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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA | UFPB
CENTRO DE COMUNICAÇÃO, TURISMO E ARTES | CCTA
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO
Curso de Comunicação Social
Habilitação em Jornalismo
Lunara Laísa Moreira Alves
ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO NEONAZISTA NA
NOVELA VITÓRIA
João Pessoa
2015
LUNARA LAÍSA MOREIRA ALVES
ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO NEONAZISTA NA NOVELA VITÓRIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
coordenação de Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo, da Universidade
Federal da Paraíba, no período 2015.1, em
atendimento às exigências para obtenção do
grau de Bacharel em Comunicação Social.
Orientação: Profª Drª Glória Rabay
João Pessoa
2015
LUNARA LAÍSA MOREIRA ALVES
ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO NEONAZISTA NA NOVELA VITÓRIA
O presente trabalho foi submetido à avaliação
da banca examinadora, em cumprimento às
exigências da disciplina Trabalho de
Conclusão de Curso, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Bacharel em
Comunicação Social pela Universidade
Federal da Paraíba.
Aprovado em ____/____/_______.
Banca examinadora
____________________________________
Professora Doutora Glória Rabay
Orientadora – UFPB
____________________________________
Professora Doutora Margarete Almeida
Examinadora – UFPB
____________________________________
Professora Doutora Annelsina Trigueiro
Examinadora – UFPB
Dedico especialmente ao ser
que o Senhor da criação,
deu-me o privilégio de chamar de papai.
Ao senhor, que rege o meu coração
e me faz te amar bem mais além dos motivos genéticos,
receba em forma de amor e agradecimento, cada letra que aqui se encontra.
Sabemos de tudo que foi percorrido, e mais do que qualquer pessoa,
o senhor, papai, é digno dessa página. Grata pelo teu exemplo de superação diária.
Teu caráter e amor pelo nosso Deus me inspiram.
Papai ama... Você! Aonde? No coração.
Agradecimentos
“Amigo, venho lá [do interior] da Paraíba
Não nego a minha origem pra ninguém me censurar
Tenho sangue do sertão de gente brava...”
Começar essa página com os versos de Pinto do Acordeon na canção Minha Origem, é
a melhor maneira de expressar a minha gratidão ao Deus que creio, pela oportunidade de ter
nascido onde nasci (Sousa, Paraíba), ter vivido o que vivi e aos 17 anos ter encarado a
caminhada da vida, sozinha, há mais de 450 km de distância da minha origem, do meu lar.
Hoje, escrever esses agradecimentos só mostra o quanto tudo, exatamente tudo que percorri,
auxiliou na formação da Lunara Moreira, que aos 21 anos conclui a sua graduação em
Jornalismo. Mais do que isso, é motivo de muita gratidão ver como o ser humano Lunara
ficou mais sensível ao mundo, ao outro, aos fatos, ao que importa.
Para mim, não é tão fácil escrever os agradecimentos. Temo em escolher por citar
nomes, e esquecer algum. Estou falando de quatro anos, e antes desses quatro, de 17 anos da
minha história. Reafirmo isso, porque agradecer é ser grato não apenas por uma contribuição
acadêmica ou profissional. É ser grato pela presença, pelo apoio, pelas diferenças, pelo
companheirismo, pelo olhar que repreende, pelo ouvido que compreende, pelo conhecimento
transmitido em humildade, pela verdade em amor, pelo querer bem em atitudes, pela mão
estendida, pelo acreditar no outro. É ter a sabedoria no dizer obrigada (o), é ter alegria em
dizer conte comigo!
Por isso, proponho fazer algo diferente. Assumo o compromisso de pessoalmente
procurar as pessoas que fazem parte dessa rede de agradecimentos, e dizer “olho no olho” e
com o coração cheio de gratidão, o quanto eu fico feliz em dividir essa conquista com elas, o
quanto sou grata por ter a “caligrafia” de cada um na minha história. Confesso que antes havia
escrito duas laudas dissertando os agradecimentos e citando nomes. Até que me veio essa
vontade de, nesta página, apenas agradecer ao Senhor pelo cumprimento dos Seus propósitos.
Pois tenho a certeza que neles consta o nome de cada um que faz parte desse momento de
júbilo e esperança.
Àquele que tem o amor terno, puro, santo, justo, sábio, a minha gratidão e o meu mais
sincero suspiro de reconhecimento que nada sou sem Ti. Obrigada por tantos benefícios,
Deus, pelo pranto transformado em alegria, e pela certeza latente em meu coração que este é
só o começo. Quero sempre proclamar que “porque Dele e por Ele, e para Ele, são todas as
coisas; glória, pois, a Ele eternamente. Amém” (Romanos 11:36).
“(...) o entendimento da existência
de um mundo ‘verdadeiro’
ofuscado pela ideologia,
cabendo à ACD a tarefa de remover
esse véu de obscuridade
e levando as pessoas a ver a ‘verdade’.”
( Emília Ribeiro Pedro)
RESUMO
ALVES, Lunara Laísa Moreira. Análise da construção do discurso neonazista na novela
Vitória. UFPB. Monografia apresentada no Curso de Comunicação Social, Jornalismo, 2015,
72 p.
O presente trabalho analisou o discurso da novela Vitória com foco nos personagens
integrantes da célula neonazista, utilizando as categorias sociológicas e linguísticas de Theo
van Leeuwen (1998). Essas categorias foram estudadas de acordo com o seu artigo A
representação dos actores sociais, presente no livro Análise Crítica do Discurso – uma
perspectiva sociopolítica e funcional, com a organização de Emília Ribeiro Pedro, dirigida
por Maria Raquel Delgado Martins e tradução de Helena Medeiros, com a Editorial Caminho,
1998. Recorreu-se principalmente à pesquisa bibliográfica para aprofundar os assuntos sobre
a Análise Crítica do Discurso (ACD), através da leitura e fichamento de livros, textos, artigos,
teses, monografias e sites sobre os teóricos estudados, telenovela, nazismo, neonazismo, perfil
de poder, etc. Os resultados apontam que as categorias criadas por van Leeuwen (1998), nos
permitiram analisar a construção do discurso neonazista, visual, verbal e linguisticamente.
Reafirmamos também que apesar do conhecimento de sua existência, não é fácil identificar os
que se apropriam desse discurso, por conta dos inúmeros fatores que o encobre. Nesta
tentativa, contamos com a ACD para ultrapassar as barreiras da representação.
Palavras-chave: Análise Crítica do Discurso. Theo van Leeuwen. Novela. Neonazismo.
Poder.
ABSTRACT
ALVES, Lunara Laísa Moreira. Analysis of the Construction of Neo-Nazi Discourse in the
Telenovella Vitória. UFPB. Monograph presented in the course of Social Communication,
Journalism, 2015, 72 p.
This work analyzed the discourse of the Brazilian telenovella Vitória, focusing on the
characters that were members of a neo-Nazi cell, using the sociological and linguistic
categories of Theo Van Leeuwen (1998). These categories were studied according to his
article The Representation of Social Actors, featured in the book Análise Crítica do Discurso
– uma perspectiva sociopolítica e funcional, organized by Emília Ribeiro Pedro, managed by
Maria Raquel Delgado Martins and translated by Helena Medeiros, with the publishing
company Caminho, 1998. Bibliographic research was used to delve deeper into subjects
regarding Critical Discourse Analysis (CDA), by reading and writing reports on books, texts,
articles, theses, monographs and websites about the theorists studied, Nazism, neo-Nazism,
power profiles etc. The results show that the categories created by Van Leeuwen (1998)
allowed us to analyze the construction of neo-Nazi discourse, visually, verbally and
linguistically. We reaffirm that, despite knowledge of its existence, it is not easy to identify
those who appropriate this discourse, because of countless factors that involve it. In this
attempt, we counted on the CDA to overcome the barriers of representation.
Keywords: Critical Discourse Analysis. Theo Van Leuween. Telenovella. Neo-Nazism.
Power.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Cartaz publicitário com postura imponente ............................................................. 30 Figura 2 - Um Skinhead com o seu filho fazendo saudação nazista ........................................ 35 Figura 3 - Piscina com a suástica (símbolo do nazismo) .......................................................... 36 Figura 4 - Gráfico com o crescimento de sites com assuntos neonazistas ............................... 37 Figura 5 - Tatuagem do símbolo do nazismo ........................................................................... 58
Figura 6 - Priscila e o flanelinha ............................................................................................... 59 Figura 7 - Olhar de Priscila....................................................................................................... 60 Figura 8 - Visão de Sorriso/Suástica ........................................................................................ 60 Figura 9 - Priscila e os outros líderes ....................................................................................... 61
Figura 10 - Priscila e os líderes II ............................................................................................. 62 Figura 11 - Jantar na casa dos professores ............................................................................... 62 Figura 12 - Acampamento de férias ......................................................................................... 63
Figura 13 – Discussão entre Valéria e Priscila ......................................................................... 64 Figura 14 - Morte de Valéria .................................................................................................... 65
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1 REFERENCIANDO: QUEM SÃO OS TEÓRICOS TRABALHADOS E COMO A ACD
SE APRESENTA COMO LINHA DE PESQUISA? ........................................................... 16
1.1 DIFERENTES OLHARES SOBRE A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO ............................................ 18
1.1.1 O QUE A ACD BUSCA COMPREENDER? ................................................................................................. 20
1.2 DISCURSO E IDEOLOGIA, SEGUNDO TEUN VAN DJIK ......................................................................... 22
1.3 EMÍLIA RIBEIRO PEDRO E AS PROPRIEDADES DO DISCURSO NO ARTIGO O DISCURSO DOS
E NOS MEDIA ................................................................................................................................................................ 25
2 CONTEXTUALIZANDO O NAZISMO E O NEONAZISMO ....................................... 27
2.1 MARKETING NAZI: SABEDORIA ATRELADA AO SHOW MAN QUE FOI ADOLF HITLER ....... 29
2.2 O NAZISMO REAPARECE: NEONAZISMO.................................................................................................. 31
2.3 QUEM SÃO OS NEONAZISTAS? ..................................................................................................................... 32
3 AS CATEGORIAS DE THEO VAN LEEUWEN NA APLICAÇÃO DO DISCURSO DA
NOVELA VITÓRIA............................................................................................................... 37
3.1 AS REPRESENTAÇÕES INCLUEM OU EXCLUEM OS ATORES SOCIAIS ......................................... 39
3.2 PAPEIS DOS ATORES SOCIAIS ....................................................................................................................... 44
3.3 GENERICIZAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO.......................................................................................................... 45
3.4 ASSIMILAÇÃO ....................................................................................................................................................... 46
3.5 ASSOCIAÇÃO E DISSOCIAÇÃO ....................................................................................................................... 48
3.6 INDETERMINAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO .................................................................................................... 49
3.7 NOEMAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO.................................................................................................................. 50
3.8 PERSONALIZAÇÃO E IMPERSONALIZAÇÃO ................................. Erro! Indicador não definido.
3.9 SOBREDETERMINAÇÃO .................................................................................................................................. 54
3.10 A REPRESENTAÇÃO DENTRO DO VISUAL ............................................................................................ 58
4 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 66
5 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 69
11
INTRODUÇÃO
A análise presente iniciou-se no curso de Mestrado em Comunicação e Jornalismo,
como trabalho final da disciplina Questões Críticas da Comunicação e dos Media, ministrada
pela Profª Drª Rita Basílio, entre setembro de 2014 e fevereiro de 2015, quando estive em
Portugal, estudando na Universidade de Coimbra (UC). Através do Programa de Mobilidade
Internacional (PROMOBI), fui selecionada a passar este período na UC, e quando lá cheguei,
conversei com a coordenadora do curso e perguntei da possibilidade de participar das aulas do
Mestrado. Fui informada que poderia me matricular ou apenas ser ouvinte. Como já tinha
visto o programa das disciplinas, assisti a primeira aula e resolvi me matricular em Questões
Críticas da Comunicação e dos Media, pois sabia que aproveitaria o conteúdo para o projeto
do meu trabalho de conclusão, que foi entregue quando regressei ao Brasil.
Assim que decidi o que tratar no artigo final, pedi orientação bibliográfica à
professora, da qual me apresentou o livro organizado por Emília Ribeiro Pedro, Análise
Crítica do Discurso: Uma perspectiva sociopolítica e funcional, mais especificamente o
artigo de Theo van Leeuwen, A representação dos actores sociais. Disponível na biblioteca,
comecei a me debruçar sobre a Análise Crítica do Discurso (ACD) e as categorias de análise
de van Leeuwen. Para o trabalho final da disciplina, tínhamos o limite de 20 páginas, então
não poderia ser algo extenso e com uma análise minuciosa.
Particularmente, não conhecia os autores, mas as linhas de pesquisa e estudo são bem
utilizadas, apesar das diferentes vertentes. Quando voltei à minha universidade de origem,
apresentei a bibliografia à professora Drª Glória Rabay, que prontamente aceitou me orientar,
e me aconselhou a continuar trabalhando com os mesmos teóricos. E assim, continuei a
estudar sobre a ACD e a compreendê-la conforme o meu objeto de estudo, que são os
discursos e a representação visual contidos em nove cenas/diálogos da novela Vitória.
Não comecei a assistir a novela do princípio, mas quando em algumas reportagens, ao
longo da programação da Record, vi que o neonazismo era um dos assuntos abordados,
despertou a curiosidade e comecei a acompanhar. Assisti mais online, através do site1 da
novela do que pela televisão, e quando, de fato, comecei a pensar no que estudaria no
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), já imaginava incluir o discurso da trama e pensar em
tantas outras alternativas de tratar esse tema.
1 Hospedado no portal da emissora, o R7: http://entretenimento.r7.com/vitoria.
12
O motivo pelo qual o assunto me despertou o interesse, é que sempre tive em casa,
através do meu pai, muitas opções de literatura sobre as guerras mundiais, as personalidades
envolvidas, o contexto cultural e histórico, os movimentos e ideais que acompanharam essa
época. A história não morre, e acompanhar pelos noticiários ou artigos, ações de grupos
movidos por uma ideologia que foi acesa há mais de 80 anos, é algo que apesar de pouco
comentado em nossa região Nordeste, existe e está presente em nosso país. E ver esse tema
disponível à audiência de milhares de pessoas, através de um canal aberto, foi ainda mais
curioso, desafiador e oportuno.
A novela Vitória escrita por Cristianne Fridman, exibida pela Record no período de 02
de junho de 2014 a 20 de março de 2015, em horário nobre, às 21h30, levou aos
telespectadores a abordagem de um tema que nunca teve espaço nas telenovelas brasileiras: o
neonazismo. O núcleo protagonizado pelos atores Juliana Silveira (Priscila), Marcos Pitombo
(Paulão), Raphael Montagner (Enzo) e Liege Muller (Bárbara)2 não se preocupou em
“maquiar” a ideologia, e as cenas, apesar de chocantes, expôs um pouco sobre o assunto,
suscitando características que envolvem esse discurso de ódio propagado em várias instâncias,
no dia a dia, em meio às pessoas “normais”.
Em entrevista ao Portal O Cabide fala3, a autora da novela afirma que em suas tramas
sempre procurou estar o mais próxima possível da realidade dos telespectadores. “Tenho
consciência de que Vitória é uma obra de ficção, mas quem a assistir se identificará com os
seus personagens, com as situações vivenciadas por eles”, diz. Quando indagada sobre temas
polêmicos em suas criações, como por exemplo um falso incesto que também é abordado em
Vitória, ela responde relembrando outros trabalhos em que inseriu temas tão quanto
marcantes.
Não há incesto e isso fica claro no primeiro capítulo. Mas teremos alguns
temas polêmicos como trabalho infantil, assédio sexual no trabalho,
neonazismo, vício em remédios controlados... Já trabalhei em Chamas4 com
um tema bem difícil e polêmico, que foi a pedofilia. E também a inserção de
um travesti na trama. Em Vidas em Jogo5 tinha uma personagem transexual,
a Augusta (Denise Del Vechio) (FRIDMAN, 2014).
A partir da própria apresentação dos personagens no portal da novela, já se pode
traçar alguns pontos em que o perfil “neonazista” começa a ser entendido. Como as
subjetividades humanas e o uso linguístico estão inseridos em contextos em que
2 Na metade trama, revelou que era uma policial infiltrada na célula para investigar as ações do grupo.
3 Disponível em: <www.ocabidefala.com/2014/05/entrevista-exclusiva-com-cristianne.html>. Acessado em: 15
nov. 2014. 4 Novela exibida pela Record em 2008/2009.
5 Novela exibida pela Record em 2011/2012.
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predominam formas ideológicas e sociais, tende-se como centro da nossa pesquisa o foco na
análise crítica do discurso (ACD).
Compreender os contextos sociais do uso linguístico é, assim, um esforço
para o entendimento do uso da linguagem no seio das estruturas sociais e
ideológicas que organizam o que, em termos latos e abstratos, entendemos
por sociedade (PEDRO, 1998, p.21).
Os personagens são assim descritos no portal da Novela6:
Priscila (Juliana Silveira)
É doutora em História, neonazista, classe alta, mora em sua casa no Itanhangá com o
namorado Paulão, amigo Enzo e Bárbara, amiga da família. Violenta e fria, Priscila é a líder
de uma das células da organização neonazista. Dona da Escola Priscila Schiller em
sociedade com sua mãe. Pratica MotoCross.
Paulão (Marcos Pitombo)
Classe média alta, violento, neonazista, faz pós-graduação em Administração.
Namorado de Priscila. Mora na casa da namorada, que abriga integrantes da organização
neonazista. Pratica atos violentos e crimes contra nordestinos, negros, homossexuais,
moradores de rua e todo tipo de ser humano que não se encaixe dentro de sua ideologia.
Pratica MotoCross.
Bárbara (Liége Müller)
Estudante de Medicina, a mais humilde da turma, insegura, faz parte da organização
neonazista, mas tem pesadelos e remorso com os atos violentos que comete. Depois, o
público descobriu que ela era uma policial infiltrada. Bárbara conhecia Priscila há anos,
porque suas mães sempre foram amigas. Aproveitando este contato do passado, ela se
reaproximou da “colega”, fingindo ser uma estudante de medicina, que foi estudar no Rio e
precisava de um lugar para morar. Assim, conseguiu se infiltrar numa das células
neonazistas do Rio de Janeiro a fim obter provas concretas que levassem à prisão dos chefes
da organização.
Enzo (Raphael Montagner)
Classe média alta, neonazista, estudante de Química, responsável pela fabricação de
bombas caseiras e outros artefatos.
As novelas permitem que assuntos de forte impacto tenham lugar nas reflexões sociais,
pois representam um produto cultural de grande sucesso de audiência, com formato de
6 Disponível em: <http://entretenimento.r7.com/vitoria/fichas/conheca-os-personagens-de-vitoria-
11122014#!/fichas/35>. Acessado em: 26 out. 2015
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narrativa. Ela passou a ser objeto de estudo valorizado em várias áreas e através da televisão -
principal meio de comunicação de massa que, em tempos onde a internet impera, ainda reúne
a população por horas - começou a envolver mais a realidade “nua e crua” em suas narrativas,
incluindo temas polêmicos e gerando debates e reflexões na sociedade. Pierre Bordieu (1997)
afirma a este propósito que
há uma proporção muito importante de pessoas que não leem jornais diários;
que se dedicam de corpo e alma à televisão como sua única fonte de
informações. A televisão tem uma espécie de monopólio de facto sobre a
formação dos cérebros de uma parte muito importante da população (1997,
p.10 apud
MONTEIRO, 2003, p.8).
Neste sentido, o presente trabalho pretende analisar o discurso da novela Vitória com
foco nos personagens Priscila (líder da célula), Paulão, Enzo e Bárbara, integrantes da
célula neonazista, utilizando as categorias sociológicas e linguísticas de Theo van Leeuwen
(1998). Essas categorias foram estudadas de acordo com o seu artigo A representação dos
actores sociais, presente no livro Análise Crítica do Discurso – uma perspectiva sociopolítica
e funcional, com a organização de Emília Ribeiro Pedro, dirigida por Maria Raquel Delgado
Martins e tradução de Helena Medeiros, com a Editorial Caminho, 1998.
Recorreu-se à pesquisa bibliográfica para aprofundar os assuntos sobre a ACD, através
da leitura e fichamento de livros, textos, artigos, teses, monografias e sites sobre os teóricos
estudados, telenovela, nazismo, neonazismo, perfil de poder, etc. Também foi feita uma
clipagem de algumas notícias com a presença do neonazismo no Brasil, que foram utilizadas
no terceiro capítulo. Quanto aos objetivos, a pesquisa aproveita do caráter exploratório,
através do levantamento bibliográfico e da análise de exemplos que provoquem a
compreensão dos conceitos teóricos; e descritiva, quando discorremos sobre o contexto
histórico do nazismo, para facilitar o entendimento do neonazismo levantado no nosso objeto
de estudo.
A metodologia se interessa pela validade do caminho escolhido para se
chegar ao fim proposto pela pesquisa; portanto, não deve ser confundida
com o conteúdo (teoria) nem com os procedimentos (métodos e técnicas).
Dessa forma, a metodologia vai além da descrição dos procedimentos
(métodos e técnicas a serem utilizados na pesquisa), indicando a escolha
teórica realizada pelo pesquisador para abordar o objeto de estudo
(GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.13).
É importante ressaltar que esta monografia teve como preocupação a abordagem
qualitativa, no intuito de produzir novas informações e aprofundá-las sob o método indutivo
para análise do objeto, utilizando conceitos paralelos à interpretação dos procedimentos.
Logo, serão analisados nove capítulos da novela, os quais expõem o foco do presente estudo,
15
baseado no discurso e na representação destes atores sociais. A partir do conceito das
categorias, aplicaremos no discurso da novela.
Em suma, a ACD trabalha com um leque amplo de categorias descritivas e
metodológicas. Como refere Kress (1990), nas práticas da ACD cada
investigador tem o seu lugar e usa metodologias de análise num modelo
teórico particular, sem que se percam de vista os objetivos e as finalidades
que fazem de todos os investigadores membros de um projeto comum
(PEDRO, 1998, p. 33).
Dito isso, o que nos interessa saber é como a ideologia do neonazismo foi transmitida
nesta novela, através das expressões dos personagens, comportamento, e principalmente do
discurso utilizado. Algumas perguntas são cruciais para o presente trabalho: como a novela
Vitória usou os contrastes visuais e a própria linguagem para expor ao público essa
ideologia? A construção desse discurso corresponde à realidade? De fato, há como
compreender a ideologia através das particularidades linguísticas pregadas por Theo van
Leeuwen? É fácil perceber no dia a dia a presença do discurso neonazista?
Este trabalho está dividido em cinco capítulos, que é essa introdução seguida do
primeiro capítulo, apresentando os teóricos mencionados e as diferenças dentro da Análise
Crítica do Discurso. No segundo capítulo, nos situamos dentro do neonazismo como ideologia
histórica e ao mesmo tempo contemporânea, desaguando no terceiro capítulo, onde temos a
explicação e aplicação das categorias de análise dentro do discurso da novela. Em seguida, a
conclusão, que responde às nossas indagações introdutórias e logo depois, as referências
utilizadas para a elaboração dessa monografia.
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1 REFERENCIANDO: QUEM SÃO OS TEÓRICOS TRABALHADOS E COMO A ACD SE APRESENTA COMO LINHA DE PESQUISA?
O holandês Theo van Leeuwen é um semiólogo social, amplamente reconhecido
como um co-fundador, ao lado de Gunther Kress, da multimodalidade - uma área de
investigação sobre o potencial e uso de diferentes recursos semióticos, incluindo os modos
comunicativos de linguagem verbal, auditiva e o design visual na mídia, tão importantes para
a comunicação contemporânea. Ele também é um conhecido teórico sobre a análise crítica do
discurso. Seu trabalho em ambas as áreas é transdisciplinar, com base em diferentes
perspectivas teóricas e consolidadas na prática.
O trabalho de van Leeuwen ampliou a influência da multimodalidade, ou seja, a teoria
e a prática estão ainda mais ligadas no que diz respeito à semiótica social, análise crítica do
discurso, estudos de comunicação e linguística aplicada, entre outros domínios como
educação, cultura, etc.
Theo van Leeuwen é decano da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade de Tecnologia de Sydney; ensinou teoria da comunicação na University
Macquarie (universidade pública da Austrália) e na London College of Printing (atualmente
chamada de London College of Communication), onde começou como palestrante em 1993.
Ele é um dos principais desenvolvedores do sub-campo da semiótica social. Também
ministrou cursos em outras universidades, como em Amsterdã, Vancouver, Viena, Madrid,
Estocolmo, Copenhague e Auckland. Vários livros publicados e alguns em parceria com
Gunther Kress, tratando sobre mídia, leitura de imagens, discurso, música, som, novas
ferramentas para análise crítica, etc. E antes de toda essa dedicação à academia, trabalhou
como diretor, roteirista e produtor de cinema e televisão, além de ser lembrado também como
um ex-pianista de jazz.
Através do artigo publicado pela Emília Djonov7, no site SemiotiX Streaming Edition,
descobrimos ainda mais sobre o campo de atuação de Theo van Leeuwen. Ele, em sua
dissertação (1982), estudou o discurso profissional utilizado no rádio, mostrando que a
entonação dos locutores está sujeita a um código socioculturalmente determinado pelo
profissional, os valores e as relações entre os locutores, as instituições que representam e os
seus públicos. Sua pesquisa de doutorado (1993) - supervisionado por James R. Martin, uma
figura de destaque na análise do discurso linguístico sistêmico-funcional, da Universidade de
7 Conferencista em linguagem infantil e alfabetização na Universidade Macquarie, Sydney, Austrália. Trabalha
com semiótica social, comunicação e análise multimodal. Disponível em:
<http://semioticon.com/semiotix/2013/12/semiotic-profile-theo-van-leeuwen/>. Acesso em: 21 jan. 2015.
17
Sydney - ofereceu um modelo para estudar como textos escritos representam práticas sociais,
com base em Halliday8. A influência mais formativa em sua pesquisa e carreira acadêmica, no
entanto, continua sendo a sua colaboração de longa duração com Gunther Kress, que começou
em meados de 1980 e inicialmente, focada no desenvolvimento de um quadro para a análise
da semiótica social.
Representação: essa é a palavra que tanto é utilizada entre práticas sociais em textos
ou discursos. Van Leeuwen (1998) define uma prática social como uma sequência de
atividades físicas e/ou semióticas que inclui os seguintes elementos: atores sociais, suas
atividades e reações a essas atividades ou a outros elementos da prática social. Para alcançar a
meta de analisar criticamente o discurso, van Leeuwen propõe revelar as fronteiras sociais que
existem nas práticas, como por exemplo nas questões que exprimem opressão e desigualdade.
Ou seja, primeiro analisar a prática, e em seguida, identificar como foi transformado no
discurso através do uso de recursos verbais e/ou não verbais. Tais transformações podem
envolver substituição, eliminação e rearranjo dos elementos de uma prática social e/ou adição
de avaliações, propósitos ou legitimações.
Uma característica distintiva da sua abordagem à ACD, no entanto, é que ele também
explora o papel de representações não-verbais e multimodais que desempenham no
(re)estabelecer ideologias dominantes. Para expor esse papel, van Leeuwen (1998) argumenta
que a ACD precisa considerar não apenas o que é ou não é representado não-verbal (por
exemplo, se as minorias étnicas são representados na mídia), mas também como estas
representações são construídas.
Gunther Kress é professor de Semiótica e de Educação, no Departamento de
Aprendizagem, Currículo e Comunicação do Instituto de Educação na Universidade de
Londres. Lidera o grupo de pesquisa Cultura, Comunicação e Sociedades. Ele já esteve no
Brasil, mais especificamente na UFMG, em 2008, em uma conferência sobre o tema
Multimodalidade e aprendizagem: novas perspectivas do conhecimento, representação e
comunicação. Assim como van Leeuwen, Kress tem interesse particular nas inter-relações no
texto contemporâneo, nos diferentes modos de comunicação, tais como escrita, imagem, fala,
música e nos efeitos que estes propiciam na aprendizagem e aquisição do conhecimento.
Na sociedade atual, orientada pelos ditames da publicidade e do culto da
imagem, a apresentação visual tem assumido um papel cada vez mais
preponderante nos mais diferentes tipos de media. Nesse contexto, os
8 Halliday, na década de 50, abordou a análise gramatical (Gramática de Escala e Categorias) e construiu um
corpo de teoria articulado chamado de sistema linguístico.
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linguistas e semioticistas sociais Kress & van Leeuwen apontam para a
importância e a necessidade de se desenvolver um método de análise que
possibilite verificar como todos os recursos semióticos presentes em um
texto constroem, de maneira conjunta, significados sociais – razão pela qual
elaboram a Gramática Visual (Grammar of Visual Design) (CARVALHO,
2010).
A Professora Doutora em Letras pela Universidade de Lisboa, Emília Ribeiro Pedro,
é a responsável por unir no mesmo livro, artigos dos mais diversos autores, inclusive ela
mesma, considerada uma autoridade sobre a ACD. Desenvolve trabalho docente e de
investigação nas áreas de Linguística Geral, Linguística Inglesa, Pragmática e Análise do
Discurso. Conta com a colaboração tanto de Gunther Kress, através do seu artigo
Considerações de carácter cultural na descrição linguística: para uma teoria social da
linguagem; como também de Theo van Leeuwen, com seu artigo A representação dos actores
sociais. O livro organizado por ela, Análise crítica do discurso: uma perspectiva sociopolítica
e funcional, conta com 11 capítulos, divididos em duas partes, abrangendo as dimensões
teóricas e metodológicas e as dimensões de aplicação.
1.1 DIFERENTES OLHARES SOBRE A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
A dimensão ideológica constrói o sujeito, que assim, constrói o discurso, e ambos
fundamentam as diferenças da Análise Crítica do Discurso. Segundo Emília Ribeiro Pedro
(1998),
A análise crítica do discurso opera, necessariamente, com uma abordagem
de discurso em que contexto é uma dimensão fundamental. Mas, ao contrário
de outras abordagens, conceptualiza o sujeito não como um agente
processual com graus relativos de autonomia, mas como sujeito construído
por e construindo os processos discursivos a partir da sua natureza de ator
ideológico (PEDRO, 1998, p. 20).
Há vários linguistas que investigam sobre essa temática e as abordagens se
diferenciam no que diz respeito à diversidade da análise do discurso. Há aqueles, como os
linguistas críticos, que acreditam e analisam o discurso como sendo algo inseparável das
questões econômicas e sociais, sendo na verdade, expressões das mesmas, tornando evidente a
inserção da linguagem no contexto social.
19
Mas também há aqueles que estão mais ligados ao que é chamado de linguística
autônoma ou do sistema, como o crítico Fairclough (1989, 1995 apud PEDRO, 1998)9, que
estuda a linguagem à parte das questões sociais, não levantando pontos nas relações entre a
linguagem, poder e ideologia. E é por esse motivo que critica as demais áreas de estudo da
linguagem como a sociolinguística, pragmática, análise conversacional e análise crítica do
discurso, ambos ligados a questões de poder e social, juntamente com a linguagem.
Os semióticos sociais são outro grupo de investigadores, herdeiros da escola de
Halliday (1985), com a gramática funcional, esmiuçando a linguagem como um sistema de
sistemas com vários traços linguísticos, onde há elementos de estruturação textual que
proporcionam diferenças nos discursos e causam diferentes efeitos. Uma verdadeira
articulação entre forma e função, assegurada pela gramática de Halliday. Para os semióticos
sociais, cabe à ACD, entender o funcionamento das visões do mundo, onde as coisas
acontecem e são verbalizadas, pois estão diretamente relacionadas com a linguagem, o
discurso, a ideologia e a sociedade.
Além da diversidade nas abordagens do discurso, existem as diferenças no conceito de
cognição social. Para Teun van Djik10
(1993 apud PEDRO, 1998), por exemplo, é a cognição
social que gera o discurso, a comunicação, a nossa compreensão nas relações de poder. Em
suma, para ele, essa cognição é entendida como ideologia, e reflete nos princípios básicos que
regem um grupo e como isso é interpretado no mundo. Kress (1990, 1996) considera estes
conceitos no papel das dimensões psicológicas e cognitivas, mas não dá tanto ênfase como
van Djik.
Os analistas críticos Kress (1996), Van Djik (1993) e van Leeuwen (1996 apud
PEDRO, 1998), localizam o discurso na relação entre a forma linguística e a função, o
contexto ou a estrutura social e a ideologia. Mas há diferenças entre eles também. Van
Leeuwen (1998) considera que o significado pertence à cultura mais do que à linguagem. Em
Van Djik (1993), a preocupação com a análise textual e discursiva das elites é que toma as
rédeas do entendimento sobre as relações de poder. E Kress (1996 apud PEDRO, 1998)
sempre expressa a necessidade da criação de uma teoria social da linguagem e de ultrapassar
as barreiras do meio verbal (ideia também compartilhada por van Leeuwen). Segundo Emília
9 Atualmente investiga o discurso como um elemento chave de transformações sociais maiores como a
"globalização", o "neo-liberalismo", o "novo capitalismo". É um dos fundadores da ACD. 10
Desde a década de 80, o seu trabalho na ACD é focado especialmente no estudo da reprodução discursiva do
racismo, que ele chama de "elites simbólicas", no estudo de notícias na imprensa e nas teorias de ideologia,
contexto e conhecimento.
20
Ribeiro Pedro (1998, p.40), o que os diferencia de Foucault, por exemplo, é que este “localiza
o significado no próprio discurso”.
Mesmo diante das diferenças presentes nas abordagens dos críticos, como as que
foram levantadas anteriormente, existem semelhanças fundamentais. Por exemplo, Fairclough
(1989) acredita sim que linguagem é uma prática social, pois ela tem o poder de contribuir na
dominação de algumas pessoas por outras, fazendo parte do processo de emancipação,
centrando-se nas estratégias que as elites utilizam para manter a desigualdade, como a
persuasão, dissimulação e manipulação. Nominando o mesmo processo, Van Djik (1993) usa
o termo de elites de poder, já que se caracterizam por terem um acesso particular ao discurso,
ou seja, são aqueles que mais têm a dizer. Kress (1990 apud PEDRO, 1998) diz que os
analistas críticos querem mostrar a relação mais que intrínseca das práticas linguística-
discursivas com as estruturas sociopolíticas.
Emília Ribeiro Pedro (1998, p.21) é bem contundente no seu artigo Análise crítica do
discurso: aspectos teóricos, metodológicos e analíticos, quando logo nas primeiras páginas
afirma que “compreender os contextos sociais do uso linguístico é, assim, um esforço para o
entendimento do uso da linguagem no seio das estruturas sociais e ideológicas que organizam
o que, em termos latos e abstractos, entendemos por sociedade”.
1.1.1 O QUE A ACD BUSCA COMPREENDER?
Há na Análise Crítica do Discurso um processo de julgamento humano com base na
socialização, nas expressões linguísticas produzidas em contextos sociais e culturais,
resultado de ideologias e desigualdades sociais. Ou seja, a socialização, o meio está envolvido
na construção ideológica do sujeito.
E o que todos os pesquisadores querem de fato? Os analistas críticos querem saber
quais as estruturas, estratégias, e outras propriedades do texto, falado ou escrito, seja de
interação verbal ou veiculados em canais de comunicação geral, que desempenham um papel
nestes modos de reprodução, como o exercício do poder social por elites, instituições ou
grupos, que resulta em desigualdade social, cultura, política, discriminação, “e que nos
remetem para a consideração da linguagem como prática social, do texto como produto social,
dos falantes como diferente e diferencialmente localizados e dos significados como produtos
das relações sociopolíticas”. (PEDRO, 1998, p.22)
21
Mas há pontos comuns entre os diferentes tipos de analistas da linguagem. Não há
como negar a importância da linguagem na construção, manutenção, mudanças das relações
sociais de poder; e que a linguagem é também engrenagem para a consciência de
emancipação, pelo fato de que há pessoas que dominam outras. As práticas linguísticas-
discursivas estão sim relacionadas, intrínsecas nas estruturas sociopolíticas mais abrangentes,
de poder e dominação.
Para Emília Ribeiro (1998), analisar o discurso é analisar o contexto, ou seja, o
discurso de um sujeito é construído na medida em que ele próprio também é. Afirma que é
por isso que Canale11
(1983 apud PEDRO, 1998, p. 19) acrescentou às suas competências de
análise, a competência discursiva, que define como sendo “o conhecimento de como
combinar formas gramaticais e significados para produzir um texto unificado, falado ou
escrito, em diferentes gêneros”. Os mais variados tipos de discurso são inseparáveis dos
fatores econômicos e sociais, o que acaba por gerar diferenças na linguagem, pois as
subjetividades humanas e o uso linguístico estão inseridos em contextos em que predominam
formas ideológicas e sociais.
Para Halliday (1998), esta abordagem também está ligada à semiótica, que trata de
entender as circunstâncias em que as coisas são verbalizadas, e através da Análise Crítica do
Discurso é relacionada com a linguagem, a ideologia, a sociedade. O professor de Teoria da
Comunicação, Theo van Leeuwen, afirma que
uma dada cultura (ou um dado contexto de uma cultura) não só tem a sua
própria e específica ordem de formas de representar o mundo social, mas
também as de determinar, com maior ou menor rigor, aquilo que pode ser
realizado verbal e visualmente, aquilo que só pode realizar verbalmente,
aquilo que só pode realizar visualmente, etc. (...) Este ponto é importante
para a análise crítica do discurso, visto que, com a crescente utilização da
representação visual numa enorme variedade de contextos, torna-se cada
vez mais urgente ser capaz de formular as mesmas questões críticas em
relação às representações quer verbais quer visuais, ou seja, na realidade,
em relação às representações em todos os media que constituem parte dos
textos multimídia contemporâneos (LEEUWEN, 1998, p.171).
A ACD tem o objetivo de fornecer uma dimensão crítica à análise, nos textos mais
simples do cotidiano, considerando o linguístico no interior do social, e a linguagem (imagens
visuais, música, gestos, dança) como práticas sociais de representação e significação. “Os
analistas críticos do discurso esperam poder produzir mudanças não apenas nas práticas
11
Aborda em seus estudos a noção de competência comunicativa, uma das teorias que fundamentam a
abordagem comunicativa do ensino de línguas estrangeiras. Acrescentou depois as competências de discurso
coesão e coerência.
22
discursivas, mas, também, nas práticas e estruturas sociopolíticas que apoiam as práticas
discursivas.” (PEDRO, 1998, p. 24)
Onde houver componentes de poder e controle, nas suas diferentes manifestações, a
análise crítica pode chegar lá também. Como Kress (1990 apud, 1998, p.22) bem explicou, a
ACD é capaz de levantar leituras além do superficial. A importância da base teórica para tal é
imprescindível para entender melhor a relação entre dominação e discurso, por exemplo. “Os
analistas críticos do discurso pretendem mostrar o modo como as práticas linguístico-
discursivas imbricam nas estruturas, alargadas, sociopolíticas, do poder e da dominação.”
(PEDRO, 1998, p.24)
Também é importante examinar o papel das representações sociais que organizam a
mente dos atores sociais.
Por um lado, trata-se de descrever, analisar e interpretar estruturações de
poder e dominação, a sua reprodução em e através de textos e os efeitos que
produzem nas possibilidades de ação individual e, por outro lado, de
entender e mostrar que eventuais possibilidades de liberdade de ação estão
disponíveis para os falantes (PEDRO, 1998, p. 27).
Como foi referido anteriormente, a grande parcela de responsabilidade da ACD é
desenvolver uma descrição, explicação, interpretação dos modos como os discursos dominam,
influenciam, direta ou indiretamente, os conhecimentos e ideologias socialmente partilhadas.
Quais estruturas determinam ou facilitam os processos de formação das representações
sociais? Que estruturas simbólicas permitem essas relações de poder?
Essas relações são analisadas sob a ótica das categorias de poder, que encontramos na
gramática funcional de Halliday, a questão da ordem das ideias, do discurso, dos atores
sociais, o que influenciou Kress (1990 apud, 1998, p.34) a desenvolver o conceito de escolha,
ou seja, mecanismos linguísticos que implicam nas questões de poder. Por que escolher tal
enunciado? Por que essa ordem nas palavras? Por que esse tempo verbal? Tudo isso implica
nas relações sociais, ou seja, são recursos institucionais de poder.
Torna-se, pois, necessário olhar para as propriedades dos textos com base na
sua natureza potencialmente ideológica, sejam traços de vocabulário e
metáforas, traços gramaticais, pressuposições e implicaturas, convenções de
delicadeza, sistemas de tomada de vez, estrutura genérica, ou estilo
(PEDRO, 1998, p. 35).
1.2 DISCURSO E IDEOLOGIA, SEGUNDO TEUN VAN DJIK
O 4º capítulo do livro organizado pela Emília Ribeiro Pedro, consta o artigo de Teun
Van Djik (1998, p.105), Semântica do discurso e ideologia, que examina a dimensão
23
discursiva da ligação entre discurso e ideologia, definindo “como sistemas básicos de
cognições fundamentais e como princípios organizadores das atitudes e das representações
sociais comuns a membro de grupos particulares”. Esse artigo é fruto de uma análise feita a
partir de 5.750 editoriais e artigos de opinião publicados nos jornais New York Times e
Washington Post em 1993, examinando-se se a forma estrutural (coerência, tópicos,
implicações, etc) são orientadas por ideologias subjacentes. Torna-se axiomaticamente a
exposição de formas como abuso de poder, o domínio e a desigualdade (re)produzidos por um
discurso determinado pela ideologia.
Ele deixa claro que não vai revisar os significados de ideologia, presentes na filosofia
e na sociologia no decorrer da história, pois o seu objetivo é traçar um novo significado, sob
um olhar multidisciplinar, sociocognitivo e discursivo, utilizando-se de hipóteses.
Resumidamente, algumas hipóteses se baseiam em:
1. As ideologias são sociais – o fato das ideologias se limitarem às relações de dominação,
não torna isso como propriedade essencial inerente ao o “que é ideologia ou não”.
“Partimos, então, do princípio de que não apenas os grupos dominantes, mas também os
grupos dominados possuem ideologias que controlam a sua auto identificação, os seus
objetivos e as suas ações” (DJIK, 1998, p.107). Ou seja, há ideologias dominantes
(ideologias de um grupo dominante) e há também ideologias impostas por um grupo
dominante. Aqui, aplicamos também aos grupos sociais, como o dos profissionais
(jornalistas, médicos, professores), ativistas (feministas, anti-racistas, nazistas),
organizações ou instituições (polícia, bancos).
2. As ideologias são sociocognitivas – as ideologias não são pessoais, são partilhadas. No
sentido social e cognitivo, ideias, pensamentos, atitudes, tudo isso é partilhado pelos
membros de grupos sociais. As ideologias controlam igualmente as vivências cotidianas,
desde os processos de conhecimento social, compreensão e percepção, até o
compartilhamento de tudo isso com os membros que estão sob os mesmos interesses.
3. As ideologias não são “verdadeiras” ou “falsas” - entre as definições de ideologia não
cabe as afirmações de verdadeiras ou falsas. O que pode existir são “falsas” crenças de
um determinado grupo social. Ou seja, não é que a ideologia seja falsa ou verdadeira, mas
a “verdade” possivelmente preconceituosa de um grupo, é uma verdade que serve
somente aos seus próprios fins.
4. As ideologias podem ter vários graus de complexidade – as ideologias não precisam
ser sistemas de crenças perfeitamente acabados e explícitos, “deveriam, pelo contrário,
24
ser encaradas como (os axiomas básicos de) uma teoria social, implícita e simplista,
formulada por um grupo acerca de si mesmo e da posição que ocupa na sociedade”
(DJIK, 1998, p.107). Esses graus de complexidade dependem muito de cada grupo, mas
estão relacionadas com a estratificação social e com as regras sociais.
5. As ideologias manifestam-se de acordo com o contexto – antes que as ideologias
básicas se expressem nas práticas sociais, muitos outros fatores sociais, sociocognitivos e
pessoais podem intervir para influenciar essa expressão.
Isto significa igualmente que as ideologias não são deterministas: é possível
que influenciem, orientem ou controlem o discurso e ação sociais, mas não
os provocam nem determinam e também não são os únicos sistemas mentais
que controlam a produção e compreensão do discurso (DJIK, 1998, p. 110).
6. Valores e estruturas de ideologia – Segundo van Djik,
calcula-se que cada grupo, tendo em conta os seus próprios interesses,
proceda a uma seleção destes valores e os organize, hierarquicamente, de
acordo com a importância de que, para ele, se revestem, em função da
posição social que o grupo ocupa e dos objetivos que pretende alcançar
(1998, p.112).
Ele utiliza o termo autoesquema do grupo para conceber a ideia de que há categorias
limitadas que organizam e formam os tipos de grupo e suas ideologias. Existe um esquema
estrutural composto por regras e estratégias. Teun van Djik (1998, p.113) exemplifica: “É,
por exemplo, típica das ideologias racistas e nacionalistas a tendência para categorizar as
pessoas nos seguintes termos: Nós contra Eles, grupos internos e externos, como brancos
contra negros...”. Podemos complementar e citar os neonazistas, que se estabelecem como o
grupo interno – brancos, arianos, heterossexuais, dotados da supremacia da raça – contra os
demais grupos minoritários - negros, judeus, homossexuais, nordestinos, etc.
As categorias são auto explicativas pelos seus próprios nomes: identificação, tarefas,
objetivos, normas, posição, recursos e atitudes. Sendo a antepenúltima, recursos, como a
categoria nuclear, pois determina quem são os amigos e os inimigos. Lembrando que essa
categorização não é necessariamente um reflexo da realidade social, mas sim uma construção
ideológica da mesma, que visa servir os interesses do grupo. É uma imagem que o próprio
grupo tem de si mesma e das suas relações com outros grupos.
Por conseguinte, mesmo que o discurso ideológico (como os discursos de
socialização, a propaganda, os sermões ou os manuais escolares) não
transmita diretamente as ideologias, podemos, pouco a pouco, inferi-las a
partir de atitudes, antes que possam ser utilizadas para permitir a construção
de novas atitudes, ou a organização e alteração de atitudes já existentes
(DJIK, 1998, p. 116).
25
Van Djik escolhe o termo modelo para associar às nossas representações pessoais de
assuntos específicos, uma interface cognitiva onde estão experiências de acontecimentos ou
situações pessoais, que se encontram na nossa base mental. Esses modelos são construídos e
atualizados todos os dias, conforme as situações que surgem, e dependem de categorias,
como os atores envolvidos, ações, circunstâncias, etc. Essas categorias também influem nas
estruturas semânticas das frases do discurso (escolhas lexicais, ordem das palavras)
estabelecendo a ligação entre o conhecimento que temos dos acontecimentos e o significado
dos nossos discursos acerca dos “modelos” existentes. E não apenas isso, mas também em
relação às opiniões pessoais que cada um forma.
Daqui se conclui que os modelos são pessoais e avaliativos, subjetivos e
únicos: cada pessoa possuirá um modelo específico (plano, interpretação) de
cada texto em cada situação. Uma leitura posterior do mesmo texto pode dar
origem a um modelo diferente, atualizado ou modificado (DJIK, 1998, p.
117).
Essa análise também reponde ao por quê de existir estereótipos e preconceitos racistas,
por exemplo. Pelo fato dos modelos terem opiniões inscritas neles, essas opiniões produzem
atitudes que os tornam tendenciosos. Quanto mais um modelo se assemelha ao conhecimento
geral e às atitudes de um grupo, mais padronizado e estereotipado será. “Parte daquilo que
costuma definir-se em termo de “eu” e de “personalidade” pode, pois, ser definido em função
destes modelos pessoais generalizados e das propriedades que possuem, incluindo estratégias
típicas para actuar ou interagir.” (DJIK, 1998, p.120)
Também devemos considerar que nem sempre o discurso apresenta de forma explícita
e direta, estruturas ideológicas, podendo também exprimir opiniões contraditórias ou ausência
de qualquer ideologia.
Modelo mental:
Discurso –> cognições sociais (atitudes e conhecimento) – cognições pessoais
(modelos) –> ideologia.
1.3 EMÍLIA RIBEIRO PEDRO E AS PROPRIEDADES DO DISCURSO NO ARTIGO O DISCURSO DOS E NOS MEDIA
No último artigo do livro, Emília Ribeiro Pedro analisa a reprodução das formas
simbólicas nos meios, através de três textos informativos sobre a visita do Papa à
Checoslováquia, para canonizar um padre morto no século XVII. Os artigos foram
selecionados do jornal The Times, The European e do Jornal Público. Há a presença da
26
história real e de como é apresentada essa história nos jornais citados, e isso envolve as
estratégias ideológicas dos autores através das propriedades textuais escolhidas, que têm a
intenção também de posicionar os seus leitores.
A análise crítica do discurso (...) não visa apenas a descrição das estruturas
linguísticas utilizadas pelos falantes, mas procura explicar e interpretar os
modos como essas estruturas resultam de escolhas contextualizadas, não
apenas de natureza linguística, mas de cariz social, político, cultural e
ideológico e explicitam quer as representações ideacionais dos produtores
textuais quer as relações e as identidades de produtores e consumidores
textuais. (PEDRO, 1998, p. 293)
Emília destaca que é fundamental observar não apenas o que está escrito, mas o que
não está, ou seja, as ausências. Apesar dela utilizar o texto jornalístico escrito, essas
observações também podem ser aplicadas ao registros televisivos, radiofônicos e dos demais
meios. “Também aqui as escolhas de textualização são guiadas por escolhas intencionais e
interpessoais e pelo objetivo de, direta ou indiretamente, influenciar a forma como a
mensagem veiculada é recebida, interpretada e interiorizadas pelo público consumidor.”
(PEDRO, 1998, p. 307)
Ela destaca muitos componentes com a garantia de que a mensagem original do autor,
ou seja, as suas representações textualizadas, não permaneçam obscuras aos leitores. Como
exemplo, as figuras de linguagem, sendo a elipse uma delas, que consiste em omitir um termo
da frase que não foi enunciado, mas que podemos identificá-lo facilmente; a ambiguidade,
que muitas vezes manipula; até mesmo a pontuação, como no caso dos dois pontos (:) que
funciona levando o leitor a parar e marcar importância do que virá; recurso à outras vozes,
que utiliza discursos distintos (âmbito religioso, cultural, político, científico), entrevistas,
citações e relatos em discurso direto, em que muitas vezes se assemelham ao posicionamento
ideológico dos autores, entre outras propriedades textuais.
O que a pesquisadora tenta expor neste artigo com apenas 15 páginas, é que existe sim
a possibilidade de revelar os processos através dos quais as escolhas textuais, feitas pelo
produtor textual, são simultaneamente escolhas ideacionais e interpessoais que expressam
opções ideológicas particulares, e que “... qualquer produto textual resulta de um processo,
discursivo, por sua vez inserido numa prática social concreta e, nesse sentido,
ideologicamente determinada e determinante”. (PEDRO, 1998, p. 306)
27
2 CONTEXTUALIZANDO O NAZISMO E O NEONAZISMO
A revista História em Foco, da editora Alto Astral, nº 6 do ano de 2015, trouxe como
tema as origens do nazismo, as consequências para a história, as empresas que lucraram com
essa ideologia, as influências no Brasil, e no final, uma matéria especial sobre o neonazismo.
Há 80 anos, em 1945, morria Adolf Hitler, antes dele, entre 1939 e 1945, mais ou menos 70
milhões de pessoas também morreram.
Neste ponto, utilizarei essa edição da revista História em Foco como base para
conhecimento e análise, reafirmando o que Ricardo Piccinato (2015), editor da revista diz no
final do seu editorial, “por isso, consideramos que acontecimentos marcantes na História
precisam sempre ser lembrados. Porque, a qualquer instante, eles podem tomar vida e
transformar-se em uma nova ameaça”.
O foco não é relembrar a história que envolve os capítulos da Segunda Guerra
Mundial, e consequentemente a ascensão dos nacionais-socialistas, também conhecidos como
nazistas, mas é importante relembrar o contexto em que isso aconteceu. Quando a Primeira
Guerra Mundial acabou, desemprego, greves e a crise econômica assolaram toda a Europa,
principalmente a Alemanha, que além de sair derrotada, teve que abrir mão de todas as suas
colônias, foi desmilitarizada e teve que pagar indenizações aos afetados pela guerra. Essas e
outras punições, que constavam no Tratado de Versalhes (1919), tornou a situação ainda mais
caótica.
Diante desse cenário, o Partido Nacional-Socialista liderado por Adolf Hitler, tentou
dar um golpe de Estado, mas sem o apoio popular, a “ideia” fracassou e Hitler foi preso12
.
Mein Kampf (Minha Luta) começou a ser escrito por Hitler durante a pena que cumpriu. Neste
livro consta a base do nazismo e foi considerado uma espécie de bíblia para o povo alemão.
O compromisso quase messiânico de Hitler com uma "ideia", uma convicção
que não admitia alternativas, deu-lhe um vigor de força de vontade a que, em
sua presença, era difícil resistir. O dogmatismo do autodidata que, desde a
juventude, lera verozmente, mas de maneira assistemática, reforçando seus
preconceitos, em vez de submetê-lo a uma crítica minuciosa, forneceu-lhe
um domínio intrínseco sobre aqueles que o conheciam. Sua memória
extraordinária para os detalhes impressionava os que estavam em sua
presença e também esvaziava as tentativas de contestá-lo (KERSHAW,
1993, p.37).
12
Condenado a cinco anos de prisão, mas não ficou nem um ano.
28
Os Estados Unidos (EUA), que ao contrário da Europa desfrutava de um alavancado
crescimento, emprestando bilhões de dólares às nações envolvidas no conflito, interveio na
situação da Alemanha e auxiliou na estabilidade do país. Porém, a crise chegou aos norte-
americanos e ao lugar onde não só os EUA faliram, mas o mundo todo: a Bolsa de Valores.
Mais uma vez decadência na Alemanha, com desemprego, desvalorização da moeda e
miséria. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro Gustav Stresemann morreu e foi convocada
uma novela eleição para o Parlamento13
. Os nazistas elegeram a maioria dos deputados, e o
discurso do Partido era justamente o que a população queria ouvir.
O nome do movimento a ser inaugurado tinha que, desde o princípio,
oferecer a possibilidade de uma aproximação com a grande massa. Sem essa
condição, todo trabalho parecia inócuo e sem finalidade. Assim, ocorreu-nos
o nome ‘Partido Social Revolucionário’14
, e isso porque os pontos de vida
sociais do novo partido significavam, na realidade, uma revolução (HITLER,
1925 apud MANFIO, 2015, p.12).
Hitler foi nomeado chanceler em 1933, e um ano depois, o presidente Paul Von
Hindenburg faleceu, o que levou Hitler a tornar-se presidente e instaurar a ditadura nazista. O
Führer aos poucos colocava a Alemanha nos eixos, mas almejava muito mais que isso. Em
1939, com o intuito de expandir o território alemão, tropas alemãs invadiam a Polônia, dando
início à Segunda Guerra Mundial.
Com a fermentação das mistificações ideológicas do nazismo e das demais correntes
fascistas, os direitos e a cidadania dos judeus eram retirados através das Leis de Nuremberg15
.
O antissemitismo16
, segundo o historiador Fabrício Gonçalves para a Revista História em
Foco, “foi um elemento ideológico que catalisou a insatisfação da população, mistificando e
desviando a consciência da população e de amplos setores de opinião pública para uma falsa
causa dos graves problemas sociais e políticos geradores da crise: os judeus” (GONÇALVES,
2015).
Em relação ao Holocausto, até hoje se estuda os “motivos” pelo qual milhares de vidas
foram perdidas. Uma linha de pensamento17
, acredita que foi uma oportunidade de se
promover a limpeza étnica, fruto de um forte sentimento antissemita, que nesse momento já
era conhecido por todos. A visão funcionalista, segundo Marcelo Ricciardi (2015) já enxerga
13
Depois da Primeira Guerra, o país tornou-se uma república, estabeleceu um parlamento e um presidente eleito
a cada sete anos. 14
Posteriormente, o nome foi alterado para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. 15
Proibia oficialmente os casamentos entre judeus e alemães, a presença de criados alemães em residências
judias ou o uso de quaisquer símbolos do Reich pelos judeus. A propaganda do regime passou a declarar
abertamente seu ódio. 16
Forma de hostilizar judeus e árabes; ódio, principalmente contra os judeus, cujo termo semita foi criado para
se referir à eles. 17
Conhecida por intencionalista.
29
o genocídio sem um plano para as execuções. Judeus e outros grupos considerados
“inferiores”, como os negros, homossexuais e ciganos, não eram vistos dignos da vida, a
eliminação era uma alternativa “misericordiosa, benevolente” a estes.
É importante ressaltar que alemães também tiveram o mesmo fim, quando mostravam-
se simpatizantes aos judeus ou contrários a força do governo. Mas para a maioria, o
nacionalismo e os benefícios econômicos e sociais que o regime proporcionava era o que
importava.
A Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 2005, a
data de 27 de janeiro como Dia Mundial de Lembrança das Vítimas do Holocausto. Nesta
mesma data, em 1945, o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, foi
libertado. Esse “alerta” foi reforçado ainda mais com o aparecimento recente de grupos
neonazistas presentes não só na Europa.
Esta resolução instituiu a recomendação que os seus países membros
incluíssem em seus programas escolares os ensinamentos da história do
Holocausto, objetivando assim o entendimento da sua dimensão e o mal para
a humanidade que a ausência da democracia e da educação sadia podem
levar (GOLDSTEIN18
, 2015).
2. 1 MARKETING NAZI: SABEDORIA ATRELADA AO SHOW MAN QUE FOI ADOLF HITLER
As ideias nazistas eram vendidas através do poder de convencimento de Hitler, de sua
retórica, modos e vestuários simples para conseguir a confiança do público alemão, e claro,
repetir19
todas aquelas “verdades” formuladas. Aliás, a frase “uma mentira repetida várias
vezes se torna verdade” é popularmente atribuída a Joseph Goebbels, nomeado como Ministro
da Propaganda do Terceiro Reich em 1933. Goebbels foi o responsável pelas propagandas
publicitárias, comerciais de rádio, filmes, sempre com objetivo de “vender” Hitler, a ideologia
nazista, e claro, transmitir ódio aos adversários, que assim como os judeus, iriam tirar a
comida do prato das pessoas, afirmação que muitos acreditavam. Se pararmos para refletir,
atualmente acontece a mesma coisa. Muitos líderes/políticos usam desse discurso de causar
temor nas pessoas, proferindo o que acontecerá caso apoiem o adversário.
Goebbels, adepto autêntico e especialista na técnica da propaganda, tinha
uma clara compreensão da importância da confiança incontestável no líder
supremo. O culto a Hitler tornou-se o eixo do esforço de propaganda; e
Goebbels se orgulhava de sua realização na construção do “mito do Füher”.
18
Presidente da unidade brasileira da B’nai B’rith, instituição judaica presente em mais de 50 países. 19
Argumentum ad nauseam, uma das técnicas publicitárias que consistia na ideia de se repetir a mesma frase até
ela parecer tão familiar às pessoas a ponto de ser considerada verdade.
30
O que se fazia necessário era uma crença irrefletida em que o Füher sempre
faria o que era certo para seu povo, e a obediência irrefletida dessa
confiança. A “ideia” do nazismo, sugeriu-se, por mais vagamente que fosse,
estava simbolizada no Füher. As realizações do nazismo eram as do Füher.
A “meta” final, que nunca foi definida, só poderia ser alcançada caso se
seguisse cegamente o Füher. Nesse sentido, a propaganda procurou
transmitir a ideia de que “trabalhar pelo Füher” era dever de todo alemão
(KERSHAW, 1993, p. 102).
Outra tática publicitária utilizada na Alemanha Nazista foi a utilização de slogans
impactantes e autoafirmativos. Um deles era O estudante alemão luta pelo Füher e pelas
pessoas (imagem abaixo). Os discursos sempre recorriam a sentimentos e conceitos como
paz, amor, liberdade, honra, que conquistavam as massas e expunha a perfeição do governo
nazista, assim como uma Alemanha que era exemplo para o resto do mundo.
Figura 1 - Cartaz publicitário com postura imponente.
Fonte: Reprodução20
A imprensa nacional também recebia recomendações. Durante os Jogos Olímpicos de
Berlim21
, a imprensa alemã recebeu ordens de Goebbels com o objetivo de controlá-la, já que
a mídia internacional noticiaria tudo. Então, o racismo contra negros e judeus foi abafado, as
ruas ficaram sem mendigos e prostitutas, e a Alemanha terminou como campeã das
Olimpíadas. Vitoriosa duas vezes: na competição e também na imagem para o restante do
mundo.
Foi a combinação de “profeta” e propagandista que deu a vantagem a Hitler,
desde o início da década de 1920, sobre todos os outros pretendentes
potenciais à liderança na elite suprema do Partido Nazista. Faltavam a outros
nazistas destacados a combinação de seu brilho demagógico, sua capacidade
20
Disponível em: <http://papodehomem.com.br/10-pecas-perturbadoras-de-propaganda-nazista-para-jovens/ >
Acessado em: 3 nov. 2015. 21
Acontecem em 1936.
31
de mobilização e a unidade e a “força explicativa” universal de sua visão
ideológica (KERSHAW, 1993, p. 37).
Resumidamente, no Brasil, o Partido Nazista funcionou entre os anos de 1928 a 1938,
durante a chamada Era Vargas. Depois disso, em decorrência às medidas nacionais que
impediam atividades estrangeiras e “nacionalizava” suas minorias, o partido tornou-se alvo de
investigação e ficou proibido de atuar. A ação do Partido Nazista foi identificada em 17
estados brasileiros, com mais filiados no estado de São Paulo. Segundo a professora da
Universidade Federal do ABC Ana Maria Dietrich22
,
o grupo do Partido Nazista no Brasil era formado praticamente apenas por
alemães, já que, para se filiar, era preciso pertencer ao que eles chamavam
de “raça pura”. O partido tinha como objetivo chamar os alemães que
moravam no exterior a participar do projeto de Hitler da construção de uma
comunidade nacional formada pelos elos de sangue e não de território
(DIETRICH, 2015, p.39).
A divulgação dos ideais nazistas era feita através de elaboração programas de rádio,
jornais23
, sessões de filmes e palestras feitas em cidades do interior do país, pelos dirigentes
do partido. Também havia escolas alemãs no país, que a partir de 1938 uma campanha de
Vargas para obrigar a nacionalização das instituições estrangeiras, acabou por fiscalizá-las,
restringindo cada vez mais a difusão de valores de outras culturas.
2.2 O NAZISMO REAPARECE: NEONAZISMO
Anteriormente, foi citado que o alerta da ONU em recomendar aos países membros a
inclusão desses capítulos da História no sistema educacional, não era em vão, visto o
ressurgimento da ideologia nazista, hoje conhecida como o neonazismo. A mestre em
Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriana Dias24
, em
entrevista à Érica Aguiar para a Revista História em Foco, afirma que existe uma diferença
crucial entre o nazismo e o neonazismo. O primeiro foi de fato um regime de estado,
impositivo, que comandou toda uma população, já o segundo são pequenos grupos de
ativistas por inúmeros “ideais”.
22
Autora dos livros Nazismo Tropical? O partido nazista no Brasil (São Paulo, Editora Todas as Musas, 2012) e
Caças às suásticas, o Partido Nazista em São Paulo (São Paulo, Imprensa Oficial, 2007). 23
Como exemplo, o jornal oficial Deutscher Morgen (em português, Aurora Alemã) que circulou por 10 anos em
São Paulo. Sua publicação foi extinta em dezembro de 1941. 24
Estuda o tema há 13 anos. Ela fez um mapeamento do neonazismo no Brasil, estudando como esses grupos se
mobilizam na internet. Segundo sua pesquisa, existem 150 mil simpatizantes por aqui.
32
Em comum, eles têm a negação do Holocausto; a crença na supremacia
branca, ou seja, a concepção de que os brancos são superiores aos judeus,
negros e outros membros da humanidade; o desejo de separatismo; ódio ao
diferente; a certeza de que a raça ariana estaria sendo eliminada da Terra por
casamentos inter-raciais; a valorização do estado nazista e a revisão deste
período histórico, defendendo seus heróis (DIAS, 2015, p.48).
Além da eliminação de homossexuais, judeus, negros ou a expulsão destes e de
imigrantes, outro alvo é o nordestino que, segundo os defensores do neonazismo, deveriam
ser expulsos de estados das regiões Sul e Sudeste, principalmente. Segundo Dias (2015),
“defendem a formação de um estado ariano, de um lugar branco para viverem. Atualmente, há
uma tentativa de estabelecimento de um local com tais características em Leith, estado de
Dakota do Norte, nos EUA”.
No período pós-guerra, a formação do Partido Nacional Socialista Americano, cujo
“comandante” George Lincoln Rockwell batizou de Partido Nazi Americano, em 1960, deu
início ao movimento neonazista. No site do Partido25
, o grupo se apresenta como arianos
revolucionários, que dispensam o uso de uniformes e outras características do nazismos, mas
que apenas objetivam a separação racial, pois “devemos assegurar a existência de nosso povo
e um futuro para as crianças brancas”, frase presente na página do site.
A legislação brasileira, prevê punição26
a crimes resultantes de raça, cor, religião, etnia
ou procedência nacional. Ainda de acordo com esta lei, aprovada durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, em 1997, fabricar, comercializar, distribuir ou veicular
símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo, tem pena de reclusão de dois a cinco anos.
2.3 QUEM SÃO OS NEONAZISTAS?
Mais de 180 mil pessoas leem material neonazista na internet, e esses adeptos se
concentram nos Estados do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Pelo menos 10%
são ativistas convictos, que participam de ações, assistem a shows musicais que promovem
essa ideologia, etc. Estes números estão em um estudo realizado pela antropóloga e
pesquisadora, Adriana Dias (2007). O tema da sua dissertação é Os Anacronautas do
Teutonismo Virtual: uma etnografia do neonazismo na internet, e de acordo com a
antropóloga, na internet, a manifestação é feroz porque se acham protegidos pelo anonimato.
25
Disponível em: <http://www.americannaziparty.com/>. Acesso em: 01 nov. 2015. 26
Caso o crime seja cometido por um meio de comunicação ou outro tipo de publicação, o juiz poderá pedir a
busca e apreensão dos exemplares e a paralisação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
33
O ativismo nos sites e em redes sociais é promovido por meio de adesivos e pôsteres
que podem ser impressos, distribuídos ou colados em qualquer local. Ainda há aqueles que,
muitas vezes, partem para agressões. Neste ano, tivemos pelo menos dois casos que
repercutiram nacional e internacionalmente, pela questão do preconceito racial. Tanto a
jornalista Maria Júlia Coutinho foi alvo de comentários racistas na página do Jornal Nacional
no Facebook, quanto a atriz Thaís Araújo, em suas redes sociais. Ambos os casos estão em
investigação, e até agora não remetem a grupos neonazistas especificadamente. Mas gera a
reflexão de uma das perguntas iniciais, sobre a identificação de pessoas que pregam a
ideologia, e outras que fazem uso de algumas práticas/discurso, mas sem se associar
diretamente. Como identificar? Eis o desafio, principalmente diante do anonimato virtual.
Figura 2 - Casos Thaís Araújo e Maria Júlia Coutinho
Fonte: Reprodução/ Facebook
De toda forma é possível encontrar na imprensa, de maneira geral, notícias sobre a
atuação de grupos neonazistas e seu modus operandi. A seguir, acompanharemos algumas
dessas notícias intercaladas com as observações feitas pela antropóloga Adriana Dias.
Na matéria intitulada Neonazistas atacam em Curitiba depois de protesto deste
domingo e geram pânico27
de 16.03.2015, consta que
27
Disponível em: <http://revistaladoa.com.br/2015/03/noticias/neonazistas-atacam-em-curitiba-depois-protesto-
deste-domingo-geram-panico#axzz3qLIT9qkc>. Acesso em: 2 nov. 2015.
34
um grupo de 10 neonazistas espalhou terror em dois ataques neste domingo
na região central de Curitiba. Logo após o protesto, por volta das 18h, o
grupo subiu a Rua São Francisco rumo ao Largo da Ordem depois de uma
briga que virou generalizada, espalhando pânico e provocando uma correria.
O grupo derrubou mesas e cadeiras de bares e foi perseguido pela polícia,
mas debandou antes de ser alcançado pela PM que fechou a rua e
reestabeleceu a ordem. Dois rapazes teriam sido agredidos pelos skinheads
que gritavam morte aos homossexuais.[...] O grupo encontrou jovens gays
que voltavam de um piquenique no Museu Oscar Niemeyer e ao passar por
os skinheads deram tapas em suas cabeças e disseram: “toma vergonha nessa
cara”. Um garoto de 20 anos, Guilherme A. Barbosa (foto), segurou a mão
do agressor o que foi suficiente para que os outros do grupo o cercassem e o
atacassem. Guilherme contou para a Lado A que após ser derrubado ele
desmaiou e ainda teria convulsionado durante o espancamento. Os homens
bateram nele por todos os lados com chutes e socos. [...] Os agressores, entre
eles algumas mulheres, chegaram a intimidar as vítimas na frente dos
policiais. A polícia teria impedido um dos amigos da vítima de fotografar a
ação policial no local. [...] Segundo a vítima, os rapazes se identificaram
como torcedores do clube Coritiba e teriam envolvimento com o movimento
neonazista pois possuíam tatuagens com o tema. No dia havia jogo do
Coritiba na cidade, então não se sabe se os agressores voltavam do jogo ou
do protesto. Em São Paulo, também neste domingo, na Av. Paulista, a
Polícia Militar deteve 20 pessoas, entre elas duas mulheres, ligadas ao grupo
Carecas do Subúrbio após a manifestação os protestos. Com eles foram
encontrados 37 morteiros, um soco-inglês, soqueiras, uma máquina de
choque e spray de pimenta (REVISTA LADO A, 2015).
Segundo Adriana Dias (2013), o jovem brasileiro que é atraído por esse grupo é aquele
que tem algum problema familiar e de relacionamento. Por isso que a grande maioria das
famílias, quando descobre que tem um filho neonazista, ficam extremamente surpresas, por
nunca ter imaginado tal envolvimento. “Muitas vezes as famílias mal sabem que o
adolescente tinha a tatuagem de uma suástica nas costas, por exemplo.” Em entrevista ao
canal online VICE 28
, através da repórter Débora Lopes, a pesquisadora traça um perfil desses
jovens.
Eles procuram nesses grupos a resposta a por que eles não dão certo na vida.
Nos grupos, é dito que eles não dão certo porque alguém já ocupou o lugar
que seria deles. Isso é uma grande preocupação da antropologia. O
neonazista acredita que existe um lugar natural para a raça branca que é a
liderança sobre as outras raças. A mídia, segundo o neonazista, é toda
judaica, pois construiu um perfil de um negro quase herói no Brasil – porque
ele vence no esporte, na música. Então é preciso destruir o judeu e o negro
— é preciso eliminar a ameaça nordestina para que o natural, que seria o
lugar do jovem ariano, se recupere. É uma paranoia construída atrás da outra
(DIAS, 2013).
28
Um grupo de mídia global jovem com 36 redações espalhadas por mais de 25 países. Disponível em:
<http://www.vice.com/pt_br/read/o-perfil-do-neonazista-brasileiro-uma-entrevista-com-a-pesquisadora-adriana-
dias>. Acesso em: 01 nov. 2015.
35
A notícia Pais que incitam ódio e racismo aos filhos podem perder a guarda29
de
11.04.2013, diz:
As polêmicas imagens de skinheads neonazistas de Belo Horizonte que
começaram a circular na internet na última sexta-feira (5) levantam uma
discussão sobre a educação infantil. Em uma das fotos, uma criança veste
roupas com símbolos neonazistas e posa com o braço erguido. Caso fique
comprovado que exista um estímulo ao ódio e ao racismo por parte do pai, a
justiça pode decidir pela perda da guarda do filho. Segundo Valcir Gassen,
professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em direito da
família, não há uma legislação específica que trata de casos em que o filho é
educado com base em valores neonazistas. Ainda assim, uma vez que o
Ministério Público entenda que há risco para criança, ele pode fazer uma
solicitação ao juiz para que a guarda seja transferida para parentes próximos
(EBC, 2013).
Figura 2 - Um Skinhead com o seu filho fazendo saudação nazista
Fonte: EBC, site da notícia já identificado
A pesquisadora traça três perfis antropológicos: perfil de liderança, o jovem e o perfil
feminino, sendo o último considerado por Dias, um grupo totalmente à parte. Os líderes dos
grupos geralmente não participam das ações violentas. São pessoas que possuem uma melhor
condição financeira, já que muitos possuem um alto grau de instrução, leem muito material
antissemita e procuram não se envolver eventuais ações judiciais.
Tem o perfil de liderança que é o cara entre 25 e 30 anos com nível superior
completo, muitas vezes pós-graduado, razoavelmente bem sucedido na vida,
que está a fim de coordenar os grupos menores. Tem o jovem, entre 18 e 25
anos, que é o prosélito. E tem o perfil feminino, que é muito diferente dos
outros dois porque os grupos femininos são construídos para apoiar os
grupos masculinos, no sentido de providenciar formas financeiras, dar apoio
emocional. É um grupo totalmente à parte. Até porque a mulher não é vista
como líder intelectual, mas como um aparelho reprodutor. Mulher, para eles,
é uma coisa mínima (DIAS, 2015).
29
Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/04/pais-que-incitam-odio-e-racismo-aos-filhos-
podem-perder-a-guarda>. Acesso em: 2 nov. 2015.
36
A manchete Piscina com suástica é flagrada em Santa Catarina30
do dia 02.12.2014,
traz:
A Polícia Civil encontrou uma suástica no fundo da piscina de uma
residência enquanto fazia um voo de helicóptero no Vale do Itajaí, em Santa
Catarina, na terça-feira (2). Segundo informações da Polícia Civil, os agentes
sobrevoavam a área para atender a uma ocorrência de seqüestro quando
avistaram o símbolo. Mais tarde, os policiais passaram pelo local outra vez e
fotografam a suástica no fundo da piscina.
Após avaliarem o caso, os policiais da região afirmaram que o dono da
residência não fez apologia ao nazismo. Ele não será enquadrado já que,
segundo a polícia, ele não fez apologia pública ao nazismo – tendo em vista
que a piscina está dentro de sua propriedade.
Histórico - Dono da piscina com suástica já teve objetos nazistas
apreendidos e deu ao filho o nome de Adolf. O imóvel pertence ao professor
de história Wandercy Antonio Pugliese, que já teve problemas com a Justiça.
Ele se declarou admirador da ideologia, mas diz que não propaga ideais. Em
1994, Pugliese teve apreendidos pela polícia diversos materiais relacionados
ao nazismo, como livros, revistas, fotografias, gravuras do exército alemão,
objetos com a cruz suástica e uma camiseta estampada com a imagem de
Adolf Hitler. O professor chegou a ser denunciado pelo crime de racismo
após a apreensão do material na casa dele, mas a ação penal foi arquivada.
Em 2001, O Tribunal Regional Federal31
negou, por unanimidade, pedido do
professor para reaver sua coleção de objetos relacionados ao nazismo. O
material foi apreendido em 1998 na residência de Wandercy, em Blumenau
(SC), a pedido do Ministério Público Federal (MPF). O fato ocorreu após
reportagem veiculada no "Fantástico", da rede Globo, em fevereiro de 1994,
em que Pugliese, segundo o inquérito policial, mostrou vários objetos e
declarou-se admirador da ideologia nazista (PRAGMATISTMO
POLÍTICO, 2014).
Figura 3 - Piscina com a suástica (símbolo do nazismo)
Fonte: Site da notícia já identificado
Devido ao conhecimento construído, a pesquisadora Adriana Dias, já prestou
consultoria à Polícia Federal e aos serviços de inteligência de Portugal, Espanha e outros
30
Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/12/piscina-com-suastica-e-flagrada-em-santa-
catarina.html>. Acesso em: 2 nov. 2015. 31
Disponível em: <http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=2525>.
Acesso em: 2 nov. 2015.
37
países. A seguir32
, as estatísticas do crescimento de sites com assuntos neonazistas, como
consta no gráfico feito pela Empresa Brasil de Comunicação (portal EBC)33
:
Figura 4 - Gráfico com o crescimento de sites com assuntos neonazistas
Fonte: Portal EBC
32
Tentei entrar em contato com Adriana Dias, para saber se haveria dados atualizados, mas até o momento do
depósito desta monografia, não obtive resposta. 33
Disponível em: <http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2013/04/mapa-da-intolerancia-regiao-sul-concentra-
maioria-dos-grupos-neonazistas>. Acesso em: 2 nov. 2015.
38
3 AS CATEGORIAS DE THEO VAN LEEUWEN NA APLICAÇÃO DO DISCURSO DA
NOVELA VITÓRIA
A seguir, as categorias que Theo van Leeuwen propõe para serem utilizadas na análise
textual do discurso, aplicadas no discurso dos personagens neonazistas. Essas categorias
foram estudadas de acordo com o seu artigo A representação dos actores sociais, presente no
livro Análise Crítica do Discurso – uma perspectiva sociopolítica e funcional, com a
organização de Emília Ribeiro Pedro, dirigida por Maria Raquel Delgado Martins e tradução
de Helena Medeiros, com a Editorial Caminho, Ed. 1998.
Theo van Leeuwen (1998) busca compreender quais são os modos pelos quais os
atores sociais podem ser representados no discurso inglês e como eles estão representados no
caso de um determinado discurso racista. Procura refletir nas questões críticas e sociológicas
das suas categorias, antes de se debruçar em como é que se realizam linguisticamente. O texto
que ele retira a maior parte dos exemplos é o Our Race Odyssey (A nossa Odisseia da Raça),
publicado como artigo de fundo, em 12 de Maio de 1990, no Spectrum, o suplemento de
sábado do The Sydney Morning Herald, jornal australiano mais antigo e popular da cidade de
Sidney, Austrália.
Ele recortou as três primeiras partes do texto publicado, mas utilizou outros exemplos
em algumas categorias, retiradas de um corpus de textos mais abrangente que incluía outros
temas. Todos se relacionavam com o tema da vida escolar, e mais especificamente, com a
transição da casa para a escola.
Através dessas categorias, van Leeuwen (1998) suscita a ideia de que textos e
discursos recontextualizam (tornam a contextualizar) as práticas sociais, sendo os gêneros
(discursivos, textuais, literários) parte das ações praticadas socialmente, pois são regulados de
formas diferentes em situações diferentes e utilizam textos que não só descrevem e
representam, mas também reproduzem e modificam. E essa (re)constituição linguística é dada
através do sistema gramatical-funcional de Halliday, com a finalidade de “desvendar” nos
textos e discursos, a estrutura de poder, e fornecer à própria linguagem condições para
“responder” às questões sociais.
A história principal da novela Vitória é o drama de Artur (Bruno Ferrari), um jovem
rico proprietário do Haras Arminho que deseja se vingar do seu suposto pai Gregório
(Antônio Grassi), por ter sido rejeitado quando ficou paraplégico ao cair do cavalo, ainda
criança. Diana (Thais Melchior) é filha do segundo casamento de Gregório e irmã de Mossoró
39
(Ricky Tavares), ambos filhos da segunda esposa de Gregório, já falecida. A joqueta vai
sofrer ao pensar que cometera incesto com Artur, que na verdade não é seu irmão. Mas a
novela suscita outros assuntos que também ganharam espaço na trama, até mais que a história
central, como o trabalho infantil, alcoolismo, analfabetismo, e também o núcleo neonazista
composto pelos personagens Priscila, Paulão, Bárbara e Enzo.
Priscila é a líder da sua célula e desvia dinheiro da escola de sua mãe, Valéria, para
arcar com as ações promovidas pelo grupo, como a possível compra de um bar para ser o
ponto de encontro dos neonazistas. Paulão, namorado de Priscila, a apoia nos projetos, mas
não gosta muito de ser liderado por uma mulher. Enzo expõe a imagem de um neonazista que
gosta de adrenalina e que deseja de fato, exterminar as “raças inferiores”. Bárbara, no começo
se mostra amedrontada com aquela realidade, mas depois se descobre que ela é uma policial e
se infiltrou na célula para conseguir provas contra o grupo. Acaba se revelando em um
momento inoportuno, e torna-se inimiga de Priscila, quando esta descobre a verdadeira
identidade de Bárbara.
Theo van Leeuwen (1998) apresenta mais de 16 categorias em seu artigo, fora as
subdivisões. No presente trabalho, elas serão abordadas em 10 subtítulos, conforme o nosso
objeto de estudo. As cenas foram escolhidas a partir de uma percepção sobre as imagens e
falas, centrando-se na atenção ao discurso, e claro, permitindo análises crítica e linguística da
ideologia neonazista e suas relações de poder. As falas foram transcritas da mesma maneira da
qual são pronunciadas, para que não se perca as características presentes no discurso. Vale
ressaltar que a pesquisadora em questão pretende aumentar o repertório nos próximos passos
dentro da academia, tanto em cenas quanto na análise das categorias, e expandir a consulta ao
público da novela. Estamos diante de um tema extenso e convidativo à pesquisas. Eis as
categorias:
3.1 AS REPRESENTAÇÕES INCLUEM OU EXCLUEM OS ATORES SOCIAIS
Nem todos os atores sociais presentes no discurso, precisam ser necessariamente
incluídos, e a sua exclusão pode acontecer de maneira estratégica, sem deixar marcas ou de
maneira “inocente”, quando se assume que o público já conhece ou que é irrelevante para ele.
A exclusão é um aspecto importante da análise crítica do discurso, visto que há atores sociais
que se beneficiam diante de uma situação. No estudo de representação da vida escolar, van
Leeuwen (1998) descobriu que havia um padrão de inclusão ou de exclusão relacionado com
a classe social nas histórias das crianças.
40
Descobri que os pais eram radicalmente excluídos em textos que se
destinavam aos professores, mas incluídos em muitas histórias das crianças,
mesmo que, muitas vezes, apenas brevemente, durante o pequeno-almoço
que antecede o primeiro dia de aulas (...). as histórias das crianças que
visavam o público em geral incluíam, por vezes, o pessoal auxiliar da escola,
mas excluíam a directora, enquanto as histórias das crianças para um público
mais abastado incluíam a directora, mas excluíam pessoas abaixo dos
professores na hierarquia escolar (...) (LEEUWEN, 1998, p.180).
Quando os atores sociais de uma dada atividade são incluídos e outros da mesma ação
são excluídos, essa exclusão deixa rastros, deixa uma brecha ao leitor/espectador indagar.
Vejamos no exemplo34
abaixo:
Caíque: Eu nunca neguei que você sofria preconceito, PH. Muito pelo contrário, sempre vi isso de
montão. Lá na empresa, naquele bar que a gente frequentava, com aqueles malucos. Você que
nunca se posicionou.
Segundo Theo van Leeuwen (1998), “uma exclusão tão radical pode desempenhar o
seu papel numa comparação crítica de diferentes representações da mesma prática social, mas
não na análise de um único texto, pela simples razão de que não deixa marcas” (p.180).
Quando comparamos textos, discursos sobre o mesmo tema, conseguimos identificar o que
aconteceu de fato, o que é e o que não é omitido, os motivos e os meios que foram utilizados
para tal finalidade.
Não cabe ao nosso objeto identificar as “exclusões”, pelo fato de que outros
personagens, em algum momento da trama, revelarão. O termo destacado aqueles malucos
deixa de fato o telespectador sem entender quem são, caso não esteja acompanhando a novela.
Mas logo depois, estes atores são “revelados”.
PH: Então agora, a culpa é minha? É isso, a culpa é minha? Essa é boa, né!
Caíque: É verdade, PH. Você nunca enfrentou a turma da Priscila e do Paulão. Os caras só faltavam
cuspir na sua cara e você falava o que? “Não, deixa, deixa que eles estão incomodados, eles que se
retirem. Eu vou ficar na minha”.
PH: Você acha que eu devia fazer o que? Dá porrada naqueles caras? Impor o meu respeito na marra,
é isso que você acha que eu devia fazer? Sabe o que ia acontecer, Caíque? Vou te contar o que é que
ia acontecer! Eu ia ser preso. Porque branco quando corre tá fazendo cooper, agora preto quando
corre tá fugindo da polícia.
Logo identificamos quem são os malucos – a turma da Priscila e do Paulão. E isso só
é possível porque a cena continuou com o diálogo entre Caíque e PH (Paulo Henrique)
falando sobre preconceito. Se analisarmos ainda mais a fundo, a turma da Priscila e do
34
Capítulo 30/07/2014. Vídeo do trecho em questão até 22min17s. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=6CdcQN5r81w&feature=youtu.be&t=19m39s>. Acesso em: 10 nov. 2014.
41
Paulão apenas é identificada até aqui com esses atributos: malucos, pessoas agressivas, gente
que não se deve contestar. Associá-los aos “neonazistas” ainda não havia acontecido. Isso nos
faz também refletir sobre a exclusão dos termos nas conversas e notícias pautadas no dia a
dia. Da dificuldade que é identificar de fato quando um crime é cometido por ódio, por razões
ideológicas.
Outro ponto que gera reflexão social é o conteúdo das falas de PH, espelhado em
muitas vozes que preferem recuar ao correr o risco da represália. O medo é movido pelo que
pode acontecer se levar adiante casos de preconceito racial, que é o caso do personagem. Ele
teme ser preso, e isso faz com que PH prefira “suportar” as manifestações de ódio que são
direcionadas a ele. Atribui o sentimento de culpa à cor de sua pele, pois ser negro é mais um
problema a ser enfrentado, e assume que a pessoa de cor clara, como o seu amigo Caíque,
nada sofre e não tem a mínima ideia do que seja ser preto.
PH: Tô bem parado, hein. Desempregado, tendo de dormir na casa de amigo quando aqueles dois
tiverem lá, um casamento aí na porta, preto...
Caíque: Ei... ser preto não é problema nenhum, PH.
PH: Ah, não? Então por que eu vou ter que dormir aqui no teu sofá? Sim, porque se eu fosse um
branquelo que nem você, eu não ia tá precisando dormir aqui no teu sofá.
Caíque: Me chamar de branquelo também é preconceito.
PH: Grande preconceito. Nossa, tô até emocionado. Pelo amor de Deus. Ô Caíque, você não faz idéia
do que é ser preto, cara.
Caíque: Não fala como isso tivesse diferença pra mim não, PH.
PH: Mas devia fazer, devia fazer. Sim, porque é muito bonito esse teu discursinho aí que somos todos
iguais, que não importa a cor da pele. Só que eu Caíque, sofro na pele a minha cor, você não!
Dentro desta mesma categoria de exclusão, Theo van Leeuwen divide-a em supressão
e segundo plano.
No caso da supressão, não há qualquer referência aos atores em questão em
qualquer parte do texto. (...) No caso de colocar em segundo plano, a
exclusão é menos radical: os atores sociais excluídos podem não ser
mencionados em relação a uma dada atividade, mas são mencionados
algures no texto, e nós conseguimos inferir com alguma (embora nunca
total) certeza quem eles são. Eles não estão tanto excluídos, mas sim pouco
visíveis, empurrados para segundo plano (LEEUWEN, 1998, p.181).
Priscila35: (...) Quando um país invade o outro, em prol da "paz mundial", matando centenas,
dezenas, milhares de pessoas... Eles estão agindo para o bem comum.
Quando é dito que um país invade o outro, em prol da paz mundial, temos a presença
do outro país, das milhares de pessoas que são mortas. Quem são? E por que são? Sabe-se
35
Capítulo 22/10/2014. Vídeo do trecho em questão até 10min30s. Disponível em:
<https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=10m4s>. Acesso em: 10 nov. 2014.
42
que há países que invadem outros, matam milhares de pessoas e que estão agindo para o bem
comum, mas não apresenta mais informações para situar essa afirmação. É um caso clássico
da exclusão, mas que como já foi dito anteriormente, pode logo se desfazer com a continuação
das falas. Percebe-se o segundo plano em país, por mais que não estejam citados
nomeadamente, algum nome ou notícia vem à mente do telespectador, que consegue inferir
com alguma (embora nunca total) certeza quem eles são.
Paulão36: E as guerras, dona Valéria? E quando se mata pela democracia?
Priscila: Muitos militares espancaram, torturam, mataram aqueles que eram contra a ditadura
militar. Eles estavam lutando pela ideologia deles.
Paulão: E por que a gente não pode lutar pela nossa?
Valéria: Um erro não justifica o outro. Desrespeito a vida humana, a ignorância, do
preconceito, de não considerar um judeu, um negro, um nordestino, um gay, um ser humano capaz,
é de uma estupidez, de uma burrice, de uma insanidade. É impossível, Priscila, respeitar a sua corja.
As nominalizações e os nomes dos processos lingüísticos/semânticos permitem
também a exclusão dos atores sociais. Quando Valéria diz que um erro não justifica o outro,
ela exclui os termos que poderiam ter sido incluídos. Ela está falando da repressão militar na
época da ditadura e da ideologia neonazista nos dias atuais.
O pela democracia também beneficiou os atores sociais de uma dada atividade,
representada aqui por quem mata pela democracia, através das guerras. Como já vimos, o
discurso continua falando dos militares, dos países que invadem outros, então os atores não
são tanto excluídos, mas sim pouco visíveis, empurrados para segundo plano.
Valéria37: Uma pena mesmo. Eu sempre achei que você herdaria a escola e
continuaria o trabalho de sua avó que eu levei adiante. Nunca imaginei outra pessoa na
frente da escola Priscila Shirley, que não fosse você. Infelizmente, acabou.
E acabou por uma escolha sua mesmo, Priscila.
Paulão: Ah, não fala assim, Dona Valéria. Priscila ainda há de voltar pra escola. Ela
vai desenvolver um belíssimo trabalho lá.
Conforme van Leeuwen exemplifica, as nominalizações permitem a exclusão de atores
sociais. No escolha sua, temos o nome de um processo – escolha – acompanhado de um
pronome possessivo – sua. Qual foi a escolha de Priscila? A escola poderia tê-la como
diretora, mas por escolha própria, isso não acontecerá. O sentido de escolha está aqui sendo
utilizado conforme a personagem Valéria analisa as “atitudes” da filha.
36
Capítulo 22/10/2014. Vídeo do trecho em questão até 7min44s. Disponível em:
<https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=7m4s>. Acesso em 10 nov. 2014. 37
Capítulo 22/10/2014. Vídeo do trecho em questão até 2min54s. Disponível em:
<https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=2m21s>. Acesso em: 10 nov. 2014
43
Os adjetivos também auxiliam. O que é um belíssimo trabalho? Como um belíssimo
trabalho será desenvolvido? Mais uma vez, temos a presença de uma visão específica de um
personagem. O belíssimo trabalho não está sendo detalhado, mas certamente quem
acompanha a cena num todo, entende que esse belíssimo corresponde aos atores sociais,
conforme as “leis” neonazistas. Há uma exclusão total de pormenores, que atinge o seu efeito
de ironia, através de uma súbita elipse.
Caio 38: O ônibus tá atrasado. Mantenha posição.
Priscila: Pode deixar.
Paulão: Segurou bem hein Priscila.
Priscila: É isso que a gente precisa. Frieza pra agir. A gente não é um bando de arruaceiro briguento,
não.
Nesta cena, o diálogo acontece em uma das ações do grupo, onde estão prestes a
incendiar um ônibus com nordestinos, no qual a célula de Priscila e a de Caio estão unidas na
execução. Uma batida de carro fez Priscila se atrasar no horário combinado, e neste momento
estavam esperando a notícia se o ônibus já teria passado ou não. Caso já estivesse passado, a
“guerra” seria entre as duas células, pois Caio e o seu grupo não aceitaria não ter colocado a
operação em prática. Então, verifica-se mais que um discurso de poder, percebe-se que
também há “guerras internas” entre os poderes de uma mesma ideologia.
Em sua tese de Mestrado em Ciências Sociais, Alexandre de Almeida (2004) dissertou
sobre o tema Skinheads: os “mitos ordenadores” do Poder Branco paulista39
, e em
entrevistas realizadas com pessoas que vivenciaram e atuaram nos grupos Carecas do
Subúrbio, Poder Branco, entre outros, a violência entre eles foi citada.
Um outro aspecto levantado pelo entrevistado I., referindo-se à violência, era
a falta de confiança mútua entre muitos Carecas. O entrevistado I. contou
que, quando os Carecas do Subúrbio se reuniam em grande número, havia
sempre um clima de tensão e expectativa, pois nunca se sabia o desfecho do
encontro. A violência poderia acontecer pelos mais fúteis motivos: acerto de
contas sobre fofocas; uma palavra mal colocada em uma conversa;
demonstração de virilidade; diferenças de gosto musical; alguns aspectos do
visual e cobrança de posturas políticas. O entrevistado disse que, apesar de
não pertencer, na época, a nenhuma organização, simpatizava com o
Nacional Socialismo, e assim como outros que tinham a mesma postura
eram constantemente cobrados pelos demais e, em alguns casos, até
ameaçados (ALMEIDA, 2004, p. 46).
38
Líder de outra célula neonazista. Capítulo 16/06/2014. Vídeo do trecho em questão até 16min04s. Disponível
em: <https://youtu.be/LQQlCvKFY4I?t=15m2s>. Acesso em: 10 nov. 2014. 39
Vertente Skinhead no estado de São Paulo. As origens do Poder Branco remetem ao White Power inglês, que
se constituiu como uma vertente Skinhead diferenciada, no início da década de 80.
44
Logo depois da ação, quando estão em casa, a célula de Priscila brinda o sucesso da
operação40
.
Priscila: Vamos lá, um brinde! Ao sucesso do nosso ataque!
Paulão: Tomara que os jornais explorem bem essa notícia, né.
Enzo: Por quê?
Paulão: Porque a gente manda uma mensagem assumindo a autoria do ataque, de alguma forma da
gente divulgar a nossa ideologia.
Priscila: Queria agradecer pelo comprometimento de cada um de vocês.
(...)
Priscila: Vamos fazer mais um brinde! A nós no poder!
Todos repetem: A nós no poder!
É pertinente o conhecimento desta cena, pois encontramos essa característica de
assumir a autoria do ataque em alguns grupos neonazistas, como por exemplo os Skinheads.
A preocupação em deixar clara a autoria das ações dos Skinheads em casos
de violência relatados pelos jornais pode ser exemplificado em um artigo
reproduzido no Skinzine “Defesa Paulista”, em que relata a agressão de um
indivíduo por três desconhecidos. Logo abaixo da reprodução, editor escreve
a palavra “Skinheads” como forma de identificar os agressores e a motivação
política do ato (ALMEIDA, 2004, p.65).
Voltando à categoria, no caso da inclusão dos atores sociais fica óbvio a sua ação, já
que as representações fazem questão em se sobressairem. Na fala abaixo, percebe-se que há
o propósito de pronunciar cada palavra de maneira com que o público perceba o orgulho da
personagem em fazer parte da célula e ter conquistado uma função de honra, que é o de
liderar. Há um tom de que “tudo vale a pena”, porque esse é o seu ideal de vida.
Priscila41: Nós não somos uma corja, nós lutamos pelo que acreditamos. Não foi assim que
você me ensinou mamãe? A ter ideais e a lutar por eles? Pois você criou uma mulher vencedora.
Sou a líder da minha célula neonazista. Eu sou respeitada pela minha luta.
3.2 PAPEIS DOS ATORES SOCIAIS
Neste ponto é refletido sobre os papeis atribuídos pelas representações: os atores como
agentes da ação ou como pacientes da ação, a finalidade. Essas representações podem dotá-los
com papeis ativos ou com papeis passivos, demonstrados gramaticalmente também. Essa
representação pode redistribuir papeis e organizar as relações sociais entre os participantes.
40
Vídeo do trecho em questão até 35min58s. Disponível em: <https://youtu.be/CdbnAO14rvk?t=34m45s>.
Acesso em: 10 nov. 2014.
41
Vídeo do trecho em questão até 08min04s. Disponível em: <https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=7m43s>.
Acesso em: 10 nov. 2014.
45
Como explica van Leeuwen (1998, p.187), “a ativação ocorre quando os atores sociais são
representados como forças ativas e dinâmicas numa atividade, e a passivação quando são
representadas como ‘submetendo-se’ à atividade, ou como ‘sendo receptores dela’”.
Priscila: (...)Quando a polícia sobe na favela e mata traficante, tem gente inocente criança,
eles estão fazendo isso para restabelecer à ordem pública. Quando um pais invade o outro, em prol
da "paz mundial", matando centenas, dezenas, milhares de pessoas... Eles estão agindo para o bem
comum.
O eles é o ator social ativo em relação ao processo de restabelecer a ordem pública
(finalidade). O papel ativo do ator social em questão é mais declarado, destacado. Quando no
começo é mostrado quem são “eles”, percebe-se que tem gente inocente, criança, são
passivados. Quem os ativa é a polícia (eles).
Os papeis ativos se realizam através da participação, enquanto os papeis passivos se
realizam através de processos que requerem uma maior transformação. Através do pronome
possessivo, também ativamos ou passivamos os atores.
Valéria42: Eu te amei tanto, Priscila. Eu te amei tanto, mais tanto, que eu não vi a pessoa que você se
transformou. (...)
Paulão: Amava? A senhora não ama mais a sua única filha, não é Dona Valéria?
A sua única filha ativa a ação “amar”. O apelo encontrado no sua é inteiramente
ligado ao amor que, segundo Paulão, Valéria não tem mais pela filha após saber que ela faz
parte de uma célula neonazista. O sua tenta constranger a personagem a repensar sobre o seu
amor pela própria filha, a única.
3.3 GENERICIZAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO
O maior intuito nesta classificação é o reconhecimento da representação dos atores
sociais como classes ou como indivíduos específicos e identificáveis. Van Leeuwen (1998,
p.191) afirma que códigos restritos dão acesso a ordens “particularísticas de significado”, e o
acesso a estes códigos é determinado pela classe social. É disso que resultam as diversas
maneiras de expor o mesmo fato, tendo como base o destinatário.
Priscila43: A Ione, a Ione cruzou o meu caminho na escola. Ela tentou impedir a realização do
meu maior ideal nessa vida.
42
Vídeo do trecho em questão até 05min30s. Disponível em: <https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=4m54s>.
Acesso em: 10 nov. 2014.
46
O artigo definido a é usado como referência específica. É necessário que o
telespectador conheça Ione, saiba o que fez durante as cenas, qual a participação dela, para
que se entenda o contexto dessa fala. Não é qualquer pessoa que saberá o que aconteceu
quando Ione cruzou o caminho de Priscila.
Em a realização também vemos a presença do mesmo artigo, mas dando um valor
genérico ao discurso. Realização com a presença do artigo continua tendo o mesmo
significado, independente de quem esteja assistindo. É entendível mesmo a quem não saiba do
contexto, ou seja, continua como sendo algo relacionado ao ato ou efeito de realizar, executar,
concretizar.
3.4 ASSIMILAÇÃO
Quando referidos como indivíduos falaremos de individualização, quando em grupos,
assimilação.
Tendo em conta o elevado valor que é atribuído à individualidade em muitas
esferas da nossa sociedade (e o valor atribuído à conformidade noutras
sociedades), estas categorias teriam de se revestir de um significado
primordial na análise crítica do discurso (LEEUWEN, 1998, p.194).
Aos 17 minutos do primeiro capítulo44
da novela, o núcleo neonazista é apresentado
com a cena em que Priscila atropela um flanelinha. Depois, eles reencontram o flanelinha na
rua, ele reconhece Priscila e quer entender o motivo pelo qual ela o atropelou. Depois foi
“convidado” por Priscila a entrar no carro e ir até a casa dela para conversar melhor sobre o
“incidente” do outro dia. Mesmo desconfiado, o flanelinha aceita.
Priscila45: Oi Bárbara! Olha só quem eu encontrei no caminho... Fique a vontade!
Paulão: O flanelinha, Bárbara! Que a Priscila atropelou outro dia.
Flanelinha: Não, não... É... Sorriso. É assim que meus amigos me chamam.
Enzo: Nem nome o cara tem.
Priscila: Deixa eu adivinhar. Você veio aqui pra... Pedir dinheiro, né?
Bárbara: Vai embora, rapaz. Deixe a polícia, a justiça resolver isso.
Flanelinha: Não, não... Pera aê, pera aê. Foi tudo de propósito, não foi?
Paulão: Acho que ele percebeu, Priscila.
Flanelinha: Olha aqui, eu não quero teu dinheiro não, dona. Não sou do tipo que ricaço faz o que
quer, atropela, mata, esfola e depois oferece uns trocados pra ele, pra família ficar calada, não.
Priscila: Nossa, que interessante, um flanelinha honesto. Vai chover canivete hoje.
43
Vídeo do trecho em questão até 6min18s: <https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=5m54s>. Acesso em: 10 nov.
2014. 44
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fTK56K7-McY>. Acesso em: 10 nov. 2014. 45
Disponível em: <https://youtu.be/hG87XM5ljyE?t=41m9s>. Acesso em 10 nov. 2014.
47
Aqui temos um exemplo de assimilação, pois fica subentendido que toda uma classe, a
dos flanelinhas, não é honesta. Pode acontecer a assimilação através de um substantivo
contável, que denote um grupo de pessoas por meio da pluralidade. Diante desta cena, a ironia
provocada no discurso de Priscila para que esse subentendimento fizesse parte do espectador,
é assimilada. Mesmo diante de uma classe em que não há honestos, aquele era.
A assimilação é distinguida em dois tipos: a agregação e a coletivização. Segundo van
Leeuwen (1998, p. 195), o primeiro é utilizado para regulamentar um prática e produzir uma
opinião de consenso através de dados estatísticos, já o segundo não acontece dessa maneira.
Entendamos conforme os exemplos:
Priscila46: A gente vai construir um país decente, limpo, Bárbara. Você vai ver... E esse bar é o
nosso primeiro passo. É muito importante a gente ter um lugar só nosso. Onde a gente possa
conseguir mais adeptos para a nossa causa. Vai ser bom demais!
O sentido aqui extraído em mais adeptos é puramente estatístico, para causar maior
impacto de força e poder, com a intenção de ser maioria entre o país, e isso também
caracteriza a agregação.
Priscila: Quase consegui livrar o mundo de mais um verme.
A coletivização confirmada aqui é que a agente da ação, Priscila, livrou o mundo
(conjunto de tudo que existe, terra, número indefinido de pessoas) de mais um verme (o
flanelinha). A realização da coletivização torna a ação – livrar o mundo de mais um verme –
algo muito bom, de alívio para Priscila, com o sentimento de dever cumprido. Temos também
a presença da metáfora, figura de linguagem que substitui um termo por outros com uma
relação de analogia (flanelinha = verme).
Paulão47: O que a gente quer é criar uma nação justa, com direitos e deveres a quem os
mereça ter.
Aqui temos a assimilação realizada através de um substantivo que engloba um grupo
de pessoas, como no último exemplo. Toda a população de um território nacional sob o
conceito de “justiça”.
Valéria: Eu pensei. Mas eu achei que você não teria coragem, Priscila. Eu sou sua mãe. Eu sou
sua mãe, Priscila.
46
Vídeo do trecho em questão até 2min58s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rt1xOnl4kIg>.
Acesso em: 20 nov. 2014. 47
Os dois últimos exemplos foram recortados da cena que já foi utilizada em pontos anteriores.
https://www.youtube.com/watch?v=11Q6t9Vy1YA
48
Através da singularidade, realiza-se a individualização. Quando descobriu que tinha
sido envenenada pela própria filha, Valéria não acreditou que Priscila teria coragem para
cometer tal ato com sua própria mãe. Valéria era a sua mãe, e tal vínculo com Priscila não
permitia que aquilo acontecesse. Assim como Valéria existem tantas outras mães, mas a mãe
de Priscila, por quem tinha sido envenenada, era somente ela.
3.5 ASSOCIAÇÃO E DISSOCIAÇÃO
Os atores sociais também podem ser representados através de associações. Como a
própria palavra sugere, são grupos formados por atores sociais e/ou grupos de atores sociais,
que podem ser nomeados e/ou categorizados no discurso, referidos quer genérica ou
especificamente. A forma mais comum é a parataxe, que é uma sequência de frases, termos
que estão justapostas, uma ao lado da outra, sem conjunções que as conectem.
Priscila: Já pensou Bárbara? Um lugar só pra gente? Hum? Um bar sem mistura, sem neguinho, sem
gay, sem nordestino. Parece um sonho.
Neste exemplo, percebemos a representação feita por um conjunto de pessoas
especificados que, segundo os neonazistas, não merecem compartilhar o mesmo espaço que
eles. E quando tiverem um espaço sem eles, será a concretização de um sonho. Sem mistura,
neguinho, gay e nordestino, aliaram-se em relação a uma exemplificação do que seria um
sonho.
Essa representação é estável e duradoura, pois essa especificidade é algo que rege a
ideologia neonazista assim como os judeus e outros grupos de pessoas eram para os nazistas.
No livro Hitler - um perfil do poder, Ian Kershaw (1993, p. 27) cita o que Hitler havia escrito,
“onde quer que eu fosse, comecei a ver judeus e, quanto mais os via, mais nitidamente eles
passaram a se distinguir, a meu ver, do restante da humanidade”.
As associações fazem e desfazem-se, no que resulta na dissociação. Algo pode estar
inteiramente associada com outra coisa, mas a qualquer momento, seja por conta do tempo,
espaço ou qualquer outro fator, podem dissociar-se e assim repetir o “ciclo”.
Priscila48: Vai brindar,mamãe?
48
Vídeo do trecho em questão até 2min11s. Disponível em: < https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=1m11s >.
Acesso em: 10 nov. 2014.
49
Antes da mãe de Priscila descobrir sobre o seu envolvimento com o neonazismo, elas
tinham uma relação de mãe e filha, apesar de todo o esforço de Priscila em esconder a sua
ideologia e tentar investir nisso, desviando o dinheiro da sua mãe na escola. Depois que
ambas ficaram sabendo do que a outra já sabia, esse laço maternal foi desfeito
emocionalmente. Pode-se assim dizer que a dissociação ocorreu depois das “revelações”
feitas entre as duas.
Agora, Priscila já pronunciava o mamãe, não com o sentimento de filha, mas como
uma líder neonazista que encontra em sua progenitora um inimigo forte aos seus ideais. Como
ela mesmo afirmou, “quando a gente tem um ideal maior na vida, quando a gente luta por ele,
nós somos capazes de qualquer coisa pela vitória, mamãe”.
3.6 INDETERMINAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO
Segundo Theo van Leeuwen (1998) em sua análise, a indeterminação é mais notável
quando realizada através de pronomes indefinidos, tornando o ator social “anônimo”,
enquanto que, quando ocorre explicitamente a presença de atores sociais, a diferenciação
repercute na representação, fazendo uma breve comparação entre ambos atores ou grupos
sociais semelhantes, diferenciando-os (eles/nós; eu/você).
Bárbara: Se alguém da família dele vier atrás?
Priscila: Quase ninguém viu ele entrando no meu carro... Esse daí é preto, é pobre. Ninguém liga. Só
chama atenção quando vira craque de futebol.
Utilizamos aqui mais uma vez a cena em que o flanelinha é morto pela célula. A
identidade do ator social neste discurso foi ocultada, para que a ideia de “não é nada
importante”, “foi um flanelinha quem morreu” viesse à tona. Há um pouco de receio “caso a
família viesse atrás”, mas logo em seguida é afirmado que ele, o flanelinha, é preto e pobre,
assim não haveria problema nenhum. O pronome indefinido alguém, mesmo expressando de
maneira imprecisa, vaga, auxiliou na indeterminação e no efeito desejado, anonimizando um
ator social.
Flanelinha: Lá na minha comunidade a gente até sabe que a lei não ajuda muito o pobre não... Mas
nem por isso a maioria sai por aí fazendo justiça com as próprias mãos... A gente sabe o certo, dona.
Sou estudante. Trabalho de dia e estudo de noite. Com muito sacrifício. Só vim aqui mesmo porque eu
queria conversar, fazer a senhora entender que eu sou gente. Que nesse mundo existe espaço pra
todo mundo e que violência não leva a nada!
50
Aqui há uma comparação de discurso e de representação. O flanelinha expõe uma
dualidade de ações na sua comunidade - sabem que a lei não ajuda o pobre; a maioria não faz
justiça com as próprias mãos; mesmo sendo pobre estuda e trabalha; é gente do mesmo jeito
que Priscila - e ao mesmo tempo afirma que o mundo existe espaço para todos - ele e Priscila
compartilham do “mesmo mundo”. A diferenciação é feita de maneira explícita, confirmando
as diferenças existentes nas representações.
Valéria49: O que é que presta pra você, Priscila? Os neonazistas?
Priscila: Com muito orgulho. (Valéria bate no rosto de Priscila) Você bate, né? Bate aqui. Por que eu
tenho minha ideologia? Por que eu luto por ela? Agora se a gente bate, eu ou o Paulão, aí nós somos
violentos, nós somos criminosos.
Mais um exemplo da diferenciação. A mesma atitude – bater – é uma prática dos dois
“lados” em questão. Valéria bateu pela resposta da filha, e Priscila logo rebate que, quando
essa ação é feita por ela ou por Paulão, é crime, é violência. Há uma diferenciação notória. A
inteligência e a sagacidade de Priscila, como líder de uma célula neonazista, não daria chance
para que essa “comparação” não fosse feita, mas também diferenciada.
3.7 NOEMAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO
Priscila: Oi, Bárbara! Olha só quem eu encontrei no caminho... Fique a vontade!
Paulão: O flanelinha, Bárbara! Que a Priscila atropelou outro dia.
Flanelinha: Não, não... É... Sorriso. É assim que meus amigos me chamam.
Enzo: Nem nome o cara tem.
Priscila: Deixa eu adivinhar. Você veio aqui pra... Pedir dinheiro, né?
O objetivo de van Leeuwen (1998) com este tipo de análise é investigar que tipos de
atores sociais são num dado discurso categorizados, e quais é que são nomeados. Como os
próprios nomes já dizem, nomeados quer em termos de sua identidade única, categorizados
quer em termos de identidades e funções. No diálogo acima, percebe-se que os nomes dos
integrantes da célula são explicitamente nomeados. Quando aparece o flanelinha, com o
“nome” de Sorriso é zombado.
Paulão e os outros associam ao nome do rapaz como o flanelinha. Além de ser uma
categorização, é do tipo funcionalização. “A funcionalização ocorre quando os actores sociais
são referidos em tempos de uma actividade, em termos de alguma coisa que fazem, por
exemplo uma ocupação ou função” (LEEWEN, 1996, p. 202). E quando o flanelinha responde
49
Vídeo do trecho em questão até 07min03s. Disponível em: <https://youtu.be/11Q6t9Vy1YA?t=6m26s>.
Acesso em: 10 nov. 2014.
51
o seu nome, que na verdade é como lhe chamam em sua comunidade, logo é categorizado
mais uma vez por não considerarem Sorriso um nome próprio e assim confirmar o que
acreditam que ele seja. Isso fica bem claro na frase de Priscila, quando o indaga se ele foi à
sua casa no intuito de pedir dinheiro.
Esta análise só reafirma o exercício do poder para oprimir, de quem segue às diretrizes
neonazistas. Ainda sobre este ponto, “os personagens sem nome cabem apenas papeis
passageiros e funcionais” (LEEUWEN, p. 200). No caso de Sorriso, ele apareceu apenas nesta
sequência de cenas, deixando claro o objetivo de sua participação: mostrar nas imagens e
diálogos o que os neonazistas, segundo a representação da novela, acham dos negros, pobres e
de pessoas que vivem em guetos, favelas, comunidades.
A categorização também pode ser de identificação, essa por sua vez se distingue em
três tipos: classificação, identificação relacional e identificação física. As categorias de
classificação variam histórica e culturalmente, e incluem dados como idade, raça, religião,
orientação sexual, etc.
Priscila: Nasceu avariado. É preto.
-
Paulão50: Eu não vou perder pra uma negra nojenta, não vou mesmo! Esse bar ainda vai ser nosso!
Priscila: (...) Sou a líder da minha célula neonazista.
Nas representações acima, a presença dessa categoria é óbvia. No primeiro, está
categorizado como uma raça, preto. No segundo, mais uma vez a cor é evidenciada. Laíza, a
negra nojenta, apresentou uma proposta maior que a de Paulão na compra do bar. Ele não
aceitou o fato de ter “perdido” para uma mulher e negra. No terceiro exemplo, há
identificação clara da ideologia seguida pela personagem, da qual é líder, acompanhado do
tom de poder que ela requer.
A essência da “vontade de poder” é definida como “acima de tudo uma
paixão e mais especificamente a paixão de dominar” (Nietzsche, 1966:25).
Aqueles que expressam esse poder de comando elementar, transgressor e
explosivo, dominam naturalmente os fracos. São heróis que fazem suas
próprias leis fora das convenções, baseados nos impulsos autênticos de seus
desejos pessoais (LINDHOLM, 1993, p.33).
Também se discute a ligação entre as categorias de funcionalização e classificação,
pois ambas desempenham um papel da identificação do ator social. Para algumas teorias, elas
são indistintas e designadas socialmente.
50
Vídeo do trecho em questão até 22min12s. Disponível em: <https://youtu.be/qZUYT3Ie3lY?t=20m25s>.
Acesso em: 20 jan. 2015.
52
As identificações relacionais são quase sempre possessivadas, no sentido de relação,
pertença, como acontece com os atores sociais em termos da relação pessoal, de parentesco ou
de trabalho que têm entre si. No exemplo abaixo, fica claro através do pronome possessivo
sua. Nesta cena, a mãe de Priscila descobre que foi envenenada pela própria filha e não
consegue acreditar que ela foi capaz de tal ato. Pois, apesar de tudo, achava que isso ainda
teria valor para Priscila, que o grau de parentesco (mãe e filha), estivesse acima da sua
ideologia, acima do neonazismo.
Paulão: E eu sou testemunha disso. Sua filha é uma mulher persistente, que age com inteligência, se
doa a causa.
Valéria: (...) Eu sou sua mãe. Eu sou sua mãe, Priscila.
Theo van Leeuwen (1998) afirma que na nossa sociedade o papel da identificação
relacional é menos importante do que o da classificação e funcionalização, principalmente no
que diz respeito às relações pessoais e de parentesco. Como no nepotismo, termo utilizado
para designar o favorecimento de parentes ou amigos próximos em detrimento de pessoas
mais qualificadas, geralmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos.
Também se percebe essa questão quando a primeira coisa que muitas vezes perguntamos à
alguém é de onde ele é, quando logo se percebe algum sotaque, e o que ele faz, que se
constitui como uma “base” para uma relação e início de um diálogo.
Na nossa sociedade, onde as relações de parentesco continuam a ser
funcionalmente importantes, como é especialmente o caso da relação entre
mães e filhos, os termos relevantes tornam-se polivalentes: [mãe] pode ser
usado como funcionalização ([ser mãe] não é o acto de cuidar de uma
criança, enquanto [ser pai] significa apenas o acto de gerar uma criança!),
mas também uma nomeação [mãe] e ainda como identificação relacional [a
minha mãe]; do mesmo modo (criança) pode ser uma classificação, assim
como uma identificação relacional (LEEUWEN, 1998, p. 205).
Já a identificação física, como o próprio nome sugere, é identificada conforme as
características físicas dos atores sociais em um dado contexto. É mais constante em narrativas,
quando algum personagem é apresentado, fazendo com que a atenção do leitor, ouvinte ou
telespectador se volte para os atributos físicos e assim se denote a idade, o sexo e outras
informações. Também é sempre excessivamente determinada, como no exemplo que Theo
van Leeuwen (1998, p.206) apresenta, “grandes bigodes na frase O que é que está aí a
fazer?,gritou o homem do bigode grande.”
53
3.8 PERSONALIZAÇÃO E IMPERSONALIZAÇÃO
Tudo o que vem sendo analisado, representa a personalização dos atores sociais,
envolvendo pronomes, nomes próprios ou não, características “humanas”. No caso dos atores
sociais impersonalizados, eles são representados por substantivos abstratos ou por meio de
substantivos concretos, mas que não inclui a característica semântica “humana”. A partir daí
temos uma divisão da impersonalização: abstração e objetivação.
Em termos mais genéricos, a impersonalização pode ter um ou mais dos
seguintes efeitos: pode encobrir a identidade e/ou papel dos atores sociais;
pode fornecer autoridade impessoal ou força a uma atividade ou qualidade
de um ator social; e pode acrescentar conotações negativas ou positivas a
uma atividade ou enunciado de um ator social (LEEUWEN, 1998, p. 210).
No discurso abaixo, verifica-se a predominância da impersonalização abstrata, ou seja,
“quando os atores sociais são representados por meio de uma qualidade que lhes é atribuída
pela representação, usada para designá-los”. (LEEUWEN, p.208)
Valéria: (...) A vitória de vocês, a sua vitória é uma possibilidade que morreu junto com os seus
defuntos, que vocês pensam serem troféus.
-
Priscila51: É assim que a gente tem que agir. A gente tem que colocar essa gentalha no lugar deles.
Não adianta ficar matando, não. Nem ficar dando porrada. A gente tem que pegar uns como
exemplo e mostrar pra eles, que eles são como um câncer para a sociedade.
No discurso acima, percebe-se que o uso de defuntos e troféus, são utilizados de
maneira complementar e com o mesmo significado. Estão delimitando os atores sociais
excluídos, que são as vítimas das ações neonazistas, para expor o pensamento de Valéria (mãe
de Priscila) sobre a questão de que não há glória no que ela faz. Não se deve ter orgulho de
matar pessoas e considerar-se vitorioso por isso. Semanticamente, defunto significa morto,
falecido, cadáver; e troféu, por sua vez, significa taça, placa ou outro objeto que recebem os
vencedores de certas competições; vitória, triunfo.
No outro discurso ocorre o mesmo. Logo depois de ter sugerido um tratamento para
um funcionário da sua escola, Virgulino, para deixar de ser gay, Priscila e Paulão comentam
que mesmo não aceitando se tratar, ele vai ter que se comportar como homem se quiser
continuar na escola. Ela compara a homossexualidade como um câncer. Ou seja, para ela é
uma anomalia, morte, doença, algo que tem que ser expulso, eliminado.
51
Vídeo da cena em questão até 18m54s. Disponíveis em: <https://youtu.be/Dodea6gWPSU?t=16m50s.>
Depois recomeça e finaliza em 6min8s:< https://youtu.be/APhmqyD269U?t=3m18s>. Acesso em: 22 nov. 2015.
54
O que van Leeuwen (1998) quer aqui chamar a atenção é que esse recurso linguístico e
representacional acaba por “adotar” novas designações, que suscitam esses atores sociais.
Defuntos e troféus são termos que substituem os nordestinos, gays, judeus, negros e todos os
que são foco das ações neonazistas. As abstrações acrescentam significados conotativos, dos
quais ajudam na interpretação e avaliação.
A questão cultural ganhou maior notoriedade nos movimentos neonazistas,
em virtude da estratégia ideológica empregada por esses grupos para se
adaptarem a uma nova realidade econômica, política e cultural do fim do
século XX. O judeu de ontem é o imigrante de hoje. Os partidos políticos
ligados ao neonazismo tiveram de entrar no jogo democrático, por isso não
soaria bem falar em extermínio. Mesmo assim grupos menos
comprometidos com a política propagam o extermínio em relação aos
negros, judeus e homossexuais (NÓBREGA, 2003, p. 68).
A objetivação ocorre quando os atores são referenciados através de um local ou coisa.
Dá-se através de uma referência metonímica (consiste em empregar um termo no lugar de
outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de sentido) e isso pode acontecer de
várias formas. Theo van Leeuwen (1998) cita a espacialização (os atores sociais
representados através de um local), autonomização do enunciado (quando os atores são
referência em seus enunciados emitindo uma “autoridade” impessoal), instrumentalização
(ligado ao instrumento do ator social em determinadas atividades) e a somatização (forma de
objetivação na qual os atores são representados através de uma parte do seu corpo).
Espacialização - Priscila: Esse teu comportamento afetado está fora dos padrões de uma
escola como a Priscila Shirley.
Autonomização do enunciado - Priscila: Olha só, eu sei que não vai ser fácil você mudar
de atitude de uma hora pra outra,
de comportamento, mas eu espero que você compreenda, que isso é essencial para sua
permanência na escola.
Instrumentalização - Paulão: Priscila, né? Que atropelou um flanelinha. Aí a gente teve
que ir a delegacia, perdemos um tempo... Priscila: Ah, valeu a pena. Chato que não deu pra matar.
Priscila: A gente vai construir um país decente, limpo, Bárbara. Você vai ver (...)
Somatização - Priscila: Você veio aqui fazer justiça com as próprias mãos? É isso? Não é
assim que vocês fazem lá na tua favela?
3.9 SOBREDETERMINAÇÃO
Ocorre quando os atores sociais são representados através de mais de uma
prática social. No caso de Priscila Shirley, ela usa toda a confiança que a sua mãe tem nela,
para assumir a direção da escola, fazendo com que novas “regras” sejam adotadas,
55
camuflando-as de “a formação de crianças com a capacidade de reconhecer e de lutar pelo que
presta e o que não presta nesse país”.
Doutora em História, no início da trama ela se apropria de suas facetas para que os
seus ideais sejam alcançados. Nota-se com isso também a inversão, que é uma forma de
sobredeterminação, onde os atores sociais estão ligados a duas práticas, que se opõem uma à
outra.
Isso acontece, por exemplo, na conhecida banda desenhada The Flintstones.
As actividades dos Flintstones são as atividades típicas de uma família
americana de subúrbio no século XX. Contudo, os próprios Flintstones são
sobredeterminados: fazem coisas que as famílias do século XX fazem, mas
apresentam-se fisicamente, e são designados, como homens das cavernas da
Pré-História. Por outras palavras, esta família foi transformada de
[+contemporânea] para [- contemporânea] – embora estando envolvida em
actividades contemporâneas (LEEUWEN, 1998, p. 212).
Em certo momento da trama, Priscila anuncia que dará aula de História na escola, mas
mesmo sem “desconfiarem” que ela é uma neonazista, essa notícia já amedronta os alunos e
funcionários. A sobredeterminação aqui legitima a prática de seguir a ideologia neonazista, ter
uma formação acadêmica em História e utilizá-la para servir aos seus ideais, sem que uma
prática atrapalhe a outra apesar de se “oporem”.
Priscila: Você sabia que eu sou uma neonazista, sabia que eu tinha matado o Dinho. Sabia de tudo,
né? O que você fez? Como uma cobra se esgueirando pela casa, preparando pra dá o bote, o veneno
pra cima de mim, a sua filha.
Outro tipo de inversão é o desvio, que acontece quando atores sociais são
representados por meio de referência de outros atores, que não estariam presentes no
discurso, caso não fosse utilizado estrategicamente para legitimar a representação. No
exemplo acima, a figura do animal, cobra, foi dito por Priscila para melhor exemplificar a
atitude da sua mãe. Caso ela tivesse dito com outras palavras, no sentido “humano” e não no
sentido “animal”, talvez não qualificasse a cena. Todos sabem como a cobra age, cautelosa,
sorrateira, preparando o momento certo para o ataque, assim esse desvio representacional
legitimou a comparação. A mesma coisa acontece em o monstro da fala abaixo.
Valéria: Matar uma criança, Priscila? E dizer que não é um monstro? Você é um monstro, Priscila. Um
monstro.
A forma de analisar a representação dos atores sociais através da ACD, tendo como
referência a sobredeterminação, é quando um ator social ou um grupo de atores sociais
“ficcionais” representam atores ou grupos em práticas sociais não-ficcionais, ou seja, é
56
quando um determinado ator representa em uma situação ou atividade tantos outros atores
que estão inseridos também nessas práticas sociais.
Paulão: E as guerras, dona Valéria? E quando se mata pela democracia?
Priscila: Muitos militares espancaram, torturam, mataram aqueles que eram contra a ditadura
militar? Eles estavam lutando pela ideologia deles.
Paulão: E por que a gente não pode lutar pela nossa?
Valéria: Um erro não justifica o outro. Desrespeito à vida humana, a ignorância, do
preconceito, de não considerar um judeu, um negro, um nordestino, um gay, um ser humano capaz,
é de uma estupidez, de uma burrice, de uma insanidade. É impossível, Priscila, respeitar a sua corja.
Temos um ótimo exemplo no nosso objeto de estudo. Acima, os personagens Paulão,
Priscila e Valéria externam um discurso que faz parte do discurso real de muita gente,
independentemente de qual seja a ideologia. Há aqueles que defendem o que Priscila e
Paulão argumentam, e há os que se posicionam a favor como Valéria expõe. Percebe-se que,
temos dois integrantes de uma célula neonazista e uma pessoa totalmente adversa da mesma.
Mas ambos estão representando tantos outros atores sociais, quer sejam ou não neonazistas,
que compartilham do mesmo discurso, da mesma representação.
Esse ponto é de extrema importância a ser percebido, pois é assim que discursos se
propagam, mas que dependendo de quem emita, do ator social, a possibilidade dele ser um
adepto de alguma questão neonazi é quase “nula”. Acabamos de refletir sobre a
simbolização, mais uma divisão dentro da sobredeterminação.
O amor de Hitler pela guerra fica evidente em sua incansável procura por
ela, e no fato de que sua visão milenarista foi obviamente modelada depois
de sua experiência na frente da batalha. Na sua filosofia “o líder era o oficial
do exército elevado a uma condição sobre-humana” (Fest, 1975:103),
lealdade e disciplina incondicional eram as principais virtudes, a unidade da
comunidade era completa e o “novo homem” do nazismo apresentava, acima
de tudo, as qualidades dos membros das tropas de assalto, tais como
heroísmo, coragem, crueldade e auto-sacrifício (LINDHOLM, p. 130).
O anacronismo, outra subdivisão da sobredeterminação, é
frequentemente usado para dizer coisas que não se podem dizer
directamente, como por exemplo proferir críticas sociais e políticas em
circunstâncias em que estas são proibidas pela censura oficial ou comercial,
ou para neutralizar discursos ideológicos (LEEUWEN, 1998, p.215).
No exemplo abaixo52
, verificamos exatamente isso. Priscila e Paulão tentam convencer
Virgulino, que pelo fato dele ser gay, não vai poder continuar trabalhando na escola, caso não
52
Vídeo da cena em questão até 18m54s. Disponíveis em: <https://youtu.be/Dodea6gWPSU?t=16m50s>.
Depois recomeça e finaliza em 6min8s.<https://youtu.be/APhmqyD269U?t=3m18s>. Acesso em: 20 nov. 2015.
57
mude, não trate esse jeito errado, afetado. Eles escolhem bem as palavras para intimidar
Virgulino, que não aceita o tratamento proposto por Priscila e Paulão, mas garante que em seu
horário de trabalho não dará motivos para reclamação de ninguém. Eles não falaram tão
explicitamente que odiavam homossexuais, e que não os querem compartilhando o mesmo
lugar, mas através de toda uma narrativa com teor de ajuda profissional, proferiram o seu
discurso ideológico.
Virgulino: Algum problema com a cozinha? O Bruno é o meu sócio, acho que
ele poderia estar aqui comigo, né.
Priscila: Não, não é na cozinha não, é com você.
Virgulino: Eu? Fiz alguma coisa errada?
Priscila: Esse teu jeito que é errado, Virgulino.
Virgulino: Não entendi.
Paulão: Deixa que eu explico, Priscila. É o seguinte, Virgulino. É que nós
lidamos com crianças com idade de formar os seus valores, de se identificar,
de ter uns exemplos de quem elas querem ser, seguir. E você, Virgulino, você
não é um bom exemplo para os nossos alunos.
Virgulino: Por que não? Eu sempre tratei todo mundo com educação. (...)
Priscila: Daqui a pouco eu vou ter pai de aluno reclamando, se sentindo
ofendido.
Virgulino: Desculpa, mas eu não acho que o meu comportamento ofenda
ninguém.
Paulão: Posso te garantir que ofende sim. Você não percebe porque tá tão
mergulho nessa afetação que nem nota mais.
Priscila: Por isso que eu faço questão de te ajudar, inclusive eu pago o seu
tratamento.
Virgulino: Tratamento?
Priscila: Isso que você tem, tem cura. Basta aceitar se tratar. Aceita?
Paulão: Seria uma oportunidade de você se livrar de muitos problemas na
sua vida pessoal, né.
Virgulino: A minha sexualidade não me causa problemas, posso garantir
isso, se é essa a preocupação dos dois.
Priscila: Como não causa? Se a gente tá aqui conversando justamente sobre
a sua perversidade.
Virgulino: Não é perversidade, Dona Priscila. (...)
Outra categoria da sobredeterminação é a conotação, “que ocorre quando uma única
determinação (uma nomeação ou identificação física) corresponde a uma classificação ou
funcionalização” (LEEUWEN, p.213). O conhecimento transmitido não é necessariamente
consciente, basta ativar a conotação “mítica” de quem o percebe. Na imagem abaixo, mesmo
que o diálogo não representasse o grupo, não falasse especificamente sobre as vossas
58
ideologias, a imagem da tatuagem de Priscila já basta para que o público, através de um
mínimo conhecimento de História, associe ao nazismo.
Figura 5 - Tatuagem do símbolo do nazismo
Fonte: frame da cena/Youtube
3. 10 A REPRESENTAÇÃO DENTRO DO VISUAL
Refere-se à organização dos participantes sociais e às suas finalidades e intenções,
mediantes a ação discursiva, cujo padrão de inclusão e exclusão social está relacionado com a
classe social. Na teoria de Van Dijk (1998), consta que ainda há as formas micros que se
referem à entonação da voz, nas figuras retóricas, nos gestos, etc. Segundo van Leeuwen
(1998), as representações incluem ou excluem atores sociais para servir aos seus interesses e
propósitos em relação aos leitores a quem se dirigem. Neste aspecto de inclusão também se
enquadra outros elementos de práticas sociais, tais como as atividades sociais que as
constituem, quando e onde decorrem, o vestuário e os atributos corporais que as
acompanham. As imagens visuais é uma dentre muitas práticas sociais de representação.
Na imagem abaixo, percebe-se que o enquadramento da face de Priscila e do
flanelinha “Sorriso” muito diz ao que se refere à dominação do poder, que é um dos objetivos
da análise crítica do discurso, analisar e revelar o papel do discurso na (re)produção da
dominação. Ele aparece em segundo plano no espelho do retrovisor, com um olhar fixo, mas
ao mesmo tempo tenso; ela aparece com uma imagem “neutra”, tentando disfarçar a sua
“abominação” por negros e pobres, mas que seria necessário esse “disfarce” para que ele os
acompanhassem até a casa de Priscila, onde aconteceria o assassinato de Sorriso. A dualidade
de cores (preto/branco) produz no telespectador as diferenças marcantes entre os que
verdadeiramente acham que a sua cor representa uma raça ariana e quem deve ser
exterminado, para que os arianos, com total pureza, imperem.
59
Figura 6- Priscila e o flanelinha
Fonte: frame da cena/Youtube
Um dos pilares da ideologia nazista era o racismo. Segundo a visão dos
nazistas na década de 1930, havia a raça ariana, à qual pertencia o alemão.
Segundo a teoria nacional-socialista, inspirada na obra de Nietszche sobre o
super homem, haveria, em contraposição, raças inferiores e não-raças. Os
grupos indígenas, negros e mestiços, habitantes da América Latina,
pertenceriam às raças inferiores e por isto não deveria ser "misturados" com
os arianos. Segundo Adolf Hitler, o cruzamento de raças acarretaria em um
rebaixamento do nível da raça mais forte e a um regresso físico e
intelectual. (DIETRICH, 2007, p. 128)
Um ponto que Alexandre de Almeida (2004) analisa no período entre 1988 a 1992, é
um episódio no campo político que provocou alguns debates sobre a presença do nordestino
em São Paulo, sua interação com a cidade e a eleição da paraibana Luiza Erundina como
prefeita da cidade de São Paulo, pelo Partido dos Trabalhadores. Este episódio estimulou a
imaginação do Poder Branco ao criar uma situação alarmista, em que a capital das capitais
brasileiras, São Paulo, estava não só ocupada, mas governada por um “invasor”.
Como o negro, que “possue (sic) sangue de negros”, o nordestino também é
uma “ameaça social” e sua imagem também está associada ao crime. No
discurso do poder Branco paulista, um novo elemento relacionado à tal
“ameaça” aparece, a transmissão de doenças. Além de transmitir sua “índole
negativa”, o comportamento promíscuo do nordestino, ligado à prostituição e
ao homossexualismo, é responsável pela transmissão de uma das mais
mortais doenças do século XX, a AIDS. Os homossexuais e as prostitutas
foram os dois segmentos da sociedade acusados de serem os transmissores
da AIDS, assim que a epidemia tomou proporções assustadoras. O
Nordestino, portanto, tem sua imagem relacionada ao responsável pela queda
do padrão de vida do paulista, é ele quem corroi o estado de bem estar social,
daí decorre sua comparação às doenças degenerativas. A miséria e o inchaço
populacional, provocados por ele, são as causas do atraso no
desenvolvimento de São Paulo (ALMEIDA, 2004, p. 85-86).
60
Na imagem abaixo, a expressão de Priscila depois de imaginar um mundo sem
negros, gays, nordestinos sem os “tipos” de gente que os neonazistas abominam. Um olhar
fixo, uma expressão de calma e satisfação ao imaginar e querer contribuir para tal. Como
vimos anteriormente, da maneira como os nazistas viam os judeus, como culpados por tudo o
que os alemães passavam, assim há os grupos marginalizados e culpados na visão dos
neonazistas.
Figura 7 - Olhar de Priscila
Fonte: frame da cena/Youtube
As duas imagens abaixo são uma sequência, onde a câmera é o olhar de Sorriso, o
faleninha que foi morto pelo grupo. Quando ele olha a tatuagem de Paulão e a sua expressão
facial, Sorriso entende de que eles o odeiam, e que esse ódio é muito mais do que um
“preconceito” racial.
Figura 8 – Visão de Sorriso/Suástica
Fonte: frame da cena/Youtube
61
As próximas cenas, como já foi utilizada anteriormente, trata-se da operação em que o
grupo de Priscila e o grupos de Caio e Marcelo, planejaram e agiram juntos no ataque ao
ônibus com nordestinos. Mas Priscila se atrasa e quando chega ao local de encontro vai até
eles para saber se o ônibus já tinha passado ou não, e explicar o motivo do atraso. Percebemos
que mesmo unidos pela mesma ideologia, há rivalidade entre os grupos. Eles não confiam
totalmente no outro, e Priscila manteve a sua posição de líder e a coragem necessária, mesmo
entre líderes homens, e disse que não aceitava “ameaças”.
Esses confrontos também acontecem aqui no Brasil. Em 200953
, um caso ficou bem
conhecido no país, quando os integrantes do Front 88, um dos grupos identificados,
estiveram em uma reunião no Paraná com Ricardo Barollo, suspeito de encomendar a morte
de um casal no Estado por causa de uma suposta disputa entre neonazistas.
No segundo momento, Caio e Marcelo foram ao encontro de Priscila para dizer se o
ônibus já tinha passado ou não. Ela já estava devidamente preparada. Caso a resposta fosse
não, o revólver engatilhado seria utilizado. Como Enzo falou, “isso aqui viraria uma praça
guerra”.
Figura 9 - Priscila e os outros líderes
Fonte: frame da cena/Youtube
53
Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/policia-neonazistas-e-punks-de-sp-se-ramificam-
em-4-estados,3759325ab6e1b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html >. Acesso em: 16 nov. 2015.
62
Figura 10 - Priscila e os líderes II
Fonte: frame da cena/Youtube
Figura 11 - Jantar na casa dos professores
Fonte: frame da cena/Youtube
Aqui (figura 11), nós temos o primeiro jantar54
de Priscila e Paulão na casa dos
professores da escola. O olhar de Priscila mostra como ela está incomodada com a situação, e
Paulão compartilha do mesmo incômodo. O motivo é porque os professores, principalmente
Dante, desconfiados dos ideais do casal, preparam um cardápio todo afro-brasileiro. Priscila
e Paulão não gostaram nenhum pouco do que viram e ouviram, e claro, deixaram um pouco
mais notável o perfil neonazista.
Bruno: Primeiro, temos aqui, ó: acarajé!
Paulão: Acarajé? Tô fora!
Priscila: Não, não, eu não aprecio a comida baiana. Não gosto.
54
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9AyRq1vcSLo>. Acesso em: 10 nov. 2015
63
Virgulino: Dona Priscila, o acarajé é uma comida afro-brasileira.
Ione: Seria inclusive interessante, você como professora de História falar da inestimável contribuição
do povo africano a nossa cultura culinária. Você não acha, não?
Priscila: Eu acho que o trabalho escravo contribuiu muito mais para a economia do que a culinária
deles.
Bruno: Desculpa, Dona Priscila, com todo respeito, mas eu discordo completamente. O acarajé é tão
apreciado, sabe, tão respeitado que foi até tombado pelo Iphan. Sabe o Iphan? O Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional?
Paulão: É, realmente o Brasil tem coisas inexplicáveis.
Figura 12 - Acampamento de férias
Fonte: frame da cena/Youtube
A professora mestra em educação da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) Deize
Denise Ponciano (2015) explica em entrevista à Karina Alonso, da revista História em Foco,
que os alunos que ainda não tinham idade para lutar nas frentes de batalha recebiam
exercícios de treinamento militar até completarem 16 anos e partirem para a guerra. Assim
surgiu a Juventude Hitlerista em 1922.
A Juventude Hitlerista foi criada com o intuito de educar os jovens nos
preceitos nazistas de superioridade racial e antissemitismo. A associação
também realizava com frequência treinos e ensinamentos teóricos de
atividades de guerra, visando treiná-los com novos soldados para o Terceiro
Reich. Deize conta que a instituição foi criada nos moldes do Movimento
Escoteiro, utilizando uniformes, insígnias, hinos e atividades de
acampamento e de sobrevivência na selva, oferecendo para o jovens
agitação, aventura e novos heróis para venerar (KARINA, 2015).
Assim, a cena55
acima reflete muito bem na importância de ensinar às crianças, desde
cedo, os princípios básicos de uma formação decente, segundo os que pregam essa ideologia.
O acampamento de férias da escola Priscila Shirley, acaba por se tornar um acampamento
55
Vídeo do trecho em questão até 23min0s. Disponível em: <https://youtu.be/no2eNniZyKE?t=20m11s>.
Acesso em: 15 nov. 2015
64
militar, com base na força, disciplina e principalmente, na “reeducação mental” dos alunos,
através de um programa rígido de educação.
Tinham que acordar às 6h da manhã, se alimentarem com uma dieta restrita,
participavam de atividades que envolviam força, pressão emocional e competição, além de
estarem submetidos à uma ordem superior, e nunca questionada, que era a de Priscila,
professora da escola, filha da dona, mas nesse momento o seu intuito era outro, juntamente
com os monitores que ela “contratou”, entre eles Paulão e Enzo.
Abaixo, as expressões captudaras na cena em que Priscila conta tudo à sua mãe, do
que acredita, do que fez e logo depois, Valéria morre envenenada por Priscila e Paulão. Mas
antes disso, sua filha confessa tudo o que fez, assim como Valéria expressa tudo o que sente
por Priscila ter se tornado algo que ela jamais imaginava.
Figura 13 – Discussão entre Valéria e Priscila
Fonte: frame da cena/ Youtube
65
Abaixo, mostra o momento em que Valéria cai nos braços de Priscila, e a mesma
chora a morte de sua mãe. Ao ver o sofrimento de Priscila, Paulão apesar da sua postura fria,
não consegue conter uma lágrima que sai ao ver o desespero de Priscila.
Figura 14 - Morte de Valéria
Fonte: frame da cena/ Youtube
O enquadramento, os elementos do cenário, a posição dos personagens, tudo coopera
para que, quem estiver assistindo tenha uma mistura de sensações e de entendimento. Valéria
morre nos braços de Priscila, que abraçada a sua mãe chora desesperadamente; vemos Paulão
quase que em posição de continência, saudação militar e uma das maneiras de manifestar
respeito. O seu silêncio ao permitir que aquele momento de Priscila não tenha nenhuma
intervenção ou amparo, realmente expressa esse respeito.
Ao mesmo tempo, ficar ali ao lado exprime a ideia de que ela sabe que pode contar
com ele, e que os dois fizeram a coisa certa, a ideologia está acima de todas as coisas, mas
que esse momento não deixa de ser difícil. E por ser difícil para ela, também é difícil pra
Paulão. A mistura de sensações e de entendimento é que o telespectador pode não conseguir
separar em certos momentos a líder neonazista Priscila, e a humana, filha e agora órfã.
66
4 CONCLUSÃO
Podemos afirmar que as categorias criadas por Theo van Leeuwen ao expor no seu
artigo A representação dos actores sociais, nos permitiram analisar o núcleo neonazista da
novela Vitória, com base em algumas cenas. Algumas mais expostas que outras, as categorias
foram aplicadas no nosso objeto de estudo e verificou-se a construção do discurso neonazista.
Busquei à luz dessas categorias apresentadas no capítulo anterior, destrinchar como o
neonazismo foi reforçado visual, verbal e linguisticamente.
As fronteiras podem ser deliberadamente tênues, com o intuito de alcançar
efeitos representacionais específicos, e os atores sociais podem, por
exemplo, ser não só classificados, como também funcionalizados. Nesses
casos, no entanto, as categorias permanecem úteis para tornar explícito como
é que os actores sociais são representados (PEDRO, 1998, p. 216).
Entrei em contato com alguns atores e com um roteirista da novela, mas não obtive
resposta até o depósito dessa monografia. A intenção era saber como os diálogos foram
construídos, se tiveram como base algum grupo determinado, como aconteceu as escolhas
desde as roupas até o discurso, como foi o trabalhado desenvolvido com os atores para a
preparação dos personagens, etc.
Como vimos, as categorias podem excluir ou incluir atores sociais, ativar as
práticas sociais, sobredeterminar, nominalizar, indeterminar, torná-lo anônimo ou não, e tudo
isso reflete na construção do entendimento do público ao tema abordado. Através da função
da linguagem analisada, das representações dos atores sociais nas imagens, da diversificação
teórica e conceitual que serviram como base, o presente objeto de estudo foi analisado à luz
da análise crítica do discurso, para verificar o conhecimento e “caracterização” da realidade,
no que compete às ações e discurso neonazista.
O núcleo neonazista da novela Vitória tentou convencer, que apesar de cenas
“chocantes”, aquela é a “realidade”, e que era necessário essa exposição para que se
despertasse o olhar da população à essa ideologia. Boa parte do público também foi motivada
a prestar mais atenção neste núcleo, diante da presença da atriz Juliana Silveira, que foi
marcada pelo seu papel na novela Floribella, na TV Bandeirantes. Pela primeira vez com um
papel de vilã, ela foi bastante citada pela imponência na personagem de Priscila.
Em virtude do que foi exposto, e nos vídeos respectivos das cenas analisadas, conclui-
se que não há apologia à ideologia nazista, pelo contrário, a inserção de tais personagens e
discursos é o de alertar que essa prática não ficou no passado, mas que ainda existe, e muitas
vezes, ao estarem camuflados por inúmeros estereótipos (exemplificados nas categorias de
67
análise de Theo van Leeuwen), os que apoiam essa causa não são identificados tão
claramente.
O que acaba acontecendo é que quando são registrados crimes contra negros, gays,
nordestinos e outras minorias sociais, acaba-se não apurando os casos em suas essências, e
estes grupos continuam a agir de maneira obscura. Claro que existem aqueles que tomam
autoria do fato, por ter orgulho de sua ideologia, como já mencionado, mas não é tão fácil
identificá-los por conta dos inúmeros fatores que os “encobrem”. Como trabalhado por Kress
(1998), as práticas de produção e recepção necessitam nos dias atuais ainda mais de um
projeto de análise, pois o foco não é apenas na representação, mas também na transformação
que o sujeito efetuará e consequentemente, o poder transformador que o mesmo exerce sob as
demais camadas.
Os atores que fazem Priscila (Juliana Silveira) e Paulão (Marcos Pitombo),
conversaram sobre os seus personagens e o tema que envolve o núcleo, no programa Hoje em
Dia, dias após a estreia da novela, em junho de 201456
. "A gente está falando de um problema
que está aí e acho que o bacana é isso, é estar aqui falando sobre esse assunto. A Cris está
sendo muito corajosa e o Edgar também, em estar levando isso para as pessoas, pra que a
gente converse, quebre tabus. Eu acho que a gente está tocando na ferida de frente”, comenta
Marcos Pitombo.
Na ocasião, o psicólogo Dr. Jacob Goldberg, também foi convidado a participar para
esclarecer se a questão do neonazismo é apenas uma ideologia ou trata-se também de um
desvio de personalidade.
Basicamente, no Brasil particularmente, o neonazismo é uma questão de
sociopata. É um perfil doentio mórbido, patológico, porque o Brasil antes e
acima de tudo é um país de imigração e altamente miscigenado. Nós somos
um país moreno, amulatado. Então, imaginar uma teoria, uma doutrina que é
baseada no ariano, que é uma noção de raça superior, é uma manifestação de
complexo de inferioridade e de paranoia. Normalmente o indivíduo que se
imagina neonazista, ele é fóbico, ele é medroso. E essa fobia o leva a uma
sensação de perseguição. Ele tem teorias de conspiração, ele imagina que o
Nordeste vai invadir São Paulo. O Nordeste é o Brasil, a nossa cultura
basicamente é uma cultura derivada através da inspiração nordestina. Então
o indivíduo que presume que é contra o nordestino, na verdade ele é
autofágico, ele é doente, porque ele é contra a si mesmo (GOLDBERG,
2014).
O intuito em mostrar esse debate é o de que a própria emissora, ao colocar como pauta
em outros programas, tomou o neonazismo como um assunto a ser discutido. Os atores ao
56
Programa matinal da Rede Record. Link do programa na íntegra (17/06/2014). Disponível em:
<https://youtu.be/0zK-g1ufdoI?t=1h41s>. Acesso em: 20 nov. 2014.
68
revelarem um pouco da experiência que é tratar na ficção esse tema e exporem as suas
opiniões sobre, torna-o a ainda mais “conhecido”, comentado entre o público que assiste.
Percebe-se, no que concerne a representação dos atores sociais através do discurso, um
efeito positivo em “propagar” o discurso de ódio, as práticas ideológicas neonazistas, não no
sentido de exaltá-las, mas no de torná-las conhecidas, notórias e chamar atenção da sociedade
para a sua existência.
Diríamos que aquilo que distingue a ACD é que todos os aspectos formais
são analisados, descritos e interpretados num quadro de prática sociocultural,
já que as análises deverão estar necessariamente inseridas numa teoria
sociocultural da comunicação. Não se justificam, pois, explicações
linguísticas, por um lado, textuais, por outro, e correlações ocasionais,
isoladas e desligadas, de um ponto de vista teórico, dos diferentes aspectos
da situação sociocultural. Assim, todos os traços relevantes da situação
sociocultural devem ser tomados em consideração na análise de textos,
incluindo a posição, o papel e a subjetividade do ouvinte/leitor e o
meio/canal usado na situação comunicativa. Nesse sentido, uma análise de
um texto é sempre, simultaneamente, uma análise parcial e uma descrição da
situação sociocultural (PEDRO, 1998, p.36).
Foi de intenso contributo o livro Análise crítica do discurso, as colocações de Emília
Ribeiro Pedro, Theo van Leeuwen, e todos os autores que estão presentes nos artigos e que
foram de suma importância no trabalho em questão. Pretende-se dá continuidade ao presente
estudo, expandindo o foco de análise e continuando a re(constituir) as especificidades que o
discurso de uma novela pode trazer consigo e manifestar nas pessoas, reconhecendo a função
da ACD em remover o véu de “obscuridade semiótica” e aprofundar-se nas questões
linguísticas e sociais.
69
5 REFERÊNCIAS
AGUIAR, Érica. O poder da persuasão: as táticas publicitárias utilizadas para a promoção e
manutenção do nazismo. Revista História em Foco, São Paulo, ano 2, n.6, p. 22-24, 2015.
AGUIAR, Érica; ALONSO, Karina. Nazismo à brasileira: entenda como o país se tornou o
maior braço do partido alemão. Revista História em Foco, São Paulo, ano 2, n.6, p. 37-39,
2015.
AGUIAR, Érica. O nazismo não acabou? Revista História em Foco, São Paulo, ano 2, n.6,
p. 48-50, 2015.
ALMEIDA, Alexandre de. Skinheads: os “mitos ordenadores” do Poder Branco paulista.
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