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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE PSICOLOGIA WILLAMESON VIEIRA SANDES FERREIRA UM OLHAR SOBRE A PRIMEIRA INFÂNCIA: O PROGRAMA CRIANÇA FELIZ NO MUNICÍPIO DE ARAPIRACA ALAGOAS Palmeira dos Índios 2021

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS

CURSO DE PSICOLOGIA

WILLAMESON VIEIRA SANDES FERREIRA

UM OLHAR SOBRE A PRIMEIRA INFÂNCIA:

O PROGRAMA CRIANÇA FELIZ

NO MUNICÍPIO DE ARAPIRACA – ALAGOAS

Palmeira dos Índios

2021

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WILLAMESON VIEIRA SANDES FERREIRA

Um Olhar Sobre a Primeira Infância: O Programa Criança Feliz

No Município de Arapiraca – Alagoas

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, apresentado à

Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Campus

Arapiraca, Unidade Educacional Palmeira dos Índios,

como pré-requisito para a obtenção do grau de

Formação em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Lucas Pereira da Silva

Palmeira dos Índios

2021

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Catalogação na fonte

Universidade Federal de Alagoas

Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios

Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

F383o Ferreira, Willameson Vieira Sandes

Um olhar sobre a primeira infância: o programa criança feliz no

município de Arapiraca_Alagoas/ Willameson Vieira Sandes Ferreira, 2021.

81 f.

Orientador: Lucas Pereira da Silva.

Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de

Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.

Palmeira dos Índios, 2021.

Bibliografia: f. 77 – 78

Apêndice: f. 79 - 81

1. Psicologia. 2. Psicologia do desenvolvimento. 3. Psicologia da

primeira infância. 4. Psicologia infantil. I. Silva, Lucas Pereira da. II. Título.

CDU: 159.9

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Willameson Vieira Sandes Ferreira

Um Olhar Sobre a Primeira Infância:

O Programa Criança Feliz no município de Arapiraca – Alagoas

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Alagoas – UFAL,

Campus Arapiraca, Unidade Educacional Palmeira dos Índios, como pré-requisito para

obtenção do grau de Formação em Psicologia.

Data de Aprovação: 28/01/2021.

Banca Examinadora

Profº Drº Lucas Pereira da Silva

Universidade Federal de Alagoas –

UFAL

Campus Arapiraca – Unidade Palmeira dos

Índios (Orientador)

Profº Drº Antonio César de Holanda Santos

Universidade Federal de Alagoas - UFAL

Campus Arapiraca – Unidade Palmeira dos

Índios (Examinador)

Profª. Drª. Jenaice Israel Ferro

Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL

(Examinadora)

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

Dedicado à Valdinete Novais, por ter compartilhado

comigo a realização desse sonho, estando sempre junto

desde os primeiros passos rumo a esse objetivo, se

disponibilizando e me dando o suporte necessário sempre

que precisei. Alguém que sempre merecerá meu respeito e

consideração.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por acreditar que Ele tem me dado vida, saúde e as condições

necessárias para chegar até aqui, assim como tem me dado capacidade intelectual para trilhar

o caminho do conhecimento e desenvolver esse trabalho.

Agradeço também a alguém muito especial em minha vida, minha companheira de

longa jornada, Valdinete, que me apoiou nesse sonho e me deu suporte financeiro em grande

parte desse percurso, apoio decisivo para a minha formação, sendo sempre compreensiva e

amiga.

Agradeço a alguém não menos importante, minha mãe, Juraci, senhora trabalhadora,

que não teve a oportunidade de receber uma educação formal, embora desejasse muito isso,

ainda assim, conseguiu aprender a ler e escrever e que com muito esforço conseguiu criar e

educar seus nove filhos, sendo sempre uma incentivadora em prol dos estudos dos mesmos.

Não poderia deixar de agradecer à todos os docentes que contribuíram na minha

formação, que me auxiliaram com suas aulas, orientações, sugestões, correções e alguns com

sua amizade respeitosa e apoio emocional em momentos oportunos. Também expresso minha

gratidão aos companheiros de turma que em diversas oportunidades compartilharam comigo

suas dúvidas, análises, conhecimentos e trabalhos em equipe.

Minha extrema gratidão ao meu orientador, professor Lucas Pereira, por sua paciência,

dedicação e envolvimento nesse projeto desafiador. Agradeço a minha supervisora de estágio

curricular, professora Fernanda Simião, que contribuiu significativamente para a minha

experiência no atendimento clínico, o que me deu confiança para prestar atendimentos com

segurança e qualidade. Também sou grato a professora Danielle da Nóbrega, por ser uma

inspiração de excelência e comprometimento na realização de suas atribuições.

Sou grato a todos e a todas que de alguma maneira contribuíram para que esse

momento pudesse acontecer. Agradeço por acreditar que ninguém chega a um objetivo maior

sozinho; no trajeto surgem diversas mãos que colaboram, seja ensinando, corrigindo, dando

suporte, apoiando, incentivando, criticando ou elogiando. Todas essas pessoas me fizeram

acreditar que com humildade, respeito, dedicação e perseverança, sempre é possível. Minha

imensa gratidão a cada uma dessas pessoas.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo compreender o funcionamento do Programa Criança Feliz e

analisar a sua efetividade no município de Arapiraca - Alagoas. O Criança Feliz é um programa do

governo federal, instituído pelo decreto 8.869 de 05 de outubro de 2016, que visa contribuir no

desenvolvimento integral da criança na primeiríssima infância e está disponibilizado para as famílias

com maior vulnerabilidade social e econômica. O trabalho, trata-se de uma pesquisa de campo,

qualitativa, desenvolvido com o uso de levantamento de dados, entrevistas semiestruturadas,

observação participante e análise crítica do material coletado. As entrevistas foram realizadas com

profissionais que atuam como visitadores, sendo um visitador e uma visitadora, e com três mães de

crianças inseridas no mesmo. Os dados e informações sobre a estruturação e organização do programa

foram obtidos com a coordenação municipal do mesmo. O programa enfatiza o protagonismo da

família, realizando nesse contexto as visitas domiciliares e as atividades propostas, visando a

promoção do desenvolvimento integral da criança. A fundamentação teórica utilizada para a análise do

material coletado foi a Psicologia Histórico – Cultural, através dos teóricos Vygotsky, Leontiev e

Luria, e a Psicologia do Desenvolvimento com a contribuição dos conhecimentos da Neurociência,

através dos autores, Cole & Cole. A principal ação do programa são as visitas domiciliares, são nessas,

onde ocorrem as intervenções com as crianças por meio das famílias. As intervenções tratam-se de

atividades estimuladoras do desenvolvimento com o objetivo de exercitar e/ou melhorar funções

cognitivas e senso motoras. As atividades também têm a finalidade de fortalecer os vínculos afetivos

entre crianças e famílias. Como resultados desse estudo, foi identificado que o município precisa

fortalecer a sua rede intersetorial de serviços, como: as unidades de atendimento da assistência social,

CRAS e CREAS, as unidades básicas de saúde, a educação pré-escolar, a cultura e o lazer, para que

assim, consiga ter maior efetividade nas políticas voltadas para a primeira infância e no Programa

Criança Feliz. Foi verificado que o Programa Criança Feliz precisa passar por alguns aprimoramentos,

desde rever o número de família atendidas por visitador até um melhor sistema de arquivamento de

seus registros e documentos. A pesquisa também identificou a potencialidade do programa, a sua boa

aceitação junto as famílias, reconhecendo a sua importância como política pública de assistência.

Palavras-chave: Programa Criança Feliz. Primeira Infância. Desenvolvimento da Criança.

Desenvolvimento Infantil. Políticas Públicas.

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ABSTRACT

The current research aimed to understand the functioning of the “Criança Feliz” Program and to

analyze its effectiveness in the city of Arapiraca – Alagoas. The “Criança Feliz” is a federal

government program, instituted by Decree 8,869 of October 5, 2016, which aims to contribute to the

integral development of children in the very early childhood and it is available to families with social

and economic vulnerability. This program is a qualitative field research, developed with the use of

data collection, semi-structured interviews, participant observation and critical analysis of the

collected material. The interviews were performed by professionals who act as visitors, being a

woman or a man, and three children’s mothers who are inserted in the program. The data and

information about the structuring and organization of the program were obtained from the program’s

municipal coordination. The program emphasizes the protagonism of the family, performing in this

context home visits and proposed activities, aiming at promoting the child’s integral development. The

theoretical basis used for the analysis of the collected material was the “Psicologia Histórico –

Cultural”, through the theorists Vygotsky, Leontiev and Luria, and “Psicologia do Desenvolvimento”

with the contribution of Neuroscience knowledge, through the authors, Cole & Cole. The main action

of the program is home visits, where interventions with children through families happens. The

interventions are stimulating activities of the development with the aim of exercising and/or improving

cognitive and motor sense functions. The activities also have the purpose of strengthening the

affective bonds between children and families. As a result of this study, it was identified that the city

needs to strengthen its intersectoral network of services, such as: social assistance attendence units,

CRAS and CREAS, basic health units, pre-school education, culture and leisure, so that it can be more

effective in policies aimed at very early childhood and in the “Criança Feliz” Program. It was verified

that the “Criança Feliz” Program needs some improvements, from reviewing the number of families

served by visitors to a better filing system of their records and documents. The research also identified

the program’s potential, its good acceptance with families, recognizing its importance as a public

assistance policy.

Passwords: “Criança Feliz” Program. Very Early Childhood. Child Development. Public

Policy.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

BPC Benefício de Prestação Continuada

CADÚNICO Cadastro Único de Benefícios Sociais

CDC Convenção dos Direitos da Criança

CDC Cuidados para o Desenvolvimento da Criança

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializada de Assistência Social

NIS Número de Identificação Social

OPAS Organização Pan Americana da Saúde

PCF Programa Criança Feliz

PIM Primeira Infância Melhor

SEADS Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social

SUAS Sistema Único de Assistência Social

UBS Unidade Básica de Saúde

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 O PERCURSO HISTÓRICO DO PROGRAMA CRIANÇA

FELIZ

15

2.1 Políticas Públicas em Prol da Primeira Infância à Nível Internacional 15

2.2 O Surgimento do Programa Criança Feliz 20

2.3 O Programa Criança Feliz em Arapiraca 23

2.4 Os Visitadores e as Visitas Domiciliares 26

3 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL PELA PERSPECTIVA

DA PSICOLOGIA

33

3.1 O Desenvolvimento da Primeira Infância pela Visão da Psicologia

Histórico – Cultural.

33

3.2 O Desenvolvimento Infantil pela Perspectiva da Psicologia do

Desenvolvimento

41

3.3 As contribuições da Neurociência 46

4 METODOLOGIA UTILIZADA 50

5 ANÁLISE CRÍTICA DAS ENTREVISTAS 54

5.1 Análise das Entrevistas Realizadas com as Cuidadoras 54

5.2 Análise das Entrevistas Realizadas com os Visitadores 61

5.3 Peculiaridades Identificadas pela Observação Participante 69

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 72

REFERÊNCIAS 77

APÊNDICE A – Plano de Visita com a Descrição dos Momentos da

Intervenção

79

APÊNDICE B – Plano de Visita com a Descrição dos Momentos da

Intervenção

80

APÊNDICE C – Fotos de Brinquedos Utilizados nas Intervenções 81

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo teve como objetivo compreender o Programa Criança Feliz (PCF)

no município de Arapiraca – Alagoas, tornando-o visível para a sociedade em geral e para a

comunidade acadêmica, apontando o seu principal objetivo e as suas dificuldades e

potencialidades, procurando responder sobre a sua efetividade e importância atual.

Devido ser um programa recente, implementado à partir de 2017, e que a adesão dos

municípios ao mesmo tem ocorrido gradualmente, o Programa Criança Feliz não é conhecido

pela maioria da população, por isso é importante fazer uma descrição do que é o programa e

de como funciona, tornando assim o estudo mais compreensível e atrativo para os leitores.

O Criança Feliz é um programa do governo federal, instituído pelo Decreto nº 8.869,

de 05 de outubro de 2016, fundamentado na Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016, lei que

trata do Marco Legal da Primeira Infância, sancionada pela Sr.ª Presidente Dilma Rousseff e

publicada no D.O.U. (Diário Oficial da União) em 09 de março de 2016. O programa tem por

objetivo desenvolver ações que contribuam para o desenvolvimento integral da criança na

primeiríssima infância e está disponibilizado para as famílias que vivem em situação de maior

vulnerabilidade social e econômica.

O Programa Criança Feliz se consolidou como política pública por meio do decreto nº

9.579 de 22 de novembro de 2018, fundamentado na Lei 13.257, lei que define como devem

ser as políticas públicas voltadas para a primeira infância, especificamente nos seus artigos 5º

e 14º.

Art. 5º. Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira

infância a saúde, a alimentação e a nutrição, a educação infantil, a convivência

familiar e comunitária, a assistência social à família da criança, a cultura, o brincar e

o lazer, o espaço e o meio ambiente, bem como a proteção contra toda forma de

violência e de pressão consumista, a prevenção de acidentes e a adoção de medidas

que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica (BRASIL, 2016, p. 1,

grifo nosso).

Art. 14º. As políticas e programas governamentais de apoio às famílias, incluindo

as visitas domiciliares e os programas de promoção da paternidade e maternidade

responsáveis, buscarão a articulação das áreas de saúde, nutrição, educação,

assistência social, cultura, trabalho, habitação, meio ambiente e direitos humanos,

entre outras, com vistas ao desenvolvimento integral da criança (BRASIL, 2016, p.

1, grifo nosso).

Esses artigos dão direcionamentos para as ações do Programa Criança Feliz,

colocando a criança como detentora de direitos e digna de receber cuidados, atenção e toda

assistência necessário que lhe garantam um crescimento saudável, com a participação da

família, da comunidade e do poder público.

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O interesse pelo presente estudo, surgiu devido o pesquisador ser um profissional do

referido programa e atuar no mesmo na função de visitador, realizando visitas domiciliares

regularmente, por isso mesmo, mantem um contato permanente com as famílias das crianças

inseridas no PCF. Outros profissionais que trabalham na mesma função contribuíram com a

pesquisa, assim como também algumas famílias que participam do referido programa.

Desde o início da atuação no PCF em janeiro de 2019, na função de visitador, me

surgiam alguns questionamentos, tendo o devido cuidado de não minimizar a importância

desta, que pode ser uma política tão interessante e imprescindível para as famílias mais

vulneráveis e suas respectivas crianças, a saber, um programa social que está vinculado a

assistência social e a outras políticas.

É importante novamente enfatizar, que o devido programa tem como objetivo,

promover o desenvolvimento integral da criança na primeiríssima infância, considerando a

importância da família e o seu protagonismo. Para alcançar os seus objetivos, o programa

promove as suas ações articulado com outros setores da assistência e outras políticas, dentre

elas, a saúde, a educação, direitos humanos, e outras. Nessa direção, a sua principal ação são

as visitas domiciliares. Nas visitas ocorrem as atividades propostas que pretendem

impulsionar o desenvolvimento da criança.

A partir das experiências adquiridas na atuação como visitador, e das leituras

realizadas sobre a temática no desenvolvimento do estudo, tivemos a intenção de responder a

seguinte indagação: As ações do Programa Criança Feliz, alcançam os objetivos a que se

propõe? Ou seja, as suas ações contribuem para a promoção de um melhor

desenvolvimento integral da criança na primeiríssima infância? Partimos do pressuposto

de que, para alcançar o seu objetivo principal, o desenvolvimento integral da criança, o

Programa Criança Feliz precisa passar por algumas reformulações no seu modo de

funcionamento.

Na tentativa de responder tal indagação, na construção metodológica foram usados

como instrumentos de pesquisa, as entrevistas semiestruturadas, realizadas com profissionais

e famílias, a observação participante do pesquisador, levantamento de dados junto a

coordenação do programa, e em seguida a realização das análises descritiva e crítica do

material coletado, tendo como fundamentação teórica, conceitos da Psicologia histórico-

cultural e da Psicologia do desenvolvimento.

Especificamente no capítulo um, está descrito um breve apanhado histórico das

transformações econômicas, sociais e políticas que culminaram nas ações e programas

governamentais direcionados para a primeira infância até a efetivação do programa Criança

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13

Feliz, que hoje encontra-se funcionando na maioria dos municípios brasileiros, inclusive em

quase todos os municípios de Alagoas.

O Criança Feliz está diretamente vinculado à Secretaria do Desenvolvimento Social do

município e tem caráter Inter setorial, ou seja, está articulado com as demais políticas públicas

de assistência, de saúde e educação. Os principais serviços essenciais com os quais o

programa está articulado são: a assistência social, através dos CRAS (Centro de Referência de

Assistência Social) e dos CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social),

educação, através das creches, saúde, através das UBS (Unidade Básica de Saúde), direitos

humanos, cultura, entre outros, o que está em consonância com o artigo 14º da Lei 13.257

(2016) que regulamenta as políticas para a primeira infância.

A articulação com esses serviços se faz necessária e é de extrema importância,

considerando que o objetivo maior é proporcionar o desenvolvimento integral da criança, e a

complexidade do desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida, exige o atendimento

de diversas demandas, desde as mais básicas como, cuidados, proteção, alimentação, repouso;

até as mais complexas como, educação informal e formal, socialização, lazer, cultura, garantia

de direitos, entre outros. Pelas razões apresentadas, o Criança Feliz reconhece sua limitação e

a necessidade de manter constante parceria com os serviços acima referenciados.

As visitas domiciliares estão mais detalhadas no capítulo um. As visitas são regulares

e ocorrem em períodos específicos, variando de frequência de acordo com o público atendido,

que são: gestantes, crianças de 0 à 3 anos incluídas no CadÚNICO (Cadastro Único de

Benefícios Sociais), beneficiárias do Bolsa Família, e crianças de 0 à 6 anos que tenham o

Benefício de Prestação Continuada (BPC). A Lei Orgânica de Assistência Social (Lei 8.742)

de 07/12/1993, assim define o BPC:

Art. 20. O Benefício de Prestação Continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo

mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e

que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la

provida por sua família (BRASIL, 1993, p. 1, grifo nosso).

O PCF foi desenvolvido tendo como referência de metodologia de trabalho, o modelo

de Cuidados para o Desenvolvimento da Criança (CDC) – UNICEF/OPAS (Fundo das

Nações Unidas para a Infância/Organização Pan-Americana da Saúde) e o PIM (Primeira

Infância Melhor), programa elaborado pelo governo do Rio Grande do Sul, que está vinculado

à secretaria de saúde desse estado. O PIM, por sua vez, teve como modelo, o projeto cubano

“Educa a tu Hijo”, que traduzido em português seria, Educa a teu Filho, e está mais ligada a

educação integral da criança, seguindo um modelo mais pedagógico. O projeto cubano foi

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14

desenvolvido pelo Centro de Referência Latinoamericano para La Educacion Preescolar

(Celep).

O referencial teórico utilizado na pesquisa, teve como base as contribuições da

Psicologia Histórico-Cultural, através de seus autores: Lev Vygotsky (2007; 2008), Luria

(1992) e Leontiev (2004), utilizando-se de seus conceitos para a análise crítica da efetivação

do PCF. Esse estudo também contou com as contribuições da Psicologia do Desenvolvimento,

apresentando a importância de entender e aproveitar da melhor maneira possível os estágios

do desenvolvimento infantil, considerando as contribuições da neurociência.

No primeiro capitulo é apresentado o percurso histórico das políticas e acordos

internacionais e ações nacionais que culminaram na elaboração do Programa Criança Feliz.

Nesse capítulo também está a descrição do trabalho dos profissionais visitadores nas visitas

domiciliares, a estrutura e organização do PCF e as características do público atendido.

No capítulo posterior está destacado como cada teoria utilizada nesse estudo visualiza

o desenvolvimento infantil, a saber, a Psicologia Histórico-Cultural, através dos seus

precursores, Lev Vygotsky, Alexei Leontiev e Alexander Luria, e a Psicologia do

Desenvolvimento, através dos teóricos Michael Cole e Sheilla Cole. No capítulo três está a

descrição da metodologia do trabalho, além de uma breve justificativa do caminho

metodológico utilizado, para que o leitor tenha maior familiaridade com o texto.

No quarto capítulo, está a análise crítica das entrevistas coletadas com o visitador e a

visitadora e as cuidadoras/responsáveis que aceitaram participar da pesquisa. As entrevistas

foram semiestruturadas, abrangendo pessoas com diferentes perfis, as mesmas foram

realizadas com uma/um entrevistada(o) por vez, respeitando as medidas de prevenção à

COVID – 19. Na análise das entrevistas foram utilizadas três categorias: o desenvolvimento

infantil, a mediação e a internalização. A escolha das referidas categorias, se justifica devido

serem esses os elementos que mais aparecem nas entrevistas, dialogando com a

fundamentação teórica.

Nas considerações finais, não é apresentada uma solução definitiva para o que foi

identificado como fragilidade ou limitação do Programa Criança Feliz, considerando o seu

objetivo principal, a promoção do desenvolvimento infantil na primeiríssima infância. Apenas

são apontados caminhos para as possíveis correções e o alcance desse objetivo, assim como

está destacado a sua importância como política pública permanente para as famílias em

situações de maior vulnerabilidade socioeconômica.

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15

2 O PERCURSO HISTÓRICO DO PROGRAMA CRIANÇA FELIZ

2.1 Políticas Públicas em Prol da Primeira Infância à Nível Internacional

O interesse pelo desenvolvimento da criança a nível de políticas públicas, vem

crescendo gradualmente ao longo das últimas décadas, através de encontros e desencontros,

acordos e compromissos firmados por governantes e entidades, até se tornar algo mais

consistente, resultando em políticas públicas com regulações e diretrizes específicas para os

primeiros anos de vida da criança, incluindo cuidados desde a gestação.

A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação

dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são os produtores

desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona,

transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens (FREIRE,

2005, p. 41).

Sabendo que a realidade social é uma construção histórica e que essa não tem

proporcionado igualdade de oportunidades para todos, por isso, injusta e opressora, é

necessário que essa realidade seja reconstruída por aqueles que tiveram e têm um papel

decisivo na sua construção, a saber, os políticos, administradores públicos, cientistas,

educadores, entre outros atores. Essa reconstrução precisa acontecer a partir de sua base, a

primeira infância, pensando na criança desde hoje e envolvendo nesse pensar, o seu contexto

familiar e comunitário. É com esse intuito que passos estão sendo dados nessa direção,

entendendo que a realidade não muda por si só, mas precisa de ações concretas.

Na perspectiva de efetuar mudanças na realidade social, em 1989 foi aprovada por 193

países, a Convenção Sobre os Direitos da Criança (CDC), nessa foi estabelecido o Comitê dos

Direitos da Criança e elaborados 18 comentários gerais sobre a Convenção para serem

avaliados entre os anos de 2001 à 2015. Dessa convenção pode-se destacar alguns

comentários, que estão redigidos no formato de artigos, esses, trazem orientações, definições

e diretrizes essenciais para a valorização da criança, enfatizando a sua importância na

sociedade. A Câmara dos Deputados Centro de Estudos e Debates Estratégicos (2016), traz a

transcrição desses comentários, dos quais destacamos os seguintes:

Artigo 1: Definição de criança:

Uma criança é qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade.

Artigo 3: O melhor interesse da criança:

Quando os adultos tomam decisões, eles devem pensar em como suas decisões afetarão as

crianças. Todos os adultos devem fazer o que é melhor para as crianças. Os governos devem

garantir que as crianças sejam protegidas e cuidadas pelos pais, ou por outras pessoas quando

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16

isso for necessário. Os governos devem garantir que as pessoas e os locais responsáveis por

cuidar das crianças estejam fazendo um bom trabalho.

Artigo 4: Realizando os direitos:

Os governos devem fazer todo o possível para garantir que todas as crianças em seus países

possam gozar de todos os direitos desta Convenção.

Artigo 12:Respeito pela opinião das crianças:

As crianças têm o direito de dar suas opiniões livremente em questões que as afetam. Adultos

devem ouvir e levar as crianças a sério.

Artigo 13: Compartilhando pensamentos livremente:

As crianças têm o direito de compartilhar livremente com outras pessoas o que aprendem,

pensam e sentem, seja conversando, desenhando, escrevendo ou de qualquer outra forma, a

menos que isso prejudique outras pessoas.

Artigo 14: Liberdade de pensamento e religião:

As crianças podem escolher seus próprios pensamentos, opiniões e religião, mas isso não

deve impedir que outras pessoas desfrutem de seus direitos. Os pais podem orientar os filhos

para que, à medida que cresçam, aprendam a usar corretamente esse direito.

Artigo 18: Responsabilidade dos pais:

Os pais são os principais responsáveis por criar uma criança. Quando a criança não tem pais,

outro adulto terá essa responsabilidade e eles são chamados de "guardiões". Os pais e

responsáveis devem sempre considerar o que é melhor para essa criança. Os governos devem

ajudá-los. Nos casos em que uma criança tenha ambos os pais, os dois devem ser responsáveis

por criar a criança.

Artigo 19: Proteção contra a violência:

Os governos devem proteger as crianças contra a violência, o abuso e a negligência de quem

cuida delas.

Artigo 23: Crianças com deficiência:

Toda criança com deficiência deve ter a melhor vida possível na sociedade. Os governos

devem remover todos os obstáculos para que as crianças com deficiência se tornem

independentes e participem ativamente da comunidade.

Fica evidente que a partir de encontros como esse, a criança passou a receber um novo

olhar, sendo tratada como alguém detentora de direitos, alguém que merece e precisa ser

ouvida, reconhecendo a sua capacidade de contribuir nas mudanças da sociedade e ao mesmo

tempo, lhe garantindo primazia e segurança devido a sua pouca idade e fragilidade física e

emocional, determinando cuidados especiais, proteção e orientações dos seus principais

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17

cuidadores. A convenção também se preocupou em contribuir na formação de sociedades

mais inclusivas, trazendo orientações aos governos em prol das crianças com deficiência e

crianças indígenas e de outras etnias.

No ano de 1990, na Tailândia, outro compromisso político mundial foi firmado, a

Declaração de Jomtien, conhecida como Declaração sobre Educação para Todos (EPT), que

propôs a universalização do ensino básico e a redução drástica dos índices de analfabetismo.

Nesse encontro fica entendido que mudanças significativas nas sociedades perpassam por

alterações nos modelos de educação, priorizando a disponibilidade de uma educação de

qualidade para todos. No ano de 2000, precisamente no mês de abril, ocorreu a Cúpula

Mundial de Educação em Dakar, no Senegal, onde se estabeleceu oficialmente seis metas na

Declaração de Dakar sobre Educação para Todos (EPT).

A Declaração de Dakar Educação para Todos (2000), traz as decisões desse encontro,

onde foram reafirmados os compromissos assumidos na Declaração de Jomtien e ficou

acordado o ano de 2015 como prazo limite para o cumprimento das metas estabelecidas,

sendo elas:

a) Expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as

crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem;

b) Assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em

circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita e de boa

qualidade até o ano de 2015;

c) Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam

atendidas pelo acesso equitativo à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a

programas de formação para a cidadania;

d) Alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até 2015,

especialmente para as mulheres, e acesso equitativo à educação básica e continuada para

todos os adultos;

e) Eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a

igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o

desempenho pleno e equitativo de meninas na educação básica de boa qualidade;

f) Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência para todos,

de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na

alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida;

O que fica claro na Declaração de Dakar é que os países precisam estar

comprometidos com a educação, ter planos de ação bem definidos, estarem dispostos a

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18

cooperarem com outros países, investirem de forma regular e organizada na educação básica,

apresentando prazos, fontes dos recursos e o ministério ou instituição responsável pela

aplicação e monitoramento desses recursos e avaliação dos resultados. Para que os objetivos

almejados sejam alcançados, esses planos e ações precisam ser consistentes e permanentes,

independente das sucessões de governos.

Sabendo que os países mais pobres teriam maiores dificuldades no cumprimento das

metas estabelecidas até o prazo limite, a Comunidade Internacional se comprometeu em

auxiliar financeiramente a esses, desde que os mesmos apresentassem planos bem definidos e

transparência na condução dos recursos. No encontro ficou acordado que as regiões

prioritárias no recebimento do auxílio financeiro internacional para o cumprimento das metas

e objetivos seriam a África e o sul da Ásia, tendo a UNESCO (Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como coordenadora dos parceiros envolvidos.

Na Assembleia Geral das Nações Unidas no ano 2000, os representantes dos governos

participantes definiram e se comprometerem com os objetivos de desenvolvimento do milênio

(ODM). Nessa assembleia, ficou definido um marco de trabalho universal para o

desenvolvimento, com período entre os anos de 2000 à 2015, no qual foram elencados os

seguintes objetivos:

a) luta contra a pobreza e a fome; b) melhoria e universalização da educação básica;

c) promoção de igualdade entre os sexos e maior autonomia da mulher; d) respeito

aos direitos humanos, inclusive os direitos das minorias; e) melhoramento da saúde e

redução da mortalidade infantil, melhoria da saúde materna; f) redução da

AIDS/HIV, malária e o outras enfermidades; g) interrupção da deterioração

ambiental e garantia da sustentabilidade do meio ambiente; h) cooperação mundial

unificada para o desenvolvimento (CÂMARA DOS DEPUTADOS CENTRO DE

ESTUDOS E DEBATES ESTRATÉGICOS, 2016, p. 30-31).

Cada vez mais, os líderes mundiais, governantes, pesquisadores e especialistas das

mais diversas áreas, percebem a necessidade de ter uma visão ampliada quando se fala em

primeira infância, e que falar em infância exige medidas sérias, comprometidas, bem

planejadas e organizadas. Essas medidas precisam estar alinhadas com outras questões

fundamentais para a formação de sociedades mais justas e igualitárias, como: educação,

saúde, cuidados, proteção, equidade, preservação do meio ambiente, garantia de direitos,

seguridade, crescimento econômico atrelado a erradicação da extrema pobreza e da fome, e

unificação de esforços entre os países membros das Nações Unidas.

Considerando que a criança é um ser em desenvolvimento, a mesma precisa das

condições adequadas para que possa alcançar o seu desenvolvimento pleno, e no atual

momento histórico tão desigual em que vivemos, em que a maioria das crianças ainda vivem

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19

em condições de pobreza e extrema pobreza, principalmente nos países do continente africano

e em alguns países do extremo asiático e também da américa latina, é primordial que os

governos elaborem políticas públicas nessa direção, com um orçamento definido, usando

como parâmetros e modelos, os estudos científicos sobre desenvolvimento infantil e

experiências com essa finalidade que estão dando certo em outros países.

Pensando na promoção de uma vida cada vez melhor para a criança e seus familiares,

é preciso promover a consciência ambiental, focando na primeira infância sem perder de vista

a sustentabilidade do planeta, por esse motivo, nos encontros e acordos mundiais, a

preservação do meio ambiente tem estado em pauta, não apenas enfatizando a sua importância

mas apresentando políticas próprias sobre o assunto, dados e resultados quanto ao seu

controle e preservação, devido nos últimos séculos o planeta estar sofrendo degradações

gigantescas que trazem preocupação e ameaçam as espécies, inclusive a humana. Cada vez

mais entende-se que as espécies precisam de um ambiente apropriado que lhes garanta a vida

e o bem estar.

Tendo essa visão ampliada sobre a atual e as próximas gerações, a União Europeia foi

o primeiro bloco político-econômico a aplicar com maior precisão as decisões tomadas na

CDC, estabelecendo metas que foram acordadas através da Comissão Econômica Europeia,

promovendo legislação coerente entre trabalho e família, especialmente para as mulheres.

Estabelecendo no ano de 2006 que a licença maternidade não seja menor do que 18 semanas e

seja remunerada pelo governo, seguro, empresa ou outros. O livro, Primeira Infância:

Avanços do Marco Legal, produzido pela Câmara dos Deputados Centro de Estudos e

Debates Estratégicos (2016), apresenta informações sobre essa disposição, a saber, a licença

maternidade, onde se destacam a Noruega, que estabeleceu uma licença de 45 semanas, a

Suécia, 34 semanas e a Dinamarca, 22 semanas. Se tratando da licença paternidade, apenas

alguns países avançaram com relação ao aumento desse período, dentre eles, Noruega, 16

semanas, Suécia, 10 semanas, Finlândia 7,7 semanas e Dinamarca 2 semanas.

Em junho de 2014, a União Europeia aprovou a Declaração Eurochild, onde a primeira

infância foi aceita como o período mais crítico da vida humana. A declaração defende um

marco de qualidade dos serviços de cuidado e educação da primeira infância e a existência de

uma política integral para o desenvolvimento holístico e integrado que afete a vida das

crianças, famílias e comunidades.

A União Europeia elaborou suas ações e políticas para a primeira infância

considerando o seu contexto imediato, a família, e o seu contexto mais amplo, a rede de

serviços e a comunidade, visando o alcance de um maior sucesso, sabendo que cuidar da

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20

criança exige a articulação de diversos saberes, serviços e pessoas, por isso estabeleceu um

tempo mínimo para a licença maternidade, ampliou a licença paternidade em alguns países, e

garantiu a melhoria dos serviços disponíveis nas comunidades.

2.2 O Surgimento do Programa Criança Feliz

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, um série de direitos como:

alimentação, saúde, educação, segurança, moradia, assistência e previdência, foram garantidos

aos cidadãos, e desde então, outras leis e documentos foram elaboradas com a finalidade de

efetivar e ampliar esses direitos, e assim, torná-los de fato acessíveis para os brasileiros.

O grande desafio passou então a ser a efetivação do que estava previsto como direito

na constituição. Em 1990 foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que visa

consolidar os direitos da criança e do adolescente, garantidos na constituição e dispor sobre a

proteção integral desse público assim como a sua primazia no atendimento à saúde e em

situações emergenciais, assim como sanções diferenciadas aplicadas aos menores infratores.

No ano de 1993 foi elaborada a Lei 8.742 em 07 de dezembro do decorrente ano,

conhecida como Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) que visa tornar acessível à

população carente, serviços socioassistênciais gratuitos como: orientações e encaminhamentos

para a aquisição de direitos, de benefícios temporários ou permanentes para pessoas em

situação de vulnerabilidade que não possuem renda e não tenham como adquiri-la, e outros os

serviços.

Com a aprovação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), fato que ocorreu na

IV Conferência Nacional de Assistência Social em 2003 e, posteriormente a aprovação da

Norma Operacional Básica do SUAS (NOB SUAS), no ano de 2005, norma esta que

regulamentou e organizou a sua operacionalização, se tornou mais prático a elaboração e

efetivação de programas e ações voltados para as populações mais vulneráveis que

historicamente tiveram seus direitos negligenciados.

No ano de 2011 o SUAS é incluído na Lei Orgânica de Assistência Social, por meio da

Lei 12.435 de 06 de julho desse mesmo ano. Essa lei, alterou a Lei 8.742 de 07 de dezembro

de 1993, que dispunha sobre a organização da Assistência Social. A mudança, possibilitou ao

SUAS uma estruturação mais organizada e efetiva, surgindo assim as suas principais unidades

de atendimento, o CRAS e o CREAS, possibilitando assim uma atuação mais efetiva da

Assistência Social nas comunidades mais carentes.

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21

A inserção dessas unidades, CRAS e CREAS, nas comunidades mais vulneráveis,

tornou possível uma aproximação entre a Assistência Social, através de seus serviços e as

populações mais carentes, resultando em maior acesso a aquisição de alguns direitos e

benefícios sociais. Essa aproximação facilitou a identificação das principais demandas das

comunidades atendidas, como também a identificação de suas potencialidades e dos serviços

essenciais disponíveis nessas localidades, além da identificação das características peculiares

da comunidade.

Esses fatores, associados com as Leis específicas, diretrizes e ações voltadas para o

público infanto-juvenil, facilitaram nos anos posteriores a criação de programas de assistência

e educação em prol das crianças na primeira infância, principalmente para as crianças

pertencentes as famílias em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica e que

geralmente vivem nas periferias das cidades.

É nesse cenário, com todas essas transformações citadas, que no ano de 2016, no

governo Temer, surge o Programa Criança Feliz, através do decreto 8.869, de 05 de outubro

do decorrente ano. A partir de então o poder público começou a ter uma maior preocupação

com as crianças, principalmente no que diz respeito a primeira infância, tendo como foco, o

seu desenvolvimento integral, questão que a muito tempo não foi tratada com a devida

atenção.

Como resultado de todas essas transformações, diversos programas tem surgido pelo

Brasil com a proposta de promover o desenvolvimento saudável das crianças, principalmente

para as pertencentes as famílias de baixa renda. Na intenção de aproveitar o desenvolvimento

intenso e acelerado da criança, considerando que a mesma pede urgência na satisfação das

suas necessidades, as ações do programa estão especialmente voltadas para esse público da

primeiríssima infância, considerando o contexto familiar como o principal espaço para a

efetivação das ações planejadas.

No Brasil, o programa Primeira Infância Melhor (PIM), desenvolvido pelo governo do

Rio Grande do Sul no ano de 2003 e efetivado como política pública do estado em 2006, foi o

pioneiro se tratando de política voltada para o desenvolvimento da criança na primeira

infância, utilizando a visitação domiciliar para realização das ações, servindo de referência e

modelo para diversos outros programas estaduais que foram surgindo no decorrer dos anos. O

programa atende a gestantes e crianças de 0 à 6 anos, tendo como principal ação as visitas

domiciliares e as atividades em grupo.

Posterior ao PIM, no ano de 2007, o governo do estado de Pernambuco criou o

programa Mãe Coruja Pernambucana, programa que oferece as gestantes um

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

22

acompanhamento regular e planejado, visando uma gestação e um nascimento saudáveis e

como resultado reduzir drasticamente a mortalidade infantil, considerando que o estado tinha

números elevados nesse assunto, números que ultrapassavam os índices aceitáveis pela

Organização Mundial de Saúde (OMS). O programa oferece cursos de qualificação

profissional para as mães, kits bebês para as gestantes e atendimento para as crianças de 0 à 5

anos, fazendo o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento dessas, além de fornecer

aos cuidadores orientações quanto alimentação e imunização. Essas informações citadas,

estão apresentadas no livro produzido pela Câmara dos Deputados Centro de Estudos e

Debates Estratégicos (2016), assim também como os dados e informações que seguem abaixo.

No ano de 2009, São Paulo criou o programa São Paulo pela Primeiríssima Infância

(SPPI) voltado para as gestantes e crianças de 0 à 3 anos, com o intuito de garantir a saúde

integral da criança, prevenir os maus tratos e violência contra a mesma e lhe fornecer

assistência. Em seu início o programa teve uma relação direta com a Fundação Maria Cecília

Souto Vidigal (FMCSV), formando parceria com os municípios do estado. Até o ano de 2015

o programa estava presente em 41 municípios do estado.

Outros estados também desenvolveram programas sociais e de saúde voltados para a

promoção do desenvolvimento da criança, dentre esses podemos citar: o programa paranaense

Rede Mãe Paranaense, o programa municipal Família que Acolhe, de Boa Vista, capital de

Roraima e o programa da cidade de Fortaleza, Ceará, Cresça com seu Filho: Da Reflexão a

Ação em Prol da Primeira Infância.

Anteriores aos programas acima citados, instituições e entidades têm realizados

trabalhos exemplares voltados para o desenvolvimento infantil e reconhecidos por seus

resultados e comprometimento, dentre essas podemos destacar a Fundação Maria Cecília

Souto Vidigal, instituição que existe a mais de cinquenta anos. Até o ano de 2001 os seus

trabalhos estavam voltados para a linha de pesquisas, especialmente para a área de

hematologia, à partir de 2006 a mesma mudou o foco, realizando pesquisas e ações voltadas

para a primeira infância. As pesquisas e ações da instituição influenciaram a criação do Marco

Legal da Primeira Infância em 2016.

Outra entidade que tem realizado um trabalho interessante para a primeira infância é a

Pastoral da Criança. A entidade realiza trabalhos de nutrição, cuidados e orientações as mães

e cuidadoras, formando líderes voluntários para atuarem junto as famílias mais carentes,

fornecendo farinha nutricional para o ganho de peso das crianças, kit e receita para o soro

caseiro, acompanhamento do peso dos recém-nascidos, além de palestras e orientações sobre

o desenvolvimento saudável da criança. A Pastoral da Criança existe desde 1983 e está

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23

presente em todos os estados do país. Essas instituições e entidades continuam em plena

atividade, sendo aliadas importante do Estado e da sociedade em prol do desenvolvimento

integral das crianças, principalmente das mais carentes e vulneráveis.

Antecedendo ao Programa Criança Feliz, O Brasil Carinhoso foi um programa federal

voltado para a primeira infância, o mesmo trabalhava alinhado com o Brasil sem Miséria, os

dois programas juntos, foram responsáveis por alguns avanços no melhoramento do

desenvolvimento infantil e melhoramento da condição econômica da polução de baixa renda;

contribuindo na redução significativa dos índices de mortalidade infantil por causas de

diarreia e desnutrição e também redução do número de famílias que estavam na condição de

extrema pobreza.

Nota-se que no Brasil, um programa a nível federal voltado para a primeira infância,

com legislação e diretrizes que se aproximam dos parâmetros dos acordos mundiais, surgiu

bem depois de outras ações e políticas sociais internacionais e nacionais, como os programas

acima referenciados. Somente no ano de 2016 surge o Criança Feliz, tendo como modelo, o

programa gaúcho PIM, sendo esse último uma referência de política pública voltada para o

acompanhamento de gestantes e para a promoção do desenvolvimento da criança, com

reconhecimento nacional e internacional. O Programa Criança Feliz vêm se expandindo por

todo o país e hoje encontra-se presente na maioria dos municípios brasileiros.

2.3 O Programa Criança Feliz em Arapiraca

O Programa Criança Feliz tem como instância superior na sua hierarquia de

organização o Ministério da Cidadania, ministério este que substituiu o recém extinto

Ministério do Desenvolvimento Social; dito de maneira simplificada, o Ministério da

Cidadania é quem dispõe as diretrizes de organização, recursos e orientações de

funcionamento do programa por meio da sua Secretaria de Desenvolvimento Social.

Aos municípios está delegada a responsabilidade de contração dos profissionais e do

processo para tal contratação, a inserção das famílias no programa, a divisão territorial para a

realização do trabalho, o uso dos recursos federais, seguido de todos os protocolos de

prestação de contas, treinamentos dos profissionais visitadores, entre outras atribuições.

Segundo informações coletadas no site da SEADS (Secretaria de Estado da

Assistência e Desenvolvimento Social), Arapiraca foi uma das primeiras cidades do estado de

Alagoas a aderir ao programa federal, e hoje, dos cento e dois municípios do estado, cem já

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

24

fizerem adesão ao PCF, totalizando quase 100% (cem por cento) de participação dos

municípios alagoanos.

De acordo com informações da coordenação municipal, o termo de adesão foi assinado

em dezembro de 2016, a equipe de coordenação e supervisão foi formada em junho de 2017,

com a equipe técnica e de apoio formada, foi iniciado o plano de implantação e organização

do PCF para o município. Ainda segundo informações da coordenadora municipal do

programa, em janeiro de 2018 teve início os trabalhos de visitações domiciliares, através de

visitadoras e visitadores que foram contratados temporariamente pela prefeitura. Esses eram

estagiários dos cursos de serviço social e pedagogia. Os estagiários recebiam uma bolsa

mensal no valor de R$ 500,00 (Quinhentos Reais). No mês de fevereiro desse mesmo ano

(2018) foram inseridas as primeiras famílias no programa.

É importante destacar que os municípios têm uma certa autonomia na organização do

programa, no que se refere ao processo de contratação dos profissionais e na formação dos

territórios atendidos, portanto existe algumas diferenças no funcionamento do Criança Feliz

de um município para outro. Na cidade de Arapiraca, o Programa Criança Feliz está

estruturado da seguinte forma:

A Secretaria de Desenvolvimento Social do município é a secretaria que organiza o

programa, existe uma coordenadora municipal, que tem sob sua subordinação as supervisoras,

essas são responsáveis pelo acompanhamento do trabalho dos visitadores, dando o devido

suporte e realizando semanalmente o monitoramento. O município possui vinte e sete

visitadores de ambos os sexos, sendo quinze mulheres e doze homens, esses profissionais são

os responsáveis pela realização regular das visitas domiciliares.

O município fez uma divisão territorial pensando na melhor organização para a

realização do trabalho e o alcance da meta estabelecida pelo ministério, que atualmente é de

alcançar 800 famílias participantes. A divisão está organizada assim:

Território 1: abrange cinco bairros - Planalto, Bom Sucesso, Nossa Senhora

Aparecida, Residencial Agreste e Canaã, este último está localizado na área rural do

município.

Território 2: quatro bairros – Canafístula, Riacho Seco (área rural), Primavera (maior

bairro da cidade) e João Paulo II.

Território 3: sete bairros – Manoel Teles, Santa Edwiges, Senador Arnon de Melo,

Senador Teotônio Vilela, Caititus, Alto do Cruzeiro e Itapoã.

Território 4: contempla quatro comunidades – Brisa do Lago, Vale do Perucaba, Olho

D’água dos Cazuzinhas e Padre Antônio Lima Neto.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA …

25

Todos esses territórios contemplados estão referenciados a uma unidade do CRAS,

que dá suporte as outras demandas socioassistênciais da comunidade, sendo essa, uma

condição exigida para que o território seja contemplado. Atualmente o município tem nove

unidades do CRAS, estando esses localizados nas áreas de maior vulnerabilidade, oito na área

urbana e um na área rural.

Das nove unidades do CRAS no município, apenas três são sede própria. O que se

pode observar é que quase todos esses não encontram-se em condições adequadas de

funcionamento, apresentando problemas bem visíveis de falta de estrutura e de manutenção. É

bem comum existirem salas desativadas devido a problemas de infiltração, falta de

refrigeração ou problemas ainda mais simples como portas deterioradas, ainda assim o

funcionamento segue normalmente.

Atualmente foi criado um 5º território, que atende o bairro Jardim das Paineiras. Cada

território tem uma supervisora e uma quantidade específica de visitadores, de acordo com o

tamanho da área atendida e do número de famílias participantes. Até o mês de julho do ano

2019, o município tinha 793 famílias atendidas pelo programa, número este que foi reduzido

devido as complicações advindas da pandemia COVID – 19.

O município estava bem próximo de alcançar a meta de 800 famílias atendidas, o que

foi dificultado com a chegada da pandemia COVID – 19. Com a pandemia, as visitas

presencias foram interrompidas, obrigando o programa a adotar o modelo de atendimento

remoto, essa variável dificultou a inserção de novas famílias ao programa pelo fato dos

visitadores não estarem indo ao território com regularidade.

Devido à dificuldade citada, foram ocorrendo perdas de algumas famílias e hoje o

município possui pouco mais de 700 crianças e gestantes inseridas no Programa Criança

Feliz, segundo informações da coordenação municipal, situação que a gestão do PCF pretende

contornar após o controle maior da pandemia e o retorno das visitas domiciliares presenciais.

É importante destacar que o alcance da meta de famílias atendidas, estabelecida pelo

ministério, resulta em duplicação dos recursos recebidos e consequentemente a contratação do

dobro de visitadores e supervisoras e o aumento do número de famílias no programa. Por

esses motivos destacados a gestão municipal e a gestão do programa, têm buscado

constantemente o alcance dessa meta. Algo que é constantemente enfatizado pela

coordenação municipal do programa nos encontros e reuniões com os visitadores.

Uma mudança importante ocorreu no ano de 2018, foi a forma de contratação dos

visitadores. A prefeitura, através da Secretaria de Gestão e da Secretaria de Desenvolvimento

Social, lançou edital e abriu as inscrições para o PSS (Processo Seletivo Simplificado), para a

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26

contratação de profissionais para diversos cargos, dentre esses, vinte e sete vagas para o cargo

de visitadores do Criança Feliz, com nível médio.

No mês de outubro de 2018 acorreu a prova objetiva, em dezembro os classificados

foram convocados, e em janeiro de 2019 esses começaram os seus trabalhos. Cada visitador

foi alocado para trabalhar na localidade mais próxima de sua residência, alocação que não foi

possível para todos os visitadores, devido vários bairros da cidade não serem contemplados

por não atenderem as condições de vulnerabilidade. Com a desistência de alguns visitadores e

a contratação de novos, algumas mudanças ocorreram na configuração das equipes e de

alocação.

2.4 Os Visitadores e as Visitas Domiciliares

O SUAS (2017), assim define o método de visitação - as visitas domiciliares

compreendem ação planejada e sistemática, com metodologia específica - considerando

orientações técnicas para sua realização no SUAS, atuação em rede e o referencial teórico

metodológico cedido ao Brasil pelo UNICEF/ OPAS - “Cuidados para o Desenvolvimento da

Criança (CDC)”. As visitas domiciliares têm como objetivo: a atenção e o apoio à família, o

fortalecimento de vínculos e o estímulo ao desenvolvimento infantil.

As visitas geralmente ocorrem em dias e horários agendados com a família, seguindo

um cronograma semanal. Cada família de criança com zero ano de idade até dois anos onze

meses e vinte e nove dias, deve receber quatro visitas por mês, ou pelo menos 3 visitas,

considerando algumas eventuais dificuldades que possam surgir. Essas famílias devem estar

regularmente cadastras no CadÚNICO do município, entidade responsável pelo cadastro e

recadastramento de famílias que participam de programas de transferência de renda do

governo federal, principalmente o Bolsa Família.

Se tratando de famílias inseridas no PCF beneficiarias do benefício de prestação

continuada (BPC), as visitas geralmente ocorrem quinzenalmente, sendo necessário que

aconteçam duas visitas por mês. Essas crianças podem permanecer no programa até a idade de

cinco anos onze meses e vinte e nove dias. As gestantes participam do programa desde o

momento que façam adesão ao mesmo e permanecem até o nascimento da criança, recebendo

as visitas uma vez por mês.

A ênfase na quantidade de visitas realizadas para cada criança e gestante tem dois

objetivos, primeiro; garantir uma continuidade na qualidade nas intervenções realizadas,

visando o desenvolvimento da criança, e segundo; a garantia do recebimento do recurso

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27

federal de forma integral para o município, considerando que os recursos são repassados de a

acordo com a quantidade de visitas realizadas, englobando todo o público do PCF. A queda na

quantidade de visitas, implica queda no repasse do recurso federal do mês em atuação.

As visitas para as crianças, tem o objetivo de desenvolver atividades lúdicas que

contribuam no seu desenvolvimento e no fortalecimento de vínculos, trabalhando a

estimulação de suas capacidades e habilidades, abrangendo: atenção, concentração, memória,

raciocínio lógico, linguagem, coordenação motora, socialização e outras, tendo a família

como protagonista nesse processo de interação.

O SUAS (2017), define quem é o profissional responsável pelas visitas domiciliares e

sua função - visitador: profissional responsável por planejar e realizar a visitação às famílias,

com apoio e acompanhamento do supervisor. O visitador deve, dentre outras atribuições:

• Observar os protocolos de visitação e fazer os devidos registros das informações

acerca das atividades desenvolvidas;

• Consultar e recorrer ao supervisor sempre que necessário;

• Registrar as visitas;

• Identificar e discutir com o supervisor demandas e situações que requeiram

encaminhamentos para a rede, visando sua efetivação (como educação, cultura, justiça, saúde

ou assistência social);

É durante as visitas que acontecem as intervenções, essas, tratam-se de atividades

lúdicas direcionadas, ou seja, as intervenções são planejadas tendo o objetivo específico de

estimular o desenvolvimento ou melhoramento de alguma habilidade da criança. Na

realização das atividades são utilizados brinquedos confeccionados com materiais recicláveis,

como: garrafas pets, papelão, papelote, prendedores de roupas, embalagens de desodorante,

tampas pets, copos descartáveis, dentre outros. Também são utilizados nas intervenções,

objetos e utensílios do próprio lar da família. Os materiais para a decoração dos brinquedos

são doados pelo PCF do município.

Na utilização de materiais simples, de fácil acesso para a confecção dos brinquedos e

jogos para as intervenções, o PCF está trabalhando em consonância com o artigo 5º da Lei

13.257 (2016), que preconiza a proteção da criança contra a pressão consumista e exposição à

comunicação mercadológica. Considerando que as crianças do PCF são de baixa renda, esse

método é uma maneira eficaz de apresentar para as famílias, que é possível proporcionar

momentos divertidos e prazerosos para as crianças com o que se tem de mais simples, e ao

mesmo tempo contribuir no seu desenvolvimento cognitivo e intelectual de maneira

participativa.

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28

As atividades ou intervenções, acontecem no próprio lar da família, quase sempre no

cômodo da sala, ou na área antes da entrada da casa. É muito comum, visitador, criança e

cuidadora, ou até mesmo outras crianças da família, sentarem-se ao chão para criar um clima

de proximidade e incentivar a criança a participar da brincadeira, do jogo, ou exercício. Nesse

momento a criança recebe orientações, e quando necessário, correções tanto da cuidadora

quanto do profissional visitador, que atua como facilitador e mediador. Durante os acertos na

execução e o seu interesse pela atividade a criança recebe elogios, aplausos e reconhecimento.

O visitador, na realização das atividades, precisa estar atento em todo o processo,

observando a participação da família ou da cuidadora, a interação entre a criança e os adultos,

as dificuldades da criança, as suas potencialidades, o seu interesse pela atividade, a sua

compreensão, a sua socialização e se a mesma está progredindo nas suas habilidades e no seu

desenvolvimento. O profissional precisa atuar como mediador, facilitador do processo,

apresentando a atividade e o seu objetivo e permitindo que a realização da mesma aconteça na

interação entre a cuidadora e a criança, ou entre a família e a criança.

O visitador planeja e elabora as atividades, considerando a idade e desenvolvimento

de cada criança. Após a elaboração da intervenção, o profissional a apresenta a cuidadora,

explicando o seu objetivo e lhe dando as devidas orientações de como utilizá-la. Após receber

as devidas instruções, a cuidadora deve conduzir a criança na execução da atividade

planejada. No momento da visita, mais propriamente no momento da intervenção, é possível

verificar o envolvimento da família com a proposta do programa, se a mesma interage e se

interessa pelo desenvolvimento de sua criança.

Quanto as visitas realizadas com as gestantes, elas tem o intuito de acompanhar a

saúde da grávida e do feto. Para obter as informações necessárias e ter um melhor

conhecimento sobre a gestante e a sua gestação, o visitador estabelece um diálogo com a

mesma e faz algumas perguntas específicas, como: medição da pressão arterial, o seu peso, o

seu sono, estado emocional, disposição, movimentos do bebê, regularidade das consultas e

ultrassonografias, além de fornecer orientações importantes sobre cuidados e nutrição.

Esse acompanhamento realizado com a gestante, tem o intuito de promover uma

gravidez saudável e consequentemente um nascimento saudável da criança, por esse motivo é

preciso que os profissionais do PCF estejam alinhados com os profissionais da UBS a qual a

gestante faz o seu pré-natal. Após o nascimento da criança, a mãe é incentivada a inserir a

mesma no programa. Para ser inserida no PCF é necessário que primeiro a criança seja

inserida no CadÚNICO, e para facilitar esse processo, a gestante recebe do programa o

encaminhamento para tal procedimento.

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29

Uma particularidade do programa é o atendimento das crianças com a síndrome

congênita do vírus zika. Essas crianças são atendidas quinzenalmente ou duas vezes por mês e

são beneficiárias do BPC. O atendimento dessas crianças tem sido um desafio para os

visitadores, devido elas não interagiram nas intervenções e serem totalmente dependentes de

suas cuidadoras. O programa atualmente atende sete crianças com essa deficiência e o desafio

se torna ainda maior devido os profissionais não terem uma formação específica para lidarem

com tal deficiência. No atendimento a esse público especifico, os profissionais precisam ainda

mais da colaboração da principal cuidadora da criança, por ser essa que entende melhor os

sentimentos e expressões de comunicação da mesma.

Assim que foram convocados e contratados, os visitadores passaram por uma

formação inicial de três dias. Nessa formação receberem orientações e palestras sobre o

desenvolvimento do cérebro infantil, plasticidade cerebral, estímulos ambientais,

aprendizagem e sobre o preenchimento e utilidade dos formulários do PCF, objetivos e

importância do programa, e como o profissional visitador deve atuar nas abordagens das

famílias. Outras formações continuadas foram ocorrendo durante o ano de 2019 com

temáticas variadas, como: gestação saudável, parto humanizado, higiene bucal, contação de

histórias, características do autismo, sinais de maus tratos e violência, entre outras.

As condicionalidade para a inserção da criança ou gestante no PCF são: no caso da

criança, ter a idade de 0 à 2 anos e 6 meses, considerando que ela só permanece até completar

os 3 anos, a família deve estar regularmente cadastrada no CadÚNICO e ser beneficiária do

Bolsa Família ou do BPC e ter os documentos de RG, CPF e o NIS (Número de Identificação

Social). A gestante também precisa estar regularmente cadastrada no CadÚNICO, ser

beneficiária do Bolsa Família e possuir os documentos de RG, CPF e o NIS.

A adesão das famílias ao Programa Criança Feliz é voluntária e gratuita, não tendo um

caráter fiscalizatório, e a mesma pode sair do programa no momento que desejar, situação

essa que tem um índice pequeno de ocorrência. Ao aderir ao programa, a cuidadora ou pessoa

responsável pela criança, assina um termo de aceite, nesse, estão os dados da responsável e

alguns dados da criança, como nome completo e data de nascimento. É com esse termo que se

dá entrada no sistema eletrônico do PCF, para que de fato a criança seja inserida no mesmo e

comece a receber as visitas domiciliares.

Quando a criança beneficiária do Bolsa Família completa três anos, ela é

automaticamente desligada do sistema e recebe um comunicado do programa, assinado pelo

visitador e supervisora, informando a família sobre o desligamento da criança e o motivo do

mesmo. O mesmo procedimento acontece com a criança que é beneficiaria do BPC ao

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30

completar seis anos, em ambos os casos, a responsável pela criança, ao receber esse

comunicado assina o documento, reconhecendo que foi informada do desligamento.

Nas visitas, o profissional se defronta com realidades distintas, identificando situações

que estão muito além de suas atribuições, situações que podem ser das mais diversas; assim

como também identifica famílias que contribuem com a dinâmica das visitas e facilitam o seu

trabalho por meio do comprometimento e envolvimento em todo o processo da visitação e das

atividades propostas.

É importante enfatizar que as visitas não têm um caráter fiscalizatório, e os

profissionais são orientados quanto a essa questão. Isso precisa ficar claro para a família

participante, para que a mesma não se sinta inibida ou coagida na presença de um funcionário

público que tem acesso ao seu lar com regularidade, esse esclarecimento facilita a própria

adesão da família ao programa.

As primeiras visitas tem o objetivo de conhecer melhor o contexto familiar e a rotina

da criança. Nessas visitas são preenchidos os formulários de caracterizações da família, da

criança e diagnóstico de desenvolvimento inicial. Esses formulários servem para dar um

melhor conhecimento dos hábitos saudáveis da criança, os cuidados que a mesma recebe, o

espaço que ele tem para brincar, o grau de instrução dos responsáveis, a situação econômica

da família e a rede de serviços disponível na comunidade, como: escola, creche, UBS, CRAS,

complexo esportivo, entre outros. No caso de gestantes, são preenchidos os formulários de

caracterização da família e de caracterização da gestante.

[...] experiências da vida real das crianças em seus contextos socioculturais

proporcionam uma percepção por inteiro e as muitas influências experienciadas.

Essas descrições podem nos dizer que oportunidades e dificuldades as crianças

enfrentam em suas vidas e como as circunstancias podem ser mudadas para

estimular o seu desenvolvimento (COLE; COLE, 2003, p. 41).

As primeiras visitas, permitem ao profissional ter uma visão mais aproximada do

cotidiano e da realidade de cada família e de cada criança inserida no PCF. Esse

conhecimento facilita para o visitador e equipe, o entendimento da dinâmica da família e das

melhores intervenções para cada realidade percebida, considerando as principais demandas da

criança.

As atividades que são executadas no lar da família, devem ser pensadas e planejadas

em conjunto, entre visitador e supervisora, algo que nem sempre acontece, ficando na maioria

das vezes, sob a responsabilidade do visitador a elaboração da atividade mais apropriada para

cada criança e gestante, exigindo do visitador muita criatividade e sensibilidade. Esse fato

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31

particular foi observado nos encontros de monitoramento que ocorrem semanalmente. No

monitoramento o visitador entrega para a sua supervisora os materiais de registro das

atividades, sendo o principal deles o plano de visita, nesse, consta a intervenção detalhada

realizada com a criança, que segue três momentos; momento inicial, desenvolvimento e

momento final. No final desse trabalho, segue em anexos, simulações de dois planos de visita,

com os momentos detalhados das visitas.

O monitoramento acontece uma vez por semana, mas com a pandemia, esse passou a

ocorrer quinzenalmente. O plano de visita deve estar assinado pela pessoa responsável pela

criança e representa um espelho de como está sendo realizado o trabalho com aquela criança.

Fica na responsabilidade das supervisoras, o registro das visitas no sistema federal do

ministério, a inserção de novas famílias e o desligamento das que saíram do programa, o

fornecimento de formulários e outros materiais para os visitadores, além de possíveis

encaminhamentos para outros serviços da rede, considerando que o PCF trabalha articulado

com outros serviços como: escola, creche, CadÚNICO, conselho tutelar, CRAS, UBS.

É determinado pelo Ministério da Cidadania que a duração das visitas seja de 40 à 60

(quarenta à sessenta) minutos, por ser esse o tempo considerado ideal para a realização de

uma visita de qualidade. Pela observação participante, foi verificado que dificilmente essa

determinação é seguida, sendo as atividades realizadas em um tempo menor, entre 30 à 45

(trinta à quarenta e cinco) minutos. A justificativa de alguns visitadores sobre esse tempo

reduzido, é que depois de alguns minutos a criança perde o interesse pela atividade, por esse

motivo elas não devem ser de longa duração, e sim ser mais objetivas.

É importante enfatizar que a gestão do programa estabeleceu uma meta de trinta

famílias para cada visitador, considerando que o município quer alcançar a meta de 800

crianças e gestantes atendidas. A maior parte dos visitadores alcançou esse número antes da

pandemia e, os demais chegaram próximo disso, existindo uma pequena variação no número

de famílias atendidas por profissional antes da paralização das visitas presenciais.

Considerando as variáveis envolvidas no alcance da meta, como: mudança de

endereço da família para bairros não contemplados, mudança sem informação ao visitador,

desligamento da criança por idade ou por desinteresse da família, tendo esse último elemento

um percentual pequeno, o fluxo de entrada e saída no PCF é alto. Cabe assim ao visitador,

estar atento as crianças e gestantes que estão prestes a serem desligadas e fazer a capitação de

novas famílias. Essas capitações podem acontecer por busca ativa, ou seja, fazendo o convite

direto às famílias ou através da articulação com o CRAS, UBS, ou CadÚNICO.

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32

Hoje o maior desafio para cada visitador é justamente conseguir a adesão de novas

famílias ao programa, tendo em conta que as visitas domiciliares foram drasticamente

reduzidas, devido o momento de pandemia COVID – 19, permanecendo as atividades

presenciais apenas em alguns casos específicos. Essa redução segue as recomendações do

Ministério da Saúde e do Ministério da Cidadania, sendo esse último o que direciona as ações

do PCF. Com os atendimentos ocorrendo no modelo remoto e os presenciais sendo

ocasionais, a capitação de novas famílias se apresenta como a maior dificuldade para o

visitador.

Por desenvolver um trabalho regular com cada criança, envolvendo a família em seu

próprio contexto, esse profissional é primordial para o funcionamento do PCF, por visualizar

as demandas de cada criança, observando sistematicamente suas potencialidades, fragilidades,

dificuldades e suporte de seus principais cuidadores. É o visitador que traz as principais

informações do desenvolvimento de cada criança e gestante e deve junto com sua supervisora

articular de maneira singular quais as melhores ações para cada realidade percebida.

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33

3 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL PELA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA

3.1 O Desenvolvimento da Primeira Infância pela Visão da Psicologia Histórico – Cultural

A psicologia Histórico Cultural teve como seus principais proponentes, os psicólogos

russos, Lev Vygotsky (1896-1934), Alexei Leontiev (1903-1979) e Alexander Luria (1902-

1977). Essa psicologia compreende o desenvolvimento humano como um processo

determinado pelo período histórico, dadas as condições materiais disponíveis, através da

apropriação dos bens e conhecimentos que foram culturalmente organizados. Essa

apropriação ocorre por meio da mediação, através daqueles que já se apropriaram da cultural e

atuam como reprodutores da mesma, transmitindo-a à criança, que então vai internalizando

esse material cultural durante o seu processo de desenvolvimento.

Oliveira (1993), destaca a mediação como um conceito central nas obras de Vygotsky

e a define como um processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação,

onde a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse novo elemento.

A presença de elementos mediadores introduz um elo a mais nas relações

organismo/meio, tornando-as mais complexas. Ao longo do desenvolvimento do

indivíduo as relações mediadas passam a predominar sobre as relações diretas

(OLIVEIRA, 1993, p. 27).

A autora reafirmava que para Vygotsky as relações do homem com o mundo são

sempre mediadas, substituindo as relações diretas, as quais, são predominantes na fase do

bebê, devido nessa fase o comportamento ainda não ser consciente e se dá por meio dos

reflexos, ou seja, a criança muito pequena responde a um estimulo de forma direta, imediata,

sem um planejamento. A medida que a criança vai crescendo, elementos vão exercendo a

função mediadora, como os instrumentos, os símbolos, a palavra e o próprio adulto.

Ao falar sobre o processo de estímulo-resposta, reação direta da criança diante do que

é percebido, Oliveira (1993) afirma que à medida que a criança vai se desenvolvendo, esse

processo simples vai sendo substituído por um ato complexo, mediado. Segundo a autora,

nesse novo processo mediado, o impulso direto para a ação ou reação diante de um estímulo,

é inibido ou substituído por estímulos auxiliares, que podem ser lembranças, a orientação ou

auxilio do adulto, ou a imitação através da observação. São esses elementos que irão

completar a ação em curso.

A mediação ocorre então com uma intencionalidade, com o objetivo de facilitar ou

promover a aquisição de uma habilidade, aprendizado, visado a maior autonomia e

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34

desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras e linguagem da criança, para que a

mesma se aproprie dos elementos, produtos e artefatos culturais disponíveis e consiga

dominá-los e usá-los do melhor modo possível.

Luria (1992), contemporâneo e colaborador de Vygotsky em seus estudos, visualizava

o ser humano como um sistema dinâmico e unificado, um organismo vivo, atuante na sua

interação com o mundo. Ele se contrapunha a análise fisiológica do comportamento humano,

enfatizando a necessidade de considerar os valores culturais na constituição da

individualidade e da personalidade, e direcionou seus estudos na construção de uma

psicologia que tivesse uma relação concreta com as experiências humanas.

Desde o momento do nascimento, as crianças estão em constante interação com

adultos, que ativamente procuram incorporá-las à sua cultura e a seu corpus de

significados e condutas, historicamente acumulados. No princípio, as respostas da

criança ao mundo são dominadas por processos naturais, ou seja, aqueles

proporcionados por sua herança biológica. Mas, através da intervenção constante de

adultos, processos psicológicos mais complexos e instrumentais começam a tomar

forma (LURIA, 1992, p. 49).

Esses pioneiros da Psicologia Histórico Cultural, se esforçaram em prol da formulação

de uma psicologia que conseguisse explicar com coerência a transição dos processos

psicológicos elementares, naturais, para os processos psicológicos complexos, superiores.

Perceberam então que deveriam considerar as descobertas científicas experimentais sobre a

maturação física e os mecanismos sensoriais e unificá-los com a aquisição dos processos

culturalmente determinados, os quais são internalizados através da mediação, na interação de

um ser humano com outro.

Chamamos de internalização a reconstrução interna de uma operação externa. Um

bom exemplo desse processo pode ser encontrado no desenvolvimento do gesto de

apontar. Inicialmente esse gesto não é nada mais do que uma tentativa sem sucesso

de pegar alguma coisa, um movimento dirigido para certo objeto, que desencadeia o

movimento de aproximação. [...] A tentativa malsucedida da criança engendra uma

reação, não do objeto que ela procura, mas de outra pessoa. Consequentemente o

significado primário daquele movimento malsucedido de pegar é estabelecido por

outros. Somente mais tarde, quando a criança pode associar o seu movimento à

situação objetiva como um todo, é que ela, de fato, começa a compreender esse

movimento como um gesto de apontar (VIGOTSKI, 2007, p. 56).

Em Vygotsky podemos observar como a participação do adulto é essencial no

desenvolvimento da criança, e como a mesma, por meio da mediação vai modificando o seu

comportamento, melhorando assim suas atitudes e gestos, deixando-os mais compreensíveis e

efetivos. Para que essa transformação ocorra, a saber, a modificação de um simples gesto em

um comportamento consciente, é necessário a interação da criança com alguém que se

interesse por ela, alguém que esteja atento às suas necessidades e vontades, satisfazendo aos

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35

seus desejos mais imediatos. Outra qualidade importante da mediação, além da promoção do

aprendizado é a sua capacidade de fortalecer os vínculos afetivos entre criança e cuidadores.

Leontiev (2004), em seu texto o homem e a cultura, enfatizou a importância da ciência

progressista para uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento humano, essa

ciência colocava o homem como um ser de natureza social, fugindo da determinação

biológica, até então a teoria mais aceita, e atribuindo maior importância ao papel da cultura,

afirmando que é a experiência da vida em sociedade que nos faz humanos. Sendo então a

apropriação das produções culturais que nos faz diferentes de todas as outras espécies,

apropriação essa que ocorre por meio da mediação, ou seja, a apropriação dos artefatos da

cultura acontece através da aprendizagem, da observação ou imitação.

O autor enfatiza que enquanto o desenvolvimento dos animais está determinado pelas

leis biológicas, o desenvolvimento humano está determinado pelas leis sócio - históricas. No

ambiente familiar, a mediação ocorre com mais frequência por meio dos adultos, geralmente

os pais ou outra figura de autoridade, mas também ocorre por meio de outras crianças mais

velhas, com o uso de elementos do cotidiano da família. Nesse ambiente, o aprendizado

acontece de maneira espontânea, no uso dos objetos e utensílios e na satisfação das

necessidades infantis, geralmente em horários não específicos e respeitando a vontade e ritmo

da criança. Na escola isso muda radicalmente, o ensino passa a ser sistematizado, com

conteúdo específicos, e existe uma rotina de horários, mas sobre isso não nos aprofundamos

nesse estudo.

A criança, à medida que se torna mais experiente, adquire um número cada vez

maior de modelos que ela compreende. Esses modelos representam um modelo

cumulativo de todas as ações similares, ao mesmo tempo que constituem um plano

preliminar para vários tipos possíveis de ação a se realizarem no futuro (VIGOTSKI,

2007, p. 8).

Com a assimilação desses modelos que vão se integrando em um modelo maior,

cumulativo, a criança vai ampliando sua capacidade cognitiva e de comunicação, ainda que a

sua fala não esteja bem desenvolvida. Podemos citar alguns exemplos de situações que

viabilizam o surgimento e desenvolvimento desse modelo cumulativo, como: o ensino do

rabisco, relacionando o lápis com papel; a colher como instrumento para se alimentar,

relacionando-a com o prato; o controle remoto com a televisão; o relógio com o pulso, a

chave com a abertura de uma porta ou com o acionamento de um veículo. Todas essas

situações e aprendizados acontecem na interação com o outro. Sendo assim o aprendizado

pode ser visto como uma maneira de se adaptar ao meio.

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36

Uma necessidade só pode ser verdadeiramente satisfeita mediante uma certa

adaptação à realidade. Além do mais, não há nada que se possa chamar de adaptação

pela adaptação; esta é sempre dirigida pelas necessidades (VIGOTSKI, 2008, p. 26).

Entendendo que a criança nasce em um mundo já pronto, com todos os seus artefatos,

instrumentos, signos, símbolos e comportamentos pré-determinados, a inserção nesse mundo

exigem uma certa adaptação, para que esse novo ser consiga se socializar com todos esses

elementos através do seu contexto primário, a família e pares, e posteriormente com o

contexto mais amplo, a sociedade, para que as suas necessidades possam ser atendidas. Toda

essa adaptação ocorre nas interações mais frequentes, cotidianas, e nas mais esporádicas, não

cotidianas. .

Falando ainda da interação, é com o adulto, que a criança na primeira infância, se

apropria dos elementos da cultura e começa a fazer o processo de internalização das funções e

uso desses artefatos, apropriação que facilita a comunicação e promove a aquisição das

habilidades e conhecimentos essenciais, tão necessárias para o exercício das atividades

cotidianas e inserção nos mais diversos grupos sociais. É por meio da internalização que a

criança vai adquirindo confiança e maior autonomia no desempenho de suas tarefas e

aprendizado, qualidades tão importantes no desenvolvimento emocional, afetivo e intelectual.

Vygotsky (2007) define a internalização como um processo, no qual ocorre uma

transformação, a qual podemos definir como transição, em que o que era interpessoal, ou seja,

acontecia por uma influência externa, na interação entre a criança e o adulto, passa a ser

intrapessoal, ou seja, o aprendizado é internalizado, passando a ter uso próprio, particular,

processo que vai desencadear no desenvolvimento do que o autor chama de funções

superiores, que seriam: memória, atenção voluntária, raciocínio lógico, pensamento.

Para que esse processo de transformação aconteça, ou como definimos aqui, processo

de transição, é preciso que os elementos da cultura na qual a criança está inserida sejam

percebidos e compreendidos de modo generalizado, tornando assim a comunicação efetiva e

objetiva, por isso Vygotsky destaca a importância da generalização dos objetos e

instrumentos, sem a qual, os conhecimentos transmitidos e a comunicação entre o adulto e a

criança se tornaria extremamente difícil ou mesmo impossível.

O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa.

Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento

profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social

(VIGOTSKI, 2007, p. 20).

Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e de fenômenos

criado pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das riquezas deste mundo

participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de atividade social e

desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se cristalizaram,

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37

encarnaram nesse mundo. Com efeito, mesmo a aptidão para usar a linguagem

articulada só se forma, em cada geração, pela aprendizagem da língua (LEONTIEV,

2004, p. 284).

No percurso do desenvolvimento da criança, a presença do outro é o elo central para a

constituição do aprendizado, para a promoção da autonomia e constituição da personalidade.

Considerando que é a socialização que promove a individualização, e na constituição dessa, o

social e o individual se correlacionam em uma relação constante, para a sua ocorrência é vital

que exista um ambiente favorável, de preferência o ambiente primário da criança, onde

cuidadores e família promovam a apropriação dos objetos, nomeando, identificando e

ensinando o uso desses, sendo a criança não um mero aprendiz, mas uma pessoa em

desenvolvimento, capaz de dar um sentido próprio aos elementos a medida que os vai

conhecendo e tendo experiências sobre eles.

Com esse entendimento, o adulto que de fato se interessa pelo desenvolvimento

saudável da sua criança, precisa, além de ser um cuidador interessado no bem estar da mesma,

lhe fornecendo os cuidados essenciais de proteção e segurança, precisa ser também um

educador capaz de promover e facilitar o aprendizado, lhe auxiliando no seu processo

cognitivo de compreensão e uso dos elementos e objetos cotidianos, pensando em contribuir

na aquisição das habilidades essenciais a um desenvolvimento adequado e constante.

Na discussão sobre o aprendizado, Vygotsky (2007) ainda apresenta um novo

conceito, a saber, a zona de desenvolvimento proximal, que segundo o autor, surge no

momento da aprendizagem. Para Vygotsky, o nível de inteligência da criança não deveria ser

medido considerando apenas o que a mesma já sabe fazer, mas principalmente aquilo que é

capaz de aprender, é esse potencial para aprender que o autor nomeia de zona

desenvolvimento proximal. Esse aprendizado pode acontecer por meio da demonstração, do

uso de pistas ou ainda pelo auxílio recebido na execução de alguma tarefa.

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não

amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que

amadurecerão, mas que estão permanentemente em estado embrionário. [...] O

estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem

revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de

desenvolvimento proximal (VIGOTSKI, 2007, p. 98).

Essas funções, que estão presentes em estado embrionário na criança, precisam

receber os estímulos apropriados para que se desenvolvam em sua plenitude, sendo o adulto a

pessoa mais apropriada nessa tarefa. A depender da participação dos adultos na educação da

criança, o desenvolvimento desta pode ser acelerado ou retardado, daí a importância dos

cuidadores e de seus papéis como primeiros educadores.

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38

Vygotsky (2007) assim define a zona de desenvolvimento proximal:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar

através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento

potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um

adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 2007, p.

97).

Com essa definição, fica evidente que a criança tem potencial para aprender e

progredir no aprendizado, na aquisição das habilidades essenciais para a conquista de uma

maior autonomia e desenvolvimento da inteligência. A descoberta da zona de

desenvolvimento proximal, contribuiu de maneira significativa para o avanço dos estudos

sobre inteligência e desenvolvimento infantil. Avanços esses, os quais a educação se

apropriou com muito interesse.

Um método eficaz de contribuir no desenvolvimento mental da criança, seria estimulá-

la aproveitando a sua zona de desenvolvimento proximal, e o brinquedo é um instrumento

valioso para esse propósito. O brinquedo possibilita à criança a estimulação da curiosidade e

criatividade, qualidades tão necessárias para o aprendizado, a brincadeira por sua vez

possibilita o movimento e a maior interação social.

No início da idade pré-escolar, quando surgem os desejos que não podem ser

imediatamente satisfeitos ou esquecidos, e permanece ainda a característica do

estágio precedente de uma tendência para a satisfação imediata desses desejos, o

comportamento da criança muda. Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-

escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizados

podem ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo (VIGOTSKI,

2007, p. 108).

O brinquedo possibilita à criança conhecer e explorar os elementos de sua cultura,

elementos que lhe são novidades, e estimulam o uso da criatividade, aprendizado, imaginação

e aquisição de novas habilidades. É no brincar que a criança se envolve de maneira mais

interessada com um mundo das cores, formas, tamanhos e desafios. O momento do brincar

precisa ser visto para além de uma brincadeira, e sim, como oportunidade de aprendizado e

exercício do desenvolvimento das habilidades iniciais.

Vygotsky (2007) vê o brinquedo muito mais que uma ação simbólica, e enfatiza o que

mais prevalece no ato de brincar, a imaginação, a qual contribui de maneira significativa no

desenvolvimento intelectual da criança. O autor é cuidadoso em destacar que a imaginação

não está tão presente em crianças muito pequenas e aparece de modo mais evidente em

crianças maiores, as quais ele costumava chamar de pré-escolares, ou seja, crianças em idade

próxima de ingressar na escola.

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O autor traz alguns exemplos de como a imaginação está presente no ato do brincar: o

cabo de vassoura transforma-se em um cavalo, um pedaço de madeira pode se tornar um

boneco. Podemos citar mais outros tantos exemplos; um pedaço de madeira também pode se

tornar uma espada, um canudo de papelote pode se tornar um binóculo, uma pequena

camiseta pode se tornar o vestido da boneca, uma tampa de panela serve como escudo. Todos

esses exemplos mostram a capacidade criativa da criança, como a mesma pode dar um novo

sentido aos objetos e como a percepção pode se ampliar no momento da brincadeira.

Com esses exemplos, fica evidente que a imaginação infantil não é algo desconectado

da realidade, e sim, ela surge como resultado das experiências cotidianas da criança, e essa

fértil imaginação sugere que o seu intelecto está em pleno desenvolvimento, tendo a

capacidade de se ampliar muitas vezes mais, a depender dos cuidados e estímulos de seus

cuidadores no processo de mediação.

Segundo o autor, toda percepção é um estímulo para a atividade. Poderíamos definir

atividade como algum tipo de ação diante do que é percebido, identificado. Considerando esse

entendimento, o brinquedo torna-se para a criança, um estímulo poderoso para a ação, para o

movimento. Nesse processo de percepção e ação, o adulto tem um papel primordial, sendo ele

o mediador e incentivador da exploração dos objetos pela criança, escolhendo para essa, os

estímulos mais apropriados. Essa percepção produzirá os movimentos intencionais da criança

em direção ao objeto e consequentemente o seu manuseio e apropriação.

No decorrer do desenvolvimento infantil, surge outro componente que potencializa

ainda mais o desenvolvimento, a fala, que segundo Vygotsky (2007), vai permitir à criança

um maior domínio do ambiente antes mesmo de maior domínio do próprio comportamento,

isso implica em um ganho significativo na autonomia e aquisição de novos conhecimentos e

habilidades. É no convívio com outras pessoas que é possível o aprendizado da fala e o seu

aprimoramento.

Diferentemente de outros estudiosos de sua época, Vygotsky (2008) visualizou outra

qualidade para a fala além de suas funções emocional e comunicativa, a função planejadora,

esse elemento adicional, permite à criança, a medida que se desenvolve, adquirir a capacidade

de se envolver em atividades cada vez mais complexas. Sobre essa qualidade adicional da

fala, o autor comenta:

[...] a criança que usa a fala divide a sua atividade em duas partes consecutivas.

Através da fala, ela planeja como solucionar o problema e então executa a solução

elaborada através de uma atividade visível. A solução direta é substituída por um

processo psicológico complexo através do qual a motivação interior e as intenções,

postergadas no tempo, estimulam o seu próprio desenvolvimento e realização

(VIGOTSKI, 2007, p. 14).

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Problematizando esse novo elemento, Vygotsky (2007) afirma que primeiro a fala

apenas acompanha a ação e posteriormente essa se desloca e antecede a ação, ganhando a

função planejadora, melhorando o desempenho na realização das tarefas. O autor destaca a

linguagem, e especialmente a fala, como responsáveis pelo ganho de uma nova estrutura

psicológica, a qual ele diz ser responsável pelo surgimento das funções psicológicas

superiores, funções estas que permitirão as capacidades de memória, concentração, atenção

voluntária.

Com o desenvolvimento da fala, a criança é capaz de verbalizar seus sentimentos e

desejos, e na interação constante com o adulto e outras crianças, consegue exercitar essa nova

qualidade e aprender novas palavras, aumentando o seu esquema cumulativo de modelos

culturais, o que vai influir consideravelmente no seu desenvolvimento intelectual. Sendo o lar

o primeiro ambiente da criança, lugar em que ocorre suas primeiras experiências, é este que

vai lhe oportunizar o aprendizado das primeiras palavras e o seu exercício constante,

aprimorando assim o seu uso e a comunicação.

A partir do aprimoramento de seu vocabulário e a medida que vai se desenvolvendo, a

criança sente a necessidade de conhecer novos elementos e tem novas motivações para

aprender e utilizar o que está sendo aprendido. Com o recurso da fala, acontece uma

reorganização mental, e essa reorganização culmina no desenvolvimento denominado por

Vygotsky de funções superiores, o que representa um ganho qualitativo e quantitativo na

capacidade cognitiva e intelectual.

Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos

constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é

incorporado a sua estrutura com parte indispensável, na verdade a parte central do

processo como um todo (VIGOTSKI, 2008, p. 70).

Sendo o signo o instrumento mediador para a formação das funções psicológicas

superiores, facilitando a identificação e compreensão dos elementos percebidos, por isso

mesmo proporciona o domínio desses elementos e coloca em atividade toda a estrutura

cerebral. Ao entrar em movimento, toda essa complexa estrutura, várias habilidades podem

ser desenvolvidas ou aprimoradas.

Com a fala a memória se amplia, e segundo Vygotsky (2007) passa a ser possível

recorrer a situações do passado para resolver questões do presente e projetar o futuro. Sendo

assim, com o recurso da fala, é possível visualizar no pensamento, o passado, o presente e o

futuro simultaneamente, algo que não acontecia antes da sua aquisição. Com essa memória

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ampliada, o pensamento pode ser verbalmente expresso, não tão organizado na criança muito

pequena, mas essa nova qualidade vai sendo melhorada no decorrer do seu desenvolvimento.

Considerando as distintas realidades, com alguns recursos lúdicos e pedagógicos

disponíveis como: livros infantis, lápis de cores e outros materiais simples do uso cotidiano da

família, associados ao nível de interação dos adultos para com a criança, essa, ainda na tenra

idade, pode ter um vocabulário bem desenvolvido, lhe resultando em maior ganho de sua

autonomia e desenvolvimento.

3.2 O Desenvolvimento Infantil pela Perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento

O estudo sobre o desenvolvimento humano fascina devido ao seu alto grau de

complexidade, algo visualizado na inteligência alcançada, moldada ao longo de um período

inicialmente curto, a primeira infância, e depois continuada por um período mais prolongado,

após os primeiros três anos até toda a fase adulta.

A influência formativa do meio, que conspira com a natureza genética, tem início

desde a concepção, com o ambiente pré-natal no útero, quando os embriões recebem

diferentes alimentos e são expostos a agentes tóxicos em diferentes níveis. A cultura

prossegue depois no lado de fora, quando nossas primeiras experiências agem sobre

o desenvolvimento do cérebro (MYERS, 2012, p. 113).

Ao nascer, as capacidades desenvolvidas durante o período pré-natal não são em si

adequadas para garantir a sobrevivência do bebê. A capacidade de sugar, por

exemplo, não auxilia na obtenção de alimento, a menos que a boca da criança esteja

em contato com uma fonte de leite. Os recém-nascidos não conseguem sequer trazer

sozinhos o mamilo até suas bocas; precisam ser fisicamente auxiliados a realizar até

uma função elementar, como a alimentação (COLE; COLE, 2003, p. 147).

Diferentemente de outras espécies, o ser humano precisa de cuidados especiais desde o

primeiro dia de vida, sendo totalmente dependente de sua mãe ou cuidadora para que consiga

sobreviver e ter um desenvolvimento adequado. Por isso necessita receber cuidados básicos

desde a alimentação, aquecimento do corpo, higienização, até cuidados mais específicos como

afeto e atenção de outras pessoas; cuidados esses, que vão sendo aprimorados a medida que a

mãe ou cuidadora vai ficando mais experiente no trato com sua criança.

Ao nascer e mesmo antes, ainda na condição de feto, o bebê tem as base biológicas

necessárias para crescer e se desenvolver, como; ossos, nervos, músculos, sangue, estrutura

cerebral, tudo isso em estado embrionário, mas que necessitam dos cuidados acima

referenciados, e sem os quais, não conseguiria adquirir as habilidades necessárias para se

tornar independente. Essa estreita relação entre a base biológica, adquirida ao longo da

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evolução humana e a interação com o ambiente, é o que lhe garante a sobrevivência e o

desenvolvimento progressivo.

Falando sobre as mudanças que ocorrem ao longo do desenvolvimento da criança,

Cole & Cole (2003), afirmam que os padrões qualitativamente novos que emergem durante

o crescimento são imprescindíveis para um desenvolvimento saudável, e definem esses

padrões como estágios de desenvolvimento, os autores citam alguns critérios usados pelo

psicólogo John Flavell (1971) para demarcar essas mudanças:

Os estágios de desenvolvimento são distinguidos por mudanças qualitativas. A

mudança na atividade motora associada com a transição do engatinhar para o andar

ereto ilustra o que significa uma mudança qualitativa para um novo estágio de

desenvolvimento. O andar não se origina do aperfeiçoamento dos movimentos para

engatinhar. Para andar, a criança passa por uma total reorganização do movimento,

usando diferentes músculos em diferentes combinações. [...] As muitas mudanças

comportamentais e físicas que marcam o surgimento de um estágio constituem um

padrão coerente. O andar ocorre quase ao mesmo tempo que o apontar, que o

acompanhar o olhar de outra pessoa, que o expressar das primeiras palavras e que

um novo estabelecimento de um novo relacionamento entre a criança e seus pais

(FLAVELL, 1971 apud COLE; COLE, 2003, p. 31).

Os exemplos apresentados ilustram as mudanças qualitativas que ocorrem ao longo do

desenvolvimento e como essas mudanças são imprescindíveis para que outras ainda mais

complexas possam ocorrer. O exemplo da transição do engatinhar para o andar, mostra como

o corpo trabalha em conjunto para proporcionar uma habilidade especifica que resulta em

diversos ganhos, desde a autonomia do bebê para o andar até o estabelecimento de uma nova

relação com seus cuidadores.

É sabido que nos primeiros anos de vida o ser humano tem uma explosão de

crescimento e desenvolvimento e, após os três primeiros anos o desenvolvimento prossegue

mais lentamente, por isso os teóricos do desenvolvimento apontam essa fase específica para a

ocorrência das principais mudanças físicas, cognitivas e estruturais e a chamam de período

sensível.

Um período sensível é uma época propicia para a ocorrência de algumas mudanças

evolutivas e é quando as influencias ambientais têm maior probabilidade de ser

eficientes no estimulo de sua ocorrência (COLE; COLE, 2003, p. 35, grifo do autor).

Para que a criança tenha um desenvolvimento saudável e satisfatório, dentro do que é

esperado para o estágio que compreende a sua idade, ela precisa receber os estímulos

apropriados, sendo imprescindível aproveitar da melhor maneira essa fase explosiva de

crescimento cerebral. Negligenciar esse período tão importante, pode implicar seriamente no

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43

comprometimento do desenvolvimento, podendo haver um retardamento do mesmo e danos

não somente para essa fase, mas também para as posteriores.

Tratando-se da primeira infância, as mudanças físicas, cognitivas e comportamentais,

ocorrem na conjunção dos fatores biológicos e fatores ambientais, ou seja, na associação da

herança genética com as influências do ambiente, e sobre essa segunda, é importante enfatizar

principalmente a educação advinda da família e de pessoas que convivem com a criança.

Todos os elementos culturais aos quais a criança tem acesso irão ter influência significativa

em seu desenvolvimento. Sobre os processos cognitivos, Myers (2012) define cognição como

todas as atividades mentais associadas ao pensamento, ao conhecimento, a memória e a

comunicação.

Cole & Cole (2003) destacam outro importante teórico da Psicologia do

Desenvolvimento, Jean Piaget, teórico que trouxe contribuições valiosas para a compreensão

do desenvolvimento infantil. Piaget acreditava que a maturação biológica e as influências

ambientais têm a sua importância sobre o desenvolvimento, mas o elemento preeminente

nesse processo é a ação da criança sobre o ambiente. Para ele, ao agir sobre o ambiente a

criança vai construindo o seu conhecimento.

Na teoria de Piaget, são os reflexos que dão a condição inicial para o bebê ser capaz de

agir sobre o mundo. Segundo o teórico, os reflexos são a unidade básica de funcionamento

psicológico, uma estrutura mental que permite a percepção dos objetos e de situações

circundantes e daí a ação sobre o que é percebido. Piaget usa com muita frequência os

conceitos de adaptação, assimilação e acomodação para explicar a sua teoria sobre o

desenvolvimento da criança.

Na assimilação, o sujeito entra em contato com a realidade externa, trazendo para as

estruturas mentais que já possui, os dados/informações sobre aquilo que está

desejando conhecer. Por exemplo, uma criança de 8 anos se depara com um livro

novo. Ao ler o texto, ela traz para as suas estruturas de pensamento aquelas

informações que ali estão, ou seja, palavras, frases e gravuras. Ela está assimilando

material com o qual entrou em contato (XAVIER; NUNES, 2015, p. 21).

No caso de crianças menores, ainda na primeira infância, podemos tomar como

exemplo o brinquedo ou um objeto novo o qual provoca a curiosidade e o desejo de conhecer

e explorar esse novo elemento, sendo assim, a assimilação é algo recorrente e faz parte das

experiências cotidianas das crianças pequenas, o que contribuirá no seu desenvolvimento.

Ainda sobre Piaget, Cole & Cole (2003) falam que, de acordo com sua teoria, os

reflexos iniciais ou esquemas, são fortalecidos ou transformados em novos esquemas por

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meio de um processo de adaptação, essa por sua vez ocorre pela assimilação e acomodação,

ou seja, as várias experiências são absorvidas e incorporadas aos esquemas já existentes.

Diante desses desafios, entra em ação o mecanismo de acomodação. Agora, a

criança precisará modificar suas estruturas de pensamento, buscar informações que

já possui, duvidar, comparar, analisar a fim de acomodar o novo conhecimento e,

por conseguinte, alcançar um equilíbrio nesse aspecto. Essa criança, então, avançou

em seu conhecimento construindo novos esquemas, que lhe permitirão novas

aquisições cada vez mais complexas (XAVIER; NUNES, 2015, p. 21).

A medida que a criança vai crescendo e tendo novas experiências, essas vão

contribuindo para um aumento na sua capacidade de pensamento e no volume de

informações, o que contribuirá no processo de acomodação, sendo o aprendizado

imprescindível para que a aprendizagem aconteça positivamente. Essas experiências estão

permeadas pelas emoções, por isso os estudiosos contemporâneos do desenvolvimento,

enfatizam cada vez mais a importância do afeto para o estabelecimento das emoções e como

essas servem como demarcadores de um novo estágios do desenvolvimento.

Os bebês começam a exibir emoções, como raiva, quando seus esforços para atingir

um objeto são frustrados, medo quando confrontados com estranhos e apreensão,

quando encontram algo inesperado, assim como fortes sentimentos de apego para

com seus cuidadores (COLE; COLE, 2003, p. 232).

As emoções surgem e vão se desenvolvendo na relação da criança com o seu

ambiente, nas mais diversas situações cotidianas, em encontros agradáveis e desagradáveis,

em que as expressões emocionais são respostas da criança ao estímulos recebidos. Algumas

dessas emoções são aprendidas, como o medo de animais e o nojo de algum alimento. Com o

exercício dessas expressões e a medida que vai ganhando experiência, a criança começa a

adquirir a capacidade de avaliar a reação dos adultos sobre o seu comportamento, se esses

aprovam ou desaprovam o seu comportamento.

Outro ponto de mudança que merece destaque é o sorriso recíproco, o sorriso do bebê

em resposta ao sorriso do adulto, essa qualidade vai alterar positivamente a relação entre a

criança e seus cuidadores. Ao emitir essa expressão, que transmite a ideia de alegria, a criança

recebe dos adultos mais afagos, atenção, ouve mais as suas vozes. Essas reações dos adultos

contribuem positivamente para o fortalecimento do vínculos emocional, sentimento de

segurança e bem estar.

Mesmo as crianças passando por mudanças que lhes proporcionam características

comuns, pertinentes aos estágios específicos, como o engatinhar, o andar, o balbuciar, o falar,

o crescimento, existindo pequenas diferenças de tempo no aparecimento dessas características

entre uma criança e outra, isso muda radicalmente após a primeiríssima infância, após os três

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anos de idade. As diferenças individuais vão ficando cada vez mais acentuadas com o passar

do tempo, mesmo em crianças pertencentes a mesma família e filhas dos mesmos pais

biológicos.

São vários os fatores que determinam as diferenças individuais, podendo ser

destacada, a composição genética, que varia de pessoa para pessoa, sendo determinante para

as diferenças físicas, desde a aparência até o biótipo, além de outros fatores, como: a

educação familiar, as experiências cotidianas, os cuidados recebidos, a condição econômica,

dentre outros. Todos esses elementos fazem parte das experiências de vida da criança e irão

determinar comportamentos bem distintos. Por isso, os psicólogos contemporâneos levam em

consideração esses dois aspectos determinantes do comportamento, a composição biológica e

a história de vida, evitando generalizações comportamentais, por entenderem que não existe

desenvolvimento sem um ambiente propício.

Na primeira infância parece haver um equilíbrio de forças entre a composição genética

e as influências do ambiente na promoção do desenvolvimento. Essa segunda começa a ser

cada vez mais preponderante na determinação das diferenças individuais, após os três anos de

idade, considerando que após essa fase, a criança já tem um cérebro bem desenvolvido,

embora ainda em crescimento, tem uma musculatura fortalecida, que lhe permite não somente

andar, mas também correr e pular, consegue se alimentar sozinha, desde que o alimento lhe

seja provido.

Nessa estreita relação entre a carga genética e o ambiente nos anos iniciais, onde o

primeiro fornece as bases para o desenvolvimento e o segundo os estímulos para o seu

aprimoramento, parece que após os primeiros anos de vida, a genética cumpriu o seu papel,

deixando a continuidade do desenvolvimento para o ambiente, sendo este, a família e pessoas

que têm vínculos com a criança, entrando também em cena, outro elemento como

determinante do desenvolvimento, os artefatos culturais que vão ganhando cada vez mais

força.

Cole & Cole (2003), assim definem cultura:

O padrão de vida de uma pessoa codificado na sua linguagem e observado nos

produtos físicos, nas crenças, nos valores, nos costumes e nas atividades que foram

transmitidas de geração para geração (COLE; COLE, 2003, p. 30).

A medida que a criança vai crescendo e se desenvolvendo, na sua constante interação

com adultos que participam de seus cuidados e educação, os elementos da cultura vão sendo

absorvidos e adotados em suas atividades, sendo determinantes no seu comportamento. Esses

elementos tratam-se de modelos de conduta, determinados a partir do sexo biológico da

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criança, elementos que vão sendo absorvidos pela aprendizagem, pela observação e pela

imitação. E uma vez internalizados, esse conjunto de modelos culturais passam a integrar a

personalidade e são expressos de diversas formas, na fala, no vestuário, nas interações sociais.

3.3 As contribuições da Neurociência

Nos últimos anos, as disciplinas que estudam o desenvolvimento humano têm se

apropriado cada vez mais das pesquisas e descobertas da neurociência, dentre estas, a

psicologia, ampliando assim a sua compreensão do desenvolvimento, por associar fatores

biológicos, ambientais e as determinações culturais.

Os psicólogos cada vez mais estão interessados em entender o que ocorre na estrutura

cerebral durante as fases iniciais da infância, como essa estrutura é reorganizada e possibilita

o surgimento e aperfeiçoamento de funções cada vez mais complexas e dinâmicas, capazes de

proporcionar ao ser humano habilidades admiráveis que o difere das outras espécies. Para

entender algo tão complexo como o ser humano, é preciso recorrer aos vários estudos que

corroboram nesse objetivo, e a neurociência traz contribuições valiosas para o entendimento

dessa complexidade, enfatizando a atividade e plasticidade cerebral. Sendo possível através

desse saber, identificar como diversos e diferentes estímulos provocam milhões de conexões,

Myers (2015) traz um descrição interessante ao falar sobre a formação de um novo ser,

afirmando que após os dez dias da concepção, começa o que ele considera como o mais

íntimo relacionamento humano, a transformação das células internas do zigoto (óvulo

fertilizado) em embrião, processo que dura por volta de trinta e sete semanas. O autor relata

que seis semanas após a concepção os órgãos começam a se formar e a funcionar, inclusive o

coração.

Na formação e funcionamento regular dos órgãos vitais, é possível avaliar com mais

precisão o desenvolvimento saudável do novo ser, o que resulta em segurança e estabilidade

emocional para a mãe, daí a importância de realizar o pré-natal como recomendado pelos

profissionais de saúde. Por esse motivo, programas que visam promover um acompanhamento

regular de atenção às gestantes, fornecendo orientações e encaminhamentos para outros

serviços da rede, quando necessário, precisa ser incentivado e valorizado, porque um feto bem

cuidado resultará em um nascimento saudável.

Por trás da história de nosso corpo e de nosso cérebro - com toda a certeza, o que há

de mais fascinante em todo o nosso pequeno planeta - é a hereditariedade que

interage com a nossa experiência para criar tanto a nossa natureza humana universal

quanto a nossa diversidade individual e social (MYERS, 2012, p. 102).

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Ao nascer, o bebê já traz consigo uma bagagem genética que lhe dá a capacidade de

exercer funções elementares, como: inspirar o oxigênio e expelir o gás carbônico, o ato de

respirar; a capacidade de movimentar os membros inferiores e superiores, a capacidade de

ouvir sons e de perceber objetos, ainda que não tenha uma visão apurada. Mesmo esse

conjunto de qualidades não lhe garantem a sobrevivência, necessitando o bebê dos cuidados

constantes de seus principais cuidadores, e quanto maior a necessidade de planejamento para

a ação, fica evidente que o cérebro ainda precisa se desenvolver para que seja possível realizar

ações mais complexas.

Essa base genética, com uma estrutura cerebral admirável, contendo uma quantidade

numerosa de conexões neurais, vai aumentar consideravelmente durante a primeira infância.

Sobre essa estrutura, Cole & Cole (2003) e Myers (2012), respectivamente fazem os seguintes

comentários:

É estimado que o córtex cerebral, a área do cérebro que mais distingue os seres

humanos de outros animais, contenha mais de dez bilhões de células nervosas. Cada

uma dessas células nervosas faz múltiplas conexões com outras células nervosas

(COLE; COLE, 2003, p. 147).

Nossos genes ditam a arquitetura geral do cérebro, mas a experiência preenche os

detalhes, desenvolvendo as conexões neurais e preparando o cérebro para o

pensamento, a linguagem e outras experiências posteriores (MYERS, 2012, p. 113).

Essas múltiplas conexões que ocorrem no cérebro, possibilitam maior

capacidades de aprender, adquirir novas habilidades e avançar no desenvolvimento, gerando

um movimento contínuo de novas conexões e novas habilidades, promovendo um

crescimento cerebral constante. A célula nervosa responsável por esse processamento

dinâmico, ampliando cada vez mais a rede de interligações cerebrais que se comunicam

constantemente é denominada neurônio. O neurônio pode ser definido como uma célula

nervosa que transmite informações a outros neurônios ou às células musculares ou

glandulares.

Os neurônios transmitem mensagens quando estimulados por sinais dos nossos

sentidos ou quando acionados por sinais químicos de neurônios vizinhos. Nessas

ocasiões, um neurônio dispara um impulso, chamado potencial de ação - uma rápida

carga elétrica que atravessa o axônio (MYERS, 2012, p. 36).

Esta célula, o neurônio, é composta pelo seu núcleo, e as demais partes, o axônio e os

dendritos. O axônio é a extensão de um neurônio que transporta as mensagens sob a forma de

impulsos elétricos e seu formato é finalizado com terminais. Os dendritos são a extensão de

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um neurônio e recebem mensagens dos axônios de outras células, tendo a aparência de

ramificações.

O processamento no qual acontece a comunicação entre as células cerebrais, é

denominado de sinapses. Sinapse pode ser entendida como a troca de informações entre as

células, no momento em que ela ocorre é criado um circuito neural elementar, existindo uma

combinação do neurônio transmissor e neurônio receptor; o primeiro carrega uma substância

química e a secreta nas células receptoras, por isso é conhecido como neurotransmissor; o

segundo recebe a substância química e passa por uma reação, enviando o comando de

acionamento das funções a serem exercidas.

Avanços na neurociência, biologia molecular, epigenética, ciências sociais vêm

mostrando que durante o processo de desenvolvimento, começando na vida

intrauterina, o cérebro é influenciado por condições ambientais. Isso inclui modo de

criação, cuidado e estímulos que o indivíduo recebe. O funcionamento cerebral

depende da passagem rápida e eficiente de sinais de uma região do órgão a outra. Os

neurônios fazem conexões sinápticas entre si. Esses processos, essenciais para o

aprendizado, unem-se para formar os circuitos neurais. Quando uma criança interage

com o meio, novos estímulos transitam por esses caminhos, implicando um aumento

muito rápido na produção das sinapses durante os três primeiros anos de vida

(SOUZA, 2011, p. 20).

Todo esse dinâmico processo de acionamento do cérebro, o qual se tornará quatro

vezes maior na sua fase adulta, mostra a sua grandiosidade e importância no desenvolvimento

humano. Nessa compreensão, é pertinente enfatizar que tudo isso é possível, devido a

combinação de fatores internos e externos, sendo o ambiente o provedor dos estímulos

necessários para o seu constante funcionamento e melhoramento, ambiente entendido como as

pessoas e tudo o que circunda a criança e faz parte de suas interações. A carência de estímulos

por um longo tempo, pode resultar em um atrofiamento de partes da estrutura cerebral e

consequentemente a perda de alguma função vital.

O cuidado inicial e a criação têm impacto decisivo em como as pessoas formam a

capacidade de aprendizado e o controle emocional. As maneiras como os pais, as

famílias e outros cuidadores irão relacionar-se com as crianças pequenas e assim como

a mediação que fazem entre a criança e o ambiente, poderão afetar diretamente os

circuitos neurais. Um ambiente de relações estáveis, estimulantes e protetoras com

cuidadores atentos e carinhosos parece ter uma função biológica protetora contra

traumas e o estresse, e construir um terreno sólido para uma vida de aprendizado

efetivo (SOUZA, 2011, p. 20).

Essa impressionante estrutura, precisa estar constantemente sendo nutrida com os mais

variados estímulos, ainda mais na primeira infância, por isso é imprescindível proporcionar

para a criança o maior contato possível com todas as situações que estimulem a curiosidade, a

descoberta, o movimento, a sociabilidade. Todas esses estímulos colocam o cérebro em

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intensa atividade, provocando a formação de milhares de conexões neurais que por sua vez

resultará no aprimoramento de diversas funções.

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4 METODOLOGIA UTILIZADA

O interesse pela presente pesquisa, surgiu devido o pesquisador ser um profissional do

referido programa e atuar no mesmo na função de visitador desde janeiro de 2019, realizando

visitas domiciliares regularmente, por isso mesmo, mantem um contato permanente com as

famílias das crianças inseridas no Programa Criança Feliz. Outros profissionais que trabalham

na mesma função contribuíram com a pesquisa, assim também como algumas famílias que

participam do programa.

A experiência de realizar visitas domiciliares para as famílias de baixa renda,

possibilitou visualizar com maior intensidade, de como as desigualdades socioeconômicas

ainda permanecem muito presentes entre as classes sociais, e de como impactam em

desvantagem para as comunidades mais carentes, o que justifica a existência de um programa

social que procura reduzir essas desigualdades. Além disso, as visitas possibilitam visualizar

quais as alternativas de cada família para lidarem com suas dificuldades.

A dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da

realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando

considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas,

culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas,

opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que a ordem quantitativa se

torne norma (GIL, 2008, p. 16).

Nessa perspectiva dialética de interpretação do fenômeno, considerando-o de um

modo totalizante, ou seja, considerando os vários elementos envolvidos naquilo que está

sendo observado, a saber, o desenvolvimento infantil, as visitas domiciliares possibilitam uma

visão mais totalizante, permitindo a visualização das facilidades e dificuldades existentes em

cada ambiente para o crescimento integral da criança. Entre as dificuldades, a alimentação

pobre de nutrientes faz parte da realidade de muitas crianças, já para outras, a ausência de

demonstrações de afetos é algo bem presente. Essas situações são determinantes na limitação

acentuada de inteligência e na capacidade de aprendizagem de várias crianças.

O fato de atuar diretamente no contexto familiar das crianças, permite ter uma visão

mais aproximada da realidade concreta dessas famílias, devido ao ambiente permitir a

identificação das fragilidades, das potencialidades, das demandas e das capacidades de cada

uma no enfrentamento e resoluções de suas necessidades. Durante as visitas também é

possível identificar os afetos familiares, os cuidados para com a criança e o nível de segurança

da mesma na sua relação com os adultos. Percepção esta que dificilmente seria possível se as

ações do PCF fossem realizadas em outro contexto que não o próprio lar da criança.

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Todas essas possibilidades descritas acima: a identificação dos afetos, dos cuidados,

das carências, fragilidades, potencialidades e peculiaridades de cada família, juntamente com

o conhecimento da organização do PCF e acesso aos dados e os seus documentos específicos,

foram determinantes para o interesse por esse estudo, que procura trazer uma descrição do

programa e uma análise dos pontos que estão atrelados ao mesmo e merecem um maior

investimento para que o objetivo principal seja alcançado, a saber, o desenvolvimento integral

da criança na primeiríssima infância, projetando uma melhor juventude e vida adulta.

A visitação domiciliar geralmente cria uma relação de confiança entre o profissional e

as famílias, contribuindo no surgimento de uma relação afetiva entre o visitador e a criança,

tornando a visita um momento especial para a manifestação de afetos que só podem existir em

um ambiente que permita a espontaneidade das pessoas presentes. Essas trocas de confiança e

afetos podem gerar sentimentos de satisfação e gratificação pelo trabalho realizado para a

família e profissional. Essas possibilidades decorrentes do trabalho de visitação facilita a

atuação dos profissionais visitadores.

Foi essa confiança e vínculo estabelecido com as famílias no decorrer do trabalho

como visitador que facilitou a seleção das cuidadoras que contribuíram com o estudo através

das entrevistas semiestruturadas. As três cuidadoras foram selecionadas por estarem no PCF

desde janeiro de 2019 e terem aceito de imediato o convite para participar das entrevistas. Os

profissionais visitadores foram selecionados por fazerem parte da mesma equipe do

pesquisador, o que facilitou a comunicação e troca de informações.

As entrevistas ocorreram em dias e horários agendados, primeiramente com as

cuidadoras e posteriormente com o visitador e a visitadora, sempre seguindo as medidas de

segurança de prevenção à COVID-19, tais como: uso de máscara, uso de álcool em gel 70% e

distanciamento de dois metros entre entrevistado e entrevistador. As entrevistas foram

gravadas com o consentimento dos entrevistados e as devidas assinaturas do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, tendo todos os participantes recebido as devidas

explicações sobre a importância e objetivo da pesquisa, e de como seria a participação de cada

um.

As entrevistas foram descritas e em seguida analisadas pelos conceitos da Psicologia

histórico-cultural e conceitos da Psicologia do desenvolvimento, procurando apresentar como

esses aparecem no desenvolvimento das intervenções, ainda que não sejam plenamente

percebidos pelos profissionais e familiares. O primeiro capítulo também traz as contribuições

da Neurociência, devido esse saber ser um aparato muito utilizado pelo PCF.

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52

Estão como categorias de análise das entrevistas, os conceitos: desenvolvimento

infantil, mediação e a internalização. Esses conceitos foram selecionados, por serem os que

mais aparecem nas intervenções realizadas no PCF e serem primordiais na promoção e

avaliação do desenvolvimento integral de cada criança.

Os dados e informações necessárias sobre a estruturação e diretrizes do programa

foram conseguidas com a coordenação do PCF e através do Guia do Visitador e outros

documentos. A observação participante foi outro instrumento muito utilizado, por facilitar a

identificação das fragilidades e potencialidades do território e das condições de vida das

famílias, rotina, comportamento, dificuldades e habilidades das crianças atendidas. Os

instrumentos utilizados foram selecionados por serem os mais apropriados para o

desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa, de campo e exploratória.

A observação apresenta como principal vantagem, em relação a outras técnicas, a de

que os fatos são percebidos diretamente, sem qualquer intermediação. Desse modo,

a subjetividade, que permeia todo o processo de investigação social, tende a ser

reduzida. O principal inconveniente da observação está em que a presença do

pesquisador pode provocar alterações no comportamento dos observados, destruindo

a espontaneidade dos mesmos e produzindo resultados pouco confiáveis. As

pessoas, de modo geral, ao se sentirem observadas, tendem a ocultar seu

comportamento, pois temem ameaças à sua privacidade (GIL, 2008, p. 100-101).

Na observação participante, essa limitação, ou inconveniente, apontada pelo autor, ao

falar da inibição ou falta de espontaneidade dos pesquisados, ela praticamente não existe ou é

muito reduzida, devido ao pesquisar atuar como visitador, realizando seu trabalho

regularmente como é de seu costume, e já ter um vínculo afetivo e de confiança estabelecido

com as famílias que acompanha a quase dois anos. A observação acontece no próprio

desenvolvimento do trabalho como visitador.

O público atendido pelo PCF são as gestantes e crianças, pertencentes as famílias de

baixa renda e que estão inseridas no CadÚNICO (Cadastro Único de Benefícios Sociais) do

governo federal e são beneficiárias do Bolsa Família ou do BPC. Geralmente, as famílias

atendidas vivem em comunidades de maior vulnerabilidade socioeconômica; essas

comunidades, em sua maior parte, estão localizadas nas periferias da cidade e são

desassistidas de diversos serviços, como: creche, escola, UBS, CRAS, complexos esportivos,

posto policial e outros serviços.

Antes da pandemia da COVID – 19 as visitas domiciliares ocorriam semanalmente,

geralmente em dia e horário fixos, acordado com a família logo após a inserção da criança no

programa, situação que foi modificada após a pandemia. À partir da pandemia, as

intervenções passaram a ocorrer com maior frequência pelo modelo remoto e as presenciais,

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53

preferencialmente em situações em que a comunicação virtual seja inviável, no caso de

famílias sem celular, com celular sem acesso à internet, ou que não dão retorno das atividades

enviadas.

Mesmo com o fenômeno da COVID - 19, o trabalho de visitação do pesquisador não

foi muito alterado, devido a maioria das famílias as quais atende, não darem o retorno das

atividades enviadas online em tempo hábil, o que o obrigou a realizar as visitas presenciais. O

que houve de mudança, foi o intervalo entre as visitas, passando as mesmas a ocorrem

quinzenalmente, sendo realizadas duas intervenções a cada visita, considerando que o PCF

preconiza a realização de quatro visitas mensais para as crianças inseridas no Bolsa Família,

duas visitas para as crianças que recebem o BPC e uma visita para as gestantes.

No PCF o conceito cuidadoras é utilizado para se referir as mães ou responsáveis pelas

crianças atendidas. Na maioria dos lares visitados, o adulto responsável pela criança é a mãe

ou a avó, raramente encontra-se um cuidador, ou seja, dificilmente é um adulto do sexo

masculino o responsável pela criança, com raras exceções. Também é muito comum encontrar

adolescentes como mães dessas crianças, assim como também é comum encontrar mais de

uma família morando no mesmo espaço, na mesma casa.

O município foi um dos primeiros do estado a aderir ao programa e tem servido de

referência para a implementação do mesmo nos demais municípios alagoanos, inclusive na

capital, Maceió, que fez a sua adesão já no ano de 2020 e contou com a ajuda de profissionais

do município de Arapiraca que atuam na função de supervisoras, as mesmas foram acionadas

pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e deram suporte aos profissionais da

capital.

No que se refere a realização da pesquisa que resultou neste trabalho, faz-se necessário

assinalar aqui, que atendemos a todas as recomendações do Comitê de Ética da Universidade

Federal de Alagoas, registrando o projeto com toda a documentação exigida através da

Plataforma Brasil, com o número 37465420.8.0000.5013, tendo o mesmo sido aprovado com

o parecer de número 4.328.033 em 08/10/2020.

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54

5 ANÁLISE CRÍTICA DAS ENTREVISTAS

5.1 Análise das Entrevistas Realizadas com as Cuidadoras

LEGENDA: P – pesquisador; E – entrevistada; PCF – Programa Criança Feliz.

Por questões éticas, os nomes das cuidadoras que participaram das entrevistas foram

substituídos pelas letras A, B e C, preservando assim o sigilo quanto a identificação das

mesmas. Os nomes das crianças também foram substituídos pelos nomes, Mariana, Paulo,

Maria e João.

As idades das crianças das mães que concederam as entrevistas variam de um ano e

cinco meses à dois anos e dez meses. A criança da cuidadora A, é uma menina e tem dois

anos e cinco meses, a criança da cuidadora B, é um menino e tem dois anos e seis meses, as

crianças da cuidadora C, são, uma menina de um ano e cinco meses e um menino de dois anos

e dez meses.

Mariana, filha da cuidadora A, está no programa a um ano e dez meses; Paulo, filho

da cuidadora B, está no programa à onze meses; quanto as crianças filhas da cuidadora C,

Maria, a saber, a mais nova, está no PCF há cinco meses, e João, mais velho, está no PCF a

um ano e dez meses. Essas informações foram obtidas nas respostas das cuidadoras e pelo

acesso aos anexos/prontuários que ficam arquivados nas pastas de cada criança na sede do

programa Criança Feliz.

Perguntas para as cuidadoras e suas respectivas respostas:

P – O que você acha das atividades que são realizadas nas visitas? Elas são

interessantes, tem ajudado a sua criança a ter uma maior habilidade no dia a dia?

Cuidadora A

E – Eu achei muito interessante as atividades que ela faz, porque ela faz e se

desenvolve muito bem, pelas que, pelas que você faz, você manda fazer por vídeo, né, em

casa quando, quando vinha praz visitas antes da pandemia, ela sempre desenvolveu,

desenvolveu muito bem, eu gostei muito.

Cuidadora B

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55

E – Eu acho bem, é bem criativo pra eles, pra ele né, é tipo assim...incentiva mais o

desenvolvimento, é...das coisas de aprender, como abrir, fechar, manusear as coisas, rosquear.

Cuidadora C

E – Sim, tão, é...tão trazendo benefícios pra eles, pra eles né, eles estão se adaptando,

tá aprendendo né, desenvolvendo, aprendendo mais a conhecer os objetos, as cores, fazendo, e

assim, fazendo a atividade que você traz e tem resultado.

Nas respostas, a cuidadora A falou que através das atividades do PCF, a sua criança

melhorou no desenvolvimento, sem especificar as possíveis melhorias. A cuidadora B afirmou

que as atividades realizadas trouxeram benefícios para o desenvolvimento de sua criança,

como: manusear objetos, abrir e fechar, rosquear. A cuidadora B ainda afirma que houve

melhoramento da coordenação motora da sua criança. A cuidadora C fala em adaptação,

aprendizado, e relaciona esses dois elementos à desenvolvimento, especificando o que as

crianças têm aprendido: conhecer objetos e cores.

Trechos da fala da cuidadora C exemplificam as melhorias:

– Como, como eu já falei né, eles melhoraram bastante, antes quando ele não tava no

programa, ele não conhecia as cores direito, o João mesmo não conhecia as cores direito, já

agora ele já sabe o que é azul, o que é vermelho, o que é amarelo, antes ele não tinha esse

conhecimento, e agora é...ele tá bem melhor.

Sobre a criança menor ela faz as seguintes afirmações:

– Sim, como destampar garrafa, ela já destampa e quer tampar de volta, já pega as

caixinhas quer gua...quer encaixar nos cantinhos certos as coisinhas dela. Aí eu já tô né,

vendo o desenvolvimento dela, foi através do programa, eu não tinha esse tempo né, de tá

ensinando a eles, que é quatro crianças né, é muita coisa pra mim sozinha.

Podemos conciliar as respostas das cuidadoras B e C com as afirmações de Leontiev

(1978), quando o mesmo falava que as gerações atuais começam a vida no mundo dos objetos

e fenômenos através das gerações anteriores. Como afirmou o próprio autor, a atividade social

é uma das maneiras de se apropriar das riquezas desse mundo. E foi essa apropriação que

possibilitou para essas crianças desenvolverem algumas habilidades e adquirir alguns

conhecimentos.

Na resposta da cuidadora C, nota-se que houve um melhoramento da cognição do

João, que com as atividades realizadas passou a conhecer e identificar melhor alguns cores

básicas como, azul, vermelho e amarelo, e no caso da Maria houve um melhoramento da

coordenação motora, onde a mesma já começa a desenvolver habilidade no manuseio de

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objetos com rosca e a ter noção de organização, ao querer guardar e encaixar objetos nos seus

lugares correspondentes.

Cole & Cole (2003), apontam a primeiríssima infância como um período sensível,

ideal para mudanças evolutivas, e afirmam ser nessa fase que as influências ambientais têm

maiores probabilidades de serem eficientes no surgimento da ocorrência dessas mudanças.

Sendo assim, as crianças João e Maria, estão sendo estimuladas no melhor momento,

recebendo estimulações variadas e direcionadas, resultando no surgimento das habilidades

descritas pela cuidadora.

Visão das cuidadoras sobre as intervenções do PCF na promoção do desenvolvimento à

longo prazo.

P – Você acredita que as ações do Programa Criança Feliz vão ajudar no

desenvolvimento integral de sua criança à longo prazo?

Cuidadora A

E – Com certeza, é isso, com certeza, a longo prazo, ela já vem se desenvolvendo

agora e mais pra frente, vai ficar mais desenvolvida ainda né, através do programa tá ajudando

muito.

Cuidadora B

E – Sim, ajuda porque é aquela coisa, assim, nem toda hora você tá com tempo, de, de

tá ali prestando aquele serviço com a criança, ensinando as cores, ensinando a contar e tudo

isso já, é....né, nesse período que ele fica no programa, que vem a visita ele já se desenvolve.

Cuidadora C

E – Sim, vai, eu, eu, no meu entendimento, eu acho que vai, é, vai ajudar bastante

porque eu tenho aquele tempinho pra tá fazendo a atividade e acompanhando, eles vai

aprendendo cada dia mais, tendo conhecimento.

Pelas respostas fornecidas, percebe-se que as cuidadoras acreditam que as ações do

Criança Feliz irão contribuir no desenvolvimento integral de suas crianças à longo prazo. A

cuidadoras B e C enfatizam o ensino e o aprendizado que ocorrem no tempo das visitas como

capazes de promover esse desenvolvimento.

Nesse sentido, reconhecendo o ensino e o aprendizado como elementos promotores do

desenvolvimento, precisamos ter um olhar ainda mais ampliado. Como afirmava Vygotsky

(2007), o processo de aprendizado não pode nunca, simplesmente ser reduzido a formação de

habilidades, mas uma vez que a criança compreende como resolver a tarefa proposta ou

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57

consegue executar algum exercício, sua capacidade intelectual se amplia e as habilidades

adquiridas naquele momento passam a ser usadas para a resolução de diversos outros

problemas.

Avaliação das cuidadoras sobre o tempo de duração das visitas.

As cuidadoras A e C, disseram que o tempo de duração das visitas tem sido o

suficiente para o desenvolvimento das atividades e troca de informações necessárias. A

cuidadora B disse que o tempo tem sido o suficiente para a realização das atividades, mas se

esse tempo fosse maior seria melhor.

O Ministério da Cidadania preconiza que o tempo das visitas seja de quarenta

minutos à uma hora. No diálogo com vários visitadores e pela observação participante, foi

possível observar que esse tempo tem sido um pouco menor do que o que é determinado e em

alguns casos tem sido bem menor. O tempo de duração das visitas domiciliares tem sido em

torno de trinta minutos à cinquenta minutos, de acordo com o relato de vários visitadores,

variando de um profissional para outro.

Sugestões das cuidadoras sobre mudanças no programa ou nas atividades realizadas.

P – Em que você acha que o programa ou as atividades em si poderiam melhorar?

Cuidadora A

E – Assim né, se tivesse assim, eles tivessem mais coisa assim, pra, brinquedos né,

alguma coisa, umas atividades monta-monta, aqueles brinquedinhos mais coloridos que a

criança se encanta, aí eu acho assim, se tivesse mais esses brinquedinhos pra ensinar, a

numeração pra aprender de um a dez, pra a criança dessa idade desenvolver, eu acho melhor,

esses brinquedinhos coloridinhos pra ela desenvolver mais, com numeração, essas coisas. Eu

achava que melhorava mais.

Cuidadora B

E – Poderia melhorar..., em sentido de melhorar não, tá ótimo, mas assim, era bom que

cedesse material pra gente ir trabalhando com a criança em casa.

Cuidadora C

E – Não, pelas atividades que você traz eu acho que...é ideal pra eles, pra idade deles,

porque também a gente não pode pegar muitas atividades, muito pesadas porque não é pra

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eles, pra idade deles, tem que trazer atividades que seja pra idade deles, pra idade da Maria

que você traz, como pra idade do João.

Em sua resposta, a cuidadora A sugere o uso de brinquedos e atividades pedagógicas,

como brinquedos com numeração e brinquedos de montar, acreditando que esses ajudariam

mais no desenvolvimento das crianças. A cuidadora B sugere que o programa devia ceder o

material para a confecção de brinquedos, para que a família pratique com a criança durante a

semana. A cuidadora C disse que as atividades realizadas são ideais para a idade de suas

crianças.

Satisfação das cuidadoras para com o PCF.

P – E o programa, ele tem atendido as suas expectativas, ele tem sido aquilo que você

esperava ou não?

Cuidadora A

E – Sim, eu gostei do programa, eu não conhecia esse programa, e a partir do

momento que eu, que eu entrei no programa, eu gostei muito da...do programa Criança Feliz.

Cuidadora B

E – Sim, tem atendido, porque é assim, tipo, é uma ajuda pra gente que é mãe, e as

vezes não tem aquele tempo, pra...pra tá com a criança, ensinando uma atividade, é, com

paciência, com mais dedicação, o programa tem ajudado bastante.

Cuidadora C

E – Sim, eu graças a Deus eu tô muito feliz com o programa né. Tá ajudado bastante

eles, e a Maria que tá começando agora até (risos), tô muito feliz com ela, ela faz a atividade

tudo certinha, pela idade dela né.

P – E você recomendaria o programa Criança Feliz para outras famílias?

Cuidadora A

E – Recomendaria sim, com eu já falei, que a minha criança participa do Criança

Feliz, aí as pessoas ficam me perguntando é quem, é como que entra nesse programa, aí eu

falei né, através do bolsa família, quem tem o seu cadastro né, aí entra, aí eu conversei com

algumas pessoas, que muita gente já me disse, ó o meu filho faz, aí eu peguei e disse, a minha

filha faz também, eu gostei muito, é muito, é muito bom, o programa, e eu falo sim né praz

pessoas, que é muito bom as pessoas que estão nesse, nesse...ajudando as crianças a se

desenvolver né, as pessoas que vem do CF, é muito bom. Eu recomendo sim as pessoas.

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Cuidadora B

E – Sim, sim, recomendaria sim. É muito bom pra o desenvolvimento da criança.

Cuidadora C

E – Sim, recomendaria. Se eu puder passar pra outras pessoas eu vou passar, porque é

muito melhor praz crianças e o desenvolvimento das crianças, é muito, melhora bastante.

Porque como eu já disse, eles vão ter aquele tempo pra tá fazendo alguma coisa, que vai servir

pra o futuro deles. Vão aprender né, tão aprendendo ali, o desenvolvimento.

Percebe-se pelas respostas das entrevistadas, que elas estão satisfeitas com as

atividades realizadas pelo PCF e o fato de recomendarem o programa para outras famílias

deixa evidências dessa satisfação.

Mediação.

O envolvimento das cuidadoras nas atividades.

Nas entrevistas, duas das cuidadoras enfatizam a importância da disponibilidade do

tempo para a realização das intervenções, ênfase que pode ser vista em trechos de suas

respostas.

Trechos das entrevistas em que as cuidadoras falam sobre essa questão.

Cuidadora B;

– ...assim, nem toda hora você tá com tempo, de, de tá ali prestando aquele serviço

com a criança, ensinando as cores, ensinando a contar e tudo isso já, é..né, nesse período que

ele fica no programa, que vem a visita ele já se desenvolve.

Cuidadora C;

– ...eu não tinha esse tempo né de tá ensinando a eles, que é quatro crianças né, é muita

coisa pra mim sozinha. E agora eu tenho que ter tempo porque no dia da visita tem que tirar

aquele tempo pra tá ajudando a, a, a você e a eles né, tá ali vendo o desenvolvimento deles.

Na fala das duas cuidadoras fica evidente que o PCF proporciona para suas famílias,

momentos de intervenções de estimulação, visando o desenvolvimento das crianças. Essas

falas evidenciam uma dificuldade que não é apenas dessas duas cuidadoras, mas de uma

quantidade significativa das mães que têm suas crianças inseridas no programa, a falta de

disponibilidade para exercitar atividades de estimulação com suas crianças. Pelo fato das

visitas domiciliares ocorrem uma vez por semana, antes da pandemia, as visitas proporcionam

momentos de intervenções com um objetivo específico, estimular o desenvolvimento da

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criança por meio de atividades lúdicas e interativas, ou seja, atividades que promovam a

interação da criança com a sua cuidadora ou com outras crianças do ambiente familiar.

Para que a criança tenha um desenvolvimento intelectual satisfatório, ela precisa do

adulto. Como afirma Luria (1992), é através da intervenção constante do adulto, que

processos psicológicos mais complexos e instrumentais começam a tomar forma, devido a

criança ser introduzida na cultura a qual faz parte, adotando seus significados e condutas. Por

isso é que a criança precisa da atenção e cuidados constantes do outro, mais especificamente

de seus cuidadores.

Essa dificuldade apresentada pelas cuidadoras, pode trazer prejuízo ao

desenvolvimento de suas crianças, devido essas precisarem da intervenção do adulto para

aprender e consequentemente desenvolverem os processos psicológicos superiores. E como

afirma Vygotsky (2007), aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o

primeiro dia de vida da criança. Fica evidenciado nas entrevistas, que as cuidadoras não têm

uma compreensão muito clara sobre o papel e importância do adulto na promoção do

desenvolvimento, por isso o trabalho de orientação e conscientização do visitador quanto a

essa questão é fundamental.

Com o PCF, as cuidadoras acabam tendo de reservar um tempo para esse momento,

para a interação com as crianças, fazendo assim, uso de um elemento fundamental na

transmissão de algum conhecimento, a mediação, algo primordial para o aprendizado e

desenvolvimento da criança. É a mediação que promove para a criança a aquisição de novas

habilidades e aprimoramento das já existentes. Pelo fato das visitas geralmente ocorrerem em

dias regulares, acabam facilitando esse processo.

A dificuldade apontada pelas cuidadoras B e C representam um número expressivo de

mães participantes do PCF que têm a mesma dificuldade, a falta da disponibilidade necessária

para estimularem suas crianças através de atividades que tenham essa finalidade. A cuidadora

C especificou que tem quatro crianças e que por isso não é fácil ter esse momento com o João

e a Maria para praticar tais atividades.

Essa é uma característica peculiar das famílias do PCF, a quantidade numerosa de

filhos por família, o que provavelmente dificulta a falta de disponibilidade para estar

exercitando com suas crianças as atividades recomendadas pelos visitadores e outras

possíveis. Sendo assim, é muito comum as crianças dessas famílias experiênciarem momentos

de estimulação direcionadas, apenas no dia da realização da visita, que em virtude da

pandemia passou a ocorrer com menos frequência, de semanal para quinzenal, ou em um

tempo ainda maior.

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A maioria das mães e avós não trabalham fora de casa, o que poderia indicar maior

facilidade para exercitar as atividades indicadas, mas não é o que se tem verificado. Na

observação participante não se contatou essa disponibilidade e sim certa dificuldade para tal

interação na maioria das famílias. As entrevistadas B e C têm 8 e 4 filhos respectivamente.

5.2 Análise das Entrevistas Realizadas com os Visitadores

LEGENDA: P – pesquisador; E – entrevistado(a); PCF – Programa Criança Feliz.

Seguindo as recomendações éticas, os nomes dos visitadores não aprecem, sendo

usados apenas as palavras visitador e visitadora para se referir aos dois profissionais

entrevistados.

Ambos os profissionais estão no Criança Feliz desde janeiro de 2019, atuam

realizando visitas domiciliares em bairros diferentes dentro do mesmo território e fazem parte

da mesma equipe de trabalho, sendo que os vinte e sete visitadores estão divididos em

diferentes equipes e cada equipe tem o seu território de atuação.

Perguntas para os visitadores e suas respectivas respostas.

P – Qual ou quais as suas maiores dificuldades na realização do trabalho como

visitador?

Visitador

E – É...a par, é.... primeiro momento, a dificuldade que, que eu tive foi como visitador

do sexo masculino, quando a gente entra na casa num ambiente que acostumado a ter

mulheres porque o marido é ciumento, é...eles não são tão receptivos. A gente tem que

conquistar a confiança deles pra poder fazer as visitas e acompanhar a criança, e melhorou

bastante com o passar do tempo. E...e segundo é que a gente tem que passar uma atividade pra

criança fazer o acompanhamento e a família fazer a parte dela. É a atividade que a gente

passa, a gente tá passando lá uma vez por semana, fazendo o acompanhamento da criança e a

família tem que passar o resto da semana desenvolvendo essa atividade com ela e acaba que

as vezes as famílias são um pouco desleixadas, quando a gente vai chegar lá, a última vez que

a criança viu a atividade, que fez alguma coisa, foi a última vez que a gente passou lá na

semana anterior, isso é uma das dificuldades.

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Visitadora

E – De início no programa foi a questão do comprometimento da mãe né, as vezes a

gente marcava o horário, não conseguia encontrar, a questão financeira da maioria delas

influencia bastante, as atividades que eram deixadas as vezes não eram realizadas, de início

foi isso. (Trecho de sua resposta).

Em sua resposta, o visitador relatou que sua primeira dificuldade foi o fato de ser um

profissional do sexo masculino, o que acaba gerando ciúmes por parte dos companheiros das

cuidadoras, pelo menos no início das visitas. A falta de comprometimento das mães ou

cuidadoras no exercício das atividades aparece na duas falas. A visitadora relatou outra

dificuldade sua, encontrar as famílias em casa nos horários combinados, pelo menos nas

primeiras visitas. Essa falta de comprometimento de muitas cuidadoras no exercício das

atividades também foi constatado na observação participante.

Interação do visitador e da visitadora para com as crianças.

P – Como tem sido a sua interação com as crianças?

Visitador

E – A interação geralmente é muito boa, eles, eles é... acabam ficando até ansiosos

pela nossa presença no, no, pra chegar na casa, é. a gente chegar lá, eles já, já, é. tem, eles vão

criando aquele vinculo depois das visitas, e tão acostumados com as visitas da gente.

Visitadora

E – Hoje tem sido maior, é aquela questão, você precisa de um tempo pra criar um

vínculo né, de início foi bem complicado porque, a maioria delas ficam sempre em casa, o

contato das crianças é com a família, mãe e pai geralmente, com a mãe principalmente,

porque a maioria dos pais trabalha, as que tem, e...de início foi difícil criar esse vínculo, mas

agora não, agora não, a interação tem sido boa, boa, tem sido bem receptiva também, as

crianças acabam se apegando bastante né, é...aquele dia que você vai, quando você não

aparece fica perguntando. É, é isso.

Interação do visitador e da visitadora para com as famílias

P – E como tem sido a interação com as famílias dessas crianças?

Visitador

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E – É aquilo que eu falei de início, é de, no começo é um pouquinho de dificuldade a

aceitação as vezes por uma pessoa do sexo masculino no ambiente, é. o pai de família as

vezes fica é. um pouco receoso, mas depois que a gente conquista a confiança, mostra o

profissionalismo, é fica tudo tranquilo.

Visitadora

E – Tem sido boa também, eu nunca tive dificuldade com nenhuma família por

incrível que pareça, já ouvi vários relatos de muita dificuldade de não conseguir encontrar, a

interação com as famílias tem sido tão boa quanto com as crianças. Nunca tive problemas.

Verifica-se que as respostas foram bem diferentes, o visitador falou de sua dificuldade

no início, devido ser visitador do sexo masculino, e levou um pouco de tempo até ganhar a

confiança da família, teve que mostrar profissionalismo. A visitadora enfatizou que nunca

teve problemas e sua interação com as famílias é muito boa.

Desenvolvimento Infantil

Alcance das ações do Programa Criança Feliz

P – Você acredita que as ações do programa têm contribuído no desenvolvimento da

criança?

Visitador

E – Acredito... acredito, acredito, só que...com, com, com uns... em partes, em partes,

porque a gente tem que fazer o nosso trabalho mas a família tem que desenvolver a parte dela

pra gente chegar no, no, no objetivo final, que é estimular a criança nos primeiros anos de

vida, primeira infância, e aí a gente tá passando lá, a gente tá dentro do lar, do ambiente, é

numa visita durante 40 minutos, 50 minutos, uma vez por semana, e deixando a atividade pra,

pra a família desenvolver essa atividade é...durante a semana, aí acontece que elas não

desenvolvem, as vezes não desenvolvem e a gente não chega ao objetivo final, fica

inconcluso, acaba que a gente não conclui o objetivo, se elas desenvolvessem a atividade, é...a

gente concluiria , ficava tudo certo.

Visitadora

E – Na maior porcentagem acredito que sim, cem por cento não, tem muita coisa pra

ser melhorada também, mas tem avançado sim, eu vi um...um crescente desenvolvimento das

crianças, não tanto quanto a gente gostaria, pela questão de recursos também né, e todo um

aprimoramento que a gente precisa ter, mais eu vi sim, uma grande evolução.

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Vygotsky (2007) compreendia que a internalização é resultado de um longo processo

de transformação do aprendizado interpessoal para o aprendizado intrapessoal, ocorrido ao

longo do desenvolvimento. Sendo assim imprescindível a presença e auxilio do adulto para

que a criança consiga internalizar os aprendizados, conteúdos e conhecimentos necessários

para alcançar o desenvolvimento satisfatório.

Nas falas dos profissionais fica evidente que a maioria das famílias deixam a desejar

quanto a essa questão. Mais uma vez aparece aqui a falta de exercício das atividades pelas

famílias durante a semana, ficando a estimulação da criança restrita ao dia da visita, restrição

essa que pode comprometer o resultado final, segundo a avaliação do visitador. A visitadora

fala da necessidade de um aprimoramento dos próprios profissionais e reconhece que apesar

disso houve avanços.

Compreendendo a internalização dos aprendizados como um processo de longo tempo,

as intervenções do PCF acabam contribuindo na tentativa de alcançar esse objetivo, já que as

atividades direcionadas de estimulação, são efetuadas regularmente, considerando as

características e o nível de desenvolvimento de cada criança, sendo que cada uma dessas pode

permanecer por um tempo considerável no programa.

Sugestões sobre mudança no programa.

P – Se você pudesse mudar algo no formato do programa, ou no seu modo de

funcionamento, o que você mudaria?

Visitador

E – ... com relação aos prontuários da gente, a maneira da gente trabalhar, acho que

mudaria pra uma coisa mais informatizada, porque hoje em dia a gente trabalha com, com

muitas fichas pra escrever, é... são vários documentos que a gente carrega, vai pra lá vem pra

cá, são mais de trinta famílias, são trinta famílias pra gente dá conta desses documentos, acaba

que as vezes a gente leva pra sede perde, acaba misturando documentos, acaba se perdendo

algum documento, a gente tem que refazer, eu melhoraria essa parte dos prontuários, faria

uma coisa mais informatizada, eletrônica.... Eu acho que deveria ter é....um pouco mais de

proximidade entre as partes, as vezes a gente tá com algum probleminha lá e demora demais a

chegar nos superiores, a gente fala do nosso ambiente, lá no CF, a gente sabe que eles dão

conta do pessoal que trabalha na assistência, no CRAS, entre outros, em outras partes, e acaba

que vez ou outra deixa a desejar.

Visitadora

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– Eu mudaria...seria a questão dos minutos, da intervenção, eu acho 45minutos muito

tempo, porque é assim, você leva a atividade, a criança se envolve naqueles primeiros 5, 10

minutos, depois disso não dá tanta atenção, seria essa a palavra, eu sei que é comprovado que

é mais ou menos esse tempo pra atividade surtir efeito e tudo mais, só que eu acho muito

longo esses 45 minutos pra você ficar ali chamando a atenção, envolvendo a criança na

atividade, devia ser um pouco menor, e a questão da confecção dos materiais, do...brinquedo.

Eu acho que deveria haver mais oficinas ou...assim, uma facilidade maior pra gente fazer

esses brinquedos né, mais ideia, porque acaba ficando muito pesado pra gente né, a confecção

dos brinquedos, a apresentação, tudo mais. A questão do preenchimento, é muita coisa (risos).

Com essas respostas, nota-se que os registros do trabalho ainda são feitos

manualmente, o preenchimento dos formulários para ser mais preciso, e que um volume

considerável de documentos são guardados, arquivados, na sede do PCF, sendo assim, esses

profissionais não utilizam nenhuma ferramenta eletrônica para facilitar o seu trabalho. A

visitadora reclamou da questão dos minutos da visita, tempo esse que ela considera

desnecessário para realização das intervenções, também sente falta de oficinas que ensinem a

confeccionar brinquedos para as intervenções.

Valorização profissional

.

P – Tem algo no seu trabalho que te deixa contente, com a sensação de realização, de

dever cumprido?

Visitador

E – Com certeza, é esse, acho que o maior estímulo pra gente trabalhar, é você

acompanhar ali, é...como a gente trabalha com crianças especiais, trabalha com as crianças da

primeira infância e com as gestantes, você fazer o acompanhamento delas nesse período, a

gestante, e você ver que chegou tudo bem lá no final, ela teve, teve, a criança dela, você

acompanha o desenvolvimento da, da criança de zero a três anos ou a criança especial, e você

chega e, e vê após alguns meses e ela, ela apresentou uma diferença no desenvolvimento, ela

tá criando outro hábito, um hábito, a criança tá pedindo pra, pra fazer um rabisco, pra

desenhar, tá pedindo pra, pra ver um livro, pra mãe contar uma história, apresentando uma

melhora na interpretação, e outras, e outros passos no desenvolvimento também, isso é o que

estimula a gente.

Visitadora

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E – Ocorre sim, o que tem me deixado contente é...a receptividade das mães, das

famílias por não conhecer você de início, e é acolher você tão bem, o retorno que eu tive de

algumas mães, de algumas crianças também, elas acabam se apegando a você como se fosse

um familiar mesmo. Isso tem me deixado muito contente e disposta também a realizar o meu

trabalho. Esse retorno das mães e das crianças principalmente.

O que tem deixado o visitador contente é o desenvolvimento das crianças e gestantes,

o resultado do acompanhamento após algum período de intervenções, o mesmo também

enfatiza a diferença no comportamento de algumas crianças como o motivo de seu

contentamento. A visitadora destaca o acolhimento das famílias como motivo de sua

satisfação no trabalho e o apego das crianças a ela e vice versa. Essas falas mostram que os

motivos de satisfação no trabalho podem ser similares ou diferentes, no primeiro caso, o

contentamento fica mais evidente pelos resultados decorrentes do trabalho realizado. No

segundo caso, o elemento principal para o contentamento no trabalho são os vínculos afetivos

formados com as famílias e crianças. Os elementos citados para a motivação no trabalho

podem ser distintos ou conciliados, considerando que ambos são importantes.

P – Existe valorização do seu trabalho por parte de seus superiores, ou isso não

acontece?

Visitador

E – Existe sim uma valorização da gente, é, quando a gente mostra o nosso trabalho, é

faz o acompanhamento com a criança, é, mostra algum a atividade que a gente fez, mostra

algum resultado da criança, é, apresentando alguma melhora no desenvolvimento, eles sempre

valorizam o nosso trabalho. Mas é...antes disso, é. eles tem uma cobrança uma cobrança

muito grande em cima da gente, é...mais do que o, mais do que o lado de, de valorizar, acho

que eles cobram bastante, cobram além do, da valorização.

Visitadora

E – Sinceramente não existe valorização nenhuma. Eu posso falar isso por mim. Existe

uma maior cobrança com relação a números principalmente, eu não acho que seja, não leve

tanto em consideração a importância do nosso trabalho, até onde o nosso trabalho chega,

é...não me sinto valorizada como profissional, eu não acho que tenha uma influência bacana

por parte dos superiores principalmente, isso acaba desestimulando é...o visitador, e o que

realmente nos incentiva a querer fazer um bom trabalho é a questão das crianças mesmo, da

necessidade que a gente vê no dia a dia das crianças, do apego, que a gente acaba tendo, a

pesar de dizerem que a gente não deve se apegar, mas a gente acaba se apegando, não tem

como você não criar um vínculo. Toda semana você está ali na casa da pessoa, é...durante um

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tempo razoável, acaba as vezes até demorando mais porque, você chega e existe situações em

que a mãe quer conversar e tudo mais, e você acaba ficando até um tempinho a mais. Não

vejo essa valorização de jeito nenhum com relação principalmente da coordenação, sabe

cobrar, cobrar, cobrar, e....a situação em território é totalmente diferente da questão

burocrática, a gente sabe muito bem disso, e eu não me sinto valorizada.

As divergência nas respostas dos profissionais quanto a valorização profissional,

demonstram que as percepções distintas proporcionam comportamentos diferentes diante da

mesmo fenômeno. O visitador reconhece que existe uma valorização por parte dos superiores,

embora enfatize mais a cobrança do que valorização. A visitadora é bem enfática ao afirmar

que não existe valorização nenhuma, que não se sente valorizada como profissional, e que

existe um excesso de cobrança, que essa situação acaba desestimulando e o que ainda mantém

o visitador estimulado é o apego às crianças.

P – E como as cobranças implicam no seu trabalho?

Visitador

E – Às vezes motiva mais a gente fazer o nosso trabalho e as vezes acaba causando

alguma incomodo e gerando algum atrito entre a equipe, entre supervisor e o visitador, porque

as cobranças vem de lá de cima, da hierarquia e vem descendo até a gente, e acaba que, que

uma vez ou outra ocorre algum erro, algum erro de informação, e acaba incomodando a gente,

a gente acaba levando trabalho pra casa, acaba trabalhando até fim de semana, olhando

prontuários, por conta da cobrança que, que é gerada.

Visitadora

A visitadora fala que não acha que isso tenha uma influência bacana e acaba até

desestimulando o visitador e, o que realmente mantem o profissional incentivado são as

crianças, as necessidades dessas que são observadas pelo profissional. O visitador traz em sua

fala um elemento importante que poderia passar despercebido, a sobrecarga de trabalho, ao

falar que o visitador acaba levando trabalho pra casa, os prontuários.

Sobre as formações recebidas para a atuação profissional.

P – O que você acha da formação inicial e das formações continuadas que vocês

receberam, elas são e tem sido suficientes para a realização do trabalho com segurança?

Visitador

E – com certeza, a formação, a formação contínua, que eles, eles nos dão é, é, junto a,

a nossa prática, é...torna os visitadores totalmente aptos a desenvolver o trabalho, a gente

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recebe a capacitação, é...a capacitação contínua, a gente vai vendo a parte muita coisa teórica

ali, a parte da saúde, a parte da assistência, a gente vai vendo, é...recebendo novas

informações, e vai cruzando isso com a experiência da gente em território, isso é muito bom,

torna muito bom, muito eficaz, a capacitação que eles dão a gente.

Visitadora

E – Suficiente não foi, deu mais ou menos um norte, porque uma coisa é a teoria, a

outra é a prática. Que eu tive posso dizer com segurança que não foi suficiente pra realizar o

meu trabalho, só a questão dá...do preenchimento dos relatórios, mas a questão da

intervenção, da confecção de brinquedos, isso não foi suficiente, principalmente a questão da

intervenção em si, é...a realidade no território é totalmente diferente do que foi passado na

formação, isso também varia de família pra família, pra mim, não foi nada, nada, comparado a

formação que a gente teve. Ir para o território fazer as atividades, fazer as visitas, são coisas

totalmente distintas.

Há divergência nas respostas dos profissionais, o visitador acha que as formações são

suficientes para dar segurança na realização do trabalho como visitador e o que se aprende

nesses treinamentos dá para utilizar na realização das intervenções. A visitadora não acredita

que essas formações sejam suficientes, e sim, que essas dão apenas um norte e ajudam na

questão do preenchimento dos relatórios. A visitadora ainda destaca que a realidade do

território é bem diferente do que é passado nas formações.

Visualização das ações do programa à longo prazo.

P – Pensando à longo prazo, você acredita que as atividades realizadas pelo PCF hoje,

irão contribuir no desenvolvimento das crianças no futuro, pensando mesmo na sua

adolescência e juventude?

Visitador

E – É...eu vejo como se a gente tivesse plantando uma sementinha, ali naquela

família, uma coisa que é... as vezes a gente não vai ver o resultado agora, mas quando chegar

lá na frente a gente vai ver que a gente pode ter mudado o futuro de um, de um, daquela

criança, criança que não tinha o hábito de estudar, não tinha o hábito de leitura, é...não tinha,

era, era, a família era desleixada, deixava só em frente à televisão e a gente fez aquela

mudança ali, estimulou ela a fazer algo diferente, é...pediu pra mãe, pra mãe contar história

pra ela, ela começou a se interessar por leitura, a gente vê que lá na frente isso vai fazer toda a

diferença, vai, vai trilhar um caminho diferente.

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Visitadora

E – Eu visualizo e torço pra que tenha um futuro próspero né. A gente sabe que a

realidade é totalmente diferente, pelo local que vive, por todo um convívio em si, é aquela

realidade daquelas crianças. A gente torce pra que tenha uma educação bem melhorada. A

primeira infância tá sendo trabalhada aos poucos, mas depois disso, a gente só trabalha até os

três anos, depois disso precisava ter uma continuação, por parte da família, por parte da

escola, e eu torço pra que tenha mesmo um futuro próspero.

Podemos ver nas respostas fornecidas, que a visualização quanto ao futuro dessas

crianças e sobre os impactos das ações do CF na vida dessas, difere entre os dois

profissionais. O visitador compara o trabalho com uma sementinha, trazendo a ideia de um

processo lento, que precisa de um tempo para apresentar resultados mais significativos, ao

mesmo tempo destaca algumas mudanças de comportamento, que já estão ocorrendo em

decorrência das intervenções realizadas, como o hábito pela leitura em algumas crianças.

Quanto a visitadora, a palavra torcer aparece várias vezes em sua fala, deixando a

entender que a profissional tem um certo receio com relação aos impactos das ações do PCF à

longo prazo, por entender que a realidade dessas crianças não ajuda muito quanto à mudanças

mais impactantes após o PCF. Na sua fala fica evidente que as ações em prol do

desenvolvimento infantil precisam ser continuadas por outras instituições, como a família e a

escola, o que não dá pra saber se essas irão dar a continuidade necessária, por isso a torcida.

Considerando as duas falas, é preciso entender os dois pontos de vista. O trabalho de

atividades de estimulação infantil demora algum tempo para apresentar resultados mais

expressivos, o que não aluna algumas mudanças importantes já no presente, como o gosto

pela leitura, por isso a crença, a esperança em mudanças ainda maiores no futuro. Por outro

lado, o que está sendo feito hoje precisa ser continuado, devido ao desenvolvimento humano

exigir o atendimento de diversas necessidades, e essas irem mudando no decorrer do próprio

desenvolvimento, sendo a família, a escola e outras instituições primordiais nesse processo.

5.3 Peculiaridades Identificadas pela Observação Participante

Na realização das intervenções com as crianças atendidas, foi possível verificar como

essas podem aprender novas habilidades em pouco tempo e são capazes de realizar mais do

que se espera delas, desde que recebem os estímulos apropriados e tenham a supervisão de

alguém que atue como mediador.

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Mediação

Em uma intervenção, em que a atividade consistia em transferir a água de um

recipiente para outro, ou seja, de um copo para outro, ou de uma xícara para outra, na qual, a

criança deve utilizar ambas as mãos, subindo e descendo as mãos que estão segurando os

recipientes, fazendo movimentos alternados, transferindo o líquido de um recipiente para o

outro, uma dificuldade foi verificada.

Após as orientações à mãe, a mesma organizou o material da atividade e a criança deu

início a execução. A criança ao fazer a transferência da água para o copo que estava na mão

direita não utilizava a mão esquerda e sim soltava o copo da mão direita e com essa própria

mão pegava o copo da mão esquerda e fazia a transferência da água para o copo da mão

esquerda, ou seja, a criança só utilizava a mão que tinha mais habilidade, a direita, na

transferência da água de um recipiente para o outro.

O intrigante é que a mãe não percebeu essa incorreção na execução e sim o visitador,

que naquele momento também atuava como pesquisador. Percebendo a dificuldade da

criança, passei a auxilia-la na execução, segurando em suas mãos e fazendo o exercício junto

com ela por diversas vezes. Após esse auxilio e treino, a criança foi incentivada por sua mãe a

fazer a execução sozinha, conseguindo então fazer a execução correta, passando a utilizar

ambas as mãos no exercício.

Essa experiência corrobora com as afirmações de Vygotsky (2007), de que o que uma

criança faz com ajuda hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã. O mais incrível, é que

com a devida ajuda, a habilidade esperada já pôde ser adquirida hoje. Essa situação também

mostrou a importância da mediação, elemento tão enfatizado por Vygotsky como

imprescindível para o aprendizado. A mesma atividade foi realizada com outra criança, onde

se apresentou a mesma dificuldade e o procedimento para sanar tal dificuldade foi mesmo, e o

resultado satisfatório foi alcançado.

Percebe-se que quando trata-se de crianças pequenas, a mediação precisa ser mais do

que o ensino ou a demonstração de algo que se pretende transmitir, é preciso acompanhar a

compreensão da criança, verificar suas dificuldades e habilidades; dito de outra forma, é

preciso acompanhar como a criança procura resolver os desafios e tarefas que lhe são

colocados e lhe dar o suporte mais adequado para cada situação.

Internalização

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Em outra experiência de visita domiciliar, a atividade proposta tratava-se de a criança

identificar um burrinho, com a cor exata que lhe foi mostrado. O visitador mostrou para a

criança um carrossel de burrinhos coloridos e brilhantes, o brinquedo contém cinco burrinhos

em cinco cores diferentes, onde mostra-se um desses para a criança, e menciona algumas

vezes o nome da cor do burrinho, gira o carrossel e pede para a criança pegar o animal com a

cor que lhe foi ensinada, esse exercício precisa ser praticado várias vezes para facilitar a

memorização.

Quando foi pedido para a criança identificar o burrinho que lhe foi mostrado, nesse

caso o burrinho amarelo, a criança prontamente o identificou, fato que a sua mãe interpretou

como mera coincidência, então orientou a mãe a pedir novamente para a criança identificar o

mesmo animal e novamente a criança acertou, e isso se repetiu por mais três vezes,

evidenciando que ocorreu uma memorização.

Mais uma vez ficou nítido a importância da mediação, e como enfatiza Vygotsky

(2007), é na interação com o outro que acontece a apropriação dos elementos da cultura. O

que chamou a atenção nessa experiência é que essa criança ainda não tinha o conhecimento

das cores. Essa intervenção seguiu o critério de validade da ciência, onde a repetição do

experimento apresentou o mesmo resultado, embora em uma situação muito particular, no

caso com uma criança específica de um ano e seis meses. Nessa experiência ficou nítido que a

criança está conseguindo internalizar o aprendizado do que é amarelo, embora ainda não saiba

verbalizar o nome da cor.

Aqui podemos destacar a zona de desenvolvimento proximal, a qual Vygotsky (2007),

atribuiu papel importante. A mãe ou cuidadora precisa receber essa orientação, precisa ser

instruída a proporcionar para a criança o exercício de atividades desafiadoras, ou seja, iniciar

a criança em atividades que exijam um certo planejamento, organização ou maior atenção, e

que com a devida paciência e insistência de quem ensina, a criança tem potencial para

aprender e ir além do esperado.

Um desafio a mais foi verificado na realização das intervenções, o acompanhamento

das crianças com a síndrome congênita do vírus zika. Cinco visitadores realizam intervenções

com sete crianças com essa deficiência. Os profissionais não receberam nenhum treinamento

específico para desenvolverem tais intervenções, e os mesmos contam com a própria

criatividade e troca de experiências entre eles. Existem cursos online disponibilizados pelo

ministério da cidadania e por outros plataformas que tratam da síndrome e trazem orientações,

e esses são recomendados para os devidos profissionais, porém os cursos não apresentam

intervenções especificas.

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72

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo explorou o funcionamento do Programa Criança Feliz no município

de Arapiraca, situado no agreste de Alagoas. Programa social à nível federal, que tem como

objetivo promover o desenvolvimento da criança na primeiríssima infância, tendo como

público alvo as famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica.

Por se tratar de uma pesquisa de campo, com observação participante, além do uso de

outros instrumentos como entrevistas e levantamento de dados, foi possível identificar

algumas fragilidades e limitações quanto ao programa, assim como também foi identificado as

potencialidades que enaltecem o Programa Criança Feliz como política de assistência voltada

para a primeira infância.

Não há intenção de apresentar uma solução para as limitações que foram identificadas

sobre o referido programa, e sim, propor possíveis alternativas e caminhos a serem

trabalhados por diversas mãos e diferentes atores, na tentativa de contribuir na construção de

um programa de excelência. O estudo também traz ao conhecimento público os pontos fortes

do programa e a sua importância para as famílias em maior vulnerabilidade, principalmente

nesse momento de pandemia, onde as creches permanecem fechadas devido as medidas de

prevenção à COVID – 19.

A observação participante permitiu identificar uma situação que limita as ações do

Criança Feliz no município, a saber, a fragilização na rede de serviços soco assistenciais, de

saúde e de educação. Em três grandes conjuntos habitacionais populares, não há escolas,

creches, UBS, CRAS, centros poliesportivos, e em apenas um conjunto popular, o mais

populoso, o conjunto Brisa do Lago, existe os serviços citados, com exceção de um centro

esportivo.

Essa fragilização da rede traz limitações ao objetivo maior do Criança Feliz, a saber, o

desenvolvimento integral das crianças. Além da falta desses serviços, não se vê nos bairros

contemplados pelo programa, espaços públicos seguros para as crianças brincarem, locais que

tenham playgrounds e outros recursos, com exceção de alguns bairros. O município deixa a

aparente impressão de que a gestão municipal não dá a devida importância para a atividade do

brincar, necessidade tão essencial para o desenvolvimento infantil.

É importante ressaltar que existe um número considerável de crianças nos territórios

atendidos pelo PCF, o que justifica ainda mais a necessidade de um investimento em praças e

espaços seguros que possibilitem o brincar e a socialização entre as crianças e as famílias,

investimentos que contribuirão para o fortalecimento dos vínculos comunitários e valorização

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do território, algo primordial na política do SUAS. Ao proporcionar esses espaços, o

município estará reconhecendo que nesses lugares existe uma dinâmica de vida em que o

brincar e o lazer também estão presentes e precisam ser valorizados.

Se a gestão administrativa municipal abraçou de fato a primeira infância como uma

questão de política pública, precisa fortalecer a sua rede intersetorial de serviços. No caso de

permanência da fragilização da rede, o trabalho que está sendo realizado hoje, não conseguirá

produzir o efeito esperado, e pode ocorrer o fato de a gestão municipal e a sociedade fazerem

uma avaliação apressada e equivocada sobre a importância do programa, minimizando sua

capacidade de promover melhoramentos no desenvolvimento infantil. As comunidades

assistidas pelo PCF precisam contar com uma rede de serviços que consiga atender as

demandas da população local.

Uma das dificuldades verificada, foi a quantidade reduzida de profissionais que atuam

na saúde básica e assistência social, ou seja, uma quantidade insuficiente de profissionais que

trabalham nas UBS e também nas unidades do CRAS, o que acaba causando entrave no

atendimento das demandas da população e gerando insatisfação para com os serviços

prestados, além de causar outros problemas decorrentes. O não atendimento de algumas das

necessidades da criança pode comprometer o seu desenvolvimento como um todo, reduzindo

a eficiência da política municipal para a primeira infância.

Para conseguir prestar melhores atendimentos e contribuir na promoção do

desenvolvimento integral de suas crianças, o município precisa investir no fortalecimento de

sua rede Inter setorial, construindo escolas, creches, UBS, CRAS e complexos poliesportivos

em grandes bairros onde faltam esses serviços, principalmente nos grandes conjuntos

habitacionais populares que estão desassistidos desses serviços.

O município precisa também aumentar o seu contingente de funcionários que atuam

nas UBS e nos CRAS para que consiga prestar os seus serviços com maior qualidade e mais

agilidade e consiga dar conta das demandas. É preciso também reestruturar algumas unidades

do CRAS que atualmente se encontram deterioradas, devido à falta de manutenção há alguns

anos.

Tendo uma rede Inter setorial fortalecida, as ações do Programa Criança Feliz irão

surtir melhores resultados no alcance de seus objetivos, devido poder contar com um suporte

qualificado em prol do desenvolvimento infantil. Sem esse suporte qualificado, as

intervenções regulares ficam restritas ao cumprimento de diretrizes e funcionam apenas como

requisito necessário para o repasse dos recursos federais e manutenção do programa.

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74

Outra limitação observada, é a meta que cada visitador precisa alcançar no número de

famílias. Cada profissional deve ter trinta famílias atendidas ou próximo disso, e isso tem sido

um dilema. O primeiro desafio do profissional é atingir esse número, o segundo é conseguir

inserir famílias que estejam comprometidas com a proposta do programa, para que as visitas

domiciliares não se tornem apenas o registro de números.

O dilema seria exatamente esse, desligar as famílias não comprometidas ou

permanecer com elas? É importante destacar que os visitadores precisam manter a meta de

trinta famílias atendidas, e quando esse número reduz, o profissional precisa repor, para que

mantenha a média ou esteja sempre próximo disso. Se várias dessas famílias não estão

envolvidas com a proposta do programa, as ações do PCF ficam restritas as visitas semanais,

ou a cada duas semanas, devido o atual momento de pandemia, existindo apenas com a

finalidade de preenchimento e registro de prontuários e como garantia de repasse de recursos.

Uma possível saída para essa dificuldade seria reduzir a quantidade de famílias por

visitador e aumentar o contingente de profissionais para que a quantidade geral de famílias

atendidas seja mantida e com a perspectiva de crescimento, considerando que a gestão do

programa tem esse objetivo. Com uma quantidade menor de famílias por visitador, a

possibilidade de ter cuidadoras mais comprometidas aumenta, pelo fato do profissional não ter

a pressão de alcançar um número elevado de crianças e gestantes atendidas, podendo assim,

selecionar melhor o seu público e ter melhores resultados. Não foi possível obter a informação

sobre a possibilidade de tal mudança, devido a alteração proposta implicar em maiores

investimentos, e esses recursos serem provenientes de instâncias federais.

Uma característica similar do público do PCF é a quantidade considerável de filhos

por famílias. Verificando vinte e duas famílias acompanhadas, constatou-se que em sete

dessas, as mães têm três filhos ou mais, em dez as mães têm dois filhos, e em apenas cinco, as

mães têm somente um filho. Outra característica dessas famílias é o seu baixo grau de

escolaridade, das vinte e duas cuidadoras acompanhadas, verificou-se que apenas uma tem

ensino superior, seis têm o ensino médio, três têm o fundamental completo e doze têm o

fundamental incompleto. Quase a totalidade dessas mães e cuidadoras não estudam

atualmente.

Seria interessante que em parceria com os profissionais da UBS e do CRAS, o PCF

desenvolvesse palestras ou curso sobre planejamento familiar para as suas famílias, tendo a

participação dos homens, dos pais. Como também seria pertinente promover discussões ou

cursos específicos sobre gravidez na adolescência, voltado exclusivamente para tal público, já

que existe altos índices de gravidez na adolescência nessas comunidades. Essas estratégias,

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75

efetuadas com regularidade, podem à longo prazo, resultar na constituição de famílias

menores, proporcionando melhor qualidade de vida para as mesmas, com aumento da renda

per capita e maior disponibilidade de tempo para a interação entre cuidadores e crianças.

Um ponto forte identificado sobre o programa é o baixo índice de desistência por parte

das famílias, ou seja, são poucas as cuidadoras que pedem o desligamento de suas crianças

por desinteresse. A grande maioria dos desligamentos acontece por mudança de endereço para

bairros não contemplados pelo PCF, ou por mudança de endereço sem informação ao

visitador. O mais comum são os desligamentos devido a criança completar a idade de três

anos, ou seis anos, no caso as beneficiarias do BPC, embora os desligamentos por

desinteresse também aconteçam em números bem reduzidos.

Esse fato deixa transparecer que embora o comprometimento das mães e cuidadoras

para com o programa e as intervenções realizadas seja baixo, a grande maioria acredita no

programa e querem que suas criança continuem sendo acompanhadas até a idade limite. Isso

deixa a entender que o programa tem credibilidade junto ao seu público, e que essas famílias

atribuem alguma importância ao mesmo.

Foi possível constatar que sem as visitas domiciliares do PCF, muitas crianças das

famílias de baixa renda, perderiam a oportunidade de ter um momento de maior interação com

a suas cuidadoras, algo tão importante para o fortalecimento dos vínculos afetivos e para o

desenvolvimento. Sem o PCF muitas dessas crianças ficariam sem nenhuma atividade lúdica

direcionada para a aquisição de habilidades. A oportunidade de fortalecer os vínculos

familiares, juntamente com a produção de atividades lúdicas estimuladoras do

desenvolvimento, justifica a existência do programa e enaltece a sua importância como

política de assistência.

Faltou tempo necessário para uma investigação mais aprofundada sobre a relação entre

os conceitos da psicologia e o trabalho dos visitadores, nas intervenções realizadas. Faltou

também maior investigação de como tem sido as intervenções com as crianças contraídas com

a síndrome congênita do vírus zika. A quantidade de participantes que contribuíram com o

desenvolvimento da pesquisa através das entrevistas também foi pouco expressiva, sendo três

cuidadoras e dois profissionais visitadores, essas insuficiências impossibilitaram a pesquisa de

ficar mais enriquecida em termos de dados e de qualidade avaliativa dos entrevistados.

Fica notório, que as políticas sociais em prol da primeira infância têm a perspectiva de

formar sociedades mais justas e autônomas, cada vez menos dependentes do Estado, por isso

o crescente investimento na base do desenvolvimento humano a nível mundial, prevendo à

longo prazo, reduzir o índice de pobreza e consequentemente os custos com programas

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sociais. Tem sido essa a direção seguida pelos líderes governamentais nos acordos e cúpulas

internacionais, os quais foram descritos na introdução e mais detalhados no capítulo um.

Com os devidos aprimoramentos, os quais foram descritos, assim como um maior

envolvimento da gestão pública no que concerne a sua política em prol da primeira infância, o

Programa Criança Feliz do município tem potencial para se tornar um programa de

excelência, sendo reconhecido pela sociedade e pelos profissionais das mais diversas áreas,

com possibilidades concretas de ser premiado pelas instâncias avaliadoras, podendo o

município alcançar projeção nacional e internacional e ter à longo prazo uma sociedade mais

igualitária e com melhores índices de desenvolvimento humano.

Que outros trabalhos possam se beneficiar dos resultados apresentados nesse estudo,

podendo amplia-lo ou trazer outros elementos que não foram identificados no presente

momento, e consequentemente contribuam na compreensão de políticas voltadas para a

primeira infância e consequentemente influenciem na elaboração de ações consistentes em

prol do desenvolvimento das crianças em situação de vulnerabilidade social.

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77

REFERÊNCIAS

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julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro

de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada

pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008,

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APÊNDICE A – Plano de visita com a descrição dos momentos da intervenção

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APÊNDICE B – Plano de visita com a descrição dos momentos da intervenção

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APÊNDICE C – Fotos de brinquedos utilizados nas intervenções

Foto 1, lobo mal tentando invadir casinha;

foto 2, copinho que produz chuvinha de neve;

foto 3, mini catapulta dupla;

foto 4, chocalho – ampulheta.

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