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Universidade Federal de Ouro Preto Programa de Pós-Graduação Engenharia Ambiental Mestrado em Engenharia Ambiental Davi Silva Moreira “DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA ANALITICA POR CROMATOGRAFIA/ESPECTROMETRIA DE MASSAS PARA AVALIAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE PERTURBADORES ENDÓCRINOS EM MANANCIAIS DE ABASTECIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE.” Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Ouro Preto, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título: “Mestre em Engenharia Ambiental – Área de Concentração: Saneamento Ambiental” Orientador: Prof. Dr. Sérgio Francisco de Aquino Ouro Preto, MG 2008

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  • Universidade Federal de Ouro Preto Programa de Pós-Graduação Engenharia Ambiental

    Mestrado em Engenharia Ambiental

    Davi Silva Moreira

    “DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA ANALITICA POR

    CROMATOGRAFIA/ESPECTROMETRIA DE MASSAS PARA

    AVALIAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE PERTURBADORES

    ENDÓCRINOS EM MANANCIAIS DE ABASTECIMENTO DA

    REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE.”

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Engenharia Ambiental,

    Universidade Federal de Ouro Preto, como parte

    dos requisitos necessários para a obtenção do

    título: “Mestre em Engenharia Ambiental –

    Área de Concentração: Saneamento Ambiental”

    Orientador: Prof. Dr. Sérgio Francisco de Aquino

    Ouro Preto, MG

    2008

     

  •   ii

                                                                                  Catalogação: [email protected]

    M838D MOREIRA, DAVI SILVA. Desenvolvimento da metodologia analítica por cromatografia/ espectrometria de massas para avaliação da ocorrência de pertubadores endócrinos em mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte [manuscrito] / Davi Silva Moreira. – 2008. 123f. : il. color., graf., tabs. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Francisco de Aquino. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Núcleo de Pesquisa em Recursos Hídricos Pró-Água.

    1. Belo Horizonte - Abastecimento de água - Teses. 2. Mananciais hídricos - Teses. 3. Análise cromatográfica - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título.

    mailto:[email protected]

  •   iii

     

  •   iv

    “Por falta de reflexão os projetos

    fracassam, mas se realizam quando

    há muitos conselheiros.”

    Provérbios 15,22

  •   v

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a Deus por sempre estar comigo em todos os momentos. Sem Ele não

    seria possível completar esta importante etapa na vida.

    Ao professor Sérgio por ter acreditado na minha capacidade e ter sido um grande

    professor nos ensinamentos de vida acadêmica e profissional. Ao professor Robson por

    ter apoiado o projeto e ajudado valiosamente com seus conhecimentos.

    Aos professores do DEQUI pela dedicação em repassar seus conhecimentos a

    todos nós alunos durante a graduação e mestrado.

    Aos colegas da UFMG: Jacson, Lucinda e, principalmente, ao Fábio e a Eliane

    que ajudaram no projeto sempre que necessário.

    Ao professor Valter por ter confiado no DEQUI-UFOP como parceiro no projeto

    PROSAB 5.

    Aos amigos do laboratório Aniel, Danusa, Fernanda e Gustavo pela grande

    amizade e o intercâmbio de conhecimentos que foram de grande valia para a evolução

    de nossos projetos. A Miriany pela grande ajuda no final do projeto com as análises

    complementares.

    Aos amigos Flaviane e Leandro que sempre estiveram comigo nos melhores e

    piores momentos de UFOP, que já são seis anos. Obrigado!

    A UFOP pela bolsa concedida.

    A COPASA pela colaboração na coleta das amostras.

    E finalmente, aos meus pais Luiz Henrique e Iolanda e aos meus irmãos Saulo e

    Ariel que sempre apoiaram e incentivaram mostrando que todo esforço vale a pena.

    Muito obrigado!

  •   vi

    SUMÁRIO

    Página

    1. INTRODUÇÃO............................................................................................ 1 2. OBJETIVOS................................................................................................. 4 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA................................................................... 5 3.1. O sistema endócrino.................................................................................. 5 3.2. Perturbadores endócrinos......................................................................... 7 3.2.1. Mecanismos de Ação dos Perturbadores Endócrinos............................. 9 3.2.2. Efeitos dos Perturbadores Endócrinos relatados em animais silvestres e de laboratório................................................................................................. 11 3.2.3. Efeitos dos perturbadores endócrinos relatados em humanos............... 13 3.3. Análise e monitoramento de Perturbadores Endócrinos em Águas Superficiais........................................................................................................ 14 3.3.1. Metodologias para análise de perturbadores endócrinos....................... 15 3.3.2. Monitoramento de perturbadores endócrinos em águas superficiais..... 24 3.3.3. Técnicas de remoção de perturbadores endócrinos................................ 30 3.3.4. Considerações finais................................................................................ 32 4. MATERIAIS E MÈTODOS....................................................................... 34 4.1. Desenvolvimento e Otimização do Método Analítico............................... 34 4.1.1. Amostragem, filtração e ajuste do pH .................................................... 36 4.1.2. Extração e concentração dos analitos..................................................... 36 4.1.3. Secagem e suspensão dos analitos........................................................... 38 4.1.4. Análise Cromatográfica........................................................................... 38 4.2. Validação do método analítico.................................................................. 42 4.2.1. Estabilidade............................................................................................. 43 4.2.2. Seletividade.............................................................................................. 44 4.2.3. Curva analítica........................................................................................ 44 4.2.4. Linearidade e Sensibilidade.................................................................... 47 4.2.5. Precisão................................................................................................... 47 4.2.6. Ensaio de supressão................................................................................ 48 4.2.7. Ensaio de recuperação............................................................................ 48 4.2.8. Ensaio de calibração interlaboratorial................................................... 49 4.3. Monitoramento dos Perturbadores Endócrinos nos Mananciais da Região Metropolitana de Belo Horizonte........................................................ 50 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................... 58 5.1.Cromatografia Gasosa com Detecção por Ionização em Chama............. 58 5.2. Cromatografia Líquida com Detecção por Espectrometria de massas - Desenvolvimento do Método Analítico............................................................. 61 5.3. Validação do Método Analítico para LCMS............................................. 65 5.3.1. Estabilidade............................................................................................. 65 5.3.2. Seletividade.............................................................................................. 66 5.3.3. Curva Analítica....................................................................................... 67 5.2.4. Linearidade e Sensibilidade..................................................................... 69 5.2.5. Precisão................................................................................................... 70

  •   vii

    SUMÁRIO (continuação)

    Página

    5.3.6 Ensaio de Supressão................................................................................. 71 5.3.7 Ensaio de Recuperação............................................................................ 73 5.3.8. Ensaio de calibração interlaboratorial................................................... 74 5.4. Monitoramento dos Perturbadores Endócrinos em Mananciais da Região Metropolitana de Belo Horizonte......................................................... 76 5.5 Estimativa de valores críticos de toxicidade dos PE estudados................. 94 6. CONCLUSÕES............................................................................................ 97 7. PERSPECTIVAS......................................................................................... 99 8. REFERÊNCIAS........................................................................................... 100

  •   viii

    LISTA DE FIGURAS

    Página

    Figura 3.1: Órgãos do sistema endócrino....................................................... 5 Figura 3.2: Funcionamento do hipotálamo..................................................... 6 Figura 3.3: Estruturas químicas de alguns perturbadores endócrinos

    comumente encontrados em águas superficiais........................... 8 Figura 3.4: Disfunções endócrinas: (a) resposta natural; (b) efeito agonista;

    (c) efeito antagonista.................................................................... 11 Figura 3.5: Diagrama esquemático para preparação e análise dos

    perturbadores endócrinos............................................................. 16 Figura 3.6: Etapas da extração por fase sólida para isolamento de

    compostos de interesse................................................................. 19 Figura 3.7: Exemplo dos dois passos genericamente associados aos

    imunoensaios: A) Imobilização do receptor específico ao suporte, seguido de incubação após a adição da amostra contendo estrogénios e de anticorpos; B) Adição da solução adequada ao tipo de detecção pretendida..................................... 22

    Figura 4.1: Diagrama geral para preparação e análises dos PE. .................... 35 Figura 4.2: Cartucho SPE C18 500mg Unitech............................................. 37 Figura 4.3: Sistema de extração em fase sólida utilizado para extração dos

    analitos de interesse das amostras ambientais.............................. 38 Figura 4.4: Reação de Silanização a partir dos analitos a serem

    derivatizados (nonilfenol, estradiol e etinilestradiol) e o reagente de derivatização utilizado (BSTFA).............................. 39

    Figura 4.5: Diagrama esquemático de funcionamento do espectrômetro de massas íon-trap – time-of-flight.................................................. 41

    Figura 4.6: Fórmula Estrutural da Fenolftaleína............................................ 45 Figura 4.7: Localização dos 3 mananciais estudados na Região

    Metropolitana de Belo Horizonte................................................ 51 Figura 4.8: Contribuição das ETAs no abastecimento da Região

    Metropolitana de Belo Horizonte................................................. 51 Figura 4.9: Vista aérea ETA Rio das Velhas.................................................. 53

    Figura 4.10: Local de amostragem para água bruta do manancial Rio das Velhas.......................................................................................... 53

    Figura 4.11: ETA Vargem das Flores............................................................... 54 Figura 4.12: Vista aérea ETA Vargem das Flores............................................ 55 Figura 4.13: Vista aérea da ETA Sistema Morro Redondo.............................. 56 Figura 4.14: ETA Morro Redondo................................................................... 56 Figura 5.1: Cromatogramas obtidos (5) no GC-FID com a injeção de

    mistura de padrões em diferentes concentrações. ........................ 60 Figura 5.2 Curva de calibração obtida com a mistura dos padrões

    analisados...................................................................................... 60

  •   ix

    LISTA DE FIGURAS (continuação)

    Página

    Figura 5.3: Cromatograma típico da análise dos PE em questão: 1 – Fenolftaleína, 2 – Estradiol, 3 – Etinilestradiol, 4 – ms² Etinilestradiol, 5 – ms² Estradiol, 6 – Nonilfenol , 7 – ms² nonilfenol ) .................................................................................. 63

    Figura 5.4: Cromatogramas relativos aos íons precursores ms1 e ms² (modos negativo) característicos de cada composto.................... 64

    Figura 5.5: Cromatograma do metanol puro (branco). Ausência de picos para E2, EE2 (Segmento 1 - 5minutos - esquerdo) e a presença de interfente no tempo de retenção do NP (Segmento 2 - 6,8minutos - direito).................................................................... 66

    Figura 5.6: Amostra Morro Redondo (água bruta) com adição de estradiol e etinilestradiol (100 μg.L-1, quadro da esquerda) e n-nonilfenol (200 μg.L-1, quadro da direita). ................................................... 67

    Figura 5.7: Curvas analíticas obtidas com soluções-padrão para os quatro padrões de PE............................................................................... 70

    Figura 5.8: Chuva acumulada mensal na RMBH durante o período de monitoramento (fev/07 a jan/08)................................................. 76

    Figura 5.9: Box-plot da concentração dos três compostos determinados nos mananciais estudados em todas as campanhas amostrais. Água Bruta............................................................................................ 78

    Figura 5.10: Variação da concentração de nonilfenol em água bruta nos mananciais durante o período de fev/07 a jan/08......................... 80

    Figura 5.11: Cromatograma para Nonilfenol da Amostra Rio das Velhas – Nov. 2007 e as diferentes fragmentações (ms²) de seus isômeros (esquerda). Exemplos de estruturas químicas de 5 dos 550 Isômeros de nonilfenol existentes (direita)........................... 81

    Figura 5.12: Boxplot da concentração de nonilfenol na água bruta nos 3 mananciais................................................................................... 82

    Figura 5.13: Índice de remoção de NP (água bruta – água filtrada) durante as campanhas de junho 2007 a janeiro 2008................................ 83

    Figura 5.14: Variação da concentração de estradiol em água bruta nos mananciais durante o período de fev/07 a jan/08......................... 84

    Figura 5.15: Variação da concentração de etinilestradiol em água bruta nos mananciais durante o período de fev/07 a jan/08......................... 86

    Figura 5.16: Índice de remoção (água bruta – água filtrada) de EE2 durante as campanhas de junho 2007 a janeiro 2008............................... 87

    Figura 5.17: Confirmação da presença de Bisfenol A na água a partir do LCMS. Amostra: Rio das Velhas janeiro de 2008....................... 88

    Figura 5.18: Análise quimiométrica das amostras referentes aos meses de jun/07 a set/07 com base no PCA................................................ 89

  •   x

    LISTA DE FIGURAS (continuação)

    Página

    Figura 5.19: Variação do pH nas amostras de água bruta dos três

    mananciais durante o período de monitoramento........................ 91 Figura 5.20: Variação da turbidez nas amostras de água bruta dos três

    mananciais durante o período de monitoramento........................ 91 Figura 5.21: Variação da cor aparente nas amostras de água bruta durante o

    período de monitoramento nos 3 mananciais............................... 92 Figura 5.22: Variação da cor verdadeira nas amostras de água bruta durante

    o período de set/07 a Jan/08 nos 3 mananciais............................ 92 Figura 5.23: Análise da Componente principal (PCA) dos seis parâmetros

    utilizados para o monitoramento dos mananciais escolhidos...... 93

  •   xi

    LISTA DE TABELAS

    Página

    Tabela 3.1: Seminários, comitês e relatórios de avaliação sobre os Perturbadores Endócrinos............................................................. 9

    Tabela 3.2: Efeitos e anomalias atribuídos aos perturbadores endócrinos em animais.......................................................................................... 12

    Tabela 3.3: Classificação de alguns perturbadores endócrinos (adaptado de Mol et al. 2000)............................................................................ 15

    Tabela 3.4: Cartuchos de SPE mais utilizados e seus principais fabricantes.. 19 Tabela 3.5: Compilação de trabalhos publicados sobre o monitoramento de

    nonilfenol, estradiol e etinilestradiol em águas superficiais......... 26-28 Tabela 3.6: Principais fontes de perturbadores endócrinos em águas

    superficiais.................................................................................... 30 Tabela 3.7: Metodologias estudadas para remoção de perturbadores

    endócrinos..................................................................................... 32 Tabela 4.1: Nome IUPAC, massa, fórmula molecular, pureza, marca e

    número CAS dos compostos determinados.................................. 35 Tabela 4.2: Descrição do procedimento de extração com cartucho Unitech

    C18 (500 mg) utilizado nesse trabalho para a extração simultânea dos três compostos de interesse.................................. 37

    Tabela 4.3: Condições de análise dos Perturbadores endócrinos por cromatrografia gasosa................................................................... 40

    Tabela 4.4: Condições de análise dos PE por cromatrografia líquida acoplada à espectrometria de massas............................................ 42

    Tabela 4.5: Campanhas realizadas para determinação de nonilfenol, estradiol e etinilestradiol na ETA Rio das Velhas........................ 54

    Tabela 4.6: Campanhas realizadas para determinação de nonilfenol, estradiol e etinilestradiol na ETA-Vargem das Flores.................. 55

    Tabela 4.7: Campanhas realizadas para determinação dos Perturbadores Endócrinos na Região Metropolitana de Belo Horizonte – ETA Morro Redondo............................................................................. 57

    Tabela 5.1: Tempo de retenção, área obtida em relação à concentração e limite de detecção dos compostos analisados por cromatografia gasosa........................................................................................... 59

    Tabela 5.2: Fórmulas moleculares, tempos de retenção, íons primários (ms1) e secundários (ms2) característicos para cada padrão utilizado........................................................................................ 64

    Tabela 5.3: Variação da concentração dos compostos em relação ao tempo de preparo das amostras................................................................ 66

  •   xii

    LISTA DE TABELAS (continuação)

    Página

    Tabela 5.4: Faixa de trabalho, limite de detecção (LD) e limite de quantificação (LQ) dos quatro compostos determinados por LCMS-IT-TOF............................................................................. 68

    Tabela 5.5: Coeficiente de correlação (r) obtido para os 4 padrões determinados por LCMS-IT-TOF ao longo do monitoramento... 69

    Tabela 5.6: Repetibilidade dos resultados obtidos para soluções-padrão dos três PE expressa por meio do coeficiente de variação (CV)......... 71

    Tabela 5.7: Resultados dos testes de supressão realizados com amostras coletadas na entrada da ETA Morro Redondo (fev. 2008)........... 72

    Tabela 5.8: Variação da supressão nas amostras de água bruta no mês de janeiro 2008.................................................................................. 73

    Tabela 5.9: Valores obtidos pelos ensaios de recuperação de E2, EE2 e NP em função da fortificação das amostras coletadas na entrada da ETA Morro Redondo.................................................................... 74

    Tabela 5.10: Resultados obtidos pela calibração interlaboratorial UFOP-CIRRA.......................................................................................... 70

    Tabela 5.11: Concentração de nonilfenol (ng.L-1) encontrada durante as campanhas de amostragem........................................................... 79

    Tabela 5.12: Concentração de 17β-estradiol (ng .L-1) encontrada durante as campanhas de amostragem........................................................... 84

    Tabela 5.13: Concentração de 17α-etinilestradiol (ng.L-1) encontrada durante as campanhas de amostragem...................................................... 86

    Tabela 5.14: Dados de pH, Turbidez, Cor Aparente e Real durante o período de fevereiro 2007 a janeiro 2008. Local: Rio das Velhas (água bruta)............................................................................................. 89

    Tabela 5.15: Dados de pH, Turbidez, Cor Aparente e Real durante o período de fevereiro 2007 a janeiro 2008. Local: Vargem das Flores (água bruta)................................................................................... 90

    Tabela 5.16: Dados de pH, Turbidez, Cor Aparente e Real durante o período de fevereiro 2007 a janeiro 2008. Local: Morro Redondo (água bruta)............................................................................................. 90

    Tabela 5.17: Exemplos de pertubação endócrina observada em animais do sexo masculino expostos aos estradióis e nonilfenol durante o período pré-natal. (adaptado Damstra et al., 2002)............................................................................................. 94

  •   xiii

    LISTA DE NOTAÇÕES

    APEO Alquilfenóis Polietoxilados BPA Bisfenol A

    BSTFA N-bis(trimetilsilil)trifluoroacetamida CAS Chemical Abstract Service

    CETESB Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CG Cromatografia Gasosa

    CG-FID Cromatrografia Gasosa com detecção por Ionização em Chama CGMS Cromatografia Gasosa acoplada a Espectrometria de Massas CSTEE Committee on Toxicity, Ecotoxicity and the Environment

    DAD Detector de Arranjo de Diodo (para cromatografia líquida) DDE Diclorodifeniltricloroetileno DDT Dicloro-difenil-tricloro-etano DES Dietilestilbestrol DIC Detector de Ionização em Chama (para cromatografia Gasosa) E1 Estrona E2 Estradiol E3 Estriol

    EDC Endocrine Disrupting Chemicals EE2 Etinilestradiol EM Espectrometria de Massas ESI Eletronspray ionization ETA Estação de tratamento de água ETE Estação de tratamento de esgoto FE Fase estacionária FM Fase móvel

    H2SO4 Ácido Sulfúrico HCl Ácido Clorídrico

    HPLC Cromatografia Líquida de Alta Eficiência IEH Institute for Ecological Health IPCS Programa Internacional de Segurança Química

    IUPAC International Union of Pure and Applied Chemistry LC Cromatografia Líquida

    LCMS Cromatografia Líquida acoplada a Espectrometria de Massas LCMS-IT-

    TOF Cromatografia Líquida acoplada a Espectrometria de Massas. Detecção por Ion Trap e Time of Flight

    MSTFA N-metil-n-trifluoroacetamida MTBSTFA N-metil-n-(tert-butildimetilsilil)trifluoroacetamida

    4NP 4-nonilfenol

  •   xiv

    LISTA DE NOTAÇÕES (continuação)

    NP Nonilfenol ou n-nonilfenol

    NPEO Nonilfenol Polietoxilado OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMS Organização Mundial da Saúde PCA Análise de componente principal PE Perturbadores Endócrinos

    POP Poluentes Orgânicos Persistentes RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte

    SPE Extração por fase sólida SPME Microextração em fase sólida STP Substâncias Tóxicas Persistentes UE União Européia

    UKEA Agência de Proteção Ambiental do Reino Unido USEPA Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos UV/VIS Detector ultravioleta na região do visível

    VTG Vitelogenina

  •   xv

    RESUMO

    Alguns compostos orgânicos classificados como Perturbadores Endócrinos (PE) são

    encontrados em águas superficiais e têm atraído a atenção da comunidade científica

    devido à alteração que eles causam no sistema endócrino da fauna aquática e ao

    potencial risco à saúde humana. Nessa classe de compostos, destacam-se os hormônios

    (17β-estradiol, 17α-etinilestradiol) e subprodutos da degradação de surfactantes não-

    iônicos (n-nonilfenol). Devido a atualidade do tema, há poucos trabalhos nacionais

    publicados abordando o monitoramento e a remoção de PE de águas naturais, não

    havendo ainda uma legislação que regulamente a emissão de hormônios e nonilfenóis

    no ambiente ou que estabeleça padrões de potabilidade para tais compostos. Sendo

    assim, essa dissertação teve como objetivo desenvolver metodologia analítica para

    quantificação de 17β-estradiol (E2), 17α-etinilestradiol (EE2) e n-nonilfenol (NP) em

    amostras de água superficial, de forma a permitir o monitoramento de tais PE em três

    mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A

    quantificação dos PE nas amostras ambientais foi feita em equipamento de

    cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas (LCMS) após extração e

    concentração em cartuchos tipo C18. A recuperação dos PE pelo processo de extração

    em fase sólida variou de 90 a 96¨% ao passo que os limites de detecção do método

    foram de 1,4; 0,9 e 4,9 ng.L-1 para o E2, EE2 e NP, respectivamente. Após validação do

    método analítico, foi feito o monitoramento do afluente e da água filtrada (em filtro de

    areia) de três estações de tratamento de água (Morro Redondo, Vargem das Flores e Rio

    das Velhas) da região Metropolitana de Belo Horizonte. Todos os três compostos

    monitorados foram encontrados em pelo menos uma amostra, sendo que o n-nonilfenol

    esteve presente em todas amostras de água bruta, na faixa de concentração de 44 a 1.918

    ng.L-1. Os compostos 17β-estradiol e 17α-etinilestradiol foram determinados em apenas

    15% das amostras, na faixa de concentração de 2 a 54 ng.L-1. As análises das amostras

    coletadas nas ETAs após o filtro de areia mostraram que as etapas de pré-cloração,

    coagulação, sedimentação e filtração não foram capazes de remover, em sua totalidade,

    os PE monitorados.

    Palavras-chave: Perturbadores endócrinos; microcontaminantes orgânicos; qualidade

    da água; tratamento de água; espectrometria de massas.

  •   xvi

    ABSTRACT

    Some organic molecules classified as endocrine disrupters compounds (EDC) have been

    found in surface waters and attracted attention from the scientific community due to

    their hability to tamper with the endocrine system of aquatic fauna, hence due to the

    potential risk they pose to human health. Among the compunds with endocrine

    properties, the hormones (17β-estradiol 17α- ethinylestradiol) and a by-product of the

    degradation of non-ionic surfactants (n-nonylphenol) are of particular importance. There

    are a handful of papers on the monitoring of EDC in Brazilian waters and there is no

    Brazilian legislation regulating estradiol and nonylphenol in surface or drinking water.

    Therefore, this work aimed at developing analytical techniques to quantify 17 β-

    estradiol (E2), 17 α-ethynilestradiol (EE2) and n-nonylphenol (NP) in samples of

    surface water from three manancials located in the Belo Horizonte Metropolitan Area,

    Minas Gerais, Brazil. The quantification of such EDC was performed by liquid

    chromatography coupled to mass spectrometry (LCMS) after the samples being

    extracted and concentrated with C18 cartridges. The recovery of EDC by solid phase

    extraction varied from 90 to 96% and the limit of detection of the whole analytical

    procedure was determined as 1.4; 0.9 and 4.9 ng.L-1 for E2, EE2 and NP, respectively.

    After the method validation it was carried out a one year monitoring of raw and filtered

    water (sand filtration) of three water treatment plants (Morro Redondo, Vargem das

    Flores and Rio das Velhas) that supply Belo Horizonte Metropolitan Area. The results

    showed that the three compounds were found in at least one sample, and that the n-

    nonylphenol was present in all water samples analysed, in a concentration range of 44 to

    1,918 ng.L-1. The estrogens 17β-estradiol and 17 α-ethinylestradiol were detected in

    only 15% of the samples, in a concentration range of 2 to 54 ng/L. The analyses of

    samples collected in the WTPs after the sand filter indicates that the pre-chlorination,

    coagulation, sedimentation and sand filtration steps were not capable of completely

    removing the EDC present in the raw water.

    Keywords: Endocrine Disruptors Compounds; organic microcontaminants; Water

    Quality; Water Treatment; mass spectrometry

  •   1

    1. INTRODUÇÃO

    A água é hoje reconhecida como um dos bens naturais mais importantes do

    planeta. Seus múltiplos usos são indispensáveis a um amplo espectro das atividades

    humanas. Devido a crescente degradação dos corpos d’água, as preocupações com o uso

    e destino têm mobilizado pessoas de diversas áreas acadêmicas a pesquisas científicas

    com o intuito de preservar e recuperar esse recurso natural.

    A partir da década de 70, o interesse da comunidade acadêmica e a criação de

    órgãos de proteção ambiental, como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados

    Unidos (USEPA), promoveram um crescimento de pesquisas envolvendo

    monitoramento de microcontaminantes orgânicos em diversos setores ambientais. Com

    isso, o interesse dos setores público e privado por assuntos ambientais resultou em

    várias organizações governamentais e não-governamentais que hoje debatem,

    estabelecem normas e discutem práticas de minimização e remediação de substâncias

    químicas potencialmente poluentes.

    Dentre as substâncias químicas potencialmente poluentes, nos últimos anos,

    destacaram-se alguns compostos denominados perturbadores endócrinos (PE), que são

    substâncias que podem provocar alterações no sistema endócrino de animais e de

    humanos. Os PE constituem uma classe de substâncias não definidas pela sua natureza

    química, mas pelo seu efeito biológico, que pode causar distúrbios no sistema endócrino

    mesmo em baixas concentrações. Muitos dos perturbadores endócrinos listados por

    algumas organizações como a USEPA e a Agência Ambiental do Reino Unido (UKEA),

    também estão classificados numa série de grupos de compostos orgânicos

    potencialmente tóxicos, tais como as substâncias tóxicas persistentes (STP), poluentes

    orgânicos persistentes (POP), poluentes emergentes, dentre outros. A União Européia

    também elaborou um relatório contendo uma vasta lista de 118 compostos suspeitos de

    interferir no sistema endócrino, tanto de seres humanos como de diferentes espécies

    animais (Ghiselli e Jardim 2007; Damstra et al. 2002).

    O interesse no estudo de compostos classificados como PE foi motivado a partir

    de observações sobre a ocorrência de anormalidades no sistema endócrino e reprodutivo

    de animais. Os sintomas observados têm sido atribuídos à presença de uma grande

    variedade de substâncias químicas, mesmo em concentrações-traço, principalmente em

    sistemas aquáticos naturais (Auger et al. 1995; Routledge et al. 1998). Uma evidência

    dos possíveis efeitos dos PE em seres humanos foi obtida a partir da experiência

  •   2

    envolvendo mulheres grávidas que tomaram o estrogênio sintético dietilestilbestrol

    (DES), prescrito para evitar o aborto espontâneo e promover o crescimento do feto, no

    período entre 1948 a 1971. Muitas das filhas dessas mulheres são hoje estéreis e, uma

    minoria, tem desenvolvido um tipo raro de câncer vaginal (Damstra et al., 2002).

    Homens adultos que foram expostos a estradiol mostram maior incidência de

    anormalidades em seus órgãos sexuais, apresentam contagem média de espermatozóides

    diminuída e podem sofrer um risco maior de desenvolver câncer de testículos (Colucci

    et al. 2001; Guillette et al. 1996; Legler et al. 2002).

    Dentre a vasta quantidade de PE que já foram avaliados pela comunidade

    científica, destacam-se três compostos que são comumente avaliados em diversos

    trabalhos, que pode ser justificado pelos seguintes fatores:

    i) n-nonilfenol ou nonilfenol: é um subproduto da degradação dos

    alquillfenóis polietoxilados (APEO), que são agentes surfactantes de

    amplo uso tanto em processos industriais como em produtos de uso

    doméstico, por exemplo, detergentes (USEPA 2001);

    ii) 17β-estradiol ou estradiol: é um hormônio natural que nas mulheres é

    responsável pela síntese de estrogênio circulante, sendo por isso

    naturalmente e diariamente excretado na urina humana e, assim,

    descartado no esgoto doméstico (Bila e Dezotti 2003);

    iii) 17α-etinilestradiol ou etinilestradiol: é um dos estrogênios sintéticos

    mais usados como contraceptivos orais, na reposição terapêutica na

    menopausa ou na prevenção do aborto (Bila e Dezotti 2007; Ghiselli e

    Jardim 2007).

    De acordo com trabalhos nacionais e internacionais, compostos classificados

    como PE têm sido detectados em amostras de águas superficiais, principalmente em

    função da atividade antrópica (Alda e Barceló 2001). Pesquisas também têm mostrado

    que substâncias estrogênicas são encontradas em rios receptores de esgotos domésticos,

    tratados ou in natura. Potencialmente danosos à saúde, os PE têm se mostrado

    resistentes aos processos de tratamento convencionais utilizados nas estações de

    tratamento de esgotos (ETE) e de águas (ETA), sendo a intensidade de remoção dos PE

    dependente das condições operacionais impostas no sistema de tratamento. Os poucos

    trabalhos existentes sobre o tema indicam que os tratamentos convencionais não

  •   3

    conseguem remover completamente tais micropoluentes, havendo relato da presença de

    diversos fármacos e de estrogênios naturais e sintéticos no esgoto doméstico e efluentes

    de ETEs (Jeannot et al. 2002; Körner et al. 2000).

    Em relação aos corpos d’água, outro fator importante é que pouco se sabe sobre

    o real impacto desses compostos sobre o ambiente aquático e, principalmente, sobre a

    saúde humana. No caso do Brasil, a ausência de ETEs em grande parte dos municípios

    brasileiros agrava ainda mais o quadro de possível contaminação das águas superficiais

    por PE.

    Tendo em vista a crescente preocupação ambiental dedicada aos “perturbadores

    endócrinos”, principalmente no Brasil, o objetivo deste trabalho é desenvolver uma

    metodologia analítica que permita a detecção e quantificação de três PE (NP, E2 e EE2)

    em amostras de água superficiais a partir da técnica de LCMS. Serão também

    discutidos, brevemente, resultados sobre análises dos três compostos a partir da

    cromatografia gasosa com detector por ionização em chama (CG-FID). Após o

    desenvolvimento da técnica de análise, será feito o monitoramento de três mananciais

    de abastecimento da RMBH: Rio das Velhas e Morro Redondo e Vargem das Flores.

    Dessa forma, o primeiro capítulo de resultados apresentará o procedimento para

    validação da metodologia analítica empregada e discutirá os parâmetros mais relevantes

    para análise. O segundo capítulo de resultados apresentará os dados do monitoramento

    de nonilfenol, estradiol e etinilestradiol em três pontos de captação de água da região

    metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e discutirá os resultados obtidos. Finalmente,

    o capítulo de conclusões consubstanciará as informações mais relevantes e destacará a

    contribuição da dissertação para o tema pesquisado.

  •   4

    2. OBJETIVOS

    O objetivo geral do trabalho foi desenvolver e validar uma metodologia analítica para a

    detecção e quantificação dos perturbadores endócrinos nonilfenol (NP), estradiol (E2) e

    etinilestradiol (EE2) em amostras de água usando cromatografia acoplada a

    espectrometria de massas (LCMS).

    Objetivos específicos:

    • Monitorar, pelo período de um ano, a água de três mananciais da região

    metropolitana de Belo Horizonte para avaliar a presença de NP, E2 e EE2;

    • Avaliar, de forma geral, a eficiência das etapas de pré-cloração, coagulação,

    sedimentação e filtração, empregadas nas estações de tratamento de água (ETA)

    monitoradas, na remoção de NP, E2 e EE2.

  •   5

    3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

    3.1. O sistema endócrino

    Dá-se o nome de sistema endócrino ao conjunto de órgãos que apresentam como

    atividade característica a produção de secreções denominadas hormônios, que são

    lançados na corrente sangüínea e irão atuar em outra parte do organismo, controlando

    ou auxiliando o controle de sua função. Os órgãos que têm sua função controlada e/ou

    regulada pelos hormônios são denominados órgãos-alvo (Guyton 1988).

    Os hormônios influenciam praticamente todas as funções dos demais sistemas

    corporais. Freqüentemente o sistema endócrino interage com o sistema nervoso,

    formando mecanismos reguladores bastante precisos. O sistema nervoso pode fornecer

    ao endócrino a informação sobre o meio externo, ao passo que o sistema endócrino

    regula a resposta interna do organismo a esta informação. Dessa forma, o sistema

    endócrino, juntamente com o sistema nervoso, atua na coordenação e regulação das

    funções corporais (Guyton 1988). A Figura 3.1 apresenta os órgãos do sistema

    endócrino. As propriedas dos órgãos do sistema endócrino serão discutidas a seguir.

    Figura 3.1 - Órgãos do sistema endócrino (Fonte: AFH, 2007).

    Hipófise ou pituitária: os hormônios produzidos pela hipófise são denominados tróficos

    por atuarem sobre outras glândulas endócrinas. São responsáveis por ativar a secreção

    de outros hormônios como os da glândula tireóide, glândula adrenal, gônadas e do

    crescimento.

    http://www.afh.bio.br/nervoso/nervoso1.asp

  •   6

    Hipotálamo: responsável pelo controle da hipófise através de conexões neurais e

    substâncias semelhantes a hormônios chamados fatores desencadeadores (ou de

    liberação), o meio pelo qual o sistema nervoso controla o comportamento sexual via

    sistema endócrino. Em mulheres, a glândula-alvo do hormônio gonadotrófico é o

    ovário; no homem, são os testículos. O hipotálamo é responsável pelo controle de

    inibição ou liberação destes hormônios. Como a hipófise secreta hormônios que

    controlam outras glândulas e está subordinada, por sua vez, ao sistema nervoso, pode-se

    dizer que o sistema endócrino é subordinado ao nervoso e que o hipotálamo é o

    mediador entre esses dois sistemas A Figura 3.2 apresenta um diagrama de

    funcionamento do hipotálamo.

    Figura 3.2 - Funcionamento do hipotálamo (Fonte: AFH, 2007).

    Tireóide: responsável pela produção de hormônios como triiodotironina (T3) e tiroxina

    (T4), que aumentam a velocidade dos processos de oxidação e de liberação de energia

    nas células do corpo, elevando a taxa metabólica e a geração de calor. A calcitonina,

    outro hormônio secretado pela tireóide, participa do controle da concentração sangüínea

    de cálcio, inibindo a remoção do cálcio dos ossos e a saída dele para o plasma

    sangüíneo, estimulando sua incorporação pelos ossos.

    Paratireóides: glândulas responsáveis pela secreção do paratormônio, hormônio que

    estimula a remoção de cálcio da matriz óssea (o qual passa para o plasma sangüíneo), a

    absorção de cálcio dos alimentos pelo intestino e a reabsorção de cálcio pelos túbulos

    renais, aumentando a concentração de cálcio no sangue.

    Adrenais ou supra-renais: são duas glândulas localizadas sobre os rins, divididas em

    duas partes independentes, medula e córtex.

  •   7

    Pâncreas: é uma glândula mista, ou seja, apresenta determinadas regiões endócrinas e

    exócrinas ao mesmo tempo. As funções endócrinas do pâncreas são responsáveis por

    células que secretam dois hormônios: insulina e glucagon.

    3.2. Perturbadores endócrinos

    O termo “Pertubador Endócrino” é utilizado nesse texto como sinônimo de

    disruptores endócrinos, interferentes endócrinos e agentes hormonalmente ativos, que

    na literatura internacional corresponde aos “endocrine disrupting compounds or

    chemicals” (EDC). Os termos mais usados são perturbadores endócrinos e disruptores

    endócrinos. Muitas definições têm sido propostas para tal classe de compostos,

    entretanto, para todas elas existe um ponto em comum: trata-se de uma substância

    química que pode interferir no funcionamento natural do sistema endócrino de espécies

    animais, incluindo os seres humanos.

    Alguns pesquisadores definem um interferente endócrino com base nos seus

    efeitos, ou seja, trata-se de uma substância química que, mesmo presente em

    concentração extremamente baixa, é capaz de interferir no funcionamento natural do

    sistema endócrino, podendo causar câncer, prejudicar os sistemas reprodutivos e causar

    outros efeitos adversos (Mozaz et al. 2007; Yang et al. 2006). Em maio de 1997, a

    agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (Environmental Protection Agency -

    USEPA), definiu um interferente endócrino como “agente exógeno que interfere com

    síntese, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônio natural no corpo,

    que são responsáveis pela manutenção, reprodução, desenvolvimento e/ou

    comportamento dos organismos”.

    O Programa Internacional de Segurança Química (IPCS), em conjunto com o

    Japão, os EUA, o Canadá, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

    Econômico (OCDE) e a União Européia, adotou a seguinte definição para os

    perturbadores endócrinos: “Um perturbador endócrino é uma substância ou um

    composto exógeno que altera uma ou várias funções do sistema endócrino e tem,

    conseqüentemente, efeitos adversos sobre a saúde num organismo intacto, sua

    descendência, ou (sub) populações” (CEC 1999).

    Os PE podem ser produtos naturais, como os fitoestrógenos produzidos por

    plantas, e por isso bastante comuns em alimentos de origem vegetal; ou produtos

    sintéticos, como no caso de solventes clorados, aditivos alimentares, constituintes de

  •   8

    produtos de limpeza, agrotóxicos, e cosméticos; pílulas anticoncepcionais e outros

    fármacos. Desta forma, a exposição aos perturbadores endócrinos pode ocorrer a partir

    de uma variedade de fontes, de forma voluntária ou não, inclusive por meio da dieta

    diária e do consumo de água potável (Damstra et al. 2002; Solé et al. 2003; Veras

    2006). A Figura 3.3 mostra exemplos de perturbadores endócrinos comumente

    presentes no ambiente (Laganà et al. 2004).

     

    Figura 3.3 – Estruturas químicas de alguns perturbadores endócrinos comumente encontrados em águas superficiais (Laganà et al. 2004).

    Embora desde o início do século XX já existissem hipóteses prevendo alterações

    no funcionamento do sistema endócrino de algumas espécies animais expostas a

    determinadas substâncias químicas tóxicas, apenas recentemente esta importante

    questão tem recebido a devida atenção por parte da comunidade científica. Isso pode ser

    constatado pelo número crescente de publicações que relatam o aumento da incidência

    de disfunções no sistema endócrino de seres humanos (incluindo a infertilidade

    masculina), e mais significativamente, efeitos fisiológicos adversos observados em

    espécies animais para as quais a relação causa/efeito é mais evidente (Damstra et al.

    2002).

    De fato, as evidências observadas em estudos envolvendo moluscos, crustáceos,

    peixes, répteis, pássaros e alguns mamíferos têm sugerido que possíveis alterações de

    saúde humana envolvendo o sistema reprodutivo, tais como o câncer de mama e de

    testículo, podem estar relacionadas à exposição aos Perturbadores Endócrinos

    (Lintelmann et al. 2003). Para esclarecer, desenvolver estratégias e solucionar o

    problema dos perturbadores endócrinos, várias organizações governamentais e não

    governamentais, como, União Européia (UE), US-EPA, Damstra et al. 2002, IPCS e a

  •   9

    Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), investigaram

    o tema “perturbadores endócrinos”, conforme mostra a Tabela 3.1.

    Tabela 3.1: Seminários, comitês e relatórios de avaliação sobre os Perturbadores Endócrinos (Bila e Dezotti 2007). Ano Organização Objetivos do Estudo 1995 Agência Ambiental Federal

    Alemã Discussão sobre evidência e impactos dos PE e riscos potenciais que podem causar em humanos e animais

    1995 Agência Proteção Ambiental Americana (USEPA)

    Seminários para avaliar os riscos à saúde e efeitos ambientais dos PE

    1995 Ministério do Meio Ambiente e Energia da Dinamarca

    Avaliação dos efeitos de substâncias estrogênicas no desenvolvimento e nas funções do sistema reprodutivo masculino

    1996 USEPA  Seminário para desenvolvimento de estratégia para avaliar o risco dos PE no ambiente

    1996 USEPA  Desenvolvimento de programa de testes e análises (screening) para avaliar a ação dos PE

    1997 USEPA  Relatório sobre os PE presentes no meio ambiente 1998 USEPA  Revisão e discussão das informações científicas

    disponíveis sobre PE 1998 Organização para a Cooperação

    e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

    Desenvolvimento de métodos de ensaio para os PE

    1999 Committee on Toxicity, Ecotoxicity and the Environment

    (CSTEE)

    Revisão da literatura existente e opinião científica nas evidências dos PE, em particular, avaliação dos riscos ecológicos e diretrizes de ensaios toxicológicos

    1999 Comissão das Comunidades Européias

    Identificação do problema dos PE, suas causas, conseqüências e definição das medidas adequadas para dar uma resposta ao problema

    2001 Comissão das Comunidades Européias

    Primeiro relatório sobre o progresso dos trabalhos da comunidade européia sobre os PE

    2002 Comissão das Comunidades Européias

    Programa COMPREHEND: Avaliação das evidências dos PE no ambiente aquático na Europa

    2002 OCDE Avaliação dos métodos de ensaios para as substâncias estrogênicas

    2002 Organização Mundial da Saúde (OMS)

    Avaliação global do estado da arte da ciência dos PE

    2003 Instituto de Saúde Ecológica (IHE)

    Relatório de avaliação do progresso internacional da pesquisa dos PE

    2004 Comissão das Comunidades Européias

    Segundo relatório sobre o progresso dos trabalhos sobre os PE.

    3.2.1. Mecanismos de Ação dos Perturbadores Endócrinos

    A ação de um determinado hormônio inicia-se através da sua ligação a um

    receptor específico, no interior de uma célula. O complexo resultante liga-se a regiões

  •   10

    específicas do DNA presente no núcleo da célula, o que determina a ação dos genes.

    Certos compostos químicos podem também se ligar ao receptor hormonal e,

    conseqüentemente, mimetizar ou bloquear a ação do próprio hormônio (Ghiselli e

    Jardim 2007; Damstra et al. 2002; Soto et al. 1991).

    Esta mudança de atividade é transmitida por várias vias metabólicas, através da

    membrana plasmática, dependendo do tipo de hormônio. Os diferentes processos

    fisiológicos (em cascata e independentes) obtidos são controlados por mecanismos

    complexos, que são ativados ou desativados de acordo com os níveis dos hormônios

    encontrados no organismo. Embora muitas destas vias metabólicas possam ser

    influenciadas por estimulações externas ao organismo, a grande maioria das disfunções

    endócrinas observadas é atribuída ao funcionamento das gônadas, responsáveis pelas

    características sexuais secundárias e pelo desenvolvimento e funcionamento dos órgãos

    sexuais (Ghiselli e Jardim 2007; OMS 2002).

    Um receptor hormonal possui elevada sensibilidade e afinidade por um

    hormônio específico produzido no organismo. Por isso, concentrações extremamente

    baixas de um determinado hormônio geram um efeito, produzindo uma resposta natural

    (Figura 3.4a). Entretanto, estes receptores hormonais também podem se ligar a outros

    compostos químicos, e isso explica o porquê de determinados perturbadores endócrinos

    presentes no organismo, mesmo em baixíssimas concentrações, serem capazes de gerar

    um efeito, provocando conseqüentemente uma resposta (Damstra et al., 2002).

    A alteração no sistema endócrino ocorre quando o PE interage com os receptores

    hormonais modificando a sua resposta natural, e para isso dois processos distintos

    podem ser desencadeados. O PE pode se ligar ao receptor hormonal e produzir uma

    resposta, atuando então como um mimetizador, ou seja, imitando a ação de um

    determinado hormônio, processo este denominado de efeito agonista (Figura 3.4b). Se o

    PE se ligar ao receptor, mas nenhuma resposta for produzida, ele estará agindo como

    um bloqueador, ou seja, estará impedindo a interação entre um hormônio natural e o seu

    respectivo receptor. Este processo é denominado de efeito antagonista (Figura 3.4c)

    (Ghiselli 2006).

    Um exemplo de perturbação endócrina é o caso do estradiol. Muitos PE

    competem com o estradiol, pelos receptores de estrogênio. Outros competem com a

    dihidrotestosterona (hormônio sexual masculino produzido naturalmente pelo

    organismo), pelos receptores de androgênio. Portanto, estes compostos exercem efeitos

    de feminização ou masculinização sobre o sistema endócrino. Compostos que produzem

  •   11

    efeitos de feminização são conhecidos como estrogênicos, enquanto que os que

    produzem efeitos de masculinização são conhecidos como androgênicos. Assim, se um

    determinado composto é considerado anti-androgênico como a flutamida (fármaco

    utilizado no tratamento de câncer de próstata) ele certamente inibirá a ação biológica

    dos androgênios, ligando-se e, conseqüentemente, inativando os receptores de

    androgênios presentes nos tecidos-alvo. Já um composto anti-estrogênico como o

    tamoxifeno (fármaco utilizado no tratamento de câncer de mama) inibe a ação biológica

    dos estrogênios ligando-se e, conseqüentemente, inativando os receptores de estrogênios

    presentes nos tecidos-alvo (Joon Kang et al. 2002; Panter et al. 2000).

    Figura 3.4 - Disfunções endócrinas: (a) resposta natural; (b) efeito agonista; (c) efeito antagonista (Ghiselli, 2006).

    3.2.2. Efeitos dos Perturbadores Endócrinos em animais silvestres e de laboratório

    Vários estudos relacionam a poluição ambiental das águas naturais com

    anomalias no sistema reprodutivo e no desenvolvimento de diferentes espécies de

    animais. A exposição aos perturbadores endócrinos pode ser responsável por alterações

    fisiológicas e histológicas em animais silvestres e de laboratório, incluindo alterações

    nos níveis de vitelogenina (VTG) no plasma sangüíneo, feminização de peixes machos,

    indução ao hermafroditismo, inibição no desenvolvimento das gônadas e declínio na

    reprodução. Essas e outras anomalias relatadas em várias espécies de animais são

    apresentadas na Tabela 3.2.

  •   12

    Tabela 3.2: Efeitos e anomalias atribuídos aos perturbadores endócrinos em animais (Bila e Dezotti 2007)

    Espécie Contaminante Efeitos Referência Feminização de Peixes (Allen et al. 1999)

    Declínio da Reprodução (Robinson et al. 2003)

    Efluente de ETE

    Indução da síntese de VTG (Allen et al. 1999; Solé et al.

    2000; Solé et al. 2003) Feminização de Peixes (Körner et al. 2000) Alteração nas gônadas (Panter et al. 2000)

    Hermafroditismo (Hartley et al. 1998) Incidência de Testículo-Ovulos nas

    gônadas (Joon Kang et al. 2002) Declínio da Reprodução (Shioda e Wakabayashi 2000)Mortalidade elevada dos

    descendentes (Knorr e Braunbeck 2002)

    17β-Estradiol Indução da síntese de VTG (Routledge et al. 1998)

    Indução da síntese de VTG (Folmar et al. 2000) Mortalidade da espécie (Schmid et al. 2002)

    17α-etinilestradiol

    Declínio da Reprodução (Robinson et al. 2003) Estrona Indução da síntese de VTG (Routledge et al. 1998)

    Declínio da Reprodução Indução da síntese de VTG

    (Jobling e Sumpter 1993; Routledge et al. 1998) Octilfenol

    Nonilfenol Butilfenol

    Mortalidade elevada dos descendentes

    Feminização de Peixes (Knorr e Braunbeck 2002)

    Peixe Bisfenol A Declínio da Reprodução (Shioda e Wakabayashi 2000)

    Bisfenol A Anomalia no sistema reprodutivo de

    ratos (Markey et al. 2002) Mamífero PCB Alta mortalidade de golfinhos (Aguilar e Borrell 1994)

    DDE e DDT

    Concentrações anormais de hormônios sexuais no plasma e

    anomalias morfológicas nas gônadas

    (Guillette et al. 1996; Guillette et al. 1999; Milnes

    et al. 2002)

    Réptil 17β-Estradiol

    Indução da síntese de VTG no sangue e alterações na produção de

    ovos de tartaruga (Irwin et al. 2001) Feminização de Gaivotas machos (Fry e Toone 1981) DDT

    Anomalia no sistema reprodutivo (Bitman et al. 1968) Aves DDE Nascimento prematuro de aves (Damstra et al. 2002)

    Anfíbio Efluente de

    ETE Indução à síntese de VTG no sangue

    e hermafroditismo (Bogi et al. 2003)

    Vários estudos mostram que organismos aquáticos respondem com indução da

    síntese de VTG à exposição a determinadas concentrações de estrogênios (Panter et al.

    2000; Robinson et al. 2003). No estudo de Routledge et al. 1998, duas espécies de

  •   13

    peixes, Oncorhynchus mykiss e Rutilus rutilus, foram expostas por 21 dias a

    concentrações de E2 e estrona (E1) ambientalmente relevantes (1, 10, 100 ng.L-1). Os

    resultados mostraram que as espécies do sexo masculino são sensíveis para E2 e E1 nas

    concentrações utilizadas, pois ocorreu aumento na concentração de VTG no plasma

    sanguíneo durante o período de exposição. Entre as fêmeas da espécie Rutilus rutilus

    ocorreu diminuição do tamanho do ovo.

    De acordo com esses e outros pesquisadores, os resultados confirmaram que os

    estrogênios identificados em efluentes domésticos estão presentes em quantidades

    suficientes para induzir o surgimento de órgãos masculinos em peixes fêmeas,

    conhecido como “imposex”, ou imposição sexual (Ghiselli 2006). Este fenômeno é

    irreversível e provoca a esterilização das espécies, podendo causar declínio considerável

    nas populações de espécies mais sensíveis. Segundo o estudo de Fernandez et al (2002),

    os PE encontrados nas águas estudadas (organoestânicos) interferiram na síntese da

    testosterona (hormônio masculino), ocorrendo aumento na produção deste pelas fêmeas.

    Consequentemente, a alteração hormonal faz surgir estruturas sexuais masculinas não

    funcionais, mantendo-se, porém, a anatomia interna do organismo (Fernandez et al.

    2002; Damstra et al. 2002).

    Foram observadas anomalias em embriões machos e fêmeas de trutas, como por

    exemplo, a feminização dos machos (Körner et al. 2000; Damstra et al. 2002). Várias

    espécies de peixes são usadas como modelo para detectar os efeitos de perturbadores

    endócrinos no desenvolvimento de anomalias no sistema reprodutivo. O estudo de

    Legler et al (2002) mostrou que as substâncias com atividade estrogênica não só são

    importantes na fase aquosa, mas também podem acumular-se em sedimentos marinhos e

    expor os organismos em ambientes aquáticos a substâncias com atividade estrogênica.

    3.2.3. Efeitos dos perturbadores endócrinos em humanos

    Uma variedade de substâncias químicas é suspeita de causar efeitos adversos na

    saúde humana, resultando em alterações no sistema endócrino, incluindo efeitos no

    sistema reprodutivo feminino e masculino. Os efeitos dos PE em humanos foram

    revisados em alguns estudos como o relatório “Global Assessment of the State-of-the-

    Science of Endocrine Disrupters” do estudo feito pela International Pannel on

    Chemical Safety (IPCS) encomendado pela Organização Mundial da Saúde (Damstra et

    al. 2002). Uma das conclusões do estudo foi a possível relação entre alguns PE e

  •   14

    alterações na saúde humana, como o câncer de testículo, mama e próstata. A

    conseqüência da exposição aos PE foi relacionada ao declínio das taxas de

    espermatozóides, deformidades dos órgãos reprodutivos e disfunção da tireóide.

    Vários grupos de pesquisas acreditam que grande parte da população masculina

    sofre com o decréscimo na qualidade do sêmen nas últimas décadas, e que isso parece

    estar relacionado à presença de estradióis nas águas (Damstra et al., 2002). De 1973 a

    1994, analisaram a qualidade do sêmen de um grupo de homens férteis saudáveis,

    levando em conta o volume do fluido seminal, a concentração de esperma e a

    mobilidade e morfologia dos espermatozóides. Os autores observaram um declínio na

    concentração e mobilidade dos espermas nos homens por um período de 20 anos, e esse

    decréscimo da qualidade do sêmen coincide com o aumento na incidência de anomalias

    no sistema reprodutivo masculino, incluindo câncer testicular (Auger et al. 1995).

    O desenvolvimento e as funções do sistema reprodutivo feminino dependem do

    balanço e das concentrações dos hormônios (estrogênios, andrógenos e tireoidianos).

    Portanto, uma disfunção no sistema endócrino pode resultar em algumas anomalias, tais

    como, irregularidades no ciclo menstrual, prejuízos na fertilidade e ovários policísticos.

    No entanto, devido à capacidade dos PE em modular ou alterar a intensidade dos

    hormônios, resta saber se essas substâncias podem realmente afetar as funções do

    sistema reprodutivo feminino. Alguns fatos demonstram que isso pode realmente

    ocorrer, como o uso de dietilestilbestrol (DES) em mulheres grávidas na década de 70.

    Uma das conseqüências foram anomalias do sistema reprodutivo feminino (câncer

    vaginal, gravidez anormal e redução na fertilidade) de crianças nascidas a partir de mães

    que fizeram uso desse medicamento. Este fato é, sem dúvida, uma evidência dos efeitos

    à exposição aos perturbadores endócrinos (Damstra et al. 2002).

    Apesar de alguns pesquisadores não sugerirem uma correlação entre a exposição

    aos perturbadores endócrinos e efeitos danosos em humanos, revisões como a da OMS

    (Damstra et al. 2002) indicam que há claras evidências experimentais e epidemiológicas

    dessas substâncias na disfunção no sistema reprodutivo humano (Ghiselli 2006).

    3.3. Análise e Monitoramento de Perturbadores Endócrinos em Águas Superficiais

    Uma importante fonte de contaminação de águas superficiais com perturbadores

    endócrinos (PE) é o lançamento de esgotos domésticos tratados ou in natura. Vários

    estudos mostram que as águas receptoras de efluentes de estações de tratamento de

  •   15

    esgoto doméstico (ETEs) foram estrogênicas para peixes, e que a proporção da

    intersexualidade nos peixes estava correlacionada com a quantidade dos efluentes

    lançados nas águas dos rios estudados (Folmar et al. 2000; Solé et al. 2003; Van den

    Belt et al. 2004). Além das emissões pontuais de efluentes doméstico e industrial,

    emissões difusas, associadas à chuva e ao escoamento que dela resulta, chegam aos

    corpos de água e podem contribuir para o aporte de PE. A poluição difusa pode ocorrer

    devido às deposições atmosféricas (poluição industrial e veicular), à lixiviação de solo

    contaminado (Ex. drenagem de lixões) e ao escoamento de águas pluviais em ambientes

    rurais (Ex. pesticidas) e urbanos (Ex. óleos, lixo). A Tabela 3.3 mostra as classes de

    alguns perturbadores endócrinos e a Figura 3.3 mostra a estrutura química de alguns

    perturbadores endócrinos comumente encontrados em águas superficiais.

    Tabela 3.3: Classificação de alguns perturbadores endócrinos (adaptado de Mol et al. 2000)

    Tipo de composto Uso Pesticidas Agricultura (ex: DDT)

    Hormônios naturais e sintéticos

    Contraceptivos, agentes de crescimento (ex: estradiol e etinilestradiol)

    Alquilfenóis polietoxilados

    (APEOs)

    Detergentes, cosméticos, agroquímicos

    Alquilfenóis Produtos de degradação dos APEOs (ex: nonilfenol, octilfenol), anti-oxidantes

    PCBs / dioxinas Fluidos para refrigeração / subprodutos da combustão

    Ésteres ftalatos Plastificantes Fitoestrogênios Ocorrência natural em plantas

    Bisfenol A Produção de polímeros, degradação de plásticos (policarbonatos)

     

    3.3.1. Metodologias para análise de perturbadores endócrinos

    Diferentes métodos analíticos têm sido desenvolvidos para a determinação de

    perturbadores endócrinos em amostras ambientais (Mol et al. 2000). A metodologia de

    análise ideal deve ser rápida, exata, precisa, de fácil adaptação e consumir a menor

    quantidade de insumos possíveis (Mozaz et al. 2007). As metodologias utilizadas para a

    análise de perturbadores endócrinos são, em sua maioria, técnicas cromatográficas que

    podem utilizar equipamentos de cromatografia líquida (Hu et al. 2005; Komori et al.

  •   16

    2004) ou de cromatografia gasosa (Wang et al. 2005; Yang et al. 2006). Em ambos os

    casos, a quantificação dos perturbadores endócrinos nas concentrações ambientais é

    normalmente feita com espectrômetros de massa, dada à sua elevada especificidade.

    Outro método de análise baseado em técnicas enzimáticas ou bioensaios também têm

    sido estudados, todavia, seu maior custo operacional e a pouca especificidade do

    método tem favorecido o uso das técnicas cromatográficas na análise de perturbadores

    endócrinos (Farré et al. 2007)

    Basicamente, a determinação dos PE em amostras aquosas envolve três etapas:

    amostragem, pré-concentração e análise. Para a determinação de perturbadores

    endócrinos é necessário usar critérios analíticos rigorosos para que as várias etapas,

    como amostragem, transporte, estocagem e análise, tenham o menor erro possível, tendo

    em vista a baixa quantidade dos PE (µg.L-1 a ng.L-1) nas amostras ambientais (Liu et al.

    2004b). A Figura 3.5 mostra um diagrama simplificado do protocolo de análise dos PE.

    Figura 3.5 - Diagrama esquemático para preparação e análise dos perturbadores endócrinos

    Amostragem, filtração e ajuste de pH

    A primeira etapa da análise é a amostragem, e a qualidade do processo de

    amostragem e preparação das análises é um fator determinante para um resultado

    correto (Mozaz et al. 2007). Como os PE em amostras de água podem sofrer degradação

    biológica durante o transporte e estocagem, é comum adicionar alguns biocidas, como o

    formaldeído ou metanol, bem como manter as amostras em baixa temperatura (4 ºC) até

  •   17

    o procedimento de extração e concentração. O tempo máximo recomendado entre a

    coleta e a extração é de 48 horas (Fountoulakis et al. 2005; Wang et al. 2005), sendo a

    coleta feita em frascos de cor escura uma vez que alguns estrogênios, como estradiol,

    podem ser foto-degradados (Jeannot et al. 2002; Wang et al. 2005).

    A quantidade de água coletada pode variar de acordo com as propriedades

    intrínsecas da água analisada, tipo de composto, método de extração e aparelho utilizado

    para quantificação. Aparelhos com grande sensibilidade, águas com nível alto de

    poluição e alguns métodos de extração como a microextração por fase sólida (SPME)

    geralmente necessitam de pouca quantidade de amostra (Yang et al 2006). Contudo,

    para a maioria dos casos é necessária uma quantidade maior de água, que normalmente

    varia de 250 a 1000 mL (Jeannot et al. 2002; Wang et al. 2005). Como exemplo,

    Lagana et al (2004) fizeram análise de perturbadores endócrinos em diferentes matrizes,

    e o volume de amostra variou de 110 mL para esgoto bruto a 1000 mL para água de rio.

    Após coletada a amostra, a primeira etapa de preparação consiste na sua

    filtração. A filtração tem a finalidade de retirar os sólidos presentes na água, evitando

    assim o comprometimento (entupimento e queda na taxa de filtração) da etapa posterior

    de concentração em cartuchos de extração em fase sólida. Embora a maioria das

    membranas utilizadas e citadas na literatura seja de acetato de celulose, recomenda-se a

    utilização de membranas de materiais mais inertes (teflon, fibra de vidro, nylon) para

    evitar a adsorção de perturbadores durante a etapa de filtração. As membranas mais

    utilizadas na filtração são de 0,45µm feitas de acetato de celulose. Etapas preliminares

    de filtração, como a utilização de filtros de 8µm, podem ser necessárias dependendo da

    quantidade de sólidos presentes na água. Isso é particularmente importante durante a

    amostragem de água de mananciais superficiais durante períodos chuvosos.

    Em seguida é feito o ajuste do pH da amostra, que tem como finalidade

    aumentar a afinidade dos perturbadores endócrinos, principalmente aqueles de caráter

    ácido como nonilfenol, bisfenol e estrona, pela fase estacionária do cartucho de

    extração, aumentando assim sua extração da fase aquosa (Raimundo 2007). De fato, Liu

    et al (2004b) fizeram um trabalho para avaliar a influência do pH inicial da amostra na

    eficiência de extração, e os resultados obtidos mostraram que a melhor recuperação

    obtida foi àquela feita em meio mais ácido. À medida que o pH era diminuído, o índice

    de recuperação aumentava, chegando a 100% para alguns compostos no pH igual a 3. O

    pH escolhido para as amostras pode variar de acordo com a capacidade máxima que o

    cartucho de extração suporta, mas a maioria dos trabalhos de fato utilizam o pH

  •   18

    variando entre 2 e 3, sendo 3 o valor de pH mais utilizado (Gibson et al. 2007; Wang et

    al. 2005). Os ácidos mais utilizados para a correção do pH são o clorídrico (HCl) ou o

    sulfúrico (H2SO4).

    Concentração e eluição dos compostos de interesse

    Os PE são, em sua maioria, compostos orgânicos hidrofóbicos encontrados em

    baixas quantidades no ambiente, e como a maioria dos equipamentos não consegue

    detectá-los nas concentrações usualmente encontradas, uma etapa de concentração é

    usualmente necessária (Ghiselli e Jardim 2007). Atualmente existe um considerável

    interesse no desenvolvimento de novos métodos seletivos para extração e isolamento

    dos componentes de matrizes ambientais complexas (Kasprzyk-Hordern et al. 2007). A

    seletividade da fase estacionária é um importante parâmetro, uma vez que um dos

    principais objetivos seria remover os interferentes e facilitar as análises posteriores

    feitas nos equipamentos de LC-MS e CG-MS (Mozaz et al. 2007). A alternativa mais

    utilizada para contornar esses problemas tem sido a extração em fase sólida (Solid

    Phase Extration - SPE). A SPE é uma técnica de separação líquido-sólido que, do ponto

    de vista prático, pode ser descrita como uma cromatografia líquida, onde se usa uma

    pequena coluna aberta, denominada cartucho de extração, que contém a fase sólida (o

    correspondente à fase estacionária em cromatografia).

    No procedimento de extração a amostra contendo o analito de interesse é

    colocada no topo do cartucho e aspirada através dele pela aplicação de um pequeno

    vácuo. Ao passar a amostra pelo cartucho o analito fica retido (adsorvido) na fase

    sólida, de forma a ser posteriormente eluído com um pequeno volume de solvente, e

    essa etapa de eluição permite a determinação do grau de concentração necessário para a

    análise uma vez escolhido o volume inicial de amostragem e o volume final de solvente

    eluído. Se houver contaminantes que possam interferir na análise, uma lavagem e/ou

    clean-up precede a eluição, com a utilização de um solvente que tenha afinidade pelo

    contaminante e não pelos compostos de interesse. Em muitos casos, onde a amostra não

    precisa ser filtrada, a própria etapa de extração em fase sólida funciona como clean-up

    (Lanças 2004a). A Figura 3.6 exemplifica as etapas envolvidas na extração em fase

    sólida.

  •   19

    Figura 3.6 - Etapas da extração por fase sólida para isolamento de compostos de interesse (Lanças 2004a)

    Atualmente um grande número de cartuchos de SPE está disponível de modo

    que possa ser utilizado por uma grande faixa de aplicações. Um adsorvente genérico é

    capaz de adsorver uma grande variedade de PE, mas alguns compostos específicos

    exigem cartuchos mais seletivos. O mecanismo mais utilizado é a interação hidrofóbica

    e as fases sólidas mais reportadas nos trabalhos são as compostas de octadecil (C18) e

    sílica. A Tabela 3.4 mostra os cartuchos mais utilizados na extração por fase sólida para

    os perturbadores endócrinos nonilfenol e estradióis.

    Tabela 3.4: Cartuchos de SPE mais utilizados e seus principais fabricantes

    Cartuchos Descrição Fabricante Oasis HLB Poli(divinilbenzeno-co-N-vinilpirrolidona) Waters

    C18 Polimericamente ligado, octadecil (18% C) Vários C18/ENV+ C18 hidroxilado poliestireno-divinilbenzeno IST

    Liu et al (2004b) fizeram um estudo a respeito da eficiência de recuperação dos

    PE em relação ao tipo de cartucho SPE. A conclusão obtida foi que o melhor cartucho

    para adsorção de alquilfenóis e estrogênios é o conhecido como Oasis HLB 500mg. O

    maior inconveniente na utilização deste tipo de cartucho é o preço, cerca de cinco vezes

    superior aos cartuchos de eficiência de recuperação semelhante, como o DSC-18. Dessa

    forma, fases estacionárias compostas de octadecil (C18) possuem melhor relação custo-

    benefício.

    Uma das grandes desvantagens obtidas na extração em fase sólida é a quantidade

    de amostra a ser coletada para análise. Para uma concentração de 1000 vezes, por

    exemplo, necessita-se, em média, de 1 litro da amostra, e o tempo de extração pode ser

    bastante demorado, podendo chegar a até 3 horas (Wang et al. 2005). Kuch e

    Ballschmiter (2001) e Snyder et al (1999) alcançaram baixos limites de detecção de

  •   20

    estradiol natural, etinilestradiol e nonilfenol devido ao grande volume de amostra

    utilizado, que chegou a 5 litros com uma pré concentração de 5000 vezes.

    Uma das soluções apresentadas seria a microextração por fase sólida (SPME), a

    qual possui as mesmas funcionalidades da SPE e reduz consideravelmente a quantidade

    de amostra e tempo de extração para análise. Yang et al (2006) compararam as

    metodologias SPME e SPE e os resultados obtidos mostraram que a SPME é bastante

    promissora para a análise de estrogênios, anabolizantes e alquilfenóis, sendo possível

    utilizar apenas 3mL de amostra para obter fatores de concentração de 100 vezes.

    Recentemente, Wang et al (2008) criaram um método alternativo de extração utilizando

    filtros de cigarro como cartuchos de SPE. Uma vez que os filtros de cigarro são

    utilizados para a retenção de parte dos poluentes orgânicos gerados pela fumaça,

    avaliou-se a capacidade destes em reter alguns PE como o estradiol. Uma das grandes

    vantagens seriam o baixo custo e a facilidade de aplicação. Os resultados obtidos

    chegaram a 100% de recuperação do estradiol para amostras do rio monitorado.

    A eluição do cartucho, ou seja, a dessorção dos compostos de interesse vai

    depender do tipo de composto a ser analisado. Trabalhos publicados utilizam

    geralmente metanol, acetato de etila e acetona, puros ou misturados, como agentes de

    eluição (Alda e Barceló 2001; Gibson et al. 2007; Laganà et al. 2004; Wang et al.

    2005). É importante destacar que a eluição é normalmente feita com um volume maior

    de solvente (5 a 15 ml) para assegurar a completa dessorção dos analitos de interesse.

    Desta forma, para se obter um elevado grau de concentração é preciso secar o extrato

    orgânico e re-solubilizar o analito em volume adequado de solvente.

    Além de obter o grau de concentração adequado, a secagem permite ainda

    adequar o solvente ao método de análise tendo em vista que o solvente utilizado na

    eluição pode ser incompatível com o equipamento cromatográfico. Um exemplo é o

    diclorometano, que não é recomendado para análises em cromatografia líquida devido a

    sua alta volatilidade, mas que foi utilizado (junto com o metanol em solução 1:1) por

    Laganà et al (2004) para a eluição de fitoestrogênios, micoestrogênios, estrogênios e

    alquilfenóis.

    A secagem dos extratos orgânicos é normalmente feita em banho-maria à

    temperatura pouco maior que a ambiente. Além disso, é comum utilizar fluxo de

    nitrogênio sobre os extratos orgânicos para acelerar o processo de secagem. Conforme

    dito anteriormente, a reconstituição do extrato seco é feita com o solvente mais

    apropriado para análise cromatográfica. Para a cromatografia líquida geralmente utiliza-

  •   21

    se acetonitrila e metanol como solventes de reconstituição, ao passo que para

    cromatografia gasosa é comum o uso de solventes mais voláteis como acetona e acetato

    de etila (Jeannot et al. 2002). Outros métodos analíticos, como a utilização de kits

    enzimáticos, exigem a reconstituição em soluções tampão de fosfato (Farré et al. 2007).

    Análise Instrumental

    Do ponto de vista analítico, os métodos mais adequados para monitoramento dos

    PE em amostras ambientais incluem, genericamente, métodos biológicos e métodos de

    separação (Farré et al. 2007). Dentre os métodos biológicos destacam-se,

    principalmente, os imunoensaios, cujos princípios são a produção de anticorpos e/ou

    receptores que se ligam especificamente a substâncias que apresentam atividade

    estrogênica. A Figura 3.7 exemplifica os dois passos genericamente associados aos

    imunoensaios. Inicialmente ocorre a imobilização do receptor específico a um suporte,

    seguido de adição da amostra contendo estrogênios e anticorpos, ocorrendo então um

    período de incubação, que varia de 1 a 4 horas. Em seguida, por adição de uma solução

    adequada ao tipo de detecção pretendida, procede-se à quantificação por medidas de

    fluorescência ou isotópicas (Ex. ELRA: "Enzyme Linked Receptor Assay"; ELISA:

    "Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay"; RIA: "Radio Immuno Assay") (Mozaz et al.

    2007; Nogueira 2003).

    Com o intuito de análise vestigial em amostras ambientais, têm-se desenvolvido

    inúmeros anticorpos e receptores específicos para os mais diversos tipos de poluentes

    químicos, permitindo a tais métodos elevada rapidez de screening (Nogueira 2003). As

    vantagens dos métodos biológicos são: rapidez, seletividade, especificidade e

    sensibilidade. Por apresentarem limites de detecção na ordem de ng/L não necessitam,

    em alguns casos, de pré-concentração da amostra. Algumas desvantagens incluem a

    necessidade de se fazer análises individualizadas dos PEs e problemas causados por

    alguns interferentes da matriz, podendo levar a resultados superestimados. Farré et al

    (2007) observaram que seria necessário um clean-up da amostra para que não ocorresse

    este efeito e concluíram também que, para análise de estrogênios como o estradiol,

    poderia haver interferência de outros contaminantes como estrona e nonilfenol. Para

    contornar esta limitação recorre-se, usualmente, a métodos cromatográficos de

    separação, que têm se mostrado bastante eficazes e versáteis no monitoramento de um

    grande grupo de PE.

  •   22

    Figura 3.7 - Exemplo dos dois passos genericamente associados aos imunoensaios: A)

    Imobilização do receptor específico ao suporte, seguido de incubação após a adição da

    amostra contendo estrogênios e de anticorpos; B) Adição da solução adequada ao tipo

    de detecção pretendida (Mozaz et al. 2007; Nogueira 2003).

    Os métodos cromatográficos implicam em interações fisico-químicas entre os

    compostos presentes na amostra e a coluna cromatográfica, e sua aplicação permite a

    análise qualitativa ou quantitativa de vários microcontaminantes de interesse ambiental.

    A cromatografia permite separar constituintes de uma mistura através de sua

    distribuição em duas fases: uma estacionária (fixa na coluna cromatográfica) e outra

    móvel. A cromatografia acoplada à espectrometria de massas, seja líquida ou gasosa,

    apresenta-se como a técnica analítica mais robusta, abrangente, reprodutível e sensível,

    para o monitoramento de amostras ambientais. A instrumentação disponível combina

    baixos limites de detecção e reprodutibilidade analítica através do monitoramento de

    íons pré-selecionados.

    A cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (CGMS) tem sido

    uma técnica comumente empregada, apesar de a cromatografia líquida acoplada à

    espectrometria de massas (LCMS) ter ganhado popularidade. O pré-requisito necessário

    para análise em cromatografia gasosa é que o analito de interesse seja volatilizável e

    termicamente estável, muito embora a derivatização possa ser usada em alguns casos

    para superar esta limitação. Tradicionalmente, a cromatografia gasosa necessita do

    emprego de derivatização para determinar compostos estrogênicos, e os compostos mais

    utilizados com tal finalidade são o MSTFA (n-metil-n-trifluoroacetamida), BSTFA (n-

    bis(trimetilsilil)trifluoroacetamida) e MTBSTFA (n-metil-n-(tert-

    butildimetilsilil)trifluoroacetamida). A diferença entre eles se baseia no tipo de reação

    que ocorre com o grupo hidroxila dos compostos. Quintana et al (2004) fizeram um

  •   23

    estudo comparando os três compostos e mostrando que o MTBSTFA é mais seletivo e o

    MSTFA o mais reativo. Apesar da derivatização ser mais comum quando se usa

    cromatografia gasosa, Matsumoto et al (2002) utilizaram o anidrido de

    pentafluorpropionil (CDPP) em cromatografia líquida, reduzindo assim os limites de

    detecção para os estradióis analisados. As desvantagens do procedimento de

    derivatização estão relacionadas ao maior trabalho laboratorial para preparo das

    amostras, ao maior tempo de análise, e à possibilidade de perdas de analito, uma vez

    que a baixa eficiência da hidrólise dos conjugados a estrogênios livres, via

    derivatização, pode compor erros nos estágios de recuperação, extração e quantificação.

    Tais desvantagens têm dado mais popularidade à cromatografia líquida para a

    determinação de estrogênios (Reis Filho et al. 2006) e outros contaminantes ambientais

    pouco voláteis.

    A cromatografia líquida tem várias vantagens para análise de compostos

    orgânicos em água, e uma delas refere-se ao fato de os compostos voláteis serem apenas

    uma pequena fração de poluentes usualmente presentes em água e esgotos. De fato, a

    maior parte dos perturbadores endócrinos não é volátil, tornando a cromatografia líquida

    a técnica mais adequada para sua análise. Isto é especialmente verdade para esgotos, os

    quais contêm muito material húmico e compostos orgânicos polares, tais como os

    carboidratos. Vários detectores podem ser acoplados à cromatografia líquida, tais como

    ultravioleta-visível, arranjo de diodos, fluorescência e espectrômetro de massas (Alda e

    Barceló 2001; Mao et al. 2004; Matsumoto et al. 2002; Raimundo 2007; Solé et al.

    2000; Wang et al. 2008).

    Os detectores de arranjo de diodos e fluorescência são menos utilizados como

    alternativas devido a sua especificidade, mas são poderosas ferramentas adicionais para

    análise ou confirmação de alguns grupos específicos de PE (Mozaz et al. 2007).

    Conforme mencionado anteriormente, a detecção de perturbadores endócrinos por

    espectrometria de massas (MS) tem sido a técnica preferida pela comunidade científica

    devido à sua elevada sensibilidade, reprodutibilidade, abrangência e robustez. A

    instrumentação atualmente disponível combina a diminuição dos limites de detecção e

    excelente reprodutibilidade analítica e elevada seletividade seja no modo de varredura

    (modo Full-SCAN), seja através do monitoramento de íons selecionado (modo SIM)

    (Hu et al. 2005; Liu et al. 2004b).

    Segundo Nogueira (2003), a tendência para um eficiente monitoramento dos PE

    em amostras ambientais parece ser a combinação entre métodos biológicos, através de

  •   24

    ensaios de imunoextração que consistem no isolamento seletivo de classes restritas de

    PE de amostras ambientais com a utilização de "immunosorbents", que seria uma SPE

    contendo anticorpos muito específicos na constituição da fase estacionária. Os

    compostos de interesses que ficariam retidos na fase estacionária seriam analisados por

    cromatografia. Atualmente pouco se desenvolveu neste tipo de técnica, mas a

    expectativa para a criação ainda existe, pois o desenvolvimento de uma metodologia de

    alta especifidade onde baseia-se em reações enzimáticas é possível. A principal

    vantagem deste método estaria na minimização de interferentes durante a análise

    cromatográfica.

    3.3.2. Monitoramento de perturbadores endócrinos em águas superficiais

     

    A Tabela 3.5 resume resultados disponíveis na literatura do monitoramento de

    três perturbadores endócrinos encontrados em águas superficiais: um estrogênio natural

    (17β-estradiol ou E2), um estrogênio artificial (17α-etinilestradiol ou EE2) e um

    produto da degradação dos surfactantes alquilfenóis etoxilados (nonilfenol ou NP), que

    foram escolhidos pelo potencial de risco aos seres vivos e pela freqüência com que

    foram reportados em trabalhos nacionais e internacionais.

    O 17β-estradiol (conhecido também como estradiol ou pela sigla E2) é um

    hormônio natural que nas mulheres é responsável pela síntese de estrogênio circulante.

    Esses estrogênios são naturalmente e diariamente excretados na urina humana e, assim,

    descartados no esgoto doméstico (Bila e Dezotti 2007; Ghiselli 2006). O 17α-

    etinilestradiol ou etinilestradiol é um dos estrogênios sintéticos mais usados como

    contraceptivos orais (Bila e Dezotti 2007; Ghiselli 2006). Os alquilfenóis, por sua vez,

    apresentam uma variedade de aplicações, incluindo detergentes industriais e

    domésticos, lubrificantes, emulsificantes, formulações de pesticidas, de tintas, bem

    como produtos de higiene pessoal (maquiagem, cremes de pele, produtos para cabelo e

    banho). Nas ETEs e mananciais, os alquilfenóis polietoxilatos (APEOs) são

    inicialmente biodegradados, derivando em metabólitos persistentes e altamente

    lipofílicos que incluem os alquilfenóis etoxilatos e, finalmente, os alquilfenóis, tais

    como nonilfenol (NP) e octilfenol (OP).

    Os trabalhos apresentados na Tabela 3.5 mostram que a técnica de preparo de

    amostra usada predominantemente na análise dos estradióis e do nonilfenol utiliza a

    extração em fase sólida, sendo o cartucho Oasis HLB e o octadecilsilano (C18) os mais

  •   25

    comuns para tal finalidade. Os resultados compilados mostram ainda que as técnicas de

    cromatografia (tanto gasosa como líquida) acopladas à espectrometria de massas são as

    mais utilizadas, sendo usada ainda, em menor freqüência, cromatografia acoplada a

    detector de arranjo de diodos ou a detector de fluorescência. Quando a cromatografia

    gasosa é utilizada percebe-se que a derivatização por reações de silanização é preferida

    e que os reagentes mais utilizados para tanto são o MTBSTFA, o MSTFA e o BSTFA.

    As técnicas preferidas pelos pesquisadores resultam em limites de detecção na ordem de

    0,15 a 2,0 ng.L-1 para os PE investigados. Valores baixos de limite de detecção

    dependerão do tipo de equipamento utilizado e volume de amostragem, e todas as

    técnicas de análise listadas na Tabela 3.5 resultam em limites de detecção semelhantes.

    A Tabela 3.5 mostra que para amostras de rios e mananciais