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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA SALVADOR - BA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E

TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA

SALVADOR - BA 2011

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IONE DOS SANTOS ROCHA

PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E

TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Univer-sidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Cristovão Brito

SALVADOR - BAHIA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

IONE DOS SANTOS ROCHA

PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS E

TRANSFORMAÇÕES NO BAIRRO BOA VISTA Dissertação de mestrado submetida em satisfação parcial dos requisitos ao grau de Mestre em Geografia.

Banca Examinadora

___________________________________________ Dr. Cristovão Brito - Orientador / DGEO-UFBA

___________________________________________

Dr. Jânio Santos - Membro / DGEO-UESB

___________________________________________ Dra. Miriam Nohemy Medina Velasco - Membro / DCET-UNEB

Data da aprovação: ....../......./....... Grau conferido em: ......./......./.........

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A cidade Ideal

A cidade ideal dum cachorro

Tem um poste por metro quadrado Não tem carro, não corro, não morro

E também nunca fico apertado

A cidade ideal da galinha Tem as ruas cheias de minhoca

A barriga fica tão quentinha Que transforma o milho em pipoca

Atenção porque nesta cidade Corre-se a toda velocidade

E atenção que o negócio está preto Restaurante assando galeto

A cidade ideal de uma gata

É um prato de tripa fresquinha Tem sardinha num bonde de lata

Tem alcatra no final da linha

Jumento é velho, velho e sabido E por isso já está prevenido

A cidade é uma estranha senhora Que hoje sorri e amanhã te devora

Atenção que o jumento é sabido

É melhor ficar bem prevenido E olha, gata, que a tua pelica

Vai virar uma bela cuíca

Mas não, mas não O sonho é meu e eu sonho que

Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores

E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores

E os pintores e os vendedores As senhoras e os senhores

E os guardas e os inspetores Fossem somente crianças

(Os Saltimbancos; Chico Buarque, 1977)

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Dedicatória

Dedico este trabalho à memória de meu avô Argemiro Pedro Braz meu querido “Vovô Gima (+ 23/05/2009)” pelo carinho e trabalho que dedicou à nossa

família, e pelo desejo que tinha de conhecer as letras, as palavras e o mundo. Dedico também a minha mãe, Idalva Maria pelo amor expresso principalmente em

suas orações; e a meu pai, José Rocha, pela resignação de um homem comprometido com a família e com a nossa educação.

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Agradecimentos

Agradeço a Deus pelo sustento e esperança que me foi dado no decorrer desses dois anos e meio de esforço e aprendizado.

Porque nós estamos nas suas mãos, nós e nossos discursos, toda a nossa inteligência e nossa habilidade; foi Ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, quem me fez conhecer a constituição do mundo e as virtudes dos elementos [...] A ciência é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Todo-poderoso; assim mancha nenhuma pode insinuar-se nela. É ela uma efusão da luz eterna, um espelho sem mancha da atividade de Deus, e uma imagem de sua bondade

(SABEDORIA, 16-20; 25-26).

Agradecimento às minhas irmãs Josélia e Leônia e meu cunhado Joan Rito,

motivos de alegria em nossa casa. A todos os meus familiares, sobretudo, incentivadores. Em especial agradeço a minha Avó Júlia pelas orações incansáveis, e a minha amada Tia Neusa.

Agradeço aos professores do POSGEO da UFBA pelo conhecimento e pelas oportunidades de crescimento pessoal e intelectual. Ao meu orientador Prof. Dr. Cristóvão Brito, por dedicar seu tempo a leitura de meus textos; ao Prof. Dr. Jânio Santos pela proximidade e disposição em; à Profa. Dra. Miram Velasco, por contribuir com suas leituras cuidadosas me acrescentando tão boas sugestões.

Aos professores do Departamento de Geografia de Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia pelo que me ensinaram, e hoje se traduz em incentivo e respeito.

Agradeço aos amigos, a começar pelos que como presentes, me foram dados pela Geografia: Denny com o companheirismo e o prazer de me ver crescer e conquistar,; Rosana pela amizade e exemplo de mulher, e pela família que aprendi a amar. Agradeço a Glauber pelo respeito, e Tânia pela experiência e alegria compartilhadas. Aos presentes mais recentes que a Geografia me proporcionou: a turma de 2009 do Mestrado em Geografia da UFBA: Minha querida Poly, por ser tão presente e amiga; Gedeval, agradeço-te, pela solidariedade nos momentos de aflição, pelas maluquices nos momentos de alegria, pelas partilhas nos longos telefonemas; Fádia, pela acolhida em sua casa, em seu armário e pelas coisas que me fez ver com seu “pavio curto”; Daniel, pelo carinho; Danilo, pela acolhida; Denílson, pelo cuidado; Ivan, pela alegria; Paulo, pela atenção; Adriana, pela tranqüilidade; Noélia, pela simplicidade; Henrique, pela inteligência.

Gratidão às minhas amigas de outros caminhos que a vida nos fez trilhar, e ter a alegria de nos encontrar: Camila, Núbia, Luzaine, Ivete, Mônica, Neidinha pela alegria em tudo, pela compreensão e pelo carinho, por todas as comemorações que pudemos compartilhar e pelas muitas que certamente virão.

Meus queridos colegas do IFBA Campus Porto Seguro pelo incentivo. Aos novos colegas do Campus IFBA de Vitória da Conquista pelo apoio, pela amizade, respeito, pela compreensão. Aos estudantes do IFBA por tornarem meus dias mais agitados, porém surpreendentemente alegres me fazendo reencontrar dia-a-dia o prazer de ensinar. Agradecimento especial àqueles que contribuíram com a coleta e a tabulação dos dados desta pesquisa: Celmário, Juliana, Maurício, Iago. Acredito, admiro e torço pelo sucesso de vocês!

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LISTA DE SIGLAS CEF - Caixa Econômica Federal

CIB - Resolução da Comissão de Gestores Bipartite

CIRETRAN‟s - Circunscrições Regionais de Trânsito

CONDER - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia

DIREC‟s - Diretorias Regionais de Educação

DIRES - Diretorias Regionais de Saúde

ECOSANE - Empreendimentos, Construção e Saneamento LTDA.

FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFBA – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia

PAR - Programa de Arrendamento Residencial

PDU - Plano Diretor Urbano

PMDB – Partido do movimento Democrático Brasileiro

PMHP - Programa Municipal de Habitação Popular

PPM – Poder Público Municipal

PSH - Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social

PT – Partido dos Trabalhadores

REGIC – Região de Influência das Cidades

SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

SEPLANTEC - Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia

SUS - Sistema Único de Saúde

TCM - Tribunal de Contas dos Municípios

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UFBA - Universidade Federal da Bahia

URBIS - Companhia de Habitação e Urbanização

ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Vitória da Conquista: Localização do bairro Boa Vista e

loteamentos

81

Figura 2 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio cidade Jardim

(publicidade)

131

Figura 3 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Cidade Jardim

(publicidade)

131

Figura 4 - Loteamento Mariana: Condomínio residencial Pituba 136

Fotografia 1 - Loteamento Alto da Boa Vista: Aspecto de uma construção

residencial

89

Fotografia 2 - Loteamento Alto da Boa Vista: Aspecto de uma construção

residencial

89

Fotografia 3 - Bairro Boa Vista: construção plurifamiliar 90

Fotografia 4 - Bairro Boa Vista: condomínio residencial 90

Fotografia 5 - Bairro Boa Vista: construção plurifamiliar com quatro

pavimentos

91

Fotografia 6 - Bairro Boa Vista: condomínio residencial com dois

pavimentos

91

Fotografia 7- Bairo Boa Vista: Prolongamento da Avenida Gilenilda Alves 93

Fotografia 8 - Bairro Boa Vista: acesso ao Vila América (Avenida Gilenilda

Alves)

93

Fotografia 9 - Bairro Boa Vista: Sinalização das obras de pavimentação

da Avenida Gilenilda Alves

94

Fotografia 10 - Pavimentação da Avenida Gilenilda Alves e cruzamento

com a Avenida Luiz Eduardo Magalhães

94

Fotografia 11 - Bairro Boa Vista: fachada de um condomínio residencial 96

Fotografia 12 - Bairro Boa Vista: anúncio de aluguel de casas 96

Fotografia 13 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção

residencial

98

Fotografia 14 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção

residencial

98

Fotografia 15 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma

construção residencial

100

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Fotografia 16 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma

construção residencial

100

Fotografia 17 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma

construção residencial

101

Fotografia 18 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma

construção residencial

101

Fotografia 19 - Loteamento Morada do Parque: aspecto de uma

construção plurifamiliar com cinco pavimentos

102

Fotografia 20 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma

construção plurifamiliar com três pavimentos

102

Fotografia 21 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma rua 103

Fotografia 22 - Loteamento Esplanada do Parque: construção residencial

plurifamiliar verticalizada (4 pavimentos)

103

Fotografia 23 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua 108

Fotografia 24 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua 108

Fotografia 25 - Loteamento Porto Seguro: construção plurifamiliar 111

Fotografia 26 - Loteamento Porto Seguro: Construções residenciais 111

Fotografia 27 - Loteamento Vila América: aspecto de uma casa do

Programa Municipal de Habitação popular

116

Fotografia 28 - Loteamento Vila América: conjunto habitacional do

Programa Municipal de Habitação popular

116

Fotografia 29 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos

habitacionais

118

Fotografia 30 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos

habitacionais

118

Fotografia 31 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas

privadas

119

Fotografia 32 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas

privadas

119

Fotografia 33 - Chácaras Jardim Guanabara: condomínio Vila Grécia 123

Fotografia 34 - Chácaras Jardim Guanabara: condomínio Vila Roma 123

Fotografia 35 - Condomínio Green Ville: guarita de segurança 125

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Fotografia 36 - Condomínio Grren Ville: área de lazer (piscina e quadra) 125

Fotografia 37 - Casa no condomínio Green Ville 127

Fotografia 38 - Casa no Condomínio Green Ville 127

Fotografia 39 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial

Morada Sul

133

Fotografia 40 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul

Residence

133

Fotografia 41 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul

América

134

Fotografia 42 - Chácaras Jardim Guanabara:pavimentação da Rua G 134

Fotografia 43 - Loteamento Mariana: Canteiro de obras do Condomínio

Residencial Itapuã

135

Fotografia 44 - Loteamento Mariana: Construção do Condomínio

residencial Itapuã

135

Fotografia 45 - Loteamento Mariana: Canteiro de obras do Condomínio

Residencial Pituba

136

Gráfico 1 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções nos

loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista

97

Gráfico 2 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções nos

loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque,

Morada dos Bem-te-vis e Fluminense

99

Gráfico 3 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no

loteamento Jardim Guanabara

106

Gráfico 4 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no

loteamento Conquistense

107

Gráfico 5 Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no

loteamento Porto Seguro

110

Gráfico 6 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no

loteamento Vila América

120

Mapa 1 - Localização do Município de Vitória da Conquista na

Região Sudoeste da Bahia

19

Mapa 2 - Vitoria da Conquista: malha rodoviária urbana 65

Mapa 3 - Vitória da Conquista: evolução da ocupação urbana entre 79

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1976 e 1996

Mapa 4 - Bairro Boa Vista: perfil imobiliário e localização dos

localização dos principais condomínios

81

Tabela 1 - Vitória da Conquista: população rural e urbana (1950 –

2010)

82

Tabela 2 - Vitória da Conquista: empreendimentos imobiliários

licenciados para construção no bairro Boa Vista entre os

anos de 2005 e 2010

122

Quadro 1 - Vitória da Conquista: loteamentos do bairro Boa Vista

deferidos entre os anos de 1977 e 2010

88

Quadro 2 - Vitória da Conquista: participação do loteamento Vila

América no total dos alvarás de construção deferidos no

município de 2000 a 2010

115

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SUMÁRIO

1. Introdução................................................................................................ 18

2 A lógica contraditória da produção do espaço urbano....................... 28

2.1 Os agentes produtores do espaço............................................................ 33

2.2.1 Os proprietários fundiários e a cidade como propriedade privada........... 38

2.2.2 As empresas construtoras e a cidade como empreendimento................. 43

2.2.3 As ações do Estado e a cidade como contradição................................... 45

3. A valorização desigual do espaço urbano...........................................

3.1 As cidades médias como reprodução do espaço e forma de

valorização................................................................................................

52

3.1.1 Os agentes e fatores de constituição das cidades médias....................... 55

3.1.2 Possibilidades para a reprodução ampliada do capital com a

valorização imobiliária...............................................................................

60

4. As interações espaciais interurbanas e a valorização do espaço

intraurbano de Vitória da Conquista.....................................................

63

4.1 As dinâmicas de sustentação da centralidade urbana em Vitória da

Conquista..................................................................................................

70

4.2 Reprodução do espaço da cidade e os elementos do processo de

valorização do bairro Boa Vista................................................................

4.2.1 O bairro Boa Vista na constituição do espaço da cidade de Vitória da

Conquista..................................................................................................

76

4.2.2 Ações e interesses dos agentes na organização do espaço do bairro

Boa Vista...................................................................................................

80

4.2.3 A formação do vetor sul e a apropriação do entorno dos corredores

urbanos.....................................................................................................

85

4.3 A estratégia dos loteamentos no bairro Boa Vista.................................... 87

4.3.1 Os loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista......................................... 92

4.3.2 Os loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque e Morada

dos Bem-te-vis e Fluminense....................................................................

99

4.3.3 O loteamento Jardim Guanabara.............................................................. 105

4.3.4 O loteamento Conquistense...................................................................... 107

4.3.5 O loteamento Porto Seguro...................................................................... 110

4.3.6 Um assentamento popular no bairro Boa Vista: o loteamento Vila

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América..................................................................................................... 113

4.3.6 Estratégias recentes de ocupação do espaço do bairro Boa Vista: os

condomínios e a verticalização.................................................................

124

5. A espacialização dos perfis imobiliários no Bairro Boa Vista.......... 145

Considerações finais.............................................................................. 148

Referências Bibliográficas..................................................................... 152

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ROCHA, Ione dos Santos. Produção e valorização do espaço urbano de Vitória da Conquista e as estratégias e transformações no bairro Boa Vista. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal da Bahia – UFBA (Instituto de Geociências - IGEO, Programa de Pós-Graduação em Geografia - POSGEO): Salvador, 2011. 153 p. RESUMO: Esse trabalho objetiva analisar a produção do espaço urbano de Vitória da Conquista e as estratégias de valorização do espaço verificadas no bairro Boa Vista. Buscou-se problematizar as bases nas quais se desenvolve o processo de valorização econômica dos imóveis urbanos, os agentes envolvidos e as estratégias por eles adotadas. É também abordado nessa pesquisa o espaço urbano em face da totalidade do espaço com o qual se estabelece relações de reprodução em âmbito intraurbano e interurbano. Fundamentada nessa compreensão é que se analisou a cidade de Vitória da Conquista como cidade média, cujo papel de centralidade se dá nas relações com os municípios vizinhos e repercute na organização do espaço intraurbano, na dinamização econômica e na valorização imobiliária. Foi realizada uma revisão bibliográfica sobre a lógica contraditória da produção do espaço urbano, identificando as formas de apropriação e os agentes responsáveis por esse processo. Investigou-se também, conforme as referências adotadas, o papel de cada um dos agentes relevantes identificados na reprodução do espaço do bairro Boa Vista: O Estado (na forma do poder público municipal e dos governos municipais que se sucederam), as empresas construtoras e os agentes loteadores, e os proprietários fundiários. Realizou-se ainda uma aproximação teórica com objetivo de analisar a função urbana e as ações no mercado imobiliário, como repercussão da lógica capitalista no espaço local. Como proposta de articulação de escalas, buscou-se na parte empírica da pesquisa averiguar a constituição do espaço urbano de Vitória da Conquista e o contexto no qual o bairro Boa Vista surge. Por conseguinte, se identificou as estratégias de ocupação e comercialização dos imóveis no bairro Boa Vista, analisando-as como ações de interesse dos agentes produtores do espaço urbano. Nesse sentido, examinamos a mudança das estratégias de ocupação iniciais para as ações atuais baseadas num processo contínuo e aceleradas de valorização imobiliária. Tal análise foi possibilitada pelo tratamento e mapeamento dos dados de construção civil no bairro, que além de permitirem a detecção das estratégias e da forma como a terra e o espaço são controlados, possibilitou vislumbrar algumas tendências. Como resultado desse estudo, pode-se conhecer o uso do solo do bairro Boa Vista por loteamento, como amostra da valorização desigual do espaço. Essa constatação permitiu entender o papel da cidade de Vitória da Conquista na rede urbana, e a realização da crítica ao processo de valorização imobiliária como forma de apropriação privada da terra. Palavras chave: produção do espaço, agentes produtores do espaço urbano, cidade média, valorização imobiliária.

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ROCHA, Ione dos Santos. Production and valorization of urban space in Vitória da Conquista and the strategies and changes in the Boa Vista town. Dissertation. (Master in Geography). Universidade Federal da Bahia – UFBA (Institute Geoscience - IGEO, Program of Post Graduation in Geography - POSGEO): Salvador, 2011. 153 p. ABSTRACT The aim of this study was to analyze the production of the urban space in Vitória da Conquista and development of the strategies for valorization of the space located in Boa Vista district. It was problematized the basis of how it developed within the process of the economic valuation of the urban real estate, the agents which were involved and the strategies they adopted. It was also focused in this study the urban space in face of the whole space in order to establish relationships of the urban space reproduction and the interurban and intraurban space. Based on this understanding Vitoria da Conquista was considered as an average city, which takes the central role in relations with the surrounding municipalities and how it affected the intern spatial organization, in fostering economic and real estate valuation. It was performed a literature review on the contradictory logic of the production of the urban space, identifying forms of ownership and the agents responsible for this process. It was also investigated, as references adopted, the role of each of the stakeholders identified in the reproduction of the Boa Vista neighbourhood: The State (in the form of municipal government and the other municipal governments that followed), the construction entrepeneurs and real state sellers agents and landowners. It was carried out a further theoretical approach in order to examine the role and actions in the urban housing market, as a reflection of capitalist logic in the local area. As a proposal for the scale articulation, we sought in the empirical part of the research to ascertain the constitution of urban space in Vitória da Conquista, and the context in which the Boa Vista district arises. Therefore, it was identified the occupation strategies and marketing properties in the surroundings of Boa Vista, analyzing them as actions of interest of agent producers of the urban space. Accordingly, it was examined the changing occupation strategies for the initial current actions based on a continuous and accelerated real estate appreciation. This analysis was made possible by mapping the data processing and construction in the district, which also allowed the detection of the strategies and how the land and space are controlled, permitting the analysis of some trends. As a result of this study, it was possible to understand the use of the soil by blending Boa Vista district, as a sample of unequal valuation of the space. This finding led tothe understanding of hole of Vitória da Conquista in the urban networ and therealization of the critical process of the valuation real state as a private apprpriation of land. Keywords: production of space, urban space, city, urban valuation.

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INTRODUÇÃO

O município de Vitória da Conquista no estado da Bahia, situa-se a 14º 86‟ de

latitude Sul e a 40° 83‟ de longitude Oeste (Conforme o Mapa 1), numa faixa de

transição geoambiental que apresenta remanescentes da Mata Atlântica, Mata de

Cipó, Cerrado e Caatinga contando inclusive com as espécies endêmicas

relativamente preservadas. O município é constituído de doze distritos: a sede

(Vitória da Conquista), e os distritos de Bate-Pé, Cabeceira da Jibóia, Cercadinho,

Dantilândia, Iguá, Inhobim, José Gonçalves, Pradoso, São Sebastião, São João da

Vitória e Veredinha. Na área rural do município desenvolve-se a produção agrícola

com atividades voltadas para a produção de banana, horticultura, pecuária e

principalmente a cafeicultura, que liderou o crescimento econômico durante os anos

1970 e 1980, e cuja crise no final da década de 1980 direcionou mais intensamente

os fluxos migratórios em para a cidade.

Nos últimos vinte anos (1990 a 2010) a cidade de Vitória da Conquista

experimentou um crescimento populacional expressivo, e com isso a expansão da

malha urbana. É comum nos noticiários locais e regionais referências a essa cidade

como capital regional, cidade pólo, e até mesmo como metrópole, devido o ritmo

acelerado de crescimento e a importância funcional em sua hinterlândia. Das duas

formas de regionalização do estado, tanto do território de identidade quanto do ponto

de vista geoeconômico o município de Vitoria da Conquista tem posição de

liderança. Entretanto para esse estudo consideramos como contexto regional mais

adequado a região geoeconômica do sudoeste da Bahia, e por vezes

consideraremos também a área e influencia urbana indicada pelo IBGE (2008).

A população do município de Vitória da Conquista em 2000 totalizava 262.494

habitantes e em 2010 atingiu cerca de 306.866, um acréscimo populacional

significativo especialmente na população urbana, correspondendo a mais de 75% da

população absoluta do município cuja área total corresponde a 3.743 Km², conforme

dados do IBGE (2011). O destaque que se adquiriu com o processo de ampliação da

área urbana, o acréscimo demográfico, crescimento econômico, importância política

entre outros, reproduziu no espaço intraurbano novas formas de apropriação do

espaço com vistas a valorização econômica e a obtenção ampliada do lucro com o

mercado imobiliário.

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Mapa1 – Localização do Município de Vitória da Conquista na Região Sudoeste da Bahia

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Passando pela cidade de Vitória da Conquista é possível verificar a presença

por rodovias federais e estaduais que favorecem a formação de uma rede de

acessibilidade e integração regional. Por este motivo nesse estudo optamos por

adotar a Região Sudoeste da Bahia como espaço de articulação geoeconômica

intermunicipal, considerando em alguns momentos a área de influencia urbana

conforme o REGIC (IBGE, 2008) e fundamentada na discussão sobre as interações

espaciais (CORRÊA, 2008). A localização geográfica associada à presença dessa

importante rede viária do município de Vitoria da Conquista é um dos fatores

essenciais na condição pólo articulado com outras regiões próximas e distantes,

inclusive estendendo a rede de influência urbana além dos limites do estado da

Bahia (como ocorre com algumas cidades do norte mineiro).

Segundo informações do estudo sobre a Região de Influência das Cidades

(REGIC), em 20071 a cidade de Vitória da Conquista ocupava efetivamente a

posição de capital regional B na rede urbana e estava ligada a dois centros

subregionais – Brumado e Guanambi – e a um centro de zona – Itapetinga. A esses

dois sub-centros são articulados cerca de 70 outras cidades de pequeno porte que

se distribuem entre as regiões econômicas baianas Litoral Sul, Serra Geral e

Chapada Diamantina e o Norte de Minas Gerais, para as quais a cidade de Vitória

da Conquista representa uma centralidade. Essas informações permitem afirmar e

problematizar a importância destacada da cidade de Vitória da Conquista na região

sob sua influência.

A temática urbana tem cada vez maior relevância nos estudos sobre a

sociedade capitalista, principalmente no contexto de maior interdependência dos

lugares sob o signo da globalização. Destarte, a cidade de Vitoria da Conquista - BA

vivencia um processo cada vez mais evidente de afirmação como núcleo polarizador

em sua região de influência. Por conseguinte, transformações fundamentais em

curso na organização interna da cidade são motivadas pelas interrelações entre os

distintos agentes que produzem o espaço urbano dirigidos por seus respectivos

interesses.

Verifica-se sobremaneira que os agentes interagem com as principais forças

locais e distantes que ensejam a dinâmica da economia e da política que orientam o

cotidiano da cidade e de sua região, o que confere ao estudo do espaço urbano um

1Segundo o estudo da região de influência das cidades - REGIC (IBGE, 2008)

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certo grau de complexidade. Um processo de mudança nos significados dos nós da

rede urbana se confirma, pois além da importância das metrópoles nacionais e

regionais, surgem as cidades intermediárias como espaços de expressiva dinâmica

e influência complementar. Este é o contexto contemporânêo no qual se pode

problematizar o espaço urbano de Vitória da Conquista

Sobre a cidade de Vitória da Conquista destaca-se o estudo realizado por

Ferraz (2001) que contribui para o entendimento do seu crescimento e da

organização do espaço urbano nas décadas de 1980 e 1990, com destaque para as

ações de Governo a partir de políticas públicas de habitação, integração rodoviária,

“urbanização”2 e a ação dos agentes loteadores. Um estudo posterior de Lima (et al,

2005) considera que as rodovias que atravessam a cidade de Vitória da Conquista

se configuraram como vetores preferenciais para a expansão urbana (LIMA;

ROCHA; RODRIGUES, 2005).

Atualmente a cidade apresenta importantes transformações na morfologia e

na valorização de algumas áreas residenciais, cujas ações de loteamento das terras

urbanas, por exemplo, não mais respondem pela maior parte das atividades do

mercado imobiliário como nas décadas de 1980 a 1990. Nesse sentido a pesquisa

aqui apresentada apresenta um olhar contemporâneo quanto às formas de

apropriação e comercialização dos imóveis urbanos, como resultado do novo

processo de valorização fundiária e imobiliária que se desenvolve na cidade de

Vitória da Conquista.

O crescimento da cidade nos últimos anos tomou novas direções, com

destaque para o eixo sudeste, onde se verifica uma forte valorização econômica dos

imóveis, e já se apresenta a tendência à verticalização das edificações. As novas

tendências das edificações urbanas indicam o interesse de maior aproveitamento da

edificabilidade do espaço, como resultado do processo de apropriação privada das

terras urbanas e do incremento demográfico social e economicamente segmentado

da cidade.

O bairro Boa Vista é uma unidade territorial urbana que conforme dados do

IBGE (2000) está dividida em dois setores censitários. Na contagem da população

2Algumas ações do Poder Municipal no âmbito da infraestrtura (pavimentação, iluminação, drenagem) são comumente chamadas de “urbanização”. No entanto, buscamos nessa pesquisa ampliar o conceito de urbanização para além das taxas populacionais urbanas e da dotação de infraestrutura. Consideramos que a urbanização de fato abarca esses fatores, mas se compõe de uma dinâmica sócioespacial que envolve ainda outros agentes e processos.

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do ano 2000 o total dos dois setores era de 1.601 habitantes, e na atualidade

corresponde a uma área de ocupação preferencial e de forte valorização imobiliária

na cidade. Limita-se ao sul com o anel rodoviário de Vitória da Conquista e o bairro

Espírito Santo; ao norte com a Avenida Luíz Eduardo Magalhães e o bairro Recreio;

a leste com o córrego do Rio Verruga; e a oeste com a Avenida Juracy Magalhães e

bairro Felícia.

O bairro reproduz o processo de dinamização econômica, transformação

intensa da paisagem e significativas diferenças socioespaciais entre alguns dos

loteamentos que o compõem, acompanhadas de mudanças na ocupação e uso da

terra urbana, e por este motivo foi escolhido como campo desta pesquisa. O bairro

apresenta-se atualmente como uma das áreas de maior crescimento e valorização

da cidade.

Adicionalmente à infraestrutura, habitações e serviços existentes estão sendo

construídos novos e importantes empreendimentos imobiliários habitacionais,

comerciais e industriais. O bairro Boa Vista conta ainda com um histórico de

ocupação que abarca diversos agentes, e o assentamento de diferentes grupos

sociais que habitam os conjuntos habitacionais, loteamentos e condomínios

incluindo inclusive uma zona especial de interesse social para habitação.

A ampliação da infraestrutura urbana e a instalação de empreendimentos

comerciais, como o Shopping Conquista Sul, por ocasião de sua implantação e

recentes ampliações, oportunizou um maior incremento nos preços dos terrenos em

seu entorno, afetando significativamente o processo de valorização e da renda

imobiliária no bairro Boa Vista. Nessa dinâmica o bairro adensa o vetor de

crescimento sul da cidade de Vitória da Conquista, conforme apontamentos

anteriores (LIMA; ROCHA; RODRIGUES, 2005). No entanto, a dinâmica de

ocupação e valorização do bairro Boa Vista apresenta na atualidade novos

elementos, como um rebatimento do processo de dotação de infraestrutura do seu

entorno e resultado da exploração destes elementos espaciais como forma de

monopólio da terra e das edificações.

Nota-se com isso uma estreita relação entre o crescimento urbano e a

valorização e/ou desvalorização de parcelas da cidade que se expressam nas

formas de ocupação e de uso. Nesse contexto, a apropriação das benfeitorias

públicas e privadas imputam ao mesmo tempo adição de valor de uso e de troca

diferenciais à terra urbana e sua benfeitorias, e com isso se percebem mudanças na

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paisagem e no padrão construtivo das habitações.

Com a vigência do novo plano diretor do município (cuja discussão na

conferência da cidade no ano de 2003 e envolveu diversos momentos e segmentos

da sociedade, para posterior sanção da no ano de 2006), e do forte incremento

demográfico na cidade, ao tempo em que também se verifica a ampliação das

atividades terciárias, implicando o aumento da importância regional da referida

cidade, estima-se pertinente o esforço em tentar compreender o novo processo de

reprodução do espaço urbano e suas implicações socioespaciais.

Caracterizar o bairro Boa Vista e nele analisar o processo de reprodução

urbana, empreendido pelos distintos agentes produtores com seus respectivos

interesses e conflitos, permite um melhor entendimento de como a cidade abarca

diferentes formas de apropriação do espaço. Em face da articulação dos agentes e

das interações espaciais que engendram a reprodução do espaço, nos coube

problematizar em primeiro plano as bases do processo de valorização econômica da

terra urbana e de suas benfeitorias na cidade de Vitória da Conquista como uma

primeira questão de pesquisa.

Em resposta a esta problematização, na composição teórica deste trabalho

investigamos a lógica contraditória da produção do espaço urbano que se desdobra

na produção de áreas desiguais, fundamentadas nas ações em que os agentes

produtores do espaço se efetivam em maior ou menor intensidade. Compreendendo

o contexto da produção do espaço urbano de Vitória da Conquista, ainda

consideramos o processo de valorização econômica dos imóveis e do crescimento

urbano como partes de uma totalidade na qual Vitória da Conquista se afirma como

cidade média.

Como segunda questão de pesquisa, abordamos a forma como se tecem as

relações entre os agentes da produção do espaço no contexto da valorização

urbana. Tais ações garantem a repercussão dessa dinâmica de valorização do

espaço no bairro Boa Vista, que entra na lógica da reprodução urbana constituindo-

se das estratégias de loteamento e construção para diversos perfis socioeconômicos

que fazem do bairro um mosaico socioespacial.

A perspectiva analítica motivada pela problematização realizada nos levou a

perseguir um objetivo geral que consistiu na análise teórica e empírica da forma

como a cidade de Vitória da Conquista é organizada e entra no processo de

valorização, diante de tão pronunciadas transformações em seu espaço.

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No entanto, intrínsecos ao objetivo geral e à problemática, alguns

desdobramentos da temática foram abordados na forma de objetivos específicos. O

primeiro deles: Investigar a produção dos loteamentos do Bairro Boa Vista, resultou

na realização de um levantamento sobre o histórico da abertura de loteamentos na

cidade de Vitória da Conquista, dos quais destacamos neste trabalho a seqüência

histórica de licenças a loteadores do bairro Boa Vista, e a mudança nas estratégicas

de comercialização dos imóveis por parte dos proprietários dos terrenos urbanos e

incorporadores.

Um segundo objetivo que se impôs como um passo da pesquisa em

resposta às questões de pesquisa foi a identificação e análise das estratégias de

ação dos agentes na salvaguarda de seus distintos interesses. Esse objetivo surge

em complementação ao primeiro, pois consiste na busca das bases de ação e na

análise da evolução da produção do espaço do bairro ao longo do tempo. A busca

por alcançar tal objetivo permitiu identificar novas formas de edificação, mudanças

no perfil construtivo e a identificação de terrenos “vazios” manipuladas com vistas à

especulação.

Como terceiro passo da pesquisa em atendimento as questões de pesquisa,

um outro objetivo especifico foi elaborado: caracterizar as principais implicações

resultantes das ações e interrelações dos agentes produtores do espaço no bairro

Boa Vista. Esse objetivo nos levou ao conhecimento das mudanças nas formas de

apropriação do espaço que tem dinamizado o mercado imobiliário no bairro Boa

Vista com a mudança do perfil construtivo e o processo de valorização expresso no

encarecimento dos imóveis e no processo recente de verticalização das edificações.

A organização desta pesquisa foi estruturada em quatro partes: a primeira

discute a lógica contraditória de produção do espaço que da cidade. Procuramos

nessa discussão apontar para a existência de áreas residenciais desiguais, como

resultado de uma lógica de valorização econômica da habitação por força das ações

e interrelações dos agentes. Inicialmente foi feita uma discussão sobre a concepção

de cidade enquanto produto inacabado das relações e conflitos sociais, enfatizando

que o espaço urbano é constantemente produzido.

Através da revisão bibliográfica de Harvey (1980), Castells (1983), Capel

(1975), Corrêa (1995), Gottdienner (1997), Lefebvre (2008), Lojkine (1981), Marx

(2001), caracterizamos os agentes sociais e seu envolvimento com a reprodução do

espaço urbano que se torna mercadoria. Com isso fundamentamos a discussão

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sobre as ações e as principais estratégias utilizadas pra legitimar as ações enquanto

agentes produtores do espaço urbano.

Na segunda parte buscamos entender os conceitos de valor e de valorização,

no processo de transformação da terra urbana e de suas benfeitorias em

mercadoria. Retomando Marx (2001), discutimos a formação do valor e o processo

de valorização, fundamentada na crítica ao capital e na renda da terra urbana,

espacialmente com o monopólio. Nessa discussão é destacada a centralidade

funcional urbana da cidade de Vitoria da Conquista e sua caracterização como

cidade média, com fato que reforça o monopólio da terra urbana em áreas

estratégicas do espaço da cidade, visto o seu papel na rede urbana sob sua

influência imediata e os fluxos gerados por essa dinâmica. A articulação entre

tamanho demográfico, localização relativa da cidade, ação empreendedora das

elites política e econômica (CORREA, 2008) se desdobra em processos de

concentração e de centralização econômicas, sistemas de transporte e

telecomunicações, atividades econômicas ligadas ao comércio de bens e serviços e

à modernização do setor agropecuário (SPOSITO, 2008) e um processo de

reestruturação do espaço intraurbano (VILLAÇA, 2001).

A revisão bibliográfica na segunda parte da pesquisa revela as interações

espaciais que envolvem as cidades intermediárias e expõe a complexidade de tal

condição urbana. Na busca de uma aproximação teórico-empírica trouxemos ao

referencial teórico as contribuições de Léda (2010) e Ferraz (2010), que tratam da

influência urbano-regional de Vitória da Conquista. Desenvolvemos ainda uma

discussão sobre a forma como os agentes se apropriam dos fluxos decorrentes da

condição de cidade média como estratégia de valorização imobiliária, e a forma

como controlam a disponibilidade de imóveis criando a raridade espacial. A

abordagem sobre as cidades médias, portanto, reitera a relevância desta pesquisa,

pois trata-se de uma busca pela compreensão dos desdobramentos da dinâmica

urbana considerando as repercussões dos processos sociais com base na cidade

articulada à rede urbana.

A análise da problemática espacial e das ações dos produtores do espaço

urbano de Vitória da Conquista e no bairro Boa Vista dialogam com a teoria na

terceira parte da pesquisa. Buscamos identificar as ações e interesses que tornaram

o bairro uma área de valorização, bem como compreender a organização espacial

dos loteamentos e condomínios. Os dados da pesquisa de campo são expostos e

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organizados na forma de gráficos e tabelas, indicando como se deram as estratégias

de ocupação e comercialização de lotes no referido bairro. A formação de um

mercado imobiliário crescente nesta localidade e a forma como a distribuição dos

perfis construtivos, denunciam a produção desigual do espaço do bairro. A coleta de

dados pertinente à esse levantamento foi realizada na Secretaria Municipal de Obras

e Urbanismo (SMOU), feita através de consulta aos livros de registro de alvarás de

construção e loteamento, que limitamos ao período dos últimos onze anos (2000 a

2010).

Os dados obtidos correspondem ao número de construções regulares por

ano, o padrão construtivo, o custo dos alvarás, e o registro de alterações nas

edificações já existentes. Esse levantamento de dados quantitativos bem como a

coleta de informações junto aos agentes imobiliários nos permitiu identificar as áreas

de maior ocupação, o perfil habitacional de cada loteamento e a identificação dos

períodos de destaque da atividade loteadora. As informações obtidas com a coleta

de dados e o trabalho de observação de campo com registros fotográficos nos

permitiram verificar os padrões construtivos, a disponibilidade de infraestrutura, e as

estratégias de comercialização dos lotes com base nas benfeitorias já existentes, ou

mesmo realizadas com o intuito de movimentar o mercado de compra e venda de

lotes de terra.

Na quarta parte da pesquisa analisamos a produção mais recente do espaço

do bairro, identificando e analisando as estratégias de verticalização e a construção

dos condomínios fechados, como formas de apropriação do espaço e valorização

imobiliária. Nos ocupamos de fazer dialogar os elementos da fundamentação teórica

com a parte empírica da pesquisa, numa discussão que envolveu a crítica ao

controle privado da terra com vistas à especulação, fazendo coexistir no bairro os

“vazios” e o adensamento as edificações verticalizadas.

Nessa parte do trabalho pode-se comparar o histórico das licenças para

loteamento com as licenças para construções verticalizadas e condomínios

fechados, identificando com isso as tendências de ocupação do bairro Boa Vista.

Ainda nesse componente da pesquisa são considerados os discursos dos agentes

sociais relevantes na produção do espaço do bairro como resultado das entrevistas

realizadas com loteadores, proprietários de terras, incorporadores, construtores e

representantes do governo municipal. Nas falas identificamos aqueles interesses

que motivaram uma das questões de pesquisa e confirmamos as implicações de tais

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intencionalidades nas formas de apropriação do espaço como possibilidade de

renda.

A última parte do trabalho apresenta as considerações finais sobre a

pesquisa. Buscou-se sintetizar uma resposta à questão inicial de pesquisa conforme

as discussões, os discursos dos agentes, a observação do campo e dados obtidos

na pesquisa documental. Pôde-se enfim verificar as bases do processo de

valorização, e da produção do espaço urbano tendo como campo da pesquisa o

bairro Boa Vista.

Apresentamos uma análise do espaço urbano após a experiência com o

bairro Boa Vista, expondo como perspectiva crítica os nossos questionamentos não

como conclusões fechadas, mas como fomento de um entendimento da reprodução

do espaço. O nosso entendimento da cidade como reprodução social não permite

um encerramento da proposta e sim, sobretudo, um esforço de contribuição ao

entendimento a produção da cidade como dialética cujas lacuna enxergadas por

novos olhares é que sustentam essa forma de fazer a pesquisa científica.

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2 A LÓGICA CONTRADITÓRIA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

No contexto do capitalismo, as relações sociais e de produção são orientadas

principalmente para a geração de riqueza e as demandas sociais são influenciadas

por tal lógica. Para entender a cidade é necessário desvendar e esclarecer de que

maneira o espaço torna-se mercadoria com valor de uso e valor de troca.

A cidade em sua totalidade compreende a terra urbana e as benfeitorias; as

atividades sociais, culturais políticas e econômica; bem como as ações humanas

que não se limitam às orientações das atividades econômicas. A cidade constitui um

espaço sempre renovado em cada contexto histórico e em cada realidade local;

entretanto, é inegável a forte influência exercida pelos elementos da economia em

sua dinâmica e organização.

A determinação da função e da importância de um centro urbano passa por

forte pressão da dinâmica produtiva capitalista e suas normas, que através dos

distintos agentes sociais movidos por suas intencionalidades realizam a organização

do espaço urbano que é simultaneamente fragmentado e articulado. De acordo com

Castells (1983),

Numa sociedade onde o modo de produção capitalista é dominante, o sistema econômico é o sistema dominante da estrutura social e por conseguinte, o elemento produção está na base da organização do espaço (CASTELLS, 1983, p. 203. Negrito nosso).

A reprodução do espaço da cidade está certamente, conforme Castells (1983)

e Carlos (2004) salientam, fundamentada na lógica de mercado, especialmente a

partir da industrialização. No entanto, o espaço tornado mercadoria é mais que a

confecção de um produto final, é o processo de realização objetivo que suscita uma

dinâmica no espaço: produção, distribuição, circulação, consumo, de modo que a

cidade também passa a ser produto e condição da reprodução da dinâmica

econômica e social.

Dessa forma, “[...] os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos

permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações” (M. M.

SANTOS, 1996, p. 63). Entende-se com isto que o espaço urbano relacionado à

organização social também se torna objeto e mercadoria à medida que é fracionado,

segregado e comercializado, pensado estrategicamente para a produção.

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O espaço urbano acumula em sua organização a história, um processo de

desenvolvimento da sociedade superando antigas formas e produzindo um novo

espaço urbano. Milton Santos (1996) afirma que são os nexos entre a realidade

política, econômica e sociocultural que vão permitir entender a cidade de maneira

mais completa, através da ideia de processo.

Na articulação com a realidade histórica a cidade se torna espaço de

especificidades, pois a cada momento em que se superam e se reproduzem

modelos de desenvolvimento, as sociedades tendem a reproduzir este movimento.

Segundo Castells (1983),

O espaço urbano é estruturado, quer dizer ele não está organizado ao acaso, e os processos sociais que se ligam a ele exprimem, ao especificá-los, os determinismos de cada tipo e de cada período da organização social (CASTELLS, 1983, p. 182).

É imprescindível considerar que embora a cidade seja uma totalidade local,

está inserida ainda em uma totalidade maior. Dessa forma, no espaço intraurbano se

engendra um processo amplo e complexo de reprodução social. Segundo Milton

Santos (1996),

O nível da urbanização, o desenho urbano, as manifestações das carências da população, são a realidade a ser analisada à luz dos sub-processos econômicos, políticos e sócio-culturais, assim como das realizações técnicas e das modalidades de uso do território nos diversos momentos históricos. Os nexos que estes fatores mantém em cada fase histórica devem permitir um primeiro esforço de periodização que deve iluminar o entendimento do processo (M. M. SANTOS, 1996, p. 11).

O espaço possui uma lógica de organização que decorre das relações sociais

com as esferas de poder, e com as necessidades das populações. Conforme o

referência supracitada, é necessário questionar a idéia de espaço como mera

consequência, e entender as interrelações entre os agentes e os possíveis conflitos

de interesses daí resultantes como condicionantes do processo de reprodução do

espaço urbano em constante transformação, cujos resultados e implicações são

também transformados.

A esse respeito, Lefebvre (2008) afirma que o espaço urbano engendra

processos que se repercutem nas formas espaciais sob uma “lógica” que somente

tem “sentido” num contexto de reprodução ampliada do capital:

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[...] o espaço da sociedade pretende-se racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado vendido em parcelas. Assim é simultaneamente global e pulverizado. Ele parece lógico e é absurdamente recortado (LEFEBVRE, 2008, p. 57).

Como o parcelamento e a comercialização de terrenos na cidade capitalista

se dão no âmbito do interesse de cada proprietário fundiário, nessa perspectiva, em

Vitória da Conquista uma ação pioneira desses agentes nos arredores da cidade nas

décadas de 1970 e 1980 foi a incorporação de terras rurais ao espaço da cidade,

momento a partir do qual passou a ocorrer uma expansão significativa da malha

urbana em várias direções. Esse fato influenciou a expansão implicando o

desenvolvimento de uma malha espraiada, orientada principalmente pelos

interesses dos agentes imobiliários privados, marcada primeiramente pela

segregação.

Lefebvre (2008) discute que a organização do espaço da cidade é feita de

maneira intencional e se dá com base na produção de “elementos” dos quais

derivam a valorização dos “envoltórios espaciais3”: “Eles entram nos circuitos das

trocas: produção-repartição-distribuição. Eles integram a riqueza e, por conseguinte,

dependem da economia política” (LEFEBVRE, 2008, p. 123). Seja no espaço urbano

ou rural, na sociedade capitalista, a reprodução dos mecanismos de mercado é

contínua e múltipla, de forma que as relações de interesses entre os distintos

agentes produtores se afirmam e se negam constantemente.

Nesse sentido, o espaço urbano é representativo dos conteúdos dos agentes

hegemônicos que orientam seus interesses na cidade e a fragmentação é o

resultado de uma “racionalidade” econômica dos terrenos urbanos e das

benfeitorias, implicando dentre outros processos, a valorização desigual do espaço.

No contexto capitalista, esse espaço é intencionalmente produzido como uma

mercadoria da qual ninguém pode prescindir, o que leva à apropriação também

desigual de parcelas da cidade, pelos distintos grupos de renda da população.

A formação do mercado de habitação é um exemplo da transformação do

espaço em mercadoria, que já expressa uma primeira contradição que se situa na

exploração da necessidade de moradia e a capacidade de compra de imóveis pelos

indivíduos e famílias, na qual a possibilidade de aquisição de um imóvel no contexto

3 Os envoltórios espaciais correspondem às benfeitorias urbanas e equipamentos coletivos que no

mercado imobiliário urbano, incrementam o preço dos imóveis a partir de uma raridade criada (DAMIANI, 1999).

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de valorização se torna um privilégio. O mercado de moradia torna-se ainda mais

dinâmico, pois além da mercantilização dos terrenos urbanos, com agregação de

valor econômico a partir da apropriação das benfeitorias, há a real necessidade da

moradia.

Essa dinâmica transforma a primeira necessidade de moradia em capacidade

de empreender, no sentido de promover benfeitorias para a valorização e

comercialização dos imóveis. Assim, com o crescimento urbano e a implantação de

equipamentos públicos e privados nos bairros, ocorre a simultaneidade do valor de

uso do imóvel como moradia, e do o valor de troca quando o imóvel é colocado à

venda. A produção da moradia ocorre por parte de agentes capitalistas, mas

também por parte dos próprios moradores, que se inserem com isso na lógica de

apropriação e valorização do espaço. De acordo com Harvey (2005),

[...] a urbanização é um processo social espacialmente fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e compromissos diversos, interagem por meio de uma configuração específica de práticas sociais entrelaçadas (HARVEY, 2005, p. 170).

Proprietários de imóveis, empresas construtoras e o próprio poder público

municipal com a dotação de infraestrutura, por exemplo, na cidade de Vitória da

Conquista são os principais responsáveis pela impregnação de significados e pela

atribuição de valor econômico aos imóveis e são também os principais criadores das

desigualdades socioespaciais.

No entanto, uma ampla parcela excluída do mercado imobiliário pela reduzida

capacidade de pagamento da moradia estão submetidas à estratégias de exploração

da desigualdade no espaço urbano, pois a coexistência de bairros ricos ao lado de

ocupações com infraestrutura urbana precária pela marginalização das condições

sociais dos moradores é uma expressão da forma como a cidade se reproduz.

Nessa lógica contraditória de ação, as práticas dos agentes são

caracterizadas por um “conteúdo de classe” (HARVEY, 2005) que demandam uma

leitura aprofundada da cidade considerando que os agentes “são dominados e

coagidos pelas suas próprias criações”, uma vez que inseridos no mercado

imobiliário, até mesmo os moradores são levados a empreender em seus imóveis

com vistas a valorização constante.

Historicamente, a cidade representa o “encontro” e a concentração de uma

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gama variada de formas e artefatos geográficos e atividades sociais. Com o

desenvolvimento da história a cidade é a direção de grande parte dos fluxos

humanos, sobretudo em torno das necessidades de vivência, habitação, lazer,

consumo e realização de negócios, passando também pelo trabalho etc., forjando

com isso, a reprodução e a reorganização do espaço, inclusive com a incorporação

novas áreas anteriormente rurais. A concentração das atividades leva a uma

saturação dos centros urbanos e à criação de novas centralidades: com elas novas

extensões da infraestrutura urbana são ampliadas e nova valorização econômica

entra em curso.

A cidade é onde se percebe com maior intensidade a produção do espaço

geográfico, à medida que o espaço é marcado pelos acréscimos técnicos, pela

capacidade de as sociedades transformarem a natureza. A produção do espaço

geográfico está inserida num processo de apropriação do espaço e do

estabelecimento de uma urbanização “social e territorialmente seletiva” (M.

SANTOS, 1986).

Enquanto materialidades espaciais, as cidades ao serem produzidas,

incorporam as tendências histórico-sociais. Se a história está contida, materializada

e relacionada ao espaço, não se trata apenas de uma produção, mas uma

reprodução no sentido de estar articulada às demais escalas, às influências da

economia e da política, que orientam a dinâmica urbana. Nesse sentido

concordamos com Carlos (2004), quando argumenta que não se trata apenas da

sede que aglomera setores produtivos, mas sim o espaço onde são reproduzidas as

relações sociais influenciadas pelas diversas escalas geográficas, e em

consequência disso é produzida, reproduzida e apropriada pelos agentes:

A noção de reprodução saída do desenvolvimento da noção de produção revela o fato de que não se trata apenas e tão somente, do universo da produção de mercadorias, que embasa a idéia de cidade enquanto concentração, uma vez que o crescimento e a industrialização caminham no sentido de que a concentração da população acompanha a concentração dos meios de produção, mas o modo de produção capitalista em seu movimento de realização revelando uma reprodução mais ampla. Neste plano o processo refere-se à cidade de modo integral (CARLOS, 2004, p. 25).

É imprescindível, portanto, entender que a cidade não é apenas o espaço da

produção de objetos, mas que o espaço urbano também é objeto da ação humana

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permeada pelos valores da sociedade capitalista e nesse sentido se torna

mercadoria.

Lefebvre (2008) enfatiza que a cidade não pode ser entendida como um ponto

de partida nem como um ponto de chegada, mas como intermediário: produto,

produtor e processo de produção e reprodução das relações sociais e de produção.

Nesse raciocínio, o espaço é definido como “[...] um instrumento político

intencionalmente manipulado, mesmo se a intenção se dissimula sob as aparências

coerentes da figura espacial [...] um modo nas mãos de „alguém‟, individual ou

coletivo, isto é de um poder ou de uma classe dominante” (LEFEBVRE, 2008, p. 55).

Nas bases a partir das quais se dá a dinâmica de produção do espaço

geográfico se articulam localmente as forças e os agentes sociais que reconfiguram

espaço urbano, realizando com isso sua reprodução. De maneira dialética, a cidade

é também concentração e a materialidade dos arranjos sociais e institucionais que

sustentam as formas de ação dos agentes. Ao mesmo tempo em que os agentes se

legitimam nas ações correspondentes à intenção de cada interesse individual ou

coletivo, e cada ação influi na dinâmica da produção do espaço, imprimindo uma

“instabilidade urbana” cujos movimentos de expansão física, valorização, criação

etc. são imprescindíveis.

2.1 OS AGENTES PRODUTORES ESPAÇO URBANO

Entender a lógica da produção do espaço requer o aprofundamento nas

ações e relações estabelecidas pelos agentes. A organização dos objetos, de suas

funções e das pessoas no espaço da cidade não se dá de maneira aleatória e

imparcial, conforme Lefebvre (2008) aponta:

O espaço teria sua lógica? O espaço ora depende de uma lógica preexistente, superior e absoluta, quase teológica, ora ele é a própria lógica, o sistema da coerência, ora, enfim, ele permite a coerência autorizando a lógica da ação (praxiologia ou estratégia). Reencontram-se aqui as diversas teses sobre o espaço, tomado ora como modelo, ora como instrumento, ora como mediação. É uma modalidade da produção numa sociedade determinada, no seio da qual contradições e conflitos se manifestam. Existem, portanto, contradições do espaço dissimuladas ou mascaradas (LEFEBVRE, 2008, p. 54).

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As formas de apropriação tendem a engendrar-se num processo para o qual

são mudadas as relações e a dinâmica produtiva, mas as diretrizes que orientam a

apropriação e a transformação espacial da cidade se reproduzem por meio de novas

estratégias. Conforme o argumento apresentado (LEFEBVRE, 2008.), se o espaço

permite a coerência, essa representa a efetivação dos interesses e se dá por

intermédio das ações dos agentes sociais: a coerência nada mais é do que a

consolidação da cidade como espaço do capital.

Lefebvre (2008) prossegue advertindo para as formas como a realidade é

dissimulada sob a “coerência fictícia do olhar” sobre a paisagem urbana. Isto afirma

a necessidade de desvendar os processos que resultam e sustentam aquela

paisagem que contém um momento do espaço e que por sua complexidade tem

também um “caráter paradoxal” (LEFEBVRE, 2008), sendo o lócus ordinário do

capital.

Nesse sentido, Harvey (2001) alerta para e existência da associação de

forças entre os agentes que consagram a terra urbana ao capital, ao distribuir de

forma desigual, intencional e seletiva os objetos4 no espaço da cidade, seja por parte

dos proprietários particulares, seja por parte das políticas de governo, que agregam

valor de troca ao entorno das áreas de implantação dos equipamentos na busca por

extração de renda daquelas terras. Na assertiva de Lefebvre (2008):

Esse espaço depende de interesses divergentes e de grupos diversos que, no entanto, encontram uma unidade no Estado. Ele depende de uma encomenda e de uma demanda que podem não ter nenhuma relação e que, contudo, encontram um denominador comum sobre a predominância deste ou daquele interesse. Quanto à divisão do trabalho entre os que intervêm no espaço, a saber, o arquiteto, o promotor imobiliário, o urbanista, o empreendedor, etc., essa divisão do trabalho realiza esse mito de unificação imposta e de desarticulação que se procura analisar (LEFEBVRE, 2008, p. 53).

A ação dos promotores imobiliários, por exemplo, é identificada na

organização do espaço na engrenagem de uma dinâmica capitalista, num processo

do qual também participa o Estado como gestor, regulador e ao mesmo tempo como

empreendedor. Debruçaremos-nos mais detalhadamente sobre as formas de

atuação de agentes imobiliários e Estado mais adiante.

No interior das cidades há também uma lógica de hierarquização de

4 Os objetos correspondem às benfeitorias, empreendimentos e equipamentos urbanos, instalados

principalmente por parte dos governos e demais agentes produtores do espaço urbano.FONTE

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localidades que é definida com base nos interesses dos agentes, de forma que se

manipula a distribuição dos recursos, edificações e serviços o que acaba por

promover a valorização de algumas áreas da cidade em detrimento de outras

absolutamente precárias. Essa “organização” do espaço denuncia a existência de

um controle, uma ordem conveniente aos agentes privados e totalmente adversa

para as populações pobres. Lefebvre (2008) ressalta que:

As contradições do espaço não advêm de sua forma racional, tal como ela se revela nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático e social e, especificamente, do conteúdo capitalista. Com efeito, o espaço da sociedade capitalista pretende-se racional quando, na prática, é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas. Assim ele é simultaneamente global e pulverizado. Ele parece lógico e é absurdamente recortado (LEFEBVRE, 2008, p. 57).

A racionalidade do espaço é expressa no parcelamento da terra urbana com

vistas à comercialização de lotes, os empreendimentos imobiliários na forma de

conjuntos habitacionais padronizados e fechados, e a formação de vetores de

crescimento criam uma ordem geométrica, conforme o mercado imobiliário vai se

afirmando como uma atividade produtora de lucro, numa cidade que cresce e cujo

espaço se valoriza de forma heterogênea.

Compreende-se do processo de reprodução do espaço no pensamento de

Lefebvre (2008) que a busca pelo lucro é também a base da apropriação capitalista

do espaço, e que a “racionalidade” do espaço é contraditória sob uma análise

geográfica crítica, mas perfeitamente conveniente ao interesse capitalista na cidade.

Articulam-se nessa conjuntura as esferas ideológicas e produtivas que

orientam a organização do espaço urbano e, como conseqüência, sua morfologia.

Os agentes capitalistas exploram o lucro da terra, com o suprimento em parte ou no

totalidade das necessidades de moradia, de saúde, educação etc.. Acerca disso,

Lefebvre (2008) considera que a dinâmica espacial transcende o padrão

arquitetônico e urbanístico, e indica que é imperativo o desvendamento da paisagem

urbana, elucidando as intencionalidades que se engrenam na produção do espaço:

Vemos no espaço o desenvolvimento de uma atividade social. Distinguimos, portanto, o espaço social do espaço geométrico, isto é, mental. De fato, toda sociedade produz „seu‟ espaço, ou, caso se prefira, toda sociedade produz „um‟ espaço. O que há de novo na sociedade em que a manutenção das relações de produção torna-se determinante, na qual, porém, as técnicas e as forças produtivas

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alcançaram um nível desconcertante? O que significa a palavra produzir? Significa „coisas‟, objetos, mercadorias (LEFEBVRE, 2008, p. 55)?

A menção acima atenta para uma lógica que conflita interesses dos agentes,

e afirma a contradição da produção do espaço que se torna então mercadoria. Os

princípios do capitalismo transpõem para o local a lógica global num movimento que

o autor chama de articulação entre “a ordem próxima e a ordem distante”.

As sociedades reproduzem as práticas sociais e materializam no espaço

urbano as formas singulares com as quais o local responde aos estímulos globais

com base na ação dos grupos sociais e institucionais. Sistematicamente Lefebvre

(2008) aponta que dentre os principais agentes da produção do espaço urbano

estão o Estado, as instituições da sociedade, a burguesia e a classe operária.

Há, segundo Harvey (1980. p. 139), “[...] um sistema de mercado de troca” no

qual se encontram as “forças que governam o uso do solo urbano” e que operam no

mercado de terras e moradias e nas demais formas de produção do espaço. O autor

identifica os agentes como a seguir: usuários da moradia; corretores de imóveis;

proprietários; incorporadores; instituições financeiras; instituições governamentais.

De acordo com a teoria microeconômica do uso do solo urbano, proposta por

Harvey (1980), esses agentes coexistem no mesmo espaço material, mas muito

distantes do ponto de vista dos interesses sociais de modo que “[...] o sistema de

uso do solo urbano raramente se aproxima de algo como uma postura de equilíbrio”

(HARVEY, 1980 p. 139).

As formas de ação são diferenciadas por agentes num “sistema coordenado”

que remete ao “conteúdo de classe” identificado por Lefebvre (2008), e já

anteriormente discutido. Nessa correlação desigual das forças entre os agentes

produtores do espaço urbano “[...] as coisas que denominamos solo e moradia são

aparentemente mercadorias muito diferentes, dependendo do grupo particular de

interesse que está operando no mercado” (HARVEY, 1980, p. 142).

Nessa direção também os estudos de Capel (1975) afirmam que os agentes

utilizam os mecanismos legais dos “planos” urbanos (os planos diretores, códigos de

posturas etc.) ou mesmo agem à margem dessas determinações a fim de assegurar

a acumulação com as necessidades de ocupação e moradia nas cidades. Como

exemplo, temos a total preocupação dos construtores e agentes imobiliários com a

infraestrutura urbana nas áreas centrais ou nos bairros mais valorizados, e nas

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periferias pobres o total desprendimento dessas mesmas atribuições ainda que a

legislação oriente o uso e a ocupação do solo urbano como um todo.

O autor lista os agentes da produção do espaço da cidade: proprietários dos

meios de produção; os proprietários do solo; os promotores imobiliários e empresas

de construção civil; organismos públicos que operam direta e indiretamente como

produtores e árbitros na produção da cidade. A sociedade que abarca esse agentes

é marcada pelas relações e embates entre eles, que demarca o poder e os

interesses de cada um. Conforme o autor (CAPEL, 1975), cada um desses age

conforme sua conveniência na produção das cidades: ora esses desenvolvem

estratégias próprias, ora encontram alternativas à configuração do espaço e até

mesmo a própria lei.

Corrêa (2005, p. 22) chama atenção para o fato de que no processo de

produção do espaço urbano os produtores “[...] são agentes sociais concretos, e não

um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um mercado abstrato”.

Segundo o autor, o espaço urbano envolve articulações complexas de agentes

sociais marcadas inclusive pelo conflito de classes e pelo conteúdo econômico que

se pode encontrar ou atribuir a áreas estratégicas da cidade. A partir dessa

compreensão, Corrêa (1995) apresenta os agentes do espaço urbano: os

proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes industriais; os

proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e; os grupos sociais

excluídos.

Os agentes sociais elencados por Capel (1975), Corrêa (1995) e Harvey

(1980) correlacionam forças desiguais. Em primeiro lugar, as classes sociais das

quais os agentes se originam e para as quais suas ações se direcionam,

particularmente aquelas que são possuidoras de grandes quantidades de terra e

capital, têm um potencial empreendedor que se favorece como identidade de classe

com os governos e, com isso, balizam a ação reguladora do Estado.

O poder público municipal, no cenário da produção do espaço urbano, é uma

esfera estatal submetida às elites locais, já que estas dão conta de boa parte da

história econômica dos municípios pela propriedade dos meios de produção locais

(fábricas, comércio, terras rurais e terras urbanas). Essa relação torna o poder

público imprescindível em face dos interesses capitalistas, e bastante frágil fronte as

demandas da população. A ação destes agentes é imprescindível na produção do

espaço urbano no capitalismo, fazendo com que as classes privilegiadas se

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desdobrem em elites empreendedoras (CORRÊA, 2007).

Os agentes capitalistas (os proprietários de terras, as empresas construtoras

e os agentes imobiliários) buscam a maior rentabilidade dos imóveis, o que

representa para o poder público a possibilidade de retorno econômico, seja pela

dinamização das atividades motivadas pela concorrência (a lógica de parcelamento,

especulação e comercialização dos imóveis urbanos), seja na forma de impostos

prediais e territoriais, taxas de alteração, construção, habitação, divisão etc.

A intensificação da produção do espaço urbano é ao mesmo tempo

problemática e emblemática para o Estado: problemática porque demanda a

expansão da infraestrutura urbana e a oferta de equipamentos e serviços coletivos

essenciais que variam a cada gestão de governo; emblemática e contraditória

devido a ideologia capitalista da expansão e adensamento urbano como sinônimo de

progresso e desenvolvimento.

Como há diversidade de formas de ocupação e interesses específicos na

produção e organização do espaço urbano é necessário entender as diferentes

maneiras e estratégias de ação dos distintos agentes produtores do espaço urbano

nas cidades capitalistas a fim de encontrar fundamentos para a concretização do

espaço urbano como a base material da reprodução das relações sociais e de

produção no capitalismo. Para tanto, a seguir serão identificados e caracterizados os

principais agente produtores do espaço urbano e suas respectivas ações no

processo de reprodução do espaço.

2.1.1 Os proprietários fundiários e a cidade como propriedade privada

Os proprietários fundiários são agentes que a exemplo dos demais com base

na propriedade privada, visam o lucro no processo de comercialização das áreas

edificáveis da cidade (CAPEL, 1975). Para tanto, partem da lógica do parcelamento

e comercialização das terras urbanas explorando ao máximo sua “edificabilidade” e

as “raridades5” espaciais.

5 A constituição do espaço como raridade é uma estratégia de especulação com base na qual os

proprietários de terras controlam a oferta de lotes para construção. Desta maneira a disponibilidade de imóveis (terrenos) fica submetida aos interesses dos proprietários privados, que gradativamente manipulam a oferta de terras e com isso tem a condição de explorar altos valores de comercialização dos imóveis (Cf. DAMIANI, 1999).

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A propriedade fundiária é importante na expansão urbana, devido à

possibilidade da aquisição de lotes para a formação da reserva de terrenos e a

organização dos novos vetores de crescimento da cidade, segundo seus interesses.

Dessa forma, os proprietários fundiários buscam exercer influência junto aos

governos, já que a demanda por moradias é quase sempre crescente. Assim, os

proprietários de terras pressionam os governos no sentido de atender suas

demandas, seja com proposta de uma legislação favorável, e ou a instalação de

benfeitorias nas adjacências de suas propriedades.

As diferenças de localização, quantidade e qualidade das benfeitorias naturais

e as socialmente produzidas nas proximidades das terras a serem incorporadas ao

tecido urbano são exploradas como forma de obtenção da renda da terra urbana na

forma de renda de monopólio, que é uma modalidade de geração de mais valor

como fundamento duradouro no modo capitalista de produção (MARX, 1983).

A apropriação privada da terra urbana e de suas benfeitorias adjacentes

transforma a localização em muito mais que uma localização no espaço urbano; esta

localização se torna um núcleo dentro da cidade, que pela condição de monopólio

da propriedade de uma parcela de terra e ou de uma edificação útil implica a

apropriação de uma renda extra, uma vez que a “[...] a demanda por terrenos para

construção eleva o valor do solo enquanto espaço e fundamento” (MARX, 1983, p.

238).

O processo de obtenção da renda de monopólio para terrenos na área urbana

pode ser entendido considerando-se que com a apropriação da localização das

benfeitorias públicas e privadas no espaço, e os proprietários fundiários, pela

condição de monopólio, determinam o preço dos lotes de terrenos de maneira

especulativa. Disso decorre o preço de monopólio, que gera a renda, que consiste

no sobrelucro pelo qual o proprietário não contribuiu com adição de trabalho.

O preço de monopólio consiste, portanto, numa forma de apropriação e de

exploração do espaço e das demandas por moradia, e com isso se dá o

enriquecimento dos proprietários fundiários e a consequente segregação

socioespacial pois, segundo Marx (1983), a necessidade de moradia, a avidez pelo

consumo do espaço urbano e a capacidade de pagamento restringem o acesso das

massas aos espaços de monopólio no processo de urbanização desigual.

Corrêa (1995) chama atenção para processos diferentes de “urbanização” das

propriedades fundiárias e localizadas nas periferias – as áreas distantes dos centros

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e subcentros funcionais. Segundo o autor, a urbanização tanto no sentido da atração

populacional quanto no sentido de dotação de infraestrutura é diretamente ligada ao

processo de valorização e renda imobiliária e produz espaços periféricos conforme

as condições e estratégias dos agentes em relação à localização, a disponibilidade

de terras e a propriedade ou capacidade de obtê-la, entre outros aspectos que são

explorados economicamente no sentido de majorar o preço das terras e das

benfeitorias.

A estratégia do parcelamento da terra proporciona a acumulação de riqueza e

a continuidade da reprodução do capital dos proprietários fundiários e afirmação da

burguesia (comerciantes, profissionais liberais etc.), que também se utiliza da

produção do espaço urbano como fonte de enriquecimento. Há com isso a obtenção

mais rápida de lucro quando os lotes de terras estão dentro das áreas do

planejamento urbano e dispõem, por este motivo, de infraestrutura privilegiada.

No entanto, o parcelamento ilegal da terra urbana encontra sua legitimidade a

partir de alianças veladas entre os proprietários, os ocupantes pobres e o governo,

que contraditoriamente permite a ocupação e cria mecanismos de “legalização”.

Assim, tanto os proprietários de terras como os órgãos de governo manipulam o

planejamento, de forma que as leis não impedem as ações dos agentes,

especialmente no que tange o livre jogo dos agentes privados.

A propriedade da terra e dos imóveis urbanos ganha um caráter ainda mais

perverso quando se determina que o direito à cidade e à moradia “[...] não pode

causar danos à propriedade e a iniciativa privada” (CAPEL, 1975, p. 28). Essa lógica

entra em contradição profunda com o direito social à moradia previsto na

Constituição Federal Brasileira no Capítulo II, artigo 6º., e ainda ratificado no

artigo 7º., Item IV, quando dispõe que o salário do cidadão trabalhador deve

garantir entre outros, o acesso à habitação em dignas condições. A lei Nº

10.257 de 10 de Julho de 2001, em seu artigo 2º item I, que dispõe sobre as

funções sociais da cidade, inclui o acesso a terra urbana e a moradia plena de

infraestrutura, que permita ao cidadão seu bem-estar e plenas possibilidades

quanto as atividades e serviços.

No entanto, a prática dos proprietários de terra busca se beneficiar das

determinações legais do planejamento urbano, por exemplo, na forma como

manipulam a produção de benfeitorias e a venda das terras dentro dos limites

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definidos pelos planos diretores. Dessa maneira, os agentes privados nutrem a

lógica de mercantilização da terra e da habitação, pois, dentre outras funções ou

prescrições, “os planos tornaram possível conhecer com antecipação os setores por

onde se ia realizar a expansão da cidade e permitiram iniciar o rentável e cômodo

negócio da especulação” (CAPEL, 1975, p. 29).

O planejamento urbano com o intuito de restabelecer à administração

municipal maior controle sobre o direcionamento e as condições da infraestrutura do

crescimento da cidade se depara com algumas armadilhas. Ao delimitar as áreas de

expansão física da cidade, a estratégia de planificação pode comprometer os

interesses privados numa espécie de “loteria” para os proprietários de terras, pois

aqueles que já possuem empreendimentos ou benfeitorias nas áreas consideradas

adequadas são “premiados”, com a maior lucratividade de seus negócios do ponto

de vista da valorização econômica dos imóveis com:

[...] o excepcionalmente lucrativo mercado de terras urbanas que associado à promoção imobiliária privada, consegue, por vias políticas, econômicas entre outras impor fronteiras que definem áreas residenciais segregadas na cidade ocupadas por distintas frações das classes sociais (BRITO, 2005, p. 52).

No entanto, esta situação provoca certa tensão com o Estado, especialmente

por parte daqueles cujas áreas de propriedade não foram premiadas pelos limites do

planejamento, ou mesmo as prioridades de instalação da infraesturtura

diagnosticadas pelos estudos de gestão realizados. Há ainda uma tensão na classe

dos proprietários de terras (de extensões diversas e localizações diversas) que

passam a explorar a localização, o monopólio de certas áreas, ou quando não

favorecidos pela localização, passam a empreender novas centralidades por meio

de benfeitorias e implantação de equipamentos privados como shoppings,

faculdades, escolas, centros empresariais etc.

A participação dos agentes privados no planejamento urbano se dá

estrategicamente, de modo que se assegure e legitime seus interesses. Feito isso,

se pode controlar a reserva de terra urbana, pois, conforme Capel (1975) o

planejamento dá a conhecer as áreas que podem ser mais intensamente exploradas

sem que haja maiores intervenções ou controle. Essa lógica da apropriação conta

com o respectivo déficit habitacional real, cuja demanda é mantida e explorada a

partir da garantia do monopólio da propriedade, e isso dá ensejo à maior margem de

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lucro sobre o valor de troca dos imóveis.

A renda imobiliária também é extraída nas áreas de localização menos

privilegiada em relação às atividades urbanas através dos “parcelamentos ilegais”

destinados aos grupos sociais de menor renda, cujas habitações são erguidas por

meio da autoconstrução.

Nessas localidades a disponibilização da infraestrutura mínima, os

equipamentos urbanos e os serviços não representa uma preocupação para os

agentes privados e se estabelecem posteriormente a ocupação, por meio de

pressão popular junto ao governo local.

Entre as áreas de parcelamento legal e ilegal há formas diferenciadas de

obtenção de renda da terra urbana que também são diferenciadas. Capel (1975)

afirma que o espaço urbano se configura da maneira mais vantajosa para os

proprietários. Assim esses exploram a terra com estratégias que possibilitem uma

maior rentabilidade no caso dos loteamentos para as populações pobres, e

valorização econômica individual das propriedades nas áreas “estratégicas” e, no

caso daquelas com menores extensões eles tratarão de assegurar a maior

edificabilidade.

Assim, retomando a discussão da economia política da cidade, Lefebvre

(2008, p. 57) afirma que “[...] nesse plano, percebe-se que a burguesia, classe

dominante, dispõe de um duplo poder sobre o espaço, com exceção do direito das

coletividades e do Estado”. A propriedade da terra torna-se um poder, pois com isso

pode-se controlar as direções, o perfil e o valor econômico dos imóveis.

A classe burguesa é também a consumidora dos espaços considerados

nobres e, como consumidora e proprietária das áreas urbanas mais valorizadas, vai

encontrar mecanismos de assegurar suas demandas no espaço. Nesse sentido,

Capel (1975) corrobora a idéia de Lefebvre (2008) quando alerta que as

administrações municipais refletem os interesses dos agentes privados

especialmente aqueles que detém boa parte de estoques de terrenos.

O papel do poder público nesse ínterim se dá por ação ou mesmo por

omissão quando, por exemplo, se permite a prática de preços em elevação contínua,

ou mesmo a disparidade de infraestutura em áreas vizinhas da cidade, por diferença

de classe social.

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2.1.2 As empresas construtoras e a cidade como empreendimento

As empresas construtoras agem tanto na prestação de serviços aos

proprietários de terras, como empreendem a incorporação, compra e venda de

terras para edificação, assim como a própria edificação para fins residenciais e não

residenciais. Segundo Corrêa (1995), na categoria dos promotores imobiliários se

podem enquadrar as construtoras, segundo suas operações:

a) Incorporação, que é a operação-chave da promoção imobiliária; o incorporador realiza a gestão do capital-dinheiro na fase de sua transformação em mercadoria, em imóvel; a localização, o tamanho das unidades e a qualidade do prédio as ser construídos são definidos na incorporação, assim como as decisões de quem via construí-lo, a propaganda e a venda das unidades; b) Financiamento, ou seja, a partir da formação de recursos monetários provenientes de pessoas físicas e jurídicas, verifica-se, de acordo com o incorporador, o investimento visando a compra do terreno e à construção do imóvel; c) Estudo técnico, realizado por economistas e arquitetos, visando verificar a viabilidade técnica da obra dentro de parâmetros definidos anteriormente pelo incorporador e à luz do código de obras; d) Construção ou produção física do imóvel, que se verifica pela atuação de firmas especializadas nas mais diversas etapas do processo produtivo; a força de trabalho está vinculada às firmas construtoras; e) Comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro, agora acrescido de lucros; os corretores, os planejadores de vendas e os profissionais de propaganda são os responsáveis por esta operação (CORRÊA, 2005, p. 19 e 20).

A amplitude do campo de ação desses agentes expõe também a vasta

possibilidade de lucro com a produção das edificações e consequentemente a

extração da renda da terra urbana. Essas empresas, na atualidade operam

especialmente na construção civil e exploram a maior edificabilidade dos terrenos

como forma de obtenção maximizada da renda.

Capel (1975) afirma que no caso das edificações voltadas para a habitação,

essas são construídas segundo a forma e o padrão construtivo adequado ao

mercado. As edificações são projetadas com vistas a um público específico, isto

porque o déficit habitacional, segundo o autor, tem um caráter permanente,

especialmente em cidades com grande potencial de crescimento nas quais haja forte

demanda por moradia, como é caso da cidade de Vitória da Conquista-BA.

Todavia, o atendimento ao déficit habitacional não corresponde aos

interesses das construtoras. Ao contrário, essas empresas promovem explicitamente

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ou de forma velada a escassez da habitação. No sentido de criar vantagens

econômicas teórica falta de ações, ou mesmo a execução delas promovem a

clássica idéia de raridade dos bens econômicos, e consequentemente o

estabelecimento de um caminho de valorização. Com a produção imobiliária “[...] o

promotor ainda assim pode manter os preços elevados, pois a redução dos custos

de produção da moradia não representa necessariamente um fator de economia

para o comprador, considerando também o déficit habitacional permanente”

(CAPEL, 1975, p. 47).

O custo dos imóveis, a capacidade de compra dos consumidores e as formas

de pagamento são utilizadas não apenas como acesso ao imóvel, mas

adicionalmente como forma de comprometer uma certa quantidade de força de

trabalho nas cidades impulsionando a dinâmica do mercado capitalista.

As construtoras oportunamente se interessam pela escassez de habitações,

pois é daí que resulta o maior lucro, ao adensar o espaço intraurbano e, com isso,

legitimam a concentração populacional na cidade. Desta maneira, a indústria da

construção civil consolida na cidade uma exploração ainda maior das terras: elas

controlam a propriedade por meio da incorporação imobiliária de modo que

monopolizam grandes áreas. A principal implicação disso é a criação das raridades

espaciais, e como resultado consolidam o mercado de habitação com base na

manipulação da disponibilidade de imóveis, seja na forma de lotes ou a própria casa

pronta para habitação.

Atualmente, as empresas construtoras são de grande relevância para a

produção do espaço, pela capacidade de dinamizar a cidade em diversos aspectos.

Em primeiro lugar, a indústria da construção civil altera significativamente a

paisagem com a ação de promoção imobiliária, o que dá ensejo ao fazer e refazer

constante da cidade, o que implica a valorização desigual do espaço urbano.

A verticalização das habitações e das edificações não residenciais, uma

marca cada vez comum nas metrópoles, está presente também nas cidades médias

promovendo o adensamento das centralidades funcionais, a valorização dos terreno

e das benfeitorias num espaço tornado cada vez mais “raro” pela controle da

propriedade privada sobre os estoques de terrenos e pela distribuição desigual das

benfeitorias urbanas. As inovações empreendidas pelos promotores imobiliários

reforçam a criação de novas centralidades funcionais urbanas, ao tempo em

também promovem a valorização seletiva de áreas específicas da cidade.

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No Brasil, um aspecto contemporâneo que reforça a importância das

empresas construtoras é o apoio dos governos na direção do suprimento do déficit

habitacional. Os subsídios oferecidos para aquisição da casa própria têm sustentado

um volume grande de empreendimentos imobiliários nos últimos anos. Na cidade de

Vitória da Conquista a expansão recente do mercado imobiliário fortaleceu empresas

locais do setor da construção civil, o que resultou por atrair empresas de outras

localidades do país para a realização de empreendimentos para o mercado

imobiliário local. Tem-se com isto uma nova morfologia e a agregação de novas

forças ao conjunto de agentes produtores da cidade.

É importante ainda considerar a dinâmica demográfica que também é afetada

por estas empresas. Um considerável volume de postos de trabalho é gerado pela

construção civil. À medida que o acesso ao crédito para habitação é facilitado, é

necessário que haja no mercado a oferta da mercadoria – a moradia –, e assim se

tem uma fonte que movimenta capital, altera a paisagem, reconfigura o espaço

geográfico e gera ocupação da força de trabalho.

2.1.3 As ações do Estado e a cidade como contradição

No decurso do capitalismo, o Estado institucionaliza um conjunto de

interesses dos agentes sociais, no entanto os atrelamentos políticos dos governos o

conduzem ao privilegio das classe burguesas em detrimento das maiorias. Lefebvre

(2008) afirma que as classes sociais encontram coerência sob o Estado. Entretanto

essa coerência se dá no âmbito da representação institucional e não se efetiva no

contexto jurídico-político, já que o Estado deve congregar estruturas de poder e

normativas para o espaço geográfico e para a sociedade, porém, na prática com

privilégio de determinados grupos.

Para Marx (2001), trata-se da representação da soberania política privilegiada

da classe burguesa. A burguesia é revolucionária do ponto de vista da reprodução

capitalista, e manipula de forma conveniente as relações sociais e com o próprio

Estado. Segundo Marx (2001), a burguesia,

[...] submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população.

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Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A conseqüência necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias independentes, apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária [...] (MARX, 2001, p. 4).

O autor delineia sucintamente a maneira com a qual as classes sociais

privilegiadas economicamente encontram sua coerência no Estado. Não se trata de

uma unidade de governo, com base numa autonomia do Estado enquanto aparato

de gestão do espaço e da organização social, mas sim da manipulação e

apropriação dos recursos e instrumentos estatais por parte das elites.

Nessa instituição estão reunidas as estruturas para que historicamente os

governos realizem os interesses das classes dominantes por via da representação

política, o que reforça o caráter revolucionário das elites por meio dos aparelhos e

instrumentos de reprodução estatais: a legislação pertinente, o planejamento, a

propriedade e a partir deles a organização dos objetos e suas funções no espaço.

Nesse sentido, Capel (1975) afirma que o Estado participa da produção do

espaço urbano enquanto agente e árbitro. Cabe a ele a sustentação e o

estabelecimento da regulamentação que orienta os demais agentes nas suas formas

de apropriação do espaço. A iniciativa na elaboração dos planos diretores, as leis de

ocupação e uso da terra e a cobrança de impostos manifestam o caráter regulador

institucionalizado em face da vida de relações nas cidades.

Como regulador da viabilidade da produção da cidade, desempenha o papel

de “árbitro” (CAPEL, 1975) no sentido de que dele dependem: a legitimidade dos

títulos de propriedade e de posse dos imóveis; a aplicação de impostos e taxas, e as

licenças para edificação, a regularização fundiária etc. É nesse campo que surgem

as tensões com os grupos sociais menos favorecidos, bem como as alianças com a

iniciativa privada que compõem a economia política da cidade (LEFEBVRE, 2008).

Na função de agente empreendedor, o Estado tem um papel subsidiário, por

exemplo, na construção de moradias com vistas a solucionar o déficit habitacional já

mencionado. Outro exemplo é quando por meio de ações de governo realiza

intervenções com a criação de infraestrutura no espaço da cidade: as obras de

requalificação, distribuição de equipamentos coletivos, abertura de ruas, obras de

“urbanização” etc., que promovem o mercado imobiliário e seu potencial de

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rentabilidade nas proximidades das benfeitorias.

Ao mesmo tempo em que é provedor, ao realizar os assentamentos

populares, os governos asseguram a oferta de força de trabalho para o mercado, o

que por outro lado estabelece uma tranquilidade quanto às ocupações irregulares e

mantém a “ordem” e a “paz social” (CAPEL, 1975). A ação do estatal se dá enfim,

por meio de interferências diretas como a construção de moradias e através da

legislação, que contorna a ação dos demais agentes que passam a interagir em

função de seus interesses no processo de reprodução do espaço urbano. Essas

ações de cunho direto e indireto podem também se interpenetrar a depender da

forma como os agentes se apropriam das ações do Estado singulares às

representações políticas de governo.

O planejamento por exemplo, permite identificar as áreas com maior

tendência à valorização, para fins de regulamentação por parte das esferas estatais.

No entanto, a forma como os agentes privados disso se apropriam altera

significativamente o direcionamento das ações relativas à propriedade da terra e a

promoção imobiliária. Desta forma, uma iniciativa de gestão como o planejamento

urbano (a elaboração dos Planos Diretores) é apropriada para a geração da renda

da terra e para a consolidação do mercado imobiliário.

O Estado se divide entre a condição de poder público e o estabelecimento de

uma dinâmica econômica que conta com a presença dos agentes imobiliários, por

vezes promove os empreendimentos e até mesmo injeta capital indiretamente nesse

mercado, na forma de programas de financiamento para moradia.

A imprecisão aparente do papel do Estado, manifestada nas ações de

governo, o articula de um lado com as elites já mencionadas, e de outro lado há a

necessidade da representação popular, e ainda persistem os limites políticos no que

tange ao tempo de governo (mandatos administrativos) e interesses político-

partidários. Porém, um fato que perpassa por todas essas ações entrecruzadas é

que se trata de uma sociedade sob o paradigma capitalista e que a formação do

mercado imobiliário vem reforçar os interesses “coerentes” com esse sistema.

Conforme Capel (1975), as políticas de financiamento habitacional

evidenciam que “[...] o interesse do capital por esta forma de aquisição de moradia

não é apenas econômico, visto que parte de uma estratégia de longo alcance para a

reprodução da relações sociais” (CAPEL, 1975, p. 49). Para o autor, tais políticas

ocasionam um grau elevado de endividamento para a classe operária a fim de

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garantir a “paz social”, asseguram a fixação da força de trabalho e ainda de um

mercado consumidor, pois as aquisições materiais desses grupos estão baseadas

no crédito, no compromisso em permanecer empregado e produtivo. Há com isso

uma difusão da propriedade de bens, e do consumo com base na relação

conformação/ aceitação de uma “paz social”.

As esferas estatais representam localmente os agentes sociais, as Prefeituras

e Câmaras Municipais, enquanto poderes máximos na gestão do espaço da cidade,

encontram licitude para suas ações por intermédio do direito, entre as quais se pode

mencionar os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano. Segundo Corrêa

(1995), com base nessa legitimidade, o Estado reúne um conjunto de instrumentos

por meio dos quais normatiza e age no espaço:

O direito de desapropriação e a precedência na compra de terras, regulamentação do uso do solo; controle e limitação dos preços das terras; a limitação da superfície da terra que cada um pode se apropriar; os impostos fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do imóvel, uso da terra e localização; taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço urbano; mobilização de reservas fundiárias públicas afetando o preço da terra e orientando espacialmente a ocupação do espaço; investimento público na produção do espaço, através de obras de drenagem, desmontes, aterros, e implantação de infraestrutura; organização de mecanismos de crédito para habitação; e pesquisas, operações-teste sobre materiais e procedimentos de construção, bem como o controle de produção e do mercado deste material (CORRÊA, 2005, p. 25).

De acordo com as atividades, funções e possibilidades apresentadas pelo

autor, nota-se que o governo não age apenas como gestor, mas a função de

agentes produtor que administra as distintas partes da cidade acordo com a

“viabilidade econômica e eleitoral” contabilizada pelo grupo político em exercício,

esse princípio é um traço marcante nas administrações municipais brasileiras.

As observações de Corrêa (1995) sobre as ações do Estado corroboram a

constatação de Capel (1975) quando afirma que se trata de um agente e árbitro no

processo de reprodução do espaço urbano. Corrêa (1995) aponta para também a

função de compatibilizar os interesses dos agentess, não no sentido de conceder-

lhes direitos iguais, mas no sentido de concessão de alguns direitos, de regularizar

as formas de ação. Segundo o autor, isto pode se dar através da ação coordenadora

e repressora.

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Tais intervenções no espaço urbano, segundo Lojkine (1997), se dão

conforme alguns princípios como a ordem, o planejamento e a normatização

econômica das formas de apropriação. Lojkine (1997) afirma que o papel do Estado

em face à questão urbana é de agente, mesmo que as formas de regulação sejam

sutis ou indiretas. De fato é com seus instrumentos legais que se estabelece a

ordem social das atividades na cidade.

Para o autor, existem “[...] três pontos de crise: o financiamento dos

equipamentos urbanos desvalorizados, a coordenação dos diferentes agentes da

urbanização, e a contradição do valor de uso coletivo do solo e sua fragmentação

pela renda fundiária” (LOJKINE, 1997, p. 191). De fato, o contexto capitalista atual

propicia a aceleração da produção espacial e o acirramento da concorrência a níveis

extremos para os quais a ação do Estado enquanto regulador pode impedir o caos,

e auxiliar os agentes individuais. O planejamento, por exemplo, pode impedir a

exploração desordenada da terra e limitar a expansão da malha urbana a fim de que

também a ação do próprio Estado nas novas áreas seja possibilitada.

O Estado é imprescindível para análise geográfica do espaço, já que nele se

encontra a base legal para organização da cidade, e a partir de suas ações se pode

perceber o atendimento das demandas das distintas classes sociais que se

evidenciam na paisagem urbana. No entanto, por se tratar do Estado capitalista, o

atendimento aos interesses de cada agente depende da lucratividade e viabilidade

econômica de seus respectivos interesses, além da capacidade de influenciar na

decisão de cada grupo de interesse na esfera estatal.

Ao referir-se às relações com os demais agentess do urbanismo Lefebvre

(2008, p. 26) afirma que “[...] sua ação é marcada pelos conflitos de interesses dos

diversos membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles”. O

Estado entra na lógica do “empreendedorismo urbano” conforme Harvey (2005),

promovendo a valorização desigual e coordenada das áreas da cidade: reforça a

hierarquia das distintas localidades intraurbanas e possibilita ainda mais a

exploração do espaço urbano como mercadoria intimamente ligada a ação dos

agentes imobiliários.

O Estado contribui para que o espaço “entre no circuito de troca” (CARLOS,

2005. p. 55). Ao caracterizar os principais produtores do espaço urbano é possível

notar a complexidade da ação de cada um deles, devido ao fato de que cada agente

pode adotar posturas diferenciadas conforme seu interesse, ou em face das tensões

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com os demais. Isso decorre da forma como as distintas parcelas do espaço são

inseridas na dinâmica do mercado imobiliário e como a própria cidade se insere na

divisão do trabalho e na posição que ocupa no segmento imediato da rede urbana.

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3. A VALORIZAÇÃO DESIGUAL DO ESPAÇO URBANO

Definir o termo cidade é uma tarefa difícil e desafiadora não apenas pela

complexidade dos fenômenos que a envolvem, mas também pela amplitude das

condições de interrelações entre eles que acabam por gerar processos sociais

diversos e suas respectivas formas. A cidade se compõe de elementos que se

complementam e se negam, numa coexistência efervescente. Daí a necessidade de

se entender a urbanização como processo que une indissociavelmente tempo,

espaço e a sociedade em correlação dinâmica.

Com esse entendimento sobre a cidade acreditamos que ela constitui um nó,

tendo por base uma lógica de desenvolvimento geograficamente desigual submetida

ao capitalismo, determinada principalmente pela dimensão econômica da existência

da sociedade humana, mas não apenas por isso, pois as dimensões política e

cultural também têm papel fundamental e potencializam em muito os processos

socioespaciais com a interrelação entre pelo menos essas três dimensões do

espaço geográfico.

De maneira seletiva, com base na interação das ações empreendidas por

cada agente produtor do espaço urbano específico, os espaços internos da cidade

são dotados de objetos normatizados (M. M. SANTOS, 1996) essenciais ao

movimento de trocas, principalmente econômicas, porque sua instalação foi

motivada como intenção primeira para o processo de reprodução do capital6.

A lógica da troca de mercadorias incorporada à cidade capitalista expõe

também o espaço à condição de produto comercializável e implica processos sociais

e formas espaciais complexas materializadas tanto na infraesturtura urbanística,

como na valorização seletiva de distintas parcelas do espaço urbano, expressa nos

preços dos imóveis.

Conforme Marx (2001), a formação do valor e o processo de valorização são

diferenciados. Enquanto o tempo, o trabalho, a matéria-prima estão envolvidos na

produção do valor das coisas, a valorização é relativa, e muitas vezes difere

significativamente da quantidade de trabalho utilizada ou da importância do valor de

uso das coisas. A valorização é a forma como o capital se apropria do produto e de

6Muito embora uma parte importante dos objetos instalados na cidade e das intenções e ações

movidas pelos agentes que os utilizam não estejam vinculados ao processo de geração de valor de troca, mas sim de uso a exemplo das instituições de caráter público: escolas, hospitais, abrigos para pessoas abandonadas etc.

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sua utilidade, daí seu caráter relacional.

Nesse sentido, o próprio espaço geográfico é tornado mercadoria, pela ação

dos agentes privados como uma importante manifestação dos interesses do capital

no espaço urbano. São os detentores da coisa – a terra e a moradia urbana – que

vão se apropriar das características locais em busca da valorização urbana: “Cada

uma dessas coisas é um todo de muitas propriedades e pode, portanto, ser útil, sob

diversos aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, portanto, os múltiplos

modos de usar as coisas é um ato histórico” (MARX, 2001 p. 154).

O valor de uso do espaço urbano consiste na necessidade de moradia,

circulação, trabalho, e lazer da sociedade. Uma vez que as bases operacionais de

produção capitalista se tornam cada vez mais urbanas, a população tem na cidade

não apenas o local de trabalho, mas de moradia e convívio social.

Conforme pondera Marx (2001, p. 156): “O valor de uso não é, de modo

algum, coisa que se ame por ela mesma. Produzem-se valores de uso somente

porque e na medida em que sejam substrato material, portadores de valor de troca”.

3.1 As cidades médias como formas de reprodução e valorização do espaço

O espaço urbano se desdobra em diversos tipos de cidades, com dimensões

e funções diferenciadas, das quais na Geografia se nota, por exemplo, a importância

das metrópoles e do processo de metropolização.

O momento atual nos coloca diante de uma realidade de descentralização

urbana, visto a ampla população e demanda social que uma metrópole ou região

metropolitana apresenta e as dificuldades no que tange ao atendimento ou controle

dessas demandas. Pode-se aferir que a metrópole tem uma importância central,

mas que o desenvolvimento de eixos de articulação secundários se torna cada vez

mais necessário e relevante na complexidade das relações interurbanas.

É nesse quadro que pode-se analisar as cidades médias, e/ou intermédiárias

cuja função principal é suprir as necessidades das cidades menores em suas

demandas de consumo, dada a dificuldade de articulação direta com capitais e

metrópoles. Mais que um espaço de articulação ou circulação, as cidades médias se

consolidam como centros cada vez mais concentrados de atividades políticas,

administrativas e econômicas, que têm sérias repercussões na valorização do

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espaço urbano.

Um elemento determinante no processo de valorização do espaço é a função

urbana. De acordo com Corrêa (2007), isso “diz respeito às atividades da sociedade,

redefinidas a cada momento, que permitem a existência e reprodução social”.

Uma cidade pode ter múltiplos papéis, que segundo Milton Santos (1985) se

desdobram e articulam com as formas, os processos sociais e as estruturas

materiais e imateriais. O potencial polarizador de uma cidade influi na economia e na

forma como as áreas intraurbanas são organizadas e até mesmo hierarquizadas.

No entanto, a função urbana não está ligada apenas a dinâmica e

organização interna, mas articula relações do intraurbano com o interurbano. Nas

cidades se desenvolvem atividades estabelecidas na relação e na interação que

estabelecem com as demais e, não figuram nesse cenário apenas as metrópoles,

mas a rede de interação espacial entre as pequenas, médias e grandes cidades em

articulação de escalas.

A tendência da descentralização das metrópoles consolida novos nós na rede

urbana e afirma o potencial de centralidade de cidades intermediárias. Segundo

Corrêa (2008), essas últimas devem ser definidas por uma combinação particular

entre tamanho demográfico, funções urbanas e organização do espaço intraurbano.

Entende-se com isto ao ultrapassar o limiar de 200.000 habitantes, a elevação

da importância populacional em relação à maioria das cidades brasileiras. Porém,

apenas o tamanho demográfico é insuficiente para uma classificação: um índice

numérico isolado não alcança as questões qualitativas, não define e nem aprofunda

a função urbana.

Conforme a caracterização de Corrêa (2006) para as cidades médias, uma

das principais características da organização desses espaços é a presença de

equipamentos e serviços que a diferenciam das demais localidades e que, portanto

estabelece uma influência urbano-regional, principalmente no que tange a economia

ao atender às demandas externas. O mesmo autor indica a necessidade de se

construir um referencial teórico acerca das cidades médias, já que essa é uma

necessária abordagem da questão urbana contemporânea.

Desde de 1967, os estudos sobre as cidades médias do Brasil (CASTELLO

BRANCO, 2007) já incluem Vitória da Conquista no mapeamento, como centro de

importância para o estado da Bahia e a Região Nordeste do Brasil. Trata-se de um

nó de articulação política e econômica que congrega demandas de uma série de

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localidades vizinhas mas que, no entanto, só ganhou infraestrutura pertinente num

período mais recente.

Castello Branco (2007) afirma que na publicação do ano de 1972, pertinente a

levantamento realizado em 1967 pelo IBGE, a cidade de Vitória da Conquista já

aparece como centro regional B, conforme o estabelecimento das Regiões

Funcionais. Já em 1987, a pesquisa do IBGE sobre as Regiões de Influência das

Cidades situa Vitória da Conquista como capital regional, o que demonstra a

permanência do destaque sobre os demais centros que integram a região como as

cidades de Itapetinga e Jequié, por exemplo.

Pode-se verificar que a importância de Vitória da Conquista com o passar dos

anos é evidenciada e a projeta como centralidade na rede urbana brasileira. Essa

condição se fundamenta em um conjunto de características produzidas que,

segundo Castello Branco (2007), expõe a cidade como articuladora privilegiada nos

eixos ou corredores de desenvolvimento, com repercussões notadas, sobretudo, no

crescimento populacional e na expansão urbana.

De acordo com Pontes (2007):

A cidade média seria um centro urbano com condições de atuar como suporte às atividades econômicas de sua hinterlândia, bem como atualmente ela pode manter relações com o mundo globalizado, constituindo com este uma nova rede geográfica superposta à que regularmente mantém com suas esferas de influencia (PONTES, 2007, p. 334).

A condição de cidade média é uma expressão local da nova configuração

global da rede urbana que demanda a renovação dos espaços e dos fluxos de

circulação. A cidade de Vitória da Conquista, portanto, não se alheou a dinâmica do

espaço geográfico atual, e apresenta atualmente em sua forma e função as

repercussões da constituição histórica e da forma como os agentes empreendem o

espaço urbano.

As cidades médias são definidas como parte de uma rede de alta

complexidade por características próprias, pelo tamanho da população residente,

disponibilidade, quantidade e qualidade dos equipamentos coletivos e serviços

urbanos, destinados a atender as demandas da população local e as que se

originam externamente (SPOSITO, 2007).

Essas cidades têm a capacidade de estabelecer ou alterar a geografia

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regional, pois são de importância estratégica para a urbanização capitalista na

atualidade, na qual a produção do espaço é norteada principalmente pela formação

de mercados consumidores, como esclarece Sposito (2007, p. 45): “Foi a formação

desse mercado que fortaleceu as relações entre as cidades brasileiras,

possibilitando que se vislumbrasse um sistema urbano, conformando, de fato, uma

rede urbana”.

Castello Branco (2007) indica como características das cidades médias: oferta

de serviços mais ou menos especializados para a área de influência; constituem nós

articuladores de fluxos para outros núcleos da rede urbana onde se localizam sedes

de governo local e regional, com papel relevante na descentralização administrativa.

A consolidação de uma cidade média passa pela importância populacional,

econômica, cultural e político-administrativa, grau de urbanização, centralidade e

condições de vida para a população (CASTELLO BRANCO, 2007).

Essas são cidades cuja atração de população externa é efetiva e se justifica

pela importância de seu papel de supridora de demandas para uma numerosa

população externa em sua área de influência urbana imediata.

3.1.1 Os agentes e fatores de constituição das cidades médias

Existem especialmente três fatores que sustentam a condição de uma cidade

média, segundo Corrêa (2007): a ação de uma elite empreendedora, a localização

relativa e as interações espaciais. A presença de uma elite empreendedora é que

consolida o capital como produtor de espaço.

É a lógica da acumulação de capital que fragmenta o espaço urbano

atribuindo-lhe valor de troca simultaneamente ao valor de uso, e a condição de

mercadoria ou de oferta de mercadorias. Essa elite é a portadora de capital

fundiário, rural, mercantil, industrial ou de serviços, e representa uma classe

importante na consolidação da função urbana intermediária. São agentes com

elevado grau de influência na produção do espaço e no significado da forma, função

e estrutura urbana.

[...] por que é ela que estabelece uma relativa autonomia econômica e política numa cidade, criando interesses locais e regionais, competindo em alguns setores de atividades com as grandes cidades e centros metropolitanos (CORRÊA, 2007, p. 28).

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Além da influência política, as elites locais efetivam na cidade as

repercussões da mobilidade do capital, no caso de Vitória da Conquista, o capital

agrícola, que se desdobra em atividades comerciais e imobiliárias. A formação do

mercado imobiliário, além de alterar significativamente a paisagem, ocasiona o

embate com as classes populares por conta da exploração e apropriação de parte

do espaço urbano como propriedade privada e da lógica da especulação.

Isso configura uma tensa relação dos proprietários privados e agentes do

mercado imobiliário e das populações pobres com o Estado, cujas ações em

privilégio de classes e/ou em omissão das demandas de outras o coloca também

como agente produtor da cidade desigual.

Corrêa (2005, p. 24) afirma que “[...] a atuação espacial dos promotores

imobiliários se faz de modo desigual, criando e reforçando a segregação residencial

que caracteriza a cidade capitalista”. E mesmo com a segregação social manifesta

na organização residencial, a iniciativa privada encontra e recria condições de

exploração, até mesmo direcionadas as classes mais pobres da sociedade.

As elites empreendedoras são responsáveis pelo fortalecimento de novas

centralidades intraurbanas por meio de ações diretas ou indiretas em distintas partes

da cidade, o que fomenta a ação dos promotores imobiliários.

Quando um proprietário decide lotear uma gleba de terra, ele busca por vários

meios adicionar valor àquela área atraindo para as proximidades a extensão da

infraestrutra pública coletiva mais geral da cidade (vias de circulação e transporte

coletivo, saneamento etc. e outros empreendimentos privados ou públicos

ativadores de interesses de um público previsto no projeto de loteamento). Observa-

se o descumprimento dessas determinações, que muitas vezes só são providas

após a venda de todos ou da maioria dos lotes, e no caso das construtoras, quando

se vende a maioria dos apartamentos ou casas.

No entanto, como a valorização ou desvalorização do espaço constitui um

processo seletivo de adição de valor ao imobiliário da cidade a natureza do processo

de valorização, por exemplo, não se limita à capacidade individual dos agentes

privados do mercado imobiliário. O Estado/governo também se compromete com

isso para a manutenção da dinâmica de reprodução do espaço urbano e por vezes

atender as demandas sociais.

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A desvalorização, por outro lado, pode ocorrer por vários motivos: pela

estagnação ou decadência da infraestrutura urbana local, pela proximidade de áreas

residenciais populares, de fontes de poluição ambiental e também de equipamentos

urbanos que atribuam sentido social negativo na referência dos grupos sociais de

status médio e elevado, a exemplo de presídios, lixões etc..

Diante da compreensão da cidade como produto de um processo social

reprodutivo é que se pode afirmar que na dinâmica de valorização, o papel das elites

urbanas, segundo Marx (2001) é o de burguesias revolucionárias.

Esses agentes não são apenas uma classe social assentada nas cidades,

mas produzem espaço e orientam o direcionamento do crescimento e da

organização socioeconômica em função da reprodução do capital. Com isso, as

elites empreendedoras garantem às cidades médias uma concentração de

atividades e estruturas muito oportuna no processo de valorização imobiliária.

Retomando os critérios de Corrêa (2007) para a definição de uma cidade

média, a saber: a localização relativa, a presença das elites empreendedoras, e as

interações espaciais. A localização reforça a condição de centralidade na rede

urbana imediata.

Segundo Corrêa (2007), o acesso viário potencializado pela vizinhança não

se realiza apenas pelo fator proximidade, mas por um emaranhado de relações de

oferta e disponibilidade de recursos e serviços que constituem um nó para o qual

convergem os fluxos de trocas que envolvem capitais, pessoas e mercadorias etc..

Para o autor, a localização identifica a importância de uma cidade média no

conjunto da rede, porém, não se restringe a apenas uma localização

geograficamente privilegiada, ou de um ponto exato no mapa que estabeleça

conexão entre os locais vizinhos. Conforme Corrêa:

É esta localização uma herança do passado, resultado de um modo mais atrasado de circulação, submetido à conformação do relevo e das vias fluviais, ou é parte dos empreendimentos realizados por um grupo social que simultaneamente tornava-se elite ou reforçava esta posição? (CORRÊA, 2007, p. 30)

O questionamento do autor remonta à questão da reprodução do espaço e

demanda um aprofundamento com relação à maneira como os agentes sociais se

apropriam da localização. É essa posição, sua apropriação pelos agentes e o

conjunto de relações entre os lugares que garantem a circulação, produção e

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abastecimento das demandas regionais. Tal condição faz da proximidade com as

outras cidades uma localização estratégica.

A condição de centralidade influi diretamente na disponibilidade e na

composição dos recursos urbanos que caracterizam as cidades médias, e ainda

empreende novas formas de apropriação e produção do espaço que desencadeiam

no espaço intarurbano a especulação imobiliária, a formação de espaços

residenciais fechados, a implantação de equipamentos urbanos etc..

Outra condição apontada para se classificar uma cidade média é a existência

de relações e interações espaciais. Segundo Corrêa (2008), estas relações são mais

intensas, complexas, multiescalares e multidirecionais entre a cidade média e as

demais, que entre os outros núcleos urbanos menores.

O autor assevera que as relações se dão de e para a cidade média em escala

regional e extra-regional, nacional ou internacional. Essas interações estabelecem a

dialética entre a organização e distribuição interna das demandas locais, e o

necessário entendimento do espaço como totalidade.

Sposito (2008) chama a atenção para a necessidade de se pensar de maneira

articulada escalas geográficas: o espaço intraurbano e o espaço interurbano, pois a

lógica do mercado na oferta de mercadorias e dos serviços insere as cidades nos

fluxos com outras escalas espaciais.

As interações espaciais, também destacadas por Corrêa (2008), podem ser

caracterizadas por processos elencados por Sposito (2008, p. 41 - 47):

a) A “concentração e centralização econômicas”: se articula com a ação dos grupos ou

elites empreendedoras, no histórico de acumulação de capital em cada lugar. É a

partir desse subsidio que se implantam os equipamentos que potencializam o papel

intermediário das cidades e se efetiva a atração populacional.

b) Os “sistemas de transporte e telecomunicações”: elementos que consolidam e

realizam os fluxos de pessoas, mercadorias e capitais nas cidades. A formação de

uma rede integradora de lugares assegura o poder de centralidade regional.

c) “Atividades econômicas ligadas ao comércio de bens e serviços”: a concentração

destas atividades estabelece uma interação das cidades menores com as de maior

porte e centralidade cuja oferta de serviços pressupõe certo aprimoramento técnico,

e de mão de obra especializada. O comércio representa uma parcela importante da

elite empreendedora, e é responsável por grande parte da circulação de dinheiro.

d) A “modernização do setor agropecuário”: esse processo abarca uma parcela

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também importante das elites empreendedoras e tem referência nas cidades. O

processo de modernização do campo aumentou a produtividade agrícola e a

transformou em agroindústria. Isso assinala fortemente a relação com a cidade seja

pela manutenção do aparato técnico, seja pela redução do campo a meio de

produção, passando os proprietários a uma vida efetivamente urbana.

Esses processos dinamizam a interação espacial entre as cidades médias e

as demais cidades e áreas agrícolas, e servem como fatores definidores da

valorização do espaço urbano. As cidades médias que não estão inseridas no

contexto das regiões metropolitanas encontram nesta condição a base para o

desenvolvimento de processos internos, fortemente articulados com o interurbano,

que não deixam, porém, de redefinir a organização do espaço nas escalas

envolvidas.

Conforme Sposito (2008):

É assim que as cidades constituem, cada vez mais, uma ponte entre o global e o local, em vista das crescentes necessidades de intermediação e da demanda também crescente de relações. Os sistemas de cidades constituem uma espécie de geometria variável, levando em conta a maneira como diferentes aglomerações participam do jogo entre o local e o global. As cidades médias têm como papel o suprimento imediato e próximo da informação requerida pelas atividades agrícolas e desse modo se constituem em intérpretes da técnica e do mundo. Em muitos casos, a atividade urbana acaba sendo claramente especializada, graças às suas relações próximas e necessárias com a produção regional (SPOSITO, 2008, p. 281).

Mesmo sob o discurso totalizante da globalização, pelo fato de a cidade fazer

parte dos interesses das demandas de vários agentes sociais que se interessam

pela cidade o seu conteúdo é produto do acúmulo histórico de realidades criadas e

recriadas, e das contradições entre os interesses dos agentes. E assim o espaço

urbano se afirma diante das formas diferenciadas de concepção de mundo,

baseadas principalmente na produção e na reprodução do capital.

3.1.2 Possibilidades para a reprodução ampliada do capital com a valorização

imobiliária

Para a análise de uma sociedade sob o modo capitalismo é necessário

decodificar aquilo que Marx (2001) chama de fórmula trinitária: capital, trabalho e

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terra. A forma como capital manipula o trabalho e a terra desencadeia no caso da

cidade o processo de valorização, que retroalimenta a reprodução ampliada do

capital.

Tanto pra a crítica ao capital, quanto para a análise do espaço (urbano) esses

elementos são decisivos. O capital é reproduzido com base no lucro e em juros; a

terra só tem valor quando dela se extrai a renda, a renda da terra; e o trabalho cujo

valor capitalista é manifesto na forma de mais valia.

No caso das cidades e da produção do espaço, o capital investido na compra

de terrenos, sejam eles para loteamento, para habitação, deve ser convertido em

lucro com base do processo de valorização. Portanto, o investimento no produto

imobiliário ou na produção imobiliária urbana está relativo à conjuntura

socioeconômica: envolve agentes, contextos e estruturas de sustentação.

Decorre dessa busca aquilo que MARX (apud HARVEY, 1980, p. 153-157)

chama de renda da terra e enumera três espécies de renda:

1- A renda de monopólio: determinado pela condição de propriedade privada de algo

único em relação ao mercado: “Determinada pela avidez do comprador em comprar

e capacidade de pagar, independentemente do preço determinado pelo preço geral

de produção, tanto pelo valor do produto”.

2- A renda diferencial: que consiste na exploração da renda derivada apropriação e

transformação, bem como a quantidade de investimento e a localização que agrega

valor ao produto final: “(...) diferença entre preço da produção individual de um

capital particular e o preço de produção geral do capital total investido na esfera

concernente de produção”.

3- A renda absoluta: no caso da cidade, corresponde ao espaço, as “condições

técnicas e sociais”, um retorno à propriedade da terra, ao valor racional e não

relativo ao entorno.

A cidade entra no contexto da reprodução do capital, como base material para

a extração da renda. Conforme Damiani (1999), através da propriedade da terra

urbana se viabilizam os superlucros e a reprodução ampliada do capital. A obtenção

da renda da terra e a formação do mercado imobiliário são efetivamente parte e

estratégia importante do capitalismo.

Segundo Gottdiener (1997, p. 124), “[...] no capitalismo a propriedade da terra

constitui um meio de adquirir riqueza [...]” e dessa forma a terra urbana é um recurso

para exploração tanto quanto as terras rurais, daí o sentido e aplicabilidade da teoria

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da renda da terra. Para o autor, o conflito de classes se apresenta na base da

fórmula trinitária apresentada por Marx, pois entende-se que capital, terra e trabalho

não estão aleatoriamente distribuídos no espaço, mas sim submetidos a uma lógica

de dominação e exploração.

A reprodução do capital imobiliário implica uma maior e mais intensa

exploração da terra e da importância da moradia urbana no capitalismo. A

reprodução ampliada do capital imobiliário se dá com base nas desigualdades

intraurbanas, na formação de novas centralidades e no controle da oferta de

imóveis, a criação das raridades espaciais. Essas condições são apropriadas pelos

distintos agente produtores do espaço urbano segundo seus interesses específicos

a fim de obter maior lucro.

O Estado também se apropria das desigualdades intraurbanas e explora a

arrecadação com a formação de setores urbanos estabelecidos de acordo com o

perfil socioeconômico e as funções urbanas correspondentes. Conforme Gottdiener

(1997):

Como a posse da terra continua sendo um meio de acumular riqueza sob as relações capitalistas de produção, indivíduos de toda ordem social tem acesso a esse meio. Por conseguinte, proliferam por toda a sociedade interesses puramente econômicos, centrados em torno dos valores de troca de lotes de terra, e esses interesses podem ou não ser compatíveis com outros envolvidos no processo de acumulação (GOTTDIENER, 1997, p. 15).

Gottdiener (1997) ressalta a necessidade de se aprofundar a análise acerca

da apropriação capitalista da cidade, uma vez que não se trata apenas de um

simples parcelamento e sua posterior comercialização, mas se trata de uma

apropriação intensa do espaço - da localização, da terra, do uso, do acesso, da

moradia – ou seja, o capital dispõe do espaço, mas cria barreiras para o acesso à

ele com a propriedade privado.

O capital retém o espaço, o uso e mesmo a troca para lançar mão da

produção do espaço, criando a necessidade e ao mesmo tempo sua “raridade”.

Dessa maneira os agentes privados podem “agir como monopolistas sobre as

relações vigentes de produção e criarem carências que manipulam em seu proveito

as decisões sobre a localização” (GOTTDIENER, 1997. p. 177).

A ação conjugada e estratégica dos agentes sociais produz novas

centralidades. Além dos centros antigos e tradicionais, o momento tecnológico

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reforça a importância do setor comercial e de serviços, o que possibilita a

desconcentração das atividades urbanas que se desdobram em novas localizações.

A implantação de serviços e de infraestruturas, promove um novo processo

de valorização baseada não apenas no uso da moradia, mas na localização

privilegiada, na acessibilidade aos diversos núcleos de importância, na

disponibilidade de equipamentos urbanos e na própria continuidade do processo de

valorização. Essa estratégia dá sustentação ao monopólio e permite aos agentes

produtores do espaço urbano a extração da renda da terra.

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4 AS INTERAÇÕES ESPACIAIS INTERURBANAS E A VALORIZAÇÃO DO

ESPAÇO INTRAURBANO DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Com base no entendimento que as distintas partes do espaço geográfico e a

dinâmica socioespacial subjacente não existem de maneira isolada, mas sim

articulada de diversas maneiras a outras partes do mundo, próximas ou distantes

simultaneamente, é que buscamos compreender a organização do espaço na cidade

de Vitória da Conquista de co base nas interações espaciais com sua hinterlândia.

De acordo com Villaça (2001), a consolidação de uma centralidade urbana e

de sua região se sustenta na realização da dinâmica regional por meio da formação

de uma rede geográfica cujos fluxos articulam não só as cidades, mas também o

campo. A região corresponde a uma conformação espacial da dinâmica social,

política, econômica etc. mobilizada pelos agentes responsáveis pelos fluxos

econômicos e não econômicos que implicam a dinâmica do processo desigual de

produção do espaço regional e em particular da cidade sede da região.

Segundo Léda (2010), a formação de regiões pode tornar-se uma estratégia

de controle social e espacial, de modo que a concretização dos interesses de

classes privilegiadas e as ações do governo são facilitadas pela formação de

conjuntos regionais. Para o referido autor a regionalização, no âmbito de uma ação

estatal para sua constituição, é vinculada à “[...] influência ou participação direta do

Estado [...] de uma classe, coalizão ou grupo social que busca a transformação de

seu interesse próprio em interesse público ou geral” (LÉDA, 2010, p. 22).

Pode-se observar efetivamente que a posição em que se encontra a cidade

de Vitória da Conquista e sua região de influência estão na verdade a Sudoeste da

capital do estado da Bahia, o que evidencia um raciocínio estratégico na

denominação da região e uma apropriação igualmente oportuna dessa definição.

Quando se trata da regionalização econômica, os modelos de organização

espacial mais recentes consideram, sobretudo, a dinâmica urbana já que nas

cidades se concentra a maior parte da população e as atividades, assim se justifica

a região a Sudoeste da Bahia, na verdade a sudoeste da cidade de Salvador. Tal

situação foi reforçada pela instalação da infraestrutura de rodovias, com base nas

quais:

Cidades como Vitória da Conquista, Jequié, Feira, Ilhéus – Itabuna e até Senhor do Bonfim e Juazeiro, passaram a comerciar diretamente

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e de maneira mais intensa com as metrópoles nacionais, sem a intermediação de Salvador o que reduziu a importância desta última como entreposto comercial [...] as zonas de influência comercial não foram, por sua vez, substancialmente alteradas. Assiste-se por um lado o grande crescimento de cidades centros de transporte rodoviário [...] (BAHIA, 1973 apud SOUZA, 2008, p. 71).

A existência das vias de mobilidade interurbana na região, a exemplo das

rodovias, e o aparelhamento para a prestação de serviços para atendimento da

demanda regional promovem as condições de atração da população sob sua

influência ao tempo em que potencializavam o crescimento da cidade de Vitória da

Conquista e afirmavam a importância como centralidade na dinâmica dos fluxos

interurbanos com as cidades da região Sudoeste, da Serra Geral, de parte da

Chapada Diamantina meridional, do Litoral Sul e de parte do Norte do estado de

Minas Gerais.

A implantação das rodovias que cruzam a cidade de Vitória da Conquista

implicou diretamente a ampliação da oferta de circulação de pessoas e mercadorias

nas áreas mais próximas, resultando na intensificação dos fluxos humanos e

comerciais a partir da implantação da rodovia BR 116, em 1963, permitindo maior e

mais rápida articulação da região com diversas localidades.

A cidade de Vitória da Conquista, como centro regional, passa a ter uma

importância polarizadora para seu entorno, que não se vincula diretamente à

metrópole baiana por meio de rodovias. Essa função de liderança regional exercida

resulta muito mais do processo pelo qual a elite regional instalada na cidade se

apropriou e exerce a influência política e econômica na região, o que definiu a

atração de novos e complexos investimentos governamentais (federais e estaduais)

ao longo do tempo, confirmando desta maneira a condição de centro de região.

A rodovia BR 116 possibilitou um substancial avanço na interação da rede

urbana que passou a ter articulações interestaduais, como os fluxos para o Norte de

Minas Gerais, e a ligação com Salvador, Belo Horizonte e Aracaju, por exemplo. O

mapa 2 (p. 65) apresenta a Rodovia BR 116 e as demais rodovias que traspassam o

município de Vitória da Conquista, a BA 262 (Vitória da Conquista –Brumado), a BA

415 (Vitória da Conquista – Ilhéus) e a BA 265 (Vitória da Conquista – Barra do

Choça).

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Mapa 2- Vitória da Conquista - Malha rodoviária urbana

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A implantação das rodovias promoveu a articulação interurbana, reforçando o

papel da cidade central para a região, e a respectiva formação da região

influenciada pelos fluxos rodoviários.

Segundo E. Souza (2008), a partir da década de 1970, houve por parte do

Governo do estado da Bahia uma mobilização de pesquisadores na elaboração de

uma melhor organização regional da Bahia, que anteriormente se baseava na

formação de zonas de integração intermunicipal como referência para execução de

políticas de combate às secas, com vistas à melhoria na participação da Bahia no

cenário econômico nacional.

No entanto, o que se observou na leitura do texto desse autor é que os

organismos institucionais para elaboração das políticas de governo não conseguiram

continuidade das propostas. E. Souza (2008) afirma que uma organização regional

da Bahia de cunho efetivamente geográfico começou a ser delineada na década de

1970 a partir dos estudos de Milton Santos datados de 1958:

Em abril de 1973, durante o período do regime militar brasileiro e na primeira gestão de Antonio Carlos Magalhães como governador do Estado da Bahia é lançado o Projeto de Regionalização Administrativa para o Estado, fruto de um convênio entre a Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia (SEPLANTEC), Fundação de Planejamento (CPE) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) através do Instituto de Geociências. Este estudo foi determinado pelo decreto estadual nº. 22.847 de 14 de abril de 1972 (E. SOUZA, 2008, p. 73).

Conforme os estudos de E. Souza (2008), já em 1958 a cidade de Vitória da

Conquista aparecia no cenário baiano como centro regional conforme cita a

definição da região como “organização do espaço a partir de rodovias” tendo a

cidade de Brumado como sub-centro e ainda apresentando intermediações com a

Serra Geral e o Litoral Sul.

Dos estudos para a definição das Regiões Administrativas da Bahia,

decorreram algumas classificações para os centros regionais. Apontamentos de E.

Souza (2008) informam que a cidade de Vitória da Conquista, além de capital

regional com núcleos urbanos hierarquicamente inferiores: Brumado, Poções e

Candido Sales, ocupava também a função de “capital do sistema de dominação/

dependência”, posto no qual em todo o estado da Bahia, segundo aquele estudo,

figuram apenas mais quatro cidades: Feira de Santana, Salvador, e o eixo Itabuna/

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Ilhéus. Conforme o autor, os estudos definiram as regiões segundo os seguintes

critérios:

a) funcionalidade sobre o espaço; b) perspectivas de desenvolvimento; c) viabilidade do transporte interno; d) dinamismo econômico dos centros; e) importância dos centros e dos subcentros regionais de acordo com a política administrativa definida pelas diversas Secretarias do estado; f) adequação de acomodação dos sistemas administrativos vigentes; g) percepção das regiões econômicas, teoricamente viáveis para a execução de programas de desenvolvimento (E. SOUZA, 2008, p. 75).

A partir da definição das regiões administrativas, conforme os critérios

apresentados acima, o estabelecimento da Região Sudoeste da Bahia, que tem

Vitória da Conquista como centralidade principal, dispôs na cidade a concentração

de serviços e órgãos do Governo estadual como “[...] o TCM (Tribunal de Contas dos

Municípios), Diretorias Regionais de Saúde (DIRES), Diretorias Regionais de

Educação (DIREC‟s) e das Circunscrições Regionais de Trânsito (CIRETRAN‟s)” (E.

SOUZA, 2008, p. 76).

A presença das sucursais estaduais citadas representa o surgimento de

novas centralidades da administração pública e atribui à cidade um novo potencial

de centralidade político-administrativa. As transformações socioeconômicas

vivenciadas a partir da década de 1970 envolvem o crescimento populacional, a

urbanização até a mudança do perfil produtivo que repercutiram no Brasil e na

Bahia, e com isso demandaram alterações no sistema de planejamento, modelos de

gestão e revisões nos critérios de definição regional:

No ano de 1989 sob a alegação de que as transformações sócio-econômicas teriam imprimido novas características ao Estado da Bahia e que havia a necessidade de dotar as ações do governo de maior eficiência foi lançado o decreto nº 2.344 de 05 de abril que instituía o grupo técnico executivo para a realização de uma revisão da divisão do estado em regiões administrativas. Tal grupo era composto por Antonio José Cunha (coordenador), Ana Maria de Sales Guerreiro e Raquel Alexandrina Pimenta e contava com a consultoria do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), através do Profº Drº Sylvio Bandeira de Mello e Silva. O relatório final desse grupo de pesquisa entregue em janeiro de 1991 baseava-se numa avaliação das divisões utilizadas pelos órgãos da administração estadual, confrontadas com: a organização espacial do estado, o povoamento, o sistema urbano e o sistema viário (E. SOUZA, 2008, p. 78).

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Esta revisão dos estudos regionais proposta pelo Governo do estado da

Bahia efetivou a análise segundo os critérios anteriormente citados e a atualizou no

contexto socioespacial, considerando o processo de urbanização e a formação de

cidade pólo regionais, ou cidades intermediárias. Esse estudo apresentou avanços

na proposta de revisão, tendo em vista as críticas feitas aos “scores” quantitativos e

a vinculação evidentemente teorética na análise do espaço:

A idéia corrente que motivou a proposição da atual divisão do Estado em Regiões administrativas, aquela que defende a busca da „divisão enfim perfeita‟ que „efetivamente‟ estimule a coordenação da ação setorial do Estado, mostra-se portanto vazia e desprovida do significado que lhe atribuem [...] (BAHIA, 1991, apud E.SOUZA, 2008, p. 79).

O processo de organização do espaço regional da Bahia passou por

intervenções do Estado no sentido de instituir eixos locais de administração e certa

mobilização social, uma vez que a definição de espaços regionais depende e

fomenta a ação das elites regionais e locais empreendendo sistemas produtivos

tanto no campo das atividades comerciais, quanto nas atividades de serviços, e na

formação de um espaço urbano que concentra estas ações.

Num contexto recente, Ferraz (2010) afirma que uma regionalização tendo

como centralidade a cidade de Vitória da Conquista foi mobilizada em torno dos

serviços de saúde, e constituída com base nas diretrizes do Governo Federal para a

formação das regiões – o Plano Diretor de Regiões-, mas sob forte influência dos

gestores locais que definiram segundo as “realidades locais” as regiões em todo o

estado. Conforme a autora, “[...] a região, então, é definida por eles com intenção de

controlar os fluxos” (FERRAZ, 2010, p. 197).

Além de Região Geoeconômica, conforme Ferraz (2010 p. 199), o Sudoeste

passa a ser uma macrorregião de Saúde composta por quatro microrregiões,

totalizando 73 municípios, vinculados a três subcentros: Brumado, Guanambi e

Itapetinga e Vitória da Conquista como cidade-pólo. Segundo a autora, os serviços

de saúde constituem a formação e uma rede de fluxos, motivados pelas demandas

por recursos técnicos (na área de Medicina), que são direcionados pelo grau de

complexidade dos serviços.

O fato de a cidade de Vitória da Conquista ter se tornado pólo da

Macrorregião de Saúde do Sudoeste da Bahia fortaleceu o “mercado” de serviços de

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saúde, tanto por parte das oportunidades de investimento e rentabilidade da

iniciativa privada, quanto por parte do gerenciamento estatal dos serviços públicos

de saúde.

Tais serviços têm a demanda continuamente ampliada com a formação da

rede hierarquizada de serviços de saúde, cujos municípios menores se incumbem

da prestação de serviços básicos e a cidade de Vitória da Conquista concentra o

atendimento das especialidades de alta complexidade (FERRAZ, 2010).

Estabelece-se, contudo, a “qualidade da conexidade” da cidade de Vitória da

Conquista, de modo que regionalização deixa de ser apenas um agrupamento por

vizinhança de conjunto espacial e passa a ser uma estratégia de apropriação das

qualidades espaciais, como a localização relativa referida por Corrêa (2008).

Nesse caso, a ação da elite empreendedora na área de saúde atrai fluxos

para a cidade em torno dos serviços oferecidos e com isso, o governo tende a

direcionar investimentos, o que implica entre outros fatos na ampliação da demanda

da população regional em busca de bens e serviços.

Analisando a história econômica da cidade de Vitória da conquista pode-se

compreender a maneira como se desenvolve a especialização funcional voltada para

o setor de saúde. As estratégias dos agentes foram orientadas pelo contexto

histórico vivenciado mas, sobretudo, constituem estratégias específicas e com base

nas características e atividades desenvolvidas se estabelecem sua conexão e

interação espacial.

O processo de constituição das classes sociais na cidade de Vitória da

Conquista, além das influências na organização e valorização do espaço, como

aponta Ferraz (2010), contou com a ação governamental desde a constituição da

burguesia cafeeira até a atualidade com a indústria, comércio e serviços.

Com isso, realiza-se uma ação governamental no sentido de dinamizar a

economia nacional. Por consequência, uma elite de base agrária se forma, ou se

fortalece, beneficiada pela política de governo e com isso se engendra o processo

de privação e exclusão das classes menos abastadas da população do espaço

urbano.

A segregação socioespacial tem origem no campo de onde os trabalhadores,

ameaçados pelo latifúndio e vulneráveis à sazonalidade do trabalho na colheita

(FERRAZ, 2001), tornam-se um fluxo potencial de êxodo rural em direção à cidade e

lá constituem o aumento populacional e a tendência das ocupações de áreas

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irregulares e das periferias pobres. No espaço urbano, a presença desse grupo

social inicialmente representa a oferta mão-de-obra barata mas, sobretudo, se

caracteriza por ser uma classe social excluída da organização do espaço e da

infraestrutura urbana e privada do acesso à moradia digna.

A permissividade política quanto a influência das elites (empreendedoras do

comércio e da prestação de serviços em saúde e educação, por exemplo) na

estruturação do espaço urbano, à medida que a cidade cresce desencadeia um

desafio de gestão que consiste na resolução do déficit habitacional das classes

pobres, as maiorias urbanas.

O fato de a cidade de Vitória da Conquista ter se consolidado como

centralidade urbano-regional apresenta na escala regional um conjunto de

interações espaciais baseadas na desigualdade de condições e estruturas, que

indicam certa prosperidade econômica e possibilidades de ampla reprodução do

capital envolvido.

No espaço intraurbano, esse processo repercute na atração populacional que

gera uma demanda cada vez maior por moradia. No entanto, a terra urbana ou

mesmo a moradia são controladas pelas elites envolvidas no mercado imobiliário

(proprietários de terras, promotores imobiliários, empresas construtoras etc.) e por

esse motivo a demanda por moradia apesar de ser necessidade básica da

população, torna-se desencadeadora da segregação socioespacial.

4.1 A dinâmica de sustentação da centralidade urbana em Vitória da Conquista

No município de Vitória da Conquista, a crise do café, principal lavoura

vivenciada entre o final da década de 1970 e início da década de 1980, ocasionaram

a transferência dos recursos anteriormente aplicados e gerados na lavoura cafeeira

fossem redirecionados para a cidade, onde a elite cafeeira de então passou a

investir no crescimento do comércio, bem como empreender outras atividades no

setor de serviços, e no ramo imobiliário com a abertura de loteamentos:

Em abril de 1980, trabalhadores rurais de Vitória da Conquista e Barra do Choça realizaram um grande movimento grevista, exigindo diária mínima de Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros); equiparação salarial entre homens e mulheres; hora extra e benefícios; escolas e água potável. Números inexatos dão conta de dez mil grevistas. Os cafeicultores foram obrigados a reconhecer os direitos dos trabalhadores. Com a crise do café, a partir do final dos anos 1980, o

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Município realça sua característica de pólo de serviços. A educação, a rede de saúde e o comércio se expandem, tornando Conquista a terceira economia do interior baiano. (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA, 2010)7.

Essa mudança na estrutura produtiva não interrompeu os vínculos do

empresariado conquistense com o campo, mas fortaleceu sua relação com a cidade,

e o interesse empreendedor nas atividades eminentemente urbanas. Nessas

condições é que o capital investido em atividades agropecuárias, notadamente na

cafeicultura é redirecionado para financiar atividades comerciais e de prestação de

serviços, e a partir de então a dinâmica da cidade passa a atrair com mais força a

população de seu entorno.

Tanajura (1992) relata que o pólo cafeeiro que se estabeleceu em Vitória da

Conquista a partir do ano de 1970 possibilitou aos cafeicultores um acúmulo de

capital suficiente que os possibilitou redirecionar os investimentos e se consolidar

como empresariado local. O autor afirma que a partir do ano de 1972, com a

contemplação do município de Vitória da Conquista no “Plano de Renovação e

Revigoramento da Cafeicultura”, do Governo Médici, o incremento de investimentos

na atividade agrícola do município reestruturou a produção com os subsídios

oferecidos. Segundo dados da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista – PMVC

(2010), “as lavouras de café multiplicaram-se em poucos anos. Em 1975, em

Conquista, foram colhidas 840 sacas; em 1983, este número subiu para 13.179.

Muitos cafeicultores enriqueceram8”.

Esse fato evidencia a formação posterior de uma elite de origem rural, cujas

terras são somadas ao perímetro urbano, e o parcelamento oportuniza a reprodução

ampliada desse capital. Por outro lado, o redirecionamento dos investimentos

privados do campo para a cidade reforça a atração populacional para esse espaço

com o incremento nas atividades econômicas, que conforme define J. Santos (2010,

p. 64), formam um conjunto de mudanças que são “produto do amadurecimento

capitalista na Bahia”.

Estabelece-se uma burguesia urbana, uma classe com aquelas

características de elite empreendedora como aponta Corrêa (2008), uma burguesia

comercial que firma no capital agrícola, e por isto representa um setor relativamente

7 Conforme o site institucional <http://www.pmvc.com.br/> (acesso em Dezembro de 2010)

8 Conforme o site institucional <http://www.pmvc.com.br/> (acesso em Dezembro de 2010)

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estável, pois não se sustenta apenas dos lucros das vendas do setor agropecuário.

Os proprietários de terras rurais, que com o crescimento passam a integrar a cidade

deram vigor ao mercado imobiliário, afirmando a importância da propriedade privada

da terra.

O aprimoramento da demanda por moradia ampliou o perfil dos agentes que

movimentam o mercado imobiliário mais recentemente para as empresas

construtoras, o que reforça a idéia do amadurecimento do capitalismo na cidade de

Vitória da Conquista. Dessa forma, se passa a explorar a formação de um mercado

de moradia crescente e o crescimento populacional fortemente influenciado pela

tendência global de terciariazação e desconcentração urbana.

Segundo J. Santos, (2010, p. 67), “[...] às classes sociais impõem-se os

mecanismos que serviram e que servem para a ampliação do sistema. [...] cria uma

hierarquia social, em função das diferentes possibilidades da participação dos

agentes sociais [...]. Não apenas os agentes, mas os espaços são adaptados pela

apropriação das sociedades dentro das demandas de seu tempo.

No caso da cidade de Vitória da Conquista, o redirecionamento do capital do

campo para a cidade reforçou as atividades do comércio e de prestação de serviços,

o que chamamos de terciarização. Essa tendência se articula com os espaços

regionais próprios e recria uma área de influência urbano-regional baseada nas

demandas das cidades menores, na qual a cidade de Vitória da Conquista faz

intermediação com a metrópole baiana nessa lógica de descentralização.

Como exemplo, pode-se observar a implantação de um Campus avançado da

Universidade Federal da Bahia, em 2008, que oferece cursos na área de saúde,

voltados para uma ampla demanda de profissionais da área pelo mercado local e

regional.

A partir de 1944, a expansão da cidade de Vitória da Conquista seguiu a

orientação dos “braços” rodoviários: a BR116, a BA262 e a BA265. Conforme já

observado no Mapa 2 (p. 65), essas rodovias efetivamente adentram a malha

urbana e desencadeiam por parte dos agentes o processo de apropriação e

exploração dos entornos.

Seguramente, essas rodovias penetrando a cidade de Vitória da Conquista

efetivam a dinâmica intraurbana e interubana e reforçam a idéia de que o movimento

não se encerra nos fixos (fábricas, lojas, distribuidoras, órgãos públicos, instituições

de ensino, hospitais, entre outros) localizados na cidade, mas só se realiza com real

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destaque como parte de uma totalidade maior, nesse caso a região. Os fluxos de

população, de entrada e de escoamento de mercadorias contribuíram com o

aumento populacional verificado após a crise do café, iniciada com o movimento

grevista dos trabalhadores rurais em Abril de 1980 (PMVC, 2010). O movimento de

greve dos trabalhadores do café resultou no êxodo rural e implicou simultaneamente

a ampliação da infraestrutura urbana e requalificação da cidade.

Vitória da Conquista, devido à produção de sua centralidade urbana,

historicamente, recebe uma grande contribuição das pequenas cidades do entorno

em sua dinâmica demográfica e econômica; sem dúvida a instalação das rodovias

(Conforme se pode visualizar no Mapa 03) favoreceu essa expansão.

No entanto, a fixação de uma rede de serviços que na atualidade amplia

significativamente a rede de saúde especializada, tanto pública quanto particular, e

os serviços de educação com destaque para a ampliação das instituições de ensino

superior, são exemplos de atividades que atraem para a cidade Vitória da Conquista

as populações dos municípios menores.

Corroborando a crítica feita por J. Santos (2010) as análises feitas sobre o

crescimento urbano de Vitória da Conquista é imprescindível destacar que as formas

e direcionamentos da ocupação do espaço não se dão naturalmente, não seguem o

itinerário das vias de circulação ao mero acaso, mesmo porque os “cortes” pela

malha rodoviária na cidade não são processos naturais, mas conseqüências e

estratégias sob orientação predominantemente econômica.

J. Santos (2010) discute a presença, o papel e a apropriação dos proprietários

de terra sobre os arredores das rodovias que adentram a cidade de Vitória da

Conquista, na intensificação do processo de urbanização:

[...] salienta-se a necessidade de superação de uma visão mecanicista que insiste em explicar a produção das cidades baianas, como de outros lugares do Brasil e do mundo, por meio de elementos meramente técnicos, o que além de configurar o que Gottdiener (1997) definiu como determinismo tecnológico, também produz um fetichismo da técnica, que, problematicamente, inverte toda ordem da explicação e do fenômeno urbano. É diante desse equívoco que, de forma reducionista, as rodovias, por si mesmas explicam, por exemplo, o crescimento de cidades como Vitória da Conquista, Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus, Itabuna, dentre muitas outras, desconsiderando elementos muito mais relevantes para a discussão e que são a própria essência da existência de tais rodovias enquanto materialidade puramente técnica” (SANTOS, J., 2010. p. 62).

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A necessidade de aprofundar a análise do espaço urbano, conforme Santos,

J. (2010), acentua-se no caso da cidade de Vitória da Conquista, pois as ações e

estratégias de apropriação foram historicamente dissimuladas por uma classe social

que domina as terras urbanas.

O estudo de Ferraz (2001) aponta para a existência de famílias “tradicionais”

que durante duas décadas (1974 a 1994) dominaram a produção do espaço urbano,

com fortes influências na política e o planejamento urbano. No entanto, é necessário

advertir que para essa dominação de uma elite “empreendedora” sobre a produção

do espaço urbano é imprescindível a propriedade dos elementos técnicos.

Conforme J. Santos (2010), as rodovias são exploradas não como

propriedade privada, mas como usufruto estratégico dos proprietários para legitimar

o valor de troca das terras, e afirmar poder pela propriedade da terra e da

localização.

As rodovias se tornaram grandes impulsionadoras da valorização urbana,

mobilizando a ação dos agentes privados nos arredores dessas vias, como resposta

ao crescimento da população e da demanda por moradia. Na cidade de Vitória da

Conquista, esse processo resultou na formação dos chamados “vetores de

crescimento urbano” (LIMA; ROCHA; RODRIGUES, 2004).

4.2 A reprodução do espaço da cidade e os elementos do processo de

valorização do bairro Boa Vista

O processo de valorização e expansão da cidade de Vitória da Conquista ao

longo do tempo foi consolidado como lócus privilegiado da reprodução do capital

regional. Como já identificado anteriormente, um conjunto de agentes se apropria

das condições espaciais, ou mesmo criam-nas com vistas a valorização e

associados às demandas do capitalismo compõem os principais fatores do

desenvolvimento urbano.

De acordo com Corrêa (2008), no cenário urbano brasileiro figuram novas

concepções de centralidade urbana. Nas últimas duas décadas ganharam destaque

as cidades médias, cujo papel e importância não se restringem aos limites

municipais, como é o caso de Vitória da Conquista.

O crescimento urbano e a valorização imobiliária nessa categoria de cidade

passam por fatores como: a ação das elites locais, chamadas por Corrêa (2008) de

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“elites empreendedoras” e a “localização estratégica” que possibilitam uma cadeia

de “interações espaciais”. Esses três fatores somados resultam numa configuração

urbana diferenciada, cuja marca é o crescimento, a dinâmica e a capacidade de

atrair população, consumidores em busca de bens e serviços, e capital para

investimentos.

Nesse contexto, se fortalece uma das organizações classistas de maior

destaque no cenário econômico recente da cidade de Vitória da Conquista – a

Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Segundo informa a própria instituição,

O Clube de Diretores Lojistas de Vitória da Conquista (atual Câmara de Dirigentes Lojistas, CDL) surgiu no início dos anos 60, com a atuação dos empresários Osmar Silveira, Otávio Mendonça Luna, Chateaubriand Pereira dos Santos, entre outros. Eles foram influenciados pelo Movimento Lojista Brasileiro que copiara, na década de 50, o modelo americano de se organizar em grupos para defender seus interesses. [...] Na década de 1960 Vitória da Conquista já era uma cidade em franco desenvolvimento, sobretudo com o advento da BR 116 (Rio-Bahia), que trazia esperança de progresso e previa o crescimento do comércio (CDL, 2011)9.

A criação da CDL trata de fortalecer os tais “interesses” do grupo, a fim de

afirmar a nova elite comercial enquanto grupo de influência, tanto local quanto

regional. Como na citação acima, a tendência de expansão do setor comercial e de

serviços, especialmente nas cidades médias, cuja característica industrial não

apresenta tanta expressividade, reproduziu na região de Vitória da Conquista uma

mudança e ampliação das funções exercidas na cidade.

Esse é mais um elemento que ratifica a importância da centralidade de Vitória

da Conquista, pois a cidade passou a ter uma dinâmica comercial e de serviços cuja

participação no PIB atual é de aproximadamente 83% (IBGE, 2011).

As atividades comerciais e de serviços se apropriam da “qualidade da

conexidade” (FERRAZ, 2010) que a cidade de Vitória da Conquista apresenta, pela

presença das vias interurbanas e interestadual que transpassam a cidade. A elite

local e as esferas estatais deslocaram investimentos para atividades que

“requalificam a cidade e suas relações com a região” (FERRAZ, p. 191),

apropriando-se das possibilidades de articulação interurbana e interestadual.

O que se constitui atualmente é uma área de “alto nível de complexidade” que

articula espaços em rede que “[...] como qualquer outra intervenção humana, é uma

9 Conforme o site institucional <http://www.cdlvca.com.br/> (acesso em Janeiro de 2011)

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construção social” (FERRAZ, 2010 p. 200).

Tal complexidade situa-se na multiplicidade das funções para as quais o

município e a cidade foram qualificados historicamente: entroncamento rodoviário,

pólo agrícola (cafeeiro), pólo comercial, pólo de serviços (saúde, educação,

financeiros), e na ampla influência desses aspectos no espaço regional, e na

formação de uma rede urbana sob influencia de Vitoria da Conquista, conforme

estudos do REGIC (IBGE, 2008).

Fica evidente o papel decisivo das elites constituídas na formação da rede

urbana, área de influência da cidade, que não nega a existência da região, mas que

agrega aos limites regionais a intensa dinâmica dos fluxos humanos, de mercadoria

e serviços.

4.2.1 O Bairro Boa Vista na constituição do espaço da cidade de Vitória da

Conquista

Até o ano de 1965 era inexpressiva a ocupação fora do eixo das rodovias, a

cidade crescia em torno do centro. O “espraiamento” da expansão urbana, como

define Ferraz (2001), só se deu a partir de 1977. Conforme os estudos da autora, a

crise do café em 1986 reforçou um processo de crescimento populacional associado

à expansão urbana.

Nesse período os principais conjuntos habitacionais populares foram

construídos em áreas completamente afastadas do centro da cidade, destinados a

uma população que aumentava com base principalmente no êxodo rural e na

migração oriunda das pequenas cidades da região.

O fluxo de população que resultou numa forte expansão física da cidade de

Vitória da Conquista teve início da década de 1970, com os primeiros investimentos

na lavoura cafeeira, e com as questões trabalhistas garantidas pelas Leis

Trabalhistas, que diminuíram significativamente a mão-de-obra empregada na

colheita do café (FERRAZ, 2001).

Esse fluxo inicial motivou os agentes privados a promover o loteamento de

terrenos nas áreas mais afastadas da cidade e nas áreas com menor valor

econômico, como a encosta da Serra do Peri Peri (ao Norte), conforme se pode

observar no Mapa 3, a evolução da ocupação urbana de Vitória da Conquista (p. 78)

Desta maneira alguns bairros contaram com uma efetiva ocupação e

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crescimento com a abertura de novos loteamentos oficiais, e outros irregulares,

reforçada posteriormente pela crise do café a partir da segunda metade da década

de 1980.

Também o Estado, por intermédio das políticas nacionais de habitação,

interferiu na oferta de habitação na cidade de Vitória da Conquista a partir da década

de 1980, com a implantação dos conjuntos habitacionais construídos pela URBIS

(Companhia de Habitação e Urbanização) que totalizam 6 conjuntos habitacionais.

Segundo Capel (1975) esse tipo de ação do governo busca amenizar a

demanda por moradia, mas afirma a segregação socioespacial, pois a própria

localização dos conjuntos e a qualidade das moradias apresentadas reforçam a

apropriação privada das áreas centrais, planas e qualificadas da cidade.

Ainda segundo Capel (1975), implicitamente a mobilidade da força de trabalho

é um fator de influência e de exploração na produção do espaço urbano, e afirma

que a criação do mercado de moradia com a urbanização e as políticas de

financiamento aprisiona o indivíduo ao trabalho, devido ao compromisso com o alto

preço do imóvel em relação ao rendimento salarial, o que assegura a oferta de mão-

de-obra por longo prazo e a manutenção da dinâmica econômica nas cidades.

A localização dos conjuntos habitacionais em áreas distantes do perímetro

central isola as populações pobres nas periferias e mostra como o acesso a

habitação está submetido a uma organização desigual do espaço, combinada ao

mesmo tempo com a complementaridade destes espaços desiguais.

Almeida (2005) afirma que a distribuição espacial da habitação popular em

Vitória da Conquista evidencia a ação de um Estado que fomenta a segregação

socioespacial:

[...] a atuação heterogênea do Estado no espaço urbano conquistense produziu e produz uma “valorização” diferenciada deste espaço em que áreas serão contempladas por equipamentos coletivos e outras não [...] Assim, a cidade se reproduz de forma heterogênea e segregada, fruto das ações desiguais no processo de produção social do espaço urbano, mediadas pela divisão social e territorial do trabalho que constroem áreas consideradas mais “valorizadas” e menos “valorizadas” (ALMEIDA, 2005, p. 77).

Assim, até mesmo as ações do Estado estão condicionadas à esse sistema

quando, por exemplo, determina uma área mais afastada como “zona de habitação

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de interesse social”. Sobre isso, Capel (1975) afirma que as políticas habitacionais,

com toda a precariedade das condições de moradia oferecidas, são importantes

estratégias de sustentação do capital, pois delas decorrem a possibilidade assentar

a mão-de-obra necessária à manutenção do crescimento econômico dos lugares,

com a característica da baixa qualificação e o consequente baixo custo do trabalho.

É possível observar no Mapa 3 que a expansão da malha urbana não se dá

conforme o uso e o esgotamento de áreas edificáveis nas proximidades do centro,

por exemplo, mas sim com base no valor de troca das terras e demais imóveis, cuja

localização representa para o mercado imobiliário a possibilidade do lucro de

monopólio.

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MAPA 3 - Vitória da Conquista: evolução da ocupação urbana entre 1976 e 1996

Fonte: Plano Diretor Urbano de Vitoria da Conquista, 2002.

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4.2.2 Ações e interesses dos agentes na organização do espaço do bairro Boa

Vista

A continuidade do processo de crescimento urbano em Vitória da Conquista

chegou à área do bairro Boa Vista com o primeiro loteamento licenciado em nome

de Acelino Pires Andrade em 1977, composto por 154 lotes10. O loteamento Boa

Vista, e o Loteamento Jardim Guanabara (136 lotes), deferidos no mesmo ano,

fizeram parte da etapa de maior expansão física da cidade de Vitória da Conquista.

Segundo Ferraz (2001), a cidade passa a ter uma configuração “espraiada”.

O bairro Boa Vista que pode ser visualizado na Figura 4 (p. 81), com seus

primeiros loteamentos, surge no final da década de 1970, um período em que a

quantidade de loteamentos deferidos foi bastante expressiva, reproduzindo a

tendência de crescimento urbano acelerado, comum em várias cidades brasileiras.

Ferraz (2001) afirma que foram cerca de 50 loteamentos abertos na cidade de

Vitória da Conquista entre os anos de 1970 e 1979. No período de 1970 a 1990

houve uma forte expansão física da cidade, devido ao crescimento populacional e

com isso a ação dos agentes loteadores.

O crescimento do número de áreas habitáveis por loteamentos foi conforme

Ferraz (2001) o “espraiamento” da malha urbana, porém mantendo do controle das

terras centrais ou próximas ao centro e às possíveis novas centralidades assim se

mantiveram extensos vazios urbanos, os quais a autora nomeia de áreas “sem

destinação específica”.

No entanto, os espaços assim definidos pela autora, são na atualidade o

foco de grande especulação, cujo processo de valorização ocorrido com o acúmulo

de benfeitorias no entorno revela o objetivo de tais reservas de terra: o controle da

produção do espaço e a reprodução ampliada do capital imobiliário inclusive no

bairro Boa Vista.

Além de representarem uma grande área de propriedade, os “vazios

urbanos” no decorrer do tempo, se desdobram em novas possibilidades de

apropriação da localização, fomentando a renda de monopólio.

10

Levantamento dos loteamentos abertos em Vitória da Conquista segundo Ferraz (2001).

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Figura 4.- Vitória da Conquista: Localização do bairro Boa Vista, loteamentos, vias de acesso e o shopping

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Como exemplo, no bairro Boa Vista, as áreas não loteadas nas

proximidades dos principais acessos viários, com o crescimento da cidade, ganham

importância estratégica e, com isso, agregação de valor econômico. Dessa maneira,

os proprietários dessas glebas têm o monopólio de um espaço que incorpora no

preço a importância das benfeitorias públicas e privadas do entorno.

A presença das vias de acesso, denominadas corredores urbanos, como a

avenida Juracy Magalhães, a avenida Luiz Eduardo Magalhães e a proximidade com

o shopping Conquista Sul são na atualidade elementos apropriados para a

valorização do espaço do bairro, orientando inclusive a organização das novas

formas de apropriação privada.

Outro fator de promoção do crescimento populacional é a consolidação da

centralidade urbano-regional em Vitória da Conquista, que atraiu fluxos migratórios

do campo e das cidades menores. Tais mudanças demonstram que há uma

constituição histórica do potencial de atração populacional da cidade de Vitória da

Conquista.

Conforme os dados da tabela 1, se ressalta como resultado da atração

populacional a inversão da situação do domicílio que no ano de 1970, já sobrepõe o

quantitativo da população urbana sobre a população rural. Em continuidade se

observa ainda a progressão nas taxas de urbanização, que confirma a importância

da cidade de Vitória da Conquista enquanto centralidade urbana:

Tabela 1 - Vitória da Conquista: população rural e urbana (1950 – 2010)

Ano População Rural População Urbana

1950 26.993 19.463

1960 31.401 48.712

1970 41.569 85.959

1980 43.245 127.652

1991 36.740 188.351

2000 36.949 225.545

2011 32. 127 274.739

Fonte: IBGE, 2011 Organização: Ione Rocha

A partir do ano de 1980, a cidade de Vitória da Conquista tornou-se sede de

serviços públicos do Governo estadual, de abrangência regional principalmente nas

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áreas de educação e saúde, com a implantação da Diretoria Regional de Educação

20 (DIREC) e da 20ª Diretoria Regional de Saúde (DIRES). Esses fatos contribuíram

sobremaneira para reforçar e institucionalizar a centralidade urbano-regional da

cidade de Vitória da Conquista.

Houve, portanto, a inversão da população municipal de rural para

eminentemente urbana que teve origem na modernização da agricultura, que

implicou transformações substanciais nas relações de trabalho no campo, inclusive

com forte processo de migração do campo para a cidade.

Essa lógica, segundo Damiani (1999), expõe a essência capitalista da cidade

que a torna ao mesmo tempo centro/concentração e “raridade”, cujos processos

comercialização dos espaços apropriados como mercadoria, parcelados e

comercializados, não se dão ao acaso, mas conforme as tendências de mercado,

muitas vezes produzidas pelos próprios agentes.

As estratégias de controle por parte dos proprietários, que não têm interesse

em vender totalmente as terras, sustentam a existência dos “vazios” que

representam uma reserva local de terra. Disso resulta a criação da raridade em

relação a ocupação do entorno com o “esgotamento” dos loteamentos já existentes

e a constituição de uma renda de monopólio obtida através dessas relações com as

benfeitorias do entorno e com a demanda por moradia.

Essa estratégia de ocupação e regulação do espaço dá um profundo sentido

à formação dos “vazios urbanos” do ponto de vista capitalista, e reforça o monopólio

que caracteriza hoje um dos principais fatores de extração da renda da terra.

Dessa forma, é necessário entender o processo de expansão urbana como

forma de apropriação das terras e da disponibilidade de áreas para ocupação,

especialmente no caso de Vitória da Conquista cujo efeito da urbanização repercutiu

na valorização econômica e desigual do espaço da cidade.

O processo de valorização decorre da forma como a localização se articula

com a vizinhança, uma vinculação estratégica que pressupõe uma ação efetiva dos

agentes capitalistas da produção do espaço urbano. Um desses loteadores,

segundo declarações feitas a Ferraz (2001), utilizou da estratégia de doação de

lotes para a prefeitura e para famílias com o objetivo de assegurar povoamento das

novas áreas, que se configurou também numa estratégia de promoção, de atração

de compradores para uma área mais afastada do Centro ainda sem infraestrutura

urbana (pavimentação, água, esgoto e energia elétrica).

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No caso do bairro Boa Vista, não houve uma estratégia de adensamento em

termos de ocupação, pelo menos no que tange a sua origem. Situando-se

basicamente entre o Centro da cidade e o bairro Espírito Santo no extremo Sul, o

Boa Vista teve sua ocupação mais efetiva a partir do ano 2000, cujo Censo do IBGE

aponta apenas 1.601 moradores nesse ano.

Conforme a evolução da ocupação urbana (que pode ser verificada no Mapa

3, p.79), pode se identificar a localização dos primeiros loteamentos aprovados entre

os anos de 1977 e 1986 para o bairro Boa Vista: o Jardim Guanabara, e o Alto da

Boa Vista. A partir do ano de 1987, tem prosseguimento o parcelamento da área que

se estende entre o norte e o sul do bairro Boa Vista.

A área explorada possui duas características interessantes: faz a ligação

entre os bairros já existentes, como no caso do Loteamento Alto da Boa Vista que se

avizinha ao Bairro Recreio, e o Loteamento Jardim Guanabara que inicia a ocupação

margeando a Avenida Juracy Magalhães.

Os mais recentes loteamentos são áreas de mais rápida ocupação, devido ao

próprio contexto do crescimento e valorização imobiliária e ainda permeada pelos

vazios urbanos, como no caso das chamadas “chácaras”. Inicialmente, os

loteamentos no bairro margearam a Avenida Juracy Magalhães. Os primeiros

parcelamentos eram predominantemente de lotes comerciais, localizados na referida

avenida e ao fundo os loteamentos residenciais, como no caso do Loteamento

Jardim Guanabara, um dos mais antigos.

Como exceção a essa ocupação da margem da Avenida Juracy Magalhães,

pode-se citar o loteamento Alto da Boa Vista. A área situa-se bem no interior do

bairro e na ocasião de sua criação dava prosseguimento a uma área considerada

“nobre” na cidade, o bairro Recreio.

Todavia, a ocupação desta área não alcançou a mesma densidade do

Recreio, já que entre os dois bairros encontra-se passagem do rio Verruga. O Rio,

cuja nascente se situa na porção norte da cidade, na Serra do Peri Peri, sofreu

canalização subterrânea, pois passa por áreas de ocupação importante como o

centro da cidade, e tem desembocadura justamente na divisa entre os bairros

Recreio e Boa Vista onde passa a correr em leito natural.

Mesmo não apresentando um volume de água que ameace a ocupação em

áreas próximas, o processo de canalização oportunizou a maior contaminação do rio

pelos dejetos urbanos, além da existência de um amplo desnível topográfico na área

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do bairro Boa Vista onde o rio se encontra.

As águas correm por uma vala que separa os bairros e que pela presença e

contaminação do curso forma um obstáculo e um fator de desvalorização daquela

(pequena) área. Ainda assim, na margem direita do rio, numa fração do bairro Boa

Vista, verifica-se a presença de uma ocupação irregular “a invasão do Alto da Boa

Vista”, datada na década de 1980.

Observa-se que o bairro Boa Vista se constitui num recorte espacial da cidade

que reflete o atual processo de valorização urbana, considerando a afirmação da

cidade de Vitória da Conquista como centralidade urbano-regional, mas que por ser

parte de uma totalidade complexa que é a cidade, reproduz também os interesses

dos agentes sociais em seus distintos loteamentos dos quais o perfil construtivo e a

infraestrutura estão diretamente ligados as diferenças de classe social.

4.2.3 A formação do vetor sul e a apropriação dos corredores urbanos

A avenida Juracy Magalhães, uma das principais vias urbanas da cidade de

Vitória da Conquista atualmente, tornou-se o prolongamento urbano da rodovia BR

415 que liga o município ao sul e litoral sul da Bahia. Sua origem remonta, portanto,

aos caminhos e estradas coloniais que a partir de 1728 (TANAJURA, 1992), por

meio de oficio da Coroa Portuguesa, tiveram importância elevada para a conquista

de “novas” terras que favorecessem a articulação entre o sertão, o litoral e as zonas

intermediárias nesse percurso, cujo memorial feito por Tanajura (1992) afirma:

A título de tornar mais fácil a comunicação entre o Sertão da Ressaca e o Litoral de Ilhéus, lê-se uma Memória sobre o antigo Município de Conquista, Bernardo Lopes Moitinho abriu a primeira via que ligava a Imperial Vila da Vitória àquela zona litorânea. Ela passava por Itambé e Cachimbo e ia entroncar-se em Itabuna, com a estrada que vinha de Minas Gerais para encontrar a faixa costeira (TANAJURA, 1992 p. 50).

A origem da Rodovia BA 415 e seu prolongamento como via urbana decorre

de processos históricos da organização estratégica do espaço. Na cidade de Vitória

da Conquista, já desde a Vila Colonial se consolidava um espaço estratégico, cuja

localização foi utilizada para disseminar a colonização do sertão.

O processo de urbanização em Vitória da Conquista transformou essas vias

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em estruturas de circulação articuladas a circulação nacional, com a constituição da

Rodovia Estadual BA 415, e a Rodovia Federal BR 116. O crescimento urbano

conforme já discutido anteriormente, teve ênfase maior a partir da década de 1970,

mas já em 1950, por exemplo, a Avenida Juracy Magalhães já existia enquanto via

urbana, embora com importância discreta no contexto da produção do espaço.

Até o final da década de 1970, essa via apenas levava a saída da cidade em

direção ao litoral sul da Bahia, quando se torna a BA 415. No entanto, já nessa

década ao extremo sul da cidade foi construído o conjunto de loteamentos do Bairro

Espírito Santo, que constava inclusive de um conjunto habitacional URBIS VI,

construído na década de 1980, e que atualmente é uma área densamente ocupada

da cidade.

A ação dos agentes imobiliários (que até o ano de 2004 era basicamente de

loteadores) conjugada à ação do Governo municipal, com a instalação de

equipamentos urbanos públicos e privados que formou no entorno das rodovias os

chamados vetores de crescimento urbano de Vitória da Conquista, cuja Avenida

Juracy Magalhães atualmente constitui o eixo central do vetor de crescimento ao Sul

(LIMA; ROCHA; RODRIGUES, 2004).

A instalação de infraestrutura nessa avenida é recente, e se intensificou nos

últimos dez anos. Como resultado, os direcionamentos tomados pela ocupação

urbana têm configurações diferenciadas, devido às ações desiguais do governo e

dos agentes privados.

No entanto, até meados de 2004, conforme o levantamento realizado junto à

Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, além da abertura de loteamentos

residenciais, poucos empreendimentos comerciais e de prestação de serviços foram

instalados na área do bairro. A Avenida Juracy Magalhães se constituiu lentamente

como vetor de crescimento urbano e valorização imobiliária, e por fim, só após a

construção do Shopping Conquista Sul nessa mesma avenida.

A construção do Shopping Conquista Sul atraiu muitos interessados entre

moradores e investidores para os loteamentos dos dois bairros, mas a ocupação se

deu de maneira forma gradativa.

A inauguração do shopping, o primeiro empreendimento desse tipo em toda a

região Sudoeste da Bahia e sua consolidação como empreendimento comercial de

sucesso (que no inicio encontrou forte resistência por parte dos comerciantes de rua

locais) representou um marco de forte valorização imobiliária nos bairros vizinhos.

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Nesse contexto tanto os agentes imobiliários passaram a empreender novas

formas de renda no entorno, quanto os proprietários de imóveis passaram a ocupar

rapidamente os terrenos com construções, e a promover melhorias nos imóveis já

existentes, quanto o poder público para o qual a ocupação gera também receitas, na

forma do Imposto Teritorial Urbano, por exemplo.

A prefeitura interveio na área dos bairros Boa Vista e Felícia após a

implantação do shopping fazendo a duplicação da Avenida Juracy Magalhães, que

resultou na melhoria da fluidez do tráfego, construiu um canteiro central na pista,

colocou sinalização de trânsito e reorganizou o tráfego de veículos na área. Esses

fatos foram determinantes para transformar a avenida numa das principais vias de

circulação da cidade, deslocando para o seu entorno novos empreendimentos

comerciais e residenciais.

Com a importância da via reforçada, o preço das terras e das benfeitorias em

seu entorno foi elevado a patamares mais caros por efeito da nova condição de

localização implicando o preço de monopólio. Nesse sentido, os equipamentos

urbanos implantados na vizinhança têm um papel importante, pois o Shopping

Conquista Sul construído no bairro Felícia contribuiu sobremaneira para valorizar os

loteamentos e benfeitorias no Bairro Boa Vista.

A presença do shopping foi determinante para reforçar o monopólio das terras

por parte dos proprietários nessa área, os quais buscam retirar de suas

propriedades que permanecem como reserva de valor a maior lucratividade possível

no futuro. Justamente nessas áreas não loteadas surgiram os primeiros

condomínios verticalizados voltados para a classe média, o que atrai para o bairro

nova rede de infraestrutura urbana e implica nova onda de valorização imobiliária.

4.3 As estratégias de loteamento no bairro Boa Vista

O bairro Boa Vista experimentou gradativamente os efeitos da dinâmica

econômica e da expansão física da cidade de Vitória da Conquista. Inicialmente as

estratégias de comercialização de terrenos urbanos consistiam na abertura de

loteamentos.

Em geral, os loteamentos destinados as populações pobres não obedecem

uma sequência de dotação de infraestrutura, pois esse processo diminui

significativamente a margem de lucro dos loteadores que já recebem o pagamento

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em parcelas.

Conforme o quadro 1, há intervalos consideráveis entre a abertura dos

loteamentos, o que demonstra que no período entre 1977 e 2003 houve constância

na atividade loteadora para este Bairro. A abertura de loteamentos no bairro teve

início no ano de 1977 e se estendeu até o ano de 2003, conforme o quadro a seguir:

Quadro 1 - Vitória da Conquista: Loteamentos do bairro Boa Vista deferidos entre os anos

de 1977 a 2010

As sucessivas aberturas de loteamentos, conforme visto na tabela acima,

revelam a existência de terras a serem comercializadas, a medida em que se

reproduzem e intervalos relativamente curtos a abertura de outros loteamentos. No

entanto, a partir de 2003 a atividade loteadora tem uma pausa. A perspectiva da

inauguração da Avenida Luíz Eduardo Magalhães, e da Inauguração do Shopping

Conquista Sul a partir do ano de 200611 motivaram uma mudança na ação dos

proprietários de terras no Bairro Boa Vista.

Assim, se revela um certo controle das terras por parte dos proprietários, que

11

Conforme análise feita quanto a cada loteamento especificamente, e o processo de verticalização recente no Bairro Boa Vista, ainda neste trabalho (mais adiante).

Ano Deferimento Nome 1977 Loteamento Boa Vista 1977 Loteamento Jardim Guanabara 1977 Chácaras Jardim Guanabara 1981 Loteamento Alto da Boa Vista 1983 Loteamento Morada Boa Vista 1986 Loteamento/Condomínio Vila dos Pinheiros 1991 Loteamento Morada do Parque 1992 Loteamento Fluminense 1996 Loteamento Conquistense 1997 Loteamento Vila América 1999 Loteamento Esplanada do Parque 2000 Loteamento Morada dos Bem-te-vis 2003 Loteamento Porto Seguro 2004 NC* NC 2005 NC NC 2006 NC NC 2007 NC NC 2008 NC NC 2009 NC NC 2010 NC NC

*Não consta registro de loteamentos. Fonte: Ferraz, 2001, Lima; Rocha; Rodrigues, 2004; Coleta de dados, 2011 (Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo) Organização: Ione Rocha

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não lançam mão do loteamento total de suas áreas, deixando sempre uma reserva

de terras que passa a ser explorada com a agregação de valor após a ocupação da

área disponibilizada anteriormente.

Com isso, observamos que o padrão construtivo de médio e alto custo é

também uma conseqüência da lógica de valorização, como identificado in loco e que

se pode verificar nas fotografias 1 e 2;

Foto 1 - Loteamento Alto da Boa Vista: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 2 - Loteamento Alto da Boa Vista: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

A presença de moradores atrai serviços como iluminação pública e

saneamento que representam ao empresário loteador fatores de valorização. Nesse

contexto, os próprios moradores ao construírem suas habitações, ao perceberem

sua inserção no contexto de valorização, passam a empreender as alterações nos

imóveis como reformas, ampliações, alteração dos projetos originais, alteração das

fachadas e subdivisão de lotes por exemplo.

De acordo com a Lei Municipal 1.481/2007 – o Código Municipal de Obras -

há diversos padrões habitacionais definidos pela função, área construída e alguns

outros parâmetros técnicos como recuo, altura, rampas etc., esses últimos mais

rigorosamente aplicáveis a edificações de perfil comercial.

No bairro Boa Vista foram identificadas edificações de perfil residencial

popular que, conforme os parâmetros técnicos para obras, correspondem a

edificações compostas dos seguintes compartimentos: sala, cozinha, um sanitário,

um quarto, sem cobertura de laje e não excedendo o limite de área construída em

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70m² (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2007 p. 148.). Esse tipo de edificação, por

corresponder às famílias camadas sociais mais pobres, pode ter o projeto

arquitetônico fornecido sem custos pela própria Prefeitura Municipal.

O numero de edificações do tipo plurifamiliar e com mais de um pavimento

aumentou tempos recentes. Esse aumento se deve à exploração máxima da

possibilidade de edificação sobre um terreno, em face da valorização da área do

bairro Boa Vista, conforme se pode verificar nas fotos 3 e 4

As construções residenciais, portanto, podem ser unifamiliar, ou plurifamiliar

(ou pluridomiciliar) e compostas em alguns casos por mais de um pavimento. Na

pesquisa de campo foram identificadas também edificações destinadas à atividade

residencial, ou seja construções voltadas para a habitação, mas com área

construída superior a 70m², o que implica um custo pelo metro quadrado construído

excedente, e representa por tal custo uma classe social com maior renda.

No primeiro caso, observamos que as construções unifamiliares com dois

pavimentos são em sua maioria construções recentes, cujos projetos são

executados por parte, e demonstram as formas como os moradores se inserem no

espaço de valorização e assim se tornam também agentes que reforçam essa

lógica.

No segundo caso, o das edificações plurifamiliares, a forma como as

construtoras, ou até mesmo proprietários de pequenas parcelas do espaço,

Foto 3 - Bairro Boa Vista: Construção plurifamiliar

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 4 - Bairro Boa Vista: Condominio residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

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empreendem a exploração maximizada do terrenos com prédios que chegam ao

quarto pavimento, que sensivelmente vão alterando a paisagem e contribuindo para

o adensamento populacional do bairro, conforme as fotos 5 e 6 expõem.

Dentre outros usos houve a ocorrência de edificações de perfil comercial

cujo objetivo é abrigar “atividade econômica que tem como função específica a troca

de bens e a prestação de serviços de qualquer natureza” (VITÓRIA DA

CONQUISTA, 2007 p. 67).

4.3.1 Os loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista

O Loteamentos Alto da Boa Vista, Boa Vista e Morada da Boa Vista são

desdobros de uma única gleba de terras, a primeira a ser loteada no bairro Boa

Vista, pois nos registros de Alvarás de Construção da PMVC esta área constam

apenas os loteamentos Alto da Boa Vista e Boa Vista.

Os loteamentos foram criados num contexto de pleno crescimento urbano de

Vitória da Conquista. No entanto, sua ocupação é rarefeita desde sua abertura,

revelando um processo de especulação por parte dos proprietários de grandes e

pequenas áreas, e considerando a ocupação dos loteamentos do entorno e adição

recente de benfeitorias nas proximidades.

No ano de 1977, quando foram licenciados esses loteamentos, foram

Foto 5 - Bairro Boa Vista: Construção Plurifamiliar com quatro pavimentos

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011Fonte:

Foto 6 - Bairro Boa Vista: Condominio Residencial com 2 pavimentos

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011.

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disponibilizados lotes relativamente grandes, com parte da infraestrutura exigida

para ser considerado regular como meio-fio e pavimentação, energia elétrica e

iluminação, e rede de abastecimento de água.

Algumas dessas benfeitorias constituíam, na época, verdadeiros privilégios, já

que toda a área restante do bairro Boa Vista não contava com quase nenhuma

delas, a exemplo de esgotamento sanitário, que foi ampliado para a maioria dos

loteamentos somente em 2010. Segundo informação de um agente imobiliário

entrevistado:

E essa região aqui é uma região muito boa. Esse loteamento Boa Vista é o melhor loteamento que tem aqui na cidade. Em termos de logística do loteamento, os lotes são de 1.000m², enquanto que lá no Candeias os lotes são todos de 400 e poucos metros, dificilmente chega a 500 metros quadrados. Pra fazer uma casa maior tem que chegar a comprar 2, 3, 4 lotes pra construir, e os lotes aqui já são desse tipo. As ruas são bem largas, entre um muro e outro você tem 19 metros de largura, pra no futuro se quiser alargar a rua, com uma área verde comum [...]12

No entanto, a boa localização e a disponibilidade de estruturas como meio

fioe esgotamento sanitário, por exemplo, conflitavam com a dificuldade de acesso à

área dos loteamentos Boa Vista e Alto do Boa Vista. A princípio, o acesso principal

à Avenida Gilenida Alves que margeia os referidos demembramentos e o loteamento

Morada Boa Vista era um desvio de estrada de terra que ligava o bairro Recreio ao

Bairro Boa Vista, fato que representava algumas dificuldades.

A Avenida Gilenilda Alves, existente desde a construção do Condomínio Vila

dos Pinheiros (1986), também não era pavimentada, embora fosse o único acesso

ao condomínio e à área dos Loteamentos Boa Vista, Alto do Boa Vista e Morada

Boa Vista.

Nas fotografias 7 e 8, se pode observar a extensão da Avenida Gilenilda

Alves que, com a criação de novos loteamentos, passou a ser uma importante via de

acesso a diversas novas áreas mais recentemente ocupadas, como o Loteamento

Vila América, por exemplo.

12Depoimento de um empresário da construção civil proprietário de três grandes

empreendimentos imobiliários no Bairro Boa Vista em entrevista concedida para esta pesquisa em Julho de 2011.

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Foto 7 - Bairro Boa Vista: prolongamento da Avenida Gilenilda Alves

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 8 - Bairro Boa Vista: Acesso ao Vila América: Avenida Gilenilda Alves

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A Avenida Juracy Magalhães teve importância como um dos acessos

principais aos Loteamentos Boa Vista, Alto do Boa Vista e Morada Boa Vista, no

entanto, esse acesso demandava a passagem pela área intermediária entre a

avenida e os loteamentos loteamento, um espaço considerável e completamente

sem infraestrutura viária e de transporte.

No ano de 2005, com a inauguração da Avenida Luís Eduardo Magalhães, foi

que os acessos aos Loteamentos Boa Vista, Alto da Boa Vista e Morada Boa Vista

foram amplamente facilitados e a partir desse marco um processo intenso de

valorização, renovação e ocupação se instauram nos loteamentos citados nos

demais componentes do Bairro Boa Vista.

A ocupação da área do Loteamento Boa Vista e seus desdobramentos foi

ainda dificultada pela falta de infraestrutura do entorno: não havia vizinhança e nem

transporte numa área muito extensa que compõe o bairro Boa Vista, exceto pelo

condomínio Vila dos Pinheiros, construído no ano de 1986, cujo acesso é feito pela

Avenida Gilenilda Alves, que só a partir do ano de 2006 ganhou status de acesso

principal, após a construção do Condomínio Green Ville e ao crescimento do

Loteamento Vila América.

Apenas em 2010 foi que a Avenida Gilenilda Alves recebeu a pavimentação

asfáltica, conforme mostram as fotografias 9 e 10.

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Foto 9 - Bairro Boa Vista: sinalização das obras na Avenida Gilenilda Alves

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 10 - Bairro Boa Vista: pavimentação da Avenida Gilenilda Alves e cruzamento com a Avenida Luíz Eduardo Magalhães

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

O logradouro se estende da Avenida Luiz Eduardo Magalhães até o anel

viário no limite Sul do Loteamento Vila América. No entanto, as obras de

pavimentação contemplaram apenas o trecho de acesso aos Loteamentos Boa

Vista, Alto da Boa Vista, Morada da Boa Vista, e se encerram na avenida de acesso

ao loteamento Vila América e aos condomínios Green Ville e Villa Constanza.

O volume de investimento nessa obra mobilizou recursos do município e do

estado totalizando R$ 717.091,23. No entanto, essa verba não contemplou a

pavimentação como infraestrutura, mas apenas como complementação e viabilidade

de acesso, pois como já visto, os loteamentos do bairro “Boa Vista” já contavam com

a estrutura de pavimentação, ainda que antiga.

Como constatado, a intervenção do poder público não atende as

necessidades da maior parte dos moradores do bairro que se concentra no

Loteamento Vila América, cujas novas obras de pavimentação apenas o margeiam.

Por outro lado a obra, ainda que parcial, beneficia os proprietários dos lotes

nos loteamentos Boa Vista, Alto da Boa Vista e Morada do Boa Vista, pois com a

acessibilidade, se tem a possibilidade de agregar maior valor as terras, e com isso

lentamente começa a se notar um maior aproveitamento da área dos lotes com

algumas construções plurifamiliares.

As construções com esse perfil na área ainda são poucas, mas já se

observa uma busca por maior utilização dos lotes, com edificações de até quatro

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pavimentos. Nota-se nessa área a apropriação da acessibilidade como forma de

valorização dos imóveis, cujo preço tem aumentado nas proximidades da avenida

Gilenilda Alves, por exemplo.

Conforme os interesses dos agentes imobiliários e os empreendedores do

mercado de moradia, a questão da infraestrutura representa um composto de

valorização econômica de uma área e, por esse motivo, torna-se um ponto de

tensão na relação com a Prefeitura:

O Alto da Boa Vista quando foi loteado foi todo asfaltado, aí depois que passou, a prefeitura deixou acabar, ficou um bairro sem acesso durante um bom período, depois que foram fazendo os acessos o investimento foi chegando, por isso hoje tem um volume grande de construção aqui no Boa Vista (Depoimento concedido por um empresário da construção civil, Julho de 2011).

Isso ocorre o contrário das demandas populares que consistem nessas

mesmas reivindicações, que ultrapassam o âmbito do conforto e da comodidade. As

demandas da população pobre do loteamento Vila América, por exemplo, as

necessidades deslocamento para o trabalho, acesso aos hospitais, escolas etc..

A diferença de significado que a infraestrutura urbana constitui para cada

classe social fica expressa no argumento de um dos sócios de uma construtora

local, que possui três empreendimentos imobiliários no bairro Boa Vista, para os

quais a própria empresa se dispõe a realizar a pavimentação se esta não ocorrer até

a data da entrega dos apartamentos:

[...] o nosso cliente vai chegar na casa dele com pavimentação. A gente leva a pavimentação a um trecho onde isso não existia, porque o poder público não fez, e acaba que a gente tem que fazer para viabilizar o nosso empreendimento. Isso aí, se você tem um lote que vale “x” e passa o asfalto na sua rua, ele aumenta 10, 20, 30% de valor. Se você tem um lote sem construir e constrói uma casa simples do lado ele tende a perder o valor. Se construir uma casa boa ele tende a aumentar valor. Então o nosso empreendimento no Boa Vista, como é dotado de toda a infraestrutura e de lazer, tem tudo pra valorizar a vizinhança13.

De fato, as benfeitorias realizadas nos loteamentos ou no entorno atraem

mais investimentos, e até mesmo a ocupação, e reproduzem com isso o processo

de valorização seletiva do espaço.

13

Depoimento de um empresário da construção civil, empreendedor de construções verticalizadas no Bairro Boa Vista, concedido em entrevista para esta pesquisa em Julho de 2011

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No loteamento Boa Vista se observa um número crescente de casas, de

padrão residencial, uma boa parte composta por dois pavimentos, configurando uma

ocupação mais recente, ainda que a aquisição dos lotes remonte a um momento

bastante anterior, quando os terrenos tinham um custo menor.

Verifica-se com isso, uma mudança no perfil de atuação dos moradores, já

que os projetos arquitetônicos das edificações residenciais com mais de um

pavimento implicam um custo elevado de licenciamento, inspeção e construção e

confirmam a participação do morador como proprietário imobiliário e agente da

produção do espaço urbano.

Portanto, essa não é uma característica do espaço em si, mas da forma

como é empreendido pelos agentes e ocupado pelos proprietários. Dessa maneira,

pode-se observar uma crescente atividade do mercado imobiliário no bairro, como

se apresenta nas fotos 11 e 12:

O crescimento do número de edificações e moradores ocorreu após a

inauguração do Shopping Conquista Sul em 2006, do Condomínio Green Ville,

também em 2006, e da abertura da Avenida Luíz Eduardo Magalhães, em 2005, o

que constitui um conjunto benfeitorias realizadas pela iniciativa privada (shopping e

o Condomínio) e por investimento dos governos estadual e municipal (na Avenida).

Tais ações somadas configuraram elementos de valorização que

impulsionaram o crescimento da ocupação dos loteamentos Boa Vista e Alto da Boa

Vista. Esse fato situa a área total do bairro Boa Vista numa posição privilegiada da

Foto 11 - Bairro Boa Vista: fachada de um condomínio residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 12 - Bairro Boa Vista: anúncio de aluguel de casas

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

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cidade, nesse novo contexto de organização espacial.

Conforme se pode observar no gráfico 1, as edificações mais simples são

poucas como observado nos anos 2001, 2002, 2003, 2005, 2006, 2008 e 2010.

Verifica-se um declínio da ocupação popular, especialmente a partir de 2005,

quando os loteamentos se afirmam finalmente como residenciais (não populares).

Esse fato demonstra a mudança geral do perfil imobiliário dos Loteamentos

Boa Vista e Alto da Boa Vista, como espaço inserido na dinâmica intensa de

valorização do espaço do bairro.

Gráfico 1 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil de construção nos loteamentos Boa Vista e Alto da Boa Vista

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

A categoria “outros” corresponde a um conjunto de ações basicamente de

alterações de imóveis já existentes: desmembramento14, desdobro15, demolição,

ampliação de projeto residencial, alteração de projeto residencial e subdivisão de

14

Conforme a Lei Municipal 1.481/2007 que “institui o código de ordenamento do uso e ocupação do solo e de obras e edificações do município de Vitória da Conquista – Bahia”, o procedimento de desmembramento é considerado com uma das formas de parcelamento do solo urbano, e conforme o Artigo 8º, Inciso 1º item V consiste em “qualquer divisão de gleba, voltada para logradouro público, de que resultem novas unidades imobiliárias e que não implique abertura de novos logradouros públicos ou ampliação dos existentes” (VITÓRIA DA CONQISTA, 2007 p. 07).

15Conforme a Lei Municipal 1.481/2007, o procedimento de desdobro é considerado com uma das

formas de parcelamento do solo urbano, e conforme o Artigo 8º, Inciso 1º item V consiste na “divisão da área de um lote integrante de loteamento ou de desmembramento para a formação de novo ou novos lotes” (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2007 p. 07).

0

2

4

6

8

10

12

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Quantidade d

e a

lvará

s d

efe

ridos

Ano do deferimento

Residencial (não popular) Popular Comercial Outros

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lotes. Essas mudanças nos imóveis são também indícios de um processo de

valorização que não parte somente dos grandes proprietários e construtores, mas

indica a ação do morador no processo de renovação dos loteamentos a ser

verificado na mudança do perfil imobiliário.

Pode se examinar tais ações considerando conforme os dados do gráfico 1

que a categoria “outros” a partir do ano de 2004 adquire importância devido à sua

crescente presença nos loteamentos pesquisados e a predominância de

construções residenciais tanto por projetos de médio e alto custo quanto por

renovação conforme as fotografias 13 e 14.

Foto 13 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 14 - Loteamento Boa Vista: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Optamos, portanto, por manter a categoria “outros” entre as demais por

observar o crescente número de alterações a partir do ano de 2004, ano

imediatamente anterior a implantação da Avenida Juracy Magalhães. Por este

motivo, a categoria de alteração de imóveis já construídos (“outros”) também está

relacionada à localização relativa a equipamentos urbanos que representam a

valorização econômica da área dos loteamentos e com isso a mudança no perfil

imobiliário.

De acordo com o levantamento dos custos dos alvarás de construção

realizado junto à Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, a média geral do custo

das licenças desde o ano de 2000 corresponde aproximadamente ao valor de R$

811. Esse valor e o perfil de moradia correspondente – residencial (não popular)

apontam para o fato de que não se trata de uma área de ocupação popular, pois tal

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padrão de habitação atende às famílias de grupos de renda mais elevada.

4.3.2 Os loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque, Morada dos

Bem-te-vis e Fluminense

Esses desmembramentos surgiram num contexto mais recente em que a

ocupação do entorno do bairro já estava definida, e os próprios loteamentos do

Bairro Boa Vista já contavam com algumas benfeitorias, como transporte coletivo e

iluminação.

Há nos loteamentos pesquisados a inicial predominância de habitações

populares que chegam a sobrepor-se sobre o volume de construções residenciais no

período até o ano de 2001. Conforme se pode observar no gráfico 2:

Gráfico 2 - Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções nos loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque, Morada dos

Bem-te-vis e Fluminense

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

Essas áreas passaram por um intenso processo de valorização e rapidamente

se deu a ocupação dos lotes com construções unifamiliares e plurifamiliares16.

16

Termos técnicos adotados pela Secretaria Municipal de Obras que consiste na definição da

0

5

10

15

20

25

30

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Qu

an

tid

ad

e d

e a

lvará

s d

efe

rid

os

Ano do deferimento

Residencial (não popular) Popular Comercial Outros Comercial e residencial

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O Código de Posturas17 do município no Arigo 5º, ítem III que discorre sobre o

Zoneamento Urbano, classifica a Avenida Luis Eduardo Magalhães como Corredor

de Uso Diversificado (VITÓRIA DA CONQUISTA, 2007 p. 04), uma área onde é

permitida a construção residencial e comercial, e por isso uma importante área de

valorização, já que se articula com um corredor de circulação viária regional – a

Avenida Juracy Magalhães.

Pode-se ressaltar que até o ano de 2004 havia uma ocupação “tímida”,

considerando o número de licenças/alvarás liberados, com a predominância de

construções populares e residenciais não populares, o que é revertido a partir do

ano de 2005. Nesse ano passa a existir uma dinâmica diversificada na produção do

espaço nessas áreas do bairro, com a predominância das construções residenciais,

e da categoria de renovação (outros) como se pode conferir nas fotos 15 e 16.

Foto 15 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 16 - Loteamento Morada dos Bem-te-vis: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Os loteamentos, cujo acesso via Avenida Luiz Eduardo Magalhães ou pela

Avenida Juracy Magalhães é imprescindível, passaram a fazer parte também desta

dinâmica. Dessa maneira, o ano de 2005 tornou-se marco temporal do início do

processo de valorização imobiliária desses loteamentos, pois foi quando houve a

quantidade de famílias que ocupa uma construção residencial. O termo unifamiliar designa edificações voltadas para o uso de moradia de apenas uma família, já o termo plurifamiliar corresponde a uma propriedade residencial que não tem apenas a função de moradia da família ou empresa proprietária, mas abriga em um mesmo lote varias residências. Assim se podem classificar os condomínios/ blocos verticalizados, por exemplo.

17 Termo de referencia a Lei Municipal 1.481/2007.

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abertura da Avenida Luiz Eduardo Magalhães.

Através da evolução anual do perfil de habitação, pode-se aferir a forte

vinculação da produção do espaço do bairro com a presença e a implantação e

novos equipamentos urbanos. No entanto, se confere a presença crescente do

padrão residencial verificadas nas fotografias 17 e 18 que é correspondente a uma

classe social diferenciada, como resultado da localização estratégica dos

loteamentos, incorrendo no custo elevado dos imóveis.

Foto 17 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 18 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de uma construção residencial

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A categoria “outros”, mostrada no gráfico 2, acompanha o crescimento do

número e a evolução do padrão das edificações, e se caracteriza por um conjunto de

ações dos moradores, que consiste em realizar benfeitorias nos imóveis como

projeto arquitetônico, a alteração das fachadas, ampliação, ou legalização dos

imóveis sem registro por exemplo.

O morador passa a distinguir o bairro não apenas como lugar de moradia e

vizinhança, mas como espaço de valorização, e o imóvel torna-se passível de

comercialização lucrativa. Isso corresponde à valorização imobiliária provocada,

sobretudo, pela localização relativa das áreas dos loteamentos, agora, cercadas de

acessos viários importantes: Avenida Juracy Magalhães e Avenida Luiz Eduardo

Magalhães, que motivaram os moradores a promover benfeitorias em seus imóveis.

Conforme se pode observar nas fotografias, há um efetivo investimento no

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projeto arquitetônico dos imóveis, o que embeleza e valoriza a paisagem do bairro,

atraindo interessados grupos de renda mais elevados para essa área da cidade, o

que se verifica com o aumento de edificações residenciais com mais de um

pavimento e com projeto arquitetônico notadamente bem elaborado.

A repercussão na produção do espaço os efeitos da presença de

equipamentos urbanos como a construção do Shopping Grand Ville que sequer

chegou a ser concluído, mas cuja construção inicialmente desencadeou uma

especulação bastante grande na área, e o acesso principal com a Avenida Luiz

Eduardo Magalhães.

No loteamento Morada do Parque a proximidade com as vias principais, neste

caso, a Avenida Luiz Eduardo Magalhães, é explorada com vistas à maior

valorização dos lotes menores, conforme se pode verificar nas Fotos 13 (loteamento

Morada do Parque) e 14 (loteamento Esplanada do Parque).

Foto 19 - Loteamento Morada do Parque aspecto de uma construção plurifamiliar com cinco pavimentos

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 20 - Loteamento Esplanada do Parque: aspecto de construções plurifamiliares

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Também no loteamento Esplanada do Parque até mesmo o acesso

secundário constitui-se com a ocupação dos demais loteamentos do Bairro Boa

Vista, num importante corredor viário que atende principalmente aos itinerários do

transporte coletivo pra quase todo o bairro Boa Vista.

Por esse motivo, a avenida Laura Nunes que se entronca com a avenida Luíz

Eduardo Magalhães para o acesso ao Centro da cidade, à UESB (Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia), e ao Shopping Conquista Sul por exemplo, apesar

da falta de pavimentação, apresenta formas de construção que exploram a

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importância da localização com residências plurifamiliares verticalizadas.

Nesse sentido o morador começa a se inserir no processo de valorização,

empreendendo as mudanças nos imóveis. Marx (2001) aponta a possibilidade de

subsunção do valor de uso em valor de troca no qual a propriedade da terra, e em

nosso estudo a propriedade imobiliária urbana, passa a ter um significado relativo

para o próprio morador: “se trata de desenvolver o valor econômico, isto é, a

valorização deste monopólio sobre a base da produção capitalista” (MARX, 2001 p.

253).

O processo de valorização, contraditoriamente, no loteamento Esplanada do

Parque ocorre a revelia da disponibilidade de infraestrutura, como se pode constatar

nas fotografias 21 e 22..

Foto 21 - Loteamento Esplanada do Parque : aspecto de uma rua

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 22 - Loteamento Esplanada do Parque – construção residencial plurifamiliar verticalizada (Av. Laura Nunes)

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Os loteamentos Esplanada do Parque, Morada do Parque, Fluminense e

Mariana foram criados na década de 1990, num contexto de urbanização intensa

marcado pelo crescimento acelerado da população urbana em detrimento da

população rural e pelo crescimento das atividades econômicas no Centro da cidade.

As edificações de perfil plurifamiliar verticalizado examinadas nas fotografias

são novas formas de empreendimento no bairro, formas recentes de apropriação do

espaço nesses loteamentos, correlativas ao “despojamento” das orladuras originais,

para assumir a forma “puramente econômica” (MARX, 2001).

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Verifica-se com isso alteração significativa da paisagem com a introdução do

padrão vertical das edificações, que é indicativa do encarecimento das terras cuja

estratégia de verticalização vem contribuir para a maior lucratividade dos lotes de

terrenos adquiridos na localidade.

Trata-se de uma localidade amplamente construída e habitada, cujos acessos

principais carecem de atendimentos básicos como iluminação publica e

pavimentação.

A consolidação da cidade de Vitória da Conquista como centralidade urbano-

regional, que foi confirmada a partir do final da década de 1970, e reforçada na

década de 1990 com o crescimento do comércio, da Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia - UESB, e da rede de saúde pública e privada, contribuiu

significativamente para a agregação de valor econômico as terras urbanas.

O novo Plano Diretor Urbano, em vigor desde 2003, passou por um amplo

processo de elaboração envolvendo empreendedores, construtores, engenheiros,

geógrafos e a comunidade, com vistas normatizar a produção do espaço urbano

definindo áreas de expansão preferencial voltadas para a proximidade com

corredores viários alternativos aos já habitualmente em uso.

Com isso, o bairro Boa Vista passa a ser alvo de investimentos não apenas

dos agentes privados, mas também da Prefeitura Municipal constituindo-se como

uma das áreas de expansão preferencial.

Pela proximidade com a Avenida Luiz Eduardo Magalhães, no contexto de

ordenamento dos investimentos agentes privados, os loteamentos Esplanada do

Parque e Morada do Parque ambos adjacentes a esta via de circulação, os

loteamentos Fluminense e Mariana, tornaram-se uma zona residencial “privilegiada”

da cidade.

Os moradores cuja maioria também têm a habitação como objeto de

investimento estão inseridos no processo de valorização de seu bem com ações

pontuais, reproduzindo dessa maneira o processo de desenvolvimento desigual do

espaço urbano, o que implica a segregação sociespacial.

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105

4.3.3 O Loteamento Jardim Guanabara

Licenciado em 1977, é um dos mais antigos do bairro Boa Vista. A venda dos

lotes por parte da empresa loteadora transcorreu por um longo período que se

entendeu até o final dos anos 1990. Nesse contexto, os prazos de pagamento eram

bastante estendidos, e por esse motivo os valores parcelados se fixavam em

quantias mensais relativamente baixas.

Os terrenos do loteamento tem dimensões bastante amplas (lotes de

aproximadamente de 315 m²). Assim, as edificações são na maioria casas com

apenas o pavimento térreo e predominam habitações de perfil popular. Já nos lotes

voltados para Avenida Juracy Magalhães predomina o perfil comercial das

edificações.

O momento econômico de criação do referido loteamento, cujo processo de

urbanização e a afirmação da centralidade urbano-regional da cidade de Vitória da

Conquista ainda era inicial, explica certa lentidão na venda dos lotes e também na

ocupação. No ano de 1977, por exemplo, a avenida Juracy Magalhães não

constituía um corredor de tráfego urbano e regional tão importante para a

valorização intraurbana.

Segundo o levantamento realizado junto a Secretaria Municipal de Obras, as

alterações consistiram basicamente em ampliações e subdivisões de lotes, dos

quais a quantidade de ampliações consiste em 40% das alterações realizadas no

Loteamento Jardim Guanabara e a quantidades de subdivisões chega a 45% dos

alvarás deferidos para essa área entre 2000 e 2011.

A área do loteamento faz parte da origem do bairro Boa Vista, de um período

em que a produção da raridade do espaço estava seu início. Mas isso pode ser

explicado em virtude de tratar-se de uma área residencial relativamente distante do

Centro da cidade e com infraestrutura ainda precária, porém, com localização

relativa interessante para dinâmica do mercado imobiliário.

O loteamento em questão, conforme a pesquisa realizada, cujos dados se

conferem no gráfico 3, tem como predominância nas licenças deferidas os

procedimentos de renovação, o que demonstra uma adequação recente dos

moradores e proprietários de lotes ao novo contexto de valorização do bairro Boa

Vista.

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Gráfico 3 – Bairro Boa Vista: edificações e perfil de construção no loteamento Jardim Guanabara

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

O Loteamento Jardim Guanabara concentra ainda um número pequeno, mas

importante de pequenas e médias indústrias que remonta aos últimos 20 anos (1990

a 2000). A localização desses estabelecimentos pode ser explicada pelo baixo preço

da terra na ocasião da abertura do loteamento e à imediação da Avenida Juracy

Magalhães, que favorece o deslocamento das mercadorias e matéria-prima das

fábricas instaladas nas primeiras quadras localizadas em ruas perpendiculares à

avenida.

Nos registros da Secretaria Municipal de Obras dos últimos 10 anos (2001 a

2010) não constam construções industriais; a pesquisa de campo identificou que

esse tipo de uso em períodos mais recentes resultam de adaptações de galpões

comerciais vizinhos.

4.3.4 O loteamento Conquistense

Uma área densamente ocupada do bairro Boa Vista é o Loteamento

Conquistense. Licenciado em 1996, ocupa a área de continuidade dos loteamentos

Boa Vista, Alto da Boa Vista, Morada da Boa Vista, Jardim Guanabara, Morada do

Parque e Fluminense. A densa ocupação do loteamento Conquistense se deve ao

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período de implantação e ao baixo preço dos lotes vendidos por parcelamento, cujas

dimensões são bem reduzidas (cerca de 150 m²).

Conforme se pode ratificar com os dados da pesquisa expostos no gráfico 4,

a partir do ano de 2008 passam a predominar as construções residenciais (não

populares) e as atividades de renovação que mais uma vez revelam o papel do

morador como agente do processo de valorização imobiliária:

Gráfico 4 – Bairro Boa Vista: edificações e perfil das construções no loteamento

Conquistense

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

A implantação e ocupação desse loteamento remonta a uma época de

intenso fluxo de pessoas vindas dos municípios circunvizinhos e a um período de

forte déficit habitacional18. Com isso, foi criada uma demanda por moradia, fato que

ensejou a oportunidade de os proprietários de terras urbanas se aproveitarem para

comercializar os lotes menos privilegiados, quanto a acesso, localização e

infraestrutura.

Diante desse contexto, a estratégia do loteamento popular funcionava

plenamente, de forma que os proprietários de terras se deparavam com

possibilidade de lotear parcelas de terra com um investimento baixíssimo, apenas

com o arruamento e a retirada “do mato”.

18

De acordo com Almeida (2005), a Bahia concentrava até 2000 o maior déficit habitacional do Nordeste, participando com 22% da demanda. Conforme a autora o déficit habitacional do município de Vitória da Conquista em 2005 era de 8.653 unidades.

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Comercial Outros Popular Residencial (não popular)

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Confome Capel (1975), o preço dos imóveis é resultado das estratégias dos

proprietários de terras na organização e distribuição das benfeitorias no espaço

urbano: “A morfologia urbana é resultado das opções e decisões adotadas por estes

agentes” (CAPEL, 1975, p. 38).

A paisagem do loteamento Conquistense é constituída por uma quantidade

expressiva de casas sem acabamento, ou parcialmente construídas, o que evidencia

a presença na localidade como área de moradia e de perfil de população pobre,

conforme se pode verificar nas fotos 23 e 24.

. Foto 23 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 24 - Loteamento Conquistense: aspecto de uma rua

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

No caso do loteamento Conquistense a ocupação nos primeiros anos de

nossa análise se deu rapidamente, graças ao perfil dos proprietários dos lotes, que

tem a moradia como uma necessidade imediata.

O contexto de valorização recente do bairro Boa Vista trouxe também a o

loteamento Conquistense a mudança no perfil imobiliário. Isso se fundamenta no

perfil da proposta inicial do loteamento, para a qual a própria empresa loteadora

admite ter realizado um loteamento “que qualquer trabalhador pudesse pagar”19.

Como resultado da constituição do loteamento Conquistense há o predomínio

de alvarás de construção de padrão popular no intervalo de tempo compreendido

entre os anos de 2000 e 2004.

Esse perfil de moradia difere em muito o loteamento Conquistense dos

19

Depoimento de um agente/empresário loteador concedido em entrevista para essa pesquisa em Janeiro de 2011.

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vizinhos mais próximos e anteriores, como no caso do loteamento Morada do

Parque, o qual foi lenta e recentemente ocupado configurando-se mais como uma

área para a prática da especulação habitacional.

Atualmente, o loteamento Conquistense passa por muitas transformações, já

que sua área quase que total já foi construída, o que justifica o crescimento das

atividades de renovação expressas na categorias outros no gráfico 5. No entanto,

recentemente a área passou pelo processo de expansão da rede de coleta do

esgotamento sanitário da cidade, mas tem problemas de infraestrutura como

drenagem, pavimentação e iluminação, dentre outras.

4.3.5 O loteamento Porto Seguro

Situa-se à margem esquerda da Avenida Juracy Magalhães e constitui o

mais recente loteamento residencial do bairro Boa Vista. Sua implantação ocorreu

em 2003, num contexto em que o bairro Boa Vista já havia se tornado uma área de

crescimento preferencial da cidade, cujo preço da terra passava por um processo de

revisão de valores, devido ao processo de valorização imobiliária em curso.

Nesse loteamento os lotes foram vendidos rapidamente, embora as partes

voltadas para a Avenida Juracy Magalhães, em sua maioria, ainda não estão

ocupadas. Credita-se esse fato a um processo de especulação imobiliária, pois é um

setor de terrenos bem localizados em relação à infraestrutura e a equipamentos

comerciais importantes, como o Shopping Conquista Sul.

Conforme aponta Smith (1988), “São as relações espaciais, se entendidas em

termos de espaço absoluto ou espaço relativo, que estão nas bases de nossas

análises de localização” (SMITH, 1988. p.130).

Quando se identifica que também os proprietários de lotes passam a explorar

a localização relativa, mais uma vez se ratifica o papel do pequeno proprietário, ou

mesmo do morador, como agente. Isso ocorre mesmo quando o proprietário não

ocupa o terreno, condição para a qual também se coloca a possibilidade de

especulação.

O Loteamento Porto Seguro tem uma área total pequena, com predominância

de perfil residencial (e coexistência em quantidade menor porém significativa de

construções populares) conforme apontam os registros da SMOU, verificados no

gráfico 5.

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Gráfico 5 – Bairro Boa Vista: edificações e perfil de construção no loteamento Porto Seguro

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

Entretanto, o que se observa na paisagem do loteamento é a quase totalidade

das edificações residenciais, o que pode indicar a manipulação dos alvarás de

construção por parte dos moradores.

Conforme o gráfico 5, nos anos de 2003 e 2004 não constam na SMOU

registros de alvarás de construção para essa área. Com isso pode-se deduzir que as

construções no loteamento Porto Seguro foram influenciadas pela inauguração do

Shopping Conquista Sul em 2006, e que só a partir desse ano imediatamente

anterior a esse fato é que o loteamento passou a ser efetivamente ocupado.

Em 2010, com a ampliação do Shopping Conquista Sul e a construção de

condomínios residenciais, como o Conjunto Morada Sul, Sul Residence e Sul

América, a área do loteamento Porto Seguro recebeu um número maior de

construções, inclusive de edificações plurifamiliares com mais de dois pavimentos

como indicativo de uma dinâmica de valorização do espaço do loteamento.

De acordo com os dados do gráfico, se pode aferir que se trata efetivamente

de uma área residencial, cujos alvarás de construção tem um custo financeiro

relativamente alto, devido ao perfil de moradia pretendido. Neste loteamento

autorizações/alvarás para construções populares, mas em uma quantidade muito

inferior ao número de edificações residenciais. O perfil popular dificilmente é

identificado nesse loteamento, conforme se verifica nas fotos 25 e 26.

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O processo de verticalização que se inicia nesse contexto demonstra a

valorização da terra relativa a localização. No entanto, o custo dos imóveis

multiplicados com a verticalização não é rebaixado.

Souza (2009) aponta que os preços dos “produtos” não são questionados,

pois o consumo de áreas com certa valorização e associação de benfeitorias é

garantido por classes sociais equivalentes. Dessa forma, apropria-se da localização

relativa para extrair a renda de monopólio das áreas privilegiadas

O loteamento Porto Seguro apresenta características socioespaciais

semelhantes aos seus congêneres Morada do Parque, Morada dos Bem-te-vis, e

Esplanada do Parque: a ocupação por construções de padrão residencial, com custo

de licenciamento alto e padrão construtivo também elevado.

A negociação rápida dos lotes de terrenos nesse empreendimento,

relativamente bem localizado, indica a busca da obtenção da renda de monopólio

por parte de seus proprietários atuais num futuro próximo, tendo em vista a terra

urbana e suas benfeitorias já estarem valorizadas indiretamente pelo incremento de

melhoramentos na vizinhança.

Isso confirma o duplo interesse dos proprietários de frações da terra urbana e

suas benfeitorias, como afirma Harvey (1984, p. 135): “[...] numa economia

capitalista um indivíduo tem duplo interesse na propriedade, ao mesmo tempo como

valor de uso atual e futuro e como valor de troca potencial ou atual [...]”.

Nesse sentido, Harvey (1984, p. 135), assinala que o monopólio de parcelas

de terra urbana e de suas benfeitorias muda o uso, o significado e a relação com o

Foto 25 - Loteamento Porto Seguro: construção plurifamiliar

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 26 - Loteamento Porto Seguro: construções residenciais

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

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espaço urbano: “[...] este principio, quando institucionalizado como propriedade

privada, tem ramificações muito importantes para a teoria do uso do solo urbano e

para o significado do valor de uso e do valor de troca” dessa mercadoria.

Essa fundamentação pode se comprovar com a realidade da ocupação dos

loteamentos já mencionados, quando em face do processo de valorização, os

moradores e os proprietários de lotes passam a empreender suas moradias com

vistas a valorização imobiliária. Isso remonta a mudança no significado do valor de

uso, que não consiste apenas na moradia, mas se desdobra na constituição de um

patrimônio negociável e lucrativo.

O loteamento Porto Seguro foi ocupado por uma classe social que por sua

condição econômica, garantiu a aquisição daqueles lotes de terreno com preços em

elevação, devido principalmente a localização relativa.

No contexto de sua implantação isso funcionou como estratégia de vendas,

mas só após a inauguração do Shopping Conquista Sul é que a ocupação

residencial começou a acontecer e tem se intensificado com a construção de

edificações de perfil elitizado.

Com isso, se reforça o processo de segregação socioespacial, pois as

benfeitorias realizadas estão inseridas num contexto espacial de valorização cujos

custos financeiros são restritos a uma classe socialmente privilegiada.

4.3.6 Um assentamento popular no bairro Boa Vista – o Loteamento Vila

América

Por força da Lei Nº. 1.186, sancionada no ano de 2003, a Prefeitura Municipal

de Vitória da Conquista instituiu a ampliação do Programa Municipal de Habitação

Popular e criou o Conselho e o Fundo Municipal de Habitação Popular, que teve

grande importância na organização do espaço urbano com amplas repercussões no

bairro Boa Vista.

A criação dessa lei derivou de decretos federais e municipais anteriores, da

realidade da ocupação urbana de forma irregular, por falta de legalização fundiária,

pela indisponibilidade de infraestrutura urbana, pela pressão dos grupos sociais

excluídos e ainda pelas condições precárias dos locais e da topografia dos terrenos,

ou mesmo por questões de ocupações de áreas inadequadas e de risco, a exemplo

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da encosta da Serra do Peri Peri.

É nesse contexto que o bairro Boa Vista recebeu uma importante contribuição

para o adensamento de uma grande parte de sua área: o Loteamento Vila América.

Efetivamente, a década de 1990 foi marcada por uma forte urbanização no sentido

mais largo do termo.

A cidade de Vitória da Conquista vivenciou um expressivo crescimento

urbano, em face do êxodo rural reforçado no final da década de 1980, especialmente

após a crise do café e as implicações da legislação trabalhista no campo (FERRAZ,

2001), associada ao deslocamento do fundamento econômico baseado na

agricultura para a indústria, o comércio e para a prestação de serviços.

A população que migrou do campo para a cidade formou uma demanda por

habitação nos distintos estratos de renda, situação especialmente observada no

período entre os anos de 1950 e 1990 quando a população do município

quadruplicou. Somado a isso, o papel de centralidade urbana de Vitória da

Conquista atraiu populações também dos municípios vizinhos.

Esse acréscimo anual de população acentuou o déficit habitacional na cidade,

que incorreu na necessidade de reorganização da política de habitação pois, os

resultados do crescimento econômico intensificaram a dificuldade para a gestão do

espaço e ao mesmo tempo em que a segregação social torna-se uma necessidade

para o desenvolvimento capitalista da cidade.

Especialmente a partir de 1997 uma nova política de redução do déficit

habitacional do município foi criada e consistia em estabelecer um programa

permanente de acesso a moradia popular, baseado numa demanda a ser

diagnosticada pelo cadastramento das famílias carentes, através da Secretaria

Municipal de Habitação Popular criada para este fim especifico.

Em decorrência dessa sistematização do problema habitacional, a PMVC

adquiriu uma extensa gleba de terras a ser loteada em etapas seguintes do

Programa Municipal de Habitação Popular - PMHP. Essa foi uma das principais

marcas da mudança de perfil político da administração municipal.

Os assentamentos já existentes desde 1991, resultados de políticas de

governos anteriores, atendiam a um número reduzido de famílias, em ações

pontuais em áreas da periferia pobre da cidade.

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Segundo Almeida (2005 p.67), do ano 199120 quando se instaurou a primeira

iniciativa do poder público municipal – PPM - voltada para a habitação popular, até o

ano de 199721 foi disponibilizado um total de 3.091 entre lotes doados e

regularização de ocupações. De acordo com o levantamento feito pela autora, o

número de famílias atendidas era inferior a demanda por moradia, o chamado déficit

habitacional que já nessa época era bastante alto.

De acordo com a investigação de Almeida (2005), o PMHP segundo os

parlamentares da época, era um instrumento importante de controle político, pois

evitava a ação de “oportunistas” na mobilização dos sem-teto para a ocupação de

novas áreas da cidade.

Assim, pode-se perceber sérias limitações na proposta que, estando voltada

apenas ao controle das ocupações e dos movimentos sociais dos excluídos, limita o

acesso a moradia apenas a distribuição de casas e lotes, submete a necessidade de

pensar coletivamente o problema da habitação e o reduz à mera conveniência

político-administrativa.

A partir de 1997, com a mudança política de governo do poder público

municipal, quando o Prefeito Guilherme Menezes (PT) entrou em exercício, pode se

verificar o caminho de institucionalização de um Programa Municipal de Habitação

Popular (PMHP) da cidade de Vitória da Conquista.

Não apenas o quantitativo de imóveis disponíveis foi ampliado, mas uma

ampla mudança na condução política de habitação incluindo a participação popular,

com a realização da 1ª Conferência Municipal de Habitação Popular, no ano de

2003, que resultou na criação de um Conselho Municipal de Habitação, e de uma lei

municipal que identifica as áreas inadequadas e os procedimentos para a realização

da habitação de interesse social, a lei nº 1.186/200322.

A partir do ano de 1999 foi iniciada a distribuição de lotes e casas no

loteamento Vila América, no bairro Boa Vista. Isso resultou por formar a maior área

de assentamento popular da cidade de Vitoria da Conquista, com cinco loteamentos

e três conjuntos habitacionais compostos por casas populares construídas e doadas

pelo município.

Segundo a legislação municipal (Lei Nº 1.186/2003), as principais áreas de

20

No Governo do Prefeito Murilo Mármore do PMDB (Cf. COELHO, 2005). 21

No Governo do Prefeito José Pedral Sampaio do PMDB (Cf. COELHO, 2005). 22

Informações obtidas com o encarregado da SMHP através de entrevista concedida no ano de 2011 para esta pesquisa.

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ocupação irregular se encontravam em diversos pontos da cidade, se caracterizando

com área de risco, encostas e áreas de preservação ambiental entre outras.

Tais condições apontavam para uma realidade de total falta de acesso à

moradia. Por esse motivo, o número de moradores do loteamento Vila América é tão

expressivo, pois consiste na soma dos ocupantes de diversas áreas irregulares da

cidade, inseridos no novo programa de habitação municipal.

A tabela 2 mostra a importância do loteamento Vila América em termos de

acréscimo populacional, adensamento do bairro Boa Vista e na participação nas

quantidade de edificações em todo o município atestando com tal expressividade, o

déficit habitacional em Vitória da Conquista.

Tabela 2 - Vitória da Conquista: participação do loteamento Vila América no total dos alvarás de construção deferidos no município de 2000 a 2010

Ano Vitória da Conquista Loteamento Vila

América

Percentual de participação do Loteamento Vila América no total das licenças deferidas

2000 1.519 617 41%

2001 887 200 23%

2002 1.045 539 52%

2003 707 74 10%

2004 894 466 52%

2005 675 244 36%

2006 776 207 27%

2006 773 251 32%

2008 840 197 23%

2009 757 146 19%

2010 757 288 38% Media Geral (2000 -2010) 875 294 32%

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

Como já mencionado anteriormente, a capacidade de atração populacional

em escala urbano-regional e o decorrente processo de valorização da terra e

exclusão da população mais pobre, contribuíram imensamente para o aumento do

déficit habitacional.

Esse fator motivou a criação de critérios específicos para a concessão do

beneficio da moradia pelo programa, que garanta, além da necessidade da moradia,

que a família beneficiada pertença ao déficit habitacional municipal com a

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comprovação do domicilio eleitoral em Vitória da Conquista23. A exigência dessa

comprovação indica que a importância urbana de Vitória da Conquista atrai

realmente fluxos e divisas, ao mesmo tempo em que se torna um problema para a

gestão do espaço e das demandas sociais.

A participação do loteamento Vila América no número de edificações

regulares no ano 2000 chegou a mais de 40% dos alvarás deferidos, conforme a

coleta de dados realizada para essa pesquisa, o que caracteriza uma ampla

contribuição na oferta de moradia na cidade. Esse indicador aponta para a questão

de que a produção da moradia pelos agentes privados não busca atender as

camadas mais pobres, ao contrário limita o acesso dessas populações a cidade

valorizada.

Ao longo do tempo observa-se uma mudança do tipo de imóvel entregue às

famílias nessa localidade; os crescentes investimentos dos governos municipal,

estadual e federal favoreceram a mudança do tipo de imóvel que passaram a incluir

casas organizadas em conjuntos habitacionais, o que se pode verificar com a queda

no número de alvarás emitidos a partir de 2005.

Conforme se pode verificar nas fotos 27 e 28:

Foto 27 - Loteamento Vila América: aspecto de uma casa do Programa Municipal de Habitação Popular

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 28 - Loteamento Vila América: Conjunto habitacional do Programa Municipal de Habitação Popular

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

O perfil dos moradores do loteamento/assentamento Vila América, segundo

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exigências da PMVC, é constituído por famílias cuja renda não pode ultrapassar três

salários mínimos, dentre as quais as com menor rendimento têm prioridade; que

sejam comprovadamente residentes no município de Vitória da Conquista há no

mínimo dois anos; que não possuam imóveis nesse ou noutro município; não

podendo pleitear junto ao programa mais de um imóvel; e prioritariamente aquelas

com o maior número de filhos, residentes em áreas de risco, e chefiadas por

mulheres, conforme a lei municipal nº 1.186/2003.

Pode-se, por fim verificar uma tendência declinante da participação do

loteamento Vila América no crescimento do bairro, visto que há o esgotamento de

terrenos destinados a assentamentos, que segundo a Secretaria Municipal de

Habitação Popular ultrapassa 3.500 lotes, e devido ao tempo de criação do

loteamento, há também uma mudança no perfil imobiliário decorrente do processo

de renovação imobiliária e da valorização em curso.

As primeiras etapas do assentamento das famílias na área do loteamento Vila

América consistiam na entrega de lotes para a construção sob total responsabilidade

do futuro morador.

A partir de 2002, com a criação da Lei Municipal de Habitação Popular e do

Conselho Municipal de Habitação, os contornos do loteamento Vila América foram

ampliados, e com isso ampliou-se também a quantidade de lotes para a habitação

de interesse social.

Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, nesse mesmo ano se iniciaram

os convênios com os governos estadual e federal para a construção de casas24.

Com isso foi construído o primeiro conjunto de casas, com 30 unidades

padronizadas.

Segundo informações da SMHP (Secretaria Municipal de Habitação Popular),

as etapas mais recentes do programa contam, portanto com a construção de casas

organizadas em conjunto habitacionais em novas áreas do loteamento. O convênio

com o governo federal – Programa Morar Melhor desde 2002, se desdobrou em

outras etapas posteriores, com maior quantidade de unidades habitacionais e melhor

qualidade das habitações.

Em 2004, um novo programa que articulou a esfera federal e municipal

permitiu a construção de 200 novas unidades, num conjunto de casas no

24

Conforme depoimento do responsável pelo PMHP, concedido em entrevista para essa pesquisa em Junho de 2011.

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prolongamento da Avenida Gilenilda Alves, que se avizinha a área de propriedade

da particular, onde hoje se encontra o condomínio Green Ville.

Inicialmente, toda a área loteamento Vila América era destinada a edificações

do tipo popular, mesmo as glebas loteadas por empresas privadas, havia, pela

localização e pela precariedade da infraestrutura e serviços públicos urbanos, a

tendência a esse perfil. As fotos 31 e 32 expõem, no entanto, novas ações dos

agentes privados no loteamento:

Foto 29 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos habitacionais

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 30 - Loteamento Vila América: divulgação de empreendimentos habitacionais

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A partir de 2005, diversas construções comerciais e residenciais inclusive com

mais de um pavimento, foram autorizadas na parte privada da área, loteada pela

empresa ECOSANE25. Essas construções marcam uma ação intensa de pequenas

empresas construtoras que começam a explorar as imediações do Vila América,

como se pode verificar nas fotografias 31 e 32.

Segundo observado em campo, a pavimentação, os itinerários de transporte

coletivo, a construção de escolas, praças, posto de saúde foram internalizadas como

fatores de valorização imobiliária do loteamento Vila América.

Esses recursos, associados com a ocupação do entorno, a proximidade com

condomínios fechados, com o shopping e com os principais corredores de acesso e

transporte coletivo, sustentaram as ações das construtoras qua passasram a investir

25

Conforme depoimento do responsável pelo PMHP, concedido em entrevista para essa pesquisa em Junho de 2011.

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na produção de moradias de perfil residencial e não popular, conforme se verifica

nas fotos

Os agentes particulares do desenvolvimento urbano se apropriam das ações

de governo na implantação de equipamentos e estruturas de circulação, algo

completamente fora da suas ações que visam o interesse privado, e com isso

encontram formas de comercializar imóveis com certo grau de valorização mesmo

em áreas populares. Conforme se observa nas fotos 33 e 34.

Foto 31 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas privadas

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 32 - Loteamento Vila América: casas construídas por empresas privadas

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Dentro da área de assentamento do PMHP, atualmente, o loteamento Vila

América conta com um grande número de imóveis de “autoconstrução” embora,

segundo a SMHP, já totaliza cerca de 900 casas construídas com recursos de

convênio com os governos municipal, estadual e federal:

Nós temos ainda uma reserva de terras que são da Prefeitura, dessa gleba adquirida em 1997, em que não foi feita ainda a abertura de ruas. Dá mais de mil lotes, que nós já temos mapeados no projeto, mas lá no local ainda não foi demarcado [...] há pretensão da Prefeitura de futuramente realizar a abertura dos Lotes, ou de construir casas para os servidores do município.26 (Depoimento concedido pelo responsável pela Secretaria Municipal de Habitação, 2011).

A possibilidade de esgotamento da disponibilidade de lotes no loteamento Vila

26

Informações obtidas com o depoimento do responsável pela Secretaria Municipal de Habitação, em entrevista concedida no ano de 2011 para esta pesquisa.

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América para a distribuição gratuita dos imóveis fez com que a disponibilidade de

equipamentos urbanos e infra-estrutura, como transporte coletivo, escolas, postos

de saúde e acessos viários fosse apropriados pelos agentes capitalistas. Nessa

lógica, cabe reiterar as firmações de Marx (2001):

Não apenas se vende a terra (de imediato) e sim o solo melhorado, o capital incorporado à terra que não havia lhe custado nada. Este é um dos segredos completamente fora do movimento da renda do solo propriamente dita, do crescente enriquecimento dos proprietários de terra, do continuo incremento de suas rendas e do crescente valor financeiro de suas terras com o progresso da evolução econômica (MARX, 2001, p. 255).

O papel subsidiário do Estado que se desdobra em ações dos governos

municipal, estadual e federal também aparece como algo que fomenta e sustenta a

exploração da renda imobiliária urbana conforme indica o texto supracitado.

É nesse quadro que se pode compreender a gradativa diminuição das

construções de perfil popular e o crescimento recente do número de construções

residenciais não populares, conforme indica o gráfico 6:

Gráfico 6 – Bairro Boa Vista: construções e perfil das edificações no loteamento Vila

América

Fonte: Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo (Coleta de dados, 2011). Organização: Ione Rocha

A proximidade com equipamentos importantes como o Shopping Conquista

Sul e a Avenida Juracy Magalhães e a vizinhança com grandes empreendimentos

0

100

200

300

400

500

600

700

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Qu

an

tid

ad

e d

e a

lvará

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efe

rid

os

Ano do deferimento

Popular Residencial (não popular) Comercial Outros

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habitacionais, a exemplo dos condomínios Villa Constanza, Green Ville, Morada Sul,

Sul América e Sul Residence, Cidade das Flores e Cidade Jardim, esses dois

últimos com previsão de entrega para o ano de 2012 e 2013, faz com que o preço

das habitações no loteamento Vila América passem por um novo ciclo de

valorização econômica.

O perfil da habitação no loteamento Vila América apresenta indícios de

mudanças, especialmente com o crescimento do número de construções

residenciais verificados no ano de 2010. De acordo com a Secretaria Municipal de

Obras, esse acréscimo é composto de casas com perfil residencial unifamiliar e

plurifamiliar, além das alterações, ampliações e melhorias nos projetos de

edificações já existentes

A presença de um novo e melhor tipo de edificação demonstra que a

apropriação privada do espaço não se dá apenas nas áreas “nobres”, cujas

benfeitorias estão mais presentes. A facilidade atual de financiamento imobiliário

para as famílias de grupos de renda populares, principalmente as formadas por

servidores públicos estaduais e municipais, que contam com o subsídio dos

programas de governo voltados para a habitação, fomenta a apropriação da

localização agora privilegiada e movimenta populações e capital com a dinamização

desse mercado imobiliário.

Observa-se, com base na evolução da ocupação da área do loteamento Vila

América, que em áreas populares há também uma exploração e apropriação do

espaço com vistas a uma classe menos privilegiada financeiramente, com a

disponibilização de lotes com um custo de aquisição menor. Além disso, conta-se

atualmente com as facilidades de pagamento através dos financiamentos para

habitação subsidiados pelos governos estadual e federal, como o Programa Minha

Casa, Minha Vida.

4.3.7 Ocupação recente do bairro boa vista: as estratégias dos condomínios e

a verticalização

Conforme a listagem do Quadro 5, se pode observar as novas estratégicas de

ocupação e comercialização do espaço, com o número considerável de condomínios

residenciais fechados no Bairro Boa Vista, que se estabelecem a partir do ano de

2005:

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O crescimento urbano e o processo de valorização do espaço vivenciados

especialmente na última década motivaram os empreendedores do mercado

Quadro 2 - Vitória da Conquista: empreendimentos imobiliários licenciados para construção no bairro Boa Vista entre os anos de 2005 a 2010

Ano Tipo de empreendimento Loteamento Unidades Preço do

alvará (R$)

2005 Construção de habitações do PSH Vila América 100 SC*

2005 Condomínio Residencial Vila Roma Chácaras Jardim

Guanabara 202 3.303,00

2005 Condomínio Centro Comercial Grand Ville

Morada do Parque NC** 23.500,70

2005 Condomínio Residencial Vila Grécia Chácaras Jardim

Guanabara 202 2.583,16

2005 Condomínio Residencial Boa Vista 216 3.240,00

2005 Condomínio Residencial Green Ville Boa Vista 246 6.656,28

2008 Casas Populares Vila América 216 SC

2008 Alteração do Projeto do Condomínio Green Ville (ampliação)

Boa Vista 18 358,87

2008 Alteração do Projeto do Condomínio Green Ville (ampliação)

Boa Vista 8 358,87

2008 Condomínio Residencial Jardim Guanabara 16 555,21

2008 Condomínio Residencial Morada do Parque 6 205,30

2009 Condomínio residencial Morada Nobre

Alto da Boa Vista NC 85,14

2009 Condomínio Residencial Villa Constanza

Boa Vista 133 5.079,70

2009 Condomínio Residencial Itapuã Chácaras Jardim

Guanabara 128 4.788,43

2009 Condomínio Residencial Pituba Chácaras Jardim

Guanabara 128 4.788,43

2010 Condomínio Residencial Jardim Guanabara 128 8.283,22

2010 Condomínio Residencial E2 Engenharia

Chácaras jardim Guanabara

64 3.869,72

2010 Condomínio Chuí Engenharia Chácaras Jardim

Guanabara 304 11.258,05

2010 Condomínio Residencial Porto Seguro 8 314,32

2010 Condomínio Residencial Alto da Boa Vista 32 5.512,00

2010 Condomínio Residencial Prates Bonfim Engenharia

Jardim Guanabara NC 5.241,94

2010 Condomínio de Lotes Chácaras Jardim

Guanabara NC 1.428,80

*Sem custos de licença – Obras da PMVC **Não constam esses dados na SMOU Fonte: Coleta de dados na Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo, 2011. Organização: Ione Rocha

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imobiliário a efetivar novas práticas na comercialização das terras e dos imóveis

urbanos.

As indicações de Capel (1975) sobres a exploração maximizada da

edificabilidade das terras, muito comum nas metrópoles por conta da densidade

demográfica, são também verificadas na cidade de Vitória da Conquista. No entanto,

o que motiva por exemplo a estratégia da verticalização em uma cidade média não é

exatamente a mesma motivação que empenha os edifícios das grandes cidades.

A possibilidade de pleno crescimento e o desenvolvimento econômico em

curso nas cidades médias, como no caso de Vitória a Conquista, têm na

verticalização mais uma possibilidade de especulação e de controle na

disponibilidade de imóveis pelas construtoras e proprietários fundiários.

Verifica-se no bairro Boa Vista que as edificações mais antigas, pertencentes

as primeiras etapa do loteamento Vila América, as primeiras ocupações dos

loteamentos Conquistense, Jardim Guanabara, Esplanada do Parque por exemplo

têm o perfil popular e isso se repete com os conjuntos habitacionais. Os

condomínios Vila Roma e Vila Grécia que se pode verificar nas fotografias 35 e 36

Foto 33 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Vila Grécia

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 34 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Vila Roma

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A estratégia dos conjuntos habitacionais existe para as diversas classes

sociais, variando a área disponível por unidade habitacional (área construída e área

de circulação) e os recursos internos aos limites do condomínio, e até mesmo o

material de construção e a estrutura do imóvel.

Os conjuntos habitacionais populares Vila Grécia e Vila Roma são resultados

do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, no sistema que beneficia famílias

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com renda de até seis salários mínimos. As obras iniciaram em 2005 e a

inauguração dos conjuntos com um total de 404 casas data de 2006.27

São conjuntos formados por uma quantidade expressiva de habitações, numa

área pequena, construídas por meio de convênio firmado entre o governo municipal

e o federal, com o sistema de arrendamento imobiliário de baixo custo. De acordo

com as regras desse sistema, o morador paga 0,7% do valor do imóvel

mensalmente e após um período de 17 anos de pagamento adquire a escritura do

imóvel em seu nome e financia o saldo devedor28.

O significado prático desse tipo de conjunto habitacional é o acesso à

moradia, através de uma política pública. Porém, é uma possibilidade bastante

limitada pelos interesses das construtoras em obter a maior lucratividade do

empreendimento utilizando na obra material de baixo custo e pela baixa capacidade

de pagamento do morador.

Há também o controle dos investimentos estatais, que no caso desses dois

conjuntos habitacionais, segundo informações do Governo Federal (2007), totalizou

cerca de R$ 11 milhões por meio do PAR da Caixa Econômica Federal29. No

entanto, o valor investido para se desdobrar em 404 moradias passou por um

processo de exploração intensa da edificabilidade do terreno, de modo que nesses

conjuntos se consegue alocar muitas casas praticamente sem área externa, por

exemplo.

Capel (1975) afirma que nessas estratégias de edificabilidade máxima em

conjuntos habitacionais “[...] a preocupação com as necessidades reais dos

moradores brilha por sua ausência” (CAPEL, 1975, p. 50 ).

Ao contrário dos empreendimentos para as famílias com alta renda, a

qualidade e o tamanho da habitação destinada aos pobres são extremamente

limitados. No caso dos conjuntos Vila Grécia e Vila Roma, as habitações possuem

38 metros quadrados de área construída, com material de baixo custo, o que

certamente implica uma baixa qualidade dos imóveis.

A construção desse tipo de habitação demonstra uma nova tendência para a

habitação destinada as famílias pobres em Vitória da Conquista. Em primeiro lugar,

o conjunto habitacional é um espaço fechado, com perfil socioeconômico dos

27

Informação do Programa Fome Zero, disponível no site institucional.. 28Informação do Programa Fome Zero, disponível no site institucional. 29

nvestimento com a contratação da empresa construtora Gráfico Empreendimentos e o subsídio de arrendamento aos moradores dos dois conjuntos.

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moradores de certa maneira padronizado, pelo próprio custo do imóvel.

Os condomínios populares têm o perfil de aglomerar grande quantidade de

pessoas em espaços pequenos, e com o mínimo de espaço nas chamadas áreas de

convivência. No caso dos condomínios fechados voltados para as classes sociais

privilegiadas, a estratégia do isolamento é que permite a convivência nos amplos

espaços disponíveis.

Maia (2006) define essas formas de construção urbana como “[...] expressão

no espaço urbano de diferenciação social [...] sobrepõe-se à forma centro-periferia,

pois não anula este, mas impõe um novo formato na expansão urbana e também na

vida urbana que imputa segregação” (MAIA, 2006, p. 163).

A adoção desse tipo de produção espacial urbana admite a segregação como

direito da classe social que busca privacidade, exclusividade de vizinhança,

segurança, comodidade de moradia, acessos e circulação facilitados: uma vida

“comum” em espaços residenciais cuja população é criteriosamente selecionada

(LEFEBVRE, 2004) conforme se verifica nas fotografias 37 e 38 que mostram a

estrutura interna do Condomínio Green Ville:

Foto 35 - Condomínio Green Ville: Guarita de Segurança

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 36 - Condomínio Green Ville: Área de lazer (piscina e quadra)

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Esse é um dos efeitos da vida urbana, e no caso da cidade de Vitória da

Conquista, um resultado do crescimento da cidade e da própria segregação, que

entre outros tem como resultados problemas com a segurança pública.

Para Lefebvre (2004), essa é mais uma das contradições do espaço,

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manifesta na forma da segregação “[...] que tem por objetivo estratégico quebrar a

totalidade concreta, espedaçar o urbano” (LEFEBVRE, 2004, p. 124). Os

condomínios tornam se um espaço de aglomeração confortável de uma classe social

específica e de isolamento externo dos problemas socioespaciais urbanos.

De acordo com Uêda (2006, p. 235), “[...] os loteamentos fechados

aparecem como uma solução de moradia para os ganhadores, restando aos

perdedores a exclusão (o outro lado do muro)”. Essa é uma característica da

sociedade de classes, na qual a diferença social, apesar de necessária para a

produção do espaço urbano através do trabalho, traz consequências que ameaçam

a segurança das elites.

Maia (2006, p. 163 ) afirma que a estratégia dos condomínios para a classe

média e média alta materializa o fato de que “[...] a aspiração pela exclusividade

social sempre esteve no horizonte da elite”. No bairo Boa Vista, o primeiro

loteamento fechado, o Condomínio Vila dos Pinheiros, foi criado com base nessa

aspiração, conforme argumenta seu fundador:

Quando eu me mudei pra cá, eu vim com o objetivo de nunca mais morar em um apartamento, e comprei aquela área lá e fiz aquele condomínio Vila dos Pinheiros. Reuni um grupo de amigos e a gente construiu o condomínio. Morei lá até o ano de 200030.

Quando o agente entrevistado, proprietário de terras no Bairro Boa Vista e

empresário da construção civil, menciona o fato de não querer mais morar em

apartamento responde exatamente as indicações de Maia (2006), quando afirma

que as classe sociais mais abastadas buscam um isolamento social e com isso

impõem uma nova forma de organização do espaço.

A capacidade de pagamento dos imóveis por parte das famílias que os

adquiriram permite a recriação da vida em “comunidade” com a seleção da

vizinhança e dos recursos “comunitários”: há com isso a criação de uma liberdade

privada, contra as restrições da cidade como um todo.

Sposito afirma que isso representa a “[...] redistribuição no espaço urbano,

seus conteúdos sociais e econômicos agora de modo mais segmentado” que resulta

na “reestruturação das cidades [...] para melhor qualificar a urbanização” (SPOSITO,

2006, p. 189).

30

Depoimento concedido por um empresário da construção civil, em entrevista para essa pesquisa no

mês de Julho de 2011.

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O depoimento do agente, que declara que convidou um grupo de amigos

para formar o condomínio e o próprio padrão das casas e espaços de convivência

destinados aos espaços fechados de moradia, esclarece o recurso de “seleção

social” utilizado para habitar esses espaços privados, e caracteriza a “[...] auto-

segregação por que optam os moradores por empreendimentos como esse”

(SPOSITO, 2006, p. 187).

O surgimento do condomínio Green Ville em 2006, conforme o agente

entrevistado, o segundo conjunto fechado de casas do bairro Boa Vista, reforça a

idéia de valorização do espaço residencial, com a instalação de infraestrutura

coletiva privativa aos seus moradores. Isso implica pensar que “[...] a construção de

loteamentos fechados introduz e provoca uma descontinuidade urbana [...]” (UÊDA,

2006, p. 238).

O padrão das casas e a inexistência de muros entre elas indicam a

identidade e segurança que essas classes encontram nesses lugares, conforme se

pode examinar nas fotografias 39 e 40:

Foto 37 - Casa no Condomínio Green Ville

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 38 - Casa no Condomínio Green Ville

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A utilização de espaços distantes dos centros tradicionais para alocação de

um grupo social privilegiado muda a relação entre o centro, a periferia e a cidade

como um todo, pois as periferias pobres além da distância se deparam com

problemas de acessibilidade e de transporte coletivo insuficiente e insatisfatório.

A reprodução de novas periferias, onde se localizam os empreendimentos

residenciais fechados, se fundamenta numa nova relação com as distâncias

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espaciais, no discurso de melhor qualidade de vida, e no isolamento da diversidade

e dos conflitos urbanos no interior dos muros dos condomínios, conforme declara o

agente proprietário desse empreendimento:

O Green Ville é um condomínio para um nível médio, construímos 246 casas para a classe média alta. Uma grande quantidade de médicos, advogados, professores universitários que moram aí, só professores universitários acho que chega a mais de 30, que trabalham na UESB, na UFBA, no Colégio Oficina. A diferença aqui é que você pode deixar seus filhos em casa e sair, porque aqui tem segurança, o menino pode brincar, tem campo de futebol, não entra todo mundo no condomínio. Isso você não encontra em outro lugar31.

O discurso desse empresário reforça a idéia de que há uma negação do

entorno, para a recriação privada de uma realidade que atenda as aspirações do

grupo social em foco, que busca viver “entre iguais”. Conforme Maia (2006, p. 164),

“Há, portanto, nesta forma espacial uma sobrevalorização do espaço privado e mais,

da propriedade privada [...]”.

A valorização simbólica do isolamento social nos condomínios, sob o

discurso veemente dos agentes empreendedores e até mesmo dos próprios

moradores sobre a segurança intramuros, repercute fortemente na elevação do

custo dos imóveis, que mesmo sendo projetado para os grupos sociais que já

atingiram um patamar de renda, é comum uma elevação significativa do preço dos

imóveis posteriormente ao lançamento do empreendimento via mecanismos de

especulação, diante do fetiche da raridade do espaço construído.

A constituição da renda de monopólio também se estabelece na conjuntura

dos condomínios, a partir de declarações de moradores que afirmam que as casas

compradas “na planta”, em 2005, chegavam a custar R$ 60.000,00 e atualmente, o

mesmo imóvel sem nenhuma benfeitoria (pisos, portas e janelas, torneiras, cerâmica

de banheiro etc.) chega a custar R$ 150.000,00.

No condomínio Green Ville, sua localização distante do Centro

caracterizava uma periferia de amenidades, pois a separação dos vizinhos não

desejados, pelo muro, pela cerca elétrica, sistema de monitoramento por vídeo e

guaritas de segurança o distingue do entorno social popular, o loteamento Vila

América, instalado em suas proximidades.

No entanto, em função do caráter oficial da ocupação dessa parte do bairro

31

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido a essa pesquisa em Julho de 2011.

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129

por famílias pobres, não implica depreciação socioespacial, significativa em virtude

de certas complementaridades da sociabilidade, que envolve as famílias em ambas

as áreas residenciais – a de status elevado e as famílias pobres –, com como

esclarece o depoimento do empresário que criou o condomínio Green Ville:

Se fosse uma invasão desordenada [...]. Mas aí não, foi um assentamento que a prefeitura fez. Pegou, loteou direitinho, entregou as casas até certo nível, a partir daí as pessoas que melhorarem de vida trabalhando, vão melhorando sua casa, quem não tiver condição vai ter que sair daí. O que está se fazendo aqui é uma inclusão social. No Green Ville, por exemplo, o Vila America é um ponto de apoio pra nós. Durante a construção aí do condomínio nós pegamos cerca de 800 operários, e uns 70% moram aí no Vila América. Hoje o Green Ville oferta em torno de uns 200 empregos, de babá, faxineira, arrumadeira, vigilante, jardineiro, zeladores, todo mundo mora aí vizinho. Então, há uma inclusão social. Você não pode fazer um bairro somente de elite, por que fica difícil transporte para os servidores chegarem, e fica mais caro a mão de obra pra nós32.

Com base no depoimento acima, se evidencia a necessidade de

coexistência entre os distintos estratos sociais que se avizinham no bairro Boa Vista,

em razão do baixo custo dos serviços profissionais: domésticos, e outras profissões

consideradas subalternas, oferecidos pela população pobre que reside no

loteamento Vila América.

A diferença social, que para os moradores do Vila América representa

muitas vezes a privação da própria cidadania, a negação dos direitos mais básicos

como trabalho, saúde, lazer etc., no interior do condomínio representa a solução

para as necessidades das classes de maior poder aquisitivo, que encontram na

situação de privação da população pobre da vizinhança possibilidades de viabilizar o

conforto de seu status social.

Por outro lado, a perspectiva de renda, por menor que seja, submete os

moradores à condição de subalternos e os leva a aceitar a condição de servidores

nos condomínios desempenhando atividades que não requerem especialização do

trabalho, nem formação técnica, como faxineiras e vigilantes.

De maneira geral o condomínio Green Ville situa-se numa área bastante

afastada do centro comercial e das outras áreas da cidade. No entanto, o agente

construtor se apropriou da localização e das possibilidades futuras de acessibilidade

32

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido a essa pesquisa em Julho de 2011.

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que a área apresenta desempenhando o papel de parte de uma “elite

empreendedora”, conforme já referenciado por Corrêa (2007), mesmo que fora dos

principais eixos de circulação urbana, mas que é fundamental para a maioria dos

moradores do condomínio como explica o próprio empresário:

“[...] E tem uma avenida aqui, uma avenida projetada que está prestes a sair, aí é que esse bairro vai ficar uma beleza pra morar. É uma avenida que passa aqui na porta do Green Ville e liga a Avenida Juracy Magalhães até a estrada da Barra, vai passar pela UFBA ali, e vai até lá na estrada. Mais ou menos paralela a Avenida Luiz Eduardo Magalhães” (Depoimento concedido por um empresário da construção civil, Julho de 2011).

Atualmente, pode-se considerar a localização do loteamento Gren Ville e do

futuro condomínio Villa Constanza como estratégica, pois é também de interesse do

poder público municipal viabilizar os acessos às novas áreas de habitação da classe

média da cidade. No entanto, o Loteamento Vila América, embora faça parte do

Bairro Boa Vista, bem próximo ao Condomínio Green Ville, não conta com a mesma

concepção e “manipulação” da distância. É com base nessas práticas que Sposito

(2006) afirma:

[...] a descontinuidade do tecido urbano pode se realizar, sem que os custos econômicos e o dispêndio de tempo, decorrentes de deslocamentos maiores, sejam, ainda, um entrave aos interesses fundiários e imobiliários dos agentes que projetam, incorporam e comercializa os loteamentos fechados (SPOSITO, 2006, p.186).

Por ser uma área residencial popular, as deficiências quanto à infraestrutura

impõem a população pobre uma forte dependência com o centro comercial para a

realização das compras do dia a dia e dos serviços. Mas as distâncias são enormes,

principalmente quando o transporte coletivo torna-se um a dificuldade a mais.

Apesar da proximidade com o Shopping Conquista Sul, certamente, a maioria

dos moradores do loteamento Vila América em razão dos parcos recursos, não

utiliza esse equipamento para buscar bens de grande valor, no máximo serviços

(bancos, lotéricas etc.)

Os investimentos imobiliários no bairro Boa Vista continuam, como também o

processo de valorização imobiliária, em virtude de o bairro ter sido tornado o novo

lugar de habitação da classe média da cidade de Vitória da Conquista. Ultimamente,

no bairro foram construídos dois novos condomínios de casas: Solar Boa Vista e

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Vista Reale, ambos de pequeno porte com 8 unidades (ainda em processo de

comercialização dos imóveis, pois tratam-se de imóveis com o valor de venda alto,

com valores em torno de 170 mil reais), e três projetos para 2012 e 2013:

condomínio Casas Vog, Cidade Jardim e Cidade das Flores, conforme as figuras 1 e

2.

A construção de novos empreendimentos desse tipo no bairro demonstra o

crescimento da demanda por habitação na cidade de Vitória da Conquista, da qual o

bairro Boa Vista apresenta um volume de investimento significativo, tomando-se

uma área preferencial de atuação do capital imobiliário, o que implica o reforço da

tendência de valorização, devido às benfeitorias realizadas a cada empreendimento

que se inaugura, como se pode observar no depoimento de um empresário da local

do setor imobiliário:

Quando a gente começou a mexer aqui no Green Ville, esses lotes próximos, vizinhos, me ofereceram a R$ 3.500 o lote de 1000 m², Hoje a média aí é uns R$ 140 a R$ 150 mil pra se comprar um. Já foi vendido lote aí de R$ 200 mil, isso naquela avenida que asfaltou [Gilenilda Alves]. Isso pra você ver como o investimento traz o progresso, o investimento feito só no Green Ville, valorizou a área toda. E agora com o Villa Constanzza, valorizou mais ainda. E essa região aqui é uma região muito boa. Esse bairro aqui hoje, é o bairro mais visado em termos de investimento dentro de Vitoria da Conquista. Depois do Green Ville, outros projetos grandes foram surgindo. Agora mesmo a PEL está com uma obra grande ali, pertinho daqui. Está saindo também o Vog Casas. Esse bairro aqui é muito bom porque tem infraestrutra. O que está faltando é asfalto, mas tem água, esgoto, energia [...] (Depoimento concedido por um empresário da construção civil, Julho de 2011).

Figura 1 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Cidade Jardim (publicidade)

Fonte: Marcelo Santana Imóveis, 2011.

Figura 2 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Cidade Jardim (publicidade)

Fonte: Marcelo Santana Imóveis, 2011.

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As afirmações destacadas demonstram como os agentes se apropriam do

espaço e impulsionam o processo de valorização. A área do bairro Boa Vista tornou-

se uma “rica” parcela do mercado imobiliário da cidade. A idéia do investimento

produz e sustenta ao mesmo tempo o lucro de monopólio.

Portanto, atualmente o bairro Boa Vista apresenta características de uma

nova área de valorização urbana, do ponto de vista do mercado de habitação, de

modo que foram rapidamente suprimidas as construções populares, e mais que isso,

uma parte considerável das habitações populares já está incorporando

melhoramentos por parte dos próprios moradores que se vêem diante desse

processo.

O loteamento Porto Seguro licenciado em 2003 foi o último registro de

loteamento no Bairro Boa Vista, fato demonstrativo do controle das terras do bairro

para especulação, já que o número de habitações populares sofreu quede verificada

em todos os loteamentos exceto pelo Loteamento Vila América.

É possível observar que as vias de acesso ganharam importância maior

como o adensamento e a valorização econômica, e que o bairro Boa Vista

atualmente possui uma rede de acessos viários facilitados que conduzem a diversos

pontos da cidade.

A existência de acessos importantes em escala urbano-regional como a

Avenida Juracy Magalhães e a qualificação da Avenida Gilenilda Alves, além de

assegurar a mobilidade necessária para os grupos sociais de renda média e alta da

cidade que passam a ocupar o bairro, contribui para a continuidade do processo de

valorização econômica do espaço.

No processo de incorporação de terras ao espaço urbano torna-se evidente

um duplo significado: primeiro de que a terra urbana é fortemente controlada pelos

proprietários que a monopolizam, com vistas a atender seus interesses específicos,

conforme se confere nos discursos dos agentes entrevistados, com vistas a produzir

valor de troca com seu lançamento no mercado de terra urbana; em segundo lugar

observa-se que a produção do espaço urbano é social, não parte de necessidades

“naturais” apenas, mas da recriação das necessidades e das possibilidades de

atendimento à elas, e se constitui atualmente com atividade econômica que inclusive

explora a desigualdade social.

A empresa construtora responsável pelos condomínios mostrados nas

fotografias a seguir é local, fundada na cidade de Vitória da Conquista em 1997,

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voltada inicialmente para a prestação de serviços em construção civil e consultoria

na área de empreendimentos em construção. Inicialmente, a empresa atuava na

“prestação de serviços de engenharia civil, avaliação e perícias de imóveis,

construção civil, incorporação e vendas” (E2 Engenharia, 2011) 33.

Foto 39 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Morada Sul

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 40 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul Residence

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A experiência no ramo da construção civil, avaliação de imóveis e processo

na área levou a empresa a uma ação estratégica como construtora. A partir do ano

de 2006 a atuação se estendeu a construção na cidade de Vitória da Conquista e

outras da Região Sudoeste como Jequié.

Alguns dos primeiros empreendimentos residenciais verticalizados que se

pode confirmar nas fotografias 41 e 42 situam-se no bairro Boa Vista. Esses foram

os primeiros conjuntos verticalizados, que inauguraram essa nova tendência de

habitação.

Os condomínios construídos possuem uma localização privilegiada que

impulsionou as vendas das unidades habitacionais. Nas fotos 41 e 42, a Rua G onde

se encontram os três condomínios fotografados faz entroncamento com a Avenida

Juracy Magalhães, em frente ao Shopping Conquista Sul.

33

Conforme histórico da empresa E2 Engenharia. Disponível em <http://www.e2eng.com.br/historico.php >. Aacesso em 2011.

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Foto 41 - Chácaras Jardim Guanabara: Condomínio Residencial Sul América

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 42 - Chácaras Jardim Guanabara: pavimentação da Rua G

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A presença desse equipamento nas imediações dos Condomínios da

Empresa E2 proporcionou a agregação de valor as terras próximas, cujo potencial

de lucratividade foi explorado através da estratégia da verticalização, algo

completamente novo na paisagem do Bairro Boa Vista. Nas fotos 43 se pode

verificar que a rua de aceso principal aos conjuntos foi pavimentada, enquanto que a

foto 42 mostra outro acesso totalmente se pavimentação.

Essas imagens confirmam que os agentes viabilizam essas benfeitorias para

promover a venda e a valorização dos empreendimentos. No caso desses

condomínios se situarem nas imediações do Shopping e da Avenida Juracy

Magalhães, afirmam apropriação da localização como estratégia de valorização.

Sobre isso, Villaça (2001, p. 23) afirma que:

A produção de objetos urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações. A localização é, ela própria, também um produto do trabalho e é ela que especifica o espaço intraurbano. Está associada ao espaço intraurbano como um todo pois refere-se às relações entre um determinado ponto do território urbano e todos os demais.

A localização no caso dos Condomínios empreendidos pela E2 Engenharia

no Bairro Boa Vista, associada ao papel subsidiário do Estado, através das políticas

mais recentes de acesso a moradia, asseguraram as vendas desse perfil de

habitação que, embora simples, era absolutamente novo nessa área da cidade.

O “ponto” da cidade onde se estabeleceram os Condomínios Morada Sul,

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Sul Residence e Sul América possui uma localização interessante ainda, pela

proximidade com outros novos empreendimentos imobiliários do Bairro Boa Vista.

A vizinhança com o Shopping faz com que esses condomínios tenham

impacto e clientela, utilizando-se da vizinhança desse equipamento como estratégia

de valorização e de influência junto ao fluxo de pessoas em torno do shopping (seus

frequentadores, que advêm de toda a área de influência urbana de Vitória da

Conquista, cerca de 80 municípios).

O primeiro empreendimento deste grupo empresarial foi o Residencial

Itapuã, conforme fotografias 43 e 44, situado no Loteamento Mariana, com um total

de 128 unidades habitacionais e lançado no ano de 2009.

Os Condomínios Pituba e Itapuã, construídos pela empresa construtora

Prates Bomfim, são empreendimentos mais recentes, cuja estratégia de

verticalização se dá também como forma de explorar a localização. O segundo

empreendimento da Empresa Prates Bomfim no Bairro Boa Vista é o Condominio

Residencial Pituba, também com 128 apartamentos, lançado em 2010.

Foto 43 - Loteamento Mariana: canteiro de Obras Condomínio Residencial Itapuã

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

Foto 44 - Loteamento Mariana: construção do Condomínio Residencial Itapuã

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

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Figura 03 - Loteamento Mariana: Condomínio Residencial Pituba (Publicidade)

Fonte: Prates Bomfim Engenharia, 201034

Foto 45 - Loteamento Mariana: Canteiro de obras do Condomínio Residencial Pituba

Fotografia: Ione Rocha Fonte: Pesquisa de campo, 2011

A empresa é original de Vitoria da Conquista, composta por dois sócios que

atuam no mercado da prestação de serviços em construção civil na cidade e região

desde 1994. A empresa, segundo informa um de seus sócios, entrevistado para esta

pesquisa, retomou a estratégia da verticalização após um longo período de

estagnação desse tipo de produto e mercado imobiliário. Segundo o argumento do

empresário:

Só em 1998 começamos a trabalhar, a pensar na incorporação e em 2000 a gente entregou a primeira obra, que até então não havia em Conquista, pois havia parado, até construíram em uma determinada época, mas a verticalização havia parado. Nessa época haviam apenas dois empreendimentos verticais em construção na cidade. O nosso, e mais outro. Depois disso até que na cidade voltou a se pensar na parte verticalizada. Por enquanto eram só casas, o pessoal não queria de uma maneira geral, quando eu apresentei o orçamento do primeiro prédio disseram que eu estava maluco de construir um prédio numa cidade em que todo mundo queria morar em casa 35.

Com base nas declarações do empreendedor, a verticalização é mais que

uma estratégia de lucratividade, mas tem se tornado uma tendência de moradia em

face da urbanização. Um número crescente de pessoas trabalhadoras, prestadores

de serviços, profissionais liberais, mulheres e homens solteiros, e pequenas famílias

tem recorrido a esse tipo de habitação, devido à segurança e ao custo menor do

34

Disponível em <>Acesso em Abril de 2011 35

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Maio de 2011.

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imóvel.

É associando esses interesses que a verticalização torna-se uma estratégia

de comercialização de imóveis altamente lucrativa, já que não há o problema da falta

de terrenos para construção. Do ponto de vista da disponibilidade de terras, outro

empresário entrevistado afirma que:

Conquista pelo fator climático daqui não deveria ter nenhum prédio. Primeiro por que tem muita área pra construir, você só utiliza o artifício de fazer prédio onde não tem como expandir. Mas aqui tem área demais, se você for morar num quinto andar com o clima daqui, não pode nem abrir a janela à noite que esfria demais. O ideal aqui e morar em casa, da pra morar muita gente em casa36.

O discurso do agente, proprietário de terras e construtor, é coerente com a

sua clientela já que desde 1979 trabalha com a produção de espaços residenciais

para a classe média alta. Nota-se nessa fala as características representativas de

classe social que pode apropriar-se de lotes grandes das terras urbanas e ali

produzir a moradia. O discurso de um outro agente entrevistado, já demonstra

características de empreendimentos que atendem a uma classe social menos

abastada, pelo menos nos casos dos condomínios empreendidos no Bairro Boa

Vista:

O mais importante é que Conquista recebeu a UFBA, a Justiça Federal, mais cursos do IFBA (o antigo CEFET) isso atrai muita gente de fora, e gente de fora precisa morar, ter aonde morar, então tem que construir mais apartamentos. Essa gente de fora tanto vai ser o estudante, quanto o funcionário e o professor, então Conquista nos últimos anos sofreu um boom de construção por que teve mesmo que crescer. Hoje eu quase que diariamente eu recebo gente de fora aqui querendo apartamento, querendo casa, querendo lugar pra morar. Gente que vem de São Paulo, do interior, de Salvador, gente que é de Conquista e que está voltando, por que são vários órgãos que foram abertos numa quantidade que atraiu também gente de fora. Hoje você tem muito estudante que vem de fora, médicos que vem de fora, que não moram na cidade, mas que passam aqui dois, três dias ou até quinze dias e prefere ficar num imóvel próprio, a ficar no hotel. Basta olhar o pulo que deu a população nos últimos cinco, dez anos.37

36

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Julho de 2011.

37 Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em

Maio de 2011

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O crescimento da cidade e as interações espaciais (CORRÊA, 2008)

impactam significativamente na produção do espaço intraurbano, como se pode

verificar na fala do agente construtor entrevistado. A demanda por moradia em escla

local e regional repercute na valorização do espaço e ajuda a impulsionar a

aglomeração de pessoas nos condomínios verticais. No entanto os

empreendiemntos envolvem uma grande quantidade de trabalho e um alto volume

de investimento.

Por este motivo, as construtoras buscam áreas cuja localização tenha

possibilidades de acesso que, com isso, permita não apenas a circulação das

pessoas mas o processo de valorização imobiliária com a localização relativa. A

empresa Prates Bonfim considerou a localização como fator de influência no

estabelecimento de seus empreendimentos:

É uma área que tem uma valorização boa apesar dos serviços públicos ainda estarem faltando, não tem infraestrutrua viária em termos de pavimentação, o esgoto está chegando agora, que eu não sei se chaga a 100% do bairro, e o que aconteceu também ali foi a abertura da Avenida Luíz Eduardo, que criou um ligação rápida entre um lado e outro da cidade. Isso fez movimentar aquela região que estava esquecida há muitos anos, e não se investia lá porque o acesso era ruim, muita poeira, não tinha drenagem, e algumas dessas coisas passou a ter, então acho que isso influenciou bastante na valorização daquela área

38

O processo de valorização do espaço se dá inicialmente a partir da

acessibilidade associada à localização, conforme discute Maia (2006). Associa-se a

isso a disponibilidade de infraestrutura ou a possibilidade de sua implantação, sem

que isso acarrete e custos elevados ao empreendedor, e por fim a demanda por

moradia que, quando existe e se intensifica motiva as construtoras a assumir

questões como pavimentação e esgotamento como forma de valorização e

legalização dos condomínios.

Especialmente no caso de Vitória da Conquista, uma cidade média, a

presença das vias de circulação oferece uma mobilidade peculiar para as classes

sociais localizadas nos bairros contemplados por essas estruturas, diferentemente

dos transtornos de tráfegos nas metrópoles, por exemplo. A acessibilidade se

constitui em um fator de valorização, quando manipulada pela apropriação privada

38

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Maio de 2011

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dessa localização, afirmando o monopólio do espaço e com isso também um fator

de exclusão social das massas.

Algumas dessas estruturas são assumidas pelo próprio empreendedor

imobiliário, pelas construtoras, pois o embate com os governos pelos serviços

públicos como a pavimentação, por exemplo, pode demandar um tempo que

atrapalha a rentabilidade do projeto. Conforme afirmou um empresário construtora

que investe na verticalização no bairro:

O Pituba e o Itapuã, impactam bem e positivamente em termos de valorização. Primeiro porque quando a gente leva um empreendimento desses, a gente leva um padrão de construção melhor, pois eles já têm um bom padrão de construção das casas que foram construídas lá, não são casas populares. O nosso empreendimento também não é um empreendimento popular, é um projeto para pessoas que ganham a partir de três salários mínimos, então é um padrão bom de público que vai morar ali, então isso leva a um beneficio porque o nosso cliente ele vai chegar na casa dele com pavimentação, a gente leva a pavimentação a um trecho onde isso não existia por que o poder publico não fez, e acaba que a gente tem que fazer por ter que viabilizar o nosso empreendimento39

A necessidade dessas ações se constitui muitas vezes em mais tensão no

embate entre as esferas governamentais e os agentes do capital privado. No entanto

o monopólio da propriedade, mesmo a revelia das ações do poder público municipal,

continua a ser sustentado pelos construtores quando diferenciam a área do

empreendimento com tais benfeitorias.

Assumir as obras de esgotamento sanitário e pavimentação representa uma,

no entanto, é papel dos poderes públicos constituídos, pois se trata das

necessidades básicas de circulação e saneamento básico, os agentes privados

assumem essas ações como estratégia também de elevação do valor econômico do

imóvel.

Certamente, em face da lucratividade do mercado imobiliário, as ações

obrigatoriamente assumidas nesse contexto representam um custo que não impacta

na obra na forma de prejuízo, mas caracteriza uma forma de o próprio Estado, na

forma do poder público municipal, regular de forma conveniente a disposição de

infraestrutra urbana.

Nesse sentido é que um dos empresários construtores entrevistados afirma

39

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Maio de 2011

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que a maior dificuldade encontrada como empreendedor do mercado imobiliário é

com a Prefeitura e com as exigências burocráticas que segundo ele “só faz

complicar”:

Não considera o empresário como parceiro, mas sim como explorador, então como ela age? Aumenta os impostos, faz fiscalização rigorosa, trava. Ao invés de ser um elo de facilitar as coisas. Pra resolver qualquer coisa na prefeitura, uma coisa simples se torna difícil porque a mentalidade não quer o empresário como aliado, as obras demoram pra começar por que o alvará tem dificuldade, é essa mentalidade... 40.

Conforme a fala supracitada, temos dois problemas que emergem da

produção do espaço urbano: o primeiro é o papel dos poderes públicos como

reguladores, que se não exercido pode permitir que a cidade se torne um espaço

sem a menor noção de ordem ou planejamento, e ainda que as classes pobres

sejam ainda mais excluídas, e em segundo lugar a forma como o poder público se

utiliza do papel de normatizador para atribuir responsabilidades inclusive sobre os

serviços públicos para os agentes privados, em face da viabilidade de seus

empreendimentos.

40

Depoimento de um empresário da construção civil, concedido em entrevista para essa pesquisa em Julho de 2011

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5. A ESPACIALIZAÇÃO DOS PERFIS IMOBILIÁRIOS NO BAIRRO BOA VISTA

O bairro Boa Vista é um fragmento do espaço da cidade de Vitória da

Conquista que denota a forma como as desigualdades socioespaciais se

reproduzem, não apenas na ordem interurbana, mas também no espaço

interurbano. Podemos afirmar que a lógica desigual é produzida e reproduzida na

cidade, manifestando as diferenças na organização interna dos espaços como o

próprio bairro.

Nota-se que com o crescimento da cidade e com a afirmação da

centralidade, a lógica da valorização influiu significativamente nas estratégias de

comercialização e formas de ocupação do espaço do bairro revelando na paisagem

novos tipos de edificações e mudanças no perfil de edificações já existentes.

Conforme se pode atestar no mapa 4 (p. 146), as áreas de ocupação mais

antigas empreendidas na forma de loteamentos atualmente passam por um

processo de renovação imobiliária, caracterizado pela alteração dos imóveis já

existentes que mudam gradativamente do perfil popular para o perfil residencial (não

popular). Isso se confirma ao verificar-se a predominância de áreas com perfil de

habitação residencial na atualidade.

Observa-se ainda a presença das novas formas de ocupação do espaço do

bairro, como os condomínios fechados e as edificações plurifamiliares verticalizadas,

como estratégias de comercialização e de exploração da renda da terra urbana, e do

monopólio das áreas “privilegiadas” pelas benfeitorias públicas e privadas.

Dessa maneira, se realiza a mudança da paisagem do bairro cujos agentes

produtores não apenas se restringem ao capital privado, mas aos próprios

moradores dos antigos loteamentos que se deparam com a valorização do entorno

de suas casas, e com base nisso empreendem a renovação do perfil imobiliário dos

loteamentos.

O mapa 4 ainda permite visualizar a densa área de ocupação no loteamento

Vila América, expressa no número de quadras e ruas, e na origem da ocupação por

assentamento popular do PMHP.

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Mapa 4 – Bairro Boa Vista: perfil imobiliário e localização dos localização dos principais condomínios

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143

Em contraste com uma grande área ainda sem divisão em lotes, pode-se

confirmar que o direito à cidade é orientado pela classe social e capacidade de

pagamento dos imóveis. O esgotamento dos lotes da Prefeitura Municipal de Vitória

da Conquista disponíveis para doação, a realização de benfeitorias como a

pavimentação dos acessos principais e corredores viários e a presença de novos

empreendimentos (condomínios e shopping) motivaram a ação dos agentes

privados também nas imediações do Vila América.

Nesse loteamento se apresentam a partir do ano de 2010 registros de

construções de padrão residencial não popular após 13 anos do início da ocupação

da área com predomínio da habitação de interesse social (popular). Esse é mais um

indício do processo de renovação pelo qual passa o bairro Boa Vista, no qual

também se inserem as populações pobres.

Com base no discurso dos agentes construtores que empreendem no bairro

Boa Vista, a relação com essas populações pobre na verdade é de subordinação, ou

seja, há a possibilidade de permanecerem na área por conta das “possibilidades” de

trabalho ou mesmo “subemprego” nos condomínios fechados para as classes mais

abastadas da vizinhança, ou a possibilidade de comercialização dos imóveis, já que

a proximidade da área de habitação popular fora dos condomínios também passa

pelo processo de mudança do perfil imobiliário.

Na espacialização das estratégias dos agentes no bairro Boa Vista se nota

ainda a coexistência de edificações plurifamiliares com até quatro pavimentos, com

diversas áreas ainda não loteadas, e com a densidade da ocupação da área de

predomínio popular (loteamento Vila América). O processo de valorização verificado

no crescimento do perfil imobiliário não popular em coexistência com as áreas sem

loteamento, chamadas também de “vazios” urbanos, evidencia que o processo de

valorização do espaço do bairro Boa Vista não é análogo ao que ocorre nas

metrópoles com o esgotamento das áreas edificáveis.

Ao contrário, constatamos conforme os discursos dos agentes privados e a

averiguação de suas práticas enquanto agentes produtores da cidade, que a

disponibilidade de terras é manipulada com vistas a criação de certa “raridade” do

espaço. Com isso, se reforça a renda de monopólio das terras e demais imóveis em

face inclusive das benfeitorias realizadas nos bairros vizinhos, como no caso do

shopping Conquista Sul.

Pode-se ressaltar que na cidade que cresce vertical e horizontalmente sob o

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144

signo do progresso, os princípios da produção do espaço ainda estão

fundamentados em estratégias conservadoras de exploração dissimuladas pela

propaganda dos novos padrões de moradia, pela idéia de prosperidade com a

atração populacional, e pela própria criação da lei como forma de legitimação da

conveniência de determinadas classes utilizando-se do poder do Estado, por

exemplo.

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145

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste estudo é possível afirmar que é a lógica de mercado do sistema

capitalista que orienta a produção do espaço urbano, não em uma relação simples e

previsível do jogo da oferta e da procura, mas motivada por interrelações

indissociáveis entre os distintos agentes sociais do desenvolvimento urbano, que

exploram em seu proveito (econômico/político) a demanda pela moradia e

manipulam a oferta de habitação de maneira socialmente seletiva no espaço urbano.

Há na cidade de Vitória da Conquista um controle sistemático, porém obscuro

da disponibilidade de terra, com vistas à especulação imobiliária. Mais que isso, os

agentes privados empreendem manipulação da disponibilidade de terras e a

reprodução da valorização econômica de partes do espaço da cidade.

Nota-se na paisagem urbana, de forma perfeitamente identificável, a

existência de espaços para possível ocupação em toda a cidade. Por outro lado, a

apropriação privada do espaço tem direcionado o crescimento urbano para o eixo

sudeste, compreendido entre os bairros Candeias e Boa Vista, explorando ao

máximo a edificabilidade dos terrenos como forma de obtenção de sobrelucro e da

geração de renda contínua com a adoção do modelo imobiliário condominial.

A exploração do espaço urbano como forma de mercadoria rentável acentua-

se com a consolidação do pólo regional. A condição de cidade média como

defendemos em nossa fundamentação teórica reforça essa possibilidade. Por esse

motivo compreendemos que a produção do espaço, bem como o crescimento

urbano e o acréscimo populacional não se explicam isolados das interações

espaciais nas quais se inserem.

Fica evidenciado que a moradia, em cidades médias, como no caso de Vitória

da Conquista adquire grande maior importância e, com isso, um novo ciclo de

valorização imobiliária se inaugura. O ciclo de dinamização econômica, com base na

formação e crescimento do mercado imobiliário, tem alguns de seus fundamentos e

repercussões em nível regional, e dessa escala também se retroalimenta a demanda

pelos imóveis.

Na cidade de Vitória da Conquista, até meados do ano 2000, e

especificamente no Bairro Boa Vista, no ano de 2004, encerrou-se o período em que

os loteamentos eram a estratégia principal de comercialização de imóveis. Com isso,

podemos afirmar que a forma de moradia, a disponibilidade de terras e o perfil dos

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imóveis se adéquam às tendências da urbanização na criação de um mercado de

moradia, ao mesmo tempo em que se mantém o controle da oferta de terras.

Desde o ano de 2004, pudemos comprovar um forte controle na

disponibilidade de terras para a produção de moradias, resultando num processo

mais lento de ocupação, envolto num processo de valorização intensa da terra e dos

imóveis em geral. De modo diferencial, Vitória da Conquista e sua condição de

cidade média conta com uma intensa atividade econômica urbana, e com a

disponibilidade de espaços que possibilitam a expansão de maneira a estender a

área da cidade.

A análise do bairro Boa Vista permitiu constar a mudança de estratégia na

comercialização dos imóveis, que passou de loteamentos para a venda de casas

construídas especialmente em condomínios fechados, garantiu a permanência de

grande quantidade de terras sem ocupação, mas com o objetivo de manutenção

bem definido pelos proprietários. Gradualmente, as terras são liberadas para

ocupação mas pode-se perceber, especialmente a partir de ano de 2006, não mais a

ocupação pontual de lotes individuais, mas a ocupação por aglomeração em

condomínio de lotes ou residências.

A verticalização no bairro pesquisado se apresenta como estratégia de

aglomeração e de exploração da lucratividade do terreno, gerando a renda

imobiliária. Diferente do que ocorre nas metrópoles, a estratégia de verticalização

dos imóveis, no caso do Bairro Boa Vista, não tem relação com a falta de espaço ou

a indisponibilidade de terras. Ao contrário, essa estratégia garante que as áreas de

maior valorização sejam controladas pelos proprietários de grandes glebas de terra,

como forma de extração otimizada da renda imobiliária urbana.

Há, no entanto, certa cautela dos agentes quanto à preservação do perfil

residencial do Bairro. Até mesmo os conjuntos prediais possuem no máximo quatro

andares, o que permite a aglomeração das famílias residentes, a venda de diversos

(e pequenos) imóveis em um mesmo terreno, e não altera tão fortemente a

paisagem. Essa estratégia diminui os custos da engenharia da verticalização e tira a

obrigatoriedade de equipamentos de segurança e elevadores, por exemplo,

possibilitando com a exploração da localização que se acrescente valor aos imóveis

e se amplie a margem de lucro dos construtores. Como resultado dessas estratégias

os empreendimentos têm um baixo custo de produção e uma margem elevada de

lucro, além do que se pode utilizar a paisagem residencial como atrativo para as

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classes média e média alta.

A produção do espaço urbano, com a valorização imobiliária, se altera em

face das novas possibilidades de exploração da terra. Em um determinado

momento histórico a estratégia dos loteamentos populares funcionou

economicamente e contribuiu para o crescimento urbano da cidade de Vitória da

Conquista.

O bairro Boa Vista participou, enfim, de diversas etapas do crescimento da

cidade, com a abertura dos loteamentos por exemplo, e em cada momento histórico

as formas de produção do espaço se adequaram as estratégias dos agentes. A

análise desse processo permite afirmar que há de fato uma intensa apropriação

privada da produção do espaço urbano que remete a regulação e manipulação da

disponibilidade de imóveis e a existência de um grupo de proprietários de terra que

se afirma como controladores e exploradores da renda da terra urbana.

A apropriação privada além do controle da terra apropria-se dos

equipamentos públicos como fatores componentes da valorização imobiliária, como

se pode perceber às margens da Avenida Juracy Magalhães e da Avenida Luiz

Eduardo Magalhães. A presença dessas rodovias e o fato de terem elas se tornado

corredores de uso diversificado e, no caso da Avenida Juracy Magalhães um

corredor urbano-regional, a disponibilidade de imóveis situados nessas vias é

bastante controlada.

Esse fato revela a participação decisiva da propriedade privada da terra na

organização do espaço urbano e como essa propriedade não se basta e lança mão

de estratégias de reprodução ampliada do capital imobiliário. O preço dos imóveis

marginais e arredores as principais vias urbanas se eleva significativamente,

acompanhados da mudança no perfil dos imóveis próximos a esses locais, ou da

ocupação recente estimulada pela nova significação dessas vias.

As ações dos agentes produtores do espaço efetivamente podem ser

percebidas no bairro Boa Vista. Os loteadores e construtores organizam, parcelam e

comercializam as terras bairro nas formas de lotes individuais, casas em

condomínios, lotes de condomínio e apartamentos: estratégias adotadas quanto

melhor se adéquam ao momento da economia urbano-regional.

O Estado, representativo de grupos políticos a cada gestão de governo,

especialmente as esferas governamentais de escalas mais próximas como o estado

e o município, atua diretamente no bairro Boa Vista, desde a abertura de vias

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públicas perimetrais importantes como a Avenida Luiz Eduardo Magalhães, até a

pavimentação de acessos estratégicos como a Avenida Gilenilda Alves, e a

“requalificação” da Avenida Juracy Magalhães, com a pavimentação, drenagem,

paisagismo e duplicação da pista. Essas ações influem diretamente nas estratégias

de ação dos agentes privados, dando a esses novos argumentos para empreender e

modificar o espaço do bairro de maneira mais conveniente.

Obviamente, as vias de circulação têm impacto positivo na mobilidade da

população e da produção (consumo), ou mesmo da população para a produção

(mão-de-obra). No entanto, o planejamento, a mobilidade e a acessibilidade se

tornaram instrumentos de valorização do espaço, limitando o acesso das classes

populares aos imóveis das áreas urbanas beneficiadas com as características

citadas.

Dessa maneira, se percebe a supressão do acesso popular às áreas de

valorização, como o Bairro Boa Vista, cujo perfil popular de morador e moradia

atualmente se confina ao Programa Municipal de Habitação Popular, efetivado no

Loteamento Vila América.

Esta pesquisa pode enfim confirmar as bases capitalistas e excludentes nas

quais se produz o espaço do bairro, como reprodução da exclusão percebida no

espaço urbano em sua totalidade. Notadamente, o direito à cidade é negado as

camadas populares, seja destinando à elas as zonas habitação de interesse social

fora dos circuitos das benfeitorias e da valorização, seja explicitamente segregando-

as fora dos muros dos condomínios fechados. Compreendemos com isso que a

valorização e a segregação são problemas sociais decorrentes de questões de base

econômica e no contexto da importância e do crescimento da cidade torna-se um

grave problema social, que corresponde a uma supervalorização do espaço urbano

no qual se inserem os padrões de moradia verticalizados, e isolados pela

“segurança” dos muros.

Acreditamos, porém, que a cidade precisa ser um espaço que abarque o

desenvolvimento efetivo, sem que se promova mais desigualdade com o

crescimento econômico. A circulação manifesta nas cidades pela presença das

novas vias urbanas, por exemplo, demonstra que a supressão da distância pelos

transportes pode ser transformada na diminuição das desigualdades socioespaciais

e não apenas convenientemente apropriadas pelas camadas privilegiadas da

sociedade.

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Evidentemente, o contexto capitalista em que as cidades se encontram requer

a revisão dos valores sociais e uma representação do poder público que não apenas

garanta a moradia urbana, mas o direito à cidade para todos. Para a cidade se

tornar um espaço mais justo, a realização da moradia de qualidade não deve

constituir apenas o monopólio de uma classe social e nem simplesmente a

reprodução da riqueza dos agentes privados.

A verdadeira convivência social segura não se realiza entre os convenientes

muros dos condomínios, mas sim dentro do respeito ao direito à cidade, à moradia

digna, ao lazer, à qualidade de vida, questões correspondentes às prerrogativas

constitucionais do direito à vida e à dignidade das cidadãs e cidadãos. Enquanto a

exploração da privação do lado de fora dos muros dos condomínios fertilizarem essa

desigualdade, a cidade será espaço de vida de uns e vida sem espaço para a

maioria.

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