universidade estadual do maranhÃo centro de educaÇÃo de ... mendes.pdf · a deus, figura...

82
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE HISTÓRIA CAÇADA DE MENORES: MENOR PARA PUNIR CRIANÇA PARA TRABALHAR: UM OLHAR SOBRE O CÓDIGO DE MENORES DE 1927 E PELO DECRETO Nº. 218 DE 1931. SILMA MENDES NASCIMENTO CORRÊA São Luís 2009

Upload: phamkiet

Post on 10-Feb-2019

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE HISTÓRIA

CAÇADA DE MENORES:

MENOR PARA PUNIR CRIANÇA PARA TRABALHAR: UM OLHAR SOBRE O

CÓDIGO DE MENORES DE 1927 E PELO DECRETO Nº. 218 DE 1931.

SILMA MENDES NASCIMENTO CORRÊA

São Luís 2009

Page 2: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

SILMA MENDES NASCIMENTO CORRÊA

CAÇADA DE MENORES:

MENOR PARA PUNIR CRIANÇA PARA TRABALHAR: UM OLHAR SOBRE O

CÓDIGO DE MENORES DE 1927 E PELO DECRETO Nº. 218 DE 1931.

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em História.

Orientador: Profº. Dr. José Henrique de Paula Borralho.

São Luís 2009

Page 3: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

CORRÊA, Silma Mendes Nascimento CAÇADA DE MENORES: Menor para punir criança para trabalhar: um olhar sobre o Código de Menores de 1927 e pelo Decreto nº. 218 de 1931 / Silma Mendes Nascimento Corrêa. _São Luis, 2008.

82 f.. : il. Monografia (Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão,

2009. 1. Infância Pobre 2. Intervenção 3. Código de Menores 4. Decreto

I Titulo

CDU

Page 4: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

SILMA MENDES NASCIMENTO CORRÊA

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciatura em História.

Aprovada em ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profº. Dr. José Henrique de Paula Borralho

_____________________________________________

1º Examinador

_____________________________________________

2º Examinador

Page 5: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

Ao meu pai, presente em todos os momentos da minha vida, que com palavras de apoio, incentivando-me a crer nas minhas expectativas de um dia entender o quanto é importante o poder do conhecimento na nossa vida.

Page 6: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

AGRADECIMENTOS

Um trabalho monográfico requer muito trabalho, que só conseguimos realizar com a ajuda de

outras pessoas, as quais foram peças chaves para a realização do mesmo, em virtude disso

tentarei não esquecê-las:

A Deus, figura indispensável em nossa vida.

Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me impulsionando a concretizar este

trabalho.

A todos meus irmãos que diariamente lutam para conquistar um lugar ao sol.

Aos meus sobrinhos que me dão imensa alegria e felicidades.

Aos professores da Universidade Estadual do Maranhão que contribuíram para a profundidade

e aperfeiçoamento do meu estudo.

Aos grandes amigos que fiz dentro da Universidade Estadual (UEMA), a Cleidmar, Yara,

Walseline, Antônio Lisboa, Maria do Carmo, Carolina e, especialmente, Rita de Cássia que

me ajudou bastante.

A minha amiga Cínthia, sempre prestativa e leal.

As pessoas da Biblioteca que, de alguma forma, ajudaram na minha pesquisa.

Page 7: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

Sei que vocês já compreenderam e já admitem que não faltam argumentos para demonstrar por que, no Brasil, se incrementa tanto a pobreza. Por uma razão muito simples e muito evidente. Pobre é mais barato. Millôr Fernandes, 1997.

Page 8: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

RESUMO

O estudo sobre a infância pobre como objeto de intervenção social através do Código de Menores 1927 e o Decreto nº 218 de 1931 é pautado no discurso Médico-Jurídico, onde a criança deixa de ocupar uma posição secundária e submissa, passando a ser percebida como “chave para o futuro”. De início a assistência privada e pública passa a sofrer um controle médico exercido através da dimensão sanitária e da disciplina que redescobre os filhos das camadas populares como um problema de saúde. Paralelamente a intervenção médica, o modelo de assistência filantrópico que impregnava a sociedade via instituições especializadas, configura outro pólo de controle da população, o jurídico, voltado também, para o problema do menor. Logo, a intervenção médica e a jurídica passa a contar com a adesão de jornalistas, escritores, industriais e parte da população, transformando-se numa verdadeira cruzada salvacionista em prol da infância e juventude pobre. Neste momento, o Estado, que tinha através do juizado uma atuação tímida na questão, é cada vez mais conclamado a intervir. Palavras-Chaves: Infância Pobre, Intervenção, Código de Menores, Decreto.

Page 9: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

ABSTRACT The study on childhood poor as object of social intervention through the code of minors 1927 and decree number 218 of 1931 is based in the discouse medico-legal, where the child ceases to occupy a position secondary and submissive, going to be perceived as “Key for the future”. Began private and public assistance are to undergo a medical check exercised through the health dimension and the discipline that rediscovers the chidren of the popular classes as a health problem. Alongside the medical intervention, the type of assistance philanthropic that embed society through specialised institutions, cinfigures other pole of control of population, the legal, again also for the problem of the minor, then, the medical intervention and legal pass to rely on the accession of journalists writers, industrial and part of the population, transforming-a real crusade of salvacion in the interest of childhood and adolescence por. At moment, the state, which had through judgeship a playacting timid in question, is increasingly called upon to intervence. Key-word: childhood poor, intervention, code of minors, decree.

Page 10: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 10

2 VÍCIOS E VIRTUDES: O DISCURSO MORALISTA ELITISTA PARA OS

POBRES NA VIRADA DO SÉCULO XIX E XX........................................................ 14

3 OS FILHOS DA PÁTRIA............................................................................................. 22

3.1 A INFÂNCIA POBRE COMO OBJETO DE INTERVENÇÃO SOCIAL....................... 27

3.2 DA CARIDADE À JUSTIÇA: A INFÂNCIA TUTELADA ........................................... 30

4 DECRETO Nº. 218: A REGULAMENTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA E DA

PROTEÇÃO AOS MENORES DE 18 ANOS NO ESTADO DO MARANHÃO ....... 37

4.1 O MENOR E O TRABALHO REGENERADOR ........................................................... 59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 77

Page 11: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

10

1 INTRODUÇÃO

A nova História no resgate de fontes e de sujeitos habitualmente desconsiderados

permitiu recuperar os discursos e práticas de mulheres, jovens, de pobres, escravos e outros

sujeitos historicamente “excluídos”. Se tal perspectiva teórica possibilitou considerar a

criança como ator histórico, a singularidade dos seus espaços de inserção, formas de

expressão e participação social demandam uma reflexão mais específica na discussão das

fontes, na direção apontada por Kuhlmann e Fernandes, na obra. Sobre a história da infância.

Com isso, deve-se ter em vista que a escrita da história da infância tem como

objeto privilegiado a produção de discursos e práticas sobre e para a criança, dentre as quais

destacaremos o estudo das leis destinadas à infância e adolescência, que nos auxiliam a

compreender melhor a singularidade de tal ator histórico e de suas formas de inserção social.

Pretende-se destacar alguns autores contemporâneos que abordaram a História da

infância, especificamente, a criança pobre e os tipos de assistência a elas reservadas durante

os séculos XIX e XX.

Um dos escritos pioneiros foi de Jane Russo; “Assistência e proteção á infância no

Brasil: a moralização do social”, produzido no início dos anos 80, quando não de dava maior

importância à perspectiva histórica sobre o tema (RUSSO, 1985).

A autora baseou-se em estudos realizados na área de medicina social, em

particular os de Foucault, Donzelot e Freire Costa, para discutir a interligação da medicina

higienista e a preocupação com a infância no início do século XX.

Paralelamente ao estudo de Russo, Silvana Miceli Araújo pesquisa a relação entre

caridade e justiça. Além do ineditismo, Araújo teve mérito de analisar vasta documentação na

década de 1920, sobretudo no Rio de Janeiro, trazendo luz para um tema que ficou

praticamente esquecido até os dias de hoje (ARAÚJO, 1983).

Nos anos 80, Irma Rizzini focaliza a história da assistência á infância discutindo

sua construção e a relação com o processo de normalização da sociedade Na obra Assistência

à infância no Brasil: uma análise de sua construção. Seu trabalho possibilitou o resgate de

informações preciosas sobre o tema e reafirmou a importância de se estabelecer uma ponte

entre o passado e o presente. (RIZZINI, 1993).

Page 12: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

11

Destacam-se, ainda, as pesquisas produzidas pelo Centro de Estudos de

Demografia Histórica da América Latina (CEDHAL), da Universidade de São Paulo, sob

direção de Maria Luiza Marcílio. De lá saíram diversos estudos históricos sobre a criança,

alguns dos quais foram reunidos no livro História da Criança no Brasil, organizado por Mary

del Priore (1991 e reeditado em 2002).

Podem-se destacar ainda algumas pesquisas referentes à criança abandonada –

exposta e desvalida feitas em São Luís, como a trabalho monográfico de Kátia Regina

Mendonça Santos (UFMA) intitulada; “A Infância Abandonada: criação e funcionamento da

Roda dos Expostos de São Luís do Maranhão (1826-1946)”, analisa o fenômeno do abandono

de recém-nascidos, enfocando de modo especial o contexto em que este se via inserido

quando da sua entrega. Nesse sentido, a idéia norteadora da pesquisa foi à recuperação da

trajetória, ou parte, da vida daquelas crianças enjeitadas.

E a monografia de Rita de Cássia Gomes Nascimento (UEMA), “Pelas Crianças

Desvalidas; O instituto de assistência á infância do Maranhão nas primeiras décadas do

século XX”, sua análise partiu da descrição da atuação do Instituto de Assistência a Infância,

discutindo o caráter privado e filantrópico dessa instituição, o enfoque serviu como “pano de

fundo” para se compreender as condições sociais pobres no período pesquisado; e o sentido

do discurso assistencial aliado ao da medicina social, higienista e puericultura, que

fundamenta a implementação da prática institucional. (NASCIMENTO, 2007).

Partindo-se dessas concepções e leituras, este trabalho insere-se no campo da

historia social da infância pobre por concentrar uma abordagem descritiva enfática na vida de

crianças caracterizadas por serem consideradas abandonadas, vendedores ambulantes,

mendigos e delinqüentes, mencionados categoricamente tanto pelo Código de Menores 1927 e

pelo Decreto nº 218 de 1931.

A pesquisa fundamentou-se em artigos, livros, teses e bibliografia jurídica

(decreto de1931 documento responsável pelo regulamento do processo de menores e

delinqüentes no Estado do Maranhão fonte pertencente ao acervo da Biblioteca Benedito

Leite e comentários sobre o código de menores de 1927), ambos revelam que o surgimento da

infância e da adolescência enquanto merecedora da atenção do Estado está diretamente ligada

à construção da nação e a situação de pobreza. Como observa Perrot (1991, p.148), sobre a

produção da infância como problema do Estado francês no século XIX.

Page 13: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

12

“De fato, o filho não pertence aos pais; ele é o futuro da nação e da raça, produtor, reprodutor, cidadão e soldado do amanhã. Entre ele a família, principalmente quando esta é pobre e tida como incapaz, insinuam-se terceiros: filantropos, médicos, estadistas, que pretendem protegê-lo, educá-lo, discipliná-lo [...] Isso significa que a infância é, por excelência, uma daquelas zonas limítrofes onde o publico e o privado se toca e se defrontam, muitas vezes, de maneira violenta.”

O período delimitado para o estudo das legislações destinadas às crianças e

adolescentes compreende o final do século XIX e a segunda metade do século XX.. A escolha

desses períodos esta relacionado ao significado social de que foi revista à infância na

passagem do regime monárquico para o republicano, além de enfocar a criação do Código de

Menores em 1927 e o decreto nº 218 de 1931, ambas possibilitam observar o discurso

salvacionista (a idéia de salvação da criança como meio de salvar a nação brasileira da

ignorância e da barbárie) tão acalentado pelos médicos e juristas durante as três primeiras

décadas do século XX, a criança passa a ser percebida como “chave para o futuro da nação”

(RIZZINI, 1993).

Este estudo monográfico apresenta o tratamento dado à infância na sociedade

brasileira e ludovicense na segunda metade do século XX, através da análise do código de

menores de 1927 e do decreto nº 218 de 1931. Nesse sentido analisaremos o decreto em

questão, visado discutir as concepções de infância que são construídas, especificamente a

infância pobre, que adquiriu uma multiplicidade de identidade, passando a configurar-se como

abandonada delinqüente, menor, infeliz, desprotegida. O estudo pretende ainda, destacar o

discurso jurídico de proteção e assistência à infância, baseado nos princípios educativos e

regenerados voltados para o trabalho com a finalidade de “reeducar”, “regenerar”, “curar” a

criança dos vícios da ociosidade.

O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, Vícios e Virtudes: O

discurso moralista elitista para os pobres na virada do século XIX e XX, nesse capítulo

procuramos discutir como a elite intelectual da época produziu a imagem da população pobre

urbana associando-os a moralidade ou a falta dela. A partir da qual era possível “medir” o

grau de virtude e vícios das pessoas pobres.

No segundo capítulo: Os filhos da Pátria, destacaremos o discurso Médico-

Jurídicos que visualizavam a criança pobre como a representante do futuro da nação,

associada à necessidade de manutenção da ordem e de criação de mecanismos que a

Page 14: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

13

protegessem dos perigos iminentes da ociosidade, da vadiagem e da própria família (se tivesse

uma vida irregular ou imoral). Nesse sentido verificam-se abordagens conceituais antagônicas

referentes à figura da criança pelos médicos, juristas, professores, jornalistas, etc, que ora

produziam discursos em defesa da criança, representada como futuro da nação, em oposição

disso, ela passa ser configurada como: pervertida, abandonada, libertina e delinqüente,

representava também uma ameaça à sociedade. Em síntese, a criança deveria ser moldada

através de uma educação disciplinar moral e regenerativa.

No terceiro capítulo, Decreto n° 218: a regulamentação da assistência e da

proteção aos menores de 18 anos no Estado do Maranhão. Através da leitura do Decreto e de

comentários sobre o Código de Menores de 1927, percebe-se que não há distinção entre o

infrator e criança que era negligenciada pela família, sociedade ou Estado. As crianças

expostas, abandonadas, mendigos, vadias e libertinos, denominações consagradas a época da

legislação passavam facilmente, da tutela da família para a do juiz, o qual decidia o rumo da

criança ou menor, se voltava para o convívio familiar ou se era necessário interná-lo em um

hospital, asilo, casa de detenção, orfanatos ou sob a guarda de outra família.

Também discutiremos nesse capítulo, a construção do trabalho infantil como

medida emergencial de combate à ociosidade. Nesse processo de formação de trabalhadores

via educação, as crianças desvalidas, muitas vezes descendentes da escravidão, era o alvo

principal, pois poderiam ser educadas desde cedo para atender as novas expectativas de

trabalho. Além de garantir mão-de-obra, a educação profissional de crianças pobres

regularizada por Decretos, leis e pelo próprio Código de Menores, era vista como uma das

soluções para problema da infância tida como abandonada ou viciosa.

Page 15: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

14

2 VÍCIOS E VIRTUDES: O DISCURSO MORALISTA ELITISTA PARA OS POBRES

NA VIRADA DO SÉCULO XIX E XX.

Percebidos como selvagens, ignorantes, incivilizados, rudes, feios e grevistas,

sobre os trabalhadores urbanos que compõem os operários fabris em formação nos inícios da

industrialização no Brasil constituem-se paulatinamente uma vasta empresa de moralização.

Seu eixo principal: a formação de uma nova figura do trabalhador, dócil, submisso, mas

economicamente produtivo.

Evidentemente, seria importante procurar discernir as representações da pobreza

urbana na época e captar como eram vistas as pessoas simples do povo, a fim de compreender

as constantes referências aos vícios que carregavam e os perigos que simbolizavam. Este o

caminho escolhido para fundamentar o discurso moralizador dos personagens adiante

apresentados, cujo conteúdo apontava para a urgência de uma campanha saneadora pela

edificação de uma nação civilizada, sendo a criança um de seus principais instrumentos.

São analisadas neste capítulo as representações registradas pela elite intelectual e

política do país1 – os que faziam as leis estabeleciam as normas e as sanções, pensavam e

atualizavam projetos para o progresso do Brasil.

Uma elite que a época estava convencida de sua missão patriótica de construir a

nação, cuja proposta baseava-se em idéias de circulação internacional, a respeito das causas

da “degradação das sociedades modernas”2 e dos corretivos a serem aplicados no

“organismo social” para o seu “saneamento moral”. Não por acaso, pobreza e degradação

moral estavam sempre associadas. Aos olhos da elite, os pobres, com sua aura de viciosidade,

não se encaixavam no ideal de nação.

No Brasil, a tônica das declarações públicas, das leis e dos escritos de intelectuais

que abordavam problemas sociais em geral era de buscar, no exemplo dos países já

“civilizados” e “cultos”, as soluções por eles visualizadas. A transposição freqüente e

visivelmente acrítica de soluções da Europa para cá – “Quando os próprios autores faziam

1 Aos atores sociais representantes da elite intelectual brasileira, homens que em geral se graduavam em medicina, direito e engenharia; exerciam grande influência na imprensa e dominavam os espaços literários, acadêmicos e políticos (ver RIZZINI, As bases da “nova legislação” da infância). 2 Termos utilizados na época por médicos e juristas como Moncorvo Filho Lopes Trovão e, Evaristo de Moraes (ver Londoño, Câmara e Rizzini).

Page 16: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

15

questão de frisar os contrastes (povo culto versus ignorante; civilizado versus embrutecido,

bárbaro)” – é normalmente explicada pela relação de dependência mantida com a Europa em

razão de um sentido ainda tênue de nacionalidade (Holanda, 1936).

A influência das idéias européias, com o advento do positivismo e a força

revolucionária das teorias evolucionistas, fez-se sentir entre nós nas últimas décadas do século

XIX. A pintura materialista e objetiva das novas idéias vinha ao encontro de nossas aparições

de progresso e civilização e foi o veículo do rompimento com as velhas amarras monárquicas

e agrário-escravocratas, vistas como símbolos do atraso.

Os ares renovadores do final do século XIX possibilitaram a emergência de um

novo conjunto de saberes que veio a substituir a concepção metafísica do mundo por uma

concepção positivista do mundo real. A base da noção de eugenia, tão propagada neste século,

assim como o florescimento do materialismo e do evolucionismo decorrem desta mudança de

concepção, na qual a ação transformadora do homem sobre o homem acaba aprimorando a

raça e contribuindo para a evolução da própria espécie humana.

Era grande o interesse pela eugenia no período estudado. Segundo Lilia

Schwarcz, na obra O espetáculo das raças, esta teoria apresentava a seguinte definição:

“Nova ciência a eugenia consiste no conhecer as causas explicativas da decadência ou levantamento das raças, visando a perfectibilidade da espécie humana, não só no que respeita o phisico como o intellectual. Os métodos têm por objetivo o cruzamento dos sãos, procurando educar o instinto sexual. Impedir a reprodução dos defeituosos que transmitem taras aos descendentes. Fazer exames preventivos pelos quais se determina a siphilis, a tuberculose e o alcoolismo, trindade provocadora da degeneração. Nesses termos a eugenia não é outra cousa sinão o esforço para obter uma raça pura e forte... Os nossos males provieram do povoamento, para tanto basta sanear o que não nos pertence” (SCHWARCZ, 1993 p. 231).

A grande repercussão dessas idéias no país reflete a sua sintonia com os anseios

de um Brasil que almejava tornar-se civilizado. Outros saberes mostram-se importantes na

arquitetura de seu projeto de nação. No nosso caso específico, é da maior importância

focalizar o interesse crescente pelos fenômenos sociais, diante dos desafios impostos pela

sociedade moderna, cujas relações mostravam-se cada vez mais complexas.

O desenvolvimento da sociologia, da psicologia e da antropologia trouxe novos

elementos para a compreensão de fenômenos que envolviam a coletividade. Fenômenos que

não tinham tanto sentido nas estruturas organizacionais do passado, nas quais os grupos eram

Page 17: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

16

mantidos sob a autoridade centralizadora do dono da terra ou do Senhor, seja no regime

feudal ou patriarcal, apresentavam-se ameaçadores diante do grande crescimento populacional

e da concentração desordenada nos espaços urbanos.

Contribuíam para incrementar o fantasma destes perigos, o desconhecimento

acerca das novas formas de organização social, como também o impacto causado pela

alardeada teoria de Malthus sobre a escalada incontrolável do crescimento populacional.

Havia um verdadeiro “temor das massas” e do que eles eram capazes, se não fossem

contidas. Lá estava o espectro da Revolução Francesa para não deixar dúvida quanto à

importância do problema. Como cita Nina Rodrigues (Apud RIZZINI, 2003), médico muito

atuante, fundador da respeitada Escola Scientifica da Bahia na primeira metade do século

XIX, afirmava com base no trabalho de Le Bon, que o conceito de multidão ia muito além de

uma simples reunião de indivíduos.

– “(...) ela é, sobretudo, uma associação psychologica”. “(...) Nella desapareceram as diferenças, as desigualdades, as individualidades, para formação de uma unidade psychologica onde domina o caráter inconstante e impulsivo dos primitivos.”

A fantástica expansão da medicina, bem como a sua ramificação no campo

jurídico (medicina legal) e a conjugação dos saberes bio-psico-sociais tratarão de redefinir o

humano e explicar a etiologia dos males que afligiam o homem e a sociedade; o corpo e a

alma. As novas bases teóricas, verdadeiramente revolucionárias para o conhecimento

existente, refletiam o cerne das idéias em voga.

No caso, o homem, seu caráter, suas tendências e seus comportamentos passavam

a ser explicadas a partir da interação entre hereditariedade física e moral sobre o indivíduo e,

consequentemente, sobre a sociedade.

Na transposição desses conhecimentos, do campo das idéias abstratas para o

campo das propostas de intervenção, a questão que se discutia era a necessidade de

reordenamento ou de acomodação à nova ordem emergente. A conjuntura então vigente, de

formação da sociedade capitalista, demandava a criação de mecanismos adequados de

regulação social.

As perspectivas de progresso dinamizadas pelo expressivo desenvolvimento

industrial, apresentavam contradições de difícil solução para as sociedades modernas. A

percepção que se tinha era a de que o progresso trazia, por um lado, possibilidades sem

Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

17

precedentes de bem-estar, e, por outro, fazia-se acompanhar pelo crescente abismo entre

riqueza e pobreza, acarretando manifestações de revolta e desorganização social.

Embora controvertido, o debate em torno do aumento da pobreza com o advento

da Revolução Industrial e as conseqüentes mudanças nas relações produtivas, o

empobrecimento das classes trabalhadoras, paralelamente ao expressivo desenvolvimento da

economia, era parte do imaginário social do século XIX. Há que se fazer aqui um paralelo

entre progresso, liberdade, e degradação, moral noções que, conforme se depreende do

discurso da época, estavam interligadas na cabeça das pessoas. Ao que parece, a facilidade

com que certos valores e normas rigidamente estabelecidos eram questionados naqueles

tempos, decorrentes de tantas e tão profundas transformações, levava a que se temesse o

progresso.

Alguns cientistas sociais ingleses, como Henry Mayhew e Charles Booth (Apud

RIZZINI, 2007), mostram em seus relatos sobre a miséria na cidade de Londres do século

XIX, que o empobrecimento intensificava-se com o progresso e o desenvolvimento urbano.

Davam-se os primeiros passos no sentido de instituir políticas públicas destinadas

ao alívio da pobreza e controle dos pobres na Inglaterra desde o século XVIII, com a

promulgação da Lei dos Pobres (POOR LAW). Contudo, os desacertos das medidas de

proteção social do Estado inglês, acusado de estimular a ociosidade e a mendicância, ou seja,

de contribuir para o que deveria eliminar somada às condições de desenvolvimento do

capitalismo no século XIX, levaram a uma radical reforma da legislação na década de 1830. A

famosa emenda a Lei dos pobres, de 1834, estabelecia as bases para a criação de um mercado

de trabalho regular, ponto de partida para o capitalismo moderno (POLANYI, 1980, p.50).

Em outras palavras, tratava-se na Inglaterra de institucionalizar medidas de

políticas econômica, associadas às idéias e práticas condizentes com o espírito filantrópico e

humanitário da época.

Como entender o que se passava do lado de cá, num país situado no chamado

“Novo Mundo” – num país percebido como imerso no primitivismo e na barbárie? Nossas

condições econômicas e políticas eram claramente diferentes. Era pelo menos ainda, de fato

um “outro mundo”. A meta não era o alívio da pobreza tendo em vista maior igualdade

social; visava, ao contrário, o controle através da moralização do pobre, impedido que a massa

populacional galgasse maior espaço para exercício da cidadania plena.

Page 19: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

18

Para José Murilo de Carvalho, o movimento republicano como “ou os vitoriosos

da República” não conseguiu expandir os direitos civis e políticos, havendo, inclusive,

retrocesso no que se referem os direitos civis, em relação ao Império.

O historiador usa o exemplo da exclusão dos analfabetos na constituição

republicana (1891) como particularmente discriminatória. Ao mesmo tempo em que a

constituição retirava a obrigação do governo de prover instrução primária, determinava que só

tivesse direito ao voto os que fossem alfabetizados:

“Exigia-se para cidadania política uma qualidade que só o direito social da educação poderia fornecer e, simultaneamente, desconhecia-se este direito. Era uma ordem liberal, mas profundamente anti-democrática e resistente a esforços de democratização”, conclui Carvalho (CARVALHO, 1991, p. 45).

E os ideais de nação, tão acalentados no processo de instauração da República? O

que foi feito do sonho republicano de liberdade e democracia, sob cuja perspectiva não se

podia simplesmente ignorar o povo? O sonho, que era apenas de alguns, não viria a se

realizar. A missão civilizatória e porque não idealista, de “fazer o povo” (LOPES TROVÃO,

Apud RIZZINI, 2007, p.53), incluindo-se aí a ação sobre a infância, será assumida mais pela

classe de intelectuais – filantropos e reformadores (médicos, juristas, sociólogos e demais

profissionais liberais) – do que propriamente por aqueles que tinham nas mãos o governo do

país. Foram eles os idealizadores das proposições por uma “reforma moral” do país, na qual a

infância veio a ocupar um lugar bastante central.

O discurso recorrente na virada do século no Brasil revela uma espécie de

consenso sobre o que era moral ou imoral, tal qual ocorria nas sociedades de então. A

sociedade brasileira era representada por um elevadíssimo grau de imoralidade, já que grande

parte da população pendia para o lado da viciosidade.

Concebia-se que vícios e virtudes eram, em parte, originários dos ascendentes,

assim, os filhos nascidos de “boas famílias” teriam um pendor natural a serem virtuosos, ao

passo que os que traziam má herança, seriam obviamente vistos inclusive por si próprios

como portadores de “degenerescências”. Essa crença justificava privilégios para uns e

corretivos para outros.

Havia, ainda, a convicção de que vícios e virtudes eram socialmente adquiridos.

Se o povo era ignorante isso se dava porque os velhos coronéis, que “governavam o país

como se governassem suas fazendas”, não tinham nenhum interesse na sua educação. E o

Page 20: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

19

povo permanecia escravizado em benefício exclusivo de seus donos, o que constituía

humilhação e vergonha para o Brasil diante dos outros países os “civilizados”.

O que caracterizava uma nação civilizada, segundo Rizzini (1993, p.59) era o

senso de liberdade e de responsabilidade perante a pátria, o que fazia da escravatura um total

contracenso e do Brasil, um país a muitas léguas da civilização.

E o que determinava a virtuosidade e a viciosidade de um indivíduo era não por

acaso, o cultivo ou não do “hábito do trabalho” – uma das mais nobres virtudes dentro da

“escala de moralidade”. Em contraposição, indentificava-se na ociosidade a origem dos

demais vícios, conduzindo indivíduo e sociedade á mais completa degeneração.

A ociosidade seria o ponto de partida, inclusive, para a criminalidade, considerada

como um dos mais degradantes males da sociedade e, portanto, aquele para o qual maiores

esforços deveriam ser enviados para se evitar a qualquer custo.

Tinha-se como fato consumado que indivíduo, ao experimentar os prazeres da vida ociosa, abandonava o trabalho. A ociosidade era um vício que os mais influentes criminólogos, em alta no final do século, destacavam como da maior importância. “(...) Como todos sabem, o trabalho é um habito adquirido... há conseqüências gravíssimas sobre indivíduos a quem aquelle habbito não esteja bem fixado. Há uma predisposição mais ou menos latente no indivíduo que se manifesta logo que encontre meio favorável... depois opera-se uma verdadeira transformação nesses indivíduos que passam a ser ociosos voluntariamente (GOMES Apud RIZZINI, 1993, p.67).

O combate a um estilo de “vida ociosa ou vagabunda” deve ficar bem entendido

como gesto de contenção a um ato identificado como de insubordinação, ou seja, o indivíduo,

embora apto, recusava-se a trabalhar, o que, em outras palavras, significava uma recusa em

servir à sua pátria.

A esse respeito, pode-se evocar a figura irreverente do personagem criado décadas

mais tarde por Charles Chaplin em o vagabundo. Com sua versão bem humorada da vida

vagabunda, Chaplin faz de seu personagem um contestador sonso, mas ousado, capaz de

ameaçar a ordem e de ironizar as maravilhas da sociedade capitalista.

Mas, a partir dessas referências de ociosidade associada à pobreza cria-se um

discurso moralizante dividindo o pobre em dignos e os viciosos, poderíamos dizer que entre

as duas extremidades, a de virtude e a do vício, havia um limite que estabelecia uma divisão

Page 21: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

20

entre o que eram moral e imoral, digno e indigno, refletindo o pensamento corrente do século

XIX.

Os pobres que se situavam mais acima da escala de moralidade eram aqueles que

trabalhavam e, mesmo com poucos recursos, mantinham a família unida, os filhos na escola

e/ou no trabalho e praticavam os costumes religiosos. Segundo Valladares, eles pertenceriam

ao mundo do trabalho; da moral, da ordem e da fábrica (VALLADARES, 1991).

Seriam nas palavras de FOUCAULT, os “docilizados”, os “disciplinados”;

pobres, porém dignos (FOUCAULT, 1982). Enquanto trabalhavam, não constituíam

problema, mas qualquer eventualidade poderia modificar a situação, por exemplo, a perda do

emprego ou a morte de um dos responsáveis pela família, o que os levaria a se entregarem aos

vícios comuns aos pobres, como o alcoolismo e a preguiça, ou contrair doenças, tais como a

sífilis e a tuberculose.

Acreditava-se que pertencessem a uma classe biológica e socialmente mais

vulnerável aos vícios e as doenças; era, pois, necessário manter a vigilância para evitar que

esses focos epidêmicos à saúde e à moralidade se irradiassem, dados à insalubridade de seu

ambiente e a promiscuidade de suas moradias, amontoadas umas as outras.

A esse tipo de pobre a medida saneadora indicada era de natureza preventiva,

visando manter a “ordem pública e a paz das famílias,” (RAGO, 1997, P.27).

A área médica era certamente a mais atuante, seja junto à família, orientando

quanto ao cuidado adequados à criança, seja no âmbito social, em campanhas educativas que

abordavam os principais problemas, como os efeitos de certas doenças e vícios como a

tuberculose, a sífilis e o etilismo sobre a prole ou a importância do exame pré-nupcial para

evitar o enfraquecimento da raça.

Embalados pela motivação de seu papel na higienização da humanidade, a

medicina extrapola o âmbito de sua atuação para além dos amplos programas higiênicos e

campanhas de vacinação compulsória para atuar sobre a constituição das “futuras gerações”,

eliminando a “descendência não desejável” (SCHWARCZ, 1993, p.236).

O material “didático” utilizado em campanhas idealizadas para educar a

população brasileira impressiona pelos dizeres aterrorizantes e pela exposição de caveiras,

simbolizando o flagelo e o fim. Segue alguns exemplos retratados no livro de Lilia Schwarcz,

Page 22: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

21

O espetáculo das raças: “O alcoólatra é um inimigo da sociedade e da raça. Todo cidadão

deve combater o alcoolismo; “Noivos! Cumpri vosso dever. Garantir a saúde de vossos filhos

fazendo exame médico pré-nupcial”; “Contribuindo para a pureza da raça, contribuireis para a

grandeza da pátria.” (SCHWARCZ, 1993, p.237).

A criação de um amplo programa de higiene infantil ficou a cargo do Dr.

Moncorvo Filho3, o qual dedicou a vida a desenvolvê-lo, sendo fundador do Instituto de

Proteção e Assistência à Infância. (NASCIMENTO, 2007, p.21).

Moncorvo Filho estava convencido da missão higienista, de caráter científico-

filantrópico da medicina, segundo Nascimento (2007, p.26) o médico defende uma

supervalorização da sua profissão como promotor de um programa de “prevenção dos fatores

de degeneração da raça.” E não poupou esforços no sentido de educar a população,

mostrando os efeitos degenerativos dos vícios, sobretudo do alcoolismo.

A educação moralizadora da população pobre, porém digna, era igualmente

reconhecida como parte da missão do jurista. Entretanto, seu “domínio” diferenciava-se

daquele do médico.

A esfera jurídica encarregava-se de regulamentar matérias que coagissem os

indivíduos a respeitarem as normas condizentes com a moral, as quais levariam a nação à sua

meta civilizatória. Seu discurso era igualmente moralizador e fortemente influenciado pela

esfera médica. “Sua missão era tão salvacionista, conservadora e moralista quanto à do

médico e do higienista em sua luta comum por uma correção da infância.” (RIZZINI, 1993,

p.85).

3 Moncorvo Filho foi reconhecidamente os dos principais porta-vozes da causa da infância nunca deixando de apontar que ao se descuidar da infância, o que se estava fazendo era comprometer não só apenas o país, como a raça humana. (MONCORVO FILHO, 1926).

Page 23: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

22

3 OS FILHOS DA PÁTRIA

É recorrente nos discursos atuais de políticos em prol da criança associá-las ao

futuro do país, “O futuro do país depende das crianças”. No entanto, como esse discurso

apologético começou? Antes de tentar respondê-la é necessário salientar que não se trata

apenas de curiosidade, mas de perceber em que momento histórico a criança (especificamente

a pobre) foi “revista e apresentada” a sociedade como “futuro da nação.”

Para discutir a criança como futuro da nação, torna-se necessário compreender a

idéia de materialização da infância e os mecanismos utilizados pelos reformadores no sentido

de proteger não mais predominantemente caricativa/religiosa, mas, de ajudar, amparar,

abrigar, ou seja, preservá-la do mal a criança e a sociedade. Por outro lado, cria-se a idéia de

periculosidade: ou a criança simbolizava o futuro da nação ou representava uma ameaça.

Para a pesquisadora Irene Rizzini (1993), evocar a necessidade de proteção à

infância e estabelecer formas de defesa contra a criança é característica do discurso sobre a

infância no século XIX até os dias de hoje.

Está na criança o poder de provocar no adulto, sentimentos e atitudes

ambivalentes: cuidado, proteção e enternecimento, enquanto pequena, frágil e indefesa;

autoridade, controle e agressividade, quando a criança cresce e mostra-se menos dependente.

A própria natureza “pueril” das crianças, deu margem a que se criassem representações

radicalmente opostos a infância em períodos históricos bem próximos uns dos outros, como

demonstrou Philippe Ariés.

Em 1960, Áries publicava um livro que originou amplo debate sobre o

“sentimento da infância” através dos tempos: L’ Enfant et La vie familiale sous L’ancien

régime. Uma de suas principais teses, corroborada por uns e combatida por outros até a

presente data, é a de que a infância é “descoberta” a partir do século XVII, constituindo-se

uma idéia de infância nas sociedades ocidentais completamente diferentes das épocas

anteriores.

Para Ariés, surge o “início de um sentimento sério e autêntico de infância”, com

base na percepção de que era necessário “(...) tentar penetrar na mentalidade das crianças para

Page 24: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

23

melhor adaptar a seu nível os métodos de educação”, transformando-as em “(...) pessoas

honradas e probas e homens racionais.” (ARIÉS, 1981, p.163).

São de particular interesse duas noções que se constituíram historicamente como

reflexo dessa “natureza pueril” das crianças, analisadas, sobretudo pelos autores Fernando

Londoño e Irene Rizzini:

A noção de discernimento, sustentada na prática jurídica durante séculos,

significava a suposta noção da diferença entre o bem e o mal atribuído ás crianças, “as

transformava, em determinados momentos, em adultos, podendo responder a justiça ou

assumir responsabilidades, como no caso da incorporação ao Exército e á Armada”,

(LONDOÑO in, PRIORE, 1991, p.131). Com base na mesma noção, eram discutidos

parâmetros de discernimento entre menores e loucos.

Em diferentes períodos históricos foram fixadas determinadas faixas etárias para

aplicação da noção de discernimento, segundo RIZZINI (2007, p.85). Esta prática nos foi

legada pelas “– ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas”, vigentes no Brasil durante o

domínio português. “Ao longo do século XIX, a figura do discernimento foi sistematicamente

questionada no meio jurídico.” (LONDOÑO apud PRIORE, 1991, p.132).

Nas duas primeiras décadas do século XX, período de formulação de uma

legislação específica para os menores, à noção de discernimento foi abertamente

ridicularizada e veio a ser erradicadas com a promulgação do código de menores de 1927.

Outra importante tendência relacionada à característica de puerilidade apontada

foi a de se detectar na infância certos traços descritos como sendo a origem de determinadas

inclinações e patologias observadas na fase adulta. A idéia de um determinismo entre a

infância e a fase adulta no ciclo de vida do indivíduo, tão relacionada às teorias biológicas do

século XIX, foi amplamente utilizada pela medicina, pela psicologia e pela psiquiatria e

seguida, em outros moldes, pela psicanálise.

No Brasil, o maior representante dessa teoria biológica. Associando a tese do

determinismo e a infância é o professor Leonídio Ribeiro, que participou do primeiro

congresso de Psiquiatria Infantil em Paris. Historiando a reunião para os estudantes de um

centro acadêmico, dizia ele:

Page 25: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

24

A primeira e principal conclusão foi a de que existe uma ciência nova, que os alemães chamam Pedagogia terapêutica e os italianos, Medicina pedagógica, destinada especialmente ao estudo das crianças difíceis e anormais, com o auxílio da qual será possível realizar a obra benemérita de profilaxia, não só das doenças mentais, como também do próprio crime. (CORRÊA, 2007, P.82).

As linhas de pensamento, evidenciadas nos dois casos acima, ou seja, o

“discernimento” que distinguiria o ser criança do ser adulto e a valorização da infância como

crucial para o resto da vida de um indivíduo, constituíram-se como pressuposto básico, que

fizeram da infância objeto específico de estudo.

No Brasil, o olhar profissional voltado à criança, surgiu com a puericultura e

ganhou espaço entre 1874 e 1889, segundo o médico Moncorvo Filho, com a fundação da

pediatria (1922, p.16). De acordo com Moncorvo Filho, a história da proteção à infância

divide-se em três períodos:

“1. Período (antigo) – de 1500 a 1874, procurando lembrar o que fôra feito desde o tempo colonial até a fundação da pediatria no Brasil. 2. Período (médio) – de 1874 a 1889, fundação da pediatria e cultivo da especialidade. 3. Período (moderno) – de 1889 a 1922, época em que começou a intensa propaganda de hygiene infantil e o interesse geral pela criança como factor social. Medidas officiaes promettedoras.”

E nesse período de profunda valorização da infância e o surgimento de uma

ciência voltada especificamente à criança a puericultura sob essa seqüência foi criado em São

Luís o Instituto de Assistência à Infância. O fundador do Instituto no Maranhão, o então

tenente-médico do Exército Doutor Cesário Correa de Arruda, “adotou um discurso e prática

do higienismo que em muito se assemelham com a do médio carioca (Moncorvo Filho).”

(NASCIMENTO, 2007, p. 56).

As três primeiras décadas que se seguiram à instauração da República, foram

marcadas pela difusão do higienismo, originando expressiva produção de conhecimentos

especializados sobre a infância, bem como a penetração da prática médica no âmbito

doméstico. Os médicos atuavam junto á família, sobretudo a mãe, treinado-a nos cuidados à

criança através de conselhos e normas a respeito de sua saúde física e moral. Como mostra um

artigo do médico Ludovicense Cezar Arruda intitulado “Pelas Crianças”.

Page 26: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

25

(...) As crianças pagam um dolorozo tributo ao nosso desleixo. “Muitas genitoras cometem verdadeiros assassinatos, sendo, na fase de um notável pediatra francez, assassinas inconsciente.” Pensando fazer um benefício ao filho, alimentando-o com comidas extravagantes, essas genitoras introduzem, no organismo infantil, verdadeiros venenos, que não tardam a explodir. (...) A assistência vem pôr um paradeiro a esse desalabro, principalmente pela instrução à genitora acerca da criação dos filhos e, por todos os preceitos de higiene infantil, a que se há de obedecer. Foi à norma que tracei: junto ao leito do enfermo, mostrar à genitora os erros em que incorrem e indicar-lhe o caminho lizo e sem acidentes. (A PACOTILHA, 30 de setembro de1911).

Cesário Arruda corroborava da idéia corrente na puericultura acerca da ignorância

materna como causa primeira da “mortandade dos infantes” defendendo a medicina como

fonte de redenção. Caberia, nessa ordem, ao puericultor “educar” estas mulheres no cuidado

mais simples ao mais complexo das crianças. “Não considerava com tanta ênfase as variáveis

sócio-econômicas das famílias como ponto de justificativas do alto número de letalidade

infantil”. (NASCIMENTO, 2007, p. 57).

Parece crucial analisar neste ponto a dimensão política que fez despertar particular

interesse pela infância, pois encontrava afinidade com o projeto civilizatório que se desenhava

para o país.

Na lógica do pensamento de então, um projeto político que efetivamente

transformasse o Brasil numa nação civilizada implicada na ação sobre a infância. Moldá-la de

acordo com o que se queria para o país. Paradoxalmente, sabia-se, a exemplo dos nossos

países-modelo, que não seria fácil obterem simultaneamente, um povo educado, mas não ao

ponto de ameaçar os detentores do poder; um povo trabalhador, porém sob controle, como

diria Foucault, os “docilizados”, os “disciplinados”, sem consciência do valor de sua força

de trabalho; um povo que acalentasse amor à sua pátria, mas que não almejasse governá-la.

Dado o reconhecido atraso do Brasil e as incontáveis deficiências de sua gente, a

missão que se tinha a frente era não só a de educar as crianças para uma nação “forte”, mas a

de educar, segundo Rizzini, “um Povo-Criança” – “um povo que se encontrava ainda em sua

fase de infância”.

A idéia de salvação da criança confunde-se, pois com a proposta de salvação do

país a ser moldado como se molda uma criança. E embora visto como um enorme desafio

parecia perfeitamente viável, como demonstram os ânimos exaltados e os discursos

Page 27: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

26

esperançosos de nossos idealistas reformadores e suas instituições filantrópicas. Diz

Moncorvo Filho, em conferência intitulada “Em torno do berço” (1914):

“(...) É para fallar-vos dos pequeninos desherdados, dos que padecem as conseqüências da ignorância, da maldade e da pobreza, que n’esta tribuna hoje se encontram, em tocante convívio, um philantropo e uma a sociedade culta e que se congrega para, entre lágrimas doloridas, ouvir a impressionante narração do que soffre essa infeliz infância bem merecedora, sem dúvida, dos cândidos olhares e dos meigos affagos de todos de um bom coração e affecto” (MONCORVO FILHO, 1914, p. 64).

Via-se na criança, ainda facilmente adaptável, a solução para o país. Poderiam ser

úteis mesmo aquelas originárias dos estratos mais miseráveis, vistas como candidatas a

vadiagem e ao crime, desde que adequadamente educadas, fora do seu ambiente vicioso. Daí

o discurso ambíguo de defesa da criança e da sociedade: para se ter como moldar a criança

com o propósito de civilizar o país, era preciso primeiro poder concebê-la como passível de

periculosidade.

De acordo com essa visão, a infância é passível de ser dividida em duas, à

semelhança da dicotomia vista anteriormente, entre o pobre digno e o vicioso. Havia uma

criança com acesso à cidadania e outra não, para torna-se um cidadão, era preciso fazer com

que a criança ficasse contida no seio de uma família capaz de seguir os parâmetros da

moralidade estabelecida. Caso a família se mostrasse incapaz de educar e vigiar seus filhos

poderia ver cassado seu direito à paternidade.

Quanto ao pobre menino abandonado, fazia-se necessário criar um substituto à

família. Para essa criança, tutelada pelo Estado, institui-se um complexo aparato jurídico-

assistencial, encarregado de educá-la e contê-la. Tornou-se ela objeto de minucioso escrutínio

e ampla manipulação. Examinada sob todos os ângulos, classificada de acordo com o seu

estado de abandono e grau de periculosidade, diagnosticada e finalmente submetida ao

tratamento que a “remediasse”, essa criança, invariavelmente filha da pobreza, será

transformada em menor.

A criança que mais obviamente se prestava como alvo da ação salvacionista era

aquela sobre a qual pairava o espectro da criminalidade. Entendia-se ser preciso evitar que as

crianças identificadas como potencialmente delinqüentes, seguissem seu percurso no mundo

do crime. Em 1880, o criminalista Enoch Wines escrevia o que restava no pensamento de

muitos, ou seja, que estas eram as crianças que precisavam ser salvas, “(...) pois haviam

Page 28: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

27

nascidos para o crime e eram criados para a criminalidade (WINES apud RIZZINI, 2004, p.

78).

Em torno do final do século, afirma câmara, já se fazia perceptível que cabia ao

Estado a missão de salvar a criança, expressão que passou a ser empregada com o consenso de

que somente o Estado poderia assegurar às crianças a proteção necessária. A partir daí,

profissionais e especialistas em matéria de criança foram ocupando o espaço antes dominado

pela filantropia.

3.1 A INFÂNCIA POBRE COMO OBJETO DE INTERVENÇÃO SOCIAL

No Brasil, embora tenha sido, desde finais do século XIX, o problema da infância

pobre e sua crescente criminalização, mortalidade e morbidade objeto de discussões e

polêmicas, foi, entretanto, na década de 1920, com a ênfase conferida à situação da criança

como mola impulsionadora do progresso e ou do atraso do país que se deu de forma

sistemática a implementação de iniciativas direcionadas a preceituar e normalizar

procedimentos no campo do direito preventivo e assistencialista.

Através de disposições educativas, disciplinares e de assistência, os reformadores,

reclamavam a conveniência em se compor uma legislação ancorada nas “modernas” teorias

criminal e sociológica proposta pelos homens de ciência, envolvidos com a produção de uma

nova jurisdição destinada ao atendimento da infância nos países civilizados do mundo.

Proposições relativas à assistência, à proteção, à guarda e ao cuidado com a infância pelo

Estado, assumiram lugar de destaque nas discussões referentes ás questões sociais e a

urgência em instituir projetos capazes de corroborar para o progresso e modernização do país.

As preocupações concernentes à infância, demonstradas por juristas, médicos, educadores,

cronistas e jornalistas, expressavam a necessidade de se realizar a implementação de

disposição saneadoras, higiênicas e educativas contra os flagelos dizimadores da infância.

A questão da assistência e proteção aos menores tem sido objeto da preocupação dos melhores escritores penitenciários e legisladores, em todos os países adiantados, que em todos se chegou à conclusão que a infância e a adolescência abandonada, viciosa ou criminosa, devem ser subtraídas as regras e sanções do direito comum, sendo submetidos a um regime tutelar e pedagógico, em que se lhes dê proteção, vigilância, educação e instrução (A PÁTRIA apud CÂMARA, 2007, p. 266).

Page 29: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

28

No correr desse processo, a preocupação com a infância pobre presente nas

iniciativas promovidas pelos reformadores brasileiros também se constituiu como cerne de

discursos jurídicos voltados para a produção de ações tutelares e educativas fomentadas em

diversos países envolvidos com a elaboração de formas legais de atuar sobre a situação das

crianças.

Nesse tocante, a realização de congressos internacionais4, de viagens de estudos,

da produção de revistas e boletins de caráter científico e de propaganda, tiveram, desde finais

do século XIX, papel fundamental na circulação de concepções e modelos científicos e

técnicos, acarretando um crescente movimento de expansão de teorias explicativas que

procuraram esquadrinhar os sujeitos e as suas diferenças, promovendo critérios mediante os

quais a infância passou a ser pensada, preconizada classificada.

Proposições direcionadas a interditar e regulamentar o trabalho infantil, a

preceituar a escolarização obrigatória, a instituir a criação de tribunais especiais, a sugerir a

inibição do poder paternal, ao abordar o valor do meio social, familiar e educacional sobre a

carga hereditária das crianças, bem como a formular as diretrizes para uma nova organização

das instituições destinadas a solucionar o problema da repressão e atendimento das crianças

foram, gradativamente, concebidos objetivando comprometer o Estado em sua ação tutelar

sobre a infância e de governo sobre as famílias, de modo a compor uma relação direta entre

criminalidade, abandono, delinqüência e a situação moral, social e econômica em que se

encontravam as famílias pobres.

Para além de se organizarem como espaços de disputas entre concepções e

matrizes teóricas, os congressos internacionais foram idealizados como centros congregadores

de homens de ciência de várias nações que neles se faziam representar. Como espaços de

embate de idéias foi ao longo do século XIX e no curso século XX, se firmando como

instâncias de consagração e validação de concepções teóricas que, incorporadas pelos

intelectuais participantes desses eventos ou que tiveram acesso às suas teses, buscavam

subsidiar as discussões e as propostas a serem implementadas pelos países desejosos de

impulsionar a reformulação ou a criação de leis de proteção e assistência às infâncias.

4 Nesse período foram realizados o Primeiro Congresso Penitenciário de Londres, em 1872; o Congresso de Roma, em 1885; o Congresso de Antropologia Criminal de Paris, em 1889 e o Congresso de São Petersburgo, em 1890; o terceiro Congresso de Antropologia Criminal de Bruxelas, em 1892.

Page 30: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

29

A par das iniciativas que vinham se operando no curso do último quartel do

século XIX, em países como Inglaterra, Estados Unidos, França, Bélgica, Alemanha e Rússia,

no Brasil estas idéias circularam com muito vigor nos jornais que se encarregavam em

divulgar as experiências e os modelos inovadores instituídos no cenário internacional.

(CÂMARA in FARIA FILHO, 2007, p.268).

Logo essas idéias foram endossadas por adeptos da “cruzada pela infância”. As

palavras empregadas para associar a infância ao crime tinham força própria; significavam a

aceitação do fato de que autores de crimes hediondos poderiam ser gerados a partir do berço

ou mesmo trazer consigo a herança do crime, admitindo-se a existência de uma “tara

malfazeja”. Uma multiplicidade de fatores eram apontadas como produtores de candidatos ao

crime desde a infância: raça, clima, tendências hereditárias, condições de vida familiar e

social, ociosidade, vícios, até uma “trama retrincada” de inclinações inspiradas na obra de

Lombroso e seus seguidores, tais como cólera, vingança, crueldade, falta de sentimentos

afetivos, tendência pronunciada para a obscenidade, entre outras (MORAES apud RIZZINI,

2002, p.73).

O abandono de crianças por famílias tidas como inescrupulosas e irresponsáveis

era com freqüência mencionada. Colocava-se em destaque a ameaça subjacente de

instauração da desordem moral. As palavras de um médico da época exemplificam este tipo

de discurso: “... É facto provado que, como o mal physico, o mau moral, agente da corrupção

dos costumes, ataca as novas gerações produzindo e preparando desde a infância, pelo

abandono em que ella jaz, essa legião intermina de criminosos” (GOMES, 1979, p.124).

Afirmações como estas podem ser encontradas nos discursos mais eruditos ou em

matérias de jornal, com muito pouca variedade em seu conteúdo. O forte apelo evocado pelo

perigo evidente que a criminalidade representava para a sociedade foi criando as condições

necessárias para que se instalassem as bases de um “novo direito”, um direito que expandia a

ação da justiça para além do caráter punitivo do cárcere, fazendo com que suas ramificações

no campo social rapidamente se alastrassem.

Resta entender como se deu este desdobramento. Pelo lado da justiça buscou-se

definir suas funções de cunho social, repudiando-se seu caráter estritamente punitivo-

repressivo; o que foi feito através da aproximação com os promotores da filantropia,

aproveitando-se de seu acesso ao segmento de pobres e necessitados, sobre o qual era preciso

Page 31: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

30

intervir. Por sua vez, os representantes da ação filantrópica viam nos promotores da justiça a

solução para dar conta da evidência crescente de periculosidade da população pobre que lhe

cabia assistir.

Portanto, estabelecer-se-á uma aliança entre Justiça e Assistência, com base na

necessidade de mudança dos modelos de intervenção sobre a população pobre, aliança

concebida como desdobramento do amplo movimento filantrópico moralizador instituído a

partir da lógica da nova ordem política, econômica e social da era industrial capitalista.

No caso da infância, representantes da Justiça-Assistência assumem sua causa e

defendem a criação de um ‘sistema de proteção aos menores’; prevendo-se a elaboração de

legislação própria e ação tutelada pelo Estado, com apoio das iniciativas privadas de amparo à

infância. Vale, pois, focalizar a organização da Justiça e da Assistência relativa ao ‘menor’,

aqui entendida como uma categoria jurídica socialmente construída e oriunda daquela aliança.

3.2 DA CARIDADE À JUSTIÇA: A INFÂNCIA TUTELADA

É importante compreender o significado da aliança firmada entre justiça e

assistência, uma associação cujos reflexos são claramente detectáveis no processo

desenvolvidos nas duas primeiras décadas do século XX e que deu origem à ação tutelar do

Estado, legitimada pela criação de uma instância regulatória da infância – o juízo de menores

por uma legislação especial – o código de menores ambos na década de 1920.

Entende-se que justiça e assistência busca na aliança a auto-sustentação pela

complementação de suas ações. Ambas inserem-se na lógica do modelo filantrópico, que

visava o saneamento moral da sociedade a incidir sobre o pobre. Tornam-se politicamente

viáveis ao servir a função regulatória de enquadrar os indivíduos, desde a infância, à

disciplina e ao trabalho.

Em outras palavras, arquitetou-se um intricado sistema, que Donzelot denominou

de “complexo tutelar”, através do qual, qualquer criança, por sua simples condição de

pobreza, estava sujeita a ser enquadrada no raio de ação da justiça-assistência.

A estruturação e a promulgação da legislação no campo da proteção e assistência

à infância construíram-se elementos inspiradores de novas práticas sociais e educativas,

Page 32: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

31

seriam segundo Faria Filho (1998, p. 92), suportes impositivos para implementação de ações

de intervenção por parte do Estado. Ao assumir um caráter ordenador e delimitador das

relações sociais, a legislação deveria se configurar como legítima e legitimada, tendo como

apoio as concepções que se digladiavam na estruturação dos pressupostos que alicerçavam a

produção e a realização da lei.

No movimento de localização e definição da infância interditada, os juristas

envolvidos com a elaboração do código de menores associaram os aspectos sociais,

econômicos, morais e psicopatológicos como elementos que permitiam identificar pobreza,

miséria, abandono e criminalidade na produção do estereótipo da infância menorizada

abandonada ou delinqüente.

Ao definir o domínio da lei na produção das sanções controladoras do poder do

Estado na tutela e circulação desses sujeitos, promoveu-se o predomínio de instâncias

reafirmadoras das desigualdades sociais como esteio, mediante as quais as infâncias foram

nomeadas e produzidas.

Ao fundar o universo de intervenção a que o Código de Menores se destinava,

delimitaram a classificação dos menores em dois grandes grupos: no primeiro, foram

localizados os “menores abandonados” como os desamparados, vadios, mendigos e

libertinos; no segundo, os “menores delinqüentes” foram identificados como autores ou

cúmplice de crime e/ou os pervertidos. Para cada grupo de classificação, o código estabeleceu

as idades por intermédio das quais a menoridade deveria ser tratada. Partindo da classificação

proposta, os menores “arrebanhados” pela justiça, deveriam ser enviados para instituições

disciplinares, podendo em alguns casos, ficar sobre proteção do Estado numa situação de

“liberdade vigiada” ou, ainda, entregues a tutores escolhidos pelo Juiz de Menores. (VEIGA;

GOUVÊA, 2000, p.137).

Ao trazer a definição e caracterização do termo menor, o Código de Menores

instaurou os referenciais mediante os quais as crianças oriundas da pobreza deveriam ser

descritas. Menor passou a significar uma situação social da criança localizada como

delinqüente ou abandonada e sobre a qual deveria pairar, além da “mão protetora e tutelar do

Estado”, a mão fiscalizadora e vigilante da justiça na criação de hábitos salutares para a sua

regeneração.

Page 33: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

32

Uma década antes da promulgação do Código de Menores de 1927, de acordo

com Câmara, firmaram-se, num vigoroso esforço de setores da sociedade, iniciativas visando

promulgar uma legislação direcionada a definir os aparatos promotores da assistência e

guarda à infância pobre, também se buscou, de forma sistemática, implementar ações

remodeladoras no campo das políticas sociais objetivando identificar, classificar, inibir e

solucionar os problemas acarretados pelo abandono, criminalidade e alcoolismo que acabava,

segundo visão hegemônica à época, por conseguinte, a sua completa degradação moral e

social (CÂMARA, 2007).

Firmando-se como uma legislação basilar, o Decreto5 nº. 218 de 15 de dezembro

de 1931 procurou instituir uma organização específica para a proteção, criando, além de um

abrangente sistema de normalização das ações a serem encaminhadas pela justiça através de

seus aparatos legais, designarem os mecanismos que o Estado lançaria mão para tecer uma

rede de assistência de caráter preventivo tutelar.

A aprovação do Decreto nº. 218 de 1931 pelo governo maranhense representou a

possibilidade de constituir os referenciais com base nos quais à infância pobre e criminosa

passaria a ser descrita e identificada como os que se encontrava em:

Perigo moral – abandonados, pobres e maltratados; os menores desamparados – compostos pelos ociosos, vadios, mendigos e libertinos; e os menores delinqüentes, identificados como os contraventores ou criminosos. Os anormais patológicos e os indisciplinados poderiam ser elementos “nomeadores” de quaisquer das categorias descritas. Como menores anormais patológicos identificaram os que apresentavam, segundo avaliações médica, pedagógica e psicológica, as seguintes descrições: “doença mental, fraqueza do espírito, epilepsia ou histeria”; os indisciplinados eram “os incorrigíveis”. (Decreto de 1931).

É possível observar que, associada à onda de modernização e progresso, coligou-

se no Brasil e no caso específico do Maranhão, uma crescente preocupação de se pensar o

lugar a ser ocupado pelos diferentes sujeitos sociais. As políticas de proteção e assistência às

crianças pobres foram assumidas como disposições que se constituíram para fomentar

tendências intervencionistas do poder estatal na esfera privada das famílias através de ações

jurídicas que se associaram as prerrogativas médicas e educativas. As legislações que se

organizaram visaram construir uma nova arquitetura legal mediante a qual se pretendia

5 Decreto n º 218 de 15 de dezembro de 1931, responsável pelo processo de menores e delinqüentes no Estado do Maranhão.

Page 34: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

33

fundamentar uma atuação social preventiva contra o delito e uma ação curativa contra o crime

consumado.

A par desse duplo movimento, firmou-se a máxima de que mais valia prevenir do

que remediar e reprimir, instituindo a mudança de enfoque da prisão, correção e castigo para a

concepção de tratamento da criança por meio de ações educativas, preventivas e

regeneradoras a serem implementadas mediante a observação dos fatores individuais,

hereditários e mesológicos apresentados.

A época do código de menores (1927), não se distinguia o infrator da criança que

era negligenciada pela família, sociedade ou Estado. As crianças expostas, abandonados,

mendigos, vadios e libertinos, denominações consagradas à época pela legislação e seus

respectivos decretos, passavam, facilmente, da tutela da família para a do juiz de menores,

que decidia seu destino de forma arbitrária, ou seja, sem as garantias processuais atualmente

existentes. O atendimento a essa população se centralizava na figura do juiz, o qual, sob um

manto de eufemismo e subjetivismos, tinha o poder para retirar a criança dos pais, devolvê-la,

colocá-la sob a guarda de outra família, determinar-lhe a internação por tempo indeterminado

ou tomar qualquer outra medida que entendesse necessária. Com freqüência, a família era

culpabilizada e vista como incapaz de cuidar de suas crianças.

Ainda pela influência do modelo higienista, junto com o desenvolvimento

tecnológico, o discurso científico médico-psicológico tornou-se o referencial para as práticas

destinadas ao cuidado infantil e passou a orientar as relações pais-filhos.

A justiça de menores no Brasil foi fundamentada, segundo Rizzini (2007), no

debate “internacional do final do século XIX”, tendo a América Latina como uma “espécie de

laboratório” das idéias que circulavam na Europa e na América do Norte. Concebida como

um escopo de abrangência bastante amplo, já mencionado, era a infância pobre que não era

contida por uma família considerada habilitada a educar seus filhos, de acordo com os padrões

de moralidade vigentes. Os filhos dos pobres que se encaixavam nesta definição, portanto

passíveis de intervenção judiciária, passaram a ser identificadas como “menores”.

Cabe problematizar uma questão, tanto o Código de Menores de 1927 e o Decreto

218 de 1931 mostram claramente que certo segmento da infância pobre definido como

abandonado e delinqüente foi nitidamente criminalizado neste período. Percebe-se que o

termo “menor” foi sendo popularizado e incorporado na linguagem comum, para além do

Page 35: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

34

círculo jurídico. Não se detectou nenhum discurso contrário a essa tendência ou mesmo

qualquer tipo de questionamento a respeito, o que faz pensar que a intervenção jurídica era, de

um modo geral, muito bem vinda como possível chave para resolver os problemas que a

instabilidade do momento impunham.

O conceito-chave que foi se consolidando ao longo do século XX na formulação

de direitos e políticas no âmbito da infância foi o de ‘situação irregular’. Por situação

irregular compreendia-se a privação das condições de subsistência, de saúde e de instrução,

por omissão dos pais ou responsáveis, além da situação de maus-tratos e castigos, de perigo

moral, de falta de assistência legal, de desvio de conduta por desadaptação familiar ou

comunitária, e de autoria de infração penal. A pobreza era, assim, situação irregular, ou seja,

uma exceção.

Nessa perspectiva, também estava à concepção do Decreto 218, de 1931, ser

pobre era considerado um defeito das pessoas, assim como as situações de maus-tratos, desvio

de conduta, infração e falta dos pais ou de representantes legais. Para os pobres em situação

irregular ou em risco – dever-se-ia ter uma atitude assistencial, e para os considerados

perigosos ou delinqüentes – que punham em risco a sociedade dever-se-ia ter uma atitude de

repressão. A lei previa que os juízes decidissem os destinos da criança, fosse sua internação,

ou pela sua colocação em família substituta, adoção, ou ainda pela punição de pais e

responsáveis. Enfim, aos juízes cabia impor a ordem social dominante.

Na formulação de políticas para a infância desenvolveram-se várias vertentes nos

processos conflituosos das políticas sociais (FALEIROS, 1992). Ainda para esse autor pode-

se observar, ao longo de nossa história, uma clara distinção entre uma política para os filhos

da elite ou das classes dominantes e uma política para as crianças e adolescentes pobres. Para

as elites houve o favorecimento do acesso à educação formal, as faculdades de direito,

medicina e engenharia, às aulas de piano ou de boas maneiras, com formação para os postos

de comando, embora a mulher tenha sido destinada apenas à organização da vida doméstica.

A obra: A instrução pública Maranhense na primeira década republicana, de

autoria de Lílian Leda Saldanha, dá-nos uma demonstração detalhada de como era o sistema

educacional do Maranhão, no início do século XX.

“O sistema educacional, fundamentado no ensino bacharelesco, enciclopédico e acadêmico, era representado como um processo de intelectualização próprio da

Page 36: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

35

classe dominante e que estava desarticulado de sua cultura e de suas reais necessidades”. (Saldanha, 2008, p.71).

Sua análise parte da prerrogativa de que a educação da elite e da camada média

tinha uma função prática, vista que contribuía para a concretização de seus interesses. No caso

das elites, preparava-lhes os filhos para o exercício das funções de direção dos seus negócios

privados e dos aparelhos públicos, perpetuando-os no poder. Quanto às camadas médias, a

instrução era o caminho que possibilitava a ascensão social.

Para os desfavorecidos da fortuna, porém, o fundamental ao exercício de sua

função social o trabalho físico material aprendido no convívio com a família ou no exercício

da prática, e, portanto, escolarização não se incluía entre suas aspirações maiores. Raramente

essas pessoas tinham acesso ao ensino rudimentar da leitura e da escrita.

Já para Faleiros (1995), a escola dos pobres foi à criação dos orfanatos, “as

rodas”6, as casas de “expostos”, as casas de correção, as escolas agrícolas, as escolas de

aprendizes, a profissionalização subalterna, inserção no mercado de trabalho pela via do

emprego assalariado ou do trabalho informal. O acesso dos pobres à educação não foi

considerado um dever inalienável do Estado, mas uma obrigação dos pais; e o não acesso a

ela, uma situação irregular, cuja responsabilidade cabia à família. O desenvolvimento da

criança estava integrado ao projeto familiar, à vida doméstica, à esfera privada.

Nas palavras de Irene Rizzini, a educação teve função igualmente primordial na

busca de solução para o problema do menor, com especial enfoque na educação para o

trabalho. Contruiu-se um aparato preventivo-repressivo com enfoque na educação pra moldar

a criança tida como moralmente abandonada para o hábito do trabalho. Surgiram diversas leis

de cunho assistencial e que instituíam escolas de aprendizagem, cuja proposta era oferecer

treinamento especializado, para capacitar crianças e adolescentes para o trabalho, (RIZZINI,

2004, p. 95). Esta é a parte da lógica que contribuiu para a construção social dos menores –

categoria jurídica que incluía as crianças material ou moralmente abandonadas. Associados a

esta imagem de criança, estavam os estigmas do abandonado e delinqüência. A infância em

situação de pobreza – o menor abandonado e delinqüente – tornou-se caso de polícia e

também alvo da assistência e da proteção, como mecanismo de controle social deste segmento

da população.

6 Dispositivo em forma de cilindro, colocado na parede de fora de algumas Santa Casas, que permitia à pessoa de fora girá-lo após colocar nele uma criança. Essa criança era geralmente “filho (A) bastardo” (Ver Marcílio).

Page 37: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

36

A história da assistência à infância no Brasil demonstra que este menor – categoria

sobre a qual se debruça à lei – foi considerada objeto de tutela do Estado. Este foi o enfoque

adotado pelo Código de Menores de 1927 e posteriormente reafirmado com maior rigor pelo

Código de Menores de 1979 (Lei Federal nº. 6.697/79), que adotava a Doutrina da Situação

Irregular, a qual legitimava a intervenção estatal sobre menores que estivessem em qualquer

das circunstâncias que a lei considerasse como situação irregular. Pela leitura das hipóteses

legais definidas como tal, observa-se que o Código de Menores de 1979 evidenciava muito

bem o público alvo ao qual ele se referia: mais uma vez, a infância (e adolescência) pobre e

marginalizada (RIZZINI, 1993).

A Legislação produzida nas primeiras décadas do século XX respondia aos

temores abertamente propagados em relação ao aumento da criminalidade infantil. E, ao

mesmo tempo, atendia a dupla demanda de proteção à criança e à sociedade, à medida que se

buscava deter aqueles que ameaçavam a ordem, através da aplicação de medidas repressivas

no âmbito da justiça-assistência. As medidas propostas visavam, sobretudo, um maior controle

sobre a população nas ruas através de intervenção policial e formas de encaminhamento dos

apreendidos, entre eles, crianças e jovens. Veja-se, por exemplo, a Lei nº 947, de 29 de

dezembro de 1902, (Apud RIZZINI, 2004, p.131), que “Reforma o Serviço Policial no Distrito

Federal”, em cujo texto se lê:

“Fica o poder Executivo autorizado a criar uma o mais colônias correccionaes para a rehabilitação pelo trabalho e instrução, dos mendigos, vagabundos ou vadios, capoeiras e menores viciosos que forem encontrados e como taes julgados no Districto Federal” (RIZZINI, 2004, p.131).”

Os juristas, legisladores e demais porta-vozes da causa da infância, cujas

propostas ficaram registradas na história, tinham a percepção de que estavam diante de um

problema grave e importante. Acreditava-se estar em jogo o futuro da nação, uma nação que

precisava ser saneada e civilizada. Cabe não perder de vista esta dimensão social, que

mobilizou diversos grupos a defenderem suas propostas de reforma para o país através da

intervenção do poder público sobre o segmento infantil e juvenil da população. Era aquele

impulso de ‘salvar a criança’, aos poucos grupos que emergiam de uma sociedade civil

pulverizada e misturada aos negócios do Estado, atribuíam ao poder público o papel de

liderança absoluta na “gestão da população” (DONZELOT, 1986). É exatamente o que

acontece no caso da infância, como revela o conteúdo da legislação e das políticas jurídico-

sociais a ela destinadas.

Page 38: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

37

4 DECRETO Nº. 218: A REGULAMENTAÇÃO DA ASSISTÊNCIA E DA

PROTEÇÃO AOS MENORES DE 18 ANOS NO ESTADO DO MARANHÃO

A partir do final do século XIX e início do século XX, percebe-se um discurso

apologético em prol da criança desvalida, a priori, por parte dos médicos higienistas, que em

suas falas promoviam o “saneamento social,” em outras palavras, o termo sanear, extraído da

medicina, era com freqüência usada no discurso sobre a transformação do país, para designar

a necessidade de curar ou remediar os males de cunho moral, associadas às pessoas tidas

como inferiores. Nesse sentido, encontravam-se como inferiores, qualquer pessoa que

estivesse desequilibrado moralmente a sociedade, no caso os desempregados, mendigos, os

viciosos (alcoólatras) e prostitutas, para estes viciosos apontava o caminho unilateral a

correção servindo como requisito básico para o desejável progresso rumo à civilização e a

fórmula estava no aperfeiçoamento moral da sociedade.

Conseqüentemente a criança pobre tornar-se-á o centro das atenções dos

higienistas vendo-as como algo a ser moldado para transformá-la em homem de bem, seria

para os médicos um investimento social necessário, sendo a criança pobre, moralmente

abandonada, o alvo prioritário da assistência. Tal propósito aparece de forma clara no discurso

sobre a ‘educação da infância desamparada.

(...) A defesa feita (com a educação dos desvalidos) acha-se compensada pelo aperfeiçoamento moral da sociedade, e pelo desenvolvimento das indústrias que são fonte de riqueza (...) o ensino primário e profissional resolve também a questão política, ensinando ao cidadão os seus direitos e deveres. (CARVALHO apud RIZZINI, 2007, p.110).

Para a infância exposta ao vício e ao crime, portanto moralmente abandonada se

voltavam os olhares preocupados em busca de solução, pois não se cogitava dúvidas da

ameaça que essa exposição representava. Assim o acompanhamento jurídico para esse

segmento da população instrumentalizou, a sociedade na defesa da intervenção dos poderes

com a máxima urgência; principalmente, nas primeiras décadas republicanas. Vasta gama de

propostas no âmbito da justiça e da assistência logrará espaço no país. Cabe focalizar como as

legislações destinadas as crianças com propostas de assistência e proteção, especialmente, o

Código de Menores instituído nacionalmente e o Decreto 218 no Maranhão, conceberam

infância pobre associada ao crime. Portanto as medidas cabíveis para solucionar o problema

da criança moralmente abandonada, seria interditá-la.

Page 39: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

38

O discurso vigente a época do início do século XX, era a tônica de salvar a criança

dos males dos vícios torná-las virtuosas. Em São Luís essa discussão, também foi bem

recebida pela sociedade ludovicense, tanto que em 15 de dezembro de 1931, foi aprovado o

decreto n° 218, que estabelecia entre outras coisas proteção e assistência aos menores

moralmente abandonados, nota-se que este decreto parte do mesmo princípio do Código de

Menores de 1927. Onde crianças pobres são apresentadas como marginais em expressões

pejorativas como: vadias, libertinas, mendigos entre outros. Mesmo as crianças vendedoras

ambulantes, jornaleiros, doceiros, eram taxadas de vadias.

Porém, esse discurso estava sob o viés do progresso, da civilização e

modernização, ao que parece, diferentemente de outras cidades como Rio de Janeiro e São

Paulo que estavam no auge do crescimento populacional, industrial, urbano e econômico, São

Luís estava somente no ideário utópico do discurso da trilogia: progresso, civilização e

modernização, como demonstra o historiador Flávio Reis em sua dissertação de mestrado

sobre Grupos políticos e Estrutura oligárquica no Maranhão (1850/1930).

Essa disposição associativa desenvolvia-se num quadro mais amplo de insatisfação popular, que dizia respeito diretamente às condições de vida, falta de habitação, carestia dos gêneros alimentícios, deficiência dos serviços públicos básicos. O abastecimento de água, a iluminação a gás e o transporte coletivo (bondes puxados por burros) desde o século XIX. (REIS, 1992, p. 74).

Ainda segundo Reis, “São Luís continuava uma cidade suja, escura, a mercê das

constantes epidemias” (REIS, 1992, p.75).

A cidade revelava-se o mais flagrante lócus da desordem, da doença, da

criminalidade e da imoralidade. O estilo de vida citadino, tão vulnerável à viciosidade e tão

diferente daquele que caracterizava a vida rural, surgia com certo tom de espanto em todo o

tipo de literatura da época. As formas arquitetônicas e a divisão espacial da cidade também

eram objeto de contraste, revelando uma preocupação constante com a segurança e a ordem.

Por um lado, a cidade não tinha como esconder suas mazelas e suas vergonhas, dada à

concepção espacial e concentração humana a partir de seu “centro”. Por outro, a existência de

esquinas, becos e ruelas estreitas garantindo a penumbra a qualquer hora do dia.

Em texto de Maria Alice Rezende de Carvalho sobre ‘imagens urbanas e

representações da vida social’ a autora discute este momento da nascente civilização urbana,

mostrando que:

Page 40: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

39

“(...) as imagens das cidades européias do século XIX, de inspiração iluminista, acomodavam precariamente o passado e o futuro, afirmando, por um lado, a positiva inscrição da liberdade, no sítio urbano é saudando o tempo da indústria como a realização da utopia civilizadora; e por outro, garantindo uma estratégica retaguarda – expressa nas nostálgicas referências a uma vida pastoral –, acionada sempre que o tema da liberdade era qualificado pela igualdade requerida por multidões insolentes (CARVALHO, 1994, p.14).

Ainda nas palavras de Maria Alice Rezende de Carvalho, o Rio de Janeiro será,

pois a cidade modelo, aquela que singularizava a sociedade urbana da época – embora se

tenha buscado evidências e material ilustrativo em outras partes do país, com o propósito de

demonstrar que o tema foi objeto de preocupação e ação de âmbito nacional. É no Rio de

Janeiro, capital do país, que serão gestadas as principais idéias discutidas para o significado

da vida moderna para um brasileiro do século passado. A cidade era símbolo do novo, a via de

acesso ao progresso, ao sonho de liberdade. No espaço urbano praticava-se um modo

‘capitalístico’ de viver... modernizavam-se as ruas e criavam-se os espaços públicos

destinados ao lazer e ao consumo. (CARVALHO, 1994).

A construção de uma cidade moderna e saneada passava, necessariamente, por

uma “limpeza estética” que negasse as mazelas sociais evidenciadoras do caos urbano. As

crianças de rua tornam-se, assim, um problema que precisa ser resolvido uma vez que está

diretamente ligado à necessidade de prevenir uma possível ampliação futura do quadro de

crime e vagabundagem da cidade.

Diante da conjuntura que se fazia presente nacionalmente sobre o problema da

criança pobre como um estorvo para o progresso da nação, médicos, jornalistas, pedagogos e

juristas, pensaram em medidas profiláticas em benefício a essa infância desvalida, além disso,

países ‘cultos” da Europa e Estados Unidos davam a impressão de terem solucionado este

problema através do mecanismo de confinamento das crianças em internatos, asilos e

reformatórios. Para os reformadores brasileiros a fórmula estava pronta a ser usada em favor

dos menores abandonados, pervertidos e delinqüentes. Importava neste momento legalizar ou

oficializar a existência desses “pequenos herdeiros” da promiscuidade.

Para isso, desqualificava a situação de pobreza vivida pela maioria da população,

associando pobreza e degradação moral, inicia-se um longo discurso elitista de concentração

dos hábitos populares. A população, dentro deste processo, nem sempre aceitava a

metodologia intervencionista adotada. Podem-se destacar os serviços de profilaxia faziam-se,

muitas vezes, em tom autoritário como foi o caso da Revolta da vacina no Rio de Janeiro,

Page 41: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

40

durante o governo de Rodrigues Alves. O que alimentava a resistência popular à adoção das

medidas governamentais de controle de endemias.

Segundo Nascimento (2007, p.25), nesse sentido, o Estado vai intervir no espaço

social através do policiamento de tudo que for causador da desordem física e moral e pela

ordenação desta sob uma nova ordem, o que ocasionava, vez por outra, choques com a

camada popular gerado pela insatisfação com o método utilizado e acirramento das

contradições sociais.

A partir desse contexto viabilizaram-se inúmeras medidas específicas de proteção

sócio-educativas para o “tratamento da criança pobre”, bem como legislação específica para

essa infância como o Código de Menores de 1927 no Brasil e no Maranhão o Decreto nº. 218

de 1931.

A aprovação do Decreto em 1931 transcorreu particularmente num momento de

grande instabilidade política e social no Maranhão, período denominado pelo historiador

Mário Meireles como a “Era dos Tenentes”. Marcado pela forte presença de interventores

apoiados pela política centralista de Getúlio Vargas. Só entre 1930 e 1937, governaram o

Maranhão, sete interventores, cujos mandatos em geral, foram marcados por conflitos e

instabilidades. O primeiro interventor federal no Maranhão foi o General Luso Torres, que

assumiu somente por dez dias, passando o cargo para Reis Perdigão. Posteriormente, assumiu

o padre Astolfo Serra. Sobre o seu governo, o historiador Caldeira é enfático.

Exerce a interventoria federal no Estado, entre janeiro e agosto de 1931, no seu governo, Astolfo Serra procurou obter apoio dos mais diversos grupos sociais (comerciante, importadores, exportadores, proprietários de fábricas, trabalhadores do comércio e indústria) com vistas a legitimar-se como governante. Todavia logo perde o apoio de diversos desses grupos, contando apenas com a sustentação da pequena massa de operários e comerciários da cidade de São Luís, que conclama a apóiá-la quando se vê abandonado pelas mais poderosas forças políticas do Estado. (CALDEIRA, 1999, p.102-103).

Astolfo acabou exonerado e em seu lugar foi nomeado o capitão Lourival Serôa

da Mota, que governou o Maranhão de 1931 até 1933. Durante a sua administração foi

efetivada a aprovação do decreto nº. 218, de 15 de dezembro de 1931 – decreto responsável

pela regulamentação do processo da assistência e da proteção aos menores de 18 anos no

Estado. É sob esta instabilidade política e social, que veremos trilhar as bases legais para

legitimar a infância pobre estigmatizada de perigosa a si e a sociedade se não for interditada

imediatamente.

Page 42: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

41

Nesse sentido buscou-se enveredar pelos caminhos traçados pela legislação

especial destinada a infância desprotegida regulamentada pelo Código de Menores de 1927,

daí o interesse do estudo prestigiar a 2ª metade do século XX, precisamente os anos de 1927 a

1931, são períodos correspondentes simultaneamente ao Código de menores, legislação

oficial do Brasil e ao Decreto nº 218 para o Estado do Maranhão. Ao mesmo tempo percebe-

se um grande interesse por parte das autoridades da época em “legalizar” a infância pobre,

dando plenos poderes aos juizes de menores de decidir sobre os rumos desta infância

pauperizada.

O século XX pode ser visto como século em que as crianças e os adolescentes

passaram a ocupar um amplo espaço na sociedade ocidental. De forma mais direta ou não,

tornaram-se o centro das atenções, tanto para a família como para os especialistas de várias

áreas. No campo do direito, porém, pertencem a uma categoria ainda distante de uma situação

estável e continuam sendo encarados como pessoas que necessitam de tutela total. Além

disso, apesar de estar consolidado o reconhecimento da infância e da adolescência, difundiu-

se desde o início deste século a separação entre criança e menor.

O termo “menor”, adotado no final do século XIX, inicialmente, apenas como

limite de idade, era utilizado com uma conotação pejorativa: indicar as “crianças e

adolescentes pobres das cidades” (LONDOÑO, 1991). Portanto, mesmo que para as áreas

envolvidas diretamente com criança o termo tivesse uma definição precisa, a divulgação de

“menor” e sua utilização cada vez mais freqüente pela sociedade em geral contribuíram para a

produção de uma visão normalmente confusa e estigmatizante.

Analisando essa questão, Marisa Corrêa constata que no processo de implantação

no Brasil do serviço de identificação, no início do século, o “menor” aparecia como um grave

problema. Dessa forma, a separação entre criança e “menor” ficava cada vez mais evidente,

contribuindo para a formação da idéia de que “não se trata propriamente de crianças, mas de

delinqüentes” (CORRÊA, 2006).

Promovendo-se uma retrospectiva, observa-se que anterior ao surgimento da

Doutrina Jurídica do Menor em situação irregular, foi amplamente aceita em nosso sistema a

Doutrina do Direito Penal do Menor, que inspirou o Código Criminal do Império de 1830, o

primeiro Código Penal Republicano (1890) e o Código de Menores de 1927.

Page 43: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

42

O Código de 1830 tratava da responsabilidade penal dos menores, classificando-

os em quatro categorias, segundo a idade e o grau de discernimento. Assim, além do critério

cronológico, segundo o qual aos vinte e um anos atingia-se a imputabilidade penal plena,

adotou o critério do discernimento, ao prever que, na hipótese do menor de 14 anos

praticarem fato delituoso com consciência e capacidade de entendimento, seria reconhecido

como imputável e receberia, então, penas corporais.

O Código Penal de 1890 alterou em alguns aspectos a legislação anterior,

prevendo que os menores de nove anos de idade, em hipótese alguma, poderiam ser

considerados imputáveis. Esses eram tratados como não criminosos. Inovou, também, ao criar

os estabelecimentos disciplinares industriais para encaminhamento dos maiores de nove e

menores de catorze anos que praticassem ilícitos com discernimento sobre sua conduta.

Por volta de 1924 é criado e regulamentado por parte do Poder Judiciário o

Juizado de Menores e de todas as instituições auxiliares. A criança e o adolescente passam a

ter uma legislação especial, diferenciando a idade de responsabilidade penal do “menor” de 9

para 14 anos.

Em 1927 surge o primeiro Código de Menores brasileiro, tratando apenas, sobre

as medidas aplicáveis aos menores de 18 anos pela prática de fatos considerados infrações

penais, muito embora, em escala reduzida tenha introduzido normas de proteção da criança

em situação irregular, ao estabelecer medidas de assistência ao menor abandonado e coibir o

trabalho dos mesmos de doze anos e o trabalho noturno do menor de dezoito.

A regulamentação do decreto nº. 218, de 15 de dezembro de 1931, baseado no

Código de Menores estabelecia no art. 1°:

O Juízo de menores, criado pelo decreto nº 218 de 15 de dezembro de 1931, tem por fim a assistência e protecção aos menores de 18 annos de ambos os sexos, abandonados ou pervertidos, bem como o processo e julgamento dos delinqüentes maiores de 14 anos e menores de 18 annos, de acordo com a legislação federal.

A partir desse decreto foram consolidadas as leis de assistência e proteção aos

menores. Em termo dos dispositivos que o compõem, chama à atenção a especificação

detalhada das atribuições da autoridade competente, o juiz de menores, bem como as

prerrogativas do juizado de menores. Várias situações encaixavam-se na sua esfera de ação.

Page 44: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

43

Do Juízo de Menores Art.36 – Compete ao juiz: § 1º. – Processar e julgar o abandono de menores e os crimes ou contravenções por elles perpetrados; § 2º. – Inquerir e examinar o estado physico, mental e moral dos menores sujeitos às suas deliberações, e, ao mesmo tempo, a situação social, moral e econômica dos tutores e responsáveis por sua guarda; § 3º. – Ordenar medidas concernentes ao tratamento collação, guarda, vigilância e educação dos menores abandonados, pervertidos ou delinqüentes; § 4º. – Decretar a suspensão ou a perda do pátrio poder, relativamente aos menores abandonados à sua jurisdição, etc.

Quanto aos menores considerados abandonado há uma longa lista de

possibilidades, caberia a autoridade competente: ordenar a apreensão, providenciar sua

guarda, educação e vigilância, separando-o após cuidadosa classificação: idade, instrução,

profissão, saúde, abandono ou perversão do menor e a situação social, moral e econômico dos

pais ou tutor; recolher vadios e mendigos e apresentá-los à autoridade judicial.

Art. 5º. – O processo, para a verificação do estado de abandono ou perversão, será summarissimo. § 1º. – Este processo pode ser iniciado ex-offício, ou a requerimento do curador, ou por queixa, ou simples denuncia de outra qualquer pessôa. 2º. – Instaurado o processo, será notificado o pae, mãe, comparecer em juízo, no prazo de 48 horas e assistir, com intervenção do curador, à justificação dos factos allegados e apresentar sua defesa. 3º. – Poderá o juiz ordenar, para mais amplos esclarecimentos, quaisquer diligencias, no mais curto prazo. 4º. – Com provas produzidas, ouvido o curador, irão os autos à conclusão do juiz, que proferirá sua sentença dentro de cinco dias.

As crianças, abandonadas, mendigos, vadios e libertinos, denominações

consagradas à época pelo Código de Menores e pelo Decreto, passavam, facilmente, da tutela

da família para a do juiz de menores, que decidia seu destino de forma arbitrária, ou seja, sem

as garantias processuais, atualmente, existentes.

“A intervenção sobre as famílias pobres, promovida pelo Estado, desautorizava os pais em seu papel parental. Acusando-os de incapazes, os sistemas assistenciais justificavam a institucionalização de crianças. Os saberes especializados vieram confirmar a concepção da incapacidade das famílias, especialmente as mais pobres, em cuidar e educar seus filhos e foram convocados a auxiliar na identificação daqueles merecedoras da suspensão ou cassação do pátrio-poder”. (RIZZINI, 2004, p.70).

No Decreto nº 218, é considerado pervertido: Os menores vadios, mendigos e

libertinos.

§ 1º. – São vadios os que, tendo deixado, sem causa legítima, o domicílio do pae, mãe, tutor, guarda, ou os lugares onde se achavam collocados por aquelle a

Page 45: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

44

cuja autoridade estavam submentidos ou confiados, são encontrados habitualmente a vagar pelas ruas ou logradouros públicos, sem que tenham meio de vida regular, ou tirando seus recursos de ocupações immoral, proihida ou provadamente insufficiente. § 2º. – São mendigos os que habitualmente pedem esmola para si ou para outrem, ainda que este seja seu pae ou sua mãe, ou pedem donativos sob pretexto de venda ou oferecimento de objetos. § 3º. – São libertinos os que habitualmente; a) – Na via pública perseguem ou convidam companheiros ou transeuntes para prática de actos immoraes; b) – Se entregam à prostituição em seu próprio domicílio, ou vivem em casa de prostituta, ou freqüentam casa de tolerância, para praticar actos immoraes.

Com efeito, a rua, com seus encantos, perversidade e imoralidades, foi

vislumbrado como lócus central de proliferação e socialização dos elementos deletérios da

infância abandonada e desprotegida, sendo os fatores de ordem genética, social, moral e

econômica indiciados como causas corrolárias para o surgimento de uma patologia do desvio

a caracterizar a infância pobre que povoava os centros urbanos, especialmente a capital do

Estado do Maranhão. Excluída e desprezada do cenário escolar, a infância criminalizada,

vadia, analfabeta e perigosa constituía-se como ponta de lança de discursos e ações

direcionados a encaminhar um conjunto de medidas de profilaxia social, visando orientar a

remodelagem racional e científica na área da assistência e proteção à infância.

Em uma matéria jornalística intitulada Caçada de Menores, publicada durante o

mês de junho de 1927, o Jornal Vanguarda denunciava a ação empreendida pelo juiz de

menores do Distrito Federal, José Candido de Mello Mattos. Para o editorial do Jornal, a

sociedade não poderia ver com bons olhos as iniciativas do Poder Judiciário que, em nome da

proteção à infância, realizava ações arbitrárias arrebanhando as crianças que perambulava “à

solta” pelas ruas da cidade, não estabelecendo, assim, as devidas distinções entre “os bons e

os maus elementos, os vadios e os laboriosos os honestos e os viciados.” (CÂMARA, 2007).

Nas críticas veiculadas pelo jornal Vanguarda, não faltavam referências aos

aspectos que, embora aludissem à idéia de cuidados sociais a serem encaminhadas pelo então

juiz de Menores da Capital da República, acabavam por promover uma verdadeira “caçada as

criaturas”, onde crianças trabalhadoras eram encarceradas, deixando à solta pivetes que se

viciavam em uma liberdade sem repressão. Segundo a pesquisadora Sônia Câmara, a justiça

da época não direcionava a devida atenção para o fato de essas crianças, assoladas pela

miséria social e econômica, não poderem freqüentar escolas e receberem “as luzes da

pedagogia moderna” e se em função disso não possuíssem primores de educação e cobrissem

de andrajos os seus corpos magros “não é porque não desejassem a sedução desses regalos. Só

Page 46: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

45

poderiam viver à custa de seu próprio esforço, constituindo-se em muitos casos, como único

meio de colaborarem para subsistência de suas famílias” (VANGUARDA, apud CÂMARA,

2007, p. 264).

Relacionado à origem do abandono com as condições econômicas e sociais que a

modernização trouxe, os juristas, tanto no começo do século como nos anos 20 e 30, não

deixaram, porém de apontar a decomposição da família e a dissolução do poder paterno, como

os princípios responsáveis de tal situação. Assim, Evaristo de Moraes, em 1900, falando a

propósito dos menores entre 10 e 20 anos que povoavam as ruas da cidade observava:

Entre esses precoces vagabundos os há que teem pai e mãi; os ha que teem apenas um dos progenitores; os há vivendo apparentemente sob direcção de qualquer membro da família. A realidade, porém, é das mais dolorosas: são moralmente abandonadas, são, na maioria dos casos aquillo que d’elles disse Julio Simon:- orphãos com pais vivos! (MORAES, apud LONDOÑO).

Sobre a educação do menor abandonado ou pervertido.

O próprio uso da palavra “educação”, no período estudado, corrobora a hipótese

de que o objetivo não era realmente tirar da ignorância a massa da população. Falava-se

repetidamente em educar, mas no sentido particular como antídoto à ociosidade e à

criminalidade e não como instrumento que possibilitasse igualdade social.

Art. 19º – Os menores de qualquer sexo poderão ser entregues as instituições particulares de patronatos, quando forem abandonados. Si forem pervertidos ou delinqüentes, poderão ser recolhidos a estabelecimentos cujo regime se preste a regeneral-os.

O trabalho foi um dos componentes básicos nas propostas dos juristas para a

recuperação dos menores e adolescentes, que deveriam ser retirados das ruas e internados em

instituições fechadas, onde seriam “reciclados” para que no futuro fossem bons trabalhadores

e cidadãos.

Em seu livro, A escola e a República, Marta Maria Chagas de Carvalho

argumenta que embora a escola tenha sido, no imaginário republicano “signo da instauração

da nova ordem e arma para efetuar o progresso”, ela era vista como uma ‘arma perigosa’,

“(...) exigindo a redefinição de seu estatuto como instrumento de dominação” (CARVALHO,

1989, p.7). A seu ver, os primeiros anos da República foram marcados pelo retrocesso a nível

de uma proposta de política educacional, mantendo-se a descentralização do ensino público

primário, sem qualquer tipo de apoio por parte da União. O resultado desta “indiferença”

Page 47: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

46

nacional foi a total desarticulação entre os vários Estados e a desorganização do ensino ao

nível dos governos locais. Esta situação fez perpetuar na República o ranço da escola herdado

do Império. Na época, as escolas eram representadas como:

“(...) Casas sem luz, meninas sem livros, livros sem método, escolas sem

disciplina, mestres tratados como parias.” (CARVALHO, 1989, p.84).

Em 1905 o discurso de Rodrigues Alves, então presidente da República,

referindo-se a sua “Clara percepção de que numa cidade moderna e saneada era preciso

também uma população expurgada de seus piores elementos (...) era urgente e indispensável

reprimir a vagabundagem, o vício e o crime com a criação de colônias correcionaes,

preservado ao mesmo tempo, a mocidade que para aquelle se dirigia, por meio d’uma

educação em instituições apropriadas (RIZZINI, 1995, p. 248).

No artigo 20 do decreto 218, fica o juiz responsável pela fiscalização dos

estabelecimentos destinados aos menores moralmente abandonados.

Art. 20º – A associação e a particulares fica o direito de fundar. Sob as bases do presente decreto e fiscalização do juiz de menores, estabelecimentos destinados à internação e educação de menores de qualquer sexo, moralmente abandonados.

Fica claro, de acordo com o Decreto que esses estabelecimentos, tanto os

formados por associações como os que pertencessem a particulares teriam ajuda de “custo”

por parte do Estado estipulado pelo número de menores recolhidos.

§ Único – A esses estabelecimentos será concedida pelo Estado uma subvenção penuniaria annual, em proporção ao número de menores recolhidos. (DECRETO, nº 218).

Portanto, a consolidação de uma política de ‘assistência e proteção aos menores’

significou a dicotomização da infância na prática. Aos menores, a instrução mínima que

permitisse domesticá-los para o uso de sua força de trabalho. No fundo, é o mesmo tipo de

dicotomização que previa cidadania plena para alguns e a vetava para a maioria

(CARVALHO, 1991).

A educação como chave para a civilização era certamente um paradoxo a ser

enfrentado. E não apenas em São Luís, mas no Brasil. Não por acaso, a aquisição de

conhecimento foi historicamente restrita a minorias. No nosso caso, quando se impôs a

necessidade de “educar o povo”, cuidou-se de fazê-lo com cautela. A opção pela priorização

Page 48: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

47

de uma política que nitidamente dividia crianças e menores, destacando-se o segmento

representado como “pervertido ou em perigo de o ser”..., reflete as condições acima apontadas

de se promover a educação, porém limitando seu acesso a uma determinada parcela da

população. (RIZZINI, 2007).

Existiram vozes que defenderam o investimento público na educação básica para

todos, esses discursos partiam dos higienistas, representados por grandes nomes na área de

saúde pública, tais como Oswaldo Cruz, Miguel Couto e Belisário Pena.

Na década de 1920, quando eram consolidadas as leis de assistência e proteção ao

menor, registra-se “(...) a quase inexistência de um sistema organizado de educação pública

no país” e a ocorrência de tentativas de politização no campo educacional (CARVALHO,

1989). Destaca-se o ‘Movimento da Escola Nova’, liderado por educadores de renome como

Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. O movimento encontrou grande resistência,

sobretudo por parte da Igreja Católica, tendo alguns de seus líderes sido taxados de

comunistas e caído no ostracismo. São dados que nos ajudam a entender porque nossos

reformadores, em particular, os juristas que se percebiam como missionários por um Brasil

saneado, defendiam outras idéias, conforme exposto.

De forma estratégica, conseguiu-se caracterizar valorativamente a educação como

‘arma perigosa’. Ao se criar a imagem da criança criminosa, fez-se acatar a idéia da morte “da

cândida alma infantil” (RIZZINI, 2007). Ao destacar da criança, a figura do ‘menor’, este

representando a infância perigosa ou em perigo de o ser, foi fácil justificar o tratamento

“moralizador e saneador” deste grupo através da ação concebida nos moldes da Justifiça-

Assistência, priorizando-se a reeducação/regeneração/reabilitação como fórmula socialmente

legitimada para a meta de civilizar o Brasil.

Sobre o papel da família no Decreto nº. 218.

Os ‘menores’, sobre os quais incidia a necessidade de assistir e proteger, passaram

a ser alvo de minuciosa investigação para que se chegasse a uma classificação de “seu caso”,

a partir da qual seria definido o tipo de tutela mais indicado. Procurava-se escrutinar a sua

história, abordando sua filiação, naturalidade, residência, precedentes, estado físico e mental,

herança, relações familiares ocupação, educação, saúde e moralidade (Art. 36º). A partir daí,

chegava-se a uma classificação da criança ou jovem, procurando-se detectar o seu ‘grau de

Page 49: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

48

perversão’: se abandonado ou delinqüente, se vicioso, se portador de má índole ou más

tendências, se vagabundo, pervertido, libertino ou em perigo de o ser.

§ 2º. – Inquerir e examinar o estado physico, mental e moral dos menores sujeitos às suas deliberações, e ao mesmo tempo, a situação social, moral econômica dos paes, tutores e responsáveis por sua guarda.

Investigava-se também a família do ‘menor’ com o objetivo de avaliar a sua

“capacidade legal e moral para tê-lo sob sua guarda”. Nos moldes da tão frequentemente

citada legislação dos países considerados cultos (RIZZINI, 1995), foram criados dispositivos

de suspensão, perda e restituição do pátrio poder, de modo a garantir qualquer tipo de

intervenção que se considerasse adequada, à revelia da família.

Quanto ao papel da mulher mãe requerer a guarda do filho.

O papel da mulher-mãe no caso de separação, a mãe só poderia ficar com a guarda

do filho, se tivesse como provar ao juiz sobre suas condições econômicas e morais virtuosa,

lógico que ambos deveriam ser bem sucedidos de acordo com os critérios estabelecidos pelo

juiz, caso contrário, de imediato a mãe perderia a guarda. Porém é digno lembrar, que se trata

de uma família pobre na segunda metade do século XX (1927-1930), onde os empregos mais

freqüentes para as mulheres eram: as indústrias, os serviços domésticos e de vendedoras

ambulantes, digam-se de passagem, todos esses trabalhos eram criticados pelos juizes.

Segundo eles são serviços onde à exposição da mulher é muito grande favorecendo o contato

com a vida promíscua, portanto passível de contrair vícios.

Art. 23 – Si os cônjuges não viveram juntos, os poderes do pae poderão passar a ser exercidos pela mãe, quando estiver em condições econômicas e moraes de prover a manutenção e educação dos filhos.

Sobre a questão moral da mulher associada ao trabalho citamos a autora Elaine

Bernal:

Aquelas mulheres que trabalhavam em serviços com atribuições femininas, mais direcionadas para o lar, que poderiam ser cozinheiras, lavadeiras e arrumadeiras, sofriam menos preconceito moral do que as que eram operários industriais. Mas, mesmo não sendo tão malvista, as mulheres de empregos mais familiares não se livravam das acusações de serem incapazes e incompetentes.

A estratégia encontrada por diversas mães trabalhadoras foi pagar outras mães

para cuidar de suas crianças, criou um tipo de emprego informal e, dessa, maneira, também

garantia certa de renda para outras mães (CARVALHO, 1997). Só que essas mães muitas

Page 50: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

49

vezes moravam em locais com falta de espaço, o que não permitia que várias crianças

permanecessem dentro da moradia, e assim, elas ficavam brincando pelas ruas.

Segundo Bernal Muitas famílias não se encaixavam nos padrões pensados por

médicos e Juristas, principalmente as crianças e jovens. De acordo com o Código de Menores,

já tinha sido restrito o ato de vagar pelas ruas ou em logradouros públicos. Com a portaria

baixada pelo juiz de menores em 1939, foram reafirmadas as normas para a repressão contra a

vadiagem, ficando permanentemente resolvido que seriam detidos e apresentados ao juízo “os

menores encontrados vagando nas ruas, esmolando, tomando traseira de veículos ou

praticando o futebol na via pública.” (BERNAL, 2004). Vale a pena destacar, para o nível de

repressão alcançado, o mesmo que equiparar jogar futebol nas ruas com atos de infração.

Art. 6º - Consideram-se menores delinqüentes, para os effeitos do Decreto nº. 218 e deste regulamento, aquelles que, tendo mais de 14 e menores de 18 annos de idade, forem indigitados autores ou cúmplice de facto qualificado pela lei como crime ou contravenção. São excluídos dessa categoria os menores de 14 annos, os quês não serão submetidos a processo penal de espécie alguma. A respeito destes menores procederá a autoridade como se acha disposto no capítulo III.

Retomando a reflexão sobre o conceito de abandono, que poderia transitar no

amplo terreno da vadiagem, perversão e mendicância, um outro conceito seria atribuído ao

campo do considerado abandono: a delinqüência ou a infração. Artigo do Código de Menores

combinados com artigos do Código Penal, que consideravam a situação de jovens que

praticavam contravenções. O que definia se o jovem era delinqüente ou abandonado? Seria

considerado tanto delinqüente quanto abandonado, o primeiro porque cometeu infração e,

segundo, porque estava em condição de abandono, lembrando que para os conceitos da época

abandono e delinqüência andavam quase de mãos dadas.

Dessa forma, os jovens não seriam submetidos pelo processo penal, mas seriam

averiguadas suas condições sociais, que em vários casos levariam à determinação da condição

de abandono. A faixa etária dos jovens definiria uma diferenciação do período de internação,

entre três e no máximo sete anos, que corresponderia á idade – limite de 21 anos. Assim,

aquele que fosse julgado aos catorze anos não sairia depois dos 21, e também aqueles que

tivessem quase 18 anos.

Durante o período de aguardo do processo de julgamento de abandono pelo

juizado de menores, as crianças e jovens ficavam instalados em diversos locais como:

Page 51: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

50

hospital, asilo, instituto de educação, oficina e escola da preservação ou de reforma, onde

passavam por diversos exames.

Art. 4º a) Cabe ao juiz entregal-o a pessoa idônea ou internal-o em hospital, asylo, instituto de educação officina, escola de preservação ou de reforma; Art. 36º § 2º Inquerir e examinar o estado Physico, mental e moral dos menores sujeitos à suas deliberações.

Durante a estadia da criança nesses abrigos provisórios, ela passaria por diversos

exames. Um deles era para que fosse verificada a idade, porque, na maioria das vezes, não

possuíam certidão de nascimento. Outros exames eram feitos para verificar o estado de saúde

físico e mental das crianças. Elas deveriam estar com todos os exames realizados para quando

fosse solicitada sua presença perante o juiz para a resolução da sentença.

Esses autos de verificação de idade tinham um formato que se assemelhava muito

aos exames de corpo de delito de prática policial. Na verdade, os exames a que as crianças e

adolescentes eram submetidos, bem como o exame médico e psíquico misturavam uma

espécie de análise inquisitorial com saberes específico. Donzelot ressalta que ao observarmos

os:

“Julgamentos com seus considerados, relatórios de assistência educativas, de consultas médico-psicológicos, temos a impressão de uma ondulação infinita do mesmo discurso. Pode-se explicar isso através do efeito propriamente burocrático: esses documentos são frequentemente, recopiados uns dos outros. Mas essa homogeneidade ocorre, sobretudo, por causa da concentração das diversas observações efetuadas sobre o menor e sua família, numa única instância, a consulta de orientação educacional.”

Recolhido ao sistema de “assistência”, crianças e adolescentes foram avaliados

como “seres humanos inferiores”, pela condição humana de crianças pobres em que se

encontravam, tendo sido reconhecidos pela medicina como “retardados sociais, morais,

pedagógicos e de nível inferior”. O que todas essas definições têm em comum é que assumem

uma polaridade entre categorias de homem e animal, na qual o animal é considerado inferior.

Historicamente, traçou-se uma linha divisória entre o homem e os animais, em que os homens

atribuíram aos animais os impulsos da natureza que mais temiam em si mesmos, e as novas

sensibilidades foram também delineando a estranheza aos membros da sociedade que eram

diferentes. A diferença poderia ser comparada a tudo o que era animalesco, e o ideal do

próprio relacionamento (THOMAS, 1996).

Page 52: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

51

De acordo com o estudo de Marta Maria Chagas de Carvalho, (in FREITAS,

1997, p.278),

“Observar, medir, classificar, prevenir, corrigir. Em todas essas operações, a remissão à norma é uma constante. A pedagogia científica, as práticas que a constituíam e as que derivam dela, caracterizavam-se, assim, por essa remissão constante a cânone de normalidade produzidos, pelo avesso, na leitura de sinais de anormalidade ou degenerescência que a ciência contemporânea colecionava em seu afã de justificar as desigualdades sociais e de explicar o progresso e o atraso dos povos pela existência de determinações inscritas na natureza dos homens.”

Essa síntese Médico psicopedagógica era um exame que fazia parte do estudo

pelo qual as crianças passavam. Podemos afirmar que a medicina colocava a infância e a

juventude como um estágio da condição humana de “inferioridade”, pois eram comparados a

estágios “bestiais” do ser humano, em que a pobreza seria um agravante associado à

ignorância. Seriam esses elementos que caracterizariam os seres humanos num estágio

inferior, em que não tinham alfabetização nem boa conduta moral e social.

No interior desses exames e diagnósticos cruzam-se as teorias eugênicas e a

preocupação dos institutos médicos com as cidades. Nesse sentido, o Médico psiquiatra

Renato Kehl (BERNAL, 2004), foi um defensor ferrenho da eugenia. Estudo que designava

os fatores sociais controláveis que podiam elevar ou diminuir as qualidades raciais, tanto

físico quanto mentais, das gerações futuras. A eugenia foi álibe que permitiu aos médicos

psiquiatras as fronteiras da higiene mental e alastrar-se no terreno social.

Nesse contexto, a pobreza era sinônimo de perigo social em vários aspectos. Os

pobres ofereciam o perigo do contágio de doenças por causa de suas habitações insalubres e

coletivas, eram viciosas e estava sempre a beira do que poderia torná-las “classes perigosas”

(CHALHOUB, 1998). Tais concepções articulavam-se e embasavam a aplicação do código de

Menores na definição de abandono.

Art. 13º - Consiste a liberdade vigiada em ficar o menor, em companhia e sob responsabilidade dos paes, tutor ou guarda, aos cuidados de um patronato e sob a vigilância do juiz, de accordo com os preceitos seguinte. § 1° - A vigilância sobre cada um dos menores será exercida pela pessôa e sob a forma que o juiz determinar. § 1º - Pode o juízo impôr aos menores as regras de procedimento e aos responsáveis as condições que acharem convenientes.

A lei para os menores prescrevia, tanto ao abandonado quanto ao delinqüente a

internação, o que por vezes expunha crianças que houvessem saído temporariamente de casa à

Page 53: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

52

situação de interno, dificultando o contato como os familiares. “O artigo 56 do Código Mello

Matos estabelecia que, se no prazo de trinta dias, a contar da entrada em juízo, o menor

fugitivo ou perdido, que estivesse em situação irregular não fosse reclamado por quem de

direito, o juiz, declarando-o abandonado, dar-lhe-ia o conveniente destino, isto é, seria

internado”. (SILVA, 1997, p.60).

O próprio termo “menor” toma dimensões estigmatizantes dentro da política de

atendimento. Irmã RIZZINI (1993) diz que na prática jurídica a construção do “menor” tem

os seguintes sentidos:

Menor não é apenas aquele indivíduo que tem idade inferior a 18 ou 21 anos conforme mandava a legislação em diferentes épocas. Menor é aquele que, proveniente de família desorganizada, onde imperam os maus costumes, a prostituição, a vadiagem, a frouxidão moral, e mais uma infinidade de características negativas, tem a sua conduta marcada pela amoralidade e pela falta de decoro, sua linguagem é de baixo calão, sua aparência é descuidada, tem doenças e pouca instrução, trabalha nas ruas para sobreviver e ainda em bandos com companhias suspeitas. (RIZZINI, 1993, p.96).

A autora detecta, em análise de documento, artigos e relatórios, uma diferença na

terminologia empregada pelo juízo de menores da capital de São Paulo para referir-se a

crianças das quais este se ocupa. Segundo a pesquisadora, “a diferença na terminologia

empregada é resultado de diferenças significativas na forma de se conceber o menor e a

criança”. (RIZZINI, 1993, p.94).

RIZZINI (1993) mostra ainda as necessidades de reforma deste menor, resultando

numa prática excludente e discriminadora - colocando-as em reclusão, sem direito à defesa.

Analisando vários processos, a autora salienta a diferença entre os diagnósticos feitos na

década de 20 e os do final da década de 30, início de 40. “Observa-se um aumento na

utilização de termos psiquiátricos e uma maior preocupação com a saúde mental.” (RIZZINI,

1993, p.87).

Não é difícil concluir que poucos escapavam da cuidadosa vigilância montada

para “educar, rehabilitar e recuperar” cada um dos “menores”, recolhido pela polícia,

deveriam ser encaminhados ao juiz, o qual definiria seu destino de preferência longe de seu

ambiente vicioso.

Art.4º- 0 juiz, logo que tenha conhecimento da existência de algum menor a respeito do qual deva tomar providencias, determinará à respectiva apprehensão e adoptará, colhidos as necessárias informações, as medidas convenientes

Page 54: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

53

quando da sua guarda, educação e vigilância do menor aprehendido ou que lhe for apresentado.

A medida punitiva mais freqüente era a internação desses menores. O século XX,

foi um período fértil na idealização dos estabelecimentos destinados à recuperação dos

menores. Lutava-se contra a prática de interná-los em casos de detenção e repudiava-se o

contato dos menores com criminosos adultos – a antítese da recuperação, obviamente.

Contudo, não se questionava a institucionalização como forma de prevenção e tratamento; ao

contrário, considerava-se necessário e salutar retirar a criança de um meio tido como

enfermiço e atentório à moral. Percebe-se nas entrelinhas do discurso institucional da

idealizada para “salvar as crianças”:

“Por toda a parte, nestes últimos, tempos, tem sido votadas leis especiaes, com o fim de melhorar a sorte dos pequenos desgraçados. Contemporaneamente a essas leis, fundam-se com prodigalidade digna de nota, estabelecimentos de grandes e pequenas proporções, apropriados a essa sorte de crianças e a sua educação, além de grande número de associações que visam o mesmo decideratum” (GOULART, apud RIZZIN, 2007, p.137).

Foram arquitetadas, neste período, diversas modalidades de estabelecimento,

desde instituições de ‘refúgio’ ou ‘depósito’, onde o menor aguardaria o destino legal ditado

pelo Tribunal, até estabelecimentos que os abrigariam por tempo indeterminado.

Para os menores, moralmente abandonados não viciosos ou pervertido eram

indicadas as ‘escolas de prevenção ou preservação’ uma para menores do sexo masculino e

outra para as do sexo feminino, situados dentro do perímetro urbano. A eles seria ministrada

instrução básica e dedicação ao trabalho, fixado em 8 horas diárias (PROJETO CHAVES,

apud BERNAL, 2004, p.123). Estas instituições eram também denominadas de

‘estabelecimentos industriais’. Via-se com bons olhos o aproveitamento dos menores nas

fábricas, como treinamento para o trabalho. O mesmo pode ser dito a respeito na utilização da

mão-de-obra infantil e juvenil nas zonas rurais, através da criação dos ‘Patronatos Agrícolas’,

destinados aos ‘menores abandonados’ e a ‘mocidade desaparelhada’, visando a “educação

moral, cívica, physica e profissional dos menores desvalidos” (RIZZINI, 2007).

Para os menores delinqüentes, prescrevia-se a ‘Escola de Reforma’, localizada na

zona suburbana da cidade, que, imaginava-se dividida em duas seções, uma industrial

destinada aos menores que tivessem sido absolvidos e uma seção agrícola para condenados.

No artigo 40 do projeto de 1912 (Apud RIZZINI, 2007, p.138), encontram-se a finalidade da

Page 55: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

54

‘Escola de Reforma’: “melhorar o caráter dos menores viciosos ou pervertidos, delinqüentes

ou não, pela educação e pelo trabalho”.

A legislação reflete um protecionismo, que bem poderia significar um cuidado

extremo no sentido de garantir que a meta de resolver o problema do menor efetivamente

seria bem sucedida. Por solucionar o problema entendia-se o exercício do mais absoluto

controle pelo Estado sobre a população promotora da desordem. Ao acrescentar a

categorização de menor abandonado ou pervertido, a frase... “ou em perigo de o ser”, abria-

se a possibilidade de, em nome da lei, enquadrar qualquer um no raio de ação do juiz. A

intenção era ainda mais óbvia no concernente aos menores caracterizados como delinqüentes.

Uma simples suspeita, uma certa desconfiança, o biótipo ou a vestimenta de um jovem

poderiam dar margem a que se fosse sumaria e arbitrariamente apreendido. Dizia a lei:

“Si o menor não tiver sido preso em flagrante, mas a autoridade competente para a instrução criminal achar conveniente não o deixar em liberdade, procederá de accôrdo com os§ 2 e 3 confiado, “mediante termo de responsabilidade, a sua própria família, pessoa idônea, instituto de ensino de caridade” (DECRETO nº. 218, art. 8º).

Por intermédio das disposições de intervenções estatal, na esfera privada das

famílias no Brasil e no Estado do Maranhão, procurou-se demarcar o espaço de competência

do Estado no sentido de si produzir estratégias visando, por um lado, prevenir contra a

perversão e o crime os sujeitos identificados como potencialmente perigosos ou em risco de

ser e, por outro lado, medicalizar e curá-los dos males sociais, morais, e hereditários que

geravam o comprometimento da espécie. Com base num regime de educação preventiva e

protetora, materializado por meio de ações pedagógicas e disciplinares, os reformadores

sociais proporam controlar e conformar os corpos e a cidade objetivando suplantar a miséria,

a ociosidade e a degradação que corrompia a infância pobre, estabelecendo como princípio

basilar o papel do Estado em sua missão de velar pela segurança e manutenção da paz social.

Cabe perguntar por que, em se tratando de formação da nação e da relação

identificada no século XIX entre a idéia de nação e de investimento na infância, o país optou

por um caminho que jamais conduziria a maioria de sua população ao almejado grau de

civilização, que pelo menos no discurso parecia aspirar. Para RIZZINI (2007), nos quarenta

anos que se seguiram a instauração da República – anos de debate e gestação de uma política

nacional dirigida à infância privilegiaram-se as formas de contenção extrema do segmento

Page 56: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

55

pobre da população infanto-juvenil, em detrimento de uma educação de qualidade, ao acesso

de todos.

A importância do investimento na educação básica das crianças era fato mais

sabido a época, seja através da experiência internacional, seja através da convicção de alguns

dos representantes daquela mesma elite dirigente do país. O fato é que, no decorrer do

Império, os primeiros movimentos na direção de se estruturar a educação pública. Na

República, pairava no ar a promessa de um Brasil que investiria na educação, como solução

para os problemas que constituíam obstáculo para o progresso (CARVALHO, 1989). No

entanto a concepção tradicional de assistência continuou sendo a que privilegiava o

internamento e a construção e remodelação desses estabelecimentos.

Nos discursos que embasaram a criação desses órgãos, as crianças e jovens

considerados abandonados representavam um perigo iminente para a sociedade, devendo,

assim, ser reeducados em instituições fechadas, que dariam conta de ressocializá-los como

cidadãos úteis e dóceis. Enveredando por esse caminho de análise, Edson Passetti, em

“Crianças carentes e políticas públicas” (PASSETTI, 1999, p.355), afirma que a década de

1920 significou uma preparação para a formação “das massas como rebanhos nos anos de

1930”, e naquele momento de getulismo, “de um mundo centralizador e disciplinador

emergiram outras formas de controle social”, e no Estado Novo pretendeu atingir toda a

sociedade com o paternalismo assistencial.

Para Bernal, (2004): O governo paulista, sob a chefia do interventor Adhemar de

Barros, por exemplo, respondeu de imediato. Organizou-se o Serviço de Menores

Abandonados e Delinqüentes. Tais políticas articularam-se no interior da concepção de

construção social de segurança do país e, para a conquista deste ideal, seria necessário

controlar e reprimir. O Serviço de Segurança enfatizava o aspecto da prevenção e da

vigilância. Nesse período temos o Serviço de Censura e Fiscalização, de repressão à

vagabundagem e até o Serviço de Censura Postal.

A partir dos anos de 1930, iniciou-se a política de controle social, com

intervenção do Estado e a presença de setores privados. Em 1940, essas instituições com

finalidades supostamente sociais expandiram-se no âmbito nacional, governamental e privado.

Nesse momento são estabelecidos convênios com associações particulares, como uma forma

Page 57: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

56

encontrada pelo governo para resolver a falta de verbas para a construção de novos

estabelecimentos. Isso fica claro no Decreto nº. 218, artigo 20º.

Art. 20º - Associações e a particulares fica o direito de fundar; sob as bases do presente decreto é fiscalização do Juiz de Menores, estabelecimentos destinados a internações educação de menores de qualquer sexo, moralmente abandonados.

Do que foi apresentado, é possível entrever que a produção e difusão de saberes

jurídicos, em voga no Brasil, durante as décadas de 1920 a 1930, encontravam-se imbricadas

a uma completa rede de relações de interdependência que acabava por hegemonizar formas de

compreender as infâncias pobres, abandonadas e criminosas e de configurar propostas e ações

visando a sua “correção”, “proteção” e regeneração”. Embora os congressos Internacionais, as

publicações de revistas e livros especializados tivessem contribuído, sobremaneira, para a

divulgação de idéias e de experiências realizadas internacionalmente, é possível afirmar que a

produção das políticas de assistência e proteção à infância foi produzida tendo como pano de

fundo e cenário as duas realidades específicas.

Nesse tocante, as formulações e critérios direcionados à guarda, à proteção e à

educação do menor, presente no Decreto nº. 218 de 15 de dezembro de 1931, constituíram-se

de maneira análoga as iniciativas presentes no Código de Menores de 1927 no que diz

respeito aos procedimentos direcionados a identificar as causas e os meios para prevenir e

anular os males decorrente do meio social, econômico e familiar, propondo para isso o

acauteletamento da criança desde a sua concepção até a adolescência. Na ordem de idéias de

intervenção social, buscavam, juntamente, com outras instituições voltadas para a proteção a

criança, atuar no sentido de se passar em revista à proteção da mãe durante o período de

gravidez, a proteção ao recém-nascido e da primeira idade, a proteção às crianças anormais e

a constituição das instituições destinas ao atendimento das crianças identificadas como

delinqüentes e abandonadas.

As propostas de constituição das escolas de Reforma de Preservação e a

organização pedagógica e disciplinar de seus programas objetivaram atender as demandas

atinentes à assistência, prevenção, proteção e cura, expressando a ênfase que os discursos

jurídico-educacionais assumiram na demarcação de posição no campo político e na luta

concorrencial pela hegemonia das concepções reorientadoras dos modos de vida, dos hábitos

e dos fazeres das camadas pobres no Brasil.

Page 58: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

57

A história da assistência à infância no Brasil demonstra que a criança substituída

pelo termo “menor” categoria sobre a qual se debruça à lei – foi considerado objeto de tutela

do Estado. Até o início do século XIX, a criança teria importância somente no âmbito

familiar. O Código de Menores só reafirmou a aprovação do Estado sobre a criança, ainda

pela influência do modelo higienista buscou-se formar a consolidação da chamada política de

assistência e proteção aos menores. Neste processo, a associação entre justiça e assistência

marcaram as concepções e as ações que surgiram em resposta ao problema do menor.

Para a pesquisadora RIZZINI (2004). Um dos marcos mais importantes referentes

a essa história emerge sob a égide do regime militar. Em nome da segurança nacional, a opção

política frente à situação de crianças e adolescente pobres foi a de criminalizá-los, mantendo a

lógica da situação irregular.

A questão do desenvolvimento do país e do desenvolvimento da criança pobre

passava, assim, pela imposição da ordem, pela inserção no trabalho. Na esfera da educação, a

política sempre tentou articular a ação pública com a intervenção privada.

Enfim, percebe-se que o Código de Menores e o Decreto nº. 218, dotaram de

representações imaginárias à infância pobre, esta é percebida como superfície chata e plana,

facilmente “moldável”, mas ao mesmo tempo como ser dotado de características e vícios

latentes, que deveriam ser corrigidos por técnicas pedagógicas para constitui-se em sujeito

produtivo da nação.

Enclausurar a criança pobre nos espaços disciplinares dos institutos profissionais

ou das escolas públicas apareceu como a maneira mais eficaz de adestrar e controlar um

contingente potencialmente rebelde e selvagem da população, aos olhos dos médicos,

filantropos e da elite com um todo. Na verdade, a preocupação policial de luta contra a

vagabundagem e a pequena criminalidade urbana esteve na origem da criação das instituições

de “seqüestro” da infância, antes mesmo da preocupação econômica de formação de novos

trabalhadores para a indústria. Além do internamento das crianças pobres nos orfanatos, o

poder médico defendia o aprendizado de uma atividade profissionalizante, muito mais em

função do aspecto moral – manter criança ocupada, “incutir hábito de trabalho”, “reprimir a

vadiagem” (RAGO, 1997).

Por isso, não era qualquer atividade que se valorizava para os menores. No

discurso de um criminologista, Nóe Azevedo, a profissão de jornaleiro, por exemplo, era

Page 59: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

58

considerada como altamente perigosa, justamente por se efetuar na rua, espaço público

contaminado moralmente. Ao contrário, as meninas, mesmo que ociosas no lar, preservavam-

se de um possível “contágio corruptor”.

Estratégia disciplinar suave e sutil de adestramento dos corpos e do espírito, a

terapia do trabalho visava manter os menores ocupados o tempo todo: no interior das escolas

particulares ou na esfera do lar, para os ricos, nas instituições assistenciais ou nos patronatos e

orfanatos, no caso dos pobres. (RAGO, 1999).

Ainda segundo Nóe Azevedo, a profissão de vendedor de jornais, ocupada por

grande número de meninos, estava na raiz do fenômeno da delinqüência infantil e constituía

uma porta aberta para o crime:

Mas que outra profissão lhe convém mais que a de vender jornais? Correr e gritar pelas ruas, querem coisa mais conforme ao temperamento irrequieto dos menores? Subir nos veículos, saltar com agilidade, disputar o freguês aos companheiros tudo serve de diversão. Entretanto (...) os trabalhos feitos na rua são os que fornecem a mais avulta porcentagem de delinqüentes (...). (AZEVEDO apud RAGO, 1999, p.123).

Com relação às crianças das famílias abastadas, o poder médico recomendava o

preenchimento das horas vagas com leituras selecionadas e ginásticas, medida preventiva

contra os vôos da imaginação e a prática onanista, característica dos jovens indolentes e

fracos. A moralização do corpo pela educação física e a higienização da alma por atividades

cientificamente orientadas e selecionadas afastaria, sobretudo nos adolescentes, o perigo das

deformações físicas e da corrupção moral. Esse controle, no entanto, deveria se exercer de

forma sutil.

Nas escolas privadas e instituições disciplinares da infância desamparada, a antiga

disciplina “quase-militar” dos castigos corporais. Os médicos higienista, pedagogos e

assistentes sociais do começo do século contrapunham as vantagens da educação voltada para

a alma: a disciplina “inteligente”, indispensável, preocupada em construir cidadãos modernos.

Assim, a educação punitiva e repressiva era substituída pela idéia de uma educação

preventiva.

Page 60: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

59

4.1 O MENOR E O TRABALHO REGENERADOR

O trabalho foi uma forma proposta para regenerar e preparar o reingresso daquelas

crianças e jovens considerados abandonados na sociedade. O trabalho firmou-se também

como estratégia de manutenção de tantos jovens fora das instituições. Nas casas de família ou

em outros espaços, estes jovens desocupariam vagas nas instituições, que cada vez mais

apresentavam problemas de lotação.

Neste capítulo nosso objetivo consiste em observar o discurso referente ao

processo de transformação do trabalho no Brasil, que está focado na criança. Veremos que

entre as propostas do Estado, estava a de formar/educar a criança desvalida, muitas vezes

descendentes da escravidão.

Após a abolição da escravatura em 1888, havia uma preocupação da classe

política com o respeito à ordem, pois os libertos provocavam-lhe um sentimento de ameaça.

Em 1888 foi aprovada uma lei de “Repressão da ociosidade ou sobre a instituição dos termos

de bem viver” de autoria de Ferreira Viana (Apud RIZZINI, 2004, p.41), que era ministro da

Justiça e Negócios Interiores. A proposta, cujo princípio era reprimir a ociosidade, tinha como

objetivo a implantação da ideologia do trabalho que embutia a idéia civilizatória e dignidade

que, pelo incentivo aos costumes civilizados, ganhou importância no processo de salvação do

país.

A necessidade de educação da “mocidade” dos ‘meninos e, meninas’ brasileiros

era proclamada com relativa insistência aos debates sobre a própria formação do povo e do

cidadão brasileiro. Era a primeira vez que o termo criança aparecia no contexto da construção

do Estado. Entretanto, havia somente algumas poucas referências, as quais, segundo Abreu e

Martinez, demonstravam que a problemática da criança, inserida nas discussões sobre a

instrução pública, apenas começava a insinuar-se entre os projetos de construção da jovem

nação brasileira.

Na década de 1830, pensando na instrução de crianças pobres a fim de formar um

contingente profissional para atuar na Marinha e na Guerra, o Império determinou o envio de

órfãos desvalidos pra esses arsenais, na década seguinte, foram instituídas as Companhias de

Aprendizes Artífície e as Companhia de Aprendizes Marinheiros.

Page 61: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

60

Iniciava-se, assim a formação compulsória de trabalhadores para diversos ofícios,

através do encaminhamento de crianças e adolescentes ás oficinas dos arsenais militares, de

Guerra e da Marinha, o objetivo central era evitar que as crianças desvalidas tornassem-se

futuros vadios, inúteis e perigosos à sociedade. A política de atenção à infância pobre

intensificou-se nos anos 1850 com a criação de Asilos de Educandos em quase todas as

capitais provinciais. Segundo Maria Luiza Marcílio:

“A ideologia que fundamentou essas novas instituições incluía a instrução elementos a formação cívica e a capacitação profissional das crianças desvalidas, que assim não seriam entregues a si mesmas, senão depois de terem cumprido os deveres do homem para com a Nação, defendendo-a, e habilitadas para só dependeram de seus braços e da sua habilidade”. (MARCÍLIO, 1998, p.193).

Para a autora, a motivação desse projeto fora a abolição do tráfico africano

ocorrido em 1850 e que provocou nas elites o temor de passarem por carências no suprimento

da mão-de-obra doméstica e agrícola -, mas vinha também no rastro das duas grandes

epidemias que assolaram o país e que deixaram uma legião de crianças órfãs e desamparadas:

a da febre amarela (1849) e o cólera (1855). As angústias vivenciadas pelos presidentes das

províncias, acerca do processo de transição foram representadas pela autora com a fala do

presidente da província do Maranhão que, ao fundar um asilo para meninas desamparadas em

São Luís, afirmou que o “objetivo principal da instituição (...) estava na necessidade social de

procurarem braços livres que substituirão os escravos nos diferentes encargos do serviço

doméstico”. “No Asilo do Maranhão, as internas aprendiam, além do ensino fundamental,

prendas do lar e noções gerais de música, história, geografia e gramática.” (MARCÍLIO,

1998).

Assim como no Brasil no século XIX, a educação a ser promovida para a

população pobre era somente para formar mão de obra para as incipientes indústrias e para as

grandes lavouras, nesse sentido destacaremos o trabalho da historiadora Maria do Socorro

Cabral que especifica muito bem a educação maranhense voltada a população pobre

associando ao trabalho como a existência da casa dos educandos artífices, onde o ensino de

ofício tinha finalidade de desviar da carreira dos vícios, dezenas de moços que não tendo de

que vivem, nem quem promova a sua educação crescem ao desamparo e tornam-se inúteis e

pesados a sociedade. (CABRAL, 1984).

Na análise da autora, até a década de 1850, a casa dos educandos apresentou um

aumento considerado de crescimento de forma que se ampliaram a quantidade de ofícios e de

Page 62: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

61

alunos nos cursos de alfaiate, sapateiro, pedreiro, carpinteiro, charuteiro. Devem-se mencionar

ainda a criação nesse período do curso agrícola no Maranhão, para Cabral (1984), a existência

desse curso deu-se “depois de estabelecida a Lei de Terras de 1850”, a partir dessa Lei

verificaram-se as reformas que se processavam na agricultura e que necessitavam de mão de

obra.

No entanto, a pesquisadora destaca o insucesso dessas medidas de incentivos ao

ensino no Maranhão. As razões desse malogro se explicam através do quadro político e

econômico da época e, em especial devido ao tipo de relações sociais vigentes no Maranhão

dessa época. (CABRAL, 1984, p.63).

A educação era o meio defendido na busca desse ideal, mas esbarra no problema

da desestruturação da instrução pública. Em 1854, manifesta-se uma das primeiras medidas

relevante no campo da instrução pública no Brasil. O Ministro e Secretário dos Negócios do

Império, Luiz Couto Ferraz, elaborou um regulamento para reforma do ensino primário e

secundário destinado a um município da Corte. O projeto previa a construção de escolas de

primeiro e a criação de escolas normais com o intuito de garantir a preparação do corpo

docente. De acordo com o projeto, deveriam ser matriculados nas escolas públicas ou

particulares subvencionados pelo estado os menores de 12 anos que se encontrassem vagando

pelas ruas, em estado de pobreza e indigência. Foi proposta, também, a criação de um asilo

que ministrasse educação primária e profissional aos meninos desvalidos. Ao instruir crianças

pobres, o estado tinha como pretensão:

“Constituir um espaço de integração e inclusão social, preparando-as para aquisição futura de uma instrução profissional. Por outro lado, ao limitar ao nível primário a ‘dívida sagrada e restrita’ do Estado, a escola também buscava excluir, criando e recriando hierarquias diferenciando as crianças pobres daquelas pertencentes à boa sociedade”. (MARTINEZ, 1997, p. 158).

Na década de 1850, efetivamente, fortaleceu-se a idéia de separação do

escravismo no Brasil ainda que iniciada em 1830. A primeira medida com esse propósito foi o

corte do abastecimento de terras de escravos. A partir de então, avolumaram-se as discussões

em torno de como deveria ocorrer o processo de transição do sistema de trabalho escravo para

o livre. Propostas baseadas na transição imediata foram pensadas, mas prevaleceram aquelas

que buscavam uma transição gradual, partindo, assim, reflexões em torno dos mecanismos de

substituição dos trabalhadores. Entre essas propostas, vingou a que via na libertação do ventre

Page 63: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

62

das escravas a forma de superação da escravidão. Tal proposta seria a forma de encaminhar a

questão da extinção da escravidão, ao longo prazo, permitindo aos proprietários adaptarem-se

a nova conjuntura.

Entre os maiores defensores dessa vertente, estava Perdigão Malheiro, que em

1867 publicou o terceiro volume de sua obra A escravidão no Brasil, Malheiro afirmava que a

abolição imediata era inadmissível em razão do grande número de escravos 1,5 milhão nos

cálculos do autor. Segundo o autor a escravidão imediata, tornando-se realidade não só

atacaria a principal fonte de riquezas do país, como também resultaria em problema para os

próprios escravos expostos a liberdade sem nenhuma prévia. Na perspectiva de Malheiro, a

abolição da escravidão deveria partir da libertação dos ventres dos escravos. Dessa forma, o

sistema escravista seria atacado de modo gradual, a partir de sua raiz, o ventre da escrava que,

desde o bloqueio do tráfico internacional, era fonte capaz de perpetuar escravismo.

(MALHEIRO,1976).

À medida que a proposta da abolição gradual a partir de ventre livre das escravas

fortalecia-se, uma nova discussão surgia: o que fazer dos escravos nascidos livres na condição

de cativos? O projeto defendido por Malheiro orientava que, apesar de essas crianças

nascerem livres, ficaria sobre a tutela dos senhores de suas mães, que seriam os responsáveis

pela educação dos mesmos e, em troca, poderiam utilizá-los como trabalhadores até que

atingissem a maioridade.

Marcos Vinícius Fonseca, analisando o aspecto educacional do processo de

transição do sistema de trabalho no Brasil através dos documentos oficiais o autor baseou-se

na fala do trono, relatórios e anexos aos relatórios dos ministros e secretários de Estado do

Negócio da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, correspondente ao período 1867 – 1889,

constatou que, para os senhores de escravos,

“A liberdade do ventre não poderia ser associada a uma mudança efetiva de estados das crianças que nasceram livres. Como conseqüência, defendeu aquilo que poderíamos chamar de uma liberdade híbrida: uma liberdade que deveria existir entre a garantia no texto da lei e a realidade de uma existência que iria transcorrer em meio ao cotidiano da escravidão” (FONSECA, 2002, p. 50).

Ainda para Fonseca, o texto final da lei que efetivava o ventre livre dos escravos

aspirou a tender aos anseios dos escravistas, estabelecendo como legítima a relação entre

ingênuos e o trabalho. O texto da lei nº. 2040 pretende, além de proclamar o ventre livre das

escravas, tornarem-se explícito que, apesar de nascerem livres, os filhos das escravas não se

Page 64: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

63

livrariam da associação ao trabalho atribuído a seus pais. As palavras criar e educar,

empregadas para qualificar a relação entre escravistas e ingênuos7 ou entre Estados e

ingênuos, somente serão compreendidas quando associadas à formação de trabalhadores. Em

vários momentos, segundo o historiador, no texto da lei do Ventre Livre, a obrigação dos

ingênuos, a prestação de serviços aos seus criadores/educadores é mencionada, indicando,

dessa forma, a intenção da lei.

Alguns autores dedicados à interpretação da legislação de 1871 estabelecem

distinções entre denominações criar e educar. Na análise de Fonseca.

“Em todas as dimensões em que se poderia atribuir uma obrigação aos senhores quanto às crianças que seriam retidas das fazendas, não sendo trocadas pela indenização, o termo educação foi substituído por criação. Esta distinção entre criação e educação demonstra que neste aspecto, a lei defende os interesses dos proprietários, isentando de qualquer responsabilidade quanto à educação, ou melhor, instrução, das crianças nascidas livres de mulher escrava” (FONSECA, 2002, p.53).

Para o autor, a diferença entre criação e educação, consistia desta última assegurar

a instrução elementar para os filhos livres das escravas. Esta apenas foi garantida em relação

as crianças que seriam entregues pelos senhores ao governo em troca da indenização de

600$000. Pesquisando a instrução pública na cidade de Rio de Janeiro durante o período de

1870 a 1889, Alessandro Frota Martinez estabeleceu uma distinção para os termos criar e

educar próxima de Fonseca.

“Criar representava pura e simplesmente cercar os menores de cuidados que permitissem seu crescimento de forma que eles viessem a atingir a idade adulta, sendo paralelamente explorados como trabalhadores; e educar representava não só cercar os menores de cuidados, mas infundir-lhes princípios e instruí-los em relação às primeiras letras” (MARTINEZ, 1997, p. 25).

Entretanto, somente o texto da lei 2.040 não é suficiente para esclarecer possíveis

diferenças existentes entre criação e educação dos ingênuos. A palavra educação aparece uma

vez na legislação e desassociada a questão da instrução escolar. Contrariando a análise de

Fonseca, o texto da lei, quando explora a relação entre ingênuo e associações, diz que:

“As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 completos, e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigados: 1) a criar e tratar os mesmos menores; 2) a constituir para cada um deles um pecúlio, consistente na quota que para este fim foi reservada nos respectivos

7 Termo que designa a criança livre da mãe escrava, após a Lei do Ventre Livre, Lei 2040 28 de setembro de 1871. (ver Vera Lúcia Braga, Arethuza Helena Zero, Luciana de Araújo de Pinheiro).

Page 65: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

64

estatutos; c) a procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada colocação” (LEI Nº 2.040, de setembro de 1871, apud, ALANIZ, 1992).

Consideramos criar e educar palavras sinônimas que definem as obrigações do

Estado ou dos senhores em relação às crianças ingênuas. Tanto a criança entregue ao Estado

quanto as que permaneceram nas propriedades escravistas foram criadas/educadas para o

mesmo propósito: o trabalho sobre as instituições criadas para receber os ingênuos, Maria

Marcílio observa que tais instituições tinham propósitos claros e bastante semelhantes aos

objetivos dos escravistas com relação aos filhos livres das escravas e sua formação para

trabalho. A autora exemplifica essa questão utilizando-se de discurso inaugural proferido pelo

presidente da província baiana, acerca da Colônia Orfanológica Isabel, localizada em

Salvador que buscava:

“Ajudar a transição do trabalho escravo para o livre, dando a lavoura operários nacionais bem educados, instruídos e moralizados, acostumados ao trabalho metódico e perseverante, capazes de afrontar sem receios os rigores do nosso clima, de aumentar a produção de riqueza com o trabalho e esforços de numerosos indivíduos (...) de aumentar a população útil e sã, com famílias legítimas que serão formadas por esses indivíduos anos depois” (MARCÍLIO, 1998, p. 213).

De um modo geral, percebe-se uma imensa preocupação com o futuro do ingênuo,

justamente pela ambigüidade de sua condição de cidadão-cativo. Em discurso proferido em

1877, o senador e conselheiro do Império Cristiano Otoni, chegou a fazer as seguintes

indagações sobre os ingênuos:

“E que cidadãos são esses? Como vêm eles depois para a sociedade, tendo sido

cativos de fato, não sabendo ler nem escrever, não tendo a mínima noção dos direitos e

deveres do cidadão, inçado de todos os vícios da senzala?” (MARTINS, 2004, p. 23)

A instrução escolar desempenharia a função de inserção desses ingênuos as

sociedades de livres conteúdos, não podem pensar que as possibilidades dos ingênuos

receberam instrução escolar era de fato, uma possibilidade de incluí-las na sociedade como

cidadãos. Nesse processo, seria privilegiada a transmissão de conteúdos que garantissem a

continuidade de uma hierarquia social, construída ao longo da escravidão, buscando

demonstrar aos negros que sua inserção na sociedade como seres livres, não fariam deles

pessoas iguais a seus antigos senhores.

Page 66: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

65

Até o ano de 1879, há um esforço em se construir uma estrutura educacional que

possibilitasse a educação das crianças nascidas livres de mães escravas que fossem entregues

ao estado. (FONSECA, 2002, p. 66). Esse ano constituiu-se em marco para ação do governo

por ser um ano em que as primeiras crianças nascidas livres de mães escravas completariam

oito anos, podendo, a partir da idade, serem entregues ao Estado, ou retidas nas mãos dos

senhores. Embora evidenciasse certa confiança em relação ao fato de que os senhores das

mães iriam optar pela manutenção das crianças nascidas livres de mulheres escravas como

mão-de-obra, o então ministro da agricultura João Lins Vieira Sinimbu não deixou de

demonstrar apreensão quanto à possibilidade de esses senhores acionarem o Estado para

receber a indenização de 600$000 e entregar as crianças para que este completasse a sua

educação.

“Segundo estimativa do Ministro da Agricultura tomando por base dados coletados no ano de 1877 em relação às crianças que foram matriculadas em 1878, o país teria 192000 crianças nascidas livres de mãe escrava (...) se todas elas fossem entregues ao Estado logo que a lei completasse oito anos, resultaria em um colapso na organização financeira e burocrática do governo, pois, não só acarretaria a mobilização de enormes recursos para indenização dos senhores, como não haveria número de associações que pudessem receber tal quantidade de crianças”. (FONSECA, 2002, p. 66).

A partir desse quadro, de acordo com o ministro Sinimbu, as despesas não

deveriam ser poupadas para a Constituição das associações que receberiam e cuidariam dos

ingênuos:

“Convém, a meu ver, estimular por meio de auxílio pecuniário, proporcional ao número de ingênuos que lhes hajam de ser entregues, a organização de sociedades que se constituíram com determinados requisitos, fixados em especial regulamentam, sejam elas meramente filantrópicas, sejam industriais. Mediante contrato de locação de serviços, celebrados perante os juízes de órfãos e sobre sua inspeção executado, podem alguns menores ser confiados à empresa ou a particulares, de reconhecido idoneidade, obrigando-se aqueles e estes a dar-lhes educação. Por fim, cumpre fundar, sobre plano modesto, asilos agrícolas e industriais onde recebam os ingênuos, ao par com instrução elementar e religiosa, a lição prática do trabalho.” (Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa, apud, FONSECA, 2002, p. 80).

Tratava-se de um plano que buscava combater os vícios e más inclinações que os

“ingênuos” trariam das senzalas e que seria necessário corrigir para torná-los futuros

trabalhadores úteis ao Império. Assim, os gastos com a educação dos mesmos seriam

compensados pela função que desempenhariam.

Page 67: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

66

Porém, contrariando a expectativa de cerca de um sexto dos engenhos seria

entregue ao Estado, o que de fato ocorreu foi à opção generalizada dos senhores por utilizar os

serviços dos menores até que completassem 21 anos. Segundo dados obtidos junto Relatório

do Ministro da Agricultura, de 1885, do total de 403.827 crianças matriculadas apenas 113

foram entregues ao Estado em troca de indenização de 600$000, número que não

correspondia a 1% do número total de crianças nascidas livres de mãe escravas em todo o

país.

A preferência dos senhores em manter os ingênuos em suas propriedades levou a

uma mudança de ação do governo em relação às associações criadas para assistir aos

ingênuos. No período posterior a 1879, ainda são criadas algumas novas instituições dessa

natureza, mas elas não são apresentadas com a mesma preocupação que as anteriores e, nem

tampouco, receberam os mesmos incentivos financeiros das que surgiram antes de 1879,

“Portanto, as instituições que surgiram em clima de euforia e expectativa em relação a educação de crianças recém-saídas da escravidão, passaram a enfrentar problemas e a modificar suas formas de atuação durante os anos que compreendem a década de 1880. Esses problemas ligavam-se, em parte, a perda do auxílio financeiro do Ministério da Agricultura, para quem as associações passaram, após 1879, a não ter função pois as crianças que deveriam ser educadas nestas instituições foram retidas nas mãos dos senhores.” (FONSECA, 2002).

A partir de então, tais associações focam o problema da infância desamparada –

que passava pelos ingênuos -, mas também pelas crianças órfãs, abandonadas, desvalidas, etc.

Não apenas as descendentes de escravos, mas as crianças em geral nacionais e estrangeiras,

provenientes das camadas mais pobres passam, então, a constituir objeto de atenção nas

últimas décadas do século XIX.

“O contexto da crise da escravidão e as discussões em torno da necessidade de se

formar trabalhadores livres e disciplinados, sem dúvida, foram questões fundamentais para

emergência de preocupações sociais com a criança, principalmente aquela pertencente aos

setores mais pobres da sociedade. Formando esses discursos, além do evidente problema

econômico da construção do trabalho livre e das tentativas conseqüentes de manutenção do

controle social, encontravam-se visões a respeito das crianças como verdadeiras responsáveis

pelo dever, futuros cidadãos sobre quem recairiam as tarefas de elevação da pátria ao

‘progresso’ e a ‘civilização’”. (ABREU & MARTINEZ, 1992).

Page 68: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

67

Muitos observadores da infância desvalida no Brasil, conforme comentou Maria

Aparecida Papali, estavam inconformados.

“Com a quantidade de mão-de-obra desperdiçada, representada pela população de ex-ingênuos egressa da escravidão; população que irá juntar-se ao contingente de jovens nascidos na pobreza, por isso mesmo ‘malcriados e provocativos’, é à medida que muitos deles afrontavam a sociedade dos ‘homens de bem’, criando condições de vida de acordo com seus valores, não se submetendo às condições de trabalho árduo que as elites locais planejavam para suas vidas”. (PAPALI, 2003, p. 179-180).

Os ingênuos e demais crianças livres e pobres deveriam ser encaminhadas para

uma vida digna, por meio da educação para o trabalho. Resgatando o discurso político do final

do século XIX, relativo à província mineira, Ana Lucia Lanna, constatou que a educação

agrícola era vista como a “necessidade mais urgente da lavoura”, pois que “educados os

lavradores, haverá de sobra terras e braços”. (LANNA, 1989, p. 63). Luciana de Araújo

Pinheiro, investigando os relatórios ministeriais e policiais da Corte, produzidos no período de

1879 – 1889, também observou a preocupação da capital com o Império com os problemas da

escassez de mão-de-obra e de possibilidades de contorná-los através da formação da criança

pobre.

“Assim como os ministros, as autoridades policiais são unânimes em apontar a necessidade de dar a infância, instrução primária atrelada ao ensino profissional. Mas se os primeiros não apontaram em que atividades inserir os menores, os chefes de polícia estavam certos de que o trabalho agrícola era a melhor forma de encaminhamento para a infância pobre da Corte. Esta seria, afinal, uma forma de lidar com escassez de mão-de-obra nas lavouras, conseqüente da crise do escravismo, e de buscar resolver o problema causado pelo excesso de meninos e meninas pobres nas ruas do Rio de Janeiro”. (PINHEIRO, 2003, p. 70).

Azevedo resgatou as idéias do Visconde e Marechal – de – Campo Henrique

Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan que, sobre o processo de transformação do trabalhador

publicou, em 1878, o Futuro da Grande Lavoura e da Grande Propriedade no Brazil.

Segundo Beaurepaire-Rohan, o essencial para a formação do homem livre, como trabalhar,

era acostumá-lo desde a mais tenra idade ao trabalho voluntário, o que poderia ser obtido a

partir da criação de escolas especializadas em educação industrial.

“Enquanto não fosse possível fundar essas escolas, ele recomendava além do ensino da religião às crianças – ‘sem a qual nunca haverá moralidade perfeita’ – o fim do ‘uso ignominioso dos castigos corporais’ e o ensino dos ingênuos pelos fazendeiros. Somente assim, os descendentes dos escravos poderiam se tornar, no futuro, ‘homens moralizados, dignos cidadãos de um país civilizados’.” (Beaurepaire-Rohan, apud, AZEVEDO, 2004, p. 43).

Page 69: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

68

Como maneira de educar as crianças pobres, a proposta mais comum era a

instituição do ensino primário obrigatório, pelo qual se lecionaria basicamente os elementos

de educação agrícola e, de preferência, em escola-fazenda onde as crianças poderiam aprender

na prática. O ensino seria principalmente profissional, prático, aprendido na execução das

tarefas, pois, dever-se-ia produzir homens de vida prática.

Além da educação agrícola, os meninos pobres poderiam ser “educados” através

das Companhias de Aprendizes de Marinheiros e Artesãos Aprendizes – vinculados ao

Arsenal de Guerra. Nessas instituições, os meninos eram qualificados para tornarem-se mão-

de-obra desses arsenais. Além da solicitação do responsável pela criança, que deveria provar

sua indigência, as exigências para a admissão eram o menino ter entre 10 e 17 anos para os

aprendizes de marinheiros, e 07 a 12 para outras instituições, apresentar uma construção

robusta e ser brasileiro.

“Essas instituições objetivavam preparar elementos capazes para servir a Marinha e a Guerra, e consequentemente a nação, sendo consideradas beneméritas porque cuidavam e educavam os órfãos e os abandonados. Tinham, também, um caráter disciplinar, pois, serviam de castigo aos órfãos expulsos do asilo de crianças do Rio de Janeiro, criado em 1874”. (BULCÃO, 1992, p. 44-45).

As Casas de Educandos Artífices representavam outro modelo do período

correspondente ao final do século XIX, acerca do ensino de ofícios no país. Os

estabelecimentos de ensino de ofícios, não eram instituições de caridade como os asilos que

recolhiam expostos e abandonados, os quais não esperavam ter nenhum retorno financeiro de

suas atividades. De acordo com RIZZINI, as casas, institutos e colônias de ensino profissional

previam, em seus regulamentos, indenizações por parte dos educandos ou de suas famílias

pelos gastos realizados com a educação, alimentação e vestuário. Além disso, as oficinas

deveriam render lucro para cobrir as despesas dos estabelecimentos. As indenizações com a

educação dos meninos deveriam ser pagas após o término da formação, permanecendo o

educando por mais três anos na instituição, trabalhando na oficina. A única forma de não

cumprir esta obrigação seria a família indenizar a instituição. (RIZZINI, 2004).

No asilo de Meninos Desvalidos na Corte criado em 1875, pelo Governo Imperial,

a proposta educativa não se diferenciava substancialmente dos estabelecimentos dos

educandos artífices. A preocupação do Asilo consistia em educar desvalidos, dando-lhes uma

profissão considerada digna e adequada a classe social, a qual pertencia. O principal objetivo

do Asilo era incentivar o processo civilizatório brasileiro promovendo o cuidado, a formação

Page 70: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

69

para a cidadania e educação das crianças desvalidas. Entretanto, as fichas com os dados dos

alunos analisados por Martins, revelavam a heterogeneidade da clientela do asilo, que muitas

vezes não se enquadravam em um padrão cuja marca fosse à carência.

Percebe-se, então, que o Asilo fugia assim de sua vocação inicial, cedendo cada

vez mais a uma clientela não-desvalida, que conseguia sua inserção através de “cartas de

referência.” (MARTINS, 2004, p.32).

Tal instituição merece destaque por apresentar-se como modelo para o restante do

país quanto ao atendimento de meninos desvalidos e por oferecer, além do ensino primário,

oficinas profissionais em que os alunos adquiriam algum ofício. Como forma de pagamento,

ao completar a maioridade, o asilado cumpria três anos de trabalho obrigatório e era

posteriormente encaminhada para oficinas públicas ou privadas.

O asilo era a expressão de um projeto que visava moralizar a sociedade,

transformar suas bases sociais por meio da educação. Os meninos trabalhavam em oficinas e

produziam bens que serviam para uso da própria instituição. Porém, havia uma preocupação

constante em formar cidadãos adequados há seu tempo, o que requeria muito mais do que o

amor ao trabalho e necessitava também de um estímulo as artes e letras – atividades bem

desenvolvidas nas aulas de desenho, música e literatura.

“Muitos alunos eram incentivados a prosseguir nos estudos e neste aspecto, o Asilo em nada se assemelha as outras instituições, mas a maioria ao sair do estabelecimento, parece ter se dedicado aos trabalhos manuais – como, por exemplo, alfaiates, operários em metais, em madeira, em tecidos, sapateiros, chapeleiros, pintores – aprendizes na instituição, como indicam as recomendações feitas pelo diretor.” (MARTINS, 2004, p. 68).

As crianças pobres e carentes de cuidados poderiam ser ainda encaminhadas pelos

juízes de órfãos a particulares que, através de um termo de tutela, se comprometiam a dar

educação e trabalho compatível a essas crianças. O objetivo do juizado de órfãos era o de

encaminhar crianças desamparadas a famílias que desejassem cuidar delas, dando-lhe não

apenas um lar, mas também educação e bem-estar. A preocupação do Estado assim como das

instituições descritas acima, em relação às crianças carentes era de, se deixadas sozinhas,

poderiam corromper-se a marginalidade. A fim de evitar esse destino, as crianças deveriam

ser conduzidas e ensinadas sobre o valor do trabalho e, através dele, estariam aptas a enfrentar

seus próprios problemas quando da idade adulta, momento em que deixariam a companhia de

seus tutores.

Page 71: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

70

Azevedo, investigando a ação do juizado de Órfãos na cidade de São Paulo entre

os anos de 1871 e 1917, constata que nesse período o juizado, que até então tinha como

função principal mediar questões envolvendo riqueza partilha, heranças e tutelas de crianças

de posses, envolve-se crescentemente com questões relativas a pobreza e as relações de

trabalho. Para a autora, a mudança é conseqüência das leis abolicionistas promulgadas durante

a segunda metade do século XIX.

“Se antes da promulgação destas leis, a tutela acontecia com menores ricos, a partir de então a sociedade começou a utilizá-la também para crianças pobres. Na maior parte das vezes, isso não significava preocupação para com o bem estar dos menores carentes. As famílias de posse aproveitavam-se da lei que dizia ser necessário dar tutor a todos os órfãos menores de 21 anos e decidiu tutela-los com a finalidade de ter em casa verdadeiros criados, fazendo os serviços domésticos compulsoriamente.” (AZEVEDO, 1995, p. 42).

Pelos processos examinados por Azevedo, a maioria das crianças pobres tuteladas era de crianças negras filhas de escravos, que nasciam na cidade de São Paulo ou para lá se dirigiam com seus pais recém libertos. Em menor proporção, eram filhos de retirantes nordestinos ou filhos de imigrantes. (AZEVEDO, 1995, p. 69).

Além das tutelas, Azevedo constatou outra relação existente entre crianças pobres

e famílias de posses: a soldada. “O termo soldada, segundo vocabulário jurídico, vem da

palavra soldo. Tem o mesmo significado de ‘paga’ ou salário devido na locação de serviços”

(BERNAL, 2004, p. 129). Tratava-se de um contrato intermediado pelo poder judiciário, de

locação de serviços prestados pelos jovens trabalhadores a proprietários dispostos a pagar

pelos serviços. Embora, o contrato de soldada significasse a legalização do trabalho infantil,

ele era o único meio de a criança receber algum retorno financeiro pelos serviços prestados,

uma vez que, os tutelados também trabalhavam em afazeres domésticos sem receber qualquer

tipo de pagamento.

Segundo Alessandro David, que estudou o pagamento das soldadas a crianças

pobres da cidade paulista de Franca na segunda metade do século XIX,

“A soldada era arbitrada pelo juiz de órfãos, de acordo com a idade, agilidade e

qualidade dos serviços prestados pela criança.” (AZEVEDO, 1996). A soldada era depositada

no cofre dos órfãos, e só poderia ser retirada quando o jovem se emancipasse o que ocorria

pelo casamento ou quando atingisse a maioridade, aos 21 anos. A vista disso, muita tutores

deixava de cumprir seus deveres. Burlando as leis, usufruíam do trabalho infantil e, ao serem

Page 72: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

71

convocados para prestar as devidas contas, alegavam inúmeros motivos para escapar do

pagamento do soldo.

A própria legislação possibilitava brechas que garantiam, em alguns casos, o não

pagamento de soldadas aos trabalhadores menores.

“A partir dos 14 anos era obrigatório pagar soldo a todos os soldados. No entanto,

dos 07 aos 14 anos a decisão das crianças soldadas receberem algum dinheiro dependia dos

juizes de órfãos.” (AZEVEDO,1996).

Estabelecia a legislação: ‘O Juiz do Orphãos, quando julgar conveniente, poderá

autorizar estas locações de serviços, não vencendo os menores soldados até a idade de 14

annos, e obrigando-se simplesmente os amos a alimentá-los, vesti-los e trata-los nas

enfermidades: quem tiver cria do Orphãos até a idade de 07 annos, e continuar a tê-los em sua

companhia não pode ser obrigado a pagar-lhes soldadas por serviços prestados até a idade de

14 annos.

Também não tem obrigação de pagar soldada os tutores ou mais dos orphãos que

os conservarem em sua companhia, e se utilizarem de seus serviços. (AZEVEDO, 1996, p.

80-81).

Em muitas ocasiões, de acordo com a idade da criança, o juiz rejeitava o pedido

de tutela, determinando apenas o contrato de soldada. Se o menor requerido tivesse até 10

anos, em geral, autorizava a tutela; caso fosse mais velho, ordenava, algumas vezes, que fosse

feito um contrato de soldada. Como não exigia uma legislação que se adaptasse a aquela

situação, variava muito a forma de agir dos magistrados.

“Essa variação verificada em seus despachos revela, por um lado a população para

com o uso intensivo da tutela. Os juízes percebiam que cada vez mais crianças com idade

superior a 10 anos estavam sendo tuteladas para servirem como criadas e ordenavam o

contrato de soldada como forma de inibir o crescente número de pedidos de tutela.”

(AZEVEDO, 1996, p. 24-25).

Gradativamente a tutela – mecanismo para encontrar famílias para órfãos e o

contrato de soldada – relação de trabalho envolvendo crianças pobres e abandonadas –

passaram a fazer parte de um mesmo universo e eram adotadas quase com um único objetivo:

tirar crianças da rua para serem educados por meio de trabalho. A tutela e o contrato de

Page 73: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

72

soldados representaram, na interpretação que Azevedo fez para São Paulo das últimas décadas

do século XIX, novas formas da incipiente sociedade industrial compelir as crianças ao

trabalho.

“Ao mesmo tempo em que a sociedade impunha leis restritas a escravidão, criava novos mecanismos de trabalho compulsório. Nesse sentido, pode-se dizer que no espaço de atuação dos juízes de órfãos o contrato de soldada coloca-se como forma das crianças órfãs e estrangeiras”. (AZEVEDO, 1995, p.51).

A idéia predominante em boa parte da sociedade ligava crianças pobres e trabalho

como forma de evitar a marginalidade. Crianças na rua, portanto, precisariam ser

encaminhadas aos juízes para lhes “arranjarem arrumação.” Em contraposição à rua, local

perigoso e próprio à vagabundagem, configurava-se a possibilidade de regenerar moralmente

a infância desvalida através da educação pelo trabalho, como destaca Ana Lúcia Bulcão,

servia como estratégia de regeneração, controle social e ordenação urbana. O disciplinamento

das classes populares, a partir da educação de suas crianças também foi um objetivo

importante e que não pode ser ignorado. A “inoculação intima do amor ao trabalho” é um dito

que aparece insistentemente nos regulamentos dos asilos e nos escritos de seus defensores. A

obediência, o respeito à hierarquia e a promoção da civilidade dos costumes constituem

objetivos importantes dos internatos para desvalidos.

Para os casos mais complicados, como crianças e jovens que estivesse havia

algum tempo nas ruas (e por isso, segundo as autoridades, já haviam adquirido alguns vícios

transformando-se em “pequenos vadios ou corrompidos”), foram criadas instituições

assistenciais com objetivo de retirá-las de circulação e reeducá-las através do trabalho,

coibindo, assim, a existência de futuros ociosos e criminosos. Tais menores deveriam receber,

nessas instituições, uma formação voltada para o trabalho, principalmente o agrícola, que os

capacitaria para o futuro. As instituições, ao segregar o menor carente, tirá-lo-ia das ruas, da

vadiagem e do contato perigoso com familiares incapacitados. Salvar a infância carente para

os dirigentes não significava garantir melhores condições de vida, mas modificar seu

comportamento, o que quase sempre destoava do desejado.

As estatísticas realizadas no final do século XIX indicavam aumento da

criminalidade infantil. Como conseqüências, avultaram-se as discussões sobre os menores

delinqüentes, revelando-nos grande preocupação social com a criminalidade infanto-juvenil,

principalmente nas grandes cidades como marco inicial desses debates, pode apontar a obra

do célebre jurista Carlos Leôncio de Carvalho: Educação da infância desamparada.

Page 74: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

73

Carvalho, em discurso pronunciado em 1883 e intitulado Educação da infância desamparada,

e expôs a relação entre pobreza, falta de instrução e marginalidade.

“Um terço dos criminosos é totalmente sem instrução e dois terços não possuem instrução suficiente; os criminosos fornecidos pelas classes analfabetas são, pelo menos, dez vezes mais numerosos do que os fornecidos pelas classes que possuem instrução; a proporção dos pobres entre os analfabetos é trinta e duas vezes maiores que entre os indivíduos mais instruídos.” (ABREU & MARTINEZ, 1997, p. 26).

Para os menores que já tinham saído completamente do convívio social,

transformando-se em “criminosos”, foram concebidos os institutos correcionais-espaços

capazes de puni-los por seus crimes, como pequenos furtos, vadiagem, falta de domicílio e,

principalmente, desobediência. Entretanto, até as últimas décadas do século XIX,

estabelecimentos correcionais para menores não existiam no Brasil. Os menores infratores

dividiam com adultos os mesmos espaços destinados a “reeducação”: as cadeias. Segundo as

autoridades, no entanto, isto era um problema, pois o contato com o mundo dos adultos só os

tornaria cada vez mais, irrecuperáveis.

Vimos que crianças e adolescentes que muitas vezes estavam nas ruas, praticando

brincadeiras ou também tendo a rua como local de forma de sobrevivência, foram taxados

como vadios e perniciosos. Contraditoriamente, essa infância, considerada vadia e perigosa,

trabalhava vendendo doces, entregando jornais e engraxando sapatos. O trabalho infantil foi

utilizado com uma remuneração irrisória, tendo sido crescente a porcentagem de crianças que

trabalhavam em fábricas, casas e nos mais diversos ambientes.

Nas décadas iniciais da República, a legislação de regulamentação do trabalho

infantil foi quase inexistente, e só a partir de 1927 o Código de Menores tornou proibido o

trabalho às crianças com menos de 12 anos com carga horária permitida de seis horas diárias.

O limite de horas de trabalho aos jovens causou incômodo a algumas fábricas, como foi o

caso das empresas fabris, como mostra Bernal, que requereram ao juiz, por intermédio do

Centro Industrial de Tecidos e Tecelagem de Algodão, que fosse permitida a ampliação do

número de hora as crianças com mais de 12 anos. O Juiz de menores, Mello Mattos,

respondeu ao pedido declarado que.

“A pretensão dos suplentes é ilegal, injurídica – 0 Código de Menores determina expressamente no art. 108, que o trabalho dos menores de 18 anos pode exceder de seis horas por dia; porquanto não é lícito permitir-lhes maior duração de trabalho [...] o menor de 18 anos é contratado, em regra geral, como aprendiz; ganha o salário de aprendiz; faz, porém, trabalho de operário adulto.

Page 75: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

74

Ora, não é justo que o aprendiz trabalhe durante o mesmo número de horas que o operário, nem o menor tanto quanto a maior” (BERNAL, 2004, p.116).

Após o Código de Menores de 1927, obedecendo a um novo contexto político do

período getulista da década de 30. Inauguram-se, já sob o patrocínio do Estado, duas vertentes

de assistência governamental, uma voltada para a institucionalização do “menor” através de

múltiplos centros de recolhimento (centros de triagem, institutos de correção e de prevenção)

sendo o mais importante o SAM (Serviço de Assistência ao Menor), e outra extra-

institucional que vai recair sobre a infância pobre através de uma rede profissionalizante de

ensino que alcançaria também a população maior de 18 anos. Um conjunto de instituições

cujo objetivo era formar mão-de-obra para a indústria vai surgir na década de 40: o SENAI

(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o SESI (Serviço Social da Indústria), o SESC

(Serviço Social do Comércio) e o SENAC (Serviço Nacional da Aprendizagem Comercial).

Oriundas da iniciativa privada, elas vão ajudar “a compor uma política social que começara a

se solidificar durante o regime de Vargas.” (ALVIM & VALLADARES, 1988, p.08).

Page 76: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

75

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na passagem do século XIX para o XX, período de grandes transformações

políticas e sociais, a esfera jurídica tornou-se a protagonista da formulação de leis de proteção

à infância moralmente abandona e da busca de soluções para os mesmos. As três primeiras

décadas do século XX foram caracterizadas pelo debate em torno da Assistência e da proteção

relativas às crianças. Idéias e ações provenientes dos setores da caridade e da filantropia

sobretudo médica e jurídica interligam-se. É estabelecida uma forte aliança entre justiça e

assistência.

A missão era imbuída de uma tarefa moralizadora que buscava “corrigir”,

“reabilitar” ou “reeducar” a população considerada viciosa e avessa ao trabalho. O discurso

tinha base médica e jurídica e previa medida e tratamento para essa população, em particular

aos menores abandonados e delinqüentes. O discurso de ambos costumava se completar.

Os pobres das classes trabalhadoras também representavam um perigo. Os pobres

em geral eram percebidos como desordeiros e criminosos em potencial.

A viciosidade era colocada como atraso no processo civilizatório. A criança, por

representar o futuro da nação, deveria receber a educação necessária para tornar-se virtuosa.

Para garantir essa educação e fazer valer o discurso moralizador que se firmava em torno do

abandono moral, o cuidado com a infância passa a ser da esfera de ação de controle como, por

exemplo, a destituição do pátrio poder da família.

Defendia-se a criação de uma legislação especial para menores, sob a “tutela

oficial” do Estado, a exemplo que ocorria em outros países da Europa e nos Estados Unidos.

Idéias discutidas em congressos internacionais sobre o problema da infância moralmente

abandonada e sua crescente criminalidade serviram de base para que se pleiteasse uma “nova

justiça.”

Através da legislação especial para proteção e assistência à infância e

adolescência pelo Código de Menores e pelo Decreto Lei de 1931 passa-se a perceber a

criança sem assistência familiar como menor infrator. O Estado passa, a partir daí, a assumir a

responsabilidade legal pela tutela da criança órfã e abandonada e cuidando da educação delas,

Page 77: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

76

na qual a educação para o trabalho e a recuperação com base no trabalho deveria prevalecer

em detrimento da punição.

Fechavam-se os trinta primeiros anos da República com investimento na criança

pobre vista como um ser potencialmente abandonada e perigosa, a ser entendido pelo Estado.

Intregá-la ao mercado de trabalho. Pretendendo domesticar as individualidades e garantindo

com isso os preceitos de uma prevenção geral.

Os governos passaram a investir em educação sobre o controle do Estado, para

criar cidadãos a reivindicar disciplinadamente segundo as expectativas de uma direção

política cada vez mais centralizadora em direção a docilidade dos corpos, termos utilizados

pelo teórico Michel Foucault, que por sua vez discute a utilidade e a obediência que estão

diretamente associados ao surto industrializantes que põe em destaque o aumento e utilização

racional das energias econômicas do corpo levando a minimização das forças políticas.

Entendemos também que as políticas para a infância pobre nasceram de um

processo de relações entre Estado e sociedade e de confrontos de estratégias políticas que em

determinado momento histórico sugere um campo de embates e de contradições, onde as

crianças e jovens considerados abandonados apresentavam um perigo iminente para a

sociedade, devendo assim ser reeducadas em instituições fechadas, que dariam conta de

ressocializá-las como cidadãos úteis e dóceis.

Page 78: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Martha e Martinez, Alessandra Frota. Olhares sobre a criança no Brasil: perspectivas históricas. In: RIZZINI, Irene (org.). Olhares sobre a criança no Brasil séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: AMAIS, 1997. ALANIZ, Anna Gicelle G. Ingênuos e libertinos: estratégias de sobrevivência familiar em época de transição 1871-1895. Campinas: Unicamp, 1997. ARAÚJO, Silvana Miceli de. Da caridade à justiça: uma análise da Justiça de Menores. Rio de Janeiro: PUC, 1985. ÁRIES, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981. AZEVEDO, Gislaine. Sebastianas e Geovannis: O universo do menor nos processos dos juízes de órfãos da cidade de São Paulo (1871-1917). PUC. São Paulo, 1995. _____________. A Tutela e o contrato de soldada: a reinvenção do trabalho compulsório infantil: História Social. Unicamp, 1996. BERNAL, Elaine Marina Bueno. Arquivos de Abandono: Experiências de crianças e adolescentes em instituições do Serviço Social de Menores de São Paulo (1938-1960). São Paulo, 2004. BULCÃO, Ana Lúcia E. Meninos maiores: o conflito da maioridade e menoridade no Rio de Janeiro entre 1890 e 1927. Rio de Janeiro, 1992. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Rio de Janeiro. CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Política e Educação no Maranhão. São Luís. SIOGE, 1984. CALDEIRA, João Ricardo de Castro. Integralismo e político regional: a ação integralista no Maranhão (1933-1937). São Paulo, Annablume, 1999. CALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de janeiro da belle époque. São Paulo: Brasiliense. 1986. CÂMARA, Sônia. Por uma acção preventiva e curativa da infância pobre: os discursos jurídico-educativos no Brasil em Portugal nas décadas de 1910-1920. In: ALBERTO, Lopes. FARIA FILHO, Luciano Mendes FERNANDES, Rogério (orgs.). Para a Compreensão Histórica da Infância. Belo Horizonte. Autêntica, 2007. CARVALHO, José Murilo de. O povo do Rio de Janeiro: Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1991. CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette letras 1994.

Page 79: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

78

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (org.). A família contemporânea em debate. São Paulo, Cortez, 1997. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A escola e a república. São Paulo: Brasiliense, 1989. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da infância no Brasil. São Paulo. Cortez, 2006. CORRÊA, Mariza. Acidade de Menores: uma utopia dos anos 30. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo. Cortez, 2006. CORRÊA, Mariza. “Antropologia e Medicina Legal: variações em torno de um mito”. In EULALIO, Alexandre. Caminhos Cruzados. São Paulo: Brasiliense, 1982. DECRETO nº 218 de 1931. Coleção obras raras do Estado do Maranhão. DONZELOT, Jaques. A política das famílias. Rio de Janeiro: Graal, 1986. FALEIROS, Vicente de Paula. Infância e processo político no Brasil. In: PILLOTTI, Francisco, RIZZINI, Irene (orgs.). A arte de governar criança. A história das políticas sociais, da legislação e de assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano/AMAIS, 1995. FALEIROS, Vicente de Paula. O trabalho da política: saúde e segurança dos trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1992. FARIA FILHO, Luciano Mendes de (org.) Educação, modernidade e civilização. Belo Horizonte. Autêntica, 1998. FOCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982. FONSECA, MARCUS Vinícius. A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil, Bragança Paulista: Edusf. 2002. GOMES, Ângela Maria de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: Campus, 1979. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brazil: Rio de Janeiro: Olympio, 1936. KUHLMANN, Moysés; FERNANDES, Rogério. Sobre a história da infância. In: FARIA FILHO, Luciano (org). A infância e sua educação: materialidades, práticas e representações. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. LANNA, Ana Lúcia. A transformação do trabalho. Campinas: Unicamp, 1989. LONDOÑO, Fernando Torres A origem do conceito menor. In: PRIORI, Mary Del (org.). História da criança no Brasil. São Paulo. Contexto, 1991.

Page 80: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

79

MARCÍLIO, Maria Luzia. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998. MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil – ensaio histórico-jurídico-social. Rio de Janeiro: Typ-Nacional, 1867 reeditado. Vozes, 1976. MARTINS, Silvania Damacena. Reformando a Casa Imperial: assistência pública e a experiência do asilo de menina desvalida na corte (1870-1888). Dissertação (Mestrado em História) – (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004). MEIRELES, Mario M. História do Maranhão. São Paulo: Siciliano, 2001. MONCORVO FILHO. “Em torno do berço”: Rio de Janeiro: 1914. NASCIMENTO, Rita de Cássia Gomes. “Pelas Crianças Desvalidas”: O instituto de assistência à infância do Maranhão nas primeiras décadas do século XX. (Monografia do Curso de Licenciatura em História). São Luís: UEMA, 2007. A PACOTILHA, 30 de setembro de 1911. PAPALI, Maria Aparecida. Escravos, libertos e órfãos a construção da liberdade em Taubaté (1871-1895). São Paulo: Anablume: FAPESP, 2003. PASSETTI, Edson. Crianças carentes e políticas públicas. In. PRIORE, Mary Del! História das Crianças no Brasil. São Paulo. Contexto, 2007. PERROT, Michelle. Figuras e papéis. In: ARIÉS, Philippe; DUBY, Georges (org.). História da vida privada. São Paulo: Companhia das letras, 1991. PINHEIRO, Luciana de Araújo. A civilização do Brasil através da infância: proposta e ações voltadas á criança pobre nos finais do Império (1879-1889). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, 2003. POLANYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980. RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: A utopia da cidade Disciplinar Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. REIS, Flávio Antônio Moura. Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão 1850-1930. Dissertação de Mestrado em História Unicamp, 1992. RIZZINI, Irene. As bases da “nova legislação” da infância. Brasília: INESC, 1993. ______________. O século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para a Infância no Brasil. São Paulo, Cortez, 2008. RIZZINI, Irma. A Institucionalização de crianças no Brasil: Rio de Janeiro: Loyola, 2004.

Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

80

RIZZINI, Irma. Assistência à infância no Brasil: uma análise de sua construção. Rio de Janeiro: EDUSU-CESPI/USU, 1993. RIZZINI, Irene. Do Pátrio Poder ao Pátrio Dever: um histórico da legislação para a infância no Brasil. In: PILOTTI, Francisco, RIZZINI, Irene (orgs.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano del Nino. Editora Universitária Santa Úrsula, Amais, 1995. RUSSO, Jane A. Assistência e proteção à infância no Brasil: a moralização do social. In: RIZZINI, Irene (org.). O menor em Debate: Cadernos de Cultura USU/CESME. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula, 1985. SALDANHA, Lílian Leda. A instrução pública Maranhense na primeira década republicana. Imperatriz, Maranhão, Ética, 2008. SANTOS, Kátia Regina Mendonça. “A Infância abandonada: criação e funcionamento da Roda de Expostos de São Luís Maranhão (1826-1946)”. (Monografia do Curso de Licenciatura em História). São Luís: UFMA, 2004. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993. SILVA, Roberto da. Os filhos do governo: formação da identidade criminosa em crianças órfãs e abandonadas. São Paulo, Atica,1997. THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural. Mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo, Cia das Letras, 1996. VALLADARES, Lida do Prado. Cem anos de pobreza (urbana) no Brasil. In: Boschi, Renato R. Corporativismo e desigualdade. A construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro, 1991. VEIGA, Cynthia Greive; GOUVEA, Maria Cristina Soares. Comemorar a infância, celebrar, qual criança? Festejos comemorativos nas primeiras décadas republicanas. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo v. 26, n.1, jan./jun. 2000!

Page 82: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE ... MENDES.pdf · A Deus, figura indispensável em nossa vida. Aos meus pais, grandes incentivadores e amigos, sempre me

CORRÊA, Silma Mendes Nascimento CAÇADA DE MENORES: Menor para punir criança para trabalhar: um olhar sobre o Código de Menores de 1927 e pelo Decreto nº. 218 de 1931 / Silma Mendes Nascimento Corrêa. _São Luis, 2008.

82 f.. : il. Monografia (Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão,

2009. 1. Infância Pobre 2. Intervenção 3. Código de Menores 4. Decreto

I Titulo

CDU