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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
ROSANGELA DE OLIVEIRA
A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE
DE INFECÇÃO NA UTI DE UM SERVIÇO PÚBLICO
DE SAÚDE EM MATO GROSSO
CUIABÁ-MT
2007
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ROSANGELA DE OLIVEIRA
A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE
INFECÇÃO NA UTI DE UM SERVIÇO PÚBLICO DE
SAÚDE EM MATO GROSSO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Área de Concentração: Processos e Práticas em Saúde e Enfermagem Linha de Pesquisa: Direito, Ética e Cidadania no Contexto dos Serviços de Saúde. Orientadora: Profª. Dr.ª Sônia Ayako Tao Maruyama
CUIABÁ-MT 2007
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Oliveira, Rosangela de A integralidade nas práticas de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso. Cuiabá, 2007. 194 p. Dissertação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso - Área de Concentração: Processos e Práticas em Saúde e Enfermagem Orientadora: Maruyama, Sônia Ayako Tao
Orientadora: Dra. S
1. Unidades de Terapia Intensiva 2. Infecção Hospitalar. 3. Assistência Integral à Saúde
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DEDICO ESTE TRABALHO A
Aurival , Gustavo e Guilherme
Meus pais José e Aparecida
Meus irmãos Fátima, Rosemary, José Mário, Rosely e Paulo
que, mesmo distantes, sempre me incentivaram a continuar
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MEUS AGRADECIMENTOS
À Deus, por me dar forças e coragem para continuar nos
momentos em que me sentia cansada, aflita e frágil perante
as adversidades
Com carinho especial à minha orientadora pela paciência,
dedicação e esforço em me ajudar a encontrar o caminho
certo a seguir, não medindo esforços para que pudesse
concluir este trabalho. Obrigado pela sua amizade e
compreensão, especialmente nos meus momentos difíceis e
pela sua disponibilidade em partilhar seus conhecimentos
Às professoras pelo incentivo e pelas valiosas contribuições no
meu aprendizado e na concretização deste trabalho, em
especial as que compuseram a banca da defesa
À colega, agora amiga Ana Paula que muito contribuiu no
meu crescimento, através das nossas muitas reuniões de
estudos e incansáveis discussões no msn
Aos meus colegas de trabalho da Vigilância Sanitária pelo
estímulo, pelas liberações quando se fazia necessário e na
divisão das tarefas para tornar menos penosa a minha
caminhada no período de realização deste trabalho
A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram
para a concretização deste trabalho
Muito obrigado
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APOIO
Este subprojeto está vinculado a Pesquisa financiada pelo
CNPq sob o nº 402866/2005-3 - Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-
DECIT nº 34/2005 - Área de influência da BR 163: “Os desafios
e perspectivas do SUS na atenção à saúde em municípios da
área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato Grosso” -
Grupo de Pesquisa Enfermagem Saúde e Cidadania – GPESC,
linha de pesquisa: Integralidade, Práticas de Atenção e de
Gestão e Evento-sentinela.
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“A verdadeira viagem da
descoberta consiste não em
procurar novas paisagens, mas em
vê-las com outros olhos”
Marcel Proust
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OLIVEIRA, Rosangela de. A Integralidade nas práticas de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso. 2007. Dissertação de (Mestrado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação em Enfermagem. Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Enfermagem, Cuiabá, 194 p. Orientador: Drª. Sônia Ayako Tao Maruyama
RESUMO
O estudo teve como objetivo compreender como se conforma a organização das práticas de controle de infecção hospitalar no atendimento à integralidade numa UTI (adulto) pública do Município de Cuiabá, referência hospitalar da área de abrangência da BR 163. Os referenciais teóricos que embasaram a compreensão do fenômeno foram as infecções hospitalares, os princípios da Integralidade e alguns conceitos de Michel Foucault (as relações de poder e a disciplinarização). Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa. A coleta de dados foi realizada através da observação participante e da análise de alguns documentos da unidade. Da análise dos dados, emergiram duas categorias: o espaço da UTI na perspectiva da Integralidade e os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo assistencial da UTI sob o enfoque da Integralidade. A primeira categoria gerou três sub-categorias: o espaço da UTI; o espaço de cuidado do corpo das pessoas internadas e o espaço de controle do corpo do trabalhador e do corpo doente. Da segunda categoria emergiram cinco sub-categorias: as relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas de controle de infecção hospitalar; a enfermagem nas práticas de controle de infecção hospitalar; o cuidado de si como trabalhador de saúde; as relações entre profissionais de saúde e pessoas doentes e as relações entre profissionais de saúde e familiares. O estudo possibilitou compreender que o atendimento aos princípios da Integralidade a partir das práticas de controle de infecção hospitalar representa um desafio a ser alcançado, visto que envolve mudanças nos comportamentos profissionais, na gestão dos serviços e nas políticas de saúde.
Palavras-chave: Unidades de Terapia Intensiva; Infecção Hospitalar; Assistência Integral à Saúde
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OLIVEIRA, Rosangela de. The Completeness on the practices of infection control in the Unit of Intensive Therapy (UIT) of a health public service in Mato Grosso. 2007. 194 p. Master‟s Dissertation – Nursing College. Federal University of Mato Grosso, Cuiabá, 2007. Supervisor: Sônia Ayako Tao Maruyama, Dr.
ABSTRACT
The study had as objective to understand as it conforms the organization of control practices of nosocomial infection in the attendance to Completeness in a public UIT (adult) of Cuiabá City, hospital reference to range area of BR 163. The theoretical referential that had based the comprehension of the phenomenon had been the nosocomial infections, the Integrity principles and some concepts of Michel Foucault (the relations of power and the discipline). One is about a research of qualitative nature. The data collection was carried through the participant observation and the analysis of some unit‟s documents. From the data analysis, two categories had emerged: the UIT‟s space in the perspective of the Completeness and the behaviors and subjective quality of the patients in the assistance process of the UIT under the approach of the Completeness. The first category generated three sub-categories: the UTI‟s space; the care space of interned people‟s body and the space of control of the worker‟s and sick‟s body. From the second category, five sub-categories had emerged: the relations and knowing clinical in the organization context to control practices of nosocomial infection; the nursing in the control practices of nosocomial infection; the care of itself as health worker; the relations between health professionals and sick people and the relations between health professionals and the families. The study made possible to understand that the attendance to the principles of the Completeness from the control practices of nosocomial infection represents a challenge to be reached, since involves changes in the professional behaviors, management of services and politics of health.
Key words: Unit of Intensive Therapy (UIT), Nosocomial Infection, Integral Assistance for Health.
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OLIVEIRA, Rosangela de. La Integralidad em lãs prácticas de control de infección em la UTI de um servivio de salud en Mato Grosso. 2007. 194 p. Disertación de Maestria – Faculdad de enfermería - Universidad Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2007. Orientador: Drª. Sônia Ayako Tao Maruyama
RESUMEN
El estudio tiene como objetivo compreender como se conforma la organización de las prácticas del control de la infección hospitalaria en el atendimiento a la integralidad en uma Unidad de Terapia Intensiva pública de Cuiabá, referencia hospitalaria del área que abarca la BR 163. Los referenciales teóricos que basaron la comprensión del fenómeno fueron las infecciones hospitalarias, los princípios de la integralidad y algunos conceptos de Michel Foucault (las relaciones de poder y la disciplinarización). Se trata de una investigación de naturaleza cualitativa. La recogida de los datos fue realizada a través de la observación participativa y del análisis de algunos documentos de la unidad. Del análisis de los datos, emergieron dos categorias: el espacio de la UTI en la perspectiva de la integralidad y los comportamientos y las subjetividades de los sujetos envueltos en el proceso asistencial de la UTI bajo el enfoque de la integralidad. De la primera categoria surgieron tres subcategorías: el espacio del UTI, el espacio del cuidado del cuerpo de las personas enfermas y el espacio del control del cuerpo del trabajador y del cuerpo enfermo. De la segunda categoría emergieron cinco subcategorías: las relaciones y el saber clínico en el contexto de la organización de las prácticas del control del infección hospitalaria; la enfermería en las prácticas de control de infección hospitalaria; el cuidado de si como trabajador de salud; de las relaciones entre profesionales de salud y personas enfermas y las relaciones entre profesionales de salud y familiares. El estudio posibilitó comprender que la atención a los principios del la atenciòn integral a la saude los prácticos de control de el atendimiento a los princípios de la integralidad a partir de las prácticas de control de infección hospitalaria representa um desafio a ser logrado, visto que envuelve cambios comportamentales en los profesionales, em la dirección de los servicios y en las políticas de salud.
Palabras claves: Unidades de Terapia Intensiva, Infección Hospitalaria, Asistencia Total a la Salud.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANVISA
APECIH
CCIH
CIH
CNES
CNPQ
COVISAE
ES
IH
INPS
MS
NR
OMS
OPAS
PCIH
SCIH
SINAIS
SUS
UNIFESP
UTI
VISA
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar
Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
Controle de Infecção Hospitalar
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Coordenadoria de Vigilância Sanitária e Epidemiológica
Evento Sentinela
Infecção Hospitalar
Instituto Nacional de Previdência Social
Ministério da Saúde
Norma Regulamentadora
Organização Mundial da Saúde
Organização Pan-americana de Saúde
Programa de Controle de Infecção Hospitalar
Serviço de Controle de Infecção Hospitalar
Sistema de Informações para o Controle de Infecção em Serviços de
Saúde
Sistema Único de Saúde
Universidade Federal do Estado de São Paulo
Unidade de Terapia Intensiva
Vigilância Sanitária
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SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
LISTA DE ABREVIATURAS
1. INTRODUÇÃO ................................................................................
2. OBJETIVOS ...................................................................................
3. REFERENCIAIS TEÓRICOS .........................................................
3.1. As Infecções Hospitalares ..........................................................
3.1.1. Contextualização sócio-histórica dos hospitais e das infecções
hospitalares ...............................................................................
3.1.2. Fatos históricos e legislações sobre as Infecções Hospitalares
no Brasil .....................................................................................
3.1.3. O histórico das infecções hospitalares no Estado de Mato
Grosso e no Município de Cuiabá .............................................
3.2. O Princípio da Integralidade ........................................................
3.3. A Integralidade subsidiada em alguns conceitos de Michel
Foucault: as relações de poder e a disciplinarização ..................
4. METODOLOGIA .............................................................................
4.1. Tipo de pesquisa .......................................................................
4.2. Local e cenário do estudo .........................................................
4.3. Sujeitos do estudo .....................................................................
4.4. Coleta de dados, instrumentos utilizados, a entrada e a saída
do campo ..................................................................................
4.5. Análise dos dados ....................................................................
4.6. Aspectos éticos e legais ............................................................
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5. A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE
INFECÇÃO HOSPITALAR NA UNIDADE DE TERAPIA
INTENSIVA NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE ................
A complexidade da UTI .......................................................................
5.1. O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade ....................
5.1.1. O espaço da UTI .......................................................................
5.1.2. A UTI como espaço de cuidado do corpo das pessoas
internadas ..................................................................................
5.1.3. A UTI como espaço de controle do corpo do trabalhador e do
corpo doente ............................................................................
5.2. Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos
envolvidos no processo assistencial da UTI sob o enfoque da
Integralidade .............................................................................
5.2.1. As relações e o saber clínico no contexto da organização das
práticas de Controle de Infecção Hospitalar ..............................
5.2.2. A enfermagem nas práticas de Controle de Infecção
Hospitalar...................................................................................
5.2.3. O cuidado de si como trabalhador de saúde .............................
5.2.4. As relações entre os profissionais de saúde e pessoas doentes
5.2.5. As relações entre os profissionais de saúde e familiares ..........
6. A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE
INFECÇÃO HOSPITALAR NA UTI ...............................................
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................
REFERÊNCIAS .............................................................................
APÊNDICES ..................................................................................
ANEXOS .........................................................................................
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1. INTRODUÇÃO
As infecções hospitalares (IH) são consideradas como um grave e
complexo problema de saúde pública. Estão relacionadas a inúmeros fatores,
dentre eles, a ampla utilização de procedimentos cada vez mais invasivos, o uso
indiscriminado de antibióticos e a resistência microbiana (STARLING et. al., 2004;
TURRINI; SANTO, 2002).
O Ministério da Saúde define a IH como “[…] aquela adquirida
após a admissão do paciente e que se manifesta durante a internação ou após a
alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos
hospitalares” (BRASIL, 1998a).
As IHs são complicações relacionadas com a própria assistência à
saúde e representam uma das grandes preocupações que rondam os hospitais em
todo o mundo por constituírem a principal causa de morbidade e mortalidade
hospitalar. Além de aumentarem o período de internação hospitalar, elevam os
custos da internação e reduzem a rotatividade dos leitos hospitalares (ANDRADE;
ANGERAMI, 1999). Isso causa prejuízos às pessoas doentes, aos familiares, aos
hospitais e à sociedade em geral.
Sua incidência varia entre os estabelecimentos hospitalares e de
uma região para outra, conforme o porte do hospital, as características da clientela
atendida, os tipos de especialidades oferecidas, as tecnologias utilizadas, o sistema
de vigilância epidemiológica adotado e a efetividade do Programa de Controle de
Infecção Hospitalar (PCIH).
As IHs representam riscos à saúde das pessoas doentes não
somente de serviços hospitalares como também de outros serviços de saúde, uma
vez que esses eventos podem ocorrer também fora do ambiente hospitalar. Desta
forma, o termo infecção hospitalar vem sendo substituído por “Infecção Relacionada
à Assistência à Saúde - Iras” (ANVISA; UNIFESP, 2004).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), um
estudo realizado entre 1983-1985 em quatorze países revelou que há variações das
taxas de IH de 3 a 21%, com uma média de 8,7%. No Brasil, em 1994, um inquérito
nacional apontou que a taxa média de IH é de 15,5% entre hospitais públicos e
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privados (OPAS-OMS, 2000), revelando-se elevadas quando comparadas aos
estudos da OMS.
No município de Cuiabá, no período de 2002 a 2006, a taxa média
de IH entre as unidades hospitalares foi de 3,5% (COVISAE; 2002, 2003, 2004,
2005, 2006), evidenciando a necessidade de implementar medidas preventivas
para minimizar seu aparecimento. Entretanto, infectologistas afirmam que não
existem índices aceitáveis de infecção hospitalar e defendem que não se deve
supervalorizar as taxas e os indicadores diversos de IH em detrimento da análise e
tratamento de suas causas (OPAS-OMS, 2000; TURRINI, 2002; LACERDA; EGRY,
1997).
A IH é um evento que pode ser evitado por meio da utilização de
medidas de prevenção e de controle, portanto, pode ser chamado de evento
sentinela (ES). O evento sentinela se refere a ocorrência de uma doença, invalidez
ou morte que poderia ter sido evitada (PENNA, 2006). Para Palmeira (2000, p.
180), o evento sentinela “[…] é um acontecimento indicativo de uma situação que
requer uma intervenção imediata”. Neste sentido, fizemos uma apropriação, na qual
consideramos também a IH como um evento sentinela, ou seja, um evento que
pode ser evitado e ter a sua ocorrência minimizada, através da utilização de ações
preventivas e de controle.
O evento sentinela IH revela falhas que impedem que o serviço
assistencial de saúde funcione de forma adequada (PENNA, 2006). Aproximando
para a infecção hospitalar, evidencia a existência de falhas operacionais e a
necessidade de implementação de ações preventivas e de controle de infecção que
permitam reduzir ou mesmo impedir danos e riscos às pessoas doentes dos
serviços de saúde. O aparecimento de casos de IH é inversamente proporcional ao
nível da qualidade da assistência hospitalar, sendo pertinente afirmar que a sua
freqüência pode constituir riscos à saúde das pessoas doentes, especialmente
quando se trata da assistência hospitalar.
Sua ocorrência representa um grande desafio não só para as
instituições hospitalares e profissionais de saúde, como também para as pessoas
doentes e a comunidade em geral, uma vez que, se medidas adequadas são
instituídas, é possível a redução das estatísticas de infecções hospitalares e,
conseqüentemente, de agravos relacionados a elas. A redução estatística se
relaciona à necessidade de sistemas hospitalares que combinem recursos
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humanos, tecnológicos e financeiros específicos para atender a programas de
prevenção e controle de infecção (ANDRADE; ANGERAMI, 1999; TURRINI, 2002).
Diante da especificidade característica, a assistência hospitalar se
diferencia da atenção básica por disponibilizar atendimento a pessoas que
necessitam de uma assistência de saúde mais complexa, gerada por uma
variedade de recursos humanos, tecnológicos e materiais. Ela visa melhorar ou
recuperar a condição de saúde das pessoas doentes internadas que, geralmente, já
se encontram fisicamente debilitadas, podendo corroborar para o surgimento de
eventos decorrentes dos processos assistenciais, como as IHs.
As IHs são evitadas através de medidas de prevenção e controle.
Medidas simples e eficazes, como a lavagem das mãos, o processamento
adequado de artigos e superfícies, o uso de equipamentos de proteção individual e
o cumprimento das regras de assepsia podem reduzir a sua incidência (PEREIRA
et al, 2005).
No entanto, as ações de controle das infecções hospitalares
envolvem outros aspectos além dos procedimentos técnicos, como os de natureza
administrativa, econômica, estrutural, política ou governamental, o que demonstra
quão problemática e complexa é a discussão dessa temática (SOUZA et al., 2002;
ALVES; ÉVORA, 2002).
Os estudos e a preocupação com as infecções hospitalares
tiveram início em minha trajetória profissional mais especificamente em dezembro
de 1999, quando participei do “I Curso de Atualização em Controle das Infecções
Hospitalares” como representante da Secretaria de Saúde do Município de Cuiabá
(Coordenadoria de Vigilância Sanitária e Epidemiológica Municipal - COVISAE),
disponibilizado pela Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso para a
formação de multiplicadores de conhecimento.
Mais tarde, em agosto de 2000, repassei informações para os
profissionais dos estabelecimentos hospitalares do município, através de uma
capacitação em controle de infecção hospitalar.
O repasse do conhecimento do Curso foi um marco para o início
das ações de controle de infecção hospitalar no município de Cuiabá pela
Secretaria Municipal de Saúde. Assim, dei início à condução de um grupo de
estudos de controle de infecção hospitalar que passou a se reunir mensalmente
para discutir sobre esta temática. Instituí também o primeiro “Relatório Mensal de
Infecção Hospitalar” nos estabelecimentos hospitalares com a finalidade não só de
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iniciar o levantamento de dados epidemiológicos de IH no município, mas também
para incentivar a implantação e/ou implementação das ações de controle de
infecção hospitalar, até então realizada por poucos estabelecimentos. Nesse
período, o município contava com 36 (trinta e seis) unidades hospitalares, entre
públicas, privadas, filantrópicas e outros. Dessas, apenas algumas (não existem
dados oficiais) dispunham das comissões de controle de infecção hospitalar e
vinham realizando algum trabalho nesta área.
Desde então, como enfermeira de órgão fiscalizador – Vigilância
Sanitária, participei de diversas capacitações em controle de infecção hospitalar.
Em 2004, fiz o Curso de Especialização em Infecção Hospitalar da Universidade de
São Paulo, o que me instrumentalizou ainda mais para o trabalho de fiscalização
sanitária em estabelecimentos de saúde em geral.
Com o desenvolvimento dessas atividades, tenho vivenciado a
necessidade de estudos e maior dedicação na prevenção e controle das IHs em
nosso município e Estado. A minha inserção em 2006 na Pós-graduação em Enfermagem -
nível mestrado – e a inclusão em Grupo e Projeto de Pesquisa permitiu ampliar
minha visão do processo saúde-doença, bem como me aproximar da temática da
integralidade em saúde. Neste aspecto, foi possível, a partir da minha experiência,
problematizar o contexto da IH para além das questões teórico-legais as quais
estava instrumentalizada, conhecer e ampliar os referenciais teóricos e
metodológicos em saúde, bem como ver o cotidiano do trabalho sob nova
perspectiva, a da Integralidade.
Esta nova dimensão, desconhecida da minha prática como
profissional da área de fiscalização, me possibilitou ampliar conhecimentos sobre a
temática da IH numa outra ótica ou perspectiva, impulsionada pela
responsabilidade e compromisso com a saúde dos usuários. O fato de ser
profissional de saúde nos imprime a importância da nossa responsabilidade e do
compromisso no atendimento aos princípios da integralidade.
Responsabilidade e compromisso, porém, devem ser atributos
não só dos profissionais que realizam assistência em saúde, mas também dos
gestores e do Estado que têm um papel vital para que a integralidade seja
efetivamente vislumbrada e praticada.
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As práticas1 assistenciais em saúde são realizadas por uma
diversidade de profissionais. Entretanto, os profissionais de enfermagem formam
uma categoria com características peculiares: constituem a maior força de trabalho
na área hospitalar e se caracterizam por prestar assistência direta e contínua nas
24 horas.
Esta característica do profissional de enfermagem exige atitudes
que permeiam a qualidade do cuidado prestado às pessoas doentes, baseadas em
conhecimentos técnicos e científicos que envolvem também as medidas de controle
das IHs. Devido à especificidade do trabalho, estes profissionais recebem a carga
maior de responsabilidade frente a esta problemática (ALVES; ÉVORA, 2002;
PEREIRA et al., 2005).
Paralelo a essa responsabilidade, não se pode esquecer que os
profissionais de enfermagem convivem com sobrecargas de trabalho, baixos
salários e múltiplas jornadas, fatos comuns nessa categoria profissional (ALVES;
ÉVORA, 2002). Estes aspectos devem ser contextualizados quando se procura
compreender as práticas de prevenção e controle das IH.
Conforme preconizado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988),
a saúde se constitui em um bem comum e num direito de todo cidadão. Entretanto,
esses direitos ainda não são reconhecidos por muitos profissionais e instituições
públicas de saúde, que ainda focalizam as práticas em saúde, desconsiderando ou
negligenciando tais direitos. Igualmente, por motivos sociais e culturais, os usuários
dos sistemas públicos de saúde ainda desconhecem os caminhos para garantir
seus direitos em saúde.
Nesse aspecto, embora se visualize uma tendência a mudanças,
uma vez que a legislação prevê a garantia da participação social na gestão em
saúde, ainda assim se convive num contexto onde a pessoa que necessita dos
serviços de saúde, fragilizada e vulnerável, seja na dimensão biológica, psicológica,
social ou cultural, pouco exerce a sua cidadania. Seu direito à saúde ainda é um
desafio a ser conquistado.
No Sistema Único de Saúde (SUS), o princípio da integralidade
compreende o atendimento à pessoa doente2 respeitando todas as suas
1 O termo “práticas” utilizado neste estudo é entendido como todo um corpo de ações ou
“modo de atuar” (ARAÚJO, 2005) dos profissionais de saúde. 2 No estudo, será utilizada a denominação “pessoa (s) doente (s)” quando se tratar de
pacientes, doentes ou enfermos dos serviços de saúde, com exceção dos registros de observação que utilizamos o termo “paciente (s)”.
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dimensões. Representa um dos eixos norteadores do Sistema, juntamente com a
descentralização e a participação social. Este princípio assegura a qualidade da
atenção em saúde e se constitui num desafio a ser alcançado no SUS.
Dentre os inúmeros desafios para o alcance da melhoria da
atenção à saúde, se encontram as relações profissionais – profissionais e as
relações profissionais de saúde – pessoas doentes. Estas relações geralmente são
caracterizadas por assimetrias, especialmente das pessoas doentes que não tem
sua voz legitimada. Para Mattos (2004, p. 1414) as práticas devem ser permeadas
por relações intersubjetivas, onde “[…] os profissionais de saúde se relacionem com
sujeitos, e não com objetos”, evidenciando a necessidade do envolvimento da
dimensão dialógica nesse processo.
Estas relações devem ser refletidas e reconstruídas,
principalmente nas formas de acolhimento, vínculo, aproximação, diálogo e
interação. Tais formas exigem a prática de simetria nas relações entre esses
atores, rompendo paradigmas historicamente construídos. Para Costa (2004, p.
11), o diálogo na ação médica, “[…] humaniza a relação entre indivíduos que são
fundamentalmente distintos, permitindo a aproximação e a confiança necessária ao
processo de cura”. Nessa perspectiva, essa proposição pode ser estendida para o
diálogo entre os demais profissionais de saúde com as pessoas doentes.
No contexto das práticas de controle das IHs, visualiza-se a
necessidade de focalizar os processos dialógicos entre os profissionais de saúde,
de forma a contribuir para a análise das relações e das suas práticas de atenção.
Portanto, o atendimento das práticas ao “outro”, aquele que se torna “objeto” no
processo assistencial, necessita ainda ser repensado no cotidiano das instituições
hospitalares, uma vez que permite deixar vulneráveis e susceptíveis as pessoas
doentes, colocando em risco a qualidade e a segurança dos processos
assistenciais em saúde.
Outra questão relacionada às práticas de controle de IH se refere
às legislações e normativas governamentais instituídas para que os serviços
desenvolvam medidas para prevenir ou reduzir ao máximo a sua incidência. Mesmo
regulamentadas, estas não tem sido efetivas e nem produzido os resultados
esperados (SOUZA et al., 2002). É necessário que haja o imbricamento entre os
diferentes discursos que interagem no processo, o econômico, o político, o
judiciário e o científico, para que se estabeleça a garantia da saúde coletiva como
prática social (SILVA; COROA, 2005). Cabe oportunamente acrescentar que a
21
competência discursiva dos sujeitos “assistidos” é fundamental nesse processo,
uma vez que, legitimando sua voz como pessoa doente usuária e consumidora dos
serviços de saúde, ela estará exercendo a sua cidadania.
No que tange às instituições de saúde, é de domínio público que
os hospitais enfrentam dificuldades em instituir medidas de controle de infecção,
pela complexidade da assistência, pela multiplicidade de profissionais que ali atuam
e pelas dificuldades relacionadas a investimentos, em especial quando nos
referimos à área de recursos humanos. A falta de instrumentalização para o
desenvolvimento da autonomia das pessoas doentes usuárias dos sistemas de
saúde corrobora para o agravamento do processo.
A carência de profissionais qualificados é outro fator que prejudica
o adequado controle da infecção hospitalar no Estado. A disponibilidade de cursos
e habilitações na área ainda é restrita e limitada aos grandes centros, o que impede
a participação dos profissionais de saúde de regiões distantes, em especial de
nosso Estado (SOUZA et al., 2002).
Como profissional atuante em órgão fiscalizador, tenho observado
que inúmeras são as dificuldades encontradas na implantação e implementação
das práticas de controle de IH. Essas dificuldades representam motivo de
preocupação, haja vista as conseqüências que advêm desses eventos às pessoas
doentes e à sociedade, principalmente nas instituições hospitalares de natureza
pública, responsáveis pela assistência de grande parte da população.
Assim, a minha inserção no Projeto “Os desafios e perspectivas
do SUS na atenção à saúde em municípios da área de abrangência da BR 163 no
Estado de Mato Grosso”3, por meio do Grupo de Pesquisa “Enfermagem, Saúde e
Cidadania”, me possibilitou desenvolver o Subprojeto “A Integralidade nas práticas
de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso”. O
foco deste estudo fundamenta-se nos mesmos referenciais do projeto maior, no
qual se buscou aprofundar a compreensão das práticas profissionais desenvolvidas
em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pública, espaço onde se encontram
pessoas gravemente enfermas e vulneráveis em todas as suas dimensões.
3 Projeto financiado pelo CNPq sob o número 402866/2005-3 – Ed 342005-BR163
2aEt/Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT 34/2005 e desenvolvido pelos grupos de
pesquisa “Gestão do Conhecimento Pluridisciplinar para o Trabalho em Saúde"- GEPLUS e
“Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania” – GPESC.
22
Com este estudo, tivemos4 a pretensão de compreender como as
práticas de controle de infecção se conformam no espaço da UTI para atender ao
princípio da integralidade, um dos eixos norteadores do SUS.
Os referenciais empregados e os aspectos vivenciados no
cotidiano das atividades como profissional de saúde nesse campo, nos serviram
para vislumbrar um novo olhar sobre as práticas de controle de IH, fazendo emergir
alguns questionamentos: Como as práticas de controle de infecção hospitalar
acontecem? Como os profissionais de saúde operam as práticas de controle de
infecção no sentido de atender ao princípio da integralidade às pessoas doentes
por eles assistidas? Como as relações de poder interferem na organização destas
práticas? Como a integralidade desse “outro” - o “objeto” da assistência - é
atendida pelos profissionais dos serviços de saúde?
Diante dos questionamentos apresentados, a questão principal
que norteou o desenvolvimento deste trabalho foi: como se conforma a organização
das práticas de controle de infecção hospitalar no atendimento à integralidade
numa Unidade de Terapia Intensiva de uma instituição pública de Mato Grosso?
De acordo com Lacerda (2002), as produções científicas sobre
essa temática no Brasil, seja na abordagem quantitativa ou qualitativa, sugerem o
reconhecimento do evento IH como um reflexo da qualidade do cuidado em saúde
como um todo.
Várias pesquisas têm sido realizadas nessa área, sendo que
grande parte tem focalizado a temática sob o enfoque quantitativo (DIENER;
COUNTINHO; ZOCCOLI, 1996; PEREIRA et. al.; 1999) e poucas apresentam a
abordagem qualitativa (SOUZA et al, 2002; ALVES; ÉVORA, 2002; CARRARO,
2004).
Observamos a escassez de estudos qualitativos com o enfoque
voltado para os referenciais da Integralidade nas práticas de controle das IHs. Os
estudos acessados sobre a perspectiva da integralidade se restringem aos serviços
de atenção básica, o que nos motivou a desenvolver o estudo, bem como por
acreditar que essa é uma área que ainda necessita ser explorada.
Na perspectiva de explorar a temática da IH no campo da
integralidade, visualizamos em alguns conceitos foucaultianos a possibilidade de
atender aos objetivos propostos neste estudo, ou seja, compreender como se dão
4 A partir desse momento do estudo, será utilizada a 3ª pessoa do plural.
23
estas práticas sob o enfoque da integralidade no serviço hospitalar público de
referência escolhido para o estudo.
Partimos do pressuposto de que estas práticas foram
historicamente construídas, portanto, permeadas de relações que se imbricam nos
espaços do hospital e que se constituem numa forte barreira para garantir o
atendimento ao princípio da integralidade às pessoas doentes usuárias dos
serviços de saúde. Nesse sentido, nos apoiamos no referencial das infecções
hospitalares, na integralidade e em alguns conceitos da abordagem foucaultiana
para nos aproximar do objetivo proposto neste estudo.
Assim, será possível contribuir para a melhoria dos processos de
“cuidar” no nível hospitalar, onde o controle de IH seja uma prática responsável
entre os trabalhadores da saúde, e que, ao relacioná-lo ao princípio da
integralidade, possa qualificar o cuidado hospitalar do ponto de vista ético, técnico,
social e legal.
Esperamos que o estudo contribua para estender o olhar sobre
essa temática, a fim de possibilitar o desenvolvimento de metodologias de trabalho
que contemplem a integralidade como princípio, ampliando o sentido do “cuidar em
saúde” nas práticas de atenção hospitalar. Entendemos que a integralidade tem
estreita relação com a qualidade e segurança da assistência hospitalar, além da
garantia do atendimento às necessidades de saúde, na medida em que possibilita
refletir sobre a assistência prestada às pessoas doentes, bem como sobre as
condições de trabalho as quais os profissionais de saúde estão organizados nas
instituições.
24
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo Geral
No propósito de ampliar o olhar para os questionamentos aqui
apresentados, procuramos compreender o fenômeno, embasado nos referenciais
da integralidade e em alguns conceitos do referencial foucaultiano, definindo como
objetivo deste estudo compreender como o princípio da integralidade é atendido na
organização das práticas de controle de infecção hospitalar numa UTI pública do
Município de Cuiabá - referência hospitalar da área de abrangência da BR 163 no
Estado de Mato Grosso.
2.2. Objetivos Específicos
Descrever como se estabelecem as relações entre os profissionais de saúde
no espaço da UTI;
Analisar como se dá o processo do cuidar no espaço da UTI, a partir da
relação entre profissionais de saúde, pessoas doentes e familiares;
Identificar os princípios da integralidade nas práticas de controle de infecção
hospitalar no espaço da UTI.
25
3. REFERENCIAIS TEÓRICOS
3.1. As Infecções Hospitalares
3.1.1. Contextualização sócio-histórica dos hospitais e das infecções
hospitalares
Através dos tempos, os cuidados às pessoas doentes foram
prestados de distintas formas, envolvendo diferentes sujeitos até se tornar
institucionalizado (MELO, 1986), com a criação dos hospitais.
Na literatura, encontramos citações quanto ao surgimento dos
primeiros hospitais urbanos no Império Romano, aproximadamente entre os anos
300 e 394 d.C. (RODRIGUES, 1997; COUTO; PEDROSO; PEDROSA, 2003;
FERNANDES et.al., 2000a).
As ações do cristianismo, como o Concílio de Nicéia e o de
Cartago (398 d.C.), recomendavam aos bispos que criassem pelo menos um
hospital próximo às catedrais como forma de facilitar a assistência aos pobres,
inválidos, peregrinos e enfermos (FERNANDES et.al., 2000a).
Nesse período da Idade Média, os cuidados às pessoas doentes
são direcionados às mãos dos religiosos e se desenvolvem, especialmente nos
séculos XI e XII. No século XIII, se deu o que se pode chamar de introdução da
enfermagem nas instituições hospitalares, através das religiosas que tinham no
trabalho a filosofia da religião de amar ao próximo (MELO, 1986).
Assim, os hospitais surgem como locais destinados à execução de
obras de caridade que assegurassem a vida eterna e a salvação da alma dos
enfermos no momento de sua morte (FOUCAULT, 1992b).
No decorrer do Séc. XVIII fatos como a Revolução Industrial e o
crescimento urbano desencadearam a necessidade de transformação da instituição
hospitalar, na busca de tentar anular os efeitos negativos que causava, como as
desordens econômico-sociais, os custos na manutenção de ociosos e para evitar a
disseminação de doenças dos pobres às outras classes sociais. Portanto, de um
espaço de separação e exclusão, passa a ser um local de tratamento e
26
recuperação das pessoas, com o objetivo de atender às necessidades geradas pelo
capitalismo (FOUCAULT, 1992b).
A concepção caritativo-assistencial de assistir aos pobres,
doentes e peregrinos, que perdurou por muitos séculos, dá lugar a uma nova
concepção - a concepção terapêutica. Desenvolve-se a conscientização de que o
hospital poderia e deveria ser um instrumento de cura para atender à emergência
capitalista que demandava cidadãos saudáveis para o desenvolvimento das
atividades de produção (FOUCAULT, 1992b).
O processo de reorganização e reestruturação dessas instituições
é marcado principalmente pela sua disciplinarização e pela inserção dos médicos
no seu espaço, e foi acompanhado por uma mudança gradual nas condições de
atendimento aos doentes. Entretanto, esses espaços de confinamento das
pessoas eram insalubres e favoreciam a transmissão de doenças infecciosas
devido às precárias condições sanitárias das instituições. Assim, a reorganização
dessas instituições assistenciais da Idade Média se constitui no marco para o
surgimento das infecções hospitalares e da necessidade de seu controle
(LACERDA; EGRY, 1997).
De acordo com Fernandes et.al. (2000a), foi a partir dessa
necessidade assistencial que muitos hospitais foram criados, entre eles o Hotel-
Dieu na França com cerca de 1.200 leitos. Nessas instituições, as condições de
funcionamento eram precárias. Com a excessiva clientela, havia a necessidade de
compartilhamento de um leito por vários enfermos, propiciando a transmissão de
doenças entre eles, especialmente as de origem infecciosa. O autor ressalta que,
em pediatria, o número de crianças compartilhando o mesmo leito era ainda maior.
O abastecimento de água era de origem incerta, os alimentos consumidos não
recebiam os cuidados adequados e os quartos não possuíam ventilação (COUTO;
PEDROSO; PEDROSA, 2003).
Os espaços hospitalares representavam locais de segregação e
de exclusão. Similares a albergues ou asilos, tinham também a finalidade de
recolher os pobres enfermos para proteger a população de doenças ou epidemias.
Tantos fatores contribuíam para que esses locais facilitassem a disseminação de
doenças. Favorecidas pelas condições, as doenças facilmente se propagavam,
constituindo processos infecciosos oriundos dos próprios serviços, cujas
conseqüências aumentavam a gravidade ou causavam a morte dos enfermos que
ali se encontravam junto às outras pessoas atendidas (FOUCAULT, 1992b).
27
Segundo Foucault (1992b), até meados do Século XVIII, os
espaços dos hospitais se constituíam em fonte inesgotável de doença e de morte
para os pobres que estavam morrendo. O pobre ou enfermo era assistido material e
espiritualmente, recebendo ali os últimos cuidados e o último sacramento, portanto,
os hospitais não eram locais destinados à cura. Destinavam-se ao atendimento de
indivíduos das classes menos privilegiadas da sociedade, ou seja, tinham um
caráter essencialmente social e por
[…] transição entre a vida e a morte, de salvação espiritual mais do que material, aliada à função de separação dos indivíduos perigosos para a saúde geral da população (FOUCAULT, 1992b, p. 102).
A assistência aos enfermos e necessitados permanece a mesma
desde o período pré-cristianismo, na Roma Antiga e na Idade Média, ou seja,
prestada quase sempre por mulheres, como religiosas, prostitutas e outras pessoas
sem qualificação ou remuneração. Desempenhar a assistência aos necessitados no
hospital significava a realização de obras de caridade, servindo como um meio para
a remissão dos seus pecados e merecimento de indulgências (MELO, 1986).
O espaço hospitalar de conformação insalubre é enfatizado por
Foucault (1994) em sua obra “O Nascimento da Clínica”, como
[…] o hospital, como a civilização, é um lugar artificial em que a doença, transplantada, corre o risco de perder seu aspecto essencial. Ela logo encontra nele um tipo de complicação que os médicos chamam febres das prisões ou dos hospitais (FOUCAULT, 1994, p. 17).
Para o autor, a institucionalização poderia ser a causa de novas
complicações para o doente, pois as infecções hospitalares surgiam como uma
conseqüência das precárias condições de assistência que permitiam a
disseminação de doenças entre as pessoas ali atendidas.
As desordens econômico-sociais resultantes do crescimento
populacional das cidades, causadas pelo êxodo rural e pelo processo da
industrialização gerados pela emergência do capitalismo, corroboram para
promover a reorganização dos hospitais, tendo como objetivo principal atender às
28
forças de trabalho necessárias ao modelo capitalista, valorizando o corpo sadio
como meio de bem-estar físico, saúde perfeita e longevidade dessas forças de
trabalho (LACERDA; EGRY, 1997).
Nesse período, a situação das cidades era de total calamidade.
Havia falta de higiene pública, contaminação ambiental e dos rios, o que acarretava
racionamentos de água. A água muitas vezes estava contaminada com
excrementos, gerando o aumento dos índices de morbidade e mortalidade. As
estratégias elaboradas para sanar os problemas eram ineficazes e geravam gastos
sem resultados satisfatórios. Em decorrência do descaso com a saúde pública,
cada vez mais a população exigia uma política nacional que promovesse a saúde e
o bem-estar da população. A partir de então, se observa a participação social nos
sistemas de gestão das cidades, o que passa a garantir o exercício da cidadania
(FERNANDES, 2000).
Num esforço de conscientização, medidas de organização foram
criadas e preconizadas timidamente pelos reis que buscavam manter o poder sob
seu controle, tornando um Estado forte. Constituiu-se também a polícia sanitária,
que fazia o controle e fiscalização de aspectos higiênicos, alimentares e jurídicos
(FOUCAULT, 1992a; FERNANDES, 2000).
No final desse século, são realizadas viagens inquéritos em
hospitais de diversos países da Europa, com o objetivo de estabelecer um
programa de reconstrução e reorganização dessas instituições, sob a ótica de
médicos e não mais arquitetos, na perspectiva de corrigir os efeitos patológicos que
causavam (FOUCAULT, 1992b).
Surgiram após esses inquéritos, novas concepções quanto à
relação entre fenômenos patológicos e espaciais, como segregação de doentes de
acordo com a nosologia, cuidados com contaminações e com o ambiente, de forma
a evitar os fatos patológicos próprios dos hospitais. Inicia-se nesse período a
constituição do modelo clínico, uma vez que a prática médica, até então, não
possibilitava conhecimento para a organização de um saber voltado para a
medicina hospitalar (FOUCAULT, 1992b).
Ainda no Séc. XVIII, a reestruturação dos hospitais começa nos
hospitais marítimos e militares, devido às regulamentações econômicas - o
mercantilismo, e a valorização dos homens enquanto soldados devido aos altos
investimentos para a sua formação. Os soldados doentes, então, passaram a ser
vigiados para que se curassem, evitando sua morte e a deserção (FOUCAULT,
29
1992b). Era preferível que morressem em plena forma nas batalhas do que em
detrimento de doenças.
Várias regulamentações foram instituídas nesses hospitais, como
o combate ao tráfico de mercadorias (objetos preciosos, especiarias e outros
produtos contrabandeados pelos traficantes que se faziam doentes, escondendo
objetos para escapar do controle alfandegário ao serem transferidos para os
hospitais) através de inspeções dos cofres dos hospitais em busca de contrabando,
quarentena para evitar a propagação de doenças epidêmicas e a disciplinarização
com o objetivo de reordenar o espaço hospitalar (FOUCAULT, 1992b).
O processo de reorganização dos hospitais se dá, então, a partir
da aplicação da disciplina nesses espaços, que é uma técnica de exercício de
poder existente desde a Antiguidade e Idade Média. Era caracterizada pela
vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Foi aprimorada no Séc. XVIII como
uma nova técnica de gerir os homens, visando aumentar seu trabalho e sua
atividade, sob um poder susceptível de controle. Considerada uma das grandes
invenções deste século, a disciplinarização foi introduzida especialmente no
exército e nas escolas, além dos hospitais (FOUCAULT, 1992b).
Para Foucault (1992b), a introdução das medidas disciplinares nos
espaços hospitalares permitiu o seu esquadrinhamento, para atender às
necessidades econômicas, a valorização dos corpos dos indivíduos e o controle
das epidemias.
A disciplinarização no espaço hospitalar tornou-se médica, ou
seja, corroborou para promover a medicalização do ambiente hospitalar, através do
processo de transformação dos saberes e das práticas médicas nesses espaços. A
assistência inicialmente caritativa fora gradualmente substituída pela atividade de
cura e terapêutica. A doença passa a ser vista como um fenômeno natural, onde a
natureza tem uma ação sobre o meio que circunda o indivíduo, como o ar, a água,
a alimentação, a temperatura do ambiente, e o tratamento, subsidiado pelo
conhecimento científico, passa a ser reconhecido como uma intervenção médica.
Visão diferente do que ocorria nos Séculos XVII e XVIII, onde a atuação do médico
era prognosticadora dos momentos de crise e acompanhada sob passividade, no
confronto entre a doença e a natureza (FOUCAULT, 1992b).
A observação contínua dos doentes gera transformações que
tornam o hospital uma instituição funcional e um campo de aprendizado constante à
medicina hospitalar. Ele passa a receber apenas doentes através de indicação
30
médica para evitar as superlotações, individualiza-se o trato aos enfermos,
desenvolve-se uma preocupação com a localização e arquitetura do hospital no
favorecimento à cura dessas pessoas. O médico passa a ser o elemento essencial
e principal responsável pela organização do hospital (FOUCAULT, 1992b),
delimitando aí o seu espaço hegemônico e de poder, que se estabelece
progressivamente na hierarquização da sua classe.
Aprimoram-se os métodos estatísticos que se iniciaram no Séc.
XVIII, com melhora das análises das informações em saúde, o que propicia aos
sanitaristas o embasamento científico para a execução de ações de saúde pública,
antes pautadas no empirismo (FOUCAULT, 1992b; FERNANDES, 2000).
Conseqüentemente às transformações econômicas e sociais
oriundas do capitalismo, do crescimento desordenado das cidades, dos
enfrentamentos de doenças epidêmicas e da evolução das divisões técnicas e
sociais do trabalho, progressivamente, o conhecimento da medicina e a
organização dos hospitais evoluem. Surgem gradualmente, medidas
organizacionais destinadas ao atendimento do novo propósito hospitalar de cura e
terapêutica (LACERDA; EGRY, 1997), exigindo práticas que possibilitassem o
melhor cuidado com o corpo e o desenvolvimento das práticas médicas, embora
ainda rudimentares, mas que se preocupavam com questões relacionadas ao
aparecimento de doenças oriundas do processo assistencial, ainda não
denominadas como infecções hospitalares.
Nesse contexto, um marco no histórico das IHs representou o
médico cirurgião húngaro Ignaz Philipp Semmelweis (1818 -1865), em Viena, que,
em meados do Séc. XIX (1847), ao observar as altas taxas de infecção puerperal
em mulheres que haviam sido tratadas por médicos que antes haviam realizado
necropsias, instituiu a rotina de lavagem de mãos com solução clorada. Neste
simples ato, conseguiu reduzir as taxas de infecção de 11,4% para 1,3% em um
período de sete meses (FERNANDES et.al., 2000b). Cabe destacar que em 1843,
alguns anos antes, Oliver Wendel Holmes (1809-1894), médico, escritor e poeta
norte-americano, fez esta mesma relação que Semmelweis, embora convincente e
com argumentos lógicos, foi tratado com indiferença e hostilidade pela classe
médica e não conseguiu o mesmo êxito (RODRIGUES, 1997; COUTO; PEDROSO;
PEDROSA, 2003).
Na Inglaterra, no final do Séc. XIX, Florence Nightingale foi uma
personagem que marcou o desenvolvimento da enfermagem moderna e implantou
31
medidas sanitárias e de controle das IHs. Prestou relevantes trabalhos ao governo
inglês na (re) organização dos hospitais, como a preocupação com os cuidados de
higienização, o isolamento dos enfermos, o atendimento individual, a utilização
controlada da dieta e a redução de leitos no mesmo ambiente, através da instituição
de medidas de organização, sistematização do atendimento e treinamento de
pessoal, buscando reduzir os efeitos negativos que o ambiente hospitalar causava
sobre as pessoas doentes internadas (ANDRADE, ANGERAMI; 1999).
As práticas higiênico-sanitárias que estabeleceu, colaboraram
significativamente para a redução das taxas de mortalidade hospitalar da época
(MELO, 1986; NIGHTINGALE, 1989; LACERDA; EGRY 1997).
O trabalho de Florence Nightingale foi de inestimável valor no
controle das IHs, sendo que até hoje os princípios básicos defendidos por ela ainda
são seguidos.
A vigilância epidemiológica também teve seu surgimento,
provavelmente, a partir das atividades desenvolvidas por Florence Nightingale, que
se utilizava das informações das práticas hospitalares como instrumento para a
avaliação e elaboração de critérios que colaborassem com a melhoria da
assistência prestada (COUTO; PEDROSA, 2003).
Com contribuições como as de Semmelweis (1818-1865), Louis
Pasteur (1822-1895), Joseph Lister (1827-1912), Florence Nightingale (1820-1910)
dentre outros personagens da história, foi se estabelecendo a relação entre as
infecções hospitalares e os óbitos ocorridos nos hospitais (COUTO; PEDROSO;
PEDROSA, 2003).
Os avanços no campo da bacteriologia a partir do final do séc. XIX
trouxeram descobertas que possibilitaram a atuação terapêutica não somente sobre
os sintomas, mas sobre as causas dos males (LACERDA; EGRY, 1997). Inicia-se
também a preocupação com as infecções adquiridas pelas pessoas doentes a partir
do ambiente e da assistência hospitalar e instituem-se medidas voltadas para a sua
prevenção e controle (ANDRADE, ANGERAMI; 1999).
As IHs começam a ter importância no contexto institucional,
através dos processos e práticas assistenciais que ocorrem no ambiente hospitalar,
viabilizando o desenvolvimento gradual de medidas preventivas e de controle.
Para o combate às IHs, surge a necessidade de intervenções de
órgãos governamentais, que passam a instituir medidas normativas e legislações
para a prevenção e controle desse evento, bem como se inicia o desenvolvimento
32
de estudos científicos que direcionam para práticas assistenciais com qualidade,
índices de infecção e custos hospitalares reduzidos (ANDRADE; ANGERAMI,
1999).
A constituição histórica dos hospitais possibilita conhecer as
diferentes formas de abordagens dos corpos dos indivíduos ao longo da história e
suas relações com as estruturas socioeconômicas, sendo as IHs, decorrentes da
hospitalização, um desafio ao crescimento das sociedades. Como conseqüência da
própria hospitalização, as IHs passam a prolongar o período de internação
acarretando custos hospitalares elevados e danos, algumas vezes irreparáveis,
como a morte. Essa problemática tem levado as instâncias gestoras a interferirem
nos processos pelos quais essas práticas se desenvolvem, na busca de instituir
medidas de prevenção e de controle desses eventos, para minimizar ao máximo a
sua incidência.
3.1.2 Fatos históricos e legislações sobre as infecções hospitalares no Brasil
Os dados históricos das infecções hospitalares no Brasil são
recentes. Os primeiros relatos no país quanto à ocorrência de infecção hospitalar,
surgiram na década de 50 do séc. XX. O termo contaminação hospitalar antes
utilizado, limitava-se a causas como: a esterilização do material hospitalar, o uso
indiscriminado de antibióticos (RODRIGUES, 1997), a inobservância dos princípios
básicos de higiene e as regras de isolamento para pessoas com doenças infecto-
contagiosas (FERNANDES et.al., 2000b). Com o decorrer do tempo tais conceitos
foram sendo reformulados.
Surge gradativamente, a preocupação quanto às medidas
ambientais relacionadas ao lixo e à contaminação aérea, procedimentos invasivos
como as técnicas assépticas e o isolamento de microorganismos resistentes pelo
uso repetitivo de antibióticos. As escolas médicas abordavam muito pouco a
temática da infecção hospitalar, especialmente o emprego de técnicas assépticas
(RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b). Pereira et.al (2005) ainda
questionam a não formação de profissionais de saúde para atuarem no controle das
IHs nos dias atuais.
33
A década de 60 do séc. XX se caracteriza por um incremento nos
estudos relativos às infecções hospitalares. Em 1963 é criada a primeira Comissão
de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do país, no Hospital Ernesto Dornelles,
no Rio Grande do Sul (RODRIGUES, 1997). Nos anos 70 desse mesmo século,
outras comissões multidisciplinares são criadas em hospitais públicos e privados,
vinculadas a instituições de ensino. Em 1972, ocorre o primeiro evento científico
específico sobre infecção hospitalar no Rio de Janeiro, o “Curso de Epidemiologia e
Profilaxia das Infecções Hospitalares” (RODRIGUES, 1997).
Em 1976, o governo determina, através de uma ordem de serviço
do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), a necessidade de criação de
CCIH para os hospitais próprios da Previdência, mas a medida não causa o
impacto desejado pela falta de fiscalização nesses estabelecimentos.
O Ministério da Saúde, em 1979, com o objetivo de implementar
as ações de controle de infecção no país, participa da Conferência da Organização
Pan-Americana de Saúde/ Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) para
análise dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) na América
Latina. A partir dessa Conferência, se estabelecem algumas metas como: criação
de núcleos centrais para se definir políticas nacionais para o controle das infecções
hospitalares, treinamento e educação continuada com elaboração de material
educativo, padronização de critérios, normas técnicas e procedimentos, diagnóstico
situacional dos hospitais do país e avaliação dos Programas pelo uso de
indicadores adequados (FERNANDES et.al., 2000b).
A conscientização dos profissionais de saúde para o controle das
infecções hospitalares caracterizou a década de 80 do Séc. XX por um grande
arranque no desenvolvimento no controle da infecção hospitalar no país, com a
realização de reuniões, cursos e palestras de discussão e socialização dos
conhecimentos referentes ao tema entre os profissionais de saúde, corroborando
de forma expressiva para a criação de várias CCIH nos hospitais brasileiros
(RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b).
A veiculação pela imprensa de fatos a respeito de casos de
infecções hospitalares pressiona o Ministério da Saúde a expedir uma legislação,
Portaria MS nº 196 (BRASIL,1983) que recomendava aos hospitais brasileiros a
criação de CCIH e dava orientações práticas em forma de anexos. O mesmo grupo
de trabalho participou da criação da Portaria e da elaboração de um manual, além
de colaborar na viabilização da realização de um curso internacional que serviu de
34
base para a elaboração do Curso de Introdução ao Controle de Infecção Hospitalar,
em 1984, em Brasília (FERNANDES et.al., 2000b; RODRIGUES, 1997).
Em 1985, ocorre um fato marcante que repercute na história da
infecção hospitalar no país, tanto para os profissionais de saúde quanto para a
população. O Presidente da República eleito, Tancredo Neves, pouco antes de sua
posse, é vitimado por uma septicemia decorrente de infecção hospitalar pós-
cirúrgica, falecendo pouco depois (FERNANDES et.al., 2000b; RODRIGUES,
1997).
Esse fato contribuiu para que o Ministério da Saúde
implementasse ações e projetos que mudassem o panorama e os rumos do
controle de infecção hospitalar no Brasil. Desencadearam-se várias ações que
fortaleceram seu controle, como levantamento das instituições brasileiras que já
tinham CCIH operacionalizadas, capacitação de multiplicadores, intercâmbio de
conhecimentos entre os profissionais, elaboração de manuais e normas técnicas
(FERNANDES et.al., 2000b).
Em 1989 realiza-se em São Paulo o I Congresso Brasileiro sobre
Infecção Hospitalar, realizado pela Associação Paulista em Controle de Infecção
Hospitalar, como conseqüência da evolução dos conhecimentos sobre essa
temática e da constituição de um novo mercado de trabalho para os profissionais de
saúde (RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b).
A publicação da Portaria MS nº 930 (BRASIL, 1992) criando o
Programa de Controle de Infecção Hospitalar definindo várias ações sistemáticas
para o seu controle não atendeu aos objetivos propostos, uma vez que foi acatada
só por alguns estados da federação, integralmente ou não, levando a um
progressivo desgaste do Programa.
A política de descentralização das ações de saúde, instituída pela
Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990a) provocou a dispersão dos profissionais
colaboradores do Ministério da Saúde na área do controle de infecção,
comprometendo drasticamente o funcionamento do Programa pelo Ministério da
Saúde. A descentralização gerou a formação de núcleos de profissionais que
atuavam no controle de infecção em alguns estados, originando as várias
associações de profissionais em controle de infecção existentes na atualidade
(FERNANDES et.al., 2000b).
O não cumprimento da Portaria MS nº 930 por grande parte dos
hospitais brasileiros determinou a emissão da Lei Federal nº 9.431 (BRASIL, 1997),
35
determinando a obrigatoriedade de manutenção de Programas de Controle de
Infecção Hospitalar por todos os hospitais do país, como uma estratégia de
melhorar o quadro em que se encontrava a maioria dos hospitais brasileiros. Esta
Lei vetou a obrigatoriedade dos serviços de controle de infecção e a busca ativa de
casos, uma incongruência no entender dos profissionais que atuavam nas CCIHs.
O Ministério da Saúde emite então a Portaria nº. 2.616
(BRASIL,1998a), em vigor até o momento, que mantém a obrigatoriedade da
existência de um Programa de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) em todos os
hospitais do país. A referida Portaria trata da organização e competências da CCIH
e do PCIH, estabelece os conceitos e critérios diagnósticos das Infecções
Hospitalares, dá orientações sobre a vigilância epidemiológica das infecções
hospitalares e seus indicadores, faz recomendações sobre a lavagem das mãos e
enfatiza a observância de publicações anteriores do Ministério da Saúde quanto ao
uso de germicidas, microbiologia, lavanderia e farmácia. Seu descumprimento por
vários hospitais brasileiros ainda hoje é uma realidade e constitui um grave
problema de saúde pública pela exposição aos riscos dos quais as pessoas
doentes e os profissionais são submetidos.
Com a necessidade de centralizar ações de regulação e controle
de alimentos e medicamentos inicialmente, e posteriormente de produtos e serviços
de interesse da saúde, em 1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), autarquia ligada ao Ministério da Saúde. Dentre suas ações,
fica também sob sua responsabilidade o controle de infecção em nível federal, com
suporte às Secretarias Estaduais através de apoio técnico, capacitações, expedição
de normas e legislações, consolidação de informações e promoção da socialização
das informações pertinentes (BRASIL, 2006).
Para a instrumentalização das ações de fiscalização sanitária no
monitoramento de forma mais efetiva do desenvolvimento das ações de Controle
das Infecções nos estabelecimentos hospitalares, a ANVISA emitiu a Resolução
RDC nº. 48 (BRASIL, 2000), para estabelecer a sistemática para
avaliação/inspeção dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar no país. Esta
Resolução tem servido para dar suporte às ações de controle sanitário, bem como
para os profissionais das CCIHs dos estabelecimentos hospitalares na estruturação
de seus PCIHs.
Segundo Prade e Vasconcellos (2001), a deficiência de
indicadores de infecções hospitalares levou a ANVISA a desenvolver o Sistema de
36
Informações para o Controle de Infecção em Serviços de Saúde (SINAIS), ainda em
fase de implantação (BRASIL, 2006). O objetivo do SINAIS é conhecer o perfil
epidemiológico e as taxas de infecções dos hospitais na perspectiva de corroborar
para a uniformização e padronização dos indicadores com possibilidade de
acompanhamento, além de servir como instrumento de orientação para implantação
das ações que visam diminuir a incidência e a gravidade das infecções
hospitalares. Cabe a ele medir e monitorar a qualidade da assistência hospitalar e
os riscos oriundos dessa assistência.
No Brasil, a prevalência exata das infecções hospitalares, de um
modo geral, ainda é desconhecida (TURRINI; SANTO, 2002). Não há dados
disponíveis mais recentes, além do inquérito nacional de 1994, anteriormente
mencionado, que revelou taxas de infecção hospitalar de 13% a 15% em hospitais
públicos e privados brasileiros (RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b).
Embora com a existência de dispositivos legais e normativos para
o seu controle, muitos serviços hospitalares ainda não dispõem de ações concretas
para prevenir e controlar as infecções hospitalares, permitindo a exposição dos
usuários do serviço a riscos por negligenciar medidas que, conforme as legislações,
deveriam ser cumpridas.
As normatizações e legislações brasileiras referentes ao controle
das infecções hospitalares demonstram a preocupação do Ministério da Saúde com
esse evento reconhecido como grave problema de saúde pública. Entretanto, com
todo o aparato legal determinando a obrigatoriedade de medidas de prevenção e
controle pelo poder público, na prática, isso não acontece em muitos serviços.
Cabe ressaltarmos que, questões diversas relacionadas às
condições de funcionamento dos serviços, resistências e processos de poder,
aliadas a questões relativas aos órgãos fiscalizadores, acabam por interferir no
cumprimento de legislações e normativas nos serviços hospitalares (LACERDA;
EGRY, 1997; SOUZA et al., 2002).
Os serviços de saúde vêm apresentando reestruturações
organizacionais importantes, para atender a uma sociedade consumidora que vem
se instrumentalizando em relação aos seus direitos. Visualiza-se o desenvolvimento
de um amplo processo de redefinição de culturas e valores que objetivam
mudanças e redefinições de papéis e funções. Neles, entretanto, ainda se inserem
vários discursos que se confrontam e se articulam, como o discurso do poder
37
econômico, político, jurídico, técnico e científico e também o discurso ético do
direito a uma assistência livre de danos.
O controle da infecção hospitalar no país é algo relativamente
recente e a legislação tem sido focalizada para esta prática, com a instituição de
órgãos centrais e atribuições de responsabilidades aos estados da federação
quanto ao seu controle. Entretanto, tais medidas tem sido insuficientes. A seguir
descreveremos como tem sido o controle desta prática em Mato Grosso.
3.1.3 O histórico das infecções hospitalares no Estado de Mato Grosso e no
Município de Cuiabá
No país, o controle de infecção é um tema ainda recente, mais
enfatizado a partir da década de 80 do séc. XX. Nas décadas que se sucederam,
alguns Estados obtiveram um avanço maior nas ações de controle de infecção em
seus hospitais em detrimento de outros.
No Estado de Mato Grosso, assim como em alguns outros
Estados brasileiros, a prática do controle de infecção hospitalar é uma atividade
pouco desenvolvida se comparada aos grandes centros. Devido à inexistência de
normalização instituída pela Secretaria de Estado da Saúde para o fornecimento
dos indicadores epidemiológicos de IH dos hospitais do Estado, não é possível
conhecer a sua real situação. Assim, o controle de IH é realizado com grandes
dificuldades, em virtude da falta de sensibilização dos atores envolvidos, de
recursos humanos qualificados e específicos e a indisponibilidade de recursos
financeiros necessários para os investimentos na área (ALVES; ÉVORA, 2002).
Rememorando as responsabilidades do Estado, não podemos
deixar de mencionar a Constituição Federal (BRASIL, 1988) no seu artigo 196 que
diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas”. Para que isso se efetive, determina no artigo 197 que: “São
de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público
dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”.
Obedecendo ao mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Saúde – LOS, a Lei
n° 8.080 (BRASIL, 1990a) dispõe sobre “as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
38
correspondentes”, diretrizes e limites que devem ser acatados pela União, Estados
e Municípios.
Na proteção à saúde, a Lei Orgânica da Saúde cita a expressão
“vigilância sanitária” como sendo
[…] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde (BRASIL,1990a).
O controle sanitário dessas ações envolve ações diversificadas,
tais como: a fiscalização e/ou vistoria, o licenciamento, a imposição de penalidades
(notificação, apreensão, infração e interdição), o trabalho educativo, além de coleta,
processamento e divulgação das informações de interesse para a Vigilância
Sanitária e Epidemiológica, observados os ditames hierárquicos legais e normativos
das três instâncias (federal, estadual e municipal) que embasam os mecanismos de
controle sanitário (MATO GROSSO, 2001).
As ações de Vigilância Sanitária (VISA) são classificadas de
acordo com o seu nível de complexidade. É estabelecido como critério de
classificação o grau de risco epidemiológico que representam, ou seja, em baixa,
média e alta complexidade (MATO GROSSO, 2001).
Os hospitais se encontram entre os serviços classificados como
de alta complexidade. Nestes, se inserem as ações de controle das infecções
hospitalares. Ao órgão fiscalizador de VISA cabe não somente as tarefas de
fiscalizar, monitorar e normatizar, mas também possibilitar e/ou viabilizar o
desenvolvimento e a socialização do conhecimento entre os profissionais de saúde
a fim de contribuir para o desenvolvimento científico nessa área.
As ações de média e alta complexidade em Vigilância Sanitária no
município de Cuiabá foram descentralizadas, ou seja, repassadas do nível estadual
para o municipal devido ao processo de descentralização das ações, que habilitou
o município na Gestão Plena Municipal em 1998. Esta descentralização ocorreu
gradualmente, possibilitando ao município sua estruturação técnico-operacional
para assumir as ações. Atualmente, em se tratando de VISA, ainda não foram
descentralizadas as ações em serviços de oncologia, terapia renal substitutiva e
hemoterapia, mas técnicos do município já se encontram em fase de capacitação
para executá-las.
39
As ações de Controle de Infecção Hospitalar (CIH) passaram a ser
responsabilidade do município de Cuiabá a partir do ano 2000, quando a Secretaria
de Estado de Saúde capacitou técnicos para o processo de descentralização,
ficando estas ações também atribuídas à Coordenadoria de Vigilância Sanitária e
Epidemiológica Municipal.
Conforme determina a Portaria MS nº 2.616 (BRASIL, 1998a), em
nível Estadual, compete às Vigilâncias Estaduais nas ações de controle de
infecção: definir diretrizes de ação estadual, estabelecer normativas suplementares,
descentralizar ações, prestar apoio técnico-político-financeiro aos municípios
supletivamente quando necessário, coordenar, acompanhar, controlar e avaliar as
ações e os indicadores epidemiológicos de infecção hospitalar, repassando esses
dados ao Ministério da Saúde.
Descentralizadas, as ações de controle de infecção ficam sob
responsabilidade do município, de acordo com a Política Nacional de Controle de
Infecção.
Na perspectiva do processo de descentralização das ações, o
órgão de Vigilância Sanitária do Estado de Mato Grosso disponibilizou em 1999 o “I
Curso de Atualização em Controle das Infecções Hospitalares” objetivando
capacitar os técnicos das Vigilâncias Sanitárias do Estado e Municípios para as
ações de fiscalização nos estabelecimentos hospitalares e para que estes se
tornassem também multiplicadores.
Em 2000, a Coordenadoria de Vigilância Sanitária e
Epidemiológica de Cuiabá (COVISAE) realizou a capacitação em controle de
infecção hospitalar aos profissionais dos hospitais do município, o que contribuiu
para a formação de um grupo de estudos, cujo objetivo se destinava a socializar
informações, discutir e debater as dificuldades e as experiências no
desenvolvimento das ações de controle de infecção em seus locais de trabalho.
Assim, as ações de controle de infecção hospitalar começam a ter
acompanhamento do órgão de Vigilância Sanitária Municipal, o que permitiu uma
maior proximidade e interação entre as instituições e os profissionais que atuam no
controle de infecção de alguns hospitais, melhorando as ações de controle de
infecção.
Um instrumento inicial sobre os Indicadores de Infecção Hospitalar
foi instituído para avaliação e monitoramento dessas taxas nos hospitais, sendo
substituído por outros mais detalhados no decorrer dos anos.
40
A experiência do envio dos Relatórios de Indicadores
Epidemiológicos de Infecção Hospitalar pelos hospitais tem possibilitado de certa
forma o aprendizado dos profissionais que atuam nas CCIHs, conforme pode ser
evidenciado através dos encaminhamentos mensais dos Relatórios de IH pelos
hospitais à COVISAE municipal, embora muitos deles ainda não os enviam.
Assim, muito ainda há por ser feito, pois o controle da infecção
hospitalar no município, da mesma forma como no restante do país, se constitui em
um grande desafio. Além de conhecimento técnico-científico, de legislações e
monitoramento pelo Estado, há um importante fator a ser considerado. O controle
de IH é feito por pessoas (profissionais) para outras pessoas (usuários). Nesse
sentido, não podemos deixar de salientar a importância da dimensão humana no
contexto das IHs.
Desta forma, para entender a integralidade na organização das
práticas profissionais de controle de IH, nos remetemos à construção social e
histórica dos hospitais e do saber clínico. A partir dessa compreensão, buscamos
apreender como se organizam as práticas de controle da infecção hospitalar no
cotidiano de uma unidade pública de tratamento intensivo, procurando entender
como é conformado o espaço da UTI, como as relações acontecem nas práticas
que ali ocorrem, como os trabalhadores de saúde atuam, como são conformadas
suas práticas e como as pessoas doentes são percebidas neste processo de cuidar
nessa unidade. Entendemos que a dimensão humana é um aspecto relevante na
organização das práticas de controle de infecção hospitalar quando se busca olhar
para estas práticas na perspectiva da integralidade.
3.2. O Princípio da Integralidade
A Constituição Federal, também chamada de Constituição Cidadã,
tem na cidadania uma de suas marcas, reconhecendo a saúde como um direito de
todos e um dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas (BRASIL,
1988). Na Seção II, que trata Da Saúde, em seu Art. 198 inc. II prevê: “atendimento
integral com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais” (BRASIL, 1988). É embasado na Constituição que o princípio da
41
integralidade se respalda legalmente para surgir como parte integrante do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Reconhece a relevância pública das ações e serviços de saúde e
delineia um sistema único, o SUS, instituído pela Lei n°. 8.080 (BRASIL, 1990a),
cujo objetivo é gerir o sistema público de saúde no Brasil.
O SUS se organiza de acordo com três diretrizes básicas, que
permeiam todo o funcionamento do sistema: universalidade, eqüidade e
integralidade.
O princípio da integralidade na assistência vem sendo discutido
desde a reforma sanitária na década de 80 do séc. XX, vislumbrada através de
programas abrangentes e específicos do Ministério da Saúde e que,
posteriormente, foi incorporado como uma das diretrizes do SUS (CONILL, 2004).
A integralidade, de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL,
2005a, p. 129), é entendida como
um princípio fundamental do SUS. Garante ao usuário uma atenção que abrange as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com garantia de acesso a todos os níveis de complexidade do Sistema de Saúde. A integralidade também pressupõe a atenção focada no indivíduo, na família e na comunidade (inserção social) e não num recorte de ações ou enfermidades.
Esse conceito vem sendo amplamente debatido, sem que haja um
consenso quanto ao que seja a sua compreensão. Para Pinheiro e Mattos (2007), a
integralidade
[…] é um termo polissêmico e polifônico, pois reúne diferentes significados, sentidos e vozes resultantes da interação democrática dos sujeitos no cotidiano de suas práticas e dos saberes em saúde. Sua definição legal é ampliada pela perspectiva dos usuários, que vocaliza a ação integral freqüentemente associada ao tratamento digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo (PINHEIRO; MATTOS, 2007).
A integralidade, portanto, representa a forma de indicar as
características desejáveis do sistema de saúde e de suas práticas assistenciais
(MATTOS, 2004), bem como de superar as características reais ou existentes.
42
Segundo Costa (2004) a palavra integridade em grego, hole ousia,
sugere o ser saudável e referencia para a saúde do indivíduo. A integralidade
mantém-se ainda como um termo sem definição específica ou delimitada e não
consta nos dicionários de língua portuguesa.
Mattos (2001, p. 42) prefere não definir a integralidade, uma vez
que entende que ela não tem um único significado.
Talvez não devamos buscar definir de uma vez por todas a integralidade, posto que desse modo poderíamos abortar alguns dos sentidos do termo e, com eles, silenciar algumas das indignações de atores sociais que conosco lutam por uma sociedade mais justa.
Na visão de Cecílio (2006, p. 115), a integralidade
[…] deve ser fruto do esforço e confluência dos vários saberes de uma equipe multiprofissional, no espaço concreto e singular dos serviços de saúde, sejam eles um Centro de Saúde, uma equipe de Programa de Saúde da Família (PSF) ou um hospital.
A integralidade como uma boa prática de biomedicina seria, de
acordo com Mattos (2001, p. 50) “[…] um uso prudente desse conhecimento sobre
a doença, mas, também, um uso guiado por uma visão abrangente das
necessidades dos sujeitos os quais tratamos.”
Assim, o atendimento integral compreende a “[…] prática de
sujeitos que cuidam de outros sujeitos […]” (CAMARGO JR, 2005, p. 42). O
compromisso profissional que considera os aspectos que se relacionam e
influenciam a dimensão da pessoa doente, ou seja, de um agir ético, tendo como
proposição a emancipação dos sujeitos profissionais e usuários em busca da
qualificação de suas vidas. Uma relação de cuidado para além das dimensões
técnico-científicas, onde se estabelece uma relação dialógica entre pessoas,
envolvidas por acolhimento, humanidade, humildade, respeito, vínculo, dentre
outros.
Na perspectiva do controle das IH, embasa-se aqui a dimensão
ética, pois há como “prever” os riscos de grande parte dessas infecções e, portanto,
compreender o sofrimento dela decorrente de maneira antecipada à sua ocorrência.
43
Explicita-se, assim, o controle de infecção como uma “boa prática em saúde” e que
se pauta na integralidade de maneira ampliada.
Para Mattos (2005), a integralidade é a expressão de um atributo
de boas práticas de saúde, de como devem ser organizados os serviços e a
especificidade das políticas de saúde, identificando-os como os três conjuntos de
sentidos para a integralidade, que se ligam ou se articulam entre si: as práticas dos
profissionais de saúde, a organização dos serviços e as respostas governamentais
aos problemas de saúde.
Quer tomemos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho, quer da organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo (MATTOS, 2001, p. 61).
Neste contexto, remetendo à perspectiva da integralidade nas
práticas de controle de infecção hospitalar, percebemos que essas podem ser
relacionadas aos três sentidos para a integralidade referenciados por Mattos. Para
a efetivação dessas práticas, os três sentidos estão necessariamente envolvidos,
conforme Souza et. al. (2002, p. 29) demonstram nos resultados de seu estudo.
Os desafios encontrados vão desde a adoção de medidas simples de controle até a complexa estrutura organizacional das instituições normatizadoras, provedoras e executoras. Entretanto, os maiores desafios explicitados foram as políticas instituídas, as relações de trabalho e o pouco envolvimento profissional.
O modelo de atenção à saúde estruturado a partir do saber clínico
privilegia as especializações, levando à fragmentação do processo terapêutico,
dificulta o atendimento integral (SILVA, 2004) e é um obstáculo ao alcance da
integralidade.
Quanto às práticas profissionais, o processo de formação dos
profissionais de saúde é outro desafio, pois ainda é caracterizado por um ensino
[…] centrado em conteúdos, organizado de maneira compartimentada e isolada, fragmentando os indivíduos em especialidades da clínica, dissociando conhecimentos das áreas básicas e conhecimentos da área clínica, centrando as
44
oportunidades de aprendizagem da clínica no hospital universitário, adotando sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação técnico-científica padronizada, incentivando a precoce especialização, perpetuando modelos tradicionais de prática em saúde (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 1402).
A formação em saúde tem privilegiado a abordagem biologicista,
medicalizante e procedimento-centrada. Esse modelo hegemônico de formação em
saúde tem sido criticado por autores que defendem que a formação dos
profissionais de saúde deve contemplar o “[…] sistema de saúde vigente no país, o
trabalho em equipe e a atenção integral à saúde” (CECCIM; FEUERWERKER,
2004, p. 1402). Para os autores, nos encontramos num momento em que há
necessidade de repensarmos conceitos e práticas de saúde que orientem o
processo de formação de profissionais voltados para a incorporação da
integralidade nessas práticas.
Oliveira (2007, p. 24) percebe a importância de atentar para a
integralidade no pensar e fazer saúde como um desafio no ensino superior.
A vinculação entre educação, trabalho e práticas sociais vislumbra uma nova perspectiva tanto de ensino-aprendizagem, quanto da diminuição das fronteiras entre os diversos atores da equipe interdisciplinar, ampliando as possibilidades de diálogo e respeito entre os profissionais e entre estes e os usuários dos serviços de saúde local, no que diz respeito ao seu direito constitucional de atenção integral à saúde.
As formas de atuação dos profissionais constituem outro aspecto
a ser considerado nas práticas de controle de infecção hospitalar, especialmente
por ser desenvolvido por múltiplos profissionais. A diversidade de profissionais
atuando sobre o mesmo “objeto”, a pessoa doente, requer esforços no sentido da
execução integrada das ações necessárias na assistência hospitalar, numa
perspectiva interdisciplinar, para que possamos vislumbrar a integralidade nessa
modalidade de atenção em saúde. Este, segundo Mattos (2001), constitui um valor
que deve ser defendido e prestigiado no exercício das práticas em saúde. Diz
respeito a um atributo único que deve permear toda a equipe de saúde de forma a
construir o trabalho interdisciplinar.
45
Nos diferentes níveis de atenção em saúde, mas em especial no
hospital, a interação entre os vários profissionais envolvidos são marcadas por
relações de forças, constituídas sócio-historicamente, causando relações
assimétricas que afetam as práticas em saúde. O conhecimento científico e a
valorização do modelo clínico contribuíram para a hegemonia da clínica e do
profissional médico em relação aos outros profissionais de saúde, causando, a
fragmentação e a desarticulação da assistência pelos mecanismos de disputa
existentes, conforme Cecílio e Merhy (2005, p. 198) descrevem:
Mecanismos instituídos de dominação e de relações muito assimétricas de poder entre as várias corporações profissionais ocultam a imprescindível colaboração que deve existir entre os vários trabalhadores, como operadores de tecnologias de saúde, para que o cuidado aconteça. O cuidado, de forma idealizada, recebido/vivido pelo paciente é somatório de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital.
Para o atendimento ao princípio da integralidade, é necessária a
existência de equipes de trabalho que atuem de forma interdisciplinar, ou seja, que
atuem de modo a construir uma plataforma de trabalho em conjunto, a partir da
identificação de um problema comum. Entretanto, na área da saúde, a
interdisciplinaridade representa não só uma necessidade como também um desafio,
uma vez que:
[…] as relações entre os profissionais da saúde requerem uma compreensão maior sobre os processos de formação de vínculos afetivos e laços sociais, além de propiciar a troca entre eles através da convivência e do diálogo interdisciplinar (OLIVEIRA, 2007, p. 23).
A interdisciplinaridade permite a horizontalização nas relações
entre profissionais e entre profissionais-usuários, possibilita a reflexão para a
mudança do paradigma assistencial, evita ações fragmentadas e supera os
reducionismos. Ela vislumbra a melhor integração nas práticas em saúde, “[…]
visando a assegurar a continuidade e a globalidade dos serviços requeridos de
diferentes profissionais e organizações, articuladas no tempo e no espaço,
46
conforme os conhecimentos disponíveis” (HARTZ; CONTRANDRIOPOULOS, 2004,
p. 332).
O maior ou menor atendimento à integralidade em saúde resulta
da articulação das práticas de toda a equipe multiprofissional (CECÍLIO; MERHY,
2005) como somatória de ações específicas de cada profissional, visando atender
às necessidades das pessoas que necessitam do seu trabalho.
Além deste aspecto, as formas de relação entre pessoas -
profissionais de saúde e usuários - constituem outro fator a ser considerado para o
alcance da integralidade. Um aspecto essencial nas práticas profissionais em saúde
para o atendimento à integralidade se constitui no estabelecimento de vínculo entre
profissional-pessoa doente, onde o profissional se sente mais responsável nas suas
práticas e, portanto, se empenha em aproximar e manter vínculo com o doente. Por
outro lado, a pessoa doente se sente acolhida e deposita confiança no profissional
que a cuida. Pinheiro et. al. (2005) enfatizam
[…] o fortalecimento do vínculo como aspecto essencial da prática clínica, cuja eficácia será resgatada pelo restabelecimento “da arte da fala e da escuta entre pacientes e profissionais, entre equipe e família, entre instituições e sociedade Pinheiro et. al. (2005, p. 22).
Os sentidos da integralidade podem ser observados nas atitudes que se
espera dos profissionais de saúde.
A abertura dos médicos para outras necessidades que não as diretamente ligadas à doença presente ou que pode vir a se apresentar – como a simples necessidade da conversa – também ilustra a integralidade. Podemos facilmente reconhecer que as necessidades dos que buscam serviços de saúde não se reduzem à perspectiva de abolir o sofrimento gerado por uma doença, ou à perspectiva de evitar tal sofrimento. Buscar compreender o conjunto de necessidades de ações e serviços de saúde que um paciente apresenta seria, assim, a marca maior desse sentido de integralidade (MATTOS, 2001, p. 50).
Para ilustrar essas atitudes que trazem em si sentidos da
integralidade, achamos pertinente trazer aqui, exemplos citados por Mattos (2001).
Quando um agente comunitário que segue rumo a suas visitas domiciliares se defronta com o convite de um morador para uma prosa sobre um problema que o aflige, ele pode aplicar não a medicina integral, mas a integralidade. Quando esse mesmo
47
agente, no cumprimento de suas funções de pesar as crianças com menos de 24 meses, busca ativamente nas crianças maiores da casa (que não podem ser pesadas com a balança portátil que leva) os indícios de carência nutricional, também põe a integralidade em prática. Ou quando um funcionário de um pronto-socorro se preocupa em informar a um acompanhante que ficou fora da sala de atendimento a evolução de um paciente... A integralidade, mesmo quando diretamente ligada à aplicação do conhecimento biomédico, não é atributo exclusivo nem predominante dos médicos, mas de todos os profissionais de saúde (MATTOS, 2001, p.51).
Segundo Mattos (2001) a gestão dos serviços compreende outro
aspecto a ser considerado nas práticas hospitalares e, entendemos, igualmente nas
práticas de controle de IH. Para garantir a integralidade nas práticas de controle de
IH, a organização dos processos de trabalho deve ser contínua, de forma a ampliar
as possibilidades de apreensão das necessidades das pessoas doentes (MATTOS,
2001) que estão internadas, ou seja, a qualificação da assistência hospitalar.
Cecílio (1997, p. 317) indica cinco pontos resultantes de
concepções teóricas e experiências gerenciais que precisam ser abordados quando
se refere à qualificação do atendimento prestado pelos hospitais públicos.
[…] o enfrentamento de projetos em disputa (o poder), a inserção do hospital no Sistema Único de Saúde (a missão), os seus mecanismos gerenciais (a gestão), a lógica da assistência (a qualidade do atendimento) e algumas alternativas para uma nova política de recursos humanos.
Em relação às respostas governamentais aos problemas de saúde
enfatizados por Mattos como um sentido da integralidade, esta se refere à
abrangência das respostas governamentais na perspectiva de articular ações não
somente assistenciais como preventivas. Para Mattos (2004, p. 59).
[…] a noção de integralidade expressa a convicção de que cabe ao governo responder a certos problemas de saúde pública, e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de prevenção como as possibilidades assistenciais.
48
No contexto da articulação de ações preventivas e assistenciais,
cabe ressaltarmos a importância da participação social no processo. Pinheiro et. al.
(2005, p. 17) defendem a necessidade da ampliação da escuta à sociedade, pois
[…] para garantir direito no Estado Moderno, torna-se necessário criar e ampliar espaços públicos, nos quais as regras de sociabilidade sejam fundamentadas na democracia e suas instituições sejam permeáveis aos valores democráticos.
Nesse sentido, pode-se entender a integralidade como uma ação
social ligada à democracia nas ações de saúde, onde se busca valorizar a
subjetividade dos atores sociais envolvidos nos processos assistenciais de forma
mais simétrica, reconhecendo as suas necessidades e, conseqüentemente,
efetivando a cidadania.
As políticas de saúde necessitam contemplar a organização dos
serviços e das práticas nos diferentes níveis de atenção em saúde em torno da
integralidade. Dessa forma, Cecílio (2006) defende a lógica da integralidade no que
denomina integralidade focalizada, que diz respeito ao interesse de cada
profissional e da equipe multiprofissional de cada serviço no atendimento às
necessidades de saúde dos usuários. Para ele, a lógica da integralidade “[…] deve
estar presente em todos os serviços, mesmo nos super-especializados, seja ele um
serviço de emergência ou uma enfermaria de hospital, por exemplo” (CECÌLIO,
2006, p.118).
Quando se refere à avaliação da integralidade, Conill (2004, p.
1420) conclui que ainda são escassos os trabalhos acerca da implantação e
resultados dos modelos integrais e constata que, no Brasil, predomina a “[…]
percepção ampliada da diretriz da integralidade, significando, além da gama de
serviços, seu caráter contínuo e coordenado” e que existe preocupação quanto aos
cuidados e às condições de gestão dos serviços. Destaca ainda uma tendência em
considerar as práticas da atenção básica prioritariamente na observação desse
princípio.
No nível assistencial hospitalar, Cecílio e Merhy (2005, p.197)
comungam da idéia de conceito de integralidade como
a atenção integral de um paciente no hospital seria o esforço de uma abordagem completa, holística, portanto integral, de cada pessoa portadora de necessidades de saúde que, por um certo período de sua vida, precisasse de cuidados hospitalares.
49
Esta abordagem, na concepção dos autores, implica em garantir
através da hospitalização, todas as necessidades de consumo das tecnologias de
saúde disponíveis e a disponibilização de um ambiente que permita à pessoa
hospitalizada, conforto e segurança necessários à sua terapêutica e reabilitação.
Para atender à integralidade, os serviços devem estar preparados
para possibilitar uma assistência adequada, seja através de sua estrutura, de
recursos materiais ou de recursos humanos qualificados, na perspectiva de reduzir
ao máximo a exposição das pessoas doentes a riscos em decorrência das práticas
profissionais no hospital.
Assim, mediante a complexa trama de práticas, saberes, rotinas,
fluxos, envolvidos num processo dialético de complementação, em maior ou em
menor medida, é que as práticas profissionais se articulam, se conformando na
instituição para atender à integralidade (CECÍLIO; MERHY, 2005).
As pessoas internadas são providas de direitos. Dentre as
principais bases para o exercício dos direitos dessas pessoas, temos a Constituição
da República Federativa do Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o
Código de Ética de Enfermagem, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto
do Idoso e Portarias emitidas pelo Ministério da Saúde. Nestas bases, para o
exercício da cidadania, observamos a garantia a cuidados em saúde sem qualquer
distinção, gratuidade e atenção no atendimento.
Neste enfoque, é importante considerarmos a ética em saúde,
vivida no cotidiano dos serviços e que deve ser co-responsabilizada por todos os
profissionais que fazem parte dos processos assistenciais, conforme descrevem
Bellato e Araújo Netto (2006, p. 2), “[…] ela toma corpo na concretude das práticas,
e, dessa forma, é vivida cotidianamente, sendo discutida e sentida nos processos
de cuidar, ensinar e pesquisar em saúde e em Enfermagem”.
As autoras ainda percebem a ética como um valor humano, que
envolve sujeitos, saberes, práticas e relações na perspectiva do trabalho em saúde.
Consideramos a integralidade nas práticas de controle de IH como procedimentos e
condutas antes de tudo, éticas, uma vez que, a partir de práticas profissionais
conscientes e responsáveis, as IHs podem ser minimizadas e a assistência em
saúde melhor qualificada.
50
Assim, entendemos que a integralidade nas práticas de controle
de IH é a não ocorrência da IH. A ocorrência da IH pode ser entendida como um
evento sentinela que representa “[…] algo que não deve ocorrer se o serviço de
saúde funcionar adequadamente” (PENNA, 2006, p. 126). A infecção hospitalar é
considerada um evento que, na maior parte das vezes, pode ser prevenido ou
evitado. A ocorrência de um evento sentinela possibilita avaliar a qualidade da
assistência bem como estabelecer as condições que levaram a ocorrência do
evento (PENNA, 2006).
Considerando que a indicação de internação de uma pessoa
doente na UTI é sempre uma condição crítica, seja ela decorrente de doenças
agudas ou crônicas, elaboramos uma figura que representa os aspectos
denominados de condição marcadora para o aparecimento do evento sentinela IH.
Figura 1: O evento Sentinela (ES) e a Condição Marcadora para Infecção Hospitalar na UTI5
Assim a integralidade nas práticas de controle da IH pressupõe
que as ações realizadas na unidade contemplem: a avaliação das condições da
pessoa doente (a vulnerabilidade do paciente, a idade, a patologia, dentre outras),
5 Figura elaborada pela autora durante o estudo.
Paciente em condição crítica
na UTI
Condição Marcadora para a IH
Relacionada ao Paciente: baixa imunidade, gravidade, extremos de idade e outros
Relacionada a Internação: procedimentos invasivos, tempo hospitalização, uso inadvertido de
antibióticos e outros
Relacionada aos Profissionais: falta de adesão, falta de conhecimento
quanto a medidas de CIH e outros
Relacionada a Gestão: ausência de CCIH, falta de apoio da gestão à
CCIH e outros
Paciente Controlado
Paciente com ES “IH”
51
as medidas terapêuticas prescritas durante a internação na UTI (os procedimentos
invasivos, o tempo de hospitalização, os antimicrobianos em uso, dentre outros); o
comportamento dos profissionais (a adesão as práticas de CIH, as relações entre
profissionais e entre estes e os usuários, o conhecimento sobre as práticas de IH, a
motivação para as práticas de IH, dentre outros) e as práticas de gestão de controle
das práticas de IH de maneira que estas sejam realizadas de forma coordenada e
integrada, visando a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde das
pessoas doentes, evitando lacunas que possam levar a ocorrência da IH.
3.3 A Integralidade subsidiada em alguns conceitos de Michel Foucault: as
relações de poder e a disciplinarização
Paralelamente ao referencial da Integralidade, para subsidiar
nossas buscas, nos apropriamos de alguns conceitos de Michel Foucault, uma vez
que o estudo envolve a instituição hospitalar, seu histórico, seu funcionamento,
suas regulamentações, bem como as relações que ocorrem nesses espaços.
Elegemos este referencial pela possibilidade que ele nos dá de
buscar a compreensão dos fenômenos que ocorrem nessas instituições, na
perspectiva de olhar o cotidiano de um modo diferente, através da compreensão
das relações de poder e dos mecanismos disciplinares que permeiam o
desenvolvimento das práticas assistenciais em saúde.
Buscamos compreender os acontecimentos cotidianos, a partir de
um outro olhar, de um olhar diferente, como se fossemos estranhos, pois naquilo
que parece ser natural e rotineiro, é possível identificar problemas específicos que
estão envolvidos na banalidade cotidiana do ambiente hospitalar e que repercutem
na construção das subjetividades dos sujeitos (AZEVEDO; RAMOS, 2003;
AZEVEDO, 2005a).
Dessa forma, com o olhar para o cotidiano hospitalar, interessa-
nos as práticas de atenção e de gestão em saúde, onde procuramos lançar nosso
olhar para compreender como as materialidades6 incidem nas práticas
6 Materialidade discursiva representa os discursos observados ou documentados,
produzidos ou não por trabalhadores (médicos, enfermeiros) ou gestores. A materialidade não discursiva envolve imagens e visibilidades dispostas no espaço e tempo, passíveis
52
assistenciais, e, em especial, nas práticas de controle de infecção, a fim de
apreender como acontecem as relações dos diferentes sujeitos da estrutura
hospitalar. Os estudos foucaultianos se propõe a debater como os saberes
se refletem nos comportamentos, lutas, conflitos, decisões e táticas, constituindo-se
em relações de poder, uma vez que, “[…] por trás de todo saber, de todo o
conhecimento, o que está em jogo é uma luta de poder” (SÁ, 2006).
Esses estudos apontam para a existência de uma relação muito
íntima entre o saber e o poder, que os tornam indissociáveis. Para essa relação,
Machado (1992, p. XXI) explica que
... saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação do saber.
Nas análises foucaultianas, o poder não é um lugar ou um objeto
palpável, mas sim, uma relação ou prática que se exerce, se efetua e que funciona
em qualquer ponto da estrutura social. Ele denota luta, afrontamento, disputa,
relação de poder, à qual se ganha ou se perde (MACHADO, 1992). Assim, por trás
de todo saber (conhecimento), está em jogo a luta pelo poder, como exemplifica o
que ocorre nos espaços políticos, onde o poder não se desvincula do saber; ele é
tramado através dos saberes e constitui-se como um mecanismo político de luta
pelo poder (SÁ, 2006).
No contexto das ciências da saúde, o poder se revela na figura do
médico, ramificando-se a partir dele para e entre os demais profissionais de saúde.
A própria distribuição física dos espaços nas instituições de saúde, geralmente,
privilegia especialmente a classe médica, demonstrando o seu poder político e
hierárquico na instituição (AZEVEDO, 2005a), se distinguindo das outras categorias
profissionais da saúde.
Esse fenômeno médico-hegemônico historicamente constituído,
tem suas raízes no Séc. XVIII e vem ao longo dos séculos se perpetuando, assim
como vivenciamos ainda hoje no cotidiano das instituições hospitalares e de saúde.
de descrições pelo pesquisador, tais como formas, processos, organizações, localizações, disposições, relações, procedimentos, técnicas e demais execuções (ARAÚJO, 2005).
53
A distribuição do espaço hospitalar se orienta pelo saber clínico,
que perpassa todas as relações que ocorrem no hospital. Seguidamente, isso
ocorre com os demais profissionais de saúde, levando à existência de disputas e
lutas pela dominação do seu próprio espaço. Nessa perspectiva, se interagem
mutuamente, formando redes de relações de poder que se imbricam no
funcionamento da engrenagem hospitalar.
Para Azevedo e Ramos (2003), o poder foucaultiano deve ser
compreendido como um feixe de relações mais ou menos organizado,
piramidalizado e coordenado, que se exerce, que funciona e que se efetua nas
relações onde está instituído. Ele se distribui em redes e entre sujeitos livres,
capazes de resistir às forças contrárias.
Assim, o espaço hospitalar caracteriza-se pela existência dessas
relações de poder, constituídas historicamente, tornando esse espaço
medicalizado, um espaço político de saberes e práticas relacionadas ao saber
clínico.
O saber clínico (grifo nosso), envolto por relações de poder,
abarca os processos decisórios no espaço hospitalar, seja no que diz respeito ao
paciente ou na condução das atividades e das práticas assistenciais no hospital.
Conforme se eleva o nível de conhecimento (saber) do profissional, com base no
modelo clínico, maior é o seu status e a sua distinção em relação aos outros
profissionais. Essa relação entre o saber e o poder, conseqüentemente, explica os
processos hegemônicos que operam o poder micro-político do hospital, interferindo
nas subjetividades dos atores envolvidos e inseridos no cotidiano da instituição e,
conseqüentemente, nos processos assistenciais.
No funcionamento da engrenagem hospitalar, o saber clínico
influencia as relações entre os diferentes atores, causando relações assimétricas
que ameaçam a qualidade das práticas assistenciais. Para Dreyfus e Rabinow
(1995, p. 203) “o funcionamento destes rituais políticos de poder é exatamente o
que estabelece as relações desiguais e assimétricas”. Contudo, para compreender
como ocorrem essas desigualdades, precisamos nos remeter aos níveis das micro-
políticas, onde os poderes também operam. Os micro-poderes operam nas
ramificações e são capazes de modificar e dar um novo sentido às práticas em
saúde.
54
Para Machado (1992, p. XVI), é preciso refletir também sobre o
lado positivo do poder, uma vez que “[…] ele produz real; produz domínios de
objetos e rituais de verdade”. O autor ainda explica as vantagens do poder, pois ele
[…] possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo, adestrá-lo (MACHADO, 1992, p. XVI).
O que interessa ao poder é gerir a vida dos homens, controlá-los,
utilizá-los, aproveitando suas potencialidades e aperfeiçoando suas capacidades,
de forma a atender às necessidades e interesses capitalistas, tornando os homens
força de trabalho produtiva (econômica), ao mesmo tempo em que reduz os perigos
políticos (MACHADO, 1992).
Esse tipo específico de poder, que trata de controlar ou de
submeter os corpos, é denominado por Foucault como disciplina ou poder
disciplinar.
Ele a considera uma das grandes invenções do século XVIII,
tendo se estendido no exército, nas escolas e hospitais, caracterizada por uma
[…] nova maneira de gerir os homens, controlar suas multiplicidades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seu trabalho e sua atividade, graças a um sistema de poder suscetível de controlá-los (FOUCAULT, 1992b, p. 105).
Foucault (1992b, p.107) ainda a define como “[…] um conjunto de
técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos
em sua singularidade”. Ela representa uma forma de enquadramento dos
indivíduos, uma vez que, os distribui, os julga, os mensura, os localiza, enfim, os
utiliza ao máximo (FOUCAULT, 1992b). Tais mecanismos fazem com que os
indivíduos se tornem sujeitados, através do cumprimento de normas e regras que
são instituídas para discipliná-lo.
Os poderes disciplinares são mecanismos que permitem
controlar minuciosamente os corpos, deixando-os dóceis e ao mesmo tempo úteis
(MACHADO, 1992), levando à produção de “[…] populações controladas e
eficientes” (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 212), portanto, corpos produtivos e
55
submissos, necessários ao funcionamento e manutenção da sociedade industrial,
capitalista.
Para Foucault (2006, p. 118) “[…] é dócil um corpo que pode ser
submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Seu
sentido se resume em gerar indivíduos produtivos e capazes e, ao mesmo tempo,
dóceis, que se submetam aos interesses políticos de cada grupo social,
característico em sociedades capitalistas (KOVALESKI, 2006).
O poder disciplinar se exerce através de técnicas diversas, como
o controle regular, burocracias, regulamentos e tarefas repetitivas que foram se
institucionalizando nos mais variados espaços, como escolas, prisões, hospitais e
fábricas (PINHEIRO, 2006), controlando detalhadamente seu funcionamento,
através do monitoramento dos corpos (indivíduos) treinados e preparados para se
portarem de forma ajustada e obediente, seguindo os interesses de seus gestores
ou mantenedores, combinando o olhar hierárquico com as sanções normalizadoras
(FOUCAULT, 2006).
No hospital, as normas representam uma prática comum, uma vez
que é evidente a necessidade de gerir os corpos, tanto dos profissionais quanto das
pessoas doentes internadas, buscando garantir a sujeição a comportamentos e
atitudes, que devem ser seguidas por todos para o seu funcionamento.
Com esses apontamentos do referencial de Michel Foucault,
podemos compreender como acontecem as relações de poder, o poder da clínica e
os mecanismos disciplinares no espaço hospitalar, como os saberes clínico-
hegemônicos operam o poder na instituição, interferindo nas subjetividades dos
atores inseridos no cotidiano hospitalar e, conseqüentemente, nos processos
assistenciais.
Buscamos a compreensão de como isso ocorre no processo
assistencial de saúde em uma UTI, na perspectiva do controle das infecções
hospitalares, considerando a existência de estratégias, lutas, saberes e práticas
que influenciam a construção dos sujeitos. Interessa-nos que problemas se
constroem e se sustentam nas relações que ocorrem no espaço hospitalar e como
essas relações influenciam na assistência em saúde.
Acreditamos que esses diferentes fenômenos interferem nas
atividades profissionais, e, conseqüentemente, podem contribuir para compreender
como os princípios da integralidade são atendidos nas práticas de controle de
infecção hospitalar em uma UTI.
56
4. METODOLOGIA
4.1. Tipo de pesquisa
A busca pela compreensão das práticas de controle da IH em uma
UTI na perspectiva da integralidade da atenção, nos levou a escolher a abordagem
qualitativa como a metodologia mais apropriada para o estudo.
Visualizamos na pesquisa qualitativa a possibilidade de apreender
no cotidiano das práticas de CIH como elas estão organizadas e compreender seus
significados, as intenções dos sujeitos e suas relações com os diversos aspectos
presentes da vida humana, pois “[…] a sociedade é fruto de uma inter-relação de
atores sociais, em que as ações de uns são reciprocamente orientadas em relação
às ações dos outros” (MINAYO, 2006, p. 97).
Nesse aspecto, a metodologia qualitativa é a mais adequada à
pesquisa que nos propusemos por nos permitir
[…] explicar os meandros das relações sociais consideradas essência e resultado da atividade humana criadora, afetiva e racional, que pode ser apreendida através do cotidiano, da vivência, e da explicação do senso comum (MINAYO, 2004, p.11).
Para realizar este estudo, buscamos nas características da
pesquisa qualitativa aquelas que se aproximam aos objetivos propostos, como a
busca pelos significados das coisas, como fenômenos, ocorrências, eventos,
sentimentos e idéias.
Entendendo que na expressão de cada sujeito há uma
intencionalidade que pode ser apreendida e reveladora das tramas por meio das
pesquisas de natureza qualitativa, de acordo com Minayo (2004, p. 10),
vislumbramos nessa abordagem a capacidade de incorporar significados e
intencionalidades atribuídas aos atos, às relações e às estruturas sociais. Essa
possibilidade justifica o seu uso em pesquisas que envolvem instituições, grupos,
movimentos sociais e outras formas de interação social, além de se constituir nas
57
ciências sociais um instrumento de base para a sua aplicação (DESLANDES;
GOMES, 2004).
Na pesquisa qualitativa os valores, as crenças, as representações,
os hábitos, as atitudes e as opiniões (MINAYO; SANCHES, 1993) são dados, os
quais fundamentam a compreensão e interpretação da realidade pesquisada,
portanto, nos permitem analisar e compreender os fenômenos que ocorrem no
espaço da UTI, objetivo deste estudo.
Segundo Minayo e Sanches (1993, p. 240) “[…] o conhecimento
científico é sempre uma busca de articulação entre uma teoria e a realidade
empírica; o método é o fio condutor para se formular esta articulação”. Seguindo
este raciocínio, pesquisas qualitativas buscam um aprofundamento de caráter
social, onde estão envolvidas questões relacionadas a contraposições entre
objetividades e subjetividades, e entre o pesquisador e o sujeito que é
compreendido em sua vivência cotidiana (LANDIM, 2006). Nela, os significados
devem ser compreendidos para se entender como os fenômenos ocorrem e como
eles influenciam na vida das pessoas, no seu cotidiano e nas suas práticas.
No contexto das práticas de atenção em UTI, inúmeros processos
participam dessa dinâmica e se inter-relacionam às estruturas sociais, e, desvendar
as relações entre eles é o foco do nosso estudo.
Outra característica do estudo e que consideramos importante
para a realização da pesquisa é a aproximação entre pesquisador e objeto, uma
vez que o próprio pesquisador é o instrumento de coleta dos dados (TURATO,
2005) e, portanto, não são neutros, ambos, pesquisador e sujeito pesquisado,
influenciam e são influenciados pelos contextos. Nesse sentido, Demo (1981)
considera que o objeto é histórico e por ser histórico tem uma consciência também
histórica.
Assim, para o estudo, nos amparamos nos referenciais citados no
sentido de compreender como ocorre a dinâmica do cotidiano dos espaços e das
relações na organização das práticas de atenção de CIH no atendimento à
integralidade na UTI.
58
4.2. Local e cenário do estudo
Para o estudo, foi eleita uma unidade de um hospital da rede
pública municipal de Cuiabá, que constitui referência estadual, principalmente na
área de urgência e emergência e/ou alta complexidade.
O hospital conta com 154 (cento e cinqüenta e quatro) leitos, de
acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES, 2007),
distribuídos nas especialidades de cirurgia geral, ortopedia/trauma, buco-maxilo,
neurocirurgia, oftalmologia, cirurgia plástica reparadora, clínica geral, neurologia,
pediatria clínica e cirúrgica, com unidades de terapia intensiva neonatal, pediátrica
e adulto, dispondo de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT) como
laboratório de análises clínicas, radiodiagnóstico médico, ultrassonografia e
tomografia computadorizada, sendo que outros recursos diagnósticos são
terceirizados.
A unidade selecionada como cenário do estudo foi a Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) Adulto. A escolha se deu devido às taxas de IH serem
maiores nas terapias intensivas, conforme citam vários trabalhos (DIENER;
COUNTINHO; ZOCCOLI, 1996; PEREIRA et al., 2000); por concentrarem pessoas
doentes em estado grave, geralmente mais expostas a procedimentos invasivos e,
conseqüentemente, mais vulneráveis às infecções hospitalares; além de buscarmos
pessoas doentes com possibilidades de relacionamento.
Neste aspecto, consideradas as maiores exposições e as
diferentes vulnerabilidades das pessoas doentes ao aparecimento de infecções
hospitalares, é nesse espaço que as medidas de controle de infecção devem ser
mais criteriosas e efetivas para minimizar ao máximo o aparecimento desse evento
e permitir o atendimento ao princípio da integralidade em saúde.
4.3. Sujeitos do estudo
As práticas de controle de infecção hospitalar devem ser
conhecidas e exercidas por todos os profissionais que atuam nessa unidade.
Focalizamos o espaço da UTI, suas estruturas e as relações entre os profissionais
59
e entre esses e as pessoas doentes e/ou seus familiares. Portanto, foram eleitos
como sujeitos do estudo todos os profissionais que ali atuam, seja de forma direta
ou indireta (profissionais de enfermagem, de medicina, de fisioterapia e os
profissionais de serviços de apoio em geral), bem como as pessoas doentes e
familiares.
Ao todo, participaram 24 profissionais (16 da enfermagem, 4 da
medicina, 2 da fisioterapia e 2 de serviço de apoio) e 15 usuários (pessoas doentes
e familiares).
4.4. Coleta de dados, instrumentos utilizados, a entrada e a saída do campo
A abordagem qualitativa contempla diferentes estratégias de
coleta de dados. Minayo (2004) considera como fundamentais a entrevista e a
observação participante, sendo esta a escolhida para o estudo.
No caso dos métodos observacionais, estes servem para
determinar como os sujeitos de um estudo ou de uma pesquisa se comportam
frente a determinadas condições (GREY, 2001), uma vez que pode fornecer mais
dados ao pesquisador (ou observador) do que se este utilizasse outros métodos de
coleta de dados, como uma entrevista ou um questionário por exemplo.
Na observação científica, o pesquisador não se limita apenas a
olhar o que lhe cerca ou o que está acontecendo ao seu redor. Ele observa, sim,
com um olho treinado, em busca de situações ou acontecimentos específicos
(GREY, 2001).
Grey (2001, p. 177) ainda afirma que, para serem científicas, as
observações devem reunir algumas condições: ser coerentes com os objetivos
específicos do estudo, ter um planejamento sistemático e padronizado para a
observação e registro dos dados, todas as observações devem ser verificadas,
controladas e relacionadas com conceitos e teorias científicas.
A observação científica, segundo Grey (2001, p. 179)
[…] possui algumas vantagens como método de coleta de dados, sendo a principal a de que a observação pode ser a única maneira de o pesquisador estudar a variável de interesse. Por exemplo, o que as pessoas dizem que elas fazem não é, muitas vezes, o que elas realmente fazem. Portanto, se o estudo é planejado para obter descobertas sólidas sobre o comportamento humano, a
60
observação pode ser a única forma de garantir a validade das descobertas. Além disso, nenhum outro método de coleta de dados pode combinar a profundidade e a variedade de informações que podem ser coletadas ao usar essas técnicas.
Assim como ocorre com os outros métodos de coleta de dados, os
métodos observacionais também possuem desvantagens. Além dos “[…] problemas
de relatividade e preocupações éticas”, devido às dimensões do ocultamento e das
intervenções que podem ocorrer, as “[…] técnicas de observação são vulneráveis à
tendenciosidade do pesquisador” (GREY, 2001, p.179). Quanto mais o pesquisador
necessita inferir e julgar o que observa, mais chances existem para que ocorram as
distorções na pesquisa.
Nessa perspectiva, Grey (2001, p. 179) ainda afirma ser “[…]
importante considerar como as ferramentas observacionais foram construídas e
como os observadores foram treinados e avaliados”.
Nas considerações que faz sobre o método da observação
participante, Minayo (2004, p. 134) lembra que “Sua importância é de tal ordem que
alguns estudiosos a tomam não apenas como uma estratégia no conjunto da
investigação, mas como um método em si mesmo, para compreensão da
realidade“.
Para conceituar a observação participante, Minayo (2004, p.135)
cita a seguinte formulação proposta por Schwartz & Schwartz
... Definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto.
Grey (2001) considera que a observação do ambiente constitui
uma normalidade no cotidiano, porém, a observação científica enfatiza a
objetividade e a sistematização da operação. Segundo a autora (2001, p. 177), “O
pesquisador não está simplesmente olhando o que está acontecendo, mas, sim,
observando com um olho treinado em busca de certos acontecimentos específicos”.
61
A observação participante possibilita a apreensão de muitos
elementos que normalmente não podem ser captados pelo pesquisador, como a
fala ou a escrita. Há de se considerar também o ambiente, os comportamentos, as
linguagens não-verbais, as seqüências e temporalidades nas quais os eventos
ocorrem, para que essas informações subsidiem a interpretação dos eventos
(VICTORA; KNAUTH; HASSEN, 2000, p. 62).
A observação participante possui considerável importância no
trabalho de campo das pesquisas qualitativas como estratégia na investigação ou
como método para compreender a realidade (MINAYO, 2004). Tende a ser mais
profunda possível, seja através do método observacional ou do cotidiano em que se
inserem pesquisador e observados, onde rotinas se realizam e fatos acontecem
(MINAYO, 2004).
É importante considerar nesse tipo de técnica de coleta de dados
a impossibilidade da presença do pesquisador não representar parte do evento
observado e que se torna necessário que sejam avaliados os efeitos dessa sua
presença no próprio evento, uma vez que algumas das situações observadas
podem ser causadas pela sua presença no contexto do estudo (VICTORA;
KNAUTH; HASSEN, 2000).
Diante dessas especificidades, elegemos a observação
participante por ser uma técnica que permite apreender um número maior de
informações em relação a outras técnicas de coleta de dados, e também porque os
dados advindos desta técnica possuem maior profundidade e variedade.
Acreditamos ser a observação participante a técnica ideal para a nossa coleta de
dados e que possibilitou atender aos objetivos deste estudo.
O foco das observações foram as práticas de controle de infecção
hospitalar na UTI no atendimento à integralidade como a organização; socialização
de informações, procedimentos, técnicas, disposição de materiais e estrutura
disponíveis para a aplicação das práticas de controle de infecção, referenciadas por
alguns conceitos foucaultianos.
Quanto à observação documental, Bogdan e Biklen (1994, p. 176)
entendem que os documentos apresentam algumas finalidades na investigação.
Alguns dos materiais fornecem apenas detalhes factuais tais como as datas em que ocorreram reuniões. Outros servem como fontes de férteis descrições de como as pessoas que produziram os materiais pensam acerca do seu mundo.
62
Portanto, elegemos o Livro de Relatório de Enfermagem como
mais uma fonte de informações para a busca dos nossos objetivos. Neste livro,
procuramos por informações que diziam respeito às práticas de controle de IH ou
que nos permitissem conhecer a qualidade da assistência prestada na unidade, a
fim de detectar “fontes de férteis descrições” que demonstrassem se essas práticas
atendem à integralidade na UTI. Utilizamos também a observação de alguns
prontuários.
O processo da entrada em campo se deu com a aprovação do
Projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Para início da coleta de dados, foi
estabelecido contato com as pessoas responsáveis pelo hospital e pela UTI para
apresentarmos o projeto, seus objetivos, a importância da pesquisa e da assinatura
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Minayo (2004, p. 143) cita uma reflexão de Paul Benjamim no que
diz respeito à entrada no campo
É oportuno e às vezes mesmo essencial fazer os contatos com as pessoas que controlam a comunidade. Essas pessoas podem ter status na hierarquia de poder ou posições informais que impõem respeito. O apoio delas ao projeto pode ser crucial e elas podem ser úteis para se fazer outros contatos.
Os contatos iniciais são de fundamental importância no processo
de coleta de dados, uma vez que os indivíduos que vão inserir o pesquisador no
campo terão parcela de responsabilidade pela sua primeira imagem, bem como
pelas “[…] portas que se abrirão ou se fecharão” para ele (MINAYO, 2004, p.143).
Ao chegar à UTI, nos apresentamos a todos os profissionais que
se encontravam na unidade, esclarecendo sobre o trabalho da pesquisa e como
seria realizada (tipo de pesquisa, tempo, forma de coleta de dados, dentre outras
informações).
Como trabalhamos com observações, para evitar viés na
pesquisa, nos inserimos no campo, inicialmente, buscando estabelecer
entrosamento, vínculo com os profissionais e conhecer o funcionamento da
unidade. Buscamos nos inserir no cotidiano da UTI, de forma que nossa presença,
para os profissionais, se tornasse parte do cenário. Este processo foi de
63
aproximadamente quarenta dias, com idas quase que diárias na UTI, para então,
dar prosseguimento à coleta de dados.
Segundo Minayo (2004, p. 143), “O perfil dos informantes, a
qualidade dos dados recolhidos têm a ver com o impacto da entrada e da
apresentação do pesquisador”. Se o pesquisador não consegue estabelecer uma
relação de empatia e de aceitação no grupo, sua coleta de dados certamente será
prejudicada.
A entrada em campo, nos primeiros dias, apesar de todas as
apresentações necessárias da pesquisa aos profissionais, foi caracterizada por um
estranhamento, tanto por parte dos profissionais que ali atuam em relação à
pesquisadora como vice-versa. Podíamos observar os olhos dos profissionais nos
acompanhando disfarçadamente, a ponto de perceberem se estavam sendo
“observados”. Tentamos nos integrar ao contexto, buscando fazer parte do cenário
da UTI (MINAYO, 2004), tarefa um tanto penosa nos dias iniciais no campo.
Para Bogdan e Biklen (1994, p. 125) “Nos primeiros dias de
observação participante, por exemplo, o investigador fica regra geral um pouco de
fora, esperando que o observem e aceitem”. E foi essa a nossa conduta. Tentamos
nos manter de certa forma distante dos processos assistenciais, objetivando
inicialmente apenas o estreitamento dos laços com os sujeitos da pesquisa.
Neste processo, tivemos dificuldades quanto à postura a ser
adotada na coleta dos dados. Devido à nossa insegurança, anotávamos
prontamente tudo o que víamos, ouvíamos e observávamos, sempre com uma
caneta e papel à mão, parecia mesmo um fiscal no ato da fiscalização. Esta atitude
causou inibição, constrangimento e incômodo aos profissionais observados, nos
levando a rever a forma como deveríamos fazê-la. Bogdan e Biklen (1994, p. 113)
citam que “[…] o investigador entra no mundo do sujeito, por outro, continua a estar
do lado de fora”. Nessa perspectiva, nosso comportamento estaria “invadindo o
espaço” dos profissionais, podendo comprometer a assistência prestada e o
cotidiano da unidade.
Bogdan e Biklen apresentam orientações no sentido de diminuir
as angústias nessa fase da pesquisa e recomendam que se “[…] tire as notas após
ter saído do local, no final do período de observação”, “[…] evite tomar nota à frente
dos sujeitos” ou “Evite andar sempre de papel e lápis na mão” Citam ainda a
estratégia de alguns observadores que utilizam locais reservados para suas
anotações (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.130).
64
Resolvemos então mudar a estratégia de anotações. Decidimos
não mais anotar próximo aos profissionais. Deixamos de utilizar pastas, papéis e
canetas e passamos a utilizar algumas folhas de papel dobradas e uma caneta num
bolso. As anotações, então, passaram a ser realizadas num ambiente isolado, sem
que os profissionais percebessem ou se incomodassem, ou seja, no banheiro do
repouso dos funcionários. Para evitar a saída constante da unidade, fato que seria
observado pelos profissionais, as anotações eram realizadas espaçadamente.
Essa mudança de postura permitiu que os profissionais não se sentissem tão
incomodados e corroborou para o nosso amadurecimento enquanto pesquisadora.
Para a coleta de dados, de acordo com Minayo (2006, p. 194),
“[…] toda a observação deve ser registrada num instrumento que se convenciona
chamar DIÁRIO DE CAMPO”. Entretanto, optamos por separar o material coletado
em dois instrumentos, “Registro de Observação” e “Diário de Campo”. O Registro
de Observação (APÊNDICE A) foi utilizado para a transcrição das observações
realizadas no campo tal e qual aconteceram. No Diário de Campo (APÊNDICE B),
realizamos comentários das observações, experiências, sentimentos e outras
situações vivenciadas no campo e de interesse ao estudo (VICTORA; KNAUTH;
HASSEN, 2000).
Assim, toda a fase de campo ocorreu de fevereiro a maio de 2007,
sempre no mesmo período do dia, sendo que na fase de ambientalização nossas
idas foram quase que diárias, e após, em dias alternados, buscando manter os
plantões dos mesmos profissionais.
A partir do momento que ocorreu a saturação dos dados, ou seja,
quando elas se repetiam, começamos a trabalhar o processo de saída do campo.
Assim como a entrada, a saída de campo também é um processo
difícil para o pesquisador.
As relações interpessoais que se desenvolvem durante a pesquisa de campo não se desfazem automaticamente com a conclusão das atividades previstas. Há um 'contato' informal de favores e de lealdade que não dá para ser rompido bruscamente sob pena de decepção: trabalhamos com pessoas (MINAYO, 2004, p.145).
A autora explica que não há receitas para esse momento e nem
regras pré-estabelecidas. O importante é o compromisso do pesquisador com os
dados colhidos, seu uso e o retorno que será feito aos indivíduos pesquisados.
65
Essa saída, portanto, abarca “[…] problemas éticos e de prática teórica” (MINAYO,
2004, p. 145).
A saída de campo deve ser trabalhada pelo pesquisador, pois
laços afetivos se constroem durante esta fase e se construíram na nossa pesquisa,
com profissionais e usuários, o que dificultou um pouco a nossa saída do campo. A
sugestão de Bodgan e Biklen (1994) nos auxiliou nesse processo, sendo que a
saída de campo foi realizada a partir de espaçamentos entre as idas à unidade.
4.5. Análise dos dados
Para a análise dos dados, o montante de material coletado, no
início, nos causou certo desespero. O que fazer com tantas informações? Esta
pergunta ficou em nossa mente por algum tempo. Foram realizados 41 registros, 20
observações e 21 diários de campo.
Para o tratamento dos dados, nos subsidiamos na técnica da
análise temática proposta por Minayo (2006, p.309), a qual a autora julga ser “[…] a
mais simples e considerada apropriada para as investigações qualitativas em
saúde”.
Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado (MINAYO, 2006, p. 316).
A análise temática tem suas origens na linha positivista da análise
de conteúdo, portanto sua ênfase pode ser na freqüência dos significados,
entretanto, dentre as suas variantes, ela comporta também a análise dos
significados. Assim, foi com esse intuito que a escolhemos para a realização deste
estudo, pois analisar determinados temas possibilita a compreensão de “[...]
estruturas de relevância, valores de referência e modelos de comportamentos
presentes ou subjacentes no discurso” (MINAYO, 2006, p. 316).
A análise temática utilizada neste estudo foi com base em Minayo
(2006) que a apresenta nas seguintes etapas: Pré-análise, Exploração do Material e
Interpretação.
66
Assim, na primeira etapa, a pré-análise, foi realizada uma leitura
flutuante de cada registro realizado, a fim de nos aproximar do conteúdo presente
no montante do material coletado em campo. Através destas leituras, chegamos às
unidades de registro, ou seja, na determinação de palavras-chaves ou frases que
mais chamaram a atenção no material. Ainda foram delimitadas nesta etapa, as
unidades de contexto, ou seja, em que contexto se fazia presente a unidade de
registro, para posterior categorização e codificação com base nos conceitos gerais
do referencial das IHs, da integralidade e dos conceitos de Foucault. A partir de
então, foi possível construir um painel, onde foram colocadas e agrupadas as
unidades de registro e de contexto. Esse momento foi importante para a pré-
análise, uma vez que foi possível, nessa fase, apreendermos quais os sentidos que
mais chamavam a atenção nas práticas profissionais na UTI.
Na segunda etapa, de exploração do material, procuramos
classificar os códigos e as categorias de maneira a dar sentido aos achados e
alcançar a compreensão do texto. Realizamos a análise vertical de cada
observação, na busca do sentido que cada uma trazia e a análise horizontal, ou
seja, uma análise fragmentária, de acordo com as unidades de contexto
encontradas. Juntando-se os sentidos encontrados nas análises, procuramos pelo
sentido único que estes nos traziam. Este foi um momento difícil, pois foi uma etapa
de reflexão dos achados e de aproximação com as categorias teóricas. Assim, as
categorias alcançadas das práticas profissionais de controle de infecção hospitalar
na UTI, foram:
Categoria 1: O espaço da UTI, sua organização e as práticas profissionais,
permeadas por relações de poder e controle disciplinar. Nesta categoria
encontramos três subcategorias: O espaço da UTI, a UTI como espaço de cuidado
do corpo das pessoas internadas e a UTI como espaço de controle do corpo do
trabalhador e do corpo doente.
Categoria 2: Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos
(profissionais, usuários e familiares), também permeados por relações de poder e
mecanismos disciplinares. Nesta categoria encontramos cinco subcategorias: As
relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas de controle de
infecção hospitalar, a enfermagem nas práticas de controle de infecção hospitalar, o
67
cuidado de si como trabalhador de saúde, as relações entre profissionais de saúde
e pessoas doentes e as relações entre os profissionais de saúde e familiares.
A constituição das categorias foi discutida e validada em reunião
dos integrantes da pesquisa pelos pesquisadores inseridos no Projeto maior ao
qual este subprojeto está vinculado.
Na terceira etapa, de Interpretação dos resultados, foram
realizadas inferências e interpretações segundo os referenciais teóricos adotados.
Assim, para responder como a integralidade pode ser observada nas práticas de
controle de infecção hospitalar, foi necessário desconstruir as práticas eleitas para
o estudo, indagando como elas foram instituídas e socializadas entre os sujeitos
que atuam na UTI, incluindo seus saberes operadores e as relações de poder.
Nesse movimento, o saber da integralidade pôde ser tensionado.
O questionamento partiu da indagação de como o conceito de integralidade da
assistência é vislumbrado na UTI e em suas práticas de controle de infecção. Nesta
etapa, procuramos integrar os achados e as discussões em torno da temática da
integralidade nas práticas de controle de IH em uma UTI. A seguir, a figura 2
representa as categorias de análise que encontramos.
68
Figura 2: Figura que representa as Categorias de Análise do estudo
7
7 Figura elaborada pela autora durante o estudo
O espaço da UTI
A UTI como espaço de cuidado do
corpo das pessoas internadas
A UTI como espaço de controle do
corpo dos profissionais e do corpo
doente
As relações e o saber clínico no contexto da
organização das práticas de CIH
A enfermagem nas práticas de CIH
O cuidado de si como trabalhador de saúde
As relações entre profissionais de saúde e pessoas
doentes
As relações entre os profissionais de saúde e
familiares
Organização das práticas de CIH na perspectiva da Integralidade
O espaço da UTI na
perspectiva da Integralidade Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo assistencial
da UTI sob o enfoque da Integralidade
Relações de poder e Disciplina
dis
(DES) INTEGRALIDADE
Práticas profissionais
Gestão dos serviços Políticas
INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS
DE CIH
A complexidade da UTI
69
4.6. Aspectos éticos e legais
A Dissertação “A Integralidade nas práticas de controle de
infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso” é recorte do
Subprojeto II “O atendimento aos princípios da integralidade e da resolutividade na
atenção à saúde no contexto do SUS na área de abrangência da BR 163 no Estado
de Mato Grosso” que se insere no Projeto “Os desafios e perspectivas do SUS na
atenção à saúde em municípios da área de abrangência da BR 163 no Estado de
Mato Grosso”.
Este estudo obedece aos critérios da Resolução n° 196 do
Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996), estando em conformidade com os
aspectos relativos a diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas
envolvendo seres humanos, por ter sido analisado e aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller sob o nº 296/CEP-HUJM/06.
(ANEXO C).
Utilizamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(APÊNDICE C ) antes do processo de coleta de dados com todas as pessoas-
chave da UTI, as quais receberam todas as informações pertinentes à pesquisa.
70
5. A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO
HOSPITALAR NA UTI NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE
A busca pela compreensão de como as práticas de controle de
infecção hospitalar é realizada em uma UTI pública segundo os referenciais
adotados para o estudo nos levou a descrever a complexidade da UTI em duas
categorias de análise: O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade, onde
focalizamos a organização das práticas de controle de IH tendo o espaço como
elemento permeado por mecanismos disciplinares e relações de poder, cujas
conseqüências repercutem nas práticas de controle de infecção hospitalar e, Os
comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo
assistencial da UTI na perspectiva da Integralidade, onde enfocamos a
organização das práticas de controle de IH tendo as relações entre os sujeitos
como principal aspecto.
A complexidade da UTI
A instituição na qual desenvolvemos o estudo é referência na
capital da rede hospitalar do SUS para serviços de média e alta complexidade em
saúde. Isso a torna parte integrante da rede de atenção hospitalar que atende
pessoas em condições de saúde emergenciais, vitimadas por acidentes das mais
variadas formas (trânsito, ferimentos por armas de fogo, armas brancas e outras),
provenientes do serviço de urgência/emergência do hospital, bem como as que vêm
reguladas de outros hospitais da capital ou demais municípios do Estado através da
Central Estadual de Regulação.
As pessoas em condição de gravidade, fragilidade e
vulnerabilidade, têm acesso à UTI, uma estrutura que agrega equipes
multiprofissionais especializadas e instrumentalizadas com tecnologias de alta
complexidade. Esta disponibiliza cuidados intensivos com monitorização e vigilância
constante, podendo intervir diante das diferentes situações de risco de morte, a fim
de garantir a manutenção, suporte à vida e possibilidade de recuperação.
71
Assim, caracterizada pela existência de profissionais com saberes
específicos e tecnologias diferenciadas, a UTI configura-se como um campo
esquadrinhado por saberes e práticas definidas, de forma a atender a finalidade a
qual se propõe que é salvar ou manter vidas.
A Unidade de Terapia Intensiva Adulto, foco deste estudo, está
localizada no 1º. andar do hospital, próximo ao Centro Cirúrgico e ao Pronto
Atendimento. Sua localização se torna estratégica para facilitar o acesso das
pessoas doentes atendidas no pronto atendimento e no centro cirúrgico com
necessidade de internação. Entretanto, a UTI não possui uma localização
estratégica para o acesso das pessoas doentes procedentes do serviço de
emergência.
Essa complexidade de saberes pode ser observada no seguinte
registro de observação sobre o espaço da UTI.
A UTI em questão é uma UTI para adultos, com capacidade para 10 (dez) leitos, sendo que um deles é destinado para isolamento quando necessário. Sua instalação atual foi inaugurada em 2004, substituindo outra estrutura que funcionava próximo a esta e que hoje se encontra com o espaço desocupado. Não possui identificação externa e nem qualquer tipo de orientação escrita aos visitantes
8 que adentram na Unidade. O ambiente é
de cor clara e climatizado através de dois aparelhos condicionadores de ar tipo split. As janelas são mantidas fechadas e as vidraças são revestidas por insulfilm, o que demanda a necessidade de iluminação artificial diuturnamente. Há relógios de parede, porém, não são visualizados por todos os leitos. Há vários lavatórios distribuídos pela Unidade, alguns com torneiras acionadas por sensores, com acessórios para higienização das mãos (porta sabão líquido e porta papel toalha), porém sua reposição às vezes é falha. No expurgo que fica próximo à farmácia, há lavatório desprovido de acessórios para a higiene das mãos. O formato da UTI é em “L”, sendo que no centro, encontra-se o Posto de Enfermagem e a área de prescrição e relatórios. No posto de enfermagem concentram-se os profissionais da Unidade e estagiários. Nela são armazenados materiais de consumo e medicamentos e onde são preparados os medicamentos e as infusões venosas. Há sobre o balcão de armazenamento de medicamentos e materiais do posto de enfermagem, afixado na parede, um escaninho, onde ficam guardados os prontuários e exames diagnósticos dos pacientes e um armário destinado ao armazenamento de roupas da unidade. Junto a estas, guardam-se também os pertences dos profissionais. Possui dois murais onde estão afixados informes, escalas de serviço, pedidos de exames, solicitações de pareceres de especialistas, relação de exames de análises clínicas realizados pelo laboratório do hospital e outros. As prescrições diárias, com evoluções dos vários profissionais, balanços hídricos
8 As palavras ou frases negritadas serão abordadas no desenvolvimento da discussão do
espaço da UTI.
72
e resultados de exames laboratoriais ficam sobre a bancada de prescrição e anotações, em pastas danificadas em condições
de conservação precárias. Nessa bancada, ficam armazenados
os impressos e também dois computadores, sendo que apenas um se encontra em funcionamento e se destina à confecção de prescrições médicas. Há alguns informes afixados na parede próximo a um dos murais. Junto ao posto de enfermagem fica uma pequena copa, que obriga os profissionais a realizarem seus lanches no posto devido ao seu espaço reduzido e uma sala que fica fechada e destina-se à chefia de enfermagem da Unidade. Próximo à bancada de anotações, um quadro de giz afixado na parede identifica os pacientes da Unidade. Nele, constam os nomes dos pacientes internados de acordo com o leito ocupado, o diagnóstico, a especialidade e o auxiliar ou técnico de enfermagem responsável pelo paciente, alterado a cada plantão. Ao lado, algumas poucas cadeiras e bancos danificados, destinados ao uso dos profissionais. Os leitos dos pacientes são dotados de rodas traváveis, grades laterais e manivelas para elevação da cabeceira e dos pés. Para cada leito há canalização de gases medicinais (dois pontos de oxigênio, dois pontos de ar comprimido e um ponto de vácuo); uma prateleira de mármore fixa e suspensa na parede, sobre a cabeceira do leito que serve para a acomodação de aparelhos médico-hospitalares (monitores multiparamétricos, oxímetros e outros); mesinhas de cabeceira que são utilizadas para acomodação das bombas de infusão; uma lâmpada de emergência; um ventilador mecânico; um suporte de soro e um ambú simples, sem reservatório de oxigênio. Os leitos são numerados e individualizados através de cortinas suspensas de material emborrachado. No entanto, algumas delas foram retiradas e não repostas e outras estão caindo pela falta de manutenção. Há um banheiro destinado a pacientes que deambulam ou podem ser transportados em cadeira de rodas, situado ao lado do quarto de isolamento, com pia, vaso sanitário e chuveiro. Possui uma farmácia interna pequena que funciona nas 24 horas, onde é realizado o abastecimento de materiais e medicamentos da Unidade. No corredor lateral, fica uma prateleira de aço aberta que armazena materiais esterilizados e também alguns equipamentos como aparelho de radiodiagnóstico médico móvel e bombas de infusão. O repouso médico fica dentro da própria na Unidade, com cama, mesa e cadeira. Os repousos da enfermagem e da fisioterapia ficam situados num corredor próximo à entrada da UTI, sendo que no repouso da enfermagem é pequeno, comportando seis camas tipo beliche. Uma das camas estava com o estrado quebrado (Registro de Observação de 15/03/2007).
A observação acima subsidia todas as discussões a seguir, que
abordam a questão do espaço da UTI estudada e as relações entre as pessoas que
fazem parte desse cenário9.
9 Os nomes que serão apresentados neste estudo são fictícios, de forma a preservar o
anonimato de profissionais e usuários que fizeram parte do estudo.
73
5.1. O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade
Abordamos nesta categoria a organização e a conformação das
práticas de controle de infecção hospitalar com foco no espaço da UTI, na
perspectiva do atendimento à integralidade. A análise focaliza o espaço como um
local de práticas que objetivam o cuidado à pessoa doente e um espaço de atuação
dos profissionais.
Subdividimos esta categoria em 3 subcategorias, quais sejam: O
espaço da UTI, A UTI como espaço de cuidado do corpo das pessoas internadas
e A UTI como espaço de controle do corpo do trabalhador e do corpo doente.
5.1.1. O espaço da UTI
O espaço da UTI está conformado e organizado para a realização
de práticas de saúde na internação de dez usuários, com o objetivo de assegurar
assistência médica e de enfermagem ininterruptas a pessoas em condição de
gravidade e em risco de morte e que necessitam de cuidados de saúde intensivos.
Esta assistência é realizada através da utilização de equipamentos diferenciados,
recursos humanos especializados, além de recursos tecnológicos de diagnose e
terapia (BRASIL, 1998b; MARTINS; NASCIMENTO, 2005).
Para atender a essa finalidade, tal espaço está organizado para o
desenvolvimento de práticas com foco em doenças ou situações consideradas de
alta complexidade como: insuficiência respiratória aguda, insuficiência cardíaca,
pós-operatório de grandes cirurgias, dentre outras, concentrando tecnologias de
alta densidade, por meio de equipamentos e pessoal especializado que tem como
objetivo salvar vidas.
Assim, os recursos humanos e o aparato tecnológico da UTI,
como monitores multiparamétricos, respiradores, oxímetros, bombas de infusão e
outros utilizados para dar suporte ou monitorar as funções vitais, estão relacionados
com a organização das práticas nesse espaço, o que demonstra como este é
conformado em torno do conhecimento da prática médica: o saber clínico. Vargas
(2002, p. 14) sinaliza que a UTI
[…] tem-se reservado o direito de atuar como uma clínica distinta, uma disciplina científica com metodologia própria, programas de
74
treinamento, fóruns educacionais e desenvolvimento de pesquisas, agregando, ali, profissionais “habilitados” para conduzir “o tratamento” e “o cuidado” do/a paciente grave […].
Por ser conformado pelo conhecimento clínico, esse espaço
valoriza esses saberes. Privilegia o tratamento das doenças em detrimento do
tratamento das pessoas em condição de gravidade. Reserva-se a tratar a doença
instalada em um corpo e não a cuidar de uma pessoa cujo corpo está com a
doença, conforme podemos visualizar no registro que segue.
Em alguns momentos, parece não existir pessoas internadas na UTI e sim, dez corpos sendo mantidos por aparelhos e equipamentos de alta tecnologia, comandados por “robôs”, que os monitorizam no sentido de mantê-los vivos (Diário de Campo de 27/02/07).
Neste contexto, Bellato (2001, p. 67) reforça esse entendimento
quando relata que ”[…] o Hospital organiza seu espaço para receber a doença e
não o doente, sendo este visto apenas como um substrato no qual a doença se
instala” (grifo da autora), o que nos leva a refletir sobre o real papel de uma UTI:
cuidar de corpos com doenças complexas ou cuidar de pessoas que passam por
uma condição de gravidade no seu processo saúde-doença.
Quando nos referimos à concepção de pessoa doente, perante a
ciência médica, na maior parte das vezes, parece não corresponder àquela
vislumbrada pela sociedade, que a vê como um ser dotado de necessidades bio-
psico-sociais.
Com a inserção do médico e a disciplinarização no espaço
hospitalar, esse espaço torna-se um local de exames, de controles, de práticas e de
saberes médicos (FOUCAULT, 1992b). Os saberes médicos advindos a partir dos
corpos doentes tornam a doença e não mais o doente o principal foco da atenção
médica. A dimensão biológica do doente passa a receber mais atenção dos
profissionais, transformando o corpo em objeto de valor.
Tal concepção tem relação intrínseca com o sistema
socioeconômico pelo qual as sociedades foram construídas. Com o movimento
capitalista, passou-se a valorizar o corpo do trabalhador para atender as demandas
econômicas e, com isso, a necessidade de reorganização dos serviços para tratar
as doenças (FOUCAULT, 1992b). Muda a concepção do hospital, que deixa de ser
75
um espaço de isolamento de pessoas segregadas da sociedade para se organizar
como um espaço de cura, para que a pessoa com doença e improdutiva, possa ser
tratada e recuperada para retornar ao processo produtivo. O hospital torna-se um
espaço de cura das doenças.
No contexto histórico, o médico, detentor do saber clínico, que
antes tinha uma atividade exclusivamente domiciliar, passa a fazer parte do
contexto dos hospitais, que se conforma segundo a lógica da valorização da clínica.
O médico torna o espaço hospitalar medicalizado, mediante mecanismos chamados
por Foucault de disciplina, o que corrobora para sua transformação num campo de
saberes e de práticas que se destinam a controlar os corpos. Com sua presença
cada vez mais afirmada e multiplicada, torna-se a principal figura hierárquica do
hospital (FOUCAULT, 1992b). Ele revela em seus escritos que a
[…] tomada de poder pelo médico, se manifesta no ritual da visita, desfile quase religioso em que o médico, na frente, vai ao leito de cada doente seguido de toda a hierarquia do hospital: assistentes, alunos, enfermeiras, etc. […] nos regulamentos de hospitais do século XVIII, em que se diz onde cada pessoa deve estar colocada, que o médico deve ser anunciado por uma sineta, que a enfermeira deve estar na porta com um caderno nas mãos e deve acompanhar o médico quando ele entrar, etc (FOUCAULT, 1992b, p. 110).
A partir desta contextualização do hospital e da emergência do
poder médico em decorrência da reorganização dos hospitais, o doente é cada vez
mais visto como um corpo, que se torna objeto de exames e de constituição de
saberes e práticas médicas. Nessa construção histórica dos saberes clínicos, a
doença é isolada da pessoa, conformando um campo esquadrinhado, onde a
doença é valorizada em detrimento da própria pessoa.
Se por um lado o hospital esquadrinhou a doença, por outro, ao
isolar os corpos doentes da sociedade, concentra-os por conveniência, causando
inúmeras mortes, por doenças transmissíveis. Para alguns autores, é neste
contexto que se pode “[...] situar a origem da infecção hospitalar” (LACERDA;
EGRY, 1997, p. 13).
Com a transformação do hospital em um local de cura e
medicalização, começam a aparecer e a serem desenvolvidas as primeiras
medidas visando o controle das infecções que ocorriam nesse espaço (CARRARO,
2004).
76
Como exemplo de iniciativas para o controle de infecção, a
história traz contribuições como as de Ignaz Semmelweis (1818-1865) e Florence
Nightingale (1820-1910), que permitiram controlar a disseminação das doenças
entre os enfermos assistidos nos hospitais (COUTO; PEDROSO; PEDROSA,
2003).
No Séc. XIX, o desenvolvimento da bacteriologia e os conceitos
de assepsia vislumbrados por Pasteur e Lister respectivamente, colaboram para
modificar a situação insalubre nos hospitais, amenizando a relação existente entre
as infecções hospitalares e as mortes que ocorriam nesses espaços (ANDRADE;
ANGERAMI, 1999).
A evolução das ciências tem possibilitado o desenvolvimento do
saber clínico, sendo parte desse movimento as especializações e a incorporação
das tecnologias no tratamento de doenças, modelando os hospitais, como espaço
de medicalização. O espaço antes considerado insalubre passa com o recurso do
conhecimento, a ser considerado de tratamento da doença. Não podemos, por
outro lado, deixar de relacionar essa medicalização com a macroestrutura social, ou
seja, o contexto socioeconômico vigente. Assim, além da finalidade de atender às
doenças, suas especializações e as altas tecnologias visam também o mercado em
saúde, cada vez mais competitivo e com clientes cada vez mais informados no que
se refere às questões relacionadas à saúde (QUINTO NETO, 2004).
Na conformação do espaço hospitalar, as terapias intensivas
surgem para aperfeiçoar a assistência a pessoas gravemente enfermas que exigem
assistência médica e de enfermagem contínuas e que possuem possibilidades de
recuperação da sua condição de saúde. Habitualmente, a indicação de internação
em terapia intensiva é determinada principalmente pela condição de gravidade do
doente e pela potencialidade que ele tem de recuperação.
Se por um lado a UTI concentra doenças graves, por outro, as
condições das pessoas que são internadas em uma UTI são de extrema
vulnerabilidade. Elas têm sua condição de saúde agravada por problemas agudos
como: lesões por armas de fogo; lesões traumáticas decorrentes de acidentes de
trânsito e quedas; distúrbios cardiovasculares, respiratórios, gastrintestinais,
hepáticos e renais; alguns casos de pós-operatórios; de cânceres e de casos de
choque hipovolêmico, sepse e choque cardiogênico pós infarto agudo do miocárdio
(NASCIMENTO, 2005).
77
A UTI representa para a pessoa doente um espaço de tratamento
para o agravamento da sua condição de saúde. Por outro lado, a torna vulnerável a
outras complicações, sendo uma delas a infecção hospitalar. Assim, as pessoas
que tem indicação de internação em UTI, possuem doenças ou condições clínicas
que favorecem ou que tornam maiores às chances de desenvolverem infecções
hospitalares, as complicações mais freqüentes numa UTI (PADOVEZE; DANTAS;
ALMEIDA, 2003). Muitas delas já internam na unidade, infectadas, enquanto outras
adquirem as infecções hospitalares pela exposição aos procedimentos invasivos
diagnósticos ou terapêuticos e pela queda da imunidade (PEREIRA et. al., 2000)
causada pelo seu estado geral comprometido.
Apesar de representarem menos de 10% do número de leitos de
um hospital, é entre pessoas internadas em UTI que ocorre a maioria das IHs e
onde o risco relativo de morte é três vezes maior (DIENER; COUNTINHO;
ZOCCOLI, 1996). Sendo assim, os profissionais possuem algumas dimensões a
serem atendidas: a dimensão ética pela responsabilidade profissional para com a
vulnerabilidade da pessoa doente; a dimensão técnica pela necessidade de aliar
cuidados e tecnologias invasivas com as medidas de controle de IH; e a dimensão
legal que é estar instrumentalizado de conhecimentos de forma a poder prestar
cuidados qualificados.
A especificidade da atenção em terapia intensiva demanda a
necessidade de realização de práticas assistenciais complexas (GUIRARDELLO et.
al., 1999). As pessoas doentes na UTI, devido à sua gravidade “[…] dependem de
cuidados complexos e aparelhos sofisticados” (CESARINO et.al., 2005, p. 159)
para que sua assistência possibilite garantir a manutenção de suas vidas.
No contexto da complexidade assistencial, o espaço da UTI
privilegia a circulação dos profissionais de saúde, portanto daqueles que detêm o
saber clínico, sendo o trânsito dos visitantes restrito e desvalorizado no espaço da
UTI. O acesso e a circulação de um “estranho” na UTI é difícil (nem sempre há
sinalização) e dependente da avaliação do profissional de saúde, que nem sempre
valoriza outras dimensões importantes para o doente, como a família ou o cuidado
espiritual por exemplo.
Na entrada das visitas na UTI, um senhor se apresentou como pastor e disse para a técnica de enfermagem Amanda que gostaria de entrar na UTI para fazer orações para as pessoas que estavam ali internadas. A técnica o informou que poderia fazê-lo assim que terminasse o horário de visitas. Após isso, Amanda nos confidenciou que a enfermeira responsável pelo plantão não gosta
78
que entrem na UTI para fazer oração para os pacientes. Ela ainda referiu que todos precisam de oração e que caberia aos pacientes e familiares decidirem (Registro de Observação de15/02/07).
Para o controle das IHs, quando se trata de visitas na UTI de
forma a proteger as pessoas doentes que ali se encontram internadas, é importante
que os profissionais orientem que pessoas em estado gripal ou com qualquer outro
tipo de infecção não devem entrar na unidade e que enfatizem a higiene das mãos
pelos visitantes, uma vez que
[…] a infecção hospitalar é causada por germes intra-hospitalares e não por aqueles trazidos do ambiente externo. As mãos é que são uma das maiores vias de transmissão de infecção. Portanto, a prevenção mais eficiente é lavar as mãos antes e depois da visita ao doente. Mesmo fazendo parte da recuperação de uma pessoa internada na UTI, os familiares devem ser orientados pela equipe multidisciplinar envolvida no tratamento (PINHEIRO, 2007).
Assim, o espaço da UTI favorece o trânsito das pessoas que
detêm o conhecimento da ciência médica - os profissionais de saúde - privilegiando
o saber clínico, em detrimento das outras pessoas. Isso causa a desvalorização de
dimensões das pessoas doentes e dos seus familiares, uma vez que o espaço da
UTI é estranho e adverso ao seu cotidiano, se apresenta repleto de mistérios
(SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005), lhes causando medo, ansiedade e
insegurança para enfrentar esse momento de crise.
Há alguns anos, as visitas eram ainda mais restritas. Algumas
UTIs não permitiam sequer a entrada das pessoas no seu espaço. O contato dos
familiares e visitantes com as pessoas internadas se dava através de visores ou
janelas que impediam o contato físico. Essa restrição distinguia mais ainda as
pessoas que dispunham desses saberes, caracterizando o espaço como um campo
de saber e de domínio médico-hegemônico. Entretanto, mudanças vêm ocorrendo
ao longo dos anos, no sentido da revisão dessa concepção de isolamento do
doente crítico.
Atualmente, a compreensão da pessoa doente para além do corpo
doente, tem levado à necessidade de incorporação de outros aspectos que se
relacionam a ela, visando assegurar a sua integridade enquanto pessoa como, por
79
exemplo, os valores de solidariedade e o reconhecimento como sujeito autônomo
da atenção e do cuidado (COSTA, 2004).
Quando nos referimos aos espaços ocupados pelos profissionais
de saúde, observamos que aqueles que detêm o saber clínico os têm mais
valorizado do que os outros profissionais. O espaço destinado para cada classe
profissional é distinto e pode ser visualizado na UTI. Para os profissionais da área
médica, estes são privilegiados, o que caracteriza uma forma de distribuição política
dos mesmos no hospital.
Neste sentido, verificamos as diferenças existentes entre os
profissionais e que permeiam o espaço hospitalar, privilegiando o saber-clínico.
A distribuição física e simbólica dos espaços no hospital não ocorre por acaso ou de forma neutra; ela é política e obedece a uma racionalidade – o „status‟ que a classe médica ocupa dentro da estrutura hospitalar (AZEVEDO, 2005a, p. 86).
Os diferentes espaços onde se localizam os repousos mostram a
diferenciação entre as classes trabalhadoras na saúde, privilegiando algumas
categorias profissionais, que os têm maiores, mais estruturados e organizados em
relação a outras categorias.
Esta situação é também historicamente constituída, caracterizada
pela valorização do saber clínico. A desvalorização das outras categorias
profissionais corrobora para a existência de assimetria nas relações, e,
conseqüentemente, lacunas nas práticas profissionais e de controle de IH. A
conformação de poder e domínio de espaços dificultam a socialização entre os
profissionais para a percepção de trabalhos interdisciplinares. Cabe ressaltarmos
ainda que a conformação de espaços em relação a determinadas classes mostram
a precarização da saúde do trabalhador, que contrasta com a desvalorização do
cotidiano profissional desses trabalhadores, por parte deles mesmos e da própria
instituição.
Na conformação de espaços politizados, desenvolve-se o trabalho
multiprofissional no hospital, tendo a figura médica como elemento central das
ações, conformando sua hegemonia nesse espaço, a partir dos saberes
constituídos historicamente.
O próximo relato traz um evento que ocorreu na UTI, nos
mostrando como as relações entre o profissional médico e os demais atores na UTI
80
têm por base o saber clínico e, como conseqüência o poder e a hegemonia do
médico.
No instante em que orientávamos Dona Antonia (mãe do paciente Túlio) quanto aos direitos dos usuários do SUS, fomos interrompidas pela médica plantonista Natália que, do posto de enfermagem, informou à Dona Antonia que o horário de visitas havia acabado (Registro de Observação de 15/03/07).
As análises foucaultianas apontam para o poder, não como uma
coisa, um objeto, mas uma prática social historicamente constituída. Encontra-se
em qualquer nível da escala social e pode ser visualizada de forma sutil ou
expressa, quando nos atentamos para as relações que ocorrem no espaço nos
serviços de saúde.
Ele não existe em sua materialidade, ou seja, o poder é “[…] algo
que se exerce, funciona e se efetua nas relações” (AZEVEDO; RAMOS, 2003, p.
289). O que realmente existe são práticas ou relações de poder, nas quais os
saberes estão inseridos e determinam a hierarquização do poder. Entretanto,
embora tenhamos uma visão negativa deste poder, ele pode também ser visto em
seu lado positivo.
Por ser algo que se exerce, funciona e se efetua, possui seus
efeitos positivos, produtivos e estratégicos, o que afasta o aspecto negativo a ele
conferido. Machado (1992, p. XVI) explica que
[…] a consideração dos micro-poderes mostra, em todo caso, é que o aspecto negativo do poder – sua força destrutiva – não é tudo e talvez não seja o mais fundamental, ou que, ao menos, é preciso refletir sobre seu lado positivo, isto é, produtivo, transformador: É preciso parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos: ele „exclui‟, ele „reprime‟, ele „recalca‟, ele „censura‟, ele „abstrai‟, ele „mascara‟, ele „esconde‟. De fato, o poder produz; ele produz real; produz domínios de objetos e rituais de verdade.
Nas análises que envolvem o saber e o poder, evidenciamos que
eles relacionam-se entre si, gerando uma interdependência.
O fundamental da análise é que saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder (MACHADO, 1992, p. XXI).
81
Nos diferentes processos que envolvem as atividades no hospital,
as relações de poder estão presentes e permeiam todos os espaços, gerando
relações assimétricas entre os diferentes atores envolvidos, causadas pela busca
de domínios de espaços, competitividade e conflitos.
No registro da observação anteriormente citada, a intervenção do
profissional médico às orientações que eram disponibilizadas a visitantes revela a
busca da defesa e delimitação do seu território na unidade, procurando mantê-lo
sob seu controle, o que, de certa forma, o afasta dos usuários. Os visitantes, por
sua vez, buscam pelo profissional que lhe dá espaço para aproximação, de forma a
ter suas necessidades atendidas através da possibilidade do processo dialógico.
Compreendemos que a família, por si mesma, ao deparar-se com aquele ambiente estranho e com o aparato tecnológico, não tem meios mais efetivos para convencer-se de que seu ente querido pode se recuperar. Assim, vai em busca daquele que, ao manipular, de certo modo, a vida de seu paciente, pode prestar-lhe esclarecimento: o profissional da saúde (CORRÊA; SALES; SOARES, 2002, p. 814).
Esse controle permeia todo o espaço hospitalar, tornando-o
medicalizado. O controle, tal qual a disciplina, tem papéis importantes no hospital,
particularmente ao
[…] organizar e disciplinar o ambiente terapêutico; e para dar conta desta nova função, institui uma nova arte de cuidar – o cuidado se constitui como campo de domínio particular de ação, onde o médico (posteriormente, os demais profissionais de saúde com seus saberes) passa a exercer um “certo domínio” sobre “certas coisas” (AZEVEDO, 2005a, p. 118).
Em outra situação, a relação de poder instituída no espaço
hospitalar pode ser visualizada num discurso que foi observado entre o profissional
médico e um familiar no horário de visitas.
Dona Antonia, mãe de Túlio, um paciente com traumatismo craniano e fratura de fêmur por acidente com motocicleta, questionou à médica plantonista Natália sobre o fato do seu filho ter sido internado na UTI sem qualquer problema pulmonar, conforme foi-lhe dito na internação e, depois de alguns dias, ter desenvolvido pneumonia e febre. Natália, solícita e calma,
82
respondeu à Dona Antonia que, apesar dos ventiladores mecânicos salvarem vidas, eles têm este inconveniente de causarem pneumonia nos pacientes. Disse-lhe ainda que o fato de desenvolver pneumonia seja comum nos pacientes que fazem uso de ventilação mecânica (Registro de Observação de 15/03/07).
Os usuários dos serviços hospitalares nem sempre dispõe de
conhecimento acerca das doenças e de seus tratamentos. Seu saber sobre a
clínica geralmente é limitado para questionar o que lhe é informado, impedindo-o de
fazer novos questionamentos. Portanto, prevalece a verdade do profissional de
saúde que forneceu a informação, que é o médico.
Na existência da íntima relação do saber com o poder, Machado
(1992) menciona que os saberes se constituem como um elemento necessário para
as relações, e que, assim, tornam-se dispositivo político nas disputas de forças e de
poder.
O relato que segue, demonstra o questionamento do mesmo
familiar, contestando o que lhe é informado.
Dona Antonia, mãe do paciente Túlio, reclamou que, no plantão noturno anterior, foi até a unidade para ver como estava seu filho e que quando chegou, observou que o frasco de drenagem da sonda nasogástrica (SNG) estava cheio e refluindo para o estômago de seu filho. Vendo o que ocorria, de imediato, chamou uma funcionária da enfermagem, sem saber referir o nome. A funcionária esvaziou o frasco e disse à Dona Antonia que não haveria nenhum problema em decorrência disso, o que a deixou preocupada, pois ela achava que isso não era normal (Registro de Observação de15/03/2007).
O Manual de Prevenção de Infecções Hospitalares do Trato
Respiratório (APECIH, 2005, p.13) apresenta os fatores de risco para pneumonia
em quatro categorias:
1) fatores que aumentam a colonização da orofaringe e/ou estômago por microorganismos (p. ex.: administração de agentes antimicrobianos, admissão em UTI ou presença de doença pulmonar crônica de base);
2) condições que favorecem aspiração do trato respiratório ou refluxo do trato gastrointestinal (p. ex.: intubação endotraqueal ou intubações subseqüentes; utilização de sonda nasogástrica; posição supina; coma; procedimentos cirúrgicos envolvendo cabeça, pescoço, tórax e abdome superior; imobilização devido a trauma ou outra doença);
3) condições que requerem uso prolongado de ventilação mecânica com exposição potencial a dispositivos respiratórios
83
e/ou contato com mãos contaminadas ou colonizadas, principalmente de profissionais da área de saúde; e
4) fatores do hospedeiro como extremos de idade, desnutrição, condições de base graves, incluindo imunossupressão.
As normalizações10 constituem aspecto importante a ser
contemplado na organização das práticas de controle de IH no espaço da UTI. Um
estudo realizado por Freire, Farias e Ramos (2006) demonstrou que a falta de
normalizações dos cuidados entre os profissionais, propicia riscos para que as
pessoas doentes desenvolvam pneumonias associadas ao uso de ventiladores
mecânicos e também para aqueles que, por outros fatores, não desenvolveram
pneumonia.
Quando nos referimos ao profissional de saúde que detêm o
conhecimento clínico, este se utiliza dessa ferramenta para manter a sua posição
de superioridade na relação profissional-usuário no espaço da UTI. Esta prática não
valoriza as dimensões do outro enquanto pessoa com direitos, inclusive de
informações relativas à assistência e ao tratamento realizado.
Observamos que, assim como há os macropoderes, há também
os micropoderes permeando o espaço hospitalar. A atitude do familiar de não
aceitar a forma como o seu ente estava sendo cuidado, através da contestação do
que lhe foi informado, possibilita reflexões quanto à falta de valorização da
subjetividade das pessoas e do senso comum pelos profissionais de saúde, pois
“ela achava que isso não era normal”, assim, como poderia aceitar?
Por outro lado, como alguém sem conhecimento técnico pode
questionar um profissional, se este é que detêm o saber necessário para atuar no
espaço, o qual é seu campo de domínio?
O poder assume “[…] as formas mais regionais e concretas,
investindo em instituições, tomando corpo em técnicas de dominação” (MACHADO,
1992, p. XII), ou seja, atinge os corpos, na sua singularidade e cotidianidade.
Caracteriza-se como um micropoder, uma vez que controla detalhadamente o
corpo, seja nos gestos, nas atitudes, nos comportamentos, nos hábitos, nos
discursos. Como seu alvo é o corpo, seu objetivo é torná-lo aprimorado e adestrado
10
O termo “normalização” utilizado neste estudo significa o “ato ou efeito de normalizar”, “submeter à norma ou normas, padronizar”, conforme o Novo Dicionário Aurélio (2005).
84
(MACHADO, 1992). Esses poderes já estão incorporados nas práticas profissionais
cotidianas dos serviços de saúde, se tornando banalizados. Para Mattos (2001,
p.43), a banalização se explica como
[…] o uso de uma expressão de tal modo que todos a defendam, mas o façam sem saber exatamente o que defendem. Desse modo, as noções deixam de ser capazes de diferenciar aspectos e valores presentes em diferentes configurações do sistema, das instituições ou das práticas nos serviços de saúde; perdendo assim, sua utilidade política.
A esse aspecto Foucault denominou microfísica do poder, pois
para ele, o poder não se exerce apenas no nível central, ele também se exerce nas
extremidades. Ele não visa somente esquadrinhar, adestrar, dominar pelas relações
de poder, mas sim, servir como um mecanismo de luta e articulação contra essas
mesmas relações de poder (MACHADO, 1992).
Retomando a observação em que houve o refluxo do conteúdo
gástrico drenado, fizemos algumas considerações.
A mãe deve ter pensado que, se está drenando secreção, é porque esta não deve ficar no estômago. Um incidente como este pode causar sérios danos à saúde já fragilizada do paciente, como bronco-aspiração e conseqüentemente uma pneumonia aspirativa pela facilidade de acesso dessa secreção à traquéia. Aproveitamos para questionar se um fato como este ocorresse com um familiar do profissional, qual seria sua reação diante de uma resposta como essa? Que não haveria nenhum problema? (Diário de Campo de 15/03/2007).
Numa situação de refluxo pela sonda nasogástrica, convém
retornarmos a um dos itens anteriormente citados quanto aos fatores de risco para
pneumonia associada à assistência à saúde.
2) condições que favorecem aspiração do trato respiratório ou refluxo do trato gastrointestinal (p. ex.: intubação endotraqueal ou intubações subseqüentes; utilização de sonda nasogástrica; posição supina; […] (APECIH, 2005, p.13).
Os cuidados sistematizados e a atenção de toda a equipe
assistencial centrados nesse espaço representam contribuições imprescindíveis
85
para a prevenção de complicações decorrentes do uso de sondas nasogástricas,
especialmente em pessoas doentes sob ventilação mecânica, a fim de garantir que
tenham disponibilizada uma assistência segura, minimizando os riscos de
pneumonia.
Na organização do seu espaço, a UTI é permeada por disciplinas
em todos os processos que envolvem o seu funcionamento, os seus trabalhadores
e as pessoas doentes.
Dentre os mecanismos de organização do espaço da UTI,
encontramos documentações que se constituem parte das materialidades
discursivas do setor. Chamadas por Araújo (2005) como corpo documentário,
revelam alguns dos saberes que operam nessa unidade.
Ficam armazenados em um espaço próprio na UTI, no posto de enfermagem os documentos: Livro de Entrada e Saída de pacientes, Protocolo de Serviço de Radiologia, Protocolo para empréstimo de equipamentos, Protocolo para exames de Tomografia Computadorizada, Livro de Relatório de Enfermagem (destinado a anotações dos enfermeiros) e Agenda Telefônica (Registro de Observação de 15/03/07).
A existência destas documentações nesse espaço propicia a
normalização do funcionamento do serviço, com o armazenamento de informações
diversas, como, por exemplo, o registro de entrada e saída (admissão, alta, óbito,
transferência), o controle dos exames diagnósticos realizados e os registros das
ocorrências de cada plantão.
Quando nos referimos às normalizações para a realização de
procedimentos, vislumbramos a possibilidade de tornar as práticas de saúde
uniformes. Para que as atividades sejam uniformizadas e serializadas, é necessário
que, nas normalizações instituídas no hospital, haja a integração dos profissionais
de saúde desde a sua elaboração até a sua implantação e implementação na
prática individual de cada profissional, na expectativa de que, no conjunto dessas
atividades desenvolvidas pelos diferentes profissionais, sejam minimizados os
riscos de IH (KAWAGOE; QUEIROZ, 1997).
De acordo com Kawagoe e Queiróz (1997, p.59), um dos
princípios para uma boa prática de controle de infecção hospitalar é a “existência de
normas e protocolos escritos para todos os serviços e atividades, especialmente os
relacionados com a manutenção dos níveis de higiene e prevenção das infecções”.
86
O controle do desenvolvimento das atividades no hospital é
realizado através de horários pré-estabelecidos ou normalizados. Quando se trata
do horário de preparo de medicamentos, a equipe de enfermagem prioriza-o em
detrimento de quaisquer outros cuidados.
Dentre os cuidados, os horários de medicação são religiosamente
respeitados num procedimento de disciplinarização do processo de trabalho, com o
objetivo de garantir a eficácia ou efetividade das drogas utilizadas.
Era 16 h no relógio da UTI. Com a movimentação, percebemos que a equipe de enfermagem se preparava para o procedimento de preparo dos medicamentos quando observamos que as técnicas de enfermagem começavam a juntar os materiais necessários, recolhendo-os das gavetas da pia/balcão do posto de enfermagem com as mãos enluvadas (Registro de Observação de 22/03/07).
Neste momento, a medicação torna-se o cuidado principal a ser
dispensado às pessoas doentes. Nada parece ser mais importante que esse
cuidado, cuja administração é realizada pontualmente dentro dos horários pré-
fixados nas prescrições, que tendem a se encaixar nos horários normalizados pelo
hospital.
No espaço determinado, as normalizações representam
mecanismos disciplinares, uma vez que têm a finalidade de controlar e de corrigir
operações naquele local. Visam ordenar as ações, no sentido de
[…] treinar, ajustar economicamente o tempo decorrido entre cada atividade, produzir um cuidado mais uniformizado (menos passível às diferenças de quem executa) e serializado (em série, partes em seqüência lógica) (AZEVEDO, 2005a, p.134).
As normalizações, dispositivos que visam disciplinar
procedimentos, para que alcancem os resultados esperados, dependem de vários
elementos, como o comportamento, a formação e a subjetividade de cada
profissional. Quando não estão instituídas e socializadas no serviço, possibilitam
que cada profissional utilize a sua subjetividade, corroborando para que a
assistência nem sempre tenha um caráter uniforme, haja vista que o mesmo
cuidado ou procedimento pode ter contornos diferentes, podendo contribuir para o
aparecimento das IHs.
87
Mesmo quando o serviço possui as atividades uniformizadas ou
normalizadas, os profissionais ainda encontram formas de não segui-las como
determinado, “[…] organizando-se de outras formas, elegendo prioridades, fazendo
o que pode para, ao menos, minimizar os efeitos adversos sobre si e sobre o
resultado de seu trabalho” (RAMOS, 1996, p. 96).
A rotina, para Azevedo (2005a, p. 134), é um “[…] dispositivo de
poder do qual a enfermagem tem se utilizado para disciplinar os corpos durante a
sua permanência no hospital”, como os horários e as rotinas pré-estabelecidas pela
instituição.
No horário de preparo de medicamentos pode ser observada a
forma como os profissionais se organizam no espaço da UTI para realizarem seu
trabalho.
Após recolherem os materiais e medicamentos, Leonora, Dolores e Cleuza foram se colocando de frente a pia/balcão de preparo de medicamentos, se posicionando gradualmente, uma ao lado da outra, com as respectivas prescrições médicas de seus pacientes pelos quais estavam responsáveis neste dia, para iniciarem o preparo dos medicamentos (Registro de Observação de 22/03/07).
A disciplina é evidenciada na atuação dos profissionais nesse
horário, operando de forma individual e detalhada. Para Dreyfus e Rabinow (1995,
p.173), a disciplina “[…] toma os indivíduos, ao mesmo tempo, como objetos e
como instrumentos de seu exercício”.
Embora não esteja ainda instituída na unidade a normalização dos procedimentos na enfermagem, observa-se que a mesma mantém uma sistematização subjetiva do seu trabalho, para atender aos cuidados dos pacientes e suas prescrições. Observamos a ênfase que se dá ao horário de medicamentos, sendo que se deixa de fazer outros cuidados, para priorizá-lo (Diário de Campo de 02/04/07).
Nesta perspectiva, observamos que a equipe de enfermagem
mantém grande parte da prioridade assistencial nesse cuidado, identificando-o
como, talvez uma das mais importantes atividades a ser executada no seu período
laboral na UTI.
A disciplinarização também é observada nos boletins informativos
afixados em espaços estratégicos, que são utilizados para dar visibilidade aos
poderes que se manifestam na UTI.
88
“Vamos evitar visitas, amigos e funcionários de outro setor na unidade, há informações errôneas sendo passada
11 para
familiares dos pacientes da unidade. Alunos somente na companhia do professor e devidamente agendado na educação continuada. É expressamente proibido sair qualquer documento sem autorização por escrito da Diretoria Clínica (prontuários) da Coordenação e Gerência da UTI no que for referente a unidade. Equipamentos deverão ser protocolados, exceto o ECG que não deverá sair da unidade” (Registro de Observação de 20/03/07).
O objetivo do informativo é docilizar os indivíduos, ou seja,
promover certa moldagem, na qual as pessoas se tornam obedientes às regras
instituídas, de modo que a instituição funcione de acordo com o que foi planejado
pelos gestores, coordenadores e por quem gerencia a unidade.
Ao mesmo tempo em que observamos que as pessoas que
coordenam a unidade buscam a organização do serviço, demonstram também a
relação de poder que se estabelece, mantendo o espaço controlado.
São tantas as normas instituídas que tem como objetivo disciplinar
o espaço em função da doença, que a dimensão da pessoa doente em estado
crítico é pouco vislumbrada. Embora normas e disciplinas sejam aspectos
importantes a serem considerados nas práticas da IH, sabe-se que pessoas -
profissionais, pessoas doentes e familiares - fazem parte do contexto do espaço da
UTI e que, reconhecer essa dimensão humana na organização das práticas neste
espaço se constitui num aspecto imprescindível para o alcance da integralidade da
atenção à saúde.
Assim como evidenciamos a disciplinarização do espaço da UTI,
observamos que há anotações no Livro dos Enfermeiros que revelam a busca pela
manutenção do controle do espaço e materiais.
“Carrinho de Emergência: Desde sábado – aberto sem reposição. Solicito que todas as vezes que fizer uso do carrinho reporem; há técnico da farmácia em todos os períodos. Na impossibilidade, fazer uma lista do utilizado e deixar na unidade. Os dois cardioversores estão em funcionamento” (Registro de Observação de 11/04/07).
Há uma expectativa de monitoramento da unidade, onde são
indicadas algumas falhas no processo de trabalho e que fogem à normalidade
instituída na UTI. Ao mesmo tempo, realiza questionamentos quanto a
11
A reprodução das anotações de informativos e registros de documentos foi realizada da forma como elas se encontravam registradas.
89
procedimentos não realizados e que, em caso de emergência, poderia causar
sérios danos às pessoas doentes ali internadas.
As anotações apontam para a busca da organização da unidade. Mostram a tentativa de organizar ou disciplinar o espaço, de forma a mostrar aos profissionais que havia recursos humanos suficientes para determinadas práticas serem atendidas, além de chamar a atenção dos profissionais com referência ao cumprimento de suas funções e da manutenção da ordem e limpeza do local de trabalho (Diário de Campo de 11/04/07).
Para Matsuda et. al. (2006), os registros ou anotações de
enfermagem representam a forma escrita que os profissionais utilizam para se
comunicar, registrando informações relativas às pessoas doentes, bem como aos
seus cuidados.
Entende-se que os registros são elementos imprescindíveis no processo de cuidado humano visto que, quando redigidos de maneira que retratam a realidade a ser documentada, possibilitam à comunicação permanente, podendo destinar-se a diversos fins (pesquisas, auditorias, processos jurídicos, planejamento e outros (MATSUDA et. al., 2006, p. 415).
As anotações no Livro dos Enfermeiros, além do repasse de
informações referentes ao quadro das pessoas doentes, sua evolução por plantão e
intercorrências, trazem anotações que se mesclam às outras, e dizem respeito ao
andamento administrativo, como a falta de materiais e equipamentos, a
organização do serviço, mostrando a preocupação dos enfermeiros com a
assistência prestada.
Na revisão de literatura realizada por Pádua e Ramos (2004), a
maioria dos estudos realizados, embora aponte para a importância das anotações
de enfermagem como uma forma de registrar informações que devem ser
socializadas entre os profissionais, estas tem sido pouco evidenciadas ou
praticadas nas escolas de enfermagem.
Para a administração dos serviços de enfermagem, essas anotações devem propiciar um processo de comunicação escrita, que possa ser utilizado no planejamento das ações, assim como na avaliação, controle e auditoria da qualidade da assistência de enfermagem (PÁDUA; RAMOS, 2004, p.44).
90
A prática das anotações na UTI representa uma forma de controle
ou monitoramento do espaço pelos profissionais, de forma a envolver não só a
organização e funcionamento da unidade, mas também monitorar as pessoas
doentes e profissionais que ali se concentram, revelando, portanto, a preocupação
do enfermeiro com o todo da assistência.
Outro relato registrado no Livro dos Enfermeiros socializa para os
demais membros da equipe assistencial, um acontecimento que levou a
conseqüências no quadro clínico de uma das pessoas internadas na UTI.
“Atenção Equipes: DDAVP12
– Leito 08 – Leonel não foi administrado […] dos três períodos. É inadmissível que […] observado a prescrição, sendo ontem o quinto dia de uso. Resultado: Poliúria, […] débito cardíaco” (Registro de Observação de 11/04/07).
Os registros ou anotações de enfermagem, por expressarem as
atividades realizadas pelos profissionais de saúde ou os acontecimentos nos
diferentes turnos de trabalho, possuem importância pela comunicação que
possibilitam, no ponto de vista científico, administrativo ou legal (PÁDUA; RAMOS,
2004).
Entretanto, na revisão de literatura realizada por Pádua e Ramos
(2004), as autoras referem que a maioria dos estudos acessados ressalta a
importância das anotações de enfermagem na comunicação entre os profissionais e
que as escolas de enfermagem pouco têm praticado o teoricamente preconizado.
Nesse contexto, as falhas nos processos de comunicação escrita
entre os profissionais podem repercutir na assistência à pessoa internada, em
especial, àquela em situação grave, dada a variedade de profissionais envolvidos
nos cuidados em saúde.
Em meio a essa variedade de profissionais, o espaço da UTI
abarca diferentes relações que se envolvem e interferem nas práticas assistenciais,
na perspectiva de operacionalizar o trabalho na unidade para atender as pessoas
que se encontram em condição de gravidade.
Dessa forma, em que vários atores fazem parte desse cenário,
cabe refletirmos acerca das diferentes formações subjetivas, as quais estão
12
DDAVP: hormônios anti-diuréticos sintéticos que atuam sobre os rins, suprindo a falta de vasopressina natural. Disponível em: http://www.ferring.com.br/pagina_texto.asp?link=SUB&txt=182. Acesso em: 31 set. 2007
91
permeadas por relações de poder e disciplinas. São construtos histórico-sociais e
precisam ser considerados e reconstruídos se pretendemos alcançar a
integralidade.
Na UTI, a conformação atual dos espaços ainda se constitui em
um obstáculo a qualidade de assistência em saúde, sendo grande o desafio para
que as práticas assistenciais, em especial as de controle de infecção hospitalar
atendam à integralidade. Um espaço no qual são privilegiadas determinadas formas
de relações, como as de poder e processos hegemônicos, constitui-se num
obstáculo para o atendimento à integralidade, uma vez que a conformação desses
corrobora para que as práticas sejam fragmentárias e reducionistas.
A pessoa internada numa UTI, que se encontra frágil e vulnerável
em todos os seus aspectos, necessita de cuidados “[…] efetivos e abrangentes”
(NASCIMENTO, 2005, p. 14). Além de atender às suas necessidades biológicas
prementes, o atendimento deve também contemplar suas outras dimensões, como
a psicológica, social e espiritual (NASCIMENTO, 2005). Um atendimento prestado
de forma fragmentada e reducionista contribui para que sua permanência na
unidade seja sofrida, desgastante e prolongada, expondo-a a riscos como o de
adquirir uma IH.
Assim, observamos que as práticas na UTI devem ser
repensadas, na busca de romper com o modelo assistencial vigente, onde o
cuidado do corpo doente é valorizado em detrimento do cuidado da pessoa doente,
desconsiderando suas outras dimensões, de forma a possibilitar práticas
assistenciais integrais que minimizem o sofrimento daquelas pessoas que, num
momento de suas vidas, necessitam de um atendimento complexo e especializado
em saúde.
5.1.2. A UTI como espaço de cuidado do corpo das pessoas internadas
O espaço da UTI se mostra configurado para tratar de doenças e,
nesse sentido, o corpo da pessoa internada se torna o objeto do tratamento. O foco
da atenção dos profissionais de saúde se volta para o corpo e não para a pessoa
que possui uma situação de agravamento de sua saúde. Nesse contexto, a
organização das práticas de atenção no espaço da UTI nos revela a separação
92
entre o corpo e a pessoa doente, pessoa esta que representa um ser, que tem a
sua identidade, particularidades, sensibilidades, valores morais, culturais e outros.
Portanto, visualizamos o des(cuidado) e a des(valorização) para
com as outras dimensões das pessoas doentes na UTI, e não apenas a
exclusividade ao atendimento à dimensão biológica.
As práticas profissionais privilegiam o cuidado de corpos, e estes
se tornam desprovidos de percepção, sensibilidade, dor, afeto, sentimentos,
desejos, idade, sexo, frio, calor, entre outros. Isto pode ser claramente observado
quando registramos que as janelas são cobertas por insulfilm, o que impede a
entrada da luz solar direta. Nesse espaço desconhecido, em que a pessoa se vê
quando hospitalizada, a perda do contato com a luz natural e a necessidade de
repouso faz com que as horas lhe custem a passar (SEVERO; GIRARDON-
PERLINI, 2005).
Para a pessoa internada, o tempo não pode ser revelado, nem
percebido, se não há relógios que a oriente. Esse tempo que não passa, para essa
pessoa na UTI, sobretudo para aquela que se encontra consciente ou recuperando-
se, pode tornar menos estressante se ela consegue situar-se temporalmente.
Fatos como as janelas estarem constantemente fechadas numa
UTI, os vidros revestidos por insulfilm e a ausência de relógios denotam uma
estrutura que priva as pessoas internadas nesse espaço às referências temporais.
Tal privação pode gerar sentimentos de sofrimento. A disponibilização de relógios
visíveis para cada leito ameniza o sofrimento daqueles que necessitam situar-se,
pela perda do referencial do dia e da noite, ou seja, de aspectos relacionados à
iluminação natural (GUIRARDELLO et. al., 1999).
Essa perda da temporalidade, ou seja, o fato da pessoa internada
não situar-se no tempo, para ela, representa
[…] uma privação do que esta estrutura temporal simbolicamente significa, ou seja, uma maneira de reorganizar-se, reestruturar-se e reconhecer-se diante da vida. Quando o paciente perde o seu referencial, frente à nova situação, por um lapso de tempo, perde o controle sobre sua vida, tendo dificuldade para situar-se (GUIRARDELLO et. al., 1999, p. 126).
Nesse espaço, observa-se a existência contínua de sons e ruídos,
emitidos pelos vários equipamentos utilizados na assistência. Aliados a esses
93
ruídos, podemos mencionar os sons causados pelas conversações entre os
profissionais que atuam na unidade, como citado na observação que segue.
[...] as conversas entre os profissionais podiam ser ouvidas em qualquer ponto da UTI, mesmo se ouvindo os diversos ruídos dos aparelhos que circundam os pacientes, como monitores, bombas de infusão e ventiladores mecânicos (Registro de Observação de 17/04/07).
O silêncio necessário ao espaço hospitalar pode ser entendido
como uma disciplina. Ele representa uma característica fundamental e necessária,
por permitir a promoção da tranqüilidade das pessoas internadas, auxiliando no seu
processo de recuperação.
Em “Notas sobre Enfermagem”, Florence Nightingale (1989, p. 52)
em meados do século XIX já fazia suas reflexões sobre os ruídos em relação aos
doentes, afirmando que “o barulho que faz mal ao doente é o desnecessário e que
dá origem a uma expectativa em sua mente”. Para ela, é importante manter os
doentes preservados de ruídos desnecessários como conversas, sussurros,
cochichos e caminhar arrastando os pés, por exemplo.
Nightingale (1989, p. 55) menciona ainda o ruído como
[…] desnecessário, de fato, é a mais cruel falta de cuidado que pode ser imposta a um doente ou mesmo a uma pessoa sadia, pois em todos esses comentários, o doente foi apenas mencionado como sofrendo exatamente das mesmas causas, só que em proporções muito maiores. Ruído desnecessário (ainda que leve) prejudica a pessoa doente muito mais que o barulho inevitável (ainda que em maior quantidade).
O silêncio é uma necessidade e um respeito àquele que está
doente, especialmente o que está numa Unidade de Terapia Intensiva, onde estão
concentradas pessoas internadas com maior gravidade e risco de morte.
Na UTI, a pessoa doente está circundada por máquinas e
equipamentos que emitem ruídos de forma ininterrupta, necessitando se habituar
(ou se submeter) a esse cotidiano enquanto perdurar a condição crítica que
acarretou a sua internação neste local. A equipe de saúde, ao minimizar os ruídos
evitáveis, garante melhora das condições de internação neste espaço e humaniza a
atenção. A humanização, para Backes, Lunardi Filho e Lunardi (2005, p.103)
representa
94
[…] antes de tudo, uma relação efetiva de cuidado, que pode ser traduzida na acolhida, na ternura, na sensibilidade, no respeito e na compreensão do ser doente e não da doença. Significa, também, reduzir ao mínimo a ruptura entre a vida normal do paciente e a que lhe impõe restrições.
Backes, Lunardi Filho e Lunardi (2005, p. 105) citam alguns trechos do
depoimento de um profissional de saúde que vivenciou a experiência de ser
paciente de UTI.
Ser paciente é totalmente diferente que ser profissional de saúde. Um doente em coma percebe, constantemente, todos os movimentos e ouve tudo o que acontece ao seu redor. Ouvia e acompanhava em silêncio todos os procedimentos […] Os comentários […] eram realizados próximo aos pacientes, o que me causou um grande desconforto. Para mim, a UTI foi um “inferno”. São luzes acesas durante as vinte e quatro horas […] comentários indevidos próximos dos pacientes, ruídos e alarmes a todo o instante […] O paciente que já se encontra fragilizado pela dor, com esses comentários piora ainda mais […].
Neste relato, a experiência da internação hospitalar foi bastante
traumática para essa pessoa. Como profissional de saúde, ao lê-lo, é possível
sentir como se tivéssemos vivenciando o ocorrido. Essa experiência retrata de
forma não muito diferente o cotidiano vivido pelas pessoas internadas na UTI em
que este estudo foi realizado.
É importante que os profissionais estejam conscientes quanto aos
ruídos desnecessários e busque minimizá-los sempre que possível na unidade.
Proporcionar ao paciente a permanência hospitalar menos traumática possível é
compreender a sua fragilidade, sendo solidário e sensível às necessidades da
pessoa que está suscetível e fragilizada.
A garantia de um ambiente sem ruídos ou que possam ser
evitados ou minimizados ao máximo, contribui para a recuperação e
restabelecimento da pessoa hospitalizada, uma vez que se viabiliza uma
permanência mais calma, tranqüila e agradável possível na UTI. A busca pela
conformação desse ambiente para a pessoa doente deve ser a apreendida e
praticada por todos os profissionais de saúde e demais indivíduos que circulam no
espaço hospitalar.
95
Na UTI, observamos que as pessoas doentes têm seus nomes
substituídos por números, seja nos leitos ou no mural. Perdem sua identidade,
deixam de serem pessoas em condição crítica para serem consideradas ou
tratadas como um corpo ou uma doença por grande parte dos profissionais de
saúde, contrariando o que se espera na atenção em saúde, que é a “[…] recusa em
reduzir o paciente ao aparelho ou sistema biológico” (MATTOS, 2001, p. 45).
As pessoas internadas na UTI são dispostas em um espaço amplo
e sem privacidade, que expõem seus corpos, seus medos, sua identidade e
particularidades, seu sexo, sua cultura, e outros, embora entre os leitos, as cortinas
delimitem o espaço da pessoa internada, buscando garantir privacidade.
Entretanto, muitas vezes os profissionais movidos pela
banalização do cotidiano, negligenciam inconscientemente o cuidado à privacidade
dos doentes.
Durante todo o procedimento do banho no leito, as partes íntimas do paciente foram mantidas expostas, embora este paciente estivesse em quarto de isolamento. Após o procedimento, o paciente foi coberto com um lençol, sem outra vestimenta além do fraldão descartável (Registro de Observação de13/03/07).
Para Pupulim e Sawada (2002), o fato de a pessoa estar despida,
sã ou doente, traz a ela desconforto e embaraço, sentimentos comuns que se
relacionam aos comportamentos culturais da sociedade em geral. Na assistência
em saúde, a exposição da intimidade das pessoas internadas em procedimentos
como banho, sondagens vesicais, enemas e outros, pode ser reduzida ao mínimo
possível.
No espaço da UTI, a organização das práticas em relação às
formas como os corpos são deixados sobre o leito, sem peças íntimas, sem calças
ou camisas, ou apenas com um avental, todos iguais e da mesma cor, faz com que
todas as pessoas ali sejam vistas (ou consideradas) iguais. Isso destitui delas sua
identidade, as despersonaliza. Para Pupulim e Sawada (2005, p. 389), “isso é mais
nítido na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde geralmente o cliente permanece
despido e protegido apenas com lençol”.
Essa prática causa sofrimento e vergonha às pessoas doentes, e
representa uma situação que lhes é imposta e que lhes resta apenas submeter-se
(SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005). Para os profissionais visa facilitar o
trabalho no manuseio do seu corpo ou dos equipamentos a ele conectados.
96
Cabe aos profissionais de enfermagem, sempre presentes nessas
situações, resguardar a intimidade dessas pessoas doentes.
A enfermagem procura preservar a intimidade e a privacidade dos doentes usando biombos, cobrindo partes do corpo que não precisam ficar expostas durante um procedimento e solicitando que familiares/visitas retirem-se do quarto/enfermaria ao realizar um cuidado, caracterizando essa tentativa de proteção como um gesto humanitário e de respeito (PUPULIM; SAWADA, 2002, p. 435).
Os profissionais de saúde, e não nos referimos aqui apenas à
equipe de enfermagem, podem minimizar a exposição das pessoas internadas a
riscos, cuidando-a para além do corpo biológico, de maneira ampliada, na medida
em que passam a considerar que a pessoa doente em condição crítica tem seus
valores e suas crenças e que estes devem ser respeitados.
Assim, nesse espaço complexo da UTI, as práticas assistenciais
configuram-se também como complexas. Exigem um saber clínico especializado
que impõe aos profissionais, constantes capacitações, especializações e
atualizações para instrumentalizá-los ao cuidado das doenças.
Entretanto, ao valorizar essa dimensão, negligenciamos outros
aspectos, como os emocionais que acompanham o processo de passagem em uma
UTI: a separação da família; a internação em uma unidade onde existe uma
representação social relacionada à morte; a realização de procedimentos
complexos e invasivos; a internação em uma unidade onde ao lado se vê apenas
pessoas em estado grave; não se pode sair da unidade, nem se pode dialogar com
outras pessoas, exceto com os profissionais de saúde; entre muitos outros. Nesse
sentido, é preciso no cuidar em saúde, incorporar saberes que subsidiem os
profissionais ao fazer em saúde, tendo por objetivo o cuidado humano, com base
na ética da vida humana.
E é essa qualidade assistencial que garante às pessoas doentes e
seus familiares a segurança que elas buscam nos serviços de saúde, conforme
ressalta Severo e Girardon-Perlini (2005, p.25)
[...] quando o paciente identifica a equipe como fonte de segurança, de proteção e de desvelo, passa a estabelecer uma relação de confiança com os profissionais e a ter certeza de estar sendo bem cuidado. Assim, mesmo distante da família, o paciente sente-se amparado e assistido, o que acaba gerando sentimentos de tranqüilidade.
97
Esse espaço busca disponibilizar um atendimento seguro e de
qualidade, devendo garantir que as pessoas não sejam expostas a riscos em
decorrência de processos assistenciais, os quais podem ser prevenidos ou
controlados, quando não relacionados a fatores de natureza endógena dessas
pessoas doentes.
Paciente Luan, internado com diagnóstico inicial de Hemorragia Intra Parenquimatosa Direita, transferido do interior do Estado em 12/02/07, apresentou, entre 21 e 23/03/07, os seguintes resultados de culturas: cultura de ponta de cateter positiva para Enterobacter cloacae; urocultura positiva para Cândida não albicans; aspirado traqueal positivo para Pseudomonas aeruginosa e Morganella morgannii; cultura de escara positiva para Escherichia coli (Registro de Observação de prontuário de 24/04/07).
A responsabilidade de prevenir e de controlar as infecções
hospitalares é inerente aos profissionais de saúde, portanto, é uma
responsabilidade individual, mas ao mesmo tempo coletiva, garantida por meio da
normalização de procedimentos corretos, da interação com a CCIH (PEREIRA et.
al., 2005) e da educação permanente dos profissionais em controle de infecção
hospitalar.
Os profissionais de saúde devem ser conscientizados das
medidas de prevenção de controle de infecção já constatadas como eficazes, de
modo a oferecer todo o suporte para que essa clientela tenha garantida a qualidade
da sua assistência (PEREIRA et. al., 2000), minimizando os riscos de infecção
hospitalar.
O espaço da UTI está conformado para atender corpos doentes e
não pessoas doentes, conforme observamos em algumas citações em que as
várias dimensões do ser humano não são respeitadas. Essa conformação, como
referimos anteriormente, parte de construções históricas que perduram ainda no
cotidiano das instituições de saúde.
Entretanto, Silva et. al. (2006) referem à busca por um novo
modelo assistencial em saúde que atenda às necessidades de saúde da população,
substituindo o modelo tecnicista-hospitalocêntrico anteriormente existente. Trata-se
do modelo proposto pelo SUS, que considera a saúde como um direito do cidadão,
98
que deve ser garantido e legitimado através de políticas públicas na perspectiva de
um atendimento universal, igualitário e integral.
Dessa forma, o sistema de saúde constitui-se num processo social
e político ao mesmo tempo, e se consolida através de políticas públicas para a
saúde, para que as práticas em saúde possam efetivamente ser resolutivas.
O atendimento ao novo modelo assistencial de saúde requer um
reordenamento de suas práticas, com compartilhamento de responsabilidades dos
gestores, dos profissionais de saúde e dos usuários do sistema.
Quando nos referimos à assistência hospitalar, sobretudo nas
unidades de terapia intensiva, cabe refletirmos como as práticas assistenciais estão
conformadas nesse espaço para o atendimento de pessoas. Colocamos em
questionamento em que medida essas práticas assistenciais alcançam a
integralidade da assistência, quando nos deparamos com o espaço destinado ao
doente caracterizado como: restrito, limitado, impessoal, e que não respeita sua
individualidade, sua subjetividade e suas particularidades.
Em atenção ao modelo assistencial vigente no país, o princípio da
integralidade constitui-se na apreensão do usuário como um ser bio-psico-social e
deve, portanto garantir um espaço que realmente possa disponibilizar um cuidado
integral a pessoas em condição crítica.
Para tanto, a pessoa internada no espaço da UTI, envolta por todo
um momento de sofrimento e fragilidade, necessita de um cuidado que envolva o
atendimento biológico atrelado a outros cuidados, cujo objetivo abarque “[…] aliviar,
confortar, ajudar, favorecer, promover, restabelecer, restaurar, dar, fazer, etc”
(WALDOW, 1999, p.129).
O atendimento à integralidade pressupõe a necessidade do
reconhecimento e reconstrução das práticas de atuação por parte dos profissionais
quanto às necessidades dessas pessoas. Para que isso ocorra, é necessária a
apreensão de novas formas de pensar e agir em saúde, o que implica investir na
formação técnica, científica e ética dos trabalhadores de saúde, permitindo a
legitimação da autonomia das pessoas envolvidas - profissionais de saúde,
pessoas doentes e seus familiares dentro desses espaços.
Assim, entendemos que a reorganização dos espaços da pessoa
doente na UTI possibilite práticas em saúde, dentre elas, as práticas de controle de
infecção hospitalar, para uma assistência mais segura às pessoas, onde o outro é
99
considerado em todas as suas dimensões, a partir de um olhar atento para as suas
especificidades, sejam culturais, sociais, éticas, morais e outras.
5.1.3. A UTI como espaço de controle do corpo do trabalhador e do corpo
doente
Se por um lado o espaço para a pessoa internada na UTI é
impessoal, não possibilita a expressão das suas subjetividades, por outro lado, o
espaço para os profissionais também se caracteriza como um espaço de trabalho,
cujas expressões individuais de cada trabalhador nem sempre são evidenciadas.
Na UTI os trabalhadores de enfermagem, maior força de trabalho, se organizam e
desempenham suas práticas segundo a conformação do espaço destinado para a
realização do seu trabalho.
A sensibilidade do trabalhador é influenciada nesse espaço.
Aspectos que dizem respeito ao cotidiano das pessoas internadas na UTI, muitas
vezes, passam despercebidos pelos profissionais de saúde, em especial, aqueles
que trabalham em setores fechados como as UTIs. A conformação do ambiente
diuturnamente iluminado faz parte do seu cotidiano laboral e este ambiente torna-se
“naturalizado” e, por vezes, “banalizado” entre os profissionais, levando-os a não
sensibilização quanto à importância desse aspecto na vida das pessoas doentes
que compartilham o espaço (GUIRARDELLO et al., 1999).
O espaço é organizado de maneira que o trabalhador controle,
independente do horário, sua força de trabalho. Mesmo à noite, a iluminação
característica do dia é garantida, influenciando na maneira com que o corpo, tanto
da pessoa internada como do trabalhador não se sensibilizem a temporalidade
noturna. O espaço da UTI deve contemplar aspectos relacionados ao bem-estar
físico e mental de todas as pessoas que o compartilham, oferecendo condições
dignas e seguras, necessárias ao bom ambiente de trabalho e à prestação dos
cuidados em saúde.
Quando nos referimos aos cuidados em saúde, necessitamos
entender, inicialmente, o significado do cuidar, do cuidado. No dicionário da língua
portuguesa, enquanto o termo cuidar representa, dentre outros significados, “aplicar
a atenção, o pensamento, a imaginação, fazer preparativos, prevenir-se”, o termo
100
cuidado significa “desvelo, responsabilidade, atenção, cautela” (FERREIRA, 2004,
p.279).
Na assistência em saúde, Waldow (1999, p. 127) explica que o
cuidar “[…] representa a forma como ocorre (ou deveria ocorrer) o cuidar entre
cuidador e ser cuidado […]”. Essa relação constitui-se num processo interativo, que
ocorre entre o profissional que cuida e a pessoa que é cuidada, numa perspectiva
humanista (NASCIMENTO; ERDMANN, 2006).
Nessa visão, podemos pensar o cuidado em saúde
[…] não apenas como uma atividade ou tarefa realizada no sentido de tratar uma ferida, aliviar um desconforto e auxiliar na cura de uma doença. Procura ir além, tentando captar o sentido mais amplo: o cuidado como uma forma de expressão, de relacionamento com o outro ser e com o mundo […] (WALDOW, 1999, p. 17).
Waldow (1999) salienta que é importante o resgate do cuidado
humano entre nós seres humanos, em especial quando se trata da área da saúde,
uma vez que no cuidado em saúde, as relações humanas constituem a essência do
processo e devem ser permeadas por intersubjetividades.
Para Mandú (2004, p.669) “o encontro intersubjetivo que se
processa na atenção individualizada coloca em cena peculiaridades do universo
afetivo, cultural e social de ambos, sujeitos e agentes da atenção”. Nessa
perspectiva, a intersubjetividade propicia o envolvimento dos sujeitos num
determinado processo, contribuindo para que as idéias, confiança e respeito entre
esses atores sejam compartilhadas.
No desenvolvimento dos processos assistenciais em saúde, o
cuidador deve saber ouvir e ter um bom senso de observação. Isso possibilitará a
execução de práticas mais completas e abrangentes, evitando fragmentações no
processo do cuidado (NASCIMENTO; ERDMANN, 2006).
A fragmentação do corpo do ser pessoa, pelo sistema profissional, pode ser minimizada pelo próprio profissional, na medida em que este considere no cuidado a essas pessoas, uma perspectiva cosmológica (MARUYAMA, 2004, p. 161).
101
No espaço hospitalar, a multiplicidade de profissionais corrobora
para a fragmentação do cuidado. Para Cecílio e Merhy (2005, p. 198), o cuidado
hospitalar pode ser um
[…] somatório de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital.
Portanto, para os autores, a integralidade, se é vislumbrada ou
não em termos de assistência hospitalar, depende de como se articulam as práticas
entre os profissionais de saúde da instituição (CECÍLIO; MERHY, 2005).
A assistência à integralidade no hospital pode ser observada
quando se realiza um esforço para uma abordagem completa de cada pessoa que
possui uma necessidade de saúde e que, em um determinado momento de sua
vida, tem a necessidade de um atendimento mais complexo. Nesse contexto, os
autores revelam que essa abordagem envolve a garantia de consumo das
tecnologias de saúde que o serviço dispõe para assistência necessária, bem como
a disponibilização de um ambiente que ofereça conforto e segurança às pessoas
assistidas (CECÍLIO; MERHY, 2005).
No entanto, em alguns trabalhos acessados, os autores
verificaram a insatisfação das pessoas que passaram por um processo de
internação, os quais revelam que nem todas as suas necessidades foram atendidas
pelo serviço hospitalar, em especial as relacionadas à dimensão humana, como
conforto, segurança, informações e outras (VICTOR et. al., 2003, FERRIOLLI et. al.,
2003, SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005).
Dessa forma, podemos observar que esta é a realidade
vivenciada pelas pessoas que necessitam da assistência hospitalar. A conformação
dessas instituições ainda vislumbra apenas corpos, corpos doentes, corpos de
trabalho. Tem suas raízes históricas e representa um paradigma a ser superado,
diante do modelo assistencial que ainda vigora em nosso país.
Apesar do SUS primar por ideais que contemplem um
atendimento universal, integral e igualitário, na prática, isso não tem se sustentado
entre as instituições que prestam assistência à saúde e representa um desafio a ser
enfrentado e vencido pelos serviços, profissionais de saúde e comunidade.
102
Para Ayres (2004), é importante que os serviços se estruturem de
forma que os profissionais possam superar a dicotomia existente entre as
tecnologias em saúde e o fator humano para que suas ações possam e devam ser
pensadas dentro de uma perspectiva integral.
Um exemplo de conformação do espaço para as práticas é o
espaço onde se encontram os lavatórios da UTI. A prevenção de complicações em
decorrência da possibilidade de contaminação pelo agrupamento de doenças pode
ser garantida, através de um ato simples, como a higiene das mãos. A preocupação
em tocar pessoas doentes e disseminar microorganismos levou à organização
desses espaços, de forma a garantir condições para se evitar a proliferação de
doenças entre as pessoas no hospital. Neste sentido, é preciso deixar em cada
espaço uma torneira para lembrar os profissionais de que é imprescindível lavar as
mãos, fazendo desse ato, mais um ato mecânico do que consciente e ético.
Para garantir a higiene das mãos que tocam e que cuidam das pessoas internadas, a unidade possui vários lavatórios distribuídos no seu espaço. Eles possuem acessórios como suportes de sabonete líquido e de papel toalha, produtos imprescindíveis para a sua higiene. Entretanto, algumas vezes, notamo-los desabastecidos, o que compromete a realização desse procedimento (Diário de Campo de 16/04/07).
O relato seguinte mostra que, embora haja no espaço da UTI
todos os requisitos disponíveis para a prática da higiene das mãos, como torneira
com água corrente, sabonete líquido e papel toalha, esta prática nem sempre é
incorporada pelas pessoas que ali trabalham.
Nos encontrávamos no posto de enfermagem, ao lado do balcão, quando observamos que a técnica de enfermagem Diana se desloca até a pia do posto de enfermagem para lavar suas mãos. Diana se posicionou de frente para a torneira, dispensou em uma das mãos o sabonete líquido que estava no suporte afixado na parede, à sua esquerda. Em movimentos rápidos, esfregou por três vezes, ou seja, três movimentos de vai e volta, enxaguando-as na torneira que é acionada através do sensor. Em seguida, fez movimentos para retirar o excesso de água das mãos, sacudindo-as no ar e após, secou-as num lençol que estava dobrado sobre a pia, batendo as mãos sobre ele levemente (Registro de Observação de 16/04/07).
Na assistência à saúde, uma das principais vias de transmissão
de microorganismos são as próprias mãos dos profissionais que cuidam das
pessoas doentes, uma vez que as mãos desempenham um importante papel na
103
transmissão de microrganismos de uma superfície para outra, seja através de
contatos diretos ou indiretos (BRASIL, 2007).
A pele das mãos alberga, principalmente, duas populações de microrganismos: os pertencentes à microbiota residente e à microbiota transitória. A microbiota residente é constituída por microrganismos de baixa virulência, como estafilococos, corinebactérias e micrococos, pouco associados às infecções veiculadas pelas mãos. É mais difícil de ser removida pela higienização das mãos com água e sabão, uma vez que coloniza as camadas mais internas da pele. A microbiota transitória coloniza a camada mais superficial da pele, o que permite sua remoção mecânica pela higienização das mãos com água e sabão, sendo eliminada com mais facilidade quando se utiliza uma solução anti-séptica. É representada, tipicamente, pelas bactérias Gram-negativas, como enterobactérias (Ex: Escherichia coli), bactérias não fermentadoras (Ex: Pseudomonas aeruginosa), além de fungos e vírus (BRASIL, 2007).
A higiene das mãos é descrita pelo MS como “[…] a fricção
manual vigorosa de toda a superfície das mãos e punhos, utilizando-se
sabão/detergente seguida de enxágüe abundante em água corrente”. A Portaria
ainda a refere como, “[…] isoladamente, a ação mais importante para a prevenção
e controle das IHs” e que “[…] deve ser realizada tantas vezes quanto necessária,
durante a assistência a um único paciente, sempre que envolver contato com
diversos sítios corporais, entre cada uma das atividades” (BRASIL, 1998a).
Essa legislação ainda recomenda a utilização de produtos anti-
sépticos para a higiene das mãos na “[…] realização de procedimentos invasivos;
prestação de cuidados a pacientes críticos; contato direto com feridas e/ou
dispositivos invasivos, tais como cateteres e drenos” (BRASIL, 1998a).
A prática da higiene das mãos representa uma das medidas de
maior importância na quebra da cadeia de transmissão das infecções hospitalares.
Com a realização de vários estudos, é comprovadamente, a mais simples e uma
das mais importantes ações para a prevenção das infecções hospitalares (APECIH,
2003; BRASIL, 2007).
Nessa perspectiva, as pessoas internadas em UTI, devido à
gravidade de seu estado de saúde, seriam as mais susceptíveis, e, portanto, as que
mais necessitariam da conscientização dos profissionais de saúde para a adesão
dessa prática.
104
IMPORTANTE: De acordo com os códigos de ética dos profissionais de saúde, quando estes colocam em risco a saúde dos pacientes, podem ser responsabilizados por imperícia, negligência ou imprudência (BRASIL, 2007).
Entretanto, mesmo tendo passado várias décadas da primeira
evidência científica produzida por Semmelweis (FERNANDES et.al., 2000b) de que
a higienização das mãos poderia evitar a transmissão da febre puerperal,
presenciamos ainda hoje uma realidade onde a sua prática é pouco valorizada e
aderida pelos profissionais nas instituições de saúde.
Em decorrência da necessidade de monitorar as condições de
funcionamento nos serviços de saúde, a Vigilância Sanitária, órgão fiscalizador,
atua visando garantir que esses serviços funcionem adequadamente e tenham
elaboradas, implantadas e implementadas as suas normalizações, visando um
atendimento seguro e qualificado, organizando-se através de manuais e
capacitações que uniformizem as práticas entre os profissionais de cada serviço.
Para que a uniformização dessas práticas se concretize, é fundamental que ocorra
a adesão pelos profissionais de saúde.
De acordo com o dicionário da língua portuguesa, o termo aderir é
definido como o ato de “[…] estar ou tornar-se intimamente ligado, colado […]
abraçar partido, causa […] ajuntar-se, unir-se” (FERREIRA, 2004, p. 94). Nesse
sentido, aderir a alguma coisa ou situação é abraçar a causa, é fazer e acreditar
naquilo.
Assim, quando nos referimos à adesão à higienização das mãos,
observamos que nem sempre os profissionais estão conscientes em abraçar essa
causa em benefício das pessoas que cuidam.
Acreditamos que a adesão a higienização de mãos esteja intimamente relacionada com os aspectos comportamentais de cada indivíduo, pois estes são determinantes da atitude de execução ou não do ato (NEVES, 2005, p. 70).
Para a higienização das mãos no espaço da UTI, a estrutura deve
contemplar meios para que sua prática seja cada vez mais aderida entre os
profissionais, viabilizando a disponibilização dos recursos necessários.
105
[…] faz-se premente que a instituição seja provida de lavatórios, devidamente equipados com dispensadores para sabão líquido e porta papel toalha descartável, em número suficiente e em locais estratégicos. O tamanho deste lavatório deve ser suficiente para a higienização segura das mãos e composto por torneiras que não requeiram o acionamento manual (NEVES, 2005, p. 38).
Além de disponibilizar os recursos necessários, há a necessidade
de alguns cuidados, tanto na aquisição como na sua manutenção.
O porta papel toalha deve ser fechado para proteção do papel toalha de contaminação ambiental, deve ser limpo diariamente com água e sabão, antes da reposição do papel. O papel toalha deve ter boa absorção e não ser encerado, e haver rotina de reposição de maneira que haja sempre disponibilidade do mesmo, para permitir a adesão e a técnica indicada para a higienização das mãos (NEVES, 2005, p. 40).
Embora com o espaço configurado para a higiene das mãos, com
a disponibilização de recursos materiais e com sua normalização instituída pelo
Ministério da Saúde (BRASIL, 1998a), bem como pelo fato de ser uma prática
básica do profissional em saúde, ainda assim, a sua adesão sistemática continua
sendo um problema evidenciado não somente nos serviços assistenciais de saúde,
como também pelos órgãos reguladores, apesar destes exigirem condições para
tal.
Portanto, muitos autores referem essa problemática na assistência
à saúde, constituindo-se como um fator que se relaciona com a subjetividade dos
profissionais.
Apesar de todas as evidências mostrarem a importância das mãos na cadeia de transmissão das infecções hospitalares e os efeitos dos procedimentos de higienização na diminuição das taxas de infecção, muitos profissionais têm uma atitude passiva diante do problema (MENDONÇA et al., 2003, p. 148).
Ainda segundo as autoras “[…] é difícil um profissional de saúde
assumir que falha em um aspecto tão elementar” (MENDONÇA et. al., 2003, p. 148)
como a higiene das mãos. Porém, nos questionamos que, se os profissionais de
106
saúde ainda não têm essa prática incorporada nas suas ações com vistas a
prevenir e controlar as infecções hospitalares, como ela deve ser incorporada como
um hábito ou uma prática necessária aos visitantes da UTI? Isso requer mudança
de atitude, inicialmente dos profissionais, não apenas no que se refere à higiene
das mãos, como também no que diz respeito a outras práticas que necessitam ser
incorporadas para o controle das infecções.
Dentre as ações de controle das infecções hospitalares, enfatiza-
se a prática da higiene das mãos como uma prática do cotidiano de cada ato ou
procedimento realizado pelos profissionais de saúde. Entretanto, sua adesão ainda
representa um grande desafio para o controle de infecção nos hospitais. É uma
prática simples e sua adesão é muito cobrada de uns profissionais em detrimento
de outros.
Apesar de simples, a adesão à higiene das mãos ainda constitui
um sério problema na atenção em saúde, como podemos observar nos estudos de
Mendonça et. al. (2003) e Neves (2005). As assimetrias existentes e a falta de
conscientização dos profissionais para abraçar a causa em função da saúde do
outro talvez expliquem essa afirmação.
No entanto, ao passo em que se cobra dos profissionais a sua
prática, evidencia-se ainda que, em alguns locais, não se oferece suporte para que
ela seja executada.
O expurgo da UTI, um espaço precário em relação à organização,
não possui esses acessórios necessários à higiene das mãos. Um expurgo se
destina a receber materiais contaminados até que sejam posteriormente
encaminhados à Central de Esterilização de Materiais para seu reprocessamento.
Por representar uma importante fonte de contaminação e de riscos ocupacionais,
necessita manter-se organizado, dispor de equipamentos de proteção individual,
pessoal capacitado e, fundamentalmente, dispor de acessórios para a higienização
das mãos (TIPPLE et. al., 2005).
Mais uma vez, por não entendermos por que esse espaço é tão
desvalorizado, recorremos ao dicionário para entendermos o significado da palavra.
Expurgo é definido como “Ato ou efeito de expurgar”, sendo que expurgar significa
“Purgar completamente; purificar […] Livrar do que é nocivo ou imoral […] Limpar
[…] corrigir-se” (FERREIRA, 2004, p.390).
Assim, devido ao que esse ambiente representa, um local sujo,
nocivo, que incomoda as pessoas a ponto de lhes causar aversão, percebe-se que
107
a permanência dos profissionais ali geralmente é mínima. Isso talvez explique
porque o expurgo tem um significado peculiar. Ao mesmo tempo, questionamos
que, se é um local sujo, nocivo, por que não dispõe dos materiais necessários à
higiene das mãos? Isso apenas reforça a controvérsia existente, pois se é um local
nocivo e sujo, justifica mais ainda a presença desses materiais, impedindo que se
carreiem microorganismos dali para outros locais.
Outro aspecto que nos conduz à compreensão do espaço da UTI,
diz respeito ao posto de enfermagem. O posto de enfermagem, cujo espaço
destina-se à utilização por todos os integrantes da equipe multidisciplinar, se
encontra situado em local centralizado. Sua localização estratégica, com certeza,
poderia nos remeter a um olhar panóptico, constituindo-se como um local ou
mecanismo de busca de controle dos corpos, como um
[…] espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia […] (FOUCAULT, 1987, p. 163).
A localização previamente planejada do posto de enfermagem,
numa posição central, garante uma boa visibilidade de todos os leitos. Isso permite
monitorar e controlar todos os corpos (seja de pessoas doentes ou de
trabalhadores) e equipamentos. Dali tudo pode ser monitorado ou controlado. As
pessoas doentes podem ser monitoradas de seus leitos sempre que se
movimentam ou que apresentam alguma alteração de seus padrões vitais, vigiados
pelos equipamentos médicos a que estão conectadas. Os trabalhadores, por sua
vez, também podem ser monitorados pelos profissionais que ficam no posto de
enfermagem, desenvolvendo suas atividades com as pessoas que estão nos leitos.
O posto de enfermagem também se constitui num local de vigia de
práticas, incluindo as práticas de controle de infecção hospitalar. Dele, os
profissionais podem se vigiar entre si no desenvolvimento de suas práticas,
permitindo que cada um conheça como se desenvolve o trabalho do outro.
Entretanto, cabe ressaltarmos que o controle de infecção depende do envolvimento
de todos, sendo, portanto, uma responsabilidade de cada profissional e de todos ao
mesmo tempo (PEREIRA et.al., 2005).
108
Esse espaço centralizado e reduzido, mesmo sendo denominado
posto de enfermagem, é um espaço onde se agrupam não somente profissionais de
enfermagem, mas os demais profissionais que atuam na UTI. Além de agrupar
pessoas, esse espaço se destina ao armazenamento de grande parte dos utensílios
necessários à assistência às pessoas internadas, como equipamentos,
medicamentos, infusões, papéis, materiais de consumo, entre outros. Nele, a
equipe de enfermagem prepara medicamentos e as infusões venosas a serem
administradas. É um espaço em que as condutas são definidas, prescritas, os
relatórios preenchidos e as demais anotações realizadas.
Assim, torna-se um espaço organizado e centralizado para o
desenvolvimento das práticas necessárias à manutenção e terapêutica das pessoas
que se encontram em estado grave.
No relato abaixo, registramos a conformação do espaço do posto
de enfermagem, onde as práticas são pensadas e desenvolvidas.
Os mobiliários e materiais que ali se encontram estão em precárias condições de conservação, como as pastas dos prontuários dos pacientes e as cadeiras do posto de enfermagem. Com relação à sua organização, um espaço utilizado por todos os profissionais que atuam na UTI, temos observado quão problemática é a sua organização. Sobre o balcão de prescrições e anotações, é comum a presença de papéis como blocos de prescrição, folhas de pedidos de exames, pedaços de impressos sendo utilizados como rascunho, copos descartáveis sujos e papéis amassados. Nas paredes, papéis afixados, sendo que dispõe de dois murais fixados nas paredes do posto de enfermagem. Nesse local em que esses profissionais permanecem grande parte do seu período de trabalho, não se observa a preocupação em mantê-lo organizado (Diário de Campo de 02/04/07).
Mesmo com as várias finalidades desse espaço pequeno e
centralizado, observa-se que o posto de enfermagem, bem como todos os objetos
que se encontram nele, é pouco valorizado, o que evidencia neste espaço a
precarização do trabalho dos profissionais da UTI.
Estávamos próximo ao posto de enfermagem quando observamos que um funcionário ligado à Superintendência do hospital estava na UTI em busca de alguns documentos, quando a plantonista Leila o aborda reclamando das péssimas condições de conservação das pastas dos prontuários dos pacientes e que estes necessitavam ser substituídos (Registro de Observação de 12/03/2007).
109
A falta de condições dos prontuários das pessoas doentes causa
incômodo à equipe assistencial. Embora pertença às pessoas internadas, o
prontuário é um instrumento de trabalho manuseado continuamente pelos
profissionais. Sua importância reside justamente em ser um instrumento onde todas
as informações sobre cada pessoa internada se encontram ali registradas para
direcionamento da sua terapêutica. As informações contidas no prontuário de cada
pessoa internada constituem também importante fonte de informações que podem
ser utilizadas judicialmente no exercício de sua cidadania.
Observamos não somente a desvalorização do trabalho, como
também dos corpos doentes, através da precariedade das condições que são
impostas às pessoas na unidade. Essa precariedade pode ser revelada pela
organização dos leitos no espaço da UTI, que são identificados por números e não
pelos nomes das pessoas internadas, insinuando que os leitos numerados,
elencam os corpos doentes e não as pessoas que estão doentes e que passam a
ser objeto de controle dos profissionais nesse espaço.
Assim, a UTI, embora se constitua num espaço com boa estrutura
física, que atende às normas para projetos físicos de construção de
estabelecimentos assistenciais de saúde (BRASIL; 2002a), tem sua estrutura
conformada para o cuidado dos corpos, das doenças e não das pessoas, daí a
necessidade de reorganizar o espaço para o alcance da integralidade.
A reorientação dos serviços de saúde também requer um esforço maior de pesquisa em saúde, bem como mudanças na educação e no ensino dos profissionais da área de saúde. Isto precisa levar a uma mudança de atitude e de organização dos serviços de saúde para que focalizem as necessidades globais do indivíduo, como pessoa integral que é (BRASIL, 2002b, p. 25).
Mudanças nas políticas de gestão, na formação, na postura, no
comportamento dos profissionais e na instrumentalização dos sujeitos parecem ser
os eixos fundamentais para a reorganização dessas práticas em saúde. Nesta
perspectiva, essas mudanças podem representar a desconfiguração desse espaço
medicamente conformado para um espaço mais qualificado para o atendimento à
integralidade das pessoas que compartilham o espaço da UTI.
110
5.2. Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no
processo assistencial da UTI sob o enfoque da Integralidade
Nesta categoria, abordamos as relações entre os atores que
fazem parte do cenário da UTI, seus comportamentos, as subjetividades, as
práticas dos profissionais, bem como os comportamentos de pessoas doentes e
familiares frente aos cuidados prestados pelos profissionais.
Assim, subdividimos esta categoria em 5 subcategorias, quais
sejam: As relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas de
Controle de Infecção Hospitalar; a enfermagem nas práticas de Controle de
Infecção Hospitalar; o
cuidado de si como trabalhador de saúde; as relações entre profissionais de saúde
e pessoas doentes e as relações entre os profissionais de saúde e familiares.
5.2.1. As relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas
de Controle de Infecção Hospitalar
O trabalho em saúde é caracterizado como um trabalho coletivo.
Diversos profissionais de saúde, além de trabalhadores que realizam serviços de
apoio ou suporte, têm como objeto, a atenção às pessoas em p rocesso de saúde-
doença. É também um trabalho institucionalizado em sua maioria, desenvolvendo-
se em hospitais, unidades básicas de saúde, ambulatórios e outros
estabelecimentos, com diferentes complexidades e estruturas (GAIVA; SCOCHI,
2005).
Para o atendimento a pessoas que se encontram em condição de
saúde agravada, seja por enfermidades, alguns casos de pós-operatórios ou pelos
vários tipos de trauma, a UTI representa um espaço de cuidado em saúde
destinado a atender um número restrito de pessoas doentes. Ela concentra
equipamentos de alta densidade e profissionais especializados (BRASIL, 1998b).
Assim, a Unidade de Terapia Intensiva do estudo possui 2 (dois)
visitadores médicos, 1 (um) médico Responsável Técnico, 2 (dois) fisioterapeutas
111
durante o período diurno, 1 (uma) enfermeira Responsável Técnica. Os plantões
apresentam a seguinte distribuição: 1 (uma) enfermeira plantonista, 8 (oito)
auxiliares e técnicos de enfermagem, 1 (um) médico plantonista, 1 (uma) auxiliar de
farmácia e 1 (uma) auxiliar de serviços gerais responsável pela higienização da
Unidade (não exclusiva). Essa equipe de profissionais lotados na UTI é destinada a
garantir os cuidados intensivos a 10 pessoas em estado grave que ocupam seus
leitos.
Podemos observar que, entre os vários profissionais que
compartilham as atividades da UTI, existem relações que permeiam não só o
cotidiano da assistência às pessoas internadas como também o cotidiano de
trabalho dos profissionais dessa unidade.
Tais relações podem ser visualizadas nos diferentes
comportamentos dos profissionais quando estes se relacionam entre profissionais
de categorias diferentes, como o médico, o fisioterapeuta, o enfermeiro, os técnicos
e auxiliares de enfermagem; entre profissionais da mesma categoria, como no caso
da equipe de enfermagem; e entre os profissionais e pessoas doentes/familiares.
Na remoção de um paciente que se encontrava em ventilação mecânica para exame no setor de tomografia computadorizada, a fisioterapeuta realizou toda a assistência ventilatória necessária. No retorno desse paciente ao leito, como havia outro paciente a ser removido para exame fora da UTI, a profissional entregou o material utilizado para a enfermeira e pediu para que ela lavasse e desinfetasse com álcool 70%. Esta ficou no posto de enfermagem, aguardando que a enfermeira procedesse aos cuidados com o material (Diário de Campo de 07/03/07).
Na UTI, onde se realiza assistência em saúde as pessoas que
estão em constante risco de morte, se estabelecem relações entre os diferentes
atores, que, como no relato acima, são permeadas de relações de poder.
No cotidiano de trabalho, esses conflitos geram situações de sofrimento nas (os) trabalhadoras (es) de enfermagem que, muitas vezes, frente a uma situação de risco de vida iminente ou de outros aspectos de degradação da vida se vêem na impossibilidade do exercício de uma assistência de qualidade (COSTA, 2005, p. 101).
Nas situações de poderes e de subordinação, Costa (2005, p.
111) nos enfatiza que na perspectiva do trabalho em saúde
112
[…] há necessidade de resistir ao poder, mas também de enfrentar resistência. A adoção de outros modos de enfrentamento ao instituído e ao organizado implica nossa capacitação como sujeitos políticos. Então, estaremos em condições de adotar uma postura ativa, pensar nos próximos passos traçando estratégias e táticas e participar dos jogos de poderes de nosso contexto de trabalho.
O trabalho em saúde, embora seja realizado por uma equipe
multiprofissional, é centrado e dependente da figura do médico, embora os demais
profissionais de saúde os executem com certa autonomia, fragmentando-o, pois a
pessoa doente é “dividida” em partes, cada qual de responsabilidade de um
determinado profissional, o que dificulta a organização do trabalho em saúde
(GAIVA; SCOCHI, 2005).
O trabalho em saúde é permeado por “relações de poder,
interesses pessoais e domínio técnico” (SOUZA et. al., 2002, p. 24) e tem uma
constituição histórica. O saber clínico, nos últimos anos do Séc. XVIII (FOUCAULT,
1994), fixa o nascimento e a hegemonia da medicina moderna. Em conseqüência a
esse processo, as relações tendem a privilegiar ou mostrar domínio de algumas
categorias profissionais.
Em um diálogo entre a enfermeira responsável pelo plantão e a médica plantonista, esta, sem que estivesse com qualquer atividade para ser realizada naquele momento, solicitou que a enfermeira ligasse para um outro profissional médico para que esta (a médica plantonista) pudesse discutir com ele sobre determinado paciente internado na UTI (Diário de Campo de 12/02/07).
As relações de poder permeiam os processos que ocorrem no
espaço da UTI, mesmo quando nos parecem imperceptíveis.
[…] a mecânica do poder que se expande por toda a sociedade, assumindo as formas mais regionais e concretas, investindo em instituições, tomando corpo em técnicas de dominação. Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder (MACHADO, 1992, p. XII).
113
No espaço hospitalar, as relações existentes entre os
profissionais repercutem em todas as suas atividades, inclusive nas práticas de
controle das infecções hospitalares, uma vez que as assimetrias causadas pelas
relações desiguais podem interferir no desenvolvimento dessas práticas, cuja
responsabilidade deve ser assumida por todo o conjunto dos profissionais.
No cotidiano do trabalho na UTI, a hegemonia do saber clínico e
de alguns profissionais permite que determinadas práticas comuns - como a prática
da troca de curativo ou uma cateterização - possam ser realizadas de maneira
distinta a praticada por outros profissionais.
As infecções hospitalares representam um dos maiores desafios
das CCIHs, uma vez que essas ações demandam envolvimento de todos os
profissionais, independente de sua categoria profissional. As relações assimétricas
constituem obstáculos para o cuidado ético, que deve incorporar nas atitudes
profissionais a conscientização, a adesão e o comprometimento para com o serviço
e pessoas doentes (SOUZA et. al., 2002). Assim, as práticas dos profissionais no
controle de IH necessitam incorporar atitudes como: compromisso ético, co-
responsabilização e educação permanente. A infecção hospitalar é considerada um problema de saúde
pública. Para minimizar os danos à população ocasionada por ela, o Estado passou
a regular a sua ocorrência, instituindo políticas para seu controle e delegando à
Vigilância Sanitária a responsabilidade pelas ações de fiscalização dos serviços
assistenciais de saúde.
Entretanto, isto não tem sido suficiente. Talvez haja necessidade
de mudanças mais amplas e profundas que envolvam investimentos em recursos
humanos, com sugestão da inserção da disciplina infecção hospitalar nos cursos de
formação em saúde (ANDRADE, ANGERAMI, 1999) e principalmente
conscientização ética para as mudanças de atitudes e de comportamentos que
possam contribuir para o fazer e ser dos profissionais de saúde.
Achamos de fundamental importância a reorganização das
práticas de atenção e das relações entre os profissionais, com o intuito de
minimizar as assimetrias nas relações, co-reponsabilizando a todos e
compartilhando o sentimento de implicar-se com e no cuidado do outro.
Implicar-se com outrem significa ter cuidado com aquele que está
recebendo sua assistência ou seus cuidados, prática que na enfermagem tem
raízes históricas.
114
Quando nos referimos ao termo “cuidado”, nos referimos ao
cuidado no sentido da dimensão humana. Na antiguidade, a figura feminina sempre
demonstrou mais habilidade do que o homem no ato de cuidar (WALDOW, 1999).
Pelas características da mulher, como interesse e afeto, os cuidados a pessoas
doentes também eram desenvolvidos por elas, no próprio domicílio, uma vez que,
pela aproximação que elas tinham com a agricultura, o desenvolvimento de
conhecimentos quanto às propriedades das plantas e de seus chás no tratamento
dos males e das enfermidades era possibilitado (MELO, 1986; WALDOW, 1999).
Esse trabalho, predominantemente feminino e pouco valorizado socialmente, que
atendia aos pobres e desassistidos, possivelmente originou o trabalho da
enfermagem.
Diferente do que ocorreu com a enfermagem, a profissão médica,
mesmo antes da estruturação dos hospitais, detinha as atividades de tratamento e
cura das pessoas das classes mais abastadas da sociedade. O médico era
[…] qualificado como tal ao término de uma iniciação assegurada pela própria corporação dos médicos que compreendia conhecimento de textos e transmissão de receitas mais ou menos secretas ou públicas (FOUCAULT, 1992b).
Desde então, os médicos começam a delinear certa definição
quanto à sua profissão, marcada por uma aura de importância e mistérios
(LUNARDI FILHO, 2004). Apesar de uma dicotomia existente entre a medicina e a
enfermagem, não havia se estabelecido ainda uma relação de subordinação da
enfermagem, configurando-a como uma profissão subalterna (LUNARDI FILHO,
2004).
A partir do Séc. XIII começa a se consolidar a construção e o
nascimento de novos saberes em saúde, inspirados na teologia, amparados e
controlados pela Igreja. Começa a emergir a medicina como profissão, a partir da
apropriação dos saberes constituídos pelas mulheres, embora se evidenciasse uma
tendência a relegar esses saberes. Ao mesmo tempo, a Igreja interfere, proibindo-
as da prática de dispensar tais cuidados por não possuírem estudos médicos
(LUNARDI FILHO, 2004).
Nesta perspectiva, a profissão médica vai se constituindo, se
estabelecendo e se afirmando no espaço das ciências em saúde, preponderando-
115
se em relação às demais profissões relacionadas à saúde, devido à hierarquização
do saber clínico.
As relações de poder se destacam entre os profissionais no
espaço hospitalar e conseqüentemente na UTI, a partir dessa hegemonia
historicamente constituída, fundamentada no saber clínico e observada ainda hoje
como segue.
Aguardava-se a liberação para a entrada das visitas dos pacientes, pois a médica plantonista Leila havia pedido que não liberasse até que ela terminasse a evolução de um paciente. O tempo ia passando. A enfermagem questionava entre si, pois vários cuidados ficaram para após este horário. A fisioterapeuta Olga que se encontrava sentada numa poltrona ao lado do balcão de prescrição falou: - Vamos liberar, Leila? A médica plantonista Leila então falou em tom de voz mais baixo: -Vamos. A fisioterapeuta Olga então falou para a técnica de enfermagem Silvia que estava ao lado do balcão, sentada: - Pode liberar, Silvia. Mesmo tendo ouvido muito baixo a resposta da médica plantonista, retrucou que queria ouvir dela, pois se liberasse sem a autorização dela teria que responder depois por ter liberado sem autorização médica. Perguntou então a ela para confirmar: - Pode doutora? A médica disse: - Pode. Só então, Silvia ligou na portaria do hospital e avisou que as visitas da unidade poderiam subir (Registro de Observação de 02/04/07).
Na assistência à saúde, o profissional médico centraliza e
direciona as práticas, caracterizando esse processo hegemônico. O profissional
médico é concebido “[…] como o grande detentor do conteúdo profissional, não só
da prática médica como, também, da prática de cuidados: quem tudo sabe, quem
tudo pode, quem tudo decide” (LUNARDI FILHO, 2004, p. 31). Os demais
profissionais de saúde realizam seu trabalho a partir do trabalho médico,
evidenciando uma determinada dependência subsidiária ao ato médico.
Em outra situação ocorrida na UTI, visualizamos na prática
médica, comportamentos decisórios e importantes na dinâmica do serviço.
Naquele dia, a enfermeira Júlia estava de folga. Não haveria naquele plantão um enfermeiro substituto para assumir a UTI. Havia na unidade, dois pacientes de alta, Luan e Leonel. Todos os leitos da UTI estavam ocupados. Um enfermeiro de outra unidade do hospital ligou na UTI e foi atendido pela técnica de enfermagem Leonora, que se encontrava sentada numa cadeira do posto de enfermagem. Leonora, após atender ao telefone, disse à médica plantonista Leila que estavam avisando que tinha vaga na clínica médica, para transferirem os pacientes que estavam de alta da UTI. Leonora pressupôs à médica plantonista que isso seria para vagar leito para novas internações na UTI. A médica plantonista Leila disse que não internaria nenhum paciente
116
na UTI sem que tivesse um profissional enfermeiro assumindo o plantão na UTI (Registro de Observação de 02/04/07).
O comportamento do profissional médico, muitas vezes, determina
decisões que nem sempre beneficiam os usuários dos serviços, por exemplo,
bloqueando vagas para a internação na unidade. A “voz” do médico é, portanto,
ainda determinante na organização das práticas, em especial, na UTI.
Desta forma, evidencia-se que o espaço do hospital se constitui
em um espaço onde as relações entre os profissionais de saúde e pessoas doentes
são permeadas por relações de poder. Azevedo (2005a, p. 86) denomina “[…]
apropriação simbólica dos espaços do hospital pelos profissionais da saúde,
principalmente os da área médica”, onde o profissional revela o seu domínio frente
à dinâmica do hospital, constituindo-o num espaço delimitado e hegemônico com
base no saber clínico.
Além de visualizarmos as relações de poder, verificamos que a
falta do profissional enfermeiro, além de comprometer a qualificação da assistência
de enfermagem, acarretou também problemas de ordem operacional no serviço.
A ausência do profissional enfermeiro acarretou, naquele dia, a
indisponibilidade de acesso das pessoas que aguardavam vaga de leitos na UTI.
Questões administrativas ou operacionais dos serviços de saúde podem contribuir
para que ocorram situações como a citada acima, onde a indisponibilidade de leitos
não está ligada somente ao número de leitos para atendimento à demanda.
Evidenciamos que, mesmo em situações que afastam o
enfermeiro da assistência direta, ele tem um papel relevante na equipe da UTI.
A atuação dos profissionais de saúde em UTI, além de
conhecimento técnico-científico, exige compromisso, compreensão e sensibilidade
para com essas pessoas em estado crítico que necessitam de sua assistência.
Nesse sentido, é preciso que os profissionais procurem apreender todas as
necessidades de uma pessoa no período crítico da vida, garantindo qualidade,
minimização dos riscos a que estão expostos e apoio psico-social.
Uma das funções peculiares a todo pessoal de saúde em uma Terapia Intensiva, e também em um hospital, é a de proteger o doente hospitalizado de tudo o que possa constituir perigo para a manutenção de um ambiente que lhes ofereça segurança (MENDONÇA et. al, 2003, p. 148).
117
No processo de credenciamento de serviços de terapia intensiva
junto ao Sistema Único de Saúde, a legislação estabelece a necessidade de “[…]
um enfermeiro, exclusivo da unidade, para cada dez leitos ou fração, por turno de
trabalho” (BRASIL, 1998b). No entanto, muitas vezes estes serviços não atendem
às legislações quando se trata da ausência do profissional por motivos como folgas,
faltas ou férias.
A falta do profissional enfermeiro acarretou naquele dia a não disponibilização de leitos para internação da UTI, comprometendo o atendimento de usuários que estavam aguardando vagas nessa Unidade. Esse acontecimento nos trouxe alguns questionamentos. Se o profissional enfermeiro de uma UTI se encontra de folga como fica a assistência de enfermagem? Por que não há provimento desse profissional neste setor? Se em outros setores do hospital há profissionais enfermeiros, no caso de falta não justificaria remanejar outro profissional de um setor de menor risco, pelo menos para assistir a equipe de enfermagem, bem como se responsabilizar pelo setor e dar os encaminhamentos necessários ao seu funcionamento? Qual seria o comprometimento da gestão do hospital neste caso? (Diário de Campo de 02/04/2007).
Na gestão do serviço, Martins e Nascimento (2005) ressaltam a
importância de possibilitar a participação dos profissionais em programas de
educação permanente, seja de atualização ou de capacitação, para que eles se
tornem mais participativos e ampliem sua capacidade e competência técnico-
científica.
Além de possibilitar educação permanente, os autores afirmam
que os gestores têm a responsabilidade de melhorar as condições de trabalho dos
profissionais, para que estes possam prestar um cuidado com maior segurança às
pessoas doentes (MARTINS; NASCIMENTO, 2005).
No que concerne aos aspectos referentes à subjetividade dos
profissionais, Mandú (2004, p. 674) explica que
Trabalhar amplamente com a intersubjetividade é resgatar a consideração a dimensões do ser humano concreto: sua racionalidade (filtro crítico), seu potencial de autonomia (capacidade de pensar e agir por si), sua eticidade (acúmulo de valores), sua cultura (própria), sua estética (gosto, criatividade), sua afetividade (sensibilidade, sentimentos), sua corporalidade (lugar em que se entrelaçam o social, o cultural e o biológico).
118
Ainda no que se refere às relações entre os profissionais de
saúde, foi possível observar os diferentes comportamentos que permeiam a UTI,
sendo notória na categoria da enfermagem ainda a relação de subordinação.
Durante o horário de visitas, é comum apenas o médico plantonista disponibilizar informações dos pacientes aos visitantes/familiares. Ele se desloca de leito em leito, informando o estado geral de cada paciente, esclarecendo dúvidas ou curiosidades que estes porventura tenham. A enfermagem permanece no posto de enfermagem, limitando-se a ir a um leito ou outro só quando necessário, para realizar algum procedimento. Não tem o hábito de participar do processo de visita e limita-se nas informações, deixando as informações a cargo do médico plantonista (Diário de Campo de 11/04/07).
A postura obediente e passiva da enfermagem, para Lunardi Filho
(2004, p. 32), caracteriza-a como uma profissão que se consolida como “[...] uma
prática desqualificada e subalterna”.
Levando-se em conta que houve uma solicitação da médica plantonista em retardar a entrada das visitas em função da necessidade desta terminar as anotações de uma evolução de paciente, isso se aplicaria para os outros profissionais, como a enfermagem, por exemplo, no caso de suas anotações? (Diário de Campo de 02/04/07).
Na UTI, é comum, devido à demanda do serviço, a enfermagem
retardar o horário de visitas em função de procedimentos que envolvem a
exposição do corpo das pessoas internadas, impedindo a entrada das mesmas até
que os concluam. Mas quando se trata de outras atividades, como anotações de
enfermagem, por exemplo, isso não é comum, o que evidencia as assimetrias
existentes nas atividades desses profissionais em relação aos demais.
Para Lunardi Filho (2004, p. 41), essa subalternalidade dos
profissionais de enfermagem está relacionada com o nascimento da profissão e foi
[…] reforçada no nascimento da enfermagem como profissão, nos primórdios do desenvolvimento da sociedade capitalista, no início da organização dos hospitais como instituições custodiais (e não mais exclusionais), ao objetivar-se a necessidade de formação de mão de obra auxiliar e subalterna para cumprir, dentre outras, obrigações de assistência ininterrupta, durante as vinte e quatro horas do dia e a integralidade das determinações e prescrições médicas.
119
A subalternalidade da enfermagem é um processo historicamente
constituído, calcado basicamente pelo caráter social de suas ações e pela condição
do gênero, pois é formada em sua maioria por mulheres. A mão-de-obra da
enfermagem, geralmente barata e prestativa, é também “[…] uma mão-de-obra
obediente, confiável e submissa, que não se constitui uma ameaça […]” (LUNARDI
FILHO, 2004, p. 32), o que a torna interessante não só para a administração, como
também para a categoria médica.
Nessa ótica, Lunardi Filho (2004, p. 31) relata que os profissionais
de enfermagem
[…] em questões relativas aos cuidados de tratamento e cura, neste modelo bio-médico, quase nada sabem, podem muito pouco e, geralmente, nunca decidem, apesar de serem levados a perceberem-se e de serem exigidos como se fossem responsáveis por tudo (grifo nosso).
No entanto, no final do Século XIX e início do século XX que a
enfermagem começa a vislumbrar novas perspectivas como profissão. Surgem as
primeiras escolas de enfermagem e alguns dos conhecimentos ditos científicos,
antes de domínio médico, passam a ser socializados à enfermagem, sendo
implementados às práticas dos enfermeiros (LUNARDI FILHO, 2004).
Por sua vez, ao executar, cada vez mais, as tarefas que eram, costumeiramente, praticadas pelo próprio médico, pouco a pouco, a enfermagem acedeu aos conhecimentos de cuidados de tratamento e cura que este detinha e foi compartilhando para que pudessem ser efetivadas as tarefas por ele delegadas. As tarefas técnicas médicas delegadas à enfermagem (...) somente o foram, na medida em que estas tornaram-se secundárias ao interesse médico, provavelmente, em decorrência de demandarem maior tempo, disponibilidade e presença constante, tornando-se monótonas e banais (...), configurando-se assim, como muito mais fáceis e de menor prestígio, em relação ao surgimento de técnicas, cada vez mais e melhor elaboradas com o contínuo e, cada vez mais, acelerado avanço do conhecimento (LUNARDI FILHO, 2004, p. 38).
A enfermagem é uma profissão antiga, com abordagens sócio-
históricas específicas, porém, luta pela busca do seu espaço como uma profissão e
pelo reconhecimento da sociedade.
120
Cabe ressaltar que, no contexto atual da enfermagem, ela vem
deixando de lado a essência da sua profissão – o cuidado, para se ocupar com
tarefas “administrativas”, possibilitando dessa maneira que outras profissões
ocupem parte das ações antes destinadas unicamente para a enfermagem. Lunardi
Filho (2004, p. 44) refere que vem ocorrendo nessas últimas décadas
[…] um rápido e volumoso desenvolvimento das técnicas terapêuticas e o surgimento de novas categorias profissionais que, cada vez mais, assumem tarefas antes do domínio da medicina e da enfermagem. […] a enfermagem, ao adotar uma postura submissa à ideologia do servir, da doação, da abnegação e da obediência, responsabilizando-se, idealmente, por “tudo”, gasta muito mais do seu tempo a administrar as carências e as impossibilidades para a realização do seu trabalho; vem, aos poucos, perdendo partes do seu fazer que, ao invés de tornarem-se suas especialidades, têm sido apropriadas por outros profissionais ou, até mesmo, dado origem a novas profissões, tais como a nutrição e fisioterapia […].
A enfermagem, ainda assim, se esforça com o intento de valorizar
suas práticas e tornar seu trabalho independente.
A enfermagem segue motivada a buscar novos métodos de organização do seu trabalho a fim de construir uma prática independente e comprometida com a qualidade da assistência prestada aos seus clientes. […] vive um momento em que enfrenta um conflito de base ao tentar desenvolver práticas diferenciadas, construir novas teorias sobre o corpo e maneiras de cuidar. No entanto, permanece mergulhada no “corpo do hospital”, com quase nenhuma flexibilidade na forma de pensar e agir. (AZEVEDO , 2005a, p. 110-111).
Ainda hoje, a enfermagem tem toda uma conformação histórica de
ser uma profissão complementar e sem autonomia para a execução de suas
atividades (SILVA; RAMOS, 2004).
O estudo de Bellato e Pereira (2006, p. 25) refere que a
enfermagem vem, aos poucos,
[…] construindo uma nova cultura profissional, apoiada sobre bases mais solidárias, que possibilitam a emergência de outros valores, novas maneiras de pensar e agir em saúde, muito mais propícios à construção da cidadania.
121
No desenvolvimento da enfermagem como profissão, vimos que
ainda são fortes as marcas históricas de dependência e subalternidade dessa
categoria profissional. Entretanto com o desenvolvimento da enfermagem como
ciência, vimos que ela vem buscando mudar essa concepção, delineando um novo
modo de agir em enfermagem, deixando de ser agente passivo e subalterno para
ser agente de questionamentos e de transformação do cuidado em saúde, em prol
da ética da vida humana.
Pautada na sua história, a enfermagem se constituiu em uma
profissão que nasceu voltada para atender à integralidade, cujo sentido não foi
sedimentado ao longo de sua história. Porém, vislumbra-se para o futuro da
enfermagem o resgate do verdadeiro sentido do cuidado – cuidar da pessoa em
seu processo saúde-doença valorizando todas as suas dimensões. Essa
perspectiva poderá ajudar a reconstruir o cuidado, com base na ética, contrapor a
fragmentação do corpo doente, influenciado pelo domínio do saber clínico e,
portanto, contribuir para que a organização das práticas de atenção, em especial as
de controle de infecção hospitalar, também seja contemplada no alcance da
integralidade, diretriz do cuidado.
A fisioterapia é uma profissão mais recente e tem uma
constituição histórica diferente. Essa profissão da saúde, assim como algumas
outras também recentes, tem sua criação relacionada à necessidade de mão-de-
obra especializada e embasada em fundamentos científicos, ao contrário da
enfermagem que teve toda uma evolução histórica ligada à mão-de-obra feminina,
pouco valorizada, subserviente e caritativa (MELO, 1986).
Na observação, não evidenciamos na fisioterapia traços da
subalternalidade como acontece com a enfermagem. A profissional se dirigiu à
médica plantonista numa relação de simetria, ou seja, de igualdade, diferente do
que ocorreu com a técnica de enfermagem que se dirigiu ao profissional médico
para confirmar a liberação da entrada das visitas, temendo tomar uma atitude sem
o aval médico.
Diante das diferenças existentes nas práticas profissionais que
são, muitas vezes, dependentes e subordinadas, podemos inferir que, no contexto
do estudo, para que o atendimento alcance a integralidades, há a necessidade de
reduzir as assimetrias existentes nas relações profissionais, constituídas sócio-
historicamente em decorrência do saber clínico.
122
Nos cuidados hospitalares, a enfermagem é a categoria
profissional que tem maior tempo de contato com as pessoas doentes. Porém, não
podemos atribuir somente a ela a responsabilidade pela ocorrência das infecções
hospitalares. Não cabe só à enfermagem a realização de práticas de controle de IH,
como: o uso de luvas, a execução de curativos com técnica asséptica e outros
procedimentos relacionados aos princípios de controle de IH. Os demais
profissionais também têm a sua responsabilidade no processo assistencial, uma
vez que as práticas de controle de IH devem ser compartilhadas e co-
responsabilizadas entre todos os profissionais que atuam na assistência em saúde.
A prática de controle de IH é uma responsabilidade ética, técnica
e social de todos os profissionais envolvidos na assistência em saúde, ou seja, é
um compromisso ao mesmo tempo individual e coletivo (PEREIRA et al, 2005).
Convém lembrar que prevenção, promoção ou recuperação à
saúde representam ações em saúde, garantidas pela Constituição Federal. As
pessoas que recebem assistência em saúde têm o seu direito resguardado em
legislações e cabe aos profissionais de saúde a sua responsabilização ética, civil e
criminal pela inobservância dos preceitos básicos para atuação em saúde.
5.2.2. A enfermagem nas práticas de Controle de Infecção Hospitalar
Para garantir que as ações ou atividades desenvolvidas pelos
profissionais ocorram com certa linearidade, em especial quando nos referimos à
assistência de enfermagem, as instituições estabelecem políticas internas,
normalizações, educação continuada e outros, com o objetivo de uniformizar as
práticas e as ações, além de estabelecer competências (SOUZA et. al., 2002;
CUCOLO; FARIA; CESARINO, 2007).
Entretanto, embora haja tal regulamentação, os profissionais
imprimem sua dimensão pessoal nas suas práticas. Um mesmo procedimento -
exame de glicemia capilar - foi observado num mesmo dia, coincidentemente,
realizado por profissionais distintos.
A funcionária da enfermagem Leonora levou até o leito do paciente, nas mãos, uma agulha e um glicosímetro. Leonora pegou a mão do paciente Ivo para analisar a polpa dos dedos, possíveis locais de punção. Em seguida, com as mãos
123
desenluvadas, realizou várias punções, pois o sangue estava escasso. Terminada a coleta de material, Leonora deixou o local exposto, sem fazer outro procedimento após a punção e coleta do sangue (Registro de Observação de 02/04/07).
A funcionária da enfermagem Rosa pegou o glicosímetro e uma agulha e levou-os nas mãos, até o leito do paciente Lucas para proceder ao exame. Ao lado do leito, calçou uma luva de procedimento e realizou a punção de um dedo da mão de Lucas , coletando o sangue. Em seguida, colocou a fita no glicosímetro e concluiu a leitura da glicemia. Após o exame, colocou um pedaço de algodão no dedo do paciente e deslocou-se ao posto de enfermagem com todos os materiais nas mãos que se encontravam enluvadas (Registro de Observação de 02/04/07).
O processo do cuidar pode ser pensado como o “[...]
desenvolvimento de ações, atitudes e comportamentos com base no conhecimento
científico, experiência, intuição e pensamento crítico (...)” (WALDOW, 1999, p. 149).
No processo de cuidar, podemos observar que ele pode ser
permeado pela subjetivação daquele que presta o cuidado, tornando o produto do
trabalho diferente, de acordo com as percepções de cada profissional.
A subjetividade marca a individualidade de cada profissional. Para
Costa e Ramos (2005, p. 12) “A subjetividade aflora no modo de ser de cada
pessoa, que, embora recebendo influências de instâncias coletivas e institucionais,
apresenta um comportamento singular”.
Isso explica como duas técnicas iguais podem ser desenvolvidas
de forma diferente, determinando as particularidades de cada profissional.
Na primeira situação, observamos que a funcionária da enfermagem não utilizou nem antes e nem após o procedimento, gaze ou algodão para antissepsia. Também não utilizou luvas para realizar o procedimento. A falta de conscientização em relação às normas de biossegurança é ainda muito comum entre os profissionais de saúde. Isso envolve a questão da saúde do trabalhador. E se o trabalhador não tem “saúde”, como poderá prestar cuidados seguros e com qualidade? Por que uma delas utilizou luvas e a outra não o fez? Seria conscientização para atendimento das boas práticas de saúde e biossegurança? Naquele dia não observamos nem a falta de materiais (luvas) e nem a existência de intercorrências naquele horário que justificasse o ato, não justificável nem mesmo nesses casos (Diário de Campo de 02/04/07).
Apesar dos cuidados ou procedimentos serem normalizados num
determinado serviço, sua confecção pode ser realizada autonomamente. O ser
124
autônomo é explicado por Lunardi Filho (2004, p. 76) como “[…] aquele que se
mostra sujeito de suas ações, apresentando comportamentos compatíveis com o
exercício de sua autonomia e a capacidade de manifestar seus desejos e realizar
sua vontade”.
É nessa perspectiva que a problemática da assistência em saúde
reside, mais precisamente no controle das IHs, ou seja, como as atividades estão
sendo realizadas, se respeitam as normalizações instituídas para sua execução,
como nesse caso específico, regras de assepsia para evitar contaminações e
cuidados de biossegurança que caracterizam a saúde e segurança do trabalhador.
Dentre os cuidados mais técnicos relativos às pessoas internadas
na UTI, descrevemos notas de campo que ilustram as práticas de controle de
infecção hospitalar.
Durante o período de coleta de dados na unidade, temos observado que alguns procedimentos não fazem parte do cotidiano das práticas profissionais, como a desinfecção concorrente da unidade do paciente, o esvaziamento freqüente das bolsas de diurese, a identificação da data de colocação/troca de sondas, cateteres, curativos, circuitos dos respiradores e outros (Diário de Campo de 02/04/07).
Estar internado num hospital implica em estar exposto a riscos de
adquirir uma infecção hospitalar. Erdmann e Lentz (2004, p. 35) explicam que “Os
riscos de IH estão presentes no ambiente hospitalar, o que nos adverte da
necessidade de administrá-los da melhor forma possível, já que não podem ser
totalmente eliminados”.
Andrade, Angerami e Padovani (2000, p. 164) reconhecem a
limpeza da unidade do paciente como “[…] uma das formas de manter o ambiente
hospitalar biologicamente seguro”. Essa limpeza, na enfermagem, classifica-se de
duas formas, ou seja, a concorrente e a terminal.
A concorrente é aquela realizada diariamente em algumas partes da unidade e em objetos pessoais após o seu uso. A limpeza terminal é feita em todos os componentes da unidade e tem sido indicada quando o paciente desocupa o leito por motivo de alta, óbito, transferência, período de hospitalização prolongada e nos casos de término de isolamento (ANDRADE; ANGERAMI; PADOVANI, 2000, p. 164).
125
Portanto, sua importância reside no fato de remover sujidade,
impedindo a disseminação dos microorganismos responsáveis por colonizar as
superfícies dos mobiliários, como Staphylococus aureus, Clostridium difficile,
Candida sp, Proteus sp e Serratia marcescens (ANDRADE; ANGERAMI;
PADOVANI, 2000).
Embora seja uma prática necessária, convivemos numa realidade
onde nem sempre é possível realizá-la adequadamente, dada a carência de leitos
hospitalares, em especial de natureza pública, aliada ao déficit de mão-de-obra
para sua realização.
Quanto aos cuidados com a diurese e as sondas vesicais, vale
lembrarmos que no espaço hospitalar, as infecções do trato urinário representam,
entre as infecções hospitalares, a causa mais comum. Geralmente, estão
relacionadas ao uso de cateteres ou sondas vesicais ou à realização de
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos relacionados ao aparelho urinário
(APECIH, 2000).
Nos cuidados relacionados à utilização de cateteres vesicais,
citamos a higiene das mãos; o rigor asséptico na introdução e manutenção com uso
de luvas estéreis; a higiene perineal diária minimamente uma vez ao dia, inclusive
da junção cateter-meato uretral; o monitoramento do tempo de utilização do cateter
e troca em algumas situações e cuidados com as bolsas coletoras (APECIH, 2000).
Quando nos referimos aos cuidados com as bolsas coletoras de
diurese, a APECIH (2000, p. 13) esclarece que “A bolsa coletora deve ser
esvaziada regularmente para que o fluxo se mantenha contínuo e não haja perigo
de refluxo, sempre utilizando recipiente de coleta individualizado”.
Relativo à identificação da data de colocação/troca de sondas,
cateteres, curativos e circuitos dos respiradores, é importante que haja um controle
do tempo de permanência desses dispositivos invasivos e realização dos curativos
sempre que úmidos, sujos ou soltos (MESIANO; MERCHÁN-HAMANN, 2007) para
que seja possível controlar ou monitorar não somente o local, como também o
tempo de permanência do dispositivo, a fim de manter a vigilância de IH e monitorar
a sua troca ou substituição.
Em atendimento às normas de biossegurança, a instituição de
saúde deve não só disponibilizar equipamentos de proteção individual aos
trabalhadores, como também mantê-los conscientes e sob supervisão constante
para a sua utilização.
126
A real adoção das medidas de Biossegurança assume uma importância vital na melhoria da qualidade da assistência à saúde, criando um ambiente seguro, tanto para o profissional, quanto para o usuário dos serviços de saúde (BRANDÃO JUNIOR, 2001, p. 60).
Outro aspecto que influencia consideravelmente na assistência
são as ausências dos profissionais. Férias, faltas e folgas desfalcam qualquer
serviço e constituem um sério problema nos serviços hospitalares. A limitação de
recursos humanos está relacionada com a expressão da subjetividade e do
comportamento dos profissionais de saúde, uma vez que, com a ausência de
profissionais na equipe, o trabalho necessita ser redistribuído, o que influencia na
qualidade do processo assistencial em saúde, especialmente quando nos referimos
à enfermagem.
No relato que segue, descrevemos uma situação ocorrida na UTI,
pela falta do profissional enfermeiro.
A Enfermeira Júlia se encontrava de folga e não haveria um profissional para substituí-la no plantão. Oferecemos-nos para acompanhar as técnicas de enfermagem Leonora e Luísa na realização de um banho e curativo de queimado, auxiliando-as, não só pela falta do profissional enfermeiro, como também pelas faltas que ocorreram neste dia, com relação à equipe de enfermagem. Calçamos uma luva estéril e nos colocamos frente ao paciente, junto às técnicas de enfermagem. Elas iniciam o procedimento, uma irrigando as áreas queimadas do tórax do paciente com soro fisiológico e outra com uma gaze almofadada, vinha passando em áreas queimadas e recém-enxertadas e em áreas não queimadas ao mesmo tempo, com movimentos de esfregação, onde o paciente demonstrava expressão de dor e sofrimento (Registro de Observação de 13/03/07).
A observação ilustra como as ausências, em especial dos
profissionais de enfermagem, que se constituem na principal força de trabalho
hospitalar, interferem nos processos de cuidar no hospital. Afetam não só o
funcionamento dos serviços, como também os comportamentos dos profissionais
nos cuidados e, conseqüentemente, nas práticas de controle de infecção hospitalar.
Conforme determina a legislação que regulamenta o exercício da
enfermagem no país (BRASIL, 1986), em seu artigo 11 inciso I letra “L”, cabe ao
enfermeiro a prestação de “cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves
com risco de vida”.
127
Entretanto, na ausência do profissional enfermeiro, estes cuidados
acabam sendo realizados pelos demais membros da equipe de enfermagem, que
atuam, seguindo como norte as normalizações instituídas pelos serviços quando
existem, seus conhecimentos e a sua própria subjetividade.
As ausências dos profissionais da enfermagem geram
conseqüências tanto para a organização do serviço quanto para as pessoas
doentes, seja por férias, folgas ou pelo próprio absenteísmo13.
O absenteísmo na enfermagem é preocupante, pois desorganiza o serviço, gera insatisfação e sobrecarga entre os trabalhadores presentes e conseqüentemente diminui a qualidade da assistência prestada ao paciente (SILVA; MARZIALE, 2000, p. 45).
A equipe de enfermagem geralmente vê o enfermeiro como chefe,
aquele que monitora e controla as atividades dos demais integrantes da equipe.
Assim, muitos profissionais se sentem pressionados e tensionados pelas suas
chefias na realização de suas atividades. Entretanto, a ausência de pressões e
tensionamentos podem causar prejuízos aos processos assistenciais pela limitação
de suporte técnico-administrativo dispensado pelas chefias.
A presença do chefe pressionando poderá estar significando uma sobrecarga de trabalho, mas a sua ausência poderá estar significando também um abandono das equipes de trabalho à sua própria sorte, ampliando em muito as ansiedades advindas da falta de suporte técnico e administrativo para que esses trabalhadores correspondam às inúmeras demandas dos pacientes e familiares (PITTA, 1999, p. 161).
Em uma UTI, as ausências se tornam um problema sério devido à
gravidade das pessoas internadas e à complexidade dos procedimentos que ali são
realizados. Por concentrarem pessoas gravemente enfermas, que necessitam de
atenção maior, essas unidades requerem profissionais qualificados e habilitados
para atenderem a essa complexidade assistencial. Portanto, torna-se difícil o
processo de remanejamento de funcionários para atuação em terapia intensiva, um
setor onde qualificação e perfil são atributos indispensáveis para atuação nesse
ambiente tenso, estressante e desgastante.
13
Absenteísmo é descrito, entre outros significados, como “falta de assiduidade, sobretudo no trabalho” (FERREIRA, 2005).
128
A qualificação e perfil são requisitos necessários aos profissionais
de UTI, haja vista a complexidade da clientela que é caracterizada pela gravidade
da doença, imunossupressão, aliados a múltiplas intervenções invasivas
diagnósticas e terapêuticas a que são submetidas, fatores que as tornam mais
predispostas a infecções hospitalares (PEREIRA et. al., 2000; COSTA et.al., 2003).
Fernandes, Ribeiro Filho e Barroso (2000), alertam que as
unidades de terapia intensiva representam um dos setores onde ocorrem os
maiores índices de prevalência desse evento. Torna-se fundamental para as
terapias intensivas a disponibilização de equipes qualificadas técnica e eticamente
para a assistência às pessoas doentes, já fragilizadas pela própria enfermidade.
Portanto, os profissionais que atuam na UTI têm responsabilidade
em garantir que as práticas assistenciais sejam prestadas de maneira segura e
eficaz. Aos gestores, cabe a responsabilidade em investir na valorização desses
profissionais, minimamente garantindo condições adequadas de trabalho,
disponibilizando materiais e equipamentos, educação continuada e salários
condizentes.
Retomando a forma como o procedimento foi realizado, ou seja,
“[…] com uma gaze almofadada, vinha passando em áreas queimadas e recém-
enxertadas e em áreas não queimadas ao mesmo tempo” (Registro de Observação
de 13/03/07), a literatura orienta que, “Enquanto se limpa a ferida, é preciso mover-
se da parte menos contaminada para a mais contaminada” (AZEVEDO, 2005b,
p.51) com o objetivo de evitar a transferência de microorganismos de áreas
consideradas sujas para limpas. Isso é chamado de princípio de assepsia, onde se
busca afastar os germes patogênicos de determinado local ou objeto que não os
contenha. Neste sentido, a capacitação e conscientização contínua orientam a
incorporação de procedimentos corretos para a prestação adequada do cuidado.
Para Pereira et. al. (2000), a profilaxia e o controle de infecção se
faz com a existência de rotinas de prevenção elaboradas com coerência e com
equipes de profissionais em número suficiente, devidamente qualificadas e
preparadas para que sejam efetivamente cumpridas.
Tendo nos inserido no auxílio à equipe de enfermagem na realização do procedimento, notamos que o comportamento das técnicas era de desconfiança e de olhares atentos ao que fazíamos. Esse comportamento nos parecia estranho. Seria insegurança pelo fato de estarem sendo acompanhadas e talvez observadas nas suas práticas? Isso também aconteceria se fosse com o profissional enfermeiro da unidade? A insegurança em relação à nossa presença estaria relacionada com o procedimento
129
em si ou ao fato de estarem sendo observadas? O fato de sermos observadas enquanto realizávamos os procedimentos nos permite refletir sobre alguns questionamentos: elas tentavam avaliar ou comparar os procedimentos? Não estavam habituadas a determinada forma de atuação? Tinham o hábito de desenvolver suas atividades acompanhadas pelo enfermeiro da unidade? (Diário de Campo de 13/03/2007).
A observação de um procedimento ou prática de saúde por um
profissional mais capacitado pode causar aos demais membros da equipe,
comportamentos de insegurança ou sensação de vigilância. A possibilidade de
críticas ao trabalho do profissional pode levar ao medo e a não assumir atitudes e
comportamentos éticos, podendo se constituir em um obstáculo à prática do
controle da infecção hospitalar.
Os princípios de assepsia devem ser assegurados na execução
dos procedimentos e os movimentos realizados devem evitar ao máximo o
sofrimento da pessoa doente e a exposição à dor.
Interferimos, dizendo que daquela forma poderíamos causar mais dor ao João, que mostrava sinais aparentes de sofrimento, como agitação e expressões faciais de dor, embora sob medicação analgésica prévia, pouco sedado e em ventilação mecânica. Alertamos que poderíamos fazer a limpeza através de movimentos tipo “secagem”, pressionando suavemente as áreas (Registro de Observação de 13/03/07).
A presença de um profissional com mais conhecimento técnico-
científico possibilita execução, supervisão e intervenção, quando os procedimentos
são realizados inadequadamente.
É nesta perspectiva que a enfermagem é vislumbrada como a
profissão do cuidar, diferenciando-se das outras profissões da área da saúde pela
valorização à dimensão humana, uma característica que para a enfermagem é
histórica. Sua finalidade maior é o cuidado humano. Ela é “[…] uma profissão que
lida com o ser humano, interage com ele e requer o conhecimento de sua natureza
física, social, psicológica e suas aspirações espirituais” (WALDOW, 1999, p. 62).
Pela especificidade da assistência disponibilizada às pessoas
doentes durante as 24 horas do dia, os profissionais de enfermagem são os que
mais tempo se relacionam com estes no período de internação. Entretanto, no
Brasil, o profissional enfermeiro, devido à sua formação e número reduzido, vem
130
assumindo atividades de organização, planejamento de tarefas e supervisão da
equipe de enfermagem (PITTA, 1999; WALDOW, 1999).
[…] há o predomínio de tarefas de enfermagem advindas da prescrição médica, realizadas, em grande parte, pelo pessoal auxiliar e as atividades gerenciais, progressivamente e cada vez mais, realizadas pelo enfermeiro, para possibilitar, dentre outros, o atendimento médico especializado, em detrimento das funções essenciais da administração da assistência, com vistas à qualidade dos cuidados prestados (LUNARDI FILHO, 2004, p. 39).
Assim, suas atividades têm sido focalizadas em atividades
gerenciais, afastando-o do cuidar ou assistir às pessoas doentes, apesar disso
constituir a essência do seu trabalho (LUNARDI FILHO, 2004).
Com isso, o profissional enfermeiro experimenta um
distanciamento das pessoas internadas, deixando lacunas no assistir, que tem sido
preenchidas por outros profissionais: de nível técnico de enfermagem,
fisioterapeutas e outros.
Essa postura do profissional enfermeiro é pautada no modelo
capitalista, e acarreta cada vez mais o seu distanciamento da assistência direta à
saúde, caracterizada pela sua valorizada competência técnica (LUNARDI FILHO,
2004).
Temos observado que, como não existe na UTI um profissional que realize as tarefas administrativas. O enfermeiro acaba por se encarregar e assumir essas funções, deixando muitas vezes de lado suas obrigações profissionais no que diz respeito à assistência mais direta aos pacientes e à equipe de enfermagem, para dedicar seu tempo aos procedimentos administrativos (Diário de Campo de 02/04/07).
O papel do profissional enfermeiro seja na UTI ou em qualquer
setor do hospital, se vê transformado, envolvido pelo processo administrativo e
controlador da instituição. Isso nos mostra a realidade desses profissionais nas
instituições de saúde brasileiras.
Ao desempenhar ações de gerenciamento das determinações, rotinas e normas institucionais, o enfermeiro parece que passa a ser visto como um representante da administração no local onde exerce suas atividades, muitas vezes, podendo ser confundido com ela (LUNARDI FILHO, 2004, p.112).
131
Embora as ações ou técnicas mais complexas sejam realizadas
pelo profissional enfermeiro, na sua ausência, até mesmo para o atendimento a
necessidades de ordem administrativa, tais atividades passam a ser executadas
pelo pessoal auxiliar, o que os aproxima mais das pessoas doentes.
Os atos técnica e socialmente mais qualificados, herdados, por sua vez, dos atos médicos, ficam com a enfermagem de nível superior – os enfermeiros, que chefiam e supervisionam, por sua vez, a enfermagem de nível médio e elementar, auxiliares e atendentes, que executam o trabalho menos qualificado, expondo-se mais tempo aos enfermos (PITTA, 1999, p. 54).
Nesse aspecto, o afastamento do profissional enfermeiro da
assistência desvaloriza o cuidado e compromete a qualidade da assistência de
enfermagem prestada (WALDOW, 1999).
No período da fase de campo, as ausências do profissional enfermeiro não foram cobertas. Neste caso, um enfermeiro de outro setor deveria cobrir a unidade, entretanto, no período referido em que estivemos presentes na UTI, aconteceram raras visitas rápidas desse profissional oriundo de outros setores. Os demais integrantes da equipe de enfermagem acabaram por assumir suas funções autonomamente. Entretanto, algumas ações na unidade não foram realizadas, como transferência de pacientes, internações e alguns procedimentos mais complexos que foram suspensos pelos plantonistas médicos pela ausência do enfermeiro (Diário de Campo de 02/05/2007).
O que se constata quando se trata dessa tendência progressiva
de afastamento do enfermeiro para atender às ações de gerenciamento é que os
demais profissionais valorizam a sua presença nesse ambiente, como um elemento
importante no contexto do trabalho na UTI.
As atividades que constituem o cuidado, apesar de representarem
a essência do seu trabalho, não são valorizadas pela própria enfermagem.
Ao não realizar ou ao delegar essas ações, a cuidadora perde a oportunidade de interagir com o paciente, de conhecê-lo, de avaliar suas condições, de oferecer apoio, segurança, de acalmá-lo, confortá-lo, educá-lo (WALDOW, 1999, p. 66).
132
As ações dos profissionais de enfermagem de nível médio e
elementar, conforme Pitta (1999, p. 54) assinala, são “[…] mais intensas, repetitivas
e social e financeiramente pior valorizadas”. Essa é uma situação comum nos
serviços assistenciais de saúde no Brasil.
Para o atendimento à integralidade, não basta, portanto, ter em
mente recursos humanos qualificados técnica-científicamente e condições de
trabalho adequadas, mas o reconhecimento do trabalhador de saúde para além da
sua força de trabalho. É o seu reconhecimento como pessoa humana, que vivencia
processos intersubjetivos, permeados de sentimentos, ações e reações, donde os
sentimentos fazem parte dos seus modos de expressão. É importante reconstruir a
identidade do trabalhador de saúde para que neste processo, ele possa ser sujeito
ativo, participativo, autônomo e com isso possa desenvolver sua criatividade no
processo de cuidar em saúde. Assim, é importante mudar as relações do trabalho
em saúde, para processos mais democráticos, solidários e emancipatórios nas
práticas em saúde.
No momento em que ações se tornam mais democráticas,
solidárias, emancipatórias e permeiam os processos assistenciais em saúde, o
cuidado dispensado pelos profissionais passa a ser executado ou disponibilizado de
forma mais ética e consciente, vislumbrando, portanto, a integralidade em saúde.
5.2.3. O cuidado de si como trabalhador de saúde
O trabalho na UTI é complexo e desgastante devido à
especificidade da assistência prestada. Essa especificidade requer cada vez mais
profissionais qualificados, conscientes da sua responsabilidade no trabalho em
saúde, seja no cuidado aos outros, como no cuidado de si, “[…] uma ação que o ser
humano aplica a si mesmo” (COSTA; RAMOS, 2005, p.11). A atenção em saúde
expõe os profissionais a riscos, produzindo em sua subjetividade a necessidade e a
importância de cuidar de si para que possam cuidar do outro.
Entretanto, esses profissionais devem trazer consigo a
necessidade e a consciência de cuidar de si para que continuem sua vida,
mantendo o seu posto de trabalho, caracterizado por um mercado cada vez mais
133
exigente (COSTA; RAMOS, 2005). Assim, disponibiliza às pessoas um atendimento
mais seguro, mediado pelas singularidades de cada um no seu cotidiano laboral.
[…] nesse cotidiano que o trabalhador aprende aquilo que lhe agrada e o que desagrada. Se no contexto hospitalar uma atuação eficiente, submissa, dócil e disciplinada, por exemplo, é bem vista pela organização do trabalho, então ele tende a reforçar essa ação como parte do cuidado de si, no caso da precaução de não se expor para não se machucar. […] mesmo que em seu contexto geral a maioria dos trabalhadores de enfermagem adote uma postura dócil, caritativa e obediente às normas, cada qual opta por um modo específico de reagir em uma mesma situação (COSTA; RAMOS, 2005, p. 16).
O cuidado de si, de acordo com Costa e Ramos (2005, p. 16),
parece estar relacionado com o “[…] desejo de uma vida melhor, mais justa e mais
digna”.
O espaço hospitalar é caracterizado pelo envolvimento dos
profissionais a uma diversidade de riscos, em especial aos riscos biológicos, que
requerem destes, a adoção de medidas seguras e adequadas que objetivem a
manutenção da saúde, seja de pessoas doentes, profissionais ou visitantes
(SCHEIDT; ROSA; LIMA, 2006).
Quando nos referimos a normas de biossegurança, muitas vezes
no cotidiano das instituições de saúde, estas são negligenciadas, às vezes,
movidas pela indisponibilidade de materiais.
Com a saída das visitas, pois já passava das 15:45 h, as técnicas de enfermagem iniciaram o procedimento de preparo de medicamentos, juntando os materiais e medicamentos conforme as prescrições de seus pacientes. As prescrições foram acomodadas na pia para que pudessem ter acesso ao que havia sido prescrito. Sobre a pia, havia uma caixa daquelas que vem acondicionadas as agulhas descartáveis que estava sendo usada improvisadamente para o descarte dos perfuro cortantes. Quando percebemos, havia funcionárias da enfermagem já preparando os medicamentos e soroterapias. Umas estavam com as mãos enluvadas e outras sem (Registro de Observação de 04/04/2007).
A improvisação, em especial nos serviços assistenciais de
natureza pública, é uma prática muito comum. Entretanto, alguns improvisos podem
causar danos irreparáveis, tanto para os profissionais, como para as pessoas
doentes internadas. Uma caixa frágil como a utilizada para substituição da
adequada para descarte dos perfuro cortantes pode causar acidentes não somente
134
aos profissionais da assistência, como também aos profissionais dos serviços de
apoio, como os que fazem o recolhimento dos resíduos da unidade, e até para os
profissionais que realizam a coleta externa dos resíduos dos serviços de saúde.
Os serviços de saúde, visando a segurança dos trabalhadores,
devem disponibilizar infra-estrutura suficiente para a operacionalização segura das
práticas assistenciais.
Nos locais de trabalho onde se utilizam materiais perfuro cortantes, como agulhas, lâminas de bisturi, vidrarias, devem ser mantidos em recipientes apropriados (rígidos, resistentes a vazamento, punctura e ruptura) o mais próximo possível da realização do procedimento, para o descarte dos materiais (SCHEIDT; ROSA; LIMA, 2006, p. 375).
Quanto à prevenção dos acidentes de trabalho é imprescindível
que os trabalhadores estejam conscientes das normas de biossegurança, bem
como dos procedimentos a serem realizados em caso de acidente.
Em um diálogo que tivemos com Marta, uma das funcionárias da empresa terceirizada e responsável pelo serviço de limpeza da UTI naquele plantão, ela nos disse que se acidentou há alguns dias atrás com uma agulha de sutura que não estava devidamente protegida no descarte. Segundo Marta, ela não recebeu nenhuma assistência da empresa com relação aos encaminhamentos que deveria fazer pós-acidente. Disse ainda que, por conta própria, procurou o serviço de saúde pública, que lhe prescreveu o “coquetel”, conforme suas próprias palavras (Registro de Observação de 12/02/2007).
De acordo com Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997, p. 22),
desde a antiguidade e exacerbada com a Revolução Industrial, a relação existente
entre o trabalho e a saúde-doença nem sempre mereceu a devida atenção. Com a
Revolução Industrial, a partir dos interesses capitalistas, o homem, trabalhador
livre, vende sua força de trabalho, tornando-se a “[…] prensa da máquina, de seus
ritmos, dos ditames da produção […]”.
Entretanto, as condições para a execução do trabalho são
caracterizadas pela precarização causada por jornadas extensas; aglomeração
humana causando disseminação de doenças transmissíveis e periculosidades,
incluindo as mortes ou mutilações; diversos vínculos empregatícios; sobrecarga de
trabalho; remuneração incompatível com a função; estruturas físicas e materiais
precárias; falta de programas de valorização do trabalhador de saúde; entre outros.
135
Portanto, surgiu daí a necessidade de legislações e normatizações que coibissem
tais acontecimentos nas empresas. O médico foi inserido nesse contexto, com a
finalidade de detectar os processos que causavam danos aos trabalhadores,
visando não só a sua recuperação como a prevenção de acidentes, na expectativa
de recuperar as forças de trabalho. Dessa forma nasce a Medicina do Trabalho,
que se mantém até hoje, buscando cada vez mais garantir a saúde e segurança
dos trabalhadores, seja em indústrias, empresas ou estabelecimentos assistenciais
de saúde (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).
Quando nos referimos aos estabelecimentos assistenciais de
saúde, temos evidenciado que os mesmos expõem seus trabalhadores a vários
riscos. Dentre eles, podemos citar os riscos biológicos, os químicos, os físicos,
ergonômicos, os mecânicos e os acidentes em geral. Para normatizar a proteção e
segurança dos profissionais de saúde, o Ministério do Trabalho e Emprego,
recentemente, instituiu a Norma Regulamentadora - NR 32, que trata da Segurança
e Saúde do Trabalhador em Serviços de Saúde.
Esta NR, de acordo com o seu item 32.1.1
[…] tem por finalidade estabelecer as diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral (BRASIL, 2005c).
Entretanto, embora não tenhamos acessado trabalhos com
relação à sua implantação, por ser ainda uma legislação recente, podemos dizer
que os serviços ainda se preparam para o seu atendimento na íntegra.
Atender às normas de biossegurança pelos profissionais de saúde
é fundamental na prevenção de acidentes com os trabalhadores. Elas englobam
[…] todas as medidas que visam evitar riscos físicos (radiação ou temperatura), ergonômicos (posturais), químicos (substâncias tóxicas), biológicos (agentes infecciosos) e psicológicos, (como o estresse). No ambiente hospitalar encontram-se exemplos de todos estes tipos de riscos ocupacionais para o trabalhador de saúde (p.ex., radiações, alguns medicamentos etc.) (CAVALCANTE; MONTEIRO; BARBIERI, 2003, p. 15).
136
Para Brandão Junior (2001, p. 60), as medidas de biossegurança
estão relacionadas à qualidade dos processos assistenciais de saúde.
A real adoção das medidas de Biossegurança assume uma importância vital para a melhoria da qualidade da assistência à saúde, criando um ambiente seguro, tanto para o profissional, quanto para o usuário dos serviços de saúde.
Assim, considerando os aspectos relacionados à subjetividade
dos profissionais às normas de biossegurança, torna-se necessária a “[…] difusão
de conhecimento e formação de trabalhadores na área de Biossegurança em que a
dimensão subjetiva seja um aspecto operante neste campo” (BRANDÃO JUNIOR,
2001, p. 63).
O desafio para a segurança no trabalho em saúde reside na
valorização das práticas de biossegurança pelos profissionais, que devem estar
imbuídos da responsabilidade de suas ações para com os usuários e para consigo
mesmos. Essa valorização se dará a partir do conhecimento. Brandão Junior (2001,
p. 63) esclarece ainda a importância da subjetividade dos profissionais nesse
processo, quando afirma que “Isso justifica a necessidade de maior difusão de
conhecimento e formação de trabalhadores na área de Biossegurança em que a
dimensão subjetiva seja um aspecto operante neste campo”.
A seguir, relatamos o comportamento dos profissionais na UTI
pesquisada em relação à utilização das radiações ionizantes.
Um técnico do serviço de radiologia do hospital veio à UTI para fazer um exame radiológico de um paciente no leito. Após preparar o paciente com o auxílio da equipe de enfermagem, transporta até próximo do leito um biombo plumbífero. Quando se prepara para acionar o disparo do raio x, atrás do biombo, ele alerta a todos: - “olha o raiooooo...”. Após o alerta, alguns profissionais o ouvem e permanecem no mesmo local, continuando suas atividades. Outros, saem e procuram se esconder atrás de alguma parede ou coluna, fugindo da exposição à radiação (Registro de Observação de 23/02/07).
Quando nos referimos a medidas de proteção radiológica,
observamos que os profissionais nem sempre conhecem os riscos a que estão
freqüentemente expostos, especialmente quando se trata de coisas de natureza
abstrata, não palpável, como a exposição a radiações ionizantes.
137
De acordo com a legislação vigente que estabelece as diretrizes
básicas para proteção radiológica, deve-se
[…] zelar para que cada profissional tome todas as medidas necessárias para restringir as exposições ocupacionais e exposições do público a valores tão baixos quanto razoavelmente exeqüíveis, limitados conforme especificado neste regulamento (BRASIL, 1998c).
Um estudo realizado por Flôr e Kirchhof (2006) sobre a
sensibilização dos profissionais de saúde quanto à exposição à radiação ionizante,
constatou que esses profissionais encontram-se desprotegidos e desinformados
quanto aos cuidados mínimos de proteção radiológica, especialmente quando se
trata dos profissionais que atuam no apoio ao técnico para a realização do exame
nas pessoas acamadas.
As autoras relatam a existência de conhecimento por parte dos
técnicos em radiologia para com as medidas de proteção, embora, muitas vezes,
essas informações sejam negligenciadas na prestação de informações aos
profissionais de saúde que estão sob sua responsabilidade. Ressaltam ainda que
haja descaso por parte de alguns profissionais de saúde quanto à exposição à
radiação ionizante e que também evidenciam que outros demonstraram ciência dos
riscos a que estão expostos (FLÔR; KIRCHHOF, 2006).
Entretanto, nas situações observadas neste estudo, pode-se
verificar que alguns dos profissionais conhecem os riscos a que estão expostos
mas negligenciam as medidas preventivas pela naturalização dos riscos
vivenciados no seu cotidiano.
As (os) trabalhadores de enfermagem convivem com a consciência de que as doenças são possíveis, embora permaneçam na dimensão invisível, pois a convivência constante com doentes e doenças é enfrentada no seu cotidiano de trabalho (COSTA, 2005, p.122).
Para atender à integralidade em saúde, convém refletirmos sobre
a concepção de trabalhador apenas como força de trabalho. Como o profissional de
saúde pode vislumbrar o atendimento à integralidade se suas próprias dimensões
não são atendidas e é visto apenas como uma força de trabalho?
138
Embora o homem tenha toda uma construção histórica e cultural
no trabalho, como citamos acima, situações de precarização nos ambientes de
trabalho ainda ocorrem nos serviços assistenciais e se fazem naturalizadas no
cotidiano dos profissionais de saúde.
Lunardi et. al. (2004, p. 935) referem que, freqüentemente
[…] em algumas instituições, os trabalhadores se vêem na contingência de ter que atuar com recursos materiais, em condições inadequadas de funcionamento, de qualidade questionável, insuficientes, expondo a biossegurança dos trabalhadores, dos clientes, a falta de privacidade e intimidade diante da organização do ambiente de enfermarias, dentre outros elementos que poderiam ser apontados.
E ainda questionam:
Como cuidar adequadamente do outro, se quem se reconhece como cuidador é desrespeitado e permite que seu saber seja desrespeitado no que se refere às necessidades materiais do ambiente de trabalho? (LUNARDI et. al., 2004, p. 935)
Atender à integralidade significa também respeitar, conscientizar,
valorizar, ter ética para com aqueles que realizam a assistência em saúde, de forma
que os que realizam essa assistência disponham de condições adequadas para a
realização do seu trabalho. Assim, vislumbra-se a necessidade de mudanças na
concepção do trabalhador de saúde, onde ele não seja valorizado apenas na sua
competência técnica, mas sim em suas outras dimensões, passando a ser
participante ativo no processo de cuidar em saúde. Certamente isto contribuirá para
que se alcance a integralidade nas práticas de controle de IH não apenas em UTI,
mas nos espaços institucionais de saúde.
139
5.2.4. As relações entre os profissionais de saúde e pessoas doentes
Durante o período em que estivemos na UTI, dada a gravidade
das pessoas ali assistidas, não foi possível estabelecer nenhum contato com elas,
uma vez que praticamente todos estavam sem condições de fala, seja pelo quadro
neurológico ou pela indução à inconsciência. Esta situação apresentada pelas
pessoas internadas na UTI nos mostrou a realidade vivenciada por elas.
Embora a maior parte das pessoas doentes se encontrasse
abolida de sua consciência e, portanto, impedida de experimentar relacionamento
com os profissionais que lhes prestam assistência, foi possível observar a
demonstração de preocupação por parte da trabalhadora de enfermagem em
relação à evolução de uma pessoa doente, como na observação que segue.
A UTI estava com vários visitantes. Era o horário de visitas. Nos sentamos no posto de enfermagem, ao lado de Dolores, uma das técnicas de enfermagem da equipe para perguntar-lhe mais algumas informações que precisávamos para a pesquisa. Enquanto conversávamos com ela, percebemos que ela observava, dali, a felicidade dos familiares do paciente que estava no isolamento pelo fato do paciente “ter aberto um olho”, o que a deixou bastante emocionada. Aproveitamos para perguntar pelo Sr. Luís que ocupava o leito 7. Nesse leito, havia outro paciente e no último dia que estivemos na UTI, o quadro do Sr. Luís era grave. Dolores disse-nos que o Sr. Luís havia saído de alta, mas preocupava-se por achar que teria seqüelas (Registro de Observação de 02/05/07).
A preocupação da profissional pode ser relativa à característica do
trabalho de enfermagem, uma vez que é a categoria que mais tempo convive com
as pessoas internadas. Isso possibilita o estreitamento de laços entre esses
profissionais e as pessoas doentes, necessário para alcançar a integralidade em
qualquer cuidado, desde o banho no leito, a administração de medicamentos, a
realização de mudança de decúbito, dentre outros.
As práticas exercidas pela enfermagem, ao buscar atender a
pessoa doente em todas as suas necessidades, se diferencia das práticas
exercidas por outros profissionais.
Embora as práticas e os procedimentos se dêem na preocupação básica com a doença no sentido de evitar a morte, o olhar médico está direcionado às doenças e não ao doente propriamente dito. Suas práticas não são direcionadas às pessoas como seres integrais, mas se restringem às doenças instaladas no corpo delas, privilegiando a doença em detrimento de outras dimensões
140
da vida do doente. Desta forma, estas práticas se constituem em uma forma de violência não intencional do profissional ao usuário (COSTA, 2005, p. 101).
As pessoas hospitalizadas, em especial na terapia intensiva,
dependem totalmente dos profissionais que as cuidam, principalmente da equipe de
enfermagem, que assiste a essas pessoas por todo o tempo que estão na unidade.
A enfermagem é a profissão que mais mantém contato com o cliente durante a internação, conseqüentemente, é a que mais expõe, toca e manuseia o corpo ao implementar a assistência (PUPULIM; SAWADA, 2005, p. 389).
Diante da internação, especialmente na terapia intensiva, a
pessoa (e talvez até mais a família) se vê incondicionalmente obrigada a depositar
no serviço e nos profissionais de saúde, toda a sua confiança e esperança para a
sua recuperação. Ao fazê-lo, a pessoa doente cria um elo com a equipe
assistencial, uma vez que se vê só, num espaço caracterizado por dor, sofrimento e
isolamento.
O estabelecimento do vínculo possibilita o resgate do cuidado em
saúde, na perspectiva de uma atenção mais humanizada e comprometida com a
pessoa doente, pois abrange suas dimensões psicológicas, sociais e culturais.
As práticas do cotidiano na UTI nem sempre são apenas mecânicas. O fato de Dolores sentir-se emocionada em ver como os familiares estavam contentes com o pequeno sinal de melhora do paciente, mostra que os profissionais, apesar de não demonstrarem, apresentam sentimentos de felicidade quando percebem melhora daqueles por quem prestam cuidados de saúde, e preocupam-se com eles, mesmo após a alta da UTI (Diário de Campo de 02/05/07).
No processo do estabelecimento do vínculo, o momento da escuta
é importante e deve ser considerado pelos profissionais de saúde. Há autores que
ressaltam a importância da interação entre profissionais e usuários através do
estabelecimento de relações dialógicas entre eles “A UTI é o ambiente no qual as
relações humanas são fundamentais para contrapor o incômodo da tecnologia
invasiva e complexa utilizada no tratamento” (NASCIMENTO; ERDMANN, 2006, p.
340).
141
Relatamos abaixo uma situação de assistência de enfermagem a
um banho no leito na UTI.
Sr. Mário, um senhor de idade avançada, com diagnóstico de Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico e Hipertensão Arterial Severa, em ventilação mecânica e semi-consciente, começa a ser preparado para o banho no leito. A técnica de enfermagem Amanda levou até o leito, num carrinho de banho, todos os materiais para o banho no leito, inclusive um balde de água. E iniciou o procedimento. De lá do posto de enfermagem, onde estávamos, nos surpreendemos com a atitude de Amanda:- Ele falou! Ele falou mesmo entubado! Exclamou alto, se assustando com a atitude do paciente. Surpresa, fomos até o leito do paciente Sr. Mário, perguntar a ela o que havia acontecido. Ela disse assustada: - Ele falou! Ele falou mesmo entubado! Percebemos que o paciente Sr. Mário, aparentemente semi-consciente, tentava murmurar, mesmo entubado e sob ventilação mecânica, algo como tá frio ou frio ou não. Não conseguíamos entender. Quando olhamos em seu tórax e braços, enquanto Amanda continuava a higienização, pudemos ver que estava todo arrepiado. Amanda disse que a água do banho estava fria e que não tinha água quente na unidade e nem ao menos um “rabo quente” e que ficava com pena, mas que tinha que fazer o banho, pois o paciente estava até com mal-cheiro. Amanda lembrou que provavelmente não tinha sido higienizado no período da manhã. Ela ainda disse: - Ah, assim que eu puder, eu mesma vou comprar um rabo quente pra essa UTI... E continuou o procedimento. (Registro de Observação de 02/04/07).
A higiene corporal das pessoas internadas constitui um fator de
importância na sua recuperação, bem como no seu conforto e bem estar. O
confinamento no leito, além de trazer aumento do stress, traz o acúmulo de
sujidade ou secreções pelos diferentes tratamentos ministrados.
Entretanto, as pessoas que estão incapacitadas de locomover-se,
pelo estado de inconsciência ou por outro motivo, tornam-se sujeitadas aos
profissionais de saúde que passam a cuidar, a realizar procedimentos antes
realizados por si mesmas, como a higiene corporal, oral, a mobilização no leito e
outros. Conforme Maciel e Bocchi (2006, p. 236) relatam,
[…] ela acaba sendo obrigada a se sujeitar ao banho no leito, compreendido como um procedimento que não reproduz as mesmas sensações de conforto geradas pelo banho no chuveiro, perante uma circunstância constrangedora de ter seu corpo exposto a profissionais de ambos os sexos […] de realizar escolhas que poderiam amenizar o seu desconforto, das limitações impostas pelos déficits de recursos humanos e materiais no hospital.
142
Cabe à enfermagem a responsabilidade pelo cuidado às pessoas
internadas, dependentes ou não da assistência, demonstrando aí a sua importância
em garantir seu bem-estar durante a internação.
Se para os profissionais o banho constitui mais um procedimento
que faz parte do seu cotidiano de trabalho, para o paciente ele tem outro
significado.
É uma experiência que se configura como de difícil superação, permeada de estresses e de acometimento da auto-estima, mediante a própria perda da autonomia para os cuidados de higiene, o constrangimento da exposição corporal, bem como por não lhe conferir as mesmas sensações de limpeza e de conforto proporcionadas pelo banho no chuveiro (MACIEL; BOCCHI, 2006, p. 237).
Para as autoras ainda, a pessoa impossibilitada de ser
encaminhada ao banho de aspersão, que necessita ser submetida ao banho no
leito, considera alguns atributos como essenciais para enfrentar essa experiência
de dependência, uma vez que a equipe de enfermagem deve
[…] respeitar a sua privacidade e as limitações de movimento quando com dor, manter o ambiente aquecido, prover número de funcionários necessários para que o banho seja realizado por pessoas do sexo análogo ao seu, bem como a disponibilização de materiais e equipamentos que possam garantir a sua qualidade assistencial (MACIEL; BOCCHI, 2006, p. 239).
A observação do banho do Sr. Mário nos trouxe algumas
reflexões:
Se não havia água aquecida na UTI para os banhos dos pacientes, a sensibilização e preocupação da técnica de enfermagem em realizar o procedimento não a motivou a procurar uma alternativa para a solução daquele problema, como buscar por recursos em outros setores. Enquanto realizava o procedimento, o paciente procurava se expressar, sinalizando que algo que o desagradava ou o desconfortava com aquela água fria. (Diário de Campo de 02/04/07).
Para uma boa prática do cuidado em saúde, é necessário que
“[…] exista, no cuidado, o enfoque humanista caracterizado pelo sentimento de
143
empatia” (MARUYAMA, 2004, p. 187). É importante que o profissional de saúde se
coloque e se sinta no lugar do outro.
O profissional de saúde, quando se coloca no lugar desse outro,
pode se identificar com os sentimentos da pessoa doente e reconhecê-los para
além da sua anatomia e patologia, apreendendo suas outras dimensões. Havendo
empatia, pode ter “[…] comportamentos diferentes e contraditórios” (MARUYAMA,
2004, p.155). Se ele se identifica com a pessoa doente, pode causar em si
sentimentos de receio, medo ou angústia, que lhe causa a aceitação de seus
próprios medos, o que reflete nos cuidados apenas do corpo biológico. Por outro
lado, a empatia pode também despertá-lo a produzir um cuidado diferente, que
atenda às outras dimensões da pessoa doente que não apenas a biológica, de
forma a proporcionar a ela a minimização do sofrimento, incorporando atitudes que
visem os aspectos físicos, psíquicos e espirituais (MARUYAMA, 2004).
Entretanto, essa empatia deve permear todos os profissionais,
não somente os que atuam diretamente com as pessoas doentes, como também os
que participam da assistência de forma mais indireta, seja na gestão ou no
planejamento das atividades.
Maciel e Bocchi (2006) explicam que cabe ao enfermeiro, a
participação e promoção de atividades que visem capacitar técnica-cientificamente
toda a equipe de enfermagem e a instituição, dimensionar pessoal e prover
materiais para a execução das práticas assistenciais, de forma a proporcionar às
pessoas internadas a minimização dos sentimentos experimentados na realização
do procedimento.
Para tanto, ressaltamos a importância do respeito aos princípios
éticos. Um comportamento ético pode ser explicado como
Em el plano profesional y, em especial, em las Ciencias de La Salud, um comportamiento profesional ético es el que practica el pluralismo crítico, próprio de aquél que es capaz de pensar por si mismo, valiéndose de la inteligência, la imaginación y la creatividad. Supone el reconocimiento del a propia responsabilidad ante cada elección y, requiere de uma mente abierta a otras tradiciones culturales, a otros saberes, a otros hábitos (MAIDANA, 2005, p. 60).
Nesse aspecto, é preciso refletir sobre a forma pela qual o
profissional de saúde age e se faz profissional, uma vez que, para isso, é
144
necessário conhecimento como técnica e como arte, mas também o conhecimento
das perspectivas éticas que o subsidiam para fundamentar a sua moralidade
enquanto profissional (BUB, 2005, p. 73).
A necessidade de disponibilizar uma assistência mais contínua e
centrada nas pessoas com o estado de saúde agravado deu origem às UTIs.
Entretanto, o modelo clínico historicamente construído permeou esse espaço,
dando seguimento à concepção do espaço hospitalar como um local de relações
assimétricas que permeiam os atores envolvidos.
Dessa forma, a relação usuário-profissional de saúde é
caracterizada como uma relação assimétrica, onde o profissional de saúde tem a
hegemonia nessa relação. Por um lado, há o usuário enfermo, fragilizado pela
doença, num espaço estranho ao seu, distante da família, onde perde toda a sua
autonomia e se vê numa situação à qual só lhe resta acreditar e confiar sua vida,
corpo, pudor e confiança em pessoas que não conhece e jamais viu. Por outro, há o
profissional que tem as suas tarefas a serem executadas, em atendimento aos
interesses da instituição.
Assim, o profissional, diante da necessidade de dar conta de suas
atividades, enfoca a doença ou o corpo em detrimento da pessoa como ser
humano. Essa postura tem corroborado para que a assistência em saúde seja,
muitas vezes, realizada mecanicamente, atendendo ao cumprimento de tarefas pré-
estabelecidas. Isso tem trazido conseqüências aos usuários dos serviços de saúde,
como medo, insegurança e insatisfação. O medo por considerarem o espaço
hospitalar estranho, frio e desconhecido; insegurança devido ao desconhecimento
em relação aos saberes, às práticas e a todo o aparato tecnológico que os
amedronta; e insatisfação por não se sentirem acolhidos pelos profissionais de
saúde.
Entretanto, essa representa uma realidade que pode ser
reconstruída se houver mudanças nas formas de pensar e agir em saúde.
Do ponto de vista das relações profissional de saúde-usuário, para
Ribas (2007, p. 3), a assistência integral “[…] supõe tanto o oferecimento de todo
recurso técnico disponível para o restabelecimento e preservação da saúde quanto
o oferecimento de qualidade nos vínculos usuário-profissional”. A autora esclarece
ainda que a qualidade nos vínculos esteja relacionada à maneira como as relações
se estabelecem, respeitando as singularidades e mantendo uma boa comunicação
(RIBAS, 2007).
145
5.2.5. As relações entre os profissionais de saúde e familiares
A internação de qualquer pessoa representa um momento difícil
para os familiares e amigos. Neste momento, experimentam-se sentimentos de
tristeza, angústia, expectativas e incertezas quanto à recuperação do enfermo, em
especial se a internação é em terapia intensiva. Nesse caso, os sentimentos
tendem a ser potencializados em função da concepção que as pessoas têm em
relação às terapias intensivas.
Algumas pessoas expressam o espaço da UTI como o da própria
terminalidade. Ela não é vista ou entendida como um local que se destina ao
tratamento e recuperação dos enfermos (GUIRARDELLO et. al., 1999).
A UTI, pela especificidade de sua assistência, difere de outras
unidades do hospital, pois “[...] possui rotinas diferenciadas (...) sendo apontadas
por alguns autores como rígidas e inflexíveis, uma vez que afastam o paciente do
convívio com seus familiares e do seu ambiente” (SEVERO; GIRARDON-PERLINI,
2005, p. 22), o que torna essa experiência difícil para as pessoas doentes e seus
familiares.
A internação representa um momento de crise, que as afeta
emocionalmente, trazendo sentimentos de insegurança, perda da independência e
da identidade, baixa auto-estima, afastamento do convívio social e outros
(KAMIYAMA, 1979). Com a hospitalização, o cotidiano de todos também é alterado,
gerando estresse, preocupação e sofrimento.
Entretanto, estes sentimentos podem ser amenizados ou
minimizados na internação. Para Severo e Girardon-Perlini (2005, p.25),
[…] quando o paciente identifica a equipe como fonte de segurança, de proteção e de desvelo, passa a estabelecer uma relação de confiança com os profissionais e a ter certeza de estar sendo bem cuidado. Assim, mesmo distante da família, o paciente sente-se amparado e assistido, o que acaba gerando sentimentos
de tranqüilidade.
No processo da internação, os familiares das pessoas doentes
experimentam sentimentos diversos ocasionados pelo afastamento do seu ente
querido, se manifestando através de queixas, insatisfações, descontentamentos,
146
indiferença e insensibilidade para com os profissionais que prestam assistência
(NASCIMENTO; ERDMANN, 2006).
Tais sentimentos experimentados pela família podem repercutir na
interação com os profissionais de saúde.
Os parentes podem igualmente ser exigentes e críticos, principalmente porque sentem que a hospitalização implica inadequações em si mesmos. Eles invejam a competência da enfermeira e têm ciúmes do contato íntimo que ela mantém com o seu paciente (PITTA, 1999, p. 64).
A equipe assistencial deve estar consciente e preparada para
assistir também à família da pessoa doente, em especial se esta se encontra numa
terapia intensiva e que vivencia um momento de crise (FERRIOLI et. al., 2003).
Na entrada dos familiares e visitantes na UTI, observamos que estes chegam em silêncio, enfileirados, e se dirigem rumo ao lavabo, como se fosse um ritual. Sua entrada, caracterizada pelo silêncio parece representar sua insegurança em relação a um ambiente que lhe é “desconhecido”, repleto de normas que regem todo o seu funcionamento, como lavar as mãos antes e depois de tocar o paciente, respeitar as dietas prescritas ao paciente, não manusear tubos, sondas ou curativos, dentre outras que lhes causam estranhamento e ou curiosidade (Diário de Campo de 02/04/07).
Por ser um espaço específico para atendimento de pessoas
doentes de maior gravidade e complexidade, a UTI causa aos visitantes a
percepção de um ambiente que traz (ou lembra) dor, sofrimento, medo,
preocupação, angústia (FERRIOLI et. al., 2003) e até curiosidade pelo que lhe é
desconhecido. É comum acontecer de, no horário de visitas, alguns visitantes
saírem visitando outros leitos ou outros setores, para atender a sua curiosidade,
que também os intimida.
Esse comportamento de visitantes (e até de pessoas doentes)
percorrendo outras áreas ou leitos pode corroborar para o aparecimento das IHs,
uma vez que podem levar microorganismos de um local para outro
inconscientemente, através do simples toque de suas mãos. Neste aspecto, é
importante que os profissionais desenvolvam o papel de orientar adequadamente
as pessoas visitantes quanto à sua conduta no ambiente hospitalar, de forma que
contribuam na recuperação das pessoas doentes que se encontram internadas.
147
Além dessas orientações importantes para as práticas de
prevenção das IHs, as pessoas doentes e seus familiares necessitam ter os seus
direitos respeitados e valorizados quando inseridas no contexto hospitalar,
especialmente numa terapia intensiva.
Se o cliente é um sujeito e não um objeto de cuidado, tem o direito de ser informado do que lhe está acontecendo, de ser informado dos seus direitos, o que significa ter atitudes e ações de respeito, de diálogo, de ser consultado, de participar de decisões que lhe dizem respeito, a partir de esclarecimentos numa linguagem clara, simples e acessível, reconhecendo sua capacidade de pensar e, principalmente, de divergir das nossas crenças, valores e propósitos (LUNARDI et al., 2004, p. 936).
Se nessa UTI apenas o médico participa do processo da visita de
forma mais efetiva, é importante que a enfermagem se faça presente também, de
forma a apoiar a família no esclarecimento de dúvidas, bem como assisti-la nas
suas necessidades de atenção e conforto diante do momento que enfrenta (INABA;
SILVA; TELLES, 2005, p. 428).
As autoras salientam que deve haver uma comunicação adequada
entre a equipe assistencial e os familiares, ou seja, as informações das quais elas
necessitam devem ser “[…] transmitidas de maneira simples, clara e objetiva, sem o
uso de termos difíceis, para a compreensão até de pessoas com menos
escolaridade” (INABA; SILVA; TELLES, 2005, p. 426).
Assim, achamos importante mencionar o trabalho de Victor et. al.
(2003, p. 204), que aborda a comunicação verbal da equipe médica na UTI com os
familiares das pessoas doentes internadas, onde as autoras citam que a
comunicação não tem contemplado as necessidades dos visitantes, sendo sugerido
maior detalhe nas informações e respeito ao estado geral delas.
[…] as informações emitidas pelo médico da UTI estudada situam-se quase que exclusivamente em torno da patologia do cliente (doença, resultados de exames e tratamento). Isso parece não corresponder à necessidade da maioria dos visitantes que referiu que gostariam de receber mais informações a respeito do estado geral e do prognóstico.
148
Ainda de acordo com as autoras, o profissional médico tem
reduzidas as chances de se interar com os familiares no processo dialógico em
função da postura que caracteriza a hegemonia médica.
[…] o médico utiliza-se basicamente da forma verbal, unilateral e dirigida à doença. Esse modo de agir dificulta a interação com as pessoas diretamente envolvidas com o cliente o que pode prejudicar a recuperação do mesmo (VICTOR et. al., 2003, p. 205).
Quando se trata dos processos dialógicos entre os profissionais
de saúde e usuários no hospital, Pitta (1999, p. 51) explica as diferenças existentes.
A posição “infante” do doente frente às autoridades do hospital se vê simbolizada a cada momento nos signos utilizados, mais particularmente pelos médicos, no que é seguido pelos demais trabalhadores do hospital. A linguagem é uma forma muito característica desta forma de dominação: o doente se comunica do seu modo vulgar, coloquial. O médico, ao contrário, fala parcialmente a mesma linguagem com ele, e de outra forma sobre ele, utilizando-se dos jargões próprios da técnica; técnica que é a própria materialização do desenvolvimento científico e tecnológico […].
A ordenação dos cuidados no hospital, bem como o processo de
disponibilização de informações aos familiares é centrado na figura do médico. A
conformação da hegemonia operante neste espaço é explicada por Pitta (1999, p.
32)
[…] o cuidado ao doente se vai constituindo de modo ordenado, disposto em prateleiras do saber médico, sobre o qual os demais agentes se debruçam para organizar suas práticas e cuidados.
No hospital, o médico torna-se “[…] o grande conhecedor de todas
as coisas, o especialista e detentor de poder, que planeja as medidas de
manutenção da saúde nos espaços individuais e coletivos” (AZEVEDO, 2005a, p.
119). Conseqüentemente, ele ofusca o desenvolvimento das subjetividades dos
demais profissionais no processo assistencial, buscando a manutenção e defesa do
seu espaço.
149
Dessa forma, os demais profissionais envolvidos no processo
assistencial constroem suas atividades em função do que está disposto nessas
prateleiras, o que acaba por interferir na sua subjetividade, corroborando para a
minimização do vínculo desses profissionais com o seu objeto de trabalho que é a
pessoa doente.
No horário de visitas na UTI, desenvolvemos o hábito de conversar com os visitantes dos pacientes, na expectativa de estabelecer um relacionamento e até para esclarecer dúvidas, dentro das possibilidades, enquanto profissional de saúde, embora não fazendo parte do quadro de funcionários. Esse posicionamento causou uma boa interação com alguns visitantes, já que o tempo de visitas era curto e não havia como estabelecer um vínculo maior com todos. A cada dia que se passava, observávamos que os visitantes nos procuravam na expectativa de conversar ou questionar algo relacionado ao seu ente que estava internado (Diário de Campo de 11/04/07).
O desenvolvimento de processos dialógicos entre a equipe de
saúde e as pessoas internadas e seus familiares, permite a interação entre esses
atores, possibilitando estabelecer empatia e compromisso do profissional em
relação à pessoa doente (SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005). Esta e sua
família passam a confiar mais no trabalho da equipe.
Portanto, viabiliza-se uma reciprocidade, ou seja, os profissionais
demonstram compromisso, envolvimento e solidariedade e as pessoas doentes
podem perceber nos profissionais “[…] segurança, conhecimento técnico e
científico, paciência, respeito, saber ouvir e explicar o que é questionado, entre
outros” (SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005, p. 23).
Uma terapia intensiva, assim como o hospital de um modo geral,
constitui-se num espaço disciplinado, onde as regras são ditadas por aqueles que
detêm o conhecimento clínico.
A disciplinarização, atingindo todo o espaço hospitalar, atinge
também, as pessoas doentes, seus familiares, os profissionais de saúde e os
demais funcionários que respondem pelos serviços de apoio da instituição. As
disciplinas se constituem de regras, normas, rotinas e outros mecanismos que
tornam ritualizados todos os processos que ali ocorrem, visando manter o controle
e a vigilância permanente das atividades. Na entrada das visitas na UTI, percebemos como os visitantes se
submetem aos mecanismos disciplinares instituídos no hospital.
150
São 15h15min e começa o horário de visitas na UTI, com a liberação da entrada dos visitantes, após contato telefônico com alguém da portaria do hospital. Neste momento, os visitantes começam silenciosos a adentrar na UTI, quase que em “fila indiana”, todos em direção ao lavabo e começam a lavar suas mãos (Registro de Observação de 05/03/07).
Bellato e Carvalho (2002, p.152), contextualizam a concepção da
pessoa doente a respeito do ambiente hospitalar referindo que o “[…] estar em um
ambiente que não é o seu, de precisar submeter-se às normalizações do Hospital,
impõe limitações e dificuldades […]”. Aproveitamos para estender essa percepção
de estranhamento do espaço hospitalar na perspectiva dos familiares.
Para os familiares, a internação de um ente querido numa UTI,
que se destina ao atendimento de pessoas doentes em estado grave e terminal,
representa um momento crítico (FERRIOLLI et. al, 2003) em suas vidas, gerando
insegurança e comportamentos apreensivos.
O ambiente hospitalar se constitui em um espaço de domínio dos
profissionais de saúde.
A apropriação simbólica dos espaços no hospital pelos profissionais de saúde, principalmente os da área médica, revelam o poder que estes profissionais exercem na dinâmica hospitalar, ao delimitar sua área de „poder‟, de controle, onde somente pessoas credenciadas possam ter acesso (AZEVEDO, 2005a, p. 86).
Esse espaço de domínio do saber clínico, dos profissionais de
saúde, é impermeável aos questionamentos ou dúvidas formuladas pelos
familiares, com base no senso comum.
Fomos com uma das funcionárias da UTI até a clínica médica, visitar dois pacientes que saíram da UTI de alta, ambos jovens, internados com traumatismo craniano por acidente de trânsito. Chegando lá, encontramos Dona Antonia, mãe de um deles, com quem conversávamos muito na UTI no horário de visitas […] . Dona Antonia quis mostrar-nos os exames de RX do filho. Um dos exames mostrava uma fratura no fêmur esquerdo, onde os ossos estavam literalmente “encavalados”, mesmo tendo ficado todo o tempo de UTI com tração […]. Dona Antonia então nos disse: - Voce viu que ele não tem nenhuma fratura no braço esquerdo? Olha o RX do braço dele aqui. Ele ficou todos aqueles dias na UTI com o braço enfaixado e ninguém viu. Ele estava só com escoriações. Quem descobriu foi o fisioterapeuta aqui na enfermaria, que resolveu tirar as ataduras. Como Dona Antonia
151
disse: “tava até querendo apodrecer o braço do menino” (Registro de Observação de 04/04/07).
Os familiares têm a necessidade de se comunicar com os
profissionais para receber orientações, informações sobre o estado de saúde do
seu doente, esclarecimentos em relação aos seus questionamentos, conforto e
atenção (INABA; SILVA; TELLES, 2005). E quando encontram profissionais que
dialogam com eles, se sentem acolhidos e valorizados. Atitudes comprometidas
com a assistência às pessoas por parte da equipe assistencial permitem o
estreitamento da relação com as pessoas doentes, onde estas podem perceber a
preocupação da equipe com elas (SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005).
A dinâmica de funcionamento da UTI geralmente traumatiza e
desgasta as pessoas, dificultando as relações entre elas, relações que nem sempre
são pautadas pelo respeito e compreensão. O contexto relacional da UTI causa
mudanças comportamentais entre as pessoas, gerando situações de conflito,
insensibilidade e indiferença, seja entre os profissionais, seja entre os profissionais
e pessoas doentes/familiares.
Essas características do espaço da UTI desvelam a realidade do
seu cotidiano, conforme vários autores descrevem (VILA; ROSSI, 2002, SEVERO;
GIRARDON – PERLINI, 2005).
Nessa perspectiva, em que relações de poder e disciplina se
envolvem permeadas pelo contexto tenso e de desgaste da UTI, o atendimento à
integralidade constitui-se num grande desafio a ser conquistado nesses serviços.
Portanto, a integralidade em saúde, assim como no controle de
infecção hospitalar, será vislumbrada a partir do reconhecimento da necessidade de
reorganização das práticas visando possibilitar o resgate ao compromisso ético e
profissional para com as pessoas doentes/familiares usuárias desses serviços.
152
6. A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO
HOSPITALAR NA UTI
Após a análise dos dados realizada segundo as categorias
estabelecidas, “O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade” e “Os
comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo
assistencial da UTI sob o enfoque da Integralidade” buscamos reintegrá-los, tendo
como foco os sentidos da integralidade descritos por Mattos.
Para Mattos (2004) a integralidade na atenção representa uma
forma de indicar características desejáveis que se pretende encontrar no sistema
de saúde e nas práticas disponibilizadas por ele.
O autor considera que devemos refletir sobre os três grandes
sentidos de princípios de integralidade: as práticas profissionais, a organização
dos serviços e as políticas governamentais aos problemas de saúde
(MATTOS, 2001).
Assim, entendemos que ao aplicar a perspectiva de Mattos - a
integralidade nas práticas profissionais de controle de infecção hospitalar na UTI
- analisada sob foco no espaço e nas relações entre os diferentes sujeitos que
compõem este cenário, apreendemos que esse espaço esquadrinha corpos, tanto
de pessoas internadas quanto de profissionais. Constitui-se num espaço de
controle e disciplina, onde as pessoas doentes são monitoradas e controladas, seja
pelo aparato tecnológico ou pelos profissionais. Esse espaço é compartilhado por
vários profissionais e por pessoas doentes em diferentes condições de gravidade,
cuja organização objetiva salvar a vida.
Este “salvar a vida” necessita ser refletido, pois o espaço da UTI,
ao privilegiar a tecnologia, a doença grave, as normas, separa a doença da pessoa
que vivencia uma experiência marcante – o agravamento de sua saúde. Olhando
sob esta ótica, também os profissionais seguem esse ritual e passam a agir e
pensar nessa lógica. Suas práticas de controle de IH passam a ser realizadas de
forma mecânica e menos consciente, tendo o corpo da pessoa como foco de
atuação. Assim, como podemos pensar na integralidade das práticas de controle de
IH se o espaço está conformado para a realização de práticas fragmentadas e
reducionistas?
153
A assistência hospitalar ainda se caracteriza por ser realizada por
pessoas que se organizam para compor um trabalho multiprofissional, direcionado
pelo ato médico que se decompõe em inúmeros outros atos, seja diagnósticos ou
terapêuticos, que passam a ser realizados por esses profissionais (CECÍLIO;
MERHY, 2005).
Rollo (1997, p. 324) enfatiza que esse modelo de assistência não
se preocupa com a integração do trabalho em saúde, vislumbrando contemplar o
atendimento às necessidades das pessoas assistidas.
A relação não é de cooperação e complementaridade na equipe multiprofissional, imperando a lógica da subordinação aos médicos, não se aproveitando o potencial que tem o trabalho em equipe para aumentar a eficácia da assistência.
A descrição de uma prática observada na UTI permite visualizar
lacunas no processo de cuidar a vida da pessoa gravemente doente, uma vez que
sua subjetividade é abolida por medicamentos, o que a impede de se expressar em
resposta a qualquer procedimento realizado, seja ele doloroso ou prazeroso.
Sr. Pedro se encontrava sedado e em ventilação mecânica, com os cateteres: intracath, sonda nasogástrica e sonda vesical. Os cateteres estavam livres de qualquer mecanismo de proteção ou fixação. Na manipulação do Sr. Pedro no momento do banho no leito, os cateteres eram tracionados a todo instante. O intra-cath, num determinado momento, tracionou a pele do Sr. Pedro, elevando-a e repuxando-a. Foi realizado então o banho no leito, sendo que a compressa de banho era deslizada por todo o corpo do Sr. Pedro, inclusive nas áreas de inserção do intracath (Registro de Observação de 05/03/07).
Os profissionais de saúde que atuam em terapias intensivas
necessitam estar conscientes da questão técnico-científica que abrange o
manuseio de pessoas doentes com cateteres. A utilização de cateteres
intravasculares representa importante fonte de infecção da corrente sanguínea
(MESIANO; MERCHÁN-HAMANN, 2007). Portanto, sua manipulação requer
cuidados especiais, como a utilização de procedimentos assépticos para evitar que
microorganismos sejam carreados próximo à área de sua inserção ou através do
seu lúmem. No aspecto relacionado ao cuidado com o curativo, os autores trazem
algumas orientações.
154
O curativo no local da punção deve ser permeável ao vapor d‟água, confortável para o paciente (grifo nosso) e de fácil manuseio pelo profissional de saúde e/ou paciente. Pode ser transparente ou com gaze fixada em fita adesiva. A vantagem do transparente é que permite a visualização do orifício de inserção, promove barreira contra sujidades (grifo nosso) e as trocas são menos freqüentes, uma vez que favorece a avaliação constante pelo profissional da saúde (MESIANO; MERCHÁN-HAMANN, 2007, p. 456).
Conforme os autores citados anteriormente relatam, os cateteres
vasculares devem estar protegidos com a utilização de curativos, uma vez que
estes conferem proteção contra contaminações, ao mesmo tempo em que
possibilita determinado conforto à pessoa doente. Vale ressaltar que a utilização do
curativo impede também possíveis tracionamentos, que, além de causarem mais
dor e sofrimento, podem provocar desde o deslocamento do seu local de inserção
até a perda do acesso venoso.
A observação nos mostra como as práticas profissionais ainda
estão centradas no modelo biológico, envoltas pela conformação do espaço e das
relações, fragmentando cada pedaço do corpo doente para cada profissional. Torna
assim a assistência em saúde um trabalho caracterizado pela decomposição dos
atos referida por Cecílio e Merhy (2005), onde as relações entre os profissionais
são permeadas por mecanismos de dominação e disputas, configuradas pelo saber
clínico, compondo o que entendemos por trabalho em saúde.
A grande autonomia do médico, bem como a sua preponderância sobre os demais profissionais, são fatores que vêm contribuindo de forma determinante para a fragilização do trabalho em equipe e, conseqüentemente, de qualquer trabalho multiprofissional cooperativo, solidário e integrado (SILVA, 2004, p. 274).
Pensar em integralidade como uma diretriz das ações em saúde,
na assistência hospitalar, é pensar em como as práticas estão articuladas entre os
vários profissionais nos espaços do hospital, de maneira que a somatória dos
cuidados realizados por diferentes profissionais seja a articulação dos saberes das
diversas áreas do conhecimento, de forma complementar, consciente e negociada
entre os atores envolvidos, na busca de “[…] garantir desde o consumo de todas as
tecnologias de saúde disponíveis para melhorar e prolongar a vida, até a criação de
155
um ambiente que resultasse em conforto e segurança para a pessoa hospitalizada”
(CECÍLIO; MERHY, 2005, p. 197).
O atendimento à integralidade na assistência hospitalar deve
envolver práticas articuladas entre os profissionais, como exemplificamos:
[…] basta imaginarmos os cuidados de um paciente com diabetes internado com um quadro de descompensação. Além dos cuidados iniciais do plantonista, que o recebe e interna a partir do pronto socorro, ele receberá também cuidados da enfermagem, poderá ser visto, em algum momento, pelo cirurgião vascular, pelo cardiologista, pelo endocrinologista, pela nutricionista, pela assistente social e pela psicóloga. Além do mais, terá seu corpo escrutinado por uma bateria de exames, alguns deles complexos, realizados em serviços diferentes e por profissionais distintos (CECÍLIO; MERHY, 2005, p. 198).
Portanto, para que haja a integralidade da assistência dessa
pessoa descompensada, podemos questionar como devem se articular as práticas
entre os profissionais. A falta de articulação torna-a fragmentária e reducionista,
impossibilitando que a pessoa doente seja atendida em todas as suas
necessidades. É preciso repensar o que fazemos e o que cuidamos.
Pensar na integralidade é ver os sujeitos do processo como
sujeitos ativos e partícipes no cuidado a sua vida e saúde. É trazer para dentro do
processo de cuidar as subjetividades: expectativas, anseios, medos e também as
potencialidades, tanto da pessoa doente quanto do profissional de saúde.
Certamente, assim seremos mais humanos, reconheceremos que, ao lado da
doença e do trabalhador, há pessoas que requerem cuidados e as que prestam
cuidados, o encontro entre essas pessoas deve ser compartilhado e negociado
entre ambas as partes, num processo em busca do resgate da autonomia dessas
pessoas.
Para Mandú (2004, p. 669) as inter-relações existentes entre as
equipes multiprofissionais e os usuários nos serviços assistenciais de saúde
abrangem
[…] mais que um encontro físico, intermediado pela aplicação de medidas técnico-científicas. Tal encontro diz respeito a um acontecimento intersubjetivo entre sujeitos eminentemente relacionais, culturais, políticos e psico-afetivos, imersos em contextos de relações e produção/reprodução de ações e simbolismos diversos.
156
A complexidade da assistência em uma terapia intensiva exige
inúmeros desafios das equipes multiprofissionais para que a pessoa gravemente
enferma tenha sua integralidade atendida na sua necessidade de manutenção da
vida, onde
[…] uma complexa trama de atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, e saberes, num processo dialético de complementação, mas também de disputa, compõe o que entendemos como cuidado em saúde (CECÍLIO; MERHY, 2005, p. 198).
Prestar cuidados em saúde na atenção hospitalar, sobretudo nas
terapias intensivas, diante da complexidade, é lidar, ao mesmo tempo, com as
tecnologias duras e com as tecnologias relacionais que se fazem necessárias para
a negociação entre as partes: profissionais-usuários e profissionais-profissionais.
Nesse aspecto, se por um lado as pessoas internadas na UTI são
atendidas através de todo um aparato tecnológico e humano especializado, onde
procedimentos complexos são realizados rotineiramente, por outro lado,
observamos procedimentos de menor complexidade, como no caso de um simples
curativo, que ao mesmo tempo protege de contaminações e evita sofrimento por
dor à tração, estes, nem sempre merecem a devida atenção dos profissionais de
saúde, que focalizam o trabalho em saúde na técnica, na rotina e não em quem
prestam o cuidado.
Contudo, o que se questiona, ou o que nos parece necessário
refletir, é até que ponto o progresso técnico, como se realiza hoje, é saudável e
promove o crescimento e a harmonização das pessoas, uma vez que, quando
questionamos os próprios profissionais da área de saúde, nenhum deles deseja a
UTI para si mesmo ou para seus entes queridos (SILVA, 2003, p. 2).
Assim, mesmo que as práticas estejam conformadas em um
espaço “desconfigurado” para a dimensão humana e onde as relações são
permeadas pelas relações de poder, para atender à integralidade, as práticas
profissionais de controle de IH devem considerar as pessoas - objeto do cuidado -
em todas as suas dimensões, nas suas necessidades de saúde nos diferentes
níveis de atenção curativa, mas também de promoção da vida e de prevenção de
complicações. Devem-se vislumbrar entre os profissionais, as técnicas e os
157
comportamentos, ações integradas, que objetivem não só o cumprimento de
tarefas, mas o atendimento às necessidades de vida e de saúde daqueles que
necessitam de cuidados, possibilitando a autonomia tanto das pessoas cuidadas
quanto das pessoas cuidadoras.
Na organização das práticas de CIH na UTI, o espaço e as
relações entre os sujeitos também se configuram como referências nesta
composição. Na organização do espaço da UTI, as relações entre os profissionais
se encontram permeadas por mecanismos de disputas, conforme podemos
apreender no diário de campo.
Num contato que tivemos com o Serviço de Fisioterapia, pudemos observar que algumas atribuições profissionais ainda não estão definidas no espaço da UTI. Existe um mecanismo de disputa entre o serviço médico e de fisioterapia, quanto a quem tem a competência técnica no manuseio dos parâmetros dos ventiladores mecânicos (Diário de Campo de 07/03/2007).
Os mecanismos de disputas influenciam na organização das
práticas de CIH na UTI, gerando relações assimétricas entre os profissionais de
saúde, contribuindo para que estas se tornem cada vez mais fragmentadas.
O espaço por sua vez, também privilegia algumas categorias
profissionais em detrimento de outras, bem como desvaloriza o espaço da pessoa
doente em detrimento ao dos profissionais, espaços estes conformados segundo a
hegemonia do saber clínico que influencia na organização das práticas de saúde,
onde profissionais como os de enfermagem e o próprio doente se mostram
subalternos nas relações.
Esta relação de subalternalidade pode ser visualizada na
distribuição do trabalho entre a medicina e a enfermagem. A primeira, por deter o
conhecimento clínico, a teoria, regula todo o tratamento e a vida da pessoa doente.
A segunda, por ser mais “prática”, segue os cuidados orientados por aquela e seu
conhecimento não é valorizado.
Quando remetemos ao cuidado na UTI, embora a maioria das
pessoas doentes que lá se encontram sejam “abolidas” de sua consciência, para a
integralidade nas práticas de controle de IH, é imprescindível que os profissionais
de saúde reconheçam no outro, pessoas que, embora limitadas de suas
expressões verbais ou corporais, continuam sendo pessoas.
158
Assim, a integralidade da atenção nas práticas de controle de IH
deve ser articulada entre estes profissionais (CECÍLIO; MERHY, 2005), de forma a
garantir a qualificação da vida das pessoas.
A organização das práticas de controle de IH tem no espaço da
UTI a distribuição de recursos humanos, materiais e equipamentos e também a
disponibilização das pessoas doentes com necessidade de procedimentos e de
cuidados. Entretanto, esse espaço ainda privilegia o enfoque sobre o corpo do
doente, uma vez que tal espaço destinado às pessoas doentes é desprovido de
qualquer aspecto que permita a sua expressão. Nessa perspectiva, as pessoas
internadas neste espaço perdem sua voz, seu olhar, sua identidade, sua
subjetividade, seu pudor, sua autonomia, passando a serem consideradas como
“objetos” passivos no processo de internação.
Assim, no que se refere às práticas de controle de IH, questiona-
se como essas práticas podem alcançar a tão almejada integralidade, quando o
espaço está configurado para a execução de “técnicas” apenas.
O Livro dos Enfermeiros, utilizado na organização das práticas na
UTI, registra como as pessoas internadas perdem a sua identidade perante os
profissionais no espaço da UTI.
“OBS: Verificar possibilidade de uso individual do DDAVP pois está sendo usado concomitante entre o leito 06 e 08” (grifo nosso) (Registro de Observação de 11/04/07).
A substituição dos nomes das pessoas internadas pelos números
que se encontram identificados os leitos (o leito 05, o paciente do leito 09) ou
mesmo até pela patologia (a vesícula, o TCE, o paciente da neuro), se constitui
numa prática comum entre os profissionais e revela como, na dinâmica das práticas
numa UTI, as pessoas doentes perdem seu valor e sua identidade como pessoa e
como cidadão no processo da internação.
Dessa forma, o modelo de atenção que vigora nos serviços de
saúde tem privilegiado a dimensão biológica, a medicalização, o enquadramento e
os termos técnicos presentes em todo o contexto organizacional da UTI.
Desvaloriza as outras dimensões que fazem parte da existência do ser, a social, a
cultural e a psicológica.
Certamente, além do espaço, há algumas situações que
necessitam ser consideradas para a manutenção dessa lógica, como: a rotatividade
desses profissionais; a divisão do trabalho em saúde; as sobrecargas de serviço e a
159
falta de materiais. Estes são alguns dos inúmeros fatores que se relacionam na
organização das práticas na UTI, em especial nas práticas de controle de IH, onde
o trabalhador, ao realizar um procedimento, não interage com a pessoa doente.
A diversidade de profissionais é um dos aspectos que contribui
para que o atendimento seja fragmentário e reducionista. Cada profissional se torna
responsável por um pedacinho do “objeto” de trabalho em saúde, a pessoa doente.
Assim, questiona-se como atender a integralidade se o espaço e a organização dos
serviços estão conformados para a atenção a doença. As práticas devem ser
articuladas entre os profissionais (CECÍLIO; MERHY, 2005), de forma a possibilitar
o atendimento a todas as necessidades dos usuários dos serviços hospitalares, não
apenas a necessidade imediata e curativa, mas também a de prevenir
complicações, entre elas, a infecção hospitalar.
Nessa perspectiva, Cecílio (1997, p. 313) compreende que
A busca da satisfação plena dos seus clientes deve orientar a prática gerencial de cada unidade, incluindo a forma como ela pensa seu processo de trabalho, problematiza seu cotidiano e estabelece suas prioridades de investimentos.
As lacunas podem ser visualizadas nos registros do Livro dos
Enfermeiros, revelando aspectos que dizem respeito à gestão do serviço hospitalar,
em especial a falta de medicamentos, equipamentos, materiais e a não realização
de procedimentos diagnósticos.
Continuamos sem gluconato de cálcio
Não temos termômetro
Não foi encaminhado o pedido de RX para o setor e por isso não vieram realizar a rotina
Às 6:30 foi comunicado ao setor de RX sobre a rotina e a pessoa que atendeu disse que não viria realizar os exames porque não foi encaminhado o pedido
Setor sem coletor de diurese
Estamos ficando sem rótulos para soro a noite. Peço para deixar alguns blocos
Paciente do L.07 – Paciente Luís, está com coletor de diurese aberto (frasco de álcool), na farmácia não há coletor fechado
TC crânio de controle não foi realizado devido falta de anestesista, só tinha um no CC e estava em procedimento
160
Estamos ainda sem termômetro + fita para dextro
(Registro de Observação de 11/04/2007)
Tais registros revelam que a organização privilegia a
medicalização, onde a pessoa doente é internada para controle e tratamento da sua
doença grave. Visto dessa forma, as falhas na organização prejudicam o trabalho
na UTI, tornando a internação nessa unidade pouco resolutiva, além de expor ainda
mais as pessoas doentes que já se encontram em condição de gravidade. A
reivindicação dos profissionais registrada no Livro dos Enfermeiros demonstra sua
preocupação e responsabilidade para com o objetivo ao qual a UTI se propõe.
E para fazer a assistência de enfermagem, a organização das
práticas é um aspecto fundamental. Lunardi et al. (2007, p. 497) salientam que
Exigindo melhores condições organizacionais de trabalho, as enfermeiras indiretamente advogam pelos pacientes, explicitamente reivindicando que os seus valores, assim como as suas responsabilidades éticas e profissionais sejam apoiadas.
Lunardi et. al (2007, p.495) lembram as implicações e os
compromissos da enfermagem quando esta atua em precárias condições de
trabalho.
[…] quando os profissionais de enfermagem aceitam trabalhar em precárias condições, em condições organizacionais em que não podem realizar o que aprenderam a acreditar e valorizar e/ou não realizam o que podem e devem realizar, estão negando a si a oportunidade de assegurar respeito e o cuidado necessários aos seus pacientes.
As pessoas doentes, especialmente as que estão internadas em
condição de gravidade, necessitam além de profissionais qualificados, de condições
materiais para que esses profissionais desenvolvam uma assistência de saúde
adequada. Esse papel cabe aos profissionais que estão na organização dos
serviços de saúde. Cecílio (1997, p. 305) refere que os recursos, de certa forma,
sempre serão escassos de acordo com as necessidades da população, entretanto,
explica que
161
[…] tal escassez não deveria ser utilizada para justificar ou ocultar o que tem sido nossa incapacidade histórica de implementar melhores formas de gestão e aproveitamento dos recursos existentes.
As pessoas doentes na UTI, por sua condição de gravidade,
necessitam, além de profissionais qualificados, de condições materiais, infra-
estrutura e equipamentos para que os profissionais possam prestar uma assistência
de saúde qualificada. Esse papel cabe aos profissionais que estão na organização
dos serviços de saúde e que, indiretamente, podem contribuir para o alcance da
integralidade, na medida em que organizam as práticas que lá acontecem, mesmo
que privilegie, ou seja, com base no modelo cartesiano.
Quanto ao último sentido da integralidade, as políticas
governamentais, para o controle das infecções hospitalares, retomamos ao
entendimento de Mattos (2001) em que, para alcançar a integralidade, as políticas
devem abarcar medidas tanto preventivas quanto assistenciais, conforme ele
indica.
[…] a noção de integralidade expressa a convicção de que cabe ao governo responder a certos problemas de saúde pública, e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de prevenção como as possibilidades assistenciais (MATTOS; 2001, p. 59).
O estudo de Souza et. al. (2002) elenca alguns desafios para o
controle das infecções hospitalares como a falta de apoio e escassez de recursos
para programas de prevenção; CCIH fantasmas ou burocráticas pela falta de
fiscalização dos órgãos competentes no sentido de fazer com que as legislações e
normativas sejam cumpridas e a priorização de ações curativas em detrimento de
ações de prevenção. Tais aspectos, associados à vulnerabilidade de um paciente
de terapia intensiva, constituem condição marcadora para o aparecimento de uma
infecção hospitalar, ou seja, do evento sentinela IH.
Contudo, percebemos que na área das infecções hospitalares,
embora tenhamos no país normativas e legislações, em muitos serviços, sua
prevenção ainda representa um desafio a ser enfrentado não somente pelos
profissionais como também pelos usuários, pois, embora haja normas e leis, estas
162
ainda não são efetivadas e a implementação de ações de apoio e fiscalização por
órgãos competentes ainda é uma necessidade que acreditamos, poderia melhorar o
quadro que encontramos hoje nos hospitais brasileiros, embora tenhamos a
convicção de que só isto não bastaria.
Portanto, no atendimento à integralidade a partir das práticas de
controle de infecção hospitalar, a análise dos dados nos mostrou que, mesmo com
a disponibilização do espaço para o desenvolvimento das práticas de terapia
intensiva, dos recursos tecnológicos avançados, dos recursos humanos
qualificados e das políticas específicas para o enfrentamento dessa problemática
que são as IHs, ainda assim, há muito a ser trilhado para o alcance da
integralidade.
Reconhecemos a contribuição das ciências no campo do saber
clínico, porém, enfrentamos ainda muitos problemas decorrentes do modelo
cartesiano: a fragmentação e o reducionismo. Embora haja nas políticas públicas e
políticas internas das instituições de saúde, legislações e normativas que buscam
controlar a prática hospitalar em nosso país, as práticas de CIH ainda se constituem
um desafio para a saúde das pessoas que necessitam desses serviços.
Analisando os relatos das observações e dos diários de campo, as
práticas profissionais na UTI não apresentam lacunas apenas no atendimento á
integralidade, mas também no atendimento aos princípios básicos de controle de
infecção hospitalar. Num estudo de Souza et.al. (2002, p. 29), as autoras
apontaram que os maiores desafios para o controle de infecção nas instituições de
saúde foram “[…] as políticas instituídas, as relações de trabalho e o pouco
envolvimento profissional“.
Visualizamos ainda que na perspectiva da integralidade, as
práticas profissionais, a organização e as políticas de atenção atuais são
influenciadas e influenciam as relações de poder e a hegemonia do saber clínico,
portanto, constituem um forte obstáculo para o atendimento à integralidade. Por
outro lado, reconhecemos que para o atendimento à integralidade, segundo os três
sentidos propostos por Mattos, há necessidade de se reconstruir as práticas de
controle de IH a partir de um outro referencial, o cuidado ético, com a incorporação
de novos saberes ao cuidado: como o da sociologia, o da antropologia, entre
outros, que busquem “integrar” as pessoas: reconstruir a doença ao doente e o
trabalho ao profissional de saúde. Assim, o doente passa a ser reconhecido como
pessoa e os trabalhadores de saúde e enfermagem passam a ser vistos como
163
pessoas que trabalham, ambas em um mesmo processo – de construção da
autonomia própria. Para tanto, os espaços da UTI devem ser “pessoalizados” e as
relações entre os diferentes atores “simétricas”, reconhecendo e valorizando o
conhecimento de cada um, seja profissional de saúde ou usuário (pessoas doentes
e familiares).
Para que o atendimento à integralidade seja vislumbrado,
portanto, Pinheiro et. al. (2005, p. 24) entendem que
[…] gerir o trabalho em saúde rumo à integralidade da atenção e do cuidado em saúde requer uma reflexão crítica acerca das características dos processos ali desenvolvidos, os quais explicitam as fragmentações presentes nas práticas individuais dos profissionais e os modos de sua organização nos serviços de saúde, seja na identificação das necessidades, seja nas formas de responder a elas.
A implementação de ações de controle sanitário no município,
aliadas à conscientização de profissionais de saúde e da população, constituem
aspectos a serem repensados para o combate às IHs. As práticas devem ser
efetivamente planejadas pelos serviços e implementadas por todos os atores
envolvidos, através de capacitações e de educação continuada e permanente, para
garantir a qualificação dos serviços de saúde. É preciso utilizar novas metodologias
e outros saberes nos processos de capacitação e atualização. Ainda, para que se
tornem efetivas, as ações dos órgãos fiscalizadores devem ser implementadas e é
absolutamente necessária a participação popular no processo (DALLARI, 2007).
Quanto aos aspectos relacionados à cidadania com vistas ao
controle das IHs, conforme Pereira e Bellato (2004), as pessoas fragilizadas e
vulneráveis pela sua condição de saúde, tornam-se menos ativas quando se trata
de defender seus direitos. Assim, a prática do envolvimento social ainda se constitui
num desafio a ser enfrentado. Muitos desconhecem seus direitos em saúde e na
participação da gestão dos serviços, conforme garantido na Lei nº 8.142/1990
(BRASIL, 1990b) que estabelece a participação da comunidade da gestão do
Sistema Único de Saúde.
É necessário lembrar também que, sendo a saúde um bem público e direito de cidadania todos os esforços individuais e coletivos nessa direção devem ser considerados um exercício de cidadania, e esta deve ser empreendida de maneira coletiva, fortalecendo
164
aqueles que se apresentam fragilizados nesse processo (PEREIRA; BELLATO, 2004, p. 24).
A assistência em saúde no Brasil vivencia um momento de
repensar paradigmas construídos ao longo da sua história. Quando remetemos à
abordagem dos processos assistenciais nos hospitais públicos e em especial na
UTI, nos deparamos com uma imagem negativa, caracterizada por práticas
profissionais realizadas de forma impessoal e fragmentada, sem envolvimento com
o “objeto” da assistência, uma relação demanda-ociosidade, sucateamento de
recursos materiais e humanos, descaso, desrespeito, desmotivação dos
trabalhadores, dentre outros problemas e situações (ROLLO, 1997). Do outro lado
de toda essa problemática, se encontra a população que necessita e busca nos
cuidados hospitalares que atendam as suas necessidades de assistência de saúde
(ROLLO, 1997).
Vislumbrado por toda essa problemática na assistência terciária,
quisera os problemas fossem apenas nesse nível de atenção, o Sistema Único de
Saúde busca garantir suas diretrizes básicas necessárias ao funcionamento do
sistema, a descentralização das ações, a participação social e o atendimento
integral, de forma a disponibilizar uma assistência de saúde qualificada à
população.
Para Campos (1997, p. 229), “[…] assegurar a qualidade em
saúde estaria na adequada combinação de autonomia profissional com certo grau
de definição de responsabilidade para os trabalhadores“ de forma a torná-lo mais
resolutivo e eficaz.
Autonomia pressupõe liberdade mas, para que o trabalho autônomo seja eficaz, pressupõe-se também capacidade de responsabilizar-se pelos problemas dos outros (CAMPOS, 1997, p. 229).
Assim, pensamos ser pertinente concluirmos esta parte do
trabalho com um trecho no qual Cecílio (1997) revela a experiência da internação,
onde
165
[…] o curto tempo de permanência no hospital, pelo menos para a maioria das pessoas, é um tempo muito especial. Um tempo de fragilidade. Um tempo para se repensar a vida. Um momento em que se depara de uma forma muito contrastada com o valor da autonomia e o que significa estar, mesmo que temporariamente, desprovido dela (CECÍLIO, 1997, p.300).
166
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados levantados e analisados possibilitaram compreender
que a integralidade hospitalar ainda constitui-se num grande desafio para as
instituições de saúde, profissionais e usuários, ainda que os resultados deste
estudo podem ser transportados também para o cotidiano de outras instituições
públicas de saúde com as mesmas características.
Apesar da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Saúde que
determinam respectivamente os direitos dos cidadãos e como deve estar
organizado o Sistema Público de Saúde em nosso país, podemos perceber que a
integralidade, um dos princípios básicos da assistência em saúde, ainda se constitui
num paradigma a ser incorporado nas instituições e no comportamento dos
profissionais de saúde. Essa mudança de comportamento acreditamos representar
a principal ferramenta para a prática da integralidade aos usuários da UTI.
A UTI do nosso estudo trás consigo configurações acerca da
organização do seu espaço, da conformação de suas práticas assistenciais, das
relações que permeiam todo o processo assistencial, como as relações de poder e
os mecanismos disciplinares, embasados na hegemonia da ciência médica e que
se constituem numa normalidade entre os profissionais e suas práticas neste
espaço, revelando hierarquias e disputas entre esses atores, gerando relações
assimétricas que perpassam inclusive nas relações com os usuários.
No estudo, foi possível visualizar que as práticas de controle de IH
na UTI tem como referência o modelo biologicista e fragmentado, e que por isso,
não atendem ao princípio da integralidade.
Os resultados da pesquisa sinalizam para a necessidade de
reflexões acerca da assistência prestada aos usuários das terapias intensivas de
forma a contemplar o princípio da integralidade, pois em nossas análises,
observamos que a organização das práticas de controle da IH tem o espaço e as
relações entre as pessoas, conformados segundo o saber clínico.
No contexto observado, as pessoas doentes são vistas como
corpos doentes que necessitam de tratamento e não pessoas que necessitam de
cuidados em saúde. Verificamos que há necessidade de mudança nos
comportamentos e nas práticas assistenciais, na busca de conceber a pessoa
internada como um ser humano, que tem seus sentimentos, sua identidade, sua
167
cultura, seu pudor, suas crenças e outras necessidades que precisam ser
respeitadas para que possa ter alcançada a integralidade da assistência.
Quando optamos por delinear o objetivo deste estudo,
acreditávamos que os dados não fossem tão expressivos. Entretanto, os dados e
as discussões nos apontaram que as práticas de controle de IH tem como foco a
dimensão clínica. O olhar para a integralidade da atenção requer ir além do olhar
pelo qual fomos formadas, para além das aparências e das naturalidades. Requer
compreender que há questões históricas, de relações de poder, de mecanismos de
disputas, entre outras permeando essas práticas e que necessitam ser superadas
para alcançarmos um cuidado ético.
Assim, reconhecemos que muito há a ser realizado em termos de
mudanças na concepção, do paradigma da doença para o da integralidade, porém,
este é um desafio que pode garantir às pessoas internadas mais segurança quando
são submetidas a práticas assistenciais e de controle de infecção.
A dificuldade de acesso a materiais e referências sobre o assunto
permeou este trabalho, que foi subsidiado pelo apoio de materiais onde o foco
maior se restringe à assistência à saúde na atenção básica e não na atenção
terciária. Isso nos instigou para que avançássemos no tema, sob esta perspectiva e
no contexto escolhido e que neste momento, temos a certeza de que fizemos a
opção mais coerente, pois, desvendar a integralidade nas práticas de controle de IH
foi muito enriquecedor, embora desafiante.
A experiência da coleta de dados pela observação nos possibilitou
ter uma visão da atuação dos profissionais e dos usuários e seus familiares através
de um outro olhar, de pesquisadora, desvestindo-nos do saber clínico para olhar de
maneira a compreender o cotidiano das práticas e as relações que se desenvolvem
por trás de sua “naturalidade” e na perspectiva da integralidade.
Como profissional de saúde, na realização do estudo, foi possível
observarmos que, muitas vezes, consideramos nossas práticas cotidianas de
trabalho de forma tão banais que não nos damos conta de que estamos
trabalhando com “vidas” e que essas vidas necessitam ser cuidadas, acima de
tudo, com compromisso ético. Para isso, é preciso que o trabalho em saúde seja
permeado por normalizações e princípios de controle de infecção hospitalar,
praticados por todos os profissionais envolvidos nos diferentes processos
assistenciais, mantendo para com as pessoas doentes o compromisso técnico e
ético.
168
Esperamos que este estudo possa trazer contribuições às práticas
em saúde na assistência hospitalar e que os profissionais possam repensar suas
práticas na perspectiva do controle de infecção sob a ótica da integralidade, seja
os que atuam na realização dessas práticas, na gestão dos serviços ou na
elaboração de políticas governamentais, de forma a possibilitar melhor qualidade de
vida às pessoas que utilizam os serviços públicos de saúde, os usuários ou os
profissionais de saúde.
169
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185
APÊNDICES
APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ENFERMAGEM
REGISTRO DOS DADOS DE OBSERVAÇÃO15
A observação deve focalizar o contexto e as relações dos indivíduos nos encontros sociais, bem como os aspectos estruturais e funcionais do que está sendo estudado. Observar as expressões faciais, linguagens corporais, comportamentos, tempo de silencio, etc. OBS – Ver outros itens de observação no instrumento de transcrição da entrevista
NOME DA PESQUISADORA:
DATA DA OBSERVAÇÃO: ____/____/____ Nº. DA OBS: _______
PRIMEIRA ANÁLISE
15
Instrumento de registro de dados adaptado para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bellato e Profª Drª Sonia Ayako Tao Maruyama com base em modelo construído pela Profa. Dra. Solange Pires Salomé.
186
APÊNDICE B
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - FACULDADE DE
ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ENFERMAGEM
Diário de Campo nº ______
Pesquisa:
DATA DA OBSERVAÇÃO: ____/____/________ Nº. DA OBSERVAÇÃO: ________
LOCAL: ____________________________________________
Descrição da Observação (práticas, procedimentos, relações, discursos e narrativas contidas num caso exemplar)
Notas reflexivas do pesquisador relativas ao: método, referencial teórico e condições pessoais
187
APÊNDICE C
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(Resolução nº. 196/96)
A Pesquisa “Os princípios da Integralidade e da Resolutividade nas
Práticas de Controle de Infecção em um serviço de atenção terciária do
Sistema Único de Saúde”16 será realizada pela Pesquisadora Mestranda
Rosangela de Oliveira, sob orientação da Profª. Drª. Sônia Ayako Tao Maruyama e
faz parte do trabalho de Dissertação do Programa de Mestrado em Enfermagem
pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Tem por objeto de estudo
compreender como se conformam as práticas de controle de infecção hospitalar no
atendimento aos princípios da integralidade e resolutividade aos usuários do SUS
em um serviço de atenção terciária.
A coleta dos dados para a pesquisa será realizada através de observações
das práticas profissionais na Unidade escolhida para o estudo (UTI Adulto), bem
como a leitura de documentos instituídos como protocolos assistenciais,
normas/rotinas e manuais de procedimentos referentes à temática.
Previamente e no decorrer da pesquisa, os profissionais envolvidos terão
acesso aos objetivos, conteúdo e forma como será realizada a coleta dos dados,
ficando resguardados pelo direito ao esclarecimento acerca de quaisquer dúvidas
relativas à pesquisa. Do mesmo modo, terão conhecimento dos riscos (desconforto)
ou quaisquer prejuízos decorrentes de sua participação, da garantida de
confidencialidade, da participação voluntária e da sua suspensão que é livre em
qualquer etapa da pesquisa não ocasionando qualquer tipo de penalidade.
As informações obtidas na coleta serão registradas diariamente em diário de
campo para posterior análise e interpretação. Os benefícios da pesquisa estão na
possibilidade de contribuir para mudanças na gestão e nas práticas assistenciais
dos serviços hospitalares, objetivando compreender como essas práticas
acontecem e subsidiar melhorias na qualidade desses serviços. Os resultados da
16
Obs: O título final do estudo ficou “A Integralidade nas práticas de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso”.
188
pesquisa serão disponibilizados aos sujeitos e à instituição envolvida através de
apresentação do trabalho.
Declaro ter recebido e compreendido as informações sobre o estudo
acima e concordo em participar desta pesquisa, nos termos apresentados.
Nome do Participante: _______________________ Assinatura ______________
RG/CPF______________________________ Data _____/______/_______
Assinatura do pesquisador principal: __________________________________ Em caso de necessidade, contate com: Sônia Ayako Tao Maruyama (pesquisador principal) (65) 9981-7882 email: [email protected]
Rosangela de Oliveira (65) 9998-5763 Email: [email protected] Informações sobre o Projeto fazer contato com o CEP do HUJM fone: (65) 3615 - 7254