professora, em sua sala de aula, buscando a

abordagem e o interesse na temática. Identificamos, também, os princípios de liberdade e de

autonomia, intimamente ligados, a partir da iniciativa de divulgar e estimular a turma para o

concurso relatando a importância e como poderiam vivenciar esta investida. Alunos e

professora ao tomar esta decisão de participação acabam que trabalhando e vivendo uma

autonomia constituída em atividade acadêmica (produção de desenho).

Nessa continuidade a própria Porta-Estandarte declara:

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“Aqui a gente tem... Eu percebo alguns colegas que estão nessa linha, mas

outros que não estão nem aí. Que estão pré-aposentados. E dizem

mesmo....Aí, a gente não tem estrutura para trabalhar esta temática... Né?

Muitas vezes, conhecimento também e tudo o mais. Mas, enfim, está nos

sendo cobrado. E a gente não explora isso como deveria....”

Ao colocar estas dificuldades, a nossa dançante nos remete ao pensamento de Freire

(1996) sobre a disponibilidade que abre a possibilidade de apreciação do contexto e do direito

e da opção de mudança de opinião sobre um determinado tema. Se não me faço disponível a

diálogos mais abertos como rever e refletir as possíveis mudanças? O contexto da narrativa

descrita acima não se constrói no isolamento, o mesmo, é edificado na relação com o outro.

Por isso, entendemos que a ética é a casa ou a morada da liberdade que não se fecha na norma

moral do certo e do errado, mas na capacidade de problematizar, de refletir e tomar decisões.

E é no campo da liberdade que a questão desta temática pode ser pensada.

Na problemática trazida pela professora nossa Porta-estandarte, identificamos a

importância que João Souza (2006) nos lembra no que se refere às ações na escola, que são

produzidas pelos sujeitos historicamente situados numa determinada totalidade social, e é

aberta e produtora de identidades, isto é, a prática como ação de diferentes sujeitos.

Destacamos que a Porta-Estandarte está inserida nessa escola há sete anos, conhece

bem o contexto da escola e da comunidade e nos explica que, tem a preocupação de incentivar

e de repassar para o grupo de colegas o que vem sendo discutindo e materializado nos cursos

de formações realizados pela Prefeitura do Recife. E procura os momentos de reuniões na

escola para repassar o material, discutir um pouco a proposta e lançar ideias.

O sentido de cultura, intrínseco nas entrelinhas das narrativas, tem indícios de

significações geradas a partir do quadro social em que os dançantes estão inseridos e

apresenta significado diferenciado no decorrer do tempo. Isso ressalta o princípio

etnometodológico reflexividade, considerando que a prática é constituída e encarnada

partindo de cada realidade, descrita por palavra e por outras formas de expressão, como as

expressões corporais em gestos, tons de falas e manifestações diversas.

As experiências no viver cultural de nossos atores-dançantes que aparecem em seus

diálogos, não são fixas e não estão dadas de uma vez por todas e, nem é produzida de forma

única e homogênea. As formas de expressarem cultura afro-brasileira são vistas como

conjunto de valores e conhecimentos aparece no diálogo dos atores-dançantes, marcado pela

transmissão e socialização do que foi enquanto história e assim podemos refletir que o

resultado nunca será o intencionado porque, precisamente, essa transmissão se dá em um

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contexto cultural de significação ativa dos materiais recebidos. Neste sentido, tem relação no

e com o que se trabalha. Nessa visão as falas nos dizem das diferentes e conflitantes

construções de vida social que se organiza e vive no cotidiano da escola.

Em primeiro lugar temos a Porta-estandarte deslumbrando em seu desfile que,

“É assim. Eu sempre tive a preocupação de estar buscando informações em

relação a temáticas diversas...de estar procurando, inventando...”.

Consideramos que quando inventamos, estamos utilizando referencias de

aprendizagem da ordem do vivido, inicialmente, quase sempre sem recorrer ao raciocínio

lógico, mas nem por isso estamos enganando. Trabalhar com as incertezas e com as

invisibilidades, com o intuito de exercitarmos a invenção, a intuição e a sensibilidade diante

das demandas dos cotidianos poucos se atrevem a isso. Como lembra Freire (1998, p.35),

[...] a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e

reconstruída. Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a

criticidade não se dá automaticamente, uma das atarefas precípuas da prática

educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade

crítica, insatisfeita, indócil.

Como exemplo, podemos citar a importância da atividade já citada anteriormente, o

concurso que a turma participou com a produção de cartazes (desenho) no processo de ensino

e aprendizagem, ressaltada nas narrativas. E, é exatamente no âmbito da curiosidade que

podemos pesquisar e desvelar outras e novas possibilidades para dar sentido e caminhos ao

que antes se apresentava insatisfeito ou ―obscuro‖. É neste processo que podemos criticar, no

sentido de ampliar, de sugerir e de estabelecer novas formas, meios, encontros para

compreender que outro e novo caminho, também, pode se tornar possível para o

conhecimento, entendendo que o processo curioso pode ser pensado criticamente, tomando a

criticidade enquanto elemento de reflexão, de sugestão e de ampliação do que está

estabelecido.

Outro elemento importante que identificamos diz respeito à difícil tarefa de lecionar

com as diversas situações do cotidiano escolar. As posturas encontradas no âmbito da escola

exigem mais que uma decisão de cunho profissional às vezes até pessoal. ‗A prática

profissional depende de decisões individuais, mas rege-se por normas coletivas adaptadas por

outros professores e por regulações organizacionais (Sacristán, 1991, p. 71)‘que para dar

conta de situações deste porte, França (2003, p. 57) colabora significativamente quando nos

diz que a,

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[...] função crítica e criadora dos brincantes ao agir diretamente na

construção de sua vida social e, principalmente, pela presença dos diversos

fatores interferem nas relações estabelecidas nessa construção [...]

A narrativa da Dama-do-Passo ressalta a relevância do ser que cria e (re)cria a partir

de suas experiências educativas e fala:

[...]nós, quando fazemos, durante o ano, os nossos conselhos de classe, há

uma preocupação...não é uma preocupação no sentido de dificuldades, mas

no sentido de que permaneça viva a chama. De que permaneça a

valorização dessas pessoas. E que nós estamos em um só grupo. Porque

todos nós somos gratos e somos descendentes dos negros. Então, aqui na

escola, quando criamos os projetos […].

Compartilhando dos processos criativos ao lembrar-se das atividades que são

promovidas na escola a Yabá registra que,

[...]mas, mesmo assim, as crianças se apresentam de maneira envolvente,

com aquele protagonismo. Uma coisa perfeita. Então, acho bonito isso.

A criação remete a criatividade na articulação das ações na escola expressando à

cultura afro-brasileira através de desenhos, valorização em projetos e de concepção através

de apresentações culturais do alunado. Os desenhos do Rei da Rainha, possíveis de serem

observados durante o processo de entrevistas no campo da pesquisa formam um dos requisitos

para fechamento de suas entrevistas. As contribuições advindas das narrativas e dos

conhecimentos dos autores trabalhados na pesquisa colaboraram para que a cultura afro-

brasileira que é evidenciada em suas concepções sejam diversificadas e divergentes em suas

histórias de vida, nas suas relações pessoais e nas práticas na escola. Como observamos na

narrativa a história do negro é pela valorização e nem sempre pelo reconhecimento. Há,

portanto, uma confluência nas abordagens. Isso é reafirmado nas falas quando estes

apresentam que, os projetos na escola são pensados para valorizar e, mesmo assim os alunos

apresentam a produção dando o sentido de que ―apesar de tudo‖ se valem de diferentes

estratégias para que ocorra, além, de pouca estrutura e conhecimento para com a temática.

Em algumas narrativas está enfatizada a ideia de sentido de cultura vista em um

passado romantizado, em outras encontramos a concepção voltada para elementos

significativos de um grupo, representada pela fala Duquesa ao referenciar seu avô, enquanto

que na fala da Yabá seu entendimento é concebido no como campo e terreno de luta de

classes.

Nesse sentido, os atores-dançantes que trazem o significado de trabalhar cultura afro-

brasileira relacionada à história da raça se reportando a fábula que foi descrita na história do

Brasil traz para o debate a reflexão dos sentidos que representam o mito da democracia racial

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e a ideia de tratar esta temática nessa direção é ―apelar‖ às estruturas profundas da imaginação

e do imaginário, uma vez que o mito democrático brasileiro consegue realizar este processo.

Mas do que nunca o que se exige de alguém nessa relação é que a partir da informação dada,

estabelecida, é que se seja imaginoso e criativo, ou seja, a fermentação de ideias de abertura

da imaginação do sujeito imaginoso.

Com a abertura de fermentação de ideias e de criação fechamos esse eixo sobre a

construção diante de concepção de cultura afro-brasileira e, para continuar compreendendo

como a prática pedagógica na escola da rede municipal de ensino sistematiza ações educativas

para a dança afro-brasileira e qual tem sido o rebatimento dessas ações para com a abordagem

da cultura afro-brasileira do seu sentido e significado, através das narrativas de nossos atores-

dançantes, é necessário seguir com o desfile do cortejo trilhado com nossa Dama-do-Passo

que com sua calunga, símbolo que recebe nome das pessoas que foram determinantes na vida

das comunidades que vivenciam o maracatu, com sua expressão corporal afirma,

Então, ao entrar na rede municipal de ensino, a gente percebeu a

valorização disso. Principalmente na escola em que nós trabalhávamos.

Começamos na rede. Essa valorização, ela era sistemática e ela foi apoiada

pela coordenação da escola e pela própria direção da escola. Então, alguns

professores fizeram o curso do MEC que possibilita você, a partir desse

curso, de você ter terminado esse curso, lecionar essa disciplina em escolas

públicas. Então, um grupo da escola quis fazer um estudo que, a partir

dessa importância e a partir dessa abertura que a escola teve e,

consequentemente, a rede propiciou, nós trabalhamos costumes;

trabalhamos danças; trabalhamos toda influência negra. Então, a gente, a

partir desse projeto... A escola ficou, continuou com trabalhos... Eu não

sei como estão os projetos, porque eu não estou mais nessa escola.

5.2 Segundo Eixo: Tecendo fios de Dança Afro-Brasileira

É verdade que neste momento aproveitando a experiência de ouvir e transcrever as

narrativas dos atores-dançantes nos consideramos habituados a esta sistemática. Para começar

este bloco considerando danças afro-brasileiras trabalhadas na escola, a Yabá com mais

dinamismo em sua movimentação, acrescenta a fala da Dama-do-Passo acima,

“...a gente observou que essas ações que foram desenvolvidas não têm uma

sistemática na escola. Porque foi feito pontualmente por aquele profissional

que atuava naquela escola. Se ele se muda, o projeto para nessa escola. O

professor que acredita, ele vai em busca de material, nos procuram e bate o

pé e fazem a coisa acontecer, mas fica restrito ao grupo que ele

trabalha...tratar da educação das relações étnico-raciais como foco afro-

brasileiro e africano ainda na escola, na nossa escola, é uma

dificuldade...dificuldade.”

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A fala da Yabá remete a postura política que o professor reconhece ou não como

fundamental e educativo frente ao conhecimento a ser trabalhado na escola. E ressalta a

importância da sistemática dos projetos enquanto atividade que precisa ser pensada de

maneira continuada no âmbito escolar. Materializá-lo já é um procedimento de extrema

importância e reconhecimento ainda que nem sempre todos os atores e atoras da escola se

envolvam. Mas a preocupação em seus encaminhamentos para seguir uma sistemática de

realizações contínuas e de desdobramentos é algo significativo que precisa a escola superar.

Reconhecermos ser este um limite possível de saltos qualitativos.

O próprio conceito de ‗sistematizado‘ é algo que requer reflexão. Lá na frente do

cortejo a Porta-Estandarte emergindo sua fala quando se reporta as ações desenvolvidas na

escola através dos projetos, também, recorre à preocupação sistemática dos mesmos, tomada

para a mesma não apenas como uma continuidade de ações, incorpora o entendimento de

sistemático enquanto específico, profundo, por ter conseguido trabalhar mais em consonância

com o grupo. E nos diz:

“...o projeto não. Não teve grandes desdobramentos... Ele foi o tema

daquele ano letivo...bem mais sistematizado, com produto final, daquele ano

letivo. Porque, a cada ano letivo, tem um tema. Mas, assim, por exemplo,

eu, particularmente, nas minhas turmas, continuo com esse enfoque. Mas,

aí, enquanto escola, assim mais sistemático mesmo foi aquele ano

específico. Aquele momento específico...que agente conseguia trabalhar

mais em grupo, para preparar as coisas do projeto que no dia a dia agente

não consegui...”.

Reconhecendo a importância do processo de sistematização do conhecimento,

sistematizar significa agrupar a um corpo, a uma doutrina, ideia. Não como uma justaposição

de conteúdos ou ideias, um conhecimento e depois outros como se fosse um somatório, mas

sistematizar pensando em um processo ampliado de conhecimentos, onde um conhecimento

se faz em outro, dialoga com outros e desta forma vai tomando outras dimensões como um

aspiral no sentido dialético do saber.

A escola é local de sistematização de conhecimento, e acreditamos que isso a torna

singular entre as instituições produtoras de sentido. Sistematizar é construir categorias de

pensamento, montar lógicas de pensamento a partir da seleção/significação da informação

recebida, mas não podemos pensar enquanto categoria de forma se venha a enquadrar ou

formar ‗quadros‘ no sentido de etapas. Uma informação seccionada, fragmentada,

descontextualizada pode se constituir em conhecimento não crítico. E dentre suas tarefas pode

sim a escola: selecionar criticamente a informação. Formar para ler a informação e, sobretudo,

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produzir informação e conhecimento de forma que ao sistematizar seus projetos possam

construir sua própria narrativa.

Nesse terreno a Yabá e Porta-Estandarte ao trazerem em suas narrativas a forma

como vem sistematizando seus projetos seja pela pontualidade ou pela profundidade e

especificidade nos apresenta alguns dos limites, mas, em contrapartida, também nos mostra as

possibilidades de reflexão diante da importância que necessita a escola repensar neste terreno

e não apenas o da informação.

Os projetos mesmo que ainda pontuais são vivenciados de maneira profunda, com

pesquisa, vivencias e debates, ainda que a responsabilidade seja ―tomada‖ por alguns atores

da escola, e contando que nem sempre a estrutura favoreça o investimento daqueles

envolvidos, consideramos diante das dificuldades e limites um avanço significativo a partir

das possibilidades que são materializadas.

Encontramos consonância entre essas duas primeiras narrativas, a qual identifica as

ações educativas promovida pela escola com cultura afro-brasileira e suas danças relacionadas

aos projetos que são desenvolvidos na escola. Caracterizando que a continuidade dos projetos

se estabelece nas salas de aula a partir de práticas ―daqueles‖ que pedagogicamente e

politicamente assumem o trabalho com a temática.

Para estes atores-dançantes a vivencia abarcada pela caracterização das atividades nos

projetos pode ajudar nos processos educativos, ou seja, de alguma forma entendemos que se

pode organizar categorias de pensamento no processo de ensino e aprendizagem pois assim

como no trabalho em sala de aula, nos referimos ao seu cotidiano, como ressalta Libâneo

(1985) ainda que bem-ensinados os conteúdos69

é preciso que se liguem de forma

indissociável a sua significação humana e social.

Na narrativa da professora Porta-Estandarte, reconhecemos a preocupação em

propiciar condições que motivem a prática de projetos na escola, pois na sua visão a decisão

do coletivo escolar em tratar o tema no ano letivo proporcionou mais sistemática ao processo

garantindo e fazendo acontecer essa ação podemos reconhecemos ser uma superação.

69

Conteúdos de ensino são o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais

de atuação social, organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e aplicação pelos

alunos na sua prática de vida. Englobam, portanto: conceitos, ideias, fatos, processos, princípios, leis científicas,

regras, habilidades cognoscitivas, modos de atividade, métodos de compreensão e aplicação, hábitos de estudo,

de trabalho e de convivência social; valores, convicções, atitudes. São expressos nos programas oficiais, nos

livros didáticos, nos planos de ensino e de aula, nas aulas, nas atitudes e convicções do professor, nos exercícios,

nos métodos e formas de organização do ensino (LIBÂNEO, 1990, p.128).

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É por isso que nessa postura identificamos a materialização de projetos enquanto ação

mais sistematizada e específica na compreensão da professora. Compartilhamos com ela o

entendimento de que a ação por meio de projetos garante, ainda que pontual, a materialização

do trabalho com a temática afro-brasileira. Relembramos que esta é mais do que uma

preocupação ou defesa pelos projetos que compõem o período letivo escolar, é a possibilidade

de vivenciar uma proposta coletiva na prática pedagógica, e no relato do Rei, muitas vezes

autoridade religiosa dentro da comunidade, sobre os projetos vivenciados nos apresenta:

“Ah, trabalhamos...Assim, que eu lembre. Para trás... Vivenciamos

principalmente a importância desse projeto... Ah, vivenciei a experiência de

estar em um projeto, também...muito bom”.

Assim, projetos são caminhos compreendidos como estratégias curriculares que

podem qualificar e fortalecer o trabalho educativo, a partir do diálogo estabelecido dentro de

sua forma de organização pode ser resultante do ‗trato‘ dos objetos cognoscíveis a serem

ensinados e da apropriação da cultura elaborada, ligados aos valores, aos rituais, aos

significados e às relações sociais materializadas no cotidiano.

Esses elementos nos fazem compreender que a questão central trazida pelas narrativas

referentes aos projetos na escola, vislumbra que a problemática da questão não está centrada

na existência ou não dos mesmos no contexto escolar, mas oriunda do processo de

qualificação efetiva da sistematização dos mesmos considerando seus limites e suas

possibilidades de relações para que assim possa transformar o meio escolar, compartilhando

com França (2003) quando fala da relação do conhecimento na atualidade e suas implicações,

nos ensinando que,

É condição inegociável, compreender que, atualmente; devido aos avanços

da ciência, da tecnologia, das relações sociopolíticas, as informações

necessitam ser transformadas em conhecimentos, tornando-se bens mais

úteis a humanidade. Só assim daremos conta da diversidade cultural....pondo

um elo indissolúvel entre unidade e diversidade (p. 189).

Outro aspecto positivo de informações que constituem em construtor nesse debate é a

própria indicação da Lei 10.639/03 que coloca a possibilidade de construção de projetos

pedagógicos interdisciplinares nas escolas. E, para o estímulo de trabalhar temáticas de

matrizes como esta se torna um profundo envolvimento, a partir do enfrentamento dos

desafios propostos, que também propiciam as condições disponíveis para a realização.

Pode sim projetos educativos estabelecer significância na escola, como esclarece a

Porta-Estandarte carregando sua própria dramaticidade:

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“Mas veja... A gente na época, por conta do projeto, a gente tinha tempo de

sentar e ler alguma coisa. Discutir. Trocar: “Oh. Tenho isso”, “Usa isso na

tua sala”...a gente, de certa forma, com dificuldade, conseguia essa unidade

de planejamento, de estudo, de debate. Mas depois, não. Depois, não...então

fica uma coisa meio complicada. Entendeu?.... em sala de aula, a gente fica

muito ao nosso dia a dia...nosso aluno, e não temos esse papel de estar

articulando isso. Então, eu acho que se o coordenador não está fazendo essa

amarração, fica solto. E os projetos não andam...”

E complementa a Dama-do-Passo e a Yabá dançando ao movimento da percussão,

“Quer no carnaval, quer São João. Quer no próprio período de folclore,

quer no período da consciência negra, quando é feito toda aquela

movimentação....”.

“Quando não, vem mais nas temáticas gerais. Aí a escola toda trabalha

pontualmente....como contexto de folclore que é parte da cultura...aí, depois

vem o mês de agosto. Aí, pega assim junho, que vem os festejos juninos. Aí,

que vêm as comidas...mas muito de maneira folclórica, exótica”.

Pelos relatos observamos alguns limites no trabalho com dança sobretudo

folclorizando a discussão sobre a temática. Para o elemento folclórico podemos tomar como

exemplo: chamar um grupo cultural para jogar capoeira sem nenhuma discussão com os

alunos sobre a corporeidade negra; realizar uma vez por ano um desfile de beleza negra

desconectado de uma discussão mais profunda sobre a estética afro-brasileira; colocar os

alunos da Educação Infantil para recortar pessoas negras de revistas étnicas e realizar

trabalhos em sala ou enfeitar o mural da escola sem problematizar o que significa a presença

dos negros na mídia; chamar os jovens do movimento hip-hop para participar de uma

comemoração da escola, desconsiderando a participação de alunos e alunas da própria

instituição escolar nesse mesmo movimento; tratar o dia 20 de novembro como mais uma data

comemorativa, sem articular essa comemoração com uma discussão sobre o processo de luta e

resistência negras de forma séria, discutida e contextualizada. Desta forma apenas reproduzirá

pontualmente, questões afro-brasileiras, visto que,

[...] uma entrada folclórica, caracterizada por um percurso turístico de

costumes, e escolarizada, que converte a diversidade cultural em um

almanaque que engrossa a lista dos festejos escolares [e] a reivindicação da

localização como retórica legitimadora da autonomia institucional (SKLIAR

& DUSCHATZKY, 2000, p.171).

Aqui nos referimos ao cuidado com a forma com que essas situações pedagógicas

podem ser realizadas e a necessidade de articulá-las com estudos e reflexões mais profundos,

levando-se em consideração também os alunos e alunas dos diversos níveis de ensino e nos

diferentes ciclos da vida. Vale salientar ainda que essas narrativas expressam o cotidiano da

escola a partir da constituição de um calendário cultural que organiza um tempo escolar de

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seus sujeitos. Na expressão de Torres (1992), os contornos e traços na dinâmica da escola

perpassam em temporalizar as relações sociais e socializar o tempo.

Partindo do pressuposto de que toda experiência humana é social, e esta é uma

atividade, portanto, um ―trabalho‖, o tempo das festividades, também, são ocasiões de

organização, responsabilidade e compromisso, mas é da mesma forma tempo de descontração,

entendida como construções histórico-sociais, que parte de sistemas simbólicos de distintas

épocas e culturas.

As comemorações culturais narradas pelas entrevistas podem considerar um dos

―momentos‖ em que a escola trabalha a cultura afro-brasileira com as culminâncias em

apresentações do que é vivenciado em sala, são períodos de tensões, de encontros e

desencontros, de conflitos, de alegrias e dissabores, muito próximos aos tempos das aulas70

.

E, apesar de demarcados, são descontínuos e variados.

Esses ―tempos especiais‖ culturais na escola estabelecem uma unidade conflitiva,

lembrando a fala da Porta-Estandarte “a gente tinha tempo de sentar e ler alguma coisa.

Discutir. Trocar” quando se reporta ao desenvolvimento de projetos em sua escola. Destaca-

se aqui outra contrapartida na fala: ―em sala de aula, a gente fica muito ao nosso dia a

dia...nosso aluno, e não temos esse papel de articular as coisas”.

Como a festa por exemplo o Carnaval, São João, isto é, o folclore - não pode esperar,

essas manifestações se constituem em tempo específico para ocorrer representando uma

temporalidade diversa. É um ciclo que se volta, é um acontecimento que se revive a cada

volta. Como o evento se renova, embora seja um recomeço, podemos dizer que “siempre

tiene....um descubrimiento y uma invención”, na expressão de Lefebvre e Reguliér (1992,

p.263-265). Reforçando os registros a Porta-Estandarte abrindo espaços novamente para o

desfile diz:

“Enquanto projeto didático não, agora... ações pontuais agente faz sim...

Dia do Folclore. Apresentações, no pátio, de danças. Exposições de

trabalho. Tem a culminância...vamos apresentar...isso é bom, ainda bem que

conseguimos fazer isso, temos que melhorar...mas conseguir realizar, já é

algo grandioso eu acho...”.

Observamos que a prática pedagógica que se apresenta neste âmbito escolar é

permeada por projetos que materializam ações com a cultura afro-brasileira ainda que

pontuais em produções de tempos especiais da escola atrelados a um calendário cultural local

70

Período que os (as) professores (as) estão na escola desenvolvendo seus trabalhos em sala de aula

especificamente.

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126

de celebração de datas comemorativas abrem possibilidades educativas pelas trocas e

situações que instalam.

“A semana passada fomos para o barco escola...discutindo o manguezal, a

questão do lixo... eles estão vendo aquilo ali...sentindo o mau cheiro do rio,

porque está poluído. Eles estão vendo o lixo passar ali, indo para o

mar...eles viram lá a vivência de que realmente a coisa está complicada.

Então, isso fica muito mais do que a gente pegar uma foto em um livro e

mostrar...a gente deveria ter mais oportunidade de estar indo para esses

espaços e trabalhar mais”(Porta-estandarte).

Como à ideia de Maracatu para alguns mestres está ligada a comunidade e não só à

música e ao batuque, em ritmo do caminhar no cortejo os atores-dançantes recordam,

“...eu lembro do carnaval. Eu trabalhei o carnaval....danças...sobre a

cultura afro. Ela sempre fez parte de todos os projetos...ela vem fazendo um

trabalho... Vários trabalhos”. (Rainha).

“Sobre o período colonial. Minha professora vem explicando isso na

matéria de História.” (Rei).

“...vejo muito eles fazerem esse trabalho com os alunos.. Agora na festa

de... Carnaval...Mas agora eles fizeram muito foi a dança de coco.

Quadrilhas.... Folclore. Pronto! Quando chegar, agora mesmo, a época de

agosto, né? Que é a época do folclore... Aí, eles trabalham muito com os

meninos...”(Duquesa).

Tal como vimos nos gestos, nas conversas, nos rostos de nossos atores-dançantes em

momentos de entrevistas, pelas posturas de seus corpos, pelos sorrisos ao se lembrarem das

festas e dos acontecimentos e das questões históricas trabalhadas esses são os momentos mais

esperados e lembrados pela Rainha e pelo Rei. Assim como, a significação desses projetos

permeados pelas festas culturais aqui nas falas como o folclore esses tempos podem, também,

representar outra rotina escolar e mais tempo da comunidade escolar na escola já que são

atividades que exige preparação.

A preparação precisa estar presente na sistematização do que será apresentado e, como

proferido pelos atores da pesquisa as atividades voltadas para a cultura afro-brasileira embora

pontuais e nem sempre com outros desdobramentos, efetiva-se em apresentações com

culminâncias de trabalhados desenvolvidos pelas turmas, apreciação de apresentação de dança

de grupos artísticos e como foi ressaltado pela professora é nos projetos que ainda se

consegue socializar, trocar as ideias e compartilhar as produções desenvolvidas. Ainda neste

espaço que os alunos e comunidade participam e observam outros elementos da dança, da

música e da cultura de forma geral.

A não continuidade destas culminâncias não apenas através de outros projetos, mas em

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sala de aula, ou em outros momentos e atividades da escola, por exemplo, acaba por criar um

imaginário extremamente negativo sobre o negro, sobre sua cultura pelo fato de que neste

âmbito o processo formativo pouco trabalha pelo entendimento do reconhecimento.

“Então ainda fica restrito ao grupo que dança....a linguagem de dança, o

grupo que faz dança é que sabe. Não é toda a escola. Tem coordenador

pedagógico que consegue mostrar: “Olha, mesmo que todo mundo não

participe, mas pelo menos vai ter apresentação”. Sabe? E essas atividades,

que são desenvolvidas com essa linguagem, culminam no mês de novembro,

lá no Pátio de São Pedro. No ano passado, o pessoal organizou. Mas ainda

não aprofundou. Por exemplo, tá lá o pai e a mãe todo orgulhoso que o

filho... Aí eu comecei a sondar. “É uma dança da África. Como é mesmo a

dança? Como é o nome da música? Como é o nome da dança?”. É da

África! Entendeste? Ainda é... Então... É o que Inaldete Pinheiro diz no texto

dela, “A África desconhecida”. Mesmo a gente já trazendo essa discussão,

mas ainda não fica... “(Yabá).

A nossa gestora ao trazer o conhecimento dança afro-brasileira para esta construção

científica coreográfica remete-se aos grupos de animadores culturais que atuam nas escolas da

rede municipal de ensino através do Programa Escola Aberta que levam para as escolas a

dança.

Destaca que ao abordar as crianças momentos antes da apresentação de dança acerca

de seus entendimentos, pouco se sabe sobre a produção que será apresentada e representada,

nos mostrando certo distanciamento ao conhecimento dança (aqui a gestora se refere a uma

culminância de apresentação de várias escolas em um evento festivo da prefeitura e, não

especificamente ao trabalho específico da escola tratada na presente pesquisa).

Assim, sem tentar interromper o desfile das figuras brincantes do Maracatu, rodando

sua vestimenta continua dançando,

“...Porque o animador cultural, ele não tem, ele não fica de segunda a sexta

na escola. Ele não é o professor. Ele é um estagiário do ensino médio que

faz dança nesses grupos da cidade, que se identifica com a dança e vem

para a gente prestar essa colaboração. Que ele está fazendo estágio, né? É

um regime de colaboração. Mas para um currículo dele no curso... por que

ele gosta. Já dança na comunidade, no bairro, na comunidade onde ele

mora. Então, aí a gente fica... Se esse estagiário termina o estágio lá,

acabou. E se a escola der continuidade, tudo bem. Mas a escola tende a não

dar essa continuidade. A escola que eu digo é coordenador pedagógico,

direção, professor. Não é só aquela professora...”

E entra a Dama-do-Passo que pode estar representada no cortejo por até dois atores-

dançantes,

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Nós fizemos vários tipos de trabalhos. Tanto a nível do estudo corporal: a

dança como representação não só de arte71 e de uma coreografia, mas a

dança de uma cultura. A dança como uma simbologia. A dança como: “nós

somos o que temos e temos de representá-la. E temos de vivenciá-la”. E isso

a gente conseguiu fazer de uma forma muito tranquila. Desde a turma da

alfabetização até a quarta série. A nossa turma foi a quarta série. E as

crianças, assim... Além de responderem muito bem ao projeto que foi

elaborado na escola, elas tiveram ciência da sua origem.

“A gente conversou com as crianças. Como nós éramos as crianças

maiores, essa coreografia a gente elaborou em conjunto com elas. Não

houve uma coreografia que uma professora parasse e dissesse: “A

coreografia que vocês vão aprender é essa”. Não. A gente foi fazendo as

coreografias em função, muitas vezes, de algumas delas, em outros

programas da rede, como na Escola Aberta, que trabalharam essa parte do

tema de dança popular... entrava dança afro...frevo...maracatu e outras

danças populares. E que eles, os próprios alunos, se ingressaram. E as

coreografias que foram feitas, foram feitas em cima disso....parte da

pintura...tipo de adereço....Porque a gente não se apercebe, ainda hoje, da

vivência deles. Desses cultos negros. Das músicas negras. Dos ambientes

até, da sociedade que eles frequentam, que tem muita coisa. E a gente vê

isso muito no carnaval. É no carnaval que são essas danças e essas

coreografias que são evidenciadas.

No caso da herança africana os valores que mais se lembram são: as danças, as

religiões, as festas como o carnaval e as comidas africanas em nossa mesa. Essas variadas

denominações que correspondem às manifestações culturais africanas seriam o que se entende

enquanto legados trazidos pelos negros que na vivencia com outras culturas se produziu os

elementos afro-brasileiros.

Embora não faça referencia ao que considera simbologia a brincante ao relatar a dança

enquanto elemento simbólico, nos leva a refletir sobre que forma esse símbolo foi escolhido

para representar a herança africana. Pois, nos reporta a história na qual as crenças, danças,

comidas e outras manifestações nem sempre foram ―bem aceitas‘ na sociedade escravocrata

da época. E, também, nos lembra Freire (1996, p.131) dizendo que ―no processo da fala e da

escuta a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor e há seu tempo pelos sujeitos que

falam e escutam é um ‗sine qua‘ comunicação dialógica‖. Essa disciplina permite, entre as

áreas do conhecimento, uma abertura a uma atividade interdisciplinar (Fazenda, 1994), esta

inerente à vida humana, que é um ser que estabelece uma pluralidade de relações, inclusive,

afetivas favorecendo as trocas e conhecimentos.

Assim, para a Yabá e Dama-do-passo a parceria com os educadores do Programa

Escola Aberta está associada no processo de ensino e aprendizagem, em momentos de

71

Aqui entendemos a dança compreendida como linguagem corporal expressiva, inserida nas suas condições

históricas.

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integrações do grupo para o trabalho desse conhecimento considerando a formação específica

em dança popular, desenvolvida em experiência de caráter formal e informal.

O trabalho com parcerias através de pessoas ou grupos que têm um conhecimento

através da vivência prática ao mesmo é visto por essas atoras como muito rico e colaborador

são, também, trazidos pela Porta-Estandarte como forma de um saber que apenas aqueles

que têm habilidades (físicas/motoras) e vivência da prática estariam na condição de trabalhar

com conhecimento dança. Para finalizar sua fala a mesma aborda o que nós denominamos de

saber prático, colocando a análise abaixo:

“...Porque eu não sou bailarina e nem tenho habilidades de dança. Mas,

assim, de pensar esses elementos da dança... a até gente consegui... Que aí

tem o componente religioso, mas tem o componente cultural da dança

né?...Eu, particularmente, não exploro muito a dança. Até por condições,

sabe? Por condições. Por não dominar. Assim, até apresento teoricamente.

Mas eu não tenho...falo... enquanto de montar um grupo..... eu não tenho

essa habilidade. Nesse projeto do livro, a gente, até junto com a Escola

Aberta... Que tinha professores de dança da Escola Aberta que fizeram essa

vivência prática com eles...Então, assim, isso essa experiência me ajudou

muito..”.

A relação entre o saber e não saber é redefinida na medida em que a potencialidade do

conhecimento se desenvolve em uma circularidade permanente. O saber prático refletido a

partir daquele que tem relação a vivenciar algo é entendido por nós enquanto um saber

subsidiado por uma apreensão teórico-prática. Pois, todo conhecimento praticado, vivenciado

é materializado considerando um norte, uma base que constitui um saber que é estudado,

pensando e refletido a partir de concepções teóricas e, da mesma forma as concepções são do

ponto de vista teóricas subsidiadas por uma reflexão que vai os permitindo vivenciá-las.

Reconhecer nas narrativas a dança enquanto componente de cultura, é compreender

que enquanto aspecto cultural, a dança encontra na educação a transmissão de valores

culturais, elaborados pela humanidade, no decurso das gerações. Como enunciado em uma

das narrativas as coreografias foram criadas com eles, não foram impostas, limitando seus

gestos. Com isso se coloca a serviço as atitudes, as necessidades podendo exprimir o seu 'eu' e

aprender o quanto a dimensão atitudinal é importante para si e para a sociedade. Contudo,

como também analisa Chauí (1989), as manifestações populares são, não só reproduções dos

valores da sociedade instituída-conformismo, mas também portadoras de um inconformismo,

traduzidas na veiculação, concomitante, de elementos de uma lógica que se contrapõe a essa

instituída e dominante.

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A preocupação com frevo e o maracatu enquanto dança afro-brasileira a ser vivenciada

foi um dos pontos destacados nas nossas narrativas. A dança, quando elaborada e suas

construções discutidas, possibilita o trabalho com o significado das suas ações, exercício do

senso crítico e criativo. Para tanto, tomamos como referência o relato da Porta-Estandarte,

da Rainha e do Rei da nossa nação, respectivamente, apresentam a experiência vivenciada.

“...Esses dançarinos que vêm para montar esses espetáculos de dança na

escola... Ou então fica muito só no frevo. Por exemplo, Pernambuco.

Montar um espetáculo de frevo. De maracatu. Mas só tem isso? Só tem

esses elementos que a gente pode explorar? De dança afro-brasileira? Acho

que não....mas....Só é aquilo... É o que a gente vê....”.

“E as pessoas ficam fazendo...pulando, salteando, dobrando o

corpo....Frevo. ..Ah, porque o frevo, ele anima a gente. Ele deixa a gente

animada....é. Dança afro....Porque o frevo nasceu aqui. No Nordeste”.

“Lembro...e muito. Que a gente fez um trabalho de capoeira que...Eu lembro

dos passos da capoeira. Nossa! São muito legais mesmo...”.

As teorias sobre corpo e corporeidade na educação estão em efervescência, a

corporeidade vem se constituindo num dos mais interessantes temas de reflexão na área de

educação, em especial da Educação Física. A corporeidade implica a inserção de um corpo

humano num mundo significativo, a relação dialética do corpo, consigo mesmo, com outros

corpos expressivos e com os objetos do seu mundo. Pensar o lugar do corpo na educação em

geral, e na escola em particular, é inicialmente compreender que o corpo não é o instrumento

das práticas educativas, portanto as produções humanas são possíveis pelo fato de sermos

corpo. Nosso corpo traz marcas sociais e históricas, dessa forma, questões culturais, de gênero

e sociais podem ser lidas nele.

Assim o homem inventou outras maneiras que lhe permitem expressar seus

sentimentos e emoções transformando-as também em formas de conhecimento. Para ampliá-

lo então, precisou revelar-se e, na busca desta revelação, surgiram várias alternativas de

expressão, entre elas, a corporeidade.

A aproximação física entre os atores-dançantes é notória nas narrativas, em suas

maneiras de lembrar uns aos outros. Consideramos que essa aproximação, o respeito à

corporeidade e o tempo pedagógico de aprender precisa ser considerado.

Para Freire (1991) a aprendizagem formal, está presente de corpo inteiro. Pois o ser

que pensa é também o ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e se constrói movido pela

intenção, pelo desejo, pelos sentidos, pela emoção, pelo movimento, pela expressão corporal e

criativa. Considerando este conceito de corporeidade, cabe as diferentes disciplinas ou

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pedagogias, ao intervir sobre o corpo, entender que o corpo que 'tenho' é também o corpo que

'sou' e que os padrões de ser e de viver, colocados por nossa posição corpórea, são bem mais

flexíveis que os dispositivos normalizadores das instituições.

Inferimos do relato da Rainha quando se refere à dança a uma compreensão ainda

fragmentada, ou seja, o seu conceito ainda não se apresenta claro, com pouca aproximação ao

sentido e significado da dança afro-brasileira72

. Assim, é possível dizermos que nas atividades

com dança há a busca de trabalhar o corpo enquanto veículo da dança, isto é, enquanto

instrumento, o que acaba por se afastar da compreensão de que o ser humano é corpo,

conforme nos afirma Medina (1983) ―as preocupações com o corpo seriam fundamentais para

as possibilidades das plenas manifestações do pensamento, sentimento e dos movimentos

humanos‖. Continuando a narrativa a Porta-Estandarte desvela,

“Fora, assim, a estrutura da escola. A estrutura física, recursos materiais,

sabe?...são tantas outras coisas. Você veja a escola não trabalha o

corpo...pra se movimentar...fazer outras coisas...meus alunos não tem aula

de Educação Física, quer dizer fica difícil...”.

O relato aponta uma compreensão de corpo numa perspectiva voltada a noção de

saúde e de rendimento do indivíduo reduzindo sua dimensão de total.

Dessa forma, compreendemos que a aprendizagem é um processo visceral, que o

―conhecimento não é coisa de cabeça e nem de pensamento. É coisa de corpo inteiro, dos rins,

do coração, dos genitais‖ (ALVES, 1987, p. 24) e que a educação é corporizada. Noutras

palavras, é compreender o ser humano em sua totalidade.

Diante disso, é importante que os educadores da escola, ao constituírem as atividades

com os discentes, possam estimular e problematizar a flexibilização do tempo no sentido de

permitir a plenitude da experiência.

Considerando-se que a passagem para o terceiro milênio clama por

mudanças de mentalidade e da prática educativa, a partir do resgate da

sensibilidade, torna-se necessário que o pensamento gire em torno de uma

referência humana, que é o homem, vendo-o na sua totalidade, na sua

corporeidade (PIRES, 1998, p.10).

72

Segundo Portinari e Faro, as danças afro-brasileiras derivam, basicamente, dos cultos religiosos africanos

trazidos pelos negros escravos, os quais foram transformados, no Brasil, no candomblé. Nesse sentido, a

presença dessas danças no cenário nacional, pode ser tomado como veiculação de elementos que se contrapõe à

moral judaico-cristã. Essa contraposição aparece sob duas formas. No primeiro momento essas danças

representam explicação mística de criação do mundo, através de orixás e elementos da natureza que se opõe

claramente em Deus único e onipotente. E, num, segundo momento, quando reúne dança e religião na invocação

desses orixás. Pois, de acordo com Portinari, a dança foi separada dos atos religiosos a partir de uma proibição

da igreja, durante a idade média. O corpo, naquele momento, era local de pecado.

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De acordo com Freire (1996) e Wallon (2007), esse respeito é reconhecer o ser

humano como ser múltiplo, inacabado e complexo. Essa complexidade precisa ser

considerada no processo de ensino e aprendizagem.

O conhecimento tem uma inscrição corporal e se apoia numa complexa interação entre

a racionalidade e a sensibilidade, pois toda atuação humana está entremeada de razão e

emoção. ―Não há verdadeiros processos de conhecimento sem conexão com as expectativas e

a vida dos aprendentes‖ (ASSMANN, 2001 p. 27).

Ao abordar a dança em tempos festivos (folclore), se a abordagem ampliar as

estratégias costumeiras introduzindo sentido e significado a dança, sistematizando-a

proporcionando as condições de organização de conhecimento considerando o calendário

cultural da escola (ainda que não existente no currículo formal), embora o transversalize, não

precisa se configurar como uma problemática para a prática pedagógica na escola.

Alinhado a busca da sistemática dos projetos, ou seja, os colocando numa condição de

vivência não pontual terá, as mesmas, condições de apontar uma perspectiva de considerar a

cultura elaborada significativa, nas exigências culturais mais elevadas e na extrema ambição

cultural.

Consideramos as narrativas presentes apontamos para a constituição de uma prática

pedagógica de dança afro-brasileira: ainda que pouco sistemática e pontual, preserva o

resgate da história onde é permeada de um calendário cultural materializado em tempos

diversificados compreendidos em festivos considerados integrador e socializador e, ainda se

apresenta de conceitos acerca do conhecimento tratado com algumas contradições que são

reconhecidas enquanto limites e possibilidades.

Cada ator-dançante, em sua narrativa, descreve, espontaneamente, as suas concepções

e atividades empreendidas e vivenciadas na comunidade escolar para vivenciar a cultura afro-

brasileira.

Chegamos ao final do segundo bloco com elementos para a configuração da prática

pedagógica de dança afro-brasileira, compondo uma síntese da expressividade narrativa dos

atores da pesquisa, os quais apresentamos graficamente:

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Esquema 2 – Os elementos que configuram a prática pedagógica de dança afro-

brasileira

5.3 Terceiro Eixo: Os muitos caminhos trilham fios tecidos de outros novos elementos

empíricos

Como nos eixos anteriores, focamos nossa atenção nas narrativas dos atores-dançantes

que pautam categorias empíricas, neste trazemos outros elementos identificados, que

colaboram para a caracterização e compreensão da prática pedagógica organizada na escola.

Por intermédio, de suas falas, os atores reconhecem o processo de formação que

ocorre na escola, merecendo atenção especial, que segundo os atores da pesquisa é necessário

que os gestores formadores se apoderem dessas questões. Como nos diz Taridf (2002), os

educadores devem ter o direito de opinarem a respeito de sua própria formação profissional.

“...Imagine pensar uma formação dentro da escola, com aluno em sala de

aula, a gente trancado na sala dos professores – que é desse tamanho –

meia hora, uma hora. Aí, coloca o estagiário em sala. Aí, o estagiário: “O

aluno está brigando”. E aí a gente sobe, vai desapartar briga. Que

formação é essa? Que condições de formação é essa?...”(Porta-estandarte,

professora).

Tempos

Diversificos

Calendário cultural

Resgate-história

Pouco-sistemática

Conflitante

Conceitos-

Contradição

Festivos-Ciclos

folclóricos

Integrador-

Socializador

Pontual

Contradição

PRÁTICA PEDAGÓGICA

DANÇA AFRO BRASILEIRA

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As falas são reveladoras das condições e estruturação do processo de formação, antiga

capacitação, que ocorre no âmbito escolar, com estrutura não condizente a realidade e as

necessidades para sua organização consequentemente realização.

“Eu tenho buscado esses cursos à distância de todas as áreas, né? A

questão afro-brasileira. A questão ambiental. A questão das drogas. Acabei

de terminar o das drogas. Estou no de mídias. Buscando à parte, porque eu

acho que, enquanto rede municipal... a gente passou dois anos sem ter.

Começou a voltar a ter agora. Assim, enquanto um momento dentro da

escola , de estudar, não tem. Essa questão que todo mundo caminhe junto...

É complicadíssimo. Mas, assim, a gente tem que acreditar....tentar trazer

aliados. (Porta-Estandarte).

Identificamos que os atores-dançantes buscam e valorizam cursos, capacitações,

congressos procurando participar dos mesmos e sempre levar e socializar com os colegas nos

momentos de reuniões pedagógicas na escola. Essas investidas se configuram como subsídios

para seus trabalhos, pois são outros espaços de estudos, reflexões e estimulador ao trabalho

pedagógico.

Recorrem às formações continuadas com interesses próprios, porém, revelam as

situações das condições que são postos para fomentar o conhecimento e socializar suas

produções, sendo espaços de formação para tais fins, também, nas falas observamos que este

recurso pedagógico encontra do ponto de vista estrutural com dificuldades para assessorar a

realidade educativa. Essa fala destaca para a busca no contexto da Lei 10.639/03, dessa

discussão como importante devendo fazer parte dos processos de formação inicial e

continuada de professores.

Se a estruturação das formações continuadas não propicia um ambiente estimulador e

acolhedor com recursos dignos para a valorização dos profissionais envolvidos e, os mesmos,

por outro lado, seja por esse ou outro motivo, poucos outros momentos terão para debates

diante de questões que são trabalhadas, bem como, novas informações e diretrizes que

precisam ser entendidas e discutidas, a exemplo, da Lei 10.639/03. A ausência de momentos

para diversas temáticas pode se configurar em reduzir a discussão profunda que é necessária

trazida pelo viés das diretrizes curriculares, se tornando aos olhos de muitos em apenas um

novo ou mais um "conteúdo" escolar, seja pelo desconhecimento ou pelas dificuldades o fato

é que termina por apagar a riqueza de propostas como estas.

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“ o tempo....impossível....Eu acho que o que acontece é muito mais por

vontade do que por oportunidade. Então, se eu estou engajado, se gosto de

trabalhar um tema, se eu gosto de fazer, eu faço porque eu gosto. Mas

porque o sistema me permite, não. Não só por falta de formação, que acho

que ainda as formações são muito elementares. Por falta de tempo

pedagógico mesmo.... tratar de temática como esta... enquanto escola,

enquanto proposta, é difícil...” (Porta-Estandarte).

As falas são ainda reveladoras da ―vontade‖ como elemento que permeia as múltiplas

possibilidades para trabalhar a temática em questão. Ainda que insuficiente o tempo relatado

pela Porta-Estandarte identificamos que a ―vontade‘ acaba por produzir no tempo disponível

mesmo que insuficiente nos trabalhos e projetos referente a: leitura, pesquisa, estudos,

discussões, amostra de filmes, documentários e debates. Podendo ser, também, garantidos em

processos formativos contínuos. Nas entrevistas as falas destacam a importância acerca do

debate da formação continuada e nos revelam aspectos quanto aos processos de formação de

professores ainda tão resistentes a essa discussão. A Yabá completa:

“A gente viu que direito a escola, direito a educação foi... Um dos

problemas que a gente está sofrendo hoje de analfabetismo na população

afrodescendente é o não acesso ao direto de educação. A gente não

consegue ainda. Eu me coloco porque eu não quero me excluir. Porque eu

sou livre e o outro não. Eu, porque estou tendo oportunidade de estudar.

Mas nossa formação não abriu espaço, a formação inicial e nem o processo

continuado ainda, está limitado, garante que professor vá, crie outro viés.

Os meios acadêmicos são os mais resistentes a esse diálogo, e os currículos dos cursos

de graduação e pós-graduação, sobretudo da área da educação, são os mais fechados à

introdução de mudanças, principalmente aquelas oriundas das lutas sociais. Mesmo assim,

ocorrem mudanças significativas a partir da implantação do tema como relata a fala da Yabá

sobre as universidades de formação.

Porque tem o problema que eu já disse da formação inicial, que não teve

oportunidade de abordar. A Universidade Federal mesmo, no Centro de

Educação, ainda não discute como uma escola de formação de professor

tem dificuldade de discutir. Até, parece que agora, para o ano, que vai criar

uma disciplina. Ainda como eletiva, né? Coisa que a Universidade Federal

Rural já discutiu. Acho que foi no mês de abril. No mês de abril, fez uma

reflexão do currículo para incluir essa discussão. E outras universidades

vêm avançando com essa discussão. Então tem a problemática da falta de

conhecimento que é promovida na formação inicial e também tem no

processo de formação continuada da rede... dos sistemas de ensino é geral.

Observamos nestes aspectos que, a inserção da discussão sobre a África e a questão do

negro no Brasil nas escolas, se caracteriza mais que um conteúdo curricular e têm como

objetivo promover o debate, fazer circular a informação, possibilitar análises políticas,

construir posturas éticas e mudar o nosso olhar sobre a diversidade.

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A Lei criada nessas perceptivas a quais consideramos significativas acaba por

impulsionar a mudança no próprio sistema de ensino ainda que por um ou outro grupo de

pessoas dentro das instituições. E em Cunha (1998) nos apoiamos para compreender que este

intercâmbio possa ser estabelecido, no sentido da realidade não causar estranheza e

dificuldades aos educadores quando refletida sobre sua prática o que finda muitas vezes por

desvalorizar a própria formação inicial, pois a mesma não resolve as contradições desta

realidade.

Complementa o debate a Porta-Estandarte sobre os processos formativos,

“Os processos formativos são terríveis. Terríveis. Terríveis. De todas as

temáticas. De como é estruturado, por exemplo. São vários formatos que

eles criam. Grandes palestras. Pequenos grupos... essas formações são

muito pontuais. Eu acho que a gente tem que lidar melhor com essas coisas,

sabe? Ter vivências. Ter experimentos, né? Visitar esses locais. Ter outras

histórias....

Outra questão para este contexto é a própria organização do MEC. A lei foi

promulgada em 2003 e na ocasião foi criada no referido ministério uma comissão

interministerial para discutir com os gestores dos sistemas de ensino municipais com objetivo

de realizar encontros regionais para a sua implementação organizadas por eixos (regiões).

Esse ―movimento‖ origina o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes da Lei que foi

lançado em 2009 em Recife.

Podemos verificar as tantas estratégias para um documento que é promulgado e que

faz parte de um marco legal, pautado na Constituição Federal e que teoricamente estaria

assegurado. Vejamos na narrativa da Yabá a seguinte reflexão:

“...a Lei modifica a LDB, mas está com base na lei maior. Aí, foram criadas

várias estratégias para garantir a implementação dessa lei. E ainda a gente

vive dificuldades. Foram criados fóruns estaduais, municipais, e os fóruns

não conseguem ainda dar uma resposta para garantir... no contexto dessa

implementação da lei. Então, os NEABs, os núcleos de estudos nas

universidades federais e privadas, né, que vêm crescendo nesses últimos

anos. Então a gente vê essas dificuldades. Então, a formação inicial.

Existem essas duas situações. Os centros responsáveis pelos centros de

formação do professor e o processo curricular de formação. Por exemplo,

na nossa história aqui. 2004 a gente começou a discussão com a ampliação

do programa de combate ao racismo, o PCRI, pegando como é que as

secretarias de educação vão atuar no programa de combate ao racismo?

Com formação de professor para garantir a implementação da lei. Fizemos

as duas primeiras ações no curso. 2005, 2006, criou-se o grupo de

referência, que é o Geterê, na perspectiva de organizar ações de formação.

Mas a gente teve muitas dificuldades. “Não, o nosso problema é

alfabetização. A gente tem que alfabetizar os estudantes. Não é para estar

na orientação das relações étnico-raciais.”

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E não percebe que esse trato com a educação das relações étnico-raciais... a

história dessa população passa a refletir porque que o estudante que está

analfabeto ainda... que na idade escolar deveria estar se alfabetizando ele

não está conseguindo. Um dos elementos é “eu não me pertenço. Eu não me

vejo nessa escola. Eu não conheço a minha história. Eu não me alfabetizo

com essa... A história de uma coisa que não tem a ver comigo. Então, esse

trato com a minha pertença... eu não me vejo nos livros. Eu não me vejo nos

textos. Então, não me interessa.

Pesquisas revelam que para o tratamento da educação das relações étnico-raciais no

contexto da educação infantil de zero a três anos (IPEA/Unicef/Unesco) as escolas que vêm

desenvolvendo atividades com prática na perspectiva referendada, as crianças, das mesmas,

terão outro desempenho. Esse contexto vai favorecer que elas tenham mais tempo na escola. E

esse tempo na escola vai implicar num menor nível de reprovação o que para nós é entendido

como uma cadeia, um percurso de vida que pode levá-lo (a) a ter um bom salário.

Compreende-se que é na escola, que a apropriação dos conteúdos se dá através da

intervenção dos docentes, discentes e gestores através da participação para chegar a uma visão

organizada e unificada, sintética, da realidade. Nesse sentido, cabe à escola, através do

processo de ensino e aprendizagem, preparar seus atores sociais para o convívio em

sociedade, em coletividade, considerando que neste conviver as contradições fazem parte das

condições necessárias à vida em grupo, que, por meio dos conteúdos e da socialização

reconhecemos a importância das situações educativas.

Na atualidade, a maneira de conceber os conteúdos na escola é entendida enquanto um

saber elaborado, pensando em existir uma relação de continuidade, em que, progressivamente,

se passa de uma dada experiência à sua ampliação o que ocasionará em uma nova experiência

sistematizada.

Por isso, se torna necessário situar os profissionais a estarem esclarecidos para

evitarmos que corram incertezas primordiais ao entendimento frente a alguns conhecimentos,

a exemplo, leis, diretrizes e outros. A Dama-do-Passo falando sobre a disciplina de história e

cultura afro-brasileira e africana enquanto experiência extracurricular demonstra esta

preocupação:

“...não era naquele ano que, no currículo do MEC, que fala que aquele ano

é o ano que vai falar, vamos supor, da importância dos costumes da África,

dos negros. Aquilo já tinha sido vivenciado anteriormente. Como nós

podemos, na rede, vivenciar determinadas disciplinas que não sejam do

currículo oficial do MEC... Eu sei de várias escolas que continuam e que

fazem dessa disciplina... Como a gente chamaria? Uma disciplina

extracurricular...”.

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Encontramos consonância com esta afirmação a fala da Yabá, a qual identifica o

princípio da coletividade, de todos os atores da escola, do sistema enquanto política e

administração pública e cada envolvido, como fundamental para reordenar todo o processo.

“...Para mim tem a ver com formação inicial e continuada e não iniciativa

do professor e também...do processo de formação dele?...mas não é só ele ir

sozinho...é a escola toda”.

No caso da educação escolar, o racismo e a desinformação são também obstáculos ao

cumprimento da função social e cultural da escola expressa nos arts. 1 ° e 2° da LDBEN. Ao

ouvir a narrativa seguinte da representante da comunidade escolar a mesma nos apresenta o

racismo presente nos espaços da escola. Salientamos que esta categoria não é foco de nosso

trabalho, mas reconhecemos a mesma enquanto resultante dos processos organizados na

escola. E enquanto elemento que resulta de processos advindos de situações educativas no de

dança afro-brasileira entendemos a importância em trazer enquanto elemento empírico da

pesquisa com a intenção de fortalecer o debate e o diálogo, para que refletimos que o combate

ao racismo seja assumido como tarefado Estado, consequentemente da escola. Assim a

Duquesa colabora dizendo,

“...Dentro dos ensinamentos, eles ensinam muito a combater o racismo.

Preconceito racial. Entendeu?.

Vejamos que a fala registra o cuidado e importância que é dada na escola frente a

temática do preconceito. O que nos remete a entender que existe na dinâmica escolar algum

debate ou trabalho. Nas falas a seguir observarmos que, trata-se de apelidos em que o cabelo

dos negros é apresentado como um símbolo de inferioridade, associado à artificialidade:

"Cabelo de Assolan" ou "Cabelo de macarrão" (GOMES, 2002). São apelidos que expressam

a rejeição aos corpos dos negros, simbolicamente tornados inferiores. Debater este tema

possibilita construir posturas em diferentes expressões, seja no cotidiano de sala de aula ou

nas brincadeiras nos corredores da escola elaborando de espaços de discussão fundamental a

uma pedagogia antirracista.

“...e.....agora no dia-a-dia em sala de aula, eu, especificamente em minha

sala hoje, é falo atualmente no movimento enquanto escola a gente vê o

preconceito do aluno com o aluno em relação a: “Ah, o teu cabelo é

pixaim”, “ah, o negro não sabe de nada”. Esse discurso a gente vê com as

crianças. A gente sente no dia a dia. E a gente vivencia conflitos em sala de

aula a partir disso....(Porta-estantarde).

“mais facil... do branqueamento. Do que dizer que eu sou negra. Então é

nessa perspectiva em que a gente tem que trabalhar...?”Tão diferente.

Então, a gente tem isso. Não é daqui. Então, o daqui é o reprimido. De

cabelo de chapinha. Desconstruído de identidade. Então isso...”(Yabá).

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“...tem aluno que fica chamando de negro...essas coisas..ai começa

confusão, porque não respeita..é chato..no corredor..quando vai pro lanche

na escada...melhorou muito as atividades a professora fala, trabalha

mais..ainda tem...”(Rainha).

Constatamos ser o preconceito racial presente na escola, acontece em sua rotina, no

cotidiano escolar, embora algumas das falas demonstrem que através de situações educativas

vem sendo trabalhado para a mudança de atitudes. Consideramos uma superação onde os

requisitos da reflexão filosófica são de fundamental importância para a prática/realização

dos atores-dançantes, o que permite o movimento constante de (re)construção, (re)elaboração

e (res)significação da prática pedagógica.

Segundo Munanga (1996), a ideologia assimilativa brasileira não impede a

manifestação do racismo. Se tomarmos as referencia de racismo as esposadas nas falas,

veremos que o racismo em nossa sociedade é tão presente como nas demais e como afirma

Santana (2001) acontece apenas que a própria formação histórica do nosso povo permitiu a

consolidação de um racismo diferente, difuso, mascarado, pois, manifesta-se nas brincadeiras,

por vezes nos olhares e, com menor intensidade, no trato das pessoas.

Chegamos ao entendimento que novas atividades pedagógicas em torno da discussão

sobre a África e o Negro no contexto brasileiro promove o debate, a discussão, a reflexão e a

mudança de postura. Realizar projetos interdisciplinares de trabalho, estimular práticas mais

coletivas e reforçar teórica e metodologicamente o combate ao racismo e à discriminação

racial na escola são objetivos e contribui de forma significativa na elaboração de alternativas

de intervenção social e reflexão acadêmica referente à história da população negra na

sociedade brasileira.

Para isso, pelos resultados aqui descobertos na pesquisa, para além, de sinalizar,

propõe cotidianamente rever a estrutura escolar, instituindo processos cada vez mais

democráticos de gestão de forma a garantir outros novos espaços coletivos para a formação

em serviço e continuada. Isso nos leva a concluir que a implementação de um trabalho com a

cultura afro-brasileira e para o cuidado das relações étnico-raciais extrapola ela mesma e nos

leva a repensar pedagógico de maneira mais ampla e mais profunda esses elementos.

Compreender como a prática pedagógica na escola da rede municipal de ensino

sistematiza ações educativas para a dança afro-brasileira e qual têm sido o rebatimento dessas

ações para com a abordagem da cultura afro-brasileira do seu sentido e significado.

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As narrativas dos atores-dançantes apresentam limites e possibilidades que

compreende a sistematização da prática pedagógica de dança afro-brasileira em que os

brincantes do maracatu refletem através de suas falas suas necessidades, desejos, frustrações e

superações revelam o sentido e significado que estabelecem nas situações educativas.

Finalizando este terceiro eixo, idealizamos, graficamente, uma síntese resultante das

nossas categorias empíricas e a sua caracterização revela aspectos fundamentais na

investigação trazidas pelas narrativas.

Esquema 0373

– Outros elementos que constituem a prática pedagógica de dança afro-

brasileira e suas intersecções: Os elementos empíricos

Esses elementos empíricos refletem um conjunto de aspectos que perpassam para

considerarmos as múltiplas dimensões dos seres humanos e caracterizam a peculiaridade da

prática pedagógica de dança afro-brasileira na escola e também de suas vidas expressa pelos

atores-dançantes.

73

Este esquema quando observado pela Profª. Drª. Tereza França a mesma proferiu que ao analisá-lo pela

primeira vez viu do ponto de vista artístico ser o desenho de uma escola, em suas palavras a orientadora em

momento de estudo/orientação registrou o profundo envolvimento que sentia da pesquisadora Adriana Barros

com o objeto tratado ainda que nem mesmo, a própria, tivesse percebido ter construído um desenho em formato

de escola, fato que nos deixou bastante emocionadas.

*Ações individuais dos

profissionais

*Formação da Rede Municipal

*Racismo

Curso à distância

Tempo pedagógico Estrutura-condições

de trabalho

Parcerias

“Vontade”

pedagógica

Crenças

Processo formativo

escasso

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Deu passo, deu salto e giro

Desfile de dança

Notícia no jornal

Composições coreográficas

Na avenida central

Dançou tu dançou eu

Tudo isso aconteceu

Adriana Ribeiro de Barros

(2011)

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NÃO PARA CONCLUIR, MAS PARA CONTINUAR...

A Prática Pedagógica de Dança Afro-Brasileira na Escola

Terminar uma discussão apenas iniciada não é tarefa fácil, mas necessária. Se não por

outras razões, porque as trilhas e partilhas desta prática pedagógica de dança afro-brasileira

contêm outras modulações, talvez o melhor caminho possa ser o de reafirmar ideias que nos

permita prosseguir e avançar na compreensão desta prática pedagógica.

Ideias que nos permitiram problematizar os achados desse estudo, com seus reais

limites e possibilidades de um trabalho sobre dança afro-brasileira enquanto cultura que passa

a ser manifestada na multiculturalidade escolar. Nesse sentido cabe reafirmar que a

sistematização de ações educativas para a dança afro-brasileira e o rebatimento dessas ações

para a abordagem da cultura afro-brasileira compreende uma prática pedagógica organizada

em projetos pedagógicos, por vezes, “pontuais” e pouco sistemáticos no cotidiano

escolar, ancorados por uma vivencia de dança afro-brasileira a ser desenvolvida por pessoas

que tenham um saber da prática e, que também, é construída em tempos diversificados da

escola, aqui entendidos enquanto tempos festivos/comemorativos onde o preconceito no

espaço escolar embora se façam presentes são abordados nas situações educativas na

perspectiva de sua superação. Nesse trilhar evidenciamos ainda uma prática em que o

professor vive de forma solitária, muitas vezes, estimulados por iniciativas próprias, ficando a

cargo de suas crenças, valores e no ―acreditar‖ ser possível ou quando o mesmo se reconhece

na temática.

Portanto, trazer esse objeto para estudo é permitir que esse desconhecimento que é

promovido em grande parte pelo modelo eurocêntrico que se estabelece na educação em

nosso país seja conhecido e vivenciado. No próprio parecer referente às Diretrizes

Curriculares Nacionais se acentuam que os estudantes, ao aprenderem conhecimentos e

valores constantes das propostas curriculares, constituirão suas identidades como cidadãos em

processo, capazes de ser protagonistas de ações responsáveis, solidárias e autônomas.

Importa ressaltar que lidar com a cultura afro-brasileira não se revela tarefa simples

nas escolas. Pouco discutida nos cursos de formação de professores, a temática implica, nas

práticas que a focalizam, obstáculos nem sempre vencidos com sucesso.

Os elementos que apresentamos nesta pesquisa demonstram a possibilidade de que em

tentativas é possível o renovar de práticas pedagógicas, a despeito dos embaraços que surjam,

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algum grau de solidariedade entre os alunos pode vir a germinar e a florescer. Os dados

demonstram a existência metaforicamente falando de pêndulo oscilando entre as concepções

construídas historicamente e socialmente por os atores-dançantes e os novos e outros

entendimentos possíveis de serem trabalhados no interior da escola e das salas de aula,

recobertos de resistências, valores, crenças e de ―vontade‖ pedagógica de mudanças. Como se

fosso uma transversalidade entre o que se ―faz‖ e o se deseja realizar. O que de certa forma

nos mostra sentido, significado e vontade pedagógica dos atores-dançantes diante do

conhecimento trabalhado.

Abordar a referida temática da pesquisa é uma questão da escola brasileira, seja ela

pública, seja ela privada. A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o

direito da educação a todo e qualquer cidadão, ao se posicionar politicamente, contra toda e

qualquer forma de discriminação e racismo, superando os obstáculos e traçando novos

desafios, vivencia uma prática pedagógica que ao abordar na cultura afro-brasileira a dança, é

estar superando e construindo uma nova história de pertencimento cultural. A escola sozinha

não dá conta de tudo, mas nem por isso ela deixa de ser responsável nesse processo. Ela é

uma instituição formadora e ocupa um lugar de relevância social e cultural, juntamente com

outros espaços em que também nos educamos.

Conhecer a nossa história e herança africana e suas manifestações fazem parte do

processo de formação dos sujeitos sociais e a reconhecemos enquanto significativa da nossa

formação histórica e cultural referente à África e à cultura afro-brasileira.

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Uberlândia, Minas Gerais. 2007. 305 p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de

Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

SANTOS, Inaicyra Falcão. Da tradição africana brasileira a uma proposta pluricultural

de dança-arte-educação. 1996. 203 p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de

Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.

SOUZA, Edilson Fernandes de. Representações sociais da cultura negra através da dança

e de seus atores. Rio de Janeiro, UGF, 1995. Dissertação (mestrado), Programa de Pós-

Graduação em Educação Física, 1995.

_______. Roda de Samba: espaço da memória, educação não-formal e sociabilidade. 2007.

208 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual

de Campinas, Campinas, 2007

VIANA, Raimundo Nonato Assunção. Bumba-meu-boi, cacuriá, tambor de crioula:

expressão da linguagem do corpo na educação. 2003. 142 p. Dissertação (Mestrado em

Educação) – Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Natal, 2003.

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151

Legislação

BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº. 10.639 – Lei que fixa Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o ensino de história e Cultura

Afriava e Afro-Brasileira. Brasília, 9 de janeiro de 2003.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Secretaria de Educação

Fundamental.- Brasília: MEC/SEF, 1997.

_______. Parâmetros curriculares nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino

Fundamental.- Brasília: MEC/SEF, 1997.

CNE/CES nº 03 – Aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em

Dança e dá outras providências. Brasília, 08 de março de 2004.

PERNAMBUCO. Secretaria de Educação. Contribuição ao debate do currículo em

educação física: uma proposta para a escola pública. Recife, 1989. 36 p.

Sites Consultados

BOSI, Alfredo. Prefácio. In: MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira:

pontos de partida para uma revisão bibliográfica. 9.ed. São Paulo: Editora Ática, 1998. p.i-

xviii.

NOBREGA, Antônio. Meu signo de artista. In: Almanaque da Cultura Popular. Ano 9, n.

100. São Paulo: Andreato Comunicação & Cultura, 2007. p.12.

FERREIRA, Luis. A diáspora africana na América Latina e o Caribe. Observatório Afro-

Latino, Fundação Cultural Palmares (FCP), Brasília, p. 1 - 8. Disponível em: http://afro-

latinos.palmares.gov.br/_temp/sites/000/6/download/artigos/artigo-Luis%20Ferreira.pdf.

Acesso em: 03 de out. de 2009.

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APÊNDICE A

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APÊNDICE B

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA

CONVITE A PARA ENTREVISTA NARRATIVA

Prezado (a) Colega,

Estamos em fase conclusiva do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em

Educação – Núcleo de Formação de Professores e Prática Pedagógica – UFPE, sinto-me

honrada, como profissional e pesquisadora que estuda a cultura afro-brasileira, em convidá-lo

(a) a compor o grupo de atores da minha pesquisa que tem por título provisório – Trilhas e

partilhas na prática pedagógica de dança afro-brasileira – sob a orientação da Profª. Drª

Tereza Luiza de França.

Os atores do universo da pesquisa – professores (as), gestores (as) e alunos (as) de

uma das escolas vencedoras do concurso de Práticas Pedagógicas - As escolas do Recife

descobrindo-se negras da Rede Municipal de Ensino da Cidade do Recife no ano de 2007 –

selecionados segundo os seguintes critérios:

1. Ter experiências pedagógicas sistematizadas e socializadas na publicação

Portifólios Pedagógicos, projeto editorial da SELL, 2007: As escolas do Recife

descobrindo-se negras e experiências, artigos ou pôsteres nos quais se evidenciam

práticas pedagógicas com a cultura afro-brasileira;

2. Estar atuando como professore e/ou gestor na rede municipal do Recife.

3. No caso do discente, ser alunos da rede municipal de ensino do Recife.

4. Continuidade do projeto publicado no concurso ou demais ações com a cultura

afro-brasileira na escola.

Por atender a tais critérios, seu nome foi selecionado. Resta então saber sua

disponibilidade e seu interesse em compor o universo de atores, o que será um enorme prazer

e consequentemente uma grande contribuição à comunidade científica, pelo compromisso e

reconhecida competência profissional. Vale salientar que este é um dos principais momentos

para atender às exigências de uma pesquisa científica.

A nossa pesquisa se configura como uma intenção de trazer contribuições para a

qualificação relacionada prática pedagógica com ações educativas que envolvem a dança afro-

brasileira na escola, por compreender que a escola também é responsável pelo trato do

conhecimento e da cultura correspondendo a um espaço sociocultural.

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Acreditamos que conhecer nossa própria história, trabalhar com nos nossos bloqueios

corporais e com os preconceitos existentes a partir de nosso próprio corpo e da resistência

cultural, pode ser experimentado na escola, pois existem profissionais, educando e

colaboradores que podem possibilitar considerando a identidade de resgate do homem em sua

inserção social o que requer um clima criativo e alternativo.

Pensar a cultura afro-brasileira na escola considerando a expressão corporal como

linguagem a partir de sua dança é mais do que saber como a mesma é trabalhada ou em que

medida as escolas continuam ou não implementando a Lei 10.639/2003, hoje alterada pela Lei

11.645/2008 que permite uma ação mais contundente para a valorização da cultura negra

brasileira e africana.

Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é analisar a configuração da prática pedagógica

na escola, relacionada às ações educativas que envolvem a dança afro-brasileira e qual tem

sido o rebatimento dessas ações na prática docente.

Essa opção de pesquisa resulta da longa experiência de professora de Educação

Física e de professora formadora em diversos processos, fatores que me deram elementos para

ressaltar que, na atualidade, a prática pedagógica com a cultura afro-brasileira é resultado do

reconhecimento e do enfrentamento ao processo histórico-social construído e, ainda da

construção e reconstrução de conhecimentos que podem ser organizados considerando a

diversidade de expressões.

Assim sendo, é fundamental o seu apoio e competência para coletar os dados

necessários para finalizar a pesquisa e assim poder contribuir com os estudos sobre a prática

pedagógica de dança afro-brasileira.

Finalizando, deixo o trecho citado no livro Orientações e ações para a educação das

relações étnico-raciais de Kabengele Munanga.

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos

alunos de ascendência negra (...) Além disso, essa memória não pertence somente aos negros.

Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos cotidianamente é

fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se

desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza econômica e social

e da identidade nacional.

A metodologia para essa entrevista-narrativa:

1. Entrega pessoal do convite de convite de participação e do texto norteador, contendo

três questões;

2. Confirmação da resposta por telefone e/ou e-mail;

3. Encontro para realização da entrevista.

Agradeço antecipadamente.

Adriana Barros

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APÊNDICE C

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA Mestranda: Profª. Adriana Ribeiro de Barros

Orientadora: Profª. Drª Tereza Luiza de França

TEXTO-NORTEADOR PARA ENTREVISTA NARRATIVA

A educação é um processo que pode permitir ao ser humano a produção de si mesmo,

na medida em que está presente a mediação e a ajuda do outro, possibilitando o construir de

pessoa humana enquanto ser social e singular.

Pensar uma Educação é buscar adequações e traçar novos paradigmas, para tanto é

preciso conhecer a realidade em que os/as envolvidos/as no processo estão inseridos e seus

anseios, partindo desse pressuposto, reconhecemos a educação inerente à vida do homem, ou

seja, ela acontece de diferentes formas e em diferentes âmbitos sociais, porém, é o âmbito

escolar seu espaço privilegiado de sistematização mais elaborado.

É na escola que podemos encontrar diversas ações e relações que são estabelecidas

entre os sujeitos que a compõe e o contexto no qual eles estão inseridos. O desenvolvimento

dessas ações denominamos prática pedagógica que é construída pela influência mútua de seus diferentes sujeitos a qual compreende a prática gestora, a prática docente, a prática discente e

a prática gnosiológica e/ou epistemológica (referente aos conhecimentos ou conteúdos).

Nesta perspectiva, reconhecemos a escola responsável pelo trato do conhecimento e da

cultura como expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais, à educação escolar

corresponde a um espaço sociocultural e institucional. Nesse estudo buscamos contribuir com

elementos para discutir a prática pedagógica na escola relacionada às ações educativas com a

cultura afro-brasileira, considerando os elementos que a compõem, dentre outros, suas danças,

a partir de experiências de escolas ganhadoras de concurso de Práticas Pedagógicas.74

Refletir a cultura afro-brasileira nas ações educativas é pensar a mesma enquanto parte

da história e do cotidiano de seus atores/as sociais. E isso não representa apenas costumes e

valores, tem um elevado grau de importância, pois pode constituir-se enquanto direito a

dignidade, pois suas culturas determinam como vivem mais que isso representa a

74

O referido concurso ocorreu em março de 2007, pela Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Recife -

SEEL, por sugestão do GTERÊ (Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Raciais) como

continuidade das ações que visam à implantação da Lei 10.639/03, que institui o ensino obrigatório de História

da Cultura Afro-brasileira e Africana no Ensino Fundamental e Médio em todo o Brasil. O concurso de Práticas

Pedagógicas: ―As escolas do Recife descobrindo-se negras” resultou em publicação compondo a série

Portifólios Pedagógicos com o objetivo de documentar a forma como os projetos didáticos foram realizados,

valorizando-se os relatos, acompanhados de fotografias, produções dos estudantes e uma avaliação simples,

buscando-se sempre fazer associação com referências teóricas dos processos de formação continuada. Os relatos

das práticas educativas abordavam a temática da promoção da equidade racial, especialmente no que se refere às

questões dos afro-descendentes. Foram apresentados de forma descritiva contendo definição de objetivos, breve

justificativa e detalhamento da metodologia e apontavam resultados alcançados, seja na mudança de atitudes,

seja em relação aos aspectos cognitivos, ilustrados com algum tipo de produção dos estudantes, como cartaz,

jornal, poema, história ou peça teatral.

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possibilidade de serem produzidas por elas. Seus saberes possuem um sentido próprio para

cada pessoa que se encontra na escola e os caracterizam.

Necessita para isso a escola, a promoção do resgatar essa cultura dentro do seu espaço,

para poder desenvolver o sentimento de pertença, para que não perpetue a lógica de que se

estuda para sair do que os caracterizam.

A promoção de ações/atividades com a cultura afro-brasileira possibilita diversas

oportunidades, o conhecer mais de suas origens e corrigir injustiças, eliminar discriminações e

promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro. É

pensar numa escola sustentada no enriquecimento das experiências de vida, obviamente não

em nome da permanência, nem da redução destas experiências, mas em nome de uma

reconstrução dos modos de vida, pautada na ética, da valorização humana e do respeito à

diferença.

Ações educativas manifestando elementos da cultura afro-brasileira, considerando suas

danças, requer um clima criativo e alternativo, longe de conservações, de naturalizações de

preconceitos, que possa lidar com os bloqueios corporais, com os preconceitos existentes a

partir de nosso próprio corpo e da resistência cultural.

Diante do exposto, as questões da nossa entrevista de pesquisa são:

Os desafios que a escola passa para possibilitar ações educativas se organizam em

processos intensos e desafiadores. Tendo como referência o texto norteador, faça uma

reflexão sobre o ―movimento‖ que a escola vem realizando em torno das

manifestações da cultura afro-brasileira, ou seja, as ações/atividades que você

identifica a escola propiciar.

Nas ações ofertadas pela escola, inclusive ao tratar os conteúdos com a cultura afro-

brasileira, como você compreende as suas danças?

Para finalizar, gostaria dentro do possível que você registrasse de forma escrita

considerando o contexto tratado acima, como você se vê enquanto gestor/a, como se

vê como gestor/a da rede municipal e enquanto gestor/a que trabalha essa temática.

(Obs: Esse material que compõe o terceiro item do texto norteador pode ser enviado

por e-mail ou entregue em mãos, não tem limite de páginas, pode ser dissertado em

uma lauda ou mais podendo ficar a vontade para desenvolver. Na opção do envio por

e-mail: [email protected])

Obrigada pela participação, colaboração e apoio nesta pesquisa.

Adriana Barros.

Obs: O texto norteador foi adaptado para os respectivos atores/dançantes da pesquisa, a saber:

professoras, alunos e alunas, representante da comunidade escolar e educador de animação cultural.

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APÊNDICE D

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de França

Mestranda: Adriana Ribeiro de Barros

Termo de Autorização

Eu,_____________________________________________________, responsável por

________________________________________, aluno(a) da Escola Municipal

___________________________________, afirmo que estou esclarecida, consciente e de pleno

acordo para autorizar à Professora Adriana Ribeiro de Barros, Mestranda do programa de Pós-

Graduação em Educação da UFPE, a gravar, descrever, analisar, interpretar e tornar públicas as

palavras do meu (minha) filho(a), resultantes da entrevista narrativa, a qual visa obter dados

concernentes à pesquisa para conclusão da dissertação de Mestrado TRILHAS E PARTILHAS NA

PRÁTICA PEDAGÓGICA DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA. Conforme acordo entre

pesquisadora e pesquisada, sua identidade será preservada.

Recife, ___ de ______________ de ___________

_______________________________________

Assinatura

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APÊNDICE E

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de França

Mestranda: Adriana Ribeiro de Barros

Termo de Autorização

Eu,_____________________________________________________, professor(a) da Escola

Municipal ________________________________________, afirmo que estou esclarecida,

consciente e de pleno acordo para autorizar à Professora Adriana Ribeiro de Barros, Mestranda do

programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, a gravar, descrever, analisar, interpretar e tornar

públicas minhas palavras, resultantes da entrevista narrativa, a qual visa obter dados concernentes à

pesquisa para conclusão da dissertação de Mestrado TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA

PEDAGÓGICA DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA. Conforme acordo entre pesquisadora e

pesquisada, minha identidade será preservada.

Recife, ___ de ______________ de ___________

_______________________________________

Assinatura

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APÊNDICE F

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de França

Mestranda: Adriana Ribeiro de Barros

Termo de Autorização

Eu,_____________________________________________________, gestor (a) da Escola Municipal

________________________________________, afirmo que estou esclarecida, consciente e de

pleno acordo para autorizar à Professora Adriana Ribeiro de Barros, Mestranda do programa de Pós-

Graduação em Educação da UFPE, a gravar, descrever, analisar, interpretar e tornar públicas minhas

palavras, resultantes da entrevista narrativa, a qual visa obter dados concernentes à pesquisa para

conclusão da dissertação de Mestrado TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA. Conforme acordo entre pesquisadora e pesquisada, minha

identidade será preservada.

Recife, ___ de ______________ de ___________

_______________________________________

Assinatura

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APÊNDICE G

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de França

Mestranda: Adriana Ribeiro de Barros

Termo de Autorização

Eu,________________________________________________________________________,

educador(a)________________________________________, venho através desta autorizar à

Professora Mestranda Adriana Ribeiro de Barros, da UFPE, a utilizar minha(s) fotografia(s) tirada(s)

na realização da pesquisa para conclusão da dissertação TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA

PEDAGÓGICA DE DANÇA AFRO-BRASILEIRA, na qual a(s) utilizará como dado(s) para

estudos de fins científicos. Estando ciente da minha colaboração, eu cedo os direitos de uso destas

imagens.

Recife, ___ de ______________ de ___________

_______________________________________

Assinatura

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APÊNDICE H

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICA PEDAGÓGICA

Orientadora: Profa. Dra. Tereza Luiza de França

Mestranda: Adriana Ribeiro de Barros

Termo de Autorização

Eu,________________________________________________________________________, que

faço parte da comunidade escolar (conselho) Vila São Miguel ____________________________

____________, venho através desta autorizar à Professora Mestranda Adriana Ribeiro de Barros, da

UFPE, a utilizar minha(s) fotografia(s) tirada(s) na realização da pesquisa para conclusão da

dissertação TRILHAS E PARTILHAS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE DANÇA AFRO-

BRASILEIRA, na qual a(s) utilizará como dado(s) para estudos de fins científicos. Estando ciente da

minha colaboração, eu cedo os direitos de uso destas imagens.

Recife, ___ de ______________ de ___________

_______________________________________

Assinatura

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ANEXO A

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ANEXO B