universidade federal de pernambuco centro … · 2019. 10. 25. · monografia apresentada ao curso...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE
NÚCLEO DE DESIGN
RAFAEL DAYON DE SOUSA SANTOS
O DESIGN DE PRODUÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA VISUAL EM
AUSÊNCIA
CARUARU
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE
NÚCLEO DE DESIGN
RAFAEL DAYON DE SOUSA SANTOS
O DESIGN DE PRODUÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA VISUAL EM
AUSÊNCIA
Monografia apresentada ao curso de
Graduação em Design da Universidade
Federal de Pernambuco, Centro
Acadêmico do Agreste, como requisito
para obtenção do título de Bacharel em
Design, sob orientação da Profa. Dra.
Amanda Mansur Custódio Nogueira.
CARUARU
2016
Catalogação na fonte:
Bibliotecária - Simone Xavier CRB/4-1242
S237d Santos, Rafael Dayon de Sousa.
O design de produção na construção da narrativa visual em Ausência. / Rafael Dayon de Sousa Santos. - Caruaru: O Autor, 2016.
113f. il.; 30 cm. Orientadora: Amanda Mansur Custódio Nogueira. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de
Pernambuco, CAA, Design, 2016. Inclui referências bibliográficas
1. Ausência (filme) – Crítica e interpretação. 2. Criação (Literária, artística, etc.). 3.
Significação. 4. Narrativa (Cinema). 5. Design. I. Nogueira, Amanda Mansur Custódio. (Orientadora). II. Título
740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2016-011)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE
NÚCLEO DE DESIGN
PARECER DE COMISSÃO EXAMINADORA
DE DEFESA DE PROJETO DE
GRADUAÇÃO EM DESIGN DE
RAFAEL DAYON DE SOUSA SANTOS
“O DESIGN DE PRODUÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA VISUAL EM
AUSÊNCIA”
A comissão examinadora, composta pelos membros abaixo, sob a presidência do primeiro,
considera o aluno Rafael Dayon de Sousa Santos
APROVADO(A)
Caruaru, 25 de janeiro de 2016.
________________________________________________
Professora Dra. Amanda Mansur Custódio Nogueira
________________________________________________
Professora Dra. Daniela Nery Bracchi
________________________________________________
Professor Me. Marcos Antonio Neves dos Santos
Aos meus amados pais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus por me nutrir com fé em tudo aquilo que faço e
almejo, por me manter seguro diante das dificuldades, por nunca desistir de mim, mesmo
quando tudo parecia estar contra. Sou muito grato por colocar em meu caminho verdadeiros
amigos dentro e fora da universidade, por sempre estar me proporcionando oportunidades de
estudos, e principalmente agora por estar fechando mais este ciclo.
Agradeço aos meus amados e queridos pais, senhor Eduardo Soares e dona Valdinete
Maria, por serem a base do que hoje eu sou e por sempre poder contar com vocês quando
preciso. Aos meus Sobrinhos Vitor Rafael e Vitória Rafaela que dividem o dia comigo.
Obrigado por vocês existirem em minha vida! Amo vocês!
Aos amigos e companheiros de vida, em especial a Elisa Rodrigues e a Viviane Alice
por se fazerem sempre presentes em minha vida. A Josenildo Arruda, Wilka Vale, Sulamita
Gleice, Luana Araújo e Sheyla Santos por dividirem muitos momentos comigo.
A minha prima Viviane Maria por me receber em sua casa durante o período de
universidade, e de termos compartilhado experiências boas entre família. Obrigado Prima!
Um enorme agradecimento a toda minha família por serem a base das minhas
essências como pessoa.
Um agradecimento mais do que especial aos meus amigos Patrícia Sinara, Elzilane
Silva, Rayanny Celiny, Tatiane Cassia, Mayara Isis, Renata Rodrigues, Aurea Monyck, Sonia
Lima e Éric Bernardino por estarem sempre presentes desde o início do curso, me auxiliando
e contribuindo nas atividades acadêmicas, e melhor... por terem aguentando todas as minhas
chatices. Levarei vocês para a vida. Meus enormes agradecimentos, meninos.
Agradeço a minha orientadora Amanda Mansur Custódio Nogueira por acreditar no
valor dessa pesquisa, indicando as direções apropriadas para o desenvolvimento da mesma, e
por estar sempre à disposição. Meu muito obrigado!
Agradeço a toda a equipe de Ausência, em especial a Uhélio Gonçalves pelo convite e
a Helena Ferreira por esta parceria e as que estão por vir. Não deixarei de citar também os
queridos Léo Lima, Beto Aragão, Meury Kellme, Camilla Gomes, Wyllyma Santos, Bruno
Goya, Iva Araújo, Karla Ferreira e Gilvan Noblat por serem tão atenciosos e cuidadosos ao
me ampararem em vários momentos durante a produção deste lindo curta-metragem, e que
hoje se tornaram verdadeiros amigos.
RESUMO
A proposta desde trabalho é analisar o processo de criação do Design de Produção em
"Ausência” (2015), curta-metragem pernambucano do diretor e roteirista Uhélio Gonçalves. O
objetivo é traçar um mapeamento das referências estéticas, afetivas, culturais e simbólicas por
trás dos elementos cênicos, como cor, locação, cenários, objetos e figurinos, os quais
estruturam a narrativa visual na tradução da obra escrita (o roteiro) para uma representação
plástica e realista (a imagem). O percurso metodológico tem como base os estudos da Crítica
Genética, por Cecília Salles de Almeida (2008), para a análise dos documentos do processo:
roteiro, gênese dos personagens, esboços e imagens de figurinos e de cenas.
Palavras-chave: 1. Design de Produção. 2. Processo de Criação. 3. Narrativa Visual.
4. Significação.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to analyze the creation process of the Production Design
for “Absence” (2015), Pernambuco short-film from the director and screenwriter Uhélio
Gonçalves. The intent is to draw a map of aesthetic references, affective, cultural and
symbolic behind scenic elements, such as colors, location, scenery, objects and costumes,
which structure the visual narrative in the translation of the written work (the script) to a
plastic and realistic representation (the picture). The methodological course is based on
studies of Genetic Criticism, by Cecília Salles de Almeira (2008), for the analyses of the
documents from the process: Script, the genesis from the characters, sketches and pictures of
costumes and scenes.
Keywords: 1. Production Design. 2. Creation Process. 3. Visual Storytelling. 4.
Signification.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Antoine Lumière com seu cinematógrafo ................................................... 15
Figura 2 – Cenário do filme “Viagem à Lua” de Georges Méliès, 1902 ...................... 16
Figura 3 – Imagem do filme “Ladrão de Bagdá” de Raoul Walsh, 1924 ..................... 18
Figura 4 – Enquadramento em “E o Vento Levou”, de Victor Fleming, 1939 ............ 18
Figura 5 – Representação simbólica de mudança na narrativa através das cores ......... 25
Figura 6 – Funções do design industrial aplicadas ao design de produção .................. 35
Figura 7 – Cena 4 - Cena do jantar ............................................................................... 46
Figura 8 – Locação das filmagens - Fazenda Amapá em Agrestina ............................. 48
Figura 9 – Planta baixa com indicação das áreas úteis ................................................. 49
Figura 10 – Planta de layout dos móveis ...................................................................... 50
Figura 11 – Referência para oratório ............................................................................ 51
Figura 12 – Cena em que João reza sobre o oratório .................................................... 51
Figura 13 – Cenário sala (poltronas e oratório) ............................................................ 53
Figura 14 – Cenário sala (rede de descanso e quadro da Sagrada Família) ................. 54
Figura 15 – Cenário cozinha (mesa, armário e tripé porta panelas) ............................. 55
Figura 16 – Cenário cozinha (pote de barro) ................................................................ 55
Figura 17 – Referência para o cenário do quarto .......................................................... 56
Figura 18 – Cenário do quarto em “Ausência” ............................................................. 57
Figura 19 – Folhas de pião roxo ................................................................................... 58
Figura 20 – Cena 21 - Tereza sentada sob à árvore ...................................................... 59
Figura 21 – Representação simbólica da vida e da morte (árvore e ramo) ................... 61
Figura 22 – Cena 15 - Joaquim usando a percata de couro .......................................... 62
Figura 23 – Cova do bebê Joaquim .............................................................................. 62
Figura 24 – Representação simbólica da percata na cova escavada ............................. 63
Figura 25 – Referência de figurino I para Tereza na fase pré-morte ............................ 66
Figura 26 – Referência de figurino II para Tereza na fase pré-morte........................... 67
Figura 27 – Referências de figurinos para Tereza na fase pós-morte ........................... 67
Figura 28 – Figurino T1 (fase pré-morte) ..................................................................... 68
Figura 29 – Figurinos T2 e T3 (fase pré-morte) ........................................................... 69
Figura 30 – Figurinos T4 e T5 (fase pós-morte) ........................................................... 70
Figura 31 – Referência de figurino de vaqueiro para João ........................................... 72
Figura 32 – Referência de figurino para o dia a dia de João ........................................ 73
Figura 33 – Figurinos J1, J2 e J3 do personagem João................................................. 74
Figura 34 – Cena do parto. ........................................................................................... 75
Figura 35 – Referência de figurino para Dona Maria Parteira ..................................... 77
Figura 36 – Figurinos M1 e M2 da personagem de Dona Maria Parteira .................... 78
Figura 37 – Cena do benzimento .................................................................................. 80
Figura 38 – Referência de figurino para Dona Graça Rezadeira .................................. 81
Figura 39 – Figurinos G1 e G2 da personagem Dona Graça Rezadeira ....................... 82
Figura 40 – Referência de figurino para Seu Antônio .................................................. 84
Figura 41 – Figurinos A1, A2 e A3 do personagem Seu Antônio ................................ 85
Figura 42 – Rede da Criação do Design de Produção em “Ausência” ......................... 88
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Potencialidades comunicativas (para todos os personagens) ..................... 64
Quadro 2 – Potencialidades comunicativas da personagem Tereza ............................. 65
Quadro 3 – Potencialidades comunicativas do personagem João ................................ 72
Quadro 4 – Potencialidades comunicativas da personagem Dona Maria ..................... 77
Quadro 5 – Potencialidades comunicativas da personagem Dona Graça ..................... 81
Quadro 6 – Potencialidades comunicativas do personagem Seu Antônio .................... 83
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
1 DESIGN DE PRODUÇÃO: BREVE HISTÓRIA E NOVAS ACEPÇÕES ................. 15
1.1 Breve história do design de produção ........................................................................... 15
1.2 Da direção de arte para o design de produção .............................................................. 20
2 ELEMENTOS VISUAIS DO DESIGN DE PRODUÇÃO ............................................. 22
2.1 Paleta de cores .............................................................................................................. 23
2.2 A escolha da Locação ................................................................................................... 25
2.3 A criação de cenários .................................................................................................... 27
2.4 O objeto na narrativa .................................................................................................... 28
2.5 O figurino em cena ....................................................................................................... 31
3 DESIGN DE PRODUÇÃO NUMA RELAÇÃO COM DESIGN INDUSTRIAL ........ 34
4 PERCURSO METODOLÓGICO .................................................................................... 41
5 O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM AUSÊNCIA ............................................................ 45
5.1 A materialização dos cenários e objetos ....................................................................... 47
5.2 A caracterização dos personagens ................................................................................ 63
6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................................. 90
ANEXOS ............................................................................................................................. 94
ANEXO A – ROTEIRO DO CURTA-METRAGEM “AUSÊNCIA” ............................... 95
ANEXO B – CRÉDITOS DO FILME .............................................................................. 102
ANEXO C – STORYBOARD (parcial) ............................................................................ 103
ANEXO D – ANÁLISE DE FIGURINO DA PERSONAGEM TEREZA ....................... 106
ANEXO E – CROQUIS DOS FIGURINOS DE TEREZA .............................................. 107
ANEXO F – CHECKLIST DAS PEÇAS DOS FIGURINOS .......................................... 108
ANEXO G – CHECKLIST DOS OBJETOS DE CENA .................................................. 110
ANEXO H – ANÁLISE TÉCNICA DESIGN DE PRODUÇÃO - CENA 8 .................... 112
12
INTRODUÇÃO
O design de produção, também conhecido como direção de arte, é a base estruturante
da narrativa visual, na qualidade de instrumento de análise e reflexão no tocante à criação da
imagem cinematográfica. A partir da análise dos elementos e particularidades descritas no
roteiro, o designer de produção, através de seu arcabouço teórico-artístico, tem a capacidade
de traduzir o texto dramático em uma linguagem visual, a imagem plástica projetada na tela
do cinema.
A direção de arte [design de produção], através unicamente de seus próprios
instrumentos, tem a capacidade de articular a visualidade de um filme [...] e
de certa forma direcionando determinadas atuações, instituindo um novo
conceito de trabalho, ou seja, de que a direção de arte é um elemento de
articulação de linguagem no cinema. (BUTRUCE, 2005, p. 65).
O desafio de desenvolver um projeto que incorre no angariamento de produtos e
materiais para a sua concreta realização, sem os recursos financeiros necessários, é
intensamente instigador para quem o realiza. Durante os meus estudos acadêmicos acerca do
design de produção no cinema neorrealista italiano e no cinema iraniano, o roteirista e
também diretor Uhélio Gonçalves1 lançou este desafio ao me convidar para estar à frente do
departamento de arte de seu primeiro filme, o curta-metragem intitulado “Ausência”, que teve
seu lançamento no ano de 2015.
Após alguns meses de estudos e tratamento do roteiro2 foi possível elaborar o conceito
estético do filme, com a expectativa de ser o elemento essencial na construção da narrativa
visual em “Ausência”. Alguns filmes pernambucanos serviram de referencial estético, como
“Olhos de Botão” (2015) do diretor Marlom Meirelles e “João Heleno dos Brito” (2014) de
Neco Tabosa, dentre outros filmes. Algumas conversas com profissionais da área também
contribuíram para o processo criativo.
A proposta deste trabalho é analisar o processo de criação desenvolvido pelo designer
de produção ao traduzir visualmente o argumento da narrativa fílmica proposto no roteiro.
Esta metodologia de análise do processo permite compreender os caminhos percorridos pelo
1 Uhélio Gonçalves é graduado em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo. É repórter e fotojornalista da
Revista Turismo na Serra e atua no cinema como roteirista, diretor e produtor cinematográfico. 2 “Tratamento é o nome dado às várias revisões às quais um roteiro sofre antes de ganhar a sua forma definitiva”.
(SANTOS, M., 2014, p. 22).
13
realizador, tomando o conhecimento de aspectos não evidenciados na obra entregue ao
público. A esta metodologia, Cecília Almeida Salles (2008) chama de Crítica Genética, a qual
é aprofundada em seu livro de mesmo nome.
Na medida em que lidamos com os registros que o artista faz ao longo do
percurso de construção de sua obra, ou seja, os índices materiais do
processo, estamos acompanhando seu trabalho contínuo e, assim,
observando que o ato criador é resultado de um processo. [..] A obra de arte
é resultado de um trabalho, caracterizado por transformação progressiva, que
exige, do artista, investimento de tempo, dedicação e disciplina. A obra é,
portanto, precedida por um complexo processo, feito de ajustes, pesquisas,
esboços, planos, etc. Os rastros deixados pelo artista de seu percurso criador
são a concretização desse processo de contínua metamorfose. (SALLES,
2008, p. 25).
Para tanto, foi necessário entender os mecanismos utilizados pelo design de produção
e sua forma de intervenção ao aplicar seus conhecimentos para transmitir significações visuais
no processo de produção da obra fílmica, baseando-se em estudos cinematográficos, como os
realizados por Yolanda Maria García Carpinteira (2011) e Elizabeth Motta Jacob (2006). Dos
quais, conceitos irão fundamentar o processo de idealização da imagem na fase de pré-
produção, o modo em que foram executados durante o engajamento criativo até a
concretização do produto final, o filme.
No que diz respeito à narrativa: é a representação de uma sequência de fatos
conectados para contar uma história, que pode ser escrita, oral, visual e, ainda, audiovisual.
Aumont (2003, p. 209), diz que “uma narrativa conta uma história: por conseguinte, ela
superpõe ao tempo imaginário dos acontecimentos contados, o tempo do próprio ato
narrativo”. O autor ainda coloca que as narrativas escritas, orais e cinematográficas podem ser
consideradas equivalentes quando contam uma mesma sequência de acontecimentos. No caso
da narrativa visual, são as imagens que, de uma maneira particular, contam uma história.
No primeiro capítulo traçaremos um breve percurso histórico do surgimento deste
campo de atuação, a partir dos primeiros registros que se tem da arte de criar ambientes para
contar histórias no cinema. Também discutiremos as novas acepções a respeito do conceito de
design de produção. Mauro Baptista (2006) chama a atenção para a mudança que está
ocorrendo em relação ao termo utilizado para definir este departamento nas produções
cinematográficas. Ele supõe que a substituição de direção de arte por design de produção é
devida às novas tecnologias de finalização digital, que condicionam a variação de uma
direção de arte clássica.
14
Apresentaremos logo em seguida, no segundo capítulo, o referencial teórico a respeito
da estruturação do design de produção na narrativa através de seus elementos visuais: cor,
locação, cenários, objetos e figurinos. Abordaremos as teorias que envolvem o design de
produção dentro da indústria cinematográfica e o seu papel na comunicação de significados
que conduzem a narrativa visual.
No terceiro capítulo faremos uma relação entre o design de produção e o design
industrial, abarcando as funções práticas, estéticas e simbólicas de um produto industrial,
elaboradas por Bernd Löbach (2001) em seu livro Design Industrial: bases para a
configuração dos produtos industriais.
No quarto capítulo explanaremos todo o percurso metodológico realizado para o
desenvolvido deste trabalho. A metodologia tem como base os estudos da Crítica Genética,
por Cecília Salles de Almeida (2008), para a análise dos documentos do processo: o roteiro, o
storyboard, a gênese dos personagens, as imagens de figurinos e de cenas, as análises e
esboços dos figurinos e a análise técnica. Além disso, os procedimentos teórico-
metodológicos empregados neste estudo perpassaram pelas questões em torno das dimensões
estéticas, afetivas, culturais e simbólicas, que criaram o universo ficcional onde se passa a
história.
Por último, no quinto capítulo, traremos a análise do processo de criação afim de
compreender, de maneira ampla, como se desenvolveu o trabalho do design de produção no
construto da narrativa visual em “Ausência. Mapearemos as principais características
estéticas, afetivas, culturais e simbólicas que foram exercitadas tanto pelo diretor quanto pelo
designer de produção, de maneira intencional ou mesmo involuntária, como referências na
concepção geral dos elementos visuais.
Existem poucos estudos no Brasil acerca do design de produção como parte integrante
do produto audiovisual. Será apresentado neste trabalho o conjunto da teorização do design de
produção e a sua aplicabilidade em uma obra cinematográfica, no intuito de corroborar a
importância do papel desta atividade dentro do cinema, como elemento medular da estrutura
da imagem fílmica. Este trabalho, fundamentado em diversas pesquisas acadêmicas,
contribuirá para o acervo documentado sobre o tema, e poderá servir de suporte como
material de estudos em pesquisas futuras.
15
1 DESIGN DE PRODUÇÃO: BREVE HISTÓRIA E NOVAS ACEPÇÕES
1.1 Breve história do design de produção
O diretor do filme é a figura mais representativa de sua obra na grande maioria das
vezes. Por outro lado, existe até uma “concorrência” deste com os protagonistas, no caso os
atores, as estrelas do cinema, e isto é bastante notável em produções hollywoodianas. No
entanto, por trás da obra pronta existe um complexo de profissionais que estiveram
empenhados no feitio da peça cinematográfica. Com o passar dos anos, vários destes
profissionais foram ganhando autonomia dentro da indústria cinematográfica, o designer de
produção foi um deles, que anteriormente nem constava nos créditos finais dos filmes.
Retomando à história, temos as primeiras exibições de filmes por volta de 1893 nos
EUA após Thomas A. Edison registrar a patente do seu quinestoscópio. Já na França, em 28
de dezembro de 1895, os irmãos Louis e Auguste Lumière realizam a primeira exibição
pública de seu cinematógrafo. No entanto, a estes filmes ainda não se havia empregado o
design de produção.
Figura 1 – Antoine Lumière com seu cinematógrafo
Fonte: http://www.institut-lumiere.org/
16
Mesmo nos primórdios do cinema, a primeira forma de design de produção foi
substancial para a narrativa de um filme. Segundo LoBrutto (2002, p. 2), os cineastas
começaram a usar cenários pintados e adereços simples, para criar uma estrutura básica e dar
um visual estético aos filmes. Esse design de produção primitivo não era realista na
abordagem ou no resultado, mas sim uma representação rebuscada e genérica que indicava
onde a história acontecia. Funcionava como um acessório para a história projetada na tela, e
não um ofício interpretativo ou expressivo.3
O primeiro registro visual em que se pôde notar a atuação da direção de arte, que mais
tarde viria a se chamar design de produção, foi com o cineasta e mágico francês George
Méliès. Em 1897 Méilès dá início a pequenas produções tendo foco em elaborar cenários
espetaculares para contar suas histórias, como em seu grande sucesso Le Voyage dans la Lune
(Viagem à Lua) de 1902. A partir de suas obras é que se tem o surgimento da figura do
desenhista de produção.
Figura 2 – Cenário do filme “Viagem à Lua” de Georges Méliès, 1902
Fonte: http://www.dvdclassik.com/critique/le-voyage-dans-la-lune-melies/galerie
3 Tradução feita pelo autor. Original: Filmmakers used painted backdrops and simple props to create a basic
setting. Early art direction was not realistic in approach or result but rather a mannered, generic representation
that indicated where the story took place. It functioned as an accessory to the screen story, not an interpretive or
expressive craft.
17
De acordo com Santos, C. (2010, p. 14):
Para ambientar seus pequenos filmes, ele construía telões que não possuíam
profundidade; eram cenários achatados, extremamente irreais; os móveis
eram pintados diretamente neles o que ressaltava a artificialidade. Apesar
disso, Georges Méliès é considerado um dos precursores da direção de arte
[design de produção], pois, diferentemente dos irmãos Lumiére, que
filmavam cenas cotidianas em exteriores ou em ambientes naturais (interior
de apartamentos reais), ele construía o cenário de seus filmes.
Para LoBrutto (2002, p. 1), o design de produção é uma arte e artesanato embutido no
núcleo do processo de filmagem. Designers de produção utilizam-se da imaginação, da
técnica, da ilusão e da realidade. Eles têm a importante função de melhorar visualmente o
roteiro e a intenção do diretor, criando imagens fora das ideias e propósitos para fora das
imagens.4
Vários autores consideram que o aparecimento do designer de produção adveio com o
filme Gone with the Wind (E o Vento Levou) de 1939. O produtor do filme David O. Selznick
avaliou o trabalho realizado por William Cameron Menzies como uma arte que vai além de
desenhar cenários e decorar ambientes, e o intitulou como designer de produção, assim
surgindo pela primeira vez a função.
No entanto, Bordwell (2010), relembra que Menzies já havia sido ovacionado em 1924
pelo ator e produtor Douglas Fairbanks por seu trabalho artístico em Thief of Bagdad (Ladrão
de Bagdá). Chegou a ganhar seu primeiro Oscar em conjunto por The Dove (1927) e The
Tempest (1928).
Menzies atribuiu em “E o Vento Levou” um estudo de cores e estilos, estruturando
cada cenário a receber tipos de planos previstos para a fotografia do filme, assim como a
movimentação da câmera. A criação de cenários, como diz Butruce (2005, p. 15), “servem
não somente para emoldurar o movimento dos atores, como também o da câmera, já que é
através de seu arsenal de trabalho que se estabelece a disposição visual dos espaços.
LoBrutto (2002, p. 2), diz que esta contribuição de Menzies ajudou a expandir a
função do designer de produção além da criação de esboços e cenários, assim a incluindo
também como responsável pela visualidade da imagem em movimento. E como resultado de
sua visão extraordinária, Menzies é reconhecido como o pai do design de produção.
4 Tradução feita pelo autor. Original: Production design is an art and craft embedded in the core of the
filmmaking process. Production designers utilize imagination, technique, illusion, and reality. They apply
discipline and financial restraint, to visually enhance the script and the director’s intent, by creating images out
of ideas and purpose out of the images.
18
Figura 3 – Imagem do filme “Ladrão de Bagdá” de Raoul Walsh, 1924
Fonte: http://www.davidbordwell.net
Figura 4 – Enquadramento em “E o Vento Levou”, de Victor Fleming, 1939
Fonte: http://www.davidbordwell.net
19
Já no Brasil, podemos citar o diretor Luiz de Barros, que desenvolvia também o
conceito de arte de seus filmes, como um dos primeiros a atuar como designer de produção.
Débora Butruce (2007), diz que “Luiz de Barros tinha uma formação que o aproximava do
conhecimento técnico sobre a concepção e desenvolvimento de cenários, ao contrário da
maioria dos diretores do período”. (BUTRUCE, 2007 apud SANTOS, C., 2010).
O design de produção nacional é advinda dos espetáculos teatrais. Contudo, era
escasso o contingente de profissionais ligados à arte da cenografia no início do século XX.
Santos, C. (2010, p. 23), afirma que os profissionais do teatro que cuidavam do
desenvolvimento dos cenários eram convidados a trabalharem nas produções
cinematográficas brasileiras. Eles eram, então, os responsáveis pela visualidade da obra.
O cinema pernambucano também vem ganhando espaço no cenário nacional. O jogo
de cores fortes constrói a estética de “Amarelo Manga” (2003), direção de Cláudio Assis e
cenários e figurinos de Renata Pinheiro. Sem falar no arranjo dos objetos cênicos que
dialogam com os conflitos que envolvem toda a trama. Uma cena memorável é a cena em que
a personagem Aurora, vivenciada pela a atriz pernambucana Conceição Camarotti, faz uso do
seu inalador como um objeto sexual.
Em “Tatuagem” (2013), de Hilton Lacerda, também sob a responsabilidade artística de
Renata Pinheiro, a reconstrução do tempo e espaço da Olinda dos anos 1970 deu ambiência às
histórias vivenciadas pela trupe teatral Chão de Estrelas (inspirada na história real do grupo
Vivencial Diversiones). Para a tela do cinema foi traduzida a identidade visual do grupo
artístico olindense. Renata desenvolveu muito dos objetos cênicos e figurinos das cenas em
que aconteciam as peças teatrais do Chão de Estrelas, e sua pesquisa partiu principalmente de
do contexto folclórico analisados sob a ótica do Desbunde. “Durante o processo de produção
não havia uma rigidez em remontar uma época, mas uma necessidade de transportar os atores
e o público para um lugar de sentimento”. (PINHEIRO, 2013).5
Curtas-metragens também são uma grande vertente do design de produção (ou direção
de arte) em Pernambuco, nos quais conceitos estéticos e significados simbólicos são
evidenciados através dos elementos de cena e de seu conjunto cenográfico, como os já citados
“Olhos de Botão” (2015) e “João Heleno dos Brito” (2014).
5 PINHEIRO, Renata. Depoimentos. Tatuagem. Disponível em: <http://www.tatuagemofilme.com.br/>. Acesso
em: 16 jan. 2016.
20
1.2 Da direção de arte para o design de produção
No Brasil já existem várias publicações referentes às configurações do design gráfico,
principalmente sobre as cenas de aberturas dos filmes. Entretanto este estudo aborda as
relações dos cenários, objetos, cores e caracterização de personagens, com os quais as ações
dos atores dialogam. Departamento este conhecido como design de produção, da tradução do
termo inglês production design. Este termo já é utilizado há certo tempo, principalmente em
produções norte-americanas. No Brasil ainda é bastante utilizado o termo direção de arte para
designar o mesmo campo de atuação, contudo, já é possível encontrar esta mudança no uso
desses termos em produções nacionais.
É uma terminologia que se utiliza no cinema produzido nos Estados Unidos,
mais não oficialmente no Brasil, apesar de que grande parte do cinema, da
publicidade e do videoclipe já incorporaram a concepção de ter um conceito
geral para tudo o relativo a imagem. Mas no teatro, no cinema e na dança no
Brasil, os profissionais da área já utilizam o termo design de produção ou
inclusive desenho de produção, para se referir à concepção geral visual de
um espetáculo. Mas ainda hoje, num cinema mais ligado ao chamado “arte e
ensaio”, como grande parte do europeu e do brasileiro, fala-se mais em de
direção de arte ou cenografia. (BAPTSTA, 2008a, p. 1-2).
A mudança no uso do termo é mais uma adaptação para acompanhar as
transformações no cinema. A isso se deve pelas novas tendências estéticas do pós-moderno6 –
as quais valorizam uma imagem estetizada e não realista. Os elementos que constituem a
atmosfera do design de produção, são totalmente passíveis de serem recriados no processo de
pós-produção, devido aos avanços tecnológicos digitais que propiciam uma manipulação mais
ampla já no produto filmado.
A respeito dessa mudança Baptista (2008b, p. 110), deduz hipoteticamente que:
As novas tecnologias de finalização da imagem favorecem a passagem da
direção de arte tradicional, em que cenários e objetos eram organizados para
ser captados por uma câmera, para o conceito de production design [design
de produção], em que cenários e objetos continuam sendo organizados antes
da filmagem, porém são objetos de importantes transformações na etapa de
pós-produção.
6 Termo utilizado para se referir às tendências estéticas que sucederam da modernidade, considerada então
obsoleta. O pós-moderno é então concebido como uma reação contra os valores da modernidade (e do
vanguardismo que lhe é geralmente associado); ele se caracteriza pelo gosto da citação, da intertextualidade em
geral, pela criação de personagens complexas ou de narrativas sem personagens, pela ligação do cinema com o
espectador, etc. (AUMONT, 2003, p. 238).
21
Em alguns centros cinematográficos, ainda se conserva o termo para se referir ao setor
de arte, como no cinema francês que usa o termo décor desde a década de 1930 até os dias
atuais o mantém. Assim como no cinema italiano ainda se faz uso de scenografia, e no
cinema ibero-americano de dirección de arte.
Quanto a denominação production designer, que surgiu por diversas razões, Preston
(1994 apud CARPINTEIRA, 2011, p. 115), recorda que:
[...] quase todas as profissões nesta área sofreram alguma alteração no seu
nome: o produtor ou coordenador de produção já foi secretário; o director de
fotografia foi cinematógrafo e, antes disso, “cameraman”. Foi seguindo a
mesma linha de pensamento que o director artístico se tornou designer de
produção.
Ao passar dos anos, os profissionais da área foram alternando sua própria designação,
entre diretor de arte e design de produção, nos créditos finais das produções cinematográficas.
Para o prosseguimento deste estudo, manteremos o termo design de produção, uma
vez que, este campo opera como qualquer outra área do design no que diz respeito ao
desenvolvimento de um projeto, o qual envolve pesquisa e criação. Embora o trabalho deste
profissional, o designer de produção, é o de materializar elementos plásticos em uma obra
cinematográfica.
22
2 ELEMENTOS VISUAIS DO DESIGN DE PRODUÇÃO
Dentro da estruturação de uma produção cinematográfica, o designer de produção é o
profissional encarregado de traduzir visualmente uma obra através dos seguintes elementos:
cor, locação, cenários, objetos e caracterização dos personagens (figurino, cabelo e
maquiagem). Estes são os elementos trabalhos em nosso objeto de estudo, o curta-metragem
“Ausência”. Contudo, existem outros elementos que integram a este departamento segundo o
estudo realizado por Carpinteira (2011), como luz, grafismos e tipografia e o uso do som.
Para desenvolver todas essas subáreas, o designer de produção convoca outros
profissionais com diferentes especialidades técnicas, para trabalharem sob a sua coordenação.
O diretor de arte [design de produção] coordena três equipes. Estas equipes,
grosso modo, são compostas pelos seguintes profissionais: a equipe de
cenografia composta por cenógrafos, produtores de arte, artistas gráficos,
aderecistas, maquinistas, construtores e contrarregras; a equipe de figurino
composta por figurinistas, costureiros, camareiros e produtores de figurino; e
a equipe de caracterização composta por cabeleireiros, maquiadores e
especialistas em maquiagem de caracterização. (JACOB, 2006, p. 57).
O Designer de produção dá início aos seus trabalhos a partir da análise do roteiro e dos
perfis psicológicos dos personagens, assim tomando conhecimento dos aspectos gerais que
narram a obra, como a localização geográfica e temporal em que se passa a história. Sabendo
de todas estas informações e sanadas as dúvidas com o diretor, o designer de produção pode
dar sugestões das possíveis locações, estabelecer a quantidade de cenários e listar todos os
móveis e objetos conforme indicações no roteiro. Há ainda a concepção do figurino. Por ser
um dos elementos com ligação direta com os personagens, o que o torna mais complexo,
geralmente um outro profissional fica à frente, o figurinista. Porém, em pequenas produções
uma única pessoa pode realizar todas essas atividades.
O seguinte passo é proceder com uma pesquisa por conteúdos históricos, culturais e
experienciais que servirão como referências, imagéticas ou não, para a construção do conceito
visual da obra. Todos esses elementos sob a coordenação de uma mesma pessoa, contribuem
para a efetivação da singularidade e coerência visual do filme.
23
2.1 Paleta de cores
O design de produção tem a sua disposição uma das ferramentas mais fantásticas em
potencializar a narrativa visual, a cor. Para LoBrutto (2002, p. 77) a cor não é apenas usada
para obter verossimilhança7 nas imagens, ela pode desempenhar a função de comunicar o
tempo, lugar e personagens. Pode também demonstrar emoção, humor, atmosfera e uma
sensibilidade psicológica.8
É o que também concorda Martin (1990, p. 89), ao enfatizar que a utilização da cor
não deve ser exclusivamente uma reprodução imagética da realidade externa, mas deverá
preencher uma função expressiva e metafórica. O que podemos entender, é que, além da
composição estética global da imagem fílmica, a cor pode isoladamente acentuar ou diminuir
situações de conflitos e explorar o emocional dos personagens, complementando ou
contestando com a narrativa.
Além de expressar sentimentos e momentos específicos no desenrolar do filme, a
aplicação das cores pode “destacar personagens ou formar grupos, por isso devem ser
pensadas como um conjunto as cores de todas as personagens presentes num mesmo plano”.
(CARPINTEIRA, 2011, p. 18).
Esta intenção de destacar, ou evidenciar um elemento do outro, pode ser conferido ao
designer de produção em seu estudo de composição da paleta de cores. Um ótimo recurso que
pode ser explorado para possibilitar tal efeito, é o contraste visual centre cores claras e cores
escuras. A diferença dessas tonalidades pode evidenciar um ou mais elementos em um mesmo
plano, ou mesmo entre dois planos consecutivos.
O contraste de cores entre cenários e figurinos, entre os diferentes lugares
definidos, os diferentes personagens conceituados e, entre o fundo e os
objetos em relevo, marcam o destaque que estes elementos terão, alterando
assim a percepção do espaço pelo espectador”. (JACOB, 2006, p. 58).
A cor bem empregada no conjunto da obra fílmica pode ser facilmente interpretada
por aquele que assiste à narrativa, esta percepção automática é devido ao repertório cognitivo
e cultural do espectador. Contudo, Jacob (2006, p. 57), sustenta a ideia de que a estruturação
7 Verossimilhança significa algo que é semelhante à verdade, ou seja, a aparência. 8 Tradução feita pelo autor. Original: Color is not only used to achieve verisimilitude in the images; color can
communicate time and place, define characters, and establish emotion, mood, atmosphere, and a psychological
sensibility.
24
da paleta de cores pode ainda contrariar com a linguagem convencional empregada, podendo
então ser usada para demarcar rupturas nesta padronização, evitando associações automáticas
e resumidas.
Estas rupturas podem ser conduzidas por significações simbólicas empregadas
intencionalmente pelo designer de produção na utilização das cores, e mesmo que seja dentro
de uma dimensão subliminar, estes significados chegarão ao público. Löbach (2001, p. 163),
confirma isto dizendo que: “A cor é especialmente indicada para atingir a psique do usuário
do produto”.
A escolha da palheta cromática tem como finalidade, muito além da beleza
dos cenários, dos figurinos e de sua harmonização, uma função simbólica e
dramática. As relações sociais, condições de classe, o caráter dos
personagens, de sensações e emoções podem ser expressos, dentre outras
formas, pelas cores. (JACOB, 2006, p. 58).
Analisando o emprego das cores em “A Invenção do Amor”, animação de 2010 escrita
e dirigida por Andrey Shushkov, temos a construção de uma narrativa sensível, delicada e
reflexiva sob a estética de luz e sombra. O curta apresenta claramente a questão: se vale a
pena ou não mudar a vida por um amor.
Nos primeiros momentos do filme, a vida simples no campo em meio a um ambiente
natural e familiar é representada por uma variação de tons azuis. A partir do momento em que
a personagem principal se casa e vai para a cidade grande, o azul vai dando espaço a uma
coloração quente. A vida agora é movida por engrenagens e por máquinas, e isto é
representado pelas cores que vão das tonalidades do laranja ao sépia.
Essa mudança drástica vivenciada pela personagem – sair de uma vida tranquila e
saudável para uma vida barulhenta e prejudicial – é representada pelo contraste dessas
tonalidades, como mostra a figura 2. Podemos então afirmar que, através do contraste das
cores, o designer de produção pode mudar significativamente a atmosfera contextual da
narrativa.
25
Figura 5 – Representação simbólica de mudança na narrativa através das cores
Fonte: Print screen9 do filme “A Invenção do Amor” (2010).
A cor tem a importante função de transmitir um estado psíquico dos personagens, da
cena e do filme como um todo. Martin (1990, p. 89) ressalta que “é evidente que a cor pode
ter um eminente valor psicológico e dramático”. A escolha da paleta cromática a cargo do
design de produção deve ir além de conceitos meramente decorativos da imagem. As cores
têm o verdadeiro potencial de enriquecer uma obra visualmente, numa concepção estética
consoante à mensagem dramática do filme.
2.2 A escolha da Locação
O Projeto estético já com as suas especificidades definidas e diante do contexto
histórico e espacial da narrativa, o designer de produção deve então decidir onde o filme irá
ser rodado. Alguns espaços já existentes podem promover a realização total da obra, estes
espaços são conhecidos como locações.
Em especial, a locação deve ser selecionada para atender ao projeto conceitual da
narrativa, contudo, também deve ser levado em consideração a proposta da direção de
fotografia para este ambiente. Conforme algumas necessidades, como a de evitar certas
9 Captura da imagem na tela.
26
limitações durante a movimentação das câmeras e também a de garantir a angulação desejada,
podem ser feitas adaptações neste espaço. (BUTRUCE, 2005, p. 48).
Ao selecionarmos uma determinada ambientação para o filme sabemos estar
fazendo uma escolha dramatúrgica, ou seja, a “natureza dramática” dos
lugares ajuda a defini-los como possíveis locações. Cada lugar provoca
reações diferenciadas, tem uma energia e um caráter próprio que vão definir
a sua eventual escolha como locação. Além disso, os enquadramentos, as
angulações, o recorte captado, as intervenções cenográficas no espaço, vão
redefini-lo de forma a transformá-lo no espaço ideal para o desenvolvimento
da obra ficcional. O trabalho da direção de arte [design de produção]
viabiliza a realização das tomadas, na medida que organiza o espaço
enquanto set, selecionando, interferindo, alterando o espaço dado. (JACOB,
2006, p. 79).
Na escolha das locações, o designer deve se preocupar em atender as expectativas do
roteiro e do realizador, além de responder ao conceito estético de toda a narrativa visual. É
nesse ambiente que toda a história será contada, em que os atores poderão dar vida aos seus
personagens. “Ao escolhermos uma locação estamos em busca dos elementos evocados por
aquela paisagem e suas especificidades. Deste modo toda escolha está comprometida com
intenções dramáticas e com as emoções que se pretende provocar no espectador”. (JACOB,
2006, p. 34).
As atitudes que levam a escolher ou deixar de aprovar uma locação simplesmente por
características interpretadas como “feia” ou “bela”, devem ser evitadas, pois a realização de
uma obra cinematográfica não depende única e exclusivamente de um só colaborador. Esse
tipo de pensamento subjetivo pode afetar todo o desenvolvimento do projeto.
Com a aprovação da locação, o designer de produção parte agora para o estudo dos
cenários. Com a elaboração de uma planta de layout10 desses espaços, geralmente projetada
utilizando o software AutoCad, é possível determinar a distribuição espacial dos móveis e dos
objetos. A partir desse esboço pode dar início à ambientação propriamente dita dos cenários,
os quais irão contribuir para o desenrolar das ações dos personagens dentro da narrativa.
10 Planta de layout é um tipo de esboço, no qual é apresentado a disposição dos elementos em um determinado
espaço. Instrumento bastante utilizado em projetos de arquitetura e de design de interiores, para se ter uma
visualidade da distribuição dos móveis nos ambientes.
27
2.3 A criação de cenários
Cenografia é o termo técnico utilizado em produções cinematográficas e teatrais para a
arte de projetar e executar a montagem dos cenários. No entanto, Gorostiza (2001, apud
CARPINTEIRA, 2011, p. 16), acrescenta a este termo a expressão “cinematográfica” para
distinguir a realizada no cinema da realizada no teatro, justificando que são idealizadas de
modo a responder a linguagens e práticas de visualização completamente diferentes, ainda que
as duas tenham sido originadas dentro mesmo conceito de representação.
A busca pela autenticidade no cinema se deve muito à concepção dos espaços cênicos
como uma forma de representação da paisagem real. Nestes espaços há uma sequência
contínua de ações dos atores em articulação com o meio (a arquitetura, os mobiliários e os
objetos de decoração). Butruce (2005, p. 33), considera que “se o espaço cênico é um espaço
representado, esta condição se deriva de sua ligação constante a uma ação, ao menos
potencial. E esta ação em potencial se desenrola em um espaço concreto, em um cenário”.
O projeto de cenografia geralmente é idealizado por um único responsável. Isto se
deve pelo fato de assegurar uma harmonia estética entre os ambientes, os quais irão
comunicar a época e a localidade em que a história se passa, e também a personalidade dos
personagens da narrativa.
Esta responsabilidade atribuída a uma única pessoa tem outra justificação
que se prende com a relação entre o projecto do cenário e os outros
projectos: as cores do cenário irão interagir com as cores dos figurinos e a
decoração irá fazer uma caracterização indirecta dos personagens. O cenário
é uma combinação de narrativa, estilo, expressão artística individual e
técnica. (CARPINTEIRA, 2011, p. 16).
No projeto cenográfico, o designer de produção tem várias atividades a desempenhar.
A partir da análise do roteiro, devem ser definidos todos os ambientes que irão compor a
atmosfera cenográfica da obra, e elencar todos os objetos, móveis e outros elementos
necessários ao andamento das cenas. Segundo Preston (1994, apud CARPINTEIRA, 2011, p.
15), deve também ser incorporado a este projeto um estudo da paleta de cores dos elementos,
do seu valor estético e da sua implicação simbólica dentro da narrativa.
De acordo com Jacob (2006, p. 12), existe um tipo de tratamento dado à paisagem no
cinema, no qual a design de produção interfere nos espaços apenas introduzindo elementos
para transformá-los em outro lugar. A autora está se referindo à questão de não ser necessário
28
a construção arquitetônica do espaço, somente a colocação dos elementos cênicos nos
ambientes darão a estruturação do cenário.
Este é o trabalho de decorar, adornar e colocar adereços: consiste
basicamente em acrescentar objectos ou elementos a um espaço já
construído para modificar o seu aspecto físico sem os modificar
substancialmente. De facto, um mesmo espaço admite várias decorações
diferentes. (CARPINTEIRA, 2011, p. 17).
A inserção desses elementos em um espaço já construído não caracterizaria a atividade
do cenógrafo e sim a de um decorador. De acordo com LoBrutto (2002, p. 21), a decoração do
set se inicia depois que o conjunto arquitetônico (paredes, pisos, teto, janelas e portas) foi
construído pelo cenógrafo, ou depois de se ter definido a locação pelo designer de produção.
A decoração inclui tapetes, mobiliário, quadros, fotografias, livros, revistas, jornais,
eletrodomésticos. O roteiro dará algumas indicações sobre a decoração, mas o decorador será
influenciado pelas decisões estéticas feitas pelo designer de produção, diretor, diretor de
fotografia, e da maneira em que o conjunto da obra e personagens foram idealizados.11
No entanto, a decoração e a cenografia fazem parte do mesmo departamento
cinematográfico, o de design de produção. Elas se complementam no mesmo aspecto de
materialização dos espaços cênicos, e em casos de produções menores pode acontecer destas
duas funções estarem a cargo da mesma pessoa.
Para um bom andamento do projeto, é indispensável a presença no set durante as
filmagens tanto a do designer de produção quanto a do cenógrafo, caso não sejam a mesma
pessoa, principalmente para que haja soluções rápidas e inteligentes em casos de imprevistos.
2.4 O objeto na narrativa
De acordo com Butruce (2005, p. 63), “A articulação entre os elementos do cenário se
dá, sobretudo, por sua função narrativa e pela busca de dramaticidade, onde a unidade visual é
impressa através da direção de arte [design de produção]”. Os objetos de cena são excelentes
11 Tradução feita pelo autor. Original: The set decoration begins after the set has been built or after a real
location has been selected. The set consists of the walls, floor, ceiling, windows, doorways, and doors.
Decoration includes rugs, furniture, wall hangings, and window treatments. The script will give some indication
of the décor, but the set decorator will be influenced by the aesthetic decisions made by the director, director of
photography, and the production designer and the way in which the actual set and characters have been realized.
29
ativadores da dramaticidade desejada em uma obra, entretanto, às vezes são organizados no
espaço como simples elementos plásticos.
Em muitos dos filmes clássicos12, a construção da narrativa se desenvolve por meio de
uma conexão de causa e efeito (unidade e ação) das atuações dos personagens, e por vez, não
sendo dada muita importância aos objetos cênicos. Baptista (2008b, p. 112), assegura que “o
cinema moderno13 prova ser um excelente lugar de estudo do papel do objeto ao fugir de uma
narrativa centrada nas ações ou nos pensamentos da personagem”.
Estudos realizados por Luiz Antonio Coelho evidenciam a importância do objeto na
narrativa de uma obra não clássica, a qual não é construída somente com o valor dialogal dos
personagens.
Se pensarmos o objeto de cena, verificaremos que ele tem uma função muito
importante na condução da narrativa ao lado do espaço, tempo, personagens
e diálogos enquanto unidade morfológica, da mesma maneira que estes são
tratados por elementos sintáticos da expressão fílmica tais como movimento
ótico e físico e a posição da câmera, movimento das personagens no quadro,
montagem, enquadramento, iluminação, foco, entre tantos outros.
(COELHO, 2003, p. 485).
Os objetos podem transcender de sua utilização como meros elementos decorativos na
imagem cinematográfica. Eles têm potencial não só para dialogar com a narrativa, mas
também de a conduzir. Coelho (2005, p. 177), nos expõe que o objeto pode assumir a posição
de coadjuvante quando dentro do seu ambiente dramático, no qual o objeto fala de si próprio
para nós espectadores, e isso ocorre através de seus significados, chegando a conduzir a
narrativa.
A respeito da atuação dos objetos dentro da estruturação do espaço cênico, como
elementos essenciais na condução da narrativa, Hamburger (2014, p. 34), dá a seguinte
explicação:
[...] os objetos são artefatos prenhes de significado. Através de sua atuação
plástica, agem como escultura móvel, ativa através da gramática da forma.
Em meio ao contexto da ação, ganham sentidos substantivos – a faca que
mata, a carruagem que chega, a caixa que constrói. Frente à narrativa,
12 Evidenciados pelas grandes produções hollywoodianas que se concentram na vida de suas personagens, nos
quais a trama precisa transmitir sentidos e deve conter uma lógica. “O cinema clássico possui uma curva
dramática caracterizada por um começo, um meio e um fim bem-definidos”. (ZANI, 2009, p. 132-133). 13 “O cinema moderno não é conservador como o clássico. É questionador e busca sempre novas formas de
construções narrativas que sejam condizentes com suas indagações estéticas, refletindo em suas obras um
espírito contestador. A trama não precisa transmitir sentidos [...]”. (ZANI, 2009, p. 135).
30
personificam personagens, qualificam as figuras pelos signos de presença
que carregam. Por meio de sentidos anteriores reformulam a vivência do
presente estabelecendo novos dados para o jogo.
Ao explorar mais estes pontos de vista colocados pela autora acerca da atuação do
objeto dentro da narrativa, primeiro temos a imagem de um objeto fotografado pelas câmeras
e reproduzida na tela como uma representação do próprio objeto. A imagem na tela é um
signo daquilo que está sendo representado. Esta relação é definida por Joly (2007, p. 38),
como ícone, o qual pertence à classe dos signos14 cujo o significante, a imagem do objeto na
tela, representa por semelhança o seu referente, o objeto real. Como exemplo disso, uma
fotografia representando um telefone público é ícone ao passo que se assemelha a um telefone
público.
No segundo ponto de vista, os objetos podem ter uma relação de encadeamento de
ações dentro da narrativa, isto é, eles podem representar uma ação que está para ocorrer ou
que já aconteceu. Por exemplo, a faca para matar, a chegada da carruagem para a chegada de
alguém, a modulação de folhas de papelão para a caixa construída. A este modo de
representação podemos relacionar com o tipo de signo chamado de indício. De acordo com
Joly (2007, p. 38), “O indício corresponde à classe dos signos que mantém uma relação causal
de contiguidade física com aquilo que eles representam”.
Frente à narrativa, tratemos agora dos objetos como agentes de significações
simbólicas. Joly (2007, p. 38), traz uma estreita definição de símbolo: é um tipo de signo que
mantém com o seu objeto representado (o referente) uma relação de convenção. Contudo, esta
definição está ligada a regras convencionais.
Abrangendo mais o sentido de representação simbólica que um objeto pode vir a ter,
Löbach (2001, p. 64), contempla a ideia de que “um objeto tem função simbólica quando a
espiritualidade do homem é estimulada pela percepção deste objeto, ao estabelecer ligações
com suas experiências e sensações anteriores”. Um objeto, ou o conjunto deles em um espaço
cênico tem a capacidade de personificar os personagens dentro da narrativa. Atribuindo-lhes,
assim, características pessoais, como delicadeza, sensibilidade, timidez.
Além dessas significações individuais, os objetos também podem representar uma
coletividade, por exemplo: uma sociedade, uma região, ou um país. Isso se dá pelos aspectos
culturais intrínsecos aos objetos. Faggiani (2006, p. 73), diz que “O objeto também carrega
14 Este assunto pode ser aprofundado no capítulo “A Imagem e a Teoria Semiótica” do livro “Introdução à
análise da imagem” de Martine Joly, 2007.
31
conceitos e valores que resultam da interpretação do designer sobre a cultura e a sociedade em
que vive”.
De acordo com Coelho (2003, p. 489), a ênfase no ambiente, cenário e objeto se dão
“numa convergência dos elementos narrativos para a reificação. A própria imagem é
reificada, é objeto em sim, presente em si”. A partir desta reflexão, podemos perceber que os
indícios e símbolos da narrativa podem assumir a uma parcela de iconicidade, uma vez que a
imagem impressa na tela desses signos tem uma relação de semelhança com àquilo que
representam.
Com todas essas colocações a respeito do poder de representação que os objetos
podem trazer para uma obra cinematográfica, cabe então ao designer de produção realizar
uma análise autoral do papel desses elementos cênicos na construção de significados dentro
narrativa fílmica.
2.5 O figurino em cena
O trabalho do designer de produção na concepção dos figurinos é elementar para a
caracterização dos personagens. Costa, F. (2002) define o figurino como sendo o conjunto de
todas as peças do vestuário – roupas e acessórios – dos personagens, que foram projetados
e/ou escolhidos pelo figurinista ou designer de produção, diante das exigências estabelecidas
pelo roteiro e pela direção do filme, e também das possibilidades orçamentárias.
Assim como todos os elementos que constituem uma obra fílmica, o figurino tem
algumas funções básicas. Cunningham (1994, apud CARPINTEIRA, 2011, p. 18), elenca
algumas principais funções: “definir a personagem visualmente e materializar a visão do
realizador, a narrativa, o ambiente pretendido”. Podemos destacar também a função dada por
Muniz (2004, p. 21), que é a de contribuir na construção do personagem pelo ator, e também
na constituição de um complexo de elementos plásticos, como cores, formas, texturas que
interferem e influenciam no espaço cênico.
Marcel Martin (1990), em seu livro “A linguagem cinematográfica”, define uma
classificação acerca do figurino para o cinema:
1 – Realista: trata-se da preocupação com a precisão histórica. Todos os figurinos
devem retratar a época em que se passa o filme, de reproduzir fielmente a realidade.
32
2 – Pararrealista: ou estilizado, quando “o figurinista se inspira na moda da época, mas
procede a uma estilização”. Afastando-se evidentemente da realidade, dando mais enfoque à
beleza e ao estilo.
3 – Simbólico: a preocupação com a exatidão histórica é praticamente ignorada. Essa
classe de figurino se valoriza na intenção de “traduzir simbolicamente os caracteres, os tipos
sociais ou os estados de alma”.
O design de produção também opera como meio de comunicação simbólica através de
seus elementos. Muniz (2004, p. 22), aponta que quanto mais audacioso for o exercício do
design de produção “mais tende a se tornar simbólico, abstrato ou afirmar-se como mera área
de representação. Cabe então ao figurino e alguns acessórios orientarem a visão, a
interpretação, enfim, a leitura do espectador”.
No tocante à construção da personalidade dos personagens dentro da representação
cinematográfica, Almeida (2010, p. 13), diz que: “[...] o figurino tem um papel peculiar, por
ser o elemento que, mais que vestir a personagem ou executar uma função meramente
decorativa, traduz a mesma de forma mais imediata para o público”.
Segundo Costa, F. (2002, p. 40), “As roupas Também podem servir para delinear a
história de um personagem, seja através do estado em que elas se encontram ou da
significação que a peça, ou parte dela, tem dentro da estrutura do filme”. Peças isoladas,
acessórios ou mesmo figurinos inteiros são tidos como signos, direcionando o olhar do
espectador a um entendimento rápido de quem é o personagem.
De acordo com Carpinteira (2011, p. 18):
O figurino deve comunicar com o subconsciente do espectador, ajudando-o a
identificar características da personagem mesmo antes de existir diálogo. É
muito importante para diferenciar os personagens e, assim, fazer o
espectador compreender melhor a acção.
Para Abrantes (2001, p. 15), os figurinos “[...] evidenciam uma dimensão e uma
função na caracterização de tipos e personagens. Eles são capazes de integrar e diferenciar, de
excluir ou acentuar comportamentos, conceitos e ideologias”.
A imagem plástica que engloba a narrativa cinematográfica pode ser enriquecida de
significações trazidas pelo figurino para dentro do discurso. Silva Júnior (2011, p. 43), afirma
que o figurino e as significações estão “[...] relacionados com todos os signos e com a estética
33
sugerida pela narrativa [...]”. Sendo possível, com essas relações, tornar a estética da
indumentária coesa e harmônica como todo o projeto cinematográfico.
Costa, F. (2002, p. 41), ressalta que o figurino promove significações como “o ponto
do espaço-tempo em que a história se insere, marca a passagem de tempo e também indica as
características sociopsicológicas dos personagens”. Podemos perceber então, que o figurino
tem a atribuição fundamental dentro da obra ficcional de alocar o personagem no seu tempo e
espaço, na sua personalidade e nas mudanças que vier a sofrer no desenrolar da história.
Cunningham (1994, apud CARPINTEIRA, 2011, p. 18), fundamenta cada uma destas
particularidades, que vem a considerá-las como “potencialidades comunicativas” na
estruturação da narrativa visual.
Tempo e Espaço: situa quando e onde vive o personagem, assim como os que o
rodeiam dentro do grupo social. O figurino permite também inteirar-se quanto ao seu sexo,
idade, raça, origem, estilo de vida, profissão e situação econômica. Cabendo até evidenciar
conflitos da personagem com sua própria natureza.
Personalidade: o figurino “veste” o ator de personalidade. A textura, a cor, o material,
o corte, o tamanho e a composição de todos estes elementos juntos podem dizer algo sobre o
personagem. Uma mulher usando um vestido longo de cetim preto pode simbolizar elegância
e seriedade. Estes e outros elementos dão informações quanto ao humor, comportamento,
preferências e até mesmo caráter dos personagens a nível individual ou coletivo.
Mudanças: uma variação no clima da narrativa pode ser muito bem comunicada pela
simples troca de figurino. Estas mudanças podem ser reveladas de modo muito sutis como
soltar os cabelos, uma mudança de sapatos, o desaparecer de um óculos de grau, etc.
É fundamental dentro do estudo conceitual e do processo criativo, imaginar situações e
a vivência do personagem para projetar ou escolher o figurino que lhe configure como tal. O
figurino conta, visual e simbolicamente, a história e a vida dos personagens dentro da
narrativa cinematográfica, em conjunto com outros elementos do design de produção.
Costa, F. (2002, p. 1), enfatiza que “[...] o figurino pode entrar em dissonância com o
resto dos elementos do filme e acabar por criar significados indesejados se for ignorado ou
mal realizado”. Portanto, ao desenvolver um projeto conceitual de figurino, o designer de
produção, ou o figurinista, deve ter a preocupação de atender as expectativas do realizador em
contar uma história para um público, tal como em manter a estética global do filme.
.
34
3 DESIGN DE PRODUÇÃO NUMA RELAÇÃO COM DESIGN INDUSTRIAL
O design de produção opera – dentro do cinema na execução de suas atividades
criativas e projetuais – como qualquer outra área do design, no que diz respeito ao
desenvolvimento de um projeto que envolve pesquisa e criação. Partindo desse pressuposto,
faremos uma relação entre o design de produção e o design industrial, com base nas funções
práticas, estéticas e simbólicas de um produto industrial explanadas por Bernd Löbach (2001),
em seu livro Design Industrial: bases para a configuração dos produtos industriais.
Entrando numa conceituação ampla sobre este campo de atuação, Denis (2000, p. 16),
aponta que o design realiza a união entre dois aspectos: o de conceber ou projetar e o de
configurar ou formar, gerando assim projetos, esquemas ou modelos. Ainda segundo Denis
(1998), o design se caracteriza como elemento principal no planejamento e desenvolvimento
da grande parte dos objetos, os quais compõem o cenário artificial do mundo contemporâneo.
Faggiani (2006, p. 78), define o design como uma “atividade de projetar segundo uma
metodologia que leva em consideração a função final do produto, o sistema de produção
utilizado em sua fabricação, com o usuário final do mesmo”. Esta metodologia nada mais é do
que um itinerário com algumas diretrizes a serem seguidas para o desenvolvimento do
produto.
Para Löbach (2001, p. 54), as funções de um produto industrial são as características
elementares nas relações entre usuários e produtos. Essas funções podem ser práticas,
estéticas e simbólicas. Durante o processo de uso, essas funções propiciam a satisfação
necessidades específicas.
Trazendo essa abordagem para o cinema, temos o filme como um produto da indústria
cinematográfica. Visto que há outros sistemas que integram uma obra, como a tríade
cinematográfica, composta pela direção, fotografia e design de produção, além de outros
profissionais envolvidos, delimitamo-nos ao nosso tema de estudo para instituir tais relações.
Carpinteira (2011, p. 109), compara o design de produção ao design industrial, e atesta
que o primeiro não tem uma função utilitária. A autora exemplifica tal realidade num projeto
de uma torradeira: se mesmo que a estética desse produto seja extremamente sedutora e o pão
não sair tostado, o designer falha. Diante desta comparação, este projeto não atenderia uma
das três funções, a função prática.
Tashiro (1998), ressalva que o design de produção, em seu projeto cinematográfico,
não se detém a uma utilidade.
35
Além de cumprir com o guião, o design de produção não responde a uma
utilidade. Como [...] se move num meio ficcional, normalmente tem uma
liberdade para projectar que não se verifica no design industrial. Há ainda
designers de produção que dão mais importância ao impacto visual do que à
resposta ao guião, isso tem a ver com a preferência dada ao prazer visual em
relação ao envolvimento emocional na narrativa, concentrar a atenção do
espectador no ambiente em lugar de nas personagens. O maior objectivo é
criar uma “estilização”, o trabalhar na narrativa e na personagem
aprofundando-as até encontrar o efeito ficção sem abandonar a realidade.
(TASHIRO,1998, apud CARPINTEIRA, 2011, p. 109).
Löbach (2011, p. 54), diz que, “os aspectos essenciais das relações dos usuários com
os produtos industriais são as funções dos produtos, as quais se tornam perceptíveis no
processo de uso e possibilitam a satisfação de certas necessidades”. Considerando o design de
produção – formado por um complexo de elementos visíveis – como um produto de si em si,
podemos então estabelecer dois tipos de usuários: um encontrado durante a produção do
filme, a equipe de trabalho; e outro após a finalização do mesmo, o público.
Carpinteira (2011, p. 65), faz esta mesma distinção em:
A produção cinematográfica não é um projecto do designer de produção: a
equipa e a variedade de profissionais necessária para o levar o cabo são
grandiosas. Assim, o designer deve dominar dois tipos de comunicação
diferentes, relacionados com dois públicos totalmente distintos. O primeiro,
o público-alvo da peça, é atingido através das técnicas de criação de imagem
[...]. O segundo é todo o conjunto de profissionais que será responsável por
trabalhar o projecto do designer, torna-lo praticável.
Com essa classificação, relacionaremos as funções de uso de um produto industrial
com estes usuários do design de produção. Entretanto, algumas dessas funções se fazem mais
presentes para um determinado grupo do que para outro.
Figura 6 – Funções do design industrial aplicadas ao design de produção
Fonte: Löbach (2001). Adaptado pelo autor.
36
Löbach (2001, p. 58), define as funções práticas como “todas as relações entre um
produto e seus usuários que se situam no nível orgânico-corporal, isto é, fisiológicas”. O autor
exemplifica esta função ao uso de uma cadeira, que dentre várias funções práticas que ela
pode vir a oferecer, a principal é a de proporcionar ao corpo do usuário uma posição de
descanso, evitando assim, a fadiga física.
Esta relação é extremamente direta entre o produto, que normalmente carrega sua
funcionalidade intrínseca, e o usuário na maioria das vezes tem uma percepção rápida dessa
característica.
Percepção é o processo por meio do qual alguém seleciona, organiza e
interpreta as informações recebidas para criar uma imagem significativa do
mundo. A percepção depende não apenas de estímulos físicos, mas também
da relação desses estímulos com o ambiente e das condições internas da
pessoa. (KOTLER E KELLER, 2006, p. 184).
Para tratar o design de produção numa relação de necessidade fisiológica com o
usuário, neste caso a equipe do filme, com a qual existe uma ligação direta e prática, sairemos
um pouco desse campo objetivo. Conforme colocam Kotler e Keller (2006, p. 183), tem-se
que, necessidades fisiológicas surgem em circunstâncias de tensão fisiológicas, ou seja,
associadas ao organismo, como fome, sede, sono, desconforto, abrigo.
Tomando o conceito de abrigo como um local com a função básica de proteger contra
agressões externas, como o calor, o frio e a chuva, o design de produção deve, por esse
discernimento, conduzir-se na escolha da locação e cenários não somente pelo fator estético e
espacial do ambiente. Deve ser levado em consideração a estrutura física que gere conforto e
segurança a toda equipe de trabalho, em especial aos atores que estão vulneráveis a diversas
situações.
A aparência e o estilo de um filme são criados pela imaginação artística em
colaboração com o diretor, diretor de fotografia e design de produção. Para estabelecer um
senso de autenticidade do filme, a narrativa deve ser estudada e interpretada para transformar
as histórias e personagens em imagens. (LOBRUTTO, 2002, p. 1).15
15 Tradução feita pelo autor. Original: The look and style of a motion picture is created by the imagination,
artistry, and collaboration of the director, director of photography, and production designer. [...] The production
designer researches the world in which the film takes place to establish a sense of authenticity. The production
designer must interpret and transform the story, characters, and narrative themes into images that encompass
architecture, décor, physical space, tonality, and texture.
37
É recente a concepção de que o design de produção é um elemento fundamental no
construto da imagem fílmica. Antes tida como uma função com atributos meramente
decorativos, deixando a estruturação da imagem vista no cinema a cargo de outros núcleos
como a direção e a fotografia. O design de produção segundo Jacob (2006, p. 10), “é um
elemento dramático fundamental na criação da atmosfera do filme, base estruturante do
trabalho fotográfico, elemento fundamental da criação da imagem cinematográfica”.
De acordo com LoBrutto (2002, p. 1), um dos principais norteadores do papel do
design de produção no cinema é o de traduzir o roteiro e a visão do diretor em metáforas
visuais, criando uma paleta de cores, ambientes específicos, coordenando os figurinos,
maquiagem e penteados, idealizando um esquema pictórico coeso em que os atores possam
desenvolver seus personagens e apresentar a história.16
Esta percepção acima do trabalho do design de produção, tem contribuído para uma
valorização da importância dos atributos “decorativos” na representação plástica e realista da
obra fílmica. Jacob (2006, p. 51) entende a atuação do designer de produção como um criador
de uma imagem visual expressiva, repleta de valores plásticos abarcando os ambientes
construídos, e a caracterização dos personagens.
O designer de produção é o profissional incumbido de dar a aparência estética através
da concepção dos elementos plásticos ou visuais, como a linha, a forma, a cor, a textura, o
volume, a proporção, etc., que serão percebidos pelo usuário, neste caso o público.
A configuração do ambiente com critérios estéticos é importante para as
relações do homem com os objetos que o rodeiam, pois a relação elo homem
com o ambiente artificial é tão importante para a saúde psíquica como os
contatos com seus semelhantes. (LÖBACH, 2001, p. 62),
Temos então, não mais uma relação de uso por necessidades fisiológicas, e sim por
necessidade advinda de uma dimensão psíquica. Löbach (2001, p. 59), diz que “O uso
sensorial de produtos (percepção dos produtos com os sentidos, principalmente a visual, tátil e
sonora) se dá por meio das funções estéticas do produto”. O que o autor enfatiza é que, a
função estética de um produto tem o poder de atrair o interesse do usuário. Essa capacidade de
sedução dentro do cinema é acometida principalmente pelo designer de produção, com sua
16 Tradução feita pelo autor. Original: In its fullest definition, the process and application of production design
renders the screenplay in visual metaphors, a color palette, architectural and period specifics, locations, designs,
and sets. It also coordinates the costumes, makeup, and hairstyles. It creates a cohesive pictorial scheme that
directly informs and supports the story and its point of view.
38
habilidade artística e projetual na criação de um conceito estético da obra, tornando-a
singular, atraindo assim o interesse do público.
Considerando o filme como um produto, introduzimos a este o conceito de função
estética do produto dado por Löbach (2001, p. 62), na qual ele define como um aspecto
mental da percepção sensorial durante o uso. O autor ainda declara que “Toda aparência
material do ambiente, percebido através dos sentidos, é acompanhada de sua função estética”.
Quanto ao designer de produção no cinema, podemos então inferir que a sua principal
função é a realização estética visual da narrativa.
A função principal do designer de produção é criar, em colaboração com o
diretor e o diretor de fotografia, uma atmosfera única, um approach gráfico,
que em cor, em textura, no conjunto da imagem, produza um estilo
característico, com a intenção de situar o filme num lugar aparte dos
trabalhos feitos por qualquer outra equipe de cineastas. (STEIN 1976, apud
BAPTISTA, 2008b, p. 116).
Para Jacob (2006, p. 51), o design de produção engloba os campos de trabalho que no
cinema conceituam, realizam e apresentam soluções plásticas capazes de atender as demandas
estéticas do filme. Estas demandas estéticas serão atendidas na concepção, criação e no
arranjo de todos os elementos visuais que correspondem à narrativa fílmica, como a cor, os
cenários, os objetos e os figurinos.
Faggiani (2006, p. 88), ressalta que as funcionalidades prática e estética devem sempre
caminhar juntas, onde cores, formas, texturas devem trabalhar em equilíbrio, de forma que
exista uma qualidade visual e uma identidade única. Na qual a primeira atende as
necessidades fisiológicas e a segunda as necessidades psíquicas do usuário.
Dentro das necessidades psíquicas, temos uma outra função elementar na concepção
de um produto, a função simbólica. Para Faggiani (2006, p. 73), o designer atribui
significações simbólicas aos produtos, uma vez que suas atividades estão conectadas às fases
de concepção, produção e distribuição. O designer pode imputar significados e símbolos que
sobressaem a função prática empregada ao conceber um produto.
Antes de adentrar nesta dimensão simbólica do produto, partamos para algumas
explicações.
O símbolo segundo Joly (2007, p. 36), é uma especificação de signo, ou seja, “é algo
que significa outra coisa para alguém, devido a uma qualquer relação ou a qualquer título”. A
39
autora estabelece essa relação ao fenômeno de percebermos uma significação diferente do que
está sendo visto, lido, ouvido, sentido ou saboreado.
Ainda de acordo com Joly (2007, p. 36), qualquer coisa a nossa volta que venha a
gerar algum significado será um signo. Esta significação estará diretamente relacionada a
nossa cultura e ao contexto no qual o signo se revela. Podemos citar como exemplo dessa
significação simbólica o país (o real) representado pela sua respectiva bandeira (o símbolo).
As relações simbólicas que uma pessoa tem de certo objeto são influenciadas pelo seu
repertório cultural, intelectual e sua vivência no mundo. Löbach (2001, p. 64), atesta que “a
função simbólica dos produtos possibilita ao homem, por meio de sua capacidade espiritual,
fazer associações com as experiências passadas”.
Uma pessoa que nunca viu ou usou um semáforo provavelmente não reconhecerá a
funcionalidade da luz vermelha quando acionada, a qual tem a função simbólica de suspender
o trajeto temporariamente. Diante disto, temos a seguinte definição por Löbach (2001, p. 64),
“a função simbólica dos produtos é determinada por seus aspectos espirituais, psíquicos e
sociais do uso”.
Segundo Carpinteira (2011), um filme sempre será um meio de comunicação
independentemente do seu objetivo e do seu gênero cinematográfico. No geral, para estruturar
a narrativa visual, as produções audiovisuais se apoderam da tríade cinematográfica – direção,
fotografia e design de produção – num trabalho conjunto que tem por finalidade a
materialização da obra escrita em uma obra visual. Por sua vez, o design de produção irá
comunicar, numa representação simbólica, as intenções de seus realizadores.
O cinema usa-se de vários artifícios para provocar sensações nos espectadores, e
também a de ser usada como uma ferramenta política e social para contar a realidade de uma
determinada população. “É uma arte democrática, uma arte para todas as raças... Aqui as
massas da humanidade entram através do movimento vibrante na luz que voa e na beleza que
invoca o espírito da raça”. (MAGAZINE, 1913 apud KEMP, 2011, p. 10).
A produção cinematográfica, assim como outras obras, transporta costumes culturais e
tradições desconhecidas para dentro de uma sala escura compartilhada por diferentes
públicos. Carpinteira (2011), conta que a peça cinematográfica comunica uma mensagem
visando um público-alvo, e o seu êxito provém de uma excessiva análise da narrativa escrita o
e uso intencional de significações visuais.
40
O cinema é uma arte da representação porque gera produções simbólicas que
exprimem mais ou menos diretamente, mais ou menos explicitamente, mais
ou menos conscientemente, um (ou vários) ponto(s) de vista sobre o mundo
real. (VANOYE E GOLIOT-LÉTÉ, 2012, p. 57).
Dentro desta relação simbólica no cinema, temos o design de produção como um
elemento crucial na construção de significados dentro de uma obra fílmica através da escolha
da cor, locação, cenários, objetos e figurinos. Conforme Löbach (2001, p. 64), “a função
simbólica resulta das características estéticas do produto, as quais se manifestam através dos
elementos estéticos, como cor, forma, tratamento de superfície, dentre outras.
Carpinteira (2010) enfatiza que o design de produção “é o elemento criativo, [...] para
dar forma a uma ideia e criar semioses para comunicar os ambientes e significados que a
narrativa exige, sempre com vista à resposta emocional do espectador”. Como em outras áreas
do design, este profissional é um comunicador atuando na captação de ideias, incubando-as
em um processo criativo, e as transformando em obras visuais embebidas de significações
para que os outros possam entendê-las.
Tashiro (1998, apud CARPINTEIRA, 2011, p. 109), explica que o designer de
produção interpreta a sua profissão sob a perspectiva de que o objetivo da mesma é a de fazer
com que aquilo que esteja a ser fotografado seja percebido como objetos reais, dessa forma o
espectador entra na narrativa ficcional para absorver a mensagem.
Por outro lado, além das habilidades técnicas mencionadas, o designer de produção
tem um papel importante através das telas de projeção. Ele é o profissional encarregado de
emitir para o público a vitalidade intelectual e emocional da mensagem. Tendo a capacidade
de provocar uma experiência no espectador ao receber uma mensagem de ir além da
trivialidade da emissão literal e do valor consumista agregado ao mero entretenimento.
(SAMARA, 2010, p. 7).
Costa, J. (2007), afirma que, aquilo que o designer de fato comunica é o significado da
mensagem, fazendo uso de signos ou símbolos, que têm a capacidade de significar algo que
está ausente. O designer de produção se comunica com o subconsciente do espectador ao
introduzir símbolos na obra. Neste sentido, o projeto do designer de produção, como qualquer
outro, deve transmitir algo para um determinado público, fazendo uso dos elementos
necessários à boa funcionalidade das mensagens, para serem assimiladas de igual maneira por
esses espectadores.
41
4 PERCURSO METODOLÓGICO
Para o desenvolvimento desta monografia, a metodologia tem como base os estudos da
Crítica Genética realizados por Cecília Salles de Almeida (2008), para a interpretação e
análise dos documentos do processo criativo, como o roteiro, o storyboard, a gênese dos
personagens, as imagens de figurino, as análises dos e esboços dos figurinos, a análise
técnica, entre outros.
O autor desta pesquisa opera como designer de produção na realização do curta-
metragem “Ausência”, sendo o responsável pela materialização do roteiro através dos
elementos visuais que formam a rede da criação do design de produção. Durante três meses
foi possível acompanhar ativamente da maturação da narrativa escrita junto ao roteirista e
realizador, paralelo a isto, foi sendo desenvolvido um estudo para formalizar o conceito visual
da obra. Após a feitura do filme, foi realizada uma análise interpretativa e qualitativa de todo
o processo de criação do design de produção, sendo este estudo o tema central de nossa
pesquisa.
A partir de registros como anotações, imagens, documentos técnicos e entrevistas
deixados por um determinado autor, podemos conhecer os caminhos percorridos do processo
de criação que originou sua obra. Para Santos, M. (2014, p. 17), essa análise reflexiva
“permite adentrar não apenas no pensamento do realizador do filme, mas conhecer as etapas
de sua realização, que vão desde a sua idealização e construção do roteiro, passando por sua
produção no set e o posterior processo de edição”.
A esse estudo denominado de Crítica Genética, Salles (2001), define como uma
metodologia que se detém a compreender melhor o processo criativo do artista. É uma
investigação que trata de analisar a obra desde sua idealização, pesquisando os recursos de
produção artística com o objetivo central de entender como uma obra é criada.
O design de produção se encarrega de materializar a obra escrita em uma obra visual,
por meio de um longo e verdadeiro exercício de análise e reflexão, no qual são definidas as
cores que vão transmitir sensações e sentimentos, a locação que vai dá ambiência à história,
os cenários que vão descrever as cenas, os objetos que irão dialogar com as ações e os
figurinos que irão caracterizar os personagens. De acordo com Salles (2008), a estes podemos
chamar de pontos de interação que formam a rede de criação do design de produção em
“Ausência”.
42
Adaptando o exemplo dado por Santos, M. (2014, p. 54), ao nosso tema de estudo,
teremos que o design de produção é um dos pontos de interação que forma a rede do filme.
Por sua vez, dentro do design de produção existem outros pontos de interação que formam a
sua rede particular, que são os seus elementos visuais. E dentro de cada um desses elementos,
temos ainda pontos de intercâmbio, os quais correspondem às referências que dialogam entre
si e que formam tais elementos.
Em nosso estudo, com base na crítica genética, percebemos que a estética, o afeto, a
cultura regional e a significação simbólica dão a dimensão global da narrativa visual em
“Ausência”. Esses são os principais complexos referenciais por traz dos pontos de interação,
que formam a rede da criação.
Ter conhecimento sobre esse repertório cognitivo, esse arcabouço de
referências estéticas e culturais nos faz compreender melhor o processo de
criação da obra, uma vez que iremos nos deparar com tais referenciais, sejam
eles estéticos, narrativos ou ideológicos ao longo do filme. Acreditamos que
conhecê-las e identificá-las fará com que tenhamos uma compreensão que
antecede a obra entregue ao público e remonta o seu período de gênese
criativa, influenciando a maneira como apreenderemos o filme. (SANTOS,
M. 2014, p, 54)
Os elementos visuais cor, locação, cenários e objetos foram agrupadas dentro das
dimensões, ou significações estéticas, afetivas, culturais e simbólicas de acordo com as suas
naturezas referenciais. Todos esses elementos podem ser percebidos pelo espectador a partir
de outras significações, e isto varia de público para público. Contudo, são classificadas aqui
conforme as suas origens.
Podemos adiantar que a dimensão estética se dá através da percepção sensorial em
relação a um objeto, que em nosso estudo é a imagem em movimento. Löbach (2001, p. 59),
diz que o uso sensorial de objetos, por meio dos sentidos visuais, táteis e sonoros, é
provocado pelas funções estéticas do mesmo.
A afetividade ou dimensão afetiva é a capacidade de reagir aos acontecimentos do
mundo. Pinto (2007, p. 12), ainda declara que, além dos estados de ânimo, a afetividade
envolve uma rede viva de significados, como tristeza, amor, saudade, desesperança, etc.
Temos também, o conceito de cultura exposto por Morin (1997, p. 15), como “um
corpo complexo de normas e símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua
intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções”. Esta penetração da qual fala o
43
autor, é devida a trocas mentais de projeção e identificação desses elementos inseridos na
cultura, nas personalidades fictícias ou reais que propagam os valores, costumes e tradições.
Quanto à dimensão simbólica, Araújo (2012, p. 95), diz que “O sujeito cria a sua
representação do mundo ao redor, uma verdadeira imagem de sua externalidade de acordo
com características históricas dele próprio”. As pessoas podem atribuir aos elementos
diferentes significações pela necessidade de representar suas ideologias, seus estilos de vida,
suas experiências com o mundo.
O estudo da composição dos figurinos foi realizado separadamente pelo nível de
complexidade que envolve particularidades além dos âmbitos elencados acima. Para a análise
das características de todos os personagens, primeiramente aplicou-se como um método a
fundamentação realizada por Cunningham (1990, apud CARPINTEIRA, 2011, p. 18),
definida como “potencialidades comunicativas”, que são elas: tempo e espaço, personalidade
e mudança.
Em um segundo momento foi realizado uma pesquisa de imagens para obter
referências de figurinos, com a intenção de enriquecer o processo de criação da caracterização
dos personagens. Por último, e de forma prática, foram feitos testes de composição de
figurinos em cada um dos cinco atores, com base nos dois estudos anteriores, para se chegar à
melhor alternativa que atendesse a construção estética e simbólica da narrativa.
Para melhor elucidar as potencialidades empregadas na análise das características,
tomemos como base algumas definições.
No mundo cinematográfico, o tempo e espaço sempre andam lado a lado. O primeiro
pode ser entendido como a época em que a narrativa ocorre e o segundo como o lugar onde
ela acontece. Para Costa, F. (2002, p. 39), o figurino “faz parte do conjunto de significantes
que molda os elementos tempo e espaço: a roupa é parte do sistema retórico da moda e
argumenta para nos convencer que a narrativa se passa em determinado recorte de tempo”.
Temos a definição de personalidade segundo Kotler e Keller (2006, p. 181), como
sendo traços psicológicos distintos, como os que herdamos geneticamente e os que
adquirimos a um estímulo do ambiente em que estamos inseridos. Um conjunto de
características como autoconfiança, autonomia e sociabilidade, etc. Tornando-nos assim,
indivíduos únicos ao nosso modo dentro da sociedade.
Ballone (2005), explica a alegria, o bem-estar, a tristeza, o desespero, dentre outras
reações emocionais como sendo a Tonalidade Afetiva Circunstancial de uma pessoa. As
mudanças do estado afetivo dependem da natureza da vivência, seja ela interna ou externa. A
44
primeira é tida como acontecimentos de conteúdos mentais, já a segunda se dá pela relação
com um agente externo, como uma coisa, uma pessoa ou acontecimentos. Dito isto, as
alterações prejudiciais da afetividade podem surgir motivadas por reações psicológicas
causais em resposta a um estímulo externo, como a morte de um ente querido, uma
enfermidade grave, um rompimento amoroso, etc.
Traremos a seguir a análise das etapas do processo de criação do universo plástico em
“Ausência”.
45
5 O PROCESSO DE CRIAÇÃO EM AUSÊNCIA
Dimensão estética
Para a formação do conceito estético em “Ausência”, procedemos a um trabalho de
análise do roteiro investigando os perfis psicológicos dos personagens, para tomar
conhecimento de seus anseios, desejos, medos e preocupações que regem toda a narrativa.
Além dos personagens, buscamos por referências visuais que se aproximassem da atmosfera
tempo-espaço pretendida no filme.
A estética em “Ausência” se condiciona nas cores, nas texturas visuais e nas formas
empregadas nos elementos visuais. Todos esses elementos interagem entre si, dando uma
coerência visual dentro da obra. O designer de produção deve dar uma atenção especial
refletindo sobre o contexto geral ao conceber o estudo da paleta de cores. De acordo com
Martin (1990, p. 85), “apesar de a cor ser uma qualidade natural dos seres e das coisas que
aparecem no ecrã17, é legitimo analisá-la separadamente [..]”.
O estudo das cores foi realizado de forma a dar significações, como personalidade,
emoções, conflitos, mudanças dentro da narrativa, tal como estabelecer associações culturais,
ambientando a história numa época passada dentro de um espaço geográfico específico. Para
essa construção realizamos uma pesquisa por referências em imagens e em filmes
ambientados no Sertão e Agreste pernambucanos, assim como em outras regiões do interior
do Nordeste.
Essas referências iconográficas possibilitaram a construção da visualidade da obra. A
temperatura da imagem, por exemplo, é distribuída em uma paleta de cores quente. Isso é
evidenciado no solo, na grama seca do terreiro, em parte dos objetos cênicos, no traje do
vaqueiro, nos móveis, no pôr do sol, e em vários outros elementos de cena. Jacob (2006, p.
57), ressalta que, “Podemos passar sensações, emoções e climas através das cores
selecionadas, dando informação visual significativa”.
17 Ecrã é o termo utilizado em Portugal para se referir a tela, display ou monitor.
46
Figura 7 – Cena 4 - Cena do jantar
Fonte: Acervo do diretor.
CENA 4 - INT. CASA – COZINHA - NOITE
A mesa está posta com pães, ovos e leite; Tereza acrescenta o cuscuz que
acabou de ser feito e senta-se. João sentado olha a fartura; se benze e
começa a comer.
[...]
O conceito estético do filme, busca prender a atenção dos espectadores à tela numa
relação mais intima com os personagens, envolvendo-os durante a dramaticidade narrativa.
Contudo, todos esses elementos não chegariam ao espectador sozinhos, senão em um trabalho
conjunto com a direção de fotografia, que vai capturar e projetar para o público as imagens
conforme a estética visual exigida pela direção e materializada pelo design de produção.
Além da cores, as texturas e as formas que abarcam toda a estética global do filme, são
desenvolvidas ao longo dessa análise como coadjuvantes no emprego dos outros elementos
visuais que estruturam todo o projeto de design de produção: locação, cenários, objetos e
figurinos.
47
5.1 A materialização dos cenários e objetos
Dimensão afetiva
A dimensão afetiva, ou simplesmente afetividade como vimos anteriormente, é a
capacidade de responder a acontecimentos externos do mundo. E diria que é o grande cerne
que levou a construir toda a história. Muitos dos desfechos dramáticos em “Ausência” foram
baseados em fatos reais que aconteceram em torno da família, da própria intimidade do diretor
da obra. De acordo com Pinto (2007, p. 13), “Os afetos estariam unidos ao domínio do íntimo
e pessoal, do mundo privado e subjetivo, dos conteúdos psicológicos”.
Como um exemplo de afeto do diretor, podemos citar os nomes dos personagens
principais João e Tereza. Uma homenagem feita aos avós paternos, João Gonçalves e
Terezinha de Jesus (Dona Tereza). A ideia de escrever o roteiro se deu após diversas
conversas noite à fora com sua vó.
Essas e outras referências afetivas fazem parte do repertório cognitivo do diretor, que
também é o roteirista do filme, ajudaram a construir o roteiro. Acerca da processualidade
criativa, Santos, M. (2014, p. 55), diz que tomar conhecimento dessas referências pode ser tão
importante quanto ter acesso dos documentos do processo criativo.
Conversar com o diretor possibilitou conhecer as suas intenções por detrás do roteiro
para a realização da obra. Permitiu adentrar em aspectos além do que estava escrito, em um
universo afetivo do mesmo. Seu repertório de referências para a criação do curta circunda em
uma esfera emocional, afetiva e cultural.
Com o roteiro em mãos, o primeiro passo foi definir a locação para as gravações. A
escolha traduz um pouco desse âmbito afetivo que cerca a vida do diretor. Um dos primeiros
desejos elencados era poder produzir o primeiro filme nas terras de suas origens, onde tem
suas raízes afetivas plantadas. Agrestina, cidade em que nasceu, cresceu e viveu parte de sua
vida ao lado de seus avós. Infelizmente dias antes das gravações, sua inspiração para a criação
dessa obra, sua avó Dona Tereza, veio a falecer.
A fazenda Amapá, situada na zona rural da cidade, foi a locação escolhida para as
gravações do curta metragem. Uma área grande que permitiu explorar diversas possiblidades
de produção, como acomodação de equipamentos e de pessoal, captação de áudio sem ruídos
e cenários que atendessem às ações descritas no roteiro.
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Figura 8 – Locação das filmagens - Fazenda Amapá em Agrestina
Fonte: Google Maps.
A casa que se encontrava desabitada se transformou no set de filmagens, onde também
se concentra maior parte das cenas. É uma casa grande contendo vários cômodos e um
depósito de materiais ao lado. Para o que o roteiro pedia, tivemos que compactar a casa para
entrar em acordo com a simplicidade do casal, na qual uma casa muito grande poderia entrar
em total desacordo. Porém, as características físicas da edificação foram mantidas, pois
atendiam às qualidades definidas na análise realizada pelo design de produção, tais como:
piso sem revestimento cerâmico, apenas com o cimentado grosso; pintura das paredes
desbotada; e pintura das portas e janelas.
Foram definidas quatro áreas úteis para a montagem dos cenários de forma a melhor
atender as especificações contidas no roteiro técnico18, como a movimentação de câmera e a
captação das sequências dos planos, são elas: sala, cozinha, quarto e varanda (Figura 2). As
outras áreas da casa serviram de acomodação para os equipamentos. Em duas passagens entre
as áreas úteis e as áreas de apoio não havia porta, e uma alternativa simples e funcional foi a
utilização de cortinas entre esses ambientes.
Há ainda um quinto ambiente, ao lado da cozinha, que foi utilizado como referência de
situação do fogão à lenha. No roteiro original havia apenas uma cena curta, na qual Tereza
18 O roteiro técnico é uma decupagem do roteiro literário que contém todas as informações técnicas necessárias à
produção, como posicionamento de câmera, iluminação, efeitos audiovisuais.
49
mexia em panelas sobre o fogão. Pela impossibilidade de execução preferiu-se adaptar o
roteiro cortando esta cena. O cenário do fogão à lenha em “Ausência” é meramente
imaginário, e a cortina entra com a função importante de dá essa alusão.
Figura 9 – Planta baixa com indicação das áreas úteis
Fonte: Acervo do autor.
Antes dos preparativos das filmagens, durante a pré-produção, foi elaborado um
checklist19 a partir do roteiro, elencando todos os elementos necessários que comportariam
cada cenário. Já na análise técnica (tipo de documento) contém todas as informações
necessárias, como os objetos cênicos, a descrição das ações, os personagens, o figurino de
cada um deles, assim como a maquiagem e cabelo dos mesmos. É um excelente instrumento
técnico para conferir e acompanhar cada cena, anteriormente analisada e definida, no
momento em que será rodada. Diminuindo, assim, as chances de esquecer algum item
importante e até mesmo de evitar erros de continuidade.
Para o design de produção materializar o projeto cenográfico, cada ambiente recebeu
móveis, objetos e outros elementos de decoração que dialogassem com o tempo, com o
espaço, com a personalidade e a realidade dos personagens conforme os desdobramentos das
ações. “Os cenários oferecem ou sugerem o fundo adequado para a acção. A sua qualidade e
19 Lista de verificações, como materiais a serem comprados e tarefas a serem executadas.
50
valor artístico medem-se consoante o seu nível de adequação à narrativa. Assim, não deve
sempre ser esteticamente atractivo, deve simular correctamente cada ambiente da narrativa”.
(CARPINTEIRA, 2011, p. 16).
A disposição dos móveis no espaço pode ser vista na planta de layout logo abaixo.
Figura 10 – Planta de layout dos móveis
Fonte: Acervo do autor.
O oratório, um pequeno cenário dentro da sala, tem evidentemente um grau simbólico
do catolicismo, contudo, a sua inserção dentro da obra foi imaginada dentro do campo afetivo
do diretor. Tereza, a personagem real na vida de Uhélio Gonçalves, que deu vida a história,
era uma grande devota da religião católica. Praticava diariamente suas rezas como o rosário e
novenas. A mesma possuía em sua sala um pequeno oratório.
A religiosidade é uma característica marcante dos nordestinos, e é bastante comum
encontrar, principalmente em casa simples pelo interior, pequenos altares dedicados a
devoção aos santos e a Jesus Cristo. Em sua maioria, os oratórios são montados sobre um
móvel coberto geralmente por um lenço rendado ou estampado, o qual é ornado com imagens
de santos e do cristo, terço, bíblia e velas.
51
Figura 11 – Referência para oratório
Fonte: Print screen do filme “Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos”, de Camilo Cavalcante (2009).
Na montagem, alguns dos itens do oratório de Dona Tereza, foram utilizados em sua
memória, como a imagem da Nossa Senhora Aparecida, a imagem do Padre Cícero, a sua
pequena bíblia sagrada e o terço de madeira. Todos esses objetos, assim também como uma
vela, foram arranjados sobre uma pequena mesa de madeira escura sobre um tecido branco
rendado, além de quatros quadros com imagens de santos fixados na parede materializam o
oratório cenográfico em “Ausência”.
Figura 12 – Cena em que João reza sobre o oratório
Fonte: Acervo do diretor.
52
CENA 3 - INT. CASA – SALA – ENTARDECER
João acende uma VELA em sinal de devoção a Nossa Senhora Aparecida que está
em um oratório.
Aqui foi possível exteriorizar os laços afetivos do diretor, os quais integram a rede da
criação do roteiro, e estes mesmos laços são referências na construção da narrativa visual do
curta, que foram traduzidos em um material plástico pelo design de produção.
Dimensão cultural
A grosso modo, podemos citar que a cultura está diretamente relacionada a uma
limitação geográfica, onde pessoas compartilham das mesmas ideias, gostos e hábitos.
Tornando assim uma população que habita uma região fria diferente da que habita uma região
quente. “O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico
condicionam a diversidade cultural”. (LARAIA, 2001, p. 17).
Atribuímos a este estudo o conceito de cultura dado por Oliveira (2007, p. 1) como:
Um conjunto de hábitos e costumes construídos socialmente, que fornecem
traços identitários, promovendo a diferenciação dos mais diversos grupos
sociais que ao correr dos anos podem sofrer modificações em uma dinâmica
constante, promovida por elementos internos e/ou externos.
Laraia (2001), ainda relata que podemos identificar indivíduos de outras culturas pelo
modo como se comportam, pelas roupas que usam, pela gastronomia além das diferenças
linguísticas. Partindo desse princípio de identificação cultural de determinada região,
podemos também atribuir o consumo e a produção de artefatos.
Os artefatos com representação do Nordeste são em sua maioria produzidos de
maneira artesanal. O artesanato é uma característica cultural muito forte em mossa região. São
produtos dos mais variados tipos e modelos confeccionados com materiais genuinamente da
terra, como o barro, o couro de animal, a madeira e o cipó.
Todas essas características peculiares, hábitos, costumes, artefatos, dão a dimensão
cultural no processo de criação de significados desenvolvido pelo design de produção, que
tange a vida do simples casal. Para tanto, os cenários receberam elementos que dessem essa
característica cultural. Todos eles foram planejados de forma a se aproximar da realidade da
região daquela época, das pessoas e das casinhas simples do interior.
53
Os móveis e objetos que compõem os cenários foram conseguidos emprestados.
Interessantemente, em sua totalidade, os itens tinham a aparência ideal que contribuíram para
a criação da atmosfera visual pretendida pelo design de produção. Esta aparência é percebida
na superfície dos móveis e objetos desgastados pelo tempo, pelo seu material como a madeira
e o metal, pela textura e pela cor.
Próximo ao oratório, duas poltronas antigas de modelos diferentes incrementam o
ambiente da a sala de estar. Uma confeccionada em um material sintético de cor vinho que
imita couro de animal, com sua superfície desenhada em alto relevo e com os pés de madeira,
outra com as mesmas características, porém coberta por uma capa colorida de fuxico20. No
lado oposto foi armada uma rede de descanso nas cores azul e branco, e na parede ao centro
um quadro com a imagem da Sagrada Família foi fixado.
Temos nesse cenário um elemento tradicional da nossa cultura nordestina, o fuxico.
Que por muito tempo esteve aliado a comunidades rurais e de baixa renda, e hoje se estende a
todas as classes sociais, inclusive na moda e na decoração.
Figura 13 – Cenário sala (poltronas e oratório)
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
20 Fuxico é o termo dado ao trabalho artesanal que usa retalhos de tecidos para produzir pequenas peças em
formato de flor, e na junção de várias dessas peças se confecciona artigos como colchas, almofadas, roupas e
vários outros.
54
Figura 14 – Cenário sala (rede de descanso e quadro da Sagrada Família)
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
Um outro ambiente que recebeu características da cultura nordestina foi a cozinha. É
também o cenário com mais elementos. O filtro d’água e as panelas de barro, que estão
dispostas sobre o armário e a mesa, são uma pequena representação da cultura nordestina.
Para Rego (2013, p. 108), as panelas de barro “representam o elemento cultural em meio a
elementos naturais, como um primeiro ‘contato’ entre o natural e o cultural que depois se
aprofunda na cozinha”.
E mais que isso, é o valor que elas têm dentro de algumas comunidades. Essa prática
da manufatura artesanal do barro propiciou o desenvolvimento de algumas localidades, como
em algumas cidades do Agreste pernambucano. O Alto do Moura, localizado na cidade de
Caruaru, é considerado pela UNESCO como o maior centro de arte figurativa das Américas, e
que concentra a maior produção de panelas de barro do estado.
Além do barro, outros elementos produzidos com outro tipo de materiais constroem o
cenário das refeições, como uma pequena mesa quadrada com duas cadeiras e o armário de
mantimentos em madeira, as panelas e os utensílios em alumínio e as toalhas estampadas da
mesa e do armário.
Um outro elemento para qual chamo atenção é o tripé para a colocação das panelas.
Era e ainda é uma maneira simples e econômica para guardar as panelas. Hoje é possível
encontrar novos conceitos desse objeto como um produto de design, apresentando modelos
com fixação em parede e até mesmo no teto.
55
Figura 15 – Cenário cozinha (mesa, armário e tripé porta panelas)
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
Figura 16 – Cenário cozinha (pote de barro)
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
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A fabricação e o uso de produtos artesanais fazem parte das manifestações da cultura
material da comunidade nordestina. Porém, algumas práticas tradicionais vêm perdendo força
com a chegada de novas casas e da energia elétrica, como os candeeiros a gás.
Toda a história em “Ausência” se passa em um tempo no espaço em que não havia
distribuição de energia elétrica até a fazenda. A proposta do diretor foi ambientar as cenas
com uma coloração mais próximo ao natural. Em todas as cenas que ocorrem no período
noturno, seja ela interna ou externa, candeeiros e velas proporcionaram a iluminação desejada.
Uma das principais referências para a concepção do quarto foi o cenário montado pelo
artista Diogo Balbino no curta-metragem “João Heleno dos Brito”, de Neco Tabosa. A
disposição dos móveis se aproximava à descrição contida no roteiro de “Ausência”:
CENA 5 - INT. CASA – QUARTO - NOITE
Tereza porta um candeeiro e o põe em um móvel ao lado da cama, há outro
candeeiro do outro lado.
Ela mostra desconforto ao deitar. João está sentado na cama, dá um beijo na
sua esposa e também se deita. Tereza já dormindo, enquanto João com os
olhos cansados e pensativos apenas ouve o silêncio da noite. Após alguns
segundos ele DORME.
Abaixo podemos visualizar um print da cena que serviu de referência para o processo
de criação, e em seguida uma fotografia do resultado da montagem do cenário do quarto.
Figura 17 – Referência para o cenário do quarto
Fonte: Print screen do curta-metragem “João Heleno dos Brito” (2014).
57
Figura 18 – Cenário do quarto em “Ausência”
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
Dois elementos contribuíram para a construção da narrativa dentro desta dimensão
cultural. Na cena de número 12 o queijo ao qual o personagem de Seu Antônio porta para
Tereza foi substituído por Alfenim, um doce típico de Agrestina fabricado artesanalmente
com a matéria-prima do açúcar. O tradicional alfenim é bastante comercializado em festas
religiosas como a de Nossa Senhora do Desterro. Essa substituição se deu para corroborar
com a imagem cultural que ainda prevalece nesta pequena cidade.
CENA 12 – INT. CASA – COZINHA – ENTARDECER
Tereza está com o filho e avista Seu Antônio, marido de Dona Graça,
chegando a sua porta, e traz consigo um embrulho com alfenim.
[..]
Um outro elemento importante nesta construção é a utilização de folhas de pião roxo
na cena do benzimento pela personagem de Dona Graça rezadeira. Esta planta é tida como
uma proteção. A crença popular diz que esta planta absorve todo o mal que tenta se aproximar
de um indivíduo ou uma família. É comum encontrar um pé de pião roxo plantado nas frentes
das casas, e foi justamente desta maneira que encontramos as folhas de pião roxo que fariam
parte da narrativa como um elemento essencial para a sua construção.
58
Figura 19 – Folhas de pião roxo
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
Dimensão simbólica
De acordo com Faggiani (2006, p. 73), “O objeto também carrega conceitos e valores
que resultam da interpretação do designer sobre a cultura e a sociedade em que vive”.
Criar uma atmosfera simbólica intencional foi um dos pontos chaves do design de
produção em “Ausência”. A relação que temos com alguns objetos perpassam à intenção
prática dos mesmos, que é quando há uma intenção subjetiva intrínseca a estes objetos.
Araújo (2012, p. 95), define o ato de atribuir subjetividade a algum objeto ou pessoa como
uma simbolização.
Imaginar novas significações para o desenrolar da trama, empregando conteúdos
dotados de subjetividade a elementos que, inicialmente estariam expostos em um determinado
plano com função meramente decorativa, enriquece a narrativa de simbolismos. Segundo
Carpinteira (2011, p. 109), o objetivo do designer de produção “não é apenas criar uma
imagem que vá de encontro com a narrativa ou as expectativas do cliente, é acima de tudo
comunicar com o público-alvo, ou seja, o espectador”.
Além de comunicar os ambientes, o papel do designer de produção é também o de
comunicar significados que a narrativa exija, e o mais curioso, que a própria narrativa não
59
saiba que exista. A relevância social do objeto, assim como sua exposição diária e seu efeito
subjetivo, acaba por nos passar desapercebido pela sua proximidade, pela aparência familiar e
pelo caráter de obviedade que assume. (GONÇALVES, 2007, p. 14).
De acordo com Faggiani (2006, p. 72), os indivíduos criam os significados de um
objeto, ou seja, a sua representação simbólica tem um caráter intencional. Esta mesma
intenção foi assumida ao analisar o roteiro com o diretor Uhélio Gonçalves. A ele (o roteiro)
possível instituir dois elementos de cena, que não havia inicialmente, para compor a dimensão
simbólica da obra.
O primeiro elemento a receber significações paralela à narrativa foi a árvore conhecida
popularmente como Baraúna-do-Sertão, ou simplesmente Baraúna. Durante o processo de
tratamento do roteiro, a imagem da árvore teria outras representações mais evidentes, como
no caso do projeto gráfico da identidade visual (marca ou logotipo) do filme. A ideia era
escrever em seu tronco o nome “Tereza”, o primeiro título do curta-metragem, hoje intitulado
de “Ausência”. Contudo, ainda foi aplicado a representação da árvore no cartaz de divulgação
do filme.
Esta árvore, que se encontra defronte à casa do casal, aparece em algumas das cenas
do filme, nas quais a personagem Tereza tem o hábito de se sentar e passar o tempo debaixo
da mesma. Algumas das situações dramáticas se desenrolam debaixo de seus “verdes” vivos,
como na cena em que Tereza ouve o choro do seu filho morto, Joaquim, que está enterrado
próximo à árvore.
Figura 20 – Cena 21 - Tereza sentada sob à árvore
Fonte: Acervo do diretor.
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CENA 21 – EXT. TERREIRO – DIA
Tereza está sentada no tronco e aparenta estar fora de si, sem expressão
alguma em seu rosto. Após um momento de silêncio total ouve-se o CHORO de
uma criança. Tereza volta a si, e com medo olha para todos os lados
procurando a origem do som. Ela retorna à casa às pressas e fecha as
portas.
Quanto às simbologias das árvores, encontramos diversas conotações a respeito da
espiritualidade, do misticismo, da religiosidade em diferentes culturas ao redor do mundo,
originadas até mesmo em tempos muitos remotos.
[...] um arquétipo, um dos símbolos universais mais presentes em todas as
mitologias, em todas as tradições e religiões, em todas as civilizações proto-
históricas (desde o Antigo Egipto à China arcaica) e que necessariamente
sobrevive no imaginário colectivo da Humanidade, manifestando-se ainda
hoje, com toda a sua força de estrutura dinâmica das profundidades
anímicas, nas lendas, nos contos, nos mitos e, obviamente, no universo
onírico. Ao papel que outrora as árvores protectoras desempenharam na vida
dos primeiros homens, dando resposta a quase todas as necessidades básicas,
– por isso eram consideradas manifestações tangíveis da presença dos deuses
na terra [...]. (PONTES, 1998, p. 197-198).
Pretendíamos simbolizar a essência maternal de Tereza com seu filho Joaquim, numa
associação a esta árvore, e encontramos no estudo intitulado “A Árvore: um arquétipo da
verticalidade” uma menção dada por Pontes (1998, p. 204), na qual ele diz que a árvore tem
em comum com a mulher o rito sagrado que garante a vida. Ambas carregam dentro de si o
fruto que persevera a existência. Todas as árvores, assim como a árvore da vida, simbolizam o
instinto feminino da maternidade.
A partir desta relação de maternidade e geração de vida, criamos uma representação
simbólica da dicotômica relação de vida e morte vivenciada pela protagonista nos elementos
cênicos: a árvore e um ramo da própria árvore. A árvore simbolizando a mãe Tereza, a vida, o
ramo simbolizando o filho Joaquim, a morte.
Segundo Araújo (2012, p. 96), esta criação de representações simbólicas acontece em
virtude da imaginação do indivíduo que ultrapassa a forma como algo é apresentado a nós
como percepção e até mesmo concepção.
À base da árvore foi alocado um ramo de porte médio extraído da própria árvore – não
foi necessário agredir a árvore, o ramo já se encontrava partido e sem vida sobre outros ramos
– em substituição a um balanço que havia no primeiro tratamento do roteiro. A funcionalidade
61
de uso deste ramo como um objeto de assento é nitidamente percebida, entretanto, a ele foi
atribuído uma representação simbólica significativa do cerne central da narrativa, a
maternidade, que é conflitada pela coexistência da vida e da morte.
Figura 21 – Representação simbólica da vida e da morte (árvore e ramo)
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
O último elemento imbuído de significação simbólica no construto da narrativa foi
uma sandália percata de couro para o bebê Joaquim. Este objeto cênico também não havia no
primeiro tratamento do roteiro, e a sua inserção na história vem a reforçar a imagem do
vaqueiro, o interior do estado, a cultura nordestina.
Em mais uma conversa com o diretor Uhélio, ele narra um acontecimento na vida de
sua família, particularmente de sua mãe Ivone Maria. Após ter perdido um dos quatro filhos
em um acidente com um cavalo aos quinze anos de idade, sua mãe passou por um processo de
depressão e de inconformidade com tal realidade, chegando a ir ao cemitério e desenterrá-lo
com as próprias mãos.
62
Figura 22 – Cena 15 - Joaquim usando a percata de couro
Fonte: Acervo do diretor.
Este fato real foi introduzido na narrativa numa decisão conjunta entre o design de
produção e a direção. O diretor Uhélio narra esse acontecimento em forma de elipse – não é
mostrado – nos momentos finais do filme. O designer de produção trabalhou na
materialização dessa cena com a confecção de uma cruz feita com pedaços de ramos sobre um
amontoado de terra próximo à árvore (Figura 16). Segundo sua avó Tereza, as pessoas tinham
o hábito de sepultar seus entes queridos no terreiro de suas casas.
Figura 23 – Cova do bebê Joaquim
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
63
Para Coelho (2005, 178), “Os objetos em dado ambiente (cenário) ganham status de
personagens quando seu tratamento (posição ou angulação que levariam a um sentido
específico, por exemplo), ou a sua presença ou ausência marcam o momento narrativo”. O
figurino dos personagens entra nessa categoria de objetos. A significação simbólica da
percatinha de couro é conduzida dentro da narrativa sob às características descritas acima,
representando a figura do pai e em perpetuar a tradição do vaqueiro, o desejo de se constituir
uma família. Os sonhos do casal que foram juntos enterrados na mesma cova.
Figura 24 – Representação simbólica da percata na cova escavada
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
5.2 A caracterização dos personagens
O estudo para a concepção dos figurinos foi embasado mediante análise e reflexão.
Para realizar esta exposição sobre figurino e a sua relação com a narrativa, o processo criativo
foi dividido em três momentos: análise geral das características, pesquisa por referências
imagéticas e teste de figurino.
A análise das características dos personagens foi esquematizada de acordo com as
potencialidades comunicativas: tempo e espaço em que vivem; seus perfis psicológicos,
64
pessoais e sociais; e caso haja, as mudanças que sofreram no decorrer da narrativa. A
competência comunicativa de tempo e espaço (Quadro 1) é um denominador comum dentro
da narrativa, englobando a todos os personagens. Sendo assim, esta competência será
apresentada primeiramente isolada, e logo em seguida serão apresentados os traços narrativos
dos personagens individualmente.
Quadro 1 – Potencialidades comunicativas (para todos os personagens)
TEMPO E ESPAÇO
A história ficcional se passa no Agreste pernambucano de 1985, em uma pequena
cidade localizada em um distrito rural chamada Agrestina. Na qual a maioria de seus
habitantes vivem principalmente da agricultura e do artesanato.
A vida do casal, Tereza e João, é contada em maior parte da narrativa dentro de uma
humilde casa que fica nos fundos de uma fazenda, na qual João trabalha como
vaqueiro. Aos arredores da fazenda não há outros moradores. As casas têm uma
distância considerável umas das outras, ligadas através de estradas de barro batido
tangenciadas por vegetação típica da região.
Dentro deste espaço temporal da trama, a distribuição de energia elétrica já existe no
centro da cidade, contudo, a fazenda fica distante desse centro e consequentemente
ainda não há essa distribuição de energia. A iluminação utilizada pelo casal vem das
luzes dos candeeiros artesanais, do mesmo modo, também, que não há
eletrodomésticos.
Dentro deste universo comunicacional narrativo foram atribuídas além da estética,
significações à indumentária de modo a dialogar com as características individuais de cada
um dos personagens, e destes com contexto regional e temporal da ficção no qual estão
inseridos.
Tereza, A Maternidade
Para Porto (2001), a maternidade é “construída na dimensão simbólica como fato
biológico, e interpretada como decorrência natural do ato sexual e da gravidez”.
A maternidade está presente no íntimo da maioria das mulheres. Estas sonham com o
dia em serem “tocadas” pelas mãos divinas e poder vivenciar a graça de ser mãe.
Compreender o significado de ser mãe em nossa cultura passa por reconhecer os valores que
65
são atribuídos a “busca pela realização de um sonho aliado à responsabilidade e ao
compromisso com o novo ser que se apresenta totalmente dependente da mãe”.
(STRAPASSON; NEDEL, 2010, p. 523).
A experiência da maternidade é um grande desafio na vida de uma mulher. Uma fase
de descobertas e de propagação de sentimentos dos mais variados que envolvem a mãe, o pai
e todos que estão em volta.
Na trama, a personagem Tereza está inserida numa turbulência de sentimentos. A
expectativa que gira em torno da chegada da criança vem carregada de medo e de felicidade.
Esses dois extremos se dão, principalmente, pelo fato de já ter perdido um bebê em um aborto
espontâneo na sua primeira gravidez.
A maternidade em “Ausência”, é o discurso central que envolve a narrativa do início
ao fim. O figurino é um dos elementos mais importante na construção dessa ideia por
caracterizar e externar todo o conflito emocional da personagem principal. Com a análise das
potencialidades comunicativas (Quadro 2) podemos, ainda mais, adentrar e conhecer o íntimo
da protagonista.
Quadro 2 – Potencialidades comunicativas da personagem Tereza
PERSONALIDADE
Tereza é uma tímida cabocla de 30 anos, estatura mediana, cabelos negros e lisos.
Casada com João há cinco anos, ela dedica todo o seu amor a este homem e ao filho
que carrega em seu ventre. Vive a maior parte do tempo sozinha, pois João sai para
trabalhar de amanhã e só retorna ao final da tarde. Esse tempo solitária é dividido
entre as atividades domésticas e a expectativa pelo tão aguardado filho. Tereza põe
muita carga emocional pelo desejo incondicional de se tornar mãe, isso se acarreta
principalmente pelo fato de ter acontecido um aborto espontâneo em sua primeira
gravidez.
MUDANÇA
Existem duas mudanças significativas dentro da narrativa. A primeira é o
acontecimento do parto, aonde vem a nascer Joaquim, e a segunda se dá pela morte
súbita21 do mesmo. A segunda mudança traz novas significações para dentro da obra,
por haver também uma mudança do comportamento e do emocional de Tereza.
21 Conhecida também como a Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMSL), ela é definida como a morte
inesperada de um bebê, que pode ser durante o sono, a qual a autópsia não consegue indicar a causa específica.
(VARELLA, 2011).
66
Diante destes argumentos, o figurino da personagem deverá ser constituído com
roupas confortáveis, de materiais leves, ter um caimento solto devido ao clima semiárido do
Agreste, assim como o uso da sandália rasteira de couro para todas as ocasiões encenadas na
trama. Para o figurino seguir o ritmo da narrativa, o projeto de traduzir as mudanças pelas
quais a protagonista irá passar será dividido em duas fases em relação ao bebê: pré-morte e
pós-morte.
A paleta de cores entrará em consonância com a estética global da narrativa, formada
por cores claras, em tons pastéis e sem fortes contrastes, com exceção da fase pós-morte. De
acordo com Löbach (2001, p. 166), os tons claros transpõem uma sensação de leveza e
flutuação, já as cores escuras causam uma sensação de peso e fazem conexão com a terra.
Na fase definida como pré-morte: o figurino será composto por peças do vestuário de
cores claras, com ou sem estampas; cabelos sempre soltos, podendo utilizar pequenas
presilhas. Para a fase pós-morte, em algumas passagens da narrativa, ocorrerá uma mudança
sutil: cabelo todo ou parcialmente preso com algum acessório; uma das peças do vestuário
deverá ser de um tom mais escuro, como os terrosos marrom e roxo, e não apresentará
estampas. Abaixo seguem as referências imagéticas de figurinos dentro dos critérios acima
estabelecidos de cada uma das fases.
Figura 25 – Referência de figurino I para Tereza na fase pré-morte
Fonte: Print screen do filme “Eu, Tu, Eles” de Andrucha Waddington (2000). Personagem de Regina Casé.
67
Figura 26 – Referência de figurino II para
Tereza na fase pré-morte
Fonte: Álbum do diretor (avós João e Tereza).
Figura 27 – Referências de figurinos para Tereza na fase pós-morte
Fonte:http://www.renatapacheco.com Fonte: Álbum do diretor (avós João e Tereza).
68
Após a análise das características e da pesquisa por referências, com o teste foi
possível definir as composições de figurinos utilizadas em cada cena. Cada figurino recebeu
um código com dois dígitos, sendo a primeira letra do nome do personagem mais o número de
sequência. Essa codificação22 facilita questões técnicas de produção e, principalmente, na
troca de vestuário entre uma cena e outra durante as gravações.
O guarda-roupa da personagem Teresa é composto por cinco figurinos. O figurino T1
é constituído por um vestido de manga com estampas abstratas em tons pastéis,
confeccionado com cambraia e malha que são materiais leves, deixando o uso confortável e
que não marca a barriga. Esta composição foi empregada nas primeiras cenas, nas quais as
ações são de atividades relacionadas com a casa, na cena em que a bolsa se rompe e escorre o
líquido amniótico e consequentemente na cena do parto.
Figura 28 – Figurino T1 (fase pré-morte)
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
22 Representação das informações necessárias de um produto através de números e/ou letras. (REIS, 2007, p. 6).
69
Os figurinos T2 e T3 também fazem parte da fase pré-morte, porém agora empregados
em cenas após o parto, ou seja, sem a barriga de gestante. O figurino T2 é combinado com um
vestido branco leve e solto ao corpo, com detalhes em vermelho e com pequenas flores
amarelas bordadas, ideal para mães que acabaram de dar à luz. Já o figurino T3 é composto
por uma blusa de cambraia amarela de botão, uma saia de linho bege e uma sandália de couro.
Um conjunto leve e de tons claros usado nas cenas que ocorre a transição do estado vital da
criança e o início da alteração no comportamento da personagem.
Figura 29 – Figurinos T2 e T3 (fase pré-morte)
Fotos: Léo Lima (diretor de fotografia).
70
A fase pós-morte é constituída por dois figurinos, os quais vão evidenciar o novo rumo
tomado pela narrativa. Para representar o momento de reclusão a uma tristeza profunda da
personagem, o figurino T4 traz mudanças sutis para simbolizar essa fase. A cor vinho da saia,
sendo uma cor mais fechada, vai contrastar com a camisa branca, além do cabelo preso apenas
com uma tira de tecido. O figurino T5 é a camisola de dormir da personagem. Configurado
para as últimas cenas, nas quais a protagonista apresenta elevados distúrbios emocionais, por
vezes, chegando até a ouvir o choro do bebê, e por fim, atingindo o ápice do drama que cerca
toda a narrativa. Este último figurino não entra em incoerência com o conceito proposto da
fase pós-morte, uma vez que esta mudança seria evidenciada em algumas das cenas, de forma
a não ser uma característica maçante em todos os figurinos dessa fase.
Figura 30 – Figurinos T4 e T5 (fase pós-morte)
Fotos: Léo Lima (diretor de fotografia).
71
João, O Vaqueiro
O vaqueiro é um personagem importante da cultura e do povo nordestino. De acordo
com Machado (2009), é um tipo étnico que descende dos primeiros contatos entre o
colonizador europeu e os índios que já habitavam as terras áridas do sertão, durante a
introdução do gado no interior do Nordeste.
Ainda nos tempos atuais, a figura do vaqueiro é muito recorrente no interior do
Nordeste brasileiro. Ele é quem administra a fazenda, percorrendo a maior parte do tempo
montado a cavalo cuidando dos gados, conduzindo-os para o curral ou se embrenhando em
meios as pastagens atrás de animais perdidos. Estas são algumas das atividades que
caracterizam o vaqueiro, conhecidas como o aboio.
Seu trabalho é cansativo e constante, principalmente em tempos de seca, como a
construção de cacimbas, e por muitas vezes onde o gado tem que ser conduzido por longas
distâncias até o reservatório de água mais próximo. Assim como aliviar a fome da boiada
cortando ramas, cactáceas e macambiras23, que serviam de alimentos para esses animais nos
meses secos, quando não havia mais pastagens. (ANDRADE, 1980, p. 146).
Dentro dessas circunstâncias de um trabalho árduo em meio a uma vegetação
espinhosa e a exposição intensa à poeira e a ao sol, a roupagem dos vaqueiros deve ser
confeccionada com um material resistente e que possibilite uma proteção contra danos.
Lidar com o gado na caatinga cheia de galhos e espinhos é muito difícil, por
isso o vaqueiro tem que usar uma roupa própria, com condições de enfrentá-
la e que funcione como uma couraça ou armadura. A vestimenta do vaqueiro
é caracterizada pela predominância do couro cru e curtido, geralmente,
utilizando-se processos primitivos, o que o deixa da cor de ferrugem, flexível
e macio (retira-se todo o pelo). Antigamente era usado o couro de veado
catingueiro, mas por causa dessa espécie encontrar-se em extinção, passou-
se a usar o couro de carneiro e de bode. (MACHADO, 2009)24.
Após essa introdução que cerca o universo do vaqueiro, faremos as análises
pertinentes para a definição das composições de figurino que caracterizarão o personagem
dentro do seu contexto narrativo. Abaixo, segue o quadro 3 com as interpretações acerca das
potencialidades comunicativas do mesmo.
23 Tipos de plantas xerófilas. Plantas que “toleram a escassez d’água, que fogem aos efeitos da deficiência
hídrica ou que resistem à seca”. (DUQUE, 2004, p. 31). 24 http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar./index.php?option=com_content&view=article&id=132&Itemid=1
72
Quadro 3 – Potencialidades comunicativas do personagem João
PERSONALIDADE
João é um alegre vaqueiro de 40 anos, de estatura mediana, com cabelos negros e
barba grande. Casado com Tereza há cinco anos, ele ama sua mulher acima de tudo, e
faz o que for preciso para vê-la feliz. Trabalha na fazenda e vive a rotina das pegas de
bois. Ama sua vida simples no campo e honra sua profissão com bravura.
MUDANÇA
As mudanças significativas que abarcam a personagem de Tereza, também são
acometidas na existência do personagem João. Porém, a preocupação dele quanto aos
distúrbios emocionais de Tereza após a perda do filho recém-nascido, faz parte agora
da vivência do personagem. Contudo estas mudanças não terão reflexo sobre a
composição do figurino deste personagem.
O figurino de João pode ser estabelecido entre o trabalho com o gado na pastagem
com uma vestimenta típica de vaqueiro, e para as atividades em casa com o uso de camisa de
botão de manga curta, calça ou bermuda jeans e sandália de couro. Abaixo são apresentadas
referências de roupas de vaqueiro e de uso habitual em casa.
Figura 31 – Referência de figurino de vaqueiro para João
Fonte: http://olhares.uol.com.br/vaqueiro-encourado-foto4143269.html
73
Figura 32 – Referência de figurino para o dia a dia de João
Fonte: Print screen do filme “Cinema, Aspirinas e Urubus” de Marcelo Gomes (2005).
A primeira composição de figurino de João (J1 – seguindo a regra de codificação),
comportará as suas atividades laborais na pastagem. Será o traje completo do vaqueiro
tradicional, aparentando estar bem desgastado pelo uso frequente. O traje é composto por:
chapéu, gibão (proteção para o tronco e membros superiores), perneiras (membros inferiores),
guarda-peito (tórax e abdômen), guantes (luvas) e botas, além da calça jeans e da camisa de
botão que se encontram por debaixo do traje de couro. A composição J2 é simplesmente a
retirada do gibão da composição anterior, e é especificamente para momentos em que o
personagem chega em casa do trabalho.
A roupa de uso diário (figurino J3) quando não se está aboiando os gados, é uma roupa
mais confortável composta por camisas de botão de manga curta com bolso, lisa ou com
estampas de listras ou xadrez de cores claras e bermuda jeans.
74
Figura 33 – Figurinos J1, J2 e J3 do personagem João
Fotos: Léo Lima (diretor de fotografia).
75
Dona Maria, A Parteira
Desde muito tempo atrás, em comunidades pequenas que se encontram distantes dos
grandes centros, existe um oficio solidário realizado por mulheres simples e de certa idade,
como donas de casa, agricultoras, costureiras, que consiste em assistir mulheres durante a
gestação, ou mesmo, somente na hora do nascimento do bebê. Este é o ofício das parteiras
tradicionais.
Parteiras tradicionais são “aquelas que não possuíam nenhum tipo de formação
institucional, as quais tinham aprendido empiricamente e/ou por meio da oralidade, e também
aquelas que mesclavam práticas hospitalares e da tradição”. (MELO; MÜLLER e GAYOSO,
2013, p. 4).
Figura 34 – Cena do parto.
Fonte: Acervo do diretor.
CENA 8 - INT. CASA – QUARTO – NOITE
Tereza está suada e sentindo muitas dores; DONA MARIA PARTEIRA, uma senhora
de 50 anos está cuidando dos preparativos para o parto; DONA GRAÇA, a
rezadeira, acalma Tereza. João fica apreensivo no canto do humilde quarto
pouco iluminado. Dona Maria parteira coloca na cama uma bacia de metal com
água e alguns panos úmidos na cama.
76
PARTEIRA
Vamos logo com isso que já não
tem mais o que esperar. Esse
menino tem que nascer e é agora.
REZADEIRA
Seu João, vá lá pra fora, vá! E
fique rezando pra que tudo dê
certo, que quando seu filho
nascer eu mesmo levo ele para o
senhor vê.
PARTEIRA
Cuide, Dona Graça, que a mulé já
sofreu demai e esse menino já tá
passando da hora de vir pro
mundo. Seu João cuide logo, homi.
João beija a mulher e SAI para o terreiro. A parteira e a rezadeira fazem
seus rituais.
Ouvem-se GRITOS de dor e, por fim, o CHORO da criança.
A arte do ser parteira é muitas vezes iniciada ainda na adolescência pela necessidade,
pela observação dos partos de familiares, e essa prática tem passado de geração em geração.
No entanto, com a ampliação e interiorização da assistência médica a parturientes e também a
falta de interesse das mais novas, a prática do parto em casa vem perdendo força nos últimos
anos e, consequentemente, a atividade das parteiras tradicionais.
Este ofício é envolvido por significações importantes: costumes, saberes e fazeres que
hoje fazem parte da construção identitária do povo nordestino. Transmitidas por gerações para
suprir uma necessidade da comunidade em que vivem, constituindo assim parte da herança
cultural de nossa sociedade. (MELO; MÜLLER e GAYOSO, 2013, p. 2).
A nossa parteira em “Ausência”, Dona Maria, criada a partir desse universo
tradicional, foi inspirada nas histórias reais vivenciadas pela senhora Felicidade Maria,
parteira e rezadeira da cidade de Agrestina. É bastante comum encontrar parteiras que
também exercem a função de rezadeira.
Após algumas conversas com a senhora Felicidade, conseguimos identificar algumas
características comportamentais, inclusive de vestuário que rodeiam a imagem desse
personagem importante da nossa cultura. A partir dessas características construímos as
potencialidades que vão transmitir quem é Dona Maria (Quadro 4).
77
Quadro 4 – Potencialidades comunicativas da personagem Dona Maria
PERSONALIDADE
Dona Maria é dona de casa e parteira desde jovem. Seu ofício teve início quando teve
que realizar sozinha o seu primeiro parto em casa. Hoje com 50 anos de idade e com
muita experiência, já perdeu as contas de quantas crianças ajudou a vir ao mundo. É
viúva e vive sozinha em sua pequena casa. Uma senhora simples e guerreira, contudo,
apresenta uma feição triste, que apesar da perda e da solidão, sua força de vida vem do
afeto a Deus e aos seus filhos.
MUDANÇA
Embora contenha na história da personagem acontecimentos dramáticos que mudaram
o seu estado emocional e comportamental, estes não ocorrem durante o desenrolar da
narrativa, portanto a composição de figurino de Dona Maria não haverá alterações
significantes.
A indumentária que caracterize esta personagem deverá conter cores claras entre tons
pastéis, com estampas preferencialmente de flores, tendo peças como vestido, blusa de manga
e saia em sua composição. Podemos observar esses traços na referência logo abaixo.
Figura 35 – Referência de figurino para Dona Maria Parteira
Fonte: https://www.flickr.com/photos/paratyemfoco/with/3675956177/
78
Com base nas referências imagéticas e na persona, o figurino M1 de Dona Maria para
a cena do parto será composto por um vestido verde florido com altura abaixo do joelho e
com mangas que cobrem até os cotovelos. Ao figurino M2 é acrescentado uma saia branca de
algodão por cima do vestido, assim compondo a roupa que será usada durante o velório da
criança na casa de João e Tereza. Os dois figurinos ainda contêm uma sandália rasteira de
couro e uma tiara de cabelo como acessórios na composição.
Figura 36 – Figurinos M1 e M2 da personagem de Dona Maria Parteira
Foto: Léo Lima (diretor de fotografia).
Para a personagem, ainda foi necessário que a atriz escurecesse o cabelo, para que seu
aspecto visual entrasse em harmonia com o contexto regional e temporal da obra. Com o
auxílio de um pincel, foi aplicado no cabelo da atriz um pó mineral na cor branca. Em seguida
o pó foi esfumado nas primeiras camadas do cabelo, com o objetivo de retratar na atriz a
imagem de uma personagem com mais idade. Toda esta técnica realizada foi para
materialização da essência da Parteira.
79
Dona Graça, A Rezadeira
As práticas de cura popular pelos curandeiros, rezadeiras, parteiras e barbeiros são
perseguidos desde o período medieval. A Igreja Católica predominava nessa época, e essas
práticas de cura eram tidas como bruxarias. Já no Brasil durante o período colonial, havia uma
miscelânea de agentes de cura pelos europeus e aqueles praticados pelos nativos e pelos
escravos africanos. Existia uma disputa pela aceitação da sociedade por parte desses agentes,
uns com os saberes da medicina e outros com os saberes espirituais. Com o progresso da
ciência, a medicina passa a ter maior domínio sobre as práticas de cura e a perseguir aos que
praticavam métodos considerados marginais. (BOING; STANCIK, 2013, p. 85).
A resistência mantida pelos agentes populares da cura, ainda se faz muito presente nos
tempos atuais. A crença em curar males através das rezas e orações é uma forte característica
no Nordeste do Brasil. Hoje, há uma evidência maior da prática da cura popular realizadas por
mulheres, as rezadeiras ou benzedeiras, que afastam mau-olhado, curam peito aberto, e várias
outras moléstias. Tanto as rezadeiras quanto os curandeiros
Assim como é no caso com as parteiras numa época que não havia hospitais ou mesmo
formação de recursos humanos com algum tipo de especialidade médica, a existência das
rezadeiras e curandeiros ajudou a construir a localidade em que vivem. Essas pessoas com sua
solidariedade assistiam e assistem até hoje a sua população através de seus conhecimentos não
científicos, populares.
Um outro fato marcante na prática das rezadeiras é a construção de um
discurso que as aproximas dos dogmas da Igreja Católica. Mesmo que haja
outros elementos de outras religiões presentes nos rituais, cuja ênfase
contempla o uso de termos, como o olhado, feitiço, carregado, etc. [...]. As
rezadeiras procuram solucionar os problemas, utilizando elementos da
religião católica, sobretudo do catolicismo popular (reza, preces, súplicas e
devoções aos santos que fazem parte da religiosidade do povo, como Frei
Damião, Padre Cicero, as almas dos vaqueiros, dentre outros). (SANTOS, F.
2007, p. 31).
De acordo com Loyola (1984, p. 94), a rezadeira é uma pessoa caridosa, uma
frequentadora assídua da Igreja Católica, que faz uso somente das rezas e orações do
catolicismo em seus rituais de cura. Ou seja, suas atividades se reduzem em rezar e curar
pessoas.
80
Figura 37 – Cena do benzimento
Fonte: Acervo do diretor.
CENA 16 – INT. COZINHA/SALA – DIA
[...]
Da sala, Dona Graça começa sua reza em alto e bom tom.
DONA GRAÇA (O.S.)
Em nome do pai, do filho e do
espírito santo. Joaquim, Nosso
Senhor Jesus Cristo quando no
mundo entrou, três coisas Jesus
Cristo curou: Mal olhado,
admiração, moléstia de fora, ramo
no ar. Tudo isso Jesus Cristo
mandou curar. Joaquim, com dois
te butaram, com três te tiro. Com
Pai, com Filho e o Divino
Espírito Santo.
[...]
Essa reza foi descrita pela rezadeira Felicidade Maria em entrevista. Além da
religiosidade que abarca esse ofício, existe uma dimensão simbólica envolta da cura popular
dentro da sua comunidade, na qual os curandeiros e rezadeiras são mensageiros de saberes
tradicionais populares que perpassam por gerações. E assim foi nos repassados alguns desses
saberes tradicionais, ainda muito presentes em nossa cultura nordestina. Por mais uma vez
tivemos as experiências de vida da senhora Felicidade, que pratica tanto o ofício de parteira
81
quanto o de rezadeira dentro da sua localidade. A partir das suas vivências conseguimos
construir a nossa personagem Dona Graça, a rezadeira (Quadro 5).
Quadro 5 – Potencialidades comunicativas da personagem Dona Graça
PERSONALIDADE
Dona Graça é uma rezadeira de 60 anos de idade, e de pura sabedoria popular e
ensinamentos religiosos. Casada com Seu Antônio há mais de 40 anos. Juntos, tiveram
três filhos aos quais deram os nomes dos santos juninos: Antônio, João e Pedro.
Conhecida pelas redondezas por curar pessoas de diversas mazelas, é uma pessoa
caridosa, gentil e muito solidária. Divide seu tempo entre os saberes culturais que
curam através de sua fé, sua devoção ao catolicismo e ir à lavoura cuidar do plantio
junto com Seu Antônio.
MUDANÇA Não há eventos expressivos que alterem a construção da narrativa da personagem, que
seja necessária uma mudança na composição dos figurinos.
Este figurino se baseia similarmente ao da personagem de Dona Maria. Será
combinado com o uso de blusas e saias em tons claros e/ou escuros, como os terrosos bege e o
marrom, sendo uma das peças da composição estampada, e a outra lisa, além do uso de uma
sandália de cor neutra. Um acessório simbólico, importantíssimo, para representar a
religiosidade e o ofício de rezadeira de Dona Graça, o terço.
Figura 38 – Referência de figurino para Dona Graça Rezadeira
Fonte: Print screen do making of de “Olhos de Botão” (2015). Personagem de Zezita Matos.
82
O figurino G1 foi caracterizado para o momento do parto, a única cena em que todos
os personagens se encontram dentro do mesmo plano. Ele é composto por: uma blusa verde
de botão com manga curta, uma saia marrom estampada com desenhos geométricos, flores e
folhas, com altura no tornozelo, e uma sandália preta com duas alças de fixação em velcro. Na
cena do benzimento, e em sequência na cena do velório, a personagem faz uso do figurino
G2: uma blusa rosa de algodão com botões e uma saia longa preta com estampas de desenhos
geométricos, e o uso da mesma sandália.
Figura 39 – Figurinos G1 e G2 da personagem Dona Graça Rezadeira
Fotos: Léo Lima (diretor de fotografia).
83
Seu Antônio, O Agricultor
Nas comunidades rurais, o agricultor é um verdadeiro produtor de sustentos. Ele
utiliza de sua própria mão de obra no cultivo de diversos alimentos. Tratar a terra, plantar as
sementes, regar as mudas, colher os frutos. Suas atividades são intensas, e muitas vezes
debaixo de chuva, vento e sol escaldante, para poder alimentar sua família e, principalmente,
tem a agricultura como a principal fonte de renda.
O agricultor é um homem simples, trabalhador, de vários amigos, que pode facilmente
ser vista continente adentro. Porém, não menos importante que as outras descritas
anteriormente. O vaqueiro, a parteira, a rezadeira e o agricultor, instituem uma pequena
parcela do patrimônio cultural nordestino.
O personagem Seu Antônio faz uma representação simbólica dessa figura importante
que construiu e constrói a nossa sociedade. Mesmo não havendo cenas em que o próprio
esteja em suas atividades rurais, ele é fundamental na condução da narrativa. Para a
caracterização, tomamos conhecimento das suas principais características no quadro 6 abaixo.
Quadro 6 – Potencialidades comunicativas do personagem Seu Antônio
PERSONALIDADE
Seu Antônio é um agricultor analfabeto, porém bastante esperto. Feliz com seus 65
anos de idade e casado com Dona Graça, a rezadeira. Gosta de contar histórias e visitar
os amigos no final da tarde para beber algumas doses de cachaça (aguardente da cana-
de-açúcar), enquanto o tempo passa.
MUDANÇA Não há mudanças que exijam alteração na composição de figurino deste personagem.
O figurino de Seu Antônio se dispõe de camisas de manga curta e longa com botões,
sendo o primeiro botão desatado, e deverá ter uma predominância de cores claras, como o
bege e o branco, também a calça brim em tons neutros, como bege e o preto. Ainda fazendo
parte da composição, uma sandália de couro de cor escura. Todos estes itens deverão ter um
aspecto de usados. Seu Antônio também faz uso do cigarro de palha (punhado de tabaco
envolvido por uma palha de milho).
84
Figura 40 – Referência de figurino para Seu Antônio
Fonte: Print screen do making of de “Olhos de Botão” (2015). Peronagem de Beto Aragão.
O personagem do amigo agricultor possui quatro figurinos, todos eles semelhantes
entre si. Para todas as composições, Seu Antônio faz uso de uma percata (sandália) de couro.
A primeira composição, A1, conta com uma camisa branca de manga longa e uma calça na
cor bege para a cena do parto. O figurino A2 usado na cena em que Seu Antônio leva para
Tereza o doce alfenim e aproveita para saber como anda Joaquim, ele usa uma camisa azul de
manga curta e a calça bege. Para a cena da reza e na sequência a cena do velório, o figurino
A3 de Seu Antônio é composto por uma camisa azul, sendo esta de manga longa e por uma
calça preta. Apesar de o preto ser uma representação visual do sentimento de luto dentro do
nosso imaginário de significações, aqui ele é empregado de maneira meramente ocasional.
85
Figura 41 – Figurinos A1, A2 e A3 do personagem Seu Antônio
Fotos: Léo Lima (diretor de fotografia).
86
6 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como principal objetivo a análise do processo de criação da
narrativa visual em “Ausência”, sob a ótica do design de produção. No entanto, ao percorrer
com esta pesquisa foi possível notar a existência de uma interação com outras áreas do design,
como o design de interiores, o design de moda e o design gráfico. A relação entre o design de
produção e o design gráfico é compreendida principalmente na fase de pós-produção,
possibilitando ao filme de ser totalmente manipulado através de softwares especializados.
Esta interação promoveu a substituição do termo direção de arte por design de produção em
algumas produções nacionais.
Ao considerar que o design de produção e o design industrial são áreas semelhantes,
não só por suas denominações, e sim pela forma em que operam ao desenvolver um projeto,
me possibilitou a realizar uma análise qualitativa, na qual pude atribuir as funções (prática,
estética e simbólica) de um produto industrial estabelecidas por Bernd Löbach em seu livro
Design Industrial, ao produto de um design de produção. Mas o que viria a ser um produto de
design de produção? Sabemos que em outras áreas do design, como moda, gráfico e produto,
os profissionais pesquisam, projetam e criam uma roupa, um banner, um eletrodoméstico
atribuindo-lhes as funções supracitadas, o mesmo procedimento é seguido pelo designer de
produção, no entanto a atmosfera visual de um filme é a sua criação, ou seja, o design de
produção em si.
Löbach expõe que a função prática está relacionada com uma necessidade orgânico-
corporal com o usuário. Trago esta colocação novamente para levantar um questionamento: se
a função prática de um produto está ligada diretamente na sua utilidade, “isso serve para
aquilo”, podemos então considerar que a função prática do design de produção é construir a
visualidade fílmica, materializar o roteiro em elementos visuais? Deixo aqui então essa
discussão que poderá ser aprofundada em investigações futuras.
Quando surgiu o convite pelo então diretor e roteirista Uhélio Gonçalves para estar à
frente do departamento de arte de seu primeiro filme, meu único entendimento sobre este
campo de atuação era a pesquisa monográfica que já havia iniciado, cujo o tema era “As
similaridades no design de produção entre o cinema ocidental e o cinema oriental”. Aceitando
o convite, já tinha em mente que este projeto envolveria uma grande pesquisa e trabalho
pesado para a sua total concepção.
87
Na fase de pré-produção do curta-metragem, iniciada três meses antes das filmagens,
realizei os meus primeiros estudos analisando o roteiro, em busca de entendimento da
narrativa e das intenções do diretor. Desde então o roteiro passou por vários tratamentos com
o objetivo de amadurecer a ideia que estava escrita, até mesmo depois das filmagens, pois
algumas não chegaram sequer a serem gravadas. Isto deixou bastante claro que, uma obra
vive em mutação, que ela não acaba.
As diversas conversas com o diretor Uhélio Gonçalves, me oportunizaram a sugerir a
introdução de novos elementos cênicos para gerar novas significações dentro da narrativa, e
foram bem acatadas pelo mesmo. Essas significações foram embasas em pesquisas e
interpretações do campo afetivo que envolvia o diretor. Como já dissemos no começo do
trabalho, este curta-metragem foi ambientado nas histórias reais de sua família.
A preocupação que me cercava, era a da incerteza de conseguir os elementos
necessários para a materialização de todo o estudo realizado, uma vez que este projeto se
tratava de uma produção independente. A “brodagem” no cinema felizmente possibilitou tal
realidade. Todos os móveis, objetos, figurinos foram concedidos mediante empréstimos.
Conforme esses elementos não foram criados, ou mesmo comprados, coube a mim rearranjá-
los dentro do espaço cênico e na caracterização dos personagens para melhor atender ao
projeto conceitual do design de produção do filme.
A metodologia baseada nos estudos da Crítica Genética por Cecília Almeida Salles,
me conduziu a fazer uma análise do meu próprio percurso criativo na concepção visual da
obra. A pesquisa acerca de como se desenvolveu o processo de criação do design de produção
em “Ausência” se deu após as filmagens, consultando os documentos deixados e, também, as
conversas tidas com o Diretor.
Essa análise foi importante ao modo que propiciou a descoberta da natureza
referencial dos pontos de interação (cor, locação, cenários, objetos e figurinos) que formam a
complexa rede da criação do design de produção. Foi possível perceber que na idealização
desses elementos visuais existem referências distintas, ou seja, se originaram a partir de
significações diferentes. Estas significações, ou dimensões são: estéticas, afetivas, culturais e
simbólicas. Alguns elementos, mesmo tendo a origem em alguma dessas dimensões, podem
permear por outras conforme a percepção do espectador.
Resumidamente temos, as dimensões como pontos de intercâmbio que interagem entre
si, e cada uma delas originando seus respectivos elementos visuais, estes por sua vez são os
88
pontos de interação que se conectam formando a rede da criação do design de produção. A
imagem abaixo (figura 42) pode ilustrar bem esse esquema.
Figura 42 – Rede da Criação do Design de Produção em “Ausência”
Fonte: Produção do autor.
Ainda dentro de cada elemento visual existe uma rede própria que o configura, são as
conexões entre as referências imagéticas, os esboços, os perfis dos personagens e outros
documentos.
Considerar que não me detinha de conhecimentos suficientes para atuar como designer
de produção, percebo que todo o meu arcabouço teórico e prático desenvolvido durante o
período acadêmico nas áreas de gráfico, moda e produto, foi fundamental para construir o
projeto visual em “Ausência”.
O conjunto da teorização do design de produção e a sua aplicação apresentado nesta
pesquisa veio a reforçar a importância do papel desta atividade no cinema. O designer de
produção é o profissional incumbido de criar a aparência global de uma obra fílmica, e o mais
enriquecedor, ele transpõe para dentro da visualidade significações importantes que ajudam a
conduzir a narrativa através da concepção dos elementos plásticos.
89
As minhas considerações finais vão em especial para o meu curso de Design do Centro
Acadêmico do Agreste. O campo de atuação do design de produção ainda é pouco difundido
nas universidades, em contraponto que, fora desses centros, este profissional vem ganhando
espaço cada vez mais na indústria cinematográfica e em várias outras produções do
audiovisual.
90
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(2009), de Hique Montanari. Monografia (Graduação em Comunicação Social - Publicidade e
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STEIN, Elliot. Caligari´s cabinet and other ilusions: a history of film design. Boston: New
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TASHIRO, C.S. Pretty pictures: production design and the history film. Austin: University
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VARELLA, Drauzio. Síndrome da morte súbita infantil. Dr. Drauzio, 2011. Disponível
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ZANI, Ricardo. Cinema e narrativas: uma incursão em suas características clássicas e
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94
ANEXOS
95
ANEXO A – ROTEIRO DO CURTA-METRAGEM “AUSÊNCIA”
“AUSÊNCIA”
FADE IN
CENA 1 - EXT. CAMPO – ENTARDECER
Ao pôr do sol, JOÃO, um vaqueiro robusto de 40 anos, que vive no interior
de Pernambuco, TOCA o berrante anunciando que cumpriu mais um dia de sua
sina.
CENA 2 - EXT. TERREIRO – ENTARDECER
TEREZA, uma cabocla de 30 anos, retira as roupas do varal e coloca em um
cesto. Ela está grávida e parece cansada. Tereza com o cesto de roupas nas
mãos vê o marido chegando a cavalo. Ele está sujo e cansado; amarra o
animal em um canto e vai até a esposa; dá um beijo em sua testa; com
carinho e alegria passa a mão na barriga da esposa; pega o cesto; ela ri;
pega na mão do marido e ENTRAM na casa.
CENA 3 - INT. CASA – SALA – ENTARDECER
João acende uma VELA em sinal de devoção a Nossa Senhora Aparecida que está
em um oratório.
CENA 4 - INT. CASA – COZINHA - NOITE
A mesa está posta com pães, ovos e leite; Tereza acrescenta o cuscuz que
acabou de ser feito e senta-se. João sentado olha a fartura; se benze e
começa a comer.
JOÃO
E essa criança, mulé? Nasce
quando?
TEREZA
Espero que não demore. Já não
aguento mais esse latejo. Esse
peso e agonia que tá me dando
todo dia.
JOÃO
Acho que não vai demorar muito
não. Pelo tamanho desse teu bucho
ele chega já.
96
TEREZA
Dona Maria parteira disse a merma
coisa; disse também que tem
certeza que vai ser um menino.
JOÃO
(Alegre)
Deus ajude que sim.
CENA 5 - INT. CASA – QUARTO - NOITE
Tereza porta um candeeiro e o põe em um móvel ao lado da cama, há outro
candeeiro do outro lado.
Ela mostra desconforto ao deitar. João está sentado na cama, dá um beijo na
sua esposa e também se deita. Tereza já dormindo, enquanto João com os
olhos cansados e pensativos apenas ouve o silêncio da noite. Após alguns
segundos ele DORME.
CENA 6 - INT. CASA – COZINHA - AMANHECER
João coloca café e toma-o.
CENA 7 - EXT. TERREIRO – MANHÃ
João pronto para o trabalho segue seu rumo. Tereza na varanda da casa vê o
marido no caminho. Ela rala a mandioca; dá ração as galinhas; pega uma
vassoura de mato e varre o terreiro. Tereza sente algo estranho em sua
perna, olha e percebe que sua bolsa rompeu e precisa entrar em trabalho de
parto. Agitada e com medo ela corre para casa.
CENA 8 - INT. CASA – QUARTO – NOITE
Tereza está suada e sentindo muitas dores; DONA MARIA PARTEIRA, uma senhora
de 50 anos está cuidando dos preparativos para o parto; DONA GRAÇA, a
rezadeira, acalma Tereza. João fica apreensivo no canto do humilde quarto
pouco iluminado. Dona Maria parteira coloca na cama uma bacia de metal com
água e alguns panos úmidos na cama.
PARTEIRA
Vamos logo com isso que já não
tem mais o que esperar. Esse
menino tem que nascer e é agora.
REZADEIRA
Seu João, vá lá pra fora, vá! E
fique rezando pra que tudo dê
certo, que quando seu filho
nascer eu mesmo levo ele para o
senhor vê.
PARTEIRA
Cuide, Dona Graça, que a mulé já
sofreu demai e esse menino já tá
passando da hora de vir pro
mundo. Seu João cuide logo, homi.
João beija a mulher e SAI para o terreiro. A parteira e a rezadeira fazem
seus rituais.
Ouvem-se GRITOS de dor e, por fim, o CHORO da criança.
97
CENA 9 - EXT. FRENTE DA CASA – NOITE
João ainda vestido de vaqueiro e sujo do trabalho, coloca mais lenha na
fogueira que ilumina a noite tensa. Ele senta na calçada da casa
impaciente.
Dona Maria parteira SAI da casa com o menino e entrega-o ao pai, que
emocionado eleva o filho aos céus em sinal de adoração e agradecimento.
CENA 10 – INT. CASA – SALA - MANHÃ
Tereza está sentada em um canto da sala com o filho nos braços; João
atravessa a casa até a sala e coloca o chapéu na cabeça; olha para a mulher
e seu filho; ri e SAI.
O vaqueiro passa lá fora.
Tereza passa um tempo olhando para o bebê. Depois ela o coloca na rede e
vai para a cozinha.
A criança CHORA; Tereza volta e balança a rede. O menino ainda CHORA; ela o
retira da rede e vai até a porta da casa; observa o dia enquanto cuida do
filho.
CENA 11 – EXT. TERREIRO – TARDE
Tereza vai ver os animais no pasto; o menino não para de chorar e ela fica
impaciente. Vai até um tronco embaixo de uma árvore solitária no terreiro
da casa.
CENA 12 – INT. CASA – COZINHA – ENTARDECER
Tereza está com o filho e avista Seu Antônio, marido de Dona Graça,
chegando a sua porta, e traz consigo um embrulho com alfenim.
SEU ANTÔNIO
Oh de casa! Comadre vim vê seu
filhote e aproveitei pra trazer
alguns alfenins que eu fiz.
TEREZA
Pois então ENTRE pra cá. Joaquim
está aqui e tá danado pra chorar.
Não parou um minuto; o dia todo
nessa peleja.
SEU ANTÔNIO
Isso é coisa de menino novo. Logo
logo ele se aqueta.
TEREZA
Segure ele um tiquinho, que eu
vou aproveitar que o senhor tá
por aqui e terminar de preparar a
janta. João já já chega.
Tereza entrega o menino a Seu Antônio e vai preparar a comida. Mexe em
algumas panelas; ouve-se o BARULHO do cavalo no terreiro; é João que chega
do trabalho.
Seu Antônio vai ao encontro dele no terreiro e leva junto o menino.
98
CENA 13 – EXT. FRENTE DA CASA – ENTARDECER
João cumprimenta o compadre e pega o filho; brinca com a criança; Tereza
chega trazendo uma garrafa de cana e dois copos e entrega ao compadre. O
menino começa a CHORAR novamente.
JOÃO
Ohh, foi só lhe ver que já quer
pular pros seus braços.
TEREZA
Eu já tou ficando é preocupada
com isso. Foi o dia todinho nesse
latejo, João. Será que esse
menino tá com alguma coisa?
SEU ANTÔNIO
Que nada comadre, deve de ser
sono. Ele passou nove meses na
sua barriga só descansando e
agora tá com saudade de lá.
(risos)
JOÃO
Coloque ele pra dormir um pouco,
quem sabe seja isso mesmo.
Compadi, vamos tomar uma caninha
pra esquentar o corpo.
Tereza ENTRA na casa com a criança; os homens sentam-se na calçada e tomam
cana enquanto conversam e olham a noite chegar. O tempo passa e o compadre
vai embora; João ENTRA e fecha a porta.
CENA 14 – INT. CASA - QUARTO – NOITE
#SONHO - TEREZA
Tereza está na sala sentada costurando uma colcha de retalhos. Ela ouve o
CHORO do filho e vai até o berço; quando olha entre os lençóis encontra um
cadáver e entra em pânico.
Tereza acorda suada e apavorada; levanta e corre até o filho e o encontra
dormindo como um anjo. Tereza CHORA em silêncio.
CENA 15 – EXT. TERREIRO – DIA
Tereza está com o filho, sentada no tronco embaixo da árvore; ela está
pensativa.
João SAI da casa; vai até Tereza e senta-se no chão próximo a ela.
JOÃO
O que foi?
TEREZA
(Triste e com medo)
Ontem tive um sonho estranho.
Sonhei que nosso menino estava
morto, João. Estou com medo.
(CHORA)
99
JOÃO
Que história é essa, mulé? Cuide
em rezar e ter mais fé que tudo
isso é só besteira de sua cabeça.
Fique tranquila!
TEREZA
(Desespero)
Por favor, João, chame Dona Graça
pra vim rezar esse menino. O
poder da oração dela há de livrar
ele de todo mal.
JOÃO
Isso foi só um pesadelo. Tenha
fé, tá tudo certo. Quando eu
passar lá vou pedir pra ela vir
aqui fazer isso.
João levanta, dá um beijo no filho e na mulher e SAI para o trabalho. A
esposa apenas observa.
CENA 16 – INT. CASA - SALA – DIA
Dona Graça chega com Seu Antônio; a mulher traz nas mãos alguns ramos de
Pião Roxo. Tereza está em uma cadeira com o filho.
SEU ANTÔNIO
Viemos assim que o compadi avisou
que o menino carecia das rezas.
REZADEIRA
O que ele tem minha filha?
TEREZA
Hoje ele tá quieto demais. Ontem
chorou tanto que tava até com
pena. Noite passada tive um sonho
estranho, sabe?
REZADEIRA
Você deve tá cansada por demais e
por isso anda vendo besteira. Mas
vamos lá cuidar desse menino
lindo que Deus trouxe pra gente.
Como é mesmo o nome dele?
TEREZA
Joaquim.
REZADEIRA
A cumadi tem um cafezinho? Tenho
uma mania de tomar café sempre
depois de alguma reza.
TEREZA
Tem sim. Deixe eu ir preparar
enquanto a senhora faz seu
trabalho. Cumpadi Antônio, o
senhor fica com ele um pouquinho.
100
Tereza entrega o filho a Seu Antônio e segue para a cozinha; prepara um
café.
Da sala, Dona Graça começa sua reza em alto e bom tom.
DONA GRAÇA (O.S.)
Em nome do pai, do filho e do
espírito santo. Joaquim, Nosso
Senhor Jesus Cristo quando no
mundo entrou, três coisas Jesus
Cristo curou: Mal olhado,
admiração, moléstia de fora, ramo
no ar. Tudo isso Jesus Cristo
mandou curar. Joaquim, com dois
te butaram, com três te tiro. Com
Pai, com Filho e o Divino
Espírito Santo. (Rezar ‘Pai
nosso’, ‘Ave Maria’ e ‘Salve
Rainha’. Se for de homem ou de
mulher, casado ou amancebado será
tirado e arretirado em nome das
três pessoas da Santíssima
Trindade e jogado no mar sagrado.
Jesus nasceu, viveu, morreu e
ressuscitou para nos salvar de
todas as doenças que no corpo de
Joaquim, Jesus Cristo mandou se
arretirar. Assim como Jesus
Cristo foi morto e ressuscitado
tu será curado. Joaquim, Jesus
Cristo mandou dizer que toda
doença do teu corpo, sangue e
alma o sol e o vento levem para o
deserto, para onde o sol se põe,
onde os anjos não choram, nem o
galo canta, nem passa ninguém.
(Rezar ‘Pai nosso’, ‘Ave Maria’ e
‘Salve Rainha’).
#Mesclar cenas de Tereza com o ritual da reza.
Tereza ouve tudo atenta e prepara o café. O som da voz de Dona Graça vai
diminuindo; enquanto a câmera sai do rosto da criança e percorre até a
cozinha. Uma VELA está acesa próxima a uma imagem religiosa. Tereza que
está com uma xícara de café nas mãos. No momento que a voz da Rezadeira
sumir, a VELA apaga-se sozinha. Tereza para assustada; derruba a xícara e
corre até o filho; ela se desespera em CHORO.
CENA 17 – EXT. CURRAL – DIA
João está trabalhando. Seu Antônio chega correndo e arfando; está triste.
Ao ver Seu Antônio, João o olha com cara de medo e desespero. Seu Antônio
baixa a cabeça; João sai em disparada no cavalo.
CENA 18 – INT. CASA - SALA – DIA
Pela janela da casa vê-se João que chega apressado; ENTRA rápido em casa e
encontra a mulher em prantos.
101
CENA 19 – EXT. FRENTE DA CASA – NOITE
A casa está iluminada por algumas velas; Dona Maria Parteira, Seu Antônio e
Dona Graça estão na frente da casa. Ouve-se o CHORO de Tereza ao longe.
CENA 20 – EXT. FRENTE DA CASA – DIA
Tereza está sentada na calçada chorando agarrada a uma manta branca.
João está na janela olhando a mulher; ele vai até ela e se abraçam.
João a leva para dentro.
CENA 21 – EXT. TERREIRO – DIA
Tereza está sentada no tronco e aparenta estar fora de si, sem expressão
alguma em seu rosto. Após um momento de silêncio total ouve-se o CHORO de
uma criança. Tereza volta a si, e com medo olha para todos os lados
procurando a origem do som. Ela retorna à casa às pressas e fecha as
portas.
CENA 22 – INT. CASA - SALA – DIA
Tereza está no chão, junta ao canto da parede. A rede balança, ela fica
apavorada, CHORA.
CENA 23 – INT. CASA – QUARTO – NOITE
No quarto, o casal dorme. Tereza acorda apavorada, pega o candeeiro e vai
até a cozinha.
CENA 24 – INT. CASA – COZINHA – NOITE
Tereza toma água; ouve o CHORO da criança. Ela em desespero corre, abre a
porta da casa e SAI.
CENA 25 – INT. CASA – QUARTO – NOITE
João acorda e percebe que Tereza não está na cama; se levanta, pega o
candeeiro do quarto e ao sair do quarto vê a porta aberta e SAI.
CENA 26 – EXT. TERREIRO – NOITE
João para, extasiado cai de joelhos; GRITA o nome de Tereza. João apenas
CHORA.
A cova do bebê está semiaberta; com a enxada e os sapatinhos da criança
sobre a terra revirada.
Tereza está pendurada na árvore, está morta.
FADE OUT
FIM
102
ANEXO B – CRÉDITOS DO FILME
103
ANEXO C – STORYBOARD (parcial)
Desenho: Hugo Ramos
104
(Cena 21 no roteiro)
Desenho: Hugo Ramos
105
(Cena 21 no roteiro)
Desenho: Hugo Ramos
106
ANEXO D – ANÁLISE DE FIGURINO DA PERSONAGEM TEREZA
Assistente de Núcleo: Rafaela Lopes
Tempo e Espaço
Personalidade
Mudança
TEREZA
DESIGN DE PRODUÇÃO
ANÁLISE DE PERSONAGEM
Responsável: Rafael Dayon
PRODUÇÃO DE FIGURINO
Diante destes argumentos, o figurino da personagem deverá ser constituído com roupas
confortáveis, de materiais leves, ter um caimento solto devido ao clima semiárido do Agreste, assim
como o uso da sandália rasteira de couro para todas as ocasiões encenadas na trama. Para este
figurino seguir o ritmo da narrativa, o projeto de traduzir essas especificidades em um material
visual narrativo do figurino da protagonista será dividido em duas fases em relação ao bebê: pré-
morte e pós-morte.
CONCLUSÃO
PO
TEN
CIA
LID
AD
ES C
OM
UN
ICA
TIV
AS
A história ficcional se passa no Agreste pernambucano de 1985, em uma pequena cidade localizada
em um distrito rural chamada Agrestina. Na qual a maioria de seus habitantes vivem
principalmente da agricultura e do artesanato.
A vida do casal, Tereza e João, é contada em maior parte da narrativa dentro de uma humilde casa
que fica nos fundos de uma fazenda, na qual João trabalha como vaqueiro. Aos arredores da
fazenda não há outros moradores. As casas têm uma distância considerável umas das outras,
l igadas através de estradas de barro batido tangenciadas por vegetação típica da região.
Dentro deste espaço temporal da trama, a distribuição de energia elétrica já existe no centro da
cidade, contudo, a fazenda fica distante desse centro e consequentemente ainda não há essa
distribuição de energia. A i luminação util izada pelo casal vem das luzes dos candeeiros artesanais,
do mesmo modo, também, que não há eletrodomésticos.
Tereza é uma tímida cabocla de 30 anos, estatura mediana, cabelos negros e l isos. Casada com
João há cinco anos, ela dedica todo o seu amor a este homem e ao fi lho que carrega em seu ventre.
Vive a maior parte do tempo sozinha, pois João sai para trabalhar de amanhã e só retorna ao final
da tarde. Esse tempo solitária é dividido entre as atividades domésticas e a expectativa pelo tão
aguardado fi lho. Tereza põe muita carga emocional pelo desejo incondicional de se tornar mãe,
isso se acarreta principalmente pelo fato de ter acontecido um aborto espontâneo em sua primeira
gravidez.
Existem duas mudanças significativas dentro da narrativa. A primeira é o acontecimento do parto,
aonde vem a nascer Joaquim, e a segunda se dá pela morte súbita do mesmo. A segunda mudança
traz novas significações para dentro da obra, por haver também uma mudança do comportamento e
do emocional de Tereza.
107
ANEXO E – CROQUIS DOS FIGURINOS DE TEREZA
Desenho: Rafaela Lopes
108
ANEXO F – CHECKLIST DAS PEÇAS DOS FIGURINOS
Camilla Gomes Contato:
Altura(h) = 1,61 Calçado = 37 #
Nº Qtd
01 2
02 1
03 1
04 1
05 1
06 DV
Bruno Goya Contato:
Altura(h) = 1,69 Blusa = P/M 40 Calçado = #
Qtd
07 1
08 2
09 1
10 1
11 1
12 1
Matheus Contato:
Altura(h) = Blusa = Calçado = 40
Qtd
13 1
14 1
15 1
Melre Kelme Contato:
Altura(h) = 1,62 Blusa = M 38 Calçado = 36
Qtd
16 1
17 1
18 1
19 1
Contato
Contato
Vestido com manga escuro OU uma sa ia
longa escura e uma camisa de manga
de tom terroso.
Sa ia l i sa tons claros # se aparecer em 2 cenas
Blusa tons terrosos de manga florida c/s
botão# se aparecer em 2 cenas
"Sabdál ia da vovó" preta ou bege
Pg. 01
FornecimentoItem
Vestido sol to de a lça , claro e florido
Vestido sol to de a lça , claro e l i so
Camisola branca rendada
Sandál ia/percata de couro
CHECK LIST
Quadri l /Cintura= 94/75
Calça de a lgodão branca ou creme
Calça =
Item Fornecimento Contato
Roupa de vaqueiro
Camisa clara de botão com manga
Calça de l inho ou brim tons terrosos
Manta branca
Sapatinho de couro/crochê
Calça =
Item Fornecimento Contato
Macacão (bori ) branco c/s bordado
BEBÊ JOAQUIM
JOÃO
TEREZA
Calça =
Item Fornecimento
Vestido flora l , grapiado com manga
DONA MARIA PARTEIRA
Percata de couro
Biri los/Pres i lhas/Rabicó preto
Camisa ou regata de a lgodão branca
Ombro/Busto= 45/86
DESIGN DE PRODUÇÃO
Responsável: Rafael DayonFIGURINO
109
Altura(h) = 1,60 Blusa = M 40 Calçado = 37
Nº Qtd
21 1
22 2
23 1
24 1
Beto Aragão Contato:
Altura(h) = 1,62 Blusa = 3 44 Calçado = 40
Qtd
25 2
26 1
27 1
28 1
20
Percata de couro escuro
Capéu de palha
Camisa de cores entre tons de terra e o
neutro, com estampas de flores
preferencia lmente e sa ia l i sa de cores
neutras como o cinza e o bege OU vice-
versa.
1
Lenço fino para cabeça estampado #2 se for aprecer em 2 cenas
"Sabdál ia de vovó" bege ou branca
Terço de madeira
SEU ANTÔNIO
Calça =
Item Fornecimento Contato
Blusa de botão com manga l i sa ou com
l i s tras e bolso latera l
Vestido claro com estampas de flores . # se for aprecer em 2 cena
Calça =
Item Fornecimento Contato
Calça de brim cinza ou bege ou jeans
surrado e antigo
110
ANEXO G – CHECKLIST DOS OBJETOS DE CENA
Pg. 01
Qtd01 102 403 104 105 106 107 108 109 Panela de barro 310 211 312 113 214 315 216 117 318 1
Qtd19 120 121 622 323 1
Qtd24 125 126 Porta chapéus 127 2
Qtd28 129 130 131 132 133 134 1Toalha pequena de decoração Uhél io
Nº
CENOGRAFIA
DIREÇÃO DE ARTE
Mesa de Jantar
Sala
Cozinha
Oratório
Vela com base (grossa ou fina) Uhél ioCastissa l pequeno Uhél ioTerço na mesa Uhél io
Fornecimento ContatoMóvel a l to/bancada ProduçãoImagem da Padroeira de mesa Uhél ioImagem de Jesus na cruz de parede Uhél io
Caneco de a luminio médio e grande Uhél io
CHECK LIST
Item
Contato
Contato
Contato
OBJETOS DE CENA
Cafeteira/bule de metal/garrafa
Colher de pau Wyl lyma
Uhél ioProdução
Item
Uhél io
Item
Fornecimento
Jarrão de barroFogo a lenha/ Fogão a gásCuscuzeira
Wyl lymaUhél io
Wyl lymaProduçãoWyl lyma
Fornecimento
Responsável: Rafael Dayon
ProduçãoProduçãoProdução
RafaelUhél io
Quadro de famíl ia
CadeiraRede de balanço
FornecimentoUhél io
Café
MesaCadeira/TamburetesToalha de mesaFi l tro de barro
Wyl lymaBandejas/cesto/prato rasoPorta panelas
Pratos de porcelana branca Wyl lymaPares de ta lheres Wyl lyma
ItemProduçãoProduçãoBolo de trigo/mandioca
Pães
Caneco para café de metal/plástico
PRODUÇÃOWyl lyma
ProduçãoUhél io
Ovos fri tos
Cuscuz
Uhél io
Copo americano ProduçãoGarrafa de cana
Responsável:
Cena: Locação:
Local: Tipo: Período:
Qtd
PRODUÇÃO DE ELENCO
DESIGN DE PRODUÇÃO
Rafael Dayon
08 Página no Roteiro: 04 Fazenda Amapá
Quarto Int. Noite
Descrição da Cena
Tereza está suada e sentindo muitas dores; DONA MARIA PARTEIRA, uma senhora de 50 anos está
cuidando dos preparativos para o parto; DONA GRAÇA, a rezadeira, acalma Tereza. João fica
apreensivo no canto do humilde quarto pouco iluminado. Dona Maria parteira coloca na cama uma
bacia de metal com água e alguns panos úmidos na cama.
ANÁLISE TÉCNICA
Elenco Figurino Cabelo / Maquiagem
Camilla - TEREZA T1 Solto e desarrumado / Um pouco escura
Goya - JOÃO J2 Normal / Retirar o brilho natural
Melry - DONA MARIA M1 Solto com o uso da tiara / Retirar o brilho natural
Iva - DONA GRAÇA G1 Amarrado com as franjas soltas / Retirar o brilho
Beto - SEU ANTÔNIO A1 Normal / Retirar o brilho natural
CENOGRAFIA
Elementos de Cena Qtd Elementos de Cena
Vela acesa 1
Imagem da Padroeira de mesa 1
Bacia de metal com água 1
Fraldas de bebê brancas 2
Lençol branco 2
Travesseiros brancos 2
Candeeiros 2
111
Pg. 02
Qtd35 136 437 438 239 140 141 142 143 144 145 146 2
Qtd47 248 149 150 251 1
Qtd52 153 5
Qtd54 155 156 157 158 159 1
Qtd60 361 162 163 164 165 166 167 1068 169 170 171 172 173 174 1
Qtd75 176 177 278 179 180 181 182 1
Ferremantas e Materiais
OBJETOS DE CENA
Quarto Casal
CHECK LIST
Cena do Parto
Animais
Contato
Contato
Contato
Candeeiros
Corda SET
Terreiro
Outros
Contato
Uhél io
CandeeirosUhél ioBacia de metal
Comprar
Item FornecimentoFra ldas brancas Produção
comprar
Lençól de casa l claro com estampas
Cortina de renda na porta
Wyl lyma e Ya le
Item Fornecimento
Palanque para o cavalo SETVara l RAFAEL
Fronhas brancas Wyl lyma e Ya le
Contato
Cruz de madeira PRODUÇÃOEnxada SET
Item FornecimentoTronco de árvore grosso PROCURAR SET
Gal inhas e pintinhos ou Cabras SETCavalo SET
Item Fornecimento
Cerca SET
Ramos de pião roxo PRODUÇÃOLenhas para fogueiras externa SET, PRODUÇÃO
SET, WYLLYMABacia de metalColcha de reta lho e reta lhosAgulha média e carretel de l inha UHÉLIO
Alcool/Querosene para fogo UHÉLIO
Varas para o vara l SET, PRODUÇÃOCordão Barbante para o vara l WYLLYMAMartelo WYLLYMA
Item FornecimentoCavador SETTora de madeira para o cavalo SET
Prendedores de roupaVassoura de mato
Wyl lymaWyl lymaUhél io
Mandioca Produção
Milho para as ga l inhas ProduçãoRoupas para o vara l Wyl lyma
Bacia para ra lar o mi lho Uhél io
Al finim Joseni ldoBerrante Mi lvioCaldeirão pequeno/Pote pequeno Wyl lyma
Rafael
Lençól casa l branco Wyl lyma e Ya le
Criado-mudo (madeira ou ferro) SE ACHARMóvel a l to com gavetas SET
Berço GregLençól de bebê Uhél ioTravesseiro de bebê Primo de Uhél io
Contato
Cabo de vassoura sem revestimento WYLLYMA
Pregos (pequenos e grandes) PRODUÇÃO
Item FornecimentoCama casa l (madeira ou ferro) SETTravesseiros Wyl lyma e Ya le
Imagem da Padroeira de mesa Uhél io
Vela com base
112
ANEXO H – ANÁLISE TÉCNICA DESIGN DE PRODUÇÃO - CENA 8
Responsável:
Cena: Locação:
Local: Tipo: Período:
Qtd
PRODUÇÃO DE ELENCO
DESIGN DE PRODUÇÃO
Rafael Dayon
08 Página no Roteiro: 04 Fazenda Amapá
Quarto Int. Noite
Descrição da Cena
Tereza está suada e sentindo muitas dores; DONA MARIA PARTEIRA, uma senhora de 50 anos está
cuidando dos preparativos para o parto; DONA GRAÇA, a rezadeira, acalma Tereza. João fica
apreensivo no canto do humilde quarto pouco iluminado. Dona Maria parteira coloca na cama uma
bacia de metal com água e alguns panos úmidos na cama.
ANÁLISE TÉCNICA
Elenco Figurino Cabelo / Maquiagem
Camilla - TEREZA T1 Solto e desarrumado / Um pouco escura
Goya - JOÃO J2 Normal / Retirar o brilho natural
Melry - DONA MARIA M1 Solto com o uso da tiara / Retirar o brilho natural
Iva - DONA GRAÇA G1 Amarrado com as franjas soltas / Retirar o brilho
Beto - SEU ANTÔNIO A1 Normal / Retirar o brilho natural
CENOGRAFIA
Elementos de Cena Qtd Elementos de Cena
Vela acesa 1
Imagem da Padroeira de mesa 1
Bacia de metal com água 1
Fraldas de bebê brancas 2
Lençol branco 2
Travesseiros brancos 2
Candeeiros 2