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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE DANÇA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA CARMI FERREIRA DA SILVA POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA: REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Salvador 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE DANÇA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DANÇA

CARMI FERREIRA DA SILVA

POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA: REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

Salvador

2012

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CARMI FERREIRA DA SILVA

POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA: REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Dança, da

Escola de Dança da Universidade Federal da

Bahia, como requisito parcial para obtenção do

grau de Mestre em Dança.

Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Fabiana Dultra Britto

Salvador

2012

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Sistema de Bibliotecas da UFBA

Silva, Carmi Ferreira da.

Por uma história da dança : reflexões sobre as práticas historiográficas para a dança, no Brasil contemporâneo / Carmi Ferreira da Silva. - 2013.

121 f.

Orientadora : Profª Drª Fabiana Dultra Britto.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Escola de Dança, Salvador, 2012.

1. Dança - História. 2. Historiografia. I. Britto, Fabiana Dultra. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Dança. III. Título.

CDD - 793.319

CDU - 793(091)

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CARMI FERREIRA DA SILVA

POR UMA HISTÓRIA DA DANÇA: REFLEXÕES SOBRE AS PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS PARA A DANÇA, NO

BRASIL CONTEMPORÂNEO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Dança, da Escola de

Dança da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre em Dança.

Aprovada em 09 de abril de 2012.

Banca Examinadora:

Prof.ª Dr.ª Fabiana Dultra Britto – Orientadora

(PPGDANÇA/UFBA) ___________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Adriana Bittencourt Machado

(PPGDANÇA/UFBA) ___________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Regina Helena Alves da Silva

(PPGCOM/UFMG) _____________________________________________________

Salvador

2012

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A

Izabel Ferreira da Silva, minha mãe, por ser uma mulher humilde e sábia.

Makarios Maia Barbosa, por ser brilhante e companheiro.

Lenice Pereira Lins, por ser extraordinariamente mulher.

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AGRADECIMENTOS

A Deus,

A Makarios Maia Barbosa, pela extraordinária admiração e pela considerável contribuição a

esta pesquisa.

À minha família, meu porto seguro.

À professora Doutora Fabiana Dultra Britto, por sua competente, atenciosa e gentil

orientação.

À Universidade Federal da Bahia – UFBA, por nela ter feito minha graduação e pós-

graduação (Mestrado), com grande oportunidade de crescimento pessoal e intelectual.

Ao Programa de Pós-Graduação em Dança da UFBA, pela pelo acolhimento e pela

contribuição intelectual e profissional.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo apoio

financeiro deste estudo.

Às professoras Doutoras Adriana Bittencourt Machado (UFBA) e Regina Helena Alves da

Silva (UFMG), por sua colaboração na construção e na avaliação desta pesquisa.

Às Professoras doutoras do PPGDança, que me proporcionaram experiências únicas e de

grande importância para meu aprendizado, em especial: Jussara Setenta, Lenira Rengel e

Lúcia Matos.

Às companheiras e aos companheiros de Mestrado: Bárbara Conceição Santos da Silva,

Beatriz Adeodato Alves de Souza, Bruna Spoladore, Carolina de Paula, Elke Siedler,

Emanuella Teresa Kalil Lima, Jaqueline Reis Vasconcellos, Jonas Karlos de Souza Feitosa,

Juliana Fernandez Castro, Luciane Sarmento Pugliese Borges, Marcelo Galvão Guimarães,

Rita de Cássia Fabris Leone, Verusya Santos Correia, especialmente: Clarice Nunes

Contreiras, Gabriel Peletti Bueno e Odailso Sinvaldo Berté.

Aos Amigos: Alexandra Dumas, Adriana Dumas, Ana Dumas, Nadir Nóbrega, Heloisa Brito,

Ítalo Zazu, Pedro Santos, Rachel Neves, Raimundo Seixas, Taynã Batisttela e Will Batist,

pois de alguma forma contribuíram imensamente nos percursos traçados.

Muito obrigado!

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A história ainda não é tal como deveria ser. Não é

razão para imputar à história tal como pode ser

escrita o peso de erros que só pertencem a história

mal-compreendida.

Marc Bloch (2001)

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SILVA, Carmi Ferreira da. Por uma História da Dança: Reflexões sobre as práticas

historiográficas para a Dança, no Brasil contemporâneo. 121 f. : Il. 2012. Dissertação

(mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

RESUMO

A História da Dança é o campo de pesquisa responsável pelo estudo das narrativas históricas e

pela memória desta linguagem artística. A presente pesquisa vem propor uma reflexão sobre

os aspectos da produção brasileira da historiográfica da Dança, sobretudo aquelas publicações

e novos ambientes de produção e disseminação, surgidos e consolidados entre os anos de

2001 e 2011. Alguns conceitos e reflexões de historiadores ligados ao movimento francês da

Nova História (Peter Burke, Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff, Marc Bloch, entre outros)

embasam e argumentam as perspectivas apontadas nesta dissertação, justificando e apontando

outros olhares para a prática de pesquisa acadêmica em História da Dança. Portanto, o

objetivo principal destas reflexões é levantar questionamentos e ampliar as discussões acerca

dos aspectos referentes às práticas historiográficas para a Dança, desenvolvidas no Brasil,

incluído sua produção bibliográfica.

Palavras-chave: Dança, História da Dança, Historiografia da Dança, Nova História,

Micro-História.

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SILVA, Carmi Ferreira da. For a History of the Dance: Reflections on the historiographical

practices for dance in contemporary Brazil. 121 f.il. 2012. Thesis (MA) –Federal University

of Bahia, Salvador, 2012.

ABSTRACT

The History of the Dance is the search field responsible for the study of historical narratives

and the memory of this artistic language. This study proposes a reflection on aspects of the

historiography of Brazilian dance, especially those new publications and the production and

dissemination environments, emerged and consolidated between 2001 and 2011. Some

concepts and reflections of historians attached to the French movement of the New History

(Peter Burke, Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff, Marc Bloch, among others) base and argue

the perspectives outlined in this dissertation, explaining and pointing out other looks for the

practice of academic research in Dance History. Therefore, the main purpose of these

reflections is to raise questions and extend the discussions of aspects relating to the

historiographical practices for dance, developed in Brazil, including its production literature.

Keywords: Dance, Dance History, Historiography of Dance, New History, Micro-History.

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SILVA, Carmi Ferreira da. Pour une Histoire de La Danse: Réfléxions sur les pratiques

historiographiques pour La Danse dans Le Brésil contemporain. 121 f.il. 2012. Thèse (MA) –

Université Fédérale de Bahia, Salvador, 2012.

RESUMÉ

L'histoire de la Danse est le terrain de recherche responsable de l'étude des récits historiques

et de la mémoire de ce langage artistique. Cette étude propose une réflexion sur les aspects de

l'historiographie de la danse brésilienne, en particulier, ceux de nouvelles publications et leur

environnements de production et de diffusion, émergé et consolidé entre 2001 et 2011.

Certains concepts et réflexions des historiens attachés au mouvement français de la Nouvelle

Histoire (Peter Burke, Carlo Ginzburg, Jacques Le Goff, Marc Bloch, entre autres) appuient et

soutiennent les perspectives présentées dans cette thèse, en expliquant et en soulignant

d'autres regards pour la pratique de la recherche académique dans Histoire de la Danse. Par

conséquent, le but principal de ces réflexions est de soulever des questions et d'étendre les

discussions sur les aspects relatifs aux pratiques historiographiques pour la danse, développés

au Brésil, y compris la production de sa littérature.

Mots-clés: Danse, Histoire de la Danse, L'historiographie de la Danse, La Nouvelle

Histoire, Micro-histoire.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 11

CAP. 1 – REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE NARRATIVAS HISTÓRICAS

PARA DANÇA................................................................................................... 20

1.1 – A ESCRITA DA HISTÓRIA DA DANÇA NO BRASIL.................................. 21

1.2 – A HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA................................... 33

1.3 – QUESTÕES SOBRE A ESCRITA HISTORIOGRÁFICA EM DANÇA.......... 40

1.4 – CONSTRUÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DA DANÇA NO BRASIL........... 46

CAP. 2 – OUTRAS ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS DA DANÇA NO

SÉCULO XXI.................................................................................................... 57

2.1 – NOVOS AMBIENTES PARA UMA NOVA HISTÓRIA DA DANÇA........... 64

2.2 – OUTRAS CONFIGURAÇÕES PARA A HISTÓRIA DA DANÇA................. 82

CAP. 3 – O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DA HISTÓRIA DA DANÇA –

CONSIDERAÇÕES NA PRIMEIRA DÉCADA DO MILÊNIO................... 89

3.1 – NOVAS ESCRITAS E OUTROS TIPOS DE PUBLICAÇÕES PARA A

HISTÓRIA DA DANÇA.................................................................................... 91

3.1.1 – Novos formatos de publicações e difusão de narrativas na

Internet................................................................................................... 92

3.1.2 – O avanço das pesquisas em História da Dança nos ambientes

acadêmicos............................................................................................. 93

3.2 – A HISTÓRIA POLÍTICA E A HISTÓRIA SOCIOCULTURAL DA

DANÇA............................................................................................................... 96

3.2.1 – Historiografia (a partir) do Problema................................................. 97

3.2.2 – Mapeamentos/agrupamentos de dados/acervos para a História da

Dança...................................................................................................... 98

3.2.3 – Acessibilidade e qualidade da informação da História da Dança..... 101

3.3 – MICRO-HISTÓRIAS DA DANÇA.................................................................... 104

3.3.1 – A importância da Escrita dos Artistas................................................. 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS, EM PERSPECTIVA..................................................... 110

REFERÊNCIAS...............................................................................................................

.

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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

Esta dissertação tem o interesse de contribuir para o avanço da pesquisa na área da

Dança, abordando temáticas no campo da História da Dança e seus modos de agir, que

ficaram convencionados como historiografia. Neste trabalho, uma reflexão é proposta sobre as

estratégias e os métodos utilizados na construção das narrativas históricas da Dança,

principalmente sobre aquelas contadas em publicações e demais sistematizações, realizadas

no Brasil, evidenciando seus aspectos constitutivos e abordando suas estratégias

metodológicas de historiografar.

Este trabalho é o resultado de dois anos (2010/2011) de pesquisas, leituras, reflexões e

discussões sobre a História da Dança, sob a orientação da Professora Doutora Fabiana Dultra

Britto, em colaboração com outros professores e colegas do mestrado, desenvolvido no

Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGDança), da Escola de Dança da Universidade

Federal da Bahia – UFBA.

Caracterizado como único curso de pós-graduação em Dança em nível de mestrado, no

Brasil, o PPGDança mostrou-se um ambiente de excelência e responsável pela concretização

deste estudo, oferecendo uma estrutura necessária para o bom andamento e para a frutificação

no seu desenvolvimento a partir da proposta inicial de estudo.

O principal objetivo deste trabalho de pós-graduação é compreender o modo como se

organizam as produções das narrativas históricas da Dança no Brasil, nos últimos dez anos

(2001-2011), levantando dados e propondo reflexões sobre a História Tradicional e a Nova

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História. Para isso, este estudo estabelece como ponto de partida uma análise das publicações

sobre a História da Dança produzidas no Brasil, anteriormente a esse período.

A partir de estudos e pesquisas acadêmicas anteriores, pretende-se avançar nos estudos

da História da Dança, trazendo novos dados, novos apontamentos e outras reflexões sobre

como se encontra a produção das narrativas históricas dos últimos dez anos, em âmbito

nacional. De antemão, é preciso considerar que esta pesquisa não pretende dar conta de todos

os aspectos historiográficos da escrita da História da Dança. Entretanto, pretende levantar

alguns questionamentos que emergiram da própria pesquisa, neste campo, e analisá-los sob a

ótica de historiadores contemporâneos.

Esta pesquisa propõe um estudo interdisciplinar, utilizando teóricos e estudos das

áreas da Dança e da História, com o objetivo de aproximar e relacionar aspectos presentes nas

duas áreas, encontrando ambientes de interação, cujo diálogo possibilita a emergência de

reflexões, principalmente entre a produção dos diversos tipos de Danças no país e a

construção de sua história. Este estudo ancora-se também na área da História. Porém, ela irá

se ocupar principalmente do campo da História Cultural e Social, com abordagens na

dimensão dos modos e métodos de pesquisa da História Tradicional, da Nova História e da

Micro-História, primordialmente em relação à produção da História da Dança e,

consequentemente, da História das Artes.

Quanto à metodologia de pesquisa, levou-se em consideração, no presente trabalho, a

emergência com que o objeto de estudo apontava para a necessidade de estratégias ligadas à

pesquisar exploratória e à pesquisa documental. Assim, objetivou-se levantar dados sobre a

escrita da História da Dança no Brasil contemporâneo, através da manipulação de acervos

bibliográficos e documentais: com acesso a livros, trabalhos acadêmicos (teses, dissertações,

artigos), apostilas, sites de dança na internet e da leitura de material videográfico produzido

na área.

Este formato metodológico, de natureza qualitativa, tornou-se a base fundamental para

a análise material dos dados coletados, possibilitando o uso de estratégias de reflexão

proativa, inclusive, com a criação de alguns conceitos chave que dão conta do que haja sido

encontrado na pesquisa. Tais estratégias foram relevantes ao desenvolvimento dos resultados

pretendidos, forçando reflexões criteriosas, acerca da prática da historiografia da Dança na

contemporaneidade brasileira.

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Espera-se que ao final destas reflexões, esta pesquisa possa contribuir para a melhor

compreensão de alguns aspectos da Dança e sua história, além de ampliar os conhecimentos

sobre as possibilidades metodológicas nas narrativas históricas no país. Também poderá servir

de base para acrescentar dados e discussões em pesquisas e estudos posteriores.

A ausência de análises mais aprofundadas sobre as questões da escrita histórica da

Dança e a falta de discussões sobre esta temática, fornecendo novos olhares para essa prática,

direcionou este estudo para pesquisas nos livros, artigos e trabalhos acadêmicos, chegando a

conclusão que pouco se falou sobre este assunto específico.

Diante da quase total inexistência de publicações, estudos e discussões, a respeito

desta temática, a estratégia para chegar aos dados foi acessar os materiais que mais se

aproximavam das questões relativas à História da Dança, ou seja, os livros. Com um acervo

limitado, podiam-se encontrar livros de autores brasileiros e estrangeiros, no qual se

autodenominavam e contiam informações sobre a trajetória da história da dança no mundo e,

esporadicamente, da história da dança brasileira 1.

Durante a leitura de alguns destes exemplares, três aspectos passaram a se caracterizar

como importantes para a compreensão da escrita da história: 1) grande parte das publicações

tinha aproximadamente o mesmo conteúdo e formatação, ou seja, estavam falando das

mesmas histórias de dança (nem dançarinos/coreógrafos diferentes e nem dados históricos

novos/outros) e quase sempre se organizavam a partir de estilos de dança (balé clássico –

dança moderna alemã – dança moderna americana); 2) além de conter quase os mesmos

dados, os modos de organização das publicações sugeriam construções historiográficas muito

próximas, se não idênticas, seguindo um padrão tradicional de livros de História, em que as

informações são colocadas em blocos separados, dando uma ideia de distanciamento dos

eventos, como se eles não tivessem nenhum tipo de relação, ou ainda o contrário, a

proximidade dos eventos de um bloco de informações sugeriam uma linearidade na

ocorrência dos eventos, dando uma ideia de causalidade; 3) em alguns destes exemplares,

pode-se encontrar pequenos fragmentos da Dança desenvolvida no Brasil – quando presente,

resumi-se a narrar trechos das companhias e artistas de balé clássico do Rio de Janeiro ou São

Paulo.

1 Sobre a ausência ou descaso com a história das danças brasileiras nos livros de História da Dança publicados

no Brasil, ver exemplos como : MENDES (1987) ; CAMINADA (1999) ; RENGEL E LANGENDONCK

(2006).

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Estes três aspectos se constituem numa prática comum para aqueles que escreveram a

História da Dança no Brasil. Apesar de narrarem algumas histórias relacionadas à trajetória de

dançarinos e companhias de dança, esses livros não cumpriam o papel da narrativa história da

Dança, ou seja, de narrar as trajetórias e as teias de relações que possibilitaram a existência da

própria Dança.

Constatando esta deficiência, problematizou-se nesta pesquisa uma base de

questionamentos, no intuito de melhor compreender a construção da História da Dança a

partir da produção de suas múltiplas narrativas, considerando três aspectos relevantes: 1)

reconhecimento dos vestígios históricos da produção artística em Dança, 2) a prática da

pesquisa histórica para a Dança, e 3) a existência de escritas históricas sobre a Dança.

O modo de pensar e organizar as histórias das Danças no Brasil continua se

caracterizando da mesma forma ao longo dos séculos XX e XXI? Algo mudou na forma de

pensar a história das Danças na contemporaneidade? Existem outras maneiras de organizar

essa História da Dança, que continua se desenvolvendo no tempo, em diversos espaços e com

diversificadas configurações? Existe um interesse pelos aspectos históricos da Dança na

contemporaneidade? Qual o interesse de um estudante/dançarino/pesquisador contemporâneo

quando se propõe a ler algo sobre a trajetória da Dança?

Foram perguntas recorrentes que alimentaram este trabalho em todo o seu processo,

além de impulsionarem a pesquisa a cada texto lido e a cada reflexão elaborada. No entanto,

essas novas descobertas direcionaram para questões mais específicas, relacionadas com a

questão dos modos de historiografia brasileira da Dança, ou seja, como os historiadores,

pesquisadores, artistas e estudantes da área estavam produzindo conhecimentos e materiais

sobre a(s) história(s) das Danças no Brasil.

Segundo o historiador francês Michel de Certeau (2010), a Historiografia é o estudo da

escrita da história e dos seus modos de construção, neste caso, a História da Dança no Brasil.

Incontestavelmente, na atualidade brasileira, até pelo volume de produção e de significação da

Dança no Brasil, tornara-se indispensável uma revisão crítica da escrita desta História,

sobretudo uma reflexão acerca da questão dos métodos de historiografar e dos sujeitos que

produzem esta narrativa.

Tal historiografia merece ser continuamente e profundamente pensada, estudada e

questionada, pois, a princípio, são estas configurações que se constituem/constituirão como

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documentos históricos, que respaldam (ou irão respaldar) os discursos, os valores de poder e

os endereçamentos de outras pesquisas artísticas e/ou acadêmicas no futuro da Dança.

Então qual é a necessidade deste estudo para a área da Dança? Entende-se aqui que

nos últimos dez anos, o campo de produção de documentos referentes à História da Dança é

amplamente “estendido” por outros modos de apresentação, além da tradicionalmente

conhecida, o livro de História da Dança. Com o avanço dos novos modos de comunicação, a

informação se articula com novos espaços e ganha novos corpos, entre eles o formato digital.

Dessa forma, é necessário compreender como esses outros modos de contar a história

articulam seus conhecimentos, quem são os sujeitos responsáveis por esses processos e de que

forma eles se relacionam com as danças na contemporaneidade, contribuindo assim para sanar

parte da escassez no estudo da historiografia da Dança.

Um estudo no campo da historiografia em Dança no Brasil detectou dois importantes

trabalhos teóricos referentes à construção da História. A tese da professora doutora em

semiótica/dança (PUC-SP) Fabiana Dultra Britto, orientadora desta dissertação, cujo título é

Temporalidades em dança: parâmetros para uma história contemporânea 2 e cujo

objetivo principal foi de refletir sobre a temporalidade na escrita da História da Dança

publicada no Brasil. O segundo trabalho foi o artigo intitulado Livros de história da dança

no Brasil: porque eles merecem ser lidos 3, do crítico e doutor em semiótica/dança (PUC-

SP) Roberto Pereira, o qual apresenta um levantamento de livros de História da Dança

publicados no país, no século XX.

Estes dois trabalhos teóricos apontam para uma análise da funcionalidade dos livros

dedicados a narrar a História da Dança, evidenciando os pontos positivos e os negativos dos

modos como essas publicações narram a evolução da Dança no Brasil. Estes estudos foram

responsáveis, no início desta pesquisa, pelo interesse na construção de um foco de abordagem

das outras diversas publicações que se apresentavam como narrativas históricas da Dança.

Sobretudo, no tocante ao entendimento da necessidade de revisão dos aspectos de autoria, de

configuração das publicações e do que, naqueles exemplares, havia se configurado como

compreensão de História e de Dança.

2 Tese publicada em livro: BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em Dança: parâmetros para uma história

contemporânea. Belo Horizonte: FID EDITORIAL, 2008.

3 PEREIRA, Roberto. Livros de história da dança no Brasil: porque eles merecem ser lidos. In: NORA, Sigrid

(Org.). Húmus. Caxias do Sul: Lorigraf, 2007.

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Porém, à medida que a pesquisa se desenvolveu, foram surgindo fatores que

direcionaram o interesse desta dissertação para as questões da produção da História da Dança

na contemporaneidade, no hoje, no agora. Apesar dos referidos trabalhos, da professora

doutora Fabiana Dultra Britto (2002) e do crítico e doutor em semiótica Roberto Pereira

(2007), terem sidos publicados no período de dois anos de diferença, entre um e outro, eles

analisam produções bibliográficas datadas de antes do ano de 2000, não enfocando a

produção referente aos anos que se seguiram.

Assim, tal característica não deixa de assinalar a existência de uma importante lacuna

na abordagem da temática que, provavelmente, justifica-se pela escassez de materiais e

informações acessivelmente manipuláveis, naquele período, de acordo com a delimitação do

recorte desta abordagem tão específica.

Além do fator temporal, o presente processo de pesquisa busca desvendar muitos

outros aspectos antes não perceptíveis, apontando a presença de proposições diferenciadas

para as escritas históricas atuais. As práticas de Dança vêm acompanhando os recentes

desenvolvimentos do mundo informatizado, como as novas tecnologias, as interatividades, as

interdisciplinaridades, além de se relacionar com a contemporaneidade no âmbito da Arte. O

fazer historiográfico na Dança também tende a acompanhar essas mudanças, reformulando e

reinventando outros modos para sua escrita.

Esta dissertação objetiva mostrar que a partir do ano 2000, foram lançadas poucas

publicações que se destinavam a escrever a História das Danças, enquanto nas duas décadas

anteriores pode-se detectar mais de 20 livros lançados 4, apontando um possível desinteresse

dos autores por este formato de escrita ou então pelo desinteresse do mercado editorial no

lançamento de novos livros com esta temática.

E assim, uma questão emblemática desta pesquisa emerge: se o formato de publicação

em História da Dança, no Brasil, parece se tornar cada vez mais escasso nas livrarias,

bibliotecas e ambientes de pesquisa, então como os conhecimentos neste campo estão sendo

formulados e acessados pelo público cada vez mais crescente de estudantes, pesquisadores e

produtores da área da Dança?

4 Como constatou Pereira (2007), nas décadas de 1980 e 1990 houve um número razoável de publicações

destinadas a narrar a História da Dança.

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A problemática desta questão está no fato de uma possível “ineficiência” destas

publicações como escrita da História da Dança brasileira e incoerência nos modos de

produção contemporânea em historiografia. Primeiramente, pelo fato de não se encontrar

histórias que tratem da evolução das danças brasileiras, diante de uma imensidão de práticas

em diversas partes do país. Em seguida, da generalização, superficialidade e causalidade na

construção destas narrativas, se utilizando de estruturas tradicionais para criar histórias

contemporâneas, sem uma reflexão necessária. Diante disto, este tipo de material

bibliográfico parece então estar circulando cada vez menos.

Se esses livros estão ficando escassos, como os estudantes e pesquisadores da área têm

acesso aos diversos conhecimentos da evolução da Dança no país? Fora a produção de livros

de História da Dança, que outras estratégias podem ser utilizadas para esses conhecimentos

circularem nos espaços onde as Danças se (re)constroem, na teoria e na prática?

A hipótese deste trabalho se encontra exatamente na suposição da ocorrência de outros

formatos de escrita historiográfica, emergidos a partir da pesquisa e da produção

contemporânea da/na Dança, substituindo, complementando, transformando e/ou

reorganizando os livros de História da Dança. Estes outros modos parecem requerer destes

estudiosos novas percepções e novos olhares para a pesquisa em História.

Mesmo não assumindo um caráter historiográfico, estes outros modos de agrupar

dados, eventos e trajetórias da Dança acabam sugerindo funcionalidades análogas as da

narrativa histórica, quando da sua intenção de organizar conhecimento para construir uma

narrativa. No entanto, é o leitor/pesquisador que terá o labor de tratar/analisar/sistematizar os

dados e não um historiador/pesquisador.

É preciso acompanhar de perto o surgimento e/ou a transformação destes processos

narrativos da história, tentando entendê-lo na sua proposição e articulação com a prática da

dança.

Dessa forma, optou-se por delimitar a pesquisa abordando os aspectos da construção

das narrativas históricas das danças no Brasil ocorridos – e detectados – entre os anos de 2001

e 2011, oferecendo a este pesquisador uma ampla possibilidade de (re)conhecimento do

espaço/tempo do período estudado, principalmente pela sua inserção em pesquisas na

graduação e pós–graduação, nesta área específica.

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Sendo assim, a escrita desta pesquisa se constitui basicamente em três etapas: o

primeiro capítulo apresenta uma discussão teórica sobre o modo tradicional de historiografar e

as reflexões contemporâneas sobre a escrita da História, apontando outras estratégias e novos

pensamentos sobre a narrativa de fatos e acontecimentos históricos. Neste capítulo, os

historiadores Marc Bloch, Jacques Le Goff, Peter Burke e Michel de Certeau, entre outros,

dialogam para a compreensão dos aspectos das narrativas históricas e seus métodos de escrita,

destacando essas práticas na Dança.

Ainda neste primeiro capítulo, propõe-se uma articulação dos estudos relacionados à

pesquisa em História da Dança, a partir de dois pesquisadores que possuem estudos

específicos neste campo, sendo eles Roberto Pereira e Fabiana Britto. A partir das publicações

destes autores, esta dissertação pretende avançar no que se refere aos estudos das produções

que se propõem tratar da História da Dança.

No segundo capítulo, propõe-se uma investigação dos modos de produzir

conhecimentos de História da Dança na contemporaneidade, no Brasil, analisando e refletindo

sobre estes novos/outros processos de escrita historiográfica, no período entre 2001 e 2011.

Foram necessárias extensas pesquisas em sites de busca, acervos de bibliotecas, acervos

virtuais, home pages, bancos de dados, pesquisas de pós-graduação, livros de História da

Dança publicados no Brasil e no exterior, publicações de artigos e trabalhos acadêmicos, entre

outros espaços onde os conhecimentos de História da Dança se fizeram acessíveis a este

pesquisador, para se compreender as práticas atuais de abordar a História da Dança.

Muitos desses dados são utilizados nesta pesquisa como documentos que apontam

para as questões das narrativas históricas (as práticas de escrita e construção da história), sem

que tenham a função de serem categorizadas como tal, porém apontam indícios

imprescindíveis para compreender como as histórias das Danças estão sendo organizadas e

idealizadas no desenvolvimento de sua prática artística/histórica.

O terceiro capítulo é uma discussão reflexiva dos resultados construídos no segundo

capítulo e que busca contribuir com a elaboração de uma outra perspectiva de compreensão da

tradição historiográfica da Dança no Brasil, exatamente a partir da análise da produção desta

escrita da Dança no período de 2001 a 2011.

Nesta etapa do trabalho, objetivou-se apontar algumas estruturas narrativas já

existentes na área da Dança que se aproximam dos conceitos dos novos modos de produzir a

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escrita da história da Dança na contemporaneidade, evidenciando e situando sua contribuição

e relevância para a o campo da História da Dança.

Ao final, apresenta-se como resultado em processo desta pesquisa, à guisa de

Conclusão, uma síntese do trabalho desenvolvido na abordagem bibliográfica e na reflexão

daí proveniente, apontando possibilidades de continuidade desta pesquisa, seguido das

Referências (de discussão e de fontes de pesquisa) 5.

5 A normatização deste trabalho acadêmico seguiu a padronização estilística e metodológica do Manual de

Estilo Acadêmico: Monografias, Dissertações e Teses, de autoria das professoras Nídia Maria Lienert Lubisco,

Sônia Chagas Vieira e Isnaia Veiga Santana, publicado em Salvador, pela Editora EDUFBA, em 2008.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 11 ––

REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS DE NARRATIVAS HISTÓRICAS PARA DANÇA

A história tem seu importante papel na manutenção da memória e no desenvolvimento

das sociedades humanas. É a partir do que se já tem como conhecimento e de fatos ocorridos

que novos conhecimentos vão sendo produzidos, evoluindo continuamente. Essas estratégias

de permanência e circulação de informação permitiram que muitas ideias e conhecimentos

pudessem ser disseminados pelo mundo afora, possibilitando sua interação com vários

ambientes de uma localidade, assim como atingindo certos espaços mais globais.

A prática de narrar a história daquilo que é passado acompanha o desenvolvimento das

técnicas de registro, as grafias. A cada época o homem re(elabora) novas formas de

comunicação, sendo a escrita uma das maneiras consolidadas de impressão das narrativas

históricas.

A historiografia se preocupa com os modos e as técnicas utilizadas pelos historiadores

para a pesquisa e para a escrita das narrativas históricas. Esses modos e essas técnicas estão

associados à maneira como cada historiador compreende a História e, algumas vezes, elas

podem trazer problemas de incompletude ou distorção entre o fato histórico e a narrativa

desse fato. Além disso, algumas práticas evidenciam os esquecimentos históricos, os

distanciamentos de eventos, os isolamentos dos fatos, práticas históricas essas bem visíveis na

escrita da História da Dança, no Brasil.

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1.1 – A ESCRITA DA HISTÓRIA DA DANÇA NO BRASIL

No Brasil, a história das práticas de Danças parece ter ficado no esquecimento

histórico. Grande parte da história dos eventos de Dança ainda precisa ser escrita. Não que

eles precisem ser narrados para receber seu devido reconhecimento como Arte, ou ainda, do

reconhecimento de sua existência, mas que possam ser inseridos na memória da Dança

brasileira, e/ou mundial, para que os pesquisadores da área ou um interessado por esta

expressão artística possam compreender um pouco mais sobre as diversas trajetórias as quais

a Dança pôde caminhar no país.

Mas o porquê desse abismo historiográfico na área? Será que é pela ausência de

manifestações relevantes neste tempo/espaço? Será pela falta de especialistas que possam

escrever estas histórias? Será pela falta de interesse neste tipo de objeto e de escrita? Ou será

pela impossibilidade de encontrar vestígios deste passado (não) tão remoto? E os livros de

História da Dança que vêm sendo lançados no país, desde a segunda metade do século XX?

Como eles abordam estas trajetórias nacionais? É exatamente em cima destas questões da

produção das escritas da história das Danças que esta pesquisa propõe algumas reflexões, as

quais provavelmente possam clarear algumas destes problemas históricos.

Considerando as principais correntes teóricas da historiografia (Burke, Le Goff,

Barros, Bloch, Certeau etc.), compreende-se que quando se fala em História, comumente,

acata-se este fenômeno de registro e difusão como a narração dos acontecimentos relevantes

de determinados eventos, coisas e/ou pessoas. Assim, a História do Brasil, a História do

telefone ou a História de Pina Bausch são narrativas que vão contar a trajetória destes ícones,

reconstruindo-os, no presente, a partir dos eventos do seu passado, narrando suas

modificações através do tempo. Geralmente, estas histórias são relatadas em livros, tornando-

as acessíveis ao mundo fortemente inclinado pela habilidade da escrita e da leitura.

Antes da história escrita, o homem se utilizava da oralidade para comunicar, preservar

e divulgar seus conhecimentos, fazendo com que eles pudessem ser disseminados aos demais

do seu convívio social e dando aos eventos e manifestações uma certa durabilidade histórica.

Ainda antes da oralidade, essa mesma espécie humana organizava gestos e ações que

permitiam a comunicação e, muitas vezes, a replicação das informações construídas no seu

intelecto ou vivenciadas pelo indivíduo. (BURKE, 1992).

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Dessa forma, o homem sempre esteve interessado em comunicar suas experiências e

sistematizá-las em uma grafia para compartilhar ao outro, elaborando as suas e outras

histórias.

E foi exatamente na escrita que a história encontrou seu modo mais eficiente. Escrever

uma história significa organizar vários aspectos e acontecimentos que giram em torno de um

evento ou pessoa, concatenando e tecendo relações para gerar a sua trajetória. Escrever uma

história parte da necessidade de comunicar, mas também da vontade desse conhecimento

permanecer vivo ao longo do tempo, possibilitando sua interação com os eventos futuros.

A escrita da Dança no Brasil parece ter ficado no esquecimento histórico. Pouco de

sua trajetória foi escrita, principalmente devido ao desinteresse dos poderes públicos em

relação à memória e dos pesquisadores em relação à pesquisa nesta área. A História da Dança

brasileira parece estar escrita no seu próprio “recurso” de expressividade, o corpo brasileiro.

Talvez através destes corpos dançantes as histórias das danças desenvolvidas neste imenso

país possam ser (re)construídas.

Antes da década de 1980, o que se encontrava de consistente da escrita histórica da

Dança (mundial) no Brasil era produzida em terras estrangeiras, ou por estrangeiros,

exatamente como a inserção das práticas da dança clássica francesa e russa, em um país ainda

dando seus primeiros passos. Os primeiros escritos chegados aqui são livros estrangeiros,

assim como algumas traduções 6. (PEREIRA, 2007).

No Brasil, os livros de Dança geralmente atuam/atuaram como aporte teórico que

direciona/direcionam a compreensão da sua história e suas possibilidades de produção e

formatos estéticos, embora seu número de publicações tenha sido muito pouco, durante o

século XX, quando comparados às outras áreas das Artes. Depois da grande influência dos

balés importados da Europa, e logo depois da dança moderna americana, os artistas da Dança

tiveram o importante objetivo de consolidar estas práticas no país, construindo um ambiente

6 Livros como História da Dança e do Ballet (1962 – Adolfo Salazar – Portugal) ou traduções como a auto-

biografia Minha Vida (1956 – Isadora Duncan), a biografia de Nijinsky (1940 – Romola Nijinsky), ou o livro

Um instante na vida do outro (1979 – Maurice Béjart).

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para sua inserção, implementação e consolidação, cujas Danças sociais 7 eram pouco

valorizadas como expressões artísticas legítimas.

Diante da falta de produções literárias, muitos estudiosos rotulavam os artistas e

pesquisadores da Dança pela sua falta de intelectualismo. Isso, devido tanto a hiper utilização

do corpo, pela própria natureza da Dança, quanto pela inexistência dos aportes teóricos da

área, criando assim um estereótipo dos dançarinos e alimentando uma ideia de dualismo entre

mente e corpo, teoria e prática. Diante desse fato, jornalistas e outros profissionais de outras

áreas acabaram ocupando os espaços de elaboração das teorias e narrativas da Dança.

A História da Dança que se passava a conhecer no Brasil era baseada nas tradicionais

Histórias das Danças construídas pelos europeus e norte-americanos, importando grande parte

de sua bibliografia desses lugares. Sendo assim, a História da Dança que começou a ser

construída no país foi um reflexo das narrativas históricas dessas importações, deixando as

histórias nacionais quase sempre no esquecimento histórico.

Na prática da escrita da História da Dança brasileira, as raras exceções são alguns

livros que trazem descrições das danças populares e do folclore das diversas regiões do país.

Durante esta pesquisa, foram encontradas algumas obras importantes pela abordagem de seus

conhecimentos locais e pelos aspectos históricos da Dança. Em 1959, um ano após sua morte,

o musicólogo e folclorista paulista Mário de Andrade teve publicado seu livro Danças

Dramáticas do Brasil, pela Editora Martins. Resultado de uma viagem pelo Norte e Nordeste

do Brasil, o autor estava interessado no folclore dessas regiões, encontrando e conceituando

algumas danças folclóricas, além de reconstituir sua a origem e apontar suas particularidades.

Em 1954, com o lançamento do livro Dicionário do Folclore Brasileiro, do

historiador e folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, tornaram-se evidentes muitas das

definições de danças culturais, que ainda operam no Brasil. Este folclorista foi muito

importante para a construção de uma ideia de dança brasileira, pois foi responsável por dá

corpus a uma ideia de dança genuinamente nacional, principalmente as danças culturais do

nordeste.

7 Neste trabalho, a expressão « Danças Sociais » são tratadas como aquelas danças praticadas com intenção de

sociabilidade, por qualquer indivíduo e sem um treino específico, diferenciando-se das « Danças Artísticas »,

que são aquelas praticadas por profissionais, com treino específico e com motivação e propósito de investigação

de linguagem artística. Essa expressão distancia-se aqui da noção de « raízes » ou de « pureza », importante e

relevante para outros trabalhos e autores.

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Em 1973, Maria Amália Corrêa Giffoni, professora e folclorista, também lançou o

livro Danças Folclóricas Brasileiras, apresentando um panorama cultural do Brasil através

da música e da dança em manifestações folclóricas. Esta publicação teve o objetivo de

divulgar o Folclore nacional, destacando sua importância e suas construções coreográficas e

apresentando noções das danças e suas partituras musicais.

Estas três publicações se configuram como os primeiros escritos sobre as danças

sociais encontradas no país, mesmo nenhum desses pesquisadores sendo do campo da Dança.

Esse fato aponta para a inexistência de escritores ou historiadores específicos desta área, nesse

período. Entre as décadas de 1950 e 1970, apenas a Universidade Federal da Bahia possuía o

curso de nível superior em Dança. Entretanto, o interesse na prática artística parece ter

desviado os olhares da prática historiográfica dos que estavam estudando Dança, naquele

momento. Ao que parece, o fato de não existir um hábito de escrita por parte dos artistas da

dança e a prática excessiva em festivais e grupos artísticos, contribuíram para essa lacuna de

escritos sobre a dança na história.

Segundo os depoimentos das dançarinas Lia Lobatto e Lúcia Mascarenhas (2002),

entre outros depoimentos de artistas desse período, na Bahia, pode-se visualizar a importância

que, naquele momento, se dava as práticas artísticas de dança. Os artistas da Dança estavam

imersos nas pesquisas artísticas, produções coreográficas, participação em eventos, cursos,

aulas, ou seja, numa intensa prática corporal, principalmente aquelas danças ligadas a

modernidade e as danças culturais.

Livros como estes estão fortemente inclinados para uma pesquisa de danças puramente

brasileiras. A busca das raízes brasileiras nas manifestações artísticas, principalmente depois

da noção de nacionalismo defendida na Semana de Arte Moderna de 1922 8, cujo objetivo foi

evidenciar o que era produzido por brasileiros e sobre os brasileiros, levou estes

pesquisadores a focar seus estudos nas danças populares, direcionando seus olhares para as

tradições de determinadas culturas (regionais), principalmente aquelas ligadas ao Folclore.

Outra publicação que apresenta um panorama das Danças folclóricas no território

nacional, de uma forma não-linear, é o livro Dança, Brasil!: festas e danças populares, do

8 Movimento artístico modernista nacional ocorrido em fevereiro de 1922, no Teatro municipal de São Paulo, em

que se defendia uma Arte genuinamente nacional. Seuus principais representantes são Oswald de Andrade,

Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet,

Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Di CavalcantiMário e o prórpio Mário de Andrade.

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bailarino, coreógrafo e professor de danças folclóricas Gustavo Côrtes. Publicado em 2000, o

autor aborda as festas e as tradições populares de cada região e de cada estado do país,

analisando algumas danças populares e tradicionais. Esta publicação apresenta como as

danças populares surgiram e em que contexto foi possível sua ocorrência, sem uma

temporalidade definida por datas, “sem estabelecer limites entre presente e passado”, mas na

relação com o espaço/tempo que favoreceu seu surgimento e proporcionou sua permanência,

através das relações, de suas transformações e de seu caráter dinâmico. (CÔRTES, 2000).

Outros livros como História da Dança de Luis Ellmerich, A dança e seus

construtores de Antonio José Faro, A dança teatral no Brasil de Eduardo Sucena, ou ainda

Dança no Brasil de Ida Vicenza, buscam relatar aspectos do desenvolvimento da Dança no

Brasil, cada um deles trazendo um modo de diferente de organizar as narrativas. Eduardo

Sucena, por exemplo, apresenta uma narrativa a partir das apresentações de companhias e

nomes célebres da Dança Mundial, os quais estiveram no Brasil, e ainda a trajetória daqueles

que iniciaram as suas práticas, neste país, desde o início do século XIX.

O próprio Sucena (1989, p. 21) assume que seu trabalho não objetiva pretensões

literárias, mas sim “um relato do desenvolvimento da dança teatral em nossa terra, de valor

documental para bailarinos e estudiosos do assunto”, lamentando “não apresentar uma

narrativa mais precisa e coesa, um mais nítido encadeamento dos fatos.” Apesar de ter tido

uma extensa, minuciosa e cansativa pesquisa (quatro anos) em arquivos e documentos,

reunindo em ordem cronológica acontecimentos e personagens e dando uma sequência a este

recuo histórico, ele ainda afirma que “as informações são imprecisas e sem continuidade, o

registro sobre pessoas e acontecimentos artísticos carece de mais meticuloso arquivamento.”

(SUCENA, 1989, p. 21).

A década de 1950 realmente se apresenta como o início das publicações de livros de

História da Dança, no Brasil. João Henrique Chaves Lopes lançou O livro do ballet: um guia

dos principais bailados dos séculos XIX e XX (1953), que consiste numa tradução do livro

The complete book of ballet (1937), cujo autor é Cyril Beaumont, caracterizando assim o que

parece ser o primeiro livro sobre história publicado no Brasil.

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O site 9 organizado pela dançarina Lucia Villar, direcionado às bibliografias de Dança,

aponta também a existência de três publicações, neste período: uma tradução do livro Ballet in

America, de George Amberg, feita por Sheila Ivert em 1953, cujo título foi Ballet: o

aparecimento duma arte americana; uma tradução do livro Dancing star: the story of Anna

Pavlova, de Gladys Malvern, feita por Isaac Paschoal em 1944, cujo título foi Ana Pavlova:

a estrela dansarina; e ainda, uma tradução do livro Nijinsky, de Romola Nijinsky, feita por

Gastão Cruls, em 1948, com mesmo título.

A publicação e circulação destas obras apontam o início do interesse pela leitura de

livros de Dança. A visibilidade cada vez maior dessa arte, em solo nacional, cria a

necessidade/curiosidade de mais informações a seu respeito, iniciando também a prática de

importação de histórias de danças de outros países, ao mesmo tempo em que estimula a

pesquisa e produção bibliográfica nacional sobre a Dança.

Até o final do século XX, alguns livros sobre História da Dança foram publicados no

Brasil, destacando-se pela circulação e pelo acesso: História da Dança: Evolução Cultural

(1999), da bailarina Eliana Caminada; História da Dança (1989), de Maribel Portinari;

Pequena História da Dança (1986), de Antonio José Faro; A Dança (1985), de Miriam

Garcia Mendes; Dançar a vida (1973), de Roger Garaudy (Tradução: Antonio Guimarães

Filho e Glória Mariani - 1980); História da dança no Ocidente (1978), de Paul Bourcier

(Tradução: Marina Appenzeller - 1987); História da Dança (1964) de Luis Ellmerich; e A

Dança Teatral no Brasil (1988) de Eduardo Sucena. Como se pode observar, grande parte

destas publicações se concentram na década de 80, tendo ainda algumas publicações na

década de 1990.

No período de 2001 a 2011, apenas um livro destinado a contar a História da Dança

foi encontrado, durante esta pesquisa. Trata-se do livro Pequena viagem pelo mundo da

Dança, publicado em 2006, pelas escritoras Lenira Rengel e Rosana Van Langendonck, pela

Editora Moderna. Essas duas pesquisadoras e atuantes na área da Dança organizam uma

compilação de assuntos históricos de dança e os dividem em dez capítulos, sendo o último

uma seleção de bibliografia e no penúltimo, intitulado “Despedida”, as autoras sugerem uma

gama de ações que contribuirão para uma maior compreensão desta Arte, incluindo ver DVDs

e ir à espetáculos de Dança.

9 http://www.luciavillar.com.br/ (Cf. Referências ao final deste trabalho).

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O curto e didático livro se propõe a contar, em 80 páginas, o complexo e abrangente

mundo da Dança, esclarecendo inicialmente que se trata da Dança Cênica e que outros tipos

existem, porém ficarão de fora dessa pequena viagem. Aqui o roteiro histórico é similar aos

outros livros que se propõem a narrar a História: danças antigas (Capítulo 1), balés (Capítulos

2, 3 e 4), danças modernas (Capítulo 5 e 6). O Capítulo 7 se dedica a falar da “metamorfose”

da dança moderna para a pós-moderna, apontando novas proposições em dança. E,

finalmente, um último capítulo destinado ao “Brasil cênico”.

Começamos com o homem das cavernas dançando em volta do fogo e

passamos depois por muitas danças antigas do Egito, da Grécia e da Índia. A

viagem continua com nossa visita às danças presentes em grandes castelos

medievais até chegarmos, gradualmente, às danças que fizeram parte do

nosso tempo atual. [...] Bem, muita história vai ficar de fora porque nossa

viagem é curta e precisamos fazer escolhas, do mesmo jeito que definimos

os trajetos e os lugares que vamos percorrer em nosso passeio nas férias.

Vamos lá! (RENGEL; LANGENDONCK, 2006, p. 3-4).

Aparentemente dedicado ao público infanto-juvenil, tanto pelo pequeno volume,

quanto pela fonte aumentada das letras, e ainda pela grande quantidade de fotos, ilustrações e

desenhos, a obra propõe uma pequena viagem pela história, sendo conduzida por um caminho

determinado pelas autoras desde a apresentação do livro.

Essa publicação inegavelmente tem um papel importante para a integração do público

infantil-juvenil com a história e as práticas da dança. No entanto, também carrega uma

estrutura impregnada de separações, limites e agrupamentos, advinda de uma prática

historiográfica que estabelece mais vácuos históricos do que possibilita uma real interação do

leitor com o complexo e diversificado modo de produzir Dança e História, na

contemporaneidade.

É o modo tradicional de contar a história que está sendo questionado e não a

competência e boa intenção das autoras no campo de estudo da Dança. Talvez, essa prática

continue em algumas publicações pelo simples motivo de não se estar atento para a

construção de uma história mais próxima da realidade que se vive. Para o historiador francês

Marc Bolch (2001) “O historiador raramente define. [...] Ele estende, restringe, deforma

despoticamente as significações, sem advertir o leitor, sem nem sempre ele próprio se dar

conta.” (BOLCH, 2001, p. 146).

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A História, como foi tradicionalmente construída, defende uma ideia de

imparcialidade do historiador e generalização dos fatos, como se o evento, que merecesse ser

registrado e eternizado, estivesse hermeticamente fechado em si mesmo, considerando apenas

os seus elementos mais visíveis e mais “importantes”. Este tipo de pensamentos é responsável

pelas grandes exclusões históricas e pelo modo superficial que as narrativas propõem,

mostrando apenas o que é mais importante para ser relatado. Apesar da superficialidade de

suas escritas, a Historia Tradicional foi – e ainda é – muito utilizada nas práticas

historiográficas. (BURKE, 1992).

As narrativas históricas da Dança ficaram então condicionadas nesse formato de

pensamento tradicional. Três aspectos são fundamentais para compreender a estrutura destas

escritas narrativas e são justamente elas que irão tornar a prática da historiografia da Dança

tão problemática, a ponto de muitas vezes deformar o evento ou as trajetórias de indivíduos e

da própria Dança. São eles: a compartimentalização da história por datas, eventos e/ou nomes

considerados importantes; a história dos vitoriosos/talentosos, daqueles que ganharam os

louros da Arte de Dançar com virtuosismo e perfeição, pondo “os outros artistas” no

esquecimento histórico; e, talvez a mais problemática, a reprodução de padrões de escrita sem

uma devida reflexão por parte dos escritores.

A prática historiográfica desenvolvida por pessoas sem conhecimento apropriado, ou

seja, sem um domínio mínimo de ferramentas necessárias para a execução da pesquisa

histórica, reproduzindo fórmulas anteriores e pensamentos anteriores, parece ser o problema

mais crucial da escrita da História da Dança no Brasil.

Sem desmerecer as publicações e sua importância diante da inexistência de material

bibliográfico, a grande maioria dos autores destes livros não tem formação em História e, às

vezes, nem em Dança, sendo condicionados a reproduzir padrões pré-existentes. Algumas

vezes, não são somente os padrões estéticos que são reproduzidos. São igualmente os textos, a

diagramação, os conteúdos, as imagens, as referências, entre outros aspectos do manuseio dos

dados e métodos.

Na ausência de condições e ferramentas mínimas para a construção coerente e

significante de uma pesquisa historiográfica, resta assumir a tendência vigente, o formato

mais óbvio e tranquilo, pelo simples fato de ter sido repetidamente feito. Segundo Bloch,

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É bom, a meu ver, é indispensável que o historiador possua ao menos um

verniz de todas as principais técnicas de seu ofício. Mesmo apenas a fim de

saber avaliar, previamente, a força da ferramenta e as dificuldades de seu

manejo. [...] No entanto, por maior que seja a variedade de conhecimentos

que se queira proporcionar aos pesquisadores mais bem armados, eles

encontrarão sempre, e geralmente muito rápido, seus limites. (BLOCH,

2001, p. 81).

A insistência em reproduzir os mesmos padrões de escrita fez com que a História da

Dança se tornasse repetitiva (de certa forma obsoleta, por não acrescentar novas/outras

trajetória/histórias) e descarta o que há de mais interessante na prática da escrita destas

histórias, que são as evoluções das práticas de Dança. Isto se configura como mais um indício

do problema da falta de escrita sobre as Danças desenvolvidas no Brasil, durante toda a sua

ocorrência e desenvolvimento. O “modelo padrão” pode ter excluído muito do que foi

produzido de Dança, cujo principal motivo parece ter sido a inexperiência de seus escritores.

Tanto nas publicações de Ellmerich (1964), Faro (1986), Caminada (1999), Rengel e

Langendonck (2006), entre outras, pode-se observar a prática narrativa seguindo uma

abordagem dos mesmos eventos históricos, acrescendo um ou outro dado. Primeiro as danças

primitivas, depois o balé clássico, depois a dança moderna e, em alguns, poucas páginas sobre

a narrativa da dança brasileira ou de eventos e dançarinos no Brasil.

Outro grande problema da História tradicional é a prática excludente que a escrita

assume. Não se pode colocar todos os fatos e pontos de vista numa única escrita. São muitas e

diferentes as perspectivas de análise de um mesmo evento, ou das diversas relações existentes

no fato histórico, apontando para muitas leituras.

Porém, assumir um único ponto de vista como uma verdade histórica inquestionável

pode torná-la insuficiente e incoerente. Um ponto de vista pode explicar a ocorrência do fato.

Vários pontos de vista podem enriquecer, aprofundar e elucidar questões outras que não

foram sequer levadas em consideração.

O esquecimento histórico de eventos, expressões e pessoas relevantes para as

trajetórias das danças desenvolvidas no país reforça ainda mais a ausência das Danças

brasileiras nas grandes publicações de História da Dança.

Vale salientar novamente que a maioria destes livros não contempla o

desenvolvimento desta expressão artística praticada nacionalmente, quando o faz, é em curtas

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páginas, comprimindo ao máximo e, muitas vezes, transformando seu relato em um simples

apêndice da História ou em listas de nomes e atuações.

Essa prática é muito comum na História Tradicional escrita mundialmente. A ideia é

que através dos grandes feitos, dos grandes heróis, as narrativas fossem construídas, com o

objetivo de engrandecer e evidenciar seus bravos atos, sua superioridade. Porém, na Dança,

cada experiência, cada descoberta, cada sistematização, cada evento, parece mais organizar

uma rede de possibilidades do que se produz como expressão do corpo do que a necessidade

de eleger ícones genuinamente representantes de uma grande revolução do movimento

dançado.

O historiador francês Jacques Le Goff, adepto das novas perspectivas da

Historiografia, aponta que “[...] já não se pode pensar numa história puramente narrativa.

Parece-me que, mesmo como dado sociológico, o que o culto das ciências históricas pede já

não me parece que sejam lições mas explicações.” (LE GOFF, 1986, p. 90).

Este historiador compartilha das novas concepções e ideias sobre a História, abordadas

na Escola dos Annales (Paris/França). Este grupo de historiadores, encabeçado pelos

franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, os quais não compartilhavam com a ideia de uma

história exclusivamente política, propuseram uma nova maneira de pensar história, ampliando

suas possibilidades de pensamento e seus modos de pesquisa historiográfica.

Estes teóricos tiveram importância fundamental na evolução da historiografia, pois

suas práticas passaram a influenciar e modificar o modo de pensar e construir as narrativas

históricas em todo mundo.

O problema desse esquecimento não se encontra na própria História. Esta prática está

ligada ao modo como cada historiador assume ao pensar a sua escrita, muitas vezes optando

por mostrar aquilo que lhe convém, aquilo que é amplamente mais reconhecido, ou ainda o

que mais será consumido pelo leitor, tornando-se completamente descompromissado com a

coerência da escrita com a História.

Com relação à fragmentação da História em partes, pode-se assumir o fato da

necessidade de dividir para melhor compreender os momentos/eventos, uma metodologia de

construção de um bloco de narrativas que se correlacionam. Porém, na escrita da História da

Dança brasileira, alguns aspectos podem ser bastante problemáticos. O primeiro é a

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inexistência da sua própria história. Nessa divisão em partes, o Brasil não esteve em nenhuma

delas, no máximo no seu “apêndice”.

O livro História da Dança – Evolução Cultural, da bailarina Eliana Caminada,

publicado em 1999, é um dos grandes exemplos desta exclusão, visto que este ainda apresenta

um pouco sobre a dança no país, enquanto outros não relatam nada. Apesar de possuir 40

capítulos em 486 páginas, a publicação traz apenas dois capítulos referentes à dança no Brasil:

o capítulo 35, em que ela relata a trajetória do balé no Brasil, tomando como fio condutor a

história do Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, seus bailarinos e mestres;

e o capítulo 37, em que Caminada escreve um brevíssimo (três páginas) capítulo sobre as

danças brasileiras, citando festas tradicionais e danças folclóricas.

A segunda é o distanciamento entre um bloco e outro. Nessa separação, a escrita torna-

se problemática por não ligar coerentemente as partes, deixando abismos na compreensão das

relações daquele evento na história.

Outro aspecto problemático é quando a escrita direciona o leitor para a compreensão

de que aquele evento está tão fechado no seu próprio acontecimento, como se nada mais no

mundo ocorresse, naquele momento. Como se tudo convergisse para aquele evento, sem que

ele pudesse se relacionar com outras coisas.

Ao mesmo tempo em que não há uma ligação coerente entres as partes, a organização

sequencial dos blocos nos livros de Histórias da Dança sugere, ao decorrer de suas leituras,

uma evolução de um estilo de dança para o outro, como se uma dança originasse o

aparecimento de outros tipos de danças, e assim continuamente. Quando, na verdade, as

danças surgem não somente das experiências anteriores, mas também da busca por

outras/novas experiências artísticas, sem que as danças anteriores deixem de existir.

Exemplo da incoerência temporal e sistemática desse modo de organizar a história é

simplesmente pensar as práticas de Dança desenvolvidas por Rudolf Laban (Alemanha),

Isadora Duncan (EUA) e Vaslav Nijisnky (Rússia). Artistas em universos diferentes, com

práticas diferentes, mas pensando organizações em Dança num mesmo período.

A evolução de suas práticas não dependeu necessariamente da influência de outras

práticas, mas da necessidade destes artistas de reorganizarem um pensamento em dança de

sua época, segundo sua compreensão. O balé de Nijinsky não evoluiu para a dança moderna

de Isadora, embora esta mantenha uma relação de repúdio com o balé clássico. O balé

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continuou existindo, assim como a dança moderna de Isadora e de Laban passaram a existir

em trajetos diferentes.

Sendo assim, o que mais contribui para os aspectos de evolução da Dança, no mundo,

não são os eventos fechados em si mesmo, mas as evoluções e as (co)relações que essas

proposições proporcionam na trajetória do seu fazer artístico.

No mais, ninguém é apenas técnica de Martha Graham, ou dança sagrada, ou forró, ou

butô, ou dança contemporânea. O homem dançante se constitui nas diversas formas de pensar

e movimentar-se. Isso sim é inerente ao ser humano, promovendo possibilidades infinitas de

organização num mesmo corpo/espaço/tempo.

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33

1.2 – A HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA

Na atualidade da historiografia, o historiador Peter Burke 10

traz um apontamento

sobre os “novos historiadores” 11

, os quais já não consideravam a História como sendo

essencialmente uma narrativa linear dos acontecimentos que mereceram, por algum motivo,

destaque no panorama de sua época e lugar, ideias essas que ainda sustentam alguns

historiadores tradicionais. Neste sentido, esses novos historiadores estão preocupados não

somente com os fatos em si, e sim com as características, particularidades e influências destes

eventos em seu âmbito cultural, social e político (BURKE, 1992).

Os historiadores franceses da Escola dos Annales foram chamados de “novos

historiadores” devido ao fato de que apontavam para novas perspectivas de compreensão e

pesquisa em história e historiografia, diferentes daquelas então hegemônicas no campo da

História. Suas ideias faziam críticas aos historiadores cujo trabalho baseava-se no modo

tradicional de conceber e configurar a História, a partir de narrativas e documentos

produzidos pela classe dominante.

Neste momento de modificações, o campo da Dança se depara com novos espaços,

novas proposições, novas políticas, novas inserções e diferentes identidades, gerando novas

preocupações e novos questionamentos. Se a Dança vem se reorganizando cada vez mais a

partir da interação com os aspectos social, econômico, político e cultural do mundo, sejam

eles locais ou globais, então, faz-se necessário que os modos de pensar e escrever a sua

história também sejam analisados e repensados.

É de extrema importância neste estudo compreender como os historiadores

contemporâneos estão modificando as práticas e os paradigmas da pesquisa histórica,

10

Peter Burke é professor aposentado de História da Cultura da Universidade de Cambridge –

Inglaterra. Ele faz parte de um grupo de pesquisadores que busca reflexões sobre a prática dos

historiadores na contemporaneidade.

11 Esta expressão é utilizada nesta pesquisa para se referir aos historiadores franceses do início do

século XX, não podendo ser aqui compreendida como um grupo de historiadores com pesquisas

recentes em história, embora as contribuições e as perspectivas dos “novos historiadores” exerçam

muitas influências no modo de conceber a História na contemporaneidade.

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principalmente porque grande parte do que foi produzido em História da Dança segue um

padrão de pesquisa superficial e excludente.

Na organização do livro Escrita da História: novas perspectivas, Burke (1992)

disserta sobre as mudanças dos paradigmas entre a História Tradicional (embasada nas idéias

do historiador alemão Leopolde Von Ranke) e a Nova História (articulada pelos historiadores

franceses da Escola dos Annales), apontando características e mudanças nos seu modo de

construir a narrativa histórica. Ainda segundo este pensador da história (1992), o contraste

entre essas duas formas de compreender a historiografia pode ser resumido em seis pontos.

A Escola dos Annales foi um movimento historiográfico de novos historiadores,

encabeçados pelos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch, propondo ir além da visão

positivista dos historiadores tradicionais (histoire événementielle), cujo pensamento estava

limitado a descrever as coisas “tais como aconteceram”, ficando na passividade da análise,

sem uma profundidade ou crítica.

Na apresentação da edição brasileira do livro de Marc Bloch, Lilia Moritz Schwarcz

aponta que a Escola dos Annales propunha um combate a uma história narrativa e dos

acontecimentos, e exaltava uma “historiografia do problema”, assim como a “importância de

uma produção voltada para todas as atividades humanas e não só à dimensão política e, por

fim, a necessária colaboração interdisciplinar.” (SCHWARCZ apud BLOCH, 2001, p. 10).

Estas reflexões sobre novos olhares e novos modos de fazer pesquisa em História são

importantes para os pesquisadores da Dança, principalmente para aqueles que estão recém

começando seus estudos, visto que o número de estudiosos tem aumentado gradativamente

(devido a novos espaços e novas práticas de pesquisa em dança), assim como a inserção

destes profissionais em vários ambientes. Re(conhecer) que existem outros modos de pensar

as narrativas históricas para a Dança transformará não somente seu modo de vê a evolução

dessa linguagem, mas também interferirá nos modos de historiografá-la.

Segundo os historiadores da Escola dos Annales, a historiografia também necessitou

buscar em outras ciências os conceitos que ajudariam o historiador na ampliação de sua visão,

de suas ferramentas de pesquisa e de seus conceitos de História. (BURKE, 1991). Se na

prática artística a interação entre várias linguagens e várias disciplinas enriquece

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potencialmente os trabalhos, então por que o pesquisador de dança desconsidera esta prática

durante seus estudos teóricos?

O primeiro ponto que Peter Burke aponta é que o interesse da História Tradicional está

baseado exclusivamente nos aspectos políticos, essencialmente ligados ao Estado, excluindo

outros tipos de visão e concentrando-se apenas nesta vertente. Já a Nova História passa a se

interessar pelos diversos aspectos sociais, culturais e religiosos dos eventos históricos,

tentando agrupar várias outras manifestações das sociedades humanas, inclusive a Arte, dando

a História uma análise menos limitada e mais globalizada e possibilitando a construção de

outros tipos de histórias (como a história da morte, da infância, ou da loucura).

No segundo ponto, os historiadores tradicionais 12

consideram a História como uma

prática essencialmente narrativa dos acontecimentos, excluindo dessa escrita qualquer análise

mais aprofundada sobre os eventos, enquanto os novos historiadores se preocupam

principalmente na análise das estruturas que compõem o fato histórico, aprofundando e

ampliando os conhecimentos sobre determinado acontecimento.

Aspecto bastante comum nas grandes narrativas históricas, a narrativa tradicional dos

acontecimentos é proposta a partir dos grandes feitos dos grandes homens, ou seja, a história

contada é sempre daquele ícone importante – politicamente, economicamente, socialmente,

culturalmente – colocando a voz do outro no esquecimento histórico. O terceiro ponto está no

novo modo de perceber a história, aqueles que estiveram por traz na cortina, enquanto o ícone

de prestígio se apresentava, começam a ter lugar ativo na narrativa dos fatos, sendo tão

importantes quanto aqueles postos no altar pela História Tradicional. A História passa então a

ser contada de baixo para cima, revelando aspectos antes desconsiderados.

Este modo tradicional de conceber a História influenciou de forma acentuada a escrita

da História da Dança no Brasil, assim como em muitas partes do mundo. Dessa forma, estas

narrativas foram construídas em cima dos grandes ícones da Dança (bailarinos, coreógrafos,

mestres, companhias), daqueles que por algum motivo se destacaram/foram destacados mais

que os outros, utilizando um modo tradicional de conceber a história. O fato destes escritores

não serem historiadores, pode ter ocasionado um distanciamento destas novas perspectivas, ou

12

Encabeçados pelo historiador alemão Leopold von Ranke.

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seja, eles não foram influenciados pelas discussões da Nova História e sobre os novos modos

de olhar para a historiografia, repetindo padrões pré-existentes.

Geralmente, os livros de História propõem uma escrita na qual a narrativa destes

ícones parecem colocar – e até mesmo excluir – no anonimato muitas outras expressões de

outros artistas. A necessidade de elevar e atribuir uma importância de certo artista na

construção e “progresso” da Dança, e da sua história, usa como estratégia de evidenciação a

exclusão de outros artistas tão importantes quanto o anterior, reservando um lugar de destaque

apenas para aquilo que o historiador considerou importante permanecer na História. Quando

se fala em Dança Moderna, por exemplo, quase sempre, os livros de História da Dança se

remetem a Isadora Duncan, Martha Graham e Merce Cunningham, deixando muitos outros

ícones e eventos do lado de fora da História da Dança.

Quando o filósofo da Arte Arthur Danto está questionando “além dos limites da

história” – frase emprestada do filósofo alemão Friedrich Hegel –, ele está se referindo a

prática de exclusão pela qual a História colocou no esquecimento muitos fatos e agentes

importantes do seu processo. Como se em determinado momento só estivesse acontecendo

aquele evento no mundo, criando uma visão privilegiada e fragmentada da História. Danto

ainda aponta:

Faço menção a isso porque as concepções de história da arte que pretendo contrastar

com a minha definem, de modo semelhante, somente alguns tipos de arte como

historicamente relevantes, e os demais como não estando presente no momento

“histórico mundial”, não sendo por isso merecedores de real consideração. Essa arte

– por exemplo, a arte primitiva, a arte popular, o artesanato – não é, como os adeptos

dessas concepções comumente dizem, realmente arte, simplesmente porque, na frase

de Hegel, reside “além dos limites da história”. (DANTO, 2006, p.29-30).

Reivindicar que a arte chegou ao fim significa dizer que as críticas desse tipo não

são mais legítimas. Nenhuma arte é mais historicamente imperativa comparada com

qualquer arte. Nenhuma arte é historicamente mais verdadeira do que a outra, nem

em especial mais falsa. Assim, no mínimo, a crença de que a arte chegou a um fim

exige um tipo de crítico [e historiador] que não se pode ser de qualquer modo: não

pode mais haver nenhuma forma de arte determinada historicamente, todo o resto

sendo colocado além dos limites. (DANTO, 2006, p.31).

O quarto observação está relacionada à questão da limitação das fontes documentais

nas quais a escrita da história se baseou/baseia. Enquanto a História Tradicional toma como

documentos apenas aqueles dados produzidos e fornecidos pelos registros oficiais, a Nova

História tende a abranger uma diversidade de evidências históricas muito mais coerente e rica,

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visto que os novos historiadores se interessam por uma gama de informações maiores, que

vão desde estes mesmos documentos oficiais, passando por depoimentos orais e registros

visuais, incluindo também os vestígios corporais e documentais das ações do homem.

Com os novos modos de historiografar, os pesquisadores da Dança poderiam ampliar

sua gama de informações e dados documentais para além dos livros e escritos, o que

possibilitará uma abrangência maior/mais rica de detalhes para a construção das suas

narrativas. Portanto, o historiador da Dança tem/terá mais que os livros de História

(biografias, autobiografias, história geral) e/ou narrativas orais para construir e narrar a sua

história, extrapolando a prática da repetição dos modos tradicionais de elaborar/pensar as

histórias de Dança.

Com os progressos da comunicação e da tecnologia, as fontes para a pesquisa em

História se ampliaram em grande escala. Além dos documentos oficiais (documentos escritos

e vestígios materiais), pode se considerar como fonte de pesquisa histórica muitos outros

elementos que a História Tradicional considerou por muito tempo irrelevante. A história oral,

os documentos comerciais, as escritas informais como cartas e diários, as fotos, as relações

pessoais, as condutas, os trabalhos artísticos etc., tudo que o historiador pudesse relacionar

com a trajetória do evento é passível de ser tomado como informação para a construção da

narrativa de sua história.

A repetição das ações no corpo cria um conjunto de relações corporais internas que

auxiliam na elaboração e acomodação do movimento pelo/no corpo. O modo como cada

corpo organiza esse tipo de elaboração e acomodação é individual, pois cada pessoa é um

corpo diferenciado.

Sendo a Dança tão corporal e sendo o corpo tão rico em construção de informações

diferenciadas, como desconsiderar todo o conjunto de vestígios que esse corpo vem

(re)elaborando e evoluindo ao longo dos anos? Se a Dança vem se modificando e organizando

novas formas de expressão é por que o corpo dá indícios de novas estruturas sendo

formuladas e reformuladas.

Considerando que a Dança e sua história é vivida, expressada e visualizada no/pelo

corpo, pode-se concluir então que é nele que estão muitos dos vestígios das danças que se

constituíram/constituirão. Para a professora e pesquisadora Sylvie Fortin (2003, p. 162), “[...]

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a dança não pode existir sem o corpo. O corpo em movimento constitui a própria matéria da

dança. De todos os artistas, os intérpretes são os únicos que não se livram jamais de seu

instrumento de trabalho.” Sendo assim, é no corpo que poderemos verificar a sua evolução, ou

seja, sua interação e transformação no espaço/tempo.

Segundo Fabiana Britto,

A dança é, portanto, um produto histórico da ação humana: cada corpo

constrói uma dança própria que, no entanto, é relativa ao conjunto de

acontecimentos disponibilizados em cada circunstância histórica e aos

padrões associativos que o corpo desenvolve para estabelecer suas

correlações com o mundo – outros corpos, outras danças, outros

conhecimentos. (BRITTO, 2008, p. 30).

O quinto ponto ressaltado por Burke é relacionado aos tipos de questionamentos que

são comumente feitos pelos historiadores aos fatos históricos. Segundo o Mini Dicionário de

Língua Portuguesa Larousse (2005), o verbete “pergunta” significa elaborar um

questionamento a propósito de alguma coisa. Para este pesquisador, muitas perguntas são

feitas para se verificar apenas um tipo de resposta, desconsiderando a variedade de

proposições e respostas possíveis para se conhecer a história do evento. A má elaboração de

uma pergunta objetiva e pontual direciona para uma resposta direta e conclusiva – fechando a

possibilidade de aprofundamento e desdobramento de sua análise – enquanto uma pergunta

menos direcionada dá ao historiador a possibilidade de perceber um número bem maior de

respostas possíveis para sua pergunta, propondo um aprofundamento maior no seu inquérito.

Ainda segundo Burke (1992), os métodos e fontes são os maiores problemas dos

novos historiadores, justamente por que eles começaram a propor novos tipos perguntas sobre

o passado, com o intuito de escolher novos/outros objetos de estudo e métodos para a

pesquisa historiográfica. Dessa forma, eles também foram obrigados a buscar novos/outros

tipos de fontes para suplementar (às vezes substituir) os documentos oficiais.

Para Le Goff (1986, p. 64), “há sempre uma relação entre o tipo de história que se

pratica e o tipo de documentação que o historiador tem à sua disposição”. Ao passar de uma

época para outra, tudo está passível de mudança. “Com a história moderna, primeiro, e

contemporânea, depois, encontramo-nos diante de problemáticas completamente diversas.”

(LE GOFF, 1986, p. 68-69).

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O último ponto destacado retrata a questão da objetividade do historiador na narrativa

dos eventos históricos. O que importa para a História Tradicional é o “fato em si”, exatamente

como ele aconteceu, sem a interpretação pessoal ou filosófica do historiador. É a necessidade

de estipular uma verdade absoluta, incontestável e que sirva para validar as narrativas nos

mais diversos grupos, seja para a burguesia, para o proletariado, para elite ou para a classe de

massa, para os vencedores ou os perdedores.

Para os novos historiadores, este ideal da história imaculada é irreal, pois depende

exclusivamente da capacidade do historiador em selecionar, tratar e organizar os dados

históricos para estabelecer as narrativas. “Nossas mentes não refletem diretamente a realidade.

Só percebemos o mundo através de uma estrutura de convenções, esquemas e estereótipos,

um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra.” (BURKE, 1992, p.15).

Estes apontamentos do historiador Peter Burke se articulam com o pensamento do

filósofo da Arte Arthur Danto, cujo pensamento propõe o “fim da história da arte” elaborada

como prática historiográfica tradicionalista. Segundo Danto (2006), alguns questionamentos

são essenciais para refletir sobre a memória da história, dentre eles: a desnecessária e

insustentável divisão por estilos; filiação a apenas uma única estética, tornando sua prática

incoerente, num mundo contemporâneo, onde as próprias estéticas se apresentam mescladas

umas as outras; e ainda o processo historiográfico que aponta uma exclusão de eventos

históricos em detrimento do acontecimento de outros.

Dessa forma, as histórias das Danças contada nos livros publicados no Brasil,

principalmente na década de 1980, reforçam a cada volume a forma tradicional de pensá-la e

historiografá-la, reduzindo e resumindo esta expressão artística em nomes, datas ou eventos.

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1.3 – QUESTÕES SOBRE A ESCRITA HISTORIOGRÁFICA PARA A DANÇA

Com a assunção da escrita como modo de apresentar uma ideia, o ser humano

organizou uma forma de registrar seus conhecimentos e comunicá-los ao outro. A linguagem

escrita é, portanto importante para a construção/manutenção/organização das relações sociais,

pois permite não somente que esses conhecimentos dialoguem entre os seus semelhantes, mas

também com as gerações que virão após sua existência.

Narrar a história de um evento, pessoa, fato, ideia etc., foi uma atividade

costumeiramente executada por pessoas que obtinham grandes conhecimentos em aspectos

gerais da sociedade, ou seja, aquelas pessoas que ocupavam lugares de destaque num grupo

social, quase sempre da classe nobre ou vinculados a igreja, pois sabiam manipular

ferramentas da escrita e tinham o domínio do discurso. Para o historiador francês Michel de

Certeau:

Apesar das tentativas feitas para romper as fronteiras, está instalado no

círculo da escrita: nesta história que se escreve, abriga prioritariamente

aqueles que escreveram, de maneira tal que a obra de história reforçasse uma

tautologia sócio-cultural entre seus autores (letrados), seus objetos (livros,

manuscritos etc.) e seu público (cultivado). (CERTEAU, 2010, p.73).

Sem o interesse de abordar uma história em que os acontecimentos pudessem abranger

o maior número de aspectos que elucidassem o fato, esse lugar de discurso quase sempre foi

ocupado por aqueles que detinham uma posição de poder (econômico ou social), construindo

e direcionando a história para um lugar em que ele – ou seu grupo – estivesse o mais

confortável possível, pondo vários aspectos no esquecimento histórico.

Nessa perspectiva, Le Goff (1986, p. 88) aponta que “a produção da história é sempre

uma forma do poder”, acreditando que “numa sociedade o poder se exprime em particular,

como tentativa consciente ou inconsciente de imprimir uma imagem sobre o futuro.” Aqui o

historiador aponta numa somente uma construção de algo referente ao passado, mas também

uma projeção de algo que irá se constituir/construir no porvir, propondo caminhos.

A historiografia tem o objetivo de analisar o modo como as histórias foram/são

escritas, pensando os aspectos do discurso assumido e os seus procedimentos de pesquisa e

escrita histórica. Seu estudo vem mostrar como essa prática de narrar os eventos e as ideias

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foram sendo construídas e desenvolvidas. Para Michel de Certeau (2010), o conceito de

historiografia é estabelecido numa relação com o tempo, definido como o corte entre o

passado e o presente. Esta definição traz consigo relações intrínsecas entre dois aspectos

fundamentais para a compreensão das narrativas históricas: o discurso (do historiador) e o

método (da escrita).

A historiografia (quer dizer “história” e “escrita”) traz escrito no próprio

nome o paradoxo – quase o oximoron – do relacionamento de dois termos

antinômicos: o real e o discurso. Ela tem a tarefa de articulá-los e, onde este

laço não é pensável, fazer como se os articulasse. [...] Desse ponto de vista, o

reexame da operatividade historiográfica desemboca, por um lado, num

problema político (os procedimentos próprios ao “fazer história”) e, por

outro lado, na questão do sujeito (do corpo e da palavra pronunciadora),

questão reprimida ao nível da ficção ou do silêncio pela lei de uma escrita

“científica”. (CERTEAU, 2010, p. 11).

No livro Apologia da História ou o ofício do historiador, o historiador francês Marc

Bloch faz uma reflexão sobre a historiografia e sobre as metodologias de escrita. Este livro foi

escrito em grande parte no período em que estava encarcerado, devido sua inserção na

Resistência Francesa no período da 2ª Guerra Mundial.

As contribuições desta obra ampliam consideravelmente a compreensão da ideia de

História e do seu modo historiografá-la. Suas reflexões sobre métodos, objetos e

documentação histórica trazem para este campo de pesquisa uma ciência histórica

desfavorável às certezas, cuja tarefa intelectual e o rigor da pesquisa jamais devem ser

descartáveis.

Fazendo uma análise das contribuições da Escola dos Annales, Le Goff (1986, p. 22)

afirma que “na realidade o que Febvre e Bloch combatiam através do conhecimento era um

certo tipo de conteúdo da história de então: uma história só política, diplomática, militar, que

não era e não podia ser uma história do profundo.” O que estes historiadores combatiam

realmente era o que eles chamavam de “história da superficialidade.”

Para Marc Block, o dever do historiador é analisar e escrever a História, na qual os

fatos possam ser abordados num todo complexo, considerando e articulando o máximo de

possibilidades de leituras. A questão da “legitimidade da história”, a qual Bloch discorre

durante toda a sua escrita, “mostra que para ele o problema epistemológico da história não é

apenas um problema intelectual e científico, mas também um problema cívico e mesmo

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moral. O historiador tem responsabilidade e deve “prestar contas”.” (LE GOFF apud

BLOCH, 2001, p. 19).

Segundo Bloch (2001), a prática da escrita por historiadores deve levar em

consideração aspectos como o tempo histórico, a observação dos eventos, a análise dos dados,

os testemunhos, as transformações, a crítica da própria história, o erro (equívoco) histórico, as

nomenclaturas adotadas, tudo isso numa visão menos positivista e mais ampla e aprofundada.

A questão do tempo histórico tinha uma importância tal para Bloch que para entender

o passado, o historiador deveria levar em consideração o presente, e vice-versa. “O presente

bem referenciado e definido dá início ao processo fundamental do oficio do historiador”.

(BLOCH, 2001, p. 25). A historiadora brasileira Lilia Schwarcz compartilha dessa ideia de

temporalidade, apontando que “cada época elenca novos temas que, no fundo, falam mais de

suas próprias inquietações e convicções do que de tempos memoráveis, cuja lógica pode ser

descoberta de uma só vez.” (SCHWARCZ apud BLOCH, 2001, p. 7).

No Brasil, os autores de livros de História da Dança caem neste erro metodológico

justamente por desconsiderarem os aspectos históricos de seu tempo, reproduzindo padrões

sem uma reflexão mais profunda sobre os aspectos atuais da pesquisa histórica.

“O historiador nunca sai do tempo”. Embora ele considere todos os conhecimentos e

ferramentas já consolidados pela prática historiográfica, ou seja, de uma prática que construiu

o passado, no passado, o historiador também está intimamente ligado nas ondas de fenômenos

os quais atravessam, longitudinalmente, o tempo atual, apontando outros/novos

direcionamentos e reflexões. Compreender esse aspecto é essencial para os historiadores que

pretendem se distanciar da História Tradicional.

Creio que a nova história já não possa contentar-se com um tempo linear,

com esse tempo extremamente mensurável, com esse tempo da

sucessividade que é próprio da cronologia tradicional. [...] Em primeiro lugar

o reconhecimento de uma multiplicidade do tempo [...] Cada homem

encontra-se de facto em redes diversas de tempo durante a sua vida e na sua

reflexão. [...] é preciso procurar definir essa multiplicidade e ver as relações

que ocorre entre eles. Além disso, parece-me que é necessário alimentar a

ideia com a da memória. (LE GOFF, 1986, p. 78-79).

A memória sempre foi algo de muito precioso para os historiadores. Este aspecto do

ser humano torna possível o acúmulo dos fatos e articula a organização das narrativas,

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tornando-se uma das principais bases de dados e ao mesmo tempo a principal ferramenta que

o homem possui para a formulação da História. “Ora, penso que a nova história se deu conta

do facto de que também as sociedades históricas funcionam com base na memória, isto é,

numa vida muito mais subjectiva embora denominada por ideias coletivas de valor.” (LE

GOFF, 1986, p. 81).

As escolhas do historiador levam-no a formular um recorte de pesquisa que o obriga

também a escolher ferramentas as quais ele julga necessárias para a sua prática

historiográfica, seja em relação ao seu modo de pesquisa, sua observação, à aplicação de

métodos, à organização de dados etc. Para o historiador, o que estimula – ou o que deveria

estimular – sua pesquisa é estudar “os silêncios da história”, como bem definiu o historiador

Michel de Certeau (2010).

Quando um historiador pretende escrever uma história é porque ele geralmente sente a

necessidade de narrar algum evento que, por algum motivo, ainda não foi tratado por outros

historiadores, ou então, para melhor esclarecer algo que não foi totalmente evidenciado. A

falta destas inquietudes ou curiosidades na descoberta de novas/outras trajetória para a

história faz com que o historiador caia na repetição das mesmas narrativas, tornando-se

muitas vezes desnecessárias e obsoletas.

Para tal tarefa, é preciso reunir e analisar os documentos que o historiador estima

fundamentais para sua pesquisa, configurando-se com um passo importante e é uma das

tarefas mais difíceis para o historiador. Sem o acesso a bases de dados, documentos,

catálogos, depoimentos, vídeos, fotos, análises, gráficos, guias, arquivos, bibliografias etc.,

ele não conseguirá prosseguir na busca pelas informações indispensáveis para sua pesquisa.

Ou então, conduzirá sua pesquisa no sentido de replicação de algo que já foi previamente

narrado.

Segundo Bloch, mesmo o mais claro e complacente dos documentos não fala

senão quando se sabe interrogá-lo. É a pergunta que fazemos que condiciona

a análise e, no limite, eleva ou diminui a importância de um texto retirado de

um momento afastado. (SCHWARCZ apud BLOCH, 2001, p. 8).

O essencial na análise de um documento retirado de um passado, ou até mesmo de um

documento atual, é a compreensão das condições nas quais os vestígios documentais foram

produzidos, não somente sobre o que ele nos fala literalmente, é saber lê-los nas entrelinhas.

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Saber lê o que os autores quiseram dizer e o que eles desejaram esconder da “verdade” dos

fatos.

O historiador precisa compreender que contradizer o documento não vai lhe

proporcionar caminhos melhores para a sua análise, mas lê-lo, desmontá-lo e interpretá-lo

como um produto complexo da sociedade pode ampliar o conhecimento sobre determinado

fato, ao qual o vestígio está imerso. Portanto, quando um historiador se propõe a narrar uma

história que já foi escrita, ele precisa acrescentar novas informações que tragam a tona,

acrescentem ou modifiquem as informações publicadas anteriormente.

Nesta busca de um conhecimento amplo dos fatos históricos é de suma importância

que os historiadores não fiquem presos somente a conceitos de sua área. A troca de conceitos

e experiências enriquece infinitamente os campos de pesquisa, trazendo novos/outros pontos

de vistas – portanto, enriquecendo o estudo – sobre determinado assunto.

A interdisciplinaridade na construção da história possibilita uma troca de

conhecimento indispensável para a prática historiográfica. Na introdução do livro de Bloch,

Le Goff fala sobre a limitação que ocorre com o fechamento da disciplina nela mesma.

Enfim, essa história ampla, profunda, longa, aberta, comparativa não pode

ser realizada por um historiador isolado: “A vida é muito breve.” “Isolado,

nenhum especialista nunca compreenderá nada senão pela metade, mesmo

em seu próprio campo de estudos.” A história “só pode ser feita com uma

ajuda mútua”. O ofício do historiador se exerce numa combinação do

trabalho individual e do trabalho por equipes. O movimento da história e da

historiografia levou uma grande parte dos historiadores a abandonar sua

torre de marfim. (LE GOFF apud BLOCH, 2001, p. 26).

Na análise dos documentos, o historiador não pode, e nem deve, manter

distanciamento do seu objeto de estudo. Em cada escolha que ele faz, o pesquisador traz

consigo todas as características pessoais de procedimentos e de sua personalidade. Porém

essas características não devem ser confundidas com tendências ou concepções, às vezes

equivocadas, as quais o próprio historiador deseja enxertar na trajetória do evento, muito

menos sua prévia análise crítica. Se um testemunho pode vir cheio de equívocos, intencionais

ou não, a escrita histórica deste fato também o pode.

A crítica à história também deve ser extremamente importante para a construção do

percurso histórico. Os conceitos e teorias sobre a História e sua escrita não estão

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hermeticamente fechadas numa redoma, sendo possível somente sua replicação. A crítica

histórica fornece novos olhares e pensamentos, que proporcionam/proporcionarão outras

histórias e novas práticas historiográficas.

Apesar disso, Bloch fala que muitos historiadores deixam este mecanismo de lado,

pois eles consideram esta prática “demasiadamente minuciosa” e difícil para se chegar aos

resultados. Muitos deles “conspiram para entregar, sem defesa, a massa dos leitores aos falsos

brilhantes de uma pretensa história”. (BLOCH, 2001, p. 93-94).

Portanto, o Método Crítico de construir a História põe em xeque as “verdades

históricas”, construídas ao longo do tempo sem uma reflexão mais aprofundada. Permite

também examinar com mais clareza os próprios documentos e dados que os historiadores

possuem em mãos, questionando-os, localizando-os e (re)construindo sentidos.

A análise destes dois modos de compreender a historiografia, suas ferramentas e a

mudança de seus paradigmas, contribui para entender, e de certa forma justificar, as escolhas

daqueles que narraram a História da Dança no Brasil, denotando suas ideologias, suas

ferramentas e seus propósitos na organização da história. Entender esses dois processos

possibilita a ampliação das possibilidades para os próximos historiadores da Dança,

abandonando um tipo de narrativa superficial e excludente e assumindo um posicionamento

mais crítico a respeito da História.

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46

1.4 – CONSTRUÇÕES DA HISTORIOGRAFIA DA DANÇA NO BRASIL

Buscando vestígios da dança na história, formas narrativas (aspecto documental)

podem ser encontradas e relacionadas a três importantes estratégias de documentação: antes

da escrita (quando a prática de dança era passada pela oralidade, e seus vestígios históricos

eram visíveis no corpo), depois da escrita (quando as práticas eram documentadas pela grafia)

e depois da possibilidade de captar e reproduzir a imagem do corpo dançando (quando as

danças começaram a ser videografadas), ou seja, do progresso da tecnologia da imagem.

Embora estas três possibilidades se caracterizem como etapas distintas de um mesmo

processo (desenvolvimento da comunicação), uma etapa não exclui a outra, pois se

apresentam como momentos específicos cujas possibilidades de documentação se

apresentavam de acordo com o seu desenvolvimento e suas invenções.

Antes do desenvolvimento da escrita, a forma de expressar a ideia de Dança se dava

ou pela oralidade, ou pela gestualidade. Os dançarinos executavam e transmitiam suas danças

sociais – ritualísticas ou de divertimento – pela narração ou observação visual dos passos.

Desta forma, os dançarinos aprendiam e ensinavam a Dança pela própria execução dos

movimentos, construindo pelo/no corpo sua história.

Durante muito tempo, os ambientes onde ocorriam as manifestações de Dança tinham

como estratégia de permanência de suas práticas o processo de cópia e repetição de passos e

gestos. Através dessa repetição de coreografias (através de muitas aulas, tentando preservar

com exatidão as sequências e passos), foi possível que essas informações pudessem chegar

em muitos lugares, perpassando temporalidades diferentes. Além deste processo, algumas

anotações pessoais de mestres e dançarinos de dança possibilitaram a preservação da memória

da Dança por um bom tempo.

Com as transformações ocorridas nas práticas das danças, cria-se a necessidade de

elaborar escritas específicas para atender a necessidade de preservação da história e memória

da Dança. Países como França, Alemanha e Estados Unidos da América foram pioneiros

nestas escritas, desenvolvendo práticas e criando novos mecanismos de registro. Com o

avanço da habilidade da escrita, mestres e professores começaram a registrar, através da

escrita – ou outras grafias, como é o caso dos sistemas de notação Laban e Bartenieff –, suas

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inovações, seus métodos e suas estratégias, no sentido de manter essas informações vivas,

mesmo depois da morte de seus autores (coreógrafos) e executores (dançarinos).

Desde então, algumas coisas foram escritas sobre a Dança e sua prática, deixando

lastros de sua trajetória pelo tempo. Juntamente com estas escritas, o desenho, a pintura e a

escultura, cuja influência teve alguma relação com a Dança, a exemplo do pintor Edgar Degas

e do escultor Auguste Rodin, são de extrema importância para a documentação desta prática

artística, pois deixaram vestígios imagéticos de suas características em determinado tempo e

espaço.

Até o final do século XX, a escrita da História da Dança estava relacionada

prioritariamente com as publicações de livros sobre esta temática. Hoje já podem ser

visualizados novos ambientes para esta prática, como o ambiente virtual, o DVD, os trabalhos

acadêmicos (monografias, dissertações e teses), entre outros, mas foi o livro o grande

responsável pela disseminação desta temática e base para os estudos historiográficos. A

captura de imagens de dança e os ambientes virtuais vêm trazer uma outra noção de escrita da

história para a Dança.

Entretanto, quando se tentar refletir a História da Dança elaborada por escritores

brasileiros, dois questionamentos iniciais emergem da escrita historiográfica: quem é o

escritor/historiador e de onde ele está discursando. Ou seja, quais são as competências daquele

escritor em relação à Dança e a Historiografia.

Analisando a formação dos autores de livros de História da Dança, no Brasil, pode-se

pensar em três grupos: aqueles da área da Dança (geralmente ex-bailarinos); aqueles da área

da História (geralmente ex-bailarinos); e aqueles da área da Música (aqueles que tinham

alguma proximidade com a dança).

Numa seleção dos nomes que se dedicaram a escrever a História da Dança, pode-se

constatar que a grande maioria é composta por bailarinos/dançarinos, cuja prática de

narrar/escrever a história (com ou sem prática historiográfica) acompanhou o amadurecimento

de sua carreira 13

. Alguns destes artistas conciliavam ainda as práticas de lecionar ou escrever

crítica de Dança em jornais do país, geralmente no Rio de Janeiro ou em São Paulo,

13

No Brasil, é comum dançarinos e coreógrafos escreverem suas histórias ou terem suas histórias escritas em

algum livro, revista, jornais, coleções, sites, etc. O próprio pesquisador Roberto Pereira publicou várias coleções

com biografias de bailarinas do Rio de Janeiro.

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assumindo o papel de escritor da Dança, principalmente no que se refere a História. Segundo

a pesquisadora Andréia Camargo:

Como o jornalismo cultural não está apartado das premissas presentes nos

modos de proceder da historiografia da dança brasileira – já que, em muitos

casos, os jornalistas e críticos de dança também assumem a função de

historiadores e vice-versa – seu entendimento também seguiria o modelo

hegemônico que vê a dança como uma árvore genealógica. (CAMARGO,

2010, p. 70).

Dentre os que publicaram livros denominados de História da Dança, Eduardo Sucena

foi dançarino e coreógrafo, assim como atuou lecionando e palestrando sobre a História da

Dança. Eliana Caminada também foi bailarina e é professora de dança e História da Dança,

assim como Iris Gomes Bertoni. Ida Vicenza é bailarina e coreógrafa. O dançarino Antonio

José Faro cursou direito no RJ, atuando como bailarino e professor de História da Dança.

Lenira Rengel e Rosana Van Langendonck, escritoras do último livro sobre a História da

Dança publicado no Brasil (2006), têm formação artística e acadêmica – mestrado e

doutorado – com pesquisas na área da Dança e lecionam e/ou pesquisam neste campo em

universidades brasileiras.

Esta prática de atuação como professor e dançarino, assim como crítico em jornais,

parece estimular alguns destes artistas e pesquisadores para a escrita da História,

principalmente devido a carência deste tipo de material e da necessidade de narrar algumas

histórias e a memória da Dança, mesmo sem uma prática historiográfica necessária para esta

atividade. Embora essas publicações sejam importantes para a memória e para a historiografia

da Dança, elas não garantem ao autor uma posição de historiador, visto que, muitos deles,

apenas reproduziram história já narradas, sem uma pesquisa de dados, de fontes, sem

conhecimento dos métodos historiográficos, ou seja, sem uma qualificação necessária para

este tipo de pesquisa.

Ainda de acordo com Camargo (2010, p. 68), escritores “munidos de uma perigosa

sensação de saciedade, tais mecanismos de divulgação, muitas vezes, contentam-se em narrar

trajetórias, pontuadas por fatos e cronologias vazias de análises mais aprofundadas acerca dos

processos evolutivos da dança.”

Já o escritor, compositor e regente formado em música, Luis Ellmerich dedicou-se a

escrever sobre Música e Dança, pensando na relação destas duas linguagens, assim como o

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musicólogo e folclorista paulista Mário de Andrade, que com um olhar antropológico abordou

questões da inserção e conceituação das raízes puras das Danças brasileiras, e ainda a

folclorista Maria Amália Corrêa Giffoni, que criou um panorama cultural relacionando

também essas duas formas de expressão artística.

Maribel Portinari tem formação acadêmica em História (RJ), além de Jornalismo

(Paris), e escreveu sobre Dança no jornal O Globo. Para Camargo (2010, p. 67), ”ao longo dos

anos, a inexistência de um segmento de publicações especializadas fez com que o jornalismo

cultural tivesse de desempenhar o triplo papel de historiador, divulgador e arquivista da

dança.” O historiador e folclorista natalense Luís da Câmara Cascudo também abordou as

Danças culturais do Nordeste, tratando das questões de formação e folclorização desta

linguagem.

Jacques Le Goff já detectava a substituição do papel do historiador pelo jornalista,

principalmente devido a sua intensa relação com a mídia e com produção destinada as massas.

“Em França, por exemplo, onde em todo o caso há esse interesse do público, assiste-se ao

paradoxo de o historiador mais conhecido ser um jornalista que soube através da televisão e

com grande talento falar da história e de factos inerentes à história.” (LE GOFF, 1986, p. 14).

Neste caso, as ferramentas da pesquisa historiográfica e qualificações do historiador são

substituídas pelo domínio da oralidade e da escrita dos jornalistas.

Essa prática de escrita jornalística acabou por criar uma demanda de espaço nos meios

de comunicação, cujos jornalistas/dançarinos se propuseram a escrever sobre Dança. Esse

espaço também acabou se caracterizando num lugar de fonte para a escrita relacionada com as

narrativas históricas, devido sua continua abordagem dos aspectos sociais, culturais e

artísticos dos eventos nacionais e internacionais.

Diante das práticas destes escritores nas narrativas históricas para a Dança, eles

acabam ocupando um lugar de pertencimento daquilo que estava sendo estudado e, de certa

forma, detém conhecimento daquilo que estava sendo discursado: os bailarinos/dançarinos

pelos seus anos de convivência e prática artística, profissional, crítica e educadora; os músicos

pela proximidade quase intrínseca da Dança com a Música, sendo capaz de levantar aspectos

em comum em ambas; e os historiadores ou jornalistas, que dominam a prática metodológica

da análise e da escrita.

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Porém, diante de cada publicação, essas qualidades parecem ficar exatamente nos

limites da qualificação de cada um desses escritores. Estes não conseguem dialogar no sentido

da interdisciplinaridade, relacionando métodos, conceitos e teorias, necessários para a

construção da escrita da história.

Os dançarinos/bailarinos relatam as suas experiências e as experiências de outras

leituras, sem um procedimento necessário e coerente que requer a pesquisa historiográfica,

reproduzindo padrões e modos historiográficos tradicionalistas. Os músicos tendem a ficar

somente na relação da Dança com a Música, analisando apenas os aspectos comuns as duas

áreas, esquecendo as particularidades.

O método de escrever a história que estes escritores optaram para narrar a História da

Dança vai muito próximo do modo tradicional da escrita da História, selecionando, dividindo,

excluindo, colocando em caixas e concentrando-se quase exclusivamente nos documentos já

escritos (outros livros), esquecendo-se de considerar os vestígios que a própria prática da

Dança foi deixando na sua trajetória. “A diversidade dos testemunhos históricos é quase

infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve

informar sobre ele.” (BLOCH, 2001, p. 80).

Num panorama mais amplo, mudar esse modo tradicional de contar a História da

Dança no Brasil requer uma operação lenta e com teor crítico, para que ela possa ser

perceptível aos olhos daqueles que anseiam escrever sobre esta história. Muitas vezes, estes

historiadores nem mesmo “experimentam a necessidade de mudar o rótulo, porque a mudança

do conteúdo lhes escapa.” (BLOCH, 2001, p. 137).

Na prática contemporânea da Dança, grande parte daqueles que estão produzindo

expressões artísticas, no sentido de imersão dos novos paradigmas da Dança, parece

reconhecer nesse modo de organização não somente um exercício de manifestação artística,

mas também uma emancipação e (auto)reconhecimento do dançarino na composição de sua

memória artística e no exercício crítico de apreciador e construtor da (sua) história na Dança.

Muitos professores da área reconhecem também que a História é um viés riquíssimo

para introduzir os alunos nos conhecimentos e discussões críticas acerca do percurso e

evolução da Dança. Porém, é imprescindível que todos os professores desta área façam as

conexões necessárias sobre a Dança e o seu contexto histórico, aproximando os

conhecimentos específicos destes conteúdos e as diversas informações que os circundam.

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Da mesma forma que esses conhecimentos carecem de um espaço de discussão

próprio, torna-se também um problema deixar a responsabilidade destas discussões

unicamente para os cursos de História da Dança, quando são oferecidos, distanciando a

prática da teoria e dos aspectos históricos.

A professora de dança Isabel Marques 14

vem estudando com muito afinco as questões

sobre a pedagogia na Dança. Segunda ela,

O conhecimento da história da dança, portanto também fornece parâmetros

para que a criação dos alunos em sala de aula não seja etnocêntrica, racista

e/ou sexista. Conhecendo as diversas contribuições de variados artistas em

tempos e espaços diferentes, o aluno poderá perceber a multiplicidade de

concepções de corpo, tempo e espaço dos diversos movimentos artísticos,

trabalhando-as e articulando-as a suas criações. (MARQUES, 2003, p.47).

Em seus estudos sobre a prática do ensino da Dança da pré-escola até a universidade, a

professora Dionísia Nanni 15

também aponta a importância dos aspectos históricos da Dança

como ponto importante para a inserção do professor no âmbito sócio-político da educação.

Segundo ela, o educador e o estudante de Dança têm de:

Compreender a necessidade de dominar conhecimentos de História da Arte e

sua influência nos caminhos da Dança [...] reconhecer a importância dos

conhecimentos em História da Dança, capazes de gerar comprometimento

sócio-cultural na e pela educação do movimento estético – a Dança.

(NANNI, 1995, p. 64-65).

Escrever a própria história na Dança se configura na contemporaneidade como

estratégia de produção escrita, circulação e inserção de certos eventos numa história mais

ampla. O Grupo Corpo, A Quasar Cia de Dança, o Balé da Cidade de São Paulo e o Balé

Popular do Recife são algumas das companhias de dança brasileira que vêm, há

aproximadamente trinta anos, produzindo histórias. Como estratégia de manutenção de suas

memórias, essas companhias têm publicado parte de suas trajetórias em livros comemorativos.

Estes livros narram momentos, pessoas, construções, aspectos artísticos, fatos, datas

importantes na memória de cada grupo ou companhia, dando voz e visibilidade a sua

14

Isabel Marques é formada em Pedagogia pela USP, fez mestrado em Dança no Laban Centre for Movement

and Dance, em Londres, e doutorado na Faculdade de Educação da USP.

15 Dionísia Nanni é professora de Dança e Educaçã Física, formada em Educação Física (UFMG) e Mestre em

Pedagogia do Movimento (UGF).

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produção artística ao mesmo tempo em que produz documento histórico para a História da

Dança Brasileira.

É cada vez maior esse tipo de prática historiográfica. As histórias das Danças

brasileiras que os livros de História da Dança não se ocuparam em narrar são pontualmente

organizadas pelos próprios agentes artísticos ou por escritores próximos as manifestações

artísticas. Dessa forma, o que ocorre é a substituição de um único livro que narre a história

“geral” da Dança, escrita por um ou mais pesquisadores, por vários livros que narram várias

histórias de Dança, escritos por várias pessoas. Descentraliza a escrita histórica, permite os

artistas se inserirem na História da Dança e proporciona ao historiador uma abrangência maior

de narrativas e documentos históricos.

Há trinta anos que a narrativa histórica da Dança pode ser pensada num diálogo entre

artistas e historiadores brasileiros, porém ainda há dois obstáculos que este exercício

interdisciplinar pouco conseguiu ultrapassar – embora já se possa visualizar algum sucesso

em pesquisas acadêmicas e outras escritas mais recentes (artigos, ensaios, livros). O primeiro

é o diálogo com outras ciências num sentido de ampliar o olhar para os aspectos globais da

escrita narrativa da história, possibilitando o diálogo com a Sociologia, a Antropologia, a

Psicologia, a Filosofia, os Estudos Culturais, as Ciências Biológicas, entre outros aportes

necessários para compreensão de determinado evento na sua complexidade.

O historiador inglês Peter Burke já sinalizava a necessidade de proximidade de áreas

distintas com a História na produção de conhecimentos:

Os historiadores de arte, literatura e ciências, que costumavam buscar seus

interesses mais ou menos isolados do corpo principal de historiadores, estão

agora mantendo com eles um contato mais regular. O movimento da

história-vista-de-baixo também reflete uma nova determinação para

considerar mais seriamente as opiniões das pessoas comuns sobre o seu

próprio passado do que costumavam fazer os historiadores profissionais.

(BURKE, 1992, p. 16).

O segundo aspecto é uma prática historiográfica da Dança desconectada de seu

exercício prático, do seu fazer artístico. Escrever algo sobre Dança ainda está muito distante

do fazer dança, como se uma não estivesse intrinsecamente retroalimentando a outra. É uma

distância muitas vezes imperceptível, porém que traz consigo uma gama de problemáticas e

exclusões que só continua mantendo o mito do dançarino que não pensa, não escreve, não

sistematiza. Só dança.

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Bloch (2001, p. 70-71) salienta esse distanciamento entre o objeto estudado e o

historiador e como essa questão trouxe problemas para a Historiografia e para os próprios

teóricos. “É que pensavam antes de tudo em uma história de acontecimentos, até mesmo de

episódios”, dando “extrema importância a retraçar exatamente os atos, palavras ou atitudes de

alguns personagens, agrupados em uma cena de duração relativamente curta, em que se

concentram, como na tragédia clássica, todas as forças da crise do momento”. Sendo assim,

há um interesse apenas no momento de tensão dos acontecimentos, deixando boa parte da sua

trajetória prévia e posterior no esquecimento.

A França foi um dos países que trouxe grande contribuição para a mudança de

pensamento e da historiografia para a Dança. Enquanto ela elaborava uma reforma nos modos

de pensar e construir histórias de Dança, na década de 1980, o Brasil desencadeava

justamente uma produção de livros de História da Dança, utilizando-se exatamente o modelo

tradicional de narrar a história, que a França tentava ultrapassar. O pesquisador em Dança

Roberto Pereira aponta a publicação de 8 títulos 16

que voltavam-se para a narrativa da

História da Dança, nesta mesma década, sendo apenas um deles uma tradução de uma

publicação estrangeira: História da Dança no Ocidente (1987) do francês Paul Bourcier –

professor de História da Dança na Universidade de Paris. (PEREIRA, 2007).

Esta obra, juntamente com o livro Pequena História da Dança (Jose Antonio Faro –

1986), é bastante acessada na pesquisa em Dança e em cursos de História da Dança,

principalmente devido ao fato de que ambas estão presentes em muitas bibliografias de livros,

pesquisas acadêmicas e/ou como fonte de referência em diversos cursos de Dança, e ainda

pela sua permanência no mercado editorial. Essas duas publicações (mesmo raramente) ainda

podem ser encontradas nas grandes livrarias do país e nas pequenas secções dedicadas a

Dança, nas bibliotecas.

Esses dois livros – e a ainda Pequena viagem pelo mundo da dança (2006) – são

exemplos de publicações que são pensadas e organizadas a partir do conceito tradicional de

História. O modo como a História da Dança foi construída, ao longo do tempo,

16

Nos passos da Dança (Maribel Portinari – 1985), Pequena História da Dança (Antônio José Faro – 1986),

História da Dança no Ocidente (Paul Bourcier – 1987 – Tradução do Francês), Imagens de Dança em São

Paulo (Cássia Navas – 1987), A Dança no Brasil e seus construtores (Antônio José Faro – 1988), A Dança

Teatral no Brasil (Eduardo Sucena – 1988), História da Dança (Maribel Portinari – 1989), Danças Populares

Brasileiras (Helena Katz – 1989). Este número de publicações da década de 1980 merece ser revisado, visto que

ainda existiam outros livros sobre História da Dança: Dançar a Vida (1980) de Roger Garaudy (Tradução de

Glória Mariani e Antônio Guimarães) e A Dança (1985) de Miriam Garcia Mendes, comprovando certa

incompletude da pesquisa.

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principalmente pelos livros dedicados a narrar sua história e suas práticas, propõe um método

tradicional de contar os fatos do passado, selecionando os eventos e pessoas consideradas

importantes para a narrativa.

A pesquisadora em História da Dança Fabiana Britto chama a atenção para o tipo de

direcionamento que a construção da História Tradicional propõe, conduzindo para uma

narrativa dos nomes/ícones e não das Danças. Para ela,

Nas histórias da dança publicadas até o momento no Brasil, o objeto de

estudo não é dança, mas seus criadores: bailarinos, coreógrafos, diretores de

companhias e outros personagens, são apresentados pela ordem cronológica

de seu aparecimento no mundo, sugerindo nexos de causalidade

insustentáveis pelas evidências. (BRITTO, 2008, p. 35).

Pensar história é pensar em uma relação indissociável de tempo, espaço, indivíduos e

ações. Britto (2008) fez uma análise da construção da História da Dança a partir das questões

da temporalidade, mostrando de que forma essa estratégia de narração implica no processo de

evolução da Dança. Através de uma pesquisa bibliográfica dos livros de História da Dança, a

pesquisadora detecta uma construção linear desta narrativa, na qual se consolida – e se replica

a cada obra construída neste formato – uma inevitável sequência de causalidade de eventos,

dando uma ideia de progressão temporal e filiação dos dançarinos e coreógrafos.

De uma forma geral, os escritores que se dedicaram a narrar a evolução da Dança

ainda dividiram sua História em grandes grupos: danças culturais e sociais, o balé clássico, a

dança moderna americana e a dança moderna alemã. Alguns autores mais atuais consideram

também a dança contemporânea ou dança pós-moderna.

No entanto,

Estimar que a nomenclatura dos documentos possa bastar completamente

para fixar a nossa seria o mesmo, em suma, que admitir que nos fornecem a

análise toda pronta. A história, nesse caso, não teria muito a fazer.

Felizmente, para nossa satisfação, não é nada disso. Eis por que somos

obrigados a procurar em outro lugar nossas grandes estruturas de

classificação. (BLOCH, 2001, p. 142).

O modo como esses conteúdos são abordados separadamente, constituindo etapas com

delimitações bem definidas, cria uma história fragmentada em partes e, muitas vezes, dando

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uma ideia de progresso, como num “salto evolutivo”, mesmo em se tratando de Danças de

processos e configurações tão distintos.

A pesquisadora em Dança e Semiótica (PUC-SP) Christine Greiner aponta justamente

para a necessidade do historiador está atento na relação que os eventos estabelecem entre eles

mesmos, durante seus amplos percursos históricos, e, do mesmo modo, pensar em como

algumas relações foram distorcidas por práticas historiográficas equivocadas.

A princípio, quando se discute qualquer tipo de arquivamento de

informações, a palavra chave que emerge é história. A história e suas

conexões, ou seja: história, memória, temporalidade, resistência,

permanência, estabilidade. Organizar um percurso histórico durante um

tempo relativamente longo sempre significou ordenar fatos e eventos em

uma linha temporal cronológica, de modo a tornar possível o

reconhecimento de seu encadeamento e, muitas vezes, das relações de causa

e efeito. (GREINER, 2002, p. 39).

Talvez, se caracterize neste tipo de pensamento a explicação para a replicação de

publicações em História da Dança, cujo formato de escrita se assemelha ao modo tradicional

de narrar a história. Sem a consciência do papel do historiador na construção da História, fica

improvável construir uma narrativa que seja coerente com a sua realidade, mesmo com a sua

inserção naquilo sobre a qual está se historicizando.

Novamente, é importante destacar que grande parte daqueles que se aventuraram a

escrever sobre a História da Dança são dançarinos inseridos na prática artística e, exatamente

por isso, não poderiam deixar de expandir a história a partir de outros/seus olhares, outras

histórias. Entretanto, durante muito tempo o desenvolvimento da historiografia da Dança no

Brasil ficou condensado nas grandes histórias das danças européia, americana e alemã.

Outro conceito vigente é considerar a História como a narração linear de

acontecimentos arrolados no tempo, possibilitando uma possível explicação para o presente,

ou ainda, que a narrativa histórica é a possibilidade de explicar o passado dependendo sempre

do ponto de vista de quem está contando os fatos.

Para os autores de livros de História da Dança, esse tempo é construído linearmente a

partir de personalidades que se destacaram na arte de dançar, seguindo um padrão cronológico

da história. O fio condutor desses conceitos é, na maioria das vezes, aquele bailarino ou

bailarina que obteve os louros por suas qualidades corporais, técnicas e virtuosismo

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inatingível. “A primeira bailarina era sempre mais importante de que todo o resto da

companhia. Todos queriam vê-la”. Como pode-se ver em muitas das autobiografias de

grandes nomes da dança. Para Greiner,

Embora se tente propor uma organização de uma historicidade de forma

mais abrangente, não é possível apresentar num único estudo tudo que é

produzindo em dança no Brasil, visto que este trabalho necessita de um

grande aporte humano (pesquisadores em dança) e estrutural (articulação

entre pesquisadores) em todo âmbito nacional, no sentido de rastrear suas

existências e investigar suas particularidades. “Nunca será possível arquivar

qualquer fenômeno [de dança] de modo definitivo, é sempre aos pedaços e

em degradação. A escolha da informação que fica deve ser coerente com o

pensamento da obra.” (GREINER, 2002, p.42).

Mesmo a tentativa do bailarino Eduardo Sucena – A Dança Teatral no Brasil (1989)

– em construir uma História da Dança nacional, tomando como método de escrita a descrição

de grandes nomes, companhias e eventos da Dança, inclusive com a presença significante

e/ou a passagem de artistas estrangeiros no país, caracteriza-se mais como importante

levantamento de uma numerosa e relevante quantidade de ações e apresentações de Dança no

país, do que a construção de uma História que pudesse compreender os ambientes, as relações

e as características específicas dessa expressão, naquele momento.

Alguns pesquisadores da área da História, e também da Dança, já apontam essas

estratégias de acúmulo de informações sobre a História não como uma escrita narrativa, mas

como um banco de dados que pode ser acessado quando o historiador estiver pesquisando e

coletando informações para a sua escrita histórica. Essas informações são importantes, pois

servirão como acervo de dados para a pesquisa, dando indícios e propondo diversos olhares na

elaboração das trajetória artísticas.

Le Goff (1986, p. 22) acredita que o conjunto desses vestígios e documentos pode

proporcionar uma pluralidade e uma multiplicidade de abordagens, compreendendo que a

construção da “História pode fornecer explicações através do acontecimento, com o

acontecimento”.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 22 ––

OUTRAS ABORDAGENS HISTORIOGRÁFICAS DA DANÇA NO SÉCULO XXI

A construção das narrativas históricas para a Dança começa a ser pensada para além

dos livros de História da Dança. Novos ambientes e novas estratégias para a pesquisa, para a

escrita e para disseminação destas narrativas dão indícios de novos caminhos para pensar a

manutenção da memória da Dança, no Brasil, a partir do início do século XXI. Essas

mudanças seguem as transformações de um modo de vida do ser humano nas últimas décadas,

não somente daqueles que estudam ou vivem da dança, principalmente as mudanças na

compreensão de mundo, sociedade, arte, memória, informação, sujeito etc.

Alguns acontecimentos foram responsáveis por mudanças sintomáticas no modo de

vida dos seres humanos, em muitas partes do mundo, principalmente com o avanço das

tecnologias e dos meios de comunicação. Um dos grandes responsáveis pelo processo de

globalização mundial é a internet, considerada por pesquisadores das mais diversas áreas

como a grande invenção dos tempos atuais. Com o avanço das técnicas de processamento e de

distribuição de dados, o homem criou novos ambientes, reais e virtuais, onde sua memória,

suas ideias, seus discursos, seus protestos, sua arte, suas relações pessoais, seus desejos, sua

vida, puderam ganhar (maior) visibilidade.

A internet (rede internacional de computadores) realmente pode ser considerada uma

das maiores invenções do ser humano, pois este sistema permite uma ampliação absurda na

disseminação e (in)formação de conhecimentos, além de proporcionar novos/outros tipos de

relações antes tidas como improváveis ou impossíveis. Hoje, o homem utiliza-se diariamente

de seus mecanismos, modificando sensivelmente muitas estruturas do pensamento tradicional

de cultura em sociedade.

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58

Devido à expansão cada vez maior de seu público, esse sistema de informação se vê

obrigado a reestruturar-se e reorganizar-se continuamente para atender as demandas dos mais

diversificados públicos, em âmbito local e global, nos seus mais variados aspectos.

Com o crescimento acelerado e ampliado do uso da internet, a produção de aparelhos e

mecanismos de conexão teve também que se adequar aos diversos público, do alto poder

aquisitivo ao baixo poder aquisitivo, agregando também aqueles que até o início do novo

milênio (2000), não podiam adquirir um equipamento de luxo como o computador, ou ter

acesso a uma das poucas redes de compartilhamento de dados.

Essa também era a realidade do Brasil na primeira década do século XXI. A internet

era ampliada vertiginosamente. O processo de informatização se tornava cada vez mais rápido

e mais acessível. O ambiente da internet se consolidou como um espaço de interação entre

diversos mundos, real e virtual. Devido à interferência dessas novas dinâmicas no dia a dia do

homem, este passou não somente a utilizá-la e consumi-la, mas se tornou ferramenta

indispensável no cotidiano de grande parte de seus usuários.

Um exemplo da intensa inclusão da internet no cotidiano do brasileiro é a grande

adesão das grandes e pequenas empresas comerciais, das empresas de serviços, dos meios de

comunicação, das instituições públicas, das instituições privadas, das escolas, de instituições

religiosas, entre outras. As atividades que antes somente poderiam ser efetivadas pela

interação real e direta do indivíduo com a instituição, agora podem ser mediadas pela internet,

sendo que, às vezes, pode até substituí-la, como é o caso de atividades exclusivas do ambiente

da internet, tais como: lojas virtuais, certas inscrições para cursos e concursos, ou ainda as

redes virtuais de relacionamentos sociais, como o Orkut 17

e o Facebook 18

.

17

De acordo com o editor de informática do Jornal folha de São Paulo, o Orkut [www.orkut.com] é uma rede

social filiada ao Google (empreendimento virtual de busca e gestão de arquivos socializados), criada em 24 de

Janeiro de 2004. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükkökten,

engenheiro turco do Google. Com o objetivo de ajudar seus membros a conhecer pessoas e manter

relacionamentos, o Orkut chegou a ter mais de 23 milhões de usuários em janeiro de 2008, quando foi

ultrapassado pelo Facebook. < http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica.shtml>. Acesso em 9 de janeiro

de 2012.

18 Facebook [www.facebook.com] é um site e serviço de rede social, lançado em fevereiro de 2004, operado e de

propriedade privada da Facebook Inc.. Segundo Carlson, Nicholas (At Last – The Full Story Of How Facebook

Was Founded) editor da revista Business Insider, em fevereiro de 2012 o Facebook tinha mais de 845 milhões de

usuários ativos. Diz Carson que para funcionar, o Facebook precisa que seus usuários se registrem antes de

utilizar o site, após isso, podem criar um perfil pessoal, adicionar outros usuários como amigos e trocar

mensagens, incluindo notificações automáticas quando atualizarem o seu perfil.

http://www.businessinsider.com/how-facebook-was-founded-2010-3#we-can-talk-about-that-after-i-get-all-the-

basic-functionality-up-tomorrow-night-1. [Tradução nossa]. Acesso em 9 de janeiro de 2012.

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Portanto, o uso das novas tecnologias e dos mecanismos de comunicação virtual

tornou-se essencial para a modernização destas instituições, levando-as a se conectaram cada

vez mais às redes da internet.

Esses outros modos de se relacionar implicam diretamente no modo como estes

indivíduos constroem suas memórias e suas histórias, principalmente por que esta nova

história é sensível à antropologia, contando histórias de homens que, além das ideias,

possuem corpos (vestígios) históricos que dizem muito sobre ele próprio.

Ao mesmo tempo, entre os anos de 2001 e 2010, os brasileiros passaram por

momentos impares na sua história. O Brasil elegeu – em 2001, com mecanismos de eleição

direta – um trabalhador da área da metalurgia – ativista dos movimentos político-sociais e

nordestino – como Presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva não somente elegeu-se

como 35º Presidente da República Federativa do Brasil, como também foi o responsável por

um Governo que realizou transformações consideráveis nas mais diversas áreas, com destaque

para a Economia, Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia.

Na Economia, este Governo possibilitou uma maior estabilidade dos comércios de

importação e exportação, além de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), e foi com os

projetos de assistência social que este Governo possibilitou a injeção de capital na classe de

baixa renda da população, proporcionando/elevando o poder de compra aos mais

desfavorecidos economicamente e inserindo-os nas relações comerciais internas do país.

Através de programas como BOLSA FAMÍLIA (LEI No 10.836, de 9 de Janeiro de 2004) e

Programa Nacional de Combate a Fome (FOME ZERO – 2003), este governo possibilitou

uma (re)distribuição de renda, a qual alçou parte da população às novas possibilidades de

mobilidade econômica e social.

Na Educação, houve uma grande expansão dos sistemas de ensino, principalmente de

instituições de ensino superior e tecnológico, em todo território nacional. Esta ação

possibilitou a criação de novos centros acadêmicos e de estudos, além da implantação e

ampliação de novos cursos, proporcionando um maior acesso da população e a continuidade

de estudos após o ensino médio, instituído através do Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE).

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60

Iniciativas como o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais 19

(REUNI), o Programa Universidade para Todos 20

(PROUNI) e o Programa Bolsa

Escola 21

, deram condições melhores aos estudantes para sua permanência na escola e acesso

à universidade, além da continuidade nas formações básica, tecnológica e/ou superior.

Em relação à manutenção e visibilidade da cultura brasileira, foram criadas ações

fomentadoras para apoiar e/ou subsidiar as manifestações das diversas regiões do país.

Através do Ministério da Cultura (MinC), este Governo criou alguns programas de apoio,

como é o caso das ações dos Pontos de Cultura – vinculados ao Programa Cultura Viva 22

e

distribuídos em muitas partes do país –, além dos programas de incentivos fiscais às

instituições privadas que desejam investir seu capital econômico em ações diretas de

subsídios às manifestações culturais.

A Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) é um órgão federal ligado ao MinC

responsável pelas políticas públicas de fomento às Artes. Seus principais objetivos são o

incentivo da produção e a capacitação de artistas nas diversas linguagens (Artes Integradas,

Artes Visuais, Circo, Música, Teatro, Dança e Literatura), promovendo o desenvolvimento da

pesquisa, a preservação da memória e formação de platéia (público) para as Artes, através de

editais públicos, incluindo neste seguimento o Prêmio Klauss Vianna – destinado aos artistas

da Dança.

No desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia, este Governo (re)democratizou o

acesso aos (novos) meios de comunicação e da informatização, abrindo espaço e comércio

para altas tecnologias com o objetivo de avançar na formação e qualificação de mão de obra

para o mercado interno. Investiu em ciência e tecnologia nos ambientes das universidades e

centros de ensino, mesmo que ainda numa amplitude insuficiente para a realidade destes

sistemas brasileiros, principalmente com o aumento de subsídios para aquisição de

equipamentos indispensáveis para as áreas tecnológicas e da pesquisa em diversos segmentos,

tanto na graduação, quanto na pós-graduação.

19

Instituído pelo Decreto Federal Nº 6.096, do Governo Federal do Brasil, de 24 de Abril de 2007.

20 Instituído em 2004, pelo Governo Federal do Brasil, através da Medida Provisória (MP) nº 213, de 10 de

setembro de 2004, posteriormente convertida na Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 e regulamentado pelo

Decreto Federal Nº 5.493, de 18 de julho de 2005.

21 Idealizada na década anterior e incorporada ao programa Bolsa Família, em 2003, consistia em transferência

de renda para as famílias que mantivessem seu(s) filho(s) regularmente na escola.

22 Criado em 2004, é um trabalho contemporâneo que surgiu para estimular e fortalecer a rede de criação e

gestão cultural no país, tendo como base os Pontos de Cultura.

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Estes eventos, juntamente com outras ações menos visíveis, contribuíram para

mudanças significativas no desenvolvimento de uma educação menos excludente e de maior

qualidade, principalmente para muitos que estavam à margem de uma educação significativa e

de uma cultura inclusiva. Estas ações também favoreceram mudanças nos ambientes de

produção de conhecimento de Dança, seja ele acadêmico ou não, além de renovação dos

modos de pensar e construir a historiografia da Dança, neste início de século XXI.

Os profissionais e pesquisadores da área da Dança, assim como os poderes públicos e

instituições privadas, passam a desenvolver estratégias – pessoais, institucionais e/ou

coletivas – para ampliação, consolidação e visibilidade de práticas e pesquisas artísticas.

Neste sentido, estratégias e mecanismos novos foram organizados para historicizar estes

eventos, assim como os ambientes de produção e circulação dos seus conteúdos históricos:

internet, vídeos, outros ambientes físicos, sites de busca, acervos virtuais, sites de companhia,

grupos e dançarinos, redes sociais, imagens fotográficas etc..

Houve também modificações nos ambientes de produções textuais no campo da

historiografia, devido a ampliação dos cursos de graduação, em diversas regiões do país, e

principalmente com a criação do primeiro Programa de Pós-Graduação em Dança

(PPGDANÇA) do país, situado na própria Escola de Dança da UFBA, caracterizado como

importante espaço de produção deste campo de conhecimento específico. Além disso, outras

possibilidades de configuração escrita e visual também ganharam espaços, possibilitando

outras construções dos aspectos históricos da Dança, tais como: livros de comemoração,

cartografias, escritos de artistas, DVDs etc..

A experiência deste autor com a docência, num período de quatro semestres

(2009/2010), no curso Licenciatura em Dança da UFBA, em componentes curriculares cujo

conhecimento histórico da Dança foi requisitado, detectou um acentuado desinteresse de boa

parte dos universitários pela História da Dança, assim como pelo uso cada vez menor dos

livros de História como suporte para estudos e pesquisas. Primeiramente, pelo desinteresse em

ir às bibliotecas e livrarias e, em seguida, pelo rápido, mas não tão fácil, acesso a esses

conteúdos através da internet, prática muito comum destes alunos, detectada principalmente

na produção de seus textos e discursos.

É natural no percurso de alguns mecanismos históricos uma obra entrar em desuso

passado determinado tempo. Com o surgimento do ambiente virtual, parece que certas

configurações não conseguem mais estabelecer comunicação com determinados públicos. O

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historiador Jacques Le Goff exemplifica o fato do desuso natural de algumas obras dizendo o

seguinte:

Tomemos uma obra literária. Durante quanto tempo continuamos a lê-la? É

uma pergunta essencial porquanto datar uma obra pode também querer dizer

datar o seu tempo de funcionamento, de acção na sociedade. E a coisa não é

simples porque existem obras que lemos maciçamente, e durante muito

tempo, o que quer dizer que elas circularam, mas eis que de um momento

para o outro já não se encontram, caem em desuso, tem-se mesmo

dificuldades em encontrá-las em bibliotecas. (LE GOFF, 1986, p. 81-82).

Entre os anos de 2001 e 2011, o provável desuso de livros de História da Dança (como

suporte para novas pesquisas históricas e novas produções artísticas) e a ausência de novas

publicações se deram tanto pelo avanço das pesquisas acadêmicas em Dança (graduações e

pós-graduações) que já identificavam a ineficiência deste tipo de publicação23

, quanto pela

ampliação sistemática do uso dos meios de comunicação informatizados, passando a

concentrar vários tipos de escrita da história num ambiente virtual, mais amplo, mais

acessado, mais facilitado.

De certa forma, constata-se uma substituição da escrita impressa (escrita tradicional

que requer um processo mais lento de publicação e de circulação) pela escrita virtual (quando

o material produzido é amplamente e rapidamente distribuído na rede, permitindo um maior

número de publicações – qualificadas ou não – num grande espaço, para um grande número

de leitores).

Outro fator evidente se encontra no fato da substituição de livros que pretendem contar

uma história geral para a Dança por outros tipos de publicações mais específicas, compostas

por cadernos comemorativos, livros que contam a história de grupos, companhias,

movimentos ou artistas, biografias e autobiografias, revistas, catálogos, entre outros materiais

impressos, que se propuseram a contribuir para a memória da Dança, registrando pequenas

partes da história ao invés de agrupar um todo.

Diante destes desusos, outros mecanismos se desenvolvem e se evidenciam no intuito

de organizar memórias e histórias na Dança. Estes novos/outros modos historiográficos serão

23

Neste período, foi lançado apenas o livro Pequena viagem pelo mundo da dança (RENGEL ;

LANGENDONCK, 2006), enquanto o Catálogo do 1º Econtro da Associação Nacional de Pesquisadores em

Dança (SETENTA (Org.), 2010), com pesquisas acadêmicas dos anos anteriores, apontava dez estudos com

temáticas acerca da História da Dança. Ainda como exemplo, a coleção Lições de Dança publicou muitos

ensaios de pesquisadores em história.

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apresentados aqui em dois blocos apenas como estratégia de apresentação das particularidades

de cada um deles, considerando dois aspectos: 1) novos/outros ambientes de produção e

circulação dos conhecimentos da História da Dança; 2) algumas proposições em História da

Dança, no Brasil, surgidas ou consolidados nos anos entre 2001-2011.

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2.1 – NOVOS AMBIENTES PARA UMA NOVA HISTÓRIA DA DANÇA

Retomando as memórias e vestígios das mais remotas manifestações em Dança – indo

dos ritos sociais as sistematizações dos balés de côrte, dos balés românticos até a dança

moderna, das danças mais elaboradas às danças populares –, essa linguagem artística trouxe

consigo o estereótipo de ser, quase sempre, considerada como uma atividade de divertimento

ou como rito religioso – principalmente aquelas práticas de Dança ligadas ao universo das

manifestações culturais de cada sociedade. Em alguns casos, as danças também serviram

como estratégia de afirmação política e social para um grupo seleto de pessoas, como é o caso

da prática das danças (balés, minuetos, bailes, dança sagrada, rituais) em certos

comportamentos culturais.

Hoje, pode-se recorrer à linguagem da Dança para efetivação de atividades de

desenvolvimento físico, suporte de projetos sociais e educativos, terapias e tratamentos,

estratégias pedagógicas, inserção de pessoas com necessidades especiais no seio da sociedade,

programas e séries de televisão, atividades desenvolvidas em ONGs (Organizações Não

Governamentais), entre outros tipos de funcionalidades. Dessa forma, compreende-se a Dança

como atividade cultural e artística intrinsecamente inserida nos diversos campos da sociedade.

Diante dessas mudanças, a ampliação da prática e dos conhecimentos sobre a área da

Dança, em seus diferentes modos de aplicabilidade e nos diversos contextos da sociedade,

permite cada vez mais sua difusão e compreensão, possibilitando um maior campo de

disseminação, assimilação, aceitação e desenvolvimento das danças na contemporaneidade.

Com a aparição e permanência, cada vez maior, de algumas delas nos meios de

comunicação, principalmente os de massa, ideias e práticas de danças são (re)produzidas e

consumidas em grande escala. Diante deste quadro, também surge à necessidade de se

compreender de que forma essas mudanças operam nos estudos da área da Dança,

principalmente, aqui, na relação que estes acontecimentos interferem na produção da memória

e da história destes eventos, na relação indissociável com seus contextos.

Segundo LE GOFF (1986, p. 16-17), “a história não poderá manter uma qualquer

função no âmbito da ciência e da sociedade se os historiadores não souberem por-se em dia no

que se refere aos novos meios de comunicação de massa.”

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Desde a década de 1980, quando já se sinalizava uma pequena ampliação de ambientes

de estudo para a Dança, muitos pesquisadores e artistas – também alguns historiadores – vêm

se afirmando e propondo lugares específicos de estudos e pesquisas, como área de

conhecimento de linguagem artística, encontrando nas universidades, principalmente públicas,

o espaço ideal para seu desenvolvimento teórico e, algumas vezes, também pesquisas de

práticas artísticas.

As universidades brasileiras tem sido as maiores responsáveis pela discussão em torno

das danças na contemporaneidade, no nosso país. Muitos artistas que estão produzindo novos

modos de pensar e fazer a Dança estão se alimentado das discussões dentro dos centros

acadêmicos, principalmente nos cursos de Licenciatura e bacharelado em Dança. Obviamente,

há também aqueles artistas que estão pensando, discutindo e produzindo dança fora da

universidade. Numa análise menos aprofundada, o que se observa é uma proximidade

crescente dos artistas com instituições de nível superior em Dança ou Arte.

Atualmente, algumas universidades brasileiras estão ampliando consideravelmente

seus espaços de ensino e discussão sobre a Dança. Esta ampliação ultrapassa os limites das

regiões sul e sudeste, considerados os centros artísticos de grande circulação, privilegiando

também as regiões centro-oeste, norte e nordeste, e disseminando novos processos e

configurações numa maior territorialidade.

A ampliação de cursos de Dança nas universidades brasileiras se caracteriza por um

aspecto histórico muito interessante. Já no início do século XXI, os pesquisadores da área

sentiam a necessidade de pensar seu fazer artístico e, há algum tempo, eles precisavam de

espaços onde as discussões intelectuais e artísticas pudessem dialogar para tratar suas

reais/atuais necessidades de inserção e permanência no mundo.

Para que esta ampliação fosse possível, foram necessárias a conscientização e a

dedicação dos muitos professores e artistas que sentiram necessidade de um espaço

acadêmico de formação e discussão para a dança na contemporaneidade. Juntos aos poderes

públicos, eles pressionaram o sistema educacional para obtenção de programas que

considerassem a Dança como arte visível e indispensável para formação do sujeito cultural,

sendo necessários também espaços nas universidades para seus estudos e formação.

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Ao mesmo tempo em que muitos desses pesquisadores e artistas lutavam por espaços

de prática e discussão acadêmica para a Dança, muitos outros profissionais/artistas

continuaram com as suas práticas e pesquisas de dança nas academias, nas escolas de dança,

nos grupos, nas companhias, na sociedade ou em projetos culturais, conservando seus modos

de entendimento e práticas tradicionais.

O ambiente da dança se consolidou como atividade artística e necessitou de

profissionais como os professores, coreógrafos, dançarinos e novos alunos para sua

permanência, principalmente a partir das práticas tradicionais. Porém, as danças que emergem

na cena contemporânea estão cada vez mais propositivas na construção e no desenvolvimento

de seus conhecimentos e de novas formas de criação, agregando também outros profissionais

da Dança, como os intérpretes-criadores, os críticos, os historiadores, os produtores, entre

outros.

Pensar a produção da dança na contemporaneidade requer uma ampla conscientização

dos novos paradigmas do mundo contemporâneo, das artes e da própria evolução do

pensamento de dança. Antes de tudo, pensar em que ambientes essas práticas estão se

desenvolvendo e de que forma as suas memórias estão sendo preservadas.

Historicamente, a primeira universidade a integrar a Dança na sua grade de cursos de

nível superior foi a Universidade Federal da Bahia, em 1956. A Dança no Brasil começa a ser

vista e pensada não somente como uma prática artística ou de entretenimento, mas como uma

área de conhecimento em plena expansão. Na tentativa de fortalecer a universidade, assim

como campo das Artes, e compreendendo a necessidade de um ambiente acadêmico para o

estudo da Dança, Edgar Santos – então reitor desta instituição – criou o curso de ensino de

Dança em nível superior, quando se deu o momento de extrema importância para o início da

construção, expansão e consolidação da Dança como área de conhecimento específico.

(ROBATTO; MASCARENHAS, 2002, p. 81-84).

A partir do início do século XXI, as reivindicações da classe artística da Dança se

aliam a um plano político-educacional de expansão das universidades, do então presidente da

república Luiz Inácio Lula da Silva, criando novos cursos e novas instituições de nível

superior em diversas partes do país. A necessidade de elevar o nível cultural e intelectual da

população brasileira, principalmente daqueles desprovidos de uma boa educação básica, fez

com que o Governo do então presidente criasse políticas para aumentar o número de vagas

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nas universidades federais (REUNI), além de assistência aos alunos carentes em instituições

privadas (PROUNI).

Reconhecendo o papel estratégico das universidades, em especial as do setor

público, para o desenvolvimento econômico e social, o governo Lula adotou

uma série de medidas com o objetivo de expandir a oferta de ensino

superior, principalmente de caráter público. Assim, o Programa Expandir,

desenvolvido pela Secretaria de Educação Superior do MEC, prevê a criação

de dez universidades federais [...] e a criação de 43 campi universitários em

diversas regiões do país. (MICHELOTTO; ZAINKO; COELHO, 2006, p.

193-194).

Desde sua criação, o programa PROUNI já atendeu mais de 919 mil estudantes com

bolsas integrais ou parciais que possibilitaram o acesso às universidades privadas, enquanto

com o REUNI, foram criadas 14 novas universidades e mais de 100 novos campi, ampliando

o número de vagas em cursos existentes e criando novos cursos, inclusive o curso de

Licenciatura ou bacharelado em Dança.

A partir de um levantamento de dados oficiais do governo brasileiro, junto ao Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), a professora e pesquisadora Lúcia

Matos detectou – num relatório de expansão de cursos e universidades até o ano de 2009 – a

oferta de curso de nível superior em Dança em 24 instituições, contabilizando 19

licenciaturas, 11 bacharelados e 03 cursos tecnológicos, dentre as quais 09 são em

universidades federais, 04 em instituições estaduais e 11 em faculdades privadas. Em 2011,

essa demanda ainda parece pequena para um país de grande extensão, principalmente

considerando a relação entre a quantidade de cursos de Dança em universidades federais e os

26 Estados Federativos (mais o Distrito Federal) que o Brasil possui, cujo ambiente

acadêmico necessita urgentemente de uma ampliação e uma visibilidade considerável.

(MATOS, 2010).

Apesar da linguagem da Dança ter sido historicamente desvalorizada e geralmente

situada depois das outras linguagens, por comumente ter sido considerada atividade de

diversão e, erroneamente, julgada como desprovida de produção de conhecimento, a área da

Dança conseguiu ampliar seus espaços de inserção, produção e valorização na sociedade

brasileira, construindo espaço e características próprias de consolidação do seu conhecimento,

nos diversos níveis.

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Essas ações governamentais foram/são de extrema importância para o

desenvolvimento da área da Dança, tanto no campo da pesquisa acadêmica, quanto na

formação de profissionais nos campos artístico e educacional. Essa ampliação resulta num

aumento de estudantes imersos num ambiente acadêmico, vivenciando práticas de pesquisa e

apreendendo olhares críticos sobre a realidade da Dança, nos ambientes em que os alunos

vivem ou no amplo território nacional e internacional. Dessa forma, estudos no campo da

História da Dança tendem a emergir dessas análises críticas e experiências na universidade,

como foi o caso dos passos iniciais desta pesquisa.

Além do importante avanço nas universidades, o ensino de dança caminha para uma

inserção também na educação básica do país. Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Brasileira – LDB 24

(Lei 9394/96, Artigo 26, 2º Parágrafo), essa linguagem deve ser

inserida em todo decorrer do ensino fundamental e médio, sendo que algumas prefeituras (a

exemplo das Prefeituras de Natal-RN e Salvador-BA) e estados do país já destinam vagas em

seus concursos públicos para educadores formados especificamente em Dança.

Essa inserção colabora fundamentalmente para o reconhecimento destas práticas de

dança como ações artísticas e pedagógicas vividas socialmente, além de propiciar

conhecimentos gerais e específicos sobre as histórias destas danças no dia-a-dia das pessoas,

nos eventos sociais, religiosos etc.. Dessa forma, conhecer aos aspectos artísticos e históricos

da Dança no ambiente escolar estimula sua prática, assim como propicia uma reflexão cada

vez maior de seu conhecimento.

Mesmo com essa medida legal e pedagógica, a sua prática ainda está muito distante do

ideal, pois muitas instituições educacionais não garantem o ensino das quatro linguagens

artísticas, garantidas pela LDB e sugeridas pelos Parâmetros Curriculares da Educação

Nacional25

, a saber: Dança, Teatro, Música e Artes Visuais. Além disso, muitos profissionais

da educação consideram a Dança como um conhecimento não tão necessário quanto às outras

disciplinas, desvalorizando sua prática e suas possibilidades de aprendizado. Para MATOS

(2010):

24

Lei encontrada no portal do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acesso em 13/08/2011.

25 Os PCN´s fazem parte de um documento produzido em 1997, elaborado pelo Governo Federal com a

contribuição de docentes de universidades públicas e privadas, técnicos da área da educação, especialista e

educadores, visando à criação de diretrizes para cada área disciplinar, incluindo a Dança.

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[...] torna-se importante também possibilitar, no espaço escolar, a criação de

ações colaborativas com artistas e a aproximação dos alunos dos espaços

artísticos, o que pode contribuir para que crianças e jovens tenham maior

proximidade com processos e resultados artísticos e vivenciem de perto as

relações entre arte e vida. (MATOS, 2010).

A implementação de cursos nas universidades supre uma necessidade de formação em

nível superior para dançarinos e estudiosos da Dança, que acaba gerando uma demanda de

campo de trabalho. Após o egresso desses estudantes, eles irão ocupar os espaços de formação

artística ou educacional em Dança, quer seja em ambientes informais – academias, grupos de

dança, grupos sociais – quer seja na educação formal, atuando nas Escolas Públicas e

privadas, cuja linguagem da Dança esta prevista como conteúdo/prática obrigatório(a) na

disciplina Artes.

Sendo assim, a Dança passa a ser vivenciada tanto no meio social como no âmbito da

educação formal básica, formando pessoas com conhecimentos a respeito das Artes e podendo

gerar possíveis demandas acadêmicas. Neste sentido, projeta-se um sistema cíclico que

permite a formação contínua e necessária de dançarinos, ou seja, a permanência de estudos de

Dança em meios acadêmicos, culturais e educacionais.

Em sua pesquisa de mestrado (PPGDANÇA) sobre os currículos dos cursos

universitários de Dança, no Brasil, o pesquisador e dançarino Alexandre Molina aponta a

necessidade de se ter cada vez mais estudos sobre a formação em Dança, quer seja no

ambiente da educação básica, quer seja na universidade, principalmente através da sua

inserção efetiva e continuada. (MOLINA, 2010, p. 45-51).

Pioneira na implantação do curso de Dança em nível superior, a Universidade Federal

da Bahia, junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

agência de financiamento ligada ao MEC, submete o projeto de criação do primeiro Programa

brasileiro de Pós-Graduação em nível de Mestrado específico na área da Dança, ocorrido em

2006. Sendo aprovado, o PPGDANÇA constitui-se como único curso deste nível acadêmico e

com esta especificidade, em todo Brasil, contribuindo na formação de muitos estudantes,

artistas, profissionais, pesquisadores e professores da Dança, e até mesmo de outras áreas.

A Escola de Dança da UFBA também iniciou o processo de criação da Associação

Nacional de Pesquisadores em Dança (ANDA), que desde 2008 cumpre função de reunir

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pesquisadores acadêmicos, além de artistas pesquisadores, com o objetivo de dar visibilidade

às pesquisas na área. Essa Associação já promoveu dois encontros (Salvador/BA – 2008 e

Porto Alegre/RS – 2010), um congresso (Salvador/BA – 2010) e uma publicação/catálogo (1º

Encontro Nacional de Pesquisadores em Dança – EDUFBA – 2010), reunindo artigos de

artistas acadêmicos e pesquisadores de várias partes do país.

Dos 59 artigos publicados neste catálogo, foram encontrados mais de 10 artigos que

são direcionados para a História, sendo encontrados referências deste campo de pesquisa tanto

nos títulos e subtítulos, quanto nas palavras chaves. Este número representa um bom

percentual de estudos referentes à memória da Dança, além de indicar seu crescimento no

âmbito da pesquisa acadêmica.

Alicerçadas pelas inserções da Dança no meio acadêmico e na educação básica, estas

ações institucionalizadas do estudo e da pesquisa colocam a área da Dança num ambiente de

crescente produção e visibilidade acadêmica e cultural, proporcionando novas/outras

possibilidades de pesquisas e visibilidade para os seus pesquisadores/artistas. Possibilita ainda

a criação de estratégias de ampliação e circulação do conhecimento produzido, além de

fortalecimento frente às suas demandas sociais (atividades de Extensão), políticas (criação,

ampliação e manutenção) e acadêmicas (espaço e reconhecimento) desse grupo.

Integrado à essas recentes conquistas educacionais e acadêmicas, observa-se que a

disseminação desses novos/outros modos de pensar e fazer Dança também se dá a partir da

circulação e do acesso de trabalhos artísticos e acadêmicos já existentes, desenvolvidos numa

perspectiva de pensamento contemporâneo. A circulação de grupos e artistas pelo amplo

território nacional é hoje uma realidade a ser considerada, principalmente dos artistas

independentes, cujos trabalhos já incluem a possibilidade de se relacionar com diversos

espaços e públicos. Essa ação “contaminatória” contribui não somente para formação de

platéia para esse modo de criação artística, e para Dança no geral, mas também estimula o

interesse e formação de novos artistas criadores/pensadores.

Dessa forma, os espaços (cênicos) estão cada vez mais receptivos a Dança, em suas

diversas configurações, tornando possível seu acesso a informação, incluindo sua visibilidade

e apreciação. Embora essa ação consiga disseminar alguns conhecimentos do que seja a

produção atual da Dança pelo país, contaminando pessoas e ambientes com seus novos/outros

modos de pensar processos e configurações, observa-se que ela necessita de ainda de uma

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71

articulação maior na construção dos espaços, distribuição e apreciação, principalmente no que

concernem (neste caso) as questões da memória e da história dessas práticas.

Algumas práticas/ações governamentais tentam minimizar o grande descaso dos

poderes públicos com a cultura das Artes, tão importante para o desenvolvimento integral dos

indivíduos sócio-biológico-político-culturais, principalmente numa sociedade com influências

culturais tão diversificadas, provocando uma rica constituição multicultural, como é o Brasil,

e cuja memória e desenvolvimento necessitam de grande esforço e investimento para não ficar

no esquecimento histórico.

Atualmente, existem alguns incentivos do Governo brasileiro para pesquisa artística e

circulação de trabalhos em Dança, principalmente com os editais da Fundação Nacional das

Artes (FUNARTE), instituição de apoio e fomento à Arte, vinculada ao Ministério da Cultura

(MinC), fundada em 1975.

O Governo promove ações como o prêmio Klauss Vianna 26

que contempla

anualmente propostas artísticas ligadas à área da Dança, proporcionando a circulação e

demais atividades desta linguagem artística. Desse modo, os artistas, suas obras, seus

processos de criação e suas ideias passam a circular com menos dificuldade, obtendo uma

maior possibilidade de diálogo com outros artistas e outras ideias, e contribuindo para uma

maior efervescência destas obras, recém elaboradas.

Com os editais de circulação e de residência artística, a trajetória desses artistas, e até

mesmo de sua obra, vai sendo nutrida pela relação que eles estabelecem com as

singularidades de todos esses lugares e com as especificidades de cada público.

A FUNARTE busca realizar também um mapeamento de artistas, profissionais e

ambientes ligados à área da Dança, disponibilizando em seu site oficial uma página para

cadastramento de profissionais, artistas, escolas, eventos, periódicos, sites, acervos,

instituições, coletivos, companhias, grupos, eventos, entre outras categorias, com o intuito de

construir um amplo banco de dados com informações sobre a Dança 27

.

26

Klauss Vianna foi um grande pesquisador, dançarino, coreógrafo e professor da dança, no Brasil. Desenvolveu

um método próprio de pesquisa corporal e contribuiu imensamente com o início da pesquisa em dança

contemporânea, alimentado-a com seus estudos da anatomia humana e da sua relação com as práticas teatrais.

27Essas informações foram encontradas no site oficial da FUNARTE. <http://www.funarte.gov.br> e

<http://www.funarte.gov.br/danca/cadastro-de-danca>. Acesso em 08 de agosto de 2011.

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72

Sendo a FUNARTE uma instituição oficial e interessada na memória e história da Arte

brasileira, esta ação poderá se constituir numa excelente proposta para agrupar trajetórias de

artistas da Dança, possibilitando um acervo eletrônico de dados mais próximo do real e

servindo de fonte de pesquisa para muitos trabalhos acadêmicos em História da Dança, e

outros campos da área. Porém, essa ação também corre o risco de constituir-se como um falso

banco de dados, principalmente pelo acesso irrestrito e pela questão da autodefinição,

desenhando um campo de estudo e atuação artística da Dança que não condiz com a realidade,

sobretudo quando os dados que interessam são apenas os números e não as práticas artísticas.

A Lei Federal de Incentivo a Cultura (Lei n° 8.313, de 23 de dezembro de 1991, mais

conhecida com Lei ROUANET) institui políticas públicas para a cultura nacional, a partir de

incentivos fiscais às pessoas físicas e jurídicas, na intenção de promover, proteger e valorizar

as expressões culturais locais, regionais e nacionais. Essa ação estatal foi pensada

inicialmente com o objetivo de educar empresas e cidadãos a investirem seu capital na

produção artística nacional, substituindo posteriormente os incentivos fiscais em

investimentos culturais.

Muitas instituições privadas passaram a converter o dinheiro que seria destinado ao

pagamento de imposto à União (de 4% a 6%) em provimento e financiamento de

manifestações artísticas, possibilitando o desenvolvimento destas práticas e estudos teóricos

da Dança. Porém, esse montante fiscal passa a ser manipulado pela própria empresa ou pessoa

física, ou seja, a provedora dos incentivos fiscais terá a livre escolha de aplicar o numérico de

seus incentivos nas ações que achar mais interessantes/importante.

Ao invés das instituições terem como objetivo principal o investimento nas ações

culturais para desenvolvimento de um ambiente artístico com suas características próprias, o

que acaba acontecendo é uma inversão de intenções, pois o que fica mais evidente é um tipo

de autopromoção, principalmente das grandes empresas, visto que passam a evidenciar mais o

seu produto e ação, do que a própria cultura artística. Em alguns casos, o financiamento

provém mais do interesse do patrocinador em se beneficiar do investimento proposto, através

da visibilidade e comercialização do produto, do que sua real intenção em promover a arte e a

cultura em seu ambiente social.

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Além disso, percebe-se que há uma concentração de investimentos em certos setores

ou em certas produções artísticas, principalmente pela visibilidade que estas

ações/linguagens/artistas culturais já possuem e a divulgação da empresa que elas/eles podem

promover. Dessa forma, essas ações podem acabar evidenciando cada vez mais o que já está

visível, mantendo no esquecimento o que necessita realmente de um apoio maior, como os

pequenos artistas e grupos, ou ainda, a cultura popular, entre outros.

Sobre a atual intenção de investimento social e emprego de capital privado na cultural,

o consultor de patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas (2003, p. 204) confirma o que se

constata na prática, dizendo que: “Simultaneamente, cultura e negócio operam em dimensões

distintas. Mas em alguns planos, se conectam e se tornam interdependentes. Nestes planos, a

cultura é o negócio e o negócio é a cultura”.

Mesmo diante de algumas equivocadas tentativas de financiar a Arte, muitos destes

incentivos privados constituem atualmente uma possibilidade de produção e expansão dos

conhecimentos da área, no país. Instituições como os Bancos, por exemplo, são responsáveis

por grandes eventos de Artes, nas suas mais variadas linguagens, incluindo a Dança.

O Banco Itaú 28

é o responsável pelo programa Rumos Itaú Cultural, que promove um

tipo de produção e divulgação de informações culturais pelo país. Com o Rumos Itaú Cultural

Dança, criado em 1999, o programa passou a fomentar, mapear e difundir a produção de

Dança pelo país, organizando uma base de dados. A proposta consiste em selecionar e

apresentar espetáculos de dança, além de proporcionar seminários e workshops à artistas,

pesquisadores e curadores da área.

Outros bancos brasileiros também investem na produção cultural do país, financiando

eventos e programações culturais, inclusive na Dança. Com a criação dos Centros Culturais

do Banco do Brasil (Banco do Brasil) e dos programas da Caixa Cultural (Caixa Econômica

Federal), esses investidores desenvolvem programas e apoiam diversos segmentos artísticos,

oferecendo meios e espaços multidisciplinares, além de programações regulares, acessíveis e

com diversidade para toda a sociedade.

28

Grande banco privado brasileiro que mais lucra no Brasil, atuando no país desde 1945. Embora tenha um

faturamento anual girando em torno de 114 bilhões de reais, seu investimento em Cultura é apenas através da Lei

de Incentivo.

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Tanto o Banco do Brasil (composta de economia mista, em que a União brasileira

possui 68,7% das ações) quanto a Caixa Econômica Federal (100% pública) são instituições

estatais financeiras do governo brasileiro, atuando em todo território nacional com

aproximadamente 15.133 pontos de atendimento (BB) e 36,2 mil unidades (Caixa

Econômica) entre agências, postos e salas de autoatendimento, segundo dados do Governo do

Brasil 29

.

Esses centros culturais têm como objetivos a valorização das manifestações culturais

nacionais, o estímulo à apreciação e prática artística, a preservação e a difusão da cultura

brasileira, apoiando projetos e eventos em todo país.

Apesar destes bancos atuarem em quase todo território nacional, o esforço na

ampliação dos centros culturais ainda é pequeno, diante dos seus altos lucros anuais e do

pouco investimento público na cultura, através destas instituições. Entretanto, a intenção

destas instituições é ampliar o número de centros culturais, em todo país. Os Centros

Culturais do Banco do Brasil, por exemplo, estão situados nas capitais do Rio de Janeiro (Rio

de Janeiro), São Paulo (São Paulo), Minas Gerais (Belo Horizonte) e Distrito Federal

(Brasília), enquanto a Caixa Cultural mantém espaços nos estados da Bahia (Salvador), Ceará

(Fortaleza), Distrito Federal (Brasília), Pernambuco (Recife), Paraná (Curitiba), Rio de

Janeiro (Rio de Janeiro), Rio Grande do Sul (Porto Alegre) e São Paulo (São Paulo), alguns

ainda em fase de implantação 30

.

Outro grande patrocinador da cultura nacional é a PETROBRAS, terceira maior

empresa produtora de energia do mundo 31

. Ela é uma sociedade anônima de capital aberto,

cujo acionista majoritário é o Governo do Brasil e cujo investimento beneficia muitas

companhias e artistas da Dança. Desde 2003, o Programa Petrobras Cultural proporciona

recursos através de editais para produção, manutenção, divulgação e circulação da cultura

nacional, de acordo com a Lei Federal de Incentivo á Cultura, a Lei Rouanet e com Lei do

Audiovisual, destinando anualmente 4% do Imposto de Renda em prol da cultura. O

Programa conta ainda com a modalidade de Projetos Convidados, quando a empresa agrega

29

Cf. Site do Governo brasileiro <www.portalbrasil.gov.br>. Acesso em 23 de julho de 2011.

30 Essas informações foram encontradas dos sites oficiais do Banco do Brasil

<http://www.bb.com.br/portalbb/home21,128,128,0,1,1,1.bb> e da Caixa Econômica Federal

<http://www.caixacultural.com.br/html/main.html, respectivamente>. Acessados em 09 de agosto de 2011.

31 Fonte: PFC Energy – janeiro/2011.

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seu nome a artistas, grupos e companhias, aproveitando “a boa oportunidade de contribuir

para divulgar atuação, fortalecer conceito e agregar valor à marca da Companhia”,

beneficiando ambos os envolvidos.

Atualmente, a PETROBRAS patrocina muitos artistas e companhias da dança

nacional, tais como: Companhia TeatroDança Ivaldo Bertazzo, Cia Mário Nascimento,

Companhia de Dança Deborah Colker, Cia Márcia Milhazes, Lia Rodrigues Companhia de

Dança, Grupo Corpo. Também são patrocinados o Festival de Dança do Recife (PE), o Fórum

Internacional de Dança (FID-BH), o Panorama de Dança (RJ), a Bienal Internacional de

Dança do Ceará, o Festival de Dança de Joinville (SC), assim como os ambientes virtuais

Idança e Acervo Mariposa (videoteca pública especializada em dança) 32

.

Diante de um mundo influenciado pelos avanços contínuos da alta tecnologia da

informática e da comunicação, o ser humano acaba tendo que se (re)adaptar a cada instante,

principalmente na sua interação diária com o mundo – real ou virtual. Essa interação começa

a se promover também nas Artes. Muitos artistas contemporâneos utilizam cada vez mais as

novas tecnologias para pensar suas obras. A videoarte, as performances, os novos designs, os

novos materiais artísticos, são exemplos das novas experiências artísticas surgidas a partir da

interação com o universo da tecnologia, o qual se expande a cada instante, trazendo novas

informações e gerando novas possibilidades de produzir Arte.

É o momento em que a informação circula velozmente, atingindo um grande número

de pessoas, num tempo mínimo e num espaço globalizado. Assim é a internet, a

telecomunicação, os potentes aparelhos de áudio e vídeo, entre outros. Nesta mudança de

paradigmas da contemporaneidade, os artistas da Dança estabelecem novos espaços para

inserção/interação dessa linguagem nos seus processos de produção e de configuração,

memória e história.

A especialista em Dança e Design Alessandra Bittencourt relata que desde os

primeiros experimentos do dançarino e coreógrafo Merce Cunningham, na década de 60, nos

Estados Unidos, já havia uma referência da dança com a tecnologia, a partir dos seus

trabalhos com a televisão, o vídeo e, mais adiante, com os programas de computadores,

32

Essas informações foram encontradas do site oficial da PETROBRÁS.

<http://www.petrobras.com.br/minisite/cultura>. Acesso em 10 de agosto de 2011.

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76

alterando as relações pessoais, grupais e culturais da forma de produzir Dança

(BITTENCOURT, 2007). No início do século XX, a dançarina Löie Fuller já experimentava

novas composições artísticas interagindo com a iluminação elétrica, que acabara de ser

descoberta, criando obras como a Dança da Serpentina, cuja criação se configurou como um

importante passo para a iluminação teatral.

Ainda segundo Bittencourt (2007), tanto quanto qualquer outra área de conhecimento

e de produção artística, os artistas da Dança começam a refletir sobre as relações do homem

com a tecnologia e a arte na utilização de um tempo e espaço diferenciados, apontando a

dançarina Ana Livia Cordeiro e a Companhia Cena 11 como importantes nomes da Dança

nacional, os quais investem e produzem suas obras artísticas a partir da interação entre dança

e novas tecnologias.

Não é diferente na relação da Dança com o espaço internet. Diversos pesquisadores da

área se utilizam desse ambiente para criação, produção, execução, divulgação e reflexão de

seus trabalhos artísticos. A internet tornou-se ao mesmo tempo uma ferramenta e um espaço

de grande relevância no mundo contemporâneo. A cada dia, ela se consolida como um amplo

espaço de congruência de informações, possibilitando sua disseminação num curto espaço de

tempo, para vários públicos que, cada vez mais, vêm aderindo a esse sistema computacional

no seu ambiente social.

Diante dessa realidade, o historiador jamais deverá desconsiderar ou menosprezar

estes novos meios de comunicação, em particular os mass media, na documentação, análise e

construção de suas trajetórias históricas. “Esta é considerada uma prática embrutecedora”.

(LE GOFF, 1986, p. 17).

Neste ambiente virtual, diversos sites que se ocupam do objeto Dança são encontrados

na internet apenas com uma simples e rápida pesquisa. São sites de academias e escolas de

dança, sites ou blogs de dançarinas e dançarinos, de grupos, de instituições acadêmicas

(universidades e faculdades) e de coletivos. A internet é um espaço aberto e irrestrito, onde

um grande número de informações circula diariamente.

Há diversos sites que contém vídeos de Dança. Eles estão repletos de imagens (vídeos

e fotos) de dançarinos, performances, espetáculos, experimentos, filmes, documentários,

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depoimentos, entre outros gêneros. O YouTube 33

, por exemplo, é um site que disponibiliza

milhares de vídeos quando se propõe uma busca com a palavra “Dança”. Os próprios sites de

artistas e companhias disponibilizam vídeos com trechos de seus trabalhos.

O Acervo Mariposa é uma videoteca virtual pública destinada aos interessados por

imagens de dança. Esse site agrega um vasto e rico material de trabalhos em vídeo,

possibilitando o acesso a diversas produções coreográficas e dando a oportunidade para o

internauta/artista que se interesse em disponibilizar seus próprios trabalhos. Além de

contribuir para o acesso e disseminação das obras, o Acervo Mariposa se constitui como

formação de uma memória de uma trajetória histórica e de um modo de produção e

divulgação da Dança na contemporaneidade, assim como os espaços dos museus e das

bibliotecas, em relação às artes visuais e os livros, respectivamente.

Segundo a doutora em comunicação e semiótica Nirvana Marinho, gestora cultural

deste acervo:

Em forma de parceria e de articulação com a comunidade, com patrocinador

e com o público do acervo, o trabalho diário do acervo vem sendo criar

formas de entrelaçamento de uma rede de participantes do acervo:

coreógrafos que doam, professores que emprestam, instituições que recebem

doações, artistas que consultam e recriam, projetos que veem no acervo um

espaço de reflexão sobre a história viva da dança. Menos do que um acervo

de acúmulo ou de arquivo estático, o Acervo Mariposa se propõe a construir

o conhecimento a partir da difusão de seus vídeos, autorizados,

regulamentados e co-atuantes de um movimento de democratização da

cultura. (MARINHO, s/d).

Estes espaços virtuais possibilitam a visibilidade, historicamente restrita a poucos,

incluindo nestes os dançarinos e grupos que não possuem condições econômicas para veicular

suas ideias e produções nas mídias locais e nacionais, promovendo ainda sua circulação. Hoje,

a captação de imagem tornou-se simples e rápida e, agregada ao avanço das tecnologias

33

Segunda a revista norte-americana Time (edição de 13 de novembro de 2006) elegeu o YouTube a melhor

invenção do ano por, entre muitos motivos. O YouTube é um site que permite que usuários de todos ospontos do

planeta, que tem acesso à internet, possam postar (carregar) e compartilhar vídeos em formato digital para serem

acessados livremente por todos os navegantes da rede. Foi fundado em fevereiro de 2005, o YouTube utiliza o

formato digital do Adobe Flash para disponibilizar o conteúdo. É o mais popular site do tipo (com mais de 50%

do mercado em 2006) devido à possibilidade de hospedar quaisquer vídeos (exceto materiais protegidos

por copyright, apesar deste material ser encontrado em abundância no sistema). Hospeda uma grande variedade

de filmes, videoclipes e materiais caseiros. O material encontrado no YouTube pode ser disponibilizado

em blogs e sites pessoais através de mecanismos (APIs) desenvolvidos pelo site. [http://www.youtube.com].

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informatizadas, possibilita uma poderosa estratégia de circulação desses conhecimentos de

Dança, na contemporaneidade.

Com um simples celular, pode-se capturar um vídeo de um espetáculo coreográfico, de

um simples experimento ou de uma performance urbana e enviá-los diretamente à um site na

internet, possibilitando sua visualização por um número irrestrito de pessoas. O vídeo é um

mecanismo tecnológico de captura, armazenamento, transmissão capaz de apresentar imagens

em movimento. Com esse aporte imagético, a Dança passa a ter um importante aliado na

preservação dos mais variados percursos históricos no mundo inteiro.

Além da preservação, surge a possibilidade de transformar vídeos de dança num tipo

de configuração, cujas especificidades são próprias destas duas naturezas – a Videodança. Ela

surge da aproximação das linguagens Dança e Cinema, na interação das imagens em

movimento que ambas produzem, conjecturando uma terceira configuração que acabando

assumindo uma identidade própria. Segundo a fundadora e diretora do Festival Internacional

VideoDanzaBA, Silvina Szperling, foi durante o início do século XXI que este tipo de

trabalho ganhou espaço e produções próprias em terrenos da América-Latina. Para

SZPERLING:

À medida que a videodança vai crescendo em quantidade e qualidade no

subcontinente latino-americano, não somente os artistas se questionam sobre

essa linguagem, sobre como seguir cada um o seu próprio caminho e abordar

sua própria obra, como também pessoas provenientes da academia e de

outros lugares mergulham nesses pensamentos e reflexões. (SZPERLING,

2010, p. 32).

Existem os sites de discussão sobre a Dança e os que se propõem a agrupar dançarinos

e pesquisadores da área para mapeamento, ou ainda, são utilizados como espaço de

compartilhamento de informações. Diferentemente dos livros, a internet parece ser o espaço

onde a informação de Dança pode circular rapidamente, sem fronteiras, sem impedimentos,

sem espaço/tempo definido, sem restrição. Porém, esse livre trânsito de informações também

pode trazer grandes problemas para a área da Dança, agregando informações divergentes, sem

tratamento adequado e sem fundamentação artístico-teórica.

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79

O Idança 34

, assim como a wikidança 35

, é outro grande espaço virtual destinado a

Dança. Ele consolidou-se pela característica de juntar pesquisadores e artistas desta área,

promovendo o diálogo de ideias e a produção de conhecimentos, na própria rede. O site

compreende hoje um ambiente rico de discussão da Dança, na contemporaneidade,

divulgando uma gama de eventos nacionais, trabalhos artísticos, festivais, editais, entre outras

demandas, além de disponibilizar alguns vídeos e textos relacionados à área. Por ser um

projeto sem fins lucrativos, sua existência se faz possível pelo patrocínio da PETROBRAS e

pelos recursos da Secretaria do Estado do Rio de Janeiro.

Assim como o Acervo Mariposa, as Cartografias da Dança (Rumos Itaú Cultural

Dança), o YouTube e os bancos de dados dos programas de patrocínio, o Idança se configura

como novas estratégias de catalogação, divulgação e disseminação dos conhecimentos de

Dança no país, tornando-se importantes fontes na pesquisa em História da Dança, assim como

os livros que se propõem a contar algumas trajetórias históricas.

Através de seus dados e arquivos, o historiador – ou pesquisador – pode encontrar e

agrupar informações sobre artistas e eventos na elaboração de percursos históricos, analisando

e relacionando as ações artísticas para a construção de uma rede de informações importantes

para as trajetórias de artistas, assim como para a consolidação das histórias das danças. Esses

34

O Idança [Idanca.net] é um site de jornalismo especializado em dança contemporânea. O projeto ligado a

dança, segundo a enciclopédia virtual Wikidança [http://wikidanca.net], surgiu com objetivo de democratizar o

acesso à informação, promover intercâmbio cultural e fortalecer a troca de conhecimento sobre a dança. A

iniciativa data do ano de 2003, é patrocinado desde 2006 pela Petrobras, via leis de incentivo, e possui outros

apoiadores nacionais e internacionais. Entrou no espaço virtual de maneira pioneira, como meio de comunicação

totalmente direcionado para o segmento de dança, sem fins lucrativos. [...] O portal Idança é parceiro da

rede Movimiento.org, rede social latino- americana com enfoque na dança, realizada em parceria com a Red

Sudamericana de Danza. Possui uma ferramenta de difusão de conhecimento, Idança.txt, projeto editorial digital

com textos de autores diversos, especialistas, pesquisadores e coreógrafos. Iniciativas que demonstram o

interesse do veículo em estar articulado com outras frentes, e que pode ser interpretado como uma postura

engajada e política no âmbito cultural. O enfoque de suas publicações é pensar e debater questões relacionadas à

dança na contemporaneidade, o que demonstra um interesse em ser parte da construção de uma cena artística, do

crescimento e fortalecimento da dança contemporânea no Brasil. Acesso em vários momentos durante a

pesquisa.

35 Uma enciclopédia virtual especializada em dança. Criada como parte de um projeto de expansão do

portal Idanca.net, um dos maiores portais dedicados exclusivamente à dança no Brasil, a plataforma digital está

ainda em fase de experimentação (em 2011), mas apresenta algumas das características referentes a outros

modelos de plataformas mediawikis já encontrados na internet. A principal característica da plataforma wiki é

seu formato aberto e colaborativo. [...] O principal objetivo do projeto é criar um banco de dados democrático,

colaborativo e que dê visibilidade à história e à produção atual da dança brasileira. Para dar o pontapé inicial,

alunos de cursos de graduação em dança de diversas regiões estão recebendo uma bolsa para pesquisar e criar

verbetes sobre eventos, personagens e instituições locais, colocando no ar informações que não são de fácil

acesso, disponibilizando gratuitamente material para pesquisas.

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armazenamentos são necessários para que os vestígios (dados, imagens, documentos etc.) não

se percam ou se desfaçam com o tempo e o desgaste natural de alguns eventos.

Embora estes sites apresentem ao leitor uma grande quantidade de informações sobre a

Dança e sua trajetória no país, eles não têm a intenção de formular uma narrativa

historiográfica, explicando as relações que se estabeleceram para que as danças se fizessem

como tal. Geralmente, são apresentados apenas os dados e eventos básicos, deixando para o

interessado a tarefa de organizar as informações para uma melhor compreensão das trajetórias

históricas.

Nesse sentido, o que é preciso analisar nestas informações “são as condições nas quais

tal documento foi produzido e não de que ambiente sai ou de que é que literalmente nos fala”

(LE GOFF, 1986, p.86). Daí a importância do historiador na tarefa de analisar os documentos

e dados contidos nestes espaços de livre acesso e na construção das narrativas, evitando

principalmente as informações superficiais das narrativas tradicionais.

Esse é um ponto muito interessante para discutir as escritas da história da Dança na

contemporaneidade, pois reside nestas práticas um paradoxo que o historiador não pode

deixar passar despercebido. O aumento do número de escritos sobre a História da Dança em

ambientes virtuais não garante, assim como nas antigas narrativas das publicações em livros,

uma profundidade e uma coerência na construção destas histórias. Além disso, a qualificação

necessária para a prática da historiografia torna-se cada vez menor, uma vez que grande parte

do ambiente virtual não exige do escritor uma qualificação prévia. Cada um escreve o que e

como quer escrever, sem uma metodologia necessária à escrita da história.

Ao mesmo tempo em que o número muito grande de informações sobre determinada

expressão artística pode ser encontrada, divulgada e/ou arquivada (de várias formas e em

vários espaços), grande parte delas não estabelece relações com outros aspectos mais

abrangentes da História da Dança, pois ainda são apresentadas em blocos de informação, de

forma que o leitor é que tenha que estabelecer links de coerência e relação com outros

aspectos.

Dessa forma, cada internauta tem a tarefa de conectar as informações e organizar essas

trajetórias históricas. Substituir os escritores de livros de História da Dança, no que se refere à

pesquisa histórica, a prática da manipulação e organização dos dados, e a prática de escrita da

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história e da memória da Dança, torna-se tarefa difícil para pesquisadores e estudantes que

não possuem conhecimentos necessários para a prática historiográfica.

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2.2 – OUTRAS CONFIGURAÇÕES PARA A HISTÓRIA DA DANÇA

Os livros de História da Dança parecem não mais corresponder às expectativas dos

pesquisadores e eleitores interessados em ter um conhecimento mais aprofundado sobre as

evoluções ocorridas na prática das danças através do tempo. A sensação de superficialidade,

“compartimentalização” e incompletude nas trajetórias levam estes artistas/pesquisadores à

busca outras fontes e outros ambientes para seus estudos.

Na internet, há alguns espaços que armazenam informações sobre as publicações da

área da Dança, incluindo os livros, apostilas e resumos de história. Existem os sites das

bibliotecas virtuais de universidades, além de outras instituições ligadas a Dança, que já

disponibilizam bibliografias e materiais para consulta.

Há também sites que se dedicam a catalogar um grande número de livros publicados

na área. Como o da dançarina (também bibliotecária e licenciada em História) Lucia Villar 36

,

que disponibiliza ao internauta um espaço de pesquisa das publicações de livros, artigos,

periódicos, revistas e trabalhos acadêmicos da Dança, no Brasil. Embora não haja atualização

desde o ano de 2007, o referido site proporciona ao pesquisador uma excelente lista com

dados de publicações na área.

Apostilas que resumem ou comentam a História da Dança são frequentemente

encontrados em site e blogs. Livros de História da Dança, em formato PDF 37

, são

disponibilizados para consulta e também para serem copiados para dentro do computador do

internauta, possibilitando assim sua leitura por meio eletrônico, hoje conhecido como e-book.

Vídeos que se dedicam a narrar uma História da Dança também são encontrados, muitos deles

como resultado de trabalhos acadêmicos sobre a temática das trajetórias artísticas.

Sendo a internet um espaço dinâmico e potencialmente amplificado, ela se configura

pela permissividade de acesso e alimentação do conteúdo de grande parte de seu sistema, que

possibilita a convergência, interação e replicação de importantes conhecimentos geradores de

novos saberes. Entretanto, também possibilita a circulação de dados e conhecimento

36

Op. Cit. Nota de rodapé n.º 8.

37 Portable Document Format (PDF) é um formato de arquivo para computador que permite a leitura de textos e

gráficos.

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inverídicos, incoerentes e equivocados, gerando, muitas vezes, certos ambientes inseguros

quanto à confiabilidade dos dados neles contidos. Devido a esses e outros aspectos, a internet

ainda se configura como um espaço informal do conhecimento, sendo necessária, muitas

vezes, a produção escrita de modo tradicional para a sua validação, como é o caso dos livros,

dos trabalhos acadêmicos, dos artigos jornalísticos, entre outros formatos.

Além dos vídeos disponibilizados na internet, existem algumas coletâneas de vídeos

no formato de documentários, em DVD, que se ocupam em narrar a História da Dança. A

coleção Dança do Século – Dance of the Century – é uma série de vídeo sobre a trajetória e

desenvolvimento da Dança, escrito e dirigido por Sonia Schoonejans, em 1992/93. Apesar do

vídeo ter suas informações escritas em francês, a narração é em língua inglesa, provavelmente

por ser uma tradução de uma tradução. No Brasil, foi traduzido e legendado para o português

pelo GLOBOSAT 38

e veiculado na televisão brasileira pelo Canal GNT.

Esta coletânea aborda a História da Dança sob a perspectiva dos estilos de dança,

sendo dividida nas seguintes categorias: Do Balé Romântico ao Neoclássico (50’); Do

modernismo ao pós-modernismo – A Dança Americana (53’); Da Dança Livre ao Teatro de

Dança – O Expressionismo Alemão (51’); e A Dança Contemporânea – A Explosão (54’),

cuja direção é de Lue Riolon 39

.

Em cada um dos blocos, a história é contada a partir da cronologia dos eventos, ou

seja, de forma linear em relação à temporalidade dos acontecimentos, elencando os principais

nomes referentes aos estilos tratados, relacionando com fatos históricos relevantes e outras

linguagens artísticas, além de apresentar imagens (fotos e vídeos) dos dançarinos e artistas

selecionados.

Para cada momento da narrativa, o narrador se preocupa em estabelecer conexões com

os eventos e expressões artísticas de cada época (como as duas grandes guerras mundiais e a

revolução industrial, ou movimentos artísticos como o dadaísmo, o cubismo, o

expressionismo e a arte contemporânea), montando um panorama na qual se desenvolveu

cada evento e as características dos pensamentos ideológicos e da estética dos artistas.

38

A GLOBOSAT é uma operadora de televisão por assinatura, pertencente às Organizaçoes Globo, que possui o

canal GNT em sua grade de canais.

39 Os títulos dos episódios podem ter sido alterados com a tradução para o inglês.

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84

Além de trazer muitos artistas que contribuíram para a produção e consolidação da

Dança, este documentário traz muitos trechos de coreografias, produzidas em diversos

momentos nos quais esta linguagem foi se modificando, abordando algumas temáticas e

alguns eventos relevantes para o seu desenvolvimento. Com esse tipo de material, muitas

vezes inacessível ao grande público e até mesmo aos pesquisadores da área, pode-se

visualizar estilos, técnicas, coreografias, movimentos, tendências, entre outros aspectos, que

enriquecem a pesquisa da dança, em amplos aspectos.

Apesar de produzir muitas trajetórias e suas relações com os ambientes de

desenvolvimento, este tipo de material é produzido seguindo os mesmos modos de

pensamentos e metodologia das narrativas encontradas nos livros de História da Dança,

concentrando-se em eventos e trajetórias lineares de artistas, mesmo estabelecendo uma

relação com os eventos de cada época. É como se fosse uma transposição das informações do

livro para o formato de imagens em vídeo, utilizando ainda imagens reais dos eventos, além

das mesmas abordagens da escrita histórica. Atualmente, este procedimento é muito comum

no cinema, em que os livros biográficos, as obras literárias e históricas são transformadas em

filmes, a partir de suas narrativas.

Entre os anos de 2001 e 2011, a prática de narrar as histórias para a Dança se fez

presente também na escrita jornalística, quando artistas e jornalistas próximos da dança se

propuseram a contribuir com a memória e disseminação desta linguagem artística em jornais e

periódicos de circulação continua. Nestes espaços, dois tipos de matérias são publicadas: as

informativas, cujo interesse é informar notícias e agendas de companhias, de apresentações e

da programação de eventos e dos teatros; e a crítica de dança, cujo objetivo é tecer opiniões

sobre os acontecimentos que circundam os ambientes de Dança.

Apesar do principal objetivo deste tipo de escrita ser de cunho informativo, como pode

ser visto em alguns jornais do país, resumindo ao máximo a informação, dando apenas ao

leitor uma rápida ideia daquilo que pode ser visto em cena, este material também traz consigo

informações históricas ricas para a prática historiográfica da dança, principalmente através de

entrevistas e depoimentos.

Porém, o mesmo problema de qualificação dos escritores na História da Dança pode

ser encontrado neste ambiente jornalístico. Poucos são os que realmente se propõem em

desenvolver um espaço de circulação de informações sobre as práticas de Dança,

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85

principalmente pela necessidade específica que cada jornal tem e os objetivos dessa ou

daquela matéria. Muitos desses meios de comunicação informam apenas produções de

renome ou de grandes companhias, enquanto trabalhos menores ou sem uma produção mais

eficaz tendem a ser esquecidos.

Diante disso, as histórias contadas nestas escritas atendem uma necessidade exclusiva

dos objetivos do jornal e da ideologia que ele assume. Além disso, nem sempre os escritores

precisam ter conhecimento específico sobre aquilo no qual está escrevendo, basta saber

escrever sobre assunto. O que produz quase sempre matérias repletas de equívocos,

superficialidades e esquecimentos.

Outro tipo de produção escrita de narrativa histórica na Dança é a produção

bibliográfica do Rumos Itaú Cultural Dança (2001–2010), a qual é financiada pelo Banco

Itaú. Nela já foram publicadas quatro edições do projeto Cartografia da Dança, que consiste

num rico material informativo de parte da realidade da Dança na cena contemporânea,

aglutinando muitas pesquisas, trabalhos e mapeamentos, além de vídeos e imagens, resultado

do esforço de pesquisadores, curadores e artistas da área, nas diversas regiões e estados do

país.

Em sua última edição, a Cartografia Dança – 2009/2010 – é composta de três livros e

uma série de DVDs com registros das pesquisas coreográficas e das videodanças, além de um

conjunto de entrevistas com os artistas. O primeiro livro – “Mapas e Contextos” – contém um

mapeamento da Dança Cênica contemporânea através dos textos escritos por pesquisadores da

base contextual, adicionada a reflexão deste mapeamento por uma das organizadoras desta

edição, a pesquisadora em Dança Christine Greiner.

“Criações e Conexões”, o segundo livro, é composto pelos ensaios dos artistas/autores

que ministraram os seminários durante a Mostra de Processos Itaú Cultural, trazendo

informações, dados e reflexões dos seus trabalhos e pesquisas. Durante o processo, foi

proposto um espaço virtual, um blog, onde os artistas poderiam compartilhar as informações

de suas pesquisas e experiências. Já o terceiro livro – “Imagens e Movimentos” – foi dedicado

para os trabalhos de Videodança, constituindo-se de textos da cineasta brasileira Miranda

Pennel e da argentina curadora de Videodança Silvina Szperling, além do texto do

pesquisador e professor em Cinema e Vídeo João Luiz Vieira. Estes pesquisadores são da área

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de cinema, atuando e pesquisando a Vídeodança, além de aproximar a Dança com as

produções de audiovisual no Brasil.

Esta publicação constitui-se em mais um formato escrito de mapeamento da Dança no

país, contribuindo com os novos modos de pensar a sua historiografia, privilegiando e

evidenciando as Danças feitas atualmente em diversas partes do Brasil. Além do material

escrito, a publicação apresenta três outros aportes de informação para a circulação do

pensamento em dança contemporânea: a construção e alimentação do blog, espaço virtual,

propiciando uma maior interação e diálogo com outros pesquisadores e artistas; um rico

material videográfico de algumas produções contemporâneas; e ainda, um aporte para a

consolidação da videodança, cuja interação do vídeo e da dança ganha cada vez mais espaço,

real e/ou virtual.

Esses novos modos de pensar e armazenar a memória/história da Dança se

caracterizam, com certa frequência, pelo uso dos procedimentos da pesquisa acadêmica e da

tecnologia para localizar artistas, grupos, ações, projetos, trabalhos, e agrupá-los geralmente

num ambiente virtual, nesse caso específico, através de uma publicação editorial. Esse tipo de

cartografia não está somente interessado em evidenciar artistas e valorar o seu trabalho, ou

ainda, elaborar uma narrativa dos eventos de Dança naquele ambiente – como os livros

tradicionais de História da Dança costumam fazê-lo –, mas sim de localizar os trabalhos

artísticos e organizar uma rede de informações e conexões destas produções, num

determinando local.

Para a historiadora Regina Helena Alves da Silva, a cartografia se configura como

sendo um conjunto de informações sobre um determinado espaço, incluindo as relações que

são estabelecidas neste ambiente. A cartografia moderna se constitui como uma técnica de

levantamento de dados que busca agrupar e representar uma composição espacial de um

ambiente, geralmente cidades, bairros, zonas, regiões etc., muito utilizada para planejamentos

urbanísticos. Além dos elementos geográficos do espaço, a cartografia organiza-se em torno

de suas estruturas, abordando questões e correlacionando-as aos desenvolvimentos das

cidades, das dinâmicas sociais, dos espaços individuais, das questões de estratégias militares e

de organização de poder político-econômico. (SILVA [et al.], 2008).

Ainda segundo Silva (2008, p. 3), é preciso pensar a cartografia na sua totalidade, ou

seja, nos diversos aspectos que compõem sua organização, sem desconsiderar as suas

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especificidades e nem o tipo de produto que ela irá constituir, representando um formato que

traz consigo algumas restrições e interpretações. Mesmo por que, como função de registrar os

dados, essa técnica se aproxima mais da noção de “desnudamento do que de revelação”.

Para Fabiana Britto (2001, p.11), “trata-se de um outro modo de lidar com a coisa

mapeada, sem julgá-la pelo que é, mas apenas reconhecendo-a como exemplo de

possibilidades viáveis ao seu contexto e não como amostra do que existe”. Diante disso:

É preciso ressaltar, contudo, que a cartografia, os fazeres cartográficos e seus

produtos, estão diretamente associados a uma forma de organização do

conhecimento sobre o espaço, a uma maneira de conceber, representar e

interpretar o mundo, a uma forma de articular saberes e poderes, isto é, a

uma configuração imaginária construída a partir de uma perspectiva que

privilegia determinados elementos e processos em detrimento de outros.”

(SILVA [et al.], 2008, p. 2).

Diante desses novos ambientes e novos modos de organizar as trajetórias históricas, o

campo da historiografia na Dança se mostra cada vez mais necessitado de historiadores

preocupados com uma organização coerente destas narrativas, tanto no que se refere aos

métodos de pesquisa (na coerência de suas ferramentas, numa construção de forma mais

aprofundada e menos superficial), quanto na percepção da importância dos inúmeros e

diferentes percursos para a construção de uma História da Dança, evitando as exclusões e os

esquecimentos históricos das diversas manifestações de danças nacionais.

Assim, a escrita historiográfica deverá ser organizada levando em consideração não

somente os eventos ou pessoas, mas as relações que estes estabelecem entre si e com as

variadas formas de produção artística em Dança, nas condições e ambientes atuais que o país

oferece para a produção, disseminação, apreciação, valorização e desenvolvimento dessa

linguagem artística.

Seria então pouca coisa limitar-se a discernir em um homem ou em uma

sociedade os principais aspectos de sua atividade. [...] É preciso, em cada

uma dessas peças e nos próprios conjuntos, caracterizar os traços que ora os

aproximam, ora os desviam da realidade de mesma ordem. (BLOCH, 2001,

p. 135).

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88

O modo como é pensada a Dança na contemporaneidade considera tudo o que é

importante para o artista, como importante também para sua produção artística. Sendo assim,

a sua arte é o reflexo de suas inquietações e anseios, através de suas experiências de vida. A

historiografia da Dança precisa considerar essa subjetividade como elemento importante na

trajetória de artistas, deixando de lado a superficialidade das grandes narrativas que se

preocupam apenas no fato em si, visível pelos vestígios mais evidentes.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 33 ––

O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DA HISTÓRIA DA DANÇA

– CONSIDERAÇÕES NA PRIMEIRA DÉCADA DO MILÊNIO –

Pensar a elaboração da História da Dança e o desenvolvimento de suas práticas de

pesquisa, no período entre 2001 e 2011, é extremamente importante para compreender de que

forma estas narrativas estão se modificando para acompanhar as novas demandas do processo

continuo de evolução das danças, no Brasil. Como apresentado no capítulo anterior, estas

mudanças propõem novas organizações, novos mecanismos de armazenamento, novas

práticas de pesquisa, novos olhares e novos cuidados com as informações.

Até o fim do ano 2000 – início do novo milênio –, a história das danças que se tinha

conhecimento estava impressa nos livros, com suas superficialidades, seus isolamentos, suas

temporalidades, suas causalidades, suas lacunas, seus preferidos e seus esquecidos. Com estes

aspectos, as narrativas da História da Dança eram apresentadas aos seus leitores, os quais,

muitas vezes, sem um censo crítico para analisar estas obras, apreendiam essas narrativas e as

transmitiam sem uma reflexão ou aprofundamento daquilo que está sendo ensinado. É nesta

repetição oral ou escrita da ação de contar algumas histórias que este tipo de narrativa se

consolida e passa a ser disseminada.

No entanto, o mundo contemporâneo aponta novas percepções e novas discussões para

contemplação do universo da Dança, propondo outros paradigmas, outras estéticas, outras

técnicas de produzir e reproduzir a arte do movimento, e ainda uma ampliação no

entendimento do que pertence ou não a expressão da linguagem da Dança, ou seja, os seus

possíveis limites. Com isso, o campo desta arte torna-se mais complexo do que antes,

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exigindo de artistas, pesquisadores e apreciadores uma atenção maior durante sua produção e

sua apreciação.

Este capítulo aborda alguns aspectos que contribuíram para estas mudanças,

principalmente para a questão das transformações na produção da escrita histórica da Dança,

cujo interesse reside na compreensão de que forma estas pesquisas e modos de escrita das

trajetórias históricas, no Brasil, podem ser pensadas e elaboradas de forma coerente, complexa

e sem exclusões, valorações e divisões.

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91

3.1 – NOVAS ESCRITAS E OUTROS TIPOS DE PUBLICAÇÕES PARA A HISTÓRIA

DA DANÇA

Alguns aspectos são fundamentais para compreender as transformações que ocorrem

na compreensão e na prática da escrita da História da Dança. Estes pontos visualizarão de

forma mais clara alguns possíveis avanços que permeiam as práticas historiográficas

desenvolvidas entre 2001 e 2011.

A grande contribuição deste período para a escrita da História da Dança está na

ampliação dos modos de pesquisar e produzir as narrativas das trajetórias artísticas. O que

antes era condensado em poucos eventos, nomes e datas, com suas narrativas superficiais e

lineares – os tradicionais livros de História da Dança –, passa a ser produzido em ambientes

mais qualificados, por pesquisadores, numa perspectiva mais aprofundada e complexa.

Muito do que foi produzido neste período propõe uma abordagem direcionada das

trajetórias, evitando aquela grande generalização da história, em que poucos são

graciosamente escolhidos e muitos equivocadamente esquecidos. Sendo assim, estas novas

escritas pretendem narrar trajetórias e eventos pontuais, tentando abordar ao máximo os

diversos aspectos desta ou daquela trajetória, destacando as relações entre estas escolhas para

a evolução da própria Dança.

Os livros denominados de História da Dança passaram então a ser substituídos pelas

cartografias, pelos mapeamentos, pelos livros comemorativos, pelas biografias e

autobiografias, pelos artigos jornalísticos, pelos guias, pelas publicações de eventos, pelas

páginas e blogs da internet, pelos sites direcionados a dança, pelos vídeos de História da

Dança, pelas publicações de congressos e festivais, e principalmente pelas pesquisas e

trabalhos acadêmicos.

As coleções de artigos e pesquisas acadêmicas passaram a ter grande destaque nas

publicações deste período, criando estratégias para disseminar discussões sobre recentes

pesquisas de estudiosos da Dança. Muitos destes trabalhos propuseram novas narrativas,

análises e reflexões sobre a produção em História da Dança, contribuindo para as recentes

discussões e referendando as mudanças de paradigmas neste campo de pesquisa. A

superficialidade das trajetórias narradas nos livros tradicionais deu lugar às narrativas mais

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complexas, principalmente pela aproximação com as ferramentas e o rigor das pesquisas

acadêmicas.

Exemplo deste modo de produção e disseminação das discussões da área da Dança é a

coleção Lições de Dança, cuja organização de Roberto Pereira Silvia Soter selecionou e

publicou estudos de pesquisadores da área da Dança. As cinco edições publicadas entre 1999

e 2005 tiveram como objetivo a ampliação da bibliografia específica para a Dança, no Brasil,

principalmente com o crescente aumento no número de pesquisadores e pesquisas

acadêmicas. Estes artigos tiveram grande aceitação e circulação dos ambientes acadêmicos,

principalmente por terem sido uma das primeiras proposições nesta perspectiva. Nesta

coleção, muitos artigos direcionavam para discussões a respeito das trajetórias e das narrativas

das Histórias da Dança, aprofundando e complexificando estes objetos de estudo.

3.1.1 – Novos formatos de publicações e difusão de narrativas na Internet

Outro tipo de publicação em História da Dança muito comum, nestes últimos dez

anos, são as edições comemorativas de companhias, grupos e artistas. Muitos livros foram

lançados para festejar a existência de renomadas companhias e destacados artistas, narrando

suas trajetórias e especificando nomes, datas, trabalhos, coreografias, produções. Geralmente,

este tipo de obra mistura textos, fotografias e depoimentos para propor ao leitor uma narrativa

ilustrativa, apontando produções, ações e discursos os quais foram importantes para a

trajetória de sua história. A autoria destas publicações é quase sempre de um escritor,

jornalista ou artista convidado, principalmente devido ao caráter comemorativo da edição,

levando-os a evidenciar o que de melhor foi produzido em seu percurso artístico.

Este tipo de escrita em história é importante por possuir uma proposição de caráter

individual (assim como as biografias e autobiografias), permitindo que cada companhia,

artista ou coletivos possam se inserir numa história que ainda precisava ser construída.

Entretanto, esse tipo de publicação volta a cair numa certa superficialidade das narrativas

tradicionais, sobretudo pela insistência em evidenciar apenas alguns aspectos desta linguagem

(coreógrafos, os dançarinos e as obras mais importantes), sem discussões mais aprofundadas

da evolução das danças e das interações com os aspectos exteriores a prática artística da

Dança.

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Os ambientes virtuais da internet também contribuíram para o avanço e disseminação

de escritas no campo da história e da memória. Um número muito grande de materiais são

postos irrestritamente na internet, ampliando consideravelmente as proposições e produções

da escrita em história. Entretanto, do ponto de vista do rigor da pesquisa historiográfica e da

coerência das narrativas, muitas destas escritas possuem inúmeros equívocos em relação aos

dados e na organização das trajetórias, apontando informações imprecisas e mal elaboradas e

reproduzindo apenas dados já coletados por outros autores (geralmente os dados dos livros de

História da Dança), principalmente pela falta de conhecimento destes pseudo-historiadores em

relação à pesquisa em história e a própria história das danças.

A internet abriga também muitas narrativas tradicionais da História da Dança. Muitos

sites e blogs propõem uma construção de história que apenas reproduzem os aspectos das

narrativas tradicionais dos antigos livros. É a transposição das narrativas do livro para o

espaço virtual, como se o internauta somente copiasse os textos e as imagens das antigas

publicações. Muitos destes espaços continuam excluindo a história das danças brasileiras da

História da Dança.

3.1.2 – O avanço das pesquisas em História da Dança nos ambientes acadêmicos

O aprofundamento das questões da História e a ampliação do campo de pesquisa da

História da Dança só se tornaram possíveis com o avanço dos ambientes de graduação e pós-

graduação. Estes espaços possibilitaram e promoveram reflexões sobre as práticas de pesquisa

científica e acadêmica, além de propulsionarem as discussões e análises dos processos

evolutivos de diversos aspectos da Dança.

O esforço de artistas e de alguns governos brasileiros em criar ou ampliar os centros

de estudos de referência para a produção artística e pesquisa acadêmica em Dança rendeu

muitos avanços na área, incluindo sua consolidação como área de formação e atuação nos

conselhos educacionais e culturais do país (MEC, CAPES, Ministério da Cultura, Governos

Federal e Estaduais) e o reconhecimento de ambientes e práticas específicas de pesquisas na

academia (faculdades e universidades).

As graduações possibilitam a inserção de estudantes e artistas no campo da pesquisa

(artística e/ou científica), proporcionando a estes futuros profissionais e educadores a

qualificação acadêmica (teórica, metodológica e prática), e o senso crítico, necessários ao

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aprofundamento, a ampliação e a produção de novos conhecimentos em Dança, inclusive na

área de formação de professores e no campo da História da Dança.

A expansão considerável no número de graduações de Dança nas universidades e

faculdades brasileiras, entre 2001 e 2011, traz para a área da Dança dois aspectos importantes:

a ampliação do número de pessoas estudando a respeito do objeto dança e a qualificação para

o mercado profissional e artístico.

A formação dos estudantes e artistas da Dança é de extrema importância para a

ocupação destes profissionais nos diversos ambitos sociais, disseminando suas práticas e seus

conhecimentos, formando outras pessoas e corrigindo entendimentos equivocados que o senso

comum dissemina no meio social. O grande espaço de disseminação social destas práticas é a

escola. A inserção da dança no ambiente escolar também é de extrema importância para

reconhecimento social e cultural desta linguagem, cuja prática artística tende a permanecer

através de sua disseminação e evolução.

Compreender com uma maior profundidade os aspectos históricos, sociais, culturais e

metodológicos da Dança é essencial para a prática historiográfica contemporânea e requer

também um ambiente dinâmico e articulado para gerar questionamentos, reflexões, discussões

e conclusões a respeito destas temáticas. Constata-se nas publicações recentes que o grande

número de pesquisa e escritas referente aos aspectos históricos da Dança foi produzido em

ambientes de pós-graduação.

O Programa de Pós-Graduação em Dança (Escola de Dança – UFBA) é hoje o grande

responsável pelas pesquisas acadêmicas nesta área. Desde 2006 40

, pesquisadores vêm

levantando questionamentos e produzindo reflexões sobre vários aspectos do

desenvolvimento desta prática artística. Estas pesquisas alimentam não somente a produção

acadêmica da área, ampliando espaços de pesquisa, gerando discursos e criando publicações,

mas também articula e desenvolve a evolução do pensamento em Dança, para que ele possa

promover outras perspectivas futuras, além de análises mais aprofundadas do

desenvolvimento das práticas de Dança, no tempo.

40

Antes de 2006, outros programas de pós-graduação promoveram (e ainda promovem) pesquisas com objetos

em Dança, principalmente àqueles programas na área das Artes Cênicas, Artes ou Educação Física. Programas

de outras áreas também possibilitaram o desenvolvimento de projetos em Dança, mas fica difícil localizá-los,

pois grande parte destes estudos não possui DANÇA em seus títulos ou palavras-chave.

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Os pesquisadores que passaram pela experiência das pós-graduações são os grandes

responsáveis pela ampliação no volume de publicações (livros ou virtuais) da área da Dança,

tanto pela publicação de suas pesquisas e estudos, quanto pela proposição de novas escritas

para a Dança. A prática da escrita para Dança que antes era preenchido por ex-bailarinos ou

escritores próximos da Dança (muitas vezes sem a qualificação necessária), agora é assumido,

em sua grande parte, por pesquisadores em dança, cuja qualificação parece dotá-los de maior

competência. Publicações como Lições de Dança, Cadernos de Dança, Revista Repertório,

Seminários de Dança, entre outros, são responsáveis por agrupar artigos e estudos de

pesquisadores em Dança, fazendo circular novas perspectivas e discussões para a Dança.

Vale salientar que o fato do pesquisador está imerso nos ambientes de pesquisa da pós-

graduação não garante e nem qualifica, por si só, este estudante para a reflexão e escrita dos

aportes teóricos da Dança. Entretanto, grande parte destes pesquisadores se capacita nestes

espaços, ampliando sua visão e seus conceitos de determinado aspecto da dança, tornando-se

capacitado para produzir reflexões e escritas coerentes e necessárias para a evolução do

conhecimento em Dança.

A pesquisa em História da Dança também começa a se fazer evidente e a expandir

seus horizontes. Pesquisas como a da professora Fabiana Britto e a do professor Roberto

Pereira – ambas desenvolvidas no âmbito acadêmico da pós-graduação – levantam

questionamentos e propõem reflexões importantes, além de promover um impulso inicial para

outros estudos. A importância destes estudos está também no fato deles detectarem a

necessidade de novas pesquisas e de outros tipos de análises mais aprofundadas para a

pesquisa histórica e dos modos de escrita historiográfica.

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3.2 – A HISTÓRIA POLÍTICA E A HISTÓRIA SOCIOCULTURAL DA DANÇA

A grande maioria das narrativas da História da Dança se concentrava nas trajetórias

dos bailarinos e na descrição das técnicas de composição dos trabalhos artísticos, além dos

treinamentos corporais (as técnicas). Essa história estava interessada em apontar os melhores

representantes e trabalhos mais significativos de um movimento ou de uma época, tomando-

os ícones de referência e de prestígio artístico.

Sendo assim, as relações com as questões políticas, sociais e culturais desses

movimentos e destes artistas – com os seus contextos de origem e processos de

desenvolvimento, ficavam na superficialidade de datas, lugares e pessoas, deixando de lado as

influências das culturas, a aproximação de outros eventos e de outras linguagens, as questões

econômicas da produção artística, questões simbólicas da época, entre outros aspectos

essenciais para a produção dos artistas ou do desenvolvimento dos movimentos artísticos.

As práticas artísticas de dança na contemporaneidade vão além da criação de

coreografias e elaboração de técnicas. Elas estão interessadas primeiramente em tratar sobre

temas recorrentes e que estabelecem alguma relação com tempo/espaço atual, visto que esses

artistas abordam questões do dia-a-dia do ser humano, transformando suas conclusões e

questionamentos em movimentos de dança.

Diante disso, a História da Dança não pode mais ser pensada somente como descrição

de fatos e de trajetórias de artistas. Sobretudo, as narrativas contemporâneas pretendem levar

em consideração as relações que os processos de composição e as obras artísticas estabelecem

com os ambientes, as pessoas, as histórias, as artes etc.. Narrar a evolução da própria Dança

parece mais interessante para os novos historiadores do que apenas contar histórias

individuais ou de eventos isolados.

Publicações como A Dança Possível (GADELHA, 2006) e Balé Popular do Recife

(GALDINO, 2008) abordam o desenvolvimento da Dança em duas capitais brasileiras –

Fortaleza e Recife, respectivamente. Estas escritas são exemplos de pesquisas que

aprofundam e relacionam cada vez mais os acontecimentos históricos com as trajetórias

artísticas, reconhecendo e traçando os possíveis caminhos de desenvolvimento das danças nos

espaços onde elas se exprimem, e ainda, relacionando os aspectos socioculturais e políticos

destes ambientes com a sua produção artística.

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97

Neste sentido, as narrativas da História da Dança começam a ser abordadas,

primordialmente, a partir do estudo e a da compreensão das relações e das trajetórias da

própria Dança e não somente da narração das trajetórias de vida de artistas e da descrição de

eventos considerados importantes.

3.2.1 – Historiografia (a partir) do Problema

Nas historiografias contemporâneas (inglesa, francesa e italiana) principalmente

aquelas provenientes da ampliação das discussões das Escolas do Annales (revolução

historiográfica francesa), as abordagens partem de questionamentos ou de problematizações

do próprio pesquisador em relação ao que já foi escrito ou o que faltou ser escrito, tentando

identificar de que forma se deu determinado acontecimento ou como se desenvolveu certas

trajetórias, preenchendo as lacunas e construindo suas narrativas a partir destas conjecturas.

Começar o processo de pesquisa em história partindo da identificação dos problemas

das narrativas e dos métodos tradicionais da história foi importante tanto para a evolução dos

seus modos de pesquisa e produção, quanto para a possibilidade de novos olhares para o

discurso destas histórias, proporcionando voz ativa para personagens e ações antes

descaracterizadas pelo discurso dominante, ou seja, considerar o ponto de vista dos excluídos

ou dos perdedores.

Segundo o historiador brasileiro José D’Assunção de Barros 41, grande parte dos

historiadores contemporâneos abandonaram a história factual dos eventos. Um historiador do

século XXI, com algumas ressalvas de textos específicos, dificilmente irá propor a construção

de simples narrativas de fatos acontecidos ou apenas a descrição de uma sociedade. Exige-se

que os historiadores não apenas contem os fatos, mas, sobretudo, que estes pesquisadores

interpretem e formulem problemas que desvendem novas histórias e novos conhecimentos.

A “história vista de baixo” 42

vem justamente propor uma história social em que as

vozes excluídas ocupem seu lugar de importância na compreensão de uma história mais

complexa. O historiador inglês Edward Thompson aponta o interesse numa história cuja

41

Citação feita a partir de um ensaio retirado do blog pessoal do historiador, cujo endereço virtual é

http://escritasdahistoria.blogspot.com/2011/01/historia-problema.html. Acesso em 12/01/2012.

42 Referência a um volume de ensaios intitulado de History from Below, publicado em 1985, de autoria do

próprio Edward Palmer Thompson.

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98

perspectiva é o ponto de vista de uma massa da população excluída das narrativas

tradicionais.

Em seu célebre livro A formação da classe operária (edição em três volumes),

Thompson tentou compreender de que modo a participação da massa trabalhadora e dos

movimentos sociais efetuaram transformações na sociedade inglesa, durante a Revolução

Industrial, ampliando também os limites de sua disciplina e principalmente “explorando

experiências históricas daqueles homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente

ignorada, tacitamente aceita ou mencionada apenas de passagem na principal corrente da

história.”. (SHARPE, 1992, p. 41)

Esta abordagem da história pode preencher algumas lacunas nas narrativas da História

da Dança, apontando pontos de vistas daqueles que foram postos em segundo plano ou

daqueles que foram excluídos ou descredenciados no processo de escrita da evolução das

práticas de dança. Compreender como se articularam os movimentos e artistas menos

evidenciados pela história, ou ainda, compreender o surgimento e/ou o desparecimento de

certas práticas artístico-sociais são objetivos que somente este tipo de pesquisa tende a

alcançar. A história do surgimento e da evolução das diversas modalidades de danças no

Brasil parece ser uma destas temáticas, assim como o estudo das danças culturais, seus

dançantes, seus paradigmas e suas metodologias.

3.2.2 – Mapeamentos/agrupamentos de dados/acervos para a História da Dança

Os tradicionais livros de História da Dança se preocuparam em citar nomes, datas,

técnicas e eventos daqueles artistas escolhidos, traçando suas trajetórias e tornando-as como a

própria evolução da Dança. É o acúmulo de informações destes personagens que vai

direcionar a escrita, muitas vezes, sem uma análise, reflexão ou questionamento por parte do

historiador.

A dificuldade com o tratamento dos dados resultou numa historiografia que apenas

reproduziu padrões e procedimentos anteriores, principalmente pelo fato de grande parte dos

escritores não estarem imersos nas discussões recentes da evolução da historiografia,

sobretudo das questões refrentes a novas escritas para a Dança.

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A nova historiografia que emerge está interessada em mapear novos/outros ambientes

e outras/novas práticas de artistas, além de tentar compreender como estas evoluções

acontecem e de que forma elas estão inseridas em seus contextos, aprofundando e

complexificando as narrativas. O objetivo é criar uma rede de informações que possa ser

acessada por pesquisadores e estudantes da área, ampliando seus mecanismos de pesquisa e

abordagem dos dados históricos.

Entre 2001 e 2011, algumas tentativas de construir um grande acervo para a área da

Dança são propostas, recrutando alguns pesquisadores e artistas no esforço de agrupar o maior

número de dados possíveis, ou seja, construir uma rede de informações da área da Dança, a

partir de nomes, datas, lugares, tipos de danças, atuações, produções artísticas, eventos,

grupos de pesquisa, festivais, publicações, entre outras inserções desta linguagem no mundo

contemporâneo.

Mapeamentos e cartografias, como os propostos pelo Rumos Itaú Cultural de Dança,

se preocuparam em abranger em suas estratégias de coleta de dados o maior espaço territorial

possível, selecionando pesquisadores de várias regiões que tenham, ao mesmo tempo,

ferramentas e qualificação necessárias para o trabalho de campo e a proximidade com o

ambiente mapeado, proporcionando uma coleta mais rica e mais ampla.

Ambientes como o site do Idança e o Acervo Mariposa recebem vários materiais

(textos, vídeos, imagens, programações etc.) a respeito da dança, disponibilizando aos

internautas e agrupando em seus bancos de dados ricas informações dos diversos modos das

atuais produções e diversos ambientes de circulações destas expressões artísticas.

Atualmente, esses mapeamentos são recorrentes, principalmente quando se fala em

memória da dança. Eles passaram a ser feitos com o objetivo de localizar e reunir o maior

número de artistas, eventos e manifestações relacionadas com a Dança. Por si só, esses

levantamentos não constroem narrativas ou trajetórias. Eles apenas destacam pessoas e

lugares produzindo um grande mural de artistas e, na maioria das vezes, esses números são

utilizados para justificar discursos e elaborar projetos.

Embora esse tipo de coleta de dados possibilite um rico banco de informações sobre a

produção da memória da Dança, acumulando grande número de dados históricos, grande parte

destas escritas não estabelecem conexões necessárias para a construção de narrativas que

contribuam para o desenvolvimento da historiografia da Dança. É um conjunto de história e

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trajetórias isoladas, necessitando das abordagens e ferramentas dos historiadores para articulá-

las.

Partindo dos pressupostos gerais da pesquisa em história, um aspecto fundamental que

cada historiador deve ter é a máxima atenção com a coleta e a organização dos documentos,

dados e vestígios coletados em sua pesquisa, os quais servirão de base e resultarão na escrita

de sua narrativa histórica. Construir um banco de informações e organizar um grupo de

documentos, dos quais ele se utilizou para construir sua narrativa, é essencial não somente

para que o historiador possa acessar criteriosamente suas informações, como também serve de

acervo para outros pesquisadores, na busca de outros aspectos sobre o mesmo objeto ou

vestígio histórico.

Algumas iniciativas atuais de historiografar a Dança, contando a trajetória de um

grupo, parecem cair neste equívoco. Escritores juntam informações e narram à trajetória do

grupo ou companhia, apontando e evidenciando os ápices de sua existência. Entretanto, estas

narrativas históricas, feitas na maioria das vezes por não especialistas a partir de grupos de

dança, pouco contribuem para a organização de vestígios e catalogação de acervo documental,

tanto para o próprio grupo, como para a área da Dança.

O interesse concentra-se apenas na narrativa dos eventos e em evidenciar coisas

consideradas importantes para a trajetória dos grupos, ocultando fatos e descartando

documentos. Como coerentemente aponta a pesquisadora em história da dança Fabiana

Britto, “fazer história não é somente levantar dados e com eles construir narrativas, mas sim

identificar os dados como documentos e constituir acervos para consultas posteriores.”

(BRITTO, 2012)

A história dos grupos contada pelos próprios grupos continua fazendo a mesma

história Positivista 43

. A falta de criticidade com a história de si mesmo e a romantização da

própria fala conduz a uma narrativa, cujo método é puramente descritivo, formada

primordialmente por fatos cronológicos, sem mostrar as relações constantes entre os fatos e os

indivíduos, visando à obtenção de resultados objetivos. Neste sentido, o Positivismo reduz a

possibilidade do ser humano ser um agente da sua própria história, como indivíduo pensante e

43

O Positivismo foi um termo empregado por Saint Simon para designar o método exato da ciência e sua

extensão para a filosofia. Logo depois, o sociólogo August Comte adota o termo em seus estudos,

caracterizando-o como uma romantização da ciência e sua inclinação para considerar-se como único método

válido, único conhecimento possível e método puramente descritivo. (ABBAGNANO, 1998, pp. 776-777)

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crítico, ao invés de um “mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos”. Para

os positivistas, a História tem característica de ciência pura, visto que é objetiva, analítica e

sem julgamentos pessoais, consolidando-se como uma ideia de verdade única.

3.2.3 – Acessibilidade e qualidade da informação da História da Dança

A acessibilidade da informação do universo da Dança começa a expandir suas

possibilidades e seus ambientes de inserção, principalmente com o aumento do número de

publicações de artistas e pesquisadores, contribuindo para a expansão de diversos campos de

estudo da área da Dança, sobretudo a pesquisa em História. Essa ampliação foi importante

para a circulação de novas ideias e a articulação de novas propostas e de novos paradigmas

para essa linguagem artística, antes condicionada à insuficiente produção bibliográfica.

Com a criação de novos espaços de pesquisas e expansão dos mecanismos de

publicação da produção acadêmica e artística, essa área começa a ganhar espaços de

visibilidade acadêmica e editorial, possibilitando a circulação cada vez maior de novos

trabalhos e novas pesquisas. As próprias universidades passaram a se interessar pelos

resultados das pós-graduações, publicando estes estudos em suas editoras.

Estas proposições passam a construir novos ambientes de produção e circulação dos

estudos referentes a narrativas da História da Dança, levando grande parte destes

pesquisadores a abandonar a prática de publicação dos tradicionais livros históricos para a

dança. Alguns destes livros tradicionais tendem a permanecer nas bibliotecas e em algumas

livrarias. Porém, o grande número destas novas publicações está desenvolvendo outros

formatos, a partir de novas perspectivas da escrita historiográfica (como monografias,

dissertações e teses). A principal contribuição destas novas pesquisas foi proporcionar novas

compreensões a respeito dos modos de pesquisa e dos problemas da escrita tradicional.

As publicações das pesquisas em Dança começam então a ocupar outros espaços. Os

jornais começam a possibilitar a circulação de matérias, programações e releases de Dança

em suas páginas, criando novas inserções e organizando novos olhares, além de adequar a

linguagem acadêmica à escrita jornalística.

O ambiente virtual também se mostrou importante para a circulação da produção de

escritas para a História da Dança. A internet possibilitou o agrupamento de diversos formatos

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de escritas para a Dança, desde a postagem de imagens e vídeos, até a publicação de textos

acadêmicos e artísticos em blogs e site especializados em Dança. Essa prática tornou-se ao

mesmo tempo ampliadora e problemática, pois apesar de permitir a acessibilidade e a rapidez

na circulação de novas ideias e reflexões nesta área, ela contribuiu para o crescimento

desregrado e desarticulado de produções (qualificadas ou não) de escritas sobre as narrativas

das danças.

Estes espaços também permitiram a circulação de muitos trabalhos, acadêmicos ou

artísticos, independente da prática de publicação bibliográfica. Muitos artigos e críticas de

dança puderam ser publicados na internet, dando visibilidade as ideias e trabalhos de artistas e

pesquisadores. Os artigos em PDF constituem também uma prática comum na distribuição e

acessibilidades de escritas para a Dança, colocando a publicação bibliográfica numa etapa

secundária da divulgação dos conhecimentos produzidos.

Ao mesmo tempo em que a especialização e qualificação tornam-se importantes para a

escrita da Dança, o ambiente virtual (principalmente a internet) torna-se o grande espaço para

acolher dados e discursos para artistas, pesquisadores e pessoas ligadas ao universo da Dança.

Devido a seu acesso irrestrito e amplo espaço de disseminação de ideias, esta prática tornou

comum e seu potencial disseminador gerou demanda específicas. Neste sentido, o acúmulo de

dados foi gerando sites e páginas dedicadas á juntar essas informações, propondo acervos e

agrupamentos da memória artística e intelectual para a Dança.

O problema da escrita não qualificada para a História da Dança continua à medida que

ela irá reproduzir os mesmos problemas da escrita tradicional, com os equívocos de

superficialidade e exclusões, além da falta de ferramentas necessárias para a pesquisa em

história.

Com o aumento de espaço de agrupamento e discussões para a Dança, é cada vez

maior o número de pessoas que se inserem nestes ambientes se autodenominando artistas e

pesquisadores da Dança, muitas vezes sem um entendimento necessário do que estas práticas

e esses espaços específicos possuem.

Uma das grandes vantagens do ambiente virtual da internet é o grande número de

dados que a rede possibilita armazenar. Porém, grande parte dos dados relativos aos

conhecimentos de dança parecem não produzir conhecimentos relevantes para o indivíduo que

acessa a rede, assim como para a área de pesquisa em dança, caracterizando a informação

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como estática e bloqueando a possibilidade de produção de conhecimento. Pensando na

História da Dança no Brasil, na última década, muitos dados sobre Dança foram colocados no

mundo virtual, todavia quais dessas informações realmente se articulam com outros

conhecimentos e produz efetivamente outros saberes? Como acessar os documentos e os

acervos destas informações? Onde estão estes acervos? Muitas das narrativas parecem ser

construídas a partir de dados soltos ou mal articulados, gerando equívocos nas informações.

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104

3.3 – MICRO-HISTÓRIAS DA DANÇA

Quando alguns historiadores contemporâneos propõem o estudo da história a partir das

Micro-histórias, eles não estão propondo uma redução de um espaço físico, nem um estudo de

caso, ou ainda de uma redução de pontos de vistas acerca de um evento. É uma abordagem

metodológica, cujo interesse é aprofundar a pesquisa, em certos aspectos, com o objetivo de

compreender o todo do objeto. Além disso, propõe um olhar para os excluídos da história,

apontando sua importante participação nos acontecimentos dos eventos.

A Micro-história é uma prática metodológica que possibilita um estudo minucioso,

porém amplo, sobre determinado evento, lugar, época ou indivíduo, a partir de micro aspectos

considerados, sobre a ótica de uma história tradicional, irrelevantes ou menos importantes. A

partir das ideias dos historiadores italianos Carlo Ginzburg, Giovanni Levi e Edoardo Grendi

(principais nomes desta abordagem historiográfica), uma análise micro-histórica permite ao

historiador uma proximidade com as fontes, apontando micro características que, colocadas

numa complexa e conexa rede de informações, proporcionará uma leitura mais abrangente e

esclarecedora do fato, apontando dimensões diferentes dentro de um mesmo contexto.

(GINZBURG, 1991; GRENDI, 2009; LEVI, 1992.)

O principal historiador desta corrente é o italiano Carlo Ginzburg. Ele introduziu

rupturas nos modos de pensar e pesquisar a história, suas metodologias e suas fontes de

pesquisa, gerando outras possibilidades na escrita historiográfica. Seu livro O queijo e os

vermes (GUINZBURG, 2006) demonstra nitidamente uma mudança no foco e nos

procedimentos metodológicos deste historiador, sobretudo pela ênfase nos direcionamento

para cultura produzida pelas classes mais populares.

Nesta obra, Ginzburg opta por narrar a história de um simples moleiro (Domenico

Scandella / Menocchio) para tentar compreender a cultura e o contexto social no qual este

modesto homem ministrava suas ideias, principalmente aquelas ligadas a Deus e a Igreja

católica, no norte da Itália, o século XVI. Este é, sem dúvida, o exercício mais interessante

para se compreender como as práticas e abordagens da Micro-história são pensadas e

articuladas.

Pensando as questões das escolhas e das narrativas da história, o historiador José

D’Assunção Barros (2004) nos traz uma importantíssima reflexão sobre a relação entre a

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micro e a macro história, levantando discussões que dialogam com a questão da escolha de

eleitos em detrimento do esquecimento de outros, com a superficialidade e com a

profundidade das narrativas. Ainda segundo Barros:

A Micro-história pretende uma redução na escala de observação do

historiador com o intuito de se perceber aspectos que de outro modo

passariam desapercebidos. [...] O objeto de estudo do micro-historiador não

precisa ser desta forma o espaço micro-recortado. Pode ser uma prática

social específica [como a Dança], a trajetória de determinados atores sociais

[intérpretes, coreógrafos, companhias, grupos, instituições,

pesquisas/pesquisadores em dança], um núcleo de representação, uma

ocorrência (por exemplo um crime) ou qualquer outro aspecto que o

historiador considere revelador em relação aos problemas sociais e culturais

que se dispôs a examinar. Se ele elabora a biografia de um indivíduo [...] o

que estará interessando não é propriamente biografar este indivíduo, mas sim

os aspectos que poderá perceber através do exame micro-localizador desta

vida. (BARROS, 2004, p. 153-154).

Para o historiador italiano Giovanni Levi (1992, p. 153), “esse método rompe

claramente com a assertiva tradicional, a forma autoritária de discurso adotada pelos

historiadores que apresentam a realidade como objetiva.” Ele ainda argumenta o fato de como

o ponto de vista do historiador é importante neste processo, tornando-se parte do próprio

relato.

Surgida a partir das discussões das Escolas dos Annales (de Lucien Febvre e Marc

Bloch), esta metodologia é um braço das concepções da Nova História, a qual se interessa no

conjunto de informação de um determinado fato, e não apenas na ocorrência do fato em si, na

visão específica do fato e não numa visão geral dos acontecimentos.

Algumas práticas historiográficas da dança na contemporaneidade tentam relacionar a

trajetória da dança como o ambiente em que ela se encontra, seja pela narrativa histórica de

uma companhia ou grupo artístico, nacionalmente reconhecido, ou na relação da dança com a

sua própria localidade. A interação que certos eventos podem propor na construção de um

pensamento artístico em dança, como nas conexões das práticas contemporâneas, podem

traçar trajetórias sem ter que limitá-las ou elevá-las a uma supremacia, em relação a outros

percursos.

No livro Greenwich Village 1963: Avant-garde, performance e o corpo

efervescente (BANES, 1999), a historiadora americana Sally Banes apresenta ao leitor um

complexo panorama do efervescente ambiente artístico do bairro Greenwich Village, New

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York/EUA, durante o ano de 1963. A abordagem deste restrito movimento de vanguarda,

porém com uma rede numerosa de artistas, apontava para a emergência de uma cultura

alternativa que se desenvolvia na década de 1960, incluindo artistas que posteriormente

tornaram-se conhecidos pelo grande público das artes, tais como: Yoko Ono, Andy Warhol,

Brian de Palma, John Cage e Yvone Rainer.

As narrativas dos acontecimentos no Judson Church e das atividades do Judson Dance

Theatre (assim como o modo como esta historiadora percebe, destaca e analisa estas

manifestações artísticas), se aproximam claramente dos procedimentos historiográficos da

micro-história. Ela analisa eventos pontuais e esmiúça as relações estabelecidas nestes

ambientes sem perder a noção dos aspectos gerais do movimento como um todo, entrelaçando

trajetórias e linguagens artísticas diferentes.

Sem dúvida nenhuma, esta obra aponta um olhar sobre um grupo de artistas, cujo

ambiente de produção se distanciava dos ambientes tradicionais de expressão dos artistas, ou

seja, das grandes galerias e importantes teatros da cidade de New York, criando narrativas

para artistas excluídos dos circuitos considerados importante para a classe artística

tradicionalista.

A proposição desta abordagem é compreender as relações entre microações e as

macroações. Segundo Ginzburg: “Não é arriscado supor que a voga crescente das

reconstituições micro-históricas esteja ligada às dúvidas crescentes sobre determinados

processos macro-históricos.”. (GINZBURG, 1991, p. 172)

A complexidade dos pontos de vista e a profundidade dos métodos de pesquisa

historiográfica faz da Micro-história uma abordagem que procede da microanálise de casos

bem delimitados, mas cujo estudo intensivo revela problemas de ordem mais geral, o que trará

importantes contribuições para evoluções do pensamento no que concernem as práticas

historiográficas contemporâneas para a Dança.

3.3.1 – A importância da Escrita dos Artistas

Os artistas estão cada vez mais conscientes de que precisam extrapolar os limites das

suas obras de arte. A oportunidade dos artistas se colocarem como agentes de suas próprias

histórias possibilitou uma ampliação considerável no número de escritas para a História da

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Dança. As antigas publicações autobiográficas (trajetória do artista) deram lugar a escritas

mais questionadoras e problematizadoras, que evidenciaram não somente as trajetórias de

vida, mas também as reflexões da produção de cada artista.

Entre 2001 e 2011, a escrita das histórias de dança, no país, deixa de se concentrar

somente nas narrativas dos grandes ícones da Dança – histórias que já tinham sido

repetidamente narradas. Muitas outras histórias começam a ser narradas, dando voz e

visibilidade a estes grupos e artistas, antes considerados irrelevantes ou intencionalmente

excluídos pelas práticas tradicionais da história.

São histórias de grupos, de artistas, de festivais, entre outras, que se tornaram cada vez

mais objetos de pesquisas. Mesmo algumas destas narrativas ficando fechadas na análise de

sua própria trajetória, elas contribuem para o enriquecimento dos discursos da área Dança,

servindo de base para estudos futuros, principalmente aqueles ligados à história e memória. É

interessante apontar que este tipo de escrita foi extremamente importante para a evolução da

historiografia da dança, em países como a França, por exemplo.

Durante o 6° Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas

(ABRACE) 44

, em São Paulo, no período de 09 a 12 de novembro de 2010, a pesquisadora e

professora em História da Dança Isabelle Launay (Departamento de Dança – Universidade de

Paris 8 – França) apresentou uma conferência intitulada “Quando bailarinos tornam-se

historiadores”.

Nesta ocasião a respectiva pesquisadora dissertou sobre a prática historiográfica pelos

artistas da Dança. Segundo ela, contar a História da Dança é narrar o que os artistas dessa

Arte fazem/fizeram, suas obras e suas práticas artísticas, e como isso se relaciona com o

mundo da Dança, da Arte, Cultura, Sociedade, Política etc..

Launay apresenta um fato interessante sobre a prática historiográfica da Dança na

França/Europa, na década de 1980. Segunda ela, ao invés da elaboração da história de um

modo positivista, como prática constantemente replicada, houve a criação de vários arquivos

de dados sobre a Dança, em muitos lugares da França/Europa. Neste contexto, cada

manifestação artística narrava sua história e cada uma delas podia dispor de sua verdade na

narrativa de sua trajetória.

44

http://portalabrace.org/portal. Acesso em 20/01/2012.

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Naquele momento, surge uma nova perspectiva historiográfica para a Dança na França

e muitos dançarinos passam a se dedicar a escrita da Dança. Não somente sobre sua História

na Dança, mas também sobre a sua prática artística e coreográfica de Dança, ou seja, suas

relações neste ambiente. Inicia-se então um outro tipo de escrita que não apenas servia para

narrar a trajetória de um dançarino, como é comum nos livros tradicionais de História da

Dança, mas traçar a própria trajetória de desenvolvimento desta expressão artística.

Duas obras são importantes para se pensar este tipo de narrativa, utilizada para tecer o

processo de organização do pensamento/movimento de dança. Em 1954, o bailarino e

pedagogo americano Ted Shaw lançou o livro Every Little Movement SHAWN (2005), em

que ele aborda tanto as questões pedagógicas quanto as questões artísticas da Dança,

propondo outros olhares para esta prática artística e rompendo com alguns padrões das

práticas tradicionais das danças clássicas. Na sua concepção, o papel do homem na dança

deixa de ser um mero suporte/contraponto da imagem feminina e começa a conceber outras

estruturas do movimento masculino, assim como de outras formas de conceber esta Arte.

Outra publicação é The Art of Making Dances 45

, da dançarina americana Doris

Humphrey, lançada um ano após sua morte, ocorrida em 1958. Uma das principais

contribuições desta publicação é a diferenciação que a dançarina faz entre organização e

criação na produção de coreografias, sendo a primeira uma combinação de passos pré-

existentes, ligando um passo a outro, e a outro; e a criação que segundo sua definição seria o

momento que se elabora coisas novas extraídas do experimento de certos princípios, extraindo

não somente os movimentos, como também as sensações, os instintos, as razões etc.

(HUMPHREY, 1998). Este conceito de criação está bem presente nas produções de dança na

contemporaneidade.

Na ocasião de um curso sobre a Estética da Modernidade em Dança – Les Projets

Esthétique de la Modernité en Danse 46

–, na Universidade Saint-Denis – Paris VIII, em 2007,

Isabelle Launay afirma que estes dois livros são extremamente importantes para a evolução do

pensamento e da escrita em Dança, pois eles propõem pensar a história num outro formato

que não a trajetória do indivíduo, direcionando o foco para o fazer/dizer da própria Dança.

45

“A Arte de construir a Dança”. HUMPRHEY (1998).

46 Projetos Estéticos da Modernidade em Dança.

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109

Ainda na conferência da ABRACE, a pesquisadora cita Les Carnets Bagouet

(LAUNAY, 2007), publicado em 2007, sob sua direção, como importante processo de escrita

que se utiliza da trajetória/memória/vestígios de um grande dançarino contemporâneo francês

(Dominique Bagouet), através de arquivos pessoais e entrevistas com alunos e artistas, para

traçar o processo de desenvolvimento da dança contemporânea, na França.

É importante ainda apontar que enquanto a França passava por uma reforma na

historiografia da Dança, na década de 1980, cujo interesse se assentava num olhar mais

pontual de suas escritas, o Brasil começava a estabelecer justamente uma prática

historiográfica, a qual artistas franceses da Dança pretendiam abandonar – a escrita tradicional

da história.

Como já foi dito anteriormente, a década de 1980 foi o período em que se

concentraram inúmeras publicações relacionadas com as narrativas para a História da Dança,

no Brasil. Apesar dos historiadores franceses terem estabelecido grande influência nos

historiadores brasileiros, a renovação das discussões das práticas historiográficas para a

Dança não teve muito avanço, neste período, só registrando efetiva influência a partir do final

da década de 1990.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS, EM PERSPECTIVA

O presente trabalho de investigação, sobretudo, bibliográfica, de uma historiografia da

Dança no contemporâneo revelou-se como um grande encontro com a diversidade, com a

pluralidade, como a Dança se faz existir. Daí a alegria de poder reconhecer que o modelo de

abordagem do Corpus haja atendido significativamente numa mirada epistêmica do problema

da Dança, na contemporaneidade: que marcas ficam, na evolução de nossa passagem pela

temporalidade cotidiana, dos esforços que realizamos em direção à existência da Dança?

A contribuição dos modelos de trabalho (busca dos arquivos, escolha das fontes,

procedimentos de leitura etc.), empreendida na orientação da Professora Fabiana Britto foi,

assim, decisiva para esta concretização. Sua visão crítica de muitos dos processos de

historicidade aqui revelados ajudou a destacar como marca relevante do problema da

pesquisa, o fato de haver um descolamento sistemático entre o fazer a Dança e o historicizar

os eventos de Dança, sobretudo, no período de recorte da pesquisa.

A base conceitual que se organizou no trabalho é, por si, um resultado vantajoso desta

pesquisa e uma contribuição ao modo de pensar a História e a Dança, para este pesquisador. O

diálogo travado no trabalho entre a orientação e os modos de abordagem, da base conceitual

com o material do Corpus recortado, dos métodos com as conquistas na leitura bibliográfica,

foi frutífero, instigador.

Desta experiência de construção epistemológica emergem visões – em perspectiva –

para a construção de modos de historiografias para a Dança. Faz-se necessário destacar, como

considerações finais desta escrita dissertativa e da própria pesquisa, alguns aspectos que

marcaram o processo. Entre eles, a escolha e o recorte do Corpus de investigação que fez

emergir, na problemática central deste trabalho, parte significativa da discussão da Dança, na

contemporaneidade, como fenômeno sociocultural.

Destaca-se ainda a escolha metodológica dos modos de abordagem realizada no objeto

recortado, visto que se apresentou, na presente pesquisa, como confirmação da emergência

que fora apresentada na hipótese inicial do trabalho: faz-se necessário rever, em profundidade,

as estratégias e os modelos de historiografia da Dança, sobretudo, no Brasil contemporâneo.

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111

Desses destaques, pode-se reconhecer no trabalho o que se optou por considerar

perspectivas:

1) a História da Dança é também a história dos sujeitos que lidam com a Dança, que

fazem a Dança, e de instituições e grupos de trabalho, de pesquisa, de vivência da Dança;

2) há na Dança, e em seus desdobramentos, enquanto evento histórico e fenômeno

social, práticas recorrentes de autoexpressão, de recriação das narrativas evidenciadas na

poética de corpos e de modos de vida deste artistas que são parte essenciais das marcas de

uma História;

3) na contemporaneidade, não se podem mais assumir-se como objetos sólidos

(recortados em separado) vida e Dança – mudou a forma de pensar a história das Danças,

porque mudaram as formas de dançar, de criar, de compreender conceitos de corpo,

movimento, criação, arte, espaço, sociedade, mundo, espécie, cultura, tempo;

4) as histórias da Dança e sua historiografia, na contemporaneidade, cada vez mais

estarão ligada à tecnologia e as maneiras subjetivas de organizar dados e memórias (em

agilidade real time) da Dança, que continua se desenvolvendo nos diversos tempos que se

equilibram na ordem dos diversos espaços, das diversificadas configurações de existência;

5) a Dança (sua história e seu estudo) continua (e continuará) despertando o interesse

de dançarinos, pesquisadores, críticos, poetas, cientistas etc., sem que precise contrapor

condições de expressão (arte) e práticas discursivas (história) nos tempos variáveis de sua

materialização.

A constatação de mudanças paradigmáticas que rodeiam as práticas historiográficas

(da Dança) favorece a emergência de novas perspectivas. Tendências contemporâneas como a

Nova História (Escola Francesa), a Micro-História (Escola Italiana) e a História vista de baixo

(Escola Inglesa) propõem rupturas e se estabelecem como referências importantes para a

prática historiográfica da Dança. Algumas narrativas historiográficas construídas nestas

perspectivas já apontam exercícios destas teorias (a exemplo de O queijo e os vermes – Carlo

Ginzburg), podendo ser adotadas como suporte e/ou como estratégias para não replicar a

prática da história tradicional.

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O exercício de pesquisa, leitura e reflexão dos conceitos e teóricos (historiadores e

artistas) que referendem o pensamento aqui proposto enriqueceu imensamente a imersão nos

áreas de estudo da Dança e da História e no que se refere às práticas da pesquisa acadêmica,

proporcionando um conhecimento prático-teórico importante e imprescindível para a

continuação do percurso acadêmico desejado.

A busca por escritas relacionadas à História da Dança (livros, artigos, revistas, teses e

dissertações, matérias jornalísticas, blogs, sites especializados) tanto enriqueceu os

conhecimentos sobre este campo de pesquisa (pela proposição inovadora e reflexiva de

algumas escritas), quanto promoveu certo impacto em verificar que alguns pesquisadores

(fora aqueles considerados no início da pesquisa) já compreendiam a importância de se

questionar os métodos tracionais da escrita da História da Dança, as práticas de pesquisa

historiográfica e a ineficiência de muitos livros quanto a escrita de narrativas coerentes e

eficientes para a História da Dança.

Embora a grande parte das publicações em História da Dança, até os dias atuais, se

configure num tipo de produção narrativa que não condiz coerentemente com a função da

própria História, é preciso ressaltar o valor histórico e documental que estas obras exercem

nos ambientes de práticas desta linguagem artística. Sem estes livros, provavelmente, a

história da dança circulada no Brasil estaria fadada às publicações estrangeiras vindas de

países como a França, Espanha, Itália, Estados Unidos e Inglaterra. Onde se incluiria então as

histórias das danças brasileiras?

Dessa forma, pretende-se considerar estas obras como arquivos de dados, contribuindo

com informações pontuais da trajetória de alguns artistas e eventos selecionados. Mesmo

assim, é necessário um olhar mais atento para as suas leituras, identificando equívocos,

lacunas e histórias (intencionalmente ou não) não contadas pelos escritores. Todavia, esta

pesquisa constatou que os tradicionais livros dedicados a narrar a História da Dança passaram

a ser cada vez menos produzidos e publicados, principalmente entre 2001 e 2011.

O aumento considerável na produção acadêmica de pesquisa situadas no campo da

História da Dança gerou uma demanda de espaços de publicação, na qual o meio editorial não

estava preparado ou então não estava interessado. Devido sua crescente expansão, outros

ambientes foram rapidamente elaborados para comportar estudos e reflexões. Os jornais, as

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revistas acadêmicas, os ensaios, os sites especializados, os blogs, entre outros ambientes,

tornaram-se importantes para a visibilidade e disseminação de novas reflexões.

O espaço irrestrito e amplificado da internet também proporcionou a produção de

diversas narrativas próximas da História da Dança. Artistas, escolas de dança, coletivos de

artistas, grupos de estudos, educadores, entre outros, passaram a produzir escritas pessoais

sobre suas trajetórias. Além disso, o surgimento da prática de mapeamentos e cartografias de

artistas e eventos da Dança também possibilitou o acúmulo de informações sobre a suas

memórias.

Embora as produções de narrativas para a História da Dança tenham conservado em

sua estrutura um método tradicional de pesquisa e de escrita, muitos pesquisadores

contemporâneos já produziram inúmeras reflexões e críticas sobre esta temática. O próximo

passo então é se fazer deste discurso para propor outros métodos mais coerentes com a

complexidade da história da dança, evitando histórias meramente descritivas e pouco

analíticas.

Esta dissertação pretendeu construir uma reflexão que pudesse ampliar o olhar de

novos pesquisadores e dos futuros escritores das narrativas de Danças, apontando novas

proposições e abordagens da Historia e Historiografia contemporâneas. Dessa forma, a

História da Dança deixará de ser um simples acúmulo de trajetória e sucessões artísticas e

passará a se comprometer com a complexidade histórica e social que permeia os ambientes, os

processos e os produtos artísticos da Dança.

As constatações feitas neste estudo indicam uma fragilidade no campo da pesquisa em

História e na Historiografia da Dança, principalmente devido ao fato da falta de preocupação

(qualificação) dos historiadores no manuseio das fontes, nas escolhas dos métodos e no

comprometimento com a própria evolução da escrita da História da Dança.

Felizmente, muitos pesquisadores já apontam grande interesse em refletir sobre estas

práticas, produzindo reflexões e proposições que ampliam consideravelmente suas

compreensões da importância de práticas mais coerentes para o registro da memória da

Dança. Com isso, muitos artigos, ensaios, dissertações e teses propõem o exercício de

complexificar e tentar resolver os problemas recorrentes do método tradicional de abordar as

escritas da História da Dança.

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Sendo assim, a perspectiva desta dissertação é que nos próximos livros e estudos os

historiadores da dança exercitem proposições, cuja história vá além de nomes, datas e

coreografias, sucessões e superficialidades. Que estes historiadores sejam comprometidos

com a consolidação de uma prática historiográfica que considera os métodos de pesquisa

(fontes, proposição de questionamentos, manuseio dos dados, rigor teórico e metodológico) e

as reflexões contemporâneas da área da Dança, propondo histórias que se articulam a partir

das interações propostas nos ambientes desta linguagem artística e das problematizações que

o historiador considerar importantes.

É importante pontuar também que a produção em História da Dança necessita de

pesquisadores/historiadores dinâmicos e que se permitam navegar pelas abordagens que as

áreas da Dança e da História desenvolvem continuamente, conhecendo e articulando

conceitos, teorias, ferramentas, metodologias, paradigmas, pesquisas e avanços acadêmicos.

Nesta perspectiva, os futuros historiadores circularão com mais tranquilidades e mais

qualificação teórico-metodológica pela escrita historiográfica.

Durante a pesquisa, compreendeu-se a importância da distinção entre dos conceitos

básicos: A História, como sendo a prática de narrar os acontecimentos históricos no tempo; e

a Historiografia, que se preocupa em compreender os métodos e os aspectos da pesquisa

documental. Além disso, foi importante distinguir três momentos na produção das narrativas:

o acontecimento do evento, ou seja, do fato histórico; a pesquisa documental e bibliográfica a

respeito do evento, e, por fim, a elaboração da narrativa histórica destes eventos. Estas três

etapas são distintas e se articulam segundo a perspectiva do narrador/historiador, a partir de

sua compreensão do fato e das suas competências como historiador.

Considerando que o presente estudo não se pretende conclusivo e definitivo, é

satisfatório perceber que a presente pesquisa contribui para evidenciar que na constituição de

conceitos e modos de pensar uma gama de probabilidades de historiografias da Dança, ainda

há grandes espaços vagos e lacunas corrigíveis que, na grande maioria dos casos abordados na

pesquisa, tornaram-se quase elementos conceituais, metodológicos, na forma de abordar a

Dança.

Uma perspectiva marcante que se destaca é a de que na História da Dança e na história

de inúmeros eventos e sujeitos que se instituíram Dança, confirma a possibilidade de

existência de variados aportes historiográficos e modos de ação. Sem, no entanto,

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desconsiderar-se a emergência de afirmação de parâmetros críticos mais rígidos, que possam

afirmar a relevância, cada vez mais imprescindível, de uma qualidade historiográfica para o

evento Dança.

Apoiando-se em outras tantas reflexões que se fizerem necessárias para o avanço na

compreensão dos aspectos da História e da Historiografia para a Dança, esta pesquisa afirma-

se reconhecendo avanços importantes e que precisam ser postos em evidência.

À guisa de continuidade do trabalho, considera-se importante que esta dissertação

possa vir a proporcionar futuras pesquisas neste mesmo Corpus, sob perspectivas renovadas.

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