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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS DO SERTÃO CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA ELLEN CIRILO SANTOS “ÀBÚRÒ N’ILÊ” REDE DE JUVENTUDE DE TERREIRO DE ALAGOAS: A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA JUVENTUDE DE TERREIRO ALAGOANA (2014/2015) Delmiro Gouveia/AL 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS DO SERTÃO

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

ELLEN CIRILO SANTOS

“ÀBÚRÒ N’ILÊ” REDE DE JUVENTUDE DE TERREIRO DE ALAGOAS: A

FORMAÇÃO HISTÓRICA DA JUVENTUDE DE TERREIRO ALAGOANA

(2014/2015)

Delmiro Gouveia/AL

2018

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ELLEN CIRILO SANTOS

“ÀBÚRÒ N’ILÊ” REDE DE JUVENTUDE DE TERREIRO DE ALAGOAS: A

FORMAÇÃO HISTÓRICA DA JUVENTUDE DE TERREIRO ALAGOANA

(2014/2015)

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em

Licenciatura Plena em História, turno Noturno,

como forma de obtenção do título de

Licenciado em História, sob a orientação do

Professor Me. Gustavo Manoel da Silva

Gomes.

Delmiro Gouveia – AL

2018

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AGRADECIMENTOS

Dedico este espaço de minha escrita, para agradecer, a todos que fizeram dos últimos

quatros anos um caminho repleto de luz e aprendizado. Primeiramente agradeço ao

movimento “Àbúrò N‟ilê- RJT/AL”, nas pessoas de Lúcelia Silva, Pedro Mendes, Thauane

Rodrigues, Regina Lessa, Jadinho Oly e Babá Marcinho de Odé, jovens resistentes e

empoderados que me foram muito solícitos e me confiaram à responsabilidade de investiga-

los. Muito obrigado Àbúrò N‟ilê! Nossa caminhada está apenas no começo.

Agradeço a minha família, por todo apoio e pela compreensão a minha ausência nos

momentos em família (continuarei faltando), meu amor e respeito por minha mãe Dona Mazé,

meu pai Seu Valdir, minha vó Dona Terezinha e aos meus irmãos Ewerton e Enderson. Que

todo amor nos mantenha unidos mesmo à distância.

Agradeço imensamente a minha segunda família Abí Axé Egbé, onde encontrei

pessoas afetuosas e muito dispostas a construir um mundo livre de preconceitos e

estereótipos. Aos 50 e tantos membros com quem tive o prazer de conviver nos últimos anos,

foram muitos momentos de formação, de muito batuque, mas também de muita emoção.

Vocês fizeram o meu caminhar muito mais político, mais artístico e, sobretudo, mais leve.

Abí Axé Egbé, meu berço intelectual, artístico e político, meu muito obrigado!

As minhas melhores amigas de graduação, Leide Daiane e Aline Oliveira, com as

quais compartilhei incontáveis momentos de felicidade, de tristeza e de muito estresse

acadêmico. Leide, obrigado por todo carinho e atenção e por todas, todas mesmo, histórias

compartilhadas. Aline, aquela que por vezes era a minha razão enquanto eu queria ser

coração, minha companheira de luta e de vida, muito obrigado por todo afeto.

A todos os colegas de turma, e renomados professores que tive o prazer de conhecer,

em especial ao professor Eduardo Lima, que me serviu de obras teóricas pra que eu

desenvolvesse esta pesquisa, e ao Professor Marcus Vinícius que sempre se mostrou solícito a

ajudar em minhas produções cientificas. Serei grata por todos os momentos e saberes

compartilhados.

Agradeço ainda aos avaliadores deste trabalho, que serviram do seu tempo e saber para

tecerem suas sugestões e críticas para o melhoramento da minha formação profissional e

pessoal. Obrigados aos professores Eltern Campina Vale e Leon Adan Gutierrez de Carvalho

por aceitaram o convite e dispor de suas experiências teórico-metodológicas para contribuir

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com esta pesquisa. Agradeço também pelo mesmo motivo a Sergiana V. dos Santos, mulher

inspiradora e excelente profissional. Muito Obrigado!

Ao meu excelentíssimo orientador Gustavo Gomes, que não se limitou a ser apenas o

orientador desta pesquisa, mas que contribuiu essencialmente para minha formação como um

todo. Muito obrigado, por todos os empurrões, por todos incentivos e por toda honestidade

intelectual com que sempre tratou minhas produções. Serei eternamente grata por todas as

orientações, a você meu mais sincero e afetuoso obrigado!

Por fim, e com certeza essencial, agradeço a todas as forças que sempre estiveram

comigo, que fizeram dos meus passos mais claros e assertivos... À Ela, dona de mim e dos

meus caminhos.

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RESUMO

Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa desenvolvida no campo da História Social

das religiões que, de forma crítica, analisa a importância das manifestações de caráter político,

religioso e cultural a partir da Juventude de Terreiro de Alagoas chamada “Àbúró N‟ilê-

RJT/AL”. O seguimento Juventude de terreiro, em Alagoas, é um espaço criado no ano de

2014, para articular as forças dos jovens que se identificam adeptos das religiões de matriz

africana e que vivenciam uma realidade racista, intolerante e socialmente desigual. Neste

sentido o “Àbúró N‟ilê-RJT/AL” busca consolidar uma participação eficiente dos jovens nas

políticas públicas em Alagoas. O presente trabalho analisa o surgimento deste movimento

jovem, com foco em seus discursos étnico e religiosos, entendendo que a formação histórica

deste movimento possibilita um estudo etnográfico de fontes virtuais, buscando compreender

as representações sociais e a construção de identidades coletivas através das experiências que,

legitimam a atuação histórica desses sujeitos alagoanos que se definem como “Jovens de

Terreiro” no tempo presente. Mediante esta análise entende-se que é primordial o estudo deste

movimento como objeto histórico e a importância de suas representações para a construção de

uma identidade sociocultural, ainda sobre os reflexos das repressões vividas pelas religiões

afro-brasileiras no estado de Alagoas.

Palavras-chave: História Social das Religiões; Juventude de Terreiro; Movimentos Sociais;

Alagoas.

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ABSTRACT

This work presents results of a research developed in the field of the Religion‟s Social History

who, criticizes, analyzes the importance of political, religious and cultural manifestations

from the Youth of “Terreiro” (or Juventude de Terreiro) from Alagoas called "Àbúró N'ilê -

RJT / AL ". The follow-up Youth of Terreiro, in Alagoas, is a space created in the year 2014

to articulate the forces of young people who identify themselves as adherents of African‟s

religion matrix and who live a racist, intolerant and socially unequal reality. In this sense,

"Àbúró N'ilê-RJT / AL" seeks to consolidate an efficient participation of young people in

public policies in Alagoas. The present work analyzes the emergence of this young

movement, focusing on its ethnic and religious discourses, understanding that the historical

formation of this movement makes possible an ethnographic study of virtual sources, seeking

to understand the social representations and the construction of collective identities through

the experiences that, legitimize the historical performance of these people from Alagoas

individuals who define themselves as Youth of “Terreiro" in the present time. Through this

analysis, it is understood that the study of this movement as a historical object and the

importance of its representations for the construction of a socio-cultural identity, as well as

the reflections of the repressions experienced by Afro-Brazilian religions in the state of

Alagoas, is of paramount importance.

Key words: Social History of Religions; Youth of Terreiro; Social movements; Alagoas.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 8

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 17

HISTÓRIA SOCIAL DAS RELIGIÕES AFRO-ALAGOANAS: UM ESTUDO SOBRE

A HISTORIOGRAFIA AFRO-RELIGIOSA DE ALAGOAS ............................... 17 1.1 Aportes teóricos na construção de um objeto político de pesquisa. ................................... 18

1.2 Religiosidades afro-brasileiras em Alagoas: memória e identidade na historiografia. ...... 21

CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 35

ENTRE REDES E MOVIMENTOS: A JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA E OS

MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS ALAGOANOS ......................................... 35 2.1 Tecendo redes e instituindo políticas: as faces do Movimento Negro em Alagoas ........... 36

2.2 “O encanto tá nos olhos de quem vê”: as transformações nas redes de sociabilidade afro-

alagoanas ....................................................................................................................... 42

2.3 Entre batuques e bandeiras de luta: a juventude contemporânea nos terreiros de axé ....... 49

CAPÍTULO 3 .......................................................................................................................... 54

“ÀBÚRÓ N’ILÊ” E OS CAMINHOS DA JUVENTUDE DE TERREIRO EM

ALAGOAS (2014/2015) .............................................................................................. 54 3.1 A juventude de Terreiro no Cenário Nacional (2009 – 2014) ............................................ 55

3.2 O Irmão Mais Novo da Casa “Àbúró N‟ilê”: Rede de Juventude de Terreiro de Alagoas.61

CONSIDERAÇOES FINAIS ................................................................................................. 69

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 72

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APRESENTAÇÃO

Em 2013 uma jovem, sertaneja, “parda”, católica e participante de grupos jovens

católicos, nascida no seio de uma família conservadora e criada sobre os preceitos de valores

éticos e morais cristãos, tornava-se a primeira e única filha a ingressar numa universidade.

Jovem, estudante de escola pública com desejos e dúvidas efervescentes sobre o mundo

acadêmico.

No contexto dos primeiros períodos e primeiras disciplinas a difícil tarefa de se situar

e sobreviver a grande disputa de egos e ao tão inalcançável saber histórico, teórico e didático.

No segundo período acadêmico, na tentativa de se lançar aos projetos acadêmicos, submeteu-

se ao processo de seleção para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência

(PIBID), na ocasião com o tema “História da África e Cultura Afro-Brasileira na sala de aula:

interações éticas e estéticas”. Na entrevista um dos avaliadores da banca pergunta: qual

interesse em fazer parte de um projeto voltado para a cultura afro-brasileira? Imediatamente,

busquei meus referenciais e não encontrei nada de tão claro e objetivo, nada sabia “algo” de

cultura afro-brasileira. Optei por apelar pela minha falta de conhecimento e curiosidade para

garantir uma resposta ao questionamento levantado. Antes que eu me retirasse da sala,

insegura e frustrada o coordenador do programa me lança o convite para conhecer,

independentemente do resultado, o projeto de extensão também coordenado por ele: Abí Axé

Egbé.

Aprovada no PIBID, inserida na sala de aula e participando ativamente do projeto de

Abí Axé Egbé, (re)construi minha identidade, conheci meu corpo negro e tracei metas e

objetivos para mim mesma. Nos rios dos conhecimentos étnico-raciais e afro-religiosos

caminhei até onde conseguia sentir o chão, torcendo as amarras de meus pré–conceitos que

foram afrouxando até soltar-me e senti-me flutuando e desprendida. Mergulhei nos

referenciais, e transitei nos mais variados temas de pesquisa. Participei e ministrei cursos e

oficinas sobre cultura afro-brasileiras, religiões negras e experienciei junto aos meus alunos a

descoberta de uma identidade e estética negra. No fim de 2014, fui desafiada pelo meu

orientador a sair da minha zona de conforto e procurar perceber se havia em Alagoas algum

grupo de jovens de terreiro.

A descoberta foi intrigante, como quem participou de grupos religiosos, os referenciais

que tinha de movimentos jovens eram voltados pra teologia cristã. O diferencial deste

movimento apresentou-se muito sedutor, pois se apresentava como movimento sócio-político

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de jovens adeptos das religiões de matriz africana. Em 2015, iniciei um acompanhamento

etnográfico da atuação do movimento.

O movimento “Àbúrò N‟ilê- RJT/AL” (Rede de Juventude de Terreiro de Alagoas)

articula e realiza suas atividades em diferentes espaços (terreiros, centros e praças públicas)

da cidade de Maceió. Participei de algumas das atividades, de modo observatório e

exploratório com a finalidade de construir esse trabalho.

Produzir, sobre um objeto do tempo presente, escrever, registrar ou qualquer que seja

o ato, é tarefa árdua e complexa. Principalmente quando um objeto mexe tanto com sua

subjetividade, tenciona-a, sacode, instiga, seduz, transforma-a... como pesquisar um objeto

que começa a exercer tantos poderes sobre a mente, coração e corpo de uma pesquisadora?

Acreditamos que alguns procedimentos teóricos e metodológicos podem assegurar

uma escrita clara, objetiva e científica com a finalidade de distanciar-se do objeto e constituí-

lo um objeto político e histórico. O trato conceitual e conhecimento de acúmulos teóricos

aplicados com o devido rigor metodológico do uso e tratamento das fontes são essenciais para

construir uma narrativa histórica delineada. Assim como, estabelecer categorias analíticas

como medidas aos dados interpretados nesta pesquisa.

Importante dizer que este trabalho levanta hipóteses verificadas pelas costuras

metodológicas, aplicação dos conceitos e pela análise de fontes. A fim de contribuir para o

conhecimento científico e para as futuras produções historiográficas, assim, como se tornou

satisfatório para esta pesquisadora, aos primeiros meses de 2018 concluir um trabalho

científico enquanto mulher, jovem negra e professora-pesquisadora alagoana.

Desejo uma boa leitura política, social e prazerosa.

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INTRODUÇÃO

A História Social das Religiões tem se constituído um campo de investigação capaz de

inaugurar conceitos sobre a História das Religiões numa perspectiva da História Social. Tal

importância e sustentação do campo têm estabelecido característica, formas de interpretações,

teorias-metodológicas e um amadurecimento epistêmico de suas proposições conceituais. No

entanto ainda há muitos objetos, processos, experiências culturais e sociais a serem decifrados

por este campo.

Os debates lançados pela Escola Italiana (1924) e pela Escola dos Annales (1929) são

os que mais têm instigado os historiadores a pensar a temática religiosa como objeto de

estudo. A problemática envolvendo o campo religioso no Brasil estaria no que poderíamos

chamar de indefinição, pois o campo da religião em si depende da construção das abordagens

históricas. Fato é que a preferência por abordagens políticas e econômicas tardou o

desenvolvimento deste campo.

Nas últimas décadas, muitos dos estudos sobre os cultos afro-brasileiros em Alagoas

têm sido construído a partir de abordagens renovadas e interdisciplinares, articulando

conceitos e metodologias de ciências como história, sociologia e antropologia e tomando

como grande ponto de discussão a experiência histórica que ficou conhecida como “Operação

Xangô ou Quebra”, umas das maiores repressões às religiosidades de matriz africana, até

então conhecida em Alagoas, ocorrida no ano de 1912. O fato ocasionou a invasão de

terreiros, destruição de objetos sagrados e perseguição de seus praticantes, por questões

políticas durante o período Malta1.

Na passagem entre os séculos XX e XXI, uma nova geração de pesquisadores se

empenha em reconstruir as memórias dos diferentes grupos afro-brasileiros em Alagoas em

diferentes áreas e perspectivas. Surgem pesquisas, teses de doutorado e artigos científicos a

partir de nomes como Douglas Apratto, Clébio Araújo Ulisses Rafael e Irinéia Franco, entre

outros autores que se dedicam a escrever sobre as religiões afro-alagoanas.

Douglas Apratto e Clébio Araújo desenvolvem trabalhos em perspectiva histórica, no

entanto estes trabalhos possuem uma abordagem cultural que tange uma perspectiva

1 Por um longo tempo a família Malta esteve à frente do governo alagoano, o que ocasionou grandes conflitos

entre o governo de Euclides Malta e a oposição liderada pelo Barão de Traipú, essa rivalidade iniciou a

movimentação e agitação que resultou na destruição de terreiros e agressão aos seus praticantes. A liga dos

republicanos combatentes foi a organização responsável por invadir e destruir os locais de culto das religiões de

matriz africana, essa ação foi justificada a partir acusação de envolvimento do governador Malta com os

terreiros de “Xangô”, e para a oposição esse suposto envolvimento justificava a permanência de Euclides Malta

no Poder. (RAFAEL, 2012)

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folclorista, registrando as culturas negras presentes em Alagoas e de que modo

“influenciaram” na identidade alagoana “no passado”. Suas abordagens discorrem sob um

olhar romantizado, do que veio a ser chamado de origem dos cultos negros. Estas abordagens

estão centradas na exposição de símbolos e fundamentos religiosos, aproximando-se de

trabalhos teológicos. Ainda assim, estes trabalhos culturalistas nos interessam para

compreender o que estes historiadores têm registrado como cultura dos povos de terreiro,

quais interpretações têm feito sobre os adeptos e o que tem concluído por identidade cultural

afro-religiosa.

O professor Ulisses Rafael por atuar na área das Ciências Sociais, desenvolve um

resgate sociológico e antropológico, do embate entre política e religião na primeira república,

as observações do autor deste período constitui uma abordagem voltada para um

levantamento histórico. A professora Irinéia tem se empenhado em produzir trabalhos no

campo da História Social da Religiões, e estes trabalhos têm sido pertinentes para pensar a

identidade religiosa alagoana. Em um de seus livros “A caverna do diabo e outras histórias” a

autora apresenta um conjunto de artigos sobre as religiões alagoanas para indicar bases a

futuras pesquisas e hipóteses levantadas e verificadas por ela.

Considerando especificamente uma abordagem estritamente historiografia, a

professora Irinéia Maria Franco, a partir de um estudo comparativo entre os candomblés de

São Paulo e Alagoas, investiga as manifestações religiosas de 1970 a 2000 e demarca este

período como de uma busca por “afirmação e autonomia” do povo de santo; questão

perpassada pela necessidade do “resgate” da tradição oral e mitologia dos ancestrais. Na

reconstrução desse contexto a historiadora detalha as modificações no culto as religiões afro-

brasileiras. Assim, a partir de sua obra, podemos compreender as religiões afro-brasileiras

presentes em Maceió, em sua reestruturação até o fim do século XX como um processo

histórico importante para compreender a identidade assumida pelo “xangô maceioense” na

atualidade. Esse processo descreve como as religiões afro-brasileiras em Maceió são

politicamente reconstruídas através das formas como os adeptos se afirmaram: contrapondo-

se ao à prática do “Xangô Rezado Baixo” e construindo estratégias de enfrentamento,

visibilidade e exercício do direito ao respeito e valorização de suas tradições religiosas.

Partindo deste contexto, delimitamos objeto de estudo, que consiste num movimento

social de caráter político-religioso chamado “Juventude de terreiro”2 a partir da formação dos

2 Conforme descrito na Carta de Princípios do Movimento de Juventude de Terreiros de Alagoas Àbúrò N’

ìlê, nesta nomenclatura genérica podem ser contemplados participantes de diferentes seguimentos religiosos:

candomblecistas, umbandistas, juremeiros, etc.

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grupos de trabalhos da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO)3. O

termo juventude de terreiro ganhou novos percursos, tendo se manifestado em diversos

estados de diferentes formas, porém com a mesma proposta política: representar os interesses

políticos, econômicos, sociais e culturais, não só da população adepta dos cultos afros, mas,

sobretudo, da juventude afro-religiosa.4 Em Alagoas o seguimento representado através do

“Àbúrò N‟ìlê – Rede Regional da Juventude de Terreiro”5 atualmente representada no estado

de Alagoas, Pernambuco e Ceará.

As categorias teóricas propostas por E. P. Thompson (1981) emprestam a este trabalho

as proposições para uma compreensão da realidade social em que se forma o movimento de

jovens que é objeto desta pesquisa. Portanto, a Experiência estaria ligada a consciência social

que, quando postas a realidade torna-se essencial para compreender determinadas

organizações sociais como formas de ações e reações expressadas nos costumes. Tais

costumes reflete no que conhecemos por Cultura, que consiste num conjunto de costumes

característicos de uma determinada classe, grupo ou organizações. Assim como, outras

categorias sociais, destacamos a juventude de terreiro que desenvolve uma cultura pautada

sobre pressão, criando formas e espaços de reivindicações partindo das experiências comuns.

A cultura desse movimento recente “Juventude de Terreiro” apresenta-se como um espaço de

mediações de conflitos políticos, valores e significados compartilhados.

Se voltarmos ao conceito de História das religiosidades que consiste em compreender

as formas de organização através do tempo e relacionar com o conceito de cultura como

formas de mediação política, podemos compreender a importância deste objeto para história

local. Com o intuito de analisar a formação histórica do movimento social Juventude de

Terreiro “Àbúrò N‟ilê”, em Alagoas que surgiu em 2014 no interior do movimento negro

religioso alagoano. Por sua localização temporal, os referenciais desta pesquisa também

perpassam pela História do Tempo presente.

A História do tempo presente apesar de seus desafios possibilita uma história de

duração não imediatista, pois permite, a partir da problematização e contextualização densa

3 Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, instituída em marco de 2003 em São Luís (MA).Esta

organização surge com o intuído de articular sociedade civil, adeptos das religiões de matriz africana e gestores e

profissionais da área da saúde. O principal objetivo desta rede é “potencializar e valorizar” , assim como estreitar

a relação e acesso entre os povos de terreiros e as politica publicas. Para organizar as demandas, atualmente a

RENAFRO possui seis grupos de trabalho (GTS): Mulheres de Axé, Homens de Axé, Juventude de Terreiro,

Crianças de Axé, GT de comunicação e GT de Articulação Politica. Esses grupos são formados por

representantes estatuais e desenvolvem encontros, seminários e debates.(nacionais, regionais e estatuais) 4 Site oficial RENAFRO: http://semireligafro2007.wixsite.com/treinamento2016/blank-nh1raacesso em agosto

de 2017 5 Àbúrò N‟ìlê: Termo Yourubá que significa “ Irmão mais novo da Casa”. Informação coletada do blog

“Comunica Ewè” plataforma oficial do movimento.

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do historiador, problematizar a história ao inserir novas fontes e analisar, redesenhar novas

metodologias de acordo com a novidade e a dinâmica do objeto de estudo aqui proposto. A

história do tempo presente permite estudar os movimentos, categorias e minorias sociais da

atualidade (MOTTA, 2012).

Logo, faz-se relevante entender a importância dos conflitos, conceitos, ideias,

símbolos estabelecidos em torno de grupos e práticas religiosas e quais as formas de

resistência construídas nesses processos. A ainda pequena historiografia alagoana das

religiões tem se dedicado a discutir estes aspectos em um período mais retrocedido

temporalmente. Desta maneira, há um silêncio de reflexões historiográficas sobre as

experiências sociais, culturais e políticas de seguimentos religiosos afro-brasileiros na

contemporaneidade.

Se a história social nos diz que é importante estudar as identidades individuais e

coletivas, as experiências de pessoas comuns e seus relatos, como não pensar partindo destes

referenciais um movimento que tem assumido uma identidade coletiva a partir de conceito de

juventude, imerso no contexto afro-religioso?

Para esta pesquisa a metodologia inicialmente aplicada é “Etnografia”. A etnografia é

muito utilizada pela antropologia e sociologia; essa metodologia consiste na observação e

descrição do objeto estudado, mas têm suas limitações, seus resultados são interpretativos e

sozinhos não são capazes de concluir uma análise historiográfica. No entanto inicialmente

essa metodologia empresta a história uma readaptação nos instrumentos de modos que esses

possam contemplar as demandas da investigação.

Considerando os objetivos propostos, em analisar o surgimento do movimento

Juventude de Terreiro de Alagoas, o acompanhamento investigativo é essencial par

compreender historicamente o objeto, a instituição de conceitos e a análise de conjuntura. A

maior parte das fontes analisadas por esta metodologia é produzida pelos os próprios sujeitos

jovens afro-religiosos e ilustram suas aspirações, formas de expressão, estratégias,

expectativas, conflitos, etc. esses são critérios de análise do discurso neste trabalho

investigativo.

Partindo de uma necessidade específica do objeto e do perfil desses sujeitos (jovens),

trataremos para além da abordagem etnográfica, a “Etnografia Virtual” que observa as

manifestações dos sujeitos em plataforma virtuais. A utilização da Etnografia virtual neste

trabalho consiste na necessidade de observar os meios de comunicação e mobilização

utilizados pelos sujeitos da pesquisa, os jovens, através das “redes sociais”. Estas plataformas

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prestam a esta pesquisa, a princípio, um acervo de fotografias, folders, notas, carta de

princípios, cronograma de atividades e discussões do movimento. (AMARAL, 2010)6

A coleta de dados deu-se também pela História Oral, como proposto nesta prsquisa

trabalhar com as experiências contemporâneas e construções social de identidades, é essencial

recorrer às fontes orais. Sabendo dos limites da Etnografia e da Etnografia Virtual, neste

estudo interessa-nos o a realização de entrevistas, que serão analisadas, cruzadas e

problematizadas com as demais fontes disponíveis.

Mas acreditamos que a principal característica do documento de história oral não

consiste no ineditismo de alguma informação, nem tampouco no preenchimento de

lacunas de que se ressentem os arquivos de documentos escritos ou iconográficos,

por exemplo. Sua peculiaridade - e a da história oral como um todo - decorre de toda

uma postura com relação à história e às configurações sócio-culturais, que privilegia

a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu. (ALBERTI, 1990)7

Nestas perspectivas entendemos que é imprescindível as costuras metodológicas, para

uma maior compreensão das histórias vividas, dos fatos ocorridos e das observações

realizadas pela investigação. Tanto para análise textual, quanto para os relatos orais, o

tratamento aplicado se dá metodologicamente pela análise crítica do discurso na teoria social.

Para a Análise do Discurso utilizamos Fairclough (1992), que nos auxiliam na

interpretação dos conceitos, dos discursos políticos quando colocados como estratégias de

organização, que contribuiu de forma efetiva para que pudéssemos através dos discursos,

sentidos, experiências e representações, traçar as noções conceituais do termo “Juventude de

Terreiro”.

No primeiro capítulo, HISTÓRIA SOCIAL DAS RELIGIÕES AFRO-

ALAGOANAS: um estudo sobre a historiografia afro-religiosa de Alagoas, iniciamos com

uma abordagem sobre o campo historiográfico, apresentando as perspectivas da Escola

Italiana de História das Religiões e da Escola dos Annales apresentando suas definições e

abordagens a fim de tecer teoricamente sobre a necessidade e importância de compreender

historicamente as religiões e religiosidades numa perspectiva histórica e social. Aplicando tais

concepções teóricas e metodológicas, analisamos criticamente as produções científicas

voltadas para as religiões afro-alagoanas.

6

AMARAL, Adriana. Etnografia e pesquisa em cibercultura: limites e insuficiências Metodológicas.

REVISTA USP, São Paulo, n.86, p. 122-135, junho/agosto 2010. 7 ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio

Vargas1990.

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Destacamos as produções de Clébio Araújo, Douglas Apratto, Ulisses Neves e Irinéia

Santos, ponderado contextualmente as leituras que estes trabalhos construíram a respeitos dos

cultos negros alagoanos. E o modo como se limitam temporalmente, e de como estão

habituados a pensar as experiências sociais isoladamente das experiências religiosas. Partindo

deste contexto historiográfico não consideramos as religiões numa perspectiva folclorista,

tampouco teológica, mas sim, buscamos abordá-las sob uma perspectiva social da história das

religiões como experiências socioculturais modificáveis através de tensões e no modo com

que exercem e constroem sentidos, dinâmicas e estratégias.

No segundo capítulo, ENTRE REDES E MOVIMENTOS: a Juventude

contemporânea e os movimentos socioculturais alagoanos, construímos um panorama sobre

os movimentos sociais negros nos séculos XIX, XX e XXI. Tal construção apresenta de que

modo os movimentos se constituíram neste período, especificamente as formas de

organização do movimento negro e quais as influências tiveram sobre a construção do

movimento negro e do movimento negro-religioso em Alagoas. A forma como o movimento

negro se organizou em Alagoas, nos levam a questionar quais as expressividades que

apresentam os movimentos sociais negros e religiosos na atualidade.

Com isso, desenvolvemos uma análise sobre a “rede de valorização” as manifestações

negras em Alagoas, destacando as dinâmicas e estratégias de atuação com o intuito de

delinear a juventude contemporânea, em sua categoria definidora enquanto jovens, negros e

afro-religiosos. Para compreender estes marcadores sociais que constroem as identidades

coletivas, nos respaldamos nos conceitos de Cultura e Experiência de E. P. Thompson (1989),

para referenciar o modo como estas categorias sociais vêm construindo suas concepções

políticas a partir da experiência coletiva e individual.

No terceiro e último capítulo, “ÀBÚRÓ N’ILÊ” E OS CAMINHOS DA

JUVENTUDE DE TERREIRO EM ALAGOAS (2014/2015), analisamos a formação

histórica do movimento “Àbúrò N‟ilê- RJT/AL” (Rede de Juventude de Terreiro de Alagoas)

e apresentamos inicialmente a construção do termo “Juventude de Terreiro”, partindo da

experiência dos movimentos constituídos no cenário brasileiro a influência que exercem na

formação do movimento alagoano. A articulação proposta pelo movimento, sua carta de

princípios e sua atuação propõem e expressam suas formas de representatividade, com isso

analisamos o movimento partindo dos conceitos de Representações sociais de Jodelet (2002),

e de Categorias Sociais com as contribuições teóricos e metodológicas de E. P. Thompson

(1989), que resultam nas hipóteses levantadas e conferidas sobre a construção do que vem a

ser o conceito de Juventude de Terreiro.

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16

Nas considerações finais, tecemos os últimos pontos deste trabalho, a projeção

nacional do movimento Juventude de Terreiro servem de plano de fundo para compreender as

dinâmicas, estratégias e formas de atuação que tem desenvolvido estes sujeitos em Alagoas. O

movimento de jovens de terreiro em Alagoas se identifica como “Àbúrò N‟ilê- RJT/AL”, e

tem desenvolvido suas atividades desde 2014, com carta de princípios elaborada e aprovada

internamente pelo movimento. As costuras teóricas e metodológicas nos levam a interpretar

que este movimento tem construído através de suas experiências individuais e coletivas, um

espaço político, social e cultural. No entanto, o que se construí neste trabalho trata-se de

noções do que tem se constituído em torno do termo, ainda não registrado cientificamente, de

Juventude de Terreiro alagoana. Assim, lançamos que num contexto de repressão

experienciado em Alagoas, a juventude consiste num movimento de jovens e para jovens, que

tem construído a partir de sua cultura religiosa e suas experiências sociais um movimento

social politico e religioso, dispostos a construir projetos voltados para estas categorias sociais

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CAPÍTULO 1

HISTÓRIA SOCIAL DAS RELIGIÕES AFRO-ALAGOANAS: UM ESTUDO SOBRE

A HISTORIOGRAFIA AFRO-RELIGIOSA DE ALAGOAS

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1.1 Aportes teóricos na construção de um objeto político de pesquisa.

Nas Ciências Humanas a História das Religiões, ainda é uma área complexa a ser

estudada, e por vezes vista com suspeição, tal complexidade contribui para uma urgência nos

estudos dos temas que carecem de ser trabalhados na historiografia brasileira. Parte da

complexidade desta área está no que poderíamos chamar de problema de lugar ou

indefinição. Uma vez que, suas abordagens, definições teóricas – metodológicas, no campo da

História das Religiões no Brasil, ainda não se encontram totalmente delineadas, sendo esse

campo ainda muito confundido com disciplinas afins, sendo o próprio tema bastante

polissêmico.

O principal desafio dos historiadores que tem se dedicado a investigar as definições e

métodos da História das Religiões como campo instituído, tem percebido que esta definição

de campo tem contemplado três outros campos de análise sendo estes a História, as Ciências

Humanas e Sociais e as Ciências das Religiões. Tais perspectivas metodológicas apresentam

seus problemas oriundos, uma vez que cada uma delas possuem teorias e métodos específicos.

Uma das mais promissoras escolas teóricas, no campo de História das Religiões, é a Escola

Italiana fundada por Raffaele Pettazoni.8 Os resultados dos debates desta escola voltaram-se

para pesquisas Etnológicas e Bibliografias, que ambicionavam superar parte do Historicismo

influenciado pelo Positivismo.

O pensamento de Pettazoni apresenta algumas perspectivas que demarca as

abordagens que predominavam os debates da Escola Italiana de História das Religiões.9

A primeira linha é que a religião constitui-se em um fenômeno histórico-

social-civilizacional que tem autonomia de existência em relação aos demais

objetos históricos como a economia, a arte e a política. Essa posição, oriunda

do positivismo conteano, e mesmo do marxismo clássico, que

desqualificavam os estudos de religião e com os posicionamentos da

fenomenologia e da teologia que buscavam um ―descolamento‖ da religião

(e das religiões) do âmbito meramente histórico. (NUNES, 2009:12) 10

8 A escola Italiana de História das Religiões, surge a partir dos estudos de Raffaele Pettazoni em 1924, e com a

revista “ Studi e Materiali di Storia delle Religioni”(1925). 9 Cabe ressaltar que a maioria dos estudos da Escola Italiana não se encontram traduzidos, parte do que se

conhece no Brasil destes trabalhos são levantados pela perspectiva de Elton Nunes, Pós Doutor em História das

Religiões pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 10

NUNES, Elton de Oliveira. História e Religiões no Brasil: Teoria e Metodologia a partir da Escola Italiana. In:

SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25. 2009, Fortaleza. Anais do XXV Simpósio Nacional de História –

História e Ética. Fortaleza: ANPUH, 2009.

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A necessidade de constituir um campo de análise histórica e sistemática para o estudos

das religiões surgem a partir do momento em que se passa a perceber a religião como

fenômeno social, que se pensando numa perspectiva histórica ajuda a compreender as formas

de organização de determinados objetos. Esta percepção contribui de modo eficaz para o

amadurecimento epistêmico das proposições de conceitos, metodologias, ampliação de fontes

e formas de interpretação do desenvolvimento social das religiões enquanto campo

historiográfico.

Outra perspectiva histórica de Pettazoni consiste na relação de poder entre o social e a

religião, sendo estas relações de forças relevantes para o entendimento de determinados

grupos. As religiões para Pettazoni é um dos fatores essenciais na construção cultural e

identitária da sociedade numa troca mútua de interesses. Tais considerações partem de duas

concepções para a abordagem histórica, inicialmente, a análise documental e bibliográfica de

fontes e análise das práticas cotidianas de determinados grupos religiosos (NUNES, 2009)11

.

Assim, o conceito de religião assumido, será determinado pelo próprio historiador e

pela história que escreve. Tal alteridade se deve ao rigor teórico e metodológico com que se

trata o objeto a qual se pretende de analisar a partir de uma perspectiva histórico-social.

Os poucos estudos historiográficos sobres religiões no Brasil, têm sido fortemente

influenciados também pela escola francesa, a Escola dos Annales12

. Em 1929 surge o

movimento da Escola dos Annales, na França, que abriria uma nova dimensão para a

historiografia, modificando assim as perspectivas e concepções teórico-metodológicas.

Construíam-se, portanto, novas discussões ampliando o campo das produções científicas e

seus respectivos objetos de estudo. Esse processo de amadurecimento epistêmico possibilitou

um aperfeiçoamento metodológico da utilização de fontes e de novas abordagens que antes

não eram cabíveis à história.

A organização da pesquisa parte do problema levantado, e dele se procederá

à seleção de documentos e à construção de séries que permitirão verificar as

hipóteses levantadas. Ainda é interessante salientar – sobre esse processo de

construção - que o historiador não pode ser colocado como mero expectador,

como elemento não ativo no processo de construção histórica. O historiador

como sujeito cognoscente interage como o objeto ao problematizá-lo e,

11

NUNES, Elton de Oliveira. Op. cit., 2009. 12

O movimento dos Annales, que culminou no que se passou chamar de “Escola dos Annales”, fundada for

Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929. A então escola francesa surge de um grupo de pesquisadores em torno da

revista do Annales, que foi criada com o intuito de lançar uma Nova História.

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depois, ao construí-lo. Dessa forma, nos Annales, a História vai ser pensada

a partir da ideia de construção. (REINATO, 2002:25) 13

Assim, o movimento dos Annales propôs uma Nova História, pautada na história-

problema. Surgiram muitas inquietações e uma preocupação em revisar a teoria marxiniana e

estudar mais profundamente as estruturas sociais, com o intuito de preencher a lacuna deixada

por leituras historiográficas limitadas. Respaldados na “história problema”, e de como

(re)construir, alguns autores voltaram-se para a História das Religiões, como domínio da

História Cultural e História Social.

Deste modo entre a História Social e História Cultural existe um campo designado a

uma História Social das Religiões capaz de desenvolver pesquisas que contemplem as

manifestações religiosas e sociais.

Em termos historiográficos a História das Religiões pode ser estudada a partir de

muitos campos temáticos: História Eclesiástica, História das Doutrinas e História das Crenças

e Mentalidades, etc. Segundo Jacqueline Hermann, a religião como objeto historiográfico se

constitui num momento em que o “homem” torna-se elemento fundamental para pensar os

processos históricos; e o ofício do historiador é problematizar o estudo das crenças e sua

dimensão política e religiosa (HERMANN, 1997) 14

Esse debate que se desdobrou com os historiadores culturais e sociais sobre a

relevância de pensar historicamente o homem e a religião, tem estimulado as produções

temáticas até então não contemplados ou pouco estudados cientificamente. O objeto histórico

pode ser analisado tanto culturalmente, quanto socialmente sendo estabelecido pela

experiência religiosa e sua relação com a realidade. Apresentados os percursos tomados pela

História das Religiões, como campo e dimensão da História. Por volta de 1930, o Estado

Brasileiro buscava bases para ser pensado cientificamente, os primeiros estudos sobre a

cultura negra estavam pautados num projeto político de higiene social, era preciso pensar a

identidade nacional a ser constituída. Com isso, estudos voltados para as religiões afro –

brasileira estavam concentrados no campo da medicina, e numa etnografia psicanalista.

Apesar dos esforços tecidos em construir argumentos que caracterizassem a presença

negra e das religiões negras, e das contribuições da antropologia, sociologia e das demais

áreas das ciências humanas e sociais, ainda era evidente a necessidade de se pensar esses

13

REINATO, Eduardo José. A Escola dos Annales e a “Nouvelle Histoire”. In: A História da História.

ALENCAR, Maria Amélia (Org.). Goiânia: Ed. da UCG, 2002. 14

HERMANN, Jacqueline. Op., cit, 1997.

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aspectos da identidade negra numa perspectiva histórica, sobretudo numa perspectiva

histórica-social.

Agora, partimos para compreender de que modo a História Social das Religiões tem se

desenvolvido na historiografia alagoana, mais especificamente das Religiões Afro-Brasileiras

em Alagoas.

1.2 Religiosidades afro-brasileiras em Alagoas: memória e identidade na historiografia.

Em Alagoas, autores como Gonçalves Fernandes15

, Arthur Ramos16

, Abelardo

Duarte17

e Theo Brandão18

voltaram-se para um levantamento etnográfico e folclorista, na

primeira metade do século XX, quando conceitos e termos são estruturados por autores

brancos elitistas numa perspectiva médico-social. Podemos caracterizar este primeiro

momento em duas fases, a primeira delas com Nina Rodrigues e Arthur Ramos.

Esses dois autores são responsáveis por registrar cientificamente os primeiros estudos

sobre religiões afro-brasileiras ou no termo utilizados pelos autores “religiões e cultos negros-

fetichistas no Brasil”19

que inicialmente estão fundamentados sobre estruturação de projeto

político de higiene social.

Estes estudos fazem parte de um momento em que a recente república brasileira estava

buscando bases para ser pensada cientificamente. Era preciso entender qual seria a identidade,

cultural e história nacional a partir dos elementos raciais que deram origem à miscigenação

brasileira: negros, brancos e indígenas. É a partir daí que, de fato, o negro e sua cultura

tornam-se objetos de estudos, problemas a serem decifrados pelos homens da ciência. Onde

buscam encontrar soluções para o “problema do negro” identificando seus “típicos e

simbólicos” lugares, sejam esses culturais, religiosos ou sociais (GOMES, 2013). Assim, o

século XIX fica marcado pelo racismo científico, sobretudo na medicina que, que se

apresentou muito fortemente próxima da antropologia e influenciada pelo eugenismo. Foi,

inicialmente, na Bahia aos arredores da faculdade de medicina que,

15

FERNANDES, Gonçalves. Xangôs do Nordeste: investigações sobre os cultos negro-fetichista do Recife. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937. 16

RAMOS, Arthur. O negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 2002. 17

DUARTE, Abelardo. Catálogo ilustrado da Coleção Perseverança. Maceió: DAC/SENEC, 1974. 18

BRANDÃO, Théo. Folguedos de Alagoas II. Maceió: SECULT, 1982. 19

No século XIX, Nina Rodrigues iniciou seus trabalhos sobre as religiões de matriz africana onde instalou

conceitos como “Fetichismo” e “Animismo”. Tais termos estariam ligados à experiência religiosa e as práticas

de feitiçaria apontadas por Rodrigues, no modo que se adaptou em relação as demais religiões. O “Animismo”

grosso modo seriam portanto, os seres espirituais e animados de uma percepção religiosa.

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Nina Rodrigues partiu de critérios de diferenciação racial para observar,

anotar, teorizar, (des) classificar as experiências históricas e culturais negras

no Brasil, fazendo uma operação simbólica na identidade nacional,

ordenando as partes do todo brasileiro, formando simbolicamente um Estado

que ainda não é. O projeto médico-eugenista se colocava como o redentor da

nação fragilizada. (GOMES, 2013) 20

No século XIX, as abordagens científicas de Rodrigues (1935) a respeito das religiões

afro – brasileiras se constituíam nos termos utilizados pelo “Fetichismo e Animismo”,

buscando assim categorizar as religiões negras da Bahia. Nas palavras do autor,

A fórma por excellencia do fetichismo, isto é, “a atribuição a cada ser

e a cada coisa, de um double, fantasma, espírito, alma, independente

do corpo onde faz sua residência momentânea”. Mas é ainda

incontestável que para os mais intelligentes, para esses mestiços do

espírito sinão do corpo daqui ou já vindos de África, a religiosidade

attinge ás raias do polytheismo. (RODRIGUES, 1935: 28) 21

O autor Arthur Ramos, desenvolveu seus estudos sobre as religiões negras de culto

“Gege-nago e Bantu”, fortemente influenciado por Nina Rodrigues, a partir do cenário da

Bahia e Rio Janeiro, em “O negro brasileiro”, o autor explica a popularidade do orixá Xangô

ao ponto se ser associado ao nome do culto conhecido em alagoas como “Xangô alagoano” e

explica:

Xangô tem um culto popularíssimo entre os negros e mestiços do Brasil, ao

ponto de seu nome se estender, em algumas regiões do norte, como em

Alagoas e Pernambuco, às próprias cerimônias fetichistas, como sinônimo de

candomblé ou macumba. Ouvia, em menino, dizer muitas vezes, em Maceió:

no alto da jacutinga há um Xangô, a polícia varejou um xangô, etc., no

sentido de culto fetichista ou local do terreiro. (RAMOS,1988:33)22

Embora o autor suponha um possível motivo da nomenclatura, a associação se

apresenta de forma vaga e incompleta, considerando os cultos alagoanos ainda desconhecidos.

Ao tratar-se das religiões afro-brasileiras o autor explica que,

20

GOMES, Gustavo: A cultura afro-brasileira como discursividade: histórias e poderes de um conceito.

Recife, 2013, Dissertação de mestrado em História defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, 2013. 21

RODRIGUES, Nina. O Animismo Fetichista dos Negros Bahianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1935. 22

RAMOS, Arthur. O negro Brasileiro: Etnografia religiosa e psicanalise. Recife: FUNDAJ, Editora

Massangana, 1988.

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Em summa, já não existe no Brasil o fetichismo africano puro de origem. Em

alguns candomblés, principalmente na Bahia, a tradição gêge-nagô é mais ou

menos conservada. Mas não se pode deter a avalanche do syncretismo. Os

vários cultos africanos se amalgamaram a principio entre si , e depois com as

religiões brancas: o catholicismo e o espiritismo.(RAMOS,1988:127)23

Ao contrário de Rodrigues que buscava encontrar uma pureza nagô, Ramos afirma não

haver no Brasil culto de origens puras e africanas, assim como coloca que não é possível

modificar culturas e suas representações repentinamente, pois levam-se décadas para que

elementos , símbolos e pensamentos sejam substituídos.

Nestes aspectos ponderamos e reconhecemos de forma contextual a importância destes

dois autores para compreender os estudos levantados posteriormente, a importância de Nina

Rodrigues como inaugurador desta fase de aproximação da antropologia com a cultura foi de

extrema importância para o reconhecimento de tais perspectivas. Assim como reconhecemos

as limitações destes trabalhos como contribuições para a perceptiva histórica.

A segunda fase deve-se aos autores, anteriormente citados, Gonçalves Fernandes,

Theo Brandão e Abelardo Duarte, especialmente esses dois últimos que buscaram e

produziram diferentes análises sobre as temáticas negras em Alagoas no campo das Ciências

Sociais.

Gonçalves Fernandes desenvolve pesquisas sobre os xangôs no Nordeste, mas

especificamente o “xangô pernambucano”, onde busca compreender as tradições dos

principais candomblés de Pernambuco. Sobre esta tradição, a pesquisadora Zuleica Dantas

explica a partir de Goncalves Fernandes e outros autores que,

Essa tradição pode ser entendida por meio da chamada casa matriz de Xangô

pernambucano, isto é, o Sítio do Pai Adão, fundado por volta dos fins do

século XIX. Também faz parte desse “complexo religioso” fundamentado na

tradição, a casa das Tias do Pátio do Terço e da figura de Badia, sucessora

das Tias, todas já falecidas. Soma-se a ambos um terreiro de tradição

Xambá, migrado para Recife na década de 1910, por meio de um pai de

santo chamado Artur Rosendo, que se estabeleceu na cidade fugindo da

perseguição policial à sua religião no estado de Alagoas nesse período

(DANTAS, 2013:15)24

.

Embora os estudos mostrassem as tradições pernambucanas, neste início é possível

identificar uma influência alagoana sobre os cultos em Pernambuco, assim como vestígios das

23

RAMOS, Arthur. Op. cit., p.127. 24

CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. De xangô a candomblé: transformações no mundo afro-pernambucano.

Horizonte. Belo Horizonte, v.11, n.29, p.13-28, jan./mar., 2013.

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repressões sofridas em Alagoas. Esses estudos ganharam espaço em 1930 na área da

antropologia.

O autor Theo Brandão se destacou por seus estudos entre 1910 e 1930 sobre o folclore

negro alagoano, sobretudo o reisado alagoano, onde se dedicou a escrever sobre a relação

antropológica que existe nestas manifestações. O autor coloca estas manifestações como

folclore negro alagoano, deixando de maneira subentendida a noção de que a modernidade é

uma construção das elites. Nas palavras do autor,

E quando em vilas ou cidades não encontram casa que os aceitem para

dançar (o que é muito mais comum hoje do que antigamente, quando a

aristocracia rural dos bangüês e a classe média das cidades do interior

a ela ligada ainda não possuíam, nem rádios, nem vitrolas, nem

cinemas e era a grande apreciadora das folganças populares) realizam

os folguedos nos mercados públicos. Ou então, se algum chefe

político ou pessoa influente da localidade patrocina a exibição, ela se

realiza em armazéns, pátios cimentados, galpões e não mais nas salas

de visita ou de jantar como acontecia nos tempos antigos.

(BRANDÃO, 1982)25

No entanto, no que se trata de cultos afro-brasileiros em Alagoas não obtiveram muita

visibilidade para os pesquisadores e sua tradição e resistências passaram despercebidos aos

olhos dos intelectuais da época. Muito pouco se sabe sobre as religiões de matriz africana

antes de 1910, apenas nos trabalhos de Abelardo Duarte é possível encontrar de forma mais

evidente.

Nos dias atuais Abelardo Duarte é um dos autores mais citados quando se trata de

religiões afro-alagoanas, e nos ajuda a compreender a identidade assumida por esses cultos

em Alagoas. Assim,

Segundo Duarte, os cultos afro – alagoanos por serem considerados como

baixas práticas de feitiçaria, tornam-se vítimas de diversas perseguições, e ,

no ano de 1912, todos os “toques” que, talvez, pudessem vir a nos dar a

origem da identidade dos terreiro da cidade de Maceió foram destruídos ,

restando algumas poucas peças que se encontram no Instituto Histórico e

Geográfico da cidade. Entre essas peças foram encontrados não somente

objetos de culto nagô, mas também de culto gege (dahomeana), como a

cobra sagrada do vodu Dan e o ídolo nagô Ogum. (ROGÉRIO, 2006:43)26

25

BRANDÃO, Théo. Folguedos de Alagoas II. Maceió: SECULT, 1982. 26

ROGÉRIO, Janecléia Pereira. O Xangô em Maceió: suas variadas nações. In: CAVALCANTI, Bruno Cesár.

FERNANDES, Clara Suassuna. (Org.) Kulé – Kulé: Visibilidades negras. Maceió: Edufal, 2006.

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25

Em 1974 no “Catálogo Perseverança” de Abelardo Duarte, encontra-se os primeiros

relatos sobre as repressões aos cultos afro-religiosos de Alagoas, o autor vai classificar o

acervo de peças recuperadas do massacre de 1912, assim como explicar o ocorrido do dia 1º

de fevereiro do referido ano. Abelardo Duarte e Theo Brandão foram os responsáveis por

catalogar as peças que foram recuperadas da coleção “Perseverança”, que resultou no

documento “Catálogo ilustrado a coleção perseverança” publicado em 1974, há 62 anos após

o “quebra-quebra” esses últimos trabalhos foram essenciais para os estudos científicos que

seguiram, sendo esse documento o principal referencial teórico indicando, assim, o

levantamento folclorista, antropológico e, posteriormente, histórico sobre as religiões afro-

alagoanas.

Nenhuma destas análises se desenvolveram mais profundamente sobre as

religiosidades afro-brasileiras e, ainda menos, numa perspectiva historiográfica. Por um longo

tempo o “silêncio intelectual” se estendeu nos estudos científicos. Apenas por volta 1980

iniciou-se um levantamento sobre as memórias do “Quebra de Xangô” suas respectivas

consequências. Essa última fase de pesquisadores, juntamente com a primeira proporcionaria

suporte para outra geração de pesquisadores, que buscaram compreender os processos das

Religiões e Religiosidades em Alagoas.

Apenas nos últimos 30 anos, em Alagoas, pesquisadores têm demonstrado empenho

em escrever sobre as questões negras, mais precisamente sobre os cultos. O Núcleo de

Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Alagoas (NEAB-UFAL), criado em

1981, se propôs desde então a produzir novas fontes que contribuíssem para os estudos

científicos sobre a população negra a partir da percepção dos próprios negros reunindo

intelectuais da Ciência Sociais e da História27

constituindo-se, assim, num primeiro esforço de

importância política e científica nas contribuições para os estudos epistemológicos acerca das

questões afro-brasileiras em Alagoas.

Na passagem entre os séculos XX e XXI, uma nova geração de pesquisadores se

empenha em reconstruir as memórias dos diferentes grupos afro-brasileiros em Alagoas em

diferentes áreas e perspectivas. Surgem pesquisas, teses de doutorado e artigos científicos a

partir de nomes como Douglas Apratto, Clébio Araújo, Ulisses Rafael e Irinéia Franco, entre

outros autores que se dedicam a escrever sobre as religiões afro-alagoanas. Portanto,

desenvolveremos nesta sessão um levantamento destes trabalhos e qual a importância deste

para a historiografia alagoana.

27

http://neabufal.blogspot.com.br/2009_08_01_archive.html?view=classic acesso em 04 de maio de 2016.

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26

É fato que muitos acontecimentos históricos ressignificaram os trajetos que

caracterizam a identidade alagoana. O autor Douglas Apratto, escreve sobre a identidade

alagoana, especificamente sobre a presença do negro na identidade do estado e destaca a

constituição de 1988 e o pedido de perdão à população negra pelo episódio do quebra de

1912, como importantes momentos de reconhecimento, mesmo que ainda pouco, da

população negra como agentes ativos na formação da identidade alagoana.

A história alagoana, a identidade local está ligada a valores social e culturais

da maioria de sua população, não só a elite branca, de ascendência europeia,

mas igualmente e mais que tudo de seus pobres, negros, índios, setores

populares, que são sem dúvida autores e fazedores de nossa cultura.

(APRATTO, 2015:12) 28

Nesta análise sobre a identidade alagoana, o autor se pergunta constantemente como é

possível “que uma história de cinco séculos possa omitir uma parte tão significativa, os

alicerces fundadores, registrados inexpressivamente” (APRATTO, 2015:12).29

Apratto faz um

levantamento histórico desde a chegada de negros da África para o trabalho em fazendas e

engenhos de açúcar, a formação dos quilombos de negros, assim como a vida social negra no

período de abolição. Em todos os momentos e espaços em que o autor demarca a presença do

negro e suas manifestações, sempre aparece as diversas formas de opressão. Mas, embora

defenda a importância da presença negra na formação da identidade alagoana, o argumento do

autor coloca essa presença histórica apenas no passado e não fala sobre ela no presente.

Muito tem se habituado a pensar o movimento negro partir do passado; os estudos

folcloristas tem se empenhado registrar esses fatos históricos, assim como pensar as religiões

afro-alagoanas isoladamente destas outras manifestações. Contudo entende-se que o objetivo

do autor é destacar a presença negra em diversos espaços sociais, por isso não estende ao trato

das religiões, mas, entre um elemento e outro, da identidade alagoana podem se identificar as

influências das manifestações religiosas. O recorte do autor se inicia pelo pedido de perdão do

“quebra de xangô” em 2012 e volta até 1545, aproximadamente, demostrando os momentos

em que a população negra foi exclusa e a mercê da história.

Em “Alagoas de Xangô”, o autor Clébio Araújo esclarece a relação da sociedade num

todo, e das religiões de matriz africana com os termos “xangô alagoano” e seu lugar

“simbólico” nestes espaços. Como já iniciado neste trabalho, o autor Arthur Ramos e a autora

28

APRATTO, Douglas Ténorio. A presença negra na identidade alagoana. Brasília: Senado Federal,

Conselho Editorial, 2015. 29

APRATTO, Douglas Ténorio. Idem. Op. cit., p.12.

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27

Zuleica Dantas já notava a utilização deste termo, nas regiões de Pernambuco e Alagoas, no

entanto Clébio Araújo se aprofunda mais especificamente na atribuição do termo no estado de

Alagoas.

O termo Xangô trata-se de uma palavra Yorubá que denomina uma divindade africana

representado como o senhor do fogo, rei de Oyo e poderoso rei de justiças nas tradições orais;

para o autor, a associação do termo estaria diretamente a esta “divindade” e seu significado

para a religião. Mas, para além de uma simples “associação” o significado da colocação,

Assim, o Xangô Alagoas se nos afigura como um fenômeno sociocultural

que aponta para características fundamentais da estruturação da sociedade

alagoana; da forma como as diferença são medianas, expressando traços de

um certo ethos característicos dessa sociedade, de um modo de pensar e ser

ticos, aqui designados genericamente por alagoanidade. (ARAUJO,2015:60) 30

Devemos entender o que o autor pontua como: “fenômeno sociocultural” e ao tratar

por genérico o termo “ alagoanidade”. Os termos, quando postos em estudo, podem apresentar

ambuiguidade, neste caso não se trata de um caso científico, mas de que modo o termo possa

ser utilizado socialmente. Para além da referência ao orixá, para o autor, deve-se perceber o

sentido que o termo possui para a sociedade. Assim o autor explica que,

[...] quando desdobrado na adjetivação dos sujeitos do culto, na expressão

Xangozeiro, carrega a carga do preconceito e da discriminação, levando ao

desejo de adoção de uma terminologia mais aceita, no caso, candomblé,

beneficiária da visibilidade adquirida pelos cultos de origem africana no

território baiano, expressa nos estudos de africanistas da importância de um

Nina Rodrigues, Edison Carneiro e Artur Ramos. (ARAÚJO, 2015:61)31

A utilização do termo “Xangozeiro” seja em Alagoas ou Pernambuco, se fixou no

meio social como uma expressão pejorativa carregado de intolerância e preconceito, assim

como “macumba” e “macumbeiro” que, até a atualidade, são utilizados para caluniar as

religiões de matriz africana.

Araújo, também, aborda o “quebra de xangô” passando pelo processo de invisibilidade

das religiões afro-alagoanas que perdura até 1940, o autor explica que não se tem registro que

a utilização do termo antes do quebra de 1912, mas que passou a ser muito evidente depois da

reestruturação das casas.

30

ARAUJO, Clébio Correia de. Alagoas de Xangô. In.: TENÓRIO, Douglas Apratto. A presença negra na

identidade alagoana. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2015. 31

ARAUJO, Clébio Correia de. Idem. Op. cit., p.61.

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28

Esse fator nos leva a identificar que as religiões afro-alagoanas, possuem uma forte

tradição oral e de costumes, sendo este um principal elemento da identidade da historiografia

alagoana e da categoria auto definidora dos povos e dos cultos que se perpetuam através do

tempo. Partes dos trabalhos apresentados utilizam como fontes os relatos orais, em entrevistas

concedidas por adeptos e lideranças das religiões afro- alagoanas, buscando compreender, a

partir do presente, o passado da história alagoana.

Esses dois autores, Douglas Apratto e Clébio Araújo, abordam as religiões numa

perspectiva cultural, esses trabalhos estão voltados para a memória e identidade das religiões

de matriz africana em Alagoas. É possível notar nestes trabalhos uma abordagem romântica

ao pensar a origem dos cultos negros em Alagoas, apensar de ponderar os conflitos é

perceptível à preferência desses autores em assumir uma abordagem teológica, esses a fazem

com base na exposição de símbolos e significados dos fundamentos religiosos afro-alagoanos.

O professor Ulisses Neves Rafael (2012) tem levantado nos últimos 20 anos, um

estudo social e antropológico sobre a causa do “Quebra de 1912” 32

e suas consequências

preenchendo uma lacuna nos estudos sobre o embate entre religião e política na Primeira

República (1889-1930). Esse foi até o presente o momento, o estudo mais completo sobre as

memórias do “Quebra” no estado de Alagoas.

A partir de suas fontes o autor narra o episódio de 1º de fevereiro e relata a invasão do

terreiro de Tia Marcelina,

Já era quase meia noite, a função havia terminado e apenas alguns filhos de

santo permaneciam no lugar, quando de repente, a procissão errante, que

agora se compunha de quase quinhentas pessoas, invadiu o recinto,

transformando aquilo num verdadeiro carnaval, formato de certas revoltas

populares assumem em alguns eventos históricos. Móveis e utensílios foram

destruídos no próprio lugar onde se encontravam, enquanto outros tantos

paramentos e insígnias usadas nos cultos foram arrastados para fora do

terreiro, para arderem na grande fogueira montada ali. (RAFAEL, 2010:36) 33

Neste relato, o autor expõe especificamente a invasão do terreiro da Yalorixá

conhecida como Tia Marcelina, que, no contexto do episódio, seria o principal alvo dos

manifestantes, no entanto é possível construir uma parcial de como ocorreram as invasões aos

demais terreiros em Maceió.

32

RAFAEL, Ulisses Neves. Xangô Rezado Baixo: religião e política na primeira república. São Cristóvão:

Editora UFS; Maceió: Edufal,2012. 33

RAFAEL, Ulisses Neves. Idem. Op. cit., p.36.

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29

Em parte do estado de Alagoas em 1º de fevereiro de 1912, houve umas das maiores

repressões à religiosidade africana, a então conhecida “Operação Xangô ou Quebra”, que

ocasionou a invasão de terreiros, destruição de objetos sagrados e perseguição de seus

praticantes, por questões políticas durante o período Malta.

A era dos maltas, nome pelo qual ficou conhecido o longo período em que

essa família esteve a frete da política alagoana, apresenta-se como uma

ruptura à estrutura administrativa no estado, naquele tempestudo início de

república. (RAFAEL, 2010) 34

A permanência de Euclides Malta, o governador, à frente da república alagoana foi

associada fortemente aos cultos afro-alagoanos, o governador na ocasião do episódio foi

acusado de fazer uso de “bruxarias” e “feitiços” para permanecer tanto tempo no governo.

Com isso, a oposição mobilizou e executou a repressão às casas de cultos afro-alagoanos; a

organização responsável pela aglomeração ficou conhecida como Liga dos Republicanos

Combatentes.

Esse momento de repressão foi um grande “marco” para todo estado de Alagoas e

regiões próximas, como os Estados de Sergipe e Pernambuco; sendo este episódio o

responsável por desestruturar as religiões e silenciar os cultos. Houve um extenso silêncio e as

poucas informações eram transmitidas através da oralidade entre seus adeptos e, durante

décadas, se instalou o chamado “Xangô rezado baixo” termo utilizado pelo estudioso

Gonçalves Fernandes para descrever o momento de repressão aos cultos religiosos que

passaram a ser cultuados em “silêncio”. Pouco se falou sobre as décadas seguintes ao

“Quebra”; apenas, por volta de 1930, os estudos se despertaram para a presença do negro e

suas manifestações no território alagoano.

O Xangô Rezado Baixo, de Ulisses Neves, apresenta, até o momento, o trabalho mais

completo sobre o “Quebra de 1912”, onde o autor narra minuciosamente todo o ocorrido

durante a madrugada de agitação apresentando, também, uma breve revisão onde deixa

evidente que seu trabalho está referenciado nas obras de Nina Rodrigues e Arthur Ramos.

Para que se tenha um imaginário do que foi este dia, o autor contextualiza a política

alagoana na primeira república dedicando um dos capítulos à família malta, o governo de

Euclides Malta e suas incursões sobre as religiões afro-alagoanas, onde destacam Malta como

o “papa xangô alagoano”. Em um de seus capítulos, Neves apresenta um levantamento dos

estudos produzidos após 1912 sobre a presença do negro em Alagoas e quais os caminhos que

34

RAFAEL, Ulisses Neves. Idem. Op. cit., p.50.

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30

os estudos científicos apontam como reestruturação da população negra em Alagoas. Assim

como, descreve, a partir de Abelardo Duarte, as manifestações de cunho culturais negras.

Em 1904 encontram-se nos recortes de jornais apresentados por Ulisses evidências da

festa de “Santa Bárbara” organizada por Chico Foguinho e membros de seu terreiro.

Outra série de matérias sugere o envolvimento de Euclides Malta e de alguns

dos seus correligionários com os terreiros de Xangô de Maceió. A primeira

das reportagens, na verdade uma carta anônima enviada à redação do

Correio de Alagoas, órgão da impressa oposicionista, [...]. Na denúncia, não

se verifica a referência à cor do pai-de-santo consultado; no caso, o mestre

Félix, conhecido feiticeiro, que atuava o bairro do Jaraguá. (RAFAEL,

2010:55) 35

Tantas outras reportagens como esta citada, aparecem nos jornais que circulavam na

cidade nos anos que antecederam o episódio do “quebra”. A impressa tornou-se um fator

determinante na movimentação e convencimentos que culminou a repressão.

Ainda com um olhar sobre o período anterior o “Xangô Rezado Baixo” estudado por

Rafael, a historiadora Irinéia Santos (2014) desenvolve um levantamento histórico e social de

fontes históricas que comprovam a transformação das religiões afro brasileiras em Maceió de

1970 a 2000. Em “O axé nunca se Quebra” Irinéia Franco indica uma Maceió ainda sobre os

efeitos do “Quebra”. Nas palavras da autora:

Nas fontes da impressa local, especialmente no Jornal de Alagoas, as

notícias sobre os cultos reaparecem a partir de 1927, através de uma pequena

nota, sob o título “Bruxaria”, em que se fazia menção aos acontecimentos de

1912. Somente a partir de 1936, pelo menos para aquele jornal, outras

informações sobre as religiões negras na cidade são mencionadas. Se

considerar-se, tais notas, entre 1936 até o final dos anos 1950, tem-se a

“retomada” forte na cidade dos xangôs. (SANTOS, 2010:234) 36

Evidentemente nota-se que já havia indícios claros da “reestruturação” das “Casas de

Xangô” na cidade de Maceió e suas proximidades. O período datado de 1970 até o início de

1990 caracteriza, como afirma Irinéia Franco, o processo de reorganização das manifestações

religiosas afro-brasileira, um período também caracterizado pela negociação de liberdade aos

cultos e, consequentemente, a permissão para a realização de “toques” (em horários

permitidos).

35

RAFAEL, Ulisses Neves. Idem. Op. cit., p.36. 36

SANTOS, Irenéia Maria Franco dos. O axé nunca se quebra: transformações históricas em religiões afro-

brasileiras, São Paulo e Maceió(1970-2000). Edufal,2014.

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31

O fim deste período é marcado pela chegada das igrejas neopentecostais,

proporcionando a migração de adeptos para outras religiões, assim dificultando a

aproximação entres os terreiros. A autora Irinéia Santos faz uma análise historiográfica e

antropológica do que veio a ser as transformações recorrentes das religiões da década de 1990

até o fim dos anos 2000 na capital alagoana.

Nestes aspectos o estudo desenvolvido pela autora demarca este período como uma

busca de “afirmação e autonomia” do povo de santo, um resgate da tradição oral e mitologia

dos ancestrais, detalhando todas as modificações no culto as religiões afro-brasileiras e

apresenta um dos estudos mais completos sobre as religiosidades afro-brasileiras na cidade de

Maceió até o fim do século XX. Com base em relatos de Yalorixás e Babalorixás mais

antigos, a autora considera importante ressaltar as principais modificações e afirma que:

Em resumo os elementos que foram mais percebidos como os de mudanças

nas religiões afrobrasileiras em Maceió, de meados do século XX até o início

do XXI. Seriam eles: (a) mudança em práticas litúrgicas e nos rituais de

iniciação; (b) diminuição do rigor das regras de limpeza ritual e resguardo;

(c) banalização e/ou menor rigor para a formação do sacerdócio; (d)

percepção da festa publica como momento para exibição de trajes;

“folclorização” da religião; (e) aumento do culto a Pombagira e mudança no

papel dos gêneros masculino e feminino na ritualística, com a maior

presença percebida de homossexuais; (d) percepção do aumento da

perseguição por evangélicos; (e) mudança na percepção da força testada do

transe. (SANTOS, 2014:313) 37

Podemos caracterizar as religiões afro-brasileiras presentes em Maceió, em sua

reestruturação até o fim do século XX; este processo histórico traçado é importante para

compreender a identidade assumida pelo “xangô maceioense” desde o “Quebra” e o medo que

predominou durante muito tempo. Esses elementos apontados descrevem o processo histórico

das religiões afro-brasileiras em Maceió e sinaliza a forma como os adeptos se afirmaram no,

momento de quebra do “Xangô Rezado Baixo” e a necessidade de aumentar a visibilidade ao

enfretamento de seus adeptos sob o respeito e a valorização de suas religiosidades e cultura.

Por volta de 1970, “as federações de culto afro-maceioenses buscaram ampliar a

visibilidade da religião na cidade, através de atividades publica como: encontros, seminários,

apresentações „artísticas‟ em Teatros e Clubes, com maior destaque para a festa de Iemanjá

nas praias da capital”.

37

SANTOS, Irenéia Maria Franco dos. Idem. Op. cit., p.313.

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32

A força de aglutinação das festas publicas dos xangôs maceioenses parece

ter sempre sido foco de suspeição. Por isso, as federações e os chefes de

casas de axé procuraram afirmar o sentido próprio das festas, na vivencia de

sua religiosidade. A Festa das águas celebrada em 08 de dezembro, por

exemplo, foi percebida como um momento também de afirmação da cultura

negra em Alagoas de valorização do povo de santo. [...] Nos anos 1990 e

2000 a festa continuou sendo promovida com apoio das Federações somadas

à acção de militantes do que se poderia chamar de “movimento negro

religioso” em Maceió. (SANTOS, 2014:301) 38

Para além dos rituais religiosos dentro dos terreiros surgem outras manifestações que

proporcionam outra dinâmica para as religiões afro-alagoanas. Os estudos de Irinéia Santos

marcam essas modificações, na região de Maceió, identificando quais destas manifestações se

apresentam em maior nível de mobilização e caracteriza a Festas das águas, citada

anteriormente, como umas das principais festas dedicadas às religiões de cunho africano.

Assim, a autora expõe esse momento como mais um espaço de resistência contra os ataques

que consideram o dia 08 de dezembro como uma festa “demoníaca e pagã”.

Uma vez que os ataques se dariam de forma dispersa e constante, em

diferentes lugares e no cotidiano, a reação a eles também seria fragmentada.

Mesmo a articulação de um “movimento negro religioso” na cidade teria

mais uma função de trabalhos focados no resgate e valorização da cultura

negra, ainda com pouca eficácia para mudanças. [...] Outra dificuldade,

sempre lembrada pelos próprios pais e mães de santo, seria a falta de união

entre as federações, casas de axé, e o povo de santo de um modo geral.

(SANTOS, 2014:309) 39

Nas palavras da autora, surge uma nova problemática que será uma dificuldade em

concentrar as forças em prol de um movimento negro religioso unificado. Essa problemática

aparecerá em outro momento neste trabalho com a responsabilidade de compreender como se

dá esse processo de mobilização no tempo presente.

Nesta segunda geração de intelectuais, Ulisses Rafael Neves e Irinéia Santos

desempenham um papel fundamental para a historiografia afro-alagoana escrevendo, a partir

da antropologia e a história, duas temáticas essenciais, a vida social negra em alagoas e as

religiosidades de matriz africana que nos dá um suporte para compreender a presença da

memória e a identidade assumida a partir da experiência destes dois fatores.

Não se pode negar que as memórias posteriores ao “Quebra de Xangô” tenham seus

efeitos presentes até a atualidade, mas, é importante se pensar quais experiências históricas e

38

SANTOS, Irenéia Maria Franco dos. Idem. Op. cit., p.301. 39

SANTOS, Irenéia Maria Franco dos. Idem. Op. cit., p.309.

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33

sociais, não estudadas, surgiram após o ano 2000 e de como vem se desenvolvendo o

processo histórico no início do século XXI. Nestas perspectivas faz-se necessário a análise do

tempo histórico posterior aos anos 2000 compreendendo a importância de uma continuidade

da história dos povos de ketu, jeje, nagô angola, ixeja e todos que se definem “povo de

santo”.

A invisibilidade negra tem afetado não só as questões culturais, mas tem ultrapassado

essas barreiras em dimensões notáveis atingido o campo da produção científica, por muitas

vezes tornando tendenciosas as produções “eurocentristas”.

No entanto, organizações significativas têm levantado outras perspectivas para discutir

a presença do negro em Alagoas. A Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) juntamente

com Universidade Federal de Alagoas (UFAL) têm eficientemente desenvolvido um

levantamento de memória com o intuído de atender uma demanda da falta de trabalhos

científicos que tracem temáticas não notadas até então. Assim, têm surgido trabalhos sobre as

religiosidades de matriz africana, festas populares, identidade negra, comunidades

quilombolas e outras abordagens não menos importantes.

Muito tem se falado sobre as experiências vivenciadas por Maceió no “Quebra de

1912”, no entanto outras necessidades vão surgindo a medida que os temas vêm sendo

explorados; outras realidades surgem e merecem um registro histórico.

É fato que quando se trata do Estado de Alagoas, os trabalhos historiográficos são

poucos e muito se atribui essa falta à ausência de fontes e referenciais. Considerando, de um

modo geral, este problema torna-se comum em todas as áreas, seja ela a história, a

antropologia e a sociologia. Quando as questões negras surgem, em tese os problemas são

muito evidentes e, ao tratar das experiências histórico-religiosas das religiões afro-brasileiras,

os desafios são muito maiores se pensarmos nos problemas oriundos do próprio campo da

historiografia.

Durante os séculos XIX e XX, as religiões afro-alagoanas sofreram uma intervenção

em seu processo histórico, que já mencionamos neste trabalho. Esse fator ocasionou numa

dispersão dos terreiros alagoanos, terreiros esses que só vieram a se estabelecer no século

seguinte. Nesse sentindo, a organização das religiões afro-alagoanas, em sua face

contemporânea, são frutos desse processo estruturação após o “quebra”.

No entanto, esses trabalhos se limitam na medida em que não avançam no tempo e

vivem num eterno retorno ao passado, como se parte das dinâmicas sociais das religiões

tivessem silenciado junto com os estudos científicos.

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34

Embora consideremos a relevância dos estudos sobre os cultos afro-brasileiros até aqui

constituídos, notamos as limitações dessa historiografia a respeito das novas movimentações e

experiências sociais construídas pelos grupos religiosos afro-brasileiros em Alagoas a partir

do início do século XXI. Perguntaríamos, então: quais os desdobramentos sociais dos cultos

afro-brasileiros em Alagoas no início do presente século? Tem surgido novos lugares,

agentes e formas de atuação? quais? Como se delineiam? Enfim, que novas histórias dos

cultos afro-brasileiros em alagoas estamos deixando de contar?

Instigados por esses questionamentos, buscamos neste trabalho um novo cenário,

assim como novas testemunhas das experiências sociais vivenciadas no século XXI. Partindo

deste contexto analisaremos a formação do movimento de se autodenominou de “ Juventude

de Terreiro”, em Alagoas o movimento é identificado a partir da Rede Regional de

Juventude de Terreiro chamada “Àbúrò N‟ilê- RJT/AL”. O tema “Juventude” tem sido

debatido em diversas perspectivas, sejam elas biológicas, sociológicas e ainda antropológicas.

Mas, neste trabalho abordaremos a juventude numa perceptiva histórica, de modo a considerar

as experiências sociais que constroem e definem suas identidades enquanto jovens de terreiros

em Alagoas, num conceito ainda não formulado cientificamente.

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35

CAPÍTULO 2

ENTRE REDES E MOVIMENTOS: A JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA E OS

MOVIMENTOS SOCIOCULTURAIS ALAGOANOS

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36

2.1 Tecendo redes e instituindo políticas: as faces do Movimento Negro em Alagoas

Os movimentos, organizações e expressões sociais são indicativos, explicações ou até

mesmo interpretações da sociedade, que permitem observar e analisar momentos e conflitos

históricos. No contexto nacional, os séculos XIX e XX são referência para pensar os

movimentos sociais como objeto político de pesquisa e analisando-se os contextos de

emergência em que organizaram.

Cabe ressaltar que os movimentos sociais do período [séc.XIX] constituíam

motins caóticos, sem uma plataforma político-ideológica bem delineada e

giravam em torno da construção de espaços nacionais, diferentemente dos

movimentos sociais no século XX, que irão se concentrar em torno das lutas

de classes sociais específicas e serão organizados a partir de paradigmas

teóricos e político-ideológicos claramente definidos (BEM, 2006:1139)40

.

No século XIX, as primeiras formas de organização, justo por serem descentralizadas,

proporcionavam uma fácil desmobilização e a utilização de alguns focos como “massa de

manobra política”, tais tensões se davam pela “não unidade” dos movimentos e a falta de uma

proposta organizacional bem definida. Segundo Arim Soares do Bem (2006), os movimentos

sociais que surgem neste período caracterizam-se por certo “entusiasmo pela vida social” que

foram desencadeados pela Independência do Brasil. Tal perspectiva apresentava romantismo e

inviabilizava sistematicamente os problemas estruturais como a escravidão, embora já

houvesse focos de revolta dos escravos neste período.

Na segunda metade do século XIX, os debates sociais se ampliaram para além das

perspectivas de classes, e foram ainda influenciados pela formação do pensamento cientifico

brasileiro, passando a articular e contemplar outros campos, como por exemplo, raça, religião

e etc. (GOMES, 2013) Os movimentos sociais que surgiram pós-abolição e estruturação da

República, estão imersos num contexto de transformações políticas e econômicas (BEM,

2006)41

.

O século XX seguiu reoxigenando os novos movimentos sociais, o que possibilitou

diferentes formas de organização e manifestações sociais. Alguns destes movimentos se

estruturaram, com uma perspectiva voltada para experiências sociais negras.42

Tais

40

BEM, Arim Soares do. A centralidade dos movimentos sociais na articulação entre Estado e a sociedade

brasileira nos séculos XIX e XX. Disponível em: www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 10/12/2017. 41

BEM, Arim Soares do. Op.,cit. 2006. 42

No início do século XX, são identificadas organizações como a Frente Negra Brasileira (FNB), Teatro

Experimental do Negro (TEM), União de Negros Pela Igualdade (UNEGRO) e Movimento Negro Unificado

(MNU). (GOMES, 2013)

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manifestações objetivavam projetar ações políticas de reconfiguração para uma sociedade

mais democrática. Em 1964, durante a ditadura militar, tais manifestações foram reprimidas

causando um enfraquecimento nos movimentos de oposição. Contudo, na mesma medida que

o regime militar desmobilizou alguns movimentos, instigou outros novos.

Durante os anos da ditadura militar a sociedade brasileira era interpelada por

várias ações que concretizavam relações de poder e legitimavam projetos

políticos: a censura, a repressão e a propaganda governamental de um lado e

as ações de categorias sociais desprivilegiadas politicamente de outro. Se

havia uma história silenciada da violência e opressão de um lado, de outro o

governo federal fazia questão de divulgar na mídia o entusiasmo do chamado

“milagre econômico” (GOMES, 2013:37)43

.

Tal discurso de crescimento econômico entusiasmava a elite brasileira, mas, em

contrapartida, parte da sociedade, de maioria negra, afirmava que estas transformações não

alcançavam a população negra e periférica potencializando, assim, a emergência de atuação

do movimento negro contra o eurocentrismo. Por volta de 1970, o Brasil passava por uma

reestruturação, alguns intelectuais, influenciaram debates em torno de uma identidade

eurocêntrica de inferiorizar as culturas que não correspondessem a este modelo de sociedade

impulsionada desde 1930 pela a elite e intelectuais da época. Essa mesma perspectiva era

impulsionada após a ditadura.

Na relação Estado e Sociedade, a insurreição de Movimentos Culturais, Movimentos

Pastorais (teologia da libertação)44

, Oposições sindicais, Movimentos e tendências estudantis,

Movimentos Feministas, Movimentos de luta pela terra, Movimentos pela anistia e

Movimentos pelas demandas sociais dos Homossexuais, da Mulher e dos Negros se

centralizaram contra o desenvolvimento do Capitalismo industrializante e pela democracia

forjada pelo Estado.

De fato, os novos movimentos sociais não se esgotaram em demandas

somente por inserção socioeconômica, mas pleitearam uma ampla

reformulação dos padrões culturais. Mulheres, homossexuais e negros, por

exemplo, passaram a formular diferentes estratégias para o desenvolvimento

de políticas da diferença, levantando uma nova ordem de demandas relativas

43

GOMES, Gustavo: A cultura afro-brasileira como discursirvidade: histórias e poderes de um conceito.

Recife, 2013, Dissertação de mestrado em História defendida pelo Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, 2013. 44

Na década de 1980, surgem os movimentos pastorais como os Agentes de Pastoral Negras (APNS),

impulsionados por negros envolvidos com instituições católicas.

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38

aos modernos direitos sociais, que impuseram o tema da identidade como

central nessas demandas (BEM, 2006:1152)45

.

Após a Ditadura Militar o Movimento Negro Unificado (MNU) apresentou uma

atuação expressiva em prol dos direitos da população negra e por uma valorização cultural. O

movimento negro, para além das lutas sociais, comum com outros movimentos passou a

reivindicar e apresentar suas demandas específicas.

Tais conflitos acumularam-se, ao longo da História do Brasil, nas repressões dos

movimentos abolicionistas e dos movimentos sociais negros durante a ditatura militar e na

discriminação à cultura negra e as manifestações negro-religiosas. Esses fatores históricos

influenciaram expressivamente as transformações que ocorreram no cenário político

brasileiro, impulsionados pelos movimentos sociais negros, como a obrigatoriedade do

“Ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira” nas escolas e a instituição do

“Racismo” como crime perante a constituição, no entanto essas demandas só serão prescritas

como projetos de lei no início do século XXI.46

Para Luiz Alberto O. Gonçalves (1998), o movimento negro é uma mediação entre

“tradição e modernidade” que busca traçar estratégias de atuação para projetar maior

visibilidade para a população negra e levantar questionamentos sobre ideologia racial. Entre

os séculos XX e XXI, os encantamentos com a proporção dos movimentos sociais pode, por

um momento, ofuscar o fato de que esse período é marcado por uma longa e árdua transição

democrática. A dinâmica política que, primeiramente, se encontra sob o domínio militar e,

posteriormente, com forte reivindicação dos movimentos sociais e, por último, a dinâmica

política é assumida por políticos civis.

Com o surgimento de novos movimentos e a ampliação dos debates sociais, as

concepções não se estruturavam de forma unanime, havia alguns movimentos que assumiam

uma perspectiva mais política e outros mais culturais. Os mais políticos defendiam a

perspectiva marxista, a luta de classe, articulavam a seu modo a relação raça e classe, falavam

muito do desemprego, fome, etc. Os mais culturais reconheciam isso e diziam que podiam

45

BEM, Arim Soares do. A centralidade dos movimentos sociais na articulação entre Estado e a sociedade

brasileira nos séculos XIX e XX. Disponível em: www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 10/06/2010. 46

As leis foram resultados de um processo de reivindicações sociais, presentes em debates do MNU (Movimento

negro unificado) e em outros núcleos de resistência. Em 1988 em recife-PE ocorreu o “VIII encontro negro norte

e nordeste” que neste ano discutia “o negro e a educação”, buscando na educação uma forma de desmistificação

do preconceito racial, regatando o papel histórico e o reconhecimento do negro e suas matrizes como membro da

sociedade, exigindo uma educação voltada para os interesses dos inferiorizados.

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39

denunciar tudo isso não só em atos públicos e textos políticos, mas também na produção

cultural.

De fato, a gênese do Movimento Negro dar-se-á pelas lutas socioeconômicas, mas o

que reforça a autonomia do movimento são as alianças com outros aspectos histórico-sociais

como a cultura negra e religiosidade afro-brasileira. Ao tratar-se das religiões afro-brasileiras,

que durante muito tempo estiveram sobre repressão e regulamentação dos órgãos de

segurança pública e sociedade civil. A construção social, destas repressões, e do imaginário

social de como se enxergava as práticas religiosas, nos termos de sentidos pejorativos como

“Magia Negra” e “Macumba”, faz parte de um processo de subalternização da cultura negra,

que persistem desde o período colonial até os dias atuais.

As federações dos cultos afro-brasileiros surgem por volta 1950, são enfraquecidas

durante o regime militar e voltam a se articular entre 1978 e 1980 numa estratégia de mediar

às relações com o Estado e os religiosos no período de redemocratização. Esses movimentos

federativos tinham o objetivo de articular os religiosos de matriz africana e registra-los,

porém, parte destes movimentos federativos foram “paternalizados” por políticos que usaram

desta aproximação uma propaganda política, com o intuito de promover uma campanha da,

então forjada “democracia social”. Ainda assim, essas federações eram o mais próximo do

que se poderia chamar de um movimento negro-religioso (SANTOS, 2014).47

Tal proximidade teria possibilitado uma primeira preocupação em

sistematizar e diferenciar os cultos, uma vez que as exigências burocráticas

impostas pelas federações acompanhavam os modelos de associação civil.

Eles se aproximavam muito dos antigos modelos de irmandades religiosas

católicas. De qualquer forma, estava posto o “enquadramento” das religiões

afro-brasileiras, necessário para a “permissão oficial” de sua prática

religiosa. O poder político que as federações gozaram nesse período criou

uma “elite” na hierarquia afro-brasileira daqueles que as presidiam

(SANTOS, 2014:339).48

O poder que atribuíram a essas elites que lideraram as federações gerou conflitos com

as demais lideranças das religiões afro-brasileiras (pais e mães de santo), que buscaram

articular-se junto ao movimento negro por uma autonomia religiosa Assim como, os cultos de

matriz africana, no cenário brasileiro, sofreram diversas transformações ritualísticas. Ao

mesmo tempo em que estas transformações ocorreram, as religiões afro-brasileiras foram

sendo utilizadas como autoafirmação e estratégias políticas. Essas estratégias de atuação

47

SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. O axé nunca se quebra: transformações históricas em religiões afro-

brasileiras, São Paulo e Maceió (1970-2000). Edufal, 2014. 48

SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. Op., cit, 2014.

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40

passaram a ser incorporadas as pautas do MNU assim como e Educação, a Cultura Juvenil e

as Mulheres Negras (SANTOS, 2014).

A aproximação dos militantes dos movimentos sociais negro com as religiosidades

afro-brasileiras tornaram-se então uma “busca” e “valorização” da identidade negra. Este

cenário também afetou o território alagoano, no entanto, devido ao grande período de

repressão e silenciamento dos cultos, as transformações recorrentes da ditadura militar e a

atuação do movimento negro só serão percebidos décadas depois do regime militar.

Embora exista uma grande escassez de fontes e referências bibliográficas sobre a

presença de organizações do movimento negro em Alagoas, alguns autores levantam

hipóteses sobre as origens do movimento no estado e como esses dialogavam com o contexto

nacional. O professor e militante negro em Alagoas, Zezito Araújo, explica em entrevista

concedida a professora Irinéia Santos, que:

O interessante do movimento negro em Alagoas é que enquanto movimento

político-social ele só começou realmente na década de 1980. [...] E tem uma

característica talvez diferente de vários outros Estados. Talvez eles não

percebam, ou não quiseram fazer um trabalho anterior à presença do

movimento negro; é que não existia movimento negro em Alagoas tal como

estava organizado no Brasil. Então, esse movimento, ele tem características

muito particulares do lugar que surgiu. (ARAUJO, 2011:107) 49

Nesse contexto, a primeira organização a ser identificada é a Associação Cultural

Zumbi (ACZ), que se articula entre 1979 e 1980 para pensar a situação social, econômica e

cultural do negro em Alagoas. Durante a atuação da ACZ, embora a proposta inicial estivesse

muito próxima da perspectiva do MNU, essa referência foi se perdendo à medida que essa

organização se limitou a pensar apenas o tombamento da Serra da Barriga (SILVA, 2006).50

A correlação com instituições que impossibilitava a autonomia do movimento que, em

seu desenvolvimento, apresentava características e particularidades dos membros o que gerou

conflitos internos.

Embora a Associação Cultural Zumbi tivesse um discurso coerente, isso não

seria o suficiente para evitar a primeira cisão sofrida pela entidade. A mesma

ocorreria por volta de 1984 onde alguns de seus membros sairiam da

organização formando o grupo Filhos de Zumbi, que duraria cerca de dois

anos. Um dos motivos da dissidência seria o fato de que a ACZ não teria

49

ARAUJO, Zezito. Entrevista. In: SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. Sankofa. Revista de História da África

e de Estudos da Diáspora Africana Ano IV, Nº 7, Julho: 2011. 50

SILVA, Jefferson Santos da. Um Movimento Negro em Alagoas: Associação Cultural Zumbi (1979-1992).

In: CAVALCANTI, Bruno Cesár. FERNANDES, Clara Suassuna. (Org.) Kulé – Kulé: Visibilidades negras.

Maceió: Edufal, 2006.

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uma política para se chegar à base da população afro-descendente do Estado,

[...] as discussões ocorridas na Associação Cultural Zumbi ficaram muito

concentradas na abordagem da Serra da Barriga (SILVA, 2006:103).51

A principal crítica tecida a essa associação seria, portanto, o não envolvimento com as

bases, ou seja, o distanciamento da luta social e cultural cotidiana da população negra de

Alagoas. No entanto, mesmo com árduas críticas sobre sua atuação, a ACZ tornou-se

parcialmente responsável por levantar questionamentos sobre a realidade negra no território

alagoano, mesmo que sua atuação e perspectiva tenham sido limitadas. Longe de tornar

tendenciosa a origem do movimento negro em Alagoas, é relevante pensar em “origens” ao

invés de “origem” e somente dedicar à ACZ a responsabilidade política tal qual seria, sabendo

que ao mesmo tempo, se não antes, em outra esfera social, as federações dos cultos afro-

brasileiros, terreiros e tendas 52

independentes traçavam estratégias políticas de visibilidades

negras e das religiões de matriz africanas.

Neste amplo processo político, onde os movimentos sociais negros buscavam

reafirmação e pertencimento, as religiões estavam inseridas num grande embate entre

transformações e permanências. Após a ditadura militar, as federações, mesmo que

fragmentadas, voltam a se rearticular por volta de 1980 com a finalidade de projetar

visibilidade para os cultos afro-alagoanos com a retomada das festas públicas para evidenciar

a vivência religiosa.

A atuação do movimento negro em Maceió, nos anos 1980, conseguiu abrir

brechas para a afirmação da religiosidade, juntamente com o trabalho que

vinha sendo realizado pelas federações de culto. Estas, apesar de suas

divergências, procuraram, pelo menos até fins dos oitenta, manterem-se

ativas na promoção de visibilidades aos cultos locais. Entretanto, a partir dos

anos 1990, perderam o protagonismo relacionado aos eventos públicos e

liderança políticas (SANTOS, 2014:353).53

Cabe ressaltar que, essa busca por visibilidade resultou num conflito interno entre

líderes e adeptos. O que para alguns se tratava de visibilidade, para outros era exposição do

sagrado, o uso de indumentárias e elementos religiosos de forma lúdica em eventos públicos,

o uso de meios de comunicação para divulgação e o retorno festas religiosas em ambiente

públicos e tais desacordos acabaram desmobilizando as federações sobressaindo, assim, como

referência de organizações negro-religiosas os terreiros e casas de maior prestígio.

51

SILVA, Jefferson Santos da. Op., cit, 2006. 52

As “Tendas” são espaços de culto espírita sincretizado com os cultos de origem negra. 53

SANTOS, Irinéia Maria Franco dos. O axé nunca se quebra: transformações históricas em religiões afro-

brasileiras, São Paulo e Maceió (1970-2000). Edufal, 2014.

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42

No início do século XXI, as condições sócio históricas e a descontinuidade dos

registros sobre as manifestações política-religiosas em Alagoas alertam para a necessidade

emergente de uma análise sistemática do surgimento de novos movimentos no presente

século.

2.2 “O encanto tá nos olhos de quem vê”: as transformações nas redes de sociabilidade

afro-alagoanas

A configuração de movimentos, organizações, grupos culturais e religiosos de Alagoas

formam, ainda que de maneira despretensiosa, uma “rede” de valorização e visibilidade dos

direitos e da cultura negra. Destacaremos nesta sessão o viés de manifestações sócio-políticas

no campo cultural e no campo religioso.

A expressão “rede de valorização” é utilizada pela pesquisadora Ábia Lima (2015)

para fomentar as relações e dinâmicas assumidas pela expressividade e a emergência de se

fortalecer essa rede. É fato que, após as décadas de atuação do movimento negro e o

enfraquecimento das mobilizações, os registros históricos foram caindo no esquecimento. Isso

não significa que Alagoas tenha se enclausurado nos últimos anos, mas, o que se tem

observado é que os movimentos sociais em sua versão contemporânea têm assumido outras

dinâmicas.

Os sujeitos imersos na cena negra alagoana estão ligados por ações artísticas, sociais,

políticas, religiosas e culturais, de modo que estas expressões se concentram na dimensão

cultural que se sustentam no intuito de valorização da expressividade negra alagoana.

No campo artístico/cultural, têm surgido muitos grupos de cultura negra e/ou de

representações afro-religiosos (dança, percussão e estética). Dentre estes, podemos destacar os

seguintes nomes: Maracatu Axé Zumbi (1981), Afro Mandela (1988), Malungos do Ilê

(1991), Mamulengo das Alagoas (1995), Afoxé Odô Iya (1999), Baianá Flor de Lis (2000),

Afro Gurugumba (2002), Dança Afro (2002), Afoxé Oju Omin Omorewá (2003), Projeto Inaê

(2004), Maracatu Baque Alagoano (2007), Maracatu Raízes da Tradição (2008), , Airê

Yorúba (2009), Coletivo Afrocaeté (2009), Gifá Lomim (2009), Maracatu Nação A corte de

Airá (2009), Afoxê Ofá Omin (2012), Civilização Negra (2012), Abí Axé Egbé (2013),

Batuque Yá (2013), Batuquerê (2013), Afoxé Povo de Exú (2014) e outros não listados.

Cabe evidenciar que estes grupos, mesmo que divididos internamente, tecem parte da

rede de valorização à Cultura Negra. Essas manifestações artísticas carregam um teor

discursivo político-social de resistências cotidianas da população afro-alagoana, assim como,

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assume um protagonismo frente à sociedade “com a atual conveniência da cultura como

recurso, este aspecto lúdico experiencial, pode ser interpretado como um novo instrumento de

politização mais adaptado às dinâmicas políticas contemporâneas” (LIMA, 2015).54

Os movimentos sociais e culturais contemporâneos são tradutores dos conflitos e, do

modo como a cultura tomou a centralidade dos fatos, ultrapassando as barreiras da mente e se

tornando bandeiras de lutas que (re)constroem as histórias dos sujeitos, de sua autonomia

perante a cultura na qual está inserido.

Tomando a “Cultura” como argumento mediador de tensões sociais no contexto dos

movimentos político-sociais e culturais alagoanos, podemos nos sustentar teoricamente nos

estudos históricos de Thompson (1997), quando, ao tratar dos costumes da classe trabalhadora

no século XVIII, ele afirma que os costumes em comum são, consideravelmente, parte do que

hoje se conhece por “cultura” e entende por esta conotação um conjunto mudanças,

reivindicações e conflitos que dão sentido aos valores e atitudes resultantes das experiências

individuais e coletivas, delineando os critérios que caracterizam as classes sociais

(THOMPSON, 1989).55

A partir da abertura crítica de Thompson, podemos ampliar para além das classes

trabalhadoras, a percepção social de outras temáticas de forma a situar a relação entre Cultura

e Experiência de outras categorias sociais como, por exemplo, pensar a partir da Cultura

Negra, os mecanismos estruturais dos conflitos e das formas de organização e manifestações

sociais. Historicizar um objeto social é buscar compreender os indivíduos que atuam a partir

de seu contexto e a relação entre a consciência e o ser social. É por meio desta experiência

que podemos compreender em sua totalidade determinados grupos, movimentos e

organizações como fenômenos sociais.

As manifestações sociais, do campo religioso têm partido de três pressupostos: 1) a

formação intelectual, com a construção e participação de fóruns e seminários para debates

sobre a perseguição e resistência dos cultos afro-alagoanos; 2) a utilização de meios de

comunicação, principalmente a Internet, como espaço de divulgação, da atuação dos cultos

afro-alagoanos; 3) a criação de espações públicos de visibilidade (festas e celebrações

públicas) e a formação de grupos e/ou organizações de representatividade dos povos de

terreiros.

54

LIMA, Ábia Denise Marques Pinheiro de. Luzes para uma face no escuro: A emergência de uma rede de

valorização da expressividade afroalagoana. Dissertação de mestrado em Sociologia defendida pelo Programa de

Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Alagoas, 2015. 55

THOMPSON, Edward. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:

Companhia das letras, 1989.

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44

O primeiro aspecto das manifestações sociais do campo religioso consiste no uso dos

espações religiosos (terreiros, tendas e centros) como ambientes de formação. Atualmente,

tem sido ainda mais recorrente a parceria entre terreiros e instituições de ensino, assim como a

formação de grupos de estudos abertos para comunidade a qual estão localizados, as

popularmente conhecidas como Casas de Axé.

Esses grupos possuem caráter formativo e tem ocorrido internamente para a

transmissão dos saberes religioso entres os filhos de uma mesma casa ou, até mesmo, aberto

para a comunidade à discussão de temas como “intolerância religiosa e resistência dos cultos

afro-alagoanos”. Para além deste espaço de debates tem-se construído espaços formativos

como encontros e seminários voltados para a população negra em geral e para a população

negro-religiosa.

Figura 1 - Divulgação do Grupo de Estudos Afro-Alagoanos, Casa de Axé Ilê Yá Mí Ipondá Axé

Igboalamo, Maceió-AL

Fonte: Casa de Axé Ilê Yá Mí Ipondá Axé Igboalamo, 2016.

56

A imagem acima se trata de um folder de divulgação de um grupo de estudos

instituído dentro de um terreiro situado no bairro Graciliano Ramos na cidade de Maceió, o

grupo consiste numa parceria entre o Ilê Yá Mí Ipondá Axé Igboalamo, o grupo cultural de

56

Fanpage oficial da Casa de Axé Ilê Yá Mí Ipondá Axé Igboalamo. Disponivel em: https://pt-

br.facebook.com/odemcz/ Acesso em 16 de janeiro de 2017

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maracatu Baque Alagoano e a Universidade Federal de Alagoas (UFAL). A metodologia

pensada pelo grupo apresenta-se em uma divisão por temas que estão subdivididos em eixos

temáticos.

O segundo aspecto é específico da contemporaneidade, tratando-se do uso da internet

como espaço de interação e divulgação das religiões de matriz africana. Tal fenômeno social

carece muito mais que as hipóteses levantadas neste trabalho. O intuito de trazê-lo neste

momento é emergente apenas para pensar posteriormente este espaço (internet) como

estratégia de atuação dos movimentos negro-religiosos.

Atualmente, em poucos dígitos e alguns cliques é possível acessar Sites, Bloggers e

Páginas, fóruns e grupos de afro-religiosos em redes sociais. A utilização das plataformas

digitais como espaços de convivência religiosa alcança desde conteúdos litúrgicos até

estratégias políticas contra a “intolerância religiosa”. A apropriação deste meio de

comunicação tem proporcionado o surgimento de novas redes de sociabilidade afro-religiosas.

No entanto, o uso destas plataformas (Sites, Bloggers, Facebook® e Youtube®) como espaço

de divulgação divide opiniões entre os adeptos na medida que,

Diante do fundamentalismo ou fanatismo de toda ordem, a internet se lhe

apresenta útil no plano prático e imediato, como possibilidade de defesa

diante do quadro de intolerância religiosa, ao mesmo tempo em que, [...] a

incursão do povo – de – santo nos meios virtuais traria um novo desafio às

religiões afro-brasileiras, ao expô-las de forma ostensiva e arbitraria

(SILVA, 2013:41).57

De forma a situar, apesar dos riscos recorrentes, parece que ao investir

consideravelmente em redes de sociabilidades na internet, os afro-religiosos buscam

potencializar a visibilidade e protagonismo social junto à sociedade em tom de denúncia ou

até mesmo de delinear uma identidade negro-religiosa.

É comum encontrar perfis oficiais, de comunidades afro-religiosas e de organizações e

movimentos sociais.

57

SILVA, Patrícia Ferreira e. Axé On – line: A presença das religiões afro-brasileiras no ciberespaço. São

Paulo, 2013. Dissertação de Mestrado em Antropologia Social defendida pelo Programa de Pós – Graduação em

Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2013.

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46

Figura 2 - Fanpage Oficial da Casa De Iemanjá - O Templo Dos Orixás, Maceió - AL

Fonte: Fanpage Oficial da Casa De Iemanjá - O Templo Dos Orixás, 2000.

58

Os Print Screen (Captura de tela) acima são recortes das fanpage oficial do terreiro

Casa De Iemanjá, nestas páginas observa-se uma movimentação muito frequente relacionados

as atividades e festividades individuais de cada terreiro. Assim como, utilizam deste espaço

para publicar e compartilhar saberes afro-religiões.

Em Alagoas os movimentos sociais negros tanto no campo cultural, quanto no campo

religioso, utilizam a internet não só como forma de divulgar seu respectivo calendário de

atividades, assim como, utilizam o espaço para expressar uma identidade social a partir da

rede de valorização que conjugam. Portanto, como propósito analítico, avaliamos a internet

como estratégia política para estas organizações.

Tornar-se-ia um exaustivo apanhado histórico levantar aqui todas as expressões

virtuais nas manifestações do campo religioso, no entanto, para compreender objeto que

utiliza a internet como mecanismo político, é essencial uma coleta de dados para compreender

as dinâmicas sociais e culturais existentes de modo qualitativo e exploratório.

Hine (2004) afirma que há uma incoerência em pensar a internet como campo de

pesquisa; se considerar os termos geográficos definidores de “campo”, no entanto defende que

o contexto virtual é indissociável do contexto em que ocorrem, portanto, é possível pensar

uma Etnografia Virtual para compreender os fenômenos sociais que ultrapassam as barreiras

das realidades sociais.59

58

Fonte: Fanpage Oficial da Casa De Iemanjá - O Templo Dos Orixás. 59

HINE,Christine.Etnografia virtual. Barcelona, Editorial UOC, 2004. Disponível em:

<http://www.uoc.edu/dt/esp/hine0604/hine0604.pdf>. (primeiro capítulo). Acesso em: 30 de setembro de 2017.

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47

Voltando ao terceiro aspecto a ser considerado, consiste nas estratégias de mobilização

das religiões afro-alagoanas. A primeira dessas estratégias se apresenta em maior ocorrência:

trata-se das festas e cerimônias públicas. As festas e cerimônias públicas voltadas para as

religiões de matriz africana em Alagoas encontram-se concentradas na cidade de Maceió,

capital alagoana. Enfatizando-se a Festa das Águas (8 de dezembro)60

, Lavagem do Bonfim

(Janeiro)61

e o Xangô Rezado Alto62

(1º de Fevereiro); todas acontecem anualmente desde

2012.

A criação, no ano de 2006, da Rede de Terreiros de Alagoas, junto da Secretaria da

Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos do Estado de Alagoas (SMCDH/AL) e

posteriormente da Articulação pela Cultura Popular e Afro Alagoana (2009); tem se

articulado entre líderes religiosos, grupos culturais e sociedade civil para construção e

execução de um calendário de atividades.

Cabe, neste contexto, mencionar outro momento que tem ganhado notoriedade “A

Caminhada de Terreiros contra o Racismo Religioso” que ocorre em Arapiraca entre os meses

de novembro e dezembro desde o ano de 2016.

Figura 3 - Divulgação 1ª Caminhada Contra o Racismo Religioso, Arapiraca –AL

Fonte: Site 7segundos, 2016.

63

60

Esta festividade, que ocorre em Maceió é destinada a celebração publica do Dia de Iemanjá, que ocorre em na

Praia da Pajuçara concentrando religiosos de todo o Estado e apresentações de grupos culturais durante todo o

dia 8 de dezembro. 61

Tradicional Lavagem do Pátio da Igreja do Senhor do Bonfim, localizada no Bairro do Poço em Maceió – Al.

A celebração ocorre anualmente desde 2000, e reúne adeptos e simpatizantes das religiões afro- alagoanas. 62

Atividades em memória das repressões e vítimas do episódio “Quebra de 1912”, que se culmina com um

grande encontro no dia 2 de fevereiro, numa das principais ruas de Maceió, reunindo religiosos, pesquisadores,

instituições públicas, grupos culturais e sociedade civil. 63

https://arapiraca.7segundos.com.br/noticias/2016/12/02/78576/babalorixa-e-vitima-de-intolerancia-religiosa-

em-loja-de-produtos-cristaos.html Acesso em outubro de 2017.

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Figura 4 - 2ª Caminhada Contra Racismo Religioso, Centro de Arapiraca, Alagoas

Foto: Ellen Cirilo, 2016.

Acima, pode-se visualizar o registro da 1ª e 2ª Caminhada Contra Intolerância

Religiosa que surgiu em 2016 a partir do esforço de denunciar um caso de racismo religioso

contra um jovem Babalorixa de 22 anos, que sentiu-se coagido e ameaçado pela proprietária

de uma loja de artigos religiosos cristãos ao tentar comprar um presente na mesma. O jovem

Babalorixá prestou queixa junto à Delegacia Regional e iniciou uma campanha de

mobilização junto a Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). 64

A primeira caminhada

ocorreu no dia 09 de dezembro de 2016, logo após o ocorrido. A 2ª caminhada ocorreu dia 29

de novembro de 2017 e é de esforço dos idealizadores que essa aconteça nos anos seguintes.

É, a partir destes eventos e celebrações e do esforço de articulação, que se respalda ao

que Lima afirmava sobre a existência de uma rede expressiva de valorização da cultura negra

em Alagoas. As dinâmicas desenvolvidas aqui, e apontadas como estratégias de mobilização,

levantam hipóteses para avaliar, a partir da esfera cultural e social, a continuidade dos

processos sócio históricos de busca de autoafirmação e visibilidade para expressividade negra

alagoana, sendo, através da articulação entre religião, política e cultura que se materializa em

atividades a rede afro-alagoana.

Neste cenário de manifestações e articulação entre grupos culturais e religiosos afro-

alagoanos, tem-se percebido cada vez mais a participação efetiva de jovens no protagonismo

das ações políticas e religiosas. Delimitaremos, a partir de agora, o pensamento acerca das

dinâmicas assumidas pela juventude inserida no contexto religioso ou no que se convencionou

chamar de “Juventude de terreiro” e quais seus desdobramentos na atualidade. Poderíamos

64

https://arapiraca.7segundos.com.br/noticias/2016/12/02/78576/babalorixa-e-vitima-de-intolerancia-religiosa-

em-loja-de-produtos-cristaos.html Acesso em outubro de 2017.

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nos perguntar: No que se caracteriza a juventude de terreiro? Qual a emergência da criação de

um novo movimento juvenil? Em que perspectivas se apoiam?

2.3 Entre batuques e bandeiras de luta: a juventude contemporânea nos terreiros de axé

Em termos biológicos a faixa etária de um jovem se estende dos 15 aos 24 anos,

momentos em que o indivíduo entra numa nova etapa psicológica, capaz de definir seus

parâmetros educacionais e identitário. É de se imaginar que, aos 24 anos, os jovens estejam

entrando efetivamente no mercado de trabalho e consequentemente na vida adulta. Logo, as

experiências individuais e coletivas são produtos dos processos sócio-históricos da vida

cotidiana que são estimulados pelas transformações nos contextos sociais (SOUZA, 2004).65

Sob a luz dos estudos sociológicos, a juventude contemporânea vive um contexto de

transformações recorrentes que estão ligadas de maneira direta ou indireta aos impactos

sociais, de modo que as etapas da vida (infância, juventude e vida adulta) superam as barreiras

biológicas e atingem os papéis sociais. Num contexto histórico, a luz que ilumina o que a

sociologia aponta como transformações são os processos políticos e sociais ao qual estão

inseridos não só os jovens, mas toda a sociedade contemporânea.

Os estudos que traçam os perfis da, então, Juventude Contemporânea estão centrados

entre a sociologia, a pedagogia e a psicologia; suas perspectivas estão voltadas para os

conflitos internos dos jovens que enfrentam esse processo de transformações, ou “para

problemas comuns da juventude, como abuso de álcool e drogas, delinquência, gravidez, vida

escolar, entre outros” (SOUZA, 2004:47).66

De modo esporádico, tem-se investigado a participação ativa dos jovens nos

movimentos sociais, cujo papel social é reivindicar o que o sistema não promulga, no qual os

jovens existem e também atuam.

Pelo que fazem e a maneira como fazem, os movimentos anunciam que

outros caminhos estão abertos, que existe sempre outra saída para o dilema,

que as necessidades dos indivíduos ou grupos não podem ser reduzidas à

definição dada pelo poder. A ação dos movimentos como símbolo e como

comunicação faz implodir a distinção entre o significado instrumental e

expressivo da ação, posto que, nos movimentos contemporâneos, os

resultados da ação e a experiência individual de novos códigos tendem a

65

SOUZA, Carmem Zeli Vargas Gil. Juventude e contemporaneidade: possibilidades e limites. Ultima Década,

Nº20, CIDPA VIÑA DEL MAR, 2004. Disponível em: http://www.scielo.cl/pdf/udecada/v12n20/art03.pdf.

Acesso em: 15 de outubro de 2017. 66

SOUZA, Carmem Zeli Vargas Gil. Idem. Op. cit., p.47.

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50

coincidir. E, também, porque a ação, em lugar de produzir resultados

calculáveis, muda as regras da comunicação (MELUCCI, 1997:41)67

Neste sentido, as particularidades de cada organização dependem da relação entre

cultura e experiência no contexto no qual o indivíduo está inserido, onde as experiências,

sejam elas coletivas ou individuais, atuam conjuntamente por um proposito social ou, até

mesmo, uma proposta política definida. Se a experiência social advém das demandas sociais

contemporâneas que fazem os jovens tornarem as relações sociais e a cultura como forma de

expressão social, por que não fariam destes espaços suas bandeiras de luta? São estes fatores

que delineiam as identidades assumidas pela juventude contemporâneas.

Para compreender as múltiplas identidades assumidas pelos jovens, utilizamos o

conceito de juventude a partir de Rogelio Marcial (2013), que caracteriza a juventude

contemporânea como fruto de grandes processos organizacionais e saldos políticos, assim

como reconstrutora de identidades sociais baseadas nas experiências de vida e discursos

sociais da cultura já existente. O conceito de juventude deste trabalho consiste numa análise

da juventude presente no ativismo social, analisados pelo autor Marcial, que observa o

protagonismo social de jovens contemporâneos. Nas palavras do autor,

Se busca, así, reflexionar sobre los procesos y las prácticas que dan sentido a

algunas manifestaciones juveniles, para entender que la llamada “condición

juvenil” no ha servido para protegerlos socialmente y asegurarles un

desarrollo integral; sino más bien que se ha convertido en una forma

jerárquica de relación en la que se posterga ese bienestar y se tiende a

estigmatizar y criminalizar sus características, sus estilos de vida y sus

formas de organización y expresión sociocultural. Para ello, tal vez sería

necesario reseñar las formas de asociación/expresión, las identidades

colectivas y las tendencias sociales de algunas de las diversas culturas

juveniles que se han presentado en las últimas décadas; con el objetivo de

entender y ubicar las prácticas, usos, estilos y/o hábitos en las que parte de la

juventud latinoamericana encuentra sentidos y significados sociales y

culturales (MARCIAL, 2013:23).68

Assim, para este autor, o conceito de juventude deve ser definido para além da faixa

etária; deve ser pensado como uma construção social que depende do contexto de cada

sociedade. Independente da perspectiva seja ela sociológica, antropológica ou histórica, os

jovens se apresentam capazes de construir discursos e dissociar-se das estratégias discursivas

67

MELUCCI, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Brasileira de Educação Nº5-6. São

Paulo: ANPED, 1997. 68

MARCIAL, Rogelio. Jóvenes contemporâneos: entre las nuevas tendências y las viejas insistências. In:

MENEZES, Jaileila de Araújo; COSTA Monica Rodrigues; SANTOS, Tatiana Cristina dos. VJUBRA:

Territórios interculturais de juventude. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2013.

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51

das hierarquias etárias construídas socialmente. Esse discurso hierárquico tem desqualificado

as experiências juvenis quando o coloca em posição de “rebeldia” e “desinteresse”, incapazes

de assumirem um protagonismo social. Rogelio afirma que, nesta “era globalizada”, os

espaços e formas de resistência estão contornadas pela cultura, onde os jovens tem se tornado

cada vez mais sujeitos ativos tendo a contemporaneidade como plano de fundo.

Respaldados no conceito de Juventude de Marcial e amparados no que chamamos de

categorias sociais interpretadas a partir dos apontamentos teóricos de E. P. Thompson

abordaremos, a seguir, a juventude e seus os marcadores sociais (raça, etnia, gênero, classe,

idade e religião), mais especificamente a religião numa perspectiva histórica com a finalidade

de compreender a relação horizontal existente entre juventude e religião, com ênfase nas

religiões afro-brasileiras como espaços interculturais.

Apesar dos esforços dos movimentos socioculturais alagoanos em derrubar a

desigualdade social, a contrainformação e negatividade ainda persiste contra as comunidades

de terreiro. No caso do objeto investigado, a Juventude de Terreiro69

, os indivíduos inseridos

nesta categoria apresentam para além da pertença religiosa, outros marcadores sociais que

definem suas identidades coletivas e individuais.

As identidades coletivas construídas pelos sujeitos transitam e dialogam entre Estado e

sociedade, de forma a situar historicamente que a organização juventude de terreiro, enquanto

movimento sócio-político, se distanciam dos movimentos partidários e constroem uma

atuação política e social que se respaldam nas necessidades condicionais dos jovens adeptos

das religiões afro-brasileiras. O que entendemos por marcadores sociais são, portanto, as

identidades individuais, que podem ser interpretadas como o lugar a qual escolhemos por

referência devido as circunstâncias, logo essas identidades são alimentadas pela cultura.

Poucos são os estudos que refletem sobre a juventude e sua pertença religiosa,

principalmente em relação às religiões afro-brasileiras. A emergência do surgimento de um

movimento que se construísse a partir da juventude negro religioso deu-se na medida que as

demandas desses jovens foram tornando-se específicas. Essa especificidade baseia-se no fato

de que a maioria dos jovens de terreiros são negros e sofrem racismo, sendo exclusos dos

contextos sociais, com menos oportunidades em relação a outros jovens. Esses fatores

tornaram-se problemas sociais imersos nas relações escolares, familiares e sociais.

69

Conforme descrito na Carta de Princípios do Movimento de Juventude de Terreiros de Alagoas Àbúrò N’

ìlê, nesta nomenclatura genérica podem ser contemplados participantes de diferentes seguimentos religiosos:

candomblecistas, umbandistas, juremeiros, etc.

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52

No ano de 2006 ocorreu a II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora

(CIAD) com o tema “A Diáspora e o Renascimento africano” que ocorreu de 12 a 14 de julho

em Salvador – BA. A conferência abordou diversos aspectos tais como “identidade, gênero,

religião, língua, democracia, desenvolvimento, economia, sociedade, cooperação, saúde,

ciência e tecnologia, juventude, política de ação afirmativa, luta contra a pobreza, combate à

discriminação.”70

Com o objetivo de levantar problemáticas sobre a atual situação dos jovens, houve o

grupo de trabalho com o tema “Perspectivas da Juventude na África e na Diáspora” e no

relatório da conferência constam os seguintes resultados:

Pareceu ter havido um claro consenso neste painel temático em torno à

compreensão de que na juventude não estão somente os “líderes de amanhã”,

como usualmente se diz, mas líderes de hoje. Houve um claro argumento

apresentado de que a juventude não deve ser vista como uma categoria

decorativa, mas como participantes efetivos nas discussões diárias do nosso

contexto social. A participação foi definida num sentido muito amplo,

incluindo tanto questões de criatividade cultural quanto questões de

relevância política e sobrevivência econômica. Também ficou clara a

mensagem enviada pelo grupo, de que os jovens não devem permanecer nas

margens; eles realmente precisam participar das sessões plenárias de muitas

destas reuniões que frequentemente nós temos. 71

Diante dessas discussões foi manifestado um desejo de formar líderes jovens, que

atuassem dentro das demandas políticas atuais. Pensando, a partir das disposições dos jovens,

uma participação ativa, tanto na religião quanto representando-a nos contextos sociais.

Assim, tem-se observado, nos últimos anos, que há uma preocupação dos jovens em se

identificar como adeptos das religiões afro-brasileiras, mas, não apenas isso, como, também,

se colocarem diante das demandas de suas comunidades e passando a assumir lugares de

participação ativa nos debates políticos atuais, expressando suas necessidades a partir de suas

identidades etária (jovens), étnica (negro) e religiosa (de cultos afro-brasileiros). Esses jovens

denunciam sua situação social, assumem uma identidade cultural e criam um movimento

político em defesa, sobretudo, da liberdade religiosa num país que, embora legalmente laico,

vive o crescimento de seguimentos religiosos cristãos, cuja tônica tem sido reprimir os cultos

afro-brasileiros, por muitas vezes, com apoio da mídia e do poder público.

O termo juventude de terreiro ganhou novos percursos, tendo se manifestado em

diversos estados e de diferentes formas, porém com a mesma proposta política: representar os

70

Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora: (2: Salvador, 2006) II CIAD : a Diáspora e o

Renascimento africano : relatório final - Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. 71

Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora. Idem. Op. cit., p.85.

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interesses políticos, econômicos, sociais e culturais, não apenas da população adepta dos

cultos afros, mas, sobretudo, da juventude afro-religiosa. Em Alagoas, o seguimento

representado através do “Àbúrò N‟ìlê – Rede Regional da Juventude de Terreiro”72

,

atualmente, representada nos estados de Alagoas, Pernambuco e Ceará.

As concepções afirmativas descritas até aqui, sobre a expressividade das

manifestações sociais negra em Alagoas dão suporte para os questionamentos que serão

respondidos no capítulo a seguir. Trilharemos um caminho a fim de compreender de que

modo a Juventude de Terreiro surgiu em alagoas e como tem construindo a partir da

experiência um sentido para o conceito “Juventude de Terreiro”.

.

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54

CAPÍTULO 3

“ÀBÚRÓ N’ILÊ” E OS CAMINHOS DA JUVENTUDE DE TERREIRO EM

ALAGOAS (2014/2015)

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3.1 A juventude de Terreiro no Cenário Nacional (2009 – 2014)

Os primeiros indícios da utilização do termo Juventude de Terreiro, para designar

representativamente os jovens afro-religiosos, surgiu a partir da criação de Grupos de

Trabalhos (GTs) da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO),

instituída em março de 2003, na cidade de São Luís – MA. Esta organização surge com o

intuito de articular sociedade civil, adeptos das religiões de matriz africana, gestores públicos

e profissionais da área da saúde. O principal objetivo desta rede é “potencializar e

valorizar”73

, assim como estreitar a relação e acesso entre os povos de terreiros e as politica

públicas. Para estruturar as demandas políticas a RENAFRO constituiu os grupos de trabalhos

para desenvolverem estratégias de controle social para as politicas publicas.

A RENAFRO possui seis grupos de trabalho (GTs): Mulheres de Axé, Homens de

Axé, Crianças de Axé, GT de comunicação, GT de Articulação Politica e Juventude de

Terreiro. Esses grupos são coordenados por representantes estaduais que desenvolvem

encontros, seminários e debates, há níveis nacional, regional e estatual, voltados para cada

categoria social delimitada pelos grupos de trabalhos. O grupo de trabalho Juventude de

Terreiro foi o último grupo a ser instituído. Em novembro de 2013 foi realizado o I Encontro

Nacional de Jovens de Terreiro, em Salvador – BA, o qual foi realizado pela RENAFRO e

contou com a participação de 40 jovens de religiões afro-brasileiros de diversas regiões do

Brasil (SILVA, 2007)74

.

Parece ter havido, nesse movimento, a idealização de se formar jovens para constituir

grupos de jovens de terreiros em outras regiões para que cada seguimento pudesse pensar as

políticas públicas de acordo com o contexto de cada região. Apensar do primeiro encontro

realizado pela RENAFRO ter ocorrido em 2013, a mesma já havia impulsionado outras

atividades voltadas para juventude.

Em Teresina no ano de 2009, com o apoio da RENAFRO, jovens realizaram o 1º

Seminário Municipal da Juventude de Terreiro de Teresina – PI75

.

73

SILVA, José Marmo da. Religiões e Saúde: a experiência da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e

Saúde. Saúde Soc. São Paulo, v.16, n.2, p.171-177, 2007. 74

SILVA, José Marmo da. Idem. Op. cit., p.36. 75

Relatório Final do 1° Seminário Municipal de Juventude de Terreiro de Teresina. (Teresina- PI: 2008).

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56

Figura 5 - Cartaz de Divulgação do1º Seminário Municipal de Juventude de Terreiros de Teresina,

Teresina- PI

Fonte: Blog Santuário Sagrado Pai João de Aruanda, 2009.76

Este seminário municipal teve como objetivo criar uma agenda política com o intuito

de evidenciar as necessidades dos jovens de terreiro da cidade de Teresina, assim também,

como discutir juntamente com a parte interessada, ou seja, os jovens, políticas que atendam às

demandas. Em resultado, a carta da juventude de terreiros de Teresina reivindica,

Nós, Juventude de terreiros de Teresina, reunidos no 1 Seminário Municipal

de Juventude de Terreiros de Teresina realizado nos dias 07 e 08 de

novembro de 2009, decidimos manifestar nossa reflexão acerca da realidade

e da condição de vida dos jovens das comunidades de terreiros, o

preconceito e a discriminação racial e religiosa ainda é um componente da

exclusão social da população negra, os problemas de ausência de um sistema

de saúde que atenda as especificidades da população negra, uma educação

que ainda não contempla conteúdos que re-construam o papel social, cultural

e político das comunidades negras tolhidos por uma cultura imposta com

valores autoritários, individualistas, consumistas, baseados numa prática

religiosa intolerante, principalmente de correntes cristãs tradicionais e

fundamentalistas.77

As referencias feitas acima são constantes no Relatório Final elaborado pela comissão

organizadora do 1º Seminário Municipal da Juventude de Terreiro de Teresina, no qual

encontram-se as pautas e propostas levantadas durante o encontro para serem levadas junto ao

poder público do município de Teresina. As propostas construídas pelos jovens foram

pensadas a partir de seis temas: Saúde, Direitos Humanos, Segurança, Intolerância Religiosa,

Educação e Cultura.

76

Fonte: http://aspajapi.blogspot.com.br/2011_01_01_archive.html. 77

Relatório Final do 1° Seminário Municipal de Juventude de Terreiro de Teresina. Op.cit.

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57

Tais propostas apresentadas, decorrentes destas temáticas, transitam entre a formação

e as políticas afirmativas para as comunidades de terreiros, fica por compromisso de os jovens

construírem uma agenda política, que possibilite uma formação sócio-política e uma

articulação com outras organizações, seguimentos e poderes públicos, como propósito de

promover a segurança e visibilidade das comunidades e principalmente os jovens de axé.

Nestes aspectos, por ordem cronológica, a primeira atividade pensada por jovens e

para jovens de terreiros, numa atuação voltada para aspectos sociais, inicia-se em 2009 com o

1º Seminário Municipal da Juventude de Terreiro de Teresina, no entanto o termo só ganharia

o cenário nacional com a realização do I Encontro Nacional de Jovens de Terreiro, ocorrido

em Salvador – BA quatro anos após o seminário realizado na cidade de Teresina – PI. Com a

projeção nacional impulsionada pela RENAFRO, o termo Juventude de terreiros ganhou

novos percursos, instigando a criação de movimentos, organizações e seguimentos com a

mesma proposta política por todo o país. É fato que umas mais que outras foram influenciadas

e continuam ligadas a rede, outras criaram e pensaram outras formas de organização para

além da proposta da RENAFRO.

Este é o caso do “Àbúrò N‟ìlê – Rede Regional da Juventude de Terreiro”78

,

atualmente representada nos estados de Alagoas, Pernambuco e Ceará. A primeira

organização desta Rede de Juventude de Terreiro surgiu no Recife – PE (2014),

Àbúrô N’ilê, quer dizer irmão novo da casa, é o nome de uma rede de

juventude de terreiro de Pernambuco, criada com a proposta de união e

interação dos jovens negros e afrodescendentes das religiões de matriz afro

brasileiras, com ideais de criação de projetos de ações afirmativas, e políticas

de inclusão para os jovens, com a visão de minimização do genocídio da

juventude negra de Pernambuco, mas a integração também de jovens não

candomblecistas, trabalhando de modo geral com a juventude (Ogãn Pablo

Oxaguian/ Andreza de Iyemonjá – Àbúrô N‟ìlé Rede de Juventude de

Terreiros de Pernambuco, 2015)79

.

O seguimento “Àbúrò N‟ìlê RJTP” (Rede de Juventude de Terreiro de Pernambuco),

nasceu em 2014, com o intuito de agregar jovens que se identificam como adeptos das

religiões de matriz africana, esse movimento é fator primordial para compreender como se

originou o seguimento no estado de Alagoas, que buscou, no movimento de Pernambuco, uma

estrutura consolidada, mostrando as suas primeiras estratégias políticas.

78

Àbúrò N‟ìlê: Termo Yourubá que significa “Irmão mais novo da Casa”. Informação coletada do blog

“Comunica Ewè” plataforma oficial do movimento. 79

https://aburonilerjt.wordpress.com/ acesso em junho de 2016.

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Em Recife, o “Àbúrò N‟ìlê RJTP” se coloca como um movimento de jovens religiosos

presente no ativismo social que se mostram preocupados com a atual condição dos jovens

negros e religiosos de matriz africana. As formas de opressão imbricadas no processo, desde a

colonização, persistem e atingem, até os dias atuais, aqueles que se declaram como afro-

religiosos preocupados em denunciar esta situação social. Estes jovens buscam estratégias

para idealizar projetos políticos voltados para Saúde, Educação e Cultura.

De acordo com o Estatuto da Juventude, instituído pela Lei Nº 12.852/2013, todo

jovem tem direito garantido e aprofundado de modo a atender suas necessidades específicas

de cada categoria social, total acesso e liberdade aos direitos relacionados a Saúde, Trabalho,

Cultura e Educação desde que tenham entre 15 e 29 anos, faixa etária considerada pela lei

(ESTATUTO DA JUVENTUDE, 2013:15)80

. No entanto, sabemos que nem sempre a lei é

efetiva como descrita, ainda menos, garante que todas as categorias sociais sejam atendidas de

acordo com os decretos.

Tal forma, como afirma Marcial, os movimentos presentes no ativismo social, com

categorias delineadas, são instigados pela insatisfação e/ou denúncia de uma determinada

condição social. A juventude de Terreiro se mobiliza pela liberdade de expressão religiosa,

assim como, por direitos e garantias fundamentas para a juventude negra e afro-religiosa.

Em agosto de 2015, o movimento “Àbúrò N‟ìlê RJTP” foi às ruas do Recife contra a

intolerância religiosa, manifestando-se em forma de paralisação dos povos de terreiros.

Figura 6 - Cartaz de divulgação da Paralização do povo de Terreiro, Recife – PE

Fonte: Site Comunica Èwé, 2015.

81

80

BRASIL. [Estatuto da Juventude (2013)] Estatuto da Juventude: atos internacionais e normas correlatadas .

Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2013. 81

Fonte: https://aburonilerjt.wordpress.com/ acesso em junho de 2016

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O cartaz de divulgação acima se trata de uma chamada pública para “A paralisação do

povo de terreiro” organizado pela juventude de terreiro que contou com a participação de

diversas casas de axé e do grupo cultural Afoxé Babá Orixalá Funfun.

As questões, conteúdos, formas e necessidades desse movimento estão expressas em

suas formas de mobilização e articulação, dessa forma, o uso da cultura em forma de elemento

representativo da religião estão muito presentes em suas atividades, como a utilização de

cânticos e louvores ao orixá “Exu” inseridas na programação da paralisação e, também, a

apresentação do grupo cultural que possui fundamento religioso em suas representações

artística. Dessa maneira, podemos observar a correlação do movimento social com o

movimento cultural.

Considerando os objetivos propostos pelo movimento, ao analisar algumas atividades

pontualmente realizadas pelos sujeitos, podemos compreender historicamente a formação do

movimento e a instituição de conceitos, além de analisar seus desdobramentos. Em Alagoas, a

formação histórica e desenvolvimento do movimento de Juventude de Terreiro têm se

organizando desde 2012, no entanto, só se constitui documentalmente em 2014.

Inicialmente, o movimento chamava-se Juventude de Terreiro de Alagoas (JDT-AL),

no entanto por uma estratégia política de fortalecer o movimento a organização adotou o

nome “Àbúrò N‟ilê- RJT/AL”, a Rede de Juventude de Terreiro de Alagoas.

Um dos espaços ocupados, inicialmente, pelo movimento eram as “redes sociais”82

. O

movimento possuía um perfil social no site Facebook83

, identificado como “JDT-AL

(Juventude de Terreiro de Alagoas)”. No perfil havia o fomento de ações que socializavam as

atividades do movimento, comunicavam encontros e compartilhavam os saberes de sua

religião. Este espaço agregava diversas pessoas jovens e não jovens que tinham o interessem

de construir um movimento de juventude de terreiro em Alagoas. Essa construção

distanciava-se de uma estruturação ampla e de total acordo das partes interessadas, como pode

ser entendido a seguir, onde podemos ver um recorte de uma postagem feita no perfil do

movimento. Neste, a etnografia virtual apresentada preservará a identidade dos perfis

individuais e revelando apenas o perfil do movimento em questão, o JDT-AL.

82

Nesta expressão estão representadas as plataformas digitais utilizadas em nome da organização, administras

por membros para comunicação e divulgação do movimento. (Blogs, Facebook , etc.) 83

Rede social lançada em 4de fevereiro de 2004.

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Figura 7 - Recorte de uma publicação do Perfil JDT- AL, Maceió – AL

Fonte: Adaptado de Facebook®, 2015.

84

Na captura de tela acima, uma Yalorixá (32 anos), da cidade de Maceió, questiona o

movimento a respeito do “Diálogo” ou a falta dele, e sobre a “Representatividade” ao qual o

movimento se dispõe a realizar. Em resposta ao questionamento, o movimento julgou ter “um

diálogo bastante amplo” com a juventude e com “Bàbás e Ìyás”. No entanto, coloca o pouco

tempo de organização como motivo deste distanciamento entres os demais jovens de outras

casas de axé. Assim, parece ter havido, nesse primeiro momento de instituição do movimento,

um conflito em relação à representatividade do movimento no estado de Alagoas.

Cabe pensar, partindo deste questionamento, a representação social como uma rede de

indivíduos que compartilham os mesmos objetivos e estratégias, assim como, o

desenvolvimento de uma coletividade que defina as interpretações acerca de uma determinada

categoria social, de modo a construir posições e conceitos partindo de sua experiência social.

Para Jodelet (2002)85

, há fundamentos característicos para a construção de uma representação

social, onde estas características respaldam-se sob o valor simbólico e o caráter construtivo

84

Fonte: Perfil Oficial do movimento JDT-AL (Juventude de Terreiro de Alagoas). Após a mudança de nome do

movimento este perfil foi excluído das redes sociais. 85

JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, Denise. (org.). As

Representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002.

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das representações sociais. As representações sociais, no entanto não correspondem à

realidade total, também não corresponde à verdade pronta e acabada de algo ou alguém.

Para o movimento “Juventude de Terreiro”, os exemplos de representações são nítidos

e partem de seus critérios de organização que encaminham a constituir uma organização que

represente os direitos dos jovens, negros e afro-religiosos de Alagoas.

No final do ano de 2014, a articulação do JDT- AL migrou, desativando este perfil

mencionado, e adotou o nome da Rede Regional de Juventude de Terreiro passando agora a

chamar-se de “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Alagoas”.

3.2 O Irmão Mais Novo da Casa “Àbúró N’ilê”: Rede de Juventude de Terreiro de

Alagoas

Após a mudança de nome, o “Àbúrò N‟ilê - RJT AL” assumiu princípios, objetivos,

formas e expressividades específicas pautadas no movimento negro alagoano. A carta de

princípios do movimento explica,

A corrida pela união de nossa juventude em torno das causas que permeiam

as religiões de matrizes afro-ameríndias foi o ponto principal para nosso

surgimento. Porém, esse não é o único ponto que define nossa existência: A

juventude negra, quilombola e periférica sofre diariamente com problemas

que parecem passar despercebidos. O extermínio da juventude negra, por

exemplo, é algo que vem dizimando nossos jovens, devido a crescente

discriminação e a falta de políticas públicas que sanem esses problemas

(ÀBÚRÒ N‟ILÊ-RJT AL, 2014:01)86

.

O documento do movimento apresenta o intuito da organização, o conflito, a busca por

políticas afirmativas e evidencia a necessidade da criação do movimento específico para a

juventude negra. Neste primeiro momento, identificamos a construção de identidades no

movimento como estratégia de organização: “Nossa juventude nasce com o intuito de agregar

forças no combate ao racismo, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa e qualquer tipo de

preconceito. Temos nossos princípios pautados na coletividade e na ascensão da nossa

cultura, povo e religião” (ÀBÚRÒ N‟ILÊ - RJT AL, 2014:01).

Em entrevista concedida à esta pesquisa, um dos coordenadores explica como se deu

esse processo de organização e surgimento do “Àbúrò N‟ilê - RJT AL” enquanto movimento

político-religioso.

86

ÁBÙRÓ N‟ILÊ – REDE DE JUVENTUDE DE TERREIRO DE ALAGOAS. Carta de Princípios. Discutido

e aprovado internamente em novembro de 2014.

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A partir da necessidade de participação dos debates de maneira mais contundente, os

jovens sentiram a necessidade de criar um espaço no qual pudessem discutir seus direitos e

pensar projetos voltados para a juventude negra e de terreiro. Já havia uma representação de

juventude da RENAFRO em Maceió, porém não agia eficazmente, quando realizava “alguns

encontros pontuais extremamente reduzidas e o diretor de juventude da RENAFRO

simplesmente não era jovem”87

, destarte, a partir dessa inquietação, configurou-se o “Àbúrò

N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Alagoas”. Decorrente da entrevista concedida, um

dos coordenadores do movimento explica,

O Àbúrò nasceu aqui no Estado e a gente precisava de um movimento que se

se consolidasse muito rápido, e a gente tinha essa questão com a RENAFRO,

não dava pra o Àbúrò ser mais um movimento que ia nascer e morrer com

um tempo breve, então a gente decidiu colocar o mesmo nome que o Àbúrò

de Pernambuco com o objetivo de fazer com que o Àbúrò aqui no Estado

tivesse um nome mais forte, pelo fato que o Àbúrò em Pernambuco já era

uma juventude consolidada e ai agente decidiu a fazer essa parceria até

porque foi o pessoal de Pernambuco que nos ajudou em vários aspectos

[...].88

Desse modo, nota-se que desde o início do movimento havia uma preocupação em

consolidar o movimento e, ainda mais, a necessidade de um movimento feita por jovens e

para jovens. Havia, portanto, um conflito entre os representantes da RENAFRO e a juventude

de terreiros, que passaram pelo o que se pudesse chamar de transição entre a articulação, no

sentido de agregar e unir jovens, e constituição de um movimento social liderado por jovens.

Como uma primeira estratégia de atuação, podemos pontuar a escolha do nome para

denominar o movimento de juventude de terreiro que se formava em Alagoas. Optar por

escolher fazer parte da “Rede Regional da Juventude de Terreiro - Àbúrò N‟ìlê” traria uma

maior visibilidade, considerando que esta já vinha realizando atividades em Pernambuco.

Além da utilização do nome, percebemos que há, também, uma troca de atividades e sentidos

entre esses dois seguimentos. A imagem, a seguir, registra um momento de intercâmbio entre

o “Àbúrò N‟ìlê” dos estados de Alagoas e Pernambuco, onde mostra os coordenadores

Matheus Silva (PE) e Lucélia Thayná (AL), presentes numa das atividades organizadas pelo

“Àbúrò N‟ìlê – Pernambuco”.

87

MENDES, Pedro. ÀBÙRÒ N‟ÌLÊ: Entrevista. [05 de julho, 2016] Maceió. Entrevista concedida a Ellen

Cirilo. 88

MENDES, Pedro. Op.cit.

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63

Figura 8 - Intercâmbio entre o “Àbúrò N‟ìlê” dos estados de Alagoas e Pernambuco, Recife- PE

Fonte: Arquivo pessoal, 2015. 89

A troca de experiência entre estes dois movimenros se estendeu além da utilização do

nome e a formação política. O movimento, também, adotou a marca do movimento, através

da criação de um logotipo, com a intenção de identificar e conceder finalidade ao movimetno

pela idetificação visual da organização. Em sua imagem de identificação, o logotipo, tanto o

“Àbúrò” alagoano, quanto o pernambucano, trazem elementos bastante significativos para o

movimento étnico, jovem, afro-religioso e estético, podendo ser visualizados nas imagens

subsequentes.

Figura 9 - Logotipo do movimento “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Pernambuco”

Fonte: Página do “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Pernambuco no Facebook, 2016

90

89

Fonte: Arquivo pessoal do movimento, 2015. A utilização de fotografias como fonte, é essencial como

documento complementar para a construção de uma narrativa histórica. Assim como testeminhar fatos

mencionados em outras fontes ou relatos orais. As expressões, cenário e momento das fotografias supoem um

contexto que podem ser interpretadas a partir de uma analise discursiva. (LIMA. CARVALHO, 2011). 90

Fonte: https://www.facebook.com/rededejuventuderjtp?ref=ts&fref=ts, acesso em 5 jul. 2016.

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Figura 10 - Logotipo do movimento “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Alagoas”

Fonte: Página do “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Alagoas no Facebook,

91

Nestas imagens existem duas representações de jovens: uma representação masculina

e uma feminina em posição de igualdade, ainda que se olhe para pontos diferentes a partir do

lugar que ocupam. A identidade, também, é assumida a partir da estética negra: cabelos Black

Power que expressa empoderamento e pertencimento. Outro elemento relevante é a escrita em

“Yorubá” do nome “ÀBÙRÒ N‟ÌLÉ”, nas cores preta e vermelha, simbolizando as cores do

“Orixá Exú”, escolhido para ser patrono da juventude.

Exú é o orixá do dinamismo, é o orisà da comunicação, é o orixá da

irreverência, é aquele que está em tudo e em todos é o orisà que move o

corpo, enfim é quem mais tem essa característica rebelde e irreverente, essa

característica dinâmica da juventude e exu é o princípio de tudo, e por isso

deliberamos ele como patrono, por Esú ser caminho e por tudo isso que ele

representa.92

A correlação e atribuição dos arquétipos do Orixá Exú, em face os elementos que

representam a identidade negra e a utilização do termo Yourubá, delineiam o pertencimento

étnico e religioso de uma forma estética, ao mesmo tempo em que expressa a mensagem com

relação à definição de identidade coletiva do movimento. Ao fim da Carta de princípios do

movimento a revência ao Orixá como padrinho certifica essa colocação.

Mojubá Cobá Laroyê, senhor falante! Esú é o nosso patrono, o senhor da

comunicação, ao qual rendemos sempre homenagem em todos os eventos e

encontros. Diversificadas com as cores de nossos Orixás, assim é nossa

91

Fonte: https: //www.facebook.com/photo.php?fbid=125804874510618&set=a.125804917843947.1073741827.

100012433187904&type=3&theater . Acesso em 5jul. 2016. 92

MENDES, PEDRO. ÀBÙRÒ N‟ÌLÉ: Entrevista. [05 de julho, 2016] Maceió. Entrevista concedida a Ellen

Cirilo.

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juventude. “o bravo não é quem não sente medo, mas quem vence esse

medo” (ÀBÚRÒ N‟ILÊ-RJT AL, 2014:01)93

.

A experiência cultural, vivenciadas na condição de negros e na autoafirmação como

adeptos das religiões afro-alagoanas, assim como a condição identitária e biológica de jovens,

são os fatores que possibilitam a (re)construção da identidade coletiva do movimento.

Como contribuição teórico-metodológica de E. P. Thompson (1981)94

, a formação

histórica desse movimento pode ser analisada com fundamento do modo como os indivíduos

reagem de acordo com cada situação, de suas condições, dos conflitos e da autoconsciência de

suas experiências sociais. A impressão de seus pertences culturais e religiosos como

construção de uma identidade política e social, o conflito existente com outras formas de

organização que não condizem com os interesses de uma parcela que decide por construir um

novo espaço de atuação e a estratégia de renomear partindo de um referencial já consolidado

marcam a formação histórica do objeto em questão.

Portanto, o movimento representa de algum modo um ato para a religião, construindo-

se dessa maneira um movimento social de caráter político-religioso, que tem como proposta

“discutir políticas públicas pra juventude e levar a informação através das atividades que

realizamos e, a partir da formação, organizar a juventude na luta por uma sociedade mais justa

e igualitária.”95

.

Na ocasião do encontro ocorrido, promoveu-se a reavaliação da atuação do

movimento, onde um dos coordenadores fez a seguinte colocação:

O Àbúrò surgiu justamente por uma falta de representatividade que a

juventude tinha aqui no estado de Alagoas. Se a gente for pegar o Brasil

todo, a gente vai ver que e, todos os estados tem uma determinada juventude

de terreiro que representa aquela turma, aquela galera que faz parte dos

terreiros e das casas de axé, e aqui em Maceió a gente tinha uma deficiência

nesse sentido, tinha uma falta dessa representatividade, de uma entidade ou

uma organização que juntasse e aglutinasse em seu seio toda essa juventude

e pudesse desenvolver em pró dessa galera. [...] E ai, a gente faz ali o

primeiro encontro do Àbúrò que deu ali 5 pessoas, então a gente disse “ essa

galera é quem vai organizar e tocar pra ver no que vai dar”. E ai a gente se

surpreendeu, o primeiro encontro deu 5 pessoas, e salvo engano o segundo

que a gente fez deu 35 pessoas explosivamente (MENDES, 2016).96

93

ÁBÙRÓ N‟ILÊ – REDE DE JUVENTUDE DE TERREIRO DE ALAGOAS. Carta de Princípios. Discutido

e aprovado internamente em novembro de 2014. 94

THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 95

MENDES, PEDRO. ÀBÙRÒ N‟ÌLÉ: Entrevista. [05 de julho, 2016] Maceió. Entrevista concedida a Ellen

Cirilo.

96

MENDES, PEDRO. ÀBÙRÒ N‟ÌLÉ: Entrevista. [12 de agosto, 2016] Maceió. Entrevista concedida a Ellen

Cirilo.

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Ainda, outro coordenador continuou:

E ai a gente viu que realmente a juventude que vive no terreiro, a juventude

que procura estar ligada ao terreiro está aqui no Àbúrò. Aqui, discutimos

sobre tudo, já tivemos diversas questões discutidas e o legal do “Àbúrò” é

que todo mundo entende todo mundo, aqui nós temos diversas casas,

diversas culturas e diversas formas de pensamento, onde todos podem

expressar o que quer e o que acha certo (HENRIQUE, 2016). 97

Destas colocações de reavaliação da gênese do movimento em Alagoas, cabe

evidenciar duas questões: a primeira delas refere-se à afirmação de uma não

representatividade da juventude de terreiro em Alagoas e, a segunda, diz respeito à definição

da coordenação do movimento.

Figura 11 - I encontro da Juventude de Terreiro “Àbúrò – Alagoas”, Maceió – AL

Fonte: Arquivo pessoal do movimento, 2015.

98

A fotografia acima foi registrada no primeiro encontro do “Àbúrò” realizado no coreto

da Praça Jaraguá, em Maceió. Na ocasião, estiveram presentes cinco jovens: Lucélia Tayná

(22 anos), Casa de Iemanjá; Thauane Rodrigues (17 anos), Casa de Iemanjá; Márcio Henrique

(23 anos), Babalorixá do Ilê Yá Mí Ipondá Axé Igboalamo; Matheus Silva (20 anos), que

atualmente se encontra em Recife (PE) contribuindo no “Àbúrò de Pernambuco; e Pedro

Mendes (23 anos).

97

HENRIQUE, MÁRCIO. ÀBÙRÒ N‟ÌLÉ: Entrevista. [12 de agosto, 2016] Maceió. Entrevista concedida a

Ellen Cirilo. 98

Fonte: Arquivo pessoal do movimento, 2015.

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Segundo o relato transcrito anteriormente, foi deliberando a partir dos que estávamos

presentes nesse primeiro encontro, a formação da coordenação geral do “Àbúrò – Alagoas”.

Ficando sob a responsabilidade desses cincos membros, acima citados, as atividades que

viriam a ser desenvolvidas, a participação efetiva nas atividades políticas e culturais das

religiões afro-alagoanas, assim como resultado, pode-se considerar como uma expressão do

movimento negro, jovem e religioso.

Ao comprometer cientificamente neste trabalho, num primeiro esforço, historicizar um

movimento social de base religiosa é necessário retomarmos e delimitarmos algumas

questões. Os referenciais teóricos sobre as manifestações sociais religiosas em Alagoas nos

acompanham até os anos 2000, o objeto em discussão surge entre 2012 e 2014 e vem

produzindo registros desde então.

O movimento “Àbúrò- Alagoas” existe há pouco mais de quatro anos, nos quais vem

desenvolvendo suas atividades, no entanto, delimitamos a tratar neste trabalho o surgimento e

o lugar que tem ocupado na rede de valorização afro-alagoana. As representações,

experiências, identidades e cenários construídos aqui, definem conceitos e caracterizam a

relevância de seu estudo histórico.

Para a juventude do movimento o ser jovem e de terreiro, vai além da necessidade do

movimento,

Ser jovem de terreiro é ter muita convicção do que quer, responsabilidade e

desprendimento. É saber renunciar curtições, é aprender a esperar, e é acima

de tudo saber que não é fácil viver a nossa religião. Mas é ao mesmo tempo

desfrutar de uma energia que não se mede, é viver a alegria de um povo que

resiste bravamente às adversidades da vida, é pertencer a uma cultura que é

um pilar importantíssimo na formação do nosso país e, por fim, é carregar no

peito a história de resistência dos nossos ancestrais e a responsabilidade

manter viva a uma religiosidade e tradição centenária.(MENDES, 2016)99

Nesses aspectos, é possível compreender a formação e o discurso descritivo de um

movimento fundamentado na religião que assume um caráter político-social e que vem

desenvolvendo atividades ao longo desse período. No entanto, existem poucos registros

históricos sobre a atuação do movimento que, partindo dos aspectos historiográficos, é uma

experiência histórica que necessita ser compreendida.

Fairclough (1992), afirma que "qualquer evento discursivo (isto é, qualquer exemplo

de discurso) é considerado simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um

99

MENDES, Pedro. ÀBÙRÒ N‟ÌLÉ: Entrevista. [05 de julho, 2016] Maceió. Entrevista concedida a Ellen

Cirilo.

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exemplo de prática social" igualmente inseridos nos contextos como dimensões sociais de

dominação e poder. O discurso encabeçado pelo movimento de “Juventude de Terreiro”, de

protagonismo político, religioso e social, assim como, suas experiências individuais e

coletivas, estabelecem um conceito experienciado. Portando, a juventude de terreiro alagoana

consiste num movimento social-político-religioso pautado nos sentidos das experiências, dos

conflitos e das reivindicações sócio-políticas.

Historicizar o presente deste movimento é relevante não somente para a História

Social das Religiões, mas para a própria historiografia alagoana. Uma pesquisa como esta

apresenta, também, uma contribuição para este e outros movimentos que continuam se

desenvolvendo dentro da comunidade afro-religiosa. Não cabe a este trabalho estabelecer

uma história finalizada destes agentes históricos, consideramos esse registro apenas uma

hipótese verificada que indica a face das manifestações afro-religiosas e sociais na

contemporaneidade.

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CONSIDERAÇOES FINAIS

Este trabalho apresenta noções, hipóteses e questionamentos que podem impulsionar

outros trabalhos historiográficos, pois as concepções e afirmativas tecidas pela leitura crítica

do objeto buscavam compreender as dinâmicas sociais assumidas pelas religiões afro-

alagoanas no presente século. O contexto histórico de Alagoas foi e continua marcado pelas

variadas formas de repressão e exclusão, o silenciamento social e histórico do século passado

demostram o quão desmobilizado se encontram as expressividades afro-alagoanas. As poucas

referências teóricas voltadas para este período ensaiam uma abordagem historiográfica da

vida social e religiosa dos adeptos das religiões de matriz africana que se interrompem no

início do século XXI.

Neste sentido, as religiões afro alagoanas seguiam se reoxigenando nas adaptações e

articulações e nas formas estratégicas de atuação e resistência tecendo redes e movimentos de

afirmação cultural social e política. Estas formas de organizações interpretam a construção e

desconstrução dos fatos e noções caros para história local.

O surgimento de novos protagonistas e suas formas de atuação traduzem um novo

momento para as religiosidades afro-alagoanas. Assim, como tratamos de trilhar neste

trabalho, lançamos para a historiografia alagoana as primeiras noções e hipótese verificadas

de apenas uma das faces do movimento negro-religioso alagoano. Amparados pelo campo da

História Social das Religiões, buscamos registrar cientificamente a formação histórica da

Juventude de Terreiro de nome e identidade “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de

Alagoas”, articulada em 2012, organizada e lançada com carta de princípio em 2014.

Estruturada a partir de um conflito, o movimento passou a se organizar politicamente,

construir pautas, realizar encontros e representar os anseios e objetivos dos jovens negros e

religiosos afro-alagoanos. Delineando os critérios de organização a partir da categoria etária,

étnica e religiosa. Com isso buscamos pensar a construção e os fundamentos dessa identidade

coletiva assumida, entendendo que tais categorias são pautadas na Cultura e Experiência 100

que rodeiam os jovens que conjugam este mesmo espaço social.

Assim, a juventude de terreiro não apresenta um conceito definido, mas oferecem

indícios de como os jovens inseridos em tais posições tem experienciado socialmente ser um

jovem, negro, afro-religioso e alagoano. Os sentidos, conflitos, valores, significados,

100

THOMPSON, Edward. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo:

Companhia das letras, 1989.

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interpretações e formas de atuação são resultados da junção das experiências individuais e

coletivas tensionadas pela cultura a qual estão inseridos.

A carta de princípios do movimento, fotos, relatos orais e os demais dados

apresentados permitem, a esta pesquisadora, uma noção histórica do que vem se constituído a

juventude de Terreiro, apesar de nos aprofundarmos apenas no movimento alagoano e no seu

surgimento, o levantamento histórico desta categoria no contexto nacional serve de plano de

fundo para pensar modo como esta organização surgiu.

O percurso traçado a partir da constituição do Grupo de Trabalho (GT) da Rede

Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), a realização do 1º Seminário

Municipal da Juventude de Terreiro de Teresina – PI e o surgimento do “Àbúrò N‟ìlê – Rede

Regional da Juventude de Terreiro” influenciaram de forma direta e indireta a constituição do

seguimento de juventude de terreiro alagoana.

O “Àbúrò N‟ilê - Rede de Juventude de Terreiros de Alagoas”, nome em Yorubá que

significa “o irmão ou filho mais novo da casa”, nasce em Alagoas como “filho” dos

movimentos socioculturais alagoanos. A “casa” ou seja, templos, terreiros ou tendas espaço

físico e sagrado das religiões de matriz africanas, ou na forças das expressões populares

conhecidos como “ Casas de Axé” .

As identidades e representações construídas politicamente neste percurso, que não

necessariamente nesta ordem, exercem sobre o desenvolvimento desta organização uma

pratica discursiva, que pode ser pensada e articulada pelos próprios sujeitos em seus contextos

sociais, como um espaço de interação de experiências sociais. A Análise do Discurso 101

social propõe que os sujeitos tenham participação efetiva na construção do conhecimento

histórico.

Aplicando os conceitos de Cultura, Juventude, Experiência e Representações Sociais

como referenciais teórico-metodológicos lança-se o que podemos entender como conceito de

Juventude de Terreiro.

Assim consideramos que a Juventude de Terreiro tem experienciado um movimento

social constituído, partindo dos valores e sentidos afro-religiosos, para a (re)construção de

representações políticas e discursivas que dialoguem de forma igualitária com a sociedade. Na

mesma medida que proporciono a ascensão da cultura negro-religiosa na estruturação de

projeto políticos pautados na valorização e inclusão social dos jovens de terreiro.

101

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora

Universidade de Brasília, 2001.

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Considerando que até o presente momento de publicação desta pesquisa, não houve

nenhum indício de outros trabalhos que discorressem sobre as experiências do movimento

Juventude de Terreiro em perspectiva histórica, tampouco partindo da História Social das

Religiões levantamos aqui as primeiras noções científicas que demarcam e inauguram o tema

no campo historiográfico alagoano. Com tudo, é constante deste trabalho questionamentos

que sirvam de referencial para futuras e essenciais pesquisas. Em tempos de recorrentes

avanços de valores e pensamentos conservadores, na longa e árdua luta pela democracia

afirmarem-se jovens, negros e negras praticantes dos cultos de origens negra é um ato

político. As formas de valorização e resistências das comunidades afro-alagoanas emprestam

a História Social das Religiões caras possibilidades de produções científicas.

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