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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS - MG
Instituto de Ciências da Natureza
Curso de Geografia – Bacharelado
ALEXANDRE ELIAS DE MIRANDA TEODORO
GEOGRAFIA FRANCESA EM QUESTÃO: TRAJETÓRIA
E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO DE
PIERRE GEORGE
Alfenas - MG
2013
ALEXANDRE ELIAS DE MIRANDA TEODORO
GEOGRAFIA FRANCESA EM QUESTÃO: TRAJETÓRIA E
EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO DE
PIERRE GEORGE
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentada como parte dos requisitos para
obtenção do título de Bacharel em
Geografia pelo Instituto de Ciências da
Natureza da Universidade Federal de
Alfenas- MG, sob orientação do Prof. Dr.
Flamarion Dutra Alves.
Alfenas – MG
2013
ALEXANDRE ELIAS DE MIRANDA TEODORO
GEOGRAFIA FRANCESA EM QUESTÃO: TRAJETÓRIA E
EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO DE
PIERRE GEORGE
A banca examinadora abaixo assinada
aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como parte dos requisitos para
aprovação na disciplina de Trabalho de
conclusão de curso II e obtenção do título
de bacharel em Geografia pela
Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL
– MG)
Prof. Dr. Flamarion Dutra Alves Assinatura:
Universidade Federal de Alfenas
Prof.ª Dr.ª Ana Rute do Vale Assinatura:
Universidade Federal de Alfenas
Doutorando Adriano Corrêa Maia Assinatura:
Universidade Estadual Paulista
Dedico esta pesquisa a memória de Pierre George,
que contribuiu de maneira incomensurável para o
desenvolvimento e a evolução do conhecimento
geográfico e para a Geografia enquanto ciência,
defendendo seus ideais e deixando um legado
extremamente vasto e completo, sempre fiel à
funcionalidade social do geógrafo.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer em primeiro lugar a Deus, Nossa Senhora Aparecida, que deram
margem à realidade de poder realizar esse sonho. Meus pais, minha irmã, de modo especial a
meu avô e minha avó paternos que talvez sem nem mesmo fizer mensura de sua importância
tiveram sim contribuição para que eu chegasse a esse momento. Meus avós maternos que
sempre olharam por mim lá de cima e que de alguma forma também contribuíram para minha
formação como ser humano.
A Helena Maria Souza Santos, flor distante, nativa das serra com belo horizonte que
por estar presente nos meus dias fez com que eu sentisse necessidade de ser melhor, de
mostrar que tenho capacidade. A ela que deu outro sentido e fez com que minha rotina
universitária fosse de fato completa.
Agradeço a todo o corpo docente do curso de Geografia da Unifal e aqueles com os
quais tive a oportunidade de conviver durante esse período de formação acadêmica. Através
de seus ensinamentos pude concluir que a formação do geógrafo vai muito além de um curso
dentro de sala de aula, mas que também se dá através do cotidiano e das relações sociais que
são trocadas no espaço. De um modo especial gostaria de destacar aqui meu orientador
Flamarion Dutra Alves, que nos últimos dois anos vêm vencendo a árdua batalha de orientar
um ALUNO, que está sempre fazendo jus a sua escala hierárquica, e que em vários momentos
mostrou-se também um amigo, sendo assim mais uma conquista dentro da Universidade.
A todos os companheiros de sala, que conviveram comigo durante esses quatro anos,
que me bombardearam de ideias e críticas que me ajudaram a enxergar o mundo de outra
forma e sempre estarão presente em minha memória. Em especial a Caetano Lucas Borges
Franco, amigo que em momento algum recolheu a mão quando precisei de sua ajuda e que
muito agregou a mim como pessoa e geógrafo em todos nossos diálogos, tenham sido eles
debates geográficos, perspectivas de vida ou piadas do dia-a-dia.
Por fim gostaria de agradecer também a todos aqueles que em algum momento durante
minha graduação aqui em Alfenas dividiram comigo o mesmo teto, minha prima Miltes,
minha tia Marta e aos parceiros da República Sou Delas, Bruno Ferreira, Rafael Teixeira,
Pedro Fraccarolli e Carlos Eduardo Ferreira.
"nunca o mundo foi tão profundamente diferenciado, enquanto tantas coisas se
uniformizam..." Pierre George
Lista de Figuras
Figura 1 – Pierre George.....................................................................................................13
Figura 2 – Organograma das influências teóricas na obra de Pierre George........................23
Figura 3 – Organograma das bases teóricas de Pierre George..............................................25
Figura 4 – Mapa da Agricultura tradicional no globo...........................................................27
Figura 5 – Mapa do crescimento da população em 1963.....................................................31
Figura 6 – Mapa da desigualdade econômica na França por regiões....................................36
Figura 7 – Mapa da análise nacional da indústria dos Estados Unidos.................................40
Lista de Quadros
Quadro 1 – Livros selecionados para execução da pesquisa sobre a obra de Pierre George...15
Quadro 2 – Definição dos Conceitos de Região na Geografia Clássica e Ativa......................20
Resumo
Ao se discutir as origens e princípios dos fundamentos do conhecimento geográfico constatam-se
lacunas em relação à análise da obra de Pierre George, um grande colaborador para o desenvolvimento
da Geografia como ciência. Desse modo, existe a necessidade de uma interpretação mais minuciosa
em relação a algumas obras do autor, buscando melhor compreender aquilo que foi produzido por ele
durante sua vida acadêmica. Essa pesquisa vai além dos aspectos puramente relacionados com a
História do Pensamento Geográfico, pois se trata de um estudo direcionado para os fundamentos de
Pierre George, identificando assim não apenas qual seu posicionamento em relação à ciência
geográfica, mas também quais suas vertentes de trabalho e peculiaridades que deram a sua obra grande
destaque no cenário mundial. Nesse sentido, a pesquisa visa analisar a contribuição teórica de Pierre
George bem como evidenciar a importância de sua obra na geografia contemporânea.
Palavras-chave: Pierre George, História da Geografia, Geografia Ativa, Geografia Francesa.
Abstract
Discussing the sources and principles of the geographic knowledge it is possible to find some gaps on
the analisys of the Pierre George work, who is a big collaborator of the development of Geography as
a science. A more detailed interpretation of some works of this author is necessary to better
comprehend what was produced during his academic life. This research goes beyond History of
Geographic Thoughts related aspects, because this is a study about the fundamentals of Pierre George
that will not just identify his opinion about geographic science, but will also affirm his work directions
and particularities that makes his work a prominence in the world scenario. This work analyses the
theoretical contribution of Pierre George at the same time that evince how his work is important in the
contemporary geography.
Key-words: Pierre George, History of Geography, Active Geography, Geography French.
SUMÁRIO
1. Introdução………………………………………………………………………………..12
2. Técnicas e Procedimentos Metodológicos em História do Pensamento Geográfico.....15
3. Características da Geografia Clássica: uma breve retomada........................................17 3.1 O movimento de renovação: A Geografia Ativa e a Crítica..................................18
4. A Geografia Georgeana entre La Blache e Marx: correlações e apontamentos............22
5. Análise dos pressupostos teóricos e práticos na obra de Pierre George.......................26 5.1 Geografia Agrícola do Mundo (1946)...................................................................26
5.2 Geografia Industrial do Mundo (1947)..................................................................27
5.3 Geografia Econômica (1956)................................................................................29 5.4 Panorama do Mundo Atual (1963)........................................................................30
5.5 A Geografia Rural (1963)......................................................................................33
5.6 A Geografia Ativa (1964)......................................................................................34
5.7 Geografia da População (1965).............................................................................37 5.8 Os Métodos da Geografia (1970)..........................................................................38
5.9 Geografia dos Estados Unidos (1971)...................................................................40
5.10 O Homem na Terra (1989)...............................................................................41
6. Considerações Finais...................................................................................................43
7. Bibliografia.................................................................................................................46
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1 - INTRODUÇÃO
Observar, questionar, levantar teorias, elementos fundamentais que compõe um
Geógrafo, durante a formação acadêmica é necessário que se desenvolva um olhar crítico,
perspicaz, e acima de tudo embasado, para que tenhamos o suporte necessário para trilhar os
caminhos da Geografia sem que a obsolescência acabe por nos determinar. Trabalhar com o
espaço, o meio em que vivemos traduz acima de tudo uma responsabilidade muito grande,
conhecer em seus pormenores o ambiente em que estamos inseridos, dá-nos total domínio
sobre nossas diretrizes, permitindo um posicionamento mais coeso sobre qualquer situação
adversa, além de nos possibilitar um crescimento mais lúcido e sólido.
Desvendar a história de uma ciência é uma tarefa difícil e parcial, pois compreendem
diferentes contextos políticos, autores, ideologias, escolas de pensamento entre outras
inúmeras variáveis que formam o conhecimento científico. Assim, estudos sobre a evolução
de uma ciência são importantes para revelar o andamento e mudanças ocorridas ao longo do
tempo, verificar as contribuições deixadas por pesquisadores, instituições ou escolas.
Conforme pensa Kant:
É necessário que nossas experiências não sejam simplesmente agregado, mas
que sejam organizadas num todo sistemático. Tal como antes de construir-se
uma casa, é preciso um conceito do todo, do qual as várias partes poderão
mais tarde derivar, também é necessário, antes de estudar o mundo, ter-se
um conceito todo, uma moldura arquitetônica da qual se poderão extrair os
múltiplos detalhes. (KANT apud UNWIN, 1995)
A geografia como ciência passou vários momentos paradigmáticos, desde Humboldt e
Ritter até a atualidade com perspectivas fenomenológicas-culturalistas e crítico-ambientais. E
nesses momentos houve pesquisadores importantes na construção do pensamento geográfico
com publicações clássicas que serviram de referência para outras pesquisas ou atravessando
diferentes escolas ou linhas de pensamento no decorrer do tempo.
Nesse sentido, esta pesquisa parte da ideia de compreender parte do legado deixado
pelo geógrafo francês Pierre George (1909 – 2006) para a ciência geográfica e a trajetória do
autor, que ao longo de seis décadas publicou ativamente sobre diversas temáticas e áreas da
geografia (população, agrária, urbana, indústria, agricultura, economia, método entre outros).
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Figura 1 – Pierre George
Fonte:
http://www.fev.edu.br/graduacao/images/upload/geografia/Pierre20George1_www_unifev_ed
u_br.jpg
Fundamentaram-se nossas conclusões através da análise e discussão de dez obras de
Pierre George, sendo elas de diferentes décadas a partir de 1940, com o intuito de interpretar
assim como se deu a evolução do autor, de que forma seus conceitos, temas e métodos
caminharam e foram se transformando no decorrer de suas obras. A questão de sua ligação
com as escolas da Geografia será uma das principais abordagens dessa pesquisa, tendo como
referência uma iniciação com a escola Clássica e a criação e desdobramentos da escola Ativa,
percolando através de algumas peculiaridades da escola Crítica.
A obra de Pierre George possui sua origem teórico-metodológica francesa em Paul
Vidal de La Blache, além disso, foi membro efetivo do movimento de renovação criando
juntamente com Bernard Kayser, Yves Lacoste e Raymond Guglielmo a Geografia Ativa
(GEORGE, 1973). Assim, procura-se entender os mosaicos conceituais de Pierre George ao
longo desse período em que publicou e rever as heranças deixadas pela Geografia Regional de
La Blache na obra de George, além de caracterizar a renovação e contribuir para a formação
de uma Geografia Crítica.
Ao focar nas obras especificamente, é possível identificar melhor quais as
características de Pierre George, com qual escola/momento elas condizem e também se
possível, desvencilhá-las de todas as outras, afirmando assim a Geografia Ativa. Essa
metodologia possibilitou também a identificação de termos próprios que o autor usa como
referência em sua obra, termos que o caracterizam como membro dos diferentes momentos
paradigmáticos da Geografia.
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Por ter feito parte do movimento de renovação do conhecimento geográfico, Pierre
George merece atenção especial, não somente pela importância e abrangência de sua obra,
mas também por possuir em seu legado características nas distintas escolas da Geografia. A
irreverência do autor ao inserir nos métodos clássicos abordagens de cunho social, que
remetem diretamente às características da Geografia Crítica fez com que seus trabalhos
ganhassem reconhecimento mundial, dando destaque a sua carreira. Diversos autores
contemporâneos1, com destaque na academia escrevem hoje sobre Pierre George, e utilizam
ainda conceitos definidos pelo autor. Por isso, esse breve resgate é relevante tendo em vista a
diversidade de temas estudados, quantidade de material publicado e poucas análises referentes
à sua obra.
1LENCIONI, S. Região e geografia. São Paulo: Edusp, 1999; MOREIRA, R. O pensamento geográfico
brasileiro: as matrizes clássicas originárias. São Paulo: Contexto, 2008; MORAES, A.C.R. Geografia: Pequena
história crítica. 20 ed. São Paulo: Annablume, 2005. Entre outros.
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2 - TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EM
HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO
Por se tratar de um estudo da História do Pensamento Geográfico, a presente pesquisa
se baseará principalmente na leitura e interpretação de textos, que remontam e se relacionam
com seu principal objetivo. Foram escolhidas dez obras, sendo cada uma delas de uma
temática diferente, para que fosse possível perceber a evolução da obra do autor, no decorrer
de toda a trajetória histórica do pensamento geográfico, além de também analisar em seus
pormenores, várias das vertentes com as quais ele trabalhou.
Como em sua bibliografia Pierre George atingiu uma vasta área do conhecimento
geográfico e publicou mais de sessenta livros, a seleção das obras foi feita de modo a escolher
diferentes temas trabalhados por ele, manuais, estudos concretos, monográficos e sintéticos,
ampliando assim a extensão bibliográfica da pesquisa.
A análise do conteúdo de cada uma dessas obras será feita relacionando-as também
com outros referenciais teóricos que contribuirão para a pesquisa: teoria, método e conceitos
(Quadro 1).
Quadro 1 – Livros selecionados para execução da pesquisa sobre a obra de Pierre George.
TÍTULO ANO DE
PUBLICAÇÃO
1 Geografia Agrícola do mundo 1946
2 Geografia Industrial do mundo 1947
3 Geografia Econômica 1956
4 Panorama do mundo atual 1963
5 Geografia Rural 1963
6 A Geografia Ativa 1964
7 A Geografia da População 1965
8 Os métodos da Geografia 1970
9 Geografia dos EUA 1971
10 O homem na terra (A Geografia em ação) 1989
Organização: Alexandre Elias de Miranda Teodoro.
A análise do conteúdo das obras selecionadas enfocou os elementos teóricos e
práticos, a fim de mostrar as principais características ao longo de sua trajetória.
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Teoria: analisar se o autor parte de teorias organicistas, que indicam a sintonia entre o
homem e a natureza, um ‘’todo harmonioso’’. Verificar se ele utiliza o possibilismo, de Paul
Vidal de La Blache, além de teorias marxistas e críticas, durante e após a Geografia Ativa.
Método: será observado se existe na obra do autor a utilização dos métodos descritivos
(corográfico), comparativo e também o método indutivo-empírico. Além de analisar a
abordagem metodológica durante e após a Geografia Ativa, como por exemplo, o
materialismo histórico-dialético.
Conceitos: alguns conceitos que são peculiares a obra de Pierre George também serão
analisados, na tentativa de defini-los e discernir também sua contribuição e atualidade para o
conhecimento geográfico. Entre esses conceitos estão: habitat rural, gênero de vida, sítios,
espaço organizado, ação humana entre outros. Além do conceito de região, tão peculiar a
Geografia Clássica de La Blache e suas transformações ao longo dos anos.
Estudos Empíricos: Ver os tipos de estudos realizados e sua escala de análise (local,
regional, nacional e global), assim como a abordagem em relação às questões sociais, natural,
econômicas e políticas.
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3 - CARACTERÍSTICAS DA GEOGRAFIA CLÁSSICA: UMA BREVE
RETOMADA
Foi Bernard Varenius, em meados de 1620 que inseriu a palavra Geografia no
contexto científico, organizando-a como Geografia Geral, dividida em três grandes eixos:
Humano, Terrestre e Celeste, a partir de então, introduzia-se a debate a formação do espaço
geográfico. A partir daí, com o início da revolução burguesa na Europa dá-se por encerrada a
chamada Geografia Pré-histórica e somente muito depois, na metade do século XIX, através
dos postulados dos alemães Karl Ritter e Alexander Von Humboldt que a Geografia veio se
afirmar como uma Ciência Moderna (MORAES, 2005), com a inserção da revolução
industrial e o capitalismo na dinâmica da sociedade os cientistas viram a necessidade de
entender melhor esses novos assuntos.
A Geografia Clássica, baseada no Positivismo Clássico de Auguste Comte, teve então
dois centros de referência, o francês, liderado por Paul Vidal de La Blache, Jean Brunhes,
Élisée Réclus, Albert Damangeon entre outros e o alemão, por Karl Ritter, Alexander von
Humboldt, Alfred Hettner e Frederic Ratzel como seus principais nomes.
Começando com os alemães, Ritter buscou em Ptolomeu (90 – 168 d.c) um método
que fundamentasse seus postulados, o Método Corográfico, que consistia em uma descrição
pormenorizada das regiões e lugares, considerando também todo o processo de formação
histórica e os detalhes dessa descrição. A corografia está inclusive entrelaçada diretamente
com o desenvolvimento e os fundamentos da Geografia Regional. Ritter caracterizava muito
bem a escola tradicional, pois após a análise detalhada das áreas ele partia para o Método
Comparativo, diferenciando as regiões entre si. O que diferenciava principalmente Ritter de
Humboldt era seu antropocentrismo, ele priorizava as relações entre o homem e a natureza,
enquanto Humboldt se aprofundava mais na descrição, e esta principalmente na área da
botânica (CLAVAL, 2006).
No centro francês se destaca Paul Vidal de La Blache, seus procedimentos
metodológicos consistiam em uma análise minimalista/monográfica do Quadro Natural,
Quadro Agrário, Quadro Urbano, População e Estrutura Industrial (quando houver) a soma
dessas paisagens Natural e Cultural, foram os ingredientes que levaram o autor a criação do
conceito de Gênero de Vida. Esse procedimento metodológico foi base para inúmeras
pesquisas sobre a Geografia Regional, da qual o autor embasou-se principalmente nos
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postulados de Karl Ritter e formou discípulos que reproduziram essa metodologia em diversos
países2.
De um modo geral, ao se caracterizar e sintetizar a Geografia Clássica nota-se que
seus estudos regionais trabalharam com as técnicas empíricas (observação e descrição em
campo) para conhecer diversas regiões, a fim de correlacionar seus aspectos físicos e
humanos na busca do entendimento da paisagem. O método indutivo-empírico-descritivo foi
o predominante entre 1850 e 1950 no contexto geográfico, tendo a figura de La Blache como
principal expoente (ALVES, 2010).
3.1 - O movimento de renovação: A Geografia Ativa e Crítica
Em meados da década de 1950 tiveram início as manifestações do movimento de
renovação na Geografia, com a crise da Geografia Clássica, devido aos questionamentos
sobre a falta de precisão das descrições e o anacrônico método positivista frente às mudanças
da sociedade pós II Guerra Mundial. Uma gama de acontecimentos foi responsável por
eclodir todas essas mudanças no conhecimento geográfico.
A princípio houve uma mudança na base social que havia sido responsável pela
formulação dos alicerces da Geografia Clássica, atrelado a isso o grande desenvolvimento do
capitalismo, que enterrou o liberalismo econômico e trouxe consigo também uma revolução
tecnológica, além de incumbir o Estado com a necessidade de intervir na economia. “Vivia-se
a época dos grandes trustes, do monopólio e do grande capital.” como cita Moraes (2005,
p.104).
O planejamento da economia desse período levou a necessidade também de um
planejamento territorial, e os estudos da Geografia Clássica já não apontavam mais as
respostas para esse novo cenário do espaço, como coloca o autor “A realidade do
planejamento colocou uma nova função para as ciências humanas: a necessidade de gerar um
instrumental de intervenção, enfim uma feição mais tecnológica. A Geografia Tradicional não
apontava nessa direção, daí sua defasagem e sua crise.” (2005, p.104) Ainda a respeito
também desse movimento transitório da Geografia:
A constatação desses fatos e a necessidade de participar do movimento de
reformulação científica e política da sociedade inquietou os geógrafos, que
passaram a percorrer novos caminhos, ora procurando atualizar os princípios gerais da Geografia Tradicional, ora procurando romper com ela, criando
uma “nova” Geografia. (ANDRADE, 1992, p.96)
2 No Brasil a presença de geógrafos franceses foi marcante na década de 1930, quando Pierre Deffontaines,
Pierre Gourou, Pierre Denis, Francis Ruellan, Pierre Monbeig entre outros auxiliaram na formação dos primeiros
cursos universitários (USP e UDF), Conselho Nacional de Geografia e Associação dos Geógrafos Brasileiros.
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Os métodos e técnicas da Geografia Clássica estavam agora obsoletos, incapazes de
interpretar e analisar o atual cenário da sociedade. Permanecia o questionamento em relação à
necessidade de definição do objeto de estudo da Geografia, pois os conhecimentos que eram
aplicados para entender as comunidades locais não estavam mais aptos a compreensão da
globalização que o capitalismo criou. Moraes (2005, p.105) comenta a respeito da necessidade
e do combustível que esse movimento de renovação teve para quebrar o paradigma
Tradicional, “O movimento de renovação vai buscar novas técnicas para a análise geográfica.
De um instrumental elaborado na época do levantamento de campo, vai se tentar passar para o
sensoriamento remoto, as imagens de satélite, o computador”.
Finalizando esses aspectos que levaram à necessidade de mudança na Geografia
Clássica vem o fundamento filosófico, que em detrimento daquilo que havia ocorrido e foi
supracitado também ruiu, pois havia se tornado ultrapassado para a interpretação e análise das
transformações que se sucediam. Em relação a isso Moraes (2005, p.105) coloca que “O
desenvolvimento das ciências e do pensamento filosófico ultrapassara em muito os postulados
positivistas, que apareciam agora como por demais simplistas e pueris”.
Manuel Correia de Andrade (1987, p.96) destaca um ponto importante que caracteriza
bem essa pesquisa e relaciona o movimento de renovação com Pierre George, “Viram
também que estava ultrapassada aquela ideia muito difundida dos meios geográficos de dar
maior importância à Geografia Agrária, ao campo, por estar à agricultura mais dependente das
condições naturais do que a indústria e os serviços.” que dá um enfoque maior aos estudos
ligados a Geografia Urbana e a Geografia Econômica por ter uma postura marxista e valorizar
mais aquilo que remete à indústria, às cidades, ao comércio, aos transportes e ao consumo.
Após essa breve análise sobre os motivos que levaram ao rompimento do paradigma
clássico da Geografia, discutir-se-á sobre o movimento de renovação em si. Este foi
caracterizado principalmente por divergir totalmente da característica de unidade da
Geografia, o movimento de renovação é diversificado em sua essência, até porque sua
composição é assim, autores que possuem diferentes posicionamentos e métodos, propostas
que se desvinculam umas das outras, porém é possível ainda classificar esse movimento e
agrupá-lo em suas principais vertentes.
Na ordem cronológica, a primeira é a da Geografia Pragmática-Teorética, que não será
enfatizada na pesquisa, porém se caracterizava por ser uma Geografia Aplicada, calcada em
métodos quantitativos e aplicação de modelos, posterior a ela vem a Geografia Ativa,
caracterizada pela ação do homem na região, e suas relações com a cidade, economia e
20
política, e a terceira vertente desse rompimento seria a Geografia Crítica, endossada e
fundamentada no discurso marxista.
A Geografia Ativa teve origem na França, em meados da década de 1960, onde até
então o predomínio era a escola Lablacheana, ela intitulou o livro de Pierre George, Kayser,
Lacoste e Guglielmo em 1964, um divisor de águas no movimento de renovação da
Geografia. A confusão territorial que o capitalismo causou na França trouxe novamente à tona
a necessidade de se discutir o conceito de região, visando uma melhor organização do espaço.
A Geografia Ativa tinha como proposta a organização do espaço. Imbuída de
uma ilusão tecnocrática, considerava que poderia ser possível, por meio de
intervenções a partir do planejamento urbano e regional: ou seja, por meio de
estratégias de organização do espaço, alcançar um certo crescimento
harmonioso do espaço (LENCIONI, p. 141)
O conceito de região permaneceu como uma das ferramentas teóricas da Geografia
para explicar os acontecimentos da sociedade, porém sua definição se alterou (Quadro 2).
Quadro 2 – Definições do conceito de Região na Geografia Clássica e Ativa.
REGIÃO
GEOGRAFIA CLÁSSICA GEOGRAFIA ATIVA
Segundo Ritter a Terra seria um todo
orgânico, sendo a região parte deste
organismo. Foi inclusive essa ideia de
organismo e interpretações separadas que
criou o método comparativo. Sendo assim, a
interpretação de cada uma das partes
colaboraria para um entendimento mais coeso
do todo. “O objeto essencial de estudo da
Geografia passou a ser a região, um espaço
com características físicas e socioculturais
homogêneas, fruto de uma história que teceu
relações que enraizaram os homens ao
território e que particularizou esse espaço,
fazendo-o distinto dos espaços contíguos.”
(LENCIONI, p.100).
Partindo desse ponto de vista, a região fica
assim objetivamente diferenciada pela
paisagem, cabendo ao pesquisador distinguir
essas homogeneidades do globo,
reconhecendo dessa forma as individualidades
regionais.
Para a Geografia Ativa, o conceito de região
seria algo mais abrangente, as interações entre
o homem e o espaço se dariam de forma mais
concreta, aumentando a intensidade da ação
do homem em relação ao meio. Um dos
fundadores da corrente ativa da Geografia
define o conceito de região da seguinte
maneira: “Porção de espaço terrestre, qualquer
que seja o modo pelo qual for considerada ou
a utilidade que lhe for atribuída, a região é de
qualquer forma um fenômeno geográfico. O
geógrafo pode defini-lo, explicá-lo, querer
delimitá-lo. Ao proceder assim, o geógrafo é
ativo, tecnicamente indispensável,
socialmente útil; ele assume com máximo de
plenitude e de fidelidade a vocação
fundamental da ciência.” (KAYSER, p. 281).
Organização: Alexandre Elias de Miranda Teodoro
21
Em relação à Geografia Crítica sua ruptura tanto com a escola Clássica quanto com a
Pragmática é bem mais enérgica, pois seu posicionamento é bem radical, defendendo as
transformações da realidade social. Ela é caracterizada principalmente pelo forte argumento e
filosofia marxista, voltada para o cunho sociológico, econômico e político. Seu método de
análise passa então a ser o materialismo histórico-dialético.
Diferente da Teorética, a Geografia Crítica faz uma observação mais aprofundada em
relação às razões da crise. A crítica que se faz em relação à Geografia Clássica é de como o
discurso geográfico fez com que se “maquiassem” as relações sociais, chegando desse modo a
Geografia Crítica à formatação que definia sua ideologia, a relação homem-natureza, que via
a região como sendo homogênea. Sobre as características da Geografia Crítica coloca
Lencioni (1991, p. 161) “O desenvolvimento da Geografia de inspiração marxista e do estudo
da lógica dialética, que buscam captar e destacar as contradições no movimento da sociedade
e da natureza [...] Concebendo o espaço como um produto social.”.
22
4 – A GEOGRAFIA GEORGEANA ENTRE LA BLACHE E MARX:
CORRELAÇÕES E APONTAMENTOS
Devido à alta complexidade e também ao caráter de ineditismo da seguinte pesquisa,
em momento algum se encontrou bibliografia que tratasse diretamente da relação da obra de
Pierre George com a de Karl Marx. Sobretudo, é imprescindível que se tome nota de algumas
noções e apontamentos que surgiram e foram se evidenciando de acordo com a leitura e
análise das obras do geógrafo francês. É válido salientar que em momento algum Pierre
George cita diretamente o filósofo e sociólogo alemão - nas obras aqui analisadas -, mas as
transformações pelas quais passou a Geografia em seu movimento de renovação colocaram de
um modo talvez inerente, muitas das ideias pregadas e defendidas por Marx, nas obras de
George, inclusive em Geografia Ativa, que já incorporava um discurso mais crítico, embora
sem desvencilhar-se da raiz clássica lablacheana.
Uma das questões identificadas que permite essa comparação de maneira bastante
clara é quando se trata da definição do meio natural, “Pela concepção marxista, a natureza
isolada da ação humana perde significado para a sociedade e se restringe ao determinismo de
suas leis naturais.” (GOMES, 2007, p. 139) sendo assim, a partir do momento em que o
homem passa a interagir com o meio (práxis humana), seja através do trabalho, ou da inserção
de sua cultura existe uma relação mútua, onde se dá a naturalização da história e, por
conseguinte a historização da natureza. Desse modo, para o marxismo não é possível separar
Homem (ator principal) e Natureza, sendo ela o espaço produzido. Em contrapartida a escola
Clássica (da qual as primeiras publicações de Pierre George se originam), e aí sim podemos
citar além de La Blache, os alemães Ritter e Humboldt, sempre discorreu de forma separada a
respeito de Homem e Natureza (embora esses tenham buscado desde o início as influências
exercidas de um sobre o outro, no caso com as teorias deterministas e possibilistas),
diferenciando-se completamente da lógica marxista, onde esse divórcio é algo inconcebível,
pois definem a natureza como sendo o elemento base para a produção do espaço (Figura 2).
23
Figura 2- Organograma das influências teóricas na obra de Pierre George.
Esse organograma se equipara a uma árvore genealógica das influências de Pierre
George, a começar por Karl Ritter, já citado nessa pesquisa como sendo um dos maiores
expoentes da Geografia, ele definiu num primeiro momento o conceito de Região, o qual era
muito aplicado na escola Clássica. Em seguida La Blache, que tem em sua obra muito da
influência de Ritter, inclusive o conceito de Região, o qual também é definido nesse
organograma.. Esses dois geógrafos seriam então talvez aqueles que mais contribuíram para a
formação teórica de Pierre George, ao mesmo tempo em que Ritter contribuiu para a
formação e base teórica de La Blache.
Esse primeiro exemplo evidencia então uma diferença de cunho teórico entre o
marxismo e a geografia Georgeana, o que não significa que em relação a outros aspectos
possa haver comunhão de ideias entre as duas partes.
Num primeiro instante, para que seja feita a comparação daquilo que existe em comum
entre o marxismo e as obras de Pierre George é necessário que se tenha em mente o que é esse
marxismo, até mesmo para que se entenda quais suas correlações. Conhecido também como
socialismo científico, o marxismo é um conjunto de ideias filosóficas, econômicas, políticas e
24
sociais, que se estruturou nos fundamentos dos sociólogos Karl Marx e Friedrich Engels. Essa
teoria surgiu num momento histórico em que os pensadores começaram a se preocupar e
valorizar mais as relações que tratavam das desigualdades sociais. Os estudos de Marx e
Engels partiam então do materialismo histórico, ou seja, a evolução da história vista com base
no entendimento das relações práticas, tecnológicas e os meios de produção da sociedade.
Seguindo essa analogia, eles notaram que a relação antes existente entre nobres e camponeses,
se retratava em meados do século XIX nas relações entre burguesia e proletariado. Para que o
marxismo de fato fosse instaurado, segundo eles, o proletariado deveria iniciar uma revolução
colocando-os na frente do Estado, de forma a “quebrar” a existência de diferentes classes
sociais. Somente assim, seria possível romper com o sistema capitalista e extinguir ou na pior
das hipóteses amenizar a exorbitante discrepância social existente entre classes.
O discurso de Pierre George não é áspero o suficiente para que possa ser interpretado
como uma incitação à revolução das classes operárias e a quebra do sistema capitalista. O que
o autor francês faz, e afirma ainda ser a função social do geógrafo, é sair do antigo caráter
puramente descritivo e sem funcionalidade para o que ele chama de Geografia Ativa. Seria
então a necessidade de se atentar para o aumento das diferenças entre classes, para o aumento
da produção de alimentos e presença ainda de fome em larga escala, e assim, não parar por aí,
mas procurar através do conhecimento geográfico sanar ou combater essas diferenças. A
semelhança principal entre o discurso marxista e a obra Georgeana é esse olhar social, é a
crítica aos modelos que pregam e perpetuam as desigualdades, e ao mesmo tempo é a
formulação de propostas para que esta seja combatida (figura 3).
Entretanto, o autor faz ainda questão de destacar que o poder para que essa mudança
seja alcançada, esse não se encontra nas mãos do geógrafo, ele está de posse dos governantes
das nações. Ainda que sejam apontadas as problemáticas e propostas por partes dos geógrafos,
sociólogos, antropólogos, aqueles que possuem o poder de acatar ou não as medidas que lhe
são propostas são os que detêm o poder político, são os governantes das nações mais
influentes.
25
Figura 3 - Organograma das bases teóricas de Pierre George.
Já nesse segundo organograma, ficam definidas as bases teóricas de Pierre George, e
são destacadas três importantes considerações a respeito de sua obra. A definição real de o
que foi e o que representou A Geografia Ativa, partindo para uma análise da presença ou não
do marxismo e da crítica nas publicações de George e por fim uma análise geral das
características da obra do autor antes do movimento de renovação e seguinte a ele.
26
5-ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS NA OBRA
DE PIERRE GEORGE
A seguir será feita uma explanação detalhada das obras selecionadas visando entender
os pressupostos teórico-metodológicos do autor, sendo destacados os principais conceitos, as
temáticas e alguns elementos gráficos/cartográficos em sua trajetória científica.
5.1 - Geografia Agrícola do Mundo (1946): Para se compreender melhor essa obra de Pierre
George, fazendo a princípio uma análise teórica, é preciso situá-la com o momento histórico
em que foi escrito. Em 1946 o cenário de caos que as Grandes Guerras haviam criado afetou
não somente as estruturas sociais dos países, suas economias, mas também a forma de
interpretar o mundo, principalmente pelos Geógrafos.
As teorias organicistas que evidenciam a relação do homem com a natureza são
claramente identificadas nessa obra, e a maneira como o autor expõe as condições e
limitações que o meio impõe a cada região do globo é um exemplo disso. Já na organização
do livro Pierre George separa espaço dentro de um capítulo para tratar especificamente da
questão das “Condições naturais e condições humanas do desenvolvimento agrícola”. Essa
interação é fruto de uma necessidade evolutiva, presente em todas as sociedades, porém como
enfatiza o autor, cada região possui suas peculiaridades, sendo assim, as técnicas e os níveis
de desenvolvimento variam de região para região. Após a leitura desse trecho fica clara a
ideia organicista com a qual o autor trabalhou nessa obra, “Historicamente falando, todo
espaço agrícola é uma vitória do homem sobre o meio bruto.” (1991, p. 29), ao passo que
também afirma as raízes do possibilismo lablacheano característica relevante em seus livros.
Em relação ao método utilizado por Pierre George em Geografia Agrícola do Mundo,
esse é sem dúvidas o descritivo, uma das principais características da Geografia Clássica. O
uso da Corografia é perceptível em praticamente todo o livro, a riqueza com que o autor
caracteriza cada região, seus potenciais, as particularidades físicas e climáticas, inclusive as
densidades demográficas. Uma ilustração clara do emprego do método corográfico é esse
trecho do livro:
O meio mediterrâneo é, a um tempo, o mais original e o mais contrastado
dos meios geográficos europeus. O vigor do relevo contrapõe, em curtas distâncias, a planície interior ou litorânea aos altiplanos cortados de
“sierras”, ou à montanha de vertentes abruptas, talhadas por gargantas que
formam séries de barreiras selvagens. O clima empresta a essas paisagens colorido e personalidade. Luminoso, de uma sequidão quase absoluta
27
durante a estação quente, exerce severa seleção entre as plantas. (GEORGE,
1991, p. 77)
Em mais de um momento, aparece no livro o conceito de Gênero de vida, outro
indicativo da forte influência lablacheana sobre a literatura de Pierre George. No seguinte
trecho: “Mas o rendimento do trabalho na terra ainda é fraquíssimo, e isso explica a notável
inferioridade do gênero de vida do camponês, na maioria das regiões rurais, em relação ao do
operário.” (1991, p. 60) o autor trata da questão da qualidade de vida que tinham os
camponeses naquele momento da revolução industrial, onde suas condições eram diminutas
quando comparadas com as condições dos operários da época.
Sendo utilizada pelo autor nessa obra a escala global (figura 4), visto que a
caracterização da agricultura feita por ele abrange todo o globo, não apenas as questões
relacionadas à agricultura foram tratadas, Pierre George também argumenta a respeito de
aspectos sociais, condições naturais, a parte econômica, principalmente através de quadros e
tabelas, chegando inclusive a enfatizar questões políticas.
Figura 4 - Mapa da agricultura tradicional no globo. Fonte: George (1991, p.104-105)
5.2 - Geografia Industrial do Mundo (1947): Seguindo os mesmos moldes de sua obra
anterior (Geografia Agrícola do Mundo) o autor agora se volta para as cidades,
especificamente para as indústrias, motrizes revolucionárias do mundo atual. Mais uma vez a
forte característica de descrição do autor e sua alta capacidade de sedimentar o globo em
grupos específicos e de maior compatibilidade para facilitar o estudo e o entendimento se
28
comprovam-regionalização-, a primeira parte do livro é destinada ao estudo das indústrias do
Nordeste do continente europeu, onde surgiram as primeiras fábricas, dá-se início com o
conhecimento do berço da indústria, a “velha indústria inglesa” (GEORGE, 1947, p.5.), suas
crises e reconversões, como o próprio autor se refere à maneira como se deu sua evolução. A
peculiaridade como George insere os conceitos clássicos em sua obra e também a forma como
aplica ao estudo o caráter geográfico é algo que merece ser destacado, com uma linguagem
extremamente clara, que permite através da leitura de algumas páginas o fácil entendimento
de questões remetem ao direcionamento social de um continente. Ao percolar pelos principais
focos de desenvolvimento industrial do nordeste europeu na época, ele cita a indústria
francesa, a italiana, a forte alemã, que ganhou grande destaque durante a década de 1940, e
trata também de uma importante tentativa que surgiu por parte desses países para que se
unificasse desde já, a indústria europeia, o que chama a atenção pela característica de união
existente já naquela época, tendo em vista o nosso conhecimento atual sobre a União
Europeia, fortíssimo bloco econômico, que conseguiu não somente a comunhão econômica de
boa parte do continente, como também a partilha de diversos ideais sociais.
Ao tratar das questões industriais, George é muito didático ao dar destaque as
indústrias de base, e sua grande importância nesse período de crescimento industrial,
explicitando com argumentos sólidos a importância ímpar do sistema energético, que precisou
ser revisado devido a maior demanda e também às indústrias de siderurgia e metalurgia, que
fomentam todos os demais setores que venham a surgir.
Em seguida, o autor francês sai do continente europeu para falar a respeito dos
chamados “países novos”, êmulos da Europa. Grande ênfase é dedicada à indústria norte-
americana, o chamado “continente industrial”, com uma análise evidentemente Clássica, ele
descreve o grande poderio de recursos naturais que o país detém, e sua grande importância
para a fomentação de sua indústria. Além disso, também cabe uma ressalva a forte
característica de competição da indústria norte-americana, que desde os tempos mais
primórdios já se mostrava presente, fato que ainda hoje é dor de cabeça como nós sabemos
para a Organização das Nações Unidas, com os chamados “subsídios” oferecidos aos diversos
setores da indústria e também agricultura do país por parte do governo.
Depois de tratar da promissora indústria norte-americana o autor parte para o próximo
destaque industrial do globo, o Japão. Com exímia capacitação técnica, que ainda hoje é
motivo de orgulho para o povo japonês e principalmente a grande massa de mão de obra do
país, foi possível que chegassem ao patamar de modelo para inúmeras nações. O autor aplica
29
o devido valor da técnica e mão de obra japonesa e salienta a escassez de recursos minerais e
território, que agrava em muito a dificuldade de desenvolvimento industrial.
Por fim, encerrando a análise a cerca das novas promessas industriais do mundo
George cita aqueles que também têm conseguido demasiado destaque no cenário
internacional, como o Canadá, a Austrália, a Índia com seu grande poderio de mão de obra e
também as nações sul-africanas. O autor ainda lança um olhar crítico sobre a América Latina
e comenta sobre suas perspectivas ali, sobretudo a respeito do Brasil.
Assim como no livro anterior, ele trata de forma separada a questão da União
Soviética e das Repúblicas Populares. A forma como foi inserida a indústria na União
Soviética é tratado não somente do ponto de vista geográfico, mas também histórico, como é
necessário por se tratar de outra característica política. Ele comenta que por esse motivo, a
propagação e os percursos de desenvolvimento ali trilhados, são totalmente diferentes, e
explica também a partir daí, em que momento os fatores geográficos são determinantes para
esse diferente modelo de industrialização. George coloca que os interesses geográficos e
industriais vão além, na tentativa de unificar cada vez mais o vasto território soviético, através
da inserção de indústrias pelo seu interior.
Nessa obra também são colocadas conclusões acerca das outras Repúblicas Populares
da Europa e da Ásia e também da China, que desde aquele momento já ia se fortalecendo
como economia e começava a se destacar.
5.3 - Geografia Econômica (1956): Datada de 1956, essa obra de Pierre George foi realmente
uma contribuição importantíssima para a sociedade da época, e talvez um dos marcos em
relação à economia global, pois pode ser considerado inclusive, um manual da economia do
mundo naquele instante, devido à riqueza de detalhes e informações compiladas pelo autor
durante a elaboração do livro.
Com características predominantemente Clássicas, essa obra começa, ainda que de
maneira discreta, a sinalizar para o momento de renovação que se aproximava do
conhecimento geográfico. A forma como Pierre George dividiu os capítulos de seu livro,
continuam evidenciando o organicismo do autor, ao separar primeiramente o homem e os
sistemas econômicos, depois a economia e os sistemas industriais, a economia agrícola e os
produtos alimentícios e por fim o comércio de uma maneira mais ampla, tomando nota
também da forma como este circulava e se articulava.
A riqueza dos detalhes apresentados pelo autor nesta obra e até mesmo sua subdivisão,
ilustram o clássico método descritivo, porém, diferente de em Geografia Agrícola do Mundo,
30
a questão das descrições não estão restritas apenas aos aspectos físicos, pois a economia se
difunde predominantemente nos meios urbanos, onde geralmente o aspecto físico é
praticamente homogeneizado, diferenciando-se em subdesenvolvido, desenvolvido e em
desenvolvimento.
Cada questão é tratada de maneira específica, a descrição dos lugares e de como se dá
a economia em cada um, ressaltando alguns aspectos físicos inclusive, isso fez com que o
livro ficasse indissociável à Geografia Clássica, embora já apresentasse algumas
características menos conservadoras. Outra característica que liga a Geografia Econômica
com a escola Clássica é o método comparativo que o autor utiliza no livro, pegando regiões
diferentes e comparando suas potencialidades, como por exemplo, no seguinte trecho:
Os quocientes de disponibilidade individual acham-se compreendidos entre 1 e 1,5 na Península Ibérica, Iuguslávia, Grécia, África do Norte (1 para o
Marrocos, 1,1 para a Argélia); caem muito rapidamente abaixo de 1 na Ásia
Ocidental, a não ser na Turquia, onde o quociente é de 3. (1988, p. 212-213)
Anteriormente, Pierre George já havia escrito o livro Geografia Econômica e Social
da França em 1938, A economia da URSS (1945) e A economia dos Estados Unidos (1946)
monólogos que tratam das questões econômicas numa escala nacional, em 1949 escreveu A
economia da América Central ainda um monólogo, porém este na escala continental, para em
1956 concretizar seu manual sobre a economia do mundo, atingindo a escala global com
Geografia Econômica.
5.4 – Panorama do Mundo Atual (1963): Essa é uma obra que particularmente chama muito a
atenção por sua peculiaridade em relação às outras analisadas durante essa pesquisa. Aqui,
Pierre George encontra-se à beira do lançamento de sua obra máxima “A Geografia Ativa” e
começa a apontar indícios de condenação a determinadas práticas as quais ele tinha
conhecimento de que estavam acontecendo ao redor do globo. Ainda na introdução o autor já
releva que o momento pelo qual a sociedade mundial se encontrava continha um clima
carregado principalmente pelo medo e pela desconfiança, justificados segundo ele pelas
grandes crises diplomáticas entre países capitalistas e socialistas, pelo grande poderio bélico
que essas nações agora ostentavam. Se outrora as pestes eram a maior ameaça do fim dos
tempos, no então período à radioatividade se mostrava como uma arma de destruição em
massa, com capacidade de dizimar centenas de milhões em fração de segundos. Mas a mesma
técnica que foi utilizada no desenvolvimento de armas com tão grande poder de destruição,
segundo o autor também pode ser utilizada em benefício da sociedade, para reverter esse
31
quadro de medo e angústia, “E nesse caso, a capacidade técnica oriunda das descobertas
extraordinárias dos últimos cinqüenta anos deverá ser aplicada na criação de melhores
condições de vida e na transformação da condição humana.” (GEORGE, 1963, p.6).
Em seguida George coloca a função do Geógrafo em analisar o quadro atual da
sociedade mundial, e demonstrá-lo através de seus aparatos, para que em seguida os políticos
determinem qual rumo deverão tomar, seja pelo bem estar das maiorias ou em função apenas
de uma minoria mais abonada financeiramente.
A primeira parte desse livro trata de questões colocadas pelo autor como
“Originalidades do Mundo”, e começa se referindo à expansão demográfica, que já naquela
época começa a inclinar seus gráficos de maneira extremamente íngreme, colocando na
cabeça dos grandes estudiosos alguns dilemas, como a capacidade do planeta em sustentar um
número de habitantes muito grande (figura 5).
Figura 5 – Mapa do crescimento da população em 1963. Fonte: George (1970, p.16).
Se o planeta possui recursos naturais suficientes para que essa explosão demográfica
perpetue sem afetar a qualidade de vida que havia sido alcançada até o presente momento, se
haveria capacidade humana e de recursos do solo para a produção de alimentos suficientes
para o abastecimento dessa nova ordem populacional mundial, enfim, naquela época, muito
do medo em relação ao futuro advinha das questões relacionadas a esse grande “superávit” da
população humana.
32
Em seguida Pierre George chama a atenção para um fato pouco atentado até a época, e
define como sendo uma “Nova Revolução Industrial”. Com isso, ele queria dizer que embora
às máquinas a vapor, a siderurgia e as estradas de ferro haviam quebrado os paradigmas
econômicos até a segunda grande guerra, a partir de agora, uma nova era econômica se
iniciava, com a audaz evolução da técnica os conflitos entre as classes de produtores e
trabalhadores seriam cada vez mais frequentes, em detrimento de um processo que tendia
cada vez mais a “uma minoria de produtores e uma maioria de consumidores” (GEORGE,
1963, p. 29).
Também são tratadas nesse capítulo duas grandes questões do mundo naquela época, a
primeira era a ascensão norte-americana e o declínio europeu em relação aos Estados Unidos
da América, sobretudo a Inglaterra. A segunda é em relação ao “encurtamento” das distâncias
que a técnica proporcionou, Pierre cita que a velocidade com que pessoas se deslocam e que
decisões são tomadas é muito superior a de tempos atrás e isso implica em grandes mudanças
para os padrões do mundo. A tecnologia favorece também a propagação da informação,
acelerando processos que antes demoravam até mesmo meses para se concretizar. Vale
comentar que em 1963 ainda não havia sido descoberta o maior de todos os fomentadores
dessa aceleração da informação, a internet.
O capítulo seguinte faz jus ao nome do livro, a princípio é tratada a situação atual dos
países desenvolvidos e suas relações entre si e com os outros países menos desenvolvidos. Em
seguida é tratada a questão do Oriente Médio, região ainda pouco desenvolvida, mas com
potencial econômico surpreendente devido à valorização do petróleo. Os continentes asiático,
africano e o latino americano também são discutidos pelo autor, sempre visando a ilustração
do momento atual através de perspectivas políticas e econômicas.
Não menos importante e totalmente contextualizado com o livro, no terceiro capítulo é
feita uma análise das perspectivas que o autor tem de como será dali em diante a sociedade. É
muito discutida a grande expansão dos centros urbanos, colocada por Pierre como sendo uma
aventura, pois já se encontra a maioria da população mundial vivendo em ambientes urbanos.
É comentado também a respeito das tecnologias encontradas somente em áreas urbanas, as
melhores condições de vida e as facilidades e comodidades que o espaço rural não é capaz de
proporcionar. Todavia, o autor não se esquece de elucidar questões desfavoráveis, como
possíveis consequências de uma fuga exacerbada do campo para a cidade, bem como uma
crise na produção alimentícia, altos índices de desemprego e aumento da violência nas regiões
periféricas dos grandes centros.
33
5.5 – A Geografia Rural (1963): Esse livro do início da década de 1960 atua como uma
espécie de continuação do primeiro livro analisado nesse capítulo “Geografia Agrícola do
Mundo” embora extremamente mais complexo e apresentando novas vertentes não tratadas
inicialmente. As noções organicistas estão incorporadas ao texto desde a introdução, podendo
ser evidenciadas em todos os capítulos, aliás, em toda a obra já analisada até aqui, o
deferimento ou não da harmonia entre o homem e a natureza são sinalizados pelo autor,
qualquer que seja o cenário de interação.
Já na primeira parte do livro, Pierre George vai além das análises geográficas,
demonstrando mais uma vez seu vasto conhecimento em tudo aquilo que remete de alguma
maneira ao espaço e suas potencialidades, sobretudo em conjunto com a técnica humana. É
tratado então nesse capítulo do livro basicamente as condições naturais do meio rural,
incluindo o clima, a possibilidade de pragas e outras doenças na lavoura, além de estruturar
informações a respeito de onde geralmente estão localizadas essas áreas que compõe o
“espaço agrícola”.
No início do segundo capítulo uma questão fundamental levantada por Pierre George é
destacada já na introdução: a necessidade de diferenciação entre População Rural e População
Agrícola Ativa. Essa diferenciação segundo o autor é primordial para o entendimento das
potencialidades agrícolas de cada país ou região quando aliadas às suas respectivas técnicas.
Porém, é colocado por ele também que ainda que determinante essa eficácia produtiva do
indivíduo varie em proporções maiores do que 1 pra 100, isso porque cada país ou região –
condicionado também por suas respectivas condições climáticas – possui demasiada
peculiaridade quanto à organização do trabalho e aplicação de técnicas. Partindo então para a
diferenciação feita pelo autor desses dois diferentes grupos propõe-se que a chamada
População Agrícola Ativa está inserida dentro da População Rural, mas contabiliza apenas “o
conjunto de indivíduos que participam efetivamente da produção”. (GEORGE, 1963, p.63)
Sendo assim, ao se analisar uma sociedade subdesenvolvida naquela época a
População Agrícola Ativa se dará indubitavelmente pela composição etária dessa população.
A partir daí então o autor começa a tratar de como eram alocados e organizados os espaços
agrícolas, ou seja, seu arranjo, e insere aí as correlações de apropriação e também de
exploração que se abrolhavam ali.
Sempre com grande riqueza de exemplos e incluindo já em seus trabalhos tabelas
compostas por resultados numéricos de suas análises Pierre George parte para as noções que
se dão de trabalho e de técnica, sobretudo por parte dessa designada População Agrícola
Ativa.
34
No final desse capítulo outra questão fundamental do autor é abordada, um termo
muito utilizado por ele em grande parte de sua obra, através da fusão entre as definições de
Habitat e de Espaço Rural ele usa o conceito de Habitat Rural, criado por Vidal de La Blache
e aprimorado por Pierre George partindo do pressuposto de que as parcelas habitadas de uma
demasiada região são dotadas como um Habitat e aquelas atividades que de certa forma se
relacionam com o campo são taxadas como sendo de teor Rural, esse novo conceito seria
“como o modo de distribuição e de residências das populações que vivem no campo e, na
maioria do campo.” (GEORGE, 1963, p. 123). Como já colocado acima, esse conceito é
utilizado ainda em diversas outras obras, quando o autor vai tratar de questões relativas à
espacialização do homem no rural, permanecendo com grande carga teórica lablacheana.
Em seguida, o autor passa a atribuir a noção econômica a seu enunciado. São descritas
então as diferentes formas de organização regionais do rural e como é estruturada sua
economia. A princípio são apresentadas questões que respondem à Agricultura de
Subsistência, ou a base agrícola segundo George, pois se trata de uma produção com pouca
representatividade econômica, apenas voltada para proporcionar ao produtor o necessário para
sua manutenção. Além desse exemplo, também são elucidados os modelos de Agricultura de
mercado, Agricultura de especulação e os modelos agrícolas nos países socialistas, que se
diferenciam totalmente dos modelos tradicionais baseados nas práticas capitalistas.
No último capítulo dessa obra a semente crítica da Geografia Georgeana começa a
germinar, pois em conseqüência das já vigentes transformações do Movimento de Renovação
da Geografia, alguns apontamentos mais enérgicos são feitos. O autor demonstra sua
insatisfação com uma produção superior à necessária para o abastecimento da população
global e ainda sim a evidenciação de fome, ele coloca também seu descontentamento quanto à
demasiada exploração do solo, visando somente o aumento exorbitante da produção sem se
preocupar com as questões naturais de manejo do solo. Por fim, não menos crítico, o autor
mescla todas essas problemáticas e as correlaciona com o quadro crítico social que a maior
parcela da sociedade está inserida, ou seja, a dificuldade da comercialização e os preços dessa
produção agrícola que refletem diretamente na proporcionalidade de miséria encontrada em
quase todas as regiões do globo.
5.6 - A Geografia Ativa (1964): Essa é sem sombra de dúvidas a obra máxima de Pierre
George, um divisor de águas não somente para o autor, mas também para a história do
conhecimento geográfico. Nesse livro juntamente com Raymond Guglielmo, Bernard Kayser
35
e Yves Lacoste o autor buscou engendrar todo o conhecimento que havia adquirido em
Geografia, com o movimento de renovação pelo qual a ciência estava passando.
A própria subdivisão do livro deixa bem clara seu caráter inovador e sua abrangência
ao cenário geográfico global como um todo. Na primeira parte, o autor aponta os principais
problemas, a doutrina e o método da Geografia Ativa, em seguida Yves Lacoste trata das
perspectivas da Geografia Ativa nos países subdesenvolvidos, retratando principalmente quais
as tarefas do geógrafo no auxílio ao desenvolvimento desses países. A terceira parte é
específica aos países já industrializados, considerados como desenvolvidos naquela época, são
tratadas especificamente questões sobre a agrária, a indústria, o consumo e o desenvolvimento
urbano, situações que segundo o autor vigoravam na segunda metade do século XX, e daí a
necessidade de uma Geografia Ativa para trabalhá-las. Por último, uma definição clara sobre
o objeto de estudo da Geografia, juntamente com Bernard Kayser, Pierre George discorre
sobre o conceito de Região, analisando-a como objeto de estudo e também objeto de
intervenção.
O organicismo é sumariamente evidenciado já nas primeiras páginas do livro, essas
relações do homem com o meio, na busca de uma definição da ciência o autor coloca que, “A
Geografia é uma ciência do espaço, mas seus métodos são diferentes daqueles das ciências
naturais do espaço. Como ciência do espaço ela é chamada a fazer balanços do que representa
globalmente esse espaço para os homens que aí vivem.” (GEORGE, 1973, p. 16).
Ainda em relação a essa distinção entre a geografia antes e depois do movimento de
renovação Pierre George faz questão de diferenciar o método, afirmando que existem dois
modos diferentes de proceder em relação ao estudo de uma situação, através de uma
concepção apenas contemplativa, ou uma concepção ativa. Na primeira o autor se posiciona a
dizer que os autores franceses como La Blache, Brunhes, Demangeon, entre outros,
compuseram a geografia francesa de forma estritamente descritiva, sem o objetivo de
formular leis, e foram inclusive depois, por consequência disso tachados como deterministas.
A segunda, de acordo com o autor provém da mobilidade extrema na qual se encontrava o
panorama mundial e seu alto dinamismo, bebia da fonte de autores clássicos, porém tinha o
caráter ativo:
Supõe adquiridos os resultados de um inventário metódico de tudo o que é
herdado do passado, portanto, métodos de investigação e de explicação, que
fizeram o valor dos trabalhos dos geógrafos da primeira metade do século.
Além deste conhecimento da herança, aplica-se na determinação do jogo de forças, que está incluído em toda situação de uma dada porção do espaço.
Obra difícil, pois se tudo é na realidade movimento, e se não há salto para
adiante em um domínio, sem repercussão em todos os outros setores da
36
atividade, a mobilidade dos dados é muito desigual. (GEORGE, 1973, p. 25-
26)
Nota-se que o empenho maior de Pierre George nessa primeira parte do livro é em
esclarecer para quem não conhece o que é a Geografia, qual seu papel e também alertar os
geógrafos em relação a seu verdadeiro perfil e funções.
Para ele a Geografia Ativa se caracteriza principalmente pela capacidade de analisar o
alto nível de dinamismo das relações da segunda metade do século, ele coloca que “perceber
as tendências e as perspectivas da evolução a curto prazo, medir em intensidade e em projeção
espaciais relações entre as tendências de desenvolvimento e seus antagonistas, definir e
avaliar a eficácia dos freios e obstáculos” (GEORGE, 1973, p.26) e isso define o geógrafo
como um cientista de síntese, a geografia de síntese ativa, para Pierre a única geografia. Essa
capacidade de sintetizar todos os fenômenos ao invés de analisá-los um a um de modo mais
aprofundado é o que coloca o geógrafo a frente dos outros cientistas naturais, pois ele não
visualiza cada fenômeno especificamente, e sim a interação entre os fenômenos.
A questão chave dessa obra se desnuda a partir da evidência de inúmeras
características apontadas por Pierre George que definem o geógrafo ativo, fazendo jus ao
movimento de renovação e o divórcio com muitas particularidades da Geografia Clássica,
porém ao mesmo tempo, com a presença de elementos dessa mesma tradição francesa em
relação ao estudo regional, pois ao colocar a Geografia como ciência de síntese o autor coloca
que a síntese da Geografia é o método regional (figura 6).
Figura 6 – Mapa da desigualdade econômica na França por regiões. Fonte: George (1968, p. 237)
37
5.7 - Geografia da População (1965): Aqui o autor faz um estudo voltado para a população,
sem em momento algum deixar de relacionar o homem e o espaço, características que
remontam à Geografia Clássica, um fator curioso, visto que a obra é posterior a Geografia
Ativa e apresenta já então uma diferença evidente em relação ao marxismo, embora ainda seja
de significante teor crítico. George trata diversas questões que nos permitem entender o
porquê da diversidade e desigual ocupação do espaço, que já naquela época se evidenciava,
explicando com argumentos históricos as grandes exclusivas e as generalidades que se
sucederam durante o crescimento da população mundial. Como não poderia deixar de tratar
também a respeito de questões étnicas o autor faz alguns apontamentos, relevando inclusive a
mortalidade, que obviamente sempre variou muito de acordo com a cultura e realidade de
cada população.
É clara a crítica do autor aos meios sob os quais a população foi se inserindo de forma
desigual não somente nos países desenvolvidos, mas também nas nações subdesenvolvidas.
Cidades extremamente populosas, com enorme população carente e desprovida de condições
básicas para a sobrevivência, vivendo sobretudo a beira da miséria e da pobreza extrema. O
autor também fomenta o discurso que trata do êxodo rural, com o descontínuo povoamento
das zonas rurais e figa para as cidades, onde raramente se encontrava uma vida mais digna,
decorrente da incapacitação técnica da maioria. Todas essas questões que vemos de maneiras
cada vez mais nítidas e acentuadas no mundo, já haviam sido antes diagnosticas por George,
em seus estudos específicos, como é o caso dessa obra.
Sempre trabalhando de maneira descritiva (Clássica) George traz em seguida dados
demográficos, que tratam das questões de crescimento natural. Ele faz uma analise de
perspectivas em relação a alguns países que se destacam tanto de maneira positiva, quanto de
maneira negativa.
Também foi analisada por George aqui a questão das migrações, em seus diferentes
tipos, com destaque para as Econômicas Temporárias, explicadas pelo autor com sendo as
mais comuns, devido a necessidade de melhoria de vida e busca por melhores condições
econômicas e sociais e também as Grandes Migrações Definitivas, apontadas pelo autor com
grande interesse, e atreladas também a diferentes questões históricas, que foram as grandes
motivadoras dessa modalidade migratória.
Concluindo sua obra, George faz questão de citar que esse constante desequilíbrio,
pode em algum momento causar traumas ao planeta, seja pela incessante busca de recursos
minerais, seja pelo excessivo consumo desses que já possuímos. Destarte, encerra colocando
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uma afirmação que poderia encadear uma série de debates no meio acadêmico atualmente, nas
mais diversas áreas:
Não é de excluir também o fato de que a pressão numérica venha a acelerar a mobilização de novas formas de recursos. Mas surge aqui a ameaça de uma
ruptura de equilíbrio entre dinâmica de população e dinâmica de meio
ambiente. Nesse caso, como no outro, há uma dinâmica da população. A Geografia permite abranger a diversidade na superfície do globo. Mas o seu
objetivo e a sua competência terminam aí. (GEORGE, 1965, p. 116.)
5.8 - Os métodos da Geografia (1970): Aqui percebemos a formulação de mais um “manual
para o Geógrafo” formulado por Pierre George, chega a ser intrigante a ambição do autor em
conceber modelos de como se deve trabalhar um Geógrafo. Mais uma vez ao se analisar o
livro percebe-se em cada capítulo a preocupação em formular etapas e diretrizes para o
trabalho, é realmente a elaboração de um método, com o passo a passo desde a inserção
histórica, e aí se inserindo as definições teóricas necessárias, passando por cada etapa – busca
e coleta de documentos, como deve ser feita sua interpretação e assim por diante até chegar às
conclusões.
É importante salientar que poucos geógrafos conseguiram organizar materiais
metodológicos tanto para a Geografia Física quanto para a Humana, de forma abrangente,
aplicável e consistente, mostrando o generalismo e ao mesmo tempo o conhecimento rico
acerca da relação sociedade/natureza.
Já na introdução é argumentado sobre essa interdisciplinaridade que a Geografia
possui. Essa característica de se relacionar com as outras disciplinas justamente pelo fato de
ser uma “ciência dotada de múltiplas vias de acesso” (GEORGE, 1970, p.5). É exatamente
essa peculiaridade conjuntiva e ao mesmo tempo subjetiva que proporciona a unidade da
ciência. Essa característica de síntese é discorrida de forma a evidenciar essa confluência dos
estudos geográficos com os métodos de outras ciências.
Também é destacada a questão do objeto de estudo da Geografia, como o espaço está
em constante transformação o autor usa o termo “espaço contínuo” para caracterizar as
análises geográficas acerca de um objeto sob constante mutação, influenciado não somente
pelas mudanças físicas naturais a qual o espaço fica sujeito, mas também através do
bombardeio antrópico que lhe é direcionado, podendo esse partir de diversas motivações,
desde a econômica até a cultural.
Feita toda a fundamentação teórica para que se possa então caminhar com uma
pesquisa geográfica chega então a fase de se obter documentos, não somente com o objetivo
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de solidificar a pesquisa, mas também para que se comprovem todos os apontamentos que se
busca na elaboração de uma pesquisa em Geografia. Assim como a ciência geográfica, os
documentos e fontes podem advir de uma gama extremamente heterogenia, pois a Geografia
permite que as mais variadas formas de interação entre homem e espaço sejam analisadas. O
caráter desses documentos, obviamente irá variar de acordo com o cunho da pesquisa que está
sendo desenvolvida, e o autor relata no livro com exímia perspicácia grande parte dos
exemplos que até a época eram conhecidos.
A partir da caracterização das fontes e dos documentos, Pierre George propõe de que
maneira estes devem ser obtidos e posteriormente como se deve proceder em relação a sua
análise, a partir de uma interpretação geográfica desse material.
Na segunda parte do livro vemos mais uma evidenciação clássica que continuou
presente na obra do autor mesmo após o “surgimento” da Geografia Ativa, a forma sob a qual
o autor subdivide os campos da Geografia para caracterizar como deve ser feita e quais os
problemas característicos da pesquisa geográfica em diferentes áreas. Essa subdivisão é mais
uma raiz lablacheana que se mostra presente em George mesmo após o movimento de
renovação da Geografia. Em seguida, ainda dentro dessa problemática que o autor coloca
dentro da pesquisa geográfica ele trás algumas considerações acerca da geografia regional e
de que maneira essa foi evoluindo, dificultando inclusive a elaboração de trabalhos na área.
Segundo George muitos autores não foram capazes de distinguir essa evolução, o que
culminava em trabalhos taxados como grandes monografias descritivas, que pecavam ao não
“emprestar nenhuma ênfase aos mecanismos das relações existentes entre os diversos fatores”
(GEORGE, 1970, p. 102) que eles possuíam.
Finalizando a análise dessa obra um fato que merece destaque é sua conclusão. Por
tratar da questão da aplicação de métodos na Geografia, esse livro seria uma excelente
oportunidade para que Pierre George colocasse em evidência suas afirmações a respeito da
Geografia Ativa, e ele não a deixa de lado. O autor destaca a grande diferença existente
segundo ele entre a geografia aplicada e a sua geografia ativa. Ele começa falando da já
espera crise pela qual a ciência passou, incentivada pela condição de instabilidade na qual o
mundo se encontrava. A partir daí ele reafirma o papel do geógrafo, que com seu “olhar
crítico” deve não somente analisar e descrever as situações, mas participar de forma ativa,
crítica, através de apontamentos seguidos de ações.
O Geógrafo pretende ser útil. Sente dentro de si arder uma vocação
filantrópica e ao mesmo tempo um anseio de participar do poder. Um sentimento justifica o outro. Mas a geografia só pode ser útil quando não é
“aplicada”. Aplicada, passa a integrar-se numa política. Perde suas
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possibilidades de crítica, permanece a quo da decisão. Quando ativa, o
quadro muda de figura: estabelece o balanço tanto dos desastres como dos
êxitos e das potencialidades; mantém-se distante das posições doutrinais e fornece elementos para que se possam aquilatar as doutrinas em ação.
(GEORGE, 1970, p. 115,116)
5.9 - Geografia dos Estados Unidos (1971): Este foi um livro que Pierre dedicou a
interpretação de um país, logo a escala nacional foi empregada pelo autor, embora os EUA
possuam proporções continentais. De forma bem didática Pierre George divide a obra em
duas partes, sendo a primeira dedicada às análises morfométricas e suas potencialidades
agrícolas e minerais, enquanto na segunda inseriu-se a dinâmica do território, aliada a todos
os aspectos de formação da população e suas organizações sociais e econômicas no espaço
nacional (figura 7).
Figura 7 – Mapa da análise nacional da indústria dos Estados Unidos. Fonte: George (1990, p.80-81)
A conciliação das potencialidades corroboradas pelo autor no território dos EUA com
as práticas que foram aplicadas durante sua evolução desde o período colonial até a
elaboração do livro permitiu que se chegasse a conclusões que extrapolam inclusive o âmbito
geográfico, dando uma noção bem complexa de como foram utilizados os recursos naturais
para que alcançassem a hegemonia mundial econômica e política. Dentro desse ponto de vista
Pierre George argumenta sobre sucessivos “choques” pelos quais passou a economia
americana.
O primeiro é o do carvão e o do aço, trazendo como corolário a grande
aventura da penetração do continente através das ferrovias e da aceleração da
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imigração pela navegação a vapor. Ele concentra a primeira grande aventura
industrial e a mobilização dos espaços agrícolas integrados ao mercado pelos
meios de transporte. O segundo choque é o do petróleo, com a conseqüente proliferação do automóvel e a criação da rede de transportes aéreos. O
terceiro é atual, o da informática e da aventura espacial. Cada um teve como
efeito privilegiar uma parte mais ou menos extensa e homogênea do
território. (GEORGE, 1990, p. 110)
Ainda que menos intensa em relação às obras clássicas do autor, nota-se que o
desprendimento total de algumas características não se efetivou, a descrição do território com
destaque para os aspectos físicos ainda permanece. O organicismo é colocado em questão
principalmente na segunda parte do livro, quando são tratadas de maneira mais concisas as
interações do homem no espaço, ratificando o possibilismo de Paul Vidal de La Blache. Nota-
se inclusive que já existe certo desprendimento com aquele tipo de estudo tipicamente
contemplativo, e uma inserção mais enérgica e ativa a respeito das retóricas sociais, sobretudo
por tratar de um país onde segundo o autor “Em cada cinco americanos, quatro vivem numa
cidade” (GEORGE, 1990, p. 90) e as relações sociais se dão quase todas elas no meio urbano,
embora jamais tenham sido deixados de lado os aspectos do rural, tendo como base sua
indissociável relação com o urbano, afirmando inclusive a brutal subordinação do campo em
relação a economia industrial.
5.10 - O Homem na Terra (1989): Nessa obra, Pierre George já detinha notória autoridade ao
tratar os assuntos sobre as ações do homem em detrimento das realidades econômicas pelas
quais passava o mundo. A intensificação da globalização e os grandes avanços tecnológicos
fizeram com que não existissem mais “descobertas” de novos lugares que coubesse a ciência
geográfica e sim entender melhor como o homem tem vivido, ao comentar sobre a sempre
presente dualidade da Geografia Pierre George explica:
É por isso que, ao contrário das tradições escolares e universitárias, uma vez
mais, não se dará a prioridade no estudo da geografia à chamada geografia
física, mas à localização da vida, da população, bem como à sua dinâmica relacional e conflitual com o meio ambiente. Só há geografia porque há
homens na Terra. A geografia só interessa na medida em que ajuda a
compreender como os homens nela vivem nela podem sobreviver apesar da sua curta dimensão e seus conflitos. (GEORGE, 1989, p.14)
O autor começa tratando então das relações de densidades demográficas de cada
região do globo, de modo a descrever (método corográfico) e comparar (método comparativo)
as potencialidades e trajetórias demográficas. Expõe através de mapas as cidades mais
populosas da época e faz também uma comparação sobre suas respectivas taxas de
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crescimento populacional num determinado espaço de tempo. Apesar de o livro tratar das
questões geográficas em escala global, o autor subdivide suas análises em outras escalas, bem
como continental e nacional. Ao descrever as relações físicas Pierre sempre atrela quais as
suas implicâncias ao homem, característica que se confirma em todas as obras do autor, mais
especificamente nas posteriores à Geografia Ativa, fato que é extremamente claro nesse livro.
Em seguida Pierre começa a discorrer sobre o desenvolvimento da sociedade,
sobretudo, um desenvolvimento desigual, como coloca o autor. O autor parte de um
levantamento histórico, explicando como se deu esse desenvolvimento, cita as redistribuições
geográficas e, por conseguinte dos espaços regionais. O capítulo seguinte é dedicado às
formas do habitat (conceito muito utilizado por Pierre e os discípulos de La Blache), onde são
tratadas as questões do habitat rural e a chamada “aventura urbana”. Também é dedicado
nesse capítulo relatos a respeito das migrações, da mobilidade funcional, dos transportes e das
comunicações.
A já crescente preocupação com o meio ambiente fez também com que um capítulo
fosse dedicado a essa temática, uma vez que as poluições e a já conhecida fragilidade dos
equilíbrios biológicos do planeta já eram de interesse dos estudos relacionados à ciência
geográfica.
Por fim, ao concluir sua obra de maneira extremamente completa, o autor argumenta a
respeito da cartografia, da comunicação e da evolução constante pela qual necessita passar a
ciência geográfica. Encerra então reafirmando a necessidade de refletir, sobretudo acima das
questões ressalvadas por ele no livro, e desse modo fazer e dar sentido à Geografia.
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6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, após analisar minuciosamente cada uma das obras de Pierre
George que foram selecionadas, além de complementar a fundamentação teórica com base em
outros autores que não só comentaram a respeito de Pierre George, bem como trataram
também especificamente da História do Pensamento Geográfico foi possível formular
algumas considerações a respeito da trajetória do autor e de sua real contribuição para a
ciência geográfica.
Uma das questões levantadas a priori durante a elaboração dessa pesquisa foi a real
concretização da Geografia Ativa como sendo de fato uma escola da Geografia. Nota-se, e
será discorrido mais especificamente sobre isso nos próximos parágrafos que há sim grande
peculiaridade nos colóquios relativos à Geografia Ativa, inclusive, comprovou-se também
grande mudança em relação à Geografia Clássica. Entretanto, devido à ausência de
formulação de leis próprias e de ter dado inclusive, continuidade como sendo uma vertente
ímpar dentro dos trilhos do conhecimento geográfico fez com que a análise das obras
permitisse a conclusão de que se trata na realidade de uma extensão do pensamento
geográfico clássico com pioneira inserção de conceitos críticos não marxistas. Seria então, um
fruto do movimento de renovação, um dos primeiros movimentos a inserir o pensamento
crítico dentro da Geografia, de modo sempre a salientar a necessidade de essa se posicionar de
forma Ativa, atuando, sobretudo no social e nas grandes maiorias urbanas, mas que devido à
formação clássica de seus autores, principalmente Pierre George, que beberam da fonte
lablacheana durante boa parte de suas formações e carreiras acadêmicas possui ainda
características clássicas.
A grande inovação da Geografia Ativa foi realmente essa introdução crítica sem que
se esvaísse a base clássica, porém outra conclusão que foi tirada após a leitura das obras,
sobretudo proporcionada pela sequência como foram analisadas, foi à ênfase que o autor deu
para as relações urbanas, principalmente nos países mais industrializados, de forma ainda
mais evidente quando analisadas as obras anteriores à Geografia Ativa e em seguida as
posteriores. Isso é explicado também pelo fato dos caminhos pelos quais trilhou a
humanidade, serem totalmente aguçados para a urbanização de grandes centros. A
perpetuação do sistema capitalista foi outro fator vital para que a Geografia cada vez mais se
colocasse à mercê da compreensão das relações humanas, onde essas eram mais intensas,
logo, nos grandes centros urbanos. Ainda sim, com a globalização e grande difusão de
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informações em escala global, devido aos avanços tecnológicos a descrição puramente dita
estava completamente obsoleta, e era necessário engendrar aí os novos movimentos sociais
que surgiram em detrimento do novo sistema econômico em vigência.
Embora não tenha sido levada a diante a escola da Geografia Ativa, o conhecimento
deixado por Pierre George é sem dúvida uma das maiores contribuições que a Geografia já
recebeu. A maneira como foi se formando, evoluindo seus conceitos juntamente com a ordem
natural pela qual o mundo também foi se transformando, possibilitou que suas afirmações não
ficassem aquém. Pierre percorreu desde a Geografia Clássica, participando do movimento de
renovação e publicando posteriormente também pela Geografia Crítica, experiência
importante, e que muito agregou em seus trabalhos. Ainda hoje, muitos autores que possuem
destaque dentro dos domínios acadêmicos utilizam de suas teorias, buscam informações em
suas obras e passam adiante parte do conhecimento deixado por ele, sem dúvidas um dos
maiores expoentes da geografia francesa da segunda metade do século XX. Isso afirma mais
uma vez sua importância nos desdobramentos da História do Pensamento Geográfico, para a
evolução do funcionalismo social do geógrafo e seu subsídio para o melhor entendimento do
espaço que nós ocupamos, das relações que temos com ele e também de nossas inter-relações.
Pierre George deixou em suas obras verdadeiros modelos de interpretação do espaço e
das relações que nele se dão, comprovou e funcionalizou em A Geografia Ativa o papel do
geógrafo, quebrou o paradigma de que a geografia é apenas mais uma disciplina das salas de
aulas, e o geógrafo um professor, mostrou a existência de um caráter e uma funcionalidade
social para o geógrafo, tratou com autoridade as questões dos métodos da geografia – tratando
com autoridade nas mais diversas áreas do conhecimento geográfico-, das teorias, e empregou
isso publicando sobre as diversas temáticas da Geografia, uma obra extremamente rica e de
singular valia.
Durante todo o período em que produziu, Pierre sempre demonstrou preocupação em
aliar a decorrente evolução tecnológica e a metropolização da população global com a
natureza, desde sua primeira obra aqui analisada –Geografia Agrícola do Mundo- até a última
–O homem na terra- o que se viu foi que o autor jamais deixou de tratar sobre o espaço físico
e as determinações que ele ainda é capaz de impor ao espaço.
Em momentos de grandes avanços tecnológicos, onde muitas vezes a informação
consegue acompanhar até mesmo a velocidade do pensamento, é importante que se saiba
observar o espaço de maneira a compreender que ele não surgiu tal como o é, que em outros
tempos ele se figurava de modo mais pueril, porém, ele só o é da forma que está hoje, pois no
passado atentaram para a importância de sua descrição, de suas funcionalidades e da
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necessidade de relacioná-lo com os outros espaços ao seu redor e também com aqueles muito
distantes dele. E essa função foi cumprida por aqueles que pioneiramente levantaram as
bandeiras do conhecimento geográfico, os Geógrafos Clássicos, dentre esses há de se
resguardar cadeira cativa para Pierre George, que dedicou sessenta anos de sua vida para a
construção desse conhecimento.
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7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Contexto: São Paulo, 2008.