universidade federal de mato grosso - ufmt.br · acolhido em suas casas durante o processo da...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CMPUS UNIVERSITRIO DE RONDONPOLIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
O ASSENTAMENTO 1 DE MAIO NO CONTEXTO DA EXPANSO DA
FRONTEIRA AGRCOLA
Francisco Miranda Filho
Dissertao de Mestrado
Rondonpolis-MT
Dezembro de 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CMPUS UNIVERSITRIO DE RONDONPOLIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
O ASSENTAMENTO 1 DE MAIO NO CONTEXTO DA EXPANSO DA
FRONTEIRA AGRCOLA
Jorge Luiz Gomes Monteiro
Orientador
Dissertao de Mestrado
Rondonpolis-MT
Dezembro / 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
CMPUS UNIVERSITRIO DE RONDONPOLIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
O ASSENTAMENTO 1 DE MAIO NO CONTEXTO DA EXPANSO DA
FRONTEIRA AGRCOLA
FRANCISCO MIRANDA FILHO
Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Geografia da
Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos necessrio obteno do
Grau de Mestre em Geografia, rea de concentrao: Ambiente Sociedade. Linha de
Pesquisa: Planejamento e Gesto Territorial
Aprovado por:
_____________________________________
Dr. Jorge Luiz Gomes Monteiro
Universidade Federal de Mato Grosso
____________________________________
Dr. Alexandre Lima de Souza
Universidade Federal de Mato Grosso
_____________________________________
Dra. Jlia Ado Bernardes
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rondonpolis-MT, 14 de dezembro 201
iv
Francisco Miranda Filho
v
minha me, Olivalda Linhares Miranda e a
meu pai Francisco Antnio Miranda (in
memorian) que foram os responsveis por essa
conquista, pois sempre situaram a educao
dos filhos como prioridade at mesmo alm de
suas possibilidades
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeo primeiramente a Deus que, no seu infinito amor, cobriu-me de bnos
durante a realizao do Curso de Mestrado e nas etapas de pesquisa.
minha esposa pelo carinho e pela compreenso nos momentos de ausncia.
Aos meus filhos amados pela ateno, compreenso e confiana depositada em mim
durante a minha trajetria.
Aos colegas do Cefapro de Rondonpolis/MT pelo carinho, amizade, colaborao nos
momentos de dificuldades.
s minhas amigas Estela e Verondina por serem as responsveis pelo meu ingresso no
campo da pesquisa, pela fora nos momentos de ansiedade e angstia e por me
acompanharem durante a realizao deste trabalho e por estarem sempre prontas a me
auxiliar.
Aos amigos Maciel e esposa, e os amigos Eli e Joabe, por terem contribudo e me
acolhido em suas casas durante o processo da pesquisa.
As famlias assentadas que me receberam em suas casas e pelas suas valorosas
contribuies para a pesquisa.
A meu Professor Orientador, Jorge Luiz Gomes Monteiro, por ter contribudo
significativamente para ampliar os meus conhecimentos no universo da pesquisa.
banca examinadora que com o olhar apurado e crtico deu importantes contribuies
ao meu trabalho.
vii
Quem fica na Floresta um dia, quer escrever
uma enciclopdia, quem fica 5 anos, fica em
silncio para perceber o quanto profunda e
complexa a Criao.
Dom Pedro Casaldguia
viii
RESUMO
A presente pesquisa objetiva analisar a produo familiar desenvolvida no Assentamento 1 de Maio,
localizado no Municpio de Colniza no Estado de Mato Grosso. Busca tambm compreender como
este se mantm diante das dificuldades de acesso ao mercado frente resistncia da produo familiar
mediante o avano do agronegcio em direo ao Noroeste de Mato Grosso, rea de fronteira
agrcola. Para a anlise e compreenso dos elementos que configuraram o processo de colonizao e a
eficincia da agricultura familiar desenvolvida no Assentamento 1 de Maio e, sua relao com as
polticas pblicas desenvolvidas para os assentados, o embasamento se deu nos aportes tericos-
metodolgicos dos seguintes autores: Ianni (2000), Becker (1990), Martins (1992;1995;2000;2009),
Moreno (2005;2007), Oliveira (2007), Stdile (1977;2006;2007) e Santos (1992;2006;2007). O estudo
e a anlise dos dados foram embasados no mtodo dialtico e na abordagem qualitativa, pautando-se
nos conceitos de territrio. A anlise demonstrou que, diferentemente das ocupaes realizadas em
outras regies, os movimentos de ocupao do Municpio de Colniza no esto relacionados aos
movimentos de trabalhadores rurais sem-terra, pois surgiram de forma espontnea, sem
necessariamente ser um movimento sistemtico. Verificou-se que as distncias do Municpio, em
relao aos grandes mercados consumidores, a falta de apoio financeiro e de assistncia tcnica
influenciaram na dinmica produtiva dos assentados. Todavia, o avano do agronegcio apresenta
restries devido as caractersticas pedolgicas presentes no Municpio de Colniza, em se mantendo o
nvel tcnico da atualidade, dificultando a incorporao das terras para o cultivo de gros em larga
escala. Diante desse quadro a incorporao ao agronegcio ocorre de forma secundria, voltado
sobretudo para a produo de protena animal no mbito regional. Percebe-se que apesar de haver
limitaes para a entrada do agronegcio no local, o mesmo vem se apresentando e expandindo na
regio, fato que passa a se constituir em uma preocupao no que tange preservao do equilbrio
social e ambiental, visto que pode ocasionar xodo rural, mudanas na dinmica espacial e econmica,
alm de causar problemas de ordem ambiental.
Palavras-chave: Agricultura Familiar. Fronteira Agrcola. Assentamento Rural.
ix
ABSTRACT
The main purpose of this study is to analyze the family production that has been developed on the 1
de Maio settlement that is located in the city of Colniza of Mato Grosso state. It also tries to
understand how they maintain themselves in face of difficulties of accessing the market due to the
resistance to the family production through the agribusinesss advancement towards the northwest of
Mato Grosso, agriculture frontier area. In order to analyze and comprehend the process of
colonization, its elements and the efficiency of the family agriculture developed by the settlement 1
de Maio and its relation to public policy developed to the settled, the basis comes from a theoretical
and methodological aspects from authors as: Ianni (2000), Becker (1990), Martins
(1992;1995;2000;2009), Moreno (2005;2007), Oliveira (2007), Stdil e (1977;2006;2007) e Santos
(1992;2006;2007). The study and the analysis of the data were made based on the dialectical method
and in the quality approach, based on the concepts of territory, agriculture frontier, and rural
settlement. The analysis presented that differently from occupations in other regions, the occupation
movements in the city of Colniza are not related to the Landless Workers' Movement, and therefore
they came up spontaneously, without the necessity of a systematic movement. It was verified that the
distances from the Colniza city, in relation to large consumer market, the lack of both, financial
support and technical assistance influenced on the productive dynamic of the settled. However, the
advance in the agribusiness field shows restrictions due to the existence of pedological features in the
city of Colniza, by maintaining the same technical level from nowadays, hindering the incorporation
of lands to the culture of grains in a large scale. Given this situation the incorporation of the
agribusiness occurs secondarily, mainly towards to the production of animal protein in the regional
level. It is noticed that despite having limitations to entering in the local agribusiness, it is expanding
itself in the region, what creates a worry related to preserving the social and environmental balance,
because that may cause a rural exodus, changes in the spatial and economics dynamics, and also cause
environmental issues.
Keywords: Family Agriculture. Agriculture Frontier. Rural Settlement.
x
SUMRIO
LISTA DE FIGURAS..............................................................................................................xii
LISTA DE FOTOS..................................................................................................................xiii
LISTA DE GRAFICOS..........................................................................................................xiv
LISTAS DE QUADROS..........................................................................................................xv
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..............................................................................xvi
1 INTRODUO...................................................................................................................18
2 METODOLOGIA DA PESQUISA....................................................................................21
2.1 CARACTERIZAO DO ESPAO ANALISADO....................................................21
2.1.1 MATO GROSSO: BREVE CARACTERIZAO....................................................21
2.1.2 O MUNICPIO DE COLNIZA...................................................................................22
2.1.3 O ASSENTAMENTO 1 DE MAIO...........................................................................24
2.2 ETAPAS DA PESQUISA..............................................................................................24
3 FUNDAMENTAAO TERICA E CONCEITOS BASILARES.................................28
3.1 TERRITRIO: BASES FUNDAMENTAIS................................................................29
3.2 ASSENTAMENTOS RURAIS......................................................................................33
3.3 AGRICULTURA FAMILIAR.......................................................................................37
3.4 FRONTEIRA AGRCOLA.............................................................................................42
4 A LUTA PELA TERRA NO BRASIL..............................................................................48
4.1 A GNESE DA LUTA PELA TERRA NO CONTEXTO AMAZNICO..................59
4.2 AS DIVERSAS FORMAS DE ACESSO TERRA NO MATO GROSSO................64
4.3 COLNIZA: UM AMBIENTE DE COLONIZAO NO BIOMA AMAZNICO.....73
4.3.1 DO INCIO DA OCUPAAO ORIGEM DO MUNICPIO DE COLNIZA/MT..75
4.4 A FUNO COLONIZADORA NA CONSTRUO DOS ESPAOS DE
COLNIZA/MT.....................................................................................................................77
5 EXPLORAO DA TERRA: LUTA E RESISTNCIA NA BASE DE DOIS
SISTEMAS PRODUTIVOS...................................................................................................84
5.1 TERRA E TRABALHO: A ORIGEM DO ASSENTAMENTO 1 DE MAIO............ 89
xi
5.2 NOVOS RUMOS DE EXPANSO DA FRONTEIRA AGRCOLA: O MOVIMENTO
AGROEXPORTADOR....................................................................................................... 95
5.3 TIPOS DE SOLO: UM INIBIDOR PARA O AVANO DA PRODUO DE
GROS............................................................................................................................... 99
6 OS DADOS NO MENTEM: A IMAGEM DE UM ASSENTAMENTO..................105
6.1 A AGRICULTURA FAMILIAR NO ASSENTAMENTO 1 DE MAIO...................125
6.2 TERRA CONQUISTADA: A LUTA PARA PRODUZIR E PERMANECER..........131
6.3 A EDUCAO NO ASSENTAMENTO....................................................................141
6.3.1 SITUAAO POLTICO-PEDAGGICA................................................................142
6.4 ANLISE A PARTIR DAS CATEGORIAS PROPOSTAS POR MILTON
SANTOS...........................................................................................................................143
7 CONSIDERAOES FINAIS...........................................................................................148
REFERNCIAS...................................................................................................................153
APNDICE............................................................................................................................159
xii
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 - Permetro do Municpio de Colniza/MT................................................................77
Figura 02 - Permetro do Assentamento.................................................................................. 94
Figura 03 - Mapa de Solos de Mato Grosso. Regio Entre os Paralelos 11 e 13 de Cor Rosa
Escuro: Latossolo Vermelho-Escuro Distrfico.....................................................................101
Figura 04 -Mapa de Solos de Mato Grosso. Regio Entre os Paralelos 09 e 10, de Cor Roxa:
Agirsolo Vermelho-Amarelo, com Relevo Ondulado............................................................103
Figura 05 - Moradia Anterior dos Assentados........................................................................107
Figura 06 - Local de Nascimento dos Assentados..................................................................110
Figura 07 - Evoluao Histrica do Processo de Desmatamneto no Assentamento 1 de Maio
Colniza/MT.............................................................................................................................121
Figura 08 - Mapa do Desmatamento da Amaznia Legal......................................................122
Figura 09- Caractersticas Fsicas e Humana da Amaznia Legal........................................124
Figura 10- Circuito da Comercializao do Gado................................................................. 130
Figura 11 - Mapa de Frigorficos Ativos em Mato Grosso.....................................................131
xiii
LISTA DE FOTOS
Foto 01 - Sede da Empresa Colonizadora Colniza/MT ..........................................................82
Foto 02 - Lavoura de milho no Assentamento 1 de Maio Colniza/MT................................128
Foto 03 - Rebanho de gado leiteiro e de corte .......................................................................130
Foto 04 - Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade (frente).....................................141
Foto 05 - Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade (fundos)....................................142
xiv
LISTA DE GRFICOS
Grfico 01- Brasil Nmero de Ocupaes 1988-2015...........................................................88
Grfico 02- Brasil Nmero de Famlias em Ocupaes -1988-2015........................................89
Grfico 03- Moradia Anterior dos Assentados......................................................................106
Grfico 04- Local de Nascimento dos Assentados.................................................................109
Grfico 05 - Origem dos Assentados do Primeiro: rural/urbana............................................111
Grfico 06 - Dificuldades Iniciais dos Assentados.................................................................112
Grfico 07 - Dificuldades Atuais dos Assentados..................................................................114
Grfico 08 - Uso Atual da Terra.............................................................................................117
Grfico 09 - Idade dos Proprietrios dos Lotes.......................................................................138
Grfico 10 - Tempo de Moradia no Assentamento.................................................................139
xv
LISTA DE QUADROS
Quadro 01- Nmero de Assentados Entrevistados por Linha...................................................28
Quadro 02- Comparao da Participao dos Modelos de Agricultura Familiar e No
Familiar.....................................................................................................................................41
Quadro 03 - Nmero de Assentamentos Rurais em Colniza/MT.............................................91
Quadro 04 - Evoluo da rea plantada com soja entre os anos de 2000 e 2016.....................97
Quadro 05 - Evoluo da rea de plantada com milho entre os anos de 2000 e 2016..............97
Quadro 06 - Principais Tipos de Solos por Municpio da Regio Noroeste...........................102
Quadro 07 - Evoluo do Plantel Bovino por Municpio na rea de Fronteira Agrcola......104
Quadro 08 - Local de Nascimento dos Assentados.................................................................109
Quadro 09 - Quadro Comparativo do Uso do Solo de Acordo com as Leis Ambientais.......119
Quadro 10 - Principais Produtos Comercializados no Assentamento por Lote......................127
Quadro 11 - Dificuldades Relacionadas Produo no Assentamento..................................135
Quadro 12 - Dificuldades Referentes ao Desenvolvimento Econmico nos Lotes................137
xvi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BASA - Banco da Amaznia
CEBs - Comisses Eclesiais de Base
CIMI - Conselho Indigenista Missionrio
CODEMAT- Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso.
CONTAG - Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPP - Comisso de Planejamento e Produo
CPT - Comisso Pastoral da Terra
CUT - Central nica de Trabalhadores
DTC - Departamento de Terras e Colonizao
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FLONA - Floresta Nacional Reserva Desenvolvimento Sustentvel
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBRA - Instituto Brasileiro de Reforma Agrria
IDH - ndice de Desenvolvimento Humano
ha - Alqueires
INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INDA - Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrrio
INTERMAT - Instituto de Terras de Mato Grosso
IPAM - de Pesquisa Ambiental da Amaznia
LVA - Latossolo Vermelho-Amarelo
MIRAD - Ministrio da Reforma e do Desenvolvimento Agrrio
MMA - Ministrio do Meio Ambiente
MST - Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
PAA - Programa de Aquisio de Alimentos
PAC - Projeto de Assentamento Casulo
PAE- Projeto de Assentamento Agroextrativista
PAF - Projeto de Assentamento Federal
PAF- Projeto de Assentamento Florestal
PAM - Projeto de Assentamento Municipal
PCT - Programa Nacional de Crdito Fundirio,
PDS - Projeto de Desenvolvimento Sustentvel
PE - Projeto de Assentamento Estadual
xvii
PFP - Projeto de Reconhecimento de Assentamento de Fundo de Pasto
PIN - Programa de Integrao Nacional
PNAE - Programa Nacional de Alimentao Escolar
PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrria
POLAMAZNIA - Programa de Polos Agropecurios e Agrominerais na Amaznia
POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento de reas Integradas do Nordeste.
PRB - Projeto de Reassentamento de Barragem
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROTERRA - Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do
Norte e Nordeste
PROVALE - Programa Especial para o Vale do So Francisco
PVA - Argissolo Vermelho-Amarelo
RESEX - Reservas Extrativistas
RLd - Neossolo Litlico Distrfico
SEPLAN/MT Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso.
SPVEA - Superintendncia do Plano de Valorizao da Amaznia
STRs - Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
SUDAM - Superintendncia para o Desenvolvimento da Amaznia
SUDECO - Superintendncia para o Desenvolvimento do Centro-Oeste
SUPRA- Superintendncia de Poltica Agrria
TRQ - Territrio Remanescente Quilombola
18
1 INTRODUAO
Diante das perspectivas de reforma agrria no territrio brasileiro percebe-se que os
avanos, ainda que tenham ocorrido, atenderam apenas uma minoria de trabalhadores rurais
sem terra. Nessa vertente, os estudos sobre assentamentos rurais no pas localizados em reas
de expanso de fronteira agrcola, tm se constitudo como eixos de preocupao social e
poltica, perante sua funo, uma vez que o Brasil desde o incio de sua colonizao foi
marcado por polticas governamentais, que beneficiaram a expanso dos latifndios em
detrimento das pequenas propriedades, aspecto que ocasionou a expanso da fronteira
agrcola, como tambm, promoveu o crescimento desigualdades sociais no espao rural.
Em Mato Grosso, a histria da propriedade da terra segue o mesmo modelo, sendo que
tal caracterstica demarca profundamente o processo de ocupao e colonizao do Estado
que, alm de favorecer aos grandes proprietrios, apresenta inmeras ilegalidades. Desta
forma a problemtica agrria no Estado de Mato Grosso passa a ser compreendida como um
fator social que envolve vrias dimenses. Que se apresenta na misria e no sofrimento dirio
das famlias de trabalhadores rurais, como tambm nas mais variadas formas de luta pela
posse da terra.
Discutir a eficincia do modelo de agricultura familiar desenvolvido no Assentamento
1 de Maio de Maio e sua relao com as polticas pblicas elaboradas para os agricultores
assentados neste lugar, consistiu no elemento fundamental a ser investigado principalmente
pelo fato de o mesmo estar inserido em rea de expanso de Fronteira Agrcola localizada no
Bioma Amaznico. Nesse sentido, para o estudo e anlise das relaes que aconteceram no
referido Assentamento a abordagem utilizada esteve pautada pelo conceito de territrio,
pensando este como dinmica de um processo social e histrico.
A princpio tnhamos muitos questionamentos, diante dos inmeros aspectos que
configuravam compreender a dinmica da produo familiar desenvolvida no Assentamento
1 de Maio. Dentre os questionamentos iniciais que podiam ser destacados e demandavam
uma maior investigao esto: a relao do assentamento com o agronegcio, a distncia da
zona produtora dos mercados consumidores, a ausncia de infraestrutura para transporte da
produo, a presena marcante de duas estaes durante; o ano que geravam consequncias
produo dos assentados e as formas como os assentados se apropriavam da natureza.
Questes estas que poderiam interferir diretamente na cadeia produtiva desenvolvida nos
assentamentos afetando posteriormente a qualidade de vida dos assentados.
19
A investigao se reveste de importncia em virtude do avano do agronegcio sobre
reas de fronteiras agrcolas e o Municpio de Colniza encontrar nesse caminho devido a
expanso do agronegcio nos Municpios de Aripuan/MT, Juara/MT e Juna/MT. Esses fatos
significam que haver forte presso por novas terras abertas ou ainda virgens, inclusive sobre
os assentamentos, conforme ocorreu nos Municpios de Rondonpolis/MT, Ipiranga do
Norte/MT, e outros.
Desse modo, o objetivo principal desta investigao consistiu em compreender a
dinmica da produo familiar desenvolvida em rea de Fronteira Agrcola tendo como foco o
Assentamento 1 de Maio.
Mas, especificamente a pesquisa procurou:
Conhecer o histrico da luta pela terra no Assentamento;
Identificar os fatores que dificultam e/ou favorecem a produo no local;
Desenvolver o histrico de luta pela terra no assentamento e
Levantar aspectos ligados produo e destinao do que produzido pelos
assentados.
Nessa perspectiva, consideramos que entender a funo de um assentamento rural
inserido em rea de Fronteira Agrcola localizado no Bioma Amaznico torna se fundamental,
para compreender a dinmica de ocupao desta rea, tendo em vista as questes de ordem
poltica, econmica e social, principalmente com o crescente avano do agronegcio na
regio, fato este que se constitui em preocupaes no que tange aos processos de ocupao e
uso da terra. Visto que pode ocasionar xodo rural, mudanas na dinmica espacial e
econmica, alm de causar problemas de ordem ambiental.
Para a anlise e compreenso dos elementos que configuraram o processo de expanso
da Fronteira Agrcola na regio noroeste de Mato Grosso e a compreenso da produo
familiar desenvolvido no Assentamento 1 de Maio, a pesquisa pautou-se no conceito de
territrio e nas categorias de anlise de fronteira agrcola, assentamentos rurais e agricultura
familiar e sua relao com as polticas pblicas desenvolvidas para os assentados. O aporte
terico-metodolgico que sustenta a pesquisa est fundamentado em autores como: Ianni
(2000), Becker (1990), Martins (1992;1995;2000;2009), Moreno (2005;2007), Oliveira
(2007), Stdile (1977;2006;2007) e Santos (1992;2006;2007).
A dissertao est estruturada em seis captulos. Destes, o primeiro capitulo apresenta
o problema investigado, os objetivos propostos, a relevncia do tema, o aporte terico-
metodolgico e a estruturao do trabalho.
20
O segundo captulo apresenta a metodologia utilizada na pesquisa, apontando
aspectos relativos abordagem utilizada, a questo norteadora, os objetivos, os caminhos
percorridos e os procedimentos empregados para a coleta de dados.
O terceiro captulo aborda assuntos referentes categoria territrio, norteadora da
anlise, os aspectos ligados luta pela terra no pas, os conceitos fundamentais relativos a
assentamentos rurais, agricultura familiar e fronteira agrcola.
O quarto captulo, por sua vez, tratam de questes que envolvem os movimentos de
luta pelo direito e pelo acesso terra, fazendo a contextualizao de como ocorreu esse
processo no contexto histrico brasileiro em diferentes escalas.
O quinto captulo aborda a origem do Assentamento 1 de Maio e tecemos algumas
consideraes acerca dos entraves e expanso do agronegcio na regio noroeste de Mato
Grosso.
O sexto captulo apresenta a anlise dos dados, por meio dos quais foi possvel
compreender a dinmica da produo familiar desenvolvida no Assentamento, as estratgias
que este desenvolveu para se manter frente s restries apresentadas pela legislao
ambiental, s dificuldades de acesso ao mercado e a influncia do agronegcio sobre a
produo dos assentados.
Por fim, apresentamos as consideraes finais com relao a investigao realizada.
21
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
Esta dissertao teve como objetivo precpuo analisar a produo familiar
desenvolvida no Assentamento 1 de Maio, localizado no Municpio de Colniza, no Estado de
Mato Grosso. Busca tambm compreender como este se mantm diante das dificuldades de
acesso ao mercado frente resistncia da produo familiar, mediante ao avano do
agronegcio em direo ao noroeste de Mato Grosso, localizado em rea de fronteira agrcola.
2.1 CARACTERIZAO DO ESPAO ANALISADO
Antes de definir as etapas da pesquisa consideramos importante contextualizar a rea
de estudo, pois o conhecimento da mesma nos possibilita compreender a questo de natureza
locacional. Tal aspecto permite verificar que o fato de se localizar no Bioma Amaznico
implica em uma srie de problemas, como a distncia de centros urbanos de melhor estrutura
e, tambm, as dificuldades de acesso ao mercado consumidor fora do mbito municipal.
Dessa forma a caracterizao est estruturada em trs ambientes de anlise para enfim situar o
espao de anlise, o Assentamento 1 de Maio.
2.1.1 Mato Grosso: breve caracterizao
E importante tecer algumas consideraes a respeito do Municpio de Colniza. O
Municpio em questo de recente colonizao e muito mais conhecido no mapa da violncia
do campo, do que por suas caractersticas fsico-econmico. Da ser necessrio uma
caracterizao nesses aspectos para situar a atrao que os municpios do noroeste do Estado
exercem sobre populaes diretamente ligadas ao espao rural tanto no contexto regional,
quanto no contexto nacional.
Localizado na Regio Centro-Oeste do Brasil, Mato Grosso tem como limites
geogrficos o Territrio Boliviano e o Estado de Rondnia ao Oeste, os Estados do Amazonas
e Par ao Norte, e os Estados do Tocantins e Gois ao leste e ao sul, o Estado de Mato Grosso
do Sul.
De acordo com o Instituto brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE (2010) o Estado
possui uma rea de aproximadamente 903.386,1Km, populao de 3.035.122 habitantes, com
densidade demogrfica de aproximadamente 3.36 hab./ km2.
No que se refere ao relevo, o Territrio matogrossense constitudo por planaltos,
chapadas e plancies inundveis. Quanto ao clima, identifica-se o tropical semimido e o
tropical de altitude, podendo ser dividido em dois perodos distintos e bem definidos: uma
22
estao chuvosa (vero-outono) e outra seca (inverno-primavera), de modo que a temperatura
mdia anual predominante no Estado oscila entre 27C, ao Norte, 20C em morros isolados e
ainda mais elevada ao Sul.
A vegetao composta por trs ecossistemas: Cerrado, Amaznia e Pantanal e com
uma rede hidrogrfica que abrange grande parte das Bacias Amaznica, Platina e a Tocantins
- Araguaia.
2.1.2 O municpio de Colniza-MT
Inicialmente desmembrado do Municpio de Aripuan, Colniza fora criada atravs da
Lei Estadual de n 7.604 de 26 de novembro de 1998, de autoria do Deputado Pedro Satlite.
Est localizada na Regio Noroeste do Estado de Mato Grosso e faz limites a oeste com o
Estados de Rondnia, ao norte com o Estado do Amazonas, a leste com o Municpio de
Cotriguau e ao sul com os Municpios de Aripuan e Rondolndia.
O censo demogrfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE), no ano de 2010 apontou que o Produto Interno Bruto (PIB) do Municpio foi
estimado em R$ 305 milhes e o IDH- ndice de Desenvolvimento Humano de 0,61, de
maneira que a expectativa de vida da populao foi estimada em 73,8 anos.
Dados atualizados do IBGE (2017) demonstram que a rea do Municpio
corresponde a 27.946,126km, com uma populao de 26 381 habitantes e com densidade
demogrfica de 0,94 hab/km. A ttulo comparativo o Municpio equivale a 63,95 % da
superfcie do Estado do Rio de Janeiro e 30% maior que o Estado de Sergipe.
Para Ferreira (2001), o Municpio dista 1.044 km da capital do Estado, possuindo
coordenadas geogrficas de 09 12 27 latitude e 59 13 15 de longitude oeste e a
pluviosidade anual de 2.750 mm, com temperatura mdia anual de 24C.
O Municpio de Colniza constitudo por diferentes formaes geolgicas. A
respeito dessas estruturas geolgicas, Ferreira (2001) afirma que so encontradas no
Municpio, Coberturas dobradas do Fanerozico, Formao Prainha no Noroeste, Formao
Dardanelos ao sudoeste, Coberturas dobradas do Proterozico com granitides associados,
Formao Iriri no centro do Municpio e Faixa Mvel Rio Negro-Juruena no Centro.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA) (2017) o
solo do Municpio possui a classificao de Podzlico Amarelo, tratando-se de solos minerais,
bem drenados, profundos, de baixa fertilidade natural, caractersticas estas que se tornam
empecilhos para o desenvolvimento da agricultura.
23
O territrio do Municpio est inserido no Bioma Amaznico, tendo como vegetao
original, a equatorial amaznica, sendo o clima o equatorial quente e mido, com altos ndices
de pluviosidade.
A rede hidrogrfica de Colniza faz parte da Bacia Amaznica e suas terras, tambm,
esto inseridas na sub Bacia do Rio Madeira, a qual drena as guas dos principais Municpios:
o Aripuan e o Roosevelt.
O setor econmico de Colniza est baseado na pecuria extensiva, comrcio, extrao
e indstria madeireira e o setor rural se destaca com o desenvolvimento da agricultura
familiar.
O Municpio conta com aproximadamente dez mil pequenas propriedades de
agricultores familiares, nesse sentido, a Secretaria de Agricultura do Municpio vem
desenvolvendo projetos de modernizao tecnolgica voltados para a melhoria na/da
produo dos mesmos, porque Colniza vem despontando, no cenrio estadual, como maior
produtora de caf ainda assim, a produo muito baixa em relao a rea plantada.
A maioria das famlias reside em reas de ocupao irregular, ocupando terras
devolutas e latifndios improdutivos, fato este que tem tornado esta localidade uma rea de
tenso e conflitos entre ocupantes e proprietrios, principalmente na rea conhecida como
Capa Brava, cujas famlias foram despejadas da terra, e na Fazenda Magali, onde ocorreram
srios conflitos entre guachebas1 e trabalhadores rurais sem terra.
Por meio de uma pesquisa realizada em 2004 e divulgada em 2007 pela Organizao
dos Estados-Ibero-Americano (OEI), o Municpio foi considerado o mais violento do pas.
No incio do ano 2017, este aspecto veio a se confirmar, visto que o Municpio foi destaque
nacional pela chacina acorrida na Gleba Taquaruu, localizada no Distrito do Guariba, que
vitimou dez trabalhadores rurais, os quais ocupavam reas de terras devolutas.
Apesar dos altos ndices de desmatamento existente ocasionado, principalmente, por
pequenos, mdios e grandes proprietrios de terras e tambm pela indstria madeireira, o
Municpio conta, ainda, com a maior parte de seu territrio composto por reas florestais.
Como urgente uma reorganizao da estrutura fundiria no Municpio este conta,
atualmente, com sete assentamentos de Reforma Agrria regularizados ou em fase de
regularizao pelos Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) e Instituto
de Terras de Mato Grosso (INTERMAT).
1 No Municpio de Colniza, o nome guacheba utilizado para identificar as pessoas que praticam crimes
a mando dos fazendeiros, os chamados pistoleiros.
24
2.1.3 O Assentamento 1 de Maio
O Assentamento 1 de Maio, localizado no sudeste do Municpio de Colniza, tem por
caracterstica a proximidade com a sede do Municpio, mas mesmo assim, a populao local
encontra dificuldade de acesso ao espao urbano por ausncia de pavimentao das vias fato
que, no perodo chuvoso, potencializa os problemas aos assentados.
Por estar localizado no Territrio de Colniza, o Assentamento 1 de Maio apresenta as
mesmas caractersticas no que se refere ao Bioma, ao clima, geologia e geomorfologia. O
assentamento constitudo por sete linhas2 possuindo, tambm, um espao em formato radial
denominado Projeto Sol. Neste Projeto foi organizado uma agrovila com infraestrutura
destinada s vivncias da comunidade de assentados, composta de pequenos comrcios,
escola, igreja, campo de futebol e um pequeno espao para eventos agropecurios como a
tradicional festa anual conhecida no Municpio como Rodeio do Projeto Sol.
O Assentamento 1 de Maio foi criado pelo INTERMAT em vinte e seis de setembro
de 2000. Possui uma rea que corresponde a aproximadamente 17.246,2036 hectares e, apesar
de ter capacidade para 487 famlias, somente 385 foram assentadas.
2.2 ETAPAS DA PESQUISA
A escolha do Assentamento 1 de Maio como lcus de pesquisa se deu pelo fato de o
mesmo se encontrar localizado em uma rea que faz parte do Bioma Amaznico, com suas
bases produtivas direcionadas agricultura familiar. Este fato se tornou de grande relevncia
para a pesquisa, na medida em que se procurou compreender a viabilidade da produo
familiar em regies pertencentes a esse ecossistema que, diga-se de passagem, uma rea
sensvel grandes intervenes como o caso do agronegcio, cada vez mais crescente em
reas de fronteira agrcola.
A pesquisa foi desenvolvida utilizando-se dos princpios do mtodo dialtico, pois o
mesmo considera que os acontecimentos no esto isolados dos fatos sociais, j que as
contradies se manifestam constantemente, possibilitando o surgimento de novos
fenmenos. Nessa direo Lakatos e Marconi (2010, p. 85) pontuam que, [...] para a
dialtica, as coisas no so analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento:
2 Denominam-se de linhas, as estradas abertas que do acesso aos lotes. Seis delas so numeradas e distam
aproximadamente 4 km uma da outra: a 01, 02, 03, 04, 08 e 12. A outra leva o mesmo nome do Assentamento,
1 de Maio, sendo considerada a via principal, uma vez que faz ligao ao Projeto Sol, onde se concentra a
Agrovila.
25
nenhuma coisa est acabada, encontrando-se sempre em vias de se transformar,
desenvolver; o fim de um processo sempre o incio de outro.
No movimento dialtico as coisas esto sempre em construo e os fenmenos
sociais e naturais nunca ocorrem desarticulados, ou seja, sempre existe um grau de influncia
de um fato social ou natural sobre o outro. Conforme esclarecem as autoras LAKATOS e
MARCONI (2010, p. 83), tanto a natureza quanto a sociedade so compostas de objetos e
fenmenos organicamente ligados entre si, dependendo uns dos outros e ao mesmo tempo,
condicionando- se reciprocamente.
Em todo seu percurso a investigao assumiu um carter qualitativo, por considerar
que as relaes que acontecem entre os seres humanos e destes com o mundo, no podem ser
mensuradas e transformadas em nmeros quantitativos, j que a realidade e o sujeito so
inseparveis e o pesquisador tende a analisar as relaes dos sujeitos com o mundo. A escolha
pela investigao nessa forma de abordagem, se justifica pelo fato de a considerarmos uma
forma adequada para entender a natureza dos fenmenos que existem e que influenciam
diretamente sobre a vida dos assentados.
Para a anlise e compreenso dos elementos que configuraram o processo de
colonizao e a eficincia do modelo de agricultura familiar desenvolvido no Assentamento
1 de Maio e sua relao com as polticas pblicas desenvolvidas para os assentados, o aporte
terico-metodolgico que sustenta a pesquisa est fundamentado em autores como: Ianni
(2000), Becker (1990), Martins (1992;1995;2000;2009), Moreno (2005;2007), Oliveira
(2007), Stedile (1977;2006;2007) e Santos (1992;2006;2007).
De modo objetivo, a metodologia consistiu em realizar o levantamento de dados
primrios e secundrios. Consideramos primrios os dados que coletamos por meio de
entrevistas, informaes e questionrios, isto , produzidos pelo pesquisador. E secundrios,
os documentos elaborados pelos rgos pblicos.
Os dados primrios foram levantados mediante informaes e entrevistas realizadas
com os Secretrios Municipal de Agricultura e de Educao, com os responsveis pelo
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, com membros da Associao de Moradores do
Assentamento e com os comerciantes locais. As anlises desses dados foram de suma
importncia, porque possibilitaram o delineamento de um quadro socioeconmico do local,
bem como do perfil dos assentados.
26
Ressaltamos que, para preservar a identidade dos respondentes3 que se dispuseram a
participar, optamos por utilizar nomes fictcios para identific-los. Os nomes dos
respondentes foram escolhidos aleatoriamente e esto identificados como: Carlos, Marcos,
Miguel e Joana.
Os dados secundrios foram levantados mediante a consulta a documentos, stios e
materiais escritos diversos relacionados a agricultura familiar em rgos da Prefeitura
municipal (Secretaria de Agricultura), INCRA, IBGE, Secretaria de Planejamento do Estado
de Mato Grosso (SEPLAN/MT) e Empresas de Assistncia Tcnica, bem como junto aos
assentados.
Mesmo tendo recebido informaes e documentos nas diversas secretarias e rgos
pblicos na sede do Municpio, que auxiliaram a elucidar nossas indagaes e na composio
do quadro de anlise, para os fins da pesquisa fez-se necessrio, tambm, aplicar
questionrios aos assentados, os quais participaram do mesmo de forma livre e de acordo com
suas disponibilidades.
O questionrio foi composto por questes fechadas e abertas (Anexo I) e organizado
a partir de quatro blocos temticos a saber: o sistema produtivo desenvolvido no local, as
linhas de financiamento para os agricultores, a destinao da produo para o mercado
consumidor e a infraestrutura disponvel no assentamento.
Em se tratando do questionrio ancoramo-nos em Marconi e Lakatos (2003, p. 200),
quando afirmam ser o questionrio um instrumento de coleta de dados, constitudo por uma
srie ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presena do
entrevistador.
Embora a rea total do 1 de Maio totalizasse trezentos e oitenta e cinco (385) lotes,
optamos por no aplicar os questionrios aos noventa e quatro (94) assentados no Projeto Sol,
pelo fato de esta rea do assentamento ter sido idealizada e projetada pelo rgo de terras de
Mato Grosso, o INTERMAT e por no ter ligao direta com os movimentos de ocupao de
terras. Como nosso interesse se concentrava em melhor compreender o movimento e o
universo das reas que empreenderam luta pela terra, optamos por investigar somente os que
estavam assentados nas sete linhas, j mencionadas anteriormente, nas quais havia um
contingente de duzentos e noventa e um (291) agricultores familiares, que passaram por esse
processo.
3 Esse procedimento foi adotado por uma questo de tica cientfica e tambm porque a pesquisa foi
desenvolvida em uma das regies de maior violncia no campo no pas, o que suscitou numerosas chacinas e
morte de trabalhadores no campo.
27
Antes de ir a campo aplicar os questionrios fomos em busca de consultar a planta
baixa do Assentamento. Como no conhecamos a rea do assentamento, considervamos que
este documento possibilitaria conhecer algumas particularidades dos lotes e a distribuio
espacial destes. A planta baixa seria, assim, um elemento facilitador para podermos planejar
como organizaramos a aplicao dos questionrios aos moradores.
Para esse fim, percorremos os rgos INTERMAT e INCRA, a associao dos
moradores, a secretaria de agricultura, a sede da empresa colonizadora, o sindicato dos
trabalhadores, realizamos buscas na internet, questionamos os moradores do Municpio e os
assentados mais antigos. Estes ltimos afirmaram conhecer a planta baixa do Assentamento,
contudo alegaram t-lo vista no momento inicial da organizao dos lotes e ao longo do
tempo no tiveram mais acesso ao mesmo.
Ressaltamos que ao consultar o INTERMAT, que o responsvel direto pelo
assentamento fomos informados, pelo representante do rgo, que a planta do assentamento
somente era disponibilizada para presidentes de associaes devidamente legalizados, para
advogados representantes de moradores que tivessem impetrado alguma ao judicial ligada
ao assentamento e para instituies que, porventura, a solicitassem. No logrando xito em
nenhuma das tentativas acima, resolvemos ento percorrer as linhas do Assentamento em
busca dos moradores.
Realizamos o levantamento por amostragem que resultou na aplicao de
questionrios a cento e doze (112) agricultores, atingindo o patamar de 38% dos assentados
nos lotes. A princpio tnhamos a inteno de aplicar o questionrio a cinquenta por cento dos
agricultores familiares que compunha as linhas, o equivalente a aproximadamente 148
famlias, todavia, nos deparamos com algumas situaes, seja em razo da extenso da rea
do assentamento, seja pela falta de tempo dos assentados para responder, por no os
encontrarmos em suas casas devido ao trabalho e, ainda, pelo fato de a disponibilidade para o
levantamento se restringir a apenas um ms.
Houve ainda aqueles que no se dispuseram a responder por no entender do que se
tratava a pesquisa apesar dos esclarecimentos dados pelo pesquisador ou por acreditar que
este era um fiscal do INTERMAT investigando os reais proprietrios dos lotes e, ainda outros
que se negaram a responder por medo, em virtude dos conflitos que teriam ocorrido em meses
anteriores e que vitimou trabalhadores rurais no Distrito do Guariba.
Em todas as linhas do Assentamento foram aplicados questionrios aos moradores. O
quadro abaixo apresenta as linhas do Assentamento com o nmero de moradores
entrevistados
28
Quadro 01 - Nmero de Assentados Entrevistados por Linha.
Linhas Entrevistados
Linha 01 17
Linha 02 11
Linha 03 16
Linha 04 22
Linha 08 17
Linha 12 11
Linha 1 de Maio 18
Total 112
Fonte: Elaborado por Miranda Filho, 2017
A aplicao seguiu o seguinte procedimento: comevamos pelo lado direito de cada
linha a partir do primeiro lote e retornvamos pelo lado esquerdo. Obtida a resposta do
morador, pulvamos dois lotes e aplicvamos no prximo (4 lote), caso o morador no
estivesse presente ou se negasse a participar da pesquisa, retornvamos ao anterior (3 lote).
Se este respondesse, seguiria com o procedimento inicial e assim sucessivamente.
Ao transitar por algumas linhas visitando os moradores, constatamos que essa tcnica
no resultou eficaz como por exemplo na Linha 12, que por no possuir rede de energia
eltrica os moradores estavam ausentes porque residiam na cidade. Destacamos que em todas
as linhas havia pessoas que concentravam a propriedade de um ou mais lotes. Essa situao,
conjuntamente extenso das diversas linhas fez com que o nmero de entrevistados fosse
diferente, conforme pode ser constatado no quadro 01.
Enquanto no prximo captulo sero abordados assuntos relativos categoria espao,
aspectos relacionados luta pela terra no pas, os conceitos fundamentais inerentes
agricultura familiar a ao processo de colonizao do ambiente amaznico e a parte que
corresponde a esse Bioma no Estado de Mato Grosso, no ltimo captulo ter-se- uma anlise
sinttica do Assentamento 1 de Maio, tendo elemento norteador as categorias de anlise
proposta por Milton Santos, identificadas como estrutura, processo, funo e forma.
3 FUNDAMENTAO TERICA E CONCEITOS BASILARES
Toda e qualquer pesquisa pressupe o emprego de conceitos que fundamentam a
anlise. Neste tpico especificaremos os conceitos de territrio, de fronteira agrcola, de
agricultura familiar e de assentamento rural.
29
3.1 TERRITRIO: BASES FUNDAMENTAIS
O conceito de territrio tem ganhado grande relevncia nos estudos geogrficos,
tornando-se um termo de grande importncia para esta cincia. O seu entendimento tem se
tornado necessrio, para a compreenso sobre os espaos geogrficos especificamente por
ser tratar de uma poro do mesmo, em que se e arquiteta relaes de bases materialista e
ideolgicas.
Etimologicamente a palavra territrio tem sua origem no latim territorium, que
eventualmente significa pedao de terra apropriado. Usualmente definido como um espao
apropriado e delimitado, em que se estabelece relaes de poder.
Este conceito possui grande relevncia para vrios outros ramos do conhecimento,
sendo que cada qual enfatiza-o de acordo com suas perspectivas, possuindo vrios
significados. Como exemplo, podemos observar o uso do conceito de territrio na biologia,
que estabelece- o uso do mesmo para definir os espaos ocupados por determinadas espcies
de animais (territrio animal), na sociologia, o mesmo determinado a partir das relaes
sociais, j na economia o termo enfatizando como base de reproduo, dentre outras
cincias. Desta maneira, o conceito territrio passa a ser integrado a vrias cincias.
Possuindo, sentidos e significados variados de acordo com as especificidades de cada rea do
conhecimento.
Diante das vrias acepes existentes sobre o conceito de territrio, Costa (2006)
estabelece quatro vertentes a seu respeito sendo: a Poltica, onde o territrio compreendido
como um espao delimitado em que se estabelece relaes de poder; a Cultural, neste caso o
territrio passa a ser visto como resultante da apropriao e valorizao tpica do espao
vivido por um grupo social; a Econmica ou Economicista onde se enfatiza as relaes
econmicas e a Naturalista em que o territrio passa a ser compreendido a partir das
relaes homem/natureza.
Desta forma o territrio pode se manifestar em mltiplas escalas no possudo
necessariamente um carter poltico. A sua definio est diretamente vinculada a conceitos,
pensamentos ou abordagens que se realizam a seu respeito. Tornando assim comum encontrar
diversas concepes para defini-lo, principalmente pelo fato deste conceito estar diretamente
relacionado a maneira em que cada pesquisador dentro de sua linha de trabalho e de suas
concepes filosficas, tericas e metodolgica busca defini-lo.
Diante das abordagens existentes para a definio de territrio se faz necessrio
compreender algumas leituras que so atribudas a este conceito.
30
Perante as concepes de mltiplos territrios a anlise deste conceito parte do autor
Haesbaert, principalmente pelo fato deste apontar para algumas concepes de territrio e
posteriormente discutir a desterritorializao e a multiterritorialidade.
Diante da complexidade de definio do conceito de territrio Haesbaert (2006)
procura fazer anlise do mesmo enquadrando-o a partir de trs concepes, sendo a
Poltica, a Cultural e a Econmica. Diante destas concepes o autor define que:
- Poltica (referida s relaes espao-poder em geral) ou jurdico--poltica (relativa
tambm a todas as relaes espao poder institucionalizadas): a mais difundida,
onde o territrio visto como um espao delimitado e controlado, atravs do qual se
exerce um determinado poder, na maioria das vezes mas no exclusivamente
relacionado ao poder poltico do Estado.
- Cultural (muitas vezes culturalista) ou simblico cultural: prioriza a dimenso
simblica e mais subjetiva, em que o territrio visto, sobretudo como o produto da
apropriao/valorizao simblica de um grupo em relao ao seu espao vivido.
- Econmica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimenso
espacial das relaes econmicas, o territrio como fonte de recursos e/ou
incorporado no embate entre classes sociais e na relao capital-trabalho, como
produto da diviso territorial do trabalho, por exemplo. (HAESBAERT, 2006, p.
40).
Toda esta anlise referente aos trs aspectos de construo territorial, est
fundamentada na concepo de trabalho, principalmente pelo fato do autor destacar a relao
de poder como uma essncia para a edificao do territrio. Diante desta concepo Haesbaert
(2005) destaca que o poder deriva das relaes sociais, mesmo que sendo de forma desigual,
deixando assim de ter um centro irradiador.
Haesbaert (2005) ainda destaca a existncia de duas dimenses do territrio sendo uma
simblica e outra funcional. Desta forma a dimenso funcional est diretamente relacionada a
partir dos espaos de vivncias territoriais de determinados grupos, pois acabam dotando um
determinado espao de significados. Como o caso da existncia de locais sagrados, ou
mesmo, da representao de algum elemento da natureza como forma de representar
determinado grupo social. Toda esta construo simblica de territrio est relacionada a
funo de poder. A funo funcional do territrio, est caracterizada pelos fatores
econmicos, que definem a construo territorial como um fator de base para a sobrevivncia
de um grupo.
O entendimento das dimenses simblica e funcional e essencial para a compreenso
da territorialidade e a dinmica da multiterritorialidade. Segundo Haesbaert (2004) a
multiterritorialidade pode ser entendida como;
[...] a existncia do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no
sentido de experimentar vrios territrios ao mesmo tempo e de, a partir da
formular uma territorializao efetivamente mltipla, no exatamente uma
31
novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorializao parte do nvel
individual ou de pequenos grupos, toda relao social implica uma interao
territorial, um entrecruzamento de diferentes territrios. Em certo sentido, teramos
vivido sempre uma multiterritorialidade. (HAESBAERT, 2004, p.344).
Diante da anlise exposta acima sobre os mltiplos territrios, fica ntido que a
dimenso funcional e a simblica acabam se integrando em diferentes territrios o que nos
permite a compreender a territorialidade e a dinmica da multiterritorialidade.
De acordo com Rafestin (1993) o espao geogrfico antecede ao territrio e que o
mesmo um substrato do espao. Conforme podemos observar na citao abaixo.
essencial compreender bem que o espao anterior ao territrio. O territrio se
forma a partir do espao, o resultado de uma ao conduzida por um ator
sintagmtico (ator que realiza um programa) em qualquer nvel. Ao se apropriar de
um espao, concreta ou abstratamente [...] o ator territorializa o espao.
(RAFESTIN.1993, p.143).
Este autor foi um dos primeiros a tratar a abordagem de territrio, e em a suas
concepes, enfatiza o territrio como uma instncia poltico-administrativa. Definindo-o a
partir de um territrio nacional composto de um espao fsico, com suas instncias jurdicas e
poltica, definido pela ao do trabalho humano, composto de seus limites e fronteiras.
Segundo RAFESTIN (1993) o territrio se apara no espao, mas no espao, pois no
momento em que os seres humanos se apropriam do espao de forma concreta ou abstrata, o
espao passa a ser territorializado e consequentemente nestes espaos esto engendradas
relaes de poder.
Para Souza (2001, p.1) todo espao definido e delimitado por e a partir de relaes de
poder um territrio, do quarteiro aterrorizado por uma gangue de jovens at o bloco
constitudo pelos pases membros da OTAN. O autor faz uma abordagem poltica e cultural
ao identificar conflitos existentes nos espaos urbanos entre grupos sociais, que estabelecem
relaes de poder formando territrios perante a existncia de diferenas culturais. Desta
forma, Souza (2001) define que o poder no deve ser confundido com atos de violncia e
dominao, como tambm no se restringe ao Estado nao. Admitindo que o conceito de
territrio possui interpretaes que vo alm da abordagem territorial do Estado-Nao.
Posteriormente em seus estudos Souza (2001) passa a propor o conceito de territrio
autnomo, como uma opo de desenvolvimento. Para o autor:
Uma sociedade autnoma aquela que logra defender e gerir livremente seu
territrio [...] Uma sociedade autnoma no uma sociedade sem poder [...] No
entanto, indubitavelmente, a plena autonomia incompatvel com a existncia de
um Estado enquanto instncia de poder centralizadora e separada do restante da
sociedade. (SOUZA, 2001, p. 106).
32
Souza estabelece que a autonomia a base do desenvolvimento de uma sociedade
que objetiva princpios de liberdade e igualdade sociais. O autor esclarece que a autonomia
territorial no significa a existncia de uma sociedade sem relaes de poder. Souza (2001,
p.108) desta que em qualquer circunstncia, o territrio encena a materialidade que constitui
o fundamento mais imediato de sustento econmico e de identificao de um grupo. Assim,
o territrio no assume caractersticas de um poder ideolgico e centralizado como o Estado-
Nao, mas um territrio autnomo onde as pessoas possuem o livre-arbtrio de manifestarem
suas escolhas, produzindo um espao mais justo. Sendo assim, o territrio passa a assumir
vrias vertentes, com diversas funes, principalmente pela existncia de mltiplos territrios
que podem ser temporrios ou permanentes, como o caso dos grandes centros urbanos, com
o territrio das prostitutas, narcotrficos, dentre outros.
Ao realizar uma abordagem poltica e econmica da ocupao do espao brasileiro
Andrade (1995) considera que o territrio pode ser entendido como o controle efetivo das
instncias polticas, jurdicas, econmicas e fiscais e esclarece que o mesmo no deve ser
confundido com os conceitos de espao e lugar. Tendo a ideia de poder uma constante na
anlise de territrio:
O conceito de territrio no deve ser confundido com o de espao ou de lugar,
estando muito ligado ideia de domnio ou de gesto de uma determinada rea.
Deste modo, o territrio est associado ideia de poder, de controle, quer se faa
referncia ao poder pblico, estatal, quer ao poder das grandes empresas que
estendem os seus tentculos por grandes reas territoriais, ignorando as fronteiras
polticas. (ANDRADE, 1995, p. 19).
Assim, o territrio se associa ideia de uma rea integralmente ocupada pela
populao, e pelos setores econmicos, em que as relaes capitalistas se fazem presentes,
sendo que o espao uma rea mais ampla que o territrio englobando reas vazias, que ainda
no sofreram a ao humanas, ou seja, que no foram territorializadas.
Por sua vez Santos (1996) define que no espao que contm o territrio modelado,
correspondendo as estruturas naturais e as edificaes construdas pelo homem como:
estradas, casas, cidades dentre outras. Neste mesmo sentido, Santos (1985) esclarece que a
periodizao da histria que define como ser organizado o territrio. A materialidade do
territrio passa a ser construda historicamente como a negao da natureza natural atravs de
objetos e aes e normas (tcnicas, polticas e jurdicas), que possuem em sua constituio
contedos tcnicos e sociais. Observamos aqui, que o autor faz recortes do espao para
compreender o territrio, buscando uma compreenso mais ampla e mais densa deste
conceito.
33
De acordo com Santos (1996), o territrio pode ser compreendido historicamente
como uma rea ou pedao do espao, Estado-Nao ou um conjunto de lugares com uma
constituio material. Para ele:
A configurao territorial dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais
existentes em um dado pas ou numa dada rea e pelos acrscimos que os homens
superimpuseram a esses sistemas naturais. A configurao territorial no o espao,
j que sua realidade vem de sua materialidade, enquanto o espao rene a
materialidade e a vida que a anima. (SANTOS,1996, p.51).
Fica ntido que Santos define o conceito de territrio a partir das relaes homem
natureza e estabelece diferenas entre espao e territrio, determinando que a materialidade
define o territrio e que o espao rene a materialidade e a vida que vos anima e, que o
territrio definido e construdo a partir de cada momento histrico.
Santos (2002) define que o territrio se configura a partir das intenes humanas pelo
uso da tcnica, pelos meios de produo, pelos objetos, pelo conjunto territorial e pela
dialtica. O autor acredita que a formao territorial algo externo ao territrio.
Com base nos autores mencionados chegamos concluso de que a ideia de relao de
poder est explicita ou implicitamente nas abordagens de cada autor para a definio do
conceito territrio, e que o mesmo resultante do desenrolar histrico das aes humanas
entre os seres humanos e dos mesmos com o meio natural. Esclarecendo que os territoriais
so compostos de histria, cultura, memria e espiritualidade, que constituem a viso de
mundo e a identidade de cada povo. Por tanto, a luta em prol de sua permanncia se constitui
na defesa das formas de vida de quem nele habita.
3.2 ASSENTAMENTOS RURAIS
Os projetos de colonizao e reforma agrria desenvolvidos no Brasil possuram, por
um perodo de tempo, caractersticas tanto de natureza privada quanto estatal, mas ambos
estavam embasados nas diretrizes do rgo estatal responsvel pela aplicabilidade das
polticas pblicas de colonizao e reforma agrria de acordo com o perodo vigente.
Atualmente o INCRA o rgo federal responsvel pela administrao das terras
pblicas no cenrio nacional, assumindo papel de grande relevncia e responsabilidade no
processo de desapropriao de terras, para fins de reforma agrria ou de imvel rural, que no
esteja cumprindo sua funo social, destinando-os a projetos de assentamentos rurais.
Segundo o Estatuto da Terra, Lei n 4.504/64, em seu artigo 1, 1, Considera-se
Reforma Agrria o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuio da terra,
34
mediante modificaes no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princpios de
justia social e ao aumento de produtividade.
Diante da existncia das polticas de reforma agrria existente no pas o que se pode
observar em mbito nacional desde meados do sculo XX, com o surgimento do Estatuto da
Terra at as primeiras dcadas do sculo XXI, que a estrutura agrria brasileira est marcada
por processos que beneficiaram grandes projetos agropecurios, em detrimento de poucos
investimentos pblicos para a realizao de uma reforma agrria que fosse capaz de atender a
populao sem-terra.
Desta maneira os projetos de assentamentos rurais desenvolvidos no Brasil at os dias
atuais esto muito distantes de atender a real necessidade da imensa massa de trabalhadores
sem-terra que existe, quanto mais promover uma distribuio de terras mais justa no espao
rural brasileiro.
O significado da palavra assentamento rural no uso cotidiano da populao brasileira
recebe a usual significao de conjunto de pequenas propriedades, que so doadas pelo poder
pblico a trabalhadores sem-terra.
Segundo Bergamasco e Noder (1996) o termo assentamento foi utilizado pela primeira
vez na linguagem sociolgica e jurdica por volta de 1960 na Venezuela, durante o perodo
em que se discutia a reforma agrria naquele pas e, a partir desta data, ele se espalhou para
vrios pases.
Para os autores citados, de maneira genrica, os assentamentos rurais podem ser
definidos como a criao de novas unidades de produo agrcola, por meio de polticas
governamentais visando o reordenamento do uso da terra, em benefcio de trabalhadores
rurais sem terra ou com pouca terra (BEGAMASCO; NODER 1996, p.07).
Bergamasco e Noder (1996) ainda ressaltam que a origem dos assentamentos est
intimamente relacionada com os projetos de colonizao, reassentamentos e populaes
atingidas por barragens, planos estaduais de valorizao e de regularizao possessora das
terras pblicas, programas de reforma agrria e de criao de reservas extrativistas.
Para Furtado e Furtado os assentamentos rurais tambm podem ser definidos como:
[...] instalao de novas propriedades agrcolas, como resultado de polticas pblicas, objetivando uma redistribuio de terras menos concentradora, cujos
envolvidos so os trabalhadores rurais sem terra e aqueles com pouca terra. O termo
assentamento, introduzido pelos rgos oficiais, d idia de alocao, de fixao dos
trabalhadores na agricultura, da o surgimento de uma nova categoria no espao
rural, o assentado. (FURTADO, R.; FURTADO, 2000, p.180).
35
Os autores ressaltam que o termo assentado uma forma de denominar meeiros,
bias-frias, posseiros, arrendatrios, pequenos proprietrios dentre outros trabalhadores rurais,
que perderam suas terras antes do assentamento tentando, desse modo, ocultar a luta dos
mesmos pelo direito terra, impedido-os de se tornarem protagonistas no/do processo de
acesso terra, tornando-os apenas beneficirios das polticas pblicas de reforma agrria.
De acordo com o INCRA (2017), assentamentos rurais so um conjunto de unidades
agrcolas independentes entre si, instaladas por este mesmo rgo, onde originalmente existia
um imvel rural que pertencia a um nico proprietrio.
Mediante as definies acima expostas os assentamentos rurais so formados a partir
das desapropriaes de latifndios improdutivos realizadas pelo INCRA, divididos em lotes
ou parcelas de terras destinadas a trabalhadores sem-terra que se comprometem, ao receber
estas reas, desenvolver atividades agrcolas de subsistncia, estabelecer moradia no local e
utilizar-se de mo de obra familiar.
Estas unidades de produo agrcola existentes no Brasil so resultantes de polticas
pblicas de reforma agrria, que surgiram a partir dos movimentos sociais de luta pela terra
com o objetivo de promover uma justa distribuio de terras no cenrio agrrio.
Atualmente os projetos de assentamentos oficializados pelo INCRA recebem nomes
distintos de acordo com a sua origem, sendo divididos em duas modalidades: Modalidade de
Projeto criados pelo INCRA e Modalidade de reas reconhecidas por essa instituio.
No primeiro grupo esto as modalidades criadas pelo INCRA que so: Projeto de
Assentamento Federal (PAF), Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE), Projeto de
Desenvolvimento Sustentvel (PDS), Projeto de Assentamento Florestal (PAF), Projeto de
Assentamento Casulo (PAC). No segundo grupo se encontram as modalidades de projetos de
assentamentos reconhecidas pelo INCRA, que so: Projeto de Assentamento Estadual (PE),
Projeto de Assentamento Municipal (PAM), Programa Nacional de Crdito Fundirio,
antigo Programa Cdula da Terra (PCT), Reservas Extrativistas (RESEX), Territrio
Remanescente Quilombola (TRQ), Projeto de Reconhecimento de Assentamento de Fundo
de Pasto (PFP), Projeto de Reassentamento de Barragem (PRB), Floresta Nacional
(FLONA), Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS).
Todos estes assentamentos baseiam-se no modo de produo familiar em que se
desenvolvem atividades econmicas variadas, de acordo com a regio em que esto
localizados, principalmente atividades relacionadas agropecuria incluindo a produo de
alimentos para o consumo dos assentados, como tambm para abastecer o mercado interno.
36
O sistema produtivo destas unidades, em sua grande maioria, se baseia na economia
solidria, associativista e cooperativista. Nestas unidades produtivas no existem diviso
administrativa formal, porm as famlias assentadas se organizam em associaes, para
resolverem seus problemas, que so designados por setores como sade, cultura, produo,
dentre outras finalidades.
Os projetos sobre reforma agrria so de extrema importncia social porque, via de
regra, promovem a incluso social atravs de uma melhor distribuio da renda e por meio do
acesso terra a trabalhadores que no a possuem. De acordo com Martins (2000, p.37) com a
recente disseminao da agricultura familiar, a partir da ampliao dos assentamentos da
reforma agrria se tornou possvel atender um maior nmero de famlias, possibilitando-as
multiplicarem suas rendas, melhorarem a qualidade de vida e suprimirem fatores de anomia4 e
desagregao familiar.
Apesar das regies destinadas a assentamentos serem contempladas com
infraestrutura bsica, muitos destes carecem de escolas, sistema de sade e de crdito. ntida
a transformao social, que estas unidades de produo agrcola vm promovendo na vida dos
assentados.
A esse respeito, Leite et al. (2004, p. 258) conclui que:
[...] a criao dos assentamentos possibilitou, para uma populao tradicionalmente
excluda e que enfrentava no momento anterior uma instvel e precria insero no
mundo do trabalho rural/agrcola, uma importante alternativa e oportunidade de
trabalho, especialmente para os segmentos de baixa escolaridade, como o caso da
populao assentada. Os assentamentos representam a possibilidade de centrar suas
estratgias de reproduo familiar e de sustento no prprio lote, complementarmente
lanando mo de outras fontes de renda e de trabalho fora do lote. Atuando como
um amparo frente s agruras das formas por meio das quais vem se dando o
desenvolvimento econmico, servem como proteo social, resolvem o problema de
moradia e permitem a insero no mercado de trabalho. (LEITE et al. 2004, p.
258).
Do exposto acima pode se inferir que a poltica de reforma agrria no pas, atravs da
implementao de assentamentos rurais, possibilita a incluso social e a transformao dos
sujeitos, que estavam margem do mercado de trabalho.
Sob o ponto de vista da importncia econmica dos assentamentos rurais para os
municpios, em que os mesmos se encontram ou em relao a sua rea de abrangncia,
Medeiros e Leite (2004) definem que:
[...] os assentamentos tenderam a promover um rearranjo do processo produtivo nas
regies onde se instalaram, muitas vezes anteriormente caracterizadas por uma
4 Ausncia de leis ou de organizao.
37
agricultura com baixo dinamismo. A diversificao da produo agrcola, a
introduo de atividades mais lucrativas e em alguns casos mudanas tecnolgicas
refletiram-se na composio da receita dos assentados, afetando o comrcio local, a
gerao de impostos, a movimentao bancria etc., com efeitos sobre a capacidade
de o assentamento se firmar politicamente como um interlocutor de peso no plano
local/regional. (LEITE; MEDEIROS, 2004, p. 37).
notrio que a reforma agrria no Brasil anda muito distante de atingir a demanda de
trabalhadores rurais destitudos de terra. Os poucos assentamentos rurais existentes no pas,
que surgiram a partir de polticas pblicas de reforma agrria, assumiram um elevado grau de
importncia para o desenvolvimento social e econmico dos assentados e das reas em que
esto inseridos. O que fica evidente no cenrio rural brasileiro, ao analisarmos sua estrutura
agrria, que o pas precisa de uma verdadeira reforma agrria, que seja capaz de promover
uma reorganizao da poltica agrria.
3.3 AGRICULTURA FAMILIAR
O termo estrutura agrria utilizado pelos estudiosos para definir as formas de acesso
propriedade da terra, estabelecendo grande relevncia perante as relaes existentes entre
trabalhadores rurais, proprietrios de terras e no proprietrios. A estrutura fundiria refere-se
organizao do espao agrrio e s caractersticas relacionadas ao tamanho das
propriedades, sendo seu estudo de fundamental importncia para a compreenso da estrutura
agrria de uma determinada regio.
Por mais que as formas de acesso terra no Brasil, durante seu processo histrico,
tenham contribudo para a concentrao fundiria, ainda existe no espao agrrio brasileiro
uma diversidade de pequenas e mdias propriedades. Diante dos fatos observamos a atual
estrutura fundiria brasileira, e percebemos que existe uma enorme discrepncia quando
consideramos a relao entre a quantidade de terras, por proprietrios de terras, ou seja, o
grande nmero de pequenos proprietrios no ocupa a significativa parte das terras
agricultveis, devido estas extensivas reas estarem sob o controle de um pequeno grupo de
proprietrios.
Dentro deste contexto fundirio e mediante as altssimas desigualdades na distribuio
de terras existentes, em todas as regies brasileiras, as unidades de produo familiar ocupam
apenas 20% das terras agricultveis do Brasil.
De acordo com a Lei 4.504/64 entende-se por propriedade familiar:
O inciso II, do art. 4, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) define como propriedade
familiar o imvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua
famlia, lhes absorva toda a fora de trabalho, garantindo-lhes a subsistncia e o
progresso social e econmico, com rea mxima fixada para cada regio e tipo de
38
explorao, e eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros. (Estatuto da Terra
- Lei 4504/64).
A agricultura familiar5 possui processos e caractersticas diferenciadas se comparada
com a agricultura no familiar. Nela se desenvolvem atividades econmicas que atendem a
requisitos bsicos como: a propriedade rural no ter rea superior a 4 mdulos rurais 6; a
gesto da propriedade ser compartilhada pela famlia, ou seja utilizar-se- da mo de obra da
prpria famlia no desenvolvimento das atividades econmicas da propriedade; a atividade
agropecuria deve ser a principal fonte geradora de renda e; possuir a maior parte da renda
familiar proveniente de atividades desenvolvidas no estabelecimento rural.
A agricultura familiar tambm chamada de unidade de produo familiar agrcola
consiste no cultivo de terras, que engloba pequenos proprietrios rurais. A Lei N 11.326, de
24 de julho de 2006, considera como empreendedor familiar rural aquele que desenvolve
atividades no meio rural e estabelece um conjunto de caractersticas tais como: ter a renda
familiar originada das atividades econmicas desenvolvidas no prprio empreendimento; ter
como mo de obra a prpria famlia; que o estabelecimento seja gerenciado pela prpria
famlia e que a rea utilizada, para o desenvolvimento das atividades no ultrapasse a quatro
mdulos rurais de terra.
Este modelo de produo no espao rural surgiu em oposio ao modelo capitalista de
produo rural. De acordo com Chayanov (1981).
[...] a unidade de produo familiar na agricultura regida por certos princpios
gerais de funcionamento interno que a tornam diferente da unidade de produo
capitalista. Esses princpios derivam do fato de que, ao contrrio da empresa
capitalista, a empresa familiar no se organiza sobre a base da extrao e
apropriao do trabalho alheio, da mais-valia. A fonte do trabalho que aciona o
capital envolvido no seu processo de produo o prprio proprietrio dos meios de
produo. (CHAYANOV, 1981, p. 34).
Assim sendo, as polticas pblicas destinadas a agricultura familiar assumem grande
relevncia neste modelo de atividade, principalmente na produo de alimentos para o
abastecimento do mercado interno, contrapondo-se ao agronegcio, cuja maioria esmagadora
da produo destinada exportao.
5 A agricultura familiar aquela desenvolvida e administrada por pequenos produtores, para ser considerado agricultor familiar necessrio atender algumas exigncias como: usar somente mo de obra familiar; de
acordo com o modulo fiscal do municpio a propriedade no pode ser menor que 4 hectares e nem superior a 100
hectares e sustentar a famlia com o que produzido na prpria terra.
6 De acordo com o INCRA (2017): O conceito de mdulo rural derivado do conceito de propriedade familiar e,
em sendo assim, uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependncia entre a
dimenso, a situao geogrfica dos imveis rurais e a forma e condies do seu aproveitamento econmico.
39
Por outro lado, a agricultura familiar brasileira responsvel pela produo de uma
boa parte dos alimentos servidos cotidianamente mesa dos brasileiros como feijo, arroz,
milho, mandioca, caf, trigo, dentre outros.
Conforme dito anteriormente, a Lei estabelece que para ser considerada uma unidade
familiar de produo, a rea destinada ao desenvolvimento das atividades agrrias no deve
ser superior a quatro mdulos rurais. Ocorre que o mdulo rural no territrio a ser investigado
assumiu uma nova configurao, uma vez que foram disponibilizados aos assentados lotes de
50 hectares sendo que destes, somente 20% podem ser desmatados para o desenvolvimento
das atividades agropecurias, sendo que o ressaltante dever ser destinado rea de reserva
florestal.
De acordo com a Lei 11.326 de julho de 2006, que define as diretrizes para a
formulao da Poltica Nacional da Agricultura Familiar so considerados agricultores
familiares silvicultores, agricultores, extrativistas, pescadores, indgenas, quilombolas e
assentados da reforma agrria.
Em suma, estes agricultores por morarem e trabalharem em seu local de trabalho
possuem uma relao muito particular com a terra, alm disso a diversidade produtiva
tambm uma caracterstica deste setor.
Ao longo do tempo, a agricultura familiar passou a ser considerada estratgica e
expressiva em termos de desenvolvimento econmico dos pases pobres ou
subdesenvolvidos, por ser supridora de alimentos bsicos para o mercado interno.
Apesar da grande relevncia da agricultura familiar na produo de alimentos
destinados ao mercado interno, observa-se que as polticas pblicas adotadas no Brasil
privilegiam os grandes latifndios. Como exemplo, pode ser mencionado o plano safra7
2016/2017. Este demonstra que foi destinado 30 bilhes de reais para a agricultura familiar,
enquanto a agricultura patronal recebeu um montante de 202.88 bilhes de reais, apesar da
agricultura familiar gerar quase que 40% das receitas dos estabelecimentos agropecurios do
pas e empregar aproximadamente 70% dos trabalhadores do setor agropecurio.
Os recursos destinados a financiarem a agricultura familiar so implementados atravs
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que surgiu no
ano de 1995, com a finalidade de promover o desenvolvimento sustentvel da agricultura
familiar e inseri-la na cadeia produtiva local.
7 Fonte: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/05.
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/05
40
O referido Programa possui as menores taxas de juros dos financiamentos destinados
ao setor rural, possibilitando diversas linhas de crdito, para os agricultores familiares, as
quais podem se destinar para projetos relacionados safra e s atividades agroindustriais.
Outro importante programa de fortalecimento da agricultura familiar est relacionado
como o Projeto de Segurana Alimentar desenvolvido pelo Governo Federal, o Programa
Fome Zero, que se constituiu em estratgia do Governo Federal, para assegurar o direito
humano alimentao adequada s pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal
Programa sustentava-se em quatro eixos articulados sendo: acesso a alimentao, gerao de
renda, articulao, mobilizao e controle social e o fortalecimento da agricultura familiar,
atravs Programa de Aquisio de Alimentos (PAA).
O Programa de Aquisio de Alimentos (PAA) requer um encontro com sua origem
que est circunscrita no Programa Fome Zero. A partir dessa concepo cria-se o
Programa de Aquisio de Alimentos. Institudo pelo artigo 19 da Lei n 10.696, de
2 de julho de 2003 e regulamentado pelo Decreto n 7.775, de 4 de julho de 2012, o
PAA integra o Sistema Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional SISAN e
tem como finalidades principais a promoo do acesso alimentao e o incentivo
da agricultura familiar. O apoio aos agricultores familiares opera-se por meio da
aquisio de produtos da sua produo, com dispensa de licitao.
http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=1125(01/04/17).
A referida Lei e o Decreto citados acima instituram o PAA, e isto possibilitou a ao
do Estado no processo de incentivo e comercializao da produo familiar, como tambm,
trouxe aos agricultores a garantia de venda de seus produtos possibilitando-lhes maiores
possibilidades do aumento de suas rendas.
O Censo Agropecurio de 2006, revelou que existem no Brasil 4,3 milhes de
estabelecimentos de agricultura familiar, representando 84,4% do total de todos os
estabelecimentos rurais existentes no pas, sendo que a metade deles est na Regio Nordeste.
Segundo o Censo Agropecurio (2006), a agricultura familiar constitui a base
econmica de 90% dos municpios brasileiros com at 20 mil habitantes, responde por 35%
do produto interno bruto nacional e absorve 40% da populao economicamente ativa do pas.
Tal aspecto pode ser verificado por meio do quadro abaixo, que apresenta um
demonstrativo da produo familiar e no familiar e, por meio do qual pode se inferir a
importncia desse modelo produtivo, para a segurana alimentar do pas.
http://www.conab.gov.br/conteudos.php?a=1125(01/04/17)
41
Quadro 02 - Comparao da Participao dos Modelos de Agricultura Familiar e No
Familiar Cultura Produo familiar % Produo no familiar %
Mandioca 87% 13%
Feijo 70% 30%
Milho 46% 54%
Caf 38% 62%
Arroz 34% 66%
Trigo 21% 79%
Soja 16% 84%
Leite 58% 42%
Aves 50% 50%
Sunos 59% 41%
Bovinos 30% 70%
Fonte: Grossi e Marques; Informaes do Censo Agropecurio, 2006.
Conforme o exposto, se tomarmos por base os gneros alimentcios destinados mesa
do brasileiro, a agricultura familiar assume papel de destaque na produo do feijo, da
mandioca e do leite, bem como de legumes e hortalias. A agricultura familiar possui,
portanto, importncia econmica vinculada ao abastecimento do mercado interno e ao
controle da inflao dos alimentos consumidos pelos brasileiros.
Por outro lado, com relao a produtos como caf, milho e soja verifica-se que a
produo se concentra no modelo de agricultura comercial destinada, em grande escala, ao
mercado externo.
O principal apoiador da agricultura familiar o PRONAF, que tem como objetivo
promover o desenvolvimento sustentvel da agricultura familiar. Por meio dele, os
agricultores familiares tm acesso a linhas de crdito, para investimento em suas
propriedades. Porm, os projetos desenvolvidos para obteno do crdito devem ser
destinados para o custeio da safra, e para a atividade agroindustrial.
Para ter acesso ao PRONAF o agricultor deve possuir a Declarao de Aptido ao
Pronaf (DAP) e a renda bruta destas famlias deve ser inferior a R$ 360 mil. A DAP foi
criada para identificar e qualificar o agricultor familiar permitindo-lhe acesso diferenciado s
polticas pblicas de financiamento produo rural. Atualmente, a DAP concede acesso a
mais de 15 polticas pblicas, dentre as quais podemos citar as mais utilizadas pelos
agricultores: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF),
Programa de Aquisio de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentao Escolar
(PNAE), a Assistncia Tcnica e Extenso Rural (ATER), e o Programa Garantia Safra,
42
criado pela Lei 10.420 de 10 de abril de 2002, com o objetivo de assegurar condies
mnimas de sobrevivncia aos agricultores familiares, que devido estiagem ou excesso
hdrico tiveram srios prejuzos com sua safra.
3.4 FRONTEIRA AGRCOLA
O termo fronteira, deriva do antigo latim, sendo utilizado para indicar parte de um
territrio situado a frente. Comumente este termo e entendido como uma linha que divide
dois territrios, configurando os espaos que determinam os limites dos Estados Nacionais.
Podendo ser demarcada com barreiras fsica construdas pelo homem (murros, cercas)
naturais (terrestres, lacustres, martimas e areas) ou abstratas (linhas imaginarias).
Assumindo assim grande relevncia na demarcao da soberania de um pas, ao delimitar a
governabilidade dos chefes de estados dentro dos limites territoriais.
No entanto, o uso deste conceito vem ao longo dos anos sendo utilizado para delinear
os espaos sociais, ambientais e econmicos pelo mundo. Conforme podemos observar em
Martins (2009):
A fronteira de modo algum se reduz e se resume fronteira geogrfica. Ela
fronteira de muitas e diferentes coisas: fronteira da civilizao (demarcada pela
barbrie que nela se oculta), fronteira espacial, fronteira de culturas e vises de
mundo, fronteira de etnias, fronteira da histria e da historicidade do homem. E,
sobretudo, fronteira do humano. (MARTINS, 2009, p. 11).
Desta forma, o conceito referente a fronteira no est somente relacionado a fatores
de ordem geogrfica, ele assume vrias outras especificidades que vo para alm da
delimitao de territrio enquanto estncia de Estado, possuindo caractersticas prprias e
mpares que se estabelecem de acordo com a realidade e especificidade de cada grupo
envolvido.
Durante o tempo histrico da humanidade vrios fatores contriburam diretamente para
que o conceito e significado de fronteira fosse alterado. Segundo Dias (2005) os conceitos
variam de uma poca para outra, sendo recriados pelos olhares humanos a cada perodo.
Todavia, estas mudanas tendem atender os interesses e necessidades de determinados grupos
scias.
Com o advento da globalizao, juntamente com a revoluo das tecnologias de
informaes, os pases abriram suas economias aos fluxos internacionais de capitais, de bens,
de servios e de capitais. Promovendo assim, uma ruptura nos limites e fronteiras mundiais,
principalmente com o processo de formao de mercado regionais, em todo mundo (como
43
Mercosul, Unio Europeia, NAFTA dentre outros). Sendo que, em muitos destes blocos
econmicos se estabeleceu uma livre circulao de pessoas e mercadorias.
No momento em que o sistema capitalista de produo modalizou os mercados
nacionais, e estabeleceu conexes em escala global entre os sistemas de produo dos pases,
as fronteiras e barreiras econmicas entre os pases foram sendo derrubadas a fim de atender
aos interesses de grandes grupos empresariais.
De acordo com Ianne (2000):
O desenvolvimento do modo capitalista de produo, em forma extensiva e
intensiva, adquire outro impulso, com base em novas tecnologias, criao de novos
produtos, recriao da diviso internacional do trabalho e mundializao dos
mercados. As foras produtivas bsicas compreendendo o capital, a tecnologia, a
fora de trabalho e a diviso internacional do trabalho, ultrapassaram fronteiras
geogrficas, histricas e culturais, multiplicando-se assim as suas formas de
articulao e contradio. Esse um processo simultaneamente civilizatrio, j que
desafia, rompe, subordina, mutila, destri ou recria formas sociais de vida e de
trabalho, compreendendo modos de ser, pensar, agir, sentir e imaginar. (IANNI,
2000, p.208-209).
Desta forma, a globalizao tem pro