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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITO ECONÔMICO RENAN FARIAS PEREIRA ESTADO, MERCADO E APLICATIVOS OVER-THE-TOP: O SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES E A CONSTRUÇÃO DA LEGITIMIDADE PARTICIPATIVA COMO FORMA DE PREVALÊNCIA DA REGULAÇÃO SOCIAL João Pessoa - PB 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITO ECONÔMICO

RENAN FARIAS PEREIRA

ESTADO, MERCADO E APLICATIVOS OVER-THE-TOP: O

SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES E A CONSTRUÇÃO DA

LEGITIMIDADE PARTICIPATIVA COMO FORMA DE

PREVALÊNCIA DA REGULAÇÃO SOCIAL

João Pessoa - PB

2019

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RENAN FARIAS PEREIRA

ESTADO, MERCADO E APLICATIVOS OVER-THE-TOP: O

SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES E A CONSTRUÇÃO DA

LEGITIMIDADE PARTICIPATIVA COMO FORMA DE

PREVALÊNCIA DA REGULAÇÃO SOCIAL

Dissertação apresentada como requisito para a

obtenção do grau de Mestre pelo programa de Pós-

Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade

Federal da Paraíba.

João Pessoa - PB

2019

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P436e Pereira, Renan Farias. Estado, Mercado e Aplicativos Over-the-Top: A Construção da Legitimidade Participativa como forma de prevalência da Regulação Social / Renan Farias Pereira. - João Pessoa, 2019. 178 f. : il.

Dissertação (Mestrado) - UFPB/PPGCJ.

1. Serviços Over-the-Top. 2. Regulação Econômica. 3. Telecomunicações. 4. Teoria dos Sistemas. 5. Legitimação pelo Procedimento. I. Título

UFPB/CCJ

Catalogação na publicaçãoSeção de Catalogação e Classificação

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Mirla (in memoriam), depois destes anos sem você, a

saudade só aumenta. Você sempre acreditou em mim

mesmo quando eu mesmo não acreditava e é por sua causa

que ingressei no mestrado. Sua partida foi triste, mas

jamais apagará o amor que sinto por você. Espero que

independentemente do local em que você se encontre,

esteja orgulhosa. Este trabalho foi o fruto de árduo

trabalho e, por toda a sua lição em minha vida, é a você

que o DEDICO.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço este trabalho aos meus pais, Pericles e Rosita, pelos inúmeros

sacrifícios que fizeram ao longo da minha vida, sempre no sonho de me proporcionar sucesso.

Foi o apoio de vocês que providenciou a concretização do sonho de terminar o mestrado. Foi

a lição de vida de vocês que me fizeram constantemente lutar por aquilo que almejo.

Ao meu amor Sabrina, por tanto companheirismo, cumplicidade e amizade que

temos desde o início de nossa relação. Foram os meus medos e receios que você ajudou a

enfrentar. Foi o seu sorriso que encontrei nos momentos de vitória. É o seu orgulho que

desejo ter diariamente. É o seu amor que me faz querer ser, todos os dias, uma pessoa melhor.

Aos meus irmãos Mirla (in memoriam) e Arthur, pela torcida, apoio e graça que

trouxeram em todos estes anos, seja fisicamente, seja em meu coração. Por me amarem de

forma tão incrível, no plano terreno e além, que me deixam completamente preenchido do

mais sublime sentimento.

Aos meus avós Antônio e Lusinete, por terem me dado as mais valiosas lições de

luta, carinho, afeto e, sobretudo, caráter. Foram vocês que me deram grandes exemplos de

valores que levo comigo sempre.

Ao professor Dr. Luciano do Nascimento Silva, por ter me apresentado a incrível

Teoria dos Sistemas e por ter transmitido tanto conhecimento durante os momentos de

orientação. Por uma grande infelicidade não pude ter a honra de cursar sua disciplina durante

o programa de Pós-Graduação, mas tive o prazer de receber valiosas lições. É o seu exemplo

como professor e pesquisador que almejo me basear para formação como profissional.

Aos professores Dr. Fernando Joaquim Ferreira Maia, Dra. Anne Augusta Alencar

Leite Reinaldo e Dr. Antônio Roberto Faustino da Costa por terem aceitado participar da

banca do presente trabalho e por terem acrescentado grandes contribuições ao meu trabalho.

Aos amigos de jornada neste Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas:

Rebeca Resende, José Júnior Flôr, Cárita Chagas e Ílina Macedo. Pelo apoio e

compartilhamento de emoções durante todo este percurso maravilhoso que foi o Mestrado.

Pelas conversas e sonhos que foram divididos ao longo destes dois anos.

A todos os professores e servidores do Mestrado em Ciências Jurídicas da

Universidade Federal da Paraíba – UFPB – pelo conhecimento compartilhado, pelos

ensinamentos passados e pelos grandiosos serviços prestados que me fizeram deixar mais

apaixonado a cada dia pela vida acadêmica.

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A Giovanni Queiroga Duarte e Edna Maria Coutinho Duarte, por terem me recebido

em suas vidas como um filho. Por terem me apoiado e, inclusive, contribuído de forma

essencial para que eu tivesse condições de terminar a minha dissertação.

À amiga e professora Paloma Oliveira, por ser uma grande fonte de inspiração

profissional e por ter me ajudado integralmente na correção e revisão da pesquisa quando se

tratava ainda de um projeto. Por ter feito questão de tirar todos os cacoetes jurídicos, me

mostrando que o essencial a um pesquisador é tornar a sua pesquisa acessível.

Ao professor João Ademar, por toda a ajuda no início dessa jornada, das discussões

embrionárias que culminaram na presente pesquisa.

A todos os amigos que contribuíram, ao seu modo, para a concretização do presente

trabalho.

A Deus, por ser a fonte da minha Fé!

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RESUMO

O desenvolvimento de uma fase digital na sociedade desencadeou a necessidade de analisar,

questionar e, sobretudo, refletir acerca de aspectos sociais relacionados à sua própria

organização, desembocando em transformações no comportamento dos indivíduos, do

mercado e das relações estabelecidas entre os Estados. Diante desse cenário, a rede mundial

de computadores disponibilizou novas formas de atuação perante a “sociedade virtual” e,

dentre estes desempenhos no ciberespaço, localizam-se os serviços Over-the-Top (OTT

Services). Objetiva-se presente pesquisa analisar o papel do Estado regulador em relação aos

serviços OTT relacionados a telecomunicações, de forma a permitir a atuação de diversos

centros de disposição de serviços, beneficiando o mercado e estabelecendo um leque de

competitividade equânime para o consumidor. Nesta lógica, o projeto se propõe a investigar a

ausência de regulação dos serviços Over-the-Top – focando nos serviços VoIP, com o

potencial de desenvolver no mercado discrepâncias concorrenciais entre tais serviços e

àqueles que já exercem a mesma atividade com obrigações incidentes sobre os mesmos. A

pesquisa se justifica em razão de um grande número de interconexão global, que supera

barreiras geográficas, políticas e sociais. Em razão do surgimento desses novos mecanismos

tecnológicos de informação, discussões voltadas à análise da necessidade de regulação

aparecem com mais vigor, de forma a harmonizar os setores tradicionais de telecomunicações

e os novos serviços virtuais, sobretudo em uma lógica de concorrência leal. Sendo, portanto, o

consumidor o usuário final de ambos os serviços, o trabalho se torna relevante do ponto de

vista econômico-social, sobretudo porque se volta a propor a participação da própria

sociedade na construção normativa setorial. Do ponto de vista jurídico, se torna relevante

sobretudo porque traz novos parâmetros para a regulação, capitaneada na execução prática

dos comandos existentes nos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. Nesse prisma,

se constrói a Legitimidade pela Participação – com fundamento na Teoria Luhmanniana dos

Sistemas – como forma de inserção da sociedade dos processos envolvendo a norma setorial,

partindo do pressuposto de como usuária final desses serviços, possui relevante interesse na

matéria. Em relação à metodologia, se utiliza do método de abordagem sistêmico, sobretudo

em virtude de a pesquisa contar com a construção de pensamento sistematizado, por meio de

evoluções graduais que se interconectam de forma a produzir um resultado final. Utiliza-se,

ainda, como métodos de procedimento o histórico, comparativo e funcionalista, dando-se

ênfase ao último. Por fim, se parte do referencial teórico da Teoria luhmanniana dos Sistemas,

verificando-se a partir Legitimação pelo Procedimento um caminho para desencadear uma

regulação econômico-político-social que proporcione a redução das falhas de mercado e

benefício dos usuários destes serviços.

Palavras-chave: Serviços Over-the-Top, Regulação Econômica, Telecomunicações,

Teoria dos Sistemas, Legitimação pelo Procedimento

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ABSTRACT

The development of a digital phase in society has triggered the need to analyze, question and,

above all, reflect on social aspects related to its own organization, leading to changes in the

behavior of individuals, the market and relations established between States. In view of this

scenario, the world-wide network of computers made available new ways of acting before the

"virtual society" and, among these performances in the cyberspace, the Over-the-Top (OTT

Services) services are located. The objective of this research is to analyze the role of the

regulatory State in relation to OTT services related to telecommunications, in order to allow

the operation of several service provision centers, benefiting the market and establishing a

range of equitable competitiveness for the consumer. In this logic, the project proposes to

investigate the absence of regulation of Over-the-Top services - focusing on VoIP services,

with the potential to develop competitive discrepancies in the market between such services

and those already carrying out the same activity with obligations on the same. Research is

justified because of a large number of global interconnections, which overcomes

geographical, political and social barriers. Due to the emergence of these new technological

information mechanisms, discussions aimed at analyzing the need for regulation appear more

vigorously in order to harmonize the traditional telecommunications sectors and new virtual

services, especially in a logic of fair competition. Therefore, the consumer is the end user of

both services, the work becomes relevant from an economic and social point of view,

especially since it is once again proposing the participation of society itself in the sectoral

normative construction. From the legal point of view, it becomes relevant mainly because it

brings new parameters for the regulation, commanded in the practical execution of the

commands existing in the constitutional and infraconstitutional devices. In this prism,

Legitimacy for Participation is built - based on the Luhmannian Theory of Systems - as a way

of insertion of the society of processes involving the sectoral norm, starting from the

assumption that as a final user of these services, it has relevant interest in the matter.

Regarding the methodology, the systemic approach is used, mainly because the research relies

on the construction of systematized thinking, through gradual evolutions that interconnect in

order to produce a final result. Historical, comparative and functionalist methods are used as

methods of procedure, with emphasis on the latter. Finally, it starts from the theoretical

reference of the Luhmannian Systems Theory, verifying from Legitimation by the Procedure a

way to trigger an economic-political-social regulation that provides the reduction of market

failures and benefits of users of these services.

Keywords: Over-the-Top Services, Economic Regulation, Telecommunications, Systems

Theory, Legitimacy by Procedure

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – PERCENTUAL DE PESSOAS QUE ACESSARAM A INTERNET EM

CADA FINALIDADE, NA POPULAÇÃO DE 10 ANOS OU MAIS DE IDADE QUE

UTILIZARAM A INTERNET, NO PERÍODO DE REFERÊNCIA DOS ÚLTIMOS TRÊS

MESES, POR SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO, SEGUNDO A FINALIDADE DO ACESSO À

INTERNET – BRASIL – 4º TRIMESTRE DE 2016 ............................................................. 108

FIGURA 2 – O VOLUME DE MENSAGENS ENVIADAS A PARTIR DE TELEFONES

CELULARES EM TODO O MUNDO, HISTÓRICO DESENVOLVIMENTO 2010-2013 E

2014-2018 PROJEÇÃO .......................................................................................................... 119

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – COMPOSIÇÃO DO MERCADO DE TV POR ASSINATURA ..................... 68

TABELA 2 – TELEFONIA FIXA – INCUMBENTS E REGIO~ES DE ATUAÇÃO .......... 69

TABELA 3 – COMPOSIÇÃO DO MERCADO DE TELEFONIA MÓVEL NO BRASIL

ENTRE 2017-2018 ................................................................................................................... 75

TABELA 4 – TIPOS DE SERVIÇOS OVER-THE-TOP E SEUS PRINCIPAIS EXEMPLOS

NO MERCADO ....................................................................................................................... 99

TABELA 5 – COMPOSIÇÃO DO MERCADO DE INTERNET BANDA LARGA FIXA

NO BRASIL ........................................................................................................................... 104

TABELA 6 – COMPOSIÇÃO DO MERCADO DE INTERNET MÓVEL (4G) NO BRASIL

ENTRE 2015-2018 ................................................................................................................. 105

TABELA 7 – COMPOSIÇÃO DO MERCADO DE OPERAÇÃO DE TELEFONIA FIXA

NO BRASIL ........................................................................................................................... 105

TABELA 8 – ACESSOS FIXO EM SERVIÇO E MÍVEL PESSOAL NO BRASIL ENTRE

2012-2015 ............................................................................................................................... 106

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LISTA DE SIGLAS

ABRANET – Associação Brasileira de Internet

ABRINT – Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações

ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

FCC – Federal Communications Commision

IGF – Fórum de Governança da Internet das Nações Unidas

IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

ISP – Internet Service Providers

LGT – Lei Geral de Telecomunicações

MC – Ministério das Comunicações

MCI – Marco Civil da Internet

MCTIC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações

OTT – Over-the-top

SCM – Serviço de Comunicação Multimídia

SEAC – Serviço de Acesso Condicionado

SMP – Serviço Móvel Pessoal

STFC – Serviço Telefônico Fixo Comutado

SVA – Serviços de Valor Adicionado

TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação

UIT – União Internacional de Telecomunicações

VoIP –Voz sobre IP

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 14

1 TEORIA GERAL DA REGULAÇÃO: FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA

ATUAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA E SUA RELAÇÃO COM O

MERCADO .................................................................................................................. 22

1.1 A Atuação do Estado na Economia e a Formação do Estado Regulador ................. 22

1.2 Teorias de Regulação ............................................................................................... 29

1.2.1 Teoria do Interesse Público ................................................................................... 29

1.2.2 Teoria Econômica da Regulação – A Escola Neoclássica..................................... 31

1.2.3 Teoria das Falhas de Regulação ............................................................................ 32

1.2.4 Teoria da Escolha Pública ..................................................................................... 36

1.3 A Regulação Social dos Mercados: uma utopia econômico-social .......................... 37

1.4 A Regulação como Procedimento: Produto da Comunicação e Linguagem ............ 40

1.5 As Interseções entre a Regulação e as variadas áreas do Direito ............................. 48

1.5.1 A Regulação e o Direito Comercial ....................................................................... 48

1.5.2 A Regulação e o Direito Administrativo ............................................................... 49

1.5.3 A Regulação e o Direito Constitucional ................................................................ 50

1.5.4 A Regulação e o Direito do Consumidor .............................................................. 51

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NO

BRASIL ......................................................................................................................... 52

2.1 O Plano de Reformas Macroeconômicas Brasileiro ................................................ 52

2.2 A Estruturação das Agências Reguladoras no Panorama Brasileiro ........................ 58

2.2.1 O Controle Judicial e Administrativo exercido sobre as Agências Reguladoras .. 62

2.3 A Agência Nacional de Telecomunicações e sua Função Regulatória .................... 62

2.3.1 A atuação mediante a Televisão por Assinatura ................................................... 64

2.3.2 A atuação mediante a Radiodifusão ..................................................................... 66

2.3.3 A atuação mediante a Telefonia Fixa .................................................................... 68

2.3.3 A atuação mediante a Telefonia Móvel ................................................................ 70

3 A INTERNET E O SURGIMENTO DOS APLICATIVOS OVER-THE-TOP ....... 77

3.1 A Construção do acesso à Internet como um Direito Humano reconhecido ............ 77

3.2 O Marco Civil da Internet e a Regulamentação da Rede Virtual no Brasil ............. 83

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3.2.1 Marco Civil da Internet: A construção da Cidadania em seu aspecto virtual e seus

reflexos na Democracia .................................................................................................. 90

3.3 O Significado dos Aplicativos Over-the-Top: A Ausência de um Conceito ............. 98

3.4 A Funcionalidade da Internet na prestação de Serviços Over-the-Top ................... 102

3.5 Setores Tradicionais de Telecomunicações X Aplicativos Over-the-Top: uma

tentativa pelo controle do setor de telecomunicações brasileiro .................................. 104

3.5 A experiência Norte-Americana acerca da Regulação de Serviços Over-the-Top . 108

3.6 A experiência Europeia acerca da Regulação de Serviços Over-the-Top ............... 117

4 A LEGITIMIDADE PARTICIPATIVA PELO PROCEDIMENTO CONSTRUÍDA

EM UMA PERSPECTIVA REGULATÓRIA ECONÔMICO-SOCIAL DO SETOR

DE TELECOMUNICAÇÕES .................................................................................... 122

4.1 Legitimidade: uma Construção Semântica e Histórica .......................................... 122

4.2 As Agências Reguladoras e o Fundamento de Legitimidade na Política Regulatória

Brasileira sob o enfoque da ANATEL .......................................................................... 133

4.2.1 O Poder Normativo das Agências Reguladoras .................................................. 133

4.2.1.1 O Posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação do Poder Normativo

das Agências Reguladoras ............................................................................................ 140

4.3 Mecanismos de Participação Popular como forma de Processo Normativo

Democrático nas Agências Reguladoras ...................................................................... 142

4.3.1 Instrumentos Participativos no Âmbito da ANATEL .......................................... 147

4.3.1.1 Audiência Pública ............................................................................................. 147

4.3.1.2 Consulta Pública .............................................................................................. 148

4.3.1.3 Consulta Interna ............................................................................................... 149

4.3.1.4 Os mecanismos da Audiência Pública e Consulta Pública no Projeto de Lei

6.621/2016: A Lei Geral das Agências Reguladoras .................................................... 150

4.4 A Construção do Processo Normativo da Regulação Econômico-Social no âmbito

dos serviços Over-the-Top: A Legitimidade Regulatória enquanto instrumento da

Democracia ................................................................................................................... 153

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 162

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 168

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INTRODUÇÃO

A sociedade multicêntrica possui uma infinidade de sistemas que se inter-relacionam,

estabelecendo uma rede de diálogos através da linguagem. A tecnologia e sua consequente

evolução proporcionam diuturnamente transformações no tocante ao relacionamento

interpessoal no mundo. O desenvolvimento de uma fase digital na sociedade desencadeou a

necessidade de analisar, questionar e, sobretudo, refletir acerca de aspectos sociais

relacionados à sua própria organização, desembocando em transformações no comportamento

dos indivíduos, do mercado e das relações estabelecidas entre os Estados.

A internet é, portanto, um fenômeno que se desenvolveu e se difundiu de forma a

ultrapassar barreiras, realizando uma espécie de universalização das comunicações,

globalizando o acesso à informação e incidindo diretamente em questões como privacidade,

liberdade e democracia.

Neste panorama, novas tecnologias surgiram de forma que serviços dispostos

hodiernamente não eram disponíveis há algumas décadas, e, inclusive, não eram sequer

pensados com o escopo de atingir concretude. O que anteriormente era considerado inovação,

como o próprio computador, hoje se encontra, de certa forma, obsoleto quando comparado a

novos mecanismos surgidos, como tablets, smartphones, smartwatches, smartglasses, dentre

outros.

Desta forma, a interatividade proporcionada pela internet é um fato que gerou para o

usuário a capacidade de utilização de dados, navegação online e estabelecimento de relações

pessoais. Entretanto, o fator histórico, sociológico e econômico que chama atenção nesse

sentido é a velocidade de informação que foi proporcionada a partir de então. Diante desse

cenário, a rede mundial de computadores disponibilizou novas formas de atuação perante a

“sociedade virtual” e, dentre estes desempenhos no ciberespaço, disponibilizam-se os serviços

Over-the-Top (OTT Services).

A conceituação do serviço acima mencionado ainda carece de uma definição única,

compreendendo-se, de forma prática, em um serviço virtual que vem de forma gradativa

exercendo atividades telecomunicativas, audiovisuais e até mesmo de transporte, que até

então eram prestadas respectivamente por empresas de telefonia, SMS, televisão, táxis e afins.

Trata-se, portanto, de um serviço online, ou seja, que depende da Internet para sua

concretização. Saliente-se que estes serviços estão levantando complexas questões político-

jurídico-sociais, mormente a discussão dicotômica entre o malefício-benefício aos

consumidores, bem como a existência de privilégios que os aplicativos OTT recebem em

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relação às empresas tradicionais que desenvolvem as mesmas atividades de maneira regulada

(e regulamentada), além dos encargos em seu exercício; supostamente prejudicando a

competitividade das mesmas.

O contexto em que se insere, portanto, já causa inúmeras discussões a partir de então.

O debate sobre o impacto dos OTTs se relaciona à igualdade de condições no mercado;

preocupação esta que a rede tradicional de serviços tem apresentado sobre os desafios que

encontram com a expansão de empresas que oferecem serviços e produtos que os

consumidores estão preferindo.

É perceptível que, no ano de 2015, matérias que relacionavam Direito e Tecnologia

tomaram destaque nas discussões acadêmicas e legislativas. Questões como neutralidade na

rede e regulação de novas tecnologias se tornaram comuns nesse debate, sobretudo a partir da

Lei n. 12.965/2014 – Marco Civil da Internet – e das decisões judiciais que bloquearam

serviços online, como o Whatsapp®. A necessidade de aprofundamento da temática,

entretanto, se queda longe de acabar.

Não se deve olvidar que embora não seja a primeira vez que surjam novos

mecanismos tecnológicos que revolucionem a sociedade e suas interações, os serviços OTT

provocaram uma explosão do consumo de conteúdos pela Internet, de forma que as

possibilidades de comunicação e uso daqueles serviços anteriormente regulamentados

possivelmente não conseguem evoluir ao passo das progressões tecnológicas. Neste espectro,

a presente dissertação busca problematizar a questão da regulação de serviços Over-the-Top

no Brasil, propondo discutir aspectos sobre a prestação do serviço por meio da Internet e a

competitividade do mercado de telecomunicações através destes aplicativos, tomando como

foco os serviços que utilizam o Voice over Internet Protocol (VoIP).

Vislumbrando, portanto, a discussão dos “direitos virtuais” em posição de respectiva

proteção fundamental pela Constituição e pelos Direitos Fundamentais em sua base

principiológica, objetiva-se na presente pesquisa analisar o papel do Estado regulador na

situação supramencionada, de forma a permitir a atuação de diversos centros de disposição de

serviços, beneficiando o mercado e estabelecendo um leque de competitividade equânime

para o usuário.

É cediço que a análise em questão encontra sua justificativa na busca pela almejada

segurança jurídica, em uma seara jurisdicional que, em virtude dos avanços tecnológicos e da

vasta aplicabilidade que possui, torna-se bastante complexa de regular de maneira a não

sobrepujar quaisquer direitos ou deveres.

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Ainda se tratando da Internet e da consequente disposição de serviços virtuais,

almeja-se analisar de que forma a globalização e o mercado interfere na norma jurídica,

sobretudo a regulatória e de que forma é possível incorporar a experiência da União Europeia

e dos Estados Unidos para uma eventual regulação brasileira.

Destarte, verifica-se a possibilidade de vislumbrar a legitimidade participativa pelo

procedimento como forma de construção normativa da ANATEL, sobretudo por meio de uma

virada regulatória para que haja a participação efetiva dos Sistemas Sociais – e

consequentemente de seus entornos – de forma a aprofundar um contexto de necessidade de

profundas transformações exigidas de forma rápida.

A despeito da legislação brasileira existente no que diz respeito aos meios de

comunicação virtual e audiovisual, a Internet surgiu de forma a realizar uma espécie de

desterritorialização, possibilitando a manifestação de serviços de forma análoga aos já

existentes – e regulados –, entretanto sem as responsabilidades e encargos que os mecanismos

assumem para a realização destas atividades.

Nesta lógica, a dissertação se propõe a investigar a ausência de regulação dos

serviços Over-the-Top – focando nos serviços VoIP, com o potencial de desenvolver no

mercado discrepâncias concorrenciais entre tais serviços e àqueles que já exercem a mesma

atividade com obrigações incidentes sobre os mesmos.

Assim, apresenta-se como problema de pesquisa desta dissertação a seguinte

pergunta: Diante da evolução tecnológica e do surgimento de novos mecanismos no âmbito de

comunicação e informação, de que maneira é possível conciliar as inovações de setores

tecnológicos com os tradicionais de forma a estabelecer um marco regulatório que permita a

atuação equânime no mercado e prevalência de equilíbrio nas relações de consumo?

Em termos de hipótese, considerando o interesse do Estado, consubstanciado em sua

característica de desconcentração regulatória, em proporcionar a proteção contra as falhas de

mercado, tem-se a possibilidade de construção de procedimentos participativos efetivos que

proporcionassem uma regulação dos aplicativos Over-the-Top desde que oportunizem a

liberdade na prestação dos serviços e em seu respectivo uso.

Neste sentido, o objetivo geral almejado pela pesquisa é o de abordar a questão

regulatória de aplicativos Over-the-Top (OTT) no Brasil, notadamente o Voice over Internet

Protocol (VoIP), estabelecendo uma ponte de transição com a experiência norte-americana e

europeia, com a análise de seu exercício perante a sociedade consumerista nacional.

De forma aprofundada, o objetivo será atingido mediante a análise realizada através

de quatro objetivos específicos: o primeiro se dá através da investigação dos aspectos

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introdutórios dos aplicativos Over-the-Top: seus conceitos e preceitos gerais, bem como a sua

evolução histórica. O segundo se dá através do estudo acerca do Estado regulador e o sistema

regulatório brasileiro, notadamente quanto ao existente no âmbito de comunicação

audiovisual e telefonia, destacando o uso dos aplicativos Over-the-Top e o suposto prejuízo ao

princípio constitucional da livre concorrência.

Além dos dois objetivos supramencionados, a pesquisa se propõe ainda a apresentar

mecanismos de intermediação entre os serviços Over-the-Top – até então não regulados – e

aqueles que desempenham a mesma atividade de forma regulada, buscando, através de

experiências europeia e norte-americana, encontrar soluções para os conflitos existentes,

propondo, inclusive, mecanismos que venham a estabelecer uma atuação equânime no

mercado. Por último objetivo, almeja-se relacionar a Legitimidade pelo Procedimento à

querela em questão, como forma de prevalecer a liberdade virtual e a internet livre.

Em termos de justificativa da pesquisa ora desenvolvida, é possível perceber que a

humanidade vive um grande registro de interconexão global. Superando barreiras geográficas,

políticas e sociais, a disponibilidade de comunicação e informações se encontra de uma forma

expansiva e permanente, podendo seu exercício se dar de formas inúmeras e de locais

diversos. Em vista da efervescência da criação de novos mecanismos tecnológicos que

aproximam pessoas – no âmbito das comunicações e informação – questões relacionadas à

regulação destes instrumentos se tornam mais recorrentes, sobretudo quando do confronto

com estruturas antigas que se consideram prejudicadas pela ausência de real competitividade

no setor.

Não restam dúvidas de que o Direito à Informação – contido na Lei Maior Brasileira

– é disponível formalmente para todos os indivíduos. Entretanto, com o surgimento de

estruturas como o Whatsapp®, no âmbito da comunicação, e Netflix®, no âmbito da

informação e entretenimento, é possível verificar a necessidade da análise em torno das

políticas regulatórias que podem ser adotadas, de modo a prevalecer a competitividade –

princípio adotado pela Constituição Federal de 1988.

Em virtude de ser um tema recente, dado o poder público encarar de forma

propedêutica as nuances de sua influência na sociedade, vislumbrou-se o propósito de

esclarecer o papel da Ciência Jurídica enquanto redutor de complexidades, sobretudo por seu

possível papel integrador entre o mercado e a população.

Mediante a análise de discussão jurídica e econômica, a presente dissertação busca

analisar as possíveis políticas regulatórias necessárias para estruturar a existência de uma

gama considerável de mecanismos que estão dispostos ao consumidor, discutindo,

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especialmente, a legalidade e constitucionalidade da legislação brasileira que versa sobre os

respectivos mecanismos tecnológicos.

Os benefícios que os consumidores recebem no tocante à disponibilidade de opções

são cristalinos e, por esta razão, a pesquisa se dispõe a analisar, nessa perspectiva, o respaldo

jurídico e econômico na incidência de um marco regulatório. Por conseguinte, a utilização da

tecnologia cotidianamente possui o condão de influir em diversos campos, como a política, o

direito, a economia, a sociedade, a educação e a cultura. Estas merecem e necessitam da

análise que permita avaliar o impacto social que exercem.

Acrescente-se que em virtude do aumento de possibilidades de serviços que os

aplicativos Over-the-Top estão realizando, surge uma espécie de aceitação destes serviços,

mesmo na ausência de concessão administrativa. Assim, surge a possibilidade de se trazer –

por intermédio de uma construção normativa – a legitimidade por meio de procedimentos

positivados, como forma de enriquecer a problemática e estabelecer diretrizes para a própria

regulação.

Destarte, explicita-se a viabilização desta pesquisa, visto a acessibilidade sob o viés

acadêmico e como forma de favorecer os estudos sobre os novos rumos que o Direito vem se

dirigindo – mormente o que diz respeito ao Direito Econômico e sua inter-relação cotidiana

na vida da população.

No que concerne à metodologia utilizada para concatenar o tema em pesquisa,

vislumbra-se a seguinte proposição: se há a pretensão de analisar a Legitimidade pelo

Procedimento, concernente à Regulação Social do Mercado de Aplicativos Over-the-Top,

qual deve ser o caminho trilhado para atingir os objetivos propostos?

Toda pesquisa que almeje alavancar o conhecimento científico necessita de

estruturação e procedimento metodológico. Segundo os ensinamentos de Serrano (2011, p.

144), “não existe conhecimento científico sem a assistência do método”. Acrescenta o autor,

ainda, que o método “põe ordem e confere sentido” à pesquisa, sendo “indispensável para que

se possam colher resultados aceitáveis pela comunidade científica” (p. 102).

Pretende-se, assim, utilizar do procedimento dissertativo-descritivo, analisando

ontologicamente a realidade da regulação da ANATEL, com pesquisa bibliográfica,

documental, legislativa; verificando os institutos jurídicos que envolvem a questão em

pesquisa de forma crítica, buscando confrontar a teoria das agências reguladoras com a

realidade das telecomunicações e internet no Brasil.

Exige-se, portanto, a pesquisa bibliográfica, utilizando-se dos livros e teses

abordados sobre a temática da regulação e suas correntes, fincando o marco teórico na lição

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dos doutrinadores como Antônio José Avelãs Nunes (2012), Calixto Salomão Filho (2002;

2008), Eugênio Pereira Lucas (2007); Eros Roberto Grau (2008), Maria Luiza Pereira de

Alencar Mayer Feitosa (2007), Majone (1999), Thomas Piketty (2014) e Waldon Volpiceli

Alves (2011). Acerca da Teoria dos Sistemas e da Legitimidade pelo Procedimento, adotou-se

os elementos construídos por Niklas Luhmann (1980; 1994; 2005; 2016).

Para tanto, se utiliza do método de abordagem sistêmico, sobretudo em virtude de a

pesquisa contar com a construção de pensamento sistematizado, por meio de evoluções

graduais que se interconectam de forma a produzir um resultado final. Esse percurso

evolutivo se dá por meio do aprendizado acerca dos desafios existentes no âmbito da

Regulação Econômica e Regulação Social, aplicados ao setor de telecomunicações, de forma

a produzir uma visão mais ampla acerca das soluções possíveis.

Neste sentido, partindo da observação de uma realidade expressa, é possível analisar

as complexidades que se sobrepõem à temática, se exigindo explorar os fatos que estão

dispostos. Este contexto permitirá a avaliação dos padrões e formas que origina os eventos de

forma concreta. Após este percurso, é possível investigar então a estrutura existente, de forma

a avaliar os motivos causadores de determinados padrões de comportamento, sobretudo no

que se refere ao mercado que envolve a tecnologia. Busca-se, portanto, explicar as variações

dentro de uma realidade complexa.

A partir de então é possível, portanto, compreender possíveis mudanças no

comportamento dentro de uma perspectiva sistêmica. Isso se dá, aliás, pela observação

estrutural da linguagem, que é responsável pela organização estrutural e procedimental na

sociedade. Dentro de uma análise eminentemente Luhmanniana, o método sistêmico não se

configura em uma perspectiva contemplativa, mas também criativa, visto que é possível o

desenvolvimento criativo de novos parâmetros para a temática ora desenvolvida.

Em relação aos métodos de procedimento, se utiliza do histórico, comparativo e

funcionalista. O primeiro deles se traduz na verificação evolutiva e histórica da Teoria da

Regulação e o Setor de Telecomunicações Brasileiro, vislumbrando-se as transformações

jurídicas, sociais e econômicas advindas de tais processos.

O segundo se vislumbrará na comparação com a experiência de Regulação de

Aplicativos Over-the-Top em experiências estrangeiras, sobretudo a americana e a europeia,

verificando aproximações e distanciamentos da experiência brasileira. A investigação

comparada permite a possibilidade de avaliação do dado concreto. Assim, o estudo

comparado poderá permitir a ampliação do horizonte do conhecimento regulatório em nossa

leitura.

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Neste sentido, acredita-se que por meio destes procedimentos é possível construir

pontes, cuja questão se relacionaria na presente pesquisa em três vieses. O primeiro, fato

juridicamente relevante, seria a própria situação nova dos aplicativos Over-the-Top que estão

em uma área cinzenta do Direito, da qual não há um regramento específico e gera inúmeras

controvérsias. O segundo, as normas ideais, verificariam quais os fatores jurídicos que

poderiam ser levados a cabo para solução das situações existentes e, por fim, a expressão dos

dois primeiros vieses teriam uma resposta para a problemática existente.

No que diz respeito ao funcionalismo, é possível descrever as implicações de uma

eventual Regulação Social do mercado de aplicativos Over-the-Top por meio da participação

popular e de demais centros de atuação, vislumbrando-o em uma sociedade de consumo. Por

fim, como os aplicativos em questão estão inseridos no círculo regulatório do mercado de

telecomunicações, busca-se interpretar as estruturas existentes no contexto da regulação da

ANATEL.

Convém ressaltar que a pesquisa se torna producente a partir da adoção de mais de

um método para alcançar, através da interpretação, a compreensão da necessidade de uma

regulação econômico-social dos serviços em análise que proporcione ao usuário a plena

liberdade de uso, desimpedido de quaisquer embaraços. Entretanto, prevalece enquanto

procedimento o método funcionalista, sobretudo pela busca na compreensão e explicação de

contextos sociais que são explicadas a partir de funções.

Estes métodos, aliás, podem ser associados ao aporte Luhmanniano da Teoria dos

Sistemas, principalmente pelo estabelecimento da comunicação enquanto papel central para

regular as relações entre o sistema e o ambiente (função).

Há, portanto, a necessidade de dialogar com o usuário dos aplicativos Over-the-Top

para que este forneça elementos de interpretação que vislumbrem qual é a real necessidade de

uso dentro do contexto de regulatório. Busca-se, conforme inferências a Gadamer (2005),

alcançar a reflexão do contexto regulatório mediante a necessidade que se apresenta através

da própria regulação, dos entes regulados e, sobretudo, dos usuários.

Assim sendo, se traduz como meta analisar o sistema regulatório brasileiro para fins

de melhor entendimento de sua sistemática, sobretudo na seara das telecomunicações,

pontuando a relação jurídico-consumerista existente e as implicações daí provenientes. No

primeiro capítulo, visando fornecer o alicerce do presente trabalho, são articuladas

considerações gerais sobre a teoria da Regulação, analisando seus fundamentos e princípios, a

delimitação de cada corrente regulatória e a posição da Regulação Social dos Mercados.

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No segundo capítulo se envereda pela apresentação histórico-evolutiva do Setor de

Telecomunicações no Brasil, passando pelo Plano de Reformas Macroeconômicas Brasileiro,

pela estruturação das Agências Reguladoras e vislumbrando o papel a Agência Nacional de

Telecomunicações. Assim, serão trazidas neste capítulo conceitos, políticas, natureza jurídica

encontrada na ANATEL e suas orientações no que se referem à atividade de regulação.

Por sua vez, no terceiro capítulo, é realçada a atribuição da internet e do surgimento

dos aplicativos Over-the-Top. Perpassando pela questão da internet como um direito humano

reconhecido, se vislumbra ainda a estruturação dos aplicativos analisados, além da relação

entre os setores tradicionais e atuais. Ainda, é feito um panorama da regulação Norte-

Americana e a Europeia, conduzindo elementos que favoreçam uma regulação brasileira.

No quarto capítulo se apresenta o panorama do Procedimento Participativo como

elemento legitimador em uma construção por meio da perspectiva regulatória do setor de

Telecomunicações. Neste capítulo, busca-se historicizar o conceito de Legitimidade e

Participação, em uma leitura da Teoria dos Sistemas, vislumbrando o sentido do uso dos

aplicativos Over-the-Top. Ainda, com base nas construções realizadas, será proposto um

marco regulatório de modo a fomentar o pleno exercício de acesso e coexistência

concorrencial das estruturas de comunicação no Brasil.

Em última alçada, o presente trabalho pretende surgir de maneira inédita como fonte

de discussão sobre a Regulação dos Aplicativos Over-the-Top, formando base doutrinária

para discussão, visto que no Brasil os estudos sobre os mesmos são escassos, sobretudo no

Direito Econômico, que possui interesse especial na temática.

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1 TEORIA GERAL DA REGULAÇÃO ECONÔMICA: FUNDAMENTOS E

PRINCÍPIOS DA ATUAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA E SUA RELAÇÃO COM

O MERCADO

1.1 A Atuação do Estado na Economia: Percursos Histórico-Pendulares

Nas multifacetadas épocas históricas, é possível vislumbrar formas de Estado que se

formaram mediante o exercício de poder, corroborando para espécies de atuação perante a

sociedade. Historicamente, quatro formas de organização estatal são comumente

apresentadas: a sociedade feudal1; o sistema estamental2; o Estado absoluto e, por fim, o

Estado representativo.

O Estado feudal foi marcado pela descentralização do poder nas mãos dos senhores

feudais, que detinham o controle jurídico, político e econômico das relações. A economia

feudal, aliás, era caracterizada pela troca de mercadorias e produtos agrícolas, possuindo

pouca organização e produção, sobretudo por sua característica não unificada. O sistema

estamental se deu como um híbrido entre o período Medieval e a Idade Moderna, marcado

pelo início da centralização do poder e o declínio da descentralização feudal.

A Era Moderna foi marcada pela formação do Estado, surgindo como um sistema

específico de controle e organização do poder, com o discurso que direcionava à conservação

e garantia de existência da paz. Sua formação se deu a partir da crise do regime feudal e da

necessidade de unificar o poder nas mãos de uma única autoridade.

Com o surgimento da unidade nacional, os Estados-nação passaram a criar condições

para a formação do colonialismo, com o propósito de aumentar as riquezas, alavancar a

supremacia e fortalecer a figura do rei. O Estado, nos moldes prescritos nas obras de Hobbes e

Locke, deveria organizar o “contrato social”, limitando direitos em favor da coletividade.

Neste sentido, os monarcas passaram a controlar as medidas econômicas em prol da

sociedade.

Saliente-se que no Estado Moderno houve variadas maneiras de relações com o

domínio econômico. Com a crise do sistema feudal, ocorreu uma forte centralização política,

apoiada pela burguesia com objetivos de ampliação da atividade comercial. Ressalte-se que o

absolutismo igualmente entrou em crise, abrindo-se a base para a formação do Estado liberal.

1 Opta-se por não denominar de Estado Feudal por considerar que a formação do conceito de Estado se deu na

Era Moderna, a partir da centralização do poder. 2 Opta-se igualmente por não denominar de Estado Estamental em virtude de que historicamente se trata de um

exercício de poder híbrido entre o sistema feudal e o Estado Moderno.

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A inspiração iluminista que fundamentou o Estado Liberal consubstanciou-se no

contratualismo de Locke e à crítica ao poder monárquico de inspirações divinas, elaborando o

discurso de necessidade da sociedade para a viabilização da atividade dos governantes.

Na base lockiana, o Estado se formou após a constituição do indivíduo e da

propriedade, razão pela qual estes não poderiam ser violados por aquele. O Estado Liberal,

portanto, surge como sucessor do Estado absolutista, baseando-se, preponderantemente, nas

bases da teoria da mão invisível do mercado, de Adam Smith. Em A Riqueza das Nações, o

foi concebida a ideia de que a produção das mercadorias poderia ser guiada dentro de uma

lógica própria, funcionando dentro da própria atividade econômica. Nasce, portanto, a base do

liberalismo econômico.

No final do século XVIII ocorrem as Revoluções Burguesas (Revolução Francesa e

Revolução Industrial). Foi através destas revoluções que as ideias de livre mercado e o

próprio capitalismo tiveram sua consolidação. O Estado, portanto, recuava na administração

da atividade econômica.

Existe, então, quatro eixos específicos do Estado de direito dentro de uma noção

liberal e individualista da sociedade, quais sejam: (i) a ritualização da força; (ii) o postulado

da certeza do direito; (iii) a limitação do âmbito da intervenção política; e (iv) a igualdade

formal dos sujeitos (FEITOSA, 2007). Nesse contexto, restou ao Estado uma atuação restrita

à defesa da soberania e à ordem pública.

Ocorre, entretanto, que o liberalismo não conseguiu perdurar de forma hegemônica

sem a atuação do Estado. O sistema capitalista passa por demasiadas transformações na

estrutura econômica, sobretudo com as repercussões advindas da Primeira Guerra Mundial

(1914-1918) e da grande depressão de 1929. Além disso, é neste período que surgem as

idealizações propostas pelo socialismo – e suas facetas – trazendo novos ditames de

pensamento da sociedade.

Com uma crise generalizada estabelecida, se recorreu ao ente estatal como

salvaguarda do mercado, vislumbrando-se a autorregulação do mercado como desvalida,

enquanto que a necessidade do Estado como condutor da economia impediria a eliminação da

concorrência pela formação de monopólios e oligopólios.

Assim, do século XIX até a segunda década do século XX, consolidou-se a grande

crise econômico-financeira mundial, que fez surgir o Estado interventor, tomando as

rédeas da economia. Não se pode considerar perfeito o mercado, muito menos o

mercado financeiro, assim, com a eclosão da crise de 1929, convocou-se o Estado a

socorrê-lo, passando a investir na coordenação global da economia, fato

especialmente claro depois da quebra da Bolsa de Nova York, evidenciando a

fragilidade do liberalismo[...] (SOUZA, 2016, p. 18-19)

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Os eventos supramencionados contribuíram para o nascimento do chamado Estado

Social, voltando-se essencialmente para solucionar a crise devastadora apresentada pelo

capitalismo. A constituição de Weimar (1919) e a mexicana (1917) deram início ao que se

convencionou denominar capitalismo social. Esta fase da história econômica do mundo se

caracterizou por uma forte participação estatal – na promoção de serviços – por intermédio de

uma pauta programática.

O Estado social foi modelado em oposição do Estado liberal individualista,

provocando uma publicização do direito que culminou por meio de ações do governo

(FEITOSA, 2007). Entretanto, convém ressaltar que é a capacidade de adequação aos

interesses sociais por parte das políticas públicas que tinham o poder garantidor da eficácia

estatal. Tal situação, não se sustentou e o Estado do Bem-Estar igualmente entrou em crise.

Uma série de motivos culminaram na Crise do Estado Social, nos quais se destacam

as pautas sociais com exigências em demasia, a burocratização das instituições políticas e a

ausência de aprovação por parte dos cidadãos. Um relevante motivo para a crise “pode ser

identificado no déficit de legitimidade democrática que faz com que o Estado atual afronte

sua própria ordem jurídica formal para poder governar (medidas emergenciais, negociações

informais macrocorporativas etc.)” (FEITOSA, 2007, p. 169).

Convém ressaltar acerca da construção luhmanniana, quando de sua análise acerca da

Teoria Política no Estado do Bem-Estar, necessitando uma explanação dos conceitos

apresentados pelo sociólogo alemão. A teoria proposta por Niklas Luhmann foi inspirada no

conceito desenvolvido por Maturana e Varella – biólogos – se desenvolvendo assim sua

Teoria dos Sistemas Sociais.

A tese exposta pelos autores supramencionados parte do pressuposto de que os

organismos vivos são sistemas fechados e autopoiéticos, ou seja, se verifica uma rede fechada

em que os processos de criação são realizados pelas interações daqueles que a produziram –

isso numa perspectiva biológica. Assim, o sistema se autoproduz, autorreferencia e

autorregula e, embora haja o fechamento operacional, existe a interação com o meio

(entorno), com a potencialidade de mudança não por um agente externo, mas por sua própria

estrutura.

A primeira concepção de Sistemas Sociais partiu de Talcott Parsons que, ao contrário

de Luhmann, concebia a existência de sistemas abertos com troca de elementos entre si. A

teoria luhmanniana, portanto, adentrou em uma mudança de perspectiva, pois considera que

os "sistemas sociais operam [...] fechados sobre sua própria base operativa, diferenciando-se

de todo o resto e, portanto, criando seu próprio limite de operação" (RODRIGUES e NEVES,

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2012, p. 79).

Essa citada operação, nos termos da teoria, se traduz na reprodução de um elemento

de um sistema autopoiético com os demais elementos inseridos no mesmo sistema. Dentro

desta lógica, alguns conceitos são essenciais para compreensão da teoria: sistema, entorno e

autopoiésis. A sociedade dentro do contexto luhmanniano não é formada pela união de seres

ou ações humanas, mas por um sistema que cria e recria suas próprias condições de existência

e de mudanças, verificando na comunicação o processo seletivo de criação.

A concepção luhmanniana ainda estabelece que a natureza fechada da operação do

sistema conduz, a partir da cognição, à sua abertura, visto que só existirá resposta à

causalidade externa através dos mecanismos que o próprio sistema desenvolve. Neste sentido,

há a característica de autorreferenciabilidade dos sistemas visto que operam dentro de suas

próprias operações e se comunicam com o entorno a partir de suas próprias operações.

Partindo dessa concepção, os sistemas exercem influência quando limitam “a um

número reduzido o conjunto das inúmeras operações sociais com possibilidade de fazerem

parte do rol de suas operações internas, que serão dotadas de sentido a partir da diferenciação

entre a organização interna do sistema e o restante da sociedade” (NEVES, 2005, p. 18).

Nesse prospecto, na teoria de Luhmann, os sistemas sociais são formados por

operações em que a sociedade complexa é dividida. Esta divisão é consubstanciada no sistema

e seu ambiente. O ambiente, portanto, se trata de tudo aquilo que não está no interior do

sistema. É possível, assim, vislumbrar a existência de fronteiras em que se concebe os

elementos inseridos no sistema e os que respectivamente não estão.

Sistema e ambiente não operam em conjunto ou influenciam as operações um do

outro; no entanto, os sistemas não conseguiriam sobreviver de maneia autônoma e

completamente diferenciada se fossem anacrônicos em relação ao ambiente, pois

não conseguiriam estabelecer nenhuma forma de convivência adaptativa ou de

utilização dos elementos de outros sistemas para possibilitar a operação de seus

próprios elementos. (NEVES, 2005, p. 20).

É por intermédio dos Processos Comunicativos que se constituem os Sistemas

Sociais. Tal formação acontece por meio de três partes: informação, participação e

compreensão. Estas três partes se referem à escolha de uma mensagem – com seus elementos

válidos e não-válidos; à forma de participação desta mensagem e, por fim, à estrutura de

compreensão em que se terá construída uma nova informação. Para que ocorra o processo

comunicativo, deve-se verificar a existência dos três processos supramencionados.

Da ótica de suas próprias operações, o sistema além de fechado se diferencia de tudo

o que não seja ele próprio, estabelecendo suas definições a partir exatamente de suas

diferenças. Seleciona-se, portanto, aquilo que faz sentido para o seu próprio sistema e se

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acrescenta aos processos internos.

A ideia de acoplamento estrutural de Luhmann é outra questão de relevância a ser

discutida, podendo ser entendido como uma ocorrência entre dois sistemas. Esta manifestação

é possível quando um sistema (ego) dispõe para o outro sistema (alter) um rol de informações

que possam ser aproveitadas para a formação de mais comunicação.

Retornando-se à crise do Estado do Bem-Estar, com base em Luhmann é possível

entender que se tratando de sistemas complexos e autorreferenciais, como os são os sistemas

sociais, inexiste a possibilidade de planejamento. Isso se dá porque a Economia, sendo um

sistema com autorreferenciabilidade, possui uma dinâmica própria que impede o controle por

parte da Política. Neste sentido, apenas a Economia poderia reagir por conta própria, de

maneira ulterior.

A política não possui elementos para que seja determinado os estados sistêmicos

aceitáveis para os demais sistemas existentes na sociedade, acrescentando-se neste panorama

a economia, traduzindo-se como uma utopia o Estado ensejar a compensação de

desequilíbrios econômicos através das decisões políticas (LUHMANN, 2016). Assim, é

possível inferir que a economia, dentro de um mecanismo procedimental autorreferencial

produz “com o meio dinheiro e de seu fechamento operacional, uma dinâmica própria que não

pode ser controlada politicamente e à qual também a própria economia pode reagir apenas de

maneira prática e a posteriori ” (Luhmann, 1994, p. 194).

A por este motivo que o Estado do Bem-Estar adentrou em crise, sobretudo devido a

três aspectos fundamentais. O primeiro, seria o excesso de expectativas, em virtude de uma

sobrecarga existente no sistema político. O segundo seria o princípio da compensação das

desvantagens sociais, em que se amplia o sistema político no confronto com outros

subsistemas. O terceiro, por fim, é o entendimento que o Estado Social não se trata de um

sistema político, mas de uma degeneração do modelo liberal clássico.

Em Feitosa (2007) se vislumbra um panorama geral sobre a crise do Estado Social em

que verificam três vieses para a crise. O primeiro seria aquele defendido pelos liberais

ortodoxos, em que o intervencionismo estatal seria o grande vilão da crise econômica ocorrida

nos anos 80. Um segundo viés aponta para a globalização dos processos econômicos como o

responsável pelo enfraquecimento do Estado nacional, visto que novos atores em perspectivas

internacionais passaram a surgir.

Ao seu turno, o terceiro viés admite que a globalização alterou as feições do Estado,

entretanto, se preocupa com a superação da dicotomia liberal e social-estatista para obter

resultados mais favoráveis, com a adaptação para novas funções. Surge, portanto, as primeiras

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nuances do chamado Estado Regulador.

Com a crise do Estado Social, um novo modelo (MAJONE, 1999) surge e tem por

características a “privatização, a liberalização, a reforma dos programas de bem-estar e

também a desregulação”. Quanto ao paradoxo do termo, porquanto é importante salientar que

o novo modelo não importa no desmoronamento da regulação governamental, tampouco o

retorno à política liberal clássica, mas um novo nível de governança.

Convém ressaltar que a crise existente não diz respeito a uma atuação estatal na

economia, mas, sobretudo, uma crise do próprio Estado (EROS GRAU, 2008). É neste

mesmo patamar de crise que se instalam crises nos setores econômicos, no direito formal e,

finalmente, nos mercados.

O modelo protagonizado por um Estado Regulador envolve dentro de seu arcabouço

um sistema de privatização e liberalização, conforme já explanado. Assim, serviços de

utilidade pública acabam por ser privatizados, ocorrendo em seguida uma regulação de

preços. Nestes termos, a interferência do Estado da economia termina por ocorrer de forma

indireta, sendo, a terceira mais importante causa da existência de um Estado regulador

(SEIDMAN e GILMOUR (1986); MAJONE (2006)).

A origem do termo regulação está intrinsecamente relacionada ao termo

“deregulation” existente nos Estados Unidos (FEITOSA, 2007). O significado do vocábulo

“regulation” teria o sinônimo do que para a doutrina brasileira implica em “regulamentação”.

A confusão terminológica, portanto, acaba por apresentar a necessidade de maiores

aprofundamentos sobre a temática.

Aliás, a regulação estatal implica a própria regulamentação, enquanto que as

regulações sociais implicam o que é tido no presente trabalho por regulação propriamente dita

(EROS GRAU, 2008). Convém ressaltar que esta nova estruturação pressuporia uma

harmonia dos interesses e uma construção de coletividade a partir da individualidade.

Ademais, no caso do Brasil não houve uma tentativa de formular uma teoria geral da

regulação. A razão, inclusive, foi o esgotamento das funções do Estado em apenas dois

aspectos: a intervenção econômica direta e a prestação de serviços públicos, o que gera uma

confusão terminológica entre Regulação e Regulamentação (SALOMÃO FILHO, 2008).

Entende-se, portanto, que no caso da Regulação, como ora se analisa, ocorre uma

retirada do Estado na intervenção econômica direta, voltando-se para a função de organizar as

relações econômicas e sociais, admitindo inclusive que o poder de polícia sobre os mercados

não é suficiente para desempenhar tal incumbência.

O modelo de Regulação brasileiro que possui um método enfaticamente atrelado ao

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norte-americano, cuja consolidação ocorreu, sobretudo, com a formação de agências

reguladoras, que estabelecem a organização das relações econômicas (SALOMÃO FILHO,

2008). Inclusive, esta é uma concepção marcadamente voltada para o liberalismo, exigindo-se

maior aprofundamento quanto à temática.

É possível perceber a existência de uma plurisignificação do termo Regulação,

pressupondo uma ideia restritiva das escolhas privadas pela imposição de regras públicas

abrangendo-se a retomada de um estado de equilíbrio do sistema, bem como a implementação

de regras com a finalidade de manter este mesmo estado (FEITOSA, 2007).

O termo, portanto, não possui uma concordância dentro da doutrina, verificando-se os

conceitos de Vital Moreira (1997, p. 24) em que regulação seria “o estabelecimento e a

implementação de regras para a actividade económica destinadas a garantir o funcionamento

equilibrado, de acordo com determinados objetivos públicos”.

Independente da conceituação adotada – e que será melhor teorizada por cada corrente

em momento posterior – é importante caracterizar as feições deste Estado Regulador,

sobretudo pela mudança de uma intervenção direta para indireta.

Aspectos familiares dessa evolução incluem: a descentralização e a regionalização

administrativas; a divisão de entidades anteriormente monolíticas em unidades com

uma única finalidade e com orçamentos próprios; a delegação de responsabilidade e

pela prestação de serviços a organizações privadas, lucrativas ou sem fins lucrativos,

e a entidades não ministeriais que operam fora do quadro normal do Poder

Executivo; licitações e outros arranjos contratuais, ou quase-contratuais,

competitivos, por meio dos quais os poderes para elaborar orçamentos e tomar

decisões são delegados a compradores que, em nome de seu grupo de clientes,

compram serviços dos prestadores que oferecem o melhor value for money.

(MAJONE, 2006, p. 10-11).

Assim sendo, em Spulber (1989, p. 22) é possível perceber que a regulação econômica

se conceitua pelo conjunto de normas – incluindo-se as regras existentes nos procedimentos

administrativos – introduzidas de forma a manter ou recompor o equilíbrio funcional de um

sistema.

A seu turno, a caracterização do Estado Regulador em Figueiredo (2014, p.77)

permeia a existência de um ente que volta a se basear na livre-iniciativa e na liberdade de

mercado como garantidor e regulador da atividade econômica, por intermédio da

desestatização e da redução de encargos, equilibrando as contas públicas.

Em uma outra concepção a regulação consiste no estabelecimento de normas

legislativas, administrativas e convencionais por parte do ente estatal, de forma que influencie

o comportamento dos agentes econômicos com fins de beneficiar os interesses sociais

definidos no arcabouço das constituições (SOUZA, 2016, p.22).

Destarte, pode-se conceituar, objetivamente, a regulação como o conjunto de atos e

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medidas estatais que tem por fim garantir a observância dos princípios norteadores

da ordem econômica no mercado, bem como a devida e correta prestação de

serviços públicos, além do incentivo e fomento para a implementação das políticas

públicas respectivas para direcionamento de cada nicho da economia.

(FIGUEIREDO, 2012, p. 112).

O Brasil também seguiu a onda regulatória, devido à crise fiscal do Estado Social que

assolou entre as décadas de 70 e 80 do século passado, culminando na redução estatal e de sua

intervenção na seara econômica. Nesta virada, se passou a disciplinar as políticas regulatórias,

retraindo-se o Estado por intermédio de um projeto neoliberal que se consubstanciava em

processos de privatizações, descentralização e terceirização.

A regulação econômica foi, portanto, a forma de operacionalização deste processo.

Entretanto, conforme salienta Salomão Filho (2008, p. 19), no Brasil nunca houve uma

experiência na formulação de uma teoria geral da regulação. A razão para tal fato se dá em

virtude de uma concepção de Estado tradicional, em que de ingere diretamente na vida

econômica ao mesmo tempo que realiza a mera fiscalização dos particulares.

Faz-se necessário, portanto, o levantamento construtivo das correntes teóricas acerca

da regulação, para que se construa um entendimento sobre sua inserção no contexto brasileiro,

culminando na discussão ora pretendida pela presente pesquisa, qual seja, a regulação do

mercado de aplicativos over-the-top.

1.2 Teorias de Regulação

1.2.1 Teoria do Interesse Público

A Teoria do Interesse Público é uma das escolas clássicas sobre regulação que, possui

essa nomenclatura de forma proposital, visto utilizar a regulação como justificativa de buscar

um bem público, não se relacionando à preservação do mercado (SALOMÃO FILHO, 2008,

p. 23).

Pela teorização desta escola ocorre a sobreposição do interesse público ao interesse

privado dos agentes econômicos, quando se verifica a presença de falhas de mercado e abuso

do poder econômico (SOUTO, 2011, p. 23). Neste sentido, a regulação se propõe a manter a

produção em grande escala, corrigindo as práticas que venham a desequilibrar o

funcionamento do mercado.

Entretanto, existe uma conceituação multifacetada de interesse público, com

conotações que variam pendularmente pela observação do sistema político ou do sistema

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econômica, não sendo possível dispor de forma precisa sua definição com escopo na

intervenção estatal na economia (SALOMÃO FILGO, 2008, p. 23).

Neste panorama, a Escola do Interesse Público se relaciona à Escolha do Serviço

Público – na forma como é aplicada no Brasil – mesmo que de forma incompleta. Isso se dá

em virtude do objetivo de ambas as escolas em regular os serviços que tenham por

característica intrínseca o interesse público.

Esta regulação se daria por meio de duas formas: a concessão do serviço público e o

exercício do poder de polícia, observadas de forma mais evidente no Direito Administrativo.

O poder de polícia tem sua gênese no século XIX, com o nascimento do Estado Moderno

Liberal, resultando da crença de que este poderia regular a atividade econômica com a

limitação da liberdade dos particulares (SALOMÃO FILHO, 2008, p. 25).

Em contrapartida, o exercício dos serviços públicos estatais se deu notadamente a

partir do Estado Social, no início do século XX. Depois da constatação de que o Estado não

possuía meios suficientes para a promoção de todos os serviços de forma direta, passou-se a

aceitar a ideia de concessão do serviço público com uma matriz marcadamente de direito

público.

Convém ressaltar existem premissas econômicas que levam às críticas da Escolha do

Interesse Público, visto que inexiste comprovação de que a regulação estivesse relacionada a

uma atuação eficiente do Estado (SOUTO, 2011, p. 24). O controle de agentes privados por

meio do regime de direito público se mostra insuficiente, visto que a eficácia é limitada por

existir a possibilidade de captura do poder concedente pelo concessionário, após a licitação,

ocorrendo a monopolização da atividade. Existe a possibilidade de ludibriar o controle

exercido pelo agente estatal, visto que o concessionário desenvolve justificativas que

impedem o controle dos preços (SALOMÃO FILHO, 2008, p. 26).

Por fim, ainda existe a ausência de sistematização da atividade regulatória, visto que

em virtude de uma origem história que culmina em variadas formas de regulação, acarreta no

cometimento de excessos ou escassez, consubstanciada em atividades que poderiam

concedidas aos particulares e não os são; ou atividades que são concedidas, mas que não havia

a necessidade.

1.2.2 Teoria Econômica da Regulação – A Escola Neoclássica

Dois conceitos formam o ponto nevrálgico da Escola Econômica da Regulação. O

primeiro é que a regulação nega qualquer interesse público. O segundo é que a regulação

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possui o objetivo de substituir ou corrigir o mercado. O precursor desta teoria foi Stigler e C.

Friedland, no artigo “What can regulators regulate? The case of eletricity”, publicado no

Journal Law & Economics 5, em 1962.

O trabalho possuía carga cética quanto aos efeitos da regulação dos monopólios, visto

as falhas de governo no setor de energia elétrica (SALOMÃO FILHO, 2008, p. 28).

Posteriormente, outro trabalho ganhou relevância para construção desta teoria, o artigo de

Harold Demsetz, com o título “Why regulate utilities”, publicado Journal Law & Economics

11.

Demsetz baseou seu trabalho na realização de leilões para a concessão de serviços

públicos, situação que instigou o sistema de licitações conhecido atualmente (SALOMÃO

FILHO, 2008, p. 28). Entretanto, o economista acabou por sugerir que o sistema de regulação

não teria quaisquer motivos de interesse público, visto que se direciona notadamente à

proteção do setor industrial. Esta posição é igualmente adotada por Stigler.

Posner desenvolverá, usando pressupostos de Stigler, a ainda mais pessimista teoria

da captura, segundo a qual, na verdade, os interesses privados, ainda que não

prevaleçam no início, acabam por sobrepujar os motivos de interesse público, pois

as agências acabam por se sujeitar à influência dominante dos regulados – ou ser

capturadas pelos seus interesses. (SALOMÃO FILHO, 2018, p. 28-29).

A lógica adotada, sobretudo com uma carga teórica neoliberal muito forte, é a de se

seguir uma lógica do mercado, adotando-se inclusive conceitos econômicos ao

comportamento político. Em “An economic theory of democracy”, Anthony Downs defende a

superioridade dos interesses privados, sobretudo na seara política, sendo natural a influência

destes interesses na regulação.

A função regulatória de corrigir se reproduz dentro de uma lógica de mercado

(SALOMÃO FILHO, 2008, p. 29). Neste sentido, os defensores da Teoria Econômica da

Regulação entendem pela possibilidade de se reproduzir as condições do mercado por

intermédio da agência regulatória, notadamente nos setores em que essas condições não se

produzem naturalmente.

Em outros termos, a regulação atuaria exclusivamente quando existissem setores

caracterizados por monopólios naturais, com a potencialidade de desequilibrar o mercado.

Esse fenômeno é denominado, por Salomão Filho (2008, p. 29) de “reprodução em

laboratório das regras de mercado”, salientando acerca da impossibilidade desta manifestação

ocorrer.

A argumento apresentado é o de que se o mercado deve guiar toda a atividade

econômica, sendo considerada ideal para o feito, acaba por exaurir toda a função do Estado

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enquanto regulador, visto que ao primeiro cabe sua atuação exclusiva. Toda esta lógica, por

fim, levaria a uma inspiração totalmente liberal, o que levaria a fenômenos como a

desregulação, desregulamentação e a autorregulação.

Os três termos estão atrelados, possuindo inclusive a mesma origem. A Escola de

Chicago – cuja defesa rejeita qualquer ato do Estado que incida no controle da economia –

possui uma tendência neoclássica, quando cria condições para a efetivação do mercado e sua

“mão invisível” (SALOMÃO FILHO, 2008, p. 29-30).

A autorregulação é aquela que inexiste interferências externas, observando-se a livre

iniciativa e a liberdade de concorrência como parâmetros para garantia da ordem econômica,

não ocorrendo demais preocupações com o interesse público (SOUZA, 2016, p. 24). Assim,

são os próprios agentes econômicos que atuam no sistema regulado e operariam na regulação,

por meio de uma estrutura interna formada pelos próprios agentes, determinados entre si.

As críticas acerca do modelo de Teoria Econômica da Regulação são encabeçadas por

Richard Posner (1971, p. 339). Segundo o autor, o disposto por Stigler nada mais era do que

uma nova face da Teoria da Captura, embora, a teoria permita a captura não somente do ente

regulado, mas de qualquer grupo de interesse.

O argumento de que existem falhas na concepção da Teoria Econômica da Regulação

trazida por Salomão Filho (2008, p. 32) não pode deixar de ser analisada. A conclusão é a de

que as condições de mercado produzidas em laboratório não se traduzem viáveis, visto que

potencializa desvios de objetivos que a ação regulatória deve ter na economia, considerando

ao fim, que reduzir a regulação unicamente ao reflexo do mecanismo mercadológico se trata

de um plano teórico evidentemente pobre.

1.2.3 Teoria das Falhas de Regulação

O contexto das discussões relacionadas às Falhas de Regulação remonta à reforma

administrativa promovida por Roosevelt com a criação de agências reguladoras que atuariam

por intermédios de experts e abarcariam a demanda da sociedade. Ao contrário, as

expectativas criadas em torno dessa logística caíram quando estas mesmas agências não

conseguiram atingir o objetivo proposto. Leva-se, portanto, à consideração que mal

funcionamento do Estado.

Existe série de concepções acerca das falhas regulatórias que surgem desde sua

criação, que podem ser traduzidas em sete categorias explanadas por Cass Sunstein (1993, p.

97-98): a) transferências para grupos de interesse; b) diagnóstico equivocado e análise

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superficial; c) gestão de riscos versus direitos; d) efeitos sistêmicos complexos e

consequências imprevistas; d) falhas de coordenação; e) alteração das circunstâncias e

obsolescência; e f) indevida delegação de decisões políticas.

Há uma distinção de Sunstein sobre a referência à concepção de norma regulatória e

implementação de norma regulatória (MEDEIROS, 2012, p. 65). No primeiro caso, diz

respeito à atividade de inovação proveniente do Poder Legislativo; no segundo caso, diz

respeito às atividades provenientes das agências reguladoras, embora se admita todos os casos

como concepção normativa.

Uma das falhas de regulação com mais evidência e que gera maiores consequências é

a captura das agências. Se trata de espécie de abuso do poder econômico, visto que influi na

quebra da concorrência e na formação direta de monopólios do mercado, prejudicando

diretamente a sociedade. Em Melo (2010) é possível identificar três tipos de captura: A Teoria

da Captura Econômica, a Teoria da Captura Política e a Teoria da Captura Judicial.

Na Captura Econômica, ocorre a contratação de pessoal técnico proveniente do setor

regulado, por parte da Agência Reguladora ou, ainda, quando o próprio setor regulado

contrata profissionais com a experiência profissional vivida no órgão regulador. Na primeira

situação ocorre justamente que o profissional técnico ingressa na agência com interesses

viciados em beneficiar o ente regulado. A seu turno, na segunda situação, aquele que ingressa

no mercado leva consigo todo o conhecimento da Agência Reguladora, podendo favorecer

diretamente o mercado.

Na Captura Política, em linhas gerais, ocorre a influência do poder político. Essa

ingerência é realizada na tomada de decisões e posições que o ente regulador deve adotar,

acabando por existir outra espécie de quebra da autonomia, visto que a Agência Reguladora

acaba por beneficiar o setor político, perdendo sua independência e a defesa do interesse

coletivo.

Há uma relação entre a própria atividade da agência reguladora com o poder político

(MELO, 2010), isto porque as escolhas realizadas para o comando das agências são

pressupostas de análises eminentemente políticas, embora sejam conhecidas como técnicas.

Neste sentido, finda por existir o interesse político na própria escolha hierárquica para o

funcionamento da regulação do setor, razão pela qual a captura política acaba por ser

inevitável.

Na Captura Judicial, por fim, ocorre a apreciação de ato administrativo em aspectos de

conveniência e oportunidade, sob o espectro do Princípio da Juridicidade – que busca adequar

os elementos do ato aos princípios gerais do direito –, possuindo o condão de ultrapassar

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competências que não lhe são inerentes. Por não fazer parte do escopo da presente dissertação

a análise da captura judicial, opta-se unicamente por sua conceituação, visto não integrar

relação com a temática proposta.

Uma outra classificação acerca da captura é possível de explanar, com base nas três

modalidades construídas por Shapiro (2010, p. 02-03): A Captura Política; a Captura

Representativa e a Captura de Sabotagem. No primeiro caso, existe a nomeação de

administradores para as agências cuja atuação se volta impondo obstáculos para a adoção de

novos regulamentos e ao cumprimento dos já existentes. No segundo caso, as agências

prestam um serviço escuso de obediências às indústrias reguladas, não ocorrendo a

representação da sociedade. No último caso, as agências embora possuam uma administração

que busca proteger o meio ambiente e o público, são capturadas pelos oponentes da regulação,

por intermédio de inovação legislativa, para impedir a regulação de determinado setor3.

Assim, a Teoria da Falha Regulatória ocorre quando há uma desvirtuação do interesse

público por intermédio de modelos de influência, podendo ser distinguido em três vertentes: o

modelo instrumental, o modelo estrutural e o modelo da captura.

O modelo instrumental foca as explicações sobre a deturpação do interesse público

em fatores pessoais, como troca de profissionais entre as indústrias e as agências, e

as relações entre os profissionais das indústrias e das agências. O modelo estrutural,

por sua vez, volta-se à estrutura das agências que por serem compostas, em seus

cargos mais elevados, por indicações políticas, estão sujeitas à influência dos

regulados na determinação dessas indicações. A lógica desse modelo é simples: as

grandes empresas reguladas são usualmente grandes doadoras de recursos para

campanhas eleitorais e, sendo assim, sua influência sobre os políticos seria voltada

para a criação de regulamentações favoráveis a seus interesses. (SOUTO, 2011, p.

24-25).

Em que pese a descrição pormenorizada destas espécies de modelos de influência,

verifica-se que toda sua extensão se relaciona diretamente com a Teoria da Captura. Neste

sentido, é possível – sobretudo de acordo com a classificação apresentada por Shapiro –

enquadrar todos estes modelos de influência como Teoria da Captura, sendo a primeira,

gênero; e as demais, espécies.

Em que pese as classificações acima descritas, é importante destacar a análise que

pretende vislumbrar a regulação por intermédio do processo regulatório e não sobre a

3. Political capture: Agencies become captured when the President appoints administrators who spend their time

in office as an opportunity to stymie the efforts of the career staff to adopt new regulations and enforce the ones

already on the books. Representational Capture: Agencies become captured when they hear only from the

industries being regulated because the public lacks representation before the agency. Sabotage Capture:

Agencies become captured when the opponents of regulation, through legislation and executive orders, create

roadblocks that slow or prevent regulation even in administrations that seek to protect the public and the

environment. SHAPIRO, Sidney A. Protecting the public interest: undestanding the tgreat of agency capture,

2010. Disponível em: < http://www.progressivereform.org/articles/Shapiro_AgencyCapture_080310.pdf>.

Acesso em 28 de jul. 2018

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motivação da política regulatória. Esta posição é defendida por Levine e Forrence (1990, p.

178), em que entendem que o oposto da teoria da captura seria aquele em que se persegue o

interesse geral, livre de custos de monitoramento, podendo ser eficiente ou não.

The capture debate can be most profitably pursued as a debate about donlination of

the regulatory process, and not about motivation or about the ultimate goodness of

policy. "Capture" is best analyzed in terms of the distinction between general and

special interests. "Capture" is the adoption by the regulator for self-regarding

(private) reasons, such as enhancing electoral support or postregulatory com-

pensation, of a policy which would not be ratified by an informed polity free of

organization costs. (LEVINE; FORRENCE, 1990, p. 178).

Posner (2006, p. 56) também dispõe acerca das teorias de que a regulação econômica

não é acerca de interesse público e sim sobre processos de interesses privados. Aponta que

existe diversas formas deste entendimento, criticando a formulada pelos marxistas quando

entendem que os capitalistas controlam as instituições existentes na sociedade e, por isso,

controlariam a regulação. Se trata de um silogismo entender de tal maneira visto que uma

quantia significativa da atividade regulatória atende aos interesses de pequenas empresas.

Em Posner é possível visualizar uma versão mais interessante da Teoria da Captura,

que se origina nas formulações de cientistas políticos, trazendo os conceitos de Bentley e

Truman, se criticando a ausência de teoria dos autores na tese de que há importância dos

grupos de interesse em processos legislativos e administrativos (Bentley, 1988, p.74).

A crítica de Posner à Teoria da Captura diz respeito a três fatores. O primeiro é a

ausência de probidade de certas agências de regulação que tornam o motivo para a conquista

inexistente. O segundo fator é o de que a teoria não possui nenhuma previsão de quando uma

agência regula mercados separados com interesses conflitantes e, por fim, que a teoria da

captura ignora as evidências significantes de que as agências promovem os interesses dos

consumidores e não das empresas reguladas.

Em que pese as considerações apresentadas, o fato de existir políticas regulatórias

voltadas para proteção do consumo não implica na inexistência da captura no ambiente

regulatório, isso porque existem inúmeros exemplos de captura por parte das grandes

empresas em relação às agências reguladoras4.

Ademais, partir da concepção de que as empresas acabam por ser preteridas em favor

4 A título de exemplificação, matérias em que demonstram a relação pessoal entre os diretores de Agência

Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e as empresas reguladas do ramo: WIZIACK , Júlio; CAMPANHA,

Diógenes; MATAIS, Andreza. Empresa acusa ANATEL de negociar decisões. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/02/1234847-empresa-acusa-anatel-de-negociar-decisoes.shtml>.

Acesso em 30. Jan. 2018; WIZIACK , Júlio. Conselheiro da Anatel brinda 'aprovação' de projeto com tele.

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me0807201121.htm>. Acesso em 30. Jan. 2018;

VENTURA, Manoel. MPF abre investigação contra Anatel por suposto favorecimento da Vivo. Disponível

em:<https://oglobo.globo.com/economia/mpf-abre-investigacao-contra-anatel-por-suposto-favorecimento-vivo-

22423096>. Acesso em 30. Jan. 2018

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dos consumidores se trata de um completo sofisma, sobretudo porque – ao menos no Brasil –

existem fortes indícios do exercício de influência do setor privado no âmbito das

telecomunicações, mesmo existindo parte da atuação da ANATEL voltada para a proteção ao

consumo.

1.2.4 Teoria da Escolha Pública

O Estado enquanto produtor direto de bens e serviços passa, na década de 1970 do

século XX, a entrar em crise. A grande importância que o Estado do Bem-Estar atribuiu à

política keyneseana passa a desmoronar ante às expectativas que não foram alcançadas e

citadas anteriormente.

Nesse contexto surgiu as noções de “falha de Governo” (MAJONE, 2006, p. 06), cujos

problemas no setor público foram identificados pelos teóricos da escolha pública. O Estado,

portanto, estava fracassado em sua tentativa de nacionalizar a economia, ocorrendo o

questionamento das empresas estatais por não atingirei os objetivos que se propuseram.

A Teoria da Escolha Pública foi pensada no sentido de afastamento da noção de

interesse público. Neste sentido, a análise realizada pelos teóricos é a de que os

comportamentos político e mercadológico possuem as mesmas motivações, que é o próprio

interesse.

A definição da Teoria da Escolha Pública em Buchanan (1983, p. 19) é a de uma

perspectiva de aplicação de instrumentos e métodos da economia para a análise dos processos

de decisão política existentes em uma democracia. A relação existente, portanto, é entre a

interdisciplinaridade entre política e economia. Há, portanto, a defesa de um Estado liberal

que permita a atuação do livre mercado e intervindo o mínimo possível.

Em 1971, Niskanen desenvolverá trabalho que, basicamente, inaugurará o pilar da

Teoria da Escolha Pública. Segundo o economista, há um modelo bilateral de monopólio,

consistente em burocratas e governo, em que este adquire as políticas regulatórias produzidas

por aquele.

Neste panorama, percebe-se que há o entendimento de que o mercado representa o

interesse público e o reproduz, de forma que outros mecanismos acabam não contribuírem

para esta representação e, ao contrário, distorcem os sinais mercadológicos. Assim, “o

pressuposto é de que o livre mercado é a representação perfeita do interesse público”

(Salgado, 2003, p. 09).

As regras políticas e as instituições são centrais para a Teoria da Escolha Pública

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(SOUTO, 2011, p. 35), visto que possuem o papel de estruturar o jogo político em seu

comportamento, levando-se adiante os interesses pessoais. Esta questão que envolve

diretamente a política e a democracia, relaciona-se com Downs (1957, p. 28-29) quando

entende que a atuação dos políticos se dá para lograr poder, prestígio e renda derivados do

exercício inerente do cargo público. Assim, se apoderar do aparelho do Estado por intermédio

do processo eleitoral é uma das formas que fazem atingir os objetivos pessoais.

Independente das razões que levaram às críticas do Estado do Bem-Estar Social, em

Majone (2006, p. 08) é possível verificar que uma série de eleitores coadunam com a ideia de

um novo modelo que incluísse a minimização do poder público com a privatização de estatais,

de forma a fomentar a concorrência na econômica.

Na medida em que os eleitores são racionalmente ignorantes, os políticos não têm

como saber a priori a vontade do público. No “mercado político”, grupos

organizados privados vão atuar como intermediários entre os partidos e os eleitores,

buscando moldar a vontade dos últimos segundo suas próprias ideologias e

interesses. Os políticos por sua vez vão “vender” políticas públicas que agradem a

estes grupos em troca de apoio (votos e recursos materiais). Neste sentido, o jogo

político tende a funcionar em favor dos segmentos sociais mais bem organizados e

bem posicionados em termos de renda. (BORGES, 2001, p. 162)

Não obstante os diferentes argumentos existentes, a Teoria da Escolha Pública acaba

por retornar à velha problemática existente na Teoria Neoclássica em que se reproduz

exclusivamente as regras do mercado, que supostamente iriam refletir o interesse público,

minimizando totalmente o estado e deixando à cargo da mão invisível de Smith o papel de

controle da economia. Ocorre, entretanto, que conforme a própria teoria sustenta, os

indivíduos – independente de que área pertençam – estão submetidos a um interesse

puramente individual.

Assim sendo, inferir que o mercado refletirá um interesse público, quando a base da

teoria supõe que todo indivíduo atuará conforme seu próprio interesse, acaba por pulverizar o

reflexo que o mercado poderia trazer, visto que em sua base se encontra – efetivamente – o

interesse individual, o que poderá ensejar – na seara da regulação – o aparecimento de falhas e

o surgimento de monopólios.

1.3 A Regulação Social dos Mercados: uma utopia econômico-social

No que concerne ao panorama de política regulatória, sua classificação mais comum é

proveniente dos critérios adotados pela doutrina norte-americana, vislumbrando-se a

regulação econômica propriamente dita e a regulação social. A primeira destas possui

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finalidades atinentes à própria regulação, exemplificando a quantidade de preço e controle dos

custos (FEITOSA, 2007, p. 197). Já quando retrata a segunda, a identifica como a regulação

das atividades econômicas que possui como objetivo a proteção social, inclusive, entende que

a melhor denominação seria “regulação econômico-social”. Convém ressaltar que uma das

nomenclaturas adotadas por Haber (2010, p. 116) é o Regulating-for-welfare, que em tradução

livre seria regulação para o bem-estar5.

Dois eram os objetivos prioritários da regulação social, quais sejam: a proteção dos

interesses dos usuários com vias de manutenção do serviço com segurança, qualidade e preço

nas áreas de formação de monopólios naturais e, igualmente, promoção da concorrência,

gerando uma gestão mais eficiente das empresas.

As regulações ‘social’ e ‘econômica’ foram tradicionalmente concebidas como pares

políticos contrastantes, sendo a regulação econômica projetada para melhorar a

eficiência econômica e de mercado, e a regulação social projetada para produzir

resultados socialmente desejados tanto por meio da correção dos efeitos prejudiciais

da atividade econômica quanto da produção de resultados diferentes e melhores do

que aqueles produzidos por mercados em operação. (WINDHOLZ; HODGE, 2013,

p. 19).

Neste sentido, o que diferencia a regulação econômica propriamente dita da regulação

social é o propósito que se apresenta na seara regulatória. A primeira revela uma necessidade

de atuar conforme o escopo da concorrência e da gestão da eficiência. Assim, a interferência

direta nas decisões do mercado, apresentando incentivos ou monitorando excessos

caracterizam a regulação econômica, corrigindo as chamadas falhas de mercado.

Em contrapartida, no caso da regulação social, tem-se os objetivos de correção das

deficiências do mercado que sejam prejudiciais à atividade econômica; de alcance de

resultados sociais almejados e ainda uma designação para proteger indivíduos com vias de

trazer o bem-estar.

Não se deve olvidar que muito embora a regulação social tenha os objetivos acima

descritos, existe ainda um padrão citado por Feitosa (2007, p. 199), que não deixa de

relacionar a conformidade ao mercado, visto que enquanto o monitora e o incentiva, protege a

sociedade para alcance do seu interesse.

Este mecanismo de regulação, portanto, possui o condão de realizar uma intervenção

no modus operandi do mercado, desde que esta atuação não seja tolhida. Ao mesmo tempo,

busca não permitir que o próprio mercado exerça sua influência eivadas de abusos do poder

econômico, assegurando direitos constitucionalmente assegurados.

5 Em que pese a nomenclatura acima apresentada, utilizar-se-á a tradicional nomenclatura do Regulação Social

dos Mercados, com vias de não ocorrer eventuais confusões com o Estado do Bem-Estar Social

anteriormente analisado.

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É importante a análise de cada um dos objetivos da regulação social. Partindo-se das

lições de Yeager (1991, p. 24), a regulação social busca cuidar dos efeitos negativos

provenientes das relações de produção, tendo como protegidos os trabalhadores, os

consumidores, o meio ambiente e as comunidades. Tal posição se coaduna com a posição de

Olson (1982) quando opta pela pressuposição de um Estado que tenta maximizar os recursos

de forma a proteger interesses difusos.

Ao seu turno, Kuttner (1997, p. 281) apresenta a regulação social como um

mecanismo de proteção às agressões do livre mercado, enquanto que Hawking e Hutter (1993,

p. 199) coadunam com a proteção das consequências desfavoráveis do processo de

industrialização.

Durante a década de 1960 do século passado, a regulação social não era uma função de

governo articulada, sobretudo porque sua atuação era decorrente do poder de polícia e com

visibilidade irrisória (REICH, 2006, p. 25). Diante das falhas de mercado, o Estado passou a

se tornar mais insuficiente, sobretudo com o progresso tecnológico, chegando-se ao ponto

crítico da chamada autorregulação.

Neste sentido, com vias de qualificar a atuação na economia, o Estado passou a

apresentar soluções para as falhas de marcado, a partir do sistema político, transformando-se

em uma agenda de governo. Esta agenda, aliás, faz com que existam resultados desejados

socialmente. Ou seja, uma das conceituações da regulação social a coloca de forma a atingir

desejos da coletividade, a partir de valores previamente concebidos.

Esta noção de agenda de governo com aspectos prospectivos e programáticos acaba

por pressionar de forma excessiva o sistema político, de forma que exige demais de suas

próprias possibilidades. Verificando a teoria política no Estado do Bem-Estar, é possível

concluir que esta foi a razão para a crise ocorrida no providencialismo estatal (LUHMANN,

1981) Em que pesem as críticas relacionadas a um retorno do sociólogo a bases neoliberais,

por defender a diminuição do sistema político, Luhmann entende não ser possível excluir

totalmente a conexão entre os sistemas sociais.

Considerando a regulação social em variadas concepções, dentro de uma perspectiva

exclusiva de correção das falhas de mercado, tem-se a inexistência de razões que clamam a

interferência estatal por intermédio de razões sociais. Da mesma forma, considerar

unicamente os resultados almejados socialmente, exclui-se a atuação do mercado, mesmo que

esteja atuando em padrões de eficiência.

Concretizar e imaginar a regulação social com o propósito exclusivo de atingir bens

socialmente desejados parece acarretar em uma utopia. Isto porque o Estado se utiliza de

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mecanismos de intervenção que trabalham em coexistência com o mercado. Este mesmo

mercado possui, a seu turno, seus próprios interesses que supostamente podem conflitar com

os supostos interesses sociais.

Além disso, o Estado acaba igualmente por ter de garantir que o mercado atue de

forma imaculada, ao mesmo tempo que necessita atingir as metas de determinados direitos

que foram anunciados de forma programática.

Os direitos prometidos e os objetivos anunciados não podem ser atingidos

simplesmente por meio de recursos estatais, mas apenas se as condições para a

garantia de tais direitos e objetivos forem impostas aos atores que terão a tendência

de resistir a tal imposição como estrições ao seu direito de livre iniciativa e de

maximização de lucros. (REICH, 2006, p. 17).

Neste sentido, a concretização de tais funções aparentemente conflituosas pode

acarretar em entraves que prejudicam diretamente a legitimidade das instituições. No exemplo

das agências reguladoras, há uma série de atribuições a serem desempenhadas, citadas por

Majone (2006, p. 32) quando explicita a necessidade de apresentar matérias políticas

consistentes, solução de problemas dos reguladores com o conhecimento técnico, capacidade

de proteger os interesses difusos e ter uma clara definição de quais são os objetivos e limites

na operação da agência.

Se faz necessário, portanto, a concepção de um modelo que possa reconhecer a ligação

entre a seara econômica e o âmbito social, de acordo com construções sobre a necessidade de

atuação regulatória. Esta criação é possível, portanto, por intermédio da comunicação,

consubstanciada em um modelo procedimental de regulação que venha a assumir o papel

funcional que lhe pertence.

1.4 A Regulação como Procedimento: Produto da Comunicação e Linguagem

A proposta que ora construída se pauta essencialmente no desenvolvimento de

procedimentos que venham a fortalecer a deliberação e participação na seara regulatória. Uma

grande parte da doutrina sobre regulação, ao se analisar a procedimentalização, retorna ao

estudo de implementação de políticas e normas. Aliás, a procedimentalização é atrelada de

maneira substancial às pesquisas apresentadas por Gunther Teubner, em que defende a

imposição de leis com fins substantivos para induzir a regulação.

Black (2006, p. 144) desenvolveu tese em que sustenta que na procedimentalização

devem ser consideradas questões substantivas mais amplas. Acrescenta a professora que há

um número considerável de autores cujo entendimento se dá sobre uma forma particular de

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tomada de decisão que deve sugerir o conteúdo substantivo de normas regulatórias.

Na pesquisa que aqui se apresenta, se busca um método de regulação por intermédio

da análise da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. O sociólogo alemão parte da noção de

que os sistemas autopoiético são recursivos de comunicação e autogeradores, realizando sua

autoprodução e autorreprodução a partir de si mesmos.

Assim, cada sistema se constrói e se diferencia do ambiente (entorno) mediante

significações realizadas por múltiplos códigos binários de informação, como poder/não poder,

lícito/ilícito, ter/não ter, dentre outros. Convém ressaltar que os sistemas se comunicam sobre

o ambiente, mas não diretamente com ele, na medida que produzem suas próprias

comunicações a partir de uma ordem interna.

É a diferença entre sistema e ambiente que serve como ponto de partida para a análise

sistêmico-teórica de Luhmann, visto que aqueles são orientados por estes tanto do ponto de

vista ocasional, como estrutural. Assim, o sistema se constitui por intermédio da produção de

diferença do ambiente, empregando seus próprios limites para a manutenção dessa diferença.

É a partir deste contexto que surge a premissa da autorreferenciabilidade.

Neste sentido, surge o conceito de diferenciação sistêmica, que se traduz na repetição

do próprio sistema em seu interior. Ou seja, a diferença entre sistema/ambiente é reduplicada

e o sistema multiplica a si mesmo (Luhmann, 2016, p. 35). Convém ressaltar, ainda, que de

acordo com a Teoria dos Sistemas, a atuação entre sistema e ambiente se dá sempre de forma

conjunta, visto a necessidade de comunicação.

Outro conceito derivado da teoria sistêmica é a complexidade, cujo significado

importa na impossibilidade de conexão entre elementos, em virtude de restrições imanentes.

Um segundo conceito do termo também é construído por Luhmann (2016, p. 46) em que o

concebe como uma medida para a indeterminabilidade ou para a ausência de informação.

Assim, a complexidade se traduz como a informação que falta ao sistema para que possa

aprender e descrever de forma plena a si mesmo ou o seu entorno.

Os sistemas, nos dizeres de Luhmann (2016, p. 47) possuem limites e são estes que

exercem a função de união e separação entre o sistema e o ambiente. A partir da definição dos

limites, os elementos são atribuídos ao sistema ou ao ambiente. São os limites que permitem

aos sistemas sua abertura ou fechamento, ocorrendo as interdependências internas das

externas e, ao mesmo tempo, relacionando-as entre si.

Os sistemas complexos, portanto, não necessitam unicamente de adaptação ao

ambiente, mas ao de sua própria complexidade. Isto faz com que aos sistemas se necessite

encarar suas próprias insuficiências, desenvolvendo meios que possam lidar com essas

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problemáticas. Ou seja, os sistemas passam pelo processo de autoadaptação da própria

complexidade e passa a considerar pontos de vista diversos no processo autopoiético.

Neste panorama, surge o conceito de seleção (LUHMANN, 2016, p. 51), não pode ser

compreendido por meio de um sujeito, visto que seu procedimento se dá com sem sua

presença. A seleção, no caso, é desencadeada quando a diferença é estabelecida, pressupondo-

se restrições. Ou seja, a diferença determina o fato a ser selecionado, não determinando a

escolha.

A realidade é mutável e este conceito é essencial para a Teoria dos Sistemas. As

alterações são necessárias e o tempo se torna o fundamento para que os sistemas complexos

desenvolvam sua seleção. Isso se dá porque no relacionamento existente entre o sistema e o

ambiente se faz necessários ajustes, correções, complementações e isso se dá dentro de

dilações temporais. A consequência disso é a necessidade de velocidade dos sistemas

temporalizados, para que se produza o fechamento e a auto-observação mediante

discriminação daquilo que é preservado.

Vislumbrando-se, portanto, a funcionalidade de tais dispositivos, verifica-se a

averiguação de “relações entre relações” (Luhmann, 2016, p. 75), no sentido de relacionar

algo com um ponto de vista da problemática e relacioná-lo com soluções. A análise funcional

é eivada de relacionamentos, com o escopo de absorver o existente como contingente e o

diferente como comparável.

A partir desta situação, leva-se em conta a comunicação, cujo conceito importa na

concretização de um acontecimento seletivo. Em outros termos, é a comunicação um processo

de seleção e, como tal, é um processo de três posições bem delineadas por Luhmann:

representação, expressão e apelo.

A representação significa a seletividade da informação, a expressão significa sua

participação ao outro e, por fim, o apelo é a expectativa de aceitação da seleção. Esta

comunicação, portanto, só se torna possível mediante um processo autorreferencial. Ou seja,

quando há uma ação comunicativa, se faz necessário o entendimento da comunicação anterior

para a construção da nova comunicação.

A comunicação é, portanto, um procedimento autônomo e independente do

processamento de informações e seleções que alteram “materiais dotados de sentido”

(Luhmann, 2016, p. 173). Nestes termos, apenas com a diferenciação dos processos

comunicativos será possível a diferenciação dos sistemas sociais.

A dimensão social atualiza-se, principalmente, em virtude de comunicações, como

agir visível, ligarem mais ou menos os participantes. Isso significa que eles, com

comunicações, também dizem algo sobre si mesmos, sobre suas opiniões, suas

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posições, suas experiências, seus desejos, seu discernimento, seus interesses.

(LUHMANN, 2016, p. 180)

O próprio ambiente e o processamento de informação são pressupostos da

comunicação dos seres vivos, extraindo-se suas percepções. Este processo não se trata da

mera comunhão de comportamentos, mas de uma relação com os “estados universais de

coisas” (Luhmann, 2016, p. 182).

Assim sendo, existe um contexto dotado de sentido, que só ocorrerá quando estão

dispostas a própria memória e percepção. Luhmann ainda apresenta certas improbabilidades

da comunicação. A primeira delas é o mal-entendido. O processo de compreensão sempre vai

incluir tal conceito, mas em casos em que este se torne elevado, improvável será a

comunicação.

A segunda improbabilidade citada é a do endereçamento. Uma comunicação só

alcançará o número de pessoas presentes dentro de uma situação concreta e, nestes termos, a

improbabilidade acaba prevalecendo quando se exige a inalterabilidade da comunicação

(LUHMANN, 2016, p. 182).

Por sua vez, a terceira comunicabilidade é denominada pelo sociólogo de sucesso.

Ocorre quando uma comunicação é compreendida, dentro de um contexto de endereçamento

que é atingido, mas ela não é aceita. A comunicação só será bem-sucedida quando o ego

admite o conteúdo da comunicação como proposição para seu próprio comportamento.

A comunicação, portanto, precisa de perspectiva, sob o risco então de ser abandonada.

Assim, superar as improbabilidades acima descritas fazem parte do próprio processo de

evolução sociocultural, em que os sistemas sociais se formam. Esse processo seletivo

determina as possibilidades de sistemas sociais, excluindo-se aquilo que for improvável. O

desenvolvimento de técnicas linguísticas, portanto, impede qualquer previsão de a

comunicação implicar em aceitação.

Luhmann ainda trouxe o conceito de meios de comunicação simbolicamente

generalizados para descrever as formas que são empregadas de maneira difusa para significar

conexões entre a seleção e motivação. Verifica-se, portanto, que a comunicação exitosa se

desenvolve mediante tais meios de comunicação e as chances sistemas sociais se formarem

são dirigidas a estas funções.

A linha argumentativa luhmanniana expressa que a linguagem, os meios de

comunicação simbolicamente generalizados e os meios de difusão são conquistas que

respaldam e alavancam o processamento de informação que a comunicação social produz.

Toda esta explanação se faz necessária para a compreensão da Teoria dos Sistemas

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Sociais, mas é ainda preciso apresentar a relação entre Economia, Política e Direito, que

fundamentará a análise objeto do presente trabalho, cuja importância da noção de

acoplamentos estruturais se faz viável.

O acoplamento estrutural se trata de um mecanismo em que os sistemas se utilizam de

elementos de outros sistemas com o escopo de possibilitar internamente suas próprias

operações, sem que ocorre a internalização dos processos comunicativos de sistema outro. Em

outros termos, é possível verificar o relacionamento dos sistemas sociais com elementos de

seu ambiente ou com outros sistemas sociais.

Por intermédio deste mecanismo é que um sistema se utilizando de elementos de outro

sistema, passa a operar seus processos comunicativos próprios. Na existência de um

acoplamento estrutural, o processo comunicativo apresenta-se como uma “irritação” e

também como um mecanismo de funcionamento das operações. Entretanto, a significação

ocorrida para este elemento se dá dentro do próprio sistema que realizou o processo

comunicativo.

A existência de uma codificação própria no sistema de um elemento prioritariamente

pertencente a outro sistema se dá porque o processo comunicativo do sistema é uma

experiência própria e dotada de um sentido não conhecido pelos demais sistemas.

Assim, o acoplamento estrutural provoca irritações para o sistema, proporcionando a

operação do sistema mediante o novo elemento, como também a informação a ser codificada

no ambiente do sistema. É, portanto, o acoplamento a ligação entre o sistema e o ambiente.

As próprias estruturas já determinam o sistema, que só pode ser especializado por suas

próprias operações. Sendo assim, os acoplamentos estruturais possuem um duplo efeito –

inclusivo e exclusivo - cuja função permite a influência da sociedade por seu ambiente

(LUHMANN, 2016, p. 592).

Portanto, o acoplamento estrutural é o ponto nevrálgico que permite a existência de

variados sistemas e é, a partir da noção do seu funcionamento, que os sistemas por terem uma

operação fechada, não se quedam isolados. Não obstante, é importante perceber que ao

sistema não existe a obrigatoriedade de percebimento do acoplamento estrutural, mesmo

porque este não pode contribuir com a produção dos elementos daquele.

Neste sentido entra em tela os sistemas direito, economia e política. Conforme

previsão de Luhmann (2016, p. 606), quando o direito interage em questões de cunho e

interesse econômicos, já está lidando com a economia. Isso não implica que atua mediante o

interesse econômico, mas com seus próprios interesses, dentro da operação jurídica.

Existe uma forte crítica acerca da análise que pretende unicamente investigar

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interesses econômicos que incidam sobre o direito ou o tolhimento dos interesses econômicos

pelo direito, afirmando que a relação que se constitui entre o sistema econômico e o sistema

jurídico é desconsiderada para as condições sociais.

Nestes termos, existe uma condição mínima – tanto no sistema do direito como no

sistema da economia – para que a autopoiese se desenvolva e prossiga. Estas condições, nos

dizeres de Luhmann (2016, p. 608/609) não são normativas, mas factuais. Assim, no sistema

jurídico existe o binômio do lícito/ilícito, enquanto que no sistema econômico o ter/não ter,

relaciona-se à capacidade aquisitiva.

Considerando unitariamente cada sistema, é possível conceber que a economia possui

seu sentido elaborado pela atividade econômica, vislumbrando-se – entre tantas atribuições –

a atuação no mercado, a relação do capital e a distribuição de bens. Neste sentido, sendo um

sistema fechado operacionalmente, a economia realiza por meio do processo comunicativo a

sua seleção, construindo sua identidade e diferenciando-se do ambiente ao mesmo tempo que

cria um vínculo.

Internamente, a economia passa a reproduzir seus elementos ao passo que se abre

cognitivamente para colher as informações – irritações – provenientes do ambiente. A partir

daí e mediante sua própria codificação, a auto-referência é possível.

O acoplamento permite que as operações econômicas próprias sejam eficazes como

irritações do sistema de direito e que as operações jurídicas próprias sejam-no como

irritações do sistema econômico. Mas isso em nada modifica o caráter de

fechamento de ambos os sistemas e não altera em nada o fato de que a economia

busque lucros ou inversão rentável de capital e que o sistema do direito, sob

condições dificultadas pela economia, busque a justiça ou decisões casuisticamente

consistentes. (LUHMANN, 2016, p.611)

A partir da codificação interna dos elementos colhidos no ambiente, o sistema

econômico elabora seu produto mediante prestações simbólicas, indicando a estabilidade (ou

instabilidade) das operações econômicas e atuando funcionalmente quando necessário. É

neste momento que o sistema econômico e o sistema político de aproximam, culminando na

formulação de políticas públicas e modelos de regulação (SAAD-DINIZ, 2012, p. 05-06).

Há um exemplo de acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico e econômico: a

concorrência (LUHMANN, 2016, p. 623/624). Encara-se esse fato de forma que a abertura de

um negócio – legalmente estabelecido – causará danos sob a ótica de que outros podem perder

os seus consumidores. Entretanto, o próprio sistema econômico tem sua base na concorrência,

sem a qual – inclusive – inexistiriam bons resultados. Ao mesmo tempo, para os juristas, a

concorrência se trata de um princípio em que, inclusive, é validado mesmo que cause danos

econômicos a outrem. Esta questão será aprofundada em momento oportuno quando a

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discussão relativa ao objeto da pesquisa.

Não se deve excluir a noção de que o acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico

e econômico afetam diretamente o sistema político. Isso ocorre porque há na atuação política

instrumentos que incidem diretamente em áreas econômicas e na própria inovação legislativa

que irá se relacionar ao sistema jurídico.

É possível supor que a Constituição – em seu conceito moderno – aparentou limitar a

relação existente entre economia e direito, mas foi a própria irritação sistêmica e abertura

cognitiva que criaram uma “atração irresistível sobre o sistema político” (LUHMANN 2016,

p. 627-628). Neste sentido, o acoplamento entre os sistemas jurídico e econômico é

convertido em um meio para o poder político, denominado por Luhmann de loose coupling

(acoplamento solto) em que formas aceitáveis politicamente são dadas “mediante decisões

coletivamente vinculantes”.

A relação existente entre o sistema jurídico e o sistema político mudaram a partir da

positivação do Direito e o surgimento do Estado Moderno. A codificação do direito em leis

escritas proporcionou a instrumentalização de fins políticos, fazendo com lhe conferisse

validade.

A escrita é elemento essencial de conexão de processos comunicativos (LUHMANN,

2016, p. 187) e, por intermédio dela, se tornou a condição da própria vigência do direito, visto

ultrapassou as barreiras da meda disseminação e sistematização de normas e princípios

estabelecidos previamente (NEVES, 2006, p. 24).

No modelo sistêmico, o sistema jurídico realiza sua reprodução primária de acordo

com o código lícito/ilícito, enquanto que a reprodução primária do sistema político se traduz

no código poder/não-poder. O código do sistema político não se confunde com o código do

sistema econômico, e estes não se transportam automaticamente um para o outro (NEVES,

2006, p. 86). Aliás, nem sempre aqueles que possuem riquezas detém o poder, ocorrendo uma

neutralização do sistema econômico na seara do político. Entretanto, o enfrentamento do

discurso econômico se dá através de influências próprias – o acoplamento estrutural – de onde

resultam procedimentos e políticas econômicas.

Por sua vez, as Constituições, sob a ótica de Luhmann (2016, p. 631), são conquistas

reais que ao tempo que restringem influências recíprocas entre os sistemas jurídico e político,

proporciona acoplamentos entre os mesmos. São as Constituições, portanto, que constroem os

limites para as zonas de contado entre ambas as áreas, bem como incrementa as irritabilidades

recíprocas.

Este processo ocasiona, assim, as possibilidades de a política utilizar-se do direito para

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implementar seus objetivos, enquanto que o direito acolhe decisões políticas em formulações

jurídicas. Em que pesem tais relações, é importante salientar a existência de uma

diferenciação funcional em ambos os sistemas, visto que cada um de ocupa dos paradoxos de

formas diferentes (LUHMANN, 2016, p. 640).

Tomando por base a Constituição, que é o acoplamento estrutural entre os sistemas

político e jurídico, se verifica os pontos de diferenciação entre ambos. É com base na

Constituição que existe soluções políticas para problemas autorreferenciais do direito e

soluções jurídicas para os problemas autorreferenciais da política (LUHMANN, 2016, p.

641). Neste sentido, para o sistema jurídico ela assume o papel de lei suprema regente,

enquanto que para o sistema político assumirá o papel de instrumento, enquanto modificadora

de decisões; e de símbolo, enquanto modificadora de situações (LUHMANN, 2016, p. 641-

641).

É o fechamento operativo que garante a compatibilidade dos sistemas, visto que é

mediante a própria visão que são encontradas as condições de modificação do próprio

sistema. Além disso, é na composição e decomposição das estruturas (LUHMANN, 2016, p.

643) que se vislumbra o desenvolvimento dos sistemas acoplados. Este acoplamento,

portanto, se dá de maneira permanente, possibilitando influências recíprocas (NEVES, 2006,

p. 97).

Neste panorama, passa-se à discussão da Regulação Econômica mediante a análise do

mercado de telecomunicações. O modelo de regulação brasileiro capitaneado em inspiração

norte-americana deu subsídio a criação das chamadas Agências Reguladoras, estabelecidos

sob preceitos de autorregulação.

Esta estrutura acaba por causar reflexos de aproximação entre Direito, Política e

Economia, além da própria sociedade representada pelos consumidores. Neste sentido, cada

sistema – com interesses próprios e mecanismos de codificação – apresenta uma série de

outputs que regem o atual mecanismo de relações entre o Estado e o mercado.

Neste sentido, há uma necessidade de entendimento de como a regulação econômica –

que favorece o surgimento das Agências Reguladoras como substituto funcional do Estado na

fiscalização dos serviços prestados por particulares – atua dentro de um sistema abarcado por

inserções econômicas, políticas e jurídicas. Nos termos da presente pesquisa, se faz necessário

o entendimento de como se deu o surgimento do Direito das Telecomunicações Brasileiro,

para vislumbrar posteriormente a atual condição de existência dos aplicativos over-the-top e

seus elementos de irritação nos sistemas sociais supramencionados.

Para adentrarmos antes nesta temática, se faz necessário analisar sob uma perspectiva

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jurídica a relação entre a Regulação e o Direito, sob uma ótica das matérias que a área jurídica

dispõe que são incididas diretamente pela seara regulatória.

1.5 As Interseções entre a Regulação e as variadas áreas do Direito

1.5.1 – A Regulação e o Direito Comercial

A compreensão acerca da relação existente entre o Direito Comercial e a regulação

econômica muitas vezes não estão totalmente delineadas. Não obstante, algumas matérias são

comumente analisadas por ambos os domínios, sobretudo vislumbrada em uma perspectiva da

regulação enquanto uma área de estudos voltado ao Direito Econômico.

As questões que envolvem matérias de concorrência desleal, políticas antitruste e a

situação de marcas e patentes, acabam por ser analisadas por ambas as disciplinas jurídicas.

Da parte do Direito Comercial, se vislumbra a ocupação de institutos que se relacionam à

própria atuação das empresas no mercado.

Assim, vislumbrando-se a necessidade da existência de mecanismos para a adoção de

práticas comerciais, esta área do direito está disposta de forma a regulamentar a seara privada

com institutos voltados para a normatização do cotidiano empresarial, voltando-se às práticas

negociais que permeiam o âmbito capitalista.

Sob uma ótica do Direito Econômico, sobretudo em uma seara regulatória, se dita as

noções econômicas e diretivas acerca das políticas econômicas do Estado. Diante dessa

perspectiva, embora o Direito possa ser entendido como uno, de uma forma factual é possível

vislumbrar a seara em análise como anterior ao Direito Comercial. Isso se dá porque as

políticas econômicas acabam por interferir de forma direta em práticas comerciais.

Como a regulação é uma das formas de intervenção do Estado na Economia, a adoção

de determinadas políticas possui o condão de propiciar aos mecanismos do Direito

Empresarial instrumentos recursais de sua própria atuação. Aliás, a própria existência de

Agências Reguladoras – que será melhor explanado quando tratar-se da relação entre o

Direito Administrativo e o Direito Econômico – impõe uma atuação direta dentro do âmbito

de empresas, quando atos normativos setoriais determinam a forma de atuação destas

empresas.

Muito embora as normas setoriais não possuam o condão de interferir nas regras de

dissolução de uma sociedade – e também não necessitaria dessa interferência, pois já estaria

no âmbito do próprio Direito Empresarial – a imposição de mecanismos técnicos às empresas

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por parte do Direito Econômico não deixa de interferir diretamente na política interna das

empresas.

Questões que envolvem, por exemplo, direitos autorais estão hoje sendo tratadas por

ambas disciplinas jurídicas, pelas quais atuam em uma perspectiva legal – no caso do Direito

Empresarial – e em uma perspectiva setorial, nos casos que envolvem o Direito Econômico.

1.5.2 – A Regulação e o Direito Administrativo

O Direito Administrativo é interpretado como um ramo do direito público em que se

liga à ação estatal no controle dos atos públicos e dos bens públicos. O Direito Econômico,

conforme visto no âmago deste capítulo, possui seu nascedouro nas bases de uma sociedade

capitalista, relacionando a um modelo de ação do Estado que importa na intervenção gerencial

na economia, materializando determinadas políticas públicas.

De uma forma geral, não faz parte do conteúdo normativo do Direito Administrativo a

condução de comportamentos dos indivíduos em um patamar econômico, mas para guiar a

atividade administrativa, principalmente do poder público. Ausentes, portanto, normas

próprias desse ramo do direito em um sentido instrumental para condução do mercado, resta

do Direito Econômico assumir essa postura (MODESTO CARVALHOSA, 1973, p. 289).

Muito embora determinados temas jurídicos possam ser tratados por ambas as

disciplinas – e a temática do presente projeto se trata de uma delas, já que pretende analisar o

papel das Agências Reguladoras no mercado – entretanto, sob perspectivas diferentes. De um

lado, ao Direito Administrativo cobrirá as relações entre os entes públicos e privados,

sobretudo quando lida com o bem público. Trata-se, não só de uma prerrogativa do Estado,

mas também um mecanismo de fiscalização e cobrança por parte do cidadão.

No objeto do presente trabalho, vista de uma perspectiva do Direito Administrativo, se

vislumbraria a forma de criação das Agências Reguladoras, sua atuação no âmbito brasileiro e

quais as prerrogativas existentes para exercício de suas funções.

Em contrapartida, ao Direito Econômico exige-se um papel de condicionamento das

atividades dos agentes de mercado que prestam os serviços públicos, o que se volta para o

conteúdo normativo próprio das Agências Reguladoras e os reflexos de sua atuação prática

diante dos agentes econômicos e, sobretudo, dos usuários.

Dessa forma, quando o Estado atua de forma a protagonizar a prestação dos serviços

públicos, a disciplina se volta à atuação do Direito Administrativo. Entretanto, quando existe

uma delegação da atividade e da função a ser executada, o Direito Econômico assume a

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relevância para atuar de forma mais efetiva (AGUILLAR, 2006, p. 19).

Não é demais apresentar, inclusive, a noção de Direito Administrativo Econômico –

protagonizada por Sundfeld – que possuem relação direta com a noção de Estado Regulador,

já estudando no presente capítulo. Ainda assim, mesmo esta concepção é abarcada dentro do

leque de estudos do próprio Direito Econômico. A regulação, assim, pode ser analisada por

ambas as disciplinas, mas voltando-se a perspectivas diferentes de atuação.

1.5.3 – A Regulação e o Direito Constitucional

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu âmago um título específico voltado à

Ordem Econômica (art. 170 a 181). Esta, inclusive, trouxe como orientação a própria livre

iniciativa, embora traga proteções específicas à soberania nacional, propriedade privada e

defesa do consumidor.

Diante dessa perspectiva, é conveniente concluir de existe matéria do Direito

Econômico que tem seu fundamento no próprio Direito Constitucional, mesmo que não se dê

de maneira integral. Isso se dá, sobretudo, porque à Constituição cabe análises que vão além

das matérias relacionadas à economia. Ao mesmo tempo que não são todas as matérias do

Direito Econômico que são diretamente disciplinadas pelo Direito Constitucional, embora

devam estar em consonância.

O Direito Econômico, aliás, objetiva a “regulação normativa e operacional” de

conteúdos existentes na própria legislação infraconstitucional e nos regulamentos expedidos

pelo Poder Executivo, que possuem interesse do Direito Constitucional apenas de forma

tangencial.

No que se refere à regulação econômica propriamente dita, verifica-se como objeto

direto vinculado ao Direito Econômico, mas que tem como pretensão a execução de

mecanismos que são extraídos da própria Constituição Federal, quando revelam a importância

do trato da Ordem Econômica no contexto brasileiro.

1.5.4 – A Regulação e o Direito do Consumidor

Conforme será visto no capítulo posterior, as agências reguladoras surgirão no Brasil

na década de 90. Entretanto, mesmo naquele período a preocupação era essencialmente com

normas técnicas, buscando-se a análise de outros critérios posteriormente. Isso se deu,

essencialmente, com o surgimento dos chamados microssistemas jurídicos, legislações

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infraconstitucionais que tiveram como objeto proteger determinadas hipossuficiências

existentes no contexto brasileiro.

Embora a lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – também remonte ao

primeiro período, sua atualização em uma perspectiva regulatória só se deu anos mais tarde. O

envolvimento da sociedade, portanto, foi importante para a mudança de paradigma na forma

de atuação e interferência da economia, no sentido de prevalecer determinados direitos.

Assim, com buscas até mesmo de proporcionar aos agentes econômicos mecanismos

para redução da litigiosidade, os Agências Reguladoras passaram a adotar – mesmo com

falhas – a execução desses microssistemas, de forma a tornar prático e efetivo os dispositivos

legais. É desse processo, portanto, que se vislumbra a imposição das normas de Direito do

Consumidor por parte das agências.

Um exemplo que será vislumbrado ao corpo do trabalho, se trata justamente das

discussões envolvendo a neutralidade da rede de internet – que embora tenha necessitado a

publicação do Marco Civil da Internet para solucionar a problemática em questão – ensejou a

defesa do consumidor em relação a resguardar o acesso dos dados virtuais sem quaisquer

impedimentos.

A Regulação Social, aliás, se contrapõe essencialmente ao modelo de regulação

econômica propriamente dito, sobretudo por entender a necessidade de proteção da sociedade

em determinadas situações, incluindo o direito do consumidor. Essa atuação, se vale, portanto,

da correção das falhas de mercado, ao mesmo tempo que proporciona a livre concorrência

visando o direito de escolha de qualquer usuário de serviços e produtos. A concorrência, aliás,

só pode ser efetivada se existir as condições de liberdade de opção.

O direito à informação, capitaneados no artigo 4º, IV e 6º, III do Código de Defesa do

Consumidor é um dos parâmetros de exigência das Agências Reguladoras em relação à forma

de atuação, estabelecendo inclusive punições quando do descumprimento dessas normas. É

bem verdade que muitas vezes estas sanções não possuem o caráter educativo que deveria

possuir, mas – de toda forma – estabelece uma concretização de determinados parâmetros da

regulação social na sociedade.

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2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL

2.1 O Plano de Reformas Macroeconômicas Brasileiro

O direito das telecomunicações brasileiro passou por cinco fases, denominando-as de

implantação, estatização, flexibilização, privatização e, por fim, a pós-privatização

(SUNDFELD, 2004, p. 111). Esta classificação ajuda a compreender como se dá o atual

panorama do setor, base para o entendimento das novas nuances trazidas pela tecnologia e que

incidem – diretamente – nas telecomunicações.

Partindo-se então da fase de implantação, é possível vislumbrar que em sua gênese a

titularidade dos serviços pertencia aos Municípios, visto a ausência de estrutura que ultrapasse

as linhas territoriais locais. Esta situação não perdurou por muito tempo, visto a necessidade

de comunicação e a exigência de ampliação de estruturas que proporcionassem ao usuário um

serviço satisfatório.

Convém ressaltar que a ampliação dos serviços de telecomunicações em sua estrutura

não dizia respeito a um fenômeno unicamente brasileiro, mas mundial, levando ao surgimento

de inúmeras empresas prestadoras de serviços telefônicos. Esta situação levou ao reflexo de

inclusão dos serviços de telecomunicações entre aqueles com pertencimento à União na

Constituição de 1969.

Até o início do século XX a intervenção do Estado na economia se deu de maneira

restrita, possuindo uma atuação voltada para a concessão de empréstimos especiais e garantia

de lucro às empresas estrangeiras que se instalaram no país (GUIMARÃES e SCOTTA, 2002,

p. 229).

A implantação do setor telefônico brasileiro se deu a partir da instrumentalização do

serviço público por meio das concessões. Neste passo, as empresas privadas eram

concessionárias do Município ou do Estado a depender da abrangência territorial da atividade

desempenhada. Nesse período era praticamente inexistente qualquer regulamentação do setor,

resumindo-se essencialmente às regras contidas nos contratos de concessão.

A segunda fase do direito das telecomunicações brasileira veio com o processo de

estatização do setor. Assumido pelo governo militar, se traduziu em uma participação intensa

do Estado no setor por meio de regulamentos e capital (AGUILLAR, 2006, p. 147)

Em momento inicial, o Código Brasileiro de Telecomunicações proporcionou o

suporte jurídico para a exploração do setor por parte da União, visto que determinou a atuação

por meio de empresa pública, embora houvesse a permissão de que o serviço fosse prestado

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por Estados e Municípios.

Entretanto, a regulamentação especificamente se deu com a criação da Telebrás-

Telecomunicações Brasileiras S.A. Sancionada pela Lei n. 5.792 de 11 de julho de 1972, a lei

instituiu a política de exploração dos serviços de telecomunicações, estabelecendo a

exploração por parte da União, diretamente ou, ainda, mediante autorização ou concessão.

A perspectiva de criação da Telebrás teve o propósito de unificação nacional dos

serviços de telecomunicações, visto a necessidade de aquisição de participação do capital das

prestadoras já existentes, até que o controle fosse assumido, conforme é possível extrair na

leitura do artigo 4º do Código Brasileiro de Telecomunicações.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema de telecomunicações

brasileiro já estava consolidado. Entretanto, a Carta Magna brasileira trouxe em seu

dispositivo que o serviço de telefonia só poderia ser prestado na forma direta ou por meio de

concessões a empresas que estivessem sob o controle acionário do Estado, situação que

perdurou até a Emenda Constitucional 08/1995. As concessões vigentes à época foram

mantidas, sob força do artigo 66 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

O processo de privatização no Brasil se deu ainda no governo Collor, no ano de 1990,

com o Programa Nacional de Desestatização, criado pela Lei 8.031/1990. Entretanto, no que

concerne ao setor de telecomunicações, sua abertura se deu anos mais tarde.

No ano de 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a Chefia do Executivo Federal e,

na tentativa de compatibilização com as exigências do mercado global, promoveu uma série

de reformas no sistema exploratório de telecomunicações, colocando fim ao monopólio estatal

sobre os serviços do setor e transferindo à iniciativa privada a prestação desses serviços.

O primeiro passo para a transformação do serviço público de telecomunicações se deu

com a Emenda Constitucional 08/1995 que quebrou o monopólio da Telebrás, dispondo

inclusive acerca da criação de um órgão regulador para o setor. É nessa fase que se inicia a

flexibilização das telecomunicações, visto a possibilidade de atuação pública e privada desses

serviços.

No ano de 1997 há o início da fase seguinte: a privatização. O Estado se abstém

totalmente da prestação do serviço público de telecomunicações, criando uma agência

reguladora e estabelecendo a diretriz da competição do mercado. O primeiro mecanismo que

proporcionou esta fase foi a Lei n. 9.472/1997, a chamada Lei Geral de Telecomunicações,

que dispôs sobre a organização dos serviços de telecomunicações e acerca da criação e

funcionamento de um órgão regulador.

Até então era o Ministério das Telecomunicações que atuava como regulador ad hoc

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(SUNDFELD, 2004, p. 113), editando regulamentos e promovendo consultas públicas. A

partir da LGT, criou-se, portanto, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, que

passou a funcionar como agência reguladora do setor até a atualidade.

É importante salientar que o Brasil seguiu uma tendência mundial no cenário das

telecomunicações. Conforme é possível inferir da leitura de Guimarães e Scotta (2002, p.

234), os países estrangeiros já vinham promovendo uma série de modificações no setor. No

caso dos Estados Unidos desde a primeira década de 1980 o monopólio foi flexibilizado; na

União Europeia o processo de liberalização se deu progressivamente, embora apenas na

Inglaterra não tivesse o monopólio; em países latino americanos como Argentina, México e

Chile elaboraram o processo de privatizações com monopólio mantido entre as décadas de 80

e 90.

O modelo administrativo brasileiro impôs um desafio à reforma das telecomunicações,

visto que tradicionalmente era avesso à competitividade dos serviços públicos. Isso se deu

porque Lei Geral de Telecomunicações rompeu com as disposições legais anteriores e

modificou o panorama estrutural do mercado de telefonia brasileiro, criando uma nova

realidade (SUNDFELD, 2014, p. 114).

O dinamismo da realidade ocasionou nos governos o ajustamento e reordenações

legislativos que proporcionaram adequações a estas mudanças (SANTOS, 2015, p. 72).

Assim, o caráter mutável das leis providenciou uma transformação conjuntural, no sentido de

que determinadas responsabilidades saíram das mãos do poder legislativo e foram para o

poder executivo. Essa forma capitalista age no sentido de alavancar um Estado gerencial,

capitaneado em uma tendência básica de desenvolvimento.

Saliente-se que a Lei Geral de Telecomunicações não pretendeu classificar os serviços

do setor. Esta função foi transferida para a ANATEL, visto que o escopo da legislação criada

foi o de instituir uma política setorial. Não obstante, duas classificações foram introduzidas,

agrupando-se os serviços de telecomunicações em “interesse restrito e interesse coletivo” e

“regime público e regime privado”, de acordo, respectivamente, com os artigos 62 e 63 da lei.

O primeiro critério diz respeito à abrangência de atendimento dos interesses. Tratando-

se, portanto, de interesse restrito, a regulação diz respeito apenas na abstenção de prejuízos ao

interesse coletivo. Já nos casos envolvendo interesse coletivo, há uma série de diretrizes de

matriz cristalinamente positiva, no sentido de encargos e sujeições a serem impostas para a

execução da atividade.

Já a segunda distinção diz respeito essencialmente à natureza jurídica da prestação do

serviço, adotando-se a teoria dos serviços públicos no direito administrativo. Ou seja, no caso

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do regime público, há um caráter de universalização e continuidade que deverão ser

asseguradas pela União (artigo 64). No caso do regime privado – nos termos do artigo 126 da

lei de telecomunicações – há apenas disposição que submete aos princípios da atividade

econômica contidos na Constituição Federal, como a competição livre e o respeito ao

consumidor.

As modificações ocorridas dentro do panorama das telecomunicações são provenientes

de um plano de reformas macroeconômicas ocorridas na década de 90. O contexto brasileiro

era o de uma dívida externa e crise econômica que fez a década de 80 ser considerada como

perdida. Nesse sentido, o Executivo passou a promover atos que visassem conter a inflação e

promover o ajuste fiscal, no chamado “ajuste estrutural”.

Convém ressaltar que estes ajustes tinham por base o liberalismo econômico dentro de

uma situação em que o próprio mercado faria sua regulação, abstendo assim a intervenção do

Estado de forma direta na seara econômica. Embora – conforme acima já explanado – tenha

sido no governo Collor os primeiros atos voltados a estas modificações, a condução e

transformação das políticas macroeconômicas se deu essencialmente no governo Fernando

Henrique Cardoso.

A intersecção entre economia e política era bastante evidente na agenda do governo

Cardoso; e a proposta de reforma do Estado, definida no começo do governo por

meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995), que foi elaborado

e divulgado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), sob

direção do então ministro Bresser Pereira, sintetiza os pressupostos e diretrizes

presentes do que pode ser considerado um projeto político, econômico e social.

(SILVA, 2010, 721).

A globalização e a crise fiscal, portanto, funcionaram como base na qual se justificava

a reforma do Estado. No caso da primeira, existia o desenvolvimento tecnológico que

proporcionou diversas modificações no sistema econômico mundial, tornando o sistema de

mercado totalmente competitivo. A autonomia dos Estados nacionais paulatinamente

enfraqueceu, tornando inviável aqueles que não se abrissem para as novas exigências do

capital (SILVA, 2010, p. 721).

No caso da segunda – ou seja, a crise fiscal – essa estaria associada ao próprio

processo de globalização, somada a incapacidade do Estado de intervir diretamente em

políticas sociais e econômicas. O objetivo da reforma é viabilizar a capacidade de Governo e

adequar o serviço público às exigências do capitalismo (BRESSER PEREIRA, 2003, p. 23).

Quatro os aspectos da reforma macroeconômica que teve papel fundamental da

reconstrução do Estado: a redução do tamanho do Estado, a demarcação do papel enquanto

regulador, aumento da governança e aumento da governabilidade; atribuindo a estas

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características o próprio fortalecimento do Estado (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 50).

A alargamento do papel do Estado acabou por se mostrar insuficiente para abarcar as

expectativas existentes na seara econômica e social. A receita e despesa de uma administração

excessivamente interventora aumentou, sufocando o próprio Estado em suas funções. Assim,

a noção de que há uma impossibilidade de atuação em determinadas atividades foi

reconhecida e, assim, concluiu-se pela necessidade de o setor privado prestá-las.

Neste sentido, conforme se extrai de Bresser Pereira (1997, p. 63), para que ocorresse

uma delimitação do Estado deveria ser distinguida as seguintes áreas: a) atividades com

atuação exclusiva do Estado; b) serviços sociais e científicos do Estado; c) produção de bens e

serviços para o mercado.

Na primeira situação, as atividades permanecem dentro do Estado quando lhe é

exclusiva, como é o caso da elaboração de políticas públicas. Na segunda situação, são

atividades que embora exercidas pelo Estado, não ensejam o monopólio estatal e nem podem

exercê-lo sob risco de extrapolar suas condições. Neste caso, por serem igualmente atividades

competitivas, podem ser controladas pela administração pública, mas podem também ser

controladas pelo mercado. É o caso de universidades, escolas e hospitais.

No terceiro caso, se observam aquelas atividades que se relacionam essencialmente à

atividade empresarial, cujo Estado não possui tanta eficiência como o mercado. Neste sentido,

tendo em vista que o controle do Estado na atividade empresária não produz resultados

esperados, sobretudo quando comparado com os resultados do mercado, estas atividades

passariam para as mãos dos centros de poder do capital, como resultado das privatizações. O

setor a ser privatizado, portanto, seria o dos monopólios naturais, em que pese a criação das

agências reguladoras como forma de corrigir as falhas de mercado.

A segunda característica – qual seja a demarcação do papel de regulador e a

desregulamentação – que tem por um papel da redução o Estado enquanto interventor, mas

não a sua eliminação. Nestes termos, não há uma regulamentação excessiva, sob pena de

tolher a competitividade, mas ao mesmo tempo não deixa sob o controle total do mercado,

pois envolveria custos elevados para o Estado. Assim, essa característica almeja equilibrar a

questão permitindo uma função do Estado no mercado, de forma a fomentar a

competitividade, mas proteger igualmente situações em que envolve o consumo.

Para Bresser Pereira (1997, p. 75) existe três mecanismos de controle fundamentais: o

Estado, o mercado e a sociedade civil. No caso do Estado, existe um sistema jurídico

composto pelas normas, sendo desta forma que se dá o exercício do controle. No mercado, o

sistema econômico exerce o seu controle por meio da competição. A sociedade civil se

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constitui mediante a organização para defesa de interesses próprios. É a partir desta noção que

o economista apresenta um critério de controle funcional, classificando como: 1) mercado; 2)

controle social (democracia direta); 3) controle democrático representativo; 4) controle

hierárquico gerencial; 5) controle hierárquico burocrático e 6) controle hierárquico tradicional

(BRESSER PEREIRA, 1997, p. 98).

Partindo dessa sequência, o mercado seria a melhor opção de controle, visto ter

menores custos e a desnecessidade de uso do poder. Entretanto, o mercado possui falhas e,

além disso, há outras questões que superam a análise puramente econômica. No controle

social, ao seu turno, tem-se o mecanismo com alta carga de democracia. A sociedade exerceria

o controle mediante a organização para controlar comportamentos individuais e as próprias

organizações públicas. Na democracia representativa, como o próprio nome já indica, o

mecanismo de controle é representado a partir de políticos eleitos.

O controle tradicional por sua vez, corresponderia ao patrimonialismo; o controle

burocrático corresponde à fixação em lei dos objetivos e meios para ser atingidos e o controle

gerencial corresponde na administração que possui o controle dos resultados com

descentralização das execuções de políticas públicas.

Esta última forma de controle se relaciona diretamente com a terceira característica

para a reforma do Estado que é o aumento da governança por meio de uma reforma

administrativa. Por meio desta nova forma, se vislumbra uma compatibilização com a

democracia, visto que há uma exigência de participação da sociedade na gestão da coisa

pública. É neste panorama que surgem as agências reguladoras, cuja função será a de

combater os monopólios, corrigindo as falhas de mercado.

Na execução das atividades exclusivas de Estado é na verdade necessário distinguir

três tipos de instituição: as secretarias formuladoras de políticas pública, que, no

núcleo estratégico do Estado, em conjunto com os ministros e o chefe do governo,

participam das decisões estratégicas do governo; as agências executivas, que

executam as políticas definidas pelo governo; e as agências reguladoras, mais

autônomas, que buscam definir os preços que seriam de mercado em situações de

monopólio natural ou quase natural. As agências reguladoras devem ser mais

autônomas do que as executivas porque não existem para realizar políticas do

governo, mas para executar uma função mais permanente que é essa se substituir-se

aos mercados competitivos. (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 82).

A quarta e última característica da reforma do Estado se dá no campo da política, por

meio da governabilidade. O termo se relaciona essencialmente à legitimidade do Estado

perante a sociedade. Para que haja governabilidade em uma democracia é essencial que as

instituições políticas estejam adequadas ao ponto de intermediar os interesses entre a

sociedade civil e o Estado, com a responsabilização dos políticos e burocratas e o atendimento

das demandas sociais (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 83).

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Em que pesem as considerações acima descritas, é importante salientar que que o

Estado regulador tem como principal problema a possibilidade de a dependência de

responsabilização democrática reforçarem valores antiéticos (MAJONE, 2006, p. 34), o que

pode gerar uma crise de legitimidade e governabilidade das próprias agências reguladoras,

como é possível verificar no Brasil.

2.2 A Estruturação das Agências Reguladoras no Panorama Brasileiro

A nova política mundial se engendrou orientada pelo incentivo da prestação de

serviços públicos por parte da iniciativa privada. Com as privatizações que os Estados

promoveram no final do século XX e a consequente desmonopolização dos serviços, o

discurso em torno da prestação eficaz e moderna destes serviços permeou a argumentação em

torno de um novo Estado.

Muito embora estes serviços sejam delegados a terceiros da iniciativa privada – seja

por concessão ou autorização – estes serviços permanecem com a titularidade do Estado. A

execução é diferida e em contrapartida ao Estado cabe a fiscalização acerca de como se dá a

prestação destes serviços.

A incumbência para tal função não poderia ser exercita pelo Poder Executivo,

conforme atesta Mattos (1999, p. 73), visto que a qualidade e as metas traçadas poderiam ser

prejudicadas pela burocracia, ponto em risco a própria política econômica que foi desenhada

com base em critérios de eficiência.

Foi nesse panorama que se deu a criação das agências reguladoras, entidade com

competência e personalidade jurídica própria, sendo criadas como autarquias de caráter

especial cuja função seria a de exercer tutela e poder de polícia mediante o prestador do

serviço público. A experiência norte-americana teve influência no modelo brasileiro.

A agência reguladora surge, portanto, com o objetivo de traçar metas e regras para que

os serviços públicos sejam desempenhados e entregues pela iniciativa privada em padrões de

eficiência e a preço razoável, não maculando os fins precípuos da livre concorrência.

A primeira agência reguladora brasileira foi a ANEEL, Agência Nacional de Energia

Elétrica, em seguida a ANATEL foi a segunda criada, estando diretamente vinculada ao

Ministério das Comunicações. Convém ressaltar que muito embora a criação das agências no

Brasil tenha uma inspiração norte-americana, nos Estados Unidos sua criação não se deu em

momento posterior dos processos de privatização, como é o caso brasileiro. No caso norte-

americano, sua criação se deu para acompanhar e proporcionar de forma sadia esse processo.

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Capitaneados pelo Programa Nacional de Desestatização, aprovado no ano de 1990, o

processo de privatização proporcionou a construção de marcos regulatórios para impedir a

formação de “monopólios naturais” ou “quase-monopólios” que inclusive se encontrava

anteriormente nas mãos dos entes estatais.

Embora o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que foi proposto por

Bresser Pereira, então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado,

contemplassem a necessidade de regulação dos mercados, as agências regulatórias não foram

enfatizadas em sua elaboração, se dando este procedimento apenas anos mais tarde

(RAMALHO, 2009, p. 132).

A reforma regulatória teve como principal visão a formulação de uma política que

concretizasse propostas de governo de forma que trouxesse um padrão de eficiência por meio

das agências reguladoras. Assim, as agências teriam um papel duplo, estruturação dos

mercados com a atuação de entes privados e o estabelecimento de regras para promoção da

concorrência, parâmetro guia para atuação das agências (SALGADO, 2003, p. 21).

A necessidade de um marco regulatório é estabelecer a concorrência onde possível e,

quando se der alguma impossibilidade por questões econômicas ou técnicas, reproduzir as

condições de competição por intermédio da regulação de forma que os usuários adquiram os

serviços com qualidade e preço compatível com o ambiente em competição. Ao mesmo

tempo, a “governança regulatória” tem um viés de imposição negativa de que os legisladores

não interferirão no procedimento regulatório, salvaguardando o mercado financeiro (PIRES;

GOLDSTEIN, 2001, p. 06).

Para atingir todos estes objetivos, um grau mínimo de independência seria necessário.

Para tanto, a estrutura das agências regulatórias possui uma disciplina própria, capaz de reunir

mecanismos que garantam sua atuação. Assim, o primeiro critério é o status de autarquia

especial. Por meio desta dotação, as agências acabam possuindo personalidade própria,

distinta da Administração Pública, embora prestem serviços caraterizados por públicos e ter

sua personalidade vinculada ao chamado direito público.

Muito embora as autarquias em geral tenham uma vinculação ao poder do Estado – o

que engessaria o propósito de modernização e gerenciamento proposto pela reforma estatal –

a caracterização de especial lhe dá independência hierárquica, estabilidade dos dirigentes com

mandato fixo e autonomia financeira.

Neste sentido, as agências reguladoras – em tese – possuem independência para

atuação. Em Wald e Moraes (1999, p. 146) é possível constatar quatro dimensões para essa

atuação: independência decisória, independência de objetivos, independência de instrumentos

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e independência financeira.

A independência decisória seria a capacidade de resistência por parte da agência em

relação às pressões de grupos de interesse, ou seja, em procedimentos de curto prazo que

envolvem nomeação e demissão de dirigentes; mandatos longos e não coincidentes com o

ciclo eleitoral de forma a impedir interferências por parte do governo (RIGOLON, 1997, p.

24).

A independência de objetivos diz respeito à compreensão de escolha das metas que

não prejudiquem o bem-estar do usuário do serviço. Estes objetivos devem ser bem definidos

e não podem ser conflitantes. Por sua vez, a independência de instrumentos se vincula à

capacidade de escolha dos instrumentos utilizados para a prática regulatória, de forma a

atingir os objetivos traçados. Por fim, a independência financeira é a disponibilização de

recursos – sejam estes materiais ou humanos – para fins de execução e eficiência da

regulação.

Convém ressaltar a qualificação como independente das agências reguladoras é

imprópria, visto ser mais adequado tratá-la como autônoma, visto que há um procedimento

próprio para nomeação dos dirigentes que depende, essencialmente, dos poderes Executivo e

Legislativo (ARAGÃO, 2005, p. 275). Ou seja, a nomeação se dá pelo presidente da

República e, após nomeado, o pretenso dirigente passa por uma sabatina promovida pelo

Senado Federal. Após a aprovação do indicado, entra em cena o que pode ser denominado

como independência, visto que se veda a demissão imotivada pela simples vontade do chefe

do Executivo.

Em que pesem as formas de independência supramencionadas, ressalta-se o

posicionamento de Wald e Moraes (1999, p. 169) quando afirmam que há um poder de

supervisão e tutela por parte do Poder Executivo, visto a vinculação da agência reguladora a

algum ministério ou secretaria.

No que concerne à especialização da entidade reguladora, vislumbra-se a diversidade

de serviços públicos e a criação – de acordo com a demanda – para o segmento específico de

atuação. Entretanto, em alguns estados brasileiros existe a criação de agências reguladoras

gerais, ou seja, sem que haja uma especialidade para o setor. É o caso da Agência Reguladora

de Serviços Públicos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP/RJ.

Independentemente da existência de especialização ou não, a competência para

atuação das agências reguladoras deriva necessariamente de lei, visto que o próprio

surgimento de uma autarquia possui o cumprimento deste requisito. Neste sentido, como são

órgãos administrativos, os entes regulatórios não possuem competência para atuar fora das

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normas que definem suas atribuições – e também não existia razão para atuarem fora de sua

própria especialidade.

Não obstante cada percurso político que culminou individualmente na criação de cada

agência reguladora e sua configuração institucional, de regra, há uma padronização de um

modelo geral, visto o próprio escopo de sua implantação no contexto de reforma brasileiro,

sobretudo no que concerne ao setor de infraestrutura do país.

Aliás, a infraestrutura é um dos fatores que demandam a criação e atuação das

agências reguladoras independentes, visto que se relacionam essencialmente às utilidades

públicas (RAMALHO, 2009, p. 144). Assim, há um elevado custo para o estabelecimento das

redes de infraestrutura, com a potencialidade de beneficiar grandes populações, promovendo o

crescimento econômico e a diminuição de desigualdade. Todas estas características somadas à

tentativa de evitar a formação dos monopólios justificariam a atuação regulatória.

Neste sentido, à doutrina convém determinar as gerações de criação das agências

reguladoras no Brasil. A primeira geração se deu com as criações da Agência Nacional de

Energia Elétrica – ANEEL, da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e da

Agência Nacional do Petróleo, respectivamente entre os anos de 1996 e 1997.

A segunda geração se deu entre os anos de 1990 e 2000, com a criação da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária e a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Ao seu

turno, a terceira geração de seu entre o período de 2000 e 2001, com a criação da Agência

Nacional das Águas – ANA, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, da

Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e da Agência Nacional do Cinema –

ANCINE.

Todas estas Agências Reguladoras, por sua vez, possuem funções e estruturas que

asseguram seus objetivos e, dentre eles, está a participação dos usuários, ou seja, dos

consumidores dos serviços regulados. Neste sentido, a lei das concessões públicas (Lei nº

9.074/1995) estabeleceu a edição de disciplina que abarcasse a participação dos usuários,

prevendo mecanismos de publicidade às atividades desenvolvidas.

Assim sendo, cada agência reguladora possui método próprio para a participação da

sociedade na discussão regulatória. No caso da ANATEL – cujo exemplo se utilizará tendo em

vista o foco da presente pesquisa – a lei nº 9.472/1997 prevê a criação de um Conselho

Consultivo que será indicado pelos usuários para a participação das atividades da Agência.

Há, ainda, a nomeação de ouvidor, cuja função será a de averiguar eventuais denúncias e

analisar a atuação da agência reguladora perante as reclamações recebidas.

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2.2.1 O Controle Judicial e Administrativo exercido sobre as Agências Reguladoras

Não se deve olvidar que a existência de autonomia ou independência das agências não

implica em ausência de controle – seja na seara administrativa ou judicial – dos seus atos.

Conforme já explanado anteriormente, por se tratarem de autarquias, as agências reguladoras

estão supervisionadas e tuteladas pelo Poder Executivo, mediante sua vinculação do ente de

poder ao qual se vincula.

A Lei Geral de Telecomunicações, portanto, estabeleceu que a atuação da ANATEL se

basearia essencialmente capitaneada sob os princípios da legalidade, celeridade, finalidade,

razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal,

publicidade e moralidade. Neste sentido, o ente regulador das telecomunicações possui a

obrigação de enviar o relatório anual de suas atividades ao Ministério das Comunicações e,

igualmente, ao Congresso, por intermédio da Presidência da República.

Em que pese a atribuição de “prestação de contas” ao Ministério das Comunicações e

ao Congresso, quando relacionado acerca da conveniência e oportunidade das decisões

adotadas pela agência, existe – de regra – uma estrutura revisional dentro do próprio ente

regulatório e com poderes de revisão dos atos, como é o caso da ANATEL.

Já no que se relaciona ao controle exercido pelo Poder Judiciário, os entes regulatórios

se encontram regidos pela mesma disciplina dos atos administrativos em geral, podendo ser

objeto dos remédios constitucionais, além de demais ações ordinárias. É importante salientar

que no caso de demanda judicial em face de ente regulador, não é possível avaliar o mérito de

oportunidade e conveniência, apenas no que diz respeito à legalidade dos atos praticados.

É possível entender, ainda, que os entes reguladores se encontram submetidos ao

controle do Tribunal de Contas da União. Entretanto, o TCU só possuiria gerência sob casos

em que envolvem o emprego de recursos públicos por parte das agências, não sendo possível

o controle sobre sua atividade-fim (GUIMARÃES; SCOTTA, 2002, p. 244).

2.3 A Agência Nacional de Telecomunicações e sua Função Regulatória

Conforme já explanado anteriormente, a Agência Nacional de Telecomunicações foi

criada por intermédio da desregulamentação surgida pela Emenda Constitucional 08/1995,

cuja previsão importava na existência de um ente regulador autônomo para normatizar o setor

de telecomunicações. No ano de 1997, com a Lei 9.472/1007, a ANATEL foi criada, tratando-

se de órgão integrante da Administração Pública Federal indireta.

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Alguns poderes que até então pertenciam ao Ministério das Comunicações foram

repassadas à Anatel, como as atribuições de outorga, regulamentação e fiscalização do setor,

além da transferência do núcleo técnico e patrimonial. A antiga Telebrás passou a ser a sede

da agência, com representações em todos os estados do Brasil.

No segmento das telecomunicações a ANATEL teve como competência implementar

uma política nacional e propor um plano geral de metas e outorgas para o setor. Estas

incumbências teriam como orientação um conjunto de princípios norteadores para a atuação

do ente regulador, aos modos dos princípios básicos inclusos no leque do Direito

Administrativo.

Neste sentido, o princípio da legalidade impôs o dever de atuação conforme os

dispositivos legais, não podendo agir em desconformidade dos as prescrições normativas

existentes. Por sua vez, o princípio da celeridade garante a eficiência da atividade

administrativa desempenhada pelo ente regulador, envolvendo uma relação entre resultados e

fins, que deve ser a forma aplicada para desempenhar sua função.

O princípio da finalidade prevê uma coerência com o interesse público, não devendo a

agência atuar de forma a abusar com suas funções estabelecidas. Por sua vez, o princípio da

proporcionalidade e razoabilidade, é visto na seara do Direito Econômico como modicidade,

estabelecendo que a atuação da agência deve seguir critérios para fornecer o serviço adequado

para a coletividade e, ao mesmo tempo, fomentar o lucro ao concessionário, em um ambiente

de competitividade.

O princípio da impessoalidade possui um duplo viés (GUIMARÃES; SCOTTA, 2002,

p. 259). O primeiro deles estaria relacionado à finalidade de cumprir o interesse público que é

inerente a toda atividade administrativa. O segundo sentido seria o de que os atos estão

vinculados ao órgão ou entidade e não ao servidor que os pratica. Neste sentido, quaisquer

atos que venham a causar danos serão respondidos pela ANATEL.

O princípio da igualdade – com relação direta à Constituição Federal – prevê o

tratamento igualitário e isento de quaisquer discriminações ou favorecimento, enquanto que o

princípio do devido processo legal prevê que os ritos processuais serão seguidos conforme

previsto legalmente, sob pena de nulidade.

O princípio da publicidade exige a divulgação dos atos praticados pelo ente regulador,

ressalvadas as situações de sigilo que no caso concreto teria relação direta do o resguardo da

livre concorrência e, por fim, o princípio da moralidade teria o condão de uma atuação ética

por parte da agência.

Em que pese a positivação de princípios dentro do arcabouço normativo que permeou

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a construção da ANATEL, sua função regulatória possui um direcionamento mais

aprofundado e técnico de atuação do setor de telecomunicações brasileiro que abrange não

somente a telefonia fixa, mas a televisão por assinatura, a radiodifusão, telefonia celular e

internet, cuja atividade merece análise.

2.3.1 A atuação mediante a Televisão por Assinatura

Pautada em parâmetros de universalização dos serviços, a Agência Nacional de

Telecomunicações regulamente a televisão por assinatura, que se divide em três modalidades:

televisão a cabo, MMDS e DTH.

A televisão a cabo consiste em um sistema de distribuição de sinal, por meio de

conteúdos audiovisuais de televisão, por meios de transportes estruturados por cabos coaxiais

fixos. Nessa sistemática, o mecanismo envolve a distribuição de um número de canais de

televisão passa assinantes, por meio de uma rede que hoje, com o avanço da tecnologia,

envolve a própria banda larga como modernizador do serviço.

Por sua vez, o Serviço de Distribuição de Sinais Multipontos Multicanais (MMDS)

possui uma estrutura de utilização de faixa de micro-ondas para transmissão de sinais, cujo

recebimento se dará em pontos determinados em uma área de prestação da televisão por

assinatura. O Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via

Satélite (DTH), por sua vez, funciona mediante distribuição de sinal de televisão ou de áudio

por meio de satélites, dentro – igualmente – de uma área de prestação.

A atuação do ente regulador no que diz respeito à televisão por assinatura se concentra

no planejamento do serviço e nos processos de licitação para a outorga de novas concessões

de canais (GUIMARÃES; SCOTTA, 2002, p. 263). Além disso, é possível realizar a

fiscalização acerca da satisfação do usuário em relação à prestação do serviço prestado.

Outro aspecto da atuação da ANATEL diz respeito aos estudos do mercado, de forma a

proporciona uma atividade competitiva. Neste sentido, periodicamente o ente regulador

apresenta relatórios acerca do uso do serviço prestado, vislumbrando-se questões que venham

a fomentar ou equilibrar eventuais falhas do mercado.

Aliás, um dos grandes desafios da atualidade se dá na queda do faturamento das

empresas prestadoras do serviço de televisão, em virtude do impacto das mídias digitais no

panorama brasileiro, processo irreversível na atual fase do capitalismo.

Uma situação específica chama a atenção no Brasil que é a entrada da Netflix no

mercado. O serviço da empresa engloba uma logística diferenciada em relação ao sistema

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adotado pela televisão – seja ela aberta ou por assinatura – principalmente porque não existe

determinado uma programação para os materiais disponibilizados ao público.

Neste sentido, é o consumidor que decide o melhor horário para utilização das

programações disponibilizadas pelo serviço de streaming. Esta situação vem causando

disputas concorrenciais acirradas em relação aos serviços de televisão por assinatura, visto

que a Netflix não é submetida ao regime de regulação que os serviços tradicionais são.

De fato, a Lei Geral de Telecomunicações não incide sobre os serviços de aplicações

de internet como é o caso da Netflix e, conforme explana Scorsim (2016, p. 88), inexiste

competência para outorga e fiscalização destes serviços pois não se tratam de radiodifusão e,

tampouco, são objeto da lei da TV por assinatura. A solução que opina o autor seria o debate e

atualização no âmbito do Congresso Nacional por meio de inovação legislativa.

Em que pese o entendimento supramencionado, o argumento de que a ausência de

disposição na Lei Geral de Telecomunicações como fato impeditivo para uma regulação

econômica encontra interpretação unicamente na dogmática. Isto porque ao analisar o

contexto em que se insere os serviços tradicionais e a prestação da Netflix, vislumbra-se uma

concorrência entre regimes jurídicos que – embora assimétricos – gera externalidades

positivas (MARQUES NETO e FREITAS, 2018, p. 33), mas também gera externalidades

negativas.

No que concerne às externalidades positivas, seria possível um ambiente de

competitividade dentro da ótica do consumidor, que possuiria um leque de opções para

escolha do seu entretenimento e programação. Em contrapartida, a ausência de uma regulação

pode causar a extinção de TVs abertas e fechadas ante a existência de responsabilidades aos

concessionários da radiodifusão ou as obrigações existentes para a veiculação de conteúdo

que não possuem equiparação aos serviços de valor adicionado na internet. Ou seja, para

fomentar um ambiente de competitividade, não se traduz coerente quaisquer atos que venham

a tornar os serviços excludentes.

Além disso, em contrapartida, há a necessidade de resguardar a própria Netflix de atos

que venham a aniquilar sua prestação de serviços com a redução da taxa de transmissão de

dados provenientes da internet, a chamada “neutralidade da rede”, cujo fundamento está

legalmente disposto na própria Lei nº 12.965/2014 – Marco Civil da Internet.

De acordo com o artigo 9º do dispositivo legal supramencionado, o transmissor dos

pacotes de dados deverá proceder de forma isonômica, não impondo critérios para

disponibilização mediante conteúdo, origem ou destino destes dados. Ou seja, sendo a Netflix

uma estrutura que funciona essencialmente com base na internet – que é distribuída pelas

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empresas de telecomunicações brasileiras – não se traduz viável que estes transmissores

tolham o percurso dos dados para que o serviço da empresa seja disponibilizado em sua

integralidade. Considerando, portanto, que grande parte das TV´s por assinatura igualmente

são as que fornecem serviços de telefonia e internet, o serviço de streaming poderia ser

prejudicado no mercado com vias a beneficiar o concorrente tradicional.

Atualmente, o mercado de TV por assinatura possui a seguinte composição de

mercado:

Tabela 1: Composição do Mercado de TV por Assinatura

Grupo

Econômico

Outubro

(2017)

Novembro

(2017)

Dezembro

(2017)

Janeiro

(2018)

Fevereiro

(2018)

Marco

(2018)

ALGAR

(CTBC

TELECOM)

0,58% 0,58% 0,55% 0,55% 0,55% 0,55%

CABO 0,31% 0,31% 0,29% 0,29% 0,29%% 0,29%

TELECOM

AMARICAS

(CLARO)

48,81% 48,59% 50,48% 50,29% 50,35% 50,27%

NOSSATV 0,73% 0,73% 0,70% 0,70% 0,70% 0,69%

OI 8,55% 8,66% 8,40% 8,46% 8,54% 8,55%

Outras 1,27% 1,18% 0,97% 0,97% 1,11% 1,09%

SKY/AT &T 30,45% 30,70% 29,81% 29,85% 29,63% 29,68%

TELEFÔNICA 9,30% 9,25% 8,80% 8,79% 8,83% 8,89%

TOTAL 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

Fonte: ANATEL. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/dados/destaque-1/215-tv-por-assinatura-apresenta-

queda-de-120-mil-assinantes-em-fevereiro> Acesso em 09 ago. 2018

No estudo realizado por Guimarães e Scotta (2002, p. 229) em 1997, a composição do

mercado de TV por assinatura era de seis empresas. Até o ano de 2000, este número evoluiu

para 22 empresas. Atualmente o mercado brasileiro está composto por 13 empresas, com a

manutenção de quase todo o mercado nas mãos de duas empresas. Além disso, de acordo com

os dados apresentados pelo ente de regulação das telecomunicações brasileiro, Brasil vem

registrando redução de 1 milhão de assinantes de TV por assinatura em 12 meses.

Esta situação pode estar relacionada ao crescimento das mídias digitais e,

consequentemente, à inexistência de regulação do setor, causando uma suposta concorrência

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desleal com a potencialidade de prejudicar o mercado de forma a extinguir as empresas do

ramo.

2.3.2 A atuação mediante a Radiodifusão

A Lei Geral de Telecomunicações e o Regulamento da Anatel possuem disposição

acerca das licenças para funcionamento de estações de radiocomunicação e radiodifusão,

devendo ocorrer regularmente as fiscalizações no setor. Convém ressaltar que a radiodifusão

se desenvolveu sem a existência de uma política consolidada e abrangente (MENDEL;

SALOMON, 2011, p. 10).

Saliente-se que o sistema de radiodifusão compreende o rádio e a televisão aberta, o

que proporciona uma atividade comercial abrangente. Entretanto, existe um grande problema

enfrentado pelo ente regulador brasileiro que é o funcionamento de rádios sem a concessão de

outorga, as chamadas rádios clandestinas (GUIMARÃES; SCOTTA, 2002, p. 269).

A ineficiência da fiscalização é um dos fatores para que o combate da problemática e

seus efeitos sejam prejudiciais, pois podem interferir em outros serviços de interesse público,

como a atividade aeroportuária e policial.

No ano de 2016, o Brasil declarou o interesse na migração para a radiodifusão digital,

processo que ocorre paulatinamente, ante a abrangência territorial do país e os mecanismos de

adaptação para a nova logística. Um serviço de radiodifusão com qualidade depende de apoio

financeiro, tendo em vista os custos para manutenção do setor.

As jurisdições pesquisadas neste estudo têm implementado regimes de serviço

público de radiodifusão que, na prática, instituem uma proteção relativamente forte

para a independência editorial e criativa, proporcionando uma quantidade de

recursos públicos que é boa e, às vezes, abundante, e alcançam um nível apropriado

de prestação pública de contas pela radiodifusão. Quando esses elementos são

peneirados em busca de sua melhor parte, eles proporcionam uma base útil de

experiências e ideias, das quais as democracias emergentes ou de transição podem se

valer, ao estabelecerem seus próprios sistemas de serviço público de radiodifusão.

(MENDEL, 2011, p. 96)

Uma das críticas acerca da concessão do serviço de radiodifusão diz respeito à

exclusividade do governo brasileiro para outorga, o que prejudica a equidade da prestação do

serviço. A possibilidade de atuação das concessionárias de acordo com as diretrizes

estabelecidas pelo governo tende a engessar o mercado e ser, além de tudo, prejudicial para a

manutenção da própria democracia.

Além disso, por meio de uma agência reguladora que tenha independência funcional –

como teoricamente é o caso da ANATEL – pode-se adotar critérios eivados de imparcialidade

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que tendam a afastar eventuais interesses políticos e, igualmente, interesses privados de

empresas com pretensões de monopólio.

No Brasil, foi editada a lei 13.424 de 24 de março de 2017, dispondo sobre o processo

de renovação do prazo das concessões e permissões dos serviços de radiodifusão. Estabeleceu

o dispositivo legal que as emissoras poderiam funcionar em caráter precário nos casos de

vencimento antes do pedido de renovação da outorga. Esta renovação possui a análise

realizada pelo Ministério das Comunicações e pelo Congresso Nacional.

O licenciamento realizado por parte de um ente regulador independente por meio da

delegação da atividade, apresenta mais credibilidade ao processo de outorga, afastando o

comprometimento dos concessionários e os interesses políticos, inclusive aqueles que possam

divergir com o posicionamento do ocupante do cargo à época da renovação.

Nos países que já possuem um desenvolvimento concretizado em termos de

democratização, há a independência do regulador para a concessão de radiodifusão. É o caso,

por exemplo, do Canadá em que a Comissão de Radiotelevisão e Telecomunicações do país

possui no plano fático independência para atuação de suas funções, mesmo sem a referência à

normatização acerca de sua autonomia (MENDEL e SOLOMON, 2011, p. 13).

Chega a ser contraditório para o Brasil possuir uma agência reguladora de

telecomunicações, que foi concebida com inspirações marcantes no sistema norte-americano,

em um contexto de desburocratização e modernização do setor; com objetivos definidos na

correção de falhas do mercado de telecomunicações e fomento da concorrência e, no entanto,

o processo para concessão das outorgas ficar adstrito à decisão dos poderes Executivo e

Legislativo, marcando essencialmente os resquícios de uma intervenção total na economia

pelo Estado.

A concessão da radiodifusão brasileira envolve quatro atores diversos. No âmbito da

ANATEL, trata-se da radiofrequência (espectro) do canal a ser outorgado. O Ministério das

Comunicações avalia a viabilidade jurídica e econômica da licença. O Congresso Nacional

realiza a outorga da concessão e, em alguns casos, esta outorga fica a cargo do Poder

Executivo Federal (MENDEL; SOLOMON, 2011, p. 19). Este processo, além de burocrático

e moroso, torna o ente regulador um mero técnico das estruturas físicas condicionadas para a

prestação do serviço.

2.3.3 A atuação mediante a Telefonia Fixa

A atuação da ANATEL perante a telefonia fixa se deu com a criação em três atos: o

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Decreto nº 2.534/98 – Plano Geral de Outorgas, o Decreto nº 2.592/98 – Plano de Metas de

Universalização e o Plano de metas de qualidade dos serviços prestados à população. Todos

estes dispositivos tiveram o propósito de determinar diretrizes de competição, compromissos

para o acesso universal de telefonia e a determinação de padrões de desempenho para as

prestadoras de serviços.

O processo de privatização e cisão fez surgir o chamado Serviço Telefônico Fixo

Comutado, criando-se quatro empresas para atuação regionalizada, conforme é possível

verificar na tabela.

Tabela 2: Telefonia Fixa – Incumbents e Regiões de Atuação

Região Tele Regional Área Geográfica

I Tele Norte Leste Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe,

Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,

Piauí, Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas e Roraima

II Tele Centro Sul Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Santa Caratina, Paraná,

Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins,

Rondônia e Acre

III Telesp São Paulo

IV Embratel Nacional

Fonte: ANATEL. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/dados/destaque-1/283-brasil-tem-236-2-milhoes-de-

linhas-moveis-em-janeiro-de-2018> Acesso em 11 ago. 2018

O propósito de universalização do serviço foi a principal atuação protagonizada pelo

ente regulador e, nas primeiras décadas do século XXI, verificou-se uma superação do país no

que concerne a disponibilização do serviço – seja pelo telefone público, seja no telefone

privado – para os consumidores. Entretanto, o preço das tarifas era uma problemática

existente no país (GUIMARÃES; SCOTTA, 2002, p. 279).

A agência reguladora atuou no sentido de redução destas tarifas, saindo da faixa de R$

59,84 (cinquenta e nove reais e oitenta e quatro centavos) em 1994 para R$ 35,28 (trinta e

cinco reais e vinte e oito centavos) em 2001, reduzindo-se em 41%. Não obstante esta

situação, nesta mesma época a inadimplência em relação do serviço de telecomunicações

importou em prejuízos às empresas, o que enseja a percepção da existência de uma falha de

mercado mal gerida por parte do ente.

Em que pese a expansão de serviços de telecomunicações, é possível verificar uma

maior universalização a partir do sistema de telefonia móvel e da evolução da tecnologia,

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pressupostos que deságuam diretamente no escopo da presente pesquisa, revelando-se

essencial o histórico da atuação regulatória perante este segmento.

2.3.4 A atuação mediante a Telefonia Móvel

A chegada da telefonia móvel no Brasil causou uma série de impactos na forma de

comunicação entre os seres humanos, tratando-se de um processo evolutivo irreversível. Este

processo causa desafios e consequências diretas na seara econômica, despertando em igual

intensidade a atenção do direito.

Inicialmente o serviço de telefonia celular foi dividido em duas classificações: serviço

móvel celular (SMC) e serviço móvel pessoal (SMP). Conforme explana Guimarães e Scotta

(2002, p. 269), o serviço móvel celular é equivalente à telefonia celular no que concerne às

faixas de frequência constantes para as empresas prestadoras do serviço.

É a Norma Geral de Telecomunicações 20/1996 da Agência Nacional de

Telecomunicações que estabelece as condições para exploração do SMC em ambiente de

competitividade entre as concessionárias, estabelecendo as faixas de frequência do setor,

divididas em subfaixa “A” e subfaixa “B”.

A primeira banda se refere às prestadoras originárias do sistema Telebrás, cuja

privatização se deu em 1998. Por sua vez, a segunda banda possui atuação das empresas que

conseguiram a autorização exploratória após o processo de privatização ocorrido.

Em contrapartida, o Serviço Móvel Pessoal seria uma evolução adaptada da

comunicação móvel, em virtude do surgimento de tecnologias mais recentes, subdividindo-se

em outras subfaixas, denominadas de “C”, “D” e “E”. A criação de novas frequências, teve,

por parte da ANATEL o objetivo de inserção de novas operadoras no mercado, com vistas a

ampliação da competitividade e das opções de prestação do serviço.

Entretanto, que a tentativa da ANATEL foi frustrada pelo não aparecimento de

empresas dispostas a participar dos leilões de licença de operação, sendo necessário inclusive

o cancelamento das bandas “C” e “E”, além de que a banda “D” não surgiram interessados

suficientes, existindo concorrência apenas em relação a uma única região do país.

Atualmente a telefonia celular se trata unicamente do Serviço Móvel Pessoal,

designando-se o serviço de voz por intermédio da telefonia celular e o serviço de conexão à

internet, por intermédio do tráfego de dados. O serviço prestado se trata de interesse coletivo

(SCORSIM, 2016, p. 44). Esta modificação se deu no ano de 2001 pelo ente regulador das

telecomunicações brasileiro, proporcionado justamente pela necessidade de modernização do

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segmento.

Neste sentido, o regime de autorização do serviço móvel pessoal, ao contrário da

radiodifusão, se dá por intermédio de outorga da ANATEL, após cumpridos todos os

requisitos exigidos em processo licitatório, de acordo com o disposto na Lei Geral de

Telecomunicações.

Convém ressaltar que a execução do serviço necessita da utilização das frequências

eletromagnéticas, sendo estas conceituadas como um bem público em que a ANATEL

administra e cuja concessão de uso está adstrita aos requisitos legais exigidos. O valor pago

pelo uso, portanto, é realizado ao ente regulador.

A Agência Nacional de Telecomunicações, portanto, editou a Resolução nº 477/2007,

regulamentando a prestação do SMP e estabelecendo os critérios para expedição da outorga

para concessão do serviço. O dispositivo trouxe os direitos e deveres dos usuários, as regras

de prestação dos serviços, os tipos de planos existentes, a relação de cobrança dos débitos,

traduzindo-se como a base de todo o serviço de telefonia móvel (SCORSIM, 2016, p. 49).

Existe a ideia de que o surgimento do Serviço Móvel Pessoal significou uma

modificação da política governamental do setor, principalmente porque o objetivo consignou

em reduzir os obstáculos para entrada no setor de empresas que já atuavam no segmento da

telefonia fixa (QUINTELLA; COSTA, 2009, p. 132). Neste sentido, vislumbra-se que grupos

de telefonia móvel como a Oi, a Tim e a Vivo já controlavam serviços de telefonia fixa,

restando apenas a Claro que não exercia controle sobre o segmento.

Essa intensificação da concorrência, portanto, passou a ser fomentada quando da

abertura para o serviço móvel pessoal, entretanto, restou observada uma tentativa de controle

nacional, com a aquisição de operadoras por parte das grandes empresas de telefonia, o que

proporcionou uma integração entre os serviços de telefonia móvel e os serviços de telefonia

fixa.

A base do modelo de indústria de telecomunicações toma por base o modelo proposto

por Porter (1986, p. 24), em que entende que a concorrência está sob a base de cinco forças

diretrizes, quais sejam: a ameaça de novos entrantes no mercado, o poder de barganha dos

prestadores, o poder de barganha dos consumidores, a ameaça de substituição de produtos e a

rivalidade das empresas existentes no mercado.

A análise realizada por Quintella e Costa (2009, p. 135) acerca do setor de telefonia

móvel após a estruturação do serviço móvel pessoal verifica que a ameaça de novos entrantes

no mercado possuía uma baixa intensidade, visto que se identificava elevadas barreiras e a

possibilidade de retaliação por parte das quatro grandes empresas atuantes no setor.

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As principais barreiras de entrada na indústria de telecomunicações são: as economias

de escala, a diferenciação do produto, os custos de mudança, a necessidade de capital, o

acesso aos canais de distribuição, a experiência acumulada, as desvantagens de custos

independentes de escala, a política governamental, a retaliação prevista e o preço de entrada

dissuasivo (CORREIA, 1997, p. 42).

Por economia de escala se entende a organização de um processo produtivo com um

baixo curso de produção, mas com a maximização dos fatores envolvidos neste processo.

Assim, as empresas atuam de forma análoga, com operações e custos semelhantes, impondo

às empresas que almejem entrar no mercado, atuarem de forma semelhante.

Entretanto, convém salientar que a necessidade de um grande aporte de recursos para

acompanhar o ritmo das empresas existentes acaba por servir como barreira para os novos

competidores, pois deverá atuar sempre com riscos de ingressar com uma competitividade

maior do que suporta o porte da empresa.

A diferenciação do produto ou do serviço se trata da compreensão por parte do

consumidor acerca dos fatores de distinção do produto rival, tratando-se de um aspecto

privado do usuário. Neste caso, o conceito de qualidade impondo a exigência – para os novos

entrantes – de apresentação de um produto que venha com padrões iguais ou superiores aos

existentes no mercado (THOMPSON, 1993, p. 200).

A terceira característica – ou seja, os custos da mudança – se traduz no dispêndio por

parte do consumidor em relação à troca de empresa prestadora do serviço. Esta é uma das

barreiras mais significativas, visto que o avanço das tecnologias ocasiona a busca pela

evolução dos equipamentos e serviços, incorrendo-se em custos para a mudança (CORREIA,

1997, p. 52-53).

A necessidade de capital é o quarto motivo para barreiras de novos competidores do

mercado, visto que a necessidade de investimentos no setor ocasiona a limitação de grupos na

participação do mercado, sobretudo quando se lida com empresas basicamente consolidadas.

Por sua vez, o acesso aos canais de distribuição, tendo em vista que se faz necessário utilizar-

se da persuasão para que o serviço disponível da nova empresa seja admitido para

provimento.

A quinta barreira de entrada para as empresas se trata da experiência acumulada, tendo

em vista que – no caso das telecomunicações – as inovações tecnológicas imputam na

necessidade de obter os melhores mecanismos para atuação no mercado, de forma a se obter

baixos cursos. Neste sentido, ao adentrar em no mercado de maneira nova, a empresa acabará

passando pelo período de adaptação e conhecimento do próprio mercado, enquanto lida com

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as empresas que já atuam e, portanto, possuem experiência no setor.

A barreira seguinte é a da desvantagem dos custos independentes de escala, que trata,

nos termos expostos por Thompson (1993, p. 200-202), dos fatores existentes nas empresas

que não podem ser reproduzidos pelos novos competidores. Assim, as empresas atuantes

possuem vantagens de custos que os entrantes não conseguem igualar, em virtude das escalas

econômicas obtidas.

A política governamental é mais uma espécie de obstaculização de novos

competidores no mercado, visto que por intermédio do governo e sua relação – muitas vezes

escusas – com determinadas empresas já atuantes pode ocasionar a limitação ou até mesmo o

impedimento para que novos nomes possam surgir no mercado. Esta situação justifica,

inclusive, a própria importância da autonomia das agências reguladoras enquanto mecanismo

de fomento da competição no mercado, visto que em teoria há uma tentativa de desvinculação

com os governos e a política em sua atuação técnica.

A entrada de novas empresas também pode ser barrada pelo receio de retaliação por

parte das empresas já existentes, configurando-se como mais um obstáculo para a nova

competição. Esta retaliação pode-se dar das formas mais usuais no mercado – como por

exemplo a aplicação de preço predatório – como forma de dissuadir o entrante acerca da

entrada. O preço de entrada dissuasivo só terá influência quando a empresa ingressante no

mercado se propõe a explorar segmento cujo preço praticado se situa acima dos níveis

mundiais ou que não possuem atratividade, ocorrendo a desistência de ingresso no mercado

(CORREIA, 1997, p. 56).

Há, porém, uma questão na teoria apresentada por Porter que favorece o

enfraquecimento das citadas barreiras de ingresso de novos competidores, que é justamente a

possibilidade de crescimento do mercado. A possibilidade atrativa de novos investimentos

ocasiona em contrapartida a atratividade e superação de todas as questões dispostas que

poderiam prejudicar a concorrência.

Não obstante, outras variáveis são passíveis de serem vislumbradas no que concerne à

questão da competitividade no modelo apresentado por Porter. Entre as questões apresentadas,

há de se considerar a própria rivalidade entre os competidores existentes, visto a necessidade

de ocupação de um patamar superior no mercado.

A rivalidade dos competidores pode ser acirrada quando existe um número

considerável de concorrentes, o que pode levar ao não percebimento de determinados atos de

concorrência por parte dos competidores. A ausência de concorrentes ocasiona em uma

disputa acirrada de medidas tomadas essencialmente com o critério de responder à altura

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dentro do segmento. Além disso, o baixo crescimento do setor ocasiona a intensificação da

concorrência pela disputa de fatias mínimas do mercado existente.

A padronização dos serviços é um outro critério de reação de empresas que se baseia

unicamente na precificação e no atendimento, tendo em vista que estes se tornam os únicos

critérios para escolha, visto que o benefício captado pelo consumidor será sempre o mesmo,

levando-se em consideração unicamente o custo para aquisição.

Nesta toada, a própria baixa dos preços pode ser outra medida adotada como forma de

rivalidade entre os competidores, almejando tão somente a cobertura dos custos fixos da

empresa como forma de pressionarem as capacidades de produção dos concorrentes. Se trata,

portanto, de uma estratégia de instabilidade, com o propósito de captar uma parcela maior do

mercado.

Assim, o lucro é posto em xeque por determinado tempo, com o propósito de se obter

o sucesso na empreitada de consolidação no segmento mercadológico. Esta situação é ainda

incrementada por intermédio da oferta e da procura, quando há um aumento da capacidade

produtiva ou dos serviços prestados, ocasionando a redução de preços generalizada.

A concorrência é ainda afetada pela existência de produtos e serviços com a

potencialidade de substituição dos produtos já existentes, visto que diferenciam as empresas

atuantes dentro de um segmento específico do mercado. Ou seja, determinada forma de

prestação de serviços pelo investimento tecnológico, por exemplo, possui a potencialidade de

otimização de determinada empresa, acirrando o jogo no mercado.

Os produtos cuja exigência possui mais atratividade são justamente aqueles passíveis

de aprimoramento, tornando-se um concorrente direto (PORTER, 1986, p. 39-40). Neste

sentido, os serviços substitutos possuem o condão de determinar a própria fluidez da

demanda, fazendo com que ocorra variação dos preços e forcem diretamente as empresas a

estabelecerem diferenciação nos produtos e serviços, com o propósito de captação de

consumidores.

A negociação de preços no trato direto com o consumidor é outro fundamentador para

o crescimento da concorrência, visto a necessidade de obtenção de vantagens e da relação

custo/benefício. Neste sentido, a estratégia adotada pela empresa possui relevância quando diz

respeito ao poder de negociação, cuja relação do próprio poder de barganha dos prestadores

de serviço culminam, diretamente, na rentabilidade do setor.

Estabelecido, portanto, uma série de critérios no que tange à concorrência, se faz

necessário apresentar o panorama das telecomunicações brasileiras no que se refere à

telefonia móvel.

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Tabela 3: Composição do Mercado de Telefonia Móvel no Brasil entre 2017-2018

Grupo Econômico SET

(2017)

OUT

(2017)

NOV

(2017)

DEZ

(2017)

JAN

(2018)

FEV

(2018)

MAR

(2018)

TELEFÔNICA BRASIL

S.A. (VIVO)

30,93% 30,99% 31,26% 31,69% 31,70% 31,78% 31,85%

CLARO 25,05% 25,12% 25,32% 24,96% 24,98% 24,92% 24,94%

TIM 24,64% 24,49% 24,47% 24,79% 24,73% 24,61% 24,55%

OI 17,39% 17,41% 16,93% 16,47% 16,48% 16,51% 16,45%

NEXTEL 1,09% 1,09% 1,12% 1,18% 1,18% 1,22% 1,25%

CTBC 0,55% 0,55% 0,55% 0,56% 0,55% 0,55% 0,55%

PORTO SEGURO S.A.

(AUTORIZADA DE

REDE VIRTUAL)

0,24% 0,24% 0,24% 0,24% 0,26% 0,26% 0,26%

DATORA MOBILE

TELECOMUNICACOES

LTDA (AUTORIZADA

DE REDE VIRTUAL)

0,08% 0,08% 0,08% 0,09% 0,09% 0,09% 0,10%

SERCOMTEL 0,03% 0,03% 0,03% 0,03% 0,03% 0,03% 0,03%

EUTV CONSULTORIA

E INTERMEDIAÇÃO

DE NEGÓCIOS S.A.

0,01% 0,01% 0,01% 0,01% 0,01% 0,02% 0,02%

Fonte: ANATEL. Disponível em: <http://www.anatel.gov.br/dados/destaque-1/283-brasil-tem-236-2-milhoes-de-

linhas-moveis-em-janeiro-de-2018> Acesso em 11 ago. 2018

É possível perceber um efetivo controle de quatro grandes grupos econômicos que

totalizam mais de 97% de todo o mercado de telecomunicações brasileiro. Assim, a

importância da ANATEL se faz cristalina para beneficiar não somente o ambiente de

competição – sobretudo ao que tange os 3% restantes do mercado – mas também os direitos

concebidos para a sociedade, no uso dos serviços prestados.

A atividade de fiscalização promovida pelo ente regulador é um dos principais

mecanismos para o gerenciamento da atividade das prestadoras de serviço em

telecomunicações. Inicialmente a inexistência de uma equipe de fiscalização prejudicou e

impôs dificuldades para a atividade fiscalizadora, o que incidia diretamente em dados

apresentados que não constatavam a realidade acerca da qualidade do serviço (GUIMARÃES;

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SCOTTA, 2002, p. 281).

Foi a partir de 1999 que os investimentos voltados para o setor de fiscalização da

ANATEL surgiram, regionalizando sua atividade de forma a corroborar com a atividade dos

serviços de telecomunicações em sua plenitude por todo o país.

A atividade da ANATEL, sobretudo no período entendido por Sundfeld (2004, p. 120)

como pós-privatização, teve um escopo de proporcionar a universalização da prestação dos

serviços, sobretudo capitaneada pela Lei nº 9.998/2000, que instituiu o Fundo de

Universalização dos Serviços de Telecomunicações - FUST. O objetivo do FUST é o

direcionamento de recursos para a formulação de políticas e diretrizes com o propósito de

atingir um grau de universalização das telecomunicações no Brasil.

De acordo com a Lei supramencionada, à ANATEL incumbiu-se a implementação dos

programas e a elaboração de proposta orçamentária anual ao Ministério das Comunicações,

com vias de beneficiar o interesse público e desigualdades regionais e submeter as metas de

universalização dos serviços, conforme previsão do artigo 4º.

Entretanto, é possível vislumbrar uma nova fase setorial, tendo em vista o

desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novos serviços que demandam uma análise

das condicionantes jurídicas (SUNDEFELD, 2018, p. 211). Quatro ideias resumem esta

análise: a primeira delas é o entendimento da chamada “liberdade regulada” por meio das

autorizações, cuja base estabeleceu a privatização das telecomunicações no Brasil.

A segunda ideia é que as concessões foram resultantes deste processo de privatização

– e pós-privatização – mas era apenas um instrumento para sua concretização, que hoje se

encontra esgotada tendo em vista a atual fase de desenvolvimento do setor. A terceira ideia é a

de que a era das concessões está se encerrando, o que levaria à quarta ideia: a das

contratualizações focadas.

A evolução da tecnologia tem um papel fundamental para o argumento produzido por

Sundfeld e o surgimento de aplicativos over-the-top trouxe modificações ao sistema de

comunicação brasileiro que carece de aprofundamento e análise, conforme será possível

verificar no próximo capítulo.

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3. A INTERNET E O SURGIMENTO DOS APLICATIVOS OVER-THE-TOP

3.1 A Construção do acesso à Internet como um Direito Humano reconhecido

O comportamento dos indivíduos foi alterado substancialmente pelo acesso aos

avanços tecnológicos advindos na modernidade, sendo a internet um mecanismo substancial

para transformar a forma de comunicação entre as pessoas.

Desde a propagação da Internet em nível mundial, é possível perceber a ausência de

mecanismos suficientes para que a legislação acompanhe o ritmo instantâneo que o trânsito na

rede virtual proporciona. Informações, notícias, entretenimento e negócios são estabelecidos

de forma que a lei termina por se tornar obsoleta diante de tamanha inovação. No caso da

legislação brasileira, que possui um sistema de elaboração de leis custoso, depreende-se que,

em diversas vezes, quando da sanção de determinada legislação, a matéria regulamentada já

atingiu novas nuances, tornando o dispositivo legal ultrapassado.

Neste diapasão, verifica-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, IX

estabelece a liberdade de comunicação, independentemente de censura ou licença. No art. 220

da mesma Carta, a seu turno, estabelece que “a manifestação do pensamento, a criação, a

expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer

restrição” observado o disposto na Constituição.

Analisando o disposto no dispositivo supramencionado, observa-se que dentro dos

limites impostos pela Norma Brasileira, qualquer forma de comunicação é livre e

desembaraçada, não sendo por esta razão que se permitirá qualquer atentado a Direitos

Fundamentais.

Ocorre que a natureza intrínseca, subjetiva e aberta da Constituição Federal não é

suficiente para estabelecer ditames e limites que regulamentem a questão da comunicação e

informação virtual. Faz-se necessário, portanto, mecanismos que aportem conceitos e

disposições que abarquem a pluralidade factual existente na sociedade.

A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, através da Norma 004/95,

apresentou o uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à Internet,

definindo-a como “nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e

comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre

computadores, bem como o ‘software’ e os dados contidos nestes computadores” (ANATEL,

1995, p. 01).

Nos Estados Unidos, durante o processo Janet Reno vs. American Civil Liberties

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Union conceituou-se a internet como uma “rede internacional de computadores

interconectados que permite que se comuniquem entre si dezenas de milhões de pessoas, bem

como o acesso a uma imensa quantidade de informações no mundo” (EEUU, 1997, p. 01).

Pelos conceitos extraídos de Lorenzetti (2004, p. 25), apresentando as características

relevantes da internet, é possível entender que a internet é uma rede aberta, interativa e

internacional; onde existe uma multiplicidade de operadores, possuindo “aptidão para gerar

suas próprias regras”, apresentando uma “aceleração do tempo histórico” e permitindo “a

comunicação em tempo real e desterritorialização das relações jurídicas”; diminuindo, assim,

os custos das transações.

Importante salientar que o retromencionado autor deixa explícito que “a rede não é um

produto isolado, pois apresentam regras de diferenciação que também influenciam os

conceitos e regras jurídicas”, principalmente na “defesa do consumidor” (LORENZETTI,

2004, p. 25).

Não se deve olvidar que todas essas características supracitadas culminam em

transformações das sociedades contemporâneas e na evolução de informações e comunicação

através do espaço virtual. Ressalte-se que a revolução tecnológica não é fruto de uma atuação

virtual de ofício, mas sim da necessidade direta da sociedade enquanto usuária e, até mesmo,

dependente desta mesma tecnologia.

A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e

interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso, as tecnologias de

comunicação e informação são particularmente sensíveis aos efeitos dos usos sociais

da própria tecnologia. A história da Internet fornece-nos amplas evidências de que os

utilizadores, particularmente os primeiros milhares, foram, em grande medida, os

produtores dessa tecnologia. (CASTELLS, 2007, p. 17).

A internet possui, então, uma simbologia dentro da chamada “sociedade da

informação” (SILVEIRA, 2012, p. 82), cuja característica seria uma falta de controle

aparente, com a prevalência de países dominantes acerca da supremacia de seus interesses, o

que pode ensejar, com base na denominação de Carvalho (2004, p. 06) a chamada “tirania da

informação”.

Vincula-se, portanto, ao disposto por Castells (2012, p. 29) quando admite que o

sistema político se encontra desafiado pela emergência de uma comunicação sem barreiras e

auto-organizada, forçando a necessidade de promoção de medidas que se adaptem às novas

necessidades impostas pela inovação tecnológica.

Acrescente-se que a Internet, com todas as características que lhes são inerentes, acaba

por incidir em questões fático-jurídicas, vislumbrando-se inúmeras consequências que

merecem o olhar atento do direito. É perceptível que, no ano de 2015, matérias que

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relacionavam Direito e Tecnologia tomaram destaque nas discussões acadêmicas e

legislativas. Questões como neutralidade na rede e regulação de novas tecnologias se

tornaram comuns nessa discussão, sobretudo a partir da Lei n.12.965/2014 – Marco Civil da

Internet. Já no âmbito da Regulação através das agências, se percebe a ausência de

mecanismos suficientes, sobretudo quando diz respeito à proteção da sociedade.

No ano de 2011 a Organização das Nações Unidas, através do Conselho dos Direitos

Humanos, publicou o “Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of

the right to freedom of opinion and expression, Frank La Rue6”, na qual se estabeleceu que o

Acesso à Internet é um direito humano que deve ser garantido a todos.

Pela análise do relatório, constata-se que através o acesso à Internet é possível garantir

direitos essenciais ao ser humano, como a liberdade de opinião e de expressão. Foi através da

Internet que se ampliou e consolidou inúmeras espécies de direitos individuais e coletivos,

muito embora exista o aumento de atos que ataquem estes mesmos direitos. Assim, nos

termos do relatório, cabe às nações fortalecerem o acesso à rede entendendo-o como um

direito universal e proteger este acesso de quaisquer agressões que venham a tolher direitos

dele provenientes.

O Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos ainda demonstrou no relatório

certa preocupação com o poder que alguns estados possuem de realizar um controle

centralizado sobre o tráfego da Internet, entendendo que quaisquer medidas realizadas com o

intuito de desconectar os usuários do acesso à internet violam direitos de propriedade

intelectual. (ONU, 2011, p. 14).

O Conselho de Direitos Humanos trouxe ainda em seu relatório o termo “digital

divide7”. Axiologicamente a divisão digital seria uma lacuna entre pessoas com acesso efetivo

à internet e aqueles com acesso limitado ou nenhum acesso. Entende-se, portanto, que apenas

com a existência de políticas e planos de ação concretos que favoreçam o acesso universal à

Internet é que será possível combater a segregação de seu acesso. (ONU, 2011, p. 16-17).

Em que pese a construção do discurso em torno do acesso à internet, convém

apresentar a perspectiva paradoxal e problemática de fundamentação dos direitos humanos,

proveniente do esfacelamento do direito natural. Em Luhmann (2010, p. 159) é possível

extrair a consideração de que a validade de uma norma se mostra quando ocorre o seu

descumprimento. Neste sentido, as normas são reconhecidas a partir de suas violações e, no

6 Relatório do Relator Especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão,

Frank La Rue 7 Em tradução livre: divisão digital.

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caso dos direitos humanos, estes se tornam reconhecidos na medida em que há o seu próprio

descumprimento.

A construção dos direitos humanos passa por uma questão de desenvolvimento

primário com base de validação do direito subjetivo a partir de sua objetivação. Neste sentido,

a construção do conceito de Direitos Humanos possui sua gênese na relação com a ideia de

contrato social (LUHMANN, 2010, p. 156). Diante dessa perspectiva, os direitos humanos

passariam de um estado de natureza para um estado civil na impossibilidade de denunciação

do contrato, diferenciando-se dos direitos convencionalmente construídos.

A solução para o primeiro paradoxo dos direitos humanos está justamente na

textualização, positivando-se os direitos considerados pré-positivos. Esse processo se deu

inicialmente com o reconhecimento em textos declarativos, como é o caso da Bill of Rights e

da Declaração Francesa, mas atinge sua concretização quando as Constituições do Estado

passam a dispor normativamente dos direitos humanos de forma escrita.

O gerenciamento do paradoxo – nos dizeres de Luhmann (2010, p. 158) – passa a ser

uma questão do Estado, obscurecendo para a sociedade a base de validade dos direitos

humanos, um problema que aumenta proporcionalmente. É importante perceber que o

sociólogo alemão não propõe a renúncia destes direitos, mas a redução dos paradoxos que o

envolvem.

É exatamente neste contexto que se insere o reconhecimento dos direitos humanos por

meio de sua própria violação. Quando se vislumbra um processo de frustração do conteúdo

normativo, o sistema processa aquela ocorrência e passa a reconstruir, com base na memória,

produzindo como resultado a própria legitimação dos direitos humanos.

Não se deve esquecer, ainda, o questionamento de Luhmann (2010, p. 159) acerca de

uma nova forma de desdobramento dos direitos humanos, visto o assoberbamento de

garantias estatais acerca da tutela e observância dos direitos humanos, além das formas

inadequadas de sua efetivação, que pode ser trazido de forma integral a discussão ora

levantada.

Este paradoxo pode ser gerido a partir da desconstrução, a partir da observância das

mudanças sociais, mas, sobretudo, por um nível diferenciado de reflexão, partindo-se de um

ponto sólido de apoio, sobretudo quando se trata da manipulação dos meios de massa.

Retornando-se, portanto, ao objeto em análise, um estudo realizado pela Organização

das Nações Unidas trouxe ainda dados acerca do uso da rede virtual, trazendo um perfil

econômico de acesso à internet. Nos países desenvolvidos, o acesso se dá através de 71,6

usuários para cada 100 habitantes. Em contrapartida, nos países em desenvolvimento esse

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valor cai para 21,1 usuários. Quando se trata da região africana, este valor é reduzido para 9,6

usuários. A conclusão evidente é a de que o padrão econômico se torna o fator preponderante

na determinação de quem pode ter acesso à Internet, se concentrando em países

socioeconomicamente fortes. (ONU, 2011, p. 17).

No ano se 2016 o IBGE realizou pesquisa acerca do acesso à internet no Brasil,

verificando que o acesso é existente em 69,3%. A margem em relação a região se dá em

76,7% no Sudeste; 74,7% no Centro-Oeste, 71,3% no Sul, 62,4% no Norte e 56,6% no

Nordeste. Quando comparada a relação no que diz respeito às zonas urbana e rural, constatou-

se que esta não passa dos 40% em todas as regiões.

A discussão protagonizada pela Organização das Nações Unidas se relaciona de

maneira essencial com a existência do Direito ao Desenvolvimento. A resolução 41/128 da

Assembleia Geral da ONU destacou que o desenvolvimento de um processo que se atrela a

questões econômicas, sociais, culturais e políticas, visando “o constante incremento do bem-

estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e

significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes”.

A Internet e o acesso à rede são mecanismos que podem proporcionar o bem-estar da

sociedade através de uma maior participação dos indivíduos, bem como tem a potencialidade

de distribuição de informação de uma maneira mais equânime socialmente, muito embora

ainda exista diferenças abismais de acesso.

Em que pese a pesquisa do IBGE supramencionada, convém ressaltar que a

distribuição dos recursos atrelados à internet se dá de forma desigual e, sendo um direito

construído sob a égide de uma proteção fundamental, é caracterizado por seu

descumprimento, na medida que há uma parcela excluída digitalmente.

O excluído digital é toda pessoa que possui limitações para acesso e interação de

conteúdos por intermédio da internet (BALBONI, 2007, p. 12). Esta ausência de

disponibilidade se dá não somente sob o prisma econômico, mas igualmente social e cultural.

A internet, como mecanismo centralizador de atividades nas áreas social, econômica e

política, torna àqueles que não possuem acesso no patamar de marginalidade, mesmo para

aqueles que possuem o acesso limitado (CASTELLS, 2003, p. 203).

Convém ressaltar que a Teoria dos Direitos Fundamentais proposta por Robert Alexy

traz em seu arcabouço a distinção entre norma-regra e norma princípio. Neste sentido, em

Alexy (2008, p. 87) se constrói a ideia de que ambos estão reunidos sob o conceito de normas,

visto que informam o dever-ser. Entretanto, existem critérios de diferenciação acerca de

ambas. O grau de generalidade, por exemplo, é um destes critérios, visto que os princípios

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possuem alto grau de subjetividade, enquanto que as regras possuem grau de generalidade

baixo.

Neste sentido, é possível interpretar em Alexy (2008, p. 89; 90) a existência de três

teses acerca da diferenciação entre regras e princípios. A primeira tese adota o entendimento

de que é impossível diferenciá-las, tendo em vista que existe a possibilidade de os princípios

serem utilizados como argumentos jurídicos, mesmo com um conteúdo axiológico forte e um

alto grau de generalidade. A segunda tese defende a existência da possibilidade de divisão

entre os dois tipos de norma, mas que esta diferenciação se dá unicamente no grau de

generalidade.

Por fim, a terceira tese – a qual Alexy se vincula – interpreta que as normas podem ser

distinguidas entre regras e princípios, existindo uma diferença qualitativa entre ambas e não

gradual. Assim, os princípios possuem ordenamentos a serem realizados dentro de

possibilidades jurídicas e fáticas, as regras – por sua vez – são sempre satisfeitas ou não

satisfeitas. Neste sentido, quando a regra possui validade, deve ser respeitada dentro daqueles

limites de sua própria exigência.

A partir da análise de Bedin (1998, p. 157, 158) é possível inferir que a construção dos

direitos do homem se deu a partir de uma perspectiva gradativa. Vislumbra-se, então, que no

início do século XVIII, surgiram na forma de direitos civis, ampliando-se no século seguinte

para direitos políticos. A partir do século XX, houve a consolidação de direitos econômicos e

sociais e contamos hoje com direitos de solidariedade e direitos do homem na seara

internacional.

Analisando esses conceitos, é possível considerar o acesso à internet foi construído por

intermédio de uma norma princípio, capitaneado em uma geração de direitos fundamentais de

cunho eminentemente social, por intermédio do fomento – sobretudo por parte da

Organização das Nações Unidas – para que os Estados adotassem posturas positivas no

sentido de promoção do acesso à internet.

Entretanto, convém ressaltar que o acesso à internet em muitos países acabou por se

tornar uma norma regra, visto que ocorreu a positivação de direitos relacionados ao acesso e

suas garantias de uso, sobretudo como forma de garantir o acesso à informação aos cidadãos.

Este percurso segue a lógica do paradoxo dos direitos humanos na perspectiva luhmanniana,

conforme acima explanado.

No caso brasileiro, a Lei n. 12.965/2014 – conhecida como Marco Civil da Internet –

trouxe um conjunto de normas com o escopo de proporcionar o acesso aos direitos

fundamentais por intermédio da comunicação eletrônica; a delimitação da responsabilidade

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civil dos envolvidos na relação virtual e o estabelecimento de diretrizes para atuação do

governo na formação de políticas públicas relacionadas ao uso da internet no país.

A regulamentação do uso da Internet no Brasil com o Marco Civil trouxe como

fundamento uma série de princípios que estabelecem o reconhecimento da escala mundial da

rede; os direitos humanos; o desenvolvimento da personalidade; o exercício da cidadania em

meios digitais; a pluralidade; a diversidade; a abertura; a colaboração; a livre iniciativa e livre

concorrência; a defesa do consumidor e a finalidade social da rede.

O grau de generalidade dos dispositivos positivados acaba por gerar um conteúdo de

abstração, cuja a própria interpretação vislumbra o baixo grau de eficiência normativa no

plano fático. Em que pese o paradoxo da abstração em uma norma que deveria trazer

objetividade, não se pode negar que a inovação legislativa trouxe uma série de questões

necessárias para a manutenção da rede virtual no Brasil, cuja análise merece maiores detalhes.

3.2. O Marco Civil da Internet e a Regulamentação da Rede Virtual no Brasil

A Lei nº 12.965/2014 trouxe uma série de diretrizes para a atuação dos entes públicos

em relação ao uso da internet no Brasil. Conforme os fundamentos já descritos acima, convém

ressalvar a preocupação legislativa – ao menos em tese – em fomentar a inclusão digital

mediante a base dos direitos humanos, sobretudo com o viés de redução das desigualdades,

posicionamento que se coaduna com as instruções apresentadas nos últimos anos pela ONU.

Uma questão de relevância trazida pelo Marco Civil da Internet diz respeito ao

exercício da cidadania, constando-se inclusive de forma expressa no dispositivo legal e

servindo como sustentáculo outros direitos constitucionalmente garantidos, como a

privacidade, a liberdade e a expressão.

Analisando historicamente a regulamentação da Internet no Brasil, é possível concluir

pelo entendimento de uma experiência de democracia ampliada, visto que sua construção se

deu por intermédio de uma plataforma colaborativa que ensejasse debates dos principais

interessados – por intermédio de chamada pública – para a participação construtiva do

mecanismo legislativo (LEMOS, 2014, p. 4-5).

O procedimento da regulamentação da internet foi realizado em duas fases. A primeira

voltada para a construção de uma base principiológica que norteasse a regulamentação da

internet e, posteriormente, uma segunda fase que estabelecesse a concretização destes

princípios.

Ressalte-se que a forma de captação de opiniões acerca do necessário para elaboração

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do marco civil não se deu unicamente por intermédio dos sites oficiais de captação de

posicionamentos, mas igualmente por mapeamento das principais redes sociais e portais

virtuais que contivessem opiniões e necessidades dos indivíduos na rede.

A razão era a constatação de que a maior parte das iniciativas de consulta pela

internet falham justamente por esperar que os usuários saiam dos seus hábitos

cotidianos de uso da rede para participar de uma atividade "cívica”. No plano da

realidade, isso raramente acontece. E difícil para qualquer iniciativa de democracia

ampliada competir em atenção com sites como o Facebook, Twitter, serviços como

Google, smartphones e tablets e assim por diante. Desse modo, a solucao encontrada

foi de que, em vez de esperar apenas a vinda até a plataforma, era fundamental

também mapear e assimilar as contribuições feitas espontaneamente sobre o Marco

Civil no "habitat natural” da internet. Desse modo, qualquer comentário ou

contribuição sobre o projeto, ainda que casual, foi também assimilada e considerada.

(LEMOS, 2014, 05-06).

Diante dessa perspectiva, pautando-se nesses princípios, o Marco Civil da Internet

trouxe a chamada neutralidade da rede, que se trata – conforme anteriormente já

explanaessencialmente – na vedação à discriminação do tráfego de dados diante de

determinados serviços virtuais. Ou seja, todos os tipos de comunicações devem ter tratamento

igualitário, independente do destinatário e da fonte, não podendo existir restrições quanto a

disponibilização.

Entretanto, essa garantia é questionável do ponto de vista prático. Os equipamentos

técnicos existentes dão margem a uma gestão discriminatória dos dados, existindo debates

acerca do critério absoluto de tal princípio (CARVALHO, 2014, p. 115). Nos Estados Unidos

a Federal Communications Commission – agência de regulação das telecomunicações norte-

americana – aprovou o fim da neutralidade da rede no país, deixando à cargo dos provedores

o controle do tráfego dos dados.

A justificativa da norte-americana para o fim da neutralidade da rede se pautou

essencialmente da possibilidade de corroborar com uma internet isenta de amarras,

transferindo aos provedores a responsabilidade de divulgação do gerenciamento dos dados

para a sociedade, de forma a tornar o uso da internet transparente8.

Muito embora a neutralidade da rede tenha significado um avanço em relação ao uso

dos dados, não há como concordar com o posicionamento de que a desigualdade social no que

se relaciona ao processo de inclusão digital terminou por ser mantido, visto que há

diferenciação dos serviços de conexão quando o consumidor paga valor mais alto para ter

uma maior velocidade (PINHEIRO, 2014).

Em relação a este aspecto, há de se verificar que muito embora a internet seja um

mecanismo de informação – que pode ser inclusive bancado pelo poder público como

8 Disponível em: <https://www.fcc.gov/restoring-internet-freedom>.Acesso em 16 ago. 2018

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acontece em muitos lugares – é também um objeto de mercado e, como tal, deve possuir

características próprias que conduzam à liberdade de contratar e aos tipos de serviços.

Não obstante, a velocidade de dados adquiridos dentro de um pacote difere,

totalmente, a restrição desses dados no que concerne determinados serviços, deixando nas

mãos dos provedores o poder – inclusive – de impedir que determinadas atividades deixem de

crescer por uma possível concorrência desleal.

De toda forma, outros efeitos importantes do Marco Civil da Internet são possíveis

de verificar, como a extraterritorialidade e a liberdade de expressão e perpetuação do

conteúdo. O primeiro efeito se relaciona com o aspecto de regulamentação voltada inclusive

para empresas que possuam sede em outros países, quando a questão se relacionar a serviços

prestados no Brasil.

A liberdade de expressão e perpetuação do conteúdo, por sua vez, possui intrínseca

relação com os dispositivos constitucionais que proporcionam tal garantia. Este direito, aliás,

conforme possui o escopo de promover a realização plena do direito à informação

(CARVALHO, 2014, p. 113). O Estado Constitucional possui como ponto de partida a

comunicação e, nestes termos, a liberdade de expressão figuraria como geradora daquela.

Em relação ao uso da internet e a liberdade de expressão, é importante salientar a

inexistência de um caráter absoluto e exclusivo ao princípio – inclusive em qualquer seara de

discussão – sobretudo porque outras garantias são interpretadas de forma comum no âmbito

virtual.

Nesse prisma, a partir de uma dimensão positiva da temática, convém levantar a

hipótese da própria questão relativa à censura na internet. Como amplamente discutido no

presente trabalho, a capacidade de disseminação de informações, dados, documentos possui

uma característica rápida, que tem o condão de macular a esfera íntima dos indivíduos.

Entretanto, o receio do dano não pode servir de justificativa para a existência de censura no

meio virtual.

A censura tem o condão de proporcionar lesividade em todas as esferas do

desenvolvimento individual, social, científico e econômico, na medida em que restringe – por

intermédio de uma autoridade – a publicação de determinado conteúdo (VIANA, 214, p. 137).

Não obstante, a liberdade de expressão acaba por colidir diretamente com outro princípio

levado à positivação pela Constituição de 1988, que é a dignidade da pessoa humana.

A colisão é manifestada, sobretudo, quando as opiniões e manifestações realizadas no

meio virtual possuem o condão de denegrir, prejudicar e danificar a seara íntima do indivíduo

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– como nos exemplos de discursos de ódio e as chamadas fake news9 , que culminam muitas

vezes em consequências danosas10.

Diante disso, o Marco Civil da Internet definiu responsabilidades aos usuários e

fornecedores de conteúdo virtual, de forma a providenciar uma atuação que almeje o mínimo

respeito aos direitos construídos com o objetivo de permitir o uso regular da seara virtual.

Entretanto, frise-se, a forma de responsabilização do provedor pela permanência de

informação veiculada por terceiro acabou por dificultar a retirada do conteúdo do meio

virtual, proporcionando um obstáculo às supostas vítimas da nocividade na rede.

No que concerne à análise da Responsabilidade Civil dos Provedores de Internet no

que diz respeito à retirada de conteúdos apresentados por terceiros, é possível verificar uma

revisão gradativa do posicionamento adotado pelos tribunais. Atualmente se verifica uma

aproximação com o disposto no Marco Civil da Internet conforme analisado anteriormente.

Não obstante a análise própria que será realizada em momento oportuno, urge verificar

o percurso que o tribunal seguiu ao longo de suas decisões com o âmago de verificar a efetiva

proteção aos direitos do consumidor, destinatário final dos serviços que são ofertados.

À priori, em momento anterior à existência da Lei 12.965/2014, os tribunais pátrios

brasileiros entendiam pela interpretação adotada pelo Código de Defesa do Consumidor,

aplicando o regime da responsabilidade objetiva do provedor. Os tribunais entendiam que ao

provedor cabia a responsabilidade de filtrar todo o conteúdo publicado por terceiros11.

O entendimento, por um lado, era compreensível, visto que como fornecedor de

serviços e na ausência de um Marco Civil que regesse a situação concreta, cabia plenamente a

adoção da responsabilidade independente de culpa. Entretanto, há de se considerar que a

medida se consubstanciava em um Ônus excessivo para o provedor, isso por conta das

próprias características que são inerentes à própria Internet.

Ora, conforme anteriormente já apresentado, a Internet possui em suas características a

capacidade de desterritorialização. Ademais, o uso contínuo e o crescimento em excesso das

conexões virtuais acabaria por gerar uma vigilância constante dos provedores em milhares de

conteúdos que são publicados em segundos. A situação alhures explanada findaria por

9 Termo que ganhou repercussão na atualidade para designar notícias e informações sem verossimilhança,

disseminadas na internet sem critério. 10 Na Índia o Whastapp definiu limitação ao encaminhamento de mensagens, em virtude de atos de violência e

morte protagonizados pela disseminação de notícias falsas. 11 Como exemplo é possível citar o seguinte julgado: TJMG-13a. Câmara Cível, Apelação Cível n.

1.0439.08.085208-0/001, relator Cláudia Maia, ac. un., j. 12.02.09, DJ 16.03.09

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desequilibrar a relação de consumo e inviabilizar o próprio crescimento do serviço,

inviabilizando-o.

O Superior Tribunal de Justiça, ao seu turno teve a matéria sob revisão, que sob a

égide do posicionamento da ministra Nancy Andrighi, reformou as sentenças que colocavam

os provedores sob o regime da responsabilidade objetiva, admitindo, portanto, a

responsabilidade subjetiva após a notificação extrajudicial.

Conforme leitura do REsp 1193764/SP12, que inaugurou a segunda onda interpretativa,

a fiscalização de conteúdo não se tratava de atividade intrínseca ao serviço desenvolvido pelo

provedor de conteúdo, não se aplicando o artigo 1413 do Código de Defesa do Consumidor na

questão. Tampouco se aplicaria, no caso analisado, o artigo 92714 do Código Civil de 2002,

razão pela qual se afastou igualmente o risco da atividade.

Entretanto, considerando a situação em que o provedor é comunicado – pelo ofendido

– do conteúdo ilícito e não providenciou sua retirada, acaba por responder solidariamente,

visto que já tomou conhecimento de que aquele conteúdo teria a potencialidade de gerar

danos. A tese da responsabilidade subjetiva após notificação extrajudicial perdurou até que o

Marco Civil da Internet passou a ter vigência e eficácia.

Conforme já anteriormente elucidado, o artigo 19 do Marco Civil optou por deixar ao

Judiciário a missão de examinar a veracidade das alegações que imputam a determinado

conteúdo a categoria de ofensivo. A partir de então, apenas após a análise do Poder Judiciário

seria possível a análise do conteúdo, a verificação no plano fático do suposto dano alegado e a

determinação de retirada do conteúdo quando entender que os direitos da personalidade foram

efetivamente violados.

Um dos primeiros posicionamentos em que é possível vislumbrar na situação concreta

foi no REsp 1642997/RJ. Na oportunidade, que teve novamente como relatora a ministra

Nancy Andrighi, entendeu-se que para as publicações ilícitas ocorridas antes da entrada em

vigor da Lei 12.965/2014, obedecia-se ao entendimento jurisprudencial da corte –

compreendida como a segunda onda interpretativa. Após a entrada em vigor do Marco Civil

da Internet, aplicou-se a responsabilidade solidária nos moldes do artigo 19 da lei.

Não obstante, o primeiro julgado do Superior Tribunal de Justiça que veio aplicar

efetivamente a responsabilidade solidária trazida pelo Marco Civil da Internet se deu no

12 STJ, Recurso Especial 1193764 / SP , relator Nancy Andrighi, j. 14.12.10, DJ 08.08.11

13 O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos

causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações

insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 14 Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

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Agravo em Recurso Especial nº 917.162/SP, tendo por relator o Ministro Ricardo Villas Bôas

Cueva, que apresentou o seguinte posicionamento:

[...]Contudo, não se pode impor ao provedor de internet que monitore o conteúdo

produzido pelos usuários da rede de modo a impedir a divulgação de futuras

manifestações ofensivas contra determinado indivíduo. Não se pode exigir dos

provedores que determinem o que é ou não apropriado para divulgação pública.

Cabe ao Poder Judiciário, quando instigado, aferir se determinada manifestação deve

ou não ser extirpada da rede mundial de computadores e, se for o caso, fixar a

reparação civil cabível contra o real responsável pelo ato ilícito. Ao provedor não

compete avaliar eventuais ofensas, em virtude da inescapável subjetividade

envolvida na análise de cada caso. Somente o descumprimento de uma ordem

judicial, determinando a retirada específica do material ofensivo, pode ensejar a

reparação civil. Para emitir ordem do gênero, o Judiciário avalia a ilicitude e a

repercussão na vida do ofendido no caso concreto.[...] (BRASIL, STJ – Recurso

Especial n. 917.162/SP)

Em que pese o entendimento acordar com a literalidade do dispositivo legal, é preciso

sopesar a situação concreta em que de um lado se localiza o provedor de conteúdo –

fornecedor e de outro o destinatário final – consumidor.

Verificando o plano fático, é possível constar a existência de vulnerabilidade do

consumidor virtual, visto a existência de disparidades entre fornecedores e consumidores.

Estas citadas disparidades são de ordem econômica, de informação quanto ao objeto e a

própria disparidade tecnológica, sobretudo em razão da ausência de compreensão de todos os

processos virtuais implica na fragilidade da relação consumerista em análise.

Os portais virtuais conseguem captar uma série de informações sobre cada usuário a

partir da existência de filtros (PARISER, 2011). Isso explicaria os motivos da existência de

direcionamento das informações que cada ator virtual acessa. A partir desta informação é

possível questionar a capacidade dos provedores de filtragem em determinados tipos de

conteúdo.

Acaba por se tornar esdrúxulo cogitar que provedores de conteúdo que interagem

diretamente com a tecnologia não possuam estrutura suficiente para realizar um sistema

plausível de filtragem de conteúdos impróprios.

O tema aparece com uma complexidade própria da Internet: a velocidade de

modificação. Por ser uma situação que cresce exponencialmente, ao que se apresenta, o

Direito não consegue acompanhar o ritmo de forma a dar respostas possíveis para os

problemas que a seara virtual impõe.

O Superior Tribunal de Justiça acabou por aplicar o Marco Civil da Internet, que

responde à problemática de maneira que apenas o judiciário poderá solucionar, em época em

que de forma geral se tenta desafogar a quantidade de lides e prevalecer a conciliação entre as

partes. Optou-se, tanto a nível de Poder Legislativo como de Poder Judiciário, pelo caminho

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mais dificultoso, que colocará sob o consumidor mais um obstáculo para afastar qualquer

dano à imagem, bem como aumentará de sobremaneira o numerário de processos envolvendo

conteúdos ilícitos publicados por terceiros.

Em 29 de Março de 2017 aportou ao Supremo Tribunal Federal do Recurso

Extraordinário 1.037.396. O recurso questiona uma série de decisões anteriores relacionadas

ao dano relacionado à terceiros em redes sociais. O caso remonta a um fato ocorrido em 2014

em que uma consumidora promoveu ação em face do Facebook por ter identificado um perfil

homônimo e falso na plataforma da demandada, prejudicando a imagem daquela perante seus

conhecidos e causando constrangimento.

A consumidora teria denunciado de forma extrajudicial o fato, entretanto, o Facebook

não removeu o perfil falso, razão pela qual se valeu das vias judiciais para requerer a exclusão

do perfil falso, a apresentação dos dados relacionados ao usuário que criou a conta falsa e a

condenação do Facebook à indenização por danos morais.

Após liminar deferida, o perfil foi removido da plataforma e a sentença julgou

procedente os dois primeiros pedidos, mas negou a indenização em virtude da aplicação do

artigo 19 do Marco Civil da Internet, conforme já apresentado amplamente no presente

trabalho. Em Recurso Inonimado, o Colégio Recursal reformou a sentença, determinando a

aplicação dos danos morais e o afastamento da obrigatoriedade de fornecimento dos dados do

criador do perfil. O entendimento adotado no acórdão foi o de que o artigo 19 do Marco Civil

da Internet seria inconstitucional, prevalecendo a responsabilidade objetiva do fornecedor de

serviços consubstanciada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

O plenário do Supremo Tribunal Federal atingiu no dia 02 de março de 2018 o mínimo

de votos para o reconhecimento da Repercussão Geral da questão constitucional apresentada,

razão pela qual a Corte Constitucional Brasileira passará a analisar a constitucionalidade do

artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Até o fechamento do presente trabalho, não houve julgamento do caso. O Supremo

Tribunal Federal terá em mãos a matéria e a oportunidade para analisar se de fato há a

possibilidade de coadunar o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor,

vislumbrando-se a possibilidade de interpretação conforme a Constituição Federal.

Ademais, é importante o vislumbre de que a liberdade de expressão – sobretudo com a

ampla possibilidade de perpetuação do conteúdo – não possa ser entendida como o absoluto

direito de manifestação. Não é possível a proteção indiscriminada de pessoas que estejam no

pleno gozo de seus atos e atentam contra direitos dos demais indivíduos.

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Neste panorama, o anonimato, a falta de um controle eficaz, a possibilidade de

propagação de conteúdo, sua ampla audiência e a possibilidade de encontro de pessoas com

características antissociais (POSNER, 2002, p. 159) são conceitos que identificam o

aparecimento e incentivo de manifestações ausentes de critérios, com uma ampla

possibilidade de atingir diretamente a preservação de direitos construídos a duras penas de

forma ágil e com danos profundos.

Saliente-se que a própria Constituição Federal de 1988 impõe restrições à liberdade de

expressão positivadas em seu arcabouço, como a vedação ao anonimato, o direito de resposta

e reparação ao dano (seja este material, mora ou à imagem), reparação por violações à

intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas. Entretanto, convém igualmente ressaltar

que a própria divulgação de conteúdos impróprios tem o condão de se tornar inócua a

reparação destes danos, visto que a rápida disseminação acarreta a própria impossibilidade de

restituição ao status quo.

É inegável que o Marco Civil da Internet trouxe um leque de regulamentações ao uso

da rede, trazendo ganhos incontestáveis e necessários para a construção de direitos dentro do

universo virtual. Entretanto, esta própria construção já se inicia – paradoxalmente aquilo que

almeja regulamentar – atrasado em relação ao seu propósito. Aliás, não só atrasado, mas

estruturalmente incapaz de solucionar as questões urgentes e ágeis que compõem as

características da própria internet.

3.2.1 O Marco Civil da Internet: A construção da Cidadania em seu aspecto virtual e seus

reflexos na Democracia

Inicialmente é importante ter a noção da característica pluriconceitual construída em

torno do termo cidadania, a qual passa por um processo evolutivo ao longo da história e se

relaciona, inclusive, com a própria evolução dos direitos. Assim, o desenvolvimento do meio

virtual possui espaço nesse processo evolutivo de exercício da cidadania, em uma leitura da

própria modernidade.

A própria necessidade tecnológica impôs um novo conceito de cidadania na medida

que a internet se estabeleceu como um mecanismo de exercício de direitos dos mais amplos

aos mais restritos. Muito embora a noção de cidadania comumente esteja atrelada ao exercício

de direitos políticos, ou, ainda, à relação de nascimento dos indivíduos em determinado

território, o conceito que ora é entendido diz respeito aos exercícios de direitos construídos

pelo próprio acoplamento estrutural proveniente entre o sistema político e o sistema jurídico.

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Sendo, portanto, a Constituição um texto jurídico que constrói questões políticas (DE

GIORGI, 2015, p. 112-113), considera-se a própria construção da cidadania por meio de

direitos que são produzidos enquanto unidade da diferença entre política e direito, por

intermédio da memória. É importante ressaltar que a memória que ora se refere não diz

respeito à uma captura do passado, mas uma construção de sentido ao texto no tempo

presente, por meio das operações nos sistemas sociais (DE GIORGI, 2015, p. 113).

Neste sentido, a Constituição Brasileira de 1988 trouxe um leque de direitos civis,

políticos e sociais em que impõem ao Estado certos deveres para garantir este arcabouço

positivado. Esta positivação, aliás, trouxe uma absorção de inúmeros casos para lidar com

inúmeras situações. Nos dizeres de De Giorgi (2015, p. 114), este fenômeno aumenta a

capacidade de autoaprendizado, visto que a memória ativada e o processo de seleção

impulsionam a produção de alternativas. Entretanto, a possibilidade da trivialização do direito

também existe, visto que o sistema jurídico passa a ser irritado e, assim, atuar por meio de

qualquer temática.

Acrescente-se, aliás, que a construção destes direitos não se torna exclusivamente um

dever de garantia estatal, mas também um dever de existência por parte dos seus próprios

beneficiários. Os sujeitos da cidadania não devem ser vistos como meros receptores, mas

como conquistadores do direito (MANZINI-COVRE, 2006, p. 10-11). A construção destes

direitos depende, ademais, da própria ativação da memória no presente, além da ativação do

sistema psíquico mediante o pensamento.

A relação da cidadania com a construção em torno das dimensões de direitos

fundamentais, consubstancia-se em direitos de primeira dimensão (liberdade); direitos de

segunda dimensão (igualdade); direitos de terceira dimensão (solidariedade, paz e

fraternidade); e os direitos de quarta dimensão (pluralismo e democracia) (CARVALHO,

2014, p. 59).

A compreensão é a de que a construção em torno da cidadania sobre modificações

evolutivo-temporais é essencial para entender as próprias transformações do Estado e de seus

deveres conexos. Assim, com a tecnologização e a rede de conexões estabelecidas pela

internet, é possível vislumbrar a comunicação e informação como um mecanismo que

viabiliza – e muitas vezes também inviabiliza – o exercício da cidadania.

Nestes termos, a internet proporciona o estabelecimento de papeis no âmbito de sua

utilização, visto que direitos consolidados positivamente através da história acabam por ser

estruturados e construídos também no uso da rede, como o exemplo da liberdade de expressão

e informação, analisados no tópico anterior.

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Neste panorama de mudanças sociais ocorridas pela inserção de tecnologias da

informação na sociedade, formando uma grande teia online, é possível vislumbrar em Manuel

Castells a análise acerca do grau de penetrabilidade que é causado pelos efeitos das novas

tecnologias. Neste sentido,

a emergência de comunicação sem obstáculos e auto-organização ao nível

sociopolítico ultrapassam a mediação do sistema de mídia e desafiam a política

formal. Uma política inovadora, mas pragmática, terá de encontrar o meio caminho

entre o que é social e politicamente exequível, em cada contexto, e a promoção das

condições culturais e organizacionais para a criatividade na qual a inovação, o poder,

a riqueza e a cultura se alicerçam, na sociedade em rede. (CASTELLS, 2012, p. 29)

A internet, para além da informação e expressão, pode funcionar como elemento da

própria dinâmica de participação social, visto que proporciona um novo espaço – não físico –

de debate e influência a ser exercido no contexto da sociedade. Assim, o indivíduo virtual

possui ao seu dispor um mecanismo de influência de sua figura enquanto cidadão,

proporcionando sua participação na sociedade – por meio da comunicação – de forma mais

ágil e rápida.

A expressão de direitos por meio da internet proporciona, aliás, a própria articulação

política e social. Não é mais incomum verificar a participação e interação coletiva por meio

do agrupamento de indivíduos em prol de uma ideologia ou defesa específica de uma

temática, fazendo com que pelo meio virtual se possa conceber maiores adesões aquele objeto

de defesa ou luta.

As formas de comunicação e mensagem acerca também foram fomentadas com o

desenvolvimento da internet, tornando os meios de interação mais democráticos

(LUVIZOTTO, 2016, p. 301). Entretanto, não é demais pensar na internet como meio de

inclusão e também de exclusão social.

Muito embora a disseminação de mecanismos virtuais, programas de governo que

facilitam o acesso online, além de uma virtualização cada vez mais progressiva da sociedade,

existe ainda – e já discutido no presente trabalho – uma parcela considerável da sociedade que

fica à margem dessa participação e ativismo virtual.

Não obstante, estruturalmente a internet permite a atuação mais participativa, visto sua

caracterização rápida e extraterritorial. Assim, a manifestação online permite a consolidação

de movimentos sociais (LUVIZOTTO, 2016), o que favorece o desenvolvimento da

democracia (MIRANDA, 2017), visto que possibilita à iniciativa popular na participação das

necessidades sociais (BECKER; GOMES, 2017).

A postura das informações apresentadas e recebidas no âmbito virtual dependem de

uma conscientização cidadã, devendo ocorrer a construção de ações e orientações mediante

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provocações, de forma a proporcionar as finalidades do indivíduo que darão sentido à

informação (CARVALHO, 2014, p. 61).

No âmbito brasileiro existem determinadas associações civis que possuem o propósito

de consolidar o espaço virtual de uma forma responsável, criando a noção de

desenvolvimento das relações sociais e do conhecimento a partir de uma estruturação segura e

legítima da imagem do cidadão.

Na América Latina, por exemplo, destaca-se a criação da Central Nacional de

Denúncias de Crimes Cibernéticos15, cujo papel envolve o recebimento de denúncias que

contenham fatos acerca de Pornografia Infantil, Racismo, Neonazismo, Intolerância Religiosa,

Apologia aos crimes contra vida, Homofobia e maus tratos aos animais. A participação do

cidadão no meio virtual tem reflexos diretos na Democracia, cujo conceito é necessário

analisar sob diversas perspectivas.

A democracia em Tocqueville (2005) estava estruturada com base na igualdade de

condições, inexistindo classes e prevalecendo uma igualdade social. Por este conceito se

entende a ausência de diferenciações com bases na consanguinidade, entendendo pela

acessibilidade de todos. A sociedade, no seu entendimento, teria a lei como guia e ocorrendo a

submissão do indivíduo sem receios. A conservação dos direitos seria garantida, sendo o

Estado livre de quaisquer tiranias. A liberdade, portanto, é um dos fundamentos para a

democracia, limitando-se o poder a partir do próprio poder.

É na busca incessante pela igualdade e pela liberdade que proporcionará à sociedade a

luta pela redução da desigualdade entre as pessoas, prevalecendo sempre a independência de

cada indivíduo. Tocqueville ainda constrói uma democracia baseada na concorrência

constante entre os indivíduos, que colocaria a sociedade em uma insatisfação constante pela

igualdade e pela prosperidade – que nunca serão garantidas visto que a preocupação pelo

bem-estar material deve ser sempre um objetivo a ser alcançado.

Neste sentido, embora haja uma tendência à individualização, em termos coletivos

ocorreria sempre o escopo precípuo de proporcionar às pessoas o usufruto de tudo aquilo que

esteja disponível, na melhor forma, sempre estando em coerência aos dispositivos da lei.

Convém salientar que a leitura de Tocqueville, baseada sempre na análise da democracia

norte-americana, tinha uma igualdade não só baseada no dispositivo legal, mas nas próprias

15 A central foi elaborada pela SaferNet Brasil, associação civil de direito privado criada no ano de 2005, com

atuação no país latino-americano, sem fins lucrativos ou vinculação partidária, religiosa ou racial. Hoje atua

no enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet e possui acordos de cooperação

com instituições e autoridades, a exemplo do Ministério Públicos Federal.

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relações sociais, o que conduziria a um compartilhamento de sentimentos que permitem aos

indivíduos se vislumbrarem como iguais.

Por meio de uma outra interpretação, verifica-se a figura de Michael Walzer (2005),

que entende pela afirmação de uma comunidade distributiva, em que os bens sociais em

processo de distribuição fortaleciam a ideia de uma justiça social. Este processo, aliás, se dava

de maneira não simplista em virtude da vastidão dos bens sociais existentes em uma

sociedade.

Walzer (2005, p.385) parte do pressuposto que o poder político é o responsável pela

defesa da tirania, entretanto, ele mesmo se torna tirânico. É por esta razão que há uma busca

incessante pelo poder. Assim, a própria distribuição do poder político se faz necessária entre

os membros da comunidade, para estar ligado diretamente à democracia. Tal situação se dá,

porque o compartilhamento do poder enseja a respeitabilidade dos indivíduos inseridos em

uma comunidade.

Partido destes pressupostos, a democracia seria o governo dos cidadãos sobre si

mesmos com base na igualdade (WALZER, 2005, p. 416). Entretanto, esta igualdade não se

dá de uma forma simples, visto que a depender daquilo que a comunidade tenha de lidar,

deverá contar com as especificidades de determinado indivíduo ou grupo. Assim, a

democracia funcionaria como um modo de reserva de poder e legitimação de seu uso por

intermédio da atribuição.

Valoriza-se, ainda, o discurso e a retórica como forma de argumentação, de forma que

haja o convencimento de maior parcela dos cidadãos e seja possível atingir determinados

objetivos. Assim, a força, o dinheiro e o abuso do poder não podem ser utilizados como

ferramentas para o convencimento das pessoas, sob pena de adentrar-se no ciclo da tirania.

A modelo de democracia de Walzer se assemelha – nas questões apresentadas – ao

modelo apresentado por John Stuart Mill (1988, p. 38), quando entende que a soberania é

adequada à vontade da comunidade e todo indivíduo teria participação em seu exercício,

podendo inclusive atuar efetivamente por meio de alguma função.

Em uma outra construção democrática, Robert Dahl (2001, p. 49-50) estabelece 05

critérios que remontam a associação em que os membros de determinada sociedade tenham

seus interesses atendidos, quais sejam: Participação efetiva, Igualdade de voto, Entendimento

esclarecido, Controle do programa de planejamento e Inclusão dos Adultos. O primeiro

critério induz que os membros de determinada comunidade devem ter igualdade de

oportunidades para que suas opiniões e conceitos sejam dados ao conhecimento de todos.

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A igualdade de votos – como o próprio nome sugere – proporciona a possibilidade de

todos os membros terem participação igualitária na tomada de decisão política, sendo afastada

qualquer contabilização de votos de forma desigual. O terceiro critério estabelece que deve

existir uma limitação temporal para que cada membro passe a ter igualdades iguais de

aprendizado sobre as políticas construídas e as consequências de suas iniciativas.

O controle do programa de planejamento estabelece que os membros devem possuir a

oportunidade de optarem sobre as principais questões a serem colocadas em um programa

planejado, fomentando a continuidade dos três critérios anteriores. Por fim, o último critério,

impõe que a maior parcela de adultos deve ter o direito à participação efetiva (primeiro

critério) implicitamente.

Tendo o presente trabalho um posicionamento teórico baseado na Teoria dos Sistemas

Sociais Luhmanniano, é necessária igualmente a análise do conceito de democracia dentro do

viés fundamentado nesta teoria. O modelo de Niklas Luhmann não segue a linha de sociedade

enquanto indivíduos agrupados, excluindo o homem e incluindo a ideia de uma racionalidade

social. Neste sentido,

A sociedade é aquele sistema social cuja estrutura regula as últimas reduções bacias,

às quais os outros sistemas sociais podem referir-se. Ela transforma o indeterminado

em determinado, ou, pelo menos, em uma complexidade determinável para outros

sistemas. A sociedade garante aos outros sistemas um ambiente por assim dizer

domesticado, de menor complexidade, um ambiente no qual já está excluída a

aleatoriedade das possibilidades, fazendo assim com que ele apresente menos

exigências às estruturas do sistema. (LUHMANN, 1983, p. 168).

A partir da percepção do sociólogo alemão, o direito possui um importante papel como

redutor da complexidade social, tendo em mente a impossibilidade de concepção de

democracia sem que os cidadãos possam absorver padrões de comportamento que o sistema

jurídico construa dentro de uma estrutura positiva. Esta positivação normativa é construída em

virtude de uma decisão política, sendo legitimada a partir da aquiescência das seleções

realizadas pelo direito.

Neste sentido, concebe-se a existência de uma diversidade de centros de poder, cuja

sociedade o legitima a partir da participação em procedimentos, afastando determinadas

verdades concebidas na forma da imutabilidade. Esta forma de legitimação, que impulsiona a

formação de novas nuances de comportamento e organização geram o aumento da

complexidade do poder, afastando a ideia de democracia que está consubstanciada na

transferência deste mesmo poder a um soberano, por intermédio do consenso.

A democracia, portanto, se apresenta na teoria dos sistemas como resultado da

operação entre direito e política, em que ambos operam consoante os critérios e códigos

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autorreproduzidos. Ou seja, a política e o direito embora possuam autonomia operativa, atuam

no Estado Democrático dentro de seus próprios limites e interpretações.

A conceituação da democracia, neste panorama, liga-se diretamente à tomada plural de

decisões, capitaneadas na diferenciação existente nos sistemas sociais. O problema existente

no sistema político se dá na existência de uma tensão contínua em manter uma complexidade

alta, produzindo novas decisões (Di Giorgi, 1998, p. 41). Assim, o sistema político é

democrático quando mantem elevada a complexidade. Neste sentido, a democracia se

estabelece com a redução da complexidade no ambiente (entorno), enquanto que dentro do

sistema essa complexidade é aumentada.

Dessa forma, a evolução do sistema político proporciona o surgimento da democracia,

como forma de propositura de normas que vinculem a coletividade dentro de um sistema

complexo. Essa legitimação – que se dá de forma fictícia – se autojustifica e autofundamenta.

É no sistema jurídico – por intermédio do direito e sua positivação – que há a redução

da complexidade social que garante a democracia, superando-se a concepção clássica de

vontade política dos indivíduos para a legitimação por meio da participação em

procedimentos. Este rompimento da democracia com centralidade no sujeito, por meio da

legitimação procedimental, acarreta inclusive o próprio questionamento dentro do sistema,

quando a procedimentalização não atende às funções estabelecidas, permitindo-se – por meio

da memória – que sejam construídos novos procedimentos e, consequentemente, novas

respostas.

A construção da democracia, portanto, se dá pela formulação de um poder circular,

estabelecido pela codificação binária do sistema político consubstanciado na alternância

constante entre governo e oposição.

Convém ressaltar que o próprio questionamento de Luhmann não reduz a um conceito

de democracia, mas como ela se torna possível e viável em uma sociedade complexa em que o

Estado moderno enquanto território possui falhas acerca de sua própria legitimidade. A este

questionamento, acrescenta-se, portanto, a própria figura da internet, que aumenta a

complexidade ultrapassando a mera extensão territorial.

A utilização da seara virtual como mecanismo de exercício da cidadania possibilita a

articulação dos indivíduos que possuem centros de interesses comuns, corroborando para a

formação dos citados centros de poder. Neste sentido, a participação dos cidadãos no espaço

virtual abarca as opiniões e expressões de seus participantes, ao turno em que pode funcionar

igualmente como mecanismo de destruição da própria cidadania e, consequentemente, da

democracia quando fortalece posicionamentos condizentes com o autoritarismo.

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É possível inferir que existem mudanças qualitativas no que diz respeito à

democratização da tomada de decisões por dois motivos: o primeiro relacionado à

concentração de instrumentos participativos e o segundo em razão do estabelecimento de

interconexão proporcionados pela rede, o que favorece a organização de grupos

(CARVALHO, 2014, p.66). Neste sentido, a dimensão participativa da democracia alargou em

razão do acesso à internet, permitindo níveis de trocas de informação em grau elevado em

razão da potencialização de tecnologias digitais.

Concebe-se a ideia, portanto, de que a internet criou um novo campo de participação e

legitimação, favorecendo o campo da tomada de decisões democráticas, ocorrendo uma

aproximação de novas instâncias e centros de poder, além da própria aproximação dos

indivíduos enquanto ambiente dos sistemas sociais, o que favorece o exercício da

comunicação, ponto nevrálgico da teoria dos sistemas sociais.

A internet pelas próprias características possui redes vivas de comunicação que se

desdobram infinitamente, gerando o locus para promoção de práticas sócio-políticas (GUZZI,

2010, p. 79-80). Assim, o mecanismo virtual passa a ser uma estrutura em que transfere o

exercício da cidadania representativa, para um exercício participativo. Este fato, aliás, é fruto

da facilitação entre a comunicação dos usuários, de forma que até a contemporaneidade se

desconhece outra estrutura que proporcionou este resultado.

A participação popular proporcionada pela internet, fomentou o aprimoramento prático

de exercício da democracia, “ajudando na sua preservação e no robustecimento da democracia

como regime que melhor atende à exigência de liberdade das pessoas” (CARVALHO, 2014,

p. 68).

É possível comparar, inclusive, a internet a um sistema nervoso governado pela

“inteligência coletiva”, termo cujo autor construiu para designar espécie de inteligência

distribuída por toda parte, com coordenação ininterrupta e em tempo real que tem por objetivo

o reconhecimento das habilidades que possuem os indivíduos, por meio da informação e

comunicação (LÉVY, 2003, p. 28).

Não obstante o conceito alhures apresentado, não deixa de ser utópico quando

preleciona a ausência de restrição desta distributividade virtual, visto que acredita que a

inteligência coletiva é um fenômeno de participação total de todos os indivíduos, enquanto

que quando vislumbradas em relação ao acesso à internet, verifica-se a ausência de

participação integral dos indivíduos e, talvez, seja possível dizer que este patamar jamais será

alcançado em virtude da velocidade de inovação virtual atrelada à barreira econômica que é

estabelecida para conectar-se a estas modificações.

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Ainda assim, a promoção de interatividade e atuação cidadã como difusora e receptora

de informações favorece redefinições aos aspectos da sociedade, prevalecendo novos tipos de

governança capazes de proporcionar uma maior capacidade participativa dos indivíduos. Esta

mudança de uma democracia representativa para uma democracia participativa tem um

nascimento no próprio desprestígio da primeira (CASTANHO, 2009, p. 95).

Tendo em vista a consideração de uma decisão política desvinculada da sociedade –

termo cunhado para vislumbrar uma ausência de legitimidade nas decisões construídas pelo

sistema político – novos modelos acabam sendo formulados. Neste panorama, surge a

chamada “e-democracia” (CASTANHO, 2009, p. 118), ideia em que traduz a participação

política dos cidadãos nas decisões do governo. Em que pese a conceituação da autora

reconstruir o significado com base em um novo olhar sobre democracia representativa, no

presente trabalho entende-se por uma estrutura em que se pense o modelo democrático

enquanto participativo, estabelecendo-se uma relação entre as instituições e os indivíduos,

garantindo o funcionamento legítimo de democracia.

Neste sentido, como uma das evoluções que culminaram em uma estruturação da

internet de forma a aproximar pessoas e favorecer a comunicação, surge uma série aplicativos

que tornaram esta capacidade de troca de informações mais efetiva, os chamados Over-the-

Top, objeto direto do presente trabalho e cuja construção em torno do seu conceito é

necessária.

3.3 O Significado dos Aplicativos Over-the-Top: A Ausência de um Conceito

As progressivas evoluções na digitalização dos serviços e conteúdos proporcionaram

um aumento da escolha e das oportunidades em torno de produtos em níveis mundiais. Ao

mesmo tempo, esta revolução acaba por revelar pontos de falhas no que concerne ao sistema

regulatório, verificando-se serviços que acabam por exercer influência na concorrência e nas

estruturas tradicionais de mercados.

Assim, a internet impulsiona a economia mundial, servindo como mecanismo para os

usuários conduzirem seus interesses pessoais e econômicos, influenciando a sociedade e

sendo influenciada pela mesma em nível global. Assim, os benefícios de acesso de uma

internet livre acabam se tornando incontestáveis. Entretanto, esta mesma evolução

proporcionou a entrada no mercado de muitos produtos e serviços que passaram a incomodar

setores anteriores, como é o exemplo dos serviços Over-the-Top.

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Não foi construído, ainda, um conceito consolidado do termo e embora não seja

objetivo da presente dissertação determiná-lo, se faz necessária uma análise acerca do

existente para que seja direcionado o objeto do presente trabalho que é a regulação econômica

dos serviços que o capitaneiam.

Os problemas relacionados a uma conceituação semântica estabilizada decorrem da

ausência de precisão dos serviços relacionados a uma categoria pré-estabelecida

normativamente (FERNANDES, 2018, p. 12). Assim, embora as expressões apresentadas

adquiram certa universalidade, acabam não se amoldando às exigências necessárias para

fixação de uma definição uníssona.

O termo Over-the-Top foi cunhado para referir-se a serviços disponibilizados de forma

virtual que possui a capacidade de substituir serviços tradicionais de telecomunicações e

serviços de mídia. Nestes termos, é possível estabelecer exemplos claros – e não exaustivos –

de serviços que possuem este viés, conforme se verifica na tabela abaixo:

Tabela 4 – Tipos de Serviços Over-the-Top e seus principais exemplos no mercado

SERVIÇO VIRTUAL EXEMPLOS

Serviços de mensagem instantânea Facebook Messenger, iMessage, Whatsapp

Serviços de chamada de voz e vídeo FaceTime, Skype, Viber, Whatsapp, Telegram

Serviços de áudio Apple Music, Spotify, Vevo, Deezer

Serviços de vídeo Hulu, Netflix, Youtube, Wuaki.tv

Compra e Descarga de Ficheiros Media Amazon, iTunes

Redes Sociais Facebook, Instagram, LinkedIn, Twitter,

Snapchat

Buscadores e agregadores de informação Google, Yahoo

Compartilhadores de ficheiros BitTorrent, UTorrent

Armazenamento de Datos File Transfer Protocol, Apple, Dropbox

Economia de Compartilhamento Uber, AirBnb

Fonte: Adaptado da Autoridade Nacional de Comunicações - Anacon

A União Internacional de Telecomunicações – agência da Organização das Nações

Unidas cuja atuação se relaciona à temática das Tecnologias da Informação e Comunicação

(TICs), adotou o seguinte conceito para os serviços Over-the-Top: “aplicações acessadas ou

entregues na rede pública que podem substituir de forma direta ou funcional os serviços de

telecomunicações tradicionais” (ANATEL, 2018). Esta conceituação, aliás, foi fruto das

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contribuições da delegação brasileira no grupo de trabalho que tem por propósito a regulação

do setor.

O conceito, portanto, estabelecido pela UIT coloca os serviços Over-the-Top no

patamar de avocação das telecomunicações no que concerne a regulação do setor. Em que

pesem os conceitos surgidos até então, percebe-se uma vinculação política que busca

evidenciar um conflito concorrencial e econômico acerca da natureza dos serviços diante do

mercado competitivo (FERNANDES, 2018, p. 13).

Com o aumento das conexões de banda larga, além do surgimento de dispositivos

tecnológicos a cada dia mais eficientes, os usuários estão lidando com novos serviços e

produtos que possuem por base a estrutura virtual. Embora exista a dicotomia apresentada

pelos serviços tradicionais e os novos serviços, é possível constatar que além da substituição

da escolha, alguns destes servem como complemento daqueles, quando possuem recursos

insuficientes.

Os serviços Over-the-Top, portanto, estão expandindo e reformulando todo o setor de

comunicações, ao passo que proporcionam benefícios à economia e aos usuários. Entretanto,

se faz necessária a análise do impacto que estes serviços virtuais causam na economia,

baseando-se essencialmente nas diferenças entre os setores, o acesso à internet, o nível de

complementaridade e ao mesmo tempo de substituição, além da própria coexistência dos

setores no mercado.

A análise do cenário competitivo que envolve os serviços Over-the-Top e os

tradicionais deve considerar a própria complexidade da relação entre estes atores. Isto se dá

porque em determinadas funcionalidades, existem semelhanças, enquanto que em outras, elas

podem ser complementares. Há, ainda, uma grande insatisfação por parte dos setores

tradicionais por considerarem que existe uma usurpação dos OTTs em relação à atividade que

seria de exclusividade dos tradicionais.

A existência de serviços que não possuem controle sobre a internet acarreta em um

consenso que diferencia os serviços Over-the-Top dos chamados managed services

(FERNANDES, 2018, p. 15). Estes se tratam de provedores de serviços que proporcionam o

monitoramento e supervisão de procedimentos terceirizados, melhorando as operações e

reduzindo despesas. Assim, o fornecedor dos serviços possui o controle sobre o acesso fixo ou

móvel da internet e sobre a distribuição dos dados.

Neste sentido, é possível conceber os serviços OTTs como uma estrutura que abarca

conteúdos, aplicativos e serviços que sejam acessados por consumidores finais, por meio do

acesso à internet e por um prestador de serviços direto que não possui qualquer controle

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exercido sobre a rede. Partindo-se desde panorama, os serviços agregados dentro de uma

funcionalidade virtual se enquadrariam na classificação de serviços Over-the-Top.

As análises que permeiam o impacto das OTTs no mercado são apresentadas sob a

questão da igualdade de condições. Essas preocupações, aliás, não estão restritas ao Brasil – e

nem poderiam deixar de ser, visto a ausência de territorialidade de serviços agregados à

internet – sendo uma perspectiva global os desafios enfrentados pela rede tradicional em

relação as novas alternativas.

A própria neutralidade da rede, inclusive, serviu como mecanismo para impedir uma

espécie de sabotagem dos novos serviços, visto que o fornecimento de dados que proporciona

o acesso à internet é realizado, na grande maioria dos casos, por empresas tradicionais de

telecomunicações16.

Esta igualdade de condições, aliás, é um mecanismo que deve ser encarado sob

diversos prismas, salientando que a questão essencial a ser observada é o aspecto de sua

regulação no Brasil e a própria relação existente com os demais países, visto que sendo a

internet um produto extraterritorial, podem existir fortes interesses de empresas estrangeiras

no fornecimento de internet no país, visto que é um dos que mais possuem acesso à internet e

redes sociais no mundo.

Diante dessa perspectiva, muito embora haja a existência de potenciais riscos nesta

nova revolução virtual, a concorrência pode trazer igualmente novas oportunidades não só ao

Brasil, mas a todo o planeta. Assim, torna-se cristalino o desafio existente no que concerne às

operadoras de telecomunicações, visto a tentativa de não reduzir as receitas de seus serviços

devido ao desenvolvimento de novas tecnologias que – por vezes – fornecem os mesmos

serviços com custos reduzidos e com mais eficiência.

Há, ainda, a discussão em torno da justificativa que existe uma legislação setorial

rígida em relação às operadoras de telecomunicações tradicionais, enquanto que os

provedores de OTTs não estariam submetidos à mesma legislação, causando um desequilíbrio

mercadológico e uma concorrência desigual, incentivando, inclusive, que os novos serviços

ofereçam serviços mais eficazes e, portanto, tenham a preferência no consumo.

Trata-se, aliás de um problema de mercado no ambiente digital, sobretudo porque os

serviços online possuem um dinamismo e velocidade que exigem e impõem ritmos para

outros mercados, cujo acompanhamento se torna inviável.

16 Embora no Brasil a Neutralidade da Rede em vigor, em 2018 os Estados Unidos decretaram o seu fim no país.

Assim, as empresas de telecomunicações americanas passam a controlar o tráfego de dados online.

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Há que se ter em vista, aliás, que a análise ora realizada diz respeito essencialmente a

um modelo regulatório voltado aos aplicativos de comunicação, não sendo diretamente

possível vislumbrar que um regime setorial seja aplicável a outros serviços Over-the-Top que

atue de forma diversa. Ou seja, a possibilidade de uma regulação que envolva aplicativos

como o Whatsapp não terá – necessariamente – a mesma submissão para a Netflix, por

exemplo.

Neste sentido, o presente trabalho visa explorar a questão dos serviços Over-the-Top,

tomando por base essencialmente aplicativos que utilizam a plataforma de atuação em

mensagens instantâneas e chamadas de voz e vídeo – como é o exemplo do Whatsapp –

identificando a possibilidade de uma regulação econômico-social que tenha por critérios o

desenvolvimento de um acesso à internet livre, analisando, por fim, as oportunidades de

regulação dos serviços online no Brasil como forma de alavancar uma política digital

legítima, com a participação dos indivíduos em geral.

3.4 A Funcionalidade Econômica da Internet na prestação de Serviços Over-the-Top

A Internet para além da estrutura física estabelecida em redes, possui uma série de

sujeitos no mercado cuja atuação possui a regulação e controles estatais. Estas redes,

conforme preceitua Lévy (2010), formam o que se entende como um “sistema nervoso da

biosfera” em um aspecto de inteligência coletiva e virtual, constituindo a interação entre estes

atuantes, influenciando e sendo influenciados pela comunicação virtual.

Neste panorama, a utilização dos serviços Over-the-Top subordina-se ao necessário

estabelecimento de vínculos entre seus usuários, cujo mecanismo se baseia no processamento

de conteúdo, dados e informações a partir de uma estrutura que vem ao reforço desta

prestação.

Existe, portanto, um modelo de cadeia para o fornecimento da internet que se baseia

em três níveis (FERNANDES, 2018, p. 18). O primeiro nível é consubstanciado no Mercado

de Interconexões de Rede, que atua fornecendo aos provedores de acesso a conexão aos

elementos de redes. Assemelha-se, essencialmente, ao chamado Provedor de Backbone.

O backbone é conhecido pela espinha dorsal da Internet, por meio do qual todos os

dados são distribuídos através das diversas redes locais. É justamente esta estrutura em que os

satélites e cabos se conectam para realizar a transmissão da informação de forma virtual.

Convém ressaltar que a atividade dos provedores de backbone fornece a infraestrutura que

possibilitará aos demais provedores – posteriormente analisados – o fornecimento dos

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serviços de utilização de internet. Este tipo de provedor não se relaciona diretamente com o

usuário final da internet.

O segundo nível apresentado é o chamado Mercado de Acesso e Conectividade,

formado pelos Provedores de Acesso. Entende-se por provedor de acesso a estrutura que

proporciona a conexão de Internet levando-a até o usuário final. O fornecimento do serviço de

Internet realizado por este tipo de provedor se dá através de uma conexão com o provedor de

backbone. Sobre o tema, é importante a tese de Fernando Antônio de Vasconcelos:

[...] provedor de acesso é a instituição que se liga à internet, partindo de um “ponto

de presença” ou outro provedor, para obter conectividade IP e repassá-la a outros

indivíduos e instituições, em caráter comercial ou não. O provedor de acesso torna

possível ao usuário final a conexão à internet através de uma ligação telefônica

local. Em suma, provedor de acesso é aquele que serve obrigatoriamente de

elemento de ligação entre o internauta receptor e o internauta emissor. Não resta

dúvida de que um provedor de acesso é também um prestador de serviços técnicos

engajado contratualmente como intermediário entre os utilizadores de internet.

(VASCONCELOS, 2005, 67-68)

Importante salientar que conforme o trecho supramencionado, o serviço pode ser

prestado de forma onerosa ou gratuita. Quando realizado de forma gratuita, ainda assim se

traduz como prestação de serviço, visto que a remuneração se dá de forma indireta, através de

publicidade ou acordos comerciais diversos.

Acrescente-se que não há necessidade de o provedor de acesso acrescentar serviços

adicionais para estar inserido em tal categoria, mas tão somente fornecer o acesso direto do

consumidor final à Internet (DALL´AGNOL, 2010, p. 06). Serviços como correio eletrônico,

conteúdo e hospedagem podem ser fornecidos pelo provedor de acesso, mas podem

igualmente ser fornecidos separadamente, sem obrigatoriedade.

O terceiro nível, portanto, seria o Mercado de Conteúdos e Aplicativos,

consubstanciado nos usuários finais e, igualmente, nos serviços Over-the-Top. Verificando a

leitura do Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 2º e 3º, é possível verificar que a

relação existente entre o usuário final da internet e o provedor de acesso é de consumo, visto

que nos termos do art. 2º o consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza

produto ou serviço como destinatário final” enquanto que fornecedor, para o art. 3º é toda

pessoa física ou jurídica que desenvolva atividade de distribuição ou prestação de serviços.

Em que pese, aliás, a conceituação de serviço como atividade fornecida no mercado de

consumo, mediante remuneração, nos termos do art. 3, §2° do CDC, mesmo que o serviço

seja feito de maneira gratuita ao consumidor, ainda se dá a remuneração conforme

desenvolvido anteriormente, visto que existe o pagamento através de propaganda. Ou seja,

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não há a descaracterização da relação de consumo em virtude de ausência de remuneração

direta do consumidor/destinatário final.

Ademais, de acordo com a classificação apresentada, aos usuários finais cabem tanto o

consumo quando na conexão à internet, contratando um provedor de acesso; como igualmente

no uso dos serviços OTT, que podem ser fornecidos a título oneroso ou gratuito a depender do

tipo de aplicativo que se utiliza. Neste sentido, é possível verificar a existência de um duplo

consumo dos provedores de acesso na relação, visto que para que tenha utilização dos

serviços OTT, o usuário deve possuir uma conexão de internet ativa, ao passo que para

fornecer os seus serviços, as empresas OTT também deverão possuir uma conexão online.

São os provedores de acesso que possuem o controle do nível de dados que será

trafegado, capacidade esta que leva diretamente à discussão acerca da neutralidade da rede,

visto que nos lugares onde inexiste tal fator, os provedores podem reduzir o fornecimento dos

dados aos OTTs que possuem concorrência direta com os setores tradicionais de

telecomunicações.

3.5 Setores Tradicionais de Telecomunicações X Aplicativos Over-the-Top: uma tentativa pelo

controle do setor de telecomunicações brasileiro

O setor de telecomunicações brasileiro é dominado por uma parcela mínima de

empresas, cujo serviço supera o mero fornecimento de ligações, passando a fornecer acesso à

banda larga de internet, cuja denominação dos serviços se enquadra na Comunicação

Multimídia (SCM) outorgada pela Anatel. O Market Share significa a parcela de ocupação de

uma empresa no mercado no que concerne as vendas de um determinado produto. Neste

sentido, em relação à venda de banda larga, é possível verificar as seguintes ocupações:

Tabela 05 – Composição do Mercado de Banda Larga Fixa no Brasil

Operadora 2015 2016 2017 1T18 2T18 Jul/18

Claro 32,3% 31,8% 30,8% 30,4% 30,1% 30,1%

Vivo 28,6% 27,9% 26,3% 25,7% 25,4% 25,3%

Oi 25,0% 24,0% 21,8% 20,9% 20,4% 20,2%

Competitivas17 14,1% 16,3% 21,1% 23,0% 24,2% 24,4%

Fonte: Teleco. Disponível em: < http://www.teleco.com.br/blarga.asp>. Acesso em 19 set. 2018

17 Competitivas é a denominação atribuída pela Teleco para as empresas menores que detêm parcelas tão ínfimas

que menos quando condensadas não superam as líderes do setor: Claro, Vivo e Oi.

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É possível perceber, portanto, que mesmo quando considerada a união de toda a

porcentagem de ocupação do mercado, não há aproximação do valor unitário das três grandes

empresas que fornecem o acesso à banda larga no país. Esta mesma proporção se repete

quando é considerada a ocupação do mercado de internet móvel 4G no país, adicionada a

operadora TIM que passa a figurar dentre as quatro grandes empresas de telecomunicações

em atividade no Brasil.

Tabela 6 – Composição do Mercado de Internet Móvel (4G) no Brasil entre 2015-2018

Operadora 2015 2016 2017 1T18 2T18 Jul/18

Vivo 37,55% 35,65% 33,61% 33,50% 32,86% 32,68%

Claro 17,50% 19,31% 22,31% 22,35% 23,08% 23,17%

TIM 27,94% 28,06% 26,99% 26,78% 26,49% 26,39%

Oi 13,79% 15,16% 15,99% 16,34% 16,53% 16,57%

Nextel 3,22% 1,82% 1,10% 1,03% 1,04% 1,00%

Algar - - - - - 0,19%

Fonte: Teleco. Disponível em: < http://www.teleco.com.br/4g_brasil.asp>. Acesso em 19 set. 2018

Conforme já explanado, estas mesmas empresas atuam nos serviços de telefonia

propriamente dita, possuindo igualmente dominação plena do mercado, chegando inclusive a

possuírem mesma classificação quando comparadas o percentual de fornecimento de telefonia

e os percentuais de banda larga fixa e 4G.

Tabela 7 – Composição do Mercado de Operação de Telefonia Fixa no Brasil

Operadora 2015 2016 2017 1T18 2T18 Jul/18

Vivo 28,42% 30,23% 31,69% 31,85% 32,02% 32,12%

Claro 25,59% 24,65% 24,96% 24,94% 25,10% 25,05%

TIM 25,69% 25,98% 24,79% 24,55% 24,06% 23,96%

Oi 18,64% 17,27% 16,47% 16,45% 16,53% 16,54%

Nextel 0,97% 1,06% 1,18% 1,25% 1,31% 1,33%

Algar 0,50% 0,55% 0,56% 0,55% 0,55% 0,55%

Sercomtel 0,03% 0,03% 0,03% 0,03% 0,03% 0,03%

MVNO’s 0,16% 0,23% 0,33% 0,38% 0,40% 0,43%

Fonte: Teleco. Disponível em: < http://www.teleco.com.br/mshare.asp>. Acesso em 20 set. 2018

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Entretanto, muito embora exista esta dominação do mercado por quatro empresas de

telefonia, é possível ainda perceber uma progressiva diminuição dos serviços tradicionais de

telecomunicações, conforme se constata dos relatórios apresentados pela ANATEL até o ano

de 2015.

Tabela 8 – Acessos Fixo em Serviço e Móvel Pessoal no Brasil entre 2012-2015

SERVIÇO TELEFÔNICO FIXO COMUTADO - STFC (TELEFONIA FIXA)

INDICADORES UNIDADE 2012 2013 2014 2015

Acesso Fixo em

Serviço

milhões 44,3 44,7 45,0 43,7

SERVIÇO MÓVEL PESSOAL - SMP (TELEFONIA MÓVEL)

INDICADORES UNIDADE 2012 2013 2014 2015

Acesso Móvel

Pessoal

milhões 261,8 271,1 280,7 257,8

Fonte: Anatel

O acesso fixo em serviço e o acesso móvel pessoal tem por significado anual o

crescimento ou redução dos serviços de telefonia propriamente dita – afastando-se o uso de

internet, por exemplo – ao longo dos anos de 2012 a 2015. É possível perceber uma sensível

redução de seu uso, o que pode estar associado à disseminação do uso de aplicativos que

permitem a troca de mensagens e de chamadas online.

Figura 1 – Percentual de pessoas que acessaram a Internet em cada finalidade, na

população de 10 anos ou mais de idade que utilizaram a Internet, no período de

referência dos últimos três meses, por situação do domicílio, segundo a finalidade do

acesso à Internet – Brasil – 4º trimestre de 2016.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios Contínua 2016

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De acordo com os resultados obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE, o acesso à Internet possui variadas finalidades, destacando-se o envio e

recebimento de texto, voz ou imagem por aplicativos que diferem do e-mail sendo indicada

por 94,2%das pessoas, dentro do último trimestre do ano de 201618.

Quando o uso é verificando de acordo com a zona rural ou urbana, constata-se que usa

utilização permanece alta, pouco diferindo uma da outra, consubstanciando-se em 91,5% e

94,5% respectivamente. O IBGE, aliás, constatou o serviço aos aparelhos móveis celulares

que a princípio possuam a finalidade restrita de telefonia, no decorrer do tempo, tiveram

ampliadas suas possibilidades de uso, tendo em vista que outras funções foram

paulatinamente agregadas, como é o caso da internet.

A dúvida que paira sobre estes dados é se há uma redução do uso dos serviços de

telefonia fornecidos pelo setor tradicional de comunicação em virtude exclusivamente de uma

progressiva concorrência estabelecida por parte dos aplicativos OTT e se há, de fato, um

prejuízo aos serviços tradicionais.

Em que pese o avanço progressivo da internet e, consequentemente, de serviços OTT,

que incidem diretamente na utilização de serviços que possuem exclusividade por parte do

setor de telecomunicações, é possível inferir que haja uma redução progressiva do consumo

em virtude da ausência de ônus para fornecimento de serviço igual ou semelhante ao

tradicional.

A partir de outra perspectiva, entretanto, é importante salientar que o consumo de

internet se dá – no Brasil – essencialmente com a contratação de pacotes e serviços

disponibilizados por estas mesmas empresas de telefonia. Em outros termos, para que o

usuário dos serviços OTT tenham acesso aos seus benefícios, necessitarão contratar uma

conexão online que é fornecida – na grande maioria das vezes com pacotes não só de internet,

mas de telefonia e TV por assinatura – pelas tradicionais empresas de telecomunicações.

Assim, não se traduz razoável concluir que há uma relação de concorrência desleal

entre os serviços OTTs e tradicionais de telecomunicações, visto que há uma interdependência

real entre os setores, podendo-se inclusive deduzir que o crescimento dos aplicativos

proporcionou uma busca maior pela contratação de internet móvel, o que poderia ensejar uma

compensação ou troca de um serviço por outro.

Não obstante, a discussão em torno da temática – longe de se exaurir – não é exclusiva

ao caso brasileiro. Nesta perspectiva, se faz necessário vislumbrar como é encarada a

18 Até o fechamento do presente trabalho o IBGE não divulgou os resultados dos anos de 2017, 2018 e 2019.

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problemática no sistema norte-americano e europeu, temática a ser discutida no próximo

ponto.

3.6 A experiência Norte-Americana acerca da Regulação de Serviços Over-the-Top

Os Estados Unidos serviram de inspiração para o regime regulatório adotado pelo

Brasil, consubstanciado na privatização das estatais e criação de Agências Reguladoras para

correção de eventuais falhas de mercado, quando associadas à formação de monopólios

naturais. A diferença entre os países se dá na ordem realizada, visto que enquanto os norte-

americanos promoveram a criação das agências para posterior privatização, no Brasil – como

já apresentado no segundo capítulo – a privatização se deu primeiro, enquanto que a criação

das agências veio posteriormente.

A primeira lei relacionada ao setor nos Estados Unidos foi a Communications Act de

1934, que criou a Federal Communications Comission (FCC), órgão regulador de

telecomunicações e radiodifusão do país, no contexto do New Deal. O objetivo da lei foi o de

regular o comércio interestadual e estrangeiro dentro no país, de forma a fomentar o serviço

de telecomunicações norte-americano.

A lei teve o propósito de abarcar a transmissão de energia por rádio, sobretudo

estrangeira, além da regulação das estações instaladas no país, além de distribuir a

competência para cobrança, classificação, serviços, práticas dos fornecedores dos serviços,

tornando a FCC a responsável por sua fiscalização, que perdura, aliás, até atualmente.

No ano de 1996 os Estados Unidos promoveram a aprovação da chamada

Telecommunications Act, cujo objetivo foi o de reestruturar o setor de telecomunicações a

partir da regulação, consubstanciada no fomento à concorrência. Tratou-se, portanto, a

primeira revisão expressiva da lei de telecomunicações, incluindo-se a Internet como serviço

de radiodifusão e espectro.

O contexto norte-americano que permeou a nova lei de telecomunicações teve um

propósito notável de desregulamentação do mercado, movimento intitulado de deregulation, e

cujo significado semântico fora apresentado no primeiro capítulo. Entretanto, conforme

dispõe Fernandes (2018, p. 84), a tentativa de estabelecer novas nuances regulatória sobretudo

com a evolução de novas tecnologias, teve o propósito mais de adaptação do que redução da

regulação propriamente dita.

A revisão norte-americana ao setor de telecomunicações favoreceu o ambiente

competitivo entre as empresas, visando o enquadramento de uma série de serviços e criando

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regimes diversos a depender do fornecimento e natureza da prestação. Ou seja, os serviços de

telefonia se diferenciaram os serviços de televisão à cabo.

A autoridade dada à FCC por lei, aliás, serviu com norte para a implantação de um

regime de competição às telecomunicações, visto que previa à agência a possibilidade de

sobrepor por meio de suas diretrizes as normas locais e estaduais que eventualmente

impusessem barreiras para a entrada de novas empresas.

Neste sentido, a imposição ao enfrentamento às barreiras de novos entrantes se deu

com a chamada interconexão, cuja facilitação foi propiciada com a criação de redes de

interconexão das operadoras, sendo vedada expressamente a prática de competição desleal a

partir do estabelecimento de condições impeditivas.

Além disso, aos novos operadores foi conferido a disponibilização de tempo para que

fosse possível estruturar suas redes autônomas, impondo aos operadores tradicionais a

disponibilização de elementos das suas redes em valor de custo, de forma a não ocorrer o

prejuízo dos serviços de telecomunicações.

As políticas de universalização do setor foi, por fim, a principal reforma existente no

Telecommunications Act. Até a sua promulgação, ocorria o financiamento de subsídios com

valores acima do custo para o acesso, bancadas pelas operadoras de longa distância. Com a

promulgação da lei, criou-se o chamado Universal Service Fund19, cuja propósito seria o de

tarifar os serviços a partir de então.

O modelo regulatório de telecomunicações norte-americano igualmente definiu

classificações acerca das atividades desempenhadas no setor, dividindo-as em:

telecommunications service (serviços de telecomunicações) e information service (serviços de

informação). A semântica do primeiro termo tem relação direta com o pagamento de taxas por

parte dos usuários ou grupos de usuários para utilização do serviço de telecomunicações,

disponíveis a partir das estruturas disponibilizadas para tanto, estando efetivamente acessíveis

aos consumidores.

Por sua vez, o segundo conceito significa toda a relação de capacidade das

informações via telecomunicações, podendo ser de geração, armazenamento, transformação,

processamento, recuperação, utilização, disponibilização, publicação eletrônica; não incluídos

aí o uso dessa capacidade de gestão ou controle do sistema de telecomunicações ou de um

serviço de telecomunicações. Em outros termos, os serviços de informação disponibilizam o

19 Fundo de Serviço Universal

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trânsito de criação e disseminação de informação sem que exista qualquer administração

sobre a mesma.

A lei que estabeleceu o marco regulatório das telecomunicações norte-americana teve

o propósito de incentivar a concorrência entre empresas que embora usem a mesma tecnologia

para o fornecimento de serviços, atuavam em mercados distintos. Entretanto, até mesmo por

ser uma época em que a internet não estava disseminada como nos tempos atuais, a FCC não

dispôs acerca de serviços de valor agregado virtual, como é o caso dos serviços de voz, vídeo

e chamadas realizados virtualmente.

Neste panorama, com o surgimento da banda larga e internet móvel, os serviços de

telecomunicações propriamente ditos e os serviços de informação – nos termos entendidos

pela doutrina norte-americana – passaram a competirem entre si, embora estivessem inseridos

em marcos regulatórios distintos. Este aspecto se problematizou sobretudo pela evidente

desterritorialização dos serviços virtuais.

Aliás, muito embora a FCC tenha empreendido esforços no sentido de exercer o

dispositivo legal para as empresas que se desenvolviam no mercado, não houve sucesso nas

tentativas da agência reguladora de estabelecer regimes que abarcassem ambas as categorias

(FERNANDES, 2018, pp. 85). Mesmo durante a vigência do Communications Act de 1934,

havia por parte da agência regulatória norte-americana uma tentativa de construção de

critérios que abarcassem os chamados serviços híbridos.

Nesta época, entra em cena o chamado Computer Inquirity II, cujo propósito foi o de

regular situações provenientes de uma maior utilização do computador e da tecnologia, além

dos seus efeitos em aplicações existentes de forma diversa no mercado. O propósito do

procedimento adotado pela FCC teve três vieses: i) analisar a sujeição à regulamentação dos

serviços que são fornecidos em instalações comuns de telecomunicações e, em caso positivo,

em que medida; ii) verificar a competição tecnológica dos equipamentos, analisando se a

regulação tradicional dos equipamentos abarcaria o interesse público; e, por fim, construir a

determinação do papel das transportadoras de comunicação em relação à prestação dos

serviços aprimorados.

A FCC, portanto, compilou e arquivou uma quantidade considerável de comentários

que contribuíram para as considerações de interesse público que afetassem o setor. Naquela

época já se construiu a ideia de que a evolução virtual afetava diretamente o mercado de

telecomunicações, como por exemplo:

The exercise of our regulatory authority under this mandate is analyzed in the

context of rapid technological and market developments affecting communications

and data processing services, the ever-increasing reliance upon common carrier

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transmission facilities in the movement of all kinds of information, and the need to

tailor communications-related services to individual user requirements20.

(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1980, p. 416).

Neste patamar surge a primeira classificação, capitaneada nos serviços básicos e os

serviços de valor agregado. A decisão teve suporte na separação entre os serviços de

transmissão comum e os serviços informáticos que dependiam diretamente dos serviços

comuns para que seja possível a transmissão de informações. Assim sendo, a empresa que

fornecesse o serviço básico de transmissão, operaria na oferta de transmissão de comunicação.

Ao seu turno, os serviços de valor agregado se tratam da oferta de qualquer serviço,

por meio da rede de telecomunicações. Neste sentido, os serviços que atuam de forma a

processar – por intermédio de um computador – a informações que é enviada e transmitida, se

enquadram nesta categoria. Existe, aliás, a possibilidade de o usuário formatar e editar estas

informações para ulterior interação. À época da construção dessa categoria, o e-mail era um

exemplo cristalino dos serviços de valor agregado; atualmente, uma gama de serviços se

encaixariam no termo.

Muito embora a semântica do termo possa apresentar facilidades, a agência reguladora

teve dificuldades de regulação (CANNON, 2003, p. 186). Isso se deu porque houve uma

confusão entre processamento de dados com processamento de textos, por exemplo; o que

acabou deixando o serviço ainda em uma categoria híbrida. Ao final, a agência regulatória

norte-americana isentou os serviços de computação dos deveres regulatórios relacionados ao

setor o que contribuiu para o desenvolvimento da internet nos moldes ora conhecidos.

Com a lei norte-americana de telecomunicações de 1996, novas significações foram

construídas em torno do setor, que substituíram os usuais serviços básicos e serviços de valor

agregado. Foi neste contexto que surgiu o termo telecommunications service propriamente

dito, além dos próprios serviços de informação (CANNON, 2003, p. 191). Foi neste panorama

que todos os serviços considerados aprimorados do ponto de vista das comunicações, foram

considerados serviços de informação. Entretanto, “enhanced services are provisioned over

common carriers; information services are provisioned over telecommunications (not

necessarily telecommunications services)21” (CANNON, 2003, p. 191).

20 Em tradução livre: “O exercício da nossa autoridade reguladora sob este mandato é analisado em contexto de

rápida evolução tecnológica e de mercado que afeta serviços de comunicações e processamento de dados, a

crescente dependência de instalações de transmissão de transportadora comum no movimento todos os tipos

de informação e a necessidade de adaptar as comunicações serviços relacionados aos requisitos individuais

do usuário”. 21 Em tradução livre: Os serviços aprimorados são provisionados ao longo de transportadores comuns, os

serviços de informação são provisionados sobre telecomunicações, embora não sejam necessariamente

serviços de telecomunicações propriamente ditos.

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Neste sentido, houve uma divisão da lei de telecomunicações acerca da

regulamentação dos serviços, onde notadamente de um lado os serviços tradicionais de

telefonia, radiodifusão e TV se enquadraram em uma categoria específica, enquanto que os

serviços de informação se quedavam em categoria diversa (FERNANDES, 2018, p. 87).

Ocorre que mesmo em 1996 o contexto não permitia uma regulação que tivesse a

atenção voltada aos aplicativos Over-the-Top, sobretudo porque naquela época a tecnologia

não estava desenvolvida a tal ponto. Durante o novo milênio, portanto, surgiu paulatinamente

serviços virtuais que puseram em xeque nota a construção regulatória realizada até então. As

próprias formas de conexão on-line evoluíram, o que levou à necessidade de elaboração de

novas nuances que se adequassem à questão.

Em 2015 a FCC elaborou nova discussão acerca da temática, a partir do entendimento

de que a internet alavanca a economia norte-americana, proporcionando ao indivíduo a sua

participação no mundo, seja para realização de seus negócios, seja para a comunicação

privada e consequente envolvimento no mundo.

A Federal Comission Comunications parte do pressuposto de que a internet deve ser

um âmbito aberto e, só assim, será possível alavancar ainda mais a inovação e a criação de

aplicativos e conteúdo, devendo ser o guia da atuação da agência. O ponto de partida que

culminou na análise regulatória dos novos serviços over-the-top partiu dos dados cuja

informação apresentavam que desde 2010 a maioria dos consumidores da plataforma Netflix

receberam o conteúdo via online, ao invés de DVD22.

Neste sentido, em consonância com as tendências surgidas após a primeira década do

novo milênio, vislumbrou-se a necessidade de permitir uma internet livre, de forma a conter

eventuais ameaças que ponham em risco essa liberdade virtual. A regulação proposta pela

FCC tinha por base o questionamento sobre qual era a política pública adequada que pudesse

garantir que a Internet permanecesse aberta e sem restrições.

Para solução, três foram os objetivos-guia para responder ao questionamento: o

aumento da rede de banda larga, a melhoria da própria banda larga e a existência de uma

banda larga aberta. Estes objetivos, aliás, seriam alcançados com a criação de regas e de um

quadro normativo que proporcionasse sua abertura e consequente evolução.

Para a regulação nos Estados Unidos, a Administrative Procedure Act (APA)

estabelece que na condução dos processos de regulação deve ser dada por parte das agências

22 Segundo Marques Neto e Freitas (2018, p 31-32), a Netflix surgiu em 1997 em território norte-americano e se

tratava de um serviço de aluguel de DVDs, utilizando-se do serviço postal para entrega do produto aos

consumidores. A partir de 2007, a empresa passou a disponibilizar o conteúdo via streaming.

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especializadas a oportunidade de a população participar ativamente das regras, argumentando,

apresentando dados e contribuições que favoreçam as discussões no setor. Neste sentido,

A razão para a existência [de uma agência administrativa] é que é esperado para

trazer ao seu objetivo maior familiaridade com o assunto do que os legisladores, ao

lidarem com muitas temáticas, podem proporcionar. Entretanto seu conhecimento

raramente é completo e deve aprender sempre mais frequentemente colidindo com

os pontos de vista daqueles que a sua regulação afetará. (ATTORNEY GENERAL´S

COMITTEE, 1941, tradução livre).

O panorama de regulação para promoção de uma internet livre, sobretudo no que

confere os aplicativos over-the-top, tem a participação ativa da sociedade norte-americana,

possuindo um interesse cristalino de assegurar que os interesses não só do mercado, mas dos

usuários sejam resguardados e, assim, a agência tenha uma atuação mais efetiva e satisfatória.

No que concerne aos aplicativos Over-the-Top, existe uma necessidade de

conceituação dos serviços de mensagens por voz, chamados de VoIP. Uma dicotomia adentrou

a discussão norte-americana do setor de telecomunicações, tendo em vista o temor de

enfraquecimento do mercado – justificando, portanto, a necessidade de uma regulação – ao

passo que de outro lado havia o entendimento de que um procedimento regulatório importaria

em um aumento de custos que comprometeria a revolução virtual (FERNANDES, 2018, p.

90).

Em abril de 1998 os Estados Unidos presenciaram a primeira articulação política de

repercussão em relação à telefonia IP, surgida no Federal-State Joint Board on Universal

Service. A FCC apresentou um relatório ao Congresso Norte-Americano na tentativa de

elaboração pelo legislativo de uma legislação apropriada à matéria.

A conclusão inicial do relatório foi a de que os provedores de acesso à Internet não se

enquadram na categoria de serviços de telecomunicações. Entretanto, baseados no surgimento

de novos serviços que possuem gênese no desenvolvimento econômico, vislumbra-se a

telefonia IP como oferta semelhante às tradicionais, e, por isso, não se tratavam de serviços de

informação, visto que possuíam características intrínsecas às telecomunicações.

A questão tratada era a de que a telefonia por VoIP transmitia, em tempo real, voz por

intermédio da estrutura da internet. Neste sentido, este serviço poderia ser fornecido através

das instalações do cliente ou por gateways23. Embora o relatório tenha trazido amplas

discussões acerca do enquadramento dos serviços de telefonia VoIP, acabou-se por se tornar

inconclusivo em virtude de não ter existido um consenso acerca do enquadramento do

23 Gateways semanticamente significa “ponte de ligação”. No âmbito das telecomunicações, significa uma

estrutura de computador (hardware) que atua na transformação do sinal de voz por meio de pacotes,

transmitindo esta comunicação por intermédio da internet.

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serviço, deixando expresso que embora existisse a necessidade de uma universalização dos

serviços, estes deveriam ser analisados de forma mais aprofundada para que chegassem a um

consenso.

Anos mais tarde, prosseguindo com a necessidade de uma regulação do mercado, a

agência de telecomunicações norte-americana realizou uma consulta pública objetivando uma

classificação definitiva dos serviços VoIP, adequando-se à lei de 1996. Na chamada Notice of

Proposed Rulemaking, de 2004, foram examinadas situações relativas aos serviços e

aplicativos de voz por meio da internet, vislumbrando-se o impacto dos serviços habilitados

por protocolo de internet dentro do mercado de comunicações norte-americano.

O relatório partiu do pressuposto que os serviços de voz por protocolos de internet não

atuavam como substitutos do setor de telecomunicações tradicionais, visto que a estrutura que

permite a transmissão da voz também se dava de forma diversa. Enquanto que uma atendia

requisitos de comunicação de voz de forma bidirecional, os serviços IP foram projetados para

comunicação de dados digitais. Neste sentido entendeu-se que:

The rise of IP thus challenges the key assumptions on which communications

networks, and regulation of those networks, are predicated: Packets routed across a

global network with multiple access points defy jurisdictional boundaries. Networks

capable of facilitating any sort of application that programmers can devise have

empowered consumers to choose services they desire rather than merely accepting a

provider’s one-size-fits-all offering24. (ESTADOS UNIDOS, 2004, p. 05)

A FCC compreendeu que a tecnologia VoIP teria o condão de incentivar aos

consumidores maiores exigências de banda larga, influenciando no desenvolvimento da

própria tecnologia. Neste sentido, os serviços estruturados dessa maneira fortaleceriam o

próprio crescimento econômico, sendo o papel da própria agência reguladora a facilitação

dessa transição de forma a proporcionar uma regulação notadamente voltada para atingir

determinados objetivos políticos.

A própria agência reguladora, aliás, se questionava acerca da necessidade de uma

regulação tradicional, visto que inexistia por parte das tecnologias IP qualquer tentativa de

monopolização dos serviços tradicionais, visto que se baseia em estrutura diversa. Assim,

tendo em vista que a arquitetura da rede aberta da internet utilizaria um protocolo comum – IP

– enquanto que os serviços tradicionais de telecomunicações utilizavam sinais por circuito, “a

agência novamente reconheceu a assimetria regulatória” (FERNANDES, 2018, p. 91).

24 Em tradução livre: “O aumento da tecnologia por IP, portanto, desafia as premissas-chave sobre as quais as

redes de comunicação e a regulação dessas redes se baseiam. Pacotes roteados através de uma rede global

com múltiplos pontos de acesso desafiam fronteiras jurisdicionais. As redes capazes de facilitar qualquer tipo

de aplicativo que os programadores possam conceber capacitaram os consumidores a escolher os serviços

que eles desejam, em vez de simplesmente aceitar a oferta de um provedor para todos os tipos.”

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Em que pese a existência de diferenças estruturais em ambos os serviços, a comissão

entendeu que mesmos os serviços virtuais estavam sujeitos à jurisdição da FCC. Entretanto,

embora a Telecommunications Act de 1996 tenha definido os serviços de telecomunicações

como a oferta do serviço mediante uma taxa paga pelo público, a comissão optou – com

entendimento semelhante do judiciário – que a definição legal teve o propósito de esclarecer

os direitos e obrigações estabelecidos para os serviços de transmissão comum.

Nesta mesma oportunidade a agência de telecomunicações dos Estados Unidos

analisou requerimentos de empresas prestadoras de serviços de voz por protocolos de internet

que questionavam o enquadramento dos serviços diante da lei de telecomunicações de 1996.

A Pulver.com, empresa prestadora do serviço Free Wold Dialup, atividade que

transmitia voz por intermédio de um aplicativo de computador, argumentou que sua atividade

não se tratava de telecomunicações, porque “não consistia em uma provisão onerosa de

capacidade de transmissão de usuários, e também não poderia ser considerado serviço de

informação por não realizar qualquer transporte de dados por meio de técnicas

computacionais” (FERNANDES, 2018, p. 91-91).

Não obstante, em análise realizada ainda em 2004, a FCC já entendia que:

We conclude that FWD is an information service because FWD offers “a capability

for generating, acquiring, storing, transforming, processing, retrieving, utilizing, or

making available information via telecommunications.” Through its server

accessible over the Internet, FWD makes available to its members information that

enables them to determine whether other members are available to talk; information

on how to contact other members; and an optional voicemail capability that enables

members to leave messages for unavailable members who have chosen this feature25.

(ESTADOS UNIDOS, 2004, p. 07)

A compreensão da agência de regulação das telecomunicações norte-americana era o

de que a possibilidade de que o usuário obtivesse informações sobre a presença ou ausência

no dispositivo; o armazenamento de informações dos usuários caracterizaria um serviço de

informação não regulamentado, mas que estariam sujeitos à jurisdição da agência. Neste

sentido, foram dados os primeiros passos voltados à categorização, classificação e construção

do entendimento que envolveria a participação dos aplicativos over-the-top dentro da seara

das telecomunicações, mesmo não se enquadrando em um serviço típico.

Em que pese o entendimento diferenciado aos Over-the-Top no que concerne aos

serviços tradicionais de telecomunicações, fundamentados até 2005, passou-se a relativizar

25 Em tradução livre: Concluímos que o FWD é um serviço de informação porque oferece “uma capacidade de

gerar, adquirir, armazenar, transformar, processar, recuperar, utilizar ou disponibilizar informações via

telecomunicações.” Através do seu servidor acessível pela Internet, o FWD disponibiliza aos seus membros

informações que lhes permitam determinar se outros membros estão disponíveis para falar; informações

sobre como entrar em contato com outros membros; e um recurso de correio de voz opcional que permite que

os membros deixem mensagens para membros indisponíveis que tenham escolhido esse recurso.

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algumas situações no ano seguinte, enquadrando determinadas obrigações das empresas

tradicionais aos serviços VoIP. A primeira discussão relacionou a obrigatoriedade dos serviços

VoIP em fornecer ligação direta em chamadas emergenciais, como a polícia (A ligação 911).

Neste sentido, passou a ser uma condição para a prestação dos serviços VoIP a

interligação à chamada de emergência E911, devendo obter de cada consumidor – antes do

início da prestação dos serviços – o local em que sua utilização será realizada pela primeira

vez. Além disso, os consumidores deverão ter informações acerca da atualização do local

registrado, para que haja melhor eficácia quanto ao serviço policial na ocorrência de eventuais

sinistros.

É possível verificar uma nova compreensão por parte da FCC em relação ao

fornecimento de serviços dos aplicativos de VoIP, sobretudo quando se refere à sua própria

função regulatória em telecomunicações. Neste sentido, se verificou que embora exista uma

necessidade de promoção e universalização da internet, por intermédio de sua liberdade,

existiam situações que demandariam uma atuação que conferisse melhor acesso do usuário.

Já no ano de 2006, a agência regulatória norte-americana analisou a obrigatoriedade

dos serviços VoIP de cumprir os objetivos de universalização dos serviços que eram inerentes

aos serviços de telecomunicações. De acordo com a FCC (2006, p. 20-21) algumas

características próprias do serviço impunham esta obrigação.

Neste caso em tela a comunicação em tempo real, a necessidade de utilização de uma

conexão de banda larga, a exigência de instalações para esta conexão e a possibilidade do

recebimento e encerramento de chamadas colocariam estes serviços como “interconnected

VoIP”, ou seja, serviços VoIP interconectados com o serviço tradicional de telecomunicações

o que viria, consequentemente, com a obrigação de universalidade.

Nesta oportunidade a FCC reconheceu que a expansão destes novos serviços teria o

condão de substituição do serviço telefônico tradicional, e, por isso, haveria como substituta o

objetivo de atingir a maior gama de usuários possível, devendo inclusive estes serviços

contribuírem com o fundo de universalização.

Neste sentido, é possível constatar que quando da efervescência dos primeiros serviços

de comunicação via internet, existia um entendimento consolidado na FCC de que o âmbito

virtual deveria evoluir e ser difundido, o que levava necessariamente a abstenção da agência

reguladora. Este entendimento durou até 2005, quando se passou a construir o entendimento

de que aos serviços VoIP caberiam incidir as obrigações que são inerentes aos serviços de

telecomunicações tradicionais, em virtude de notável interesse público, o que levou as

obrigações acima apresentadas.

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É importante finalizar com o entendimento de que as obrigações regulatórias a serem

assumidas pelos aplicativos Over-the-Top só se dariam quando estes necessitam de uma

estruturação vinculada aos serviços de telecomunicações tradicionais. Nos casos, portanto, de

serviços que teriam seu tráfego vinculado essencialmente à rede de internet, não caberiam a

imposição de qualquer obrigação típica dos serviços de telecomunicações.

3.7 A experiência Europeia acerca da Regulação de Aplicativos Over-the-Top

Em razão de a União Europeia significar hoje um bloco econômico supranacional

formado por 28 estados-membros independentes, traçar todo o percurso histórico de cada país

no que se refere à regulação de aplicativos e serviços Over-the-Top se transformaria em uma

atividade infindável, fugindo ao objetivo específico que é vislumbrar a situação atual existente

na região. Neste sentido, o presente tópico debruçará acerca das discussões e tratativas atuais

de regulação do setor.

No ano de 2015 o Directorate Gerneral for Internal Policies da União Europeia

publicou um estudo denominado: Over-the-Top (OTTs) players: Market dynamics and policy

challenges26. No estudo em questão, foram explorados os modelos de serviços OTT de uma

forma geral, ou seja, envolvendo não apenas os serviços de voz por IP, mas também de vídeo

e música. Além disso, analisou-se os custos do desenvolvimento destes serviços na Europa em

contraste com os serviços tradicionais e, por fim, se construiu a possibilidade do chamado

Mercado Único Digital.

O estudo parte do pressuposto de que a ausência de uma definição consolidada da

estrutura over-the-top impõe o entendimento de ser um serviço virtual que progressivamente

substituirá as telecomunicações tradicionais e demais serviços de televisão (EUROPA, 2015,

p. 20). Neste sentido, considera-se os serviços VoIP como o primeiro grande serviço OTT,

com uma regulamentação que pode servir como inspiração para as demais áreas como um

todo.

Para consideração do player Over-the-Top, o relatório analisou qualquer Provedor de

Conteúdo e Aplicações que prestam serviços de forma online e podem ser potencialmente

substitutos de serviços tradicionais de telecomunicações. Esta situação, aliás, acaba por se

tornar uma discussão política que impulsionam a noção de uma competição injusta, motivo

pelo qual o estudo europeu foi realizado.

In recent years, there have been a chorus of complaints, including from telecom

26 Em tradução livre: Jogadores Over-the-Top (OTTs): A dinâmica do mercado e os desafios políticos.

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network operators, that they face unfair competition from over-the-top providers

who are not subject to the same regulatory burdens as network operators. Similar

questions and issues are raised in the context of new ‘online’ competitors

challenging other traditional services27. (EUROPA. 2015, p. 25)

Neste sentido, segundo o entendimento europeu, algumas questões devem ser

suscitadas para a consideração de uma regulação no setor. Inicialmente convém vislumbrar os

pontos de semelhanças e diferenças existentes entre os serviços online e os serviços

tradicionais e em que grau estão estas aproximações. Além disso, deve-se vislumbrar se os

problemas enfrentados pelos serviços tradicionais de telecomunicações – como o monopólio

por exemplo – são encontrados igualmente nos serviços OTT (UNIÃO EUROPEIA, 2015, p.

26).

Acrescente-se, ainda, a viabilidade de regulação de um setor que envolve a tecnologia,

sobretudo porque cada serviço exige uma especificidade diversa, não se tornando adequado

um expoente regulatório único. Por fim, o estudo ainda se vale da chamada tecnological

neutrality – neutralidade tecnológica – como princípio fortalecido por uma construção

regulatória das comunicações em que se deve fomentar uma competição justa.

O estudo europeu entende, portanto, que é significativo o crescimento dos serviços

OTT, sobretudo quando vislumbrados na perspectiva de aplicativos de voz, vídeo e troca de

mensagens que condensam a atividade tradicional dos serviços de telecomunicações. Aliás,

embora não possuam o controle de acesso à internet, estes serviços a cada dia adotam medidas

que melhoram o seu desempenho, impulsionando inclusive a própria necessidade de

melhorias no desempenho da internet aos consumidores.

No ano de 2014, a Analisys Mason divulgou o uso entre 2010 a 2013 do envio de

mensagens e a progressão de uso entre 2014 a 2018, conforme é possível verificar na figura

adiante:

27 Em tradução livre: Nos últimos anos, tem havido um coro de reclamações, inclusive de operadoras de rede de

telecomunicações, que enfrentam a concorrência desleal de fornecedores de serviços over-the-top que não são

sujeitos aos mesmos encargos regulatórios como operadores de rede. Questões e problemas semelhantes são

levantadoas no contexto de novos competidores “on-line” desafiando outros serviços tradicionais.

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Figura 2 – O volume de mensagens enviadas a partir de telefones celulares em todo o

mundo, histórico desenvolvimento 2010-2013 e 2014-2018 projeção.

Fonte: Analysys Mason, 2014. Disponível em: <http://www.analysysmason.com/About-Us/News/Insight/OTT-

messaging-volumes-Jan2014-RDMV0/>

Uma das preocupações europeias é o crescimento rápido de inicialização de negócios

que tenham como parâmetros inovações tecnológicas e disruptivas, sobretudo com a

efervescência das chamadas startups. O termo ora enfrentado também não possui uma

semântica totalmente definida, se caracterizando essencialmente por organizações – empresas

– que fornecem produtos com capacidade de adesão ilimitada de usuários, auferindo grandes

lucros. Inúmeros aplicativos over-the-tops foram criados por startups, sobretudo porque a

própria internet proporcionou o surgimento destes novos modelos de negócios.

Para uma eventual regulação europeia dos serviços over-the-top, são vislumbradas

algumas barreiras no mercado. A primeira delas é a implementação das Diretivas impostas

pela União Europeia e a segunda seria o nível de regulação a nível nacional dos estados-

membros com suas especificidades. Uma das propostas apresentadas pela União Europeia

(2015, p. 60) é a implementação de uma iniciativa que permita o fluxo livre de dados (Free

Flow of Data Iniciative).

Essa problemática se daria, inclusive, em virtude da existência de leis mais restritivas

do que as norte-americanas, sobretudo pela falta de uma proteção unificada dos dados na

Europa28. À época, uma das exigências era justamente a retirada da exigência dos provedores

28 No mês de Abril de 2018 entrou em vigor na União Europeia o novo Regulamento Geral de Proteção de

Dados, que, dentre outras medidas, regeu a situação dos dados existentes dos usuários, sobretudo após as

notícias de espionagem em massa promovida pelos Estados Unidos. Após a inovação legislativa, houve a

afetação de inúmeros serviços Over-the-Top, como é o caso do Facebook e Whatsapp.

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acerca do armazenamento de informações.

Neste sentido, em virtude da consideração de uma ausência de competitividade da

União Europeia em relação aos Estados Unidos, sobretudo no que concerne à atuação no

mercado de serviços Over-the-Top, o bloco econômico europeu considerou uma série de

recomendações para formação de um regime regulatório para o setor.

A primeira recomendação da União Europeia (2015, p. 111) foi o de fortalecer o

sistema europeu de aplicativos, de forma a evidenciar uma cultura favorável à inovação. Neste

sentido, vislumbrando-se uma necessidade de se alavancar o acesso ao capital de risco por

parte dos startups para que estas possam desenvolver serviços OTT com possibilidade de

competição. O mecanismo para tal solução seria a criação de uma União dos Mercados de

Capitais (Capital Markets Union), cuja função seria a de promover políticas que moderem o

impacto financeiro de eventuais riscos assumidos.

Esta medida estaria acompanhada, ainda, de uma solução para a fragmentação

regulatória, sobretudo na tentativa de pacificar no bloco econômico europeu o fluxo dos dados

e conteúdo, a tributação e a proteção ao consumidor, sobretudo porque em virtude da

expressiva desterritorialização dos serviços que envolvem o uso da internet, se verifica um

massivo prejuízo quando da adequação dos aplicativos às especificidades de cada estado-

membro (UNIÃO EUROPEIA, 2015, p. 110).

Além disso, a União Europeia (2015, p. 111) propôs a implantação de um laboratório

de políticas (policy labs), com o propósito de testar os efeitos de uma regulação do setor antes

de sua aplicação em todo o bloco econômico, de forma a garantir que as medidas implantadas

estejam adequadas ao cumprimento de metas específicas.

A segunda recomendação da União Europeia (2015, p. 111) seria a promoção de um

acesso transfronteiriço a conteúdos digitais. A constatação do bloco econômico é a de que o

consumo de conteúdos audiovisuais e sua consequente distribuição é deficitária no continente,

em virtude de uma ampla diversidade cultural e linguística. Estas diferenças, aliás, limitam a

escolha do consumidor, a conveniência dos serviços e o próprio interesse em uma banda larga

estruturada para atender uma grande demanda, visto que esta acaba por inexistir.

Por sua vez, a terceira recomendação (UNIÃO EUROPEIA, 2015, p. 112) seria o

nivelamento entre os Estados Membros do bloco econômico em relação aos serviços Over-

the-Top. Esta questão seria, aliás, alcançada com o enfrentamento à diversificação de normas

para serviços que possuem grande semelhança.

Parte-se, portanto, do pressuposto que há uma série de definições para a regulação dos

setores, entretanto, estas não podem influenciar o consumo e a forma como os consumidores

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encaram este serviço. O entendimento europeu esposado se relaciona diretamente aos serviços

VoIP, que possuem semelhança essencial com os serviços de telecomunicações tradicionais.

Neste sentido, seria necessário reconstruir novas definições para os usos atuais, de

forma que haja a inclusão dos serviços virtuais. Assim sendo, se faria necessário no âmbito

europeu uma reflexão que levasse em conta o efetivo interesse do usuário e suas percepções

enquanto consumidor destes serviços.

A quarta recomendação europeia permeia a simplificação da privacidade, proteção de

dados e da segurança, de forma a se adequar à globalização e aos desenvolvimentos

tecnológicos e virtuais. Por sua vez, a quinta recomendação seria a abordagem direta da

concorrência para plataformas e serviços digitais, tendo em vista a dicotomia existente entre

os provedores de conexão – em regra serviços tradicionais de telecomunicações – e os

serviços OTT que são prestados por meio de uma conexão à banda larga.

A consideração europeia é a de que a criação de novos produtos e serviços dependem

diretamente de uma banda larga estruturada. Entretanto, estas mesmas plataformas podem

utilizar-se de sua posição para que obtenha vantagem no mercado, ao passo inclusive de

concorrer com empresas de menor porte no segmento.

Nesse panorama, as diretivas europeias devem se voltar para o combate à prática

desleal de concorrência, de forma a fomentar a harmonia entre os jogadores do mercado.

Neste sentido, deve-se aproveitar as disposições existentes nas normas dos estados nacionais

que possam ser aproveitadas a nível de bloco econômico caso constatada sua eficiência

(UNIÃO EUROPEIA, 2015, p. 113).

A formação de um Mercado Único Digital é a sexta recomendação europeia,

consubstanciada na tentativa de não deixar a segurança jurídica unicamente a cargo das

alterações legislativas que depreendem muito tempo para uma seara que exige rapidez. Neste

sentido, verificar a situação atual e cogitar a utilização de lições passadas podem contribuir

para o progresso do setor, mediante a inclusão de determinadas metas. Entretanto, esta rapidez

precisa ser cogitada acerca da dicotomia entre a implantação de legislação, uma auto-

regulação ou uma co-regulação (UNIÃO EUROPEIA, 2015, p. 113-114).

Por fim, em sua última recomendação, a União Europeia propôs o aprofundamento e

revisão do quadro das comunicações eletrônicas, investigando o papel das plataformas on-line

no contexto do mercado, sempre se voltando à criação de um mercado único digital.

O que se percebe do estudo realizado pela União Europeia é o de que ainda não existe

uma concretização efetiva quando comparada à situação dos Estados Unidos. Aliás, esta

parece ser uma preocupação maior por parte da Europa: fazer frente aos avanços norte-

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americanos. De toda forma, a ideia da criação de um Mercado Único Digital parece estar mais

voltada a aspectos de regulamentação, do que de regulação propriamente dita, muito embora

existam preocupações notadamente voltadas para a correção de falhas de mercado e proteção

ao consumo.

A Europa, tal qual os Estados Unidos, não possui ainda critérios totalmente definidos

acerca de uma possível regulação econômica ou social que vise uma atuação harmônica entre

os atores de mercado, embora vislumbre a necessidade de ser atuar nos seus problemas. Esta

dificuldade é igualmente encontrada no Brasil, que ainda não possui uma proposta concreta de

regulação do setor, proposta que será discutida no próximo capítulo.

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4 A LEGITIMIDADE PARTICIPATIVA PELO PROCEDIMENTO CONSTRUÍDA EM

UMA PERSPECTIVA REGULATÓRIA ECONÔMICO-SOCIAL DO SETOR DE

TELECOMUNICAÇÕES

4.1 Legitimidade: Uma Construção Semântica e Histórica

A noção de legitimidade, na etimologia, possui derivação do latim e se relaciona à

conformidade aos dispositivos legais. Há, entretanto, uma constante modificação dos sentidos

que se relacionam ao termo, sem que haja um consenso em torno de sua semântica, sobretudo

porque a construção em seu torno se constrói e desconstrói a depender da época e dos

costumes de determinada sociedade.

Desde a Antiguidade Clássica que a noção de legitimidade foi construída em relação

ao fundamento estrutural da ordem social. Esta fundamentação, capitaneada nas análises

filosóficas de Platão e Aristóteles, compunham uma relação intrínseca com a concepção de

igualdade dos cidadãos. Saliente-se que nas cidades-estado greco-romanas não possuíam a

participação das mulheres e escravos, possuindo o título de cidadão unicamente o homem

livre. A legitimidade grega, portanto, era uma consequência da cidadania paritária aos gregos

que estivessem dentro desta categoria, o que lhe permitia a plena participação para as decisões

da sociedade.

A idade Média, ao seu turno, teve início com o processo de decadência do império

Romano, descentralização do poder na figura dos feudos e da Igreja Católica. Esta, portanto,

passa a ditar as noções de legitimidade capitaneadas nos dogmas e fundamentos que são

pilares da religião. Neste sentido, é na figura da divindade cristã que o exercício do poder

encontrou base para sua legitimação.

A própria legislação medieval existente, aliás, derivava de uma inspiração –

racionalidade – divina, o que a tornaria imutável e eterna. É este entendimento que, pois,

fundamentou a própria concepção do paradigma do Jusnaturalismo.

Existe uma uniformização do fundamento em torno da legitimidade por meio de um

raciocínio jus-político cuja direção aponta a uma justificativa de exercício do poder,

consubstanciando-se em uma relação estabelecida entre ordem e cumprimento (DUARTE

JÚNIOR, 2013, p.18).

O contratualismo também se estabeleceu como forma de legitimação do Estado, como

defendeu Thomas Hobbes (1997, p. 37). Partindo-se do pressuposto de que o homem possuía

uma natureza maléfica, este seria o “lobo” de si próprio. Ou seja, é o próprio homem que

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devora os seus semelhantes. Neste sentido, vislumbrando-se uma sociedade que prevalece a

desordem e as constantes guerras, foi por intermédio do contrato que se estabeleceu a paz,

sobretudo pela cessão de cada homem em sua liberdade para atingir o fim da pacificação

social.

Por este percurso, o homem passou a permitir que outrem – seja individualmente ou

por grupos – desempenhassem a atividade de governo. É dessa cessão que surge a

legitimidade, sobretudo após a designação de poderes aos governantes, sejam estes monarcas

ou não.

Thomas Hobbes, entretanto, era adepto do Absolutismo, que se consolidou em período

da história marcado por constantes excessos no exercício do poder, o que culminou na

ascensão e queda de inúmeros governantes, pois estes, dominados com as atribuições que

exerciam, passaram a utilizar deste próprio poder contra aqueles que o conferiram.

Não obstante, Locke também trouxe do contratualismo uma forma de legitimação,

embora repousasse em fundamentos liberais para construção de sua teoria. Fundamentada

essencialmente em direitos e liberdades individuais como formas de barreiras à política,

estruturou a existência de direitos inalienáveis do homem. Estes direitos, aliás, estariam

inalcançáveis ao Estado, porquanto que lhes são superiores.

Rousseau, a seu turno, contrapôs a noção de contrato social que transformou uma

sociedade caótica em uma civilizada, como defendeu Hobbes. Questionou, portanto,

quaisquer razões da metafísica para designação do poder e relacionou a legitimidade por

intermédio da vontade geral, sendo o contrato social, então, o mecanismo de formalização

dessa vontade.

A coletividade é o fundamento que estruturou a tese de Rousseau, sobretudo pela

descrença do homem em sua individualidade, ao passo que considera no conjunto a forma de

organização do Estado. A tese do Contrato Social de Rousseau também se estruturou com

base na soberania popular, considerando-a indivisível. Neste sentido, qualquer mecanismo de

representação esteve afastado de sua teoria, sobretudo por entender unicamente pela

democracia direta.

Assim, a participação dos cidadãos no Estado é essencial para o prevalecimento da

vontade geral, tendo em vista que é o povo que se traduz como o fundamento válido de uma

sociedade. Por isso, sua efetiva participação proporciona a garantia do bem comum e a

validade dos direitos que cada cidadão possui.

Nesta perspectiva, admitir uma representação seria alienar sua própria vontade em face

de um outro indivíduo, o que faz com que o homem perca seus próprios direitos, visto que

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serão exercidos por outrem. Por isso, a defesa da liberdade em Rousseau está atrelada à

própria noção de legitimidade, sobretudo quando entende que as deliberações do Estado

devem ser realizadas por todos os participantes, para que não haja uma ruptura da

generalidade atribuída à soberania.

Não é, pois, a unanimidade que prevalecerá a este caráter geral da legitimação, mas a

oportunidade de todos poderem participar ativamente das decisões. Diante destas

considerações, a igualdade deve ser um fundamento a ser prevalecente em uma democracia

direta, sobretudo pela necessidade de nenhum homem estar em posição de superioridade a

outro, principalmente porque não há – na tese rousseauniana – espaço para a

representatividade.

Posteriormente, Kelsen apresenta na norma a forma de estabelecimento da

legitimidade. Isso advém, logicamente, de seu próprio fundamento normativista, em que

estabelece a famosa pirâmide kelseniana. A ideia de existência de uma norma hipotética

fundamental que estrutura em um plano todo o fundamento das normas positivadas de uma

sociedade, acaba por estabelecer a própria legitimação da própria norma enquanto

legitimadora de seu conteúdo.

Ou seja, todo governo legítimo parte da construção de normas eficazes, que devem

estar de acordo com a norma fundamental para que possuam validade. Neste sentido, não é

exagero entender que é na norma fundamental que está estruturada todo o sentido e limites

das demais regras posteriormente criadas, visto que caso estejam em desconformidade, não

existe validade para esta norma.

Em 1921, Max Weber trouxe um conceito de legitimidade que relacionava a uma

origem político-jurídica, notadamente por intermédio de regras. Neste sentido, para um

governo ser considerado legítimo, deveria ter a submissão da sociedade a estas regras de uma

forma genérica. A legitimidade para Weber teria relação com o poder e seu exercício de

dominação deveria ser justificado por um título. A legalidade, ao seu turno, dependeria de leis

que estabelecessem o exercício do poder.

Esta conceituação de legitimidade se relaciona especificamente com as construções

realizadas no início do século XIX, em que se estabeleceu sobre estruturas de poder que

questionavam, principalmente, quaisquer relações com a soberania – fosse esta metafísica

(divina) ou popular.

Para Habermas (1997, p. 172), a legitimidade igualmente existe por intermédio da

aceitação racional por parte de todos os membros de uma sociedade, estabelecida quando um

discurso ingressa em um consenso geral. A legitimidade, portanto, está estruturada na crença

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da legalidade da norma e dos dispositivos de comando.

A noção de legitimidade em Adeodato (1989, p. 25) parte de três conjecturas. A

primeira seria que os cidadãos deveriam ser convencidos acerca do uso da força para a

concretização das necessidades coletivas. A segunda é a existência de uma tomada de decisão

a partir da escolha de várias alternativas. Por último, o Direito existe justamente para barrar o

descumprimento às normas.

Não obstante o exposto acima, na presente pesquisa se parte da noção de legitimidade

por meio da concepção funcionalista, entendendo que sua obtenção se dá por meio de

pressupostos funcionais do sistema que são proporcionados em procedimentos decisórios. Ou

seja, os sistemas político e jurídico, ao lidarem com as complexidades da sociedade,

interpretam aquele fato e, por meio de procedimentos decisórios, oferecem uma interpretação.

A ótica luhmanniana acerca da legitimidade parte do pressuposto de sua utilização

como forma de defesa de movimentos tirânicos, processo que se consolidou à época

napoleônica, o que constituiu a perda do fundamento moral de positivação do direito. Neste

sentido, a legitimidade passou a estar no mesmo patamar de “poder efetivo” (LUHMANN,

1980, p. 29) para, posteriormente, ser utilizado como forma de positivação do princípio da

legalidade.

À época da formulação de Luhmann acerca da teoria da Legitimidade pelo

Procedimento, seu conceito se relacionou essencialmente à positivação de direitos, vinculando

o imperativo das normas e decisões, ou ainda dos princípios que justificassem estes mesmos

dispositivos. O questionamento de Luhmann, aliás, diz respeito à realidade em torno da

legitimidade, consubstanciada em um plano fático em que apenas um grupo restrito possui o

poder de decisão29.

Neste sentido, não se torna viável que determinado sistema se baseie unicamente sobre

uma única forma de imposição, devendo almejar um maior consenso como forma de

prevalecer a dominação por maior tempo. Ou seja, não apenas a coação é suficiente, mas

igualmente o consenso deve atuar em conjunto como forma de “associação” (LUHMANN,

1980, p. 31).

Não obstante, a relevância para a efetivação de processos para a produção de aceitação

da normatividade é ínfima, visto que tanto a noção de coação como a de consenso não

possuem recursos suficientes para gerar a legitimidade. A própria aceitação das decisões – que

29 Luhmann se questiona como é possível uma convicção real da legalidade ou da força vinculante de uma

decisão em razão de uma lógica em que apenas alguns possuem em mãos os mecanismos para decidir sobre

determinado aspecto.

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pode ser proporcionada pelo medo ou ainda por apoio – podem ser provocadas inclusive de

forma desmotivada, visto a generalização em torno do conceito da própria legitimidade.

Assim, a problemática da legitimidade se encontra estruturada na ausência de suportes

suficientes. Luhmann (1980, p. 30) parte da noção da legitimidade racional Weberiana, cuja

base está na legalidade dos institutos estabelecidos, prevalecendo-se a crítica de que o

procedimento como único elemento a conferir validade de conteúdos jurídicos para a

consequente institucionalização implica em uma ordem social provavelmente instável ou que

exige garantias muito complexas e, principalmente, conjunturais.

A noção Weberiana de poder e dominação – gerada a partir de uma relação existente

entre dominadores e dominados – parte também de uma estruturação em pressupostos

jurídicos, de onde surge, portanto, a Legitimação. Neste sentido, três formas de dominação se

tornaram a base da legitimidade: a Racional-Legal, a Tradicional e a Carismática.

A dominação Racional-Legal tem seu nascedouro na sanção de regras, estatutos e

normas por parte da sociedade ou de organizações que a representam. Estes dispositivos

tornam definidos o quê, quem e quando deve ser estabelecida a relação de obediência,

estabelecendo ainda os critérios de aceitação e o reconhecimento da autoridade que exerce a

dominação, dentro de determinadas limitações.

Neste panorama, as leis e regras definidas por uma totalidade estabelecem os limites

para a associação dominante, traduzindo-se em um contexto de criação e modificação de

direitos por meio da sanção de normas, levando-se como ponto de partida as necessidades de

todos os atores envolvidos neste agrupamento. É a regra o centro do exercício do poder,

tirando-se a pessoalidade como critério de seu funcionamento.

A segunda forma de legitimação, qual seja, a Tradicional, tem por pressuposto a opção

do exercício de determinadas tradições e costumes de uma sociedade, devendo as instituições

existentes personificarem estas raízes. Esta legitimação, portanto, tem relação intrínseca com

a ideia da formação de um líder que exerce o poder a partir das regras pré-existentes e

fundamentadas em tradições. Este líder, portanto, possui a regência do poder de acordo com

suas próprias convicções, tutelando-se a justiça desta maneira.

Por fim, a terceira forma Weberiana de legitimidade é a carismática, em que possui um

fundamento notadamente sobrenatural. Há, de igual forma, a presença de um líder, entretanto,

ao contrário dos costumes, sua influência se dá em virtude de aspectos e adjetivos que lhe

diferenciam perante os demais. É a imagem de formação de um salvador que eleva o

possuidor da legitimidade ao poder, da mesma forma que o retira quando o desgasta ou a

credibilidade chega ao fim.

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Neste panorama, a dominação possui durabilidade unicamente enquanto permanece o

carisma do indivíduo, distinguindo-se da legitimação Tradicional porque esta é pessoal,

relacionada às qualidades extraordinárias existentes, devendo executar uma missão e estando

acima de quaisquer regras impostas, visto que sua imagem é suficiente para cumprimento do

propósito.

Embora Luhmann questione a legitimação racional-legal weberiana, existe uma

característica do sistema político moderno intrínseca à validade das decisões que se tornam

obrigatórias, pois entende que se trata de “uma espécie de consenso básico que se pode

alcançar sem acordo quanto ao que é objetivamente justo no caso particular e que estabiliza o

sistema” (LUHMANN, 1980, p. 31).

Ocorre que a sociedade passa por situações de aumento da complexidade no curso

evolutivo de sua própria civilização, ofertando-se respostas e lidando com novas

complexidades surgidas, em um processo cíclico e autorreprodutivo. Assim, a existência de

problemas acaba por impor certo grau de inexatidão de estruturas anteriormente determinadas,

mesmo quando se trata de decisões obrigatórias.

Essas formas são substituídas por mecanismos de criação e estabilização de

símbolos, mecanismos esses indiretos e mais generalizados. Isto pode acontecer em

parte pela abstração interior categorizadas do sistema de regulamentos, pela criação

de conceitos; mas esse auxílio embate contra restrições, pois afinal cada decisão

isolada tem de ser concretamente fundamentada. Por conseguinte, partindo dum

determinado limite de desenvolvimento, têm de se procurar qualitativamente outras

forma de legitimação de decisões. (LUHMANN, 1980, p. 31)

É o sistema político, portanto, que aprofunda a própria legitimação de seu poder, em

virtude de um grau elevado de complexidade e de um sistema social com níveis de

variabilidade excessiva. As decisões concretas a serem tomadas não são especificadas com

antecedência, muito embora elas mesmas devam ser consideradas como premissas de

comportamento. Desta forma, fundamentos que justificavam um consenso seriam substituídos

pela legitimação pelo procedimento, além da igualdade de probabilidades construídas no

sentido de obtenção de decisões satisfatórias.

Não obstante tais questões, se faz necessário ainda verificar um conceito de

legitimidade, que, em Luhmann (1980, p. 32), é distinguido entre a “aceitação de premissas de

decisão e aceitação da própria decisão”. Essa distinção, aliás, tem relevância do ponto de vista

de sua própria afirmação, visto que considerará a fundamentação de uma decisão de onde ela

mesma derivará e, ao mesmo tempo, rejeitará a própria decisão por uma falseabilidade dos

fatos ou interpretações. Em contrapartida, é possível a aceitação das decisões sem que haja

consideração das razões ou premissas existentes, em um caminho de total indiferença.

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Por meio da positivação do Direito é possível vislumbrar sua imposição por meio de

decisões, em que há consequentemente o seu reconhecimento por intermédio da

obrigatoriedade. Esta perspectiva, aliás, não se restringe à decisão no que se refere aos atos do

judiciário na resolução de contendas e lides, mas, igualmente, à força de atos administrativos,

legislação e, mais adiante explanada, das normas regulatórias. Essa legitimidade está adstrita,

pois, enquanto são reconhecidas como vinculantes, válidas e que corroboram para a

determinação de certos comportamentos.

Há, entretanto, limitações a este conceito, visto que “suprime a convicção da

autenticidade dos valores, princípios de legitimação ou teor das decisões” (Luhmann, 1980, p.

32) e se volta a uma concepção clássica de alcance de uma verdade. Essa perspectiva ignora a

existência de complexidades, variabilidades e a própria contradição existentes nas próprias

premissas, e, principalmente, relativiza a questão de que não existe sistema político que

consiga atingir objetivos amplos, sobretudo na atualidade.

Assim, a legitimidade depende também de que os parâmetros de aceitação sejam

admitidos. Nesse panorama, a admissão de decisões como fundamento para o comportamento

e formalização das expectativas depende de motivos quaisquer dos indivíduos. O

processamento, então, de convicções; da vivência individual e coletiva; de verificações à

memória e suas consequentes interpretações; as ressignificações realizadas geram a formação

de novas estruturas.

Esse percurso, aliás, deve encontrar novas formas de harmonização, de forma que

sejam integradas por intermédio da criação do particular e das chances de encontrar o apoio

da coletividade. De toda forma, no fundamento do processo de reconhecimento se encontra a

mudança da estrutura sobre a qual estão os fatos, em cujos indivíduos procurarão se

posicionar de forma resistente, tendo em vista que buscam não só contrapor as decisões como

adquirir adesões a esta contraposição.

Convém salientar que o aprendizado percorrido pelo indivíduo não se dá de forma

unitária, mas necessita da participação social. Assim, a legitimidade se sujeita a um ambiente

social de opções obrigatórias e não a uma convicção individualizada ou voluntária. Neste

sentido, a averiguação de um contexto social se torna premissa para a transformação estrutural

e efetiva modificação de comportamentos.

A adoção duma nova concepção de direito, sugerida pela decisão oficial, sozinha

significaria pouco. A conformidade atingida por esse meio é, muitas vezes,

sobrestimada pelos sociólogos e, em primeiro lugar, mesmo pelas teorias jurídicas

pré-sociológicas, que pretendem que todos os problemas se podem resolver pela

divulgação das convicções certas. [...] Até mesmo a interiorização de novas

perspectivas significa apenas que desvios e outras reincidências de formas

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ultrapassadas de comportamento se tornam problemas de consciências e não que se

realizem. A adoção, sempre necessária, de decisões surpreendentes, não se pode

orientar apenas para os mecanismos psíquicos. (LUHMANN, 1980, p. 34).

A legitimação sob a ótica luhmanniana, portanto, se baseia no questionamento sobre as

formas de um sistema político-administrativo de estruturar as expectativas sociais, por meio

de suas próprias decisões. Diante dessa perspectiva, é de se verificar a compatibilidade da

ordem jurídica que se constituiu pelo estabelecimento de decisões variadas, formando o

processo de legitimação.

Trata-se, portanto, de uma concepção funcionalista em que a legitimidade é alcançada

por intermédio do sistema e seus pressupostos funcionais, em que os procedimentos de

decisão estatal produzidos pelos sistemas jurídico e político são aceitos na forma cognitiva, de

forma que ocorre por parte da sociedade a redução de expectativas e das complexidades. Esta

é, portanto, a noção de legitimidade que se perpetuará no presente trabalho.

Convém verificar, ainda, que a noção de legitimidade ora aderida perpassa pela noção

de procedimento existente dentro do próprio sistema jurídico. No contexto da teoria dos

sistemas, os procedimentos jurídicos das sociedades modernas fazem parte da organização do

próprio sistema político.

É possível, portanto, verificar três significados básicos para a construção conceitual de

procedimentos, apresentado pela dogmática jurídica: ação, situação jurídica e relação;

conceitos que possuem relação intrínseca com o processo. Sob uma ótica jurídico-sociológica,

estes conceitos não são suficientes para a construção do procedimento (LUHMANN, 1980, p.

37).

O entendimento de procedimento a ser tratado não se traduz como um mecanismo

estruturado de ações determinadas e aplicadas em formas sequenciais, visto que sob esta ótica

a própria possibilidade de opção estaria excluída do percurso. As decisões dos participantes na

forma de seleção se dão de forma crucial para o procedimento, principalmente porque

analisam as alternativas existentes, reduzem as complexidades surgidas e as transformam em

probabilidades. É por intermédio da comunicação que é dado sentido às informações

apresentadas e se estrutura uma resposta, não de forma pré-determinada, mas como forma de

interpretação (LUHMANN, 1980, p. 38-39).

Neste cenário, é possível vislumbrar um percurso da decisão em que cada elemento

decisório parcial se torna um evento que conectará a outros elementos decisórios parciais dos

demais participantes e, por fim, tenha como resultado um evento geral apto a prosseguir com

o procedimento.

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Esta estrutura supracitada pode ser compreendida como um sistema social, visto que

se trata de ações interconectadas e formadas autopoieticamente, com um mecanismo de

redução de complexidades. Aliás, este aparato ocorre – sobretudo – pois sua função é a de

aprofundamento de uma única decisão (LUHMANN, 1980, p. 38-39).

A questão da redução das complexidades é essencial na análise da teoria dos sistemas,

sendo inclusive uma de suas mais importantes características. A noção de complexidade – já

amplamente trabalhada na presente pesquisa, mas de forma nunca exaustiva – traz em seu

arcabouço um total de possibilidades que se distinguem quando se encara a realidade.

Cada sistema é parte de uma construção e – nesse processo construtivo – é importante

que o próprio sistema esteja abrangido por um aspecto e admita de forma limitada as

possibilidades existentes. Os sistemas são constituídos pela diferença entre interior e exterior,

de onde surgem as complexidades. Para o sistema, o seu entorno é complexo em excesso,

enquanto que a ordem que ele mesmo possui é o parâmetro redutor desta complexidade.

À ordem inerente do sistema pertence ainda um projeto seletivo de ambiente, uma

visão “subjetiva” do mundo, que, de entre as possibilidades do mundo, só escolhe

alguns fatos relevantes, acontecimentos, expectativas, que considera significativos.

É através dessa redução que os sistemas permitem uma orientação inteligente da

ação. Esta função de redução da complexidade é essencialmente desempenhada pela

criação de estruturas, isto é, pela generalização das expectativas de comportamento

que, depois, durante largos períodos de tempo, são válidas transitória e

objetivamente para diversas situações e são válidas socialmente para uma maioria

(LUHMANN, 1980, p. 39-40)

A identidade do sistema, portanto, é adquirida pela criação de novas estruturas, o que

não afasta as possíveis variações que venham surgir, tendo em vista que possui capacidade de

adaptação. Nesse sentido, em um sistema de procedimento sua estrutura é traçada por normas

jurídicas gerais e válidas para procedimentos diversos. Convém ressaltar que o procedimento

propriamente dito não é constituído por estas normas gerais. Entretanto, são elas que reduzem

o “número ilimitado de formas possíveis de comportamento, que se torna possível” (Luhmann

1980, p. 40).

Para a teoria luhmanniana dos sistemas, há nos procedimentos uma pressuposição da

existência de uma organização básica, os quais compõem sistemas parciais de um sistema

maior, que os representa e mantém certas regras de comportamento. Entretanto, mesmo sendo

um sistema menor, possui autonomia para sua auto-organização, reduzindo ainda mais as

complexidades que lhes são atribuídas.

Cada processo – dentro de um panorama da metodologia do procedimento – possui

uma história própria a qual se diferencia da história como um todo. Assim, dentro de um

processo jurídico o comportamento dos participantes inseridos deve ser elegível. Diante disso,

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o leque de comunicações que são apresentadas – mesmo quando o termo declaratório se dê de

maneira não voluntária – acabam por interpretar as possibilidades existentes, multiplicando-as

ou restringindo-as.

A atuação dos participantes, entretanto, é reduzida à medida em que o processo se

desenvolve. Nos dizeres de Luhmann (1980, p. 42) “cada um tem de tomar em consideração

aquilo que já disse, ou que se absteve de dizer”. Ou seja, o passado se tornou memória e a

partir do momento que a oportunidade é desperdiçada e a complexidade é reduzida, não há

como retomar o processo construtivo do processo.

Isso não implica, entretanto, na impossibilidade de revisão normativa. Ao contrário,

para os sistemas de interação há uma possibilidade de “revisão permanente” (LUHMANN,

1980, p. 42), estabelecida de forma a permitir clareza do próprio sistema em que se há a

capacidade de negociação.

A separação de papéis, portanto, é essencial para a concretização dos processos

comunicativos inerentes a um sistema, visto que determinarão os limites dos participantes.

Esses papéis, aliás, são filtrados por meio de regulamentos prévios e os seus participantes só

podem atuar e serem motivados de acordo com as exigências estabelecidas dentro do sistema.

O participante não pode ser responsabilizado pelas consequências sobre outros papéis,

porquanto que o próprio procedimento o protege. Ao final, as decisões obrigatórias devem ser

aceitas por todos os participantes, diretos ou indiretos, condição essencial para a legitimação

da decisão. Nesse sentido, as comunicações dos participantes devem ocorrer por intermédio

da seleção, consubstanciando-se entre a escolha do que aconteceu, do que deveria acontecer.

É importante finalizar que na presente pesquisa, acolhemos a formação da

legitimidade capitaneada na Teoria Luhmanniana dos Sistemas Sociais. Em que pese, aliás,

que na condução de sua Legitimidade pelo Procedimento, o sociólogo alemão se referia

essencialmente à questão do processo legal, para fins do objeto dessa pesquisa, a mesma

teoria é aplicável. Isso se dá, essencialmente, porque a regulação dos mercados – aos moldes

existentes no modelo brasileiro – se dá, em sua grande maioria, por meio as agências

reguladoras.

Nesse sentido, verificando que dentre os papeis das agências está o normativo – na

elaboração de regras técnicas que abarcarão comportamentos no mercado e, igualmente, o de

solução de controvérsias – na medida que atuam quando há má prestação de serviços,

impondo sanções aos fornecedores que descumprirem as normas regulatórias e/ou legais, a

mesma base teórica finda por se aplicar ao caso, questão que será discutida nos tópicos

seguintes.

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133

4.2 As Agências Reguladoras e o Fundamento de Legitimidade na Política Regulatória

Brasileira sob o enfoque da ANATEL

4.2.1 O Poder Normativo das Agências Reguladoras

Conforme já amplamente apresentado no primeiro capítulo, quando da abordagem

acerca da virada do Estado Social para o modelo Regulador, houve o surgimento das

chamadas Agências Reguladoras, cujo papel essencial é o de controlar e disciplinar as

atividades econômicas em sentido amplo, possuindo para tanto um poder normativo cuja

discrepância é visível entre a doutrina – sobretudo a administrativista.

A natureza jurídica das normas produzidas pelas agências reguladoras tem intrínseca

relação com a questão dos poderes e funções existentes dentro de um Estado Democrático de

Direito. É possível inferir, aliás, que ao contrário do modelo elaborado por Montesquieu, hoje

os poderes estatais possuem um leque de funções que se imbricam, sobretudo quando diz

respeito à construção e interpretação de normas.

O Direito é visto ao longo da história por sua concepção normativo-positivista.

Entretanto, é importante destacar que o caráter normativo do direito não se circunscreve

unicamente à lei. Nesses termos, é possível construir a ideia de que existe uma competência

para a criação de comportamentos – cuja denominação é competência normativa; e existe a

competência para a criação de comportamentos primários por meio da lei – cuja denominação

é competência legislativa. É possível, ainda, verificar uma terceira competência (DUARTE

JÚNIOR, 2013, p. 113), que é a regulamentar, consubstanciada em um poder secundário que

complementa a competência legislativa.

A par dessa rápida conceituação, convém a análise dos fundamentos da competência

normativa das agências reguladoras. Uma série de críticas são tecidas acerca da vagueza dos

dispositivos que atribuem competência normativa às agências, em que pese a consideração

explícita de que os atos devem ser considerados normas jurídicas, inclusive com “abrangência

ainda maior que as resoluções e outros atos que venham a ser expedidos por outras

autarquias” (BRITTO, 2018, p. 58).

Acerca da função normativa das agências reguladoras, surgiu um número de correntes,

de modo a justificar de onde surge a autorização para que essas entidades regulatórias

construam e produzam regras que regem o comportamento dos mercados. Não é o objetivo do

presente trabalho exaurir as correntes existentes, mas se faz necessário um panorama dos

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principais fatores que levam à emissão de tais regras.

No ordenamento jurídico brasileiro, as agências reguladoras se enquadram enquanto

autarquias, possuidoras de regime especial. Muito embora esta característica lhe confira uma

maior autonomia, sua destinação precípua – nos dizeres de Meirelles (2005, p. 337) – é a de

execução de serviços públicos típicos.

Partindo-se da leitura dos dispositivos constitucionais, se dispõe no art. 84, incisos IV

e VI que é da competência do Presidente da República a sanção, promulgação e publicação

das leis, além da expedição de decretos e regulamentos para sua execução; bem como a

disposição mediante decreto da organização e funcionamento da administração federal.

A doutrina administrativista convencionou denominar a função do inciso IV como

Poder Regulamentar, sendo esta uma competência exclusiva do chefe do Poder Executivo.

Neste sentido, é possível inferir a impossibilidade de delegação desse mecanismo inovador da

norma jurídica, visto a exclusividade que permeia sua estruturação.

Por sua vez, há ainda a disposição do artigo 68 da Constituição Federal, cuja previsão

consta que ao Poder Executivo cabe a elaboração das leis delegadas, devendo ser previamente

solicitada ao Congresso Nacional. No caso em tela, há a característica da delegação, mas esta

ocorrida entre o Poder Legislativo Federal para o Poder Executivo.

O artigo 87, II da Constituição, ao seu turno, traz uma segunda previsão de

competência normativa relacionada ao Poder Executivo, quando confere aos Ministros de

Estado a atribuição de expedir instruções para a execução de leis, decretos e regulamentos.

Não se vislumbra, assim como no primeiro caso, a característica da delegabilidade, além de

que o objeto desse dispositivo subordina sua criação à mera execução legislativa (BRITTO,

2018, p. 61).

Por fim, o artigo 62 da Constituição Brasileira traz em seu arcabouço uma quarta

hipótese normativa do Poder Executivo Federal, cuja previsão autoriza o Presidente da

República, em caso de relevância e urgência, a adoção de medidas provisórias com força de

lei. Ao contrário do disposto no artigo 68 – como visto – não existe necessidade prévia de

autorização do Congresso Nacional, muito embora exista a necessidade de submeter a matéria

posteriormente.

Na Carta Magna brasileira, portanto, são estas as quatro possibilidades em que se

verifica a autorização de inovação normativa por parte do Poder Executivo. Convém ressaltar,

entretanto, que as competências normativas acima descritas dizem respeito a matérias e

situações muito específicas – muito embora no caso da medida provisória se vislumbre uma

utilização excessiva e desvirtuada – que não abarcam em nenhuma hipótese a competência

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normativa exercida por parte das agências reguladoras.

Partindo-se então da análise acerca da função das agências, tem-se que o termo

Regulação é encontrado de forma abstrata na Constituição, no artigo 174, cuja prescrição

prevê que o Estado exercerá – como agente normativo e regulador da atividade econômica –

as funções de fiscalização, incentivo e planejamento para o setor público e privado, de forma

determinante e indicativa, respectivamente.

Há ainda – e já amplamente discutida após a historicização do estado Regulador no

Brasil realizada no segundo capítulo – duas menções ao termo “órgãos reguladores”

realizadas no artigo 21, IX da Constituição, cuja previsão estabeleceu a competência da União

para criar um órgão regulador das telecomunicações; bem como o artigo 177, § 2º, III, que

previu constituir monopólio da União dispor sobre a estrutura e atribuições do órgão

regulador dos serviços dispostos no caput do artigo (essencialmente relacionados ao petróleo,

gás natural, transporte marítimo e minerais nucleares).

Assim sendo, sendo escassas as disposições constitucionais que validem a

competência normativa das agências reguladoras, convém dispor do suporte teórico do Direito

Administrativo que dispõe de argumentações diversas acerca do fundamento normativo

emitido por parte destas autarquias.

São três noções principais acerca das justificativas que estruturam o poder normativo

das agências reguladoras, a saber: (i) exemplo de delegação do poder regulamentar realizada

pela legislação instituidora das agências; (ii) exemplo de deslegalização no direito brasileiro;

e (iii) concepção ampla de execução dos serviços públicos (BRITTO, 2018, p. 65).

Para os defensores da competência normativa das agências reguladoras fundamentada

na delegação, se interpreta que a função reguladora, tal como descrita no artigo 174 da

Constituição Federal, pertence ao Estado. O exercício dessa função pode ser dado de forma

direta ou indireta. Quando dada dessa última forma, os poderes e os deveres inerentes à

atividade possuem transferência para a entidade personalizada.

A aptidão normativa abstrata seria, portanto, decorrente do poder regulamentar do

Poder Executivo (JUSTEM FILHO, 2002, p. 498). Dessa forma, em virtude da delegação

efetuada, a agência reguladora pode editar decretos regulamentares visando a melhor

execução da lei. Este tipo de delegação – nos dizeres de Ferraz Júnior (2000, p. 147) – seria a

imprópria. Tal nomenclatura é aplicada porque nos termos do artigo 68 da Constituição

Federal, a delegação realizada é feita pelo Congresso Nacional ao chefe do Executivo. No

caso da delegação imprópria, seria aquela feita pelo Presidente da República com fundamento

na descentralização das atividades.

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À primeira vista, uma tal solução se coaduna com o entendimento da maior parte da

doutrina quanto aos limites do poder regulamentar, situando as normas expedidas

pelas agências reguladoras numa posição de complementariedade e subordinação às

normas legais, reproduzindo a máxima que somente à lei cabe a originalidade na

previsão das condutas regradas e que ao regulamento cumpre somente pormenorizar

os comandos já pré-existentes na lei. (BRITTO, 2018, p. 67)

Analisando, portanto, o papel da ANATEL, consubstanciado na Lei 9.472/97, em que

há expressamente, em seu art. 19, uma série de condutas originárias visando a adoção de

medidas para o atendimento do interesse público e do desenvolvimento das telecomunicações

brasileiras, percebe-se o esvaziamento da função de mero complemento da lei, por meio de

um poder regulamentar.

Aliás, este poder vai além da reprodução da lei, necessitando esmiuçá-la, integralizá-

la, ampliá-la e, até mesmo, finalizá-la, de forma que envolveria mais do que a mera

reprodução do texto legal. Neste espectro, existe uma margem para inovação por parte da

norma criada pelas agências reguladoras, muito embora ela deva estar submetida aos

comandos legais.

Isso não implica na transferência da competência legislativa para o âmbito das

agências reguladoras. Ao contrário, a lei permanece como a diretriz que estabelecerá os

objetivos precípuos de seu dispositivo, cabendo à norma setorial construir mecanismos para

sua execução.

Nesses termos, conforme apresentado por Ferraz Júnior (2009, p. 11), faz-se

necessário ao Congresso a apropriação do discurso em torno de uma política setorial que

direcione os objetivos e as alternativas que seguirão como diretriz para as normas produzidas

pelas agências reguladoras, não podendo ultrapassar o comando legal ou ir de encontro a este.

Assim, a lei estabeleceria o escopo finalístico de sua imposição, cujos dispositivos

necessitam adquirir a concretização, a ser alcançada por meio da política setorial e a regulação

almejada. Ou seja, a atividade regulatória produzida por normas teria sua justificativa

enquanto delegação do Poder Executivo para concretização de seus comandos.

Há, entretanto, forte divergência acerca do fundamento da competência normativa das

agências reguladoras pelo viés da delegação. Isso se explica porque o Poder Legislativo –

enquanto delegatário – não possui a titularidade do poder regulamentar, inexistindo a

capacidade de outorga de poderes que não possui (DI PIETRO, 2004, p. 44).

Acolhendo este argumento, não há fundamento constitucional que atribua ao poder

regulamentar a competência normativa das agências reguladoras. Afastada, então, a

competência regulamentar das agências reguladoras, a doutrina administrativista apresentou

duas outras propostas que fundamentariam a competência normativa: a deslegalização e

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amplitude de execução dos poderes conferidos à Administração Direta.

A deslegalização seria uma espécie de delegação legislativa, em que o legislador retira

determinadas matérias do domínio da lei e as atribui à disciplina das agências (MOREIRA

NETO, 2001, p. 60). Esta concepção é bastante questionada por parte da doutrina, com o

argumento de que não se aplica ao Direito brasileiro – sobretudo por seu nascimento vir do

direito administrativo espanhol – embora parte minoritária considere que a experiência

brasileira cabe ao conceito.

Para o administrativista, a necessidade de atendimento de uma normatividade que se

caracteriza pelo seu tecnicismo, com um mínimo de influência político-administrativista do

Estado na prestação de bens e serviços – seja público ou não – com a transferência completa

da matéria delegada, caracterizaria a chamada deslegalização (MOREIRA NETO, 2001, p.

82).

O que ocorre na deslegalização é justamente a substituição do Estado – enquanto

legislador –, suprimindo-se sua capacidade para a inovação normativa, entregando-se a outra

entidade que seria a Agência Reguladora. A Constituição Federal, de fato, reserva

expressamente determinadas matérias em que se afasta a atividade legislativa, como no caso

do art. 227, em que estabelece a competência das entidades desportivas a elaboração de suas

normas de organização e funcionamento.

Há, ainda, os casos em que o Poder Legislativo transferiu a competência normativa

para os conselhos profissionais, de forma que estes estariam aptos a elaborar o regramento de

seu próprio funcionamento ou os critérios para exercício do ofício, como ocorre por exemplo

com a Ordem dos Advogados do Brasil. Nestes casos, tem-se a chamada autorregulação.

Ademais, uma parte da doutrina – capitaneada por Di Pietro (2008, p.448) – entende

que a função reguladora só existe para as agências que possuem previsão na Constituição

Federal, padecendo de inconstitucionalidade a delegação da atividade reguladora que é

disciplinada apenas em lei. Nestes casos, a competência seria exclusiva do Poder Executivo,

não cabendo nenhuma espécie de delegação.

Uma das críticas realizadas à deslegalização é a de admitir que o Poder Legislativo

teria em mãos o poder de recusar de forma integral alguma de suas competências legislativas,

o que feriria diretamente o Estado de Direito. É importante não esquecer de que a função da

Agência Reguladora é complementar a lei naquilo que for técnico e, também, prático. A partir

do momento em que se concebe a ideia do Poder Legislativo, a quem possui

constitucionalmente uma função primordial na democracia, a capacidade de abdicar de seu

próprio poder e transferi-lo a outrem que não possui legitimidade democrática para inovação

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legislativa, enfraquece-se a segurança jurídica necessária para a determinação de padrões de

comportamento.

Acrescente-se, aliás, que as Agências Reguladoras são autarquias especiais que estão

vinculadas ao Poder Executivo, saindo inclusive da esfera de poder de quem pode construir e

modificar a legislação, que é o Poder Legislativo.

Partindo, então, por outro aspecto, tem-se a corrente que defende que a regulação se

trata de uma amplitude de execução dos poderes conferidos à Administração Direta. Ou seja,

a regulação se trata de uma atribuição especial da Administração (BRITTO, 2018, p. 77). Não

seria, portanto, caso de delegação do exercício do poder regulamentar, tampouco exemplo de

deslegalização.

Principiando com essa interpretação, as Agências Reguladoras recebem a atribuição

pela emergência de uma descentralização da atividade administrativa, sobretudo em virtude

da necessidade de construção de critérios técnicos que – de regra – não fazem parte do

arcabouço de conhecimentos necessários às atividades administrativas usuais.

Sob esse prisma, baseados na necessidade de se buscar uma eficiência da

administração, essas normas possuem o condão de operacionalizar os objetivos estabelecidos

por parte da lei, com a atribuição de competências normativas para execução do escopo legal.

Seria, em outros termos, como uma delegação acessória para persecução dos fins.

Por este enfoque, a atividade da regulação funcionaria como um encadeamento dos

poderes da Administração, partindo-se de um exercício direto, para um exercício indireto por

meio de outorga, a fim de que este alcance os standards e finalidades definidos em lei, mas

com o aspecto da produtividade para se adequar às necessidades mais urgentes.

Como é possível interpretar de Marques Neto (2002, p. 82), existe uma complexidade,

uma multiplicidade e uma velocidade de questões regulatórias que balizam a

imprescindibilidade da delegação da atividade estatal ao órgão regulador. Isso ocorre,

essencialmente, porque a instrumentalização das regras e decisões se dá com uma maior

eficácia, o que suscita os próprios limites dos entes reguladores.

A implementação dos mandamentos legais, portanto, com sua necessária

concretização, ensejaria a atividade normativa como implemento das agências reguladoras, de

forma a trazer eficiência dos mecanismos instituídos pela norma legal. Assim, o ente

regulador poderia emitir normas relacionadas a um setor específico, contanto que estejam em

plena harmonia com as funcionalidades estabelecidas por lei.

Acrescente-se que esta atividade será posta de forma mais forte quando a lei

instituidora deixar uma ampla margem de atuação, estabelecendo diretrizes genéricas o

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suficiente para que haja uma a operatividade proporcionada pela norma de setorial regulatória.

A execução, conforme apresenta Justen Filho (2002, p. 510), deve ser interpretada como

assecuratória do objetivo do Direito, mesmo quando esta operacionalização não está

efetivamente descrita em lei. Ou seja, afasta-se a mera repetição do texto legal,

acrescentando-se – de forma a trazer efetividade – determinações que coadunem com o

espírito da lei.

Existem com reservas essa teoria, entendendo que mesmo quando existe previsão

constitucional acerca da agência regulatória específica – como nos casos anteriormente

citados relacionados ao petróleo e às telecomunicações – as normas voltadas à regulação

devem observar de forma direta a hierarquia das leis, de forma que mesmo quando existe

regulamentos expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, as normas de regulação não podem

ultrapassar o disposto sob normas regulamentares (DI PIETRO, 2004, p. 44).

O posicionamento, embora válido para fins de orientação da atividade regulatória,

também não pode servir como mecanismo para esvaziamento total da atividade das agências

reguladoras. Se assim o fosse, os mecanismos de regulação acabariam por se tornar tão

morosos como a própria inovação legislativa. Aliás, em situações como a do objeto da

presente pesquisa – internet e novas tecnologias – acabaria por se tornar efetivamente inócua

qualquer exercício de competência legislativa que necessitasse passar por uma série de

estruturas hierárquicas superiores para ao final reproduzir tudo o que já fora reproduzido.

Não se pretende defender, com isso, o desacatamento aos regulamentos produzidos de

forma direta pelo Poder Executivo. Ao contrário, deve ser levada em consideração para a

construção das normas regulatórias. Entretanto, no caso das telecomunicações é a

Constituição Federal que atribui a necessidade da regulação, instituindo que a lei criará sua

respectiva agência.

Por mais que haja um esforço por parte da doutrina em justificar o poder normativo

das agências reguladoras, este estímulo – sobretudo quando se refere a telecomunicações e

petróleo de forma expressa, mas igualmente de forma genérica no art. 174 da Constituição –

já existe quando há a necessidade de incentivo à regulação da atividade econômica (BRITTO,

2018, p. 81).

Não se trata – na questão apresentada – de uma tentativa de modificação da tripartição

dos poderes, mesmo porque nos tempos atuais a base teórica alavancada por Montesquieu

ultrapassou uma série de modificações, e, inclusive, enfraquecimentos. Além disso, a dotação

dos três poderes ultrapassa uma série de funções típicas e atípicas. Neste sentido, não se

defende que a norma regulatória deva – de alguma forma – ultrapassar qualquer hierarquia

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normativa existente no Direito brasileiro. Entretanto, como se deu sua própria concepção,

deve operacionalizar de forma a garantir que a lei atinja seus fins e não se torne inepta desde

seu nascedouro.

4.2.1.1 O Posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação ao Poder Normativo das

Agências Reguladoras

A análise da abrangência do Poder Normativo das Agências Reguladoras chegou ao

Supremo Tribunal Federal com questionamentos relacionados exatamente à Agência Nacional

de Telecomunicações – ANATEL. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.668-5/DF trouxe

uma série de questionamentos acerca dos dispositivos da Lei n. 9.472/1997.

No que concerne ao poder normativo da ANATEL, houve ataque direto ao artigo 19,

IV e X, cujos dispositivos, respectivamente, atribuem ao ente regulador a expedição de

normas quanto à outorga e prestação dos serviços de telecomunicações em regime público,

bem como a expedição de normas sobre a prestação dos serviços de telecomunicações no

regime privado.

O relator da ação, o Ministro Marco Aurélio, se manifestou entendendo pela

interpretação conforme a Constituição, concluindo que a atuação da ANATEL deve ser

realizada de acordo com as normas de âmbito legal e regulamentar de regência (STF, 2004, p.

154/155).

O Ministro Sepúlveda Pertence acrescentou que não existe nenhum impedimento à

Agência em relação à existência de funções normativas, desde que estas estejam

absolutamente subordinadas à legislação e que, eventualmente, às normas de caráter

regulamentar expedidas pelo Poder Executivo (STF, 2004, p. 160).

O entendimento do STF foi o de que inexiste fator que retire a responsabilidade do

agente político, no que diz respeito à ampla competência reguladora da lei de

telecomunicações. Todos os ministros da Corte Suprema brasileira acompanharam o relator,

ganhando os dispositivos supramencionados a interpretação conforme a Constituição.

Neste sentido, pelo entendimento do STF, a legitimidade das normas dispostas pela

ANATEL se subordinam às disposições legais e demais regulamentos expedidos pelo Poder

Executivo, bem como devem versar sobre aspectos técnico-administrativos acerca do setor

regulado.

Em relação à primeira característica, não há nenhuma questão a ser acrescentada, visto

que deve, de fato, as normas regulatórias estarem em consonância com os dispositivos legais.

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Entretanto, no que diz respeito à segunda característica, ousamos acrescentar que o papel da

regulação – aos moldes de hoje – vai além do mero tecnicismo-administrativo.

Para além do mero cumprimento de formalidades técnicas, a regulação social trouxe –

conforme já explanado no primeiro capítulo – uma série de preocupações que visam, de forma

efetiva – muito embora não se verifique essa efetividade na prática –, a correção de efeitos

prejudiciais da atividade econômica, de modo a proteger a sociedade dos efeitos negativos

advindas das relações de produção (WINDHOLDS, 2013; FEITOSA, 2007; YAGER, 1991;

KUTTNER, 1997; HAWKING, 1991; HUTTER, 1993).

Nestes termos, a atividade desempenhada pela ANATEL não deve e não pode se

restringir unicamente ao alcance dos produtores e fornecedores dos serviços, tendo em vista

que de outro lado existe uma série de usuários que não só utilizam os serviços, mas mantém

toda a cadeia de produção por meio do consumo.

Além disso, considerando que uma das funções essenciais das Agências Reguladoras é

a de executar aquilo que o legislador construiu de forma abstrata, ou seja, tornar concreto

dispositivos com uma margem considerável de subjetividade, não se coaduna com a ideia de

uma atividade puramente tecnicista.

Levando a análise para o objeto do presente trabalho, qual seja, a existência dos

aplicativos Over-The-Top e sua relação com o setor tradicional de telecomunicações, verifica-

se que a Lei n° 12.965/14 (Marco Civil da Internet) traz em seus dispositivos que a disciplina

do uso da internet no Brasil deve respeitar a finalidade social da rede (art. 2º, VI), convém à

Agência Nacional de Telecomunicações – sendo ela a responsável pela estruturação do

mercado virtual no Brasil – estabelecer critérios e formas de atuação que concretizem o termo

abstrato da lei, o que virá por um processo interpretativo futuro.

Caso não pertencesse à ANATEL a concretização desse dispositivo por meio da seara

regulatória, a quem pertenceria? Qual autoridade teria o condão de proporcionar ao Brasil o

respeito à função social da rede? Aliás, a quem competiria concretizar a noção de função

social da rede? Não há como responder à Lei, visto que ela própria estabeleceu um termo

genérico, como tantos outros.

Pelo posicionamento adotado na presente pesquisa, não vislumbramos outro caminho

senão pela seara regulatória, de forma a estar vinculada a uma atuação na economia de

maneira a superar falhas de mercado e, ao mesmo tempo, buscar resultados desejados –

intermediados – tanto pela produção, como pelos usuários finais.

Não obstante, conforme já discutido anteriormente, a mera noção da Regulação Social

dos Mercados, sem mecanismos efetivos de participação, não possui resultados efetivos.

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Muito embora haja estruturas participativas no âmbito das Agências Reguladoras, estas não

estão devidamente organizadas de forma a permitir que ocorra este processo. A legitimidade

efetiva da Agência Nacional de Telecomunicações deve aprofundar seus mecanismos, para

que possa efetivamente produzir resultados satisfatórios no âmbito do mercado. É o que se

passa a analisar a partir das próximas seções.

4.3 Mecanismos de Participação Popular como forma de Processo Normativo Democrático

nas Agências Reguladoras

De acordo com os amplos argumentos defendidos ao longo do presente trabalho,

sobretudo no que concerne à expedição de atos normativos por parte das agências

reguladores, a lei deverá dar os contornos exatos para que a legitimidade normativo-

regulatória possa ser constatada.

A lei criadora de cada agência reguladora dispõe de instrumentos para que as regras de

procedimentos sejam observadas durante a construção normativa, devendo existir previsão

quando a lei for omissa ou ainda incompleta. As agências reguladoras, portanto, ficam

vinculadas ao espaço normativo que será determinado por lei.

A inovação legislativa que cria as agências confere a elas a capacidade de expedir

normas dentro de seus parâmetros. Entretanto, para que haja a efetiva legitimação dos atos

expedidos por estas autarquias, a vinculação abstrata à lei não é suficiente, necessitando a

adequação à juridicidade (DUARTE JÚNIOR, 2013, p. 209).

A juridicidade impõe ao administrador, no uso do exercício de sua competência

discricionária, a vinculação aos limites jurídicos anteriormente estabelecidos

independentemente de serem princípios constitucionais ou princípios gerais do Direito

(SOUTO, 2005, p. 380). Saliente-se que na ideia ora exposta, se verifica padrões de

juridicidade de acordo com a Teoria Luhmanniana dos Sistemas, em que o sistema jurídico

pode assimilar, conforme a adoção de critérios próprios, os fatores do meio ambiente, não

sendo necessariamente comprometido por estes fatores.

Ou seja, a expectativa normativa não é estipulada de forma imediata por interesses

econômicos, políticos, éticos ou científicos, mas dos processos de filtragem seletiva que

ocorrem no interior do sistema jurídico. Partindo-se então para a concepção normativa do

direito regulatório e a necessária adequação à juridicidade, defende-se que a sua legitimidade

ocorrerá nos exatos critérios estabelecidos pelo Sistema Jurídico, aos mesmos moldes

seletivos para construção da norma setorial.

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Na construção das agências reguladoras de um modo geral, há a dotação de poder

normativo como uma das principais características, sendo necessária que essa definição seja

estabelecida legalmente, com exceção da ANATEL e da ANP que foram pensadas desde a

Constituição. Independentemente disso, os limites do poder normativo foram definidos em lei

infraconstitucional, tendo em vista que os dispositivos da Carta Magna sobre esta matéria

eram abstratos.

Acerca da participação de interessados no processo normativo das agências

reguladoras, que apontou que existe uma questão intrínseca para que os cidadãos estejam

integrados no processo de formação destas normas, é possível observar:

Por outro lado, sendo previsto o poder normativo, não é necessário haver o

dispositivo acerca da participação dos interessados no processo normativo. A

participação desses decorre de uma vontade constitucional ao optar pelo Estado

Regulador – perceba que a própria motivação para a mudança do regime estatal

coloca a participação dos cidadãos na administração como essencial e uma das

finalidades da mudança –, adotar a república como forma de governo, e de uma

interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico, com base nos

princípios democráticos e na dignidade humana. (DUARTE JÚNIOR, 2013, p. 210)

Neste sentido, independentemente de haver ou não previsão quanto à participação

cidadã no processo normativo das agências em suas leis criadoras, a Lei nº 9.784/1999, que

regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, prevê a

abertura para consulta pública para manifestação de terceiros, quando a matéria envolver

assunto de interesse geral (art. 31); o estabelecimento de outros meios de participação de

administrados – diretamente ou por meio de organizações – (art. 33); a realização de reunião

conjunta com a participação de representantes dos órgãos competentes (art. 35); a juntada de

documentos e pareceres por parte dos interessados (art. 38); a intimação para que terceiros

juntem provas ou informações necessárias (art. 39); vista e cópia do processo (art. 46), dentre

outros.

Partindo desse panorama, verifica-se que as normas regulatórias estarão obrigadas ao

cumprimento de todos os requisitos administrativos que são vinculados à Administração

Direta, sobretudo no que concerne à ampla publicidade dos atos e o recebimento de

informações necessárias para sua instrução.

Há, portanto, a existência do devido processo regulatório, com disposição legal

expressa nesse sentido, devendo-se cumprir com todos os requisitos básicos existentes em

processos judiciais: cumprimento de prazos, intimação, motivo e motivação dos atos,

justificativa e fundamentação.

A publicidade, aliás, prevista no art. 37 da Constituição Federal de 1988, se torna

preceito fundamental para que o ato administrativo regulatório tenha eficácia, razão pela qual

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fornece elementos mínimos para conferir segurança jurídica daquilo que é proposto e, assim,

aumentar a adesão da sociedade em relação aos seus dispositivos.

O acesso às informações de interesse público, por sua vez, é garantido pela Lei nº

12.527/2012, que garantiu a observância da publicidade como preceito geral (art. 3º, I); a

divulgação de informações independente de solicitações (art. 3°, II); a utilização dos meios de

comunicação pela tecnologia da informação (art. 3º, III); o dever do Estado em garantir o

direito de acesso à informação (art. 5º); a obtenção de informação em registros ou documentos

(art. 7º, II); a obtenção de informação sobre as atividades exercidas pelos órgãos e entidades

(art. 7º, V); o dever de promoção da divulgação de informações de interesse coletivo (art. 8º,

caput), dentre outros.

Verificando-se todo esse arcabouço normativo, é de se concluir que as Agências

Reguladoras devem permitir o acesso a todos os interessados, em condições de plena

igualdade de participação, inclusive nos processos de construção normativa setorial e de se

manifestar nestes procedimentos a fim de se levar a uma tomada de decisão ao final de toda a

participação considerada.

Convém ressaltar que a mera disponibilização de meios participativos não é suficiente

para que na prática ocorra o fato. Aliás, é possível perceber a disponibilização de consultas

públicas por parte da ANATEL, por exemplo, mas sem que este meio de participação chegue

efetivamente na coletividade. Para além da oportunidade, faz-se necessário o fomento a esta

participação, sob pena de construir normas setoriais que beneficiam apenas um lado da moeda

e/ou tragam dispositivos genéricos replicadores da lei abstrata.

Para que esta percepção ocorra, faz-se necessário ainda que as Agências Reguladoras

estejam mais disponíveis e, sobretudo, conhecidas no âmbito nacional, a fim de que a

coletividade saiba quais são suas funções. Muito embora se verifique o conhecimento por

parte da sociedade da maioria dos nomes das principais agências reguladoras, há um

desconhecimento acerca de suas funções específicas destas entidades e quando podem

recorrer às mesmas.

É nesse espectro que se torna papel de a agência tornar clara as suas funções

essenciais, tornando acessível, inclusive, a linguagem técnica utilizada para versar sobre

serviços que são utilizados pela coletividade. Deve-se, para além do estabelecimento técnico-

administrativo do setor regulado, observar também o entendimento da sociedade com vistas à

sua participação efetiva, com propósito claro de se evitar as já analisadas falhas de mercado.

A partir da aproximação das agências reguladoras à coletividade e o consequente

conhecimento desta em relação àquelas é que será possível uma efetiva participação no

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processo de construção normativa, além dos processos de tomada de decisão acerca de

determinada temática do setor.

Além disso, os gestores das agências devem atuar de forma a conceder a prévia

comunicação dos atos aos interessados, permitindo o tempo para manifestações e inserções de

opiniões a serem consideradas, analisadas e, posteriormente, se chegar a uma conclusão

acerca daquilo que deve ser tomado de forma definitiva.

Para além da construção normativa, deve-se ter sempre a vinculação aos motivos da

expedição de determinado ato. Sendo um princípio decorrente do Estado de Direito e um dos

pilares do direito administrativo, a motivação se consubstancia na enunciação das razões que

levam à tomada de determinada decisão ou à expedição de determinado ato.

Isso não implica dizer que a atuação da agência reguladora deve se basear

essencialmente no estrito interesse público, mas, sim, que deve buscar atingi-lo de forma

eficaz, ponderando os benefícios e os custos de todos os envolvidos no processo de produção

do mercado. Ou seja, não adianta incentivar a participação da sociedade na construção

normativa, excluindo-se também os interesses de mercado, sob pena de se utilizar as entidades

regulatórias como forma de intervenção direta no mercado, o que – com bases na experiência

do Estado do Bem-Estar Social – se comprovou impróprio.

O que se busca, por meio da participação de todos os interessados – e isso engloba

também os agentes de mercado – é que haja o equilíbrio de forma a proporcionar ganhos e

perdas equiparáveis para todos os lados, de forma a permitir que o consumo permaneça, mas

de forma a não escravizar os consumidores.

Ao contrário da Agência Nacional do Petróleo, a lei criadora da Agência Nacional de

Telecomunicações não dispôs acerca da audiência pública, em que se estabeleceria a

necessidade de participação quando há projetos de lei para alterações de normas

administrativas que afetam direitos dos fornecedores e consumidores.

Entretanto, na Resolução 612/2013 (Regimento Interno da ANATEL) existem os

mecanismos Audiência Pública, Consulta Pública e Consulta Interna que viabilizam a

participação de interessados em matérias de interesse do setor. Em que pese a existência de

tais mecanismos, é de se perceber mais adiante, quando da delimitação de cada um deles, que

o processo de atuação participativa dos interessados se dá de forma consultiva e não

vinculante, razão pela qual a agência reguladora embora permita a inserção de opiniões acerca

da matéria e dela levar em consideração, não se vincula ao que a maioria opinar, possuindo

amplos poderes decisórios na construção de suas normas.

Uma das justificativas para isso é que para se alavancar critérios como eficiência, não

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há como vincular a decisão a todas as considerações dispostas por parte dos interessados, sob

o risco de se transformar em um procedimento custoso e, até mesmo, inviável do ponto de

vista regulatório. Além disso, a autonomia das agências se sustenta para que não haja

eventuais formas de benefício a determinado setor, sobretudo quando se lida com

fornecedores, consumidores e, até mesmo, o próprio Estado e sua política pública30.

De toda forma, o fortalecimento dos procedimentos que abarquem a participação e a

inserção comunicacional dos interesses da coletividade têm o condão de favorecer a

legitimidade das decisões da agência reguladora e também da construção normativa que

produzir, tendo em vista que atuação deve se ocorrer de forma a filtrar o necessário e

selecionar aquilo que pode ser consolidado no setor.

A pluralidade de participação com um procedimento claro e efetivo legitimará o

resultado apresentado como resposta, de modo a garantir que sejam resguardadas as

diferenças existentes sobre o setor regulado – aqui em tese Telecomunicações –

desenvolvendo a área e garantir o consumo dos serviços que são disponibilizados para todos.

Para a sociedade, garantida a participação no processo de decisões e construção

normativa, nascerá em contrapartida a segurança que desembocará na própria legitimidade de

atuação da agência reguladora, sobretudo porque terá em termos visíveis a certeza de que

aquilo que contribuiu foi devidamente selecionado e inserido no setor. E, mesmo quando não

o tiver, terá a certeza que a participação passou por todo o caminho procedimental e, ao final,

pelos motivos que serão conhecidos em seu percurso, foi descartado para que uma outra

decisão prevalecesse.

É a partir da comunicação dos sistemas e do ambiente que será possível estabelecer,

dentro das regras do jogo, os ditames para uma regulação mais apropriada aos requisitos

mínimos de participação, de forma a garantir que no sistema social haja essa troca de

informações suficientes para que as complexidades sejam reduzidas e, assim, se tenha em

mente uma decisão a ser tomada.

Acrescente-se que esta decisão não se trata da algo imutável. Ao contrário, novas

complexidades podem surgir e necessitar a revisão ou novas decisões, desde que obedecidos

os procedimentos próprios para a persecução deste fim.

30 Convém ressaltar que o modelo também em vigência, com a baixa participação da coletividade, também

favorece a formação de Agências Reguladoras vinculadas essencialmente aos fornecedores de serviços, como

é o caso da Teoria da Captura, já amplamente discutida em capítulos anteriores.

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4.3.1 Instrumentos Participativos no âmbito da ANATEL

4.3.1.1 Audiência Pública

Conforme já anteriormente explanado, a lei que criou a ANATEL não possui

expressamente a participação da sociedade como forma de processo para tomada de decisões

e construção normativa. Entretanto, na sua Resolução 612/2013, entre os arts. 56 a 58, a

Agência Reguladora de Telecomunicações brasileira trouxe a forma de participação em

audiência pública.

O mecanismo, conforme dispõe o artigo 56 da resolução, se destina a debater ou

apresentar de forma oral matéria com relevante interesse, sendo este definido pelo Conselho

Diretor. Qualquer interessado, na forma direta ou por meio de organizações e associações

legalmente reconhecidas, pode participar, manifestar e oferecer documentos (art. 57, § 1º),

entretanto, o procedimento de Audiência Pública será estabelecido na respectiva Portaria a ser

publicada pela agência (art. 57, § 3º).

Com vias de garantir a publicidade, a audiência deve ser transmitida em tempo real no

site da agência na rede mundial de computadores, salvo quando ocorrer inviabilidade técnica.

Entretanto, de toda forma, haverá a gravação por meios eletrônicos e sua respectiva

divulgação, sendo assegurado o direito à obtenção de cópia aos interessados (art. 58, § 1º).

Estas são, portanto, as regras para a participação em audiência pública por parte da

ANATEL. Convém ressaltar que este mecanismo deveria proporcionar aos indivíduos a

exposição de sugestões, ideias, críticas e manifestações, de forma que a agência selecionasse

os argumentos válidos a produzirem uma resposta no setor com legitimidade, a partir do

atendimento aos anseios dos envolvidos no setor regulado (BINENBOJM, 2006, p. 106).

Por meio desse procedimento que é permitido ao cidadão a participação em debates,

que embora não seja vinculado por parte das autoridades reguladoras, oferecem a

oportunidade de participação nos rumos. Na forma disposta pela ANATEL, é possível

verificar que a participação popular ocorre, nesses casos, unicamente na fase preparatória, em

que são colhidas todas as inserções necessárias para posteriormente se realizar o processo

seletivo para decisão.

Uma das críticas a serem expostas acerca do mecanismo da Audiência Pública no

âmbito da ANATEL. De acordo com o art. 57, caput, a data, hora, local, objeto e o

procedimento serão divulgados com pelo menos 05 (cinco) dias de antecedência, no Diário

Oficial da União, na Biblioteca e na página da Agência. Ora, um dos grandes problemas

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acerca do incentivo à participação é justamente o distanciamento das agências em relação aos

consumidores, que pouco ou quase não têm acesso às suas funções institucionais. Aliás, em

um país de dimensões continentais, não se traduz democrático a publicação de uma audiência

pública com permissão para que em cinco dias seja publicado a formatação de seu

procedimento.

O dispositivo permite, nesses termos, que a agência – sobretudo quando a teoria da

captura prevalecer – possa utilizar desse prazo para afastar a participação da sociedade no

processo discursivo que delimitará as nuances do setor. Além disso, o prazo pode estabelecer

até mesmo um empecilho para que o setor possa colher sugestões e dúvidas da população, de

forma que a depender da matéria tratada – principalmente no ramo das telecomunicações que

também não é tão acessível à população – incentivar o total desinteresse por parte da

coletividade.

Neste sentido, muito embora exista toda uma estrutura própria para que ocorra a

participação cidadã nos processos decisórios setoriais de telecomunicações, o mecanismo

supramencionado não fornece a legitimidade efetiva para que a decisão final tenha a

cooperação de toda a sociedade.

4.3.1.2 Consulta Pública

O mecanismo da consulta pública, no caso da ANATEL, já aparece na Lei nº

9.472/1997, mais especificamente em seu art. 42, cuja disposição informa que as minutas dos

atos normativos serão submetidas a essa estrutura, devendo as críticas e sugestões merecerem

exame e permanecerem à disposição do público.

A Resolução 612/2013 também dispõe dos procedimentos relacionados à consulta

pública em seu art. 59, replicando quase na integralidade os termos constantes na lei geral de

telecomunicações. Ademais, ao contrário do prazo para audiência pública, no caso da consulta

há um lapso temporal não inferior a 10 (dez) dias, onde as críticas e sugestões deverão ser

apresentadas de acordo com o instrumento deliberativo publicado no Diário Oficial da União.

Além disso, a consulta deverá ser feita igualmente na página da internet, na mesma

data da publicação no Diário Oficial da União, devendo ainda acompanhar os seguintes

documentos relativos à matéria: informes e demais manifestações das áreas técnicas da

Agência; manifestações da Procuradoria, quando houver; análises e votos dos Conselheiros;

gravação ou transcrição dos debates ocorridos nas sessões ou reuniões em que a matéria foi

apreciada; e, por fim, texto resumido que explique de forma clara e suficiente o objeto da

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consulta (art. 59, § 3º, I, II, III, IV e V).

Ao contrário da audiência pública, em que as sugestões são realizadas na forma oral,

no caso da consulta devem ser encaminhadas com justificativa e entregues em documento

dirigido à autoridade competente, anexado aos autos do processo administrativo da consulta e

acrescido das razões para sua adoção ou rejeição. Toda esta documentação deve permanecer à

disposição do público tanto na Biblioteca como nos registros virtuais (art. 59, § 4º).

Embora a consulta pública tenha a potencialidade de mais adesão popular do que a

audiência pública – sobretudo porque as audiências ocorrem geralmente em Brasília e os

polos existentes da ANATEL nas capitais de cada estado não possuem atribuição nesse

sentido – ainda existem falhas gritantes de participação.

Estas falhas replicam as mesmas encontradas quando da análise da audiência pública:

a falta de conhecimento da sociedade sobre os limites, funções e objetivos da agência

reguladora, sobretudo pela sua ausência no cotidiano das pessoas. A participação fica restrita à

participação dos agentes econômicos e de entidades representativas de alguns segmentos,

como de proteção ao consumidor. Entretanto, a população desconhece muitas vezes que a

matéria em questão vem sendo tratada por parte da entidade reguladora e que os acréscimos

são realizados.

Em uma sociedade em que o uso dos meios virtuais está cada dia mais indispensável, a

ausência de mecanismos de comunicação virtual para propagar procedimentos decisórios

importantíssimos para a sociedade – sobretudo quando se trata das telecomunicações – se

torna um grande paradoxo. Faz-se igualmente necessário a disseminação dos mecanismos

participativos dentro do ambiente regulatório, sob pena de as Agências Reguladoras

construírem e executarem suas normas visando essencialmente os interesses do capital.

4.3.1.3 Consulta Interna

Outra figura existente no que concerne à construção de ato normativo por parte da

ANATEL é a Consulta Interna. Trata-se da submissão de minuta normativa, documento ou

matéria de relevante interesse a críticas e sugestões dos servidores da Agência (art. 60). Da

mesma forma que a consulta pública, os documentos devem ser juntados ao processo de

referência com o encaminhamento da proposta ao conselho diretor (art. 60, § 1º).

Importante salientar que desde a esse mecanismo pode ser dispensado quando a

deliberação corre o risco de ser impedida ou retardada, caso em que a autoridade deve de

forma justificada afastar sua utilização (art. 60, § 2º). Além disso, não há vinculação entre a

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consulta interna e a consulta pública, podendo ambas serem realizadas de forma independente

(art. 60, § 3º).

Da mesma forma que na consulta pública, as críticas e sugestões que forem

encaminhadas devem ser anexadas no processo, e nos casos de rejeição ou adoção das

medidas devem contar as razões para o ato (art. 60, § 4º).

Em relação à consulta interna, parece que sua existência está mais relacionada à

inserção de sugestões de quem vive o cotidiano pelo lado da agência, em seus aspectos mais

relacionados ao tecnicismo e à administração. Há, entretanto, a potencialidade de abarcar

outras questões de interesse público, muito embora não seja um mecanismo necessariamente

relacionado à participação popular.

4.3.1.4 Os mecanismos da Audiência Pública e Consulta Pública no Projeto de Lei nº

6.621/2016: A Lei Geral das Agências Reguladoras

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em novembro de 2018, o Projeto de

Lei nº 6.621/2016, de autoria do Senado Federal, que dispõe sobre a gestão, a organização, o

processo decisório e o controle social das agências reguladoras. O objetivo da legislação foi o

de uniformizar o funcionamento das autarquias do setor regulatório, prevendo inclusive

mecanismos acerca das decisões a serem tomadas.

O projeto em questão elaborou uma seção inteira acerca do Processo decisório das

Agências Reguladoras, cujo parâmetro é o da observância – nas atividades – da adequação

devida entre os meios e os fins a serem atingidos, vedando-se a imposição de quaisquer

obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do

interesse público (art. 4º). O dispositivo, entretanto, não menciona qual o parâmetro utilizado

para que esta medição seja realizada, possuindo uma forte carga subjetiva e abstrata.

A motivação permanece sendo um dos critérios para a formação das decisões das

agências reguladoras, tendo em vista que de acordo com o art. 5º do projeto de lei referido, se

deve indicar das razões de fato e de direito determinantes para a escolha da agência, inclusive

quando entender pela edição ou não de atos normativo.

A inovação mais significativa em relação à Lei Geral das Agências Reguladoras é a

figura da Análise de Impacto Regulatório (AIR). De acordo com o projeto de lei, em seu art.

6º, a adoção e as propostas de alteração de atos normativos – que possuam como interessados

os agentes econômicos, os consumidores ou os usuários dos serviços – deverão conter

informações e dados sobre os possíveis efeitos que o ato normativo causará na relação.

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Não obstante, a legislação tornou abstrata o dispositivo, tendo em vista que deixou a

cargo de um regulamento a disposição sobre o conteúdo e a metodologia da AIR, sobretudo os

quesitos mínimos para análise do objeto e, inclusive, os casos de obrigatoriedade e dispensa

de sua utilização (art. 6º, §1º). Além disso, prevê que o regimento interno de cada agência

elaborará a forma de operacionalização da AIR dentro de sua esfera de competência (art. 6º,

§2º).

Em que pese a existência do AIR, não há como prever quais são os objetivos a que se

refere o dispositivo legal, sobretudo porque, quando se refere à adequação entre os meios e os

fins, pode ensejar igualmente a supressão de direitos, tendo em vista a necessidade econômica

de determinada medida, o que – em nenhuma hipótese – pode ocorrer.

Ademais, a diretoria colegiada da agência reguladora deverá emitir um relatório acerca

do AIR, adequando a proposta de ato normativo aos objetivos previamente estabelecidos,

indicando se os impactos recomendam sua adoção (art. 6º, §3º), devendo esse ser

disponibilizado aos interessados para a realização de consulta ou audiência pública, caso o

conselho diretor decida pela continuidade do procedimento administrativo (art. 6º, §4º).

Em outros termos, o dispositivo em questão acabou por criar um juízo de

admissibilidade da modificação de ato normativo a depender do relatório disponibilizado pelo

AIR, visto que só nos casos em que o conselho diretor opte pela continuidade da proposta

modificadora que ocorrerá a realização de consulta pública ou audiência pública,

consubstanciando-se em uma barreira ao acesso participativo da população pela utilização

provável de critérios eminentemente técnico-econômicos.

Há ainda casos em que a agência reguladora pode dispensar a realização da AIR,

entretanto o projeto não estabeleceu quais seriam estas possibilidades – deixando, portanto, a

atribuição à agência reguladora –, restringindo-se apenas a determinar a obrigatoriedade de

fundamentação da dispensa (art. 6º, §5º).

No que concerne aos mecanismos de participação popular, o projeto de Lei Geral das

Agências Reguladoras estabeleceu as nuances para sua estrutura, atribuindo à consulta pública

o papel instrumentalizador de apoio à tomada de decisão, por meio do exame prévio à

sociedade, através do envio de críticas, sugestões e contribuições de quaisquer interessados,

sobre proposição de norma regulatória em relação ao setor específico de cada agência (art. 9º,

§1º) e estabeleceu uma duração mínima de 45 (quarenta e cinco) dias, salvo quando legislação

específica estipular outro prazo ou, ainda, nos casos de urgência e relevância justificada (art.

9, §2º).

Outra questão a ser analisada diz respeito ao art. 9º, §7º da citada resolução, em que

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atribuiu competência ao Ministério da Fazenda para opinar – quando entender viável – acerca

dos impactos regulatórios das propostas de alteração dos atos normativos de interesse geral

dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços.

A situação acaba por se tornar estranha exatamente porque já existe o instrumento do

AIR para trazer informações sobre os impactos regulatórios. Neste caso, qual seria a

necessidade de uma opinião direta do representante do Poder Executivo na atuação de uma

entidade que deveria ser autônoma?

O mecanismo estabelecido no sétimo parágrafo do art. 9º parece sepultar a

participação da sociedade no curso do procedimento para construção do ato normativo se

utilizando – exclusivamente – de critérios econômicos para impedir o avanço de qualquer

resguardo de direitos da coletividade. Em outros termos, após a apresentação da AIR, caso a

minuta de alteração não seja impedida pelo órgão colegiado da agência reguladora, terá a

opinião final do Ministério da Fazenda que poderá encerrar qualquer modificação discutida

em sede de consulta pública.

Por mais que se tenha em termos ortográficos uma estrutura opinativa por parte do

representante do Poder Executivo, a captura política poderá ser exercida de forma totalmente

legal nesses casos. Conforme apresentado no primeiro capítulo, ocorre este tipo de captura

quando o poder político influencia a tomada de decisões e posições que a agência reguladora

deve adotar, configurando-se uma espécie de quebra de sua autonomia. Ou seja, no caso em

análise, o Projeto de Lei nº 6.621/2016 legaliza a Captura Política no âmbito regulatório.

Superando tal conclusão, é importante salientar que há ainda o mecanismo da

audiência pública na provável Lei Geral das Agências Reguladoras, consubstanciado no art.

10, cuja previsão estabelece que, por decisão colegiada, poderá ocorrer sua convocação para

formação da convicção e matérias apontadas como relevantes.

O prazo mínimo de 05 (cinco) dias para divulgação da audiência pública é repetido no

projeto (art. 10, §2º), bem como o prazo idêntico para que a agência reguladora disponibilize

os documentos necessários para informar os interessados acerca da matéria envolvida para

decisão, incluindo o AIR (art. 10, §3º).

O art. 11, por sua vez, estabeleceu que a agência reguladora – por intermédio do

regimento interno – pode estabelecer outros mecanismos de participação dos interessados em

suas decisões, seja de forma direta ou representativa, obedecendo-se os prazos estabelecidos

no projeto de lei ou em regimento interno.

Do ponto de vista da participação da sociedade na construção do ato normativo, é

possível perceber que ao contrário de fortalecê-la, o Projeto de Lei Geral das Agências

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Reguladoras a enfraqueceu, isto porque não só repetiu estruturas que já existem no âmbito das

leis criadoras de cada agência e/ou seus respectivos regimentos internos, como colocou

obstáculos para o prevalecimento da posição da sociedade.

A Análise de Impacto Regulatório é importante como fonte informacional para a

tomada de decisão, mas ela não pode ser critério para que o órgão colegiado de cada agência

impeça o prosseguimento das estruturas opinativas, ao passo que não é viável que o

Ministério da Fazenda, ao final de todo o procedimento, emita parecer opinativo a ser

avaliado pelo órgão colegiado, sobretudo porque se corre o risco de gerar uma captura

política.

A Lei Geral das Agências Reguladoras tem em seus dispositivos mecanismos

suficientes para barrar e condicionar a tomada de decisões por parte das agências reguladoras,

guiando-as de forma a prevalecer exclusivamente a posição dos representantes do mercado,

colocando à margem das discussões – para além do que já está – o posicionamento da

sociedade.

4.4 A Construção do Processo Normativo da Regulação Econômico-Social no âmbito dos

serviços Over-the-Top: A Legitimidade Regulatória enquanto instrumento da Democracia

Os problemas relacionados à participação da sociedade no processo normativo das

agências reguladoras geram um déficit democrático setorial, com o risco de aumentar esta

adversidade caso a Lei Geral das Agências Reguladoras seja aprovada aos moldes

estabelecidos no projeto, o que é uma tendência. Faz-se necessário, portanto, que os

instrumentos de participação social sejam fortalecidos, impulsionados e fomentados, de forma

a prevalecer o que Mattos (2006, p. 6) denomina de potencial democrático.

É bem verdade que o mecanismo de composição das agências reguladoras já gera um

déficit democrático em razão de sua não subsunção à população (AZEVEDO, 2017, p. 60) –

ou uma democracia indireta, visto que os seus dirigentes ocupam seus postos pela escolha do

poder Executivo que teve esta legitimidade popular.

Nestes termos, tendo em vista a não participação direta da sociedade na escolha dos

dirigentes dos entes regulatórios, necessita-se justamente dessa participação social nos

procedimentos determinantes de construção normativa que confeririam e reforçariam o nível

de legitimidade das agências reguladoras.

O desprovimento de uma legitimidade democrática, portanto, será superada quando

ocorrer uma aproximação entre o ente regulador e todos os espaços envolvidos na regulação:

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empresas, consumidores e usuários dos serviços, além do Estado, cuja contribuição deve ser

estabelecida com a subscrição de objetivos de interesse público.

É por meio da deliberação que se torna possível vislumbrar o abrandamento ou, até

mesmo, o fim do déficit democrático inerente ao setor de regulação, visto que a participação

popular terá a influência não só dos agentes de mercado, mas dos consumidores e usuários

que igualmente são interessados nos termos da regulação.

Por esse modelo, a instância de “controle democrático” do órgão se torna uma

condição para que seja aceita a autoridade regulatória. Assim, esse processo de

legitimação ocorrerá a partir: i) da agregação de opiniões dos diferentes entes

regulados (resguardadas as suas capacidades de deliberação); ii) da transparência do

processo decisório; iii) e da possibilidade de responsabilização de seus agentes.

(AZEVEDO, 2017, p. 60).

É por meio da facilitação de canais de participação popular que ocorrerá o

fortalecimento democrático contido nos instrumentos já construídos por parte das leis

criadoras de cada agência e dos regimentos internos de cada uma. Convém ressaltar que a

mera previsão abstrata e genérica com estruturas de participação social nos processos

decisórios setoriais não é suficiente para conferir legitimidade ao órgão regulador.

Ao contrário, faz-se necessário uma estrutura que permita inicialmente construir uma

aproximação entre as autarquias de regulação e os Poderes Executivo, Legislativo e

Judiciário, além dos entes reguladores. Esta virada regulatória deve possuir, portanto, uma

estrutura com capacidade de própria avaliação dos procedimentos para tomada de decisão,

como forma de prevalecer a deliberação e o controle democrático em questões de interesse

para a sociedade (MATTOS, 2017, p. 27).

Esse processo será observado quando o procedimento de atuação da agência

reguladora exercer inicialmente o fomento da participação dos entes regulados e, ao mesmo

tempo, levar em consideração suas inserções, manifestações e opiniões na formação decisória

que levará a regulação. Não basta a abertura de mecanismos de comunicação dos entes se

estas opiniões serão apenas registradas e descartadas, sob o risco de aumentar o déficit

democrático da instituição.

No caso dos aplicativos Over-the-Top, algumas ocorrências foram voltadas para a

discussão da temática. O Ministério das Comunicações promoveu, no ano de 2015, uma

Consulta Pública acerca do modelo para concessão existente na Lei Geral de

Telecomunicações. A consulta não teve o foco específico em relação às OTTs, em que pese a

existência de determinadas contribuições que teriam impacto direto no setor.

É possível observar, portanto, que há uma dicotomia entre os envolvidos no processo

regulatório, sobretudo entre as empresas vinculadas ao setor online e de outro lado os setores

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tradicionais de telecomunicações, conforme já foi explanado durante toda a construção da

presente pesquisa.

O primeiro setor entende que os serviços virtuais são diferentes dos serviços ofertados

pelos setores tradicionais, tendo em vista a ausência de potencial substituição, mas de

complemento, com possibilidade ainda de geração de receita adicional aos operadores.

Entendem, ainda, que inexiste a necessidade de uma intervenção regulatória, visto que a

internet não favorece obstáculos à participação no mercado, razão pela qual se afasta qualquer

objeto de interesse da regulação.

O Facebook®, aliás, se manifestou no sentido de afastar qualquer necessidade de

simetria regulatória, tendo em vista que os agentes já se encontram tratados de forma igual

pela estrutura regulatória brasileira já existente. Além disso, a imposição de novas medidas

regulatórias comprometeria de forma direta a inovação potencial advinda da internet, visto

que geram novos custos relacionados às licenças setoriais e ao controle da regulação em si.

O surgimento de novos custos poderia ocasionar a saída dos serviços ofertados ou o

seu oferecimento de forma diferenciada aos moldes apresentados no mundo, gerando uma

discrepância aos moldes ofertados no Brasil, o que geraria uma quebra em sua qualidade

quando comparados os serviços.

Em contrapartida, as prestadoras dos serviços tradicionais de telecomunicações se

manifestaram de forma diversa, entendendo que os Serviços de Valor Adicionado – como é o

caso das OTTs – possuem enorme abrangência, de forma que abarcam tanto os serviços de

internet como outras atividades econômicas que acabam por se confundirem com os serviços

de telecomunicações.

Partindo dessa premissa, existe uma série de serviços ofertados pelos OTTs que não

agregam um serviço de telecomunicações, mas operam de forma semelhante – algumas vezes

até mesmo de forma idêntica – aos serviços de telecomunicações, principalmente quando se

relacionam à transferência de voz. Estes serviços ganharam popularidade e, embora não se

confundam, atuam de forma análoga.

Nesse sentido, os serviços OTTs estariam utilizando das brechas existentes no modelo

regulatório de telecomunicações no Brasil para atuar de forma desleal, o que importa em uma

atuação das entidades no sentido de estabelecer as mesmas regras para os serviços que

possuem a mesma função, em relação às obrigações advindas das mesmas atividades

econômicas.

Em que pese as considerações ora realizadas, não se constatou a relevância das

contribuições que poderiam ter sido advindas dos usuários dos serviços de telecomunicações e

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dos aplicativos Over-the-Top, discussão essa que ficou basicamente restrita às empresas. O

motivo disso talvez tenha se dado pelas razões que chegaram ao entendimento pelo Ministério

das Comunicações de que os serviços OTT não eram substitutos dos serviços de telefonia fixa

e móvel em razão da baixa existência de usuários de smartphones no país.

Entretanto, tal mecanismo não é justificativa suficiente para a ausência de

manifestação efetiva por parte dos usuários, cujas poucas contribuições existentes se tornaram

aleatórias, sobretudo porque não estavam devidamente informados sobre o objetivo concreto

da consulta realizada.

Obviamente as discussões não tardaram a permanecer, sobretudo pela necessidade de

se chegar a um denominador acerca da temática – que também estava e está em discussão

mundialmente –, e no ano de 2017 foi deflagrada uma Consulta Pública mundial que

questionava a necessidade da regulação dos serviços Over-the-Top.

Estruturada em quatro perguntas, a consulta questionava, de forma ampla, quais

seriam as oportunidades associadas ao crescimento exponencial da demanda por

serviços OTT e quais seriam os desafios, em termos de política regulatória, para se

construir um ambiente de mercado equilibrado em que todos os atores da política

mundial de comunicações poderiam conviver de forma economicamente equilibrada

e próspera. (FERNANDES, 2018, p. 144-145).

A ANATEL, portanto, promoveu encontros que contavam com a participação de

“setenta e sete membros na condição de representantes de entidades da sociedade civil,

empresas de telecomunicações e de internet, além de servidores da agência, do MCTIC e do

Ministério das Relações exteriores” (FERNANDES, 2018, p. 145). Muito embora certas

entidades representativas tenham apresentado suas contribuições, verifica-se que não houve

abertura para a participação dos usuários na forma direta, razão pela qual ficaram mais uma

vez à margem da discussão.

O posicionamento encaminhado pela ANATEL, aliás, se deu de forma genérica,

informando a necessidade de aprofundamento de determinadas temáticas e apresentação das

normas existentes para lidar com a matéria – normas estas construídas antes do avanço dos

aplicativos de comunicação.

De forma concreta é possível compreender que existe uma omissão por parte da

Agência Nacional de Telecomunicações no que diz respeito à dotação de abertura para a

participação da sociedade em uma discussão que possui consequências diretas no seu uso,

deixando a discussão apenas relacionada às empresas e entidades representativas. Estas

últimas, embora tragam pontos de convergência para a defesa do consumidor, por exemplo,

não possuem a amplitude de demonstrar o interesse público adequado à matéria.

Neste sentido, muito embora uma agência reguladora tenha por papel conduzir os

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interesses de três esferas distintas – Estado, mercado e usuários – comumente sua construção

normativa se dá de forma a preterir estes últimos, valendo-se de uma ausência de interesse na

questão. Esta situação, aliás, é fomentada pelo próprio contexto em que se inserem as

discussões setoriais regulatórias.

Ora, os consumidores são os usuários finais de determinado produto e serviço e como

tal, se tornam a parcela da relação mais afetada por normas regulatória. Ao mesmo tempo,

sendo inclusive o grupo mais numeroso, encontra-se em situação de diferença mais evidente,

sobretudo por desconhecimento acerca das complexas discussões que envolvem a economia

setorial. Acrescente-se que em muitas situações os usuários não possuem sequer os meios

adequados de acesso, informação e deliberação, localizando-se à margem de qualquer

construção normativo-regulatória.

[...] a esfera da relação com maior carência de representatividade é, definitivamente,

a parcela dos usuários. A participação destes, ressalte-se, é extremamente dificultosa,

eis que são leigos nos assuntos eminentemente técnicos postos na pauta decisória da

agência. Para que emitam opinião, a contrário dos concessionários, que possuem

toda a capacitação técnica e o poder de barganha econômico para discutir, são

necessárias traduções que demonstrem a essência dos problemas postos na mesa.

(MENDES, 2002, p. 132).

Nestes termos, há uma evidente desvantagem por parte da sociedade, sobretudo em

razão da ausência de mecanismos suficientes para a disseminação do potencial participativo

da população e da elucidação dos termos, conceitos e do conhecimento necessário para que

haja a efetiva intervenção por parte dos usuários.

Há, portanto, a configuração do déficit democrático quando a participação dos

consumidores é obstaculizada, em razão de que não possuem a representação adequada para

intervir na construção da norma setorial, que é editada por dirigentes escolhidos na forma

indireta e por empresas e concessionárias cujo interesse próprio termina por prevalecer.

Uma atuação voltada para a participação necessita, antes de mais nada, trazer as

discussões setoriais para o cotidiano da sociedade, de forma a tornar comum a matéria tratada

e despertar o interesse da população em deliberar acerca de um objeto que tem influência em

sua rotina. Então, mesmo os termos técnicos, devem ser esclarecidos de forma que a

deliberação não seja realizada de forma aleatória ou que ainda acabem por inserir – por pura

ignorância – matérias que são alheias à discussão travada.

É importante ressaltar que a mera participação não implicará em um processo

decisório plenamente eficaz, visto que a própria deliberação é dependente de uma série de

fatores. Aliás, alguns destes fatores são essenciais para a construção normativa setorial, como

a habilidade de organização por parte da sociedade, a predisposição para compreensão das

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temáticas abordadas, a capacidade de intervir de forma a produzir resultados etc.

Esses fatores demandam – nos dizeres de Mattos (2006, p. 192) – a existência de

tempo, informação, recursos para que uma dada sociedade possa intervir na forma de

regulação. Nesses termos, menos que haja mecanismos suficientes para o acesso deliberativo,

o processo de decisão pode não ocorrer e, mesmo que ocorra, a decisão pode não ser a

adequada em virtude da captura – temática já abordada anteriormente.

Diante dessa perspectiva, o processo de deliberação viável é aquele que dispõe de

mecanismos apropriados para que a participação esteja em sua máxima capacidade, de forma

a resultar em uma legitimidade democrática. Para que isso ocorra, os envolvidos no processo

de regulação devem alinhar seus mecanismos de forma a produzir eficácia no processo de

construção normativa.

A implementação de tais mecanismos não ocorre de maneira simples, sobretudo

porque existe uma força do mercado em deixar – ou até mesmo obstaculizar – as estruturas de

deliberação participativa de forma a prevalecer a vontade do mercado. Aliás, no que depender

do mercado, apenas a autorregulação seria a apropriada para definir os caminhos a serem

percorridos, entretanto, como na atual conjuntura se encontra impossibilitado de prevalecer

esta corrente, exercem sua influência dentro das agências reguladoras.

A possibilidade de que diferentes opiniões intervenham no processo de produção

normativa favorece diretamente o grau de legitimidade, sobretudo porque a quantidade de

inputs a serem fornecidos de forma a ocorrer uma interpretação e, ao fim, um resultado

decisório incrementa a aceitabilidade por parte dos regulados.

É necessário compreender, todavia, que não se trata de legitimidade a partir da

existência de um consenso, aos moldes estabelecidos por Habermas. O processo deliberativo

ora exposto é aquele proposto por Luhmann, já amplamente estabelecido em tópicos

anteriores.

Nessa perspectiva, convém ressaltar que a depender da forma de deliberação e do

contexto apresentado para a seara regulatória, ocorrerá o prejuízo da atividade do órgão

regulador em relação à efetividade (AZEVEDO, 2017, p. 67). Nessa perspectiva, a

deliberação se consubstanciaria em um paradoxo a ser encarado por parte do sistema jurídico.

Ora, a legitimidade democrática se faz fundamental para a construção normativa das

agências reguladoras, entretanto, a depender dos aspectos que ensejam a regulação, a

deliberação poderá ser prejudicial visto que burocratiza a própria atuação da agência

reguladora.

Existem algumas matérias, por exemplo, que, por mais que estejam na alçada da

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construção normativa setorial, não possuem a potencialidade de despertar o interesse da

participação da sociedade, sobretudo por não apresentarem relevância suficiente para exercer

influência na atividade.

Um exemplo cristalino dessa demanda é a existência, no âmbito da ANATEL, da

Consulta Pública 04/2019, que delibera sobre os requisitos técnicos e procedimentos

aplicáveis à avaliação da conformidade dos cabos metálicos utilizados em sistemas de circuito

de TV, compostos por condutores sólidos. A consulta foi estabelecida em virtude de os

sistemas referidos não possuírem os requisitos mínimos de qualidade aplicáveis a redes de

dados, necessitando da atuação da agência.

Por mais que o consumidor tenha – em tese – o desejo de ver a prestação de quaisquer

serviços adquiridos em níveis ótimos de qualidade, a demanda técnica supramencionada não

diz respeito diretamente à sua esfera de interesses, principalmente porque se relaciona

essencialmente a critérios técnicos de conformação de cabeamento de TV. A participação

deliberativa, nesses casos, importaria em uma ausência da eficiência da atuação da Agência,

pois demandaria muito tempo para informar aos usuários uma matéria que teria a

potencialidade de não lhes despertar o interesse.

Não obstante, a consulta pública em questão se encontra aberta e tem a adesão –

direta, vale salientar – dos setores interessados na resolução de determinadas demandas,

sobretudo as empresas de televisão. O afastamento dessa matéria por parte da sociedade

poderia ensejar a conclusão de um déficit democrático no que diz respeito à ausência de

participação deliberativa, entretanto, é importante perceber que mesmo em um Estado

Democrático, existem muitos mecanismos para a tomada de decisão que são realizadas sem

que haja um procedimento específico de participação, sem que se perca a legitimidade que lhe

é inerente.

Nesse sentido, muito embora a deliberação e a decisão final sejam fortes mecanismos

de produção da legitimidade, esta permanecerá mesmo nos casos em que seu percurso seja

dispensado, em razão na natureza do objeto a ser decidido por parte da agência de regulação,

sob o objetivo de suprimir a burocracia estatal.

Isso não implica dizer que o afastamento participativo deva se tornar uma regra,

tampouco que a agência de regulação deverá atuar nesses casos conforme almeja certos

segmentos. Ao contrário, o seu objetivo precípuo deve ser sempre o de criar uma decisão que

se aproxime da aceitação da sociedade, sob pena dessa legitimidade se perder por seu próprio

distanciamento. Em outros termos, a ausência de deliberação da coletividade não implica no

necessário distanciamento da regulação aos seus interesses. Ao mesmo tempo, em todas as

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matérias com relevância para o interesse público deve haver a oportunidade da sociedade

intervir e contribuir.

Para que este patamar seja alcançado por parte das agências reguladoras, faz-se

necessária a associação entre mecanismos de participação social, alto nível de qualidade

técnica e, por fim, que os dirigentes sejam imparciais na condução dos atos decisórios que

importarão na construção das normas setoriais.

Nesse sentido, quando em movimentos de descentralização, entidades reguladoras são

criadas para organizar setores essenciais da economia, com relevância visível à sociedade –

deve-se dentre os objetivos a obrigatoriedade de aproximação entre Estado, mercado, os entes

regulados e os usuários dos serviços, possuindo todos o direito de participação nos processos

decisórios.

É dessa forma que a regulação atingirá patamares de legitimidade perante a sociedade,

superando as consequências e as desconfianças que permeiam sua atividade em relação ao

serviço de subserviência aos desígnios do mercado, em total detrimento com as necessidades

da sociedade.

No caso dos serviços Over-the-Top, conforme já amplamente discutido no corpo do

presente trabalho, verifica-se que aos tempos atuais os aplicativos de comunicação virtual por

voz utilizados por smartphones configuram a principal forma de comunicação entre

indivíduos existentes. O número de usuários que aumenta diuturnamente serve de reforço

acerca da imprescindibilidade de um cuidado maior em relação acerca do trato da regulação

em relação à matéria, sob pena de haver um prejuízo gigantesco em relação ao serviço

prestado.

Ao mesmo tempo, não se deve olvidar que os setores tradicionais ainda existem e não

podem ser concedidos, por parte do Estado, incentivos a determinado setor em expansão, com

o consequente prejuízo dos serviços tradicionais, sob pena de configurar não só o controle do

mercado por parte da tecnologia, impedindo-se o surgimento de novos concorrentes, como

também prejuízos à parte da economia diretamente dependente dos setores tradicionais.

Desta forma, cabe, portanto, à ANATEL constatar que este seja – talvez – o tema de

maior relevância à sociedade desde sua criação, de forma que não há como deixar a

participação social à margem das análises necessárias para a construção de um ou mais atos

normativos que tornem a atuação no mercado equânime, de forma que ambos os serviços

atuem de forma competitiva, ocupando seus espaços de acordo com as “regras do jogo”.

A construção normativa relacionada aos serviços OTT de telecomunicações precisa

necessariamente passar pela opinião da sociedade, sob pena de se tornar uma “quebra de

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braço” entre os novos aplicativos e os serviços tradicionais, implicando em potenciais

prejuízos aos consumidores e ao mercado, no caso de alguns dos setores passarem por ônus

excessivos para a competição.

Destarte, é por intermédio da construção de procedimentos definidos, com a abertura à

participação dos principais usuários dos serviços – de telecomunicações e os virtuais – que

será, junto com os demais entes interessados e empresas, construído os mecanismos

suficientes para que haja uma regulação legítima e coerente com os fins únicos da

universalização das comunicações.

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CONCLUSÃO

A pesquisa ora exposta almejou investigar as nuances existentes no tocante à regulação

dos aplicativos Over-the-Top, tomando como parâmetro os serviços relacionados ao envio de

mensagens e voz, os chamados VoIP. Consubstanciado na dicotomia entre os serviços

tradicionais de telecomunicações – que se sentem prejudicados com o surgimento desses

novos serviços – e os novos serviços online – que defendem uma maior liberdade como forma

de fomento à tecnologia e desenvolvimento – o trabalho analisou os caminhos a serem

percorridos para a construção de uma atuação em condições de igualdade no mercado.

O trabalho, portanto, foi construído com uma base de quatro capítulos. No Capítulo 01

se investigou a Teoria Geral da Regulação, estabelecendo os fundamentos e os princípios da

atuação do Estado na Economia, trazendo à tona a relação com o mercado. Assim, se

construiu todo o recorte histórico da participação pendular no controle da economia, que

esteve em momentos na preponderância do Estado e em outros momentos com a incidência

maior do mercado, até o surgimento da noção de Estado Regulador. Construiu-se, ainda, as

principais correntes teóricas em torno da regulação. Ao final, se alavancou a possibilidade de

a Regulação como Procedimento ser um produto da Comunicação e da Linguagem, partindo

da base teórica de Niklas Luhmann.

No Capítulo 02 – de base mais histórica – se estabeleceu o percurso do Setor de

Telecomunicações no Brasil, que se coaduna com a construção do Estado Regulador no país,

sobretudo com a criação das Agências Reguladoras, aos moldes norte-americanos, após o

Plano de Reformas Macroeconômicas no Brasil. Buscou-se analisar os impactos do processo

de privatização das estatais no ramo das telecomunicações, os desafios encontrados e a função

reguladora estabelecida para a atuação da ANATEL.

No Capítulo 03 se passou a analisar, de forma mais detida, a questão da Internet no

cenário das telecomunicações. Adveio, portanto, a construção da Internet enquanto um Direito

Humano reconhecido e a estrutura do Marco Civil da Internet como mecanismo

regulamentador da rede no país. Construiu-se, ainda, a noção da Cidadania em seu aspecto

virtual, adentrando-se no surgimento dos aplicativos Over-the-Top, conceituando-os.

Apresentou-se, ainda, o surgimento das questões envolvendo os setores tradicionais e os

aplicativos OTT, de forma a compreender a necessidade da atuação regulatória à querela em

análise. Por fim, se buscou dentro das experiências Norte-americana e Europeia, os

diagnósticos encontrados para lidar com os problemas semelhantes, de forma a construir

elementos suficientes para uma regulação brasileira, levando em consideração as

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particularidades, necessidades, cultura e atuação do país.

O Capítulo 4 foi construído de forma a trazer a noção de Legitimidade Participativa

pelo Procedimento em uma perspectiva Regulatória Econômico-Social do Setor de

Telecomunicações. Inicialmente, se trouxe as noções de legitimidade, optando pela Teoria

Luhmanniana dos Sistemas. Em seguida, analisou-se o fundamento da competência normativa

das Agências Reguladoras, como forma de investigação de sua legitimidade para reger

comportamentos através da norma. Construiu-se, ainda, a noção de Legitimidade Participativa

trazendo os mecanismos da participação social dentro do ambiente regulatório, analisando se

as estruturas dispostas atualmente pela ANATEL contribuem para a efetiva manifestação da

sociedade nas matérias de seu interesse.

Ao final, buscou-se relacionar a regulação dos aplicativos OTT na perspectiva da

participação social, por entender que se configurando como o principal mecanismo de

comunicação dos indivíduos nos tempos atuais e de forma mundial, existe um interesse por

parte da sociedade na construção dos desígnios que permearão os atos normativos

relacionados ao setor.

Os quatro capítulos, portanto, foram apresentados de forma a construir os parâmetros

que envolve a legitimidade das agências reguladoras, vislumbrando-se o cenário do Estado

Regulador após a década de 90, em que se promoveu as reformas macroeconômicas que

culminaram na privatização das estatais e criação das Agências Reguladoras. A ANATEL,

aliás, já havia sido pensada de forma abstrata na própria Constituição Federal de 1988,

verificando-se assim que a noção da Regulação Econômica já vinha sendo pensada desde o

final da década de 80.

A legitimidade pode ser entendida de várias maneiras, ao longo do tempo e da

estrutura conjuntural que esteja passando a sociedade. Entretanto, não deixa de ser um

mecanismo de Poder que é estabelecido entre o Estado e a sociedade, mas que possui por trás

toda uma construção existente no sentido de ocorrer a própria aceitabilidade desse comando.

Inicialmente, a legitimidade passa pelo entendimento da sociedade acerca de suas próprias

necessidades, o que demanda a adoção de medidas que sejam conduzidas para sua condução.

O entendimento supramencionado passa, ainda, pela tomada de decisão a partir do

selecionamento das variáveis possíveis, sobretudo a partir da redução das complexidades para

chegar ao resultado final, que não é de forma alguma imutável, dependendo do surgimento de

novas complexidades. Entra em cena, portanto, o sistema jurídico como mecanismo de

determinação do comportamento humano e a partir do próprio Direito que se estabelece as

nuances entre certo e errado.

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Nesse sentido, a proposta em construção é no desenvolvimento de procedimentos que

fortaleçam a deliberação e a participação no âmbito da elaboração normativa do setor de

telecomunicações. A noção que é tomada como ponto de partida é a do sistema autopoiético

como recurso de comunicação e autorreprodução a partir de si mesmos.

Nessa amplitude, os sistemas se constroem e se diferenciam do entorno a partir da

interpretação de códigos de informação. A diferença entre sistema e entorno, portanto, serve

para a análise da teoria dos sistemas, tendo em vista que o primeiro é orientado pelo segundo,

constituindo-se por meio de seus próprios limites para manutenção dessa diferença.

Esse processo implica o surgimento de complexidades, que se traduz pela

impossibilidade dos elementos se conectarem em vista de determinadas restrições existentes.

Essas complexidades podem surgir por conta da ausência de determinabilidade ou de

informação, faltando ao sistema o necessário para o aprendizado e interpretação. Assim, os

sistemas complexos precisam necessariamente de se adaptar ao entorno e à sua própria

complexidade, desenvolvendo estruturas para lidar com estes problemas.

Na Teoria dos Sistemas a realidade é modificável e as alterações são necessárias para

que ocorra a seleção. Isso se faz necessário para que dentro da relação estabelecida entre

sistema e ambiente, sejam realizadas correções, complementações, ajustes, o que demanda

tempo. Para que haja a seleção, aliás, deve ser estabelecida uma relação de comunicação,

traduzindo-se esta como um processo seletivo.

Traduzindo-se como um procedimento autônomo e independente, a comunicação

significa o processamento de informações que alteram a realidade. É através de técnicas

linguísticas, aliás, que a comunicação implicará em aceitação. Diante dessa perspectiva, o

acoplamento estrutural se consubstancia em uma estrutura de utilização dos sistemas, em

relação aos elementos de outros sistemas, para a facilitação interna de suas próprias

operações.

É dessa forma que os sistemas elaboram seus próprios processos comunicativos,

utilizando-se dos elementos de outro sistema. Quando ocorre um acoplamento estrutural, a

comunicação se apresenta como uma irritação, para posteriormente dar sentido dentro do seu

próprio sistema.

Diante desse contexto teórico, se analisam os sistemas jurídico, econômico e político,

verificando-se que o direito atua em questões de cunho econômico, lidando com a própria

economia, embora com seus próprios interesses. A economia também atua em questões

jurídicas, mas dentro de interesses econômicos. A política atua em questões econômicas, mas

com interesses políticos. Todos os sistemas interagem com os demais, mas dentro de seus

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próprios interesses.

A Regulação pode ser considerada, portanto, o fruto do acoplamento estrutural entre

estes três sistemas, sobretudo porque possui relevância e resultados que envolvem o Direito, a

Economia e a Política. No caso do sistema jurídico, sua reprodução primária de desenvolve

pelo código lícito/ilícito. No caso do sistema político, poder/não poder. Em relação ao sistema

econômico, ter/não ter. Isso gera a necessidade da adoção de medidas jurídico-político-

econômicas que são realizadas de forma a reduzir as complexidades de cada sistema, de forma

a produzir resultados compatíveis com a interpretação de cada um.

Neste sentido, verifica-se que uma das complexidades relacionadas à regulação diz

respeito justamente à sua legitimidade diante de sua atuação. Uma estrutura baseada

essencialmente na sua conformidade às normas não lhe fornece a legitimidade suficiente para

atuação, visto a necessidade de respostas mais concretas aos regulados e, sobretudo, aos

usuários dos serviços.

A legitimidade ora defendida se traduz pela participação de todos os interessados no

processo construtivo da regulação. A base teórica de seu fundamento parte da concepção

funcionalista, entendendo que o seu alcance se estabelece por meio das funções sistêmicas

que são providenciadas por meio de procedimentos decisórios. Nesse sentido, ao lidarem com

as complexidades sociais, os sistemas envolvidos oferecem um resultado a partir de

interpretações de determinados fatos, produzindo uma decisão.

Os sistemas não devem se basear essencialmente sob a forma de imposição, devendo

buscar a maior aceitação possível, de forma a produzir efeitos por mais tempo. Nesse sentido,

coagir não se traduz como suficiente. A associação, a vinculação a determinado produto

possui o condão de produzir maiores resultados ao longo do tempo.

A legitimidade depende, portanto, de parâmetros de aceitação, cujo fundamento pode

depender de inúmeros motivos por parte dos indivíduos, desde suas convicções, até as

ressignificações realizadas no curso da interpretação. Esse percurso deve permitir ainda novas

formas de harmonização, de forma a encontrar a aceitação da coletividade.

A participação social, portanto, é parâmetro para que o indivíduo tenha o aprendizado

necessário. Assim, a legitimidade não depende de uma convicção unitária ou voluntária, mas

de um ambiente social, para que ocorra transformações estruturais e a modificação de

determinados comportamentos.

Diante dessa perspectiva, a legitimidade é alcançada por meio do sistema e de seus

pressupostos funcionais, em que os procedimentos de decisão produzidos – no caso da

regulação – pelos sistemas jurídico, político e econômico são aceitos na forma cognitiva,

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reduzindo-se as expectativas e as complexidades por parte da sociedade.

Sendo o sistema jurídico um redutor de complexidades, a noção de legitimidade

envolve ainda a própria noção de procedimentos existentes no interior desse mesmo sistema.

Assim, os procedimentos construídos podem surgir do próprio acoplamento estrutural de mais

de um sistema envolvido na temática.

O curso da decisão passa, portanto, por elementos específicos que se ligam a outros

elementos, de forma a desenvolver um resultado que contribui com a decisão final. No âmbito

dos sistemas sociais, estas ações se interconectam autopoieticamente dentro de suas próprias

regras de existência, formando uma identidade própria e adaptando-se às complexidades

existentes.

No caso do setor de telecomunicações, sobretudo com todo o contexto ora explorado

ao longo da presente pesquisa, constata-se uma série de obstáculos que permitam uma

harmonização da regulação do setor, sobretudo no que se refere às estruturas ora dispostas

para a persecução final de um mercado equilibrado. Isso parte, sobretudo, pela própria

ausência de mecanismos que classifiquem – dentro de uma ótica normativa – os serviços de

Telecomunicações e os serviços OTT.

Diante disso, competindo diretamente em um mercado praticamente idêntico, ambos

os setores acabam por trocar acusações de deslealdade que tornam, essencialmente, mais

difícil o trato da agência de regulação com a questão a ser construída e desenvolvida. Cabe

salientar, entretanto, que embora a ANATEL tenha desenvolvido ao longo dos últimos anos

estudos e debates acerca da temática, visando a atuação direta na questão, essa participação se

queda restrita às grandes empresas e corporações, deixando o principal interessado – o usuário

– longe de qualquer posicionamento.

Em uma perspectiva realista da situação, não se defende que uma virada regulatória no

sentido de promover a participação social na construção do ato normativo setorial resolverá

todas as complexidades surgidas, sanando qualquer controvérsia existente. Entretanto, através

destes mecanismos se traduz de uma melhor forma a adequação e redução dessas

complexidades, visando essencialmente o acompanhamento de um setor que vem se tornando

a cada dia mais ágil e mais impossível de controlar.

Tampouco se traduz viável uma total intervenção estatal de forma a amarrar e

solidificar a estrutura funcional que se traduz a internet, de forma que este caminho pode

significar uma série de problemáticas sobretudo no que se refere à liberdade de expressão, de

informação e de comunicação.

Por isso, o presente trabalho buscou interpretar a realidade existente de forma a buscar

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a construção de parâmetros que se voltam para o estabelecimento de novos mecanismos e

estruturas que partem inicialmente do uso da tecnologia e suas consequências na sociedade. A

partir de então, se deve buscar por meio de uma regulação participativa parâmetros mínimos

para o fortalecimento efetivo do setor, de forma que prevaleça a liberdade de uso, de escolha

e, sobretudo, a satisfação decisória de todos os setores envolvidos na relação, desde os

fornecedores, até os usuários finais.

É importante finalizar informando que o presente trabalho não esgotou a temática

objeto dessa pesquisa, de forma que se faz necessário inclusive aprofundamentos relacionados

à própria sociedade. Não obstante, novas técnicas metodológicas são necessárias para que

novas informações e dados possam contribuir positivamente para a consolidação do que já foi

construído até então.

Por fim, principalmente se tratando de uma dissertação de mestrado, tentou-se

construir em uma perspectiva teórica os aspectos da regulação dos aplicativos Over-the-Top

no setor de comunicação. Para além, outras nuances – sobretudo empíricas – se tornam

necessárias para abarcar toda a amplitude que a temática dispõe, razão pela qual se finaliza o

presente trabalho com sua respectiva continuidade – de forma mais aprofundada – quando da

construção futura em composição de tese.

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