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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA FELIPHE SANTOS SOEIRO AS PEDRADAS NO REVIVER: Uma análise sobre as polêmicas em torno da Cooperativa Reggae (1991) SÃO LUÍS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

CURSO DE HISTÓRIA LICENCIATURA

FELIPHE SANTOS SOEIRO

AS PEDRADAS NO REVIVER:

Uma análise sobre as polêmicas em torno da Cooperativa Reggae (1991)

SÃO LUÍS

2016

2

FELIPHE SANTOS SOEIRO

AS PEDRADAS NO REVIVER:

Uma análise sobre as polêmicas em torno da Cooperativa Reggae (1991)

Monografia apresentada ao Curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão para o grau de

Licenciatura em História.

Orientadora: Profa. Dra. Tatiana Raquel Reis Silva

SÃO LUÍS

2016

3

FELIPHE SANTOS SOEIRO

AS PEDRADAS NO REVIVER: Uma análise sobre as polêmicas em torno da

Cooperativa Reggae (1991)

Monografia apresentada ao Curso de História Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão para o grau de

Licenciatura em História.

Orientadora: Profa. Dra. Tatiana Raquel Reis Silva

Aprovada em: / /

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Profa ª. Dra. Tatiana Raquel Reis Silva (Orientadora)

Universidade Estadual do Maranhão

____________________________________________________________

Examinador 1

____________________________________________________________

Examinador 2

4

Soeiro, Feliphe Santos.

As pedradas no Reviver: Uma análise sobre as polêmicas em torno da

Cooperativa Reggae (1991) / Feliphe Santos Soeiro. – São Luís, 2016.

75 p.

Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do

Maranhão, 2016.

Orientador: Profa. Dra. Tatiana Raquel Reis Silva

1. Reggae. 2. Jamaica Brasileira. 3. Praia Grande. 4. Cooporativa

Reggae. 5. Maranhão I.Título

5

AGRADECIMENTOS

Ao entrar em contato com qualquer obra de pesquisa, uma das partes que mais me

chama atenção são os agradecimentos, pois na minha concepção este mostra um pouco da

luta, do esforço, das dificuldades e principalmente das pessoas que tiveram extrema

importância e contribuição na realização do trabalho.

Dessa forma não tenho como deixar de agradecer inúmeras pessoas que me

ajudaram não somente na realização deste trabalho de conclusão de curso, mas que ao longo

dos anos me deram apoio, incentivo, força para acreditar nos meus sonhos e seguir meus

objetivos.

Antes de tudo não poderia deixar de agradecer ao meu pai Oxalá e a todos os

meus guias, que me dão força e me ajudam nessa caminhada na Terra.

Aos meus familiares, em especial ao meu pai João José, exemplo de homem, que

sempre me auxiliou para andar no caminho certo. A minha madrasta Josenilde e meus irmãos

Brittany e Brenon, sem a ajuda e o apoio de vocês nunca teria chegado onde estou.

Ao príncipe da minha casa João Gabryel, que pra mim é como filho. Sua chegada

em nossas vidas foi de extrema alegria. Não poderia chegar em momento mais propício. Esses

últimos meses foi minha motivação na escrita deste trabalho.

Ao meu amigo e parceiro Marcos Fernando, sua chegada nesses últimos meses foi

de extrema importância. Nos momentos de angústia, desespero, quando pensava que não iria

conseguir, você sempre estava do meu lado me incentivando a prosseguir.

Não poderia deixar de agradecer a grandes amizades que fiz ao longo da

graduação: Danna Paula, Drielle Bittencourt, Talysson Benilson e Luma Baia, que durante

esses anos pudemos compartilhar de alegrias, tristezas, tensões, dúvidas e tantos outros

sentimentos que fazem parte dessa vivência acadêmica. Como mais uma das etapas,

experimentamos a angústia da monografia ao mesmo tempo.

A minha orientadora Tatiana Reis que foi de extrema importância na minha

formação. Os conselhos, os “puxãos de orelhas” e o auxílio na construção do trabalho

ajudaram bastante. Sem a sua ajuda, não conseguiria finalizar.

Ao curso de História da Universidade Estadual do Maranhão e todos aqueles que

o compõe, pela dedicação e pelos serviços prestados durante a graduação. A importância do

6

curso na minha formação profissional e pessoal foi de grande valia. Não sou mais o mesmo de

quatro anos atrás.

A professora e colega de trabalho Raquel, pela ajuda em alguns detalhes da

monografia a qual não tinha habilidade. Sua contribuição foi de grande valia!

A todos os agentes que participaram direta ou indiretamente deste trabalho de

pesquisa. Aos funcionários da Biblioteca Benedito Leite, aos entrevistados da Praia Grande,

entre tantos outros. Obrigado pelo tempo e dedicação de cada um de vocês!

Enfim, a todos aqueles que ao longo dos anos acreditaram na minha capacidade e

depositaram confiança em mim. Dedico a finalização deste trabalho a todos que me ajudam á

crescer profissionalmente e como ser humano.

7

“Até que a filosofia que sustenta uma raça

Superior e outra inferior,

Seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada

Haverá guerra, eu digo guerra.

Até que não existam cidadãos de 1º

E 2º classe de qualquer nação,

Até que a cor da pele de um homem

Seja menos significante do que a cor dos seus olhos

Haverá guerra”.

Música: War; Tradução: Guerra; Interprete: Bob Marley

8

RESUMO

O reggae chega a São Luís por volta dos anos de 1970 instalando-se nas periferias da cidade.

Durante as primeiras décadas, por estar associado a uma população negra e pobre foi

constantemente marginalizado. As casas de reggae por serem localizadas nas zonas

suburbanas eram entendidas como reduto de marginais e desordeiros sendo evitadas pelas

classes médias. Entretanto, a partir da década de 1990 o reggae foi ganhando popularidade e

se expandindo para novos espaços, essa consolidação do ritmo fez com que a ilha ficasse

conhecida como Jamaica Brasileira. Tal título, ao mesmo tempo em que dava um caráter

positivo ao circuito regueiro da cidade, era visto de forma negativa por outra parcela da

população, a qual defendia os ares intelectuais arraigados no mito da Atenas Brasileira. As

disputas se acirram na medida em que o reggae adentra a Praia Grande, que neste momento

passava por um processo de revitalização. O Governo do Estado juntamente com os

empresários, diante de um momento de crise, tinham como objetivo alavancar a economia por

meio do turismo, onde o cartão postal seria o Centro Histórico. As polêmicas que giram em

torno da criação da Cooperativa Reggae legitimam-se a partir do enobrecimento do espaço

em questão pelas elites, que escolhem manifestações culturais visando atingir um público

seleto e especifico.

Palavras-chave: Reggae. Jamaica Brasileira. Praia Grande. Cooperativa Reggae.

9

ABSTRACT

The reggae music arrives in São Luis around the 1970‟s and settling in the suburbs. The first

decades, because of the association with a poor black population, it was constantly

marginalized. The reggae houses by its location at the suburban areas were avoided by the

middle classes because they were seen as marginal‟s stronghold and rioters. However, from

the 1990‟s reggae music had gained popularity and expands to new spaces, this rhythm‟s

consolidation made the island known as the Brazilian Jamaica. While this title gave a positive

character to regueiro circuit city, it was viewed negatively by another portion of the

population which defended the intellectual airs in the myth of Brazilian Athens. As soon as

reggae music gets in the Praia Grande that in this moment was in revitalization process, the

disputes to stirs up. The State Government together with entrepreneurs, in a financial crisis,

they had as main goal increase the economy by the tourism, where the postcard would be the

Historic Centre. The controversies spinning around of the creation about Reggae Cooperative

legitimizes up from the ennobling of the space in question by the elites that choose cultural

manifestations aiming to achieve a select and specific public.

Key Words: Reggae. Brazilian Jamaica. Praia Grande. Reggae Cooperative.

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 09

2 O REGGAE NO ÂMBITO DA NOVA HISTÓRIA CULTURAL.......................... 11

2.1 O reggae chega ao maranhão e invade a periferia ...................................................... 17

3 A ILHA DE SÃO LUÍS INVENTANDO TRADIÇÕES .......................................... 27

3.1 Entre Atenas e Jamaica: as disputas identitárias na ilha de São Luis .......................... 28

3.2 As “pedras” no Reviver: Projeto de revitalização e políticas de gentrification ........... 38

4.“PEDRAS DO REVIVER REGGAM MIRANTES E PEDRAS DE CANTARIA” 49

4.1 Reggae e preconceito na Praia Grande ....................................................................... 50

CONCLUSÃO .............................................................................................................. 65

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 67

APÊNDICE .............................................................................................................. 73

11

INTRODUÇÃO

O reggae consolida-se no cenário mundial como música e manifesto político-

religioso, saindo das ruas de Kingston dos “bairros de lata” da Jamaica, esses regueiros

estavam inconformados com a situação de miséria, dominação e injustiça social dos países do

Ocidente. Através da Indústria Cultural1, conseguiu ganhar o mundo. Chegando ao Maranhão

em meados da década de 70, do século XX, caiu no gosto da população negra e empobrecida

do estado, com destaque para a ilha de São Luís.

Em relação à sua chegada em São Luís, existem algumas versões. Dentre elas,

destacam-se sua vinda através dos navios do Caribe que aportavam no porto do Itaqui. Os

marinheiros ao se relacionar com as prostitutas recebiam de presentes ou pagamento os

discos, dessa forma passaram a circular pelo Maranhão. Uma segunda hipótese é que o

discotecário Riba Macedo teria comprado os discos da mão de Carlos Santos, um paraense

vendedor de discos usados nos mercados de São Luís. A terceira suposição é a chegada

através das ondas curtas de rádios amadores, as quais captavam sinais vindos de diferentes

regiões da América.

Na década de 1970, o reggae era executado nos clubes onde o embalo

predominante era a lambada, merengue e bolero, no intervalo entre uma música o ritmo

jamaicano era tocado. Alguns donos de radiola e frequentadores mais antigos relatam a

influência desses ritmos no modo como o reggae é dançado. Em uma época na qual

manifestações populares eram marginalizadas, este surge como compasso próprio da

população periférica reunindo as classes mais pobres em torno do estilo musical.

Entretanto, a partir da década de 1990 o reggae começou a adentrar novos lugares,

inclusive o Projeto Reviver localizado na Praia Grande com a criação da Cooperativa Reggae.

A inserção desta casa noturna gera grandes polêmicas entre os demais donos de bares, sendo

motivo de constantes brigas e preconceito nos principais jornais maranhenses.

O Projeto Reviver visava à promoção de São Luís, principalmente a área da Praia

Grande como produto turístico e estava na sua quarta etapa no Governo de Edson Lobão. Para

o desenvolvimento desse projeto seria necessária uma limpeza, ou seja, uma higienização

social da área para a venda e atração dos turistas, não cabendo à inserção de uma casa de

reggae, pois atrairia uma “população marginal”.

1 Segundo Thompson (1995), Horkheimer e Adorno utilizaram o termo Indústria Cultural para designar as

formas de mercantilização cultural ocasionadas pelo surgimento das indústrias de entretenimento, no final do

século XIX e inicio do XX, nos Estados Unidos e na Europa. Para eles, o surgimento das indústrias de

entretenimento como empresas capitalistas padronizaram e racionalizaram as formas culturais, atrofiando a

capacidade do individuo de pensar e agir de maneira critica e autônoma.

12

Isto posto, este trabalho visa analisar dentro da década de 1990 a inserção do

reggae no Projeto Reviver partindo da polêmica envolvendo a criação da Cooperativa

Reggae. Essas discussões que envolvem preconceito e segregação em torno desta casa de

show buscavam enobrecer espaços e construir tradições a partir dos interesses de uma elite

dominante.

São analisados dois influentes jornais de São Luís: O Imparcial e O Estado do

Maranhão, do ano de 1991, neles eram veiculados as principais notícias envolvendo a criação

desta casa de reggae no Projeto Reviver e as brigas identitárias em torno do reggae na Praia

Grande e dos cognomes Jamaica Brasileira e Atenas Brasileira. Também serão apresentadas

entrevistas feitas com os principais agentes envolvidos nesta polêmica.

A relevância deste trabalho se justifica pela necessidade de pesquisas

historiográficas que trazem a História Cultural como foco, principalmente quando levam em

consideração as culturas marginalizadas, como é o caso do reggae. Por isso, procura-se

entender por que mesmo com a força do reggae na cidade de São Luís ainda é polemica e

difícil a sua inserção em determinados espaços.

Sendo assim, no primeiro capítulo, O Reggae no Âmbito da História Cultural,

busca dialogar os principais elementos da Nova História Cultural, como as noções de práticas,

representações, de tradições, os diálogos com a antropologia, pois nos ajudam a entender de

que forma este ritmo apropria-se de diferentes espaços assumindo forças e características

diferentes. Além de compreender os estereótipos e a violência em torno do reggae no

Maranhão a partir do momento de sua chegada e instalação em determinadas localidades.

No segundo capítulo intitulado A ilha de São Luís inventando tradições, num

primeiro momento, será discutida a forma como foram construídos os mitos envolvendo a

identidade maranhense, tanto dos cognomes Atenas Brasileira e Jamaica Brasileira,

procurando entender as lutas pela identidade cultural nos principais jornais maranhenses. Já

num segundo momento através das noções de políticas de gentrification, ou seja, de

enobrecimento de espaços, será posto em analise o projeto de revitalização da Praia Grande,

em um período de ascensão turística da cidade, no qual algumas culturas tinham mais

privilégios enquanto outras eram alijadas.

O terceiro capítulo “Pedras do Reviver reggam mirantes e pedras de cantaria”

tem como foco a análise das brigas em torno da permanência da Cooperativa Reggae na Praia

Grande. Através dos jornais e de entrevistas busca-se compreender os objetivos iniciais dessa

casa de show, os debates em torno da Cooperativa, nos quais intelectuais e donos de

estabelecimentos manifestavam-se a favor ou contra a permanência do estabelecimento e os

13

motivos do preconceito e segregação do reggae na Praia Grande, mesmo diante de sua

expansão.

14

2 O REGGAE NO ÂMBITO DA NOVA HISTÓRIA CULTURAL

A partir das últimas décadas do século XX tornava-se cada vez mais popularizado

os estudos sobre cultura, tal fator se dá com a mudança de perspectiva de movimentos e

escolas que vinham de encontro com os paradigmas tradicionais. Essa reação dá inicio a uma

nova modalidade de história denominada Nova História Cultural2.

A Nova História Cultural, surgida na década de 1980, trouxe consigo novas

abordagens e novos problemas, procurando consertar as brechas deixadas no enfoque dado na

História das Mentalidades, cuja abordagem já estava desgastada.

Alguns dilemas que permeiam a História das Mentalidades tal como a relativa autonomia das

mentalidades e a necessidade de articular com a totalidade histórica; a sua perspectiva de

longa duração, caindo no risco de tornar imperceptível às pequenas mudanças e o sentido de

resgatar o lado humano e ao mesmo tempo explicar o coletivo e o global das ações sociais

foram alguns dos impasses que fizeram as Mentalidades entrarem em colapso. (VAINFAS,

1997).

Dessa forma, o autor destaca os novos enfoques dado a Nova História Cultural,

residindo na rejeição do conceito de mentalidade, considerado por esses pesquisadores ainda

vago, ambíguo e impreciso entre o mental e o social; apresenta-se como Nova História

Cultural diferente da História da Cultura focado nos estudos de arte, literatura e filosofia

como manifestações oficiais ou formais, apesar de não rejeitar esses objetos, chama à atenção

para as manifestações das massas anônimas; tem preocupação em resgatar o papel das classes

sociais, das estratificações e do conflito social não importando o lugar do indivíduo e, por

último, é uma história plural, que apresenta caminhos alternativos para a investigação

histórica.

A Nova História Cultural tem como foco o popular, tal como suas manifestações,

seus conflitos e o resgate do papel das classes sociais, podendo reconhecer a pluralidade do

objeto, assim como os diálogos feitos com outras áreas do conhecimento, ampliando as

discussões sem perder o caráter historiográfico.

2 Segundo Peter Burke (2011), A expressão Nova História foi uma termo bem popularizado na França. O titulo

La nouvelle histoire inicia uma coleção de ensaios editada por Jacques Le Goff, que também auxiliou outra

coleção com três volumes sobre “novos problemas”, “novos abordagens” e “novos objetos”. A nova História

vinha de encontro aos paradigmas encontrados na História tradicional, tal como os de que a história é

essencialmente política e narrativa, que oferece uma visão de cima, baseada somente em documentos oficiais e

que a história é objetiva. Para o autor a Nova História “começou a se interessar por virtualmente toda a atividade

humana” e o que era “considerado imutável é agora encarado como “construção cultural”, sujeita a variações,

tanto no tempo, quanto no espaço.

15

A pluralidade da Nova História Cultural é a abordagem desta temática a partir de

novos olhares e diferentes campos antes jamais concebidos, como do marxismo, da

antropologia, da crítica literária, do antimétodo de Focault, entre outros, dando o carácter

interdiciplinar as estudos da história.

Diante disso, Barros (2003) coloca a existência do individuo condicionada a

produzir cultura, não precisando ser um artista, um intelectual ou artesão. A linguagem, a

Representação e as Práticas Culturais dariam uma visão ampla, pois envolvem a noção de

cultura escrita e oral, além dos outros tipos de comunicação, tal como os gestos, o corpo, a

maneira de estar no mundo social e o seu modo de vida.

Um dos autores que nos dá uma noção mais abrangente de Cultura é Chartier, pois

busca perceber o social em conexão com as diferentes utilizações dos equipamentos

intelectuais. Segundo Vainfas (1997), Chartier sugere a Cultura enquanto práticas, que

estabelecem uma identidade ao grupo, e as categorias do objeto enquanto representações e

apropriações, que dependem das realidades criadas pelos grupos ou instituições.

A partir daí definimos Representação como apreensão do “real” partindo da teoria

do simbólico, na qual é re-apresentado por intermédio de imagens ou símbolos as quais fazem

parte da categoria do signo. Os símbolos entram em cena quando o significado não é mais

absolutamente apresentável, e como signo pode se referir a algum sentido, já a imagem

simbólica é a transfiguração do concreto para um sentido abstrato (FALCON, 2000).

Para Pensavento (2012), as Representações não se fundamentam na cópia do real,

mas sim na presentificação deste, ou seja, na substituição do ausente pelo presente. Assim a

autora coloca:

A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre

ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou da

transparência. A representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir dele. (PENSAVENTO, 2012.

p. 21)

Vainfas (1997) coloca que, para Chartier, representação é um conceito superior

ao de mentalidades porque permite articular três categorias em relação ao mundo social:

1. O trabalho de delimitação e classificação das múltiplas configurações intelectuais,

“através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes

grupos”.

2. As “práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma

posição”.

3. As “formas institucionalizadas e objetivadas graças às quais uns „representantes‟

(instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a

existência do grupo, da classe ou da comunidade”. (VAINFAS, 1997, p. 228-229).

16

Diante disso, entendemos as “realidades” sociais como diferentes, dependendo

dos grupos em que estiverem inseridas, assim como as práticas culturais irão forjar uma

determinada identidade social a partir dessa realidade, estas podem ser presentificadas, ou

seja, representadas por instâncias coletivas ou por pessoas que constituíram as formas

institucionalizadas.

Assim como a noção de Representação temos as Práticas Culturais, que são

mecanismos de produção e recepção dos seres humanos, uns com os outros e com o mundo

social, incluindo tanto as práticas discursivas e não-discursivas. Essas práticas culturais não

se limitam as instâncias formais como as instituições, as técnicas, as realizações, mas também

aos usos e costumes de uma determinada sociedade.

Para Barros, 2003, p. 157:

São práticas culturais não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma

modalidade de ensino, mas também os modos como, em uma dada sociedade, os

homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou

discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos

ou recebem os estrangeiros.

Daí a noções de Representação e de Práticas Culturais possibilitam novas

abordagens, pois dão maior amplitude aos estudos da Cultura. Através dessas duas categorias

podemos analisar determinado objeto da história, por meio de seus sujeitos, produtores e

receptores; do processo de produção e difusão, assim como os sistemas que dão suporte a

esses processos e sujeitos. (BARROS, 2003).

Diante de determinado objeto, práticas geram representações e essas

representações geram mais práticas. Aplicando essas noções a temática, percebemos as

práticas culturais contribuintes da formação do reggae consolidando-se no cenário mundial,

como música e manifesto político-religioso, saindo das ruas de Kingston dos “bairros de lata”

da Jamaica, a população inconformada com a situação de miséria, dominação e injustiça

social dos países do ocidente, ganhando proporções mundiais3.

Essa representação do reggae em diferentes localidades assume novas práticas

sociais, dependentes dos usos e costumes que se irão fazer deste ritmo nos diferentes espaços.

Albuquerque (1997) fala que:

É que as estrelas que cruzaram os céus jamaicanos muitos anos atrás ainda brilham

em São Luís. O que se ouve na cidade é o mesmo som que na Jamaica nos anos ¨60,

inicio dos anos 70. Reggae marcadinho, ganchudo, bom de dançar junto. Por conta

dessa adoração, formou-se um circuito independente em São Luís, com clubes

improvisados em salões de escola, radiolas (tradução local para sound systems) e

vários programas de rádio, além de uma banda de rádio, a Tribo de Jah, liderada pelo dublê de radialista Fauzi Beydoun e formada por cegos (a exceção do próprio

Fauzi). (ALBUQUERQUE, 1997,p. 151).

3 Ver Albuquerque, 1997.

17

É interessante como um mesmo ritmo, em contextos sociais diferentes assume

características referentes a este espaço. Como o autor afirma, em São Luís forma-se um

circuito independente, adquirindo características peculiares neste local. Assim, podemos

elencar esses usos e costumes do reggae em São Luis do Maranhão, tal como sua associação

com a periferia, o reggae dançado coladinho, a criação de clubes especializados, a marcação

dos discos4 e uma linguagem específica que assume na ilha de São Luís

5.

Diferentemente de São Luís, o reggae na Bahia tomou outras práticas culturais e

assumiu uma nova representação, sendo utilizado pelos movimentos negros do estado como

meio de protesto e resistência. O final da década de 1980 e inicio dos anos 1990, intitulado

como o verão do reggae baiano, caracteriza-se pela proliferação de grupos de reggae, nesse

momento suas canções tinham como principal intuito manifestar-se contra o racismo, as

injustiças sociais e a repressão da polícia.

Assim refere Mota:

Nesse sentido a História do reggae na Bahia confunde-se em grande parte com os muitos capítulos da história do movimento negro baiano, registrados nas canções

dos blocos afros. Sua presença e cristalização como referência cultural-musical no

cenário baiano na década de 80 remonta, portanto, aos movimentos culturais negros

do decênio anterior, onde os blocos afros foram grandes agentes multiplicadores.

(MOTA, 2008, p.78).

Mota (2008) ainda acrescenta que as diásporas são entendidas através de uma

nova perspectiva desses grupos afros, tendo suas músicas como elementos fortalecedores da

identidade negra. Países como Jamaica e Cuba passam a ser um novo referencial para o

fortalecimento da negritude.

O reggae passou a constituir um importante elemento político e religioso no

processo de conscientização dos baianos em suas lutas sociais, assumindo particularidades

semelhantes ao reggae produzido na Jamaica, principalmente, quando se refere à crítica que

fazem a Babilônia6.

4 Segundo Silva (1995) na década de 80 havia uma disputa por exclusividade dos discos de reggae pelos donos

de radiola, dessa forma os proprietários de radiolas marcavam as músicas com vinhetas para não serem

reproduzidas por outros DJs. 5 Segundo Santos (2006), de acordo com os pesquisadores do grupo Atlas linguístico do Maranhão/ vertente

reggae, o aspecto semântico-lexical desse ritmo em São Luis é bastante expressivo e especializado sendo utilizado constantemente nas relações socioculturais e profissionais desses regueiros. A linguagem regueira é

predominantemente oral, podendo ser constado que a utilização em contextos específico revelam a dinâmica do

ambiente físico, das práticas sociais, econômicas e culturais do ritmo no estado. Um desses exemplos da

linguagém especifica é a criação do melôs, que segundo Brasil (2014, p. 58) consiste nos “aportuguesamento dos

nomes das músicas a partir da proximidade fônica de um trecho em inglês ou com algum elemento no mundo

fenomenológico local ou mesmo em homenagem a alguém”. A construção dos melôs demonstra as práticas

existentes dentro dos clubes de reggae, transformando o ritmo em algo singular e específico no Maranhão. 6 Segundo Albuquerque (1997), a Babilônia seria a igreja católica, a polícia, o governo, ou seja, todo o sistema

corrupto e decadente do sistema ocidental.

18

O contexto acima apresentado serve para demonstrar as formas de representação

do reggae em diferentes localidades, assim como suas práticas. Apesar do reggae não assumir

diretamente características filosóficas e políticas em São Luís (mesmo com a tentativa de

algumas bandas locais, como o caso da Tribo de Jah) percebemos uma formação identitária

através das práticas de lazer e no sentimento de pertencimento em comum dos negros nos

clubes de reggae, como coloca Silva (1995).7

Outro fator de ampliação dos estudos do reggae, a partir da Nova História

Cultural, é o intercâmbio entre a antropologia e a história. Para Castro (1997), esta interação

com a antropologia interpretativa de Clifford Geertz possibilita diversas abordagens. Tais

conexões dão uma nova noção de Cultura, vista como inseparável da natureza do homem, não

apenas como representações, mas ações passíveis de serem interpretadas do ponto de vista da

análise social.

Castro ainda diz que:

Por outro lado, a técnica conhecida como “descrição densa” permitia o

enfrentamento de um problema central da pesquisa histórica: o da capacidade do

pesquisador de compreender o comportamento, opções e atitudes de pessoas

culturalmente diferentes de si próprio e de “traduzir” esta diferença para os códigos

culturais da comunidade acadêmica. (CASTRO, 1997, pp. 86)

Desta forma a análise da história junto com a antropologia, através da descrição

densa, passa não só pelas manifestações culturais em si, mas permite ao historiador

compreender o comportamento, as atitudes e as opções de pessoas diferentes, discutindo essas

problemáticas no campo acadêmico.

De acordo com esta perspectiva ampliam-se os estudos sobre o reggae, pois além

do ritmo, os sujeitos sociais passam também a serem analisados. Tanto a manifestação

cultural, quanto os agentes envolvidos e o espaço que configuram, passa a ser interpretados,

ou seja, o processo de sociabilidade traz sentido ao contexto social.

Partindo dessas novas tendências, vários historiadores se voltam ao estudo da

cultura, inclusive muitos daqueles com formação teórica baseada no marxismo. Um desses

exemplos é E. P. Thompson que, segundo Lynn Hunt (2001), rejeitou a metáfora de

base/superestrutura para se dedicar ao que foi chamado de “mediações culturais e morais”.

7 Silva (1995, p. 112-113) coloca que, diante do processo de inserção da população negra na sociedade brasileira

cria-se formas especificas de participação em elementos da esfera social, onde são produzidas alternativas e

experienciais culturais diferenciadas que se constituem como marcas dessa população, tal como uma linguagem

própria, vestimentas, danças, etc. No caso do reggae, aproveitando de um elemento da Indústria Cultural, a

população negra de São Luís adota-o como instrumento de lazer, construindo bases identitárias. As festas de

reggae é aonde a população negra encontra seus iguais, onde o fator cor se constitui como arma de resistência

diante da sociedade.

19

Podemos entender essas relações produtivas sob o viés cultural, segundo a autora, podendo

ser incorporadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais.

Segundo Vainfas (1997), Thompson estava preocupado com as massas e a

identidade das classes trabalhadoras, em um contexto especifico de industrialização. O autor

rejeita a concepção de paternalismo das classes dominantes sobre as classes populares,

considerando a capacidade de construção de uma identidade a partir de seus próprios valores.

Diante disso Vainfas ressalta:

O campo teórico da cultura popular em Thompson valoriza, portanto, a resistência

social e a luta de classes em conexão com as tradições, os ritos e o cotidiano das

classes populares num contexto histórico de transformação. Vem daí o apreço do

autor pela antropologia, capaz de ancorar interpretações verticalizadas de ritos e

comportamentos comunitários, bem como por microtemas, a exemplo da festa, do

charivari e outros que permitam iluminar a defesa das tradições e a insurgência

social, processos simultâneos de construção de uma identidade popular no campo cultural. (VAINFAS, 1997, p. 233).

Thompson analisa comportamentos e atitudes considerados insignificantes das

classes trabalhadoras, podendo revelar aspectos da identidade social dessas massas. A

resistência e a luta de classes aqui se conectam com os aspectos do dia-a-dia, constituindo

uma resistência ao capitalismo.

Barros (2003) ainda acrescenta que tanto E. P. Thompson quanto Eric Hobsbawm

e Christopher Hill, buscaram uma articulação entre História Cultural, Social e Política na

tentativa de reformular o conceito de materialismo histórico, onde o esquema infraestrutura e

superestrutura já estavam desgastados. Para esses autores a sociedade passa a ser examinada a

partir da Cultura e não como reflexo da economia estruturante.

Diante dessas novas perspectivas exemplificadas acima, podemos perceber que a

Nova História Cultural possibilitou um estudo mais aprofundado de diferentes manifestações

culturais integrado nos modos de produção existentes. Atitudes antes consideradas

irrelevantes tornaram-se forjadoras de uma identidade social das classes subalternas, nesse

sentido a cultura popular passa a ser elemento de resistência contra o sistema capitalista

vigente.

Silva (1995) ao estudar o reggae como forma de lazer e identidade da população

negra de São Luís, enfatizou as mobilizações em torno do ritmo construidas a partir da

necessidade de buscar os seus iguais. Enquanto forma de lazer além de possibilitar uma

oposição à ideologia racial branca, demonstra a mobilização de grupos minoritários diante dos

aspectos do dia-a-dia para construção de seus produtos culturais.

20

O reggae constitui-se como movimento de resistência do negro a partir do

momento que cria práticas de sociabilidade como “válvula de escape” das lutas diárias. Como

o mesmo autor coloca (p.124), “para os regueiros a festa é um local de encontrar seus iguais,

é o espaço da alegria e do prazer que minimiza as dificuldades do cotidiano”.

O reggae como outros movimentos culturais, nos quais reúne um grande número

de pessoas negras, apesar de não constituir em São Luis, tal como na Jamaica e em outras

capitais (a exemplo de Salvador), em movimento político/religioso, ainda assim é visto como

ameaçador à ordem social. Portanto é constantemente taxado como “coisa de negro”, perigoso

devendo está permanentemente mantido sob controle. .

Nesse sentido objetivamos analisar as polêmicas e formas de preconceito

envolvendo o reggae na cidade de São Luis dentro do Projeto Reviver, proposta de

revitalização do Centro Histórico de São Luís, que tinha determinados fins políticos e

econômicos, tal como a promoção turística no cenário nacional e internacional, a fim de

desenvolver a economia do estado através da cultura. Essa promoção turística seleciona

algumas manifestações tidas como “genuinamente” maranhense, não deixando espaço para

culturas ainda vista de forma marginalizada e estrangeira, como é o caso do reggae.

2.1 O reggae chega ao Maranhão e invade a periferia

Para que possamos analisar a dinâmica do reggae no Maranhão, é necessário

compreender as formas como este ritmo chega ao estado e os locais onde se instala num

primeiro momento. Isso ajuda a entender os estereótipos criados em seu entorno e as

associações a qual está submetido.

De acordo com Silva (1995, p. 46), “é difícil definir exatamente quais elementos

que determinaram a adoção do reggae pela população maranhense, fazendo o ritmo se

espalhar, principalmente entre os bairros periféricos de São Luís”. Entretanto algumas

suposições são feitas principalmente referindo as semelhanças entre a Ilha de São Luís e o

Caribe jamaicano.

O radialista Ademar Danilo (apud Silva, 1995, p. 46) acredita que esta conexão se

faz devido a predominância dos ritmos caribenhos nos estados do Pará e Maranhão. Sendo o

fato de tanto no Maranhão, quanto na Jamaica a maioria da população ser de descendência

negra. Para ele, isso cria laços a partir de uma identidade cultural em comum.

21

Reforçando essa suposição Brasil (2014), afirma que:

A aproximação e a afirmação do reggae como gênero musical naturalizado ao

universo da cultura popular maranhense aconteceu em um processo de tessitura realizada a partir da realidade caribenha do litoral do Maranhão, assim como na

Jamaica. A vinda de negros das mesmas etnias aos portos da Jamaica e à capitania

do Maranhão gera uma rede de relações identitárias que se perderam na violência

física e simbólica da escravidão, e foi reconstruída de forma dissonante, transversal

e local nas travessias da comunicação oportunizadas pela intensificação dos fluxos

informacionais e dos mercados transnacionais que surgiram no último quartel do

século XX. (BRASIL, 2014, p. 58-59).

Através desses dois aspectos, podemos entender as ligações existentes entres os

ritmos predominantes na Jamaica e no Maranhão, a partir dos elementos culturais deixados

pelos negros aportados nas duas ilhas. Essas ligações baseiam-se além do compartilhamento

de culturas em comum de um determinado povo, mas estão ligados diretamente aos elos

emocionais e espirituais que esses ritmos transmitem.

Na tentativa de encontrar esses elos rítmicos entre as duas ilhas, este mesmo autor

busca uma aproximação entre as batidas dos tambores encontrados na cultura maranhense e os

elementos originais do reggae. Dentro destas ligações faz uma análise entre o Tambor de

Crioula, ritmo tradicional da cultura maranhense, e o Nyiabing, ritmo “tribal” utilizado pelos

rastasmens8 jamaicanos em seus cultos.

Tanto no Nyiabing, quanto no Tambor de crioula houve formas residuais

influenciadoras e desdobradoras na formação do reggae. Diante disso podemos entender que:

No Nyianbing, o conjunto dos três tambores é chamado de “harpa”. O mais grave de

todos é chamado de “papa smasher” ou “basher vaticano”, numa inferência ao

sincretismo entre rastafarianismo e catolicismo na Jamaica. Este tambor seria

equivalente ao meião no tambor de crioula; outro tambor é denominado “funde”,

responsável pelos timbres médios e agudos do ritmo nyianbing, sua levada é

sintonizada com o tambor grave, o “papa smasher”. Seu equivalente no tambor de

crioula é o crivador, que também é meio agudo; e o terceiro tambor do nyianbing é o

“akete”. Ele é o responsável pelos solos sincopados e pelos improvisos que compõe

o jogo rítmico do nyianbing. As relações dialogais entre os tocadores se

intensificaram com a comunicação musical do solista. O “akete” na aproximação

sugerida aqui é o tambor grande do tambor de crioula, que também é o dono dos

8 Segundo Carlos Albuquerque (1997), os rastasmen seriam aqueles que acreditavam que Ras tafari makonnen,

Imperador da Etiópia, era de uma linhagem que retomava a união do rei Salomão com a rainha de Sabá. Tal rei

segundo as previsões do pregador Marcus Garvey, seria o unificador de todos os filhos extraídos da África,

sendo a Etiópia a terra prometida, que iria reunir e salvar seus filhos das misérias, dos sofrimentos e das

injustiças sociais. Os rastamen que seguiam alguns elementos da bíblia, misturados com elementos culturais da

religião africana fundaram a seita rastafári.

22

solos e dos deslocamentos temporais que caracterizam todo o virtuosismo africano

em termo de linguagem musical de caráter rítmico. (BRASIL, 2014, p. 59-60).

São evidentes as aproximações entre os dois ritmos assemelhados no timbre e nos

elementos musicais. Essas conclusões ajudam a entender o porque do reggae ao chegar no

Maranhão instala-se com grande receptividade, principalmente pela população negra e

periférica do estado.

Tanto o Nyanbing, quanto o tambor de crioula tem fortes ligações com o religioso

partindo das influências dos sons “tribais” africanos. Esses sons ressignificados nas duas

localidades trazem a possibilidade de um sentimento de ancestralidade em comum

evidenciada através do ritmo, da música e da dança. (BRASIL, 2014).

Segundo Sodré (2006 apud Brasil 2014, p. 61), o ritmo africano tem o poder de

gerar um transe através da sensibilidade étnica e do sagrado, tendo a capacidade de voltar

sobre si mesmo. Essa temporalidade cósmica dos salões de reggae pode ser evidenciada

também no tambor de crioula e no nyanbing.

Brasil ainda evidencia que:

Na cultura africana, a não dissociação entre o corpo e o som na busca da

transcendência é sintoma de extrema sintonia da corporeidade negra com as

vibrações da natureza e do sagrado. Na situação limite da escravização, a condição

de pertencimento de seu próprio corpo a outra pessoa, cria na arké negra uma

capacidade de deslocamento do corpo prisioneiro para outro espaço-tempo, através

de estratégias de transe e possessão operados através do som, do ritmo, do canto, da

dança. (BRASIL, 2014, p.79).

Assim alguns elementos da cultura maranhense como o tambor de crioula, bumba-

meu-boi através das batidas, dos sons e das danças trazem essas vibrações, invadindo os

corpos dos brincantes dando a sensação do transe. No reggae essa experiência pode ser

adquirida nos graves proporcionados pelas radiolas, onde a potência do som invade os corpos

proporcionando inúmeros sentimentos e sensações.

A semelhança entre os elementos sonoros africanos nas duas localidades é um dos

motivos que o ritmo tenha grande aceitabilidade, este ponto pode ser demonstrado quando

muitas das vezes os frequentadores dos clubes de reggae são os mesmos que estão envolvidos

nessas manifestações culturais e religiosas afro-maranhenses, assim como o bumba-meu-boi

e o tambor de crioula. Durante essas manifestações culturais e festejos de santos o reggae está

sempre presente.9

9 O comunicólogo Ramusyo Brasil, em sua experiência de campo, nas manifestações culturais que acontecem

no largo de São Pedro, no bairro da Madre Deus, percebe essa associação entre os festejos de santo, as

manifestações culturais onde o reggae se encontra presente como espaços de resistência simbólica da população

negra e pobre do maranhão. Ver Brasil, 2014, p. 65-74.

23

Assim, é necessário compreender como o ritmo chega à ilha de São Luís e se

instala nas periferias ludovicenses. Embora seja incerta, a maioria dos relatos aponta para três

hipóteses, que não necessariamente se refutam, podendo está interligadas.

Uma das primeiras hipóteses da chegada do reggae em São Luís é colocada por

Silva (1995). Segundo o autor, a maioria dos DJs aponta como sendo Riba Macedo10

um dos

primeiros discotecários de reggae e aquele que introduziu o ritmo no Maranhão. Em entrevista

com Carlos Benedito da Silva, o discotecário afirma que os seus primeiros contatos com o

reggae foram por volta dos anos de 1969/70, através do paraense Carlos Santos, vendedor de

discos usados em Belém, o qual fazia pesquisa de mercado em São Luís do Maranhão.

Segundo o discotecário:

Eu fui apresentado a Carlos Santos pelo dono da loja “Só Sucessos” no bairro do

João Paulo, onde eu comprava muitos discos. O dono da loja disse a ele que eu tinha

um gosto diferente, que eu gostava de música internacional, musica lenta... Carlos

Santos disse que estava fazendo um trabalho musical, e que em breve lançaria um

disco compacto. Assim que ficasse pronto, ele me mandaria uma cópia desse disco.

Eu me esqueci dessa conversa, mas na segunda vez que ele esteve aqui, me procurou

e me deu o disco que ele tinha gravado. Foi ai que ele me trouxe um disco de Nolon

Poter- The Front Line- que a turma batizou de “mão no arame” por causa da capa

que tem uma mão negra segurando um arame farpado. Trouxe mais um outro

compacto, com uma música “Montego Bay” ... Aí foi que eu comecei. Depois eu

comprei no chão, um compacto de David and Ansil Colins, com aquela música

“Double Barrel”. Aí passou o tempo, e eu consegui outro compacto deles também-

The Best Girl, compacto duplo, e um dos ASWAD, que um rapaz trouxe de Belém.

(MACEDO apud SILVA, 1995, 59-60).

De acordo com essa versão, o ritmo teria vindo de Belém do Pará, mas

precisamente pelas proximidades geográficas e por intermédio de Carlos Santos e Riba

Macedo. Entretanto, apesar desta instalação em Belém, vem ser em terras maranhenses que

adquire maiores proporções. (SELEKTAH, 2009 apud FREIRE, 2012, p.55), “O Maranhão é

o estado brasileiro que tem ligação mais forte com o Caribe. Boa parte dos sucessos no

Maranhão vinha do Pará, mas o engraçado é que fez sucesso aqui e não lá. Mas, no inicio os

vinis vinham de lá”.

Freire (2012), e Brasil (2014) apontam a chegada do reggae através dos

marinheiros caribenhos que aportavam em Cururupu. Como vinham com poucos recursos e

precisavam comer e se divertir, trocavam os vinis por comidas, bebidas e sexo. Ao se

10 José Ribamar da Conceição Macedo.

24

relacionar com as prostitutas no Porto do Itaqui, em São Luís davam discos de presentes e

estas “rodavam” os vinis para seus namorados da ilha.

Brasil (2014) também afirma que o reggae poderia ter chegado através das ondas

curtas de rádio amadoras vinda de diversas partes da América Latina interferindo nas

transmissões dos maranhenses na década de 1970. A chegada do reggae é percebida como

“invasão cultural” ou “estrangerismo”, justamente por ser uma música estrangeira, produto de

uma indústria cultural em ascenção.

O ritmo num primeiro momento chega de forma sutil, sendo executado nas festas

onde o predomínio era da salsa, da lambada e do merengue, entre o intervalo de uma música e

outra o reggae era tocado. Como as pessoas já estavam juntas e por ser uma dança lenta,

aproveitavam e continuavam dançando coladinhas (SILVA, 1995). Dessa forma, o reggae

chega ao Maranhão caindo no gosto da população negra e pobre e expande-se através das

inúmeras radiolas e clubes de reggae propagando o ritmo pelos bairros periféricos de São

Luís.

Uma das características desse ritmo nas décadas de 1970 e 80 no Maranhão é a

sua devida instalação nos bairros considerados marginalizados da capital, assemelhando a

forma como se desenvolveu na Jamaica, nascido nos “bairros de lata” da cidade de

Kingston11

·, tendo como berçário os soud-system, verdadeiros paredões de som comandados

por DJs.

Em pesquisa sobre o reggae de São Luís a jornalista Carla Freire (2012) afirma

que, “tanto os frequentadores quanto os espaços localizados na periferia são marginalizados,

vistos a partir de preconceitos e estereotipados negativamente”. Muitos desses clubes de

reggae são evitados, justamente pela representação construída do regueiro como usuário de

drogas, bandido e marginal, ameaçando a segurança daqueles que adentram estes espaços.

Em outro ponto a autora diz:

Associa-se, então, a criminalidade registrada nos bairros onde o reggae teve maior

penetração desde as décadas de 1970/1980 aos apreciadores do ritmo, postos

socialmente sob suspeita, pelo fato de residirem em áreas de periferia e frequentarem

clubes de reggae, espaços definidos por sua vez como “lugar de negro” e de

“marginal”. (FREIRE, 2012, p. 71).

Ao longo da expansão do reggae nas periferias ludovicenses ocorreram constantes

batidas policiais nos “Clubões”, ocorrendo constantes casos de violência física. Segundo

Pedro Jamaica, frequentador desses clubes de reggae na década de 1980, “A polícia não tinha

11

Ver Albuquerque, Ed. 34, 1997.

25

pena não. Ia descendo o pau mesmo. Eles achavam que todo mundo era bandido, não tavam

nem ai”. (Pedro Jamaica, apud Freire, 2012, p. 71).

Zé Baldéz, proprietário do clube de reggae Pop Som, também evidência o caso:

Eles (os policiais) achavam que era só marginal que dançava reggae, fumador de

diamba. Mas não tem nada a ver, tem muita gente boa dançado reggae. A maior

parte desse pessoal do tóxico é desses clubes grandes, das discoteques, pois o pobre

mesmo não pode comprar. Aqui é na cerveja, na cachaça (...). Eu fui até preso por

causa do reggae. (Zé Baldéz, 91 apud SILVA, 1995, p.78).

Esses relatos ajudam a entender as formas de racismo e marginalização destes

espaços ainda presentes em nossa sociedade. Associa-se a grande violência presente em

alguns bairros, geralmente aos negros que buscam nas festas alguma forma de lazer. Esses

preconceitos surgem justamente, pela forma de vestir, falar, andar e se comportar dessas

pessoas dentro dos clubes de reggae e das demais manifestações presentes nesses bairros

perifericos.

Trazendo como foco as inúmeras batidas policiais e os estereótipos criados em

cima do regueiro nos primeiros anos do reggae em São luís, Brasil (2014) aponta inúmeras

reportagens. A pesquisa do autor tem um recorte dos anos de 1976 a 1995 ratifica o reggae

como perigoso, através das vinculações de brigas, dos crimes ocorridos nos clubes e nas

taxações dos brincantes como bandidos e desordeiros.

Como afirma Silva (1995) e Freire (2012), os primeiros locais onde o reggae

desenvolveu-se foram Areinha, Liberdade, Sacavém, Vila Palmeira, Jordoa, São Francisco,

entre outros. Esses bairros são também considerados com grande índice de violência taxando

os moradores dessas regiões de forma negativa.

Para Telles (2003) essa negatividade relacionada aos espaços e a população negra

e periférica do Brasil tem origem nas severas desigualdades encontradas. Estas dão origem a

problemas sociais, como a pobreza, os fracos sistemas de saúde e educação, os altos índices

de criminalidade e a falta de integração social e política da maioria da população.

O autor acima referido (2003, p. 237) parte da ideia dos esteríotipos construídos

em torno do negro, como “as únicas coisas que sabem fazer bem são músicas e esporte”.

Diante da análise desta pesquisa, nem esses elementos escapam, visto as representações

negativas criadas em torno do reggae e como podemos perceber na mídia televisiva as

constantes formas de preconceito em relação ao esporte.

Essa conjuntura de desigualdade cria esteriótipos sobre a população negra

constantemente associada ao crescimento da violência nas cidades. Essa é taxada como

bandida e marginal, principalmente pelos orgãos institucionais (no caso a polícia) cuja

função seria fazer a “segurança” dos cidadãos. A violência policial aumentou na decada de

26

1990, sendo a tortura ainda aplicada como método de investigação para extrair confissões.

Numa tentativa de controle e repressão a polícia utiliza-se da violência e da tortura para conter

esses possíveis bandidos e ocasionando a morte de inúmeros negros.

Utilizando de dados estatísticos o autor expõe:

Além disso, uma investigação realizada pela Ouvidoria de Polícia do estado de São

Paulo, em 1999, revelou que 52,6% das mortes por policiais envolviam tiros nas

costas; 23% das vítimas receberam cinco ou mais ferimentos à bala e 36% levaram

tiros na cabeça. As vitimas desses homícidios, são desproporcionalmente, pretos e

pardos. (TELLES, 2003, p. 254)

De acordo com Barbosa (2015), este tipo de violência é legitimado historicamente

por um racismo institucional12

e na atualidade por formas de exclusão a partir da

criminalização da juventude negra, da privação da liberdade, da expansão da militarização em

áreas periféricas e da ocupação do aparato militar em favelas.

O racismo institucional é explicitado no momento em que há uma forte presença

de policiais nas festas de reggae e na constante violência tanto física, quanto simbólica em

relação à população negra nesses locais de lazer e diversão. Como relata Santos (2013, p. 30),

“o racismo de autoridades policiais está presente nas transcrições de depoimentos, associando

o negro ao ócio, à violência e à permissividade sexual. Ser negro foi construído como sendo

um atributo representacional identitário negativo”.

De acordo com o mesmo autor, as taxas de homicídio e violência são mais

frequentes em pessoas pobres, de favelas e onde os serviços urbanos estão deficientes. Nas

abordagens de ruas e bairros periféricos, principalmente em locais de festas, quando esses

“agentes de segurança” estão menos sujeitos a outras esferas de poder do Estado, as formas de

preconceito relacionadas ao fenótipo são mais presentes. Tal violência está relacionada

justamente pela questão socioeconômica, pois a maioria dos casos de morte por assassinatos

ocorrem nas periferias cuja concentração de negros e pobres ainda é maior..

Em 1989 ocorreu um caso de extrema violência em um clube de reggae de

periferia na cidade de São Luís, trata-se do Espaço Aberto, clube localizado no bairro do São

Francisco, tendo como proprietário Ferreirinha. Este clube encontra-se numa zona de fronteira

entre uma parte nobre da cidade e uma área periférica, mais conhecida por suas palafitas onde

abriga uma grande quantidade de pessoas negras.

A matéria do dia 26 de Novembro de 1989 do Estado do Maranhão, mostra que:

12

De acordo com Santos (2013), o racismo institucional é revelado através das estratégias e mecanismos

existentes nas instituições, que podem ser explícitos ou não, onde dificultam o acesso dos negros em

determinados espaços. Tal conceito ajuda a explicar as dificuldades de ascensão que os negros encontram na

sociedade, dificultadas pelas instituições públicas.

27

Mais de 200 pessoas espancadas, dezenas de tiros, prisões arbitrárias e

equipamentos de som quebrados. Este foi o saldo da ação da Polícia Militar na

madrugada de ontem, quando o clube de reggae Espaço Aberto, no bairro do São

Francisco, foi invadido por cerca de 100 policiais e integrantes das Rondas

Ostensivas Tático Móvel (ROTAM), comandadas pelo tenente-coronel Catanhede,

que tentaram revistar os frequentadores numa “operação desarmamneto”. E foram

recebidos com vaias. (O ESTADO DO MARANHÃO, 1989, p.08).

Os relatos apontam essa ação policial como uma das mais violentas em relação

aos frequentadores do reggae. Cerca de cem policiais invadiram o clube e agiram de forma

agressiva principalmente com os negros ali presentes. Na madrugada os policiais

interromperam a festa e começaram a revistar os clientes, o que gerou protesto das pessoas

que estavam lá, quando essas foram questionar sobre o motivo da abordagem foram

extremamente agredidas.

Ainda a matéria afirma:

O acessor da Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos , Roberto Cassau,

classificou a atitude dos militares como “uma selvageria”. Eles quase me quebram a

perna a perna no camburão. O jornalista Ademar Danilo disse que “a repressão

policial teve caráter racista e discriminátorio. A policía invadiu aquele local porque

sabe que é um tipo de festa frequentada por negros e pessoas de baixa renda. Esse

tipo de ação não ocorre em locais frequentados por pessoa de renda mais elevada”.

(OPERAÇÃO..., 1989, p.08).

De acordo com Silva (1995), esse relato pode explicitar um tratamento

diferenciado dos policiais com os negros, principalmente das zonas periféricas havendo uma

maior concentração dessa população. A presença do branco nesses locais serve como forma

de “limpeza” nessas festas vistas como “coisa de preto, de marginal e perigosa”.

Mesmo diante desses casos, o reggae foi crescendo e ganhando novos espaços em

toda a cidade de São Luís. Exemplos disso foi a partir da década de 1990 a criação de casas de

reggae em áreas mais nobres de São Luís, como na faixa litorânea e no Centro Histórico de

São Luís, a exemplo da casa de show Cooperativa Reggae, objeto específico desta pesquisa.

Na década de 1990, o reggae vai se popularizando e ganhando novos adeptos para

além de um público de periferia. Diante disso, torna-se constante a presença pessoas de

classe média nessas festas. Apesar dessa popularização do reggae, as formas de preconceito e

marginalização dos espaços e da população negra ainda eram pertinentes.

Segundo Freire (2012), a criação de novos lugares para a classe média parte da

questão que embora este público começasse a gostar do ritmo, não estaria disposto a

ultrapassar a fronteira para os bairros suburbanos, justamente pelos motivos citados

anteriormente. A autora elenca alguns lugares que foram criados nas praias de São Luís para a

consolidação do ritmo pela classe média. Dentre eles temos o África Brasil, Kingston,

Coqueiro Bar, Tombo da Ladeira e Bar do Nelson.

28

Esses espaços são mais elitizados devido ao dificil acesso, por não ter muito

transporte para a população mais pobre, por ficarem localizados próximos aos bairros mais

nobres. O público frequentante desses locais identifica-se mais com o reggae rotts, visto como

mais politizado, desvalorizando o intitulado robozinho tocado mais nas periférias. Dessa

forma, mesmo com a sua expansão percebemos as inúmeras formas de violencia simbólica

e segregação ainda presentes em torno do reggae

O artigo do jornal O Estado do Maranhão no ano de 1991, trata do aniversário de

quatro anos do bar Toque de Amor, clube especializado em festa de reggae, localizado na

Ponta d‟Areia. Sobre as formas de preconceito a matéria fala:

Sobre preconceitos, Luzico é claro. Mesmo que hoje a classe com maior poder aquisitivo frequente o salão, a primázia no trato é dispensada ao regueiro. Ele pode

se trajar conforme sua convicção ideológica que não será molestado por normas de

indumentárias segregadoras. Não há o problema de “com que roupa eu vou” no

Toque de Amor. A ordem é diversão. E, sobretudo é imperativo dançar. A

recordação que fica é o carimbo que fica no pescoço evitando assim, um fac-símile

falsário. (TOQUE..., 1991, p. 17)

Lúzico, um dos donos do bar Toque de Amor, afirma a existência de um púbico

diferenciado nos clubes de reggae. Este constituído de sua maioria de pessoas de classe média

e de turistas, devido à localização ser próxima aos bairros nobres e hotéis na faixa litorânea da

cidade, além de jovens universitários que começam a ver o reggae como um ritmo alternativo.

Apesar disso, algumas pessoas da periferia ainda frequentam esses espaços.

A matéria destaca, que apesar do clube ser localizado em um dos pontos nobres da

cidade de São Luís, esta também foi alvo de preconceito de discriminação por ser um local de

festa de reggae:

O aniversário que acontece pacificamente hoje sus[tenta] fases turbulentas de litígio

com a prefeitura, violências policial e uma campanha fundamentada no preconceito.

Por causa disso o clube estampa uma plaqueta: “Aqui não existe... preconceito de

cor”. As cores que comandam o [...] estão ressaltadas na fachada: amarelo,

vermelho, verde e preto. As cores da bandeira da Etiópia e não da Jamaica como pensam alguns. (TOQUE..., 1991, p. 17)

Mesmo com a referência da luta contra o preconceito, diante das ações da

prefeitura e dos policiais, percebe-se nas falas do dono do bar uma diferenciação entre o

tratamento dado as que tem poder “aquisitivo” e aqueles considerados “regueiros”,

principalmente quando se constrói um estereótipo em cima do dançarino vindo dos bairros

mais pobres, até os carimbos no pescoço como marca de identificação dessas pessoas, numa

tentativa de barrar os que tentariam entrar sem passar pela segurança.

Segundo Silva (1995), os donos de bares de reggae prezando a segurança dos

locais contra possíveis “marginais” portando armas e drogas, contratam policiais e ex-

policiais para fazer a segurança da festa. Sobre a questão dos carimbos em parte dos corpos na

29

porta do bar, como no caso do Toque de Amor, o mesmo autor coloca, que apesar de os

proprietários alegarem fazer parte do controle da entrada, nem todos passam por essa

vigilância, podendo detectar uma diferenciação entre os públicos.

Mesmo com a popularização do reggae, ganhando novos adeptos e espaços, ainda

existe uma visão preconceituosa em relação às pessoas dos bairros suburbanos. Nesses lugares

onde o reggae ganha proporções, o regueiro ainda é visto como perigoso, precisando está em

estado permanente de controle e vigilancia pelos organizadores e órgãos institucionais.

Apesar de alguns autores tal com Silva (1995); Freire (2012); Brasil (2014)

apontarem a década de 1990 como um período de virada do reggae na cidade de São Luís,

onde já está mais popularizado, a violência física diminuída e uma adoção do ritmo pela

classe média, jovens e intelectuais. Percebe-se outro tipo de violencia, dessa vez simbólica,

explicitada nos principais jornais maranhenses. Essas novas formas de discriminação do

reggae é marcada por uma elencação de culturas tidas como “genuinamente maranhenses”

atribuindo o ritmo como elemento invasor.

O título de Jamaica Brasileira em antítese com o de Atenas Brasileira levanta

uma briga nos jornais sobre a cultura popular maranhense, visto o reggae ter vindo de outra

região. Esse titulo, em um contexto neoliberal, ou seja, de políticas de expansão turística do

estado do Maranhão, onde necessitava elencar culturas tidas como maranhenses, causou

conflitos e discussões por parte dos chamados “intelectuais” maranhenses, do Governo do

Estado e do interesse privado. Tais pontos serão melhor trabalhados a seguir.

30

3 A ILHA DE SÃO LUÍS INVENTANDO TRADIÇÕES

A conjuntura dos anos de 1990 permite pensar um novo momento da cultura no

Maranhão, frente as novas políticas neoliberais e diante de um momento de crise, estratégias

foram geradas para alavancar o estado através do turismo. É necessário escolher algumas

manifestações entendidas como da cultura popular maranhense e preprarar o cenário para a

promoção turística. Tudo que não for visto com bons olhos ao mercado lucrativo seria

descartado.

Diante desse panorama torna-se necessário trabalhar com dois conceitos

importantes para as problemáticas aqui propostas. Primeiramente a noção de Tradição

Inventada partindo daquilo que Hobsbawn (1984, p. 10) vem chamar de “um conjunto de

práticas de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de

comportamento através da repetição, o que implica automaticamente; uma continuidade em

relação ao passado”. Tal perspectiva ajuda a analisar as disputas entre os principais jornais

maranhenses em relação ao título de Jamaica Brasileira em detrimento ao de Atenas

Brasileira, principalmente, quando o reggae passa a circular na área do Reviver, sendo esse

espaço considerado também como lugar de tradição.

Outro conceito trabalhado neste capitulo é o de Gentrification que, segundo Leite

(2007, p. 61), se refere “as formas de empreendimentos econômicos que elegem certos

espaços da cidade como centralidade e transformam em áreas de investimentos públicos e

privados”. Este serve justamente para entender o processo de higienização social e cultural

que o Centro Histórico de São Luís passa a vivenciar após o projeto de Revitalização ou

Projeto Reviver, incluindo a retirada de casas de reggae do local.

A disputa por tradições, caracterizado nos jornais maranhenses, especialmente em

torno da criação da Cooperativa Reggae na década de 1990 é um dos reflexos das políticas

realizadas pelo estado, de intelectuais maranhenses e do setor privado, que buscavam

alternativas através da cultura para fins econômicos. Desta forma, o Centro Histórico de São

Luís foi escolhido como cenário para investimento e apresentações de algumas manifestações

tidas como “genuinamente” maranhenses como é o caso do bumba-meu-boi, tambor de

crioula em oposição a outras ainda eram vistas como marginais, como o caso do reggae.

Manifestações que agora eram apoiadas por uma elite cultural e política, outrora,

também foram marginalizadas por fazerem parte da cultura do povo, vindas da periferia. À

medida que estas foram sendo cooptadas, ou seja, adaptadas e mantidas sob controle pelo

Governo do Estado puderam circular em certos “espaços da ordem”. O reggae devido a sua

31

“estrangerização” e ainda sua autonomia enquanto manifestação da população negra era alvo

de constantes críticas.

3.1 Entre Atenas e Jamaica: as disputas identitárias na ilha de São Luís

O reggae a partir da década de 1990 vem ganhando mais popularidade e

expandindo-se a novos lugares na ilha de São Luís, saindo dos bairros periféricos e

adaptando-se em diferentes espaços. Entretanto, como já foi colocado no capítulo anterior,

nessa década a violência e discriminações físicas são substituídas por outras de ordem

simbólica veiculados nos principais jornais maranhenses

Segundo Freire (2012), algumas pessoas apontam a criação do termo Jamaica

Brasileira pelo cantor da Tribo de Jah, Fauzi Beydon. Este popularizou o termo através do

programa Reggae Night, que apresentava na rádio Mirante em 1980. Devido à forma positiva

dada a expressão, São Luís passou a ser associada como cidade do reggae. Esse discurso

consolida- se pela midiatização do ritmo a partir dessa década.

A reportagem do dia 18 de abril de 1991 do jornal O Estado do Maranhão, em

crítica a revista Veja, expõe as mudanças sobre os modos de perceber e o momento vivido

pelo reggae na década de 1990 na cidade de São luís:

Reggae “ressuscita”

A revista Veja dessa semana traz uma matéria sobre a disputa de herança deixada

pelo cantor de reggae Bob Marley, avaliada em US$30 milhões.

Ao lado da matéria principal há outra com o titulo “reggae ressuscita no Brasil”. Ora, pelo que se sabe, o reggae – desde que surgiu no Maranhão- jamais morreu

para ser ressuscitado. Aliás, em 1991 o ritmo atinge a sua maturidade.

Como compensação para o equívoco, a revista se recupera logo no final do texto:

“Apesar da efervescência nas duas maiores cidades do país, a capital nacional do

reggae ainda continua sendo São Luís, no Maranhão”. (REGGAE..., 1991, p.03).

Como mostra a matéria, o reggae ao longo dos anos desde sua instalação vem se

fortalecendo e ganhando espaço. O ano de 1991 é caracterizado pela sua maturidade

justamente pelo titulo de Jamaica Brasileira, ou como o próprio trecho coloca, “Capital

Nacional do Reggae” abrindo um leque de possibilidades para “curtir” o ritmo na ilha de São

Luís, desde casas de show, festivais, lojas de produtos, programas de rádio, entres outras

opções, na tentativa de dar mais visibilidade aquilo que estava sendo produzido na cidade.

Mesmo com a representação positiva a qual estava sendo construída , para muitos

essa ideia manchava a imagem da ilha de São Luís, justamente pela referência a Atenas

Brasileira construída ao longo do século XIX e que remonta aos tempos áureos do Maranhão.

32

O reggae justamente por ser um ritmo estrangeiro era visto como “não tradicional”, não

podendo ser comparado com o que era “genuinamente” maranhense.

A ideia de Atenas Brasileira, segundo Martins (2006), remonta a um cenário de

efervescência econômica produzida no período pombalino, onde foi possível os filhos da elite

saírem do estado para estudarem na Europa e voltarem influenciados dos ideais e

sociabilidades europeias. Estes intelectuais deram grande influência na construção do mito, ao

qual foram considerados literariamente o Grupo Maranhense da Literatura Nacional,

instituição chamada de Atenas Brasileira13

.

Para Borralho:

A presença mítica da “Atenas” cristalizou no pensamento um ideário de

significações das mais variadas possiveis que serviu para os mais diferenciados

propósitos. Serviu até mesmo para justificar perante o resto do império Brasileiro ,

no século XIX, e para o país, no seculo XX, que a província do Maranhão, e depois do Estado, ainda tinham sua importância, apesar de perspectivas econômicas.

Portanto independente da qualidade da produção cultural do período, o mito da

“Atenas” foi ( e ainda é) usado para configurar espaço de legitimidade e legibidade

urbana, tanto por parte da elite política quanto intelectual. (2011, p. 57).

O mito da Atenas Brasileira foi utilizado para os mais diferenciados propósitos,

constituído como meio de legitimar a cidade como capital cultural e intelectual que as letras

podem dar. A ideia de uma São Luís diferenciada, ou seja, de uma superioridade cultural a

partir do século XIX perpetuou-se na mentalidade dos ludovicenses e foi utilizada

principalmente pela elite política e intelectual para reforçar estereótipos e criar símbolos. O

mito acabou por inventar tradições diante da imagem de uma cultura elitizada.

O mito dessa cidade dotada de uma identidade cultural letrada, não se referia a

todos, poucos maranhenses usufruíam dessa erudição e desse refinamento proposto pela

lógica ateniense. Enquanto uma minoria (a elite cultural) era dotada desse saber trazido na

bagagem europeia, a maioria da população estava à mercê, vivendo em péssimas condições,

sujeitas ao analfabetismo e sem muitas oportunidades de trabalho.

Discutindo sobre a construção da identidade cultural do Maranhão a partir do

Bumba-meu-boi, Corrêa coloca que:

13 Segundo Borralho (2012), em um momento de efervescência cultural no século XIX desenvolveu-se um

destacado grupo de poetas, romancistas, teatrologos, biógrafos, historiadores, tradutores, que deram a São Luís o

titulo de “Atenas Brasileira”. Essa intelectualidade foi dividida em dois grupos que sucederam-se durante o

período imperial. O primeior grupo denominado de “Grupo Maranhense (1832-1868) foi constituido por Manuel

Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa, Trajano Galvão, Antonio Gonçalves Dias,

antônio Henriques Leal, Joaquim Gomes de Sousa, Joaquim de Sousa Andrade (Sousândrade) e Cesar Augusto

Marques entre outros nomes de menor repercussão.

33

A identidade cultural do Maranhão não chegou aos segmentos baixos da sociedade.

O homem pobre, o analfabeto, o pescador, a lavadeira, as doceiras, muitos desses

maranhenses nunca souberam, sequer, da existência de qualquer Atenas. A estes, a

própria literatura fornecia os meios para que construíssem uma outra identidade,

baseadas em critérios mais universais: a cultura popular. (CORRÊA, 2012, p.31)

Tal ideia tenta introjetar uma história construída por um grupo, que não faz parte

da memória de um todo social, o que hoje entende-se como a identidade de um povo a partir

de um tempo de glória, nunca fez parte das práticas da população menos abastada, pois essas

construíram suas atividades culturais através do seu próprio passado e das lutas do cotidiano.

Durante o final do século XIX e início do século XX a ideia de Atenas Brasileira

continua presente e sendo legitimada pelos intelectuais maranhenses, mesmo com as

mudanças sociais ocorridas, como a crise econômica configurada no Maranhão neste final de

século. A elite intelectual buscou outros elementos legitimando o caráter diferencial do ser

maranhense.

Para Matins (2006) a Segunda Geração dos Atenienses diferencia-se da primeira

em vários aspectos14

, principalmente pelas influências de novos ideais perpetuados na época,

como as de evolução, progresso e desenvolvimento; das concepções do materialismo

científico, do liberalismo, positivismo, entre outros. Muitos dos intelectuais conhecedores da

dinâmica literária do Maranhão e do eixo de consagração de carreira política do Centro-sul

emigraram para o Rio de Janeiro. Essa emigração mostra também a decadência

sócioeconômica e a realidade social maranhense, que já não mantinha os mesmos padrões de

prosperidade e força intelectual.

A terceira geração conhecida principalmente como Novos Atenienses15

buscava

reascender “as chamas” da efervescência cultural tida no século anterior, os jovens do século

XX, tendo como objetivo trazer de volta os tempos áureos, organizavam inúmeras atividades

na cidade, nesse momento foi de grande importância a criação dos Centros Culturais.

Essa nova perspectiva estava assentada no cenário nacional, sob um novo olhar

para o Brasil, não visto mais pela perspectiva de fora, mas buscando elementos que pudessem

legitimar uma identidade do país. Tal visão possibilitou os novos intelectuais a perceber e

valorizar as questões regionais.

Como ressalta Corrêa (2012) nesse momento a intelligentsia maranhense, ainda

pautada no sentimento de superioridade cultural e de afirmação da intelectualidade

ludovicense, também embarca na construção da brasilidade trazendo nas suas produções

14

O segundo grupo contou com nomes tal como, Celso da Cunha Magalhães, Aluísio Azevedo, Raimundo da

Mota de Azevedo Correia, Artur Azevedo, Teofilo Odorico Dias, Adelino Fontura, Coelho Neto, Graça Aranha,

Nina Rodrigues, Texeira Mendes, Barbosa de Godois, Dunshe de Abranches, entre outros. Ver: Borralho (2012). 15 Sobre os Novos atenienses, Ver: Borralho (2012, p. 67)

34

“aspectos regionais sendo elementos essenciais para a construção da nação, da identidade

popular”. (p. 62).

Para a Côrrea

Movidos por uma mistura de interesses, quer fosse a ideia de nacionalismo, ou

velhas questões de natureza local, como o culto do passado “glorioso”, intelectuais

maranhenses direcionam seus estudos para o registro das diversas manifestações

populares, tornando-se importantes no fomento do debate sobre os aspectos da

cultura popular bem como na conscientização, cada vez mais crescente entre o

restante da população, das difentes expressoes coletivas da cultura regional.

Constituíram-se no que Hermano Viana chamou de “mediadores da cultura popular” (2012, p.83).

O que antes era visto de forma marginalizada, como parte do povo, de uma cultura

não letrada, agora passa a ser legitimada por uma parcela de políticos e intelectuais que

buscavam seus próprios interesses. A cultura popular passava a ser símbolo dos aspectos

regionais maranhenses dando suporte a continuidade e perpetuação do mito da Atenas

Brasileira. É necessário apropriar-se de alguns símbolos para fortalecer a ideia de

maranhensidade através da cultura popular.

Essas manifestações entendidas anteriormente de forma negativa, torna-se

símbolo da autenticidade do ser maranhense, sobretudo, no início do século XX. A autora

mostra através dos principais jornais maranhenses, como os discursos sobre o Bumba-meu-

boi, surgido das práticas culturais de uma população pobre e negra, foi mudando ao longo dos

anos. Tais práticas, tidas como coisas de “arruaçeiros e desordeiros” transformaram-se ao

longo dos anos em referência da cultura popular maranhense.

Assim como o Bumba-meu-boi, outras manifestações também passaram pelo

processo de transição de cultura marginalizada para práticas tradicionais da identidade

maranhense. Da mesma forma do reggae, o carnaval constituído no Maranhão também foi

vítima de questionamentos quanto a sua originalidade. Para muitos intelectuais, este debate

acirra numa suposta “carioquização” e “baianização” do carnaval percebido como uma

imitação de padrões importados.

Para Assunção (2001), na década de 1980 com o processo de midiatização do

carnaval executado no Maranhão teve grandes mudanças estéticas devido a influência dos

carnavais de passarela do Rio de Janeiro e dos blocos de axé da Bahia. O carnaval carioca

principalmente televisionado pela rede Globo cada vez mais fazia parte dos lares dos

maranhenses e as novidades expostas nesse meio eram adotadas pelos carnavalescos da

cidade. Já a “baianização” do carnaval maranhense configurou-se com a criação da Avenida

Litorânea, onde empresários interessados nos lucros rendidos pelos trios elétricos da Bahia

adotaram o carnaval de praia como forma de ter bons negócios.

35

Entretanto, na tentativa de um resgate dos tempos gloriosos do carnaval

maranhense, partindo da ideia de singularidade do “genuinamente maranhense”, artistas e

cultores populares partem em busca do resgate de ritos e brincadeiras pertencentes a uma

herança do passado maranhense. Como o próprio Assunção (2001) coloca, existe um esforço

do governo do estado, da mídia e de artistas maranhenses em propagar o carnaval de rua como

forma de legitimar seus interesses e na recuperação daquilo que vem chamar de cultura

popular.

Esses dois casos acima citados, servem para evidenciar como a cultura popular foi

sendo legitimada ao longo dos anos, para atender as necessidades específicas de determinados

grupos e autentificar o mito de Atenas Brasilieira partindo da ideia de singularidade do

Maranhão. À medida que essa elite política e cultural ressignifica essas manifestações dentro

dos seus interesses, passa a fazer parte das tradições locais, ganhando uma nova roupagem,

sendo destituída de sua autonomia e autosustentação.

Na década de 1990 o mito de Atenas Brasileira sente-se ameaçado no momento

em que outra denominação ganha proporções. O título de Jamaica Brasileira causa constantes

conflitos entre os chamados “intelectuais maranhenses” pelo fato de associar a cidade com

algo que vinha do estrangeiro e da períferia. Na fala desses intelectuais, existe um medo da

ideia de erudição, seja substítuida pela marginalização.

Em um artigo publicado no jornal O Estado do Maranhão do dia 16 de Abril de

1991, o ex-vereador e professor de Língua Portuguesa Ubirajara Rayol, através de um

discurso intolerante e preconceituoso, questiona o titulo de Jamaica Brasileira. Segundo a

sua visão, essa demonimação “atroz e destruidora” manchava a imagem da “Atenas”

construída pelos inúmeros poetas que aqui nasceram e contríbuíram para a “alma

maranhense”. Na sua crítica, o autor escreve:

No momento em que os meios de comunicação maranhense passa a cognominar a

nossa São Luís não mais de “Atenas Brasileira”, mas de “Jamaica Brasileira”, urge

que se repudie tamanho e tão deplorável abuso. A Jamaica, localizada no mar das

Antilhas, é uma das ilhas do Caribe, com população inferior a do estado do

Maranhão. (...) Por outro lado, a Grécia Antiga continua sendo um ponto de

referência para a cultura ocidental. Ela propiciou as novas civilizações modelos que

ainda hoje são imitados, influindo na determinação política, artística e social de

diversas épocas. (...). Muitos séculos depois, pontifica, em São Luís do Maranhão,

uma plêiade de intelectuais jamais congregada numa única e pequena cidade. Trata-se de nomes cheios de ideia, de imaginação prodigiosa, que contribuíam para a

formação da alma maranhense e brasileira. Enumeravam-se, entre outros, Gonçalves

Dias, Aluízio de Azevedo, Artur Azevedo, Raimundo Corrêa, Coelho Neto, João

Lisboa, Teixeira Mendes, Gomes de Sousa, Odorico Mendes, Graça Aranha,

Humberto de Campos, Sotero dos Reis, Adelino Fontoura, uns nascidos em São

Luís, mas todos maranhenses. Foi por isso que São Luís, muito justificadamente,

passou a ser cognominada de Atenas Brasileira, assim reconhecida e festejada por

todo o Brasil. E o Maranhão, consciente de sua responsabilidade perante a história,

36

sempre se orgulhou dessa herança cultural, advindo daí, certamente, o estimulo à sua

vocação para as letras e para as artes. (RAYOL, 1991, p.02)

Algumas das questões colocadas por Rayol referem-se à Grécia Antiga e a Cultura

Ocidental, como espelho e inspiração as demais sociedades. Essa eurocentrização dentro do

processo civilizador coloca as demais culturas como negativas e inferiores. Diante do jogo de

interesses promovido pela expansão turística da cidade, a associação de São Luís com a

África, ou com os países mais empobrecidos do Caribe foi percebida de forma desagradável,

pois a maioria das produções culturais desses países tinham cunho ideológico e anti-

eurocêntrico.

A ideologia da singularidade16

, como coloca alguns autores é o ponto chave do

discurso daqueles que defendem o mito da “Atenas Brasileira”. Rayol, ao elencar os

principais artistas e poetas maranhenses reforça a ideia do “genuinamente maranhense”, ou

seja, inventa tradições em relação à vocação do Maranhão para as letras.

Acerca dessas invenções de tradições, Hobsbawn coloca:

A “tradição” neste sentido deve ser nitidamente diferenciada do “costume”, vigente

nas sociedades ditas “tradicionais”. O objetivo e a característica das “tradições”,

inclusive das inventadas, é a invariabilidade. O passado real ou forjado a que elas se

referem impõe práticas fixas (normalmente formalizadas), tais como a repetição. O

“costume”, nas sociedades tradicionais, tem a dupla função de motor e volante. Não

impede as inovações e pode mudar até certo ponto, embora evidentemente seja

tolhido pela exigência de que deve parecer compatível ou idêntico ao precedente. Sua função é dar a qualquer mudança desejada (ou resistência à inovação) a sanção

do precedente, continuidade histórica e direitos naturais conforme o expresso na

história. (HOBSBAWN, 1984, p. 10)

Neste sentido, além de elencar os aspectos construídos em torno da Primeira

Geração de Atenienses, sobre a semelhança da cidade com a Grécia antiga, chama atenção

também para as “culturas tradicionais do Maranhão”, como o Bumba-meu-boi, tambor de

crioula, festas do divino e demais manifestações construídas no seio da cidade, trazendo a

tona à invariabilidade do titulo de Atenas Brasileira. Os costumes que legitimam o mito

foram sendo tolhidos ao longo dos anos para a perpetuação dessa cidade como dotada de ares

intelectuais.

16 De acordo com Lacroix (2008, p. 69), com a florescência do algodão no século XIX e o momentâneo

crescimento econômico, estimulou-se o luxo e a sofisticação da elite partindo dos moldes europeus, emergindo

uma mentalidade de superioridade da terra e do homem maranhense. Surge a ideia de uma elite diferenciada do

restante do país, que consequentemente desdobra numa imagem de uma sociedade instruída, representada por

intelectuais, rendendo o título de Atenas Brasileira, entretanto essa efervescência cultural ficou restrita a uma

parcela mínima da população, resultando “no começo de uma fantasia de singularidade, sempre crescente com o

passar do tempo”.

37

A cultura popular moldada pelos intelectuais maranhenses insere-se na ideia do

mito, enquanto o reggae mesmo diante da sua expansão, ainda é visto como algo agressor à

“cultura maranhense”, principalmente por apresentar características peculiares não-moldadas

pelas classes eruditas. Rayol continua:

De repente, muda-se o epíteto, belo e dignificante, de Atenas Brasileira, para este,

atroz e destruidor: Jamaica Brasileira. E ouve-se a rádio transmitir, numa

linguagem que, só por si só, explica a agressão: “Você, que curte um regue, te liga

nesta emissora. É dez horas na Jamaica Brasileira”. Eis que a ignomínia parece

contagiar a cidade, profanando a sua cultura, maculando um passado de fastígio

literário e artístico. Anuncia-se o patrocínio de um festival de “reggae” em São Luís,

“para tentar dinamizar o turismo”. Fala-se até que a Praia Grande, resgatada através

do “Projeto Reviver” para fazer dela um retrato fiel de São Luís, vai abrigar uma

Cooperativa Reggae, com bandas jamaicanas, equipamentos eletrônicos e sons

estridentes. Doravante, será ignorada a “Canção do Exílio”, poema que Gonçalves Dias, cheio de Amor ao Maranhão, escreveu aos vinte anos de idade, e que se tornou

símbolo do nacionalismo. Não se cogitará mais da obra pioneira “O Mulato”, marco

da literatura pátria, que Aluizio Azevedo, também aos vintes anos de idade, sentiu

e escreveu em São Luís. Esquecidas serão as produções de Coelho Neto, Artur

Azevedo, Raimundo Corrêa, João Lisboa, Graça Aranha e tantos outros “atenienses”

cuja ação criadora analisou a vida humana e interpretou a realidade brasileira. Em

breve, os espaços culturais da cidade deixarão de ser ocupados pelas nossas serestas,

pelos nossos corais, nosso bumba-meu-boi de matraca, orquestra, zabumba e

pandeirões, pela Festa do Divino e pelo Tambor de Crioula, pelo Boi Barrica e

Bicho Terra, porque não teremos sabido ou podido manter tais manifestações nos

limites do seu esplendor, substituindo-as por outras culturas. Não se protesta contra

qualquer ritmo, melodias, acordes, versos ou poemas. A arte é universal. Protesta-se, isto sim, contra o insulto a memória maranhense. (RAYOL, 1991, p.02)

Para esses intelectuais, o reggae não poderia constituir como elemento

dinamizador do turismo do Maranhão, justamente porque este não estava inserido dentro da

construção do passado, ou seja, como o próprio autor coloca, “na construção de um retrato fiel

da cidade”. Percebe a tentativa de construção de uma memória maranhense a partir de culturas

e espaços escolhidos pela elite.

Segundo Camêlo (2012, p.114), “o que era bárbaro passa a ser povo, e suas

manifestações culturais, uma vez acontecendo de forma ordeira e com sinais de erudição,

poderá circular pelos lugares para eles construídos, inclusive naqueles outrora proibidos”.

Essa transição das manifestações periféricas para uma cultura do povo maranhense passa pela

mão dos intelectuais no sentido de construção da civilidade, onde brincadeiras são moldadas,

para depois serem apresentadas.

Nesse processo, tais práticas passam a apresentar outro sentido, não mais como

algo desordeiro, agora controlado pelo governo, guardiãs de tradições, tomadas como símbolo

de São Luís e parte do Mito da Atenas. Essas manifestações antes entendidas como

marginalizadas equiparam-se as tidas como eruditas.

Outro ponto destacado no artigo é o incomodo da linguagem do regueiro. Ao

longo do século XX, foi construída pelos intelectuais maranhenses, a ideia de que o português

38

falado no estado era um dos melhores do país. Essa perspectiva é criada devido à erudição

dos jovens do século XIX, influenciando o ego dos maranhenses. Entretanto, outros aspectos

intrigam esses intelectuais, como a expansão do reggae, principalmente quando adentra

espaços que evocam a tradição e o passado glorioso, como o caso da Praia Grande.

A Praia Grande constituía-se como principal centro comercial da cidade e lugar de

distinção social. Segundo Borralho (2012), as classes sociais investiam em bens que lhes

dessem conforto e status. Era comum a realização de sarais, músicas ao piano, recitais e

representações teatrais desenvolvidas nos mais diferenciados locais como teatros, praças e nos

próprios casarões.

Assim, torna-se perceptível na fala de Rayol e em outras reportagens que serão

analisadas posteriormente, a existência de uma busca pelo retorno da Praia Grande como

espaço das manifestações eruditas juntamente com aquelas oriundas da cultura popular. A

inserção do reggae e de outras manifestações compreendidas como marginais ameaçavam a

existência e permanência dessas culturas, como se o reggae e as demais manifestações não

pudessem viver harmoniosamente.

Em resposta ao artigo do professor Ubirajara Rayol, o militante do Movimento

Negro, Magno Cruz publicou uma nota no Jornal O Estado do Maranhão:

Há pessoas que não se deram conta que o reggae é um dos maiores fenômenos culturais que há. A mais de quinze anos predomina nos bairros periféricos da ilha de

São Luís envolvendo principalmente a massa de empobrecidos-que é

majoritariamente negra. (...). O reggae, Mestre Ubirajara, é pois uma das formas de

resistência cultural do negro no embate com o etnocentrismo europeu

(grego/romano). A maioria dos negros brasileiros sem acesso aos meios acadêmicos

(ler e escrever) desenvolveu outras formas de expressar sua intelectualidade,

buscando a música, a dança, o canto, etc.- coisas que os racistas denominaram

“folclore”, “cultura popular” e por ai vai. Sob esse aspecto dá para entender porque

Coxinho é uma referência de identidade Cultural para os empobrecidos, e Sotero dos

Reis não. E, entender ainda, porque os regueiros gostam também de bumba-meu-

boi, a exemplo do meu amigo Luís Rayol (frequentador assíduo do Toque de Amor e matraqueiro pertinaz do boi da Madre-Deus). A identidade cultural do reggae é a

mesma do boi, do tambor-de-crioula, do divino; logo a “invasão” do reggae só é

perigosa à existência de outras manifestações culturais na cabeça de quem não quer

entendê-lo como elemento intrínseco da identidade cultural de um povo. Mestre a

grande diferença entre os cognomes Atenas Brasileira e Jamaica Brasileira é que a

primeira foi o reconhecimento da existência de “uma plêiade de intelectuais jamais

congregada numa pequena cidade”, o segundo decorre do reconhecimento que aqui

em São Luís existe uma nação regueira espezinhada, discriminada e explorada tal

qual na verdadeira Jamaica. E é esse o outro lado que os poderosos querem

esconder, assim como foi intenção de se cognominar a ilha de Atenas Brasileira

enquanto aqui predomina o mais cruel e racista regime escravocrata que relegava os negros (analfabetos por imposição do sistema opressor) a desconhecerem a “Canção

do Exílio”, mas o obrigavam a vivenciar o dia-a-dia dos exilados na própria terra

que construíram com trabalho, sangue e luta. Enfim, prezado Mestre, com o imenso

respeito que sempre tive pela vossa pessoa e pelo vosso trabalho, afirmo (e lamento)

que o conteúdo de vossa matéria é uma refinada expressão de preconceito digno dos

racistas mais fanáticos da África do Sul. (CRUZ, 199, p.02)

39

Magno Cruz repudia o artigo do professor Ubirajara Rayol, classificando como

racista e preconceituoso. São interessantes alguns pontos colocados, questionando a ideia de

substituição de uma cultura pela outra, principalmente da cultura popular, sendo essas

construídas e “brincadas” pelos mesmos grupos que não veem o reggae como invasor.

O gosto dos brincantes da cultura popular pelo reggae dá-se também pelo motivo

que tanto as festas de reggae, quanto essas manifestações nascem na periferia. Muitos dos

festejos de santos, batizados e mortes de bumba-meu-boi, entre outras, são regados às radiolas

de reggae, ao contrário daquilo produzido pelos poetas maranhenses, ao qual muitos dos

moradores de periferia nunca tiveram contato.

João Garcia Furtado também faz críticas sobre as brigas envolvendo o título de

Atenas e Jamaica. Para o autor esses entraves sobre o nome a qual São Luís deveria

identificar-se não passam de falta de bom senso de intelectuais que deveriam preocupar-se em

cumprirem seus papéis como profissionais (se referindo aos professores, intelectuais e

antropólogos que expuseram suas opiniões). Entretanto, mesmo dizendo não tomar partido

para nenhum dos lados, reforça adjetivos e estereótipos ao referir-se à população adepta ao

reggae.

Uns acham que chamar São Luís, que foi ou é Atenas de Jamaica é desrespeito

ímpar. Outros vêem nisso uma propriedade e até uma honra. Há até os que dizem

que Atenas representa o sério, o sisudo, o carrancudo, o estudioso, o tédio, enfim.

Enquanto a Jamaica significa alegria, folia, dança, descontração, trejeitos e pulos,

macaquices, momices, total irresponsabilidade, colorido, cheiro de símio,

promiscuidade, muito álcool, “mato” andando solto, etc. (...). É por isso que onde,

no século passado, se erguia a sede de uma respeitável indústria têxtil, hoje se

encontram escritórios de uma fábrica de artesanato. Quem vai me impedir de pesar

que no século vinte e um ali mesmo esteja fincada uma taba? Por isso não é de espantar que Atenas ontem, seja Jamaica hoje. E se todos ficarem discutindo nomes,

todos iremos para a (...) história, onde seremos iguais, sem ideias e sem juízo. Ideias

ainda temos algumas, se bem que de jerico, mas juízo já perdemos todos.

(FURTADO, 1991, p.02)

As críticas aplicam-se principalmente, sobre aqueles que defendem a ideia de

Jamaica Brasileira. Segundo o mesmo autor, a intelectualidade maranhense deveria se

atentar a “causas mais nobres e justas”, estando nas salas de aula dedicando-se ao ensino dos

jovens maranhenses e pesquisando formas de tornar “o povo mais povo e esta gente mais

gente”. Para ele, enquanto se discute o nome da cidade, esta regride em extrema miséria.

Refutando o artigo de Garcia Furtado, Ribamar Feitosa (1991) 17

expressa a sua

indignação em relação ao tom utilizado, pois como o próprio diz, “essa polêmica serve-lhe

como diversão”. Para o autor, as palavras de Furtado soam como racistas e etnocêntricas

17 FEITOSA, Ribamar. Ranços do etnocentrismo e Manias de Super-Homem. O Estado do Maranhão. São

Luís, p.02. 21 jun.1991.

40

devido às atribuições pejorativas em relação ao reggae e aqueles que são adeptos. O

etnocentrismo fica por parte quando este divide a cidade em duas categorias, o seu lado sério

(uma minoria da população) e o lado “bufão” (a maioria da população) e quando diminui as

questões identitárias da cidade a meras “ideias de jerico”.

Nos discursos apresentados, quando diminui a importância das questões da

população negra, contribui para que haja segregação de culturas e espaços. Nas disputas

explicitadas nos jornais, o que está em jogo é justamente a ideia de singularidade do

Maranhão. Tenta-se construir uma imagem de algo formado apenas por elementos europeus,

onde a presença de outros subsídios mancharia a “pureza” do mito. Neste ponto, o reggae é

notado apenas como um ritmo estrangeiro, invasor, não levando em conta as práticas

construídas especificamente no estado.

Partindo da necessidade de legitimação de uma Atenas Brasileira, o reggae é

rejeitado como parte da cultura popular maranhense, ainda percebido como estrangeiro e

“sujo”, percebido como parte de uma civilização inferior. Em um jogo de interesses, nesse

momento consistente na promoção turística do estado, seria necessário escolher elementos e

espaços tidos como importantes.

A Praia Grande entendido como lugar de tradição, seria o cenário perfeito para

essa promoção turística. O projeto de Revitalização, mais conhecido como Projeto Reviver é

o espaço escolhido para o retorno a Atenas Brasileira. Inicia-se neste ponto um processo de

higienização social e cultural onde as “Pedradas no Reviver” seriam perturbadoras à imagem

do mito e dos interesses daqueles que a compartilham

3.2 As “pedras” no Reviver: Projeto de revitalização e políticas de gentrification

A década de 1970 abre início a uma série de medidas tomadas como

modernizadoras, que tem como objetivo expandir e valorizar a cidade de São Luís. Com o

crescimento da população a prefeitura elabora um plano diretor, propondo a integração de

diferentes pontos da cidade e a construção de novos locais para abrigar um maior contingente

populacional.

Segundo Venancio (2004), o plano Diretor é elaborado por um consultório do Rio

de Janeiro e propunha a integração de diferentes pontos do município, o isolamento da área

central, criação de um Distrito Federal e o aproveitamento do potencial turístico da orla

marítima. O plano também tem como foco uma política ufanista de desenvolvimento e

recuperação de sítios e monumentos históricos.

41

Neste momento inicia-se uma série de políticas envolvendo o Poder Federal,

Estadual e Municipal, a partir de uma nova concepção de preservação do patrimônio. Nessa

mesma década, é criado o Departamento de Patrimônio Histórico Artístico e Paisagístico do

Maranhão e ocorre o tombamento arquitetônico e paisagístico do conjunto urbano de São Luís

pelo IPHAN.

Com o processo de modernização, expansão da cidade para outros locais e o boom

imobiliário da década de 1970, ocorre o esvaziamento do Centro Histórico como lugar de

moradia. As pessoas passam a residir em novos bairros que simbolizava o “moderno”, o

“progresso” em contraposição ao “tradicional”. Segundo Venacio (2004, p.6) ocorreu o

abandono das famílias abastadas dos casarões, ficando somente “os moradores do Desterro

permaneciam nos cortiços. Ruínas, prédios desabando, os carros disputando espaço,

diminuindo calçadas. Era uma área em que “moças de família” não se aventuravam sozinhas,

por conta da prostituição”.

Ao se referir à Praia Grande antes do projeto de Revitalização, Seu Ubiracy

Sampaio, mais conhecido como Bira, atual presidente da Associação dos feirantes da Praia

Grande, residente no local há mais de quarenta anos, coloca a área como um grande ponto de

prostituição. “Antigamente é como eu digo, como acontecia como ali na 28 (referência a rua

28 de julho no bairro do Desterro). Aqui tinha as madames que antigamente tinha as meninas

delas, que vinha do interior e elas ficavam e botava pra trabalhar”18

. Na fala do presidente dos

feirantes, após as 18:00 horas, quando fechavam-se as lojas e os funcionários saiam pra tomar

uma cerveja as “meninas” eram uma forma de lazer e diversão.

Diante da expansão da cidade e de uma perspectiva de promoção turística, seria

necessário mudar esse cenário de descaso e promover uma ação higienizadora da Praia

Grande. Dessa forma, como coloca Camêlo (2012), no ano de 1981 começa o Projeto de

Revitalização, tendo como meta atender as necessidades do comércio e construir uma

estrutura para receber o turismo. A ideia do Projeto seria reascender a área e trazer de volta o

fluxo econômico e social comprometido devido às péssimas condições apresentadas pelo

local.

Em reportagem do Jornal O Estado do Maranhão, do dia 26 de Novembro de

1989, o jornalista Manoel Santos Neto apresenta matéria intitulada Praia Grande, cidadela de

cortiços sobre as condições de higienização que apresentavam os cortiços da Praia Grande.

18 Entrevista realizada no dia 21 de maio de 2016, com Ubiracy Lima Sampaio (Bira), comerciário e presidente

da Associação dos feirantes da Praia Grande.

42

Segundo o artigo mesmo diante dos avanços do projeto de revitalização esses sobrados ainda

comprometiam o novo cenário do Reviver.

Segundo a matéria:

Apesar do ritmo vertiginoso das obras do Projeto Reviver, uma cena típica do século

passado mantém-se inalterada no Centro Histórico de São Luís: o dia-a-dia dos

cortiços com sua paisagem sub-humana e paradoxal. Abrigados em imponentes

sobrados coloniais, os cortiços convivem com a imundice, a violência e as áreas de

prostituição. Neles, amontoados de famílias, dividem entre si cubículos onde

impediram as condições de pobreza e promiscuidade. Mesmo com a crescente

valorização da área central da cidade, os cortiços sobrevivem até hoje como alternativa de habitação de numerosas famílias de baixa renda e lembram o cenário

de séculos passados, sob os horrores da escravidão, quando negros libertos e brancos

empobrecidos se juntavam em improvisados cômodos destes casarões. Hoje,

pontilhada de obras por toda parte, a área da Praia Grande ainda é cidadela de

cortiços. Lá se destacam os famoso sobrados do treme-treme, do Balança Mas Não

Cai, e da antiga Torre de Chumbo, onde a imagem dos cortiços se revela nas roupas

estendidas nas janelas. (NETO, 1989, p.05)

Percebe-se o incômodo causado pela presença dos cortiços na área da Praia

Grande, pois estes abrigavam uma parcela empobrecida e marginal da sociedade.

Considerados como locais insalubres, de pouca higiene, de aglomeração de prostitutas, essas

condições não combinavam com o novo momento vivido, visto a perspectiva do projeto era

trazer visibilidade da cidade no cenário nacional.

Dessa forma, dentro da proposta de habitação do Centro Histórico, o coordenador

Phelipe Andrés tinha como objetivo a retirada dessa população dos sobrados para a

revitalização19

. Dessa forma, insere-se a ideia de higienização social do espaço, retirando os

moradores dos sobrados, cuja maioria era negro e pobre, pois estes não seriam compatíveis

com o novo espaço apresentado.

Para Câmelo (2012), a base do projeto, conhecida popularmenteno ano de 1987,

como Projeto Reviver, restaurou casarões, trouxe serviços de água, esgoto, energia elétrica e

telefonia, tomando de volta aspectos do século XIX. Este trabalho só foi possível, pois o

projeto de restauração baseou-se em fotografias do ano de 1908.

Entretanto, as políticas adotadas na revitalização do Centro Histórico faziam parte

de uma proposta mais ampla, que não foi exclusiva da cidade de São Luís. Partindo do

conceito de Gentrification adotado por Leite (2001), podemos entender que:

Enquanto espaços de sociabilidade pública, os centros históricos que passam por

processo de gentrification são objetos de políticas urbanas e culturais que buscam

recuperar seu patrimônio cultural para torná-los passível de reapropriação por parte

da população e do capital. Objetivando modernizar recursos potenciais para uma

melhor inserção das cidades históricas no contexto da “concorrência intercidades”,

através dos usos do patrimônio na captação de recursos, as políticas de “revitalização” tem desenvolvido, no curso crescente da desgulamentação

19 NETO, Manoel dos Santos. Praia Grande, Cidadela de Cortiços. O Estado do Maranhão. 26 de Novembro

de 1989.

43

“neoliberal” da economia mundial uma complexa política cultural de gentrification.

(LEITE, 2001, p. 53)

Esses espaços públicos, principalmente os Centros Históricos, a partir de uma nova

lógica preservacionista inserida em uma política neoliberal20

sofreram processo de

gentrification (enobrecimento), onde o espaço é pensado para fins mercadológicos a partir do

investimento público e privado. O consumo do local, feito diante da construção de

singularidades, atua na diferenciação e elitização, cujos consumidores constituem uma parcela

restrita e diferenciada da população.

Diante de entrevistas realizadas com os proprietários de estabelecimentos da Praia

Grande, presentes desde a época do inicio do Projeto de revitalização, percebe-se uma

elitização da área e mudança de público. Com a instalação das repartições públicas, muitos

dos funcionários começaram a frequentar, além da freqüência de turistas atraídos pela

divulgação da cidade. Segundo Seu Corinthiano “aqui você vê advogados, estudantes, aqui

você vê reitor, aqui você vê promotor, você vê todas as classes sociais”.21

De acordo com Leite (2001), o conceito de Gentrification traz duas importantes

características de sua política: “Centralidade” e formação de “Paisagem de Poder”. A primeira

se refere à reapropriação de certos espaços e a concentração de atividades que refazem o uso e

traz uma visão de apropriação espacial. Já o segundo, refere-se à afirmação simbólica do

poder, mediante espaços arquitetônicos e urbanísticos que representem valores e visões de

uma determinada camada social que busca se apropriar deste espaço.

Esses novos modelos preservacionistas, baseados nesse processo, intensificam-se a

partir da década de 1990, quando a lógica neoliberal se introduz na questão mercadológica. O

sentido de recuperação do Patrimônio Histórico volta para a inserção nesses espaços de

potencial turístico. Todavia, não foi à dinâmica preservacionista, volvida para o turismo, que

alterou os critérios de preservação, mas sim a participação de setores públicos e privados.

Partindo dessa perspectiva e inserida na proposta de revitalização do Centro

Histórico de São Luís, o Governo do Estado juntamente com o setor privado tiveram como

20 Segundo Carinhato (2008), entende-se politicas neoliberais como um conjunto de práticas que partem de um

liberalismo econômico, que tendem exaltar o mercado, a concorrencia, a liberdade da iniciativa privada, rejeitando veemenentemente a intervenção estatal. Essa ideologia começou a ser aplicada no Brasil a partir da

decada de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso na tentativa de sair da crise econômica em que o

Brasil estava submetida pelas politicas adotadas anteriormente tuteladas pelo Estado.

Uma das propostas da politica neoliberal era a reformulação do Estado, onde este é minimizado, uma mudança

parcial das ações dos estados nacionais diante do reconhecimento da situação socio-econômica e a

incrementação de uma administração pública gerencial. A politica neoliberal foi tuteada por orgãos, como o FMI

e o Banco Mundial. 21 Entrevista realizada no dia 24 de maio de 2016, com Raimundo Martins Costa Pereira (Corinthiano), 68 anos,

funcionário público aposentado e comerciário.

44

objetivo retomar o fluxo econômico e social da Praia Grande. Assim, tornou-se necessário

realizar uma higienização cultural e social do local, transformando a área “marginal” em

ambiente para um público diferenciado, tal como, turistas, famílias e pessoas de maior poder

aquisitivo.

Neste período, a proposta seria alavancar o estado através do turismo, sendo o cartão

postal da cidade e principal atrativo, a Praia Grande. As obras de revitalização continuaram a

todo vapor, como coloca os principais jornais da década de 1990:

Projeto para o Reviver

Com recursos do governo espanhol, o Governador Lobão pretende dar continuidade

às obras do Projeto Reviver. A área restaurada nos últimos anos representa um dos

principais cartões postais da cidade. Mas ainda há muito que se fazer. Apenas 200

dos cerca de 1500 casarões foram restaurados. As ruas que envolvem a fundação da

Memória Republicana, por exemplo, tem suas edificações praticamente em ruínas. O

assunto é um prato cheio para jornais sulistas que adoram mostrar os contrastes do que eles chamam de “nortistas”. Um bom inicio de trabalho, mesmo sem verbas,

seria a retirada das placas de bronze do Reviver que levam o nome do ex-governador

Cafeteira. Isso é inconstitucional, governador. (PROJETO..., 1991, p. 05)

Com um discurso nada imparcial, o Jornal O Estado do Maranhão, de

propriedade da família Sarney, apoiando o governador da época coloca as pretensões deste em

dar continuidade às obras do Projeto Reviver. Boa parte dos investimentos para a

Revitalização vinha do capital internacional, devido à política neoliberal, marcante no

contexto da década de 1990.

Diante disso Gama (2005) ressalta que a partir deste contexto de políticas

neoliberais surgem planos de produção e desenvolvimento de atividades culturais instituídas

no Governo de Edson Lobão (1991-1994) e posteriormente no de Roseana Sarney, tendo

como propósito a interferência do Estado nas manifestações e espaços como agentes

organizadores, contribuintes e mediadores, passando a tratar como instrumento público,

apaziguador social, propagandista e gerador de recursos para empresas gerenciadoras.

Na tentativa de saída da crise, o Governo do Estado passou a fazer uma série de

mudanças em seus artifícios, modificando suas estratégias e seu foco. Há um fortalecimento

entre os novos governos instalados neste período e a cultura popular intensificando os laços

entre política e cultura, dessa forma, cria-se uma série de leis de incentivo cultural22

.

Um ponto de destaque na matéria acima citada é a preocupação com a visibilidade

do estado pelas regiões sul e sudeste do país. A partir da ideia de singularidade maranhense e

de uma política expansionista do turismo, seria necessário construir uma boa imagem da

22

Segundo Gama (2005), uma dessas leis é criada no governo de Roseana Sarney através do Plano de

Desenvolvimento a Cultura (1995), que tinha como objetivo estimular a produção e o consumo de bens e

serviços, juntamente com todos os segmentos sociais, buscando recursos diretamente dos cofres do Estado.

45

cidade, onde a Praia Grande e outros espaços como a Avenida Litorânea e a Lagoa da Jansen

além de constituírem como porta de entrada da cidade, deveria apresentar boas condições

estruturais para receber esse público.

Uma reportagem do dia 28 de abril de 1991, intitulada Uma Nova Era, o jornal O

Imparcial traz em nota as perspectivas enquanto ao desenvolvimento turístico do Maranhão.

Segundo a reportagem, apesar da vocação do estado para o desenvolvimento turístico, devido

ás suas ricas belezas naturais e seu conjunto arquitetônico, estariam faltando às devidas

melhorias nas condições urbanísticas e uma campanha educativa que envolvesse todas as

entidades ligadas ao setor turístico.De acordo com a matéria, este passo já estaria sendo dado

pelo governo juntamente com os setores privados, pois através destes investimentos o estado

poderia arrecadar lucros significando uma possibilidade de saída da crise e reabilitação da

economia maranhense.

Segundo Silva (2007), pensando no âmbito dos investimentos realizados para a

promoção das manifestações culturais, o reggae não foi contemplado, percebido ainda com

forte preconceito. As medidas tomadas passariam pela ideia de uma maior preocupação com a

cultura popular e com aqueles que a constituíam. O que de fato estava em jogo era a

lucratividade proporcionada pelo crescente mercado turístico.

Nesse sentido, foi realizado em 1991 a Primeira Mostra do Turismo do Maranhão

que visava divulgar para outros estados às atrações turísticas, e os elementos considerados

“genuinamente” maranhenses. A reportagem do O Imparcial de 10 de abril de 1991 mostra:

Turismo Maranhense vai ser mostrado em S. Paulo

Como parte de um dos projetos na área de turismo, o governo do Estado vai

promover para o dia 31 de maio, em São Paulo, a I Mostra de Turismo do

Maranhão. O secretário de Meio Ambiente e Turismo, Fernando Cesar Mesquita,

informou que serão levados pôsteres, grupos folclóricos, comidas típicas, vídeos e

outros materiais sobre o potencial turístico do estado. Estarão presentes o

governador Edison Lobão, o secretário Fernando Mesquita, o senador José Sarney,

deputados federais e empresários. “Este será o início do projeto de incentivo ao

turismo no estado a partir do mês de junho”, informou o secretário. Segundo Fernando Mesquita, foi estabelecido em contato com as Federações de cultura do

Estado com o objetivo de fazê-las assumir a programação do boiódromo de sexta-

feira a domingo. É um início lento de programação na cidade com apresentação de

grupos folclóricos no Parque da Vila Palmeira. Quanto a Festa do Divino, realizada

no mês de Abril, na cidade de Alcântara, o secretário informou que não haverá

nenhuma programação específica para este ano. “A cidade não possui infra-estrutura

para aguentar uma quantidade grande de turistas”, justificou. A festa só fará parte do

roteiro turístico depois de melhoradas as condições de transporte, hospedagem, e

outras questões. A intenção da Secretaria é promover o turismo intermunicipal e

interegional. Para isso estão programando um plano geral de incentivo ao turismo do

sul do país para o Maranhão. Fernando Mesquita espera que esta mostra já traga resultados em junho com o aumento do fluxo de turistas. Ele conta também com

uma programação cultural promovida pela Secretaria de Cultura envolvendo grupos

folclóricos do Estado. (TURISMO..., 1991, p.09)

46

De acordo com a reportagem, existia uma intenção do Governo e do setor privado

em promover o turismo. Dessa forma, elencavam-se algumas práticas culturais caracterizadas

como parte das tradições locais, em detrimento de outras manifestações ainda marginalizadas

ou que não fornecessem condições suficientes para fazer parte do eixo turístico, como no caso

citado da Festa do Divino Espírito Santo, realizada na cidade de Alcântara, que neste

momento não possuía infra-estrutura adequada para receber os turistas. Nessas condições,

seria necessário escolher espaços, criar programações e roteiros, na perspectiva de atrair um

maior contingente de turistas.

Como ressalta Gama (2005), a década de 1990, é o momento em que forças

hegemônicas do estado aproveitam-se e investem consideravelmente na cultura popular. No

momento em que essas manifestações recebem investimentos do poder público, e passam a

ser tratadas como fonte de lucro, tanto pelo sistema capitalista, midiático e interesses

políticos. Assim, acabam por satisfazer o comércio, a publicidade e o turismo, bem como é

apropriada pela “classe erudita”.

O autor ainda acrescenta:

Em função disto, a cultura popular passa a ser direcionada por leis e cronogramas

governamentais, passa a ter programações determinadas pelos poderes, passa a ser

criação ou inovação de alguém ou de uma instituição, controlada de forma

ideológica e “democrática”, sendo, portanto, destituída das suas manifestações

críticas e irônicas, da sua autonomia e auto-sustentação. Passa a ser indústria cultural

e instrumento de espetáculos, sofrendo exploração econômica predatória. (GAMA, 2005, p.37)

Dentro deste contexto destaca-se aquilo que Camêlo (2012, p. 125) vem chamar de

“espaços de ordem”, como “locais permitidos, construídos ou restaurados pelo Estado para

manifestações populares como o Bumba-meu-boi apresentarem-se sob a guarda do poder

público”. Segundo esta perspectiva, o Governo do Estado pensando no atrativo turístico,

oficializa manifestações no sentido de restringir seu espaço a determinado público.

Assim, cria-se uma estrutura em locais como o boiodromo23

, na vila Palmeira, um

circuito na Praia Grande, a Lagoa da Jansen, entre outros, para a apresentação dessas

brincadeiras presentes no calendário oficial. Manifestações populares, antes entendidas como

sinônimos de resistência tornam-se produtos de consumo circulantes nos espaços de ordem

das classes médias.

Partindo disso, numa ação conjunta, entre o governo do estado e o setor privado, na

tentativa de fomento da economia, a Praia Grande constituiu o espaço ideal para o

desenvolvimento das atividades culturais, caracterizadas como parte das tradições,

23 Armação circular de concreto armado com dois palcos e arquibancadas para cerca de 1.500 pessoas. Ver:

Camêlo (2012, p. 127).

47

abrangendo o interesse dos comerciários da área, ou seja, dos donos de bares e restaurantes e

do governo, que visava o desenvolvimento turístico do estado.

Aplicando o conceito de Gentrification, a Centralidade ocorre à medida que esses

setores apropriam-se de lugares, nesse caso, o Centro Histórico de São Luís, e escolhem as

demandas a qual serão apresentadas. Tudo que não for visto como atrativo comercial e

turístico, não fará parte dos valores de mundo da camada social acomodada naquele espaço,

serão descartadas ou vista de forma inferior, como o caso da casa de show Cooperativa

Reggae aqui analisada.

Para Leite (2001), essas políticas de patrimônio têm funções ontológicas, ou seja,

selecionam e descartam certos bens culturais representativos de uma tradição nacional. Tais

políticas concebem em face processos de re-localização e afirmação das tradições, cujo

projeto de preservação e intervenção urbana, inventam centralidades tradicionais da nação,

cidade ou região.

No dia 02 de abril de 1991, O Imparcial apresenta uma matéria sobre a implantação

da cultura no âmbito do Projeto Reviver, pois apesar das reformas estruturais, a Praia Grande

constituía ainda reduto de bares. Era necessário chamar atenção do publico alvo,

acrescentando as manifestações populares maranhenses. Diante disso o jornal diz que:

O Projeto Reviver, inaugurado em dezembro de 1989, promoveu a recuperação de uma das áreas mais importantes do Centro Histórico de São Luís, a Praia Grande.

Obra de fundamental importância para o futuro turístico de nossa capital foi

responsável pelo estabelecimento de todo o setor até então relegado ás moscas pelos

governos anteriores. Área tombada pelo Patrimônio do Estado, aglomerou logo de

início várias repartições públicas, como Secretaria de Cultura, além de bares,

restaurantes, livrarias e determinado comércio. De início, o Projeto se tornou ponto

febril de afluência popular, que foram encontrar principalmente nos bares o respaldo

para a curtição da boemia. Era frequente a presença de espetáculos ao ar livre, tais

como o “Fuzarca”, tambor de mina, tambor de crioula, dentre outros. Contudo, ao

longo dos primeiros meses de atividade, a Praia Grande foi perdendo o brilho inicial

e todo aquele rebuliço foi cedendo espaço a um ambiente cada vez mais comportado e sem atrativos. Tudo isso por falta de uma administração crítica, que possibilite à

realização de promoções visando atrair o público para o local. “É preciso que se faça

uma revisão das funções do projeto”, segundo declarou o poeta Ribamar Filho, 28,

dono do “Sebo do Poeme-se”, que está no local desde outubro do ano passado. O

Sebo Poeme-se está situado à rua João Gualberto, nº 52, e comercializa livros

antigos e usados. Além disso, promove semanalmente leitura de poesias, mostra de

vídeos, palestras, lançamentos de livros e exposições, numa permanente atividade

cultural. Mesmo assim, a afluência ao local fica cada vez mais difícil, devido à falta

de iluminação elétrica em grande parte da Praia Grande, além da minúscula

segurança oferecida. (EMPRESÁRIOS..., 1991, p.11)

Percebe-se uma tentativa do governo e da iniciativa privada para a promoção de

manifestações culturais a fim de movimentar a área e alavancar a economia. Existia uma

preocupação em não tornar o local somente espaço de boemia, mas sim trazer aquilo que é

48

“tradicional” e que faz parte da cultura popular. Os empresários do Reviver, na perspectiva de

atrair e atingir a nova demanda estabelece atividades específicas para este público.

No caso do Projeto Reviver, com a revitalização da Praia Grande e frente à

necessidade de ocupar os casarões, muitos departamentos públicos se locomoveram para essa

área, possibilitando uma maior circulação de funcionários e turistas. Diante disso, seria

necessário organizar atividades para atender o novo público, gerando mais rentabilidade do

que os antigos boêmios.

As atividades presentes neste espaço deveriam gravitar entre o erudito e o popular

da cultura maranhense, tais como os espetáculos teatrais, sarais, mostras culturais, exposições

de arte além das manifestações populares como o bumba-meu-boi, blocos tradicionais, tambor

de mina, tambor de crioula, cacuriá, entre outros. A proposta das atividades no Projeto

Reviver não tinha como objetivo atingir as populações mais pobres, mas sim um público

específico, formado principalmente pela classe média.

Mesmo diante das dificuldades, percebe-se um esforço destes donos de bares em

movimentar o Centro Histórico, criando inúmeras atividades com esse propósito. A

perspectiva desses empresários era de construir uma nova imagem da Praia Grande, na qual

manifestações culturais fossem o “prato de entrada” para o Turismo do Reviver. Como coloca

Antonio Rosas, proprietário de bar no local:

A sugestão encontra no meio de outros donos de bares. É o caso de Antonio Rosas,

41, um baiano que há oito anos se encontra em São Luís. Dono do “Tia Dadi”, um

bar e restaurante especializado em comida típica baiana e maranhense, Antônio está instalado no local há apenas dois meses e não apresenta desânimo. Trabalhando

diariamente de domingo a sábado, o bar oferece shows ao vivo. Otimista, Antônio

pretende transformar o seu espaço num local de lazer e cultura. “Precisamos trazer

para cá espetáculos de dança, recitais de poesia. Nesta sexta-feira, teremos um

tambor de crioula ou o cacuriá. Vamos reformar o andar superior e promover bailes

de época, tais como, os de bolero, valsa e seresta. Tudo isso com o figurino

adequado” declarou. (EMPRESÁRIOS..., 1991, p.11)

Percebe-se na fala da maioria desses donos de bares, uma busca pela recuperação

de práticas que pudessem possibilitar um caráter diferenciado à Praia Grande. Dessa forma,

esses proprietários juntam-se no sentido de organizar e revigorar a área da Praia Grande. A

reportagem do Jornal O Imparcial, do dia 26 de abril, que tem como título Reativar o

movimento na Praia Grande, fazer as pazes com o reggae, os donos de bares e restaurantes

se reúnem e fundam uma associação, mostra os meios que esses proprietários buscavam para

reativar o espaço a partir da cultura maranhense.

49

Assim o jornal expõe:

Os proprietários de bares da Praia Grande estão se organizando no sentido de

revigorar e melhor prender o público, o que oficialmente denominou-se de projeto Reviver. São cerca de 19 estabelecimentos que atuam na área e servem

principalmente bebidas e comidas típicas do Maranhão. Em sua reunião a

Associação dos Comerciantes e Proprietários de Bares, restaurantes e similares do

Projeto Reviver objetiva conscientizar os seus associados e a própria sociedade da

importância dos donos de bares e restaurantes para o desenvolvimento do Maranhão.

Como toda a sociedade brasileira, a maioria dos bares e restaurantes da Praia Grande

está enfrentando a crise econômica e sofrendo com ela devido ao substancial

desaparecimento do freguês. Aliado as inseguranças econômicas, o chato inverno

que assola São Luís também tem sido apontado como um dos motivos para o baixo

movimento noturno do reviver. As saídas são muitas e com alguma criatividade,

todas elas passam por música ao vivo. Maior criatividade seria que os bares e restaurantes realizassem outros tipos de promoções e atividades animadoras. E é

exatamente pensando nisso, que a Associação está preparando para que a Praia

Grande tenha o São João “mais bonito de São Luís”. A ideia é montar uma espécie

de arraial (sem local ainda definido) que congregue e todas em torno de uma grande

programação de quadrilhas, bumba-meu-boi, tambor de crioula, entre outras

manifestações típicas do período junino. Tudo para manter vivo o tradicional e um

dos principais pontos turísticos de São Luís: o seu patrimônio histórico.

(COMERCIANTES..., 1991, p.01)

A criação da Associação dos proprietários de bares visava capturar os aspectos

regionais para mover o setor turístico. Nesse sentido, o reggae, instalado na Praia Grande

torna-se alvo de preconceito e discriminação fazendo com que muitos dos participantes

pedissem a saída da casa de show do espaço. A Cooperativa Reggae tinha como objetivo ser

um espaço para eventos e promoções voltados para o reggae, não somente uma casa de show

na Praia Grande, mas um local para a venda de produtos, ministrações de aulas e palestras

relacionadas ao reggae. A ideia era dinamizar e aproveitar a promoção turística da cidade para

a divulgação do ritmo enquanto movimento específico de São Luís.

Apesar de o reggae ser uma das atrações que movimentava a Praia Grande, este

causava descontentamento, tendo em vista não ser o público almejado pelos demais

proprietários de bares. Como colocado anteriormente, os proprietários objetivavam o alcance

da classe média e de turistas, já o reggae era marcadamente composto por pessoas negras e da

periferia, que não correspondiam a esses intuitos.

Reggae- A terceira reunião da Associação, que acontece nas sextas, no Bar Tia

Dadi, foi esclarecer a opinião pública sobre os recentes acontecimentos que

veiculam a Associação em uma luta contra a permanência da Cooperativa Reggae na

Praia Grande. Eles foram unânimes em afirmar que não possuem nada contra um

espaço de reggae na Praia Grande. E que quanto à altura do som da Cooperativa, o problema já está praticamente superado. E este já não atrapalha tanto o movimento

dos outros bares. Aliás, os integrantes da associação dos Comerciantes, Proprietários

de Bares, Restaurantes e Similares do Projeto Reviver fizeram questão de ressaltar

que o “pessoal da Cooperativa também foi convidado a participar das reuniões”.

Lembraram que até no primeiro encontro um representante do reggae esteve

presente. Antonio Rosa, 41 anos, proprietário do Tia Dadi e um dos principais

apontado como preconceituoso e racista, por ser ele um dos mentores da campanha

anti-reggae, se defende alegando que pessoalmente não tem nada contra o ritmo ou

50

contra os negros. Rosas se disse até possuidor da coleção completa de discos do

Jimmy Cliff entre outros LPs de reggae. No entanto, Antonio Rosas confirmou que

não permite que se toque reggae em seu estabelecimento. “Tudo por fatores

comerciais” alega. Segundo o proprietário do Tia Dadi o reggae começou a atrair

muita gente que além de não consumir, atrapalha o serviço de atendimento. “Nós

possuímos muitas mesas e um corredor de tráfego das garçonetes, os regueiros

simplesmente ficavam dançando neste corredor perturbando todo o serviço de

atendimento do bar que é, não podemos esquecer, também restaurante”, justifica.

Desfeita a confusão é esperar que o movimento da Praia Grande cresça, sem que

para isso ela volte a ser como no início: um mar de breguice e mau gosto, com suas

ruas todas de mesas e teclado com músicas de churrasco no pior estilo dos cotovelos que não merece ter. (COMERCIANTES..., 1991, p.01)

As polêmicas em torno da Cooperativa Reggae acontecem no momento em que

essa casa de show traz um elemento cultural estrangeiro, e entendido como invasor de um

espaço percebido como tradicional. A criação da Associação dos Proprietários de Bares além

da finalidade econômica tinha como objetivo trazer de volta a efervescência cultural mantida

pelo mito da Atenas Brasileira.

Mais uma vez, diante de um momento de crise, busca-se reviver um passado

glorioso através da cultura popular, e da ideia do “genuinamente maranhense”, que pudesse

legitimar os interesses das classes dominantes, aqui representadas pelos intelectuais, Governo

do Estado e setor privado.

Apesar dos proprietários de bares ressaltarem não ter nada contra o reggae, foram

explícitas as formas de segregação expostas na reportagem. Primeiramente, por referirem-se

ao reggae como um ritmo diferente daquele tocado em outros bares e segundo, pela rejeição

do ritmo, pois ao ser tocado em seus estabelecimentos estaria atraindo uma camada social

como “inferior e periférica”.

Daí a necessidade de criar uma “Paisagem de Poder”, não somente inserindo

novos empreendimentos, mas, sobretudo, uma afirmação simbólica do poder diante daquilo

que representa a elite. O processo de revitalização e promoção turista, tem como objetivo

trazer de volta o mito da singularidade, “na medida em que pressupõe uma retomada da ideia

de patrimônio nacional, acrescida de uma concepção mercadológica tratando esse patrimônio

como mercadoria cultural” (LEITE, 2007, p. 65).

Mesmo diante da popularização do reggae na década de 1990 e do título da cidade

de São Luís como Jamaica Brasileira, o ritmo ainda sofre processo de segregação e violência

simbólica. A ideia de tradição e espaço de retorno da efervescência cultural almejada por uma

elite não poderia ceder para práticas periféricas e marginalizadas. Dessa forma, a criação de

uma casa de reggae no âmbito do Projeto Reviver ainda traria uma visão negativa

prejudicando o fluxo de novos grupos apropriados na área.

51

Nesse momento ainda é explicito o temor e aversão a essas manifestações,

justamente por que diante da necessidade de venda da capital para o turismo, buscavam-se

elementos tradicionais que fizessem parte de um passado histórico, glorioso, de

intelectualidade da cidade. O reggae vindo da Jamaica mancharia essa visão, por advir de uma

realidade marcada pela dor e sofrimento.

Mesmo como a intenção dos idealizadores da Cooperativa Reggae em expandir e

formar um circuito em torno do reggae produzido em São Luís, este foi deixado de lado no

cronograma turístico do Estado. O reggae maranhense só começa a fazer parte do cronograma

turístico no momento em que é revestido de segundas intenções pela mídia e por agentes

políticos em prol de seus próprios benefícios. Assim como outras manifestações da cultura

maranhense, passa a ser controlado, inovado, apropriado por essas instituições, se “despindo”

de sua autonomia e dos mecanismos ideológicos.

52

4 “PEDRAS DO REVIVER REGGAM MIRANTES E PEDRAS DE CANTARIA”

A abordagem sobre as configurações do reggae e as formas de violência

constituídas no entorno da cidade de São Luís, a partir de um jogo de tradições e construções

de identidade, feitas nos capítulos anteriores, dão uma ampla visão da forma como este ritmo

foi marginalizado, segregado ao longo dos anos nos diferentes espaços instalados. A

marginalização do reggae se agrava no momento em que este ganha mais popularidade

tornando-se símbolo de identidade da cidade por alguns adeptos e adentra espaços

"tradicionais", como a Praia Grande, sinônimo de história e de um passado glorioso.

A Cooperativa Reggae tinha como objetivo atrair uma massa regueira para a Praia

Grande, onde todo o circuito envolvendo o reggae teria mais visibilidade, além do incentivo

deste na perspectiva turística, visto a cidade já ser conhecida como "Jamaica Brasileira",

dentro do cenário nacional. Esses fatores, como apresentados anteriormente, não eram bem

aceitos pela elite que ocupava a Praia Grande, principalmente, os proprietários dos

estabelecimentos, devido ao fato dos seus interesses serem outros.

Neste capitulo será dado ênfase as brigas em torno da permanência da

Cooperativa Reggae na Praia Grande, a partir da análise dos principais jornais maranhenses e

entrevistas realizadas com agentes envolvidos nas polêmicas, numa tentativa de entender

como a despeito da ampliação e força que o reggae ganhava em São Luís ainda era difícil sua

aceitação no Projeto Reviver. Por que, mesmo com o apelo turístico da Praia Grande não

cabia espaço para o reggae? E quais os motivos da resistência dos donos de bares com o ritmo

reggae.

Inicialmente, serão feitas algumas considerações sobre a criação da Cooperativa,

além de seus objetivos iniciais; os debates em torno do local, onde intelectuais e proprietários

se manifestavam em defesa ou contra a permanência da casa de show, além da análise das

falas de alguns agentes envolvidos. Neste sentido, busca-se compreender os motivos da

segregação e marginalização do reggae na Praia Grande, mesmo diante de sua expansão.

4.1 Reggae e preconceito na Praia Grande

A consolidação do reggae acontece à medida em que a população pobre e negra

de São Luís se identificava com o ritmo escolhendo como estilo musical que mais se

relacionava com a sua vivência social. As festas de reggae serviam como uma “valvúla de

53

escape” da lida diária dos moradores da periferia e do trabalho pesado, na qual poderiam ter

um momento de lazer e descontração ao mesmo tempo encontrando seus iguais.

A história do reggae em São Luís foi marcada por muita discriminação e

preconceito justamente pela devida associação com a marginalização. O negro, juntamente

com seus elementos culturais, foram secularmente postos à margem. Segundo Pereira (2003),

são inúmeros os problemas sociais que afetam a população negra, vítima de um projeto

arbitrário tornando-a excluída dos bens disponíveis. O preconceito e a discriminação racial

foram usados para o fornecimento de esteriótipos relacionados a sua imagem, em que a

principal finalidade era afirmar a superioridade branca. Esses mitos tem como objetivo

justificar a exploração e a opressão do negro, assim como bloquear sua ascensão e a

superação de estigmas perante os demais grupos étnicos.

Apesar de não se constituir em São Luís do Maranhão como movimento politico e

religioso, o ritmo movimenta uma massa regueira, assim como DJ‟s, cantores e pessoas

ligadas ao Movimento Negro que trabalham em prol do combate a discriminação e

preconceito contra o reggae. Através de programas de rádio e televisão buscam formas para

diminuir os esteríotipos negativos construídos ao longo dos anos.

A exemplo temos o vocalista, guitarrista e principal compositor da Tribo de Jah,

Fauzy Beydon. Este nasceu em São Paulo e passou muitos anos morando no continente

africano, onde se tornou Rastafari. Quando já estava novamente em sua cidade natal, juntou-

se a banda que é composta especificamente por cegos formada na Escola de Cegos do

Maranhão. 24

A Tribo de Jah é uma das poucas bandas maranhenses de reggae de maior

sucesso no cenário nacional e internacional, sendo uma das contribuintes para o

fortalecimento do movimento reggae e a sua devida expansão.

De acordo com Silva (2007), o primeiro CD da banda intitulado Roots Reggae,

contém canções referentes a identidade negra e aspectos da luta diária das pessoas moradoras

da periferia, retratando um pouco da realidade dessa população. Suas músicas também fazem

críticas, assim como as de Bob Marley, a Babilônia, presentificada na religião, na polícia e no

governo.

Segundo alguns sites e pessoas ligadas ao movimento25

, Fauzy Beydon não só se

destaca pelo sucesso na banda, mas através da sua atuação no cenário regueiro e nos

programas de rádio. Este foi um dos criadores e divulgadores do codnome Jamaica Brasileira

24

Ver mais sobre a biografia de Fauzy Beydon em: reggaebrasilhistoria.blogspot.com.br. acesso em: 05 de

junho de 2016. 25

Ver Freire (2012 p.91-92)

54

ajudando a popularizar e ressignificar o ritmo na ilha, dando carácter positivo ao reggae

produzido no Estado.

Juntamente a outros nomes como Ernane Sarney e Wagner, foi um dos criadores

da Cooperativa Reggae, casa de show com objetivo de melhor organizar o reggae no

Maranhão, possibilitando visibilidade em meio as políticas de expansão turística oferecidas no

momento. Segundo a matéria do dia 06 de Abril de 1991 do jornal O Imparcial, “a

Cooperativa tem a proposta de um novo espaço mais compatível com o avanço do movimento

em São Luís, que a muito tempo já deixou de ser modismo para ocupar um lugar de destaque

na preferência maranhense”26

.

Percebe-se a tentativa de criar um lugar, em que tanto o regueiro quanto aqueles

que tivessem interesse, poderiam obter mais informações sobre do ritmo produzido no estado.

A proposta da casa não seria exclusivamente um espaço de shows, mas sim, um lugar em que

pessoas ligadas ao reggae tivessem mais acesso aos meios de divulgação.

Segundo Pereira (2003), existe um desejo de organização por parte dos regueiros,

pois já estavam cansados das ridicularizações e das negações de suas origens, tentando

transformar o reggae em um ritmo desviculado da população negra. para a autora, os

regueiros até sabem que o reggae constitui uma forma protesto, mas não existe uma

conscientização por parte dos agentes envolvidos.

Segundo o Jornal O Imparcial:

A Cooperativa reggae será um clube popular, onde todos terão acesso e irá funcionar

de terça a domingo. Um toque para as regueiras, mulher não paga, e os lavadores de

carro que possuem a carteirinha do Sindicato terão entrada franca. A cooperativa

conta com dois salões, serviço de bar e uma radiola definitiva, Jah Systende

propriedade de Fauzy Baydon. Mas além da Jah Systende, a Cooperativa irá abrir

espaço para outras radiolas que se candidatarem a se apresentar no local. Para o futuro bem próximo, a Cooperativa irá contar com lugar para a venda de discos e

souvernirs sobre o reggae, tais como livros, camisetas e battons. Além desse

verdadeiro Shopping que irá funcionar na Cooperativa, Lá também serão

ministradas aulas de reggae, para as pessoas que tem vontade de mergulharem nos

mistérios e sensualidade que o reggae transmite, corpo coladinho como se fosse um

só e muito molejo. (REGGAE..., 1991, p.01).

Mesmo que a Cooperativa estivesse instalada em um espaço longe da periferia,

considerada por muitos como ponto tradicional da cidade, onde turistas e outras classes

sociais frequentem, aparentemente esta tinha como proposta atingir uma população mais

pobre facilitando sua entrada na casa de Show. A entrada franca pra mulheres e lavadores de

carro se justifica, por constituírem a maioria do público regueiro.

26

O IMPARCIAL, Reggae ganha Cooperativa em São Luís. São Luís, 06 de Abril de 1991, p.01.

55

Para Silva (1995), as oportunidades de trabalho da população negra e periférica de

São Luís, devido a sociedade capitalista vigente, impõe profissões consideradas marginais.

Essas atividades envolvem a participação de toda a família, desde crianças aos adultos. O

trabalho masculino, muitas vezes consiste em vendedores ambulantes, vigias de carro,

ocupações na construção civil, pesca artesanal entre outras, já as mulheres tem como principal

função empregadas domésticas, independente da idade.

Dessa forma, esses trabalhadores ao saírem de um dia cansativo de trabalho

poderiam ir as festas de reggae como forma de lazer e sociabilidade, onde este regueiro teria

acesso a um momento de prazer e alegria após a luta do dia-a-dia. A localização da

Cooperativa Reggae em meio a Praia Grande, facilitaria o acesso dessas pessoas, pois o

Centro Histórico de São Luís constituía também o local de trabalho de muitos deles.

Sobre a inauguração da casa de show o Jornal O Estado do Maranhão ainda coloca:

Encerra hoje o concurso de reggae promovido pela mais nova casa especializada

nesse ritmo em São Luís. Trata-se da Cooperativa Reggae que, desde sua abertura,

na última quinta-feira, até hoje está movimentando os regueiros da ilha com um

concurso que oferecerá prêmios num valor total de Cr$ 200 mil. A Cooperativa

Reggae está localizada na Praia Grande, onde funcionou o extinto “Corpus e

Copus”, e na estréia quatro radiolas de reggae de maior prestigio da ilha se fizeram

presentes: a Black Power, A Estrela do Som, a Musical Itamaraty e o Som das Jah

System. Um público numeroso aflui á nova casa desde o primeiro dia. Segundo um

dos proprietários da nova casa, Ernane Sarney, a Cooperativa Reggae busca

incentivar o processo de produção artística e cultural que o movimento regueiro requer. “Com a Cooperativa”- diz Ernane, “fazemos um trabalho de ponta no Estado

que é considerado o habitat do reggae no Brasil”. Além de clube de dança, que

funcionará de quarta-feira a domingo, a Cooperativa Reggae vai proporcionar

também aos seus freqüentadores um “Reggae Shop”, uma loja com stands onde se

poderão adquirir objetos ligados ao ritmo, como boinas, camisetas, posters e até

discos importados. Também dentro de pouco tempo, a Cooperativa se transformará

num verdadeiro programa de auditório com entrada franca, quando a casa abrigar as

transmissões ao vivo do programa Rádio Reggae da Mirante AM. (PRAIA..., 1991,

p.17)

Neste momento, já é possível perceber a midiatização do reggae, na qual pessoas

envolvidas diretamente com o movimento não deixavam de identificar o ritmo também como

forma de lucro. À medida em que este cresce na cidade é necessário direcionar essas práticas

ao mercado consumidor requerendo uma maior movimentação deste produto cultural.

Partindo desta perspectiva Silva (2012) ressalta que a presença da música

regueira na mídia cresceu significativamente na década de 1990, com o aumento de

programas de reggae nos rádios e na televisão. A maioria desses programas estavam ligados

diretamente aos proprietários de radiolas, mais conhecidos como DJs, e servia como

instrumento de anunciação de festas e obtenção de lucros. Para autora, essa ampliação dos

programas contribuiu para que houvesse uma diminuição da discriminação em torno da

56

manifestação regueira, pois as primeiras apresentações tinham como foco trazer informações

sobre o conteúdo das canções e sobre o ritmo.

Dessa forma, percebe-se que a Cooperativa Reggae visava também incentivar e

promover o reggae de forma lucrativa, tornando produto turístico de um exigente mercado em

ascensão. Este fator é demonstrado na intenção de vendas de produtos relacionados ao reggae,

com a estrutura organizada do espaço, assim como a midiatização da casa de show. Como o

próprio Fauzy Beydon coloca na matéria: “a Cooperativa irá dar incentivo especial para as

pessoas que tem o reggae como arte, mas que não sabiam tirar um troco disso”. 27

Diante da ideia de promoção, informação e consolidação do reggae na cidade de

São Luís, a Casa de Show promove a apresentação de cantores e bandas locais com a

finalidade de divulgar o trabalho desses artistas não muito conhecidos na ilha. Em um desses

eventos, se apresentou o cantor Pitty de Alcântara:

A Jamaica Brasileira voltou a funcionar a todo vapor, na noite de hoje, em seu endereço na Praia Grande: Cooperativa Reggae. É que lá se reúne, hoje, a massa

regueira para apreciar o show Afro-Reggae, comandado por Pitty de Alcântara,

participações especiais de David Reggay e Augustos Bastos e uma banda composta

por Pitty e David (base), Alberto (contrabaixo) e Jeca (percussão). David Reggay é

um australiano descoberto por Pitty, que tem Marley, Cliff e outros monstros

sagrados do reggae no repertório. Já Augustos Bastos ataca de reggae maranhense,

cantando as composições de Beto Pereira, Cesar Nascimento e outros. A direção

musical do espetáculo também é de Augusto. Pitty define o trabalho musical de hoje

como um verdadeiro show-baile, com 25 músicas rolando do alto do palco para a

massa regueira delirar e dançar. O artista alcantarense (que se apresentou no Teatro

da Praia Grande no último dia 2) está procurando popularizar o seu trabalho, a fim de divulgar o lançamento de seu disco – “Morena Tentação” já gravado em máster e

ora em fase de prensagem no Rio de Janeiro. (PITTY..., 1991, p. 13)

Essas bandas de reggae encaixam-se no chamado roots reggae preferência de uma

parcela da população ludovicense. Tais bandas inspirados no reggae produzido na Jamaica

trazem em suas letras aspectos locais da cidade, retratando as belezas e dificuldades, os temas

e o cunho religioso ou político. Entretanto, as bandas locais não adquirem muita popularidade,

pois a preferência dos adeptos é pelo reggae de radiola.

Para Silva (2012), a década de 1990 também é o momento em que compositores e

artistas maranhenses entram no cenário do reggae. Segundo a autora, um dos motivos dessa

influência é a vinda do cantor jamaicano Bill Campell para o Brasil, investindo no ramo e

produzindo reggae na localidade. Este fator abriu caminhos para que artistas maranhenses

investissem no ritmo.

27

O IMPARCIAL, Reggae Revive a Praia Grande, São Luis, 6 de abril de 1991,p.01.

57

Outra discussão gira em torno do estilo de reggae tocado na Cooperativa, apesar

da casa ter como proposta atingir todos os públicos, percebe-se que o estilo roots é o que

predomina na casa quando comparado com o “robozinho”28

. Diante das críticas feitas em

relação ao reggae eletrônico está a “enrolação no inglês”, a forma mecânica da gravação das

músicas, e o jeito de dançar.

Dessa forma, a matéria afirma:

Para Fauzy Baydon, o reggae está cada dia mais presente, mais sólido e o

nascimento da Cooperativa irá servir para a centralização de todas as tendências do

reggae, mas é lógico se tratando de preferência musical, o predominante será o roots,

ritmo preferido da moçada. Mas os simpatizantes do Dance Hall, novo estilo de reggae que está chegando e ganhando espaço nas rádios e salões, não precisa ficar

tristes, pois o ritmo também terá sua vez. Além de ser novo espaço para as

promoções de reggae, a Cooperativa irá dar incentivo especial para as pessoas que

tem o reggae como arte, mas que não sabiam tirar um troco disso. (REGGAE...,

1991, p. 01).

Na tentativa de construção de uma identidade regueira no Maranhão há um certo

desprestígio do robozinho, pois para alguns esse estilo era visto como um reggae de menor

qualidade, descaracterizando a imagem da Jamaica Brasileira. Numa luta de fortalecimento e

consolidação do ritmo na ilha, prevalece o roots percebido como "tradicionalmente da cultura

maranhense", em detrimento do outro que foge dessa ideia, pois as músicas sao feitas de

forma digital e não são entendidas como manifestação cultural.

Freire (2012) supõe que a preferência de alguns produtores pelo roots em

detrimento do robozinho se aplica pelo monopólio de estilo dos produtores, ou seja, modo de

produção cultural que elegeram para se fazer reggae, considerando-o legítimo. Diante disso a

autora afirma a existência de um jogo de legitimidades, na qual os agentes envolvidos

acreditam e defendem seus lados, “quem gosta e defende o roots, arma-se de argumentos para

afirma-lo como verdadeiro(...), e quem gosta de robozinho, ao ser atacado (...), convence-se

ainda mais que precisa defender aquilo que aprecia”. (p.160)

Essas críticas ratificam ainda por uma suposta elitização do reggae a partir do

momento em que adquire novos espaços. Para além das polêmicas em torno do preconceito e

da segregação dos regueiros e do reggae na Praia Grande, existem aqueles que percebem essa

expansão também como forma de exclusão da população pobre e periférica frente a cooptação

das classes dominantes do ritmo.

Sou a favor do reggae em qualquer lugar. Mas sou contra o som da CoopReggae na

Praia Grande. Sou contra a apropriação do espaço sonoro por uma casa comercial

qualquer, seja ela de reggae, de samba, ou de bolero, em detrimento de outras. Sou

28 O termo está relacionado com a forma de dançar dos adeptos desse estilo. É caracterizado pela forma

mecânica como é produzida (feito no computador) e pela enrolação do inglês de muitos cantores.

58

contra a não socialização desse espaço. Mas sou a favor do reggae, do samba e do

bolero, quando esses ritmos convivem em harmonia com os outros liberdade para

cada um no espaço de todos. Claro que é forte o preconceito racial no Brasil. No

Maranhão, então, nem falar, não obstante ser o nosso um dos três estados brasileiros

onde a população negra é a maioria. Mas as análises precisam ser mais cuidadosas,

pois o preconceito não é só contra o negro. No caso especifico da Praia Grande é

necessário se contrapor a ideia de que o reggae está sendo empresariado pela própria

elite dominante. Portanto, muito menos para deleite dos regueiros tradicionais do

que pra obtenção de lucro. Ao combater o racismo, que deve ser luta de todos,

devemos ter cuidado de não legitimar aqueles que, por conta do falso combate, estão

querendo se apropriar do mote simplesmente dinheiro e impor sua cultura (a do dominador) como sempre fizeram, e agora ao embalo agradável do reggae e com

apoio das lideranças do movimento negro. Reggae em qualquer lugar, sim. Mas na

Praia Grande vai ser difícil prosperar, porque a população mais pobre, que não mora

nas redondezas, vai ter dificuldade de pagar transporte para ir lá dançar. Vai preferir,

é obvio dançar bem perto de onde mora. Ou será que o reggae da Praia Grande é

destinado a outro público, aquele que pode pagar que vai de automóvel, enfim a

própria elite? (SANTOS, 1991, p.02)

O autor do artigo questiona sobre a instalação do ritmo através da Cooperativa

Reggae, fora da periferia referindo-se a Praia grande como um espaço da elite, justamente

pelas camadas sociais que a frequentam. É necessário pensar, que apesar de uma proposta de

consolidação, existe por trás a ideia de mercantilização e promoção através do turismo. Daí a

necessidade de adequação dos espaços, de estruturas, estilos ou “até mesmo de pessoas” que

deveriam frequentar.

Silva (2012) ressalta não haver como negar a “diferença” do público que gosta

dos dois estilos de reggae. Esse fator é evidenciado pelos próprios DJ‟s e frequentadores dos

salões onde a predominância é o eletrônico, sendo na áreas suburbanas ocorre as festas de

radiolas e nos bares e casas de shows (a exemplo da Cooperativa) predominava o roots,

instalados no Centro Histórico e na orla marítima de São Luís.

Entretanto, apesar da elitização e cooptação do reggae por produtores que buscam

lucrar com esse estilo de música, e das buscas pela sua expansão, é perceptível através dos

jornais maranhenses, a luta em torno de espaço entre o empresariado (aqui personificado

pelos donos de bares da Praia Grande) e os proprietários da Cooperativa Reggae, juntamente

com o Movimento Negro de São Luís.

A matéria do Jornal O Imparcial, do dia 14 de Abril de 1991 mostra o início desta

polêmica:

Inaugurado em dezembro de 1989, tendo sido recuperado através do programa de

Revitalização Histórico e Ambiental Urbano do Maranhão, a Praia Grande - Projeto

Reviver – motivo para muita polêmica no que se refere ao disciplinamento da área.

Tudo devido à falta de vontade, por parte dos donos de bares, lanchonetes e casas

noturnas em seguirem as normas pela administração local, como por exemplo, a não

colocação de som em altíssimo volume, o que acontece constantemente. A maior

polêmica hoje, gira em torna da nova casa implantada no reviver. Trata-se da Cooperativa Reggae localizada na rua da estrela, que desde a sua inauguração,

coloca som (segundo os proprietários os bares adjacentes) acima de 80 decibés,

59

faixa fixada pelo Conselho que agora administra a Praia Grande. A proprietária do

bar Companhia Paulista que fica exatamente em frente à casa de reggae (que fez

questão de não revelar o seu nome), afirma que não é só o som que está

atrapalhando, mas a “bagunça” que os freqüentadores do local fazem na rua e na

porta do seu bar. “Em vez de eles entrarem e se divertirem por lá, ficam sentados

em cima das mesas do meu bar, e sujando de maneira insuportável as ruas do Centro

Histórico”, disse. Para Fauzy Baydon, dono da radiola, Jah Sisten, da Cooperativa

Reggae, é evidente que a colocação do reggae é um assunto polêmico, pois trata da

área do Patrimônio Histórico de São Luís. Mas o que causa a reclamação dos donos

de bares vizinhos nada mais nada menos que puro preconceito. “Se fosse outro tipo

de casa noturna como Boite, por exemplo, eu duvido que alguém fosse reclamar” disparou o radialista. Ele afirma que de maneira nenhuma, a Cooperativa Reggae

está atrapalhando e que o reggae é a expressão da cultura maranhense. “já baixamos

o som”. Ele é um pretexto para acabar com a nossa alegria. (ALTURA..., 1991,

p.01)

Como explicitado, a principal denúncia feita pelos donos de bares da Praia Grande

diz respeito ao incômodo causado pelo som que “atrapalhava” os demais estabelecimentos,

levando-se em consideração que o reggae é um ritmo que tem como principal característica os

seus graves altos. Entretanto, por traz das críticas ao som alto que a casa de show fazia, estava

entre as falas desses donos de bares, tons de racismo e preconceito contra a presença do

reggae e dos regueiros na Praia grande.

Segundo Pereira (2003), uma das características marcantes do reggae é a altura

do som, onde as músicas são executadas em volume alto, com a estrutura formando

verdadeiros “paredões” que determinam sua potência. Esse detalhe gera inúmeros protestos e

várias discussões contra as casas de reggae em decorrência das denúncias que são feitas à

Gerencia de Segurança Pública e ao Serviço de Investigação e Análises Laboratoriais que

cuida do Meio Ambiente.

Sobre essa questão a matéria continua:

Toda essa polêmica poderá terminar em breve, caso as normas a serem estabelecidas

pelo Conselho, caso as normas [...] pelo Governador Edson Lobão que administra o

Projeto Reviver forem cumpridas. O Conselho será criado através de um decreto de

lei, que prevê uma serie de providências no sentido de disciplinar e preservar a área

histórica de São Luís que está localizada no reviver. As providências a serem

tomadas referem além de outros pontos à locação de imóveis, coleta de lixo na Praia

Grande funcionamento de bares. Quanto aos equipamentos eletrônicos que

produzem som amplificado, como é o caso da casa noturna Cooperativa Reggae,

eles terão que funcionar exatamente a 80 decibés, caso contrário não poderão permanecer na Praia Grande. Os outros bares que funcionam com música ao vivo

nas calçadas ou no interior, também terão de respeitar as normas e não colocarem

sons em alturas estridentes. (ALTURA..., 1991, p.01)

Tal fator, agrava-se pelo fato dessa casa de show, naquele momento, está

localizada em uma área do Patrimônio Histórico em que o barulho do som prejudicava os

imóveis antigos existentes no local. Entretanto, esses fatores são questionados quando a lei se

aplica à alguns locais, como as casas de reggae, e não a outros, como bares e boates.

60

Em entrevista com alguns comerciários da Praia grande pode se constatar que

outros clubes de reggae também foram fechados sob a justificativa de estarem prejudicando o

Patrimônio com o som alto:

Não, dessa casa de reggae eu não me lembro. Me lembro que surgiu aqui do lado o

Seu Domingos e a dona Bernarda fizeram um reggae lá. Aqui no barzinho fizeram

outro reggae, mas não demorou muito por que não tinha estrutura. Aí chegou o meio

ambiente, como não tem estrutura, é solto, lá é tábua, aí não cabia todo mundo, ai a

gente descia pra não prejudicar ninguém. (SAMPAIO, 21 de maio de 2016)

Olha reggae. Quando fala em reggae. Reggae há uns tempos atrás em São Luís era pejorativo. Ninguém queria ninguém gostava. (...). Ai depois houve essa rejeição.

(...) ai começou a implantar o reggae. Terminou primeiro essa associação que

tentaram criar, a Cooperativa e tal, ai criaram, começaram a colocar umas casas de

reggae aqui. O governo não teve competência pra dizer por que não queria o reggae

aí inventaram que os prédios estavam caindo. Que na hora que você botasse um

reggae com aquela potência o prédio tava sendo abalado. Mentira! Isso é tudo

mentira! (...) isso é poder público que não quer assumir nada, deveria era ajudar o

reggae. (PEREIRA, 24 de maio de 2016).

Dessa forma, não seria o volume do som que estaria incomodando alguns

empresários e o poder público, mas sim a presença do reggae no local. Isso devido à falta de

incentivo dado a permanência dessas casas e também a rejeição dos demais proprietários por

estabelecimentos que tocassem reggae, o mesmo não acontecia com os bares e boates.

Os questionamentos intensificam-se a medida que alguns comentários surgiram

em relação à Cooperativa, principalmente, pelo público frequentante deste espaço. De um

lado estão empresários interessados na lucratividade da classe média e dos turistas diante de

um momento de promoção turística da cidade, em que o reggae e o regueiro, prejudicariam

este movimento, visto estam enchendo o espaço de “pretos, desordeiros e marginais”. De

outro, os agentes envolvidos na dinâmica do reggae, juntamente com integrantes do

Movimento Negro, debatendo sobre as acusações de racismo e preconceito que circulavam

sobre o negro e o regueiro dentro da Praia Grande.

A polêmica se intensifica no momento em que proprietários de bares reúnem-se

para a retirada da casa de reggae. A briga ganha maiores proporções quando alguns desses

agentes organizam-se em uma Associação na Praia Grande para discutir sobre a retirada da

Cooperativa. Tal organização, com intuito de revigorar a área, diante da crise econômica e

das novas perspectivas turísticas, não admitiria a permanência de uma casa de reggae que

pudesse atrapalhar o movimento dos seus estabelecimentos.

Em crítica à associação e aos proprietários, o jornalista e radialista Cláudio Farias,

também amante do reggae, manifesta sua indignação diante da polêmica existente. Em

matéria no Jornal O Imparcial do dia 19 de abril de 1991, o autor coloca:

61

A abertura da Cooperativa Reggae na área do Projeto Reviver, na Praia Grande, tem

suscitado discussões nos vários e diversos níveis. O mais polêmico e absurdo parte

dos proprietários de bares, restaurantes e similares. O ponto de partida é a

insuficiência cultural. O conceito vigente é que a Praia Grande é um ponto chic, e

preto ali só trabalhando. E com essa ideia alguns proprietários tem se reunido no Tia

Dadi (bar e restaurante baiano) com a firme proposta de retirar da área do Reviver a

Cooperativa Reggae. O proprietário do Tia Dadi, o “famoso” Rosas, por várias

vezes conseguiu atrair a ira de toda a clientela por querer proibir as pessoas de

dançar o reggae. O baiano até terminou um contrato que tinha com um grupo

musical da sua própria terra por não permitir a inclusão de reggae no repertório. A

sensibilidade de “Rosinha” é tanta que ele chegou ao cumulo de tomar o microfone da mão do cantor, numa determinada noite, para justificar que não gostava do

reggae. A clientela respondeu com vaias e pediu mais reggae. Já a proprietária do

Antigamente, conhecida como Ana, exibe preciosidades verbais dignas de análises

jurídicas: - esses negros, marginais, de chinelos e cabelos por penteiar vão acabar

com o nosso movimento. Uma breve aula de História. Dona Ana (será que Jansen?)

foram os negros que sempre fizeram o movimento da Praia Grande. Será a senhora

tão diferente da Catarina? Saiba, então, que liberdade se conquista. E a área do

Reviver é para os ricos e para os pobres, chics e bregas, pretos e brancos. Aqui é

necessário lembrar que a maioria dos proprietários localizados na Praia Grande não

são maranhenses. No entanto, ironicamente, querem marginalizar a negrada (a

maioria) em um dos mais elementares direitos: ir e voltar. Talvez, aposto, os “estrangeiros” nem sabem que discriminação é crime inafiançável. Se querem

brigar, briguem com a família Sarney, proprietária da Cooperativa Reggae. Tendo

Reggae, podendo pagar, a negrada não vai faltar. Agora vocês são brancos que se

entendam. Não esquecendo jamais que existe no Maranhão mais de 15 entidades do

Movimento Negro de olho em vocês, preconceituosos e racistas. (FARIAS, 1991,

p.02)

Segundo o jornalista, os principais agentes das polêmicas contra Cooperativa

Reggae seriam Antonio Rosas, proprietário do bar e restaurante baiano Tia Dadi e Dona Ana,

neste momento proprietária do Bar Antigamente, os dois com históricos de manifestações

preconceituosas e racistas contra a população negra e contra o reggae. Na visão de ambos a

Praia Grande seria um espaço elitizado, em que a presença do reggae e de seus frequentadores

“sujaria” esses estabelecimentos.

De acordo com esses proprietários permanece a ideia do reggae como cultura

periférica, estrangeira e marginal, não podendo conviver com culturas "tradicionais". Assim

como a presença da população menos abastada prejudicaria o movimento desses bares,

entendidos como público que ameaçava a segurança dos “cidadãos de bem” que circulam no

local.

Durante a realização dessa pesquisa, tentou-se entrar em contato com esses dois

personagens envolvidos na polêmica em torno do reggae, entretanto, através de conversas

com alguns proprietários que conheciam ambos, foi informado que Antonio Rosas, algum

tempo depois da polêmica fechou o bar e foi-se embora do estado.

Em relação à Dona Ana, na época proprietária do Bar Antigamente, hoje

proprietária da Casa de Juja- Ateliê de Gastronomia no bairro do Vinhais, (bairro da área

62

nobre da cidade de São Luís) foi tentado vários contatos, mas até o final desta pesquisa não

foi obtido retorno por parte dela.

Entretanto, foi realizado entrevista com outro membro da associação dos donos de

bares da Praia Grande, José Jorge de Oliveira29

, mais conhecido como J.J, proprietário do bar

e restaurante Companhia Paulista, hoje conhecido como Canto da Cultura, estabelecimento

que ficava em frente à Cooperativa Reggae. Quando perguntado sobre a Associação dos

donos de bares da Praia Grande, José de Oliveira afirma que o objetivo das reuniões era

aumentar as atividades dentro do Centro Histórico, mas durou pouco tempo devido ao

“egoísmo de pessoas”, cujos nomes não quis revelar. Em relação às atividades desenvolvidas,

este fala da realização de inúmeros eventos, seguindo o calendário festivo da cidade com

apoio de terceiros (patrocinadores) e do governo. Essas manifestações, as quais o entrevistado

apresenta, circulam entre a cultura popular e as “famosas serestas tradicionais”.

Ao questionar sobre os problemas trazidos pela Cooperativa ao movimento dos

bares da Praia Grande, o proprietário coloca:

Não, pelo contrário foi muito benéfico. Não isso foi lenda, isso foi histórias mal

contadas. Não existiu não, porque eu presenciei toda essa fase e pelo contrário ela

trazia muita gente pra cá e nós não tínhamos bagunça, não tínhamos brigas, não

tínhamos nada, era normal. Reviver sempre lotado, todas as casas lotadas, as casas fechadas lotadas. A diferença da época era que as casas não eram acusticamente

fechadas, às vezes vazava. Mas isso não atrapalhava ninguém, dava pra todo mundo.

(OLIVEIRA, 14 de Junho de 2016)

O que percebe-se é um discurso contraditório do proprietário da antiga

Companhia Paulista ao colocar que a Cooperativa Reggae não atrapalhava o seu

estabelecimento. Essa ideia pode ser confrontada na entrevista citada acima onde uma das

proprietárias acima (possivelmente sua esposa) afirma “que não é só o som que está

atrapalhando, mas a bagunça” que os frequentadores do local faziam na rua e na porta do seu

bar 30

.

Ao mesmo tempo em que é colocado a convivência harmoniosa com outros ritmos

e outros estabelecimentos Jorge Oliveira ressalta os problemas existentes, como a

proliferação do som alto atrapalhando alguns bares, através da poluição sonora. Daí entra a

questão, será somente o som que estava incomodando ou existiam outros aspectos para além

da suposta barulheira?

29

Entrevista realizada no dia 14 de junho de 2016, com José Jorge Alves de Oliveira (J.J), 47 anos,

Comerciante. 30

O IMPARCIAL, Reggae e Preconceito na Praia Grande. São Luís, 14 de Abril de 1991, p.01.

63

Ribamar Filho31

, proprietário do Sebo Poeme-se, instalado no local há 26 anos,

fala da inserção, logo após o Projeto de Revitalização de vários bares, boates e casas de Show

na área, dando uma maior dinamização a Praia Grande. Sobre a Associação dos donos de

bares, o entrevistado ressalta sua participação e os principais assuntos discutidos, na qual

fazia referencia “a preservação, o disciplinamento do uso do Reviver e formas de atrair

pessoas pra cá”.

Um dos pontos destacados na entrevista em relação às reuniões, eram os riscos

sofridos pela população que frequentava a Praia Grande, considerando a constante

“marginalidade” na área e a falta de policiamento, os turistas e a classe média estariam

submetidos à insegurança pertinente no local. Quando lhe perguntado sobre o reggae na Praia

Grande, ressalta:

Nunca tive nenhuma restrição, eu gosto de reggae! Acho que tem problemas maiores

(...). Olha, eu não me lembro de polêmica com a Cooperativa, ela durou pouco

espaço de tempo. Eu fui lá algumas vezes, frequentei algumas vezes. (...) eu acho

que deve ter gerado alguma insatisfação por que ela funcionava aqui, ai tinha dois

bares grandes, na época que era a Companhia Paulista na esquina e o Antigamente,

com certeza isso deve ter interferido ali, de alguma forma nesse fluxo de gente dos

bares. Talvez tenha sido por isso. (FILHO, 24 de Maio de 2016)

Apesar de frequentar a Cooperativa e ser membro da Associação, Ribamar Filho

prefere ausentar-se do assunto. Quando referido sobre as lutas por espaços entre a

Cooperativa e os demais estabelecimentos, destaca não lembrar-se, mas ao mesmo tempo

elenca pontos dessa disputa. Exemplo disso, é a referência que faz aos problemas de

disciplinamento dos regueiros e o volume do som que “atrapalhava” os demais

estabelecimentos que ficavam em frente da Cooperativa.

A matéria do jornal O estado do Maranhão do dia 22 de Maio de 1991, traz como

titulo: Bar e Restaurante agitam a noite com programação diária, em referência a agenda

cultural presente no bar Tia Dadi, de propriedade de Antonio Rosas. De acordo com a

reportagem , o objetivo seria trazer uma clientela com apresentação de manifestações

artísticas que circulavam entre o erudito e o popular da “cultura maranhense”.

Dentre a programação apresentada, pode-se destacar músicas ao vivo, literatura,

“manifestações folclóricas” e artes plásticas. Abriam-se espaço para as manifestações

artísticas como a capoeira, o tambor de crioula, e o bumba-meu-boi, encaixadas nas

manifestações afro-brasileira e nas apresentações de músicas estrangeiras com estilo latino-

americano. Apesar dessa diversificação de ritmos, o reggae não entra na programação.

31

Entrevista realizada no dia 24 de maio de 2016, com José de Ribamar Silva Filho, 54 anos, livreiro.

64

Destaca-se a rejeição não é exatamente em relação às manifestações da população

negra em si, nem com as estrangeiras, mas especificamente com o reggae. Tal ponto, torna-se

explicitado no momento em que outras apresentações são acolhidas e apresentadas nestes

locais. A problemática diz respeito, pelo fato da maioria dessas manifestações agora poderem

circular no chamado “espaço de ordem”, sendo controladas pelos setores dominantes.

O Antropólogo Carlos Benedito da Silva, em artigo intitulado Jamais como

Athenas, pois apenas Brasileira, do dia 03 de maio de 1991 do Jornal O Estado do

Maranhão, questiona sobre o incômodo das elites dominantes com a presença do negro na

Praia Grande. Segundo o autor, a Praia Grande que sempre foi espaço do negro, tanto como

trabalhadores desde a época colonial ou morando em casarões abandonados devido a crise

econômica, agora estariam sendo expulsos, “ou melhor, negro só pode permanecer ali durante

o dia porque à noite, o espaço é para lazer, e quem tem direito ao lazer é o branco”. (p.02)

O artigo ainda traz informações sobre o histórico de preconceito e segregação das

manifestações dos negros no Reviver, demonstrando que a Cooperativa Reggae não foi o

primeiro caso envolvendo as elites dominantes. O autor continua:

Primeiro foi o “Som da Jamaica” do artista plástico K-Zau, que já o mesmo K-zau,

que já havia experimentado a ira das elites ludovicenses, quando ousou criar a

Cachaçaria Brega na Rua 15 de Novembro, bem atrás das residências familiares do

ilustre Deputado Federal Jaime Santana. Ora, é muito atrevimento! Um bar de

negros, exibindo a cultura popular, em plena área nobre da cidade. E engraçado, (ou

paradoxal) é que o negro baiano conhecido como Rosas, proprietário do Restaurante Tia Dadi, que também foi expulso daquela área por questões semelhantes, hoje

reprime shows de reggae em sua casa no Reviver, porque reggae segundo ele é

musica de negros desordeiros. Bem, mas com o “Som da Jamaica”, apesar do

constrangimento de ver os negros regueiros passando por sua área, os proprietários

dos bares “mais nobres” ainda tinham uma certa tolerância, talvez porque, aquela

casa ficasse num local meio escondido, e não incomodasse tanto. Mas de repente,

para instalar, o pânico geral, surge uma Cooperativa do Reggae, na praça principal

do Reviver. Aí é demais. Como possível “negros marginais, de chinelos e cabelos a

pentear” transitar pelos espaços da nobreza? E mais uma vez, as elites incomodadas

mostram sua força. Começam a se articular, para rechaçar dali os regueiros. Por

mais bem vestidos que estejam, porque regueiro não vai sujo e nem de chinelos á

festa. Se tem uma coisa com qual eles se preocupam é com a aparência, mas quem já tem preconceito até com o ritmo, jamais poderá constatar tal coisa. Porém está claro,

que a questão não está com o ritmo, e sim com a própria presença do regueiro, só

porque, o povo pobre da Ilha do Amor, está exercendo o direito de usufruir daquilo

que foi construído com o trabalho dos seus ancestrais (SILVA, 1991, p.02)

Segundo Silva (1991), outros espaços dentro da área da Praia Grande sofreram

processo de discriminação, visto como locais de aglomeração de uma população marginal,

ponto em risco a segurança da elite local. Como o autor coloca, o maior alvo de preconceito

foi o estereótipo construído em torno do regueiro, percebido de forma negativa.

65

Outras críticas foram feitas aos intelectuais que discutem sobre a ideia de Atenas

Brasileira, principalmente, aos questionamentos levantados por Ubirajara Rayol em relação à

associação do Maranhão a países de Terceiro Mundo, como a Jamaica. Para o autor, o mito da

Atenas nada tem a ver com a construção identitária da maioria da população ludovicense,

ficando restrita à elite dominante.

Jokson Launé, professor de letras destaca:

A ideia de “Jamaica brasileira”, que para uns soa positivo e para outros é como se

tivessem de aceitar a raça negra em pé de igualdade. Nem o mito da democracia

racial- instrumento ideológico- explicaria tal situação, talvez nem Freud o faria. Do

contrário, a Athenas Brasileira, soa melhor para uma parcela da sociedade, pois esta minoria compreende muito bem a representatividade da cultura helênica ao mundo.

Contudo, que dirá o atheniense tupiniquim analfabeto? (entenda-se alfabetização

como processo). A questão é tão complexa como entender o Reggae no Projeto

Reviver- rima involuntária (1991, p. 02)

O autor acima referido continua, por um lado essa polêmica soa de forma positiva,

pois traz reflexão e pesquisa sobre si mesmo (ou seja, o que é ser maranhense). Entretanto, é

necessário deixar de lado o caráter cristalizado e egocêntrico e entender de que forma ocorreu

o processo de formação histórica da cidade. Para ele, “eis uma cidade em busca de identidade

cultural. Como vemos a 'ilha rebelde' ou, como alguns preferem, 'dos amores' oscila entre ser

grega ou negra, enquanto isso as Pedras do Reviver reggam Mirantes e Pedras de Cantaria

“for oll”. (p. 02)

Dessa forma, as discussões envolvendo o reggae na Praia grande tiveram grande

repercussão, levando vários segmentos da sociedade a veicularem declarações contra ou a

favor. Estudiosos, jornalistas, donos de bares e artistas maranhenses, tentaram legitimar

através de seus posicionamentos aquilo que poderia ou não fazer parte das tradições da cultura

maranhense.

De um lado, os defensores da ideia de Atenas Brasileira reivindicando da

identidade do ser maranhense na tentativa de legitimar um passado de "glória" e de

"elitização". Através disso, elencam elementos da cultura, através da reificação e

apresentação desses em espaços “tradicionais”, em prol de seus próprios interesses.

De outro, temos o reggae como construção identitária da ilha de São Luís, através

de estilos, públicos e espaços, formando uma dinâmica especifica onde agentes trabalham

conjuntamente para sua divulgação e afirmação enquanto ritmo do estado, estes também

dotados de segundas intenções. Dessa forma, tanto culturas, quanto espaços foram pensados e

legitimados a partir dos interesses de quem os utiliza, reforçando estereótipos e criando

simbologias em detrimento de outros.

66

A Praia Grande como cartão postal, diante de um processo de revitalização da

cidade, foi escolhido como cenário para divulgação do turismo no Maranhão. Este espaço

enobrecido e pensado a partir das questões mercadológicas de quem os coopta, acaba por

construir singularidades que atuam para uma parcela restrita da sociedade. Assim, a

população menos abastada e as manifestações não aceitas pelas elites, ou seja, ainda

consideradas “perturbadoras”, não podem circular por tais.

Mesmo com a expansão do reggae na década de 1990 para espaços e absorvidos

por outros públicos, ainda prevalece a violência simbólica. O ritmo e o regueiro são

entendidos como “invasores”, por ousarem sair dos locais onde por muito tempo estes ficaram

restritos, as zonas periféricas. A partir do momento em que o reggae ameaça o interesse das

classes dominantes, torna-se alvo de críticas e retaliações.

67

CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto, entende-se que as polêmicas que ocorreram em torno

da Cooperativa Reggae faziam parte de problemáticas mais amplas, que envolviam a disputas

de interesses de espaços e culturas de uma elite que cooptava a Praia Grande. A partir da

necessidade de alavancar a economia do estado era necessário usufruir de uma identidade

construída através de um passado glorioso.

O reggae desde sua instalação no Maranhão se configurou em espaços tidos como

periféricos de São Luís, os bairros suburbanos formados em sua maioria por uma população

negra e pobre, sempre foram associados à marginalidade, taxados como “perigosos” e

marcados pelos altos índices de violência. Assim foram sendo construídos estereótipos tanto

com o reggae quanto com regueiro, pois as festas de reggae eram entendidas como locais de

aglomeração de marginais, onde ocorriam constantes batidas policiais. Nota-se que a extrema

desigualdade vigente no estado criava preconceito e reforçava estereótipos, dessa forma tudo

relacionado ao negro era visto de forma negativa.

Entretanto, ao longo dos anos o ritmo foi ganhando força e se expandindo a novos

lugares. Na década de 1990, devido às práticas específicas assumidas na ilha de São Luís foi

batizada com o título de Jamaica Brasileira. Tal popularidade fez com que este se espalhe e

ganhe novos públicos e novos cenários. Contudo, a violência física foi substituída por outra

de ordem simbólica, onde intelectuais, empresários e o Governo do Estado buscaram

legitimar outras culturas a partir de uma concepção elitista.

Com a consolidação do ritmo, uma disputa por identidades começava a ser

travada nos principais jornais maranhenses. De um lado, aqueles que defendem a ideia de

Atenas Brasileira legitimado através de um passado glorioso, onde o Maranhão teria vocação

para a intelectualidade. De outro, os que defendem o reggae como movimento específico de

São Luís, explicitando que essa repulsa partia de meros preconceitos e discriminações, pratica

recorrente a tudo aquilo que advinha da cultura negra.

Através do Projeto Reviver, e das políticas de promoção turísticas da cidade, foi

instituído o processo de enobrecimento da Praia Grande, onde empresários e o Governo do

Estado se apropriam da área e concentram atividades que estariam de acordo com as novas

demandas. Dessa forma, é colocado em prática um projeto de segregação de espaço e

higienização social.

68

Outras manifestações da cultura popular, que antes eram rejeitadas, circulam

agora por esses lugares, pois passaram por um processo de cooptação por parte das elites

dominantes. O reggae ainda percebido como cultura estrangeira, marginal e inferior, não era

visto de forma positiva. As polêmicas da Cooperativa Reggae, exemplificam tal situação, ao

buscar promover o reggae no Maranhão, tanto o estabelecimento quanto os frequentadores

passaram a ser identificados como “perturbadores da ordem”.

O que podemos concluir é que usufruindo da ideologia da singularidade, mais

uma vez a elite dominante se utiliza do mito de Atenas Brasileira, partindo de seus próprios

interesses, para a apropriação da Praia Grande. Dessa forma, construiu-se um ideal de cidade

e de manifestações que atuavam para uma parcela restrita da população, tudo que poderia

ameaçar o ideal de “civilidade” não poderia circular por esses espaços.

69

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CRUZ, Magno. Ao mestre Ubirajara. O Estado do Maranhão. São Luís, p.02. 24 abr.1991.

COMERCIANTES buscam soluções para o reviver: reativar o movimento, fazer as pazes com

o reggae, os donos de bares e restaurantes se reúnem e fundam uma associação. O Imparcial.

São Luís, p.01. 26 abr.1991.

CULTURA fica com projeto Reviver.O Imparcial. Caderno Impar, p.01.05 abr.1991.

EMPRESÀRIOS do Reviver querem melhorias. O Imparcial. São Luis, p.11. 02 abr. 1991.

FARIAS, Cláudio. Reggae e Pré-conceito na Praia Grande. O Estado do Maranhão. São

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FURTADO, João Garcia. Atenas ou Jamaica. O Estado do Maranhão. São Luís, p.02. 16

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OPERAÇÃO desarmamento da PM gera tulmuto no Espaço Aberto. O Estado do

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NETO, Manoel Santos. Praia Grande, cidadela de cortiços. O Estado do Maranhão. São

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PITTY de Alcantâra faz hoje na Cooperativa. O Estado do Maranhão. São Luís, p.03. 18

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RAYOL, Ubirajara. De Atenas Brasileira a Jamaica Brasileira. O Estado do Maranhão. São

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REGGAE irrita povo da Praia Grande. O Imparcial. São Luís, p.08. 14 abr.1991.

REGGAE revive a Praia Grande. O Imparcial. Caderno Impar.p.01.06 abr.1991.

REGGAE “ressucita”. O Estado do Maranhão. São Luís, p.03. 18 abr.1991.

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TURISMO maranhense vai ser mostrado em São Paulo. O Imparcial. São Luís, p.09.10

abr.1991.

UMA nova era. O Imparcial. Suplemento Semanal, p.01. 28 a 04 abr. 1991.

ENTREVISTAS

FILHO, José de Ribamar Silva. Entrevista concedida a Feliphe Santos Soeiro. São Luís, 24

mai. 2016.

OLIVEIRA, José Jorge Alves de. Entrevista concedida a Feliphe Santos Soeiro. 14 jun.

2016.

PEREIRA, Raimundo Martins Costa. Entrevista concedida a Feliphe Santos Soeiro. 24

mai. 2016.

SAMPAIO, Ubiracy Lima. Entrevista concedida a Feliphe Santos Soeiro. 21 mai. 2016.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A- Roteiro de Entrevistas

Nome:

Idade:

Profissão:

Nome do estabelecimento:

1. Há quanto tempo seu estabelecimento está instalado na Praia Grande?

2. De que forma você pode perceber as mudanças da Praia Grande com o Projeto

Reviver?

3. Como era a Praia Grande antes do Projeto de Revitalização?

4. O movimento dos estabelecimentos melhorou?

5. Que tipo de público frequenta seu estabelecimento?

6. Que formas foram buscadas para a movimentação do seu estabelecimento a partir do

novo cenário da Praia Grande?

7. Existiu algum projeto do governo em relação ao incentivo dos estabelecimentos da

Praia Grande?

8. Sobre a criação de uma associação dos donos de bares da Praia Grande, qual era o

objetivo? Trouxe resultados?

9. De que forma as casa de reggae são vistas neste momento?

10. Em relação à casa de show Cooperativa Reggae criado na Praia Grande, trouxe algum

problema pra área?

11. Houve alguma polêmica entre a Associação dos donos de bares da Praia Grande e o

reggae? Em que essa briga consistia?

12. Existia preconceito e discriminação contra o reggae? Esses fatos são verídicos?

13. Como essa briga em torno da Cooperativa Reggae foi resolvida?