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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ILZA DE ANDRADE CARVALHO “É MAIS OU MENOS MUITA COISA”: SIGNIFICAÇÕES DA DIETA PARA CRIANÇAS COM DIAGNÓSTICO DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL CUIABÁ-MT 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ILZA DE ANDRADE CARVALHO

“É MAIS OU MENOS MUITA COISA”: SIGNIFICAÇÕES DA DIETA PARA

CRIANÇAS COM DIAGNÓSTICO DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM

ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL

CUIABÁ-MT

2017

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ILZA DE ANDRADE CARVALHO

“É MAIS OU MENOS MUITA COISA”: SIGNIFICAÇÕES DA DIETA PARA

CRIANÇAS COM DIAGNÓSTICO DE DOENÇA RENAL CRÔNICA EM

ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso,

como requisito para a obtenção do título de Mestre em

Educação na Área de Concentração: Cultura, Memória e

Teorias em Educação, no Grupo de Pesquisa em

Psicologia da Infância.

PROFESSORA DOUTORA DANIELA BARROS DA SILVA FREIRE ANDRADE

ORIENTADORA

CUIABÁ-MT

2017

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo autor.

Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.

A553t CARVALHO, Ilza Andrade de.

“É mais ou menos muita coisa”: significações da dieta para crianças com diagnóstico de doença renal crônica.

Ilza Andrade de Carvalho, 2017. 124 f.: il. color.; 30 cm.

Orientadora: Daniela Barros da Silva Freire Andrade.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Significações infantis. 2. Dieta restritiva. 3. Adesão ao tratamento. I. Título.

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Dedico este trabalho aos meus pais que, entre outras

funções, me apresentaram o mundo e os recursos para

habitá-lo. Com eles, aprendi que é possível seguir em

frente, mesmo quando não visualizo o caminho.

Depois, descobri que o nome disto é Fé. Com eles,

aprendi também que, guiada pela fé, eu nunca estaria

só e que essa presença confortadora em minha vida

tem um nome: DEUS!

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AGRADECIMENTOS

À Professora Daniela Freire, minha orientadora, agradeço pela sensibilidade e

sabedoria expressas em forma de orientação personalizada, um “ninho” que acolhe os mais

variados voos e que acolheu o meu. Obrigada por ampliar meu olhar para inúmeras

possibilidades de voar, e, principalmente, por me chamar de volta sempre que eu me distanciei

da rota. Minha gratidão, respeito e admiração.

Às Professoras Ana Rosa Moreira, Ana Rafaela Pécora e Jane Cotrin, obrigada por

aceitarem participar dessa história e pela delicadeza e generosidade nas contribuições.

Ao GPPIN pela acolhida, pelas manhãs de estudo, pela metodologia eficiente e

divertida de se trabalhar em grupo. Levo comigo na “caixinha de boas lembranças” esse

diferencial de um grupo que consegue integrar com harmonia conhecimento, arte e afeto. Aos

colegas que compartilharam comigo experiências, frustrações e alegrias, obrigada por me

ouvirem quando precisei falar. Foi bom estar com vocês!

Aos meus filhos Rafaella e Lucas, agradeço pela sintonia. Vocês conseguiram,

simultaneamente, acessar a mãe de vocês, alimentar meus sonhos e inspirar meus estudos. Amo

vocês!

Aos meus irmãos, Eunice, Eunilde, Ildete, Jamil e Jacio, pela parceria que se iniciou

em torno do projeto de nossos pais e que foi sinônimo de sucesso em várias etapas de nossas

vidas. Com vocês, pude constatar que é possível se trabalhar no coletivo em prol de projetos

individuais. Obrigada pela sutileza com que vocês sempre ladrilharam com pedrinhas de

brilhante os lugares por onde passo.

Aos meus cunhados Ely, Roque, Tadeu, Andrea, Verinha e Aparecida Dorinda,

estendo a vocês o carinho e afeto dedicado aos meus irmãos. Vocês são especiais.

Aos meus sobrinhos, agradeço cada gesto e palavras de incentivo que me motivaram

a seguir em frente nos momentos não favoráveis. Obrigada Elyssa, por me mostrar que o amor

tudo suporta; Karyna, por me lembrar que o “não” é uma escolha; Rodolfo, por acreditar em

meu trabalho e me apoiar de diversas maneiras; Rafael, meu sobrinho e afilhado, obrigada pelo

afeto; Esther, obrigada pela confiança e torcida; ao Pedro, muito obrigada por me chamar ao

convívio familiar quando estive em outros mundos: “Tia Iuuza, tia grandona... abre para o

Pedro!”

Agradeço à FAPEMAT/CAPES, pelo financiamento da bolsa que tornou possível essa

pesquisa e a equipe da Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT,

pela eficiência e profissionalismo na função de auxiliar e orientar cada etapa deste processo.

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Ao hospital de ensino que acolheu este estudo, no qual cada departamento atendeu a

contento as solicitações necessárias, em especial, ao de Ensino e Pesquisa e ao Ambulatório II,

lócus deste estudo. Por meio da Doutora Sandra Breder, Doutora Anna Beatriz, Tamires, Neuza,

Merci Morais, estendo meu agradecimento aos demais que contribuíram em algum momento

do processo. Gratidão a todos!

Às crianças que participaram espontaneamente como sujeitos desta pesquisa e seus

familiares, pois reconheço na contribuição de cada um de vocês, a essência deste trabalho.

Gratidão eterna!

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RESUMO

O presente estudo se desenvolveu com o propósito de identificar e analisar significações infantis

a respeito da dieta restritiva para crianças com diagnóstico de doença renal crônica, a partir de

significados compartilhados nos grupos de pertencimento destes sujeitos. Com este objetivo,

compreende-se que, tais significações conferidas à prática da dieta, como prescrição médica,

podem contribuir para orientar ações de adesão ao tratamento. Assim, com o suporte do Grupo

de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN) esta investigação teve como campo de estudo

o contexto do Ambulatório de Nefrologia de um Hospital de Ensino da Universidade Federal

de Mato Grosso – UFMT, campus Cuiabá-MT. A base teórica consultada se fundamenta nos

estudos de Vigotski (2006; 2009; 2010) que considera o desenvolvimento humano a partir da

relação de trocas entre parceiros sociais, por meio de processos de interação e mediação

semiótica, com destaque à importância conferida ao processo de significação expresso na

dinâmica indissociável entre significados e sentidos. Em acréscimo, o estudo apresenta diálogos

com a Teoria de Representações Sociais (MOSCOVICI, 2001; 2015; JODELET, 2001),

considerando que o desenvolvimento infantil acontece em uma íntima relação com as

representações sociais compartilhadas nos grupos de pertencimento da criança e essas,

assumem condição de elemento mediador na relação entre sujeito e realidade no processo de

significação. Buscou-se também aproximações entre estas duas teorias pela via da abordagem

Ontogenética das Representações Sociais (CASTORINA, 2010; 2013; DUVEEN; LLOYD

2008). Deste modo, para esta pesquisa, referenciada pela abordagem qualitativa, analisaram-se

quatro entrevistas semiestruturadas realizadas com os sujeitos deste estudo. A análise dos dados

norteou-se por uma perspectiva interpretativa, cuja opção se justifica na proposta de análise dos

Núcleos de Significações de Aguiar e Ozella (2006; 2013). O exercício de análise permitiu a

identificação de seis Núcleos de Significações nomeados na ordem aqui apresentada: negativa

como princípio orientador do pensamento; fontes de informação; tornar o estranho familiar;

dieta: contextos, limites e atitudes e a reinvenção do eu após o diagnóstico; discurso médico,

diferentes famílias, diferentes vivências e estratégias de enfrentamento; o protagonismo da

criança e a representação de si. Tais núcleos evidenciaram que, ao se considerar que a criança

constrói uma representação de si com base em sua relação com o outro, pode-se pensar que a

representações social sobre criança ancorada na imagem de inocência e fragilidade, amplamente

compartilhada nos grupos sociais, atravessa os processos de significação da dieta, dialogando

com as vivências das crianças em questão. Porém, os resultados mostraram a autonomia da

criança em diferentes níveis de autoria, ainda que, essa atuação autônoma não esteja

reconhecida pelas crianças como uma potencialidade do seu eu. Deste modo, ao se investigar

significações da dieta restritiva para crianças em tratamento de saúde, foram identificadas nos

pontos de tensões individuais, representações que afetam determinados grupos, fazendo com

que manifestem na emissão de comportamentos interesse em aderir ou não às novas

representações atribuídas ao tratamento. Estas são entendidas como objeto representacional que

influencia no processo de adesão. O estudo apresenta elementos para se pensar no protagonismo

da criança que se revela como intérprete ativo em seu contexto social, até mesmo quando ancora

suas situações de conflito no saber do outro.

Palavras-chave: Significações infantis. Dieta Restritiva. Adesão ao tratamento.

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ABSTRACT

This study was carried out aimed at identifying and analyzing children's significances,

regarding the restrictive diet for children, who were diagnosed with chronic kidney disease. It

was based on the meanings shared in the groups to which the participants belong. Based on the

aim of the study, it is assumed that, such significations elaborated by the children concerning

to the practice of the diet, as medical prescription, may contribute for guiding actions of

adherence to the treatment. Thus, having the Research Group of Infancy Psychology (GPPIN),

this research had as its field of study the context the Nephrology Ambulatory in the hospital of

the Federal University of Mato Grosso - UFMT, Campus Cuiabá in the state of Mato Grosso.

The theoretical basis counted on the studies of Vygotsky (2006; 2009; 2010) which considers

the human development constructed by the relationship of exchanges among the social partners,

through processes of interaction and semiotic mediation, having emphasis on the importance

conferred to the process of significance expressed on the inseparable dynamics between

meanings and senses. The study also presents the dialogues with the Theory of Social

Representations (MOSCOVICI, 1978; 2001; 2015, JODELET, 2001), assuming that the child

development occurs in an intimate relationship with the social representations shared in the

child's belonging groups and these, assume a condition of mediating element in the relation

between subject and reality in the process of signification. The approximations between these

two theories through the Ontogenetic approach of Social Representations (CASTORINA, 2010;

2013; DUVEEN LLOYD, 2008) are also presented in this study. This research is characterized

by the qualitative approach, counted on four semi-structured interviews with the participants of

this study, which were analyzed. The analysis of the data was guided by an interpretative

perspective, whose option is justified on the proposal of analysis of the meanings according to

Aguiar and Ozella (2006, 2013). The analysis of the data allowed the identification of six axes

of meanings, titled in the following order: negative as the guiding principle of thought;

information sources; making the stranger familiar; diet: contexts, limits and attitudes and the

reinvention of the self after the diagnosis; medical discourse, different families, different

experiences and coping strategies; the child’s protagonism and the representation of self. These

cores revealed elements to consider that the child constructs a representation of itself based on

its relation with the other and in this sense, the social representations about children anchored

in the image of innocence and fragility, widely shared in social groups, crosses the processes

of meaning of the diet, dialoguing with the experiences of the children in question. These

aspects may explain the emphasis on adult obedience and dependence on detriment of the idea

of self-care. However, through the results, the autonomy of the child in different levels of

authorship was also observed, although this autonomous action is not widely recognized by

children as a potentiality of themselves. Considering the points of individual tensions of the

subjects, representations that affect certain groups were identified and these are understood as

representational object that influence in the interest of adhering or not to the new representations

attributed to the treatment. Thus, this study presents data to consider the protagonism of the

child who reveals itself as an active interpreter in its social context, even when anchoring its

situations of conflict in the knowledge of the other.

Keywords: Infantile meanings. Restrictive Diet. Adherence to treatment.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Trabalhos de Mestrado e Doutorado selecionados – 2011 – 2016 a partir dos

descritores ................................................................................................................................. 57

Quadro 2 – Distribuição de artigos selecionados por assunto: Adesão ao tratamento de

doenças renais crônicas ............................................................................................................ 60

Quadro 3 – Caracterização dos sujeitos da pesquisa ................................................................ 71

Quadro 4 - Levantamento dos Pré-indicadores ........................................................................ 97

Quadro 5 - Organização dos Pré-Indicadores e Indicadores .................................................... 98

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BVS Biblioteca Virtual em Saúde

CRP Conselho Regional de Psicologia

DRC Doença Renal Crônica

GPPIN Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância

HUJM Hospital Universitário Julio Müller

OMS Organização Mundial da saúde

RI Repositório Institucional

SciELO Scientific Eletronic Library

THC Teoria Histórico-Cultural

TRS Teoria das Representações Sociais

SBD Sociedade Brasileira de Diabetes

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Esclarecimento Livre e Esclarecido

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UFBA Universidade Federal da Bahia

UnB Universidade de Brasília

ZDI Zona de Desenvolvimento Iminente

ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 20

1.1 Notas sobre o desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural ................. 20

1.2 Contribuições da Teoria das Representações Sociais ao estudo sobre a construção

social da realidade ................................................................................................................. 33

1.3 Teoria Histórico-Cultural e Teoria das Representações Sociais: algumas aproximações

possíveis pela via da abordagem ontogenética das representações sociais........................... 43

1.4 Um pano de fundo para o estudo das significações infantis em cena: adesão ao

tratamento – adesão representacional ................................................................................... 47

1.4.1 Adesão ao tratamento ......................................................................................... 47

1.4.2 Adesão representacional ..................................................................................... 49

2 REVISÃO DE LITERATURA: ADESÃO AO TRATAMENTO NA INFÂNCIA......... 56

2.1 Primeira etapa da revisão, critério de inclusão: limite de tempo, diagnóstico e tipo de

estudo .................................................................................................................................... 56

2.2 Segunda etapa da revisão de literatura por assunto: adesão ao tratamento de doenças

renais crônicas ....................................................................................................................... 59

3 METODOLOGIA E ESTRATÉGIA DE AÇÃO ............................................................. 63

3.1 Tipo de estudo .............................................................................................................. 63

3.2 Local de estudo ............................................................................................................. 63

3.3 Princípios éticos ............................................................................................................ 64

3.4 Participantes do estudo ................................................................................................. 65

3.5 Contexto do estudo ....................................................................................................... 66

3.5.1 Alguns conteúdos de representações sociais que circulam nos grupos de

pertencimento das crianças sujeitos desta pesquisa .......................................................... 68

3.6 Sobre a produção e análise dos dados .......................................................................... 70

3.6.1 Formação dos Núcleos de Significação .............................................................. 72

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS CASOS .......................................................... 75

4.1 Apresentação dos casos ................................................................................................ 75

4.1.1 Aline: Se comer o que eu não posso, eu incho tudo: é ruim - Caso 1 ................ 75

4.1.2. Sandra: tudo que é gostoso tem sal - Caso 2 ...................................................... 81

4.1.3. Willian: em casa eu almoço e na escola faço jejum - Caso 3 ............................. 87

4.1.4. Benjamim: é mais ou menos muita coisa... - Caso 4 .......................................... 91

4.2 Levantamento de Pré-Indicadores ................................................................................ 96

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4.2.1 Negativa como princípio orientador do pensamento e a reinvenção do eu após o

diagnóstico ...................................................................................................................... 104

4.2.2 Fontes de informação........................................................................................ 105

4.2.3 Tornar o estranho familiar ................................................................................ 106

4.2.4 Dieta: contextos, limites e atitudes ................................................................... 106

4.2.5 Discurso médico, diferentes famílias, diferentes vivências e estratégias de

enfrentamento .................................................................................................................. 107

4.2.6 O protagonismo da criança e a representação de si .......................................... 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 109

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 112

APÊNDICES .......................................................................................................................... 118

APÊNDICE A ........................................................................................................................ 118

APÊNDICE B ......................................................................................................................... 121

APÊNDICE C ......................................................................................................................... 123

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INTRODUÇÃO

O interesse pela temática desta pesquisa apresenta pontos de ligação com o 1º Encontro

de Psicologia e Educação – 2012, CRP MT, 18ª Região. Nesta ocasião, estava em destaque a

mesa redonda “A pesquisa em Psicologia e Educação” que apresentou debates em torno das

dificuldades e possibilidades no contexto de pesquisas científicas.

A Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade – UFMT, campus

Cuiabá, foi uma das convidadas dessa mesa. Naquela oportunidade, ela apresentou a

preocupação em compreender como os espaços infantis são significados por crianças e adultos,

expondo como questão a dupla condição da criança, que ora é objeto de representação dos

adultos, ora é percebida como sujeito que elabora novos sentidos a respeito da realidade.

O desejo manifesto em realizar trabalhos com crianças foi reforçado, pois as palavras

da professora apresentaram formas de se fazer pesquisa com crianças e não sobre as crianças,

atribuindo escuta e visibilidade científica à essa população. Depois deste primeiro contato,

surgiu a oportunidade de fazer parte do Grupo de Pesquisa em Psicologia na Infância (GPPIN),

do qual a Professora Daniela Freire é coordenadora.

Destacam-se também como influências nessa escolha, as vivências formativas

realizadas no contexto hospitalar, bem como o fato de me1 encontrar em pleno processo de

aperfeiçoamento profissional, tendo questões subjetivas como elementos norteadores e

organizadores de minhas reflexões.

Neste percurso, os relatos de pesquisa e extensão em contexto da enfermaria do

Hospital Universitário da UFMT, desenvolvidos no interior do GPPIN, indicaram novas

demandas de pesquisas. Dentre as quais, destaquei a questão da adesão de crianças à dieta

alimentar.

Neste contexto, o presente estudo foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá-MT, na linha de

pesquisa: Cultura, Memória e Teorias em Educação com o interesse de identificar significados

atribuídos à dieta alimentar por crianças em tratamento ambulatorial. A análise orientou-se pela

questão: “Em que medida, tais significados influenciam o processo de adesão ao tratamento? ”

1 Optou-se por usar, predominantemente, a 1ª pessoa do singular na introdução por se tratar de uma narrativa de

vida em que relato vivências pessoais de minha trajetória acadêmica até minha inserção no Programa de Pós-

Graduação em Educação da UFMT.

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O delineamento da temática desse estudo se deu a partir dos debates realizados acerca

da pesquisa de Carrijo (2013), intitulada: “O hospital daqui e o hospital de lá”: fronteiras

simbólicas do lugar, segundo significações de crianças hospitalizadas e da escuta das sessões

de orientação de Estágio Supervisionado Específico2: saúde e sofrimento psíquico

desenvolvidas no interior do projeto de extensão Rede de Apoio à Educação Infantil: interfaces

com a Psicologia e Pedagogia3 e seu subprojeto Binje: em busca de autorias infantis no contexto

hospitalar. Nos relatos dos estagiários foi possível identificar a recorrência das dificuldades de

algumas crianças em aderir à dieta alimentar. Tal fato provocava a reinternação destas crianças

ou o aumento do tempo de internação. Esta problemática já havia sido indicada no estudo de

Carrijo (2013) em torno do qual o grupo de pesquisa elaborou suas primeiras proposições de

projeto de extensão.

Essa autora, em pesquisa desenvolvida na enfermaria pediátrica da mesma instituição

que acolheu este estudo, analisou os significados atribuídos ao hospital pelas crianças

hospitalizadas. Dentre os casos estudados, destacou-se o de Desli (pseudônimo), uma

adolescente de 13 anos submetida à dieta hipossódica. Ao ser convidada a contar uma história

que relacionasse o estar dentro e fora do hospital, Desli apresentou como fato verídico algo que

presenciou na enfermaria pediátrica: uma colega misturou água na urina a fim de adulterar seu

exame e diminuir o tempo de internação.

Várias leituras podem ser feitas a partir desta narrativa, considerando a rede de

significados envolvida no processo de adoecimento em um contexto hospitalar no qual a adesão

e a não adesão ao tratamento convivem em um mesmo espaço e ativam diferentes possibilidades

de comportamentos, estes aspectos se colocam para além de seguir ou não as prescrições

médicas.

Os significados atribuídos à dieta hipossódica pela criança em questão inspiraram este

estudo na medida em que revelou a presença de dimensões subjetivas que acessam a capacidade

reprodutiva e criativa implicadas no desenvolvimento humano. Na narrativa apresentada

observou-se tanto a imagem da criança que reproduz a lógica do tratamento médico, quanto a

imagem da criança que, ao resistir à tal lógica, cria uma realidade própria a partir de uma contra

norma. Estudos desta natureza retratam o contexto de uma enfermaria pediátrica como lugar de

construção da subjetividade da criança envolvida no processo de adoecimento.

2 Disciplina do Curso de Psicologia disponível para acadêmicos do nono e décimo semestre que se organiza em

dois períodos nos quais são realizados o Estágio Supervisionado Específico I e II. 3 Projeto desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN) desde 2010.

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A partir dessas considerações, amplia-se o conceito de adesão ao tratamento que é

apresentado, muitas vezes, em uma relação direta com adesão aos medicamentos, e isso implica

também dimensões biopsicossociais que envolvem desde características demográficas, fatores

socioeconômicos, bem como equipe e sistema de saúde, características da doença e do

tratamento, e, principalmente, a relação entre a criança, o cuidador e a equipe de saúde.

O Projeto Adesão, da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2003), adota como

definição de adesão ao tratamento de doenças crônicas, “[...] o grau em que o comportamento

de uma pessoa, representado pela ingestão de medicação, o seguimento da dieta, as mudanças

no estilo de vida correspondem e concordam com as recomendações de um médico ou outro

profissional de saúde” (GUSMÃO; MION, 2006).

Ao analisar o conceito de adesão ao tratamento de doenças crônicas da OMS, percebe-

se que não há referências a regras simplistas, uma vez que cada item envolvido no processo

assume um caráter individual, tal fato sugere a existência de um sujeito ativo e implicado com

seu tratamento. São, portanto, condições de ordem biopsicossociais, que exigem da pessoa em

condição de adoecimento e de seus familiares readaptações e desenvolvimento de estratégias

de enfrentamento de acordo com a progressão da doença.

As mudanças de hábitos e de estilo de vida, bem como o desenvolvimento de

estratégias de enfrentamento na condição crônica, são exemplos de comportamentos que

segundo a OMS sugerem sujeitos ativos e implicados com o tratamento, pois na maioria dos

casos, é mais difícil de serem incorporados do que a ingestão de fármacos. Essa constatação

destaca a relevância de estudos que privilegiem a dimensão subjetiva envolvida no processo de

adesão, definindo que: “[...] tratamentos que requerem decisões ou julgamentos por parte da

pessoa estão mais fortemente associados à não adesão” (DAVIS, 1968 apud BOAS, 2009, p.

28).

No entanto, na literatura prevalecem estudos a respeito da adesão que reconhecem,

tanto a ingestão de medicamentos, quanto o seguimento da dieta e mudanças no estilo de vida

como práticas difíceis de serem incorporadas, por envolverem padrões de comportamento e

sistemas de crenças e valores construídos historicamente e instituídos culturalmente. Deste

modo, de acordo com os coordenadores da OMS, quanto ao conceito de adesão, “[...] os

pacientes devem ser parceiros ativos dos profissionais de saúde em seus próprios cuidados, e a

boa comunicação entre o paciente e o profissional de saúde é uma obrigatoriedade para uma

efetiva prática clínica” (OMS, 2003, p. 04).

Pesquisas com crianças hospitalizadas reforçam as questões apresentadas pela OMS

quanto à complexidade envolvida no processo de adesão. A dinâmica dos significados

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compartilhados por essas crianças reúne comportamentos distintos e atitudes específicas que

contribuem para a construção de uma realidade comum e, ao mesmo tempo, inclui fatores

subjetivos relacionados a crenças e valores individuais que podem despertar a imaginação da

criança acerca de suas vivências e influenciar em seu processo de adesão ao tratamento.

Tal problemática analisada pela via da abordagem psicossocial admite a hipótese de

que não há cisão entre aspectos simbólicos individuais e grupais no contexto hospitalar, uma

vez que a criança é percebida como participante ativa nas comunidades as quais pertence. E,

neste sentido, pode-se pensar que a adesão representacional é um dos fatores que contribui para

a adesão ao tratamento. Por adesão representacional entende-se o grau de adoção das ideias

pertencentes a determinadas representações sociais e práticas a elas vinculadas, envolvendo

intenções e níveis de engajamento do sujeito (CAMARGO; BOUSFIELD, 2011).

De um modo geral, tem-se que, mediante o diagnóstico e prescrições médicas, dentre

elas, a restrição alimentar, a criança entra em contato com uma rede de significados forjada pelo

discurso médico que lhe apresenta novas representações concernentes à dieta, estilo de vida e

em relação a si mesma, que ameaçam sua constituição identitária. Como meu corpo funciona?

Como devo me comportar de modo a não adoecer? Quais são minhas expectativas de futuro?

Estas novas representações poderão ser incorporadas ao repertório da criança em um processo

de negociação a nível intrapsicológico, de acordo com as dimensões reprodutivas e criativas

suscitadas pela criança em seu processo de apropriação destes conhecimentos sociais.

A análise específica das possíveis significações4 da dieta para essas crianças em

acompanhamento ambulatorial pode contribuir para a identificação de processos identitários e

práticas relacionadas ao cuidado de si, assumidas por crianças submetidas à dieta alimentar.

Deste modo, pretende-se, com esse estudo, oferecer ao profissional da área da saúde e educação

hospitalar, elementos que fundamentem suas ações para um modelo de cuidado humanizado

que favoreça a adesão ao tratamento, considerando a perspectiva das crianças envolvidas.

Com base nesses pressupostos, este estudo foi desenvolvido com o propósito de

analisar a significação da dieta sob dois aspectos: as redes de significados compartilhadas por

crianças em situação de restrição alimentar, e delinear o sentido atribuído por essas crianças a

partir de suas vivências em casa, na escola e nas festas que possam influenciar o processo de

adesão ao tratamento. Assim, anunciam-se duas dimensões indissociáveis de pertencimento no

4 A ideia de significação destacada neste trabalho remete à dialética que configura a relação entre sentidos e

significados constituídos pelo sujeito frente à realidade na qual atua. (AGUIAR; SOARES; MACHADO et al.;

2015, p. 04)

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processo de significação: a primeira intersubjetiva e a segunda, intrasubjetiva, que denotam o

aspecto subjetivo implicado no processo do adoecer e seus elementos de representação,

estabelecendo diálogos entre Psicologia, Saúde e Educação.

Diante dos objetivos propostos, a relevância dessa investigação se revela na carência

de estudos a respeito da significação da dieta restritiva como prática prescrita no tratamento de

doenças renais crônicas, e que colabora para se pensar em adesão ao tratamento. Desta forma,

esta investigação pode contribuir para se refletir acerca da adesão à dieta como prática que

influencia o processo de adesão ao tratamento a partir da ideia de adesão representacional,

ambas entendidas como condição necessária para o desenvolvimento de práticas educativas em

saúde.

Para atender aos objetivos expostos, a pesquisa foi desenvolvida mediante estudos

teóricos e pesquisa de campo com base em uma metodologia de inspiração etnográfica. O aporte

teórico metodológico consultado foi a Teoria Histórico-Cultural (THC), com destaque para os

estudos de Vigotski (2003; 2009; 2010) que considera o desenvolvimento humano a partir da

relação de trocas entre parceiros sociais, por meio de processos de interação e mediação

semiótica; em adição, o estudo apresenta diálogos possíveis com os estudos em Representações

Sociais (MOSCOVICI, 1978; 2001; 2015; JODELET, 2001), com ênfase na Abordagem

Ontogenética das Representações Sociais (CASTORINA, 2010; 2013; DUVEEN; LLOYD,

2008).

Assim, ao abordar a constituição psíquica do homem e o processo de significação da

realidade em que atua, esta investigação buscou aproximações entre os pressupostos da Teoria

Histórico-Cultural e da Teoria das Representações Sociais que contribuíssem para se pensar o

desenvolvimento infantil em uma íntima relação com as representações sociais que circulam

em redes nos grupos de pertencimento da criança.

A pesquisa de campo aconteceu em dois momentos: inicialmente, me apresentei como

pesquisadora ao hospital de ensino autorizado como campo dessa investigação e, uma vez

atendidas as exigências burocráticas, o recurso de observação favoreceu a compreensão do

contexto ambulatorial. Esta etapa possibilitou o entendimento da dinâmica do lugar e a partir

deste, identificar possíveis acessos aos sujeitos da pesquisa. Ainda nessa etapa, já familiarizada

com o ambiente, identifiquei as características que procurava nas crianças em acompanhamento

de saúde no ambulatório de nefrologia do hospital de ensino citado.

Com base em informações observadas, iniciei a segunda etapa da pesquisa com a

utilização de entrevistas semiestruturadas como recurso metodológico. Tal recurso é entendido

como um instrumento que permite e favorece o acesso aos processos psíquicos, particularmente,

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os sentidos e os significados aqui investigados, a fim de identificar as significações da dieta

restritiva para crianças em condições crônicas de tratamento de saúde.

Deste modo, os dados foram gerados por meio de observação e entrevista

semiestruturada em quatro meses de trabalho de campo. Para fins de análise dos dados e de

interpretação dos resultados, foram utilizados os indicadores metodológicos da proposição

denominada Núcleos de Significações (AGUIAR; OZELLA, 2006) no formato de estudo de

caso. A entrevista semiestruturada, segundo os autores, trata-se de um instrumento rico para a

produção de dados em pesquisa por permitir o acesso aos processos psíquicos na construção

dos significados e apreensão dos sentidos articulados no processo de significação.

Para orientar a entrevista, foi utilizado um roteiro semiestruturado que explora as

variáveis biopsicossociais, a qualidade da informação a respeito da patologia e da função da

dieta alimentar, as significações a respeito da patologia, tratamento e restrições em geral,

incluindo: 1. A qualidades das informações a respeito da doença, tratamento e riscos à saúde;

2. As significações ligadas a tais informações; 3. A representação de si diante das restrições

impostas pela patologia e seu tratamento.

Assim, com o objetivo de compreender as redes de significações atribuídas à dieta

alimentar, na perspectiva de crianças em tratamento de saúde, foram formuladas as seguintes

questões norteadoras:

Quais os significados atribuídos à dieta alimentar identificados no cotidiano de crianças

com diagnóstico de doenças renais crônicas?

Como se dá o processo de negociação de significados estabelecidos entre a criança

submetida à dieta alimentar, o discurso médico e outras fontes de informação?

Em que medida as significações referentes à dieta alimentar, atribuídas por crianças

portadoras de doenças renais crônicas, podem revelar peculiaridades da constituição de

seus processos identitários e práticas de cuidado em saúde?

De que modo as crianças com diagnóstico de doenças renais crônicas, submetidas à

dieta alimentar, elaboram os conteúdos apresentados pelo discurso médico?

Com esta proposta, o trabalho foi organizado em quatro capítulos. O capítulo 1

apresenta o referencial teórico mediante o qual o estudo foi estruturado. Inicialmente, são

apresentadas reflexões acerca do desenvolvimento humano a partir da Teoria Histórico-Cultural

(THC), com destaque para as questões relacionadas à origem das funções psíquicas

especificamente humanas. Nesta discussão, são expostos os conceitos pertinentes a este estudo,

tais como: mediação, historicidade, sentido e significado, lei genética do desenvolvimento, o

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princípio das unidades regentes, bem como a função do meio e noções de zona de

desenvolvimento iminente. Tais conceitos, considerados basilares, são anunciados por Vigotski

nas traduções de Prestes (2010), com contribuições de outros autores estudiosos de sua teoria,

tais como: Aguiar e Ozella (2006); Fichtner (2010); Molon (1999) e Pino (2000).

Na sequência, o referido capítulo foi organizado a partir de contribuições da Teoria

das Representações Sociais (TRS) proposta por Moscovici (2015). Ressalta-se, contudo, que

este estudo foi desenvolvido priorizando a dimensão subjetiva e singular do desenvolvimento

humano, sem ignorar que, a todo momento, a criança é atravessada por Representações Sociais

(RS) compartilhadas em seus grupos de pertencimento. Para essa discussão, foram apresentados

os pressupostos da TRS, incluindo conteúdos pertinentes a conceito, principais funções,

processos formadores de RS e o papel da comunicação.

O capítulo é encerrado com a exposição de algumas aproximações entre a Teoria

Histórico-Cultural de Vigotski e a Teoria das Representações Sociais de Moscovici que

contribuem para o estudo de significações infantis, uma vez que exploram a construção da

realidade social da criança, considerando o compartilhamento de informações, crenças e valores

em seu grupo de pertencimento, conforme anuncia a Abordagem Ontogenética das

Representações Sociais.

O Capítulo 2 apresenta a revisão de literatura realizada com intuito de localizar

trabalhos que dialoguem com este estudo. Sendo assim, o desenvolvimento do capítulo foi

organizado em duas etapas definidas pelos critérios de inclusão a partir dos descritores de termo

adesão à dieta, adesão ao tratamento e adesão ao tratamento na infância. Em cada etapa foram

apresentados quadros demonstrativos dos resultados encontrados e dos trabalhos selecionados.

Após a apresentação dos quadros demonstrativos, o capítulo expõe os diálogos entre os

trabalhos selecionados na revisão que coadunam com os objetivos do estudo em tela.

O Capítulo 3 apresenta a contextualização do estudo, contemplando a descrição do

percurso metodológico, procedimentos e etapas que direcionaram a pesquisa na seguinte

ordem: tipo de estudo, local de estudo, princípios éticos, participantes do estudo, contexto do

estudo, produção e análise dos dados e formação dos núcleos de significação.

O Capítulo 4 apresenta os casos, com identificação dos sujeitos e transcrição das

entrevistas na íntegra, bem como as discussões interpretativas realizadas. Na sequência,

exibem-se as discussões e análises das zonas de sentido que permitiram aproximações com os

núcleos de significação identificados.

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Para finalizar, foram tecidas as considerações finais, destacando os principais

resultados da pesquisa, além de trazer algumas reflexões a respeito de possibilidades para novos

estudos.

O objetivo geral deste trabalho foi investigar a rede de significações atribuída à dieta

alimentar por crianças em tratamento de saúde, com restrição alimentar condicionada por

doenças renais crônicas. Além disso, delimitaram-se como objetivos específicos:

a) Identificar significados atribuídos à dieta restritiva por esses sujeitos no contexto de

acompanhamento ambulatorial;

b) Compreender o processo de negociação de significados estabelecido entre a criança

submetida à dieta alimentar, o discurso médico e outras fontes de informação;

c) Especificar, em que medida as significações da dieta alimentar para crianças em

tratamento de saúde, pode revelar peculiaridades da constituição de seus processos

identitários e práticas de cuidado em saúde;

d) Demonstrar de que modo crianças com diagnóstico de doenças renais crônicas,

submetidas à dieta restritiva elaboram os conteúdos apresentados pelo discurso médico.

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1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo é apresentado o referencial teórico que embasa este estudo a partir dos

seguintes temas: Notas sobre o desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural;

Contribuições da Teoria das Representações Sociais ao estudo sobre a construção social da

realidade; Teoria Histórico-Cultural e Teoria das Representações Sociais: algumas

aproximações possíveis pela via da abordagem ontogenética das Representações Sociais

A seção inicia com reflexões acerca do desenvolvimento humano a partir da

abordagem histórico-cultural, trazendo à discussão questões relacionadas à construção do plano

interno de atividade mental, com especial interesse em compreender o processo de significação

das vivências infantis, considerando, por conseguinte, tanto a noção de compartilhamento –

plano interpsicológico – quanto a ação subjetiva individual – plano intrapsicológico –

assumindo, portanto, a indissociabilidade da unidade sentido e significado. Assim, considera-

se que o desenvolvimento humano é pensado mediante uma relação de trocas entre parceiros

sociais por meio de processos de interação e mediação semiótica.

A ideia de que as representações sociais atravessam a dimensão inter e intrasubjetiva

nas negociações envolvidas no processo de significação apresenta diálogos possíveis com a

Teoria das Representações Sociais, segundo os estudos de Moscovici (2003, 2010, 2015) e

Jodelet (2001). Tal aspecto permite estabelecer aproximações entre os pressupostos da teoria

na construção de significações infantis, partindo da prerrogativa de que o desenvolvimento

infantil acontece em uma íntima relação com as representações sociais compartilhadas nos

ambientes de pertencimento da criança.

1.1 Notas sobre o desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural

Ao adotar este referencial teórico, entende-se que o mesmo pode favorecer a

compreensão de determinações especificamente humanas contidas na significação da dieta

restritiva e suas implicações para o processo de adesão ao tratamento, considerados na realidade

atual de crianças em tratamento de saúde.

O estudo sugere um percurso que se forma a partir de significados compartilhados,

historicamente construídos, os quais sinalizam para a existência de um plano mais profundo a

ser desvendado no processo de significações. Por se tratar de um plano interiorizado que se

revela na zona dos sentidos tal processo encontra nos estudos de Vigotski o rigor metodológico

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e características de um sistema conceitual aberto, flexível e dialético favorável a esta

investigação.

Nesta perspectiva, destacam-se os estudos de Lev Seminovitch Vigotski5, pensador

soviético, atualmente com a biografia e obras difundidas consideravelmente no Brasil,

principalmente no meio acadêmico da Pedagogia e da Psicologia. Apesar do crescimento

vertiginoso de publicações a respeito de Vigotski e traduções de suas obras, é importante

destacar também a ocorrência de possíveis equívocos e distorções acarretados por algumas

dessas traduções discutidas nos estudos de Prestes (2010). De modo que, para este estudo,

optou-se por adotar a perspectiva dos trabalhos de tradução e interpretação da tradutora Zoia

Ribeiro Prestes6.

A abordagem histórico-cultural foi fundada por Vigotski e desenvolvida por seus

alunos no período pós-revolucionário na União Soviética, entre 1924 até a sua morte prematura

(aos 37 anos), em 1934. De acordo com Prestes (2010), não há referência direta de Vigotski

quanto ao termo histórico-cultural que hoje define sua teoria, porém, acrescenta que é evidente

em seus estudos o interesse nas dimensões históricas e culturais implicadas no desenvolvimento

humano.

Para entender de maneira mais adequada o processo de desenvolvimento cultural

humano na abordagem Histórico-Cultural, Fichner (2010) esclarece os termos que lhe confere

o nome:

‘Cultural’ significa que a sociedade organiza a partir do seu nível de

desenvolvimento os problemas e as tarefas com as quais cada indivíduo desta

sociedade deve confrontar-se. Isto significa também que a sociedade oferece as

possibilidades e proibições do acesso a todos os instrumentos e meios materiais e

mentais que permitam soluções. [...]. ‘Histórico’ significa que estes meios e

instrumentos foram elaborados em um longo processo da história social dos homens.

(FICHTNER, 2010, p. 08. Grifos do autor)

Fichtner (2010) também reconhece o empenho de Vigotski em explicar o

desenvolvimento especificamente humano na perspectiva social, enfatizando o aspecto de

futuro contido nesse processo que ocorre associado ao surgimento do novo, de modo que, cada

5 Neste estudo será adotada a grafia Vigotski. Esta forma foi selecionada por Prestes (2010) a partir de sua tese de

doutorado sobre as traduções das obras de Vigotski no Brasil. O uso do y na grafia do nome será mantido apenas

em citações quando o autor assim o fizer. 6 Graduada em Pedagogia e Mestre em Educação pela Universidade de Moscou. Em 2010, na Universidade de

Brasília, defendeu a tese de doutorado em Educação intitulada: Quando não é quase a mesma coisa – análise de

traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil: repercussões no campo educacional. A autora, que é fluente

em russo, apresenta uma análise de obras de Vigotski traduzidas no Brasil, na qual evidencia e critica erros

encontrados, e, para tanto, apresenta e justifica alternativas. Sua formação intelectual, história de vida, bem como

o contato com familiares e obras originais de Vigotski atribuem credibilidade ao seu trabalho e justificam a opção

por seu viés interpretativo neste estudo.

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etapa do desenvolvimento, é definida por novas aquisições. O autor destaca a perspectiva

monística7 entre aspectos materiais e psíquicos que circundam uma determinada sociedade com

sua história e cultura. Neste processo, verifica-se “[...] a dupla natureza do ser humano, membro

de uma espécie biológica que se desenvolve historicamente no interior de um grupo cultural de

uma sociedade” (FICHTNER, 2010, p. 07).

A respeito do desenvolvimento humano, Pino (2005) acrescenta que a unidade dos

conceitos em Vigotski se justifica principalmente na relação entre natureza e cultura implicada

no desenvolvimento deste ser. O autor citado destaca que, ao apresentar o homem como

resultado desta relação, Vigotski demonstra que na ordem natural o homem é obra da natureza

e na existência simbólica ou cultural é a natureza que é obra do homem: “[...] a evolução cultural

do homem se explica em razão da relação dialética que ele mantém com a natureza. É nessa

relação que a natureza adquire sua dimensão histórica, ao passar a fazer parte da história

humana” (PINO, 2005, p. 30).

Ainda nessa linha, Pino (2005) compreende que esse eixo de análise em Vigotski,

explica a existência de duas funções psicológicas atuando de forma interdependente: as funções

elementares que são de natureza biológica e as funções superiores ou especificamente humanas

de natureza social, atuando ambas de modo indissociável no processo evolutivo do ser humano.

Assim, o desenvolvimento humano, segundo a abordagem Histórico-Cultural, está

intimamente relacionado à Lei Genética do Desenvolvimento Cultural formulada por Vigotski

(1989) apud Pino (2000), na qual define-se que toda função psíquica aparece duas vezes no

desenvolvimento da criança. A primeira, no nível das relações interpessoais (inter-psicológicas)

e depois, como uma atividade no nível interno da criança (intrapsicológico): “[...] toda função

psicológica foi anteriormente uma relação entre duas pessoas, ou seja, um acontecimento social,

pode-se afirmar que o social e o cultural constituem duas categorias fundamentais na obra do

autor” (VIGOTSKI, 1989, p. 58; 1997, p. 106 apud PINO, 2000, p. 46).

Prestes (2010) esclarece que, segundo a Lei genética do desenvolvimento cultural há

uma distinção entre funções elementares e funções superiores, sendo esta última inscrita na

dimensão subjetiva, que se expressa na natureza social sem negar a importância do fator

biológico implicado na ação: “[...] as funções naturais, ao longo do desenvolvimento, são

substituídas pelas funções culturais, que são o resultado de assimilação dos meios

7 Refere-se ao fato de que Vigotski negava a cisão entre corpo e mente, cognição e emoção, físico e espírito, ações

exteriores e ações interiores (FICHTNER, 2010, p. 07).

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historicamente elaborados para orientar os processos psíquicos” (LEONTIEV, 1983, p. 25 apud

PRESTES, 2010, p. 31)

Molon (1999) também contribui com esse debate ao interpretar as obras de Vigotski,

a autora descreve o desenvolvimento humano como um fenômeno que não acontece de modo

linear; advém de constante reestruturação e reorganização do sistema das funções psíquicas que

no decorrer do processo favorece a predominância de determinada função sobre a outra, de

modo que, as funções elementares que constituem a estrutura orgânica, tais como heranças

biológicas, em contato com o meio social, passam por transformações até que sejam superadas

pelas funções superiores.

Assim, considerando o caráter monista do pensamento de Vigotski e a

indissociabilidade entre as dimensões histórico-cultural e inter e intrapsicológica, pode-se

admitir como uma síntese da concepção acerca do desenvolvimento humano: “[...] um processo

que se dá do nascimento à morte, dentro de ambientes culturalmente organizados e socialmente

regulados, mediante as interações estabelecidas com parceiros, nas quais cada pessoa (adulto

ou criança) desempenha um papel ativo” (ROSSETTI-FERREIRA; AMORIN; SILVA, 2000,

p. 01).

Com base nestes pressupostos, entende-se que a significação da dieta restritiva para

crianças em acompanhamento ambulatorial envolve significados compartilhados socialmente e

construídos historicamente, uma vez que estão presentes fragmentos de vivências anteriores

e/ou atuais, sensações internas, percepções externas do contexto atual, bem como projeções de

perspectivas futuras que compõem um processo mais amplo identificado como o próprio

desenvolvimento humano e a construção de dinâmicas identitárias.

Deste modo, a compreensão da emergência das funções psíquicas superiores contribui

para este estudo que parte da natureza social implicada no desenvolvimento humano e da noção

de mediação pela utilização de instrumentos e signos. Assim, o que de início parece singular ao

indivíduo, como pensamento, emoções, afetos, memória e fantasia entre outros, é explicado

pelo princípio da origem social das funções psíquicas superiores.

Fichtner (2010) acrescenta que a origem social dessas funções não se traduz em um

processo de copiar uma realidade externa e social e torná-la parte do núcleo consciente íntimo

e subjetivo do indivíduo, mas que: “Ao contrário, a consciência é um processo ativo, onde o

indivíduo se constitui como sujeito, transformando as relações sociais em funções psicológicas

superiores. A consciência é um contrato social do indivíduo consigo mesmo e com a realidade”

(FICHTNER, 2010, p. 22).

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Pino (2010) reforça essa teoria ao admitir que Vigotski não esclareceu completamente

a complexidade da natureza psicológica humana, mas deixou elementos suficientes para

compreendê-la como relações sociais internalizadas: “A natureza psicológica do homem é a

totalidade das relações sociais transferidas à esfera interna e tornadas funções da personalidade

e formas da sua estrutura” (VIGOTSKI, 1989, p. 59; 1997, p. 106 apud PINO, 2000, p. 67).

Logo, a construção da consciência ou do plano intrapsicológico a partir do plano

interpsicológico é possível graças a um processo de internalização, que segundo Prestes (2013),

trata-se de um conceito bastante complexo. O processo de internalização na teoria histórico-

cultural, segundo a autora citada, refere-se à reconstrução interna de uma operação externa que

consiste em transformações sistematizadas e em séries:

O processo de internalização pressupõe uma transformação do ser e estar no mundo.

Com o enraizamento, ou seja, com a passagem da função para o plano interno, ocorre

uma complexa transformação de toda sua estrutura e seus momentos essenciais são:

substituição das funções; alteração das funções naturais (processos elementares que

estão na base das funções superiores); e surgimento de novos sistemas funcionais

psicológicos (ou de funções sistêmicas) que tomam para si a função que, na estrutura

geral do comportamento, se realizava pelas funções particulares. (VIGOTSKI, 1984

apud PRESTES, 2013, p. 09)

Pino (2005), por sua vez, acrescenta que em diversos textos, Vigotski faz uso com

frequência do termo “conversão” no lugar de “internalização”. Para o autor, o uso indistinto

dos dois termos indica que os dois conceitos são adequados e dizem respeito a um mesmo

fenômeno do nível subjetivo, para descrever o processo em que ocorre a transformação das

funções naturais ou biológicas em funções culturais. Porém, segundo Pino (2005), o termo

conversão seria o mais adequado, uma vez que denota a ideia de que ocorre algum tipo de

mudança na “transposição” de planos de uma função à outra.

Neste sentido, Pino (2005) apresenta algumas considerações a respeito das funções

especificamente humanas que se constituem como resultado de interações no plano social,

reconstituídas no plano pessoal em um processo de internalização, mediado por signos. O autor

destaca dois momentos específicos que fundamentam estas considerações: “[...] uma

transposição de planos, como indicado pelo termo internalização, e a ocorrência, nessa

transposição, de uma mudança de sentido nas relações sociais” (PINO, 2005, p. 112).

Tal posicionamento acerca do processo de formação das funções especificamente

humanas, permite entender que ele só ocorre quando a criança reconhece o universo dos signos.

Para tanto, inicialmente o uso de signos atende a uma função social de mediar a comunicação

entre pessoas e marca também a transformação das funções elementares em funções

especificamente humanas, permitindo, por conseguinte, um distanciamento da natureza

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biológica, para a partir de então, fazer dela um objeto de representação. Assim, os signos

assumem também a função simbólica de representação, ou seja, de estar no lugar de outra coisa.

Assim sendo, para o estudo das funções psíquicas superiores entendidas por Pino

(2010) como relações sociais internalizadas é importante destacar que o processo de

internalização mediado por signos, ocorre em função da aquisição da linguagem, aspecto que

define o desenvolvimento das funções especificamente humanas, no plano ontogenético

(história pessoal). Deste modo, a atividade mental tem nos signos uma ferramenta ou

instrumento psicológico que transforma a atividade humana em ação mediada seja do ponto de

vista social, seja do ponto de vista semiótico.

Neste sentido, com base no que foi apresentado, e, considerando que as modificações

impostas pela doença crônica na vida da criança e de seus familiares exigem adaptações e

desenvolvimento de estratégias em decorrência do tratamento, compreende-se que o

diagnóstico e as prescrições médicas, dentre elas, a dieta restritiva, a princípio, estão para a

criança como um elemento externo a ela, em seu plano social de relações interpsicológicas, e

estas relações são internalizadas pela criança em um plano intrapsicológico que funciona como

um filtro subjetivo. Nesse processo, entende-se que, o que é internalizado pela criança não é o

diagnóstico e as prescrições médicas em si, mas o significado dessas relações, cujo acesso

permite reconstituir em análise, o percurso da criança em seu universo de significações.

Portanto, pode-se dizer que ao longo do desenvolvimento das funções psicológicas

ocorrem mudanças qualitativas justificadas pelo uso de signos e, a compreensão deste processo

de conversão que envolve natureza e cultura, direciona aos demais conceitos da teoria de

Vigotski que visam explicar o desenvolvimento especificamente humano. Neste exercício,

destaca-se o princípio das unidades regentes: pensamento e linguagem, sentido e significado,

cuja compreensão mostra-se relevante para este estudo.

Neste raciocínio, ao resgatar a perspectiva monista assumida pela Teoria Histórico-

Cultural, entende-se que na constituição do sujeito estuda-se a unidade do desenvolvimento

físico e psíquico, assim como a unidade das relações inter e intrapsicológicas, entre outras. “Se

quer saber como se forma a unidade, como se modifica, de que modo influi sobre o curso do

desenvolvimento infantil, o fundamental é não fracionar a unidade em suas partes integrantes,

porque o fazendo se perdem as qualidades próprias dessa unidade” (VIGOTSKI, 2006, p. 06).

Na estrutura dos signos linguísticos, o significado é o elo que une o objeto à

representação do mesmo, em uma relação que propõe múltiplos sentidos e que se modificam

ao longo do desenvolvimento da criança. Prestes (2010) destaca que, ao discutir a relação entre

pensamento e fala, Vigotski cita o significado como unidade indivisível dessa relação, de tal

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modo que o significado da palavra é também parte da palavra expressa como formação verbal,

pois uma palavra sem significado é apenas um som vazio: “O significado da palavra é um

fenômeno do pensamento na medida em que está relacionado à palavra e nela encarnado; mas

é fenômeno da fala na medida em que a fala está relacionada com o pensamento que é

esclarecido por ela” (VIGOTSKI, 2001, p. 281 apud PRESTES, 2010, p. 80).

Neste jogo de relações, no começo o significado está subordinado à fala, mas em outro

momento, a fala também aparece subordinada ao significado. Por sua vez, a fala é um

instrumento de comunicação, e como tal cumpre a princípio uma função social: “[...] aos

poucos, a criança aprende a utilizá-la para seus processos internos e a transforma em um

instrumento do seu próprio pensamento; o domínio da fala leva à reestruturação de toda

estrutura da consciência” (VIGOTSKI, 2004, p. 156, apud PRESTES, p. 182).

Assim, pode-se compreender que a transição do pensamento para a palavra passa pelo

significado. Segundo Prestes (2010), entende-se por significado qualquer generalização ou

conceito que proceda do pensamento do indivíduo. E, é no significado da palavra que o

pensamento e a linguagem se unem como um fenômeno do pensamento verbal ou da fala

significativa. A autora acrescenta que, nessa reflexão, pode-se considerar que o significado é

atribuído a partir de vivências do sujeito.

Para situações idênticas, os significados se constroem de acordo com as situações

vividas, e considerando o caráter individual do significado atribuído nas situações vivenciadas,

pode-se entender que a cada nova situação este significado pode receber nova significação: “O

significado da palavra não é constante. Ele muda ao longo do desenvolvimento da criança. Ele

muda também com as diferentes formas de funcionamento do pensamento. Ele representa em

si uma formação mais dinâmica do que estática” (VIGOTSKI, 2001, p. 287 apud PRESTES,

2010, p. 81).

Prestes (2010), por seu turno, acrescenta que sentido e significado são duas categorias

centrais nos estudos de Vigotski e representam duas faces de um signo que atuam de forma

articulada. Na fala interna (pensamento), o sentido se sobrepõe ao significado, ou seja, na fala

interna, a palavra é muito mais carregada de sentido do que na fala para o outro, ou externa: “O

sentido da palavra é sempre dinâmico, fluente, complexo e possui várias zonas de estabilidade

diferentes. O significado é somente uma das zonas daquele sentido que a palavra adquire no

contexto de alguma fala e, além do mais, uma zona mais estável, mais unificada [...]”

(VIGOTSKI, 2001, p. 328 apud PRESTES, 2010, p. 81).

Aguiar e Ozela (2013) defendem que a discussão de significado e sentido leva em

conta a compreensão dialética do caráter simbólico e do emocional. O significado seria o ponto

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de partida na perspectiva de compreensão do sujeito, uma vez que eles contêm mais do que

aparentam. Um trabalho mais profundo de análise e interpretação dos significados conduz ao

sentido a eles atribuído. O sentido é apresentado como estrutura de caráter mais instável, fluido

e profundo, que destaca a singularidade historicamente construída pelo sujeito: “[...] falar de

sentidos é falar de subjetividade, da dialética afetivo/cognitivo, é falar de um sujeito não

diluído, de um sujeito histórico e singular ao mesmo tempo” (AGUIAR et al., 2009, p. 65).

Na interpretação de Molon (2011) o significado de uma palavra segundo Vigotski é

convencional, diferente do sentido que pode ser modificado de acordo com o contexto:

O sentido da palavra está relacionado à riqueza das experiências sociais e históricas

que conformam as consciências e aquilo que pode ser expresso por uma determinada

palavra. O significado de uma palavra é mais estável e preciso, enquanto o sentido é

inesgotável. A palavra é polissêmica e fonte inesgotável de novos sentidos. A

modificação do sentido de uma palavra depende tanto das situações quanto dos

sujeitos que o atribuem, por isso ele é considerado quase ilimitado; porém os

processos de significação são produzidos e apropriados nas relações sociais, em

determinadas condições históricas. (MOLON, 2011, p. 618)

Deste modo, de acordo com Molon (2011), o reconhecimento da palavra como

polissêmica admite múltiplos sentidos, tanto para o que foi dito, como para o que não foi dito,

mas foi pensado. A atribuição de sentido envolve situações e sujeitos, ou seja, é influenciada

pela relação com o meio e pelas vivências do sujeito.

O reconhecimento de que, em Vigotski (2009) a construção do plano interno de

atividade mental se dá por meio da mediação social e semiótica admite uma formulação acerca

das noções de meio e vivência como unidades propulsoras do desenvolvimento. Isso se dá ao

considerar que elas acontecem em contextos culturalmente concebidos, socialmente

organizados e, em condições históricas definidas.

Vigotski (2009) descreve o desenvolvimento infantil desde as primeiras percepções do

mundo a partir de uma interação entre a criança e o meio no qual se encontra inserida, em uma

relação em que ambos são modificados. Portanto, trata-se de uma relação em que o meio é

considerado para além do ambiente de regras onde ocorre determinado processo e, deste modo,

a relação com o meio é revestida de significados culturais e sociais, nas quais o meio é entendido

como ambiente psíquico, cultural e mental.

Ao estudar a questão do meio na pedologia8, Vigotski (2010) destaca que só é possível

desvendar o papel do meio no desenvolvimento da criança quando se tem acesso a informações

da relação entre a criança e o meio. Considera, entretanto, que a intensidade dessas influências

8 Do grego: estudo sistemático da vida e do desenvolvimento das crianças (Dicionário Houaiss) (PRESTES,

2010, p. 24).

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são mais ou menos significativas para o desenvolvimento psicológico da criança de acordo com

a idade em que ocorrem, por exemplo:

A fala das pessoas ao redor pode perfeitamente ser sempre a mesma tanto quando a

criança tem seis meses, como um ano e seis meses e também três anos e seis meses,

isto é, a quantidade de palavras que a criança percebe, o caráter da linguagem, no que

se refere a seu nível cultural, ao vocabulário, à correção, à erudição de estilo podem

permanecer sempre os mesmos, mas qualquer um entende que esse fator, inalterado

ao longo do crescimento, possui um significado diferente quando a criança entende a

fala, quando ela não a entende em absoluto e quando ela se situa entre ambos os

estágios e está apenas começando a entendê-la. (VIGOTSKI, 2010, p. 682)

O autor chama atenção para o fato de que, em cada etapa do desenvolvimento infantil,

a relação entre a criança e o meio se modificam, ou seja, a influência do meio é percebida de

maneiras distintas, relativas à cada faixa etária. Essa influência é significada a partir dos

registros de vivência da criança. Neste contexto, a vivência deve ser entendida como a relação

interior da criança como ser humano, com um ou outro momento da realidade “Toda a vivência

é vivência de algo” (VIGOTSKI, 2009, p. 05).

De acordo com a teoria de Vigotski (2010), a ação espontânea da criança faz parte da

primeira fase da infância, quando não há interferência de vivências anteriores na relação da

criança com o meio. No entanto, na medida em que a criança se desenvolve, percebe-se a

presença de um fator intelectual que atua na mediação de suas vivências, em um processo

inverso ao da ação espontânea. De modo que “[...] não é esse ou aquele elemento tomado

independentemente da criança, mas sim, o elemento interpretado pela vivência da criança que

pode determinar sua influência no decorrer de seu desenvolvimento futuro” (VIGOTSKI, 2010,

p. 684).

Portanto, uma mesma situação é vivenciada por diferentes sujeitos de acordo com seus

registros anteriores, de modo que na relação da criança com o meio, o meio como entorno, não

existe em absoluto, mas na relação singular com a criança. Nestes termos, o meio é concebido

como uma espécie de fonte de desenvolvimento que apresenta um modelo ideal ou final que

interage com o repertório primário da criança, de tal modo que, no decorrer do processo, uma

determinada ação se constitui como aquisição interna da criança: “As forças do meio adquirem

significado orientador graças às vivências da criança, isto é, o estudo do meio se translada em

medida significante ao interior da própria criança e não se reduz ao estudo das conexões

externas de sua vida” (VIGOTSKI, 2009, p. 07).

Nesta perspectiva, percebe-se que para o desenvolvimento infantil, considerado a

partir dos registros de vivências da criança, o essencial não é a situação vivenciada considerada

por si mesma, mas, a influência relativa ao modo como a criança vive dada situação. No caso

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específico deste estudo, a significação da dieta restritiva se apresenta à criança como uma

situação atravessada de significados culturalmente compartilhados, socialmente instituídos, e,

ao mesmo tempo, é concebida de forma singular, na qual a criança é considerada, na hipótese

deste estudo, uma intérprete ativa e criativa de sua realidade.

Sabe-se que a situação de adoecimento impõe modificações na vida cotidiana da

criança diagnosticada e de seus familiares, exigindo adaptações e desenvolvimento de

estratégias de enfrentamento. Esses recursos específicos, emergem por diversos caminhos que

variam de acordo com as fontes de informações acessíveis à criança, porém, o meio é que

fornece formas ideais como referência. “[...] a criança se apropria, transforma em suas

aquisições interiores aquilo que, a princípio, era sua forma de interação externa com o meio”

(VIGOTSKI, 2010, p. 698).

Neste contexto, os conceitos de atividade guia e zona de desenvolvimento iminente

anunciados por Vigotski (2010), contribuem para a compreensão desta capacidade de o sujeito

adaptar-se a novas situações. Trata-se de um processo no qual a atividade guia é definida pela

capacidade de atuar no nível iminente de desenvolvimento, e com isso, promover a emergência

de novas funções psíquicas, enquanto que a Zona de Desenvolvimento Iminente9 (ZDI) é

entendida como o espaço em que ocorrem essas interações do tipo sujeito-outro, revela o que a

criança pode desenvolver, não significando que ela, obrigatoriamente, vá desenvolver:

A Zona de desenvolvimento Iminente é a distância entre o nível do desenvolvimento

atual da criança, que é definido com ajuda de questões que a criança resolve sozinha,

e o nível do desenvolvimento possível da criança, que é definido com ajuda de

problemas que a criança resolve sob orientação dos adultos e em colaboração com

companheiros mais inteligentes. (VIGOTSKI, 2004, p. 379 apud PRESTES, 2010, p.

173)

Ao desenvolver o conceito de Zona de Desenvolvimento Iminente, Vigotski (2010)

contraria teorias clássicas que estabelecem categorias ou classificações para o desenvolvimento

infantil, relacionado mais ao amadurecimento de funções, do que à exposição às situações

desafiadoras:

A criança tornar-se-á capaz de realizar de forma independente, amanhã, aquilo que,

hoje, ela sabe fazer com a colaboração e a orientação. Isso significa que, quando

verificamos as possibilidades da criança ao longo de um trabalho em colaboração,

determinamos com isso também o campo das funções intelectuais em

amadurecimento; as funções que estão em estágio iminente de desenvolvimento

devem dar frutos e, consequentemente, transferirem-se para o nível de

9 As primeiras traduções desse conceito para o português seguiram as traduções americanas, denominando-o de

zona de desenvolvimento proximal. Para este estudo será considerado zona de desenvolvimento iminente de

acordo com os estudos de Prestes (2010).

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desenvolvimento mental real da criança. (VIGOTSKI, 2004, p. 32 apud PRESTES,

2010, p. 174)

Neste sentido, pode-se considerar que as ações realizadas em colaboração com a

criança promovem vias de desenvolvimento, estas, porém, de acordo com os estudos de Prestes

(2010), não são pré-determinadas, uma vez que o desenvolvimento infantil não acontece de

forma linear, espontânea e natural. Ao contrário trata-se de um processo intrinsicamente

relacionado à apropriação da cultura em que a criança se encontra inserida. Assim, é possível

identificar níveis distintos de desenvolvimento de acordo com a capacidade de reprodução e

criação da criança.

A atividade de reprodução, também denominada de reconstituidora ou reprodutiva,

tem sua atuação intimamente relacionada à memória, ou seja, caracteriza-se em repetir ou

reproduzir marcas criadas anteriormente e, tais características favorecem a perpetuação de

impressões precedentes: “É fácil compreender o enorme significado da conservação da

experiência anterior para a vida do homem, o quanto ela facilita sua adaptação ao mundo que o

cerca, ao criar e elaborar hábitos permanentes que se repetem em condições iguais”

(VIGOTSKI, 2009, p. 12).

Por outro lado, a atividade criadora se realiza na criação do novo em qualquer instância

do mundo externo ou interno, e envolve a ideia de que os processos criativos oferecem

elementos novos, a partir da reelaboração de materiais e conhecimentos já disponíveis na

realidade do indivíduo. Essa atividade traz em sua base, um processo de apropriação de

conhecimentos adquiridos no decorrer de cada história de desenvolvimento pessoal: “É essa

capacidade de fazer uma construção de elementos, de combinar o velho de novas maneiras, que

constitui a base da criação” (VIGOTSKI, 2009, p. 17).

A partir disso, Vigotski (2009) destaca a plasticidade do organismo humano no que

tange ao sistema nervoso, como uma capacidade que permite conservar, e, ao mesmo tempo,

transformar vivências: “A base orgânica dessa atividade reprodutiva ou da memória é a

plasticidade de nossa substância nervosa. Chama-se plasticidade a propriedade de uma

substância que permite que ela seja alterada e conserve as marcas dessa alteração (VIGOTSKI,

2009, p. 12).

Neste raciocínio, percebe-se que a plasticidade do cérebro e dos nervos é caracterizada

por meio da metáfora de uma folha de papel que ao ser dobrada ao meio, deixa marcas e a

predisposição em repetir a dobra, de modo que um simples assopro refaz a dobra no local

marcado e este fazer de novo une o velho e o novo. Nesta analogia, o autor demonstra a

capacidade do cérebro em conservar experiências anteriores e em reproduzi-las. Trata-se, então,

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de uma valiosa função, que além de permitir o desenvolvimento histórico do homem, favorece

também a criação do novo, pois caso a atividade do cérebro se limitasse a conservação de

vivências anteriores, a adaptação a situações inesperadas seria algo natural: “É certamente a

atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro, erigindo-o e

modificando o seu presente” (VIGOTSKI, 2009, p. 14).

Essa capacidade de combinar e reelaborar, de forma criadora, experiências anteriores,

é denominada pela psicologia de imaginação ou fantasia. Para o autor, a imaginação é a base

de toda atividade criadora, atuando em cada instância do desenvolvimento humano, seja no

aspecto cultural, artístico, cientifico ou técnico. “Neste sentido, necessariamente, tudo que nos

cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da

natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia”

(VIGOTSKI, 2009, p. 14).

Portanto, a atividade criadora está na base de todos os aspectos da vida cultural, de

modo que todo material produzido pelo homem no mundo da cultura, tem sua base na

imaginação e criação: “[...] podemos dizer que todos os objetos da vida cotidiana, sem excluir

os mais simples e comuns, são imaginação cristalizada” (VIGOTSKI, 2009, p. 15).

Assim, a dimensão dos efeitos da doença na vida de crianças em tratamento de saúde,

é vivenciada de forma singular, ao mesmo tempo em que se evidenciam marcas da construção

social do desenvolvimento dessa população. Além disso, esses efeitos permitem novas

combinações nas quais o processo criativo da criança ampara-se em situações específicas de

suas vivências, bem como na imitação de experiências alheias despertadas na relação com o

outro, de um modo que lhe permita construir uma história que dá contornos à sua situação atual.

O que a criança vê e ouve, dessa forma, são os primeiros pontos de apoio para sua

futura criação. Ela acumula material com base no qual, posteriormente, será

construída sua fantasia. Segue-se, então, um processo complexo de reelaboração desse

material. A dissociação e a associação das impressões percebidas são partes

importantíssimas desse processo. Qualquer impressão representa em si um todo

complexo, composto de múltiplas partes separadas. A dissociação consiste em

fragmentar esse todo complexo em partes. Algumas delas destacam-se das demais;

umas conservam-se, outras são esquecidas. Dessa forma a dissociação é uma condição

necessária para a atividade posterior da fantasia. (VIGOTSKI, 2009, p. 36)

O processo de associação e dissociação são citados por Vigotski (2009) como recursos

necessários à reorganização de materiais acumulados pela criança movida pela atividade

criadora. Neste processo, a imaginação ou fantasia, seria o disparador desse material

armazenado a partir de vivências cotidianas do indivíduo, que traz, em sua base, uma

capacidade de apropriação de conhecimentos adquiridos no decorrer da história de seu

desenvolvimento pessoal (ontogênese).

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Deste modo, para Vigotski (2009), a imaginação ou fantasia é concebida como

primeiro impulso para criações futuras; é ela que possibilita a associação ou união de elementos

dissociados submetidos a um processo de modificação. Tal processo baseia-se em percepções

externas e sensações internas correspondentes que se organizam em um sistema complexo de

reelaboração. Este sistema é caracterizado por elementos inicialmente externos que se

movimentam, se modificam, são conservados ou não, em novas combinações que se formam

de acordo com a capacidade criativa e reprodutiva do indivíduo e sob influência de vivências

anteriores

Ainda atinente ao processo de reprodução e criação, Corsaro (1997) apud Sarmento

(2005), considera que é em torno do conceito de reprodução que ocorrem as principais divisões

no campo da sociologia da infância. No entanto, nesta reflexão, o autor amplia o conceito de

reprodução para além da ideia original de conservação e continuidade ao apresentar o conceito

de reprodução interpretativa. Este conceito exprime a ideia de criança ativa que, ao receber

estímulos em forma de crenças, valores e conhecimentos nas interações com o adulto, atua na

transformação desse material.

Com base nestes pressupostos, as dimensões do desenvolvimento infantil,

caracterizado pela unidade entre reprodução e criação, sugere uma representação de criança

atuante com participação ativa nos processos de construção e significação de sua realidade. Por

conseguinte, o que está em jogo ao se investigar as significações da dieta na perspectiva de

crianças em tratamento de doenças renais crônicas é justamente compreender de que forma

esses sujeitos interpretam sua realidade atual associada ao diagnóstico e respectivo tratamento

de saúde.

Portanto, ao se considerar que, na perspectiva Histórico-Cultural a criança se

desenvolve a partir de sua relação com o outro, reconhece-se também que esse desenvolvimento

acontece em íntima relação com a circulação de representações sociais desse objeto. Tal

operação insere a criança no universo semiótico ou de significação, no qual, as ações adquirem

significados e deixam de ser elas mesmas para ser a representação delas para o indivíduo, ou

seja, ao se atribuir significado a um objeto, na verdade, o que se descreve é uma representação

deste objeto. Nestes termos se justificam os fundamentos da Teoria das Representações Sociais

para este estudo.

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1.2 Contribuições da Teoria das Representações Sociais ao estudo sobre a

construção social da realidade

A Teoria das Representações Sociais (TRS) considera a influência de fatores sociais e

culturais no desempenho de ações cotidianas do ser humano, no ambiente em que atua. Por se

tratar de um movimento dinâmico de interações entre indivíduo e grupo, o estudo das

representações sociais permite analisar o processo de formação dessas relações nas quais ambos

são modificados.

Portanto, trata-se de um campo de estudo que favorece, assim como a Teoria Histórico-

Cultural, o rompimento com uma forma de pensar tradicional e hegemônica que concebe o

sujeito separado do seu contexto social: “A TRS é eminentemente uma teoria histórica, que

estuda como as representações coletivas se elaboram, se recombinam e se transformam em

relação com a cultura e as estruturas sociais” (CAMPOS, 2005, p. 87).

Moscovici (2015), em seus estudos, se manteve interessado em explorar a variação

dinâmica presente nas representações coletivas das sociedades modernas. O autor empenhou-

se em compreender como acontece a mediação entre o social e o individual, de modo a permitir

uma rede de interações na qual alguma coisa do individual se torna social em um processo de

interação simultânea no qual ambos são modificados em função de critérios culturais. As

questões exploradas por Moscovici (2015) chamam atenção à dinâmica das mudanças e

inovações sociais, sem interesse no controle e manutenção de um modelo social específico

Ao investigar a origem das representações sociais, Moscovici (2015) tentou situá-la

como conceito, proposições ou explicações que surgem na vida cotidiana e se sustentam nos

debates interpessoais, equivalentes em nossa sociedade aos mitos e sistema de crenças; uma

espécie de versão contemporânea do senso comum. Também se percebe uma relação sutil entre

representações sociais e influências comunicativas identificadas por Moscovici (2015) ao

definir uma representação social como:

Um sistema de valores, ideias e práticas, com uma dupla função: primeiro, estabelecer

uma ordem que possibilitará às pessoas orientar-se em seu mundo material e social e

controlá-lo; e, em segundo lugar possibilitar que a comunicação seja possível entre os

membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um código para nomear e classificar,

sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo e da sua história individual e

social. (MOSCOVICI, 2015, p. 21)

Nas palavras de Denise Jodelet, em uma primeira caracterização aceita entre a

comunidade científica, representação social é:

Uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada, que tem

objetivo prático e que contribui para a construção de uma realidade comum a um

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conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber

ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do

conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo

quanto este, devido à sua importância na vida social e a elucidação possibilitadora dos

processos cognitivos e das interações sociais. (JODELET, 2001, p. 22)

Arruda (2002) menciona que a Teoria das Representações Sociais traz certa fluidez

conceitual com múltiplos enunciados que propõe metodologias variadas e pouco amarradas,

sendo alvo fácil da crítica: “Moscovici costuma responder a tais críticas afirmando tratar-se de

uma fluidez proposital, que visa permitir desenvolver a teoria e a criatividade dos

pesquisadores, na medida em que o interesse maior seria a descoberta e não a verificação, a

comprovação” (ARRUDA, 2002, p. 138).

Neste sentido, considerando a existência de uma possível fluidez conceitual como

estratégia nos estudos de representações sociais, Arruda (2002) atribui à plasticidade da teoria

um diferencial favorável que permite apreender um fenômeno independente das facetas em que

ele se apresenta ao sujeito: ora rígido, ora flexível em cuja complexidade se justifica a

dificuldade de captação. A autora acrescenta que “Perceber uma representação social é fácil,

mas defini-la, nem tanto” (ARRUDA, 2002, p. 138).

Deste modo, para se compreender o fenômeno das representações sociais, Moscovici

(2015) sugere que elas devem ser reconhecidas como uma atmosfera nas relações individuais

ou grupais e que são específicas de uma sociedade. Pode-se entender nessa analogia com a

atmosfera, que uma representação reúne e permite circular experiências que se constituem nas

relações individuais ou grupais em um processo contínuo e de origens diversas: “[...] a

finalidade de todas as representações é tornar familiar algo não familiar, ou a própria

familiaridade” (MOSCOVICI, 2015, p. 54).

Moscovici (1976) destaca o caráter ativo do indivíduo no processo de reconstrução do

objeto, considerando que as representações não se referem à realidade concreta do objeto

correspondente. As representações sociais se constituem como teoria criadora de realidade, ou

seja, quando o indivíduo atribui significado a um objeto, na verdade o que ele descreve é uma

representação do objeto: “[...] entre o que é ‘tomado’ e o que é ‘devolvido’ ao real, deixa

entrever que a representação de um objeto é uma reapresentação diferente do objeto”

(MOSCOVICI, 1976, p. 58).

Com essa caracterização, pode-se pensar na rede de significados vinculada à restrição

alimentar que possa influenciar no processo de adesão ao tratamento a partir da significação da

dieta para crianças em acompanhamento ambulatorial. Assim, deve-se considerar que as

representações sociais não se formam como conceitos isolados, uma vez que circulam e se

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cruzam por meio da comunicação, na fala, no comportamento, nos gestos que fazem parte do

complexo universo cotidiano das emoções e ações, articulado em redes de relações entre o

indivíduo e o meio social em que atua.

De início, conforme o modelo proposto por Moscovici, em 1961, as representações

sociais abarcavam duas funções: o saber que contribui para os processos de formação de

conduta e de orientar as comunicações sociais. Posteriormente, em virtude da evolução do

número de pesquisas abrangendo cognição e prática social, Abric (1998) apresenta também

como função das representações sociais, a identitária e a justificadora.

Função do saber: permite que as representações sociais expliquem compreendam e

atribuam sentido à realidade social;

Função de orientação: permite que as representações guiem o comportamento dos

indivíduos para a ação. Essa função de acordo com Abric (1998) depende

exclusivamente da representação da realidade feita pelo indivíduo;

Função identitária: possibilita a definição da identidade dos grupos e em

contrapartida permite também as diferenças grupais.

Função justificadora: permite que a representação social seja vista como referência

que justifica tomada de decisões mudanças de comportamento, assim como

manutenção e reforço de comportamentos assumidos pelo indivíduo ou grupo social.

Bauer (1995) apud Campos (2005) acrescenta ainda a função de resistência das RS,

por entender que a teoria das representações sociais possibilita a compreensão da dimensão de

normas sociais e também da transformação ou manutenção de conhecimentos partilhados por

um grupo em um contexto social.

Além disso, o referido autor identifica um contraponto expresso nas relações entre o

indivíduo e a sociedade que coloca de um lado a transformação social e de um outro, a

resistência pela manutenção de conhecimentos sociais: “As representações sociais são a

produção cultural de uma comunidade, que tem como um de seus objetivos resistir a conceitos,

conhecimentos e atividades que ameaçam destruir sua identidade (BAUER, 1995, p. 229 apud

CAMPOS, 2005, p. 90).

Neste sentido, Bauer (1995) citado por Campos (2005) explica que as representações

sociais na modernidade se constituem como instrumento de resistência dos grupos a fim de

preservar sua identidade, e também de oferecer resistência ao domínio racional do discurso

científico como forma de poder:

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Neste ensaio eu procurei re-enfatizar as funções pragmáticas das representações

sociais, que possibilitam a uma comunidade social resistir a influência hegemônica de

outra. As representações sociais funcionam como um “sistema cultural imunizante”

em um contexto intergrupal: inovações simbólicas são ativamente neutralizadas

através de sua ancoragem em formações tradicionais (BAUER, 1995, p. 252 apud

CAMPOS, 2005, p. 95).

Neste aspecto, pode-se compreender que crianças em tratamento de saúde criam

hipóteses em relação a sua realidade a partir de representações sociais compartilhadas em seu

grupo de pertencimento, em ações cotidianas, sendo que o discurso médico é parte integrante

deste contexto. Isso significa que aderir a essas representações ou resistir a elas é uma escolha

que sugere a ideia da existência de grupos e subgrupos que se organizam no compartilhamento

de representações específicas, tencionando o campo representacional. Nesse caso, a

representação é processo e é produto psíquico, tornando-se, portanto, um objeto cultural que

assume a condição de elemento mediador da relação entre o sujeito e a realidade.

Ao considerarem criança e sociedade como campo de interações sociais, De Lauwe e

Feuerhahn (2001) ressaltam que, neste contexto, as representações sociais atuam tanto como

instrumento de socialização como de comunicação. Os autores sublinham que nesta atuação as

representações são elaboradas de forma dinâmica e constante, uma vez que englobam uma

totalidade de elementos estruturados que contribuem para a formação da criança, tais como as

condições espaço-geográficas, socioeconômicas, institucionais, culturais e ideológicas. Todas

considerados ao mesmo tempo e sem hierarquia no processo de socialização da criança.

Deste modo, a representação social, aqui vista como uma rede de significados

compartilhados, sugere o entendimento das interações sociais e do funcionamento do

pensamento social, tanto em redes como em linha direta com a ação. Assim, o material

representacional é produzido em teias no ambiente social, interferindo na formação do tecido

social, e, ao mesmo tempo, acaba sendo influenciado por ele. Nesse processo há de se

considerar como fundamental o papel da comunicação e das diversas formas de expressão da

linguagem (verbal, gestual, corporal, musical, dentre outras) que atuam como veículo

facilitador de desenvolvimento e compartilhamento de representações sociais.

Jodelet (2001) destaca como característica peculiar em Moscovici a explicação de

fenômenos cognitivos a partir de interações sociais. Neste contexto, a autora sinaliza o papel da

comunicação social que em seu entendimento contribui, de maneira original, na abordagem de

fenômenos cognitivos: “A comunicação tem um papel fundamental nas trocas e interações que

contribuem para a instituição de um universo consensual [...] remete a fenômenos de influência

e de pertença sociais decisivos na elaboração dos sistemas intelectuais e suas formas”

(JODELET, 2001, p. 29-30).

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Neste sentido, Jodelet (2001, p. 30) destaca três níveis em que a incidência da

comunicação é investigada por Moscovici:

O nível da emergência das representações: a dispersão e defasagem das

informações, a focalização e a pressão à inferência;

O nível dos processos de formação das representações: a objetivação e a

ancoragem;

O nível das dimensões das representações e as respectivas edificações de

conduta influenciadas por elas: a difusão relacionada com a formação de

opiniões, a propagação com as atitudes e a propaganda com os estereótipos.

Para efeitos deste estudo serão desenvolvidas considerações concernentes aos dois

primeiros níveis. Jodelet (2001) confirma possíveis interferências no processo de representação

de um objeto e destaca que, é no nível da emergência das representações que os aspectos

cognitivos são mais afetados de acordo com as condições oferecidas:

Dentre essas condições encontram-se: a dispersão e a defasagem das informações

relativas ao objeto representado e que são desigualmente acessíveis de acordo com os

grupos; o foco sobre certos aspectos do objeto, em função dos interesses e da

implicação dos sujeitos; a pressão à inferência referente à necessidade de agir, de

tomar posição ou de obter o reconhecimento e a adesão dos outros – elementos que

vão diferenciar o pensamento natural em suas operações, sua lógica e seu estilo.

(JODELET, 2001, p. 30)

Assim, tanto a distorção das informações, quanto a focalização e a pressão às

inferências, são aspectos que, segundo Jodelet (2001), estão associados à produção de

representações sociais, uma vez que influenciam na emergência das representações e que,

portanto, merecem especial atenção dos pesquisadores.

Moscovici (1978) destaca o papel da dispersão da informação na origem de uma

investigação e na organização de raciocínios envolvidos em um sistema representacional. O

teórico considera a variedade de fontes relacionadas na construção de representações sociais

que circulam em um grupo e descreve uma suposta defasagem de informações neste

movimento. Neste sentido, o autor chama a atenção para tais defasagens de informações, pois

ainda que o sujeito apresente respostas simultaneamente insuficientes ou superabundantes, estas

podem deixar lacunas por não atender objetivos propostos na apreensão de conhecimento em

relação a determinado fenômeno:

A defasagem entre a informação efetivamente presente e aquela que teria sido

necessária para dominar todos os elementos de que depende a sequência de raciocínios

é – exceto em áreas limitadas – uma defasagem constitutiva. Não se trata de uma

variação quantitativa da informação possuída, mas da existência de zonas de

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interesses e de comportamentos onde os conhecimentos indispensáveis a adquirir não

podem ser localizados nem adquiridos. (MOSCOVICI, 1978, p. 250)

Jodelet (2001) acrescenta que as dispersões da informação relativa ao objeto

representado são desigualmente acessíveis, pois dependem do contexto de cada grupo, ou seja,

sua ocorrência é disseminada, de várias formas e para investigá-las faz-se mister considerar

características próprias dos grupos analisados e o contexto social envolvido.

No caso da focalização, atuando no nível de emergência de representações, segundo

Moscovici (1978) é entendida como um estado de percepção ou uma variável que se configura

na capacidade de um indivíduo ou um grupo de se implicar na substância e nos efeitos de sua

opinião própria durante a interação social, ou seja:

É o aspecto expressivo da relação do indivíduo ou grupo com o objeto social.

Espontaneamente, um indivíduo ou um grupo concede atenção específica a algumas

zonas muito particulares do meio ambiente e mantém certa distância em relação a

outras zonas do mesmo meio ambiente. A distância e o grau de implicação em relação

ao objeto social variam, necessariamente. (MOSCOVICI, 1978, p. 251)

Em suma, de acordo com os estudos de Moscovici (1978), o sujeito ou um grupo

focalizado concentra esforço em harmonizar sua opinião com sua vivência acerca de um

fenômeno. Assim sendo, só é reconhecido e legitimado, conhecimento aceito nos referenciais

de parâmetro de um indivíduo ou de seu grupo. Em outras palavras, o foco é todo concentrado

nas partes do objeto que estejam em função do interesse dos sujeitos, em função da manutenção

de sua configuração identitária.

Ainda no nível de emergência de representações, Moscovici (1978) descreve a

presença de uma pressão para a inferência como um terceiro traço a ser considerado em uma

pesquisa. Tal peculiaridade evidencia a capacidade desenvolvida por um indivíduo ou grupo

que ao se deparar com circunstâncias ou relações sociais que represente algum tipo de pressão

social, sob efeito desta, é induzido a ampliar condições de respostas aos termos da ação e optar

por uma alternativa possível:

Para tanto, cumpre-lhe optar entre os termos de uma alternativa, tornar estáveis e

permanentes opiniões que possuem um alto grau de incerteza, encurtar os possíveis

desvios e ligar, a esse respeito, as premissas às conclusões que, por outro lado, não

são diretas. Mas tudo isso é resultado de pressões que se observam e que requerem a

construção de um código comum e estável, obrigando os participantes a um diálogo,

a uma troca de ideias, a fim de adaptarem suas mensagens a esse código.

(MOSCOVICI, 1978, p. 252)

Para Moscovici (1978), do ponto de vista da análise científica, o lapso de tempo entre

uma pergunta e a resposta, ou entre uma reflexão e a ação correspondente, direciona restrições

relacionadas à percepção externa provocada pela pergunta e esse movimento pode induzir o

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sujeito a optar por respostas prontas. Do mesmo modo, o autor citado chama a atenção para

possíveis pressões que podem antecipar respostas precipitadas ou até mesmo suscitar adesão a

uma espécie de consenso, no qual membros de um grupo podem se sentir pressionados a

estabilizar seu universo e restabelecerem adesão a uma significação que, por algum motivo,

vinha sendo contestada.

Como exemplo de situações nas quais se evidencia o peso de possíveis pressões para

inferência, Moscovici (1978) apresenta que na comunicação social e nas relações em grupo são

expostas atitudes dos diversos interlocutores, trazendo ao conhecimento do grupo respostas

dominantes que podem induzir respostas de adesão ao consenso. Assim, como respostas

associadas à ocorrência de comportamentos culturalmente pré-determinados, nos quais os

indivíduos se colocam como receptores interessados no discurso do outro, porém, por conta

desse apoio a um suposto discurso, se posicionam como emissores que contam com audiência

garantida deste público que nessa relação são vistos como colegas e correligionários.

Com base no que foi apresentado, a Teoria das Representações Sociais recomenda

especial atenção a esses três aspectos de influência: a dispersão da informação, a focalização

do sujeito individual ou coletivo, e a pressão para a inferência, como alvo do sujeito socialmente

definido. Deste modo, percebem-se dimensões que revelam a existência de um princípio

ativador de relações diretas entre o campo intelectual e situações sociais. O conhecimento

desses mecanismos favorece a percepção de ações sociais que podem estar associadas à

produção de uma representação social.

Além das condições de emergência das representações sociais, é necessário

compreender também seus processos formadores. Em relação a esse tema, Moscovici (2015)

destaca que o nível representacional estabelece sistemas de categorias que permitem a

constituição de redes de combinações, compondo um tecido social específico a cada contexto.

Essa rede de relações se estabelece a partir de pontos de tensões característicos em qualquer

cultura. De acordo com Moscovici (2015), é justamente nestes pontos de tensões que as

representações se constituem em um processo progressivo de ancoragem e objetivação.

Estes dois processos básicos podem ser identificados como formadores de RS quando

se trata de assimilar o não familiar, de onde emerge novas representações. Os processos de

ancoragem e a objetivação são acionados como elementos mediadores que atuam em situações

de conflito psíquico caracterizados pela falta de sentido de uma representação: “Dentro de

qualquer cultura há pontos de tensão, mesmo de fratura, e é ao redor desses pontos de clivagem

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do sistema representacional duma cultura que novas representações emergem” (MOSCOVICI,

2015, p. 16).

Moscovici (2015) explica que, ao se deparar com percepções ou sensações que possam

causar desconforto, o indivíduo tende a se movimentar com o propósito de classificar, dar nome

ou encontrar um lugar para encaixar o não familiar. Neste movimento, é como se o não familiar

não existisse, tornando-se ameaçador ao indivíduo e isso desperta uma espécie de resistência

ao que não encontra sentido em suas vivências.

Assim, a ancoragem movida pelo desconforto desse movimento permite colocar o não

familiar em uma determinada categoria de representação familiar, que faça parte do repertório

do indivíduo, garantindo-lhe a existência. Desta forma, o processo de ancoragem consiste em

encontrar um lugar para encaixar o não familiar, atribuindo-lhe sentido. Por sua vez, de acordo

com Moscovici (2015), o processo de objetivação transforma em imagem o que é representado,

ou seja, torna concreto o que é abstrato de forma que a imagem deixa de ser signo e se

transforma em representação de uma realidade.

Neste sentido, considerando que de acordo com Moscovici (2015), não há ideia sem

imagem, pode-se pensar que o mecanismo de objetivação atua como uma ponte que liga a

imagem de uma ideia com uma possível representação da mesma, tornando-a real para o

indivíduo. Enquanto que, a ancoragem como mecanismo formador de representações atua no

sentido de encontrar uma imagem possível no repertório do indivíduo que represente a imagem

do objeto.

Portanto, o caráter dialético da relação entre o social e o individual, que constitui a

TRS é observado também nos processos formadores das representações. Os mecanismos de

ancoragem e de objetivação são acionados sempre que o indivíduo se depara com situações não

familiares, mas que atuam em dinâmicas diferentes:

O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e

imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar. [...] O objetivo do segundo

mecanismo é objetivá-los, isto é, transformar algo abstrato em algo quase concreto,

transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico. (MOSCOVICI,

2015, p. 61)

Para explicar o processo de transformação de uma teoria, Moscovici (2015) cita o

físico inglês Maxwell que chama a atenção para o fato de que uma teoria incomum vista com

restrições em um primeiro momento por uma população que não a leva a sério, depois de algum

tempo, passa a ser aceita de forma natural e inquestionável. O autor considera nesse processo,

tanto a ação do tempo, como as mudanças de costumes de uma geração à outra. Porém, atribui

ao processo de objetivação essa capacidade de tornar familiar e óbvio para uma geração o que

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era incomum e imperceptível à geração anterior: “Essa domesticação é o resultado da

objetivação” (MOSCOVICI, 2015, p. 71).

Portanto, no contexto deste estudo, ao se deparar com uma rede de significados

mobilizada a partir de uma situação nova, considera-se que os sistemas de crenças, valores e

registros de vivências de crianças em tratamento de saúde são acionados, provocando um

processo de estranhamento da realidade e de si. O que era familiar ao sujeito deixa de ser, e,

deste modo, os mecanismos de ancoragem e objetivação atuam como recursos psicológicos

disparados diante de pontos de tensão, acessando novas representações produzidas quando se

atribui sentido em um processo de significação.

Deste modo, compreender a significação da dieta restritiva a partir de significados

compartilhados remete a ideia de que, a depender da idade, a criança cria suas hipóteses

segundo representações sociais compartilhadas em seu grupo de pertencimento. Neste contexto,

considera-se que as representações sociais estão imersas nas incessantes ondas de comunicação

que circulam nos grupos sociais, cujas mensagens se organizam mediante a ação dos

mecanismos de ancoragem e objetivação.

O alcance das informações transmitidas dentro desses grupos, refere-se ao

reconhecimento da informação e da reação provocada por ela no contexto de um grupo

específico, seja de aceitação ou de resistência, tencionando, por conseguinte, o campo

representacional. Deste modo, a significação da dieta restritiva e o acesso às informações

concernentes a ela, para crianças em tratamento de saúde, pode ser uma via de acesso que

contribui para se pensar no processo de adesão ao tratamento.

Ainda para efeito de discussão nesse estudo, foram feitos alguns recortes que permitem

elaborar hipóteses a partir da identificação de representações que atravessam o processo de

significação da dieta. Essas RS, se manifestam de diversas formas no cotidiano de crianças em

tratamento de saúde e são acessadas por diferentes dimensões, quais sejam: atitudinal,

comportamental, cognitiva e emocional. Logo, delimitar o foco na representação de criança que

circula no contexto familiar e no ambiente hospitalar frequentado por essas crianças foi uma

escolha que permitiu, na investigação do processo de significação da dieta, um olhar

direcionado aos recursos psicológicos da criança como um ser que interage com as RS do

mundo adulto e que também compartilha RS.

Portanto, ao se considerar que a criança constitui uma representação de si com base na

sua relação com o outro e que esse outro também se orienta sob influência de representações

sociais estabelecidas em suas redes de significações, esta premissa revela redes de influência

cuja amplitude pode afetar a constituição identitária da criança. A ideia de criança como um ser

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frágil, que é guiado pelas faltas, ausências e incompletudes, e que precisa ser normatizado, são

padrões simbólicos de referência que conduzem a práticas educativas orientadas pela

obediência. E, por consequência, neste contexto são reveladas à criança uma representação de

si atrelada à dependência do outro, ou seja, é este outro quem escolhe por ela, quem toma

decisões e define os lugares de vida que determinam seu cotidiano.

Por outro lado, consideram-se também grupos familiares e outras redes de apoio da

criança que são orientadas pela representação de criança como um ser de possibilidades, capaz

de compreender a dinâmica da doença, da dieta e de verbalizar suas dificuldades. Esta prática

educativa pode promover uma adesão mais consciente voltada ao autocuidado implicado com

as prescrições médicas, e, assim, é factível acessar vias reflexivas que permitam atitudes

movidas pela autonomia da criança, uma vez que a escolha passa por ela no processo de aderir

ou resistir a uma nova representação que lhe causa desconforto.

Quanto aos modelos de práticas educativas citadas, os estudos de Picanço (2006)

ilustram respectivamente as duas situações orientadas pela representação de criança. A autora

conclui com base nos dados de sua investigação, que existe mais habilidade para adesão ao

tratamento nas crianças cujos pais e cuidadores desenvolvem, em parceria com a criança,

aptidões sociais que favoreça o equilíbrio entre comportamentos de responsabilidade e práticas

educativas de incentivos, ambas voltadas ao autocuidado. Esse modelo de práticas educativas

segundo a autora, propicia que a criança aprenda a conviver com os limites da doença,

percebendo assim, outras possibilidades no manejo de suas rotinas. Em contrapartida, nas

crianças com baixo grau de adesão, a autora identificou no contexto desses sujeitos, pais

controladores e com pouca habilidade social, cuidadores exigentes que subestimam a

capacidade da criança para o autocuidado associado às prescrições médicas e as recomendações

do tratamento.

Sarmento (2005) também defende como fator indispensável nas investigações que

envolvem crianças, considerar níveis e fatores de influência que possam projetar na criança o

olhar do adulto focado em abstrair da relação apenas o reflexo de seus preconceitos e

representações de infância. O autor considera que a representação de criança assume formas

variadas entre sociedades, culturas e comunidades e varia de acordo com a construção histórica

e definição institucional de infância dominante em cada época: “A interpretação das culturas

infantis, em síntese, não pode ser realizada no vazio social, e necessita de se sustentar na análise

das condições sociais em que as crianças vivem, interagem e dão sentido ao que fazem”

(SARMENTO, 2005, p. 06).

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Assim, a identificação de valores, conflitos e crenças que possam estar na base dos

processos de ancoragem e objetivação dessas representações de criança, contribui para essa

investigação que visa compreender o processo de significações da dieta restritiva para crianças

em acompanhamento de um ambulatório de nefrologia. Trata-se, portanto, de um estudo que

contribui para se pensar o fenômeno de adesão ao tratamento que se estende à adesão à dieta,

justificando assim, a forma que o estudo de RS é apresentado nesta pesquisa com especial

atenção à abordagem ontogenética das representações sociais.

1.3 Teoria Histórico-Cultural e Teoria das Representações Sociais: algumas

aproximações possíveis pela via da abordagem ontogenética das representações

sociais

O desenvolvimento infantil, analisado na perspectiva da abordagem histórico-cultural,

é entendido como um processo que não acontece apartado de um ambiente social e cultural.

Nesta perspectiva, destaca-se o nível subjetivo do desenvolvimento, sem desconsiderar que a

todo momento, a criança interage com representações sociais atravessadas pelos discursos

produzidos em seus grupos de pertencimento. No caso das crianças que atuaram como sujeitos

dessa pesquisa, considera-se que estão em contato tanto com o discurso do universo reificado

no campo da saúde, traduzidos em prescrições de tratamento, quanto com os discursos do senso

comum, que são expressos na forma mediante a qual a criança em tratamento é representada

em suas interações sociais cotidianas.

A criança em tratamento de doenças renais crônicas de acordo com as hipóteses desse

estudo, entra em contato tanto com representações do campo científico veiculado pelo discurso

médico, quanto com representações sociais compartilhadas por familiares e demais pessoas que

fazem parte de seu cotidiano. Estes, os familiares, por sua vez, ao se apropriarem de

representações do discurso científico também fazem suas ancoragens com base em seus

repertórios. Assim, considera-se, que as significações da dieta para crianças em tratamento de

saúde são atravessadas por representações sociais que se formam e circulam, seja na sala de

espera do ambulatório, nos processos de internação ou conversas familiares, na escola, nas

festas ou entre outras situações cotidianas. As crianças entram em contato com as

representações sociais referentes à doença e respectivo tratamento, incluindo a dieta restritiva

entendida como prática prescritiva.

Assim sendo, recorrer ao estudo de representações sociais para investigar as

significações da dieta para crianças em tratamento de saúde é reconhecer que o

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desenvolvimento infantil se dá em uma íntima relação com a circulação de representações

sociais. Este discurso que envolve sintomas, diagnóstico e tratamento revela à criança um

projeto de vida ao qual ela atribui sentido a partir do reconhecimento de si nesse processo. Neste

contexto, criam-se também expectativas sociais em torno desse potencial da criança,

impactando, por conseguinte, nas práticas educativas, sejam elas voltadas para a dependência,

seja para o autocuidado.

O desafio desse estudo está em compreender de que forma a criança em

acompanhamento ambulatorial interage com discursos carregados de expectativas sociais

orientadas sobre e para ela, a partir do diagnóstico. Esse entendimento, exige um processo de

investigação sensível à dimensão intersubjetiva e intrasubjetiva, ambas pensadas em níveis inter

e intrapsicológico. Tal processo sugere um olhar dicotômico que permita ao pesquisador,

simultaneamente, considerar o conteúdo das representações sociais suscitadas no contexto do

adoecimento crônico, bem como lançar um olhar atento para seus processos de formação. Essa

ideia é útil para se entender que, no plano subjetivo, também há negociação e elaboração de

representações sociais, uma vez que estas atravessam o nível inter, intra e transsubjetivo.

Deste modo, ao se privilegiar o nível subjetivo das relações infantis, considera-se que

a todo momento, a criança está interagindo com representações sociais, e que no tocante à sua

gênese, estas se formam a cada novo processo de ancoragem e objetivação. Estes processos

geradores de RS, por sua vez, são acessados a partir de pontos de tensão comuns nas interações

sociais. Portanto, admite-se que o desenvolvimento da criança é atravessado por representações

sociais compartilhadas que circulam nos ambientes e em seus grupos de pertencimento de tal

modo que, muitas vezes, a criança se apoia nessas representações como elementos orientadores

da sua forma de interpretar a realidade ou sua forma final de desenvolvimento.

A complexidade desse processo de origem das representações sociais permite estudá-

la em três planos de abrangência: microgênese, sociogênese e ontogênese. De acordo com os

estudos de Duveen e Lloyd (2008), esses planos são definidos com o foco em dimensões

específicas da gênese das RS, seja ela relacionada com a história cultural de uma sociedade, ou

na relação com o ciclo de vida a partir da história pessoal do indivíduo, ou ainda em fragmentos

sucessivos relacionados às relações interpessoais específicas:

Sociogênese – envolve um processo de construção histórica das representações sociais

com foco nas transformações apresentadas ao longo dessa história;

Ontogênese – sinaliza que as representações sociais são concebidas como o percurso do

indivíduo em seu próprio curso de vida, no qual define seu desenvolvimento do

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nascimento à morte. Neste plano, o que importa são as influências acerca do que o

indivíduo consegue fazer em cada etapa do desenvolvimento no que tange à sua história

pessoal, que se refere a um processo, mediante o qual, cada indivíduo se apropria do

conhecimento da cultura do grupo a fim de se tornar ator social;

Microgênese – destaca a construção de RS nas interações sociais, nas situações de

conflito, nos processos dialógicos sucessivos que compõem a história de uma

determinada interação interpessoal.

Considerando a abordagem ontogenética das RS como foco desse estudo, é possível

formular questionamentos do tipo: de que forma as crianças, sujeitos dessa pesquisa, elaboram

hipóteses em relação à dieta, ao estilo de vida e acerca si mesmas? Como as crianças interagem

com o discurso médico e familiar, entendidos como sistema de comunicação em um processo

que envolve sintomas, diagnóstico e tratamento?

Chama a atenção neste processo, a dinâmica de influências do universo reificado e do

senso comum que se apresentam à criança no contexto de adoecimento, fundidos no caráter

prescritivo do discurso médico voltado à noção de autocuidado, mas que delega à família a

função de desenvolver essa rotina de estratégias que favoreça o autocuidado expresso nas

prescrições do tratamento.

Deste modo, torna-se útil o trabalho de Castorina (2010), que se propôs a investigar

algumas obras de Gerard Duveen a partir da relação entre perspectivas da Teoria das

Representações Sociais (TRS) e da Psicologia do Desenvolvimento (PD). O autor identificou

como fio condutor dos trabalhos de Duveen a investigação de processos pelos quais crianças

assimilam significados compartilhados em seus grupos de pertencimento, adquirindo, assim,

identidade social que no decorrer do processo os caracterizam como atores sociais. Acrescenta

também que cada ator social tem uma história social que influencia e constitui sua individuação

em um processo denominado por ele de Ontogênese das Representações Sociais.

Castorina (2010), sinaliza que com intuito de estudar a ontogênese das Representações

Sociais, Duveen investigou aproximações na relação entre a Pisicologia Histórico-Cultural de

Vigotski e a Teoria das Representações Sociais de Moscovici. O autor identificou nesta

conexão diálogos que favorecem estudos da origem genética e psicológica do ser humano. Esta

aproximação é aplicada com criatividade, tanto na produção teórica, como nos estudos

empíricos de Duveen.

Neste contexto, Castorina (2010) evidencia o interesse de Duveen pelo processo de

internalização de Vigotski, entendido por ele como um processo ativo que permite aos

indivíduos se apropriarem de elementos externos a eles, ou seja, o sujeito constitui sua

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subjetividade em um movimento dialético de interações sociais por meio de instrumentos

culturais.

O processo de internalização na teoria histórico-cultural segundo Prestes (2012) refere-

se a um movimento de reconstrução interna de uma operação externa que consiste em

transformações sistematizadas. Nesse processo, a autora destaca a função mediadora dos signos

expressa na aquisição da linguagem, tal aspecto, define as funções especificamente humanas

no plano ontogenético. Nessa lógica, entende-se que tudo que é interno constituído como função

mental superior, foi antes uma relação social entre duas pessoas, e, nessa linha argumentativa,

a criança é concebida como um ser ativo em suas relações com o meio e o acesso à significação

dos objetos culturais se manifestam por intermédio da relação com o outro (PINO, 2005, p. 67).

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) ou Zona de

Desenvolvimento Iminente, como sugere Prestes (2010), amplia essa discussão que evidencia

uma relação entre o social e o individual. Trata-se de um conceito emblemático traduzido nos

estudos de Duveen como uma relação em que a criança é apresentada na condição de aprendiz

que adquire conhecimento cultural mediante a participação social, quando guiada por alguém

mais experiente. Nesses termos, o conceito de ZDP é citado como exemplo para explicar de

que modo os indivíduos se apropriam de heranças culturais em uma relação mediada por signos.

Castorina (2013), por seu turno, também contribui com essa discussão e demarca que

a passagem do nível social para a esfera individual pode ser ainda mais dialética do que o

processo de internalização de Vigotski. O autor encontra, em alguns textos de Duveen,

contribuições relevantes que reforçam essa ideia e recorre à mediação da identidade social. Tal

compreensão é entendida como estrutura de diferenciação de grupos e indivíduos, de tal modo

que cada representação de grupo permite diferentes tomadas de posição oferecidas por

identificações diversas. Castorina (2010) destaca como mediação da identidade social, a postura

assumida pela criança ao fazer sua escolha por um, entre outros objetos culturais, ao optar por

um brinquedo especifico com o qual se identifica.

Nesses termos, Castorina (2010) reconhece também o empenho de Vigotski e seus

discípulos em investigarem o processo pelo qual instrumentos culturais externos tornam-se

internos com particularidades inerentes a cada indivíduo, por meio de interações sociais.

Portanto, não se trata de um simples movimento de tornar interno o que a princípio era externo

ao indivíduo. Com isso, Castorina (2010) avança essa etapa da discussão e acrescenta que

Duveen, ao reconstruir a ontogênese das RS, permitiu que se pensasse em um processo no qual

crianças e adultos, ao se depararem com RS que circulam em seus grupos de pertencimento,

possam interagir com essas representações em um processo de negociação em que cada

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indivíduo elabora novas representações em um movimento de transformação de RS que os

caracteriza como atores sociais.

1.4 Um pano de fundo para o estudo das significações infantis em cena: adesão

ao tratamento – adesão representacional

No contexto deste estudo, a criança é concebida como um ser ativo no processo de

interações sociais junto a seus grupos de pertencimento, e, portanto, em suas relações se

manifestam dimensões atitudinais, comportamentais, cognitivas e emocionais. Trata-se, por

conseguinte, da existência de relações mediadas que envolvem natureza e cultura e que

influenciam o modo de a criança interpretar sua realidade ou construí-la.

Nesta construção social da realidade, o processo de significação entendido como forma

de interpretar a realidade possibilita a aproximação entre fenômenos de representações sociais

e a noção de adesão representacional, considerando as suas condições de emergência (distorção,

focalização e pressão para inferências), as suas funções, sobretudo, a identitária e a de

resistência ou mesmo a de orientação de conduta acerca da qual recaiu o interesse das áreas

aplicadas, tais como saúde e educação.

Esta consideração se baseia no pressuposto, segundo o qual, as representações

compartilhadas construídas nas relações interpessoais e intergrupais e o nível de adesão

atribuído a elas interfere nos comportamentos e ações ligadas à saúde e busca de bem-estar.

Deste modo, pode-se pensar que o estudo de significações infantis evidencia aspectos que

influenciam esses níveis de adesão a determinadas representações, de modo que a adesão

representacional se configura como elemento importante para o estudo da adesão ao tratamento,

uma vez que reconhece a participação ativa e criativa dos sujeitos na constituição das cognições

e na orientação de práticas de saúde.

1.4.1 Adesão ao tratamento

Os estudos de adesão destacam que, embora a adesão ao tratamento esteja associada à

ideia de adesão a medicamentos, as discussões realizadas demonstram que se trata de conceitos

mais amplos e complexos. As contribuições de Gusmão e Mion (2006) em relação ao tema

evidenciam que na área da saúde o termo adesão engloba numerosos comportamentos e envolve

também fatores socioeconômicos, pacientes, familiares, equipe de saúde e níveis de

adoecimento, entre outros elementos.

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Esses autores apresentam outras terminologias utilizadas como sinônimos de adesão:

aderência, observância, complacência, fidelidade e compliance. Este último termo é utilizado

para designar aspectos de confiança no tratamento que se estabelece na relação entre médico e

paciente e se configura no cumprimento das prescrições médicas: “Compliance seria a

“obediência participativa, ativa, do paciente à prescrição médica” entendendo-se por prescrição

não apenas de medicamentos, mas também de todos os demais cuidados ou providências

recomendadas pelo médico ou outro profissional de saúde” (GUSMÃO; MION, 2006, p. 24).

Segundo a OMS (2006), o conceito de adesão ao tratamento de doenças crônicas

compreende um conjunto de ações comportamentais de uma pessoa representados na ingestão

de medicamentos, seguimento de uma dieta, e que se adequam a mudanças no estilo de vida,

em concordância com as orientações de um médico ou outro profissional da saúde.

Quando se trata de analisar o fenômeno de adesão, verifica-se unanimidade no

reconhecimento das dificuldades relacionadas tanto ao processo de adesão ao tratamento,

quanto em mensurar níveis de adesão. A essas dificuldades somam-se mudanças observadas

nas últimas décadas no contexto de saúde e doença que desencadearam o desenvolvimento de

múltiplas abordagens, que, para atender novas demandas, visam garantir o engajamento de

pacientes com diagnóstico de doenças crônicas em tratamentos terapêuticos de longa duração

(OMS, 2006).

Os estudos atinentes à adesão ao tratamento de doenças crônicas, que por tradição,

apresentavam referências orientadas à população adulta, também têm apresentado mudanças

observáveis na literatura, expressas em trabalhos que utilizam indicadores direcionados às

crianças e adolescentes. Porém, segundo dados da OMS (2006), os estudos referentes à adesão

ao tratamento na infância priorizam a percepção dos pais e redes de apoio da criança (OMS,

2006).

No entanto, ainda que os progressos na área de saúde sejam visíveis, a adesão a

tratamentos, de um modo geral, continua preocupante, não sendo diferente nas síndromes

nefróticas, cujo tratamento envolve complexidade. Isso se verifica desde o diagnóstico, uma

vez que as doenças renais podem manifestar-se sob diversas formas clínicas: sintomáticas,

assintomáticas e também em doenças extra renais, como edema, hipertensão arterial ou em

decorrência do diabetes e doenças cardiovasculares, entre outras (BARROS et al., 2006).

Assim, a Síndrome Nefrótica (SN) é explicada como uma manifestação clínica de

doenças renais de causas múltiplas. Essa particularidade, inclusive, é útil para se entender o

termo “Síndrome Nefrótica” utilizado indistintamente pelas crianças em tratamento de doenças

renais crônicas. O diagnóstico pode ser estabelecido em diversos níveis que inicialmente agrupa

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os dados clínicos em síndromes: “Conjuntos de sintomas comuns a várias doenças (diagnóstico

sindrômico); posteriormente, aprofunda-se a investigação, procurando a doença responsável

por aquele quadro clinico (diagnóstico etiológico)” (BARROS et al., 2006, p. 32).

A adesão ao tratamento, total ou parcial é um aspecto fundamental para o êxito no

tratamento de doenças crônicas, porém, identificar níveis de adesão envolve processos

complexos. Neste sentido, Gusmão e Mion (2006) propõem uma discussão em torno de

conceitos gerais ligados ao termo adesão ao tratamento com ênfase às especificidades

envolvidas no aspecto comportamental e emocional despertado pelo estado de adoecimento,

principalmente, no caso de crianças.

Assim, para este estudo que se propõe a estudar significações infantis acerca da dieta

restritiva, a emissão de comportamentos favoráveis ou não à adesão, seriam a resposta visível

para se compreender o processo de construção de realidades infantis. Deste modo, a partir de

significados compartilhados nos grupos de pertencimento desses sujeitos pretende-se identificar

redes de RS que podem atravessar tais significações. No campo da saúde, os estudos de RS

permitem a compreensão de como um grupo de pessoas pensam e se posicionam ao se deparar

com uma doença, ou mesmo como se comportam quando se deparam com práticas preventivas

A pertinência dos estudos de RS para áreas aplicadas da saúde e da educação, tanto no

sentido da intervenção, como no sentido da promoção de mudanças sociais remete à noção de

adesão representacional. Os estudos de Camargo e Bousfield (2011) destacam a necessidade de

se considerar a relação estabelecida entre atitudes e comportamento e também a relação entre

representações sociais e comportamento, a partir do nível de engajamento às práticas

preventivas e também de saúde, das quais a dieta restritiva faz parte.

1.4.2 Adesão representacional

A partir do diagnóstico da doença renal crônica, a dieta hipossódica é introduzida como

uma prática de saúde na rotina de muitas crianças. Nestes casos, o discurso médico apresenta a

essa população uma rede de significados, ancorado no saber científico, que, em tom prescritivo,

anuncia novas representações a serem incorporadas pela criança e sua família, provocando, por

conseguinte, impacto na forma pela qual elas reconhecem o outro, a si mesmo e orientam seu

estilo de vida ao considerar sua realidade a partir de um diagnóstico.

Ao ser analisado pela perspectiva das representações sociais, o impacto do fenômeno

de adesão considera a não familiaridade do adoecimento, do discurso médico a respeito da

doença e tratamento prescritivo. Portanto, a atuação dos processos de resistência ao discurso

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científico que normatiza o modo de ser e estar no mundo, a seleção dos conteúdos levados em

consideração pelos mecanismos da defasagem, distorção, focalização da informação, dentre

outros, são processos que, ainda que não sejam o foco desse estudo, evidenciam elementos que

justificam o estudo de adesão representacional a partir do estudo de significações infantis.

Com base nas investigações referentes à adesão, é possível reconhecer nas reflexões

apresentadas, que a complexidade deste conceito na área da saúde se revela nas múltiplas

relações envolvidas, que estão para além da esfera biológica, implicando também na

experiência de vida, na subjetividade do modo de pensar e agir do sujeito diante do processo de

adoecimento que lhe apresenta novas representações acerca da saúde e doença que podem afetar

sua constituição identitária.

Essas novas representações relacionadas à saúde e doença favorecem diálogos entre a

função de resistência das representações sociais e o fenômeno de adesão, a partir do pressuposto

de que existe uma realidade social constituída em redes de significados compartilhados em

grupos. Essa realidade social, em condições históricas e culturais específicas, permite que o

sujeito, ao se deparar com novas representações que afetem sua constituição identitária, possa

aderir ou resistir a elas, de acordo com sua capacidade de criação e reprodução, influenciando

e sendo influenciado por essa mesma rede, que compõe o tecido da sua realidade atual.

Neste contexto, quando se trata de RS compartilhadas em grupo, considera-se que cada

pessoa expressa o sentido de uma RS a partir de suas crenças acerca de determinado objeto.

Camargo e Bousfield (2011) acrescentam que, em um processo de adesão, o que está em jogo

ao se compartilhar RS é a aproximação entre RS e crenças individuais. Nesta discussão, os

autores supracitados destacam que na aproximação entre RS e crenças individuais, a relação

entre o social e o individual se revela em uma linha tênue, ainda mais se for considerado que

inicialmente as crenças adotadas por um indivíduo pertencem à esfera social e cultural em que

ele se constitui.

Para Camargo e Bousfield (2011), quanto a este movimento que demarca limites entre

o individual e o social, a pergunta a ser feita é: as pessoas constroem RS a respeito de um objeto

ou reconstroem RS dadas anteriormente?

Em resposta a esta pergunta, os autores citados apresentam um exemplo prático para

explicar a natureza social das representações sociais. Para isso, tomam como referência um

mesmo objeto, no caso, saúde aplicado à duas pessoas que declaram aceitação aos mesmos

conceitos para defini-la. Deste modo, ambos podem concordar que saúde é ausência de doença

ou um estado de bem-estar físico psíquico e social. Tal conceito pode também estar associado

a educação alimentar e prática de atividade física e mental, entre outras. Porém, uma delas pode

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ter atitudes favoráveis a esse modelo de saúde por fazer parte de suas crenças e sistema de

valores, enquanto que a outra pessoa pode ter atitudes, também com base em seu sistema de

crenças, que colocam na frente do objeto saúde o objeto prazer, defendendo que prefere viver

15 anos bebendo, fumando, comendo o que gosta e praticando sedentarismo a viver 30 anos

sem beber, sem fumar e convivendo com dietas e remédios.

Provavelmente, o comportamento dessas duas pessoas com relação aos níveis de

adesão às práticas de saúde (dieta, atividade física, remédios, etc.) serão muito diferentes. Essa

diferença é marcada pela atitude norteadora de comportamentos em relação ao objeto

representacional “saúde” e também quanto ao nível de adesão às ideias compartilhadas.

Portanto, compartilhar uma RS não é o mesmo que aderir às práticas relacionadas a

representação compartilhada: “Assim, pensa-se necessária a reflexão sobre um modelo teórico

que conjugue conceitualmente representações sociais e práticas, tanto na dimensão social como

na individual” (CAMARGO; BOUSFIELD; 2014, p. 274).

O estudo da adesão representacional proposto por Camargo e Bousfield (2011) pode

ser explicado como um processo de adesão no qual são considerados níveis de adoção de ideias

pertencentes a determinadas representações e também às práticas vinculadas a essas

representações, em um processo que envolve intenções crenças e níveis de engajamento do

sujeito. Os autores destacam a necessidade de se considerar a relação estabelecida entre atitudes

e comportamentos e a relação entre representações sociais e comportamento no conceito de

adesão representacional.

No que tange ao primeiro, tem-se que atitude seria um dos elementos que guiam um

comportamento entendido como ação pública, sendo que, a relação entre os dois conceitos nem

sempre ocorre devido à ausência de especificidades entre eles. A atitude é reconhecida pelo

caráter avaliativo, cuja predisposição para uma determinada ação considera o ato em si e

possíveis influências subjetivas relacionadas à ação, nas quais as representações acerca do

fenômeno se destaca: “A maior parte do tempo, cada um está convencido de que fala da

realidade das coisas, quando apenas exprime sua própria compreensão daquilo que percebe”

(ROUQUETE, 1994, p. 172 apud CHAMON, 2014, p. 118).

Portanto, percebe-se que a relação entre atitude e comportamento não se estabelece de

forma linear. Nos estudos relacionados aos construtos implicados na gênese das atitudes e

comportamentos, Campos (2005) cita Sekiguchi e Nakamuru (2011) que defendem a ideia de

que muitos preceitos normativos podem existir em uma sociedade, gerando inconsistência entre

ações públicas e pensamentos internos. Eles acrescentam que provavelmente essa

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inconsistência se deva ao fato das atitudes estarem vinculadas a um campo representacional

maior, exigindo uma leitura mais ampliada do processo.

Em sua obra de origem da TRS, Moscovici (1978; 2015) apresenta a atitude como a

mais frequente das três dimensões das RS: atitude, informação e o campo. Em um diálogo com

Moscovici (2015), Ivana Marcová, entende que: “[...] adquirir uma atitude para com um objeto

significa que você deve ter uma representação desse objeto, que é parte de seu conhecimento

cultural, ou do conhecimento popular, como também parte de sua cognição – [...] imagens,

emoções, paixões, crenças e assim por diante” (MARCOVÁ, 2015, p. 318). Essa explicação se

justifica nas tendências naturais o ato de simpatizar-se com algumas pessoas ou objetos e não

com outras.

Neste sentido, Jesuino e Nascimento (2003) entendem que existe uma relação de

interação entre atitude e representação social, uma vez que ambas atuam como unidade de

moderação de reciprocidade entre sujeito e objeto. Porém, consideram que a atitude se forma a

partir de ações diretas, enquanto que a representação social é construída, principalmente, nos

discursos que circulam em determinados grupos, admitindo formas diferentes de representação

de um mesmo objeto como fenômeno social.

Na perspectiva aqui apresentada, a TRS integra e complementa o conceito tradicional

de atitude. “Enquanto que a atitude, pelo menos na sua formulação corrente, ancora em

processos predominantemente individuais, a representação social tem raízes

predominantemente sociais, ainda que moduladas pelas especificidades idiossincráticas”

(DOISE, 1985 apud JESUINO; NASCIMENTO, 2003, p. 137).

Na medida em que uma RS prepara para uma ação, ela não se expressa somente em

guiar um comportamento, pois sua atuação ampliada se estende à preparação do ambiente,

adequando condições favoráveis à emissão do comportamento: “Ela consegue incutir um

sentido ao comportamento, integrá-lo numa rede de relações em que está vinculado ao seu

objeto, fornecendo ao mesmo tempo as noções, as teorias e os fundos de observação que tornam

essas relações estáveis e eficazes” (MOSCOVICI, 1978, p. 49).

Deste modo, considera-se que uma articulação entre atitude e RS envolve o aspecto

individual das atitudes e a dimensão coletiva das RS, ou seja, a atitude está mais próxima das

modulações singulares, das zonas do sentido, e é anunciada como um dos elementos que

compõe as representações sociais. Estas, por sua vez, de acordo com Moscovici (2015) assume

maior complexidade, sendo inscrita como processo e produto forjados nas interações sociais,

atuando como um terceiro fator a intervir na relação com o outro ou com o objeto.

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Moscovici (2015) entende que a maioria das definições de atitude mostra o interesse

em estudá-la como uma espécie de pré-comportamento que permite predizer o comportamento

e obter controle sobre ele. O autor esclarece que: “As atitudes não expressam conhecimento

como tal, mas uma relação com certeza e incerteza, crença ou descrença, em relação a esse

conhecimento. Pode-se falar também sobre uma atitude em relação a um objeto, uma pessoa,

um grupo [...]” (MOSCOVICI, 2015, p. 318).

Doise et al. (2003) apud Nóbrega (2003), confirmam o caráter flexível das RS que

abarca várias instâncias sem se restringir a elas, uma vez que elas permitem que se considerem

fenômenos concretos, imagens, opiniões, crenças ou atitudes como artefatos do tecido

anatômico das representações sociais, de tal modo que: “[...] somente adquirem estruturação

lógica no entrelaçamento dos vínculos entre estes elementos, o que possibilita a atribuição de

significação aos processos psicossociais” (NÓBREGA, 2003, p. 59).

Neste contexto, entende-se que o ser humano, ao nascer, encontra um “mundo de

representações” constituído na perspectiva da relação com o outro, e assim, as representações

sociais atuam em uma espécie de dimensão normativa, definindo o que pode e o que não pode

ser considerado na rede de significados compartilhados a respeito de determinado fenômeno.

Deste modo, quando se entende como um grupo pensa e se organiza, compreende-se os valores

simbólicos do grupo e como ele se comporta, organiza, significa e interpreta a realidade (rede

de significações).

Portanto, as representações sociais seriam o principal aspecto a ser considerado quando

se busca entender as relações entre o individual e o coletivo. Apesar de o conhecimento de

representação ser construído coletivamente, os membros do grupo lidam com ele

diferentemente, seja devido à influência de suas vivências anteriores ou do lugar que ocupam

no grupo, ou ainda das condições ambientais que modulam as relações intergrupais.

Deste modo, compreende-se que, em uma investigação que vise identificar redes de

significados compartilhados a respeito de um fenômeno para determinado grupo e que

privilegie a dimensão subjetiva das relações, não se pode ignorar que essas significações são

atravessadas por RS compartilhadas nesses ambientes e grupos de pertencimento.

Nesta perspectiva, o estudo poderá identificar processos de adesão às representações

sociais que circulam nos discursos, levando em consideração as vivências singulares e práticas

assumidas em contextos específicos:

As ideias cotidianas, partilhadas e construídas na experiência da interação entre as

pessoas, e o grau de adesão que os indivíduos conferem a elas, interferem nos sistemas

de comportamentos e ações que dizem respeito aos cuidados com a saúde e a busca

do bem-estar. (CAMARGO; BOUSFIELD; 2014, p. 264)

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Ainda em relação a aderir ou resistir a novas RS, considera-se que o domínio racional

do discurso científico e circunstâncias ou relações sociais que denotem algum tipo de pressão

social como forma de poder, favorecem a formação de representações sociais que se constituem

como forma privilegiada de resistência. Para explicar esse processo, tomando como referência

as crianças que foram ouvidas nessa pesquisa, e a dieta hipossódica como objeto

representacional, tem-se que os significados da dieta compartilhados por essas crianças são

atravessados de RS do discurso médico, familiar e outros grupos de pertencimento destas

crianças onde circulam representações acerca da dieta.

Neste contexto, ao se investigar a significação da dieta restritiva para crianças em

tratamento ambulatorial é possível identificar tendências entre a prática da dieta e a

representação dessa prática, considerando a ação direta atitudinal e a representação dessa ação

presente nos discursos. Por conseguinte, há indícios de que ambas atuam em uma mediação de

reciprocidade na relação da criança com a dieta. Essa dinâmica, na qual se desenvolve a

negociação de sentidos, configura-se em campo fértil para a análise de significações infantis.

De acordo com os estudos de Andrade (2014), a TRS pode ser útil para o estudo a

respeito da infância, na medida em que reforça as dimensões reprodutiva e criativa do

desenvolvimento, conforme descritas por Vigotski (2010). Portanto, vê-se que a criança não se

restringe à adaptação ao sistema de pensamento, crenças e valores, mas também cria hipóteses

em relação ao mundo, com base nas representações sociais compartilhadas em seu grupo de

pertencimento e esse exercício de leitura da realidade pode ser considerado fonte de influência

social (ANDRADE, 2014).

Logo, frente às prescrições médicas, a criança diagnosticada pode aderir às RS

veiculadas pelo discurso médico, distorcê-las ou mesmo resistir. Assim, destaca-se o potencial

criativo presente nos processos de significações e que podem contribuir para a construção de

representações sociais compartilhadas em grupos de pertencimento, seja no interior da família

ou mesmo no interior da pediatria como identificado por Carrijo (2013) no episódio da diluição

da urina na água, para fins de exame, por duas crianças que se encontravam hospitalizadas para

tratamento de síndrome nefrótica.

Deste modo, tem-se que os significados da dieta restritiva compartilhados pelas

crianças em acompanhamento ambulatorial, neste estudo, evocam diferentes representações

que dialogam com a produção de sentidos atribuídos a partir de suas vivências singulares. Esta

dinâmica se configura tendo em vista o duplo cruzamento entre o individual e o social

anunciado por Moscovici (2015).

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Portanto, comportamentos de adesão ou discordância a um tratamento são observados

em diferentes níveis e no caso específico desse estudo se apresenta diretamente relacionado às

redes de significados compartilhados socialmente, implicados na significação da dieta restritiva

como fator de influência no processo de adesão ao tratamento de doenças crônicas.

Além disso, uma investigação em campo subjetivo, que considera que neste nível

também há negociação, elaboração e reelaboração de RS, há de levar em conta também que a

constituição do sujeito acontece a partir de relações sociais que emergem em um contexto

histórico e cultural específico. Ou seja, um sujeito se constitui à medida em que atribui sentido

a um fenômeno, que no caso deste estudo, trata-se da dieta restritiva. Assim, ao atribuir sentido

à dieta, o sujeito constrói representações acerca desse fenômeno, mediante suas vivências em

seu meio social.

A problemática da adesão no contexto de doenças crônicas se tornou critério

fundamental na prescrição de tratamentos eficazes que envolvem intenções e níveis de

engajamento às práticas prescritivas. Portanto, definir níveis de adesão requer investigação

minuciosa dos multifatores envolvidos no processo. Neste contexto, a Teoria das

Representações Sociais tem contribuído para o acesso a formas e conteúdo de construções

coletivas, transpondo barreiras individuais, abordada como uma teoria sem fronteiras que atua

igualmente no campo da Psicologia, Saúde e Educação, entre outras.

Camargo e Bousfield (2014), ao investigarem um modelo explicativo da relação entre

representações sociais e práticas relativas à saúde, acrescentam elementos importantes para o

desenvolvimento dessa pesquisa que considera a adesão representacional como uma hipótese

que favorece o processo de adesão ao tratamento. Nessa discussão, segundo estes autores, a

adesão representacional é considerada como um fenômeno que identifica nos pontos de tensões

individuais, representações que afetam um determinado grupo, fazendo com que manifestem

atitudes norteadoras de comportamentos, de adesão a um objeto representacional específico.

Deste modo, recordando o caráter coletivo das representações sociais e sua atuação

nos grupos por meio de um processo contínuo de ancoragem e objetivação, entende-se que elas

podem interferir na formação desses grupos e subgrupos, estabelecendo, inclusive, níveis de

adesão, definindo um consenso nos contextos cotidianos da criança. Portanto, o estudo das

representações sociais oferece referencial metodológico interpretativo, tanto para tornar visível

as representações de um grupo, como também para torná-las acessíveis como formas de práticas

sociais.

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2 REVISÃO DE LITERATURA: ADESÃO AO TRATAMENTO NA

INFÂNCIA

Ao se investigar processos de significações infantis relacionadas à dieta restritiva, a

busca por trabalhos na literatura que dialogassem com este estudo foi de suma importância.

Considerando a dinâmica das pesquisas cientificas que apresentam novidades em um ritmo

relativamente rápido, optou-se por considerar trabalhos dos últimos 5 anos. Deste modo,

inicialmente foi realizada uma busca por meio de protocolos no Banco Virtual em Saúde (BVS)

a partir de três descritores de termo: adesão à dieta, adesão ao tratamento e adesão ao

tratamento na infância.

2.1 Primeira etapa da revisão, critério de inclusão: limite de tempo, diagnóstico e

tipo de estudo

Os primeiros trabalhos selecionados direcionaram novas busca nos Repositórios

institucionais (RI) das universidades de origem, e os critérios de inclusão delimitaram buscas

que consideraram a data do documento, entre 2010 e 2016; tipo de trabalho: Mestrado e

Doutorado; diagnóstico de base doenças renais crônicas ou decorrentes de outras patologias

como Diabetes Mellitus ou Hipertensão entre outras.

Para a busca nos Repositórios Institucionais, limitou-se ao recorte de seis

universidades por contemplarem eixos de pesquisas que dialogam com esse estudo:

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal da Bahia (UFBA),

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade de Brasília (UnB), Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Os trabalhos encontrados que contemplam os critérios de inclusão acima citados foram

apresentados no quadro a seguir:

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Quadro 1 - Trabalhos de Mestrado e Doutorado selecionados – 2011 – 2016 a partir dos descritores

Ano Tipo de

trabalho

Autor Título Universidade

Descritor: Adesão à dieta

2016 Doutorado em

Psicologia

*Ana Maria Justo Corpo e representações sociais:

sobrepeso, obesidade e práticas de

controle de peso

Universidade

Federal de Santa

Catarina Descritor: Adesão ao tratamento

2014 Mestrado em

Enfermagem **Thais Silva

Pereira Campos

Percepções das pessoas com diabetes

mellitus acerca da doença e das

complicações crônicas

Universidade

Federal de Santa

Catarina Descritor: Adesão ao tratamento na infância

2014 Mestrado em

Enfermagem

Maria de Lourdes

Rodrigues

Pedroso

Compreensões de famílias de crianças

hospitalizadas vivendo com doenças

crônicas: trajetórias de cuidado

Universidade

Federal de Santa

Catarina

2014 Mestrado em

Enfermagem

Maribel Cristina

Weschenfelder

A experiência da família ao conviver

com a criança e o adolescente com

insuficiência renal crônica: desvelando

novas possibilidades de cuidar em

enfermagem

Universidade

Federal de Santa

Catarina

2015 Mestrado em

Psicologia

Juliana Prytula

Greco Soares

Diabetes Mellitus tipo 1 na adolescência:

Adesão ao tratamento e qualidade de

vida

Universidade

Federal do Rio

Grande do Sul

2016 Mestrado em

Psicologia

Luciana Martins

Saraiva

Experiência de tratamento da fibrose

cística na perspectiva da família e equipe

multidisciplinar

Universidade

Federal de Santa

Catarina

Fonte: elaboração da autora

Dentre os trabalhos encontrados, foram destacados e marcados com asteriscos

respectivamente os estudos que retratam a adesão à dieta e a adesão ao tratamento. A partir da

leitura dos resumos dos trabalhos selecionados, foram identificados diálogos possíveis com este

estudo que investiga significações infantis a respeito da dieta restritiva. Assim, a leitura dos

trabalhos descrita a seguir, adota a sequência apresentada no quadro acima.

Ao estudar as representações sociais relativas ao corpo, Justo (2016) descreve

características da obesidade e apresenta dados estatísticos que permitem estudar a obesidade

como doença crônica, na qual, a dieta alimentar é considerada como desafio. Na investigação

do autor citado as representações sociais relativas ao corpo que atravessam os significados da

dieta intercalam significações que revelam, simultaneamente, a dieta como tratamento de saúde,

bem como uma prática associada à ideia de estética corporal, ambas expressas em redes de

significações indissociáveis.

Assim, percebe-se que neste ponto há convergências no que se refere às práticas de

saúde, no caso da dieta alimentar, pela polaridade dos discursos que envolvem alimentação: “O

alimento é imbuído de significados simbólicos, que estabelecem e expressam relações sociais

e as crenças a eles relacionadas são difíceis de se modificar, mesmo quando interferem na

nutrição adequada” (JUSTO, 2016, p. 65).

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Estudos relacionados à adesão ao tratamento, nos quais se insere a dieta restritiva,

evidenciam a importância de se investir em um processo de educação em saúde que priorize

abordagens dialógicas convergentes às demandas de cada pessoa. Neste sentido, Campos

(2014) evidencia a falta de informação acerca do diagnóstico e do tratamento como a principal

barreira de adesão às práticas de saúde. O autor destaca neste contexto, à dieta restritiva e

exercícios físicos como principais práticas prescritivas que influenciam no processo de adesão

ao tratamento de doenças crônicas.

Nesta seara, a trajetória de cuidados direcionados à criança que convive com os

sintomas de doenças crônicas, reforçam questões emocionais implicadas no processo de adesão

ao tratamento na infância, na perspectiva de seus familiares: “O cuidado prestado pela família

da criança que vive com doenças crônicas acontece, muitas vezes, em meio a dificuldades

socioeconômicas e com poucos auxílios; possui significação ligada ao zelo, ao amor e à

incessante espera pela cura” (PEDROSO, 2014, p. 08).

Weschenfelder (2014), sinaliza que o tratamento de doenças renais crônicas é

sustentado por um tripé composto pela diálise, ingestão de medicações e seguimento de dieta.

O autor destaca que para o êxito do tratamento este tripé precisa ser seguido

concomitantemente, considerando neste contexto que, uma prática complementa a outra.

Na investigação de Soares (2015), a dieta é citada entre as primeiras variáveis que

interferem no processo de adesão e às práticas educativas voltadas ao autocuidado no

tratamento de doenças crônicas. Desta forma os estudos de significações infantis acerca da dieta

contribuem para se pensar em práticas educativas que contribuam à adesão ao tratamento

segundo esta autora.

O estudo de Saraiva (2016), sobre adesão ao tratamento na infância, investigou a

condição de adoecimento crônico infantil, na perspectiva da família e da equipe de saúde. Nessa

lógica, emergiram duas categorias de representações que circulam nos grupos de pertencimento

desta criança em tratamento de saúde e que influenciam na sua forma de interpretar sua

realidade atual de adoecimento.

Como resultado, na perspectiva dos familiares, sobressaíram questões emocionais que

segundo o autor citado, pode estar relacionado à falta de informação sobre o diagnóstico da

criança. Neste contexto, Saraiva (2016) observou que ao demonstrar conhecimento

fragmentado e ambivalente com relação às informações concernentes à doença, os familiares

demonstraram pontos de tensões geradores de emoções intensas, sobre as quais se desenvolvem

as relações e ações para o tratamento da doença.

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Nas perspectivas da equipe de saúde, os resultados evidenciaram ações permeadas de

dificuldades geradas em torno da comunicação, tanto com a criança como com os familiares.

Na tentativa de acolher a singularidade de cada diagnóstico observou-se que existem barreiras

representadas entre o desejo de acolher as demandas emocionais suscitadas, e limitações, tanto

de recursos pessoais, como institucionais.

Em suma, os trabalhos encontrados na literatura, e aqui destacados, se propuseram a

investigar níveis de adesão fatores de influência, qualidade de vida, todos associados ao

tratamento de doenças crônicas. No entanto, tais estudos divergem na perspectiva considerada,

seja a da criança, dos familiares ou dos profissionais de saúde que juntos compõem histórias de

adoecimento singulares. Em cada um deles, a dieta alimentar, a nutrição adequada, o controle

metabólico, entre outras formas de expressar restrição alimentar, são citados, com maior ou

menor destaque, às vezes, porém, com notável recorrência em situar a dieta como uma prática

difícil e complexa, porém, necessária e que influencia no processo de adesão ao tratamento.

2.2 Segunda etapa da revisão de literatura por assunto: adesão ao tratamento de

doenças renais crônicas

Nesta etapa foram retirados os critérios que delimitaram tipo de estudo, sendo

selecionados, além de teses e dissertações, artigos originais, obtidos nas bases de dados da

Biblioteca virtual em Saúde (BVS), no portal Scientific Eletrônic Library online (SciELO) e

revistas impressas, que foram selecionados a partir dos resumos que atenderam ao objetivo

deste estudo. Os resultados estão apresentados nos quadros dispostos na sequência.

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Quadro 2 – Distribuição de artigos selecionados por assunto: Adesão ao tratamento de doenças renais

crônicas

Ano Tipo de trabalho Autor Título Periódicos

2010 Artigo Pontieri e

Bachion

Crenças de pacientes diabéticos

acerca da terapia nutricional e sua

influência na adesão ao tratamento

Revista Ciência &

Saúde Coletiva

2011 Artigo Boas e Carvalho

et al.

Adesão à dieta e ao exercício físico

das pessoas com diabetes mellitus

Revista Texto &

Contexto

Enfermagem

2011 Artigo Fava et al. Educação em saúde e adesão ao

tratamento na perspectiva histórico

cultural

Revista Saúde e

Transformação

social

2011 Artigo Busnello et al. Intervenção Nutricional e o Impacto

na adesão ao tratamento em

pacientes com Síndrome Metabólica

Arquivos

Brasileiros de

Cardiologia

2015 Artigo Santos, Dammero

e Vaz.

Barreiras de adesão à dieta em

pacientes com diabete melito tipo 2:

uma revisão narrativa

Revista

Interdisciplinar

UNINOVAFAPI

Tais estudos são recorrentes em afirmar que a compreensão das variáveis que

influenciam no processo de adesão ao tratamento são pilares para se planejar práticas educativas

que promovam o autocuidado, ainda que estas variáveis sejam inúmeras e multidimensionais.

Porém, chama a atenção nestes estudos, o fato de que embora os argumentos entendidos como

barreiras de adesão, envolvam questões individuais familiares, emocionais e financeiras, a dieta

restritiva ilustra cada um desses aspectos.

Boas et al. (2011) avaliam que estimativas de não adesão ao tratamento chegam a 50%

ou mais, e estas altas taxas, segundo esses autores, estão relacionadas ao fato de que a

cronicidade gera demandas contínuas voltadas para o autocuidado. Entre estas demandas, os

autores destacam, as mudanças de comportamento relacionadas à dieta e à atividade física.

Com a proposta de pesquisar em que medida o investimento em técnicas de motivação

prévia interferem no processo de adesão ao tratamento, Busnello et al. (2012) identificaram nos

resultados apurados, que tal motivação favorece a orientação de práticas dietéticas, e estas, por

sua vez, foram identificadas como ferramentas ricas e de extrema importância para o processo

de adesão ao tratamento de doenças crônicas, e, mais especificamente, da síndrome metabólica.

Ainda concernente às variáveis que interferem no processo de adesão ao tratamento de

doenças crônicas, Bachion e Pontieri (2010) trabalham com a representação de sujeitos

autônomos e com habilidade para aceitar ou não as recomendações dos profissionais de saúde.

Com tais características, estes sujeitos atuam como participantes ativos no processo de adesão.

Para tanto, os autores destacam como estratégias de avaliação, fatores que se relacionam aos

conhecimentos, às percepções, às atitudes, aos medos e às práticas cotidianas em contexto

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familiar e comunitário. Tais fenômenos, por sua vez, se constituem em íntima ligação com as

crenças do sujeito.

Os autores citados concluíram, em suas análises, que ao receberem as prescrições do

tratamento, esse conteúdo é transmitido de modo unilateral no discurso médico ou de familiares,

e, assim, acaba por deixar lacunas, nas quais caberiam as orientações e diálogos que favorecem

a construção do conhecimento a respeito da realidade atual do sujeito. Ademais, eles reforçam

como barreiras de adesão abordagens inadequadas que não contemplam o sujeito em suas

especificidades como um ser biopsicossocial.

Em contrapartida, os trabalhos citados destacam a educação alimentar como

ferramenta que habilita o paciente a tomar decisões pautadas em dados técnicos e informações

científicas, pois desta forma, ele terá capacidade para traçar seus próprios objetivos para

melhorar o estado geral de sua saúde e da qualidade de vida. Enfim, Bachion e Pontieri (2010)

concluem que a educação seria o item primordial a fim de preparar o indivíduo para novas

realidades.

Os estudos de Fava et al. (2011) também contribuem para essa discussão e se inserem

no contexto desta pesquisa, ao discutir educação em saúde e adesão ao tratamento na

perspectiva Histórico-Cultural. Os autores sinalizam que as questões relacionadas à adesão ao

tratamento não se restringem ao biológico expresso na terapia de fármacos, e destacam a

importância de se estender um olhar à experiência de vida e a subjetividade que se revela no

modo de pensar e agir do sujeito diante do processo de adoecimento.

Deste modo, ao inserir a adesão ao tratamento no contexto Sócio histórico, Fava et al.

(2011) reforçam a complexidade envolvida neste processo e sua íntima relação com aspectos

culturais expressos em estilos de vida, hábitos, rotinas e rituais de vida. Logo, segundo a autora,

a adesão ao tratamento se constitui em um desafio que privilegia o contato pessoal entre equipe

de saúde, doente crônico e familiares, para então, estabelecer ações voltadas a um modelo de

educação em saúde que vise: “[...] desenvolver nas pessoas o senso de responsabilidade pela

sua própria saúde e pela saúde da comunidade a qual pertençam e a capacidade de participar da

vida comunitária de uma maneira construtiva” (FAVA et al., 2011, p. 82).

Neste sentido, os autores citados, conseguiram dialogar com os conceitos da Teoria

Histórico-Cultural que coadunam com este estudo, reconhecendo aspectos subjetivos

implicados no processo de adesão ao tratamento. Os autores sugerem um olhar voltado para

práticas educativas em saúde que visem despertar a autonomia e a responsabilidade dos

indivíduos para o autocuidado. Ao reconhecer nas práticas de educação em saúde a

emancipação do doente crônico enquanto sujeito histórico e cultural, o estudo evidencia a

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educação como eixo norteador destas práticas e estabelece diálogo entre psicologia, saúde e

educação.

Ainda sobre adesão ao tratamento de doenças renais crônicas, Damero e Santos et al.

(2015), no que tange a orientação alimentar, enumeram como função primeira dos profissionais

da nutrição, o investimento em técnicas de educação que vise preparar o indivíduo para lidar

com sua nova condição, e assim, garantir sua participação efetiva no tratamento. O estudo

sugere um trabalho conjunto entre equipe de saúde e familiares, conscientes da importância da

adequação dos hábitos alimentares e do estilo de vida saudável para o êxito do tratamento.

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3 METODOLOGIA E ESTRATÉGIA DE AÇÃO

Neste capítulo foram descritas as etapas e percursos metodológicos que direcionaram

este estudo.

3.1 Tipo de estudo

Essa pesquisa é caracterizada como um estudo qualitativo, uma vez que possibilita

uma aproximação aprofundada dos significados das relações humanas, e trabalha com o

universo dos significados, dos motivos, das crenças, valores e atitudes. De acordo com Minayo

(2012), por privilegiar o nível subjetivo da realidade, a abordagem qualitativa penetra no mundo

dos significados, e, em um primeiro momento, é exposta e interpretada pelos próprios

pesquisados.

A opção por essa abordagem se justifica também pela proposta da análise dos dados

pautada pelas orientações dos Núcleos de Significações que segundo Aguiar e Ozella (2006),

busca a partir do que foi dito pelo sujeito entender aquilo que não foi dito, partindo do empírico

para zonas mais profundas na perspectiva de compreensão do sujeito.

3.2 Local de estudo

O local de estudo foi o Ambulatório II do Hospital Universitário Júlio Muller –

(HUJM), Cuiabá-MT. Este é referenciado como um hospital público de médio porte, definido

como órgão suplementar vinculado à Vice-Reitoria da Universidade Federal de Mato Grosso,

com 116 leitos10, e atendimento integralmente realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS),

em especialidades de referência regional11. Por isso, é constituído de um público que se desloca

dos limites de 11 municípios pertencentes à Baixada Cuiabana. O HUJM serve de campo de

estágio para os estudantes de Medicina, Nutrição, Enfermagem, Fisioterapia, Psicologia e

Serviço Social, entre outros. No campo da pesquisa científica, sob o controle da sua Comissão

de Ética em Pesquisa, o HUJM tornou-se referência como campo operacional para a produção

de teses em Cursos de Especialização Mestrado e doutorado, oferecidos pela UFMT e de

10 Fonte: Dimensionamento de Serviços Assistenciais e da Gerência de Ensino e Pesquisa, EBSERH, 2013. 11 Mato Grosso é dividido em dezesseis regiões de saúde, e, dentre elas, a mais populosa ė a Baixada Cuiabana,

com 30,91% da população do estado, onde está situada a capital. Essa região de saúde abrange 11 municípios

(EBSERH, 2013).

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trabalhos científicos que são publicados em Revistas nacionais e estrangeiras, indexadas, e,

também, apresentados em Congressos e Jornadas nacionais e internacionais.

De acordo com o Manual de Rotinas do Hospital Universitário Júlio Muller12, as

unidades ambulatoriais do hospital são compostas por três ambulatórios. O ambulatório II, onde

se desenvolveu essa pesquisa, abarca as seguintes competências:

a) Atender pacientes ambulatoriais nas seguintes especialidades: Psiquiatria,

Psicologia adulta e infantil;

b) Atender as vítimas de Violência Sexual, uma vez que o HUJM é o centro de

referência nesse atendimento;

c) Atender e acompanhar os pacientes que necessitam das especialidades:

Cardiologia, Clínica de Dor, Geriatria, Risco Cirúrgico, Cirurgia Geral,

Climatério, Anovulação, Urologia, Mastologia, Endócrina, Lúpus,

Ginecologia infantil e Pediátrica, Nefrologia, Neonatologia, Pneumologia e

Proctologia;

d) Realizar o exame do Teste da Orelhinha, Exame de Urodinâmica, Exame de

Campimetria, Yag Laser, Angiografia, Ecografia;

e) Atender pacientes Ostomizados e com feridas, uma vez que o HUJM é o centro

de referência nesses procedimentos.

3.3 Princípios éticos

Os aspectos éticos envolvidos nesta pesquisa foram desenvolvidos em concordância

com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde de N° 196/96 (BRASIL, 2006), que normatiza

estudos com seres humanos e norteia procedimentos de conduta em campo de pesquisa. Os

dados do estudo foram gerados na relação com os sujeitos em campo, após a aprovação da

pesquisa em fase de projeto. Neste contexto, este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa, do Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM), da Universidade Federal de Mato

Grosso (UFMT), sob protocolo N° 1.204.008/CEP – HUJM/2015.

Os sujeitos da pesquisa e o acompanhante responsável por ele, receberam

esclarecimentos a respeito dos objetivos da pesquisa, da participação da criança, das

ferramentas utilizadas pelo pesquisador e quanto ao rigor no anonimato e sigilo. Ao

12 Manual que tem como objetivo informar os setores do HUJM da competência de cada um, para uma melhor

inter-relação entre os setores, bem como a pró-atividade de cada líder.

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acompanhante responsável foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE) (Apêndice B), em linguagem clara e acessível e após sua leitura, me coloquei à

disposição como pesquisadora para esclarecer dúvidas e solicitar a assinatura do documento.

As crianças foram convidadas a participar da entrevista, e, após seu consentimento

verbal, foi solicitada sua assinatura no termo de assentimento (Apêndice C), documento

elaborado em linguagem acessível para os menores, deixando claro que eles poderiam

interromper a entrevista em qualquer momento sem prejuízo, dentro dos princípios éticos de

pesquisa com crianças.

3.4 Participantes do estudo

Participaram como sujeito desse estudo, crianças com diagnóstico de Doença Renal

Crônica (DRC), em acompanhamento ambulatorial, com idade entre 7 e doze anos, que

manifestaram desejo em participar do estudo como informantes, com a prévia autorização do

acompanhante responsável e mediante assinatura do Termo de Consentimento (TCLE).

Por se tratar de um estudo qualitativo, não foi determinado um número mínimo ou

máximo de participantes. A abordagem dos responsáveis pela criança, marcava o início do

processo que contou com a adesão espontânea dessa população. Na sequência, a criança foi

consultada, e, após os devidos esclarecimentos quanto aos objetivos propostos pelo estudo e a

relevância da sua participação, prevaleceu o desejo dela em participar ou não da pesquisa.

A entrevista semiestruturada foi elaborada sugerindo dois momentos de análise. De

início, a criança foi convidada a falar sobre os eixos da pesquisa, nos quais se explora o

conhecimento da criança em relação ao diagnóstico e respectivo tratamento estendido à pratica

da dieta restritiva. Em outro momento, a criança é convidada a falar o que pensa e sente acerca

dos mesmos eixos.

Neste contexto, considera-se pertinente a este estudo, ao investigar significações

infantis para a dieta restritiva, considerar o contraponto desta articulação, que por um lado,

revela a história de adoecimento dos sujeitos concebida a partir de significados compartilhados

em seus grupos de pertencimento, e, por outro, como o participante pensa e sente o mesmo

fenômeno evidenciado em uma relação singular com sua realidade atual. A partir desses

critérios, quatro entrevistas foram analisadas em formato de estudo de caso, e tal material se

mostrou significativo e suficiente para análise dos pontos centrais desta investigação.

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3.5 Contexto do estudo

Os dados da pesquisa foram gerados em quatro meses de trabalho, tendo como lócus

do estudo o Ambulatório II do Hospital Universitário da UFMT, em Cuiabá-MT

O ambulatório do Hospital em questão foi percebido como um lugar de

comportamentos distintos, histórias inéditas, regidas em torno de diagnósticos e tratamentos de

saúde que contribuem para a construção de uma realidade comum. Esta construção, envolve

como atores de um mesmo enredo equipe de saúde, pessoas em tratamento e seus respectivos

acompanhantes.

Trata-se de um ambiente no qual atividades padronizadas são seguidas habitualmente

tanto pelas equipes de saúde e servidores da instituição, de um modo geral, quanto pelos

usuários dos serviços de saúde. Nota-se que na atribuição destes serviços o acolhimento ao

usuário é apresentado, tanto no discurso, como no manual do servidor público, como norma de

referência no trato dirigido a essa população. No entanto, essa prática nem sempre é observada

na rotina ambulatorial.

Deste modo, transitar como pesquisadora no ambulatório de um hospital de ensino,

exige habilidades e técnicas de abordagem flexíveis que se adaptem a situações inesperadas que

acontecem com uma certa frequência no ambiente ambulatorial. Tais situações são explicadas

em decorrência de algum tipo de interrupção no ciclo de atendimento, seja por situações

emergenciais que deslocam médicos do ambulatório para outros setores, ou por falhas no

sistema de comunicação, tanto do hospital, como do próprio usuário que não mantém um

contato fixo para comunicar mudanças no agendamento dos atendimentos.

Por se tratar de um hospital regional com atendimento em regime de dedicação

exclusiva ao SUS, seus serviços são direcionados a um público cujos recursos socioeconômicos

são limitados, verifica se também a questão do deslocamento de outros municípios em muitos

casos, adequando suas demandas aos atendimentos oferecidos pela instituição.

Assim, ao adentrar no contexto do ambulatório em questão pela primeira vez

impressão aqui registrada foi de um espaço ocupado por pessoas em situação de espera e uma

quantidade de cadeiras disponíveis inferior ao número de usuários do serviço. Os excedentes e

aqueles que preferem aguardar nas filas se organizavam nas portas dos consultórios, sinalizando

uma ordem de chegada que se confirmava na distribuição de senhas que aconteciam, na ocasião

desse estudo, em dois períodos: matutino e vespertino. A distribuição de senha define o número

e a ordem dos atendimentos.

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Nas primeiras observações, chamou atenção a dinâmica da ala de espera, onde

transitavam enfermeiros e estagiários com suas pranchetas de anotações de uma porta à outra,

como presença naturalizada na rotina dos corredores. Os médicos que não eram vistos com a

mesma frequência circulavam por um espaço interno através de uma segunda porta que não era

visualizada pelos usuários dos serviços do hospital.

Da saída de emergência, os médicos eram solicitados a socorrer outros setores de

urgência do hospital, sem que a espera percebesse que eles não estavam presentes no

atendimento. O silêncio nos corredores de espera era quebrado quando, de tempo em tempo,

outros frequentadores deste espaço, pessoas contratadas para atender a demanda por

informações, circulavam pelo ambiente. Estes eram diferenciados pelo uso de um avental

escrito: posso ajudar? Tais episódios, se repetiam sistematicamente na ala de espera, com

intuito de atender as demandas por informações.

Nessa rotina, já nos primeiros dias, me senti familiarizada com o ambulatório em

questão, no qual realizei o trabalho de observação das notas aqui expressas. Com o tempo, essas

primeiras impressões tomaram novas formas, na medida em que eu compreendia as

especificidades da rotina ambulatorial. O espaço é frequentado por um público diferenciado de

acordo com a especialidade do atendimento disponibilizado pelo hospital, que também varia a

cada dia da semana: homens, mulheres, idosos e crianças entre outros públicos. Um exemplo

que ajuda a compreender a dinâmica desse espaço é o dia em que se realiza o teste do pezinho13,

pois neste dia o ambiente fica repleto de um público específico, mães e bebês, nos dois horários

disponíveis para o procedimento.

Neste contexto, a sala da enfermagem foi identificada como um espaço de referência

onde se realizam procedimentos de pré-consulta. Tal procedimento, permite a identificação de

cada paciente e a ordem dos atendimentos. Este espaço seria útil como via de acesso aos sujeitos

desta pesquisa, porém, observou-se algumas dificuldades que inviabilizaram a aproximação,

tais como a placa na porta: não entre!; escala de turnos por revezamento, fato este que

inviabiliza vínculos; alto fluxo de atendimento; procedimentos delicados que exigem dos

profissionais um ritmo de trabalho sem interrupções.

13 O teste consiste na retirada de uma gota de sangue do pezinho da criança. Por meio dele são detectadas duas

doenças graves: a fenilcetonúria, que é uma doença que impede a metabolização da proteína fenilamina, encontrada

na carne, no leite, na farinha de trigo e em diversos outros alimentos, e o hipotireoidismo. A fenilcetonúria, se não

for tratada imediatamente após a detecção, a criança pode ficar com deficiência mental (Secretaria de Estado de

Comunicação Social de Mato Grosso - SECOM-MT).

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No período de observação foi possível identificar nos pacientes da área clínica de

nefropediatria os pré-requisitos para o sujeito dessa pesquisa e a partir dessa identificação

estabelecer estratégias de acesso a eles. Assim para a etapa das entrevistas seguiu-se a escala

de trabalho da Médica Nefropediatra, que no período desse estudo atendia no HUJM três dias

na semana, quatro horas por dia. Os critérios para escolha do sujeito foram os seguintes:

crianças com diagnóstico de Doença Renal Crônica (DRC), em acompanhamento ambulatorial,

com idade entre 07 e doze anos, bem como o desejo da criança em participar do estudo como

informante, e a autorização do acompanhante responsável, mediante assinatura do Termo de

Consentimento (TCLE).

As observações ocorreram nos corredores, na sala de pesagem, no posto de

enfermagem, na recepção e até nos banheiros e bebedouros. Não foi desconsiderado nenhum

espaço de circulação da criança e seu acompanhante, uma vez que a observação como recurso

metodológico permitiu alguns entendimentos da dinâmica do ambulatório como campo de

pesquisa. O banheiro e o bebedouro foram percebidos como espaços onde se poderia iniciar

informalmente o vínculo com as crianças, favorecendo a abordagem com os pais. Quase como

via de regra, as crianças circulam sozinhas nestes dois espaços, aparentemente, como forma de

explorar o ambiente e que também pode ser entendido como uma das formas que encontram

para ocupar o tempo de espera.

O contato com a Médica Nefropediatra, de início, favoreceu o acesso ao sujeito deste

estudo e no decorrer da fase de entrevistas houve colaboração de outros setores do ambulatório,

com destaque para o setor de enfermagem que possibilitou, inclusive, que fosse criado um

espaço lúdico com as crianças.

Este espaço tomava forma todos os dias no final de um corredor, na ala de espera,

favorecendo o encontro com as crianças com o mínimo de interferência possível. Papeis

coloridos para confecção de origamis, canetas coloridas, lápis de cor para desenho e livros de

histórias transformavam esse “cantinho de espera” em um lugar de encontros que atraia crianças

e favorecia o vínculo necessário, possibilitando assim, ouvir verdadeiramente o sujeito.

3.5.1 Alguns conteúdos de representações sociais que circulam nos grupos de

pertencimento das crianças sujeitos desta pesquisa

Com a proposta de investigar a significação da dieta restritiva para crianças com

diagnóstico de doenças renais crônicas e em acompanhamento ambulatorial, tem-se, na

perspectiva Histórico-Cultural, que estas se desenvolvem sob a influência de um ambiente

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social e cultural. Assim, a criança entra em contato com uma rede de significados expressas nas

prescrições médicas que lhe apresenta novas representações em relação à saúde e doença,

tratamento, dieta, entre outras temáticas. Trata-se de representações que circulam no discurso

científico contido nas práticas de cuidados em saúde e também nas práticas educativas que

caracterizam o contexto familiar dessa criança. Estas práticas, anunciam a existência de

representações que causam estranhamento e que na maioria das vezes são regidas pelo “não”

que circunda na rotina da criança, tanto no contexto hospitalar, ambulatorial, quanto no contexto

familiar.

Deste modo, o ambulatório como campo de pesquisa possibilitou a identificação de

algumas categorias frequentes no discurso das crianças caracterizadas pelas representações que

movem seus grupos de pertencimento. Neste contexto, o ambulatório é apresentado como parte

da rotina das crianças entrevistadas, entendido como um lugar de expectativas, uma vez que o

acompanhamento ambulatorial envolve exames clínicos, pedidos de exames laboratoriais e

releitura de exames anteriores que vão determinar a intensidade dos cuidados expressos nas

prescrições médicas. O ambulatório neste contexto é visto como elemento constitutivo da

subjetividade do sujeito.

Surgem, por conseguinte, representações ligadas à saúde e doença, que são associadas

à história de vida de cada sujeito, e que anunciam mudanças de comportamento a partir de uma

lógica regida pelos sintomas, diagnóstico e tratamento. Assim, a linguagem corporal anunciada

nos sintomas de inchaço, dores abdominais, nas costas e nos rins, desânimo, cansaço e

prostração fazem parte do discurso que circula no ambulatório de nefrologia em questão e que

são incorporados no repertório dessas crianças.

O seguimento da dieta é apresentado como uma prática necessária para se obter êxito

no tratamento ou até mesmo para inibir sintomas. Porém, foi possível identificar, na maioria

dos discursos, tanto da equipe de saúde, como das crianças e familiares, representações de uma

prática orientada pelo não, pela impossibilidade de se comer o que gosta. Questões

socioeconômicas são citadas em reforço à essa ideia de impossibilidade intrínseca à dieta

restritiva, expressa nas limitações financeiras envolvidas nas propostas de dietas diferenciadas,

regidas pela mudança de hábitos alimentares e substituição de alimentos.

O tratamento de doenças crônicas é visto, no contexto deste estudo, como anúncio de

mudança na rotina e hábitos cotidianos da criança e familiares a partir do diagnóstico. O estágio

que antecede o diagnóstico é citado como parte de um processo que prepara para o tratamento,

uma vez que o espaço de tempo entre os primeiros sintomas da doença renal crônica e o

diagnóstico que pode ser decorrente de outras patologias, é marcado por um tempo de

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sofrimento prolongado, tanto para a criança, como para os familiares. Assim, com frequência o

tratamento expresso nas prescrições médicas que se estendem à dieta é representado nos

discursos como possibilidades de enfrentamento, ainda que, na maioria dos discursos, seja

sustentado pelas crenças de saúde e esperança de cura e não na readaptação à uma condição

crônica irreversível.

3.6 Sobre a produção e análise dos dados

Inicialmente, adotou-se a observação como recurso metodológico que possibilitou a

compreensão da dinâmica do hospital, a caracterização dos usuários dos serviços do

ambulatório onde se desenvolveu este estudo, bem como a identificação de vias de acesso

favoráveis à investigação proposta. Entre outros benefícios o período de observação favoreceu

que se estabelecesse vínculos com a equipe hospitalar, vias de acesso ao sujeito da pesquisa e

também suscitou apontamentos orientados para a elaboração do roteiro de entrevista.

Deste modo, foi desenvolvido um roteiro semiestruturado para guiar a entrevista, neste

roteiro, buscou-se privilegiar informações relacionadas às variáveis biopsicossociais, a

qualidade da informação a respeito da patologia e da função da dieta alimentar. Este

instrumento também possibilitou delinear possíveis significações a respeito da patologia,

tratamento e restrições em geral, incluindo: 1. A qualidade das informações a respeito da

doença, tratamento e riscos à saúde; 2. As significações vinculadas a tais informações no

contexto escolar, em casa e nas festas; 3. A representação de si frente às restrições impostas

pela patologia e seu tratamento.

A escolha da entrevista semiestruturada se justifica por se tratar de um instrumento

que favorece o acesso a informações pertinentes a este estudo. Tal instrumento possibilita aos

entrevistados expor suas opiniões sob uma lógica própria do que ouviram falar, do que sentem

e do que pensam acerca da dieta restritiva como tratamento de saúde, ainda que se parta de um

questionário pré-estabelecido. Segundo Aguiar e Ozella (2013), as entrevistas são entendidas

como um instrumento rico para o acesso aos processos psíquicos relevantes de uma pesquisa,

que investiga sentidos e significados.

A inserção como pesquisadora em campo foi pensada de modo a causar o menor

desconforto possível ao sujeito, e, por essa razão, inspirou-se na noção de Adulto Atípico, termo

empregado por Corsaro (2005), que sugere ao pesquisador se colocar intencionalmente

desprovido de atitudes adultas no contato com a criança, esvaziado de regras de reprodução, e

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disposto a estabelecer relações horizontais com a criança como se fosse um deles; um adulto

diferente ou atípico, uma espécie de criança grande.

Neste sentido, as perguntas foram formuladas em formato de Brincadeira de Faz-de-

Conta; a entrevista foi apresentada à criança como uma proposta lúdica, simulando um

telefonema no qual a pesquisadora assume um personagem, no caso, o (a) melhor amigo (a) da

criança. Nesta brincadeira, é a criança quem apresenta um (a) suposto (a) amigo (a) que será

interpretado pela pesquisadora. Esta, simula uma situação de adoecimento e, ao receber o

diagnóstico médico não entende as prescrições médicas, liga para o amigo (a), mais experiente

no assunto, pedindo informações.

A entrevista seguiu um roteiro semiestruturado (Apêndice A) com perguntas

preestabelecidas, que foram cumpridas na íntegra, porém, com flexibilidade quanto à ordem e

ao modo em que os tópicos eram introduzidos, acompanhando a dinâmica de cada entrevista.

A criança entrevistada escolheu o nome com o qual gostaria de ser identificada na

versão oficial do trabalho, a fim de preservar sua identidade. As entrevistas foram gravadas, e,

posteriormente, transcritas; as gravações foram registradas em um tablet que era entregue à

criança com a indicação para que ela acionasse o início da gravação quando se sentisse à

vontade para iniciar a entrevista.

O tempo com a criança variou de acordo com a disponibilidade dela e o tempo da

entrevista em média durou de 30 a 40 minutos. Após cada entrevista, foram registradas as notas

relevantes à pesquisa no caderno de notas de campo, incluindo observações e sentimentos

relativos às situações vivenciadas durante a entrevista.

A análise dos dados foi pautada pelas orientações referentes ao Núcleo de Significação

segundo Aguiar e Ozella (2006), organizados e apresentados na forma de estudo de caso.

No quadro abaixo foram disponibilizadas as características que identificam os sujeitos

da pesquisa:

Quadro 3 – Caracterização dos sujeitos da pesquisa

Sujeito Idade Caso - C Diagnóstico Dieta Município

Aline 10 anos C1 Pedra no Rim Sal Cáceres-MT

Sandra 12 anos C2 Lúpus Sal Cuiabá-MT

Willian 08 anos C3 Síndrome Nefrótica Sal Primavera do Leste-MT

Benjamim 12 anos C4 Pedra no Rim Sal Cuiabá-MT

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3.6.1 Formação dos Núcleos de Significação

Aguiar e Ozella (2006; 2013) descrevem o processo de formação do Núcleo de

Significação a partir de elementos empíricos gerados como dados de uma pesquisa. Segundo

estas autoras, é necessário o investimento do pesquisador direcionado a um processo

construtivo interpretativo que vise superar o material empírico que norteia a investigação: “Os

núcleos de significação expressam o movimento de abstração que, sem dúvida, contém o

empírico, mas pela sua negação, permitindo o caminho em direção ao concreto. Buscamos a

partir do que foi dito pelo sujeito entender aquilo que não foi dito” (AGUIAR; OZELLA, 2013,

p. 308).

Segundo estes autores, os estudos sobre a formação dos Núcleos de Significação

demarcam a relevância de um recurso metodológico que ajude o pesquisador na apropriação

das significações constituídas pelo sujeito ao interpretar sua realidade. Neste sentido,

acrescentaram que em uma pesquisa o objeto estudado não se resume a sua aparência, pois se

assim fosse não seriam necessárias as pesquisas científicas empenhadas em decifrar um

fenômeno: “[...] um procedimento metodológico que possibilite ao pesquisador apreender esse

processo para além do empírico e que, assim, permita-lhe passar da aparência das palavras

(significados) para sua dimensão concreta (sentidos)” (AGUIAR; MACHADO; SOARES,

2015, p. 06).

Ao se investigar significações infantis, atribuídas à dieta restritiva para crianças em

acompanhamento ambulatorial, entende-se, com base na Teoria Histórico-Cultural de Vigotski,

que significados e sentidos são duas categorias centrais e indissociáveis nesse processo. Desta

forma, nos procedimentos de análise do material qualitativo gerado na fase inicial da

investigação, foram tomados como ponto de partida os significados compartilhados pelos

sujeitos visando a apreensão dos sentidos por eles atribuído ao objeto estudado, no caso, a dieta

restritiva.

Assim, o procedimento para análise através da construção dos Núcleos de Significação

na proposta de Aguiar e Ozella (2006; 2013), é desenvolvido nas seguintes etapas

sistematizadas: seleção de pré-indicadores; sistematização dos indicadores e conteúdos

temáticos; construção dos Núcleos de Significação e análise dos Núcleos de Significação.

Nesta proposta, o levantamento dos pré-indicadores é realizado a partir do que foi dito

pelo sujeito na entrevista, trata-se de palavras ou termos com significados inseridos no contexto

do objetivo da pesquisa. Caracterizam-se por temas variados baseados na frequência com que

aparecem na fala dos sujeitos que revelem indícios de sua forma de pensar, sentir e agir.

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Deste modo, seguindo as etapas dessa proposta metodológica, inicialmente, foram

realizadas leituras minuciosas das entrevistas transcritas, com especial atenção à percepção de

cargas emocionais e ambivalências contidas fala do sujeito. Essa etapa foi representada por um

grande número do material produzido nas entrevistas e funcionaram como um banco de dados

que armazena possibilidades para organização dos núcleos. Portanto, os pré-indicadores

constituem-se como ponto de partida da análise e servem de base para a construção dos

indicadores.

Após concluir a etapa de levantamento dos pré-indicadores revelados pela entrevista,

foram realizadas novas leituras em um processo repetitivo, com a intenção articular os pré-

indicadores em indicadores. Tal procedimento foi movimentado pela similaridade, pela

complementaridade e também pela contraposição dos pré-indicadores, de modo que após várias

leituras os resultados aglutinados apresentaram a menor diversidade possível. O material

apurado na etapa de aglutinação formou os indicadores que resultaram nas hipóteses dos

Núcleos de Significação.

O conjunto dos indicadores e seus conteúdos apurados, seguindo a proposta

metodológica de Aguiar e Ozella (2006; 2013), foram analisados em comparação com o

primeiro material coletado, (os pré-indicadores). Essa análise conjunta do material apurado,

com o material apresentado na entrevista ajudou a esclarecer dúvidas iniciais e apresentar os

núcleos representativos das significações atribuídas pelo sujeito à dieta restritiva como prática

de saúde prescrita no tratamento de DRC.

Para Aguiar, Soares e Machado (2015), a organização dos dados empíricos em pré-

indicadores, indicadores e Núcleos de Significação caracteriza o primeiro passo

predominantemente de análise dos dados. A etapa seguinte, que segundo esses autores consiste

na apreensão dos conteúdos de cada Núcleo de Significação, assume caráter interpretativo com

base no referencial teórico e na revisão de literatura em que a pesquisa foi fundamentada.

Os referidos autores consideram que a fase de organização dos dados empíricos que

inclui o levantamento de pré-indicadores até a nuclearização dos dados, caracteriza a primeira

fase do processo de análise. Para essa fase, a ideia é que se identifique um número reduzido e

consistente de núcleos, de modo que não precise recorrer novamente aos indicadores,

avançando assim, do empírico para o interpretativo: “Os núcleos resultantes devem expressar

os pontos centrais e fundamentais que tragam implicações para o sujeito, que o envolvam

emocionalmente e que revelem as determinações constitutivas do sujeito” (AGUIAR;

OZELLA, 2013, p. 310).

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Conforme já foi explicitado, este estudo visa compreender as redes de significações

atribuídas à dieta alimentar, na perspectiva de crianças em tratamento de saúde. Com esse

objetivo, tal processo de inferência e sistematização dos núcleos de significações, seguiram as

orientações metodológicas de Aguiar e Ozella (2006, 2013). Assim, a partir da fala do sujeito

na entrevista torna-se possível a apreensão dos significados compartilhados, e estes sinalizam

a existência de um plano mais profundo e interiorizado que sugere a ideia de zona dos sentidos.

Um processo de investigação sistematizado em etapas dos pré-indicadores ao Núcleo de

Significação.

Desta forma, foram feitas leituras flutuantes e repetitivas das entrevistas que

culminaram no levantamento dos pré-indicadores entendidos como palavras que se destacam

na fala do sujeito e que constituem sua realidade sócio-histórica. Os pré-indicadores inferidos

a partir da fala dos sujeitos serão negritados nas respectivas entrevistas expostas a seguir e

enumerados ao término da apresentação dos excertos.

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4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS CASOS

As entrevistas tiveram início com a identificação da criança e da patologia

diagnosticada: nome, idade, escolaridade, data de nascimento, cidade de origem,

acompanhante, diagnóstico e tipo de restrição alimentar. Para a análise dos casos foram

considerados os eixos temáticos que organizaram o roteiro da entrevista (APÊNDICE A), em

diálogo com os núcleos de significação que emergiram no discurso dos sujeitos em articulação

com o referencial teórico proposto.

4.1 Apresentação dos casos

4.1.1 Aline: Se comer o que eu não posso, eu incho tudo: é ruim - Caso 1

a) Identificação da criança

Aline é uma menina de dez anos, cursa o quinto ano do ensino fundamental, e está em

acompanhamento ambulatorial desde os dois anos de idade. Em seus relatos, apresenta que o

que sabe a respeito do início de sua doença, ouviu dos pais e familiares. Ela inicia seu relato

explicando que aos dois anos de idade os pais contam que deram uma “vasilhinha de skyni”

para ela comer junto com uma prima. No dia seguinte, Aline amanheceu inchada, ficou

internada e foi diagnosticada com “Pedra no Rim”. Desde então, ela faz acompanhamento

ambulatorial e segue uma dieta restritiva de sal. Aline mantém consigo uma garrafa de água

que faz parte de seu tratamento e no final da entrevista foi até o bebedouro reabastecer sua

garrafa. Nesse momento, a mãe de Aline se aproxima para fazer algumas perguntas e falar de

suas dificuldades.

Entre as dificuldades apresentadas, o fator socioeconômico apareceu como um

agravante em seus relatos. Para dar conta de acompanhar o tratamento da filha, ela e o marido

se organizaram de um modo em que ele trabalha para prover as despesas da família e ela se

dedica aos filhos. Segundo a mãe, a demanda da filha não lhe permite ausentar-se de casa. O

salário do marido cobre as despesas básicas e o fato de residirem em Cáceres-MT e o tratamento

de saúde de Aline ser em Cuiabá, faz com que seja incluído como despesa fixa o custo do

deslocamento para Cuiabá a cada seis meses. Para isso, a mãe de Aline explica que é preciso

ter estratégias e organização nos gastos.

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Deste modo, a família optou por um cardápio básico único com consumo individual

de sal, uma vez que investir em uma dieta variada e diferenciada para a filha seria uma

alternativa incompatível com o orçamento da família.

Nesse primeiro contato, ao estabelecer uma relação de troca com Aline, na abordagem

junto com a mãe, ela se mostrou desinibida. No entanto, sem a mãe, inicialmente, aparentou

desconforto, e certo esforço concentrado em oferecer a melhor resposta às perguntas, ainda na

fase de identificação. A introdução da brincadeira do faz de conta tirou Aline deste estado de

tensão, e, no decorrer da entrevista, parecia que ela realmente conversava com sua melhor

amiga que acabava de receber um diagnóstico de “Pedra no rim”.

b) Doença e saúde

Este primeiro bloco de perguntas possibilitou a identificação de um repertório acerca

de saúde e doença, nas respostas de Aline, verificou-se indícios que sinalizavam a atribuição de

sentido à sua vivência de adoecimento.

Pesquisadora: Alô Amiga, tudo bem com você?

Aline: tudo...

Pesquisadora: por onde você anda?

Aline: eu tô em Cuiabá, vim pro hospital.

Pesquisadora: por que você está no hospital?

Aline: porque da última vez que eu vim, a doutora pediu uns exames de urina pro meu

pai pra saber se tá bom, se tiver bom ela vai baixar meus remédios.

Pesquisadora: entendi, e o que você está fazendo aí agora?

Aline: esperando a doutora chamar.

Pesquisadora: então amiga, eu também estou no hospital, descobri agora que tenho

pedra no rim, o médico falou um monte de coisas e eu não entendi nada. Já que você

está com tempo, me conta como você descobriu que estava doente, quem te contou,

que idade você tinha, tudo que você lembrar.

Aline: meus pais me contaram que quando eu tinha dois anos eles deram uma

vasilhinha de skyni pra eu mais minha prima comer, quando foi no outro dia eu

amanheci toda inchada. Aí eles me levaram pro hospital, aí depois eles me

internaram no hospital.

Pesquisadora: o que você sentiu quando soube que estava doente?

Aline: me senti ruim

Pesquisadora: como era sua vida antes de você saber que estava doente? E agora,

mudou alguma coisa?

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Aline: não lembro

Nesse excerto, pode-se perceber dois momentos: quando Aline é convidada a narrar

sua história demonstrou familiaridade com a narrativa, que lhe foi apresentada pelos pais de

modo a inseri-la no contexto de doença crônica e tratamento de saúde, ainda que ela não tenha

registros de onde tudo começou. Em seguida, quando Aline é convidada a pensar em como ela

sente a doença em sua vida, esse me senti ruim, acrescido das notas de observação, nas quais

foram registrados também, como resposta, a entonação de pesar na voz, acompanhada da

resignação no olhar, curvatura dos ombros, é como se todo o corpo de Aline se rendesse à

pergunta em uma resposta expressa em nível corporal por meio da qual observa-se a

manifestação de sua singularidade conforme a formulação da noção de sentido.

Os pais de Aline são citados como principais informantes quanto à origem da doença

em sua vida e a ingestão de alimentos aparece associada com a origem dos sintomas, ou seja,

ingestão de alimentos como ato gerador de inchaço, que por sua vez, anuncia a doença como

pontos de tensões que permitem ancoragens no diagnóstico. O ambulatório é entendido como

fonte geradora de expectativas e ansiedade, e Aline demonstra compreensão dos procedimentos

realizados e entende que alguma coisa precisa baixar, mensurando níveis de resultados que vão

determinar novas prescrições de tratamento.

c) Informações sobre a doença

Pesquisadora: você sabe alguma coisa sobre essa doença? Pode me explicar? É que

eu não entendi nada do que o médico me disse. Então eu não sei o que vai acontecer

comigo.

Aline: não sei, a médica já explicou, minha mãe também, mas não sei nada, só sei

que se eu comer o que não posso, eu incho.

Pesquisadora: e agora amiga, o que eu preciso fazer para melhorar minha saúde?

Aline: Tem que seguir a dieta.

Nesse bloco Aline admite que recebeu informações acerca de seu diagnóstico e

tratamento, porém, os meios utilizados, tanto pelos cuidadores, quanto pela equipe de saúde

não foram eficazes, uma vez que ela não reteve as informações. Por outro lado, pode-se

considerar também que, ainda que o processo de comunicação dos adultos com Aline, pareça

não contribuir para que ela amplie seu repertório em relação à doença e sua dinâmica, este fato

pode levar a pensar que a própria Aline pode selecionar que tipo de informação irá reter. Neste

sentido, foi possível identificar, na fala de Aline, uma relação direta entre ingestão de sal-

inchaço-dieta: só sei que se eu comer o que não posso, eu incho.

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d) Dieta alimentar

Pesquisadora: aqui no hospital a minha comida vem separada, é diferente da comida

de outra criança que está no mesmo quarto que eu. A sua comida também vem

diferente? Por que?

Aline: a minha comida vem separada. É porque as outras comidas têm sal e a

minha não.

Pesquisadora: me falaram que eu preciso fazer dieta alimentar. Você sabe o que é isso

e por que eu preciso comer comida sem sal?

Aline: dieta é não comer o que não pode comer pra não ficar tudo inchado.

Pesquisadora: quem te explicou tudo isso sobre dieta?

Aline: meu pai e minha mãe.

Pesquisadora: como você se sente tendo que seguir uma dieta?

Aline: às vezes eu me sinto ruim.

Pesquisadora: como é se sentir “ruim”?

Aline: é assim de um jeito ruim que não dá pra explicar, eu incho e só fico deitada,

mais nada assim...

Neste fragmento, a dieta é apresentada para Aline como proibição de uma ação que

muitos podem realizar e ela não. Neste caso, a dieta é entendida como exclusão de algo bom e

neste contexto, o inchaço seria, na linguagem corporal, um sintoma que remete a consequência

da não adesão à dieta. Esta consequência expressa no inchaço do corpo para Aline indica a

recorrência de algo ruim que não dá pra explicar... que pode ser considerado como registro

simbólico que se apresenta no âmbito das sensações e das emoções. Tal vivência não parece ser

acessada pelo filtro intelectual, mesmo estando registrada no âmbito emocional. Nessa lógica,

a expressão: fico deitada sugere a ancoragem do termo é ruim para se referir a uma prostração,

certa passividade, uma condição de pouca vitalidade, mal-estar que parece não ser acessado, ao

menos neste momento, no campo da reflexão a respeito de si mesmo.

Pesquisadora: você precisa de ajuda para fazer dieta?

Aline: às vezes minha mãe precisa ficar cuidando...

Pesquisadora: e como que ela cuida?

Aline: falando as coisas que eu não posso comer.

Pesquisadora: O que você come quando está em casa?

Aline: carne, arroz, feijão, verdura... com um pouquinho de sal, cebola, coentro...

Pesquisadora: e na escola?

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Aline: na escola meu pai foi conversar com uma mulher lá pra mim pegar fiado, aí eu

parei de pegar... Daí eu peço pra mulher da cozinha me dá uma bolacha, um

iogurte, daí quando tem ela dá. Minha mãe foi lá conversar com a mulher pra ela

deixar minha merenda sem sal, mas elas não fazem...

Pesquisadora: o que você come no hospital?

Aline: a minha comida vem separada, sem sal.

Pesquisadora: e quando você vai à alguma festinha?

Aline: na festinha eu tomo um pouco de refrigerante, um pouco de cachorro

quente e brinco bastante.

Considerando que o sentido da palavra não é constante, percebe-se que a significação

da dieta varia de acordo com as vivências cotidianas de Aline, em casa, nas festas, no hospital

e na escola. E, por conseguinte, adquire caráter singular: em casa a dieta é comer tudo que pode

comer, orientada pela mãe; nas festas, a dieta é comer e beber pouco e brincar muito; no

hospital, a dieta é comer sem sal; a condição socioeconômica da família aparece na fala de

Aline ao significar a dieta na escola, se o pai não pagar um lanche para ela, a dieta na escola só

tem uma opção: Daí eu peço pra mulher da cozinha me dá uma bolacha, um iogurte, daí quando

tem ela dá. Parece que a vivência da dieta é significada como uma limitação, um não poder que

está para além da condição econômica da família, e da pouca disponibilidade no contexto

escolar em lidar com crianças submetidas a dietas alimentares. As palavras de Aline anunciam

um não poder que depende da capacidade de autorregulação de Aline para fazer escolhas que

ela já faz, no caso, comer pouco e brincar mais.

Neste sentido, a escolha aparece como a possibilidade de Aline dizer não para o

alimento e dizer sim para um outro universo de possibilidades. No entanto, parece que ela ainda

não acessa este significado. O sim ainda está diluído em meio às vivências de Aline, que se

ancora na significação a partir do não. Deste modo, o sim está no brincar justificando a ideia de

que a criança atua como participante ativa nos processos de construção e significação de sua

realidade.

e) Adesão à dieta alimentar

Pesquisadora: o que você pensa quando lembra que tem que seguir a dieta?

Aline: penso que é ruim.

Pesquisadora: como você se sente quando lembra?

Aline: às vezes eu me sinto ruim.

Pesquisadora: às vezes quando?

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Aline: quando incha tudo.

Pesquisadora: você conhece alguma criança que já pensou em desistir da dieta?

Aline: não.

Pesquisadora: por que existem crianças que não seguem a dieta?

Aline: porque é teimosa.

Pesquisadora: o que acontece quando a gente não segue a dieta?

Aline: você incha assim ó (Aline faz gestos com a boca e os braços para representar

o inchaço como algo grande).

Pesquisadora: e ao contrário, crianças que seguem a dieta. Você conhece?

Aline: não

Pesquisadora: o que existe de diferente na vida da criança que segue a dieta e daquela

que desiste de fazer a dieta?

Aline: é que faz bem pra ela.

Pesquisadora: qual conselho você pode me dar para eu me sair bem no tratamento de

“pedra no rim”?

Aline: pra você não comer as comidas que não pode, pra você não inchar.

Pesquisadora: você pode me dizer com quem eu posso conversar mais sobre esse

assunto da dieta alimentar aqui no hospital? E depois que eu for para casa, com que

eu posso falar sobre isso?

Aline: eu falo com meu pai e com a minha mãe, com as mulher merendeiras que

me conhecem há muito tempo e com a professora.

Nesse bloco, mais uma vez, a dieta restritiva se apresenta para Aline como uma prática

atravessada por significados subjetivos. Pensar em dieta remete a pontos de tensão ancorados,

na fala de Aline, nos sintomas de inchaço: ruim.

Para Aline, seguir ou não a dieta é uma questão de obediência ou teimosia. Tal critério

remete à dimensão relacional que se estabelece entre a criança, os pais e a médica. Neste ponto,

pode-se falar que a doença e a dieta se colocam nas vivências de Aline de modo a se apresentar

como conteúdo com potencial identificador, ou seja, ser obediente, cumprir a dieta, fazer boas

escolhas com relação à alimentação significa obter apoio dos adultos: É que faz bem pra ela. Já

o foco no inchaço parece revelar o saber no desconhecimento acerca da dinâmica da doença e

a sua relação com os rins, bem como as consequências do sódio para o funcionamento deles.

Neste sentido, o saber de Aline também revela um não saber: pra você não comer as comidas

que não pode, pra você não inchar... E, assim, revela a escolha por não inchar, mas também

pode ser pela representação de uma menina obediente que possui o apoio dos pais das

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merendeiras e da professora. Percebe-se, então, na constituição identitária de Aline influência

de crenças regidas pela representação de criança protegida e aceita em seu contexto social.

4.1.2. Sandra: tudo que é gostoso tem sal - Caso 2

a) Identificação da criança

Sandra tem 12 doze anos e é estudante do sétimo ano do ensino fundamental. Ela

recebeu o diagnóstico de lúpus aos 10 anos de idade, e desde então está em acompanhamento

ambulatorial. Ela conta que foi até legal receber o diagnóstico, pois a partir dele tornou-se

possível o tratamento dos sintomas. Relata que antes de descobrir, tinha muito inchaço, dores

no peito, na barriga que a deixavam paralisada, sem andar. Depois de quatro meses convivendo

com esses sintomas, fazendo exames, migrando de um “postinho” para outro, policlínicas,

Unidades de Pronto Atendimento (UPA), é que foi descoberto o diagnóstico do lúpus. Nos

relatos de Sandra, a dieta hipossódica aparece como uma prática fundamental para o êxito do

tratamento. Ela esclarece que o rim não consegue filtrar alguns alimentos e se o rim fica

sobrecarregado, acarreta gordura no fígado e aí complica tudo, incha, dá dor na barriga e é

muito difícil conviver com os sintomas. Por isso, ela prefere seguir a dieta, que significa deixar

de comer o que ela mais gosta: o sal. De acordo com Sandra, não tem temperinho que substitua

o sal, tudo bem salgadinho é mais gostoso.

Ao final da entrevista, Sandra foi buscar o celular com a mãe dela, e quis mostrar como

fica sua pele quando os sintomas aparecem. Ela explicou que as manchas na pele resultam de

gordura no fígado e que o rim não consegue absorver os pigmentos das manchas, por isso,

incha. Ela também comentou que tem que ficar atenta ao fígado para não sobrecarregar o rim.

Desde o primeiro contato na abordagem de Sandra e sua mãe (acompanhante), elas se

mostraram acessíveis e com interesse em contribuir com a pesquisa.

b) Doença e saúde

Pesquisadora: Olá amiga, por que você está no hospital? O que está fazendo aí?

Sandra: eu vim trazer meus exames pra doutora, agora minha mãe foi marcar

mais exames e eu estou esperando ela.

Pesquisadora: como você descobriu que estava doente? Me conta tudo que lembrar.

Sandra: eu tinha inchaço, dores no peito, bem assim na barriga, eu não andava,

ficava paralisada... minha mãe me levou em vários lugares e demorou pra saber o

que eu tinha... fazia exame e não achava, depois de três ou quatro meses que

descobriram que eu tinha lúpus. Eu tinha 10 anos na época.

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Pesquisadora: o que você sentiu quando soube que estava doente?

Sandra: foi até legal, porque até descobrir eu ficava muito mal, inchada, minha

mãe me levou na policlínica, no postinho, na upa, fomos pra outro postinho não deu

certo, fomos ainda em vários lugares que não deram certo até que chegamos num

postinho e a moça falou pra ir no hospital Júlio Muller. Ai quando cheguei no Júlio

Muller, eles falaram na hora, vai ter que internar aí eu fiquei internada, as doutoras

que eu mais gostava era a Natalia e a Patrícia elas foram muito legais e aí descobriram

que eu tinha lúpus.

Pesquisadora: como era sua vida antes de você saber que tinha lúpus? E agora, mudou

alguma coisa?

Sandra: antes era muito difícil eu ficava muito mal...

Sandra descreve o esforço em tentar tornar familiar sintomas que não faziam sentido

para ela ao descrever sua vivência de adoecimento desde os primeiros registros de sintomas até

o agravo da doença instalado. Os pontos de tensão desencadeados por vivências de dor e

sofrimento afetaram o significado da doença para Sandra, e, assim, o estar doente, em sua fala

é ancorado como sensações de alívio: Foi até legal, porque até descobrir eu ficava muito mal...

Sandra, assim como Aline, parece não encontrar correspondência no nível cognitivo para

expressar as sensações acessadas nos sintomas.

Deste modo, ao receber o diagnóstico, tem seu repertório de saúde e doença ampliado,

redes de significados são apresentadas com as prescrições médicas, permitindo novas

ancoragens a medida em que Sandra atribui sentido aos sintomas. Neste contexto, os sintomas

não familiares para Sandra encontram novas representações às quais ela poderá aderir ou não

em um movimento de tornar o estranho, familiar. Assim, o diagnóstico é percebido na fala de

Sandra como possibilidade de novas ancoragens e objetivação nos pontos de tensão regidos

pela dificuldade em lidar com as mudanças corporais decorrentes da doença. Nesse fragmento,

a relação de confiança entre a criança em tratamento e a equipe de saúde favoreceu ancoragens

positivas, reforçando a ideia de que uma proposta de adesão ao tratamento eficaz se inicia com

a parceria entre o doente, familiares e equipe de saúde envolvidos em uma terapêutica que

contemple o respeito na troca de informações, nos diferentes saberes e que valorize a

singularidade de cada projeto terapêutico (BEUTER et al., 2008).

c) Informações sobre a doença

Pesquisadora: você sabe alguma coisa sobre essa doença? Pode me explicar? É que

eu não entendi nada do que o médico me disse? Então eu não sei o que vai acontecer

comigo.

Sandra: é que é assim, depende do que você come o rim não consegue filtrar tudo e

dá gordura no fígado também e aí complica tudo... dá dor de barriga, incha, é muito

difícil.

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Pesquisadora: e agora o que eu preciso fazer para melhorar minha saúde?

Sandra: olha eu tenho muita dificuldade porque depende muito do que você come,

eu não posso comer sal... tudo que é gostoso tem sal... eu não gosto muito de doce,

gosto de coisas salgadas e bem salgadas.

Sandra demonstrou estar bem informada a respeito de seu diagnóstico e ter

conhecimento das prescrições médicas para o tratamento. Deste modo, para explicar o

funcionamento do corpo e formação de sintomas, a linguagem corporal se manifesta como fonte

de comunicação por meio de gestos, postura e principalmente nos aspectos citados de dor e

inchaço. Assim sendo, a dinâmica das diferentes fontes de informação pode ser legitimada na

linguagem corporal expressa no reconhecimento dos sintomas.

Ainda neste bloco, pode-se fazer algumas considerações quanto às atribuições do

alimento ao sujeito, que podem estar relacionadas à natureza e também à cultura em que se

encontra inserido. Sandra demonstra uma relação com o sal que extrapola a função nutricional

da substância. A dimensão acessada pelo sal é de ordem simbólica, de modo que nenhum outro

produto ou práticas educativas que sugerem alternativas para o sal alcançam a instância de

crenças construídas historicamente nas relações de Sandra. “O alimento é imbuído de

significados simbólicos, que estabelecem e expressam relações sociais e as crenças a eles

relacionadas são difíceis de se modificar, mesmo quando interferem na nutrição adequada”

(JUSTO, 2016, p. 65).

d) Dieta alimentar

Pesquisadora: aqui no hospital a minha comida vem separada, é diferente da comida

de outra criança que está no mesmo quarto que eu. A sua comida também vem

diferente? Por que?

Sandra: nenhuma comida vinha igual onde eu estava, todos tinham dieta diferenciada

... falaram que eu não podia comer sal, mas a comida vinha bem temperadinha, e vinha

com sache de sal, eu não usava por causa da minha mãe que não deixava, mas a comida

era gostosa.

Pesquisadora: me falaram aqui no hospital que eu preciso fazer dieta hipossódica,

você sabe o que é isso? E por que eu preciso dessa dieta?

Sandra: é muito difícil essa dieta de sal, porque você tem que parar de comer

justamente o que você mais gosta... eu acho que pra estar bem temperado vai

pimenta do reino, sal e limão, depois que vem outros temperos tipo “saborama”,

orégano, essas coisas... tudo bem salgado é muuuito gostoso, de tudo isso, agora o

normal é azeite e limão, sal, nem um pouquinho... senão você passa mal tem dor

de barriga, essas coisas.

Esse excerto destaca dois momentos significativos. Inicialmente, Sandra descreve a

comida sem sal do hospital como gostosa. Em seguida, percebe-se uma aparente contradição

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quando Sandra descreve sua relação fechada com o sal, e concebe a dieta como deixar de comer

o que você mais gosta. Essa contradição ao significar a dieta, reforça a ideia de que a relação

com o alimento ultrapassa sua função nutricional. Ao descrever a comida do hospital, Sandra

demonstra aceitação e amplia o paladar para outros temperos na ausência do sal; evidencia

saciedade e aprovação nas modificações apresentadas em sua dieta. Verifica-se, também a

existência de crenças negativas que podem estar associadas à prática da dieta hipossódica como

a ausência de sabor, ainda que Sandra não tenha se dado conta, ela revela familiaridade e prazer

com outros sabores.

Pesquisadora: quem te explicou tudo isso sobre dieta?

Sandra: minha mãe.

Pesquisadora: como você se sente tendo que seguir uma dieta?

Sandra: difícil.

Pesquisadora: você precisa de ajuda para fazer dieta? Que tipo de ajuda?

Sandra: em casa é o único lugar que eu sigo direitinho, por causa da minha mãe, ela

está sempre cuidando... na escola é mais complicado porque é todo dia, é muito

difícil pra minha mãe ter lanche assim fruta pra levar todo dia.

Pesquisadora: o que você come quando está em casa?

Sandra: só eu e minha mãe que come sem sal, ela porque tem diabete, aí minha mãe

faz assim, meu arroz é integral e sem sal, os outros comem arroz normal e com

sal... às vezes, eu mesma faço minha comida.

Pesquisadora: o que você come na escola?

Sandra: eu levava uma fruta, só que eu parei, na escola eles servem comida, mas

com sal, quando eu tenho dinheiro eu compro, mas tem sal também.

Pesquisadora: E no hospital?

Sandra: eu gosto da comida de lá, é bem temperadinha.

Pesquisadora: E quando você vai à alguma festinha?

Sandra: festinha... Aí não tem como, não posso comer, mas acabo comendo... Esses

dias fui num aniversário que tinha pipoca, batata frita, cachorro quente e ainda tinha

aqueles salgadinhos... Suquinho, picolé e refrigerante. Eu comi de tudo (risos) não

tinha como não comer... Assim, tipo eu fico com dor de barriga assim né depois...

Mas é como a doutora falou nas festinhas é só uma vez, você não vai em festa todo

dia, então não tem problema.

Ao significar a dieta, nota-se a recorrência do não poder como instância norteadora

das vivências de Sandra. Neste caso, a alternativa possível é deixar de comer o que mais gosta,

com possibilidades de desenvolver estratégias específicas para suas vivências cotidianas: em

casa, reconhece na mãe um apoio favorável à prática da dieta restritiva; as respostas não

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adaptativas aparecem na negociação de ganhos secundários nas festas. Sandra admite que gosta

da comida do hospital e acrescenta que é bem temperadinha. Quanto à dieta restritiva na escola,

por ser todos os dias, Sandra afirmou que se adequa às alternativas possíveis. Este excerto

expressa a singularidade da dieta no que tange a atribuição de sentido, pois a forma que Sandra

lida com a dieta nos diferentes contextos apresentados ilustra a indissociabilidade entre

significados e sentido em um processo de significação propostos pela teoria de Vigotski. Neste

processo, considera-se que para situações idênticas como as vivenciadas no cotidiano de

Sandra, os significados se constroem de acordo com a situação vivida, ou seja, o sentido da

palavra é dinâmico e se apresenta com várias zonas de estabilidade, sendo o significado somente

uma das zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de alguma fala.

e) Adesão à dieta alimentar

Pesquisadora: o que você pensa quando lembra que tem que seguir a dieta?

Sandra: que não é fácil...

Pesquisadora: como você se sente quando lembra?

Sandra: não sei explicar sabe? Não tem como... às vezes.

Pesquisadora: você conhece alguma criança que já pensou em desistir da dieta?

Sandra: não.

Pesquisadora: Por que existem crianças que não seguem a dieta?

Sandra: porque elas não têm como às vezes...

Pesquisadora: o que acontece quando a gente não segue a dieta?

Sandra: é porque assim, meu avô né, ele tem pedra no rim, daí ele não pode comer

coisas salgadas... só que foi ele quem me ensinou “os temperinhos” (risos) ele só

come de marmita e ele não pode, só que não tá nem aí... escolhe aquelas bem

gostosas, daí ele acorda passando mal e precisa ser socorrido... quando ele

melhora esquece tudo e volta a comer de marmita.

Pesquisadora: e ao contrário, crianças que seguem a dieta, você conhece?

Sandra: não.

A presença de termos que acessam sensações, e estas, aparentemente, não encontram

correspondência na dimensão cognitiva da criança ao significar a dieta, é recorrente tanto na

fala Sandra, como na de Aline, como se o registro no âmbito das emoções impedisse o acesso

cognitivo a essa vivência. Deste modo, esse fragmento da entrevista sugere o acesso a uma zona

mais profunda e singular de significação, a zona dos sentidos: Não sei explicar sabe? Não tem

como... às vezes. Além disso, neste bloco de perguntas, ao citar o avô como referência de não

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adesão, Sandra revela nas estratégias do avô uma possível identificação dela mesma: ele não

pode comer coisas salgadas... só que foi ele quem me ensinou “os temperinhos”. O avô é

apresentado como canal de informação a respeito da dieta que anuncia, ao mesmo tempo, o que

ela pode e as consequências do que ela não pode: ... escolhe aquelas bem gostosas, daí ele

acorda passando mal e precisa ser socorrido... quando ele melhora esquece tudo e volta a

comer de marmita. A alimentação, como categoria histórica e cultural, aparece no discurso de

Sandra ao citar a origem do “temperinho com sal” apresentado pelo avô e reforça a ideia de

significados construídos historicamente e aceitos socialmente no contexto familiar que define

a estratégia alimentar associada à ideia de pertencimento.

Pesquisadora: o que existe de diferente na vida de criança que segue a dieta e daquela

que desiste de fazer a dieta?

Sandra: a que segue fica bem melhor, sem dor, não incha...

Pesquisadora: qual conselho você pode me dar para eu me sair bem no tratamento do

lúpus?

Sandra: tem que comer sem sal e parar de comer um monte de coisas que você

mais gosta, e é muuito difícil...

Pesquisadora: você pode me dizer com quem eu posso conversar mais sobre esse

assunto da dieta alimentar aqui no hospital? E depois que eu for para casa, com quem

eu posso falar sobre isso?

Sandra: com a doutora no hospital e em casa com sua mãe.

A adesão à dieta é percebida como um processo multifatorial, e, na fala de Sandra, a

relação médico-paciente-familiares aparece como base de sustentação no exercício desta

prática. Esses dados reforçam a investigação de Coelho (2008), que, ao estudar comportamentos

de não adesão, constatou que o entrosamento da tríade paciente-familiares-equipe de saúde

pode ser um fator determinante no processo de aprovação das práticas que influenciam

diretamente no processo de adesão ao tratamento de doenças crônicas. As fontes de informação

acerca da saúde e da doença estabelecem uma hierarquia no discurso de Sandra, que anuncia a

equipe de saúde e a mãe como vias de acesso às informações. Porém, nota-se a reincidência da

linguagem corporal expressa no sintoma de dor e inchaço, como principal fonte de informação.

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4.1.3. Willian: em casa eu almoço e na escola faço jejum - Caso 3

a) Identificação da criança

Willian, 8 anos, é estudante do segundo ano do Ensino Fundamental, e foi

diagnosticado com “Síndrome Nefrótica” e sua situação atual é de acompanhamento

ambulatorial. Não se lembra que idade tinha quando apareceram os primeiros sintomas, mas

afirma que faz tempo. Lembra também da preocupação dos pais com ele, quando resolveram

procurar ajuda médica. Acredita que tudo começou com uma inflamação na garganta e que o

médico que o atendeu “não era muito médico” e receitou um antibiótico errado. Com isso, as

bactérias da garganta migraram para o rim, provocando a doença. Willian demonstrou estar

informado quanto aos efeitos da doença, admitindo que é difícil deixar de comer o que gosta,

porém, compreende que se seguir a dieta certinho, obedecer às prescrições médicas e fazer de

tudo para não aparecer nada nos exames, a situação dele pode se reverter, e, aos poucos, o

médico pode liberar o sal para ele.

De acordo com os relatos de Willian, o pai trabalha na área da saúde e o mantem

informado a respeito de tudo que envolve seu tratamento. O pai de Willian demonstrou

conhecimento quanto aos direitos do filho em atendimento ambulatorial, pois quando terminou

a entrevista, pediu ajuda à pesquisadora para verificar uma solicitação de almoço que havia

feito para o filho. Dos participantes da pesquisa, foi o único que solicitou almoço e foi atendido

sem burocracia pelo hospital.

b) Doença e saúde

Pesquisadora: alô amigo, por que você está no hospital?

Willian: eu vim pra médica ver meus exames.

Pesquisadora: o que está fazendo aí agora?

Willian: Esperando a médica.

Pesquisadora: então podemos conversar? Gostaria de saber como você descobriu que

estava doente? O que você sentia, quem te contou, que idade você tinha tudo que você

lembrar.

Willian: meu pai e minha mãe tava preocupado comigo, aí ela falou pra ele levar

eu lá no hospital... eu fiquei três dias internado porque eu ficava inchado... eu

não lembro que idade eu tinha, só que faz tempo. Primeiro de tudo a garganta

minha tava inflamada, aí nós fomos no médico, só que o médico não era muito

médico, aí ele passou um remédio que era antibiótico pra negoçá a garganta, aí

não podia, aí foi dando aquela doença porque a bactéria foi indo pro rim.

Pesquisadora: o que você sentiu quando soube que estava doente?

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Willian: é muito ruim...

Pesquisadora: como era sua vida antes de você saber que estava doente? E agora,

mudou alguma coisa?

Willian: mudou que eu era magro, fiquei gordinho...eu não tinha bochecha e fiquei

com bochecha... eu não comia muito e agora tô comendo muito...

Nesse excerto, parece que a dimensão dos efeitos da doença, tratamento de saúde, bem

como a história de adoecimento de Willian, é vivenciada de forma singular e criativa. Ao narrar

sua história e deparar-se com pontos de tensão, Willian se ampara em situações específicas de

suas vivências, além de aparentemente se apropriar de histórias contadas por familiares, de um

modo que lhe permita fazer ancoragens e construir uma história que se encaixe em sua situação

atual.

c) Informações sobre a doença

Pesquisadora: você sabe alguma coisa sobre essa doença? Pode me explicar? É que

eu não entendi nada do que o médico me disse? Então eu não sei o que vai acontecer

comigo.

Willian: tem de dois tipos... síndrome nefrótica e síndrome nifrótica. A minha é

nefrótica, ela perde proteína pela urina e incha. A outra é mais difícil de cuidar, ela

perde proteína e os órgãos do rim não funciona direito. A água tem que já ir regulando,

se eu tomar muita água eu incho. O médico falou que se eu tomasse água ia reter

líquido e não ia conseguir fazer xixi, e assim, se eu baixar o remédio e não ficar

muito caindo, vai baixando até tirar o remédio... aí bota o sal... ou pode demorar

pra curar ou pode ficar, ou é rápido. E aí a doutora falou que se o remédio não tiver

fazendo efeito vai ter que fazer biópsia.

Pesquisadora: e agora o que eu preciso fazer para melhorar minha saúde?

Willian: seguir a dieta certinho, obedecer a ordem da médica e fazer de tudo pra

não dar nada no exame.

Willian, ao apresentar sua compreensão com relação ao seu diagnóstico, demonstra

esforço em se apropriar de termos técnicos que circulam em suas relações interpessoais, com

isso demonstra particularidades do processo de internalização ao se apropriar de elementos do

universo reificado. Não obstante, observa-se também a distorção, sobretudo, por conta da

subtração de informações importantes, tais como o fato de sua melhora estar condicionada a

algo que sobe e desce com referência a algo que é medido nos exames. Em outras palavras, a

partir do resultado dos exames realizados a conduta médica se modifica, portanto, os

quantitativos altos ou baixos, e também, o não saber exatamente o que se mede nesses exames,

não impedem Willian de combinar e reelaborar de forma criativa sua experiência de

adoecimento. Este processo de reelaboração criativa, analisado na perspectiva da abordagem

histórico-cultural, ajuda a compreender que no campo subjetivo também ocorrem negociações

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de Representações Sociais. Portanto, com base na experiência de Willian, é possível

compreender de que forma essas representações atravessam e influenciam significações

infantis, uma vez que ele não só interagiu com o discurso do universo reificado, como também

se apoiou nessas representações como elementos orientadores de sua forma de interpretar a

realidade.

Pesquisadora: aqui no hospital a minha comida vem separada, é diferente da comida

de outra criança que está no mesmo quarto que eu. A sua comida também vem

diferente? Por que?

Willian: a minha vinha separada, sem sal, só com temperinho... aí eu fui comendo,

comendo e fui gostando.

Pesquisadora: me falaram que eu preciso fazer dieta alimentar? Você sabe o que é isso

e por que eu preciso comer comida sem sal?

Willian: é não comer algumas coisas, antes eu comia salgadinho, não pode

comer...antes eu tomava refri, não pode. Antes eu tomava suco, suco não posso,

tem que ser natural que não é gostoso. Comer sem sal não tem gosto a comida,

só que não incha, então tem que tentar comer né?

Nesse fragmento, Willian demonstra praticidade ao significar a dieta alimentar, pois

parece que para ele a dieta não é opcional, sendo necessária, e a partir dessa compreensão, ele

consegue fazer novas elaborações na sua relação com a prática da dieta restritiva. O não inchar

aparece como condição que justifica tomadas de atitude norteadoras de comportamento de

adesão, permitindo a seguinte associação: adesão ao tratamento – adesão a dieta – não inchar.

No discurso de Willian, assim como para Aline e Sandra, essa associação é apresentada como

fonte de informação.

Pesquisadora: quem te explicou tudo isso sobre dieta?

Willian: meu pai. Ele trabalha no hospital, ele é enfermeiro, trabalha no centro

cirúrgico. Aí lá onde nós moramos em Primavera, o patrão dele é pediatra, aí ele falou

pro meu pai.

Pesquisadora: como você se sente tendo que seguir uma dieta?

Willian: eu acho ruim né?

Pesquisadora: você precisa de ajuda para fazer dieta? Que tipo de ajuda?

Willian: eu sei me cuidar porque já faz tempo que eu tenho isso.

Pesquisadora: O que você come quando está em casa?

Willian: Arroz, feijão, carne, batatinha, carninha, salada... com temperinho.

Pesquisadora: E na escola?

Willian: em casa eu almoço e na escola fico de jejum. No recreio fico sentado.

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Pesquisadora: ou no hospital?

Willian: eu como a comida do hospital.

Pesquisadora: e quando você vai à alguma festinha?

Willian: Meu pai fala pra alguém fazer comida separada pra mim, sem sal.

Em casa eu almoço e na escola faço jejum, no recreio fico sentado. É com essa frase

que Willian apresenta a significação da dieta em sua vivência cotidiana de casa e escola. Ao

atribuir sentido à dieta, Willian constrói representações a partir de suas vivências em seu meio

social, que lhe apresenta a dieta como uma prática difícil, porém, necessária. Ele demonstra

autonomia na prática da dieta e conta com o apoio do pai para desenvolver estratégias de

enfrentamento, conforme o que relatou das festas que frequenta: Meu pai fala pra alguém fazer

comida separada pra mim, sem sal. Willian aparenta uma relação diferenciada com a dieta, não

há exceção, em cada contexto ele encontra condições ideais para seguir a dieta. Seja porque seu

pai o ajuda a contornar situações complexas como uma festa, seja porque ele adotou estratégias

de enfrentamento como não comer na escola. Willian parece alimentar a esperança de cura, e,

de certa forma, estabelece uma relação diferente com a dieta, mesmo compartilhando da ideia

de que seja uma coisa ruim.

d) Adesão à dieta alimentar

Pesquisadora: o que você pensa quando lembra que tem que seguir a dieta?

Willian: penso que é ruim.

Pesquisadora: como você se sente quando lembra?

Willian: que eu tenho que tentar comer.

Pesquisadora: você conhece alguma criança que já pensou em desistir da dieta?

Willian: esses dias, um tempo atrás, eu tava internado, aí tinha um amiguinho que ele

tinha a mesma coisa que eu, só que aí ele vinha em um mês, cada mês fazer pulso,

aí ele não seguia a dieta ele ficava tomando muita água e descompensou.

Pesquisadora: por que existem crianças que não seguem a dieta?

Willian: porque se vim sem tempero, não tem gosto a comida.

Pesquisadora: o que acontece quando a gente não segue a dieta?

Willian: incha.

Pesquisadora: e ao contrário, crianças que seguem a dieta. Você conhece?

Willian: eu tinha um amiguinho e ele era o Luidi ele tratava lá em cima em Primavera.

Aí descobriu que ele tinha Síndrome Nefrótica aí ele veio aqui, aí eles não

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conseguiram, aí ele foi pra Curitiba no hospital Pequeno Príncipe, aí ele foi curado

lá.

Pesquisadora: o que existe de diferente na vida de criança que segue a dieta e das que

não seguem?

Willian: o que segue vai ficar curado... pode demorar...

Pesquisadora: qual conselho você pode me dar para eu me sair bem no tratamento da

Síndrome Nefrótica descompensada?

Willian: seguir a dieta certinho e obedecer às ordens da médica.

Pesquisadora: você pode me dizer com quem eu posso conversar mais sobre esse

assunto da dieta alimentar aqui no hospital? E depois que eu for para casa, com que

eu posso falar sobre isso?

Willian: a médica conversa com meu pai e o meu pai me explica tudo.

O discurso médico e o paterno veiculam informações a respeito da doença e adesão ao

tratamento citados por Willian. Neste fragmento, a análise acerca das vivências de outras

crianças aparece em dois momentos como uma nova fonte de informação para além dos

discursos médicos e familiares, o saber do outro como forma de saber de mim. Primeiramente,

Willian apresenta a não adesão ao tratamento do amiguinho associada à descompensação da

doença. Em seguida, apresenta o amigo que aderiu ao tratamento e foi curado. A dinâmica das

diferentes fontes de informação também pode ser legitimada no reconhecimento do sintoma

como resultado de não adesão: a criança que não segue a dieta incha. Parece que crenças de

saúde são acessadas por Willian sempre que ele se propõe a pensar na dieta como uma prática

necessária, e, neste contexto, Willian se apropria de palavras do discurso médico, tais como

pulso e descompensar, reforçando, assim, a ideia de que a criança se apropria do repertório de

palavras científicas que anunciam sintomas e procedimentos em um esforço para tornar familiar

o que não faz sentido em suas vivências.

4.1.4. Benjamim: é mais ou menos muita coisa... - Caso 4

a) Identificação da criança

Benjamim é um menino de 12 anos, estudante do sexto ano do Ensino

Fundamental, diagnosticado com “Pedra no Rim” desde o útero materno. Considera o

diagnóstico em fase uterina favorável à sua adaptação, por não ter conhecido outra

realidade, de modo que a dieta hipossódica o acompanha desde as primeiras refeições.

Demonstra conhecimento a respeito de sua patologia, e, em alguns momentos, se

apropria da linguagem médica para se expressar. Ele entende que a proteína de alguns

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alimentos acumula e vai direto para o rim, gerando cálculos em um processo muito

doloroso. Define dieta com o termo – difícil – pois é deixar de comer os alimentos que

gosta, mas considera que tudo pode ser negociado com o tempo. Relata que atualmente

consegue administrar uma dieta em parceria com a mãe que lhe possibilita fazer

negociações dentro de um limite. Acrescenta, ainda, que com conhecimento e

criatividade a dieta deixa de ser aquela coisa triste e repetitiva (dois adjetivos para

explicar a amplitude do termo ruim).

A abordagem de Benjamim foi uma das mais difíceis, pois ele usava o cabelo

no ombro e fio reto, dificultando que a pesquisadora o olhasse nos olhos. No pedido de

autorização da mãe, para que ele participasse da pesquisa, Benjamim se manifestou

ignorando a pesquisadora e balançando a cabeça negativamente enquanto implorava

com o olhar fixo na mãe para que ela não permitisse. A mãe consentiu e tentou persuadi-

lo de forma carinhosa.

Nesse momento, a pesquisadora pediu que ele a acompanhasse para lhe

explicar sua participação, assegurando que participar ou não da entrevista seria uma

escolha dele e ainda que consentisse em participar, poderia interrompê-la em qualquer

momento caso quisesse. Após o esclarecimento verbal da participação de Benjamim na

pesquisa, foi-lhe entregue o termo de assentimento. Ele leu o termo, e ao invés de

assinar, parou e disse que a letra dele era muito feia. A pesquisadora falou

informalmente de algumas teorias a respeito da escrita, nas quais, a letra feia pode estar

relacionada com rapidez de ideias e pensamentos que não são acompanhados pela

coordenação motora. Ele se interessou pelo tema e começou a falar da relação dele com

a escrita, dizendo que tem muitas ideias, mas quando pensa em escrever bate uma

preguiça... que ele prefere digitar. A pesquisadora sugeriu que ele digitasse seus dados

no tablet e acionasse a gravação quando se sentisse pronto para iniciar a entrevista.

Benjamim demonstrou facilidade em executar a tarefa e daí para frente a entrevista fluiu

bem.

b) Doença e saúde

Pesquisadora: por que você está no hospital?

Benjamim: vim consultar com a doutora.

Pesquisadora: o que está fazendo aí?

Benjamim: esperando ela chamar.

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Pesquisadora: como você descobriu que estava doente?

Benjamim: eu percebia que minha mãe às vezes falava sempre pra mim não comer

tal coisa, ou às vezes falava pra eu comer coisas mais saudáveis e tal... eu fui

percebendo também pela frequência de vezes que vínhamos para o hospital...

porque de mês à mês a gente vinha pra cá, porque a gente morava em Rondônia.

Pesquisadora: o que você sentiu quando soube que estava doente?

Benjamim: na verdade, eu não sentia, por causa que eu descobri... a minha mãe... foi

descoberto quando eu ainda estava dentro da barriga dela. Eu não sentia ainda.

Nesse excerto, Benjamim descreve o contexto em que ele se percebeu nas diferenças

regidas pela doença crônica e tratamento de saúde. Ao narrar sua história, relaciona o hospital

à médica e à comida saudável como os primeiros sinais que lhe permitiram associações

indicativas de adoecimento. Os cuidados dispensados a ele por conta do diagnóstico de “Pedra

no rim” era o que ele conhecia como cuidados naturais, aos quais ele correspondia como quem

não sentia ainda os efeitos da doença em sua vida. O perceber-se nesse contexto, sinaliza o que

Vigotski (2010) identifica como presença de um fator intelectual, sinalizando que a criança

começa a entender o processo de significação de um fenômeno, ou seja, surge uma orientação

consciente em suas próprias vivências.

Tal apropriação é percebida também nos discursos anteriores ao relatar suas histórias

de adoecimento, fazendo aproximações a partir do que lhes foi contado em um processo de

reelaboração criativa que lhes permite participar da construção social da realidade (VIGOTSKI,

2009, p. 36).

c) Informações sobre a doença

Pesquisadora: você sabe alguma coisa sobre essa doença? Pode me explicar? É que

eu não entendi nada do que o médico me disse? Então eu não sei o que vai acontecer

comigo.

Benjamim: a proteína dos alimentos, acumula e vai gerando cálculos dentro do rim,

ela vai direto pro rim e às vezes pode gerar pedra ou situação pior, é muito

doloroso. Quando tem pedra, não é só uma dorzinha que depois passa, fica todo dia,

direto. Sem pedra, os sintomas quase nem sinto.

Pesquisadora: e agora o que eu preciso fazer para melhorar minha saúde?

Benjamim: conversar com os doutores e fazer o que eles falam que é pra fazer.

Neste fragmento, parece que Benjamim se apropria de termos científicos em um

esforço para tornar o estranho da doença que lhe causa desconforto, em algo familiar que ele

consiga nomear. Com tais apropriações, Benjamim demostra estar informado quanto ao

processo de adoecimento, e, em contrapartida, consegue desenvolver estratégias de

enfrentamento em obediência a ordem médica. A equipe médica é citada como fonte de

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informação por Benjamim, e, como nos demais casos, a linguagem do corpo é expressa no

sintoma de dor.

d) Dieta alimentar

Pesquisadora: Aqui no hospital a minha comida vem separada, é diferente da comida

de outra criança que está no mesmo quarto que eu. A sua comida também vem

diferente? Por que?

Benjamim: Minha comida vem separada vem bem sem sal e minha mãe não podia

trazer nada de fora mesmo sendo saudável. Tinha que comer a comida do

hospital.

Pesquisadora: Me falaram que eu preciso fazer dieta alimentar? Você sabe o que é

isso e por que eu preciso comer comida sem sal?

Benjamim: É não comer muitas coisas, no meu caso tipo leite, sal e muito açúcar,

muita proteína também não posso porque, às vezes, o rim começa a doer... É uma

dorzinha, um inchaço... É bem difícil.

Pesquisadora: quem te explicou tudo isso sobre dieta?

Benjamim: tanto os doutores, quanto minha mãe.

Pesquisadora: como você se sente tendo que seguir uma dieta?

Benjamim: é bem difícil, como vou explicar, é mais ou menos muita coisa, tipo

posso comer muita coisa boa e ficar só descansando também (risos) isso pode. Mas

gosto de brincadeiras de movimento também, só que quando faço muito movimento

o rim começa a doer.

Vivências reguladas pelo não pode, são destacadas por Benjamim para explicar sua

rotina alimentar no hospital. A princípio, a dieta é apresentada em forma de discurso

generalizado: é deixar de comer muita coisa... porém, quando Benjamim se propõe a falar de

si: no meu caso...se depara com registros dos sintomas que lhe causam visível desconforto.

Neste fragmento, dois momentos são evidenciados na significação da dieta por Benjamim:

primeiramente, a partir de suas interações quando se apropria do discurso médico ou das

informações transmitidas pela mãe. Em um segundo momento, esse material é reelaborado a

partir de suas vivências, e, nesta reelaboração, para Benjamim, a dieta adquire sentido singular,

de modo que ele não encontra no nível cognitivo palavras que a representem: como vou

explicar... neste percurso, parece que Benjamim avança para zonas mais profundas de sentido

a respeito da qual ainda é difícil dizer, acessando sensações sem correspondência no campo

cognitivo, de modo que a significação da dieta é expressa na frase: é mais ou menos muita

coisa.

Pesquisadora: você precisa de ajuda para fazer dieta? Que tipo de ajuda?

Benjamim: minha mãe me ajuda, mas eu consigo lidar com a dieta.

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Pesquisadora: o que você come quando está em casa?

Benjamim: eu como a vontade... como tipo coisa normal e às vezes, como coisa

diferente bem moderado.

Pesquisadora: e na escola?

Benjamim: na escola eu não como, na hora do lanche eu vou comer em casa, eu moro

em frente à escola e minha mãe prepara um lanche mais moderado em casa, ela faz

uma comida mais saudável.

Pesquisadora: ou no hospital?

Benjamim: eu como só o que tem lá...

Pesquisadora: e quando você vai à alguma festinha?

Benjamim: não vou em festinha (risos) não gosto muito de multidão.

A compreensão do sentido da dieta restritiva, a partir de significados

compartilhados, envolve diferentes contextos de interações, porém, para Benjamim em casa foi

o único lugar apresentado com amplas possibilidades para a prática da dieta. Ele demonstrou

estratégias específicas diferentes das outras crianças, uma vez que associa a dieta à presença e

mesmo proximidade do contexto familiar. Na sua relação com a dieta, sua casa aparece como

principal, ou único cenário de atuação, sempre em parceria com a mãe.

e) Adesão à dieta alimentar

Pesquisadora: o que você pensa quando lembra que tem que seguir a dieta?

Benjamim: (risos) eu fico meio cansado e tipo dá uma preguiça de fazer isso.

Pesquisadora: como você se sente quando lembra?

Benjamim: (risos) Eu fico tipo eu me lembro mais quando vou comer coisa

moderada, aí começo a me preocupar e tenho que fazer uma forcinha pra comer.

(Risos) minha mãe libera salgadinho uma vez por semana pra mim, nas quintas.

(Risos) eu pego um salgadinho que tipo, o que menos tem um pouco de como vou

dizer, ácido, essas coisas. O mais moderado que nem... o queijo sobre o leite, mas eu

pego o queijo porque é o mais saudável que tem no meio dos salgadinhos, tipo

presunto, churrasco essas coisas, o queijo é o melhor que tem. O original é muito

salgado.

A recorrência do termo preguiça que foi empregado no início da entrevista para

justificar a letra feia, aqui é para não pensar na dieta. Preguiça seguida de cansaço aparece como

ponto de ancoragem daquilo que Benjamim não dá conta, ou seja, como obstáculo ao

desenvolvimento da autorregulação. Ele demonstra estar implicado com o tratamento de modo

que quando se refere a essa preguiça, parece que se permite, desde que esteja sob a segurança

dos cuidados da mãe, e só se preocupa quando a mãe o libera da dieta. Ao ser liberado da dieta

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pela mãe para comer moderado, a preguiça coloca Benjamim em movimento, se transforma em

preocupação e resulta em formas criativas de aderir à dieta. Moderado parece ser a palavra que

Benjamim usa para pensar a dieta e suas estratégias de enfrentamento.

Pesquisadora: você conhece alguma criança que já pensou em desistir da dieta?

Benjamim: não.

Pesquisadora: por que existem crianças que não seguem a dieta?

Benjamim: porque é muito difícil.

Pesquisadora: o que acontece quando a gente não segue a dieta?

Benjamim: passa mal (risos).

Pesquisadora: e ao contrário, crianças que seguem a dieta. Você conhece?

Benjamim: não também.

Pesquisadora: o que existe de diferente na vida de criança que segue a dieta e daquela

que desiste de fazer a dieta?

Benjamim: a gente fica melhor no caso da saúde.

Pesquisadora: qual conselho você pode me dar para eu me sair bem no tratamento da

pedra no rim?

Benjamim: no começo é bom seguir firme, daí no finalzinho é bom já liberar um

dia por semana pra não ficar tão triste, só naquele negócio repetitivo.

O termo moderado parece também ser o contrário da repetição. A palavra que

possibilita a Benjamim se livrar da rigidez do tratamento.

Pesquisadora: você pode me dizer com quem eu posso conversar mais sobre esse

assunto da dieta alimentar aqui no hospital? E depois que eu for para casa, com quem

eu posso falar sobre isso?

Benjamim: no caso, a doutora me deixa mais informado.

Aqui, a médica é citada como principal fonte de informação, mas é a mãe quem resolve

as dificuldades do percurso, de modo a criar laços muito fortes de Benjamim com o ambiente

doméstico, ou mesmo restringir seu processo de inserção social, tendo a dieta como elemento

central e de certo modo, limitador.

4.2 Levantamento de Pré-Indicadores

Nesta etapa foram apresentados os pré-indicadores levantados na fala de cada sujeito

a partir das entrevistas. Tal material foi selecionado em negrito na própria entrevista após

leituras flutuantes realizadas com intuito de identificar palavras ou termos com significados que

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remetessem ao objetivo deste estudo. O quadro abaixo foi organizado em quatro blocos e cada

um deles agrupa separadamente o material levantado em cada entrevista.

Assim, de acordo com Aguiar e Ozella (2006), os pré-indicadores são recortes na fala

do sujeito com significados que revelam o objetivo investigado e constituem a realidade sócio

histórica expressa na entrevista.

Quadro 4 - Levantamento dos Pré-indicadores

Caso 1: 1) saber se tá bom; 2) se tiver bom; 3) baixar meus remédios; 4) esperando a doutora 5) meus pais me

contaram; 6) eu tinha dois anos; 7) eles deram uma vasilhinha de skyni pra eu mais minha prima comer; 8)

amanheci toda inchada; 9) me senti ruim; 10) a médica já explicou; 11) minha mãe também; 12) mas não sei

nada; 13) se eu comer o que não posso, eu incho; 14) Tem que seguir a dieta; 15) minha comida vem separada.;

16) outras comidas têm sal e a minha não; 17) dieta é não comer o que não pode; 18) não ficar tudo inchado;

19) meu pai e minha mãe; 20) eu me sinto ruim; 21) de um jeito ruim que não dá pra explicar; 22) eu incho; 23)

só fico deitada; 24) às vezes minha mãe precisa ficar cuidando; 25) falando as coisas que eu não posso comer;

26) um pouquinho de sal, cebola, coentro; 27) eu peço pra mulher da cozinha me dá uma bolacha, um iogurte;

28) quando tem ela dá; 29) deixar minha merenda sem sal; 30) elas não fazem; 31) minha comida vem separada;

32) sem sal; 33) eu tomo um pouco de refrigerante; 34) um pouco de cachorro quente; 35) brinco bastante; 36)

penso que é ruim; 37) eu me sinto ruim; 38) quando incha tudo; 39) porque é teimosa; 40) você incha assim ó;

41) faz bem pra ela; 42) não comer as comidas que não pode; 43) pra você não inchar; 44) eu falo com meu pai

e com a minha mãe; 45) com as mulher merendeiras que me conhecem há muito tempo; 46) com a professora;

Caso 2: 1) trazer meus exames pra doutora; 2) marcar mais exames; 3) eu tinha inchaço; 4) eu não andava; 5)

ficava paralisada; 6) fazia exame e não achava; 7) depois de três ou quatro meses que descobriram que eu tinha

lúpus; 8) foi até legal; 9) até descobrir eu ficava muito mal; 10) inchada; 11) antes era muito difícil; 12) eu

ficava muito mal; 13) depende do que você come; 14) e aí complica tudo; 15) dá dor de barriga, incha; 16) é

muito difícil; 17) depende muito do que você come; 18) eu não posso comer sal; 19) tudo que é gostoso tem

sal; 20) gosto de coisas salgadas; 21) bem salgadas; 22) tinham dieta diferenciada; 23) eu não podia comer sal;

24) a comida vinha bem temperadinha; 25) vinha com sache de sal; 26) eu não usava por causa da minha mãe

que não deixava; 27) a comida era gostosa; 28) é muito difícil essa dieta de sal; 29) você tem que parar de comer

justamente o que você mais gosta; 30) vai pimenta do reino, sal e limão; 31) tudo bem salgado é muuuito

gostoso; 32) sal, nem um pouquinho; 33) senão você passa mal; 34) dor de barriga; 35) minha mãe; 36) difícil;

37) minha mãe, ela está sempre cuidando; 38) na escola é mais complicado porque é todo dia; 39) é muito difícil

pra minha mãe ter lanche assim fruta pra levar todo dia; 40) só eu e minha mãe que come sem sal; 41) meu

arroz é integral e sem sal; 42) os outros comem arroz normal e com sal; 43) eu mesma faço minha comida; 44)

eu levava uma fruta; 45) na escola eles servem comida, mas com sal; 46) hospital, eu gosto da comida de lá;

47) é bem temperadinha; 48) não tem como; 49) não posso comer; 50) mas acabo comendo; 51) Eu comi de

tudo; 52) não tinha como não comer; 53) eu fico com dor de barriga assim né depois; 54) é como a doutora

falou; 55) festinhas é só uma vez; 56) você não vai em festa todo dia; 57) não é fácil; 58) não sei explicar sabe;

59) Não tem como... às vezes; 60) elas não têm como às vezes; 61) meu avô né, ele tem pedra no rim; 62) foi

ele quem me ensinou “os temperinhos”; 63) ele só come de marmita e ele não pode; 64) não tá nem aí; 65)

escolhe aquelas bem gostosas; 66) acorda passando mal; 67) precisa ser socorrido; 68) quando ele melhora

esquece tudo; 69) volta a comer; 70) a que segue fica bem melhor; 71) sem dor; 72) não incha; 73) tem que

comer sem sal; 74) parar de comer um monte de coisas que você mais gosta; 75) é muuito difícil;

Caso 3: 1) prá médica ver meus exames; 2) meu pai e minha mãe tava preocupado comigo; 3) ela falou pra ele

levar eu lá no hospital...; 4) fiquei três dias internado; 5) ficava inchado...; 6) não lembro que idade eu tinha; 7)

faz tempo; 8) a garganta minha tava inflamada; 9) nós fomos no médico; 10) o médico não era muito médico;

11) passou um remédio que era antibiótico pra negoçá a garganta; 12) não podia; 13) foi dando aquela doença;

14) a bactéria foi indo pro rim; 15 é muito ruim; 16) mudou; 17) eu era magro, fiquei gordinho; 18) não tinha

bochecha e fiquei com bochecha; 19) não comia muito e agora tô comendo; 20) se eu tomar muita água eu

incho; 21) se eu baixar o remédio e não ficar muito caindo, vai baixando até tirar o remédio; 22) aí bota o sal;

23) pode demorar pra curar ou pode ficar, ou é rápido; 24) seguir a dieta certinho; 25) obedecer a ordem da

médica; 26) fazer de tudo pra não dar nada no exame; 27) a minha vinha separada; 28) sem sal; 29) só com

temperinho; 30) fui comendo, comendo e fui gostando; 31) é não comer algumas coisas; 32) antes eu comia

salgadinho, não pode; 33) antes eu tomava refri, não pode; 34) Antes eu tomava suco, suco não posso; 35) tem

que ser natural que não é gostoso; 36) comer sem sal não tem gosto a comida; 37) só que não incha; 38) então

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tem que tentar comer né; 39) meu pai; 40) eu acho ruim né; 41) eu sei me cuidar; 42) com temperinho; 43) na

escola fico de jejum; 44) No recreio fico sentado; 45) eu como a comida do hospital; 46) meu pai fala pra

alguém fazer comida separada pra mim, sem sal; 47) penso que é ruim; 48) tenho que tentar comer; 49) ele

tinha a mesma coisa que eu; 50) fazer pulso; 51) ele não seguia a dieta; 52) descompensou; 53) não tem gosto

a comida; 54) incha; 55) aí ele foi curado lá; 56) vai ficar curado; 57) , pode demorar; 58) seguir a dieta certinho;

59) obedecer às ordens da médica; 60) a médica conversa com meu pai; 61) o meu pai me explica tudo;

Caso 4: 1) consultar com a doutora; 2) esperando ela chamar; 3) não comer tal coisa; 4) minha mãe às vezes

falava 5) não comer tal coisa; 6) comer coisas mais saudáveis; 7) eu não sentia; 8) estava dentro da barriga dela;

9) proteína dos alimentos; 10) gerando cálculos; 11) pode gerar pedra ou situação pior; 12) é muito doloroso;

13) Sem pedra, os sintomas quase nem sinto; 14) conversar com os doutores; 15) fazer o que eles falam que é

pra fazer; 16) vem separada; 17) vem bem sem sal; 18) não podia trazer nada de fora mesmo sendo saudável;

19) Tinha que comer a comida do hospital; 20) é não comer muitas coisas; 21) também não posso; 22) é uma

dorzinha, um inchaço; 23) é bem difícil; 24) os doutores; 25) minha mãe; 26) é bem difícil; 27) é mais ou menos

muita coisa; 28) tipo posso comer muita coisa boa; 29) ficar só descansando; 30) isso pode; 31) quando faço

muito movimento o rim começa a doer; 32) minha mãe me ajuda; 33) eu consigo lidar com a dieta; 34) eu como

a vontade; 35) tipo coisa normal; 36) às vezes como coisa diferente bem moderado; 37) na escola eu não como;

38) lanche mais moderado em casa; 39) comida mais saudável; 40) eu como só o que tem lá; 41) não vou em

festinha; 42) eu fico meio cansado; 43) dá uma preguiça; 44) coisa moderada; 45) aí começo a me preocupar;

46) fazer uma forcinha pra comer; 47) , minha mãe libera salgadinho; 48) O mais moderado; 49) é muito difícil;

50) passa mal; 51) a gente fica melhor; 52) é bom seguir firme; 53) é bom já liberar; 54) pra não ficar tão triste;

55) só naquele negócio repetitivo; 56) a doutora me deixa mais informado;

4.3 Dos pré-indicadores aos indicadores

Concluída a primeira fase, buscou-se aglutinar os pré-indicadores em indicadores que

revelaram unidades menores de análise. Nesta etapa os diversos termos identificados na fala

dos sujeitos foram agrupados seguindo critérios de “similaridade”, “complementação” e

“contraposição” segundo a proposta de Aguiar e Ozella (2006). Tal procedimento permitiu a

inferência e sistematização de alguns indicadores apresentados no quadro abaixo.

Quadro 5 - Organização dos Pré-Indicadores e Indicadores

Pré-indicadores Indicadores

Caso 1- 1) saber se tá bom; 2) se tiver bom; 3) baixar meus remédios;

4) esperando a doutora.

Caso 2- 1) trazer meus exames pra doutora; 2) marcar mais exames.

Caso 3– 1) prá médica ver meus exames; 8) se eu baixar o remédio e

não ficar muito caindo, vai baixando até tirar o remédio;

Caso 4– 1) consultar com a doutora; 2) esperando ela chamar.

1) O acompanhamento

ambulatorial no contexto de

doenças renais crônicas.

Caso 1- 5) meus pais me contaram; 10) a médica já explicou; 11)

minha mãe também; 12) mas não sei nada; 44) eu falo com meu pai

e com a minha mãe; 45) com as mulher merendeiras que me

conhecem há muito tempo; 46) com a professora;

Caso 2- 35) minha mãe; 53) 61) meu avô né, ele tem pedra no rim;

62) foi ele quem me ensinou “os temperinhos”; 76) com a doutora no

hospital; 77) em casa com sua mãe.

2) Principais fontes de

informação sobre a DRC para

crianças em acompanhamento

ambulatorial

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Caso 3- 39) meu pai; 60) a médica conversa com meu pai; 61) o meu

pai me explica tudo;

Caso 4–14) conversar com os doutores; 15) fazer o que eles falam

que é pra fazer; 24) os doutores; 25) minha mãe; 32) minha mãe me

ajuda; 56) a doutora me deixa mais informado;

Caso 1- 8) amanheci toda inchada; 13) se eu comer o que não posso,

eu incho; 18) não ficar tudo inchado; 22) eu incho; 23) só fico

deitada; 38) quando incha tudo; 40) você incha assim ó; 43) pra você

não inchar;

Caso 2– 3) eu tinha inchaço; 4) eu não andava; 5) ficava paralisada;

10) inchada; 15) dá dor de barriga, incha, 33) senão você passa mal;

34) dor de barriga; eu fico com dor de barriga assim né depois; 71)

sem dor; 72) não incha;

Caso 3– 5) ficava inchado...; 8) a garganta minha tava inflamada; 20)

se eu tomar muita água eu incho; 37) só que não incha; 54) incha;

Caso 4– 12) é muito doloroso; 13) sem pedra, os sintomas quase nem

sinto; 22) é uma dorzinha, um inchaço; 29) ficar só descansando; 30)

isso pode; 31) quando faço muito movimento o rim começa a doer;

42) eu fico meio cansado; 43) dá uma preguiça; 50) passa mal;

3) Sintomas entendidos como

linguagem corporal

Caso 2- 61) meu avô né, ele tem pedra no rim; 62) foi ele quem me

ensinou “os temperinhos”; 63) ele só come de marmita e ele não

pode; 64) não tá nem aí; 65) escolhe aquelas bem gostosas; 66)

acorda passando mal; 67) precisa ser socorrido; 68) quando ele

melhora esquece tudo; 69) volta a comer;

Caso 3– 49) ele tinha a mesma coisa que eu; 51) ele não seguia a

dieta; 52) descompensou 55) aí ele foi curado lá; 56) vai ficar curado;

57) pode demorar;

4) Saber do outro como forma

de saber de si

Caso 1- 5) meus pais me contaram; 6) eu tinha dois anos; 7) eles

deram uma vasilhinha de skyni pra eu mais minha prima comer; 8)

amanheci toda inchada; 13) se eu comer o que não posso, eu incho;

Caso 2- 3) eu tinha inchaço; 4) eu não andava; 5) ficava paralisada;

6) fazia exame e não achava; 7) depois de três ou quatro meses que

descobriram que eu tinha lúpus; 8) foi até legal; 9) até descobrir eu

ficava muito mal;

Caso 3– 2) meu pai e minha mãe tava preocupado comigo, 3) ela

falou pra ele levar eu lá no hospital...; 4) fiquei três dias internado; 5)

ficava inchado...; 6) não lembro que idade eu tinha; 7) faz tempo; 8)

a garganta minha tava inflamada; 9) nós fomos no médico; 10) o

médico não era muito médico; 11) passou um remédio que era

antibiótico pra negoçá a garganta; 12) não podia; 13) foi dando

aquela doença; 14) a bactéria foi indo pro rim; 15) eu ficava inchado;

Caso 4- 4) minha mãe às vezes falava 5) não comer tal coisa; 6)

comer coisas mais saudáveis; 7) eu não sentia; 8) estava dentro da

barriga dela; 9) proteína dos alimentos; 10) gerando cálculos; 11)

pode gerar pedra ou situação pior; 12) é muito doloroso; 13) sem

pedra, os sintomas quase nem sinto;

5) Dos primeiros sintomas ao

diagnóstico: diferentes

vivências de adoecimento

Caso 1– 9) me senti ruim; 20) eu me sinto ruim 21) de um jeito ruim

que não dá pra explicar; 36) penso que é ruim; 37) eu me sinto ruim;

Caso 2- 8) foi até legal; 12) eu ficava muito mal; 16) é muito difícil;

36) difícil, 57) não é fácil; 59) não tem como... às vezes; 75) é muuito

difícil;

6) Saúde e doença na

singularidade do pensar e sentir

atrelado ao diagnóstico de DRC.

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Caso 3– 15 é muito ruim; 40) eu acho ruim né; 47) penso que é ruim;

Caso 4- 23) É bem difícil; 26) é bem difícil; 49) é muito difícil; 50)

passa mal; 51) a gente fica melhor;

Caso 1- 1) saber se tá bom; 2) se tiver bom; 3) baixar meus remédios;

14) tem que seguir a dieta;

Caso 3– 21) se eu baixar o remédio e não ficar muito caindo, vai

baixando até tirar o remédio; 22) aí bota o sal; 23) pode demorar pra

curar ou pode ficar, ou é rápido; 24) seguir a dieta certinho; 25)

obedecer a ordem da médica; 26) fazer de tudo pra não dar nada no

exame; 56) vai ficar curado; 57) pode demorar; 58) seguir a dieta

certinho; 59) obedecer às ordens da médica;

Caso 4- 3) não comer tal coisa; 6) comer coisas mais saudáveis; 13)

Sem pedra, os sintomas quase nem sinto; 15) fazer o que eles falam

que é pra fazer; 28) tipo posso comer muita coisa boa; 29) ficar só

descansando; coisa diferente

7) Crença em saúde

Caso 1- 13) se eu comer o que não posso, eu incho; 14) tem que

seguir a dieta; 15) minha comida vem separada; 16) outras comidas

têm sal e a minha não; 17) dieta é não comer o que não pode; 18) não

ficar tudo inchado; 25) falando as coisas que eu não posso comer; 26)

um pouquinho de sal, cebola, coentro; 27) eu peço pra mulher da

cozinha me dá uma bolacha, um iogurte; 28) quando tem ela dá; 29)

deixar minha merenda sem sal; 30) elas não fazem; 31) minha comida

vem separada; 32) sem sal; 33) eu tomo um pouco de refrigerante;

34) um pouco de cachorro quente; 35) brinco bastante; 42) não comer

as comidas que não pode;

Caso 2- 18) eu não posso comer sal; 28) é muito difícil essa dieta de

sal; 29) você tem que parar de comer justamente o que você mais

gosta; 32) sal, nem um pouquinho; 41) meu arroz é integral e sem sal;

42) os outros comem arroz normal e com sal; eu levava uma fruta;

45) na escola eles servem comida, mas com sal; 46) hospital, eu gosto

da comida de lá; 47) é bem temperadinha; 73) tem que comer sem

sal; 74) parar de comer um monte de coisas que você mais gosta;

Caso 3– 27) a minha vinha separada; 28) sem sal; 29) só com

temperinho; 30) fui comendo, comendo e fui gostando; 31) é não

comer algumas coisas; 32) antes eu comia salgadinho, não pode; 33)

antes eu tomava refri, não pode; 34) antes eu tomava suco, suco não

posso; 35) tem que ser natural que não é gostoso; 36) comer sem sal

não tem gosto a comida; 37) só que não incha; 38) então tem que

tentar comer né; 43) na escola fico de jejum; 44) No recreio fico

sentado; 45) eu como a comida do hospital; 46) nas festas meu pai

fala pra alguém fazer comida separada pra mim, sem sal; 53) não tem

gosto a comida;

Caso 4- 5) não comer tal coisa; 6) comer coisas mais saudáveis; 16)

vem separada; 17) vem bem sem sal; 18) não podia trazer nada de

fora mesmo sendo saudável; 19) tinha que comer a comida do

hospital; 20) é não comer muitas coisas; 21) também não posso; 34)

eu como a vontade; 35) tipo coisa normal; 36) às vezes como coisa

diferente bem moderado; 37) na escola eu não como; 38) lanche mais

moderado em casa; 39) comida mais saudável; 40) eu como só o que

tem lá; 41) não vou em festinha; 44) coisa moderada; 45) aí começo

a me preocupar; 46) fazer uma forcinha pra comer; 47) minha mãe

libera salgadinho; 48) O mais moderado;

8) Contradições quanto a prática

da dieta restritiva, ora como

proibição de uma ação, ora

como possibilidade de

negociação

Caso 1- 24) às vezes minha mãe precisa ficar cuidando; 25) falando

as coisas que eu não posso comer; 27) eu peço pra mulher da cozinha

me dá uma bolacha, um iogurte; 28) quando tem ela dá; 29) deixar

9) Protagonismo da criança no

contexto de DRC.

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minha merenda sem sal; 30) elas não fazem; 33) eu tomo um pouco

de refrigerante; 34) um pouco de cachorro quente; 35) brinco

bastante; 44) eu falo com meu pai e com a minha mãe; 45) com as

mulher merendeiras que me conhecem há muito tempo; 46) com a

professora;

Caso 2- 26) eu não usava por causa da minha mãe que não deixava;

37) minha mãe, ela está sempre cuidando; 39) é muito difícil pra

minha mãe ter lanche assim fruta pra levar todo dia; 43) eu mesma

faço minha comida; 49) não posso comer; 50) mas acabo comendo;

53) eu fico com dor de barriga assim né depois; 59) Não tem como...

às vezes;

Caso 3– 2) meu pai e minha mãe tava preocupado comigo; 2) meu

pai e minha mãe tava preocupado comigo; 24) seguir a dieta certinho;

25) obedecer a ordem da médica; 26) fazer de tudo pra não dar nada

no exame; 36) comer sem sal não tem gosto a comida; 37) só que não

incha; 38) então tem que tentar comer né; 41) eu sei me cuidar; 43)

na escola fico de jejum; 44) No recreio fico sentado; 45) eu como a

comida do hospital; 46) meu pai fala pra alguém fazer comida

separada pra mim, sem sal;

Caso 4- 4) minha mãe às vezes falava 5) não comer tal coisa; 6)

comer coisas mais saudáveis; 15) fazer o que eles falam que é pra

fazer; 15) fazer o que eles falam que é pra fazer; 37) na escola eu não

como; 38) lanche mais moderado em casa; 39) comida mais saudável;

40) eu como só o que tem lá; 41) não vou em festinha; 45) aí começo

a me preocupar; 46) fazer uma forcinha pra comer;

Caso 1- 27) na escola, eu peço pra mulher da cozinha me dá uma

bolacha, um iogurte; 28) quando tem ela dá; 29) deixar minha

merenda sem sal; 30) elas não fazem; 31) no hospital, minha comida

vem separada; 32) sem sal; 33) na festa, eu tomo um pouco de

refrigerante; 34) um pouco de cachorro quente; 35) brinco bastante;

Caso 2- 37) minha mãe, ela está sempre cuidando; 38) na escola é

mais complicado porque é todo dia; 39) é muito difícil pra minha mãe

ter lanche assim fruta pra levar todo dia; 40) só eu e minha mãe que

come sem sal; 41) meu arroz é integral e sem sal; 42) os outros

comem arroz normal e com sal; 43) eu mesma faço minha comida;

44) eu levava uma fruta; 45) na escola eles servem comida, mas com

sal; 46) hospital, eu gosto da comida de lá; 47) é bem temperadinha;

48) não tem como; 49) não posso comer; 50) mas acabo comendo;

51) Eu comi de tudo; 52) não tinha como não comer; 53) eu fico com

dor de barriga assim né depois;

Caso 3– 41) eu sei me cuidar; 43) na escola fico de jejum; 44) no

recreio fico sentado; 45) eu como a comida do hospital; 46) na festa,

meu pai fala pra alguém fazer comida separada pra mim, sem sal;

Caso 4- 33) eu consigo lidar com a dieta; 34) eu como a vontade; 35)

tipo coisa normal; 36) às vezes como coisa diferente bem moderado;

37) na escola eu não como; 38) lanche mais moderado em casa; 39)

comida mais saudável; 40) eu como só o que tem lá; 41) não vou em

festinha;

10) Dieta restritiva no cotidiano

de casa, escola, hospital e festas

para crianças com diagnostico

de DRC

Caso 1- 13) se eu comer o que não posso, eu incho; 14) tem que

seguir a dieta; 16) outras comidas têm sal e a minha não; 17) dieta é

não comer o que não pode; 36) penso que é ruim; 37) eu me sinto

ruim; 42) não comer as comidas que não pode;

Caso 2- 13) depende do que você come; 18) eu não posso comer sal;

19) tudo que é gostoso tem sal; 29) você tem que parar de comer

justamente o que você mais gosta; 33) senão você passa mal; 37)

11) Princípio orientador do

pensamento

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minha mãe, ela está sempre cuidando; 48) não tem como; 70) a que

segue fica bem melhor;

Caso 3– 20) se eu tomar muita água eu incho; 21) se eu baixar o

remédio e não ficar muito caindo, vai baixando até tirar o remédio;

23) pode demorar pra curar ou pode ficar, ou é rápido; 24) seguir a

dieta certinho; 25) obedecer a ordem da médica; 26) fazer de tudo pra

não dar nada no exame; 36) Comer sem sal não tem gosto a comida;

37) Só que não incha; 38) então tem que tentar comer né; 47) penso

que é ruim; 48) tenho que tentar comer; 53) não tem gosto a comida;

56) vai ficar curado; 57) , pode demorar;

Caso 4- 11) pode gerar pedra ou situação pior; 13) sem pedra, os

sintomas quase nem sinto; 15) fazer o que eles falam que é pra fazer;

28) tipo posso comer muita coisa boa; 29) ficar só descansando; 31)

quando faço muito movimento o rim começa a doer; 45) aí começo a

me preocupar; 46) fazer uma forcinha pra comer; 52) é bom seguir

firme; 53) é bom já liberar; 54) pra não ficar tão triste;

Caso 1- 13) se eu comer o que não posso, eu incho; 14) tem que

seguir a dieta; 15) minha comida vem separada; 16) outras comidas

têm sal e a minha não; 17) dieta é não comer o que não pode; 26) um

pouquinho de sal, cebola, coentro; 31) minha comida vem separada;

32) sem sal; 35) brinco bastante; 42) não comer as comidas que não

pode; 43) pra você não inchar;

Caso 2- 18) eu não posso comer sal; 22) tinham dieta diferenciada;

23) eu não podia comer sal; 29) você tem que parar de comer

justamente o que você mais gosta; 32) sal, nem um pouquinho; 40)

só eu e minha mãe que come sem sal; 41) meu arroz é integral e sem

sal; 44) eu levava uma fruta; 45) , na escola eles servem comida, mas

com sal; 46) no hospital, eu gosto da comida de lá; 47) é bem

temperadinha; 49) não posso comer; 50) mas acabo comendo; 74)

parar de comer um monte de coisas que você mais gosta;

Caso 3– 27) a minha vinha separada; 28) sem sal; 29) só com

temperinho;31) é não comer algumas coisas; 32) antes eu comia

salgadinho, não pode; 33) antes eu tomava refri, não pode; 34) antes

eu tomava suco, suco não posso; 35) tem que ser natural que não é

gostoso; 36) comer sem sal não tem gosto a comida; 43) na escola

fico de jejum; 44) No recreio fico sentado; 45) eu como a comida do

hospital; 46) na festa, meu pai fala pra alguém fazer comida separada

pra mim, sem sal;

Caso 4- 16) vem separada; 17) vem bem sem sal; 18) não podia trazer

nada de fora mesmo sendo saudável; 19) tinha que comer a comida

do hospital; 20) é não comer muitas coisas; 33) eu consigo lidar com

a dieta; 34) eu como a vontade; 35) tipo coisa normal; 36) às vezes

como coisa diferente bem moderado; 37) na escola eu não como; 38)

lanche mais moderado em casa; 39) comida mais saudável; 40) eu

como só o que tem lá; 41) não vou em festinha; 47) , minha mãe

libera salgadinho; 48) O mais moderado;

12) Limites da Dieta no

contexto da DRC

Caso 1- 5) meus pais me contaram; 10) a médica já explicou; 11)

minha mãe também; 12) mas não sei nada; 13) se eu comer o que não

posso, eu incho; 24) às vezes minha mãe precisa ficar cuidando; 25)

falando as coisas que eu não posso comer; 27) eu peço pra mulher da

cozinha me dá uma bolacha, um iogurte; 28) quando tem ela dá; 33)

eu tomo um pouco de refrigerante; 34) um pouco de cachorro quente;

35) brinco bastante; 39) porque é teimosa; 44) eu falo com meu pai e

com a minha mãe; 45) com as mulher merendeiras que me conhecem

há muito tempo; 46) com a professora;

13) Representação social de

Criança, atrelada ao diagnóstico

de DRC

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Caso 2- 26) eu não usava por causa da minha mãe que não deixava;

37) minha mãe, ela está sempre cuidando; 40) só eu e minha mãe que

come sem sal; 43) eu mesma faço minha comida; 44) eu levava uma

fruta; 49) não posso comer; 50) mas acabo comendo; 51) Eu comi de

tudo; 52) não tinha como não comer; 53) eu fico com dor de barriga

assim né depois;

Caso 3– 21) se eu baixar o remédio e não ficar muito caindo, vai

baixando até tirar o remédio; 22) aí bota o sal; 30) fui comendo,

comendo e fui gostando; 31) é não comer algumas coisas; 32) antes

eu comia salgadinho, não pode; 33) antes eu tomava refri, não pode;

34) antes eu tomava suco, suco não posso; 35) tem que ser natural

que não é gostoso; 36) comer sem sal não tem gosto a comida; 37)

Só que não incha; 38) então tem que tentar comer né; 41) eu sei me

cuidar; 43) na escola fico de jejum; 44) No recreio fico sentado; 45)

eu como a comida do hospital; 46) Meu pai fala pra alguém fazer

comida separada pra mim, sem sal; 48) tenho que tentar comer; 60)

a médica conversa com meu pai; 61) o meu pai me explica tudo;

Caso 4- 14) conversar com os doutores; 15) fazer o que eles falam

que é pra fazer; 28) tipo posso comer muita coisa boa; 29) ficar só

descansando; 30) isso pode; 31) quando faço muito movimento o rim

começa a doer; 32) minha mãe me ajuda; 33) eu consigo lidar com a

dieta; 34) eu como a vontade; 35) tipo coisa normal; 36) às vezes

como coisa diferente bem moderado; 37) na escola eu não como; 38)

lanche mais moderado em casa; 39) comida mais saudável; 40) eu

como só o que tem lá; 41) não vou em festinha; 45) aí começo a me

preocupar; 47) minha mãe libera salgadinho; 56) a doutora me deixa

mais informado;

Caso 1- 27) eu peço pra mulher da cozinha me dá uma bolacha, um

iogurte; 28) quando tem ela dá; 29) deixar minha merenda sem sal;

30) elas não fazem; 31) minha comida vem separada; 32) sem sal;

33) eu tomo um pouco de refrigerante; 34) um pouco de cachorro

quente; 35) brinco bastante;

Caso 2- 17) depende muito do que você come; 24) a comida vinha

bem temperadinha; 30) vai pimenta do reino, sal e limão; 38) na

escola é mais complicado porque é todo dia; 39) é muito difícil pra

minha mãe ter lanche assim fruta pra levar todo dia; 44) eu levava

uma fruta; 45) na escola eles servem comida, mas com sal; 46) eu

gosto da comida de lá; 47) é bem temperadinha; 48) não tem como;

49) não posso comer; 50) mas acabo comendo; 62) foi ele quem me

ensinou “os temperinhos”;

Caso 3– 21) se eu baixar o remédio e não ficar muito caindo, vai

baixando até tirar o remédio; 29) só com temperinho; 30) fui

comendo, comendo e fui gostando; 43) na escola fico de jejum; 44)

no recreio fico sentado;

Caso 4- 34) eu como a vontade; 35) tipo coisa normal; 36) às vezes

como coisa diferente bem moderado; 37) na escola eu não como; 38)

lanche mais moderado em casa; 39) comida mais saudável; 40) eu

como só o que tem lá; 41) não vou em festinha; 45) aí começo a me

preocupar; 46) fazer uma forcinha pra comer; 47) minha mãe libera

salgadinho; 48) O mais moderado.

14) Criatividade no contexto de

dieta restritiva

Caso 1- 13) se eu comer o que não posso, eu incho; 15) minha comida

vem separada; 16) outras comidas têm sal e a minha não; 17) dieta é

não comer o que não pode; 25) falando as coisas que eu não posso

comer; 42) não comer as comidas que não pode;

15) Significados compartilhados

sobre dieta restritiva, nos grupos

de pertencimento da criança em

tratamento ambulatorial.

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Caso 2- 13) depende do que você come; 14) tem que seguir a dieta;

23) eu não podia comer sal; 28) é muito difícil essa dieta de sal; 29)

você tem que parar de comer justamente o que você mais gosta; 30)

vai pimenta do reino, sal e limão; 32) sal, nem um pouquinho; 49)

não posso comer; 73) tem que comer sem sal; 74) parar de comer um

monte de coisas que você mais gosta;

Caso 3– 27) a minha vinha separada; 28) sem sal; 29) só com

temperinho; 31) é não comer algumas coisas; 36) comer sem sal não

tem gosto a comida; 42) com temperinho; 46) meu pai fala pra

alguém fazer comida separada pra mim, sem sal; 53) não tem gosto

a comida;

Caso 4- 3) não comer tal coisa; 6) comer coisas mais saudáveis; 14)

conversar com os doutores; 15) fazer o que eles falam que é pra fazer;

16) vem separada; 17) vem bem sem sal; 20) é não comer muitas

coisas; 21) também não posso; 28) tipo posso comer muita coisa boa;

34) eu como a vontade; 35) tipo coisa normal; 36) às vezes como

coisa diferente bem moderado; 37) na escola eu não como; 38) lanche

mais moderado em casa; 39) comida mais saudável; ; 47) , minha

mãe libera salgadinho; 48) O mais moderado;

4.4 Núcleos de Significação

A análise dos casos, tomando como ponto de partida os significados

compartilhados pelos sujeitos da pesquisa, nortearam a identificação de seis Núcleos de

Significação assim nomeados:

1. Negativa como princípio orientador do pensamento;

2. Inchaço como principal fonte de informação;

3. Tornar o estranho familiar;

4. Dieta: contextos, limites e atitudes e a reinvenção do eu após o diagnóstico;

5. Discurso médico, diferentes famílias, diferentes vivências e estratégias de

enfrentamento;

6. O protagonismo da criança e a representação de si.

4.4.1 Negativa como princípio orientador do pensamento e a reinvenção do eu

após o diagnóstico

A partir do diagnóstico de doença renal crônica, o não poder como princípio que

anuncia o novo passa a fazer parte da rotina das crianças em tratamento ambulatorial. Nas

práticas relatadas percebeu-se conteúdos de afeto emergentes, ancorados em termos do tipo

ruim e difícil. Os termos recorrentes nos quatro casos analisados anunciaram a presença de um

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fator intelectual que aciona vivências, que, ao serem acessadas despertam sensações que não

encontram correspondência no campo cognitivo, justificando os termos ruim e difícil,

carregados de significados individuais. Estes termos se apresentam como pontos de ancoragem

do sujeito, que, ao se deparar com percepções ou sensações despertadas a partir de suas

vivências, faz um movimento para encontrar uma significação para essas sensações que causam

desconforto. A recorrência dos termos ruim e difícil aparece como significação possível,

considerando o repertório cultural das crianças entrevistadas. Por meio destes termos, anunciam

sensações e conflitos psíquicos despertados na tentativa de nomear ou classificar a prática da

dieta restritiva como prescrição médica.

4.4.2 Fontes de informação

O discurso médico e os pais foram citados como principais fontes de informação pelos

sujeitos desse estudo acerca de suas patologias e tratamento de saúde. O discurso médico é

direciona do aos responsáveis pela criança, e estes transmitem as orientações em formato de

cuidados e advertências à criança. Assim, de acordo com Moscovici (197), o discurso médico

apresentado à criança, passando primeiro pelos pais, anuncia uma representação do discurso,

uma vez que entre o que é tomado e o que é devolvido ao real deixa entrever que a representação

do discurso é um discurso novo.

A professora e a merendeira também foram citadas como fontes de informação em um

dos casos (Aline). Além das fontes citadas, foi considerado também a observação da vivência

de outra criança, como no caso de Willian, que cita um amigo revelando a si próprio no saber

do outro. Ou quando Sandra cita o avô anunciando uma possível identificação, pois se

aconteceu com ele, pode acontecer comigo. O papel da comunicação, em suas diversas formas

de expressão, se torna visível também na linguagem corporal, que é um aspecto evidente na

observação do próprio corpo que se comunica com gestos, posturas, e, principalmente, nos

aspectos citados: dor, inchaço, corpo em movimento e corpo paralisado. A dinâmica das

diferentes fontes de informação pode ser legitimada no reconhecimento dos termos de inchaço,

prostração, desvitalização que no contexto das DRC são compreendidos como pontos de tensão,

cujas ancoragens evidenciam o diagnóstico da doença. O corpo que fala por meio dos sintomas

foi recorrente nos quatro casos estudados como principal fonte de comunicação que contribui

para a adesão à dieta, ainda que ancorados em representações ruins e difíceis.

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4.4.3 Tornar o estranho familiar

Esta aparente contradição resulta da relação entre um repertório familiar à criança e

novas significações difundidas por diferentes fontes de informação a partir do diagnóstico de

doenças crônicas. Novas palavras do universo reificado são anunciadas e reconhecidas como

linguagem médica. Ao se apropriar do repertório de palavras científicas que anunciam sintomas

e procedimentos, percebe-se o esforço da criança em encontrar uma significação no âmbito de

seu repertório cultural para nomear o não familiar, atribuindo-lhe sentido.

Aline demonstra resistência em assimilar o não familiar, pois parece que ela seleciona

que tipo de informação irá reter, e, na sua relação com a doença, ancora o não familiar em uma

ligação direta entre a ingestão de sal, inchaço e dieta, como algo ruim. Sandra, por sua vez,

descreve o esforço em tentar tornar familiar sintomas que não faziam sentido para ela. Depois

de quatro meses de investigação, o diagnóstico trouxe novas possibilidades de ancoragem no

tratamento. Willian, ao introduzir em seu repertório palavras do discurso médico, tais como

pulso e descompensar, demonstra esforço em tornar familiar palavras científicas relacionadas

aos sintomas e procedimentos que lhe causaram desconforto. Benjamim se apropria da

dinâmica da patologia ao descrevê-la a partir de termos técnicos: proteína, cálculos, rim e

moderado parece que tal apropriação lhe permite tornar familiar a dieta e desenvolver

estratégias de enfrentamento.

4.4.4 Dieta: contextos, limites e atitudes

Este núcleo permitiu explorar diferentes dimensões com relação à significação da

dieta, associadas a contextos específicos de interações sociais dos sujeitos. Assim, a dieta

restritiva, sendo analisada, primeiramente, em uma dimensão relacional que se estabelece a

partir de possíveis interações entre a criança, os pais e a médica, institui comportamentos de

obediência e resignação que se destacaram como escolha possível e que propiciaram também

uma definição identitária. Tais referências à dieta encontram justificativas também na esperança

da cura como atitude norteadora de comportamentos de seguimento da dieta, ainda que sua

representação compartilhada seja de uma prática ruim e difícil. Ao atribuir sentido à dieta, cada

sujeito demonstrou autoria, em diferentes níveis, considerando sua condição atual com

possibilidades de reorganizar sua experiência de forma significativa, tendo os pais como

principal rede de apoio nos diferentes contextos cotidianos de casa, escola e festas.

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A questão socioeconômica também apareceu como elemento de influência acessado

na significação da dieta. Tal questão revelou o potencial criativo nos dados apresentados tanto

das crianças como de sua rede de apoio como interpretes ativos e criativos de sua realidade,

desenvolvendo, por conseguinte, estratégias de adequação à dieta. Nos casos em que a criança

precisa agir sozinha, a relação de adesão dela com a dieta passa pelo brincar - comer pouco e

brincar muito; pelo temperinho – Sem sal, mas com temperinho; pelo ficar sentado. No recreio

fico sentado; e pelo comer moderado – com o tempo a dieta deixa de ser aquela coisa triste e

repetitiva.

A pressão normativa, considerada como a dinâmica de saberes que circulam nos

discursos como forma de legitimar a autoridade do saber médico e dos próprios pais, foi

evidenciada por meio vivências orientadas pelo não pode, pelos ganhos na obediência e pelas

consequências da teimosia. Assim sendo, foi possível perceber no comportamento das crianças

a adoção de elementos representacionais que circundam no contexto de suas relações como

repertório próprio. São elementos capazes de preservar sua identidade diante do novo. Tal

movimento foi percebido como necessário quando a criança se depara com novas

representações de saúde e doença e sobre si mesma, que se resumem na frase do que eu sempre

gostei e agora não posso mais ou quando se avança para zonas mais profundas de sentido a

respeito das quais ainda é difícil dizer e acessam então sensações sem correspondência no

campo cognitivo, de modo que a significação da dieta é expressa nas frases: é ruim; é difícil; é

mais ou menos muita coisa.

4.4.5 Discurso médico, diferentes famílias, diferentes vivências e estratégias de

enfrentamento

A compreensão do sentido atribuído à prática da dieta envolveu diferentes contextos

cotidianos da criança em tratamento. As análises contemplaram mais amplamente a

complexidade da dieta restritiva como prescrição médica e também como prática associada à

mudança de estilo de vida. Dos significados compartilhados nos grupos de pertencimento das

crianças em tratamento, as diferenças evidenciaram cada história, nas quais cada criança

atribuiu sentido singular à dieta a partir de suas vivências no contexto de suas interações sociais.

Assim, a médica aparece como fonte de informação a respeito da doença e tratamento e também

como referência no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. Os dados mostraram

também diferentes histórias de adoecimento: ainda no útero, na ingestão de sal, na suposta

ingestão de uma medicação errada ou na dificuldade de se chegar a um diagnóstico; tais

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histórias se encontram nos significados compartilhados acerca da dieta como prática ruim e

difícil. Também se observou consonância na relação direta da dieta com prognóstico favorável:

se eu baixar o remédio e não ficar muito caindo, vai baixando até tirar o remédio... aí bota o

sal.... Nessa associação, perceberam-se comportamentos de adesão, como também o

desenvolvimento de estratégias de enfrentamento justificados em atitudes que favoreceram

negociações diante de situações limites: daí não tem jeito; moderado; de vez em quando; nunca.

4.4.6 O protagonismo da criança e a representação de si

De forma geral, em maior ou menor grau, a representação do eu está vinculada à

imagem de uma criança obediente que precisa ser protegida pelos adultos, anunciando, em certo

sentido, uma relação na qual a criança é cuidada pelo outro. No entanto, é possível identificar

a emergência de um eu que, em situações específicas, quando não há companhia dos pais, se

anuncia capaz de se autorregular, adotando, para tanto, estratégias de enfrentamento – brincar,

sentar, ingerir moderadamente, substituir o sal pelo temperinho.

Diante de tais significações, pode-se pensar que a representações social a respeito da

criança ancorada na imagem de inocência e fragilidade, amplamente compartilhada nos grupos

sociais, atravessa os processos de significação da dieta, dialogando com as vivências das

crianças em questão. Tal aspecto pode explicar a ênfase revelada na obediência e dependência

do adulto em detrimento da ideia de autocuidado. Porém, para se referir a imagem de uma

criança que se desenvolve a partir dos princípios de autonomia, representação menos recorrente

nas trocas sociais, os dados mostraram que a autonomia da criança é vivenciada em diferentes

níveis nos casos estudados. Porém, parece não ser reconhecida conscientemente pelas crianças

como uma potencialidade do seu eu.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse em compreender a dinâmica da articulação indissociável entre significados

e sentidos atribuídos à dieta restritiva, na perspectiva da criança em tratamento de saúde,

motivou o desenvolvimento desse estudo. A investigação partiu de significados

compartilhados, com intuito de identificar significações infantis atribuídas à prática da dieta

que pudessem orientar ações de adesão ao tratamento.

As entrevistas foram analisadas buscando explorar no repertório dos sujeitos

representações de saúde e doença; informações referentes à doença associadas às respectivas

fontes de informações; significação da dieta restritiva e níveis de adesão à dieta no cotidiano de

casa, escola, festas e no hospital.

De início, na contextualização dos sujeitos, o estudo evidenciou uma realidade na qual

a criança, a partir do diagnóstico, passa a ter prioridade na família. Seja pelas exigências de

cuidados especiais, pela dieta diferenciada ou nos gastos extras que incluem o deslocamento

para o tratamento, bem como as reorganizações familiares a fim de atender as necessidades da

criança ou até mesmo no deslocamento da família que deixa a cidade de origem e fixa residência

em outra cidade para se adequar ao tratamento.

Nos diferentes contextos percebeu-se a emergência de conteúdos afetivos, seja nas

histórias contadas à criança acerca do diagnóstico tanto em fase uterina ou na primeira fase do

desenvolvimento, como também nas vivências acessadas pela criança que participou do

processo de investigação dos seus sintomas. No consenso das análises foram identificados seis

núcleos de significação que revelaram o percurso investigado.

Assim, a negativa como princípio orientador do pensamento abarca indicadores

aglutinados que reforçam o quanto as significações infantis são atravessadas por representações

regidas pelo não, este é anunciado na perspectiva infantil por meio de suas principais fontes de

informação. Ou seja, a criança em tratamento de saúde entra em contato tanto com o não do

discurso médico expresso na prescrição do tratamento, como o não das práticas educativas

compartilhadas por familiares e demais pessoas que fazem parte do cotidiano dessas crianças.

Além do contato com as novas representações vinculadas ao diagnóstico, as crianças

em questão se deparam também com o desconforto dos sintomas que lhes causam

estranhamento. Deste modo, na tentativa de tornar o estranho familiar, demonstraram

habilidades diferenciadas na reelaboração deste material. Aline resiste às novas representações

apresentadas e seleciona as informações retidas; Sandra descreve o desconforto de se conviver

com sintomas estranhos até o momento da ancoragem no diagnóstico do Lúpus, Willian e

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Benjamim se apropriam de palavras do vocabulário médico com intuito de desenvolver

estratégias de enfrentamento.

Ainda quando se trata de dieta: contextos, limites, atitudes e reinvenção do eu após o

diagnóstico, este núcleo abarcou respectivamente representações de dieta e representações de

criança em uma relação que permitiu análises diferenciadas do tipo: que representações são

consideradas neste contexto? Representação de saúde e doença, representação de dieta? Ou

representação de criança?

Assim, no contexto desse estudo, ao atribuir sentido à dieta, a criança que está em

condição de adoecimento crônico, aparentemente, intervém em um ambiente regulado pela

alteridade. No entanto, com base na análise dos dados compreende-se que “ela cuida de mim”

é diferente de “eu sei me cuidar”; “obedecer é diferente de escolher”; “a vida descrita pela

impossibilidade é diferente da perspectiva de possibilidade”.

A autoria da criança é percebida justamente na aparente potência do outro sobre ela,

uma vez que a criança atua em diversos contextos cotidiano. E, neste sentido, o “ela cuida de

mim se revela no eu sei me cuidar” pela capacidade da criança produzir representações,

retirando elementos de suas interações, e, nesse movimento, fazer novas combinações a partir

de suas vivências. Deste modo, a criança é considerada como intérprete ativa em seu contexto

social, até mesmo quando ancora suas situações de conflito no saber do outro.

Assim, na fala dessas crianças, a dieta hipossódica é significada a partir da

impossibilidade, atravessada por representações regidas pelo não poder, pela proibição, pela

ausência e pela falta. Porém, a partir dos núcleos identificados, o comer pouco e brincar

bastante de Alline; os temperinhos de Sandra; ou as técnicas desenvolvidas por Willian: eu fui

comendo e fui gostando; bem como o comer moderado de Benjamim anunciam que o sal que

contém todo sabor esta diluído em multissabores de possibilidades no cotidiano dessas crianças,

ainda que aparentemente elas não tenham se dado conta desse fato.

Diante do exposto, com a proposta de investigar significações infantis relacionadas à

dieta restritiva, os núcleos destacados neste estudo demonstraram também que no processo de

construção social da realidade, se evidenciam níveis de adesão a representações que afetam

determinados grupos. Estas são entendidas como objeto representacional que influenciam no

processo de adesão.

Tais constatações somadas ao reconhecimento da criança como sujeito histórico-

cultural, participante ativo e criativo nos processos de sua constituição identitária, deixa

elementos para se pensar em práticas de educação em saúde voltadas ao autocuidado e

autorregulação. Deste modo, se percebe que há indícios para que novas investigações sejam

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empreendidas, com a finalidade de aumentar a visibilidade do tema por ora estudado, o qual,

por sua magnitude merece atenção e dedicação dos estudiosos da área.

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APÊNDICES

APÊNDICE A

Roteiro de entrevista com criança

1 - Identificação da criança:

Nome

Idade

Escolaridade

Tempo de internação

Causa da internação

Primeira internação (histórico de internações quando for o caso)

Acompanhante

Tipo de restrição alimentar

Introdução

Olá, obrigada por aceitar conversar comigo. Eu pensei em brincar com você de faz de conta e

nesta brincadeira podemos conversar sobre o que quisermos. A brincadeira é a seguinte:

Imagine que você tem um amigo ou uma amiga, quem você preferir, que está em outro hospital

e vocês podem se falar pelo celular ou pela internet. Esse(a) seu/sua amigo(a) acabou de saber

que tem o mesmo problema de saúde que você, no caso ele(a) tem xxxxxxx (falar o nome da

doença que a criança é portadora.

Então ela está muito interessada em saber detalhes sobre esse assunto.

Pode ser?

Eu vou gravar para não me esquecer de tudo que você disse. Tudo bem?

Então vamos começar.

Primeiro escolha um nome que você deseja usar nessa brincadeira. Pode ser apelido, o que você

preferir.

Oi xxxxx (nome escolhido pela criança)

Por onde você anda?

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2 - Doença e saúde:

Por que você está no hospital? O que está fazendo aí?

Como você descobriu que estava doente? (O que você sentia, quem te contou, que idade você

tinha)

O que você sentiu quando soube que estava doente?

Como era sua vida antes de você saber que estava doente? E agora, mudou alguma coisa?

3 - Informações sobre a doença:

Sabe, eu também estou no hospital, os médicos estão achando que eu tenho a mesma coisa

que você xxxxxxx (dizer o nome da doença)

Você sabe alguma coisa sobre essa doença? Pode me explicar? É que eu não entendi nada do

que o médico me disse? Então eu não sei o que vai acontecer comigo. (Explorar o

conhecimento sobre o funcionamento do organismo, função do rim, pulmão, pâncreas, o que

se aplicar no caso da criança)

Por que isso aconteceu com a gente?

E agora o que eu preciso fazer para melhorar minha saúde?

4 - Dieta Alimentar:

Aqui no hospital a minha comida vem separada, é diferente da comida de outra criança que

está no mesmo quarto que eu. A sua comida também vem diferente? Por que?

Me falaram que eu preciso fazer dieta alimentar? Você sabe o que é isso e por que eu preciso

comer comida sem xxx (sal, açúcar a depender do caso)?

Quem te explicou tudo isso sobre dieta?

Como você se sente tendo que seguir uma dieta?

Você precisa de ajuda para fazer dieta? Que tipo de ajuda? (Orientação, gestão do cardápio

pelos familiares, verificar se a criança tem acesso à comida ou passa necessidade com relação

a esse aspecto)

O que você come quando está em casa?

E na escola?

Ou no hospital?

E quando você vai à alguma festinha?

5 - Adesão à dieta alimentar:

O que você pensa quando lembra que tem que seguir a dieta?

Como você se sente quando lembra?

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Você conhece alguma criança que já pensou em desistir da dieta?

Por que existem crianças que não seguem a dieta?

O que acontece quando a gente não segue a dieta?

E ao contrário, crianças que seguem a dieta. Você conhece?

Como será ela se sente seguindo a dieta?

O que existe de diferente na vida de criança que segue a dieta e daquela que desiste de fazer a

dieta?

Qual conselho você pode me dar para eu me sair bem no tratamento da xxxxx?

Você pode me dizer com quem eu posso conversar mais sobre esse assunto da dieta alimentar

aqui no hospital? E depois que eu for para casa, com que eu posso falar sobre isso?

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APÊNDICE B

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Para o responsável pela criança)

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, da pesquisa A

significação da dieta para crianças com restrição alimentar: um estudo sobre adesão

representacional realizada pelas pesquisadoras Ilza de Andrade Carvalho (Mestranda) e

Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade (Orientadora) integrantes do

Programa de Pós Graduação em Educação da UFMT.

Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte

do estudo, assine ao final deste documento, em duas vias – uma delas é sua e a outra é do

pesquisador responsável. Em caso de recusa você não terá nenhum prejuízo em sua relação com

o pesquisador ou com a instituição que recebe assistência. Caso sinta necessidade, você poderá

a qualquer momento encerrar a sua participação.

O objetivo desse estudo é identificar e compreender os efeitos da dieta com restrição

alimentar na vida da criança e analisar em que esses fatores influenciam sua aceitação ao

tratamento

Sua participação nestes estudos consistirá em: autorizar que a criança sob sua

responsabilidade participe de brincadeiras e que essa atividade seja observada e gravada;

permitir o acesso a informações do prontuário; responder algumas perguntas e permitir que elas

sejam gravadas. Os procedimentos deste estudo serão adotados de forma a provocar o menor

nível de desconforto possível à criança.

O benefício para a participação da criança nesse estudo, consiste na importância de se

oferecer escuta à criança como forma dela organizar seu conhecimento com relação a doença e

ao tratamento, e, a partir disto, espera-se, levantar informações úteis para o planejamento de

programas educativos que aumentem a chance das crianças aceitarem a dieta como parte do

tratamento.

Contamos com sua participação espontânea e gratuita, assim como dentro de sua

disponibilidade de tempo e interesse.

O conteúdo das informações colhidas por esta pesquisa será mantido em sigilo, e

analisado posteriormente. Eles servirão como base para a reflexão, elaboração de relatórios e

confecção de publicações.

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Você receberá uma cópia desse termo onde tem o nome, telefone e endereço do

pesquisador responsável, para que você possa localizá-lo a qualquer tempo. Seu nome é Ilza de

Andrade Carvalho ([email protected]), mestranda do programa de pós-graduação do

Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso e telefone de contato ((65)

9218-4934, 9998-5798). Em caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa

do Hospital Universitário Júlio Muller – UFMT, pelo telefone (65) 3615- 8254, com a Prof.

Shirley F. Pereira (coordenadora).

Considerando os dados acima, CONFIRMO estar sendo informado por escrito e verbalmente

dos objetivos destes estudos e em caso de divulgação AUTORIZO a publicação.

Eu (nome do participante ou responsável) .............................................................................................

Idade: ...............Sexo: ...............Naturalidade: ..........................................................................................

RG Nº :.........................................declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha

participação na pesquisa e concordo em participar.

Assinatura do participante (do responsável): ....................................................................................

Nome da criança: ..................................................................................................................................

Número do prontuário: ........................................................................................................................

Data de nascimento: .............................................................................................................................

Assinatura do pesquisador responsável: ............................................................................................

Cuiabá ,......de ....................... de 2015.

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APÊNDICE C

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA CRIANÇAS

Meu nome é Ilza de Andrade Carvalho e eu estou estudando para ser pesquisadora. Desejo

entender o que sentem e pensam as crianças que precisam fazer dieta por causa de uma doença.

Você pode me ajudar conversando comigo sobre o assunto. Você participa se quiser e, se

preferir podemos parar a qualquer momento, é só avisar.

Caso queira participar, preciso da sua autorização para gravar a sua voz, porque este é um Jeito

para eu não me esquecer de tudo que você falar.

Para participar você terá que assinar nesse papel o seu nome e idade.

Eu (nome do participante) ...................................................................................................

Idade: .......... Declaro que entendi minha participação na pesquisa e concordo em participar.

Assinatura do participante: .......................................................................................................

Assinatura do pesquisador responsável: ..................................................................................

Cuiabá, ...........de....................................de 2015.