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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA FACULDADE DE LETRAS - FALE MARAÍSA ESPÍNDOLA DE CASTRO AQUISIÇÃO DO ONSET COMPLEXO NO DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO TÍPICO EM CRIANÇAS ENTRE 2;6 E 5;11 DE IDADE, ESTUDANTES DE UMA CRECHE-ESCOLA MUNICIPAL PÚBLICA DE MACEIÓ-AL MACEIÓ 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA

FACULDADE DE LETRAS - FALE

MARAÍSA ESPÍNDOLA DE CASTRO

AQUISIÇÃO DO ONSET COMPLEXO NO DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO

TÍPICO EM CRIANÇAS ENTRE 2;6 E 5;11 DE IDADE, ESTUDANTES DE UMA

CRECHE-ESCOLA MUNICIPAL PÚBLICA DE MACEIÓ-AL

MACEIÓ

2015

MARAÍSA ESPÍNDOLA DE CASTRO

AQUISIÇÃO DO ONSET COMPLEXO NO DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO

TÍPICO EM CRIANÇAS ENTRE 2;6 E 5;11 DE IDADE, ESTUDANTES DE UMA

CRECHE-ESCOLA MUNICIPAL PÚBLICA DE MACEIÓ-AL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas como requisito final para obtenção do grau de Mestre em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Miguel Oliveira Jr.

Co-orientadora: Profa. Dra. Luzia Miscow da

Cruz Payão

MACEIÓ

2015

Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas

Biblioteca Central Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecário Responsável: Valter dos Santos Andrade

C355a Castro, Maraísa Espíndola de.

Aquisição do onset complexo no desenvolvimento fonológico típico em

crianças entre 2;6 e 5;11 de idade, estudantes de uma creche-escola municipal

de Maceió-AL / Maraísa Espíndola de Castro. – 2015.

99 f. : il.

Orientador: Miguel José Alves de Oliveira Junior.

Coorientadora: Luzia Miscow da Cruz Payão.

Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Alagoas.

Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística.

Maceió, 2015.

Bibliografia: f. 84-89.

Anexos: f. 90-99.

1. Aquisição fonológica. 2. Onset complexo. 3. Sílaba. 4. Segmento.

I. Título.

CDU:81’344

Aos meus pais, meus maiores

incentivadores, pelo amor incondicional e por

sempre confiarem e acreditarem em mim.

AGRADECIMENTOS

A Deus que me guia e me protege, iluminando meus caminhos e minha vida.

Ao Prof. Miguel Oliveira Jr., pelas orientações desde o projeto inicial de pesquisa para

a seleção de mestrado, sempre atento e prestativo; pelos conhecimentos partilhados

em suas aulas e no grupo de estudos FONUFAL; e pelo incentivo, compreensão e

confiança em mim depositada.

À Profa. Luzia Payão, que desde a iniciação científica na UNCISAL me orienta e me

incentiva em meus estudos, pela dedicada orientação nesta pesquisa. Por me ensinar

não só sobre as teorias, mas também a sua importância para a prática

fonoaudiológica, contribuindo para que eu me tornasse uma melhor profissional.

À Profa. Januacele Francisca da Costa, pela leitura atenta e observações desde o

projeto inicial deste estudo, quando me acolheu no Grupo de Estudos em Fonética e

Fonologia. E pelas importantes sugestões na qualificação que contribuíram para o

aprimoramento deste trabalho.

À Profa. Gabriela Silveira Sóstenes, que compôs a banca de defesa final da

dissertação, pelas importantes observações que ajudaram no refinamento do trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística (PPGLL) da Faculdade de

Letras da Universidade Federal de Alagoas, pela oportunidade e pelo apoio para

desenvolver este estudo. Aos professores do programa, pela dedicação e

conhecimentos compartilhados. E aos funcionários da secretária do PPGLL, sempre

prestativos.

À equipe escolar da Creche-Escola Mestre Izaldino: ao diretor Pedro, à vice-diretora

Norma, à coordenadora Cínthia, às professoras e auxiliares de sala, pela colaboração,

sendo todos tão atenciosos durante o período de coleta dos dados.

Às crianças, e seus responsáveis, que possibilitaram a realização desta pesquisa.

Ao Grupo de Estudos FONUFAL, pelo precioso aprendizado com todos os textos

apresentados e importantes sugestões em minhas apresentações.

Ao meu marido, Tiago, pelo companheirismo, apoio, paciência e compreensão,

principalmente durante a fase final de escrita da dissertação. Agradeço por todo amor

e cuidado, tornando esse período mais leve.

Às queridas amigas Ana, Aline, Ayane, Fábia, Jeylla e Priscila, sempre atenciosas e

dispostas a ajudar, pelos conhecimentos compartilhados, amizade e apoio.

Ao Musiliyu, por ser tão prestativo ajudando na redação do abstract.

Ao Prof. Lucyo Carvalho, pela importante ajuda nas análises estatísticas desta

pesquisa.

À Irainê Almeida, pela escuta atenta e conselhos preciosos.

A todos os meus colegas do PPGLL, pela parceria e trocas de conhecimentos.

Às minhas amigas de graduação, pelo incentivo e pela torcida.

À minha irmã, Mariana, pela amizade, apoio e por torcer sempre pelo meu sucesso.

À minha família, em especial meus pais Nilce e Gilvan, por toda torcida, ajuda e

incentivo.

RESUMO

Este estudo tem como objetivo a descrição e análise da aquisição do onset complexo por crianças com desenvolvimento fonológico típico entre 2;6 e 5;11 de idade, estudantes de uma creche-escola municipal pública de Maceió-AL. Denomina-se como onset complexo ou ramificado o constituinte silábico que apresenta dois elementos na posição de onset – uma obstruinte na primeira consoante, seguida de consoante líquida. A análise dos dados foi embasada na teoria da Geometria de Traços de Clements e Hume (1995), em Clements (2005) e na Teoria da Sílaba (SELKIRK, 1984). Foram incluídas 40 crianças matriculadas nos anos letivos de 2013 e 2014. Os dados foram coletados por meio da avaliação com o Teste de Linguagem Infantil – ABFW (WERTZNER, 2004) e fala espontânea. Em seguida, foi realizada análise estatística inferencial dos dados, sendo analisada a influência dos ambientes fonológicos na produção do onset complexo e os processos fonológicos. Constatou-se aquisição tardia do onset complexo, na faixa etária de 5;0-5;11, tanto para sílabas

compostas de obstruinte + /l/ como de obstruinte + //. Quanto às variáveis

influenciadoras na produção da sílaba CCV, foi constatada significância apenas na relação entre tonicidade e a produção-alvo do onset complexo com a líquida não-lateral. Em relação à prevalência dos processos fonológicos, constatou-se uma maior ocorrência do processo fonológico de simplificação para C1V. Na comparação entre as faixas etárias, observou-se uma gradual diminuição da ocorrência de processos fonológicos, até a estabilização do sistema fonológico das crianças na faixa etária de 5;0-5;11. As análises dos processos fonológicos e ambientes favoráveis realizadas fornecem informações importantes sobre a aquisição do onset complexo, auxiliando na seleção do léxico para avaliação e tratamento em casos de desenvolvimento atípico, contribuindo para elaboração e implementação de uma terapia mais efetiva.

Palavras-chave: Aquisição fonológica. Onset complexo. Sílaba. Segmento.

ABSTRACT

This study aims at describing and analyzing the phonological acquisition of complex onset in children with typical phonological development with age ranges from 2;6 (2 years 6 months) to 5;11 (5 years 11 months), who are students of a public primary school in Maceió, Alagoas. The complex onset or branching onset is the syllabic constituent which has two elements in the onset position – an obstruent in the first consonant followed by a liquid consonant. The data analysis was based on the Feature Geometry Theory of Clements & Hume (1995), in Clements (2005) and on the Syllable Theory (SELKIRK, 1984). A total of 40 children, enrolled in the 2013 and 2014 academic years, participated in this research. The data were collected through an assessment with the Child Language Test – ABFW (WERTZNER, 2004) and spontaneous speech. Then, a statistical analysis of the data was conducted by analyzing the influence of phonological environments in complex onset production and the phonological processes. It was observed a late acquisition of complex onset, with children aged from 5;0 to 5;11, in both syllable with obstruent + /l/ and obstruent with

//. With respect to influencing variables in the production of CCV syllable, significance

was noticed only in the relation between tonicity and the target production of complex onset with non-lateral liquid. In relation to the phonological processes prevalence, it was observed that the most frequent phonological process was the simplification for C1V. Comparing the age groups, there was a gradual decrease in the occurrence of phonological processes, until stabilization of the phonological system of children aged from 5;0 to 5; 11. The analyses of phonological processes and favorable environments conducted provide important information about the acquisition of complex onset, helping in lexicon selection to evaluation and treatment in cases of atypical development, and to development and implementation of a more effective therapy.

Keywords: Phonological Acquisition. Complex Onset. Syllable. Segment.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Hierarquia de nós e traços segundo Clements e Hume (1995). ............... 22

Figura 2 - Representação geométrica das consoantes. ............................................ 23

Figura 3 - Representação geométrica das vocoides. ................................................ 24

Figura 4 - Representação dos traços de raiz............................................................. 26

Figura 5 - Representação do nó vocálico, segundo Clements e Hume (1995). ........ 27

Figura 6 - Estrutura da sílaba hierarquizada (SELKIRK, 1982). ................................ 31

Figura 7 - Convenção de matrizes de traços dos constituintes para exemplo de uma

sílaba [flawns] do inglês (Selkirk, 1982). ................................................................... 31

Figura 8 - Índice de sonoridade proposto por Selkirk (1984). .................................... 34

Figura 9 - Escala de sonoridade proposta por Clements (1990). ‘O” é obstruinte, ‘N’ é

nasal, ‘L’ é líquida, ‘G’ é glide e ‘V’ vogal. ................................................................. 34

Figura 10 - Escala de sonoridade proposta por Bonet e Mascaró (1996). ................ 35

Figura 11 - Representação da relação entre os elementos prosódicos. ................... 36

Figura 12 - Representação da grade métrica de Halle e Vergnaud (1987). .............. 37

Figura 13 - Tipos de pés métricos segundo Hayes (1995). ....................................... 38

Figura 14 - Valores percentuais de produções-alvo em cada faixa etária nos dois

grupos de onset complexo estudados. ...................................................................... 59

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Escala de sonoridade proposto por Clements e Hume (1995, p. 269). ... 25

Quadro 2 - Escala de Robustez de traços de consoantes, proposta por Clements

(2005). ....................................................................................................................... 29

Quadro 3 - Descrição dos sujeitos avaliados com as informações de sexo e idade. 48

Quadro 4 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de nomeação e imitação do teste

realizado. ................................................................................................................... 50

Quadro 5 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de fala espontânea (o número

em parênteses corresponde ao N de cada palavra). ................................................. 51

Quadro 6 - Processos fonológicos envolvendo o onset complexo analisados. ......... 53

Quadro 7 - Variáveis e variantes encontradas para o onset complexo com a líquida

lateral /l/ e com a não-lateral //. ............................................................................... 62

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo (OC) nas diferentes faixas etárias. .................................................. 56

Tabela 2 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo (OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias. ................. 56

Tabela 3 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo (OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias. .......... 58

Tabela 4 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções

com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida

lateral. ....................................................................................................................... 63

Tabela 5 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções

com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida

não-lateral. ................................................................................................................ 65

Tabela 6 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo nas

diferentes faixas etárias analisadas. ......................................................................... 68

Tabela 7 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo

(OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias analisadas. ......................... 69

Tabela 8 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo

(OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias analisadas. .................. 70

Tabela 9 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo nos sexos masculino e feminino. ..................................................... 76

Tabela 10 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo nas diferentes faixas etárias nos dados de fala espontânea. .......... 77

Tabela 11 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo relacionando as faixas etárias de 2;6-2;11 e 3;0-3;11 nos dados de

fala espontânea. ........................................................................................................ 78

Tabela 12 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo relacionando as faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 nos dados de

fala espontânea. ........................................................................................................ 78

Tabela 13 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do

onset complexo relacionando as faixas etárias de 4;0-4;11 e 5;0-5;11 nos dados de

fala espontânea. ........................................................................................................ 79

Tabela 14 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo na

faixa etária de 2;6 a 2;11. .......................................................................................... 80

LISTA DE ABREVIATURAS

C - consoante

C1 - consoante que ocupa a primeira posição da sílaba CCV

C1V - sílaba CCV reduzida para CV composta de obstruinte + vogal

C2 - consoante que ocupa a segunda posição da sílaba CCV

C2V - sílaba CCV composta por líquida + vogal

CCV - consoante / consoante / vogal

CV - consoante / vogal

CVC - consoante / vogal / consoante

CVCV - consoante / vogal / consoante / vogal

FL - Faculdade da Linguagem

GU - Gramática Universal

MICT - Modelo Implicacional de Complexidade dos Traços

OC - onset complexo

PB - português brasileiro

S - sujeito

VC - vogal / consoante

IPA - International Phonetic Alphabet (Alfabeto Fonético Internacional)

LISTA DE SÍMBOLOS FONÉTICOS

[p] - oclusiva bilabial surda [b] - oclusiva bilabial sonora

[t] - oclusiva alveolar surda [d] - oclusiva alveolar sonora

[k] - oclusiva velar surda [g] - oclusiva vela sonora

[f] - fricativa labiodental surda [v] - fricativa labiodental sonora

[s] - fricativa alveolar surda [z] - fricativa alveolar sonora

[S] - fricativa palatal surda [Z] - fricativa palatal sonora

[h] - fricativa glotal surda [m] - nasal bilabial sonora

[n] - nasal alveolar sonora [ˉ] - nasal palatal sonora

[l] - lateral alveolar sonora [¥] - lateral palatal sonora

[] - vibrante simples alveolar [r] - vibrante múltipla alveolar

[x] - vibrante velar [j] - semivogal palatal

[w] - semivogal bilabial [i] - vogal anterior alta oral

[ĩ] - vogal anterior alta nasal [u] - vogal posterior alta oral

[ũ] - vogal posterior alta nasal [e] - vogal anterior média alta oral

[ẽ] - vogal anterior média alta nasal [o] - vogal posterior média alta oral

[õ] - vogal posterior média alta nasal [ɛ] - vogal anterior média baixa oral

[ç] - vogal posterior média baixa oral [a] - vogal central baixa oral

[ã] - vogal central baixa nasal [ ] - transcrição fonética

/ / - transcrição fonológica ʹ - sílaba acentuada (tônica)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 16

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 20

1.1 Os fonemas ................................................................................................. 20

1.1.1 Traços de consoantes .................................................................................. 25

1.1.1.1 Nó de raiz ..................................................................................................... 25

1.1.1.2 Nó laríngeo ................................................................................................... 26

1.1.1.3 Nó de cavidade oral ...................................................................................... 26

1.1.1.4 Nó de ponto .................................................................................................. 26

1.1.2 Traços de vogais .......................................................................................... 27

1.2 Teoria da sílaba........................................................................................... 30

1.2.1 Princípio de sequência de sonoridade .......................................................... 32

1.3 Teoria métrica ............................................................................................. 36

1.4 Aquisição da linguagem ............................................................................ 39

1.4.1 Aquisição fonológica ..................................................................................... 40

1.4.1.1 Aquisição do Onset Complexo ..................................................................... 41

2 METODOLOGIA........................................................................................... 47

2.1 Sujeitos da pesquisa .................................................................................. 47

2.2 Coleta dos dados ........................................................................................ 49

2.3 Instrumentos e procedimentos de descrição e análise .......................... 52

2.4 Variáveis analisadas ................................................................................... 52

3 ANÁLISE DOS DADOS – AQUISIÇÃO DO ONSET SOB A

INTERPRETAÇÃO DAS TEORIAS FONOLÓGICAS .............................................. 55

3.1 Análise dos dados coletados com o Teste de Linguagem Infantil ABFW

– Parte A: Fonologia – Provas de Imitação e Nomeação (WERTZNER, 2004) ... 55

3.1.1 Ambientes favoráveis à produção-alvo do onset complexo .......................... 60

3.1.2 Análise dos processos fonológicos observados na aquisição do onset

complexo ................................................................................................................... 67

3.2 Análise dos dados coletados por meio de fala espontânea ................... 76

3.3 Subsídios fonológicos para a prática clínica fonoaudiológica .............. 80

CONCLUSÕES ............................................................................................ 82

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 85

ANEXOS ...................................................................................................... 91

Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................... 92

Anexo B - Protocolo de anamnese ............................................................ 95

Anexo C - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW –

Protocolo de registro – Imitação ............................................................................ 97

Anexo D - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW –

Protocolo de registro – Nomeação ........................................................................ 98

Anexo E - Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial ..................... 99

16

INTRODUÇÃO

No presente estudo, será analisada a aquisição do onset complexo em crianças

com desenvolvimento fonológico típico. A aquisição fonológica considerada típica é

definida como aquela em que o domínio do sistema fonológico da língua-alvo é

atingido espontaneamente, em uma sequência comum à maior parte das crianças e

dentro de uma determinada faixa etária, que se estende, aproximadamente, dos 4;0

até, maximamente, os 6;0 (LAMPRECHT, 2004, p. 195).

O onset complexo caracteriza-se por ser um constituinte silábico que apresenta

duas consoantes na posição de início de sílaba, formando uma estrutura CCV –

Consoante-Consoante-Vogal. Em português, os grupos de onset complexos são

formados por uma obstruinte na primeira consoante, podendo ser /p, b, t, d, k, g, f, v/,

seguida da consoante líquida, que pode ser /l, /. Porém existem restrições para

essas combinações, pois a fonotática, ou seja, a distribuição dos segmentos nas

estruturas silábicas, na língua portuguesa do Brasil (doravante PB) não permite que

algumas associações de obstruinte + líquida ocorram. Além disso, algumas

combinações são encontradas em número reduzido de palavras. Esse fato que resulta

em uma diminuição ou mesmo falta de input1, dificulta a aquisição desses onsets. No

capítulo 1, a noção onset complexo será tratada mais detalhadamente.

Adotou-se neste trabalho a visão gerativista, segundo a qual o contato com

uma língua natural dispara o dispositivo inato da Faculdade da Linguagem (FL) capaz

de processar a aquisição da língua materna. A FL dá acesso à Gramática Universal

(GU), que corresponde ao estado inicial pré-linguístico da criança. A GU se constitui,

segundo a Teoria de Princípios e Parâmetros, em um conjunto de princípios que

caracteriza as gramáticas possíveis, a partir das quais são fixados parâmetros que

vão determinar as gramáticas particulares (CHOMSKY, 1981, p. 4-7).

Segundo Lamprecht (2004), a construção do sistema fonológico se processa

em etapas de forma similar para todas as crianças. Porém, dentro dessas etapas e

das características gerais do desenvolvimento fonológico pode-se verificar a

existência de variações individuais entre as crianças, tanto no que diz respeito à idade

de aquisição, como em relação aos processos fonológicos utilizados.

1 O input refere-se a toda fala percebida pela criança, seja dirigida a ela própria ou a terceiros (LAMPRECHT, 2004).

17

Matzenauer (2004) afirma que, apesar dessas diferenças individuais, em uma

mesma comunidade linguística, crianças muito diferentes e com experiências diversas

chegam a possuir gramáticas comparáveis e até praticamente idênticas.

A criança, durante o percurso de seu desenvolvimento fonológico, vai,

gradativamente, desenvolvendo suas habilidades cognitivas e fonoarticulatórias e, a

partir do input do falante adulto, realiza diferentes ajustes, organizando o seu sistema

fonológico a fim de atingir as palavras-alvo. Porém, se a palavra-alvo não coincidir

com formas mais simples que a criança já domina, como, por exemplo, a estrutura

silábica CV (consoante + vogal), ela provavelmente tenderá a evitá-la ou simplificá-la,

tentando ajustar as sequências de sons-alvo ao inventário que ela já possui. Essas

tentativas, que podem afetar uma classe ou sequência de sons são chamadas de

processos fonológicos e são observadas de forma sistemática na fala das crianças.

Alguns processos fonológicos fornecem evidências que apontam para a

representação subjacente do onset complexo existente na mente da criança, apesar

dessa sequência silábica ainda não ser evidenciada em sua fala. Esse fato pode ser

observado em um exemplo dos dados do presente estudo, no qual uma criança, ainda

não tendo adquirido o onset complexo, ao tentar produzir a palavra cruz, ao invés de

realizar uma simplificação da sílaba complexa para C1V, realiza o processo de

epêntese [kuʹuis]. Para alguns pesquisadores (RAMOS-PEREIRA, HENRICH e

RIBAS, 2010; MEZZOMO et al., 2012), esse processo já seria um indício de que a

criança possui esse constituinte silábico em sua representação mental.

Quanto à complexidade silábica, Lamprecht (2004) afirma que a estrutura CV

caracteriza-se por ser predominante no português, sendo considerada não-marcada

por estar presente em todas as línguas do mundo e por ser de emergência mais

precoce no processo de aquisição de diferentes sistemas linguísticos, a partir do input

fornecido. Por isso, observa-se a tendência da criança em simplificar o onset

complexo para uma estrutura mais simples no processo de aquisição da estrutura

silábica.

Segundo Ribas (2002), a razão desse constituinte silábico ser adquirida mais

tardiamente que os demais, pode residir na dificuldade articulatória que a sequência

de consoantes sem vogal interveniente oferece. No entanto, independente de existir

essa dificuldade, o onset complexo é adquirido por crianças com desenvolvimento

fonológico típico. Aquelas que não conseguem adquirir espontaneamente essa

18

estrutura silábica apresentam uma lacuna no seu sistema fonológico, caracterizando

um desenvolvimento atípico. Assim, além do caráter articulatório, deve existir uma

explicação baseada na fonologia que justifique essa aquisição tardia do onset

complexo. Assim, ressalta-se a importância de se realizar estudos em aquisição

fonológica, considerando-se as teorias fonológicas para a compreensão da natureza

dos desenvolvimentos fonológicos típicos.

Esta pesquisa tem como objetivo a descrição e análise da aquisição do onset

complexo por crianças com desenvolvimento fonológico típico entre 2;6 e 5;11 de

idade, estudantes de uma creche-escola municipal pública de Maceió-AL. Foi

realizada análise estatística inferencial dos dados, observando-se a influência dos

ambientes linguísticos na produção deste constituinte da estrutura silábica. Também

foram analisados os processos fonológicos presentes na fala das crianças, buscando-

se explicar as motivações fonológicas.

O interesse em estudar o onset complexo partiu da observação da aquisição

da estrutura silábica CCV por crianças com desenvolvimento fonológico típico, em

estudos na área de aquisição fonológica do PB (RIBAS, 2002; QUEIROGA et al.,

2011; BAESSO et al., 2012; MEZZOMO et al., 2012), além das evidências de

dificuldades de produção por crianças que apresentam aquisição atípica na prática

clínica fonoaudiológica.

A relevância desta pesquisa reside, portanto, na possibilidade de ampliar os

conhecimentos linguísticos sobre os aspectos relacionados com a aquisição do onset

complexo no desenvolvimento fonológico típico em crianças falantes do PB em

Maceió, fornecendo, além disso, subsídios para o diagnóstico e a atuação clínica

fonoaudiológica, como refere Ribas (2006).

Além disso, estudos em aquisição fonológica das estruturas silábicas, em

especial de sílabas com onset complexo, têm sido realizados a partir de dados do

português falado na região sul/sudeste do país. Na região nordeste pesquisas que

abordam o onset complexo ainda são restritas. Os dados de fala de crianças

residentes em Maceió da atual pesquisa irão contribuir para a diversificação das

discussões sobre a aquisição do onset complexo em diferentes dialetos do PB.

No Capítulo 1 são apresentados os modelos teóricos que norteiam esse

trabalho: a Geometria de Traços, a Teoria da Sílaba e a Teoria Métrica, além de ser

apresentado um levantamento bibliográfico de estudos relacionados com a aquisição

fonológica com enfoque no onset complexo e suas peculiaridades. O Capítulo 2

19

apresenta a metodologia usada no presente estudo, descrevendo os sujeitos

investigados, as variáveis, o método de coleta e a análise estatística. No Capítulo 3

são apresentados os resultados e uma discussão sobre esses achados, confrontando

esses dados com outros estudos em aquisição fonológica com crianças com

desenvolvimento típico no Brasil. Por fim, são apontadas as considerações finais.

20

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para identificar e caracterizar um desenvolvimento fonológico típico em uma

criança é preciso tanto verificar o inventário fonético que produz numa determinada

idade, como analisar o tipo de simplificação que ela faz quando comparado ao sistema

fonológico do adulto. Essa descrição comparativa dos padrões usados pela criança

pode ser feita seguindo-se vários modelos linguísticos, tanto os modelos lineares

(estruturais e gerativos clássicos) como não lineares (Fonologia Autossegmental,

Fonologia Lexical, Fonologia Métrica).

Neste capítulo serão apresentados os modelos teóricos que norteiam o

presente estudo, descrevendo-se a natureza dos fonemas e os traços distintivos que

os constituem e a organização dos fonemas para a formação e complexidade das

sílabas, especificamente, na constituição do onset complexo na aquisição fonológica

do PB, objeto de análise nesta pesquisa.

1.1 Os fonemas

Clements e Hume (1995) afirmam que tem sido amplamente aceito que as

unidades básicas da representação fonológica não são os segmentos e sim os traços,

os membros de um conjunto pequeno de categorias elementares que se combinam

de diversas formas para formar os sons da linguagem humana. Embora traços sejam

normalmente interpretados como entidades psicológicas, eles são definidos em

termos de padrões específicos de realizações acústica e articulatória que fornecem a

ligação crucial entre a representação cognitiva da fala e sua manifestação física

(CLEMENTS e HUME, 1995, p. 245)

O estudo dos traços oferece explicações para muitas generalizações no

domínio da aquisição de linguagem, distúrbios da linguagem e mudança histórica,

entre outras. A teoria de traços tem emergido como um dos maiores resultados da

ciência linguística deste século e tem fornecido forte confirmação da visão de que as

línguas não variam sem limite, mas refletem um padrão geral único, o qual é enraizado

nas capacidades físicas e cognitivas da espécie humana (CLEMENTS e HUME, 1995,

p. 245).

21

Matzenauer (2009, p. 51) também ressalta a relevância da análise de traços

distintivos, considerando esta basilar para desvendar-se a constituição de inventários

de consoantes no processo de aquisição.

As teorias lineares, que consideram os segmentos simplesmente como uma

coluna de traços, trouxeram diversos argumentos ao seu favor. Clements e Hume

(1995) citam o fato de serem conceitualmente simples, matematicamente tratáveis, e

imporem poderosos contrastes de modo que os traços possam ser organizados em

representações. Porém, apesar de suas vantagens, os modelos lineares têm duas

importantes inadequações. Primeiro, nesses modelos, todos os traços que definem

um fonema encontram-se em uma relação bijectiva, na qual cada valor de traço

caracteriza apenas um fonema e cada fonema é caracterizado por apenas um valor

de cada categoria. A segunda inadequação se deve à afirmação de que grupos de

traços não têm uma estrutura interna. Ou seja, os traços não são agrupados em

conjuntos maiores.

Tais problemas levaram ao desenvolvimento de teorias alternativas, os

modelos não-lineares. Dentre esses modelos, o de maior influência foi a teoria da

fonologia autossegmental, desenvolvida na década de 70 e início dos anos 80. Ao

contrário das teorias lineares, a Teoria Autossegmental pressupõe que os traços

podem se estender aquém ou além de um segmento.

A Teoria Autossegmental – com base na proposta inicial de Goldsmith (1976)

referentemente ao tom – caracteriza-se por tratar os traços fonológicos como

autossegmentos, ou seja, como unidades cujo domínio pode ser maior ou menor que

um segmento. Além disso, a representação desses segmentos é feita em diferentes

camadas ou tiers, dispostos em diferentes planos (CLEMENTS e HUME, 1995).

Dentre os modelos teóricos recentes que podem ser aplicados na aquisição

fonológica, destaca-se a contribuição da Geometria de Traços de Clements e Hume

(1995). Essa teoria, que se baseia nos pressupostos da fonologia autossegmental,

representou um acréscimo particular aos modelos fonológicos anteriores, ao defender

a existência de uma hierarquia entre os traços que integram a estrutura interna dos

segmentos. Ela tem como propriedades gerais: (a) valores de traços são arranjados

em camadas separadas, onde podem obter relações não-bijectivas (não-lineares) uns

com os outros; (b) traços são ao mesmo tempo organizados em arranjos hierárquicos,

nos quais cada constituinte pode funcionar como uma unidade única em regras

fonológicas.

22

Na Geometria de Traços, os segmentos são representados em uma

configuração de nós hierarquicamente organizados, na qual os nós terminais são

valores de traços e os nós intermediários representam os constituintes. Os nós

terminais são situados em diferentes camadas, permitindo expressar a sobreposição

de traços, como um padrão da fonologia autossegmental, numa estrutura arbórea,

como pode ser observado abaixo:

Fonte: Clements e Hume (1995, p. 249)

Nessa configuração hierárquica, todos os ramos da estrutura arbórea emanam

do nó superior (A), que corresponde ao próprio segmento. O nível logo abaixo

corresponde aos nós de classe (B, C, D, E), que incluem o nó laríngeo, nó de ponto,

entre outros, os quais dominam agrupamento de traços (a, b, c, d, e, f, g) e que podem

exercer funções isoladamente ou em classes naturais nas regras fonológicas.

A abordagem da Geometria de Traços tem como um de seus princípios

básicos: “as regras fonológicas desempenham apenas operações únicas”

(CLEMENTS e HUME, 1995). Esse princípio prevê, por exemplo, observando-se o

diagrama acima, que uma regra pode atingir os traços (d), (e), (f), (g), realizando uma

única operação no constituinte (C). Entretanto, nenhum processo pode atingir os nós

(c), (d), (e) em uma única operação, já que esses nós não formam um constituinte.

Isso significa, então, que apenas os conjuntos de traços que formam constituintes, ou

seja, que estejam ligados ao mesmo nó, poderão operar juntos em regras fonológicas.

Figura 1 - Hierarquia de nós e traços segundo Clements e Hume (1995).

23

Um segundo princípio prediz que: “a organização de traços é universalmente

determinada”, ou seja, é invariável em todas as línguas.

Clements e Hume (1995, p. 266-293) propuseram uma forma de distribuição de

traços em nós de classe para expressar a organização de consoantes e vogais

(Figuras 2 e 3), com as seguintes características: segmentação independente de

partes dos sons, interdependência e sobreposição dinâmica das constrições no trato

vocal, representadas pela organização interna dos traços distintivos.

Fonte: Clementes e Hume (1995, p. 292)

Figura 2 - Representação geométrica das consoantes.

24

Fonte: Clementes e Hume (1995, p. 292)

A partir da configuração da Geometria de Traços, pode ser explicada a

naturalidade dos processos fonológicos, ou seja: ao mostrar que uma determinada

regra fonológica pode ser usada em um dado conjunto de traços para a exclusão de

outros, podemos assumir que os conjuntos de traços sob um mesmo nó de classe

formam um constituinte na hierarquia de traços. Abaixo serão apresentados os nós

constituintes dessa hierarquia e os traços pertencentes a esses nós.

Figura 3 - Representação geométrica das vocoides.

25

1.1.1 Traços de consoantes

Os traços de consoantes representam, por meio de uma estrutura hierárquica,

os segmentos consonantais. Os nós constituintes dessa hierarquia são: o nó de raiz,

nó laríngeo, nó de cavidade oral e nó de ponto. Esses nós e seus respectivos traços

serão descritos detalhadamente abaixo.

1.1.1.1 Nó de raiz

O nó de raiz, dominando todos os traços, expressa a coerência do segmento

“melódico” como uma unidade fonológica (Clements e Hume, 1995, p. 268). É

atribuído um status especial ao nó de raiz, pois ele domina todos os outros traços e é

constituído pelos traços maiores [soante], [aproximante] e [vocoide]. A unidade desses

traços deriva de seu papel de dividir os segmentos em classes, de acordo com o valor

de sonoridade de cada classe: obstruintes, nasais, líquidas e vogais. A partir desses

traços uma escala de sonoridade dessas classes de segmentos é proposta em função

dos valores positivos de traços. No Quadro 1 a seguir estão classificados os graus de

sonoridade das classes segmentais conforme os traços distintivos constituintes:

Quadro 1 - Escala de sonoridade proposto por Clements e Hume (1995, p. 269).

[soante] [aproximante] [vocóide] Escala de

sonoridade

Obstruinte - - - 0

Nasal + - - 1

Líquida + + - 2

Vocoide + + + 3

Fonte: Clements e Hume (1995)

Essa classificação de sonoridade só é determinada pela ação conjunta dos três

traços do nó de raiz, os quais nunca podem espraiar ou desligar-se isoladamente.

Portanto, temos na Figura 4 a representação do nó de raiz:

26

Fonte: Clements e Hume (1995)

1.1.1.2 Nó laríngeo

O nó laríngeo tem como característica o fato dos traços laringais funcionarem

como uma unidade, não podendo espraiar-se ou desligar-se sozinhos. Os traços que

estão sob o domínio do nó laríngeo são: [glote constrita], [glote não-constrita],

[vozeamento] – traços equivalentes a [±aspirado], [±glotalizado] e [±vozeado].

1.1.1.3 Nó de cavidade oral

O nó de cavidade oral encontra-se em uma posição intermediária entre o nó de

ponto e o nó de raiz. Esse nó corresponde à noção articulatória de “constrição da

cavidade oral”, caracterizando-se como uma unidade funcional na fonologia, ao

determinar esse grau de constrição.

Liga-se ao nó de cavidade oral, o nó ponto de C e o traço [±contínuo], o qual

representa os segmentos que possuem ou não uma oclusão central no trato vocal.

Esse traço é responsável pela distinção entre as obstruintes, caracterizando as

plosivas com o traço [-contínuo] e as fricativas com o traço [+contínuo].

1.1.1.4 Nó de ponto

Os traços do nó de ponto determinam o ponto no trato vocal onde ocorre a

articulação dos segmentos. Esse nó funciona como uma unidade única, podendo, por

exemplo, espraiar-se independente dos traços dos demais nós. O nó de ponto é

formado pelos traços [labial], [coronal] e [dorsal]. O traço [coronal] engloba ainda os

traços dependentes [±anterior] e [±distribuído]. Os traços pertencentes ao nó de ponto

Figura 4 - Representação dos traços de raiz.

27

independem de traços que determinam o grau de abertura do trato vocal, como

[contínuo], [vocoide] e [soante].

1.1.2 Traços de vogais

Clements e Hume (1995) propõe uma representação unificada para as

consoantes e vocoides, sendo classificadas pelo mesmo conjunto de traços. Os

autores consideram dois parâmetros como característicos da constrição de qualquer

segmento produzido no trato oral: o grau da constrição e o lugar da constrição. As

vogais podem ser geometricamente representadas como podemos observar na Figura

5 abaixo:

Fonte: Clementes e Hume (1995, p. 277)

Com base nos articuladores utilizados para a realização dos segmentos

vocálicos, os traços de ponto das vogais estabelecem uma correspondência com os

traços de ponto de consoantes: [labial], que envolve os lábios como articulador ativo,

sendo representado pelas consoantes labiais e vogais arredondadas ou labializadas;

[coronal], o qual envolve a frente da língua como articulador ativo, incluído as

consoantes coronais e vogais frontais; e [dorsal], que envolve o corpo da língua como

articulador ativo, representado pelas consoantes dorsais e vogais posteriores. Esses

traços vocálicos funcionam como uma unidade, formando classes naturais.

Figura 5 - Representação do nó vocálico, segundo Clements e Hume (1995).

28

Já o nó de abertura, que pode ser observado na Figura 5, considera o grau

aproximado de constrição, dominando os traços referentes à altura da vogal.

Diferentemente de outros modelos, como o de Chomsky e Halle (1968) que definiram

esse traço das vogais binariamente ([±alto], [±baixo]), a Geometria de Traços usa

apenas o traço [aberto]. Este, por sua vez, é caracterizado por um sistema de alturas,

também hierarquicamente organizado em camadas.

Na perspectiva da geometria de traços, Mota (1996) elaborou um modelo

visando representar as relações existentes entre os traços marcados na aquisição de

complexidade segmental das consoantes do PB, denominado Modelo Implicacional

de Complexidade dos Traços (MICT). Essa proposta explica a variabilidade existente

entre os sistemas fonológicos em desenvolvimento (MOTA, 2001; BARBERENA,

KESKE-SOARES e MOTA, 2008).

Payão (2004) observa que no MICT é possível observar a variabilidade e a

complexidade gradual dos sistemas fonológicos em desenvolvimento das diversas

crianças, atendendo às peculiaridades individuais nas etapas da aquisição fonológica.

Embora essa variabilidade seja possível, ela se restringe aos limites impostos pelas

relações implicacionais, de dependência e hierarquia, entre os traços distintivos.

Clements (2005) apresentou uma gama de evidências de que os traços

distintivos desempenham um papel central na estruturação de inventários fonológicos

contrastivos. O autor defende cinco princípios que atendem a essas evidências:

a) Limite de Traços

b) Economia de Traços

c) Evitação de Traços Marcados

d) Robustez

e) Reforço Fonológico

Esses princípios interagem para predizer amplas propriedades dos sistemas de

sons, tais como simetria e a tendência dos sons de se dispersarem no espaço auditivo.

Os autores sugerem que essas propriedades gerais dos sistemas de sons devem

encontrar uma explicação na natureza da aquisição da linguagem.

Matzenauer (2009) analisou inventários fonológicos de crianças com desvio

fonológico com base na proposta teórica apresentada por Clements (2005). A autora

toma como basilar em sua análise o Princípio da Robustez, defendendo que esse

princípio pode ser determinante no processo de aquisição da fonologia considerado

29

atípico, pois prevê que alguns contrastes são altamente favorecidos em inventários

fonológicos, outros são menos favorecidos e outros são desfavorecidos.

Pelo Princípio da Robustez, Clements (2005) propõe uma hierarquia na qual as

oposições estabelecidas pelos traços que ocupam posição mais alta na geometria de

traços são mais favorecidas nos inventários fonológicos do que aquelas estabelecidas

pelos traços em posição mais baixa na hierarquia, como dispostas no Quadro 2, sendo

que os contrastes mais baixos na lista tendem a estar presentes em um inventário

somente se os contrastes mais altos também estiverem.

Quadro 2 - Escala de Robustez de traços de consoantes, proposta por Clements (2005).

Fonte: Clements e Hume (2005, p. 31)

Juntamente com o Princípio da Robustez, opera o Princípio da Evitação da

Marcação, já que os níveis mais altos da Escala apresentam também a propriedade

de implicarem coocorrências de traços não-marcados, ou seja, com menor

complexidade.

Serão adotados, na análise dos dados do presente estudo, os modelos teóricos

de Clements e Hume (1995) e Clements (2005), para explicar os aspectos segmentais

dos constituintes do onset complexo.

a) [±soante]

[labial]

[coronal]

[dorsal]

b) [±contínuo]

[±anterior]

c) [±voz]

[±nasal]

d) [glotal]

e) Outros

30

1.2 Teoria da sílaba

A fonologia é a organização de um número limitado de sons em sequências

fonotáticas possíveis, ou seja, é um conjunto de segmentos consonantais e vocálicos

que podem se combinar em um número finito de possibilidades, originando as sílabas,

que, por sua vez, reunidas, formarão palavras (RIBAS, 2009).

Para Cristófaro Silva (2011), a sílaba é uma unidade que agrega segmentos

consonantais e vocálicos, considerada unidade de análise importante na Fonologia

Autossegmental, na Fonologia Métrica e na Fonologia Prosódica. Bisol (2014) afirma

que a sílaba é a menor categoria prosódica, constituída por uma cabeça, que em

português é sempre uma vogal – o elemento de maior sonoridade – e os seus

dominados que a cercam, os segmentos consonantais e os glides.

Blevins (1995) define a sílaba como a unidade fonológica que organiza melodia

segmental em termos de sequências de sonoridade; os segmentos silábicos são

equivalentes a picos de sonoridade dentro dessas unidades organizacionais.

É possível separar duas correntes teóricas a respeito da sílaba, em função do

entendimento que têm sobre a organização da sua estrutura e aplicação de regras.

Há modelos que pressupõem uma estrutura plana como organização interna da

sílaba, em que a relação dos elementos se dá de modo linear; e outros em que essa

estrutura é, a partir de um modelo métrico, organizada hierarquicamente e a relação

entre os elementos é distinta em função de unidades menores que a sílaba.

(COLLISCHONN, 2014; RIBAS, 2009).

A sílaba, nesta última visão, consiste em um onset (O) e uma rima (R), sendo

que esta divide-se em núcleo (Nu) e coda (Co) (SELKIRK, 1982), como pode ser

observado na Figura 6 a seguir. Esse será o modelo adotado neste estudo.

31

Fonte: Selkirk (1982)

Selkirk (1982) afirma que os constituintes internos da sílaba são caracterizados

como um complexo de traços distintivos. Dessa forma, determinados traços distintivos

podem ocupar um dado nó da estrutura silábica e assim há possibilidade de que

algumas regras fonológicas não operem em uma matriz de traços particular, mas em

traços de constituintes de nós (RIBAS, 2002). Essa relação pode ser observada na

Figura 7.

Fonte: Ribas (2006)

Observa-se uma visão hierárquica da sílaba, de acordo com a qual a autora

estabelece a ligação entre vogais e consoantes na organização esqueletal silábica.

Há a inter-relação entre a estrutura autossegmental, disposta em camadas

hierárquicas e a estrutura silábica interna, que também se encontra numa disposição

hierárquica. A partir da inter-relação entre segmentos e estrutura silábica, que inclui

Figura 6 - Estrutura da sílaba hierarquizada (SELKIRK, 1982).

Figura 7 - Convenção de matrizes de traços dos constituintes para exemplo de

uma sílaba [flawns] do inglês (Selkirk, 1982).

32

aspectos fonotáticos e a aplicação de regras fonológicas, estabelecem-se as

condições de boa formação no nível das representações de palavras (PAYÃO, 2010).

Bisol (1999) explica que estrutura silábica e silabificação configuram duas

instruções diferentes, sendo que a primeira respeita os Princípios de Composição da

Sílaba Básica (PCSB), enquanto a silabificação atua a partir de princípios gerais,

universais. Assim, a representação subjacente da estrutura silábica contém, além dos

fonemas, um registro sobre o molde silábico e as condições específicas da língua,

referentes ao onset e à coda. A partir daí atuarão os princípios universais ao nível da

silabificação. Collischonn (2014) elenca os princípios que norteiam a formação da

sílaba:

(i) toda sílaba tem um núcleo;

(ii) a sequência CV é silabada como tautossilábica;

(iii) todo segmento realizado deve pertencer a uma sílaba;

(iv) a sequência de segmentos no onset e na coda deve obedecer ao Princípio de

Sequência de Sonoridade.

Existem duas formas de distinguir as sílabas em uma palavra: a abordagem de

regras e a abordagem de condições. A primeira considera que a silabação de uma

sequência de segmentos é feita por meio de regras de criação de estrutura silábica:

regras de formação do núcleo, regras de formação do ataque (ou onset), regras de

formação da coda. Essas regras são ordenadas entre si na seguinte ordem: núcleo –

ataque – coda. Já a segunda considera a silabação um processo automático que

obedece a determinadas condições, não ordenadas. As condições podem ser

paramétricas, ou seja, determinadas possibilidades nas quais cada língua faz sua

escolha, como, por exemplo, o molde silábico de cada língua; e universais, as quais

são as mesmas para todas as línguas. Uma das condições universais é a Sequência

de Sonoridade (COLLISCHONN, 2014).

1.2.1 Princípio de sequência de sonoridade

Praticamente todas as teorias que trabalham com a sílaba concordam que elas

seguem algum princípio de sonoridade regendo a organização interna dos seus

constituintes.

33

A sonoridade é uma característica da produção dos segmentos, ou seja, a base

do conceito vem da observação de como os sons são produzidos, em termos de

abertura/constrição, o que se reflete no nível fonológico de organização dos

segmentos. Elementos produzidos com grande sonoridade são aqueles em que a

emissão sonora se dá com livre fluxo do ar, sem encontrar constrição no trato vocal.

Por isso, as vogais são os elementos com maior grau de sonoridade e as obstruintes

aqueles com menor grau (RIBAS, 2002).

A escala de sonoridade tem um papel importante na estrutura silábica porque

se pode correlacionar a sonoridade relativa de um segmento com a posição que ele

ocupa no interior da sílaba. O elemento mais sonoro sempre ocupará o núcleo da

sílaba, ao passo que os elementos menos sonoros ocuparão as margens (onset e

coda). E quando há sequências de elementos dentro do ataque ou da coda, estas

apresentam sonoridade crescente em direção ao núcleo. (COLLISCHONN, 2014).

O Princípio de Sonoridade é regido em função do traço [±soante] e possui a

seguinte condição: em qualquer sílaba, o elemento com o maior grau de sonoridade

constitui o núcleo da sílaba, e este deve ser precedido/seguido por elementos de grau

de sonoridade crescente/decrescente, ou seja, os elementos menos sonoros devem

estar nas margens da sílaba.

Portanto, os segmentos na fonologia seguem uma hierarquia de sonoridade

onde uns são mais sonoros do que outros. Existem diferentes propostas na literatura

a fim de representar essa hierarquia de valores mais e menos sonoros da escala de

sonoridade. Além disso, essa não é uma ideia nova, sendo encontrados estudos

desde o final do século XIX.

Selkirk (1984) propõe uma sequência de sonoridade para as línguas,

organizando os segmentos em uma escala hierárquica de sonoridade, a qual será

adotada neste estudo, pois apresenta os diferentes graus de sonoridade das vogais.

Em sua proposta, Selkirk apresenta um índice de sonoridade onde cada segmento

possui um valor e aqueles com o mesmo valor formam uma classe natural. Essa

sequência pode ser vista na figura abaixo:

34

Fonte: Ribas (2002)

A autora defende que as vogais altas são menos sonoras do que as outras

vogais, e que os glides assemelham-se às vogais mais altas, mas não os considera

na hierarquia. O segmento /s/ é colocado mais alto do que as outras obstruentes, ou

seja, é mais sonoro do que essas, pois é acusticamente mais saliente (e também

perceptualmente), além de ocupar posições na sílaba que outras obstruintes não

ocupam (RIBAS, 2002).

Em um estudo sobre sonoridade e silabificação, Clements (1990) levanta vários

aspectos da sonoridade inerentes aos segmentos e propõe uma análise de

estruturação das sílabas em função dessas características, sugerindo uma escala

hierárquica de sonoridade que leva em conta os traços de raiz (Figura 9)

Fonte: Clements (1990)

Figura 8 - Índice de sonoridade proposto por Selkirk (1984).

Figura 9 - Escala de sonoridade proposta por Clements (1990). ‘O” é obstruinte,

‘N’ é nasal, ‘L’ é líquida, ‘G’ é glide e ‘V’ vogal.

35

Segundo Clements (1990), a silabificação é regida pelo Princípio do Ciclo de

Soância, o qual, por sua vez, é implementado por dois outros princípios: Silabificação

Geral e dispersão de Sonoridade.

Em um de seus trabalhos, Clements (1990) postula que as sílabas não são

divididas em ataque, núcleo e coda, mas sim em duas partes parcialmente

superpostas, as demissílabas, sendo que o pico silábico pertence a ambas

(COLLISCHONN, 2014).

Outra proposta para a sequência de sonoridade é a de Bonet e Mascaró (1996,

apud RIBAS, 2002). Os autores tentam explorar a relação das possíveis realizações

das líquidas não laterais e de outros segmentos nas línguas ibéricas, concentrando

suas atenções no contraste entre as róticas flap e trill em posição intervocálica. Em

onset, as posições nas quais essas róticas ocorrem são diferentes, porque o trill

aparece em onset simples, enquanto o flap aparece na segunda posição do onset

complexo. Portanto, o flap e o trill são colocados em diferentes posições na escala de

sonoridade, como pode ser observado abaixo:

Fonte: Ribas (2002)

A mesma escala é adotada em diversos estudos brasileiros em aquisição

fonológica, como Miranda (1996), Hernandorena e Lamprecht (1997) e Ribas (2002).

Observamos a partir do Princípio de Sequência de Sonoridade que existem

regras de boas condições de formação das sílabas, e que as sequências que mais se

adequam às condições desse Princípio são caracterizadas por serem menos

marcadas e são aquelas que as crianças vão preferir durante o processo de aquisição

da linguagem. Portanto, se justifica a aplicação desse princípio na análise dos dados

do presente estudo.

(0) Plosivas < (1) fricativas/trill < (2) nasais < (3) laterais < (4) flap/ glide < (5) vogais

Figura 10 - Escala de sonoridade proposta por Bonet e Mascaró (1996).

36

1.3 Teoria métrica

A Fonologia Métrica é o modelo teórico que, utilizando a concepção hierárquica

das estruturas linguísticas, permitiu uma nova representação da sílaba e uma análise

adequada do acento. (MATZENAUER, 2014)

Segundo Matzenauer (2014), as línguas podem apresentar três tipos básicos

de acento:

a) acento primário: o mais forte de uma palavra (cása);

b) acento secundário: o acento relativamente menos forte que o acento

primário de uma palavra (dócemente);

c) acento principal: o acento mais forte de uma sequência de palavras (vamos

cantár).

No modelo gerativo de Chomsky e Halle (1968), o traço [±acento] refere-se a

uma propriedade aplicada à vogal e não relacionada à sílaba. Nesse modelo teórico,

o acento é um traço distintivo como os demais, sendo atribuído por uma regra, pois,

na estrutura profunda, as vogais não são acentuadas (MATZENAUER, 2014; RIBAS,

2009).

Diferentemente, a Fonologia Métrica de Liberman e Prince (1977) considera o

acento uma propriedade da sílaba e não de um segmento. Neste novo modelo teórico,

somente uma sílaba pode ser portadora do acento primário. O acento é uma

proeminência que nasce da relação hierárquica entre os elementos prosódicos: sílaba

(σ), pé (Σ) e palavra fonológica (w). Essa representação se faz como pode ser

observado na Figura 11.

.

Fonte: Ribas (2002)

Figura 11 - Representação da relação entre os elementos prosódicos.

37

Portanto, a partir das novas concepções de Liberman e Price (1977), o acento

passa a ser entendido como o resultado da estruturação hierárquica dos constituintes

prosódicos, que tem como unidades básicas a sílaba, o pé e a palavra, sendo reflexo

de uma descrição não-linear do acento (RIBAS, 2002).

A sílaba se organiza em pés métricos e a posição do elemento dominante

(sílaba forte) estabelece o algoritmo acentual de uma língua (RIBAS, 2002).

Existem dois modelos a fim de representar o acento com base na relação entre

os constituintes prosódicos: um diagrama de “árvore” e também uma “grade métrica”.

A “árvore” é estabelecida a partir de sílabas que formam pés, sempre binários,

rotulados em termos de forte (‘s’ – strong) e fraco (“w” – weak). Já na “grade métrica”,

a hierarquia prosódica é calculada por uma Regra de Projeção de Proeminência

Relativa, segundo a qual em qualquer constituinte cuja relação forte/fraco esteja

definida, o elemento designado terminal do subconstituinte forte é metricamente mais

forte do que o elemento terminal do subconstituinte fraco (MATZENAUER, 2014).

A grade métrica de Liberman e Price (1977) organiza hierarquicamente, em

colunas, as relações entre os elementos e, assim, expressa também a força relativa

desses elementos: quanto mais extensa for a coluna, maior será sua força, assim

permitindo a visualização do ritmo.

Halle e Vergnaud (1987, p. 40) apresentaram uma proposta diferente de grade

métrica, a qual é formada por asteriscos e enriquecida pela formação de constituintes,

cujos limites são indicados por parênteses (Figura 12).

Fonte: Halle e Vergnaud (1987, p. 41)

A grade métrica de Halle e Vergnaud (1987, p.40-41) pressupõe um espaço

para cada sílaba. Na linha 0, são marcados os elementos acentuados, que são

possíveis portadores de proeminência acentual, as vogais, sendo cada espaço

marcado por meio de um asterisco, formando-se os constituintes. Na linha 1, apenas

( • • • • *) linha 2

(* • * • *) linha 1

(*)(* *)(* *) linha 0

Figura 12 - Representação da grade métrica de Halle e Vergnaud (1987).

38

os elementos mais fortes recebem um asterisco, ou seja, uma cabeça de cada

constituinte. Na linha 2, apenas a cabeça de toda a sequência recebe um asterisco.

Hayes (1991) propôs um modelo de grade em que o peso silábico é incorporado

aos próprios constituintes, os quais são chamados de pés. O autor afirma haver

apenas três tipos de sistemas de acento:

a) Sistemas de pé troqueu silábico: sistemas insensíveis ao peso silábico, com

constituintes binários de cabeça à esquerda.

b) Sistemas de pé troqueu mórico: sistemas sensíveis ao peso, com

constituintes binários de cabeça à esquerda.

c) Sistemas de pé iambo: sistemas com constituintes binários de cabeça à

direita.

Hayes (1995) toma desse conjunto de pés dois tipos basicamente: troqueu e

iambo (Figura 13). Esses pés são responsáveis não somente por explicar as

alternâncias dos elementos fortes e fracos, mas também por determinar a localização

do acento primário.

Fonte: Hayes (1995)

Partindo do pressuposto de que a maioria das palavras do português

apresenta-se como troqueus, ou seja, estrutura as sílabas em pés métricos binários

de núcleo à esquerda, Bisol (1992) argumenta que o acento é atribuído pela regra

abaixo:

Regra do Acento Primário

Domínio: a palavra

i. Atribua um asterisco (*) à sílaba pesada final, isto é, sílaba de rima

ramificada.

(* •) (• *)

σ σ σ σ

Pé troqueu Pé iambo

Figura 13 - Tipos de pés métricos segundo Hayes (1995).

39

ii. Nos demais casos, forme um constituinte binário (não-iterativamente)

com proeminência à esquerda, do tipo (* .), junto à borda direita da

palavra.

Para elaborar a regra do acento, Bisol (1992) utilizou as noções de peso silábico

e de pé métrico. Quanto ao peso silábico, a regra é sensível à sílaba pesada final,

sendo o acento atribuído às oxítonas terminadas em consoante ou ditongo. Quanto

ao pé, a regra determina que o acento irá cair sobre a segunda sílaba a contar da

borda direita da palavra, desde que a primeira não seja pesada, sendo o acento

atribuído às paroxítonas (COLLISCHONN, 2014).

As exceções à regra são resolvidas pelo recurso de extrametricidade, o qual

permite que um elemento (sílaba, mora ou segmento) não seja visto pela regra de

acento, resultando, assim, um recuo do acento uma sílaba à direita da sua posição

esperada.

1.4 Aquisição da linguagem

A criança nos primeiros anos de vida, ao fazer uso de uma palavra-alvo adulta,

possui meios limitados a sua disposição. Se a palavra-alvo coincide totalmente com

uma das formas mais simples2, ela provavelmente será produzida de modo adequado,

mas somente algumas palavras adultas se enquadrarão nessa categoria. Se a

palavra-alvo não fizer parte do conjunto de formas que a criança já domina, ela pode

ser simplificada ou evitada. Caso faça uma tentativa de produzi-la, a criança pode

buscar do seu repertório e tentar nova sequência de sons, ou, além disso, adaptar

esta palavra, modificando ou rearranjando alguns de seus sons, de maneira a ajustá-

la a uma forma canônica disponível (MENN; STOEL-GAMMON, 1997, p. 284).

O estágio inicial da aquisição da linguagem corresponde ao que é dado na

Gramática Universal. A Gramática Universal (GU), segundo a Teoria dos Princípios e

Parâmetros (CHOMSKY, 1981) “é a essência comum existente em todos os sistemas,

a partir da qual cada língua estrutura a sua gramática particular, ou seja, cada língua

estabelece parâmetros a partir de princípios universais” (MATZENAUER, 2004, p. 35).

A partir daí, a criança progride em direção a um aumento de complexidade em seu

2 Formas de estrutura silábica mais simples como, por exemplo, CV = consoante-vogal.

40

sistema fonológico por meio da admissão das estruturas/traços marcados, guiada

pelas evidências recebidas do input. (MOTA, 2001).

1.4.1 Aquisição Fonológica

Durante a aquisição fonológica, verifica-se a existência de variações

individuais entre as crianças, constatando-se, inclusive, que a possibilidade e a

abrangência dessas variações são bastante amplas. Essa variação dá-se tanto em

termos de idade de aquisição como também quanto aos caminhos percorridos – as

estratégias de reparo utilizadas – para atingir a produção adequada (MENN e STOEL-

GAMMON, 1997; LAMPRECHT, 2004; BARBERENA; KESKE-SOARES e MOTA,

2008).

Os processos fonológicos, também chamados de estratégias de reparo,

consistem em mudanças sistemáticas que afetam uma classe ou sequência de sons

e se constituem em descrições de padrões que ocorrem regularmente na fala da

criança com o objetivo de simplificar os alvos do adulto. (LOWE, 1996).

A noção de processo fonológico foi introduzida nos estudos de fonologia da

criança por Ingram (1976) e continua a ser bastante usada por tratar-se de um modelo

útil para descrever as simplificações sistemáticas do sistema fonológico do adulto

feitas pelas crianças (STOEL-GAMMON; DUNN, 1985). Esses processos podem ser

divididos em três categorias (GONÇALVES, 2002; SCHEUER; BEFI-LOPES e

WERTZNER, 2003):

Processos de estrutura silábica que alteram a estrutura silábica da palavra;

Processos de substituição, em que há a mudança de um som por outro de

outra classe, às vezes atingindo toda uma classe de sons;

Processos de assimilação, em que os sons mudam, tornando-se similares

a um som que vem antes ou depois.

Lamprecht (1986) adotou em seu estudo a classificação dos processos

fonológicos em duas categorias: processos de estrutura silábica e os de substituição.

Os processos de estrutura silábica incluem todos aqueles que causam apagamento

de segmento ou de sílaba, bem como a vocalização de líquidas, porque esse

processo, ao colocar uma vogal no lugar de uma consoante, altera a estrutura da

sílaba. Já os processos de substituição incluem os que causam substituição de fones,

inclusive por assimilação.

41

Alguns autores afirmam que por volta dos cinco anos de idade o sistema

fonológico está praticamente completo (LOWE, 1996; SCHEUER; BEFI-LOPES e

WERTZNER, 2003). No início da aquisição, o inventário de sons da fala é pequeno e

as possibilidades de distribuição desses sons nas estruturas silábicas são restritas.

Mas por volta dos 2 anos de idade as crianças já conseguem identificar diferenças

isoladas de segmentos entre palavras e as primeiras análises fonológicas ocorrem.

Existem algumas evidências que indicam que crianças muito pequenas muitas

vezes têm consciência da inadequação de suas produções das palavras alvos do

adulto, como, por exemplo, a evitação de palavras que não fazem parte de seu

repertório e as tentativas repetidas de autocorreção (MENN; STOEL-GAMMON, 1997;

PAYÃO, 2010).

Quanto à ordem de surgimento dos fonemas, os fonemas plosivos são os

primeiros fonemas a serem adquiridos, estando estabelecidos antes dos dois anos de

idade. Há uma preferência pelo estabelecimento de plosivas labiais e coronais em

detrimento das dorsais (FREITAS, 2004). Já a classe das líquidas é marcada por ser

de domínio mais tardio, sendo as líquidas não-laterais, também chamadas de

vibrantes, os últimos sons a serem adquiridos, por serem os mais complexos na

aquisição do sistema fonológico (PAYÃO, 2004; MEZZOMO e RIBAS, 2004).

As líquidas laterais e não-laterais podem aparecer em posição de onset

simples, onset complexo ou coda. Quando existem duas consoantes na posição de

onset, este é classificado como onset complexo, caracterizando a estrutura silábica

de aquisição mais tardia tanto no desenvolvimento típico como nos desvios

fonológicos (MEZZOMO e RIBAS, 2004; ATTONI et al., 2010).

Por ser de aquisição tardia, o onset complexo tem despertado interesse de

estudo, seja em crianças com desvios fonológicos ou no desenvolvimento fonológico

típico, analisando-se as peculiaridades de aquisição (STAUDT e FRONZA, 2010).

Além disso, tem sido cada vez mais destacada em estudos de aquisição fonológica a

importância das teorias fonológicas como fundamentais para o entendimento da

natureza dos desenvolvimentos fonológicos típicos e atípicos.

1.4.1.1 Aquisição do Onset Complexo

Denomina-se onset complexo ou ramificado o constituinte silábico que

apresenta dois elementos na posição de onset, formando um encontro consonantal

42

na mesma sílaba (LAMPRECHT, 2004, p. 217). Cristófaro Silva (2011, p. 164) define

esse constituinte silábico como uma “sequência de consoantes que ocorrem na

mesma sílaba e que ocupam duas posições esqueletais contíguas”.

Os onsets complexos (ou encontros consonantais) no português brasileiro são

constituídos por uma obstruinte na primeira posição (C1) /p, b, t, d, k, g, f, v/ e uma

líquida /l, / ocupando a segunda (C2). Porém, nem todas as combinações entre esses

dois elementos são possíveis. Os onsets iniciais com // na posição C2 podem ser:

/p, b, t, d, k, g, f/. Os onsets iniciais com /l/ na segunda posição podem ser:

/pl, bl, kl, gl, fl/. Quando o onset complexo estiver na posição medial, os grupos

possíveis com // são: /p, b, t, d, k, g, f, v/, ou seja, todas as obstruintes

possíveis combinadas com a líquida não-lateral. Já os grupos com /l/ na posição

medial podem ser: /pl, bl, tl, kl, gl, fl/ (RIBAS, 2006).

A aquisição do onset complexo no PB é caracterizada por ser a última

estrutura a alcançar estabilidade dentro do sistema fonológico da criança, fato que

tem sido comprovado em diversos estudos, além de ser observada a ocorrência de

regressões do seu uso durante o percurso de aquisição (WERTZNER, 2002; PAYÃO,

2004; ATTONI et al., 2010; RAMOS-PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010;

GIACCHINI, MOTA e MEZZOMO, 2011; GALEA, 2008).

Essa aquisição tardia pode decorrer do fato desse constituinte silábico

demandar uma maior habilidade de produção dos fonemas, uma vez que ele faz parte

de uma sílaba complexa, constituída por duas consoantes e uma vogal (RAMOS-

PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010).

Ribas (2002) demonstrou que não há uma ordem para a aquisição do onset

complexo, sugerindo, a partir dos achados de sua pesquisa com crianças da região

sul do país, que ambos, // e /l/, são adquiridos na segunda posição (C2) por volta de

5 anos de idade em crianças falantes do PB.

A consoante C2, da classe das líquidas, constitui a sílaba CCV, classificada

como a mais complexa. Trata-se de um segmento que compreende um traço mais

marcado, o [+aproximante], considerado traço mais complexo na hierarquia de

aquisição dos fonemas do PB e de aquisição mais tardia (MOTA, 1996).

Esse traço representa os segmentos produzidos com uma constrição no trato

vocal que permite o ar escapar com uma leve fricção (GUSSENHOVEN e JACOBS,

43

1998, p. 69). Para alguns autores, esse fato pode explicar, em parte, o apagamento

da segunda consoante de CCV, o seu deslocamento para outra sílaba ou sua

substituição (MEZZOMO; RIBAS, 2004; RIBAS, 2009; STAUDT e FRONZA, 2010).

Os processos mais observados por Ribas (2004) durante a aquisição do onset

complexo envolvem principalmente recursos cujo alvo é C2, ou seja, a líquida,

modificando a estrutura silábica ou apagando-a. Dentre esses processos, a

simplificação da estrutura para C1V ou apagamento da líquida é a estratégia mais

empregada por crianças com aquisição normal em diversos estudos (LAMPRECHT,

2004; FERRANTE, BORSEL e PEREIRA, 2009; MEZZOMO et al., 2012; BAESSO et

al., 2012).

São outros exemplos de processos fonológicos envolvendo o constituinte

silábico onset complexo: substituição de líquida, em que uma líquida é substituída por

outra (briga → ['bli.ga]); apagamento da líquida + substituição de obstruinte, processo

no qual a criança substitui a consoante C1 (braço → ['pa.su]); epêntese, que consiste

na inserção de um segmento vocálico ou consonantal, modificando a estrutura silábica

(trem → [te'.ẽj]); semivocalização, caracterizada pela substituição por um segmento

vocálico (prego → ['pjɛ.gu]); coalescência, que consiste na substituição de dois

segmentos contíguos por um único segmento que partilha traços dos dois segmentos

originais (trem → ['sẽj]); apagamento da líquida + assimilação, em que o traço da

obstruinte seguinte é assimilado (estraga → [is.'ka.ga]); apagamento da líquida +

metátese das plosivas, em que ocorre uma transposição intersilábica de fonemas

plosivos (dragão → [ga'.dãw]); produção de C2V, ou seja, omissão da obstruinte

(bicicleta → [bi'.lɛ.ta]); produção de V, na qual o onset é omitido (procurar → [o.ku'.ja])

(LAMPRECHT, 1986; RIBAS, 2004; RAMOS-PEREIRA; HENRICH e RIBAS, 2010).

Teixeira (1980, 1985) investigou a aquisição fonológica de crianças falantes

do PB, sob a abordagem da Fonologia Natural. A autora afirma que existem estágios

de aquisição do onset complexo: a) redução da sílaba CCV para C1V; b)

semivocalização da líquida; c) momento de confusão das líquidas, no qual a criança

substitui as líquidas em onset complexo; e d) realização correta.

Contrariando esses resultados, Ribas (2002) levantou os ambientes

facilitadores e as estrategias de reparo mais comuns para atingir a estrutura CCV -

informacoes relevantes quanto a diversidade de aspectos envolvidos na aquisicao

fonologica dessa estrutura silabica - e concluiu nao haver varios estagios de aquisicao

44

do onset complexo com aplicacao de diferentes estrategias em cada fase, mas sim

apenas dois momentos: o da producao C1V e o da producao correta. Ela observou

que a aquisicao da estrutura silabica e gradual nos dois grupos de onset complexo –

formados com as liquidas /l/ e //, mostrando curvas de aquisicao semelhantes. Logo,

as silabas CCV com /l/ e com o // como segunda consoante do onset sao adquiridas

simultaneamente, embora demonstrem algumas instabilidades no curso do

desenvolvimento. Esse resultado foi constatado em outros estudos, tais como Staudt

(2008) e Correia (2012). Isso demonstra que a criança está lidando com uma estrutura

silabica mais complexa, “e nao somente com o dominio dos segmentos que compoem

a silaba, ja que ambos os grupos sao adquiridos simultaneamente” (RIBAS, 2004, p.

159).

Queiroga et al. (2011) constataram que os onsets complexos constituídos por

obstruinte + // foram adquiridos antes dos constituídos por obstruinte + /l/. Porém,

algumas pesquisas relatam a aquisição do onset complexo com a líquida lateral

anteriormente à líquida não-lateral (DÓREA, 1998; ÁVILA, 2000). Estas últimas

atribuem à aquisição precoce do encontro consonantal com a líquida lateral ao fato da

aquisição deste segmento ocorrer antes em onset simples.

Baesso et al. (2012) analisaram o uso de estratégias de reparo no constituinte

onset complexo em crianças com desenvolvimento fonológico típico e atípico, e

encontraram as seguintes estratégias, utilizadas por crianças em desenvolvimento

fonológico normal na faixa etária entre 3;0 e 11;0: (i) a simplificação para C1V, (ii) a

alteração do traço da obstruinte, (iii) a alteração do traço da líquida, (iv) a epêntese e

(v) a metátese. Dessas estratégias, a mais frequente na fala das crianças foi a

simplificação para C1V.

Observou-se, nos estudos em aquisição fonológica do onset complexo, que a

causa da aquisição tardia desse constituinte da estrutura silábica não está na

realização da líquida apenas, ou seja, o nível de dificuldade não é o segmento, mas a

combinação de segmentos que essa estrutura ramificada apresenta. A complexidade

na produção do onset complexo não está somente na produção articulatória dos

segmentos, mas também nas características fonológicas da estrutura silábica.

As crianças que realizam determinadas estratégias, como a epêntese,

parecem estar mais sensíveis à estrutura da sílaba do onset complexo do que aquelas

que realizam a simplificação do encontro consonantal para uma estrutura silábica mais

45

simples (C1V), pois essas crianças estão realizando uma estratégia de reparo mais

complexa, e não uma simples redução. Estudos referem que a ocorrência desse

processo já seria uma tentativa de organização do sistema fonológico (RAMOS-

PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010; MEZZOMO et al., 2012).

Algumas crianças, apesar de ainda não dominarem um determinado

segmento ou estrutura silábica, podem já possuir uma representação mental desses

elementos em sua subjacência. Isto é notado pelo uso de determinadas estratégias

mais complexas e que demandam um maior conhecimento do funcionamento da

língua, como, por exemplo, a realização de uma metátese ou epêntese.

Miranda (1996) pesquisou a aquisição do // e quanto à posição de C2 do

onset complexo concluiu que este está adquirido aos 3:9. As vogais /u/ e /i/, a

obstruinte dorsal e a sílaba tônica apareceram como facilitadoras para a produção

correta do onset complexo, enquanto a obstruinte coronal mostrou ser o ambiente que

menos favorece a realização.

Mezzomo et al. (2012) verificou se determinadas variáveis, tanto linguísticas

quanto extra-linguísticas influenciam significantemente na produção do onset

complexo no desenvolvimento fonológico típico. Os resultados mostraram que apenas

as variáveis extralinguísticas - sexo, idade - influenciam a produção dos onsets

complexos, já que eles ocorreram mais entre os sujeitos do sexo masculino e com

idade de 5;0 a 5;5.29. Em relação à estratégia de apagamento de C2 (ex.: bloco –

[‘bku]), as variáveis extra-linguísticas e linguísticas influenciadoras foram: sexo

masculino, idade de 2;6 a 2;11.29 e posição medial na palavra, como na palavra

cabrito. Por fim, em relação ao uso da estratégia de metátese (ex.: prato – [‘patu), as

variáveis favoráveis foram: sexo masculino, faixa etária de 4;0 a 4;5.29 e contexto

silábico seguinte constituído por sílaba travada com coda simples e onset simples,

como em compra. Quanto aos processos fonológicos, o de maior ocorrência foi o

apagamento de C2.

Outro estudo (QUEIROGA et al., 2011), realizado na região metropolitana de

Recife, verificou que os fatores influenciadores na produção correta do onset

complexo foram: posição na palavra, a tonicidade, o tipo de estrutura silábica e os

contextos linguísticos precedente e consequente. Em relação à posição do onset

complexo na palavra e à tonicidade, a posição em onset medial e na sílaba pré-tônica

favoreceu na produção dessa estrutura silábica.

46

Em relação à influência do contexto linguístico precedente à líquida e do

consequente, observou-se o início precoce da aquisição do onset complexo nas

palavras nas quais a obstruinte consistia de uma plosiva bilabial e de contexto

consequente /i/.

Em seu estudo, Ribas (2002) encontrou como variáveis favoráveis à produção

correta do onset complexo com //: o contexto antecedente e a localização no pé

métrico. A sílaba /bi/ na sílaba fraca do pé métrico e antecedida pela vogal /o/ foi a

que apresentou ambiente mais favorável à produção do onset complexo. Já em

relação ao grupo com /l/, as variáveis facilitadoras foram: a vogal /a/ como contexto

seguinte e idade de 5;0, considerada a idade de estabilidade do onset complexo para

ambos os grupos.

Magalhães (2000) pesquisou a produção dos encontros consonantais de

oclusiva mais líquida não-lateral em 10 crianças entre 2 e 4;6, residentes na região do

Triângulo Mineiro, sob a perspectiva de análise com a Geometria de Traços. Um dos

aspectos verificados pelo autor foi a produção das crianças em palavras como ‘trilho’

e ‘quadrinho’. Se a realização era C1V, observou-se a aplicação ou não da regra de

palatalização, que é característica na região em que as crianças estão inseridas. O

fato de as crianças não aplicarem a regra, mostrou, indiretamente, a existência da

segunda consoante na representação subjacente, o que impede o contexto para a

palatalização. O mesmo aspecto foi constatado por Ramos (1996).

Estudos a respeito da aquisição do onset complexo levantam hipóteses acerca

de suas peculiaridades na aquisição e são de grande relevância, pois possibilitam

ampliar os conhecimentos linguísticos, importantes para compreender os aspectos

relacionados com a aquisição desta sequência silábica.

47

2 METODOLOGIA

A presente pesquisa caracteriza-se por ser uma análise de dados de fala, de

caráter descritivo e transversal. Ou seja, trata de um estudo onde os dados são

coletados uma única vez e no mesmo intervalo de tempo, sem uma intervenção ativa

do pesquisador. Foram analisados dados de fala de crianças com desenvolvimento

fonológico típico, na faixa etária entre 2;6 e 5;11 anos, estudantes de uma creche-

escola da rede pública de Educação Infantil no município de Maceió3.

2.1 Sujeitos da pesquisa

Foram incluídas neste estudo 40 crianças matriculadas nos anos letivos de

2013 e 2014, com faixa etária entre 2;6 e 5;11 anos, devidamente autorizadas pelos

responsáveis para participarem deste estudo, mediante assinatura de Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A). Crianças que apresentaram

comprometimentos auditivos, motores eou cognitivos, que pudessem influenciar na

aprendizagem e no desenvolvimento de linguagem, não foram incluídas no estudo.

A creche-escola, na qual estão matriculadas as crianças participantes do

presente estudo, situa-se no bairro Pontal da Barra, que pertence ao II DSS4 de

Maceió, que conta com nove equipes de saúde da família. O II Distrito é composto

pelos bairros do Centro, Levada, Prado, Ponta Grossa, Vergel do Lago, Trapiche da

Barra e Pontal da Barra, que totalizam 25.920 habitantes.

As amostras foram divididas em quatro faixas etárias: 2;6-2;11; 3;0-3;11; 4;0-

4;1 e 5;0-5;11, como pode ser observado no Quadro 3.

3 As amostras de fala que foram coletadas e analisadas nessa pesquisa fazem parte do banco de dados do projeto "Avaliação fonético-fonológica em crianças com desenvolvimento típico, estudantes da Educação Infantil de escolas municipais públicas de Maceió – AL", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, sob o número 13091813.8.0000.5013. 4 II DSS = Segundo Distrito Sanitário de Saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) utiliza uma variedade de nomenclatura e divisões territoriais para operacionalizar suas ações. Dentre essas divisões, se enquadram os distritos sanitários, os quais são áreas de atuação de caráter administrativo, gerencial, econômico ou político, que se estruturam no espaço e criam territórios próprios, dotados de poder.

48

Quadro 3 - Descrição dos sujeitos avaliados com as informações de sexo e idade.

Fonte: Autora (2015)

Sujeito Sexo Idade

2:6

- 2

:11

S1 F 2;6

S2 F 2;6

S3 M 2;6

S4 M 2;6

S5 F 2;7

S6 F 2;8

S7 F 2;9

S8 F 2;10

3:0

- 3

:11

S9 M 3;2

S10 M 3;4

S11 M 3;6

S12 M 3;6

S13 M 3;6

S14 F 3;7

S15 M 3;7

S16 F 3;8

S17 F 3;9

S18 F 3;10

4:0

- 4

:11

S19 F 4;1

S20 F 4;2

S21 M 4;3

S22 M 4;3

S23 F 4;4

S24 F 4;5

S25 M 4;5

S26 M 4;7

S27 M 4;8

S28 F 4;9

S29 F 4;9

S30 M 4;11

5:0

- 5

:11

S31 M 5;0

S32 F 5;0

S33 F 5;1

S34 F 5;3

S35 M 5;4

S36 M 5;8

S37 M 5;8

S38 F 5;9

S39 F 5;9

S40 M 5;11

49

2.2 Coleta dos dados

A avaliação da fala das crianças seguiu as etapas abaixo apresentadas, para

fins de caracterização do corpus e descrição dos comportamentos referentes ao

desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas, de audição e das funções

orofaciais da amostra:

I. Anamnese Global

Realização de anamnese (Anexo B) junto aos cuidadores, a fim de obter o perfil

de desenvolvimento de cada criança, considerando as informações colhidas dos

responsáveis quanto a fatores de risco na gestação, no parto, o desenvolvimento

motor (o andar e a fala), o desenvolvimento auditivo, características emocionais, o

desempenho escolar e se há a presença de alterações de fala.

II. Avaliação Fonética-fonológica com teste de fonologia com vocabulário

fechado

Para crianças de 3;0 a 5;11 foi adotada a Parte A: Fonologia do Teste de

Linguagem Infantil – ABFW (Anexos C e D), proposta por Wertzner (2004), para

verificar o inventário fonético das crianças, assim como as regras fonológicas que

foram utilizadas. O teste inclui duas provas: a imitação e a nomeação. Essa avaliação

não foi realizada na faixa etária de 2;6-2;11 devido à não colaboração das crianças.

Na prova de imitação, que compreende 39 vocábulos, o examinador solicitou à

criança que repetisse cada palavra que lhe era dita. Caso não o fizesse, ou a emissão

fosse ininteligível, o examinador solicitava ao sujeito que repetisse o vocábulo no final

da lista. A resposta da criança foi registrada em transcrição fonética.

Na prova de nomeação, que compreende 34 vocábulos relacionados a figuras,

o examinador pediu à criança que dissesse o nome da figura mostrada. Era importante

verificar se as figuras estavam colocadas frente ao sujeito, possibilitando-lhe uma

visão clara. Caso a criança não soubesse o nome da figura, seria preciso nomeá-la,

mostrando-lhe a seguir 5 figuras subsequentes para só então retornar àquela não

nomeada, solicitando-lhe, outra vez, que a nomeie. As respostas foram registradas

em transcrição fonética no formulário apropriado. Caso o sujeito não nomeasse a

figura ou o fizesse de forma inadequada depois da segunda tentativa, o examinador

50

registraria o ocorrido. Em nenhum caso foi solicitado ao sujeito que repetisse uma

palavra da nomeação.

Para a análise da fala das crianças neste estudo, foram consideradas as

palavras da Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW, proposta por

Wertzner (2004), que possuíam como alvo o onset complexo, constituindo um total de

20 palavras ou types5, sendo 7 com a líquida lateral /l/ e 13 com a líquida não-lateral

// (Quadro 4).

Quadro 4 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de nomeação e imitação do teste realizado.

Palavras com OC produzidas no teste ABFW

Livro

Blusa

Trator

Prato

Braço

Zebra

Planta

Cruz

Prego

Branco

Travessa

Droga

Cravo

Grosso

Fraco

Plástico

Bloco

Clube

Globo

Flauta Fonte: Autora (2015)

III. Avaliação de fala espontânea

Foi realizada avaliação da fala espontânea com todas as crianças desse

estudo, incluindo a faixa etária de 2;6-2;11. Foram realizados registros de áudio de

dinâmica de fala espontânea entre a avaliadora e as crianças, as quais foram

5 Segundo Lamprecht (2004), type corresponde a uma categoria de palavra em uma amostra de fala. Por exemplo: a palavra planta é um type que pode ter diferentes produções pelas crianças.

51

motivadas a interagir, a partir da história contada pela avaliadora. O livro infantil

utilizado foi “A Cinderela das bonecas” (Rocha, 2011). Foram consideradas todas as

palavras contendo onset complexo observadas nas produções de fala espontânea das

crianças, totalizando 55 palavras, 9 com a líquida lateral /l/ e 46 com a líquida não-

lateral // (Quadro 5).

Quadro 5 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de fala espontânea (o número em parênteses corresponde ao N de cada palavra).

Palavras com onset complexo produzidas na avaliação de fala espontânea

Abra (8) Cristal (1) Plantinha (3)

Abraçou (1) Entrar (1) Plumas (1)

Abriu (1) Esfregando (1) Praia (1)

Andreza (1) Estrela (31) Prego (2)

Assoprando (1) Estrelinha (9) Presente (15)

Assoprar (3) Flor (34) Preto (1)

Bicicleta (1) Flores (10) Princesa (32)

Branca (26) Floresta (1) Quatro (4)

Brigadeiro (35) Gabriela (1) Quebrado (1)

Brilho (1) Grandão (1) Sandro (1)

Brincando (35) Grande (2) Soprar (4)

Brincar (1) Grandes (1) Trança (15)

Brinco (32) Microfone (1) Trancar (1)

Brinquedo (2) Obrigado (1) Trancinha (1)

Bruxa (2) Pedra (15) Três (32)

Clara (1) Pedras (1) Triste (2)

Cobra (1) Pedrinha (1) Vidro (1)

Criança (23) Planta (34)

Crianças (2) Plantando (1) Fonte: Autora (2015)

III. Avaliação das estruturas fonoarticulatórias

Foi realizada avaliação da postura habitual e da forma anatômica da arcada

dentária, língua, lábios e bochechas; além da conformação facial e da dinâmica

dessas estruturas no desempenho da articulação da fala e nas funções orais, como

mastigação, deglutição e respiração (Anexo E), que influenciam a produção de fala

das crianças. Essa avaliação foi realizada na própria escola, no turno frequentado

pelas crianças.

52

2.3 Instrumentos e procedimentos de descrição e análise

Os dados de fala da avaliação com teste de fonologia e fala espontânea foram

gravadas em gravador digital de alta fidelidade, formato Wav, Marantz Professional,

modelo PMD661 – Portable Solid State Recorder; utilizando-se de microfone

Beyerdynamic, modelo MJ-53. A coleta foi realizada em uma sala de aula reservada,

mais afastada do pátio onde era realizada a recreação, a fim de se minimizar os ruídos

externos que viessem a prejudicar a qualidade da gravação.

Foram realizadas transcrições fonéticas e análises dos processos fonológicos

das amostras coletadas, a partir da escuta das gravações. As transcrições foram feitas

com os símbolos do alfabeto fonético internacional (IPA – International Phonetic

Alphabet, 1993) e foram, posteriormente, computadas e classificadas em tabelas.

No Teste de Linguagem Infantil ABFW – Área de Fonologia (WERTZNER,

2004) dentre os vocábulos determinados nas provas de imitação e nomeação foram

totalizados 640 tokens6 ou produções, computados 224 com a líquida lateral e 416

contendo a líquida não-lateral.

Na avaliação de fala espontânea foram registrados 441 tokens, 86 com a

líquida lateral e 355 com a líquida não-lateral.

Foi realizada análise estatística inferencial dos dados por meio do teste qui-

quadrado, sendo considerado alfa significante <0,05. Foi utilizado o software BIOEST

5.0.

2.4 Variáveis analisadas

Para que os dados fossem computados, tabulados e transformados em tabelas,

foram consideradas as variáveis a seguir.

As variáveis linguísticas analisadas foram: a produções-alvo, produções com

processos fonológicos e os diferentes ambientes fonológicos

Em relação aos processos fonológicos, foram considerados na análise todos

aqueles que puderam ser observados na fala das crianças desse estudo. Esses

processos estão expostos no Quadro 6.

6 Segundo Lamprecht (2004), token corresponde a uma realização de uma palavra. Por exemplo: as produções [ʹglobu], [ʹgobu] e [ʹgoblu] são diferentes tokens de uma mesma palavra.

53

Quadro 6 - Processos fonológicos envolvendo o onset complexo analisados.

Processos fonológicos Exemplos

Simplificação para a sílaba C1V livro → ['li.vu]

Substituição de líquida prego → ['plɛ.gu]

Metátese trator → [ta.'to]

Epêntese cruz → [ku.'ujs]

Substituição de obstruinte grosso → ['bo.su]

Simplificação para C2V plástico → ['la.ʃi.ku]

Fonte: Autora (2015)

Quanto aos ambientes fonológicos analisados, foram analisados todos os

ambientes relacionados com o onset complexo que puderam ser observados nos

dados de fala coletados:

I. Contexto precedente - /e/ (ex.: [ʹzeba]); /i/ (ex.: [ʹlivu]) e contexto nulo (ex.:

[ʹplãta]).

II. Contexto seguinte - /a/ (ex.: [ʹbasu]); /ɛ/ (ex.: [ʹpɛgu]); /o/ (ex.: [ʹgosu]); //

(ex.: [ʹdga]) e /u/ (ex.: [ʹklubi]).

III. Posição na palavra – início (ex.: [ʹbluza]) e meio de palavra (ex.: [ʹlivu]).

IV. Tonicidade - sílaba forte do pé métrico do acento (ex.: [ʹpatu]); sílaba fraca

do pé métrico (ex.: [ʹzeba]) e sílaba fora do pé métrico (ex.: [taʹvɛsa]).

V. Ponto da obstruinte - labial (ex.: [ʹbãku]); coronal (ex.: [taʹvɛsa]) e dorsal

(ex.: [ʹglobo]).

VI. Modo da obstruinte - plosiva (ex.: [ʹgosu]) e fricativa (ex.: [ʹflawta]).

VII. Vozeamento da obstruinte – desvozeada (ex.: [ʹfaku]) e vozeada (ex.:

[ʹblku]).

As variáveis extra-linguísticas analisadas foram: o sexo e a idade.

A literatura tem comparado o desempenho de meninos e meninas em relação

a aquisição fonológica. Alguns estudos encontraram um melhor desempenho em

meninas (QUEIROGA et al., 2011, MEZZOMO et al., 2012). Ribas (2002) encontrou

também um melhor desempenho de produções adequadas do onset complexo com a

líquida não-lateral em meninas, porém com a líquida lateral, os meninos apresentam

54

um melhor desempenho. Assim, foi incluída a variável sexo, a fim de confrontar os

achados do presente estudo com a literatura.

Para a análise da variável idade, foram consideradas 4 faixas etárias neste

estudo: 2;6-2;11; 3;0-3;11; 4;0-4;11 e 5;0-5;11, que abrange todo o espectro de dados

coletados e corresponde ao período em que se pode observar do início à estabilização

da aquisição do onset complexo em crianças com desenvolvimento fonológico típico,

como se observou em outros estudos (QUEIROGA et al., 2011, MEZZOMO et al.,

2012). Alguns estudos investigaram a aquisição em crianças de idade menor que 2;0

anos (RIBAS, 2002; BAESSO et al., 2012). Porém, Payão (2010), ao investigar a

influência do acento e o preenchimento segmental de unidades prosódicas em dados

de fala de duas crianças entre 1;0.4 e 2;1.10 de idade, constatou a primeira produção

do onset completo em uma das crianças aos 2;1.10 anos.

Na literatura tem sido observada a divisão de faixas etárias por semestres

(QUEIROGA et al., 2011, MEZZOMO et al., 2012). Porém não são encontradas

diferenças relevantes ao utilizar essa divisão. Ribas (2002) afirmou ter observado

características semelhantes ao realizar uma divisão bimestral das faixas etárias de

seu estudo, realizando uma divisão para discussão de seus dados em quatro fases

(1;0-1;11, 2;0-3;0, 3;2-4;0 e 4;2-5;3), caracterizando-as como o curso de aquisição do

onset complexo. Essa divisão foi adotada no presente estudo, pois outra divisão não

apresentaria grupos homogêneos de crianças, devido às diferentes idades avaliadas.

Além disso, foram considerados os critérios pedagógicos de divisão de faixas etárias

por turmas da creche-escola onde os dados foram coletados.

55

3 ANÁLISE DOS DADOS – AQUISIÇÃO DO ONSET SOB A INTERPRETAÇÃO DAS

TEORIAS FONOLÓGICAS

Neste capítulo serão apresentados os resultados quanto aos percentuais de

produções-alvo nas faixas etárias de 2;6-2;11, 3;0-3;11, 4;0-4;11 e 5;0-5;11,

elencados os processos fonológicos encontrados na fala das crianças e os ambientes

favoráveis à produção do onset complexo, e respectivas análises estatísticas. A

exposição dos resultados e as posteriores discussões serão divididas em duas partes:

a primeira apresenta a análise dos dados coletados a partir da aplicação de Teste de

Linguagem Infantil ABFW – Parte A: Fonologia (WERTZNER, 2004) nas provas de

imitação e nomeação de vocábulos e a segunda apresenta a análise dos dados de

fala espontânea.

A justificativa para realizar a análise dos dados de fala espontânea foi incluir as

crianças a partir da faixa etária de 2;6 até 2;11 na análise, já que não poderiam ser

comparadas na primeira análise, pois não colaborariam com a avaliação por meio do

Teste de Linguagem Infantil ABFW.

3.1 Análise dos dados coletados com o Teste de Linguagem Infantil ABFW –

Parte A: Fonologia – Provas de Imitação e Nomeação (WERTZNER, 2004)

A partir da aplicação das provas de imitação e nomeação, do Teste de

Linguagem Infantil ABFW, foram obtidas 200 produções na faixa etária de 3;0 a 3;11

de idade, 240 na faixa de 4;0 a 4;11 e 200 na faixa etária de 5:0 a 5:11. A Tabela 1

apresenta a quantidade e o percentual de produções-alvo do onset complexo e

produções com processos fonológicos em cada uma das faixas etárias. A partir da

análise estatística foi obtido p-valor inferior a 0.0001, indicando relação significativa

entre as faixas etárias e as produções-alvo e com processos fonológicos do onset

complexo.

56

Tabela 1 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo (OC) nas diferentes faixas etárias.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Produção do OC N (%) N (%) N (%) P-valor

Produções-alvo 66 33,00 118 49,17 139 69,50 < 0.0001

Produções com processos fonológicos

134 67,00 122 50,83 61 30,50

Fonte: Autora (2015)

Conforme observa-se acima, na primeira faixa etária o percentual de produções

com processos fonológicos é maior que o de produções-alvo. Já na faixa etária dos

quatro anos de idade os percentuais encontram-se bastante próximos, enquanto na

faixa etária dos cinco anos de idade o percentual de produções-alvo eleva-se,

invertendo a relação encontrada na faixa etária dos três anos de idade.

Esses achados corroboram com outros estudos (RIBAS, 2002; MEZZOMO,

2012). Ribas (2002, p. 127) afirma que “à medida que a criança vai ficando mais velha,

vai apresentando condições de produzir a estrutura silábica CCV”. Assim, o valor de

p< 0.0001 encontrado se justifica, refletindo-se na aprendizagem desse componente

silábico complexo em idades mais avançadas do desenvolvimento linguístico das

crianças.

As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, as quantidades e valores

percentuais das produções-alvo e produções com processos fonológicos dos onsets

complexos contendo as líquidas lateral e não-lateral separadamente, a fim de se

observar se as características encontradas em relação às faixas etárias se

diferenciam quando são comparados os dois grupos de onsets complexos.

Tabela 2 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo (OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Produção do OC com /l/

N (%) N (%) N (%) P-valor

Produções-alvo 25 35,71 36 42,86 34 48,57 0.3042

Produções com processos fonológicos

45 64,29 48 57,14 36 51,43

Fonte: Autora (2015)

57

De acordo com a Tabela 2 não foi obtido p-valor significativo para os valores

de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo com a

líquida lateral /l/ quando comparadas as três faixas etárias, denotando que não há

diferenciação significativa entre as faixas etárias. Observando-se os valores

percentuais, constata-se, na faixa etária de 3;0 a 3;11, um percentual de produções

com processos fonológicos mais elevado. Nas faixas etárias de quatro e de cinco

anos, os percentuais de produções com processos fonológicos também são mais

elevados, porém com valores mais próximos dos percentuais de produções-alvo em

ambas, principalmente na faixa etária de 5;0-5;11.

O pior desempenho nessas faixas etárias, principalmente nas crianças de 5

anos, pode ser atribuído ao fato de realizarem com frequência o processo de

substituição da líquida lateral pela não-lateral, como, por exemplo, ao produzirem

[ʹbuza] e [ʹpãta]. Essa pode ser uma característica do dialeto da população

estudada, e não uma estratégia de reparo na ausência do onset complexo com a

líquida /l/.

Queiroga et al. (2012), que estudou a aquisição dos encontros consonantais na

região metropolitana de Recife, também observou influência de variação linguística

nos resultados de sua pesquisa.

Correia (2012) pesquisou a aquisição do onset complexo em crianças com

desenvolvimento fonológico típico, com idades entre 2:0 e 5:6 anos, de duas escolas-

creches de Fortaleza, Ceará, oriundas da classe sócio-escolar A, ou seja,

considerando um dos pais ou ambos possuindo nível superior de ensino, a fim de

diminuir a influência de fatores sociais na fala dos sujeitos.

Além disso, é restrito o número de vocábulos com o onset complexo contendo

a líquida lateral nesse estudo. Ribas (2002) também encontrou um número reduzido

de vocábulos com o onset complexo composto de obstruinte + /l/, afirmando que

qualquer afirmação feita em relação a este grupo deve ser mais cuidadosa.

A Tabela 3 apresenta as quantidades e percentuais de produções-alvo e

produções com processos fonológicos do onset complexo com a líquida não-lateral

//. Foi encontrado p-valor significante para esses valores (<0.0001). Observando-se

um percentual de produções-alvo do onset complexo com a líquida não-lateral menor

na faixa etária de 3;0-3;11, intermediário na faixa etária de 4;0-4;11 e mais elevado na

faixa etária de 5;0-5;11.

58

Tabela 3 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo (OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Produção do OC com // N (%) N (%) N (%) P-valor

Produções-alvo 41 31,54 82 52,56 105 80,77 < 0.0001

Produções com processos fonológicos

89 68,46 74 47,44 25 19,23

Fonte: Autora (2015)

Observa-se que a Tabela 3 comporta-se de maneira semelhante à Tabela 1,

com dados gerais. Portanto, constata-se uma diferenciação entre as faixas etárias em

relação aos percentuais de produções-alvo e produções com processos fonológicos

do onset complexo com a líquida não-lateral. O mesmo não ocorre com onset

complexo composto pela líquida lateral, cujas faixas etárias se comportam de forma

equivalente.

Apresenta-se, a seguir, a Figura 14 que expressa os percentuais de produções-

alvo entre os dois grupos de onset complexo nas faixas etárias estudadas. Observa-

se inicialmente um comportamento semelhante nas duas primeiras faixas etárias,

demonstrando uma crescente aquisição do onset complexo. Já na faixa etária de 5;0-

5;11, os valores dos dois grupos se distanciam, com /l/ permanecendo com percentual

próximo entre as faixas etárias e no onset complexo com // sendo observado um

avanço no percentual de produções-alvo. Essa diferenciação entre os dois grupos de

onset complexo na faixa etária de cinco anos pode ser atribuída, como foi mencionado

anteriormente, a características dialetais da população.

59

Fonte: Autora (2015)

Ribas (2002), em seu estudo com os dados de crianças da região Sul do país,

encontrou percurso de aquisição entre os dois grupos de onset complexo também

bastante semelhante, ou seja, não foi observada uma ordem de aquisição entre os

dois grupos. Outras pesquisas encontraram resultados semelhantes (STAUDT, 2008;

CORREIA, 2012).

É provável que a criança durante esse percurso de aquisição tenha que lidar

com a complexidade da estrutura silábica em si, e não com uma facilidade em produzir

determinados sons em detrimento de outros. A dificuldade está na representação

mental do onset complexo de crianças em desenvolvimento fonológico (RIBAS, 2002).

Apesar disso, alguns estudos apresentaram achados contrários (DÓREA,

1998; ÁVILA, 2000; FERRANTE, VAN BORSEL e PEREIRA, 2008), nos quais a

aquisição do onset complexo com a líquida lateral ocorreu anteriormente à líquida não-

lateral. Essas autoras atribuem a aquisição precoce do encontro consonantal com a

líquida lateral ao fato da aquisição deste segmento ocorrer antes em onset simples,

seguindo a sequência de aquisição segmental entre as líquidas. Já Queiroga et al.

(2011) constataram em seu estudo que os onsets complexos constituídos por

obstruinte + // foram adquiridos antes dos constituídos por obstruinte + /l/.

A aquisição completa dessa estrutura tem como característica o fato de toda a

aquisição segmental já estar concluída, faltando somente a estabilização da

ramificação do onset. Portanto se uma criança não adquiriu ainda uma ou as duas

líquidas em onset simples é provável que não as apresente em onset complexo. Isso

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

80,00

90,00

3;0-3;11 4;0-4;11 5;0-5;11

Produções-alvo(líquida lateral)

Produções-alvo(líquida não-lateral)

Figura 14 - Valores percentuais de produções-alvo em cada faixa etária nos dois

grupos de onset complexo estudados.

60

pode explicar o fato de que em algumas pesquisas um dos grupos de onset complexo

seja adquirido primeiro, refletindo-se em resultados distintos quanto à aquisição desse

constituinte silábico.

Em relação à aquisição tardia do onset complexo, tanto para sílabas compostas

de obstruinte + /l/ como de obstruinte + //, observou-se neste estudo, e na literatura,

que esse constituinte silábico é adquirido por volta dos cinco anos de idade (RIBAS,

2002; WERTZNER, 2002; PAYÃO, 2004; GALEA, 2008; ATTONI et al., 2010;

RAMOS-PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010; GIACCHINI, MOTA e MEZZOMO,

2011). A criança já está com o seu sistema segmental completo ao adquirir o onset

ramificado.

De acordo com o Princípio de Sonoridade, o elemento mais sonoro vai ocupar

o núcleo da sílaba e os menos sonoros vão ocupar as margens. Assim, observa-se

uma escala crescente de sonoridade das margens, onde o onset se situa, para o

núcleo.

Na sílaba CCV há uma sequência de duas consoantes seguidas antes de ser

produzida a vogal, ao contrário de outras estruturas silábicas como CV, VC e CVC.

Nessas há somente um planejamento motor para a execução da consoante, havendo

um aumento ou diminuição de sonoridade. No caso dos onsets complexos, os dois

componentes desse constituinte silábico vão possuir graus de sonoridades diferentes,

sendo necessários dois planejamentos motores. Isso pode explicar o porquê do onset

complexo ser adquirido mais tardiamente.

Outra explicação para essa aquisição tardia da estrutura silábica CCV em

relação às demais se basearia na teoria da sílaba ramificada proposta por Selkirk

(1982). De acordo com Ribas (2002), a ordem de domínio de estruturas mais simples

para estruturas mais complexas tem como princípio o surgimento de ramificações

perto do núcleo, como a coda (ex.: porta) e, por último, as ramificações mais distantes

do núcleo, no onset (ex.: prato), para o PB. Assim, o onset ramificado seria adquirido

mais tardiamente quando comparado às outras estruturas silábicas no PB.

3.1.1 Ambientes favoráveis à produção-alvo do onset complexo

Para esta análise, foi realizado, inicialmente, um levantamento dos ambientes

relacionados ao onset complexo que foram encontrados no vocabulário específico do

61

instrumento de avaliação utilizado. Foi realizada a análise a partir dos dados coletados

com as provas de imitação de vocábulos e nomeação de figuras do Teste de

Linguagem Infantil – ABFW (WERTZNER, 2004), pois este possui a mesma

quantidade de palavras para todas as crianças. Assim, não foi possível realizar análise

estatística dos ambientes favoráveis à produção correta do onset complexo para as

crianças na faixa etária de 2;6-2;11, pois não foi utilizado com estas crianças o mesmo

instrumento de avaliação, devido à não colaboração, sendo realizada, então,

avaliação por meio de fala espontânea.

Além disso, foram produzidas poucas palavras com o onset complexo

composto por obstruinte + /l/ nessa faixa etária. Alguns desses vocábulos foram

produzidos por apenas uma criança, totalizando um número reduzido de types e de

ambientes.

Outro fator que justifica a não utilização dos dados coletados a partir de fala

espontânea para avaliar os ambientes facilitadores na faixa dos dois anos de idade foi

a baixa frequência de produções corretas (2/107). Apenas duas crianças

apresentaram produções corretas (uma produção cada), nas palavras bicicleta e

planta.

Deve-se ressaltar que nem todas as variáveis influenciadoras que poderiam

ocorrer foram encontradas. O quadro abaixo apresenta as variáveis que puderam ser

observadas e analisadas como ambientes favoráveis ou não à produção do onset

complexo.

62

Quadro 7 - Variáveis e variantes encontradas para o onset complexo com a líquida lateral /l/

e com a não-lateral //.

Variáveis Variantes encontradas no grupo com a líquida

lateral

Variantes encontradas no grupo com a líquida não-lateral

Contexto precedente contexto nulo /e/, /i/ e contexto nulo

Contexto seguinte /a/, /o/, // e /u/ /a/, /ɛ/, /o/, // e /u/

Posição na palavra início de palavra. início e meio de palavra.

Tonicidade sílaba forte do pé métrico

sílaba forte do pé métrico, sílaba fraca do pé métrico e sílaba fora do pé métrico

Ponto da obstruinte Labial e dorsal Labial, coronal e dorsal

Modo da obstruinte Plosiva e fricativa Plosiva e fricativa

Vozeamento da obstruinte

Desvozeada e vozeada Desvozeada e vozeada

Fonte: Autora (2015)

Foram descartadas da análise do onset complexo com a líquida lateral as

variáveis contexto precedente, posição na palavra e tonicidade, por possuírem apenas

uma variante cada, não sendo possível aplicar testes estatísticos comparativos.

Para fins de descrição e análise de relevância linguística, também serão

descritos os ambientes que não tiveram significância estatística, pois esses dados

podem trazer auxílio a fim de identificar e compreender os mecanismos facilitadores

à produção do onset complexo.

Nas Tabelas 4 e 5 são apresentados, separadamente, os ambientes

favorecedores ou não dos grupos de onset complexo com a líquida lateral e a não-

lateral, visando observar as diferenças entre os dois tipos de construção silábica,

utilizando as teorias fonológicas para discutir suas características. Além disso,

observa-se na literatura uma diferenciação entre os contextos favoráveis encontrados

para a produção-alvo do onset complexo com a líquida lateral e com a não-lateral

(RIBAS, 2002; QUEIROGA et al, 2012).

A Tabela 4 mostra a relação das diferentes variáveis analisadas com as

produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo com a

líquida lateral. Constatou-se, a partir da análise estatística, que não houve relação

63

significativa em nenhuma das variáveis estudadas. Quanto aos contextos seguintes,

os valores percentuais foram bastante próximos, sendo observado maior percentual

nos contextos //, como bloco, e /u/ em clube e blusa. Em relação ao ponto da

obstruinte, observa-se um maior percentual para labial como bloco e planta. Em

relação ao modo, foi obtido um percentual de produções-alvo maior para fricativa,

porém não podemos tirar conclusões a respeito dessa variável devido ao contexto

com obstruinte fricativa aparecer em apenas uma palavra. Em relação ao vozeamento,

foi observado um valor percentual maior para obstruintes vozeadas.

Tabela 4 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida lateral.

Onset complexo com /l/

Ambiente Produções-alvo Produções com Processos

Fonológicos

Contexto seguinte N (%) N (%) P-valor

/a/ 38 39,58 58 42,00

/o/ 13 40,62 19 59,38 0.8404

// 15 46,87 17 53,13

/u/ 29 45,31 35 54,69

Ponto da obstruinte N (%) N (%) P-valor

Labial 73 45,62 87 54,38 0.1238

Dorsal 22 34,37 42 65,63

Modo da obstruinte N (%) N (%) P-valor

Plosiva 78 40,62 114 59,38 0.1853

Fricativa 17 53,12 15 46,88

Vozeamento da obstruinte N (%) N (%) P-valor

Desvozeada 49 38,28 79 61,72 0.1487

Vozeada 46 47,92 50 52,08

Fonte: Autora (2015)

Apesar de nenhuma das relações entre os ambientes e as produções-alvo do

onset complexo com a líquida lateral serem consideradas estatisticamente

significantes, observa-se uma inclinação maior do percentual para os contextos

seguintes com a presença das vogais // (ex.: bloco) e /u/ (ex.: clube), para o ponto

da obstruinte labial (ex.: placa), e em relação ao vozeamento da obstruinte para a

64

vozeada (ex.: globo). Há uma divergência na literatura em relação às variáveis que

seriam facilitadoras à produção do onset complexo composto de obstruinte + /l/.

Diferente deste estudo, Ribas (2002) constatou a variável contexto seguinte

como influenciadora da produção do onset complexo, tendo a variante /a/ como

favorável. Apesar de não terem sido selecionados estatisticamente no estudo dessa

autora, o modo, o ponto e o vozeamento da obstruinte mais favorável foram,

respectivamente, plosiva, labial e vozeada.

Queiroga et al (2012) também verificou a plosiva bilabial como contexto

facilitador. Em relação ao contexto seguinte, a vogal /i/ mostrou-se como facilitadora.

A Tabela 5 expõe a relação das diferentes variáveis analisadas com as

produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo com a

líquida não-lateral. Apenas a relação entre a variável tonicidade e produção do onset

complexo com o // foi estatisticamente significante (p-valor = 0.0087*). O ambiente

mais favorável à produção dessa estrutura silábica foi a sílaba forte do pé métrico,

como em [ʹdga], [ʹpɛgu] e [ʹbãku]. Já a sílaba fora do pé métrico foi considerada

o pior ambiente, como por exemplo na palavra travessa, que foi produzida por algumas

crianças como [taʹvɛsa].

Em relação às demais variáveis, o contexto precedente com maior percentual

foi /e/ e o pior o /i/. Os percentuais dos contextos seguintes foram próximos, com maior

valor para a vogal /o/ e o menor para /u/. Posição de palavra obteve percentuais

equivalentes. Já quanto ao ponto da obstruinte, observa-se um maior percentual para

ponto labial e um menor para o coronal. O modo da obstruinte no qual se constata

maior percentual é a plosiva, porém bastante próximo do valor da fricativa. Por fim, no

que diz respeito ao vozeamento, obteve-se também valores percentuais de

produções-alvo bastante próximos, sendo encontrado maior valor para obstruinte

desvozeada.

65

Tabela 5 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida não-lateral.

Onset complexo com //

Ambiente Produções-alvo Produções com Processos

Fonológicos

Contexto precedente N (%) N (%) P-valor

/e/ 21 65,62 11 34,38

/i/ 14 43,75 18 56,25 0.2131

contexto nulo 193 54,83 159 45,17

Contexto seguinte N (%) N (%)

/a/ 140 54,69 116 45,31

/ɛ/ 19 59,37 13 40,63

/o/ 20 62,50 12 37,50 0.7963

// 17 53,12 15 46,88

/u/ 32 50,00 32 50,00

Posição na palavra N (%) N (%) P-valor

início de palavra 193 54,83 159 45,17 0.9832

meio de palavra 35 54,68 29 45,32

Tonicidade N (%) N (%) P-valor

sílaba forte do pé métrico 169 58,68 119 45,17

sílaba fraca do pé métrico 35 54,69 29 45,31 0.0087*

sílaba fora do pé métrico 24 37,50 40 62,50

Ponto da obstruinte N (%) N (%) P-valor

Labial 132 58,93 92 41,07

Coronal 43 44,79 53 55,21 0.0662

Dorsal 53 55,21 43 44,79

Modo da obstruinte N (%) N (%) P-valor

Plosiva 195 55,39 157 44,61 0.5707

Fricativa 33 51,56 31 48,44

Vozeamento da obstruinte N (%) N (%) P-valor

Desvozeada 114 59,37 78 40,37 0.0831

Vozeada 114 50,89 110 49,11

Fonte: Autora (2015)

Ribas (2002) observou em seu estudo, em relação à tonicidade, como ambiente

facilitador a sílaba fraca do pé métrico, diferentemente do presente estudo. Porém,

ambos os tipos de sílaba estão situadas dentro do pé métrico.

No estudo de Queiroga et al. (2012), foi constatado que a sílaba pré-tônica

favoreceu a produção do onset complexo quando esta se encontrava em posição

medial. Já na posição inicial de palavra, a sílaba tônica foi a favorável à sua aplicação

correta.

66

Esses achados mostram que as crianças têm uma maior facilidade de produção

quando o onset complexo encontra-se numa sílaba acentuada. Esse fato pode ocorrer

devido à saliência perceptual desta sílaba para a criança em processo de aquisição

da estrutura silábica mais complexa.

Apesar de não ter sido observada uma relação estatisticamente significativa

entre a maioria dos ambientes fonológicos e produção do onset complexo com a

líquida não-lateral, constatou-se no presente estudo, uma tendência de produções-

alvo para o contexto precedente /e/, como em zebra e contexto seguinte /o/, como na

palavra grosso, porém estes contextos foram observados em apenas uma palavra

cada um; ponto da obstruinte labial, como em braço, modo da obstruinte plosiva e

em relação ao vozeamento constatou-se obstruinte desvozeada, como na palavra

prato.

Diferentemente, Ribas (2002) encontrou como contexto precedente

favorecedor a vogal /o/ e como contexto seguinte a vogal /i/. Queiroga et al. (2012)

também encontrou a vogal /i/ como contexto seguinte facilitador. Neste estudo, não

foi possível analisar esses ambientes, pois não estavam presentes no vocabulário do

Teste de Linguagem Infatil – ABFW utilizado na avaliação das crianças.

Ribas (2002) sugeriu que a vogal seguinte ao // não teria influência para a

produção do onset complexo. Os fatores favorecedores, segundo ela, seriam o ponto

e o vozeamento da consoante e se o onset está contida no pé métrico. A autora dá

como exemplo a palavra prego, em que, apesar de apresentar um contexto seguinte

considerado desfavorecedor, o onset complexo é produzido devido à presença dos

demais ambientes.

Porém, apesar de não ter sido possível analisar o contexto seguinte /i/ como

ambiente fonológico no presente estudo, tem-se observado na prática clínica que essa

vogal como núcleo da sílaba do onset complexo sendo utilizado em palavras-

estímulos no tratamento de desvios fonológicos, facilita a produção da estrutura-alvo.

Uma hipótese a ser investigada seria o fato da altura desta vogal se aproximar ao

ponto da produção da líquida não-lateral.

No estudo de Ribas (2002), em concordância com o presente estudo, o ponto

da obstruinte preferível foi o labial, e o pior desempenho de aplicações adequadas da

estrutura silábica foi com a obstruinte coronal. Já Miranda (1996) encontrou o ponto

67

da obstruinte dorsal como mais favorável, e confirma que o pior ponto para a produção

do onset complexo é o coronal.

Segundo o Princípio de Contorno Obrigatório (OCP), elementos adjacentes são

proibidos (CLEMENTS e HUME, 1995, p. 262). Esse princípio é aplicado a dois traços

idênticos ou nós que são próximos em uma determinada camada. Isso pode explicar

o pior desempenho do onset complexo com a obstruinte coronal, devido ao traço

coronal em comum com a líquida não-lateral.

Magalhães (2000) e Queiroga et al. (2012) também encontraram como

ambiente mais facilitador a obstruinte labial, porém, diferentemente dos outros

estudos, encontraram o ponto dorsal como pior variável.

Em relação ao modo da obstruinte, estudos de Ribas (2002) e Queiroga et al.

(2012) revelam um melhor desempenho na produção do onset complexo nos dois

grupos de líquidas com a plosiva.

Deve-se ressaltar que, além dos dados não serem estatisticamente

significantes, o baixo número de crianças no presente estudo pode influenciar os

resultados, pois poderiam revelar variações individuais entre as crianças dessa

população e não uma tendência geral.

3.1.2 Análise dos processos fonológicos observados na aquisição do onset complexo

Como foi constatado na primeira tabela deste capítulo, os valores de produções

com processos fonológicos nas faixas etárias de 3;0-3;11, 4;0-4;11 e 5;0-5;11 foram,

respectivamente, 134, 122 e 61. Observa-se, portanto, que há uma redução da

ocorrência de processos fonológicos com o avanço das faixas etárias, até a total

estabilização do sistema fonológico da criança.

A partir da análise dessas produções com processos fonológicos, observou-se

a ocorrência de seis processos distintos: simplificação do onset complexo para a

sílaba C1V, substituição de líquida, metátese, epêntese, substituição de obstruinte e

simplificação para C2V.

Na Tabela 6 pode-se observar o percentual de ocorrência de cada processo

fonológico nas diferentes faixas etárias. Na análise estatística foi constatada

significância para a relação entre processos e as diferentes faixas etárias (p-valor =

0.001).

68

Tabela 6 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo nas diferentes faixas etárias analisadas.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Processos Fonológicos N (%) N (%) N (%) P-valor

Simplificação para C1V 87 64,93 89 72,95 26 42,62

Substituição de líquida 24 17,91 26 21,31 24 39,34

Metátese 16 11,94 4 3,28 8 13,12 0.0010

Epêntese 4 2.98 0 0 1 1,64

Substituição de obstruinte

3 2,24 1 0,82 1 1,64

Simplificação para C2V 0 0 2 1,64 1 1,64

Fonte: Autora (2015)

Pode-se constatar na Tabela 6, em relação à faixa etária de 3;0 a 3;11 anos,

uma prevalência do processo de simplificação para C1V (64,93%), seguido dos

processos de substituição do traço da líquida (17,91%) e de metátese (11,94%). Os

processos de epêntese e substituição do traço da obstruinte foram observados em

frequência muito baixa, e a simplificação para C2V não foi observada nesta faixa

etária.

Em relação à faixa etária de 4;0 a 4;11, prevaleceu os processos de

simplificação para C1V (72,95%) e substituição do traço da líquida (21,31%). Já os

processos de metátese, substituição do traço da obstruinte e de simplificação para

C2V foram observados em baixa frequência. Não foi constatado o processo de

epêntese na fala das crianças dessa faixa etária.

Em se tratando da faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma maior

ocorrência dos processos de simplificação para C1V (42,62%) e de substituição do

traço da líquida (39,34%). Já o processo de metátese foi observado em um percentual

menor (13,12%), seguido dos processos de epêntese, substituição de obstruinte e

simplificação para C2, com apenas uma ocorrência cada.

As Tabelas 7 e 8 apresentam separadamente valores percentuais das

ocorrências dos processos fonológicos na aquisição dos onsets complexos contendo

as líquidas lateral e não-lateral. A partir da análise estatística, foram encontradas

significância para ambas.

69

Nessas Tabelas 7 e 8 foram observadas configurações semelhantes à Tabela

9 com dados gerais nas faixas etárias de três e quatro anos de idade. Já na fala das

crianças de 5;0 a 5;11 foi constatado comportamento diferente. Segue abaixo a Tabela

7 discriminando os percentuais de ocorrências dos processos fonológicos envolvendo

o onset complexo com a líquida lateral /l/:

Tabela 7 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo (OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias analisadas.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Processos Fonológicos na aquisição do OC com /l/

N (%) N (%) N (%) P-valor

Simplificação para C1V 25 55,56 39 70,90 8 22,22

Substituição de líquida 11 24,44 10 18,18 24 66,67

Metátese 8 17,78 4 7,28 3 8,33 < 0.0001

Epêntese 1 2,22 0 0 0 0

Simplificação para C2V 0 0 2 3,64 1 2,78

Fonte: Autora (2015)

Como se pode observar na Tabela 7, foi obtido p-valor significante para a

análise dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo com a líquida

lateral nas diferentes faixas etárias analisadas. Não foi observado o processo de

substituição da obstruinte neste grupo. Os processos observados na faixa etária de

3;0 a 3;11 anos foram: simplificação para C1V (55,56%), seguido dos processos de

substituição do traço da líquida (24,44%) e de metátese (17,78%). Foi observada

apenas um caso de epêntese.

Em relação à faixa etária de 4;0 a 4;11, prevaleceram os processos de

simplificação para C1V (70,90%) e substituição do traço da líquida (18,18%). Foi

observado baixo percentual dos processos de metátese e de simplificação para C2V.

Não foi constatado o processo de epêntese na fala das crianças dessa faixa etária.

Em se tratando da faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma maior

ocorrência do processo de substituição do traço da líquida (66,67%), seguido da

simplificação para C1V (22,22%), ao contrário do que ocorre nas outras faixas etárias.

Já o processo de metátese foi observado em um percentual menor (13,12%), seguido

de um caso de simplificação para C2. Essa quantidade de processos fonológicos

nessa faixa etária, o que não é condizente com o que ocorre na literatura, é atribuída

70

ao fato que algumas crianças dessas faixas etárias têm realizado com certa frequência

o processo de substituição da líquida /l/ por //, que, como foi mencionado

anteriormente, pode ser uma variação linguística comum da população estudada.

Abaixo, na Tabela 8, são apresentados os percentuais de ocorrências dos

processos fonológicos com o onset complexo composto pela líquida não-lateral //:

Tabela 8 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo (OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias analisadas.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Processos Fonológicos na

aquisição do OC com // N (%) N (%) N (%) P-valor

Simplificação para C1V 62 69,67 58 78,38 18 72,00

Substituição de líquida 13 14,60 15 20,27 0 0

Metátese 8 8,99 0 0 5 20,00 0.0073

Epêntese 3 3,37 0 0 1 4,00

Substituição de obstruinte 3 3,37 1 1,35 1 4,00

Fonte: Autora (2015)

Na Tabela 8, constata-se que para a análise dos processos fonológicos na

aquisição do onset complexo com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias

analisadas foi obtido também p-valor significante. Não foi observado o processo de

simplificação para C2V para este grupo. Os processos observados na faixa etária de

3;0 a 3;11 anos foram: simplificação para C1V (69,67%), seguido dos processos de

substituição do traço da líquida (14,6%) e de metátese (8,99%). Foi obtido baixo

percentual para os processos de epêntese e substituição de obstruinte, com apenas

três ocorrências cada.

Em se tratando da faixa etária de 4;0 a 4;11, foi observada uma maior

ocorrência dos processos de simplificação para C1V (78,38%) e substituição do traço

da líquida (20,27%). Houve apenas uma ocorrência da substituição de obstruinte.

Em relação à faixa etária de 5;0 a 5;11, prevaleceram os processos de

simplificação para C1V (72%) e metátese (20%). Foi observado baixo percentual dos

processos de epêntese e de substituição de obstruinte. Não foi constatado o processo

de epêntese na fala das crianças dessa faixa etária. É importante ressaltar que o alto

percentual do processo de simplificação para C1V, deve-se a uma criança dessa faixa

71

etária que ainda estava em processo de aquisição do onset complexo, o que pode ter

distorcido os resultados em relação à elevada ocorrência desse processo.

Notou-se que, tanto para o grupo de onset com a líquida lateral como com a

não-lateral, a simplificação para C1V foi o recurso mais utilizado na aquisição do onset

complexo nas faixas etárias estudadas, com exceção da faixa de cinco anos para a

líquida lateral, devido a questões de uma possível variação linguística, como foi

anteriormente explicado.

Segundo o Princípio de Sequência de Sonoridade, a sílaba mais simples é

considerada uma sílaba menos marcada, sendo, por isso, preferível pelas crianças

em aquisição fonológica, já que possui uma crescente única de sonoridade, indo de

uma obstruinte, a qual possui menor grau de sonoridade, para uma vogal, segmento

que possui o maior grau de sonoridade.

Portanto, isso pode explicar o fato de haver uma prevalência do uso desse

recurso durante o percurso de aquisição das estruturas silábicas pelas crianças deste

estudo.

Os resultados desta pesquisa, com dados de aquisição do português falado em

Maceió, concordam com resultados de outros estudos realizados em diferentes

regiões (RIBAS, 2009; STAUDT e FRONZA, 2010; MEZZOMO et al., 2012; BAESSO

et al., 2012), os quais também verificaram uma maior ocorrência do processo de

simplificação para C1V em crianças com desenvolvimento fonológico típico,

mostrando que, na incapacidade de realizar corretamente o onset complexo, as

crianças, preferencialmente, produzem a primeira consoante do onset.

Em seu estudo, Ribas (2002) encontrou um baixo percentual das demais

estratégias de reparo, as quais não chegaram a 5% do total de estratégias. A autora

afirma, a partir deste achado, que não há vários estágios de aquisição do onset

complexo. Esse baixo percentual das outras estratégias não pode ser generalizado a

todas as crianças, nem constituir um estágio na aquisição do onset complexo.

Existem, para essa autora, apenas dois estágios na aquisição: a produção C1V e a

produção correta.

Já no presente estudo, foi constatado um percentual relevante das demais

estratégias de reparo, apesar da maior ocorrência da simplificação para C1V. Notou-

se um percentual intermediário dos processos de substituição da líquida e metátese

para a maioria das faixas etárias. Já os processos de epêntese, substituição de

72

obstruinte e simplificação para C2V, foram pouco observados, podendo ser

considerados recursos individuais.

A substituição de líquida foi o segundo processo mais frequente na fala das

crianças, também nas três faixas etárias, quando consideradas as duas variantes do

onset complexo, exceto para a faixa de cinco anos, na qual houve a inversão com o

processo de simplificação para C1V. Esses dados são consonantes com o estudo de

Ribas (2006), com crianças da Região Sul, que constatou, embora em frequência

menor, a substituição do traço da líquida como segunda estratégia mais utilizada por

crianças de faixa etária entre 2;0 e 5;3 de idade. É importante, todavia, notar que

outras pesquisas não encontraram resultado semelhante em dados de fala de

crianças com desenvolvimento fonológico típico (MEZZOMO et al., 2012; BAESSO et

al., 2012).

Em relação ao onset complexo composto por obstruinte + /l/, observou-se que

a substituição da líquida lateral pela não-lateral pode ser atribuída, reforçando o que

já foi mencionado, a uma variação linguística da fala de algumas crianças, por possível

influência dos familiares que possuem baixa escolaridade. Esse processo foi

observado, principalmente, na palavra planta, sendo produzida como ʹpã.ta.

Quanto ao onset complexo composto por obstruinte + //, a substituição da

líquida não-lateral pela líquida lateral, como, por exemplo, em prato → ['pla.tu], foi o

segundo mais observado nas duas primeiras faixas etárias. Já na faixa de 5;0 a 5;11,

não houve ocorrência desse processo.

Observamos, portanto, que durante a aquisição do onset complexo, entre os

3;0 e 4;11, algumas crianças tendem a substituir o segundo segmento do onset

complexo por outro menos marcado e adquirido mais cedo em outras estruturas

silábicas (onset simples e coda). Esse dado concorda com o estudo de Ferrante, Van

Borsel e Pereira (2008), o qual afirma que a criança adquire o onset complexo formado

por obstruinte + líquida lateral antes do onset formado por obstruinte + líquida não-

lateral.

Ribas (2006) e Queiroga et al. (2012), por outro lado, advogam não existir essa

ordem de aquisição, e que a criança está lidando com a complexidade da estrutura

silábica e não com uma sequência de segmentos mais fáceis ou mais difíceis.

A ocorrência do processo de metátese, tanto com o grupo obstruinte + /l/ como

obstruinte + //, embora em menor frequência nos dados analisados, também tem sido

73

observada em outras pesquisas (STAUDT e FRONZA, 2010; MEZZOMO et al., 2012;

BAESSO et al., 2012). Na utilização dessa estratégia, pode ocorrer uma transposição

do segmento C2 de sua sílaba CCV para uma sílaba CV em outra posição na palavra,

como, por exemplo, em prato → ['pa.tu], podendo também ocorrer uma transposição

para uma posição de coda (CVC), por exemplo prato → ['pah.tu], porém este último

tipo não foi observado neste estudo. Essas evidências mostram que a criança já

domina uma estrutura silábica mais complexa, porém possui ainda uma dificuldade na

organização de seu sistema fonológico, possivelmente relacionada com a posição ou

composição da sílaba.

Uma explicação para a ocorrência do processo de metátese pelas crianças

poderia ser a ocorrência de uma transposição da líquida na posição C2 para a sílaba

tônica da palavra, já que alguns estudos referem que a tonicidade favorece a aquisição

do onset complexo (RIBAS, 2002; STAUDT e FRONZA, 2010; QUEIROGA et al.,

2001). Essa variável influenciou significativamente a produção correta do onset

complexo neste estudo, como foi observado no tópico anterior.

Do total de 28 ocorrências de metátese, em 10 ocorreu a transposição do onset

complexo para a sílaba forte do pé métrico. As palavras nas quais foi observada a

influência da tonicidade na realização da metátese foram trator e travessa, as quais

as crianças produziam como [taʹto] e [taʹvɛsa], porém nesta última observa-se

também que o onset complexo foi transferido de uma sílaba com obstruinte coronal

para labial.

A transposição do onset complexo para uma sílaba composta por obstruinte

facilitadora à sua produção seria uma outra possível motivação para a realização

desse processo. A criança realizaria, por exemplo, a transferência do onset com uma

obstruinte dorsal ou coronal para o onset composto por obstruinte de ponto labial. Já

que o ponto labial tem sido observado em outros estudos como um ambiente

facilitador à produção correta da sílaba CCV (MAGALHÃES, 2000; RIBAS, 2002;

QUEIROGA et al., 2012).

Em relação a essas estratégias, foram observadas 17 transposições para

sílaba com obstruinte labial, nas palavras clube, globo e cravo, as quais eram

produzidas: [ʹkubli], [ʹgoblu] e [ʹkavu]. Em apenas uma ocorrência, a criança transferiu

a sílaba complexa de um ambiente com obstruinte coronal para um com dorsal,

produzindo [ʹdga] no lugar da palavra droga.

74

A obstruinte labial é considerada um segmento de traço menos marcado e mais

robusto, segundo a Escala de Robustez proposta por Clements (2005). A robutez

desse traço vai influenciar não só na aquisição segmental, como também no início da

organização do onset complexo, elegendo na constituição silábica a obstruinte mais

facilitadora. Esse fato poderia explicar a preferência por essa obstruinte na produção

dessa estrutura silábica mais complexa, devido a uma maior facilidade de produção

pelas crianças.

Observou-se, portanto, que nos dados do presente estudo, tanto a tonicidade

como o ponto da obstruinte influenciou a ocorrência do processo de metátese,

corroborando com o que foi verificado em outras pesquisas.

Foi constatada uma baixa ocorrência do processo de epêntese, que pode ser

atribuída ao fato de essa estratégia ter sido observada na fala de apenas duas

crianças, sendo consideradas como variações individuais na manipulação da

complexidade silábica. Uma criança realizou o processo na palavra cruz, produzindo

[kuʹuis]. E a outra produziu também [kuʹuis], além de [ʹlivuu] para livro, [buʹuza]

para blusa e [baʹasu] para braço.

Nos casos de epêntese observados neste estudo, foi observado que as

crianças transformaram em CVCV os onsets complexos com plosivas labiais e

dorsais. Na literatura não há um consenso sobre que ambiente influenciaria a

ocorrência da epêntese na fala das crianças em aquisição do onset complexo.

O uso desse processo fonológico mostra que as crianças que o empregam

podem estar mais sensíveis à estrutura da sílaba do onset complexo, pois essas

crianças estão realizando uma estratégia de reparo mais complexa, já que há um

acréscimo de fonema e não uma redução para C1V, ou seja, estão transformando

CCV em CVCV. Estudos que reportaram a ocorrência da epêntese em seus

resultados referem que o uso desse recurso reflete o conhecimento que a criança tem

sobre a língua e que seria uma tentativa de organização do sistema fonológico.

(RAMOS-PEREIRA; HENRICH e RIBAS, 2010; MEZZOMO et al., 2012).

Outro processo de baixo percentual foi o de simplificação para C2V, observado

apenas em palavra com o onset complexo composto pela líquida lateral. A utilização

desse processo também demonstra, assim como a utilização da epêntese, que a

criança já estaria tentando organizar o seu sistema fonológico. Observa-se que a

criança não consegue ainda produzir a estrutura silábica onset complexo, realizando

75

um processo de simplificação que implica um maior grau de dificuldade em relação a

outros processos, consistindo na simplificação da sílaba CCV para C2V, em vez de

realizar a simplificação para C1V, a qual ocorre mais comumente. Nesse caso, no lugar

da obstruinte, é a líquida, segmento que possui um traço mais marcado, que ocupa a

posição de onset. Esse processo foi observado na palavra plástico, sendo substituída

por [ʹlaiku]

O processo de substituição do traço da obstruinte, observado apenas em

palavra com o onset complexo composto pela líquida não-lateral, como, por exemplo

na produção de [ʹbosu] para grosso, apresentou também um baixo percentual nas

três faixas etárias. Estudo de BAESSO et al. (2012) constatou, igualmente, uma baixa

ocorrência (5%) desse processo por crianças com desenvolvimento fonológico típico

de faixa etária entre 1;0 e 4;0 anos.

Ao se comparar a prevalência dos processos fonológicos em relação a cada

faixa etária, observou-se que nas faixas etárias mais avançadas há uma maior

habilidade em relação à produção dos sons-alvo.

Nas crianças das faixas etária de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 foi observada uma maior

ocorrência do processo de simplificação para C1V, considerado de menor

complexidade. Porém, são constatados alguns casos de substituição da líquida, ou

seja, já há uma tentativa de produção da estrutura silábica complexa, por meio de

substituições. Os demais processos são observados em um percentual muito baixo e,

quando analisados individualmente, podem ser consideradas variações no processo

de aquisição fonológica entre as crianças.

Em estudos recentes, não foi observada essa semelhança entre as faixas

etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 ao relacionar o desenvolvimento do sistema fonológico

em diferentes crianças com desenvolvimento fonológico típico (STAUDT e FRONZA,

2010; MEZZOMO et al., 2012; BAESSO et al., 2012).

Já na faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma baixa ocorrência de

processos fonológicos, sendo observada em 90% das crianças desse grupo a

estabilização do onset complexo em seus sistemas fonológicos. A ocorrência de

número significante do processo de simplificação para C1V no grupo com a líquida

não-lateral e de substituição de líquida no grupo com líquida lateral, foi atribuída a

casos individuais que geraram distorções nos resultados como já foi mencionado.

76

3.2 Análise dos dados coletados por meio de fala espontânea

Além da análise com os dados coletados por meio das provas de imitação e

nomeação do Teste de Linguagem Infantil – ABFW (WERTZNER, 2004), foi realizada

análise de dados coletados com a avaliação de fala espontânea. A análise a seguir

justifica-se pelo fato de poder incluir a faixa etária de 2;6 a 2;11 para comparação com

as demais faixas etárias, já que a avaliação dessas crianças não pôde ser realizada

por meio do teste ABFW. Também foram analisados os processos fonológicos

prevalentes nessa faixa etária.

A Tabela 9 relaciona o percentual de produções-alvo e produções com

processos fonológicos com o sexo das crianças. Como se pode observar, não houve

diferença entre os valores percentuais entre o sexo masculino e o feminino.

Estudos constataram, quanto à relação entre sexo e produção correta do onset

complexo, que as meninas apresentam melhor desempenho (QUEIROGA et al., 2011;

MEZZOMO et al., 2012). Já Ribas (2002) encontrou resultados distintos para os dois

grupos de onset complexo. A autora constatou um melhor desempenho de produções

adequadas do grupo com a líquida não-lateral em meninas, porém, com a líquida

lateral os meninos apresentam um melhor desempenho.

Tabela 9 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo nos sexos masculino e feminino.

Sexo

Masculino Feminino

Produção do onset complexo N (%) N (%)

Produções-alvo 68 34,69 85 34,69 Produções com processos fonológicos 128 65,31 160 65,31

Fonte: Autora (2015)

A Tabela 10 apresenta a quantidade e o percentual de produções-alvo e

produções com processos fonológicos do onset complexo em cada uma das faixas

etárias. A partir da análise estatística foi obtido p-valor inferior a 0.0001, indicando

elevada significância na relação entre as faixas etárias e as produções-alvo e com

processos fonológicos do onset complexo.

77

Tabela 10 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo nas diferentes faixas etárias nos dados de fala espontânea.

Faixa Etária

2;6 - 2;11 3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Produção do onset complexo N (%) N (%) N (%) N (%)

P-valor

Produções-alvo 2 1,87 35 35,35 42 32,21 74 62,18 <

0.0001 Produções com processos fonológicos 105 98,13 64 64,65 74 67,79 45 37,82

Fonte: Autora (2015)

Ao contrário do que foi constatado com os dados coletados a partir de avaliação

com um grupo de vocábulos do Teste de Linguagem Infantil - ABFW, os resultados

com dados de fala espontânea revelaram um desempenho semelhante entre as

crianças na faixa etária de 3 anos e 4 anos. Esta diferença entre as duas análises

pode estar relacionada com as peculiaridades do vocabulário específico característico

dessas faixas etárias, incitado pela leitura conjunta de um livro infantil. Uma das

características desse vocabulário, como se pode observar no Quadro 5, é a maior

produção de palavras com o onset complexo composto por plosivas labial na posição

de C1, ambiente caracterizado por ser favorável à produção da estrutura silábica CCV.

Nas Tabelas 11, 12 e 13, serão apresentados os percentuais de produções-

alvo e produções com processos fonológicos separados por transição de faixas

etárias, a fim de se observar a significância desses valores e as características

específicas dessas transições.

A Tabela 11 apresenta a relação entre as produções-alvo e produções com

processos fonológicos na transição da faixa etária de 2;6 a 2;11 para 3;0-3;11. Ao ser

realizada análise estatística, houve significância nessa relação (p-valor < 00001).

Constata-se que há um avanço entre essas faixas etárias. Esse avanço fonológico é

necessário para que haja um avanço do léxico.

Ribas (2002) observou igualmente, nessas faixas etárias, um avanço

significativo do percentual de produções-alvo, variando de quase 0% no início da

aquisição a mais de 50% no final da faixa etária de 3 anos.

78

Tabela 11 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo relacionando as faixas etárias de 2;6-2;11 e 3;0-3;11 nos dados de fala espontânea.

Faixa Etária

2;6 - 2;11 3;0 - 3;11

Produção do onset complexo N (%) N (%) P-valor

Produções-alvo 2 1,87 35 35,35 < 0.0001 Produções com processos fonológicos 105 98,13 64 64,65

Fonte: Autora (2015)

A Tabela 12 apresenta a relação entre as produções-alvo e produções com

processos fonológicos nas faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11. Ao ser realizada

análise estatística, não foi observada significância nessa relação, confirmando que

não há diferença entre essas duas faixas etárias.

Tabela 12 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo relacionando as faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 nos dados de fala espontânea.

Faixa Etária

3;0 - 3;11 4;0 - 4;11

Produção do onset complexo N (%) N (%) P-valor

Produções-alvo 35 35,35 42 32,21 0,9899 Produções com processos fonológicos 64 64,65 74 67,79

Fonte: Autora (2015)

Constata-se, portanto que há um período de estabilidade, onde os avanços

fonológicos vão ocorrer gradativamente e mais lentamente.

A aquisição fonológica ocorre simultaneamente à aquisição dos demais

aspectos da língua, como a sintaxe, semântica e morfologia. A causa dessa

estabilidade na aquisição do onset complexo na transição para a faixa de 4 anos, pode

estar relacionada a um período de maior desenvolvimento nesses outros

componentes da linguagem da criança (MENN e STOEL-GAMMON, 1997;

LAMPRECHT, 2004).

Além disso, dentro do nível fonológico, na aquisição do onset complexo, a

criança precisa lidar com uma estrutura silábica mais complexa, com diferentes

combinações. Os altos percentuais de produções com processos fonológicos nessas

idades estão relacionados às diferentes tentativas que as crianças fazem a fim de

79

produzir a sílaba CCV, até a sua completa aquisição, que vai acontecer mais adiante,

por volta dos 5 anos de idade.

Na Tabela 13 observa-se a relação entre as produções-alvo e produções com

processos fonológicos na transição entre as faixas etárias de 4;0-4;11 e 5;0-5;11. Na

análise estatística, foi observada alta significância nessa relação. Observa-se uma

inversão entre os percentuais de produções-alvo e produções com processos

fonológicos entres essas faixas etárias, com um aumento significativo de produções-

alvo. Nessa fase vai ocorrer o domínio do onset complexo, estabilizando-se o sistema

fonológico das crianças.

Tabela 13 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo relacionando as faixas etárias de 4;0-4;11 e 5;0-5;11 nos dados de fala espontânea.

Faixa Etária

4;0 - 4;11 5;0 - 5;11

Produção do onset complexo N (%) N (%) P-valor

Produções-alvo 42 32,21 74 62,18 < 0.0001 Produções com processos fonológicos 74 67,79 45 37,82

Fonte: Autora (2015)

Pesquisadores, têm constatado, em sua maioria, que a aquisição do onset

complexo ocorre por volta dos 4;5, com algumas crianças se estendendo até a faixa

dos 5 anos. Esses estudos têm analisado dados de fala de crianças oriundas de

diferentes regiões, como SUL/SUDESTE (RIBAS, 2002; WERTZNER, 2002; GALEA,

2008; ATTONI et al., 2010; RAMOS-PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010;

GIACCHINI, MOTA e MEZZOMO, 2011) e Região Nordeste (QUEIROGA et al, 2012;

PAYÃO, 2004).

A Tabela 14 apresenta o percentual de ocorrência de cada processo fonológico

na faixa etária de 2;6-2;11. Pode-se constatar, em relação a essa faixa etária, uma

prevalência do processo de simplificação para C1V (97,14%), seguido dos processos

de substituição do traço da líquida, observado em apenas duas crianças, com apenas

2,86%. Os processos de metátese, epêntese, substituição do traço da obstruinte e

simplificação para C2V não foram observados nesta faixa etária.

80

Tabela 14 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo na faixa etária de 2;6 a 2;11.

Faixa Etária

2;6 - 2;11

Processos Fonológicos N (%)

Simplificação para C1V 102 97,14

Substituição de líquida 3 2,86

Metátese 0 0

Epêntese 0 0

Substituição de obstruinte 0 0

Simplificação para C2V 0 0

Fonte: Autora (2015)

Ribas (2002) constatou em seu estudo uma maior variedade de processos

fonológicos nessa faixa etária, porém, com exceção da simplificação para C1V, as

estratégias possuíam um percentual muito baixo, revelando muitas vezes estratégias

individuais de algumas crianças. A autora observou haver um melhor desempenho do

onset complexo composto por obstruinte + /l/.

No presente estudo, as três ocorrências de substituição da líquida foram

verificadas nas palavras brinco, quebrada e brincando, produzidas como [ʹblĩku],

[keʹblada] e [blĩʹkãdu]. Além disso, as produções corretas foram identificadas nas

palavras bicicleta e planta. Esses dados corroboram com o estudo de Ribas (2002),

que encontrou melhor desempenho no grupo com a líquida lateral.

Observou-se, nessa faixa etária, um total de 105 produções com processos

fonológicos e apenas 2 produções-alvo, demonstrando que as crianças nessa faixa

etária, no dialeto estudado, apresentam poucas evidências de produção do onset

complexo.

3.3 Subsídios fonológicos para a prática clínica fonoaudiológica

Baseando-se nos achados a respeito dos ambientes facilitadores e dos

processos fonológicos utilizados podem ser levantadas sugestões quantos às

palavras-estímulos utilizadas no tratamento de crianças com desvios fonológicos.

A utilização de algumas estratégias pelas crianças pode demonstrar que já

existe uma percepção do onset complexo em sua representação mental. Além disso,

81

observou-se que alguns ambientes fonológicos são mais favoráveis à produção do

onset complexo.

Foi constatado, no presente estudo, que apenas a tonicidade, para a produção

do onset complexo com a líquida não-lateral, foi considerada uma variável

influenciadora. A variante mais favorável foi a sílaba forte do pé métrico.

Apesar das outras variáveis não serem consideradas estatisticamente

significantes como influenciadoras da produção correta do onset complexo, observou-

se uma inclinação do percentual de produções corretas para alguns ambientes em

detrimento de outros. E dados semelhantes têm sido também observados em outros

estudos.

As plosivas labiais são consideradas ambientes facilitadores da produção do

onset complexo. Esse fato foi observado neste estudo, tanto na análise de ambiente

favoráveis como no uso de processos fonológicos, como, por exemplo, a metátese,

em que as crianças, que já dominam a estrutura silábica transferem o onset complexo

para a sílaba mais favorável, a sílaba com a obstruinte labial.

Apesar de não ter sido possível observar a influência do contexto seguinte /i/,

tem-se observado na prática clínica que essa vogal facilita a produção do onset

complexo composto de obstruinte + //, quando utilizada em palavras-estímulos no

tratamento de desvios fonológicos. Essa maior facilidade de produção do onset

complexo com o /i/ na posição de núcleo da sílaba, também foi observada em alguns

estudos (RIBAS, 2002; QUEIROGA et al, 2012).

Esses indícios podem contribuir de forma favorável na seleção de itens lexicais

que serão utilizados como palavras-alvo no tratamento de desvios fonológicos,

contribuindo para um melhor prognóstico.

Além dos ambientes favoráveis, a observação dos processos fonológicos

presentes na fala das crianças, podem fornecer, também, indícios de ambientes

facilitadores. A criança, ao realizar um processo como o de metátese, tende a procurar

um ambiente que seja mais favorável à produção do onset complexo.

82

CONCLUSÕES

Observou-se, a partir das análises, um comportamento semelhante da

aquisição do onset complexo com a líquida lateral e com a não-lateral nas faixas

etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11, demonstrando uma crescente aquisição do onset

complexo. Já na faixa etária de 5;0-5;11, os valores dos dois grupos se distanciam,

sendo observado um avanço significativo no percentual de produções-alvo apenas do

onset complexo com a líquida não-lateral. Como foi mencionado, este fato pode ter

ocorrido devido a uma característica do dialeto da população estudada, e não

necessariamente uma estratégia de reparo na ausência do onset complexo com a

líquida /l/.

Quanto à idade de aquisição, foi constatada uma aquisição tardia do onset

complexo no grupo de crianças analisado, tanto para sílabas compostas de obstruinte

+ /l/ como de obstruinte + //, por volta dos cinco anos de idade.

Quanto às variáveis influenciadoras na produção da sílaba CCV, foi constatada

significância apenas na relação entre tonicidade e produções-alvo do onset complexo

com a líquida não-lateral.

Apesar das outras relações não serem estatisticamente significantes, contatou-

se para o onset complexo com a líquida lateral uma maior inclinação do percentual

nos contextos seguintes ‘// e /u/’, ponto da obstruinte ‘labial’, e em relação ao

vozeamento da obstruinte ‘vozeada’. Já para o onset complexo com o //, o ambiente

mais favorável demonstrou ser a sílaba forte do pé métrico do acento, e observou-se

inclinação do percentual de produções-alvo para o contexto precedente ‘/e/’ e contexto

seguinte ‘/o/’, apesar destes contextos serem observados em apenas uma palavra

cada um. Em relação ao ponto da obstruinte, o mais favorável foi o ‘labial’, já o modo

da obstruinte foi ‘plosiva’ e quanto ao vozeamento, prevaleceu a consoante

‘desvozeada’.

Nesta pesquisa não pode ser analisado o ambiente com a vogal seguinte /i/,

por este não ter sido observado no vocabulário utilizado. Portanto, observa-se que a

ausência de alguns ambientes e a baixa ocorrência de outros tem influência negativa

na análise. Estudos futuros poderiam utilizar para avaliação um instrumento com

vocabulário mais abrangente e balanceado que englobasse um número maior de

palavras e uma maior variedade de ambientes possíveis.

83

Em relação à prevalência dos processos fonológicos, constatou-se uma maior

ocorrência do processo fonológico de simplificação para C1V. Esse dado confirma

estudos recentes sobre a aquisição do PB em relação à complexidade da estrutura

CCV. Há concordância entre os autores de que, na impossibilidade de realização do

onset complexo, as crianças utilizam a redução para uma estrutura mais simples

(C1V).

Na faixa etária de 2;6-2;11, observou-se uma prevalência do processo de

simplificação para C1V. O processo de substituição do traço da líquida foi observado

em apenas duas crianças.

Nas crianças das faixas etárias de 3;0 a 3;11 e 4;0 a 4;11 observou-se uma

maior ocorrência do processo de simplificação para C1V, sendo já constatados outros

processos. Conclui-se que já há uma tentativa de produção da estrutura silábica CCV,

por meio de substituições. Os demais processos são observados em um percentual

muito baixo, o que pode revelar preferências individuais de algumas crianças e não

devem ser generalizados.

Na faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma baixa ocorrência de processos

fonológicos, sendo observado em 90% das crianças desse grupo a estabilização do

onset complexo em seus sistemas fonológicos. Foi observada uma ocorrência

significante do processo de simplificação para C1V no grupo com a líquida não-lateral

e da substituição de líquida no grupo com líquida lateral. Porém esses percentuais

podem ser atribuídos a casos individuais e de variação linguística. Um número maior

de sujeitos e os fatores extra-linguísticos sociais e dialetais devem ser considerados

em estudos futuros a fim de eliminar ou minimizar esses problemas.

A análise por meio dos dados de fala espontânea nos mostrou que na transição

da faixa etária de 2;6 a 2;11 para 3;0-3;11, há um avanço do sistema fonológico, o que

vai contribuir para que haja um avanço do léxico, já que é observado, nessa faixa

etária, um aumento significativo do vocabulário das crianças.

Entre as faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 não houve diferença

estatisticamente significante, constatando-se um período de estabilidade, onde os

avanços fonológicos vão ocorrer mais lentamente.

Observou-se uma inversão entre os percentuais de produções-alvo e

produções com processos fonológicos na transição da faixa etária de 4;0-4;11 para a

de 5;0-5;11. Houve um aumento significativo de produções-alvo, e a consequente

estabilização do sistema fonológico das crianças.

84

Este estudo possibilitou a confirmação de modelos teóricos fonológicos, os

quais se mostraram relevantes, contribuindo com um melhor entendimento da

natureza do desenvolvimento fonológico típico, explicando os fenômenos

relacionados com a aquisição do onset complexo.

Além disso, a realização de pesquisa com dados de fala de crianças falantes

do PB residentes de Maceió-AL, região onde os estudos em aquisição fonológica

ainda são escassos, ao contrário do que ocorre nas regiões Sudeste e Sul do país,

contribuirá com informações sobre algumas variações dialetais oriundas da região

nordeste do Brasil.

O conhecimento dessas variações poderá ser explorado em pesquisas

linguísticas futuras e aplicado na prática fonoaudiológica nos procedimentos de

avaliação de linguagem falada, identificando-se as dificuldades reais na aquisição

fonológica e as manifestações de fala características do dialeto utilizado no ambiente

sócio-cultural da criança.

As análises dos processos fonológicos e ambientes favoráveis realizadas neste

estudo fornecem informações relevantes a respeito da representação mental do onset

complexo em crianças com desenvolvimento típico. Essas informações sobre a

aquisição do onset complexo auxiliam na seleção do léxico para avaliação e

tratamento em casos de desenvolvimento atípico, contribuindo para elaboração e

implementação de uma terapia mais efetiva.

85

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91

ANEXOS

92

Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.) (Em 2 vias, firmado por cada participante-voluntári(o,a) da pesquisa e pelo responsável)

“O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.” (Resolução. nº 196/96-IV, do Conselho Nacional de Saúde)

Eu, .........................................................................................................................................................., responsável pelo menor .........................................................................................................................., convidad(o,a) a participar como voluntári(o,a) do estudo Avaliação fonético-fonológica em crianças com desenvolvimento típico, estudantes da educação infantil de escolas municipais públicas de Maceió – AL, recebi do Prof. Dr. Miguel Oliveira Jr. e da Profa. Dra. Luzia Miscow da Cruz Payão, do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística – Faculdade de Letras – UFAL, responsável por sua execução, as seguintes informações que me fizeram entender sem dificuldades e sem dúvidas os seguintes aspectos: Que o estudo se destina a estudar como os sons da fala são adquiridos pelas crianças, desde os sons mais fáceis até os mais difíceis, de modo que possamos entender como se dá essa aquisição em crianças de diferentes idades. Que a importância deste estudo é a de que, a partir do momento em que se compreende o desenvolvimento da linguagem de crianças sem alterações, pode-se desenvolver métodos e formas apropriadas para avaliar e tratar as crianças que possuem dificuldades em relação à aprendizagem dos sons da fala, tomando medidas mais adequadas para o desenvolvimento de um tratamento fonoaudiológico mais eficaz. Que os resultados que se desejam alcançar são os seguintes: esse conhecimento das características do desenvolvimento dos sons da fala das crianças permitirá a identificação dos riscos para o desenvolvimento de alterações de linguagem, possibilitando ações de prevenção e intervenção precoce em saúde da comunicação humana. Que esse estudo começará em janeiro de 2013 e terminará em fevereiro de 2015. Que o estudo será feito da seguinte maneira: Serão realizadas as seguintes etapas: I- Entrevista com os responsáveis pela criança. II- Avaliação de linguagem: Para avaliação da linguagem em crianças entre 1 e 3 anos de idade será filmada, por cerca de 30 minutos, a criança em situação de brincadeira com as pesquisadoras. Para as crianças de 3 a 5 anos será utilizado um teste de linguagem infantil, o ABFW, para avaliar os sons da fala da crianças. O teste inclui duas provas: a imitação e a nomeação. A prova de imitação compreende 39 palavras; nesta o examinador deve pedir à criança que repita a palavra enunciada. A prova de nomeação compreende 34 palavras; nesta o examinador deve pedir à criança que diga o nome da figura mostrada. Ao final das apresentações, as respostas (as falas das crianças) serão transcritas. Todos os dados serão registrados em Gravador digital, para posterior análise, sendo assegurado pela pesquisadora a manutenção do sigilo quanto à identidade dos participantes. III- Avaliação da audição: a criança será encaminhada para avaliação básica da audição no Laboratório de Audiologia Prof. Marco Antonio Mota, localizado na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL. O agendamento prévio deste exame será responsabilidade das pesquisadoras. IV- Avaliação das estruturas fonoarticulatórias: serão avaliados, pela pesquisadora, os órgãos e músculos da criança responsáveis pela produção da fala (por exemplo: boca, língua, bochechas, lábios). Essa avaliação será realizada na própria escola, no turno frequentado pelas crianças. Que eu participarei das seguintes etapas: Entrevista com os responsáveis pela criança (Etapa I acima), na qual deverei fornecer informações a respeito do desenvolvimento geral da criança. Que a criança por quem eu sou responsável participará das Etapas II, III e IV, tal como descritas acima.

93

Que os incômodos ou os possíveis riscos à minha saúde física e mental são: mínimos, como possíveis incômodos comumente associados a situações de entrevista para os responsáveis, constrangimento para a criança na fase da filmagem, leve incômodo no teste de audição, porém os participantes serão informados acerca da possibilidade de poderem interromper o experimento a qualquer tempo, sem precisar dar justificativas para fazê-lo. Que deverei contar com a seguinte assistência: se for observada, durante Etapas II, III e IV descritas acima, alguma alteração de linguagem/fala na criança pela qual eu sou responsável, ela poderá ser, caso assim o deseje, encaminhada para tratamento fonoaudiológico na Unidade de Tratamento em Fonoaudiologia Prof. Jurandir Bóia Rocha, da Faculdade de Fonoaudiologia de Alagoas – UNCISAL. Que os benefícios que deverei esperar com a minha participação e a participação do menor pelo qual sou responsável, mesmo que não diretamente são: ampliar o conhecimento acerca do desenvolvimento dos sons da fala de crianças sem alteração. Proporcionar um tratamento mais eficaz de crianças com alteração dos sons da fala, favorecendo um melhor aproveitamento do tempo de terapia. Que, sempre que desejar, serão fornecidos esclarecimentos sobre cada uma das etapas do estudo. Que, a qualquer momento, eu poderei recusar a continuar participando e a permitir que a criança por quem eu sou responsável continue participando do estudo e, também, que eu poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me traga qualquer penalidade ou prejuízo. Que as informações conseguidas através da minha participação não permitirão a identificação da minha pessoa ou do menor participante deste estudo, por quem sou responsável, exceto aos responsáveis pelo estudo, e que a divulgação das mencionadas informações só será feita entre os profissionais estudiosos do assunto. Que as despesas que eu venha a ter com a minha participação nesse estudo, referente ao meu deslocamento e da criança pela qual sou responsável para a avaliação da audição da criança na Faculdade de Fonoaudiologia de Alagoas – UNCISAL, serão reembolsadas; sendo que, para essas despesas, foi-me garantida a existência de recursos. Que eu deverei ser indenizado por qualquer despesa que venha a ter com a minha participação nesse estudo e, também, por todos os danos que venha a sofrer pela mesma razão. Finalmente, tendo eu compreendido perfeitamente tudo o que me foi informado sobre a minha participação no mencionado estudo e estando consciente dos meus direitos, das minhas responsabilidades, dos riscos e dos benefícios que a minha participação implicam, concordo em dele participar e para isso eu DOU O MEU CONSENTIMENTO SEM QUE PARA ISSO EU TENHA SIDO FORÇADO OU OBRIGADO.

Endereço d(o,a) participante-voluntári(o,a) Domicílio: (rua, praça, conjunto): Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone: Ponto de referência:

Contato de urgência: Sr(a). Domicílio: (rua, praça, conjunto): Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone: Ponto de referência:

94

Endereço d(os,as) responsáve(l,is) pela pesquisa (OBRIGATÓRIO): Instituição: Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística - FALE Endereço: Av. Lourival Melo Mota, S/N, Campus A.C. Simões Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: Tabuleiro do Martins – CEP 57072-970 – Maceió - AL Telefones p/contato: (82) 3214-1463, 3214-1640

ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação no estudo, dirija-se ao: Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas: Prédio da Reitoria, sala do C.O.C. , Campus A. C. Simões, Cidade Universitária Telefone: 3214-1041

Maceió,

(Assinatura ou impressão datiloscópica d(o,a) voluntári(o,a) ou resposável legal

- Rubricar as demais folhas)

Prof. Dr. Miguel de Oliveira Jr. Profa. Dra. Luzia Miscow da Cruz Payão Maraísa Espíndola de Castro

Nome e Assinatura do(s) responsável(eis) pelo estudo (Rubricar as demais páginas)

95

Anexo B - Protocolo de anamnese

Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL – Curso de

Fonoaudiologia

CENTRO ESPECIALIZADO EM REABILITAÇÃO – CER III

ANAMNESE

I. Dados pessoais:

Nome: ______________________________________________________

Idade: ______________________D.N.: ____________________________

Gênero: ______________________________

Filiação: (mãe) ________________________________________________

(pai) _________________________________________________

Profissão dos pais: _____________________________________________

Escolaridade dos pais: __________________________________________

Endereço: ____________________________________________________

_____________________________________________________________

Telefones: ____________________________________________________

Encaminhado por: ______________________________________________

Data da anamnese: ______________________

II. Motivo da consulta:

III. Antecedentes pré-natais:

Ordem de nascimento:

Gestação:

IV. Antecedentes natais:

Local do parto:

Condições do parto: ( ) a termo ( ) prematuro _____ meses

Tipo de parto: ( ) normal ( ) cesariana ( ) fórceps

( ) induzido

96

Condições da criança ao nascer:

V. Antecedentes de maturação:

Alimentação:

Desenvolvimento psicomotor:

Linguagem:

Balbuciou?

Primeiras palavras:

Modo de comunicação:

Audição:

VI. Antecedentes patológicos:

Doenças:

Intervenções cirúrgicas:

VII. Tratamentos anteriores:

VIII. Hábitos:

Sucção de dedo:

Chupeta:

Onicofagia:

IX. Antecedentes hereditários e familiares:

X. Impressão deixada pelo paciente e/ou informante:

XI. Condutas e encaminhamentos:

Maceió, / / .

97

Anexo C - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW –

Protocolo de registro – Imitação

98

Anexo D - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW – Protocolo

de registro – Nomeação

99

Anexo E - Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial

Nome: ..........................................................................................................................

Sexo: .......................................................

Idade (D.N.): ..................................................... Data: / / .

Respiração

1. Característica miofacial normal ( ) alterada( ) ..........................................

2. Competência labial sim ( ) não ( ) ..........................................

3. Competência lingual sim ( ) não ( ) ..........................................

4. Competência mandibular sim ( ) não ( ) ..........................................

5. Reflexo alar sim ( ) não ( ) ..........................................

6. Forma do palato normal ( ) alterada ( ) ..........................................

7. Tonsilas normal ( ) alterada ( ) ..........................................

ausente( )

8. Adenóide normal ( ) alterada ( ) ..........................................

ausente ( )

9. Patologias associadas não ( ) sinusites ( )

Rinite ( ) bronquite ( )

Asma ( ) outras ( ) ..........................................

10. Avaliação da respiração nasal ( ) oral ( ) ..........................................

Obs.: .........................................................................

Deglutição

1. Vedamento labial sim ( ) não ( )

2. Lábios com pressionamento normal ( ) alterado ( ) ..........................................

3. Mímicas peribucais não ( ) sim ( ) ..........................................

4. Língua ( anatomia ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................

( função ) normal ( ) alterada ( ) .........................................

( postura habitual ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................

5. Função do masseter normal ( ) alterada ( ) ..........................................

6. Freio lingual normal ( ) alterada ( ) ..........................................

7. Emissão de fonemas:

a.) Bilabiais ( p / b / m ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................

b) Linguoalveolares ( t / d/ n / l ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................

c) Fricativos ( s / z / ch / g ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................

8. Avaliação da deglutição normal ( ) adaptada ( ) ..........................................

Obs.: ..................................................................................................

Sucção

1. Hábitos de sucção ausente ( )

100

Chupeta ( ) dedo ( ) mamadeira ( ) lábio ( )

outros ( )

Mastigação

1. Hábito alimentar adequado ( ) inadequado ( )

2. Preferência mastigatória bilateral ( ) unilateral ( )

3. Musculatura do masseter simétrica ( ) assimétrica ( )

4. Hábitos de mastigação ausentes ( ) onicofagia ( )

bruxismo ( )

outros ( )

Obs.: ........................................................................................

Oclusão

1. Normal ( )

2. Prejudicada ( )

3. Mordida aberta ( ) anterior ( ) posterior ( )

unilateral ( ) bilateral ( )

4. Mordida profunda ( )

5. Mordida cruzada ( ) anterior ( ) posterior ( ) 6. Diastema

( ) apinhamento ( ) mutilação ( )

7. Tipo de dentição decídua ( ) mista ( ) permanente ( )

Obs.:

....................................................................................................................................................

............................................................................................................................

Avaliação Complementar

Fonoaudiologia ( )

.............................................................................................................................

Otorrinolaringologia ( )

.............................................................................................................................

Outros ( )

.............................................................................................................................

Obs. Finais: ............................................................................................................................................................................................................................................................................................