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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA MARIUCE CAMPOS DE MORAES SENTIDOS SUBJETIVOS DE SUSTENTABILIDADE E SUA DOCÊNCIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO CUIABÁ 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

E MATEMÁTICA

MARIUCE CAMPOS DE MORAES

SENTIDOS SUBJETIVOS DE SUSTENTABILIDADE E SUA

DOCÊNCIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO

CUIABÁ

2014

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO … · Sentidos subjetivos de sustentabilidade e sua docência para professores em formação Tese apresentada ao Curso de Doutorado da Rede Amazônica

MARIUCE CAMPOS DE MORAES

SENTIDOS SUBJETIVOS DE SUSTENTABILIDADE E SUA

DOCÊNCIA PARA PROFESSORES EM FORMAÇÃO

Tese apresentada ao Curso de Doutorado

da Rede Amazônica de Educação em

Ciências e Matemática, como requisito

para a obtenção do título de Doutora em

Educação em Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. José Moysés Alves

CUIABÁ

2014

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ii

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.

M827s Moraes, Mariuce Campos de.

Sentidos subjetivos de sustentabilidade e sua docência para professores em

formação / Mariuce Campos de Moraes. - 2014.

x, 237f; 30 cm.

Orientador: JOSÉ MOYSÉS ALVES.

Tese (doutorado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Rede Amazonica

de Educação em Ciências e Matemática, Programa de Pós-Graduação em

Ensino de Ciências e Matemática, Cuiabá, 2014.

Inclui bibliografia.

1. Sustentabilidade. 2. Subjetividade. 3. Docência. 4. Ética. I. Título.

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

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iii

Mariuce Campos de Moraes

Sentidos subjetivos de sustentabilidade e sua docência para professores em formação

Tese apresentada ao Curso de Doutorado

da Rede Amazônica de Educação em

Ciências e Matemática, como requisito

para a obtenção do título de Doutora em

Educação em Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. José Moysés Alves

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Prof. Dr. José Moysés Alves – Universidade Federal do Pará

_____________________________________________

Prof. Dra. Nadia Magalhães da Silva Freitas – Universidade Federal do Pará

_______________________________________________

Prof. Dr. Wildson Luiz Pereira dos Santos – Universidade de Brasília

_______________________________________________

Prof. Dra. Edna Lopes Hardoim – Universidade Federal de Mato Grosso

_______________________________________________

Prof. Dra. Marta Maria Pontin Darsie – Universidade Federal de Mato Grosso

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iv

Dedico este trabalho à minha mãe

Clotilde. Aos meus irmãos e irmãs.

Às minhas sobrinhas e sobrinhos, e

seus filhos. Por fim, a David, e a

meus filhos, Lucas, Daniel e

Danilu, porque com eles ganha

sentido a luta diária pela

sustentação da vida e pela

felicidade.

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v

Agradecimentos

Em nome do Governo do Estado de Mato Grosso agradeço à Fundação de Apoio ao

Desenvolvimento da Pesquisa em Mato Grosso – FAPEMAT, pelo apoio financeiro à

pesquisa;

Em nome do prof. MSc. Marcel Thiago Damasceno Ribeiro agradeço ao Departamento

de Química, agradeço ao Instituto de Ciências Exatas e da Terra e à Universidade

Federal de Mato Grosso pelo apoio administrativo e financeiro;

Em nome da profa. Dra. Marta Maria Pontin Darsie e profa. Dra. Gladys Denise

Wieleswski, agradeço ao colegiado do curso, aos docentes, e aos discentes pela

articulação e desenvolvimento da Rede Amazônica de Educação em Ciências e

Matemática – a REAMEC que propiciaram espaços e tempos singulares de aprendizado

neste momento da minha história de vida;

Em nome da profa. Dra. Elane Chaveiro Soares, profa. Dra. Irene Cristina de Mello

agradeço a equipe do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Química pelo apoio

acadêmico e nos encargos – o LabPEQ foi fundamental como grupo de pesquisa

propiciando acolhimento e auxilio nesta etapa da minha profissionalização;

Em nome da profa. MSc. Jacqueline de Paula agradeço a toda a equipe do Projeto

Observatório da Educação com foco em Matemática e Iniciação às Ciências – pólo

UFMT, o projeto propiciou espaços e tempo para o exercício de uma prática docente

dialógica ímpar;

Agradeço aos acadêmicos da Licenciatura em Química da UFMT Campus Cuiabá e aos

professores do OBEDUC pelo apoio colaborativo à pesquisa. A investigação propiciou

condições para ensinar e aprender sobre a formação de professores diante de temas que

me são valiosos;

Agradeço aos primeiros leitores da tese, a profa. Dra. Nadia Magalhães da Silva Freitas,

o prof. Dr. Wildson Luiz Pereira dos Santos, a profa. Dra. Edna Lopes Hardoim, a

profa. Dra. Marta Maria Pontin Darsie e a profa. Dra. Tania Maria Lima, pelas preciosas

contribuições com a organização e fundamentação do relatório final;

Agradeço ao prof. Dr. José Moysés Alves pelo apoio na elaboração da pesquisa - sua

cuidadosa orientação foi responsável pela configuração que esta tese recebeu, e que me

honra defender, sobretudo propiciou elementos fundamentais de constituição de minha

configuração subjetiva atual.

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vi

“os homens são seres morais potenciais

porque possuem essa capacidade de ser

afetados (...) essa lacuna entre a sanção

abstrata e a motivação concreta só pode

ser transposta pelo arco do sentimento, o

único capaz de influenciar a vontade.”

(JONAS, p. 158).

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vii

RESUMO

A sustentação da vida exige uma sociedade pautada pela responsabilidade. Do ponto de

vista educacional, requer uma formação crítica, comprometida social e culturalmente

com um futuro viável para a natureza e para a sociedade, constituindo novos

referenciais à reflexão moral e ética. O comprometimento com essa construção

societária é feito por sujeitos históricos concretos, implicados em processos

permanentes de subjetivação. São sujeitos que se comprometem com aquilo que os

afeta, a partir de suas relações sociais, mediadas por princípios amplos, juízos e valores

morais. Ajuda a compreender a complexidade desta temática e sua implicação para uma

docência reflexiva, criativa e problematizadora, o conceito de sentido subjetivo, pois se

refere ao sistema simbólico-emocional dinâmico do sujeito, constituído por diferentes

espaços sociais, tensionado por suas experiências anteriores. Deste modo, defendo a tese

que (futuros) professores constroem, permanentemente, sentidos subjetivos sobre

sustentabilidade, pois o tema entrelaça suas histórias a nível social e pessoal,

envolvendo valores e compromissos sociais, que são afetivamente carregados. Assim,

ao refletirem sobre tais sentidos, os (futuros) professores se preparam para

problematizar os sentidos que o tema tem para seus alunos. Em apoio a esta tese,

realizei dois estudos com o objetivo de compreender como se configuram sentidos

subjetivos relacionados à sustentabilidade de sujeitos envolvidos em processo de

formação docente. Participaram do primeiro estudo três professores vinculados ao

Projeto Observatório da Educação com Foco em Matemática e Iniciação às Ciências,

polo UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Foram sujeitos do segundo estudo

quatro futuros professores de Química, da mesma universidade, que se envolveram com

o tema em vivência da prática docente. As informações analisadas foram oriundas de

conversas em grupo, complemento de frases e entrevistas individuais. Através de

análise construtivo-interpretativa delineei configurações subjetivas, que apontam noções

de consumo, degradação, preservação, danos, exaustão e poluição, articuladas à história

de vida de cada (futuro)professor, em função de experiências que os marcaram, em

vários momentos da vida e nos diversos contextos sociais que participaram. Também

apontam comprometimentos processuais, que atribuem valores distintos à segurança e

ao combate à vulnerabilidade, à participação com honestidade e com veracidade, ao

cuidado com o planeta, ao futuro, à alteridade, bem como, propiciam compreender

sentimentos de indignação, conciliação e curiosidade. As configurações de sentidos

subjetivos constituem a motivação que os (futuro)professores têm para ensinar o tema e

apontam algumas maneiras de trabalhar com ele na escola. As argumentações

desenvolvidas suscitam necessidades formativas, quando problematizadas por uma

noção integradora de sustentabilidade, com a qual se pode desnaturalizar discursos

unilaterais, baseados em uma simplificação inadequada do tema. Compreendo que

motivar (futuro)professores para ensinar sobre sustentabilidade depende de levar em

consideração, além dos conhecimentos teóricos de várias áreas, as configurações de

sentidos subjetivos dos sujeitos, pois a partir da problematização intencional de seus

valores, novas configurações de sentidos podem ser construídas, comprometidos com a

o desenvolvimento de uma sociedade mais responsável e justa.

Palavras-chaves: sustentabilidade; subjetividade; docência; ética.

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ABSTRACT

The sustenance of life demands of us a society guided by responsibility. From the

standpoint of educational, requires a critical training, committed socially and culturally

with a viable future for nature and society, providing new references to the moral and

ethical reflection. The commitment to this social construction is done by concrete

historical subjects, implicated in a permanent process of subjectivation. Are individuals

who are committed to what affects them, from their social relationships, mediated by

broad principles, judgments and moral values. The concept of subjective sense helps to

understand the complexity of this issue and its implications for a reflective, creative and

investigative teaching, as it refers to the dynamic symbolic-emotional system of the

subject, made up of different social spaces, tensioned by their previous experiences.

Thus, I argue that (future) teachers are building, permanently, subjectives senses of

sustainability, because the theme interweaves their stories at the social and personal

level, involving social values and commitments, which are affectively charged. Thus, to

reflect on such senses, prepares the (future) teachers to problematize the senses that the

theme has for its students. In support of this thesis, I realized two studies in order to

understand how to configure subjective senses related to sustainability of subjects

involved in teacher training process. Participated in the first study three teachers linked

to the Education Observatory Project with Focus on Mathematics and Science Initiation,

pole UFMT (Federal University of Mato Grosso State). Were subjects of the second

study four future Chemistry teachers, in the same university, who were involved with

the theme during experience in teaching practice. The information analyzed were

derived from group conversations, phrases complement and individual interviews.

Through constructive-interpretive analysis were outlined subjective configurations,

pointing notions of consumption, degradation, conservation, damage, depletion and

pollution, articulated with the life story of each (future) teacher, according meaningful

experiences for each, at various times in life and in different social contexts that they

participated. Also point out procedural commitments, which assign different values to

security and combating vulnerability, participation with honestly and with veracity, care

for the planet, assign value to the future, the otherness, as well as provide understanding

feelings of anger, conciliation and curiosity. The subjective senses configurations are

the motivation that (future) teachers have to teach the subject and point some ways to

work with the matter at school. The arguments developed raised educational needs,

when problematized by an integrative concept of sustainability, which can denature

unilateral speeches, based on an inadequate simplification of the theme. I understand

that to motivate (future) teachers to teach about sustainability depends to take into

account, in addition to theoretical knowledge from various fields, the settings of

subjective sense of the subject, as from the intentional problematization of their values,

new configurations of meaning can be constructed , committed to building a more

responsible and just society.

Keywords: sustainability; subjectivity; teaching; ethics.

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ix

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

1.1 Justificativa e dimensionamento da pesquisa ............................................................. 10

2 UMA VISÃO COMPLEXA DE SUSTENTABILIDADE PARA A EDUCAÇÃO

CIENTÍFICA ................................................................................................................. 15

2.1 Sustentabilidade integradora ............................................................................................. 22

2.2 Sustentabilidade e seu papel para a educação científica ................................................... 31

3 UMA VISÃO COMPLEXA DA SUBJETIVIDADE .............................................. 36

3.1 A teoria da subjetividade de González-Rey e o sujeito que aprende ...................... 40

3.2 A questão das intenções e fins e a incorporação da natureza e do futuro.................. 47

4 PRINCÍPIOS, ÉTICA E DOCÊNCIA ..................................................................... 52

4.1 Princípios amplos, juízos e valores morais ................................................................. 53

4.2 A relação complexa universal-singular ....................................................................... 55

4.3 Docência para a intervenção profissional e para a prática social ............................. 61

5 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA

DA SUBJETIVIDADE .................................................................................................. 65

5.1 A pergunta da pesquisa, a tese e os objetivos do trabalho ........................................ 66

5.2 O sistema de conversação e as questões procedimentais da pesquisa..................... 67

5.2.1 Os indicadores para conversação e os procedimentos de análise ................... 72

6 DOIS ESTUDOS SOBRE SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS COM

SUSTENTABILIDADE E DOCÊNCIA DO TEMA .................................................. 75

6.1 Sustentabilidade para professores: três subjetividades singulares ........................... 76

6.1.1 O contexto em estudo ...................................................................................... 77

6.1.2 Os participantes da pesquisa ........................................................................... 80

6.1.3 A produção subjetiva de Francisca - “como falar de sustentabilidade com

quem passa fome?” ................................................................................................. 81

6.1.4 A produção subjetiva de Antônio - “eles conseguiam viver tranquilamente e

essa é uma visão de sustentabilidade dele” ............................................................ 92

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x

6.1.5 A produção subjetiva de Eurico - “mas eu vivo a minha vida toda em cima de

sustentabilidade, para vocês é novidade” ............................................................ 104

6.1.6 Discussão das configurações de sentidos subjetivos ..................................... 116

6.2 Sustentabilidade para futuros professores: quatro subjetividades singulares ....... 119

6.2.1 O contexto em estudo .................................................................................... 121

6.2.2 os participantes da pesquisa .......................................................................... 124

6.2.3 A produção subjetiva de Rosa - “eu comecei (com) essa noção de questões

ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta” ....................................... 124

6.2.4 A produção subjetiva de Adonis – “a sustentabilidade implica em ter um

futuro melhor” ...................................................................................................... 134

6.2.5 A produção subjetiva de Margarida – “tem que pensar uma maneira de não

poluir, acho que isso é sustentabilidade” ............................................................. 143

6.2.6 A produção subjetiva de Dália – “falar de sustentabilidade é falar de uma

maneira complexa” ............................................................................................... 152

6.2.7 Discussão das configurações de sentidos subjetivos ..................................... 159

7 NECESSIDADES FORMATIVAS ......................................................................... 163

7.1 Necessidades que emergem a partir da argumentação desenvolvida .................... 164

7.2 Necessidades que emergem a partir da confrontação entre os princípios formais e

juízos .................................................................................................................................... 175

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 175

9 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 187

APÊNDICE A .............................................................................................................. 196

ANEXOS (DE 1 A 20) ................................................................................................ 214

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1 INTRODUÇÃO

A complexidade das interações homem-mundo e homem-natureza pressupõe

representações teóricas das interdependências ecológicas, sociais e culturais.

Compreendê-la exige ultrapassar dicotomias clássicas entre sociedade e individuo, entre

coletividade e subjetividade. Essas proposições levam-me a refletir sobre as inúmeras

críticas ao atual estado de insustentabilidade do estilo de vida humano e a dependência

sociocultural aos avanços científico-tecnológicos resultantes da luta pela sustentação da

vida humana no último século e o papel da educação científica para a sustentabilidade.

Esta é uma pesquisa que integra questões ambientais, subjetividade e formação

de professores em torno de comprometimento. Uma integração de temas da Educação

em Ciências e Matemática e de meu interesse como pesquisadora e docente acerca de

espaços e tempos de abertura ao posicionamento reflexivo, crítico e criativo de

professores. A sustentação da vida, em nossa época, exige de nós uma reflexão sobre

sustentabilidade e responsabilidade sobre as atividades humanas. Considero que o

comprometimento com a construção de sociedades sustentáveis é feito por sujeito

histórico-concreto. Sua subjetivação articula processos simbólico-emocionais

produzidos em diferentes espaços sociais. Isso implica sobre a docência, que é uma

atividade humana responsável por entrelaçar mundo natural e sociocultural, articulando

a educação às condições dinâmicas da sociedade.

Neste sentido, reconheço a importância da problematização das temáticas

ambientais na atualidade, inclusive do papel central da Educação para os

enfrentamentos necessários. A formação de professores de Ciências e Matemática, neste

momento, acontece em um cenário de manutenção da vida que reivindica um

posicionamento ético acerca de tais temáticas. Posicionamento que se torna uma

exigência para a docência contemporânea. Do docente espera-se que seja capaz de ações

educativas não apenas de cunho conceitual, mas também voltadas para as implicações

éticas, valores morais e compromissos sociais. Compreendo que essa diversidade de

atribuições requer uma intensificação do diálogo, da solidariedade e da tolerância,

inclusive no interior das salas de aulas.

O caráter múltiplo dos debates ambientais, suas dimensões ecológicas e

socioculturais, assim como suas implicações político-econômicas, caracteriza o contexto

da atual demanda pela sustentação da vida em nossa época. Diante dessas relações

complexas, a presente pesquisa inter-relaciona categorias que têm significação para

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distintos campos de conhecimento, construídos ao longo da história do tema

sustentabilidade no curso de múltiplas pesquisas, bem como pela cultura cotidiana

desenvolvida em seu redor.

A primeira incursão que faço é pelo caráter multidimensional da

sustentabilidade, um tema que envolve preocupações ecológicas, críticas ao modelo de

produção contemporânea, críticas a hábitos de consumo e estilo de vida. É um tema que

enseja amplos debates sobre as crescentes demandas de sustentação dos projetos

humanos, assim como a responsabilidade delas decorrente.

O tema tem configuração de ordem ecológico-sociocultural, que se deve à

incorporação de preocupações com a natureza diante dos projetos humanos

(AZEVEDO, 2002; SACHS, 2008). Há uma ênfase nas intervenções sociais no contexto

ecológico em função dos projetos humanos implantados, indiscriminadamente, em

ecossistemas de características específicas.

Dentro da abordagem focada em teoria produtivista, surgem outros elementos

dessa relação complexa. Devido às críticas ao projeto de construção societária em

expansão e da insustentabilidade do estilo de vida, além da crescente interação entre

Ciência e Tecnologia (C&T), emerge uma representação de cunho sociológico

preocupada com o cotidiano.

Nestas construções enfatizam-se categorias como sociedade e mudança social,

especialmente na forma de provocação à ideologia do consumo. De um lado, associa-se

consumo ao ideal científico-tecnológico que marca nossa época. Por outro lado, o

consumo é associado a meros critérios quantitativos e à exigência de eficiência

produtiva. Nesta conjuntura, o conhecimento assume papel central na sociedade atual,

de maneira que a caracterizam como Sociedade Intensiva de Conhecimento (DEMO,

2000). Nesta perspectiva, a visão científica e a inovação tecnológica são compreendidas

como soluções técnico-científicas. O apelo à racionalização da técnica e da ciência é

frequente, ainda que a tecnologia seja julgada, ora como promotora de danos, ora como

produtora de benefícios.

Em outras representações a sociedade atual é caracterizada como Sociedade de

Consumo (LEFEBVRE, 1991). Neste caso, tem origem uma demanda humana que vai

além dos objetos e atinge as imagens de manutenção de modelo de sustentação da vida

predominantemente degradante. Tal interpretação configura o cotidiano em especial por

suas características consumistas.

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3

O ponto de vista de nossa demanda pela produção de alimentos, o debate a cerca

da sustentabilidade agrícola adicionam outras provocações que ampliam a preocupação

com o ecossistema local, incluindo o uso e conservação da água e do solo. Neste caso,

os debates acadêmicos, em suas múltiplas pesquisas, passam a defender que a produção

de alimentos também depende de interações complexas e da construção societária

sustentável.

Em âmbito local, por exemplo, em 2002, no interior da Universidade Federal de

Mato Grosso (UFMT), o pesquisador em agricultura tropical, professor Azevedo (2002),

reunido com acadêmicos e movimentos sociais do estado, já advertia que mesmo que

venhamos a assumir as grandes transformações conceituais e políticas vivenciadas no

mundo, e apesar da urgência da busca por modelos sustentáveis e ambientalmente

adequados em áreas sensíveis como a tropical, continuamos a desenvolver, enquanto

sociedade global, modelos que não alteram a realidade de degradação.

Em sua experiência, tendo a agroecologia como ponto de partida, Azevedo

(2002) defende que a noção de sustentabilidade incorpore a noção de agricultura

sustentável, que deveria ter por base a formulação apresentada pela Comissão Mundial

de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nesta perspectiva, “desenvolvimento

sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as

possibilidades das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (WCED,

1987, p.49). Como uma construção conceitual, ela é considerada resultado da relação

complexa entre necessidades, preocupações ecológicas e intervenção humana nos

ecossistemas. Essa construção conceitual trata do enfrentamento do modelo que ao

longo do tempo acarretou, por um lado, a erosão genética com a bioinvasão, por outro

lado, gerou alterações no fluxo de massa e energia do planeta, com implicações na

dinâmica das águas, condições climáticas e fenômenos atmosféricos.

Também em âmbito local, para dar outro exemplo, em 2007, ainda na UFMT, no

campus universitário de Sinop, no interior do estado, já se discutia que o momento

histórico-político vivenciado pelo norte de Mato Grosso é próprio para estudar danos

ambientais e seus efeitos para a população procurando incentivar sociedades

sustentáveis. Municípios da região formada por um bioma de transição entre cerrado e

floresta apresentavam conflitos entre a necessidade de trabalho-renda e a preservação

ambiental. Desde 2010, Pignati e Dores juntamente com Belo et al. (2012) advertiam

que os dados dos estudos de exposição de agrotóxico em Mato Grosso apontavam para

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4

a necessidade de um monitoramento ambiental e de saúde permanente em áreas

produtoras de soja como parte das estratégias de vigilância em saúde do trabalhador e

vigilância ambiental.

Do exposto, é possível compreender a sustentabilidade como uma construção

que demanda integrar dimensões ecológicas, científicas, econômicas e sociais presentes

no debate público contemporâneo (acadêmico, político, associativo). Em certa medida

abrange as dimensões da vulnerabilidade das condições futuras da vida e dos processos

irreversíveis referentes à impossibilidade de corrigir, no futuro, os efeitos indesejáveis

de ações desencadeadas no presente (LAYRARGUES, 1998; 2011; JONAS, 2006).

Desta problematização da sustentabilidade defendo que o tema tem conteúdo

multidimensional, recebendo distintas interpretações por grupos sociais e pessoas, o que

leva a diferentes interpretações de mudança social.

As demandas humanas contemporâneas, majoritariamente urbana e global,

suscitam preocupações com a continuidade do atual patamar de consumo, pois

podemos dizimar parte da biodiversidade e provocar profundas alterações no fluxo de

massa e energia do planeta, podendo dizimar inclusive a vida humana. Essas

provocações serviram como leitura fundamental para retratar uma realidade de

insustentabilidade de diversos projetos humanos.

Ao longo do último século, foram desencadeados esforços globais,

acompanhados por esforços locais para a compreensão do papel da sociedade, da

responsabilidade pública e dos sujeitos frente à sustentabilidade. O tema possibilita

representar responsabilidades relacionadas às decisões da sociedade e também do

indivíduo. Há implicações que são referentes à esfera pública e outras que são referentes

à esfera privada. Em nossa época, ao evitar fragmentações, é pertinente compreender a

responsabilidade como resultado da complexa relação sociedade-indivíduo. Ou seja, o

tema está relacionado com a responsabilidade perante a convivência no Planeta.

Um caso exemplar de distintas responsabilizações e da relação complexa

sociedade-indivíduo está em torno do consumo de água e da demanda por produção de

alimentos. Em todo o mundo, a irrigação das terras de cultivo faz com que a agricultura

convencional seja responsável por aproximadamente dois terços do uso global de água e

é uma das principais causas de sua falta em algumas regiões. A cada ano, cerca de três

trilhões de metros cúbicos de água são utilizados na irrigação. Apesar disso,

convivemos com campanhas que focalizam na economia doméstica de água, com uma

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simplificação do processo de precaução do uso de água, que se aproxima das

informações midiáticas sensacionalistas. Se o planejamento do uso é de ordem pública,

a demanda tem relação com nossas decisões socioculturais, de manutenção de

determinados projetos.

Defendo que sustentabilidade é um tema que envolve demandas de sustentação

da vida e dos projetos humanos que tem exigido a construção de sociedades sustentáveis

pautada pela responsabilidade. O tema envolve dimensão físico-química, dimensão

sociocultural, produção de conhecimentos pela Ciência e produção de soluções

tecnológicas (SACHS, 2008; BOFF, 2012). O caráter multidimensional e vinculado à

sustentação dos projetos humanos favorece a produção de representações sociais e

discursos implicando no comprometimento dos sujeitos em diversos espaços-tempos

sociais. O tema requer supor uma relação simultânea de conhecimentos e

responsabilidades. Ao contrário de representações que desarticulam conhecimentos e

responsabilidades das condições histórico-sociais de cada época, considero que

mudanças nas relações sociais ao longo da história da humanidade acarretam diferentes

conhecimentos da natureza e implicações no relacionamento com ela.

Quando considero nossas demandas e responsabilidades relacionadas com

aspectos materiais, mas também com representações, conhecimentos, e utopias que

produzimos em nossa época, considero-as decorrentes da ação humana social,

historicamente situada e culturalmente implicada. A produção de conhecimento e

comprometimento é assim resultado social e cultural.

O projeto de ultrapassar a dicotomia do social e do individual ganha fôlego com

a teoria cultural, quando a vida social passa a ser entendida na processualidade de forças

coletivas e subjetivas. O tema da subjetividade, em nossa época, propicia entender o

sujeito social, histórico-cultural quando propõe a superação de qualquer individualismo

ou visão do sujeito isolado. Ao contrário da representação que pensa o sujeito em

processo de vitimização associada à ignorância dos processos socioambientais, que

levam a possíveis lacunas sobre o tema da responsabilização, compreendo-o em

interdependência complexa, em que não cabe colocá-lo como vítima tampouco como

culpado, assim como não cabe colocá-lo como manipulado nem tampouco soberano (ou

transcendental). Desta problematização, compreendo que a noção de sustentabilidade,

ao abarcar múltiplas dimensões de sustentação da vida, envolve complexas sínteses que

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ganham importância para cada sujeito ao longo da vida e de sua participação em

diversos contextos sociais.

Sobretudo, pelas frequentes disputas humanas, o tema da sustentabilidade

apresenta diferentes dimensões de inteligibilidade sobre a convivência humana,

permeada por diferentes racionalidades e aspirações.

Esta visão complexa, que integra as demandas e responsabilidades dos projetos

humanos, exige uma segunda incursão pela diversidade de produções acerca das

relações sociedade-indivíduo e das categorias de comprometimento e emancipação, que

experimenta um momento histórico relevante com a teoria da representação social.

Enquanto abordagem sociocultural e de suporte histórico-cultural, ganha importância

também a preocupação com a mudança cultural.

A partir da tradição histórico-cultural, impulsionada por Vigotsky (VIGOTSKY,

1998; GONZÁLEZ-REY, 2009a), as forças coletivas e subjetivas são vistas como um

processo dinâmico pela presença ativa de cada sujeito e sua interação com os outros. A

tradição histórico-cultural compreende o desenvolvimento humano tendo por base a

natureza dos processos subjetivos com gênese social e histórica, o que permite superar

uma compreensão baseada em princípios universais e a-históricos da subjetividade.

Nesta perspectiva, alio-me a concepções que concebem o sujeito histórico-

concreto, cujo desenvolvimento acontece nas interações sociais (ALVES, 2006), ao

contrário de múltiplas representações que apontam um sujeito determinado pelas

condições objetivas do contexto, ou como resultado de processos intrínsecos. Desta

forma, compreendo que o tema da sustentabilidade se entrelaça com a vida social e

pessoal de cada sujeito.

A produção subjetiva do sujeito que aprende sobre sustentabilidade está

relacionada de modo complexo por duas dimensões: no nível do conhecimento que

envolve aspectos técnico-científicos, sendo significativo para o mundo social, pois

comporta fundamentos e métodos para ações cidadãs sustentáveis; e, no nível da

intencionalidade, que envolve aspectos do saber o porquê e para que da nova construção

societária, significativo para a crítica e a criatividade, e que comporta a dimensão ética,

política, cultural. Deste modo, o tema da sustentabilidade envolve valores presentes na

vida social e nos compromissos que se estabelecem entre as pessoas. Defendo que é

desse entrelaçamento com a vida que emerge a responsabilidade que o sujeito defende.

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Assim, compreendo que a sustentabilidade é uma temática pertinente à formação ética,

na medida em que entrelaça modelos representativos e dimensão moral.

A sustentabilidade precisa abarcar a superação da desconexão entre interesses e

valores. Seus elementos teóricos propiciam ultrapassar qualquer caracterização

unilateral da problemática e defender as mudanças no âmbito dos projetos comunitários.

No que tange ao desenvolvimento de projetos que nos sustentam a vida, somos todos

responsáveis, pois nos constituímos como sujeitos sociais e atores da história. A

dimensão da relação sociedade-indivíduo possibilita significar também a complexa

relação universal-singular como condição para compreender a interação entre

convivência e emancipação.

Nesta representação inclui-se o tema das distintas aspirações e obrigações que os

sujeitos comungam e que os mobilizam ao se posicionarem diante da crise ambiental.

Desta maneira, compreende-se porque não cabe mais ter como referência a eterna utopia

de compromissos orientados por universalismo, nem pela determinação social, mas

referenciada pela argumentação plural, como é plural a humanidade. As diversas

produções teóricas entendem que os estudos sobre a sustentabilidade, ou temáticas

ambientais, devem incluir esforços no delineamento acerca do lugar e papel da ética.

Nessa representação mediada por teorias socioculturais, entendo que a questão

da ética corresponde a um domínio argumentativo em que se articulam processos

simbólicos e emoções. É pertinente, deste ponto de vista, conceber a argumentação

como carregada de proposições e suposições que aproximam discursos amplos e

julgamentos diferentemente afetados.

Esta dimensão discursiva da ética e da Educação, quando presente em projetos

formativos relacionados ao tema da sustentabilidade, propicia a emergência de

diferentes sentidos mediante processos de participação, elaboração e reflexão sobre

temáticas ambientais. Compreendo como desdobramento do processo, que o professor

inserido no contexto contemporâneo se posiciona, subjetivamente, em relação às

temáticas ambientais. E esse posicionamento se expressa em suas argumentações.

No âmbito local, em 2002, no interior da Universidade Federal de Mato Grosso,

o pesquisador de formação de professores de Ciências e Matemática, professor Rinaldi,

(2002; 2011) justifica a necessidade de ultrapassar as limitações teóricas que deixam em

aberto a compreensão da capacidade de interpretação de angústias da sociedade

contemporânea. Para ele, em um patamar epistemológico, a educação ética significa

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considerar o cultural, presente no contexto de trabalho. Desta maneira, Rinaldi

considera o educador ético aquele que é consciente de sua participação na construção de

uma totalidade, que engloba a união de elementos constitutivos opostos.

A formação docente, seja ela inicial ou continuada, acontece em um contexto de

encontro entre sujeitos, o que propicia à pessoa que aprende e ensina ciências ser

compreendida como um sujeito concreto, implicado pelo projeto coletivo que ajuda a

construir, mas também por suas intencionalidades pessoais. Nesta visão

complexa, incluo o tema da docência e me alio às concepções de formação de

professores reflexivos, críticos e criativos, concebida como espaço-tempo de

desenvolvimento para a prática social e para a intervenção profissional.

Na história da educação escolar brasileira é estratégica a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação, Lei 9.394 de 1996 - LDB (BRASIL, 1996), que definiu em seu

artigo primeiro, que a educação escolar deve vincular-se ao mundo do trabalho e à

prática social. A LDB busca assegurar, em seu segundo artigo, que a educação esteja

inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. A lei definiu

que a educação escolar tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Uma

representação de finalidades que expressa preocupação com a relação sociedade-

indivíduo e convivência-emancipação, como princípios para a prática educativa.

Compreendo que o envolvimento com demandas de sustentação da vida e dos projetos

humanos propicia ao tema da sustentabilidade apoiar a docência numa visão que

entrelaça o sujeito no mundo natural e sociocultural, dando apoio às relações complexas

previstas na legislação educacional brasileira.

Na tradição da pesquisa sobre formação de professores, a docência abrange a

representação de integração teoria e prática, possibilitando a construção de experiências

significativas em sala de aula (CONTRERAS, 2002; SCOZ, 2011) e, assim torna-se um

espaço de construção de compromissos. O que significa a possibilidade de apoiar a

reflexão crítica e criativa na medida em que promove a constituição de processos de

convivência-emancipação.

Defendo que professores desenvolvem-se de maneira reflexiva, crítica e criativa

no mundo sendo a reflexão uma produção subjetiva tensionada pelos diversos projetos

dos quais participa. A prática social e profissional requer tal produção subjetiva de

modo que envolve a dimensão do conhecimento e a dimensão do comprometimento. Ao

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contrário de representações de reflexão como uma ação isolada, desvinculada do

contexto, que implica o sujeito intelectual e afetivamente, alio-me às concepções que

concebem a reflexão desenvolvida na tensão dos projetos humanos. Deste modo, a

reflexão docente não se equaciona somente com compreensão conceitual, nem tão

somente com compreensão social, mas requer a tensão provocada pelo debate de

elementos da ética-moral de convivência. A produção subjetiva sobre o tema da

sustentabilidade tensionada pelos diversos projetos articula reposicionamentos que

propiciam certa dinâmica e ciclos de mudança social e cultural.

A docência representada como responsabilidade cidadã e profissional envolve

teoria-prática e compromissos sociais. Assim apoia os complexos processos de

convivência, inclusive de realização de projetos, bem como a realização de experiências

pessoais, implicando no estado permanente de constituição do sujeito.

A prática social e a intervenção profissional exigem uma preparação profissional

que deve envolver situações vivenciais de modo que a integração teoria-prática e o

desenvolvimento de compromissos sociais desde a formação propicia que o docente seja

orientado por situações equivalentes às condições que deverá organizar junto a seus

alunos. Ou seja, se é necessário que estudantes da educação básica aprendam a

comprometer-se socialmente, a formação docente também deve ser espaço de

construção de compromissos.

A preparação docente também demanda partir da produção subjetiva dinâmica

do futuro professor, que exige permanentemente conhecer e responsabilizar-se. Defendo

que é o caráter reflexivo, crítico e criativo dos professores que traz a possibilidade de

implicar o sujeito nas atividades de selecionar fundamentos teóricos e metodológicos

para o processo educativo. O caráter dinâmico da produção subjetiva é que possibilita a

preparação, relacionada ao tema da sustentabilidade, que apoie uma docência capaz de

gerar um novo sistema ético no qual haja incorporação das exigências de nossa época.

A sociedade e a sala de aula são espaços de relações intersubjetivas que exigem

uma docência que invista no diálogo e viabilize a emancipação dos sujeitos. É pelo

diálogo vinculado à formação cidadã que se pode apoiar a docência em seu caráter de

atividade social. Alio-me às concepções que concebem a sala de aula como espaço onde

sujeitos em desenvolvimento, de forma autônoma, são capazes de implicar-se em

processo de conhecimento e comprometimento, problematizando suas

responsabilidades, intenções e finalidades. Defendo que o tema da sustentabilidade

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propicia apoiar a docência em uma visão que não despersonaliza o sujeito, mas que

problematiza os sentidos que o tema tem para cada um.

Como uma trama de relações intersubjetivas, a sala de aula se constitui

carregada de motivações e intenções que serão mediadas pela docência. Por isso

defendo que os professores irão se deparar com outras complexas sínteses elaboradas

por seus alunos, procedentes de como subjetivam suas condições de vida na sociedade,

dos limites da educação escolar e do que for possível construir, coletivamente, em sala

de aula. Desta forma, defendo que durante a formação docente o professor reflexivo se

prepara para uma docência que exercita a problematização visando o desenvolvimento

de valores e atitudes com as novas gerações.

1.1 Justificativa e dimensionamento da pesquisa

Do ponto de vista de múltiplas pesquisas educacionais, a formação ética é

fundamental para o desenvolvimento da pessoa. Nesse cenário de sustentação da vida e

intensificação da problemática ambiental, essa noção tornou-se fundamental. Neste

sentido a Organização das Nações Unidas propôs 2005 a 2014 como a Década da

Educação para o Desenvolvimento Sustentável, sob a responsabilidade da UNESCO.

Tal iniciativa dá ênfase ao papel central da educação na construção de um mundo

melhor, assumindo o desafio de estimular mudanças de atitude e comportamento na

sociedade mundial (UNESCO, 2005).

A presente investigação situa-se neste cenário atual de formação do professor

para o século XXI. Um cenário marcado pela complexidade da responsabilização ética,

envolvendo sujeitos que participam em diversos espaços sociais, dos projetos humanos

e suas distintas práticas culturais, inclusive pela educação escolar. Ela foi desenvolvida

no interior da Universidade Federal de Mato Grosso, no campo da formação de

professores, com um olhar para um ensino superior configurado como espaço e tempo

de geração de referências teórico-metodológicas para a ação docente, momento em que

a integração ensino-pesquisa-extensão favorece a função social de construir

conhecimento com compromisso social.

Trago desde minhas primeiras problematizações para esta pesquisa, o

questionamento a cerca da presença do tema sustentabilidade na formação de

professores e sua capacidade de mobilizá-los para o respeito à convivência humana e

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para com outros aspectos não humanos da natureza. Os questionamentos iniciais

estavam relacionados com objetos de interesse do meu percurso na docência em

Ciências e em Química, acompanhando a crítica à degradação dos biomas de Mato

Grosso gerada pelo modelo de produção agrícola hegemônico na região, bem como por

disputas diante da diversidade física e cultural do estado. De modo que questionava as

interações subjetivas em sala de aula. Outro objeto que gerava questionamentos estava

relacionado com aspectos da autonomia de professores diante do ensino e

aprendizagem. Deste modo, frequentemente me perguntava: o que está na base dos

interesses pelo tema da sustentabilidade de professores em formação? De quais

conhecimentos já se apropriaram sobre o tema? Quais concepções de sustentabilidade

eles defendem no processo educativo que conduzem?

O desenvolvimento da pesquisa comprometida com a compreensão das

interações subjetivas em sala de aula, considerando a autonomia na formação docente,

caminhou para uma ênfase na investigação da subjetividade de professores. Sendo

assim, esta investigação foi planejada para aliar pesquisa e formação docente dando

ênfase à subjetividade de professores em sua formação profissional.

Em nossa época o tema da subjetividade tem recebido, entre outras, as

contribuições teóricas de González-Rey (2005b; 2007b; 2009a; 2011b). Para o autor, a

subjetividade é concebida por uma aproximação ao paradigma da complexidade,

orientado por Morin (MORIN; LE MOIGNE, 2000) e outros pensadores

contemporâneos que criticam fundamentos da ciência clássica como os princípios da

ordem e da separação. Segundo a visão contemporânea, o sujeito representa um sistema

complexo, afetado simultaneamente por inúmeros processos pessoais e sociais que se

integram de forma permanente, reforçando a perspectiva de multidimensionalidade da

organização e dos processos constitutivos do desenvolvimento humano (TACCA;

GONZÁLEZ-REY, 2008). Desta maneira a história do sujeito está em permanente

reconfiguração e ressignificação.

O referido autor considera de modo integrado elementos que são comumente

tratados de forma dicotômica na história da psicologia, como afeto-cognitivo e o social-

individual, ou seja, aborda aspectos que representam o indivíduo como sujeito de seus

processos psicológicos. González-Rey (2008) entende as relações entre o sujeito e os

eventos do meio social segundo uma dinâmica complexa, definida na dialética e na

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recursividade do histórico-atual, do interno-externo, e em uma integração intrapsíquica-

interativa que se constitui na história de sua vida social. A subjetividade individual

encontra-se integrada à subjetividade social. Desta maneira é concebido o sujeito ativo

implicado por rupturas, contradições e ações criativas, o que tem papel essencial nas

diferentes escolhas dos sujeitos. A subjetividade apresenta-se como uma representação

histórico-cultural da psique, com a qual são ressignificados princípios de simplificação

e de certezas universalizantes presente na produção clássica de conhecimento científico.

Em sua proposta teórica, González-Rey (2005a; 2006; 2007a; 2007b; 2011b),

enfatiza a processualidade da subjetividade com dois conceitos centrais, o de sentidos

subjetivos e de configuração subjetiva. Para ele, as configurações subjetivas

representam a unidade do histórico e do atual na organização da subjetividade, isto é,

representam a expressão do vivido como produção subjetiva, sendo redes simbólico-

emocionais que integram múltiplos efeitos e desdobramentos do vivido propiciando

análise de expressões subjetivas isoladas. O sentido subjetivo é a unidade inseparável do

simbólico e do emocional, onde a emergência de um provoca a aparição do outro sem

ser a sua causa. Essa unidade, por sua vez, transforma-se rapidamente gerando sentidos

subjetivos inteligíveis no “momento da interpretação da configuração subjetiva, que é o

que permite captar sentidos subjetivos dominantes, presentes na expressão plural da

pessoa, de forma simultânea, em cada momento de ação concreta” (GONZÁLEZ-REY,

2011b, p. 33-34).

A investigação da subjetividade nesta perspectiva reconfigurou as questões

iniciais desta pesquisa propiciando as seguintes formulações: quais sentidos subjetivos

de sustentabilidade estão presentes para os sujeitos envolvidos pedagogicamente nesses

debates? Quais configurações subjetivas são construídas no debate? Como tais sentidos

subjetivos constituem a motivação para aprender e ensinar sobre o tema?

Diante do exposto, o objetivo da presente pesquisa foi investigar a subjetividade

implicada na participação em projetos de formação de professores em que sujeitos

estivessem mobilizados pela temática da sustentabilidade. Especificamente, busquei

interpretar os sentidos subjetivos que sujeitos envolvidos com iniciação às

Ciências/Química expressavam sobre sustentabilidade; identificar as relações que o

tema tinha com suas experiências anteriores; compreender relações com princípios

formais, juízos e valores morais propostos por uma ética para a sustentabilidade;

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conhecer as implicações destes sentidos subjetivos para as reflexões sobre a docência e

interpretar a configuração subjetiva de (co)responsabilidade ética pelo quanto

simbolizam valores morais com os quais os sujeitos defendem alguma concepção. Por

fim, busquei interpretar implicações de tais sentidos subjetivos sobre a motivação para

aprender e ensinar sobre o tema.

A tese que defendo é que (futuros) professores constroem sentidos subjetivos

sobre sustentabilidade ao longo da vida, nos diversos contextos sociais que participam.

Sendo um tema que se entrelaça com a história social e pessoal, envolve valores e

compromissos sociais, que são afetivamente carregados. Ao refletirem sobre tais

sentidos os professores se preparam para problematizar os sentidos que o tema tem para

seus alunos.

A pesquisa, portanto, diz respeito a uma aproximação com o paradigma da

complexidade e com fundamentos da perspectiva histórico-cultural, em um diálogo

teórico que serve de aporte à múltiplas pesquisas em Educação em Ciências, em

Educação Ambiental (GALIAZZI; FREITAS, 2007) e em Educação Ética (RINALDI,

2002). Assim a presente pesquisa busca um diálogo comprometido com o atendimento

da função social dessa área de conhecimento, tanto no que tange à natureza da ciência e

sua produção de conhecimento, quanto naquilo que se relaciona ao comprometimento

pessoal e profissional. A matriz teórica articula a orientação metodológica também em

diálogo com pesquisas antropossociais. É uma investigação de caráter construtivo-

interpretativo do conhecimento, comprometida com uma epistemologia qualitativa,

apoiada em conversação (GONZÁLEZ-REY, 2005a). Sobretudo, a compreensão da

argumentação exigiu uma seleção de falas significativas (BRANDÃO, 2003; SILVA,

2007).

Para defender a construção teórica decorrente desta integração temática, trago

estudos realizados junto a dois projetos de formação de professores: um no âmbito da

formação continuada de professores de matemática e ciências, participantes do Projeto

Observatório da Educação com foco em Matemática e Iniciação às Ciências do polo da

Universidade Federal de Mato Grosso, realizado em parceria com a Universidade do

Estado de Mato Grosso e com a Universidade Estadual Paulista. O outro estudo, se

desenvolveu no âmbito da formação inicial de professores na Licenciatura em Química

da Universidade Federal de Mato Grosso.

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Considero os dois estudos relacionados com sustentabilidade e docência do tema

para (futuros) professores relevantes na medida em que envolvendo processos

formativos, que problematizam contexto sociocientífico e ambiental, implicam em

participação reflexiva e criativa. Assim o envolvimento com atividades de docência de

matemática e ciências, a disposição para a formação em temática ambiental que

articulasse aspectos de ciência e tecnologia, exigências éticas e responsabilidades, e a

disposição para expor experiências e ideias, favoreceu a conversação necessária à

pesquisa.

Sobretudo, com a articulação entre pesquisa e formação de professores

intenciono contribuir com estudos sobre o posicionamento ético-ambiental e pedagógico

de professores, que reflita a dimensão conflituosa do tema. Considero tal intenção

pertinente à Educação em Ciências na medida em que problematiza modelos

fundamentais para a compreensão da relação do homem com a natureza e com a

sociedade, ao implicá-lo em reflexão sobre a manutenção da produção de vida material

e cultural, pessoal e social. Assim espero contribuir para a compreensão do caráter de

convivência-emancipação da formação docente.

O aprofundamento que proponho nos capítulos seguintes refere-se ao caráter

múltiplo do tema da sustentabilidade e sua docência para a prática social. Na próxima

seção da tese, pretendo ressaltar as definições em pauta que envolvem o tema da

sustentabilidade, assim como sua presença problematizadora e propositiva, evidenciada

por sua característica multidimensional e suas implicações políticas e éticas. Na terceira

seção, pretendo buscar referência na complexidade da constituição do sujeito para

interpretar intencionalidade e posicionamento docente a partir de visão complexa da

subjetividade. Na quarta seção, busco aspectos da formação docente que vinculem

autonomia docente, currículo e responsabilização social a partir da ênfase na docência

para a prática social e para intervenção profissional, em uma perspectiva reflexiva,

crítica e criativa. Em seguida, apresento os dois estudos com sujeitos em formação

docente, cujas implicações são retomadas e discutidas a partir de necessidades

formativas e nas minhas considerações finais.

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2 UMA VISÃO COMPLEXA DE SUSTENTABILIDADE PARA A EDUCAÇÃO

CIENTÍFICA

As problemáticas de sustentação da vida humana são complexas e integram

múltiplos modelos explicativos. Trata-se de uma discussão secular. Nesse contexto,

incluem-se diversas racionalidades dentre elas o conhecimento científico, como

instância e modo de conhecer, de abordar interações ecológicas, princípios

socioculturais e econômicos. O debate das ideias de diferentes bases teóricas dá à

sustentabilidade seu caráter complexo e histórico.

Sustentabilidade é uma ideia mobilizadora em nossa época, tem vinculação com

as temáticas ambientais, cuja inserção no cenário atual (seja acadêmico, político ou

associativo) delineia um viés problematizador das condições de sustentação da vida, da

multiplicidade de visões, da pluralidade de saberes culturais, que levam à múltiplas

definições para o tema; sua abordagem contextualizadora e, sobretudo sua presença

propositiva deve-se as suas implicações políticas, éticas e de responsabilização social.

Uma incursão pelo tema permite compreender o modelo de desenvolvimento da

sociedade moderna, esgotado e insustentável ambientalmente, em sua dimensão

biológica e social. Também leva a compreender a sustentabilidade como princípio

norteador de projeto societário, que reúne bases ecológicas e socioculturais. Neste

sentido, as produções teóricas sobre o tema construíram ideias instigantes, geraram

tensão argumentativa, debates e mobilizações de lutas sociais e culturais, sobretudo

provocou a geração de novas responsabilidades. Desenvolveram-se bases teóricas para

representar relações complexas entre ecologia-projetos humanos, produção-produtores,

consumo-consumidores; esfera pública-projetos coletivos e esfera privada-projetos

pessoais, ou seja, ideias sobre a presença construtora dos sujeitos em seus contextos, no

sentido de expor uma trama de conceitos e sujeitos implicados no desenvolvimento

social.

No que tange a insustentabilidade dos projetos humanos nossas representações

remetem a aspectos de ordem ecológico-sociocultural. Neste sentido, entram na

caracterização dos problemas socioambientais categorias como finitude e limites, com

as quais foram elaboradas as críticas à concepção de expansão ilimitada num planeta

finito e à responsabilização do crescimento econômico contínuo e indiferenciado pelo

esgotamento do Planeta.

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Essa representação se amplia com a compreensão de nossas práticas culturais

como intervenção nas condições dinâmicas e instáveis dos sistemas complexos, desta

maneira também consideradas interações ecológicas. Ou seja, as demandas sejam elas

antigas ou contemporâneas, naturais ou criadas, estão interligadas por uma rede

complexa de interações, nos permitindo representar a insustentabilidade frente à

capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos e os projetos humanos. A noção

ecológica de que a vida levou bilhões de anos para aparecer e agora desaparece em

rápidos processos de extinção, configura-se como uma proposição de uma crise

ambiental em sua dimensão físico-química e biológica, que encerra relação complexa

entre capacidade regenerativa e taxa de reposição no Planeta.

Com a interpretação da lei-limite da natureza trazida pela lei da entropia –

conhecida como segunda lei da termodinâmica ou lei de dissipação de energia - a

manifestação mais evidente dos efeitos das ações humanas no aquecimento global

decorre da compreensão de que toda energia se degenera, ao fim, em calor.

Assim, compreende-se porque os territórios mais vulneráveis do Planeta são as

zonas intertropicais do globo, dentre elas a que habitamos, que é responsável por

distribuir o calor oriundo da incidência da energia solar. O que me leva a compreender

as críticas às atividades produtivas em sua busca por independência das condições

termodinâmicas do ecossistema, ideia que amplia os impactos sobre as condições

planetárias gerais.

As condições ambientais significam restrições ambientais e problemas comuns a

toda a humanidade. A erosão genética (perda da variabilidade de espécies) decorrente

das práticas agrícolas ao longo da história pode se configurar como um exemplo. O

teólogo e filósofo brasileiro, Leonardo Boff, que tem se ocupado de questões

ecológicas, nos lembra do desaparecimento de parentes silvestres de espécies cultivadas.

Para o autor, a relação humana com a natureza, ao longo da história, é marcada por

processos que vão de interação e intervenção até processos de agressão, sendo esses os

motivos que levaram a uma base agrícola restrita com somente 20 a 30 espécies atuais,

frente às 3000 espécies que já existiram, de vegetais utilizáveis na agricultura (estima-se

que 27.000 a 100.000 espécies são eliminadas por ano), deste modo as plantas do

mundo se encontram sob o risco de extinção devido a perda de habitats naturais (BOFF,

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2012). Assim colocamos em risco o potencial do planeta em nome da realização de

nossos projetos humanos, o que torna nosso atual estilo de vida insustentável.

O caráter propositivo da noção de sustentabilidade ressalta lições do estudo do

ecossistema e de princípios básicos de ecologia no sentido de usá-los como diretrizes

para criar nossas comunidades sustentáveis. Uma contribuição significativa para a

construção teórica sobre o tema foi a noção de que toda perturbação é constitutiva. Por

seu caráter constitutivo toda perturbação não está limitada a um único efeito, segundo

Prigogine, prêmio Nobel de Química de 1997. Essa é uma representação utilizada para

demonstrar um universo em construção contínua, de explosão de novidades e

criatividades. Ele cunhou a expressão “estruturas dissipativas” para representar uma

estrutura que se mantém estável, enquanto matéria e energia fluem através de forças

equilibrantes. O princípio se tornou referência para representar a produtividade da

natureza e a criatividade da cultura (PRIGOGINE, 2002).

Para o teórico, os sistemas instáveis, ou, os sistemas complexos (seja humanos

ou não humanos, naturais ou culturais) não são associados ao determinismo, mas sim à

irreversibilidade no tempo em suas condições fundamentalmente probabilísticas desta

forma, as perturbações (também representadas como bifurcações) produzem efeitos

diversos, proposição que se tornou crucial na reformulação da representação de

evolução como produção de novas constituições. Para ele, a perspectiva clássica que

enunciava leis da natureza estava associada a uma descrição determinística e reversível

do tempo, em que o futuro e o passado desempenhavam o mesmo papel. Entretanto,

uma reformulação dessas leis deveria abordar fluxos de energia e matéria como

processos irreversíveis, como são aqueles presentes nas estruturas dissipativas. Isso dá,

então, à evolução dos sistemas complexos uma “nova representação construtiva”

(PRIGOGINE, 2002).

Para este químico, a biologia darwiniana e a termodinâmica são ciências da

evolução. Mas a evolução guarda diferença de significação para a biologia e para a

termodinâmica. A termodinâmica não só impulsionou a ciência da era industrial, mas

também influenciou a percepção das transformações das nossas relações com a

natureza, de maneira que, na época, começou a se tornar motivo de profunda ansiedade

devido aos estudos da gravitação, do eletromagnetismo e outros tipos de interação cujas

formulações de leis de nivelamento levaram a conclusão de degradação térmica. Ou

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seja, o motivo da ansiedade era a percepção de um esgotamento dos recursos naturais,

como se o universo estivesse condenado a evoluir na direção da morte térmica. Já o

darwinismo, salvo as críticas dele decorrentes, centrava sua representação no

surgimento das novidades, de novas espécies, de novos modelos de adaptação e novos

nichos ecológicos, sendo um contraponto da biologia à termodinâmica.

Neste mesmo sentido, posteriormente Capra (2002), propõe uma representação

de caráter constitutivo para a sustentabilidade, em que esta não implica uma

imutabilidade das coisas, não é um estado estático, mas um processo dinâmico de

(co)evolução. Capra (1996; 2002) torna-se um defensor da concepção de rede e teia de

relações. Desde 1980 busca referenciais para a construção de projetos ecológicos.

Para o autor, são fundamentais as lições aprendidas com a noção de

interdependência ecológica, com a qual se reconhece que não existe nenhum organismo

individual que viva em isolamento (CAPRA, 2002). Na representação de instabilidade,

de capacidade constitutiva e da interdependência aparece o caráter propositivo dos

princípios ecológicos como possíveis bases para sociedades sustentáveis. Toda essa

construção propicia dar valor à natureza e a ampliação da noção da presença do não

humano na ecologia do Planeta.

Para a educadora e pesquisadora, Isabel Carvalho (2012, p. 37), a ecologia deve

ser incorporada como “campo de interações entre a cultura, a sociedade e a base física e

biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa relação se modificam

dinamicamente e mutuamente.” Para a pesquisadora, a identificação de ecologia deve

incluir direito à integridade, à dimensão conflituosa das relações sociais. Desta forma, a

representação de ecologia abarca o modo de vida humana e formas de interagir com os

elementos físico-naturais que a circundam, de significá-los e manejá-los. Assim, a

natureza é a base natural dos ambientes da vida social, ou seja, a base natural de nosso

dia-a-dia.

A interpretação da intervenção humana na natureza por distintas interações com

os ecossistemas, resultou na construção conceitual, tanto de conservação como de

preservação. Uma construção que tomou dimensão legal. A Lei que institui o Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, Lei n. 9.985/00 (BRASIL,

2000), define como conservação da natureza o manejo de seu uso pelo ser humano,

compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a

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recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases

sustentáveis. A construção teórica também trata das condições das atuais gerações e das

necessidades e aspirações das gerações futuras, assim como da garantia de

sobrevivência dos seres vivos em geral. A lei destaca a ideia de conservação in situ,

sendo esta a conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e

recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais. No caso de

espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas

propriedades características. Também traz a conceituação de preservação como sendo

um conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visam à proteção em longo

prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos

ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais. Tem destaque a noção de

manejo, tido como todo e qualquer procedimento que visa assegurar a conservação da

diversidade biológica e dos ecossistemas.

Ou seja, a conservação da natureza prevê uma diversidade de ações e usos

sustentáveis, preocupações geracionais e relacionadas à comunidade de vida em geral.

A conservação in situ restringe o uso de habitats para ações de manutenção e

recuperação de espécies. A preservação prevê questões metodológicas e políticas para a

proteção em longo prazo de espécies, habitats e ecossistemas.

Nesta construção de conhecimentos sobre a ocupação dos ecossistemas do

planeta por projetos humanos, ganhou importância também os estudos da agroecologia

por seu respeito às relações ecológicas entre produção de alimentos e ecossistema. Para

Gleissman (2001), pesquisador americano de agroecossistemas sustentáveis, é urgente

desenvolver abordagem mais ecológica na produção de alimentos.

Para Capra (2002), o que é sustentado numa comunidade sustentável não é o

crescimento econômico nem o desenvolvimento, mas toda a teia da vida da qual

depende, a longo prazo, a nossa própria sobrevivência. A comunidade sustentável é feita

de tal forma que seus modos de vida, seus negócios, sua economia, suas estruturas

físicas e suas tecnologias não se opõem à capacidade intrínseca da natureza de sustentar

a vida.

Neste conjunto de formulações não se representa um mero atendimento aos

princípios básicos da ecologia, mas de aprender lições com as interações ecossistêmicas

e usar como princípios para criar comunidades sustentáveis, de maneira que “o projeto

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20

ecológico é um processo no qual nossos objetivos humanos são cuidadosamente

inseridos na grande rede de padrões e fluxos do mundo natural” (CAPRA, 2002, p.

230).

Sachs (2009), pesquisador de questões ecológicas defende, desde 1980, uma

proposta de sustentabilidade que entrelace biodiversidade, biotecnologia, diversidade

cultural, baseada na otimização do uso da biomassa. O pesquisador reforça a

representação da interdependência entre ambiente e projetos humanos quando articula

em sua representação de sociedade baseada na biomassa envolvendo dimensões de

ordens científica, tecnológica, socioambiental, cultural.

Para o ambientalista e pesquisador, Enrique Leff (2010), vivemos em uma crise

civilizatória para a qual é urgente uma economia ecológica e uma racionalidade

ambiental, que valorize a complexidade ambiental e o diálogo de saberes.

Tais proposições interagem com preocupações atuais acerca da produção e do

consumo. Para a pesquisadora Fátima Portilho (2010), os atuais estudos de produção e

consumo se relacionam com os da sustentabilidade e é a consideração da entropia que

nega a argumentação de que os problemas ambientais já estejam resolvidos na esfera da

produção com melhores técnicas e tecnologias. A autora critica o habitual deslocamento

da preocupação ambiental para o campo da produção e do consumo, e defende o

consumo como uma possibilidade de luta política e simbólica, como uma maneira de

manter representações de caráter relacional para o tema. Isso dimensiona nossas

demandas materiais e socioculturais em perspectiva de múltiplas conexões.

Na história de produções teóricas sobre o tema houve uma desvinculação entre

os processos de produção e consumo com a ênfase recaindo sobre este último. Mas, de

um ponto de vista conectivo nos é possível manter a atenção nas interações ecológicas,

no mundo produtivo e no consumo, sem simplesmente cair na análise de

comportamento individual. Desta perspectiva cabe incluir na noção de sustentabilidade

as implicações da produção e do crescimento econômico, bem como do consumo e da

exaustão do sistema planetário. Assim como compreender as criticas ao consumo e o

sonho humano de um progresso ilimitado. Também cabe junto aos estudos na área

interpretar o consumo como atividade social, o que nos possibilita ultrapassar a mera

visão econômica para problematizar as questões ambientais, inclusive insistir que

economia humana é um valor cultural (LEFF, 2010).

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No âmbito do consumo há outras relações complexas possíveis, há aquelas que

concentram construções sobre o consumo de imagens, ideias, até mesmo de identidades.

Desta maneira podemos representar o consumo como cultura. Uma representação

significante e central no entendimento da sociedade contemporânea, ou seja, “consumir

é participar de um cenário de disputas pelo que a sociedade produz e pelos modos de

usá-lo.” (PORTILHO, 2010, p. 32)

Para o professor e pesquisador em Educação Ambiental Carlos Loureiro (2012),

a sustentabilidade constitui um conjunto de princípios que abarcam as necessidades

tanto no sentido material quanto simbólico, econômico e cultural. É uma construção

para enfrentar o caráter destrutivo da natureza pela sociedade atual quando insuflada de

crescimento econômico.

Neste sentido, sustentar material e culturalmente a vida implica compreender os

desafios ecológicos, da produção, do consumo e a dinâmica da vida humana. Um caso

exemplar é o enfrentamento de um lado do acelerado crescimento demográfico mundial,

que envolve políticas de erradicação da pobreza, de outro lado a manutenção do padrão

de desenvolvimento de países ricos (e a crítica ao seu nível de consumo). Um

enfrentamento que tem significado ampliação das demandas científicas e tecnológicas.

Reunir preocupações ecológicas, interpretação dos limites da produção e do

consumo é pertinente para representar a relevância da sustentabilidade no cenário atual,

“nesses casos, evidencia-se a interdependência entre as bases de sustentação material do

planeta e a sustentação de um projeto solidário e emancipador para a sociedade”

(CARVALHO, 2012, p.169).

Ou seja, o tema envolve a relação sociedade-indivíduo no sentido de

reformulações de ideias relacionadas à exaltação exagerada do individualismo assim

como à racionalidade de curto prazo que inviabiliza o futuro. Entretanto as relações

sociais não são imutáveis podendo ser transformadas pelas decisões dos sujeitos na

revisão de seus modelos. Para Boff (2012) a compreensão do papel da sociedade e dos

sujeitos diante de uma construção societária sustentável, tanto individual quanto

coletivamente, requer a valorização do individuo em seu direito à vida, à liberdade e à

busca da felicidade, deste modo a proposta de sustentabilidade aponta para o futuro.

Para Leff (2010), um futuro sustentável terá que ocorrer na arena política, da

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responsabilidade e justiça com o porvir. Não poderá ser um futuro desprovido de um

projeto político baseado no potencial do real e do simbólico, da natureza e da cultura.

Deste ponto de vista, somos todos responsáveis, direta ou indiretamente, não há

vítimas neste processo de constituição da história da humanidade (há sim diferentes

formas de participação nos diferentes projetos humanos). Deste ponto de vista, a

produção e o consumo também devem ter por referência um futuro viável.

A vida se desdobra há bilhões de anos no Planeta Terra. Atualmente, a

sustentação da vida humana representa novas e crescentes demandas ao Planeta. São

demandas por estabilidade ecológica e manutenção das técnicas, objetos e imagens

oriundas de representações socioculturais. Ao problematizar nossas demandas

crescentes por ciência e tecnologia pode-se assim compreender a dimensão de ordem

material, energética e físico-biológica destas. Por seu caráter conectivo, a vida é

interligada por redes complexas, cuja dinâmica caracteriza-se por instabilidade e

irreversibilidade, pressupondo um estado probabilístico de mudanças (CAPRA, 2002;

PRIGOGINE, 2002).

Sejam elas mais antigas ou mais contemporâneas, naturais ou criadas, as

demandas para sustentação da vida humana tensionam a dinâmica cotidiana. A vida

cotidiana e suas necessidades, implicadas pela convivência humana, tem nas

perspectivas conectivas e constitutivas da complexidade melhores condições de

compreensão. As necessidades humanas são, então, caracterizadas por uma pluralidade

de objetivos e finalidades próprios de nossa época, gerando ameaças comuns, mas de

formas distintas, a sustentação da vida de humanos e não humanos no planeta.

2.1 Sustentabilidade integradora

Sustentabilidade é um tema que articula problemas atuais referentes à

degradação ambiental, à vulnerabilidade da vida e à demanda por ciência e tecnologia.

Desta forma o tema incorpora conhecimentos antropossociais, voltados à compreensão

das necessidades de distintos grupos humanos e indivíduos que influenciam a noção do

tema nesta época.

Dessa problematização decorre que o tema requer, mesmo que de forma breve,

percorrer a história da produção da existência humana na qual se registra a presença da

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ciência e de outros saberes. Na perspectiva de Bernal (1975), historiador da ciência,

toda produção material da vida pressupôs manipulações das condições ambientais e

mesmo da disponibilidade de materiais. Disso decorre que pensar na presença da ciência

na história visa melhorar a compreensão de alguns dos problemas materiais, estruturais,

intelectuais e morais, que resultam do impacto da ciência na sociedade.

Para Maria Andery (2004), também historiadora da ciência, o processo de

produção da existência humana é um processo que demonstra que o ser humano

desenvolveu-se materialmente, mas também desenvolveu ideias, conhecimentos,

valores, raciocínio, planejamento. Sendo assim, tal processo é social, de organização e

estabelecimento de relações entre os seres humanos. Enquanto tentativa de explicar a

realidade, a ciência caracteriza-se por ser uma atividade metódica, assim a proposição

de teorias, de critérios de aceitação e procedimentos de produção científica, refletem um

modo de atuação para obtenção do conhecimento e constante transformação do próprio

conhecimento.

Para além do conhecimento científico, o enfrentamento dos desafios

contemporâneos é feito com uma pluralidade de saberes culturais, condição que amplia

a multiplicidade de modelos de sustentabilidade. Entre os saberes que caracterizam as

sociedades ocidentais modernas, é possível reconhecer uma considerável variedade de

modos de conhecer a natureza, diferenças e desacordos em cosmovisões e em

perspectivas epistemológicas de diferentes grupos.

Portanto, definir sustentabilidade não é uma tarefa fácil. Pelo viés cientifico a

definição passaria por configuração conceitual, de princípios e de métodos validados

nas múltiplas pesquisas. Com efeito, a definição do tema é plural e recheada de saberes

e valores.

Segundo Boff (2012), o conceito de sustentabilidade foi criado no começo da

década de 1980 por Lester Brown, que definiu a sociedade sustentável como aquela que

é capaz de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência

das gerações futuras. Segundo Capra (2002), anos depois, o relatório da Comissão

Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, usou a mesma definição para

apresentar a noção de desenvolvimento sustentável.

Diante da multiplicidade de modelos representacionais e do amplo grau de

generalização da construção teórica baseada nas necessidades e relações geracionais foi

que reuni os esforços de conceituação em duas vertentes distintas: a primeira, com base

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no mercado e a segunda, de base sistêmica e integradora. Trata-se de diferentes

discursos que possuem elementos comuns, tais como preocupações ecológicas e com

um futuro. Contudo, a primeira vertente forma um conjunto complexo de informações e

indicadores com base no desenvolvimento e crescimento econômico, enquanto a

segunda se pretende sistêmica e holística.

Decorrente de críticas ao fundamentalismo de mercado, a vertente orientada pelo

mercado tem ênfase nos condicionantes socioeconômicos. Ou seja, um modelo que

favorece as ideias que não comprometem a produção de bens e riquezas. Na visão

orientada pelo fundamentalismo de mercado, os males sociais e ambientais são o preço

inevitável que pagamos para alcançarmos o progresso econômico. A redução de tais

males está na produção de bens públicos como redução da pobreza ou proteção ao meio

ambiente verde. Assim as desigualdades e exclusões sociais são inerentes à produção. E

a eficiência da economia capitalista de mercado será capaz de suplantar esses

inconvenientes.

Todavia, há outra referência a considerar, que se apresenta includente, na

medida em que discute eficiência, importação/exportação e superação da pobreza

(SACHS, 2008). Nessa perspectiva, as condicionantes ecológicas e de adaptabilidade

humana em ecossistemas, interferem em diferentes proporções nas decisões sociais e

econômicas. Em geral, as restrições físicas são contornadas com maior eficiência, na

produção e nos descartes, baseada nas leis de mercado, que defendem o

desenvolvimento pela ecoeficiência. O valor usado para interpretação da inclusão e

desenvolvimento é a civilização moderna e a industrialização:

Na medida em que muitos países tropicais têm condições de dar o pulo do

gato na direção de uma civilização moderna, baseada na biomassa e

ambientalmente sustentável, seria lamentável que a chave deste

desenvolvimento, constituída por biotecnologias verdes (agrícolas),

vermelhas (farmacêuticas) e brancas (industriais), fosse monopolizadas por

multinacionais sediadas em países industrializados. Por isso, impõe-se um

grande programa Sul-Sul de pesquisa em biotecnologia aplicada. (SACHS,

2008, p. 95).

Encontro nesses objetivos sustentáveis defesa não só da mitigação da pobreza,

mas da sua erradicação, por meio da combinação da inclusão social pelo trabalho e da

implementação de outros direitos da cidadania, tais como o direito à educação, à

proteção da saúde, ao acesso à água potável, ao saneamento, assim como à moradias

decentes (SACHS, 2008).

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Em termos agrícolas também há referência de diversos sentidos para o tema.

Para Hansen (1996), pesquisador de modelos de agricultura sustentável, diferentes

correntes de pensamento da sustentabilidade agrícola são apoiadas em diferentes

objetivos. Há a corrente que percebe a sustentabilidade como ideologia, defendendo de

um lado a vertente tecnológica da agricultura, baseia-se na centralização, dependência,

competição e domínio da natureza, de outro há uma vertente sustentável que se baseia

na equidade, diversidade, independência e espírito comunitário. Há também a corrente

que defende a sustentabilidade como um conjunto de estratégias de manejo, assim,

objetiva melhorar e ampliar os aspectos técnicos da produção, adequados à redução do

uso de insumos externos. Também há a corrente que pensa a sustentabilidade enquanto

habilidade que se destina a atingir proteção ao ambiente, equidade social e rentabilidade

adequada à preservação dos mecanismos naturais.

Para o autor, há uma última corrente de pensamento na qual a sustentabilidade é

concebida como capacidade de permanecer, de continuar, de manter a produção de

alimentos ao longo do tempo. Nesta última categoria está implícita o condicionante

temporal, incorporando a discussão atual de sustentabilidade, mas deixa de considerar

toda a pluralidade de representações dos grupos humanos e dos sujeitos em torno do

tema.

Há outros modelos explicativos usados que concebem a necessidade de

transcender a ação de mercado na sustentação da vida. Podemos identificar

sustentabilidade que tem por base a teoria geral dos sistemas, pela sua ênfase na

presença constitutiva dos seres humanos no planeta, tais modelos reafirmam o caráter

constitutivo de perturbações capazes de impulsionar a coevolução.

Essa reafirmação é fundamental para ultrapassar reducionismos de várias

representações sobre o tema. Tal ideia pode trazer formulações com base naquilo que

Prigogine (1984; 2002) apontava sobre o tema da construção. Para o químico, se não

fizermos uma virada no sentido da complexidade, estaremos tratando sempre das

exceções e não da regra planetária, ou seja, compreenderemos os sistemas simples e não

dos sistemas complexos (PRIGOGINE, 2002). Isso significou, lembra o professor

Mortimer (1998), que não é mais possível excluir o homem como sujeito de certos

sistemas complexos.

Para Boff (2012), sustentabilidade está relacionada com inclusão e

desenvolvimento, incorpora o respeito às condições ambientais, ao conhecimento e à

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práticas sob controle coletivo. De maneira que, por exemplo, na produção de alimentos

para a superpopulação humana, cada pedaço de solo deve ser aproveitado, mas dentro

do alcance e dos limites de seu ecossistema, preferencialmente realizada por meio da

agricultura orgânica, familiar, de pequenas e médias empresas, pela agroecologia e pelas

ecovilas. Desta forma, esperam-se práticas respeitosas da natureza, tornando viável o

futuro da humanidade. Para ele, a alternativa de uma definição integradora, de

enfrentamento ambiental, depende de uma visão holística que pretenda uma

sustentabilidade o mais compreensiva possível.

Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas,

informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente

a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua

continuidade e ainda atender as necessidades da geração presentes e das

futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua

capacidade de regeneração, reprodução e coevolução. (BOFF, 2012, p. 107).

Para Boff (2005), a definição integradora de sustentabilidade inclui a

manutenção das condições físico-químicas do planeta, assim como inclui o ser humano

como elo singular da rede da vida. Para o autor, a noção de inclusão e desenvolvimento

inerentes ao tema amplia seus elementos constituintes abarcando os demais seres não

humanos, bem como, a inteligência e afetividade humana.

Leroy e Pacheco (2005, p. 135), apresentam sustentabilidade como “o processo

pelo qual as sociedades administram as condições materiais da sua reprodução,

redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus

recursos naturais.” Tal construção abarca a dimensão da cidadania e a necessidade dos

acordos ao desenvolvimento de um projeto civilizatório dentro de outra relação

societária com redefinições éticas e políticas.

Compreendo que a noção de sustentabilidade evoca conhecimentos, práticas e

princípios. Ao projetar esta pesquisa vinculada a práticas educativas, recorro a Freire

(2005), educador brasileiro, que se utilizou em suas construções teórico-pedagógicas a

expressão unidade epocal, que “se caracteriza pelo conjunto de idéias, de concepções,

esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários,

buscando plenitude.” Com tal proposição, Freire, desde 1962, colocou-se em defesa de

princípios da alfabetização popular de adultos, diretamente relacionada ao cotidiano do

trabalhador. Para o educador, a identificação de unidades epocais contribui para uma

educação desencadeadora de inserção critica na vida social e política. Portanto,

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compreendo a pertinência da configuração da sustentabilidade como uma unidade

epocal. Uma unidade epocal se constitui por argumentos antagônicos, por tarefas a

serem cumpridas, por temas históricos e fatores contextuais, constituindo assim, um

universo temático de nossa época (FREIRE, 2005).

A demanda pela vida sempre existiu. Atualmente há novas e crescentes

demandas que exigem de nós um novo projeto societário (SACHS, 2008; 2009; LEFF,

2010; BOFF, 2012). Ao longo do último século foram desencadeados esforços globais

destinados ao enfrentamento do estado atual de insustentabilidade e de inviabilidade, a

longo prazo, de muitos dos projetos humanos. Questões como a desigualdade social,

poluição da pobreza e poluição da riqueza; concentração técnico-científica e

transferência de tecnologia; erosão genética e aquecimento global não foram

solucionados. Neste cenário, surgiram propostas de construção de sociedades

sustentáveis, mobilizando debates ao em torno da noção de sustentabilidade.

Ao tomar uma rápida consulta ao dicionário brasileiro de Fernandes; Luft e

Guimarães (1996), para um esclarecimento de sinônimos, notei que sustentar sugere

tanto uma representação de defesa de um ideário e assim remete ao sentido de pelejar a

favor de algo, com envolvimento físico ou moral. Pode referir-se também às noções

clássicas de alimentar, subsistir, suportar e conservar.

A noção de sustentar traz, então, uma dualidade de conteúdo sendo um de

insistência, o outro de tolerância. O confronto dessas dualidades constitui desafios

atuais. Pelejar e suportar em nossa época, por exemplo, deve incorporar preocupações

ecológicas vinculadas à produção e ao hábito de consumo, bem como dos

desdobramentos da integração Ciência-Tecnologia. Ou seja, sustentabilidade é um tema

que envolve as dimensões ambientais, econômicas, sociais e culturais. Sobretudo, pelas

frequentes disputas humanas, o tema abrange diferentes dimensões da inteligibilidade

de modelos e representações sociais sobre a convivência humana e daquilo que lhe dá

suporte. O conteúdo de insistência e de tolerância em nossa época também nos remete

aos desafios do diálogo intercultural e transgeracional. Do exposto decorre que

sustentabilidade pode significar um princípio norteador para outra racionalidade social,

produtiva e para um futuro viável (referida a um tempo que é irreversível).

A sustentabilidade é um tema que evoca os desafios da responsabilidade de

nossa época. Um caso exemplar mostra que, ante a questão da nossa convivência,

ganhou importância a noção de projetos como construções complexas nas quais

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interagem vivências e convivências, em que compartilhamos conhecimentos, crenças,

valores e finalidades. Para Acselrad (2005), pesquisador em estudos urbanos e

regionais, ganhou importância atualmente a bandeira da justiça ambiental, uma

construção da justiça social em sentido amplo. Para Sato e Oliveira (2010), em nossa

época intensificou-se a exigência por gestão participativa de bens e serviços ambientais

de provisão, de regulação, culturais e de suporte, proveniente de diferentes

ecossistemas, cujo comprometimento, por exaustão e depredação, ameaça as culturas

humanas.

Hans Jonas (2006), filósofo e teólogo alemão, em 1979 colocou o problema da

responsabilidade para com a natureza como um tema para a moral. Para ele, a

compreensão de nossas demandas exige um novo agir e mais conhecimento frente a

nossas utopias, aos nossos projetos, incluindo tanto a responsabilidade com a natureza

como a de tornar viável o futuro da humanidade, visando o bem comum.

Como sujeitos, constituímos a sociedade e nos tornamos responsáveis por ela.

Mas responsabilidade não pode ser confundida com culpabilidade, nem mesmo

podemos cair na representação simplista em que somos todos responsáveis de igual

modo, pois não será com reducionismo sobre atitude individual e cotidiana que

compreenderemos as responsabilidades de nossa época (PORTILHO, 2010;

CARVALHO, 2012).

Não existe uma crise ambiental única, como exemplo, os dados mundiais

demonstram que os 500 milhões mais ricos (7% da população mundial) são

responsáveis por 50% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto 3,4 milhões mais

pobres (50% da população) respondem apenas por 7% das emissões, produtoras do

aquecimento global. Segundo pesquisas na área, os 20% mais ricos consomem 82,4%

das “riquezas da terra”, enquanto os 20% mais pobres tem que se contentar com 1,6%

(BOFF, 2012). Entretanto, o discurso, baseia a necessidade da produção na demanda

generalizada dos consumidores mundiais, como se todos consumissem de forma

proporcional.

A proposta de sustentabilidade demonstra que a responsabilidade requer uma

ética política. Neste sentido, incorporar valores éticos no debate do tema intenciona a

articulação entre esfera pública e esfera privada, vinculando assim dimensões pessoais e

coletivas, para superar a responsabilização da esfera privada pelo social (LOUREIRO,

2012).

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Ainda, a partir de uma perspectiva conectiva, nos é possível uma representação

de caráter ético político no âmbito da relação entre responsabilidade e desenvolvimento.

Isso significa pensar em um desenvolvimento de longo prazo, que atribua

responsabilidade pela vida das pessoas no futuro a partir do que os cidadãos realizam no

presente. Em um momento de tanta ênfase no imediato e na efemeridade, propor o

inverso é algo consideravelmente radical e tem seu mérito (LOUREIRO, 2012).

Para Boff (2012), desenvolvimento e sustentabilidade são aspectos

contraditórios que obedecem a lógicas diferentes e que se contrapõem. Para o autor, o

termo desenvolvimento vem do campo da economia política industrialista e capitalista

sendo, então, linear. Para o autor é a lógica de crescimento progressivo que supõe a

exploração da natureza, gerando profundas desigualdades, riqueza de um lado e pobreza

de outro, ao mesmo tempo em que privilegia a acumulação individual. Já a noção de

sustentabilidade provém da biologia e ecologia, cuja lógica é circular e includente,

representa a tendência ao equilíbrio dinâmico, privilegia o coletivo, a cooperação e a co-

evolução.

Loureiro (2012) nos apresenta a possibilidade de conceber desenvolvimento

como um conceito que se opõe à noção de progresso linear, substituindo essa noção

pelo conceito de devenir, que melhor representa um movimento de afirmação da

continuidade temporal, ou seja, a representação de aparição e desaparição. Essa

dualidade na conceituação de desenvolvimento também amplia a polêmica sobre ideias

inerentes à noção de sustentabilidade e de responsabilidade. Para o autor, o

desenvolvimento é um movimento de descontinuidade, e não evolucionista, visto que o

novo está contido na forma anterior, mas se objetiva por caminhos complexos e nexos

mediados por várias dimensões. Assim o conceito de desenvolvimento não sugere

necessariamente que uma sociedade posterior seja melhor ou que haja uma sociedade

ideal a ser atingida, pode-se afirmar apenas que é mais complexa no sentido de que é

irreversível (não se pode voltar de forma plena e sempre que algo ocorre agrega novas

informações ao sistema), com mais relações que são qualitativamente distintas.

O tema da responsabilidade sobre as crescentes demandas humanas coloca em

crítica os projetos humanos. Assim na história da construção teórica do tema relaciona

compromissos na esfera pública e na esfera privada. Para Ayres (2007), os projetos

humanos são construções complexas nas quais interagem vivências e convivências. Para

Jonas (2006), os projetos devem ser entendidos como espaço e tempo onde se

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materializam nossas utopias e a busca pela felicidade, sendo assim potencialmente

constitutivos das atuais responsabilidades junto ao Planeta: comportar todos nós

humanos e não humanos, tanto do ponto de vista material quanto social e cultural.

Neste intento, os esforços globais, da sociedade civil em seus movimentos

sociais, redundaram em referenciais de responsabilidades por novas utopias, nova

produção, novo consumo que representam um projeto ecológico (CAPRA, 1996). Para

Capra (2002), a ascensão do capitalismo global é feito de redes eletrônicas onde correm

fluxos financeiros e de informações, o projeto ecológico trata das redes ecológicas de

fluxos energéticos e materiais, de elevar ao máximo a sustentabilidade da teia da vida.

O caráter múltiplo da sustentabilidade auxilia na configuração de distintas

responsabilidades. A questão da responsabilidade social surge como resultado da ideia

de responsabilidade complementar entre o cidadão e suas organizações e o dever do

Estado. Deste modo é referente ao desenvolvimento social, atinge governos, empresas e

organizações da sociedade civil e todos os setores da sociedade. Ela é defendida como

uma responsabilidade de cunho político.

No âmbito da responsabilidade pessoal há de se relacionar o tema com a

obrigação de responder por certos atos próprios e aos outrem. Responsabilidade vem do

latim responsus, de respondere, responder. Ao tomar sinônimos do dicionário brasileiro

responder corresponde a replicar, corresponder, equivaler, mas também se refere a

retrucar, a contrapor (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES, 1996), o que expõe um

teor dual que acompanha o discurso, o que ajuda a compreender distintas adesões ao

conjunto de responsabilidades com as quais nos defrontamos.

A complexidade das demandas de sustentação da vida configura os projetos

humanos como espaços de interdependência de cunho ecológico, agrícola, industrial e

tecnológico. A partir da compreensão da interdependência dos projetos humanos entre

si, sejam em contexto global ou local, os esforços, na esfera pública e na esfera privada,

buscam assumir compromissos com as diversas dimensões que dão suporte a vida no

Planeta. Para Loureiro (2011, p. 109) é “a ação de mudança individual associada à ação

política que pode vincular este movimento das pessoas a transformações societárias,

levando-nos a outras condições planetária de vida”. Assim, ganha importância a noção

de interdepender. Ao tomar sinônimos do dicionário brasileiro nota-se que

interdepender corresponde a depender com reciprocidade; de compartilhar, de ter ou

tomar parte em, ou participar de projetos (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES, 1996),

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é uma noção que auxilia na reafirmação de que o momento histórico de construção

societária é feito de múltiplas conexões que exigem comprometimento social e pessoal,

e mudanças sociais e culturais.

Em síntese, questiono a significação da sustentabilidade baseada em um

fundamentalismo de mercado. Entendo que sua significação atravessa dimensões

biofísicas e socioculturais, de modo que evoca as situações decorrentes de nossa época,

isto é, um período de reafirmações, contraposições e disputas.

Vivemos um período de discussões que fomentam novas bases teórico-

epistemológicas e práticas. Há construções voltadas para a biorremediação da

degradação, que vão da biotecnologia à bioética como demonstram Borém e Santos

(2001) pesquisadores em genética. Outro exemplo, é a agroecologia (GLIESSMAN,

2001) voltada à compreensão ecológica das práticas agrícolas. No âmbito educacional

para Gadotti (2007), em nossa época devemos fomentar a criação de redes e associações

de formação ambiental.

Se, por um lado, as abordagens ecológicas são criticadas pela redução da

complexidade do tema, menosprezando as dimensões socioeconômicas, por outro lado,

as abordagens de cunho econômico reafirmam os discursos do mercado. Por isso, parto

do pressuposto de que abordagens socioambientais em relação à sustentabilidade, de

cunho sistêmico e integrador, representam melhor as dimensões ecológicas, científicas,

éticas e os compromissos individuais e comunitários necessários ao debate

contemporâneo.

A sustentabilidade é um tema que problematiza a formação científica integrada à

formação ética e moral. O compromisso com o tema está além da degradação material.

Torna-se pertinente julgar que as utopias dos projetos humanos devam considerar

responsabilidades.

2.2 Sustentabilidade e seu papel para a educação científica

Diante da potencialidade de problematização e de contextualização que o tema

da sustentabilidade carrega, reconheço sua capacidade propositiva de implicações

educacionais e éticas. O tema suscita interpretações sobre muitos dos paradoxos da

contemporaneidade, anteriormente citados, como a naturalização da riqueza e da

pobreza, dos males sociais e dos ambientais (SACHS, 2008, p. 84);

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32

Ferreira (2005), pesquisadora em sociologia ambiental, lembra que a

dependência técnico-científica é cerceadora da independência produtiva, de maneira que

a sustentabilidade é uma temática que demanda formação ética, na medida em que se

torna um conceito transversal, com abrangência em todas as dimensões da vida humana,

não apenas nas relações diretas com a natureza. Trata-se de levar em consideração

saúde, educação e espírito comunitário, dentre outros temas, ao invés do mero consumo

material.

Capra (2002) construiu a noção de alfabetização ecológica, considerada um

importante passo no caminho para a sustentabilidade:

Esse sistema envolve uma pedagogia cujo centro é mesmo a compreensão de

(...) fatos fundamentais da vida – que os resíduos de uma espécie são os

alimentos de outra; que a matéria circula continuamente pela teia da vida; que

a energia que move os ciclos ecológicos vem do Sol; que a diversidade é a

garantia da sobrevivência; que a vida, desde os seus primórdios há mais de

três bilhões de anos, não tomou conta do planeta pela violência, mas pela

organização em rede. (CAPRA, 2002, p. 240).

Tal noção, de ênfase ecológica, incorpora a compreensão dos princípios de

organização que os ecossistemas desenvolveram para sustentar a vida. A emergência

das temáticas ambientais tem outras evidências no debate mundial. Em reuniões

organizadas pela ONU, no início dos anos 70 do século XX, gerou-se o relatório “Os

limites do crescimento”. Em seguida, em 1972, aconteceu a Primeira Conferência

Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente. Em 1984, foi formada a Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que encerraram seus trabalhos em

1987, com o relatório Brundtland, de título “Nosso futuro comum”, quando a discussão

voltou–se ao atendimento das necessidades das atuais e futuras gerações.

Em 1992, a ONU convocou a Cúpula da Terra, que elaborou a Agenda 21 e a

Carta do Rio de Janeiro, tratando de critérios ético-políticos norteadores de

compromissos socioambientais. Em 2000, foi elaborada a Carta da Terra, sendo

assumida oficialmente para dar visibilidade a tais compromissos pela UNESCO em

2003. Em 2002, aconteceu a Cúpula de Johanesburgo sobre Sustentabilidade e

Desenvolvimento. Em 2012 ocorreu outra Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, para um

balanço dos avanços e retrocessos desses debates. Desde a Agenda 21 está pressuposto

que a educação deverá melhorar a capacidade das pessoas para entender os problemas

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do meio ambiente e do desenvolvimento, o que demonstra a contemporaneidade desse

debate (UNESCO, 2005).

Para a UNESCO (2005), a vinculação da Educação com o Desenvolvimento

Sustentável é essencial para promover valores. A Instituição orienta que esses valores

devem ser explicitados de modo que possam ser analisados, debatidos, testados e

aplicados para se tornarem localmente relevantes. Assim como devem associar-se à

ciência e à tecnologia para potencializar o entendimento do mundo. A iniciativa deve

dar destaque à formação científica, de maneira que “a educação que dá acesso a ciência

e tecnologia é uma área onde deve haver uma causa comum a ser alcançada, defendendo

firmemente o papel dos critérios locais na determinação de como ciência e tecnologia

devem ser usadas” (p. 48).

A abordagem defende o debate pautado em critérios locais relevantes, cuja

orientação sugere substituir conflitos e lutas físicas por lutas de ideias. Isso demanda

conviver com o posicionamento contrario; o respeito à expressão de ideias antagônicas,

e inclusive não ser indiferente as ideias diferentes, abrir espaço para que se argumente.

Morin (2006), na defesa do pensamento complexo, diz que precisamos

compreender o pensamento do outro. As culturas devem aprender umas com as outras

para a construção de uma cidadania planetária. Para o autor, em nome do coletivo, os

sujeitos devem comunicar-se. Isso auxilia a compreender a comunicação como um

processo de (co)produção uns dos outros. De maneira que origina princípios como não

ser indiferente às ideias do outro, o respeito ao direito de proferir um propósito que

pode parecer vil. Dialogar com o outro supõe respeitar no outro sua diferença e

identidade.

Em nossa época, o processo de construção societária envolve constante

mobilização de novos sentidos frente ao contexto que se transforma velozmente.

Mobilização porque tem como referência a noção de por em movimento. Mobiliza o

milenar apelo à cidadania e à (co)responsabilidade. Também mobiliza o contemporâneo

apelo à responsabilidade individual com potencialidade de pertencimento social, sendo

sentidos necessários à responsabilidade com a natureza, à politização do consumo

(PORTILHO, 2010), ao enfrentamento dos conflitos políticos e à participação na esfera

pública.

Tais exigências reafirmam a pressão por acordos globais e locais, soluções

técnico-científicas e artesanais, mas também pressões por solidariedade, por mudanças

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de atitude e por novos posicionamentos socioambientais. Sustentabilidade como uma

expressão de nossa época, desencadeou análises teóricas das dimensões econômica,

social, ambiental, ética, cultural, temporal e espacial. É um conceito amplamente usado

e nem sempre seu conteúdo está esclarecido ou estabelecido de modo crítico. Dentro da

abordagem sistêmica, possui um conteúdo de sistema complexo, que esclarece o caráter

constitutivo dos projetos humanos e propicia representar as condições de instabilidade e

irreversibilidade de nossas ações no Planeta.

A partir de uma definição integradora, tomando por base Boff (2012), ressalto o

conteúdo do tema nos termos de conjugação e combinação de energia, informação e

elementos físico-químicos, bem como do valor de todos os seres independentes do uso

humano, e da rede de vida interdependente. Nos termos de uma Terra viva como base

de todos os elementos de sustentabilidade anteriores, responsável por sua integridade e

vitalidade. Em termos da vida humana como responsável por cuidar do Planeta. Nesta

base o tema da sustentabilidade inclui a continuidade do processo evolutivo, no sentido

da expansão evolutiva e não de morte térmica. O tema inclui garantia de infraestrutura à

vida humana e solidariedade com nossos descendentes. É assim um conceito ampliado,

que recobre aquilo que forma o mundo natural e humano, prevê que ele se recupere,

refaça e enriqueça.

Seu conteúdo também inclui a exigência de construção de sociedades

sustentáveis pautadas pela responsabilidade com a qual se ressalta sua natureza moral.

Ao tomar por base Jonas (2006), a natureza moral em nossa época deve dedicar-se ao

“sentimento de responsabilidade” que incorpore fins da natureza e compromissos com

um futuro viável.

Defendo o caráter multidimensional do conteúdo da sustentabilidade, que abarca

a sustentação da vida e dos projetos humanos e que favorece tanto a produção de

representações sociais e discursos quanto o comprometimento dos sujeitos em diversos

espaços-tempos sociais. Sobretudo é a diversidade de ideias que dá à sustentabilidade

seu caráter complexo e histórico.

Não há responsabilidade única. São responsabilidades distintas, mas há uma

implicação comum, pois toda perturbação é constitutiva de possibilidades de

desdobramentos naturais e socioculturais. Considerar as perturbações constitutivas trata

de significar a crise ecológica não como tragédia, mas como “oportunidade de

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mudanças mais respeitadora da natureza, por isso mais sustentável” apontada por Boff

(2012, p. 179).

Para Morin (2010), estamos num mundo que nos aparece simultaneamente em

evolução, em revolução, em progressão, em regressão, em crise, em perigo. Para o autor

precisamos associar as noções ao invés de escolher uma e eliminar as outras, pois

vivemos tudo isso ao mesmo tempo.

A cerca da presença do tema na formação de professores tenho como

questionamento: a multidimensionalidade do tema da sustentabilidade, que evoca

mudança de atitudes perante a natureza e o futuro, quando aliada à educação possibilita

geração de sentimento de responsabilidade, assim como compreender a relação

complexa sociedade-indivíduo, convivência-emancipação?

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3 UMA VISÃO COMPLEXA DA SUBJETIVIDADE

A multidimensionalidade é um dos princípios fundamentais do pensamento

complexo, assim como inseparabilidade, distinção, globalidade, simultaneidade,

recursividade e interdependência (MORIN, 2000). Assim, a complexidade articula

princípios fundamentais de organização e processo capazes de confrontar aqueles da

ciência clássica como separação, isolamento e redução, que fundamentam uma

determinação universal. Sobretudo, seus princípios estão relacionados com as possíveis

indeterminações acarretadas pelas incertezas, instabilidades e a irreversibilidade das

transformações. Ao olhar para os projetos humanos e as responsabilidades deles

decorrentes como “perturbações constitutivas” nos termos do que propõe Prigogine

(2002), compreendo que mudanças apontam a probabilidade da emergência de

qualidades e propriedades em um conjunto de retroações.

Nos termos propostos por Prigogine (2002), organização e processo

correspondem tanto às "estruturas dissipativas” como à função dos fluxos (por exemplo,

fluxo de calor) e de forças (por exemplo, gradiente de temperatura). A questão da

complexidade é, assim, posta para se contrapor a princípios clássicos de determinação.

Para Prigogine e Stengers (1984) a ciência moderna clássica se constitui contra a

natureza, pois lhe negava a complexidade e o devir em nome de um mundo eterno e

cognoscível regido por um pequeno número de leis simples e imutáveis. Para os autores,

é preciso pensar uma ciência dos processos, que reformule nossas concepções sobre a

natureza, de evoluções múltiplas e divergentes, bem como nossas relações materiais

com ela. Trata-se de uma ciência do complexo que permite descrever os processos

complexos. Para tanto, são necessárias descrições temporais probabilísticas de sistemas,

vinculadas à noção de irreversibilidade, articuladas com a teoria das transformações não

unitárias, esboçadas para sistemas instáveis, cujos elementos constituintes em

movimento apresentam trajetórias correlatas e interdependentes.

A modelização de processos irreversíveis, como a descrição de rede de ativações

e inibições metabólicas, permitiu a exploração de estruturas complexas e organizadas

longe do equilíbrio e compreensão de singularidade da geração de novos estados

estruturais, portadores de novos comportamentos, o que constitui a condição de

instabilidade das estruturas. Ganha importância a noção de flutuações, pois de maneira

periódica as flutuações se ampliam e organizam o meio. Ou seja, o encadeamento dos

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processos de degradação e criação nas transformações são um caso exemplar de

complementaridade e da existência de oscilações temporais na produção de

comportamentos periódicos.

O modelo imaginado para processos complexos pressupõe uma abertura para o

desconhecido, próprio da incorporação da noção de dualidade que relaciona, por

exemplo, posições e momentos de estados microscópicos. O fato de não podermos

atribuir simultaneamente posições e momentos bem determinados a eventos de nível

microscópico exprime uma impossibilidade lógica, levando a uma relação de incerteza,

o que caracteriza a modelização de sistemas complexos como uma escolha necessária

do conjunto de parâmetros solicitado ao sistema. Deste modo a modelização das

estruturas e processos tem implicação de um referencial, de um observador situado no

mundo, bem como da impossibilidade de se esgotar a realidade do sistema.

Trata-se de uma ciência do complexo, das turbulências constitutivas, baseada na

ordem por flutuações, que se opõe ao universo estático, cujos princípios permitem a

descrição, também, de ligações locais singulares e histórica entre os homens, suas

sociedades e seus saberes. Contribui assim para a compreensão da situação do ser

humano no mundo (PRIGOGINE; STENGERS, 1984).

Para Morin (2000), a complexidade relaciona-se à totalidade e singularidade,

movimento e interações, de modo que torna relevante integrar inseparabilidade e

distinção, simultaneidade e recursividade. O pensamento complexo é essencialmente o

pensamento que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. É o

pensamento capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente) de

contextualizar, de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o

individual, o concreto. A complexidade preconiza a tarefa de juntar as partes atentando-

se para suas distinções. Assim, o princípio da complexidade obriga a abandonar o sonho

de uma fórmula única. Haverá sempre uma dualidade, uma pluralidade. O caráter

epistemológico importante da totalidade é definido explicitamente como

multidimensional.

A complexidade, também, desequilibra nossos hábitos de pensamento que

supõem que todo problema pode apresentar resposta clara e distinta. Ela está num

emaranhado de coisas que faz com que não possamos tratá-las parte a parte. Estamos

num mundo onde existem determinações, estabilidades, repetições, ciclos, mas também

perturbações e aparecimento do novo. Em toda a complexidade existe a presença de

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incertezas. Desta forma, a complexidade se reconhece pelo negativo das incertezas, mas

também pelo positivo do tecido comum, em que se ligam o um e o múltiplo, o universal

e o singular, a ordem, a desordem e a organização (MORIN, 2000). Existem múltiplas

complexidades, as físicas, as biológicas, as antropossociais e no mundo contemporâneo,

as complexidades da era planetária. Para o autor, o desafio é reunir, restituir relações,

interdependências e articulações para compreender as totalidades. Neste sentido, Morin

(2010) argumenta que precisamos associar as noções de crise, evolução, revolução,

regressão, ao invés de escolher uma e eliminar as outras, pois vivemos tudo isso, ao

mesmo tempo.

O tema sustentabilidade evoca a multiplicidade de processos sociais, históricos e

atuais, nas diversas esferas e problemas da vida do ser humano, que compreendo como

necessária para pensar a complexa relação entre responsabilidades e compromissos

individuais e coletivos. A dimensão da responsabilidade da sustentabilidade suscita a

relação sociedade-indivíduo e a recursividade do universal-singular, como condições

para compreender a interação entre convivência e emancipação.

Deste modo, os processos de educação para o tema se deparam com os aspectos

subjetivos e culturais, pois, a produção subjetiva vincula-se à problemática da ação

humana e de sua liberdade na medida que o sujeito se confronta com o mundo, princípio

que se torna central ao comprometimento socioambiental. Para Freire (2000), não é

possível falar de subjetividade a não ser compreendida em sua relação dialética com a

objetividade, porque a subjetividade não produz a objetividade, tampouco se constitui

como mero reflexo desta.

Pesquisadores da sustentabilidade consideram crítico tratá-la por um conjunto de

externalidades, negam deste modo relações amplas e complexas, que também

condicionam os projetos humanos. Para Leff (2010), é necessário reafirmar lutas

voltadas à responsabilidade, visando a afirmação cultural, com ênfase nas

subjetividades. Para tanto é necessário recuperar o direito de pensar, questionar e saber,

para reconstituir e reposicionar os sujeitos neste mundo incerto e ameaçador, através de

uma educação que incorpore princípios básicos da ecologia e do pensamento complexo.

É necessário reafirmar lutas voltadas para valores como solidariedade, cuidado, e

responsabilidade ao lidar com a diversidade, tendo em vista a superação da crise

ambiental. A compreensão do papel da subjetividade na construção societária torna

possível uma que começa a sentir-se, a pensar-se, a amar-se e a ver a si mesma incluída

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nas problemáticas ambientais (LEFF, 2010; BOFF, 2012). Para Loureiro (2012), a

subjetividade é uma representação que envolve os estudos da afetividade como

faculdade humana de afetar, de implicar suas emoções nos espaços vividos. Sobretudo,

compreendo relevante apontar a subjetividade em uma perspectiva complexa, com seus

processos simultâneos, articulada por aspectos recursivos e desdobramentos dinâmicos.

Na construção societária de estilo de vida sustentável, de um mundo moral e

socialmente justo, surge a demanda por sujeitos ecológicos, cidadãos responsáveis e

consumidores participantes (PORTILHO, 2010; CARVALHO, 2012; LOUREIRO,

2012).

Contreras (2002) nos lembra das exigências atuais por profissionais críticos.

Compreendo que o sujeito que se compromete com uma nova construção societária é

um sujeito histórico concreto. Isso requer uma releitura da categoria subjetividade, não

mais com uma ênfase intrapsíquica, referindo-se a um processo do mundo interno do

sujeito, mas como categoria usada para tratar da relação de convivência e emancipação,

para auxiliar na compreensão da complexa interação entre indivíduo e sociedade.

Pensada desta maneira, a categoria supera a supremacia do sujeito visto por vezes como

um sujeito soberano, racional, dono de seus atos e com pleno domínio da natureza.

Compreendo que também supera a noção de sujeito como reflexo do social,

desconsiderando sua participação ativa na construção de seus conhecimentos e

compromissos (GONZÁLEZ-REY, 2008).

Em nossa época, compreender o sujeito em desenvolvimento passou a pressupor

pesquisa como um processo de comunicação, de maneira a evidenciar as questões do

processo de mediação semiótica e suas influências, nas expressões das pessoas em seus

diferentes contextos sociais de participação. Propiciou assim interpretação da dimensão

discursiva da subjetividade compreendida, por um lado, em seu caráter de

compartilhamento de projetos realizados em conjunto com outros sujeitos, por outro

pela produção individual.

Desta forma, contemporaneamente, o sujeito histórico concreto passa a ser

concebido como uma subjetividade constituída nas implicações de sua construção

coletiva e pessoal. Do exposto, compreendo que uma perspectiva complexa de

subjetividade pode contribuir para interpretar a noção de sustentabilidade para

professores.

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3.1 A teoria da subjetividade de González-Rey e o sujeito que aprende

Esta pesquisa concebe a subjetividade em perspectiva histórico-cultural, que foi

impulsionada pela teoria de González-Rey, psicólogo cubano, atualmente professor do

Centro Universitário de Brasília. Para González-Rey (2005b), os processos individuais e

sociais não são excludentes; ao contrário, implicam-se de forma recíproca nos processos

de constituição subjetiva que se produzem em cada um desses níveis. Desta maneira, em

cada momento histórico, em cada sociedade, nos diferentes extratos sociais e culturais

de uma sociedade, existem configurações subjetivas singulares se desenvolvendo.

O enfoque histórico-cultural de González-Rey (2005a), como uma expressão da

complexidade, quer ultrapassar toda representação do sujeito como uma entidade

abstrata individualizada, para significá-lo como um microelemento social

subjetivamente, apto a dar sentido a sistemas sociais nos quais atuam aspectos

subjetivos, que expressam outros sistemas e contextos sociais.

Desta maneira, ele não concebe subjetividade na perspectiva metafísica,

racionalista e individualista que o termo tomou na história do pensamento filosófico

ocidental, mas como expressão simbólico-emocional que caracteriza a produção

psíquica nos diferentes espaços e áreas da vida humana (GONZÁLEZ-REY, 2007b).

Em sua teoria ele elege a complexidade para expressar a tensão entre

organização e processo, de modo a constituí-la como um modelo pertinente para

interpretação da subjetividade. Aqui a subjetividade é caracterizada por uma

multiplicidade de aspectos que se apresentam em complexas interações entre si, abarca

as diferentes relações do sujeito nos contextos da vida cotidiana, marcadas pelos

sistemas de valores e construções simbólicas atuais dos grupos de referência. Nesta

perspectiva, processos e instituições se integram em novas dimensões constitutivas e em

complexas formas recursivas de organização, tanto sociais quanto em uma cultura, nas

quais os sistemas se mantêm em constante desenvolvimento sob a tensão das ações.

Desta maneira, para González-Rey (2005b) a subjetividade se apresenta como

um conjunto dinâmico de complexas sínteses que constitui o sujeito.

A ideia de sujeito recupera o caráter dialético e complexo do homem, de um

homem que de forma simultânea representa uma singularidade e um ser

social, relação esta que não é uma relação de determinação externa, mas uma

relação recursiva em que cada um está simultaneamente implicado na

configuração plurideterminada dentro da qual se manifesta a ação do outro.

(GONZÁLEZ-REY, 2005b, p. 224).

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Os contextos sociais promovem reconstruções daquilo que pensam os sujeitos

individuais, sendo a atividade compartilhada um momento constitutivo do próprio

pensamento dos protagonistas ativos no processo. Dentro desses contextos ocorrem

processos parciais de subjetivação, numa dinâmica complexa, envolvendo relações entre

o sujeito e os eventos do meio social. Assim, ganha importância a definição com base

na dialética da recursividade do social-individual, interno-externo. De modo que a vida

social passa a ser entendida na processualidade de forças coletivas e subjetivas, sendo

uma relação recursiva em que cada um está simultaneamente implicado em rupturas,

contradições a ações criativas. Os sujeitos estão, deste modo, em processo e se

interpenetram constituindo-se mutuamente, o que requer reconhecer a capacidade de

produção subjetiva permanente no curso da vida para as quais tem relevância

fenômenos de ordem social e individual.

A partir da perspectiva histórico-cultural é possível tratar de fenômenos

subjetivos de maneira complexa, sistêmica, dinâmica, dialógica e dialética. Neles se

articulam processos simbólicos e emoções. Pela integração dessas dimensões de sua

subjetividade os sujeitos se singularizam e vivenciam a singularidade dos seus

processos de relacionamento entre si e com o mundo. Nesta teoria assume papel central

a capacidade generativa do sujeito na produção do discurso. O pensamento é um

processo produtor de sentido subjetivo e não apenas de significações. Desta maneira a

condição de afetar e ser afetado deve representar o indivíduo como sujeito portador e

produtor de subjetividade.

Em todo espaço de geração das representações sociais, os sujeitos individuais

aparecem como protagonistas ativos do processo, o que dá à subjetividade uma

dimensão discursiva. Adquire sentido a dimensão discursiva da subjetividade em

perspectiva histórico-cultural. Há uma relação inseparável entre sentido e subjetividade,

pois a linguagem precede o sujeito como estruturação simbólica do social, no entanto, o

mesmo a assume de forma diferenciada e subjetivada: a linguagem encontra no sujeito

um novo momento de sua constituição subjetiva (GONZALEZ-REY, 2005a).

Desta maneira, a comunicação gera processos permanentes de significação e

sentido. O sentido está presente em processos de significação que circulam na

sociedade, mas não está definido por tal processo. O social comparece, portanto, como

um espaço heterogêneo, tendo o conhecimento uma natureza simbólica e social.

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Em consonância com o que propõe Vigotsky, González Rey (2005b) argumenta

que os processos simbólicos e as emoções, são impossíveis de serem compreendidos por

processos padronizados e externos ao sistema subjetivo particular em que o sentido é

produzido. Em sua proposição teórica aparecem noções centrais em que simbólico e

emocional, bem como social e individual são articulados em relações complexas:

a. Subjetividade social: a subjetividade está constituída tanto no sujeito individual,

como nos diferentes espaços sociais em que este vive, sendo ambos níveis de

organização diferentes, constituintes da subjetividade. O caráter relacional e

institucional da vida humana implica a constituição não apenas do sujeito, mas

também dos espaços sociais em que essas relações são produzidas, que por sua

vez estão estreitamente relacionados entre si em suas implicações subjetivas. É a

este nível de organização que o autor chama de subjetividade social, ou seja, ela

se apresenta nas representações sociais, mitos, crenças, moral, sexualidade nos

diversos espaços em que vivemos e “está atravessada pelos discursos e

produções de sentidos que configuram sua organização subjetiva.”

(GONZÁLEZ-REY, 2005a, p. 24). A subjetividade social também é definida

como produções sociais carregadas de sentidos subjetivos que estão

configuradas por processos emocionais e simbólicos produzidos nas mais

diferentes esferas da sociedade (GONZÁLEZ-REY, 2007a).

b. Subjetividade individual: representa os processos e formas de organização

subjetiva dos indivíduos concretos. Os mesmos elementos que se articulam no

funcionamento social, articulam-se na formação da subjetividade individual a

diferença é que, neste nível, estão implicados os elementos da história única do

sujeito, dentro de uma cultura, de maneira que ela se constitui em suas relações

pessoais (GONZÁLEZ-REY, 2005b). A subjetividade individual, o caráter

processual do sujeito, representa-o como um momento vivo da organização

histórica da sua subjetividade, sendo ela a representação do sujeito implicado de

forma constante nos diversos espaços sociais dentro dos quais organiza suas

diferentes práticas.

c. Sentido subjetivo: o conceito refere-se ao sistema simbólico-emocional em

constante desenvolvimento, em função das experiências vividas e de seu valor

para o próprio sistema subjetivo. O autor propõe tal conceito em virtude da

relação inseparável do sentido com o sistema subjetivo, o que o leva a

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compreender o sentido como subjetivamente produzido (GONZÁLEZ REY,

2007b). Em sua formação, o sujeito articula um sistema complexo em

desenvolvimento que integra processos simbólicos e emocionais, resultante da

multiplicidade de desdobramentos de sua ação social, com a qual enfrenta o

mundo vivido. Os sentidos subjetivos representam uma integração e permitem

analisar de uma forma completamente diferente as categorias psicológicas, de

maneira que processos simbólicos e emoções fazem parte de um mesmo sistema

em que a presença de um elemento evoca o outro, sem que seja absorvido pelo

outro. Para ele, a ênfase em seu caráter subjetivo reafirma que processos

simbólico-emocionais são expressões dos espaços simbolicamente produzidos

pela cultura, sendo referências permanentes do processo de subjetivação,

entretanto, a categoria de sentido subjetivo, marca certa autonomia do

emocional, que não aparece como resultado da mediação semiótica, mas sim a

acompanha.

d. Configurações de sentidos subjetivos: a organização de sentidos subjetivos como

sistema se processa em configurações que estão em desenvolvimento

permanente, sendo inseparáveis da cultura e da vida social da pessoa. A

integração de elementos de sentido, que emergem ante o desenvolvimento de

uma atividade em diferentes áreas da vida, é denominada por González-Rey de

configurações subjetivas (GONZÁLEZ-REY, 2005b; 2007a). Logo, a

configuração subjetiva representa constelações simbólico-emocionais

complexas, que definem múltiplos sentidos subjetivos.

Os conceitos de subjetividade e sentidos subjetivos permitem uma leitura do

social que não é possível de ser realizada a partir de correlações quantitativas entre

variáveis. Assim, o conceito de subjetividade abarca um sistema complexo capaz de

expressar através dos sentidos subjetivos a diversidade de aspectos objetivos da vida

social do sujeito que concorrem em sua formação (GONZÁLEZ REY, 2005a). Segundo

tal proposição teórica, o sentido subjetivo fundamenta uma concepção histórico-cultural

de subjetividade, nela a dimensão discursiva é plenamente reconhecida como uma

produção da subjetividade social e do sujeito individual em sua capacidade geradora e

crítica em relação aos espaços sociais em que transita:

(...) o sujeito não pode ser compreendido dentro de um referencial

determinista, pois ele está constituído por suas condições e, simultaneamente,

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é constituinte dessas condições. A linguagem precede o sujeito como

estruturação simbólica do social; no entanto, o advento do sujeito assume

essa linguagem de forma diferenciada e subjetivada: a linguagem encontra

nesse advento do sujeito um novo momento de sua constituição subjetiva,

que tem caráter subjetivo. (GONZÁLEZ-REY, 2005b, p. 228-229).

O caráter subjetivo na proposta teórica do autor cria as bases para uma

representação das pessoas como sujeitos geradores, relevante para representar o papel

ativo da pessoa no contexto de sua ação e para reconhecer a subjetividade como forma

específica e única dos processos humanos. A produção subjetiva passa a representar

sínteses reflexivas e criativas com implicações para a vida do sujeito, de forma que a

ideia de sujeito recupera o caráter dialético e complexo do homem, cuja linguagem é

constitutiva e subjetivada.

Aquilo que o autor propõe como teoria da subjetividade na perspectiva histórico-

cultural tem implicações para a formação de professores e para a aprendizagem, quando

defende o sujeito que aprende em sua condição geradora e criativa. O processo é de

transformação na medida em que a educação promove condições para a aprendizagem

geradora e criativa. Ou seja, a psique como sistema dinâmico é constituída na

processualidade de forças subjetivas individuais e sociais. E há produção singular ante a

possibilidade que o sujeito tem de avaliar o que aprendeu no esforço de construir um

sistema coerente de relações, pela articulação de dúvidas, hipóteses e crítica. Desta

maneira, a configuração subjetiva é resultado da multiplicidade de desdobramentos da

ação do sujeito.

A perspectiva histórico-cultural traz uma releitura do desenvolvimento da

emocionalidade. O desenvolvimento da emocionalidade é resultado da convergência e

da confrontação de elementos de sentido, constituídos na subjetividade individual como

expressão da história do sujeito e de outros aspectos que aparecem por meio de suas

ações concretas no processo de suas distintas atividades.

A teoria de González-Rey (2005a) argumenta que a produção da identidade pode

ser compreendida como identidade psicossocial, é nessa permanente relação entre

pessoa e mundo que os aspectos compartilhados passam a constituir atributos aos

sentidos que mobilizam a produção emocional e simbólica e assim integram a

complexidade dos elementos psicológicos da identidade. Portanto trata-se de uma

identidade que nos integra emocionalmente nos espaços sociais. As emoções que

permitem a emergência dos sentidos subjetivos aparecem com o compromisso pessoal,

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com o interesse em se posicionar ante o aprendido e defender e avançar por meio de

posições próprias, desta forma, “os sentidos subjetivos que vão se desenvolvendo na

aprendizagem são inseparáveis da complexidade da subjetividade do sujeito”

(GONZÁLEZ-REY, 2006, p. 34). Assim, considero relevante uma noção de identidade

articuladora de processos individual-sociais, possíveis de se interpretar por sentidos

subjetivos.

Sob tais pressupostos, a noção de subjetividade do autor apresenta um enfoque

configuracional da personalidade como sistema em desenvolvimento. Com o conceito

de configuração subjetiva, o autor propõe que toda essa produção singular não pode ser

fragmentada de seu contexto social, sendo possível assim compreender os diversos

discursos hegemônicos no interior da sociedade, que também se articulam nos sentidos

subjetivos. González-Rey insiste na compreensão da aprendizagem pelo princípio da

inseparabilidade do sujeito com o processo de conhecer, que não é um processo de

absorção passiva, mas de transformação.

A pessoa para se envolver num tema e gerar idéias, precisa estar implicada

nesse tema, manter um nível de atenção, concentração e elaboração. Isso

requer a emoção, portanto, a produção reflexiva sobre o que se aprende é um

indicador da produção de sentidos subjetivos na aprendizagem, condição para

uma aprendizagem geradora e criativa. (GONZALEZ REY, 2009b, p. 138).

O autor propõe que a produção de ideias e envolvimento reflexivo são

momentos importantes na aprendizagem. É preciso ultrapassar a noção de participação

como um problema à autoridade do professor, ou mesmo da sociedade, e resgatar o

lugar da produção de ideias na sala de aula.

Para Scoz (2008), esse modo de conceber o sujeito, tendo por pressuposto que

sua produção de sentidos demonstra uma permanente tensão como o entorno, tem

implicações políticas, para superar projetos pedagógicos conservadores, mediante a

realização de projetos integradores, na medida em que pressupõe a participação de

sujeitos críticos comprometidos, na escola. Assim a autora escreve sobre a formação de

professores:

A natureza complexa do sujeito e da subjetividade tem sido pouco

considerada na educação (...) cursos de formação de professores têm a

concepção de que, ao oferecer informações e conteúdos ou trabalhando

apenas a racionalidade dos profissionais, visando o domínio de novos

conhecimentos, produzirão mudanças em suas posturas e formas de agir. Essa

concepção, essencialmente, intelectual, não dá conta de perceber que os

professores são indivíduos com subjetividade e identidades pessoais e

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profissionais. São enfim, sujeitos que vão produzindo sentidos (...) nos quais

integram suas condições sociais e afetivas seus pensamentos e suas emoções.

(SCOZ, 2008, p. 12).

A autora supõe as dificuldades do sistema educativo em reconhecer, tratar e

pensar a complexidade do ser-existir humano como possível razão para a formação

docente se traduzir em ações diferenciadas e transformadoras da sala de aula. Defende

que a pessoa para se envolver num tema e gerar idéias, precisa estar implicada nesse

tema, e manter um nível de atenção, concentração e elaboração. Sendo assim a interação

e a comunicação do sujeito nos contextos sociais o incitam a explicitar suas intenções.

Mitjáns Martínez (1997) afirma que para valorar a criatividade de sujeitos em

uma área de atividade especifica, utilizada tarefa ou problema em que se obtenha, na

maior medida possível, a implicação do sujeito em sua execução. O produto criativo é o

resultado de um processo em que intervêm vários elementos, entre os quais a

personalidade, quanto mais o sujeito envolver sua personalidade numa esfera de

atividade, maiores recursos personológicos mobilizará e potencialmente maiores

poderão ser suas realizações nessa área. A criatividade, como a personalidade,

desenvolve-se em virtude das múltiplas interações em que o individuo está imerso. O

sistema atividade-comunicação, que faz o individuo evoluir como sujeito psicológico,

constitui a via para o desenvolvimento de suas potencialidades e para o surgimento e a

estruturação de novos processos.

Pesquisas educacionais na Educação em Ciências enfatizam a noção de sujeito

ativo do processo de aprendizagem. Marques (2002) defende que a aprendizagem,

requerida pela concretude dos sujeitos que se educam, necessita que estejamos atentos

ao processo histórico. Para o autor, a memória individual e sociocultural não se limita

apenas a conservar, mas tem por função reprocessar e ressignificar, rompendo assim a

ideia de um mero continuísmo da história, ou com o progressismo, que conceberia os

padrões atuais melhores que os anteriores. Seus agentes imediatos, ou seja, estudantes e

professores, com seus interesses, desenvolvimento cognitivo, moral e expressivo, com

suas preocupações e responsabilidades sociais.

Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), ao tratar do sujeito do

conhecimento é necessário relacionar o meio social e a aprendizagem. Os autores

defendem que o sujeito da aprendizagem é quem realiza a ação, e não quem sofre ou

recebe uma ação. Desta maneira cabe ao educador o papel de mediar, criar condições e

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facilitar a ação de aprender do aluno. Mas a aprendizagem não é resultado de qualquer

ação, ela se constrói em uma interação entre esses sujeitos e o meio circundante, natural

e social. Com base na convivência cotidiana as pessoas aprendem o tempo todo, no

relacionamento como outras pessoas, mas também na vivência com os próprios

sentimentos, valores, formas de comportamento e informações, ao longo de toda a vida.

Raposo e Mol (2010) entendem a aprendizagem como processo complexo e

diverso, que constitui a subjetividade humana. Para os autores, a dinamicidade da

constituição do sujeito e de sua personalidade explica a compreensão do sujeito como

ator reflexivo e criativo, contraditório e revolucionário em seu processo de vida. É a

relação dialógica que cria o espaço de aprendizagem e ensino para os participantes, ou

seja, a constituição dos sujeitos e de sua subjetividade se dá por meio da aprendizagem

como processo relacional. Por isso a constituição de processos coletivos favorece a

aprendizagem dos diferentes sujeitos envolvidos.

3.2 A questão das intenções e fins e a incorporação da natureza e do futuro

Com o debate sobre nossas crescentes demandas e suas múltiplas implicações no

Planeta, ampliaram-se nossas reflexões sobre deveres e comprometimento. As disputas

por modelos de sustentação da vida trazem uma tensão permanente à produção subjetiva

dos sujeitos nos diversos espaços sociais que os mobilizam a cerca das obrigações, e da

vontade de agir. .

Neste século XXI, a dinâmica de relações humanas evidencia-se inclusive pela

emergência de discursos que dão visibilidade às lutas de “sociedades tradicionais” que

convivem com as lutas da “sociedade tecnológica”. Ou seja, as diferentes

intencionalidades se expõem. Semeraro (2011), estudioso de filosofia política e

educação, diz que as intenções das sociedades tradicionais são caracterizadas pela

manipulação prática da natureza, pela relação com o trabalho familiar e intervenção

ecológica, enquanto as sociedades tecnológicas caracterizam-se por formas mais

abstratas, teóricas e tecnológicas de relacionamento.

Sob tal base decorre uma representação, contemporânea, de homem justo,

honesto e livre, que se configura como um entrelaçamento da trama de sentidos

presentes em diversos espaços sociais, tanto mais diversos quanto mais diversos forem

os grupos dos quais participa. Desta forma, a vinculação do tema sustentabilidade com a

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subjetividade não se limita à capacidade de generalização da realidade, negligenciando

motivações e emoções. Ao contrário encontra-se mediada. Isto é, a partir da teoria de

González-Rey (2009a), a sociedade é pensada constituída por sujeitos histórico-

culturais, que articulam permanentemente processos simbólicos e emoções em seus

compromissos. Assim, pode-se compreender que a sustentabilidade não tem um

significado homogêneo para os sujeitos, recebendo diversos sentidos para diferentes

grupos sociais e pessoas, tendo, portanto, valores diferenciados.

A íntima relação entre dever e querer por sua vez pressupõe uma interpretação

contemporânea de intenções e fins. Japiassú e Marcondes (2006) argumentam que, do

ponto de vista ético, a relação entre intenção e realização do ato exige definição de

aspectos relacionados à constituição do próprio ato, somente então levando à

responsabilidade do sujeito e à atribuição de um valor ao ato. Conforme os autores, o

fim tem um conteúdo que vem do latim finis e dentre seus diferentes sentidos destaca-se

aquele voltado ao de objetivo ou finalidade. Neste sentido refere-se àquilo que, de

forma consciente, articula objetivo e organização de meios, sendo uma finalidade

intencional.

Dessa noção decorre a compreensão da importância do ato, da atribuição de

valor e da organização de meios, quando se pretende dar conta do contemporâneo

“imperativo moral da natureza como responsabilidade humana”. Hans Jonas (2006)

afirma que a moralidade jamais pode se considerar como um fim para a ética. Por um

lado, por seu fundamento racional de dever (como princípio legitimador); por outro

lado, devido ao necessário sentimento de responsabilidade (fundamento psicológico da

capacidade de influenciar a vontade). Para o autor, a ética tem, assim, um aspecto

objetivo e outro subjetivo: “para que algo me atinja e me afete de maneira a influenciar

minha vontade é preciso que eu seja capaz de ser influenciado por esse algo. Nosso lado

emocional tem que entrar em jogo” (JONAS, 2006, p. 156-157).

Para o autor, em nossa época se instalaram novos referenciais para a reflexão

moral e ética, no sentido da inclusão dos valores e fins da natureza, bem como de um

sentimento de responsabilidade. Para ele, os homens são seres morais potenciais, porque

possuem a capacidade de ser afetados. Assim, “a lacuna entre a sanção abstrata e a

motivação concreta só pode ser transposta por um arco de sentimento, o único capaz de

influenciar a vontade.” (JONAS, 2006, p. 158).

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As crescentes demandas de sustentação da vida dos projetos humanos, ampliam

a noção de limites naturais e socioculturais, colocando sob questionamento nossos

projetos de felicidade e a realização de nossas utopias. Por isso, concebo que o tema da

sustentabilidade configura-se como uma representação que inter-relaciona categorias

como responsabilidade e felicidade, bem estar e bem viver. Para Loureiro (2012), as

sociedades sustentáveis referem-se à negação da possibilidade de existir um único

modelo ideal de felicidade e bem-estar a ser alcançado por meio do desenvolvimento,

envolve pensar em várias vias e organizações sociais e em formações socioeconômicas

legítimas.

Para Ayres (2007), os projetos humanos envolvem um projeto de felicidade.

Para o autor a noção de felicidade é um valor fundamental para a vida humana, que

depende das experiências concretas com as quais cada sujeito aponta caminhos para

superação de obstáculos oriundos de interesses negados, frustrações, limites, dores,

angústias. Para o autor é porque não vivemos sozinhos, estamos sempre com os outros

dos quais dependemos e que dependem de nós, que a felicidade é estratégica

(pessoalmente) e política (no sentido de decisão coletiva). Neste sentido, felicidade e

ética são capazes de contribuir com as decisões de convivência entre os seres humanos,

e outros seres do Planeta, de caráter local e de possibilidades globais, demonstrando

uma reformulação da noção de projetos de felicidade.

Carvalho (2012) argumenta a favor da possibilidade de superar a noção de

felicidade adaptativa a partir de uma formação ecológica. Desta forma a noção de

felicidade abarca a noção de cidadania responsável. O Programa Nacional de Educação

Ambiental diz que a missão da Educação Ambiental é contribuir “para a construção de

territórios sustentáveis e pessoas atuantes e felizes” (PRONEA, 2004, p. 27). Naquilo

que se relaciona à formação de professores, a categoria de subjetividade histórico-

cultural propicia compreendê-los como sujeitos diferentemente afetados, sendo esta a

condição para compreendermos a noção de profissional crítico e autônomo, bem como

do cidadão que terão como responsabilidade projetos educativos de formação ética.

Nesta perspectiva, o desenvolvimento do sujeito acontece na interação social. Desta

forma compreendo que o tema da sustentabilidade se entrelaça com a vida social e

pessoal de cada sujeito.

A produção subjetiva do sujeito que aprende está relacionada de modo complexo

por duas dimensões: ao nível do conhecimento e ao nível da intencionalidade. Defendo

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que desse entrelaçamento com a vida emerge a responsabilidade que o sujeito defende.

Deste modo, o tema da sustentabilidade envolve valores que se entrelaçam com a vida

social de cada um a partir dos quais se estabelecem os compromissos sociais.

Naquilo que tange ao tema da sustentabilidade somos todos responsáveis, pois

nos constituímos como sujeitos sociais e atores da história. A dimensão da relação

sociedade-indivíduo possibilita significar também a complexa relação universal-

singular, como condição para compreender a interação entre convivência e

emancipação.

Os estudos sobre a sustentabilidade, ou temáticas ambientais, demandam

esforços para o estabelecimento do lugar e papel da ética, inspirada em diferentes

referenciais. Em minha representação, mediada por teorias socioculturais, entendo que a

questão da ética corresponde a um domínio argumentativo em que se articulam

processos simbólicos e emoções. Defendo assim que a sustentabilidade é uma temática

pertinente à formação ética na medida em que se entrelaçam modelos representativos e

a dimensão ético-moral.

González-Rey (2011b) afirma que o compromisso social deve ser estudado em

seu caráter histórico, de modo inseparável da temporalidade das configurações

subjetivas de comportamentos, reflexões e ações. Desta forma o compromisso “é

sempre vivo e crítico, no qual as melhores contribuições não aparecem pela

intencionalidade dos protagonistas, mas pela sua capacidade para gerar opções que

tomem sentido na vida dos outros” (p. 123), desta forma contribui para a crítica aos

discursos dominantes com a geração de novos sujeitos sociais e novas alternativas.

Para González-Rey (2011a), os processos institucionais, essencialmente

burocráticos, têm contribuído para um sistema normativo de ordem instrumental, que

desqualifica a pessoa e se torna um instrumento do procedimento e não uma opção

reflexiva diante dele. Isso também aparece na instituição educativa quando em vez de

uma educação dialógico-reflexiva segue-se uma orientação assimilativo-instrumental

pouco preocupada com a produção do aluno. Então a dimensão singular dos sujeitos que

aprendem deve ser resgatada nas práticas educativas, em todos os níveis de ensino. Para

o autor a “ideia de sujeito que aprende se apóia num aluno que participa do aprender e

em configurações subjetivas que o comprometem nesse processo, que se facilita com a

emergência de um sujeito relacional” (GONZÁLEZ-REY, 2011a, p. 60). As

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instituições, inclusive a sala de aula, espaço aberto de reflexão e produção e não espaço

de mera reprodução.

Ao levar em consideração sujeitos em sua permanente produção subjetiva, que

examinam o tema da sustentabilidade em articulação com sua história constitutiva, faço

um questionamento: a dinâmica dos sentidos subjetivos, sensível à multiplicidade de

relações sociais, será favorável ao processo de (re)posicionamento diante das exigências

ecológico-socioculturais da sustentabilidade e da ética da responsabilidade delas

decorrentes?

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4 PRINCÍPIOS, ÉTICA E DOCÊNCIA

A dinâmica complexa das relações entre sujeito e projetos traz incertezas que

compreendo como constitutivas de alterações ecológico-socioculturais. Jonas (2006)

argumenta que a sociedade é afetada, sobretudo por aquilo que a ciência e a tecnologia

libera no mundo, constituindo complexidade que acarreta consequências morais. Para o

autor quanto mais próximo da esfera moral estiver um fenômeno da vida social, mais

incerto será, porém não devemos nos deter a esperar por projeções seguras, nem pela

imprevisibilidade, de modo que as incertezas devem nos levar a agir. Deste modo, nossa

época necessita de uma ciência que saiba lidar com a enorme complexidade das

interdependências de fronteiras naturais e socioculturais.

Morin (2003) afirma que o incerto nos obriga a complexificar a ética, de modo

que o problema das incertezas nos aponta a questão das contradições éticas. Para ele o

desenvolvimento que hoje emerge como ideia do homem no mundo deve ser também a

ideia de dimensão moral. Assim, “é pessoalmente e socialmente, individualmente e

coletivamente, que o desenvolvimento supõe esforço, movimento, revolução

permanente” (p. 112). Para o autor, a problemática da moral reflete e revela um misto de

coerência e incoerência, de ordem e desordem, de reversibilidade e de irreversibilidade,

de racional e irracional. Para ele, ainda que múltipla e contraditória a moral tem valor se

coincidir com a elucidação das nossas relações humanas. Para González-Rey (2011b), o

compromisso social é sempre um processo vivo e crítico, cujas contribuições não

aparecem tanto pela intencionalidade dos protagonistas, quanto pela sua capacidade

para gerar opções que tomem sentido na vida dos outros, criando novos sujeitos e

alternativas de relações sociais.

Neste capítulo, apresento uma incursão por tais relações complexas que evocam

convivência-emancipação-responsabilidade. Para Jonas (2006, p. 352)

“responsabilidade é o cuidado reconhecido como obrigação em relação ao outro ser, que

se torna preocupação quando há uma ameaça a sua vulnerabilidade”, isso é o que traz

uma condição ativa da responsabilidade, mas também da sua condição de objeto

vulnerável. Quando pensamos a responsabilidade relacionada ao tema da

sustentabilidade, em nossa época a responsabilidade refere-se a temas como: ecologia,

produção, consumo. Responsabilidade por sua vez evoca a noção de enfrentamento e

comprometimento que considero demandar reformulação de valores morais e éticos,

que também incorporem a natureza como finalidade dentro de nossos projetos.

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Naquilo que se relaciona com a docência, considero-a como um processo que

contribui para o desenvolvimento de sujeitos concretos, formando-os como cidadãos

que influirão nos rumos da sociedade e do planeta. Sendo assim, a docência precisa ser

analisada com uma perspectiva complexa. Entendo que ela precisa ser coerente com

uma perspectiva complexa de sustentabilidade e de subjetividade, que vá além das

preocupações mercadológicas, considerando múltiplos fatores ecológico-socioculturais

e, além disso, levar em conta os níveis social e individual, simbólico e emocional, da

subjetividade em sala de aula.

Aprender ciências e temáticas ambientais requer, em nossa época, abordagem de

valores morais que afetem o atendimento da produção de nossa vida material e projeção

do futuro da vida no Planeta. A busca por tais valores trouxe novos contornos às lutas

sociais e ao engajamento pessoal, em especial pela dimensão conflituosa, cada vez mais

presente nos discursos midiáticos e educacionais circulantes.

Em uma perspectiva histórico-cultural, a pesquisa da subjetividade docente

preocupada com a sustentabilidade requer compreender o caráter comunicativo da

construção social dessa noção, assim como das subjetividades de docentes e estudantes.

4.1 Princípios amplos, juízos e valores morais

Os problemas humanos são situações cujo enfrentamento acontece por meio de

acordos e soluções que são provisórias e envolvem desde princípios amplos até juízos e

valores morais. Esse enfrentamento amplia a dimensão conflituosa produzida na

dinâmica das relações sociais.

A respeito dessa dimensão conflituosa, considero relevante uma breve

apreciação da noção de argumentação e da presença de princípios e juízos em sua

constituição. Japiassú e Marcondes (2006) nos lembram de que a palavra argumentação

vem do latim argumentatio, trata-se, de um modo de apresentar e de dispor os

argumentos, de mostrar os raciocínios destinados a provar ou refutar determinada

proposição, um ponto de vista ou uma tese qualquer. Já a palavra argumento vem do

latim argumentum, e refere-se a um raciocínio, que forma um todo distinto e bem

concatenado, com a finalidade de provar ou refutar uma proposição ou teoria, estando

sempre associado a um contexto de prova.

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A proposição corresponde a uma formulação linguística de um juízo, podendo

ser verdadeira ou falsa, sendo o juízo um ato mental e a proposição sua expressão

linguística. O juízo, palavra que vem do latim judicium, faz referência ao julgamento e

ao discernimento, refere-se ao ato de julgar ou decidir sobre algo. Para os autores

ouvimos sobre o tema através de Kant, que estabeleceu a diferença entre juízo analítico

(quando o atributo está incluído na definição do sujeito) e juízo sintético (quando o

atributo acrescenta algo à compreensão do sujeito).

Portanto, quando articulada à linguagem, a noção de juízo se exprime através de

uma proposição. Quanto aos valores, do ponto de vista ético, eles são os fundamentos

da moral, das normas e regras que prescrevem a conduta correta. Os valores se

caracterizam, também, por relação com os fins que se pretende obter, a partir dos quais

algo se define como bom ou mal.

Em nossa época, a noção que ganha importância é a de valor cultural, que se

refere a como algo é classificado em termos de desejabilidade, mérito ou perfeições

sociais relativas. Vem das teorias sociais e de teorias culturais essa noção que ressalta o

papel das culturas nas escolhas das pessoas e na dinâmica dos sistemas sociais. Ou seja,

com ela podemos entender como os valores são partes importantes das culturas, porque

influenciam como as pessoas escolhem e como os sistemas sociais se desenvolvem e

mudam (JOHNSON, 1997).

Para José Oliveira (2010), a argumentação é uma articulação de princípios

formais de caráter amplo, com juízos e valores morais formulados nos diferentes

grupos. Desta forma, a argumentação abarca princípios e juízos diferentemente

afetados. Para o autor, princípios e juízos que dialogam entre si. Ele defende que, dessa

forma, os valores morais são simbolicamente produzidos. Considero essa noção

significativa para compreender o processo pelo qual aquilo que tem valor afeta os

sujeitos, isto é, como mobiliza as emoções das pessoas.

A argumentação é, assim, carregada de proposições e suposições que

configuram representações potenciais, capazes de mediar o diálogo com o contexto da

ação. Ganha importância a noção da argumentação com sua dimensão de formalização

intelectual vinculada à dimensão afetiva, que apresenta implicações de elementos

emotivos.

Portanto, é o valor que dá um caráter mobilizador, emotivo a qualquer tema em

disputa. Assim os espaços sociais têm dimensão conflituosa, produzidos na dinâmica

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das relações sociais. Nesta tensão reside a relação complexa universal-singular que

envolve uma ética da responsabilidade, isto é, o projeto de uma sociedade ideal onde

todos são responsáveis uns pelos outros e pelo planeta.

4.2 A relação complexa universal-singular

Chegamos ao século XXI com um movimento de incorporação de novos

elementos às relações humanas. Um movimento que retoma a necessidade de tratarmos

da ética. A ética é universalizante, na medida em que nos chama a atenção para os

valores partilhados em comum, o que dá ao cotidiano uma configuração de fronteira de

convívio. Em nossa época, essa configuração está marcada pela necessidade de conviver

com a diversidade cultural. Sobretudo, é no tocante aos valores culturais que a

responsabilidade ganha nova configuração.

Atualmente, tornou-se importante a noção de (co)responsabilização como uma

ideia coletiva, que demanda justiça e afirmação dos direitos, com toda contradição

interna que eles possam ter. Ela é, então, inerente à participação social a partir da qual

podemos propor, defender e reivindicar direitos e com ela conceber que a presença do

outro e sua diferença não constitui nenhuma ameaça.

Em uma consulta preliminar às noções de ética e moral no dicionário de Japiassú

e Marcondes (2006), verifiquei que ética tem origem no grego ethike, de ethikós, e que

diz respeito aos costumes, e envolve reflexões sobre os problemas da moral (finalidade

e sentido da vida humana, os fundamentos da obrigação e do dever). Enquanto a ética

está mais preocupada em detectar os princípios de uma vida conforme a sabedoria

filosófica e em elaborar uma reflexão sobre as razões de se desejar a justiça e a

harmonia, bem como sobre os meios de alcançá-las, a moral está mais preocupada com

um conjunto de prescrições destinadas a assegurar uma vida em comum. La Taille

(2009) afirma que a ética se preocupa com a felicidade, com o que é desejável, enquanto

a moral se preocupa com o dever, com o que é obrigatório. Assim, é ética a busca por

uma vida boa com e para os outros em instituições justas. Sobretudo, considero

relevante apontar o potencial integrador da ética e moral da sustentabilidade tem por seu

caráter multidimensional e mobilizador de acordos mundiais.

Japiassú e Marcondes (2006) nos lembram que, por estar relacionada com a

noção de liberdade, a responsabilidade inclui o sujeito, já que um indivíduo só pode ser

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responsável por seus atos se é livre, isto é, se realmente teve a intenção de realizá-los e

se tem plena consciência de os ter praticado. Do exposto, chama atenção uma ética

afetada pela permanente produção subjetiva, devido à presença construtiva do sujeito

nas interações sociais. Todo enfrentamento, comprometimento e engajamento pessoal

envolvem processos simbólicos e elementos emotivos.

Para Tardeli (2009), os motivos pelos quais as pessoas agem ou deveriam agir é

um assunto fundamental para a ética mundial. Para Oliveira (2010), ética deve ser vista

como racionalidade de natureza argumentativa, o que significa a busca por

entendimento mútuo. Para Perelman (1996), que se dedicou à pesquisas enfatizando a

importância da argumentação aplicada ao campo da moral, a teoria ética pressupõe uma

intima relação com os valores, especialmente a justiça. Para o autor, qualquer

modificação na escala de valores modifica características essenciais na aplicação da

justiça. Ao criticar a razão clássica, preocupada com verdades imutáveis, o autor propõe

privilegiar a justificação na argumentação, de forma que esta se renovará para cada

situação particular e estará baseada no contexto vivido. Soluções esperadas não

redundam em proposições verdadeiras, mas em soluções mais aceitáveis e adaptadas,

integradas na argumentação.

Quanto à noção de normas, o referido autor considera-as como diretrizes e

propõe ser um erro crer na natureza arbitrária das definições da justiça, pois o sentido

emotivo confere um valor a todo ato, não sendo, portanto, qualquer ato um ato

indiferente. Para o autor, é porque estamos implicados, pelo que estimamos e pelo que

desprezamos, que nossa ação prende-se a uma escala de valores, que nos permitirá

guiar-nos em nossas decisões.

Assim, considerar toda definição como a afirmação de juízo analítico, arbitrário,

despreza a transferência da emoção do termo. Essa transferência sempre se dá na forma

de um juízo sintético, ou seja, há um vinculo que une um conceito a uma emoção. Por

isso, para o autor, a noção é tanto mais confusa quanto mais simboliza um valor, disso

decorre que pode não haver má fé nas afirmações contraditórias, pois cada sujeito

defenderá uma concepção da justiça de acordo com suas conveniências.

Com tais pressupostos, o autor faz distinção entre a justiça formal, cujo princípio

da ação tem os seres de uma mesma categoria essencial tratado da mesma forma, e a

justiça concreta, resultante da aplicação prévia de uma divisão do universo do discurso,

que caracteriza uma categoria essencial de diferentes seres. Aplicar a justiça seria

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simples se houvesse consenso sobre uma única categoria essencial, mas, por nossas

disputas, tendemos a dar preferência a uma categoria essencial em detrimento de todas

as outras, situação comum nestes tempos de transição. Desta forma, se instala um

conflito quando dois formalismos entram em choque, pelo confronto entre as regras que

deles se deduzem hoje e as que se deduziram anteriormente, tendo em vista o estado de

coisas profundamente modificado.

Para Perelman (1996), a busca de princípios universalmente válidos é uma

aspiração milenar, mas toda crítica e justificação sempre se situam num contexto

historicamente determinado, de forma que para toda sociedade e para toda mente,

existem atos, agentes, crenças e valores que, em certo momento, são aprovados sem

hesitação, que não são discutidos. Eles fornecem precedentes, modelos, convicções e

normas que permitirão a elaboração de critérios servindo para criticar e para justificar

comportamentos, disposições e proposições. Ainda assim, nossa adesão a estes

princípios não necessita ser de forma absoluta. Se recusarmos o ponto de vista

absolutista e os admitir como relativos a determinado meio e disciplina, que pode variar

no tempo e no espaço, a crítica já não se apresentará intemporal e nem universalmente

válida.

Para o autor, há uma implicação dessas ideias para a noção de equidade. É a

distinção dos homens que nos faz recorrer à equidade, quando a aplicação da justiça

força a transgredir a justiça formal, ou seja, quando encontramo-nos com a tendência a

não tratar de forma por demais desigual os seres que fazem parte de uma mesma

categoria essencial. Então, a equidade tende a diminuir a desigualdade no momento do

estabelecimento de uma igualdade, tornada impossível pela simultaneidade de

características essenciais. Em tempos de transição devemos recorrer à equidade:

“consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os seres que

fazem parte de uma mesma categoria essencial” (PERELMAN, 1996, p.36).

Do exposto é possível compreender a dimensão afetiva da ética. A ética em seu

domínio argumentativo é constituída de princípios formais, juízos e valores morais.

Assim pode-se entender os acordos internacionais e esforços presentes nos argumentos

hegemônicos. Também pode-se entender orientações globais voltadas à

responsabilização e à participação de grupos nos acordos provisórios, e sua necessária

racionalidade argumentativa. Não em busca de consenso, mas da pluralidade ideológica,

teórica ou epistemológica. É essa relação complexa entre a ética e a subjetividade,

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expressa na argumentação, que justifica a relevância da investigação sobre a

individualização e os processos culturais relacionados à responsabilização.

Para La Taille (2009), do ponto de vista psicológico, valores implicam

investimentos afetivos, portanto, mediação afetiva entre o sujeito e o meio natural e

social em que vive. Quanto ao papel da afetividade, da cognição e dos projetos de vida,

o autor declara que, se a cognição nos permite conhecer o mundo e se a construção dos

projetos de vida depende dos valores, é a afetividade que nos possibilita interessar e

escolher um rumo. Para o autor, a ética engloba a moral, porque os valores morais,

princípios e regras deles decorrentes, são partes de um sistema maior de valores de

modo que as dimensões intelectuais e afetivas articulam-se nos conteúdos construídos

pela cultura. Deste modo, ética e moral interagem incessantemente envolvendo aspectos

complementares do querer.

A ética define aquilo a que o sujeito dá valor, justificando onde investe sua

afetividade. Segundo Marchesi (2008) considerar a esfera emocional é assumir que o

conhecimento, o afeto e a ação estão entrelaçados na vida, e que as emoções também

exercem influência na motivação, no esforço e na ação que desenvolvemos. Por sua vez,

a reflexão e o controle cognitivo devem ajudar a moderar e canalizar nossas emoções,

para que tomemos consciência do tipo de informação, pessoal ou contextual, que elas

estão nos transmitindo. O autor avalia, a partir das interpretações atuais das emoções,

que a afetividade articula-se de modo complexo ao contexto social, de modo que não

está centrada nas experiências pessoais isoladas.

Para Tognetta e Vinha (2009), o sujeito se depara com valores universais e

valores dominantes de sua cultura. Para os autores, a maioria dos valores que nossos

jovens apresentam tem conteúdos de natureza moral estereotipadas, ou seja, julgam com

argumentos que se acostumaram a ouvir. Refletem de forma heterônoma os valores

presentes na sociedade em que vivem. Entretanto, em suas pesquisas, os autores

identificam categorias em que o sujeito já não concebe valores restritos aos integrantes

de sua comunidade, transcendendo, os valores dominantes da cultura em que vive, mas

precisam ainda superar a indiferença diante de violações de direitos humanos.

Para Hans Jonas (2006), a dinâmica do progresso tecnológico em escala mundial

oculta um utopismo implícito de dominação da natureza e de progresso ilimitado,

outrora inócuo, mas atualmente uma tentação perigosa e, por isso, desloca a

responsabilidade para o centro da ética. Por isso, em nossa época, o propósito ético

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evoca a noção de sustentabilidade. Uma noção relacionada com a convivência na

construção societária, que requer projetos sustentáveis.

Para Brandão (2005), a temática está vinculada à (co)responsabilização social

pelas questões ambientais. O autor considera que além da ecologia científica, muitos

povos geraram e aperfeiçoaram outras formas de compreensão da vida, dos sistemas

vivos e de suas relações com o ambiente, ou seja, de outros sistemas culturais de

saberes, valores e sensibilidades a respeito da natureza. Assim, podemos compreender

que existem diversos sistemas de lógica da natureza e de ética ambiental.

Sachs (2008) ao citar Amartya Sen, indiano e premio Nobel de economia de

1998, insiste que a economia e a ética estão interligadas em função dos projetos

humanos e da avaliação das conquistas sociais. Mas argumenta que a preponderância

das questões logísticas da economia tem levado a um distanciamento e esquecimento

das questões éticas. Para o autor, será necessário distinguir desenvolvimento de

crescimento econômico e ir além da riqueza material, pois o crescimento por si só não é

suficiente para alcançarmos a meta de uma vida melhor. Desta forma, é um imperativo

ético tanto a solidariedade com a geração atual quanto com a geração futura, assim

como o respeito pela inviolabilidade da natureza em termos de sua diversidade de

fluxos, de culturas e de sustentação da vida (SACHS, 2009).

A ética e a complexidade da vida humana evocam a realidade da construção

cotidiana implicada social, histórica, econômica e culturalmente. Desta maneira, trazem

múltiplas variáveis para as escolhas que se colocam à nossa frente, inclusive diante das

demandas de Ciência e Tecnologia.

Para Morin (2006), em nossa época marcada pelo individualismo, cabe retomar a

expressão do modo desinteressado, de agir sem esperar se beneficiar pessoalmente.

Concomitante a isso, propõe um novo compromisso, de integrar singularidade e

interesse coletivo. Esse compromisso passa pelo tema da ética, em sua dimensão de

convívio, pelos interesses comunitários e particulares, princípios que devem ser

ordenadores e geradores de laços nas comunidades.

O tema da ética e da equidade é inerente à sustentabilidade quando passamos a

levar em conta a ética ambiental e a aplicação da justiça. Para Ferreira (2005, p. 319),

numa sociedade equitativa todos os indivíduos (independente de gênero, origem social,

raça, idade, credo e ideologia) têm as mesmas oportunidades para desenvolverem suas

potencialidades.

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Toda essa formulação teórica das relações complexas pressupõe uma

aproximação das categorias ética, responsabilidade, sustentabilidade e da educação.

Para a UNESCO (2005), a vinculação da educação com o desenvolvimento sustentável

é essencial para promover valores. Para a mobilização social é importante a formulação

de princípios amplos que tem levado a documentos de referência como: Carta da Terra

(BOFF, 2012); Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global (ProNEA,

2004), o Manifesto pela vida - ética para a sustentabilidade (PNUMA, 2014), o

Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA, 2004), dentre outros. Tais textos

trazem o resultado dos esforços globais da sociedade civil, em seus movimentos sociais,

no sentido de influenciar soluções e apontar seus princípios para a nova construção

societária.

A UNESCO (2005) postula que a Carta da Terra, aprovada em 2003, representa

um marco ético e uma ferramenta didática valiosa para tratar dos valores que incluem

respeito pela dignidade e direitos humanos; respeito pela comunidade da vida em toda

sua diversidade e compromisso com as gerações futuras e com a cultura da tolerância.

Para Gadotti (2007, p. 77), a Carta da Terra é um documento que representa “um código

de ética planetário”, de maneira que nele encontramos uma formalização de princípios

como: i. respeitar e cuidar da comunidade de vida; e compromisso com: ii. integridade

ecológica; iii. justiça social e econômica; iv. democracia, não violência e paz. O texto

traz o resultado de reuniões globais, de movimentos ecológicos e da sociedade civil em

seus movimentos sociais, que nos remetem à ética para a sustentabilidade.

O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global (PRONEA, 2004), estimula a formação de sociedades

socialmente justas e ecologicamente equilibradas. Exige compreensão coletiva da

natureza sistêmica das crises que ameaçam o planeta e outros problemas como o

aumento da pobreza, degradação humana e ambiental, e violência que “podem ser

identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e

superconsumo para uns e em subconsumo e falta de condições de produzir por parte da

grande maioria” (PRONEA, 2004, p.47).

O Manifesto pela vida - ética para a sustentabilidade (PNUMA, 2014) implica

em princípios, visando uma produção para a vida. Nesta defesa aparecem princípios que

valorizam o conhecimento e o diálogo de saberes; a cidadania global; a emancipação e o

fortalecimento do espaço público e dos movimentos sociais. Para tanto tem papel

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central a governabilidade global e a democracia participativa; a civilização da

diversidade cultural fundamentada nos direitos, justiça, democracia e em uma política

da diferença; o respeito à intrincada rede de bens comuns. A proposição ética é

fundamenta no Bem Comum; na paz e no diálogo para a resolução de conflitos. O

documento dá ênfase no ser e no tempo da sustentabilidade (tempo da vida e dos ciclos

ecológicos, e ao futuro sustentável).

O Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA, 2004) dá destaque à

concepção de ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio

natural e o construído, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da

sustentabilidade. Desta maneira o documento busca vinculação entre a ética, a estética,

a educação, o trabalho e as práticas sociais.

Portanto, os esforços globais remetem à ética para a sustentabilidade. Sobretudo

pelas disputas que surgem nas argumentações sobre o tema, pode-se compreender quais

elementos estão na base do que os grupos e sujeitos envolvidos estimam, os valores

implicados pelo ponto de vista afetivo, quais vínculos unem conceito a emoção.

4.3 Docência para intervenção profissional e prática social

Compreendo que os professores, participantes do contexto contemporâneo, se

posicionam subjetivamente em relação às temática ambientais, o que me leva a

relacionar ética, responsabilidade e sustentabilidade à docência.

Concebendo a docência como uma intervenção profissional na prática social,

tomo como ponto de partida uma idealização: pensar os docentes como profissionais

críticos, autônomos e responsáveis, com compreensão sistêmica de sustentabilidade,

que formam para a cidadania, com uma postura ética de (co)responsabilidade, ainda que

com autonomia relativa em função de contingências curriculares e profissionais. Para

um processo de constituição deste sujeito, pressuponho que a docência exige um

exercício da autonomia em âmbito duplo: da formação, como prática social junto aos

estudantes (sujeitos sob sua ação docente) e da ampliação de responsabilidade pelo

projeto de vida pessoal e comunitário. A docência é uma ação política. É assim

implicada socialmente, pois, “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo,

os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2005, p. 78).

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Com base nas Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores para a

Educação Básica Brasileira, parecer CNE/CP 09/2001 (BRASIL, 2002a), a revisão

criativa do papel do professor no processo educativo exige dar relevo ao relacionamento

teoria e prática. Para Zanon e Maldaner (2010) neste momento, pesquisadores e

sociedade buscam referência da escola como produção humana, histórica e cultural e

organizada por ciclos rápidos de permanentes mudanças, que promovam

posicionamentos críticos e que incluam novos campos como a ética (ZANON;

MALDANER, 2010). Para os autores, a discussão evoca a superação de aprendizados

centrados na repetição de conteúdos descontextualizados, fragmentados e pretensamente

neutros, porém pouco se discute sobre valores culturais inerentes a cada contexto

histórico e social. Maldaner et al (2007) lembram que o contexto educacional atual é de

reforma curricular, de ampliação e insistência no papel social da Educação Básica, com

compromisso de desenvolver novas consciências, que promovam a qualidade de vida no

contexto social. Para tanto a formação docente deve buscar processos de produção

curricular, o que requer espaços coletivos de estudo e interação. Para os autores, a

autonomia do professor se estabelece nesse contexto de mudanças curriculares, tendo

repercussão para a construção da cidadania responsável e para o desenvolvimento

sociocultural. Desta forma, a docência, como ação emancipadora, deve organizar

processos educacionais que articulem a cultura dos estudantes, compreensões e ações

transformadoras da realidade, assim como a discussão de avanços científico-

tecnológicos e suas repercussões no cotidiano das pessoas.

Zanon e Maldaner (2010) argumentam que uma autonomia orientada por uma

educação para a cidadania é também uma educação da consciência humana para os seus

valores éticos e morais, fundamentada no respeito à vida e no principio da igualdade.

Para eles, é inevitável à prática escolar um envolvimento com o meio sociocultural e o

desenvolvimento de valores e atitudes, pois as condições de vida na sociedade podem

explicar os limites da educação escolar e as próprias reações dos estudantes em sala de

aula. Para Moraes, Galiazzi e Ramos (2007), é preciso ampliar a abordagem de pesquisa

em sala de aula, gerando um movimento capaz de fazer avançar a compreensão da

realidade, assim como a capacidade de explicar e compreender fenômenos.

A partir do exposto, considero que a formação docente, e a docência dela

decorrente, é emancipadora na medida em que propicia a problematização das questões

existenciais, de maneira que o sujeito possa ser afetado por essa problematização. Se é

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aceito como necessário que os estudantes da educação básica aprendam a comprometer-

se, assumir responsabilidades, diferenciar espaço público de espaço privado, ser

solidário, em uma concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania

consciente e ativa, a formação docente também deve ser um espaço de construção

coletiva de conhecimentos sobre o processo de ensino e aprendizagem desses

compromissos.

Por isso convém destacar a necessidade de contemplar, na formação de

professores, conteúdos que contribuam para o desenvolvimento de valores e atitudes,

além disso, é imprescindível que o (futuro)professor desenvolva a compreensão da

natureza das questões sociais e alcance clareza sobre o seu posicionamento pessoal e de

como trabalhar com os alunos.

Nossa época exige uma formação que se assuma responsável, com a atuação

profissional, promovendo inserção no debate contemporâneo mais amplo, que envolve

tanto questões culturais, sociais, econômicas, como conhecimento sobre o

desenvolvimento humano e sobre a própria docência. Além disso, a formação docente

deve propiciar comprometimento com valores inspiradores pautados em princípios da

ética democrática: dignidade humana, justiça, respeito mutuo, participação,

responsabilidade, diálogo e solidariedade, visando a participação cidadã e profissional.

Contreras (2002) argumenta que professores devem ser autônomos em suas

responsabilidades profissionais e, ao mesmo tempo, publicamente responsáveis. Neste

sentido, o lugar da competência profissional é aquele da ação coletiva e organizada. A

obrigação moral dos professores e o compromisso com a comunidade requer dimensões

complexas, que combinam habilidades, princípios e consciência do sentido e das

conseqüências das práticas pedagógicas. Para o autor, também faz parte da ação docente

as maneiras pelas quais se criam e se sustentam vínculos com as pessoas, os afetos que

se integram e se desenvolvem nas formas de viver a profissão, fazem parte das

complexas decisões exigidas do docente. De forma que “o conteúdo ético e político da

educação se deduz, afinal, do fato de que o ensino é um trabalho que se realiza com

pessoas e que pode ter conseqüências de longo alcance para elas” (CONTRERAS, 2002,

p. 84).

Compreendo que professores desenvolvem-se de maneira reflexiva, crítica e

criativa no mundo, de modo que a reflexão é uma produção subjetiva implicada pelos

diversos projetos dos quais este profissional participa. A prática social e profissional

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requer tal produção subjetiva de modo que envolve a dimensão do conhecimento e do

comprometimento. O caráter dinâmico da produção subjetiva possibilita

reposicionamentos sobre o tema da sustentabilidade, que influencia ciclos de mudança

social e cultural.

A docência do tema sustentabilidade pode apoiar os complexos processos de

convivência, inclusive de realização de projetos, bem como a realização de experiências

pessoais, implicando no processo permanente de constituição do sujeito.

Ela exige uma preparação profissional que envolve situações vivenciais, de

modo que a integração teoria-prática e a formação de compromissos sociais possibilitam

que o docente, implicado em situações de estudo, vivencie e compreenda as condições

que deverá organizar junto a seus alunos.

Concebo que a preparação docente parte da produção subjetiva, dinâmica que

exige, permanentemente, conhecer e responsabilizar-se. A preparação relacionada ao

tema da sustentabilidade traz a possibilidade de implicar o professor nas atividades e de

selecionar fundamentos teórico-metodológicos para o processo educativo. O tema da

sustentabilidade também possibilita apoiar uma docência capaz de gerar um novo

sistema ético, no qual haja incorporação das exigências de nossa época.

A sociedade e a sala de aula são espaços de relações intersubjetivas, exigem uma

docência apoiada no diálogo que viabilize a emancipação dos sujeitos em

desenvolvimento cuja autonomia implica processo de conhecimento e

comprometimento, o que os torna capazes de problematizar suas responsabilidades,

intenções e finalidades.

Compreendo que o tema da sustentabilidade propicia apoio à docência em uma

visão que não despersonaliza o sujeito, mas que problematiza os sentidos que o tema

tem para cada um. Tomando as relações complexas dos processos ecológico-

socioculturais, históricos e atuais, os problemas da vida do ser humano, os processos

vivos da subjetividade humana, e a preparação de uma docência reflexiva, crítica e

criativa compreendo que se justifica mais um questionamento: a reflexão sobre sentidos

subjetivos relacionados com sustentabilidade contribui para a preparação profissional do

professor de modo que ele possa problematizar o desenvolvimento de valores morais e

atitudes por seus alunos?

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5 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS NA PESQUISA DA SUBJETIVIDADE

A presente pesquisa aconteceu em contextos educativos de formação de

professores de ciências/química e matemática. Trata-se de um processo de investigação

educacional que teve por objeto de estudo a subjetividade a partir da epistemologia

qualitativa de González-Rey (2005a) e suas implicações teóricas e metodológicas. No

enfoque desta teoria, o estudo de sentidos subjetivos propicia configurar uma unidade

integradora de elementos diferentes, que podem aparecer como um momento processual

de uma atividade.

Para González-Rey (2007), podemos interpretar sentidos subjetivos como

aspectos que permanecem ocultos, devido a uma trama de espaços sociais interligados,

configurados na dimensão subjetiva das pessoas e que devem ser interpretados a partir

de uma perspectiva histórico-cultural. Segundo o autor, o sujeito em sua formação

articula um sistema complexo em desenvolvimento que integra intelectualidade e

afetividade, resultante da multiplicidade de desdobramentos de sua ação social.

O enfoque histórico-cultural reafirma o caráter subjetivo do sentido, ou seja, os

processos simbólicos e emoções que resultam da presença do sujeito em espaços

simbolicamente produzidos pela cultura, sendo, portanto, as referências permanentes do

processo de subjetivação da experiência humana. No entanto, é impossível compreendê-

los por processos padronizados e externos ao sistema subjetivo particular em que o

sentido é produzido. Desta forma, “no sentido subjetivo, especifica-se certa autonomia

emocional, que não aparece como resultado da mediação semiótica, senão que a

acompanha” (GONZÁLEZ-REY, 2005, p. 21).

Deste modo, a subjetividade é aberta e caracteriza-se pela processualidade da

presença geradora e criativa dos sujeitos em seus espaços de ação concreta. González-

Rey (2005, 2009) defende a pesquisa em enfoque configuracional, que articula

subjetividade social e subjetividade individual. A subjetividade social apresenta-se nos

diferentes espaços em que vivemos e está atravessada pelos discursos e produção de

sentidos que configuram a organização subjetiva do sujeito. De forma dinâmica, revela

também elementos que se articulam na formação da subjetividade individual.

Para o autor, os sentidos subjetivos são expressão da emancipação pessoal na

medida em que representam momentos de sínteses reflexivas e criativas, com

implicações na vida da pessoa. Assim, o conceito de sentido subjetivo fundamenta uma

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concepção histórico-cultural de subjetividade. Essa noção de subjetividade aplicada à

pesquisa qualitativa permite estudar o discurso de pessoas em seu contexto, espaço de

produção subjetiva (GONZÁLEZ-REY, 2005).

Assim, o contexto social ativo também é um indicador de produção subjetiva,

sendo que nele se encontram sujeitos com histórias subjetivamente constituídas não

apenas pelo atual contexto de relação. As implicações de procedência distante indicam

áreas e aspectos distintos da vida do sujeito, inclusive de aspectos mais afetados pelos

diferentes espaços sociais de origem. Sendo esses espaços não narrados constituintes da

dimensão de sentido em que se organiza seu mundo subjetivo.

Pesquisas referentes à educação, embasadas em tais princípios teóricos,

compreendem a sala de aula como espaço de produção de sentidos subjetivos. Para Scoz

(2008), a teoria de González-Rey interpreta a diversidade humana. Com ela pode-se

reconhecer o sujeito constituído na coletividade de suas experiências, sendo a mediação

um processo que torna possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais e

controladas pelo próprio sujeito. Assim, a interpretação da produção subjetiva deve

insistir na inseparável relação de aspectos cognitivos e afetivos, biológicos e culturais, e

reconhecer a existência de elementos vivenciais em nossas vidas. Para Molon (2007),

essa proposição configura a subjetividade como uma fronteira do psicológico e do

cultural.

5.1 As perguntas da pesquisa, a tese e os objetivos do trabalho

Considero relevante retomar, neste capítulo, que o desenvolvimento da pesquisa

caminhou para uma ênfase na investigação da subjetividade de professores em processo

de formação. Desta maneira, a pesquisa destinou-se à investigação de sentidos

subjetivos relacionados com sustentabilidade e sua implicações para o ensino do tema, a

partir das seguintes indagações: quais sentidos subjetivos de sustentabilidade estão

presentes para os sujeitos envolvidos pedagogicamente nesses debates? Quais

configurações subjetivas são construídas no debate? Como constituem a motivação para

aprender e ensinar sobre o tema?

Diante do exposto, o objetivo da pesquisa foi investigar a subjetividade

implicada na formação de professores em que sujeitos estivessem mobilizados pela

temática da sustentabilidade. Especificamente, busquei interpretar os sentidos

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subjetivos que sujeitos envolvidos com iniciação às Ciências/Química expressavam

sobre sustentabilidade; identificar as relações que o tema estabelecia com suas

experiências anteriores; compreender relações com princípios formais, juízos e valores

morais propostos por uma ética para a sustentabilidade; conhecer suas implicações para

as reflexões relacionadas com a docência e interpretar a configuração subjetiva de

(co)responsabilidade ética pelo quanto simbolizam valores morais com os quais os

sujeitos defendem uma concepção. Por fim, interpretar implicações de tais sentidos

subjetivos sobre a motivação para aprender e ensinar sobre o tema.

A tese que defendo é que os (futuros) professores constroem sentidos subjetivos

sobre sustentabilidade ao longo da vida, nos diversos contextos sociais que participam.

Sendo um tema que se entrelaça com a história social e pessoal, envolve valores e

compromissos sociais, que são afetivamente carregados. Ao refletirem sobre tais

sentidos, os (futuros) professores se preparam para problematizar os sentidos que o tema

tem para seus alunos.

Para defender a tese, relato duas experiências de formação de professores. Iniciei

a primeira investigação no segundo semestre de 2012, com professores em formação

continuada vinculados ao Projeto Observatório com foco em Matemática e Iniciação às

Ciências do pólo da Universidade Federal de Mato Grosso (OBEDUC), sendo esse um

projeto proposto para o período de 2011 a 2014 e realizado em parceria com a

Universidade do Estado de Mato Grosso e com a Universidade Estadual Paulista.

A segunda experiência em contexto de formação inicial de professores, da

Licenciatura em Química da UFMT/Campus de Cuiabá, também ocorreu em contexto

de encontro entre sujeitos concretos, logo implicados por suas intencionalidades

pessoais e por aquelas pressupostas pelo projeto coletivo.

A investigação das duas experiências de formação de professores atende a duas

intenções teórico-metodológicas: primeiro, são espaços de encontros e

compartilhamento de projetos e contextos formativos; segundo, propiciam intensificar

um diálogo com professores e futuros professores em formação docente.

5.2 O sistema de conversação e as questões procedimentais da pesquisa

Trabalhar com o sujeito e identificá-lo em perspectiva histórico-cultural, marca

uma diferença essencial em relação à pesquisa que trabalha com indivíduos a partir da

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premissa de que não existem entre eles diferenças que influam sobre o comportamento

estudado. Sob esse último aspecto, a investigação focaliza o individuo como entidade

objetivada, enquanto a perspectiva histórico-cultural da singularidade como momento

diferenciado e subjetivado. O caráter subjetivo da presença do sujeito em contextos

sociais implica em pesquisa qualitativa comprometida com uma reformulação teórico-

metodológica.

A consideração da subjetividade expõe o caráter essencialmente interpretativo e

construtivo do conhecimento sobre o processo de subjetivação. O reconhecimento do

caráter construtivo-interpretativo atribui à teoria um lugar central para superar relações

lineares entre os aspectos constitutivos que envolvem a produção subjetiva. De maneira

que as construções sobre a produção reflexiva do sujeito devem ter por base os

indicadores da implicação do sujeito no espaço social. Para González-Rey (2009b), o

pesquisador deve dar ênfase à emoção do sujeito sobre o que se aprende, pois assim,

obtém-se um indicador da produção de sentidos subjetivos na aprendizagem, bem como

da sua motivação para uma aprendizagem geradora e criativa.

Para tanto, é necessário a criação de um clima de comunicação que possa levar a

momentos reflexivos e dialéticos. Sobretudo, é preciso estabelecer diálogo que suporte a

necessidade de participar. Para González-Rey (2005b, p. 136), a pesquisa que parte da

comunicação, deve dar atenção e mostrar aquilo que os sujeitos falam de modo a

interpretar que não há certo, nem errado, porque as representações sociais não são

espaços sociais rígidos, estáticos e pré-formados, em que se encaixam de forma

padronizada as expressões do sujeito, ou que tais expressões estejam prontas na

subjetividade dos sujeitos individuais. Para o autor, o diálogo entre pesquisador e

participantes deve ser intensificado durante o processo de investigação, pois o caráter

dialógico é fundamental para estimular e provocar a expressão dos participantes ao

longo do processo.

A concepção da comunicação como geradora de processos de significação e

sentido tem como implicação metodológica a organização de um sistema atividade-

comunicação central para o planejamento dos momentos e instrumentos de pesquisa. O

sistema atividade-comunicação deve viabilizar um processo no qual pesquisador-

pesquisados se mantêm em constante interação. A partir das informações que surgem

nos diálogos, o pesquisador produz indicadores de análise de sentidos subjetivos (e seu

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núcleo de valores). De modo que o processo se configura por uma complexa construção

de informações.

Assim, a pesquisa requer uma pluralidade instrumental, sustentando o valor do

ecletismo nesse momento da investigação. O instrumento é tanto uma via de

aprofundamento das hipóteses desenvolvidas durante o processo como uma ação

dialógica comprometida com uma produção subjetiva diferenciada. Para González-Rey

(2005b), os indicadores são unidades identificáveis de um momento empírico, cujo

valor para a investigação é inseparável da interpretação do investigador. São os

indicadores que sustentam as hipóteses que vão aparecendo no curso da investigação,

que conduzem à busca de outros indicadores procedentes de outras fontes e contextos a

respeito do sujeito estudado, que permitem momentos de construção teórica sobre as

hipóteses levantadas. Os indicadores aparecem tanto nos instrumentos como nos

diferentes momentos conversacionais, formais ou informais, que acompanham a

investigação.

Nesta perspectiva, a pesquisa prevê que sejam realizadas sessões de

conversação, em grupo e individuais. Na conversação, o pesquisador sugere tópicos

gerais procurando o envolvimento dos participantes, acompanhando as reflexões que a

pessoa faz e os diferentes desdobramentos, de modo que o pesquisador tem também

uma participação ativa na conversação (GONZÁLEZ-REY, 2011b). São os temas da

conversação que envolvem, de forma progressiva, os aspectos emocionais das histórias

vividas.

Assim, a pesquisa que realizei demandou uma abordagem qualitativa, apoiada

em um sistema dinâmico de conversação. Para tanto, a pesquisa proposta por González-

Rey (2005a) pressupõe a criação de um cenário de pesquisa (o caminho seguido durante

o curso da pesquisa está apresentado ao final da tese, no apêndice A) para

acompanhamento dos participantes em suas diversas etapas, sendo esse entendido como

espaço de sentido organizado em sistemas conversacionais e dialógicos. Assim, desde o

primeiro momento, organizei um cenário de pesquisa articulado com formação docente,

capaz de incorporar um sistema de atividade-comunicação. As questões ambientais

foram articuladas ao conteúdo curricular da formação dos professores de modo a

favorecer as interações discursivas, sendo que a sistematização da investigação foi

realizada durante oficina temática com os (futuros) professores. Por isso, em ambos os

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estudos realizei em oficina planejada através de investigação temática1 (FREIRE, 2005;

SILVA, 2007; DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007). Desta maneira, o

sistema atividade-comunicação tanto na formação de professores do OBEDUC, como

na formação inicial, se integrou pela investigação temática, onde definir tema e

contratema teve caráter reflexivo, mantendo a prática docente sob investigação. É

relevante ressaltar que os sujeitos de cada grupo já se reuniam e continuaram a se reunir,

em torno das atividades do projeto institucional do qual participavam, sendo que apenas

alguns procedimentos de recolha de informações, descritos com detalhes no capítulo a

seguir, foram acrescidos às situações em estudo.

Os grupos foram configurados pela presença de todos os sujeitos dos projetos

envolvidos na realização das atividades previstas, isso propiciou o surgimento de

trechos complexos de informação pela participação dos sujeitos e pela capacidade de

circulação de sentidos subjetivos. Desta forma, foi possível captar elementos da

subjetividade social, que se tornaram inteligíveis somente por meio da construção de

indicadores, explorados, posteriormente, nas expressões individuais.

No segundo estudo, a conversação aconteceu, também, durante as aulas da

disciplina, o que levou a espaços e tempos pedagógicos amplos em que os futuros

professores puderam fazer o planejamento, a preparação e a execução das atividades de

iniciação à Química.

No caso da formação inicial, as atividades não tiveram distribuição linear no

espaço e tempo pedagógicos da disciplina, de maneira que se entrelaçaram em diversos

momentos de realização. O sistema atividade-comunicação também contou com a

realização de projeto de extensão universitária, na forma de mini-cursos desenvolvidos

na UFMT, com estudantes do ensino médio de escolas públicas. O referido projeto

estava em sua vigésima edição e foi construído para dialogar com experimentação e

ensino de Química. Entre seus objetivos estava a construção de atividades de ensino

voltadas à realidade social. Ao longo da organização e em função da redução temática,

1 Para os autores na perspectiva freiriana, os temas geradores dos estudos e o planejamento de abordagem

problematizadora são obtidos mediante investigação temática, caracterizada por cinco etapas, que em

interação constante se auto-alimentam. Requer uma dinâmica de codificação-problematização-

decodificação realizada por equipe de professores. Com os resultados obtidos, realiza-se a redução

temática, cuja característica fundamental é a elaboração do programa e do planejamento de ensino

(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007).

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71

os pesquisados selecionaram temáticas relacionadas com a água e o solo. A escolha das

temáticas voltou-se para o estudo de análise, tratamento, uso e conservação.

Na proposta de González-Rey (2005a), a conversação exige a construção dos

instrumentos baseados em indicadores que possibilitem o aparecimento de trechos de

expressão dos valores dos sujeitos, advindos de contextos diferentes, porém mais

significativos no momento da pesquisa. Portanto, prevê a utilização de instrumentos e

hipóteses voltadas à identificação de núcleos essenciais de conflitos. Sendo assim, para

as primeiras sessões de conversação em grupo, em ambos os casos, utilizei-me de diário

de campo. Posteriormente, para obter registros escritos dos professores, utilizei o

documento de redução temática (construção de temas e contratemas para ações

educativas, conforme anexos de 3 a 11). A redução temática contém em si falas

significativas2, que representam o que é relevante para os sujeitos e para o grupo

investigado3. Tais registros contribuíram para a construção dos critérios de seleção dos

sujeitos e de outros indicadores, visando realizar as entrevistas individuais.

Para González-Rey (2005a), as sessões individuais de conversação pressupõem

instrumentos que promovam novas ações discursivas, logo devem prever indicadores ao

mesmo tempo de sentidos subjetivos de procedências diversas, inclusive de modo de

vida, zonas, imagens e memórias portadoras de carga emocional. Tais instrumentos

devem viabilizar indicadores de análise de temas íntimos para as pessoas pesquisadas,

indutores para conhecer experiências da vida social e entrar em novas zonas de sua vida.

Desta forma, para as sessões individuais são pertinentes instrumentos como

entrevistas abertas e a constituição de frases. Este último é um instrumento que propicia

um canal de expressão da experiência escrita em complemento de indutores curtos (na

forma de frases incompletas), de caráter geral ou focado no tema, que deverão ser

preenchidos pelos pesquisados, propondo seus significados particulares. Sendo assim,

2 Segundo Silva (2007) serão falas significativas aquelas nas quais seja possível perceber o conflito, a

contradição social e situações significativas do ponto de vista da comunidade. Os temas geradores são

considerados como falas significativas mais amplas e os contratemas a síntese do contraponto analítico

que se opõe ao tema gerador problematizador da realidade.

3 Como as manifestações configuravam as concepções explicitadas e limites explicativos, ou ainda,

representam o que é relevante para os sujeitos e para o grupo investigado, a subjetividade social foi

entendida como sendo a construção coletiva do grupo. Para Brandão (2003) as falas devem ser

selecionadas por critério de valor interno ao exprimir de que maneira aquilo que as pessoas dizem é

significativo para elas e constrói planos de interação de sentidos, de intercomunicação de sentimentos, de

partilha de saberes e de valores, gera hipóteses que se tornam ferramentas de diálogo, o modelo de

significação acerca do problema analisado.

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72

em ambos os estudos realizei, entrevistas e coletas adicionais de registros escritos em

formulário adaptado para complemento de frases a partir de indutores curtos.

5.2.1 Os indicadores para conversação e os procedimentos de análise

Portanto, pretendi o registro e interpretação tanto de informações diretas,

referentes à intencionalidade dos sujeitos, como informações indiretas, associadas com

relações construídas resultantes da tensão vivida no projeto institucional, no contexto

educativo e relacionadas ao contexto de sua vida em outros espaços sociais.

Durante a entrevista, perguntei a cada pesquisado sobre que aspectos

considerados indicadores de sustentabilidade seriam mais significativos para sua

compreensão do tema; quais considerava serem as implicações dessas discussões para a

educação escolar; que reformulações gostaria de considerar desde a oficina temática;

quais aspectos de sua história e de sua cultura ele(a) julgava envolvidos com o tema.

Devido ao caráter dialógico do processo de conversação, essas questões foram

consideradas como pontos de partida que desencadearam outros questionamentos,

diferenciados para cada um dos entrevistados, porém todos voltados ao tema e à

docência sobre o tema.

Em outro momento de conversação, solicitei o complemento de frases com

indicadores curtos, que versavam sobre aspectos centrais envolvendo o tema (anexos 12

a 18). Em todo instrumento foi possibilitado o acréscimo de considerações por parte dos

pesquisados. Durante a entrevista com os futuros professores solicitei o relato da

experiência vivida na realização das atividades da prática docente.

Durante a conversação com os professores do OBEDUC, utilizei a descrição de

imagens através de figuras e fotos (Anexo 19). Realizei a seleção e organização das

imagens após as manifestações iniciais, no grupo, cuja análise preliminar apontava um

enfoque de ordem econômica e social. Através da pesquisa intencionava compreender

também sobre a dimensão ambiental e ecológica, relacionada à construção de

sociedades sustentáveis e suas interações com os projetos humanos. Assim,

disponibilizei nove ilustrações, sendo seis fotos e três figuras, organizadas em três

blocos, configurando o seguinte contexto: o primeiro bloco fazia alusão a um rio com

um barco de pescador ancorado, mostrava sua margem desmatada ocupada por

atividades humanas. O segundo bloco trazia um planisfério com circulação de correntes

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marítimas responsáveis pela circulação de água e energia no planeta. O terceiro bloco

apresentava um jardim e quintal, com ênfase em plantas ornamentais e frutíferas,

aspectos de sombreamento e a visitação de insetos. Após apresentação das imagens,

solicitei para cada sujeito que elaborasse uma possível sequência didática para abordar o

tema em suas aulas. Em seguida, perguntei como organizaria um processo educativo

para o tema.

Em ambos os estudos, as transcrições e as análises preliminares foram

submetidas aos sujeitos e endossadas pelos mesmos. A partir dessas considerações,

realizei a análise dos sentidos subjetivos segundo o enfoque configuracional. Durante a

análise considerei que era possível interpretar concepções encharcadas dos valores

assumidos pelos sujeitos. O posicionamento ético não se limita ao momento da

ressignificação. Sobretudo pelas tensões que surgem da convivência, as argumentações

comportam proposições que estão na base do que sujeitos e seus grupos estimam, assim

como comportam os processos psicológicos que unem uma concepção a uma emoção.

Delineada como uma pesquisa qualitativa de enfoque configuracional a análise

das informações na perspectiva construtivo-interpretativa assumiu um compromisso

com uma construção legitimada pelos sujeitos. Para González-Rey (2005a), a análise da

subjetividade de sujeito cujo discurso interage com o discurso social passa pela

compreensão dos processos de singularização de sua condição social e criatividade.

Para o autor, a análise dos sentidos subjetivos quando realizada segundo enfoque

configuracional, compreende que o sujeito, ao enfrentar o mundo vivido, o faz na

dinâmica de uma configuração subjetiva e que a seleção de trechos de expressão

constituir-se de elementos que se originam em contextos diferentes, mas significativos

para o sujeito no momento da pesquisa. A análise também pode se voltar para a

subjetividade social do grupo, ou seja, configurar a construção coletiva de sentidos pelo

grupo.

Sob tal perspectiva, no primeiro estágio, analisei a conversa buscando falas

significativas. Procurei considerar os trechos de expressão que sintetizavam as

concepções, contradições e limites explicativos sobre sustentabilidade e docência em

temáticas ambientais. Portanto, nesta etapa levei em consideração sentidos subjetivos

interpretados a partir do sistema, que articulou pesquisa e formação.

O segundo estágio da análise demandou a seleção de elementos explícitos,

partindo da noção de sustentabilidade de cada um dos pesquisados e das relações entre o

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tema e suas experiências passadas. Na terceira etapa da análise, interpretei os

elementos implícitos compreendendo os sentidos subjetivos em sua aproximação de

princípios formais, juízos e valores morais em função do entrelaçamento de outros

espaços sociais que acontecem durante qualquer processo educativo.

Em seguida, analisei cada frase síntese como proposição do sujeito. Assim, ao

interpretar a configuração de sentidos subjetivos, dei ênfase aos resultados sobre como

os sujeitos concebem o tema, sua dimensão conflituosa e as implicações da experiência

da vida social expressa na argumentação desenvolvida em sínteses advindas de outros

momentos culturais e históricos além do evento vivido, como parte de sua história

constitutiva. Também analisei as sínteses de expressão em sua possível aproximação

com princípios tomados da Carta da Terra (BOFF, 2012).

Então, analisei as implicações para a docência. Neste momento, busquei

referências para o currículo da Educação em Ciências naquilo que era pertinente aos

conteúdos, abordagens e organização de processos educativos pelos sujeitos da

pesquisa. Busquei referências em elementos que indicassem a condição geradora da

subjetividade dos sujeitos pesquisados a cerca da articulação de aprendizagem com

ênfase em valores morais. Também analisei as sínteses de expressão em sua

aproximação com princípios, tomados do Tratado de Educação Ambiental e

Responsabilidade Global (PRONEA, 2004).

Desta forma busquei, durante a análise, relações complexas entre diferentes

configurações de sentidos subjetivos, à luz da perspectiva histórico-cultural. Entendo

que, devido à subjetividade individual, emergem as diferenças em relação a um mesmo

sistema de significação coletiva, devido à experiências em outros contextos de sua vida

social e à cultura dentro da qual se desenvolve. Desta maneira, entendo que a

manifestação diferenciada do sujeito, neste espaço concreto, está subjetivamente

constituída por sentidos subjetivos procedentes de múltiplas experiências sociais ao

largo de sua história individual.

Foi recorrendo à noção de mediação semiótica para interpretar a argumentação

em desenvolvimento, que passei a interpretar os sentidos subjetivos em sua

aproximação de princípios formais, juízos e valores morais, em projetos compartilhados

como espaços de interação entre sujeitos. A análise de elementos implícitos na

expressão moral dos professores me exigiu tomar, por base, indicadores éticos

formalizados em documentos amplamente defendidos em âmbito global.

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6 DOIS ESTUDOS SOBRE SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS COM

SUSTENTABILIDADE E DOCÊNCIA DO TEMA

Os estudos apresentados neste capítulo intencionam constituir um tecido de fatos

e ideias do processo de subjetivação diante de temáticas ambientais. Por seu caráter

interpretativo-construtivo e sua finalidade de gerar inteligibilidade sobre a subjetividade

de professores, reconheço a impossibilidade de discutir as manifestações dos sujeitos

em sua totalidade, tornando a seleção uma exigência teórico-metodológica. Assim, os

estudos apresentados a seguir se baseiam em trechos dos argumentos desenvolvidos

pelos professores, que após análise minuciosa, selecionei na perspectiva de

compreender sentidos subjetivos relacionados à sustentabilidade e suas implicações para

a docência do tema.

A construção societária de estilo de vida sustentável, em um mundo moral e

socialmente justo, demanda sujeitos ecológicos, cidadãos responsáveis, consumidores

participantes e profissionais críticos (JONAS, 2006; PORTILHO, 2010; CARVALHO,

2012; LOUREIRO, 2012). No século XXI, o engajamento e a construção de

compromissos pressupõem uma docência comprometida com questões ambientais.

Considero relevante pesquisar professores envolvidos com a iniciação científica.

Neste cenário a pesquisa pode integrar-se a formação acadêmica e assim ressaltar

compromissos científicos e éticos. Compreendo, como Souza (2009), que o sujeito da

educação superior é agente de sua própria aprendizagem com a qual indaga, investiga e

critica.

Considero também relevante desenvolver um processo de pesquisa articulado ao

processo de ensinar e aprender ciências e à iniciação científica, considerando como

Barcelos (2007) que as questões ecológicas devem ser tratadas na sua maior

complexidade, na contextualização e relação com as diferentes realidades vividas pelos

sujeitos. De forma que há de se descobrir formas e metodologias de trabalho de

pesquisa e de educação nas quais a reflexão sobre as questões ecológicas estejam

intrinsecamente relacionadas com os conteúdos curriculares das diferentes disciplinas,

áreas e/ou níveis do processo educativo escolar. Desta forma, é possível pretender uma

intervenção nas questões ecológicas. Além disso, a Universidade destaca-se na

formação da autonomia, pois nesse lócus a liberdade de aprendizagem pode ser

compatível com o questionamento da transmissão de saberes estruturados e exclusão de

outros saberes.

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76

Considero ainda que a construção societária também pressupõe uma intricada

trama de compromissos do professor com sua profissionalidade docente, como a escola

e seu projeto pessoal (FREIRE, 1996; CONTRERAS, 2002). Tal comprometimento se

expressa por princípios morais amplos, por juízos e por valores formulados nos

diferentes grupos sociais (PERELMAN, 1996; OLIVEIRA, 2010). Sobretudo, pelas

disputas que surgem nas argumentações, podemos compreender quais elementos estão

na base do que os grupos e sujeitos envolvidos estimam, os valores implicados pelo

ponto de vista afetivo. Para tanto a dimensão dos sentidos subjetivos facilita-nos acessar

espaços de produção subjetiva que representam complexas sínteses de momentos

culturais e históricos dos sujeitos, considerando processos simbólicos e emoções

(GONZALEZ-REY, 2005a)

Para a tradição histórico-cultural, os sujeitos estão interagindo permanentemente

e articulando sentidos vindos de diversas esferas da vida social (VIGOTSKY, 1998;

GONZÁLEZ-REY, 2005a ; SCOZ, 2008). A teoria da subjetividade intenciona

reafirmar o caráter subjetivo do sentido, ou seja, os processos simbólicos e as emoções

que são implicados por espaços simbolicamente produzidos pela cultura, sendo,

portanto as referências permanentes do processo de subjetivação da experiência

humana. Ao conceber a personalidade como um sistema dinâmico, o autor utiliza o

conceito de sentido subjetivo para representar o sistema simbólico-emocional em

constante desenvolvimento, em função das experiências vividas e destacar seu valor

para o próprio sistema subjetivo do sujeito. Essa organização de sentidos se processa em

configurações subjetivas que são inseparáveis da cultura e da vida social da pessoa.

Logo, a configuração subjetiva representa constelações simbólico-emocionais

complexas, que definem múltiplos sentidos subjetivos. Sendo resultado da

multiplicidade de desdobramentos da ação social do sujeito, ela é aberta e caracteriza-se

pela processualidade da presença geradora e criativa dos sujeitos, em seus espaços de

ação concreta.

6.1 Sustentabilidade para professores: três subjetividades singulares

Chassot, educador, formador, pesquisador do Ensino de Química fala de

compromissos da profissão professor para com a seleção pertinente à formação humana:

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Já acenei com aquilo que é o mote na transformação da profissão professor:

priorizar a formação contra a informação. Falo de privilegiamentos da

formação. Não em exclusividades. O decisivo é a seleção da informação para

com ela fazer formação. (CHASSOT, 1998, p. 83).

Para ele não é a sala de aula que será distinguida na transmissão da informação,

mas a diferenciação ocorrerá na maneira como a informação for trabalhada pelos

docentes e discentes. Em sua opinião, um estudo é muito mais produtivo se for uma

construção solidária, envolvendo colegas de diferentes áreas do conhecimento, ao invés

de ser algo solitário. Neste sentido, no âmbito do presente estudo, realizei uma seleção

de informações procedentes do diálogo com professores de matemática, em contexto de

iniciação às ciências.

Para Chassot (1998), a formação é, usualmente, realizada de uma maneira a-

histórica. Nesta pesquisa consonante com esse pressuposto tentei superar esta crítica,

selecionando informações com as quais seria possível reconhecer a história dos sujeitos

implicados no processo de aprender e ensinar sobre o tema da sustentabilidade.

Considero relevante pesquisar professores envolvidos com a iniciação científica,

pesquisa e educação para os quais a reflexão sobre as questões ecológicas estejam

intrinsecamente relacionadas com os conteúdos curriculares das diferentes disciplinas,

áreas e/ou níveis do processo educativo escolar. Desta forma, é possível projetar uma

intervenção relacionada com as questões ecológicas.

A subjetividade do professor é um processo de construção simultânea nos níveis

social e individual. Ao abordar a formação docente com tais pressupostos, suponho que

professores constroem sentidos subjetivos sobre sustentabilidade ao longo da vida, nos

diversos contextos sociais em que participam. São esses sentidos que me interessam

compreender, pois acredito que este é um primeiro passo para a seleção de conteúdos e

métodos para o ensino do tema com/para os professores, comprometendo-os, enquanto

sujeitos históricos, nessa discussão.

6.1.1 O contexto em estudo

D’Ambrósio, formador, educador e pesquisador em Educação Matemática nos

adverte que compartilhar e aderir a comportamentos faz parte da prática social.

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Conceituo sociedade como um agregado de indivíduos (todos diferentes)

vivendo num determinado tempo e espaço, empenhados em ações comuns e

compartilhando valores, normas de comportamento e estilos de

conhecimento, isto é, cultura. Não se pode retirar a individualidade de cada

elemento da sociedade, mas, para se ter uma sociedade, é necessário que os

indivíduos tenham comportamentos e conhecimentos acordados.

(D’AMBROSIO, 2004, p. 168).

Para o autor, as virtudes da espécie humana resultam dos conflitos que surgem

entre o comportamento individual, no qual reside a criatividade, e o comportamento

social, que é necessário para conviver. No âmbito do presente estudo, pressuponho que

a participação nos projetos institucionais é realizada por sujeitos concretos

comprometidos com uma prática social, no interior desses espaços de convívio.

Segundo D’Ambrósio (2004), nossa época é um período de intensa produção de

novos modos de explicar e de fazer. A ciência está, implícita ou explicitamente,

incorporada nessa ampliação de modos de explicar e de fazer. Consonante com esse

pensamento, compreendo os professores como portadores de modos de explicar e fazer,

como comprometidos por princípios amplos, juízos e valores formulados nos diferentes

grupos de que participam, sendo assim eles expressam, em seus encontros, conflitos ou

tensões.

Neste sentido, considerei pertinente escolher como contexto para a presente

pesquisa o Projeto Observatório com foco em Matemática e Iniciação Científica

(OBEDUC). Pelo seu foco na iniciação às ciências e em intervenção pedagógica,

também pelo modo dialógico como se desenvolve, essa experiência formativa

ocasionou uma dinâmica de sentidos gerados pelos diversos professores de matemática

e iniciação às ciências, implicados em intensa produção subjetiva.

O Projeto OBEDUC é um espaço social de formação de professores que visa

propiciar intervenções e enfrentamentos de problemáticas da educação básica por meio

de complexa teia de interações entre graduandos, pós-graduandos, professores e

pesquisadores. É um espaço social de intercâmbios e troca de experiências a cerca de

avaliação em larga escala e formação docente integrada, tanto complementar quanto

continuada, através da articulação entre pesquisa, ensino e extensão.

No projeto existe a preocupação com a produção de dispositivos concretos como

a organização de pequenos grupos de pesquisa nas escolas, pesquisas de pós-graduação,

intervenção em sala de aula e planejamento de sequências didáticas. No caso do grupo

da UFMT, as preocupações estavam voltadas para a Educação Matemática, resultando

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no estudo de temas relacionados com questões da modelagem matemática, números

racionais, contextualização e concepções de professores. Entretanto, os estudos internos

também analisavam questões sociocientíficas (QSC’s) problematizadoras da demanda

humana pelos sistemas materiais e por tecnologia na sociedade contemporânea.

O grupo envolvido no projeto seguia a orientação interna na conceituação do

tema, de maneira que a abordagem de questões sociocientíficas (QSC’s) tratava de

temas como natureza da Ciência e Tecnologia, raciocínio ético-moral, reconstrução

sociocrítica, ação responsável e sustentabilidade. Tal proposta pedagógica pressupunha

a abordagem de controvérsias relacionadas com conhecimentos científicos. Assim as

QSC’s são aquelas que levam em conta o impacto do desenvolvimento científico na

sociedade, sobretudo em relação a seus aspectos éticos e morais e englobam dilemas

que não possuem resolução simples, pois envolvem uma ampla gama de perspectivas

para a sua resolução (SADLER, 2004; SANTOS; CARVALHO, 2012).

Nesta perspectiva, o debate do tema instiga a reflexão, de cunho moral, sobre a

interdependência entre ciência e sociedade, advindas das interações entre conhecimento

cientifico, produtos tecnológicos e normas sociais, uma noção multifacetada de

interdependência (SADLER; ZEIDLER, 2005). Em uma perspectiva de negociação e

resolução de QSC’s, a ação pedagógica incentiva os sujeitos a compreenderem os

processos cognitivos e afetivos presentes nos argumentos, que contribuem para a

resolução de questões complexas.

Entre seus pressupostos está a premissa pedagógica de que as leis e as teorias da

ciência precisam ser tomadas como construções humanas, que não podem contemplar

todos os aspectos de um processo de tomada de decisão complexo, envolvendo

elementos sociais, econômicos, éticos e políticos (SADLER; ZEIDLER, 2005; REIS;

GALVÃO, 2005). Assim, o ensino acerca da natureza da ciência (especialmente acerca

de tais enquadramentos no interior dos quais a ciência opera) encoraja os alunos a

apreciarem a ciência como um empreendimento humano, com história, aventuras,

personalidades, dramas, disputas, controvérsias, criatividade, normas e princípios éticos.

Do exposto, compreendo que os professores inseridos no contexto

contemporâneo, e simultaneamente envolvidos com o debate de questões

sociocientíficas, decorrentes da participação no OBEDUC, se posicionam

subjetivamente em relação a essas temáticas. Assim, com o intuito de compreender tais

posicionamentos organizei um sistema atividade-comunicação através de oficina

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temática. A oficina temática, relacionada à sustentabilidade, viabilizou constituição de

atividades formativas para planejamento de questões sociocientíficas. Ou seja, para que

assim os professores associassem em suas ações o enfrentamento das dificuldades de

aprendizagem a docência voltada a temas de ciências e tecnologia na atualidade. Mas,

em função das limitações de espaço e tempo pedagógico da oficina, os professores

simularam o planejamento, a preparação e a execução das atividades de iniciação às

ciências. Ressalto que o grupo já se reunia e continuou a se reunir em encontros

formativos após a referida oficina.

No momento deste espaço-tempo de formação foi possível compreender a

construção coletiva do grupo. A noção de sustentabilidade era permeada pela

multiplicidade de discursos da sociedade e pela tensão interna, com predomínio das

dimensões econômicas e sociais (como produção e consumo), e consideráveis

limitações da dimensão ambiental (em especial das relações ecológicas). Foram

interpretadas como econômicas expressões que traziam sentido de reconhecimento de

modernização com uso de instrumentos de produção, distribuição e consumo material,

científico e tecnológico (SACHS, 2009, p. 86). Foram interpretadas como

socioculturais expressões com sentidos de acesso aos recursos e serviços sociais,

emprego, renda, vida decente e patamar de homogeneidade, autonomia para elaboração

de um projeto, respeito à tradição (SACHS, 2009, p. 85). Compreendo nestas

informações do grupo, que apesar do tema tensionar a vida cotidiana, apenas

recentemente constituiu-se uma atribuição profissional a ser sistematizada.

6.1.2 Os participantes da pesquisa

Portanto, o sistema atividade-comunicação proporcionou conversas em grupo de

discussão, durante a oficina temática, e em sessões individuais com professores da

educação básica. No grupo de discussão participaram doze professores cujas

manifestações propiciaram subsídios para a seleção dos entrevistados. Selecionei três

professores que costumavam tomar iniciativa nas conversas coletivas, expressando

diferentes perspectivas sobre o tema e mobilizavam o grupo para discuti-las. Os

professores selecionados tinham idade entre 40 e 50 anos, eram egressos de escola

pública e residiam na área urbana do município. Tomei a decisão de identificá-los pelos

nomes fictícios Francisca, Antônio e Eurico.

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Francisca e Eurico têm origem urbana e Antônio tem origem rural. O último

declara ser de origem europeia, Eurico declara ser de origem africana. Francisca e

Antônio são regentes de sala de aula e Eurico é coordenador pedagógico. Antônio

cursava, naquele período, o mestrado em Educação Matemática.

O fato de serem bolsistas no projeto OBEDUC propiciou o envolvimento com a

iniciação científica, assim como ampliou a relação deles com o projeto político

pedagógico de suas escolas. De um lado, porque implicou em novas atividades docentes

que deveriam configurar uma aproximação com tal projeto, por outro lado, porque

possibilitou ampliação do tempo destinado a sua realização.

6.1.3 A produção subjetiva da professora Francisca – “como falar de

sustentabilidade com quem passa fome?”

A professora é regente de sala de aula e, no projeto OBEDUC, tem papel de

mobilizar gestores e professores para a realização de atividades conjuntas com a

universidade, visando enfrentar as dificuldades de matemática e iniciação às ciências

que encontra na escola. Ela informou que reside na área urbana do município e tem

origem urbana. Também informou que durante a vida, desde a infância, não

desenvolveu qualquer relacionamento mais intenso de cuidado ou manejo de sistemas e

processos naturais ou ecológicos. É dela a frase “como falar de sustentabilidade com

quem passa fome?” que selecionei como uma síntese dos sentidos subjetivos articulados

ao longo da pesquisa, na qual há uma instigante provocação à ética da sustentabilidade.

Porém, não é essa a frase que aparece no início de sua elaboração sobre

sustentabilidade. A frase síntese somente aparecerá mais adiante, como resultante da

interação que se deu na vivência e convivência com o grupo de professores do projeto.

Com uma configuração inicial urbana e de poucas experiências de manejo de

sistemas naturais seu ponto de partida é: “porque ter no guarda roupa cem, duzentos

pares de sapatos?” Ponto de partida que surgiu no espaço das discussões em grupo

onde as manifestações na forma de questionamentos continuaram: “como transformar a

atividade agronegócio de uma atividade de poucos, mas em vista de todos?” Neste

sentido a professora dá pistas de seus questionamentos a cerca do consumo excessivo,

assim como de sua interação com as discussões internas sobre raciocínio ético-moral,

(co)responsabilização e tomada de decisão.

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Isso a leva a apresentar como tema gerador para debate no grupo:

“Sustentabilidade x capitalismo”. E como contratema ao debate ela escreveu:

“Capitalismo gera consumo. O novo estilo de vida sustentável é caro. A

sustentabilidade serviria a manutenção do próprio sistema capitalista.” Desta maneira

há inicialmente um sentido subjetivo de crítica ao consumo excessivo, ao estilo de vida

atual e à aplicação da lógica do lucro do sistema capitalista.

Quando perguntei se ela gostaria de considerar reformulações desses temas e

contratemas após a oficina temática, ela apresentou um sentido instigante que tomará

configuração propositiva expressa como “volta ao natural”:

Por que o gerador de tudo isso não somos nós? Então voltar a tratar por nós de volta ao

natural, de volta ao que está constituído não é uma volta tão simples e nós sabemos que não

vai acontecer em um ano, dois, talvez eu nem consiga ver, mas pelo menos isso seja

fomentado, despertado. (PROFESSORA FRANCISCA).

Há uma diversidade de aspectos ressaltados neste recorte que parecem mobilizar

sentido subjetivo relacionado à capacidade humana geradora de ações e compromissos,

resultando numa representação de volta ao natural. Com tal representação ela reconhece

o ser humano como responsável pelo desequilíbrio, mas também como potencial

responsável pelo reestabelecimento do equilíbrio. Deste modo, aponta um sentido para a

proposição de “volta” que se desdobra em sentidos reclamando mudança de atitude,

expressa em seguida “então isso tem que mudar, essa postura de muitos, é acordar

para isso.”

Quando ela diz “nós nos afastamos do que é o sistema em si, e que é muito

natural”, ou quando ela expressa “voltar a tratar por nós de volta ao natural” suas

reflexões giram em torno de um sentido de “natural” que tem representações diversas,

ora como constituição dos sistemas naturais, ora como relação do ser humano com o

Planeta em transformação ao longo do tempo.

Pode-se compreender que sua expressão contém sentido subjetivo com o qual ela

representa a natureza. Para Carvalho (2012), a história social das relações com a

natureza traz consigo, a visão da natureza como domínio selvagem, uma representação

que previa dominar e submeter o mundo natural, de modo que o conceito de civilização

associava-se ao repúdio da natureza com uma desqualificação dos ambientes naturais.

Porém os efeitos da deterioração do meio e da vida nas cidades, causados pela

revolução industrial, levou no século XVIII a outro padrão de percepção do mundo

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natural, representada pela valorização das paisagens naturais, das plantas e dos animais,

que seria ampliada pelo movimento romântico europeu do século XIX, apoiando o mito

de uma natureza boa e bela. Deste modo, são apontados diversos elementos em uma

zona de sentidos sobre a natureza onde se encontra essa ideia de busca pela valorização

do mundo natural.

A respeito desta representação, os esforços no sentido da ética da

sustentabilidade apontam que não devemos nos reportar a um mero equilíbrio

mantenedor da relação atual. Precisamos nos atentar para a comercialização do natural.

Portilho (2010) lembra que o consumo continua modificando e ganhando novos

significados que incluem o sossego, silêncio, espaço, ar puro, água potável. Em sua

opinião esse novo “luxo”, como no passado, será um adversário da igualdade.

Em outro recorte, a professora Francisca diz “saiu da naturalidade e entrou em

um estágio de destruição e que isso precisa melhorar e quem pode melhorar isso somos

nós seres pensantes, seres humanos.” Desta maneira identifiquei sentidos que

representam a necessidade de superação das agressões ao meio. Deste modo, ela traz

uma distinção entre uma condição inicial do homem no Planeta, de naturalidade, e a

condição atual, de destruição.

Para Boff (2012), desde o aparecimento do homo habilis há cerca de 2 milhões

de anos, começou um diálogo complexo entre o ser humano e a natureza, representado

por três fases: inicialmente, era uma relação de interação pela qual reinava sinergia e

cooperação; a segunda, foi de intervenção, quando o ser humano começou usar

instrumentos afiados, pontiagudos, e mais tarde, a partir do Neolítico, os instrumentos

agrícolas, no intento de superar os obstáculos da natureza e modificá-la; a terceira fase,

a atual, é de agressão, quando o ser humano faz uso de todo um aparato tecnológico

para submeter a seus propósitos a natureza, cortando montanhas, represando rios,

abrindo minas subterrâneas e poços de petróleo, abrindo estradas, criando cidades,

fábricas e dominando os mares (BOFF, 2012).

Desta forma, aparece uma representação, presente nas preocupações

contemporâneas, não necessariamente de levar ao retorno das condições naturais

iniciais, mas de mudança da racionalidade de nossa intervenção no meio para outra não

agressiva, centrada no cuidado para com a natureza.

A professora Francisca faz uma ponderação: “claro que a população vai

aumentando cada vez mais e nós temos que entender... mas nem sempre essa

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necessidade é na proporção que parece ser essa necessidade”, e depois outra, “não é

porque está na promoção que eu vou lá e eu vou comprar só por comprar”. Desta

forma, aparece a relação que ela faz entre desenvolvimento, necessidades e consumo,

também presente nas preocupações globais.

Para Portilho (2010), na sociedade atual as identidades são construídas

principalmente através dos bens de consumo, visão presente até mesmo entre

consumidores que incorporam preocupações ecológicas, de modo que o consumidor

verde de alto gasto pode ter um forte impacto ambiental. Para a autora, entretanto, nesta

mesma sociedade moderna, que se instalou desde a Revolução Industrial no século

XVIII e se intensificou com a globalização, no século XX, aparecem manifestações

contrárias em busca de novos referenciais ao consumo, motivados pela ética ambiental.

Da argumentação desenvolvida pela professora, chama a atenção outro trecho de

expressão que vem de sua prática docente e nele outro sentido subjetivo relacionado a

hábitos de consumo associados à geração de lixo: “Eu trabalhei um ano na cadeia. Eu

entrei lá com uma concepção de que preso não produzia lixo, pois um dos maiores

problemas que eu detectei lá dentro era o lixo (...)” Para Portilho (2010), as ações mais

enfatizadas em programas de educação ambiental, acabaram sendo aquelas relacionadas

à reciclagem de lixo e redução do desperdício. Conforme demonstra esse trecho de

expressão, aparece a noção de reciclagem e redução de consumo articulada com as

experiências e orientações docentes que foram significativas para ela. Do exposto,

compreendo que o posicionamento da professora Francisca expressa, em especial, as

dimensões econômicas e sociais do tema.

Interessava também compreender os sentidos subjetivos implicados pela tensão

interna da presença do tema no projeto OBEDUC. No momento em que solicitei que

ela comentasse as reformulações que produziu a cerca do tema, Francisca respondeu:

“sustentabilidade para mim era reflorestar, era alguma coisa para recolocar o que o

homem tinha destruído e que de alguma forma está ameaçando a vida dele.” Na opinião

da professora, há uma noção de que devemos enfrentar a destruição e as ameaças à vida

humana. Para ela, a ação humana tanto destrói quanto intenciona construir.

Durante a entrevista, perguntei quais aspectos e indicadores ela julgaria que

fossem mais significativos para uma compreensão de sustentabilidade. Naquele

momento, ela disse:

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(...) sustentabilidade passou a ser mais do que isso, passou a ser uma preocupação: “eu

preciso saber mais, eu preciso colaborar mais.” (...) Quer dizer nova postura quando se tem

conhecimento. A falta de conhecimento muita vezes deixa no contexto de fora (da

participação econômica e social). (PROFESSORA FRANCISCA).

A professora inclui em sua síntese um sentido subjetivo de busca por

compromissos e conhecimentos. Ao relembrar as reflexões anteriores, percebo que o

contexto do qual fala está vinculado à mudança de atitude e superação da destruição. O

tema suscita a busca por novos referenciais tensionados pela necessidade de mudança

cultural antes incentivadora do consumo (PORTILHO, 2010).

Houve um momento da entrevista em que ela desenvolveu a argumentação sobre

as necessidades humanas e consumo, então, solicitei que ela falasse mais sobre sua

compreensão de necessidade:

Dá para conviver junto sustentabilidade com necessidade, mas desde que nós seres

humanos tenhamos o conhecimento desse processo, como isso possa ser processado de

maneira natural (...) Não só conhecimento (cientifico), mas no sentido de pensar no ser

humano, nas pessoas, no bem estar de cada um (...) Quer dizer você começa a perceber

esses conhecimentos que são transmitidos de pais para filhos, é o tipo de conhecimentos

que queremos como conhecimentos sustentáveis. São os próprios conhecimentos do dia a

dia. (PROFESSORA FRANCISCA).

Essa argumentação indica que a professora entende ser necessário repensar as

necessidades humanas e o consumo por novos processos e conhecimentos, noção que se

apresentada por múltiplas representações. Ao expressar a importância do conhecimento

o faz ora como fundamentos técnico-científicos, ora como saberes transmitidos de pais

para filhos. Por tudo isso, ganha sentido a expressão “como falar de sustentabilidade...”

no qual a relevância do tema está relacionada com o conhecimento. Para Leff (2010, p.

181) “a crise ambiental é uma crise do conhecimento e um esvaziamento de sentidos

existenciais que dão suporte à vida humana.” Para o autor, essa crise civilizatória

desafia qualquer abordagem exclusivamente racional para resolver conflitos e recompor

o mundo, logo exige ultrapassar a razão e remete a uma ética da responsabilidade com a

natureza e com o outro.

Pela articulação de tais sentidos subjetivos, percebo que a professora traz

formulações produzidas pela tensão participativa no interior do grupo de discussão, em

especial sobre o aprofundamento de processos e conhecimento de questões

sociocientíficas. Mas também noto articulação de sentidos oriundos de outros espaços

da vida social.

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Consequentemente, nesta busca por referências a professora transforma

continuamente suas reflexões em questionamentos:

O que é vida? será que estou vivendo de maneira sustentável? será que existe possibilidade

de eu viver de maneira sustentável? ou isso está fora de mim? Faço parte desse processo?

(...) qual é a minha contribuição para o amanhã com eles (aluno)? (...) por que ele (aluno)

vai cuidar do externo se o interno não está legal? (...) o organismo não precisa daquilo que é

o natural? (...) O Planeta sobrevive sozinho? Ou necessariamente ele precisa do ser

humano para ele sobreviver? Até que ponto nós vamos destruir e vamos continuar

existindo? (PROFESSORA FRANCISCA).

São questionamentos associados ao compromisso com a vida humana e com

mudanças de atitudes. Do exposto compreendo que o posicionamento se mostrou

processual, à medida que se aprofundou e desdobrou em outros sentidos.

Em consonância com esses questionamentos foram apresentados outros quando

perguntei sobre quais aspectos de conhecimento ela relacionava com sustentabilidade:

Como eu vou tratar bem se eu não tenho alimentação adequada, se eu não tenho moradia

pelo menos confortável? Como eu vou pensar em sustentabilidade, se eu próprio não sou

auto-sustentável, se a própria vida, e a gente depara muito com isso todos os dias, se o

próprio ser humano está aquém de tudo isso? (PROFESSORA FRANCISCA).

A professora explicitou a representação que traz presente as implicações

relacionadas à alimentação e ao conforto. Assim, ela julga a dificuldade de tratar do

tema na escola, considerando as necessidades mais imediatas dos alunos a serem

resolvidas.

Com a intenção de compreender a relação do tema com outros contextos vividos

e se tais elementos argumentativos tinham relação com a história de vida da professora,

perguntei quais aspectos de sua história e cultura ela julgava envolvidos nesta discussão

que realizamos no presente processo de formação:

Eu, particularmente, tive preocupações maiores, como pessoa, eu fui órfão de pai e mãe, fui

criada em orfanato e minha preocupação primária era comer, não interessava como e de

qual maneira por isso é que eu puxo muito esse aspecto da humanidade. E quantos hoje

estão nesse mesmo momento de vida!. E vivem para comer e não pensam em outra coisa. É

o subsidio do hoje, do agora. Vive o agora, vive o hoje. Eu sempre busquei viver assim

porque o amanhã era incerto, mas hoje não, Graças a Deus, muito tempo da minha infância,

da minha vida, foi isso, da minha infância foi isso: “vou comer hoje porque amanhã eu não

sei se tenho”. Como vou me preocupar com a natureza? Como eu vou me preocupar se

estão poluindo o rio ou se não estão? Se está acontecendo o que está? “minha preocupação

é o hoje, é o agora”, isso também se reflete na sustentabilidade. Então isso tem que mudar,

essa postura de muitos, é acordar para isso. (PROFESSORA FRANCISCA).

Neste momento da entrevista ela explicitou os sentidos com os quais julga que as

experiências dos alunos se assemelham com as suas. A relação que a professora faz com

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suas próprias experiências anteriores ajuda a compreender o sentido de sua pergunta:

“falar de sustentabilidade com quem passa fome?”, a frase síntese traz consigo um

sentido de privações severas e preocupações com segurança na sustentação da vida, bem

como o enfrentamento das incertezas do presente e do futuro no atendimento das

necessidades básicas e a capacidade de sustentação que comprometerá o sujeito ao

longo da vida. Uma noção que se torna compreensível, quando articulada com os

demais questionamentos e propostas que a professora faz ao tema sustentabilidade.

Assim também posso compreender as sínteses que Francisca apresenta na

complementação de frases:

1 - Não posso: destruir, ser egoísta, viver o hoje. (PROFESSORA FRANCISCA).

2 - Não gosto: de ser ignorante ou indiferente aos acontecimentos ambientais.

(PROFESSORA FRANCISCA).

3 - O mais grave é: poluirmos o que vamos precisar para consumir como o ar, etc.

(PROFESSORA FRANCISCA).

As frases da professora Francisca remetem ao debate sobre o consumo excessivo

e crítica à concepção que ignora as implicações ambientais. Ela cita o egoísmo, a

ignorância e a indiferença, a prática de poluição com referência a atitudes e sentimentos

atuais. Para o conjunto da argumentação desenvolvida pela professora, compreendo

dois pólos de justificação: um que tem sentido de denúncia da insustentabilidade das

desigualdades sociais outro de solidariedade com o ser humano.

Hans Jonas (2006, p. 256-257) diz que no lema “primeiro vem o comer, depois a

moral” de Bertold Brecht, deve-se levar a sério tanto a palavra “primeiro” quanto a

palavra “depois”, isso significa que os famintos (ameaçados de morrer de fome), bem

como aqueles que estão sendo sufocados, são privados das necessidades mais básicas da

vida e, por isso, mantidos em um estado pré-moral. Mas “em seguida” efetivamente

“vem a moral”, que reivindica o seu quinhão. Para o autor há uma lição na banalidade

que parece relativizar “a moral” (algo a que só alguns podem se dar ao luxo) estipula, na

verdade ela própria um dever moral com terceiros, ou seja, ajudar a superar qualquer

condição que inviabilize a consciência moral.

Do exposto, compreendo que o posicionamento da professora se mostrou

processual, à medida que manteve relação com outros contextos vividos e com a história

de vida da professora. Assim, a argumentação articulou sentidos subjetivos implicados

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na tensão da experiência vivida no projeto, na experiência da vida social e no próprio

sistema subjetivo em condição criativa.

A interpretação da argumentação desenvolvida pela professora “como falar de

sustentabilidade com quem passa fome?” me levou a considerá-la como proposição

para a qual quem passa fome tem preocupações anteriores à redução de consumo, dentre

elas, superação de privações materiais e ampliação de ações públicas. Para Capra (2002)

em nosso comportamento devemos manifestar respeito pela dignidade humana e pelos

direitos humanos básicos. Para aproximar os sentidos de sustentabilidade apresentados

pela professora com sentidos que constituem a ética para a sustentabilidade tomo por

base os princípios apresentados na Carta da Terra: i. “promover a justiça econômica,

propiciando a todos a consecução de subsistência significativa e segura, que seja

ecologicamente responsável.”; ii. “adotar estilo de vida que acentuem a qualidade de

vida e o suficiente material num mundo finito.”; iii. “Reconhecer o ignorado, proteger o

vulnerável, servir àqueles que sofrem e permitir-lhes desenvolver suas capacidades e

alcançar suas aspirações.”; iv. “Garantir que as atividades econômicas e instituições em

todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma equitativa e

sustentável.” (BOFF, 2012, p. 170; p. 173). Para Francisca, a atribuição de valores está

relacionada com proteção e segurança contra as privações materiais; do combate a

vulnerabilidade; da defesa da dignidade humana com inclusão social e responsabilidade

ambiental. Sua argumentação se aproxima de princípios na Carta da Terra que estão

relacionados com oportunidades educativas, justiça, equidade, proteção, segurança, e,

adotar estilo de vida com padrões comunitários de consumo.

A interpretação da configuração subjetiva de Francisca também propicia a

análise de sentidos subjetivos relacionados à docência, pois traz a intencionalidade da

professora para com um ensino envolvendo o contexto social, intenção que ela expressa

em outro trecho de seu relato “nós devemos estar ali (refere-se à sala de aula), mas ao

mesmo tempo saber o que acontece ao redor. Nós não podemos ser indiferentes a tudo

isso, que nós somos parte de tudo isso.”

Há um sentido de busca de conhecimento, de relações dinâmicas, de superação

da indiferença para com as questões socioambientais. Para compreender esses

elementos e outros que podem contribuir para sua prática docente, solicitei da

professora que apresentasse uma descrição de figuras e fotos e que elaborasse a partir

delas uma possível sequência didática para abordar o tema em suas aulas:

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Eu começaria com aquilo que mostrasse mais tranquilidade, um ambiente tranquilo, que

mostrasse um ambiente natural. Daí eu partiria para aquilo que retratasse um barulho

harmonioso, o barulho dos animais, dos pássaros, o encanto das flores, e tudo o que é bem

natural, bem em contato com o natural. Depois a gente mostraria esses ambientes no mapa

mundi, pouco para mostrar onde ainda existe esse tipo de paisagem e aonde não existe mais.

Por último eu usaria aquelas que trazem poluição, os rios destruídos, mexidos pelos seres

humanos. Saiu da sua naturalidade e entrou em um estágio de destruição e que isso precisa

melhorar e quem pode melhorar isso somos nós ditos seres pensantes, seres humanos. (PROFESSORA FRANCISCA).

A naturalidade é um aspecto relevante na noção de sustentabilidade de

Francisca, que volta a aparecer nesta descrição. A professora aponta a intenção de

abordar fundamentos como tranqüilidade, ambiental natural, com valorização do caráter

harmonioso. Desta forma ela realça sua valorização do mundo natural e ao que parece

desenvolve uma compreensão que coloca a natureza como boa e bela (CARVALHO,

2012).

Para a professora, a abordagem do tema deve ter a capacidade de promover a

sensibilização do estudante para com o meio, o que traz à sequência didática proposta

uma pertinência com a sua configuração subjetiva. Aqui também ela aponta como

imperativo a superação da indiferença para com as questões socioambientais,

ressaltando o caráter mobilizador do tema. Então ela expressa, ainda que confusa e

acanhada, uma abordagem de relações ecológicas, assim como uma ação docente

voltada a mostrar permanência e alterações promovidas pelos seres humanos no planeta.

Segundo Zanon e Maldaner (2010), a docência deve considerar sistemas de

relações dinâmicas e plurais entre conhecimentos especializados, dentre eles

conhecimentos sobre a realidade. O que lembra aquilo que nos aponta Paulo Freire

(1996, p. 80), não se trata de qualquer imposição. A população espoliada e sofrida que

se rebele, mas trata-se de “desafiar os grupos populares para que percebam, em termos

críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta.”

Para ele, o educador deve considerar que os setores populares carecem de experiências

epistemológicas, mas isso não deve ser interpretado como inferioridade ontológica, mas

como impedimento social, política e ideológica, que inclusive fica mais claro quando se

compreende que os grupos populares têm uma longa experiência (FREIRE, 2004).

Com a intenção de compreender a abordagem que para ela seria pertinente ao

tema e também possibilitar sua autoria e autonomia propositiva, perguntei como ela

organizaria um processo educativo para o tema:

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O planeta pede socorro. Locais e intensidade de eventos climáticos (sugestão de temas

geradores). Investigar o que são furacões, maremotos, terremotos para sabermos por que

isso está acontecendo, se isso seria porque “eu” estou no lugar errado: é o ser humano que

se implantou no lugar dele, ou se eles estão acontecendo em lugares que nunca tinha

acontecido ou se a incidência é no mesmo local? O planeta sobrevive sozinho? Ou

necessariamente ele precisa do ser humano para ele sobreviver? Até que ponto nós vamos

destruir e vamos continuar existindo? Será que nossa destruição vai dizer que chegou a um

ponto que agora “você” esta fora do processo. Lixão. Talvez com pesquisa para mostrar que

o retrato do micro reflete muitas vezes que está por detrás do macro, de não são coisas

isoladas, que faz parte do todo. (PROFESSORA FRANCISCA).

Francisca, ao vincular o tema com a incidência e alterações de fenômenos

atmosféricos, indica valorizar aspectos do sistema conceitual das ciências naturais e

matemática, da química ambiental, assim como aspectos de interações sistêmicas,

plurais e dinâmicas ali contidas. Para Capra (1996), furações e tornados são vórtices de

ar em violento movimento giratório nos quais vários fatores entram em jogo: diferenças

de temperatura, expansões e contrações do ar, efeitos da umidade, condensações e

evaporações. Resultam deste modo, em estruturas muito complexas que exibem uma

grande variedade de comportamentos dinâmicos. Para o autor, temporais com

relâmpagos e trovões podem converter-se em estruturas dissipativas com dimensões e

formas características – isto é, uma estrutura estável com matéria e energia fluindo

através de forças equilibrantes mecânicas, tendo como a força dominante a da

gravidade.

Mas é na formulação de questionamentos da professora que encontro a

possibilidade de reconhecimento de geração de ideia e criação de uma maneira de

abordar o ensino do tema. Com o questionamento da incidência de fenômenos

atmosféricos ela chama a atenção para as implicações das ações locais sobre eventos

naturais, assim ela busca compreender como poderia acontecer a superação das

agressões ambientais. Para Prigogine (2002), uma reformulação das leis fundamentais

da natureza deve deslocar-se para sistemas complexos, instáveis ou caóticos e envolver

descrição estatística e probabilística, sendo assim uma “nova representação

construtiva”.

Neste sentido, tais conteúdos têm caráter problematizador e mobilizador, o que

está em consonância com aquilo que Francisca considera necessário para dar relevância

a conteúdos atitudinais, de maneira a fomentar novas posturas. Na prática docente

dependemos então de constituir uma teia para integrar a natureza boa e bela,

tranqüilidade, implicações humanas na incidência de fenômenos atmosféricos, e ainda

interagir conhecimento cientifico e senso comum. Podemos considerar que é

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fundamental desenvolver de forma metódica e sistemática a nossa capacidade de

indagar, tornando mais crítico o nosso bom senso (FREIRE, 1996). Para ele essa

postura de indagação é uma atitude de quem não se sente dono da verdade, nem

acomodado.

A indignação é, para o autor, própria de quem se encontra em permanente

disponibilidade para perguntar e responder, para concordar e discordar. A posição

indagadora do educador é sempre a de quem sabe que aos avanços das revoluções

tecnológicas pode também corresponder algo negativo do ponto de vista da presença

humana no mundo (FREIRE, 2004). Segundo Freire (2005), para educar é necessário

problematizar aos oprimidos todos os mitos de que se servem as elites opressoras para

oprimir, não apoiar nem método, nem respostas com conteúdo opressor.

A professora Francisca entende que o tema requer a prática de investigar, o que

aponta outro aspecto de proposição que integra aos seus questionamentos: a curiosidade

e a ação para a prática educativa. Para Freire (2004, p. 139), “a curiosidade associada à

ação está forjada pela necessidade. A necessidade é forjadora da curiosidade e do

fenômeno do conhecimento”. O autor nos lembra de que o conhecimento tem uma

dimensão biológica, assim, por exemplo, a necessidade de comer fez com que os

homens desenvolvessem seu conhecimento para encontrar caminhos mais eficientes.

Para González-Rey (2006), a exposição como centro de nossas práticas

pedagógicas fomenta um posicionamento passivo do estudante que, no intuito de

compreender, não reflete nem questiona o que ouve o que dificulta sínteses e

abordagens necessárias a uma aprendizagem reflexiva. O sujeito que aprende deve ter

tempo de elaborar as questões, levantar suas perguntas, avançar no caminho de suas

conclusões. Assim, a curiosidade é um princípio para superar a ideia de conhecimento

despersonalizado e agregar o afetivo, disso decorre a importância de considerar o sujeito

que aprende na complexidade de sua organização subjetiva.

Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal da

professora, e reconhecer a definição de um reposicionamento perguntei à professora se

houve ressignificações em função da formação vivida:

Uma conscientização maior no sentido de (assumir) minha responsabilidade na formação

humana, de uma pessoa. Não necessariamente, em uma disciplina, mas sim na formação

humana, o ser (humano) como parte de tudo isso. (PROFESSORA FRANCISCA).

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A representação presente neste recorte indica uma modificação em relação ao

início de sua argumentação, baseada na insustentabilidade do capitalismo e do

consumismo. Nesse momento a professora expressa uma representação da docência

comprometida com a formação humana e da responsabilidade dos professores dela

decorrente. Segundo Loureiro (2012, p. 88), a aprendizagem não é individual, resulta de

uma dimensão de formação humana “engloba outra pessoa, o diálogo, a mobilização, o

conhecimento, a mudança cultural, a transformação social e a participação na vida

pública.”

Assim, a argumentação de Francisca abarca suposições que simbolizam valores

no sentido da ética para a sustentabilidade. Parece possível aproximar as reflexões da

professora a princípios apresentados no Tratado de Educação Ambiental. Assim

interpreto que suas suposições simbolizam valores no sentido da ética para a

sustentabilidade presente no princípio do Tratado de Educação Ambiental e

Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental deve promover a cooperação e o

diálogo entre indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida,

baseados em atender às necessidade básicas de todos, sem distinção étnica, física, de

gênero, idade, religião ou classe.” ; ii. “A educação ambiental deve tratar as questões

globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu

contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao

meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome,

degradação da flora e fauna, devem ser abordados dessa maneira.” (PRONEA, 2004, p.

48). Assim, a interpretação da argumentação desenvolvida pela professora “como falar

de sustentabilidade com quem passa fome?” me levou a considerá-la como proposição

que indica ser relevante atender as necessidades básicas de todos. Sua reflexão é

marcada pela elaboração de diversos questionamentos que resultaram na representação

da docência comprometida com a formação humana.

6.1.4 A produção subjetiva do professor Antônio – “eles conseguiam viver

tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade deles”

O professor Antônio tem experiência de docência em matemática na educação

básica. No período da pesquisa cursava o mestrado em Educação Matemática e no

projeto OBEDUC tinha o papel de articulação de sua pesquisa de pós-graduação com a

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escola, atuando com os professores e com os graduandos em intervenções junto aos

estudantes. O professor informou que tem origem europeia, bem como origem e

vivência no meio rural, embora resida atualmente em área urbana. Selecionei a frase

“eles conseguiam viver tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade deles”

como aquela que sintetiza os sentidos de sustentabilidade para o professor, pois expõe

um reconhecimento de diferentes modelos de sustentabilidade.

Todavia esta frase não aparece desde o início da conversação. Como ponto de

partida, levo em consideração aquilo que o professor elaborou, ainda no grupo de

discussão, como tema gerador e o contratema, para estudo da temática: “Discurso

teórico x práticas efetivas”; “A não necessidade que gera inércia; disponibilidade de

recursos”. Naquele momento ele também elaborou algumas problematizações ao tema

gerador: “Por que não nos envolvemos nas discussões legislativas?” “O que fazemos de

efetivo no nosso ambiente de vida?”. Compreendo que o posicionamento do professor

expressa opinião no sentido de se atentar para diferenças entre o discurso teórico, as

práticas cotidianas e a necessidade de regulação e legislação, de modo que seja

focalizada a disponibilidade de recursos.

Entendo que, se por um lado, através da noção de disponibilidade de recursos há

uma representação que aponta a autoregulação do mercado no enfrentamento da crise

ambiental; por outro lado, com a noção de práticas efetivas e inércia, o professor

pretende fazer o que Portilho (2010) chama de transferência da atividade regulatória

para o cidadão.

Toda essa problemática elaborada pelo professor também remete a aceitação da

ampliação do papel de fiscalização do Estado. Carvalho (2012, p. 49) nos lembra de que

na década de 1970 destacaram-se os movimentos que se nomeavam ecológicos e

ambientais e no plano governamental configurou-se, naquele momento, “uma estrutura

institucional voltada para a regulação, legislação e controle das questões de meio

ambiente.” O que dá à noção do professor Antônio uma consonância com o debate

público sobre o tema.

Durante a entrevista perguntei quais aspectos e indicadores sobre

sustentabilidade ele considerava serem mais significativos para sua compreensão do

tema. De sua resposta recorto o seguinte trecho:

Então o legal de Mato Grosso é que nós temos muito disso, mas também temos muito do

indígena, da cultura do índio e culturas que se formaram ao em torno da cultura do índio,

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então temos aí um embate muito grande na diferença no nosso estado, de um movimento

desenvolvimentista e um movimento de preservação ambiental. (...) Aí é que está a questão:

o que é sustentabilidade para mim, e o que é sustentabilidade para você? Porque depende

muito da “minha” formação cultural, eu vejo por esse aspecto. (PROFESSOR ANTÔNIO).

Pode-se compreender que em sua concepção, a questão da sustentabilidade tem

raízes histórico-culturais o que leva à noção de diferentes visões em função da formação

cultural. Também há outros trechos de expressão do professor associados com a cultura:

“quando minha família migrou da área rural para a área urbana, nós não deixamos

muitos dos nossos costumes”; “então quando nós entramos em contato com uma

cultura que não era a nossa nós sofremos interferência em nossa cultura”, desta forma,

a cultura é apresentada como costumes submetidos a interações e interferências.

Durante o aprofundamento da conversa apareceram elementos de dois modelos de

sustentabilidade, um preservacionista e outro desenvolvimentista, que teriam origem em

culturas distintas: uma de “nativos” e a outra de “colonizadores”.

Para entender esses elementos da argumentação do professor, perguntei sobre a

noção de semelhanças e diferença entre as culturas:

Quando a gente discute sustentabilidade volta à questão da consciência de poucos que têm

uma visão ampliada, muitos que estão no movimento eles não tem essa visão ampliada(...)

Há esse link entre o macro e o micro, mas isso está no campo das pessoas que discutem

ciências, das pessoas que conseguem ter uma visão um pouco ampliada... se discute muito

no macro, mas é no micro aonde você atua diretamente, através de ações, as pessoas têm

outra postura, aí sim, que o individual prevalece. (PROFESSOR ANTÔNIO).

Antônio, partindo da noção macro e micro, reflete sobre a questão do debate

global e da decisão local sobre as implicações da responsabilização e do engajamento

público e privado. Segundo Carvalho (2012), o famoso lema “agir local, pensar global”

já expressa a compreensão de que as realidades locais são profundamente afetadas pelas

ações, decisões e políticas definidas internacionalmente.

Sustentabilidade é expressa pelo professor em outro fragmento como

“entendimento das coisas” expressão com a qual, consonante com sua consideração de

pouca conscientização sobre o tema em âmbito dos projetos humanos locais onde se

desenvolvem as ações diretas das pessoas e segundo o professor, somente as pessoas

que discutem ciências teriam uma visão ampliada do tema.

Portanto, ao refletir sobre a relação entre formação cultural, decisões globais e

agir local o professor expressa um conteúdo de determinação cultural, como quando ele

expressa “vou fazer umas ações mais por participação ativa, mas ‘eu’ não vou mudar

culturalmente durante minha vida inteira...”. Segundo Portilho (2010, p. 177), para a

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“crítica da cultura de massa” as ações, assim como o consumo, são determinadas pelos

interesses das indústrias e os cidadãos são reduzidos à condição de consumidores,

vítimas passivas, insensatas e manipuladas pelas estratégias publicitárias. Como

implicações dessa representação, as mercadorias visariam exclusivamente satisfazer

falsas necessidades, aumentando a dominação ideológica. Em tal perspectiva, a

expansão da cultura de consumo foi associada com o declínio da esfera pública, a

redução da participação política e a crescente privatização da vida diária. Disso decorre

a dependência da escolha e do comportamento em relação à esfera da produção, sendo

desta última a pressão que determinaria quais produtos seriam oferecidos aos

consumidores.

Portilho (2010) lembra que a transferência da atividade regulatória para o

cidadão levou a uma excessiva culpabilidade e responsabilidade do consumidor, a partir

de sua atitude cotidiana e individual. Ainda assim a autora chama atenção de que na

esfera das decisões pessoais, de acordo com a teoria cultural, o consumidor enquanto

escolhe, protesta e mostra também contra o que ele se coloca. Para a autora, desta

maneira justifica-se uma coerência nas escolhas feitas pelos sujeitos, assim como

justifica questionar e criticar, as afirmações relativas a uma mera dependência

intelectual e cultural de consumidores.

Do exposto, reconheço no discurso do professor, uma argumentação contextual

que incorpora dimensões do debate público sobre o tema no âmbito da

responsabilização estatal e da necessidade de engajamento político e acadêmico. Os

sentidos subjetivos também interagem com o debate instalado na medida em que

Antônio representa a implicação da diferença cultural para as tomadas de decisão no

contexto das temáticas atuais.

Com a intenção de compreender diferentes representações que envolvessem

sentidos subjetivos perante a tensão vivida no projeto e considerando a argumentação

desenvolvida até àquele momento da conversa, perguntei ao professor quais outros

temas, em âmbito macro e micro, ele apontaria para serem usados como uma síntese de

sustentabilidade naquele momento:

(...) o alimento precisa de terra para produzir. Aqui uma coisa que eu ainda não vi: no sul o

dono da terra, ele planta a sua terra, e tem aquele pedaço de terra entre a propriedade dele e

a rodovia. Você não vê quase capoeira na beira das estradas, muitas vezes eles fazem

plantações até na beirada da estrada, ou seja, eles maximizam a produção de alimentos. (..)

É a questão do preservar e produzir. (...) O Brasil quando recebeu os imigrantes,

principalmente italianos e alemães, esses imigrantes, eles trouxeram tecnologia para o

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Brasil e eles que deram um “boom” de desenvolvimento agrícola. (PROFESSOR

ANTÔNIO).

Compreendo que o professor vincula sustentabilidade com a tensão entre

preservar e produzir. Para ele há práticas que visam potencializar a capacidade

produtiva rumo à maximização da produção. Desta maneira, ele julga que em função

desta prática a carência alimentar, bem como a disponibilidade de recursos naturais, já

foi suprida e satisfeita. Ou estão, permanente e continuamente, supridas, seja pela

produção, seja pela pesquisa.

No recorte “é a questão do preservar e produzir” é possível compreender a

representação “eles conseguiam viver tranquilamente...”, assim como os modelos de

sustentabilidade preservacionistas, dos nativos, e desenvolvimentistas, dos

colonizadores. Na opinião do professor a cultura do nativo, definido como “habitantes

que se adaptaram às condições ambientais locais”, é considerada enraizada,

harmoniosa, tranqüila, agradável, geradora de ambiente equilibrado (também expresso

como ambiente agradável em outro trecho).

Mas para ele, viver tranquilamente não é um objetivo universal, tem diferentes

enfrentamentos culturais e geracionais, que podem ser compreendidos quando ele

expressa “o colonizador ele busca romper todos os limites que são impostos a ele.

Porque ele não consegue atingir o objetivo colonial de levar sua cultura, o seu modo de

vida se lhe for imposto barreira”.

Para Carvalho (2010, p. 167), nem todos os grupos sociais envolvidos nos

conflitos ambientais se veem como ecologistas ou consideram suas lutas estritamente

ecológicas. Contudo, isso não significa que, em diferentes níveis, essas populações não

tenham já certa sensibilidade ambiental presente em seus universos culturais ou não

incorporem uma visão ambientalista quando em contato com as lutas ambientais.

Com a intenção de compreender a argumentação desenvolvida até àquele

momento, perguntei ao professor Antônio quais implicações ele percebia para a

educação ao estender essa discussão para a escola, então ele disse que “o processo de

degradação é irreversível” e continuou:

Nós chegamos aqui na região do Cerrado e da Floresta Amazônica havia comunidades que

viviam em harmonia com o ecossistema e elas conseguiam viver tranquilamente e essa é

uma visão de sustentabilidade delas. A partir do momento em que nós colonizadores

chegamos nós não tínhamos condições de sobreviver nesse ambiente equilibrado. (...) Nós

começamos a construir cidadezinhas e essas foram crescendo, crescendo e eu fico

imaginando: qual será o limite? Porque essas cidadezinhas vão crescendo, e vão se juntar.

Como no sul e no sudeste várias cidades juntaram e uniram. (PROFESSOR ANTÔNIO).

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Compreendo que o professor Antônio concebe consequências da ação humana

no planeta, para ele há culturas que estão em contraposição às condições de equilíbrio, e

degradam o ambiente, ao contrário daquelas que lhe são harmônicas. A irreversibilidade

da degradação é uma noção presente em críticas ao impacto da produção e do consumo,

mas também em estudos de valores culturais e éticos. A tensão entre preservação e

produção é em certa medida uma noção relevante, que ajuda a pensar o conceito de

capacidade de suporte.

Do ponto de vista das críticas à produção, ainda que haja o desenvolvimento de

biotecnologia de (bio)remediação, a noção de eficiência produtiva apoiada no conceito

de capacidade de suporte sem gerar degradação de recursos é, de fato, considerada

frágil. Loureiro (2012, p. 57) nos lembra que a questão não é de ordem apenas

ideológica, mas material e energética, de um ponto de vista ecológico e cultural, o

conceito deve ser criticado, “pois ele é operacional em escala planetária, mas pouco

viável de ser concretizado em análises locais, em função de serem sistemas sociais

abertos a trocas materiais e energéticas com outros sistemas.”

Portanto, tal crítica permite compreender como as ações podem afetar a

viabilidade de regeneração ambiental. Também auxilia na compreensão de definições de

desenvolvimento sustentável naquilo que envolve a noção de crescer sem comprometer

a capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos, garantindo a existência dos seres

humanos e de outras espécies, a longo prazo.

Durante a entrevista surgem os sentidos de outros espaços da vida social do

professor, que demonstram experiências sociais além do evento vivido, como quando

ele expressa “eu da cultura que me originou, sulista”, assim como “eu sou fruto desse

movimento colonial”. Neste mesmo sentido, há outro trecho de expressão relevante para

compreender mais argumentos que evidenciam o relacionamento do tema com a sua

história de vida:

Eu vivi na região norte justamente em um período de colonização e eu sou fruto desse

movimento colonial aqui da região Norte e Centro Oeste... se você pega as comunidades

colonizadoras, eu sou colonizador, eu estou impondo a minha cultura. O colonizador ele

busca exatamente romper todos os limites que são impostos a ele. Porque ele não consegue

atingir o objetivo colonial de levar a sua cultura, o seu modo de vida se lhe for imposto

barreiras. (PROFESSOR ANTÔNIO).

Ao se identificar como colonizador, Antônio expõe a tensão do tema com suas

experiências de vida social, nas quais estão presentes intenções de preservar e produzir.

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O professor considera que os colonizadores tiveram um papel importante no

desenvolvimento agrícola e também na política de colonizar a região norte do estado de

Mato Grosso. Identifica uma tensão na ideia de sustentabilidade devido ao objetivo que

impulsiona o colonizador a romper limites, visando impor a sua cultura. Esse

entendimento o leva a criticar às distintas repercussões na postura das pessoas em

âmbito global e na postura das pessoas em âmbito local.

Então é na tensão entre diferentes modelos que sustentabilidade ganha sentido

para ele: “a sustentabilidade é a questão do consumo consciente.” Assim, torna-se

compreensível a sua atribuição de distintas responsabilidades presente em sua

argumentação. Também ganha clareza o sentido subjetivo em interação com o trecho de

expressão “visão de sustentabilidade”, que se constitui por dois aspectos, um em que

somos distintos, inclusive em termos de utopias e projetos, outro que torna viável uma

generalização da orientação em termos de consumo sustentável.

Também passa a ser compreensível as sínteses apresentadas pelo professor

Antônio no complemento de frases,

1 - no cotidiano: procuro com minhas ações minimizar os impactos ambientais

provocados pelo progresso. (PROFESSOR ANTÔNIO).

2 - Para mim meio ambiente é: onde o indivíduo interage; (PROFESSOR ANTÔNIO).

3 - O bioma tropical úmido: é o maior e mais diversificado do mundo, mas que irá ser

transformado rápido ou de forma mais demorada conforme as políticas públicas.

(PROFESSOR ANTÔNIO).

Novamente as proposições apresentadas estão relacionadas com a minimização

dos impactos, a presença do indivíduo como agente de modificações e a relevância do

papel das políticas públicas nas transformações ambientais. Assim, o professor faz

atribuição de valores, ainda que não totalmente esclarecidos e sistematizados, para com

a responsabilização pública e privada.

Portanto, a argumentação desenvolvida pelo professor Antônio sintetizada na

frase “eles conseguiam viver tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade

deles” me leva a considerá-la como proposição que indica: apesar do discurso global

não apoiar a degradação, não há ações locais suficientes, sendo que a formação cultural

explica porque o viver tranquilo de nativos não é um objetivo compartilhado pelos

colonizadores. Para Capra (2002), a sustentabilidade abarca o respeito à integridade

cultural, à diversidade cultural e ao direito básico das comunidades à autodeterminação

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e à auto-organização. Assim, interpreto que estas suposições se aproximam de valores

no sentido da ética para a sustentabilidade, presentes nos princípio da Carta da Terra:

i.“apoiar sociedades locais, regionais e globais e promover a participação significativa

de todos os indivíduos e organizações na tomada de decisão.”; “adotar planos e

regulações de desenvolvimento sustentável em todos os níveis, que façam com que a

conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as iniciativas de

desenvolvimento.”; “Assegurar que as comunidades em todos os níveis tenham

garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais e dar a cada uma a

oportunidade de realizar seu pleno potencial.”; “fortalecer as comunidades locais,

habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes e designar responsabilidades

ambientais em nível governamental onde possam ser cumpridas mais efetivamente.”;

“Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração

na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outros

dilemas.”; “implementar estratégias amplas para prevenir conflitos violentos e usar a

colaboração na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e

outros dilemas.”; “proteger os direitos à liberdade de opinião, de expressão, de

assembléia pacífica, de associação e de oposição [ou discordância].” (BOFF, 2012, p.

175). Considero que a argumentação que Antônio desenvolve aproxima-se de princípios

da participação com honestidade, no âmbito da esfera pública e privada, demandando

liberdade de expressão.

A interpretação da configuração subjetiva de Antônio também propicia focalizar

sentidos subjetivos relacionados à docência, pois traz a intencionalidade do professor

para com um ensino que confronte a formação cultural e a visão dos estudantes.

Para compreender esses elementos da argumentação desenvolvida e outros que

implicassem na sua prática docente, solicitei do professor Antônio que apresentasse

uma descrição de figuras e fotos com as quais pudesse elaborar uma possível sequência

didática para abordar o tema em suas aulas:

O que acontece: há um terremoto lá do outro lado do mundo, queira você ou não afetou

parte dos brasileiros, não de uma forma dramática, mas hoje nós não estamos mais assim

em ilhas, a gente não tem como pensar em estar sozinho, nós somos um todo. Para se

trabalhar a questão da sustentabilidade, primeiro a gente tem que mostrar que todo mundo

faz parte desse Planeta, esse planeta é nossa casa, e não adianta eu ficar discutindo, é

importante. Nós temos que ter duas frentes, a frente de nosso ambiente mais próximo e

outra frente também pensada de uma forma global. Depois eu trabalharia pela questão das

imagens, a visão de transformação que o homem faz mais tranqüila, temos diferentes níveis

de transformação que o homem efetua na natureza. Talvez por uma ação não planejada,

talvez não pensada, acabou trazendo desequilíbrio. Então abordar a interação que o homem

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tem com o ambiente. Enfim os paisagismos, nós sempre, isso é da nossa natureza, de

tentarmos reproduzir um ambiente agradável para nós, a gente planta jardim, árvores,

porque nós não conseguimos viver longe dessa natureza. (PROFESSOR ANTÔNIO).

A representação do pensar global e agir local são aspectos relevantes na noção

de sustentabilidade do professor Antônio, que volta a aparecer na proposta de sequência

didática. Ele estabelece a necessidade de uma visão global do Planeta como sistema,

como casa comum; mas também de discutir o tema por “duas frentes” uma local (em

outros trechos expressa como micro) e outra global (em outros trechos expressa como

macro) e só posteriormente aborda diferentes níveis de transformação, sendo uma delas

considerada “tranqüila”, outra “talvez não planejada” e assim desequilibrante, por fim

expressa uma semelhança, ou seja, a necessidade dos grupos humanos de “reproduzir

um ambiente agradável”.

Com uma representação de duas frentes para a educação o professor traz uma

coerência com sua configuração subjetiva, quando concebe que a sustentabilidade tem

raízes histórico-culturais. Também acredita que existem diferentes modelos de escola

em função de sua inserção cultural. Juntam-se a isso as ideias de sustentabilidade como

“buscar o equilíbrio” e de “questão do consumo consciente”, o que o leva a expressar

uma abordagem em que confrontaria ações humanas e distintas relações com a natureza.

Freire (1996) insiste que sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença,

com respeito a ela, sendo assim coerente com a inconclusão do ser humano e com a

ética. Para ele, nos processos de afirmação cultural não cabem mais os machistas,

racistas, classistas, sendo que “qualquer forma de discriminação é imoral e lutar contra

ela é dever, por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar” (p.

60).

Também nos alerta Loureiro (2012), que há apropriações do conceito de

desenvolvimento sustentável por parte de agentes sociais que o tornam tão distintos. As

intencionalidades são frequentemente conflituosas e isso se manifesta nas estratégias de

atuação. Para o autor, “somos constituídos por múltiplas mediações que condicionam

nossas ações no mundo para além do que se conhece e acredita” (p. 58). Desta maneira,

há limites materiais, processos afetivos e aspectos motivacionais vários, em grande

parte desconhecidos, que podem ser determinantes para nossas práticas. Assim, aparece

nessas proposições uma representação presente nas preocupações contemporâneas

relacionadas ao reconhecimento das diferenças culturais na construção societária e

também na docência.

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Na tentativa de compreender um conjunto de conteúdos, a abordagem julgada

como pertinente ao tema e também compreender uma autoria e autonomia propositiva

do professor, perguntei a ele como, ao integrar saberes locais e suas implicações

globais, ele organizaria um processo educativo para o tema:

Para conseguir despertar alguma coisa a respeito de sustentabilidade teria que pegar no

ambiente urbano, onde eles estão acomodados, porque todas as suas carências foram

satisfeitas e levar e mostrar a ele a realidade do campo, a realidade do rio, explicar a

história que o rio transbordava. Então eu tenho que sair da zona de conforto, tenho que

mostrar para ele a visão global, do todo, e é complicado fazer isso em sala de aula porque

nós estamos restritos às quatro paredes, cada um se preocupa em resolver seus problemas

dentro de quatro paredes. Nossa solução não está dentro das quatro paredes. A solução está

onde está o problema. A resolução do problema está no próprio problema. Você não tem

como resolver um problema se você não estiver dentro do próprio problema. (...) como é

que nós chegamos a essa questão da disponibilidade de recursos: “quando eu quero alguma

coisa eu vou ali à feira e compro”, só que boa parte dos alunos que vivem na cidade, eles

nem sabem, saber eles até sabem. Mas não sabe que o ovo sai da galinha, que o leite sai da

vaca, que é preciso plantar e cultivar o arroz para comer, o arroz que vem para o prato.

Então abordar a interação que o homem tem com o ambiente. Então não tem como discutir

essas questões de sustentabilidade se eu não levá-los para outros ambientes para que eles

vejam que para chegar a essa zona de conforto a que ele chegou, aliás, a que nós chegamos,

ela depende de uma série de outros fatores e se acontecer algum desequilíbrio ele vai ter

falta de algum elemento. (PROFESSOR ANTÔNIO).

Neste recorte aparecem novas distinções de posturas no relacionamento com a

natureza. O professor aponta distintos modelos de sustentabilidade para o ambiente

urbano, julgado sem carências e para a realidade do campo, julgada com degradada em

função da sustentação urbana. Compreendo que para o professor é preciso abordar o

suprimento das carências em âmbito global e urbano e a acomodação em âmbito local,

assim como a degradação dela decorrente. Para o professor, a abordagem do tema deve

confrontar as condições já satisfeitas na cidade com o espaço de desequilíbrio do

campo, que sustentam tais necessidades.

Então, a noção de Antônio aproxima-se da noção de interdependência entre

ambientes urbanos e campo, presente na representação de cidade como estrutura de não

equilíbrio de Prigogine (2002, p. 22): “o exemplo mais simples de estrutura dissipativa

que podemos evocar por analogia é a cidade.” Para o autor, a cidade é diferente do

campo que a rodeia; as raízes dessa singularidade estão nas relações que ela mantém

com o campo adjacente; de modo que se estas fossem suprimidas, a cidade

desapareceria.

Para o autor há uma impossibilidade de eliminar interação entre os sistemas.

Caso isso fosse possível, o universo poderia ser igualado a um universo de partículas

livres e, portanto, tudo seria ‘incoerente’, de modo que não existiria nem interações

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químicas, nem biológicas, nem culturas humanas (PRIGOGINE, 2002). Para o autor,

uma reformulação das leis fundamentais da natureza deve abordar estruturas de não

equilíbrio, que só existem enquanto o sistema dissipa energia e permanece em interação

com o mundo exterior, como no exemplo da relação cidade e campo. Mesmo com a

responsabilidade de não fazer uma simples associação entre sistemas sociais e sistemas

naturais, pode-se potencializar abordagem da noção de “nova representação construtiva”

de Prigogine (2002, p. 21) a compreensão das conexões nos sistemas complexos.

Mas é na provocação de “a resolução do problema está no próprio problema,

você não tem como resolver um problema se você não estiver dentro do próprio

problema” que reconheço uma geração de ideias, ainda insipiente, com a qual o

professor expressa uma maneira de abordagem de ensino do tema.

A questão do viver tranquilamente vale para os nativos, entretanto a ação

docente tem que retirar o estudante de zonas de conforto e da acomodação em âmbito

local e realizar ações que favoreçam o reconhecimento da degradação. Para Freire

(1996) estar no mundo sem fazer história não é possível, assim como não é possível

estar no mundo sem politizar, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no

mundo, sem aprender, sem ensinar, é “na inconclusão de que nos tornamos conscientes

e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança” (p.

58).

Com a intenção de compreender se tais sentidos constituíam uma ampliação do

compromisso pessoal, se definiam um reposicionamento do professor perguntei sobre

implicações para a docência:

Seria uma conscientização. Eu não vejo nem uma questão de saberes, mas sim uma

conscientização dos atos. Porque os saberes eles podem ser latentes ou não. Quanto aos atos

eles são ações. Você tem um saber e ele pode não se externalizar, esse saber pode se

manter. Você tem que participar do processo. Eu não vejo essa questão de independência

enquanto ter controle da coisa, mas sim ter participação na coisa, porque enquanto você

participa da coisa, você entende o que está acontecendo. (...) nós não fizemos nada ainda

voltada para a questão do consumo consciente, não somente de alimentos, não somente de

água, mas a questão do agrotóxico no alimento, pelo menos eu desconheço ações que foram

desencadeadas pela escola que trouxessem uma reflexão por parte da sociedade, pelo

contrário fomos omissos. A mídia obviamente que ela é influenciada pelo poder

econômico, houve estudos científicos, mas que não trouxeram muitas discussões e

reflexões sobre. A questão do agrotóxico que influencia no aleitamento materno, em

Campo Novo (município de Mato Grosso) tem um índice alarmante de crianças que nascem

com hidrocefalia e não é só isso e nós não sabemos o porquê do que ocorre ser abafado e

nós enquanto formadores não vamos em busca dessas informações, não usamos essa

informações ao nosso favor. (PROFESSOR ANTÔNIO).

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A representação presente neste trecho de expressão indica outras distinções

agora voltadas à categoria de cidadão e governo, mas que retomam considerações sobre

as implicações em âmbito micro, onde se dá a contribuição direta das pessoas. Assim,

Antônio expõe seu objetivo docente como conscientização e apoio à participação. Ele

desenvolve a noção de sustentabilidade como uma questão de consumo consciente que

ainda não é discutida na escola. Na sua visão, tanto a escola quanto a mídia foram

influenciadas pelo poder econômico e esta não denuncia os problemas ambientais. Para

ele, os professores não buscam essas informações.

Assim torna-se compreensível sua noção de diminuir a distância entre discurso e

a prática. Para Freire (1996), as qualidades ou virtudes são construídas no esforço que

nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos, este

esforço revela nossa atitude de busca pela coerência.

A argumentação de Antônio remete a proposições e suposições, ainda que não

totalmente esclarecidas e sistematizadas, que simbolizam valores que se aproximam de

uma ética para a sustentabilidade. Assim, interpreto que as suposições do professor

simbolizam valores que se aproximam da ética para a sustentabilidade presente no

princípio do Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação

ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações, promovendo

oportunidade para as mudanças democráticas de base que estimulem os setores

populares da sociedade. Isto implica que as comunidades devem retomar a condução de

seus próprios destinos.”; ii. “A educação ambiental requer a democratização dos meios

de comunicação de massa e seu comprometimento com os interesses de todos os setores

da sociedade. A comunicação é um direito inalienável e os meios de comunicação de

massa devem ser transformados em um canal privilegiado de educação, não somente

disseminando informações em bases igualitárias, mas também promovendo intercâmbio

de experiência, métodos e valores.” iii. “A educação ambiental deve ter como base o

pensamento critico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal,

não-formal e informal, promovendo a transformação e a construção da sociedade.”

(PRONEA, 2004, p. 48). Assim a argumentação desenvolvida pelo professor Antônio

“eles conseguiam viver tranquilamente e essa é uma visão de sustentabilidade deles”

me leva a considerá-la como proposição no sentido de estimular setores populares, de

potencializar as diversas populações na condução de seus atos e de utilizar a mídia para

intercâmbio de experiências, métodos e valores.

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6.1.5 A produção subjetiva do professor Eurico – “mas eu vivo a minha vida toda

em cima de sustentabilidade, para vocês é novidade”

O professor Eurico é coordenador pedagógico e possui um longo percurso

docente. No projeto OBEDUC tinha papel de articulador da relação escola-

universidade, portanto é dele a responsabilidade pela realização de atividades de

intervenções em matemática e iniciação às ciências. Ele é egresso de escola pública e

reside na área urbana do município, se declara de origem urbana e de origem africana.

Também declara que, mesmo com origem urbana, teve vivência marcada pelo manejo

dos sistemas e processos naturais. A família do professor era proprietária de uma área

urbana e sempre manteve o manejo de plantas cultivadas. Em seu relato destaco a frase

“mas eu vivo a minha vida toda em cima de sustentabilidade, para vocês é novidade”,

para sintetizar os sentidos subjetivos que articula a valorização de práticas culturais para

com a sustentabilidade.

Entretanto, assim como os anteriores, o professor apresenta outro ponto de

partida em sua reflexão sobre o tema. Nas manifestações no grupo de discussão,

apontou críticas ao tema apresentado por vezes como “artifício para a sobrevivência”,

desta maneira seu discurso suscita aspectos do debate global sobre agir pela pressão da

regulação legal ou pela conscientização. Na elaboração do tema gerador e seu

contratema, para investigação temática, o professor propôs: “Sustentabilidade, dá

vida?”, “Sobrevivência de quem?” Durante a conversa em grupo ele problematizou: “O

que devemos fazer para diminuir os impactos ambientais usando somente a legislação?

(...) nosso estado/cidade cumpre a legislação vigente?” Assim, o professor aponta

dimensões dos debates relacionados com sobrevivência, que envolvem a

responsabilização coletiva e individual.

Por isso, durante a entrevista solicitei que o professor falasse sobre o tema

gerador em que ele questiona sobre sobrevivência:

Exatamente, quem ganha mais com a sustentabilidade? Não é em si a população, mas sim

as grandes organizações que aparecem como organizadoras, salvadoras da pátria. E que tem

uma solução mágica que vai custar para a população. Há uma máquina trabalhando a favor

de não reverter esse quadro. É a máquina econômica. A partir do momento em que o caos

se instala gera isso. Porque aí tem que aparecer uma solução milagrosa e essa solução

milagrosa vem de onde? Alguém tem que arcar com isso e é a população quem vai arcar.

Então nada é feito ao acaso. Há sempre uma organização que está induzindo

economicamente para acontecer essas coisas. (PROFESSOR EURICO).

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Compreendo que a noção de falácia e solução milagrosa que o professo Eurico

expressa está carregada das suas críticas iniciais ao tema da sustentabilidade. Para ele, a

população e as organizações econômicas estão em condições diferentes diante da

sustentabilidade. Para Loureiro (2012), seja com base no discurso da participação ou

não, o modelo de desenvolvimento sustentável vigente faz uma opção ideológica por

um discurso aparentemente não ideológico e neutro, centrado em um espírito solidário,

em valores válidos para toda a humanidade e em soluções tecnológicas e gerenciais do

ambiente. Carvalho (2012) nos lembra de que os grupos com maior força econômica e

política terminam sobrepondo seus interesses corporativos aos interesses coletivos, na

distribuição dos bens ambientais.

O professor fazia críticas ao caráter neutro de abordagens falaciosas sobre o

tema, desvinculando-o da esfera de ação da população em geral. Considerando a

argumentação desenvolvida, perguntei como poderia ser diferente se então a população

tivesse vantagem com o conceito de sustentabilidade:

(...) se nós pensarmos: “vamos reverter esse processo” a coisa seria muito mais interessante,

mas ai precisaria de um trabalho a longo prazo (...) Aqui não tem nem condições, porque o

transporte coletivo não foi estruturado para isso. (...) A população tem que enxergar que os

governantes deixaram de fazer nos últimos cinqüenta, sessenta anos, estamos há cem anos

sem fazer. Infelizmente precisava fazer, mas não de forma que está sendo feito. Se nós não

fizermos pensando cinqüenta, cem anos para frente nós vamos estar sempre fazendo isso

daí. Porque se nós tivéssemos hoje um transporte coletivo de qualidade nós poderíamos

deixar nossos carros em casa, estaríamos poluindo menos, consumindo menos, e teríamos

um acesso a diversas outras condições. (PROFESSOR EURICO).

O professor Eurico vincula o tema à viabilidade de transporte coletivo, desta

maneira argumenta que a sustentabilidade exige planejamento de longo prazo para

estruturação urbana e criação de alternativas coletivas. A exigência de certa forma

incorpora a reformulação da noção de futuro. Para Jonas (2006), na visão atual o futuro,

mesmo em um horizonte imediato, vai muito além dos referenciais aceitos no passado,

tanto para o planejamento humano quanto para a gestão pública. Para o autor, quanto ao

futuro por um lado, sabemos mais do que nossos antepassados, porque nosso

conhecimento analítico-causal é muito maior, com seu emprego metódico sobre os

dados já conhecidos por outro lado, sabemos menos, porque lidamos com um estado

constitutivo de mudança, enquanto os antigos lidavam com um estado estático (ou que

pelo menos assim o parecia). Desta forma, o professor Eurico aborda um viés comum

no debate público sobre sustentabilidade, relacionado ao compromisso com o futuro.

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Durante a entrevista, o professor Eurico desenvolve outra argumentação com a

qual expressa outra compreensão de sustentabilidade:

Agora eu pergunto: pode ter um processo de reverter esse processo para que esses jovens,

para que essa futura geração tenha a oportunidade de vivenciar isso? Fazer a reversão desse

processo. Ou seria manter para não continuar o processo de destruição? Eu acho que

sustentabilidade deveria ter um processo de rever esse processo. Essa questão de

sustentabilidade é reversão do processo. Pode não voltar a ser o que era antes, mas a uma

situação próxima. (PROFESSOR EURICO).

Ele tem uma perspectiva processual da geração de alterações ambientais e as

julga como situações de difícil reversão. Mas também entende como uma exigência para

reverter o quadro de insustentabilidade e para uma nova construção societária.

Sobretudo ele tem uma visão otimista, acreditando na sustentabilidade como reversão

dos processos de degradação. De fato existem esforços globais de descontaminação dos

sistemas naturais, como é o caso da remediação de águas e solos contaminados. No

século XX foram desenvolvidas biotecnologias de tratamento conhecidas por

remediação e biorremediação, que fazem uso de vários métodos químicos e biológicos

de descontaminação de sedimentos, usados para degradar ou remover os contaminantes,

por processos aeróbios ou anaeróbios (BORÉM; SANTOS, 2001; BAIRD, 2002). Neste

sentido, o professor aproxima-se de uma representação de reversão, presente no debate

público sobre o tema, defendendo a responsabilização pela recuperação de danos

ambientais.

Do exposto, reconheço uma representação expressa de maneira contextual, que

se desdobrou em recusa de falácias e discursos de sobrevivência, posteriormente em

vinculação com planejamento e reversão da degradação. Desta forma durante a

entrevista o professor apresenta sentidos subjetivos que refletem posicionamentos no do

debate público sobre o tema.

Por pretender compreender os sentidos subjetivos diante da tensão participativa

no projeto, bem como as proposições de sentidos subjetivos expressos, perguntei ao

professor quais aspectos educacionais poderiam se integrar ao tema se fizéssemos uso

dos aspectos já citados:

O aspecto tem a ver com preservação, história. O que aconteceu com o decorrer do tempo?

Se nós observássemos as fotos antigas que têm esses córregos ai dessa região, que era só

mata... Nós deixamos de ter uma grande quantidade de água potável. Porque não teve

nenhum estudo, nenhum trabalho de preservação há vinte, trinta anos atrás que poderia ter

sido feito naquele tempo. Então esses córregos aí estão em situação difícil de voltar.

(PROFESSOR EURICO).

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Na expressão do professor, encontro indicadores de sentidos subjetivos de

interação ecológica e de perspectiva histórica. Em termos de interação ecológica, atribui

valor aos córregos, mata, suprimento de água, assim ganha sentido a noção expressa de

preservação. Também, com uma visão otimista, o professor Eurico aponta um sentido

associado à reversão dos processos de degradação.

Em sua argumentação aparece o caráter histórico com o qual ele entende ser

necessário acreditar na reversão da degradação e para tanto aponta um compromisso

social com a superação do atual nível de destruição, de maneira que as gerações futuras

possam vivenciar interações ecológicas semelhantes as que têm presente em sua

memória.

Durante a entrevista, perguntei ao professor quais aspectos e indicadores ele

consideraria mais significativos para sua compreensão sobre sustentabilidade:

Eu vim conhecer esse termo sustentabilidade na faculdade, pós-faculdade. E a gente veio

discutir agora, vem como uma novidade para a gente. Mas é o mesmo que dizer para o

índio: “fale sobre sustentabilidade”, “mas eu vivo a minha vida toda em cima de

sustentabilidade, para vocês é novidade, mas para mim eu já faço, já prático o tempo todo”.

(PROFESSOR EURICO).

Eurico compreende que a novidade do termo, que ele aprendeu depois da

faculdade, era mais terminológica do que de conhecimento de práticas sustentáveis. Ele

apresentou, ainda outros argumentos reconhecendo ter conhecimento sobre o tema antes

de aprender tal denominação:

Não tínhamos atentado para questões sustentáveis que a própria formação familiar inicial

(em) situações onde que acontecia que dentro da própria criação (a expressão se refere a

educação recebida na família), e eu não tinha me atentado para esses detalhes que estava

sendo educado em padrão sustentável. (PROFESSOR ANTÔNIO).

Para o professor, sua família o educava em padrão sustentável. Para Portilho

(2010, p.146), mudar os ‘‘padrões de consumo” é mais do que mudar os “níveis de

consumo”. Essa mudança exige mais do que mudanças limitadas às mudanças

comportamentais, tecnológicas e econômicas para que não haja incremento da pobreza.

Para a autora, a redução do consumo ou do uso de recursos naturais deve ser

acompanhada de mudança no padrão de distribuição e acesso aos recursos naturais.

Sendo assim, é necessário estabelecer critérios e indicadores para fixar metas de

redução do uso dos recursos como o é o principio ético de equidade inter e

intrageracional.

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Assim, torna-se compreensível sua noção de sustentabilidade, que articula

elementos de responsabilidade e valorização de padrões para atitudes sustentáveis. Para

o professor essas são implicações que remetem às relações socioculturais e econômicas

do cotidiano. Para ele o tema transitou entre diferentes sentidos, como se percebe no

fragmento “cada vez que nós começamos a conversar sobre sustentabilidade surgiu

aspecto diferente...”. Sendo assim, é compreensível que seu discurso tenha incorporado

um sentido de caráter solidário, presente em expressões onde o professor considera

necessário “(...) ligar sustentabilidade com o respeito pela preservação da vida”.

Portanto, ao refletir sobre o tema, lembra-se da família e de suas práticas

sustentáveis, em uma propriedade urbana onde mantinha um bom relacionamento com

manejo do ambiente, constituindo no local um espaço de conservação da natureza.

Aparece em sua argumentação a articulação de sentidos de outros espaços da vida

social. Para compreender esses sentidos, perguntei como cuidar desse espaço ajudava a

compreender sustentabilidade:

A última tia minha faleceu em setembro. São mais de mil metros quadrados e permaneceu

com árvores, vários tipos de árvores, lá tem sete tipos de mangueiras, cajueiro, a gente em o

pé de jenipapo. Meu pai falava “daqui um tempo não vai mais ter, tem que cuidar disso

daqui”. Então tinha esse espaço para estar preservando ali dentro e nós não vamos ter mais

esse tipo de coisa. (PROFESSOR EURICO).

Então perguntei pelo córrego que apareceu nas manifestações em grupo e porque

a água lhe chamava atenção:

Esse córrego era extensão do córrego Gumitá (corpo d’água no centro da cidade de

Cuiabá). Era uma parte que conheci na minha infância, toda essa região. Isso dali eram

águas potáveis, quarenta, cinqüenta anos atrás... as pessoas iam lavar roupas naqueles

córregos ali. Presenciei vários momentos. (...) Porque a primeira canalização de água que

chegou na parte do Araés (bairro central da cidade de Cuiabá) quem fez foi meu avô em

reservatórios de água de três, quatro metros de comprimento, porque era difícil água

naquela época e meu avô era mestre de obra. Então ele canalizou e servia para a vizinhança

também. (PROFESSOR EURICO).

Neste recorte percebo um sentido subjetivo de responsabilização para o qual tem

relevância a presença da família na formação de valores. Trata-se de sentidos subjetivos

implicados pela memória do uso e canalização de recursos hídricos por parte de

familiares e do avô.

Durante a entrevista, um fragmento propicia compreender melhor a articulação

de sentidos de outros espaços da vida social, que surgiu quando perguntei quais

aspectos eram significativos na sua compreensão sobre sustentabilidade:

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(...) fui criado (a expressão refere-se cuidados familiares) nesse ambiente de criações (a

expressão se refere aos animais domésticos), na própria residência, no próprio quintal de

casa tinha diversas mangueiras, abacaxi, jenipapo. Eu conhecia jenipapo, tinha na casa dos

meus avós. Tinha jenipapo, tinha tamarindo, pé de Tarumã, devido ao terreno ser grande e

no centro da cidade, praticamente no Araés (nome de um bairro do município em que o

professor reside) fui criado em minha infância, minha adolescência voltado para isso:

“vamos ter o pé de tal planta”, “para o que serve essa planta?”, “ qual é a finalidade?”

Minha mãe voltada para (o cultivo de) ervas medicinais. Então é uma questão para a qual

eu não tinha atentado para sustentabilidade desde minha infância. (PROFESSOR

EURICO).

A família do professor é proprietária de área urbana e ele julga que nela sempre

manteve manejo adequado da biodiversidade. Considera que apesar da propriedade ser

urbana não foi um impedimento para o manejo de animais e plantas, ganhando destaque

desde a infância a presença da mãe no cuidado de plantas medicinais.

Segundo Boff (2012), o conceito de sustentabilidade nasceu e se elaborou a

partir da silvicultura, do manejo das florestas. Segundo Leff (2010), mais tarde o tema

se reformulou em experiências de lutas sociais e reapropriação cultural da natureza

sendo que a ecologia política, sobretudo na América latina, levou a novos conceitos,

com as lutas epistêmicas e culturais dos povos indígenas, de modo que atualmente é

indevido pensar o bem-estar pela ótica do mercado. O autor lembra que a biodiversidade

não tem o mesmo significado para o Banco Mundial e para os povos indígenas. Para o

autor, o reconhecimento do valor da biodiversidade e da diversidade cultural deve

ocorrer no interior de outra racionalidade social e produtiva com incorporação da ideia

de bem viver.

Assim, no âmbito da experiência de vida social é que ganha sentido a expressão

“mas eu vivo a minha vida toda em cima de sustentabilidade”, bem como quando diz

“eu fui criado para isso”. Compreendo que há um sentido subjetivo de

corresponsabilidade, com o qual o professor traz uma vinculação da responsabilidade

anteriormente atribuída ao Estado para a esfera privada. Assim, torna-se compreensível

o sentido subjetivo com o qual o professor julga os padrões de sustentabilidade

presentes em determinadas práticas culturais voltados para o respeito, ao uso e

conservação de água e manejo da biodiversidade.

Segundo Portilho (2010), trazer a questão ambiental para a agenda privada

fortalece a participação individual e coletiva nas decisões políticas. Para a autora, trata-

se de uma visão de politização que possibilita o retorno à esfera da cidadania, de

maneira que tem sido interpretada como uma possibilidade agregadora e emancipatória,

que fortaleceria o interesse e a participação nos debates cotidianos.

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Do exposto, reconheço na argumentação desenvolvida pelo professor a

articulação de sentidos que ele traz de outros espaços da vida social, assim como

aqueles que emergem da tensão de participar no projeto OBEDUC e do contexto

formativo. Tais sentidos subjetivos expressos pelo professor Eurico são confirmados na

constituição de algumas frases a partir dos seguintes indutores:

1. Minhas melhores atitudes ambientais são: conscientizar a minha pessoa.

(PROFESSOR EURICO).

2. No cotidiano: cometemos muitas falhas. (PROFESSOR EURICO).

3. Não posso: ficar de fora. (PROFESSOR EURICO).

As frases de Eurico reafirmam a noção de responsabilidade na esfera privada

bem como a exigência de participação.

A interpretação da argumentação desenvolvida na expressão “mas eu vivo a

minha vida toda em cima de sustentabilidade, para vocês é novidade” me leva a

considerá-la como proposição: a novidade, anunciada por alguns, é a vivência de outros,

assim é falacioso o anuncio milagroso por parte de grandes corporações, enquanto na

vivência indígena podemos encontrar padrões sustentáveis. Para Capra (2002) há seis

princípios da ecologia que dizem respeito diretamente à sustentação da vida: redes,

ciclos, energia solar, alianças (parcerias), equilíbrio dinâmico e diversidade, sabe-se que

“quanto maior a diversidade de um ecossistema, maior a sua resistência e capacidade de

recuperação.” Assim, interpreto que esta afirmação do professor simboliza valores

consonantes com os princípios contemporâneos como os presentes na Carta da Terra: i.

“defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e

social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar

espiritual, dando especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.”;

“Defender o direito de que todas as pessoas recebam informação clara e oportuna sobre

assuntos ambientais e atividades que poderiam afetá-las ou nos quais tivessem

interesse.”; iii. “Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos

solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos

nacionais e internacionais requeridos.” iv. “Adotar padrões de produção, consumo e

reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o

bem-estar comunitário.” v.“Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a

sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuam para a proteção ambiental e o

bem-estar humano” (BOFF, 2012, p. 175). Assim, a argumentação que Eurico

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desenvolve atribui valor à distinção entre falácia e sensibilização orientada pela

veracidade, bem como à (co)responsabilização na educação em padrões sustentáveis e a

associação de aspectos sociais, econômicos e ambientais, envolvendo compromissos da

esfera pública e privada.

De acordo com a interpretação da configuração subjetiva de Eurico, há uma

síntese articulando valorização de práticas culturais sustentáveis com uma definição de

sustentabilidade como “preservação da vida” proposta por ele no complemento de

frase.

Tais ideias ensejam interpretação dos sentidos subjetivos relacionados à

docência, pois trazem a intencionalidade do professor para com um ensino que inclua o

respeito pela vida, conforme expressa em outro momento em que diz: “A partir de

quando nós tivermos respeito pelo próximo, pela vida, nós temos condições de começar

a entender o termo sustentabilidade.” Para compreender esses elementos, e outros

como implicações para sua prática docente, solicitei do professor Eurico que

apresentasse uma descrição de figuras e fotos, a partir das quais elaborasse uma possível

sequência didática para abordar o tema em aulas:

Para o ensino fundamental eu poderia começar por essas imagens ligadas a vegetação, a

água. Porque aí ele teria como (relacionar): “poxa essa água ligada à vida, ligada à vida do

animal.” Agora quando você pega o ensino médio você já pode começar pelo abstrato

(aponta para a figura do planisfério), porque o aluno do ensino médio já vai ter uma

compreensão maior do que você está falando. Você falando de neve, você não precisa

mostrar neve para ele. Para o ensino fundamental, às vezes, você precisa colocar a imagem

que tenha essa neve para ele ter essa compreensão. Você está falando de mortalidade de

peixe, tem que mostrar um rio poluído. Vamos supor: o produto da queima da cana-de-

açúcar, que caiu num córrego, gera composto que leva a mortalidade de peixes, se você só

colocar o nome do produto para o aluno do ensino médio, ele vai (entender), mas para o

aluno do ensino fundamental você tem que mostrar, lá no córrego o peixe, como está a

carne do peixe que está queimada, entendeu... depende para quem você vai (ensinar)... às

vezes mesmo para alunos do ensino médio deveria começar por aqui (aponta para a foto do

rio). (PROFESSOR EURICO).

Aspectos relacionados à vegetação e à água, presentes na noção de

sustentabilidade do professor Eurico, voltam a aparecer, contendo uma representação

por um lado apoiada em sistemas como neve, água e contaminantes, de outro lado,

apoiada em interações (córrego-contaminante, mortalidade, contaminante-peixe). Isso

nos remete a uma transição da abordagem clássica à complexidade, situação que se

aplica a casos como da mortalidade de peixes por contaminantes em córregos. Para

Prigogine (2002), devido à compreensão da crescente complexidade das interações, a

noção de instabilidade obrigou a ciência a abandonar a descrição de situações

individuais (trajetórias, funções de onda) para adotar descrições estatísticas. Para o

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autor, é essa capacidade construtiva, em termos de fluxo de energia e matéria, que

introduz o irreversível para a biologia e para a termodinâmica e nos auxilia na

compreensão do surgimento de novidades: novas espécies, novos modos de adaptação e

novos nichos ecológicos. Desta forma, nos auxilia a ultrapassar a visão termodinâmica,

que representa essencialmente nivelamento e morte térmica. O que significa a

possibilidade de pensar nas condições ecológicas não somente pelo viés destrutivo da

degradação ambiental, mas pela capacidade generativa do ser humano.

Para o professor Eurico, o ensino fundamental requer uma abordagem que

aproxime o estudante da situação problemática, propiciando um relacionamento direto

com os sistemas naturais, de maneira que seja uma ação para a criança e uma

abordagem ilustrativa para o ensino médio, em função do nível de desenvolvimento do

adolescente. Segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), esta distinção é

relevante para o processo de ensino e aprendizagem, para entender a forma pela qual as

pessoas constroem seu pensamento, do papel da história e da cultura no

desenvolvimento. Os autores nos lembram de que na área de ensino de Ciências, já

existem várias pesquisas que mostram como crianças e adultos utilizam conceitos

alternativos para interpretar e prever o comportamento de eventos e fenômenos. Para os

autores, é necessário entender a adolescência como um processo de transição corporal,

mental e social, o que remete à busca dos agentes dessas transformações.

Para Capra (1996), entender a linguagem da natureza pode ressignificar

implicações para a expansão da concepção da mente. Há um modo de compreender o

processo de conhecer, que é distinto da concepção de pensar. Esse modo trata da

linguagem das relações, cujas implicações recaem em diferentes níveis de contato com a

realidade. O processo de conhecer exige níveis de contato que vão do simples ao

abstrato e exige reformulação das leis fundamentais da natureza. O que implica em não

fazer a distinção do sujeito que aprende pela idade e pelo desenvolvimento de suas

estruturas mentais.

Para González-Rey (2006), para implicar o sujeito que aprende em sua

aprendizagem precisamos sempre de uma reflexão, que implica uma orientação para

pensar. Neste sentido, os aspectos da produção de conhecimento pela ciência são

pertinentes e podem ser incorporados desde a infância. O sistema dentro do qual

funciona a aprendizagem para a produção de novas ideias, operações e elaboração de

problemas não é apenas um sistema lógico-cognitivo, mas um sistema de produção de

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sentido subjetivo, que é parte essencial da operação intelectual complexa de produção

de conhecimento, no qual a operação concreta é apenas uma ferramenta e não a

condição que assegura a produção de um sistema de conhecimento. Para o autor, o

grande desafio é encontrar aspectos comuns entre a aprendizagem adulta criativa,

orientada para a produção de modelos teóricos inseparáveis da produção de ideias, e a

aprendizagem das crianças, que se alimentam da fantasia e da imaginação, aspectos que

reforçam o sentido do aprender e a qualidade intelectual da aprendizagem infantil

(GONZÁLEZ-REY, 2006).

Com a intenção de compreender um conjunto de conteúdos e a abordagem

julgada como pertinente ao tema, e também compreender uma autoria e autonomia

propositiva do professor, perguntei como ele organizaria um processo educativo para o

tema:

Não passar para eles (somente) questões políticas e ideológicas. Porque se nós formos

pensar, teremos que passar por uma questão ideológica, política, mas uma questão

educacional, com sua própria sobrevivência, com seu próprio interesse. Você necessita do

outro, do próximo. Não como uma questão ideológica, mas como uma questão de

sobrevivência do ser humano. (...) A partir de quando nós tivermos respeito pelo próximo,

pela vida, nós temos condições de começar a entender o termo sustentabilidade. (...) tem

que ligar sustentabilidade com o respeito pela preservação da vida. (PROFESSOR

EURICO).

Do exposto, compreendo que para o professor Eurico, o tema incorpora questões

políticas e ideológicas vinculadas às questões de sobrevivência e respeito pela vida.

Para Freire (1996), a educação não é a chave das transformações sociais, mas também

não é simplesmente a reprodutora da ideologia dominante. Para ele a Educação não

deve ser concebida como força imbatível, imune aos discursos hegemônicos, mas como

portadora de uma importante tarefa político-pedagógica para representar o ser humano,

como maior do que os mecanismos que o minimizam, por sua condição

problematizadora. Freire (2004) refere-se à questão do quanto nós necessitamos do

coletivo, do “outro”, do nosso próximo e propõe que ética se refere a um sujeito que

respeita a cultura desse outro. Também defende que devemos ensinar a disponibilidade

à vida, pois é com ela que o sujeito se entrega de corpo inteiro, envolve seu pensar

crítico, sua emoção, sua curiosidade, seu desejo e assim vai aprendendo a ser ele mesmo

em sua relação com o contrário dele (FREIRE, 1996).

Ao expressar que a questão demanda uma abordagem “não como uma questão

ideológica” Eurico entende que o processo educativo sobre o tema não deverá ser

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impositivo, mas pautado pelo convencimento. Para Freire (1996), nenhuma teoria da

transformação político-social do mundo move o sujeito se não partir de uma

compreensão do homem e da mulher enquanto seres produtores da História e por ela

produzidos, e isso envolve decisão, rupturas e opções. Para ele o professor precisa estar

advertido do poder do discurso ideológico, pois a ideologia tem um poder de persuasão

indiscutível, que exige de nós uma capacidade de reação crítica.

Pode-se compreender que o professor Eurico passa a vincular sustentabilidade

ao enfrentamento da imposição política e ideológica e é nessa proposição que reconheço

uma autoria e autonomia de pensamento para a docência, inclusive com geração de

ideias e criação de maneira de abordagem de ensino sobre o tema. Em outro trecho de

seus relatos, o professor aponta que “embora tenhamos divergências, tenhamos

contraditório, mas precisamos uns dos outros para permanecer e preservarmos o

Planeta, a vida. Isso daí resulta num respeito.” Para Freire (1996), é esse respeito à

natureza do ser humano, de divergir a partir de suas diferenças, que deve orientar o

ensino dos conteúdos vinculados à formação moral do educando.

Para González-Rey (2007), os diversos discursos hegemônicos aparecem como

sentidos subjetivos, como aspectos que permanecem ocultos e que devem ser

destacados a partir da perspectiva histórico-cultural. Para ele, as representações sociais

precisam ser entendidas como complexas sínteses de sentidos que permeiam momentos

de inteligibilidade de inumeráveis processos sociais, ocultos no momento atual, mas que

não são verdades inquestionáveis e estáticas.

Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal e o

reposicionamento do professor, perguntei por suas ressignificações ao longo do

processo educativo:

Acho que a essência e o principal é a educação. Mas o que é essa educação para o

sustentável? O ser humano precisa tornar-se um ser participante. Não participar

individualmente, ele só vai ter uma mentalidade sustentável se ele tiver como participar de

um grupo. Se fizer parte de um todo. Sozinho não vai acontecer isso daí. O processo de

sustentabilidade dificilmente irá ocorrer individualmente. A partir do momento que

começar dentro do processo escolar básico, começar a educar o individuo para tornar-se um

membro da sociedade aí vai começar a ter sustentabilidade. Nós não educamos os meninos

(estudantes) para o coletivo. Podemos até tentar fazer algumas campanhas, mas se nós não

formarmos, formação forte mesmo, formal... (PROFESSOR EURICO).

A representação presente neste fragmento indica uma modificação em relação ao

início da argumentação, que suponha sustentabilidade como falácia e problematizava o

tema com o questionamento “nosso estado/cidade cumpre a legislação vigente?”,

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sendo que a reflexão se desenvolveu produzindo relações com sobrevivência e respeito

pela vida. É em sua noção de participação, com compromissos coletivos, que reconheço

a produção de outra ideia e criação de sua maneira particular de abordagem de ensino

do tema. Para Freire (2005), o clima sectário, de engodo e de mentira, conduz à

burocracia, ao revanchismo, à dominação. Portanto, cabe ao educador abrir caminho

para o diálogo corajoso com as massas. Para Freire (1996), buscando se resguardar das

artimanhas da ideologia, o professor não pode e não deve se fechar aos outros nem

tampouco se enclausurar no ciclo de sua própria verdade. O educador deve estar aberto

ao diálogo inclusive sobre a noção de sobrevivência, ou seja, para pensar sobre como

continuar existindo como ser humano (FREIRE, 2004).

Delizoicov e Angotti e Pernambuco (2007), nos lembra de que o ser humano

nasce e vive em um ambiente mediado por outros seres humanos. Para Loureiro (2012),

o que houve de mais interessante ao se trazer um conceito biológico para a política e a

economia, foi pensar em um desenvolvimento que fosse duradouro e atribuir

responsabilidade pela vida das pessoas no futuro, a partir do que o cidadão realiza no

presente. Assim, em um momento de tanta ênfase no imediato e na efemeridade, propor

o inverso é radical e relevante. Portanto, torna-se compreensível a noção do professor

Eurico, que articula uma preocupação ética e política e incorpora o respeito à vida como

pertinente à docência do tema.

Deste modo, interpreto que a argumentação desenvolvida traz suposições

consonantes com os princípios contemporâneos que resultaram no Tratado de Educação

Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental não é neutra, mas

ideológica. É um ato político.” ii. “A educação ambiental deve ser planejada para

capacitar as pessoas para trabalharem conflitos de maneira justa e humana.” iii. “A

educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos

humanos, valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas.”; iv.

“A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e equitativa nos processos de

decisão, em todos os níveis e etapas” (PRONEA, 2004, p. 48). A interpretação da

argumentação desenvolvida por Eurico na expressão “mas eu vivo a minha vida toda em

cima de sustentabilidade, para vocês é novidade” me leva a considerá-la como

proposição: há uma ideologia que embasa nossa vida e isso deve nos levar ao

reconhecimento e respeito pelas diferentes culturas; é preciso compreender que a

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suposição da sustentabilidade como novidade não é uma maneira neutra de apresentá-la,

é necessário, trabalhar o conflito de maneira justa e humana.

6.1.6 Discussão das configurações de sentidos subjetivos

A configuração de sentidos subjetivos dos professores a respeito do tema

sustentabilidade e seu ensino evidenciaram dimensões contextuais e processuais da

argumentação desenvolvida pelos sujeitos. Os sentidos subjetivos se apresentaram

diferentemente afetados. Também mostraram potencial para a mediação formativa

relacionada a uma ética da sustentabilidade e de sentimentos morais, na medida em que

tais sentidos se aproximam de princípios formais de alguns documentos elaborados por

especialistas da área e que os sujeitos demonstram comprometimentos pessoais e

singulares em relação ao tema.

Neste entrelaçamento de espaços e sentidos sobre sustentação da vida

contemporânea, aparecem nos depoimentos dos três professores pesquisados, aspectos

relativos a consumo e comportamentos humanos relacionados à (co)responsabilização e

a auto-responsabilização. Isto se expressa como expectativa de redução do consumo e

volta ao natural, pela professora Francisca, de consumo consciente, pelo professor

Antônio, aspecto relevante quando se pensa na formação de consumidores participantes,

conforme propõe Portilho (2010). Já o professor Eurico ressalta a reversão do processo

de degradação e a importância da formação dos seres humanos, desde a infância,

segundo padrões e práticas sustentáveis, uma noção importante para a formação de

sujeitos ecológicos, conforme aponta Carvalho (2012).

Os sentidos subjetivos indicaram sensibilidades necessárias para a construção

dessa nova relação homem-natureza, aproximando-se das novas utopias. Para Boff

(2012), o que move as pessoas e as sociedades são os sonhos e as utopias que elas

projetam bem como os esforços que fazem para traduzi-los em realidade.

As configurações subjetivas dos professores apontam novas sensibilidades

necessárias para a construção de um sentimento moral de responsabilidade, que

incorpora a natureza e o futuro, conforme indica Jonas (2006).

Os três professores compreendem as raízes histórico-culturais da

sustentabilidade. O professor Antônio tem clareza que a degradação está associada ao

crescimento e adaptação das pessoas nas cidades. Eurico reclama da falta de

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planejamento urbano. Francisca critica a desigualdade social. Todos reivindicam a

preservação ambiental. Mas, para o Antônio, o processo de degradação é irreversível,

enquanto que para Eurico a preservação deverá estar associada à reversão, e para a

professora Francisca, está na volta ao equilíbrio natural. Neste sentido, os três

professores se aproximam de compreensões sistêmicas e ambientais de sustentabilidade,

regidas pelo conhecimento ecológico e que questionam as ações de mercado.

Os professores reconhecem outras implicações culturais e sociais das posturas

dos seres humanos diante do ambiente. Para o professor Antônio, a cultura colonizadora

é capaz de determinar as práticas de produção, influenciando fortemente o currículo

escolar. A diferença de modelos culturais traz dificuldades para conciliar práticas de

maximização da produção e posturas ecologicamente equilibradas, como é o caso do

embate entre a cultura colonizadora e a indígena. Para o professor Eurico, as práticas

indígenas correspondem a padrões sustentáveis. O reconhecimento da diversidade

cultural e sua importância na constituição dos sujeitos e dos grupos sociais têm

destacado a importância da tolerância entre as diferentes culturas e a necessidade de

convivência solidária (UNESCO, 2005). Ambos os casos nos levam a considerar a

pertinência do debate sobre nossa condição humana (MORIN, 2006) que inclui desde a

sustentação física e biológica até a construção da ciência e da educação.

Na configuração de sentidos subjetivos dos professores também emerge a

relação de sustentabilidade com a história de vida de cada um. Francisca é órfã e lembra

que sua luta na infância foi contra a fome. Em função disso questiona a importância de

discutirmos sustentabilidade enquanto não garantirmos alimentação e condições básicas

para a vida.

Antônio se reconhece como descendente de colonizadores da região norte do

país. Para ele, o viver tranquilo dos preservacionistas não é um objetivo compartilhado

pelos colonizadores (inclusive são distintas nas finalidades e intenções). Assim, apesar

de argumentar que precisamos de alimentos, água, moradia, transporte, diz que os

limites ambientais não podem ser tomados como um objetivo para os colonizadores.

Para ele as necessidades básicas, como no caso da produção de alimentos e

disponibilidade de água, estão supridas e em função disso é que se pode comprometer

com a nova geração, garantindo-lhe tecnologia e informação. Desta forma, para Antônio

a degradação ambiental é irreversível e deve ser enfrentada com consumo consciente.

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Para Eurico, ser educado para fazer manejo de diversidade biológica é uma

experiência histórica que levou reflexão acerca de superação de falácias,

estabelecimento de padrões de sustentabilidade e respeito à vida. Para ele, a degradação

deverá ser em alguma medida revertida.

Para González-Rey (2005b), a subjetividade é processual e dinâmica,

permanentemente implicada pela historia de vida, pelas experiências vividas, sendo o

próprio sistema subjetivo permanentemente (re)articulado. A motivação não é algo

padronizado e sim distinta entre os sujeitos, porque além de vivenciarem realidades

objetivas diferentes eles as subjetivam de modo diverso.

Para Scoz (2011) os espaços formativos, assim como todo espaço social, são

geradores de produção subjetiva. Nesta perspectiva, as aproximações entre as

configurações subjetivas dos professores e os princípios formais discutidos pelos

especialistas, assim como o comprometimento pessoal deles com as questões

ambientais, apontam para um diálogo rico, que poderá acontecer em contextos de

formação continuada, quando se considera a subjetividade dos professores e suas

experiências singulares.

Os sentidos subjetivos expressos pelos professores pesquisados indicam outras

contribuições para o desenvolvimento de processos educativos em temáticas ambientais.

Ao estabelecer uma interlocução com a ética e as configurações subjetivas deste grupo

de professores percebo uma aproximação com o formalismo contemporâneo, que

alcança, parcialmente, os principais princípios da Carta da Terra relacionados: i. com o

respeito pela Terra, inclusive em termos de interligações e conexões; ii. reconhecer as

necessidades das gerações futuras; iii. construir sociedades democráticas que sejam

participativas; iv. garantir a generosidade e a beleza da Terra. Compromisso com a

integridade ecológica: i. manejar o uso de recursos renováveis e proteger a sanidade dos

ecossistemas; ii. adotar padrões de produção, consumo e reprodução; iii. adotar estilo de

vida consonante com o nosso mundo finito; iv. reconhecer os conhecimentos

tradicionais. Compromisso com justiça social e econômica: i. erradicar pobreza como

imperativo ético, e o desenvolvimento humano de forma equitativo e sustentável; ii.

assegurar a dignidade humana; Compromisso com democracia, não violência e paz: i.

fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis; ii. participação significativa

de todos os indivíduos; cuidar dos próprios ambientes e designar responsabilidades em

nível governamental.

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119

A argumentação dos três professores envolveu juízos e valores morais que se

assemelham como dignidade e segurança. Mas ganham nuances diferenciadas entre

eles, como a inclusão para Francisca; honestidade para Antônio; e veracidade para

Eurico. Os princípios formais são da esfera da justiça social e econômica, integridade

ecológica, democracia, não violência e paz. Francisca suscita o tema da equidade.

Eurico suscita a necessidade de indicadores de sustentabilidade. Antônio e Eurico

apontam a importância da participação da população e do Estado na solução dos

problemas ambientais.

A interpretação em torno da ética para a sustentabilidade também demonstra um

potencial para a prática docente. Francisca vincula a docência á formação humana.

Antônio propõe tirar os estudantes de suas zonas de conforto. Eurico traz a distinção

entre a criança e o adolescente, mas aponta para ambos a mesma necessidade de ensinar

a participar. Para Contreras (2002), é como intelectual critico que o docente ajuda a

entender a necessidade de participar dos movimentos que pretendem a transformação

social. Para o autor a docência envolve compreender os fundamentos das diretrizes

curriculares, mas não se anula perante elas, na medida em que o professor seleciona,

intencionalmente, teorias e práticas.

O presente estudo mostrou um potencial de formação para a docência do tema

sustentabilidade de professores de matemática em formação continuada, a partir de suas

configurações de sentidos subjetivos. Apesar de tais professores estarem participando de

um projeto de iniciação às ciências, as oportunidades de formação sobre o tema neste

contexto, se limitam a questões mais gerais e conjunturais. O estudo do tema também

aponta necessidades formativas, que serão discutidas no capítulo posterior. Sendo

professora formadora preocupada com a formação de futuros professores de química,

desenvolvi um segundo estudo, no contexto da formação inicial, como um passo inicial

para compreender como podemos formar professores de química, que possam ensinar

sobre o tema complexo da sustentabilidade, com o foco específico e mais aprofundado

do conhecimento desta disciplina.

6.2 Sustentabilidade para futuros professores: quatro subjetividades singulares

Chassot (2010) nos lembra de que o conhecimento chega à escola de todas as

maneiras e com as mais diferentes qualidades, cabe aos professores de Química,

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120

compreender como se apresenta o pensamento crítico, e a noção de melhor qualidade de

vida, de modo a implicar a formação também pela construção de compromissos.

Hoje precisamos mudar de informadores para formadores. Parte de nossas

tarefas, portanto, é ajudar a formar um pensamento crítico que permita a

nossos alunos discriminar “verdades” de falácias e privilegiar – dentro do

extenso repertório de conhecimentos – aqueles conteúdos que possibilitem

uma melhor qualidade de vida. (CHASSOT, 2010, p. 28).

O autor argumenta que possibilitar melhor qualidade de vida se associa à

crescente demanda de ciência e tecnologia, presente na dinâmica da vida humana.

Neste sentido, uma justificativa do presente estudo é que a ciência Química tem

papel relevante, como meio para estudar o mundo, tendo como ponto de partida os

sistemas materiais complexos. Há um crescente interesse em abordá-la visando entender

o planeta como sistema finito, instável e integrado, tendo como referência a natureza

como interação físico-material em espaços cada vez mais modificados. Sendo a

natureza, então, componente de um meio ambiente integrado por tais sistemas materiais,

por grupos sociais e práticas humanas, em suas dimensões políticas, éticas e culturais.

Múltiplas pesquisas sobre o Ensino de Química apontam a necessidade de

organização de processos que levem sujeitos a motivar-se pelos objetos de investigação

da Química relativos à propriedades, constituição e transformações que envolvam os

sistemas complexos, os materiais e as substâncias do Planeta e do Universo

(MACHADO; MORTIMER, 2007); também existe a necessidade de projetos que

enfoquem os aspectos éticos, morais, sociais, econômicos e ambientais a eles

relacionados (SANTOS E SCHNETZLER, 1997).

Neste intento, o presente estudo procura compreender o posicionamento de

futuros professores de Química diante dos debates que os afetam como cidadãos e como

profissionais, que necessitam lidar com relações complexas. Em conformidade com as

perspectivas histórico-culturais, a pesquisa de contextos destinados à construção de

compromissos deve ser acompanhada dos estudos da subjetividade, pois assim

configuram-se como uma abertura dialógica para com a singularidade dos sujeitos,

propiciando diálogo com as intenções e finalidades individuais. Disso decorre outra

justificativa do estudo, referente a possibilidade de articular pesquisa e ensino para que

futuros professores possam refletir sobre sustentabilidade e se preparar para

problematizar os sentidos que o tema tem para seus alunos.

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Entendo que dar oportunidade aos futuros professores de expressarem seus

sentidos subjetivos, sobre sustentabilidade e sobre o ensino deste tema, constitui

oportunidade de troca de experiência enriquecedora, entre os licenciando, e,

principalmente, o diálogo destes pontos de vista com as reflexões e os trabalhos

científicos desenvolvidos sobre o tema mediado pelos formadores. A meu ver, é esse

diálogo com os outros colegas, mediadores e pesquisadores (através de seus textos), que

prepara o futuro professor (ou o professor em formação continuada) para dialogar com

seus alunos e problematizar as suas perspectivas singulares.

6.2.1 O contexto de estudo

Este estudo refere-se à pesquisa articulada com a formação inicial de professores

de Química. Um relevante ponto de partida pode ser aquilo que Schnetzler (2010)

formadora, educadora e pesquisadora do Ensino de Química nos diz quanto ao papel da

educação escolar:

O professor necessita, então, selecionar e organizar o conteúdo de seu ensino,

enfatizando o tratamento de temas e de conceitos centrais desta Ciência para

expressar o seu objeto de estudo e de investigação. Em outras palavras,

ensine bem poucos conteúdos, mas que sejam fundamentais para abordar a

identidade e a importância da Química. (SCHNETZLER, 2010, p. 65).

Para a autora, o papel da educação escolar é de viabilizar aos estudantes o acesso

e a apropriação de conhecimentos historicamente construídos pela cultura humana, entre

eles os conhecimentos químicos, que lhes permitam outras leituras do mundo no qual

estão inseridos. Para a formadora, isso requer a instalação de uma perspectiva dialógica,

por interações discursivas, com valorização do pensamento dos estudantes. Segundo a

pesquisadora, isso levou a abordagens histórico-culturais a assumirem o conhecimento

como construído ativamente pelos estudantes por meio de mediação docente.

Para ela, o modo de mediação expressa como o professor vê sua função social,

as relações que estabelece entre os conteúdos do seu ensino e os temas da vida social e

cotidiana dos estudantes, constituindo assim aspectos que refletem articulações entre a

dimensão teórica e prática da docência.

Ela nos lembra de que, desde a década de 1990, é defendida a necessidade do

professor se tornar pesquisador de sua própria pratica docente, de modo que o futuro

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professor precisa ser iniciado e orientado por seus formadores. É com a mediação destes

últimos que se torna possível a proposição de melhorias à atuação docente.

Em consonância com esses pressupostos, realizei o presente estudo sobre

sustentabilidade e docência do tema em um contexto de formação inicial de professores

vinculado ao projeto de Licenciatura em Química da UFMT/Campus Cuiabá. Os futuros

professores envolveram-se com a prática de ensino e com todo um quadro de

referências teóricas e orientações metodológicas, que incluem a linguagem química e

fundamentos de sua profissionalidade. Por meio da vivência universitária e do ensino

por investigação, futuros professores de Química foram intencionalmente implicados na

compreensão de suas identidades.

O estudo desenvolveu-se em aulas da Prática de Ensino de Química. Trata-se de

uma unidade curricular voltada à formação pedagógica, que juntamente com outras duas

compõem, na matriz curricular do curso, espaços e tempos pedagógicos para o exercício

inicial de prática docente, com execução de ações concretas junto a alunos da Educação

Básica. O conjunto de aulas foi planejado com abordagem didático-pedagógica

inspirada no ensino com pesquisa, para discutir fundamentos e metodologias para a

docência. A articulação entre a ementa e os objetivos da disciplina foi alcançada

mediante realização de diferentes atividades acadêmicas e da participação em projeto de

extensão universitária. Portanto, a pesquisa se desenvolveu junto a uma disciplina que

objetivava articular teoria e prática educativa, planejada para a instrumentação do

ensino.

Solicitados a trabalharem em grupo, quatro acadêmicos se apresentaram de

forma voluntária para constituir um grupo de estudo envolvendo temáticas ambientais.

Uma compreensão preliminar do conteúdo da produção coletiva deste grupo pode ser

encontrada nos relatos da vivência docente expressa pelos futuros professores, que

cursavam a disciplina, sobre a opção de organizá-la a partir da integração Ciência,

Tecnologia, Sociedade, Ambiente (CTSA). Essa foi uma decisão interna do grupo, pois

na proposta original da disciplina o cenário de pesquisa seria aglutinado por temas

sociais, situações reais e Educação Ambiental, em função de sua condição de tema

transversal, na forma apresentada pelas Orientações Curriculares Nacionais para a área

(MEC/SEB, 2006).

Para Santos e Carvalho (2012), a perspectiva CTSA se ocupa da integração

Ciência, Tecnologia, Sociedade, Ambiente. Para os pesquisadores do tema trata-se de

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uma proposta metodológica de estudo do cotidiano em seus aspectos produtivos, de

demanda científica e tecnológica com interações econômicas e sociais. Também trata da

formação para a cidadania, por abordar a tomada de consciência e a tomada de decisão,

inclusive sobre aspectos ambientais, da sociedade de consumo e dos usos de recursos

naturais.

O movimento CTS, segundo Santos e Schnetzler (1997), teve sua origem por

volta da década de 1970. Derivou de um conjunto de reflexões sobre o impacto da

ciência e da tecnologia na sociedade moderna para a formação cidadã. Dal Pian (1992)

afirma que desde os anos 20, do século passado, se vincula educação e participação

política, ordem comunitária e convívio social, deliberação e julgamento sobre aspectos

pertinentes ao Estado. A autora defende que a política de Educação Científica e

Tecnológica para a sociedade moderna tem se consolidado através dos programas de

Alfabetização Científica e de Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Para Teixeira (2003), CTS compreende a educação no contexto da sociedade

humana e como ela está organizada. Por conseqüência, a possibilidade de se articular

uma proposta pedagógica cujo compromisso seja a transformação. Cabe ao pedagogo

discernir, dentre os saberes produzidos, os conteúdos essenciais a serem elaborados e

apropriados pelos estudantes, dentro de um contexto econômico, social e político. Para

o autor, é relevante dar ênfase em conteúdos com os quais a classe trabalhadora possa

aprimorar o mundo do trabalho e sua compreensão como ser social.

O método prevê que o aluno (através da análise continua da própria realidade) vá

de uma visão caótica do todo (síncrese), à síntese, através da análise. Assim, o método

leva a percepção de múltiplas determinações que geram a totalidade da realidade à sua

volta. O professor é fundamental nesse processo. Sua contribuição é mais eficaz quando

ele compreende os vínculos de sua prática com a prática social. O autor postula que tais

fundamentos podem colocar a educação científica numa perspectiva diferenciada

“contribuindo para a formação educacional vista como instrumental para a formação da

cidadania e transformação da sociedade em função dos interesses populares”

(TEIXEIRA, 2003, p. 177).

Isso caracterizou a produção coletiva do grupo interessado na integração CTSA.

Concomitante a isso, a convivência no projeto de licenciatura teve duas faces, uma

interna à formação para o ensino de Química, outra externa à disciplina, envolvida com

as pesquisas experimentais junto a contaminantes e extratos químicos. Na experiência

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interna à disciplina, havia um entrelaçamento de atividades com diferentes

intencionalidades, de fundamentação teórica, de desenvolvimento de metodologia

investigativa, de estágio supervisionado, de projeto de extensão. Na experiência externa,

havia manipulação de experimentos químicos quantitativos. Sobre tal perspectiva o

contexto educativo também garante espaço a uma subjetividade individual, naquilo em

que está organizado para implicar os sujeitos através da produção de sentidos

subjetivos. O objetivo do estudo, então, foi compreender a configuração de sentidos

subjetivos relacionados à sustentabilidade e a possibilidade do seu ensino pelos futuros

professores.

6.2.2 Os participantes da pesquisa

Realizei o estudo com quatro futuros professores que se apresentaram de forma

voluntária para constituir um grupo de estudo envolvendo temáticas ambientais como

eixo norteador das atividades da disciplina curricular Prática de Ensino de Química.

Participaram da pesquisa sujeitos que tinham entre 22 e 26 anos de idade, de origem

urbana matogrossense. Os sujeitos estavam envolvidos também com a iniciação

científica em projetos de pesquisas vinculados ao Laboratório de Contaminantes

Inorgânicos, e o Laboratório de Produtos Naturais do Departamento de Química da

UFMT, colaborando, especialmente, com as pesquisas de discentes da pós-graduação

em nível de mestrado em Química. O fato de serem bolsistas na pesquisa propiciava

disponibilidade de tempo integral para o projeto de licenciatura.

Identifiquei os quatro futuros professores pelos nomes fictícios Rosa, Adonis,

Dália e Margarida.

6.2.3 A produção subjetiva da futura professora Rosa – “Eu comecei (com) essa

noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta”

A primeira entrevistada foi Rosa, uma jovem com seis meses de experiência

docente, tinha experiência com pesquisa sobre produtos naturais no Laboratório de

Produtos Naturais do Departamento de Química da UFMT e se declarava interessada

pela temática ambiental desde antes desta vivência no projeto. Na experiência vivida no

projeto debateu noções voltadas à temática da água. É dela a frase “eu comecei (com)

essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta (...)” que

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contém uma síntese que integra questões ambientais, sustentabilidade e cuidado com o

planeta.

Sua preocupação com a questão da poluição ambiental aparece logo de início.

Ao longo das conversas ela problematiza, sobretudo, o tema em sua relação com

“Poluição das águas”, “Poluição dos solos”, tipos de contaminantes, causas, danos e

formas de prevenção. Quando provocada pela pesquisadora, ela associa sustentabilidade

como um conjunto de estratégias de manejo, sentido que incorpora aspectos técnicos

adequados à realidade concreta. Durante sua vivência no projeto ela elaborou uma

reflexão focada no tratamento da poluição da água e do solo, como objetos do estudo

temático.

Na opinião da futura professora, sustentabilidade é o “ato de desenvolvimento

da humanidade sem prejudicar o meio ambiente”. Além desses elementos, Rosa

apresenta, durante sua entrevista, uma noção que expressa a ideia de providência e de

solução:

Hoje em dia, as questões ambientais estão sendo muito discutidas e nós podemos perceber

que a poluição está crescente e se nós não tomarmos providências, a partir de agora,

futuramente todos nós iremos sofrer. (...) Para mim a sustentabilidade é o fato da gente

produzir alguma coisa, mas pensar também como isso que a gente produziu vai afetar o

meio ambiente e tentarmos achar a solução para que não afete o meio ambiente. (...)

Sustentabilidade para mim é isso, professora, é eu utilizar algum material ou produto que

não polua o meio ambiente e quando ele não tiver mais utilidade eu tentar me desfazer dele

de forma que ele continue não poluindo o meio ambiente. (FUTURA PROFESSORA

ROSA).

A futura professora aborda a temática vinculada à produção, aos danos

ambientais e formas de prevenção. A noção de sustentabilidade assume, para ela, um

sentido subjetivo que expressa reconhecimento das implicações da produção humana

sobre as condições ambientais. Também incorpora o compromisso social de prover

soluções, assim como se preocupa com as futuras gerações. Essa é uma noção

consonante com o debate global sobre o tema, para o qual os modelos explicativos sobre

as implicações ecológicas e dos hábitos de consumo atuais, recorrem a princípios físico-

químicos, que auxiliam a respeitar e realçar a capacidade de autodepuração dos

ecossistemas naturais.

Do ponto de vista termodinâmico, de acordo com a lei de dissipação de energia,

uma parte da energia que é utilizada em todos os movimentos que ocorrem no mundo

físico se dissipa em formas que não são mais utilizáveis. É essa condição que permite

compreender como, durante toda a história de produção material da vida humana, temos

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impactado sobre as condições climáticas no Planeta, e que não nos bastam soluções em

termos de eficácia na área da produção industrial (PORTILHO, 2010).

Para além das questões climáticas, a construção das formas de vida acontece, ao

contrário de um final degradativo iminente, por um processo de neguentropia, ou seja,

pelo intercambio energético e reciclagem permanente (BOFF, 2012). Assim, a condição

multidimensional dos danos ambientais remete às implicações da entropia e também da

probabilidade da neguentropia.

Em outro fragmento da entrevista com a futura professora, ela diz “(se jogar no

lixo) essa bateria vai contaminar as águas com metais pesados (...) eu pensaria uma

alternativa pra não jogar a pilha no lixo, ou seja, um descarte próprio para a pilha.”

Desta maneira, a noção de sustentabilidade de Rosa integra sentidos de utilização e

descarte dos materiais associada a uma poluição que é inerente ao uso que fazemos

destes. Na continuação dessa reflexão Rosa problematiza o caso do descarte, produção e

separação de lixo.

Desta maneira, os sentidos subjetivos indicam um posicionamento contextual na

medida em que Rosa expressa, ao menos parcialmente, dimensões do debate público

sobre o tema. A ideia de poluição, quando integrada à sua frase “essa noção de questões

ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do planeta...” sugere que o tratamento da

poluição é vinculado à prevenção daqueles danos que comprometem todo o Planeta.

Como também intencionava compreender os sentidos subjetivos a partir do

projeto vivido de formação para o ensino de Química, perguntei à Rosa quais relações

ela fazia do tema com a Química:

(...) através da Química que eu vou saber: quais são os metais que existem na pilha; como

os metais poluem o meio ambiente. Então a Química, ela é muito importante para a

sustentabilidade. Porque a Química ela não só polui, ela também traz soluções para a gente

diminuir a poluição. (...) Eu sempre gostei de Química (componente curricular), e isso me

chamou mais atenção. (...) Então a sustentabilidade ela fez com que eu percebesse a

importância de eu apresentar para os alunos essa questão ambiental que tanto se discute

hoje em dia (....). (FUTURA PROFESSORA ROSA).

Neste recorte, a acadêmica vincula à Química a geração dos problemas

ambientais, mas apresenta uma noção de Química como uma ciência que também pode

contribuir com a solução das problemáticas ambientais. Para a além da associação da

Química com a tecnologia é sua capacidade de explicação que a torna fundamental para

a compreensão de objetos em situações complexas da realidade. Delizoicov, Angotti e

Pernambuco (2007) lembra que Freire afirmava serem os problemas e seus

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enfrentamentos a origem do conhecimento. Freire (2004) também nos lembra que a

ciência é um fenômeno humano, de modo que enquanto obra dos homens e mulheres, é

histórica.

Entendo que em sua noção de Química, Rosa apresenta a capacidade da análise

química para a identificação da qualidade dos sistemas naturais. Compreende o caráter

explicativo para a poluição em termos de combinação química. Delizoicov, Angotti e

Pernambuco (2007) afirmam que a ciência não é mais um conhecimento cuja

disseminação se dá exclusivamente no espaço escolar, mas faz parte do repertório social

mais amplo e influencia decisões éticas, políticas e econômicas, que atingem a

humanidade como um todo e cada indivíduo em particular.

Assim, torna-se compreensível a noção de sustentabilidade de Rosa, que

juntamente com a expressão “continue não poluindo o meio ambiente, para mim

sustentabilidade é isso” articula interações entre poluição e ambiente. Os sentidos

subjetivos indicam uma formulação tensionada pelos estudos na licenciatura e pela

pesquisa experimental com produtos naturais, de modo que ela vincula à Química, as

noções de solução e sustentabilidade.

A futura professora trouxe uma articulação entre a noção de sustentabilidade e as

suas experiências em outros espaços da interação social. Aproveitei para tentar

compreender sentidos de procedência distante, perguntando a Rosa onde teve origem

seu interesse pelas questões ambientais e se ela identificava alguma vinculação com

suas experiências passadas:

(...) isso me incomoda (...) Lá em casa mesmo eu tenho a mania de querer separar o lixo,

comida eu não jogo no lixo. Eu tenho mania de querer separar o lixo, pegar a caixinha do

leite, o plástico do óleo. (...) eu fico possessa quando eu estou dentro do ônibus e vejo uma

pessoa jogar uma latinha pela janela do ônibus. Isso me incomoda. Dá até vontade de pedir

para a pessoa descer do ônibus e pegar... Mas isso me indigna, a pessoa estar em frente da

lixeira... pegar o chiclete e jogar no chão, sendo que a lixeira está do lado. Isso me

incomoda... Só que lá em casa ninguém tem essa noção, o pessoal, não tem noção de

sustentabilidade. (FUTURA PROFESSORA ROSA).

Rosa motiva-se por uma indignação diante da postura das pessoas em relação ao

meio ambiente. Tognetta e Vinha (2009, p. 20) apontam a indignação como um

sentimento que se desenvolve em resposta a ações que o sujeito considera contrárias ao

que ele valoriza, assim intenciona buscar correspondência entre os próprios valores e

aqueles que se espera que os outros tenham. Para as autoras a indignação pode ser moral

e ética quando a defesa dos direitos amplos e pessoais incide sobre os valores morais, de

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maneira que considere normas que vem da sociedade e também considere querer fazer o

bem ao outro.

Aquilo que Rosa expressa lembra o que Portilho (2010) avalia como

possibilidade para representar a luta e a participação nesta nossa época, de maneira a

privilegiar uma concepção da participação em questões públicas como um bem em si

mesmo e não como um mero meio para se chegar a um fim, como na visão utilitária.

Desta forma, os sentidos subjetivos mostram uma formulação processual, que articulam

sentidos de outros espaços da vida social de Rosa. Para compreender esses sentidos

subjetivos solicitei à futura professora o complemento de frases:

1- Para mim meio ambiente é: o meio em que vivemos. Precisamos dele para

sobreviver, por isso, é preciso preservá-lo. (FUTURA PROFESSORA ROSA).

2 - Muitas vezes reflito sobre questões ambientais: pois nos dias de hoje a poluição vem

acabando com o meio ambiente. (FUTURA PROFESSORA ROSA).

3 - Minhas melhores atitudes ambientais são: economizar água e energia elétrica.

(FUTURA PROFESSORA ROSA).

Na argumentação desenvolvida pela futura professora aparecem os sentidos de

condicionamento ambiental da vida e da sobrevivência e assim ela reafirma que a

poluição coloca em risco o Planeta, sendo então relevante para cuidar do Planeta

preservar e economizar. Desta maneira, as frases mostram outros desdobramentos de

sua expressão “essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do

planeta”, com a qual postula um delineamento de solução em âmbito pessoal, local, que

dá sentido à diminuição do consumo doméstico; mas também postula um cuidado

articulado a valores como sobrevivência e preservação. Para Boff (2012, p. 92), “sem

cuidado, já dizia o mito antigo, nenhum ser vivo sobrevive.” Assim torna-se

compreensível sua indignação diante da poluição.

Para Boff (2012), o cuidado é uma virtude ou atitude de zelo e de preocupação

por aquilo que amamos ou com qual estamos envolvidos, mas fundamentalmente

configura um modo de ser, uma relação nova com a realidade, a Terra, a natureza e o

outro ser humano. Para o autor, o cuidado é como um paradigma oposto ao da

conquista, pois tem a ver com um gesto amoroso, acolhedor, respeitador do outro, da

natureza e da Terra, de modo que quem cuida não busca dominar o outro, mas estar

junto dele, convivendo e dando-lhe conforto e paz. Por tal dimensão sem o cuidado de

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todos os elementos que compõem a vida, o próprio Planeta Terra, o desenvolvimento

necessário e a sustentabilidade não teriam condições de se firmar e se consolidar.

Para o autor, o homem moderno não alimentou uma atitude de cuidado, criou

uma cultura de consumo e a saturação de bens materiais operou uma espécie de sentido

de irrelevância de todas as coisas e o vazio existencial. Sentimo-nos todos infelizes,

porque não há bens que saciem nossa necessidade de abertura ao outro, ao mundo e ao

infinito. Para Leff (2010) é a ética do cuidado da vida e a ética do cuidado da natureza,

que deverá representar o reinício de um novo processo civilizatório, uma construção

coletiva que surge de um diálogo de saberes entre os atores sociais do desenvolvimento

sustentável.

Desta forma, os sentidos subjetivos que Rosa manifesta, propiciam compreender

um posicionamento de caráter contextual e processual referenciado por diversos espaços

sociais, assim como considerar como uma proposição constituída de suas suposições e

representações produzidas histórico-culturalmente. Para interpretar uma formalização

no sentido da ética para a sustentabilidade, presente nas reflexões da futura professora,

tomo por base os princípios apresentados na Carta da Terra.

Do exposto, a interpretação da argumentação desenvolvida pela futura

professora quando expressa “essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de

cuidar do planeta...” nos leva a considerá-la como uma proposição. Para Boff (2012, p.

93) “sem o cuidado de todos os elementos que compõem a vida, o próprio Planeta

Terra, o desenvolvimento necessário e a sustentabilidade não teriam condições de se

firmar e se consolidar”. Portanto, podemos interpretar suposições que simbolizam

valores no sentido da ética para a sustentabilidade tendo por base dois dos princípios da

Carta da Terra: i. “Manejar a extração e uso de recursos não renováveis como minerais e

combustíveis fósseis, de forma que diminua e não cause dano ambiental”; ii. “reduzir,

reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que

os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos” (BOFF, 2012, p. 171-

172). Para Rosa, a atribuição de valores está em torno da precaução, em diminuir

exaustão, em reciclar, neste sentido há um potencial moral e ético no seu sentimento de

indignação. A argumentação desenvolvida pela futura professora parece caminhar na

seguinte direção: cuidar do planeta requer cuidados ambientais, assim como requer da

esfera pública a provisão de soluções; mas há comportamentos pessoais que revelam

descuido como o ambiente que apontam as responsabilidades na esfera privada.

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A argumentação expressa indignação e luta contra direito violado, conforme

supõe Tognetta e Vinha (2009, p.20). Para as autoras a indignação pode ser moral e

ética, se considera sentimentos de busca da felicidade, e de querer fazer o bem ao outro

correspondente à justiça. Apesar das expressões de Rosa suscitarem um conteúdo de

natureza moral, relativo à ambiente limpo, ela inclui responsabilidade da esfera pública

por interações socioambientais mais amplas e generaliza tal direito a todos.

A interpretação da configuração de sentidos subjetivos de Rosa que articula

questões ambientais e sustentabilidade à necessidade de cuidar do planeta também traz

sentidos subjetivos relacionados à docência. Em um fragmento da entrevista Rosa

expressa “hoje em dia as questões ambientais elas estão sendo muito discutidas e nós

podemos perceber que a poluição está crescente e se nós não tomarmos providências a

partir de agora futuramente todos nós iremos sofrer.” Há um sentido de cuidado e

preocupação com o futuro. Para compreender a relação desses sentidos subjetivos e a

implicação do tema em sua experiência de docência, assim como compreender

conteúdos e abordagens selecionados por Rosa, solicitei seu relato do entrelaçamento e

integração das atividades durante a experiência vivida:

Então quando começou a disciplina que houve aquela interação dentro da sala de aula

quanto à escolha do tema eu logo pensei em chuva ácida. Porque chuva ácida? Pelo fato de

estar relacionado com o meio ambiente. Hoje em dia as questões ambientais, elas estão

sendo muito discutidas. (...) vou mostrar para os alunos qual a importância da gente não

poluir e, qual é a importância da gente preservar os nossos recursos hídricos, nosso (tema

de mini-curso) foi sobre a água. Nós falamos da água. E mostramos alguns parâmetros e

sua importância. (FUTURA PROFESSORA ROSA).

Poluição e providências são aspectos centrais na noção de sustentabilidade da

futura professora que voltam a aparecer neste relato. Questões como chuva ácida,

implicações futuras, recursos hídricos, água, parâmetros de qualidade de água para

consumo humano são integrados aos aspectos de poluição e solução, o que traz uma

pertinência com a configuração subjetiva de Rosa, na medida em que se articula à noção

de cuidar do planeta.

Para Baird (2002), do ponto de vista da Química Ambiental, um dos problemas

ambientais mais graves, que muitas regiões do mundo vêm enfrentando atualmente, é a

chuva ácida, termo que abrange vários fenômenos como a neblina ácida e a neve ácida,

todos relacionados a precipitações substanciais de ácido, que conduzem a conseqüências

ecológicas danosas, incluindo a saúde humana, pela presença de partículas de ácido no

ar. A acidez da chuva pode ser atribuída à presença de ácido sulfúrico e de ácido nítrico,

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originários de reações secundárias com poluentes do ar a base de enxofre (em espécies

químicas de sulfetos e dióxido) e nitrogênio (em espécies químicas de óxidos).

Nos últimos anos, a oxidação de enxofre em regiões rasas de manguezais

recentemente secos e expostos ao ar, em virtude do aquecimento global, também são

fontes de ácido sulfúrico em lagos, onde a acidificação reduz a capacidade de

crescimento de algumas plantas, inclusive aquelas que vivem em água doce.

Assim, torna-se compreensível a noção da futura professora que entende o tema

sustentabilidade a partir da poluição, nela a dimensão ambiental tende a ser de ênfase

reacional, entretanto também integra a noção de cuidar do planeta o que pressupõe

articulação de atitudes e valores.

Há um fragmento em que Rosa expressa “se nós não tomarmos providências a

partir de agora futuramente todos nós iremos sofrer”. Com ele, entendo que sua

preocupação em ampliar a integração que ela busca, inclusive no sentido de torná-la

uma experiência educativa. Se considerarmos cuidar do planeta como síntese de

interações sistêmicas, plurais e dinâmicas, partindo de sistemas afastados do equilíbrio e

da geração de bifurcações, em uma aproximação com a atenção que reúne meio

ambiente e futuro, podemos passar a olhar a dimensão físico-material do ambiente como

estruturas dissipativas na perspectiva que propõe Prigogine. Os fenômenos afastados do

equilíbrio, irreversíveis, não se reduzem a um aumento de “desordem”, mas tem um

importantíssimo papel constitutivo. Para Prigogine (2002), o caráter histórico da

evolução de um sistema em situações instáveis levou a representação do tempo como

capaz de criar estruturas, isto é, a um importante papel “construtivo’ da

irreversibilidade. Deste modo, sem as correlações de longa duração devido às situações

de instabilidade não haveria vida nem cérebro.

Com a intenção de compreender outras possibilidades de abordagem, mas

também uma autoria e autonomia para fazer relações do tema com a docência, perguntei

como ela organizaria um processo educativo para o tema:

Então professora, antes de eu começar a fazer a disciplina se eu fosse dar uma aula de

Química eu teria o livro didático, colocaria slides, pegaria outros materiais. Porém eu não

iria utilizar da sustentabilidade na minha aula. Eu não iria falar assim: “pessoal vamos

estudar hoje os sabões”. Eu iria dar o conteúdo, falar para que serve, para que não servem,

quais são os conteúdos químicos envolvidos. Eu não iria envolver a parte da

sustentabilidade, das questões ambientais. Porque antes eu não tinha essa concepção de

falar: “pessoal, mas tudo bem, nós tivemos essa aula hoje, mas prejudica o meio ambiente,

se prejudica, como vocês acham que prejudica? Qual a forma que a gente pode utilizar para

não prejudicar o meio ambiente? Porque os alunos eles vêem muita dificuldades na parte da

Química. Eles só querem saber de bombas. Então eles acham que a Química é uma

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disciplina que só vê isso que eles falam. Eu estou dando aula para o nono ano e eles só

querem saber de bomba, de bomba. E eles pensam assim que a Química é essa parte, só

destruição. Não. Hoje eu dando aula , hoje eu tenho que passar para eles que a Química

também é a solução. (FUTURA PROFESSORA ROSA).

Rosa entende a possibilidade de abordagem do tema para além do livro didático.

Expressa uma noção de ultrapassar o ensino utilitarista do conhecimento químico, ao

fazer vínculos deste conhecimento com as preocupações ambientais. Tais expressões

apontam sua valorização do papel da ciência Química neste cenário, como explicita “a

Química não só destrói, mas ela é também a solução. A maioria dos problemas

ambientais tem a Química envolvida.” Sendo a Química então relevante na elaboração

de soluções para a poluição.

Freire (1996) nos lembra que não cabe nem divinizar nem diabolizar a

tecnologia e a ciência. Cachapuz et al. (2005), ao discutir uma necessária renovação do

ensino de ciências, apresentam o compromisso com uma educação para a

sustentabilidade na qual há de se incorporar a atenção para com a situação do mundo.

Para os autores, a aprendizagem das ciências pode e deve ser potencializadora de

criticidade para enfrentar problemas, bem como participar na tentativa de construção de

soluções e até mesmo da produção de conhecimento. Para eles, a natureza da ciência

surge distorcida na educação científica, logo, a educação “apresenta a necessidade de

superar visões deformadas e empobrecidas da ciência e tecnologia socialmente aceitas,

que afetam os próprios professores” (p. 30).

Mas são os questionamentos feitos por Rosa que torna compreensível sua

reflexão, com conseqüências para forma de pensar o ensino do tema, que pressupõe

perguntar, dos impactos, dos prejuízos, estimular a pergunta, o diálogo e a curiosidade.

Segundo González-Rey (2006) a dúvida, as hipóteses e a reflexão crítica são excluídas

do cenário de aprendizagem, de modo que se aprende aquilo que já está resolvido e o

conhecimento converte-se assim em um referente verdadeiro, que deve ser assimilado.

Como nos disse Freire (1996), a prática educativa deve estimular a curiosidade, o que

não significa que devamos diminuir a atividade expositiva. Não é necessário negar a

validade dos momentos explicativos, mas é fundamental provocar a postura curiosa,

indagadora, pois, “é ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-

conhecer” (p.86).

Outra autoria possível está na noção de cuidar do planeta, com a qual a futura

professora supõe que abordar o tema possibilita ultrapassar abordagens reducionistas e

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utilitaristas. Freire (2004) chama a atenção de uma curiosidade apoiada em uma busca

conjunta por conhecimento e compromissos sendo assim cada vez mais crítica, onde

professor e educando, diferentes no processo educativo, são sujeitos do processo de

aprender e ensinar.

Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal e do

compromisso moral para definir novas posições, perguntei à futura professora por

ressignificações que elaborou durante a experiência:

Então a sustentabilidade ela fez com que eu percebesse a importância de eu apresentar para

os alunos essa questão ambiental que tanto se discute hoje em dia. Porque eles só ouvem a

questão ambiental, não vamos poluir. Mas por que nós não vamos poluir? Se a gente poluir,

o que a gente pode fazer para despoluir? Ou então, o que a gente pode fazer para prevenir a

poluição? Então a sustentabilidade eu posso dizer assim que esse semestre eu aprendi, sei

aplicar as questões ambientais e sustentabilidade na sala de aula. (FUTURA

PROFESSORA ROSA).

A representação presente neste fragmento indica uma modificação em relação ao

foco no conteúdo químico descontextualizado, a-histórico inicial, que se desenvolveu a

partir da noção de “questão ambiental”. Nos questionamentos que ela faz neste

momento aparecem busca por causas, por condicionantes, da poluição, assim como uma

associação da poluição com as atividades humanas. Em seguida, emergem sentidos

relacionados à necessidade de processos de controle e remediação, o que me leva a

interpretar um reposicionamento em termos de prevenção, despoluição, e um ensino que

inclui problemáticas ambientais. A futura professora dá ênfase às questões ambientais

através das indagações, potencializando sistemas de relações dinâmicas e plurais entre

conhecimentos especializados (ZANON; MALDANER, 2010).

Considerando que tal argumentação aproxima-se de proposições, ainda que não

totalmente esclarecidas e sistematizadas, é possível interpretar suposições que

simbolizam valores no sentido da ética para a sustentabilidade tendo por base o

princípio do Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação

ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve

converter cada oportunidade em experiência educativa de sociedades sustentáveis”

(ProNEA, 2004, p. 49). Do exposto, a interpretação da argumentação desenvolvida pela

futura professora quando expressa “essa noção de questões ambientais, de

sustentabilidade, de cuidar do planeta...” me leva a considerá-la como uma proposição

em que cuidar do planeta implica integrar atitudes e valores; converter cada

oportunidade em experiência educativa. Se a Química é geradora de prejuízos também é

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geradora de soluções, sendo assim “essa noção de questões ambientais, de

sustentabilidade, de cuidar do planeta” é relevante para dar ênfase nas questões

ambientais através de abordagens interativas.

6.2.4 A produção subjetiva do futuro professor Adonis – “A sustentabilidade

implica em ter um futuro melhor.”

Adonis é um jovem com pouca experiência docente realizada em estágio

supervisionado, monitoria e mini-cursos em projetos de extensão. É bolsista em

pesquisa experimental sobre produtos naturais no Laboratório de Produtos Naturais do

Departamento de Química da UFMT. Em seu relato aparece a frase acima selecionada

como uma síntese que relaciona sustentabilidade e futuro.

Na criação de temas geradores para a docência sobre sustentabilidade ele

correlaciona “sustentabilidade e consumo”, ora como “valores inversos”, ora

afirmando que a “sustentabilidade é vantajosa para o bolso”. Assim, ele aponta

implicações socioeconômicas e as implicações éticas e valores morais pertinentes ao

tema. Sugere como contratema: “É possível consumir de modo sustentável. Economia

para você e para o meio ambiente; você pode preservar o meio ambiente consumindo

menos energia.” Neste momento sem maior sistematização, ele expressa sentidos de

diminuição e parcimônia para com o consumo. E problematiza com a questão: “ar

condicionado ligado e lâmpadas acesas para uma sala vazia na UFMT, como (isso)

tem um consumo sustentável?”

Assim, ao enunciar uma diversidade de aspectos constitutivos do tema,

demonstra que as relações que estabelece envolvem decisões diante das demandas

físicas, científicas e tecnológicas de manutenção da vida. Essa articulação de aspectos

propicia análise de uma primeira configuração de sentidos consonantes com o debate

sobre consumo sustentável instalado em âmbito global.

Na opinião do futuro professor sustentabilidade é “manter o que temos, para as

futuras gerações.” Sobretudo ao longo de seu relato ele reafirma seu comprometimento

com o tema:

Eu noto sustentabilidade em tudo porque quanto a gente deixa de usar um pouco mais de

água do chuveiro ou qualquer outra coisa, ou economizar um pouco mais de luz... a gente

vê o corredor aqui da universidade com luz acesa, ai eu, sempre que passo, vou lá e apago,

é uma forma de economia, também preservando (para) as gerações futuras. Porque

sustentabilidade é isso, preservar agora para ter para muito mais tempo. (...) Eu tinha uma

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ideia bem fixa de sustentabilidade que era ‘você’ conseguir poupar agora para no futuro

‘você’ continuar tendo (...) a gente consegue ver a sustentabilidade em muito mais coisas,...

usando a saúde, usando a ética. (...) Então a gente pode notar sustentabilidade em vários

termos, na água, a gente pode notar que se poluir o solo contamina a água, se poluir o ar

está contaminando a água. (FUTURO PROFESSOR ADONIS).

O que parece ser a principal dimensão do tema em sua noção é a parcimônia

com a qual entende existir tensões das decisões humanas diante da manutenção da vida.

Segundo Portilho (2010), a redução de gastos que inclui o questionamento sobre nosso

estilo de vida insustentável, inclusive sobre os padrões de consumo, é uma forma de

enriquecer o debate sobre sustentabilidade.

Para Portilho (2010) as escolhas são, portanto, atos de desafio e desrespeito,

intimidação e persuasão, desde que incluam o processo de formulação e implementação

de políticas púbicas, tornando-se um questionamento sobre o consumo. Desta maneira

torna-se compreensível a noção de sustentabilidade do futuro professor, que se articula

em torno das escolhas. Desta forma, na argumentação de Adonis aparece uma

representação, presente nas preocupações contemporâneas, que envolvem a noção da

prudência como princípio para um futuro viável e de preocupação geracional. Para o

futuro professor “a sustentabilidade implica em...” interações entre saúde, ética e

natureza.

Do exposto compreendo que o posicionamento do professor se mostrou

contextual, à medida que Adonis expressa dimensões do debate público sobre o tema,

que postula um compromisso com um futuro comum. Esse compromisso deve passar

pela delimitação das escolhas diante dos dilemas da extração de material e a

equivalência entre a taxa de reposição e a emissão de efluentes, diante da capacidade de

assimilação dos ecossistemas.

Com o presente estudo, eu também intencionava compreender as implicações

das vivências no projeto e perguntei ao Adonis quais relações ele fazia do tema com a

Química e se ele compreendia implicações deste tema na sua escolha por essa

licenciatura:

A Química, a gente sempre fala que nota ela em tudo, então tudo o que a gente terminou de

estudar... A gente já vê que algum processo pode ser poupado, como por exemplo, vamos

falar em química sobre os gases (...) vou poupar uma parte desses materiais que é um objeto

de estudo da Química. (...) Mas o que mais influenciou na escolha da Química como

carreira profissional foi no ensino médio mesmo, foi na escola quando a gente tinha

professores formados em Química(...) eles não ensinavam só conteúdo (conceitual) mas ele

ensinava muitas outras coisas além do conteúdo formal (...) (FUTURO PROFESSOR

ADONIS).

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Em sua noção de Química também circula uma diversidade de sentidos. Ele

compreende os processos naturais como objetos de estudo da Química, incluindo as

atividades industriais, o monitoramento e mesmo o tratamento de danos ambientais.

Com isso há uma visão com foco especial no processamento e na poluição, há uma

aproximação para com a representação da transformação química como parte do

ambiente natural. Para Machado e Mortimer (2007), perceber a natureza da ciência

Química em seu papel de remediação é uma forma diferente de pensar sobre o mundo

natural e de explicá-lo.

Assim como na noção de sustentabilidade e do consumo, Adonis relaciona a

Química com a prudência diante das demandas de manutenção das condições físicas do

ambiente e também daquelas científicas e tecnológicas que interferem na manutenção

da vida.

Do exposto, compreendo que o posicionamento do professor se mostrou

processual, incorporando uma postura de reflexão e crítica aos impactos generalizados

da poluição e, desta forma, dando relevância aos aspectos do tratamento da poluição.

Nas intervenções que Adonis fez no grupo, acrescentou ao tema elementos como análise

e tratamento de água.

No momento da entrevista, o futuro professor falou da relevância da experiência

com a disciplina no ensino médio. Então, como também intencionava compreender os

sentidos subjetivos que estavam em articulação com sentidos originados em outros

contextos, além do momento atual, perguntei ao Adonis sobre a relação do tema com

outras experiências passadas:

(...) antes de entrar para a universidade meu padrasto tinha uma mecânica de moto, a gente

sempre que lavava peças, corriqueiramente jogava aquele óleo com água na fossa (...) então

a gente já pode agora conhecendo (...) fazer um tanque para retirar a camada de óleo e até

vender (...) até consegui ganhar um pouco mais (...) A sustentabilidade a gente vê muito

nesses Greenpeace e órgãos que cuidam do meio ambiente, a gente só vê o lado mais,

tirando a economia, só vê o lado mais de preservação ambiental, mas a gente consegue

conciliar tudo isso e é melhor para todos(...) Então já notamos que estudando pode conciliar

a parte econômica. (FUTURO PROFESSOR ADONIS).

Ao fazer relação do tema com a atividade profissional de um membro da família,

o futuro professor aponta um aspecto relevante do tema relacionado à geração de renda.

Sobretudo, Adonis articula uma noção de sustentabilidade de conciliação entre a

dimensão ambiental e a econômica. Desta forma, aparecem em seu discurso

representações presentes no debate público sobre o tema, que se põem em defesa de

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diálogos conciliadores, voltados para a mediação ambiental, visando entendimento

mútuo, políticas, compromissos e metas locais e internacionais. Para Lima (2003), toda

conciliação deve transcender as fronteiras do mercado. Freire (2004, p. 23-24) defende

como significação ética básica, a qualidade de conviver com o diferente, e neste sentido

a tolerância é uma virtude a ser criada e cultivada. Para ele a tolerância verdadeira não é

condescendência, ela é uma instância da existência humana, própria de seres

conscientes de sua finitude. A tolerância mantém o sujeito desconfiado de qualquer

superioridade de classe, de raça, de gênero, de saber em face do tolerado. Para o autor a

tolerância genuína não exige que se concorde com aquele ou com aquela a quem se

tolera, ela demanda respeito à diferença, aos sonhos, ideias e opções do outro e não que

haja negação, somente por causa de sua diferença.

Para ampliar a compreensão dos sentidos subjetivos implicados nas formulações

do futuro professor solicitei a constituição de frase por indutores curtos:

1 - Não posso: fazer tudo que quero, mas faço tudo o que posso. (FUTURO

PROFESSOR ADONIS).

2 - Minhas melhores atitudes ambientais são: se não posso limpar, pelo menos não sujo.

(FUTURO PROFESSOR ADONIS).

3 - Não gosto: ficar bravo, mas tem horas que é preciso, ou involuntário. (FUTURO

PROFESSOR ADONIS).

Nas frases desenvolvidas por Adonis torna-se compreensível a expressão

“sustentabilidade norteia as minhas escolhas” que mostra o caráter decisivo da esfera

privada, onde as escolhas estão sempre presentes. As frases indicam uma procura por

princípios para ações possíveis, mesmo diante de condições mínimas de atuação, mas

também de radicalização, caso necessário. Desta forma torna-se compreensível o papel

atribuído à reciclagem para evitar ou garantir a diminuição de extração de matéria

prima, bem como ao descarte e aproveitamento de água. As frases indicam uma

integração com a noção de conciliação entre preservação e economia, na medida em que

há procura por princípios ecológicos associados a decisões econômicas, de maneira que

as escolhas próprias da tomada de decisão demandam práticas adequadas.

Para Jonas (2006) a prudência em relação ao futuro das próximas gerações tem

de se orientar pelas finalidades de caráter moral, definida de forma ética, em que esteja

presente a natureza e a vida. Os sentidos subjetivos do professor demonstram um

posicionamento referenciado por diversos espaços sociais, expressam representações

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produzidas histórico-culturalmente, demonstram um caráter contextual e processual. A

argumentação desenvolvida por Adonis remete a uma proposição singular, que se

aproxima de responsabilidade ética e valores morais. Para interpretar uma formalização

no sentido da ética para a sustentabilidade, presente ainda que embrionariamente nas

reflexões do futuro professor, tomei por base os princípios apresentados na Carta da

Terra.

A reflexão desenvolvida pelo futuro professor em que “sustentabilidade implica

em ter um futuro melhor” leva a considerá-la como uma proposição em que a

sustentabilidade, como inerente aos compromissos com um futuro melhor, requer

escolhas de dimensão ético-política. Para Jonas (2006), a prudência tem de se orientar

pelas finalidades de caráter moral, definida de forma ética, em que esteja presente a

natureza e a vida. Há também suposições que simbolizam valores no sentido da ética

para a sustentabilidade, que trazem presente dois dos princípios da Carta da Terra:

i.“prevenir o dano ao ambiente com o melhor método de proteção ambiental e, quando o

conhecimento for limitado, tomar o caminho da prudência.”; ii.“estimular e apoiar os

entendimentos mútuos, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, dentro e

entre nações”; iii. “fortalecer as comunidades locais, habilitando-as a cuidar dos

próprios ambientes e designar responsabilidades ambientais em nível governamental

onde possam ser cumpridas mais efetivamente.” (BOFF, 2012, p. 172; p. 176). Assim a

argumentação que Adonis desenvolve traz atribuição de valores como conciliação,

parcimônia, tolerância, cooperação e entendimento. Há uma potencialidade em

diálogos conciliadores para construção de um futuro melhor, que requer sujeitos

permanentemente comprometidos em aperfeiçoar múltipos aspectos da vida humana.

A interpretação da configuração de sentidos subjetivos de Adonis, que

problematiza o tema segundo a dimensão de futuro viável, também permite

interpretação sobre sentidos subjetivos do futuro professor relacionados à docência. Elas

trazem a intenção de um ensino pautado pelo tema da cidadania e do futuro, que

também é expressa quando ele diz sobre a educação “ela tem muito a ver com a

formação de um cidadão que ele tem que pensar no futuro.” Para compreender a

relação desses sentidos subjetivos e a implicação do tema em sua experiência de

docência, assim como compreender conteúdos e abordagens presentes na proposição de

Adonis, solicitei um relato das atividades:

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A gente pesquisou como que a gente vai abordar usando o meio ambiente, a temática do

meio ambiente, e viu que esse tema era bem amplo e tinha muita coisa bem interessante que

era muito fácil de fazer, muito fácil de aplicar e era bem abrangente. A gente decidiu fazer

isso, em especial eu e a “Rosa” nós fizemos (mini-curso) sobre a água, porque nós

percebemos que a água é um veículo bem amplo de contaminação. Então a gente pode

notar sustentabilidade em vários termos na água, a gente pode notar que se poluir o solo

contamina a água, se poluir o ar está contaminando a água. Se poluir a água em si já

prejudica a biota, a biomassa, então a gente quis trabalhar com essa temática da água

porque a gente viu que um dos temas centrais é esse, a gente gostou dele e decidiu trabalhar

nele. Um ponto só porque ele é amplo, trabalhar a poluição da água. (FUTURO

PROFESSOR ADONIS).

Poluição da água, sua contaminação, e suas implicações na contaminação de

outros sistemas naturais são aspectos de relevo no relato do futuro professor. Surge

então um conjunto de conteúdos consonantes com pressupostos da educação científica

para a sustentabilidade, na medida em que ele articula o tema com contaminação e

interações sistêmicas. Cachapuz et al. (2005) exemplifica a relevância desses temas para

a educação científica, recordando a utilização de produtos químicos de síntese para

combater insetos, doenças e fungos, ação que de fato aumentou a produtividade agrícola

num período em que um notável crescimento da população mundial assim o exigia.

Entretanto, a Comissão Mundial do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, desde

aquela época, já advertia que o seu uso excessivo constituía uma ameaça à saúde

humana, além de ser veneno para peixes, mamíferos e pássaros que se acumula nos

tecidos vivos. Por tais motivos, chegaram a ser chamados de “contaminantes orgânicos

persistentes”. Por isso, para os autores, a educação científica e tecnológica deve abarcar

conteúdos e abordagens que visem a tomada de decisões fundamentadas, que tenham

respaldo, de um mínimo de conhecimento específico.

Pela Química Ambiental compreende-se que na maioria dos sistemas aquáticos

naturais, o pH e as concentrações dos íons principais são controlados pela dissolução de

dióxido de carbono atmosférico e de íons carbonato vinculados ao solo (BAIRD, 2002).

Em condições normais, os fenômenos ácido-base e de solubilidade controlam as

concentrações dos íons inorgânicos dissolvidos na água, como o carbonato, enquanto

que o teor orgânico da água é dominado por diversas transformações. Mas em condições

alteradas, a poluição tem implicação sistêmica nas interações múltiplas entre sistemas

naturais e seres vivos.

Para Prigogine (2002), tratar do tempo na reformulação de leis da natureza, deve

levar a uma vinculação dinâmica, de dimensão existencial e fundamental. Para o autor

em todos os fenômenos que percebemos ao nosso redor, quer pertençam à física

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macroscópica, à química, à biologia, quer às ciências humanas, em toda parte nos

deparamos com o caráter constitutivo de novas estruturas, e novos sistemas complexos,

o que implica em futuro incerto apesar de provável. Portanto, é fundamental

problematizar, através de conteúdo temporal e probabilístico, que vivemos em um

mundo dinâmico e transformado em que as noções de instabilidade e de caos assumem

um papel essencial para caracterizá-lo.

Com a intenção de compreender uma abordagem julgada pelo futuro professor

como pertinente para o tema e também compreender sua autoria e autonomia

propositiva para a docência do tema, perguntei como ele organizaria um processo

educativo para o tema:

Eu nunca pensei ensinar Química com uma temática. Eu sempre pensei ensinar só o

conteúdo em si, isso já bastava para o aluno, porque eu talvez tivesse uma visão igual de

alunos da escola que só tem essa visão de conteúdo e acabou. Daí a gente pegou uma

temática na graduação, a gente percebe que o tema fica mais abrangente e que você usa o

mesmo conteúdo para várias coisas e não só lá na frente ou para prova. Mas você aplica

isso tudo no dia a dia do aluno no que ele pode usar corriqueiramente. (FUTURO

PROFESSOR ADONIS).

Adonis articula valorização de temáticas com a vida cotidiana o que aponta uma

reflexão e proposta de ensino do tema consonante com a noção de abordagem temática,

tal como é conhecida na educação científica. Machado e Mortimer (2007) lembram que

o cerne da prática científica cotidiana é a resolução de problemas abertos, aqueles que

não têm uma solução única, demandam avaliações constantes de riscos e a escolha de

caminhos alternativos. Um enfoque contextual privilegia a abordagem de resolução de

problemas abertos, que incluem aqueles que são típicos dos setores da atividade

produtiva e não apenas aqueles ligados às teorias da química, o que fornece

instrumentos para a leitura de mundo, desenvolvendo, ao mesmo tempo, competências

para viver em sociedade.

Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), o fato do aluno conviver e

interagir com fenômenos que são objetos de estudo das ciências da natureza, para além

dos muros da escola, desautoriza a suposição de que uma compreensão de tais

fenômenos seja obtida apenas por sua abordagem na sala de aula, com os modelos e

teorias científicas. Para os referidos autores, uma abordagem temática possibilita a

conceituação científica dos conteúdos programáticos subordinados ao tema. Para Freire

(2005) o esforço da educação problematizadora é a de propor aos indivíduos dimensões

significativas de sua realidade, cuja análise critica lhes possibilite reconhecer a interação

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de suas partes. Seria indispensável ter antes a visão totalizada para, depois, separarem

ou isolarem os elementos ou as parcialidades, para em seguida voltar, com mais

claridade, à totalidade analisada.

Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal, e o

reposicionamento do futuro professor, perguntei a Adonis por ressignificações que

elaborou após os estudos sobre a temática:

Ensinar, ser capaz de ensinar sustentabilidade para um aluno, a gente percebe que, a

intenção, o que nos é passado aqui, que nos queremos formar cidadãos. Então as questões

ambientais. É primordial a sustentabilidade. Ela tem muito a ver com a formação de um

cidadão que ele tem que pensar no futuro. Um cidadão ele tem que pensar no futuro quando

ele vai votar, na política, tem que pensar no futuro quando ele vai arrumar um emprego,

tem que pensar no futuro... então tem que pensar em preservar esse meio ambiente. Quando

a gente é capaz de ensinar uma pessoa para ela se formar um cidadão, a gente tem que

ensinar esse conceito de sustentabilidade, de querer preservar agora para continuar depois,

porque o futuro assim pede. E porque ele está ali? É a intenção dele, dos pais quem sabe ter

um futuro melhor, sempre é isso que um pai quer para seu filho, um futuro melhor então a

sustentabilidade implica em ter um futuro melhor ou quem sabe se não tiver um futuro

melhor ficar com esse mesmo do que ter um pior... Então a pratica docente quando a gente

usa a sustentabilidade está diretamente relacionada com a formação de um cidadão.

(FUTURO PROFESSOR ADONIS).

A formação do cidadão é o que de novo aparece neste fragmento de fala de

Adonis. A representação indica uma modificação em relação ao inicio da argumentação

baseada no consumo, que se desenvolveu produzindo a noção de compromisso com o

futuro. A argumentação desenvolve uma valorização no sentido da formação do

cidadão.

Para Adonis, a formação cidadã vincula-se ao pensar no futuro, no trabalho, na

política, na constituição de filhos. Desta forma, ele reconhece resultados desta formação

para os estudantes que vão além da escola, tendo implicações no cotidiano. Julga que a

abordagem do tema deve envolver conteúdo conceitual e atitudinal, visando propiciar

aprendizado multidimensional e voltado à leitura de mundo.

Para Cachapuz et al. (2005), compromissados com a educação para a

sustentabilidade pretendemos contribuir para formar cidadãos e cidadãs conscientes da

gravidade e do caráter global dos problemas e prepará-los para participar na tomada de

decisões adequadas. Para os autores, a participação de cidadãos na tomada de decisões é

hoje um fato positivo, uma garantia de aplicação do principio da precaução, com seu

caráter de dúvidas em relação a benefícios a curto prazo, de opor-se à aplicação

apressada da ciência e da tecnologia, sem garantias suficientes das inovações. Para a

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compreensão das implicações do desenvolvimento tecno-científico é, portanto,

imprescindível um mínimo de formação científica.

Para Freire (2004), a cidadania é uma criação política que não resulta do simples

fato do sujeito ter nascido em determinada cidade, noção valida do ponto de vista legal,

mas não do ponto de vista político. Sendo assim, a intervenção docente tem a

possibilidade de trabalhar em favor da produção da cidadania, tornando-a

responsabilidade ética e social de todos. O tema tem a ver com a cidadania na medida

em que a educação deve ensinar a conviver com o outro, pois o ser humano nasce e vive

“em um ambiente mediado por outros seres humanos” (DELIZOICOV; ANGOTTI;

PERNAMBUCO, 2007, p. 130).

A formação cidadã também se integra à noção de emancipação de modo a

participar dos processos de subjetivação dos sujeitos que aprendem. Para González-Rey

(2006) as emoções que se integram no espaço simbólico de um valor moral são

decisivas no sentido subjetivo que ele terá para o sujeito. Essa integração é central para

o comprometimento da pessoa e para desenvolver posições carregadas desse sentido

subjetivo. Para o autor, é necessário superar a representação de motivação e afetividade

como mero combustível de nossas ações. Os sentidos subjetivos constituem verdadeiros

sistemas motivacionais, que diferentemente do que postulam as teorias mais tradicionais

da motivação, nos permitem representar o envolvimento afetivo do sujeito em uma

atividade, não apenas pelo seu vinculo concreto nela, mas como produção de sentidos

que implicam em uma configuração única, sentidos, emoções e processos simbólicos.

Na argumentação desenvolvida por Adonis há também suposições, ainda que

não claramente explicitadas e sistematizadas, que indicam valores no sentido da ética

para a sustentabilidade e trazem presentes o princípio do Tratado de Educação

Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental é individual e coletiva.

Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a

autodeterminação dos povos e a soberania das nações” (PRONEA, 2004, p. 48). A

argumentação em que “sustentabilidade implica em ter um futuro melhor” indica que

educar implica educação individual, para o futuro que inclui emprego; formação do

cidadão. Ter um futuro melhor implica em dar ênfase às questões ambientais e pensar

no futuro.

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6.2.5 A produção subjetiva da futura professora Margarida – “tem que pensar uma

maneira de não poluir, acho que isso é sustentabilidade”

A futura professora Margarida, possui um curto percurso docente, em especial

através de política pública de incentivo à docência, através do Programa de Bolsa de

Iniciação à Docência (PIBID). Também tem experiência com pesquisa experimental no

Laboratório de contaminantes inorgânicos. É dela a frase síntese transcrita acima, que

foi selecionada por indicar busca de conhecimento para a sustentabilidade.

Porém esta não é a frase que aparece no início de sua elaboração sobre

sustentabilidade. Como aconteceu com os demais pesquisados, a frase síntese somente

aparecerá mais adiante, como resultante da interação que aconteceu na vivência da

prática docente e na convivência com outros futuros professores e com a pesquisadora.

Seu ponto de partida é a “química do solo” que surgiu nas discussões em grupo

sobre as atividades da docência que deveriam planejar. Apresentou como tema gerador:

“Sustentabilidade com o uso e ocupação do solo”. E como contratema ao debate:

“Maneiras corretas de ação”. Então ela elabora como problematização: “Não

prejudicarmos uns aos outros, solos e ser vivo”. Mesmo sem maior sistematização, ela

aponta um compromisso social para com o tema. Durante a conversa escolhe, quando

solicitada, associar sustentabilidade com a habilidade em se manter ao longo do tempo.

Na opinião da futura professora, ao completar frases, sustentabilidade é

“educação ambiental, não destruir ciclos” Assim ela expressa sentido subjetivo

centrado na extração e nos processos de transformação material. Essa noção de

Margarida tornou-se mais compreensível na conversa quando perguntei quais aspectos e

indicadores ela considerava mais significativos para compreender sustentabilidade:

Sustentabilidade não seria pensar antes de retirar do meio? Porque a gente só retira do meio

ambiente e não repõe, né!? Ou repõe de forma negativa, repõe o lixo que a gente já usou já

retirou do meio ambiente (...) eu pensava, sustentabilidade é o que: assim, ‘ah eu vou

reciclar, eu tenho uma empresa, eu poluo, mas eu faço tratamento daquela água que eu

polui, da minha empresa, então eu estou pensando sustentavelmente’, mas não é só isso!

Antes tem que pensar, antes de poluir, tem que pensar uma maneira de não poluir, acho que

isso é sustentabilidade. (...) Eu não sei se a maneira como eu respondo quando fala de

sustentabilidade está correta, mas... uma pessoa que não sabe o que é lixo seco e o que é

lixo úmido no sétimo semestre do curso de Química é difícil... (FUTURA PROFESSORA

MARGARIDA).

Na opinião da futura professora o tema refere-se aos ciclos biogeoquímicos e

suas implicações ecológicas confrontadas com os hábitos de consumo atuais. Do ponto

de vista da ciclagem de material (isto é, processo reacional de transformação material),

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um princípio básico refere-se à equivalência entre a taxa de utilização de material com

capacidade de regeneração do ecossistema. Segundo Loureiro (2012), o

desenvolvimento sustentável traz uma preocupação em crescer sem comprometer a

capacidade de suporte dos ecossistemas e seus ciclos, garantindo a existência social e de

outras espécies em longo prazo. Desta forma aparece no discurso da futura professora

representações que estão presentes nas preocupações sobre sustentabilidade

contemporâneas.

Essa preocupação está relacionada com críticas ao caráter explorador das

relações econômicas com o ambiente levando a acordos globais, que estabelecem como

o fluxo material e energético será acrescentado à degradação produzida pela extração,

processamento e eliminação de rejeitos da produção (PORTILHO, 2010). Preocupação

possível de ser reconhecida na argumentação de Margarida.

A formulação de suas afirmações mostra um posicionamento contextual que

expressa dimensões do debate público sobre o tema. Estes integram aspectos materiais

como os ciclos biogeoquímicos e suas implicações ecológicas decorrentes dos projetos

humanos e hábitos de consumo atuais.

Como intencionava compreender o impacto das vivências no projeto nos

sentidos subjetivos, perguntei à Margarida quais relações estabelecia entre o tema e a

Química. Além disso, perguntei se ela acreditava que tinham acontecido reformulações

em sua noção de química:

eu trabalho lá no laboratório de contaminantes inorgânicos. Lá tem muitos resíduos, muitos

mesmo. E esses resíduos eles ficam em garrafões, tudo com nome, especificado o que tem

em cada frasco só que são muitos. (...) O pessoal só vai trabalhando e deixando lá.

Ninguém parou para pensar assim: “estou gerando tanto resíduo”(...) ninguém dá

continuidade ao trabalho ou tratamento do resíduo. (FUTURA PROFESSORA

MARGARIDA).

O relato da futura professora expressa sua experiência laboratorial sobre

contaminantes inorgânicos, centrada em aspectos de geração, descarte tratamento

resíduos. Ela significa a Química a partir da aproximação com processos naturais, em

que há um modelo químico cíclico, baseado em entrada e saída de material, mas que

expressam também relações energéticas e aspectos termodinâmicos da ciência Química.

Do exposto, compreendo que o posicionamento da futura professora se mostrou

processual a partir da participação nas atividades, na medida em que mostra

proximidade com as experiências sobre contaminantes e geração e descarte de resíduos.

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Sua argumentação envolve conteúdo de fluxos de materiais com implicações em

propriedades do sistema complexo pelo trânsito de matéria e energia com o ambiente.

Como intencionava compreender os sentidos subjetivos implicados pela

articulação de sentidos de procedências bem distantes, perguntei à Margarida se essa

temática ambiental teve implicações na sua escolha por essa licenciatura. Ao responder

surge sua formação técnica em Química, sua escolha pelo curso de licenciatura, e neste

momento do relato ela narra: “(...) no inicio da quinta série eu quis fazer publicidade e

propaganda (...) ai eu fui para biologia, para geografia, ai nutrição, ai Química”, logo

em seguida ela narra sobre seu processo pessoal de decisão:

Eu queria fazer nutrição, meu primeiro vestibular... eu não passei ... Ai eu decidi fazer o

curso técnico... e eu acabei gostando da Química, foi com o qual eu mais me identifiquei...

Ai que eu prestei vestibular para Química licenciatura... só que antes da nutrição eu quis

fazer biologia... eu quis fazer publicidade e propaganda...Ai eu fui para biologia, para

geografia, ai nutrição, ai Química.(...) na biologia, tinha a revista que eu recortava. Eu

colecionava página de revista de tantos cursos que eu já quis fazer (...) e foi feito todo esse

processo de recorte de revista de novo, só que ai eu já não estava mais interessada pelo

dicionário só pela revista. Ai, os livros que falava parte da bioquímica que a gente vê aqui

na graduação, tudo eu ficava lendo (...) ai eu sempre recortava, eu gostava de borboletas.

Toda revista que tinha borboleta eu recortava (...) Animais em geral. Ai eu comecei a me

interessar pelo dicionário toda palavra diferente (...) que era da biologia, ai eu comecei a

marcar... eu tinha um caderno e eu anotava tudinho (...) Então tudo o que eu via com bio eu

fazia esse processo marcava (...) eu fiquei um tempão em biologia. Ai chegou, no segundo

ano do ensino médio era nutrição, e foi feito todo esse processo de recorte de revista de

novo (...) tudo eu ficava lendo (...) ai, 2008 eu entrei no curso técnico. Em 2009 eu entrei

aqui na UFMT. (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).

Para Margarida a coleção de recortes requer ações de recortar, colecionar,

interessar por dicionário, por livros didáticos, requer leitura, interesse e motivação. Sua

argumentação indica que fazer registros de múltiplas informações a conectava aos temas

de seu interesse. Para ela conhecer requer leitura e compilação de informações, desta

forma ela busca articular sua curiosidade e tomada de decisão com o ato de colecionar.

Ramos (2008) afirma que o consumidor da atualidade convive com uma proliferação de

objetos, efêmeros, assim representa-o como um “colecionar às avessas” que se realiza

na vontade insaciável de consumir.

Para Baudrillard (1973), a noção de coleção distingue-se da de acumulação, pois

a coleção emerge para a cultura, visa objetos diferenciados que tem frequentemente

valor de troca, que são também “objetos” de conservação, de ritual social, de exibição e

são acompanhados de planos para o futuro. Os objetos incluem uma exterioridade social

de relações humanas, contudo, mesmo quando a motivação externa é forte, a coleção

jamais escapa à sistemática interna, assim “constitui da melhor maneira possível um

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compromisso entre os dois: mesmo se a coleção se faz discurso aos outros é sempre

primeiro discursos a si mesma” (p. 111).

A argumentação desenvolvida pela futura professora é carregada de elementos

de sua dedicação à colecionar fragmentos para entender os ciclos de vida.

Com base em seus estudos, Lopes (2010) considera que o ato de colecionar é um

complexo de inter-relações. São relações que os sujeitos empreendem para compreensão

de ciclos da vida, de sua finitude e degeneração. Para o autor o colecionismo, apesar de

parecer simples, guarda uma complexidade que carece de ser compreendida na medida

em que pressupõe um princípio de diálogo com fragmentos constitutivos da totalidade

da coleção produzida, ou mesmo de estabelecer critérios de distinção, de organizá-los e

torná-los significativos, pela leitura do cotidiano e da História. O autor considera que as

coleções são práticas que dão sentido de permanência a objetos e imagens figuradas.

Projetam um sentido de afetividade, de preservação na medida em que os distanciam de

outros objetos, com eles criam familiaridade e lhes dão valoração. Desta forma o ato

revela relações entre sujeitos, imagens e objetos, a partir do cotidiano vivido.

Com a intenção de compreender a reflexão da futura professora busquei

informações sobre outros temas que ela apresentou ao completar frases:

1 - Muitas vezes reflito sobre questões ambientais: como a capacidade que temos em

retirar tudo que pode ser aproveitado do meio ambiente sem pensar nos aspectos

negativos. (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).

2 - Minhas melhores atitudes ambientais são: em questão ao lixo, procuro sempre jogá-

los em locais apropriados, senão carregá-los para reaproveitar. (FUTURA

PROFESSORA MARGARIDA).

3 - Quero que o ambiente seja: trabalhado por si próprio, que possamos viver em ciclos,

ou seja, usa, devolve. (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).

As frases reafirmam que Margarida compreende a retirada de material do meio

ambiente como inerente às atividades humanas, mas entende que isso compromete os

ciclos naturais. Para ela retirar, aproveitar, reaproveitar deve estar acompanhado de

pensar nos aspectos negativos, pois ao levar em consideração as conseqüências dessas

ações todos nos tornamos responsáveis. Nas expressões referentes ao ambiente

“trabalhado por si próprio”, “em locais apropriados” há uma representação com a

qual ela atribui a responsabilidade aos seres humanos pelo uso e manutenção dos

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processos naturais. Nesses fragmentos, Margarida também aponta o compromisso com

descarte adequado e reaproveitamento de materiais como atitudes a serem estimuladas.

A argumentação de Margarida remete a proposições, ainda que não

sistematizadas, que se aproximam de princípios apresentados na Carta da Terra.

Portanto, a interpretação da argumentação desenvolvida pela futura professora em que

expressa “tem que pensar uma maneira de não poluir, acho que isso é

sustentabilidade” nos leva a considerá-la como uma proposição. Assim encontramos

suposições que indicam valores no sentido da ética para a sustentabilidade presentes em

dois dos princípios da Carta da Terra: i. “afirmar a fé na dignidade inerente de todos os

seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.”; ii.

“impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não permitir o aumento de

substâncias radioativas, tóxicas ou de outras substâncias perigosas.”; iii. “Avançar o

estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e uma ampla aplicação

do conhecimento adquirido.”; iv. “Apoiar a cooperação científica e técnica internacional

relacionada à sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em

desenvolvimento.”; v. “Impedir a poluição de qualquer parte do meio ambiente e não

permitir o aumento de substâncias radiativas, tóxicas ou de outras substâncias

perigosas.” (BOFF, 2012, p. 170; p. 172). Assim a argumentação que Margarida

desenvolve atribui valor à curiosidade e compilação, abertura, ampliação e troca de

conhecimento.

A argumentação desenvolvida pela futura professora indica que as intervenções

ambientais, por sua complexidade, requerem aprofundamento a partir de estudos de

casos; requer também problematização e sensibilização com o meio natural; requer

ainda planejamento, tratamento e precaução. Para Makiuchi (2005, p. 30), a

impossibilidade de saber tudo é que torna o princípio da precaução um princípio crítico,

responsável e ético, como uma ética crítica, que se contrapõe por um lado ao

utilitarismo e por outro à ingenuidade.

A interpretação da configuração subjetiva de Margarida, que integra uma busca

por conhecimento e método para abordar a sustentabilidade, também propicia

interpretação sobre sentidos subjetivos relacionados à docência. Traz a intencionalidade

de Margarida para com um ensino organizado para aprofundamento dos estudos

relacionados com o tema, que se expressa na frase “mas ai a gente pensando, nos

aspectos ambientais, no nosso dia a dia, aquilo que esta em nossa volta e sabendo que é

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sustentabilidade”. Para compreender a relação desses sentidos subjetivos e suas

implicações para a docência, assim como compreender conteúdos e abordagens

considerados relevantes por Margarida, solicitei um relato das atividades desenvolvidas

e avaliação da experiência vivida:

(...) na prática de ensino II nós separamos a turma em temáticas e como nós ficamos com

Ciência, Tecnologia e Sociedade e Ambiente então nós trabalhamos mais essa parte

ambiental, essa temáticas ambientais. Então foi muito bom, inclusive em uma conversa que

nós tivemos sobre lixo até hoje eu me pego falando sobre isso. (...) o (aporte) CTSA era

muito amplo e nós nos interessávamos por água e solo. E o grupo dividiu em água e solo e

eu gostei mais do grupo da água, mas ai eu fiquei com solos porque eu fui lendo vários

livros, artigos para ver e eu gostei de solos(...) (FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).

Percebe-se como central no relato da futura professora o conteúdo relacionado à

dimensão ambiental, lixo, água, solo. No que tange a Química Ambiental, para Baird

(2002, p. 527) a relação de lixo e solo leva a uma combinação problemática em que se

gera “o (problema) da natureza e do possível descarte de resíduos perigosos em

qualquer estado, e certamente de resíduos concentrados de todo tipo, incluindo o lixo

doméstico.” Essa prática humana é perigosa quando constitui um risco à vida, de

humanos ou não humanos. Há casos também considerados perigosos que incluem

entulhos de construção e demolição como aqueles advindos dos setores comercial e

industrial, e das residências particulares.

O principal método para armazenar lixo é a sua colocação em aterro sanitário,

que consiste em uma grande escavação no solo. Por isso os aterros modernos são

projetados para assimilar as ciclagens previstas inclusive do líquido produzido nas

atividades reacionais chamado de chorume. O relato da futura professora remete ao

aspecto físico-químico da dinâmica no plano das funções de distribuição, com a qual

ganha sentido olhar as múltiplas interações do descarte de resíduos para compreender

novas teorias formuladas para as leis da natureza a cerca da geração de instabilidade e

caos, tidos como ponto de partida para uma reformulação da dinâmica baseada em

probabilidades e instabilidades (PRIGOGINE, 2002).

Sobretudo o relato remete a uma temática contemporânea e com repercussão

social. Para exemplificar, 2014 é o prazo final para a eliminação de lixões e aterros

controlados e disposição final ambientalmente adequada de rejeitos conforme

estabelecido na lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e

seu decreto regulamentador, decreto nº 7404/2010 (BRASIL, 2010). Dados da Pesquisa

Nacional de Saneamento Básico de 2008, realizada pelo Instituto Brasileiro de

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Geografia e Estatística em Mato Grosso, mostram como são caracterizados os principais

locais utilizados para disposição de resíduo sólido: 22 (de um total de 1049) com

recobrimento sistemático dos resíduos com freqüência superior de um dia; 14 (de um

total no Brasil de 784) com recobrimento sistemático com freqüência diária; 49 (de um

total de 1703) com presença de catadores de resíduos no interior das instalações; 11 (de

um total de 285) com moradias improvisadas de catadores na gleba; 49 (de um total de

1478) com presença de animais de médio ou grande porte (porco, cães, bovinos,

eqüinos etc.) no interior da instalação; 67 (de um total de 1982) com ocorrência de

queima de resíduos a céu aberto (mesmo que em valas); 6 (de um total de 139) com

ocorrência de queima de resíduos em fornos improvisados; nenhum (de um total de 39)

com recuperação de gás metano a partir do biogás captado; 1 (de um total de 26) com

geração de energia.

Esse panorama demonstra principalmente múltiplas interações entre solo, ar,

seres vivos, resíduo liquido, etc., sobre as quais é possível fazer representações da

multidimensionalidade da disposição final de resíduos sólidos. O caráter tanto social

quanto ecológico da temática dos resíduos sólidos demonstra sua relevância relacionada

à sustentabilidade e à possibilidade de se abordar a partir de integração Ciência,

Tecnologia, Sociedade, Ambiente. Para SANTOS et al. (2010), é importante que os

educadores, coerentes com os princípios do ensino de CTS e da Educação Ambiental,

propiciem a interpretação das questões socioambientais cotidianas, no sentido do

encaminhamento de abordagens problematizadoras. Para os autores o enfoque CTS no

ensino de Ciências favorece abordar um conjunto amplo de conteúdo tais como as

necessidades e desejos na nossa sociedade de consumo e suas implicações materiais. O

estudo de tais implicações pode incluir os conflitos e/ou confrontos que envolvam

poderosos interesses econômicos, como a exploração de recursos minerais ou uso da

água enquanto recurso finito e indispensável à vida.

Com a intenção de compreender o papel de tal abordagem para a futura

professora, assim como as outras relações do tema com suas intenções na docência

perguntei como ela organizaria um processo educativo para o tema:

A gente chega no livro didático tem lá: “nos vamos ver x coisa”. Mas ai a gente pensando,

nos aspectos ambientais, no nosso dia a dia, aquilo que está em nossa volta e sabendo que é

sustentabilidade: como que a gente pode trabalhar para que os alunos também saibam o que

é sustentabilidade, fica bem diferente. Até, desde as aulas práticas e as teóricas em sala de

aula. (...) e ai no meio ambiente também fala assim: “aconteceu uma erosão, aconteceu tal

coisa no solo, fulano colocou fogo na plantação dele coitado dele perdeu toda a vegetação

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da sua área”. Às vezes ele não perdeu, às vezes não foi acidental porque ele quer recuperar

o solo dele sem gastar, mas prejudicando o meio ambiente. E a gente pode levar isso para a

sala de aula: “porque fulano está fazendo isso? o que está acontecendo? qual é a reação que

está acontecendo?” E a gente pode fazer isso com várias coisas do nosso meio ambiente.

(FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).

As preocupações relacionais relevantes à noção de sustentabilidade de

Margarida voltam a aparecer. Este recorte representa a configuração subjetiva na

medida em que aponta a relevância de compreender sobre sustentabilidade para então

abordar o tema, para que os alunos também saibam, ideia que demanda conhecimento

dos processos ambientais e da complexidade do tema.

Margarida entende que não deve comprometer os ciclos vitais, o que representa

com a articulação do tema com o solo. Essa possibilidade de alteração físico-material a

partir dos projetos humanos, produzidas por ações coletivas, levou a ciência a

reformular uma imagem que a física clássica dava do universo na qual não havia lugar

para o pensamento, e o papel das escolhas (PRIGOGINE, 2002), mas em nossa época

podemos entender sua presença nos modelos complexos, que descrevem múltiplas

interações produzidas pelo ser humano.

Nos questionamentos que Margarida apresenta se evidencia a produção de ideias

e criação de abordagem de ensino do tema. Para Moraes, Ramos e Galiazzi (2007),

autores de orientação sociocultural, é necessário trabalhar em torno de problemas e de

desafios significativos. Isso pode ser encaminhado pela conexão dos questionamentos

com o conhecimento de partida dos participantes e pela derivação das perguntas a serem

respondidas, a partir do cotidiano dos alunos. Desta maneira, há uma implicação dos

estudantes, na formulação de saberes reconstruídos, favorecendo o interesse e a

motivação de todos em relação ao que é realizado em aula.

Além disso, dar densidade aos estudos associando aos questionamentos podem

orientar uma abordagem de ensino que traga o sujeito implicado no processo intelectual.

Para González-Rey (2006), o processo de aprendizagem implica leitura, pois a produção

intelectual precisa alimentar-se de um posicionamento diferente em relação com o que

aprende, de uma capacidade para participar de forma reflexiva e criativa na

aprendizagem e de novas e inúmeras fontes de informações, as quais ajudarão na

aparição e precisão de novas ideias do estudante.

Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal, um

reposicionamento perante o tema, perguntei à futura professora por ressignificações

elaboradas desde que iniciou os estudos sobre a temática:

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A gente pode fazer muitas aulas práticas que não geram nenhum resíduo, como medir o pH

de algo com extrato de repolho roxo não vai gerar nenhum resíduo, se medir o pH da água,

do solo ou de qualquer coisa. Como na minha casa mesmo, aqui na UFMT eu costumo

levar o lixinho ou na minha bolsa, só que na minha casa é diferente às vezes eu deixo na pia

ou não, tem a lixeira. As coisas de cozinha eu deixo, as cascas na pia, e minha mãe fala:

“nossa uma pessoa que já está formando em Química deixa o lixo aqui. Não sabe aproveitar

casca de banana.” Ai eu falo: “hum, minha mãe está falando de reciclagem, ela está

pensando sustentável, e eu não estou, nem sequer joguei no lixo.” Porque é lixo úmido e, é

um lixo que pode ser jogado no quintal servir de adubo. E a gente, assim, em casa mesmo,

não vê não enxerga. Poderia muito bem trabalhar com a Química em casa, com as coisas do

dia a dia que a gente faz, que a gente deixa de fazer, até dede o lavar do banheiro, até tudo.

(FUTURA PROFESSORA MARGARIDA).

A representação presente neste fragmento indica uma modificação em relação ao

inicio de sua reflexão voltada para química do solo, que se desenvolveu para explicar e

transformar as atitudes cotidianas, pela compreensão conceitual do tema e assim manter

coerência nas ações em espaço público e em espaço privado. Neste momento surgem

sentidos que apontam para a necessidade de assumir responsabilidade e agir como

profissional, inclusive nos espaços da família.

Por outro lado, revela uma afirmação do início da argumentação de conservação

dos ciclos com predominância da reciclagem do lixo, neste momento pertinente com sua

insistência na necessidade de pensar em maneiras adequadas de descarte. Para Freire

(2004), quando entendemos que ensinar não é transferir conhecimento a gente tem todo

um campo pela frente para inventar maneiras de tratar, melhorar o objeto, o chamado

conteúdo e suas abordagens e certas maneiras de experimentar e possibilitar ao aluno

que experimente desde que entendemos professores e estudantes como sujeitos

criadores.

Para pensar como agir de maneira ambientalmente adequada, Capra (1996)

lembra que se deve pensar em rede, no mundo que criamos com os outros, que inclui o

nosso mundo interior de pensamentos abstratos, de conceitos, de símbolos, de

representações mentais e de autopercepção.

Para pensar outra maneira de agir, ambientalmente adequada, trago o que

González-Rey (2006) propõe como a posição criativa do aluno, implicada em estimulá-

lo para a reflexão e para a leitura, sendo assim capaz de ultrapassar uma representação

descritivo-reprodutiva da aprendizagem.

Portanto, na interpretação da argumentação desenvolvida encontramos

suposições que indicam valores no sentido da ética para a sustentabilidade como aqueles

presentes no princípio do Tratado de Educação Ambiental e Responsabilidade Global: i.

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“A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as

formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e

impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos” (PRONEA,

2004, p. 49). Quando Margarida expressa “tem que pensar uma maneira de não poluir,

acho que isso é sustentabilidade”, sua afirmação me leva a considerá-la como uma

proposição em que pensar e desenvolver maneiras de compartilhamento do planeta deve

abarcar o tema do comprometimento dos ciclos vitais e chamar a atenção para a

exploração sem limites.

A argumentação desenvolvida por Margarida traz uma proposição consonante

com os princípios contemporâneos voltados a uma consciência ética e reformulação de

limites aos projetos humanos. O processo de pensar essa maneira de agir exige a

posição criativa do estudante, o que também exige dedicação do professor e

planejamento como aparece na argumentação da futura professora Margarida.

6.2.6 A produção subjetiva da futura professora Dália – “falar de sustentabilidade é

falar de uma maneira complexa”

Dália é uma jovem cuja experiência docente se desenvolveu em especial através

de política pública de incentivo à docência, no Programa de Bolsa de Iniciação à

Docência (PIBID). Também tem experiência com pesquisa experimental vinculada ao

Laboratório de Contaminantes Inorgânicos. É dela a frase “falar de sustentabilidade é

falar de uma maneira complexa”, que foi selecionada por sintetizar como ela considera

relevante abordar o tema, contemplando sua complexidade, ainda que sua elaboração

seja pouco sistematizada.

Sua preocupação com a dimensão relacional aparece logo de inicio, quando ela

apresenta o tema gerador: “Mato Grosso: o clima e suas relações antropológicas”.

Sobretudo, na elaboração do documento de redução temática ela problematiza:

“Conhecer a região, o clima, a topografia e um levantamento histórico, seria uma

solução?” Quando provocada, ela concebe sustentabilidade como “um conjunto de

estratégias de manejo”.

Na opinião da futura professora, sustentabilidade é “pensar nos outros”. Esses

elementos apresentados por Dália ganham sentido na conversa, durante a entrevista

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quando perguntei quais aspectos e indicadores ela considerava mais significativos para

compreender sustentabilidade:

A área do meio ambiente, e, a parte da sustentabilidade está ligada, é tudo muito complexo,

porque falar de sustentabilidade é falar de uma maneira complexa. Para você pensar de

maneira sustentável, você não vai pensar só numa prática nova, mas você vai pensar em

uma prática, além de fazer diferente, você vai estar ajudando, além de fazer diferente, você

vai estar cuidando, além de fazer diferente, você vai estar respeitando, além de fazer

diferente você vai estar criando uma nova prática, de pensar. (...)então, pensar que tudo o

que nós vivemos, nossa vida é fluxo, é transformação (...) (FUTURA PROFESSORA

DÁLIA).

Para Dália, o tema refere-se ao saber, ao conhecer à complexidade do real.

Sobretudo refere-se à alteridade, e implica em pensar em outros, nas futuras gerações,

uma prática nova de ajudar. Podemos entender o princípio de alteridade como uma

preocupação em não naturalizar o mundo sem o “outro”, sem relações responsáveis.

Sendo assim, “alteridade é esta fratura na existência humana, a ruptura com este mundo

natural que se dá a partir da consciência do ‘outro’, da distinção e da separação que se

estabelece a partir daí” (MAKIUCHI, 2005, p. 29). Para Freire (2004, p. 84), é preciso

reconhecer que o outro pensa diferente, assim a postura torna-se “ética: como é que eu

respeito a cultura do outro.” Desta forma, aparece uma representação presente nas

preocupações contemporâneas nas quais “pensar nos outros” é crucial para o diálogo

respeitoso da diversidade cultural e também no sentido de incluir as gerações futuras.

A produção de sentidos subjetivos de Dália mostra um posicionamento

contextual que expressa dimensões presentes no debate público atual sobre o tema.

Neste momento da argumentação, a futura professora apresenta as expressões “ligada”,

“complexo”, “fluxo” e “transformação” para representar suas preocupações relacionais.

A noção expressa como “sustentabilidade é falar de maneira complexa”, é uma

forma com a qual ela interage com o debate instalado em âmbito global, que demanda a

busca por conexões. Para Carvalho (2012, p. 120), a percepção a partir do conhecimento

disciplinar (em nossa época está configurado como despedaçado, compartimentado,

fragmentado e especializado), reduziu a complexidade do real, de modo que instituiu o

conhecer como maneira de estabelecer poder e domínio sobre o objeto conhecido,

“impossibilitando uma compreensão diversa e multifacetada das inter-relações que

constituem o mundo da vida.” Desta maneira torna-se compreensível à noção de

sustentabilidade da professora preocupada com a complexidade do tema.

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154

Como intencionava compreender melhor os elementos expressos até o momento,

perguntei para Dália como essa noção de sustentabilidade se vinculava a outras

experiências suas com o tema:

Quando a professora fala de sustentabilidade eu sempre lembro de um aluno do mini-curso,

nós perguntamos para ele assim: o que é solo? Qual a importância do solo? Ai ele disse

uma das importâncias do solo e uma das importâncias de fazer as questões ambientais é

pensar novas técnicas de fazer essas plantações. Então sempre que me falam de

sustentabilidade então vem isso, antes eu não tinha muito conteúdo sobre isso, sobre a

questão da sustentabilidade, já havia lido sobre isso porque tem muitos congressos, tem

simpósios que aconteceram no Rio de Janeiro, aquele Eco 92, Eco Rio. Sempre falam

dessas questões de sustentabilidade, mas eu nunca tinha visto assim, pesquisado sobre isso,

mesmo as questões ligadas a reciclar, reutilizar usar com consciência. Acho que a

sustentabilidade para mim começou agora, na universidade, antes não tinha muito contato.

(FUTURA PROFESSORA DÁLIA).

Ao refletir sobre a temática, Dália relata sua experiência docente com ênfase na

preocupação com a contaminação de solo e da água, temática também implicada por sua

experiência laboratorial, voltada para identificação de contaminantes. A futura

professora reflete sobre técnicas e práticas humanas e julga que a sustentabilidade

mobiliza o conhecimento científico no sentido de renovação de práticas de reciclagem e

reutilização, mas também aponta relevância de novas técnicas relacionadas à produção

agrícola. Desta forma, aparece uma representação presente nas preocupações globais a

respeito de reformulações de práticas técnico-científicas.

Como intencionava compreender os sentidos subjetivos tensionados pelo projeto

vivido, perguntei quais relações ela fazia entre o tema e a Química e se ela acreditava

que havia implicações desse tema na sua escolha por essa licenciatura:

(...) se nós formos ver a Química está relacionada com todos os tipos de materiais, a

tecnologia precisa da Química, nas telas de computadores, nos plásticos que elas são feitas.

Dos fios que ligam, além da informação, todos os tipos de áreas da medicina, das outras

áreas da ciência precisa da Química. Então a Química ela vai estar ligada na

sustentabilidade de uma maneira muito importante, se a gente começar a pensar de maneira

sustentável pela Química. Acho que a gente pode ajudar muito nessas questões ambientais,

de conscientização, de educação. (...) a Química é um desafio, porque não é uma área muito

fácil, que precisa de todas as outras áreas ligadas, se você for ver, nós precisamos da área

da matemática, nó precisamos da área da biologia, nós precisamos da área da história (...)

Eu sou formada em técnica em Química (...) Eu gostei bem de fazer e é um desafio (...) eu

sempre encaro a Química como um desafio. Assim como estou encarando para poder sair

daqui da universidade e ir para uma escola pública e dar aula. Para mim vai ser sempre um

desafio. Assim como é para mim um desafio ser professora. (FUTURA PROFESSORA

DÁLIA).

A futura professora expressa uma compreensão do caráter multidimensional

também em sua noção de Química. Ela avalia a Química por um sentido de desafio ao

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docente, no sentido de compreender a relação de interdependência com outras áreas de

conhecimento. Ela julga a Química tanto como ciência quanto disciplina curricular

importante para compreender transformações, interações e fluxos. Assim ela

contextualiza sua relação com a pesquisa química, e a interpreta como desafiadora.

Dália entende a Química a partir dos desafios que julga inerentes a sua

profissionalidade. Para Freire (1996), a abertura aos desafios faz com que a inteligência

seja desafiada, fazendo deles uma exigência à prática docente. A futura professora

mostra-se como pessoa curiosa. Para Marques (2002), um sujeito assim apresenta-se

voltado a integração de incertezas, e sente-se desafiada a estabelecer relações, assume e

encara os obstáculos com os quais se defronte e admite sua incompletude.

Compreendo que sua argumentação traz um posicionamento processual, cujas

formulações sobre “falar de sustentabilidade” resulta das interações vivenciadas no

projeto, pois segundo ela o contato com a temática é recente. Tanto nas atividades da

prática de ensino de química quanto nas atividades laboratoriais seus estudos estiveram

voltados para identificação de contaminantes, de onde se origina a preocupação com a

contaminação de solo e água. Sobretudo, para o conjunto da argumentação desenvolvida

há uma multiplicidade de sentidos subjetivos que expressam a articulação de sentidos

provenientes de outros contextos sociais. As expressões “maneira complexa”, “é um

desafio ser professora” integra-se aos sentidos de enfrentar desafios.

Para compreender melhor a articulação com sentidos de outros espaços da vida

social, solicitei da futura professora completar frases. A seguir destaco algumas:

1 - as relações ecológicas: complexas. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).

2 – muitas vezes reflito sobre questões ambientais: acerca de respeito, consciência,

amor, futuro, preservação. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).

3 – não posso: falar de algo que não conheço e/ou não tenho contato. (FUTURA

PROFESSORA DÁLIA).

A argumentação desenvolvida pela futura professora aponta questões como

complexo, respeito, conscientização, futuro e preservação. Assim torna-se

compreensível a expressão “falar de sustentabilidade” de “maneira complexa” que

integra pensar nos outros, no futuro, em ações que não prejudiquem as gerações futuras.

Também se torna compreensível a expressão “é um desafio ser professora” que se

integra a tais sentidos e inicia o processo de dimensionamento das responsabilidades

futuras.

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156

Há uma proposição na argumentação desenvolvida pela futura professora em

que “falar de sustentabilidade é falar de uma maneira complexa”, conforme Carvalho

(2012, p. 120) a “... percepção de que o conhecimento disciplinar – despedaçado,

compartimentado, fragmentado e especializado – reduziu a complexidade do real”, ao

instituir que conhecer é estabelecer poder e domínio sobre o objeto conhecido,

impossibilitando uma compreensão diversa e multifacetada das inter-relações que

constituem o mundo da vida. Há também suposições que simbolizam valores, no

sentido da ética para a sustentabilidade, próximas a dois dos princípios da Carta da

Terra: i. “integrar na educação formal e aprendizagem ao longo da vida os

conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável.”;

ii. “reconhecer que todos os seres são interligados e cada forma de vida tem valor,

independentemente do uso humano.”; iii. “Reconhecer que a liberdade de ação de cada

geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras” (BOFF, 2012, p. 170;

p. 172). Assim a argumentação que Dália desenvolve traz atribuição de valores aos

desafios, às novas atitudes sustentáveis, a lidar com a complexidade da vida.

A argumentação da futura professora articula elementos em que a

sustentabilidade refere-se à pensar no outro (o que suscita a noção de alteridade); e

integrar a complexidade do ambiente o que lhe parece um desafio.

A multiplicidade de elementos constitutivos de sustentabilidade de fato exige

abordagem complexa e configura-se como um desafio ao fazer docente. A

responsabilidade para com as gerações futuras demanda integrar na educação

conhecimentos, valores e habilidades e assim dar ênfase a um modo de vida sustentável,

Compreender como todos os seres estão interligados e como cada forma de vida tem o

seu valor também demanda pensar de maneira complexa.

Neste sentido, segundo Marques (2002), a educação voltada às relações

históricas e culturais concebe o conhecimento como um processo intersubjetivo, de

entendimento compartilhado. Desta forma, a educação abre-se à atuação argumentativa

do senso comum e das diversas ciências (de forma interdependente e intercomplementar

pertinente à presença dos dinamismos das ciências em todos os setores da vida humana

na sociedade).

Tais ideias propiciam uma interpretação de suas implicações para a docência,

pois trazem sua intencionalidade para com um ensino capaz de encontrar aspectos de

integração das muitas dimensões do tema como “o que nós vivemos, nossa vida é fluxo,

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157

é transformação”. Para compreender a relação desses sentidos subjetivos e a implicação

do tema em sua experiência de docência, assim como compreender conteúdos e

abordagens relevantes para Dália, solicitei um relato das atividades desenvolvidas na

disciplina:

Eu não tinha muito contato com as questões ambientais, mas como no primeiro dia nós

tivemos que escolher sobre uma atividade experimental e eu escolhi chuva ácida e como as

questões voltadas para a questões ambientais, então decidi falar sobre o tema. Não tinha

muito assunto sobre esses, nunca tinha pesquisado sobre isso, nunca li artigos sobre as

questões ambientais, mas sempre tive curiosidade, bastante curiosidade, quando falava

sobre questões ambientais. Então encontrei uma oportunidade muito boa poder falar sobre

isso. Gostei muito de ter aprendido sobre o tema. Os mini-cursos que nós fizemos, as

leituras que nós fizemos, também ajudaram muito para falar das questões ambientais.

(FUTURA PROFESSORA DÁLIA).

Noto como central, no relato da futura professora, uma articulação da chuva

ácida e interações ambientais. Para Baird (2002, p. 132), a acidez das precipitações leva

também à deterioração do solo. Quando o pH do solo é reduzido, os nutrientes das

plantas, tais como os cátions potássio, cálcio e magnésio são lixiviados. Essa condição

de fluxo de material e energia entre sistemas expõe como flutuações insignificantes e

bifurcações são capazes de produzir circunstâncias oportunas para novo funcionamento

do sistema e caracteriza toda perturbação como construtiva de nova organização e

processo (PRIGOGINE, 1986; 2002). Desta forma, a articulação chuva-ácida

demonstra a relevância desse tema para um ensino de reformulação das leis da natureza

no sentido de incluir a incidência da instabilidade e da irreversibilidade dos fenômenos

complexos.

Segundo o autor, a observação das moléculas pelo microscópio, levará a visão

de um movimento desordenado e incessante relacionado ao caos molecular. Dado esse

caos, ao abrir o sistema e fazer penetrarem nele fluxos de energia e de matéria, a

situação muda radicalmente. Por um lado, em nível microscópico, verificam-se

fenômenos irreversíveis, fluxos de calor, reações químicas que levam a novas estruturas

espaço-temporais impossíveis de realizar em situações de equilíbrio, por outro ainda, o

caos molecular organiza-se quebrando a simetria temporal e as simetrias espaciais.

Estabelecer interações sistêmicas, plurais e dinâmicas é central na formulação de

Dália. Para Prigogine (2002, p. 84) “a ciência começa a estar em condições de descrever

a criatividade da natureza, e o tempo, hoje, é também o tempo que não fala mais de

solidão, mas sim da aliança do homem com a natureza que ele descreve”.

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158

Com a intenção de compreender sua abordagem, mas também de compreender

alguma autoria e autonomia nas relações do tema com a docência, perguntei como ela

organizaria um processo educativo para o tema:

Eu vou fazer, eu vou elaborar, as minhas aulas de maneira sustentável, de maneira

pensando no meio ambiente, de maneira ecológica, (de maneira) que eles possam ver o

meio ambiente como algo que faz parte deles como seres humanos, como pessoas, como

adultos. Eles que vão fazer parte desse meio ambiente. No futuro eles vão ter filhos, se eles

tiverem filhos, poderem passar isso. Acho que temos que começar a criar esses

pensamentos nos alunos, criar não, levá-los a pensar desse jeito seria bom para eles, para a

sociedade. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).

Neste fragmento de fala da futura professora Dália aparecem as integrações que

começa a estabelecer a respeito de noções ecológicas e de futuro. Para Capra (1996),

reconectar-se com a teia da vida e à maneira de sustentação da vida dos ecossistemas,

significa construir e educar comunidades sustentáveis e princípios básicos de ecologia.

Um desses princípios é o da interdependência. O autor insiste na afirmação de que todos

os seres estão interligados em uma vasta e intrincada rede de relações, onde toda

perturbação não está limitada a um único efeito, o que amplia sobremaneira nossos

compromissos éticos e morais.

Também na ideia da futura professora de “levá-los a pensar” encontro a

possibilidade de reconhecimento de uma autoria e autonomia de pensamento, que

apresenta produção de ideias e planejamento de abordagem de ensino do tema, na qual,

a partir de provocações, mobiliza-se o pensamento. Para Freire (1996), o respeito à

autonomia e identidade requer comunicação dialógica para a qual é significativo falar

do objeto com clareza. Freire (2004) afirma que ao final do século XX, com o

desenvolvimento tecnológico, fica cada vez mais reduzido o espaço para a curiosidade e

a criatividade, sendo assim, lutar por elas equivale a lutar pela liberdade. “A curiosidade

que motiva, que conduz, que empurra o conhecimento é a mesma do índio, minha, tua.”

(FREIRE, 2004, p. 85).

Com a intenção de compreender a ampliação do compromisso pessoal, e

reposicionamento perante o tema, perguntei à futura professora se ocorreram

ressignificações desde que iniciou os estudos sobre a temática:

Quando a gente pensa nessas áreas, é mais fácil a gente pensar interdisciplinarmente, isso é

que me leva a pensar... saber mais para poder estar ligando com outros conceitos ligados a

Química. Isso é o que eu quero então levar para os meus alunos. (...) eu não tinha muito

essas relações com o meio ambiente de pensar vamos supor: o que a chuva tem a ver com o

solo? Não tinha isso, eu fui aprender agora, essa ligação entre a chuva e o solo, entre a

atmosfera e a hidrosfera, ligar fauna e flora e questões relacionadas com as questões

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pluviais, fluviais, os rios o que isso afeta. E quando nós fizemos o mini-curso sobre o solo

seus constituintes e contaminantes, foi melhor ainda, porque quando eu li o livro, fazia essa

reflexão e quando eu decidi iniciar o curso foi por essa razão, eu achei interessante porque

eu quero levar para os alunos essa relação: o que tem a ver o solo com a atmosfera? O que

tem o solo a ver com a chuva que caiu? Com a água. O que deu esse movimento? Porque eu

gosto muito da História também, então pensar que tudo o que vivemos, nossa vida é fluxo,

é transformação (...) essas questões são muito importantes para que eu possa pensar a

Química, a questão ambiental, a sustentabilidade de maneira mais investigativa, para

investigar mais, para saber mais para poder estar ligando com outros conceitos ligados a

Química. (FUTURA PROFESSORA DÁLIA).

O discurso de Dália indica uma modificação em relação ao conhecimento do

caráter problemático das questões ambientais que se desenvolveu produzindo a noção

de ligação. As reformulações incluem interações sistêmicas, ambientais, relações

complexas, bem como a ideia de posturas holísticas, interdisciplinares e plurais. Assim

torna-se compreensível sua noção que articula integração de abordagens pela

interdisciplinaridade. Segundo Zanon e Maldaner (2010) a interdisciplinaridade de fato

configura-se como um desafio para a Educação em ciências, pois não se trata de

valorizar a interdisciplinaridade apenas como um conceito ou uma proposição teórica,

mas de valorizá-la como atitude e postura cotidianamente vivenciadas nos coletivos

organizados em contexto escolar. Desta forma, aparece na argumentação de Dália uma

representação a respeito da complexidade e interdisciplinaridade, que é relevante para o

ensino de Química.

A argumentação desenvolvida pela futura professora me remete a proposições

que simbolizam valores, no sentido da ética para a sustentabilidade. Há também

suposições que indicam valores próximos ao princípio do Tratado de Educação

Ambiental e Responsabilidade Global: i. “A educação ambiental deve envolver uma

perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo

de forma interdisciplinar” (PRONEA, 2004, p. 48). Na argumentação de Dália há uma

atribuição de responsabilidade para a docência em que “falar de sustentabilidade é

falar de uma maneira complexa”, de modo a envolver fazer relações, maneiras

complexas, holísticas, interdisciplinares.

A reflexão de Dália levou a elaboração de relacionamentos que resultaram na

representação da docência comprometida a abordar uma multiplicidade de relações que

incluem clima e impermeabilização, ação antropológica e planejamento urbano.

6.2.7 Discussão das configurações de sentidos subjetivos

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160

O estudo intencionava compreender, a partir dos sentidos subjetivos, de acordo

com os referenciais da teoria da subjetividade na perspectiva histórico-cultural, as

reflexões de futuros professores de química, que se encontravam envolvidos com o

ensino do tema complexo da sustentabilidade, ou seja, envolve o conhecimento desta

disciplina, valores e compromissos sociais, e exige docência que problematize mudança

de atitudes. As configurações de sentidos subjetivos dos futuros professores são

articuladas em torno das noções de danos e responsabilidade. Ao problematizar o papel

da Química na sociedade contemporânea, eles apontaram diferentes elementos. Entre

eles, o reconhecimento dos impactos das atividades humanas em sistemas complexos,

para o qual destacam a contribuição do conhecimento químico na geração de soluções.

Também apontaram a contribuição das análises químicas para a gestão ambiental,

demonstrando apropriação de conhecimentos sobre gerenciamento de resíduos líquidos

e sólidos. Como acadêmicos de Química atribuem sentidos à sustentabilidade a partir

das combinações químicas, de formação de novos produtos, de taxas de retirada e

reposição de material do Planeta.

Os futuros professores apontaram sentidos subjetivos que remetem ao tema da

sustentabilidade e à construção de novas práticas químicas. Sendo assim, este espaço

social implicou em reflexões consonantes com enfoque ambiental das problemáticas

atuais, que buscam respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais

(SACHS, 2002). Também se mostrou integrada à construção coletiva do grupo em torno

da integração Ciência, Tecnologia, Sociedade e Meio Ambiente. Desta forma, o

contexto implicou em reflexões e ideias sobre o papel do tema na educação de

mudanças de postura. A produção subjetiva dos acadêmicos pesquisados indica que seus

vínculos com o tema remetem a experiências em outros espaços sociais e os levam a

articulação de sentimentos de indignação, curiosidades, desafios e intenções de

conciliação. Isso implicou em sentidos subjetivos de indignação para com atitudes

poluidoras do espaço público, de conciliação entre conservação da natureza e economia,

de visão integrativa-interdisciplinar dos desafios atuais e curiosidade.

Mesmo que pouco esclarecidas ou sistematizadas as informações indicam

sentimentos morais que podem se desenvolver em sentimento de responsabilidade

(JONAS, 2006). Naquilo que reivindicam novos modos de compreender relações entre a

sociedade e a natureza, apontam possibilidades de se desenvolverem como sujeitos

ecológicos (CARVALHO, 2012). Naquilo que se refere a ações individuais e coletivas,

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161

bem como no que envolve dilemas conceituais e políticos da cidadania, apontam

possibilidade de se desenvolverem em consumidores participantes (PORTILHO, 2010).

Para González-Rey (2005a), segundo a tradição histórico-cultural, a

representação social do sujeito articula processos simbólico-emocionais que estão

implicados por sentidos subjetivos de variadas procedências além do processo que

acontece em um contexto educativo específico.

Tendo como horizonte a ética para a sustentabilidade, a argumentação

desenvolvida demonstra um potencial para a prática docente, na medida em que foi

possível interpretar sentidos subjetivos que se aproximam do debate acadêmico

contemporâneo a respeito das questões socioambientais. Considerando os princípios da

Carta da Terra e o Tratado de Educação Ambiental, noto aproximações para com um

respeito pela Terra além de reconhecerem as necessidades das gerações futuras. Desta

forma, aproximam-se de compromisso com a integridade ecológica: i. manejar a

extração e uso, diminuir a exaustão, prevenir o dano ao ambiente; ii. tomar o caminho

da prudência, não permitir o aumento de substâncias perigosas, garantir assimilação

pelos sistemas ecológicos, atuar na restrição e eficiência no uso de energia. Também se

aproximam de compromisso com democracia, não violência e paz: i. integrar educação

e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável e ii. promover uma cultura

de tolerância.

A argumentação desenvolvida aponta juízos e valores morais diversos em torno

do compromisso público, de entendimento mútuo, de compromissos pessoais

relacionados ao cuidado com o planeta para um futuro melhor, com os desafios que os

problemas ambientais representam, com a conservação de ciclos biogeoquímicos,

também com a interdisciplinaridade. Rosa, com sua indignação, atribui valor à

precaução e à diminuição da exaustão. Adonis, partindo da conciliação, atribui valor à

parcimônia e ao entendimento. Margarida atribui valor à curiosidade e à abertura para a

troca de conhecimentos. Dália valoriza os desafios, as novas atitudes sustentáveis, ao

ocupar-se com a complexidade da vida.

Depois de conversar com os sujeitos, pude observar a potencialidade de toda

essa produção subjetiva para uma docência consciente, com intencionalidades de

produzir um currículo capaz de ir além do livro didático. Uma docência

problematizadora para Rosa e Margarida; uma docência voltada à contextualização

sociocultural, e à formação cidadã para Adonis. Uma docência comprometida com a

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interdisciplinaridade para Dália. Os sentidos subjetivos apontam para a compreensão da

relação entre convivência e emancipação (FREIRE, 1996). Estas formulações se

aproximam das muitas exigências para a docência na atualidade.

O estudo do tema com os (futuros) professores também mostrou necessidades

formativas envolvendo aspectos tanto físico-materiais, quanto socioculturais, relevantes

para a preparação profissional de professores, no sentido de promover uma prática-

educativa capaz de problematizar condições planetárias, atuais e futuras.

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7 NECESSIDADES FORMATIVAS

Os sentidos subjetivos, presentes nas argumentações desenvolvidas pelos futuros

professores que participaram dos dois estudos desta pesquisa, mesmo que diversos e por

vezes antagônicos, próprios de uma dimensão conflituosa inerente às relações sociais,

indicam temas pertinentes para a formação docente vinculada às questões ambientais e à

ética para a sustentabilidade. Os sentidos subjetivos em desenvolvimento, tanto aqueles

apresentados pelos (futuros) professores, quanto aqueles defendidos por pesquisadores

da área, me motiva a apresentá-los como uma possibilidade educativa de diálogo

crítico-problematizador, que potencialize a formação ético-moral dos

(futuro)professores.

Contudo devo considerar que existem naturalizações nos sentidos expressos

pelos (futuros) professores, que devem ser ultrapassadas. Tomo a noção de

naturalização de González-Rey (2005b) que, por sua vez, apóia-se na teoria da

representação social e preocupa-se com processos por meio dos quais um núcleo

representacional se institucionaliza, impedindo toda mudança. Portanto, entender

sustentabilidade como um conceito complexo, requer dos sujeitos abertura para diversas

mudanças teóricas e práticas. Considero a definição a seguir um bom ponto de partida.

Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas,

informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente

a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua

continuidade e ainda atender as necessidades de gerações presentes e das

futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua

capacidade de regeneração, reprodução e coevolução. (BOFF, 2012, p. 107).

O termo nos remete a complexas relações de convivência e emancipação. A

definição apresentada destaca dimensões do tema referentes à comunidade de vida e à

vida humana, além de sua capacidade de reprodução e coevolução, ressaltando a

importância dos projetos comunitários. Nesta construção, o autor aponta as condições

energéticas e físico-químicas que nos alerta para a relevância de considerar as questões

relacionadas com entropia, neguentropia e a capacidade de regeneração. Por fim, nos

remete à incorporação da ideia de atender às necessidades das gerações presentes e das

futuras e superar as utopias de um progresso ilimitado.

Após interpretar os sentidos subjetivos dos (futuro)professores, e relacionar às

suas histórias de vida ao contexto educativo experienciado, neste capítulo aponto, por

um lado, a possibilidade de organização de conteúdos para aprofundamento teórico na

formação docente, por outro lado, aponto alguns princípios éticos para a ação docente

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164

como prática social. Assim, busco retomar a questão de nossas demandas por uma

sociedade sustentável e sua relação com ecologia, produção e consumo, além da relação

complexa sociedade-indivíduo que articula responsabilidades da esfera pública e da

esfera privada, no sentido de reformulações que visam desnaturalizar algumas noções,

que precisam ser transformadas.

7.1 Necessidades que emergem a partir da argumentação desenvolvida pelos

sujeitos

A argumentação desenvolvida por Francisca representada pela expressão:

“como falar de sustentabilidade com quem passa fome?” remete a necessidade de não

naturalizar a visão do pobre como vítima, mas sim de afirmar a sua capacidade de

decidir e fazer escolhas. Para Acselrad (2005, p. 256) em seu contexto social e cultural

os sujeitos se constituem capazes de exigir amplo acesso às informações relevantes.

Também desenvolvem resistências à produção de desigualdades ambientais, através de

estratégias argumentativas e formas de luta inovadoras.

Segundo Acselrad (2005) o conceito de “espaço ambiental”, evidencia as

implicações ambientais dos padrões e níveis desiguais de consumo de diferentes países

e grupos sociais, pressupondo uma igualdade de direitos sobre os recursos planetários.

Neste sentido, a abordagem também introduz uma reflexão sobre a necessidade de

equidade e de alternativas ao crescimento econômico, considerando o meio ambiente

como um espaço de direitos, que os pobres sabem construir.

Este aspecto é relevante à medida que considera a luta dos pobres, a construção

de projetos e sua capacidade de superar a degradação, em seu âmbito de atuação. Com

isso posso dimensionar a ideia desenvolvida em torno da utopia de “volta ao natural” de

Francisca, porque, de fato, não podemos naturalizar a visão de progresso ilimitado e

manter o nível de poluição da riqueza, que consome de modo exaustivo a base natural

do planeta.

A argumentação desenvolvida por Antônio, representada pela expressão “eles

conseguiam viver tranquilamente e essa é a visão de sustentabilidade deles”, me remete

à necessidade de não naturalizar a concepção que toma qualquer cosmovisão como

imutável. Há de se considerar que todas elas são produzidas socialmente e estão em

processo permanente de transformação.

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165

Sobretudo a expressão do referido professor: “discursos x práticas efetivas”, me

remete a necessidade de não naturalizar uma visão de apatia e passividade das massas

(PORTILHO, 2010), que justificaria um distanciamento dos discursos políticos e

acadêmicos das reações dos sujeitos. Nossa época favorece a emergência de diversas

formas de ativismo e consciência planetária, que reafirmam a ideia de sujeito implicado

em seu contexto sociocultural em sua condição de refletir sobre aspectos cotidianos da

vida, agir e reagir com base nessas reflexões. Neste mesmo sentido, é indevido atribuir à

esfera pública responsabilidades de ordem privada, pois ao contrário de alienação,

reafirmar a presença ativa do sujeito ressalta a responsabilização de todos os atores

sociais nos projetos produzidos.

Entretanto, trata-se de considerar cada sujeito como ator social, e não o único

responsável pela degradação ambiental (PORTILHO, 2010). É preciso dar apoio ao

respeito às diversas racionalidades, intenções e objetivos, que levam a distintos projetos

humanos.

Portilho (2010) nos lembra que, em uma linha de pensamento crítico, se

encontram argumentos com relação a outros aspectos defendidos pela economia

neoclássica, tais como considerar o consumidor como um ator racional e interessado

apenas por maximizar seu bem-estar pessoal. Nesta perspectiva, a cultura de consumo,

originada da expansão da produção capitalista de mercadorias, é interpretada,

principalmente, em sua capacidade de manipulação ideológica e controle sedutor da

população, uma visão consonante com a crítica da cultura de massa. Para esta autora,

este é um modelo simplista de conceber o consumo, pois o consumidor regularmente

assume posições éticas nas suas escolhas de consumo. Por esse motivo, segundo a

autora, é necessário ultrapassar essa leitura, à medida que desconsidera o protagonismo

dos sujeitos como construtores de seus processos.

Freire (1987; 2005) argumenta que não nos é permitido descrer das massas

populares. Precisamos assumir que é um mito a absolutização da ignorância das massas.

Não podemos conceber os sujeitos como objetos passivos para os quais são feitas

prescrições que eles devem seguir.

A ideia expressa pelo professor referente “a sustentabilidade é a questão do

consumo consciente”, me remete a preocupação em não naturalizar uma noção de

sustentabilidade pautada por princípios econômicos hegemônicos, levando ao seu

fortalecimento. Para Portilho (2010), existem várias proposições sobre consumo

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sustentável, que não limitam seus projetos e imaginários sociais aos critérios capitalistas

de comportamento racional e lucratividade. Elas concebem a possibilidade de

coexistência de diferentes racionalidades e formas sociais de relacionamento, que

podem contribuir para novas relações da sociedade com a natureza.

Portanto, o consumo consciente pode não ser suficiente. Há de se dar atenção às

soluções de consumo, para que a perspectiva não seja meramente de adesão à

globalização econômica, de um economicismo que determina critérios de tomada de

decisão (LEFF, 2010).

Outro aspecto relevante da argumentação do professor lembra a necessidade de

não naturalizar a noção de “degradação irreversível”. As críticas à produção vinculada

às preocupações ambientais levaram ao desenvolvimento de biotecnologias de

(bio)remediação, que utilizam vários métodos biológicos e químicos de

descontaminação de sedimentos, para degradar ou remover contaminantes, por

processos aeróbios ou anaeróbios (BORÉM; SANTOS, 2001; BAIRD, 2002);

Entretanto, é recomendável não naturalizar a inexistência de limites aos projetos

humanos. Há limites fundamentais, tanto biológicos e materiais, quanto sociais e

culturais. A noção de adaptabilidade humana, que surge dos estudos da ocupação

histórica das diversas regiões do planeta, demonstra que as estratégias de conquista

muitas vezes imitavam a complexidade do sistema, estavam integradas às condições

ambientais do ecossistema, levavam ao enfrentamento das dificuldades e tiravam

proveito das oportunidades por elas oferecidas (MORAN, 1994). Desta forma as

populações humanas enfrentaram problemas de adaptação levando em consideração

estrutura e função dos ecossistemas, com ênfase em sua diversidade e ajustes

reguladores.

A argumentação desenvolvida pelo professor Eurico representada pela

expressão: “mas eu vivo a minha vida toda em cima de sustentabilidade, para vocês é

novidade”, me remete à necessidade de não naturalizar qualquer visão salvacionista. É

indevido difundir que há uma solução técnica para tudo. A crise civilizatória é também

crise do conhecimento, bem como esvaziamento de sentidos existenciais, simbólico e

real (LEFF, 2010). Demanda a (co)responsabilização porque todos nós temos

compromissos pessoais e também coletivos. Desta forma, noto que existem propostas de

sustentabilidade de cunho econômico, com viés preservacionista, que também podem

ser reducionistas, quando fazem apropriação do discurso das preocupações ecológicas,

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visando ganhos econômicos privados, como por exemplo, o uso da noção de consumo

verde ou de energia limpa. É recomendável conceber nossos projetos para que se

configurem como ecológicos (CAPRA, 1996). Boff (2012) propõe que haja uma

perspectiva integradora, com responsabilidade ética, para fomentar sociedades

sustentáveis.

Da mesma forma que não podemos tomar como irreversíveis os danos causados

ao planeta, não podemos acreditar que é possível reverter a totalidade desses prejuízos,

como atestam a biotecnologia e a agroecologia. É possível uma reversão parcial da

degradação ambiental. É recomendável dimensionar a responsabilização de sujeitos da

esfera privada bem como da esfera pública.

É importante não naturalizar, tomar uma noção universalizante de bem-estar

como a finalidade de todos os projetos. É preciso desnaturalizar aquelas visões apoiadas

na noção de progresso crescente, que proclamam a ausência de restrições, de limites e

de impedimentos aos projetos humanos. Com o aumento da tensão argumentativa para a

construção de sociedades sustentáveis, foi possível compreender que o atendimento das

condições que concebíamos como estado de bem estar, desvinculado das restrições da

base material e energética, e influenciada pelas utopias de civilização, originou o estado

atual de insustentabilidade ambiental e sociocultural. (LEFF, 2010; PORTILHO, 2010;

CARVALHO, 2012).

Também se relaciona com a fala do professor não naturalizar e absolutizar

padrões sustentáveis. O problema ético dos padrões sustentáveis é a impossibilidade de

padronização. Não há uma visão única, não há maneira padronizada de relacionamento

com a natureza. Atualmente, torna-se mais visível a dimensão secular e conflituosa das

relações sociais. Também ficou mais claro que não há uma única responsabilidade. A

degradação, a poluição, as desigualdades dão ao tema o caráter de construções

complexas, nas quais interagem diferentes formas de convivências. É imperativo ético

adotar a noção de intercâmbio de saberes como a mais viável e dar visibilidade às lutas

das “sociedades tradicionais”, que convivem com as lutas das “sociedades tecnológicas”

(SEMERARO, 2011).

Portilho (2010) nos lembra que, no hemisfério norte, mudar os padrões de

consumo, mas não o nível de consumo, passou a ser o objetivo principal, visto como

politicamente mais plausível nas sociedades desenvolvidas e democráticas. Para a

autora, na prática, as considerações e propostas ao consumo sustentável, em sua

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maioria, se confundem com a prática vigente de consumo, que se propuseram a

ultrapassar. Assim como as mudanças de padrões de produção foram limitadas à

eficiência tecnológica, às mudanças de padrões de consumo estão se limitando a

propostas de mudanças comportamentais, tecnológicas e econômicas. Para a autora, ao

contrário de transferir a responsabilidade exclusivamente para os consumidores

individuais, ou se limitar a ajustes econômicos e mudanças tecnológicas de produtos e

serviços, o debate sobre os padrões de consumo precisa ser ampliado para incluir o

processo de formulação e implementação de políticas púbicas. Neste sentido, o

questionamento sobre os padrões de consumo é uma forma de evidenciar as

desigualdades de poder sobre os recursos naturais.

Assim como Eurico, os demais professores desenvolvem argumentação em torno

da preservação. Mas aquilo que expressam como preservação tem muito mais conteúdo

de conservação, um conceito legal que abarca a ideia de preservação4 (BRASIL, 2000).

A argumentação desenvolvida por Rosa e sua indignação representada pela

expressão “essa noção de questões ambientais, de sustentabilidade, de cuidar do

planeta” me remete a necessidade de não naturalizar uma indignação que se limite aos

danos ambientais. A dimensão físico-material das problemáticas ambientais envolve a

taxa de reposição e da emissão de efluentes, tornando a compatibilidade dos projetos

humanos com a capacidade de assimilação dos ecossistemas como um dos princípios

básicos de orientação ambiental. Houve na luta ambiental um momento em que as

criticas ao crescente impacto ambiental começaram a apontar para o crescimento

exponencial da produção industrial, juntamente com o crescimento da população

mundial, produção agrícola, exaustão de recursos naturais, e poluição. Estes foram os

limites do crescimento apontados pelo Clube de Roma (LEFF, 2010). Mas é indevido

criticar as representações sociais reducionistas se limitando as soluções desta natureza,

ou seja, é indevido querer responder às questões ambientais se limitando à melhoria das

práticas industriais.

4 Segundo o SNUC, Lei n. 9.985/00 (BRASIL, 2000), a conservação da natureza deve ser definida como

o manejo de seu uso pelo ser humano, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização

sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, possibilitando a produção humana em

bases sustentáveis. Isso se diferencia e comporta a ideia que conservação in situ que se refere aos

ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus

meios naturais. Diferencia-se e comporta também a ideia de preservação como sendo um conjunto de

métodos, procedimentos e políticas que visem à proteção em longo prazo das espécies, habitats e

ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas

naturais.

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Em nossa época, a demanda material é crescentemente mediada por novas

imagens produzidas social, histórica e culturalmente. A capacidade de prevenção e

tratamento das questões ambientais demandam construções complexas, que reconheçam

as múltiplas dimensões e relações éticas. É imperativo inserir tais dimensões na

educação moral. Para Carvalho (2012), cuidar dos comportamentos não basta, é preciso

comprometimento. Assim, ampliam-se conhecimentos atitudinais fundamentados

ecologicamente. Para Leff (2010), trata-se de valorizar economias locais sustentáveis,

de territórios produtivos com economia que potencializem a produtividade ecológica.

Não se trata de acabar com o comércio, desde que a troca de excedentes seja orientada

por valores humanos e políticos, e não pela maximização da produtividade no curto

prazo ou por valores de interesses econômicos das grandes corporações e do comércio

globalizado. Com isso posso dimensionar a indignação da futura professora Rosa como

uma possibilidade educativa de diálogo crítico-problematizador, que potencializa um

sentimento moral.

A argumentação desenvolvida pelo futuro professor Adonis em torno da

conciliação representada pela expressão: “a sustentabilidade implica em ter um futuro

melhor” me remete à necessidade de não naturalizar qualquer visão reducionista de

conciliação. Para Lima (2003), toda conciliação deve transcender as fronteiras do

mercado, sendo um equívoco, motivado pela minimização de conflitos, aceitar a

dependência tecnológica e econômica, assim como despolitizar o processo educativo.

Para Layargues (2011), a contradição presente em discursos centrados na conciliação

pode desdobrar-se em ética ambiental, que se destina ao liberalismo, caso esteja pautada

por representações meramente mercadológicas. Portanto, é importante assumir a

conciliação que possibilite o futuro viável da comunidade. Para Freire (1996) as

escolhas atuais estão impossibilitadas de viver sem a referência de um amanhã.

Acrescenta-se a isso a expressão “se não tiver um futuro melhor ficar com esse

mesmo do que ter um pior”, não naturalizar a noção de que a intervenção, profissional e

social, possa ser neutra diante dos problemas humanos. Para Freire (1996), ensinar

exige bom senso e sempre que não resolvermos entre nós as contradições autoridade-

liberdade, as confundimos com autoritarismo-licença. Paulo Freire articulou uma síntese

que nega toda forma de dominação, ele alerta para concessões simplistas utilizadas

muitas vezes em processos complexos de opressão. Para ele a docência exige pensar na

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emancipação de modo indissociável entre as escolhas pessoais e o respeito às escolhas

do outro, pautadas eticamente.

Desta forma, ter bom senso é saber respeitar a autonomia, dignidade e identidade

do educando e, na prática, procurar a coerência com este saber, o que deve levar “à

criação de algumas virtudes ou qualidades sem as quais aquele saber vira inautêntico,

palavreado vazio e inoperante.” Segundo o autor, essas ideias valem também para não

confundirmos a relação pureza-puritanismo. Freire (1996) argumenta que a prática

pedagógica exige fazer distinção entre a atuação autêntica e transparente, permeadas

pelas contradições das relações humanas, de modo a ultrapassar posturas detentoras de

verdades universais.

É recomendável que na tomada de decisão, as escolhas estejam baseadas em

argumentação centrada nos direitos humanos. Há princípios norteadores na

sustentabilidade, que apontam para mudanças de atitudes coletivas e individuais,

vinculadas às preocupações ecológicas, do consumo e da produção e que alertam para

essas dimensões dos direitos humanos (PORTILHO, 2010).

Considero relevante valorizar a aprendizagem processual integrada à orientação

da ética para a sustentabilidade. Não se trata de definir, nem mesmo conceituar, mas

referenciar em relação a idéias aceitas, superações e rupturas teóricas para uma interface

entre sustentabilidade ambiental e educação.

Neste sentido, considero relevante para o enfrentamento das problemáticas

socioambientais adotar a noção de complementaridade entre desenvolvimento e

ecologia, como primeiro passo rumo à justiça ambiental e à ética ambiental.

A argumentação desenvolvida por Dália em torno da integração representada na

expressão “falar de sustentabilidade é falar de uma maneira complexa” remete à

necessidade de não naturalizar qualquer visão de integração como justaposição das

múltiplas dimensões do tema. Frequentemente, o docente acolhe toda uma

multiplicidade argumentativa, mas limita-se a uma simples somatória de informações

que não implicam na integração das complexas dimensões do contexto sociocultural.

Freire (1996; 2004) argumenta que assim como a democratização do falar com, é

imperativo não falar de cima para baixo, a relação falar ao sujeito enquanto fala com o

mesmo implica necessariamente em aprender a escutar como uma abertura a fala do

outro.

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É relevante estar aberto aos princípios do outro. Para González-Rey (2005a;

2007a; 2011b), os sujeitos estão permanentemente implicados por seus processos

simbólico-emocionais, sendo assim estão continua e dinamicamente em produção

subjetiva, articulando experiências individuais e coletivas. Os sujeitos estão

diferentemente referenciados, por seus grupos e por suas próprias histórias pessoais, por

isso os sentidos que produzem não se limitam ao momento presente.

A participação em projetos e em espaços emancipatórios é propícia à construção

de novas significações, nisso configuram-se intenções e finalidades humanas de

conteúdos distintos, resultantes da dimensão conflituosa das relações humanas. Por isso

é importante o diálogo entre saberes no encontro de identidades. Para Freire (1996), é

no domínio da decisão, da liberdade e da ruptura, que se instaura a necessidade da ética

e se impõe a responsabilidade.

Da mesma forma, a escola sendo um espaço em que sujeitos compartilham

projetos, ali eles precisam conviver com a dimensão conflitiva da sociedade. Conforme

Lopes (1996; 2004; 2010), as negociações estabelecidas entre os diferentes sujeitos

decorre dos processos de recontextualização e hibridização dos discursos curriculares,

logo o currículo está aberto para o campo conflituoso de produção de cultura. Neste

sentido, posso dimensionar a ideia desenvolvida em torno de desafios da integração da

futura professora Dália, como uma possibilidade educativa que potencializa esse

sentimento moral. Sendo fenômeno social complexo, a sustentabilidade exige o diálogo

entre sujeitos.

A argumentação desenvolvida por Margarida em torno da intensificação dos

estudos na área representada pela expressão “tem que pensar uma maneira de não

poluir, acho que isso é a sustentabilidade”, me remete à necessidade de não contentar-

se com respostas simples, como se fossem exemplares de uma coleção, colocados em

um fichário, sem historicidade, partindo de uma interpretação unidimensional dos

contextos. É relevante que as pessoas estudem sobre sustentabilidade. Para Freire

(1996), não podemos estar no mundo sem estudar, há perguntas que devemos fazer

insistentemente. Isso tem a ver com a impossibilidade de estudar por estudar, de

estudar, descomprometidamente como se misteriosamente e de repente, nada tivéssemos

que ver com o mundo, então alheio a nós e nós a ele.

Estudos exaustivos podem suscitar os problemas éticos dos projetos humanos,

que além dos danos ambientais e comprometimento dos ciclos ecológicos, apontam

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problemas de desigualdades sociais. Então é relevante apoiar-se nos princípios da

ecologia também para mobilizar novos sentidos relacionados à sustentabilidade. Com a

noção de simbiose pode-se apoiar formas de cooperação e colaboração; com a noção de

sucessão ecológica pode-se apoiar processos de resiliência; com a noção de ciclos

ecológicos pode-se apoiar a percepção dos limites biológicos e materiais de nossos

projetos (CAPRA, 2002).

Nossa época exige superar a noção de independência entre as preocupações

ecológicas, produção agrícola, produções industriais e tecnológicas e o desenvolvimento

urbano. Há um princípio da sustentabilidade que implica em uma noção de

interdependência do ser humano consigo mesmo, com o planeta, com o universo. Dessa

forma, uma cultura da sustentabilidade e da paz parte do principio de que a Terra é

constituída por uma única comunidade, e que essa é diversa (GADOTTI, 2007).

Sustentabilidade é um tema que suscita a conceituação de desenvolvimento. Mas

é preciso desnaturalizar a visão econômica sobre o tema, pois, para Boff (2012),

desenvolvimento que vem do campo da economia política industrialista/capitalista é

linear, supõe processos crescentes, recomendando a exploração da natureza, gerando

profundas desigualdades. Essa ênfase gera riqueza de um lado e pobreza de outro,

privilegiando a acumulação individual. Loureiro (2012) sugere deixar à noção de

devenir, que evoca um movimento de afirmação da continuidade temporal, de aparição

e desaparição físico-material, a representação de um movimento previsível. Para o autor

é possível vincular à noção de desenvolvimento uma representação de descontinuidade,

não linear e não evolucionista, visto que o novo está constitui-se a partir da forma

anterior, mas se organiza por caminhos complexos e nexos mediados por várias

dimensões.

Assim, o conceito de desenvolvimento não comporta, necessariamente, a

representação de que uma sociedade posterior seja melhor que a anterior ou que haja

uma sociedade ideal a ser atingida. Apenas pode-se afirmar que é mais complexa, no

sentido de que é irreversível pela dinâmica das ocorrências que agrega novas

informações, novas interações tornando-a qualitativamente distinta. Sobretudo é

relevante à ética uma reformulação da relação sociedade-indivíduo e das decisões que

articulam a esfera publica e a esfera privada com vistas a atender as necessidades de

gerações presentes e das futuras, inclusive naquilo a que se refere à geração de novas

utopias, condição inerente à dimensão da emancipação.

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7.2 Necessidades que emergem a partir da confrontação entre os princípios formais

e juízos

As proposições dos (futuros) professores interpretadas na presente pesquisa,

aproximam-se de posições difundidas na contemporaneidade. Aparecem as demandas

por ciência e tecnologia, questionamentos aos modos de produção e consumo, relação

entre crescimento de cidades e o respeito pela Terra (sistema finito e complexo), retorno

à noção de ética e complexidade da vida humana. São noções em consonância com o

enfretamento de problemas éticos envolvidos nas nossas práticas atuais, vinculados aos

compromissos multidimensionais dos projetos humanos contemporâneos.

Todavia, a análise das argumentações desenvolvidas evidencia a ausência do

princípio da Carta da Terra: “Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.”

Apesar da vida ser uma dimensão incluída nas reflexões dos (futuros) professores, assim

como o respeito aos valores da vida humana, está ausente a noção de vida em plenitude,

que rompe com uma representação economicista e se encaminhe para um raciocínio

ético-moral de respeito com todos os seres do planeta.

A análise das argumentações desenvolvidas evidencia também a ausência do

princípio do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global: “A educação ambiental valoriza as diferentes formas de

conhecimento. Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo

ser patenteado ou monopolizado.” (PRONEA, 2004, p. 49). Apesar da integração e a

formação cidadã ser uma dimensão incluída nas reflexões dos (futuros) professores, está

ausente a noção de considerar o saber popular nas explicações das problemáticas atuais.

É necessário que aconteça uma desnaturalização da explicação científica como

única via para superação das problemáticas socioambientais. É eticamente relevante

valorizar tanto o saber sistematizado como o saber popular. No sentido de orientar

nossas ações cotidianas, para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007, p. 135) é

preciso considerar que a “cultura primeira e o conhecimento sistematizado convivem e

se alimentam mutuamente, tanto nos indivíduos como na organização social

contemporânea, ocupando papéis diferenciados”.

Vivemos em sociedades heterogêneas. É imperativo que tenhamos um novo

modo de pensar e agir que apontem a sociedade sustentável como um princípio

norteador para articulação entre dimensões pessoais e coletivas. Também para a

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realização de projetos que incorporem a responsabilidade pela natureza e para com o

futuro.

Os professores têm conhecimentos e valores que precisam ser ampliados e

desenvolvidos. O diálogo entre eles e de suas idéias com as idéias de pesquisadores

ajuda nesta tarefa. Formados desta maneira, os professores tem mais condições de fazer

algo semelhante com seus alunos, seja porque ampliaram os conteúdos de suas

reflexões, seja porque entenderam a relação do tema com a sua história pessoal e

puderam refletir sobre outras possibilidades. Por um lado, cada pessoa tem uma história

singular, e sustenta crenças e valores aprendidas nos contextos em que viveu. Por outro,

o conhecimento científico registra o debate entre os especialistas no tema

sustentabilidade. O diálogo entre essas vozes enriquecem todas elas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma perspectiva sistêmica e complexa é necessária para a compreensão do

tema da sustentabilidade e da subjetividade de professores que planejam ensiná-lo. O

tema sustentabilidade corresponde a uma trama de discursos diferentes, vindos de

diversos espaços sociais, com repercussão acadêmica, política, empresarial e

organizativa. Configura-se como uma temática multidimensional. Para Boff (2012) a

representação de sustentabilidade abarca condições informacionais, físico-químicas, a

Terra sua comunidade de vida e a vida humana. Segundo Leroy e Pacheco (2005), o

tema leva a redefinições de princípios éticos e sociopolíticos e constitui assim, um

universo temático de nossa época. Por isso, compreendo a relevância da configuração da

sustentabilidade como uma unidade epocal. Ao aplicar a ideia de unidade epocal no

sentido proposto por Freire (2005) à temática, reconheço que sustentabilidade abarca

ideias, concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios e disputas. Sustentabilidade

como uma unidade epocal se constitui por argumentos antagônicos, por tarefas a serem

cumpridas, por temas históricos e fatores contextuais.

O tema comporta ainda uma trama de demandas materiais e socioculturais de

caráter perturbador constitutivo. Para tal configuração compreendo relevante o viés

apresentado por Capra (2002) e Prigogine (2002). O químico Prigogine (2002), com sua

representação de estrutura dissipativas, traz uma explicação que abarca os sistemas

complexos, afastados do equilíbrio, como uma estrutura estável pela constante entrada e

saída de energia e matéria que não se limita a dissipar calor, mas aproveitar-se dos

resíduos, materiais e energéticos, para sua estabilidade. Disso decorre também sua

instabilidade e sua constituição. Toda perturbação é constitutiva de novidades. Para o

autor, isso muda o tempo do sistema, diferenciando o papel do passado e do futuro em

sua constituição. Desta forma podemos conceber que se o passado é irreversível o futuro

é incerto, mas provável.

É recomendável tomar lições da ciência para compreender o tema mais por sua

capacidade de explicação do que por sua capacidade de produzir tecnologia. Isso

significa reafirmar que o conhecimento é resultado da capacidade interpretativa do ser

humano e não uma produção previsível e única a que deveríamos chegar (ANDERY,

2004).

No plano ético, a sustentabilidade envolve (co)responsabilidade social para com

a sustentação da vida no Planeta. Refere-se a uma trama intricada de responsabilidades

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para com o bem comum e um futuro viável, fomentadas nas reivindicações de

movimentos sociais, movimentos de afirmação cultural e movimentos ecológicos

(PORTILHO, 2010; CARVALHO, 2012; LOUREIRO, 2012). Os princípios para a

nova construção societária apontam que os processos e conhecimentos devem reunir

conhecimentos ecológicos, de produção e de consumo e também a responsabilidade

ética de caráter coletivo, e individual (CARTA DA TERRA, 2004; PRONEA, 2004;

BOFF, 2012).

O tema requer então uma atribuição de responsabilidades à esfera pública e à

esfera privada, assim como exige a reformulação de sentidos, como, por exemplo, o de

que a sustentabilidade deva ser associada, de maneira reducionista, ao desenvolvimento.

Para integrar responsabilidade e desenvolvimento é necessário formular um

relacionamento complexo com os projetos humanos. Sobretudo, tal indicador propicia

compreender a proposta de Boff (2012, p. 45) que “é equivocado quando (se) alega que

a pobreza é a principal causa da degradação ecológica.”

A sustentabilidade nos leva a aprender a potencializar conquistas

socioambientais provenientes da racionalidade que realiza planejamento e ações menos

poluentes; bem como da racionalidade de projetos despojados do exibicionismo,

egoísmo e gigantismo presentes em projetos civilizatórios, portanto, menos degradantes.

Por isso, diante do desafio de sustentação da vida é fundamental reconhecer as

reivindicações presentes na sociedade e buscar um projeto de vida compartilhado em

pluralidade cultural.

Os resultados da presente pesquisa mostram que o tema é afetivamente

carregado, sendo valorizado diferentemente pelos (futuros) professores. Uma análise

descritiva levaria a apreciar que a noção de projeto e de responsabilização ética expressa

pelos pesquisados tende ao discurso hegemônico. Esta pesquisa de cunho interpretativo-

construtivo propicia compreender como a motivação para aprender e ensinar sobre o

tema depende de experiências atuais bem como de outras, de procedência distante, que

marcam os sujeitos, assim como esclarece como os sentidos subjetivos constituem a

motivação que eles têm para ensinar o tema, favorecendo a busca de conteúdos e

abordagens para trabalhar com ele na escola. Também propicia compreender os sentidos

subjetivos em sua dimensão contextual e processual à medida que expressam elementos

presentes em diversos contextos vividos. Além disso, por sua dinâmica e pelos valores

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que expressam, propiciam a aproximação com princípios formais que problematizam o

discurso dominante.

Os sentidos que os pesquisados expressam se assemelham e também se

diferenciam. As semelhanças relacionam-se como a tensão vivida no projeto do qual

participam, mas também com o debate público sobre o tema. Durante as conversas os

pesquisados mostraram-se tensionados pelas ideias decorrentes da construção coletiva

do grupo. Isso levou professores do OBEDUC, por exemplo, a discutir o tema com base

na inclusão de questões sociocientíficas e assim apontaram controvérsias entre o

discurso teórico e as práticas efetivas, entre a valorização do consumo referenciado pelo

mercado ou pela sobrevivência humana, com críticas à sociedade de consumo do

sistema capitalista, entre regulação legal e conscientização, entre o pensar global e o

agir local. No caso dos quatro futuros professores, a tensão se nota entre as práticas

químicas e as atuais questões ambientais. Surge a possibilidade de

(co)responsabilização favorecida pelo estudo do enfoque Ciência, Tecnologia,

Sociedade, Ambiente.

As diferenças entre os sentidos subjetivos dos (futuro)professores que

participaram do presente estudo relacionam-se com as experiências vividas nos diversos

espaços sociais de atuação. De acordo com suas ascendências, os professores valorizam

de forma distinta as práticas culturais de colonizadores e de indígenas, a condição

humana e planetária e as práticas sustentáveis.

A argumentação que cada sujeito desenvolve é uma produção subjetiva que

inclui, simultaneamente, processos simbólicos e emoções, sendo singular para cada

sujeito. Os sentidos subjetivos implicam atribuição de distintos valores morais. Para

Francisca, relacionam-se com segurança contra privações materiais e vulnerabilidade,

na defesa da dignidade humana, com inclusão social e responsabilidade ambiental. Para

Antônio, relaciona-se com participação honesta no âmbito da esfera pública e privada;

de liberdade de expressão. Para Eurico, relaciona-se com veracidade e relevância da

(co)responsabilização na educação em padrões sustentáveis. Rosa, com sua indignação,

atribui valor à precaução e à diminuição da exaustão. Adonis, partindo da conciliação,

atribui valor à parcimônia e ao entendimento. Margarida atribui valor à curiosidade e à

abertura para a troca de conhecimentos. Dália valoriza os desafios, as novas atitudes

sustentáveis, destinadas a lidar com a complexidade da vida.

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Os sentidos subjetivos se diferenciam em dimensões que tem a ver com a

história de vida social, ou com sentidos de procedência distante, que podem ser

compreendidas a partir da perspectiva histórico-cultural. Tal perspectiva criou uma nova

zona de sentido para o conhecimento psicológico e nos permite compreender o

momento atual do sujeito como configuração subjetiva, o que tem importantes

conseqüências não só teóricas, mas também epistemológicas e metodológicas para

compreender a sociedade e o individuo.

Para González-Rey (2005b), a geração de ideias apresenta-se em forma de

produção subjetiva. As configurações variam em alguns de seus sentidos constitutivos,

dependendo do contexto e da qualidade da atividade ou forma de relação em que se

apresenta. Porém, também tem núcleos de sentido mais estáveis, que se manifestam na

oposição do sujeito a aspectos novos de suas experiências e que entram em conflito com

esses núcleos.

As emoções e construções do sujeito, que aparecem nos diferentes momentos de

suas experiências, estão associadas a sentidos subjetivos diferentes, que podem ser de

auto-estima, identidade, segurança, etc. Estes estados emocionais são momentos de

sentido de um sistema de configurações da personalidade que, dentro de um contexto de

expressão e vida do sujeito, assume esse sentido.

Desse modo o sentido da personalidade na definição das diferentes expressões

humanas é inseparável do lugar do sujeito inserido em contextos sociais e culturais nos

quais se expressa. Essa concepção de personalidade implica de forma constante em sua

capacidade geradora de sentidos no sujeito, que aparece subjetivamente constituído por

ela e que, de forma simultânea, atua num espaço social dentro do qual mantém uma

capacidade crítica e criativa.

Disso decorre compreender a formação docente como espaço dinâmico,

permeado pelo embate oriundo do interior da sociedade e de entrelaçamento de relações

acadêmicas e intenções de diversos grupos de origem. Para Freire (1996), a prática

docente, exige um alto nível de responsabilidade ética de que a capacitação científica

faz parte. Para tanto é preciso que a formação esteja dedicada à interlocução entre

pessoas, entre conhecimentos e saberes no interior da sala de aula (MARQUES, 2002).

Porque a mudança da pessoa envolve o contexto, mediações e condições históricas

concretas (LOUREIRO, 2011). Para Oliveira (1996), o que favorece o combate à

doutrinação e ao dogmatismo são as práticas dialógicas fundadas na argumentação, que

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entendem que o engajamento é construído com base naquilo que nos singulariza

enquanto criaturas humanas.

Para Maldaner et al. (2007), a elaboração da produção curricular, que se

pretende contextualizada e própria da escola, requer a reunião de sujeitos que

necessitam, fundamentalmente, de espaços coletivos de estudo e interação. Desse modo,

uma formação docente pode contribuir na emancipação, tanto do sujeito quanto do

coletivo, na medida em que propicia espaços-tempos coletivos também de interação das

questões existenciais, das práticas e valores, de maneira que cada sujeito seja afetado

por essa formação. Ou seja, a formação requer ênfase na autonomia e responsabilização

como perspectiva para o envolvimento dos professores no processo de produção

curricular (BARCELOS, 2007; ZANON et al., 2007; GUIMARÃES, 2011). Na interpretação dos sentidos subjetivos que expressaram os (futuro) professores

pesquisados a respeito de conhecimentos, de abordagens e de compromissos, é possível

compreender os sujeitos em contínua produção de ideias e em processos de construção

de compromisso. Os sentidos subjetivos expressos pelos professores emergem de

processos de aprender e ensinar temáticas ambientais, que articulam tanto

conhecimentos científicos quanto àqueles que abrangem dilemas e conflitos de nossa

época e reivindicam respeito às diferentes práticas culturais. A noção de cuidar do

planeta, implicando na integração de atitudes inclui a valorização dos processos de

converter cada oportunidade problematizadora de nossa época em experiência

educativa. Eles enfatizam a formação cidadã integrando-a ao interesse, à motivação e ao

futuro. Suas afirmações levam à articulação do pensamento como forma de desenvolver

maneiras de compartilhamento, evitando comprometer ciclos vitais e a exploração sem

limites. Suas argumentações sustentam que a tarefa docente implica envolver os

estudantes, estabelecendo relações complexas, holísticas e interdisciplinares.

Os sujeitos investigados desenvolveram argumentação em que atribuíram

valores ao desenvolvimento humano e social pleno, tendo em conta princípios de

cooperação, diálogo e de tratamento sistêmico dos problemas ambientais. Também

consideram estimular setores populares potencializando o poder das diversas

populações para retomar a condução de seus próprios destinos tendo a comunicação

como um direito inalienável para o intercâmbio de experiências, métodos e valores.

Tudo isso implica compreender que sustentabilidade não é uma noção neutra a ser

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apresentada ao estudante, mas é necessário, trabalhar os conflitos, que tal noção suscita,

de maneira justa e humana.

Os sentidos subjetivos dos participantes da pesquisa indicam construção de

compromissos e atribuição de valores. Isso reforça a importância da formação docente

dialógica comprometida com a transformação atuando pela dimensão argumentativa e

pelo princípio de respeito às interlocuções. Nesta perspectiva, a noção de docência

geradora e criativa integra-se à noção de formação emancipadora. A autonomia docente

favorece um diálogo das orientações da profissionalidade com as intenções e finalidades

individuais em busca de sua identidade educativa e profissional. A docência abarca a

representação de integração teoria e prática, desta forma envolver situações vivenciais, e

fazer da formação um espaço de construção de compromissos. De modo que se possa

vivenciar o aprender enquanto se ensina. A integração teoria e prática permite que haja

construção de experiências significativas em sala de aula, junto aos estudantes. A

formação docente emancipatória pressupõe integração de projetos de vida dos sujeitos,

projeto comunitário da população e o projeto pedagógico da escola.

No presente estudo, privilegiei a integração da categoria subjetividade e a

dimensão ética da docência sobre sustentabilidade. Reconheço alguns limites e

possibilidades deste objeto de pesquisa para a formação da pessoa e do(a) profissional

docente para a Educação em Ciências.

Quando em sala de aula nossa tendência é utilizar predominantemente a

abordagem conceitual ou o enfoque temático que tende a enfatizar apenas a mudança

social. Temos dificuldade em estabelecer interações com os sujeitos e considerar que a

aprendizagem envolve processos simbólico-emocionais. Portanto, ao currículo da

formação docente caberá o desafio de dar maior atenção à dimensão afetiva do processo

educativo.

Em relação ao tema sustentabilidade, tendemos a focalizar nos extremos. De um

lado temos princípios como lucro, crescimento, degradação, empregabilidade (e a

geração de desemprego) e de outro, ecologia, conservação e trabalho. Desse modo

fragilizamos a concepção da multidimensionalidade da vida cotidiana e suas

implicações histórica e cultural, social e econômica. Portanto, ao elaborar o currículo da

formação docente caberá o desafio de o cotidiano multifacetado e que nos exige decidir.

Há limitações e possibilidades no tratamento do tema uma vez que a

implantação dos projetos humanos não implica uma forma exclusiva de relacionamento

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com a natureza. Portanto, torna-se um desafio à formação docente a abertura ao debate

argumentativo que leva em conta a dimensão ética.

Existem limitações relacionadas à articulação entre as dimensões ecológicas e

socioculturais. Segundo Capra (2002), a ética diz respeito a um padrão de conduta

humana que deriva da inserção num grupo. Quando pertencemos a uma comunidade,

comportamo-nos de acordo com ela. No contexto da globalização, há duas grandes

comunidades às quais todos nós pertencemos Somos membros da raça humana e

fazemos parte da biosfera global. Somos moradores do oikos, da “casa Terra”, e

devemos nos comportar como se comportam os outros moradores dessa casa, as plantas,

os animais e os microorganismos, que constituem a vasta rede de relações a qual

chamamos de teia da vida.

Para Freire (1996), o preparo científico do professor ou da professora deve

coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer descompasso entre aquela e

esta. Formação científica, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacidade de

viver e de aprender com o diferente, são desafios à formação docente. Para Streck

(2009) envolve compromisso com o futuro viável e com as novas gerações.

Continuamos tendo dificuldade de criar um mundo comum, que nos faça pensar para

além de nós mesmos, como indivíduos. Segundo Loureiro (2012, p.84-85) é “mudança

de foco do comportamento para atitude, as escolhas pessoais são, assim, situadas por

condições que afetam a cada um em intensidades diferentes.”

O presente estudo pretendeu contribuir para a educação científica neste

momento em que ela deve responder às diretrizes curriculares, à diferentes lutas

coletivas de afirmação política e à demanda por experiências formativas envolvendo

comprometimentos socioambientais. Considero que a tese contribui para a compreensão

da complexidade do desenvolvimento da pessoa humana, pela perspectiva da

subjetividade, envolvendo a relação complexa universal-singular, sociedade-indivíduo.

Desse modo, foi possível ampliar a noção de responsabilização ética naquilo que

envolve a dinâmica da incorporação da natureza e do futuro viável em nossas

obrigações e intenções docentes. Os estudos ampliam a visibilidade de diferentes, e até

mesmo conflituosos, discursos e reivindicações pertinentes às lutas educacionais.

Considero que os resultados da pesquisa na presente tese articulam elementos para

compreensão do papel da convivência em projetos formativos, espaços-tempos nos

quais intenções podem tornar-se ações e criações, condições para envolver a produção

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dos sujeitos. Compreendo que a organização de um sistema atividade-comunicação

mostrou-se relevante para articular pesquisa e formação, na medida em que propiciou

geração e criação de ideias pelos diversos sujeitos envolvidos na pesquisa. Considero

que a tese também contribui para a compreensão da motivação em contexto educativo

implicado por princípios amplos, valores e sentimentos morais.

No que tange a visibilidade das lutas pela diversidade cultural na educação, há

de se destacar que neste momento o currículo da educação científica está em interface e

tensionado por outras diretrizes curriculares oriundas de lutas coletivas e afirmação

política, como é o caso das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica para as

Escolas do Campo, que expressa o comprometimento com a diversidade do campo em

todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e

etnia (BRASIL, 2002b). Também é o caso das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Escolar Indígena (BRASIL, 2012) e da Política Nacional de Educação

Popular em Saúde. Existem aquelas que assumiram caráter de lei: Lei 9795/99 que

dispõe sobre a Educação Ambiental (BRASIL, 1999) e institui a Política Nacional de

Educação Ambiental; Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003) e 11.645/08 que trata da

obrigatoriedade do ensino de História e da Cultura Afro-brasileira e Africana em todas

as escolas do ensino fundamental, comprometida em contribuir para corrigir injustiças

para com a população negra. Assim, a formação de professores tem seus fundamentos

ampliados por tais reivindicações junto ao currículo da educação científica.

O presente estudo traz referências sobre exigências à educação do século XXI,

que focalizam sujeitos e grupos sociais que, ao lutarem por visibilidade, inserem-se cada

vez mais no processo de comunicação global, resultando em falas significativas que se

ampliam e impõem ressignificações educacionais. Como nos lembra Semeraro (2011),

os mesmos homens que estabeleceram as relações sociais de acordo com sua

produtividade material, também produzem os princípios, as ideias, as categorias, de

acordo com suas relações sociais, em um momento que o mundo moderno deixou para

trás o trabalho familiar e manufatureiro e introduziu a grande indústria, que também

deverá ser superada. Para o autor não há, portanto, sistemas econômicos, organizações

sociais e ideias imutáveis. Tudo é histórico, dinâmico, contraditório e superável.

Neste século XXI, a dinâmica superação de relações evidencia-se inclusive na

emergência de discursos que dão visibilidade às lutas de “sociedades tradicionais” em

convivência com as lutas da “sociedade tecnológica”. Ou seja, intencionalidades

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caracterizadas pela manipulação prática da natureza, pelo trabalho familiar e

intervenção ecológica, defrontam-se com formas mais abstratas, teóricas e tecnológicas

de relacionamento (SEMERARO, 2011).

Estamos diante da exigência de um currículo que integre as situações complexas

como é o caso do posicionamento a cerca do desenvolvimento econômico e do

desenvolvimento da pessoa humana. Temas como desenvolvimento e responsabilização

requerem espaço para a argumentação plural e complexa que se produzirá no interior

das interações nos grupos de formação docente.

No caso de currículo que incorpore o tema da sustentabilidade podemos

questionar sentidos e abordagens que estão na base dos projetos humanos com os quais

significamos o tema e escolhemos para fazer enfrentamentos. As reflexões dos

(futuros)professores chamam a atenção para compromissos maiores do que a reparação

de danos ambientais, que ultrapassam as soluções técnicas, que induzem a

responsabilizar-nos com outros e buscar conhecimento.

A partir dessas reflexões considero pertinente apontar novos questionamentos:

como articular orientações curriculares (em seus diversos conteúdos) para problematizar

a desafiante utopia do retorno material, a noção de degradação irreversível e a busca por

padrões sustentáveis no mesmo espaço-tempo da sala de aula? O projeto pedagógico

como espaço-tempo para problematizar argumentos como os da poluição da pobreza, ou

falta de esclarecimento, crescimento demográfico, falta de compromisso com as causas

da degradação ambiental a intensificação dos impactos ambientais, pode fortalecer o

debate da responsabilização social? Ao se evidenciar as críticas à poluição da riqueza,

que aponta o gigantismo como objetivo dos projetos humanos, a explosão do consumo,

o desperdício, a descartabilidade, como responsáveis pelos impactos ambientais, como

nos mantermos engajados nos processos de desenvolvimento?

A formação docente, como espaço de posicionamento crítico, requer uma adesão

pedagógica às abordagens que superem simplificações temáticas. Tendo em vista a

constituir modelos críticos de entrelaçamento temático, há um interesse crescente na

utilização de abordagens de integração Ciência-Tecnologia-Sociedade tais abordagens

vinculam ação reflexiva, tema social e vivência sociocultural dos sujeitos em processos

de formação científica (SANTOS; MALDANER, 2010). Em discussões e pesquisas

no Ensino de Química, identifico abordagens de conhecimento químico integrado ao

contexto social e às práticas e valores culturais, numa concepção transformadora. O

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enfoque CTS dá ênfase a aspectos contextuais e temáticos, sobre o papel da ciência e da

tecnologia na sociedade moderna em processos de formação para a cidadania (SANTOS

et al., 2010).

No âmbito da presente pesquisa em formação para a docência sobre

sustentabilidade, compreendo ainda que aprender e ensinar implica em conhecer e

comprometer-se com a degradação dos biomas, assim como questionar a

sustentabilidade de nossas práticas de produção da vida material, com base em

conhecimentos ecológicos, práticas e valores culturais. Implica em afetar-se pela

condição dos seres viventes, e pela condição dos seres humanos.

A formação docente, seja ela inicial ou continuada, acontece em um contexto de

encontro entre sujeitos e propicia ao professor conhecer e compromete-se com temáticas

contemporâneas. Nela a pessoa que aprende e ensina ciências é um sujeito concreto,

logo implicado por suas intencionalidades pessoais e por aquelas pressupostas pelo

projeto coletivo.

Defendo que ao investigar a formação docente integrada a processo de reflexão

sobre temáticas ambientais é possível o envolvimento cognitivo-afetivo dos sujeitos

decorrente de seus vínculos profissionais e de sua permanente produção de sentidos. É

pelo envolvimento cognitivo-afetivo que se torna possível comprometer-se com o

processo de emancipar-se e compreender as responsabilidades de ser livre. Para tanto é

necessário articular ética ambiental, contextos socioculturais e reformas curriculares.

Assim, na contínua produção de conhecimento, implicada pelo modo de

funcionamento da sociedade a universidade toma caráter de instituição social em

condições de desencadear formação que enfoque o posicionamento ético-ambiental. Isso

propicia que a universidade assuma a função de organizar espaço acadêmico de

constituição de programas, pesquisas e reflexões da construção de sociedade

sustentável. Por isso a formação docente tem na universidade a possibilidade de

construção de intervenção tomando como ponto de partida o espaço das relações

didático-pedagógicas no cotidiano escolar.

A complexa configuração da universidade tem as condições para dar atenção a

tal construção societária que requer uma formação complexa, pois nela a educação

científica em interface com a educação ambiental e ética, favorece a construção de

práticas vinculadas ao estudo das alterações ambientais que os projetos humanos têm

produzido. Para o autor essa construção requer uma aproximação com o imaginário das

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comunidades, inclusive o universitário, permitindo respostas aos debates internacionais

sobre o engajamento na mudança sociocultural e construção de posicionamento

ambiental.

No âmbito da formação docente na escola de educação básica, de acordo com

Gadotti (2008) espera-se da escola do século 21 que facilite a formação continuada de

sua equipe de professores, ofereça as condições para que eles possam refletir sobre a sua

prática, construir seus projetos de vida, seus projetos pedagógicos e possam sentir-se

bem na escola. Na perspectiva do autor o sentir-se bem na escola demanda uma práxis

docente implicada pelo projeto pedagógico.

Por fim, com esta pesquisa defendo não dissociar sociedade e indivíduos, não

dissociar mudança social e mudança cultural, mas dar-lhes as devidas dimensões.

Defendo que isso aconteça a partir de uma relação complexa. A sociedade como

contexto e condições para a emergência da subjetividade. O individuo como sistema

dinâmico cujo desenvolvimento implica no projeto social que participa. Para González-

Rey (2011), a pessoa, como sujeito da vida social é uma peça-chave na geração de

novas práticas e tecidos sociais. Logo a dicotomia entre o social e o individual é tão

prejudicial como ignorar um destes momentos em prol do outro.

Defendo pesquisas e práticas educativas comprometidas em não despersonalizar

os sujeitos, mas que dão valor à fala personalizada, de modo a manter o caráter

constitutivo e dinâmico da presença humana. Todavia nos cabe como pesquisadores e

formadores, reconhecer a mobilização de sentidos de maneira a desenvolver os

interesses individuais de forma que eles coincidam com as necessidades sociais,

ultrapassando o que González-Rey (2005a) chama de dogmatização da expressão moral

e política.

Para Jonas (2006, p. 158), “os homens são seres morais potenciais porque

possuem essa capacidade de ser afetados (...) essa lacuna entre a sanção abstrata e a

motivação concreta só pode ser transposta pelo arco do sentimento, o único capaz de

influenciar a vontade”. A partir da interpretação da configuração subjetiva é possível

compreender que a motivação para aprender e ensinar sobre o tema depende de

experiências que marcam os sujeitos desde a infância implicadas em seus contextos e

vivências sociais.

Ao finalizar este trabalho, defendo que motivar (futuro)professores para ensinar

sobre sustentabilidade depende de se levar em consideração conhecimentos teóricos da

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diversas áreas, experiências, crenças e valores que marcam os sujeitos em seus diversos

espaços sociais, constituindo suas configurações de sentidos subjetivos. Tais

configurações, que incluem processos simbólico-emocionais, podem se desenvolver em

sentimentos morais, quando no processo educativo crenças e valores são

intencionalmente problematizados.

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196

APÊNDICE A – AS ATIVIDADES EDUCACIONAIS SOBRE

SUSTENTABILIDADE NOS CONTEXTOS EDUCATIVOS

Os contextos educativos: os cenários de pesquisa

Este apêndice intenciona trazer informações sobre as contribuições dos

contextos educativos para a configuração de sentidos emergentes dos

(futuros)professores. Por ser uma experiência de prática pedagógica de abordagem

contextual apresenta-se o conteúdo orientador da discussão sobre Mato Grosso e sobre

Química e sua contribuição para os sentidos subjetivos estudados.

Partindo da epistemologia qualitativa de González-Rey (2005a). Neste sentido,

foram influências para esta pesquisa qualitativa e suas questões metodológicas na

organização do cenário de pesquisa:

1. A reflexão sobre a investigação temática e das falas significativas como processo

de pesquisa. Isso propiciou o conhecimento sobre a tematização contemporânea

dos sujeitos, assim como antecipou a mobilização de sentidos e a configuração

de sentidos subjetivos iniciais, procedimentos fundamentais para a elaboração

dos indicadores da conversação;

2. A interação em sala de aula entre sujeitos, pesquisador e pesquisados esteve

comprometida com as diferenças na organização dos sentidos subjetivos, de

modo que a reflexão sobre o modelo de significação acerca do problema

analisado propiciou a definição e redefinição dos objetivos específicos de análise

dos diálogos.

O diálogo intencional pode dirigir se no sentido de acessar as reflexões

implícitas. A busca por compreender os espaços de subjetividade social baseadas nas

relações implícitas da expressão dos sujeitos propiciou o estudo do objeto em seu

contexto e seus múltiplos processos de relação. Assim como propiciou apontar aspectos

do posicionamento docente que se aproxima de uma ética educativa, sistêmica e

integradora.

O planejamento e a programação do cenário de pesquisa deram-se como

abordagem temática. A organização deu-se através de investigação temática

(DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007), ou seja, partiu de uma

problematização inicial, seguida de organização do conhecimento, isto é, da

decodificação do tema passa pela escolha de contradições, e seleção de conhecimentos

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para compreensão dos elementos constitutivos da situação problematizada; e, da

aplicação do conhecimento, isto é do conhecimento sistematizado para analisar e

interpretar as situações iniciais. Desta forma esse processo explora tanto a dimensão

dialógica do ato educativo como a dimensão problematizadora do ato de aprender.

Neste sentido foram considerados os princípios básicos para o ensino do tema

sustentabilidade:

1. Organizar a abordagem numa perspectiva de formação crítica para atender

aos desafios do processo educativo em Ciências e Matemática. Encontram-se

atualmente discussões a cerca da constituição de Educação em Ciência

plural, inter e transdisciplinar que seja capaz de apropriar-se do vasto campo

de conhecimentos e contradições da Ciência e Tecnologia. Exigindo

formação voltada às questões sociocientíficas relativas à vida cotidiana, e à

desenvolver atitudes e métodos de pensamento próximos das atividades das

ciências. Desta forma a investigação temática apropria-se tanto de conceitos,

leis e teorias das ciências, quanto da dimensão processual de sua produção;

2. Reconhecer o sujeito que aprende como sujeito histórico imerso em um

mundo contemporâneo com diferentes origens sociais e culturais,

possibilitando conhecer suas marcas históricas e culturais, de forma a

garantir formação personalizada. Desta forma pode-se compreender a

situação problema como percebida diferentemente pelas pessoas e como

pensadas por diferentes caminhos, o que exige do ensino um curso baseado

em investigações capaz de combinar processos, conceitos e procedimentos

na solução de um problema.

3. Estruturar práticas educativas com programação e planejamento didático-

pedagógico que inclua as categorias de conhecimento científico e senso

comum. Planejar e executar programa que se constitua por levantamento,

reflexão e análise com o material sistematizado pelos sujeitos do processo

educativo.

Tais princípios foram considerados pertinentes para a articulação da pesquisa ao

ensino por viabilizar um sistema atividade-comunicação. Para Aydos (1994) a

concepção educacional dialógica ou como conhecida por metodologia da

problematização, é o que configura a investigação temática como relevante diante dos

modelos pedagógicos tradicionais, pois o aluno usa a realidade para aprender com ela,

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assim como separam do que foi observado o que é importante, o que é superficial e

contingente. Investigar processo educativo das Ciências Naturais apoiados em educação

problematizadora ou dialógica, defendida por Paulo Freire, tem se mostrado uma

concepção pedagógica e epistemológica, que permite estruturar práticas educativas com

programação e planejamento didático-pedagógico que inclui duas categorias de

conhecimento: o científico e o senso comum. Para a autora aplicar uma concepção

educacional dialógica, problematizadora ou ainda libertadora, cujos trabalhos

desenvolvidos foram na área de alfabetização de adultos e em situações de educação

informal, exige adaptações em situações de Ensino de Ciências, entretanto é possível

manter os pressupostos de delinear os conteúdos com os estudantes do grupo de

trabalho, cabendo ao grupo continuar desafiado a superar situações cotidianas

problematizadas, e manterem-se na dimensão contextualizada dos conteúdos de ensino.

Para Freire (2004) não é possível ensinar sem investigar. Para ele não podemos

reduzir os espaços de curiosidade e criatividade, pois a produção da cidadania não é

uma construção conquistada com repasse, mas com autonomia critica e emancipação. E

com a compreensão processual da produção social do conhecimento. Desta forma os

princípios e implicações de atividades investigativas problematizadoras, identifica a

abordagem temática como uma perspectiva curricular onde a conceituação científica

está subordinada ao tema, dos quais são selecionados os conteúdos de ensino das

disciplinas. Logo, implica na participação do sujeito da ação educativa, inclusive na

definição conjunta do conteúdo programático.

O desenvolvimento de atividades educacionais sobre sustentabilidade nos contextos

educativos e as contribuições na configuração de sentidos emergentes.

A abordagem contextual e investigativa é problematizadora e politizadora. Ela

intenciona cuidar da vida coletiva e da sociedade, respeitar a expressão de ideias

antagônicas, e inclusive não ser indiferente as diversas ideias do grupo, abrindo assim

espaço para que se argumente e até se refute ideias.

Contexto 1 – formação continuada de professores: subjetividade social do contexto

educativo pesquisado

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199

A sistematização da investigação temática realizada durante a oficina temática

com participantes do projeto OBEDUC está apresentada na tabela 1. Em função das

limitações de espaço e tempo pedagógico da oficina os professores simularam o

planejamento, a preparação e a execução das atividades de iniciação às ciências.

Tabela 1. Atividades desenvolvidas com a equipe do projeto OBEDUC – UFMT

Ação Síntese da atividade Finalidades e objetivos

Organização

da oficina

temática

Elaboração de temas

geradores, contra temas

Motivar falas significativas e assim privilegiar sínteses

de concepções, contradições sociais e mesmo limites

explicativos que permeiam as falas e relações do grupo

social em que estão envolvidos.

Organização do

conhecimento

Selecionar conhecimentos para estudo tendo em vista

um quadro de referência teórica e metodológica e desta

forma comprometê-los com o planejamento referenciado

de processos educativos.

Sustentabilidade e o contexto

físico e cultural de Mato

Grosso

Integrar pela abordagem temática sínteses de

concepções e mesmo contradições conceituais que

permeiam o debate global e regional. Manter o caráter

reflexivo ao abordar a pluralidade de modelos

explicativos para a sustentabilidade.

Tal oficina temática foi desenvolvida junto ao OBEDUC a partir do momento

em que sustentabilidade foi proposta aos professores como viável à constituição de

atividades formativas para planejamento de QSC’s que permeavam os debates internos.

Ou seja, para que assim o grupo de professores associasse em suas ações o

enfrentamento das dificuldades de aprendizagem. E assim adentrasse nos debates sobre

a controvérsia e impactos da tecnologia.

Ao ouvir os sujeitos neste espaço sobre a noção de sustentabilidade as

expressões iniciais dos doze sujeitos envolvidos remetiam a questões econômicas,

socioculturais e ecológico-ambientais, interpretadas com base em Sachs (2009). Foram

interpretadas como econômicas expressões com traziam sentido de reconhecimento de

modernização com uso de instrumentos de produção, distribuição e consumo material,

científico e tecnológico. Foram interpretadas como socioculturais expressões com

sentidos de acesso aos recursos e serviços sociais, emprego, renda, vida descente e

patamar de homogeneidade, autonomia para elaboração de um projeto, respeito à

tradição. Foram interpretadas como ecológico-ambientais os sentidos que expressavam

preservação e limitação do potencial do capital natural, respeito à capacidade de

autodepuração dos ecossistemas naturais.

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200

Contexto 2 – formação inicial de professores: a subjetividade social do contexto

educativo pesquisado

O sistema atividade-comunicação na formação inicial também se integrou pela

investigação temática onde definir tema e contra tema teve caráter reflexivo ao manter a

prática docente sob investigação. A sistematização da investigação temática realizada

durante a oficina temática com participantes do projeto Licenciatura está apresentada na

tabela 2. A realização da investigação a partir de disciplina de prática de ensino levou a

espaços e tempos pedagógicos amplos em que os futuros professores puderam fazer o

planejamento, a preparação e a execução das atividades de iniciação à Química.

Tabela 2. Atividades desenvolvidas com os acadêmicos da Licenciatura em Química

Ações Síntese da atividade Finalidades e objetivos

Articulação

entre a

ementa e os

objetivos da

disciplina

Atividades de produção de

textos acadêmicos

Propiciar estudo e sínteses sistematizadoras de maneira a

resultar em um quadro de referência teórica e

metodológica.

Planejamento e programação

de atividades práticas

educativas

Organizar processo educativo de Química, constituído

em permanente relação com as exigências curriculares, e

com clareza intencional e critica intelectual de maneia a

evidenciar sínteses de concepções, contradições e

mesmo limites explicativos que permeiam a elaboração

educativa proposta.

Estágio supervisionado e a

investigação da prática

docente

Realizar atividades de ensino e propiciar estudo das

próprias ações concretas de maneira a resultar em um

quadro reflexão dos processos educativos.

Realização

de projeto de

extensão

universitária

Planejamento e realização de

projeto de mini-curso

Realizar atividade de extensão que propicie dialogar

com estudantes da educação básica através de

experimentação e do conhecimento químico

Debate com atores sociais da

educação do campo e

educação indígena

Realizar problematização inicial para a oficina temática

de maneira a inserir nas atividades educativas elementos

voltados à realidade social através da presença de atores

sociais que pudesse enriquecer o diálogo no sentido da

geração de novas ideias de conteúdos e abordagens pelos

futuros professores. O debate contou com a presença na

UFMT de grupos populares representantes de um

Coletivo da Terra constituído de indígenas Umutinas,

assentados e pequenos produtores rurais; e com a

presença de pesquisadora em Educação do campo.

Participação

em oficina

temática

Ensino de Química e o

contexto físico e cultural de

Mato Grosso

Integrar-se à investigação temática. Propiciar a definição

de tema e contra tema e fazer redução temática. Gerar

falas significativas de maneira a evidenciar sínteses de

concepções, contradições sociais e mesmo limites

explicativos que permeiam as falas e relações do grupo

social em que os pesquisados estão envolvidos.

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201

As atividades expostas não tiveram distribuição linear no espaço e tempo

pedagógico da disciplina de maneira que se entrelaçaram em diversos momentos de

realização. Seu planejamento foi baseado nas diretrizes curriculares para formação de

professores para a educação básica (BRASIL, 2002c), bem como nas diretrizes

curriculares para os cursos de licenciatura em Química (BRASIL, 2002d). Para

articulação entre a ementa e os objetivos da disciplina o tema da investigação temática

foi inserido para aglutinar temas sociais, situações reais e Educação Ambiental em

função de uma aproximação com o tema transversal na forma apresentada pelas

Orientações Curriculares Nacionais para a área (MEC/SEB, 2006). A decisão interna do

grupo foi organizá-la a partir da integração Ciência, Tecnologia, Sociedade, Ambiente

(CTSA).

Realização de projeto de extensão universitária

O sistema atividade-comunicação no estudo com futuros professores também

contou com a realização de projeto de extensão universitária, na forma de mini-cursos

desenvolvidos na UFMT, com estudantes do ensino médio de escolas públicas. O

referido projeto estava em sua vigésima edição e foi construído para dialogar com

experimentação e ensino de Química. Entre seus objetivos está a construção de

atividades de ensino voltadas à realidade social. Desta forma os futuros professores

Adonis e Rosa, constituíram um grupo, Dália e Margarida, constituíram outro grupo. Ao

longo da organização e em função da redução temática selecionaram temáticas

relacionadas com água e solo. Na sequência intitularam seus mini-cursos como: i. dessa

água beberei? ii. solo: constituintes e contaminantes.

Os títulos expressam uma posição de interesse por água e solo, dois temas

relevantes para a educação em ciências. As escolhas temáticas se voltaram para o estudo

de água e solo, em termos de análise, tratamento, uso e conservação em consonância

com as pesquisas experimentais das quais os pesquisados participam sobre produtos

naturais, contaminantes ambientais de ordem biocidas e metais pesados. Eles sustentam

uma posição de reflexão e de problematização temática sobre diferentes aspectos de

constituição e qualidade para consumo humano.

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202

A biodiversidade e sua diversidade cultural de Mato Grosso como conteúdo

orientador da oficina temática

Para desenvolver as atividades previstas para uma oficina temática, a

sensibilização inicial tinha como foco aspectos físicos e culturais de Mato Grosso,

dando ênfase na relação complexa entre ocupação do ecossistema por projetos humanos,

desta maneira intencionava problematizar a realidade do estado e formar professores

para discutir sustentabilidade a partir dessa região.

O estado de Mato Grosso apresenta uma enorme biogeodiversidade constituída

por três biomas de tipologia vegetal própria e três bacias hidrográficas, sendo uma

região extensa de transição Cerrado-Floresta Amazônica. Possui uma história marcada

por diversos grupos étnicos indígenas e pela imigração de muitos outros povos. Esse

panorama histórico-cultural aponta a base sobre a qual o estado foi produzindo uma

complexa condição ambiental que se desenha na realidade física e social da região

dinâmica de intensa produção cultural.

Uma breve representação do conceito de bioma de ênfase em seu caráter

sistêmico-complexo. O tema bioma perpassa pela definição como área do espaço

geográfico, representada por um tipo uniforme de ambiente, identificado e classificado

de acordo com o macro clima, a fito fisionomia, o solo, e a altitude. Incluem ainda

aspectos de evapotranspiração, taxa de radiação solar, a chuva, e fogo (COUTINHO,

2006). Seu estudo pressupõe a integração de diversificados aspectos ambientais. A

distribuição das espécies nos diferentes biomas é limitada pelas condições climáticas

locais. A formação das condições do tempo e do clima depende da combinação

dinâmica dos diversos fatores condicionantes: latitude, altitude, continentalidade,

correntes oceânicas, circulação geral da atmosfera, circulação zonal, circulação local,

massas de ar e frentes. Logo, relacionam-se as condições meteorológicas, e por

consequência, as condições climáticas de um local. Essa movimentação ilustra as

interações entre os sistemas naturais.

Mato Grosso é um estado rico em bacias hidrográficas e biodiversidade,

constituindo três grandes biomas, o Cerrado, a Floresta Amazônica e o Pantanal

(ALVES, 2006). Do ponto de vista hidrográfico o estado é considerado o “Estado das

nascentes” atingido pelas bacias: Araguaia-Tocantins, Paraguai, Amazônica (SEMA,

2007).

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203

O bioma amazônico quando consideramos a Amazônia Legal com área adicional

à floresta tipo hiléia, que inclui também vegetação de Cerrado, estende-se por nove

estados dentre eles Mato Grosso (SMA/CPLEA, 2006). Bioma amazônico é o maior

bioma brasileiro com 4.196.943 quilômetros quadrados que ocupam 49,29% do

território nacional. É uma das últimas regiões do planeta que ainda seduzem pela

exuberância da mata primitiva. Também guarda a maior diversidade biológica. O bioma

ocupa em sua totalidade os estados do Acre, Amapá, amazonas, Pará e Roraima, além

de parte dos estados de Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. Ao olharmos

para nossa região em termos tropicais, podemos representar nossa localização na

floresta pluvial tropical. Uma região tropical úmida. As médias de temperatura

apresentam poucas variações durante o ano. A precipitação pluviométrica é distribuída

em duas estações. Em média recebemos duas vezes mais radiação solar do que recebem

os pólos. E a circulação atmosférica transfere 80% da energia excedente.

As interações ecológicas se dão em bioma Cerrado-Pantanal-Floresta, um bioma

de savana tropical, um complexo de formações e, em virtude das altas taxas de radiação

solar, do prolongado período de cultivo e da umidade abundante, as florestas tropicais

apresentam uma produtividade alta. Ou seja, uma grande quantidade de biomassa morre

e deposita-se cobrindo o solo. Essa camada umidade rapidamente mineralizada e os

nutrientes são logo reabsorvidos pelas raízes. Três tipos de solo são predominantes:

oxissolos (óxidos hidratados de ferro e/ou alumínio), alfissolos e ultissolos (resultam da

erosão de rochas básicas). Há pouca acumulação de matéria orgânica.

A heterogeneidade da mata pode ser descrita pela variedade de espécies vegetais

e o pequeno número de indivíduos de uma mesma espécie em uma determinada área.

Em termos populacionais, sua diversidade é constituída por diferentes etnias que

ali se instalaram há muito tempo ou mais recentemente (CAVALCANTE, 1999). Em

Mato Grosso existem atualmente trinta e oito diferentes etnias indígenas, e oitenta e sete

terras indígenas (ALVES, 2006).

A história de Mato Grosso é marcada por ocupação territorial e conflitos no

campo. O modelo de produção agrícola envolve demandas físicas e culturais pela

conservação das relações ecossistêmicas dos biomas do estado de Mato Grosso. A

degradação dos biomas levou ao questionamento e discussão da sustentabilidade de

nossas práticas de produção da vida material. A flora aquática tem sido afetada

por herbicidas ameaçando comunidades ribeirinhas e pescadores (ALVES, 2006). Em

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204

2004 mil e sessenta e cinco famílias foram atingidas pela Usina Hidrelétrica de Manso,

mas somente duzentas quarenta e nove famílias, em princípio, foram reassentadas

(ALVES, 2006).

Enquanto o mapeamento hidrográfico é facilmente acessível ao público, o

mapeamento sistemático dos recursos florestais ainda é precário (THUAULT, 2008). A

produção agrícola baseia-se em práticas impactante sobre solo, água, ar e

biodiversidade, altamente dependentes de insumos e implementos agrícolas, promotora

de bioinvasão e uso de plantas exóticas e a manipulação genética (ALVES, 2006). O

desmatamento nos municípios do norte do estado demonstra que as atividades de

extrativismo de madeira ainda são intensas. A implantação de municípios tem seguido a

lógica do metabolismo excessivo da urbanização cosmopolita. Ao lado disso, a

agricultura familiar e assentamentos rurais produzem produtos de consumo in natura e

atendem o mercado da região, desenvolvendo também relações e técnicas dependentes

de insumos e implementos.

É um estado fornecedor de minérios, madeira e recursos florestais. O uso do solo

tem seguido o modelo de produção de alimentos em grandes monoculturas, baseadas no

pasto, na soja, no milho, no arroz, no algodão e na cana-de-açúcar.

Na agricultura familiar e assentamentos rurais cultivam produtos de consumo in

natura e atendem o mercado da região, registram-se então experiências de produção

agroecológica, mas se veem desenvolvendo também relações e técnicas dependentes de

insumos e implementos.

Há indicação de práticas adequadas às condições tropicais para reduzir a

temperatura do solo, conservar a umidade e prevenir a erosão. Como exemplo temos a

lavoura múltipla intensiva, o consórcio de espécies, o ciclo de nomadismo. O desafio

imposto às populações humanas reside em tornar suas práticas mais produtivas sem

destruir sua rica diversidade.

As escolas mato-grossenses estão imersas em um panorama histórico e cultural

de dinâmica intensa de produção cultural. Essa é base sobre a qual o estado foi

produzindo uma complexa condição ambiental que se desenha na realidade física e

social da região.

O contexto histórico e social de Mato Grosso como marcado por uma intensa

modificação nos fluxos de massa e energia do bioma amazônico que atinge grupos

sociais ameaçados em suas condições físicas, ambientais e sociais. Daí compreendermos

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a importância dessa temática no currículo escolar de Mato Grosso. Significados e

características presentes nas correntes de pensamento da sustentabilidade

problematizam inclusive o aspecto epistemológico da produção científica atual.

As atividades produtivas em Mato Grosso trazem intensa modificação nos fluxos

de massa e energia do bioma amazônico, que atinge grupos sociais ameaçados em suas

condições físicas, ambientais e sociais. Sendo assim, compreendemos a importância

dessa temática no currículo escolar de Mato Grosso.

Uma breve exposição das tendências pedagógicas leva a compreender que

perspectivas socioetnoculturais voltam seu olhar para a multiplicidade física e cultural

de Mato Grosso influenciando visões de mundo diante da complexa condição ambiental

que se desenha na realidade física e social da região. HARDOIM et. al. (2010) tratam da

Educação científica como empoderamento ao permitirem aos atores envolvidos na

educação a reflexão sobre os fenômenos da natureza e os sociais e suas relações com a

qualidade de vida. Segundo GUARIM NETO (2008) ao registrar o conhecimento

popular geram-se elementos fundamentais para a conservação da biodiversidade.

Temos um longo caminho a percorrer na região amazônica mato-grossense no

registro e desenvolvimento de pesquisa em Educação em Ciências e Matemática voltada

para a inserção de propostas pedagógicas de respeito à pluralidade cultural de toda a

região.

Novos indicadores apontam um mundo onde todos os sujeitos sejam respeitados

em suas diferenças, e sejam tratados como iguais e seus direitos humanos atendidos e

garantidos. Um mundo em que sejam respeitados em sua singularidade e que sejam

conhecidos por suas interações culturais. As desigualdades sociais sejam enfrentadas e

se promova equidade e inclusão. Sujeitos incluídos em processos que os possibilitem

agir com autonomia, livres e emancipados. Um ambiente físico e cultural que seja

conservado comportando o coletivo e a solidariedade. Um mundo onde o consumo e

excedente atendam necessidades básicas para a vida e garanta todo patrimônio natural

como bem comum da humanidade. Sobretudo, que o conhecimento de práticas culturais

seja validado por seu respeito às interações ecológicas.

A relação com o contexto social de Mato Grosso leva a questionar a Química

necessária para a sobrevivência nos trópicos úmidos.

A química com seus objetos como conteúdo para compreender sustentabilidade

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206

Sendo esta pesquisa desenvolvida em sala de aula de licenciatura em Química, a

sensibilização inicial para a investigação temática contou com conteúdo que foi

sistematizado como segue abaixo.

O tema sustentabilidade perpassa por estudos de dimensão material, natural e

sistêmica. De certa forma, esse recorte conduziu pesquisas a formas lineares, de

abordagem unidimensional destas temáticas que são multidimensionais. A crítica a tais

abordagens levou ao desenvolvimento de estudos embasados pelo entrelaçamento

constitutivo e processual, configurando um modelo teórico caracterizado como sistema

complexo. Na perspectiva de compreensão do Planeta como sistema complexo (em uma

visão que incorpora as bifurcações resultantes das modificações humanas), a dimensão

natural inclui os artefatos e os espaços produzidos pelas diferentes culturas. Assim o

recorte físico-material no caso da Química contribui na compreensão do meio ambiente

e da sustentação da vida.

De maneira geral, os modelos da Química implicam em conceitos de

transformação, de fluxos, de bifurcação e de interações moleculares. São crescentes as

tendências de caráter sistêmico, que abordam os conhecimentos químicos integrados aos

problemas locais e globais de forma que incluem as práticas culturais e as interações

ecológicas como implicações naturais.

A representação da transformação química e a conservação de massa já existem

como princípio5 há muito tempo. Esta última considerada uma via para estabelecer

relações de alterações naturais pela representação de identidade/transformação tornou-se

referência da produção reacional de produto químico6 (MACHADO, 2000).

Tais modelos teóricos são utilizados para transição de um nível fenomenológico

para o atômico-molecular (MORTIMER; MIRANDA, 1995). Eles envolvem

representação de modificação material mediante uso de energia. Tendo como referência

a transformação química como o resultado da interação entre diferentes produtos

(sistemas iniciais), com consumo de energia, os modelos teóricos descrevem a produção

de novos produtos (sistemas finais) como resultantes de rearranjos atômico-

5 A conservação de massa como princípio admitido e utilizado desde os primórdios da química, mesmo

que testes mostrem violações deste (MARTINS; MARTINS 1993).

6Produto é usado no texto como “substância química” uma referência a qualquer composto de origem

natural ou sínteses laboratoriais diferentes dos usos comuns nos estudos ambientais quando o termo

desenvolve sentido de rejeição devido a danos provocados.

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moleculares, de massas individuais diferentes, e diferentes taxas de produção e massa

total conservada.

A relevância desse modelo reacional se nota na aplicação de seus fundamentos

em diversos estudos químicos focados no ambiente. Segundo Baird (2002), de modo

geral, entre químicos, compreendia-se que os produtos químicos emitidos nos sistemas

naturais seriam assimilados ou se transformariam, antes seriam diluídos na extensão dos

sistemas. Sob essa base há estudos que tratam de rejeitos, resíduos, descartes, danos,

prevenção, melhoria no manejo e nos objetivos produtivos. São estudos significativos

na defesa da manutenção da vida pelo suprimento material. Tem relação com a

produção material e geração de novos materiais. Há relação com o monitoramento e o

tratamento dos produtos gerados na indústria química, na produção agrícola e diversos

setores que trabalham com processos químicos.

A Química Verde (FIEDLER, 2003; LEAL; MARQUES, 2004) é um exemplo

afinado com essa perspectiva de abordagem das temáticas ambientais, definida como

uma área da química que se preocupa com o desenho, o desenvolvimento e a

implementação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar substâncias

perigosas para a saúde humana ou para o meio ambiente. Seus propositores defendem

que a química ocupa uma posição central nos diferentes processos que deverão ser

atualizados nas diversas indústrias que fazem parte do sistema econômico de qualquer

país competitivo no mercado mundial. Neste sentido, o químico passa a ter um papel de

destaque, já que ocupa uma posição central no processo industrial moderno. Nesta

concepção, praticamente toda a indústria que usa processos químicos deve superar

barreiras estratégicas já estabelecidas pelos países ricos, de comprovação e registro da

qualidade dos produtos produzidos, que utilizam padrões de referência de qualidade

aceitos internacionalmente, como por exemplo, as normas ISO 14000.

A partir disso a inovação química foca na alteração da poluição, foca na

contaminação ou do descarte inadequado e, como uma filosofia geral, passa a defender

a redução, no futuro, da exposição humana aos poluentes (BAIRD, 2002). Exposição

por vezes acusada da geração de câncer, de problemas reprodutivos, defeitos congênitos

e efeitos perniciosos. Por isso, considera-se suspender, eliminar, fazer controle final do

processo ou mesmo instalar a química limpa ou química verde.

Propondo-se como uma nova visão de mundo, resulta disso uma filosofia na qual

a Química se projeta em consonância com a gestão ambiental em termos de recursos

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naturais renováveis que considera básico compatibilizar a equivalência entre a taxa de

reposição e a emissão de efluentes com a capacidade de assimilação dos ecossistemas.

Abordagem adequada com os modelos reacionais e cinéticos, orientada pela

equivalência à reposição e pela busca da compatibilidade dos tempos biofísicos aos

tempos econômicos.

Não obstante, a Química Ambiental, como interpretação do funcionamento

natural dos sistemas, ressalta a representação de uma química que faz parte do ambiente

natural (BAIRD, 2002, p.24). Assim, os estudos ambientais são reforçados por

princípios materiais reacionais. Como área é definida pela divisão de Química

Ambiental da Sociedade Brasileira de Química como o estudo dos processos químicos

que ocorrem na natureza, sejam eles naturais ou ainda causados pelo homem, e que

comprometem a saúde humana e a do planeta. Para o autor, além de vista como a

química dos processos naturais no ar, na água e no solo da Terra, ela diz respeito

principalmente aos aspectos químicos dos problemas que os seres humanos criaram no

ambiente natural e que podem ser entendidos pelos conhecimentos da química básica e

de fundamentos da orgânica.

Assim, como Lavoisier e a conservação de massa, à sua época, instalaram-se

uma compreensão para as leis das combinações químicas. Em nossa época, para além

do foco na poluição que afeta a saúde humana, temos a representação de uma química

que faz parte do ambiente natural com modelos reacionais de transformação e clivagem

natural. Desse modo, químicos interpretam a necessidade constante de suprimento

material e energético, como incompatível com um modelo de crescimento econômico

apoiado em aumento indefinido da produção e sustentado pela extração contínua de

materiais dos sistemas naturais. Um modelo importante na compreensão de finitude dos

sistemas materiais, mas limitado no entendimento das complexas interações dos ciclos

biogeoquímicos e demandas socioculturais, científicas e tecnológicas da atualidade.

Os fundamentos de transformação da Química precisam ir além da relação

extrativa na representação da problemática, pois a dimensão da degradação não se reduz

a manter limpos os ecossistemas, os recursos para nossa sobrevivência, nem apenas

cuidar do aquecimento global. Os estudos analíticos indicam que os sintéticos, os

compostos particulados, os metais pesados e substâncias naturais tóxicas são

persistentes e não são alteradas pela ação da luz, água, ar ou micro-organismos durante

períodos longos. Sabe-se que não estão uniformemente distribuídos e se concentram em

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seres vivos. Mesmo ao considerar a transformação química parte constitutiva do

ambiente natural, uma visão de transformação como combinação química é restritiva,

por dedicar-se ao tratamento de fragmentos do sistema planetário, diante de uma visão

de transformação como interação, ou mesmo como fluxos de sustentação da vida.

Os modelos químicos de explicação dos processos naturais são voltados para o

mundo microscópico, o mundo da dinâmica atômico-molecular (PRIGOGINE, 2002).

São modelos usados para representar o sistema complexo como correspondente a uma

enorme população de partículas em interação, logo instáveis e afastados do equilíbrio. A

instabilidade e a irreversibilidade tornaram-se parte integrante na descrição do sistema.

Sendo assim, temos um ponto de partida para uma dinâmica reformulada que incluem a

probabilidade e complexidade como fundamentos inerentes aos processos naturais,

resultando que “(...) pela visão clássica, os sistemas estáveis eram a regra, e os sistemas

instáveis, exceções, ao passo que hoje invertemos essa perspectiva.” (PRIGOGINE,

2002, p. 80).

Ao abordar noções físico-químicas das temáticas ambientais tais como o

princípio de conservação de massa, a instabilidade, a irreversibilidade e as interações

ecológicas, as transformações configuram-se, então, como fluxo de massa e energia em

sistemas afastados do equilíbrio. Portanto, encontramos modelo que vai do nível

cinético-molecular para o fenomenológico. A partir de tal representação, repercute nos

estudos ambientais uma noção de finitude incerta, instável (de estabilidade mantida pela

constante entrada e saída de produtos) e que requer uma descrição qualitativa dos

principais tipos de interações (inter)moleculares que atuam nos sistemas químicos.

Assim, tais interações são usadas na racionalização de cada propriedade termodinâmica

macroscópica.

Em sistemas afastados do equilíbrio a tendência é tanto dissipação quanto

bifurcações de materiais e de fluxos. Do ponto de vista molecular, se trata sempre de

fenômenos coletivos, que põem em jogo bilhões e bilhões de moléculas (PRIGOGINE,

2002), o que implica em interpretar os fenômenos com a probabilidade de inúmeras

interações. Em termos cinéticos, incluem-se possibilidade de diferentes trajetórias

descritas por funções de distribuição, leis de movimentos e leis de transformações

dependentes do ponto de partida e das condições iniciais do sistema.

Com a intensificação da articulação entre estudos sobre processos naturais, aos

sistemas naturais (originais ou modificados, como exemplo, a dinâmica das águas, os

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210

fenômenos atmosféricos, a produção industrial e tecnológica), há a ampliação no

entendimento dos fluxos materiais e energéticos implicando na ampliação da noção de

sistema. Ao ampliarmos tais fundamentos para a hidrosfera, litosfera, atmosfera e

biosfera e para os fenômenos da vida, a intensificação implicou em outras teorias como

sistemas instáveis em um nível macroscópico, sendo a constante entrada e saída de

material e energia interpretada com representações das interações reacionais.

Ao insistir nas interações ecológicas, busca-se uma abordagem integradora e

ressalta a noção sistêmica do Planeta como finito, instável e com tendência a

bifurcações, pela sustentação da vida e de práticas culturais. Sabe-se que a luta pela

conservação do ambiente natural vincula-se a movimentos plurais, que apresentam uma

diversidade de visões de mundo e distintas abordagens de ecologia, ambiente e

economia (LAYRARGUES, 1998; FERREIRA, 2005; LEFF, 2010; BOFF, 2012), que

se preocupam com projetos humanos civilizatórios (LAYRARGUES, 1998) assim

como fazem críticas à degradação ambiental e à racionalidade da modernidade (LEFF,

2010) produtora de uma relação de dominação da natureza. Entretanto, um recorte

conduziu à visão conservacionista e pragmática ainda unilateral (SANTOS et al., 2010)

quando se utilizou de analogias vagas organicistas da sociedade humana com grupos e

comunidades animais, pois resultam em esvaziamento da compreensão das relações

sociais criadas pelos seres humanos em suas manifestações e modo próprio e distinto de

produção da vida (LOUREIRO, 2011). De certa forma, a crítica a esta última

abordagem levou a incorporação da sustentabilidade das práticas de produção da vida

aos estudos de dimensão material, implicando na inclusão de projetos comunitários à

noção da dimensão ecológica. Nesta perspectiva esta investigação incorpora a

valorização dos biomas no sentido de buscar representação de um sistema complexo,

para além de espaço geográfico e condições ambientais.

Conservar do ponto de vista químico envolve a integração da modificação dos

estados iniciais, e formação de novos materiais, a equivalência entre a taxa de reposição

e a emissão de efluentes e a capacidade de assimilação dos ecossistemas por um lado, e

do outro, a instabilidade e a irreversibilidade dos processos em sistemas complexos. Os

modelos químicos propiciam a compreensão das críticas às tendências voltadas à

reciclagem, aos limites da extração de material para manutenção do consumo no padrão

dos países desenvolvidos, pois a instabilidade acentuada, sobretudo nestes biomas, tem

a ver com os projetos humanos implantados.

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Em resumo, a ciência Química ao estudar o mundo visando entender o planeta

como sistema finito, instável e integrado, traz referências à formação docente quanto às

demandas científicas e tecnológicas de sustentação da vida humana que problematizam

as temáticas ambientais na atualidade. São referências relativas às condições físico-

químicas necessárias à sustentabilidade, sendo os modelos químicos capazes de ir além

dos aspectos de reparação de danos ou de poluição, e explicarem a totalidade do sistema

conservado, o que propicia a compreensão de usos de sistemas materiais em espaços

cada vez mais modificados, componente de um meio ambiente integrado aos sistemas

sociais e práticas culturais.

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Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa

SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS A SUSTENTABILIDADE

AMBIENTAL E A DOCÊNCIA DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM

FORMAÇÃO INICIAL.

O objetivo deste estudo é investigar a formação inicial de professores para a

Educação em Ciências, de perspectiva popular e inclusiva, visando as relações que

emergem e são geradas sobre sustentabilidade, sobre docência e sobre si mesmos

enquanto sujeito, ao vivenciarem atividades investigativas com temáticas ambientais do

estado de Mato Grosso.

Sua participação nesta pesquisa consistirá em contribuir em entrevista, respostas

a questionário que versará sobre sentidos subjetivos sobre sustentabilidade, docência e

sua subjetividade, desenvolvimento de atividade investigativas que serão fotografadas e

gravadas. Os riscos relacionados com sua participação na pesquisa são desconforto na

apresentação de conceitos ambientais e ecológicos e de sua própria subjetividade,

história e cultura. Os benefícios para você enquanto participante da pesquisa, são

pessoais no sentido da participação em pesquisa educacional, e de relevância para a

defesa do Meio Ambiente, e para a comunidade pesquisadora da Educação em Ciências.

Você receberá uma cópia desse termo organizado por Mariuce Campos de

Moraes, com endereço em Sala 85, Bloco C, Instituto de Ciências Exatas e da Terra,

Avenida Fernando Correa da Costa, nº 2367, Bairro Boa esperança, Cuiabá-Mato

Grosso Cep : 78.060.900, telefone: (65) 3615 8768 ou (65) 9978 3326, pesquisadora

responsável.

Considerando os dados acima CONFIRMO estar sendo informado(a) por escrito

e verbalmente dos objetivos desta pesquisa e em caso de divulgação por foto e/ou vídeo

AUTORIZO a publicação.

Eu (nome do participante ou responsável) .............................................................,

Idade:.......... sexo:...............Naturalidade:......................

RG Nº:..........................declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha

participação na pesquisa e concordo em participar.

Assinatura do participante:

.......................................................

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA

REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

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ANEXO 2 – TERMO DE COMPROMISSO DE DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS

TERMO DE COMPROMISSO DE DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE RESULTADOS

Eu, Mariuce Campos de Moraes, pesquisadora coordenador do projeto:

“SENTIDOS SUBJETIVOS RELACIONADOS A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E A DOCÊNCIA DE

PROFESSORES DE CIÊNCIAS EM FORMAÇÃO INICIAL” , declaro meu compromisso e o de meus

colaboradores, de divulgar e publicar quaisquer que sejam os resultados encontrados na

pesquisa acima citada, resguardando, no entanto, o interesses dos sujeitos envolvidos, que

terão suas individualidades preservadas e mantidas em sigilo.

Cuiabá, ... de .................. de 20......

________________________________

(Assinatura)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO AMAZÔNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

REDE AMAZÔNICA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

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ANEXO 3 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR FRANCISCA

NO GRUPO

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ANEXO 4 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR FRANCISCA

EM SESSÃO INDIVIDUAL

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ANEXO 5 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR ANTÔNIO NO

GRUPO

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ANEXO 6 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR EURICO NO

GRUPO

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ANEXO 7 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR EURICO EM

SESSÃO INDIVIDUAL

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ANEXO 8 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR ROSA EM

SESSÃO INDIVIDUAL

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ANEXO 9 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR ADONIS EM

SESSÃO INDIVIDUAL

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ANEXO 10 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR MARGARIDA

EM SESSÃO INDIVIDUAL

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ANEXO 11 – REDUÇÃO TEMÁTICA PROPOSTA POR DÁLIA EM

SESSÃO INDIVIDUAL

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ANEXO 12 – COMPLEMENTO DE FRASES POR FRANCISCA

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226

ANEXO 13 – COMPLEMENTO DE FRASES POR ANTÔNIO

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227

ANEXO 14 – COMPLEMENTO DE FRASES POR EURICO

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228

ANEXO 15 – COMPLEMENTO DE FRASES POR ROSA

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229

ANEXO 16 – COMPLEMENTO DE FRASES POR ADONIS

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ANEXO 17 – COMPLEMENTO DE FRASES POR MARGARIDA

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231

ANEXO 18 – COMPLEMENTO DE FRASES POR DALIA

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ANEXO 19 – INSTRUMENTO PARA DESCRIÇÃO DE IMAGENS

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ANEXO 20 - SÍNTESE ESQUEMÁTICA DAS QUESTÕES NORTEADORAS DA

PESQUISA

Demandas

humanas e da vida

Problematização na

construção de Sociedades

sustentáveis

Configuração de

distintas Responsabilidades

em

Projetos humanos

Por ciência e tecnologia, por objetos e

imagens,em um planeta finito e complexo Enfrentamento do

estado atual de

(in)sustentabilidade

com

par

tilh

amen

to

con

textu

ais

Construções complexas nas

quais interagem vivências e

convivências.

(in)dependência ecológica,

agrícola, industrial

e tecnológica

Dec

isõ

es

pes

soai

s

Mobil

izaç

ão

de

sen

tido

s

princípio

norteador

esfera privada e pública

Sujeitos

processos simbólicos e

emoções Produção

subjetiva

experiências

individuais e

coletivas Intenções e fins

Histórico-concreto, com

subjetividade social e individual (potencial cidadão emancipado e

participativo)

Po

sici

onam

en

to no

mund

o Articulação da significação

de felicidade e superação de obstáculos.

Lim

ites

ambie

nta

is e

soci

ocu

ltu

rais

De conteúdos distintos

resultantes da dimensão conflituosa das relações

humanas

diferentemente

afetados

Cid

adan

ia

dimensão integrada da

emancipação

Co

-

resp

on

sabil

i

Dad

e

Profissionais

críticos, autônomo

e responsáveis

Princípios,

juízos e valores

aprofundamento da dimensão

Ética

implicação de

conhecimentos atitudinais Docência em

Ciências

Acordos e soluções são provisórias envolvem princípios formais (abstratos),

juízos e valores morais (formulado nos

diferentes grupos)

Vinculação de compromissos multidimensionais dos projetos

humanos

Sujeito histórico, profissional crítico, com compreensão

sistêmica de sustentabilidade,

que forma para a cidadania numa ética de

(co)responsabilidade