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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM ROSANGELA DE OLIVEIRA A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO NA UTI DE UM SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE EM MATO GROSSO CUIABÁ-MT 2007

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ENFERMAGEM

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

ROSANGELA DE OLIVEIRA

A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE

DE INFECÇÃO NA UTI DE UM SERVIÇO PÚBLICO

DE SAÚDE EM MATO GROSSO

CUIABÁ-MT

2007

2

ROSANGELA DE OLIVEIRA

A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE

INFECÇÃO NA UTI DE UM SERVIÇO PÚBLICO DE

SAÚDE EM MATO GROSSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Área de Concentração: Processos e Práticas em Saúde e Enfermagem Linha de Pesquisa: Direito, Ética e Cidadania no Contexto dos Serviços de Saúde. Orientadora: Profª. Dr.ª Sônia Ayako Tao Maruyama

CUIABÁ-MT 2007

3

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

FICHA CATALOGRÁFICA

Oliveira, Rosangela de A integralidade nas práticas de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso. Cuiabá, 2007. 194 p. Dissertação, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso - Área de Concentração: Processos e Práticas em Saúde e Enfermagem Orientadora: Maruyama, Sônia Ayako Tao

Orientadora: Dra. S

1. Unidades de Terapia Intensiva 2. Infecção Hospitalar. 3. Assistência Integral à Saúde

4

5

DEDICO ESTE TRABALHO A

Aurival , Gustavo e Guilherme

Meus pais José e Aparecida

Meus irmãos Fátima, Rosemary, José Mário, Rosely e Paulo

que, mesmo distantes, sempre me incentivaram a continuar

6

MEUS AGRADECIMENTOS

À Deus, por me dar forças e coragem para continuar nos

momentos em que me sentia cansada, aflita e frágil perante

as adversidades

Com carinho especial à minha orientadora pela paciência,

dedicação e esforço em me ajudar a encontrar o caminho

certo a seguir, não medindo esforços para que pudesse

concluir este trabalho. Obrigado pela sua amizade e

compreensão, especialmente nos meus momentos difíceis e

pela sua disponibilidade em partilhar seus conhecimentos

Às professoras pelo incentivo e pelas valiosas contribuições no

meu aprendizado e na concretização deste trabalho, em

especial as que compuseram a banca da defesa

À colega, agora amiga Ana Paula que muito contribuiu no

meu crescimento, através das nossas muitas reuniões de

estudos e incansáveis discussões no msn

Aos meus colegas de trabalho da Vigilância Sanitária pelo

estímulo, pelas liberações quando se fazia necessário e na

divisão das tarefas para tornar menos penosa a minha

caminhada no período de realização deste trabalho

A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram

para a concretização deste trabalho

Muito obrigado

7

APOIO

Este subprojeto está vinculado a Pesquisa financiada pelo

CNPq sob o nº 402866/2005-3 - Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-

DECIT nº 34/2005 - Área de influência da BR 163: “Os desafios

e perspectivas do SUS na atenção à saúde em municípios da

área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato Grosso” -

Grupo de Pesquisa Enfermagem Saúde e Cidadania – GPESC,

linha de pesquisa: Integralidade, Práticas de Atenção e de

Gestão e Evento-sentinela.

8

“A verdadeira viagem da

descoberta consiste não em

procurar novas paisagens, mas em

vê-las com outros olhos”

Marcel Proust

9

OLIVEIRA, Rosangela de. A Integralidade nas práticas de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso. 2007. Dissertação de (Mestrado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação em Enfermagem. Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Enfermagem, Cuiabá, 194 p. Orientador: Drª. Sônia Ayako Tao Maruyama

RESUMO

O estudo teve como objetivo compreender como se conforma a organização das práticas de controle de infecção hospitalar no atendimento à integralidade numa UTI (adulto) pública do Município de Cuiabá, referência hospitalar da área de abrangência da BR 163. Os referenciais teóricos que embasaram a compreensão do fenômeno foram as infecções hospitalares, os princípios da Integralidade e alguns conceitos de Michel Foucault (as relações de poder e a disciplinarização). Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa. A coleta de dados foi realizada através da observação participante e da análise de alguns documentos da unidade. Da análise dos dados, emergiram duas categorias: o espaço da UTI na perspectiva da Integralidade e os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo assistencial da UTI sob o enfoque da Integralidade. A primeira categoria gerou três sub-categorias: o espaço da UTI; o espaço de cuidado do corpo das pessoas internadas e o espaço de controle do corpo do trabalhador e do corpo doente. Da segunda categoria emergiram cinco sub-categorias: as relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas de controle de infecção hospitalar; a enfermagem nas práticas de controle de infecção hospitalar; o cuidado de si como trabalhador de saúde; as relações entre profissionais de saúde e pessoas doentes e as relações entre profissionais de saúde e familiares. O estudo possibilitou compreender que o atendimento aos princípios da Integralidade a partir das práticas de controle de infecção hospitalar representa um desafio a ser alcançado, visto que envolve mudanças nos comportamentos profissionais, na gestão dos serviços e nas políticas de saúde.

Palavras-chave: Unidades de Terapia Intensiva; Infecção Hospitalar; Assistência Integral à Saúde

10

OLIVEIRA, Rosangela de. The Completeness on the practices of infection control in the Unit of Intensive Therapy (UIT) of a health public service in Mato Grosso. 2007. 194 p. Master‟s Dissertation – Nursing College. Federal University of Mato Grosso, Cuiabá, 2007. Supervisor: Sônia Ayako Tao Maruyama, Dr.

ABSTRACT

The study had as objective to understand as it conforms the organization of control practices of nosocomial infection in the attendance to Completeness in a public UIT (adult) of Cuiabá City, hospital reference to range area of BR 163. The theoretical referential that had based the comprehension of the phenomenon had been the nosocomial infections, the Integrity principles and some concepts of Michel Foucault (the relations of power and the discipline). One is about a research of qualitative nature. The data collection was carried through the participant observation and the analysis of some unit‟s documents. From the data analysis, two categories had emerged: the UIT‟s space in the perspective of the Completeness and the behaviors and subjective quality of the patients in the assistance process of the UIT under the approach of the Completeness. The first category generated three sub-categories: the UTI‟s space; the care space of interned people‟s body and the space of control of the worker‟s and sick‟s body. From the second category, five sub-categories had emerged: the relations and knowing clinical in the organization context to control practices of nosocomial infection; the nursing in the control practices of nosocomial infection; the care of itself as health worker; the relations between health professionals and sick people and the relations between health professionals and the families. The study made possible to understand that the attendance to the principles of the Completeness from the control practices of nosocomial infection represents a challenge to be reached, since involves changes in the professional behaviors, management of services and politics of health.

Key words: Unit of Intensive Therapy (UIT), Nosocomial Infection, Integral Assistance for Health.

11

OLIVEIRA, Rosangela de. La Integralidad em lãs prácticas de control de infección em la UTI de um servivio de salud en Mato Grosso. 2007. 194 p. Disertación de Maestria – Faculdad de enfermería - Universidad Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2007. Orientador: Drª. Sônia Ayako Tao Maruyama

RESUMEN

El estudio tiene como objetivo compreender como se conforma la organización de las prácticas del control de la infección hospitalaria en el atendimiento a la integralidad en uma Unidad de Terapia Intensiva pública de Cuiabá, referencia hospitalaria del área que abarca la BR 163. Los referenciales teóricos que basaron la comprensión del fenómeno fueron las infecciones hospitalarias, los princípios de la integralidad y algunos conceptos de Michel Foucault (las relaciones de poder y la disciplinarización). Se trata de una investigación de naturaleza cualitativa. La recogida de los datos fue realizada a través de la observación participativa y del análisis de algunos documentos de la unidad. Del análisis de los datos, emergieron dos categorias: el espacio de la UTI en la perspectiva de la integralidad y los comportamientos y las subjetividades de los sujetos envueltos en el proceso asistencial de la UTI bajo el enfoque de la integralidad. De la primera categoria surgieron tres subcategorías: el espacio del UTI, el espacio del cuidado del cuerpo de las personas enfermas y el espacio del control del cuerpo del trabajador y del cuerpo enfermo. De la segunda categoría emergieron cinco subcategorías: las relaciones y el saber clínico en el contexto de la organización de las prácticas del control del infección hospitalaria; la enfermería en las prácticas de control de infección hospitalaria; el cuidado de si como trabajador de salud; de las relaciones entre profesionales de salud y personas enfermas y las relaciones entre profesionales de salud y familiares. El estudio posibilitó comprender que la atención a los principios del la atenciòn integral a la saude los prácticos de control de el atendimiento a los princípios de la integralidad a partir de las prácticas de control de infección hospitalaria representa um desafio a ser logrado, visto que envuelve cambios comportamentales en los profesionales, em la dirección de los servicios y en las políticas de salud.

Palabras claves: Unidades de Terapia Intensiva, Infección Hospitalaria, Asistencia Total a la Salud.

12

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANVISA

APECIH

CCIH

CIH

CNES

CNPQ

COVISAE

ES

IH

INPS

MS

NR

OMS

OPAS

PCIH

SCIH

SINAIS

SUS

UNIFESP

UTI

VISA

Agência Nacional de Vigilância Sanitária

Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar

Comissão de Controle de Infecção Hospitalar

Controle de Infecção Hospitalar

Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Coordenadoria de Vigilância Sanitária e Epidemiológica

Evento Sentinela

Infecção Hospitalar

Instituto Nacional de Previdência Social

Ministério da Saúde

Norma Regulamentadora

Organização Mundial da Saúde

Organização Pan-americana de Saúde

Programa de Controle de Infecção Hospitalar

Serviço de Controle de Infecção Hospitalar

Sistema de Informações para o Controle de Infecção em Serviços de

Saúde

Sistema Único de Saúde

Universidade Federal do Estado de São Paulo

Unidade de Terapia Intensiva

Vigilância Sanitária

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

RESUMEN

LISTA DE ABREVIATURAS

1. INTRODUÇÃO ................................................................................

2. OBJETIVOS ...................................................................................

3. REFERENCIAIS TEÓRICOS .........................................................

3.1. As Infecções Hospitalares ..........................................................

3.1.1. Contextualização sócio-histórica dos hospitais e das infecções

hospitalares ...............................................................................

3.1.2. Fatos históricos e legislações sobre as Infecções Hospitalares

no Brasil .....................................................................................

3.1.3. O histórico das infecções hospitalares no Estado de Mato

Grosso e no Município de Cuiabá .............................................

3.2. O Princípio da Integralidade ........................................................

3.3. A Integralidade subsidiada em alguns conceitos de Michel

Foucault: as relações de poder e a disciplinarização ..................

4. METODOLOGIA .............................................................................

4.1. Tipo de pesquisa .......................................................................

4.2. Local e cenário do estudo .........................................................

4.3. Sujeitos do estudo .....................................................................

4.4. Coleta de dados, instrumentos utilizados, a entrada e a saída

do campo ..................................................................................

4.5. Análise dos dados ....................................................................

4.6. Aspectos éticos e legais ............................................................

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5. A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE

INFECÇÃO HOSPITALAR NA UNIDADE DE TERAPIA

INTENSIVA NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE ................

A complexidade da UTI .......................................................................

5.1. O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade ....................

5.1.1. O espaço da UTI .......................................................................

5.1.2. A UTI como espaço de cuidado do corpo das pessoas

internadas ..................................................................................

5.1.3. A UTI como espaço de controle do corpo do trabalhador e do

corpo doente ............................................................................

5.2. Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos

envolvidos no processo assistencial da UTI sob o enfoque da

Integralidade .............................................................................

5.2.1. As relações e o saber clínico no contexto da organização das

práticas de Controle de Infecção Hospitalar ..............................

5.2.2. A enfermagem nas práticas de Controle de Infecção

Hospitalar...................................................................................

5.2.3. O cuidado de si como trabalhador de saúde .............................

5.2.4. As relações entre os profissionais de saúde e pessoas doentes

5.2.5. As relações entre os profissionais de saúde e familiares ..........

6. A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE

INFECÇÃO HOSPITALAR NA UTI ...............................................

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................

REFERÊNCIAS .............................................................................

APÊNDICES ..................................................................................

ANEXOS .........................................................................................

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1. INTRODUÇÃO

As infecções hospitalares (IH) são consideradas como um grave e

complexo problema de saúde pública. Estão relacionadas a inúmeros fatores,

dentre eles, a ampla utilização de procedimentos cada vez mais invasivos, o uso

indiscriminado de antibióticos e a resistência microbiana (STARLING et. al., 2004;

TURRINI; SANTO, 2002).

O Ministério da Saúde define a IH como “[…] aquela adquirida

após a admissão do paciente e que se manifesta durante a internação ou após a

alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos

hospitalares” (BRASIL, 1998a).

As IHs são complicações relacionadas com a própria assistência à

saúde e representam uma das grandes preocupações que rondam os hospitais em

todo o mundo por constituírem a principal causa de morbidade e mortalidade

hospitalar. Além de aumentarem o período de internação hospitalar, elevam os

custos da internação e reduzem a rotatividade dos leitos hospitalares (ANDRADE;

ANGERAMI, 1999). Isso causa prejuízos às pessoas doentes, aos familiares, aos

hospitais e à sociedade em geral.

Sua incidência varia entre os estabelecimentos hospitalares e de

uma região para outra, conforme o porte do hospital, as características da clientela

atendida, os tipos de especialidades oferecidas, as tecnologias utilizadas, o sistema

de vigilância epidemiológica adotado e a efetividade do Programa de Controle de

Infecção Hospitalar (PCIH).

As IHs representam riscos à saúde das pessoas doentes não

somente de serviços hospitalares como também de outros serviços de saúde, uma

vez que esses eventos podem ocorrer também fora do ambiente hospitalar. Desta

forma, o termo infecção hospitalar vem sendo substituído por “Infecção Relacionada

à Assistência à Saúde - Iras” (ANVISA; UNIFESP, 2004).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), um

estudo realizado entre 1983-1985 em quatorze países revelou que há variações das

taxas de IH de 3 a 21%, com uma média de 8,7%. No Brasil, em 1994, um inquérito

nacional apontou que a taxa média de IH é de 15,5% entre hospitais públicos e

16

privados (OPAS-OMS, 2000), revelando-se elevadas quando comparadas aos

estudos da OMS.

No município de Cuiabá, no período de 2002 a 2006, a taxa média

de IH entre as unidades hospitalares foi de 3,5% (COVISAE; 2002, 2003, 2004,

2005, 2006), evidenciando a necessidade de implementar medidas preventivas

para minimizar seu aparecimento. Entretanto, infectologistas afirmam que não

existem índices aceitáveis de infecção hospitalar e defendem que não se deve

supervalorizar as taxas e os indicadores diversos de IH em detrimento da análise e

tratamento de suas causas (OPAS-OMS, 2000; TURRINI, 2002; LACERDA; EGRY,

1997).

A IH é um evento que pode ser evitado por meio da utilização de

medidas de prevenção e de controle, portanto, pode ser chamado de evento

sentinela (ES). O evento sentinela se refere a ocorrência de uma doença, invalidez

ou morte que poderia ter sido evitada (PENNA, 2006). Para Palmeira (2000, p.

180), o evento sentinela “[…] é um acontecimento indicativo de uma situação que

requer uma intervenção imediata”. Neste sentido, fizemos uma apropriação, na qual

consideramos também a IH como um evento sentinela, ou seja, um evento que

pode ser evitado e ter a sua ocorrência minimizada, através da utilização de ações

preventivas e de controle.

O evento sentinela IH revela falhas que impedem que o serviço

assistencial de saúde funcione de forma adequada (PENNA, 2006). Aproximando

para a infecção hospitalar, evidencia a existência de falhas operacionais e a

necessidade de implementação de ações preventivas e de controle de infecção que

permitam reduzir ou mesmo impedir danos e riscos às pessoas doentes dos

serviços de saúde. O aparecimento de casos de IH é inversamente proporcional ao

nível da qualidade da assistência hospitalar, sendo pertinente afirmar que a sua

freqüência pode constituir riscos à saúde das pessoas doentes, especialmente

quando se trata da assistência hospitalar.

Sua ocorrência representa um grande desafio não só para as

instituições hospitalares e profissionais de saúde, como também para as pessoas

doentes e a comunidade em geral, uma vez que, se medidas adequadas são

instituídas, é possível a redução das estatísticas de infecções hospitalares e,

conseqüentemente, de agravos relacionados a elas. A redução estatística se

relaciona à necessidade de sistemas hospitalares que combinem recursos

17

humanos, tecnológicos e financeiros específicos para atender a programas de

prevenção e controle de infecção (ANDRADE; ANGERAMI, 1999; TURRINI, 2002).

Diante da especificidade característica, a assistência hospitalar se

diferencia da atenção básica por disponibilizar atendimento a pessoas que

necessitam de uma assistência de saúde mais complexa, gerada por uma

variedade de recursos humanos, tecnológicos e materiais. Ela visa melhorar ou

recuperar a condição de saúde das pessoas doentes internadas que, geralmente, já

se encontram fisicamente debilitadas, podendo corroborar para o surgimento de

eventos decorrentes dos processos assistenciais, como as IHs.

As IHs são evitadas através de medidas de prevenção e controle.

Medidas simples e eficazes, como a lavagem das mãos, o processamento

adequado de artigos e superfícies, o uso de equipamentos de proteção individual e

o cumprimento das regras de assepsia podem reduzir a sua incidência (PEREIRA

et al, 2005).

No entanto, as ações de controle das infecções hospitalares

envolvem outros aspectos além dos procedimentos técnicos, como os de natureza

administrativa, econômica, estrutural, política ou governamental, o que demonstra

quão problemática e complexa é a discussão dessa temática (SOUZA et al., 2002;

ALVES; ÉVORA, 2002).

Os estudos e a preocupação com as infecções hospitalares

tiveram início em minha trajetória profissional mais especificamente em dezembro

de 1999, quando participei do “I Curso de Atualização em Controle das Infecções

Hospitalares” como representante da Secretaria de Saúde do Município de Cuiabá

(Coordenadoria de Vigilância Sanitária e Epidemiológica Municipal - COVISAE),

disponibilizado pela Secretaria de Estado da Saúde de Mato Grosso para a

formação de multiplicadores de conhecimento.

Mais tarde, em agosto de 2000, repassei informações para os

profissionais dos estabelecimentos hospitalares do município, através de uma

capacitação em controle de infecção hospitalar.

O repasse do conhecimento do Curso foi um marco para o início

das ações de controle de infecção hospitalar no município de Cuiabá pela

Secretaria Municipal de Saúde. Assim, dei início à condução de um grupo de

estudos de controle de infecção hospitalar que passou a se reunir mensalmente

para discutir sobre esta temática. Instituí também o primeiro “Relatório Mensal de

Infecção Hospitalar” nos estabelecimentos hospitalares com a finalidade não só de

18

iniciar o levantamento de dados epidemiológicos de IH no município, mas também

para incentivar a implantação e/ou implementação das ações de controle de

infecção hospitalar, até então realizada por poucos estabelecimentos. Nesse

período, o município contava com 36 (trinta e seis) unidades hospitalares, entre

públicas, privadas, filantrópicas e outros. Dessas, apenas algumas (não existem

dados oficiais) dispunham das comissões de controle de infecção hospitalar e

vinham realizando algum trabalho nesta área.

Desde então, como enfermeira de órgão fiscalizador – Vigilância

Sanitária, participei de diversas capacitações em controle de infecção hospitalar.

Em 2004, fiz o Curso de Especialização em Infecção Hospitalar da Universidade de

São Paulo, o que me instrumentalizou ainda mais para o trabalho de fiscalização

sanitária em estabelecimentos de saúde em geral.

Com o desenvolvimento dessas atividades, tenho vivenciado a

necessidade de estudos e maior dedicação na prevenção e controle das IHs em

nosso município e Estado. A minha inserção em 2006 na Pós-graduação em Enfermagem -

nível mestrado – e a inclusão em Grupo e Projeto de Pesquisa permitiu ampliar

minha visão do processo saúde-doença, bem como me aproximar da temática da

integralidade em saúde. Neste aspecto, foi possível, a partir da minha experiência,

problematizar o contexto da IH para além das questões teórico-legais as quais

estava instrumentalizada, conhecer e ampliar os referenciais teóricos e

metodológicos em saúde, bem como ver o cotidiano do trabalho sob nova

perspectiva, a da Integralidade.

Esta nova dimensão, desconhecida da minha prática como

profissional da área de fiscalização, me possibilitou ampliar conhecimentos sobre a

temática da IH numa outra ótica ou perspectiva, impulsionada pela

responsabilidade e compromisso com a saúde dos usuários. O fato de ser

profissional de saúde nos imprime a importância da nossa responsabilidade e do

compromisso no atendimento aos princípios da integralidade.

Responsabilidade e compromisso, porém, devem ser atributos

não só dos profissionais que realizam assistência em saúde, mas também dos

gestores e do Estado que têm um papel vital para que a integralidade seja

efetivamente vislumbrada e praticada.

19

As práticas1 assistenciais em saúde são realizadas por uma

diversidade de profissionais. Entretanto, os profissionais de enfermagem formam

uma categoria com características peculiares: constituem a maior força de trabalho

na área hospitalar e se caracterizam por prestar assistência direta e contínua nas

24 horas.

Esta característica do profissional de enfermagem exige atitudes

que permeiam a qualidade do cuidado prestado às pessoas doentes, baseadas em

conhecimentos técnicos e científicos que envolvem também as medidas de controle

das IHs. Devido à especificidade do trabalho, estes profissionais recebem a carga

maior de responsabilidade frente a esta problemática (ALVES; ÉVORA, 2002;

PEREIRA et al., 2005).

Paralelo a essa responsabilidade, não se pode esquecer que os

profissionais de enfermagem convivem com sobrecargas de trabalho, baixos

salários e múltiplas jornadas, fatos comuns nessa categoria profissional (ALVES;

ÉVORA, 2002). Estes aspectos devem ser contextualizados quando se procura

compreender as práticas de prevenção e controle das IH.

Conforme preconizado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988),

a saúde se constitui em um bem comum e num direito de todo cidadão. Entretanto,

esses direitos ainda não são reconhecidos por muitos profissionais e instituições

públicas de saúde, que ainda focalizam as práticas em saúde, desconsiderando ou

negligenciando tais direitos. Igualmente, por motivos sociais e culturais, os usuários

dos sistemas públicos de saúde ainda desconhecem os caminhos para garantir

seus direitos em saúde.

Nesse aspecto, embora se visualize uma tendência a mudanças,

uma vez que a legislação prevê a garantia da participação social na gestão em

saúde, ainda assim se convive num contexto onde a pessoa que necessita dos

serviços de saúde, fragilizada e vulnerável, seja na dimensão biológica, psicológica,

social ou cultural, pouco exerce a sua cidadania. Seu direito à saúde ainda é um

desafio a ser conquistado.

No Sistema Único de Saúde (SUS), o princípio da integralidade

compreende o atendimento à pessoa doente2 respeitando todas as suas

1 O termo “práticas” utilizado neste estudo é entendido como todo um corpo de ações ou

“modo de atuar” (ARAÚJO, 2005) dos profissionais de saúde. 2 No estudo, será utilizada a denominação “pessoa (s) doente (s)” quando se tratar de

pacientes, doentes ou enfermos dos serviços de saúde, com exceção dos registros de observação que utilizamos o termo “paciente (s)”.

20

dimensões. Representa um dos eixos norteadores do Sistema, juntamente com a

descentralização e a participação social. Este princípio assegura a qualidade da

atenção em saúde e se constitui num desafio a ser alcançado no SUS.

Dentre os inúmeros desafios para o alcance da melhoria da

atenção à saúde, se encontram as relações profissionais – profissionais e as

relações profissionais de saúde – pessoas doentes. Estas relações geralmente são

caracterizadas por assimetrias, especialmente das pessoas doentes que não tem

sua voz legitimada. Para Mattos (2004, p. 1414) as práticas devem ser permeadas

por relações intersubjetivas, onde “[…] os profissionais de saúde se relacionem com

sujeitos, e não com objetos”, evidenciando a necessidade do envolvimento da

dimensão dialógica nesse processo.

Estas relações devem ser refletidas e reconstruídas,

principalmente nas formas de acolhimento, vínculo, aproximação, diálogo e

interação. Tais formas exigem a prática de simetria nas relações entre esses

atores, rompendo paradigmas historicamente construídos. Para Costa (2004, p.

11), o diálogo na ação médica, “[…] humaniza a relação entre indivíduos que são

fundamentalmente distintos, permitindo a aproximação e a confiança necessária ao

processo de cura”. Nessa perspectiva, essa proposição pode ser estendida para o

diálogo entre os demais profissionais de saúde com as pessoas doentes.

No contexto das práticas de controle das IHs, visualiza-se a

necessidade de focalizar os processos dialógicos entre os profissionais de saúde,

de forma a contribuir para a análise das relações e das suas práticas de atenção.

Portanto, o atendimento das práticas ao “outro”, aquele que se torna “objeto” no

processo assistencial, necessita ainda ser repensado no cotidiano das instituições

hospitalares, uma vez que permite deixar vulneráveis e susceptíveis as pessoas

doentes, colocando em risco a qualidade e a segurança dos processos

assistenciais em saúde.

Outra questão relacionada às práticas de controle de IH se refere

às legislações e normativas governamentais instituídas para que os serviços

desenvolvam medidas para prevenir ou reduzir ao máximo a sua incidência. Mesmo

regulamentadas, estas não tem sido efetivas e nem produzido os resultados

esperados (SOUZA et al., 2002). É necessário que haja o imbricamento entre os

diferentes discursos que interagem no processo, o econômico, o político, o

judiciário e o científico, para que se estabeleça a garantia da saúde coletiva como

prática social (SILVA; COROA, 2005). Cabe oportunamente acrescentar que a

21

competência discursiva dos sujeitos “assistidos” é fundamental nesse processo,

uma vez que, legitimando sua voz como pessoa doente usuária e consumidora dos

serviços de saúde, ela estará exercendo a sua cidadania.

No que tange às instituições de saúde, é de domínio público que

os hospitais enfrentam dificuldades em instituir medidas de controle de infecção,

pela complexidade da assistência, pela multiplicidade de profissionais que ali atuam

e pelas dificuldades relacionadas a investimentos, em especial quando nos

referimos à área de recursos humanos. A falta de instrumentalização para o

desenvolvimento da autonomia das pessoas doentes usuárias dos sistemas de

saúde corrobora para o agravamento do processo.

A carência de profissionais qualificados é outro fator que prejudica

o adequado controle da infecção hospitalar no Estado. A disponibilidade de cursos

e habilitações na área ainda é restrita e limitada aos grandes centros, o que impede

a participação dos profissionais de saúde de regiões distantes, em especial de

nosso Estado (SOUZA et al., 2002).

Como profissional atuante em órgão fiscalizador, tenho observado

que inúmeras são as dificuldades encontradas na implantação e implementação

das práticas de controle de IH. Essas dificuldades representam motivo de

preocupação, haja vista as conseqüências que advêm desses eventos às pessoas

doentes e à sociedade, principalmente nas instituições hospitalares de natureza

pública, responsáveis pela assistência de grande parte da população.

Assim, a minha inserção no Projeto “Os desafios e perspectivas

do SUS na atenção à saúde em municípios da área de abrangência da BR 163 no

Estado de Mato Grosso”3, por meio do Grupo de Pesquisa “Enfermagem, Saúde e

Cidadania”, me possibilitou desenvolver o Subprojeto “A Integralidade nas práticas

de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso”. O

foco deste estudo fundamenta-se nos mesmos referenciais do projeto maior, no

qual se buscou aprofundar a compreensão das práticas profissionais desenvolvidas

em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pública, espaço onde se encontram

pessoas gravemente enfermas e vulneráveis em todas as suas dimensões.

3 Projeto financiado pelo CNPq sob o número 402866/2005-3 – Ed 342005-BR163

2aEt/Edital MCT/CNPq/MS-SCTIE-DECIT 34/2005 e desenvolvido pelos grupos de

pesquisa “Gestão do Conhecimento Pluridisciplinar para o Trabalho em Saúde"- GEPLUS e

“Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania” – GPESC.

22

Com este estudo, tivemos4 a pretensão de compreender como as

práticas de controle de infecção se conformam no espaço da UTI para atender ao

princípio da integralidade, um dos eixos norteadores do SUS.

Os referenciais empregados e os aspectos vivenciados no

cotidiano das atividades como profissional de saúde nesse campo, nos serviram

para vislumbrar um novo olhar sobre as práticas de controle de IH, fazendo emergir

alguns questionamentos: Como as práticas de controle de infecção hospitalar

acontecem? Como os profissionais de saúde operam as práticas de controle de

infecção no sentido de atender ao princípio da integralidade às pessoas doentes

por eles assistidas? Como as relações de poder interferem na organização destas

práticas? Como a integralidade desse “outro” - o “objeto” da assistência - é

atendida pelos profissionais dos serviços de saúde?

Diante dos questionamentos apresentados, a questão principal

que norteou o desenvolvimento deste trabalho foi: como se conforma a organização

das práticas de controle de infecção hospitalar no atendimento à integralidade

numa Unidade de Terapia Intensiva de uma instituição pública de Mato Grosso?

De acordo com Lacerda (2002), as produções científicas sobre

essa temática no Brasil, seja na abordagem quantitativa ou qualitativa, sugerem o

reconhecimento do evento IH como um reflexo da qualidade do cuidado em saúde

como um todo.

Várias pesquisas têm sido realizadas nessa área, sendo que

grande parte tem focalizado a temática sob o enfoque quantitativo (DIENER;

COUNTINHO; ZOCCOLI, 1996; PEREIRA et. al.; 1999) e poucas apresentam a

abordagem qualitativa (SOUZA et al, 2002; ALVES; ÉVORA, 2002; CARRARO,

2004).

Observamos a escassez de estudos qualitativos com o enfoque

voltado para os referenciais da Integralidade nas práticas de controle das IHs. Os

estudos acessados sobre a perspectiva da integralidade se restringem aos serviços

de atenção básica, o que nos motivou a desenvolver o estudo, bem como por

acreditar que essa é uma área que ainda necessita ser explorada.

Na perspectiva de explorar a temática da IH no campo da

integralidade, visualizamos em alguns conceitos foucaultianos a possibilidade de

atender aos objetivos propostos neste estudo, ou seja, compreender como se dão

4 A partir desse momento do estudo, será utilizada a 3ª pessoa do plural.

23

estas práticas sob o enfoque da integralidade no serviço hospitalar público de

referência escolhido para o estudo.

Partimos do pressuposto de que estas práticas foram

historicamente construídas, portanto, permeadas de relações que se imbricam nos

espaços do hospital e que se constituem numa forte barreira para garantir o

atendimento ao princípio da integralidade às pessoas doentes usuárias dos

serviços de saúde. Nesse sentido, nos apoiamos no referencial das infecções

hospitalares, na integralidade e em alguns conceitos da abordagem foucaultiana

para nos aproximar do objetivo proposto neste estudo.

Assim, será possível contribuir para a melhoria dos processos de

“cuidar” no nível hospitalar, onde o controle de IH seja uma prática responsável

entre os trabalhadores da saúde, e que, ao relacioná-lo ao princípio da

integralidade, possa qualificar o cuidado hospitalar do ponto de vista ético, técnico,

social e legal.

Esperamos que o estudo contribua para estender o olhar sobre

essa temática, a fim de possibilitar o desenvolvimento de metodologias de trabalho

que contemplem a integralidade como princípio, ampliando o sentido do “cuidar em

saúde” nas práticas de atenção hospitalar. Entendemos que a integralidade tem

estreita relação com a qualidade e segurança da assistência hospitalar, além da

garantia do atendimento às necessidades de saúde, na medida em que possibilita

refletir sobre a assistência prestada às pessoas doentes, bem como sobre as

condições de trabalho as quais os profissionais de saúde estão organizados nas

instituições.

24

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

No propósito de ampliar o olhar para os questionamentos aqui

apresentados, procuramos compreender o fenômeno, embasado nos referenciais

da integralidade e em alguns conceitos do referencial foucaultiano, definindo como

objetivo deste estudo compreender como o princípio da integralidade é atendido na

organização das práticas de controle de infecção hospitalar numa UTI pública do

Município de Cuiabá - referência hospitalar da área de abrangência da BR 163 no

Estado de Mato Grosso.

2.2. Objetivos Específicos

Descrever como se estabelecem as relações entre os profissionais de saúde

no espaço da UTI;

Analisar como se dá o processo do cuidar no espaço da UTI, a partir da

relação entre profissionais de saúde, pessoas doentes e familiares;

Identificar os princípios da integralidade nas práticas de controle de infecção

hospitalar no espaço da UTI.

25

3. REFERENCIAIS TEÓRICOS

3.1. As Infecções Hospitalares

3.1.1. Contextualização sócio-histórica dos hospitais e das infecções

hospitalares

Através dos tempos, os cuidados às pessoas doentes foram

prestados de distintas formas, envolvendo diferentes sujeitos até se tornar

institucionalizado (MELO, 1986), com a criação dos hospitais.

Na literatura, encontramos citações quanto ao surgimento dos

primeiros hospitais urbanos no Império Romano, aproximadamente entre os anos

300 e 394 d.C. (RODRIGUES, 1997; COUTO; PEDROSO; PEDROSA, 2003;

FERNANDES et.al., 2000a).

As ações do cristianismo, como o Concílio de Nicéia e o de

Cartago (398 d.C.), recomendavam aos bispos que criassem pelo menos um

hospital próximo às catedrais como forma de facilitar a assistência aos pobres,

inválidos, peregrinos e enfermos (FERNANDES et.al., 2000a).

Nesse período da Idade Média, os cuidados às pessoas doentes

são direcionados às mãos dos religiosos e se desenvolvem, especialmente nos

séculos XI e XII. No século XIII, se deu o que se pode chamar de introdução da

enfermagem nas instituições hospitalares, através das religiosas que tinham no

trabalho a filosofia da religião de amar ao próximo (MELO, 1986).

Assim, os hospitais surgem como locais destinados à execução de

obras de caridade que assegurassem a vida eterna e a salvação da alma dos

enfermos no momento de sua morte (FOUCAULT, 1992b).

No decorrer do Séc. XVIII fatos como a Revolução Industrial e o

crescimento urbano desencadearam a necessidade de transformação da instituição

hospitalar, na busca de tentar anular os efeitos negativos que causava, como as

desordens econômico-sociais, os custos na manutenção de ociosos e para evitar a

disseminação de doenças dos pobres às outras classes sociais. Portanto, de um

espaço de separação e exclusão, passa a ser um local de tratamento e

26

recuperação das pessoas, com o objetivo de atender às necessidades geradas pelo

capitalismo (FOUCAULT, 1992b).

A concepção caritativo-assistencial de assistir aos pobres,

doentes e peregrinos, que perdurou por muitos séculos, dá lugar a uma nova

concepção - a concepção terapêutica. Desenvolve-se a conscientização de que o

hospital poderia e deveria ser um instrumento de cura para atender à emergência

capitalista que demandava cidadãos saudáveis para o desenvolvimento das

atividades de produção (FOUCAULT, 1992b).

O processo de reorganização e reestruturação dessas instituições

é marcado principalmente pela sua disciplinarização e pela inserção dos médicos

no seu espaço, e foi acompanhado por uma mudança gradual nas condições de

atendimento aos doentes. Entretanto, esses espaços de confinamento das

pessoas eram insalubres e favoreciam a transmissão de doenças infecciosas

devido às precárias condições sanitárias das instituições. Assim, a reorganização

dessas instituições assistenciais da Idade Média se constitui no marco para o

surgimento das infecções hospitalares e da necessidade de seu controle

(LACERDA; EGRY, 1997).

De acordo com Fernandes et.al. (2000a), foi a partir dessa

necessidade assistencial que muitos hospitais foram criados, entre eles o Hotel-

Dieu na França com cerca de 1.200 leitos. Nessas instituições, as condições de

funcionamento eram precárias. Com a excessiva clientela, havia a necessidade de

compartilhamento de um leito por vários enfermos, propiciando a transmissão de

doenças entre eles, especialmente as de origem infecciosa. O autor ressalta que,

em pediatria, o número de crianças compartilhando o mesmo leito era ainda maior.

O abastecimento de água era de origem incerta, os alimentos consumidos não

recebiam os cuidados adequados e os quartos não possuíam ventilação (COUTO;

PEDROSO; PEDROSA, 2003).

Os espaços hospitalares representavam locais de segregação e

de exclusão. Similares a albergues ou asilos, tinham também a finalidade de

recolher os pobres enfermos para proteger a população de doenças ou epidemias.

Tantos fatores contribuíam para que esses locais facilitassem a disseminação de

doenças. Favorecidas pelas condições, as doenças facilmente se propagavam,

constituindo processos infecciosos oriundos dos próprios serviços, cujas

conseqüências aumentavam a gravidade ou causavam a morte dos enfermos que

ali se encontravam junto às outras pessoas atendidas (FOUCAULT, 1992b).

27

Segundo Foucault (1992b), até meados do Século XVIII, os

espaços dos hospitais se constituíam em fonte inesgotável de doença e de morte

para os pobres que estavam morrendo. O pobre ou enfermo era assistido material e

espiritualmente, recebendo ali os últimos cuidados e o último sacramento, portanto,

os hospitais não eram locais destinados à cura. Destinavam-se ao atendimento de

indivíduos das classes menos privilegiadas da sociedade, ou seja, tinham um

caráter essencialmente social e por

[…] transição entre a vida e a morte, de salvação espiritual mais do que material, aliada à função de separação dos indivíduos perigosos para a saúde geral da população (FOUCAULT, 1992b, p. 102).

A assistência aos enfermos e necessitados permanece a mesma

desde o período pré-cristianismo, na Roma Antiga e na Idade Média, ou seja,

prestada quase sempre por mulheres, como religiosas, prostitutas e outras pessoas

sem qualificação ou remuneração. Desempenhar a assistência aos necessitados no

hospital significava a realização de obras de caridade, servindo como um meio para

a remissão dos seus pecados e merecimento de indulgências (MELO, 1986).

O espaço hospitalar de conformação insalubre é enfatizado por

Foucault (1994) em sua obra “O Nascimento da Clínica”, como

[…] o hospital, como a civilização, é um lugar artificial em que a doença, transplantada, corre o risco de perder seu aspecto essencial. Ela logo encontra nele um tipo de complicação que os médicos chamam febres das prisões ou dos hospitais (FOUCAULT, 1994, p. 17).

Para o autor, a institucionalização poderia ser a causa de novas

complicações para o doente, pois as infecções hospitalares surgiam como uma

conseqüência das precárias condições de assistência que permitiam a

disseminação de doenças entre as pessoas ali atendidas.

As desordens econômico-sociais resultantes do crescimento

populacional das cidades, causadas pelo êxodo rural e pelo processo da

industrialização gerados pela emergência do capitalismo, corroboram para

promover a reorganização dos hospitais, tendo como objetivo principal atender às

28

forças de trabalho necessárias ao modelo capitalista, valorizando o corpo sadio

como meio de bem-estar físico, saúde perfeita e longevidade dessas forças de

trabalho (LACERDA; EGRY, 1997).

Nesse período, a situação das cidades era de total calamidade.

Havia falta de higiene pública, contaminação ambiental e dos rios, o que acarretava

racionamentos de água. A água muitas vezes estava contaminada com

excrementos, gerando o aumento dos índices de morbidade e mortalidade. As

estratégias elaboradas para sanar os problemas eram ineficazes e geravam gastos

sem resultados satisfatórios. Em decorrência do descaso com a saúde pública,

cada vez mais a população exigia uma política nacional que promovesse a saúde e

o bem-estar da população. A partir de então, se observa a participação social nos

sistemas de gestão das cidades, o que passa a garantir o exercício da cidadania

(FERNANDES, 2000).

Num esforço de conscientização, medidas de organização foram

criadas e preconizadas timidamente pelos reis que buscavam manter o poder sob

seu controle, tornando um Estado forte. Constituiu-se também a polícia sanitária,

que fazia o controle e fiscalização de aspectos higiênicos, alimentares e jurídicos

(FOUCAULT, 1992a; FERNANDES, 2000).

No final desse século, são realizadas viagens inquéritos em

hospitais de diversos países da Europa, com o objetivo de estabelecer um

programa de reconstrução e reorganização dessas instituições, sob a ótica de

médicos e não mais arquitetos, na perspectiva de corrigir os efeitos patológicos que

causavam (FOUCAULT, 1992b).

Surgiram após esses inquéritos, novas concepções quanto à

relação entre fenômenos patológicos e espaciais, como segregação de doentes de

acordo com a nosologia, cuidados com contaminações e com o ambiente, de forma

a evitar os fatos patológicos próprios dos hospitais. Inicia-se nesse período a

constituição do modelo clínico, uma vez que a prática médica, até então, não

possibilitava conhecimento para a organização de um saber voltado para a

medicina hospitalar (FOUCAULT, 1992b).

Ainda no Séc. XVIII, a reestruturação dos hospitais começa nos

hospitais marítimos e militares, devido às regulamentações econômicas - o

mercantilismo, e a valorização dos homens enquanto soldados devido aos altos

investimentos para a sua formação. Os soldados doentes, então, passaram a ser

vigiados para que se curassem, evitando sua morte e a deserção (FOUCAULT,

29

1992b). Era preferível que morressem em plena forma nas batalhas do que em

detrimento de doenças.

Várias regulamentações foram instituídas nesses hospitais, como

o combate ao tráfico de mercadorias (objetos preciosos, especiarias e outros

produtos contrabandeados pelos traficantes que se faziam doentes, escondendo

objetos para escapar do controle alfandegário ao serem transferidos para os

hospitais) através de inspeções dos cofres dos hospitais em busca de contrabando,

quarentena para evitar a propagação de doenças epidêmicas e a disciplinarização

com o objetivo de reordenar o espaço hospitalar (FOUCAULT, 1992b).

O processo de reorganização dos hospitais se dá, então, a partir

da aplicação da disciplina nesses espaços, que é uma técnica de exercício de

poder existente desde a Antiguidade e Idade Média. Era caracterizada pela

vigilância perpétua e constante dos indivíduos. Foi aprimorada no Séc. XVIII como

uma nova técnica de gerir os homens, visando aumentar seu trabalho e sua

atividade, sob um poder susceptível de controle. Considerada uma das grandes

invenções deste século, a disciplinarização foi introduzida especialmente no

exército e nas escolas, além dos hospitais (FOUCAULT, 1992b).

Para Foucault (1992b), a introdução das medidas disciplinares nos

espaços hospitalares permitiu o seu esquadrinhamento, para atender às

necessidades econômicas, a valorização dos corpos dos indivíduos e o controle

das epidemias.

A disciplinarização no espaço hospitalar tornou-se médica, ou

seja, corroborou para promover a medicalização do ambiente hospitalar, através do

processo de transformação dos saberes e das práticas médicas nesses espaços. A

assistência inicialmente caritativa fora gradualmente substituída pela atividade de

cura e terapêutica. A doença passa a ser vista como um fenômeno natural, onde a

natureza tem uma ação sobre o meio que circunda o indivíduo, como o ar, a água,

a alimentação, a temperatura do ambiente, e o tratamento, subsidiado pelo

conhecimento científico, passa a ser reconhecido como uma intervenção médica.

Visão diferente do que ocorria nos Séculos XVII e XVIII, onde a atuação do médico

era prognosticadora dos momentos de crise e acompanhada sob passividade, no

confronto entre a doença e a natureza (FOUCAULT, 1992b).

A observação contínua dos doentes gera transformações que

tornam o hospital uma instituição funcional e um campo de aprendizado constante à

medicina hospitalar. Ele passa a receber apenas doentes através de indicação

30

médica para evitar as superlotações, individualiza-se o trato aos enfermos,

desenvolve-se uma preocupação com a localização e arquitetura do hospital no

favorecimento à cura dessas pessoas. O médico passa a ser o elemento essencial

e principal responsável pela organização do hospital (FOUCAULT, 1992b),

delimitando aí o seu espaço hegemônico e de poder, que se estabelece

progressivamente na hierarquização da sua classe.

Aprimoram-se os métodos estatísticos que se iniciaram no Séc.

XVIII, com melhora das análises das informações em saúde, o que propicia aos

sanitaristas o embasamento científico para a execução de ações de saúde pública,

antes pautadas no empirismo (FOUCAULT, 1992b; FERNANDES, 2000).

Conseqüentemente às transformações econômicas e sociais

oriundas do capitalismo, do crescimento desordenado das cidades, dos

enfrentamentos de doenças epidêmicas e da evolução das divisões técnicas e

sociais do trabalho, progressivamente, o conhecimento da medicina e a

organização dos hospitais evoluem. Surgem gradualmente, medidas

organizacionais destinadas ao atendimento do novo propósito hospitalar de cura e

terapêutica (LACERDA; EGRY, 1997), exigindo práticas que possibilitassem o

melhor cuidado com o corpo e o desenvolvimento das práticas médicas, embora

ainda rudimentares, mas que se preocupavam com questões relacionadas ao

aparecimento de doenças oriundas do processo assistencial, ainda não

denominadas como infecções hospitalares.

Nesse contexto, um marco no histórico das IHs representou o

médico cirurgião húngaro Ignaz Philipp Semmelweis (1818 -1865), em Viena, que,

em meados do Séc. XIX (1847), ao observar as altas taxas de infecção puerperal

em mulheres que haviam sido tratadas por médicos que antes haviam realizado

necropsias, instituiu a rotina de lavagem de mãos com solução clorada. Neste

simples ato, conseguiu reduzir as taxas de infecção de 11,4% para 1,3% em um

período de sete meses (FERNANDES et.al., 2000b). Cabe destacar que em 1843,

alguns anos antes, Oliver Wendel Holmes (1809-1894), médico, escritor e poeta

norte-americano, fez esta mesma relação que Semmelweis, embora convincente e

com argumentos lógicos, foi tratado com indiferença e hostilidade pela classe

médica e não conseguiu o mesmo êxito (RODRIGUES, 1997; COUTO; PEDROSO;

PEDROSA, 2003).

Na Inglaterra, no final do Séc. XIX, Florence Nightingale foi uma

personagem que marcou o desenvolvimento da enfermagem moderna e implantou

31

medidas sanitárias e de controle das IHs. Prestou relevantes trabalhos ao governo

inglês na (re) organização dos hospitais, como a preocupação com os cuidados de

higienização, o isolamento dos enfermos, o atendimento individual, a utilização

controlada da dieta e a redução de leitos no mesmo ambiente, através da instituição

de medidas de organização, sistematização do atendimento e treinamento de

pessoal, buscando reduzir os efeitos negativos que o ambiente hospitalar causava

sobre as pessoas doentes internadas (ANDRADE, ANGERAMI; 1999).

As práticas higiênico-sanitárias que estabeleceu, colaboraram

significativamente para a redução das taxas de mortalidade hospitalar da época

(MELO, 1986; NIGHTINGALE, 1989; LACERDA; EGRY 1997).

O trabalho de Florence Nightingale foi de inestimável valor no

controle das IHs, sendo que até hoje os princípios básicos defendidos por ela ainda

são seguidos.

A vigilância epidemiológica também teve seu surgimento,

provavelmente, a partir das atividades desenvolvidas por Florence Nightingale, que

se utilizava das informações das práticas hospitalares como instrumento para a

avaliação e elaboração de critérios que colaborassem com a melhoria da

assistência prestada (COUTO; PEDROSA, 2003).

Com contribuições como as de Semmelweis (1818-1865), Louis

Pasteur (1822-1895), Joseph Lister (1827-1912), Florence Nightingale (1820-1910)

dentre outros personagens da história, foi se estabelecendo a relação entre as

infecções hospitalares e os óbitos ocorridos nos hospitais (COUTO; PEDROSO;

PEDROSA, 2003).

Os avanços no campo da bacteriologia a partir do final do séc. XIX

trouxeram descobertas que possibilitaram a atuação terapêutica não somente sobre

os sintomas, mas sobre as causas dos males (LACERDA; EGRY, 1997). Inicia-se

também a preocupação com as infecções adquiridas pelas pessoas doentes a partir

do ambiente e da assistência hospitalar e instituem-se medidas voltadas para a sua

prevenção e controle (ANDRADE, ANGERAMI; 1999).

As IHs começam a ter importância no contexto institucional,

através dos processos e práticas assistenciais que ocorrem no ambiente hospitalar,

viabilizando o desenvolvimento gradual de medidas preventivas e de controle.

Para o combate às IHs, surge a necessidade de intervenções de

órgãos governamentais, que passam a instituir medidas normativas e legislações

para a prevenção e controle desse evento, bem como se inicia o desenvolvimento

32

de estudos científicos que direcionam para práticas assistenciais com qualidade,

índices de infecção e custos hospitalares reduzidos (ANDRADE; ANGERAMI,

1999).

A constituição histórica dos hospitais possibilita conhecer as

diferentes formas de abordagens dos corpos dos indivíduos ao longo da história e

suas relações com as estruturas socioeconômicas, sendo as IHs, decorrentes da

hospitalização, um desafio ao crescimento das sociedades. Como conseqüência da

própria hospitalização, as IHs passam a prolongar o período de internação

acarretando custos hospitalares elevados e danos, algumas vezes irreparáveis,

como a morte. Essa problemática tem levado as instâncias gestoras a interferirem

nos processos pelos quais essas práticas se desenvolvem, na busca de instituir

medidas de prevenção e de controle desses eventos, para minimizar ao máximo a

sua incidência.

3.1.2 Fatos históricos e legislações sobre as infecções hospitalares no Brasil

Os dados históricos das infecções hospitalares no Brasil são

recentes. Os primeiros relatos no país quanto à ocorrência de infecção hospitalar,

surgiram na década de 50 do séc. XX. O termo contaminação hospitalar antes

utilizado, limitava-se a causas como: a esterilização do material hospitalar, o uso

indiscriminado de antibióticos (RODRIGUES, 1997), a inobservância dos princípios

básicos de higiene e as regras de isolamento para pessoas com doenças infecto-

contagiosas (FERNANDES et.al., 2000b). Com o decorrer do tempo tais conceitos

foram sendo reformulados.

Surge gradativamente, a preocupação quanto às medidas

ambientais relacionadas ao lixo e à contaminação aérea, procedimentos invasivos

como as técnicas assépticas e o isolamento de microorganismos resistentes pelo

uso repetitivo de antibióticos. As escolas médicas abordavam muito pouco a

temática da infecção hospitalar, especialmente o emprego de técnicas assépticas

(RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b). Pereira et.al (2005) ainda

questionam a não formação de profissionais de saúde para atuarem no controle das

IHs nos dias atuais.

33

A década de 60 do séc. XX se caracteriza por um incremento nos

estudos relativos às infecções hospitalares. Em 1963 é criada a primeira Comissão

de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do país, no Hospital Ernesto Dornelles,

no Rio Grande do Sul (RODRIGUES, 1997). Nos anos 70 desse mesmo século,

outras comissões multidisciplinares são criadas em hospitais públicos e privados,

vinculadas a instituições de ensino. Em 1972, ocorre o primeiro evento científico

específico sobre infecção hospitalar no Rio de Janeiro, o “Curso de Epidemiologia e

Profilaxia das Infecções Hospitalares” (RODRIGUES, 1997).

Em 1976, o governo determina, através de uma ordem de serviço

do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), a necessidade de criação de

CCIH para os hospitais próprios da Previdência, mas a medida não causa o

impacto desejado pela falta de fiscalização nesses estabelecimentos.

O Ministério da Saúde, em 1979, com o objetivo de implementar

as ações de controle de infecção no país, participa da Conferência da Organização

Pan-Americana de Saúde/ Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) para

análise dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) na América

Latina. A partir dessa Conferência, se estabelecem algumas metas como: criação

de núcleos centrais para se definir políticas nacionais para o controle das infecções

hospitalares, treinamento e educação continuada com elaboração de material

educativo, padronização de critérios, normas técnicas e procedimentos, diagnóstico

situacional dos hospitais do país e avaliação dos Programas pelo uso de

indicadores adequados (FERNANDES et.al., 2000b).

A conscientização dos profissionais de saúde para o controle das

infecções hospitalares caracterizou a década de 80 do Séc. XX por um grande

arranque no desenvolvimento no controle da infecção hospitalar no país, com a

realização de reuniões, cursos e palestras de discussão e socialização dos

conhecimentos referentes ao tema entre os profissionais de saúde, corroborando

de forma expressiva para a criação de várias CCIH nos hospitais brasileiros

(RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b).

A veiculação pela imprensa de fatos a respeito de casos de

infecções hospitalares pressiona o Ministério da Saúde a expedir uma legislação,

Portaria MS nº 196 (BRASIL,1983) que recomendava aos hospitais brasileiros a

criação de CCIH e dava orientações práticas em forma de anexos. O mesmo grupo

de trabalho participou da criação da Portaria e da elaboração de um manual, além

de colaborar na viabilização da realização de um curso internacional que serviu de

34

base para a elaboração do Curso de Introdução ao Controle de Infecção Hospitalar,

em 1984, em Brasília (FERNANDES et.al., 2000b; RODRIGUES, 1997).

Em 1985, ocorre um fato marcante que repercute na história da

infecção hospitalar no país, tanto para os profissionais de saúde quanto para a

população. O Presidente da República eleito, Tancredo Neves, pouco antes de sua

posse, é vitimado por uma septicemia decorrente de infecção hospitalar pós-

cirúrgica, falecendo pouco depois (FERNANDES et.al., 2000b; RODRIGUES,

1997).

Esse fato contribuiu para que o Ministério da Saúde

implementasse ações e projetos que mudassem o panorama e os rumos do

controle de infecção hospitalar no Brasil. Desencadearam-se várias ações que

fortaleceram seu controle, como levantamento das instituições brasileiras que já

tinham CCIH operacionalizadas, capacitação de multiplicadores, intercâmbio de

conhecimentos entre os profissionais, elaboração de manuais e normas técnicas

(FERNANDES et.al., 2000b).

Em 1989 realiza-se em São Paulo o I Congresso Brasileiro sobre

Infecção Hospitalar, realizado pela Associação Paulista em Controle de Infecção

Hospitalar, como conseqüência da evolução dos conhecimentos sobre essa

temática e da constituição de um novo mercado de trabalho para os profissionais de

saúde (RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b).

A publicação da Portaria MS nº 930 (BRASIL, 1992) criando o

Programa de Controle de Infecção Hospitalar definindo várias ações sistemáticas

para o seu controle não atendeu aos objetivos propostos, uma vez que foi acatada

só por alguns estados da federação, integralmente ou não, levando a um

progressivo desgaste do Programa.

A política de descentralização das ações de saúde, instituída pela

Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990a) provocou a dispersão dos profissionais

colaboradores do Ministério da Saúde na área do controle de infecção,

comprometendo drasticamente o funcionamento do Programa pelo Ministério da

Saúde. A descentralização gerou a formação de núcleos de profissionais que

atuavam no controle de infecção em alguns estados, originando as várias

associações de profissionais em controle de infecção existentes na atualidade

(FERNANDES et.al., 2000b).

O não cumprimento da Portaria MS nº 930 por grande parte dos

hospitais brasileiros determinou a emissão da Lei Federal nº 9.431 (BRASIL, 1997),

35

determinando a obrigatoriedade de manutenção de Programas de Controle de

Infecção Hospitalar por todos os hospitais do país, como uma estratégia de

melhorar o quadro em que se encontrava a maioria dos hospitais brasileiros. Esta

Lei vetou a obrigatoriedade dos serviços de controle de infecção e a busca ativa de

casos, uma incongruência no entender dos profissionais que atuavam nas CCIHs.

O Ministério da Saúde emite então a Portaria nº. 2.616

(BRASIL,1998a), em vigor até o momento, que mantém a obrigatoriedade da

existência de um Programa de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH) em todos os

hospitais do país. A referida Portaria trata da organização e competências da CCIH

e do PCIH, estabelece os conceitos e critérios diagnósticos das Infecções

Hospitalares, dá orientações sobre a vigilância epidemiológica das infecções

hospitalares e seus indicadores, faz recomendações sobre a lavagem das mãos e

enfatiza a observância de publicações anteriores do Ministério da Saúde quanto ao

uso de germicidas, microbiologia, lavanderia e farmácia. Seu descumprimento por

vários hospitais brasileiros ainda hoje é uma realidade e constitui um grave

problema de saúde pública pela exposição aos riscos dos quais as pessoas

doentes e os profissionais são submetidos.

Com a necessidade de centralizar ações de regulação e controle

de alimentos e medicamentos inicialmente, e posteriormente de produtos e serviços

de interesse da saúde, em 1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (ANVISA), autarquia ligada ao Ministério da Saúde. Dentre suas ações,

fica também sob sua responsabilidade o controle de infecção em nível federal, com

suporte às Secretarias Estaduais através de apoio técnico, capacitações, expedição

de normas e legislações, consolidação de informações e promoção da socialização

das informações pertinentes (BRASIL, 2006).

Para a instrumentalização das ações de fiscalização sanitária no

monitoramento de forma mais efetiva do desenvolvimento das ações de Controle

das Infecções nos estabelecimentos hospitalares, a ANVISA emitiu a Resolução

RDC nº. 48 (BRASIL, 2000), para estabelecer a sistemática para

avaliação/inspeção dos Programas de Controle de Infecção Hospitalar no país. Esta

Resolução tem servido para dar suporte às ações de controle sanitário, bem como

para os profissionais das CCIHs dos estabelecimentos hospitalares na estruturação

de seus PCIHs.

Segundo Prade e Vasconcellos (2001), a deficiência de

indicadores de infecções hospitalares levou a ANVISA a desenvolver o Sistema de

36

Informações para o Controle de Infecção em Serviços de Saúde (SINAIS), ainda em

fase de implantação (BRASIL, 2006). O objetivo do SINAIS é conhecer o perfil

epidemiológico e as taxas de infecções dos hospitais na perspectiva de corroborar

para a uniformização e padronização dos indicadores com possibilidade de

acompanhamento, além de servir como instrumento de orientação para implantação

das ações que visam diminuir a incidência e a gravidade das infecções

hospitalares. Cabe a ele medir e monitorar a qualidade da assistência hospitalar e

os riscos oriundos dessa assistência.

No Brasil, a prevalência exata das infecções hospitalares, de um

modo geral, ainda é desconhecida (TURRINI; SANTO, 2002). Não há dados

disponíveis mais recentes, além do inquérito nacional de 1994, anteriormente

mencionado, que revelou taxas de infecção hospitalar de 13% a 15% em hospitais

públicos e privados brasileiros (RODRIGUES, 1997; FERNANDES et.al., 2000b).

Embora com a existência de dispositivos legais e normativos para

o seu controle, muitos serviços hospitalares ainda não dispõem de ações concretas

para prevenir e controlar as infecções hospitalares, permitindo a exposição dos

usuários do serviço a riscos por negligenciar medidas que, conforme as legislações,

deveriam ser cumpridas.

As normatizações e legislações brasileiras referentes ao controle

das infecções hospitalares demonstram a preocupação do Ministério da Saúde com

esse evento reconhecido como grave problema de saúde pública. Entretanto, com

todo o aparato legal determinando a obrigatoriedade de medidas de prevenção e

controle pelo poder público, na prática, isso não acontece em muitos serviços.

Cabe ressaltarmos que, questões diversas relacionadas às

condições de funcionamento dos serviços, resistências e processos de poder,

aliadas a questões relativas aos órgãos fiscalizadores, acabam por interferir no

cumprimento de legislações e normativas nos serviços hospitalares (LACERDA;

EGRY, 1997; SOUZA et al., 2002).

Os serviços de saúde vêm apresentando reestruturações

organizacionais importantes, para atender a uma sociedade consumidora que vem

se instrumentalizando em relação aos seus direitos. Visualiza-se o desenvolvimento

de um amplo processo de redefinição de culturas e valores que objetivam

mudanças e redefinições de papéis e funções. Neles, entretanto, ainda se inserem

vários discursos que se confrontam e se articulam, como o discurso do poder

37

econômico, político, jurídico, técnico e científico e também o discurso ético do

direito a uma assistência livre de danos.

O controle da infecção hospitalar no país é algo relativamente

recente e a legislação tem sido focalizada para esta prática, com a instituição de

órgãos centrais e atribuições de responsabilidades aos estados da federação

quanto ao seu controle. Entretanto, tais medidas tem sido insuficientes. A seguir

descreveremos como tem sido o controle desta prática em Mato Grosso.

3.1.3 O histórico das infecções hospitalares no Estado de Mato Grosso e no

Município de Cuiabá

No país, o controle de infecção é um tema ainda recente, mais

enfatizado a partir da década de 80 do séc. XX. Nas décadas que se sucederam,

alguns Estados obtiveram um avanço maior nas ações de controle de infecção em

seus hospitais em detrimento de outros.

No Estado de Mato Grosso, assim como em alguns outros

Estados brasileiros, a prática do controle de infecção hospitalar é uma atividade

pouco desenvolvida se comparada aos grandes centros. Devido à inexistência de

normalização instituída pela Secretaria de Estado da Saúde para o fornecimento

dos indicadores epidemiológicos de IH dos hospitais do Estado, não é possível

conhecer a sua real situação. Assim, o controle de IH é realizado com grandes

dificuldades, em virtude da falta de sensibilização dos atores envolvidos, de

recursos humanos qualificados e específicos e a indisponibilidade de recursos

financeiros necessários para os investimentos na área (ALVES; ÉVORA, 2002).

Rememorando as responsabilidades do Estado, não podemos

deixar de mencionar a Constituição Federal (BRASIL, 1988) no seu artigo 196 que

diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas”. Para que isso se efetive, determina no artigo 197 que: “São

de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público

dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”.

Obedecendo ao mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Saúde – LOS, a Lei

n° 8.080 (BRASIL, 1990a) dispõe sobre “as condições para a promoção, proteção

e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços

38

correspondentes”, diretrizes e limites que devem ser acatados pela União, Estados

e Municípios.

Na proteção à saúde, a Lei Orgânica da Saúde cita a expressão

“vigilância sanitária” como sendo

[…] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde (BRASIL,1990a).

O controle sanitário dessas ações envolve ações diversificadas,

tais como: a fiscalização e/ou vistoria, o licenciamento, a imposição de penalidades

(notificação, apreensão, infração e interdição), o trabalho educativo, além de coleta,

processamento e divulgação das informações de interesse para a Vigilância

Sanitária e Epidemiológica, observados os ditames hierárquicos legais e normativos

das três instâncias (federal, estadual e municipal) que embasam os mecanismos de

controle sanitário (MATO GROSSO, 2001).

As ações de Vigilância Sanitária (VISA) são classificadas de

acordo com o seu nível de complexidade. É estabelecido como critério de

classificação o grau de risco epidemiológico que representam, ou seja, em baixa,

média e alta complexidade (MATO GROSSO, 2001).

Os hospitais se encontram entre os serviços classificados como

de alta complexidade. Nestes, se inserem as ações de controle das infecções

hospitalares. Ao órgão fiscalizador de VISA cabe não somente as tarefas de

fiscalizar, monitorar e normatizar, mas também possibilitar e/ou viabilizar o

desenvolvimento e a socialização do conhecimento entre os profissionais de saúde

a fim de contribuir para o desenvolvimento científico nessa área.

As ações de média e alta complexidade em Vigilância Sanitária no

município de Cuiabá foram descentralizadas, ou seja, repassadas do nível estadual

para o municipal devido ao processo de descentralização das ações, que habilitou

o município na Gestão Plena Municipal em 1998. Esta descentralização ocorreu

gradualmente, possibilitando ao município sua estruturação técnico-operacional

para assumir as ações. Atualmente, em se tratando de VISA, ainda não foram

descentralizadas as ações em serviços de oncologia, terapia renal substitutiva e

hemoterapia, mas técnicos do município já se encontram em fase de capacitação

para executá-las.

39

As ações de Controle de Infecção Hospitalar (CIH) passaram a ser

responsabilidade do município de Cuiabá a partir do ano 2000, quando a Secretaria

de Estado de Saúde capacitou técnicos para o processo de descentralização,

ficando estas ações também atribuídas à Coordenadoria de Vigilância Sanitária e

Epidemiológica Municipal.

Conforme determina a Portaria MS nº 2.616 (BRASIL, 1998a), em

nível Estadual, compete às Vigilâncias Estaduais nas ações de controle de

infecção: definir diretrizes de ação estadual, estabelecer normativas suplementares,

descentralizar ações, prestar apoio técnico-político-financeiro aos municípios

supletivamente quando necessário, coordenar, acompanhar, controlar e avaliar as

ações e os indicadores epidemiológicos de infecção hospitalar, repassando esses

dados ao Ministério da Saúde.

Descentralizadas, as ações de controle de infecção ficam sob

responsabilidade do município, de acordo com a Política Nacional de Controle de

Infecção.

Na perspectiva do processo de descentralização das ações, o

órgão de Vigilância Sanitária do Estado de Mato Grosso disponibilizou em 1999 o “I

Curso de Atualização em Controle das Infecções Hospitalares” objetivando

capacitar os técnicos das Vigilâncias Sanitárias do Estado e Municípios para as

ações de fiscalização nos estabelecimentos hospitalares e para que estes se

tornassem também multiplicadores.

Em 2000, a Coordenadoria de Vigilância Sanitária e

Epidemiológica de Cuiabá (COVISAE) realizou a capacitação em controle de

infecção hospitalar aos profissionais dos hospitais do município, o que contribuiu

para a formação de um grupo de estudos, cujo objetivo se destinava a socializar

informações, discutir e debater as dificuldades e as experiências no

desenvolvimento das ações de controle de infecção em seus locais de trabalho.

Assim, as ações de controle de infecção hospitalar começam a ter

acompanhamento do órgão de Vigilância Sanitária Municipal, o que permitiu uma

maior proximidade e interação entre as instituições e os profissionais que atuam no

controle de infecção de alguns hospitais, melhorando as ações de controle de

infecção.

Um instrumento inicial sobre os Indicadores de Infecção Hospitalar

foi instituído para avaliação e monitoramento dessas taxas nos hospitais, sendo

substituído por outros mais detalhados no decorrer dos anos.

40

A experiência do envio dos Relatórios de Indicadores

Epidemiológicos de Infecção Hospitalar pelos hospitais tem possibilitado de certa

forma o aprendizado dos profissionais que atuam nas CCIHs, conforme pode ser

evidenciado através dos encaminhamentos mensais dos Relatórios de IH pelos

hospitais à COVISAE municipal, embora muitos deles ainda não os enviam.

Assim, muito ainda há por ser feito, pois o controle da infecção

hospitalar no município, da mesma forma como no restante do país, se constitui em

um grande desafio. Além de conhecimento técnico-científico, de legislações e

monitoramento pelo Estado, há um importante fator a ser considerado. O controle

de IH é feito por pessoas (profissionais) para outras pessoas (usuários). Nesse

sentido, não podemos deixar de salientar a importância da dimensão humana no

contexto das IHs.

Desta forma, para entender a integralidade na organização das

práticas profissionais de controle de IH, nos remetemos à construção social e

histórica dos hospitais e do saber clínico. A partir dessa compreensão, buscamos

apreender como se organizam as práticas de controle da infecção hospitalar no

cotidiano de uma unidade pública de tratamento intensivo, procurando entender

como é conformado o espaço da UTI, como as relações acontecem nas práticas

que ali ocorrem, como os trabalhadores de saúde atuam, como são conformadas

suas práticas e como as pessoas doentes são percebidas neste processo de cuidar

nessa unidade. Entendemos que a dimensão humana é um aspecto relevante na

organização das práticas de controle de infecção hospitalar quando se busca olhar

para estas práticas na perspectiva da integralidade.

3.2. O Princípio da Integralidade

A Constituição Federal, também chamada de Constituição Cidadã,

tem na cidadania uma de suas marcas, reconhecendo a saúde como um direito de

todos e um dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas (BRASIL,

1988). Na Seção II, que trata Da Saúde, em seu Art. 198 inc. II prevê: “atendimento

integral com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços

assistenciais” (BRASIL, 1988). É embasado na Constituição que o princípio da

41

integralidade se respalda legalmente para surgir como parte integrante do Sistema

Único de Saúde (SUS).

Reconhece a relevância pública das ações e serviços de saúde e

delineia um sistema único, o SUS, instituído pela Lei n°. 8.080 (BRASIL, 1990a),

cujo objetivo é gerir o sistema público de saúde no Brasil.

O SUS se organiza de acordo com três diretrizes básicas, que

permeiam todo o funcionamento do sistema: universalidade, eqüidade e

integralidade.

O princípio da integralidade na assistência vem sendo discutido

desde a reforma sanitária na década de 80 do séc. XX, vislumbrada através de

programas abrangentes e específicos do Ministério da Saúde e que,

posteriormente, foi incorporado como uma das diretrizes do SUS (CONILL, 2004).

A integralidade, de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL,

2005a, p. 129), é entendida como

um princípio fundamental do SUS. Garante ao usuário uma atenção que abrange as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com garantia de acesso a todos os níveis de complexidade do Sistema de Saúde. A integralidade também pressupõe a atenção focada no indivíduo, na família e na comunidade (inserção social) e não num recorte de ações ou enfermidades.

Esse conceito vem sendo amplamente debatido, sem que haja um

consenso quanto ao que seja a sua compreensão. Para Pinheiro e Mattos (2007), a

integralidade

[…] é um termo polissêmico e polifônico, pois reúne diferentes significados, sentidos e vozes resultantes da interação democrática dos sujeitos no cotidiano de suas práticas e dos saberes em saúde. Sua definição legal é ampliada pela perspectiva dos usuários, que vocaliza a ação integral freqüentemente associada ao tratamento digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo (PINHEIRO; MATTOS, 2007).

A integralidade, portanto, representa a forma de indicar as

características desejáveis do sistema de saúde e de suas práticas assistenciais

(MATTOS, 2004), bem como de superar as características reais ou existentes.

42

Segundo Costa (2004) a palavra integridade em grego, hole ousia,

sugere o ser saudável e referencia para a saúde do indivíduo. A integralidade

mantém-se ainda como um termo sem definição específica ou delimitada e não

consta nos dicionários de língua portuguesa.

Mattos (2001, p. 42) prefere não definir a integralidade, uma vez

que entende que ela não tem um único significado.

Talvez não devamos buscar definir de uma vez por todas a integralidade, posto que desse modo poderíamos abortar alguns dos sentidos do termo e, com eles, silenciar algumas das indignações de atores sociais que conosco lutam por uma sociedade mais justa.

Na visão de Cecílio (2006, p. 115), a integralidade

[…] deve ser fruto do esforço e confluência dos vários saberes de uma equipe multiprofissional, no espaço concreto e singular dos serviços de saúde, sejam eles um Centro de Saúde, uma equipe de Programa de Saúde da Família (PSF) ou um hospital.

A integralidade como uma boa prática de biomedicina seria, de

acordo com Mattos (2001, p. 50) “[…] um uso prudente desse conhecimento sobre

a doença, mas, também, um uso guiado por uma visão abrangente das

necessidades dos sujeitos os quais tratamos.”

Assim, o atendimento integral compreende a “[…] prática de

sujeitos que cuidam de outros sujeitos […]” (CAMARGO JR, 2005, p. 42). O

compromisso profissional que considera os aspectos que se relacionam e

influenciam a dimensão da pessoa doente, ou seja, de um agir ético, tendo como

proposição a emancipação dos sujeitos profissionais e usuários em busca da

qualificação de suas vidas. Uma relação de cuidado para além das dimensões

técnico-científicas, onde se estabelece uma relação dialógica entre pessoas,

envolvidas por acolhimento, humanidade, humildade, respeito, vínculo, dentre

outros.

Na perspectiva do controle das IH, embasa-se aqui a dimensão

ética, pois há como “prever” os riscos de grande parte dessas infecções e, portanto,

compreender o sofrimento dela decorrente de maneira antecipada à sua ocorrência.

43

Explicita-se, assim, o controle de infecção como uma “boa prática em saúde” e que

se pauta na integralidade de maneira ampliada.

Para Mattos (2005), a integralidade é a expressão de um atributo

de boas práticas de saúde, de como devem ser organizados os serviços e a

especificidade das políticas de saúde, identificando-os como os três conjuntos de

sentidos para a integralidade, que se ligam ou se articulam entre si: as práticas dos

profissionais de saúde, a organização dos serviços e as respostas governamentais

aos problemas de saúde.

Quer tomemos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho, quer da organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo (MATTOS, 2001, p. 61).

Neste contexto, remetendo à perspectiva da integralidade nas

práticas de controle de infecção hospitalar, percebemos que essas podem ser

relacionadas aos três sentidos para a integralidade referenciados por Mattos. Para

a efetivação dessas práticas, os três sentidos estão necessariamente envolvidos,

conforme Souza et. al. (2002, p. 29) demonstram nos resultados de seu estudo.

Os desafios encontrados vão desde a adoção de medidas simples de controle até a complexa estrutura organizacional das instituições normatizadoras, provedoras e executoras. Entretanto, os maiores desafios explicitados foram as políticas instituídas, as relações de trabalho e o pouco envolvimento profissional.

O modelo de atenção à saúde estruturado a partir do saber clínico

privilegia as especializações, levando à fragmentação do processo terapêutico,

dificulta o atendimento integral (SILVA, 2004) e é um obstáculo ao alcance da

integralidade.

Quanto às práticas profissionais, o processo de formação dos

profissionais de saúde é outro desafio, pois ainda é caracterizado por um ensino

[…] centrado em conteúdos, organizado de maneira compartimentada e isolada, fragmentando os indivíduos em especialidades da clínica, dissociando conhecimentos das áreas básicas e conhecimentos da área clínica, centrando as

44

oportunidades de aprendizagem da clínica no hospital universitário, adotando sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação técnico-científica padronizada, incentivando a precoce especialização, perpetuando modelos tradicionais de prática em saúde (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 1402).

A formação em saúde tem privilegiado a abordagem biologicista,

medicalizante e procedimento-centrada. Esse modelo hegemônico de formação em

saúde tem sido criticado por autores que defendem que a formação dos

profissionais de saúde deve contemplar o “[…] sistema de saúde vigente no país, o

trabalho em equipe e a atenção integral à saúde” (CECCIM; FEUERWERKER,

2004, p. 1402). Para os autores, nos encontramos num momento em que há

necessidade de repensarmos conceitos e práticas de saúde que orientem o

processo de formação de profissionais voltados para a incorporação da

integralidade nessas práticas.

Oliveira (2007, p. 24) percebe a importância de atentar para a

integralidade no pensar e fazer saúde como um desafio no ensino superior.

A vinculação entre educação, trabalho e práticas sociais vislumbra uma nova perspectiva tanto de ensino-aprendizagem, quanto da diminuição das fronteiras entre os diversos atores da equipe interdisciplinar, ampliando as possibilidades de diálogo e respeito entre os profissionais e entre estes e os usuários dos serviços de saúde local, no que diz respeito ao seu direito constitucional de atenção integral à saúde.

As formas de atuação dos profissionais constituem outro aspecto

a ser considerado nas práticas de controle de infecção hospitalar, especialmente

por ser desenvolvido por múltiplos profissionais. A diversidade de profissionais

atuando sobre o mesmo “objeto”, a pessoa doente, requer esforços no sentido da

execução integrada das ações necessárias na assistência hospitalar, numa

perspectiva interdisciplinar, para que possamos vislumbrar a integralidade nessa

modalidade de atenção em saúde. Este, segundo Mattos (2001), constitui um valor

que deve ser defendido e prestigiado no exercício das práticas em saúde. Diz

respeito a um atributo único que deve permear toda a equipe de saúde de forma a

construir o trabalho interdisciplinar.

45

Nos diferentes níveis de atenção em saúde, mas em especial no

hospital, a interação entre os vários profissionais envolvidos são marcadas por

relações de forças, constituídas sócio-historicamente, causando relações

assimétricas que afetam as práticas em saúde. O conhecimento científico e a

valorização do modelo clínico contribuíram para a hegemonia da clínica e do

profissional médico em relação aos outros profissionais de saúde, causando, a

fragmentação e a desarticulação da assistência pelos mecanismos de disputa

existentes, conforme Cecílio e Merhy (2005, p. 198) descrevem:

Mecanismos instituídos de dominação e de relações muito assimétricas de poder entre as várias corporações profissionais ocultam a imprescindível colaboração que deve existir entre os vários trabalhadores, como operadores de tecnologias de saúde, para que o cuidado aconteça. O cuidado, de forma idealizada, recebido/vivido pelo paciente é somatório de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital.

Para o atendimento ao princípio da integralidade, é necessária a

existência de equipes de trabalho que atuem de forma interdisciplinar, ou seja, que

atuem de modo a construir uma plataforma de trabalho em conjunto, a partir da

identificação de um problema comum. Entretanto, na área da saúde, a

interdisciplinaridade representa não só uma necessidade como também um desafio,

uma vez que:

[…] as relações entre os profissionais da saúde requerem uma compreensão maior sobre os processos de formação de vínculos afetivos e laços sociais, além de propiciar a troca entre eles através da convivência e do diálogo interdisciplinar (OLIVEIRA, 2007, p. 23).

A interdisciplinaridade permite a horizontalização nas relações

entre profissionais e entre profissionais-usuários, possibilita a reflexão para a

mudança do paradigma assistencial, evita ações fragmentadas e supera os

reducionismos. Ela vislumbra a melhor integração nas práticas em saúde, “[…]

visando a assegurar a continuidade e a globalidade dos serviços requeridos de

diferentes profissionais e organizações, articuladas no tempo e no espaço,

46

conforme os conhecimentos disponíveis” (HARTZ; CONTRANDRIOPOULOS, 2004,

p. 332).

O maior ou menor atendimento à integralidade em saúde resulta

da articulação das práticas de toda a equipe multiprofissional (CECÍLIO; MERHY,

2005) como somatória de ações específicas de cada profissional, visando atender

às necessidades das pessoas que necessitam do seu trabalho.

Além deste aspecto, as formas de relação entre pessoas -

profissionais de saúde e usuários - constituem outro fator a ser considerado para o

alcance da integralidade. Um aspecto essencial nas práticas profissionais em saúde

para o atendimento à integralidade se constitui no estabelecimento de vínculo entre

profissional-pessoa doente, onde o profissional se sente mais responsável nas suas

práticas e, portanto, se empenha em aproximar e manter vínculo com o doente. Por

outro lado, a pessoa doente se sente acolhida e deposita confiança no profissional

que a cuida. Pinheiro et. al. (2005) enfatizam

[…] o fortalecimento do vínculo como aspecto essencial da prática clínica, cuja eficácia será resgatada pelo restabelecimento “da arte da fala e da escuta entre pacientes e profissionais, entre equipe e família, entre instituições e sociedade Pinheiro et. al. (2005, p. 22).

Os sentidos da integralidade podem ser observados nas atitudes que se

espera dos profissionais de saúde.

A abertura dos médicos para outras necessidades que não as diretamente ligadas à doença presente ou que pode vir a se apresentar – como a simples necessidade da conversa – também ilustra a integralidade. Podemos facilmente reconhecer que as necessidades dos que buscam serviços de saúde não se reduzem à perspectiva de abolir o sofrimento gerado por uma doença, ou à perspectiva de evitar tal sofrimento. Buscar compreender o conjunto de necessidades de ações e serviços de saúde que um paciente apresenta seria, assim, a marca maior desse sentido de integralidade (MATTOS, 2001, p. 50).

Para ilustrar essas atitudes que trazem em si sentidos da

integralidade, achamos pertinente trazer aqui, exemplos citados por Mattos (2001).

Quando um agente comunitário que segue rumo a suas visitas domiciliares se defronta com o convite de um morador para uma prosa sobre um problema que o aflige, ele pode aplicar não a medicina integral, mas a integralidade. Quando esse mesmo

47

agente, no cumprimento de suas funções de pesar as crianças com menos de 24 meses, busca ativamente nas crianças maiores da casa (que não podem ser pesadas com a balança portátil que leva) os indícios de carência nutricional, também põe a integralidade em prática. Ou quando um funcionário de um pronto-socorro se preocupa em informar a um acompanhante que ficou fora da sala de atendimento a evolução de um paciente... A integralidade, mesmo quando diretamente ligada à aplicação do conhecimento biomédico, não é atributo exclusivo nem predominante dos médicos, mas de todos os profissionais de saúde (MATTOS, 2001, p.51).

Segundo Mattos (2001) a gestão dos serviços compreende outro

aspecto a ser considerado nas práticas hospitalares e, entendemos, igualmente nas

práticas de controle de IH. Para garantir a integralidade nas práticas de controle de

IH, a organização dos processos de trabalho deve ser contínua, de forma a ampliar

as possibilidades de apreensão das necessidades das pessoas doentes (MATTOS,

2001) que estão internadas, ou seja, a qualificação da assistência hospitalar.

Cecílio (1997, p. 317) indica cinco pontos resultantes de

concepções teóricas e experiências gerenciais que precisam ser abordados quando

se refere à qualificação do atendimento prestado pelos hospitais públicos.

[…] o enfrentamento de projetos em disputa (o poder), a inserção do hospital no Sistema Único de Saúde (a missão), os seus mecanismos gerenciais (a gestão), a lógica da assistência (a qualidade do atendimento) e algumas alternativas para uma nova política de recursos humanos.

Em relação às respostas governamentais aos problemas de saúde

enfatizados por Mattos como um sentido da integralidade, esta se refere à

abrangência das respostas governamentais na perspectiva de articular ações não

somente assistenciais como preventivas. Para Mattos (2004, p. 59).

[…] a noção de integralidade expressa a convicção de que cabe ao governo responder a certos problemas de saúde pública, e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de prevenção como as possibilidades assistenciais.

48

No contexto da articulação de ações preventivas e assistenciais,

cabe ressaltarmos a importância da participação social no processo. Pinheiro et. al.

(2005, p. 17) defendem a necessidade da ampliação da escuta à sociedade, pois

[…] para garantir direito no Estado Moderno, torna-se necessário criar e ampliar espaços públicos, nos quais as regras de sociabilidade sejam fundamentadas na democracia e suas instituições sejam permeáveis aos valores democráticos.

Nesse sentido, pode-se entender a integralidade como uma ação

social ligada à democracia nas ações de saúde, onde se busca valorizar a

subjetividade dos atores sociais envolvidos nos processos assistenciais de forma

mais simétrica, reconhecendo as suas necessidades e, conseqüentemente,

efetivando a cidadania.

As políticas de saúde necessitam contemplar a organização dos

serviços e das práticas nos diferentes níveis de atenção em saúde em torno da

integralidade. Dessa forma, Cecílio (2006) defende a lógica da integralidade no que

denomina integralidade focalizada, que diz respeito ao interesse de cada

profissional e da equipe multiprofissional de cada serviço no atendimento às

necessidades de saúde dos usuários. Para ele, a lógica da integralidade “[…] deve

estar presente em todos os serviços, mesmo nos super-especializados, seja ele um

serviço de emergência ou uma enfermaria de hospital, por exemplo” (CECÌLIO,

2006, p.118).

Quando se refere à avaliação da integralidade, Conill (2004, p.

1420) conclui que ainda são escassos os trabalhos acerca da implantação e

resultados dos modelos integrais e constata que, no Brasil, predomina a “[…]

percepção ampliada da diretriz da integralidade, significando, além da gama de

serviços, seu caráter contínuo e coordenado” e que existe preocupação quanto aos

cuidados e às condições de gestão dos serviços. Destaca ainda uma tendência em

considerar as práticas da atenção básica prioritariamente na observação desse

princípio.

No nível assistencial hospitalar, Cecílio e Merhy (2005, p.197)

comungam da idéia de conceito de integralidade como

a atenção integral de um paciente no hospital seria o esforço de uma abordagem completa, holística, portanto integral, de cada pessoa portadora de necessidades de saúde que, por um certo período de sua vida, precisasse de cuidados hospitalares.

49

Esta abordagem, na concepção dos autores, implica em garantir

através da hospitalização, todas as necessidades de consumo das tecnologias de

saúde disponíveis e a disponibilização de um ambiente que permita à pessoa

hospitalizada, conforto e segurança necessários à sua terapêutica e reabilitação.

Para atender à integralidade, os serviços devem estar preparados

para possibilitar uma assistência adequada, seja através de sua estrutura, de

recursos materiais ou de recursos humanos qualificados, na perspectiva de reduzir

ao máximo a exposição das pessoas doentes a riscos em decorrência das práticas

profissionais no hospital.

Assim, mediante a complexa trama de práticas, saberes, rotinas,

fluxos, envolvidos num processo dialético de complementação, em maior ou em

menor medida, é que as práticas profissionais se articulam, se conformando na

instituição para atender à integralidade (CECÍLIO; MERHY, 2005).

As pessoas internadas são providas de direitos. Dentre as

principais bases para o exercício dos direitos dessas pessoas, temos a Constituição

da República Federativa do Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o

Código de Ética de Enfermagem, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto

do Idoso e Portarias emitidas pelo Ministério da Saúde. Nestas bases, para o

exercício da cidadania, observamos a garantia a cuidados em saúde sem qualquer

distinção, gratuidade e atenção no atendimento.

Neste enfoque, é importante considerarmos a ética em saúde,

vivida no cotidiano dos serviços e que deve ser co-responsabilizada por todos os

profissionais que fazem parte dos processos assistenciais, conforme descrevem

Bellato e Araújo Netto (2006, p. 2), “[…] ela toma corpo na concretude das práticas,

e, dessa forma, é vivida cotidianamente, sendo discutida e sentida nos processos

de cuidar, ensinar e pesquisar em saúde e em Enfermagem”.

As autoras ainda percebem a ética como um valor humano, que

envolve sujeitos, saberes, práticas e relações na perspectiva do trabalho em saúde.

Consideramos a integralidade nas práticas de controle de IH como procedimentos e

condutas antes de tudo, éticas, uma vez que, a partir de práticas profissionais

conscientes e responsáveis, as IHs podem ser minimizadas e a assistência em

saúde melhor qualificada.

50

Assim, entendemos que a integralidade nas práticas de controle

de IH é a não ocorrência da IH. A ocorrência da IH pode ser entendida como um

evento sentinela que representa “[…] algo que não deve ocorrer se o serviço de

saúde funcionar adequadamente” (PENNA, 2006, p. 126). A infecção hospitalar é

considerada um evento que, na maior parte das vezes, pode ser prevenido ou

evitado. A ocorrência de um evento sentinela possibilita avaliar a qualidade da

assistência bem como estabelecer as condições que levaram a ocorrência do

evento (PENNA, 2006).

Considerando que a indicação de internação de uma pessoa

doente na UTI é sempre uma condição crítica, seja ela decorrente de doenças

agudas ou crônicas, elaboramos uma figura que representa os aspectos

denominados de condição marcadora para o aparecimento do evento sentinela IH.

Figura 1: O evento Sentinela (ES) e a Condição Marcadora para Infecção Hospitalar na UTI5

Assim a integralidade nas práticas de controle da IH pressupõe

que as ações realizadas na unidade contemplem: a avaliação das condições da

pessoa doente (a vulnerabilidade do paciente, a idade, a patologia, dentre outras),

5 Figura elaborada pela autora durante o estudo.

Paciente em condição crítica

na UTI

Condição Marcadora para a IH

Relacionada ao Paciente: baixa imunidade, gravidade, extremos de idade e outros

Relacionada a Internação: procedimentos invasivos, tempo hospitalização, uso inadvertido de

antibióticos e outros

Relacionada aos Profissionais: falta de adesão, falta de conhecimento

quanto a medidas de CIH e outros

Relacionada a Gestão: ausência de CCIH, falta de apoio da gestão à

CCIH e outros

Paciente Controlado

Paciente com ES “IH”

51

as medidas terapêuticas prescritas durante a internação na UTI (os procedimentos

invasivos, o tempo de hospitalização, os antimicrobianos em uso, dentre outros); o

comportamento dos profissionais (a adesão as práticas de CIH, as relações entre

profissionais e entre estes e os usuários, o conhecimento sobre as práticas de IH, a

motivação para as práticas de IH, dentre outros) e as práticas de gestão de controle

das práticas de IH de maneira que estas sejam realizadas de forma coordenada e

integrada, visando a promoção, a prevenção e a recuperação da saúde das

pessoas doentes, evitando lacunas que possam levar a ocorrência da IH.

3.3 A Integralidade subsidiada em alguns conceitos de Michel Foucault: as

relações de poder e a disciplinarização

Paralelamente ao referencial da Integralidade, para subsidiar

nossas buscas, nos apropriamos de alguns conceitos de Michel Foucault, uma vez

que o estudo envolve a instituição hospitalar, seu histórico, seu funcionamento,

suas regulamentações, bem como as relações que ocorrem nesses espaços.

Elegemos este referencial pela possibilidade que ele nos dá de

buscar a compreensão dos fenômenos que ocorrem nessas instituições, na

perspectiva de olhar o cotidiano de um modo diferente, através da compreensão

das relações de poder e dos mecanismos disciplinares que permeiam o

desenvolvimento das práticas assistenciais em saúde.

Buscamos compreender os acontecimentos cotidianos, a partir de

um outro olhar, de um olhar diferente, como se fossemos estranhos, pois naquilo

que parece ser natural e rotineiro, é possível identificar problemas específicos que

estão envolvidos na banalidade cotidiana do ambiente hospitalar e que repercutem

na construção das subjetividades dos sujeitos (AZEVEDO; RAMOS, 2003;

AZEVEDO, 2005a).

Dessa forma, com o olhar para o cotidiano hospitalar, interessa-

nos as práticas de atenção e de gestão em saúde, onde procuramos lançar nosso

olhar para compreender como as materialidades6 incidem nas práticas

6 Materialidade discursiva representa os discursos observados ou documentados,

produzidos ou não por trabalhadores (médicos, enfermeiros) ou gestores. A materialidade não discursiva envolve imagens e visibilidades dispostas no espaço e tempo, passíveis

52

assistenciais, e, em especial, nas práticas de controle de infecção, a fim de

apreender como acontecem as relações dos diferentes sujeitos da estrutura

hospitalar. Os estudos foucaultianos se propõe a debater como os saberes

se refletem nos comportamentos, lutas, conflitos, decisões e táticas, constituindo-se

em relações de poder, uma vez que, “[…] por trás de todo saber, de todo o

conhecimento, o que está em jogo é uma luta de poder” (SÁ, 2006).

Esses estudos apontam para a existência de uma relação muito

íntima entre o saber e o poder, que os tornam indissociáveis. Para essa relação,

Machado (1992, p. XXI) explica que

... saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação do saber.

Nas análises foucaultianas, o poder não é um lugar ou um objeto

palpável, mas sim, uma relação ou prática que se exerce, se efetua e que funciona

em qualquer ponto da estrutura social. Ele denota luta, afrontamento, disputa,

relação de poder, à qual se ganha ou se perde (MACHADO, 1992). Assim, por trás

de todo saber (conhecimento), está em jogo a luta pelo poder, como exemplifica o

que ocorre nos espaços políticos, onde o poder não se desvincula do saber; ele é

tramado através dos saberes e constitui-se como um mecanismo político de luta

pelo poder (SÁ, 2006).

No contexto das ciências da saúde, o poder se revela na figura do

médico, ramificando-se a partir dele para e entre os demais profissionais de saúde.

A própria distribuição física dos espaços nas instituições de saúde, geralmente,

privilegia especialmente a classe médica, demonstrando o seu poder político e

hierárquico na instituição (AZEVEDO, 2005a), se distinguindo das outras categorias

profissionais da saúde.

Esse fenômeno médico-hegemônico historicamente constituído,

tem suas raízes no Séc. XVIII e vem ao longo dos séculos se perpetuando, assim

como vivenciamos ainda hoje no cotidiano das instituições hospitalares e de saúde.

de descrições pelo pesquisador, tais como formas, processos, organizações, localizações, disposições, relações, procedimentos, técnicas e demais execuções (ARAÚJO, 2005).

53

A distribuição do espaço hospitalar se orienta pelo saber clínico,

que perpassa todas as relações que ocorrem no hospital. Seguidamente, isso

ocorre com os demais profissionais de saúde, levando à existência de disputas e

lutas pela dominação do seu próprio espaço. Nessa perspectiva, se interagem

mutuamente, formando redes de relações de poder que se imbricam no

funcionamento da engrenagem hospitalar.

Para Azevedo e Ramos (2003), o poder foucaultiano deve ser

compreendido como um feixe de relações mais ou menos organizado,

piramidalizado e coordenado, que se exerce, que funciona e que se efetua nas

relações onde está instituído. Ele se distribui em redes e entre sujeitos livres,

capazes de resistir às forças contrárias.

Assim, o espaço hospitalar caracteriza-se pela existência dessas

relações de poder, constituídas historicamente, tornando esse espaço

medicalizado, um espaço político de saberes e práticas relacionadas ao saber

clínico.

O saber clínico (grifo nosso), envolto por relações de poder,

abarca os processos decisórios no espaço hospitalar, seja no que diz respeito ao

paciente ou na condução das atividades e das práticas assistenciais no hospital.

Conforme se eleva o nível de conhecimento (saber) do profissional, com base no

modelo clínico, maior é o seu status e a sua distinção em relação aos outros

profissionais. Essa relação entre o saber e o poder, conseqüentemente, explica os

processos hegemônicos que operam o poder micro-político do hospital, interferindo

nas subjetividades dos atores envolvidos e inseridos no cotidiano da instituição e,

conseqüentemente, nos processos assistenciais.

No funcionamento da engrenagem hospitalar, o saber clínico

influencia as relações entre os diferentes atores, causando relações assimétricas

que ameaçam a qualidade das práticas assistenciais. Para Dreyfus e Rabinow

(1995, p. 203) “o funcionamento destes rituais políticos de poder é exatamente o

que estabelece as relações desiguais e assimétricas”. Contudo, para compreender

como ocorrem essas desigualdades, precisamos nos remeter aos níveis das micro-

políticas, onde os poderes também operam. Os micro-poderes operam nas

ramificações e são capazes de modificar e dar um novo sentido às práticas em

saúde.

54

Para Machado (1992, p. XVI), é preciso refletir também sobre o

lado positivo do poder, uma vez que “[…] ele produz real; produz domínios de

objetos e rituais de verdade”. O autor ainda explica as vantagens do poder, pois ele

[…] possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo, adestrá-lo (MACHADO, 1992, p. XVI).

O que interessa ao poder é gerir a vida dos homens, controlá-los,

utilizá-los, aproveitando suas potencialidades e aperfeiçoando suas capacidades,

de forma a atender às necessidades e interesses capitalistas, tornando os homens

força de trabalho produtiva (econômica), ao mesmo tempo em que reduz os perigos

políticos (MACHADO, 1992).

Esse tipo específico de poder, que trata de controlar ou de

submeter os corpos, é denominado por Foucault como disciplina ou poder

disciplinar.

Ele a considera uma das grandes invenções do século XVIII,

tendo se estendido no exército, nas escolas e hospitais, caracterizada por uma

[…] nova maneira de gerir os homens, controlar suas multiplicidades, utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seu trabalho e sua atividade, graças a um sistema de poder suscetível de controlá-los (FOUCAULT, 1992b, p. 105).

Foucault (1992b, p.107) ainda a define como “[…] um conjunto de

técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter por alvo e resultado os indivíduos

em sua singularidade”. Ela representa uma forma de enquadramento dos

indivíduos, uma vez que, os distribui, os julga, os mensura, os localiza, enfim, os

utiliza ao máximo (FOUCAULT, 1992b). Tais mecanismos fazem com que os

indivíduos se tornem sujeitados, através do cumprimento de normas e regras que

são instituídas para discipliná-lo.

Os poderes disciplinares são mecanismos que permitem

controlar minuciosamente os corpos, deixando-os dóceis e ao mesmo tempo úteis

(MACHADO, 1992), levando à produção de “[…] populações controladas e

eficientes” (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 212), portanto, corpos produtivos e

55

submissos, necessários ao funcionamento e manutenção da sociedade industrial,

capitalista.

Para Foucault (2006, p. 118) “[…] é dócil um corpo que pode ser

submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Seu

sentido se resume em gerar indivíduos produtivos e capazes e, ao mesmo tempo,

dóceis, que se submetam aos interesses políticos de cada grupo social,

característico em sociedades capitalistas (KOVALESKI, 2006).

O poder disciplinar se exerce através de técnicas diversas, como

o controle regular, burocracias, regulamentos e tarefas repetitivas que foram se

institucionalizando nos mais variados espaços, como escolas, prisões, hospitais e

fábricas (PINHEIRO, 2006), controlando detalhadamente seu funcionamento,

através do monitoramento dos corpos (indivíduos) treinados e preparados para se

portarem de forma ajustada e obediente, seguindo os interesses de seus gestores

ou mantenedores, combinando o olhar hierárquico com as sanções normalizadoras

(FOUCAULT, 2006).

No hospital, as normas representam uma prática comum, uma vez

que é evidente a necessidade de gerir os corpos, tanto dos profissionais quanto das

pessoas doentes internadas, buscando garantir a sujeição a comportamentos e

atitudes, que devem ser seguidas por todos para o seu funcionamento.

Com esses apontamentos do referencial de Michel Foucault,

podemos compreender como acontecem as relações de poder, o poder da clínica e

os mecanismos disciplinares no espaço hospitalar, como os saberes clínico-

hegemônicos operam o poder na instituição, interferindo nas subjetividades dos

atores inseridos no cotidiano hospitalar e, conseqüentemente, nos processos

assistenciais.

Buscamos a compreensão de como isso ocorre no processo

assistencial de saúde em uma UTI, na perspectiva do controle das infecções

hospitalares, considerando a existência de estratégias, lutas, saberes e práticas

que influenciam a construção dos sujeitos. Interessa-nos que problemas se

constroem e se sustentam nas relações que ocorrem no espaço hospitalar e como

essas relações influenciam na assistência em saúde.

Acreditamos que esses diferentes fenômenos interferem nas

atividades profissionais, e, conseqüentemente, podem contribuir para compreender

como os princípios da integralidade são atendidos nas práticas de controle de

infecção hospitalar em uma UTI.

56

4. METODOLOGIA

4.1. Tipo de pesquisa

A busca pela compreensão das práticas de controle da IH em uma

UTI na perspectiva da integralidade da atenção, nos levou a escolher a abordagem

qualitativa como a metodologia mais apropriada para o estudo.

Visualizamos na pesquisa qualitativa a possibilidade de apreender

no cotidiano das práticas de CIH como elas estão organizadas e compreender seus

significados, as intenções dos sujeitos e suas relações com os diversos aspectos

presentes da vida humana, pois “[…] a sociedade é fruto de uma inter-relação de

atores sociais, em que as ações de uns são reciprocamente orientadas em relação

às ações dos outros” (MINAYO, 2006, p. 97).

Nesse aspecto, a metodologia qualitativa é a mais adequada à

pesquisa que nos propusemos por nos permitir

[…] explicar os meandros das relações sociais consideradas essência e resultado da atividade humana criadora, afetiva e racional, que pode ser apreendida através do cotidiano, da vivência, e da explicação do senso comum (MINAYO, 2004, p.11).

Para realizar este estudo, buscamos nas características da

pesquisa qualitativa aquelas que se aproximam aos objetivos propostos, como a

busca pelos significados das coisas, como fenômenos, ocorrências, eventos,

sentimentos e idéias.

Entendendo que na expressão de cada sujeito há uma

intencionalidade que pode ser apreendida e reveladora das tramas por meio das

pesquisas de natureza qualitativa, de acordo com Minayo (2004, p. 10),

vislumbramos nessa abordagem a capacidade de incorporar significados e

intencionalidades atribuídas aos atos, às relações e às estruturas sociais. Essa

possibilidade justifica o seu uso em pesquisas que envolvem instituições, grupos,

movimentos sociais e outras formas de interação social, além de se constituir nas

57

ciências sociais um instrumento de base para a sua aplicação (DESLANDES;

GOMES, 2004).

Na pesquisa qualitativa os valores, as crenças, as representações,

os hábitos, as atitudes e as opiniões (MINAYO; SANCHES, 1993) são dados, os

quais fundamentam a compreensão e interpretação da realidade pesquisada,

portanto, nos permitem analisar e compreender os fenômenos que ocorrem no

espaço da UTI, objetivo deste estudo.

Segundo Minayo e Sanches (1993, p. 240) “[…] o conhecimento

científico é sempre uma busca de articulação entre uma teoria e a realidade

empírica; o método é o fio condutor para se formular esta articulação”. Seguindo

este raciocínio, pesquisas qualitativas buscam um aprofundamento de caráter

social, onde estão envolvidas questões relacionadas a contraposições entre

objetividades e subjetividades, e entre o pesquisador e o sujeito que é

compreendido em sua vivência cotidiana (LANDIM, 2006). Nela, os significados

devem ser compreendidos para se entender como os fenômenos ocorrem e como

eles influenciam na vida das pessoas, no seu cotidiano e nas suas práticas.

No contexto das práticas de atenção em UTI, inúmeros processos

participam dessa dinâmica e se inter-relacionam às estruturas sociais, e, desvendar

as relações entre eles é o foco do nosso estudo.

Outra característica do estudo e que consideramos importante

para a realização da pesquisa é a aproximação entre pesquisador e objeto, uma

vez que o próprio pesquisador é o instrumento de coleta dos dados (TURATO,

2005) e, portanto, não são neutros, ambos, pesquisador e sujeito pesquisado,

influenciam e são influenciados pelos contextos. Nesse sentido, Demo (1981)

considera que o objeto é histórico e por ser histórico tem uma consciência também

histórica.

Assim, para o estudo, nos amparamos nos referenciais citados no

sentido de compreender como ocorre a dinâmica do cotidiano dos espaços e das

relações na organização das práticas de atenção de CIH no atendimento à

integralidade na UTI.

58

4.2. Local e cenário do estudo

Para o estudo, foi eleita uma unidade de um hospital da rede

pública municipal de Cuiabá, que constitui referência estadual, principalmente na

área de urgência e emergência e/ou alta complexidade.

O hospital conta com 154 (cento e cinqüenta e quatro) leitos, de

acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES, 2007),

distribuídos nas especialidades de cirurgia geral, ortopedia/trauma, buco-maxilo,

neurocirurgia, oftalmologia, cirurgia plástica reparadora, clínica geral, neurologia,

pediatria clínica e cirúrgica, com unidades de terapia intensiva neonatal, pediátrica

e adulto, dispondo de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT) como

laboratório de análises clínicas, radiodiagnóstico médico, ultrassonografia e

tomografia computadorizada, sendo que outros recursos diagnósticos são

terceirizados.

A unidade selecionada como cenário do estudo foi a Unidade

de Terapia Intensiva (UTI) Adulto. A escolha se deu devido às taxas de IH serem

maiores nas terapias intensivas, conforme citam vários trabalhos (DIENER;

COUNTINHO; ZOCCOLI, 1996; PEREIRA et al., 2000); por concentrarem pessoas

doentes em estado grave, geralmente mais expostas a procedimentos invasivos e,

conseqüentemente, mais vulneráveis às infecções hospitalares; além de buscarmos

pessoas doentes com possibilidades de relacionamento.

Neste aspecto, consideradas as maiores exposições e as

diferentes vulnerabilidades das pessoas doentes ao aparecimento de infecções

hospitalares, é nesse espaço que as medidas de controle de infecção devem ser

mais criteriosas e efetivas para minimizar ao máximo o aparecimento desse evento

e permitir o atendimento ao princípio da integralidade em saúde.

4.3. Sujeitos do estudo

As práticas de controle de infecção hospitalar devem ser

conhecidas e exercidas por todos os profissionais que atuam nessa unidade.

Focalizamos o espaço da UTI, suas estruturas e as relações entre os profissionais

59

e entre esses e as pessoas doentes e/ou seus familiares. Portanto, foram eleitos

como sujeitos do estudo todos os profissionais que ali atuam, seja de forma direta

ou indireta (profissionais de enfermagem, de medicina, de fisioterapia e os

profissionais de serviços de apoio em geral), bem como as pessoas doentes e

familiares.

Ao todo, participaram 24 profissionais (16 da enfermagem, 4 da

medicina, 2 da fisioterapia e 2 de serviço de apoio) e 15 usuários (pessoas doentes

e familiares).

4.4. Coleta de dados, instrumentos utilizados, a entrada e a saída do campo

A abordagem qualitativa contempla diferentes estratégias de

coleta de dados. Minayo (2004) considera como fundamentais a entrevista e a

observação participante, sendo esta a escolhida para o estudo.

No caso dos métodos observacionais, estes servem para

determinar como os sujeitos de um estudo ou de uma pesquisa se comportam

frente a determinadas condições (GREY, 2001), uma vez que pode fornecer mais

dados ao pesquisador (ou observador) do que se este utilizasse outros métodos de

coleta de dados, como uma entrevista ou um questionário por exemplo.

Na observação científica, o pesquisador não se limita apenas a

olhar o que lhe cerca ou o que está acontecendo ao seu redor. Ele observa, sim,

com um olho treinado, em busca de situações ou acontecimentos específicos

(GREY, 2001).

Grey (2001, p. 177) ainda afirma que, para serem científicas, as

observações devem reunir algumas condições: ser coerentes com os objetivos

específicos do estudo, ter um planejamento sistemático e padronizado para a

observação e registro dos dados, todas as observações devem ser verificadas,

controladas e relacionadas com conceitos e teorias científicas.

A observação científica, segundo Grey (2001, p. 179)

[…] possui algumas vantagens como método de coleta de dados, sendo a principal a de que a observação pode ser a única maneira de o pesquisador estudar a variável de interesse. Por exemplo, o que as pessoas dizem que elas fazem não é, muitas vezes, o que elas realmente fazem. Portanto, se o estudo é planejado para obter descobertas sólidas sobre o comportamento humano, a

60

observação pode ser a única forma de garantir a validade das descobertas. Além disso, nenhum outro método de coleta de dados pode combinar a profundidade e a variedade de informações que podem ser coletadas ao usar essas técnicas.

Assim como ocorre com os outros métodos de coleta de dados, os

métodos observacionais também possuem desvantagens. Além dos “[…] problemas

de relatividade e preocupações éticas”, devido às dimensões do ocultamento e das

intervenções que podem ocorrer, as “[…] técnicas de observação são vulneráveis à

tendenciosidade do pesquisador” (GREY, 2001, p.179). Quanto mais o pesquisador

necessita inferir e julgar o que observa, mais chances existem para que ocorram as

distorções na pesquisa.

Nessa perspectiva, Grey (2001, p. 179) ainda afirma ser “[…]

importante considerar como as ferramentas observacionais foram construídas e

como os observadores foram treinados e avaliados”.

Nas considerações que faz sobre o método da observação

participante, Minayo (2004, p. 134) lembra que “Sua importância é de tal ordem que

alguns estudiosos a tomam não apenas como uma estratégia no conjunto da

investigação, mas como um método em si mesmo, para compreensão da

realidade“.

Para conceituar a observação participante, Minayo (2004, p.135)

cita a seguinte formulação proposta por Schwartz & Schwartz

... Definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto.

Grey (2001) considera que a observação do ambiente constitui

uma normalidade no cotidiano, porém, a observação científica enfatiza a

objetividade e a sistematização da operação. Segundo a autora (2001, p. 177), “O

pesquisador não está simplesmente olhando o que está acontecendo, mas, sim,

observando com um olho treinado em busca de certos acontecimentos específicos”.

61

A observação participante possibilita a apreensão de muitos

elementos que normalmente não podem ser captados pelo pesquisador, como a

fala ou a escrita. Há de se considerar também o ambiente, os comportamentos, as

linguagens não-verbais, as seqüências e temporalidades nas quais os eventos

ocorrem, para que essas informações subsidiem a interpretação dos eventos

(VICTORA; KNAUTH; HASSEN, 2000, p. 62).

A observação participante possui considerável importância no

trabalho de campo das pesquisas qualitativas como estratégia na investigação ou

como método para compreender a realidade (MINAYO, 2004). Tende a ser mais

profunda possível, seja através do método observacional ou do cotidiano em que se

inserem pesquisador e observados, onde rotinas se realizam e fatos acontecem

(MINAYO, 2004).

É importante considerar nesse tipo de técnica de coleta de dados

a impossibilidade da presença do pesquisador não representar parte do evento

observado e que se torna necessário que sejam avaliados os efeitos dessa sua

presença no próprio evento, uma vez que algumas das situações observadas

podem ser causadas pela sua presença no contexto do estudo (VICTORA;

KNAUTH; HASSEN, 2000).

Diante dessas especificidades, elegemos a observação

participante por ser uma técnica que permite apreender um número maior de

informações em relação a outras técnicas de coleta de dados, e também porque os

dados advindos desta técnica possuem maior profundidade e variedade.

Acreditamos ser a observação participante a técnica ideal para a nossa coleta de

dados e que possibilitou atender aos objetivos deste estudo.

O foco das observações foram as práticas de controle de infecção

hospitalar na UTI no atendimento à integralidade como a organização; socialização

de informações, procedimentos, técnicas, disposição de materiais e estrutura

disponíveis para a aplicação das práticas de controle de infecção, referenciadas por

alguns conceitos foucaultianos.

Quanto à observação documental, Bogdan e Biklen (1994, p. 176)

entendem que os documentos apresentam algumas finalidades na investigação.

Alguns dos materiais fornecem apenas detalhes factuais tais como as datas em que ocorreram reuniões. Outros servem como fontes de férteis descrições de como as pessoas que produziram os materiais pensam acerca do seu mundo.

62

Portanto, elegemos o Livro de Relatório de Enfermagem como

mais uma fonte de informações para a busca dos nossos objetivos. Neste livro,

procuramos por informações que diziam respeito às práticas de controle de IH ou

que nos permitissem conhecer a qualidade da assistência prestada na unidade, a

fim de detectar “fontes de férteis descrições” que demonstrassem se essas práticas

atendem à integralidade na UTI. Utilizamos também a observação de alguns

prontuários.

O processo da entrada em campo se deu com a aprovação do

Projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Para início da coleta de dados, foi

estabelecido contato com as pessoas responsáveis pelo hospital e pela UTI para

apresentarmos o projeto, seus objetivos, a importância da pesquisa e da assinatura

do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Minayo (2004, p. 143) cita uma reflexão de Paul Benjamim no que

diz respeito à entrada no campo

É oportuno e às vezes mesmo essencial fazer os contatos com as pessoas que controlam a comunidade. Essas pessoas podem ter status na hierarquia de poder ou posições informais que impõem respeito. O apoio delas ao projeto pode ser crucial e elas podem ser úteis para se fazer outros contatos.

Os contatos iniciais são de fundamental importância no processo

de coleta de dados, uma vez que os indivíduos que vão inserir o pesquisador no

campo terão parcela de responsabilidade pela sua primeira imagem, bem como

pelas “[…] portas que se abrirão ou se fecharão” para ele (MINAYO, 2004, p.143).

Ao chegar à UTI, nos apresentamos a todos os profissionais que

se encontravam na unidade, esclarecendo sobre o trabalho da pesquisa e como

seria realizada (tipo de pesquisa, tempo, forma de coleta de dados, dentre outras

informações).

Como trabalhamos com observações, para evitar viés na

pesquisa, nos inserimos no campo, inicialmente, buscando estabelecer

entrosamento, vínculo com os profissionais e conhecer o funcionamento da

unidade. Buscamos nos inserir no cotidiano da UTI, de forma que nossa presença,

para os profissionais, se tornasse parte do cenário. Este processo foi de

63

aproximadamente quarenta dias, com idas quase que diárias na UTI, para então,

dar prosseguimento à coleta de dados.

Segundo Minayo (2004, p. 143), “O perfil dos informantes, a

qualidade dos dados recolhidos têm a ver com o impacto da entrada e da

apresentação do pesquisador”. Se o pesquisador não consegue estabelecer uma

relação de empatia e de aceitação no grupo, sua coleta de dados certamente será

prejudicada.

A entrada em campo, nos primeiros dias, apesar de todas as

apresentações necessárias da pesquisa aos profissionais, foi caracterizada por um

estranhamento, tanto por parte dos profissionais que ali atuam em relação à

pesquisadora como vice-versa. Podíamos observar os olhos dos profissionais nos

acompanhando disfarçadamente, a ponto de perceberem se estavam sendo

“observados”. Tentamos nos integrar ao contexto, buscando fazer parte do cenário

da UTI (MINAYO, 2004), tarefa um tanto penosa nos dias iniciais no campo.

Para Bogdan e Biklen (1994, p. 125) “Nos primeiros dias de

observação participante, por exemplo, o investigador fica regra geral um pouco de

fora, esperando que o observem e aceitem”. E foi essa a nossa conduta. Tentamos

nos manter de certa forma distante dos processos assistenciais, objetivando

inicialmente apenas o estreitamento dos laços com os sujeitos da pesquisa.

Neste processo, tivemos dificuldades quanto à postura a ser

adotada na coleta dos dados. Devido à nossa insegurança, anotávamos

prontamente tudo o que víamos, ouvíamos e observávamos, sempre com uma

caneta e papel à mão, parecia mesmo um fiscal no ato da fiscalização. Esta atitude

causou inibição, constrangimento e incômodo aos profissionais observados, nos

levando a rever a forma como deveríamos fazê-la. Bogdan e Biklen (1994, p. 113)

citam que “[…] o investigador entra no mundo do sujeito, por outro, continua a estar

do lado de fora”. Nessa perspectiva, nosso comportamento estaria “invadindo o

espaço” dos profissionais, podendo comprometer a assistência prestada e o

cotidiano da unidade.

Bogdan e Biklen apresentam orientações no sentido de diminuir

as angústias nessa fase da pesquisa e recomendam que se “[…] tire as notas após

ter saído do local, no final do período de observação”, “[…] evite tomar nota à frente

dos sujeitos” ou “Evite andar sempre de papel e lápis na mão” Citam ainda a

estratégia de alguns observadores que utilizam locais reservados para suas

anotações (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.130).

64

Resolvemos então mudar a estratégia de anotações. Decidimos

não mais anotar próximo aos profissionais. Deixamos de utilizar pastas, papéis e

canetas e passamos a utilizar algumas folhas de papel dobradas e uma caneta num

bolso. As anotações, então, passaram a ser realizadas num ambiente isolado, sem

que os profissionais percebessem ou se incomodassem, ou seja, no banheiro do

repouso dos funcionários. Para evitar a saída constante da unidade, fato que seria

observado pelos profissionais, as anotações eram realizadas espaçadamente.

Essa mudança de postura permitiu que os profissionais não se sentissem tão

incomodados e corroborou para o nosso amadurecimento enquanto pesquisadora.

Para a coleta de dados, de acordo com Minayo (2006, p. 194),

“[…] toda a observação deve ser registrada num instrumento que se convenciona

chamar DIÁRIO DE CAMPO”. Entretanto, optamos por separar o material coletado

em dois instrumentos, “Registro de Observação” e “Diário de Campo”. O Registro

de Observação (APÊNDICE A) foi utilizado para a transcrição das observações

realizadas no campo tal e qual aconteceram. No Diário de Campo (APÊNDICE B),

realizamos comentários das observações, experiências, sentimentos e outras

situações vivenciadas no campo e de interesse ao estudo (VICTORA; KNAUTH;

HASSEN, 2000).

Assim, toda a fase de campo ocorreu de fevereiro a maio de 2007,

sempre no mesmo período do dia, sendo que na fase de ambientalização nossas

idas foram quase que diárias, e após, em dias alternados, buscando manter os

plantões dos mesmos profissionais.

A partir do momento que ocorreu a saturação dos dados, ou seja,

quando elas se repetiam, começamos a trabalhar o processo de saída do campo.

Assim como a entrada, a saída de campo também é um processo

difícil para o pesquisador.

As relações interpessoais que se desenvolvem durante a pesquisa de campo não se desfazem automaticamente com a conclusão das atividades previstas. Há um 'contato' informal de favores e de lealdade que não dá para ser rompido bruscamente sob pena de decepção: trabalhamos com pessoas (MINAYO, 2004, p.145).

A autora explica que não há receitas para esse momento e nem

regras pré-estabelecidas. O importante é o compromisso do pesquisador com os

dados colhidos, seu uso e o retorno que será feito aos indivíduos pesquisados.

65

Essa saída, portanto, abarca “[…] problemas éticos e de prática teórica” (MINAYO,

2004, p. 145).

A saída de campo deve ser trabalhada pelo pesquisador, pois

laços afetivos se constroem durante esta fase e se construíram na nossa pesquisa,

com profissionais e usuários, o que dificultou um pouco a nossa saída do campo. A

sugestão de Bodgan e Biklen (1994) nos auxiliou nesse processo, sendo que a

saída de campo foi realizada a partir de espaçamentos entre as idas à unidade.

4.5. Análise dos dados

Para a análise dos dados, o montante de material coletado, no

início, nos causou certo desespero. O que fazer com tantas informações? Esta

pergunta ficou em nossa mente por algum tempo. Foram realizados 41 registros, 20

observações e 21 diários de campo.

Para o tratamento dos dados, nos subsidiamos na técnica da

análise temática proposta por Minayo (2006, p.309), a qual a autora julga ser “[…] a

mais simples e considerada apropriada para as investigações qualitativas em

saúde”.

Fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado (MINAYO, 2006, p. 316).

A análise temática tem suas origens na linha positivista da análise

de conteúdo, portanto sua ênfase pode ser na freqüência dos significados,

entretanto, dentre as suas variantes, ela comporta também a análise dos

significados. Assim, foi com esse intuito que a escolhemos para a realização deste

estudo, pois analisar determinados temas possibilita a compreensão de “[...]

estruturas de relevância, valores de referência e modelos de comportamentos

presentes ou subjacentes no discurso” (MINAYO, 2006, p. 316).

A análise temática utilizada neste estudo foi com base em Minayo

(2006) que a apresenta nas seguintes etapas: Pré-análise, Exploração do Material e

Interpretação.

66

Assim, na primeira etapa, a pré-análise, foi realizada uma leitura

flutuante de cada registro realizado, a fim de nos aproximar do conteúdo presente

no montante do material coletado em campo. Através destas leituras, chegamos às

unidades de registro, ou seja, na determinação de palavras-chaves ou frases que

mais chamaram a atenção no material. Ainda foram delimitadas nesta etapa, as

unidades de contexto, ou seja, em que contexto se fazia presente a unidade de

registro, para posterior categorização e codificação com base nos conceitos gerais

do referencial das IHs, da integralidade e dos conceitos de Foucault. A partir de

então, foi possível construir um painel, onde foram colocadas e agrupadas as

unidades de registro e de contexto. Esse momento foi importante para a pré-

análise, uma vez que foi possível, nessa fase, apreendermos quais os sentidos que

mais chamavam a atenção nas práticas profissionais na UTI.

Na segunda etapa, de exploração do material, procuramos

classificar os códigos e as categorias de maneira a dar sentido aos achados e

alcançar a compreensão do texto. Realizamos a análise vertical de cada

observação, na busca do sentido que cada uma trazia e a análise horizontal, ou

seja, uma análise fragmentária, de acordo com as unidades de contexto

encontradas. Juntando-se os sentidos encontrados nas análises, procuramos pelo

sentido único que estes nos traziam. Este foi um momento difícil, pois foi uma etapa

de reflexão dos achados e de aproximação com as categorias teóricas. Assim, as

categorias alcançadas das práticas profissionais de controle de infecção hospitalar

na UTI, foram:

Categoria 1: O espaço da UTI, sua organização e as práticas profissionais,

permeadas por relações de poder e controle disciplinar. Nesta categoria

encontramos três subcategorias: O espaço da UTI, a UTI como espaço de cuidado

do corpo das pessoas internadas e a UTI como espaço de controle do corpo do

trabalhador e do corpo doente.

Categoria 2: Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos

(profissionais, usuários e familiares), também permeados por relações de poder e

mecanismos disciplinares. Nesta categoria encontramos cinco subcategorias: As

relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas de controle de

infecção hospitalar, a enfermagem nas práticas de controle de infecção hospitalar, o

67

cuidado de si como trabalhador de saúde, as relações entre profissionais de saúde

e pessoas doentes e as relações entre os profissionais de saúde e familiares.

A constituição das categorias foi discutida e validada em reunião

dos integrantes da pesquisa pelos pesquisadores inseridos no Projeto maior ao

qual este subprojeto está vinculado.

Na terceira etapa, de Interpretação dos resultados, foram

realizadas inferências e interpretações segundo os referenciais teóricos adotados.

Assim, para responder como a integralidade pode ser observada nas práticas de

controle de infecção hospitalar, foi necessário desconstruir as práticas eleitas para

o estudo, indagando como elas foram instituídas e socializadas entre os sujeitos

que atuam na UTI, incluindo seus saberes operadores e as relações de poder.

Nesse movimento, o saber da integralidade pôde ser tensionado.

O questionamento partiu da indagação de como o conceito de integralidade da

assistência é vislumbrado na UTI e em suas práticas de controle de infecção. Nesta

etapa, procuramos integrar os achados e as discussões em torno da temática da

integralidade nas práticas de controle de IH em uma UTI. A seguir, a figura 2

representa as categorias de análise que encontramos.

68

Figura 2: Figura que representa as Categorias de Análise do estudo

7

7 Figura elaborada pela autora durante o estudo

O espaço da UTI

A UTI como espaço de cuidado do

corpo das pessoas internadas

A UTI como espaço de controle do

corpo dos profissionais e do corpo

doente

As relações e o saber clínico no contexto da

organização das práticas de CIH

A enfermagem nas práticas de CIH

O cuidado de si como trabalhador de saúde

As relações entre profissionais de saúde e pessoas

doentes

As relações entre os profissionais de saúde e

familiares

Organização das práticas de CIH na perspectiva da Integralidade

O espaço da UTI na

perspectiva da Integralidade Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo assistencial

da UTI sob o enfoque da Integralidade

Relações de poder e Disciplina

dis

(DES) INTEGRALIDADE

Práticas profissionais

Gestão dos serviços Políticas

INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS

DE CIH

A complexidade da UTI

69

4.6. Aspectos éticos e legais

A Dissertação “A Integralidade nas práticas de controle de

infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso” é recorte do

Subprojeto II “O atendimento aos princípios da integralidade e da resolutividade na

atenção à saúde no contexto do SUS na área de abrangência da BR 163 no Estado

de Mato Grosso” que se insere no Projeto “Os desafios e perspectivas do SUS na

atenção à saúde em municípios da área de abrangência da BR 163 no Estado de

Mato Grosso”.

Este estudo obedece aos critérios da Resolução n° 196 do

Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996), estando em conformidade com os

aspectos relativos a diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas

envolvendo seres humanos, por ter sido analisado e aprovado pelo Comitê de Ética

em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller sob o nº 296/CEP-HUJM/06.

(ANEXO C).

Utilizamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(APÊNDICE C ) antes do processo de coleta de dados com todas as pessoas-

chave da UTI, as quais receberam todas as informações pertinentes à pesquisa.

70

5. A ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO

HOSPITALAR NA UTI NA PERSPECTIVA DA INTEGRALIDADE

A busca pela compreensão de como as práticas de controle de

infecção hospitalar é realizada em uma UTI pública segundo os referenciais

adotados para o estudo nos levou a descrever a complexidade da UTI em duas

categorias de análise: O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade, onde

focalizamos a organização das práticas de controle de IH tendo o espaço como

elemento permeado por mecanismos disciplinares e relações de poder, cujas

conseqüências repercutem nas práticas de controle de infecção hospitalar e, Os

comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo

assistencial da UTI na perspectiva da Integralidade, onde enfocamos a

organização das práticas de controle de IH tendo as relações entre os sujeitos

como principal aspecto.

A complexidade da UTI

A instituição na qual desenvolvemos o estudo é referência na

capital da rede hospitalar do SUS para serviços de média e alta complexidade em

saúde. Isso a torna parte integrante da rede de atenção hospitalar que atende

pessoas em condições de saúde emergenciais, vitimadas por acidentes das mais

variadas formas (trânsito, ferimentos por armas de fogo, armas brancas e outras),

provenientes do serviço de urgência/emergência do hospital, bem como as que vêm

reguladas de outros hospitais da capital ou demais municípios do Estado através da

Central Estadual de Regulação.

As pessoas em condição de gravidade, fragilidade e

vulnerabilidade, têm acesso à UTI, uma estrutura que agrega equipes

multiprofissionais especializadas e instrumentalizadas com tecnologias de alta

complexidade. Esta disponibiliza cuidados intensivos com monitorização e vigilância

constante, podendo intervir diante das diferentes situações de risco de morte, a fim

de garantir a manutenção, suporte à vida e possibilidade de recuperação.

71

Assim, caracterizada pela existência de profissionais com saberes

específicos e tecnologias diferenciadas, a UTI configura-se como um campo

esquadrinhado por saberes e práticas definidas, de forma a atender a finalidade a

qual se propõe que é salvar ou manter vidas.

A Unidade de Terapia Intensiva Adulto, foco deste estudo, está

localizada no 1º. andar do hospital, próximo ao Centro Cirúrgico e ao Pronto

Atendimento. Sua localização se torna estratégica para facilitar o acesso das

pessoas doentes atendidas no pronto atendimento e no centro cirúrgico com

necessidade de internação. Entretanto, a UTI não possui uma localização

estratégica para o acesso das pessoas doentes procedentes do serviço de

emergência.

Essa complexidade de saberes pode ser observada no seguinte

registro de observação sobre o espaço da UTI.

A UTI em questão é uma UTI para adultos, com capacidade para 10 (dez) leitos, sendo que um deles é destinado para isolamento quando necessário. Sua instalação atual foi inaugurada em 2004, substituindo outra estrutura que funcionava próximo a esta e que hoje se encontra com o espaço desocupado. Não possui identificação externa e nem qualquer tipo de orientação escrita aos visitantes

8 que adentram na Unidade. O ambiente é

de cor clara e climatizado através de dois aparelhos condicionadores de ar tipo split. As janelas são mantidas fechadas e as vidraças são revestidas por insulfilm, o que demanda a necessidade de iluminação artificial diuturnamente. Há relógios de parede, porém, não são visualizados por todos os leitos. Há vários lavatórios distribuídos pela Unidade, alguns com torneiras acionadas por sensores, com acessórios para higienização das mãos (porta sabão líquido e porta papel toalha), porém sua reposição às vezes é falha. No expurgo que fica próximo à farmácia, há lavatório desprovido de acessórios para a higiene das mãos. O formato da UTI é em “L”, sendo que no centro, encontra-se o Posto de Enfermagem e a área de prescrição e relatórios. No posto de enfermagem concentram-se os profissionais da Unidade e estagiários. Nela são armazenados materiais de consumo e medicamentos e onde são preparados os medicamentos e as infusões venosas. Há sobre o balcão de armazenamento de medicamentos e materiais do posto de enfermagem, afixado na parede, um escaninho, onde ficam guardados os prontuários e exames diagnósticos dos pacientes e um armário destinado ao armazenamento de roupas da unidade. Junto a estas, guardam-se também os pertences dos profissionais. Possui dois murais onde estão afixados informes, escalas de serviço, pedidos de exames, solicitações de pareceres de especialistas, relação de exames de análises clínicas realizados pelo laboratório do hospital e outros. As prescrições diárias, com evoluções dos vários profissionais, balanços hídricos

8 As palavras ou frases negritadas serão abordadas no desenvolvimento da discussão do

espaço da UTI.

72

e resultados de exames laboratoriais ficam sobre a bancada de prescrição e anotações, em pastas danificadas em condições

de conservação precárias. Nessa bancada, ficam armazenados

os impressos e também dois computadores, sendo que apenas um se encontra em funcionamento e se destina à confecção de prescrições médicas. Há alguns informes afixados na parede próximo a um dos murais. Junto ao posto de enfermagem fica uma pequena copa, que obriga os profissionais a realizarem seus lanches no posto devido ao seu espaço reduzido e uma sala que fica fechada e destina-se à chefia de enfermagem da Unidade. Próximo à bancada de anotações, um quadro de giz afixado na parede identifica os pacientes da Unidade. Nele, constam os nomes dos pacientes internados de acordo com o leito ocupado, o diagnóstico, a especialidade e o auxiliar ou técnico de enfermagem responsável pelo paciente, alterado a cada plantão. Ao lado, algumas poucas cadeiras e bancos danificados, destinados ao uso dos profissionais. Os leitos dos pacientes são dotados de rodas traváveis, grades laterais e manivelas para elevação da cabeceira e dos pés. Para cada leito há canalização de gases medicinais (dois pontos de oxigênio, dois pontos de ar comprimido e um ponto de vácuo); uma prateleira de mármore fixa e suspensa na parede, sobre a cabeceira do leito que serve para a acomodação de aparelhos médico-hospitalares (monitores multiparamétricos, oxímetros e outros); mesinhas de cabeceira que são utilizadas para acomodação das bombas de infusão; uma lâmpada de emergência; um ventilador mecânico; um suporte de soro e um ambú simples, sem reservatório de oxigênio. Os leitos são numerados e individualizados através de cortinas suspensas de material emborrachado. No entanto, algumas delas foram retiradas e não repostas e outras estão caindo pela falta de manutenção. Há um banheiro destinado a pacientes que deambulam ou podem ser transportados em cadeira de rodas, situado ao lado do quarto de isolamento, com pia, vaso sanitário e chuveiro. Possui uma farmácia interna pequena que funciona nas 24 horas, onde é realizado o abastecimento de materiais e medicamentos da Unidade. No corredor lateral, fica uma prateleira de aço aberta que armazena materiais esterilizados e também alguns equipamentos como aparelho de radiodiagnóstico médico móvel e bombas de infusão. O repouso médico fica dentro da própria na Unidade, com cama, mesa e cadeira. Os repousos da enfermagem e da fisioterapia ficam situados num corredor próximo à entrada da UTI, sendo que no repouso da enfermagem é pequeno, comportando seis camas tipo beliche. Uma das camas estava com o estrado quebrado (Registro de Observação de 15/03/2007).

A observação acima subsidia todas as discussões a seguir, que

abordam a questão do espaço da UTI estudada e as relações entre as pessoas que

fazem parte desse cenário9.

9 Os nomes que serão apresentados neste estudo são fictícios, de forma a preservar o

anonimato de profissionais e usuários que fizeram parte do estudo.

73

5.1. O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade

Abordamos nesta categoria a organização e a conformação das

práticas de controle de infecção hospitalar com foco no espaço da UTI, na

perspectiva do atendimento à integralidade. A análise focaliza o espaço como um

local de práticas que objetivam o cuidado à pessoa doente e um espaço de atuação

dos profissionais.

Subdividimos esta categoria em 3 subcategorias, quais sejam: O

espaço da UTI, A UTI como espaço de cuidado do corpo das pessoas internadas

e A UTI como espaço de controle do corpo do trabalhador e do corpo doente.

5.1.1. O espaço da UTI

O espaço da UTI está conformado e organizado para a realização

de práticas de saúde na internação de dez usuários, com o objetivo de assegurar

assistência médica e de enfermagem ininterruptas a pessoas em condição de

gravidade e em risco de morte e que necessitam de cuidados de saúde intensivos.

Esta assistência é realizada através da utilização de equipamentos diferenciados,

recursos humanos especializados, além de recursos tecnológicos de diagnose e

terapia (BRASIL, 1998b; MARTINS; NASCIMENTO, 2005).

Para atender a essa finalidade, tal espaço está organizado para o

desenvolvimento de práticas com foco em doenças ou situações consideradas de

alta complexidade como: insuficiência respiratória aguda, insuficiência cardíaca,

pós-operatório de grandes cirurgias, dentre outras, concentrando tecnologias de

alta densidade, por meio de equipamentos e pessoal especializado que tem como

objetivo salvar vidas.

Assim, os recursos humanos e o aparato tecnológico da UTI,

como monitores multiparamétricos, respiradores, oxímetros, bombas de infusão e

outros utilizados para dar suporte ou monitorar as funções vitais, estão relacionados

com a organização das práticas nesse espaço, o que demonstra como este é

conformado em torno do conhecimento da prática médica: o saber clínico. Vargas

(2002, p. 14) sinaliza que a UTI

[…] tem-se reservado o direito de atuar como uma clínica distinta, uma disciplina científica com metodologia própria, programas de

74

treinamento, fóruns educacionais e desenvolvimento de pesquisas, agregando, ali, profissionais “habilitados” para conduzir “o tratamento” e “o cuidado” do/a paciente grave […].

Por ser conformado pelo conhecimento clínico, esse espaço

valoriza esses saberes. Privilegia o tratamento das doenças em detrimento do

tratamento das pessoas em condição de gravidade. Reserva-se a tratar a doença

instalada em um corpo e não a cuidar de uma pessoa cujo corpo está com a

doença, conforme podemos visualizar no registro que segue.

Em alguns momentos, parece não existir pessoas internadas na UTI e sim, dez corpos sendo mantidos por aparelhos e equipamentos de alta tecnologia, comandados por “robôs”, que os monitorizam no sentido de mantê-los vivos (Diário de Campo de 27/02/07).

Neste contexto, Bellato (2001, p. 67) reforça esse entendimento

quando relata que ”[…] o Hospital organiza seu espaço para receber a doença e

não o doente, sendo este visto apenas como um substrato no qual a doença se

instala” (grifo da autora), o que nos leva a refletir sobre o real papel de uma UTI:

cuidar de corpos com doenças complexas ou cuidar de pessoas que passam por

uma condição de gravidade no seu processo saúde-doença.

Quando nos referimos à concepção de pessoa doente, perante a

ciência médica, na maior parte das vezes, parece não corresponder àquela

vislumbrada pela sociedade, que a vê como um ser dotado de necessidades bio-

psico-sociais.

Com a inserção do médico e a disciplinarização no espaço

hospitalar, esse espaço torna-se um local de exames, de controles, de práticas e de

saberes médicos (FOUCAULT, 1992b). Os saberes médicos advindos a partir dos

corpos doentes tornam a doença e não mais o doente o principal foco da atenção

médica. A dimensão biológica do doente passa a receber mais atenção dos

profissionais, transformando o corpo em objeto de valor.

Tal concepção tem relação intrínseca com o sistema

socioeconômico pelo qual as sociedades foram construídas. Com o movimento

capitalista, passou-se a valorizar o corpo do trabalhador para atender as demandas

econômicas e, com isso, a necessidade de reorganização dos serviços para tratar

as doenças (FOUCAULT, 1992b). Muda a concepção do hospital, que deixa de ser

75

um espaço de isolamento de pessoas segregadas da sociedade para se organizar

como um espaço de cura, para que a pessoa com doença e improdutiva, possa ser

tratada e recuperada para retornar ao processo produtivo. O hospital torna-se um

espaço de cura das doenças.

No contexto histórico, o médico, detentor do saber clínico, que

antes tinha uma atividade exclusivamente domiciliar, passa a fazer parte do

contexto dos hospitais, que se conforma segundo a lógica da valorização da clínica.

O médico torna o espaço hospitalar medicalizado, mediante mecanismos chamados

por Foucault de disciplina, o que corrobora para sua transformação num campo de

saberes e de práticas que se destinam a controlar os corpos. Com sua presença

cada vez mais afirmada e multiplicada, torna-se a principal figura hierárquica do

hospital (FOUCAULT, 1992b). Ele revela em seus escritos que a

[…] tomada de poder pelo médico, se manifesta no ritual da visita, desfile quase religioso em que o médico, na frente, vai ao leito de cada doente seguido de toda a hierarquia do hospital: assistentes, alunos, enfermeiras, etc. […] nos regulamentos de hospitais do século XVIII, em que se diz onde cada pessoa deve estar colocada, que o médico deve ser anunciado por uma sineta, que a enfermeira deve estar na porta com um caderno nas mãos e deve acompanhar o médico quando ele entrar, etc (FOUCAULT, 1992b, p. 110).

A partir desta contextualização do hospital e da emergência do

poder médico em decorrência da reorganização dos hospitais, o doente é cada vez

mais visto como um corpo, que se torna objeto de exames e de constituição de

saberes e práticas médicas. Nessa construção histórica dos saberes clínicos, a

doença é isolada da pessoa, conformando um campo esquadrinhado, onde a

doença é valorizada em detrimento da própria pessoa.

Se por um lado o hospital esquadrinhou a doença, por outro, ao

isolar os corpos doentes da sociedade, concentra-os por conveniência, causando

inúmeras mortes, por doenças transmissíveis. Para alguns autores, é neste

contexto que se pode “[...] situar a origem da infecção hospitalar” (LACERDA;

EGRY, 1997, p. 13).

Com a transformação do hospital em um local de cura e

medicalização, começam a aparecer e a serem desenvolvidas as primeiras

medidas visando o controle das infecções que ocorriam nesse espaço (CARRARO,

2004).

76

Como exemplo de iniciativas para o controle de infecção, a

história traz contribuições como as de Ignaz Semmelweis (1818-1865) e Florence

Nightingale (1820-1910), que permitiram controlar a disseminação das doenças

entre os enfermos assistidos nos hospitais (COUTO; PEDROSO; PEDROSA,

2003).

No Séc. XIX, o desenvolvimento da bacteriologia e os conceitos

de assepsia vislumbrados por Pasteur e Lister respectivamente, colaboram para

modificar a situação insalubre nos hospitais, amenizando a relação existente entre

as infecções hospitalares e as mortes que ocorriam nesses espaços (ANDRADE;

ANGERAMI, 1999).

A evolução das ciências tem possibilitado o desenvolvimento do

saber clínico, sendo parte desse movimento as especializações e a incorporação

das tecnologias no tratamento de doenças, modelando os hospitais, como espaço

de medicalização. O espaço antes considerado insalubre passa com o recurso do

conhecimento, a ser considerado de tratamento da doença. Não podemos, por

outro lado, deixar de relacionar essa medicalização com a macroestrutura social, ou

seja, o contexto socioeconômico vigente. Assim, além da finalidade de atender às

doenças, suas especializações e as altas tecnologias visam também o mercado em

saúde, cada vez mais competitivo e com clientes cada vez mais informados no que

se refere às questões relacionadas à saúde (QUINTO NETO, 2004).

Na conformação do espaço hospitalar, as terapias intensivas

surgem para aperfeiçoar a assistência a pessoas gravemente enfermas que exigem

assistência médica e de enfermagem contínuas e que possuem possibilidades de

recuperação da sua condição de saúde. Habitualmente, a indicação de internação

em terapia intensiva é determinada principalmente pela condição de gravidade do

doente e pela potencialidade que ele tem de recuperação.

Se por um lado a UTI concentra doenças graves, por outro, as

condições das pessoas que são internadas em uma UTI são de extrema

vulnerabilidade. Elas têm sua condição de saúde agravada por problemas agudos

como: lesões por armas de fogo; lesões traumáticas decorrentes de acidentes de

trânsito e quedas; distúrbios cardiovasculares, respiratórios, gastrintestinais,

hepáticos e renais; alguns casos de pós-operatórios; de cânceres e de casos de

choque hipovolêmico, sepse e choque cardiogênico pós infarto agudo do miocárdio

(NASCIMENTO, 2005).

77

A UTI representa para a pessoa doente um espaço de tratamento

para o agravamento da sua condição de saúde. Por outro lado, a torna vulnerável a

outras complicações, sendo uma delas a infecção hospitalar. Assim, as pessoas

que tem indicação de internação em UTI, possuem doenças ou condições clínicas

que favorecem ou que tornam maiores às chances de desenvolverem infecções

hospitalares, as complicações mais freqüentes numa UTI (PADOVEZE; DANTAS;

ALMEIDA, 2003). Muitas delas já internam na unidade, infectadas, enquanto outras

adquirem as infecções hospitalares pela exposição aos procedimentos invasivos

diagnósticos ou terapêuticos e pela queda da imunidade (PEREIRA et. al., 2000)

causada pelo seu estado geral comprometido.

Apesar de representarem menos de 10% do número de leitos de

um hospital, é entre pessoas internadas em UTI que ocorre a maioria das IHs e

onde o risco relativo de morte é três vezes maior (DIENER; COUNTINHO;

ZOCCOLI, 1996). Sendo assim, os profissionais possuem algumas dimensões a

serem atendidas: a dimensão ética pela responsabilidade profissional para com a

vulnerabilidade da pessoa doente; a dimensão técnica pela necessidade de aliar

cuidados e tecnologias invasivas com as medidas de controle de IH; e a dimensão

legal que é estar instrumentalizado de conhecimentos de forma a poder prestar

cuidados qualificados.

A especificidade da atenção em terapia intensiva demanda a

necessidade de realização de práticas assistenciais complexas (GUIRARDELLO et.

al., 1999). As pessoas doentes na UTI, devido à sua gravidade “[…] dependem de

cuidados complexos e aparelhos sofisticados” (CESARINO et.al., 2005, p. 159)

para que sua assistência possibilite garantir a manutenção de suas vidas.

No contexto da complexidade assistencial, o espaço da UTI

privilegia a circulação dos profissionais de saúde, portanto daqueles que detêm o

saber clínico, sendo o trânsito dos visitantes restrito e desvalorizado no espaço da

UTI. O acesso e a circulação de um “estranho” na UTI é difícil (nem sempre há

sinalização) e dependente da avaliação do profissional de saúde, que nem sempre

valoriza outras dimensões importantes para o doente, como a família ou o cuidado

espiritual por exemplo.

Na entrada das visitas na UTI, um senhor se apresentou como pastor e disse para a técnica de enfermagem Amanda que gostaria de entrar na UTI para fazer orações para as pessoas que estavam ali internadas. A técnica o informou que poderia fazê-lo assim que terminasse o horário de visitas. Após isso, Amanda nos confidenciou que a enfermeira responsável pelo plantão não gosta

78

que entrem na UTI para fazer oração para os pacientes. Ela ainda referiu que todos precisam de oração e que caberia aos pacientes e familiares decidirem (Registro de Observação de15/02/07).

Para o controle das IHs, quando se trata de visitas na UTI de

forma a proteger as pessoas doentes que ali se encontram internadas, é importante

que os profissionais orientem que pessoas em estado gripal ou com qualquer outro

tipo de infecção não devem entrar na unidade e que enfatizem a higiene das mãos

pelos visitantes, uma vez que

[…] a infecção hospitalar é causada por germes intra-hospitalares e não por aqueles trazidos do ambiente externo. As mãos é que são uma das maiores vias de transmissão de infecção. Portanto, a prevenção mais eficiente é lavar as mãos antes e depois da visita ao doente. Mesmo fazendo parte da recuperação de uma pessoa internada na UTI, os familiares devem ser orientados pela equipe multidisciplinar envolvida no tratamento (PINHEIRO, 2007).

Assim, o espaço da UTI favorece o trânsito das pessoas que

detêm o conhecimento da ciência médica - os profissionais de saúde - privilegiando

o saber clínico, em detrimento das outras pessoas. Isso causa a desvalorização de

dimensões das pessoas doentes e dos seus familiares, uma vez que o espaço da

UTI é estranho e adverso ao seu cotidiano, se apresenta repleto de mistérios

(SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005), lhes causando medo, ansiedade e

insegurança para enfrentar esse momento de crise.

Há alguns anos, as visitas eram ainda mais restritas. Algumas

UTIs não permitiam sequer a entrada das pessoas no seu espaço. O contato dos

familiares e visitantes com as pessoas internadas se dava através de visores ou

janelas que impediam o contato físico. Essa restrição distinguia mais ainda as

pessoas que dispunham desses saberes, caracterizando o espaço como um campo

de saber e de domínio médico-hegemônico. Entretanto, mudanças vêm ocorrendo

ao longo dos anos, no sentido da revisão dessa concepção de isolamento do

doente crítico.

Atualmente, a compreensão da pessoa doente para além do corpo

doente, tem levado à necessidade de incorporação de outros aspectos que se

relacionam a ela, visando assegurar a sua integridade enquanto pessoa como, por

79

exemplo, os valores de solidariedade e o reconhecimento como sujeito autônomo

da atenção e do cuidado (COSTA, 2004).

Quando nos referimos aos espaços ocupados pelos profissionais

de saúde, observamos que aqueles que detêm o saber clínico os têm mais

valorizado do que os outros profissionais. O espaço destinado para cada classe

profissional é distinto e pode ser visualizado na UTI. Para os profissionais da área

médica, estes são privilegiados, o que caracteriza uma forma de distribuição política

dos mesmos no hospital.

Neste sentido, verificamos as diferenças existentes entre os

profissionais e que permeiam o espaço hospitalar, privilegiando o saber-clínico.

A distribuição física e simbólica dos espaços no hospital não ocorre por acaso ou de forma neutra; ela é política e obedece a uma racionalidade – o „status‟ que a classe médica ocupa dentro da estrutura hospitalar (AZEVEDO, 2005a, p. 86).

Os diferentes espaços onde se localizam os repousos mostram a

diferenciação entre as classes trabalhadoras na saúde, privilegiando algumas

categorias profissionais, que os têm maiores, mais estruturados e organizados em

relação a outras categorias.

Esta situação é também historicamente constituída, caracterizada

pela valorização do saber clínico. A desvalorização das outras categorias

profissionais corrobora para a existência de assimetria nas relações, e,

conseqüentemente, lacunas nas práticas profissionais e de controle de IH. A

conformação de poder e domínio de espaços dificultam a socialização entre os

profissionais para a percepção de trabalhos interdisciplinares. Cabe ressaltarmos

ainda que a conformação de espaços em relação a determinadas classes mostram

a precarização da saúde do trabalhador, que contrasta com a desvalorização do

cotidiano profissional desses trabalhadores, por parte deles mesmos e da própria

instituição.

Na conformação de espaços politizados, desenvolve-se o trabalho

multiprofissional no hospital, tendo a figura médica como elemento central das

ações, conformando sua hegemonia nesse espaço, a partir dos saberes

constituídos historicamente.

O próximo relato traz um evento que ocorreu na UTI, nos

mostrando como as relações entre o profissional médico e os demais atores na UTI

80

têm por base o saber clínico e, como conseqüência o poder e a hegemonia do

médico.

No instante em que orientávamos Dona Antonia (mãe do paciente Túlio) quanto aos direitos dos usuários do SUS, fomos interrompidas pela médica plantonista Natália que, do posto de enfermagem, informou à Dona Antonia que o horário de visitas havia acabado (Registro de Observação de 15/03/07).

As análises foucaultianas apontam para o poder, não como uma

coisa, um objeto, mas uma prática social historicamente constituída. Encontra-se

em qualquer nível da escala social e pode ser visualizada de forma sutil ou

expressa, quando nos atentamos para as relações que ocorrem no espaço nos

serviços de saúde.

Ele não existe em sua materialidade, ou seja, o poder é “[…] algo

que se exerce, funciona e se efetua nas relações” (AZEVEDO; RAMOS, 2003, p.

289). O que realmente existe são práticas ou relações de poder, nas quais os

saberes estão inseridos e determinam a hierarquização do poder. Entretanto,

embora tenhamos uma visão negativa deste poder, ele pode também ser visto em

seu lado positivo.

Por ser algo que se exerce, funciona e se efetua, possui seus

efeitos positivos, produtivos e estratégicos, o que afasta o aspecto negativo a ele

conferido. Machado (1992, p. XVI) explica que

[…] a consideração dos micro-poderes mostra, em todo caso, é que o aspecto negativo do poder – sua força destrutiva – não é tudo e talvez não seja o mais fundamental, ou que, ao menos, é preciso refletir sobre seu lado positivo, isto é, produtivo, transformador: É preciso parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos: ele „exclui‟, ele „reprime‟, ele „recalca‟, ele „censura‟, ele „abstrai‟, ele „mascara‟, ele „esconde‟. De fato, o poder produz; ele produz real; produz domínios de objetos e rituais de verdade.

Nas análises que envolvem o saber e o poder, evidenciamos que

eles relacionam-se entre si, gerando uma interdependência.

O fundamental da análise é que saber e poder se implicam mutuamente: não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder (MACHADO, 1992, p. XXI).

81

Nos diferentes processos que envolvem as atividades no hospital,

as relações de poder estão presentes e permeiam todos os espaços, gerando

relações assimétricas entre os diferentes atores envolvidos, causadas pela busca

de domínios de espaços, competitividade e conflitos.

No registro da observação anteriormente citada, a intervenção do

profissional médico às orientações que eram disponibilizadas a visitantes revela a

busca da defesa e delimitação do seu território na unidade, procurando mantê-lo

sob seu controle, o que, de certa forma, o afasta dos usuários. Os visitantes, por

sua vez, buscam pelo profissional que lhe dá espaço para aproximação, de forma a

ter suas necessidades atendidas através da possibilidade do processo dialógico.

Compreendemos que a família, por si mesma, ao deparar-se com aquele ambiente estranho e com o aparato tecnológico, não tem meios mais efetivos para convencer-se de que seu ente querido pode se recuperar. Assim, vai em busca daquele que, ao manipular, de certo modo, a vida de seu paciente, pode prestar-lhe esclarecimento: o profissional da saúde (CORRÊA; SALES; SOARES, 2002, p. 814).

Esse controle permeia todo o espaço hospitalar, tornando-o

medicalizado. O controle, tal qual a disciplina, tem papéis importantes no hospital,

particularmente ao

[…] organizar e disciplinar o ambiente terapêutico; e para dar conta desta nova função, institui uma nova arte de cuidar – o cuidado se constitui como campo de domínio particular de ação, onde o médico (posteriormente, os demais profissionais de saúde com seus saberes) passa a exercer um “certo domínio” sobre “certas coisas” (AZEVEDO, 2005a, p. 118).

Em outra situação, a relação de poder instituída no espaço

hospitalar pode ser visualizada num discurso que foi observado entre o profissional

médico e um familiar no horário de visitas.

Dona Antonia, mãe de Túlio, um paciente com traumatismo craniano e fratura de fêmur por acidente com motocicleta, questionou à médica plantonista Natália sobre o fato do seu filho ter sido internado na UTI sem qualquer problema pulmonar, conforme foi-lhe dito na internação e, depois de alguns dias, ter desenvolvido pneumonia e febre. Natália, solícita e calma,

82

respondeu à Dona Antonia que, apesar dos ventiladores mecânicos salvarem vidas, eles têm este inconveniente de causarem pneumonia nos pacientes. Disse-lhe ainda que o fato de desenvolver pneumonia seja comum nos pacientes que fazem uso de ventilação mecânica (Registro de Observação de 15/03/07).

Os usuários dos serviços hospitalares nem sempre dispõe de

conhecimento acerca das doenças e de seus tratamentos. Seu saber sobre a

clínica geralmente é limitado para questionar o que lhe é informado, impedindo-o de

fazer novos questionamentos. Portanto, prevalece a verdade do profissional de

saúde que forneceu a informação, que é o médico.

Na existência da íntima relação do saber com o poder, Machado

(1992) menciona que os saberes se constituem como um elemento necessário para

as relações, e que, assim, tornam-se dispositivo político nas disputas de forças e de

poder.

O relato que segue, demonstra o questionamento do mesmo

familiar, contestando o que lhe é informado.

Dona Antonia, mãe do paciente Túlio, reclamou que, no plantão noturno anterior, foi até a unidade para ver como estava seu filho e que quando chegou, observou que o frasco de drenagem da sonda nasogástrica (SNG) estava cheio e refluindo para o estômago de seu filho. Vendo o que ocorria, de imediato, chamou uma funcionária da enfermagem, sem saber referir o nome. A funcionária esvaziou o frasco e disse à Dona Antonia que não haveria nenhum problema em decorrência disso, o que a deixou preocupada, pois ela achava que isso não era normal (Registro de Observação de15/03/2007).

O Manual de Prevenção de Infecções Hospitalares do Trato

Respiratório (APECIH, 2005, p.13) apresenta os fatores de risco para pneumonia

em quatro categorias:

1) fatores que aumentam a colonização da orofaringe e/ou estômago por microorganismos (p. ex.: administração de agentes antimicrobianos, admissão em UTI ou presença de doença pulmonar crônica de base);

2) condições que favorecem aspiração do trato respiratório ou refluxo do trato gastrointestinal (p. ex.: intubação endotraqueal ou intubações subseqüentes; utilização de sonda nasogástrica; posição supina; coma; procedimentos cirúrgicos envolvendo cabeça, pescoço, tórax e abdome superior; imobilização devido a trauma ou outra doença);

3) condições que requerem uso prolongado de ventilação mecânica com exposição potencial a dispositivos respiratórios

83

e/ou contato com mãos contaminadas ou colonizadas, principalmente de profissionais da área de saúde; e

4) fatores do hospedeiro como extremos de idade, desnutrição, condições de base graves, incluindo imunossupressão.

As normalizações10 constituem aspecto importante a ser

contemplado na organização das práticas de controle de IH no espaço da UTI. Um

estudo realizado por Freire, Farias e Ramos (2006) demonstrou que a falta de

normalizações dos cuidados entre os profissionais, propicia riscos para que as

pessoas doentes desenvolvam pneumonias associadas ao uso de ventiladores

mecânicos e também para aqueles que, por outros fatores, não desenvolveram

pneumonia.

Quando nos referimos ao profissional de saúde que detêm o

conhecimento clínico, este se utiliza dessa ferramenta para manter a sua posição

de superioridade na relação profissional-usuário no espaço da UTI. Esta prática não

valoriza as dimensões do outro enquanto pessoa com direitos, inclusive de

informações relativas à assistência e ao tratamento realizado.

Observamos que, assim como há os macropoderes, há também

os micropoderes permeando o espaço hospitalar. A atitude do familiar de não

aceitar a forma como o seu ente estava sendo cuidado, através da contestação do

que lhe foi informado, possibilita reflexões quanto à falta de valorização da

subjetividade das pessoas e do senso comum pelos profissionais de saúde, pois

“ela achava que isso não era normal”, assim, como poderia aceitar?

Por outro lado, como alguém sem conhecimento técnico pode

questionar um profissional, se este é que detêm o saber necessário para atuar no

espaço, o qual é seu campo de domínio?

O poder assume “[…] as formas mais regionais e concretas,

investindo em instituições, tomando corpo em técnicas de dominação” (MACHADO,

1992, p. XII), ou seja, atinge os corpos, na sua singularidade e cotidianidade.

Caracteriza-se como um micropoder, uma vez que controla detalhadamente o

corpo, seja nos gestos, nas atitudes, nos comportamentos, nos hábitos, nos

discursos. Como seu alvo é o corpo, seu objetivo é torná-lo aprimorado e adestrado

10

O termo “normalização” utilizado neste estudo significa o “ato ou efeito de normalizar”, “submeter à norma ou normas, padronizar”, conforme o Novo Dicionário Aurélio (2005).

84

(MACHADO, 1992). Esses poderes já estão incorporados nas práticas profissionais

cotidianas dos serviços de saúde, se tornando banalizados. Para Mattos (2001,

p.43), a banalização se explica como

[…] o uso de uma expressão de tal modo que todos a defendam, mas o façam sem saber exatamente o que defendem. Desse modo, as noções deixam de ser capazes de diferenciar aspectos e valores presentes em diferentes configurações do sistema, das instituições ou das práticas nos serviços de saúde; perdendo assim, sua utilidade política.

A esse aspecto Foucault denominou microfísica do poder, pois

para ele, o poder não se exerce apenas no nível central, ele também se exerce nas

extremidades. Ele não visa somente esquadrinhar, adestrar, dominar pelas relações

de poder, mas sim, servir como um mecanismo de luta e articulação contra essas

mesmas relações de poder (MACHADO, 1992).

Retomando a observação em que houve o refluxo do conteúdo

gástrico drenado, fizemos algumas considerações.

A mãe deve ter pensado que, se está drenando secreção, é porque esta não deve ficar no estômago. Um incidente como este pode causar sérios danos à saúde já fragilizada do paciente, como bronco-aspiração e conseqüentemente uma pneumonia aspirativa pela facilidade de acesso dessa secreção à traquéia. Aproveitamos para questionar se um fato como este ocorresse com um familiar do profissional, qual seria sua reação diante de uma resposta como essa? Que não haveria nenhum problema? (Diário de Campo de 15/03/2007).

Numa situação de refluxo pela sonda nasogástrica, convém

retornarmos a um dos itens anteriormente citados quanto aos fatores de risco para

pneumonia associada à assistência à saúde.

2) condições que favorecem aspiração do trato respiratório ou refluxo do trato gastrointestinal (p. ex.: intubação endotraqueal ou intubações subseqüentes; utilização de sonda nasogástrica; posição supina; […] (APECIH, 2005, p.13).

Os cuidados sistematizados e a atenção de toda a equipe

assistencial centrados nesse espaço representam contribuições imprescindíveis

85

para a prevenção de complicações decorrentes do uso de sondas nasogástricas,

especialmente em pessoas doentes sob ventilação mecânica, a fim de garantir que

tenham disponibilizada uma assistência segura, minimizando os riscos de

pneumonia.

Na organização do seu espaço, a UTI é permeada por disciplinas

em todos os processos que envolvem o seu funcionamento, os seus trabalhadores

e as pessoas doentes.

Dentre os mecanismos de organização do espaço da UTI,

encontramos documentações que se constituem parte das materialidades

discursivas do setor. Chamadas por Araújo (2005) como corpo documentário,

revelam alguns dos saberes que operam nessa unidade.

Ficam armazenados em um espaço próprio na UTI, no posto de enfermagem os documentos: Livro de Entrada e Saída de pacientes, Protocolo de Serviço de Radiologia, Protocolo para empréstimo de equipamentos, Protocolo para exames de Tomografia Computadorizada, Livro de Relatório de Enfermagem (destinado a anotações dos enfermeiros) e Agenda Telefônica (Registro de Observação de 15/03/07).

A existência destas documentações nesse espaço propicia a

normalização do funcionamento do serviço, com o armazenamento de informações

diversas, como, por exemplo, o registro de entrada e saída (admissão, alta, óbito,

transferência), o controle dos exames diagnósticos realizados e os registros das

ocorrências de cada plantão.

Quando nos referimos às normalizações para a realização de

procedimentos, vislumbramos a possibilidade de tornar as práticas de saúde

uniformes. Para que as atividades sejam uniformizadas e serializadas, é necessário

que, nas normalizações instituídas no hospital, haja a integração dos profissionais

de saúde desde a sua elaboração até a sua implantação e implementação na

prática individual de cada profissional, na expectativa de que, no conjunto dessas

atividades desenvolvidas pelos diferentes profissionais, sejam minimizados os

riscos de IH (KAWAGOE; QUEIROZ, 1997).

De acordo com Kawagoe e Queiróz (1997, p.59), um dos

princípios para uma boa prática de controle de infecção hospitalar é a “existência de

normas e protocolos escritos para todos os serviços e atividades, especialmente os

relacionados com a manutenção dos níveis de higiene e prevenção das infecções”.

86

O controle do desenvolvimento das atividades no hospital é

realizado através de horários pré-estabelecidos ou normalizados. Quando se trata

do horário de preparo de medicamentos, a equipe de enfermagem prioriza-o em

detrimento de quaisquer outros cuidados.

Dentre os cuidados, os horários de medicação são religiosamente

respeitados num procedimento de disciplinarização do processo de trabalho, com o

objetivo de garantir a eficácia ou efetividade das drogas utilizadas.

Era 16 h no relógio da UTI. Com a movimentação, percebemos que a equipe de enfermagem se preparava para o procedimento de preparo dos medicamentos quando observamos que as técnicas de enfermagem começavam a juntar os materiais necessários, recolhendo-os das gavetas da pia/balcão do posto de enfermagem com as mãos enluvadas (Registro de Observação de 22/03/07).

Neste momento, a medicação torna-se o cuidado principal a ser

dispensado às pessoas doentes. Nada parece ser mais importante que esse

cuidado, cuja administração é realizada pontualmente dentro dos horários pré-

fixados nas prescrições, que tendem a se encaixar nos horários normalizados pelo

hospital.

No espaço determinado, as normalizações representam

mecanismos disciplinares, uma vez que têm a finalidade de controlar e de corrigir

operações naquele local. Visam ordenar as ações, no sentido de

[…] treinar, ajustar economicamente o tempo decorrido entre cada atividade, produzir um cuidado mais uniformizado (menos passível às diferenças de quem executa) e serializado (em série, partes em seqüência lógica) (AZEVEDO, 2005a, p.134).

As normalizações, dispositivos que visam disciplinar

procedimentos, para que alcancem os resultados esperados, dependem de vários

elementos, como o comportamento, a formação e a subjetividade de cada

profissional. Quando não estão instituídas e socializadas no serviço, possibilitam

que cada profissional utilize a sua subjetividade, corroborando para que a

assistência nem sempre tenha um caráter uniforme, haja vista que o mesmo

cuidado ou procedimento pode ter contornos diferentes, podendo contribuir para o

aparecimento das IHs.

87

Mesmo quando o serviço possui as atividades uniformizadas ou

normalizadas, os profissionais ainda encontram formas de não segui-las como

determinado, “[…] organizando-se de outras formas, elegendo prioridades, fazendo

o que pode para, ao menos, minimizar os efeitos adversos sobre si e sobre o

resultado de seu trabalho” (RAMOS, 1996, p. 96).

A rotina, para Azevedo (2005a, p. 134), é um “[…] dispositivo de

poder do qual a enfermagem tem se utilizado para disciplinar os corpos durante a

sua permanência no hospital”, como os horários e as rotinas pré-estabelecidas pela

instituição.

No horário de preparo de medicamentos pode ser observada a

forma como os profissionais se organizam no espaço da UTI para realizarem seu

trabalho.

Após recolherem os materiais e medicamentos, Leonora, Dolores e Cleuza foram se colocando de frente a pia/balcão de preparo de medicamentos, se posicionando gradualmente, uma ao lado da outra, com as respectivas prescrições médicas de seus pacientes pelos quais estavam responsáveis neste dia, para iniciarem o preparo dos medicamentos (Registro de Observação de 22/03/07).

A disciplina é evidenciada na atuação dos profissionais nesse

horário, operando de forma individual e detalhada. Para Dreyfus e Rabinow (1995,

p.173), a disciplina “[…] toma os indivíduos, ao mesmo tempo, como objetos e

como instrumentos de seu exercício”.

Embora não esteja ainda instituída na unidade a normalização dos procedimentos na enfermagem, observa-se que a mesma mantém uma sistematização subjetiva do seu trabalho, para atender aos cuidados dos pacientes e suas prescrições. Observamos a ênfase que se dá ao horário de medicamentos, sendo que se deixa de fazer outros cuidados, para priorizá-lo (Diário de Campo de 02/04/07).

Nesta perspectiva, observamos que a equipe de enfermagem

mantém grande parte da prioridade assistencial nesse cuidado, identificando-o

como, talvez uma das mais importantes atividades a ser executada no seu período

laboral na UTI.

A disciplinarização também é observada nos boletins informativos

afixados em espaços estratégicos, que são utilizados para dar visibilidade aos

poderes que se manifestam na UTI.

88

“Vamos evitar visitas, amigos e funcionários de outro setor na unidade, há informações errôneas sendo passada

11 para

familiares dos pacientes da unidade. Alunos somente na companhia do professor e devidamente agendado na educação continuada. É expressamente proibido sair qualquer documento sem autorização por escrito da Diretoria Clínica (prontuários) da Coordenação e Gerência da UTI no que for referente a unidade. Equipamentos deverão ser protocolados, exceto o ECG que não deverá sair da unidade” (Registro de Observação de 20/03/07).

O objetivo do informativo é docilizar os indivíduos, ou seja,

promover certa moldagem, na qual as pessoas se tornam obedientes às regras

instituídas, de modo que a instituição funcione de acordo com o que foi planejado

pelos gestores, coordenadores e por quem gerencia a unidade.

Ao mesmo tempo em que observamos que as pessoas que

coordenam a unidade buscam a organização do serviço, demonstram também a

relação de poder que se estabelece, mantendo o espaço controlado.

São tantas as normas instituídas que tem como objetivo disciplinar

o espaço em função da doença, que a dimensão da pessoa doente em estado

crítico é pouco vislumbrada. Embora normas e disciplinas sejam aspectos

importantes a serem considerados nas práticas da IH, sabe-se que pessoas -

profissionais, pessoas doentes e familiares - fazem parte do contexto do espaço da

UTI e que, reconhecer essa dimensão humana na organização das práticas neste

espaço se constitui num aspecto imprescindível para o alcance da integralidade da

atenção à saúde.

Assim como evidenciamos a disciplinarização do espaço da UTI,

observamos que há anotações no Livro dos Enfermeiros que revelam a busca pela

manutenção do controle do espaço e materiais.

“Carrinho de Emergência: Desde sábado – aberto sem reposição. Solicito que todas as vezes que fizer uso do carrinho reporem; há técnico da farmácia em todos os períodos. Na impossibilidade, fazer uma lista do utilizado e deixar na unidade. Os dois cardioversores estão em funcionamento” (Registro de Observação de 11/04/07).

Há uma expectativa de monitoramento da unidade, onde são

indicadas algumas falhas no processo de trabalho e que fogem à normalidade

instituída na UTI. Ao mesmo tempo, realiza questionamentos quanto a

11

A reprodução das anotações de informativos e registros de documentos foi realizada da forma como elas se encontravam registradas.

89

procedimentos não realizados e que, em caso de emergência, poderia causar

sérios danos às pessoas doentes ali internadas.

As anotações apontam para a busca da organização da unidade. Mostram a tentativa de organizar ou disciplinar o espaço, de forma a mostrar aos profissionais que havia recursos humanos suficientes para determinadas práticas serem atendidas, além de chamar a atenção dos profissionais com referência ao cumprimento de suas funções e da manutenção da ordem e limpeza do local de trabalho (Diário de Campo de 11/04/07).

Para Matsuda et. al. (2006), os registros ou anotações de

enfermagem representam a forma escrita que os profissionais utilizam para se

comunicar, registrando informações relativas às pessoas doentes, bem como aos

seus cuidados.

Entende-se que os registros são elementos imprescindíveis no processo de cuidado humano visto que, quando redigidos de maneira que retratam a realidade a ser documentada, possibilitam à comunicação permanente, podendo destinar-se a diversos fins (pesquisas, auditorias, processos jurídicos, planejamento e outros (MATSUDA et. al., 2006, p. 415).

As anotações no Livro dos Enfermeiros, além do repasse de

informações referentes ao quadro das pessoas doentes, sua evolução por plantão e

intercorrências, trazem anotações que se mesclam às outras, e dizem respeito ao

andamento administrativo, como a falta de materiais e equipamentos, a

organização do serviço, mostrando a preocupação dos enfermeiros com a

assistência prestada.

Na revisão de literatura realizada por Pádua e Ramos (2004), a

maioria dos estudos realizados, embora aponte para a importância das anotações

de enfermagem como uma forma de registrar informações que devem ser

socializadas entre os profissionais, estas tem sido pouco evidenciadas ou

praticadas nas escolas de enfermagem.

Para a administração dos serviços de enfermagem, essas anotações devem propiciar um processo de comunicação escrita, que possa ser utilizado no planejamento das ações, assim como na avaliação, controle e auditoria da qualidade da assistência de enfermagem (PÁDUA; RAMOS, 2004, p.44).

90

A prática das anotações na UTI representa uma forma de controle

ou monitoramento do espaço pelos profissionais, de forma a envolver não só a

organização e funcionamento da unidade, mas também monitorar as pessoas

doentes e profissionais que ali se concentram, revelando, portanto, a preocupação

do enfermeiro com o todo da assistência.

Outro relato registrado no Livro dos Enfermeiros socializa para os

demais membros da equipe assistencial, um acontecimento que levou a

conseqüências no quadro clínico de uma das pessoas internadas na UTI.

“Atenção Equipes: DDAVP12

– Leito 08 – Leonel não foi administrado […] dos três períodos. É inadmissível que […] observado a prescrição, sendo ontem o quinto dia de uso. Resultado: Poliúria, […] débito cardíaco” (Registro de Observação de 11/04/07).

Os registros ou anotações de enfermagem, por expressarem as

atividades realizadas pelos profissionais de saúde ou os acontecimentos nos

diferentes turnos de trabalho, possuem importância pela comunicação que

possibilitam, no ponto de vista científico, administrativo ou legal (PÁDUA; RAMOS,

2004).

Entretanto, na revisão de literatura realizada por Pádua e Ramos

(2004), as autoras referem que a maioria dos estudos acessados ressalta a

importância das anotações de enfermagem na comunicação entre os profissionais e

que as escolas de enfermagem pouco têm praticado o teoricamente preconizado.

Nesse contexto, as falhas nos processos de comunicação escrita

entre os profissionais podem repercutir na assistência à pessoa internada, em

especial, àquela em situação grave, dada a variedade de profissionais envolvidos

nos cuidados em saúde.

Em meio a essa variedade de profissionais, o espaço da UTI

abarca diferentes relações que se envolvem e interferem nas práticas assistenciais,

na perspectiva de operacionalizar o trabalho na unidade para atender as pessoas

que se encontram em condição de gravidade.

Dessa forma, em que vários atores fazem parte desse cenário,

cabe refletirmos acerca das diferentes formações subjetivas, as quais estão

12

DDAVP: hormônios anti-diuréticos sintéticos que atuam sobre os rins, suprindo a falta de vasopressina natural. Disponível em: http://www.ferring.com.br/pagina_texto.asp?link=SUB&txt=182. Acesso em: 31 set. 2007

91

permeadas por relações de poder e disciplinas. São construtos histórico-sociais e

precisam ser considerados e reconstruídos se pretendemos alcançar a

integralidade.

Na UTI, a conformação atual dos espaços ainda se constitui em

um obstáculo a qualidade de assistência em saúde, sendo grande o desafio para

que as práticas assistenciais, em especial as de controle de infecção hospitalar

atendam à integralidade. Um espaço no qual são privilegiadas determinadas formas

de relações, como as de poder e processos hegemônicos, constitui-se num

obstáculo para o atendimento à integralidade, uma vez que a conformação desses

corrobora para que as práticas sejam fragmentárias e reducionistas.

A pessoa internada numa UTI, que se encontra frágil e vulnerável

em todos os seus aspectos, necessita de cuidados “[…] efetivos e abrangentes”

(NASCIMENTO, 2005, p. 14). Além de atender às suas necessidades biológicas

prementes, o atendimento deve também contemplar suas outras dimensões, como

a psicológica, social e espiritual (NASCIMENTO, 2005). Um atendimento prestado

de forma fragmentada e reducionista contribui para que sua permanência na

unidade seja sofrida, desgastante e prolongada, expondo-a a riscos como o de

adquirir uma IH.

Assim, observamos que as práticas na UTI devem ser

repensadas, na busca de romper com o modelo assistencial vigente, onde o

cuidado do corpo doente é valorizado em detrimento do cuidado da pessoa doente,

desconsiderando suas outras dimensões, de forma a possibilitar práticas

assistenciais integrais que minimizem o sofrimento daquelas pessoas que, num

momento de suas vidas, necessitam de um atendimento complexo e especializado

em saúde.

5.1.2. A UTI como espaço de cuidado do corpo das pessoas internadas

O espaço da UTI se mostra configurado para tratar de doenças e,

nesse sentido, o corpo da pessoa internada se torna o objeto do tratamento. O foco

da atenção dos profissionais de saúde se volta para o corpo e não para a pessoa

que possui uma situação de agravamento de sua saúde. Nesse contexto, a

organização das práticas de atenção no espaço da UTI nos revela a separação

92

entre o corpo e a pessoa doente, pessoa esta que representa um ser, que tem a

sua identidade, particularidades, sensibilidades, valores morais, culturais e outros.

Portanto, visualizamos o des(cuidado) e a des(valorização) para

com as outras dimensões das pessoas doentes na UTI, e não apenas a

exclusividade ao atendimento à dimensão biológica.

As práticas profissionais privilegiam o cuidado de corpos, e estes

se tornam desprovidos de percepção, sensibilidade, dor, afeto, sentimentos,

desejos, idade, sexo, frio, calor, entre outros. Isto pode ser claramente observado

quando registramos que as janelas são cobertas por insulfilm, o que impede a

entrada da luz solar direta. Nesse espaço desconhecido, em que a pessoa se vê

quando hospitalizada, a perda do contato com a luz natural e a necessidade de

repouso faz com que as horas lhe custem a passar (SEVERO; GIRARDON-

PERLINI, 2005).

Para a pessoa internada, o tempo não pode ser revelado, nem

percebido, se não há relógios que a oriente. Esse tempo que não passa, para essa

pessoa na UTI, sobretudo para aquela que se encontra consciente ou recuperando-

se, pode tornar menos estressante se ela consegue situar-se temporalmente.

Fatos como as janelas estarem constantemente fechadas numa

UTI, os vidros revestidos por insulfilm e a ausência de relógios denotam uma

estrutura que priva as pessoas internadas nesse espaço às referências temporais.

Tal privação pode gerar sentimentos de sofrimento. A disponibilização de relógios

visíveis para cada leito ameniza o sofrimento daqueles que necessitam situar-se,

pela perda do referencial do dia e da noite, ou seja, de aspectos relacionados à

iluminação natural (GUIRARDELLO et. al., 1999).

Essa perda da temporalidade, ou seja, o fato da pessoa internada

não situar-se no tempo, para ela, representa

[…] uma privação do que esta estrutura temporal simbolicamente significa, ou seja, uma maneira de reorganizar-se, reestruturar-se e reconhecer-se diante da vida. Quando o paciente perde o seu referencial, frente à nova situação, por um lapso de tempo, perde o controle sobre sua vida, tendo dificuldade para situar-se (GUIRARDELLO et. al., 1999, p. 126).

Nesse espaço, observa-se a existência contínua de sons e ruídos,

emitidos pelos vários equipamentos utilizados na assistência. Aliados a esses

93

ruídos, podemos mencionar os sons causados pelas conversações entre os

profissionais que atuam na unidade, como citado na observação que segue.

[...] as conversas entre os profissionais podiam ser ouvidas em qualquer ponto da UTI, mesmo se ouvindo os diversos ruídos dos aparelhos que circundam os pacientes, como monitores, bombas de infusão e ventiladores mecânicos (Registro de Observação de 17/04/07).

O silêncio necessário ao espaço hospitalar pode ser entendido

como uma disciplina. Ele representa uma característica fundamental e necessária,

por permitir a promoção da tranqüilidade das pessoas internadas, auxiliando no seu

processo de recuperação.

Em “Notas sobre Enfermagem”, Florence Nightingale (1989, p. 52)

em meados do século XIX já fazia suas reflexões sobre os ruídos em relação aos

doentes, afirmando que “o barulho que faz mal ao doente é o desnecessário e que

dá origem a uma expectativa em sua mente”. Para ela, é importante manter os

doentes preservados de ruídos desnecessários como conversas, sussurros,

cochichos e caminhar arrastando os pés, por exemplo.

Nightingale (1989, p. 55) menciona ainda o ruído como

[…] desnecessário, de fato, é a mais cruel falta de cuidado que pode ser imposta a um doente ou mesmo a uma pessoa sadia, pois em todos esses comentários, o doente foi apenas mencionado como sofrendo exatamente das mesmas causas, só que em proporções muito maiores. Ruído desnecessário (ainda que leve) prejudica a pessoa doente muito mais que o barulho inevitável (ainda que em maior quantidade).

O silêncio é uma necessidade e um respeito àquele que está

doente, especialmente o que está numa Unidade de Terapia Intensiva, onde estão

concentradas pessoas internadas com maior gravidade e risco de morte.

Na UTI, a pessoa doente está circundada por máquinas e

equipamentos que emitem ruídos de forma ininterrupta, necessitando se habituar

(ou se submeter) a esse cotidiano enquanto perdurar a condição crítica que

acarretou a sua internação neste local. A equipe de saúde, ao minimizar os ruídos

evitáveis, garante melhora das condições de internação neste espaço e humaniza a

atenção. A humanização, para Backes, Lunardi Filho e Lunardi (2005, p.103)

representa

94

[…] antes de tudo, uma relação efetiva de cuidado, que pode ser traduzida na acolhida, na ternura, na sensibilidade, no respeito e na compreensão do ser doente e não da doença. Significa, também, reduzir ao mínimo a ruptura entre a vida normal do paciente e a que lhe impõe restrições.

Backes, Lunardi Filho e Lunardi (2005, p. 105) citam alguns trechos do

depoimento de um profissional de saúde que vivenciou a experiência de ser

paciente de UTI.

Ser paciente é totalmente diferente que ser profissional de saúde. Um doente em coma percebe, constantemente, todos os movimentos e ouve tudo o que acontece ao seu redor. Ouvia e acompanhava em silêncio todos os procedimentos […] Os comentários […] eram realizados próximo aos pacientes, o que me causou um grande desconforto. Para mim, a UTI foi um “inferno”. São luzes acesas durante as vinte e quatro horas […] comentários indevidos próximos dos pacientes, ruídos e alarmes a todo o instante […] O paciente que já se encontra fragilizado pela dor, com esses comentários piora ainda mais […].

Neste relato, a experiência da internação hospitalar foi bastante

traumática para essa pessoa. Como profissional de saúde, ao lê-lo, é possível

sentir como se tivéssemos vivenciando o ocorrido. Essa experiência retrata de

forma não muito diferente o cotidiano vivido pelas pessoas internadas na UTI em

que este estudo foi realizado.

É importante que os profissionais estejam conscientes quanto aos

ruídos desnecessários e busque minimizá-los sempre que possível na unidade.

Proporcionar ao paciente a permanência hospitalar menos traumática possível é

compreender a sua fragilidade, sendo solidário e sensível às necessidades da

pessoa que está suscetível e fragilizada.

A garantia de um ambiente sem ruídos ou que possam ser

evitados ou minimizados ao máximo, contribui para a recuperação e

restabelecimento da pessoa hospitalizada, uma vez que se viabiliza uma

permanência mais calma, tranqüila e agradável possível na UTI. A busca pela

conformação desse ambiente para a pessoa doente deve ser a apreendida e

praticada por todos os profissionais de saúde e demais indivíduos que circulam no

espaço hospitalar.

95

Na UTI, observamos que as pessoas doentes têm seus nomes

substituídos por números, seja nos leitos ou no mural. Perdem sua identidade,

deixam de serem pessoas em condição crítica para serem consideradas ou

tratadas como um corpo ou uma doença por grande parte dos profissionais de

saúde, contrariando o que se espera na atenção em saúde, que é a “[…] recusa em

reduzir o paciente ao aparelho ou sistema biológico” (MATTOS, 2001, p. 45).

As pessoas internadas na UTI são dispostas em um espaço amplo

e sem privacidade, que expõem seus corpos, seus medos, sua identidade e

particularidades, seu sexo, sua cultura, e outros, embora entre os leitos, as cortinas

delimitem o espaço da pessoa internada, buscando garantir privacidade.

Entretanto, muitas vezes os profissionais movidos pela

banalização do cotidiano, negligenciam inconscientemente o cuidado à privacidade

dos doentes.

Durante todo o procedimento do banho no leito, as partes íntimas do paciente foram mantidas expostas, embora este paciente estivesse em quarto de isolamento. Após o procedimento, o paciente foi coberto com um lençol, sem outra vestimenta além do fraldão descartável (Registro de Observação de13/03/07).

Para Pupulim e Sawada (2002), o fato de a pessoa estar despida,

sã ou doente, traz a ela desconforto e embaraço, sentimentos comuns que se

relacionam aos comportamentos culturais da sociedade em geral. Na assistência

em saúde, a exposição da intimidade das pessoas internadas em procedimentos

como banho, sondagens vesicais, enemas e outros, pode ser reduzida ao mínimo

possível.

No espaço da UTI, a organização das práticas em relação às

formas como os corpos são deixados sobre o leito, sem peças íntimas, sem calças

ou camisas, ou apenas com um avental, todos iguais e da mesma cor, faz com que

todas as pessoas ali sejam vistas (ou consideradas) iguais. Isso destitui delas sua

identidade, as despersonaliza. Para Pupulim e Sawada (2005, p. 389), “isso é mais

nítido na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde geralmente o cliente permanece

despido e protegido apenas com lençol”.

Essa prática causa sofrimento e vergonha às pessoas doentes, e

representa uma situação que lhes é imposta e que lhes resta apenas submeter-se

(SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005). Para os profissionais visa facilitar o

trabalho no manuseio do seu corpo ou dos equipamentos a ele conectados.

96

Cabe aos profissionais de enfermagem, sempre presentes nessas

situações, resguardar a intimidade dessas pessoas doentes.

A enfermagem procura preservar a intimidade e a privacidade dos doentes usando biombos, cobrindo partes do corpo que não precisam ficar expostas durante um procedimento e solicitando que familiares/visitas retirem-se do quarto/enfermaria ao realizar um cuidado, caracterizando essa tentativa de proteção como um gesto humanitário e de respeito (PUPULIM; SAWADA, 2002, p. 435).

Os profissionais de saúde, e não nos referimos aqui apenas à

equipe de enfermagem, podem minimizar a exposição das pessoas internadas a

riscos, cuidando-a para além do corpo biológico, de maneira ampliada, na medida

em que passam a considerar que a pessoa doente em condição crítica tem seus

valores e suas crenças e que estes devem ser respeitados.

Assim, nesse espaço complexo da UTI, as práticas assistenciais

configuram-se também como complexas. Exigem um saber clínico especializado

que impõe aos profissionais, constantes capacitações, especializações e

atualizações para instrumentalizá-los ao cuidado das doenças.

Entretanto, ao valorizar essa dimensão, negligenciamos outros

aspectos, como os emocionais que acompanham o processo de passagem em uma

UTI: a separação da família; a internação em uma unidade onde existe uma

representação social relacionada à morte; a realização de procedimentos

complexos e invasivos; a internação em uma unidade onde ao lado se vê apenas

pessoas em estado grave; não se pode sair da unidade, nem se pode dialogar com

outras pessoas, exceto com os profissionais de saúde; entre muitos outros. Nesse

sentido, é preciso no cuidar em saúde, incorporar saberes que subsidiem os

profissionais ao fazer em saúde, tendo por objetivo o cuidado humano, com base

na ética da vida humana.

E é essa qualidade assistencial que garante às pessoas doentes e

seus familiares a segurança que elas buscam nos serviços de saúde, conforme

ressalta Severo e Girardon-Perlini (2005, p.25)

[...] quando o paciente identifica a equipe como fonte de segurança, de proteção e de desvelo, passa a estabelecer uma relação de confiança com os profissionais e a ter certeza de estar sendo bem cuidado. Assim, mesmo distante da família, o paciente sente-se amparado e assistido, o que acaba gerando sentimentos de tranqüilidade.

97

Esse espaço busca disponibilizar um atendimento seguro e de

qualidade, devendo garantir que as pessoas não sejam expostas a riscos em

decorrência de processos assistenciais, os quais podem ser prevenidos ou

controlados, quando não relacionados a fatores de natureza endógena dessas

pessoas doentes.

Paciente Luan, internado com diagnóstico inicial de Hemorragia Intra Parenquimatosa Direita, transferido do interior do Estado em 12/02/07, apresentou, entre 21 e 23/03/07, os seguintes resultados de culturas: cultura de ponta de cateter positiva para Enterobacter cloacae; urocultura positiva para Cândida não albicans; aspirado traqueal positivo para Pseudomonas aeruginosa e Morganella morgannii; cultura de escara positiva para Escherichia coli (Registro de Observação de prontuário de 24/04/07).

A responsabilidade de prevenir e de controlar as infecções

hospitalares é inerente aos profissionais de saúde, portanto, é uma

responsabilidade individual, mas ao mesmo tempo coletiva, garantida por meio da

normalização de procedimentos corretos, da interação com a CCIH (PEREIRA et.

al., 2005) e da educação permanente dos profissionais em controle de infecção

hospitalar.

Os profissionais de saúde devem ser conscientizados das

medidas de prevenção de controle de infecção já constatadas como eficazes, de

modo a oferecer todo o suporte para que essa clientela tenha garantida a qualidade

da sua assistência (PEREIRA et. al., 2000), minimizando os riscos de infecção

hospitalar.

O espaço da UTI está conformado para atender corpos doentes e

não pessoas doentes, conforme observamos em algumas citações em que as

várias dimensões do ser humano não são respeitadas. Essa conformação, como

referimos anteriormente, parte de construções históricas que perduram ainda no

cotidiano das instituições de saúde.

Entretanto, Silva et. al. (2006) referem à busca por um novo

modelo assistencial em saúde que atenda às necessidades de saúde da população,

substituindo o modelo tecnicista-hospitalocêntrico anteriormente existente. Trata-se

do modelo proposto pelo SUS, que considera a saúde como um direito do cidadão,

98

que deve ser garantido e legitimado através de políticas públicas na perspectiva de

um atendimento universal, igualitário e integral.

Dessa forma, o sistema de saúde constitui-se num processo social

e político ao mesmo tempo, e se consolida através de políticas públicas para a

saúde, para que as práticas em saúde possam efetivamente ser resolutivas.

O atendimento ao novo modelo assistencial de saúde requer um

reordenamento de suas práticas, com compartilhamento de responsabilidades dos

gestores, dos profissionais de saúde e dos usuários do sistema.

Quando nos referimos à assistência hospitalar, sobretudo nas

unidades de terapia intensiva, cabe refletirmos como as práticas assistenciais estão

conformadas nesse espaço para o atendimento de pessoas. Colocamos em

questionamento em que medida essas práticas assistenciais alcançam a

integralidade da assistência, quando nos deparamos com o espaço destinado ao

doente caracterizado como: restrito, limitado, impessoal, e que não respeita sua

individualidade, sua subjetividade e suas particularidades.

Em atenção ao modelo assistencial vigente no país, o princípio da

integralidade constitui-se na apreensão do usuário como um ser bio-psico-social e

deve, portanto garantir um espaço que realmente possa disponibilizar um cuidado

integral a pessoas em condição crítica.

Para tanto, a pessoa internada no espaço da UTI, envolta por todo

um momento de sofrimento e fragilidade, necessita de um cuidado que envolva o

atendimento biológico atrelado a outros cuidados, cujo objetivo abarque “[…] aliviar,

confortar, ajudar, favorecer, promover, restabelecer, restaurar, dar, fazer, etc”

(WALDOW, 1999, p.129).

O atendimento à integralidade pressupõe a necessidade do

reconhecimento e reconstrução das práticas de atuação por parte dos profissionais

quanto às necessidades dessas pessoas. Para que isso ocorra, é necessária a

apreensão de novas formas de pensar e agir em saúde, o que implica investir na

formação técnica, científica e ética dos trabalhadores de saúde, permitindo a

legitimação da autonomia das pessoas envolvidas - profissionais de saúde,

pessoas doentes e seus familiares dentro desses espaços.

Assim, entendemos que a reorganização dos espaços da pessoa

doente na UTI possibilite práticas em saúde, dentre elas, as práticas de controle de

infecção hospitalar, para uma assistência mais segura às pessoas, onde o outro é

99

considerado em todas as suas dimensões, a partir de um olhar atento para as suas

especificidades, sejam culturais, sociais, éticas, morais e outras.

5.1.3. A UTI como espaço de controle do corpo do trabalhador e do corpo

doente

Se por um lado o espaço para a pessoa internada na UTI é

impessoal, não possibilita a expressão das suas subjetividades, por outro lado, o

espaço para os profissionais também se caracteriza como um espaço de trabalho,

cujas expressões individuais de cada trabalhador nem sempre são evidenciadas.

Na UTI os trabalhadores de enfermagem, maior força de trabalho, se organizam e

desempenham suas práticas segundo a conformação do espaço destinado para a

realização do seu trabalho.

A sensibilidade do trabalhador é influenciada nesse espaço.

Aspectos que dizem respeito ao cotidiano das pessoas internadas na UTI, muitas

vezes, passam despercebidos pelos profissionais de saúde, em especial, aqueles

que trabalham em setores fechados como as UTIs. A conformação do ambiente

diuturnamente iluminado faz parte do seu cotidiano laboral e este ambiente torna-se

“naturalizado” e, por vezes, “banalizado” entre os profissionais, levando-os a não

sensibilização quanto à importância desse aspecto na vida das pessoas doentes

que compartilham o espaço (GUIRARDELLO et al., 1999).

O espaço é organizado de maneira que o trabalhador controle,

independente do horário, sua força de trabalho. Mesmo à noite, a iluminação

característica do dia é garantida, influenciando na maneira com que o corpo, tanto

da pessoa internada como do trabalhador não se sensibilizem a temporalidade

noturna. O espaço da UTI deve contemplar aspectos relacionados ao bem-estar

físico e mental de todas as pessoas que o compartilham, oferecendo condições

dignas e seguras, necessárias ao bom ambiente de trabalho e à prestação dos

cuidados em saúde.

Quando nos referimos aos cuidados em saúde, necessitamos

entender, inicialmente, o significado do cuidar, do cuidado. No dicionário da língua

portuguesa, enquanto o termo cuidar representa, dentre outros significados, “aplicar

a atenção, o pensamento, a imaginação, fazer preparativos, prevenir-se”, o termo

100

cuidado significa “desvelo, responsabilidade, atenção, cautela” (FERREIRA, 2004,

p.279).

Na assistência em saúde, Waldow (1999, p. 127) explica que o

cuidar “[…] representa a forma como ocorre (ou deveria ocorrer) o cuidar entre

cuidador e ser cuidado […]”. Essa relação constitui-se num processo interativo, que

ocorre entre o profissional que cuida e a pessoa que é cuidada, numa perspectiva

humanista (NASCIMENTO; ERDMANN, 2006).

Nessa visão, podemos pensar o cuidado em saúde

[…] não apenas como uma atividade ou tarefa realizada no sentido de tratar uma ferida, aliviar um desconforto e auxiliar na cura de uma doença. Procura ir além, tentando captar o sentido mais amplo: o cuidado como uma forma de expressão, de relacionamento com o outro ser e com o mundo […] (WALDOW, 1999, p. 17).

Waldow (1999) salienta que é importante o resgate do cuidado

humano entre nós seres humanos, em especial quando se trata da área da saúde,

uma vez que no cuidado em saúde, as relações humanas constituem a essência do

processo e devem ser permeadas por intersubjetividades.

Para Mandú (2004, p.669) “o encontro intersubjetivo que se

processa na atenção individualizada coloca em cena peculiaridades do universo

afetivo, cultural e social de ambos, sujeitos e agentes da atenção”. Nessa

perspectiva, a intersubjetividade propicia o envolvimento dos sujeitos num

determinado processo, contribuindo para que as idéias, confiança e respeito entre

esses atores sejam compartilhadas.

No desenvolvimento dos processos assistenciais em saúde, o

cuidador deve saber ouvir e ter um bom senso de observação. Isso possibilitará a

execução de práticas mais completas e abrangentes, evitando fragmentações no

processo do cuidado (NASCIMENTO; ERDMANN, 2006).

A fragmentação do corpo do ser pessoa, pelo sistema profissional, pode ser minimizada pelo próprio profissional, na medida em que este considere no cuidado a essas pessoas, uma perspectiva cosmológica (MARUYAMA, 2004, p. 161).

101

No espaço hospitalar, a multiplicidade de profissionais corrobora

para a fragmentação do cuidado. Para Cecílio e Merhy (2005, p. 198), o cuidado

hospitalar pode ser um

[…] somatório de um grande número de pequenos cuidados parciais que vão se complementando, de maneira mais ou menos consciente e negociada, entre os vários cuidadores que circulam e produzem a vida do hospital.

Portanto, para os autores, a integralidade, se é vislumbrada ou

não em termos de assistência hospitalar, depende de como se articulam as práticas

entre os profissionais de saúde da instituição (CECÍLIO; MERHY, 2005).

A assistência à integralidade no hospital pode ser observada

quando se realiza um esforço para uma abordagem completa de cada pessoa que

possui uma necessidade de saúde e que, em um determinado momento de sua

vida, tem a necessidade de um atendimento mais complexo. Nesse contexto, os

autores revelam que essa abordagem envolve a garantia de consumo das

tecnologias de saúde que o serviço dispõe para assistência necessária, bem como

a disponibilização de um ambiente que ofereça conforto e segurança às pessoas

assistidas (CECÍLIO; MERHY, 2005).

No entanto, em alguns trabalhos acessados, os autores

verificaram a insatisfação das pessoas que passaram por um processo de

internação, os quais revelam que nem todas as suas necessidades foram atendidas

pelo serviço hospitalar, em especial as relacionadas à dimensão humana, como

conforto, segurança, informações e outras (VICTOR et. al., 2003, FERRIOLLI et. al.,

2003, SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005).

Dessa forma, podemos observar que esta é a realidade

vivenciada pelas pessoas que necessitam da assistência hospitalar. A conformação

dessas instituições ainda vislumbra apenas corpos, corpos doentes, corpos de

trabalho. Tem suas raízes históricas e representa um paradigma a ser superado,

diante do modelo assistencial que ainda vigora em nosso país.

Apesar do SUS primar por ideais que contemplem um

atendimento universal, integral e igualitário, na prática, isso não tem se sustentado

entre as instituições que prestam assistência à saúde e representa um desafio a ser

enfrentado e vencido pelos serviços, profissionais de saúde e comunidade.

102

Para Ayres (2004), é importante que os serviços se estruturem de

forma que os profissionais possam superar a dicotomia existente entre as

tecnologias em saúde e o fator humano para que suas ações possam e devam ser

pensadas dentro de uma perspectiva integral.

Um exemplo de conformação do espaço para as práticas é o

espaço onde se encontram os lavatórios da UTI. A prevenção de complicações em

decorrência da possibilidade de contaminação pelo agrupamento de doenças pode

ser garantida, através de um ato simples, como a higiene das mãos. A preocupação

em tocar pessoas doentes e disseminar microorganismos levou à organização

desses espaços, de forma a garantir condições para se evitar a proliferação de

doenças entre as pessoas no hospital. Neste sentido, é preciso deixar em cada

espaço uma torneira para lembrar os profissionais de que é imprescindível lavar as

mãos, fazendo desse ato, mais um ato mecânico do que consciente e ético.

Para garantir a higiene das mãos que tocam e que cuidam das pessoas internadas, a unidade possui vários lavatórios distribuídos no seu espaço. Eles possuem acessórios como suportes de sabonete líquido e de papel toalha, produtos imprescindíveis para a sua higiene. Entretanto, algumas vezes, notamo-los desabastecidos, o que compromete a realização desse procedimento (Diário de Campo de 16/04/07).

O relato seguinte mostra que, embora haja no espaço da UTI

todos os requisitos disponíveis para a prática da higiene das mãos, como torneira

com água corrente, sabonete líquido e papel toalha, esta prática nem sempre é

incorporada pelas pessoas que ali trabalham.

Nos encontrávamos no posto de enfermagem, ao lado do balcão, quando observamos que a técnica de enfermagem Diana se desloca até a pia do posto de enfermagem para lavar suas mãos. Diana se posicionou de frente para a torneira, dispensou em uma das mãos o sabonete líquido que estava no suporte afixado na parede, à sua esquerda. Em movimentos rápidos, esfregou por três vezes, ou seja, três movimentos de vai e volta, enxaguando-as na torneira que é acionada através do sensor. Em seguida, fez movimentos para retirar o excesso de água das mãos, sacudindo-as no ar e após, secou-as num lençol que estava dobrado sobre a pia, batendo as mãos sobre ele levemente (Registro de Observação de 16/04/07).

Na assistência à saúde, uma das principais vias de transmissão

de microorganismos são as próprias mãos dos profissionais que cuidam das

pessoas doentes, uma vez que as mãos desempenham um importante papel na

103

transmissão de microrganismos de uma superfície para outra, seja através de

contatos diretos ou indiretos (BRASIL, 2007).

A pele das mãos alberga, principalmente, duas populações de microrganismos: os pertencentes à microbiota residente e à microbiota transitória. A microbiota residente é constituída por microrganismos de baixa virulência, como estafilococos, corinebactérias e micrococos, pouco associados às infecções veiculadas pelas mãos. É mais difícil de ser removida pela higienização das mãos com água e sabão, uma vez que coloniza as camadas mais internas da pele. A microbiota transitória coloniza a camada mais superficial da pele, o que permite sua remoção mecânica pela higienização das mãos com água e sabão, sendo eliminada com mais facilidade quando se utiliza uma solução anti-séptica. É representada, tipicamente, pelas bactérias Gram-negativas, como enterobactérias (Ex: Escherichia coli), bactérias não fermentadoras (Ex: Pseudomonas aeruginosa), além de fungos e vírus (BRASIL, 2007).

A higiene das mãos é descrita pelo MS como “[…] a fricção

manual vigorosa de toda a superfície das mãos e punhos, utilizando-se

sabão/detergente seguida de enxágüe abundante em água corrente”. A Portaria

ainda a refere como, “[…] isoladamente, a ação mais importante para a prevenção

e controle das IHs” e que “[…] deve ser realizada tantas vezes quanto necessária,

durante a assistência a um único paciente, sempre que envolver contato com

diversos sítios corporais, entre cada uma das atividades” (BRASIL, 1998a).

Essa legislação ainda recomenda a utilização de produtos anti-

sépticos para a higiene das mãos na “[…] realização de procedimentos invasivos;

prestação de cuidados a pacientes críticos; contato direto com feridas e/ou

dispositivos invasivos, tais como cateteres e drenos” (BRASIL, 1998a).

A prática da higiene das mãos representa uma das medidas de

maior importância na quebra da cadeia de transmissão das infecções hospitalares.

Com a realização de vários estudos, é comprovadamente, a mais simples e uma

das mais importantes ações para a prevenção das infecções hospitalares (APECIH,

2003; BRASIL, 2007).

Nessa perspectiva, as pessoas internadas em UTI, devido à

gravidade de seu estado de saúde, seriam as mais susceptíveis, e, portanto, as que

mais necessitariam da conscientização dos profissionais de saúde para a adesão

dessa prática.

104

IMPORTANTE: De acordo com os códigos de ética dos profissionais de saúde, quando estes colocam em risco a saúde dos pacientes, podem ser responsabilizados por imperícia, negligência ou imprudência (BRASIL, 2007).

Entretanto, mesmo tendo passado várias décadas da primeira

evidência científica produzida por Semmelweis (FERNANDES et.al., 2000b) de que

a higienização das mãos poderia evitar a transmissão da febre puerperal,

presenciamos ainda hoje uma realidade onde a sua prática é pouco valorizada e

aderida pelos profissionais nas instituições de saúde.

Em decorrência da necessidade de monitorar as condições de

funcionamento nos serviços de saúde, a Vigilância Sanitária, órgão fiscalizador,

atua visando garantir que esses serviços funcionem adequadamente e tenham

elaboradas, implantadas e implementadas as suas normalizações, visando um

atendimento seguro e qualificado, organizando-se através de manuais e

capacitações que uniformizem as práticas entre os profissionais de cada serviço.

Para que a uniformização dessas práticas se concretize, é fundamental que ocorra

a adesão pelos profissionais de saúde.

De acordo com o dicionário da língua portuguesa, o termo aderir é

definido como o ato de “[…] estar ou tornar-se intimamente ligado, colado […]

abraçar partido, causa […] ajuntar-se, unir-se” (FERREIRA, 2004, p. 94). Nesse

sentido, aderir a alguma coisa ou situação é abraçar a causa, é fazer e acreditar

naquilo.

Assim, quando nos referimos à adesão à higienização das mãos,

observamos que nem sempre os profissionais estão conscientes em abraçar essa

causa em benefício das pessoas que cuidam.

Acreditamos que a adesão a higienização de mãos esteja intimamente relacionada com os aspectos comportamentais de cada indivíduo, pois estes são determinantes da atitude de execução ou não do ato (NEVES, 2005, p. 70).

Para a higienização das mãos no espaço da UTI, a estrutura deve

contemplar meios para que sua prática seja cada vez mais aderida entre os

profissionais, viabilizando a disponibilização dos recursos necessários.

105

[…] faz-se premente que a instituição seja provida de lavatórios, devidamente equipados com dispensadores para sabão líquido e porta papel toalha descartável, em número suficiente e em locais estratégicos. O tamanho deste lavatório deve ser suficiente para a higienização segura das mãos e composto por torneiras que não requeiram o acionamento manual (NEVES, 2005, p. 38).

Além de disponibilizar os recursos necessários, há a necessidade

de alguns cuidados, tanto na aquisição como na sua manutenção.

O porta papel toalha deve ser fechado para proteção do papel toalha de contaminação ambiental, deve ser limpo diariamente com água e sabão, antes da reposição do papel. O papel toalha deve ter boa absorção e não ser encerado, e haver rotina de reposição de maneira que haja sempre disponibilidade do mesmo, para permitir a adesão e a técnica indicada para a higienização das mãos (NEVES, 2005, p. 40).

Embora com o espaço configurado para a higiene das mãos, com

a disponibilização de recursos materiais e com sua normalização instituída pelo

Ministério da Saúde (BRASIL, 1998a), bem como pelo fato de ser uma prática

básica do profissional em saúde, ainda assim, a sua adesão sistemática continua

sendo um problema evidenciado não somente nos serviços assistenciais de saúde,

como também pelos órgãos reguladores, apesar destes exigirem condições para

tal.

Portanto, muitos autores referem essa problemática na assistência

à saúde, constituindo-se como um fator que se relaciona com a subjetividade dos

profissionais.

Apesar de todas as evidências mostrarem a importância das mãos na cadeia de transmissão das infecções hospitalares e os efeitos dos procedimentos de higienização na diminuição das taxas de infecção, muitos profissionais têm uma atitude passiva diante do problema (MENDONÇA et al., 2003, p. 148).

Ainda segundo as autoras “[…] é difícil um profissional de saúde

assumir que falha em um aspecto tão elementar” (MENDONÇA et. al., 2003, p. 148)

como a higiene das mãos. Porém, nos questionamos que, se os profissionais de

106

saúde ainda não têm essa prática incorporada nas suas ações com vistas a

prevenir e controlar as infecções hospitalares, como ela deve ser incorporada como

um hábito ou uma prática necessária aos visitantes da UTI? Isso requer mudança

de atitude, inicialmente dos profissionais, não apenas no que se refere à higiene

das mãos, como também no que diz respeito a outras práticas que necessitam ser

incorporadas para o controle das infecções.

Dentre as ações de controle das infecções hospitalares, enfatiza-

se a prática da higiene das mãos como uma prática do cotidiano de cada ato ou

procedimento realizado pelos profissionais de saúde. Entretanto, sua adesão ainda

representa um grande desafio para o controle de infecção nos hospitais. É uma

prática simples e sua adesão é muito cobrada de uns profissionais em detrimento

de outros.

Apesar de simples, a adesão à higiene das mãos ainda constitui

um sério problema na atenção em saúde, como podemos observar nos estudos de

Mendonça et. al. (2003) e Neves (2005). As assimetrias existentes e a falta de

conscientização dos profissionais para abraçar a causa em função da saúde do

outro talvez expliquem essa afirmação.

No entanto, ao passo em que se cobra dos profissionais a sua

prática, evidencia-se ainda que, em alguns locais, não se oferece suporte para que

ela seja executada.

O expurgo da UTI, um espaço precário em relação à organização,

não possui esses acessórios necessários à higiene das mãos. Um expurgo se

destina a receber materiais contaminados até que sejam posteriormente

encaminhados à Central de Esterilização de Materiais para seu reprocessamento.

Por representar uma importante fonte de contaminação e de riscos ocupacionais,

necessita manter-se organizado, dispor de equipamentos de proteção individual,

pessoal capacitado e, fundamentalmente, dispor de acessórios para a higienização

das mãos (TIPPLE et. al., 2005).

Mais uma vez, por não entendermos por que esse espaço é tão

desvalorizado, recorremos ao dicionário para entendermos o significado da palavra.

Expurgo é definido como “Ato ou efeito de expurgar”, sendo que expurgar significa

“Purgar completamente; purificar […] Livrar do que é nocivo ou imoral […] Limpar

[…] corrigir-se” (FERREIRA, 2004, p.390).

Assim, devido ao que esse ambiente representa, um local sujo,

nocivo, que incomoda as pessoas a ponto de lhes causar aversão, percebe-se que

107

a permanência dos profissionais ali geralmente é mínima. Isso talvez explique

porque o expurgo tem um significado peculiar. Ao mesmo tempo, questionamos

que, se é um local sujo, nocivo, por que não dispõe dos materiais necessários à

higiene das mãos? Isso apenas reforça a controvérsia existente, pois se é um local

nocivo e sujo, justifica mais ainda a presença desses materiais, impedindo que se

carreiem microorganismos dali para outros locais.

Outro aspecto que nos conduz à compreensão do espaço da UTI,

diz respeito ao posto de enfermagem. O posto de enfermagem, cujo espaço

destina-se à utilização por todos os integrantes da equipe multidisciplinar, se

encontra situado em local centralizado. Sua localização estratégica, com certeza,

poderia nos remeter a um olhar panóptico, constituindo-se como um local ou

mecanismo de busca de controle dos corpos, como um

[…] espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia […] (FOUCAULT, 1987, p. 163).

A localização previamente planejada do posto de enfermagem,

numa posição central, garante uma boa visibilidade de todos os leitos. Isso permite

monitorar e controlar todos os corpos (seja de pessoas doentes ou de

trabalhadores) e equipamentos. Dali tudo pode ser monitorado ou controlado. As

pessoas doentes podem ser monitoradas de seus leitos sempre que se

movimentam ou que apresentam alguma alteração de seus padrões vitais, vigiados

pelos equipamentos médicos a que estão conectadas. Os trabalhadores, por sua

vez, também podem ser monitorados pelos profissionais que ficam no posto de

enfermagem, desenvolvendo suas atividades com as pessoas que estão nos leitos.

O posto de enfermagem também se constitui num local de vigia de

práticas, incluindo as práticas de controle de infecção hospitalar. Dele, os

profissionais podem se vigiar entre si no desenvolvimento de suas práticas,

permitindo que cada um conheça como se desenvolve o trabalho do outro.

Entretanto, cabe ressaltarmos que o controle de infecção depende do envolvimento

de todos, sendo, portanto, uma responsabilidade de cada profissional e de todos ao

mesmo tempo (PEREIRA et.al., 2005).

108

Esse espaço centralizado e reduzido, mesmo sendo denominado

posto de enfermagem, é um espaço onde se agrupam não somente profissionais de

enfermagem, mas os demais profissionais que atuam na UTI. Além de agrupar

pessoas, esse espaço se destina ao armazenamento de grande parte dos utensílios

necessários à assistência às pessoas internadas, como equipamentos,

medicamentos, infusões, papéis, materiais de consumo, entre outros. Nele, a

equipe de enfermagem prepara medicamentos e as infusões venosas a serem

administradas. É um espaço em que as condutas são definidas, prescritas, os

relatórios preenchidos e as demais anotações realizadas.

Assim, torna-se um espaço organizado e centralizado para o

desenvolvimento das práticas necessárias à manutenção e terapêutica das pessoas

que se encontram em estado grave.

No relato abaixo, registramos a conformação do espaço do posto

de enfermagem, onde as práticas são pensadas e desenvolvidas.

Os mobiliários e materiais que ali se encontram estão em precárias condições de conservação, como as pastas dos prontuários dos pacientes e as cadeiras do posto de enfermagem. Com relação à sua organização, um espaço utilizado por todos os profissionais que atuam na UTI, temos observado quão problemática é a sua organização. Sobre o balcão de prescrições e anotações, é comum a presença de papéis como blocos de prescrição, folhas de pedidos de exames, pedaços de impressos sendo utilizados como rascunho, copos descartáveis sujos e papéis amassados. Nas paredes, papéis afixados, sendo que dispõe de dois murais fixados nas paredes do posto de enfermagem. Nesse local em que esses profissionais permanecem grande parte do seu período de trabalho, não se observa a preocupação em mantê-lo organizado (Diário de Campo de 02/04/07).

Mesmo com as várias finalidades desse espaço pequeno e

centralizado, observa-se que o posto de enfermagem, bem como todos os objetos

que se encontram nele, é pouco valorizado, o que evidencia neste espaço a

precarização do trabalho dos profissionais da UTI.

Estávamos próximo ao posto de enfermagem quando observamos que um funcionário ligado à Superintendência do hospital estava na UTI em busca de alguns documentos, quando a plantonista Leila o aborda reclamando das péssimas condições de conservação das pastas dos prontuários dos pacientes e que estes necessitavam ser substituídos (Registro de Observação de 12/03/2007).

109

A falta de condições dos prontuários das pessoas doentes causa

incômodo à equipe assistencial. Embora pertença às pessoas internadas, o

prontuário é um instrumento de trabalho manuseado continuamente pelos

profissionais. Sua importância reside justamente em ser um instrumento onde todas

as informações sobre cada pessoa internada se encontram ali registradas para

direcionamento da sua terapêutica. As informações contidas no prontuário de cada

pessoa internada constituem também importante fonte de informações que podem

ser utilizadas judicialmente no exercício de sua cidadania.

Observamos não somente a desvalorização do trabalho, como

também dos corpos doentes, através da precariedade das condições que são

impostas às pessoas na unidade. Essa precariedade pode ser revelada pela

organização dos leitos no espaço da UTI, que são identificados por números e não

pelos nomes das pessoas internadas, insinuando que os leitos numerados,

elencam os corpos doentes e não as pessoas que estão doentes e que passam a

ser objeto de controle dos profissionais nesse espaço.

Assim, a UTI, embora se constitua num espaço com boa estrutura

física, que atende às normas para projetos físicos de construção de

estabelecimentos assistenciais de saúde (BRASIL; 2002a), tem sua estrutura

conformada para o cuidado dos corpos, das doenças e não das pessoas, daí a

necessidade de reorganizar o espaço para o alcance da integralidade.

A reorientação dos serviços de saúde também requer um esforço maior de pesquisa em saúde, bem como mudanças na educação e no ensino dos profissionais da área de saúde. Isto precisa levar a uma mudança de atitude e de organização dos serviços de saúde para que focalizem as necessidades globais do indivíduo, como pessoa integral que é (BRASIL, 2002b, p. 25).

Mudanças nas políticas de gestão, na formação, na postura, no

comportamento dos profissionais e na instrumentalização dos sujeitos parecem ser

os eixos fundamentais para a reorganização dessas práticas em saúde. Nesta

perspectiva, essas mudanças podem representar a desconfiguração desse espaço

medicamente conformado para um espaço mais qualificado para o atendimento à

integralidade das pessoas que compartilham o espaço da UTI.

110

5.2. Os comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no

processo assistencial da UTI sob o enfoque da Integralidade

Nesta categoria, abordamos as relações entre os atores que

fazem parte do cenário da UTI, seus comportamentos, as subjetividades, as

práticas dos profissionais, bem como os comportamentos de pessoas doentes e

familiares frente aos cuidados prestados pelos profissionais.

Assim, subdividimos esta categoria em 5 subcategorias, quais

sejam: As relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas de

Controle de Infecção Hospitalar; a enfermagem nas práticas de Controle de

Infecção Hospitalar; o

cuidado de si como trabalhador de saúde; as relações entre profissionais de saúde

e pessoas doentes e as relações entre os profissionais de saúde e familiares.

5.2.1. As relações e o saber clínico no contexto da organização das práticas

de Controle de Infecção Hospitalar

O trabalho em saúde é caracterizado como um trabalho coletivo.

Diversos profissionais de saúde, além de trabalhadores que realizam serviços de

apoio ou suporte, têm como objeto, a atenção às pessoas em p rocesso de saúde-

doença. É também um trabalho institucionalizado em sua maioria, desenvolvendo-

se em hospitais, unidades básicas de saúde, ambulatórios e outros

estabelecimentos, com diferentes complexidades e estruturas (GAIVA; SCOCHI,

2005).

Para o atendimento a pessoas que se encontram em condição de

saúde agravada, seja por enfermidades, alguns casos de pós-operatórios ou pelos

vários tipos de trauma, a UTI representa um espaço de cuidado em saúde

destinado a atender um número restrito de pessoas doentes. Ela concentra

equipamentos de alta densidade e profissionais especializados (BRASIL, 1998b).

Assim, a Unidade de Terapia Intensiva do estudo possui 2 (dois)

visitadores médicos, 1 (um) médico Responsável Técnico, 2 (dois) fisioterapeutas

111

durante o período diurno, 1 (uma) enfermeira Responsável Técnica. Os plantões

apresentam a seguinte distribuição: 1 (uma) enfermeira plantonista, 8 (oito)

auxiliares e técnicos de enfermagem, 1 (um) médico plantonista, 1 (uma) auxiliar de

farmácia e 1 (uma) auxiliar de serviços gerais responsável pela higienização da

Unidade (não exclusiva). Essa equipe de profissionais lotados na UTI é destinada a

garantir os cuidados intensivos a 10 pessoas em estado grave que ocupam seus

leitos.

Podemos observar que, entre os vários profissionais que

compartilham as atividades da UTI, existem relações que permeiam não só o

cotidiano da assistência às pessoas internadas como também o cotidiano de

trabalho dos profissionais dessa unidade.

Tais relações podem ser visualizadas nos diferentes

comportamentos dos profissionais quando estes se relacionam entre profissionais

de categorias diferentes, como o médico, o fisioterapeuta, o enfermeiro, os técnicos

e auxiliares de enfermagem; entre profissionais da mesma categoria, como no caso

da equipe de enfermagem; e entre os profissionais e pessoas doentes/familiares.

Na remoção de um paciente que se encontrava em ventilação mecânica para exame no setor de tomografia computadorizada, a fisioterapeuta realizou toda a assistência ventilatória necessária. No retorno desse paciente ao leito, como havia outro paciente a ser removido para exame fora da UTI, a profissional entregou o material utilizado para a enfermeira e pediu para que ela lavasse e desinfetasse com álcool 70%. Esta ficou no posto de enfermagem, aguardando que a enfermeira procedesse aos cuidados com o material (Diário de Campo de 07/03/07).

Na UTI, onde se realiza assistência em saúde as pessoas que

estão em constante risco de morte, se estabelecem relações entre os diferentes

atores, que, como no relato acima, são permeadas de relações de poder.

No cotidiano de trabalho, esses conflitos geram situações de sofrimento nas (os) trabalhadoras (es) de enfermagem que, muitas vezes, frente a uma situação de risco de vida iminente ou de outros aspectos de degradação da vida se vêem na impossibilidade do exercício de uma assistência de qualidade (COSTA, 2005, p. 101).

Nas situações de poderes e de subordinação, Costa (2005, p.

111) nos enfatiza que na perspectiva do trabalho em saúde

112

[…] há necessidade de resistir ao poder, mas também de enfrentar resistência. A adoção de outros modos de enfrentamento ao instituído e ao organizado implica nossa capacitação como sujeitos políticos. Então, estaremos em condições de adotar uma postura ativa, pensar nos próximos passos traçando estratégias e táticas e participar dos jogos de poderes de nosso contexto de trabalho.

O trabalho em saúde, embora seja realizado por uma equipe

multiprofissional, é centrado e dependente da figura do médico, embora os demais

profissionais de saúde os executem com certa autonomia, fragmentando-o, pois a

pessoa doente é “dividida” em partes, cada qual de responsabilidade de um

determinado profissional, o que dificulta a organização do trabalho em saúde

(GAIVA; SCOCHI, 2005).

O trabalho em saúde é permeado por “relações de poder,

interesses pessoais e domínio técnico” (SOUZA et. al., 2002, p. 24) e tem uma

constituição histórica. O saber clínico, nos últimos anos do Séc. XVIII (FOUCAULT,

1994), fixa o nascimento e a hegemonia da medicina moderna. Em conseqüência a

esse processo, as relações tendem a privilegiar ou mostrar domínio de algumas

categorias profissionais.

Em um diálogo entre a enfermeira responsável pelo plantão e a médica plantonista, esta, sem que estivesse com qualquer atividade para ser realizada naquele momento, solicitou que a enfermeira ligasse para um outro profissional médico para que esta (a médica plantonista) pudesse discutir com ele sobre determinado paciente internado na UTI (Diário de Campo de 12/02/07).

As relações de poder permeiam os processos que ocorrem no

espaço da UTI, mesmo quando nos parecem imperceptíveis.

[…] a mecânica do poder que se expande por toda a sociedade, assumindo as formas mais regionais e concretas, investindo em instituições, tomando corpo em técnicas de dominação. Poder este que intervém materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivíduos – o seu corpo – e que se situa ao nível do próprio corpo social, e não acima dele, penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como micro-poder ou sub-poder (MACHADO, 1992, p. XII).

113

No espaço hospitalar, as relações existentes entre os

profissionais repercutem em todas as suas atividades, inclusive nas práticas de

controle das infecções hospitalares, uma vez que as assimetrias causadas pelas

relações desiguais podem interferir no desenvolvimento dessas práticas, cuja

responsabilidade deve ser assumida por todo o conjunto dos profissionais.

No cotidiano do trabalho na UTI, a hegemonia do saber clínico e

de alguns profissionais permite que determinadas práticas comuns - como a prática

da troca de curativo ou uma cateterização - possam ser realizadas de maneira

distinta a praticada por outros profissionais.

As infecções hospitalares representam um dos maiores desafios

das CCIHs, uma vez que essas ações demandam envolvimento de todos os

profissionais, independente de sua categoria profissional. As relações assimétricas

constituem obstáculos para o cuidado ético, que deve incorporar nas atitudes

profissionais a conscientização, a adesão e o comprometimento para com o serviço

e pessoas doentes (SOUZA et. al., 2002). Assim, as práticas dos profissionais no

controle de IH necessitam incorporar atitudes como: compromisso ético, co-

responsabilização e educação permanente. A infecção hospitalar é considerada um problema de saúde

pública. Para minimizar os danos à população ocasionada por ela, o Estado passou

a regular a sua ocorrência, instituindo políticas para seu controle e delegando à

Vigilância Sanitária a responsabilidade pelas ações de fiscalização dos serviços

assistenciais de saúde.

Entretanto, isto não tem sido suficiente. Talvez haja necessidade

de mudanças mais amplas e profundas que envolvam investimentos em recursos

humanos, com sugestão da inserção da disciplina infecção hospitalar nos cursos de

formação em saúde (ANDRADE, ANGERAMI, 1999) e principalmente

conscientização ética para as mudanças de atitudes e de comportamentos que

possam contribuir para o fazer e ser dos profissionais de saúde.

Achamos de fundamental importância a reorganização das

práticas de atenção e das relações entre os profissionais, com o intuito de

minimizar as assimetrias nas relações, co-reponsabilizando a todos e

compartilhando o sentimento de implicar-se com e no cuidado do outro.

Implicar-se com outrem significa ter cuidado com aquele que está

recebendo sua assistência ou seus cuidados, prática que na enfermagem tem

raízes históricas.

114

Quando nos referimos ao termo “cuidado”, nos referimos ao

cuidado no sentido da dimensão humana. Na antiguidade, a figura feminina sempre

demonstrou mais habilidade do que o homem no ato de cuidar (WALDOW, 1999).

Pelas características da mulher, como interesse e afeto, os cuidados a pessoas

doentes também eram desenvolvidos por elas, no próprio domicílio, uma vez que,

pela aproximação que elas tinham com a agricultura, o desenvolvimento de

conhecimentos quanto às propriedades das plantas e de seus chás no tratamento

dos males e das enfermidades era possibilitado (MELO, 1986; WALDOW, 1999).

Esse trabalho, predominantemente feminino e pouco valorizado socialmente, que

atendia aos pobres e desassistidos, possivelmente originou o trabalho da

enfermagem.

Diferente do que ocorreu com a enfermagem, a profissão médica,

mesmo antes da estruturação dos hospitais, detinha as atividades de tratamento e

cura das pessoas das classes mais abastadas da sociedade. O médico era

[…] qualificado como tal ao término de uma iniciação assegurada pela própria corporação dos médicos que compreendia conhecimento de textos e transmissão de receitas mais ou menos secretas ou públicas (FOUCAULT, 1992b).

Desde então, os médicos começam a delinear certa definição

quanto à sua profissão, marcada por uma aura de importância e mistérios

(LUNARDI FILHO, 2004). Apesar de uma dicotomia existente entre a medicina e a

enfermagem, não havia se estabelecido ainda uma relação de subordinação da

enfermagem, configurando-a como uma profissão subalterna (LUNARDI FILHO,

2004).

A partir do Séc. XIII começa a se consolidar a construção e o

nascimento de novos saberes em saúde, inspirados na teologia, amparados e

controlados pela Igreja. Começa a emergir a medicina como profissão, a partir da

apropriação dos saberes constituídos pelas mulheres, embora se evidenciasse uma

tendência a relegar esses saberes. Ao mesmo tempo, a Igreja interfere, proibindo-

as da prática de dispensar tais cuidados por não possuírem estudos médicos

(LUNARDI FILHO, 2004).

Nesta perspectiva, a profissão médica vai se constituindo, se

estabelecendo e se afirmando no espaço das ciências em saúde, preponderando-

115

se em relação às demais profissões relacionadas à saúde, devido à hierarquização

do saber clínico.

As relações de poder se destacam entre os profissionais no

espaço hospitalar e conseqüentemente na UTI, a partir dessa hegemonia

historicamente constituída, fundamentada no saber clínico e observada ainda hoje

como segue.

Aguardava-se a liberação para a entrada das visitas dos pacientes, pois a médica plantonista Leila havia pedido que não liberasse até que ela terminasse a evolução de um paciente. O tempo ia passando. A enfermagem questionava entre si, pois vários cuidados ficaram para após este horário. A fisioterapeuta Olga que se encontrava sentada numa poltrona ao lado do balcão de prescrição falou: - Vamos liberar, Leila? A médica plantonista Leila então falou em tom de voz mais baixo: -Vamos. A fisioterapeuta Olga então falou para a técnica de enfermagem Silvia que estava ao lado do balcão, sentada: - Pode liberar, Silvia. Mesmo tendo ouvido muito baixo a resposta da médica plantonista, retrucou que queria ouvir dela, pois se liberasse sem a autorização dela teria que responder depois por ter liberado sem autorização médica. Perguntou então a ela para confirmar: - Pode doutora? A médica disse: - Pode. Só então, Silvia ligou na portaria do hospital e avisou que as visitas da unidade poderiam subir (Registro de Observação de 02/04/07).

Na assistência à saúde, o profissional médico centraliza e

direciona as práticas, caracterizando esse processo hegemônico. O profissional

médico é concebido “[…] como o grande detentor do conteúdo profissional, não só

da prática médica como, também, da prática de cuidados: quem tudo sabe, quem

tudo pode, quem tudo decide” (LUNARDI FILHO, 2004, p. 31). Os demais

profissionais de saúde realizam seu trabalho a partir do trabalho médico,

evidenciando uma determinada dependência subsidiária ao ato médico.

Em outra situação ocorrida na UTI, visualizamos na prática

médica, comportamentos decisórios e importantes na dinâmica do serviço.

Naquele dia, a enfermeira Júlia estava de folga. Não haveria naquele plantão um enfermeiro substituto para assumir a UTI. Havia na unidade, dois pacientes de alta, Luan e Leonel. Todos os leitos da UTI estavam ocupados. Um enfermeiro de outra unidade do hospital ligou na UTI e foi atendido pela técnica de enfermagem Leonora, que se encontrava sentada numa cadeira do posto de enfermagem. Leonora, após atender ao telefone, disse à médica plantonista Leila que estavam avisando que tinha vaga na clínica médica, para transferirem os pacientes que estavam de alta da UTI. Leonora pressupôs à médica plantonista que isso seria para vagar leito para novas internações na UTI. A médica plantonista Leila disse que não internaria nenhum paciente

116

na UTI sem que tivesse um profissional enfermeiro assumindo o plantão na UTI (Registro de Observação de 02/04/07).

O comportamento do profissional médico, muitas vezes, determina

decisões que nem sempre beneficiam os usuários dos serviços, por exemplo,

bloqueando vagas para a internação na unidade. A “voz” do médico é, portanto,

ainda determinante na organização das práticas, em especial, na UTI.

Desta forma, evidencia-se que o espaço do hospital se constitui

em um espaço onde as relações entre os profissionais de saúde e pessoas doentes

são permeadas por relações de poder. Azevedo (2005a, p. 86) denomina “[…]

apropriação simbólica dos espaços do hospital pelos profissionais da saúde,

principalmente os da área médica”, onde o profissional revela o seu domínio frente

à dinâmica do hospital, constituindo-o num espaço delimitado e hegemônico com

base no saber clínico.

Além de visualizarmos as relações de poder, verificamos que a

falta do profissional enfermeiro, além de comprometer a qualificação da assistência

de enfermagem, acarretou também problemas de ordem operacional no serviço.

A ausência do profissional enfermeiro acarretou, naquele dia, a

indisponibilidade de acesso das pessoas que aguardavam vaga de leitos na UTI.

Questões administrativas ou operacionais dos serviços de saúde podem contribuir

para que ocorram situações como a citada acima, onde a indisponibilidade de leitos

não está ligada somente ao número de leitos para atendimento à demanda.

Evidenciamos que, mesmo em situações que afastam o

enfermeiro da assistência direta, ele tem um papel relevante na equipe da UTI.

A atuação dos profissionais de saúde em UTI, além de

conhecimento técnico-científico, exige compromisso, compreensão e sensibilidade

para com essas pessoas em estado crítico que necessitam de sua assistência.

Nesse sentido, é preciso que os profissionais procurem apreender todas as

necessidades de uma pessoa no período crítico da vida, garantindo qualidade,

minimização dos riscos a que estão expostos e apoio psico-social.

Uma das funções peculiares a todo pessoal de saúde em uma Terapia Intensiva, e também em um hospital, é a de proteger o doente hospitalizado de tudo o que possa constituir perigo para a manutenção de um ambiente que lhes ofereça segurança (MENDONÇA et. al, 2003, p. 148).

117

No processo de credenciamento de serviços de terapia intensiva

junto ao Sistema Único de Saúde, a legislação estabelece a necessidade de “[…]

um enfermeiro, exclusivo da unidade, para cada dez leitos ou fração, por turno de

trabalho” (BRASIL, 1998b). No entanto, muitas vezes estes serviços não atendem

às legislações quando se trata da ausência do profissional por motivos como folgas,

faltas ou férias.

A falta do profissional enfermeiro acarretou naquele dia a não disponibilização de leitos para internação da UTI, comprometendo o atendimento de usuários que estavam aguardando vagas nessa Unidade. Esse acontecimento nos trouxe alguns questionamentos. Se o profissional enfermeiro de uma UTI se encontra de folga como fica a assistência de enfermagem? Por que não há provimento desse profissional neste setor? Se em outros setores do hospital há profissionais enfermeiros, no caso de falta não justificaria remanejar outro profissional de um setor de menor risco, pelo menos para assistir a equipe de enfermagem, bem como se responsabilizar pelo setor e dar os encaminhamentos necessários ao seu funcionamento? Qual seria o comprometimento da gestão do hospital neste caso? (Diário de Campo de 02/04/2007).

Na gestão do serviço, Martins e Nascimento (2005) ressaltam a

importância de possibilitar a participação dos profissionais em programas de

educação permanente, seja de atualização ou de capacitação, para que eles se

tornem mais participativos e ampliem sua capacidade e competência técnico-

científica.

Além de possibilitar educação permanente, os autores afirmam

que os gestores têm a responsabilidade de melhorar as condições de trabalho dos

profissionais, para que estes possam prestar um cuidado com maior segurança às

pessoas doentes (MARTINS; NASCIMENTO, 2005).

No que concerne aos aspectos referentes à subjetividade dos

profissionais, Mandú (2004, p. 674) explica que

Trabalhar amplamente com a intersubjetividade é resgatar a consideração a dimensões do ser humano concreto: sua racionalidade (filtro crítico), seu potencial de autonomia (capacidade de pensar e agir por si), sua eticidade (acúmulo de valores), sua cultura (própria), sua estética (gosto, criatividade), sua afetividade (sensibilidade, sentimentos), sua corporalidade (lugar em que se entrelaçam o social, o cultural e o biológico).

118

Ainda no que se refere às relações entre os profissionais de

saúde, foi possível observar os diferentes comportamentos que permeiam a UTI,

sendo notória na categoria da enfermagem ainda a relação de subordinação.

Durante o horário de visitas, é comum apenas o médico plantonista disponibilizar informações dos pacientes aos visitantes/familiares. Ele se desloca de leito em leito, informando o estado geral de cada paciente, esclarecendo dúvidas ou curiosidades que estes porventura tenham. A enfermagem permanece no posto de enfermagem, limitando-se a ir a um leito ou outro só quando necessário, para realizar algum procedimento. Não tem o hábito de participar do processo de visita e limita-se nas informações, deixando as informações a cargo do médico plantonista (Diário de Campo de 11/04/07).

A postura obediente e passiva da enfermagem, para Lunardi Filho

(2004, p. 32), caracteriza-a como uma profissão que se consolida como “[...] uma

prática desqualificada e subalterna”.

Levando-se em conta que houve uma solicitação da médica plantonista em retardar a entrada das visitas em função da necessidade desta terminar as anotações de uma evolução de paciente, isso se aplicaria para os outros profissionais, como a enfermagem, por exemplo, no caso de suas anotações? (Diário de Campo de 02/04/07).

Na UTI, é comum, devido à demanda do serviço, a enfermagem

retardar o horário de visitas em função de procedimentos que envolvem a

exposição do corpo das pessoas internadas, impedindo a entrada das mesmas até

que os concluam. Mas quando se trata de outras atividades, como anotações de

enfermagem, por exemplo, isso não é comum, o que evidencia as assimetrias

existentes nas atividades desses profissionais em relação aos demais.

Para Lunardi Filho (2004, p. 41), essa subalternalidade dos

profissionais de enfermagem está relacionada com o nascimento da profissão e foi

[…] reforçada no nascimento da enfermagem como profissão, nos primórdios do desenvolvimento da sociedade capitalista, no início da organização dos hospitais como instituições custodiais (e não mais exclusionais), ao objetivar-se a necessidade de formação de mão de obra auxiliar e subalterna para cumprir, dentre outras, obrigações de assistência ininterrupta, durante as vinte e quatro horas do dia e a integralidade das determinações e prescrições médicas.

119

A subalternalidade da enfermagem é um processo historicamente

constituído, calcado basicamente pelo caráter social de suas ações e pela condição

do gênero, pois é formada em sua maioria por mulheres. A mão-de-obra da

enfermagem, geralmente barata e prestativa, é também “[…] uma mão-de-obra

obediente, confiável e submissa, que não se constitui uma ameaça […]” (LUNARDI

FILHO, 2004, p. 32), o que a torna interessante não só para a administração, como

também para a categoria médica.

Nessa ótica, Lunardi Filho (2004, p. 31) relata que os profissionais

de enfermagem

[…] em questões relativas aos cuidados de tratamento e cura, neste modelo bio-médico, quase nada sabem, podem muito pouco e, geralmente, nunca decidem, apesar de serem levados a perceberem-se e de serem exigidos como se fossem responsáveis por tudo (grifo nosso).

No entanto, no final do Século XIX e início do século XX que a

enfermagem começa a vislumbrar novas perspectivas como profissão. Surgem as

primeiras escolas de enfermagem e alguns dos conhecimentos ditos científicos,

antes de domínio médico, passam a ser socializados à enfermagem, sendo

implementados às práticas dos enfermeiros (LUNARDI FILHO, 2004).

Por sua vez, ao executar, cada vez mais, as tarefas que eram, costumeiramente, praticadas pelo próprio médico, pouco a pouco, a enfermagem acedeu aos conhecimentos de cuidados de tratamento e cura que este detinha e foi compartilhando para que pudessem ser efetivadas as tarefas por ele delegadas. As tarefas técnicas médicas delegadas à enfermagem (...) somente o foram, na medida em que estas tornaram-se secundárias ao interesse médico, provavelmente, em decorrência de demandarem maior tempo, disponibilidade e presença constante, tornando-se monótonas e banais (...), configurando-se assim, como muito mais fáceis e de menor prestígio, em relação ao surgimento de técnicas, cada vez mais e melhor elaboradas com o contínuo e, cada vez mais, acelerado avanço do conhecimento (LUNARDI FILHO, 2004, p. 38).

A enfermagem é uma profissão antiga, com abordagens sócio-

históricas específicas, porém, luta pela busca do seu espaço como uma profissão e

pelo reconhecimento da sociedade.

120

Cabe ressaltar que, no contexto atual da enfermagem, ela vem

deixando de lado a essência da sua profissão – o cuidado, para se ocupar com

tarefas “administrativas”, possibilitando dessa maneira que outras profissões

ocupem parte das ações antes destinadas unicamente para a enfermagem. Lunardi

Filho (2004, p. 44) refere que vem ocorrendo nessas últimas décadas

[…] um rápido e volumoso desenvolvimento das técnicas terapêuticas e o surgimento de novas categorias profissionais que, cada vez mais, assumem tarefas antes do domínio da medicina e da enfermagem. […] a enfermagem, ao adotar uma postura submissa à ideologia do servir, da doação, da abnegação e da obediência, responsabilizando-se, idealmente, por “tudo”, gasta muito mais do seu tempo a administrar as carências e as impossibilidades para a realização do seu trabalho; vem, aos poucos, perdendo partes do seu fazer que, ao invés de tornarem-se suas especialidades, têm sido apropriadas por outros profissionais ou, até mesmo, dado origem a novas profissões, tais como a nutrição e fisioterapia […].

A enfermagem, ainda assim, se esforça com o intento de valorizar

suas práticas e tornar seu trabalho independente.

A enfermagem segue motivada a buscar novos métodos de organização do seu trabalho a fim de construir uma prática independente e comprometida com a qualidade da assistência prestada aos seus clientes. […] vive um momento em que enfrenta um conflito de base ao tentar desenvolver práticas diferenciadas, construir novas teorias sobre o corpo e maneiras de cuidar. No entanto, permanece mergulhada no “corpo do hospital”, com quase nenhuma flexibilidade na forma de pensar e agir. (AZEVEDO , 2005a, p. 110-111).

Ainda hoje, a enfermagem tem toda uma conformação histórica de

ser uma profissão complementar e sem autonomia para a execução de suas

atividades (SILVA; RAMOS, 2004).

O estudo de Bellato e Pereira (2006, p. 25) refere que a

enfermagem vem, aos poucos,

[…] construindo uma nova cultura profissional, apoiada sobre bases mais solidárias, que possibilitam a emergência de outros valores, novas maneiras de pensar e agir em saúde, muito mais propícios à construção da cidadania.

121

No desenvolvimento da enfermagem como profissão, vimos que

ainda são fortes as marcas históricas de dependência e subalternidade dessa

categoria profissional. Entretanto com o desenvolvimento da enfermagem como

ciência, vimos que ela vem buscando mudar essa concepção, delineando um novo

modo de agir em enfermagem, deixando de ser agente passivo e subalterno para

ser agente de questionamentos e de transformação do cuidado em saúde, em prol

da ética da vida humana.

Pautada na sua história, a enfermagem se constituiu em uma

profissão que nasceu voltada para atender à integralidade, cujo sentido não foi

sedimentado ao longo de sua história. Porém, vislumbra-se para o futuro da

enfermagem o resgate do verdadeiro sentido do cuidado – cuidar da pessoa em

seu processo saúde-doença valorizando todas as suas dimensões. Essa

perspectiva poderá ajudar a reconstruir o cuidado, com base na ética, contrapor a

fragmentação do corpo doente, influenciado pelo domínio do saber clínico e,

portanto, contribuir para que a organização das práticas de atenção, em especial as

de controle de infecção hospitalar, também seja contemplada no alcance da

integralidade, diretriz do cuidado.

A fisioterapia é uma profissão mais recente e tem uma

constituição histórica diferente. Essa profissão da saúde, assim como algumas

outras também recentes, tem sua criação relacionada à necessidade de mão-de-

obra especializada e embasada em fundamentos científicos, ao contrário da

enfermagem que teve toda uma evolução histórica ligada à mão-de-obra feminina,

pouco valorizada, subserviente e caritativa (MELO, 1986).

Na observação, não evidenciamos na fisioterapia traços da

subalternalidade como acontece com a enfermagem. A profissional se dirigiu à

médica plantonista numa relação de simetria, ou seja, de igualdade, diferente do

que ocorreu com a técnica de enfermagem que se dirigiu ao profissional médico

para confirmar a liberação da entrada das visitas, temendo tomar uma atitude sem

o aval médico.

Diante das diferenças existentes nas práticas profissionais que

são, muitas vezes, dependentes e subordinadas, podemos inferir que, no contexto

do estudo, para que o atendimento alcance a integralidades, há a necessidade de

reduzir as assimetrias existentes nas relações profissionais, constituídas sócio-

historicamente em decorrência do saber clínico.

122

Nos cuidados hospitalares, a enfermagem é a categoria

profissional que tem maior tempo de contato com as pessoas doentes. Porém, não

podemos atribuir somente a ela a responsabilidade pela ocorrência das infecções

hospitalares. Não cabe só à enfermagem a realização de práticas de controle de IH,

como: o uso de luvas, a execução de curativos com técnica asséptica e outros

procedimentos relacionados aos princípios de controle de IH. Os demais

profissionais também têm a sua responsabilidade no processo assistencial, uma

vez que as práticas de controle de IH devem ser compartilhadas e co-

responsabilizadas entre todos os profissionais que atuam na assistência em saúde.

A prática de controle de IH é uma responsabilidade ética, técnica

e social de todos os profissionais envolvidos na assistência em saúde, ou seja, é

um compromisso ao mesmo tempo individual e coletivo (PEREIRA et al, 2005).

Convém lembrar que prevenção, promoção ou recuperação à

saúde representam ações em saúde, garantidas pela Constituição Federal. As

pessoas que recebem assistência em saúde têm o seu direito resguardado em

legislações e cabe aos profissionais de saúde a sua responsabilização ética, civil e

criminal pela inobservância dos preceitos básicos para atuação em saúde.

5.2.2. A enfermagem nas práticas de Controle de Infecção Hospitalar

Para garantir que as ações ou atividades desenvolvidas pelos

profissionais ocorram com certa linearidade, em especial quando nos referimos à

assistência de enfermagem, as instituições estabelecem políticas internas,

normalizações, educação continuada e outros, com o objetivo de uniformizar as

práticas e as ações, além de estabelecer competências (SOUZA et. al., 2002;

CUCOLO; FARIA; CESARINO, 2007).

Entretanto, embora haja tal regulamentação, os profissionais

imprimem sua dimensão pessoal nas suas práticas. Um mesmo procedimento -

exame de glicemia capilar - foi observado num mesmo dia, coincidentemente,

realizado por profissionais distintos.

A funcionária da enfermagem Leonora levou até o leito do paciente, nas mãos, uma agulha e um glicosímetro. Leonora pegou a mão do paciente Ivo para analisar a polpa dos dedos, possíveis locais de punção. Em seguida, com as mãos

123

desenluvadas, realizou várias punções, pois o sangue estava escasso. Terminada a coleta de material, Leonora deixou o local exposto, sem fazer outro procedimento após a punção e coleta do sangue (Registro de Observação de 02/04/07).

A funcionária da enfermagem Rosa pegou o glicosímetro e uma agulha e levou-os nas mãos, até o leito do paciente Lucas para proceder ao exame. Ao lado do leito, calçou uma luva de procedimento e realizou a punção de um dedo da mão de Lucas , coletando o sangue. Em seguida, colocou a fita no glicosímetro e concluiu a leitura da glicemia. Após o exame, colocou um pedaço de algodão no dedo do paciente e deslocou-se ao posto de enfermagem com todos os materiais nas mãos que se encontravam enluvadas (Registro de Observação de 02/04/07).

O processo do cuidar pode ser pensado como o “[...]

desenvolvimento de ações, atitudes e comportamentos com base no conhecimento

científico, experiência, intuição e pensamento crítico (...)” (WALDOW, 1999, p. 149).

No processo de cuidar, podemos observar que ele pode ser

permeado pela subjetivação daquele que presta o cuidado, tornando o produto do

trabalho diferente, de acordo com as percepções de cada profissional.

A subjetividade marca a individualidade de cada profissional. Para

Costa e Ramos (2005, p. 12) “A subjetividade aflora no modo de ser de cada

pessoa, que, embora recebendo influências de instâncias coletivas e institucionais,

apresenta um comportamento singular”.

Isso explica como duas técnicas iguais podem ser desenvolvidas

de forma diferente, determinando as particularidades de cada profissional.

Na primeira situação, observamos que a funcionária da enfermagem não utilizou nem antes e nem após o procedimento, gaze ou algodão para antissepsia. Também não utilizou luvas para realizar o procedimento. A falta de conscientização em relação às normas de biossegurança é ainda muito comum entre os profissionais de saúde. Isso envolve a questão da saúde do trabalhador. E se o trabalhador não tem “saúde”, como poderá prestar cuidados seguros e com qualidade? Por que uma delas utilizou luvas e a outra não o fez? Seria conscientização para atendimento das boas práticas de saúde e biossegurança? Naquele dia não observamos nem a falta de materiais (luvas) e nem a existência de intercorrências naquele horário que justificasse o ato, não justificável nem mesmo nesses casos (Diário de Campo de 02/04/07).

Apesar dos cuidados ou procedimentos serem normalizados num

determinado serviço, sua confecção pode ser realizada autonomamente. O ser

124

autônomo é explicado por Lunardi Filho (2004, p. 76) como “[…] aquele que se

mostra sujeito de suas ações, apresentando comportamentos compatíveis com o

exercício de sua autonomia e a capacidade de manifestar seus desejos e realizar

sua vontade”.

É nessa perspectiva que a problemática da assistência em saúde

reside, mais precisamente no controle das IHs, ou seja, como as atividades estão

sendo realizadas, se respeitam as normalizações instituídas para sua execução,

como nesse caso específico, regras de assepsia para evitar contaminações e

cuidados de biossegurança que caracterizam a saúde e segurança do trabalhador.

Dentre os cuidados mais técnicos relativos às pessoas internadas

na UTI, descrevemos notas de campo que ilustram as práticas de controle de

infecção hospitalar.

Durante o período de coleta de dados na unidade, temos observado que alguns procedimentos não fazem parte do cotidiano das práticas profissionais, como a desinfecção concorrente da unidade do paciente, o esvaziamento freqüente das bolsas de diurese, a identificação da data de colocação/troca de sondas, cateteres, curativos, circuitos dos respiradores e outros (Diário de Campo de 02/04/07).

Estar internado num hospital implica em estar exposto a riscos de

adquirir uma infecção hospitalar. Erdmann e Lentz (2004, p. 35) explicam que “Os

riscos de IH estão presentes no ambiente hospitalar, o que nos adverte da

necessidade de administrá-los da melhor forma possível, já que não podem ser

totalmente eliminados”.

Andrade, Angerami e Padovani (2000, p. 164) reconhecem a

limpeza da unidade do paciente como “[…] uma das formas de manter o ambiente

hospitalar biologicamente seguro”. Essa limpeza, na enfermagem, classifica-se de

duas formas, ou seja, a concorrente e a terminal.

A concorrente é aquela realizada diariamente em algumas partes da unidade e em objetos pessoais após o seu uso. A limpeza terminal é feita em todos os componentes da unidade e tem sido indicada quando o paciente desocupa o leito por motivo de alta, óbito, transferência, período de hospitalização prolongada e nos casos de término de isolamento (ANDRADE; ANGERAMI; PADOVANI, 2000, p. 164).

125

Portanto, sua importância reside no fato de remover sujidade,

impedindo a disseminação dos microorganismos responsáveis por colonizar as

superfícies dos mobiliários, como Staphylococus aureus, Clostridium difficile,

Candida sp, Proteus sp e Serratia marcescens (ANDRADE; ANGERAMI;

PADOVANI, 2000).

Embora seja uma prática necessária, convivemos numa realidade

onde nem sempre é possível realizá-la adequadamente, dada a carência de leitos

hospitalares, em especial de natureza pública, aliada ao déficit de mão-de-obra

para sua realização.

Quanto aos cuidados com a diurese e as sondas vesicais, vale

lembrarmos que no espaço hospitalar, as infecções do trato urinário representam,

entre as infecções hospitalares, a causa mais comum. Geralmente, estão

relacionadas ao uso de cateteres ou sondas vesicais ou à realização de

procedimentos diagnósticos ou terapêuticos relacionados ao aparelho urinário

(APECIH, 2000).

Nos cuidados relacionados à utilização de cateteres vesicais,

citamos a higiene das mãos; o rigor asséptico na introdução e manutenção com uso

de luvas estéreis; a higiene perineal diária minimamente uma vez ao dia, inclusive

da junção cateter-meato uretral; o monitoramento do tempo de utilização do cateter

e troca em algumas situações e cuidados com as bolsas coletoras (APECIH, 2000).

Quando nos referimos aos cuidados com as bolsas coletoras de

diurese, a APECIH (2000, p. 13) esclarece que “A bolsa coletora deve ser

esvaziada regularmente para que o fluxo se mantenha contínuo e não haja perigo

de refluxo, sempre utilizando recipiente de coleta individualizado”.

Relativo à identificação da data de colocação/troca de sondas,

cateteres, curativos e circuitos dos respiradores, é importante que haja um controle

do tempo de permanência desses dispositivos invasivos e realização dos curativos

sempre que úmidos, sujos ou soltos (MESIANO; MERCHÁN-HAMANN, 2007) para

que seja possível controlar ou monitorar não somente o local, como também o

tempo de permanência do dispositivo, a fim de manter a vigilância de IH e monitorar

a sua troca ou substituição.

Em atendimento às normas de biossegurança, a instituição de

saúde deve não só disponibilizar equipamentos de proteção individual aos

trabalhadores, como também mantê-los conscientes e sob supervisão constante

para a sua utilização.

126

A real adoção das medidas de Biossegurança assume uma importância vital na melhoria da qualidade da assistência à saúde, criando um ambiente seguro, tanto para o profissional, quanto para o usuário dos serviços de saúde (BRANDÃO JUNIOR, 2001, p. 60).

Outro aspecto que influencia consideravelmente na assistência

são as ausências dos profissionais. Férias, faltas e folgas desfalcam qualquer

serviço e constituem um sério problema nos serviços hospitalares. A limitação de

recursos humanos está relacionada com a expressão da subjetividade e do

comportamento dos profissionais de saúde, uma vez que, com a ausência de

profissionais na equipe, o trabalho necessita ser redistribuído, o que influencia na

qualidade do processo assistencial em saúde, especialmente quando nos referimos

à enfermagem.

No relato que segue, descrevemos uma situação ocorrida na UTI,

pela falta do profissional enfermeiro.

A Enfermeira Júlia se encontrava de folga e não haveria um profissional para substituí-la no plantão. Oferecemos-nos para acompanhar as técnicas de enfermagem Leonora e Luísa na realização de um banho e curativo de queimado, auxiliando-as, não só pela falta do profissional enfermeiro, como também pelas faltas que ocorreram neste dia, com relação à equipe de enfermagem. Calçamos uma luva estéril e nos colocamos frente ao paciente, junto às técnicas de enfermagem. Elas iniciam o procedimento, uma irrigando as áreas queimadas do tórax do paciente com soro fisiológico e outra com uma gaze almofadada, vinha passando em áreas queimadas e recém-enxertadas e em áreas não queimadas ao mesmo tempo, com movimentos de esfregação, onde o paciente demonstrava expressão de dor e sofrimento (Registro de Observação de 13/03/07).

A observação ilustra como as ausências, em especial dos

profissionais de enfermagem, que se constituem na principal força de trabalho

hospitalar, interferem nos processos de cuidar no hospital. Afetam não só o

funcionamento dos serviços, como também os comportamentos dos profissionais

nos cuidados e, conseqüentemente, nas práticas de controle de infecção hospitalar.

Conforme determina a legislação que regulamenta o exercício da

enfermagem no país (BRASIL, 1986), em seu artigo 11 inciso I letra “L”, cabe ao

enfermeiro a prestação de “cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves

com risco de vida”.

127

Entretanto, na ausência do profissional enfermeiro, estes cuidados

acabam sendo realizados pelos demais membros da equipe de enfermagem, que

atuam, seguindo como norte as normalizações instituídas pelos serviços quando

existem, seus conhecimentos e a sua própria subjetividade.

As ausências dos profissionais da enfermagem geram

conseqüências tanto para a organização do serviço quanto para as pessoas

doentes, seja por férias, folgas ou pelo próprio absenteísmo13.

O absenteísmo na enfermagem é preocupante, pois desorganiza o serviço, gera insatisfação e sobrecarga entre os trabalhadores presentes e conseqüentemente diminui a qualidade da assistência prestada ao paciente (SILVA; MARZIALE, 2000, p. 45).

A equipe de enfermagem geralmente vê o enfermeiro como chefe,

aquele que monitora e controla as atividades dos demais integrantes da equipe.

Assim, muitos profissionais se sentem pressionados e tensionados pelas suas

chefias na realização de suas atividades. Entretanto, a ausência de pressões e

tensionamentos podem causar prejuízos aos processos assistenciais pela limitação

de suporte técnico-administrativo dispensado pelas chefias.

A presença do chefe pressionando poderá estar significando uma sobrecarga de trabalho, mas a sua ausência poderá estar significando também um abandono das equipes de trabalho à sua própria sorte, ampliando em muito as ansiedades advindas da falta de suporte técnico e administrativo para que esses trabalhadores correspondam às inúmeras demandas dos pacientes e familiares (PITTA, 1999, p. 161).

Em uma UTI, as ausências se tornam um problema sério devido à

gravidade das pessoas internadas e à complexidade dos procedimentos que ali são

realizados. Por concentrarem pessoas gravemente enfermas, que necessitam de

atenção maior, essas unidades requerem profissionais qualificados e habilitados

para atenderem a essa complexidade assistencial. Portanto, torna-se difícil o

processo de remanejamento de funcionários para atuação em terapia intensiva, um

setor onde qualificação e perfil são atributos indispensáveis para atuação nesse

ambiente tenso, estressante e desgastante.

13

Absenteísmo é descrito, entre outros significados, como “falta de assiduidade, sobretudo no trabalho” (FERREIRA, 2005).

128

A qualificação e perfil são requisitos necessários aos profissionais

de UTI, haja vista a complexidade da clientela que é caracterizada pela gravidade

da doença, imunossupressão, aliados a múltiplas intervenções invasivas

diagnósticas e terapêuticas a que são submetidas, fatores que as tornam mais

predispostas a infecções hospitalares (PEREIRA et. al., 2000; COSTA et.al., 2003).

Fernandes, Ribeiro Filho e Barroso (2000), alertam que as

unidades de terapia intensiva representam um dos setores onde ocorrem os

maiores índices de prevalência desse evento. Torna-se fundamental para as

terapias intensivas a disponibilização de equipes qualificadas técnica e eticamente

para a assistência às pessoas doentes, já fragilizadas pela própria enfermidade.

Portanto, os profissionais que atuam na UTI têm responsabilidade

em garantir que as práticas assistenciais sejam prestadas de maneira segura e

eficaz. Aos gestores, cabe a responsabilidade em investir na valorização desses

profissionais, minimamente garantindo condições adequadas de trabalho,

disponibilizando materiais e equipamentos, educação continuada e salários

condizentes.

Retomando a forma como o procedimento foi realizado, ou seja,

“[…] com uma gaze almofadada, vinha passando em áreas queimadas e recém-

enxertadas e em áreas não queimadas ao mesmo tempo” (Registro de Observação

de 13/03/07), a literatura orienta que, “Enquanto se limpa a ferida, é preciso mover-

se da parte menos contaminada para a mais contaminada” (AZEVEDO, 2005b,

p.51) com o objetivo de evitar a transferência de microorganismos de áreas

consideradas sujas para limpas. Isso é chamado de princípio de assepsia, onde se

busca afastar os germes patogênicos de determinado local ou objeto que não os

contenha. Neste sentido, a capacitação e conscientização contínua orientam a

incorporação de procedimentos corretos para a prestação adequada do cuidado.

Para Pereira et. al. (2000), a profilaxia e o controle de infecção se

faz com a existência de rotinas de prevenção elaboradas com coerência e com

equipes de profissionais em número suficiente, devidamente qualificadas e

preparadas para que sejam efetivamente cumpridas.

Tendo nos inserido no auxílio à equipe de enfermagem na realização do procedimento, notamos que o comportamento das técnicas era de desconfiança e de olhares atentos ao que fazíamos. Esse comportamento nos parecia estranho. Seria insegurança pelo fato de estarem sendo acompanhadas e talvez observadas nas suas práticas? Isso também aconteceria se fosse com o profissional enfermeiro da unidade? A insegurança em relação à nossa presença estaria relacionada com o procedimento

129

em si ou ao fato de estarem sendo observadas? O fato de sermos observadas enquanto realizávamos os procedimentos nos permite refletir sobre alguns questionamentos: elas tentavam avaliar ou comparar os procedimentos? Não estavam habituadas a determinada forma de atuação? Tinham o hábito de desenvolver suas atividades acompanhadas pelo enfermeiro da unidade? (Diário de Campo de 13/03/2007).

A observação de um procedimento ou prática de saúde por um

profissional mais capacitado pode causar aos demais membros da equipe,

comportamentos de insegurança ou sensação de vigilância. A possibilidade de

críticas ao trabalho do profissional pode levar ao medo e a não assumir atitudes e

comportamentos éticos, podendo se constituir em um obstáculo à prática do

controle da infecção hospitalar.

Os princípios de assepsia devem ser assegurados na execução

dos procedimentos e os movimentos realizados devem evitar ao máximo o

sofrimento da pessoa doente e a exposição à dor.

Interferimos, dizendo que daquela forma poderíamos causar mais dor ao João, que mostrava sinais aparentes de sofrimento, como agitação e expressões faciais de dor, embora sob medicação analgésica prévia, pouco sedado e em ventilação mecânica. Alertamos que poderíamos fazer a limpeza através de movimentos tipo “secagem”, pressionando suavemente as áreas (Registro de Observação de 13/03/07).

A presença de um profissional com mais conhecimento técnico-

científico possibilita execução, supervisão e intervenção, quando os procedimentos

são realizados inadequadamente.

É nesta perspectiva que a enfermagem é vislumbrada como a

profissão do cuidar, diferenciando-se das outras profissões da área da saúde pela

valorização à dimensão humana, uma característica que para a enfermagem é

histórica. Sua finalidade maior é o cuidado humano. Ela é “[…] uma profissão que

lida com o ser humano, interage com ele e requer o conhecimento de sua natureza

física, social, psicológica e suas aspirações espirituais” (WALDOW, 1999, p. 62).

Pela especificidade da assistência disponibilizada às pessoas

doentes durante as 24 horas do dia, os profissionais de enfermagem são os que

mais tempo se relacionam com estes no período de internação. Entretanto, no

Brasil, o profissional enfermeiro, devido à sua formação e número reduzido, vem

130

assumindo atividades de organização, planejamento de tarefas e supervisão da

equipe de enfermagem (PITTA, 1999; WALDOW, 1999).

[…] há o predomínio de tarefas de enfermagem advindas da prescrição médica, realizadas, em grande parte, pelo pessoal auxiliar e as atividades gerenciais, progressivamente e cada vez mais, realizadas pelo enfermeiro, para possibilitar, dentre outros, o atendimento médico especializado, em detrimento das funções essenciais da administração da assistência, com vistas à qualidade dos cuidados prestados (LUNARDI FILHO, 2004, p. 39).

Assim, suas atividades têm sido focalizadas em atividades

gerenciais, afastando-o do cuidar ou assistir às pessoas doentes, apesar disso

constituir a essência do seu trabalho (LUNARDI FILHO, 2004).

Com isso, o profissional enfermeiro experimenta um

distanciamento das pessoas internadas, deixando lacunas no assistir, que tem sido

preenchidas por outros profissionais: de nível técnico de enfermagem,

fisioterapeutas e outros.

Essa postura do profissional enfermeiro é pautada no modelo

capitalista, e acarreta cada vez mais o seu distanciamento da assistência direta à

saúde, caracterizada pela sua valorizada competência técnica (LUNARDI FILHO,

2004).

Temos observado que, como não existe na UTI um profissional que realize as tarefas administrativas. O enfermeiro acaba por se encarregar e assumir essas funções, deixando muitas vezes de lado suas obrigações profissionais no que diz respeito à assistência mais direta aos pacientes e à equipe de enfermagem, para dedicar seu tempo aos procedimentos administrativos (Diário de Campo de 02/04/07).

O papel do profissional enfermeiro seja na UTI ou em qualquer

setor do hospital, se vê transformado, envolvido pelo processo administrativo e

controlador da instituição. Isso nos mostra a realidade desses profissionais nas

instituições de saúde brasileiras.

Ao desempenhar ações de gerenciamento das determinações, rotinas e normas institucionais, o enfermeiro parece que passa a ser visto como um representante da administração no local onde exerce suas atividades, muitas vezes, podendo ser confundido com ela (LUNARDI FILHO, 2004, p.112).

131

Embora as ações ou técnicas mais complexas sejam realizadas

pelo profissional enfermeiro, na sua ausência, até mesmo para o atendimento a

necessidades de ordem administrativa, tais atividades passam a ser executadas

pelo pessoal auxiliar, o que os aproxima mais das pessoas doentes.

Os atos técnica e socialmente mais qualificados, herdados, por sua vez, dos atos médicos, ficam com a enfermagem de nível superior – os enfermeiros, que chefiam e supervisionam, por sua vez, a enfermagem de nível médio e elementar, auxiliares e atendentes, que executam o trabalho menos qualificado, expondo-se mais tempo aos enfermos (PITTA, 1999, p. 54).

Nesse aspecto, o afastamento do profissional enfermeiro da

assistência desvaloriza o cuidado e compromete a qualidade da assistência de

enfermagem prestada (WALDOW, 1999).

No período da fase de campo, as ausências do profissional enfermeiro não foram cobertas. Neste caso, um enfermeiro de outro setor deveria cobrir a unidade, entretanto, no período referido em que estivemos presentes na UTI, aconteceram raras visitas rápidas desse profissional oriundo de outros setores. Os demais integrantes da equipe de enfermagem acabaram por assumir suas funções autonomamente. Entretanto, algumas ações na unidade não foram realizadas, como transferência de pacientes, internações e alguns procedimentos mais complexos que foram suspensos pelos plantonistas médicos pela ausência do enfermeiro (Diário de Campo de 02/05/2007).

O que se constata quando se trata dessa tendência progressiva

de afastamento do enfermeiro para atender às ações de gerenciamento é que os

demais profissionais valorizam a sua presença nesse ambiente, como um elemento

importante no contexto do trabalho na UTI.

As atividades que constituem o cuidado, apesar de representarem

a essência do seu trabalho, não são valorizadas pela própria enfermagem.

Ao não realizar ou ao delegar essas ações, a cuidadora perde a oportunidade de interagir com o paciente, de conhecê-lo, de avaliar suas condições, de oferecer apoio, segurança, de acalmá-lo, confortá-lo, educá-lo (WALDOW, 1999, p. 66).

132

As ações dos profissionais de enfermagem de nível médio e

elementar, conforme Pitta (1999, p. 54) assinala, são “[…] mais intensas, repetitivas

e social e financeiramente pior valorizadas”. Essa é uma situação comum nos

serviços assistenciais de saúde no Brasil.

Para o atendimento à integralidade, não basta, portanto, ter em

mente recursos humanos qualificados técnica-científicamente e condições de

trabalho adequadas, mas o reconhecimento do trabalhador de saúde para além da

sua força de trabalho. É o seu reconhecimento como pessoa humana, que vivencia

processos intersubjetivos, permeados de sentimentos, ações e reações, donde os

sentimentos fazem parte dos seus modos de expressão. É importante reconstruir a

identidade do trabalhador de saúde para que neste processo, ele possa ser sujeito

ativo, participativo, autônomo e com isso possa desenvolver sua criatividade no

processo de cuidar em saúde. Assim, é importante mudar as relações do trabalho

em saúde, para processos mais democráticos, solidários e emancipatórios nas

práticas em saúde.

No momento em que ações se tornam mais democráticas,

solidárias, emancipatórias e permeiam os processos assistenciais em saúde, o

cuidado dispensado pelos profissionais passa a ser executado ou disponibilizado de

forma mais ética e consciente, vislumbrando, portanto, a integralidade em saúde.

5.2.3. O cuidado de si como trabalhador de saúde

O trabalho na UTI é complexo e desgastante devido à

especificidade da assistência prestada. Essa especificidade requer cada vez mais

profissionais qualificados, conscientes da sua responsabilidade no trabalho em

saúde, seja no cuidado aos outros, como no cuidado de si, “[…] uma ação que o ser

humano aplica a si mesmo” (COSTA; RAMOS, 2005, p.11). A atenção em saúde

expõe os profissionais a riscos, produzindo em sua subjetividade a necessidade e a

importância de cuidar de si para que possam cuidar do outro.

Entretanto, esses profissionais devem trazer consigo a

necessidade e a consciência de cuidar de si para que continuem sua vida,

mantendo o seu posto de trabalho, caracterizado por um mercado cada vez mais

133

exigente (COSTA; RAMOS, 2005). Assim, disponibiliza às pessoas um atendimento

mais seguro, mediado pelas singularidades de cada um no seu cotidiano laboral.

[…] nesse cotidiano que o trabalhador aprende aquilo que lhe agrada e o que desagrada. Se no contexto hospitalar uma atuação eficiente, submissa, dócil e disciplinada, por exemplo, é bem vista pela organização do trabalho, então ele tende a reforçar essa ação como parte do cuidado de si, no caso da precaução de não se expor para não se machucar. […] mesmo que em seu contexto geral a maioria dos trabalhadores de enfermagem adote uma postura dócil, caritativa e obediente às normas, cada qual opta por um modo específico de reagir em uma mesma situação (COSTA; RAMOS, 2005, p. 16).

O cuidado de si, de acordo com Costa e Ramos (2005, p. 16),

parece estar relacionado com o “[…] desejo de uma vida melhor, mais justa e mais

digna”.

O espaço hospitalar é caracterizado pelo envolvimento dos

profissionais a uma diversidade de riscos, em especial aos riscos biológicos, que

requerem destes, a adoção de medidas seguras e adequadas que objetivem a

manutenção da saúde, seja de pessoas doentes, profissionais ou visitantes

(SCHEIDT; ROSA; LIMA, 2006).

Quando nos referimos a normas de biossegurança, muitas vezes

no cotidiano das instituições de saúde, estas são negligenciadas, às vezes,

movidas pela indisponibilidade de materiais.

Com a saída das visitas, pois já passava das 15:45 h, as técnicas de enfermagem iniciaram o procedimento de preparo de medicamentos, juntando os materiais e medicamentos conforme as prescrições de seus pacientes. As prescrições foram acomodadas na pia para que pudessem ter acesso ao que havia sido prescrito. Sobre a pia, havia uma caixa daquelas que vem acondicionadas as agulhas descartáveis que estava sendo usada improvisadamente para o descarte dos perfuro cortantes. Quando percebemos, havia funcionárias da enfermagem já preparando os medicamentos e soroterapias. Umas estavam com as mãos enluvadas e outras sem (Registro de Observação de 04/04/2007).

A improvisação, em especial nos serviços assistenciais de

natureza pública, é uma prática muito comum. Entretanto, alguns improvisos podem

causar danos irreparáveis, tanto para os profissionais, como para as pessoas

doentes internadas. Uma caixa frágil como a utilizada para substituição da

adequada para descarte dos perfuro cortantes pode causar acidentes não somente

134

aos profissionais da assistência, como também aos profissionais dos serviços de

apoio, como os que fazem o recolhimento dos resíduos da unidade, e até para os

profissionais que realizam a coleta externa dos resíduos dos serviços de saúde.

Os serviços de saúde, visando a segurança dos trabalhadores,

devem disponibilizar infra-estrutura suficiente para a operacionalização segura das

práticas assistenciais.

Nos locais de trabalho onde se utilizam materiais perfuro cortantes, como agulhas, lâminas de bisturi, vidrarias, devem ser mantidos em recipientes apropriados (rígidos, resistentes a vazamento, punctura e ruptura) o mais próximo possível da realização do procedimento, para o descarte dos materiais (SCHEIDT; ROSA; LIMA, 2006, p. 375).

Quanto à prevenção dos acidentes de trabalho é imprescindível

que os trabalhadores estejam conscientes das normas de biossegurança, bem

como dos procedimentos a serem realizados em caso de acidente.

Em um diálogo que tivemos com Marta, uma das funcionárias da empresa terceirizada e responsável pelo serviço de limpeza da UTI naquele plantão, ela nos disse que se acidentou há alguns dias atrás com uma agulha de sutura que não estava devidamente protegida no descarte. Segundo Marta, ela não recebeu nenhuma assistência da empresa com relação aos encaminhamentos que deveria fazer pós-acidente. Disse ainda que, por conta própria, procurou o serviço de saúde pública, que lhe prescreveu o “coquetel”, conforme suas próprias palavras (Registro de Observação de 12/02/2007).

De acordo com Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1997, p. 22),

desde a antiguidade e exacerbada com a Revolução Industrial, a relação existente

entre o trabalho e a saúde-doença nem sempre mereceu a devida atenção. Com a

Revolução Industrial, a partir dos interesses capitalistas, o homem, trabalhador

livre, vende sua força de trabalho, tornando-se a “[…] prensa da máquina, de seus

ritmos, dos ditames da produção […]”.

Entretanto, as condições para a execução do trabalho são

caracterizadas pela precarização causada por jornadas extensas; aglomeração

humana causando disseminação de doenças transmissíveis e periculosidades,

incluindo as mortes ou mutilações; diversos vínculos empregatícios; sobrecarga de

trabalho; remuneração incompatível com a função; estruturas físicas e materiais

precárias; falta de programas de valorização do trabalhador de saúde; entre outros.

135

Portanto, surgiu daí a necessidade de legislações e normatizações que coibissem

tais acontecimentos nas empresas. O médico foi inserido nesse contexto, com a

finalidade de detectar os processos que causavam danos aos trabalhadores,

visando não só a sua recuperação como a prevenção de acidentes, na expectativa

de recuperar as forças de trabalho. Dessa forma nasce a Medicina do Trabalho,

que se mantém até hoje, buscando cada vez mais garantir a saúde e segurança

dos trabalhadores, seja em indústrias, empresas ou estabelecimentos assistenciais

de saúde (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

Quando nos referimos aos estabelecimentos assistenciais de

saúde, temos evidenciado que os mesmos expõem seus trabalhadores a vários

riscos. Dentre eles, podemos citar os riscos biológicos, os químicos, os físicos,

ergonômicos, os mecânicos e os acidentes em geral. Para normatizar a proteção e

segurança dos profissionais de saúde, o Ministério do Trabalho e Emprego,

recentemente, instituiu a Norma Regulamentadora - NR 32, que trata da Segurança

e Saúde do Trabalhador em Serviços de Saúde.

Esta NR, de acordo com o seu item 32.1.1

[…] tem por finalidade estabelecer as diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral (BRASIL, 2005c).

Entretanto, embora não tenhamos acessado trabalhos com

relação à sua implantação, por ser ainda uma legislação recente, podemos dizer

que os serviços ainda se preparam para o seu atendimento na íntegra.

Atender às normas de biossegurança pelos profissionais de saúde

é fundamental na prevenção de acidentes com os trabalhadores. Elas englobam

[…] todas as medidas que visam evitar riscos físicos (radiação ou temperatura), ergonômicos (posturais), químicos (substâncias tóxicas), biológicos (agentes infecciosos) e psicológicos, (como o estresse). No ambiente hospitalar encontram-se exemplos de todos estes tipos de riscos ocupacionais para o trabalhador de saúde (p.ex., radiações, alguns medicamentos etc.) (CAVALCANTE; MONTEIRO; BARBIERI, 2003, p. 15).

136

Para Brandão Junior (2001, p. 60), as medidas de biossegurança

estão relacionadas à qualidade dos processos assistenciais de saúde.

A real adoção das medidas de Biossegurança assume uma importância vital para a melhoria da qualidade da assistência à saúde, criando um ambiente seguro, tanto para o profissional, quanto para o usuário dos serviços de saúde.

Assim, considerando os aspectos relacionados à subjetividade

dos profissionais às normas de biossegurança, torna-se necessária a “[…] difusão

de conhecimento e formação de trabalhadores na área de Biossegurança em que a

dimensão subjetiva seja um aspecto operante neste campo” (BRANDÃO JUNIOR,

2001, p. 63).

O desafio para a segurança no trabalho em saúde reside na

valorização das práticas de biossegurança pelos profissionais, que devem estar

imbuídos da responsabilidade de suas ações para com os usuários e para consigo

mesmos. Essa valorização se dará a partir do conhecimento. Brandão Junior (2001,

p. 63) esclarece ainda a importância da subjetividade dos profissionais nesse

processo, quando afirma que “Isso justifica a necessidade de maior difusão de

conhecimento e formação de trabalhadores na área de Biossegurança em que a

dimensão subjetiva seja um aspecto operante neste campo”.

A seguir, relatamos o comportamento dos profissionais na UTI

pesquisada em relação à utilização das radiações ionizantes.

Um técnico do serviço de radiologia do hospital veio à UTI para fazer um exame radiológico de um paciente no leito. Após preparar o paciente com o auxílio da equipe de enfermagem, transporta até próximo do leito um biombo plumbífero. Quando se prepara para acionar o disparo do raio x, atrás do biombo, ele alerta a todos: - “olha o raiooooo...”. Após o alerta, alguns profissionais o ouvem e permanecem no mesmo local, continuando suas atividades. Outros, saem e procuram se esconder atrás de alguma parede ou coluna, fugindo da exposição à radiação (Registro de Observação de 23/02/07).

Quando nos referimos a medidas de proteção radiológica,

observamos que os profissionais nem sempre conhecem os riscos a que estão

freqüentemente expostos, especialmente quando se trata de coisas de natureza

abstrata, não palpável, como a exposição a radiações ionizantes.

137

De acordo com a legislação vigente que estabelece as diretrizes

básicas para proteção radiológica, deve-se

[…] zelar para que cada profissional tome todas as medidas necessárias para restringir as exposições ocupacionais e exposições do público a valores tão baixos quanto razoavelmente exeqüíveis, limitados conforme especificado neste regulamento (BRASIL, 1998c).

Um estudo realizado por Flôr e Kirchhof (2006) sobre a

sensibilização dos profissionais de saúde quanto à exposição à radiação ionizante,

constatou que esses profissionais encontram-se desprotegidos e desinformados

quanto aos cuidados mínimos de proteção radiológica, especialmente quando se

trata dos profissionais que atuam no apoio ao técnico para a realização do exame

nas pessoas acamadas.

As autoras relatam a existência de conhecimento por parte dos

técnicos em radiologia para com as medidas de proteção, embora, muitas vezes,

essas informações sejam negligenciadas na prestação de informações aos

profissionais de saúde que estão sob sua responsabilidade. Ressaltam ainda que

haja descaso por parte de alguns profissionais de saúde quanto à exposição à

radiação ionizante e que também evidenciam que outros demonstraram ciência dos

riscos a que estão expostos (FLÔR; KIRCHHOF, 2006).

Entretanto, nas situações observadas neste estudo, pode-se

verificar que alguns dos profissionais conhecem os riscos a que estão expostos

mas negligenciam as medidas preventivas pela naturalização dos riscos

vivenciados no seu cotidiano.

As (os) trabalhadores de enfermagem convivem com a consciência de que as doenças são possíveis, embora permaneçam na dimensão invisível, pois a convivência constante com doentes e doenças é enfrentada no seu cotidiano de trabalho (COSTA, 2005, p.122).

Para atender à integralidade em saúde, convém refletirmos sobre

a concepção de trabalhador apenas como força de trabalho. Como o profissional de

saúde pode vislumbrar o atendimento à integralidade se suas próprias dimensões

não são atendidas e é visto apenas como uma força de trabalho?

138

Embora o homem tenha toda uma construção histórica e cultural

no trabalho, como citamos acima, situações de precarização nos ambientes de

trabalho ainda ocorrem nos serviços assistenciais e se fazem naturalizadas no

cotidiano dos profissionais de saúde.

Lunardi et. al. (2004, p. 935) referem que, freqüentemente

[…] em algumas instituições, os trabalhadores se vêem na contingência de ter que atuar com recursos materiais, em condições inadequadas de funcionamento, de qualidade questionável, insuficientes, expondo a biossegurança dos trabalhadores, dos clientes, a falta de privacidade e intimidade diante da organização do ambiente de enfermarias, dentre outros elementos que poderiam ser apontados.

E ainda questionam:

Como cuidar adequadamente do outro, se quem se reconhece como cuidador é desrespeitado e permite que seu saber seja desrespeitado no que se refere às necessidades materiais do ambiente de trabalho? (LUNARDI et. al., 2004, p. 935)

Atender à integralidade significa também respeitar, conscientizar,

valorizar, ter ética para com aqueles que realizam a assistência em saúde, de forma

que os que realizam essa assistência disponham de condições adequadas para a

realização do seu trabalho. Assim, vislumbra-se a necessidade de mudanças na

concepção do trabalhador de saúde, onde ele não seja valorizado apenas na sua

competência técnica, mas sim em suas outras dimensões, passando a ser

participante ativo no processo de cuidar em saúde. Certamente isto contribuirá para

que se alcance a integralidade nas práticas de controle de IH não apenas em UTI,

mas nos espaços institucionais de saúde.

139

5.2.4. As relações entre os profissionais de saúde e pessoas doentes

Durante o período em que estivemos na UTI, dada a gravidade

das pessoas ali assistidas, não foi possível estabelecer nenhum contato com elas,

uma vez que praticamente todos estavam sem condições de fala, seja pelo quadro

neurológico ou pela indução à inconsciência. Esta situação apresentada pelas

pessoas internadas na UTI nos mostrou a realidade vivenciada por elas.

Embora a maior parte das pessoas doentes se encontrasse

abolida de sua consciência e, portanto, impedida de experimentar relacionamento

com os profissionais que lhes prestam assistência, foi possível observar a

demonstração de preocupação por parte da trabalhadora de enfermagem em

relação à evolução de uma pessoa doente, como na observação que segue.

A UTI estava com vários visitantes. Era o horário de visitas. Nos sentamos no posto de enfermagem, ao lado de Dolores, uma das técnicas de enfermagem da equipe para perguntar-lhe mais algumas informações que precisávamos para a pesquisa. Enquanto conversávamos com ela, percebemos que ela observava, dali, a felicidade dos familiares do paciente que estava no isolamento pelo fato do paciente “ter aberto um olho”, o que a deixou bastante emocionada. Aproveitamos para perguntar pelo Sr. Luís que ocupava o leito 7. Nesse leito, havia outro paciente e no último dia que estivemos na UTI, o quadro do Sr. Luís era grave. Dolores disse-nos que o Sr. Luís havia saído de alta, mas preocupava-se por achar que teria seqüelas (Registro de Observação de 02/05/07).

A preocupação da profissional pode ser relativa à característica do

trabalho de enfermagem, uma vez que é a categoria que mais tempo convive com

as pessoas internadas. Isso possibilita o estreitamento de laços entre esses

profissionais e as pessoas doentes, necessário para alcançar a integralidade em

qualquer cuidado, desde o banho no leito, a administração de medicamentos, a

realização de mudança de decúbito, dentre outros.

As práticas exercidas pela enfermagem, ao buscar atender a

pessoa doente em todas as suas necessidades, se diferencia das práticas

exercidas por outros profissionais.

Embora as práticas e os procedimentos se dêem na preocupação básica com a doença no sentido de evitar a morte, o olhar médico está direcionado às doenças e não ao doente propriamente dito. Suas práticas não são direcionadas às pessoas como seres integrais, mas se restringem às doenças instaladas no corpo delas, privilegiando a doença em detrimento de outras dimensões

140

da vida do doente. Desta forma, estas práticas se constituem em uma forma de violência não intencional do profissional ao usuário (COSTA, 2005, p. 101).

As pessoas hospitalizadas, em especial na terapia intensiva,

dependem totalmente dos profissionais que as cuidam, principalmente da equipe de

enfermagem, que assiste a essas pessoas por todo o tempo que estão na unidade.

A enfermagem é a profissão que mais mantém contato com o cliente durante a internação, conseqüentemente, é a que mais expõe, toca e manuseia o corpo ao implementar a assistência (PUPULIM; SAWADA, 2005, p. 389).

Diante da internação, especialmente na terapia intensiva, a

pessoa (e talvez até mais a família) se vê incondicionalmente obrigada a depositar

no serviço e nos profissionais de saúde, toda a sua confiança e esperança para a

sua recuperação. Ao fazê-lo, a pessoa doente cria um elo com a equipe

assistencial, uma vez que se vê só, num espaço caracterizado por dor, sofrimento e

isolamento.

O estabelecimento do vínculo possibilita o resgate do cuidado em

saúde, na perspectiva de uma atenção mais humanizada e comprometida com a

pessoa doente, pois abrange suas dimensões psicológicas, sociais e culturais.

As práticas do cotidiano na UTI nem sempre são apenas mecânicas. O fato de Dolores sentir-se emocionada em ver como os familiares estavam contentes com o pequeno sinal de melhora do paciente, mostra que os profissionais, apesar de não demonstrarem, apresentam sentimentos de felicidade quando percebem melhora daqueles por quem prestam cuidados de saúde, e preocupam-se com eles, mesmo após a alta da UTI (Diário de Campo de 02/05/07).

No processo do estabelecimento do vínculo, o momento da escuta

é importante e deve ser considerado pelos profissionais de saúde. Há autores que

ressaltam a importância da interação entre profissionais e usuários através do

estabelecimento de relações dialógicas entre eles “A UTI é o ambiente no qual as

relações humanas são fundamentais para contrapor o incômodo da tecnologia

invasiva e complexa utilizada no tratamento” (NASCIMENTO; ERDMANN, 2006, p.

340).

141

Relatamos abaixo uma situação de assistência de enfermagem a

um banho no leito na UTI.

Sr. Mário, um senhor de idade avançada, com diagnóstico de Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico e Hipertensão Arterial Severa, em ventilação mecânica e semi-consciente, começa a ser preparado para o banho no leito. A técnica de enfermagem Amanda levou até o leito, num carrinho de banho, todos os materiais para o banho no leito, inclusive um balde de água. E iniciou o procedimento. De lá do posto de enfermagem, onde estávamos, nos surpreendemos com a atitude de Amanda:- Ele falou! Ele falou mesmo entubado! Exclamou alto, se assustando com a atitude do paciente. Surpresa, fomos até o leito do paciente Sr. Mário, perguntar a ela o que havia acontecido. Ela disse assustada: - Ele falou! Ele falou mesmo entubado! Percebemos que o paciente Sr. Mário, aparentemente semi-consciente, tentava murmurar, mesmo entubado e sob ventilação mecânica, algo como tá frio ou frio ou não. Não conseguíamos entender. Quando olhamos em seu tórax e braços, enquanto Amanda continuava a higienização, pudemos ver que estava todo arrepiado. Amanda disse que a água do banho estava fria e que não tinha água quente na unidade e nem ao menos um “rabo quente” e que ficava com pena, mas que tinha que fazer o banho, pois o paciente estava até com mal-cheiro. Amanda lembrou que provavelmente não tinha sido higienizado no período da manhã. Ela ainda disse: - Ah, assim que eu puder, eu mesma vou comprar um rabo quente pra essa UTI... E continuou o procedimento. (Registro de Observação de 02/04/07).

A higiene corporal das pessoas internadas constitui um fator de

importância na sua recuperação, bem como no seu conforto e bem estar. O

confinamento no leito, além de trazer aumento do stress, traz o acúmulo de

sujidade ou secreções pelos diferentes tratamentos ministrados.

Entretanto, as pessoas que estão incapacitadas de locomover-se,

pelo estado de inconsciência ou por outro motivo, tornam-se sujeitadas aos

profissionais de saúde que passam a cuidar, a realizar procedimentos antes

realizados por si mesmas, como a higiene corporal, oral, a mobilização no leito e

outros. Conforme Maciel e Bocchi (2006, p. 236) relatam,

[…] ela acaba sendo obrigada a se sujeitar ao banho no leito, compreendido como um procedimento que não reproduz as mesmas sensações de conforto geradas pelo banho no chuveiro, perante uma circunstância constrangedora de ter seu corpo exposto a profissionais de ambos os sexos […] de realizar escolhas que poderiam amenizar o seu desconforto, das limitações impostas pelos déficits de recursos humanos e materiais no hospital.

142

Cabe à enfermagem a responsabilidade pelo cuidado às pessoas

internadas, dependentes ou não da assistência, demonstrando aí a sua importância

em garantir seu bem-estar durante a internação.

Se para os profissionais o banho constitui mais um procedimento

que faz parte do seu cotidiano de trabalho, para o paciente ele tem outro

significado.

É uma experiência que se configura como de difícil superação, permeada de estresses e de acometimento da auto-estima, mediante a própria perda da autonomia para os cuidados de higiene, o constrangimento da exposição corporal, bem como por não lhe conferir as mesmas sensações de limpeza e de conforto proporcionadas pelo banho no chuveiro (MACIEL; BOCCHI, 2006, p. 237).

Para as autoras ainda, a pessoa impossibilitada de ser

encaminhada ao banho de aspersão, que necessita ser submetida ao banho no

leito, considera alguns atributos como essenciais para enfrentar essa experiência

de dependência, uma vez que a equipe de enfermagem deve

[…] respeitar a sua privacidade e as limitações de movimento quando com dor, manter o ambiente aquecido, prover número de funcionários necessários para que o banho seja realizado por pessoas do sexo análogo ao seu, bem como a disponibilização de materiais e equipamentos que possam garantir a sua qualidade assistencial (MACIEL; BOCCHI, 2006, p. 239).

A observação do banho do Sr. Mário nos trouxe algumas

reflexões:

Se não havia água aquecida na UTI para os banhos dos pacientes, a sensibilização e preocupação da técnica de enfermagem em realizar o procedimento não a motivou a procurar uma alternativa para a solução daquele problema, como buscar por recursos em outros setores. Enquanto realizava o procedimento, o paciente procurava se expressar, sinalizando que algo que o desagradava ou o desconfortava com aquela água fria. (Diário de Campo de 02/04/07).

Para uma boa prática do cuidado em saúde, é necessário que

“[…] exista, no cuidado, o enfoque humanista caracterizado pelo sentimento de

143

empatia” (MARUYAMA, 2004, p. 187). É importante que o profissional de saúde se

coloque e se sinta no lugar do outro.

O profissional de saúde, quando se coloca no lugar desse outro,

pode se identificar com os sentimentos da pessoa doente e reconhecê-los para

além da sua anatomia e patologia, apreendendo suas outras dimensões. Havendo

empatia, pode ter “[…] comportamentos diferentes e contraditórios” (MARUYAMA,

2004, p.155). Se ele se identifica com a pessoa doente, pode causar em si

sentimentos de receio, medo ou angústia, que lhe causa a aceitação de seus

próprios medos, o que reflete nos cuidados apenas do corpo biológico. Por outro

lado, a empatia pode também despertá-lo a produzir um cuidado diferente, que

atenda às outras dimensões da pessoa doente que não apenas a biológica, de

forma a proporcionar a ela a minimização do sofrimento, incorporando atitudes que

visem os aspectos físicos, psíquicos e espirituais (MARUYAMA, 2004).

Entretanto, essa empatia deve permear todos os profissionais,

não somente os que atuam diretamente com as pessoas doentes, como também os

que participam da assistência de forma mais indireta, seja na gestão ou no

planejamento das atividades.

Maciel e Bocchi (2006) explicam que cabe ao enfermeiro, a

participação e promoção de atividades que visem capacitar técnica-cientificamente

toda a equipe de enfermagem e a instituição, dimensionar pessoal e prover

materiais para a execução das práticas assistenciais, de forma a proporcionar às

pessoas internadas a minimização dos sentimentos experimentados na realização

do procedimento.

Para tanto, ressaltamos a importância do respeito aos princípios

éticos. Um comportamento ético pode ser explicado como

Em el plano profesional y, em especial, em las Ciencias de La Salud, um comportamiento profesional ético es el que practica el pluralismo crítico, próprio de aquél que es capaz de pensar por si mismo, valiéndose de la inteligência, la imaginación y la creatividad. Supone el reconocimiento del a propia responsabilidad ante cada elección y, requiere de uma mente abierta a otras tradiciones culturales, a otros saberes, a otros hábitos (MAIDANA, 2005, p. 60).

Nesse aspecto, é preciso refletir sobre a forma pela qual o

profissional de saúde age e se faz profissional, uma vez que, para isso, é

144

necessário conhecimento como técnica e como arte, mas também o conhecimento

das perspectivas éticas que o subsidiam para fundamentar a sua moralidade

enquanto profissional (BUB, 2005, p. 73).

A necessidade de disponibilizar uma assistência mais contínua e

centrada nas pessoas com o estado de saúde agravado deu origem às UTIs.

Entretanto, o modelo clínico historicamente construído permeou esse espaço,

dando seguimento à concepção do espaço hospitalar como um local de relações

assimétricas que permeiam os atores envolvidos.

Dessa forma, a relação usuário-profissional de saúde é

caracterizada como uma relação assimétrica, onde o profissional de saúde tem a

hegemonia nessa relação. Por um lado, há o usuário enfermo, fragilizado pela

doença, num espaço estranho ao seu, distante da família, onde perde toda a sua

autonomia e se vê numa situação à qual só lhe resta acreditar e confiar sua vida,

corpo, pudor e confiança em pessoas que não conhece e jamais viu. Por outro, há o

profissional que tem as suas tarefas a serem executadas, em atendimento aos

interesses da instituição.

Assim, o profissional, diante da necessidade de dar conta de suas

atividades, enfoca a doença ou o corpo em detrimento da pessoa como ser

humano. Essa postura tem corroborado para que a assistência em saúde seja,

muitas vezes, realizada mecanicamente, atendendo ao cumprimento de tarefas pré-

estabelecidas. Isso tem trazido conseqüências aos usuários dos serviços de saúde,

como medo, insegurança e insatisfação. O medo por considerarem o espaço

hospitalar estranho, frio e desconhecido; insegurança devido ao desconhecimento

em relação aos saberes, às práticas e a todo o aparato tecnológico que os

amedronta; e insatisfação por não se sentirem acolhidos pelos profissionais de

saúde.

Entretanto, essa representa uma realidade que pode ser

reconstruída se houver mudanças nas formas de pensar e agir em saúde.

Do ponto de vista das relações profissional de saúde-usuário, para

Ribas (2007, p. 3), a assistência integral “[…] supõe tanto o oferecimento de todo

recurso técnico disponível para o restabelecimento e preservação da saúde quanto

o oferecimento de qualidade nos vínculos usuário-profissional”. A autora esclarece

ainda que a qualidade nos vínculos esteja relacionada à maneira como as relações

se estabelecem, respeitando as singularidades e mantendo uma boa comunicação

(RIBAS, 2007).

145

5.2.5. As relações entre os profissionais de saúde e familiares

A internação de qualquer pessoa representa um momento difícil

para os familiares e amigos. Neste momento, experimentam-se sentimentos de

tristeza, angústia, expectativas e incertezas quanto à recuperação do enfermo, em

especial se a internação é em terapia intensiva. Nesse caso, os sentimentos

tendem a ser potencializados em função da concepção que as pessoas têm em

relação às terapias intensivas.

Algumas pessoas expressam o espaço da UTI como o da própria

terminalidade. Ela não é vista ou entendida como um local que se destina ao

tratamento e recuperação dos enfermos (GUIRARDELLO et. al., 1999).

A UTI, pela especificidade de sua assistência, difere de outras

unidades do hospital, pois “[...] possui rotinas diferenciadas (...) sendo apontadas

por alguns autores como rígidas e inflexíveis, uma vez que afastam o paciente do

convívio com seus familiares e do seu ambiente” (SEVERO; GIRARDON-PERLINI,

2005, p. 22), o que torna essa experiência difícil para as pessoas doentes e seus

familiares.

A internação representa um momento de crise, que as afeta

emocionalmente, trazendo sentimentos de insegurança, perda da independência e

da identidade, baixa auto-estima, afastamento do convívio social e outros

(KAMIYAMA, 1979). Com a hospitalização, o cotidiano de todos também é alterado,

gerando estresse, preocupação e sofrimento.

Entretanto, estes sentimentos podem ser amenizados ou

minimizados na internação. Para Severo e Girardon-Perlini (2005, p.25),

[…] quando o paciente identifica a equipe como fonte de segurança, de proteção e de desvelo, passa a estabelecer uma relação de confiança com os profissionais e a ter certeza de estar sendo bem cuidado. Assim, mesmo distante da família, o paciente sente-se amparado e assistido, o que acaba gerando sentimentos

de tranqüilidade.

No processo da internação, os familiares das pessoas doentes

experimentam sentimentos diversos ocasionados pelo afastamento do seu ente

querido, se manifestando através de queixas, insatisfações, descontentamentos,

146

indiferença e insensibilidade para com os profissionais que prestam assistência

(NASCIMENTO; ERDMANN, 2006).

Tais sentimentos experimentados pela família podem repercutir na

interação com os profissionais de saúde.

Os parentes podem igualmente ser exigentes e críticos, principalmente porque sentem que a hospitalização implica inadequações em si mesmos. Eles invejam a competência da enfermeira e têm ciúmes do contato íntimo que ela mantém com o seu paciente (PITTA, 1999, p. 64).

A equipe assistencial deve estar consciente e preparada para

assistir também à família da pessoa doente, em especial se esta se encontra numa

terapia intensiva e que vivencia um momento de crise (FERRIOLI et. al., 2003).

Na entrada dos familiares e visitantes na UTI, observamos que estes chegam em silêncio, enfileirados, e se dirigem rumo ao lavabo, como se fosse um ritual. Sua entrada, caracterizada pelo silêncio parece representar sua insegurança em relação a um ambiente que lhe é “desconhecido”, repleto de normas que regem todo o seu funcionamento, como lavar as mãos antes e depois de tocar o paciente, respeitar as dietas prescritas ao paciente, não manusear tubos, sondas ou curativos, dentre outras que lhes causam estranhamento e ou curiosidade (Diário de Campo de 02/04/07).

Por ser um espaço específico para atendimento de pessoas

doentes de maior gravidade e complexidade, a UTI causa aos visitantes a

percepção de um ambiente que traz (ou lembra) dor, sofrimento, medo,

preocupação, angústia (FERRIOLI et. al., 2003) e até curiosidade pelo que lhe é

desconhecido. É comum acontecer de, no horário de visitas, alguns visitantes

saírem visitando outros leitos ou outros setores, para atender a sua curiosidade,

que também os intimida.

Esse comportamento de visitantes (e até de pessoas doentes)

percorrendo outras áreas ou leitos pode corroborar para o aparecimento das IHs,

uma vez que podem levar microorganismos de um local para outro

inconscientemente, através do simples toque de suas mãos. Neste aspecto, é

importante que os profissionais desenvolvam o papel de orientar adequadamente

as pessoas visitantes quanto à sua conduta no ambiente hospitalar, de forma que

contribuam na recuperação das pessoas doentes que se encontram internadas.

147

Além dessas orientações importantes para as práticas de

prevenção das IHs, as pessoas doentes e seus familiares necessitam ter os seus

direitos respeitados e valorizados quando inseridas no contexto hospitalar,

especialmente numa terapia intensiva.

Se o cliente é um sujeito e não um objeto de cuidado, tem o direito de ser informado do que lhe está acontecendo, de ser informado dos seus direitos, o que significa ter atitudes e ações de respeito, de diálogo, de ser consultado, de participar de decisões que lhe dizem respeito, a partir de esclarecimentos numa linguagem clara, simples e acessível, reconhecendo sua capacidade de pensar e, principalmente, de divergir das nossas crenças, valores e propósitos (LUNARDI et al., 2004, p. 936).

Se nessa UTI apenas o médico participa do processo da visita de

forma mais efetiva, é importante que a enfermagem se faça presente também, de

forma a apoiar a família no esclarecimento de dúvidas, bem como assisti-la nas

suas necessidades de atenção e conforto diante do momento que enfrenta (INABA;

SILVA; TELLES, 2005, p. 428).

As autoras salientam que deve haver uma comunicação adequada

entre a equipe assistencial e os familiares, ou seja, as informações das quais elas

necessitam devem ser “[…] transmitidas de maneira simples, clara e objetiva, sem o

uso de termos difíceis, para a compreensão até de pessoas com menos

escolaridade” (INABA; SILVA; TELLES, 2005, p. 426).

Assim, achamos importante mencionar o trabalho de Victor et. al.

(2003, p. 204), que aborda a comunicação verbal da equipe médica na UTI com os

familiares das pessoas doentes internadas, onde as autoras citam que a

comunicação não tem contemplado as necessidades dos visitantes, sendo sugerido

maior detalhe nas informações e respeito ao estado geral delas.

[…] as informações emitidas pelo médico da UTI estudada situam-se quase que exclusivamente em torno da patologia do cliente (doença, resultados de exames e tratamento). Isso parece não corresponder à necessidade da maioria dos visitantes que referiu que gostariam de receber mais informações a respeito do estado geral e do prognóstico.

148

Ainda de acordo com as autoras, o profissional médico tem

reduzidas as chances de se interar com os familiares no processo dialógico em

função da postura que caracteriza a hegemonia médica.

[…] o médico utiliza-se basicamente da forma verbal, unilateral e dirigida à doença. Esse modo de agir dificulta a interação com as pessoas diretamente envolvidas com o cliente o que pode prejudicar a recuperação do mesmo (VICTOR et. al., 2003, p. 205).

Quando se trata dos processos dialógicos entre os profissionais

de saúde e usuários no hospital, Pitta (1999, p. 51) explica as diferenças existentes.

A posição “infante” do doente frente às autoridades do hospital se vê simbolizada a cada momento nos signos utilizados, mais particularmente pelos médicos, no que é seguido pelos demais trabalhadores do hospital. A linguagem é uma forma muito característica desta forma de dominação: o doente se comunica do seu modo vulgar, coloquial. O médico, ao contrário, fala parcialmente a mesma linguagem com ele, e de outra forma sobre ele, utilizando-se dos jargões próprios da técnica; técnica que é a própria materialização do desenvolvimento científico e tecnológico […].

A ordenação dos cuidados no hospital, bem como o processo de

disponibilização de informações aos familiares é centrado na figura do médico. A

conformação da hegemonia operante neste espaço é explicada por Pitta (1999, p.

32)

[…] o cuidado ao doente se vai constituindo de modo ordenado, disposto em prateleiras do saber médico, sobre o qual os demais agentes se debruçam para organizar suas práticas e cuidados.

No hospital, o médico torna-se “[…] o grande conhecedor de todas

as coisas, o especialista e detentor de poder, que planeja as medidas de

manutenção da saúde nos espaços individuais e coletivos” (AZEVEDO, 2005a, p.

119). Conseqüentemente, ele ofusca o desenvolvimento das subjetividades dos

demais profissionais no processo assistencial, buscando a manutenção e defesa do

seu espaço.

149

Dessa forma, os demais profissionais envolvidos no processo

assistencial constroem suas atividades em função do que está disposto nessas

prateleiras, o que acaba por interferir na sua subjetividade, corroborando para a

minimização do vínculo desses profissionais com o seu objeto de trabalho que é a

pessoa doente.

No horário de visitas na UTI, desenvolvemos o hábito de conversar com os visitantes dos pacientes, na expectativa de estabelecer um relacionamento e até para esclarecer dúvidas, dentro das possibilidades, enquanto profissional de saúde, embora não fazendo parte do quadro de funcionários. Esse posicionamento causou uma boa interação com alguns visitantes, já que o tempo de visitas era curto e não havia como estabelecer um vínculo maior com todos. A cada dia que se passava, observávamos que os visitantes nos procuravam na expectativa de conversar ou questionar algo relacionado ao seu ente que estava internado (Diário de Campo de 11/04/07).

O desenvolvimento de processos dialógicos entre a equipe de

saúde e as pessoas internadas e seus familiares, permite a interação entre esses

atores, possibilitando estabelecer empatia e compromisso do profissional em

relação à pessoa doente (SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005). Esta e sua

família passam a confiar mais no trabalho da equipe.

Portanto, viabiliza-se uma reciprocidade, ou seja, os profissionais

demonstram compromisso, envolvimento e solidariedade e as pessoas doentes

podem perceber nos profissionais “[…] segurança, conhecimento técnico e

científico, paciência, respeito, saber ouvir e explicar o que é questionado, entre

outros” (SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005, p. 23).

Uma terapia intensiva, assim como o hospital de um modo geral,

constitui-se num espaço disciplinado, onde as regras são ditadas por aqueles que

detêm o conhecimento clínico.

A disciplinarização, atingindo todo o espaço hospitalar, atinge

também, as pessoas doentes, seus familiares, os profissionais de saúde e os

demais funcionários que respondem pelos serviços de apoio da instituição. As

disciplinas se constituem de regras, normas, rotinas e outros mecanismos que

tornam ritualizados todos os processos que ali ocorrem, visando manter o controle

e a vigilância permanente das atividades. Na entrada das visitas na UTI, percebemos como os visitantes se

submetem aos mecanismos disciplinares instituídos no hospital.

150

São 15h15min e começa o horário de visitas na UTI, com a liberação da entrada dos visitantes, após contato telefônico com alguém da portaria do hospital. Neste momento, os visitantes começam silenciosos a adentrar na UTI, quase que em “fila indiana”, todos em direção ao lavabo e começam a lavar suas mãos (Registro de Observação de 05/03/07).

Bellato e Carvalho (2002, p.152), contextualizam a concepção da

pessoa doente a respeito do ambiente hospitalar referindo que o “[…] estar em um

ambiente que não é o seu, de precisar submeter-se às normalizações do Hospital,

impõe limitações e dificuldades […]”. Aproveitamos para estender essa percepção

de estranhamento do espaço hospitalar na perspectiva dos familiares.

Para os familiares, a internação de um ente querido numa UTI,

que se destina ao atendimento de pessoas doentes em estado grave e terminal,

representa um momento crítico (FERRIOLLI et. al, 2003) em suas vidas, gerando

insegurança e comportamentos apreensivos.

O ambiente hospitalar se constitui em um espaço de domínio dos

profissionais de saúde.

A apropriação simbólica dos espaços no hospital pelos profissionais de saúde, principalmente os da área médica, revelam o poder que estes profissionais exercem na dinâmica hospitalar, ao delimitar sua área de „poder‟, de controle, onde somente pessoas credenciadas possam ter acesso (AZEVEDO, 2005a, p. 86).

Esse espaço de domínio do saber clínico, dos profissionais de

saúde, é impermeável aos questionamentos ou dúvidas formuladas pelos

familiares, com base no senso comum.

Fomos com uma das funcionárias da UTI até a clínica médica, visitar dois pacientes que saíram da UTI de alta, ambos jovens, internados com traumatismo craniano por acidente de trânsito. Chegando lá, encontramos Dona Antonia, mãe de um deles, com quem conversávamos muito na UTI no horário de visitas […] . Dona Antonia quis mostrar-nos os exames de RX do filho. Um dos exames mostrava uma fratura no fêmur esquerdo, onde os ossos estavam literalmente “encavalados”, mesmo tendo ficado todo o tempo de UTI com tração […]. Dona Antonia então nos disse: - Voce viu que ele não tem nenhuma fratura no braço esquerdo? Olha o RX do braço dele aqui. Ele ficou todos aqueles dias na UTI com o braço enfaixado e ninguém viu. Ele estava só com escoriações. Quem descobriu foi o fisioterapeuta aqui na enfermaria, que resolveu tirar as ataduras. Como Dona Antonia

151

disse: “tava até querendo apodrecer o braço do menino” (Registro de Observação de 04/04/07).

Os familiares têm a necessidade de se comunicar com os

profissionais para receber orientações, informações sobre o estado de saúde do

seu doente, esclarecimentos em relação aos seus questionamentos, conforto e

atenção (INABA; SILVA; TELLES, 2005). E quando encontram profissionais que

dialogam com eles, se sentem acolhidos e valorizados. Atitudes comprometidas

com a assistência às pessoas por parte da equipe assistencial permitem o

estreitamento da relação com as pessoas doentes, onde estas podem perceber a

preocupação da equipe com elas (SEVERO; GIRARDON-PERLINI, 2005).

A dinâmica de funcionamento da UTI geralmente traumatiza e

desgasta as pessoas, dificultando as relações entre elas, relações que nem sempre

são pautadas pelo respeito e compreensão. O contexto relacional da UTI causa

mudanças comportamentais entre as pessoas, gerando situações de conflito,

insensibilidade e indiferença, seja entre os profissionais, seja entre os profissionais

e pessoas doentes/familiares.

Essas características do espaço da UTI desvelam a realidade do

seu cotidiano, conforme vários autores descrevem (VILA; ROSSI, 2002, SEVERO;

GIRARDON – PERLINI, 2005).

Nessa perspectiva, em que relações de poder e disciplina se

envolvem permeadas pelo contexto tenso e de desgaste da UTI, o atendimento à

integralidade constitui-se num grande desafio a ser conquistado nesses serviços.

Portanto, a integralidade em saúde, assim como no controle de

infecção hospitalar, será vislumbrada a partir do reconhecimento da necessidade de

reorganização das práticas visando possibilitar o resgate ao compromisso ético e

profissional para com as pessoas doentes/familiares usuárias desses serviços.

152

6. A INTEGRALIDADE NAS PRÁTICAS DE CONTROLE DE INFECÇÃO

HOSPITALAR NA UTI

Após a análise dos dados realizada segundo as categorias

estabelecidas, “O espaço da UTI na perspectiva da Integralidade” e “Os

comportamentos e as subjetividades dos sujeitos envolvidos no processo

assistencial da UTI sob o enfoque da Integralidade” buscamos reintegrá-los, tendo

como foco os sentidos da integralidade descritos por Mattos.

Para Mattos (2004) a integralidade na atenção representa uma

forma de indicar características desejáveis que se pretende encontrar no sistema

de saúde e nas práticas disponibilizadas por ele.

O autor considera que devemos refletir sobre os três grandes

sentidos de princípios de integralidade: as práticas profissionais, a organização

dos serviços e as políticas governamentais aos problemas de saúde

(MATTOS, 2001).

Assim, entendemos que ao aplicar a perspectiva de Mattos - a

integralidade nas práticas profissionais de controle de infecção hospitalar na UTI

- analisada sob foco no espaço e nas relações entre os diferentes sujeitos que

compõem este cenário, apreendemos que esse espaço esquadrinha corpos, tanto

de pessoas internadas quanto de profissionais. Constitui-se num espaço de

controle e disciplina, onde as pessoas doentes são monitoradas e controladas, seja

pelo aparato tecnológico ou pelos profissionais. Esse espaço é compartilhado por

vários profissionais e por pessoas doentes em diferentes condições de gravidade,

cuja organização objetiva salvar a vida.

Este “salvar a vida” necessita ser refletido, pois o espaço da UTI,

ao privilegiar a tecnologia, a doença grave, as normas, separa a doença da pessoa

que vivencia uma experiência marcante – o agravamento de sua saúde. Olhando

sob esta ótica, também os profissionais seguem esse ritual e passam a agir e

pensar nessa lógica. Suas práticas de controle de IH passam a ser realizadas de

forma mecânica e menos consciente, tendo o corpo da pessoa como foco de

atuação. Assim, como podemos pensar na integralidade das práticas de controle de

IH se o espaço está conformado para a realização de práticas fragmentadas e

reducionistas?

153

A assistência hospitalar ainda se caracteriza por ser realizada por

pessoas que se organizam para compor um trabalho multiprofissional, direcionado

pelo ato médico que se decompõe em inúmeros outros atos, seja diagnósticos ou

terapêuticos, que passam a ser realizados por esses profissionais (CECÍLIO;

MERHY, 2005).

Rollo (1997, p. 324) enfatiza que esse modelo de assistência não

se preocupa com a integração do trabalho em saúde, vislumbrando contemplar o

atendimento às necessidades das pessoas assistidas.

A relação não é de cooperação e complementaridade na equipe multiprofissional, imperando a lógica da subordinação aos médicos, não se aproveitando o potencial que tem o trabalho em equipe para aumentar a eficácia da assistência.

A descrição de uma prática observada na UTI permite visualizar

lacunas no processo de cuidar a vida da pessoa gravemente doente, uma vez que

sua subjetividade é abolida por medicamentos, o que a impede de se expressar em

resposta a qualquer procedimento realizado, seja ele doloroso ou prazeroso.

Sr. Pedro se encontrava sedado e em ventilação mecânica, com os cateteres: intracath, sonda nasogástrica e sonda vesical. Os cateteres estavam livres de qualquer mecanismo de proteção ou fixação. Na manipulação do Sr. Pedro no momento do banho no leito, os cateteres eram tracionados a todo instante. O intra-cath, num determinado momento, tracionou a pele do Sr. Pedro, elevando-a e repuxando-a. Foi realizado então o banho no leito, sendo que a compressa de banho era deslizada por todo o corpo do Sr. Pedro, inclusive nas áreas de inserção do intracath (Registro de Observação de 05/03/07).

Os profissionais de saúde que atuam em terapias intensivas

necessitam estar conscientes da questão técnico-científica que abrange o

manuseio de pessoas doentes com cateteres. A utilização de cateteres

intravasculares representa importante fonte de infecção da corrente sanguínea

(MESIANO; MERCHÁN-HAMANN, 2007). Portanto, sua manipulação requer

cuidados especiais, como a utilização de procedimentos assépticos para evitar que

microorganismos sejam carreados próximo à área de sua inserção ou através do

seu lúmem. No aspecto relacionado ao cuidado com o curativo, os autores trazem

algumas orientações.

154

O curativo no local da punção deve ser permeável ao vapor d‟água, confortável para o paciente (grifo nosso) e de fácil manuseio pelo profissional de saúde e/ou paciente. Pode ser transparente ou com gaze fixada em fita adesiva. A vantagem do transparente é que permite a visualização do orifício de inserção, promove barreira contra sujidades (grifo nosso) e as trocas são menos freqüentes, uma vez que favorece a avaliação constante pelo profissional da saúde (MESIANO; MERCHÁN-HAMANN, 2007, p. 456).

Conforme os autores citados anteriormente relatam, os cateteres

vasculares devem estar protegidos com a utilização de curativos, uma vez que

estes conferem proteção contra contaminações, ao mesmo tempo em que

possibilita determinado conforto à pessoa doente. Vale ressaltar que a utilização do

curativo impede também possíveis tracionamentos, que, além de causarem mais

dor e sofrimento, podem provocar desde o deslocamento do seu local de inserção

até a perda do acesso venoso.

A observação nos mostra como as práticas profissionais ainda

estão centradas no modelo biológico, envoltas pela conformação do espaço e das

relações, fragmentando cada pedaço do corpo doente para cada profissional. Torna

assim a assistência em saúde um trabalho caracterizado pela decomposição dos

atos referida por Cecílio e Merhy (2005), onde as relações entre os profissionais

são permeadas por mecanismos de dominação e disputas, configuradas pelo saber

clínico, compondo o que entendemos por trabalho em saúde.

A grande autonomia do médico, bem como a sua preponderância sobre os demais profissionais, são fatores que vêm contribuindo de forma determinante para a fragilização do trabalho em equipe e, conseqüentemente, de qualquer trabalho multiprofissional cooperativo, solidário e integrado (SILVA, 2004, p. 274).

Pensar em integralidade como uma diretriz das ações em saúde,

na assistência hospitalar, é pensar em como as práticas estão articuladas entre os

vários profissionais nos espaços do hospital, de maneira que a somatória dos

cuidados realizados por diferentes profissionais seja a articulação dos saberes das

diversas áreas do conhecimento, de forma complementar, consciente e negociada

entre os atores envolvidos, na busca de “[…] garantir desde o consumo de todas as

tecnologias de saúde disponíveis para melhorar e prolongar a vida, até a criação de

155

um ambiente que resultasse em conforto e segurança para a pessoa hospitalizada”

(CECÍLIO; MERHY, 2005, p. 197).

O atendimento à integralidade na assistência hospitalar deve

envolver práticas articuladas entre os profissionais, como exemplificamos:

[…] basta imaginarmos os cuidados de um paciente com diabetes internado com um quadro de descompensação. Além dos cuidados iniciais do plantonista, que o recebe e interna a partir do pronto socorro, ele receberá também cuidados da enfermagem, poderá ser visto, em algum momento, pelo cirurgião vascular, pelo cardiologista, pelo endocrinologista, pela nutricionista, pela assistente social e pela psicóloga. Além do mais, terá seu corpo escrutinado por uma bateria de exames, alguns deles complexos, realizados em serviços diferentes e por profissionais distintos (CECÍLIO; MERHY, 2005, p. 198).

Portanto, para que haja a integralidade da assistência dessa

pessoa descompensada, podemos questionar como devem se articular as práticas

entre os profissionais. A falta de articulação torna-a fragmentária e reducionista,

impossibilitando que a pessoa doente seja atendida em todas as suas

necessidades. É preciso repensar o que fazemos e o que cuidamos.

Pensar na integralidade é ver os sujeitos do processo como

sujeitos ativos e partícipes no cuidado a sua vida e saúde. É trazer para dentro do

processo de cuidar as subjetividades: expectativas, anseios, medos e também as

potencialidades, tanto da pessoa doente quanto do profissional de saúde.

Certamente, assim seremos mais humanos, reconheceremos que, ao lado da

doença e do trabalhador, há pessoas que requerem cuidados e as que prestam

cuidados, o encontro entre essas pessoas deve ser compartilhado e negociado

entre ambas as partes, num processo em busca do resgate da autonomia dessas

pessoas.

Para Mandú (2004, p. 669) as inter-relações existentes entre as

equipes multiprofissionais e os usuários nos serviços assistenciais de saúde

abrangem

[…] mais que um encontro físico, intermediado pela aplicação de medidas técnico-científicas. Tal encontro diz respeito a um acontecimento intersubjetivo entre sujeitos eminentemente relacionais, culturais, políticos e psico-afetivos, imersos em contextos de relações e produção/reprodução de ações e simbolismos diversos.

156

A complexidade da assistência em uma terapia intensiva exige

inúmeros desafios das equipes multiprofissionais para que a pessoa gravemente

enferma tenha sua integralidade atendida na sua necessidade de manutenção da

vida, onde

[…] uma complexa trama de atos, de procedimentos, de fluxos, de rotinas, e saberes, num processo dialético de complementação, mas também de disputa, compõe o que entendemos como cuidado em saúde (CECÍLIO; MERHY, 2005, p. 198).

Prestar cuidados em saúde na atenção hospitalar, sobretudo nas

terapias intensivas, diante da complexidade, é lidar, ao mesmo tempo, com as

tecnologias duras e com as tecnologias relacionais que se fazem necessárias para

a negociação entre as partes: profissionais-usuários e profissionais-profissionais.

Nesse aspecto, se por um lado as pessoas internadas na UTI são

atendidas através de todo um aparato tecnológico e humano especializado, onde

procedimentos complexos são realizados rotineiramente, por outro lado,

observamos procedimentos de menor complexidade, como no caso de um simples

curativo, que ao mesmo tempo protege de contaminações e evita sofrimento por

dor à tração, estes, nem sempre merecem a devida atenção dos profissionais de

saúde, que focalizam o trabalho em saúde na técnica, na rotina e não em quem

prestam o cuidado.

Contudo, o que se questiona, ou o que nos parece necessário

refletir, é até que ponto o progresso técnico, como se realiza hoje, é saudável e

promove o crescimento e a harmonização das pessoas, uma vez que, quando

questionamos os próprios profissionais da área de saúde, nenhum deles deseja a

UTI para si mesmo ou para seus entes queridos (SILVA, 2003, p. 2).

Assim, mesmo que as práticas estejam conformadas em um

espaço “desconfigurado” para a dimensão humana e onde as relações são

permeadas pelas relações de poder, para atender à integralidade, as práticas

profissionais de controle de IH devem considerar as pessoas - objeto do cuidado -

em todas as suas dimensões, nas suas necessidades de saúde nos diferentes

níveis de atenção curativa, mas também de promoção da vida e de prevenção de

complicações. Devem-se vislumbrar entre os profissionais, as técnicas e os

157

comportamentos, ações integradas, que objetivem não só o cumprimento de

tarefas, mas o atendimento às necessidades de vida e de saúde daqueles que

necessitam de cuidados, possibilitando a autonomia tanto das pessoas cuidadas

quanto das pessoas cuidadoras.

Na organização das práticas de CIH na UTI, o espaço e as

relações entre os sujeitos também se configuram como referências nesta

composição. Na organização do espaço da UTI, as relações entre os profissionais

se encontram permeadas por mecanismos de disputas, conforme podemos

apreender no diário de campo.

Num contato que tivemos com o Serviço de Fisioterapia, pudemos observar que algumas atribuições profissionais ainda não estão definidas no espaço da UTI. Existe um mecanismo de disputa entre o serviço médico e de fisioterapia, quanto a quem tem a competência técnica no manuseio dos parâmetros dos ventiladores mecânicos (Diário de Campo de 07/03/2007).

Os mecanismos de disputas influenciam na organização das

práticas de CIH na UTI, gerando relações assimétricas entre os profissionais de

saúde, contribuindo para que estas se tornem cada vez mais fragmentadas.

O espaço por sua vez, também privilegia algumas categorias

profissionais em detrimento de outras, bem como desvaloriza o espaço da pessoa

doente em detrimento ao dos profissionais, espaços estes conformados segundo a

hegemonia do saber clínico que influencia na organização das práticas de saúde,

onde profissionais como os de enfermagem e o próprio doente se mostram

subalternos nas relações.

Esta relação de subalternalidade pode ser visualizada na

distribuição do trabalho entre a medicina e a enfermagem. A primeira, por deter o

conhecimento clínico, a teoria, regula todo o tratamento e a vida da pessoa doente.

A segunda, por ser mais “prática”, segue os cuidados orientados por aquela e seu

conhecimento não é valorizado.

Quando remetemos ao cuidado na UTI, embora a maioria das

pessoas doentes que lá se encontram sejam “abolidas” de sua consciência, para a

integralidade nas práticas de controle de IH, é imprescindível que os profissionais

de saúde reconheçam no outro, pessoas que, embora limitadas de suas

expressões verbais ou corporais, continuam sendo pessoas.

158

Assim, a integralidade da atenção nas práticas de controle de IH

deve ser articulada entre estes profissionais (CECÍLIO; MERHY, 2005), de forma a

garantir a qualificação da vida das pessoas.

A organização das práticas de controle de IH tem no espaço da

UTI a distribuição de recursos humanos, materiais e equipamentos e também a

disponibilização das pessoas doentes com necessidade de procedimentos e de

cuidados. Entretanto, esse espaço ainda privilegia o enfoque sobre o corpo do

doente, uma vez que tal espaço destinado às pessoas doentes é desprovido de

qualquer aspecto que permita a sua expressão. Nessa perspectiva, as pessoas

internadas neste espaço perdem sua voz, seu olhar, sua identidade, sua

subjetividade, seu pudor, sua autonomia, passando a serem consideradas como

“objetos” passivos no processo de internação.

Assim, no que se refere às práticas de controle de IH, questiona-

se como essas práticas podem alcançar a tão almejada integralidade, quando o

espaço está configurado para a execução de “técnicas” apenas.

O Livro dos Enfermeiros, utilizado na organização das práticas na

UTI, registra como as pessoas internadas perdem a sua identidade perante os

profissionais no espaço da UTI.

“OBS: Verificar possibilidade de uso individual do DDAVP pois está sendo usado concomitante entre o leito 06 e 08” (grifo nosso) (Registro de Observação de 11/04/07).

A substituição dos nomes das pessoas internadas pelos números

que se encontram identificados os leitos (o leito 05, o paciente do leito 09) ou

mesmo até pela patologia (a vesícula, o TCE, o paciente da neuro), se constitui

numa prática comum entre os profissionais e revela como, na dinâmica das práticas

numa UTI, as pessoas doentes perdem seu valor e sua identidade como pessoa e

como cidadão no processo da internação.

Dessa forma, o modelo de atenção que vigora nos serviços de

saúde tem privilegiado a dimensão biológica, a medicalização, o enquadramento e

os termos técnicos presentes em todo o contexto organizacional da UTI.

Desvaloriza as outras dimensões que fazem parte da existência do ser, a social, a

cultural e a psicológica.

Certamente, além do espaço, há algumas situações que

necessitam ser consideradas para a manutenção dessa lógica, como: a rotatividade

desses profissionais; a divisão do trabalho em saúde; as sobrecargas de serviço e a

159

falta de materiais. Estes são alguns dos inúmeros fatores que se relacionam na

organização das práticas na UTI, em especial nas práticas de controle de IH, onde

o trabalhador, ao realizar um procedimento, não interage com a pessoa doente.

A diversidade de profissionais é um dos aspectos que contribui

para que o atendimento seja fragmentário e reducionista. Cada profissional se torna

responsável por um pedacinho do “objeto” de trabalho em saúde, a pessoa doente.

Assim, questiona-se como atender a integralidade se o espaço e a organização dos

serviços estão conformados para a atenção a doença. As práticas devem ser

articuladas entre os profissionais (CECÍLIO; MERHY, 2005), de forma a possibilitar

o atendimento a todas as necessidades dos usuários dos serviços hospitalares, não

apenas a necessidade imediata e curativa, mas também a de prevenir

complicações, entre elas, a infecção hospitalar.

Nessa perspectiva, Cecílio (1997, p. 313) compreende que

A busca da satisfação plena dos seus clientes deve orientar a prática gerencial de cada unidade, incluindo a forma como ela pensa seu processo de trabalho, problematiza seu cotidiano e estabelece suas prioridades de investimentos.

As lacunas podem ser visualizadas nos registros do Livro dos

Enfermeiros, revelando aspectos que dizem respeito à gestão do serviço hospitalar,

em especial a falta de medicamentos, equipamentos, materiais e a não realização

de procedimentos diagnósticos.

Continuamos sem gluconato de cálcio

Não temos termômetro

Não foi encaminhado o pedido de RX para o setor e por isso não vieram realizar a rotina

Às 6:30 foi comunicado ao setor de RX sobre a rotina e a pessoa que atendeu disse que não viria realizar os exames porque não foi encaminhado o pedido

Setor sem coletor de diurese

Estamos ficando sem rótulos para soro a noite. Peço para deixar alguns blocos

Paciente do L.07 – Paciente Luís, está com coletor de diurese aberto (frasco de álcool), na farmácia não há coletor fechado

TC crânio de controle não foi realizado devido falta de anestesista, só tinha um no CC e estava em procedimento

160

Estamos ainda sem termômetro + fita para dextro

(Registro de Observação de 11/04/2007)

Tais registros revelam que a organização privilegia a

medicalização, onde a pessoa doente é internada para controle e tratamento da sua

doença grave. Visto dessa forma, as falhas na organização prejudicam o trabalho

na UTI, tornando a internação nessa unidade pouco resolutiva, além de expor ainda

mais as pessoas doentes que já se encontram em condição de gravidade. A

reivindicação dos profissionais registrada no Livro dos Enfermeiros demonstra sua

preocupação e responsabilidade para com o objetivo ao qual a UTI se propõe.

E para fazer a assistência de enfermagem, a organização das

práticas é um aspecto fundamental. Lunardi et al. (2007, p. 497) salientam que

Exigindo melhores condições organizacionais de trabalho, as enfermeiras indiretamente advogam pelos pacientes, explicitamente reivindicando que os seus valores, assim como as suas responsabilidades éticas e profissionais sejam apoiadas.

Lunardi et. al (2007, p.495) lembram as implicações e os

compromissos da enfermagem quando esta atua em precárias condições de

trabalho.

[…] quando os profissionais de enfermagem aceitam trabalhar em precárias condições, em condições organizacionais em que não podem realizar o que aprenderam a acreditar e valorizar e/ou não realizam o que podem e devem realizar, estão negando a si a oportunidade de assegurar respeito e o cuidado necessários aos seus pacientes.

As pessoas doentes, especialmente as que estão internadas em

condição de gravidade, necessitam além de profissionais qualificados, de condições

materiais para que esses profissionais desenvolvam uma assistência de saúde

adequada. Esse papel cabe aos profissionais que estão na organização dos

serviços de saúde. Cecílio (1997, p. 305) refere que os recursos, de certa forma,

sempre serão escassos de acordo com as necessidades da população, entretanto,

explica que

161

[…] tal escassez não deveria ser utilizada para justificar ou ocultar o que tem sido nossa incapacidade histórica de implementar melhores formas de gestão e aproveitamento dos recursos existentes.

As pessoas doentes na UTI, por sua condição de gravidade,

necessitam, além de profissionais qualificados, de condições materiais, infra-

estrutura e equipamentos para que os profissionais possam prestar uma assistência

de saúde qualificada. Esse papel cabe aos profissionais que estão na organização

dos serviços de saúde e que, indiretamente, podem contribuir para o alcance da

integralidade, na medida em que organizam as práticas que lá acontecem, mesmo

que privilegie, ou seja, com base no modelo cartesiano.

Quanto ao último sentido da integralidade, as políticas

governamentais, para o controle das infecções hospitalares, retomamos ao

entendimento de Mattos (2001) em que, para alcançar a integralidade, as políticas

devem abarcar medidas tanto preventivas quanto assistenciais, conforme ele

indica.

[…] a noção de integralidade expressa a convicção de que cabe ao governo responder a certos problemas de saúde pública, e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de prevenção como as possibilidades assistenciais (MATTOS; 2001, p. 59).

O estudo de Souza et. al. (2002) elenca alguns desafios para o

controle das infecções hospitalares como a falta de apoio e escassez de recursos

para programas de prevenção; CCIH fantasmas ou burocráticas pela falta de

fiscalização dos órgãos competentes no sentido de fazer com que as legislações e

normativas sejam cumpridas e a priorização de ações curativas em detrimento de

ações de prevenção. Tais aspectos, associados à vulnerabilidade de um paciente

de terapia intensiva, constituem condição marcadora para o aparecimento de uma

infecção hospitalar, ou seja, do evento sentinela IH.

Contudo, percebemos que na área das infecções hospitalares,

embora tenhamos no país normativas e legislações, em muitos serviços, sua

prevenção ainda representa um desafio a ser enfrentado não somente pelos

profissionais como também pelos usuários, pois, embora haja normas e leis, estas

162

ainda não são efetivadas e a implementação de ações de apoio e fiscalização por

órgãos competentes ainda é uma necessidade que acreditamos, poderia melhorar o

quadro que encontramos hoje nos hospitais brasileiros, embora tenhamos a

convicção de que só isto não bastaria.

Portanto, no atendimento à integralidade a partir das práticas de

controle de infecção hospitalar, a análise dos dados nos mostrou que, mesmo com

a disponibilização do espaço para o desenvolvimento das práticas de terapia

intensiva, dos recursos tecnológicos avançados, dos recursos humanos

qualificados e das políticas específicas para o enfrentamento dessa problemática

que são as IHs, ainda assim, há muito a ser trilhado para o alcance da

integralidade.

Reconhecemos a contribuição das ciências no campo do saber

clínico, porém, enfrentamos ainda muitos problemas decorrentes do modelo

cartesiano: a fragmentação e o reducionismo. Embora haja nas políticas públicas e

políticas internas das instituições de saúde, legislações e normativas que buscam

controlar a prática hospitalar em nosso país, as práticas de CIH ainda se constituem

um desafio para a saúde das pessoas que necessitam desses serviços.

Analisando os relatos das observações e dos diários de campo, as

práticas profissionais na UTI não apresentam lacunas apenas no atendimento á

integralidade, mas também no atendimento aos princípios básicos de controle de

infecção hospitalar. Num estudo de Souza et.al. (2002, p. 29), as autoras

apontaram que os maiores desafios para o controle de infecção nas instituições de

saúde foram “[…] as políticas instituídas, as relações de trabalho e o pouco

envolvimento profissional“.

Visualizamos ainda que na perspectiva da integralidade, as

práticas profissionais, a organização e as políticas de atenção atuais são

influenciadas e influenciam as relações de poder e a hegemonia do saber clínico,

portanto, constituem um forte obstáculo para o atendimento à integralidade. Por

outro lado, reconhecemos que para o atendimento à integralidade, segundo os três

sentidos propostos por Mattos, há necessidade de se reconstruir as práticas de

controle de IH a partir de um outro referencial, o cuidado ético, com a incorporação

de novos saberes ao cuidado: como o da sociologia, o da antropologia, entre

outros, que busquem “integrar” as pessoas: reconstruir a doença ao doente e o

trabalho ao profissional de saúde. Assim, o doente passa a ser reconhecido como

pessoa e os trabalhadores de saúde e enfermagem passam a ser vistos como

163

pessoas que trabalham, ambas em um mesmo processo – de construção da

autonomia própria. Para tanto, os espaços da UTI devem ser “pessoalizados” e as

relações entre os diferentes atores “simétricas”, reconhecendo e valorizando o

conhecimento de cada um, seja profissional de saúde ou usuário (pessoas doentes

e familiares).

Para que o atendimento à integralidade seja vislumbrado,

portanto, Pinheiro et. al. (2005, p. 24) entendem que

[…] gerir o trabalho em saúde rumo à integralidade da atenção e do cuidado em saúde requer uma reflexão crítica acerca das características dos processos ali desenvolvidos, os quais explicitam as fragmentações presentes nas práticas individuais dos profissionais e os modos de sua organização nos serviços de saúde, seja na identificação das necessidades, seja nas formas de responder a elas.

A implementação de ações de controle sanitário no município,

aliadas à conscientização de profissionais de saúde e da população, constituem

aspectos a serem repensados para o combate às IHs. As práticas devem ser

efetivamente planejadas pelos serviços e implementadas por todos os atores

envolvidos, através de capacitações e de educação continuada e permanente, para

garantir a qualificação dos serviços de saúde. É preciso utilizar novas metodologias

e outros saberes nos processos de capacitação e atualização. Ainda, para que se

tornem efetivas, as ações dos órgãos fiscalizadores devem ser implementadas e é

absolutamente necessária a participação popular no processo (DALLARI, 2007).

Quanto aos aspectos relacionados à cidadania com vistas ao

controle das IHs, conforme Pereira e Bellato (2004), as pessoas fragilizadas e

vulneráveis pela sua condição de saúde, tornam-se menos ativas quando se trata

de defender seus direitos. Assim, a prática do envolvimento social ainda se constitui

num desafio a ser enfrentado. Muitos desconhecem seus direitos em saúde e na

participação da gestão dos serviços, conforme garantido na Lei nº 8.142/1990

(BRASIL, 1990b) que estabelece a participação da comunidade da gestão do

Sistema Único de Saúde.

É necessário lembrar também que, sendo a saúde um bem público e direito de cidadania todos os esforços individuais e coletivos nessa direção devem ser considerados um exercício de cidadania, e esta deve ser empreendida de maneira coletiva, fortalecendo

164

aqueles que se apresentam fragilizados nesse processo (PEREIRA; BELLATO, 2004, p. 24).

A assistência em saúde no Brasil vivencia um momento de

repensar paradigmas construídos ao longo da sua história. Quando remetemos à

abordagem dos processos assistenciais nos hospitais públicos e em especial na

UTI, nos deparamos com uma imagem negativa, caracterizada por práticas

profissionais realizadas de forma impessoal e fragmentada, sem envolvimento com

o “objeto” da assistência, uma relação demanda-ociosidade, sucateamento de

recursos materiais e humanos, descaso, desrespeito, desmotivação dos

trabalhadores, dentre outros problemas e situações (ROLLO, 1997). Do outro lado

de toda essa problemática, se encontra a população que necessita e busca nos

cuidados hospitalares que atendam as suas necessidades de assistência de saúde

(ROLLO, 1997).

Vislumbrado por toda essa problemática na assistência terciária,

quisera os problemas fossem apenas nesse nível de atenção, o Sistema Único de

Saúde busca garantir suas diretrizes básicas necessárias ao funcionamento do

sistema, a descentralização das ações, a participação social e o atendimento

integral, de forma a disponibilizar uma assistência de saúde qualificada à

população.

Para Campos (1997, p. 229), “[…] assegurar a qualidade em

saúde estaria na adequada combinação de autonomia profissional com certo grau

de definição de responsabilidade para os trabalhadores“ de forma a torná-lo mais

resolutivo e eficaz.

Autonomia pressupõe liberdade mas, para que o trabalho autônomo seja eficaz, pressupõe-se também capacidade de responsabilizar-se pelos problemas dos outros (CAMPOS, 1997, p. 229).

Assim, pensamos ser pertinente concluirmos esta parte do

trabalho com um trecho no qual Cecílio (1997) revela a experiência da internação,

onde

165

[…] o curto tempo de permanência no hospital, pelo menos para a maioria das pessoas, é um tempo muito especial. Um tempo de fragilidade. Um tempo para se repensar a vida. Um momento em que se depara de uma forma muito contrastada com o valor da autonomia e o que significa estar, mesmo que temporariamente, desprovido dela (CECÍLIO, 1997, p.300).

166

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados levantados e analisados possibilitaram compreender

que a integralidade hospitalar ainda constitui-se num grande desafio para as

instituições de saúde, profissionais e usuários, ainda que os resultados deste

estudo podem ser transportados também para o cotidiano de outras instituições

públicas de saúde com as mesmas características.

Apesar da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Saúde que

determinam respectivamente os direitos dos cidadãos e como deve estar

organizado o Sistema Público de Saúde em nosso país, podemos perceber que a

integralidade, um dos princípios básicos da assistência em saúde, ainda se constitui

num paradigma a ser incorporado nas instituições e no comportamento dos

profissionais de saúde. Essa mudança de comportamento acreditamos representar

a principal ferramenta para a prática da integralidade aos usuários da UTI.

A UTI do nosso estudo trás consigo configurações acerca da

organização do seu espaço, da conformação de suas práticas assistenciais, das

relações que permeiam todo o processo assistencial, como as relações de poder e

os mecanismos disciplinares, embasados na hegemonia da ciência médica e que

se constituem numa normalidade entre os profissionais e suas práticas neste

espaço, revelando hierarquias e disputas entre esses atores, gerando relações

assimétricas que perpassam inclusive nas relações com os usuários.

No estudo, foi possível visualizar que as práticas de controle de IH

na UTI tem como referência o modelo biologicista e fragmentado, e que por isso,

não atendem ao princípio da integralidade.

Os resultados da pesquisa sinalizam para a necessidade de

reflexões acerca da assistência prestada aos usuários das terapias intensivas de

forma a contemplar o princípio da integralidade, pois em nossas análises,

observamos que a organização das práticas de controle da IH tem o espaço e as

relações entre as pessoas, conformados segundo o saber clínico.

No contexto observado, as pessoas doentes são vistas como

corpos doentes que necessitam de tratamento e não pessoas que necessitam de

cuidados em saúde. Verificamos que há necessidade de mudança nos

comportamentos e nas práticas assistenciais, na busca de conceber a pessoa

internada como um ser humano, que tem seus sentimentos, sua identidade, sua

167

cultura, seu pudor, suas crenças e outras necessidades que precisam ser

respeitadas para que possa ter alcançada a integralidade da assistência.

Quando optamos por delinear o objetivo deste estudo,

acreditávamos que os dados não fossem tão expressivos. Entretanto, os dados e

as discussões nos apontaram que as práticas de controle de IH tem como foco a

dimensão clínica. O olhar para a integralidade da atenção requer ir além do olhar

pelo qual fomos formadas, para além das aparências e das naturalidades. Requer

compreender que há questões históricas, de relações de poder, de mecanismos de

disputas, entre outras permeando essas práticas e que necessitam ser superadas

para alcançarmos um cuidado ético.

Assim, reconhecemos que muito há a ser realizado em termos de

mudanças na concepção, do paradigma da doença para o da integralidade, porém,

este é um desafio que pode garantir às pessoas internadas mais segurança quando

são submetidas a práticas assistenciais e de controle de infecção.

A dificuldade de acesso a materiais e referências sobre o assunto

permeou este trabalho, que foi subsidiado pelo apoio de materiais onde o foco

maior se restringe à assistência à saúde na atenção básica e não na atenção

terciária. Isso nos instigou para que avançássemos no tema, sob esta perspectiva e

no contexto escolhido e que neste momento, temos a certeza de que fizemos a

opção mais coerente, pois, desvendar a integralidade nas práticas de controle de IH

foi muito enriquecedor, embora desafiante.

A experiência da coleta de dados pela observação nos possibilitou

ter uma visão da atuação dos profissionais e dos usuários e seus familiares através

de um outro olhar, de pesquisadora, desvestindo-nos do saber clínico para olhar de

maneira a compreender o cotidiano das práticas e as relações que se desenvolvem

por trás de sua “naturalidade” e na perspectiva da integralidade.

Como profissional de saúde, na realização do estudo, foi possível

observarmos que, muitas vezes, consideramos nossas práticas cotidianas de

trabalho de forma tão banais que não nos damos conta de que estamos

trabalhando com “vidas” e que essas vidas necessitam ser cuidadas, acima de

tudo, com compromisso ético. Para isso, é preciso que o trabalho em saúde seja

permeado por normalizações e princípios de controle de infecção hospitalar,

praticados por todos os profissionais envolvidos nos diferentes processos

assistenciais, mantendo para com as pessoas doentes o compromisso técnico e

ético.

168

Esperamos que este estudo possa trazer contribuições às práticas

em saúde na assistência hospitalar e que os profissionais possam repensar suas

práticas na perspectiva do controle de infecção sob a ótica da integralidade, seja

os que atuam na realização dessas práticas, na gestão dos serviços ou na

elaboração de políticas governamentais, de forma a possibilitar melhor qualidade de

vida às pessoas que utilizam os serviços públicos de saúde, os usuários ou os

profissionais de saúde.

169

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185

APÊNDICES

APÊNDICE A

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - FACULDADE DE ENFERMAGEM

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ENFERMAGEM

REGISTRO DOS DADOS DE OBSERVAÇÃO15

A observação deve focalizar o contexto e as relações dos indivíduos nos encontros sociais, bem como os aspectos estruturais e funcionais do que está sendo estudado. Observar as expressões faciais, linguagens corporais, comportamentos, tempo de silencio, etc. OBS – Ver outros itens de observação no instrumento de transcrição da entrevista

NOME DA PESQUISADORA:

DATA DA OBSERVAÇÃO: ____/____/____ Nº. DA OBS: _______

PRIMEIRA ANÁLISE

15

Instrumento de registro de dados adaptado para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bellato e Profª Drª Sonia Ayako Tao Maruyama com base em modelo construído pela Profa. Dra. Solange Pires Salomé.

186

APÊNDICE B

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - FACULDADE DE

ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ENFERMAGEM

Diário de Campo nº ______

Pesquisa:

DATA DA OBSERVAÇÃO: ____/____/________ Nº. DA OBSERVAÇÃO: ________

LOCAL: ____________________________________________

Descrição da Observação (práticas, procedimentos, relações, discursos e narrativas contidas num caso exemplar)

Notas reflexivas do pesquisador relativas ao: método, referencial teórico e condições pessoais

187

APÊNDICE C

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - FACULDADE DE ENFERMAGEM

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM ENFERMAGEM

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Resolução nº. 196/96)

A Pesquisa “Os princípios da Integralidade e da Resolutividade nas

Práticas de Controle de Infecção em um serviço de atenção terciária do

Sistema Único de Saúde”16 será realizada pela Pesquisadora Mestranda

Rosangela de Oliveira, sob orientação da Profª. Drª. Sônia Ayako Tao Maruyama e

faz parte do trabalho de Dissertação do Programa de Mestrado em Enfermagem

pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Tem por objeto de estudo

compreender como se conformam as práticas de controle de infecção hospitalar no

atendimento aos princípios da integralidade e resolutividade aos usuários do SUS

em um serviço de atenção terciária.

A coleta dos dados para a pesquisa será realizada através de observações

das práticas profissionais na Unidade escolhida para o estudo (UTI Adulto), bem

como a leitura de documentos instituídos como protocolos assistenciais,

normas/rotinas e manuais de procedimentos referentes à temática.

Previamente e no decorrer da pesquisa, os profissionais envolvidos terão

acesso aos objetivos, conteúdo e forma como será realizada a coleta dos dados,

ficando resguardados pelo direito ao esclarecimento acerca de quaisquer dúvidas

relativas à pesquisa. Do mesmo modo, terão conhecimento dos riscos (desconforto)

ou quaisquer prejuízos decorrentes de sua participação, da garantida de

confidencialidade, da participação voluntária e da sua suspensão que é livre em

qualquer etapa da pesquisa não ocasionando qualquer tipo de penalidade.

As informações obtidas na coleta serão registradas diariamente em diário de

campo para posterior análise e interpretação. Os benefícios da pesquisa estão na

possibilidade de contribuir para mudanças na gestão e nas práticas assistenciais

dos serviços hospitalares, objetivando compreender como essas práticas

acontecem e subsidiar melhorias na qualidade desses serviços. Os resultados da

16

Obs: O título final do estudo ficou “A Integralidade nas práticas de controle de infecção na UTI de um serviço público de saúde em Mato Grosso”.

188

pesquisa serão disponibilizados aos sujeitos e à instituição envolvida através de

apresentação do trabalho.

Declaro ter recebido e compreendido as informações sobre o estudo

acima e concordo em participar desta pesquisa, nos termos apresentados.

Nome do Participante: _______________________ Assinatura ______________

RG/CPF______________________________ Data _____/______/_______

Assinatura do pesquisador principal: __________________________________ Em caso de necessidade, contate com: Sônia Ayako Tao Maruyama (pesquisador principal) (65) 9981-7882 email: [email protected]

Rosangela de Oliveira (65) 9998-5763 Email: [email protected] Informações sobre o Projeto fazer contato com o CEP do HUJM fone: (65) 3615 - 7254

189

ANEXOS

ANEXO A

190

ANEXO B

191

ANEXO C

192

ANEXO D

193

ANEXO E

194

ANEXO F