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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE Mestrado em Educação/Formação de Professores – MAE
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
Relatório Técnico da Pesquisa Integrada
PROFISSÃO PROFESSOR: POLÍTICAS E
MEMÓRIAS
Equipe de Pesquisadores:
Prof.ª Dr.ª Isabel Maria Sabino de Farias (Coordenadora) Prof.ª Dr.ª Ana Ignez Belém Lima Nunes (Vice-coordenadora)
Prof.ª Dr.ª Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque (Pesquisadora) Prof. Dr. Antônio Germano Magalhães Júnior (Pesquisador)
Prof. Ms. José Eudes Baima Bezerra (Pesquisador)
Fortaleza, CE 2007
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
PRIMEIRA PARTE 21 Registros da Memória da Profissão Docente no Ceará: notas sobre o aporte teórico e metodológico
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1.1 Os Registros da memória e a produção do conhecimento histórico –
explicitando interfaces 22
1.2 “O Fio de Ariádne” – as escolhas 26
1.2.1 O trabalho do professor pelo fio da profissionalização 26 1.2.2 A profissão professor pelo fio da política educacional 34 1.2.2.1 Estudar as ações humanas no tempo – a questão da periodização 39
1.3 Os Caminhos da pesquisa – os procedimentos 39
1.3.1 O discurso governamental sobre a profissão docente – contribuições da pesquisa documental
40
1.3.2 A política educacional nas idéias e práticas de educadores cearenses – possibilidades da história de vida temática
46
1.3.3 Tramas do cotidiano escolar na constituição da profissão docente no meio rural – múltiplas fontes para compreender o passado
51
SEGUNDA PARTE 59 Profissão Professor no Ceará (1930-1964): discursos e práticas pedagógicas 60
2.1 Profissão professor no Ceará (1930 a 1964): entre ditos e feitos 60
2.1.1 O cenário educacional entre 1930 e 1964 – situando o magistério 61
2.1.2 Escolarização e profissionalização docente – estabelecendo elos 68 - Constituição de um corpo docente – processo gradual e ambíguo 75 - Professores – valorização ou esquecimento? 84 - O perfil de formação do professor – problema recorrente 88 - As instituições formadoras de professor 90
2.2 A Docência no Ceará pelos percursos profissionais de seus professores 96
2.2.1 Professoras e professores cearenses – histórias que se entrecruzam 97 2.2.2 As trajetórias profissionais – cenas da docência no Ceará 101 2.2.3 Idéias e práticas pedagógicas nas trajetórias docentes – elementos de síntese
120
3
2.3 Formar professores ruralistas: contribuições da Escola Normal Rural de Juazeiro
do Norte 125
2.3.1 Discursos e acontecimentos constituidores da Escola 126
- O Plano de Estudo da ENRJN 134 - As condições iniciais de funcionamento 137 - A primeira turma 140
2.3.2 A proposta formativa – dos pressupostos às práticas pedagógicas 142
- O valor pedagógico das excursões 149 - As práticas agrícolas e a participação efetiva dos futuros mestres rurais 151 - Educar para a vida no lar 154 - Instituições auxiliares da educação na formação de professores 157 - Um jornal escolar na formação de professores ruralistas 163 - Hinos no fortalecimento do espírito nacionalista 169
CONSIDERAÇÕES FINAIS 172 Profissão professor no Ceará: o passado vive no presente? BIBLIOGRAFIA 177
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LISTA DE QUADROS
QUADRO I – Equipe de pesquisadores do PROPEM
QUADRO II – Bolsistas IC no período 07/2005 e 07/2007
QUADRO III – Apresentação de trabalhos completos em Eventos Científicos
QUADRO IV – Discurso governamental: fontes utilizadas
QUADRO V – Instrumental para identificação dos assuntos, por fonte
QUADRO VI – Instrumental utilizado na categorização, por fontes
QUADRO VII – Educadores cearenses pesquisados
QUADRO VIII – Documentos do acervo de D. Assunção Gonçalves
QUADRO IX – Informações sobre o conteúdo dos anexos dos Anais da Semana Ruralista de Juazeiro (1935)
QUADRO X – Informações sobre o conteúdo das palestras dos Anais da Semana Ruralista de Juazeiro (1935)
QUADRO XI – Jornal O Lavrador: distribuição por décadas
QUADRO XII – Alunos e professores da ENRJN entrevistados
QUADRO XIII – Categorias temáticas do estudo ENRJN
QUADRO XIV – Instrumental utilizado no mapeamento da literatura estudada
QUADRO XV – Instrumental utilizado no mapeamento do jornal O Lavrador
QUADRO XVI – Número de unidades escolares estaduais no Ceará
QUADRO XVII – Educadores entrevistados
QUADRO XVIII – Momentos que marcam a criação da ENRJN
QUADRO XIX – Disciplinas do Curso Complementar da ENRJN
QUADRO XX – Disciplinas do Curso Normal Rural da ENRJN
QUADRO XXI – 1934/1946: Quantitativo dos diplomados pela ENRJN
QUADRO XXII – Detalhamento do Regulamento da ENRJN (1934)
QUADRO XXIII – Excursões registradas pelo jornal O Lavrador (1934-1946)
QUADRO XXIV – Práticas agrícolas no jornal O Lavrador (1934/1946)
QUADRO XXV – Matérias sobre culinária, corte e costura no jornal O Lavrador (1934-1946)
QUADRO XXVI – Hinos registrados no jornal O Lavrador (1934-1946)
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
CED – Centro de Educação
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CF – Constituição Federal
EDUCAS – Educação, Cultura Escolar e Sociedade
FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IC – Iniciação Científica
IES – Instituição de Ensino Superior
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
NEED – Núcleo de Estudos, Documentação e Difusão em Educação
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PLAMEG I – Plano de Metas Governamentais
PROPEM – Profissão Professor Políticas e Memórias
SEDUC – Secretaria da Educação do Estado
UECE – Universidade Estadual do Ceará
UFC – Universidade Federal do Ceará
UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso
UNEB – Universidade Estadual da Bahia
UNIFOR – Universidade de Fortaleza
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFAL – Universidade Federal de Alagoas
UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.
UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos
UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UDN – União Democrática Nacional
PSD – Partido Social Democrata
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
MEB – Movimento de Educação de Base
CPCs – Centros de Cultura Popular
MCP – Movimentos de Cultura Popular
CADES – Campanha de Aperfeiçoamento Docente de Ensino Secundário
MEC/USAID – Ministério da Educação/ United States Agency for International
Development
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Mas vêm o tempo e a idéia de passado visitar-te na curva de jardim.
Vem a recordação, e te penetra dentro de um cinema, subitamente.
E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris; enroscam-se no sono e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.
E depois das memórias vem o tempo trazer novo sortimento de memórias,
até que fatigado, te recuses e não saibas se a vida é ou foi.
Carlos Drummond de Andrade
7
INTRODUÇÃO
Quando vou por um caminho, é por dois que eu vou: um é por onde me encaminho;
o outro, a verdade onde estou.
FERNANDO PESSOA
O ofício de professor é, provavelmente, um dos mais antigos da história da
humanidade1. De preceptores a mestres de primeiras letras chegamos ao século XXI sob
forte embate social em torno do seu reconhecimento como atividade especializada, que
exige conhecimentos específicos e formação. Este movimento instigou o desenvolvimento
de estudos de aspectos diversos e em diferentes lugares sobre o professor, visando à
explicitação do processo de constituição desse grupo ocupacional na sociedade. O interesse
dos pesquisadores envolvidos na pesquisa integrada Profissão Professor: políticas e memórias
(PROPEM) está nesse contexto.
Aprovada2 pelo Edital Universal 19/2004 do CNPq (Processo nº.
480307/2004-0), essa iniciativa ressaltou a profissão docente no Ceará no período de 1930
a 1964 ancorado em três ângulos de análise: a) o discurso governamental sobre a profissão
docente; b) as idéias e práticas de educadores locais e sua relação com as políticas
educacionais encaminhadas no período histórico abordado; c) a contribuição da Escola
Normal Rural de Juazeiro do Norte na construção de uma cultura profissional docente.
Cada um desses ângulos corresponde, respectivamente, a um estudo, a saber:
a) Estudo 1: A profissão docente no discurso governamental
1930/1964;
b) Estudo 2: A política educacional expressa nas idéias e práticas de
educadores cearenses;
1 Luzuriaga (1980, p. 15) em seu tratado sobre a História da Educação e da Pedagogia lembra que a Educação, como parte integrante e essencial da vida do homem, “existe desde quando há seres humanos sobre a terra”. Já Manacorda (2000, p. 10) vai encontrar em documentos do Antigo Egito indícios de uma escola organizada e destinada à formação para o trabalho agrícola ou artesanal. 2 O PROPEM recebeu R$ 16.300,00. Este montante, todavia, difere do valor solicitado que foi parcialmente aprovado “em face da alta e qualificada demanda da área” (Of. DPH – 01/2005). Em virtude dos ajustes feitos, o CNPq informou que os pesquisadores poderiam, “a seu critério, alterar a utilização original dos recursos em capital e custeio, sem necessidade prévia de autorização” (Of. Circ. PR nº. 0369/05). O Relatório Financeiro da prestação de contas detalha a aplicação do valor recebido.
8
c) Estudo 3: A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte - tramas do
cotidiano na construção da profissão docente no Ceará.
O relatório ora apresentado registra os resultados destas iniciativas executadas
durante 24 meses (07/2005 a 07/2007). O documento, além desta Introdução, está
organizado em duas partes, seguidas da seção das Considerações Finais. A primeira parte,
estruturada em três seções, traz o aporte teórico e metodológico sob o qual o tema
profissão professor foi analisado. A segunda apresenta os resultados da investigação com
base nos três ângulos acima mencionados, também composta por três seções. O texto
contém ainda anexos e apêndices, elementos considerados importantes para a compreensão
das reflexões aqui expostas.
A pesquisa Profissão Professor: políticas e memórias focalizou a atividade profissional
docente numa perspectiva histórica, tomando como referência as políticas educacionais
implementadas no contexto cearense durante o intervalo temporal anteriormente
assinalado. Partimos da compreensão de que a política educacional não é resultado somente
da ação estatal, mas também do papel exercido pelos demais sujeitos envolvidos em sua
concretização (comunidade escolar e sociedade civil). Nesse sentido, a problemática da
pesquisa centrou-se na forma e nos significados das políticas educacionais no que se refere
ao discurso governamental acerca da docência, ao sentido particular que tal discurso tomou
na prática de educadores que vivenciaram a época e ao lugar ocupado pela Escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte na produção de uma cultura profissional em relação à atividade
docente. Assim, o desenvolvimento da investigação foi norteado pelos seguintes objetivos
gerais:
a) oferecer subsídios para a compreensão da profissão docente como tema
de política educacional no Ceará;
b) contribuir para sustentabilidade das iniciativas de pesquisa desenvolvidas
no Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade3 (EDUCAS),
favorecendo o surgimento de outras oportunidades de investigação.
Ancorado nesses objetivos, foram definidos ainda objetivos específicos para
cada iniciativa:
3 Este grupo, criado no decurso da pesquisa Profissão Professor: políticas e memórias, abrigou, desde sua regularização junto à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UECE, os pesquisadores envolvidos nessa investigação. A criação do grupo de pesquisa EDUCAS é detalhado mais adiante neste texto.
9
a) Estudo 1: A profissão docente no discurso governamental
1930/1964 – mapear o que explicitam os documentos oficiais sobre a
profissão professor no período de 1930 a 1964, no Ceará; estabelecer um
paralelo entre as orientações expressas e as ações efetivadas pelo Poder
Público no período.
b) Estudo 2: A política educacional expressa nas idéias e práticas de
educadores cearenses – caracterizar as idéias e práticas de educadores
locais que marcaram o cenário educacional cearense a partir dos anos
1930; examinar a relação entre o pensamento pedagógico desses
professores e as políticas educacionais encaminhadas no momento
histórico em que viveram.
c) Estudo 3: A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte - tramas do
cotidiano na construção da profissão docente no Ceará - historiar o
surgimento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte; compreender
os acontecimentos que marcaram o cotidiano da Escola Normal Rural de
Juazeiro do Norte com suporte nas narrativas dos sujeitos que
participaram desta trama; analisar a contribuição da Escola Normal Rural
de Juazeiro do Norte na elaboração de uma cultura profissional em
relação à atividade docente.
O foco na profissão professor como tema de política educacional assegurou
unidade ao trabalho dos pesquisadores e bolsistas concernidos em cada um dos três
estudos que integraram o PROPEM. Esta equipe de trabalho foi constituída de cinco
professores, conforme mostra o Quadro I:
Quadro I
Equipe de Pesquisadores do PROPEM
Professor Titulação Ana Ignez Belém Lima Nunes Doutora
Antonio Germano Magalhães Júnior Doutor Isabel Maria Sabino de Farias Doutora José Eudes Baima Bezerra Mestre4
Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque Doutora Fonte: dados da pesquisa.
4 O professor é doutorando em educação na Universidade Federal do Ceará (UFC).
10
O PROPEM favoreceu situações e espaços de interação e trocas extremamente
produtivos para este grupo de pesquisadores, valorizando o investimento5 que estes vinham
realizando desde o final dos anos 1990 no fomento da cultura6 de pesquisa em educação na
UECE. O desenvolvimento dessa iniciativa ensejou a vários alunos do Curso de
Licenciatura em Pedagogia do CED/UECE a vivência teórico-prática da pesquisa em
educação, fundamental à formação do pedagogo. Este espaço de aprendizagem permitiu
tornar concreto para esses futuros professores o princípio da indissociabilidade entre a
formação para a docência, a gestão educacional e a produção de conhecimentos,
perspectiva assinalada pelas diretrizes curriculares da Pedagogia7. No Quadro II,
encontram-se os bolsistas de iniciação científica (CNPq e FUNCAP) que participaram das
atividades de pesquisa do PROPEM no decorrer de sua vigência:
Quadro II
Bolsistas IC no período 07/2005 a 07/2007
Bolsista Órgão de Fomento
Orientador
Karen Cristina V. de Aguiar CNPq Dra. Ana Ignez Belém L. Nunes Clarice Santiago Silveira CNPq Dr. Antonio Germano M. Júnior Mirelle Araújo da Silva CNPq Dra. Isabel M. Sabino de Farias
Janaína Alves de Andrade CNPq Dra. Maria Gláucia M. T. Albuquerque Delane Lima Nogueira FUNCAP Dra. Isabel M. Sabino de Farias Maria Isabele P. Gurgel FUNCAP Dra. Ana Ignez Belém L. Nunes Marina A. M. Barbosa FUNCAP Dr. Antonio Germano M. Júnior
Armênya Paulino da Costa PROVIC Dr. Antonio Germano M. Júnior Homero Ribeiro P. Neto FUNCAP Dra. Isabel M. Sabino de Farias Solange Maria S. Castro FUNCAP Dra. Isabel M. Sabino de Farias Valdeney Lima da Costa FUNCAP Ms. José Eudes Baima Bezerra Ariadne C. V. Conceição FUNCAP Dra. Maria Gláucia M. T. Albuquerque Maria Isa Gurgel Maciel FUNCAP Dra. Maria Gláucia M. T. Albuquerque Ana Paula R. de Moraes UECE Dra. Ana Ignez Belém L. Nunes
Fonte: dados da pesquisa.
5 O desenvolvimento de pesquisas na área (FARIAS, 1997, 2002; ALBUQUERQUE, 1997, 2005; BEZERRA, 1996; MAGALHÃES JUNIOR, 1998, 2003; LIMA, 1995, 2004), bem como a contínua participação em Programas de Iniciação Científica nesta IES (FARIAS, 1998 a 2007; ALBUQUERQUE, 2003 a 2007; BEZERRA, 2003 a 2004; 2006 a 2007; LIMA NUNES, 2004 a 2007; MAGALHÃES JUNIOR, 2002 a 2007) expressam o investimento desses professores. 6 O fomento à pesquisa em educação e seu impulso nesta IES estão registrados no livro Pesquisa em Educação na UECE: um caminho em construção. Segundo alguns dos autores, “Nos últimos anos temos assistidos a uma mudança substancial de mentalidade na pesquisa desenvolvida dentro da UECE: os pesquisadores têm saído do isolamento e estão, gradativamente, se congregando em torno de grupos de pesquisa. [...] Para se ter uma idéia do que isso tem significado em termos de crescimento na pesquisa educacional na UECE, tomando dados do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, passamos de nenhum grupo de pesquisa cadastrado em 1997 para quatro grupos em atividade no ano de 2000 [...]” (CAVALCANTE, NUNES e FARIAS, 2002, p. 7). 7 De acordo com a Resolução nº. 01/2006 do Conselho Nacional de Educação o “curso de Pedagogia oferecerá formação para o exercício integrado e indissociável da docência, da gestão dos processos educativos escolares e não-escolares, da produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional” (p. 10).
11
A formação em pesquisa desses 14 graduandos fomentou o interesse pela
investigação científica e pelo tema da política educacional, em particular, por questões
relacionadas à formação de professores e à história da educação cearense. A produção de
monografias de conclusão do Curso de Pedagogia é expressiva dessa contribuição. Este é o
caso dos trabalhos de:
1) Delane Lima Nogueira, monografia orientada pela Prof.ª Dr.ª Isabel
Maria Sabino de Farias, intitulada A Profissão Professor no Ceará dos anos
1930 (apresentada em 07/2005).
2) Mirelle Araújo da Silva, monografia orientada pela Prof.ª Dr.ª Isabel
Maria Sabino de Farias, intitulada O Pensamento Pedagógico da Escola Nova
na Proposta de Formação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte
(apresentada em 01/2007).
3) Solange Maria Santos Castro, monografia orientada pela Prof.ª Dr.ª
Isabel Maria. Sabino de Farias, intitulada Profissão Professor no Ceará 1964-
1985: percursos ambíguos da docência (apresentada em 05/2007).
4) Ariádine Custódio Vieira Conceição, monografia orientada pela profa.
Dra. Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque, intitulada A Carreira
Docente (1930/1964): o que dizem os documentos oficiais? (apresentada em
05/2007).
5) Karen Cristina V. de Aguiar, monografia orientada pela Prof.ª Dr.ª Ana
Ignez Belém L. Nunes, intitulada A história de vida evidenciada nas idéias de
educadores do ensino fundamental no município de Fortaleza (em andamento,
com apresentação prevista para 10/2007).
6) Maria Isabele P. Gurgel, monografia orientada pela Prof.ª Dr.ª Ana
Ignez Belém L. Nunes, intitulada A história de vida na construção da
identidade do professor (em andamento, com apresentação prevista para
03/2008).
Um desdobramento que merece registro diz respeito à continuidade de estudos
que a inserção na pesquisa Profissão Professor: políticas e memórias possibilitou. Este é o caso de
Mirelle Araújo da Silva, aprovada no Mestrado em Educação Brasileira do Programa de
12
Pós-Graduação da UFC (na linha de pesquisa “História e Memória”) com a proposta
Lembranças e Esquecimentos nas Práticas Pedagógicas do Professor Ruralista: a análise dos documentos
escolares de Maria Assunção Gonçalves.
Outro elemento que evidencia a efetividade da pesquisa, bem como o
engajamento dos pesquisadores e bolsistas na sua realização, encontra-se na participação
em eventos científicos, com apresentação e publicação de trabalhos. O Quadro III, traz a
participação dos bolsistas nesses momentos de formação extracurricular, com apresentação
de trabalhos completos:
Quadro III
Apresentação de trabalhos completos em eventos científicos
Evento Identificação Evento
Título
Autores
Encontro Regional sobre Formação e Práticas Docentes
(UECE)
Regional
Formação de Professores (as) Ruralistas no Ceará: percursos e primeiros achados da investigação
Mirelle Araújo da Silva; Isabel Ma. S. de Farias
Formar o professor ruralista: concepção e prática de uma
experiência
Mirelle Araújo da Silva; Isabel Ma. S. de Farias
VIII Encontro de Pesquisa em
Educação da Região Centro-Oeste (UFMT). 2006,
Cuiabá.
Nacional Qualis B A Profissão Professor no Ceará dos
Anos 1930/ Delane Lima Nogueira; Isabel Ma. S. de Farias
Narrativas e Práticas sobre o Ofício de Professor / Formação de
Professores Ruralistas: contribuições de Amália Xavier de Oliveira
Delane Lima Nogueira; Isabel Ma. S. de Farias
II Congresso
Internacional sobre Pesquisa (Auto)
biográfica (UNEB). 2006, Salvador.
Interna-cional Uma análise do Pensamento
Pedagógico da primeira Escola Normal Rural do Brasil
Mirelle Araújo da Silva; Isabel Ma. S. de Farias
IV Seminário Regional de Política e Administração da Educação (UFRN).
2006, Natal.
Regional
Formação de Professores Ruralistas do Ceará: a experiência de uma escola
pioneira
Mirelle Araújo da Silva
Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte: analisando seu pensamento
pedagógico
Mirelle Araújo da Silva; Isabel Ma. S. de Farias
I Encontro Norte e Nordeste de
Historiadores da Educação/V
Encontro Cearense de Historiadores da Educação (UFC).
2006, Guaramiranga.
Regional
Magistério nos Anos de 1930 - uma análise documental
Delane Lima Nogueira; Isabel Ma. S. de Farias
Ruralismo Pedagógico e formação de
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professores ruralistas no Ceará – Buscando compreender os acontecimentos históricos
Mirelle Araújo da Silva; Isabel Ma. S. de Farias
O ofício de professor no Ceará (1930/1964): uma análise preliminar da documentação governamental
Janaína A. de Andrade, Valdeney L. da Costa, José Eudes B. Bezerra
VI Encontro de Historiadores Cearenses de Educação/ I Colóquio
Internacional de História e Memória da Educação no
Ceará (UFC). 2007, Aracati.
Interna-cional
A Carreira Docente Expressa nos Documentos Governamentais (1930-
1964)
Ma. Gláucia M. T. Albuquerque, Ma. Isa Gurgel Maciel, Ariádine C. Vieira Conceição
A Formação do Professor Ruralista no Ceará - Traços do Escolanovismo
(1934-1945)
Mirelle Araújo da Silva; Antonio Germano M.
Junior Ser professor – Labirintos da trajetória profissional e pessoal
Ana Ignez B. L. Nunes, Isabel Ma. S. de Farias
Discurso Governamental e Profissão Docente: Aprendendo Significados
Ma. Gláucia M. T. Albuquerque, Isabel Ma. S. de Farias, José Eudes
B. Bezerra
18º Encontro de Pesquisa em
Educação do Norte e Nordeste (UFAL). 2007, Maceió-AL.
Nacional Qualis B
O jornal escolar no cotidiano da formação de professores ruralistas:
usos e significados
Isabel M. S. de Farias, Antonio Germano M.
Junior Fonte: dados da pesquisa.
Os bolsistas estiveram presentes ainda em eventos locais e regionais,
divulgando os resultados dos estudos sobre a profissão professor no Ceará por meio de 41
resumos. Em boa parte dessas produções bibliográficas os pesquisadores compartilharam a
autoria com seus orientandos. Este exercício ensejou a colaboração entre professores e
estudantes na análise de dados e produção textual, fortalecendo tanto a prática da
orientação quanto o entrosamento entre os pesquisadores.
Além dos eventos descritos anteriormente, os pesquisadores envolvidos no
PROPEM participaram dos seguintes espaços acadêmicos de socialização de resultados de
investigação no campo educacional:
1) IV Congresso Brasileiro de História da Educação, realizado na
Universidade Católica de Goiás, em Goiânia, no período de 05 a
08/11/2006. Autores: Antonio Germano Magalhães Junior; Isabel Maria
Sabino de Farias. Título: Ruralismo e Práticas Formativas no Cotidiano da
Primeira Escola Normal Rural do Brasil (Mesa Redonda – trabalho
completo).
2) 18º Encontro de Pesquisa em Educação do Norte e Nordeste,
realizado em Maceió, Alagoas, no período de 01 a 04/07/2007.
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• Autores: Ana Ignez Belém Lima Nunes; Isabel Maria Sabino de
Farias. Título: Ser Professor - labirintos da trajetória profissional e pessoal
(trabalho completo).
• Autores: Isabel Maria Sabino de Farias; Maria Gláucia Menezes
Teixeira Albuquerque; José Eudes Baima Bezerra. Título: Discurso
Governamental e Profissão Docente: apreendendo significados (trabalho completo).
• Autores: Antonio Germano Magalhães Junior; Isabel Maria Sabino de
Farias. Título: O Jornal Escolar no Cotidiano da Formação de Professores
Ruralistas: usos e significados.
Some-se a esta produção bibliográfica a publicação dos textos:
a) FARIAS. I.M.S; NUNES, A.I.B.L. Ofício de professor: trajetórias, idéias
e práticas. In: Revista da Educação Pública. Cuiabá: EdUFMT, 2006, v. 15, nº.
28, p 69-84. (Periódico QUALIS B).
b) MAGALHÃES JUNIOR, A. G.; FARIAS, I. M. S. Memórias e
Cotidiano: os escritos de Amália Xavier de Oliveira sobre a escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte (1934-1946). In: VASCONCELOS, José
Gerardo; NASCIMENTO, Jorge Carvalho (org.). História da Educação no
Nordeste Brasileiro. Fortaleza: Edições UFC, 2006, p. 77-90.
Outros desdobramentos estão em perspectiva. É o caso da publicação
Ruralismo, Memórias e Práticas Educativas no Cotidiano da Primeira Escola Normal Rural do Brasil: a
Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte – Ce (1934 – 1946), capítulo que integra o livro
Educação Rural em perspectiva internacional: instituições, práticas e formação do
professor8 (no prelo – Editora UNIJUÍ), organizado pela Prof.ª Dr.ª Flávia Werle Obino
(UNISINOS).
8 A obra está estrutura em três partes. O artigo de autoria da Prof.ª Dr.ª Isabel Maria Sabino de Farias e Prof. Dr. Antônio Germano Magalhães Junior encontra-se na primeira parte desse livro. Constam ainda os seguintes trabalhos: MONARCHA, Carlos. (UNESP/Araraquara) – Cânon da reflexão ruralista no Brasil: Sud Mennucci; MIGUEL, Maria Elizabeth Blanck (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) – As escolas rurais e a formação de professores: a experiência do Paraná (1946-1961); PEIXOTO, Ana Maria Casasanta; Therezinha Andrade (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) – Formando professores dignos de nossas escolas rurais: a experiência de Helena Antipoff na Fazenda do Rosário, em Minas Gerais (1949- 1971); ZART, Paulo Afonso. (Universidade de Ijuí) – Entre a tradição e a inovação: as primeiras instituições de ensino e tecnologia para o campo no Rio Grande do Sul; WERLE, Flávia Obino Corrêa. (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) – Escolas
15
Consorciado ao esforço de formação em pesquisa na graduação, o PROPEM
contribuiu no fortalecimento das linhas de pesquisa do Mestrado Acadêmico em Educação
da UECE, cuja área de concentração é a formação de professores, ao propiciar condições e
oportunidades aos seus docentes9 para a efetiva prática da investigação científica. O
desenvolvimento da pesquisa Amália Xavier de Oliveira: saberes e experiências de uma educadora
ruralista, por Delane Lima Nogueira, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Isabel Maria Sabino de
Farias, constitui evidência nessa direção. Ademais, a realização de estudos sistemáticos e
aprofundados acerca da educação, especialmente da educação cearense, produção basilar
no delineamento de políticas educacionais voltadas para a melhoria da prática pedagógica
escolar e para a valorização da profissão professor, constitui outra contribuição significativa
dessa iniciativa de pesquisa.
Ao lado da produção bibliográfica e do fortalecimento do Mestrado em
Educação da UECE, a sistematização de um conjunto de informações sobre a profissão
professor no contexto local em Banco de Dados, bem como sua socialização on line,
apresentam-se como evidências concretas da efetividade da pesquisa desenvolvida e de seu
êxito. As fontes utilizadas, material que abrange desde entrevistas, documentos impressos
diversos e imagens, foram digitalizadas, identificadas e organizadas, gerando os seguintes
produtos arquivados em mídia eletrônica:
• Banco de Dados A Profissão Docente no Discurso Governamental
(1930-1964) – Detalhamento das Fontes. Neste volume, encontra-se o
detalhamento do conteúdo dos documentos oficiais sobre a profissão
docente, mais precisamente da legislação educacional cearense no
período de 1930/1964 (constituições, leis e decretos), das Mensagens
Governamentais e o Relatório de Atividades do Governo (1931 a 1934).
O material analisado totaliza 62 documentos coletados no Acervo
Público do Ceará (Relatório de Atividades), Biblioteca Pública Menezes
Pimentel (Leis e Decretos) e no Núcleo de Estudos, Documentação e
Difusão em Educação (NEED) da UECE/CED, apresentando-se como
preciosas fontes para a história da educação cearense.
Normais Rurais no RGS: História institucional de estabelecimentos de formação de professores; THUM, Carmo (Universidade Federal de Pelotas); MARTINSON, Célia Carmem (Universidade de Santa Cruz); TRINCHÃO, Gláucia (Universidade Estadual de Feira de Santana) – Ex-alunos de Escolas Normais Rurais: sentidos e apropriações; WESCHENFELDER, Noeli Valentina (Universidade de Ijuí) – A docência e as instituições escolares: pautas das políticas culturais para educação rural. 9 Dos seis docentes que integram a equipe do PROPEM, quatro são vinculados ao curso de pós-graduação stricto sensu citado.
16
• Banco de Dados Trajetórias Profissionais de Educadores
Cearenses. Este banco traz as imagens e entrevistas de 7 educadores
cearenses sobre as idéias e práticas que marcaram suas trajetórias
profissionais. Os educadores entrevistados exerceram o magistério em
diferentes momentos no período de 1930 a 1964. Suas histórias
permitiram a explicitação de aspectos não abordados na documentação
oficial sobre a profissão professor no contexto educativo local e,
sobretudo, da construção da identidade docente.
• Banco de Dados Cenas do Cotidiano Escolar Rural. Contém
imagens de 48 fotos e 10 entrevistas de alunos e professores da Escola
Normal Rural de Juazeiro do Norte. As fotos foram scanneadas durante
visita de campo realizada a Juazeiro do Norte em 2005, bem como o foi
a coleta dos relatos dos professores e alunos. As fotografias, cedidas por
Maria Assunção Gonçalves, aluna da 2ª turma da Escola Normal Rural
de Juazeiro do Norte, retratam o cotidiano desta instituição pioneira na
formação docente para o meio rural. Este artefato permite compreender
alguns aspectos das práticas pedagógicas realizadas nesta Escola. Os
relatos registrados, outra importante fonte de conhecimento, favorecem
a compreensão acerca dos acontecimentos que marcaram o cotidiano
desta instituição de formação docente a partir das narrativas dos atores
que dela participaram.
Além desses materiais, foram reproduzidos e arquivados em CD ROM o
jornal O Lavrador e os Anais da Semana Ruralista de Juazeiro do Norte, evento
ocorrido em 1935. A reprodução do jornal O Lavrador foi organizada em volumes que
trazem os 112 exemplares desse impresso escolar, precedidos por uma nota explicativa e
um sumário relacionando todas as edições. No primeiro volume, constam as imagens em
Arquivo PDF, tratamento que visou a facilitar a leitura desse jornal mediante sua impressão
em preto-e-branco. O segundo volume contém as imagens que foram scanneadas e
permitem visualizar o periódico em sua configuração original. O sumário indica o ano de
publicação, o número do exemplar, a data da circulação, a manchete da matéria principal e
observações (tais como, ausência de exemplares e jornais incompletos).
17
O CD ROM Anais da Semana Ruralista de Juazeiro do Norte (1935)
contém as imagens dos Anais desse evento que foram scanneadas e permite visualizar esta
fonte em seu estado original e em preto-e-branco (Arquivo PDF). Este documento é
composto por 12 palestras e anexos (telegramas, decretos, relatórios, entre outros). A
Semana Ruralista de Juazeiro do Norte foi instalada no dia 22 de junho de 1935 e seu
acontecimento foi registrado pela publicação em anais no ano de 1938. O propósito desse
empreendimento foi possibilitar discussões e palestras sobre os assuntos pertinentes à vida
do homem do campo.
Esses materiais serão disponibilizados para o público em geral na página
eletrônica do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (www.educas.br). A
criação deste grupo constitui outro desdobramento dos estudos concernentes ao
PROPEM, espaço que marca a consolidação do trabalho de pesquisa da equipe de
professores envolvidos nessa iniciativa.
O EDUCAS teve seu cadastro regularizado junto ao CNPq pela Pró-Reitoria
de Pós-Graduação e Pesquisa da UECE, em 15 de dezembro de 2006 (status: Certificado
pela Instituição). Os recursos provenientes do CNPq asseguraram a estruturação do seu
espaço físico (uma sala com ar-condicionado e acesso a internet) e de sua infra-estrutura (1
mesa, 10 cadeiras, 3 computadores, uma impressora laser, 2 armários pequenos, 1 armário
de aço, flanelógrafo e quadro branco). Este grupo tem como eixo de análise o processo
educacional escolar em sua dimensão macro e micro, considerando a perspectiva dos
sujeitos envolvidos e os aspectos históricos, culturais e políticos em que se delineia.
Considerando este foco, abrange três linhas de investigação, a saber: a) Política,
Planejamento e Gestão da Educação; b) Profissão Docente, Cultura Escolar e
Aprendizagem; c) História da Educação e Cultura Escolar10.
A página eletrônica do EDUCAS encontra-se em elaboração por meio de
parceria com a Masávio Multimídia, especializada na produção de sites para internet e
desenvolvimento de ferramentas web11. Sua estrutura contempla cinco seções: em Quem
10 A primeira linha estuda a política e a gestão educacional desde a reestruturação do Estado e seus desdobramentos no projeto educativo em curso, percebendo as relações/articulações entre sistema e escola. A segunda investiga as idéias, valores, crenças e práticas da escola e dos sujeitos que a integram, destacando o docente em seu desenvolvimento profissional e pessoal, bem como os processos de aprendizagem ocorrentes no cenário escolar sob a perspectiva sócio-histórica e cultural. Por sua vez, a terceira linha centra sua atenção na história da educação no Brasil e no Ceará a partir de sua relação com a cultura nacional, buscando compreender a constituição dos modelos educacionais implantados no País, as práticas das instituições escolares e seus sentidos histórico-culturais no desenvolvimento da profissão docente. 11 Mais informações sobre a empresa Masávio Multimídia acessar: www.masavio.com.br/.
18
somos? encontra-se a identificação do grupo e são apresentados o foco de investigação desta
equipe, os objetivos, as linhas de pesquisa e os seus integrantes; a Agenda registra eventos e
notícias do grupo; em Produções do Grupo serão disponibilizadas (em PDF) produções
bibliográficas resultantes das iniciativas de pesquisa, como artigos, resumos, capítulos de
livro e resenhas de livros publicados por seus pesquisadores; em Pesquisas, registram-se
tanto as iniciativas concluídas (resumo, projeto e relatório final) quanto aquelas em
andamento (resumo e projeto); em Bancos de Dados, serão alocados conjuntos de
informações temáticas sistematizadas com suporte nas investigações realizadas pelo grupo.
É nesta seção que serão disponibilizados os bancos de dados anteriormente mencionados.
A socialização de informações, cujo acesso, via de regra, é restrito ao público
em geral, apresenta-se como contribuição relevante, sobretudo para graduandos, pós-
graduandos e demais interessados em saber mais sobre a educação cearense, em especial,
acerca da profissão professor no cenário local. São registros de uma memória coletiva
(cearense) presentes em fontes de naturezas diversas que trazem tanto o discurso do Poder
Público (documentos oficiais) quanto o ponto de vista de pessoas comuns (memória
individual), os quais revelam outros ângulos dos modos de produção social de um ofício
milenar, mas que muito ainda precisa dizer de si.
O “mapa das coisas” realizadas pela pesquisa Profissão Professor: políticas e
memórias, a partir do apoio institucional e financeiro do CNPq, ratifica a pertinência da
concessão desse auxílio. A este órgão de fomento se destinam os nossos mais sinceros
agradecimentos. Ainda no plano institucional, destacamos o apoio da FUNCAP, da UECE
e do próprio CNPq, os quais, durante a vigência da iniciativa, asseguraram, em conjunto,
um volume significativo de bolsas de iniciação científica, suporte indispensável ao trabalho
desenvolvido. Ao Centro de Educação da UECE, pelo subsídio na manutenção diária das
condições para seguirmos adiante, o nosso reconhecimento.
São inúmeras as pessoas que merecem nosso reconhecimento nessa
caminhada. A esses colaboradores anônimos, mas decisivos, nosso caloroso muito
obrigado. De modo particular, fazemos alguns registros. Para tanto, recorremos à lição que
nos ensina Nóvoa (1992), ao destacar que a profissão professor “precisa de se dizer e de se
contar” para que se possa compreendê-la em “toda a sua complexidade humana e
científica”. A importância e a necessidade dessa atitude ético-profissional e política está
manifesta no aceite das professoras e dos professores que participaram da pesquisa,
19
compartilhando e, principalmente, tornando públicas suas histórias, desencantos, lutas e
vitórias. A eles, por suas valiosas contribuições, somos gratos.
O fato de enveredar pelas políticas e memórias da profissão professor numa
perspectiva histórica foi também possibilitado pela generosidade de pessoas como o Prof.
Dr. Antônio Renato Soares de Casimiro e professora Maria Assunção Gonçalves. Esta
senhora de 91 anos, aluna da 2ª turma da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, é
dona de inestimáveis documentos que ‘contam’ e ‘dizem’ de cenas que marcaram o
cotidiano desta iniciativa. Seus baús de memória12 guardam preciosidades, alguns deles
cedidos para reprodução, possibilitando o desvelamento de minúcias até então de fórum
restrito. Pelo gesto e pela confiança, nossas considerações.
Aluno da Escola entre os anos de 1957 a 1960, admirador e colecionador
entusiasmado das “coisas” dessa instituição pioneira no Brasil na formação de professores
para o meio rural, o Prof. Dr. Renato Casimiro, da Universidade Federal do Ceará –
Departamento de Engenharia de Alimentos, foi outro importante colaborador, permitindo
que reproduzíssemos os 112 exemplares do jornal O Lavrador. Este impresso escolar,
produzido por alunos e professores desse estabelecimento, circulou entre 1934 e 1974. Por
tamanha generosidade, expressiva da compreensão de que o trabalho educativo
concretizado pela Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte deve transcender a esfera do
privado, nosso profundo respeito e gratidão.
A prática da pesquisa, por conseguinte, a produção de conhecimento, função
primordial da Universidade, exige condições adequadas de trabalho. No desenvolvimento
de atividades de estudo, preparação de materiais, organização e análise de dados, entre
tantas outras tarefas cotidianas do labor científico-acadêmico, ter um espaço físico
apropriado é vital para o êxito tanto do trabalho investigativo em si, quanto da formação
em pesquisa. O EDUCAS dispõe desse espaço, em parte, graças à compreensão da
relevância do nosso trabalho pelo Prof. Dr. Raimundo Santiago dos Santos, atualmente
Pró-Reitor de Extensão da UECE, a quem sinceramente agradecemos.
A pesquisa integrada Profissão Professor: políticas e memórias foi, desde sua
formulação, um trabalho construído a muitas mãos. Nessa trajetória, a presença e a
12 Ao nos referirmos aos baús de memória, nos reportamos, de um lado, a fontes como fotos, cadernos, boletins, álbuns, fardas, cartas, ofícios, enfim, documentos com forma física; de outro, às lembranças alegres e/ou tristes, aos discursos elaborados com base em recordações e/ou esquecimentos.
20
colaboração de nossos queridos bolsistas de iniciação científica foi fundamental, a quem
muito agradecemos.
A TODOS os que acreditaram, nosso muito obrigado!
Pesquisadores do EDUCAS.
Fortaleza, 11 de setembro de 2007.
21
PRIMEIRA PARTE
Registros da Memória da Profissão Docente no Ceará:
notas sobre o aporte teórico e metodológico
22
Registros da Memória da Profissão Docente no Ceará: notas sobre o aporte teórico e metodológico
Só a história nos diz o que o homem é. É inútil, como fazem alguns, desprender-se de todo o passado para recomeçar a vida [...] Não é possível desprender-se do que foi [...] A melodia de nossa vida traz o
acompanhamento do passado.
W. DILTHEY
Nomear, como qualquer ato humano, é uma ação carregada de
intencionalidade. Quando atribuímos nomes às coisas, queremos dizer algo sobre elas,
estamos lhes conferindo significados. Com o título que nomeia a primeira parte deste
relatório não é diferente.
Por que “registros da memória da profissão docente no Ceará”, considerando
o propósito de investigar esta atividade laboral numa perspectiva histórica? A denominação
está diretamente vinculada à visão de história e ao modo de produção de conhecimento
nesta área que norteou a realização da pesquisa integrada Profissão Professor: políticas e
memórias, como se procura explicitar a seguir.
1.1 Os registros da memória e a produção do conhecimento histórico – explicitando interfaces
Entendendo que o estudo das ações humanas no tempo “não é privilégio do
historiador” (ALVES, 2001), uma preocupação inicial consistiu na compreensão do
conceito de história e de história da educação, mais precisamente, “o que” as constitui
como campo de investigação científica. Tal ênfase tinha como substrato o caráter
multidisciplinar da equipe de pesquisa13, bem como a recusa à interpretação positivista,
centrada na busca da objetividade, na qual a história se define pela descoberta do fato
histórico (REIS, 1996). Por onde andar visando à produção de uma interpretação do ofício
de professor transpondo a mera constatação e do ordenamento cronológico dos fatos a
partir das fontes utilizadas?
13 A equipe de trabalho do PROPEM é formada por uma pedagoga, uma socióloga, uma psicóloga, um licenciado em Letras e um historiador, além dos 11 bolsistas de iniciação à pesquisa, todos do curso de Pedagogia.
23
No escrutínio dessas inquietações, as formulações de Jacques Le Goff (1996),
Paul Thompson (1998), Clarice Nunes (1997), José Carlos Reis (1996), Cláudia Alves
(2001) e Heloisa Villela (2005) emergiram como esteio.
Para Le Goff (1996, p. 26), o passado constitui o objeto de estudo da história,
por ele definida como “ciência da explicação da mudança” (IBIDEM, p. 15). O ato de
historiar nessa perspectiva, ao se afastar da produção de narrativas apologéticas sobre
‘grandes homens’ e seus ‘feitos’, busca “compreender o sentido do movimento que define
as mudanças e permanências dos processos sociais” (VILLELA, 2005, p. 77). Aos dilemas
do presente, o passado se apresenta como um “território de diálogo” e de explicitação de
significados. Tal entendimento situa a relação entre passado e presente14 como alvo central
do trabalho investigativo nesse campo, ou seja, razões do presente apontam problemas
históricos a pesquisar. Esta acepção é decorrente de alterações substantivas nos
pressupostos da pesquisa historiográfica, entre eles a idéia de que “toda fonte histórica
derivada da percepção humana é subjetiva” (THOMPSON, 1998, p. 197).
O reconhecimento dessa dimensão das fontes históricas, matéria-prima do ato
de historiar, propiciou, juntamente com outros fatores, ampla revisão da idéia de
documento15, não mais percebido como material bruto, objetivo e inocente. Nesta
concepção, cara às posições cientificistas, o documento se confunde com o texto16,
impondo-se por si mesmo como prova histórica de um acontecimento. A idéia do
documento como monumento17 (LE GOFF, 1996) a ela se contrapõe, ao ressaltar que toda
fonte histórica “exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro”
(IBIDEM, p. 10). Como produto de uma sociedade, o documento manifesta o jogo de
força dos que detêm o poder. Não são, portanto, produções isentas, ingênuas; traduzem
14 Thompson (1998, p. 193), ao discutir as possibilidades de recuperação da memória e as várias posições céticas a esse respeito, recorre às palavras de Vansina para indagar: “se nada do passado fosse deixado, onde a imaginação social encontraria a substância a partir da qual inventar? Como se explicam as continuidades culturais?”. Em seguida traz outro argumento contundente, em que explicita a relação passado-presente na história oral: “Sim, as tradições orais são documentos do presente, porque são narradas no presente. Contudo, trazem também em si, ao mesmo tempo, uma mensagem do passado. Não se pode negar que haja nelas quer o presente, quer o passado. [...] As tradições devem ser sempre compreendidas como refletindo simultaneamente o passado e o presente” (IBIDEM, p. 194). 15 Documentum é um termo latino derivado de docere, que significa ensinar. Esta noção assume, posteriormente, a conotação de “prova”, largamente empregada no “vocabulário legislativo. É no século XVII que se difunde, na linguagem jurídica francesa, a expressão titres et documents” enquanto o “sentido moderno de testemunho histórico data apenas do início do século XIX” (LE GOFF, 1996, p. 536). 16 Esta interpretação, para Le Goff (1996, p. 537), manifesta o “triunfo do documento sobre o monumento” na historiografia positivista. 17 Monumentum, palavra latina cuja “raiz indo-européia men” expressa “uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini)” (LE GOFF, 1996, p. 535). Está associada a significados como ‘fazer recordar’, de onde ‘avisar’, ‘iluminar’ e ‘instruir’, ambos relacionados ao verbo monere (IBIDEM).
24
leituras e modos de interpretação do vivido por um determinado grupo de pessoas em um
dado tempo e espaço. Considerar este caráter dos documentos históricos reclama a
explicitação dos contextos e estatutos que deram suporte à sua elaboração e conservação,
apresentando-se como desafio tanto à sua compreensão como monumento quanto à
produção de uma narrativa histórica que propicie a reconstituição do fato em uma
perspectiva problematizadora.
Embora a noção de monumento traga a conotação de “sinal do passado”, vale
ressaltar que a evocação da idéia de conservação e de perpertuação da memória somente
“numa parcela mínima” refere-se a “testemunhos escritos” (IBIDEM, p. 536). O
documento como monumento18 abrange desde fontes escritas, ilustradas, sons, imagens,
enfim, artefatos diversos e múltiplos que expressem vestígios da cultura material e
simbólica produzidos em um determinado tempo “pelo” e “sobre” os homens e a
sociedade em que viveram. A história pode e deve fazer-se ultrapassando o documento
escrito, recorrendo fundamentalmente a “tudo o que, pertencendo ao homem, depende do
homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e
as maneiras de ser do homem” (FEBVRE apud LE GOFF, 1996, p. 540).
O reconhecimento dessa dimensão do documento e das informações nele
contido está consorciado à noção de que o “fato não é em história a base essencial de
objetividade”, isto porque “os fatos históricos são fabricados e não dados” (LE GOFF,
1996, p. 26). A objetividade do ato interpretativo em história, nesse sentido, está longe de
sua redução aos fatos, manifesto geralmente na mera descrição, apresentação de
curiosidades e ou peculiaridades das ações humanas no tempo. Ao contrário, requer uma
história-problema que reconstitua as ações vividas arrimado nas relações e “estatutos de
verdade” que a produziram.
Estes e outros pressupostos estabeleceram espaços de aproximação
importantes com as Ciências Humanas. Reportando-se a este processo, apresentado como
fruto do refutamento do desiderato de encontrar uma verdade histórica única, Alves (2001,
p. 20) destaca que atualmente “a ênfase recai sobre as infinitas possibilidades de se
reescrever a história, revisitando objetos, reinventando abordagens, revendo chaves
interpretativas”. Esta é, certamente, uma das características principais dos novos aportes
18 Tal concepção, responsável pelo alargamento do conteúdo da noção documento, contribuiu para uma “explosão documental”, isto é, para a emergência, em escala geométrica, de novas e diversas fontes históricas.
25
teórico-metodológicos que vêm delineando a renovação historiográfica: a revalorização de
“tipos e espaços de memória” (IBIDEM). Tal configuração, por outro lado, recolocou na
pauta das discussões as interfaces da história com a memória.
Le Goff (1996, p. 49), reportando-se a este ponto, esclarece que “tal como o
passado não é a história mas o seu objeto, também a memória não é a história, mas um dos
seus objetos [...]”. História e memória, portanto, são dois conceitos distintos na
investigação científica. Embora possamos considerá-los como construções sociais, é certo
que os elementos que dão significado a essas duas noções são de ordem diferente. O
primeiro diz respeito a um conhecimento cuja produção é regulada cientificamente; o
segundo faz referência a um fenômeno de regulação deliberada, pois possui ligação
axiológica com o sujeito que exercita a lembrança. Este, vivendo o presente e as vontades
de futuro em um tempo e espaço determinados, constitui suas memórias compromissadas
e em disputa.
Assim como a memória pode ser reconstituída em diferentes segmentos
sociais, a história pode ser utilizada tanto para fazer lembrar como para dificultar o ato
modelador da lembrança. A omissão na história de acontecimentos sociais que, para alguns
segmentos privilegiados, não interessavam que aparecessem nos relatos historiográficos, é
emblemática das seleções da memória efetuadas em determinadas épocas. Elas ensejam a
possibilidade de um esquecimento proposital, estabelecendo, em seu lugar, “verdades”
estabelecidas mediante um discurso oficial que privilegia grupos dominantes – ou que
dominaram – posições políticas e econômicas.
Os diversos vestígios do que o homem produziu, em um dado contexto e
tempo, constituem sua memória. Ela perpertua o que se passou, seja por meio de fontes
materiais (ofícios, diários, jornais, cerâmicas, móveis, roupas, utensílios, etc.), seja por
intermédio da tradição oral de que nos fala Thompson (1998). A memória, não é demais
lembrar, está sujeita à ação de quem a produziu na medida em que testemunha seus
interesses e pontos de vista. Entendendo, contudo, ser a história, também, uma forma de
interpretação, bem como “o material da memória sua matéria-prima”, é pertinente dizer
que o pesquisador no campo da história produz “a sua versão a partir de outras
interpretações ou, mesmo, de vestígios de registros” (ALVES, 2001, p. 22).
Por assim entender – que o conhecimento histórico toma como ponto de
partida a memória, dela se distinguindo em virtude do método utilizado em sua formulação
26
– é que nomeamos esta parte de “registros da memória da profissão docente no Ceará”.
Ela diz dos vestígios de registros utilizados e do tratamento teórico-metodológico empregado
nos três ângulos em que o tema pesquisado foi abordado, visando a fazer falar as coisas mudas
ou, como arremata Febvre, citado por Le Goff (1996), fazê-las dizer o que elas por si próprias
não dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram. Este propósito apóia-se, por um
lado, na compreensão de que o enfoque histórico não se define pelo tipo de fonte nem
pelo seu volume, mas sim pela capacidade que demonstra o ato interpretativo de
estabelecer, numa perspectiva problematizadora, as relações constituidoras do fato
histórico em análise. Por outro, ressalta seu potencial na explicitação dos sentidos do
percurso de constituição da profissão docente no Ceará no período de 1930 a 1964.
1.2 “O fio de Ariádne19” – as escolhas
Os ‘recortes’ de uma investigação, como toda decisão característica do labor
científico, não são fortuitos. Como anuncia o título de nossa pesquisa, tomamos como
objeto a profissão docente no Ceará, fazendo-se necessário explicitar a própria história sob
o qual este fio condutor foi tecido.
Elementos de ordens diversas, vivencial e teórica, contribuíram nessa
reconstituição. Os próximos tópicos explicitam as contribuições e interfaces dos elementos
teóricos e vivenciais decisivos no delineamento desta investigação.
1.2.1 O trabalho do professor pelo fio da profissionalização
Como destacado na Introdução deste relatório, os pesquisadores envolvidos na
pesquisa Profissão Professor: políticas e memórias (PROPEM) vêm, no decurso de suas trajetórias
na docência superior, investindo esforços visando à constituição de uma cultura de
pesquisa em educação nos contextos de trabalho em que se encontram. Nesse sentido, o
interesse pelas questões afetas ao magistério não é novo. Uma breve revisitação no foco
19 A figura mitológica de Ariádne, filha do rei Minos, deu um novelo a Teseu para que este não se perdesse no labirinto do Minotauro. O recurso à metáfora do “fio de Ariádne” faz referência à intenção de descortinar a trajetória do grupo de pesquisadores e de bolsistas de iniciação científica no desenvolvimento da investigação, de modo que, ao ir situando as trilhas percorridas, o leitor compreenda a caminhada em seu conjunto: das pequenas às grandes decisões teóricas e práticas. Esta preocupação compartilha com Therrien e Damasceno (2000, p. 20) do entendimento de que “o método de investigação, ou seja, a construção cronológica do processo de investigação, diferencia-se do método de exposição, ou seja, da apresentação final do estudo em que transparece a concatenação lógica e claramente definida da trajetória de construção teórico-metodológica dos referenciais de análise e das conclusões decorrentes”.
27
dos trabalhos produzidos em diferentes momentos evidencia elementos de entrelaçamento
que revelam sua presença nos trabalhos efetivados.
No estudo20 Eleição de Diretores: o que mudou na escola? (VIEIRA, 1999),
localizamos o professor como um profissional cujas tarefas docentes são ampliadas e
diversificadas, nelas incluindo-se a experiência do gestor. Com a pesquisa integrada Política
Educacional, Escola e Professores21 (VIEIRA, 2003), a política educacional consolida-se como
foco investigativo, delineando a preocupação em compreender o professor como criador
de sua atividade profissional e de seu local de trabalho (HARGREAVES, 2002).
Nos diferentes estudos que integraram esta iniciativa, o professor, a formação e
o ingresso no magistério, ao lado das condições de trabalho e de remuneração, emergiram
como problemas típicos deste exercício profissional na atualidade. Evidências nessa direção
também foram apontadas na investigação22 Política Educacional e Magistério: cenários históricos e
contemporâneos na capitania do ‘Siará Grande’ (VIEIRA, 2005), oportunidade em que se
configurou a primeira aproximação à pesquisa historiográfica.
Este itinerário mostra que o delineamento da profissão professor como objeto de
estudo do PROPEM está estreitamente vinculado à prática profissional de seus
pesquisadores. As investigações anteriores sobre o magistério cearense evidenciaram, por
diferentes vias, que ainda são expressivos os desafios enfrentados pelo professor em
20 Iniciativa financiada pela Secretaria de Educação Básica do Estado (SEDUC), abrangendo 30 escolas da rede estadual de ensino, localizadas nos municípios de Fortaleza, Maracanaú, Sobral, Crato e Quixadá. Realizada no segundo semestre de 1998, sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª Sofia Lerche Vieira, envolveu três dos cinco pesquisadores que integram o PROPEM (Isabel Maria Sabino de Farias, Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque e José Eudes Baima Bezerra). 21 Iniciativa apoiada pelo CNPq (Edital Universal 2001) e realizada pelo Grupo de Pesquisa Política Educacional, Docência e Memória da UECE/CED. Teve com objetivo investigar o impacto das reformas recentes sobre o sistema educacional por meio dos estudos: “Profissão Professor da Educação Básica”, “Inovações Institucionais na Escola”; “Magister: avaliação de um Programa de Formação de Professores”; “Política de Formação de Professores no Brasil (1990-2001)”; “Política Educacional, Prática e Cultura Docente no Ensino Fundamental”; “Formação Continuada de Professores e o Desafio do Desenvolvimento Docente: entre discursos e práticas no cenário do Ceará”; “Política e o Planejamento Educacional no Ceará: a escola como ponto de partida?”; “Do ‘eu’ ao ‘nós’: caminhos na construção da identidade do Pedagogo”. Participaram dessa investigação três pesquisadores que integram o PROPEM (Isabel Maria Sabino de Farias, Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque e Ana Ignez Belém Lima Nunes). 22 Esta pesquisa, apoiada pelo CNPq (Edital Universal), articula duas temáticas – política educacional e magistério – como estratégia de compreensão dos cenários históricos e contemporâneos das intenções e ações governamentais no campo educativo cearense. Teve como objetivos: proceder a um inventário de fontes de pesquisa sobre política educacional, em particular, aquelas voltadas para a escola e os professores no Ceará, visando à sistematização de informações a esse respeito; investigar as políticas de formação de professores no Brasil, debruçando-se sobre sua elaboração com suporte na legislação educacional de variados momentos históricos; registrar a memória de educadores que exerceram protagonismo no cenário educacional cearense no século XX. As professoras Isabel Maria Sabino de Farias, Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque e Ana Ignez Belém Lima Nunes integraram a equipe que desenvolveu esta iniciativa.
28
relação à sua profissionalização. Expressos a centralidade do conceito de profissão, e os
termos profissionalidade e profissionalização dele derivado, faz-se necessário explicitar suas
interfaces e implicações para a atividade docente.
Exercício, declaração, ocupação, emprego e profissão constituem alguns dos
significados que o vocábulo latino professio evoca. Popkewitz (1997a, p. 40) contribui para
esclarecer seu significado, ao destacar que ele designa “um grupo altamente formado,
competente, especializado e dedicado, que corresponde efetiva e eficientemente à confiança
pública”. Trata-se de uma noção, agora recorrendo às formulações de Guerrero Séron
(1999, p. 41), que “acumula uma grande carga social, porque nele está implícito o
reconhecimento de pertencer a um setor privilegiado da sociedade”. O termo profissão,
considerando as definições apresentadas, refere-se a um conceito cujos conteúdo e sentido
são socialmente produzidos, alterando-se em função das condições sociais em que ocorre
seu uso.
O caráter dinâmico e contextual da profissão é manifesto nas distintas formas
elaboradas ao longo do tempo, visando a sua compreensão, as quais deram lugar a
diferentes pontos de vista teóricos sob o tema e a não poucas vozes dissonantes no que se
refere, mais especificamente, ao campo do trabalho docente. Duas perspectivas básicas
para se entender a profissão docente estão presentes na literatura da área. Tomamos como
referência as formulações de Antonio Guerrero Séron (1999) sobre o tema em que
identifica, ancorado nos estudos sociológicos, dois grandes enfoques: o funcionalista e o
marxista. Do primeiro, advém à perspectiva “profissionalista” ou o estudo do ensino como
profissão; do segundo, a análise do processo de trabalho do professor e seu lugar na
estrutura social. Por sua natureza dicotômica, porém, é preciso considerar que entre uma e
outra abordagens há nuanças diversas e nem sempre é tão simples identificar na prática um
modelo puro de profissional.
A perspectiva profissionalista, apoiada no positivismo, situa as profissões de
modo mais estático, com base em características bem definidas e bastante estáveis. A
definição de profissão está baseada nos critérios da racionalidade técnica. Uma profissão
exigiria determinado grau de habilidades e um corpo de saberes sistemáticos e específicos
para o exercício das funções profissionais, cuja aquisição demandaria uma formação de
nível universitário; um código ético; uma associação profissional para defesa dos interesses
da categoria e um alto grau de prestígio social e retribuição financeira, conforme assevera
Hoyle (1998).
29
Este enfoque, como lembram Veiga, Araújo e Kapuziniak (2005, p. 24), é
marcado pela enumeração de “um elenco de atributos de base definidos [...] no sentido
determinista”. Estes autores, com apoio em vários estudos, entre eles os trabalhos de
Savard (1999) e de Altarejos (1998), assim sumariam as características definidoras de uma
profissão: a) possuir conhecimentos especializados, de cunho intelectual e técnico; b) ter
formação mais longa e de nível superior; c) ingressar na profissão por meio de
procedimentos seletivos; ofertar serviço socialmente útil; d) desenvolver um código
deontológico que norteie a ação profissional; e) apresentar exercício autônomo e também
responsável; f) controlar, por meio de mecanismos diversos, a qualidade técnica, o tom
ético e, por conseguinte, o prestígio social da profissão.
Grosso modo são essas as características gerais definidoras de uma profissão na
perspectiva “profissionalista”, herdeira das teses durkheimianas (MELLOUKI e
GAUTHIER, 2004). Essa forma de entender a profissão, com suas repercussões sobre a
docência, tem raízes nos séculos XVIII e XIX, ancorado no discurso dos reformadores
iluministas e da constituição do Estado moderno. Nesse período, fortaleceram-se os
monopólios profissionais e a idéia da superioridade dos saberes oficiais e certificados,
diminuindo a importância dos saberes da prática. Um panorama vinculado, por um lado, à
edificação da Pedagogia como Ciência da Educação e, mais tarde, ao desenvolvimento das
Ciências da Educação; por outro, à ausência de reconhecimento do status científico dos
saberes pedagógicos e à frágil elaboração conceitual acerca dos saberes da prática. A
profissão do ensino foi reduzida a um caráter técnico, instrumental, e os professores
passaram a depender de saberes produzidos por outros grupos profissionais (NUNES,
2004).
São múltiplos os questionamentos em torno desse enfoque em relação ao
trabalho docente. Cunha (1999, p. 131), ao discutir “a posse de um saber específico”,
característica basilar do conceito de profissão na perspectiva “profissionalista”, pondera
sobre a complexidade desta tarefa, pois o saber próprio da profissão professor está
condicionado “pelo referencial que se tem da função docente”. Este alerta sublinha a
docência como organicamente vinculada a elementos de natureza valorativa e a um projeto
político-social, chamando atenção para seu caráter prático e contextual, que reclama
contínua “reconfiguração de suas especificidades” (IBIDEM). Também realça as
expectativas em torno da educação, da escola e, por conseguinte, do professor como não
estáticas. O reconhecimento de que as expectativas em torno da profissão docente se
30
modificam e acompanham mudanças no tecido social23 de acordo com cada época
evidenciam sua necessidade de “justificação permanente” (CORREIA e MATOS, 1999) em
busca de legitimação.
A ênfase na definição determinística dos traços definidores do conceito de
profissão, ao mesmo tempo em que a nega como uma construção sócio-histórica, tende a
“alimentar a ilusão de que é possível aplicar à profissão docente as categorias que definem
uma profissão liberal” (VEIGA, ARAÚJO e KAPUZINIAK, 2005, p. 26). Trata-se de uma
lógica reducionista e elitizada da profissão e que desconsidera a historicidade24 do próprio
processo de constituição desses requisitos. Esta interpretação, em seus diferentes matizes
teóricos de tom funcionalista, reforçou o refutamento do estatuto de profissão ao
magistério.
Ao longo do tempo, particularmente desde o século XX, novas questões são
postas em cena à medida que cresce a permeabilidade entre educação e transformações
econômicas e sociais. Análises do processo de trabalho do professor e seu lugar na
estrutura social ganham corpo, configurando o enfoque marxista. Essa linha de
pensamento, embora com matizes distintos, compartilha da recusa aos argumentos
profissionalistas como processo de melhora e fortalecimento social do professor e do seu
trabalho.
A proletarização docente25, uma das teses mais recorrentes26, é apontada como
fenômeno que provoca a degradação do status, poder, autonomia e, em muitos países, das
condições de trabalho docente (GUERRERO SÉRON, 1999; NÓVOA, 1997;
POPKEWITZ, 1994). Para Lawn e Ozga, citados por Guerrero Séron (1999, p. 45), o
argumento do ensino como uma profissão é usado “de modo oportunista” pelo Estado 23 A esse respeito, Esteves (1991, p. 103) destaca que o processo de mudança social, ao gerar alterações substantivas nas “expectativas em relação ao sistema educativo”, tem produzido contestações diversas sobre os modos de saber e de fazer até então predominantes na ação educacional, questionando a função social da escola e o trabalho do professor. 24 “Devemos procurar para além da geopolítica, do comércio, das artes e da própria ciência, aquilo que justifica a atitude de obscura certeza dos homens que se unem, arrastados pelo enorme fluxo do progressoque os especifica, opondo-os. Sente-se que esta solidariedade está ligada à existência implícita que cada um experimenta em si, duma certa função comum a todos. Chamamos a esta função historicidade” (MORAZÉ apud LE GOFF, 1996, p. 18). Trata-se de noção fulcral na renovação epistemológica da história. 25 Lawn e Ozga, responsáveis pela formulação da tese da proletarização docente, entendem o professorado como “conjunto de trabalhadores intelectuais do setor de serviços” (GUERRERO SÉRON, 1999, p. 45). Nesse sentido, defendem que o trabalho do professor deve ser analisado no contexto de um processo de desenvolvimento enquadrado no movimento operário. 26 Outras duas teses são bastante difundidas: de um lado, encontra-se os representantes da corrente que destaca o professor como intelectual e com papel relevante na transformação social (GUERRERO SÉRON, 1999); de outro, aqueles que situam o professor como um “grupo de status”, ou seja, um grupo de pessoas que contam com reconhecimento social e posicionam-se no extrato social médio (ibidem).
31
que, visando à obtenção do “monopólio legal” dessa atividade, a ele recorre em seu
discurso como um mecanismo de sedução.
A metáfora da sedução ressalta o fascínio que o termo profissão exerce sobre
os sujeitos sociais na medida em que sugere algo positivo. Como lembra Cunha (1999, p.
129), “dizer que alguém tem um comportamento profissional é dizer que tem competência
técnica, discernimento emocional, responsabilidade e capacidade para resolver problemas
no âmbito da profissão”. A autora acrescenta, logo em seguida, que o “profissionalismo
opõe-se aos procedimentos improvisados e pouco eficientes”. Demonstrar
profissionalismo faz referência à idéia de profissionalidade, reporta-se ao tipo de
desempenho e de conhecimento próprios à profissão. Corroborando a precisa definição de
Cunha (1999, p. 132), profissionalidade é a profissão em ação. Ela se caracteriza pela
“afirmação do que é específico na acção docente” (SACRISTÁN, 1991, p. 64). Traduz,
assim, o processo pelo qual o professor constrói e reconstrói respostas práticas ao se
defrontar com as questões que se apresentam na sala de aula, na escola, na interação com
os demais sujeitos (dos colegas de profissão aos pais) da comunidade em que atua e na
sociedade em geral, as quais configuram “seu modo de ser e de estar na profissão”
(ALMEIDA, 2006).
O enfoque marxista, sobretudo apoiado na tese da proletarização, explica as
contradições entre o discurso político sedutor da profissionalização e as possibilidades de
desenvolvimento de uma profissionalidade não referenciada na “razão instrumental”,
aludida por Popkewitz (1988) e que define o professor como um técnico.
O termo profissionalização refere-se à socialização pela qual as características e
capacidades específicas de uma profissão se desenvolvem (VEIGA, ARAÚJO e
KAPUZINIAK, 2005). Trata-se de uma noção que, se por um lado, deve ser
compreendida como um projeto político e social que visa à ampliação dos interesses de um
coletivo ocupacional, por outro, deve-se considerá-la como um construto histórico e
complexo, permeado pelo jogo de forças e de poder presentes na sociedade como um
todo. É nessa direção que alerta Imbernón (2000) ao destacar que, para entender a
profissionalização, é preciso situá-la historicamente, a fim de se abandonar a perspectiva
que a define como um processo neutro.
A proletarização fragiliza a autonomia do professor mediante seu afastamento
das “funções conceituais do trabalho e do reforço do controle na gestão e na habilidade”
32
(GUERRERO SERÓN, 1999, p. 45), explicitando a “crise de autoridade” experimentada
pelo professor e pelos mecanismos clássicos que lhe delegavam poder (CORREIA e
MATOS, 1999, p. 13). A esse respeito, cabe esclarecer que
[...] o poder dos professores [...] apóia-se numa tripla delegação: uma delegação cognitiva, uma delegação política e uma delegação jurídica. No plano cognitivo, o professor define-se como o delegado de um saber científico de que ele é fiel depositário [...] no plano político e social, o professor é o depositário fiel de um poder cultural, público e laico delegado pelo Estado-Nação [...] o poder do professor apóia-se na delegação de uma ordem jurídica que, apoiando-se nos mandatos cognitivos e políticos, legitima o exercício de uma capacidade de julgar, de emitir uma sentença ou de proceder uma avaliação [...]” (IBIDEM, p. 14).
A crise de poder não é exclusiva nem específica do professor; em última
instância ela expressa a “crise organizacional e simbólica do Estado Educador”
(BARROSO, 1996, p. 09).
Analisando o movimento da discussão em torno da profissão docente nos mais
diversos países sob a óptica neoliberal, Labaree (1999, p. 18) acentua que o modelo de
profissionalização funcionalista, arrebanhado pelo discurso reformista das políticas
educacionais, pode causar prejuízos à profissão docente ao fazer crescer “a racionalização
do ensino” e “reduzir a influência dos professores e dos cidadãos sobre as escolas”.
Também Popkewitz (1997a) nos adverte dos perigos em edificar a profissão docente
segundo esse prisma. Para o autor, no cenário de reformas educacionais implementadas em
escala global e orientadas pelos organismos internacionais, a profissionalização pode se
tornar, principalmente, um importante mecanismo de regulação social. Por conseguinte,
haverá uma perda de poder dos docentes, cada vez mais vestidos em uma ‘camisa-de-força’
sob a égide da eficácia, da competência e dos conhecimentos técnicos que um corpo de
profissionais deve dominar.
Diante desse quadro, para se entender a profissão docente, é necessário
considerar o contexto no se encontram o indivíduo e as mudanças sociais, políticas,
econômicas que ocorrem ao longo dos anos. Kremer-Hayon (1991), defendendo tal visão,
argumenta em favor da reflexão crítica sobre a ação e sobre os elementos que incidem na
profissão docente e os processos artísticos e intuitivos, como aspectos imprescindíveis na
hora de conceituar as profissões. Conseqüentemente, a profissionalização supõe investir no
docente e em sua experiência, na organização escolar e em seus projetos, e nos saberes que
33
integram a cultura da profissão. Supõe, ademais, considerar o conhecimento profissional
além de uma taxionomia de traços unificadores de toda profissão (IMBERNÓN, 2000).
Essa visão de análise pede uma reinvenção da profissão docente, superando
prescrições técnicas e conhecimentos produzidos apenas por especialistas para tomar a
prática profissional como importante fonte para elaboração de conhecimentos. Por
conseguinte, essa prática profissional também constitui espaço para a inter-relação de
múltiplos saberes. É preciso considerar que os saberes que integram a profissão docente
são plurais e estratégicos, porque curriculares, profissionais e de experiência. Therrien
(2000) informa que essa multiplicidade de saberes, embora possa de algum modo parecer
fragmentada, na prática “são articulados pelo docente nos contextos e nas situações dos
processos de ensino-aprendizagem onde impera a complexidade. É nesse momento que o
professor imprime a marca de sua identidade” (p. 108). O discurso da profissionalização
passa a se ancorar na idéia da profissão docente como um entremeado de conhecimentos,
pensamentos, ações, sentimentos que lhe aportam crescente complexidade e dinâmica.
Nesse processo, inúmeros conceitos vão se articulando ao de profissionalização, dentre
eles, a formação docente.
Esta perspectiva de profissionalização traz consigo, além do corpo de
conhecimentos formais, um reconhecimento da autonomia no trabalho; autonomia esta
que só pode ser compreendida com base nas questões relativas aos conhecimentos práticos
dos professores e da função social da escola e, portanto, do controle democrático da
educação como um serviço público. Nesse sentido, Paiva (2003) ressalta que a reflexão
crítica por parte dos professores é uma importante via no desenvolvimento dessa
autonomia e expressão do poder docente. Também Hargreaves e Goodson (1996)
ressaltam a profissionalização como algo importante e necessário, na perspectiva de ensejar
aprendizagem contínua e controle do professor sobre si mesmo e sua profissão, ante
corporativismo, muitas vezes mascarado pela idéia equivocada de autonomia.
Diante do exposto, é possível perceber a profissionalização docente como algo
permeado de dilemas e contradições, que, por sua vez, implicam modelos e práticas
formativas também contraditórios e complexos. Muitas vezes, são modelos tecnicistas e
puramente pragmáticos, que em nada respondem ao desafio de situar a profissão docente
no marco desse novo cenário produtor de profissionais autônomos, com amplos
conhecimentos, capacidade reflexiva, crítica, solidária e investigativa (NUNES, 2004).
34
Os elementos teóricos abordados revelam o caráter contextual, ancorado em
ações coletivas, ideológico e contingente do conceito de profissão. Também reforçam a
pertinência da política educacional como foco analítico norteador da investigação da
profissão professor no cenário cearense, mais precisamente no período de 1930 a 1964. Os
discursos, o tratamento e os mecanismos implantados em determinados momentos
históricos guardam significados sobre o papel e a importância atribuída ou não aos
professores como responsáveis pelo processo de formação cultural das novas gerações.
Compreendê-los impõe-se tanto como reconhecimento da historicidade do professorado
cearense quanto como passo fulcral na defesa da profissionalização a que este, agora filho
da contemporaneidade, efetivamente almeja.
De que forma o conceito de política educacional foi entendido no exame do
percurso de construção da docência no Ceará como uma atividade laboral? Como este
interstício temporal foi trabalhado na análise das questões relativas à profissão professor no
Estado? Que opções metodológicas subsidiaram a prática da investigação? Estas questões
são objeto de maior detalhamento a seguir.
1.2.2 A profissão professor pelo fio da política educacional
A emergência da sociedade capitalista suplantou a estrutura de poder baseada
na propriedade fundiária, nas relações servis expressas na monarquia hereditária. Esta nova
ordem econômica e social estabeleceu outras formas de legitimação: a soberania popular e a
representação política.
A incorporação, ainda que formal, das maiorias populares às decisões
nacionais, levará a que os conflitos sociais se manifestem no campo da política. Do que se
trata, porém, quando se fala em política?
Os gregos derivaram a palavra política de pólis, cidade, ou seja, a assembléia dos
homens livres, dos cidadãos. Política designa a ação de debater, disputar, deliberar, no
âmbito da assembléia de cidadãos, as questões relativas ao destino da pólis. Não por acaso,
na Grécia antiga, a política era atividade privativa das camadas dominantes e se constituía,
ao lado das artes guerreiras, num dos pilares do ideal pedagógico clássico.
Modernamente, num sentido ideal, as instituições políticas se constituem no
palco das disputas sociais, ou seja, da disputa em torno dos temas de interesse público.
Exprimimos “num sentido ideal” porque, evidentemente, a desigualdade de meios materiais
35
entre as classes se refletem na possibilidade de se travar uma luta política em reais
condições de igualdade.
A culminância desta estrutura é o Estado. Anterior às formas de organização
política modernas, remontando às civilizações da Antigüidade, o Estado moderno
caracteriza-se justamente por expressar as relações das forças sociais e de sua representação
nas instâncias políticas. Erguido aparentemente acima da sociedade, o Estado expressa a
organização geral e institucional da vida social conforme as relações de hegemonia material
e política entre as classes sociais em presença na sociedade.
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito entre elas, ele é, em regra, o Estado da classe economicamente dominante (...) (ENGELS apud PERONI, 2003).
Peroni (2003, p. 21) retoma esta perspectiva, indicando que “o Estado não
existe como obra da classe dominante, mas, ao surgir como resultado do modo material de
vida dos indivíduos, assume a forma da vontade dominante”.
Tal compreensão do Estado e de suas imbricações com a idéia de política é
central ao entendimento da passagem da educação do âmbito privado e familiar para o
mundo público. Foi no âmbito das revoluções liberais que abalaram o mundo nos séculos
XVII e XVIII que a instrução pública emergiu como um tema de Estado.
A educação, tomada como bem público, passa a ser objeto da disputa política
entre os diferentes interesses sociais e os diversos projetos de sociedade. É neste sentido
que se pode falar de Política Educacional: a expressão no âmbito educacional de uma
concepção de organização da sociedade e do Estado, conforme um projeto de classe, que
deve se expressar num conjunto articulado de medidas legislativa e executivas que visem a
implementar um programa educacional correspondente às necessidades desta concepção.
O planejamento, deste ponto de vista, é um termo mediador entre a política e a
legislação, na medida em que ele, de um lado, estabelece o quê, o como e com quem aplicar
a política e, de outro, os meios para pôr em marcha os passos planejados, inclusive os
meios legais, a legislação.
Existindo no seio da contradição social e política, a articulação política-
planejamento-legislação educacional expressará essa mesma contradição, não podendo ser
apreendida de forma esquemática e estática. Tal articulação se realiza ou não conforme a
36
intensidade e as características que tomarem os embates político-sociais. Nesse sentido,
advertem Vieira e Albuquerque (2001, p. 28):
O aprofundamento de uma análise dinâmica entre planejamento, política e legislação educacional permite constatar que podem ocorrer inusitadas combinações, tais como política sem planejamento, legislação sem política, planejamento sem legislação (...). Mais importante do que examinar se a legislação determina o planejamento e a política educacional, ou vice-versa, talvez seja considerar que a legislação educacional (...) como o planejamento, também é historicamente condicionada.
As autoras observam, ainda, a ausência do tema da política educacional nos
vestígios documentais e bibliográficos que abrangem o passado de nosso País. Este fato é
apontado como correspondendo ao descaso do Estado brasileiro para com a educação
básica ao longo dos períodos imperial e republicano. Registram o fato de que, até os anos
30 do século XX, a referência à política de Estado para a educação se reduziu ao ensino
superior.
Nesse período, também, a par da ausência de uma formulação especificamente
política para a educação, sobrevive a perspectiva privada e familiar no que se refere à
educação das crianças pequenas.
Assim como a educação das crianças é tomada ao longo do período imperial e
da Primeira República como uma questão privada ou familiar, a profissão professor é, ainda
mais, vista como um problema vocacional e não profissional, não constituindo uma
preocupação governamental. A extensa prática do lancasterianismo27, nesse interregno
histórico e, a prática do atendimento domiciliar das crianças das classes abastadas,
estabelecem o horizonte onde o magistério como profissão sequer se coloca.
Foi com a expansão do processo de industrialização, um dos fatores que
impulsionam a elevação dos contingentes populacionais nos perímetros urbanos,
proporcionando o surgimento de uma camada média numérica e politicamente relevante,
que a educação se estabeleceu como tema da política ou, como diz Saviani (1999), como
uma “questão nacional”. Em sua esteira também emergiram as questões afetas ao professor
e ao seu trabalho. 27 Também conhecido como método de ensino mútuo, foi assumido oficialmente como método oficial a ser adotado nas escolas primárias do Império (CHIZZOTTI, 1975). Fernando de Azevedo (1964, p. 564) assim o descreve: “[...] esse método que esteve em voga durante mais de vinte anos, cada grupo de alunos (decúria) era dirigido por um deles (decurião), mestre da turma, por menos ignorante ou, se quiserem, por mais habilitado. Por esta forma, em que o professor explicava aos meninos e estes, divididos em turmas, mutuamente se ensinavam, bastaria um só mestre para uma escola de grande número de alunos”.
37
As interfaces de Estado, Política e Educação, brevemente abordadas, permitem
situar o estudo da profissão professor do ponto de vista da política, ou seja, do
reconhecimento e emergência da educação como questão nacional deriva o problema do
magistério como questão política.
A necessidade de entender o passado, “palmilhar o chão sagrado” ou profano,
não foi, na visão do presente estudo, um exercício de ilustração. Antes, decorreu da
necessidade de decifrar os contornos da profissão docente no âmbito das políticas do
Estado para a educação no período de 1930 a 1964, pois a produção historiográfica
brasileira em educação não tem, conforme alerta Saviani (2003, p. 11), “de modo geral [...]
privilegiado explicitamente” este recorte analítico. Ademais, a produção historiográfica
sobre a educação cearense é recente28, sendo ainda incipientes estudos específicos sobre a
profissão professor29, em particular entre 1930 e 1964, o que evidencia a contribuição do
conjunto de informações e reflexões sistematizadas pela pesquisa Profissão Professor: políticas e
memórias (PROPEM).
1.2.2.1 Estudar as ações humanas no tempo – a periodização
Ante a advertência de Le Goff (1996, p. 47) de que “o tempo”, de maneiras
diferentes, é “a condição da história”, o exame do percurso de construção da docência no
28 A observação de Cavalcante (2000, p. 51) sobre a emergência do “ensino de História da Educação na Faculdade e no Mestrado em Educação da UFC” reforça esta asserção. Diz a autora: “Aqui os programas de ensino de História da Educação misturaram história das Idéias Filosóficas e Pedagógica, no plano mais geral e seguiram a obra de Fernando de Azevedo como referência básica para o estudo da evolução da educação brasileira, como área integrante do currículo do curso de graduação em pedagogia, na segunda metade dos anos de 1960, a qual, contudo, não estava vinculada a experiência de pesquisa” (IBIDEM). Cavalcante prossegue, frisando que, mesmo com a criação do Mestrado em Educação em 1977, o ensino e a pesquisa na área de história da educação permaneceu “enfraquecido” em razão de outras ênfases: inicialmente, focalizando o ensino numa abordagem psicológica e filosófica; na fase seguinte, “em meados dos anos 1980, por um enfoque teórico fundado no materialismo histórico, que prestigiava pesquisas teóricas no âmbito dos movimentos sociais e sindicais [..]” (IBIDEM). Finaliza, destacando que é no “início dos anos de 1990” que a história da educação é retomada “com força a ponto de dar nome ao Programa de Pós-Graduação em Educação”, que desde então passa a ter a EDUCAÇÃO BRASILEIRA como área de concentração (IBIDEM). 29 O mapeamento de trabalhos acadêmicos produzidos sobre o tema no período vem sendo, paulatinamente, realizado por alunos de graduação e bolsistas de iniciação científica em seus trabalhos monográficos. Este é o caso dos estudos de Nogueira (2003), Nogueira (2005), Silva (2007), Castro (2007) e Conceição (2007). Esta atividade, que envolveu as Bibliotecas da Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC), da Universidade Estadual do Ceará (UECE), do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), revelou um número reduzido de trabalhos sobre a educação cearense no período, situação que se agrava quando incide sobre a profissão docente. Alguns estudos, todavia, foram identificados, entre os quais cabe destacar: as dissertações de Silveira (1990), Moreira (1990), Sousa (2002) e Silva (2001). Também cabe registro a monografia de Plácido Aderaldo Castelo (1970), referência obrigatória no estudo do ensino no Ceará.
38
período de 1930 a 1964, visando à apreensão dos sentidos que nele assumiu essa atividade,
trouxe à pauta a questão da periodização.
Inquirir o passado reclama um delineamento empírico que o torne
historicamente pensável, que possibilite àquele que historia “fazer corresponder os seus
quadros de explicação cronológica à duração do vivido” (IBIDEM). A periodização,
recurso metodológico que permite a concretização desse intento, apresenta-se como
“indispensável a qualquer compreensão histórica”, conforme assevera Gordon Leff citado
por Le Goff (IBIDEM). É ela instrumento central na inteligibilidade dos movimentos de
mudanças significativas que a História busca captar e compreender.
Estes pressupostos foram decisivos para definir uma periodização que
permitisse tornar inteligível o processo histórico de edificação da profissão docente entre
1930 e 1964. Tomamos como premissa a “historicidade” desse momento, que constitui
uma quadra da história brasileira marcada pela tentativa de afirmação de uma economia
nacional autônoma, e da própria nacionalidade, tornando-se representativa de um modelo
econômico (e político) específico: o nacional-desenvolvimentismo (ROMANELLI, 1989).
Sem desconhecer a diversidade de momentos e de faces que compõem a
complexidade política, econômica e social desse modelo, é possível afirmar que o discurso
nacionalista e nacional-desenvolvimentista revestiu as manifestações de variadas (e, às
vezes, opostas) forças sociais e políticas. Tendo como foco os aspectos políticos-
educacionais, em especial, em sua manifestação legislativa (constituições do interregno
1930-1964), utilizamos uma periodização que considerou que a vigência das três
constituições federais, bem como de seus dispositivos voltados para o campo da educação,
expressaram distintas situações políticas, diferentes correlações de forças sociais e, desta
maneira, avanços e retrocessos na política educacional.
A periodização contemplou, assim, três momentos constitucionais: a)
Constituição de 1934: o movimento social de 1930, o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova e os princípios da educação como questão nacional; b) Constituição de
1937: Estado Novo e as Leis Orgânicas da Educação; e c) Constituição de 1946:
Redemocratização, retomada da educação como questão nacional, rumo à primeira LDB.
Este último contempla os anos que se seguiram à promulgação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional de 1961, que culminaram no golpe militar de 1964 e com a
instauração de um regime totalitário.
39
O primeiro momento, caracterizado pela emergência da educação como
questão nacional, demarca um período destacado na literatura como de “maior
radicalização política” na história do Brasil (ROMANELLI, 1989; RIBEIRO, 1991;
GHIRALDELLI JUNIOR, 1994). Ao mesmo tempo, apresenta-se como o contexto em
que ocorre um “despertar” da sociedade brasileira e do sentimento de nacionalidade. O
segundo é marcado pela ruptura institucional que culmina com a instauração do Estado
Novo e a implantação das Leis Orgânicas do Ensino. A redemocratização, iniciada com a
retirada de Vargas do poder, e que tem seu ápice na promulgação da LDB de 1961,
distingue o terceiro momento de periodização utilizado, visando a dar inteligibilidade à
profissionalização docente que se desenhou no Ceará entre 1930 e 1964.
A periodização utilizada explicita a centralidade dos elementos contextuais na
compreensão da forma e dos significados que as políticas educacionais assumem no
período pesquisado. Seu delineamento visou a assegurar unidade à análise das diversas
questões abordadas pelo conjunto de estudos que integraram a pesquisa Profissão Professor:
políticas e memórias, dando-lhes inteligibilidade a partir do espaço-tempo em que se
sucederam. As decisões que deram o tom à prática da pesquisa são objeto de atenção a
seguir.
1.3 Os caminhos da pesquisa – os procedimentos
Concomitante ao delineamento teórico, impôs-se apreender, suplantando a
identificação formal do período como a “Era do nacional-desenvolvimentismo”, os
“sentidos concretos” que permearam o exercício do magistério no Ceará entre 1930 e 1964.
As decisões metodológicas que deram suporte à consecução desse intento apresentam-se
nesta matéria acerca da qual se detém esta seção.
Como indicado na Introdução, a pesquisa Profissão Professor: políticas e memórias
investigou o trabalho do professor no cenário local sob três ângulos de análise: a) o
discurso governamental sobre a profissão docente; b) as idéias e práticas de educadores
locais e sua relação com as políticas educacionais encaminhadas no período histórico
abordado; c) a contribuição da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte na construção
de uma cultura profissional docente. Esses ângulos, embora contemplem dimensões
distintas da profissão, estão interligados por questionamentos em torno do assunto.
40
No conjunto, a investigação recorreu às múltiplas fontes e procedimentos, com
apoio nos pressupostos da abordagem qualitativa na coleta e análise dos dados de cunho
histórico (ESTEVES e AZEVEDO, 1996; BOGDAN e BIKLEN, 1994; MINAYO,
1998). Assim, considerando a intencionalidade de cada estudo, estes recorreram a
procedimentos diferenciados e diversos visando à produção de uma síntese interpretativa
que permitisse compreender os “sentidos concretos” (KOSIK, 1976) da profissão
professor no espaço-tempo em foco. Os caminhos trilhados, bem como seus matizes
metodológicos, são objeto de maior detalhamento nas seções a seguir.
1.3.1 O discurso governamental sobre a profissão docente – contribuições da pesquisa documental
Historicamente a profissionalização docente registra um percurso marcado por
contradições e ambigüidades, trajetória decorrente, em boa parte, dos traços do artesanato,
da catequese e da feminização presentes na gênese do magistério como atividade laboral.
São inúmeros os registros que evidenciam o descaso relativo à profissão professor,
sobretudo nas primeiras décadas do século XX. É sobre a regulação desse exercício
profissional no contexto cearense entre os anos de 1930-1964 que se deteve este estudo.
Buscamos, com suporte na análise documental, examinar o que registram os documentos
produzidos pelo Poder Público sobre a profissão professor nesse interregno, visando,
diante da explicitação do sentido neles presente, a ultrapassar o plano da constatação e do
inventário, elaborando uma interpretação crítica acerca do tema.
A análise documental, aqui tomada como método30, definiu-se pelo uso “de
materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser
reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 1991, p. 51). Embora sua
sistematização original esteja vinculada ao desenvolvimento das Ciências Sociais no campo
da comunicação e no âmbito das investigações quantitativas durante as primeiras décadas
do século XX, as críticas a esta abordagem estimularam a associação da pesquisa
documental a outros referenciais epistemológicos e de análise (BANDEIRA, 2005). Este
30 De acordo com Bell (1993), a análise documental pode ser utilizada em duas perspectivas: como procedimento, neste caso, serve para complementar informações recolhidas por meio de outro método; ou, como método, opção que se caracteriza pelo uso exclusivo de documentos. Este último caracteriza o enfoque assumido neste estudo.
41
movimento marca, entre os anos de 1950 a 1960, o uso deste método na perspectiva
processual, contextual e reflexiva da pesquisa qualitativa31.
O documento, como anuncia a própria designação deste método, constitui a
matéria-prima da pesquisa documental que, grosso modo, envolve desde a sua coleta,
organização, classificação e seleção até a análise das informações nele registradas. A noção
de documento, portanto, é central a esta metodologia.
O documento é um testemunho dos homens que o produziram e do seu
tempo (BELLOTO, 1982). Ele não é algo neutro, nem prova do passado que define
acontecimentos numa perspectiva linear, como quer fazer crer a concepção positivista de
História (LE GOFF, 1992). Trata-se de uma produção material humana, fruto da
correlação de múltiplas e complexas forças que precisam ser desveladas. Com âncora nessa
acepção que elegemos os documentos oficiais32 – compreendidos como aqueles produzidos
pelo Poder Público – como elementos materiais com possibilidades33 de efetiva
contribuição na explicitação das formas e significados que assumiu a profissão professor no
Ceará entre 1930 e 1964.
Os documentos oficiais, constituídos em um dado momento histórico, em
geral, são mediações e, assim, manifestações parciais de uma totalidade complexa, firmada
na base produtiva da sociedade que se desdobra em diferentes aspectos econômicos,
políticos e sociais. Esta compreensão apoiou-se no entendimento de que há uma relação
entre a prática social concretizada e o sistema social vigente. Exigiu, por conseguinte, um
31 A efetivação da pesquisa documental numa perspectiva qualitativa trouxe alterações substanciais tanto no processo de coleta quanto na análise dos dados por meio da observação documental, o que contribuiu para o desenvolvimento de técnicas e procedimentos que não enfatizassem somente elementos de ordem quantitativa. A investigação qualitativa privilegia, fundamentalmente, a compreensão dos comportamentos numa perspectiva contextualizada. Os dados recolhidos são designados por qualitativos por serem ricos em pormenores descritivos acerca das pessoas, locais e conversas acompanhados, sendo de complexo tratamento estatístico (BOGDAN e BIKLEN, 1994; GAMBOA e SANTOS FILHO, 1987). As questões a serem investigadas não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo formuladas com o objetivo de estudar os fenômenos em toda a sua complexidade. Ademais, conforme Gil (1991, p. 53), “pesquisas elaboradas a partir de documentos são importantes não porque respondem definitivamente a um problema, mas porque proporcionam melhor visão desse problema ou, então, hipóteses que conduzem à sua verificação por outros meios”. 32 Optou-se por esta denominação, pois fontes como as Constituições Federais e Estaduais não se configuram como documentos produzidos por uma gestão específica, um determinado período de governo. Entendemos, assim, que a expressão “documentos governamentais” não contemplam a inclusão desta fonte entre as demais utilizadas neste estudo. 33 Cabe o registro de que não desconhecemos o fato de que a pesquisa documental, como os demais métodos, apresenta vantagens e desvantagens. Os documentos são fontes ricas e estáveis de dados, apresentando certa durabilidade. Estes, certamente, são aspectos que favorecem sua utilização. Pesam sobre estes vestígios da história, todavia, críticas relativas a questão da “não-representatividade” e da “subjetividade” (GIL, 1991, p. 53). Embora pertinentes, longe de desautorizar seu uso, tais críticas apontam a necessidade de prudência e vigilância metodológica.
42
movimento analítico que permitisse, a partir da explicitação da expressão fenômica em
estudo, neste caso, os documentos oficiais, desvelar o contexto que lhe dá fundo e forma,
considerando tais fenômenos como síntese de movimentos que os ultrapassam.
Nesta perspectiva, tomou-se como premissa a idéia de que a documentação
oficial concentra, em torno de determinado tema (aqui, a regulação da profissão docente
entre 1930 e 1964), os sentidos da política educacional que, por sua vez, na dinâmica da
luta política e social, em geral, está no arcabouço institucional vigente no período,
constituído no chão da sociedade civil, isto é, no quadro da relação de associação entre as
diferentes camadas sociais na produção da vida material.
Nesse sentido, o desafio da análise não foi o de afirmar a natureza
superestrutural da documentação em relação à base material estabelecida na sociedade civil.
Antes, visou a desvelar a complexa e contraditória trama social e política, pelas quais as
diretrizes legais e governamentais se fazem expressão da situação socioeconômica,
remontar os mecanismos de sua adoção, perceber as forças em luta nesse processo,
estabelecer suas relações com o conjunto dos dispositivos legislativos e governamentais
vigentes. Em suma, recompor, tomando a letra da documentação como ponto de partida,
os movimentos que nela se sintetizaram. Este esforço analítico procurou fazer uma
retomada da leitura desta documentação, agora “preenchida” com os movimentos que sua
imagem inerte e cristalizada esconde (MORAIS, 2004).
Buscou-se ir do documento ao documento, de sua expressão como fria letra à
sua concretude pelo caminho da reconstrução do conflito de forças e das circunstâncias
presentes em sua adoção. Este percurso analítico foi por nós identificado como um estudo
em círculos concêntricos, cuja prática investigativa envolveu três círculos interligados, aqui
diferenciados apenas para efeito de compreensão didática.
O primeiro diz respeito ao inventário das idéias presentes no discurso
governamental sobre a profissão docente nas fontes utilizadas, com a seleção dos aspectos
temáticos concernentes ao objeto de estudo. Este exame permitiu identificar assuntos
diversos sobre a profissão docente no Ceará, os quais foram aglutinados em torno das
seguintes categorias: perfil do professor, carreira (condições de trabalho, ingresso,
remuneração), formação, instituições de formação, financiamento e valor social da
profissão. A categorização foi central na análise das fontes, pois possibilitou visualizar as
43
lacunas e as ênfases da legislação estadual de educação, bem como os momentos em que
ela foi mais propícia às questões relativas aos professores.
O segundo, que incorpora o primeiro círculo e lhe dá sentido, consiste em
situar a legislação e cada documento governamental no âmbito institucional da época de
sua publicação, com indicação de sua origem (iniciativa governamental, parlamentar ou
popular), e de sua conexão com o restante do aparato legal. Assim, procurou-se entender o
documento oficial no tocante à profissão docente como parte do conjunto do aparato
jurídico-normativo de determinada época, observando suas interfaces com as prescrições
das Constituições federal e estadual vigentes.
Outra etapa consistiu no mapeamento do quadro político, social e institucional
do período estudado, por meio de referências bibliográficas acerca da época, na busca de
compor o terceiro círculo do conjunto concêntrico. Este se caracterizou pelo
reconhecimento de que as fontes estudadas são produções-sínteses do conjunto de
movimentos contraditórios, expressivos das forças em conflito em torno de projetos
sociais e/ou políticos opostos no momento histórico em foco. Assim, seu objetivo foi
extrair o sentido dos documentos, ultrapassando o plano da constatação e do inventário,
retirando-os do plano do caótico e caracterizando-o conforme a lógica que se revela, nas
relações dinâmicas, desveladas nas etapas anteriores.
O caminho metodológico explicitado evidencia que o trabalho com
documentos oficiais buscou localizar historicamente, com o fim de capturar o sentido
social e político de que são portadores no que se refere à profissão professor no Ceará no
período de 1930 a 1964. Para tanto, recorremos às seguintes fontes: a legislação que trata da
educação, as Mensagens Governamentais e o Relatório de Atividades (1931-1934).
O conjunto de documentos relativos à legislação envolve: as constituições
estaduais, leis e decretos. As Mensagens Governamentais consistem em documentos
emitidos anualmente pelo Chefe do Executivo ao Poder Legislativo por ocasião da abertura
dos trabalhos parlamentares, prestando contas do que foi feito no ano anterior (VIEIRA e
FARIAS, 2006). O Relatório de Atividades, também produzido pelo Poder Público,
contempla as ações realizadas, distinguindo-se das Mensagens por seu caráter setorial.
Ao todo foram utilizados 62 documentos, os quais podem ser visualizados no
Quadro IV:
44
Quadro IV
Discurso Governamental: fontes utilizadas
Documentos Quantidade Constituições 03
Leis 18 Decretos 20
Mensagens Governamentais 20 Relatório de Atividades 01
Total de documentos: 62 Fonte: dados da pesquisa.
Essas fontes foram colhidas em diferentes locais: o Relatório de Atividades foi
coletado no Acervo Público do Ceará; as leis e decretos foram localizados na Biblioteca
Pública Menezes Pimentel; as Constituições Estaduais e as Mensagens Governamentais
foram encontradas no acervo do Núcleo de Estudos, Documentação e Difusão em
Educação (NEED) da UECE/CED.
O processo de análise desses materiais apoiou-se no entendimento de que “não
basta ler um documento para se retirar dele toda a sua substância” (FERNANDES, 1995,
p. 26). Para a observação documental, faz-se necessária a realização de sucessivas leituras,
guiadas por critérios e procedimentos que favoreçam a explicitação de elementos (idéias,
expressões) sobre o assunto pesquisado. Nesse sentido, um passo inicial consistiu na
identificação das idéias contidas em cada fonte. O roteiro do instrumental que subsidiou a
primeira seleção dos dados pode ser visualizado no Quadro V:
Quadro V
Instrumental para identificação dos assuntos por fonte
Mensagem Governamental de 1930
“Foi iniciativa a creação de “Circulos de Paes e Professores” e de “Cooperativas Escolares”, o que vem produzindo alguma cousa, como instalação de gabinetes dentários e auxilio directo aos alumnos pobres”. “Foram afastadas do magistério por tempo indeterminado, de accordo com a lei nº 2.614, 3 professoras e aposentadas 9”. “Acham-se em exercicio 739 professoras e 34 substitutas effectivas". “Em junho e julho de 1929, effectuaram-se todas as provas do concurso para preenchimento das cadeiras de portuguez, latim, cosmographia e inglez, tendo sido, por um dos candidatos, interposto recurso, para o Departamento Nacional do Ensino, contra o resultado do concurso de cosmographia”. “No concurso para livres docentes, somente se inscreveu um candidato (cosmographia)”. “Há, actualmente, catalogados e fichados 1868 livros impressos e 48 manuscriptos, aos quaes foram feitas, em 1929, 1.590 consultas por professores e alumnos”.
45
“Por ter odecreto nº 16.782 A de 13dejaneiro de 1925, supprimindo dos cursos jurídicos as cadeiras de Theoria e Pratica do Processo Criminal e de Pratica do Processo Civil e Commercial, deixaram o exercício destas cadeiras os professores José de Borba Vasconcellos e Edgard Cavalcante de Arruda, tendo sido o primeiro posto em disponibildade”. “A cadeira de Theoria e Pratica do Processo Criminal acaba de ser restaurada, por decreto de 29 de março p.p. e surppresa a de Direito Penal, voltando à actividade o primeiro dos referidos professores”. “Em 1926, foram nomeados os membros que deveriam compor o Conselho deste Estado, escolhidos dentre os professores da Faculdade de Direito”.
Fonte: dados da pesquisa.
Os grifos visaram, no primeiro momento, ressaltar a ênfase temática do dado34
selecionado. À primeira atividade seguiu-se o agrupamento das idéias identificadas (Quadro
VI), o que foi feito considerando aspectos comuns e ou relacionados entre si, conforme
indicam Flores (1994) e Minayo (1994). A definição de conceitos que aglutinassem tais
informações foi orientada para a busca daqueles que permitissem uma progressiva
aproximação do perfil da profissão docente que se produziu socialmente no momento
histórico investigado. Tomando esta necessidade como critério, emergiram do estudo dos
documentos as seguintes categorias: perfil do professor, carreira (condições de trabalho,
ingresso, remuneração), formação, instituições de formação, financiamento e valorização
social da profissão.
Quadro VI
Instrumental utilizado na categorização por fontes
Ano Dispositivos /Educação
Aspectos da Profissão Docente nas Constituições
Ingresso no Magistério
É vedada a dispensa do concurso de titulos e provas no provimento dos cargos do magisterio official, como, em qualquer curso, a de provas escolares de habilitação, determinadas em lei ou regulamento. (Art. 119)
Exigências Necessárias para o
Exercício da Profissão
Podem, no entanto, ser contractados, por dois annos, no maximo, professores de nomeada, nacionaes, de notória capacidade techica. (Art. 119 §1º)
Título
VII
Principais Instituições Formadoras
_______
1935
Artigos
112 a
Perfil do Professor
No caso de extincção da cadeira, será o professor aproveitado na regencia de outra, em que se mostre habilitado. (Art. 119 §2º)
34 Corrobora-se a formulação de Flores (1994, p. 16) de que um “dado suporta uma informação sobre a realidade, implica uma elaboração conceptual dessa informação e o modo de expressá-la que possibilite a sua conservação e comunicação”.
46
120
Condições de Trabalho /Carreira
O professor nomeado mediante concurso para instituto official tem as garantias da vitaliciedade e da inamovibilidade. (Art. 119 §2º)
Fonte: dados da pesquisa.
A categorização deu forma à tarefa de “redução dos dados”35 e foi central ao
exercício de dar inteligibilidade às lacunas e ênfases da documentação oficial cearense, bem
como aos momentos em que ela foi mais propícia às questões relativas aos professores. O
uso de fontes distintas no que se refere a sua finalidade (o que foi previsto pelo Poder
Público, nos decretos e leis; as concretizações declaradas, nas mensagens e relatórios
governamentais), possibilitou a triangulação das informações e, por conseguinte, a
explicitação de contradições e avanços no exame dos contornos que a profissão professor
assumiu entre 1930 e 1964 no Estado, considerando os registros oficiais escritos.
A opção pela análise qualitativa dos documentos utilizados no estudo pautou-
se no reconhecimento de que estes materiais contêm informações ainda não exploradas,
apresentando, por conseguinte, potencial na compreensão dessa atividade laboral na
contemporaneidade, ao permitir o desvelamento de aspectos secundarizados pela memória
oficial sobre o professor nesse momento histórico. Como ressalta Magalhães Junior (2001),
reconstituir os acontecimentos de um tempo é atitude humana que auxilia na vivência do
presente e conduz a ele.
1.3.2 A política educacional nas idéias e práticas de educadores cearenses –
possibilidades da história de vida temática
Até bem pouco tempo os professores constituíam um dos grupos excluídos
dos discursos sobre a educação, acerca da escola, a respeito da sala de aula. Nos últimos
anos, contudo, esta situação apresentou alterações significativas, sendo inúmeros os
estudos que apontam os professores como principais protagonistas na concretização das
políticas educacionais no cotidiano escolar (HARGREAVES, 2001; HARGREAVES e
EVANS 1997; SACRISTÁN, 1997; CRUZ, 1994; THERRIEN, 1996, 2000; FARIAS,
1997, 2002; NUNES, 2004). Tal reconhecimento impulsiona o escrutínio das experiências,
dos processos e dos espaços constitutivos da docência como profissão. Nesse sentido, este
estudo buscou examinar a relação entre o pensamento pedagógico de educadores cearenses
35 A redução de dados é apontada por Flores (1994) e Bogdan e Biklen (1994) como uma das atividades que, juntamente com a codificação, apresentação dos dados e conclusões, compõem o processo analítico básico comum à maioria dos estudos que trabalham com documentos. A redução dos dados é caracterizada pelo esforço de identificar, separar e classificar unidade de análises relevantes e significativas à problemática investigada que caracteriza.
47
cuja trajetória profissional transcorreu entre os anos de 1930 e 1964, e as políticas
educacionais vigentes no momento histórico por eles vivenciado.
Duas premissas básicas sustentaram a concretização desta iniciativa. Por um
lado, a idéia de que as diretrizes definidas pelo Poder Público contribuem para delinear o
ideário pedagógico predominante em um determinado momento histórico (GADOTTI,
1994), podendo ser captado por meio tanto das concepções expressas em um conjunto de
medidas jurídicas, quanto da memória daqueles que vivenciaram e concretizaram tais
orientações.
No caso deste estudo, a opção recaiu sobre a recepção das políticas
educacionais na perspectiva de um dos sujeitos, que a concretiza no contexto escolar: os
professores. De outra parte, a produção de informações sobre a experiência de educadores
locais, com base nos ‘tons’ que as diretrizes educacionais de determinados momentos
históricos assumiram no ‘fazer pedagógico’ desses profissionais, oferece elementos
importantes para a compreensão tanto do percurso de produção da profissão docente no
Ceará quanto do papel desses sujeitos nos contornos do projeto educacional do período.
Vários docentes que exerceram a profissão entre os anos de 1930 e 1964 ainda
estão vivos – alguns inclusive em plena atividade, o que permite reconstituir, pela via da
história oral, suas trajetórias e idéias, e com isso ampliar as perspectivas de análise sobre a
educação cearense. É dessa possibilidade que nos fala Thompson (1998, p. 22) ao lembrar
que, embora a história oral não seja “necessariamente um instrumento de mudança”, ela
pode
[...] ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras que existam entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da história – seja em livros, museus, rádio ou cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras. (Grifos nossos).
O grifo ressalta a ênfase na democratização da própria história, tendência que
reforçou nas últimas décadas a retomada da história oral nos diferentes campos de
conhecimento, em particular, o educacional. Esta abordagem metodológica serve de
contraposição à história tradicional, cujo foco encontra-se nos documentos escritos e nos
heróis, relegando os demais sujeitos ao papel de meros coadjuvantes (SIMSON, 1998). Ao
destacar personagens até então secundarizados, a história oral fez emergir a subjetividade
48
daqueles que participaram de um dado momento histórico, reconhecendo-os também
como construtores de sentido.
No terreno da produção de conhecimento sobre a educação e o magistério, a
tendência de privilegiar as histórias de vida dos professores reconhece que tais narrativas
explicitam relações com suas formas de se produzir sujeito no mundo e suas formas de
inserção e atuação na docência (BUENO, CATANI e SOUSA, 1998). O fato de narrar a
sua vida favorece a constituição da memória pessoal e coletiva, ao mesmo tempo em que
insere o sujeito professor “nas histórias”, e enseja, com base nesse exercício, a
compreensão de suas práticas. Este entendimento balizou como suporte metodológico a
opção pela história de vida temática, modalidade da história oral que se caracteriza pela
ênfase em um ou mais temas a partir de acontecimentos e experiências que marcaram a
vida do entrevistado.
Definimos como tema a trajetória profissional do professor, nele destacando
dois componentes: as idéias e as práticas que marcaram esta experiência. O exercício de
aproximação ao pensamento pedagógico desse sujeito na cena educacional cearense entre
os anos de 1930 a 1964, portanto, considerou a trajetória profissional como elemento
material à compreensão de aspectos constitutivos da identidade docente nesse contexto.
Os relatos sobre as trajetórias profissionais dos professores pesquisados foram
colhidos por meio de entrevistas. Ao reunir várias “histórias” de professores
contemporâneos, tivemos a intenção de, com suporte na reconstituição desse passado – de
suas similaridades, permanências e silêncios, compreender as inter-relações das políticas
educacionais vigentes e as práticas e idéias por eles vivenciadas no delinear da profissão
professor cearense entre os anos de 1930 e 1964.
Embora possibilite novas formas de reconstituição do passado, o uso de
narrativas orais não constitui tarefa simples, considerando sua recorrência ao recurso da
memória. A história de vida temática ou a produção de relatos orais temáticos solicita um
exercício de relembrar o que passou. Como advertem Magalhães Junior e Farias (2006), “a
relembrança está sujeita ao agora [...] não funciona somente como um arquivo em que,
tendo a vontade de resgatar algo, mergulhamos na memória e retiramos o que queremos”.
Não funciona de forma tão simples e mecânica. Quem fala do que viveu experimenta um
duplo papel, pois os “relatos das entrevistas são na realidade uma representação da
49
realidade reconstruída e relatada por atores-escritores do ato em que eles mesmos
representaram” (IBIDEM).
Tais características, ao mesmo tempo em que realçam os desafios da utilização
da memória como recurso metodológico, também destacam sua relevância no
delineamento de idéias e práticas que deram vida e forma à docência no cenário
educacional de um determinado tempo e lugar, neste caso, no Ceará. A definição dos
docentes foi norteada por dois critérios: ter ocupado cargo público na área educacional e
ter exercido a docência em cursos de formação de professores em instituições públicas. Em
busca desses educadores, fizemos ampla consulta ao banco de dados da Universidade
Estadual do Ceará, do Instituto de Educação do Ceará, do Conselho de Educação do Ceará
e do Sindicato dos Professores.
Com base nesse levantamento, foram selecionados e convidados a contribuir
com o estudo, sete professores, cuja identificação e descrição sintética está registrada no
Quadro VII:
Quadro VII
Educadores cearenses pesquisados
Educadores Nascimento Antonieta Calls de Oliveira 1924 Iracema Oliveira Santos 1931 Nildes Alencar Lima 1935
Jorgelito Calls de Oliveira 1921 Rosa Maria Ferreira da Fonseca 1949
Edgar Linhares Lima 1929 Maria Helena Silva 1944
Fonte: dados da pesquisa.
Para a coleta dos relatos, foi elaborado um instrumental e efetuada uma pré-
testagem com uma educadora que atendia às características similares aos entrevistados.
Neste processo, revisou-se a natureza das perguntas propostas no instrumento de
entrevistas quanto à sua ordem de apresentação, objetividade e real importância para
consecução das informações desejadas. Após análise desses aspectos, elaborou-se o roteiro
final de entrevista, que contou com os seguintes itens: dados de identificação; contexto
social, cultural e familiar; trajetória de formação; trajetória profissional: experiência docente
e outras experiências.
50
Após a realização das entrevistas, os relatos orais foram transcritos36 na íntegra,
atividade que exigiu atenção redobrada, visando a assegurar a fidedignidade das
informações registradas pelos entrevistados. Os dados foram organizados37 de modo a
possibilitar seu uso durante a análise.
O relato foi orientado por um roteiro de entrevista previamente testado, no
qual constavam pautas sobre: o contexto social, cultural e familiar do professor; a formação
e a trajetória profissional. Estes relatos detalharam as experiências no magistério e em
outros espaços educativos, bem como atividades não relacionadas à educação.
A análise envolveu distintos momentos, entre estes, leitura e categorização dos
dados, e o estudo da literatura como estratégia para fazer emergir elementos que
favorecessem o ato interpretativo acerca da configuração da identidade docente no
contexto educacional cearense, no interregno investigado.
Nesse sentido, tomamos como aporte teórico as formulações de Gadotti
(1994), Nagle (1976) Cavalcante (2002) e Vieira (2002) sobre as idéias pedagógicas
presentes na educação brasileira e cearense; de Ciampa (1993), Bueno, Catani e Souza
(1998) sobre identidade docente, bem como de Thompsn (1998) Esteves e Azevedo (1996),
Simson (1998), Fazenda (1995), Vasconcelos e Magalhães Júnior (2001), sobre história oral
e memória.
Com suporte nas informações cedidas pelas entrevistas, a análise indutiva
permitiu a definição de categorias, que foram aplicadas posteriormente ao AQUAD 5.0,
programa informático que auxilia o exame de dados qualitativos.
O momento da análise exigiu um trabalho ainda mais intenso, visando à
explicitação das regularidades, silêncios, avanços e contradições que marcaram o exercício
da profissão professor no período investigado. A utilização da história de vida temática
revelou-se suporte metodológico fértil para a compreensão das inter-relações da trajetória
profissional com as diretrizes governamentais no delineamento da identidade docente, no
contexto educacional cearense.
36 O período de gravação das sete entrevistas somou, aproximadamente, vinte e quatro horas, sendo que quatro foram realizadas em uma sessão e três em duas sessões, conforme a disponibilidade de cada professor. A coleta dos relatos abrangeu o período de 09/2006 a 01/2007. 37 As informações resultantes desse estudo estão organizadas de duas formas: no Banco de Dados Trajetória Profissionais de Educadores cearenses (em mídia eletrônica - cd rom), que traz fotos dos sete educadores cearenses e seus relatos na íntegra; na Coletânea de Dados: Categorização das Entrevistas, material impresso que condensa os dados por categoria de análise.
51
A amplitude de detalhes que emergiram da história de vida dos professores
aportou novos significados à história da educação cearense, permitindo a ampliação de
saberes a partir da história contada pelos próprios sujeitos que a constituíram. Os
professores, dessa forma, contribuem com a reconstituição da história, à medida que suas
histórias de vida se articulam à história oficial.
1.3.3 Tramas da constituição da profissão docente no meio rural – múltiplas
fontes para compreender o passado
Os estudos acerca Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, além de
escassos, foram produzidos em boa parte por protagonistas desta experiência educacional.
Este é o caso dos escritos de Plácido Aderaldo Castelo (1951), na época, Juiz Municipal de
Juazeiro do Norte; de Joaquim Moreira de Sousa (1955), então Diretor Geral da Instrução
Pública do Ceará; de D. Amália Xavier de Oliveira (1984), diretora desse estabelecimento
por quase quatro décadas; de José Boaventura de Souza (1994), historiador caririense,
pertencente ao quadro do magistério dessa unidade de ensino.
Tais produções, se marcadas pela perspectiva apaixonada de quem viveu e/ou
compartilhou do desiderato da escola ruralista, têm o mérito de registrar fatos e detalhar
aspectos fundamentais à compreensão das relações que se estabeleciam entre a Escola e as
demandas sociais no momento histórico em que ela foi pensada e concretizada. Nesse
sentido, e considerando a intenção deste estudo de compreender os acontecimentos que
marcaram o cotidiano deste estabelecimento de ensino pioneiro no País na formação de
professores para o meio rural, procurou-se atentar para o alerta de Del Priore (1997) de que
uma investigação orientada por este interesse não se resume unicamente ao ato de
descrever o que se sucede no dia-a-dia, mas explicitar curiosidades ou peculiaridades das
ações humanas no tempo.
Na história do cotidiano sobressai a intencionalidade de fazer aparecer as
pessoas comuns, com seus hábitos, valores, costumes, ou seja, o cotidiano de todos que
vivem a cada instante na trama das coisas do dia-a-dia; nela podemos perceber a “eclosão
de um certo olhar etnológico” (LE GOFF, 1986, p. 74).
Os eventos do cotidiano da Escola Normal de Juazeiro do Norte, relatados
pelos protagonistas desse fato histórico, são efetuados desde um “filtro seletivo”, o qual
define o que é ou não importante e válido. Tais registros, ao serem objeto de investigação,
52
exigem do historiador do cotidiano que ele exerça seu papel de devoto de Clio38 ou, como
sugere Le Goff (1986, p. 81), que ele esteja ciente de que “no seio do quotidiano há uma
realidade que se manifesta de forma completamente diferente do que acontece nas outras
perspectivas da história: a memória”.
Em linhas gerais, são essas as idéias que nortearam a concretização deste
estudo, viabilizada pelo uso de múltiplas fontes. Este termo, de acordo com Nunes (1989),
compreende o “conjunto de documentos que proporciona – independente da data da sua
produção, da sua natureza e suporte material – informações pertinentes” para o estudo da
história educacional. Levando em conta esta acepção, recorremos a materiais impressos e
dados provenientes de relatos orais coletados com suporte na memória.
O trabalho de campo visando à coleta das fontes – orais e escritas – foi
realizado na cidade de Juazeiro do Norte (nos semestres 2005.2 e 2006.1) e em Fortaleza
(durante os semestres 2006.2 e 2007.1). Ele possibilitou identificar vários documentos
contendo informações importantes sobre a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte.
Boa parte dos documentos impressos foi localizada no acervo pessoal de Maria Assunção
Gonçalves, ex-aluna da segunda turma da Escola Normal Rural de Juazeiro e antiga
professora. O Quadro VIII mostra as relíquias ali encontradas.
Quadro VIII
Documentos do acervo de D. Assunção Gonçalves
Documento Data do Documento Quan-tidade
Provas (várias disciplinas) 1934, 1936, s/d 08 Boletins 1929, 1930, 1935, 1936, 1937 05 Amostra da Revista da ENRJN (20º aniversário) 1954 01 Anais da Semana Ruralista de Juazeiro 1935 01 Amostra de cadernos escolares (música, arte culinária, ciências, matemática, desenhos)
Década de 1920 e 1930 19
Amostra da Revista O Cruzeiro s/d 01 Amostra do livro Uma fazenda modelo 1938 01 Diplomas e certificados Década de 1930, 1950, 1960,
1970 e 1980. 13
Amostra de Relatórios das atividades da Escola Normal Rural de Juazeiro
1936, 1947 - 1949 1960, 1963, 1968
05
Amostra da Revista Educação Nova 1934 01 Regulamento da Escola Normal Pedro II 1935 01 Regimento Interno da ENRJN s/d 01 Folha dos funcionários da ENRJN 1942 01 Nomeação de professoras 1965 01
38 Na mitologia grega, Clio era a musa da História, uma das nove filhas de Mnemósine (a Memória) (MÉNARD, 1991).
53
Amostra do livro Por uma Escola Melhor 1934 01 Rascunho sobre as armas da ENRJN s/d 01 Trabalho de alunos Nossa vida escolar 1938 01 Amostra do livro Ferramentas – Nomenclatura, uso e manutenção.
1952 01
Caderno de Anotações de sala de aula 1966 01 Inquérito de sondagem da ENRJN s/d 01 Discurso de Amália Xavier as paraninfadas s/d 01 Discurso da turma das primeiras professoras 1937 01 Discurso de encerramento do ano letivo 1949 01 Crônica – Para memória de uma mestra s/d 01 Registro de colação de grau 1976 01 Carteira de Clube Agrícola Escolar 1935 01 Biografia de Amália Xavier s/d 01 Balancete financeiro geral 1955 - 1956 01 Cartas e bilhetes Décadas de 1930 e 1950 05 Cópia da ata da cópia de doação do patrimônio da ENRJN feita pelo Instituto Educacional ao Governo do Estado do Ceará
1958
01
Comemoração dos 50 de Magistério da ENRJN 1988 01 A Voz do Professor (livreto) s/d 01
Fonte: dados da pesquisa
No conjunto, as fontes relacionadas no Quadro VIII foram objeto de análise e
integraram a síntese interpretativa produzida pelo estudo A Escola Normal Rural de Juazeiro
do Norte – tramas do cotidiano na construção da profissão docente no Ceará. Alguns desses materiais,
todavia, receberam maior atenção, a saber: os Anais da Semana Ruralista de Juazeiro, o
Regulamento da Escola e o jornal O Lavrador.
A Semana Ruralista, evento resultante da iniciativa da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres, associação comprometida com a tarefa de propagar a supremacia da
vida no campo, foi instalada no dia 22 de junho de 1935 e seu acontecimento foi registrado
através da publicação em anais no ano de 1938. O exemplar original dos Anais da Semana
Ruralista de Juazeiro foi disponibilizado para a reprodução pelo Prof. Dr. Antonio Renato
Soares Casimiro.
O propósito desse evento foi possibilitar discussões e palestras sobre os
assuntos pertinentes à vida do homem do campo. A semana ruralista de Juazeiro do Norte
foi considerada pela sociedade da época, segundo a “Gazeta Rural” de Recife, como “[...] o
primeiro passo para o maior desenvolvimento da agricultura e pecuária do Ceará” (ANAIS
DA SEMANA RURALISTA, 1935).
54
Os Anais da Semana Ruralista de Juazeiro são compostos de 13 palestras e anexos
(telegramas, decretos, relatórios, entre outros). Os Quadros IX e X apresentam as
informações gerais deste documento, com seus assuntos, autores e localização:
Quadro IX
Informações sobre o conteúdo dos anexos dos Anais da Semana Ruralista de Juazeiro (1935)
Anexos Assunto Página
Projeto e Lei mandando imprimir os Anais da Semana Ruralista 115 Atas das Sessões 116
Telegramas recebidos durante a Semana Ruralista 125 Histórico da Escola Normal Rural do Juazeiro (Estado do Ceará) 129
Relatório do Clube Agrícola Alberto Torres 140 Decreto Nº 1.218 de 10 de Janeiro de 1934 – Criação da Escola Normal
Rural 147
Regulamento da Escola Normal Rural – Expedido pelo Decreto Nº 1.269 de 17 de maio de 1934
150
Decreto Nº 1.278 de 11 de Junho de 1934 – Considera Oficial a Escola Normal Rural, mantida parcialmente pelo Instituto Educacional de Juazeiro
166
Fonte: dados da pesquisa
Quadro X
Informações sobre o conteúdo das palestras dos Anais da Semana Ruralista de Juazeiro (1935)
Palestras Assunto Autor Pág.
Discurso na Assembléia Constituinte do Ceará
Deputado Plácido Castelo 5
O Ensino Agrícola na Escola Primária Professor Joaquim Alves 15 Orientação das Escolas Normais Rurais Dr. Filgueiras Lima 21 Sugestões para a Reforma da ENRJ Professor Hugo Catunda 25 Higiene Dentária Escolar Rural Dr. Cândido Meireles 33
Irrigação e Lavoura Seca Agrônomo Raimundo Xavier de Lima Filho
42
Como cuidar da criança Maria de Lourdes R. de Carvalho 53 Defesa Sanitária Animal Dr. Carlos Furtado Lôbo 61
Avicultura Não foi registrada a autoria 67 Problemas Sanitários do Setor Sul do Ceará Dr. Miguel Rodrigues de
Carvalho 73
Cooperação Pró-Defesa do Nordeste Seco Professor José Militão de Albuquerque
83
O tracoma no Cariri Dr. Belém de Figueiredo 97 Palestra sobre Alberto Torres Professor Joaquim Alves 109 Fonte: dados da pesquisa
Note-se que o Regulamento da Escola Normal Rural, outra fonte bastante
explorada neste estudo, consta nos anexos dos Anais da Semana Ruralista de Juazeiro.
55
O Lavrador, por sua vez, foi identificado durante a visita ao município de
Juazeiro do Norte, em 2005. O primeiro número desse impresso escolar circulou no dia
seguinte à instalação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, mais precisamente em
14 de junho de 1934. Este periódico, produzido por alunos e docentes da Escola, registrou
os principais acontecimentos da escola e assuntos ligados à vida do homem do campo, em
coerência com o título e o símbolo que o identificavam.
Ao todo, foram localizados 112 exemplares do jornal O Lavrador. O Quadro XI
mostra a distribuição do jornal por décadas:
Quadro XI
Jornal O Lavrador : distribuição por décadas
Período Quantidade de exemplares
1934 – 1939 42 1940 – 1949 53 1950 – 1958 13 1965 – 1967 02 1970 – 1974 02 Total 112
Fonte: dados da pesquisa
Durante a catalogação desse material, verificamos a existência de lacunas na
seqüência de impressão dos jornais, principalmente nas últimas décadas. A organização do
O Lavrador e dos Anais da Semana Ruralista de Juazeiro envolveu a digitalização desses
documentos, o tratamento das imagens e sua reprodução. A versão impressa do jornal foi
organizada em 17 volumes. Os primeiros dezesseis volumes trazem os jornais publicados,
ano a ano, entre as décadas de 1930 e 1940, enquanto o último volume reúne os
exemplares publicados entre 1950 e 1970, separados por ano. Os Anais da Semana Ruralista
de Juazeiro no formato impresso resultaram em único volume. Na versão em mídia
eletrônica dessas duas fontes (CD ROM) constam as imagens em Arquivo PDF,
tratamento que visou a facilitar a leitura do documento mediante sua impressão em preto-
e-branco, bem como as imagens scanneadas e que permitem visualizá-los em sua
configuração original.
Para subsidiar a compreensão da problemática da investigação também foram
coletados relatos de professores e alunos egressos da Escola Normal Rural de Juazeiro do
Norte. No conjunto, foram colhidos dez relatos. O Quadro XII revela o nome e a idade
dos entrevistados, bem como a posição que ocupou na Escola.
56
Quadro XII
Alunos e professores da ENRJN entrevistados
Entrevistado (a) Idade Situação em que atuou na ENRJN
Maria Assunção Gonçalves 91 anos Aluna e professora Mons. Murilo de Sá Barreto (In memorian) 75 anos Professor
Joaquina Gonçalves de Santana 82 anos Aluna e professora Marlene Rodrigues de Melo Alves 73 anos Aluna
Maria Aila de Almeida 87 anos Aluna Emília Mendes Bezerra Monteiro 59 anos Aluna
Francisca Djalma Brito 53 anos Aluna Iracema Gonçalves Magalhães 89 anos Aluna e professora Maria Venúsia Cabral Barros 87 anos Aluna
Nerci Matos 90 anos Aluna Fonte: dados da pesquisa
Os relatos dos professores e alunos, coletados entre 2005 e 2007, explicitaram
acontecimentos que marcaram o dia-a-dia desta instituição de formação docente com base
nas narrativas dos sujeitos que dela participaram.
As fontes orais, associadas à documentação impressa, foram utilizadas no
estudo das tramas do cotidiano na edificação da profissão docente ancorada na experiência
da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, que focalizou os anos de 1930 a 1946. A
definição deste marco temporal não foi aleatória; abrangeu os primeiros anos de
funcionamento da escola, chegando até a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Normal
(Reforma Capanema), momento em que se registram alterações na proposta de estudo
inicial dessa instituição pioneira na formação de professores ruralistas.
Diversas tarefas permearam o processo de análise das informações contidas
nas fontes utilizadas neste estudo. Uma das atividades desse momento consistiu no estudo
da literatura sobre o contexto político, social, econômico e educacional da época (NAGLE,
2000; SCHWARTZMAN, 2001; LOURENÇO FILHO, 2001); os vínculos entre história e
memória (THOMPSON, 1998; LE GOFF, 1986; SOUZA, 2004); o cotidiano e sua
contribuição no estudo histórico (LE GOFF, 1986; GUIMARÃES, 2002); cultura docente
e profissionalização (SACRISTÁN, 1997; HARGREAVES, 1998; GÓMEZ, 2001;
FARIAS, 2006; COELHO, 1997).
A leitura e a discussão desses referenciais, orientados pela análise indutiva dos
dados, permitiram a definição de categorias e subcategorias, visando ao mapeamento das
fontes, conforme pode ser verificado no Quadro XIII:
57
Quadro XIII
Categorias temáticas do estudo ENRJN
Atividades rurais Educação Doméstica Culinária Corte e costura Comemorações Práticas religiosas Palestras Canto orfeônico/hinos Aula de campo
Práticas
Excursões Educação Física Escola Nova Relatório
Estrutura e Funcionamento
Proposta de formação
Currículo e Programas Conceitos e Significados
Clube Agrícola Pelotão da Saúde
Instituições/organismos escolares
Liga da Amabilidade Cruzada Nacional da Educação Semana Ruralista Acontecimentos que
marcaram a fundação da Escola
Contribuições da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres Caixa Escolar Subvenções Financiamento Prestação de contas
Referências à D. Amália Xavier
Impressões de visitantes Redações diversas Fonte: dados da pesquisa
Como mostra o Quadro XIII, foram definidas oito categorias centrais:
proposta de formação; conceitos e significados; instituições auxiliares da educação;
acontecimentos que marcaram a fundação da Escola; financiamento; referências a D.
Amália Xavier; impressões de visitantes e redações diversas. Essas categorias nortearam o
garimpo das informações nas múltiplas fontes utilizadas. No caso do jornal O Lavrador, dos
112 exemplares identificados, 86 foram examinados, visando à explicitação de assuntos
relacionados ao tema. Este esforço também foi envidado nos relatos e na literatura
estudada, conforme mostram os Quadros XIV e XV:
58
Quadro XIV
Instrumental utilizado no mapeamento da literatura estudada
FATORES QUE MARCARAM A CRIAÇÃO DA ENRJN
Identificação: SOUSA, Joaquim Moreira de. Estudo Sôbre o Ceará. MEC/INEP/CILEME, (s/d) Acontecimento: Fundação da Escola Localização: Páginas 217, 218 e 219. Detalhamento: Então compreendemos que nada se obteria, sem a preparação adequada do professor e volvemos os olhos para a reforma do Ensino Normal, fundando uma Escola Normal Rural onde se ensinasse e se aprendesse, em moldes e formas novas, o que era preciso para implantar, desde a escola primária, no espírito do povo, uma mentalidade que se coadunasse com o meio físico e social em que vivia esse mesmo povo (p. 217). Foi assim, e por isso, criada e instalada a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, ainda sob a inspiração distante de Lourenço Filho... (p. 218). Estava fundada a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte (1934). Há pouco festejou o seu 20° aniversário, (13-6-54), já tendo diplomado 387 professôras (p. 219).
Fonte: dados da pesquisa
Quadro XV
Instrumental utilizado no mapeamento do jornal O Lavrador
Identificação documento: Ano VII, Nº 50/ Janeiro e Fevereiro de 1941 – Capa, página 5 e 6. Autora: Maria Menezes (Professora) Detalhamento: “Papel do Mestre na manutenção da Disciplina- ... Deste modo, é bem evidente que o mestre é quem faz a escola, preparado o ambiente de maneira adaptável aos seus alunos o que conseguirá lançando mão dos meios que lhe facultam a Nova Pedagogia... A autoridade do mestre é incontestavelmente um meio essencial para na formação completa dos discípulos. No entretanto ele não pode fazer a educação somente pela autoridade. Esta deve ser exercida sem que venha anular a liberdade de agir do aluno... Vemos pois que são inúmeras as exigências para bem disciplinar uma classe, porém, com um pouco de sacrifício e boa vontade, pode o educador desempenhar com eficiência a nobre missão que lhe foi confiada-preparar o homem do futuro.” Categoria: Proposta de Formação-Práticas/Palestra
Fonte: dados da pesquisa
As fontes utilizadas permitiram, de algum modo, compor uma teia dos
acontecimentos e discursos que concretizaram a criação da Escola Normal Rural de
Juazeiro do Norte, bem como sua contribuição no delineamento da profissão professor no
período.
Os achados da pesquisa, organizados conforme os ângulos de abordagem do
tema, estão detalhados na próxima parte deste relatório.
60
Profissão Professor no Ceará (1930-1964): discursos e práticas pedagógicas
O que passou não conta? Indagarão as bocas desprovidas.
Não deixa de valer nunca. O que passou ensina.
THIAGO DE MELLO
Esta parte do presente relatório tem por objetivo apresentar os principais
“achados” sobre a profissão professor no Ceará no período de 1930 a 1964. A investigação,
desde seu princípio, buscou estabelecer um diálogo com os discursos, mecanismos e
práticas que, paulatinamente, se configuraram como elementos reguladores do exercício
docente nesse interregno. O escrutínio desses aspectos foi entremeado pelo pressuposto de
que é no intervalo temporal em foco que a docência se faz tema das políticas públicas, mais
especificamente, da política educacional.
Assinalamos no texto introdutório deste documento que a concretização de
um trabalho da envergadura da pesquisa integrada Profissão Professor: políticas e memória
reclamou, antes de tudo, o desenvolvimento de práticas coletivas e cooperativas. Isso não
significou, todavia, indefinição na autoria das sínteses ora registradas. Nesse sentido,
procuramos identificar os pesquisadores e colaboradores (mestrandos e bolsistas de
iniciação científica) diretamente envolvidos na elaboração dos textos que compõem as
seções e seus diversos tópicos em nota de rodapé.
Os “achados” da pesquisa foram sistematizados em três seções, conforme os
ângulos a que recorremos, visando à análise da temática abordada. O texto, que inicia pelo
discurso governamental cearense sobre a atividade laboral docente, pode ser acompanhado
a seguir.
2.1 Profissão professor no Ceará (1930 a 1964): entre ditos e feitos39
A profissionalização docente no Brasil registra um percurso marcado por
contradições e ambigüidades. Inúmeros registros evidenciam o descaso relacionado à
39 Este texto foi produzido por José Eudes Baima Bezerra, Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque e Isabel Maria Sabino de Farias, com a colaboração dos bolsistas de iniciação científica, sob suas supervisões.
61
profissão professor nas primeiras décadas do século XX. Desse modo, visando à apreensão
dos significados e das formas que assume a profissão professor no Ceará entre 1930 e
1964, faz-se necessário situar alguns elementos contextuais com base nos quais foram
produzidos os discursos e mecanismos que a constituíram.
Grosso modo, é lícito afirmar que o cenário social brasileiro nesse período
tornou-se representativo do modelo econômico (e político) denominado “nacional-
desenvolvimentismo” (ROMANELLI, 1989). As distintas faces e forças sociais e políticas
que permearam a sociedade na época tiveram repercussões diversas na constituição da
profissão docente, conforme procuram evidenciar as reflexões que se seguem.
2.1.1 O Cenário educacional entre 1930 a 1964 – situando o magistério
A década de 1930 constitui momento histórico de grande efervescência política
e econômica em escala mundial. No Brasil, a falência da economia cafeeira desvela a
subordinação do País ao capital externo e os limites que esse impõe à existência mesma da
economia nacional. A ruptura com a exclusividade da economia agrícola, em especial, com
a hegemonia da lavoura do café, “desperta”, tomando de empréstimo o termo de Ribeiro
(1980), uma certa consciência nacional e industrial, com evidentes repercussões na
correlação de forças sociais e políticas.
Estes ingredientes estão na base da ruptura política, cavalgada por Getúlio
Vargas e por sua Aliança Liberal, largamente identificada nos estudos sobre o tema como
‘Revolução de 30’ que, ao instaurar um Governo Provisório40, sob diferentes formas,
conduzirá o País até a queda de Vargas, em 1945. Como diz Ribeiro (IBIDEM, p. 103),
“desta forma tem origem, mesmo que de uma maneira um pouco confusa de início, a
ideologia política – o nacional-desenvolvimentismo – e o modelo econômico compatível –
a substituição de importações”.
A industrialização emergente nos primeiros anos da década de 1930 trouxe
consigo uma demanda urgente: a formação de recursos humanos especializados. Foi nesse
contexto que a Educação ganhou visibilidade, configurando-se como uma questão
nacional. Foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública41 (1930) e, no ano seguinte,
realizada a Reforma Francisco Campos, que instituiu o Conselho Nacional de Educação
(Decreto nº. 19.850/1931). A Reforma tratou dos ensinos superior (Decretos nº. 40 Primeira fase do Governo Getulista (1931 a 1937). Período que antecedeu o Estado Novo (1937 a 1945). 41 Esta pasta foi assumida por Francisco Campos.
62
19.851/1931 e nº. 19.852/1931), secundário (Decreto nº. 19.890/1931 e nº. 21.241/1931) e
comercial (Decreto nº. 20.158/1931). Houve nesse momento grande expectativa em torno
do delineamento de uma política educacional capaz de instaurar um sistema nacional de
educação.
A focalização nos interesses das elites (RIBEIRO, 1998; PIMENTA e
GONÇALVES, 1990; ROMANELLI, 1986, entre outros), todavia, sendo preteridos o
ensino primário e a formação de professores para este nível, apareceu na contramão dos
anseios de educadores que protagonizaram as reformas da década anterior42. Estes mesmos
educadores, insatisfeitos com os rumos da reforma de Francisco Campos, lançaram o
“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (1932) no qual apresentaram, “ao povo e ao
governo”, uma proposta de “reconstrução” da educação.
O “Manifesto”, ao começar reconhecendo que “na hierarchia dos problemas
nacionaes, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação” (MANIFESTO
dos Pioneiros da Educação Nova, 1932, p. 23), destaca que o professor deve integrar a elite
cultural do País. Sinaliza, contudo, logo em seguida, que “não se dá, nem nunca se deu no
Brasil, a educação que uma elite pode e deve receber” (IBIDEM). Esta asserção é reforçada
pela descrição feita acerca do modo como são recrutados e preparados os professores à
época:
A maior parte delle, entre nós, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer preparação profissional, como os professores do ensino secundário e do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionaes dessas carreiras, que receberam, uns e outros, do secundário a sua educação geral. O magistério primario, preparado em escolas especiaes (escolas normaes), de caracter mais propedeutico, e, às vezes mixto, com seus cursos geral e de especialização profissional, não recebe, por via de regra, nesses estabelecimentos, de nivel secundario, nem uma solida preparação pedagogica, nem a educação geral em que ella deve basear-se. A preparação dos professores, como se vê, é tratada entre nós, de maneira differente, quando não é inteiramente descuidada, como se a funcção educacional, de todas as funcções publicas a mais importante, fosse a unica para cujo exercicio não houvesse necessidade de qualquer preparação profissional. (MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova, 1932, p. 73). (Grifos nossos)
O magistério, pela passagem transcrita, apresentava-se então como uma
atividade cujo exercício trazia a marca da improvisação. A formação do professorado, por
42 Nos anos 1920 ocorreram, no âmbito dos estados, várias reformas educacionais. Entre tais iniciativas, destacam-se as reformas de S. Paulo, Minas Gerais, Bahia e Ceará. Nelas atuaram personalidades como: Sampaio Dória (em São Paulo), Francisco Campos (em Minas Gerais), Anísio Teixeira (na Bahia), Lourenço Filho (no Ceará), Fernando de Azevedo (no Distrito Federal), Carneiro Leão (em Pernambuco), entre outros.
63
conseguinte, não constituía preocupação governamental. Esta situação é destacada neste
documento como ponto nevrálgico da melhoria educacional e do compromisso do Poder
Público com a escola pública. Nesse sentido, os signatários do Manifesto advogam que,
além da “preparação geral” ministrada pelos estabelecimentos de ensino secundário, o
“espirito pedagógico” para o exercício do magistério deve ser formado “nos cursos
universitários, em faculdades ou escolas normaes” (IBIDEM). Tal posicionamento sinaliza
que as formulações e diretrizes deste documento reclamam o imediato reconhecimento do
professor como um intelectual, um profissional do ensino.
A “IV Conferência Nacional de Educação”, promovida pela Associação
Brasileira de Educação no ano de 1931, serviu de marco divisor entre os signatários43 do
Manifesto e os chamados educadores católicos. A aproximação, por parte deste grupo, do
reformismo deweyano com as reivindicações democráticas na educação, em particular o
apelo à responsabilização do Estado, levaram ao choque com os católicos que, em nome da
defesa da primazia da família, recusavam o programa liberal-democrático preconizado pelo
Manifesto dos Pioneiros, de 1932.
Foi sob os auspícios desse “conflito de idéias”, marca do período44 entre 1931
e 1937, que se sucedeu a convocação da Assembléia Nacional Constituinte (muito tutelada
pelo Executivo) e a promulgação da nova Constituição Federal em 1934.
Dentro do precário equilíbrio que o Governo e os deputados constituintes
estabeleceram entre os ideais liberal-democráticos e os interesses da escola católica, a
Constituição de 1934 definiu, obviamente de forma limitada, a educação como questão de
Estado, ou como questão nacional. Esta Carta, primeira do País a dedicar um capítulo à
educação e à cultura (do Art. 148 ao 158), instituiu o ensino primário gratuito e obrigatório,
a progressiva gratuidade do ensino secundário e superior, a obrigação do Estado para com
a educação, e definiu, como tarefa privativa da União, o estabelecimento de um Plano
Nacional de Educação (PNE). Quanto à docência, tornou obrigatória a realização de
43 Cabe lembrar que, embora unidos em torno da defesa da escola pública, gratuita e laica, os signatários do “Manifesto” não compunham um grupo homogêneo. Os intelectuais que o integravam, sob o guarda-chuva liberal, professavam posições que iam do elitismo liberal (Azevedo) à simpatia pelas idéias de esquerda (Lemme), passando por democratas extremados, como Anísio Teixeira. 44 Este momento teve na revolta constitucionalista, conduzida pelas elites paulistas, um período dramático e fundamental à constitucionalização do regime. Apesar de ter sido derrotado, o movimento de 1932, que tinha como principal justificativa a demora na promulgação de uma novo texto constituinte, trilhou importantes caminhos para a outorga da Carta Magna de 1934 (ROMANELLI, 1986; BASBAUM, 1975; RIBEIRO, 1980; VIEIRA, 2002, entre outros).
64
concurso para o provimento de cargos do magistério público (Art. 158). No item
“liberdade de ensino”, condicionou o reconhecimento das instituições particulares à
observação da legislação federal e estadual, estabeleceu a “estabilidade” e “remuneração
condigna” dos docentes (Art. 150, § único, alínea “c” e “f”). Prescreveu, ainda, a isenção de
impostos para os professores (Art. 113).
Embora tímidos, esses dispositivos constitucionais serviram de esteio ao
processo de valorização do professor nos anos subseqüentes. Essa emergente preocupação
com a profissão docente assumiu matizes variados nos diferentes entes da Federação,
prevalecendo a sintonia entre o nacional e local.
No Ceará, o modelo centralizador que marcou o primeiro período da Era
Vargas manifestou-se igualmente. Instalada no poder, a Aliança Liberal substituiu os
presidentes dos estados da Federação por interventores, sob o pretexto de que o regime de
ampla autonomia dos estados (conhecida como política dos governadores) favorecia o
surgimento de oligarquias locais. Fernandes Távora, o primeiro interventor, logo foi
substituído pelo capitão Carneiro de Mendonça (1931-1934). Esta função foi
posteriormente assumida por Menezes Pimentel (1935-1945) (FARIAS, 1997).
Ainda em 1934, se elegeram os deputados constituintes estaduais que
elaboraram a Constituição Estadual de 1935 que refletia as diretrizes centralizadoras da
Constituição Federal (IBIDEM). No campo educacional, as prescrições estaduais,
enfeixadas em nove artigos, estabelecem o direito à educação; regulam o ensino religioso e
particular; tratam da administração do ensino, dos recursos da educação, dos investimentos
do Estado e dos municípios; do provimento dos cargos do magistério; da oferta de ensino
primário para alunos que estivessem fora dos centros escolares e, até, do uso da língua
pátria nas aulas. A Constituição criou, ligada ao Departamento Estadual de Ensino, uma
seção destinada ao ensino rural. Note-se aqui que, antes, em 10/01/1934, o Decreto-Lei nº
1.281 criara a Escola Normal Rural cujo fim era preparar professores para o meio rural,
expressão de um movimento ruralista intenso no período.
Os anos subseqüentes foram marcados pela ruptura institucional e a
implantação das leis orgânicas da educação. O Governo Vargas, institucionalizado pelo
processo constituinte de 1934, aplicou uma política que combinava dura repressão sobre os
movimentos populares e sindicais com a integração coorporativa de organizações e
lideranças dos trabalhadores ao aparelho estatal. A emergência de manifestações políticas
65
de caráter popular, o surgimento da Aliança Nacional Libertadora, nos moldes das frentes
populares européias, impulsionada pelo PCB, e a crescente polarização internacional,
provocada pelo expansionismo nazi-fascista na Europa, tensionam o governo à direita.
Este processo culminou com o golpe desferido pelo próprio Vargas, instaurando o Estado
Novo, com o fechamento das instituições republicanas e a anulação das liberdades
públicas. A Constituição de 1937, a “polaca,”45 estabeleceu o novo quadro institucional.
Do ponto de vista educacional, a nova Carta retrocedeu em todos os pontos
fundamentais estabelecidos em 1934. A responsabilidade do Estado foi suprimida em favor
do “dever e do direito natural dos pais” e a gratuidade do ensino primário foi relativizada.
A marca deste momento foi a substituição da perspectiva de um Plano Nacional de
Educação pelo conjunto de leis editadas durante a gestão do ministro Capanema entre 1942
e 1946, conhecidas como Leis Orgânicas do Ensino. De caráter elitista, a “Reforma
Capanema” consagrou uma política educacional, lembrada, principalmente, pelo
fortalecimento do dualismo na educação brasileira, caracterizado por um ensino secundário
público destinado às camadas dirigentes e um ensino profissionalizante para a população
em geral.
No Ceará, malgrado as mudanças introduzidas pelo Estado Novo, os
documentos oficiais são silenciosos no registro das repercussões destas mudanças na
educação cearense. As reduzidas referências enfatizam a ampla adoção de medidas
disciplinadoras, sobretudo voltadas para o cotidiano escolar, bem como o esforço do
Estado para estender o atendimento educacional (VIEIRA, 2002).
Sob o peso de quinze anos de governo, sendo os oito últimos na forma de
ditadura, e da renascença da vida política e dos movimentos sociais, motivados pela vitória
sobre o nazi-fascismo, Vargas deixou o poder em 1945. Em seguida, apoiado pelas forças
mais comprometidas com o capital internacional, foi eleito Eurico Gaspar Dutra,
constituindo um Governo conservador.
Convocada a Assembléia Constituinte, esta reeditou, em linhas gerais, os
dispositivos liberais democráticos de 1934. Liberalismo democrático, destaque-se de
passagem, muito relativo, pois não comportava a existência legal do Partido Comunista.
Este foi dissolvido em 1947 e jogado na ilegalidade logo depois da promulgação da nova
45 Essa designação faz referência ao fato de a Constituição de 1937 ter tido como fonte de inspiração a Constituição fascista da Polônia.
66
Carta sob o pretexto de que era seção nacional de uma organização internacional, o que era
vetado por lei.
De acordo com a Constituição Federal de 1946, era atribuição privativa da
União a fixação das diretrizes e bases da educação nacional, para o que o ministro da
Educação, Clemente Mariani, nomeou uma comissão de educadores com o fim de produzir
um projeto de Lei Diretrizes e Bases/LDB. Neste sentido, a nova Carta dava um passo
adiante em relação à de 1934, que previa um Plano Nacional de Educação.
A tramitação da LDB opôs fundamentalmente os defensores da escola pública
aos representantes do setor privado, ainda nesta época, hegemonicamente representado
pelas escolas religiosas. Entraram em cena, organizados em torno da “Campanha em
Defesa da Escola Pública”, os movimentos populares. As posições dos educadores
envolvidos nessa campanha foram antecipadas pelo Manifesto “Mais uma vez
Convocados” (1959), centrado quase exclusivamente nas questões político-educacionais.
O texto desse documento, ao iniciar ressaltando seus vínculos ao pensamento
que motivou a mensagem de 1932, destaca que “o que era antes um plano de ação para o
futuro” apresentava-se, naquele momento, “matéria já inadiável como programa de
realizações práticas, cuja execução esperamos, inùltilmente durante um quarto de século de
avanços e recuos, de perplexidades e hesitações” (MAIS UMA VEZ CONVOCADOS,
1959, p. 4). Propondo-se a lançar luzes sobre “a crise da educação no País”, aponta os
seguintes indicadores do quadro educacional à época: os analfabetos ultrapassam a 50% da
população geral; dos 12 milhões de crianças em idade escolar (de 7 a 14 anos), menos da
metade – 5.775.246 – estavam matriculados na escola (IBIDEM, p. 5). Ao se reportar ao
magistério, sublinha:
O professorado do ensino primário (e mesmo o de grau médio), além de geralmente mal preparado, quer sob o aspecto cultural, quer do ponto-de-vista pedagógico, é constituído, na sua maioria, por leigos (2/3 ou ¾, conforme os Estados); não tem salário condizente com a alta responsabilidade do seu papel social; nem dispõe de quaisquer estímulos para o trabalho e de quaisquer meios para a revisão periódica de seus conhecimentos (IBIDEM).
A situação do magistério não era alentadora e, como frisa o Manifesto, não era
uma realidade nova. Seus signatários registram que este estado de penúria vinha servindo
de argamassa para “fabricar [...] opinião contra a educação pública, como se ela, a vítima,
fosse responsável pelo abandono a que a relegaram os governos” (IBIDEM). O tom era de
67
indignação com o descaso do Poder Público relativamente à educação, bem como com o
discurso produzido no sentido de desautorizá-la, desacreditá-la socialmente. A “campanha
contra a escola pública” coincidia, conforme o Manifesto de 1959, com o momento em que
deveriam ter início as discussões do projeto de lei acerca das diretrizes e bases da educação
nacional. O conflito entre ensino laico (leia-se, público) e ensino confessional (entenda-se,
privado) apareceu como propulsor desse embate, cujos interesses econômicos e políticos se
interpuseram ao religioso46.
Depois de 13 anos de tramitação, a LDB foi aprovada em 1961. Anísio
Teixeira considera seu resultado como “uma meia vitória, mas uma vitória”. De forma
geral, a nova LDB fazia concessões importantes à educação pública, mas mantinha os
direitos da educação privada, em particular no que se refere à transferência de fundos
públicos para este setor.
No Ceará, o período da redemocratização assistiu a uma alternância de poder
sem maiores novidades entre os grandes partidos nacionais: a UDN e o PSD (governaram
o Estado: em 1947, Faustino de Albuquerque, da UDN; em 1951, Raul Barbosa, do PSD;
em 1955, Paulo Sarasate, da UDN; em 1959, Parsifal Barroso, do PSD coligado com o
PTB; e, em 1963, Virgílio Távora, da UDN) (FARIAS, 1997). Apenas Parsifal Barroso
(1959-1963) tem um governo abalado pelas repercussões locais da polarização de forças
sociais que levarou aos violentos choques que antecederam o golpe militar de 1964. Virgílio
Távora, em cujo mandato ocorreu a instauração da ditadura militar, se converteu no
primeiro governo estadual diretamente ligado ao regime instalado.
A Constituição Estadual de 1947 copiou os grandes eixos educacionais da
Carta de 1946. Havia, entretanto, diferenças. Ela estabeleceu dispositivos que favoreceram
o ensino rural, como a exigência que os professores das escolas tipicamente rurais fossem
formados nas escolas normais rurais (Art. 154); no entanto, foi omissa quanto à gratuidade
do ensino primário, explicitando apenas a obrigatoriedade. Ao indicar o atendimento
gratuito dos comprovadamente pobres em escolas privadas subsidiadas, antecipou os
dispositivos de financiamento público do setor privado, consagrado na LDB de 1961.
46 A passagem do Manifesto de 1959 é explícita sobre os interesses econômicos em jogo, ao dizer: “constitui pràticamente uma larga ofensiva para obter maiores recursos do estado, do qual se reclama, não aumentar cada vez mais os meios de que necessita o ensino público, mas dessangrálo para sustentar, com o esgotamento das escolas que mantém, as de iniciativa privada” (MAIS UMA VEZ CONVOCADOS, 1959, p. 10).
68
A década de 1950, registrou, pelo menos no discurso presente nas mensagens
governamentais ao Legislativo, um progresso significativo na instalação de grupos escolares
e escolas normais no meio rural. A construção deste aparato físico não coincidiu,
entretanto, com sua efetiva ocupação e funcionamento. Este período, em particular sua
quadra final, sob o governo Virgílio Távora, foi marcado pela emergência do planejamento
estatal, com a adoção do I Plano de Metas Governamentais (PLAMEG I), documento legal
que destinava uma seção aos “interesses ligados à melhoria de vida do homem” (CEARÁ,
1965, p. 36), entre estes a educação.
O Plano, que assinalou o advento do planejamento governamental no Ceará,
destacou algumas prioridades emergenciais, como a ampliação da capacidade da rede oficial
de ensino do Estado, a reestruturação e relotação do professorado do ensino primário, a
recuperação de prédios e aparelhamentos escolares, entre outros (CEARÁ, 1965, p. 36). A
Mensagem Governamental de 1965 apresentou dados sobre os esforços empreendidos pelo
governo no intuito de realizar as atividades propostas pelo PLAMEG. De acordo com
Virgílio Távora, governador em exercício no ano de 1964, “o coroamento da ação do
governo no que tange à política do pessoal do magistério público estadual” foi
concretizado com a criação do Estatuto do Magistério Público do Ceará, meta prevista para
ser atingida antes de 1967 (CEARÁ, 1965, p. 37).
Entre 1930 e 1964, como procuramos mostrar, observa-se um esforço de
sistematização de um corpo legal e institucional que oriente a educação em todo o
Território Nacional. Este era um movimento cheio de contradições e embates, reflexo dos
vários interesses políticos e econômicos em jogos. Qual o discurso do Poder Público
cearense nesse período sobre a educação, mais especificamente sobre a oferta escolar
pública e quais suas interfaces com o processo de profissionalização da docência? As fontes
utilizadas revelam que, embora não tenha ocupado lugar privilegiado na agenda educativa,
esse momento sistematizou aspectos decisivos na constituição dessa profissão no Estado.
2.1.2 Escolarização e profissionalização docente – estabelecendo elos47
Como assinalado na primeira parte deste relatório, a história da profissão
docente mantém estreita conexão com o delineamento da escolarização como política
educacional. Este processo, ao mesmo tempo em que deu visibilidade ao professor,
47 Esta seção contou com a colaboração de Delane Lima Nogueira, aluna do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Ceará (Bolsista FUNCAP).
69
expressou a necessidade de normatização do trabalho de ensinar, tarefa assumida pelo
aparelho estatal e concretizada por meio de mecanismos diversos.
No Ceará, a preocupação com a oferta escolar pública está claramente
sinalizada na documentação consultada ao longo do período de 1930 a 1964. Foi, porém,
durante a década de 1930 que o Estado registrou expansão da rede escolar: cresceu o
número de escolas, de matrículas e, por conseguinte, de professores. Esta situação, de
acordo com Vieira (2002, p.198), estava em sintonia com uma “tendência geral de expansão
do sistema escolar” no país, traduzindo, “sobretudo por parte das camadas médias da
população, um reconhecimento do papel da educação numa sociedade em processo de
urbanização”.
Sobre o “entusiasmo pela educação” que caracterizou a cena brasileira nesse
período e repercutiu, de formas diferentes, no Ceará, Jorge Nagle (1976) assinala:
De um lado existe a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população na senda do progresso nacional, e colocar o Brasil no caminho das grandes nações do mundo; de outro lado, existe a crença de que determinadas formulações doutrinárias sobre a escolarização indicam o caminho para a verdadeira formação do novo homem brasileiro (p. 100). (Grifos nossos)
No campo educacional cearense, as propostas nacionalistas de Getúlio Vargas
serviram de esteio às formulações que postularam a modernização do ensino e de seus
métodos, bem como a “ruralização do ensino.”48 O discurso de valorização do meio rural,
cujo debate no contexto nacional era intenso, visava ao desenvolvimento de uma política
de crescimento das práticas econômicas no meio rural, associadas à necessidade de redução
do fluxo migratório que começava a causar problemas no meio urbano. Tal preocupação,
que encontrava ressonância especial no Ceará, o qual historicamente enfrentava sucessivos
problemas de secas49, abriu caminho para um novo modo de se pensar a educação.
48 Pensamento propagado na primeira metade do século XX, por pensadores sociais como Sílvio Romero, Alberto Torres, o sanitarista Belizário Pena e Sud Mennucci (LOURENÇO FILHO, 2001). O Movimento Ruralista da década de 1930 não representou um ideário homogêneo. A corrente conhecida como “ruralismo pedagógico” defendeu uma educação voltada para a formação de um indivíduo com a consciência nacionalista e cívica, para a valorização do trabalho do homem do campo como elemento fundamental para o progresso do País (CALAZANS, 1993). Os defensores de uma Educação de Base, por sua vez, reclamavam mudanças mais amplas, de caráter político e social como alterações no regime agrário, na distribuição de crédito para os lavradores e implantação de novas técnicas de produção. 49 O Ceará encontrava-se inserido no espaço geográfico integrante do chamado “Polígono das Secas”. Esta área territorial, conforme delimitação estabelecida pela Lei Federal n° 1.348/195, abrange “uma extensa
70
A despeito dessas marcas da cena sócio-educacional cearense no raiar dos anos
trinta do século XX, os documentos analisados são pródigos no registro das dificuldades
enfrentadas pelo Poder Público cearense no que diz respeito ao cumprimento de suas
responsabilidades com a educação.
Em 1929, de acordo com relato de Carneiro de Mendonça, a “matricula geral,
no anno findo, nos 434 estabelecimentos de ensino publico primário do Estado, foi de
31.421 creanças, das quaes sahiram alphabetizadas 6.520”. Mais adiante, acrescenta que o
“Lyceu” teve 285 alunos e a “Escola Normal Pedro II” um total de 89 matrículas (CEARÁ,
1930, p. 11 e 12). O mapa do atendimento educacional foi precedido pelo reconhecimento
de que as escolas enfrentavam uma “grande carência” de “material escolar e didactico”
(IDEM, p. 10).
A oferta de ensino público na década de 1930 foi proclamada como grande
desafio do Estado. Seus representantes registram nos documentos de governo não
disporem de recursos suficientes para arcar com o cumprimento de suas responsabilidades
com a educação. Todas as mensagens relativas a este período destacam a falta de verbas
para serem aplicadas neste setor, sendo esse um discurso recorrente nos documentos
estudados.
A transferência das escolas municipais para o Estado prevista pelo Decreto n°.
343, de 31 de dezembro de 1931, parece não ter minimizado esta situação, mesmo com a
determinação exposta por Carneiro de Mendonça, afirmando que,
Para auxiliar o custeio desses serviços, consideravelmente augmentados, os municípios, na forma do art. 29 de Agosto de 1931, ficaram na obrigação de concorrer com 10% de sua renda, cuja importancia é recolhida aos cofres do Estado (CEARÁ, 1936, p.71).
Os textos analisados não permitem perceber se os dispositivos acerca do
repasse das escolas e das verbas se concretizaram. São contundentes, todavia, as
declarações de falta de condições expressas nos documentos oficiais. O Estado afirmava
conhecer a necessidade de se investir no campo da educação pública, mas justificava que a
escassez de recursos impossibilitava a melhoria e ampliação das ações educativas.
De acordo com o governador Menezes Pimentel, na Mensagem do ano de
1936, havia muito tempo a situação era a mesma. O último recenseamento da população
região de quase 1.000.000 km², englobando oito dos nove estados da região nordeste do Brasil, além do norte de Minas Gerais, na região sudeste (...)” (FERREIRA; DANTAS, 2001, p. 2).
71
escolar, realizado em 1923, durante o período em que a “instrucção publica” foi dirigida
pelo professor Lourenço Filho50, constatou a grande desproporção entre o número de
escolas e o de crianças em idade de freqüentá-las. Além disso, a maioria das instituições
encontrava-se em situações precárias. É o que mostra um trecho da mensagem de 1930, ao
dizer que, devido
[...] ás péssimas condições sanitárias de certos prédios, onde funccionavam algumas escolas isoladas e a motivos de ordem pedagógica, foram reunidas diversas escolas, sendo no município de Fortaleza, as da praça Gonçalves Ledo e da Prainha e, no interior, as da Boa Viagem, Limoeiro, União, Guaramiranga, Jardim, Trahiry, Mulungú e Aracoyaba. Installaram-se dois grupos escolares, um em Pacatuba, outro em São Bernardo das Russas, tendo os respectivos prefeitos adaptado prédios para o seu funccionamento (CEARÁ, 1930, p.11).
Como se vê, a falta de escolas em quantidade suficiente para atender a
população em idade escolar era uma das maiores dificuldades enfrentadas pela educação
cearense no início da década de 1930. O mais grave, retomando a argumentação do
governador Menezes Pimentel, era que, embora o “censo da população escolar” não fosse
realizado há mais de dez anos, “temos todos os elementos de convicção para afirmar que
não nos encontramos hoje em condições mais satisfatórias do que naquele tempo”
(CEARÁ, 1936, p.17-18). Esta posição é confirmada noutro trecho da mensagem
governamental, que descreve a real situação vivenciada pelas instituições escolares em 1936:
Mesmo na Capital do Estado, não são totalmente satisfatórias as condições do ensino primário estadual. Ha escolas públicas, não só mal instaladas em prédios impróprios, muitas vezes numa sala de dimensões exíguas, sem conforto e sem higiene, como também desprovidas do mobiliário e do material didatico imprescindíveis; e é claro que, fun-cionando em ambiente anti-higiênico e anti-pedagógico, essas escolas negam, por si mesmas, a alta finalidade social a que se destinam.
Como se percebe, as deficiências do ensino não se encontravam apenas na falta
de instituições escolares suficientes para atender a população, mas também em outras
questões estruturais, como a falta de condições básicas nos prédios escolares, e a falta de
aparelhamento necessário para um ensino adequado. Este é um quadro contraditório ante 50 Com efeito, o que se sucede em termos de política educacional, mais precisamente em relação ao processo de profissionalização docente, durante os anos de 1930 a 1964, no cenário social cearense, é fruto de iniciativas que tiveram seu nascedouro na década anterior, quando se assistiu a um intenso movimento de reformas. No Ceará, fecundas inovações foram vivenciadas durante a Reforma da Instrução Pública encetada por Lourenço Filho (1922). De certo modo, esta reforma foi decisiva no processo de tutela, por parte do Estado, do trabalho do então “mestre-escola” espalhado nos rincões mais distantes do Estado. É o que deixa transparecer a Mensagem de 1930 (CEARÁ, 1930, p. 10) ao afirmar que “com a reforma de 1922, a instrucção publica primaria do Estado tomou nova feição. Actualmente, o Director Geral da Instrucção está fazendo experiências nos grupos da capital, para a adopção dos methodos da chamada Escola Nova”.
72
os dispositivos constitucionais vigentes à época (1934), que proclamavam o “direito de
todos” à educação (Art. 149). Contrastando com a Carta Magna federal, o trecho da
mensagem de 1936 permite perceber que havia tempos o governo estadual não vinha
assumindo a envergadura de ofertar a educação para todos, descumprindo assim a sua
responsabilidade constitucional.
Mesmo com a precariedade da oferta de ensino verificada na década de 1930,
situação que nos anos subseqüentes não se altera substancialmente, alguns avanços
relativos à expansão escolar merecem destaque. Os números revelam que, apesar de
discreto, houve um crescente aumento das unidades escolares, decrescendo51 no ano de
1951. Meia década depois, em 1956, observava-se o incremento de 934 escolas, movimento
justificado na Mensagem Governamental desse ano como resultado do aumento
demográfico do Estado. Estes índices podem ser acompanhados no Quadro XVI:
QUADRO XVI
Número de unidades escolares estaduais no Ceará
Ano Nº de unidades escolares 1933 799 1934 906 1935 977 1936 992 1947 1.427 1951 1.407 1956 2.341
Fonte: Mensagem Governamental de 1936, 1937, 1948 e 1952.
Esses indicadores, todavia, não mostram a diversidade que caracterizava a
forma de organização do ensino e distribuição das unidades escolares nesse momento.
Importa ressaltar o fato de que até meados da década de 1930, a forma de organização
escolar ainda era orientada pelo que estabelecia a Lei nº 1.953, de 1922. Deste modo, os
estabelecimento de ensino52 eram estruturados em: Grupos Escolares, Escolas Reunidas,
Escolas Isoladas, Escolas Complementares e Escolas-Modelo.
Os Grupos Escolares promoviam o ensino primário integral, com duração de
quatro anos. As Escolas Isoladas, que possuíam um reduzido número de salas de aula, eram
51 A Mensagem Governamental de 1952 não discorre sobre o motivo pelo qual houve essa redução. 52 O artigo 1º da Lei nº 1.953, responsável pela reforma da instrução pública no Estado em 1922, estabelece que o ensino público cearense compreendia: o ensino preliminar, o ensino primário integral, o ensino complementar, o ensino secundário especial no Liceu e na Escola Normal, o ensino profissional e o ensino superior.
73
responsáveis pelo ensino preliminar com duração de três anos. As Escolas Reunidas, que se
caracterizavam pela reunião de várias escolas em um mesmo prédio, também ofertavam o
ensino preliminar. As Escolas Complementares, com duração de dois anos, eram
preparatórias para os interessados em fazer o Curso Normal. As Escolas-Modelo ou
Grupos Escolares-Modelo, ofertavam o ensino primário integral e funcionavam anexas à
Escola Normal, como local de preparação das futuras professoras.
Quanto à distribuição dessas escolas pelo Território Cearense, o Decreto nº.
1.036, de 01/06/1933, divide o Estado em quatro entrâncias de ensino. A primeira, da
Capital, destinava-se aos professores com a melhor nota do Curso Normal, aprovados em
concurso, considerando a antigüidade do diploma. O perímetro urbano das cidades e vilas
constituía área de segunda entrância, ocupada pelos professores com maior tempo de
serviço prestado na terceira entrância, que compreendia as regiões “que, fora das zonas
urbanas das cidades e vilas”, estivessem distantes da Capital a, pelo menos, 120km. Os
locais não contemplados, nos três segmentos, constituem a área da quarta entrância.
Essa divisão geo-espacial deveria nortear, sobretudo, o processo de
provimento dos cargos que, de acordo com o Decreto nº 1.036 de 01/06/1933, deveria
observar aspectos relativos a “nota de qualificação, aprovação em concurso, merecimento e
tempo de serviço” (Artigo 1º). Com base nesses critérios, a lotação dos professores
observaria a ordem decrescente de entrância. Para a 4ª entrância, bastava que o professor
fosse diplomado pela Escola Normal Pedro II ou estabelecimentos a ela equiparados. Para
os cargos da 3ª entrância, o critério era o mesmo, sendo que prevalecia aquele que tivesse a
melhor nota no diploma. Os professores que tivessem mais tempo de serviço na 3ª
entrância poderiam ocupar os cargos da 2ª e a 1ª era provida por aqueles professores que,
além de terem obtido a melhor nota em todo o curso normal, tivessem sido (fossem)
aprovados em concurso, considerando a antigüidade do diploma (Artigos 3º e 4º).
Como se verá adiante, essa distribuição geo-espacial configurou como fator
que, por diferentes vias, contribuiu para um tímido processo de regulamentação do
trabalho do professor durante boa parte do período examinado.
Com efeito, a criação de cargos no magistério ou em áreas a ele conexas se
desdobrou ao longo de todas as décadas investigadas, como a indicar uma estrutura de
carreira emergente. Mais do que isso, aparentemente, era a própria estrutura do Estado na
área de educação que se constituía. Admitida essa perspectiva, a partir de 1931, as decisões
74
governamentais pareciam voltadas para a constituição de uma estrutura devidamente
hierarquizada no que diz respeito à formação de um quadro profissional do magistério.
É isso que nos revela o Decreto nº. 134, de 1931, em seu Art. 1º, que cria o
cargo de Diretor do Ensino Normal, de livre nomeação do Presidente do Estado. Cargo
diretamente identificado com a gestão estatal, esse lugar era exercido em comissão, como
diz o parágrafo único do Decreto. A criação deste cargo tinha uma incidência fundamental
na formação da profissão professor no Ceará, na medida em que é responsável pelo
processo de habilitação de jovens para o exercício do magistério, numa região em que, até
então, a docência era quase integralmente atividade privada e, como tal, desregulamentada.
Nesse sentido, o Diretor do Ensino Normal acumularia a direção da Escola
Normal Pedro II e a fiscalização dos colégios a ela equiparados, que tivessem sede em
Fortaleza (Art. 2º). Expressão, então, da emergência da presença estatal na regulação da
instrução pública e, dessa forma, da formação do magistério, ao Diretor se atribuía também
função consultiva junto ao Secretário do Interior e Justiça no que dissesse respeito ao
Ensino Normal do Estado (Decreto nº. 134, Art. 3º).
Se partirmos da idéia de que o período marcou a formação de um corpo
docente, incluindo aí uma estrutura hierárquica funcional, de alguma forma, expressão da
nascente presença do Poder Público na educação, também é coerente localizar, logo depois
da criação do cargo de Diretor do Ensino Normal, a criação do cargo de Inspetor do
Ensino Normal. O Decreto nº. 1.365, de 1934, que o criava, atribuía ao seu ocupante a
tarefa de auxiliar a Diretoria da Instrução Pública, para lotação na Capital. As funções de
inspetor, obrigatoriamente, eram exercidas pelo catedrático de Didática da Escola Normal
Pedro II, em cujos impedimentos eram substituídos por professores de Pedagogia e de
Psicologia da mesma instituição.
Curiosamente, o Decreto nº 1.365 atribuía ao Inspetor do Ensino Normal a
tarefa de assegurar a edição da revista “Educação Nova” (Art. 5º), da qual seria também
redator-chefe (ao Diretor do Ensino Normal era atribuído o cargo de diretor da Revista), o
que parece indicar que o cargo tinha uma função de direção intelectual no âmbito das
instituições de formação docente.
A configuração da função de Inspetor do Ensino Normal, extensiva a todo o
Estado foi extinta pelo Decreto nº. 90, de 27 de agosto de 1935, quando se criou lugares de
75
inspetores desse ensino junto a cada estabelecimento equiparado á Escola Normal Pedro
II. Esta ação visava a possibilitar uma fiscalização mais constante das instituições
formadoras mediante a descentralização da função de inspetor, melhorando, assim, o
acompanhamento do desempenho dos cursos normais no Estado. Também foi nesse
momento que se registrou a reorganização interna da “Directoria Geral da Instucção
Publica” que, a partir do Decreto nº 100, de 5 de setembro de 1935, passou a denominar-se
“Departamento Geral da Educação”. Com a promulgação do Decreto nº 156, de 23 de
setembro de 1935, o Departamento desdobrou-se em duas secções: uma meramente
administrativa e a outra técnica (CEARÁ, 1936, p. 24).
Serviam na Secção Técnica professoras especializadas, responsáveis pelas aulas
dos Grupos Escolares e Escolas Reunidas da Capital, ficando uma incumbida de orientar
os serviços de educação pré-primária, nos grupos e no Jardim (anexo da Escola Normal
Pedro II). Eram escolhidas entre as idôneas, junto ao Departamento de Educação, com a
finalidade de “melhor orientar as modificações e reformas a serem postas em prática”
(CEARÁ, 1936, p. 29). O exercício, por professores, de atividades de caráter técnico-
pedagógico no sistema educacional, paulatinamente, serviu de esteio para a compreensão
de que a carreira docente extrapolava o âmbito da sala de aula.
Assim, à medida que o sistema educacional assumiu contornos mais nítidos
(físico e normativo), o professor foi sendo conclamado a romper com seu isolamento e a
estabelecer uma nova imagem de escola. Esta, a pouco e pouco, foi deixando de funcionar
em sua casa e, sobretudo, de seguir uma ‘lógica’ curricular, pedagógica e disciplinar de
cunho privado (no sentido de individual). Este movimento, basilar ao movimento de
expansão e democratização da oferta escolar pública, trouxe também perdas e ganhos,
recuos e avanços “para todos”, inclusive para o professor e sua relação com seu trabalho.
Elementos decisivos na constituição da profissão professor no Estado foram delineados,
desde então, conforme mostramos a seguir.
• Constituição de um corpo docente – processo gradual e ambíguo
O período registra a crescente formalização da rede pública de ensino, em
especial, no que diz respeito à constituição de um corpo docente, o que se observa por
meio da definição de mecanismos de ingresso, da criação de cargos para o magistério.
76
- Formas de ingresso no magistério
A documentação consultada mostra que as formas e critérios exigidos para o
ingresso no magistério são múltiplas e, de certo modo, permanecem inalteradas ao longo
do período de 1930 a 1964, observando predominâncias diferenciadas. As muitas portas de
ingresso no magistério no período examinado sinalizam movimentos oscilatórios e
contraditórios no delineamento de uma feição para o magistério.
Desde a Constituição Federal de 1891, passando pela Revisão Constitucional
de 1926, já se havia consagrado na legislação o instituto do concurso público para o
provimento de cargos oficiais, inclusive, no magistério. Mesmo que não se vedassem outras
formas de acesso, o ingresso por concurso permaneceu nos textos constitucionais federal e
estadual, respectivamente, de 1934 e 1935 (Art. 158). A rigor, esta forma de ingresso
percorre a história de nossa educação desde as reformas pombalinas, que baniram o ensino
jesuítico e contemplaram o concurso público para professores (RIBEIRO, 1980). Os
efeitos dessa situação, indiretamente, aparecem no discurso governamental.
Em meados da década de 1930, o Governador do Estado, Carneiro de
Mendonça, apresentava visão otimista quanto ao perfil dos professores. Assim afirmara no
Relatório de Atividades relativo ao período de 1931 a 1934:
Hoje no magistério estadual não se encontram leigos, nem mesmo nas mais longínquas regiões do Estado, pois os candidatos, não diplomados, as cadeiras de 4° entrância – e só essa podem-se candidatar – habilitam-se ao exercício do magistério por um exame realizado perante uma comissão designada pelo director da Instrução Pública (CEARÁ, 1934, p. 72).
Carneiro de Mendonça opõe esta melhora à situação encontrada quando
assumiu o Governo, em que, segundo ele, muitas escolas eram providas de professoras
despreparadas e “sem tirocínio”, ou seja, não tinham preparação mínima para o exercício
da profissão. Este fato indica que a forma de ingresso, ao não se vincular a exigência de
preparo especializado, não privilegiava a via do concurso. Ainda nesse período, a
preocupação com o perfil do professor como algo que remetia à forma de ingresso é
manifesta no Decreto nº 1.349, de 05/10/1934, que reitera: “só poderão inscrever-se no
concurso as normalistas diplomadas que já tiverem completado o estágio de um anno, pelo
menos, no magistério público (Art. 1°, § 1°).
77
Com efeito, a documentação cearense examinada por esta pesquisa registra a
existência de formas variadas de ingresso. No Decreto nº. 1.239, de 1934 encontra-se uma
evidência de que a forma de ingresso extrapolava o instituto do concurso público53. Seu
Artigo 1º assegurava a efetivação das professoras de 4ª entrância (justamente as de quem se
exigia menor formação) nas turmas que regessem interinamente nas 2ª e 3ª entrâncias
(paras as quais, normalmente, era exigida maior qualificação e solicitado mais mérito),
inclusive para efeito de aposentadoria.
A exigência do diploma também não assegurava o ingresso por concurso. O
Decreto nº. 1.320, Art. 1º, de 1934, estabelecia que, depois de um ano de exercício em
cadeira vaga, como substituto em Grupo Escolar do interior do Estado, o normalista
diplomado poderia ser nomeado professor efetivo, desde que o requeresse,
independentemente de estágio em escola isolada. Em seu parágrafo único, este Decreto
estabelecia ainda que “em igualdade de condições tem preferencia o substituto efetivo mais
antigo no magisterio publico do Estado, dentro ou fora do Grupo Escolar”.
Ao mesmo tempo em que se preservavam variadas formas de ingresso,
podemos observar medidas que apontavam no sentido da regulamentação do exercício do
magistério. O Decreto nº 1.349/1934, artigos de 1º a 9º, prevê que o cargo de professor
efetivo para a 1ª entrância só poderia ser ocupado por normalistas devidamente aprovadas
em concurso público, restringido o direito da inscrição à seleção aos portadores do diploma
do Curso Normal e que tivessem um ano de estágio. O Decreto definia, inclusive, o
programa do concurso e indicava como banca examinadora os professores da Escola
Normal Pedro II. Além disso, a própria remoção de professores para outras entrâncias só
poderia ser feita por intermédio de novo concurso.
A Constituição Estadual de 1935, por sua vez, assegurou vantagens exclusivas
aos professores nomeados depois de aprovação em concurso. Esta Carta54 manteve, aos
53 O Decreto nº. 147, de 1931, em seus artigos 1º e 2º, refere-se à nomeação de professores eventuais para o Liceu do Ceará. Estes profissionais, denominados estranhos, eram admitidos para reger turmas suplementares. Seus vencimentos eram condicionados ao encerramento das aulas no fim do ano letivo, configurando uma espécie de professor que recebia por tarefa concluída. As turmas suplementares do Liceu do Ceará eram distribuídas, preferencialmente, entre professores catedráticos, efetivos. Em seguida, eram lotadas pelos professores da própria instituição. Finalmente, na sua ausência, as turmas eram distribuídas por professores estranhos, desde que se mostrassem competentes para assumir o cargo (Decreto nº. 488, de 1932, Art. 1º). 54 Diferentemente das Constituições de 1891, 1892, 1921 e 1925, sucintas no que tange a matéria educacional, a Carta Estadual de 1935 dispensa tratamento específico a este tema, abordado no Título VII (Da Educação e da Cultura). No campo educacional, as prescrições constitucionais, enfeixadas em nove artigos, estabelecem o direito à educação, regulam o ensino religioso e particular, tratam da administração do ensino, dos recursos da
78
professores nomeados “mediante concurso para instituto official”, o direito da
“vitaliciedade e da inamovibilidade”, bem como “no caso de extincção da cadeira” para a
qual foi designado, seu aproveitamento em outra para a qual “se mostre habilitado” (Art.
119, §2º). Esta, certamente, era uma determinação importante pelo destaque que concedia à
competência técnica profissional como critério para o provimento do cargo de professor. A
mesma Carta, entretanto, relativiza tal disposição:
Os funcionários publicos, quando nomeados mediante concurso de provas, e, em geral, depois de dez annos de effectivo exercicio, gozarão das garantias da estabilidade, não podendo ser destituidos senão em virtude de sentença judiciaria, ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e no qual lhes seja assegurada plena defesa (Art. 124, inciso c). (Grifos nossos).
Com isso, a estabilidade fica assegurada também aos que não ingressaram por
concurso, desde que tenham permanecido no mínimo por 10 anos no cargo. Nesse sentido,
a relativização da “inamovibilidade” que se instaurou a partir da Carta estadual de 1935,
embora tenha preservado o direito dos professores habilitados e concursados, reservou
lugar aos que não ingressaram da mesma forma.
O princípio da “inamovibilidade” está relacionado à forma de organização e
distribuição dos estabelecimentos de ensino vigente nesse momento no Estado, dividido
em entrâncias (Decreto nº. 1.036, de 01/06/1933), conforme explicitado no tópico
anterior. Sua adoção e destinação aos professores concursados constituía uma forma de
assegurar o direito dos docentes com formação própria para o exercício do magistério, bem
como um estímulo e um reconhecimento de sua importância.
O que à primeira vista pode parecer insignificante cresce em relevância, se
considerado que o provimento de cadeiras de 4ª. entrância era feito mediante a “livre
nomeação do Governo”, que pode indicar “diplomados pela Escola Normal Pedro II e
estabelecimentos a ela equiparados e, na falta destes, com os que se habilitarem ao exercício
do magistério [...]” (Decreto nº. 1.036/1933, Art. 2º). Alia-se a esta prerrogativa do Chefe
do Executivo a possibilidade aberta pelo parágrafo primeiro do Artigo 119 da Constituição
Estadual de 1935, que permitia a contratação, “por dois annos, no maximo”, de
“professores de nomeada, nacionaes, de notória capacidade techica”, sem concurso, para
exercer o magistério público. Este mecanismo, se justificado pela ausência de professores
formados ou de pessoas interessadas no magistério em face das dificuldades que este
educação, dos investimentos do Estado e dos municípios, da oferta de ensino primário para alunos que estivessem fora dos centros escolares e até do uso da língua pátria nas aulas.
79
exercício apresentava à época, também reforçou o clientelismo na contratação de
professores, prática arraigada na cultura política local.
O sentido regulamentador e democrático que tomava a legislação foi,
entretanto, contrabalançado pelas necessidades das elites dominantes a cada momento. Já
em 1936, estas disposições foram brutalmente contrafeitas pela Lei Estadual nº. 84, que em
seu Art. 1º estabelece:
As três (3) primeiras alumnas da Escola Normal Pedro II e Collegios a esta equiparados que conseguirem no gráo do diploma as três (3) distincções mais elevadas, terão direito a ser nomeadas professoras de 1ª entrancia, independente das exigencias do decreto nº 1.349 de 5 de outubro de 1934.
Os anos de redemocratização, a partir de 1945, experimentaram uma certa
“republicanização” da questão do ingresso, o que está associado aos avanços na
profissionalização dos servidores públicos e do magistério, em particular. É assim que,
sempre ressalvados os servidores já presentes no sistema, o Artigo 136, inciso “c”, da
Constituição Estadual de 1945, definiu como funcionários públicos exclusivamente os que
ingressaram no serviço por concurso, explicitando o caso do magistério. Neste espírito, a
Constituição Estadual de 1947 restringiu a vitaliciedade aos magistrados, aos ministros dos
tribunais de contas e aos professores catedráticos.
Condicionada a categoria de funcionário público àqueles que ingressam por
concurso, com as conseqüências na incorporação de direitos, começou a se delimitar
também a própria profissão, visto que se formava, aos poucos, um estatuto que a distinguia
e definia, pelo menos na esfera pública. A Constituição Estadual de 1947 retomou o veto a
qualquer dispensa de concurso para o provimento de cargo no magistério estadual (Artigos
152 e 153).
Mesmo assim, entre nossos achados, verificamos a existência, ao longo dos
anos 1950, de vários dispositivos oficiais que permitiam a burla da prescrição
constitucional. Às vezes, tal opção era justificada pela inexistência de professores
suficientes em certas áreas de ensino, em outras, se recorria ao argumento da interinidade
do cargo. Assim, a Lei nº 1.671, de 17 de dezembro de 1952, em seu Art. 11º, permitia a
admissão de professor extranumerário mediante “prova de habilitação”, ainda que lhe fosse
exigida uma série de condições relativas à sua formação em nível superior.
80
Embora a Lei nº. 2.185, § único, de 1953, reafirme as prescrições das
constituições de 1935 e 1947 quanto à obrigatoriedade do concurso para ingresso no
serviço público, ou seja, “para que se verifique o provimento em caráter efetivo, faz-se
mister a prestação de concurso de provas e títulos”, já em 1954, tal obrigatoriedade foi
dispensada na admissão de professores de Educação Física:
Os cargos neste artigo serão providos, independentemente de concurso, por professores primários efetivos que, há mais de três (3) anos, estejam ministrando aulas de Educação Física em estabelecimentos estaduais de ensino da capital e sejam portadores de diploma de Auxiliar de Educação Física Elementar conferido pelo Curso de Emergência para auxiliares de Educação Física (Lei nº. 2.400, § único).
No mesmo ano, uma nova lei (Lei nº. 2.611, Art. 2º) invocava o disposto no
artigo55 11 da Lei n°. 1671, de 17 de dezembro de 1952, para dispensar a obrigatoriedade de
concurso para o provimento do cargo de professor.
Desde então, até 1964, a questão do ingresso não apareceu como objeto da
documentação recolhida, talvez a indicar que o essencial acerca do tema já estava
legalmente estabelecido. Tal fato, como assinalamos há pouco, porém, não resolvia por si
só o problema de se firmar uma forma exclusiva de ingresso no magistério público.
- A criação de cargos
Outro elemento que aporta informações importantes acerca da trajetória de
constituição de um quadro docente para o Estado no período examinado encontra-se nos
dados relativos à criação de cargos.
Admitindo que os anos entre 1930 e 1964 registram maior preocupação com a
formalização da rede pública de ensino, em especial, no que diz respeito à constituição de
um corpo docente, o número de iniciativas de criação de cargos, na década de 1930, parece
tímido, sugerindo a persistência, de um lado, de uma rede escolar acanhada e, de outro, a
sobrevivência do exercício informal da profissão docente.
De fato, a Mensagem de 1936 destaca a existência de 977 unidades escolares, as
quais são providas por 1.396 professoras (CEARÁ, 1936, p. 19). O mesmo texto sinalizava,
porém, que o número de professoras e sua capacidade profissional eram um problema “em
55 Art. 11° - Ao professor extranumerário que contam mais de 10 anos de serviço público e houver sido admitido no magistério secundário mediante prova de habilitação, será assegurado o direito de nomeação, em carácter interino, para a cadeira criada em lugar das aulas que venha regendo.
81
que se embaraça o ensino no interior do Estado”. No ano seguinte, a Mensagem de 1937
registrava uma elevação desse número para “1.423 professores públicos primários”, com
uma ampliação também modesta do número de escolas para 992. Sublinha ainda que, se
fossem consideradas as escolas municipais, colocadas por convênio sob a batuta do
Departamento Geral de Educação, esse números se elevariam a 1.929 e 1.409,
respectivamente (p. 19 e 20). Em 1952, este número alcançou 2.365, crescimento
importante, mas muito aquém da população em idade escolar naquele ano – 574.596
crianças, das quais apenas 76.280 estavam matriculadas (CEARÁ, 1953, p. 114). Na década
seguinte, conforme registra a Mensagem Governamental de 1963, o Estado contava com
uma “matrícula geral” de 115.900 alunos na rede estadual, 148.990 na municipal e 52.408
na particular (CEARÁ, 1962, p. 66). Não são computados, todavia, pelo menos não com a
mesma precisão, os dados referentes à quantidade de estabelecimentos escolares, embora
seja destacado que o Estado dispunha de “127 grupos escolares e 55 escolas reunidas [...].
Em 21 sedes municipais ainda há estabelecimento primário agrupado, e em 33 há somente
escolas reunidas” (ibidem, p. 65). Nestas unidades, como sinalizado noutra seção (2.1.2 –
Escolarização e Profissionalização docente no Ceará – estabelecendo elos), ministrava-se o ensino
preliminar e primário, para o qual existia no Estado, de acordo com a Mensagem, 3.618
professores (IBIDEM).
A síntese dos indicadores da evolução do contingente de professores no
Estado mostra movimento lento na composição desse quadro profissional. De modo mais
detalhado, os registros de criação de cargos no magistério entre os anos 1930 e 1940, nas
fontes consultadas, é rarefeito. Alguns casos, entretanto, chamam atenção. Em 1939,
registra-se56 a criação de um número de cargos significativo, indicando que esse processo
parece se generalizar e sistematizar com a criação legal de 800 (oitocentos) cargos de
professores primários, dentre eles 500 (quinhentos) de professores ruralistas, 200
(duzentos) de professores primários e 100 (cem) de mestres de iniciação profissional, todos
eles incluídos no Padrão G. Vale destacar que a lei de criação desses cargos especifica a
localidade de atuação dos mestres de iniciação profissional. No caso, nos Centros de
Iniciação Profissional, que seriam ainda instalados no interior do Estado (Lei nº.
1.604/1952, Art. 1º).
56 Nesse ano também foi identificada a criação, na Escola Normal Justiniano de Serpa, do cargo de Guardiã do Jardim de Infância, com a remuneração anual de 2:160$000 (dois contos, cento e sessenta mil reis)” (Decreto nº. 516, Art. 1º).
82
Ao mesmo tempo, operava-se uma racionalização na atividade docente, com a
limitação do número de horas-aula a ser dado por professor o que, naturalmente, elevaria a
demanda por profissionais habilitados. Vão nessa direção os dispositivos da Lei nº 1.671,
de 1952, que limitava “a doze (12) semanalmente, o número de aulas obrigatórias, em cada
cadeira, nos estabelecimentos oficiais de ensino secundário, normal e superior”(Art. 1º).
Essa lei restringia ainda “as aulas excedentes, que, também, ficam limitadas a doze (12)
semanais para cada professor, em cada cadeira, sendo pagas à razão de Quarenta Cruzeiros
(Cr$ 40,00) cada” (parágrafo único do Art. 1º), além de estabelecer que “nenhum professor,
poderá ministrar, em uma mesma cadeira, mais de 24 aulas semanais” (Art. 2º).
Até o final dos anos 1950, foi registrada a criação de mais cargos de
professor57, mas numa dimensão muito menor do que o estabelecido na Lei nº 1.604, de
1952. Até 1964, observa-se nos documentos governamentais consultados sensível redução
nos dispositivos acerca de criação de cargos para o magistério. Sobre este fato, vale
mencionar tanto o alerta constante na Mensagem de 1951 quanto a denúncia de Veras
(1990) sobre o incremento do efetivo de professores no quadro dos servidores públicos
estaduais.
O governador Raul Barbosa, em Mensagem de 1951, ao registrar que a
educação no Estado ainda era orientada pelo disposto no Regulamento da Instrução
Pública, de 1922, destacava “que um grande número de leis e decretos posteriores,
promulgados sem um necessário e prévio exame, encontram-se hoje em verdadeiro
choque” (p. 82). Mais adiante, ao sublinhar a situação de penúria das escolas, este
documento acrescenta que, no tocante “ao pessoal docente o mesmo impressionante
panorama se desenha. As constantes remoções, transferências, nomeações, demissões e
adições [...] geraram a situação de indescritível disparidade na distribuição da nossa rede
escolar” (p. 82). O que está implícito nas entrelinhas do texto são os usos e abusos do
Executivo no beneficiamento de uns em detrimentos de outros. Esta prática, de cunho
57 Em 1952 foi criado “um cargo de Professor, padrão “V” na Tabela II – parte permanente, do quadro I – Poder Executivo, lotado no INSTITUTO DE EDUCACAO JUSTINIANO DE SERPA, cujo ocupante ministrará aulas de música e canto do Curso Normal” (Lei nº. 1.424, Art. 1º). Também merecem destaque a criação de um cargo de professor no Instituto de Educação Justiniano de Serpa para aulas de música e de canto do Curso Normal (1953), bem como a criação do cargo de professor primário especializado, lotado pela Secretaria de Educação e Saúde, para o Instituto dos Cegos do Ceará (Lei nº. 2.185, Art. 1º). Chama a atenção o pré-requisito contido no Art. 2º da Lei, para lotação: “ser cego, sem distúrbios orgânicos ou psíquicos, portador de certificado de conclusão de curso especializado, expedido por institutos oficiais, reconhecidos”. Criam-se ainda 5 (cinco) cargos de professor auxiliar de Educação Física, do Serviço de Educação Física, e um de professor normal de Educação Física, e um professor de Português, do Colégio Estadual do Ceará.
83
clientelista e característica da cultura coronelista reinante no Estado, era respaldada no
dispositivo constitucional previsto na Constituição Federal de 1934 e que se manteve na
Carta58 estadual de 1947 (Art. 152), vigente por toda a fase de redemocratização do País.
Esta prática não pode ser desconsiderada na compreensão do incremento do
magistério leigo no Ceará nesse período. Ela certamente contribui para agravar esta
tendência do magistério local que, já em 1952, assumia proporções assustadoras: das 2.365
professoras vinculadas às escolas estaduais, “menos da metade se constitui de normalistas
diplomadas” (CEARÁ, 1953, p. 114). A denúncia de Veras (1990) reforça esta
interpretação. A autora, ao constatar o desenvolvimentos das metas de expansão do ensino
previstos no Plano de Metas Governamentais (PLAMEG I) do governo de Virgílio Távora,
feito tributado especialmente aos investimentos de recursos oriundos do Acordo
MEC/USAID/SUDENE, é enfática em afirmar que nesse momento também ocorreu
aumento significativo no efetivo de servidores públicos.
Este incremento foi associado à política clientelista vigente no Estado. No
âmbito educacional, essa prática contribuiu para fazer do magistério um dos principais
‘cabides’ de favores políticos. Nos termos de Veras (1990, p. 218-219), “o professor se
desfigura como profissional, para configurar-se como cliente dos políticos, bem à moda da
política dos governadores instaurada no regime oligárquico”. A autora prossegue, lembrando
que “recrutados no meio dos egressos das escolas normais, estas ainda privilégio da classe
média, o salário, para a maioria desses professores não tinha qualquer relevância, porquanto
o trabalho representava mais uma relação de poder político, que uma relação profissional”
(IBIDEM).
Como assinalado no início deste tópico, são variados os mecanismos que
fomentaram a constituição de um corpo de professores no Estado, cuja predominância
oscilou impulsionada, conforme apontam os indícios factuais levantados, pelo jogo de
força que permeou as relações de poder no contexto local à época. Desse modo, nos
parece pertinente registrar que o lugar que tal questão ocupou no período estudado é
revelador de um dos principais instrumentos do clientelismo político e do coronelismo
cearense que, sobretudo nos anos subseqüentes ao período investigado, vicejou na cena
social do Estado.
58 O Art. 152, da Constituição Estadual de 1947 traz a seguinte recomendação indicação: “É vedada a dispensa de concurso de títulos e provas para o provimento das cátedras, no ensino secundário e superior oficiais, podendo, entretanto, ser contratados professores de nomeada, nacionais ou estrangeiros, por dois anos, no máximo (CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO CEARÁ, 1947, p. 69).
84
• Professores – valorização ou esquecimento?
A valorização social do professor é aqui entendida como políticas que visam à
melhoria das condições de seu trabalho, à atenção dada à carreira docente e sua formação,
além, portanto, do aspecto salarial que, é claro, tem importante papel nesse contexto. No
princípio dos anos 1930, os registros nos documentos oficiais de políticas de valorização do
magistério são rarefeitos, denotanto um magistério deserdado.
Um dispositivo que evidencia esta condição do professor encontra-se na
orientação de que “Os membros do Magistério, que estiverem a serviço público, poderão
reassumir as funções do respectivo cargo durante o período das férias, mas sem percepção
de vencimentos, durante as mesmas” (Decreto n°. 41/1930, de 3 de dezembro, artigo
único). Além de apontar a possibilidade de trabalhar sem receber, a passagem aponta o
período de férias como não remunerado. Este fato é indicativo da condição de penúria em
que vivia o professorado à época, situação reconhecida por Carneiro de Mendonça59,
interventor no Ceará durante os anos de 1931 a 1934, ao assinalar que, desde a sua posse,
estava ciente da “insignificância que o estado pagava aos membros do magistério primário,
e se não fora a situação de flagello que o Estado atravessou, certo teria conferido ao
professorado estadual remuneração condigna” (CEARÁ, 1934, p. 68).
Outro aspecto a ressaltar é o que determina o Decreto n°. 147, de 24 de março
de 1931. No texto deste documento há breve relato sobre a disparidade salarial que existia
entre os professores do Lyceu do Ceará e os professores estranhos ao Colégio. Enquanto
aqueles recebiam vencimentos de 200$00 (duzentos contos de réis), estes recebiam 400$00
(quatrocentos contos de réis) para realizar o mesmo serviço. Diante disso, o Interventor
Federal do Estado na época, Dr. Manuel do Nascimento Fernandes Távora, determinou a
redução dos vencimentos dos professores do Lyceu para 300$00 (trezentos contos de réis),
bem como determinou que estes, quando requeressem mais de uma turma suplementar, só
receberiam pelo acréscimo a importância de 200$00 (duzentos contos de réis).
O discurso sobre política de valorização do magistério aparece no Decreto n°.
186, de 13 de maio de 1931, quando este determina que
59 Após a revolução de 1930, os interventores assumiram os governos dos estados como representante do presidente da República. Tinham por função ‘garantir’ os ideais da ‘revolução’, exercendo os poderes Executivo e Legislativo em cada unidade da Federação até que houvesse a reconstitucionalização do País (FARIAS, 1997).
85
Ficam os professores primarios dispensados do pagamento do sello de verba relativo ás melhorias de vencimentos cogitadas na Tabella “F” do Decreto n. 171, bem como de outros emolumentos concernentes ao preparo e buscas de certidões de tempo de serviço que se fizerem mister para a execução da alludida tabella.
Em outras palavras, os professores primários estariam isentos do pagamento
do imposto referente ao aumento salarial da categoria. Em se tratando deste aspecto, o
Decreto n°. 1.330, de 4 de setembro de 1934, determinou o aumento dos vencimentos do
magistério primário das escolas da Capital e do restante do Estado. O documento não
informa o valor do acréscimo, tampouco o da nova remuneração.
Como se nota, as medidas em benefício do professor situavam-se num terreno
das ações compensatórias, em termos de hoje. Tal fato denuncia indiretamente a penúria
salarial a que o magistério se via submetido. Este quadro é compatível, como podemos ver
na própria predominância do gênero feminino nos textos oficiais, com a idéia do magistério
como atividade das mulheres e, portanto, localizado num patamar salarial ínfimo. Da
mesma maneira, os seguidos registros do despreparo da categoria, sobretudo na região
interiorana (3ª e 4ª entrâncias), compõem-se esse quadro de degradação salarial e
profissional.
Os documentos dos anos 1930, se registram a remuneração estipulada para os
cargos criados, pouco se referem às tabelas salariais da categoria, o que por si é um indício
dos níveis de remuneração praticados na época. Ademais, sua indignidade em face da tarefa
do magistério pode ser dimensionada considerando a isenção de impostos para a profissão
docente, prevista na legislação local (Decreto n°. 186/1931) e nacional (CONSTITUIÇÃO
FEDERAL de 1934 , Art. 113).
Nos anos 1940, no âmbito das lutas populares que levaram à redemocratização
de 1945, a retomada do Estado de Direito provocou um reordenamento jurídico a partir da
promulgação das novas Constituições federal e estadual. Assistiu-se nesse processo a um
avanço na regulamentação do serviço público e, nele, do magistério oficial, com a definição
da categoria de servidor público, com o estabelecimento do concurso público como critério
fundamental para o ingresso e com a consagração de direitos advindos dessa nova
condição.
86
- A formalização de direitos
Já nos anos 1930, os professores, inclusive do interior do Estado, onde
predominava o ingresso por indicação, tinham assegurado o direito à contagem de tempo
hábil para efetivação de cargo (Decreto nº 1.239, de 1 de fevereiro de 1934). Após um ano
de exercício em cadeira vaga, como professor substituto em escolas do Estado (exceto
Fortaleza), o normalista diplomado podia ser efetivado, de preferência, substituindo o
efetivo mais antigo no magistério público do Estado.
Alguns outros direitos legais também foram definidos nessa década. A
acumulação de turmas implicava uma gratificação mensal (Decreto nº 1.436, de 29 de
dezembro de 1934). Aos professores de Curso de Aperfeiçoamento de Professores, além
do salário, cabia-lhes gratificação por aula e banca de exame (Decreto nº 1.480, de 12 de
fevereiro de 1935).
A Constituição Estadual de 1947 enquadrou definitivamente o professor na
condição de funcionário do Estado. Esta Carta considerava funcionário público, inclusive
professor, o efetivado, nomeado pela autoridade competente, para cargo público criado por
lei, incluindo os professores de ensino superior e secundário, em cargos vitalícios,
nomeados por concurso de provas (Constituição Estadual, 1947, Disposições Transitórias,
Art. 15). Proibia, ainda, a acumulação de cargos ou funções públicas remuneradas,
incluindo os cargos do magistério, exceto “os casos previstos na Constituição Federal e a
de dois cargos de magistério ou a de um destes com outro técnico ou científico”, havendo
correlação de matérias e compatibilidade com o horário de trabalho (Constituição Estadual,
1947, Título VII, Art. 160, Inciso XXV).
A estabilidade dos funcionários públicos, nomeados por concurso de provas,
ficava condicionada ao tempo de serviço, ou seja, dez anos de efetivo exercício no cargo.
Os catedráticos eram vitalícios, entretanto, os funcionários públicos, inclusive os
professores, só poderiam ser exonerados “por sentença judiciária ou mediante processo
administrativo regulado por lei, e no qual lhes seja assegurada plena defesa” (Constituição
Estadual, 1945, Art. 136), o que valia para os demais casos, diferenciando o tempo de
exercício no cargo, depois de dez anos.
Assegura-se, com esteio na base constitucional de 1947, que efetivos e
interinos (extranumerários) tivessem abono de 5% das faltas, no mês, a critério do diretor
87
do estabelecimento de ensino. Ultrapassado o limite, não eram contemplados com essa
vantagem (Lei nº 1.671, de 17 de dezembro de 1952).
A promoção ao cargo de professor, em grupos escolares, passou a ocorrer de
forma alternada, por antigüidade e merecimento, isto é, conforme classificação em curso de
aperfeiçoamento regulado por lei (Constituição Estadual, 1947, Art. 153). Os membros do
magistério público do Estado e Município podiam requerer aposentadoria integral aos
sessenta anos de idade ou vinte e cinco anos de serviço.
As referências ao magistério nas Mensagens Governamentais dos anos 1950 se
detêm sobre a necessidade de melhorar o perfil profissional do professor, apresentado nos
textos, via de regra, como desqualificado. O silêncio, nesse e noutros textos oficiais, sobre
políticas de valorização do professor, é ensurdecedor. Aparentemente, não fazia parte das
preocupações governamentais associar melhoria do perfil profissional dos mestres a
promoção salarial. Assim, todo o problema era abordado tão-somente do ponto de vista da
melhoria da formação ou do aperfeiçoamento do professorado.
Percebe-se na Mensagem Governamental de 1962 um fato isolado, mas
significativo. Nela se registra o cinqüentenário de magistério da professora Adélia Brasil
Feijó, que, pelo aniversário, foi gratificada com a quantia de Cr$ 5.000,00 (Lei nº 5.660, de
14/10/1961) (CEARÁ, 1962, p. 70). O Decreto nº. 4.635, de 18/10/1961, outorgava à
mestra o título de Professora Padrão do Magistério Cearense. A homenagem, sem
entrarmos no mérito de sua justeza, e a notável gratificação financeira, são confirmadores
da natureza sacerdotal do exercício do magistério e do caráter absolutamente impensável de
uma remuneração semelhante ao prêmio a que fez jus a professora.
Quanto às condições de trabalho, no final dos anos 1930, a educação cearense
experimentava uma situação de penúria. Dela foi refém o professor. Na década de 1940,
este quadro se aprofundou, apresentando condições deploráveis, conforme registra a
Mensagem Governamental de 1948: “Materialmente, as nossas escolas ou possuem
aparelhamento deficiente, antiquado e imprestável, ou tudo lhes falta por completo,
inclusive bancos e carteiras para os alunos, mesa e cadeiras para as professoras” (CEARÁ,
1948, p. 161). Em 1952, o governador Raul Barbosa assinalava que escola estadual “não é
provida de material para atendê-la, com um mínimo de eficiência, em um terço ao menos
de seu total” (CEARÁ, 1952, p. 136). Confirmando o quadro sombrio, a Mensagem
Governamental de 1953 registra que, entre as providências necessárias à otimização da rede
88
pública, estava “criar um meio condigno e atraente para a professora, inclusive com um
melhor aparelhamento da escola” (CEARÁ, 1953, p. 124).
Estes problemas, como mostram as mensagens governamentais consultadas,
persistiram nos anos subseqüentes. Por outro lado, os textos dos anos de 1949 a 1962 estão
prenhes de iniciativas que se podem associar ao processo de valorização docente, mas
somente no sentido já mencionado, do aperfeiçoamento profissional, como cursos,
convênios, encontros de estudos e outros eventos certamente movidos pela precária
formação dos mestres de então.
• O perfil de formação do professor – problema recorrente
A atenção com o magistério primário no meio rural permeou a documentação
oficial cearenses de todos os anos examinados. Foi seguramente nessa modalidade de
ensino que a preocupação governamental com o profissional do magistério mais se
pronunciou.
Ao longo dos documentos consultados, é possível deduzir que o professorado
formado nos institutos públicos ou a estes equiparados era esmagadoramente feminino, ao
ponto de o texto oficial e mesmo o texto legal se referirem à “professora”. Sua formação
profissional, anterior à fundação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, em 1934,
era homogênea, inadaptada às condições específicas das escolas, em particular, às escolas
típicas rurais. Deduz-se que tal formação, além de marcadamente urbana, era de caráter
geral.
Em 1936, a Mensagem Governamental aponta que são preocupantes tanto o
número insuficiente de professoras como sua inaptidão para exercer o magistério no sertão
(CEARÁ, 1936, p. 31). O texto registra ainda que as instituições formadoras não eram
capazes de formar a mão-de-obra adequada ao ensino primário rural (IBIDEM, p. 33).
Sobre o perfil do professorado, vale a pena reproduzir a seguinte passagem do documento:
Não se póde ter questão mais grave, em matéria de ensino, de vez que a ensino, de vez que a escola, vivendo em comunhão e harmonia com o ambiente social em que deve se integrar tem de preparar para a vida, e não para uma vida qualquer – imaginária, artificial, criação da mente e da fantasia – mas para a vida real, que se agita nesse ambiente, a ele adaptando o educando (IBIDEM).
É evidente que a fundação da Escola Normal Rural de Juazeiro e,
posteriormente, de outras desse mesmo caráter, era uma tentativa de melhorar e adaptar,
89
desde a formação, o perfil da professora ao meio rural, onde, como já expresso, repousava
a maioria da população.
Após 13 anos da publicação do Decreto nº. 1349, a preocupação com o perfil
do professor (ver item: Constituição de um corpo docente – processo gradual e ambíguo),
particularmente, com o do professor rural, reapareceria na Constituição Estadual de 1947,
que determinava, quanto ao professor ruralista, que: “as escolas típicas rurais que forem
instaladas em prédios construídos mediante auxílio financeiro da União serão preenchidas,
de preferência, por professoras diplomadas em Escolas Normais Rurais” (Art. 154).
Segundo a Mensagem Governamental de 1953, a criação de novas escolas
normais rurais, ou de escolas equiparadas, não supria o problema da desqualificação do
professorado nelas formado para atuar nas escolas primárias rurais. Esta posição é assim
justificada:
A experiência, muito cedo aliás, veio demonstrar que a origem do problema não residia, exclusivamente, na formação pedagógica especial da professora. [...] tornava-se necessário e inadiável a fundação de escolas primárias típicas rurais”, que pudessem se converter em centros de pesquisas da forma de ensino. E como êstes centros jamais foram criados, as professoras ruralistas, com o correr do tempo, se foram insensivelmente transformando em professoras comuns, posto que as escolas a que elas serviam obedecem ao regime pedagógico tradicional (CEARÁ, 1953, p.115).
A crítica ao despreparo das professoras formadas nas escolas normais rurais é
também atribuída, nesse momento, ao “verdadeiro divórcio” das escolas normais rurais, “a
maioria de propriedade privada”, em relação a Secretaria de Educação (IBIDEM, p. 116).
De todo modo, a passagem revela que a problemática da formação do professor para atuar
no meio rural perdurava a cada ano.
A Mensagem Governamental de 1951 destaca o trabalho da Seção Técnica da
Diretoria Geral da Instrução Pública (criada pelo Decreto nº 156, de 23/09/1935), visando
à melhoria do perfil profissional do magistério. Este setor, conforme registrado no item
anterior (Professores – valorização ou esquecimento?), direcionava suas ações para o
aperfeiçoamento dos profissionais em serviço (CEARÁ, 1951, p. 86). Tal encaminhamento,
entretanto, não incidia sobre o foco do problema: a existência de significativo percentual de
professoras não habilitadas para a função. É o que indica o texto da Mensagem
Governamental de 1953, ao informar que “presentemente o Estado dispõe de 2.365
professoras, das quais menos da metade se constitui de normalistas diplomadas” (CEARÁ,
90
1953, p. 114). A asserção revela que a exigência da obrigatoriedade do diploma para a
admissão do pessoal docente, reiterado desde os anos 1930 em diferentes documentos
oficiais, não foi suficiente para mudar o perfil do magistério público, que seguia formado,
em maioria, por professores improvisados.
A carência e ou inadequação das instituições formadoras, o acesso restrito ao
ensino por parte das maiorias sociais e a persistência do clientelismo, no qual o ingresso era
moeda corrente, descreviam um círculo vicioso em que a penúria educacional impedia a
correta formação docente. Tal problema, cabe frisar, desempenhava papel não desprezível
no deficit educacional geral.
A Mensagem Governamental de 1953 retoma o recorrente tema da
inapropriação da formação do professor para atuar no meio rural (CEARÁ, 1953, p. 115,
117, 123, 160). No texto do ano seguinte, esta temática trouxe um aspecto diferente:
registrou o reconhecimento de que, além do problema da formação do professor primário
para o magistério no sertão, vicejavam em grande número professores igualmente sem
habilitação técnica e sem diploma atuando na formação dos futuros mestres primários. Para
o enfrentamento desta dificuldade, foi criado, pela Diretoria de Educação Rural, o Registro
de Professores do Curso Normal Rural. Este visava, principalmente, “à seleção de
elementos capazes para a regência das cadeiras do ensino complementar e normal”
(CEARÁ, 1954, p.160). Buscava-se, assim, “evitar que continuassem lecionando nas escolas
normais rurais pessoas não convenientemente habilitadas, do ponto de vista técnico-
cultural [...]” (IBIDEM). Tal fato é destacado como extremamente pernicioso, quer para o
“ensino naqueles estabelecimentos”, quer para a preparação dos futuros professores
primários” (CEARÁ, 1954, p.160).
Nos documentos consultados dos anos posteriores não foram identificados,
além dos já mencionados, outros traços relevantes acerca do perfil do professor primário
cearense.
• As instituições formadoras de professor
No tocante às instituições formadoras, a Escola Normal Pedro II destacou-se
como estabelecimento padrão oficial. Entre 1930 e 1934, os documentos oficiais
examinados não mencionam os estabelecimentos de formação docente, ainda que, como já
91
explicitado, surjam afirmações que remetem indiretamente à qualidade técnica do
professorado.
Como sinalizado, no período investigado, são destaques nas fontes consultadas
as Escolas Normais Rurais, em particular a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, alvo
de atenção significativa, a começar pela sua finalidade de formar professores primários para
atuar no campo. Outros centros foram criados posteriormente, os quais são destacados
adiante nesta seção.
O grande desafio, no entanto, parecia ser o de não apenas criar, mas
transformar as Escolas Normais Rurais em Institutos de Formação, equiparando-as à
Escola Normal Pedro II, com o curso de Humanidades e o curso propriamente
profissional. Isto de fato não se concretizou, até porque “essas Escolas Normais Rurais,
criadas sob a inspiração dos primeiros entusiasmos, têm, por finalidade, formar mestres do
sertão para o sertão” (CEARÁ, 1953, p. 115). Outra instituição formadora mencionada nas
Mensagens é o Centro Educacional do Ceará, cuja relevância é traduzida na Mensagem de
1955. Vejamos com maior vagar estas iniciativas, ao longo dos textos das Mensagens
Governamentais e decretos.
Em 1935, a Lei nº. 1. 481 criou vinte escolas rurais “que serão distribuídas nas
zonas de população escolar em que os pedidos de matrícula deixaram de ser atendidos pela
superlotação das escolas aí existentes” (Art. 1º). Considerando que, em 1936, conforme
Mensagem Governamental deste ano, os estabelecimentos oficiais chegavam60 a 977, e que
o número de professores se elevou de 739, conforme Mensagem Governamental de 1931,
para 1.396, em 1936, deduz-se que a formação profissional docente passou a ser um
imperativo. Os documentos dos anos subseqüentes registram que a preocupação com a
formação foi constante nos governos que se sucederam. A efetivação de iniciativas voltadas
para a resolução do problema, todavia, foi, contraditoriamente, rara. Dessa forma, a
questão da formação voltou a aparecer em expressivo número de mensagens
governamentais (com a notória exceção dos anos 1940). Apesar desta situação, medidas
executivas na área quase não apareceram, resumindo-se a um (1) decreto, uma (1) lei de
1935 e uma menção à formação do professor rural, em decreto de 1947.
Vimos, entretanto, que uma solução aplicada recorrentemente pelo Estado era
a equiparação de escolas formativas, inclusive privadas, à Escola Normal Pedro II, elevada
60 Incluem-se nessa rede as escolas multisseriadas e as conhecidas como a casa do professor.
92
esta última à condição de padrão pedagógico, fato mencionado na Mensagem
Governamental de 1936 (CEARÁ, 1936, p. 32). Isto ocorre pari passu com o avanço, pelo
menos formal e também legal, do perfil do profissional da educação, para cujo exercício a
legislação já impunha como critérios o diploma do curso normal e o estágio de pelo menos
um ano.
Nesse espírito, o Decreto n.º 1.218, de 10 de janeiro de 1934, “crea no Estado
uma Escola Normal Rural”, a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, instituição
destinada à formação de professores para o exercício do magistério no campo. Com a Lei
n.º 18, de 20 de dezembro de 1935, foram instituídos nesse estabelecimento de ensino um
curso complementar e um primário, com organização de práticas pré-vocacionais rurais, nos moldes
da escola rural Alberto Torres, do Recife (CEARÁ, 1936, p. 35). A Mensagem Governamental de
1936 registra a criação, de iniciativa privada, da Sociedade Pró-Educação Rural de
Limoeiro, de mais uma escola de formação de professores para o magistério no campo
(CEARÁ, 1936, p. 60). Consta neste texto que “o Estado acudiu [...] a esse
empreendimento particular”, concedendo a ele um crédito especial de trinta (30) contos de
réis, mediante o Decreto nº. 60, de 20 de fevereiro de 1936.
Nesta mesma Mensagem, encontra-se o registro de um passo que,
aparentemente, pretendia ampliar a capacidade de atração da Escola Normal Pedro II, ao
acrescentar a ele a oferta, além do Curso Normal, do Curso Fundamental de Humanidades.
Esta medida permitia às formandas escolher, depois de graduadas, entre seguir a carreira do
magistério ou derivar para outras atividades profissionais (IBIDEM, p. 45). Com isso, a
antiga Escola Normal se converteu em Instituto de Educação. Parece que a formação
exclusiva para o magistério já parecia pouco atraente para as moças de classe média que
freqüentavam a Escola Normal. Tal encaminhamento, conforme o documento
anteriormente citado (IBIDEM), imitava iniciativa semelhante já tomada em outras escolas
normais, como a do Recife e a do Distrito Federal (Rio de Janeiro).
A Mensagem Governamental de 1937 assinala e ressalta a formação da
primeira turma de formandas da “Escola Normal Rural de Joazeiro”, iniciando um longo
silêncio acerca do tema da formação docente, que só voltou a ser mencionado no texto de
1952.
Em 1947, a nova Constituição Estadual estabeleceu exclusividade para as
egressas das escolas normais rurais na lotação em escolas típicas rurais oficiais ou que
93
tenham sido construídas com auxílio do erário estadual, sendo a única menção ao ensino
profissional para o magistério entre os documentos dos anos 1940 inventariados.
A Mensagem Governamental de 1952, com efeito, registra que houve um
abandono da questão “durante quatro anos”, sendo o Instituto de Educação desprezado
pelo Poder Público nesse interstício. Nesse sentido, descreve sua situação a época:
Vivendo uma vida de rotina e formalismo burocrático, entregue à penúria orçamentária, o Instituto não passava de uma repartição a mais [...] e nunca um estabelecimento-padrão de formação de educadoras, funcionando como centro vivo e ativo de pesquisa, estudo e experimentação pedagógica, capaz de dominar [...] o cenário educacional de nossa terra (CEARÁ, 1952, p. 149). (Grifos nossos).
Ainda que registrando o abandono do ensino normal, o texto do governo
nessa Mensagem parece tentar reatar o desiderato original, definido nos anos 1930,
fortemente influenciado pelo escolanovismo, como se pode notar no anúncio do perfil
desejado para o Instituto, em destaque. Notas-se ainda uma tentativa de reativá-lo como
escola-padrão, capaz de exercer a direção espiritual de todo o sistema de formação normal.
Em 1955, a Mensagem Governamental deste ano enfatiza a criação do Centro
Educacional do Ceará, “abrangendo, além de uma Escola Normal, cursos de
aperfeiçoamento destinados ao professorado” (CEARÁ, 1955, p. 181). O texto faz notar
que a iniciativa marcava também o ingresso de uma instituição de ensino superior no
esforço de formação para o magistério, a então Universidade do Ceará (posteriormente
Universidade Federal do Ceará). O Centro tinha a função de homogeneizar a formação
docente, incluindo os professores do sertão que teriam acesso a tal preparação, sem ter que
se ausentar do torrão originário.
Esta iniciativa, deixa entrever a Mensagem Governamental, estava associada a
uma política do Governo Federal, pois monitorada pelo Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (INEP). Registra ainda que o Ceará, ao fundar a primeira escola normal rural,
ainda em 1934, havia se filiado precocemente ao movimento então apadrinhado pelas
instituições federais, mesmo que o movimento das escolas rurais esbarrasse até ali no
acanhamento da rede de escolas primárias típicas rurais, impedindo o aproveitamento dos
professores formados “do sertão para o sertão” (CEARÁ, 1955, p. 187). Chama atenção o
tom de desconfiança presente no discurso do governo em relação à continuidade da
iniciativa nas mãos do futuro Governo Estadual, o que se verifica quando exorta a
administração seguinte a manter o programa anunciado (CEARÁ, 1955, p. 182).
94
No ano seguinte, o texto da mensagem mostra que os problemas da formação
de professores e, em especial, do aproveitamento das professores ruralistas, permanecem.
Reitera-se nesse escrito a ausência de uma rede escolar primária tipicamente rural (malgrado
já existissem vários61 estabelecimentos de formação de magistério rural!) onde os egressos
do ensino normal rural pudessem desempenhar suas funções. Vai além, no entanto,
fazendo notar que, a pouco e pouco, se abandonara a formação de natureza específica do
educador rural, sendo que a própria Constituição do Estado já equiparara, “para todos os
efeitos, a normalista rural à normalista comum” (CEARÁ, 1956, p. 177). Vê-se que, aqui, se
confunde a equiparação pedagógica entre as normalistas, que poderia ser objeto de crítica,
com a isonomia profissional entre elas, fato, tomado em si mesmo, desejável, já que, na
tradição brasileira, os profissionais da zona urbana sempre lograram melhores condições de
trabalho do que aqueles da zona rural. Desconsiderando-se este lapso interpretativo, chama
atenção o registro de que, a pouco e pouco, as professoras ruralistas abandonaram a
formação de natureza específica do educador rural, visto que as escolas a que elas serviam
obedeciam “às mesmas diretrizes das escolas primárias comuns” (IBIDEM) ou, nos termos
da mensagem de 1953, obedeciam a um “regime pedagógico tradicional” (CEARÁ, 1953,
p. 115).
A Mensagem Governamental de 1959 é econômica ao tratar da formação do
professorado. Nela apenas se tecem loas à atividade do Instituto de Educação Justiniano de
Serpa, em Fortaleza, e se registra a outorga de documento de equiparação a escolas normais
situadas no restante do Estado.
Em 1961, já indicando outra iniciativa que não mantém contato com aquela do
Centro Educacional do Ceará, a Mensagem Governamental desse ano assinala a firma de
convênio entre o Governo do Estado com a Campanha Nacional de Educação Rural, do
Ministério da Educação e Cultura (MEC). Tal ato permitiu a instalação, em Guaiúba (hoje,
situada na Região Metropolitana de Fortaleza), do Centro Regional de Treinamento de
Professores Rurais (CEARÁ, 1961, p. 83). Este texto mostra ainda que no ano do qual
presta contas, 1960, haviam sido diplomados 22 professores rurais na Região do Maciço do
Baturité.
É notória a preocupação, no que tange à formação de professores, com a
qualificação de pessoal para a zona rural. Aparentemente, tal fato se relaciona à vida ainda
61 Em 1956, de acordo com a Mensagem Governamental desse ano, havia 11 escolas normais rurais no Ceará (CEARÁ, 1956, p. 177), as quais não são relacionadas.
95
majoritariamente rural no Estado, à carência de instrução pública nesse meio e a uma
mentalidade que via na educação rural um ramo específico da instrução, tantas vezes esta
especificidade é ressaltada.
O Centro Educacional do Ceará, ausente das mensagens dos anos anteriores,
reapareceu na Mensagem Governamental de 1962, que informa sobre o desenvolvimento
de estudos acerca dos “métodos de ensino que estavam sendo aplicados nos Estados da
Guanabara, Minas Gerais e na Capital federal” (CEARÁ, 1962, p. 70). Destaca, nesse
sentido, a visita da “vice-diretoria” à sede do Programa de Assistência Brasileiro-Americano
ao Ensino Elementar (PABAEE), instalada em Belo Horizonte. Também nesse ano
registrou-se a expansão dos estabelecimentos privados de formação de professores, em
número de 34 escolas normais, a metade em Fortaleza (CEARÁ, 1962, p. 69). O texto, sem
dar conta da situação na rede pública, assinala que tais escolas privadas são fiscalizadas por
22 inspetores do ensino normal. Nos anos decorrentes, as referências às instituições de
formação de professores, nas fontes examinadas, não apresentam maiores novidades.
Os dados registrados nas fontes consultadas mostram que a profissão docente
entre 1930 e 1964 no Ceará era exercida majoritariamente por mulheres. É notória, nos
documentos, a precária formação profissional destes mestres, principalmente no que diz
respeito à formação especializada, voltada para o meio rural. Como assinalado, mais da
metade das professoras inseridas no ensino público nos anos 1950 eram não diplomadas.
No que diz respeito à qualificação dos professores da rede estadual, esta situação era
agravada pelo fato de que grande parte dos egressos das poucas escolas normais provinha
das classes abastadas, em busca de preparação para seu destino social “de mães de família e
esposas” e que, portanto, não pretendiam ocupar cátedra na instrução pública.
A imagem do magistério como uma “vocação”, principalmente feminina,
sedimenta a despreocupação em relação aos vencimentos deste exercício, considerado
como questão de reduzida relevância. Quando o golpe militar de 1964 aconteceu, a
profissionalização docente no Estado ainda era um horizonte.
O discurso governamental analisado mostra a contradição entre o
reconhecimento da necessidade de educar o povo e a improvisação de docentes. Também
revela que a política educacional esboçada no período investigado visando à constituição de
um sistema público de educação para o País não significou historicamente (pelo menos,
não como poderia) um fator de fortalecimento da profissionalização do magistério. Esta
96
serviu, corroborando a reflexão de Arroyo (1996, p. 51), muito mais como fator de
conservação do “projeto moralizante, tutelar dos setores populares”, no qual o ideal era
“educar ociosos e vagabundos, tutelar um povo infantilizado, torná-lo ordeiro e dedicado
ao trabalho [...] qualificá-lo rudimentarmente para o trabalho moderno”.
Esta conotação do discurso governamental permeia, de modo diverso, o
exercício da docência no cenário cearense no período antes mencionado, conforme
evidenciam as trajetórias profissionais de 07 professores cearenses que participaram da
investigação, tema da seção que segue.
2.2 A Docência no Ceará pelos percursos profissionais de seus
professores62
O termo docência refere-se ao trabalho do professor, ao conjunto de funções e
atividades de caráter pedagógico que delineiam sua atuação como profissional, enfim,
reporta-se à “profissão em ação” (CUNHA, 1999). Docência, nesse sentido, situa-se além
do fazer pedagógico da sala de aula e da escola; abrange, pois, o trabalho pedagógico que o
professor concretiza nos diversos espaços de socialização cultural.
O foco nas idéias e práticas pedagógicas que deram sustentação ao fazer
docente no cenário cearense entre os anos de 1930 a 1964, bem como na sua relação com
as políticas educacionais vigentes, teve a intenção de compor um quadro sobre a referência
de profissionalidade produzida à época. Esta dimensão da profissão – a profissionalidade –
possibilitou identificar características que marcaram o percurso profissional docente e que,
paulatinamente, fomentaram um determinado processo de identificação profissional.
Os relatos dos sete professores cearenses propiciaram uma leitura dos
labirintos da profissão a partir de seus percursos de vida e de trabalho no contexto local.
Ainda que cada depoimento contenha particularidades, eles são reveladores das idéias e
práticas constitutivas da profissionalidade63 docente reclamada no espaço-tempo
investigado.
62
Este texto foi produzido por Isabel Maria Sabino de Farias e Ana Ignez Belém Lima Nunes, com a colaboração das bolsistas de iniciação científica sob suas supervisões. 63 A noção de profissionalidade, que expressa o tipo de desempenho e de conhecimento próprios à profissão, é aqui considerada na acepção de Sacristán (1991). Este autor define-a como a “afirmação do que é específico na acção docente”, ou seja, “o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor” (IBIDEM, p. 64).
97
O professor não delibera somente sobre as relações ocorrentes no interior da
sala de aula. Embora este seja o alvo central de sua ação, ele também integra a rede de
relações que tece o cotidiano escolar e alimenta sua cultura organizacional. Suas decisões se
apóiam nas concepções e experiências que orientam a prática, no seu comprometimento
com sua função social, na compreensão que tem das relações entre a escola e a sociedade,
no conhecimento que detém sobre as condições de vida do seu aluno, enfim, nos juízos
que formula para definir suas ações de modo situado. As “respostas práticas” produzidas
pelo professor em situação de trabalho, que caracterizam sua profissionalidade, são
operações cognitivas, éticas e dinâmicas. Seu conteúdo, significado e implicações nas
formas de identificação profissional variam e são socialmente produzidos, ou seja, estão
articulados a um dado espaço-tempo vivido, conforme frisamos em passagem deste
relatório (Parte I, item 1.2.1).
Este pressuposto guiou o estudo das trajetórias dos sete professores cearenses.
Todos eles formaram identidade docente em cenários similares, o que possibilitou
experiências com contornos aproximados em decorrência, sobretudo, do ideário político e
pedagógico dos espaços em que se fizeram professores. Quem são os protagonistas cujas
trajetórias profissionais serviram de esteio à compreensão da profissão docente no Ceará
entre 1930 a 1964? Conhecê-los apresenta-se como passo inicial, tarefa de que se incumbe
o próximo tópico.
2.2.1 Professoras e professores cearenses – histórias que se entrecruzam64
Situar os professores cearenses que participaram da pesquisa nos remete ao
perfil desses docentes, destacando aspectos de ordem pessoal e coletiva, tais como: idade,
gênero, formação, ingresso e tempo de magistério.
Os sete docentes entrevistados compõem um grupo misto, conforme mostra o
Quadro XVII:
Quadro XVII
Educadores entrevistados
Educadores Nascimento Idade de Ingresso Magistério
Edgar Linhares Lima 1944 19 anos Iracema Oliveira Santos 1931 21 anos
64 Colaboraram com a produção deste tópico as bolsistas de iniciação científica Solange Maria Santos Castro (FUNCAP) e Karen Cristina Vieira de Aguiar (CNPq).
98
Gráfico III
Idade dos docentes e tempo do magistério
78 7586 82
6273
585940
63 67
40 38 44
0
2040
6080
100
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Entrevistados
An
os
Idade Tempo de magistério
Jorgelito Cals de Oliveira 1921 25 anos Maria Antonieta Cals de Oliveira 1924 16 anos
Maria Helena Silva 1944 22 anos Nildes Alencar Lima 1929 22 anos Rosa Maria Fonseca 1949 13 anos
Fonte: dados da pesquisa
Os professores pesquisados nasceram entre os anos de 1921 e 1949,
apresentando faixa etária bastante variada: dois têm mais de oitenta anos, um tem 76 anos,
três são sexagenários, enquanto o mais novo tem 58 anos de idade. Seis são aposentados,
entre estes dois estão em atividades fora da sala de aula, mas no campo da educação.
Apenas uma professora está exercendo o magistério. Quanto ao estado civil dos
educadores, 04 são solteiros, 03 são casados e 01 das professoras é viúva.
Relacionando os dados de faixa etária com o tempo de magistério, verifica-se
que quatro dos entrevistados têm entre 38 e 44 anos de atuação na docência, enquanto três
têm entre 59 e 67 anos no exercício da profissão professor, conforme permite visualizar o
Gráfico I:
Dentre os professores entrevistados, grande parte (06) ingressou no
magistério muito cedo (como indica o Quadro XVII), mesmo antes da formação
pedagógica. As professoras Helena Silva e Iracema Santos começaram a ensinar nas
proximidades de suas residências, alfabetizando pessoas carentes. Ambas ingressaram no
magistério aos 22 anos. A professora Antonieta Cals começou a ensinar com
aproximadamente 16 anos de idade, na própria instituição onde cursava o ensino ginasial. A
professora Rosa Fonseca teve sua primeira experiência aos 13 anos de idade, na Campanha
Gráfico I Idade dos docentes e tempo do magistério
99
Nacional de Erradicação do Analfabetismo. O professor Jorgelito Cals ingressou aos 25
anos de idade, tendo como incumbência organizar o ensino religioso nas escolas estaduais e
particulares. O professor Edgar Linhares começou a ensinar aos 19 anos de idade, como
professor de música.
O ingresso no magistério sem a formação inicial adequada representa um
aspecto bastante recorrente na profissão docente. Conforme situa Hypolito (1999, p. 83), a
chamada de leigos para contribuírem no ensino esteve relacionada ao processo de
“flexibilização” e “abertura” no contexto da “urbanização resultante do avanço das relações
capitalistas”. No âmbito dessas relações, foi imposta a expansão da oferta escolar e,
conseqüentemente, foram contratados profissionais sem a devida formação, e até mesmo
de outras áreas, para a tarefa de ensinar.
Das pessoas entrevistadas, somente uma ingressou na profissão docente após
ter concluído o Curso Normal, aos 22 anos de idade, nesse caso, a professora Nildes
Alencar. Entre as mulheres, a opção pela docência foi destacada como uma vocação,
associada à influência da família ou de ex-professores, enquanto no caso dos homens
significou principalmente uma escolha profissional.
Como mostram os dados apresentados até aqui, no que concerne ao gênero
dos educadores, observa-se a predominância do sexo feminino, composição que o Gráfico
II demonstra:
A crescente feminização da docência é considerada por Kapuziniak, Araújo e
Veiga (2005, p. 22), “como um dos condicionantes da desprofissionalização docente”. Por
outro lado, Guerreiro Séron (1999, p. 59) chama a atenção para o fato de que a feminização
Feminino
71%
Masculino 29%
Gráfico II Gênero dos docentes entrevistados
100
do magistério teve um aspecto positivo, a exemplo da ascensão da mulher ao mercado de
trabalho, se considerarmos a sua saída “do âmbito doméstico em que a encerrava o modelo
de família patriarcal” [...] para ingressar na docência. Os relatos das professoras
entrevistadas confirmam a asserção do autor.
Quanto ao nível de formação dos docentes entrevistados, observamos que 04
são graduados em Pedagogia, 01 tem formação em Filosofia e Teologia, 01 tem graduação
em Letras Clássicas e Direito e 01 tem graduação em Sociologia. Desse total, 06 são ainda
especialistas em áreas específicas da educação, a saber: Orientação Educacional,
Planejamento Educacional, Pesquisa Educacional, Educação à Distância. No âmbito da
pós-graduação stricto sensu, 03 fizeram mestrado, sendo dois em Educação e um em
Psicologia da Educação. O Gráfico III demonstra o nível de formação dos entrevistados:
Entre os 07 docentes pesquisados, dois foram seminaristas. Apenas um deles,
contudo, optou pelo sacerdócio antes de se tornar docente. A opção por ser padre
mostrou-se como a alternativa mais viável de dar continuidade aos estudos e de garantir
uma profissão. Duas professoras, além da docência, estiveram envolvidas em militância
política, e três educadoras dedicaram-se diretamente ao magistério. Esses professores
exerceram a docência em instituições públicas de ensino e desempenharam outros cargos
públicos de caráter técnico-administrativo no campo educacional, a exemplo da Secretaria
de Educação do Estado e do Conselho de Educação do Ceará.
Gráfico III Nível de formação dos docentes entrevistados
101
O perfil dos 07 professores pesquisados evidencia tratar-se de um grupo
docente de vanguarda na educação cearense. São profissionais cuja trajetória de formação
desenvolveu-se, em boa parte, concomitante ao exercício da atividade docente e
impulsionada por um compromisso ético acentuado com a tarefa de ensinar, então
prestigiada e socialmente valorizada.
A compreensão das trajetórias profissionais desses professores no contexto
educacional cearense do período em foco reclama situá-los no cenário social mais amplo.
Este enfoque, ao evidenciar nosso afastamento da mera descrição dos percursos
profissionais dos docentes, também reforça o entendimento de que os movimentos de
mudanças ocorridos no setor político e econômico se refletem no campo educacional e,
por conseguinte, no trabalho dos professores que viveram esse momento histórico. Esse é
intento da próxima seção: explicitar os vínculos entre a história de vida profissional dos
professores e a história oficial, buscando compreender o delinear da educação cearense,
bem como aspectos relacionados à profissão professor e as políticas educacionais por eles
vivenciadas entre os anos de 1930 a 1964.
2.2.2 As trajetórias profissionais – cenas da docência65
O que sucedeu nesse momento histórico, vale frisar, foi fruto de
acontecimentos anteriores. O panorama educacional do primeiro governo Vargas (1930-
1945), com efeito, trouxe as marcas do que se passou na República Velha, verificando-se
uma distância entre as prerrogativas definidas na legislação educacional e a prática
governamental, visando a assegurar o ideal de democratização do ensino. A predominância
de uma economia agrocomercial exportadora (ROMANELLI, 1978) contribuiu para o
desinteresse estatal relativamente à educação.
Em 1929, com a quebra da bolsa de valores de Nova York, registrou-se uma
queda brusca nas exportações. Para sair dessa crise, o Governo brasileiro iniciou um
processo de transformação da economia brasileira dita ‘tradicional’ para uma que atendesse
aos ideais de modernização. Começou, então, a substituição da economia agrocomercial
exportadora para a industrial, visando ao mercado interno (RIBEIRO, 1980). Para efetivar
modernização, o País acreditava na educação como poderosa ferramenta dessa
transformação. Nesse momento a educação emergiu como preocupação nacional: era
65 Colaboraram com a sistematização deste tópico as bolsistas de iniciação científica Karen Cristina Vieira de Aguiar (CNPq), Solange Maria Santos Castro (FUNCAP), Maria Isabele P. Gurgel (FUNCAP) e Ana Paula R. de Moraes (UECE).
102
necessário preparar os cidadãos para que soubessem manusear a maquinaria, assegurando-
lhes domínio técnico suficiente para o desempenho das funções do novo modelo
econômico (RIBEIRO, 1980; ROMANELLI, 1978; VIEIRA e FARIAS, 2003).
O movimento social de 1930, postulado como alternativa de efetivação dessa
transformação, situou no Poder Executivo Getúlio Vargas. Uma das primeiras medidas no
campo educativo desse momento foi a criação do Ministério dos Negócios da Educação e
Saúde Pública e das Secretarias de Educação dos Estados, tendo como Ministro da
Educação Francisco Campos. Tão prontamente assumiu, o Ministro cuidou de organizar
uma série de reformas educacionais. Várias medidas foram implantadas entre 1931 e 1932.
Nelas destacam-se a criação do Conselho Nacional de Educação, a organização do ensino
superior, a organização do ensino secundário, a instituição do ensino religioso como
matéria facultativa nas escolas públicas do País, a organização do ensino comercial e a
regulamentação da profissão de contador (VIEIRA; FARIAS, 2003; FREITAG, 1980).
Os primeiros anos do governo Vargas foram marcados por centralização e
autoritarismo. Insatisfeitos com as medidas do governo, os educadores que apoiaram a
assunção de Vargas ao poder lançam o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, no
qual reivindicam uma escola única, pública, mista, laica, sendo a educação primária
obrigatória e gratuita. Esse documento acirra o embate entre os defensores da escola
pública e privada, pauta que permeia a elaboração e a promulgação da Carta Constitucional
de 1934.
Naquele momento, em que se assistia a iniciativas regulares, visando à
organização de um sistema de ensino nacional, a prática educativa ainda estava
estreitamente vinculada à ação individual do professor. No Ceará não foi diferente,
conforme enfatiza o professor Jorgelito Cals: “Essa parte pedagógica, de planejamento,
essa coisa era muito relegada. O professor tinha que se virar e estudar particularmente”.
Prevalecia, como lembra a professora Antonieta Cals, a ordem social ensinada nas escolas,
que era,
Então, nós passávamos no curso primário toda essa formação de hábitos, que era o comportamento. O respeito... O respeito era muito. Entrava uma pessoa na sala de aula, um professor ou outro que ia lá, ou a diretora... Todo mundo se levantava, automaticamente, pra cumprimentar. Quando ela, a pessoa entrava e que mandava sentar, é que a gente sentava para ouvir os ensinamentos e tudo era muito, muito programado e anotado, tudo era muito anotado.
103
Este cenário se manteve nas escolas cearenses com o advento do Estado Novo
(1937/1945), assumindo feições mais rígidas em decorrência da política autoritária que
então se instalara no Território Nacional. Como situam Shiroma, Moraes e Evangelista
(2000, p. 25), a Carta Federal de 1937 cuidou de definir “o papel da educação no projeto de
nacionalidade que o Estado esperava construir”. Embora tenha destinado “bem menos
espaço a educação do que a anterior”, este foi “o suficiente para incluí-la em seu quadro
estratégico com vistas a equacionar a ‘questão social’ e combater a subversão ideológica”
(IBIDEM). O ensino e a escola nesta gestão eram percebidos como “lugar de ordenação
moral e cívica, da obediência, do adestramento, da formação da cidadania e da força de
trabalho necessárias à modernização administrada” (IBIDEM, pág. 26), por isso mesmo,
espaço de submissão aos desígnios do Estado. O trecho do depoimento de uma das
entrevistadas é expressivo do ideário educacional então prevalecente:
Olha, tinha o respeito. Por exemplo, a gente chegava, a professora entrava e a gente só sentava quando ela dava o sinal pra gente sentar. Então, tinha todo mundo que tomar a benção a ela, ou então dar um bom dia. Cantava o hino nacional. Só então era que a gente tava livre pra se sentar. Então, tinha essas coisas assim, que era a disciplina também do dia (Professora Helena Silva).
A idéia de formar um “cidadão-soldado” permeava o cenário educacional
durante o Estado Novo, manifestando uma forma de controle social ao difundir a ordem e
a disciplina. Assim, a escola passou a ser um aparelho ideológico desse período e “assume
também uma função indireta de preparação militar” (HORTA, 1994, pág. 289). O
escotismo, o clube de cultura física, o órfeão e o pelotão de saúde, iniciativas apresentadas
como “instituições auxiliares da educação”, surgiram, visando à difusão dos ideais cívicos e
patrióticos tão necessários a formação social da época (IBIDEM).
Esta orientação permeou todo o período Estado Novo, quando também foram
iniciadas as reformas realizadas por Gustavo Capanema, conhecidas como Leis Orgânicas
do Ensino66.
66 A reforma Capanema tem início em 1942 e é marcada pela edição de um conjunto de dispositivos legais, a saber: o Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942, a Lei Orgânica do Ensino Industrial; o Decreto-lei nº. 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); o Decreto-lei nº. 4.244, de 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário; o Decreto-lei nº. 6.141, de 28 de dezembro de 1943, a Lei orgânica do Ensino Comercial; o Decreto-lei nº. 8.529 e nº. 8.530, de 2 de janeiro de 1946, a Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal, respectivamente; o Decreto-lei nº. 8.621 e nº. 8.622, de 10 de janeiro de 1946, que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC); e o Decreto-lei nº. 9.613, de 2º de agosto de 1946, Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
104
Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a derrota da ditadura, a
rápida ação das forças civis e militares de oposição impediu Getúlio Vargas de permanecer
no poder, o que culminou com a sua deposição e queda do Estado Novo em 1945. Este
acontecimento marcou o início da Guerra Fria67 e uma nova fase, denominada por diversos
autores de retorno da vida democrática no Brasil.
No contexto da Guerra Fria, as questões discutidas internamente passaram a
interessar os países capitalistas e socialistas que disputavam áreas de influência no mundo.68
No âmbito desses acontecimentos, são expressivos os conflitos entre as tendências de
direita e de esquerda e divergências de caráter ideológico. “Este terreno constitui a base
sobre a qual se sustenta o golpe de 1964” (VIEIRA, 2002, p. 210).
Entre o fim do Estado Novo (1937-1945) até o golpe de 31 de março de 1964,
o Brasil teve oito presidentes: Eurico Gaspar Dutra (1946-1950); Getúlio Vargas (1951-
1954); Café Filho (08/1954-11/1955); Carlos Luz (8 a 11/11/1955); Nereu Ramos
(11/1955-01/1956) Juscelino Kubtscheck (1956-1961); Jânio Quadros (1961) e João
Goulart (1961-1964) (VIEIRA, 2002, p. 209-210). Nesse período, os estados brasileiros
eram dirigidos por interventores. No Ceará, a gestão dos interventores foi marcada por
medidas autoritárias, em meio a divergências entre as forças de direita e de esquerda.
O governo Gaspar Dutra caracterizou-se por lutas políticas decorrentes de
conflitos dos governos anteriores. Ao assumir, Dutra decretou o Partido Comunista como
ilegal e autorizou a cassação dos mandatos políticos dos parlamentares ligados ao PC. Esta
fase foi também marcada pelo surgimento de outros partidos políticos e por contradições
entre a ideologia política e o modelo econômico. Tal contradição oscilava entre a
valorização do nacionalismo e a submissão ao capital estrangeiro.
Neste panorama das divergências políticas e econômicas, foi promulgada a
Constituição Federal de 1946, em 18 de setembro do mesmo ano. Esta Carta, de caráter
liberal e democrático, contribuiu com o ressurgimento do tema “educação como direito de
67 Conforme situa Rodrigues (1992, p. 8), esse conflito não constitui uma luta armada, mas política, em que o capitalismo e o socialismo buscam se consolidar. A maior parte dos confrontos do pós-guerra está relacionada a disputas políticas entre as duas potências, criando uma situação de instabilidade e insegurança que se convencionou chamar Guerra Fria. A liderança internacional, antes exercida pela Europa Ocidental, passou a ser dos Estados Unidos (líder da expansão capitalista) e da União Soviética (líder do comunismo internacional). Nessa disputa pelo domínio econômico, o mundo foi dividido em dois blocos antagônicos: capitalista e socialista. Desde então, os Estados Unidos e a União Soviética passaram a interferir nas decisões internas dos demais países. 68 Uma análise mais detalhada sobre este assunto pode ser encontrada em Rodrigues (1992).
105
todos”, um ideário proclamado no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” nos
primeiros anos da década de 1930. Este reconhecimento, contudo, não significou a garantia
do direito previsto no Texto Constitucional: “A educação é direito de todos e será dada no
lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade
humana” (Capítulo II, Artigo 167).
Embora na época de sua promulgação a Constituição de 1946 tenha sido
considerada como um avanço da democracia, visto que preconizava a liberdade e a
educação dos brasileiros, apenas acenou o início de uma limitada liberdade democrática,
após longos anos de ditadura. Esta lei estabeleceu como competência da União legislar
sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sendo esta a primeira vez que a
expressão “ensino oficial” foi usada num texto legal (IBIDEM, p. 222).
Os anos 1950 iniciaram sob os auspícios da Carta de 1946 e de uma política
social e econômica controversa, cenário em que viveram e exerceram o magistério os
docentes pesquisados. Em 1951, Getúlio Vargas voltou ao poder político, apoiando-se no
populismo e na propaganda interna. Em seu governo, adotou uma política de caráter
contraditório, ao defender a industrialização do País com ampla abertura ao capital
estrangeiro.
No contexto educacional, era alarmante o elevado índice de analfabetismo69,
associado a grandes dificuldades no setor educacional. No Ceará, tais dificuldades
inseriram-se no cenário das precárias condições de vida do povo cearense nessa década,
conforme retrata a citação a seguir:
A luta pela sobrevivência num meio hostil não é apenas da professora, mas de um povo. Com a maioria de sua população (cerca de 70%) de origem rural, o Ceará de então é o retrato da miséria e das precárias condições de vida. A escola pouco representa para uma população apartada de quaisquer benefícios de um progresso que ainda não chegou ao Estado. Se falta água, luz e alimento, porque não há de faltar educação? (VIEIRA, 2002, p. 237).
A passagem evidencia as precárias condições de vida, que tirava da maioria do
povo a chance de vislumbrar novas expectativas, das quais a “educação para todos” se
limitava apenas a um sonho, quase impossível de ser realizado.
69 Sobre o problema do analfabetismo, ver Ribeiro (2001, p. 137 - Tabela III). O estudo mostra que, entre as décadas de 1950 e 1960, apesar do combate ao analfabetismo evidenciado nesses anos, os índices eram alarmantes. Em 1950, no Brasil havia 15.272.632 analfabetos de idade igual ou superior a quinze anos. Esse problema chegou à década de 1960, com um total de 15.815.903 analfabetos.
106
Este quadro reforça a argumentação dos investidores estrangeiros que
entendiam ser necessário dirigir a educação, de forma a ajustá-la ao sistema econômico. Era
preciso assegurar o retorno dos recursos aplicados no País. Ocorreram, assim, no campo
educacional, as primeiras intervenções de organismos internacionais com a assinatura dos
acordos MEC/USAID, convênios entre o MEC, seus órgãos e a Agency for International
Development (AID). De forma geral, esses acordos expressavam os interesses internos e
externos de adequar o sistema educacional ao modelo econômico (ROMANELLI, 1983, p.
196).
Enquanto acontecia o descaso no que concerne ao ensino elementar, por outro
lado, Getúlio Vargas dispensou cuidados especiais ao ensino superior. A política de
desenvolvimento associada ao capital internacional adotada por Vargas provocou um
acirramento da crise durante este governo em meio à contradição entre o modelo político e
o modelo econômico. Não suportando tais convergências, Getúlio Vargas cometeu suicídio
em agosto de 1954. Dos anos subseqüentes até a posse de Juscelino Kubitscheck,
sucederam agitações políticas nos governos de Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos.
Com a assunção de Juscelino Kubitschek (1955-1960) ao poder, o governo passou a atrair
mais capital estrangeiro para acelerar o crescimento das indústrias de base. Em seu
governo, propagava um discurso desenvolvimentista, no qual priorizava a criação das
indústrias de base, alimentação, energia, transporte e educação.
No campo educacional, os conflitos entre o público e o privado foram
revigorados. De um lado, estavam os educadores que defendiam a escola pública e, de
outro, os que apoiavam a rede privada de ensino. Os educadores defensores da escola
pública publicaram o “Manifesto dos Educadores Mais Uma vez Convocados”. O governo
Juscelino valorizou o ensino técnico-profissionalizante, cabendo à escola a formação de
mão-de-obra técnica, de nível médio. Os cursos de 3º grau ficaram para aqueles que
tivessem “vocação intelectual”. Esse cenário, agregado aos elevados índices de
analfabetismo70 e as carências em todo o sistema educacional, contribuiram para a
efervescência da Campanha em Defesa da Escola Pública, haja vista a reduzida
preocupação do Governo para reverter o quadro precário da educação neste período.
70 Os recursos financeiros entre 1957 e 1959 foram quadruplicados e destinados ao ensino industrial, enquanto nesses anos a metade da população brasileira não sabia ler nem escrever (GHIRALDELLI, 1992, p. 131).
107
No campo econômico, o final desse governo foi marcado por notável
crescimento e visível modernização. Paralelamente se desenvolveu uma crise impulsionada
pelo aumento da dívida externa e da inflação, aspecto alvo de critica do projeto
desenvolvimentista. Ao final da década de 1950, no campo educacional, as idéias da Escola
Nova e da Pedagogia Libertadora inspiraram o surgimento de organizações responsáveis
por campanhas de educação popular, sendo dela participantes educadores, estudantes
universitários e políticos, preocupados com a cultura das massas populares e sua
participação na vida política do País.
Conforme situam Shiroma, Moraes e Evangelista (2000), os Movimentos de
Cultura Popular, iniciados em 1959, representaram movimentos de alfabetização altamente
politizados e adotaram dois principais objetivos: alfabetização para educação política e
finalidade eleitoral imediata, já que aos iletrados o voto ainda não era facultado.
Este era o cenário social em que os 07 professores cearenses se desenvolvem
como docentes. Suas trajetórias, com matizes diferenciados, de certo modo revelam as
marcas que permearam a constituição da profissão no Estado. O exercício do ensino como
atividade profissional entre esses professores iniciou-se em 1940, com Antonieta Cals,
seguida por Jorgelito Cals (1946), Nildes Alencar (1951), Rosa Fonseca (1952), Iracema
Oliveira (1952), Edgar Linhares (1963) e Helena Silva (1966). Seus relatos mostram
momentos decisivos na configuração do modo como viveram e vivem a docência,
conforme buscam mostrar as cenas a seguir apresentadas.
• Cena A: Lauro de Oliveira Lima e Paulo Freire – importantes referências teóricas
Dentre as tendências pedagógicas predominantes entre o final da década de
1950 e início dos anos 1960, destacaram-se: o escolanovismo piagetiano, que se estendeu
até meados da década de 1980, e as idéias de Paulo Freire. Essas linhas de pensamento, em
difusão no contexto nacional, repercutiram na educação do Ceará e na profissão docente.
Foi no cenário dos movimentos de Ação Popular que Paulo Freire
desenvolveu seu método de alfabetização para adultos, propondo, a partir das palavras-
geradoras relacionadas ao cotidiano dos alfabetizandos, levar o analfabeto à palavra escrita,
bem como a conscientização da sua situação política, o que ele chamou de “leitura do
mundo”. Paulo Freire criticava a educação “bancária” e as conseqüências desse tipo de
educação para o indivíduo. Para a Pedagogia libertadora, por ele postulada, a escola oficial
108
comportava-se com autoritarismo e era incapaz de defender os interesses dos “oprimidos”.
Este educador buscava conscientizar os sujeitos sobre seus direitos e a lutar por eles.
O escolanovismo piagetiano, por sua vez, foi inspirado nos escritos de Jean
Piaget, bastante utilizado por “comentaristas estrangeiros e pedagogos” da época, os quais
adotaram os princípios da “Psicologia e da Epistemologia Genética” (GHIRALDELLI,
1992). Lauro de Oliveira Lima é identificado na literatura como um dos pensadores com
importante papel na disseminação, entre o professorado, das idéias do escolanovismo
piagetiano. Publicou várias obras sobre o tema, merecendo menção o título “A escola
secundária moderna”, editada pela primeira vez no início da década de sessenta do século
XX (1962).
O educador Lauro de Oliveira Lima foi responsável pela criação do método
“psicogenético”. Suas idéias pedagógicas marcaram a vida profissional dos professores
cearenses. De acordo com os relatos dos docentes entrevistados, o contexto educacional
local nesse momento foi marcado por uma “renovação pedagógica”, que implicou
mudanças na prática dos professores: “Foi essa revolução que o Lauro fez na educação. Ele
deu tudo novo” (Professora Iracema Santos).
Este método, que de acordo com Lauro de Oliveira Lima, “deu continuidade
em relação à Pedagogia Nova”, também avançou no que diz respeito a esta orientação, na
medida em que “a teoria piagetiana colocava o procedimento do professor em graus
maiores de cientificidade” (GHIRALDELLI, 1992, p. 196). A repercussão dos
pressupostos do método psicogenético no aperfeiçoamento pedagógico docente é
claramente ressaltada nos depoimentos dos professores cearenses:
[...] principalmente o Lauro, [...] ele dava a psicologia da aprendizagem, a inteligência [...] ele dava umas matérias que levava muito à pesquisa. Ligada a biologia, usava muito o livro do Lourenço Filho (Professora Iracema Santos).
[...] eu tinha mais a tendência Piagetiana, que é o desenvolvimento da inteligência. É educar pela inteligência, essa é a teoria. Agora, educar pela inteligência não só Piaget que pensa nisso também. Mas de qualquer maneira era aonde eu fui mais formada (Professora Iracema Santos, p.47).
Mas era na construção que o aluno aprende, o professor ajuda. Lauro de Oliveira Lima. O professor não ensina, ajuda o aluno a aprender. Porque a criança, o Paulo Freire vem depois confirmando não é? E segundo Piaget que a criança não é um pote vazio, que você jogava todo o seu saber lá dentro. Pelo contrário a criança também, ela
109
convive na sociedade, ela tem suas experiências, então ela tem o seu saber (Professora Nildes Alencar, p.11).
Então é um nível difícil, porque faz a pessoa pensar, faz pensar pra descobrir onde está a resposta. É proibido dar a resposta já pronta no método (Professora Antonieta Cals, p.26).
[...] a descoberta da matemática no sentido de ensinar matemática assim reflexiva, consciente, o aluno tomando consciência refletindo a matemática. A matemática como conhecimento que é capaz do aluno chegar, mas não como aquela decoração regras decoradas da matemática, aquelas histórias toda (Professora Nildes Alencar p.13).
Como se pode observar pelos depoimentos ora reproduzidos, a idéia central
revela uma concepção de docência que se opunha aos modelos tradicionais e assumia
feições participantes, democráticas, na qual o aluno era ativo no processo de
aprendizagem. Esses aspectos, condizentes com princípios da Escola Nova, como
veremos, se mantiveram nos governos seguintes, até 1964.
Em janeiro de 1961 um novo presidente, Jânio Quadros, assumiu a
Presidência da República. Durante sua administração, os altos índices de inflação e da
dívida externa não foram contidos. A política econômica desse governo esteve voltada
principalmente para a ampliação do mercado externo, a fim de garantir o aumento das
exportações no Brasil. Tais atitudes resultaram em seu rompimento com a UDN, partido
de apoio a sua candidatura. Em agosto do mesmo ano, renunciou ao governo, deixando o
Brasil à beira da falência. Com a renúncia de Jânio Quadros, o seu vice (João Goulart)
deveria assumir o governo por direito constitucional. Em meio à forte resistência dos
militares, o Congresso Nacional adotou o parlamentarismo, facilitando a sua posse no
Governo brasileiro em 1961. Posteriormente o povo votou em um plebiscito, pela volta ao
presidencialismo.
O governo João Goulart (1961-1964) foi marcado por conflitos entre os
radicais de direita e de esquerda, associados às dificuldades econômicas ocasionadas pelo
aumento da dívida externa. As tensões sociais agravavam a crise política e sob fortes
pressões das massas populares, o Presidente tentou permanecer no poder, por meio das
“reformas de base”.
Nesses anos, as idéias da Escola Nova, da Pedagogia Libertadora e do
nacionalismo-desenvolvimentista do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
marcavam posição contrária a educação tradicional. Os grupos responsáveis pela educação
110
popular, iniciados em 1959, continuavam a crescer. Engajados numa ação política junto aos
grupos populares, estavam os educadores do Movimento de Educação de Base (MEB), dos
Centros de Cultura Popular (CPCs) e dos Movimentos de Cultura Popular (MCPs). Sobre o
Movimento de Educação de Base no Ceará, a educadora Helena Silva registrou a existência
de uma escola de alfabetização para adultos no salão paroquial da igreja de Santa Luzia,
conforme mostra a transcrição que se segue:
Aí eu fui lá na Paróquia de Santa Luzia e tinha um Mobral. Nem era Mobral, era MEB, antes do Mobral. MEB era Movimento de Educação Básica. Era uma educação de adultos, na época que Paulo Freire começou [...] era por volta de 62, por aí [...] aquilo ali me fascinou. Aí o Padre disse: “se você arranjar aluno, tem sala aqui pra você dar aula”. Aí eu arranjei uns alunos, meninos jovens e uns senhores já adultos e toda noite eu ia dar aula lá na Paróquia, lá no salão Paroquial de Santa Luzia. Aí eu fui me entrosando com esse negócio de ensinar [...].
No final do governo João Goulart desenvolveu-se o Programa Nacional de
Alfabetização, dirigido por Paulo Freire. Tinha como objetivo erradicar o analfabetismo no
Brasil, em iniciativa vinculada às reformas de base, que pretendia alfabetizar para a
conscientização política. A educadora Rosa da Fonseca relata uma de suas experiências,
com apenas 13 anos de idade, quando iniciava a trajetória como professora de alfabetização
de adultos:
Lá em Quixadá, na época era Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, ainda no Governo de João Goulart [...] Então comecei fazendo alfabetização de adultos que Eu era mais nova da classe. Eu tinha 13 anos (...) Depois ensinei alguns, quer dizer, entrava como professora substituta que era essa figura que tinha e de uma certa forma tem hoje, mas hoje é temporário, é o que chamam de temporário.
[...] Mas assim, sempre fui fazendo as coisas muito nova. Quer dizer, eu terminei o primário acho que com nove anos, porque o ginásio, eu terminei com treze, o normal, eu terminei com dezessete [...] mas era uma escola, como eu to te dizendo, não era uma escola essas escolas que tem hoje[...]Era a casa da professora!Era um salão! Era um salão bem grande, aí as turmas eram juntas, não eram separadas. Até o exame de admissão. Na época tinha o exame de admissão”. [...] É pra entrar no ginásio.
O relato da professora evidencia o nível de formação dos professores que
atuavam naquela modalidade de ensino. A urgência em alfabetizar o grande número de
pessoas excluídas pela ausência da educação escolar fomentou a contratação de professores
que tinham somente o curso ginasial. Essa tendência era marcante, sobretudo, nesses anos,
quando os governos militares pouco investiam na formação de professores.
111
• Cena B: Organizar o ensino público no Estado – diversificação dos espaços de socialização profissional
Durante o governo João Goulart, o Ceará atravessava momentos de grandes
dificuldades econômicas, resultantes da crise no setor agropecuário, principal atividade
desenvolvida pela maioria da população cearense, nos primeiros anos da década de 1960. O
processo de industrialização, evidenciado no Brasil desde os anos 1930, refletia as
mudanças que marcaram o cenário cearense nessa década, com o surgimento das indústrias
dinâmicas.
Em 1963, o Ceará passou a ser governado por Virgílio Távora que, rompendo
com o PSD, aliou-se à UDN, que lhe serviu de apoio para ascensão ao Poder Executivo.
Esse Governo foi o primeiro a representar o regime militar no País. Távora adotou uma
política desenvolvimentista e anunciou as primeiras experiências de planejamento no
Estado, no âmbito econômico e educacional.
Em sua primeira administração, criou o Plano de Metas Governamentais
(1963/1966 - PLAMEG I), que compreendia medidas administrativas, organizacionais e
estratégias para o crescimento industrial. Em meio às diversas metas estabelecidas, a
educação apareceu no eixo “Melhoria das condições da vida do homem” e era apontada
como fator de desenvolvimento econômico.
Nos primeiros anos da década de 1960, de acordo com os professores
entrevistados, a educação cearense era marcada pelo descaso e pelo abandono. É o que
relata o professor Edgar Linhares:
Nossa geração levava a educação numa diretriz que começou, não comigo. Eu fui componente do grupo. Ela começou com a cabeça do Lauro Oliveira Lima com responsabilidade. Naquele tempo tudo era nacional. Rede do estado nem existia. O Estado tinha 705 salas de aula. Tudo abandonado. Eu levantei uma por uma; como é que estava em abril, em março e abril de 63. Foi o primeiro levantamento sistemático do patrimônio escolar do Ceará.
E prossegue:
[...] eu fiz um levantamento de toda a situação da Secretaria da Educação com a equipe do Banco do Nordeste, que naquele tempo era a equipe técnica mais competente que tinha no Ceará. Cada especialista era formado num país diferente no mundo. Um foi pra Holanda, outro foi pra Inglaterra, outro foi pros Estados Unidos. E eu fiz um convênio com o Banco do Nordeste pra pegar cada especialista. E vamos fazer um trabalho sério, primeiro diagnóstico. Aí o diagnóstico dava tudo.
112
Nesse momento a educação pública do Estado passou a receber um
tratamento sistemático do Governo. Virgílio Távora, nos primeiros anos da sua
administração, empreendeu esforços visando à organização da rede de ensino. Essa
preocupação, vale ressaltar, ocorreu em meio a um discurso sobre a insuficiência de
recursos71, já que a prioridade máxima do Governo nessa década voltava-se para a
industrialização.
Sob a vigência da Lei nº 4.024/61, foi regulamentado o Conselho de Educação
do Ceará. Vigorando essa Lei, a descentralização do ensino figurava como um dos
princípios adotados, o que permitiu aos Estados e ao Distrito Federal a autonomia para a
organização de seus respectivos sistemas. No caso do Conselho de Educação local,
existente desde 1948 com a denominação “Conselho Técnico de Educação”, passou a
chamar-se “Conselho Estadual de Educação do Ceará”. Embora não desconsidere as
críticas a essa lei, o professor Jorgelito Cals chama a atenção para um aspecto que, do seu
ponto de vista, pode ser destacado como um avanço: essa lei concedeu mais autonomia aos
sistemas estaduais de educação. Esta interpretação do professor é mais bem compreendida
com arrima no trecho de seu depoimento a seguir transcrito:
As leis antigas não, era aquilo e tinha que ser aquilo. Os alunos saiam prejudicados. E não tinham nenhuma saída. Essa não. Bota recuperação, bota progressão parcial, que antigamente chamava-se dependência. E só podia repetir em duas disciplinas.
Era aquilo e aquilo. Em todo o Brasil. Depois, com a 4.024 e a 5.692 foi que a coisa foi abrandando mais e foi dando autonomia aos sistemas estaduais.
A professora Antonieta Cals, membro do Conselho Estadual de Educação até
1964, também comentou sobre a organização deste órgão durante o governo Virgílio
Távora:
[...] Cada Estado teve que implantar o Conselho. E aí, tudo foi novo, tudo foi difícil. Como se realizava uma reunião de conselho? A divisão de conselho em câmaras, câmara do primeiro grau, segundo grau, de ensino superior, legislações e normas? Quem vai ficar? Quais são as especialidades ali?.
Conforme a Lei nº 4.024/61, os conselheiros deveriam ser escolhidos por
nomeação, após consulta às instituições da sociedade civil relacionadas às áreas de atuação
71 Na Mensagem Governamental de 1964, Virgílio Távora apresentou tal situação, destacando “as dificuldades imensas no setor da educação decorrentes do inadimplemento, por parte dos órgãos federais, dos convênios por eles assinalados [...]”. Segundo o governador, os gastos referentes à educação trouxeram aos cofres estaduais “um encargo financeiro praticamente insuportável” (CEARÁ, 1964, p. 19-20).
113
de cada colegiado, considerando critérios como: reputação ilibada, prestação de serviços
relevantes à educação, à ciência ou à cultura. Antonieta Cals prossegue seu relato:
Pois bem, então tinha as câmaras. Cada câmara, funcionava da seguinte maneira: chegavam os processos... O Conselho tinha dois objetivos grandes: legislar, fazer a legislação do Estado, calcada na nacional; analisar os processos, os pedidos de revalidação de ensino. Estudava nos Estados Unidos. Chegava na quarta série. O que é que tem que fazer? Aí, ia pra Conselho, era lido no Plenário o assunto e distribuído na Câmara, para a Câmara do Segundo Grau, por exemplo. O parecer era discutido primeiro na Câmara, depois ia pro Plenário. Esse processo ia pro Plenário. Então, pra revalidar, precisa fazer prova de tal e tal disciplina. Davam uma solução no Plenário. Então era realmente um trabalho interessante pra quem gosta de estudar.
Os depoimentos dos professores ressaltam que esse órgão foi estruturado,
definitivamente, nos primeiros anos da década de 1960.
Outra medida importante naquele momento residia na decisão de elaborar um
currículo para as escolas públicas estaduais. De acordo com os depoimentos de alguns dos
docentes pesquisados, até então, o sistema educacional cearense não possuía um currículo
organizado, pois funcionava sem o devido acompanhamento dos órgãos competentes. Os
professores ensinavam sem um currículo definido no início da década de 1960. Nas
escolas, a carência do ensino era inegável, conforme mostram os excertos transcritos:
Sim, porque era uma carência muita sentida, porque ninguém tinha um currículo. Cada um dava o seu jeito; cada um explicava os pontos, colocava na pedra, lousa do seu jeito. Então, foi se sentindo que havia a necessidade de mais unidade na escola (Professora Antonieta Cals).
Porque, até então, as nossas escolas, com raras exceções, a não ser que a gente se engajasse em movimentos, as nossas escolas era... o ensino pelo ensino, saber pelo saber, mas pra libertar, conscientizar, posicionar politicamente, não. Politicamente no sentido, assim, de democracia mesmo! De tornar o homem participativo, a questão da cidadania, como é que se dá essa cidadania, que tipo de cidadania, que nível ela tem. Tudo isso, nada disso [...] (Professora Nildes Alencar).
De acordo com os relatos das professoras, esta era a situação das escolas
cearenses, antes que as primeiras medidas voltadas para a organização da rede pública de
ensino no Estado fossem adotadas. Nesse momento, a educadora Luisa de Teodoro Vieira,
contratada pelo Governador Virgílio Távora, liderou os trabalhos, visando à elaboração do
“Livro da Professora”, que representou o primeiro currículo organizado do Estado.
Participaram desse processo, indicados pelo governador, os educadores: Letícia Parente
(Ciências Naturais) Maria Antonieta Cals de Oliveira (Matemática); Dalva Estela de
114
Nogueira Freire (Educação Artística); Maria Olinda Acioli, Maria Salete Eleutério e Kilda
de Sousa Bermúdez (Linguagem).
Os professores pesquisados destacaram, ainda, que a proposta metodológica de
Paulo Freire foi adotada pela então coordenadora, responsável pela elaboração do primeiro
currículo. Os educadores já mencionados foram orientados sobre a metodologia, bem
como sobre a filosofia do “Livro da Professora”. Estudaram as teorias educacionais e a
metodologia de Paulo Freire, conforme relatam duas professoras que participaram desse
processo:
Porque a nossa proposta era a Filosofia do “Livro da Professora”, qual era a filosofia? Era construir; era já uma filosofia baseada no construtivismo, que não tinha esse nome, nem existia esse nome. Mas era na construção que o aluno aprende, o professor ajuda: Lauro de Oliveira Lima! O professor não ensina, ajuda o aluno o aluno a aprender. Paulo Freire vem depois, confirmando, não é? [...] Então, era esta a filosofia: que o ser humano se constrói [...] (Professora Nildes Alencar).
Bem, era Paulo Freire. Estudamos as teorias, as teorias educacionais, e ela, então debatendo com a gente [...] Esta teoria da redescoberta foi o coisa notável pra nós professores, né! Pra mim, de matemática, eu achei uma coisa louca, porque ao invés de tá tudo decorado (tabuada!) tem que saber [...] o que significa dois, o que significa vezes... Então, descoberta do rumo foi uma coisa sentida, era uma carência sentida pelas professoras, então veio acudir a comunidade (Professora Antonieta Cals).
Associados ao “Livro da Professora”, foram criados os livros de leitura,
identificados com nomes de crianças comuns a época. O relato a seguir contextualiza a
escolha dos nomes:
Aí pegamos o “Livro da Professora” e os livros de leitura que também foram elaborados, produzidos por esta equipe. Era o livro de Fred, Teresa e Ruth, primeiro livro, Paulo Daniel e Clarissa, segundo livro e o terceiro livro era Beatriz, Davi e Lia. Eram nomes de crianças que eram conhecidos no meio pessoal. Os livros eram muito bons. Claro que se fossem pra hoje eles teriam que ter um aperfeiçoamento pedagógico (Professora Nildes Alencar).
A produção desses materiais, conforme registram os professores pesquisados,
foi marcada por vários momentos de debates em torno do currículo, ocasiões prestigiadas
pelos educadores responsáveis por sua elaboração, como também pelo então governador
do Estado do Ceará, Virgílio Távora. O interesse do governo pelos assuntos ligados ao
ensino é comentado por alguns docentes protagonistas desse fato histórico:
O Virgílio era uma pessoa... ele era muito sisudo, mas ele foi um chefe formidável. Ele tinha tanto interesse por educação, que muitas vezes
115
presidiu a reunião do nosso trabalho, as reuniões do trabalho ele ia, discutia, dava prazo, ‘eu quero para tal, para tal tempo’. E foi assim [...] (Professora Antonieta Cals).
Eu fui assessora do Virgílio Távora no primeiro governo dele. Ele tinha uma assessoria de educadores que ele trazia diretamente com ele. Existia... Cada secretaria tinha, uma coisa que ele fazia muito importante: ele fazia as reuniões dele pela Secretaria. Então ele ia diretamente na Secretaria despachar e lá ele reunia com as pessoas. Nós tínhamos um grupo, por exemplo, era Jatair, a Luísa Teodoro, eu. Um grupo bom. O Edgar fazia parte dessa assessoria (Professora Iracema Santos).
Com a criação do “Livro da Professora”, manifestaram-se as primeiras atitudes
de rejeição por parte dos docentes. Segundo uma das entrevistadas tal inovação foi
[...] difícil porque o professorado tava todo acostumado a dar os pontos. Era mais cômodo pra eles, empurrar aquilo ali. Então, é um nível difícil, porque faz a pessoa pensar, faz pensar pra descobrir onde está a resposta. É proibido dar a resposta já pronta no método (Professora Antonieta Cals).
Pelo depoimento, as resistências enfrentadas decorriam do choque entre os
pressupostos pedagógicos que sustentavam a proposta curricular do “Livro da Professora”
e aqueles que balizavam a prática do professorado cearense, pautada, basicamente, no
método tradicional. A professora Nildes Alencar lembra ainda que as dificuldades em usar
o material proposto não se manifestaram somente entre os docentes, também se fez sentir
entre “os próprios supervisores, porque eles não foram, não tiveram condições da
preparação, treinamentos, cursos para utilização do livro”. Tal fato contribuiu para que eles
“não entendessem a metodologia do livro. Como usar o Livro da Professora? Porque você
olha, assim, uma coisa simples. Não é nada!”.
Os relatos são enfáticos em registrar que o “Livro da Professora” por sugerir
uma metodologia diferente daquela então utilizada pelos professores cearenses, que não
foram devidamente preparados, provocaram grande impacto. Esta situação se agravou, no
contexto da ditadura militar, em decorrência do conteúdo de suas mensagens, de caráter
conscientizador. Esse aspecto é assim comentado pela professora Nildes Alencar:
Então, uma aula de leitura, o menino, com uma leitura que o livro propunha, era uma semana pra você trabalhar aquela leitura. Aí só que se os professores não foram preparados pedagogicamente, metodologicamente, didaticamente pra isto. Eles não sabiam aplicar aqueles livros. Eles tinham pavor a esses três livros. Também tinham pavor a esses livros os chefes da ditadura, porque entenderam que nas entrelinhas daquilo estavam constituídas – e estava mesmo! – mensagens que provocavam a conscientização do ser humano.
116
A professora Antonieta Cals confirma as dificuldades enfrentadas onde a
desconfiança do governo militar :
Olha naquele tempo a gente vivia uma época tão difícil, mas tão bonita, porque instigava a luta, mas uma luta bonita! Uma luta por uma coisa boa, mas havia uma perseguição tão grande a quem tinha idéias novas... Era o tempo da ditadura e tal. E então, até porque a professora, a do livro, tem uma capa vermelha, foi perguntado por que tinha sido escolhido vermelho? Era a cor do comunismo. Perguntaram se nós éramos comunistas. Oh! Um bando de moças velhas, bestas (risos)... Podia até a Luisa ter alguma idéia, que era muito avançada. Até isso era uma perseguição, era muito vigiado, tudo era vigiado. Então descobriram que o livro tinha a capa vermelha.
A ênfase no controle dos órgãos públicos, em particular daqueles vinculados
ao setor educacional, traduziu o enfoque centralizador que matizou as ações no âmbito
estatal durante os primeiros anos da década de 1960, os quais se acirrou nos momentos que
antecederam o golpe militar. Não só a educação como um todo, mas também a
configuração da identidade docente trouxe marcas profundas desse processo. Como a
identidade é constituída de contradições e transformações, veremos que os professores
encontraram, mesmo nesse contexto de fortes tensões políticas, espaços de luta e expressão
de anseios e idéias.
A “Inspetoria Seccional”, vinculada ao Ministério da Educação, apresentou-se
como um dos mecanismos de monitoramento e fiscalização da educação vigentes nesse
período. O professor Jorgelito Cals situa a ação desse órgão no Estado:
Naquele tempo havia no sistema a Inspetoria Seccional. Era uma representação do Ministério da Educação para acompanhar o ensino nos colégios. O ensino era muito centralizado, tanto que no começo... nos idos de 60 ou mesmo antes, o que se aprendia aqui no Ceará era ensinado nos outros estados. Não havia, o que se chama... essa independência. O Ministério determinava, na primeira série tem que ser estudado isso [...] distribuía pro Brasil todo e a 1º série era igual pra todo mundo.
A despeito do controle por parte do Governo central sobre o trabalho escolar,
os professores relataram vivências que foram importantes em sua formação e
conscientização política. A Igreja Católica constituiu um desses espaços, assumindo uma
posição conscientizadora sobre a questão econômica, política e educacional no Ceará.
Pode-se constatar a participação de vários dos docentes pesquisados no movimento
denominado “Ação Católica”, conforme revelam os registros a seguir:
117
[...] lá em Quixadá, a gente já, além da gente ter participado do grêmio da escola e antes da JEC, que era Juventude Estudantil Católica, a gente participou também de greve [...] Ação católica. Então a gente foi... Eu fui da JEC, meus irmãos também participaram da JEC [...] Os irmãos mais velhos que vieram para Fortaleza antes, logo se engajaram no movimento estudantil. Então quando eu vim, eu já sou a quarta ou quinta, eu já vim sabendo da participação deles (Professora Rosa Fonseca).
Os professores nessa época eram engajados, quase todos, nesse colégio, na ação católica [...] era um movimento da igreja que colocava uma visão realista, envolvia a questão da educação, a questão da economia do país, foi um movimento que deu muita força aos outros movimentos que iam surgindo. Então, as escolas particulares, elas tinham os professores que eram engajados em movimentos extras, por exemplo, Colégio São João, era um colégio particular, no entanto de lá saíram muitos jovens formados, politicamente falando, para as idéias socialistas (Professora Nildes Alencar).
Os relatos evidenciam a expansão de um movimento amplo, que implicava um
sentimento comum em prol das questões sociais. A sociedade brasileira, em particular,
cearense, vivia momentos intensos de mobilização social em torno da reivindicação de
mudanças no modelo econômico e político vigente. Com o golpe de 31 de março de 1964,
as liberdades conquistadas foram negadas. Sobre esse momento histórico, a professora
Helena Silva comenta:
Me lembro que logo assim que explodiu a Revolução de 1964 a gente estava tudo na rua, a gente lutava. A gente era partidária do Jango. A gente lutava pelo Jango, mas não porque a gente tivesse a consciência do que seria uma sociedade socialista, mas por que ele era uma pessoa que estava dando resposta a uma situação de injustiça [...].
O depoimento da professora confirma as análises existentes na literatura
(SKIDMORE, 1988; BÓRIS, 2003; FARIAS, 1997) sobre esse momento histórico, as quais
ressaltam que as massas populares, acreditando no presidente João Goulart, ocuparam os
espaços públicos, defendendo as reformas de base. Tais manifestações, marcadas por
disputas econômicas, políticas e ideológicas, sucederam-se em âmbito nacional e refletiram
no contexto educacional local, em que educadores estiveram envolvidos e conscientes
acerca dos problemas existentes no contexto brasileiro.
• Cena C: formação inicial em serviço – um sopro de profissionalização
A década de 1950 e o início dos anos 1960 não lograram o desenvolvimento de
uma política educacional que assegurasse uma educação articulada às reais necessidades da
sociedade brasileira (RIBEIRO, 1980; ROMANELLI, 1989; GHIRALDELLI, 1992;
118
VIEIRA, 2002). Ao priorizar o ensino técnico profissionalizante e o ensino superior,
excluiu a maioria da população da oportunidade de ingressar na universidade (IBIDEM).
Este descaso também se fez presente no que se relaciona à formação do professorado
responsável pelo processo de escolarização.
A situação educacional no contexto cearense, em linhas gerais, não difere do
que sucedeu em âmbito nacional. Aqui, todavia, a Campanha de Aperfeiçoamento e
Difusão do Ensino Secundário (CADES) apresentou-se como a alternativa para o
problema da formação do professorado.
A CADES era um curso intensivo de aperfeiçoamento de professor do ensino
secundário ofertado pelo Ministério da Educação, no período das férias escolares, visando
habilitá-lo para o exercício da docência em determinada área de conhecimento. Isto porque,
como bem situa a professora Iracema Oliveira Santos, era prática corrente a existência de
professores que ensinavam, sem, contudo, ter formação específica para o exercício do
magistério. “Existiam muitos dentistas que davam Física, Química, Biologia pelo interior,
engenheiro que dava Física, Matemática. Padre que dava Latim, Português, Francês [...]
essas pessoas não tinham o registro de professor”. Mais adiante, esclarece que “[...] pra ter
o registro” eles precisavam fazer o curso, o qual “[...] dava a parte didática, que eles não
tinham [...]”.
O depoimento da entrevistada é ratificado pelo relato do professor Edgar
Linhares que, ao se referir à CADES, destaca que “[...] os professores daquele tempo não
tinham título nenhum”. Eram profissionais cujo saber era publicamente reconhecido ou
mesmo com preparação em outra área que não a educacional. Com a CADES, esse
registro começou a ser assegurado.
O relato da professora Iracema Oliveira Santos, que foi aluna e,
posteriormente, professora da CADES, detalha ainda como era organizada essa iniciativa
de formação docente no Estado:
A CADES era um curso de aperfeiçoamento de professor de ensino secundário. [...] Era no período de férias. Durante aquele período... parece que pegava dezembro e janeiro, antes de começar as aulas, porque começava em fevereiro. Então, [...] no fim do curso, você fazia uma prova. Aí se essa prova, se você passasse, você recebia o registro definitivo daquela matéria dada pelo Ministério da Educação [...] Funcionava lá no Justiniano de Serpa. A gente tinha aquelas salas de aula todas ocupadas, sabe. Era um negócio!!! Um movimento muito grande. (Grifos nossos)
119
Quanto ao procedimento de avaliação visando ao registro que assegurava o
exercício docente, acrescenta:
Mas se eu não me sentia com condição de fazer exame na primeira vez, eu esperava o outro semestre, o outro ano e fazia, cursava e já sabia que podia fazer. Então eu fiz. Eu não me lembro se no primeiro ou no segundo... deve ter sido no segundo. Fiz e tirei o registro de português, de matemática e de desenho, porque eu fiz o curso.
De acordo com os relatos dos professores entrevistados, a CADES teve papel
primordial no aperfeiçoamento dos professores, habilitando-os para o ensino de disciplinas
específicas.
Os cursos ministrados pela CADES, embora focalizando conteúdos de áreas
específicas, tinham carga horária destinada a Didática Geral, como também frisa a
professora Iracema Oliveira: “Existia um professor que ensinava Didática Geral, que no
caso era o Lauro. Ele dava aula de Didática Geral, sem ser específico de cada matéria”.
Este educador, entre outros, como Ari de Sá Cavalcante e Luís Alberto dos Santos Brasil,
mencionados pelos entrevistados, compuseram o quadro dos docentes responsáveis por
essa iniciativa de formação continuada e em serviço do professorado cearense.
O impacto desse processo formativo, de acordo com os entrevistados, se fez
sentir de formas diversas. A prática da “semana pedagógica” é apontada como uma das
formulações desse momento, conforme revela o relato da professora Nildes Alencar:
[...] todo ano nós fazíamos, no primeiro semestre e no segundo semestre, o plano anual das escolas que chamávamos semanas pedagógicas [...] essas semanas pedagógicas foram implantadas desde o tempo da CADES, quando a CADES começou a funcionar aqui em Fortaleza, com Lauro de Oliveira, eles implantaram as semanas pedagógicas.
Lauro de Oliveira Lima aparece nos relatos dos entrevistados como
responsável por desempenhar importante papel na educação cearense, em particular no
processo de formação de seu professorado. Entre o grupo de professores pesquisados, este
educador se sobressai como referência teórica e metodológica decisiva na configuração de
seus comportamentos, atitudes, conhecimentos e práticas como profissionais do ensino.
Quando 31 de março de 1964 chegou, várias medidas de repressão marcaram o cenário
social cearense, silenciado as manifestações contrárias à ordem vigente e, sobretudo,
restringindo significativamente os avanços registrados até então no campo da educação.
120
Os relatos dos entrevistados contêm múltiplas pistas sobre os elementos que
contribuiram na configuração da identidade profissional do professor no contexto
cearense, cujos labirintos são, de certa forma, condensados no próximo tópico.
2.2.3 Idéias e práticas pedagógicas nas trajetórias docentes – elementos de síntese
O professor traz, para a ação profissional, sua bagagem social, sempre
dinâmica, complexa e única. Suas múltiplas experiências – pessoal, social e profissional –
compõem a “teia de significados” (GEERTZ, 1989) que funciona como bússola a servir de
referência para atribuir sentido, interpretar e organizar o estar-no-mundo, mais
precisamente, no mundo do trabalho.
Todas essas dimensões do ser professor são fundamentais à compreensão da
docência como profissão, em particular da referência de “profissionalidade” construída
neste percurso. Desse modo, considerando que é no trabalho e pelo trabalho que o
professor se define profissionalmente, a intenção de declarar o ser professor, a partir dos
discursos dos protagonistas, demanda uma justificativa sobre a escolha da profissão,
momento de entrada no labirinto da docência.
Conforme pesquisas sobre a socialização profissional (NUNES, 2001; SU,
1992), o ingresso é definido em função de múltiplos fatores, destacando-se a influência da
família e ex-professores. Isso aparece, nesta investigação, com força nos relatos dos
entrevistados. O desejo da família, especialmente no caso das mulheres, está ligado à idéia
de magistério como profissão feminina, conforme revelam os registros selecionados:
“Desde pequena meus pais disseram que eu ia ser professora” (Professora Iracema
Oliveira); “Tive influência da mãe” (Professora Antonieta Cals). Entre os professores, a
influência da família não aparece nos discursos como elemento determinante da escolha da
profissão. Dizem que o magistério entrou em suas vidas “por acaso”, como opção mais
viável de trabalho na época.
De 07 professores entrevistados, cinco ressaltaram a vocação para o magistério
desde cedo, alimentada pela idéia de que estavam contribuindo para melhoria da sociedade.
Emblemático dessa visão idealista da profissão é o fato de que 04 exerceram o magistério
antes da formação, na alfabetização de pessoas carentes em cidades onde viviam com a
família. A imagem do magistério como sacerdócio, historicamente constituída, é recorrente
no discurso dos professores. Inclusive, a Professora Nildes Alencar ressalta a mística em
121
torno da figura do mestre, ilustrando com o fato de que, em 1958, o filme “Alma Forte” a
influenciou na escolha da profissão, com a figura do professor abnegado, forte e valoroso.
O ingresso na docência, por convite ou indicação política, apresenta-se como
outro elemento de reforço da visão do magistério como sacerdócio, negando o caráter
profissional. A professora Antonieta Cals declara: “fui nomeada pelo Governador [...]
porque tirei o primeiro lugar como aluna do curso normal”. O depoimento do professor
Edgar Linhares também é revelador: “Em 1950, o meu amigo que dava uma cadeira de
Português no Lourenço Filho resolveu ir para São Paulo e disse: Edgar fica no meu lugar”.
Chama atenção o fato de que, embora a escola pública cearense, no início da carreira (anos
1940 e 1950) apareça nos relatos como espaço de status e de boa remuneração, a maioria
ingressou na profissão em escola privada.
Mesmo com atividades docentes na rede privada, esses professores não
deixaram de sentir o impacto da realidade da sala de aula, característica forte do início da
carreira. É o que registra a professora Nildes Alencar, ao se referir à primeira experiência,
às dificuldades em lidar com alunos e à relevância da prática como espaço de aprendizagem
do ofício de professor. Pesquisas sobre o tema (MONTEIRO, 2002; NUNES, 2005)
mostram que, atualmente, os professores continuam destacando a prática como lugar
privilegiado de aprender a ser docente.
O encontro com sete educadores leva a percorrer diversas instituições e
funções da educação. O professor Jorgelito Cals, o mais velho dos entrevistados, segue
trajetória recorrente nas décadas de 1930 e 1940, ao enviarem as famílias os filhos para
seminários. Ordenado padre, situa a primeira experiência docente no ensino religioso. As
professoras Nildes Alencar, Iracema Oliveira e Antonieta Cals iniciaram a profissão como
alfabetizadoras. Em seu relato, o orgulho da professora primária que, nos idos de 1950 e
1960, era bastante respeitada. A professora Iracema Oliveira relembra com entusiasmo o
nome de ex-alunos, hoje “figuras importantes da sociedade, como médicos, deputados,
reitores (...)”.
Além da sala de aula, os educadores desempenharam outras funções na
educação: secretário de educação, diretor de escolas, membro de Conselho de Educação,
diretor de sindicatos, etc. Na voz da educadora, “exercer outras atividades foi importante
pela visão do sistema educacional como um todo” (Professora Nildes Alencar). Em
122
realidade, acredita-se na força da docência como base para o exercício de outras atividades
que somam na constituição da identidade.
Diferentes visões de mundo, opções políticas ajudam a delinear trajetos
distintos, descortinam diferentes faces do ser professor. As entrevistadas, professora Nildes
Alencar e Rosa Fonseca, desde estudantes, militam na Juventude Estudantil Católica (JEC),
mais tarde, se tornam profissionais militantes, na ditadura militar, respectivamente, como
presidente do Movimento de Anistia e Presidente Estadual da CUT/Presidente do
Sindicato Unificado dos Trabalhadores da Educação do Ceará (SINDIUTE). A militância
política das professoras repercute no exercício profissional, nas relações vividas em sala de
aula e escola; e nas questões mais amplas da luta pela profissionalização e valorização dos
educadores.
As professoras Nildes e Iracema destacam os anos 1940 e 1950 como o
período do magistério respeitado, institucionalmente em edificação: sem estatuto, sem
concurso público, sem formação continuada. Por outro lado, com liberdade de construção
de seu trabalho, elemento definidor da profissionalização docente, ou seja, direito à
autonomia no desenvolvimento da ação docente. Embora se apresente como aspecto
positivo do exercício profissional das professoras, é preciso considerar que, muitas vezes,
esta liberdade significou isolamento e negação da importância da colaboração e do trabalho
coletivo entre os docentes na constituição e fortalecimento da identidade como grupo
profissional (HARGREAVES, 1996).
Nos anos 1960, o peso do regime ditatorial se faz sentir no controle da
educação, nos acordos MEC/USAID, na pressão sobre conteúdos e discursos. A
professora Rosa Fonseca foi presa por suas idéias e lutas; a professora Iracema foi
interrogada pela elaboração de cartilha para alfabetização de adultos, considerada
subversiva pelos militares; a professora Nildes Alencar, irmã de Frei Tito Alencar, viveu na
família os horrores da ditadura. Nenhuma, entretanto, abandonou a causa da educação, ao
contrário, imprimiram maior compromisso no trabalho como docentes. As identidades
pessoal e profissional se entrecruzam, configurando-se, mutuamente.
Nesse panorama, é oportuno saber em que condições trabalhavam os
docentes. Em cada discurso, de 1940 a 1960, até hoje, ser professor vai se tornando cada
vez mais difícil e menos valorizado, como revelam alguns depoimentos:
123
[...] hoje tenho vergonha de dizer meu salário (Professora Iracema);
Hoje a categoria ganha 1/5 do que ganhava na década de 1980. Nos anos 1960 ficavam até 6 meses sem receber salário (Professora Rosa);
Naquele tempo uma aula dava para comprar um kilo de filet, hoje, nem um kilo de osso (Professor Jorgelito);
Antes, vivia-se com salário de professor. Hoje uma professora no interior ganha R$ 350,00. Ela não tem a menor condição de planejar, de fazer melhor o seu trabalho (Professor Edgar).
O salário aparece como elemento central pelo que os professores entrevistados
se sentem desvalorizados socialmente, ampliando a proletarização docente da qual fala
Popkewitz (1997). Em vários momentos, é recorrente o tema do salário, em comparação
entre ser professor hoje com o início das trajetórias profissionais.
Outro elemento de destaque, no discurso dos entrevistados, é a formação
docente, com seu papel significativo no ofício de professor, aliás, intrinsecamente
relacionado ao assunto do parágrafo anterior. A deterioração do status econômico, aliada à
frustração e desmotivação pessoal, leva, muitas vezes, à resistência aos processos
formativos e às inovações, impulsionando o conservadorismo e, algumas vezes, o
abandono da profissão. Pode conduzir também à justificativa de formação apenas como
necessidade de ascensão profissional e melhoria salarial.
É importante considerar este aspecto, pois os entrevistados têm curso superior
e a maioria das mulheres cursou a escola normal. Ao se referirem às formações iniciais,
fazem com satisfação, procurando deixar claro que, até os anos 1970, consideravam a
formação mais sólida e preocupada com o domínio dos conteúdos por parte dos
professores. Tem-se aqui a visão da formação, de certa forma, em consonância com a
orientação conceitual denominada por Zeichner (1993) de orientação acadêmica, traduzida
pela supervalorização dos conteúdos disciplinares.
A despeito da orientação conceitual, em relação à formação docente, vale
ressaltar que, no período destacado pelos entrevistados, é expressivo, no Ceará, o número
de professores primários leigos, sem habilitação para o magistério, conforme mencionado
na seção anterior. Embora a LDB nº 9.394/96 não tenha traduzido os anseios dos
educadores, são inegáveis os importantes avanços que trouxe como, por exemplo, a
exigência de habilitação para o exercício do magistério.
Para os entrevistados, a formação inicial do professor em licenciatura perdeu
em qualidade, no que se refere a conteúdos e habilidades específicas (domínio da leitura e
124
escrita), como também quanto à reflexão crítica acerca dos determinantes sócio-históricos e
culturais da prática pedagógica. Os entrevistados sublinharam como conquista importante,
ainda que existam obstáculos, a formação continuada. Ressaltaram que, no início da
carreira, não havia formação continuada oferecida pelos órgãos do sistema educacional.
Cada professor buscava formação. Conforme situa a professora Nildes Alencar: “não havia
supervisão, acompanhamento do professor, formação continuada [...] não havia
planejamento institucional”.
De fato, no Ceará, pesquisas (COELHO, 1997; NUNES, 1995) mostram que,
só a partir da década de 1980, o Estado preocupou-se com a formação em serviço mais
sistemática para o seu quadro docente, o que revela, de certo modo, elaboração recente de
elemento tão importante na constituição da identidade docente. Afinal, a formação,
pensada na perspectiva do desenvolvimento profissional e pessoal do docente é espaço
permanente de investigação, reflexão e transformação da atividade do professor, que se
converte em aprendiz ativo, crítico e consciente de seu papel como sujeito histórico em
permanente movimento.
Os referenciais teóricos que nortearam os entrevistados como docentes são,
em parte, tributários das oportunidades de formação vivenciadas. A professora Iracema
Oliveira ressaltou que sua prática esteve pautada nas formulações de Piaget, quando Lauro
de Oliveira Lima, nos anos 1950, disseminava as idéias do Epistemólogo suíço para a
escola privada. A professora Nildes Alencar identifica-se com as idéias de Montessori,
quando iniciou a prática de alfabetização de crianças. A professora Rosa Fonseca descobre,
na militância política, os referencias do marxismo, que norteiam sua prática docente. A
professora Antonieta Cals estuda as teorias educacionais, destacando Paulo Freire como
referencial em decorrência do trabalho conjunto com a colega Prof.ª Luisa Teodoro.
Embora sublinhada pelos entrevistados a conquista da formação continuada,
pelas trajetórias, as condições de formação tornam-se cada vez mais difíceis. A questão do
tempo aparece na lista de problemas. Todos afirmam que a carga horária de trabalho, em
sala de aula, é cada vez maior, sobrecarregando de tarefas o professor, como mostram os
depoimentos: “a carga horária era menor e havia melhor remuneração” (Professor Jorgelito
Cals); “Dedicava-me plenamente à docência” (Professora Iracema Oliveira). Essas
reflexões encontram ressonância nos trabalhos de Hargreaves (2002), segundo o qual os
professores têm o problema do tempo como algo muito sério, ou seja, o vivenciam como
dificuldade relacionada ao que podem ou não conseguir, e ao que se espera deles na escola.
125
Para o autor, o tempo é mais do que contingência institucional. Sua definição ou imposição
faz parte do cerne do trabalho docente e da política dos administradores.
As trajetórias profissionais desvelam espaços e experiências singulares e
coletivas, produto de momentos sócio-histórico específicos e do modo como cada sujeito
se posiciona no contexto, atribuindo-lhe significado.
Os relatos evidenciam a prática como locus de aprendizagem da docência, assim
como realçam a centralidade do contexto social, político e econômico no modo como o
sujeito professor vai se constituindo como profissional. Os momentos marcantes do
exercício são reveladores da influência destes componentes. As professoras com “história”
de militância política sublinham, como marca da carreira, a luta contra o autoritarismo nas
escolas e a inclusão de aluno especial no ensino fundamental, apesar da oposição da
comunidade escolar. Outro professor assinala como significativo o rompimento com a
direção da escola quando teve sua autonomia profissional restringida. Os demais
professores trazem como marca situações de cunho pedagógico envolvendo sua
contribuição na melhoria do comportamento de alunos considerados “problemáticos”.
As trajetórias profissionais analisadas mostram preocupações distintas em
relação à atividade laboral de professor. De modo geral, apontam a necessidade de tomar o
local de trabalho e a prática como espaços formativos por excelência. Também reforçam o
fato de que a profissão docente não pode ser analisada de forma fragmentada, pois, para
entender o ser professor, em qualquer época, é necessário um olhar sobre o passado. A
identidade docente é fruto de múltiplos determinantes que se entrecruzam, em momentos
históricos diferentes. Esta evidência se fortalece quando a atenção recai sobre a preparação
de professores para o meio rural, como pode ser acompanhado nos “achados” do estudo
sobre a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, que fecha esta parte do relatório.
2.3 Formar professores ruralistas: contribuições da Escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte72
O Ceará, palco da criação de várias73 escolas normais rurais, é identificado na
historiografia educacional brasileira como unidade da Federação a sediar a primeira
72 Texto produzido por Isabel Maria Sabino de Farias e Antonio Germano Magalhães Júnior, com a participação de colaboradores e bolsistas de iniciação científica sob suas supervisões. 73 Sobre o quantitativo de escolas normais rurais que existiram no Ceará, cabe destacar que a Mensagem Governamental de 1962 indica “as Escolas Normais Rurais equiparadas e as que estão em regime de
126
instituição de formação de professores destinada a preparar professores para atuar o
campo, mais precisamente, a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. Este
estabelecimento, localizado no sul74 do Estado, foi criado em 13 de junho de 1934.
Preparar professores para o meio rural. Como este ideal foi concretizado? A
intenção de compreender o “estatuto de verdade” que representava por meio dos discursos
e das práticas que tornaram concreta a proposta formativa desta Escola, durante os
primeiros dez anos de seu funcionamento (1934 a 1946), permeou a análise de vários
aspectos presentes no seu cotidiano.
2.3.1 Discursos e acontecimentos constituidores da Escola75
A proposta de uma escola de formação de professores para o meio rural
nasceu consorciada com os ideais da “ruralização do ensino”, pensamento propagado na
primeira metade do século XX por pensadores sociais como Sílvio Romero, Alberto
Torres, o sanitarista Belizário Pena e Sud Mennucci (LOURENÇO FILHO, 2001). Houve,
no início da década de 1930, um forte debate sobre o assunto no cenário nacional. É o que
é possível perceber no pronunciamento de Joaquim Moreira de Sousa, em 1931, no IV
Congresso Nacional de Educação. Este lembra que naquele momento se consolidaram as
idéias dos pioneiros do ruralismo pedagógico, os quais defendem:
Uma escola rural típica, acomodada aos interesses e necessidades da região a que fosse destinada [...] ‘que impregnasse o espírito do brasileiro, antes mesmo de lhe dar a técnica do trabalho racional no amanhã dos campos, de alto e profundo sentido ruralista, capaz de nortear a ação para a conquista da terra dadivosa e de seus tesouros, com a convicção de encontrar o enriquecimento próprio e do grupo social de que faz parte’ (isto em oposição à ‘escola literária’ que desenraizava o homem do campo) (THERRIEN; DAMASCENO, 1993, p. 18).
fiscalização prévia, distribuídas no interior do Estado” (CEARÁ, 1962, p. 72). De acordo com este texto, no início dessa década, estavam equiparadas as escolas normais rurais de “Crateús, Acaraú, Ipueiras, Itapipoca, Lavras da Mangabeira, Limoeiro do Norte, Mauriti, Milagres, São Benedito, São Gonçalo do Amarante, Pacoti, Uruburetama”. Em regime de fiscalização prévia são identificadas as existentes nos municípios de “Acaraú, Bela Cruz, Crato (duas), Guaiúba, Quixeramobim, Trairí e Várzea Alegre”. Conforme esta informação, em 1961 o Ceará tinha 08 escolas normais rurais em “regime de fiscalização prévia” e 12 já equiparadas, cômputo este que não inclui a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, o que totalizaria 13 escolas equiparadas. No texto de 1963 há ainda a seguinte referência: “Cuidou-se em assegurar o funcionamento das atuais escolas e procurou-se recuperar aquelas que se encontravam estagnadas. Assim, foi reaberta a Escola Normal Rural de São Gonçalo do Amarante, reinstalou-se a Escola Normal Rural de Ipu [...]” (CEARÁ, 1963, p. 67). Nas Mensagens Governamentais de 1964 e 1965 não foram localizadas informações sobre o quantitativo existente de escolas normais rurais no Estado. 74 Esta região é conhecida como Cariri e se caracteriza pela conurbação de três cidades: Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, confluência popularmente conhecida como CRAJUBAR. 75 A sistematização desta seção contou com a colaboração das bolsistas de iniciação científica Clarice Santiago Silveira (CNPq) e Armênya Paulino da Costa (PROVIC).
127
O movimento, conhecido como “Ruralismo Pedagógico”76, na década de 1930,
estava em consonância com as propostas nacionalistas do governo de Getúlio Vargas
(RIBEIRO, 1980; ROMANELLI, 1989). Os discursos de valorização do desenvolvimento
do meio rural estavam impregnados de expressões como vocação histórica. Havia a intenção
de empreender uma política de valorização do crescimento e desenvolvimento das práticas
econômicas no meio rural, associadas à necessidade de redução do fluxo migratório que
começava a causar problemas nos meios urbanos.
A preocupação com o êxodo rural encontra ressonância especial no Ceará, que
historicamente enfrenta problemas diversos decorrentes das secas77 que assolam o Estado.
A seca foi incorporada à imagem78 que se tem do Ceará (NEVES, 2004), predominando
ainda nos dias atuais. Durante os períodos mais intensos de seca, a região do Cariri tornou
um refúgio para os retirantes, por se tratar de um espaço que sofria, com menor
intensidade, os efeitos das estiagens, passando a ser palco de conflitos sociais gerados,
sobretudo, pelo acúmulo de flagelados que buscavam condições mínimas de sobrevivência.
Nas secas79 ocorridas na década de 1930, as ações do governo local se voltaram
para a “solução hidráulica” e a “fixação do homem no campo”. Com a construção de obras
que assegurassem trabalho (mesmo que provisório) aos retirantes, o poder público
enfrentava as conseqüências da seca e buscava instituir modelos de higienização, disciplina
e urbanidade tidos como referência de civilidade (FERREIRA e DANTAS, 2001). Essa
política de “socorros públicos”, fortalecida durante os anos de interventoria80, propiciou o
desenvolvimento de “um amplo programa de criação de campos de concentração”81
76 O Movimento Ruralista da década de 1930 não apresentava um pensamento homogêneo. A corrente conhecida como “ruralismo pedagógico” defendia uma educação voltada para a formação de um indivíduo com a consciência nacionalista e cívica, para a valorização do trabalho do homem do campo como elemento fundamental para o progresso do País (CALAZANS, 1993). Os defensores de uma Educação de Base, por sua vez, reclamavam mudanças mais amplas, de caráter político e social, como alterações no regime agrário, na distribuição de crédito para os lavradores e implantação de novas técnicas de produção. 77 O Ceará encontra-se inserido no espaço geográfico integrante do chamado “Polígono das Secas”. Esta área territorial, conforme delimitação estabelecida pela Lei Federal n° 1.348/195, abrange “uma extensa região de quase 1.000.000 km², englobando oito dos nove estados da região nordeste do Brasil, além do norte de Minas Gerais, na região sudeste [...]” (FERREIRA; DANTAS, 2001, p.2). 78 A seca de 1877-79 marca a edificação desta imagem no território cearense. 79 Entre 1930 a 1946, período em análise neste ângulo da investigação, ocorreram duas secas com forte impacto social: 1932 e 1942. 80 As interventorias do período pós-30 marcaram o processo de centralização política no governo de Getúlio Vargas. O Ceará teve como primeiro interventor Fernandes Távora, que foi substituído pelo capitão Carneiro de Mendonça (1931-1934), posteriormente assumindo Menezes Pimentel (1935-1945) (FARIAS, 1997). 81 Os campos de concentração objetivavam impedir a mobilidade física e a atuação política dos retirantes da seca pela concessão de rações diárias e de assistência médica. Neves (2004, p.2), ao detalhar a abrangência desta medida durante a seca de 1932 informa que: “cinco campos localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada. Dois campos menores situavam-se em locais estratégicos de Fortaleza,
128
visando “prevenir a afluência tumultuária de retirantes famintos a Fortaleza” (NEVES,
2004, p. 91). A cidade do Crato, que atraía não somente trabalhadores do sul do Estado,
mas também de estados vizinhos, abrigava o maior campo de concentração, com cerca de
60 mil pessoas (IBIDEM). Consorciadas a todos esses episódios, encontravam-se as
práticas religiosas que marcaram as relações de poder e resistência da população em busca
constante de salvação física e espiritual.
O debate em torno da educação rural no Estado se desenrolou, portanto,
associado ao trato com a seca e a fome. Nesse cenário, a Escola Normal Rural de Juazeiro
constituiu-se como uma necessidade: formar professores que estivessem preparados para
educar os homens do campo, numa verdadeira cruzada ruralista. O termo “cruzada”
remete aos movimentos de libertação e salvação empreendidos pela igreja católica. A
Escola surgiu da intenção de “(...) habituar o educando a viver, autenticamente, o trabalho
discente e a conviver, adquirindo usos sadios, no sentido físico e no intelectual” (SOUSA,
1961, p. 169), juntamente com um sonho do Pe. Cícero Romão Batista: ter uma escola de
formação de professores na cidade de Juazeiro do Norte. A iniciativa juntava necessidade,
sonho e vontade de educar em uma ação verdadeiramente cruzadista e libertadora. Nessa
direção que também sinalizava o Dr. Plácido, ao justificar a necessidade da Escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte:
Para modificarmos essa mentalidade, herança da época da escravidão, precisamos de realizar campanhas como a que empreendeu e levou a efeito a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, a fim de que governo e governados despertem e, numa cooperação eficiente, promovam a transformação do ensino escolar normal, habilitando pioneiros para a nova cruzada de reabilitação do Brasil (CASTELO, 1951, p.6).
O Dr. Plácido descreve a necessidade de criação de uma escola que estivesse
associada ao movimento ruralista e aos problemas que marcavam a vida cotidiana no Ceará
da primeira metade do século XX. Suas palavras reclamam por uma ação cruzadista que
ocorreu com a união de todos os que conviviam com as agruras da vida no campo. A
representação das relações de poder que se estabeleciam entre trabalhadores rurais e donos
da terra eram descritas como desiguais, mas acreditava-se que poderiam ser mediadas e
resolvidas pela educação de ambas as partes.
conectados às estações de trem que traziam os famintos, impedindo que eles circulassem livremente pelos espaços da capital. Uma vez dentro do campo, o retirante era obrigado não só a permanecer nele durante todo o período considerado de seca, mas deveria submeter-se a condições de moradia, relacionamento, trabalho e comportamento regulados pelas normas irredutíveis ditadas pelos dirigentes indicados pelo interventor – prefeitos nomeados e engenheiros do IFOCS”.
129
Os trechos transcritos são reveladores dos “sentidos concretos” do ruralismo
pedagógico no cenário político e educacional e que motivaram a criação da primeira escola
normal rural do Brasil: desenvolver uma nova mentalidade junto ao homem do campo,
associado ao trato com a higiene e a profilaxia. A Escola Normal Rural de Juazeiro do
Norte se constituiu no âmbito desses anseios, marcada pelos conflitos estabelecidos e
vinculados à existência dos latifúndios, pelas políticas públicas de “combate à seca”, pelas
relações de apadrinhamento geradas pelo modelo oligárquico, pelas práticas religiosas
presentes e marcantes na região do Cariri. É o que deixa entrever D. Amália Xavier,
diretora dessa escola durante o período em análise, ao situar o cenário em que sucedeu a
criação desta instituição. A transcrição, embora longa, é reveladora da trama de relações e
de interesses nesse processo:
A redenção estava perto: Carneiro de Mendonça na Interventoria do Ceará; Moreira de Sousa, na direção do ensino; Lourenço Filho na direção do Instituto de Educação no Rio; Anízio Teixeira na direção do ensino no Rio; Gustavo Capanema no Ministério de Educação; Leoni Kasefi, coordenando cursos de aperfeiçoamento no Instituto de Educação (...) Moreira de Sousa, enviando 10 professoras para o curso de aperfeiçoamento; Sud Menucci, em São Paulo, estudando as bases dos métodos de ensino pregados por Alberto Torres. Conclusão desse movimento renovador: a educação que convém ao Brasil é a educação rural (...) isto é, escola que ensine ao homem do campo a “viver no campo, do campo, pelo campo e para o campo” (...) A escola precisa ensinar a viver. O homem para viver não precisa somente aprender a ler, escrever e contar (...) Enfim é a escola de acordo com a região a que deve servir. Esta era a escola sonhada por Moreira de Sousa para o Ceará, realizada por Plácido Castelo no Juazeiro (OLIVEIRA, 1984, p. 17-18). (Grifos nossos).
O discurso de D. Amália Xavier destaca que a “escola precisa ensinar a viver”.
Será que os trabalhadores rurais não sabiam viver como deveriam? O que pode ser
entendido como verdadeiramente viver? O viver do discurso de Amália Xavier demonstra
uma forma particular de se comportar, de trabalhar, de relacionar-se com o meio e utilizar
tecnologias apropriadas para conviver de forma produtiva. Não se observa, no discurso
proferido, o questionamento das condições de ausência das referidas tecnologias ou mesmo
de produção e de trabalho adequados.
Os discursos proferidos pelas personagens que fizeram parte do processo de
criação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte evidenciam o caráter redentor,
heróico e missionário presente na instalação desse estabelecimento de ensino. Os discursos
apologéticos são característicos dos que participaram de ações ditas “fundadoras” e que
eram vistas como favorecimento às populações menos abastadas. As pessoas reconhecidas
130
na literatura local como sujeitos da constituição das idéias e das ações fundadoras da escola
caracterizavam-se como ocupantes de cargos públicos de destaque, local e nacional,
personagens apresentados como “principais”, sem destacar todos os outros que estavam
contidos na trama, mas aqueles que seriam beneficiados com a ação redentora e heróica.
A idéia de criar uma escola normal rural surgiu desse desiderato: educar o
homem do campo, numa verdadeira ação cruzadista. Foi este o espírito que motivou ações
e discursos favoráveis à constituição de uma escola voltada para a formação de professores
ruralista no Ceará. Múltiplas e diversas, portanto, foram as intencionalidades constituidoras
da primeira Escola Normal Rural do Brasil na terra alencarina. Vários foram os esforços
que antecederam seu surgimento e que, paulatinamente, deram forma ao ato de sua criação
em 10 de janeiro de 1934.
De acordo com Plácido Castelo (1970), o primeiro passo para sua
concretização foi dado por Moreira de Sousa, ao encaminhar um esboço geral do que seria
uma escola rural ao Ministro da Educação e Saúde Pública da época. Uma passagem dos
escritos de Joaquim Moreira de Sousa confirma esta ação:
O autor desta monografia, vindo, depois, a dirigir a educação pública [...] retomou o caminho encetado por Lourenço Filho [...] Então compreendemos que nada se obteria, sem a preparação adequada do professor e volvemos os olhos para a reforma do Ensino Normal, fundando uma Escola Normal Rural onde se ensinasse e se aprendesse, em moldes e formas novas, o que era preciso para implantar, desde a escola primária, no espírito do povo, uma mentalidade que se coadunasse com o meio físico e social em que se vivia esse mesmo povo (SOUSA, 1955, p. 217). (Grifos Nosos)
Como revela a citação, a criação de uma Escola Normal Rural no Ceará partiu
do interesse do então Diretor Geral da Instrução, Dr. Joaquim Moreira de Sousa. A autoria
desse passo é confirmada por Plácido Castelo (1970). Moreira de Sousa entendia que uma
instituição de formação de professores rurais contribuiria para a progressiva adaptação e
fixação do homem ao meio, capacitando-o mediante uma instrução adequada, de acordo
com suas necessidades, em harmonia com as imposições mesológicas, técnicas e sociais da
região Nordeste, sendo assim um fator positivo na produção e no desenvolvimento
econômico.
A ruralização do ensino, portanto, constituiu-se no ideário que deu sustentação
a proposição de uma Escola Normal Rural no Ceará, cujo
131
[...] sentido fundamental [...] era que a escola localizada no sertão se transformasse, de escola comum, vasada em moldes gerais e muitas vezes inadequados às condições locais, em uma instância concreta de adaptação imediata escolar às exigências da vida em sua região. A intenção era substituir o livresco e abstrato que havia nas escolas tradicionais, mesmo as localizadas no sertão, por um aprendizado autênticamente útil às necessidades dos membros de uma comunidade rural (SOUSA, 1961, p.168).
Esta intenção também é ratificada por Plácido Castelo (1970), ao ressaltar que
um dos objetivos a que se destinava a criação de uma Escola Normal Rural era formar
professores que fossem “desinteressados” na vida das grandes cidades, motivo pelo qual
essa instituição deveria se localizar no interior do Estado, onde mais possibilidades de êxito
apresentariam na concretização de seus fins.
A instalação da primeira Escola Normal Rural do Brasil ocorreu em Juazeiro
do Norte. Seus defensores desdobraram esforços visando à concretização desta idéia. De
um lado, Moreira de Sousa intervindo junto ao Ministério da Educação e Saúde Pública e
localmente, quer encaminhando seus “lineamentos gerais” ao primeiro (CASTELO, 1970,
p.225), quer enviando “Exposição de Motivos” ao interventor Carneiro de Mendonça
(SOUSA, 1955, p. 147), então chefe do Poder Executivo no Ceará; do outro, lideranças
comunitárias, políticas, econômicas e religiosas da sociedade juazeirense, cujo interesse
cruzadista mobilizava a concretização dessa idéia no contexto local. O tom redentorista
transparece no registro de Plácido Castelo (1970, p. 226):
Juàzeiro, hoje Juàzeiro do Norte, cidade moderna e progressista, Município agrícola e industrial por excelência, não poderia ficar indiferente. Acompanhou a marcha da iniciativa e se movimentou, logo que soube da aprovação do Conselho82 e de que o govêrno do Estado realizaria a idéia. (Grifos nossos).
O trecho, como realçam os grifos, evidencia articulação e escuta atenta ao
debate e decisões governamentais em torno da criação de uma escola normal rural no
Estado. Também registra que houve uma movimentação da comunidade juazeirense
visando à localização da Escola Normal Rural do Estado naquela cidade. Tal
empreendimento, segundo Plácido Castelo, foi impulsionado pela publicação83 nos jornais
da época do “esboço do decreto” de criação de uma escola normal rural no Estado, o qual
previa sua instalação em “zona agrícola” e sua manutenção integral ou parcial por parte do 82 Este órgão é mencionado por José Boaventura de Souza (1994, p.30) como “Conselho da Instrução Pública”. 83 Registra-se que levantamento realizado na Biblioteca Pública Menezes Pimentel durante a investigação não permitiu identificar nenhum indício (matéria jornalística) que comprove a asserção de Plácido Castelo sobre a publicação do esboço do decreto de criação da Escola.
132
Estado. A manutenção parcial, assim define o Decreto nº. 1.218 de 10 de janeiro de 1934;
acontecerá “se algum particular, empresa coletiva ou instituição quiser tomar a si a
instalação da Escola, com prédio, terreno e material apropriados” (Artigo 4º, § 1º).
É este esteio jurídico – o da possibilidade de manutenção parcial - que tornou
possível aos defensores do ruralismo pedagógico no Ceará, mais precisamente às lideranças
políticas, religiosas, sociais e educacionais da sociedade juazeirense da época, realizar o
intento de uma escola de formação de professores para atuar no meio rural. Embora
justificada84 como necessidade para a melhoria da vida no campo e apresentada como
iniciativa governamental comprometida com um modelo de “desenvolvimento”, a Escola
Normal Rural de Juazeiro não iniciou suas atividades subsidiadas integramente pelo erário.
Surge da concessão governamental e da iniciativa de uma associação privada criada
especificamente para este fim (OLIVEIRA, 1984).
Plácido Castelo, destacado por Amália Xavier como articulador dos
empreendimentos que assegurou a localização deste estabelecimento em Juazeiro do Norte,
detalha como os interessados nesta causa se movimentaram visando à viabilização das
condições necessárias para ali alocá-lo. De acordo com sua descrição:
Em o dia 9 de dezembro de 1933, na Sala das Audiências do Juízo Municipal, reuniu-se o Conselho Escolar, sob nossa presidência. Explicamos a finalidade da sessão: constituir uma sociedade de finalidades educacionais e encampar a Escola Normal Rural, conforme o esboço do decreto já publicado. Todos os presentes concordaram com a idéia. Na sessão seguinte, 13 do mesmo mês, eram lidos, discutidos e aprovados os Estatutos e subscritas as cotas necessárias para a constituição do Capital: trinta mil contos de réis, hoje mil cruzeiros. Registrados os Estatutos e observadas as formalidades legais, ficou sendo denominada a nova sociedade – Instituto Educacional85, estabelecendo o artigo 10, VIII, que a diretoria ficava
84 Este decreto criou a Escola Normal Rural no Estado, decisão governamental justificada nos seguintes termos: “O Capitão Roberto Carneiro de Mendonça, Interventor Federal no Estado do Ceará, tendo em vista a exposição que lhe fez o diretor da Instrução Publica, por intermédio do Sr. Secretario do Interior e da Justiça; considerando que urge dar ao ensino publico no Estado uma orientação pratica que vise criar e desenvolver aptidões nos indivíduos para enriquecimento próprio e da coletividade; considerando que, numa região, como o Ceará, cuja economia se baseia nas atividades agrícolas, é de todo ponto necessário ensinar a todos a melhor maneira de cultivar o solo; considerando que, para a criação e desenvolvimento de uma mentalidade agrícola no espírito do povo em geral, é preciso preparar nesse sentido o professorado conveniente, [...]”. (Decreto nº. 1.218 de 10 de janeiro de 1934). 85 De acordo com Boaventura de Souza (1994, p. 31), são sócios fundadores dessa entidade: Dr. Plácido Aderaldo Castelo, Adília Sobreira, José Francisco da Graça, Francisco Néri da Costa Morato, Amália Xavier de Oliveira, José Bezerra de Menezes, Nair Figueredo, Elza Figueredo, José Hermínio Amorim, José Pedro da Silva, José Pereira da Silva, Dr. Manuel Belém de Figueredo, José Geraldo da Cruz, Dr. Jacinto Botelho, Dr. Mozart Cardoso de Alencar, Padre Cícero Romão Batista, Dr. Batista, Dr. Juvêncio Santana e Doroteu Sobreira. Ainda de acordo com o autor, “[...] coube ao Pe. Cícero grande parcela na criação do patrimônio do
133
autorizada – “a assinar contratos com o governo por intermédio do diretor para tal designado, no sentido de ser encampada pela sociedade, a Escola Normal Rural, do Estado, nos moldes do esboço do decreto publicado na imprensa com as alterações julgadas necessárias pelos contratantes”. Tal designação recaiu na pessoa da professora Amália Xavier de Oliveira, que se achava comissionada pelo governo, e tesoureira do Instituto. Os esforços no sentido da constituição da sociedade foram apreciáveis (CASTELO, 1970, p. 226-227). (Grifos nossos)
O trecho destaca os preparativos que antecedem a criação e instalação da
Escola Normal Rural, bem como sujeitos protagonistas nesse processo, como Amália
Xavier de Oliveira. Esta professora, nascida em Juazeiro do Norte e nomeada tesoureira do
Instituto Educacional, foi responsável pelas providências que culminaram na encampação
da Escola Normal Rural por esta instituição. O requerimento de encampação da Escola,
conforme assevera Castelo (1970), foi encaminhado em 13 de janeiro de 1934, obtendo
deferimento favorável de Moreira de Sousa. A Escola Normal Rural foi instalada dois
meses depois (em 13 de março), oficializada em 11 de junho pelo Decreto nº. 1.278 e
inaugurada dois dias depois.
O Quadro XVIII mostra os vários momentos que marcam este acontecimento
histórico:
Quadro XVIII
Momentos que marcam a criação da ENRJN
Datas Marcos 09 de dezembro de
1933 O Conselho Escolar de Juazeiro se reúne para constituir sociedade de finalidade educacional visando a encampação da Escola Normal Rural.
13 de dezembro de 1933
Segunda sessão do Conselho escolar de Juazeiro, na qual é aprovado o Estatuto do Instituto Educacional de Juazeiro e subscrita a cota necessárias para a constituição do Capital do Instituto.
10 de janeiro de 1934
Edição do Decreto nº 1.218, que cria no Estado uma Escola Normal Rural.
11 de janeiro de 1934
Publicação no Diário Oficial do Decreto nº 1.218.
13 de janeiro de 1934
Requerimento solicitando a encampação da Escola Normal Rural pelo Instituto educacional de Juazeiro.
26 de fevereiro de 1934
Deferimento da solicitação pela Diretoria da Instrução Pública do Estado – Parecer do Inspetor regional Pe. Rodolfo Ferreira da Cunha
13 de março de 1934
Instalação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte.
17 de maio de 1934 Publicação do Decreto nº 1.269 – Expede o Regulamento da Escola Normal Rural do Estado.
11 de junho de 1934 Publicação do Decreto nº 1.278 – Considera oficial a Escola Normal
Instituto Educacional de Juazeiro do Norte para que se criasse a primeira Escola Normal Rural do Brasil” (IBIDEM, p. 28).
134
Rural, mantida, parcialmente, pelo Instituto Educacional, de Juazeiro. 13 de junho de 1934 Inauguração da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte.
Fonte: dados da pesquisa
O mapa dos acontecimentos que concretizaram a Escola Normal Rural
permite perceber que estes foram dias de intensa movimentação social (política e
econômica, sobretudo!) visando a assegurar sua localização na cidade de Juazeiro do Norte.
Também é revelador dos contraditórios interesses em jogo nesse intento. De um lado, um
governo, que proclama seu compromisso com o desenvolvimento do campo e reconhece a
urgência de instruir sua população, mas que declara não ter recursos para investir em uma
instituição de formação de professores para atuar na escola primária rural; de outro, o
desiderato cruzadista, que agregava forças diversas e, por vezes divergentes, de educar a
população sertaneja da terra de padre Cícero.
Este amálgama de interesses, forjado sob o discurso da parceria público e
privado, possibilitou vicejar a Escola Normal Rural em Juazeiro do Norte, mecanismo que
também configurou sua condição jurídica híbrida de instituição pública não estatal
(Decreto nº 1.278, de 11 de junho de 1934). Esta configuração da Escola Normal Rural de
Juazeiro do Norte (ENRJN), se assegurou seu surgimento, também respondeu pelo acesso
restrito e elitizado que propiciou, sobretudo nos primeiros anos de seu funcionamento.
• O Plano de Estudo da ENRJN
O plano de estudos da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, de
acordo com o do Decreto nº 1.218/1934 (Art. 5º), era composto por três cursos86: o
Primário, com duração de 5 anos; o Complementar87, com 2 anos; e o Normal Rural, com
duração de 3 anos. Estes dois últimos estão diretamente relacionados com a formação para
tornar-se professor ruralista.
86 O Artigo 5º estabelece: “Anexo ao curso normal, haverá um curso complementar e um primário nos moldes dos já existentes na Escola Normal Pedro II”. Muito embora o Grupo Rural Modelo seja oficialmente anexo a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte somente em 06 de fevereiro de 1936 por ato do governo de Menezes Pimentel, o Curso Primário é ofertado por esta instituição desde o início de suas atividades. É o que deixa claro Amália Xavier de Oliveira (1984, p. 24) ao registrar que, em 17 de março de 1934, momento em que ocorre a primeira aula do Curso Complementar, “anexo” a este curso “funcionaram também 4 classes primárias”. 87 A expressão “Curso Complementar” é empregada no decreto de criação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, sendo também presente nos escritos de Amália Xavier (1984); todavia, noutros textos, observam-se denominações diferenciadas. Este é o caso de Lourenço Filho (2001) que utiliza a denominação “Curso Intermediário” para referir-se ao Curso Complementar. Em José Boaventura de Souza (1994, p. 34), por sua vez, encontramos a seguinte referência: “A escola foi organizada em dois ciclos: o primeiro em dois anos após o primário e era denominado “Básico”. O segundo, em três anos, denominado “Normal Rural”.
135
O Curso Complementar, que antecedia o Curso Normal Rural, visava à
preparação dos educandos para a formação docente. De acordo com Lourenço Filho
(2001, p. 83), a organização curricular desta etapa intermediária da formação apresentava as
seguintes disciplinas: 1) Matemática, 2) Geografia, 3) Francês, 4) Música, 5) Educação
Física, 6) Desenho, 7) Trabalhos Manuais, 8) Práticas Agrícolas, 9) Português e 10) História
do Brasil. O Quadro XIX mostra a distribuição desses componentes curriculares durante o
período de duração do curso:
Quadro XIX
Disciplinas do Curso Complementar da ENRJN
Curso Intermediário 1º Ano 2º Ano
Matemática Português Geografia Matemática Francês História do Brasil Música Francês
Educação Física Música Desenho Educação Física
Trabalhos Manuais Desenho Práticas Agrícolas Trabalhos Manuais
-------- Práticas Agrícolas Fonte: Lourenço Filho, 2001.
Observam-se na organização curricular do Curso Complementar duas
disciplinas ligadas à prática agrícola, presença que evidencia a preocupação em iniciar o
candidato ao Curso Normal Rural nas questões e fainas ligadas ao meio rural. Note-se
ainda que, além do aprendizado pela prática, predominavam disciplinas teóricas, e até
mesmo aula de francês, indicando certo grau de erudição e a interferência dos padrões
culturais predominantes da época no Ceará (SILVA, 2007).
O Curso Normal, que habilitava os professores ruralistas, de acordo com o
Regulamento da Escola (Artigo 4º), compreendia as seguintes disciplinas: 1) Língua
Vernácula, 2) Matemática, 3) Fisiografia, Antropogeografia e História do Brasil, 4) Ciências
Físicas e Naturais, 5) Educação Sanitária, 6) Psicologia Educacional e Metodologia, 7)
Agricultura, 8) Educação Econômica, 9) Desenho e Trabalhos Manuais e 10) Música e
Cultura Física. A distribuição dessas disciplinas em três anos era feita conforme mostra o
Quadro XX:
136
Quadro XX
Disciplinas do Curso Normal Rural da ENRJN
1º Ano 2º Ano 3º Ano Língua vernácula Língua Vernácula Educação Sanitária Matemática Matemática Psicologia Educacional e
Metodologia Noções de Fisiografia geral e
especial do Brasil Fisiogeografia do Brasil Agricultura e Indústrias Rurais
Historia do Brasil Antropogeografia Educação econômica Antropogeografia Ciências Físicas e naturais Desenho e Trabalhos Manuais
Desenho e trabalhos manuais
Desenho e Trabalhos Manuais
Música e Cultura Física
Música e Cultura Física Música e Cultura Física - x - Fonte: Anais da Semana Ruralista de Juazeiro – Anexos (1935, p. 151-152).
À primeira vista, a distribuição desses componentes curriculares, sobretudo nos
dois primeiros anos do Curso Normal Rural, denota certa ênfase na formação teórica, pois
apenas a disciplina Desenho e Trabalhos Manuais indica a realização de atividades práticas por
parte dos alunos. Esta impressão se fortalece, conforme aponta Silva (2007), quando se
observa o 3º ano, composto de disciplinas direcionadas para a vida no campo do professor
ruralista, tais como: Noção de Sanitarismo, Psicologia da Educação, Conhecimentos sobre
a Agricultura e Economia.
Segundo Souza (1994, p. 34), todavia, este desenho curricular “comportava
uma carga horária de 2.420 horas distribuídas em aulas semanais”. Mais adiante, o referido
autor esclarece a dinâmica curricular do Curso Normal Rural, ao ressaltar que a prática
educativa da escola era organizada nos turnos manhã e tarde. No segundo turno do dia,
eram realizadas atividades práticas, isto é, “para cada aula teórica no período da manhã”
eram vivenciadas “aulas práticas no campo ou atividades nas [...] pequenas indústrias, artes
e educação doméstica com cursos de Desenho, Corte e Costura e Arte Culinária”
(IBIDEM, p. 35).
Nas fontes consultadas, inúmeras passagens confirmam a preocupação em
assegurar práticas consorciadas aos estudos teóricos previstos na organização curricular da
proposta formativa da Escola, como mostram as transcrições:
Alunos do 2ª ano Complementar fazem um plantio de amendoim no Campo da escola [...]. A semente foi enviada pela Sociedade dos Amigos de Alberto Torres [...} (OLIVEIRA, 1984, p. 29); A Escola Normal Rural de Joaseiro, tem organização propria, diferenciadas de todas as outras escolas formadoras de mestres no paiz... Em derredor do prédio, existe amplo terreno, cultivado pelos próprios
137
alunos, onde se pratica a agricultura racional e onde se ciriam diversas espécies de animaes domenticos. Em departamentos próprios faz-se o aprendizado de pequenas industrias ruraes e caseiras e exercita-se o corpo discente em educação sanitária...” (Jornal O Lavrador, 1938, p. 6); EXCURSÕES – Fizemos quatro no corrente ano. Uma a Barbalha, por ocasião da Semana Ruralista. Outra a um engenho, em 10 de agosto na qual observámos o processo de fabricação de rapaduras. Uma a Crato em 17 de setembro e outra a São Pedro do Cariri, em 7 de outubro. Fizemos outras excursões [...] mesmo no município, sendo que em uma delas, a de Malvas, fizemos a extinção de um enorme formigueiro que atacava as culturas do clube de Malvas. (ANAIS da Semana Ruralista de Juazeiro, 1935, p. 42).
Estas atividades, se denotam o entusiasmo do seu quadro de docentes e de
alunos, não dizem das condições iniciais que marcaram os primeiros momentos do
funcionamento deste estabelecimento, aspecto sobre o qual nos deteremos a seguir.
• As condições iniciais de funcionamento
Constituída a Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, suas atividades
iniciaram-se no dia 13 de março de 1934, com o Exame de Admissão, aplicado em um
salão do Orfanato Jesus, Maria e José88, cedido pelas Irmãs de Santa Tereza. Nesse local
começou, efetivamente, a funcionar a Escola, com 21 alunos (sendo dezoito do 1º e três do
2º ano Complementar) mais 4 “classes primárias” (OLIVEIRA, 1984, p. 24). O Curso
Normal se iniciou no ano seguinte, na data de 15 de fevereiro. Sobre as condições iniciais
de funcionamento da Escola, o terceiro tópico do parecer do então Inspetor Regional,
Padre Rodolfo Ferreira da Cunha, emitido em 26 de fevereiro de 1934, é bastante
esclarecedor:
3º - A casa em que se vai instalar a Escola se presta perfeitamente bem aos fins colimados. Tem cinco boas salas de aula, uma sala para diretoria e secretaria e duas áreas para recreio de alunos. As aulas providas de 100 carteiras individuais, 6 quadros negros, 9 cartas geográficas, um globo, doze quadros da fauna brasileira, coleção de quadros de História Pátria, uma dita de ensino intuitivo, uma outra de História Natural, um mapa de iniciação geográfica, uma coleção completa de livros da biblioteca pedagógica de Lourenço Filho e outra dita de Fernando de Azevedo, um contador mecânico, um contador Brasil, uma coleção de sólidos geométricos, quadro do sistema métrico decimal, mapas de Parker, uma coleção Panteon Nacional, duas estantes, três secretárias, uma mesa grande para biblioteca, 20 cadeiras, 6 mesas para aulas,uma mobília, cinco bancos para recreio, coleção completa de material para expediente, tendo ainda o Instituto entrado em negociação para adquirir uma
88 Este orfanato foi fundado em 1925 por Padre Cícero e a beata Mocinha (SOUZA, 1994, p. 27).
138
chocadeira e uma criadeira e material necessários para o gabinete de ciências físicas e naturais. (CASTELO, 1951, p. 11-12).
A estrutura física e o material didático-pedagógico disponíveis para o começo
das atividades da primeira turma de professores ruralistas são descritos pelo inspetor como
satisfatórios, atendendo “perfeitamente às exigências da instalação”. Não encontramos,
porém, no seu parecer, com exceção da referência a “negociações” visando à aquisição de
uma chocadeira e de uma criadeira, instrumentos particularmente destinados a servir para
os estudos das práticas agrícolas. Embora este fato chame atenção, vale lembrar que havia a
expectativa de que o “material agrário necessário à prática agrícola dos alunos” fosse
disponibilizado pelo Estado, responsabilidade definida no Artigo 4º do Decreto de criação
da Escola (nº. 1.218, de 10 de janeiro de 1934). Nele também é estabelecido que, como
mantenedor parcial da instituição, lhe incumbiria “a nomeação e remuneração dos
professores” das cadeiras fundamentais.
O Padre Rodolfo Ferreira, ao destacar o fato de que as dependências do
Orfanato Jesus, Maria e José não dispunham de um terreno em que as práticas agrícolas
pudessem ser exercitadas, assinala que “se é certo não ter o terreno anexo, também o é que
ele não será necessário “no corrente ano, em que funcionarão apenas os cursos
complementares”. Mais adiante, seu parecer lembra ainda que:
[...] caso necessidade houvesse, a distância para o terreno que está anexo ao prédio definitivo é apenas de uns 400 metros. O prédio onde será definitivamente instalada a Escola se acha em uma área de 4.416 metros quadrados, medindo aludido prédio 19m.70 de frente por 21m. de fundo. Junto a ele serão construídos dois pavilhões e um galpão ao ar livre para o jardim de infância. Está sendo elaborada pelo engenheiro Vicente Ferrer de Oliveira a planta dessa construção. Contígua a essa área existe um terreno de acordo com o parágrafo 3º do art. 4º do referido decreto (cinco hectares) (IBIDEM, p. 13).
Em 04/09/1934 a Escola passou a funcionar no seu próprio espaço
(OLIVEIRA, 1984, p. 31). O prédio, adquirido pelo Instituto Educacional, havia
pertencido ao “industrial Dirceu Inácio de Figueiredo e nele funcionara uma “usina de
beneficiamento de algodão”. A gestão desse estabelecimento durante os primeiros dois
anos de seu funcionamento, período decisivo no seu delineamento administrativo e
pedagógico, foi assumida por Plácido Aderaldo Castelo. Com efeito, esta função, conforme
define o estatuto do Instituto Educacional de Juazeiro, cabe ao presidente dessa sociedade.
As duas passagens do relato de Amália Xavier de Oliveira situam esse encaminhamento:
139
O Diretor, Dr. Plácido Aderaldo Castelo, passa a residir em Fortaleza. Assume a presidência do Instituto Educacional de Juazeiro e consequentemente Direção da Escola Normal Rural, o secretário Dr. Jacinto Botelho, ficando a Tesoureira do Instituto Educacional, Professora Amália Xavier de Oliveira, com a responsabilidade da Direção Pedagógica do Estabelecimento. (Dia 08/02/1935) (grifos nossos).
[...] O Instituto Educacional de Juazeiro, sociedade que encampou a Escola Normal Rural, oficial do estado, reúne-se para eleger a 2ª Diretoria do mesmo instituto. Vai eleita presidente a Tesoureira da Sociedade, professora Amália Xavier de Oliveira, que passa a ocupar o cargo de Diretora da Escola. (02/02/1936).
Os trechos transcritos sublinham o vínculo entre as funções da direção da
escola e as decisões do Instituto Educacional de Juazeiro, bem como destacam os três
gestores da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte nos seus dez primeiros anos de
funcionamento, dentre os quais se inscreve a professora89 Amália Xavier de Oliveira. A
centralidade dessa senhora na preparação dos primeiros professores primários ruralistas do
Brasil não pode ser desconsiderada, haja vista sua permanência na direção desse
estabelecimento mesmo depois da extinção do Curso Normal Rural (em 08/12/1973).
Os registros acerca da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte são
permeados pelos traços da forte personalidade de D. Amália. Um dos artigos publicados
pelo jornal O Lavrador, bem como outro texto produzido por uma das alunas da Escola,
asseveram essa asserção:
Mas, como em tudo há uma perna forte, uma cabeça orientadora para enfrentar as dificuldades da situação, aqui também, em nossa Escola, temos D. Amália Xavier de Oliveira, esteio forte do saber e do querer que, fonte erguida, marcha sem ver, sem ouvir e sem ligar aquilo que lhe não convém. Sua abnegação é completa – auxiliando a uns, aconselhando a outros. Mesmo quando castiga, mostra o amor que seu coração reto e puro consagra aos alunos. (Jornal O Lavrador, 1938, p. 1) (Grifos Nossos)
A nossa Diretora, é a personificação de todas as qualidades que podem ornar a qualquer alma de escola.[…] Consagrando-se maternalmente aos
89 Formou-se no Colégio das Dorotéias, de Fortaleza, Terminado o Curso Normal, em 1927, regressou a Juazeiro do Norte, almejando uma das duas vagas abertas para preencher cadeiras do Grupo Escolar local, intento não alcançado. De acordo com seu relato: “Uma destas vagas deveria me pertencer, por direito, segunda filha da terra, que se diplomara no Colégio das Dorotéias de Fortaleza no dia 22 de novembro de 1927 e aqui residindo. Assistia-me, pois, o direito de escolher e localizar a cadeira onde desejasse. Por motivos reconhecidos por mim, mas a que não quero dar publicidade, não fui sequer apresentada e as cadeiras foram preenchidas por duas leigas, que não tinham feito nem o Curso Primário completo” (OLIVEIRA, 2001, p. 284). Após a decepção de não assumir o cargo de professora do Grupo Escolar, a professora fundou um curso primário misto, que denominou de Externato Santa Teresinha. Em 1929, Amália assumiu a cadeira no Grupo Escolar de Juazeiro do Norte, tornando-se, em 1932, diretora do referido estabelecimento (IBIDEM).
140
filhos alheios, preparando as novas gerações para os caprichos misteriosos do destino, vem heroicamente, cumprindo os ditames da Providência Divina. Silenciosamente exerce uma inquebrantável autoridade, impondo rigorosa disciplina ao seu rebanho em via de formação […] Sevena e maternal, é ela a formadora dos caracteres que aqui chegam embrião. […] Generosamente vive a cada instante ministrando ensinamentos para a vida espinhosa que nos aguarda mais tarde fora deste recinto, quando tivermos que fazer campanha a ignorancia, ao desenvolvimento do mau. Querida Diretora, com a simplicidade do meu coração, teço-lhe aqui singela grinalda da minha gratidão e amizade.” (Francisca Pereira – Aluna do II Ano complementar da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, em 26 de julho de 1938) (Grifos Nossos)
Estes depoimentos, como se vê, ao mesmo tempo que reconhecem a liderança,
dedicação e perseverança dessa professora diante dos muitos obstáculos que circundaram a
criação e manutenção da instituição, também exprimem sua rigidez, controle e certo
autoritarismo como marcas nos longos anos de sua administração.
• A primeira turma
Embora seja registrado como 13 de março de 1934 o dia da realização do seu
primeiro Exame de Admissão, logo que foi solicitada sua encampação, seus fundadores
foram em busca de alunos, “mas não eram quaisquer alunos”, destaca Iracema Magalhães,
aluna egressa da Escola:
Ah, eu fui porque eu vinha pra cá, estudar aqui em Fortaleza. Tava quase certo, mas então houve a fundação da Escola e as pessoas que fundaram como: Dona Amália, Dr. Belém, Dr. Plácido Castelo, foram eles os fundadores, e eles andavam nas casas das famílias em busca de alunos. (...), aí eu posso dizer que fui uma aluna fundadora, que entrei. (IRACEMA MAGALHÃES, 2006). (Grifos nossos).
A ressalva da aluna egressa da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte é
reveladora. Esta instituição, forjada sobre o discurso do compromisso com o progresso do
campo, surgiu como uma instituição particular, por isso mesmo composta pelas filhas das
boas famílias de Juazeiro do Norte e proximidades, à época. Eram famílias de
comerciantes, agricultores, políticos etc. Como lembra Assunção Gonçalves, aluna e
professora desse estabelecimento, “naquele tempo a escola era particular. Paga! Vinte e
cinco mil reis por mês90. Era cara como todo!”.
90 O valor da mensalidade também pode ser encontrado na tabela do Jornal O Lavrador, nº. 1, pág. 8, de 14 de agosto de 1934.
141
Este fato ajuda a compreender o reduzido contingente que compôs a primeira
turma do Curso Normal Rural, integrada por cinco mulheres, a saber: Heloisa Coelho de
Alencar (Barbalha), Maria Martins Camelo (Missão Velha), Maria Moreira (Juazeiro), Ceci
Borges (Caririaçu), Dacilde Cruz (Santana do Cariri) (OLIVEIRA, 1984, p. 82). Essas
alunas, com exceção de Maria Moreira que fez, em 1934, o 2º Ano Complementar na
Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, ingressaram nesse estabelecimento de ensino
em 1935, quando iniciaram o 1º Ano do Curso Normal Rural. Ceci Borges veio transferida
do Colégio Santa Tereza, do Crato, onde realizou os dois anos do Curso Complementar;
Heloisa Coelho de Alencar, Maria Martins Camelo e Dacilde Cruz foram beneficiadas por
decisão governamental (Decreto nº 1239, de 1º de fevereiro de 1934) que admitia ao
“primeiro ano normal rural, portadores de certificados de Concurso para a 4ª Entrância”
(OLIVEIRA, 1984, p. 40).
Embora nos anos subseqüentes de seu funcionamento tenham sido adotados
alguns mecanismos (descontos e adoção do caixa escolar91), visando a proporcionar o
ingresso de estudantes com menores condições econômicas, os indicadores acerca dos
diplomados mostram que esta instituição, pelo menos nos dez primeiros anos de seu
funcionamento, atendeu a uma pequena parcela da população juazeirense e circunvizinha.
De acordo com os registros de Amália Xavier de Oliveira (1984), nos dez primeiros anos
de funcionamento da escola, 228 alunos concluíram o Curso Normal Rural. A distribuição
desse quantitativo no período pode ser acompanhada no Quadro XXI:
Quadro XXI
1934/1946 - Quantitativo de diplomados pela ENRJN
Turma Ano de Conclusão
Total de diplomados
1ª Turma 1937 05 2ª Turma 1938 17 (1 homem) 3ª Turma 1939 23 (1 homem) 4ª Turma 1940 25 5ª Turma 1941 21 6ª Turma 1942 26 7ª Turma 1943 33 8ª Turma 1944 27 9ª Turma 1945 25 10ª Turma 1946 26 Total 10 anos 228
Fonte: Oliveira, 1984, págs. 81-180.
91 O “Caixa Escolar Plácido Castelo” foi criado em 09/04/1936.
142
A partir da segunda turma, verificou-se um incremento significativo de
concludentes em relação à primeira. Também é possível perceber que, com exceção de
duas turmas, as demais mantiveram uma média aproximada. Apenas na segunda e na
sétima turma observa-se movimento diferenciado. A presença masculina92 ínfima entre os
egressos do Curso Normal Rural nos seus primeiros dez anos expressa tendência histórica
do magistério, marcado por mulheres.
Não obstante estes indicadores, os relatos de alunos e docentes da Escola
Normal Rural de Juazeiro do Norte são permeados de referências sobre o caráter vivaz da
prática educativa desse estabelecimento. Este traço da Escola em boa parte é tributário da
ordem pedagógica que norteou a prática educativa durante os primeiros anos de seu
funcionamento, cujas orientações gerais estão expressas no seu regulamento.
2.3.2 A proposta formativa – dos pressupostos às práticas pedagógicas93
O regulamento de uma instituição, em geral, propõe-se a apresentar as
diretrizes que devem ser seguidas por aqueles que farão parte de seu cotidiano,
determinando regras de funcionamento e orientações sobre a linha de pensamento
norteadora do trabalho a ser desenvolvido. Nas instituições escolares, esta realidade não se
diferencia, pois, pelo regulamento, são definidos a conduta dos gestores, professores e
alunos, as disciplinas que serão estudadas no currículo de formação, os direitos e os deveres
dos agentes da escola.
O Regulamento da Escola Normal Rural do Estado, expedido pelo Decreto nº.
1.269, de 17 de maio de 1934, foi aprovado pela Interventoria Federal no Estado do Ceará
e organizado pela Diretoria Geral da Instrução Pública (ANAIS da Semana Ruralista, 1938,
p.149). Este documento é composto de 12 capítulos, estrutura explicitada no Quadro
XXII:
Quadro XXII
Detalhamento do Regulamento da ENRJN (1934)
Capítulo Título Detalhamento Capítulo I A Escola e o Ensino Apresenta os objetivos da Escola, as cadeiras
dos três anos do Curso Normal Rural.
92 São eles: José Sebastião da Paixão e Elias Rodrigues Sobral. O primeiro, vindo da Escola de Barbacena, ingressou na Escola em 1934 para cursar o 1º Ano Complementar; o segundo, dirigiu, em 1939, o Clube Agrícola Alberto Torres. (OLIVEIRA, 1984, p. 29 e 105). 93A formulação original desta seção, que contou com a colaboração da bolsista de iniciação científica Mirelle Araújo da Silva (CNPq).
143
Capítulo II Da Matrícula Informa sobre o processo de matrícula Capítulo III Das aulas e seu
Regimento Expõe como as aulas serão conduzidas e especifica a dinâmica de funcionamento do
Curso Normal Rural. Capítulo IV Exames Escritos e
Promoções Explica o itinerário das avaliações e aprovações/reprovações dos alunos
Capítulo V Dos Programas de Ensino
Trata da organização do programa das cadeiras de ensino
Capítulo VI Do Corpo Docente Aborda as obrigações do professor para com a Escola Normal Rural
Capítulo VII Da Congregação Fala da organização da congregação composta por professores e presidida pelo diretor
Capítulo VIII Das faltas de comparecimento e
Licenças
Apresenta as regras em relação aos pedidos de licença e das faltas de comparecimento.
Capítulo IX Do Pessoal Administrativo
Especifica a composição do quadro de funcionários.
Capítulo X Atribuições do Diretor
Enumera as atividades e obrigações do cargo de diretor
Capítulo XI
Instituições Escolares Define o modelo de organização e a finalidade das instituições escolares mantidas pela escola.
Capítulo XII
Os Cursos Primários e Complementares
Mostra os objetivos do funcionamento dos cursos primários e complementares.
Fonte: Condensado dos Anais
O detalhamento permite identificar que a maioria dos capítulos do
Regulamento da Escola Normal Rural está voltada para definições de aspectos
administrativo-burocráticos (II, IV, VII, VIII, IX, X, XI e XII). O pensamento pedagógico
norteador da proposta de formação de professores nesta instituição pode ser percebido, de
forma mais explícita, nos capítulos I, III, V, VI.
As finalidades desse estabelecimento de ensino, cujo regime de funcionamento
previa desde o internato, o semi-internato, até o externato, estão assim definidas no
Regulamento no Capítulo I (Art. 1º):
a) – preparar os professores de ensino primario das zonas rurais do Estado, de maneira a torná-los aptos a orientar, racionalmente, as novas gerações nas tarefas agricolas, dando-lhes a conhecer os meios de defesa de saúde e de incentivo ao progresso, no campo; b) – contribuir, pelo preparo conveniente do professor, para que a escola primaria rural se torne um centro de iniciações economicas e profissional, com acentuada influencia civilizadora, sobre toda a comunidade do lugar, onde estiver; c) – dar, pelo professor que preparar, consciencia agricola e sanitaria às populações rurais, além de exata compreensão do valor da previdencia e da economia, como condição de felicidade, individual e coletiva; d) – despertar, por meio do professor, nos futuros plantadores e criadores, e, ainda, nos atuais, a consciencia do valor de sua classe que, organizada e liberta de toda influencia dominadora extranha, deve colaborar, ao lado das demais classes, no engrandecimento e governo do país (Grifos nossos).
144
Os grifos realçam a conotação nacionalista que assumem as finalidades
educativas da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, pensamento estreitamente
articulado ao ideário ruralista então predominante no cenário social vigente no período.
Seus defensores postulavam a idéia de que a felicidade do homem brasileiro estava ligada
ao meio rural, fonte de energia, de saúde e de pureza dos costumes. A educação era
percebida como alternativa que tornaria possível incorporar parcela significativa da
população na senda do progresso nacional, posicionando o País no caminho das grandes
nações (NAGLE, 1976).
O Regulamento apresenta também orientações metodológicas sobre a prática
educativa a ser desenvolvida. Este documento estabelece que o “ensino terá feição
essencialmente pratica e utilitaria” (Art. 3º). A determinação visa a assegurar a consecução
dos fins ora detalhados. O tom renovador do documento, evidência de sua sintonia
discursiva com os preceitos subjacentes ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
(1932), se explicita na indicação dos “métodos ativos” como referência metodológica das
aulas a serem desenvolvidas pelo corpo docente. Assim estabelece o Art. 20 do Capítulo
III:
O ensino deve ser feito, tanto quanto possível, tendo-se em vista o interesse dos educandos e da sociedade a que vão servir. Daí deverem ser adotados os metodos ativos, em que o aluno aprenda a fazer fazendo, por sua propria vontade, orientado, inteligentemente, pelo professor, para as atividades agrícolas e industriais. (Grifo nosso).
Conforme a orientação do Regulamento, o professor deve adotar os métodos
ativos para que os alunos sejam capazes de elaborar seu próprio conhecimento. Neste
processo de ensino-aprendizagem, o mestre tem o dever de orientar todas as atividades,
visando a atender aos interesses dos alunos e da sociedade. O desenvolvimento da ação
docente tem significativa importância para o bom funcionamento da escola. Este
entendimento é disseminado em reportagem acerca do papel do mestre no jornal O
Lavrador (1941, p. 1), ao ressaltar que este é quem “[...] faz a escola, preparando o ambiente
de maneira adaptável aos seus alunos o que conseguirá lançando mão dos meios que lhe
facultam a pedagogia nova”.
O trecho evidencia a filiação da orientação pedagógica corrente na Escola
Normal Rural de Juazeiro do Norte aos princípios escolanovistas que, entre outros
aspectos, destacava uma metodologia ativa. Os fundamentos desta linha de pensamento
foram difundidos no Brasil sobretudo desde 1918 (NAGLE, 1976). Neste momento, foram
145
disseminadas as bases da educação ativista que privilegiava os princípios científicos, a
pesquisa, a descoberta e a verificação, conduzindo o aluno por meio de métodos ativos a
realizar sua própria personalidade na sociedade (CURY, 1988, p. 83).
O relato de um ex-professor da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte
sobre a concretização do método ativo no cotidiano dessa instituição ressalta a
preocupação em articular, de modo prático, os conteúdos com a realidade social dos
educandos, em particular, aqueles relacionados com o meio rural. É o que deixou entrever
Monsenhor Murilo Barreto94, ao descrever as habilidades de seus alunos: “sabiam criar
galinhas, sabia criar carneiros, sabia criar patos. De forma, que a moça que antes de, na
realidade se formar, se casava, ia encontrar ali na Escola Normal uma verdadeira escola de
fazer fazendo”.
Práticas como as relatadas por Monsenhor Murilo estão vinculadas ao
desenvolvimento de saberes técnicos ligados à vida no campo. Esperava-se que as
normalistas conhecessem esses labores, assim como soubessem orientar os filhos dos
lavradores, fomentando uma nova mentalidade em relação à agricultura. Além destes
saberes ligados à prática, os conhecimentos profissionais e pedagógicos também eram
valorizados, como nos indica a leitura da amostra do Caderno de Psicologia (1938), de
Assunção Gonçalves, ao tratar de fatores ligados à aprendizagem. Neste documento
escolar, o primeiro ponto tem como tema “Educação, Fatores da Educação e Ação
Educativa”, enfatizando os aspectos biológicos, morais e sociais como bases teóricas para o
bom êxito educacional.
Destacamos que os assuntos de caráter teórico relacionados à metodologia de
ensino também são alvo de atenção do Regulamento da Escola. Este é o caso, por
exemplo, da escolha dos métodos de ensino, aspecto registrado no Capítulo III:
Art. 23 - O professor de metodologia dará aulas-modêlo duas vezes por semana, em frente dos normalistas.
Parágrafo único - Uma vez, ao menos, na semana, haverá exercicios didaticos, no Curso Primario e e se processarão de acôrdo com as modernas tecnicas de ensino (centros de interesse, projetos, tarefas, etc.).
c) da organização de relatorios, feitos em colaboração pelos alunos, sobre trabalho nas classes, desenvolvimento de projeto e centros de
94 Monsenhor Murilo de Sá Barreto faleceu em dezembro de 2005 e era considerado “Pároco do Nordeste”; há 48 anos estava à frente do Santuário de Nossa Senhora das Dores.
146
interesse, e excursões. (ANAIS da Semana Ruralista: Anexos) (grifo nosso)
Este é outro indício da aproximação da prosposta metodológica das aulas-
modelo com as práticas escolanovistas, ao citar as técnicas de ensino características do
pensamento pedagógico da Escola Nova (centros de interesse e os projetos) e a
participação ativa dos alunos na elaboração de relatórios.
Os “Centros de Interesse”95 tinham como pressuposto primordial o respeito ao
interesse do aluno por determinado assunto, conforme assevera Giorgi (1989, p. 32),
citando Decroly: “[...] o interesse da criança, que é de tudo a alavanca”. Esta proposta,
partindo desta idéia, não adotava disciplinas fixas e separadas, pois acreditava que cada
assunto abordado iria, de forma natural, originar a exigência dos conhecimentos de todas as
disciplinas interligadas e perpassando todo o processo de ensino-aprendizagem.
A concretização dos “Centros de Interesses” contempla, basicamente, três
procedimento: a) observação, momento em que os alunos são estimulados a observar e
adentrar a realidade do assunto estudado, com o objetivo de desenvolver as habilidades de
comparar, medir, pesar, contar; b) associação, operação realizada após a observação e na
qual a criança, com a ajuda do mestre, é instigada a estabelecer relações com as noções que
observou em seu cotidiano com elaborações cognitivas ligadas ao valor sistemático cultural;
c) expressão - etapa que compreende a manifestação do que foi estudado para os demais
alunos e interessados, o que pode ser realizado por meio de escrita, desenhos, trabalho
manual, dramatizações etc. (LOURENÇO FILHO, 1961, p. 191).
A promoção anual de concursos reunindo alunos em torno de um mesmo
interesse pode ser apontada como manifestação concreta do método detalhado no
cotidiano da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. Sobre o assunto, José Boaventura
de Souza (1994, p. 37) faz uma descrição detalhada:
As atividades constavam sempre de uma parte principal, através de concursos sobre uma das diversas culturas da região [...] . Cada aluno tinha a tarefa de colecionar artigos, revistas, etc., e fazer o resumo das aulas referentes àquelas plantas. [...] Os principais concursos realizados eram em torno da: mandioca, algodão, cana-de-açúcar, arroz, feijão [...] Fruto destas iniciativas a escola com recursos próprios [...] construiu no
95 Metodologia idealizada por Jean-Ovide Decroly (1871-1932), formado em Medicina e interessado de forma especial pela educação de crianças com necessidades educacionais especiais.
147
seu campo agrícola: uma pocilga [...]; um galinheiro, um estábulo rústico, um pombal, um apiário. Cada classe tinha sob seus cuidados, uma dessas dependências, enfrentando todos os problemas que se relacionassem com a criação, sob sua responsabilidade. Diariamente, os chefes de turma anotavam no livro “plantações e criações”, todo ocorrido das diversas criações e no fim de cada ano, elaboravam um relatório geral [...].
Também o jornal O Lavrador (1938, p. 5-6) traz um registro ilustrativo dessa
aproximação. Nele se encontra um registro de que, em outubro e novembro de 1938, foi
realizado um concurso com o tema criação. A turma do 3º ano primário ficou responsável
por cuidar de pássaros. Cada estudante recebeu da professora uma tarefa, quais sejam:
limpar os viveiros, dar comida e água às aves. Ao final da atividade, assim como nos
centros de interesse, foi necessário expressar o aprendizado que, neste caso, foi
concretizado por meio de relatórios sobre a classificação dos pássaros do viveiro.
Outros exemplos que nos lembram esta técnica de ensino são as instituições
escolares, como o Clube Agrícola, a Liga da Amabilidade e Grêmio Literário Padre José de
Anchieta96, onde todos os associados envolvidos com o mesmo objeto de interesse
trabalhavam com o intuito de fortalecer as bases do ruralismo, o amor aos estudos e aos
colegas. E também, por meio de palestras, discursos, relatórios e atividades práticas,
demonstram a manifestação do que foi apreendido dos trabalhos feitos em conjunto.
É preciso considerar que, se tal orientação metodológica ensejou um “tom
vivaz” às práticas de formação que matizaram o trabalho pedagógico da Escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte, sua incorporação não foi fortuita. Como adverte Lourenço
Filho (1961, p. 184), o sistema de Decroly apresenta-se como proposta de transição entre a
escola tradicional e a Escola Nova, por adotar os conteúdos das escolas tradicionais e
aplicar métodos diferenciados de ensino.
Outro método ativo recomendado pelo Regulamento da Escola Normal Rural
de Juazeiro do Norte foi o “Sistema de Projetos”, concebido por John Dewey (1859-1952),
visando a assegurar à educação um caráter utilitarista e pragmático. Sua proposta se
concretizava mediante a organização de toda a sala de aula em torno de um projeto que
devia estar em sintonia com o interesse dos alunos e da sociedade, devendo envolver o
esforço físico e intelectual. Cada criança devia ser instigada a procurar soluções para seus
problemas por meio de perguntas, livros, pesquisas. O trabalho deveria ser encaminhado de
96 Esses organismos, identificados no Regulamento da Escola como “instituições auxiliares da educação”, têm detalhamento mais adiante.
148
tal forma que todas as disciplinas se envolvessem de modo globalizado na busca de
resoluções para o bom êxito do projeto (GIORGI, 1989, p. 37).
Esta perspectiva metodológica é destacada por Maria Assunção Gonçalves,
aluna e professora da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, ao discorrer sobre um
trabalho escrito elaborado pela segunda turma de professorandas de 1938, intitulado “Uma
fazenda modelo”. Neste projeto, cada normalista ficou encarregada de um objeto de
estudo, no contexto do cotidiano fictício de uma fazenda. A entrevistada ficou responsável
por escrever um texto sobre “Salada de Frutas”, classificando cada fruta de acordo com a
importância de suas proteínas e vitaminas. Esta atividade, sobretudo a ênfase no
levantamento de informações por parte de cada aluno, é emblemática da valorização do
modelo utilitarista da educação para o meio rural e dos interesses da sociedade.
Estes desejos de inovação na formação de professores exigiam nova posição e
atitude dos aspirantes ao magistério, pois com a Escola Nova eram “proibidos os abusos
de palmatória e os desagradáveis castigos” (O Lavrador, 1934, p. 08). Diferentemente do
modelo tradicional, quando estes eram conhecidos como detentores do saber e da
autoridade, a “pedagogia nova” propõe que o professor seja “simples agente fornecedor
dos meios para que a criança se desenvolva por si [...]. O que importa é que a criança se
desenvolva por meio da própria experiência” (NAGLE, 2001, p. 321). Esta proposição foi,
à época, percebida como avançada e progressistas, por se contrapor tanto à relação de
exterioridade do aluno com o ato de aprender quanto aos excessos de autoridade
característicos das práticas tradicionalistas ainda predominantes.
O Regulamento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, pelo menos no
plano do discurso, é consonante com o novo modelo de mestre proposto pelo movimento
de renovação da educação. O Capítulo VI (Do Corpo Docente) define como competência
dos professores “levar os alunos a aquisição de processos ativistas, fazendo-os trabalhar,
com interesse” (Art. 54, alínea 8). Dessa forma, a função do professor deve ser a de
conduzir seu alunado para atividades voltadas para a prática, como nos apontam os
depoimentos das professoras desse estabelecimento Maria Assunção Gonçalves e Maria
Venúsia Cabral, respectivamente citados: “A gente plantava o que ninguém nem sabia, o
que era couve-flor, repolho, todo esse negócio de verdura. Era uma escola muito ativa”;
“Ser aluna era trabalhar. Era trabalhar. Era colher tudo o que fosse preciso em prol do
levantamento daquela Escola”.
149
Pelos relatos das professoras, é possível perceber que a metodologia de ensino
da Escola valorizava experiências e práticas que pudessem favorecer o aprendizado de
assuntos ligados à vida do campo. Suas atividades pedagógicas estavam consorciadas ao
ideário do Ruralismo Pedagógico, cujos princípios defendiam a ruralização do ensino que,
tendo a escola como aparelho ideológico do Estado, assumiu a “tarefa de formar a
mentalidade de acordo com as características da ideologia do Brasil-país-essencialmente
agrícola, o que importava, também, em operar como instrumento de fixação do homem no
campo” (NAGLE, 2001, p. 302). De certa forma, a preocupação em articular as práticas de
ensino à vida do campo é representativa do esforço da Escola Normal Rural de Juazeiro do
Norte em tornar concretas estas aspirações. Como lembra Maria Assunção Gonçalves, “a
Escola foi criada para isso, pra fazer a pessoa se sentir realizada na sua terra, não ir pra São
Paulo, nem pra num sei pra onde”.
A metodologia de ensino da Escola, orientada pelas disposições do
Regulamento da Escola, envolvia, além do estudo dos conteúdos disciplinares básicos
(detalhado anteriormente no tópico O Plano de estudos), atividades bastante variadas. As mais
recorrentes nas fontes consultadas – excursões, práticas agrícolas, a utilização de hinos e as
aulas de corte-costura e culinária – são detalhadas a seguir.
• O valor pedagógico das excursões
A realização de excursões permeava toda a vida estudantil dos futuros mestres
ruralistas, por proporcionarem o exercício de atividades práticas, o conhecimento das
experiências relacionadas à agricultura e outros assuntos de interesse da sociedade. Sobre a
relevância do valor formativo, o relato de excursionistas registrados no jornal O Lavrador,
de 1938, é enfático: “a Escola Normal Rural de Joazeiro, não poderia deixar de conceder
aos seus professorandos, essas excursões tão cheias de sentido pedagógico, e, portanto, de real
importância para os futuros educadores” (O Lavrador, 1938, p. 05) (Grifos nossos).
O “sentido pedagógico” a que se refere o trecho transcrito pode ser traduzido
na utilização das excursões como espaço para a aplicação de teorias estudadas durante o
Curso Normal Rural e o compartilhamento de experiências, articulação entendida como
importante na formação dos futuros mestres. Excursões ao “campo de reflorestamento de
Crato” (Jornal O Lavrador, 1934, p. 2) e ao “Departamento de fiscalização e classificação
interna do algodão” (Jornal O Lavrador, 1938, p. 7) são expressivas do objetivo de
aproximar as normalistas de locais onde pudessem observar, na prática, atividades que
150
pudessem enriquecer o seu aprendizado. É preciso considerar que a preocupação com a
relação teoria e prática no aprendizado, se consorciada ao ideário renovador dos métodos
de ensino predominantes à época, também deve ser compreendida com base na condição
social das alunas da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte: na maioria, filhas de
famílias abastadas e, provavelmente, sem contato direto com a lida do campo.
Os relatos das professoras da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte,
Maria Venúsia Cabral e Maria Assunção Gonçalves, confirmam a ênfase na aproximação
das alunas às atividades do campo. Elas registram, respectivamente, que: “Nessas excursões
a gente tinha que dizer o que fizemos, também se houvesse possibilidade da gente fazer,
também naquelas partes como demonstração”; “Ah é! Tinha que conhecer a região
todinha! Não só na parte da educação, mas na parte da agricultura”.
Além do valor formativo das excursões, estas se tornavam motivo de grande
euforia para as normalistas, por propiciarem a ida a novos lugares e a interação da turma,
conforme revela o trecho do periódico O Lavrador (1938, p. 2): “Via-se em cada lábio um
sorriso, cada fisionomia, uma demonstração de prazer, e talvez, em cada coração, uma
saudade desse dia, que de certo ficará registrado no livro dos dias felizes do nosso tempo
colegial”.
O Quadro XXIII apresenta a síntese das excursões realizadas pelas normalistas
no período de 1934 a 1946, destacando os temas e o número de atividades desempenhadas.
Quadro XXIII
Excursões registradas pelo jornal O Lavrador (1934-1946)
Fonte: dados da pesquisa
Além de proporcionar às professorandas e excursionistas a oportunidade de
acompanhar na prática os conhecimentos relacionados ao campo e conhecer locais de
relevância para a agricultura no Estado, as excursões, de acordo com o pensamento
escolanovista, propiciavam o aprendizado integral e sistémico. O potencial pedagógico da
Tema Número de atividades
Conclusão do Curso Normal Rural 06 Inauguração de órgão público 01
Visita em Instituições ligadas á agricultura 06 Visita ao Horto do Padre Cícero (Religiosidade) 01
Visita a campos agrícolas 02 Total 16
151
excursão, desde sua preparação até a sua culminância, é assinalado por Aguayo (1970, p.
62), ao destacar o fato de que,
Assim, por exemplo, os alunos que desenvolvem um projeto de excursão ao campo a fim de colecionar objetos naturais, preparam mentalmente a excursão, levam-na a efeito, observam a natureza, examinam e classificam suas coleções, discutem escrevem, em resumo, trabalham e apredem com o corpo e com o espirito.
Esta atividade, como sinaliza a transcrição, não somente visava a estimular a
participação ativa das alunas, como também reforçava a importância do campo como
ambiente propício para o aprendizado. Dessa forma, nutriam-se “o corpo e o espírito” das
futuras mestras com o ideário ruralista.
As práticas agrícolas, em consonância com as idéias que dão sustentação à
realização das excursões, também fortalecem a perspectiva utilitarista que marca as práticas
formativas do Curso Normal Rural.
• As práticas agrícolas e a participação efetiva dos futuros mestres rurais
Esta, certamente, se destaca como a atividade que mais caracteriza o modelo de
formação de professores da Escola Normal Rural pioneira do País. O contato prático com
a agricultura era parte integrante das disciplinas curriculares, sendo de grande relevância
para fortalecer a educação baseada em métodos ativos. O trecho da entrevista de Maria
Venúsia Cabral, admitida à Escola no 1º ano Complementar, em 1934, nos mostra a
participação dos alunos nesta atividade e como esta prática era transmitida para os novos
alunos.
ENTREVISTADOR: A senhora lembra das práticas rurais? Como era essas práticas? ENTREVISTADO: A gente ia plantar. Tinha um terreno, viu? A gente colhia sementes, mostrando e a gente ia plantar, e via a semente crescer... ENTREVISTADOR: Me diga uma coisa, o que a senhora está chamando de plantar? Vocês iam e as pessoas que plantavam falavam como era ou vocês realmente reviravam a terra? ENTREVISTADO: A gente revirava a terra. Cada qual nos bloquinhos, sabe? Pra ver o nascimento daquela planta, depois quando a planta já estava nascida, a gente cuidava da planta mesmo, diariamente, indo aguar... Essas coisas toda. Então era assim. (Grifos nossos).
O depoimento evidencia que as alunas realizavam as pequenas e grandes
tarefas que envolviam as práticas agrícolas, ou seja, preparar a terra, plantar, aguar as
plantas, entre tantos outros labores que esta atividade implicava. A resposta da aluna
152
egressa Maria Venúsia Cabral à indagação do entrevistador acerca do que ela estava
chamando de plantar é incisiva: elas reviravam a terra, isto é, vivenciavam o trabalho
campesino. Seu depoimento, nesse sentido, apresenta-se como pista preciosa no
esclarecimento de questionamentos97 em torno da efetiva participação das alunas no
trabalho que às práticas agrícolas remetia.
Além das plantas, era necessário também cuidar dos animais, que
evidentemente mereciam destaque no meio rural, por serem parte integrante da economia e
do cotidiano dos homens do campo. Maria Assunção Gonçalves recorda-se dessa prática
no seu tempo de formação, destacando a exigência de que a pessoa soubesse “cuidar de
galinha”, para tanto aprendiam desde a dar “remédio” à ave doente até a fazer “a ração pra
elas”.
São diversas as práticas agrícolas que marcaram o cotidiano do Curso Normal
Rural. O Quadro XXIV mostra algumas das ações realizadas no período de 1934 a 1946 e
registradas no jornal O Lavrador, destacando os temas e o número de atividades
desempenhadas.
Quadro XXIV
Práticas Agrícolas no Jornal O Lavrador (1934/1946)
Tema Nº de atividades Semeadura 01
Plantio de diversas culturas 13 Transplantação de árvores 01
Relatórios das aulas de campo 08 Combate a pragas do campo 02
97 Silva (2007, p. 50), analisando o pensamento e a prática pedagógica desse estabelecimento de ensino com base nos registros do Jornal O Lavrador, registra interrogações a este respeito nos seguintes termos: “Alguns questionamentos podem ser levantados em relação a real participação das normalistas nas práticas agrícolas, pois como foi dito no capítulo um a clientela desta Escola era composta em sua maioria por moças de famílias ricas”. A autora prossegue, desta feita apresentando trecho de um relatório sobre uma prática agrícola realizada durante a Semana Ruralista de 1935 e registrada no Jornal O Lavrador, onde se lê: “Descrição do plantio do bosque Luiz de Queiroz – Ao romper do dia 26 de julho, linda e esplendida manhã de verão, efetuou-se o plantio do bosque Luiz de Queiroz, situado à praça da Matriz dessa cidadade... Em seguida fez-se a distribuição das plantas a todos que estavam presentes. A mim coube uma mangueirinha. Em terreno adredemente preparado plantamos o nosso bosque, que será um privilegio e uma indelevel recordação da Semana Ruralista”. Logo em seguida, Silva pondera: “O trecho do Jornal O Lavrador nos aponta que a participação nas atividades, como o plantio do Bosque Luiz de Queiroz, era realizada por todos. Nesta descrição elaborada pela aluna Maria Martins Camêlo, do 1º ano normal rural, é registrado que as pessoas presentes receberam uma planta, e a própria autora do relatório ficou encarregada de plantar uma mangueirinha no terreno que estava preparado para esta atividade. O termo [...] terreno adredemente preparado nos revela que a terra utilizada para o plantio já estava previamente pronta antes da chegada dos alunos. Isto nos faz refletir sobre quem verdadeiramente preparava os terrenos para as aulas de prática agrícola, já que as moças de famílias ricas que freqüentavam a Escola não estavam acostumadas em seu cotidiano com aquele tipo de trabalho”.
153
Pulverização de plantações 02 Total 27 Fonte: dados da pesquisa
As práticas agrícolas, como assinalado antes, apresentam-se como atividade
que distingue e caracteriza o processo de preparação de professores para o meio rural da
Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. A forma de organização e estruturação do seu
espaço físico foi central para a concretização desta atividade, ao assegurar local que
permitia aos alunos um aprendizado vivencial, mediante o desenvolvimento de plantações,
criações de animais e manutenção de pequenas indústrias.
Os registros presentes nas fontes consultadas sobre as práticas agrícolas do
Curso Normal Rural evidenciam a consonância dessa atividade com a perspectiva
metodológica sinalizada no Regulamento da Escola – métodos ativos, sobretudo com sua
perspectiva utilitarista. As práticas agrícolas, exaltadas à época como inovadoras e
diferenciadoras98 desse estabelecimento das demais escolas normais existentes no País à
época, assumiram papel importante, tanto na incorporação e disseminação, por parte dos
alunos da Escola, dos valores e fazeres do campo. O depoimento de Maria Venúsia Cabral
é revelador a esse respeito:
ENTREVISTADOR: Do que a senhora aprendia nessas práticas rurais, vocês aplicavam na escola? ENTREVISTADO: Aplicava sim, perfeitamente. O resultado era até naquela colheita, a gente dividia com as colegas e tudo sabe? E ia usar. ENTREVISTADOR: Mas assim, pra como ensinar com os alunos? Daquelas aprendizagens que vocês faziam lá no campo, no meio rural, o quê que vocês usavam com os alunos da Escola? Pra ensinar... ENTREVISTADO: Usavam os aparelhos que a gente tinha pra cavar, pra preparar o terreno, pra tudo viu? E ali depois do terreno todo preparado a gente mandava eles plantarem, eles mesmos plantarem. (Grifos nossos).
O relato transcrito indica que os ensinamentos adquiridos durante a formação
para tornar-se professora ruralista também eram trabalhados na preparação das futuras
gerações. Cabe lembrar que não era incomum às alunas do Curso Normal Rural, mesmo
98 Registro nesse sentido é feito pelo “Diário de Notícias”, do Rio de Janeiro, do dia 22 de novembro de 1938. A reportagem do jornal carioca da época destaca: Realizou-se hontem na Escola Normal Rural de Joaseiro, neste Estado, a entrega de diplomas da segunda turma de professores ruralistas, preparados nessa escola, que é a única, no Brasil, pela sua extrutura, organisação e finalidade... A Escola Normal Rural de Joaseiro, tem organização propria, diferenciadas de todas as outras escolas formadoras de mestres no paiz... Em derredor do prédio, existe amplo terreno, cultivado pelos próprios alunos, onde se pratica a agricultura racional e onde se criam diversas espécies de animaes domenticos. Em departamentos próprios faz-se o aprendizado de pequenas industrias ruraes e caseiras e exercita-se o corpo discente em educação sanitária” (Jornal O Lavrador, 1938, p. 6). (Grifos nossos).
154
antes de concluírem sua formação99, exercerem efetivamente a docência no Curso Primário,
que funcionava no Grupo Rural Modelo, anexo à Escola Normal Rural de Juazeiro do
Norte. Ademais, esta instituição não somente preparou professores para o ensino primário,
como também formou seus docentes100, fortalecendo a rede de “defensores” da educação
rural e a disseminação desse ideal.
As atividades educacionais voltadas para a educação doméstica não se
afastaram dessa intencionalidade, ao mesmo tempo em que ocuparam importante espaço
na articulação entre a proposta de formação das futuras mestras e a realidade social vigente.
• Educar para a vida no lar
A abordagem de conteúdos ligados à educação doméstica reflete a ordem
nacional da educação. Segundo Schwartzman (2000, p. 128), o ministro da Educação da
época, Gustavo Capanema, era favorável a uma educação diferenciada para o homens e
mulheres101. A idéia de educar a mulher para o lar e a família era largamente difundida na
ordem social vigente à época.
Nesse sentido, constituía dever da educação formar as mulheres para serem
boas esposas e mães, aptas a administrar suas casas com responsabilidade e dedicação. As
práticas de arte-culinária e corte e costura, se vinculadas à presença maciça de mulheres no
ensino normal, apresenta-se também como expressão de tal ordenamento social.
99 Este foi o caso de Assunção Gonçalves, conforme mostra o trecho da entrevista: “Antes, uma coisa que eu não sei se seria possível hoje [...] eu fazia o 1º Ano Normal ou era o 2º Ano Normal e era professora do 1º Ano Complementar. Eu saia fardada da minha classe, tendo aula de Psicologia, Biologia [...] pra dá aula no 1º Ano Complementar [...]. Eu dava aula de matemática, porque eu gostava de matemática. [...] Minha vida foi de trabalho. Eu quase não tinha tempo de brincar como aluna, porque, ao mesmo tempo, eu era aluna e professora [...] por conta da falta de professores. Eu tinha muita facilidade pra matemática e aproveitaram essa tendência pra matemática e desenho aí eu fui ser professora de matemática, desenho e campo.” 100 Nos registros de Amália Xavier (1984, p. 87) referentes ao ano de 1938, mais precisamente ao mês de maio, encontra-se referência à inserção das primeiras concludentes do Curso Normal Rural como professoras no ensino primário. A indicação é feita nos seguintes termos: “Circulou o número 31 do O Lavrador. Destacamos neste número dois artigos que demonstram a eficiência dos trabalhos das neo-professoras do Grupo Rural: um aluno do 3º ano primário publica um relatório de um Canteiro de Alho, feito por ele no Campo da Escola – Orientadora – Maria Moreira. Ceci Borges dá a notícia de haver fundado no Grupo Rural Modelo a Liga da Amabilidade e publica a ata da fundação”. Também é possível localizar o nome de várias egressas do Curso Normal Rural que, posteriormente, se tornaram professoras da Escola, como os casos de Maria Venúsia Cabral e Assunção Gonçalves. 101 Sua adesão a esta idéia é manifesta na proposição do Estatuto da Família (1939), cujo Artigo 13 estabelecia que [...] Devem ser os homens educados de modo a que se tornem plenamente aptos para a responsabilidade de chefes de família. Às mulheres será dada uma educação que as torne afeiçoadas ao casamento, desejosas da maternidade, competentes para a criação dos filhos e capazes da administração da casa.” As várias críticas a este documento culminaram na sua não-aprovação.
155
A proposta de formação da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, filha
deste momento histórico, é coerente com este desiderato ao assegurar atividades que
propiciassem aprendizados necessários às lidas do lar. Os Cursos de Arte-Culinária e Corte
e Costura cumpriam, sobretudo, esta finalidade. Maria Assunção Gonçalves recorda-se de
que as normalistas precisavam, ao final do Curso de Arte-Culinária, apresentar, na prática,
suas habilidades na cozinha; exigência que, conforme relatou, tinha a intenção de “provar
que sabíamos cozinhar e fazer bolo, tinha que oferecer almoço no dia do diploma, ou antes
se desse”.
Além de aprenderem a cozinhar, as alunas recebiam noções mais amplas na
área de alimentação e de orçamento doméstico, como se pode perceber na coluna “Página
do Lar”, do Jornal O Lavrador. Este espaço, mantido com a colaboração das alunas do
Curso Profissional Doméstico do Internato Santa Teresinha do Menino Jesus, registra
artigos diversos relacionados ao cotidiano da dona de casa e mãe de família. O Quadro
XXV sintetiza algumas das matérias presentes nessa coluna no período investigado:
Quadro XXV
Matérias sobre Culinária, Corte e Costura no jornal O Lavrador (1934-1946)
Identificação do Documento Tema Ano III, nº 22/ Abril de 1937 (página 6) Importância do Diploma de Arte-Culinária Ano VII, nº 23/ Maio de 1937 (página 6) Vantagens do Curso de corte e costura Ano VII, nº 54/ Julho de 1941 (página 3) Uso de utensílios domésticos Ano VII, nº 54/ Julho de 1941 (página 3) Importância da Arte-Culinária na Educação
da mulher Ano VII, nº 56/ Setembro de 1941 (página 4) Arrumação da mesa para jantares
Fonte: dados da pesquisa
O tema das matérias publicadas na “Página do Lar”, coluna do periódico O
Lavrador, é expressivo da preocupação em informar as alunas acerca de questões e de
práticas ligadas ao papel de futuras donas de casa. A passagem de uma matéria sobre
puericultura, produzida pelas alunas do Curso Profissional Doméstico do Internato Santa
Teresinha do Menino Jesus, confirma esta asserção:
As três primeiras fases infantis – Chamamos de Puericultura a ciência que encerra todos os conhecimentos necessários no que diz respeito às crianças desde a sua primeira fase de vida, até a idade escolar. É a mãe principalmente que cabe a maior responsabilidade, pois, é a ela que acha confiada esta sublime e enobrecedora tarefa crear filhos fortes, física e espiritualmente. As mães deverão cuidar da saúde dos filhos, ministrando-lhes todos os cuidados necessários, antes e depois do seu aparecimento... (Jornal O Lavrador, 1945, p. 3) (Grifos Nossos).
156
As noções de puericulturas, como assinala Silva (2007), eram apresentadas
como imprescindíveis para que as futuras mães aprendessem a acompanhar cada fase das
crianças da maneira mais adequada e correta. Assim, como nos indica a parte grifada do
texto, cabe às mães a missão de criar os filhos, educando-os de maneira que, corporal e
espiritualmente, eles sejam fortes e preparados para a vida.
As informações de cunho orçamentário também são apresentadas às alunas da
Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, como indispensáveis para a boa execução do
papel de boa dona de casas, conforme evidencia o trecho de outro artigo publicado na
coluna “Página do Lar”:
Equilíbrio Orçamentário – [...] A dona de casa deve resolver logo uma quantia aproximada da realidade, procurando avaliar uma importância que não seja inferior à despesa provável. Ela deve calcular essas despezas enquanto importarão por semana, pois desta maneira, faz mais facilmente o equilíbrio orçamentário. Se ela dispõe por exemplo de Cr. $600,00, para as despezas do mês deve dispender em média de Cr. $140,00 a $150,00 por semana. Verificando semanalmente as despezas, ela verá se preciso reduzi-las seguinte, e, assim despezas desagradáveis no fim do mês [...] (Jornal O Lavrador, 1943, p. 3).
As matérias referentes ao assunto evidenciam a preocupação em instruir as
mulheres, futuras mães de família, a como manter o equilíbrio das despesas do lar102,
observando-se exemplos com quantias exatas dos custos, visando à aproximação das alunas
da realidade da administração de seus futuros lares para que evitassem o desequilíbrio das
despesas da casa (SILVA, 2007).
Ao difundir tais ensinamentos, a coluna “Página do Lar” ajudava a manter vivo
no espírito das normalistas o zelo pela família e o lar, elementos que deviam estar presentes
em suas aspirações. Por outro lado, este componente formativo evidencia a associação do
magistério à idéia de atividade ligada à mulher e à maternidade, compreensão que nega seu
caráter profissional.
Ao propósito formativo da Escola de preparar para vida no lar agregava-se
ainda a preocupação em fomentar uma mentalidade agrícola que valorizasse as coisas do
campo e sua gente. Neste mister contribuem decisivamente as instituições educativas
auxiliares.
102
As alunas da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte realizaram excursão à Escola Doméstica de Fortaleza em 1938.
157
• Instituições auxiliares da educação na formação de professores
As “instituições auxiliares da educação”, assim como O Lavrador, podem ser
interpretadas como expressão objetiva dos mecanismos de aglutinação e difusão dos
valores e ideais sustentados pelo ruralismo pedagógico. O Regulamento da Escola Normal
Rural de Juazeiro do Norte (Decreto nº. 1.269/1934), que as estabelece, assim define seus
fins no capítulo XI:
A Escola Normal Rural deve possuir, desde o início, instituições auxiliares da educação, com o fim de desenvolver e aperfeiçoar o aprendizado especial dos alunos, despertando nestes, além o interesse pelas atividades do campo, o sentido social da colaboração, e estender a toda comunidade da região o seu raio de ação educativa (DECRETO nº. 1.269/1934, Art. 75).
As instituições auxiliares da educação, como é possível perceber, tinham como
principal finalidade despertar o interesse pelas atividades rurais a serem desenvolvidas
dentro e fora da escola, estendendo sua ação educativa para toda a comunidade juazeirense.
Deviam fortalecer o objetivo que impulsionou a criação deste estabelecimento rural de
ensino que, segundo Castelo (1970), visava à fixação do homem ao meio, instruindo-o de
acordo com suas necessidades.
A Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, ainda de acordo com seu
Regulamento, deveria criar e manter dez instituições desse tipo, quais sejam: a biblioteca, o
museu, o clube agrícola, o caixa escolar, o círculo de pais e professores, a imprensa escolar,
o clube de cultura física, o orfeon, a cooperativa e o pelotão da saúde (Decreto nº.
1.269/1934, Art. 76). Aos alunos, cabia a função de colaborar na organização das
instituições, participando da elaboração dos estatutos, arranjando os ambientes e
preparando os móveis (IBIDEM, Art. 77).
Nas fontes consultadas, as referências a estas instituições são extremamente
exíguas. Mesmo no escrito “História da Escola Normal Rural de Juazeiro”, de Amália
Xavier de Oliveira (1984), alguns desses organismos não são mencionados, pelo menos,
não explicitamente, como é o caso do Círculo de Pais e Professores e do Clube de Cultura
Física.
O Museu Vilas Nova Portugal, conforme indica o Regulamento da Escola,
deveria ser formato por coleções de objetos e de produtos industriais, comerciais e
agrícolas da própria região, colhidos e renovados pelos alunos na ocasião das excursões
158
escolares. Deveria conter também, além de matérias-primas e produtos manufaturados
regionais, os trabalhos mais interessantes e originais produzidos pelos próprios alunos no
decorrer do ano letivo (Art. 80, parágrafo único). Moreira de Sousa (1955, p. 223),
referindo-se ao Museu Vilas Nova Portugal, destaca que nele se encontravam “peças de
alto valor histórico, representativas dos vários estágios da cultura da população regional,
além de coleções de espécimes minerais e vegetais, de produtos da lavoura e da indústria
locais, que servem para informações aos alunos”. Esta instituição é alvo de matéria especial
no terceiro número do jornal O Lavrador (Ano I, nº 3, 21 de Set. de 1934).
Pelo regulamento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, o Círculo de
Pais e Professores destinava-se a aproximar e a estabelecer a colaboração entre a família e a
escola. Esta instituição, de acordo com o Regulamento da escola, deveria reunir-se em
caráter familiar, a fim de se inteirar dos trabalhos escolares, fazendo com que assim a escola
realizasse por completo sua alta missão social de educar, instruir e civilizar, melhorando a
família e a sociedade (Art. 83, parágrafo único). Ao Clube de Cultura Física, por sua vez,
cabia oferecer aos alunos a noção do dever pelo bem-estar corporal, ensinando-lhes os
meios de desenvolver o físico, para melhor servir moral e intelectualmente. Este órgão era
também responsável por cuidar das excursões, passeios, exercícios e jogos (IBIDEM, Art.
85, parágrafo único). No livro de Amália Xavier (1984) e Souza (1994), encontram-se
registros de atividades típicas dessa instituição embora não se possa afirmar seu
funcionamento ou não, pois tais ações também poderiam estar relacionadas ao programa
curricular do Curso Normal Rural, que incluía a disciplina “Música e Cultura Física” (ver
item: O Plano de estudo da ENRJN).
Quanto ao orfeon, são inúmeras as menções de Amália Xavier a esta
instituição no cotidiano da Escola. Sua finalidade central consistia no desenvolvimento do
gosto pela boa música, cultivando o folclore em conjunto com a educação moral e artística,
formando assim uma alma nacional (Decreto nº. 1.269/1934, Art. 86). Por meio deste
órgão, buscava-se, ainda, promover “a expansão da simpatia e da solidariedade humana”
(ibidem, § único, Art.86). Os fins e a concretização do orfeon na prática pedagógica que
caracterizou a formação dos professores ruralistas cearenses são abordados mais
detidamente adiante, noutro item deste tópico (ver: Hinos no fortalecimento do espírito
nacionalista).
As finalidades da biblioteca estão voltadas para o “despertar, nos alunos, o
gosto pela leitura e o espírito de pesquisa, facilitando, de maneira intuitiva e prática, o
159
estudo de todas as matérias do programa escolar” (Decreto nº. 1.269, 1934, Art. 79).
Devendo ser acessível a todos os alunos, neste órgão os alunos encontrariam livros,
revistas, cartazes e gravuras, tendo um horário certo para consulta (IBIDEM, parágrafos 2º
e 3º). Ligado à Biblioteca José Marrocos103, estava o Grêmio Literário Pe. José de Anchieta,
criado em 05 de abril de 1934. Esta instituição era percebida pelas alunas e professores
como de fundamental importância para o desenvolvimento da Escola, como comenta a
professora Raimunda Cruz, em um discurso na posse da nova diretoria do Grêmio Pe.
Anchieta:
Hoje, celebrando-se a posse da nova diretoria do Grêmio Literário – Pe. José de Anchieta, aproveito a oportunidade para falar-vos da necessidade e utilidade das instituições escolares que bem o compreendeis: são de capital importância para nossa vida de relação. [...] O Grêmio Literário – Pe. Anchieta nos auxiliará nestas lutas; pois, a sua finalidade é desenvolver inteligências é incutir nos sócios o amor da Pátria, das artes e das letras; é portanto umas das mais importantes instituições entre a que se atiram dentro da Escola e que merece de modo especial o nosso apreço e acolhimento. [...] (Jornal O Lavrador, 1939, p. 2.)
Entre as atividades desenvolvidas pelo Grêmio Literário Pe. José de Anchieta,
conforme apontam os registro de Amália Xavier de Oliveira (1984), estavam palestras,
leitura de biografias e apresentação artística relacionada ao biografado, declamação de
poesias, comemorações as mais diversas, entre outras. Os trechos transcritos são
emblemáticos:
Comemoração do “Dia de Tiradentes” pelo Grêmio Pe. Anchieta. A oradora oficial, aluna Geni Machado, prendeu a atenção dos ouvintes, falandosobre Tiradentes o herói que sacrificou sua vida pelo mais nobre ideal que pode abrigar o coração de um brasileiro – a independêncial [...]. O presidente escalou as alunas que deveriam falar sobre a data de 1º de maio [...]
Comemorando o “Dia do Trabalho” o Grêmio Pe. Anchieta se reúne, presentes os Corpos docente e discente da Escola e do Ginásio Diocesano do Crato naquele dia, em visita oficial à Escola Normal Rural. O Secretário do Instituto Educacional então na direção do Estabelecimento, Dr. Jacinto Botelho, deu início a sessão, passando, em seguida a presidência ao aluno, José Sebastião Paixão, presidente do Grêmio. A Secretária Zareli Amorim leu a data e saudou os visitantes. Falaram ainda: Moacir Rodrigues, Glafira Landim e Emir landim. Marieta Cruz aluna do 2º Primário, fez uma bela alocução sobre a data e foi muito aplaudida. [...] (OLIVEIRA 1984, p. 42). (Grifos nossos).
103 O nome da biblioteca está estabelecido no Artigo 6º do Estatuto do Grêmio Literário Pe. José de Anchieta, apresentado na última sessão da diretoria de 1939, datada de 14 de março de 1940 (OLIVEIRA, 1984, p. 112).
160
O trecho, ao mesmo tempo em que corrobora a asserção de Plácido Castelo
(1938) de que o Grêmio manteve ligações constantes com diversas unidades escolares do
País, também mostra que dele participavam alunos e professores. Os registros de Oliveira
(1984) evidenciam ainda a constante participação da direção da escola nas sessões desta
instituição auxiliar da Escola.
Outro órgão que fazia parte do cotidiano da Escola Normal Rural de Juazeiro
do Norte era o Caixa Escolar. Criado no terceiro ano de funcionamento da Escola, esta
instituição, que recebeu o nome de seu primeiro diretor, Plácido Castelo, tinha o objetivo
de auxiliar os alunos mais necessitados na compra do fardamento e material didático
(Decreto nº. 1.269, 1934, Art. 82). Aos professores e ao diretor da Escola cabia incentivar
todos os alunos a fazerem parte do Caixa Escolar (IBIDEM, parágrafo único), ou seja,
estimular a todos a contribuírem, atitude que deveria ser destacada como demonstração do
espírito de filantropia e solidariedade. De acordo com Amália Xavier Oliveira (1984, p. 64),
seu patrimônio deveria ser “constituído de: importâncias arrecadadas em festivais; venda de
material escolar; contribuição mensal dos sócios (200 réis)”. No seu livro “História da
Escola Normal Rural de Juazeiro”, encontram-se vários relatos de atividades nesse sentido,
bem como algumas prestações de contas. A transcrição que se segue é ilustrativa desses
registros:
A Diretora do Caixa escolar “Plácido Castelo”, apresenta o Relatório de suas atividades anuais e o rendimento anual obtido num festival feito em benefício da mesma Caixa: rendeu 1.754$600, que foram aplicados em material escolar, uniforme e calçados distribuídos entre os alunos beneficiados (OLIVEIRA, 1984, p. 78).
Diferentemente do Caixa Escolar, cujas ações tinham intenção econômica, o
Regulamento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte previa também uma instituição
que deveria estimular “o desenvolvimento e aperfeiçoamento do espírito de colaboração
social” (Decreto nº. 1.269, 1934, Art. 87), no caso a cooperativa escolar. No Jornal O
Lavrador de 1943 encontra-se um registro relativo a sua criação:
Seguindo pari-passo as proveitósas normas educativas, a ESCOLA NORMAL RURAL DE JUAZEIRO deu início a uma das brilhantes realizações do momento atual – o COOPERATIVISMO, fundando em sua séde uma COOPERATIVA ESCOLAR que recebeu o nome do venerando Pe. CICERO ROMÃO BATISTA, de saudosa memória. A COOPERATIVA ESCOLAR é uma instituição beneficente e social, que prima pelo “auxílio mútuo”, lei geral exigida pela própria NATUREZA (Jornal O Lavrador, 1943, p. 1).
161
Os registros sobre este órgão são ínfimos, pelo menos nas fontes examinadas,
não sendo detalhadas suas atividades. Nos fatos relatados por Amália Xavier entre os anos
de 1942 a 1947, somente neste último localizamos uma referência que sinaliza seu
funcionamento. Chama atenção o silêncio de Amália Xavier de Oliveira quanto a este fato,
pois seu livro “História da Escola Normal Rural de Juazeiro” (1984) faz um registro dos
eventos e datas marcantes deste estabelecimento. Esta lacuna poderia ser tributada ao
esquecimento, a um lapso de memória. É uma possibilidade. Cabe considerar, todavia, que,
segundo a própria Amália Xavier, os dados coletados para a feitura daquela obra incluíam
“dois livros de Ocorrências: de 1942 a 1958; de 1974 a 1975” (IBIDEM, p. 20). O primeiro
“livro de ocorrência” a que ela se refere contempla justamente o período em que, tomando
agora a informação do O Lavrador, teria ocorrido a fundação da cooperativa. Nesse sentido,
nos parece pertinente estranhar essa lacuna e indagar sobre seu significado e articulação
com possíveis tensões internas na Escola.
Ademais, cabe frisar o registro de Amália Xavier, em 13 de junho de 1947,
sobre as instituições auxiliares da Escola, feita nos seguintes termos: “O Lavrador publica:
Desejando dar maior incremento às instituições Escolares, em pleno funcionamento,
a Diretora da Escola nomeou os membros diretores de cada instituição [...]”
(OLIVEIRA, 1984, p. 185) (Grifos nossos). Esta nota chama atenção, pois, ao que parece,
até então, acontecia um processo eletivo, conforme destacam vários registros feitos por a
Amália Xavier (OLIVEIRA, 1984, p. 40; 112, 113).
A Liga da Amabilidade, embora não prevista no Regulamento da Escola, fez
parte do cotidiano da Escola Normal Rural desde seus primeiros meses104. Criada em 1934,
tinha a finalidade de estabelecer a união entre as alunas, procurando desfazer quaisquer
resquícios de ressentimento, que possam produzir rivalidade e discórdia; também é
valorizado o respeito para com o próximo. Foram publicadas no jornal O Lavrador as
obrigações dos sócios que faziam parte da Liga:
1º. Cumprimento exato dos deveres escolares e sociais.
2º. Ser dedicados com os colegas e demais pessoas com quem conviver
3º. Pedir sempre desculpas das faltas que cometer e desculpar aos que lhes tiver ofendido, desde que esse tenha conhecimento do que fez.
104 O primeiro registro dessa instituição por Amália Xavier de Oliveira (1984, p. 30), datado de 27 de julho de 1934, se faz nos seguintes termos: “Nerci Matos noticia o pedido e aceitação de Dr. Justino Vilela, como sócio da Liga da Amabilidade”.
162
4º. Caridade para com o próximo e amabilidade para com os idosos e desvalidos.
5º. Solidariedade e auxílio mútuo entre os colegas e gratidão para com os mestres.
6º. Obedecer com prontidão às ordens superior e velar pelo progresso da Liga. (Jornal O Lavrador, 1934, p. 2). (Grifos nossos).
A lista dos deveres dos integrantes da Liga da Amabilidade era indicativa da
austeridade da ordem social e pedagógica reinante no cotidiano da Escola.
O Pelotão da Saúde tinha como fim desenvolver nos alunos, com a realização
de palestras semanais, o cultivo de hábitos de higiene, como o asseio com o corpo, a
prevenção contra as doenças, conforme evidencia a palestra ministrada pela aluna do 1°
ano complementar, Assunção Gonçalves, sobre a higiene das mãos:
O assunto sobre que venho tratar na sessão de hoje, diz respeito à higiene das mãos. Oferece meios para uma longa palestra. Não obstante não estenderei muito, e tratarei de massar o menos possível o meu distinto e paciente auditório. Considero a higiene das mãos umas das bases principais não só da nossa saúde, como da elegância, e mui especialmente da elegância feminina. Devemos, pois, trazer as mãos o mais bem cuidadas possível [...]. (Jornal O Lavrador, 1934, p. 6).
As atividades desenvolvidas por esta instituição, manifestas, sobretudo, em
exposições sobre temas diversos relacionados ao assunto, é consoante com a preocupação
governamental do período de cunho sanitarista.
O Clube Agrícola foi uma das mais importantes instituições criadas pela Escola
Normal Rural. Fundado em 13 de maio de 1934, recebeu o nome de Clube Agrícola
Alberto Torres, conforme registra Oliveira (1984). Um dos objetivos do Clube era
“dignificar o trabalho manual; elevar e engrandecer a vocação e a profissão do lavrador;
incutir na consciencia de seus socios o amor à terra, o sentimento da nobreza das atividades
agrícolas e a idéa de seu valor econômico e patriotico” (Decreto nº. 1.269, 1934, Art. 81).
Este órgão escolar recebia o apoio da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, mediante o
repasse de materiais diversos, conforme mostra o trecho retirado do jornal O Lavrador:
A nossa benemérita benfeitora, Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, sempre encontra um meio prático e eficiente de despertar entre os jovens estudantes o amor às plantações. Além dos múltiplos benefícios que nos presta, enviando sementes e tudo mais que necessitamos, recebemos, ultimamente dois volumes de “Vida na roça” para premiar aos 2 alunos mais aplicados no cultivo das plantas do clube. José de França Farias e Aderson Braz foram os felizardos. (Jornal O Lavrador, 1934, p. 6).
163
As funções exercidas pelo Clube Agrícola Alberto Torres eram bastante
diversificadas. Este órgão era prioritariamente composto pelos alunos, conforme indica
Oliveira (1984), que com auxílio da Diretoria da Escola, promoviam uma série de
atividades rurais, realização de concursos sobre determinada cultura, comemorações
diversas, como a Semana do Fazendeiro, o Dia do Feijão, o Dia do Milho, o Dia do
Algodão etc. Estas comemorações eram promovidas pelos próprios membros do Clube
Agrícola, que decidiam em reunião registrada em Ata, publicada freqüentemente no jornal
O Lavrador, como seria cada evento.
O Clube Agrícola da Escola Normal Rural tinham também a função de fundar
outros clubes agrícolas nas escolas das regiões vizinhas, como mostra o trecho a seguir:
- Em 15 de julho o nosso Secretário fundou em Conceição do Cariri um Clube que vai em Franco Progresso e que conta com 60 socios.
- A 26 do mesmo mês, a Diretoria do Clube acompanhando a comissão da Semana Ruralista, fundou em Barbalha, no Grupo Escolar, um núcleo com perto de 180 socios que, entusiasmados trocam as horas de brincadeira pelo constante progredir de seu Clube.
- Em Malvas, a 9 de agosto, a Diretoria e sócios do Clube “Alberto Torres fundaram um clube com 50 socios esforçados que muito tem plantado e com reais resultados. (Anais da Semana Ruralista, 1938, p. 141 e 142).
Vinculada ao Clube Agrícola estava a imprensa escolar que, na prática, se
manifestava no jornal O Lavrador, alvo de atenção no próximo tópico. De todo modo,
como buscamos realçar, as “instituições auxiliares da educação”, marcantes no cotidiano da
Escola, desempenharam importante papel no cultivo, entre os alunos, de um sentimento de
amor à pátria e à terra, fortalecendo assim o ruralismo e a idéia de fixação do homem ao
meio em que vive. Por meio delas a Escola Normal Rural de Juazeiro buscou incentivar
junto às futuras professoras primárias rurais a cultura local, os bons modos e o respeito ao
próximo, o interesse pela leitura, música, esportes, e, principalmente, pela agricultura e o
meio rural.
• Um jornal escolar na formação de professoras ruralistas
A ênfase na “experiência” e no “aprender-fazendo” como princípios
pedagógicos norteadores da formação de docentes ruralistas é sinalizado, como destacado
nos tópicos anteriores, no Regulamento da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. Tal
orientação expressa, de certo modo, a incorporação dos pressupostos que alicerçam o
ideário pedagógico da Escola Nova, então predominante no cenário educacional brasileiro
164
e cearense, os quais apontam para a modernização do ensino mediante inovação dos
métodos.
Os defensores da Escola Nova criticam o ensino tradicional, intelectualista e
livresco, postulando-lhe um “sentido vivo e ativo” (LUZURIAGA, 1980, p. 227). A
preocupação com a renovação pedagógica motivou aos representantes a criação dos
chamados “métodos ativos” que, a princípio, enfatizaram o “caráter individual do trabalho
escolar”105, assumindo, posteriormente, perspectiva mais coletiva e social106 (IBIDEM, p.
238). Dentre os métodos de trabalho coletivo, encontram-se as técnicas de Freinet107,
precursor do uso da imprensa no contexto escolar.
A imprensa escolar foi recomendação expressa na seção que trata das
“instituições escolares”108 (Capítulo XI, Art. 76), definidas como “instituições auxiliares da
educação”, com o objetivo de “desenvolver e aperfeiçoar o aprendizado” discente, assim
como despertar “nestes, além do interesse pelas atividades do campo, o sentido social da
colaboração, e estender a toda a comunidade da região o seu raio de ação educativa” (Art.
75). A organização da imprensa escolar é detalhada mais adiante:
A imprensa escolar, que se exercerá por meio de jornal ou revista feitos pelos alunos,
tem por fim desenvolver as aptidões literárias dos mesmo, e serve de elemento de
intercambio social, por meio da permuta e colaboração, entre instituições congêneres do país e
estrangeiro (Art. 84).
§único – O jornal ou revista escolar deve ser veículo de idéias e sentimento adquiridos no aprendizado especial do estabelecimento, contribuindo para tornar a escola um agente de transformações úteis e não apenas um aparelho de adaptação a condições necessárias já existentes. (Grifos nossos).
As transcrições mostram os pressupostos que motivaram a inclusão da
imprensa escolar como ferramenta pedagógica na formação de professores ruralistas:
propiciar ensino em que o aluno aprende fazendo, voltado para o campo, lócus da atuação
futura dos professores; recurso e meio de aprendizagem em consonância com a visão de 105 O Método de Montessori e o Plano Dalton são exemplos dos métodos ativos de caráter individual. 106 Inscrevem-se nessa perspectiva o Método Decroly e o Método de Projetos, de Kilpatrick. 107 Este pedagogo francês nasceu em 15 de outubro de 1896. Foi pastor de rebanhos na infância e estudou na Escola Normal de Nice. Iniciou carreira no magistério em 1920, trabalhando como professor adjunto numa escola pobre de Bar-Surloup. Criou uma cooperativa de trabalho com aldeões, onde desenvolveu um ambiente escolar prazeroso, rompendo com o tradicionalismo, as avaliações e autoritarismo dentro das salas de aulas. Em 1924, em busca de novos meios para trabalhar com pessoas humildes, introduziu a imprensa na sua sala de aula, despertando o interesse dos alunos pela produção de textos. 108 São identificadas ainda no Regulamento as seguintes instituições basilares da Escola Normal Rural: a Biblioteca, o Museu, o Clube Agrícola, o Caixa Escolar, o Círculo de Pais e Professores, o Clube de Cultura Física, o Orfeon, a Cooperativa e o Pelotão de Saúde.
165
homem postulada pelo projeto sócio-educacional que levou à criação da Escola Normal
Rural no Ceará. Tornar prático e utilitário o ensino e o aprendizado é, certamente, a
destinação pedagógica do jornal O Lavrador.
A referência de Moreira de Sousa (1955, p. 229) sobre este veículo de
informação é reveladora:
O ‘Clube Agrícola Alberto Torres’, veículo maior da pedagogia rural, na Escola, mantém um jornal, feito por professoras e alunos, no qual se publicam planos de aulas, relatórios, composições, horários de trabalho e programa de excursões e festas. É como sentinela a vigiar e a guiar os labores da Escola, estimulando iniciativas e aplaudindo realizações, encarnando o esprit du corps, que dá vida à instituição e afeta-lhe, em todos os sentidos, a ação construtiva. (Grifos nossos).
Como “animador” da causa ruralista, o impresso dissemina as idéias do
movimento e o modus operandi, a partir de então, da formação de professores para o meio
rural. O que acontecia, na primeira escola de formação de professores ruralistas, precisava
ultrapassar as paredes, alçar vôos rumo à comunidade local e nacional. Era preciso fazer-se
conhecer; dizer dos progressos, dos saberes sistematizados, da faina cotidiana que, a pouco
e pouco, materializava o ideal dos que defendiam a bandeira do ruralismo pedagógico.
O jornal O Lavrador é a manifestação objetiva da relação direta entre a criação
da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte e o movimento do Ruralismo Pedagógico,
como precisamente assinala Moreira de Sousa, na época, Diretor da Instrução Pública do
Estado, em registro no livro de visita da escola, por ocasião do lançamento do 1º número
do impresso. Este fato, aliás, ocorreu em 14 de junho de 1934, dia seguinte à oficialização
dessa instituição.
Este periódico, escrito pelos próprios alunos e professores, configurava-se
como instrumento que mantinha a sociedade juazeirense e as outras escolas primárias e
normais rurais do País informadas sobre o que acontecia na Escola Normal Rural de
Juazeiro do Norte, bem como acerca dos principais acontecimentos educacionais do Brasil.
A notícia do falecimento do Pe. Cícero foi uma das notícias marcantes relatadas no jornal
O Lavrador, segue um trecho abaixo:
Morreu o Pe. Cícero. Foram estas as palavras com que fui despertada na manhã do dia 20 de julho. Julguei incrível e cheguei mesmo a pensar que era sonho, ou talvez, pesadelo, o que acabara de ouvir. Mas isto durou pouco; as esclamações e os gritos partiam de corações angustiados, vieram comprovar o que julgava ilusão. Era desolador o aspecto da cidade e parecia até a natureza se imanara com a nossa dor. O povo em
166
peso afluía à casa do venerando Patriarca, tornando-se, assim, difícil penetrar na câmara mortuária. Todos queriam prestar a sua última homenagem; fasendo-lhe guarda e tocando flores, que guardavam com carinho e veneração. Para satisfazer o desejo dos romeiros, foi o Padre colocado num ataúde, em uma das janelas de sua residência. E assim, passou todo o dia [...]. (Jornal O Lavrador, 1934, p. 5).
Importa registrar, todavia, o fato de que as escrituras do O Lavrador se
caracterizavam pela descrição dos fatos e detalhamento de aspectos do cotidiano que,
embora constituídos sem problemática, são fundamentais à compreensão das relações entre
a escola e os fatos do dia-a-dia.
O conteúdo do jornal O Lavrador está constituído dos principais
acontecimentos da escola e de assuntos ligados à vida do homem do campo, em coerência
com o título e o símbolo que o identificavam. A matéria “Justificando o Nosso Título”, de
autoria de José Sebastião da Paixão109, aluno do 1º. ano complementar, esclarece:
O desenho do cabeçalho da nossa folha simboliza um trabalhador rural carpindo a terra. Estampa-se a dúvida em sua fisionomia. Intimamente duas alternativas lhe dominam o espírito: Vê, ante si, o arado do progresso, a terra rasgada, a agricultura moderna mecanizada, economica e fácil, e luta contra a rotina ancestral, contra os métodos traçados pelos seus avós” (Jornal O Lavrador, 1934, p. 1).
A matéria diz, ainda, que a imagem descrita foi idealizada por Leni Fernandes,
aluna do 1º. ano complementar da Escola, talhada em madeira por João Pereira, xilógrafo
da terra. O lavrador é apresentado, no editorial, como “a classe mais desprovida dentre as
várias classes produtoras” do País, identificado como “batalhador anônimo e
desinteressado pela grandeza da Pátria” (IBIDEM). Os argumentos reforçam o discurso
sobre a necessidade de fixar o homem no campo e educá-lo, condição precípua para a
independência econômica do Brasil.
Produzido por alunos da própria Escola, O Lavrador servia a duplo propósito:
de um lado, veiculo de transmissão de assuntos do cotidiano das “coisas do meio rural”,
fomentando o espírito nacionalista no espaço agrícola; de outro, estratégia ativa de
formação profissional de professores para atuar no campo. O trecho seguinte, retirado do
periódico em questão, define e descreve o que era este instrumento na visão das alunas do
estabelecimento. 109 O jornal O Lavrador, publicado em 27 de julho de 1934, possui uma pequena correspondência de Raul de Paula, Secretário da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, que, elogiando a iniciativa da publicação do jornal, realiza um convite ao seu redator chefe, José Sebastião da Paixão, para que o jornal fizesse parte da “2ª Exposição da Imprensa Escolar”, realizada em Belo Horizonte naquele ano.
167
Procurando descrever o “Lavrador”, compreendi o valor dêste, significativo trissílabo. É um orgão literário da Instituição mais importante da Escola Normal Rural do Juazeiro, que é o Clube Agrícola Alberto Torres. Constitui, para nós alunas desta Escola, uma fonte de progresso intelectual, pois é o transmissor de nossas idéias e pensamentos. Nêle falamos da grandeza de nossa Escola, do esfôrço e da dedicação de nossa incansável Diretora e da bondade de nossos mestres. [...] É ainda, o nosso jornalzinho que fala do grande âmor que votamos ao ruralismo e que leva para outros estabelecimentos de ensino, o progresso da nossa Escola, mostrando a vantagem que éla oferece sobre as demais. (Jornal O Lavrador, 1943, p. 3)
Reformavam-se, com efeito, mentalidades (dos professorandos e da
comunidade circunvizinha) e métodos de ensino, inovando, sobretudo, na preparação de
profissionais do magistério primário rural. É o que se percebe nos 112 exemplares
localizados do jornal O Lavrador, distribuídos de maneira irregular, entre as décadas de 1930
e 1970. Para o estudo do período (1934-1946), identificamos 69 exemplares do Periódico.
Os temas compõem o mapa dos saberes constitutivos do perfil profissional do professor
preparado pela Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. São saberes da lida agrícola
(próprios da área da Agronomia), estudados pelos professorandos para aplicação a crianças
e adultos ligados à vida campesina (saber de cunho curricular); informações da atividade
profissional docente (noções sobre escola, professor e contribuições da Psicologia para a
educação); e as práticas pedagógicas do processo de formação dos profissionais.
Os discursos, de um modo geral, referem-se a solenidades de colação de grau
ou destacam aniversários de pessoas importantes, a exemplo de D. Amália Xavier, diretora
da Escola Normal Rural de Juazeiro, referência constante nos textos sobre a instituição.
Ressaltam a data da instalação da Escola, suas armas e o papel social para o Juazeiro do
Norte. Chama atenção a exaltação de personagens “ilustres”, por ocuparem cargos
econômicos ou públicos de destaque social, ou por terem assumido posição de destaque na
criação da escola. São os casos de Padre Cícero, D. Amália, Plácido Castelo, Sud Mennucci,
Alberto Torres, entre outros.
Nos textos sobre a atividade agrícola, sobressaem questões de cultivo de
tomate, mandioca, cana-de-açúcar, milho, bem como de crédito agrícola e apicultura. São
envidados esforços para desenvolver “uma mentalidade agrícola no espírito do povo”,
atuando a escola como “um veículo de idéias e sentimento”. Os eventos configuram a
missão objetivada do estabelecimento como “agente de transformações úteis”, mediante a
disseminação de idéias, valores, práticas e produtos produzidos no espaço educativo.
Assim, pode ser interpretada a Semana Ruralista (merece nota a terceira edição, em 1948,
168
de abrangência nacional), os concursos (do milho, da mandioca), as comemorações de
datas cívicas e relacionadas ao campo (o Dia da Pátria e da Árvore), a distribuição de
sementes pelo Clube Agrícola no período de plantio e as exposições de materiais dos
alunos.
No jornal O Lavrador encontram-se, ainda, pistas importantes do arcabouço
ideológico subjacente ao processo de formação de docentes no meio rural e as formas de
saber-fazer constituídas. São indicações que podem ser observadas, sobretudo, nas
reflexões sobre a prática educativa e nos registros das práticas pedagógicas. As matérias
“Papel do mestre na manutenção da disciplina” (Ano VII, no. 50, de 1941), “A escola e o
Mestre” (Ano IX, no. 59, 1942), “Instrução e Progresso” (Ano IX, no. 61, de 1942),
“Cooperativismo escolar” (Ano VIII, no. 70, de 1943) “O Ensino Rural e seu raio de ação”
(Ano VIII, no. 72, de 1943), são representativos de orientações que norteiam a prática
educativa da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte, nos primeiros anos de
funcionamento.
Redações e relatórios, bem como excursões, expressam o modo de fazer que
concede forma a tais orientações no processo formativo dos docente ruralistas nessa
instituição. O Lavrador, ao mesmo tempo em que fazia o registro documental do cotidiano
da escola, constituía manifestação objetiva das práticas pedagógicas que marcaram a
formação docente ali vivenciada. Nesse sentido, esta publicação assume lugar privilegiado
nos modos de fazer, nas práticas pedagógicas elaboradas na preparação de professores para
o campo.
Via de regra, as experiências vivenciadas pelos alunos eram registradas no
jornal, conforme registro de Dona Amália Xavier (1984, p. 32), ao descrever que “alunos
do 1° Complementar vão ao campo de Sivicultura da cidade do Crato, onde receberão aula
sobre o problema de reflorestamento”. Mais adiante acrescenta: “O Relatório será
publicado no “O Lavrador”, veículo de divulgação de palestras, relatórios de excursões dos
alunos, de registros de visitantes no “Livro de Impressões” da escola; de atas de
movimentos da Escola, bem como de ação extensionista em outros estabelecimentos de
ensino.
A socialização dos acontecimentos da Escola Normal Rural de Juazeiro do
Norte configura contribuição importante do jornal O Lavrador, reconhecido meio de
valorização e divulgação das práticas pedagógicas de formação de professores ruralistas da
169
instituição. O jornal, além de descrever as práticas de formação no cotidiano escolar, é a
materialização da política governamental e educacional; em cada publicação, o exercício
cotidiano fazendo concreto o ideal da ruralização do ensino. Sua adoção na proposta de
formação de professores ruralistas, no Ceará, evidencia a importância dos meios de
comunicação de massa na implantação, divulgação e consolidação de políticas educacionais
e governamentais.
A este propósito formativo da Escola agregava-se, ainda, a preocupação em
fomentar o espírito cívico e patriótico. Aos anseios das futuras mestras também devia
pertencer uma verdadeira devoção à pátria, o que na prática pedagógica escolar se
manifestava em atos, gestos, palestras e hinos.
• Hinos no fortalecimento do espírito nacionalista
Nas escolas brasileiras, a repetição diária dos hinos adquire significado
importante no período getulista, pois, mediante prática, os estudantes internalizavam o
patriotismo e o nacionalismo, elementos que compunham a educação nesse momento,
favorecendo a formação cívica, patriótica nos moldes autoritários do Estado Novo.
Romanelli (1978, p. 165) assinala que esta atividade se fez presente em todo o currículo da
escola pública da época110, tendo como principal incentivador Heitor Villa-Lobos. A música
no cotidiano escolar, manifesta sobretudo no canto dos hinos patrióticos e folclóricos, era
então percebida como estratégia importante na educação dos sentimentos cívicos e na
constituição da nacionalidade.
Na Escola Normal de Juazeiro do Norte, a prática do canto orfeônico traduzia
essa orientação, de vigência nacional. Os relatos envolvendo atividades vivenciadas pelos
seus alunos são indicativas da vivacidade dessa prática no seu dia-a-dia:
Como a Escola comemorou o 1º de Maio – [...] Entoado o Hino Nacional Brasileiro, pelo Orfeão Moreira de Sousa, a secretaria Zareli Amorim leu a ata da sessão anterior, finda a qual a oradora oficial Nerci Matos Pereira discorreu sobre a data... Explicando aos presentes que iria aplicar a calda bordaleza, com um pulverizador Éclair, nos tomateiros cultivados na Escola, convidou-os a assistirem-na e para terminar a sessão, mandou entoar pelos alunos o Hino Rumo ao Campo [...] (Jornal O Lavrador, 1935, p. 4). (Grifos nossos).
110 O Decreto-lei nº. 4.993, de novembro de 1942, que criou o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, visando à preparação de candidatos ao magistério desse tipo de canto, é expressivo da importância e do espaço que a música ocupou nesse momento na cena educativa nacional.
170
Dia da Árvore – O Clube Agrícola se reúne festejando a data. A sessão foi aberta pela Presidente do Clube [...] Os alunos entoaram o hino – “Bendita sejas árvore bondosa”. O secretário pronunciou uma palestra sobre “Árvore e seus benefícios” [...] A sessão foi encerrada com o hino “Cavemos a terra”. (OLIVEIRA, 1984, p. 32). Realiza-se a 3ª reunião do Clube Agrícola. [...] a presidente do Clube, aluna Maria Moreira, fez a abertura da sessão mandando entoar o Hino do Estudante. [...] A aluna, Zareli Amorim leu a biografia do grande Mozart e o orfeon cantou um Madrigal da autoria desse mortal musicista. (OLIVEIRA, 1984, p. 29). (Grifos nossos).
Ao nos relatar a importância dos hinos para a Escola e para a sua diretora,
Amália Xavier de Oliveira, Maria Assunção Gonçalves recorda que “nós começávamos a
Escola aprendendo os hinos, porque ela dizia: “O povo que não sabe cantar o hino do
Ceará, o povo não sabe cantar o hino do Brasil. Isso é um absurdo!”. Diariamente os hinos
eram cantados, conforme assevera Nerci Matos, egressa e professora desse
estabelecimento. No livro “Histórias da Escola Normal de Juazeiro do Norte”, de Amália
Xavier de Oliveira (1984), é possível encontrar uma variedade de hinos, dos quais merecem
destaque o Hino do Clube Agrícola (p. 99) e o Hino da Escola Normal Rural (p. 438).
O Quadro XXVI traz alguns dos hinos entoados no cotidiano da Escola
Normal Rural de Juazeiro do Norte registrados no Jornal O Lavrador (1934-1946).
Quadro XXVI
Hinos registrados no jornal O Lavrador (1934-1946)
Identificação do Documento Tema Ano II, nº. 5/26 de julho de 1935 (página 2) Hino Praias do Ceará
Hino Rumo ao Campo Ano II, nº. 5/26 de julho de 1935 (página 4) Hino Nacional Brasileiro
Hino Rumo ao Campo Ano III, nº. 19 e 20 de 1937/Janeiro de
Fevereiro (página 1) Hino “Ave Brasil”
Ano III, nº. 19 e 20 de 1937/Janeiro de Fevereiro (página 9)
Hino Praias do Ceará
Ano VI, nº. 49 de 1940/Outubro, Novembro e Dezembro (página 05)
Hino Rumo ao Campo
Fonte: O Lavrador (diversas edições).
Os hinos destacados no Quadro XXVI abrangem três temas relevantes para as
futuras professoras ruralistas, quais sejam: o respeito ao Ceará, a religiosidade e o amor ao
campo. O exercício do canto de hinos apresenta-se como prática importante no processo
de formação das futuras professoras, desempenhando a função de promover a
internalização de valores como o patriotismo e o nacionalismo, caros ao regime político
vigente na sociedade da época.
171
As práticas pedagógicas presentes na preparação de professores para o campo
desenvolvidas pela Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte estão à frente de seu tempo
ao reconhecer a importância das atividades práticas e procurar adaptar o ensino à realidade
de seus alunos. Esse progresso, no entanto, é contraditório, ao vermos a visão salvacionista
da educação explicitada nos discursos de professores e alunos, característica de uma
perspectiva pedagógica tradicional, na qual a educação constitui “um antídoto à ignorância,
logo, um instrumento para equacionar o problema da marginalidade” (SAVIANI, 2001, p.
6).
A explicitação das características do fazer pedagógico da Escola Normal Rural
de Juazeiro do Norte aponta o Ruralismo Pedagógico e o pensamento pedagógico
escolanovista como referências fundamentais na estruturação teórica e prática das atividades
cotidianas de alunos e professores. Compreendemos que a Escola Normal Rural de
Juazeiro do Norte contribuiu de forma singular para a afirmação e disseminação dos
métodos de ensino ativos postulados pela Escola Nova, no qual o aluno constituía o centro
do aprendizado e o professor agia como fornecedor de meios para o desenvolvimento dos
educandos. As práticas pedagógicas inovadoras nela presentes, todavia, não autorizam
identificá-la como uma instituição escolanovista de formação docente. Parece-nos mais
pertinente apontar a possível convivência entre princípios teóricos e metodológicos de
cunho progressista (manifesto nos métodos ativos) e tradicional (expresso na ênfase nos
conteúdos disciplinares, no desiderato cruzadista e na administração austera e
personificada).
172
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Profissão Professor no Ceará: o passado vive no presente?
O que passou não conta? Indagarão as bocas desprovidas.
Não deixa de valer nunca. O que passou ensina. (Thiago de Mello)
A epígrafe desta seção é reveladora das motivações do escrutínio do discurso e
das práticas governamentais sobre a profissão professor, no Ceará, em tempo passado. Se
“o que passou ensina”, como alerta o poeta, o desafio está em aprender com o vivido. O
contemporâneo não é fruto do acaso; é produto da História e, como tal, deve ser
compreendido.
As questões que na atualidade vêm permeando o debate em torno da profissão
docente não constituem preocupações novas, elas também emergem na reconstituição da
trajetória da profissão professor no Ceará no período histórico analisado. Foi interrogando
sobre a presença do passado nos problemas educacionais contemporâneos que essas
considerações finais foram tecidas. Com efeito, que relações ligam os problemas do
presente aos impasses do passado? Ou melhor, como enxergar nas questões atuais os
caminhos pelos quais o passado se faz presente?
No alvorecer da década de 1990, a Conferência Mundial sobre Educação para
Todos, realizada em Jomtiem, Tailândia, entre 5 e 9 de março de 1990, afirmava, no bojo
do Plano de Ação para Atender as Necessidades Básicas de Aprendizagem111 por ela
adotado, que:
33. O proeminente papel do professor e demais profissionais da educação no provimento de educação básica de qualidade deverá ser reconhecido e desenvolvido, de forma a otimizar sua contribuição. Isso irá implicar a adoção de medidas para garantir o respeito aos seus direitos sindicais e liberdades profissionais, e melhorar suas condições e status de trabalho, principalmente em relação à sua contratação, formação inicial,
111 O Plano de Ação constitui uma seção da Declaração de Jomtiem, documento síntese dos trabalhos dessa conferência.
173
capacitação em serviço, remuneração e possibilidades de desenvolvimento na carreira docente, bem como para permitir ao pessoal docente a plena satisfação de suas aspirações e o cumprimento satisfatório de suas obrigações sociais e responsabilidades éticas (ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1990, item 1.6 – Estruturar em mobilizar recursos).
A Declaração de Jomtiem (UNESCO, 1990), documento-marco das diretrizes
educacionais que influenciaram decisivamente as políticas educacionais dos países em
desenvolvimento, nesses últimos 17 anos, sublinhava a contribuição dos professores na
estratégia do oferecimento de “educação para todos”. As necessidades que o documento
enumera referentes aos direitos sindicais e trabalhistas, à formação profissional, à
remuneração e à constituição de uma carreira docente, por outro lado, denunciam que o
ofício de professor, no fim do século XX, pelo menos em países como o Brasil, continuava
marcado pela histórica negação do mesmo como profissão.
Os aspectos relativos à profissão professor no Ceará referidos no item
Professores – valorização ou esquecimento? são indicativos desta assertiva. O reconhecimento da
docência como função pública pela Constituição Estadual de 1947 (ver p. 87), que
assegurou ao professor o estatuto de funcionário do Estado, não se traduziu em
valorização expressa na melhoria das condições de trabalho. As mensagens governamentais
e demais documentos oficiais das décadas de 1950 e 1960 examinadas silenciam sobre a
questão salarial e, em contrapartida, registram, seguidamente, a precariedade das condições
de trabalho na escola da época, bem como a manutenção de um perfil profissional marcado
pela desqualificação (ver p. 88). Os depoimentos de docentes que atuaram nesse período
atestam que a profissão professor foi se tornando cada vez mais difícil e menos valorizada.
É esta realidade, de “vergonha do salário”, que os discurso registrados na página 124
traduzem.
Independentemente das diferentes apreciações acerca da orientação emanada
de Jomtiem, o texto da Declaração traduz a atualidade do tema da profissão docente 60
anos depois do período histórico investigado. A constatação de que a atividade docente
não foi devidamente reconhecida, acoplada às recomendações no sentido de sua
valorização, indicam a permanência desses problemas no principio do século XXI.
174
A questão da valorização docente volta a aparecer na Declaração de Nova Delhi112
(UNESCO, 1993), na qual os países signatários113 renovavam os compromissos assumidos
três anos antes em Jomtiem. Nesse documento os países reafirmam o seguinte
compromisso:
Melhoraremos a qualidade e relevância dos programas de educação básica através da intensificação de esforços para aperfeiçoar o “status”, o treinamento e as condições de trabalho do magistério... (ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 1993, item 3.4).
O passado também persiste na questão da formação docente. Ao longo de
todo o período investigado salta aos olhos a recorrência do problema do perfil e da
qualificação do professor. Ontem como hoje, o discurso da urgência e da necessidade da
melhoria da qualificação dos professores vai ser negado a cada momento pela falta de
recursos e de iniciativas efetivas de formação (ver p. 89-97). As iniciativas de formação
envidadas no período (tais como a criação de escolas normais rurais, de centros de
formação e de experiências como a CADES) se caracterizaram pela eventualidade e pelo
seu caráter desarticulado e não-sistemático. Ao lado da regulamentação do ofício como
profissão (definição de direitos e de obrigações prescritos, sobretudo, na Constituição
Estadual de 1947), essas ações de formação são como “sopros de profissionalização” que
se extinguem logo depois de exalados (ver p. 118-121).
Hoje, ao mesmo tempo em que os documentos internacionais e a legislação
nacional explicitam a relevância do magistério, a referência à necessidade de “aperfeiçoar o
status” dos professores denota o caráter desqualificado da profissão ainda hoje. Nota-se, na
reiteração dos objetivos a serem atingidos em relação ao professorado, o caráter estratégico
do tema no âmbito geral da discussão educacional, mas também a persistência dos
problemas que estigmatizam a profissão.
O tema da desvalorização é recolocado exatamente nos mesmos termos de dez
anos antes nas Anotações sobre o marco de ação de Dakar (UNESCO; CONSED, 2001),
revelando que pouco se avançou neste aspecto. Ainda no âmbito das diretrizes
112 A Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos foi adotada em 16 de dezembro de 1993 na Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Nova Delhi, Índia, sob os auspícios da Unesco. 113 São signatários da Declaração de Nova Delhi Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito, México, Nigéria, Paquistão e Índia.
175
internacionais, cabe citar a Declaração de Brasília114 (BRASIL, 2004) que, em seu item 9,
dedicado aos professores, destaca que os governos devem:
[...] – Melhorar o status, as condições de trabalho, as perspectivas de carreira e as oportunidades de desenvolvimento profissional para professores e desenvolver estruturas salariais apropriadas de forma a atrair e reter um grupo de educadores de boa qualidade e ajudar a evitar o problema da migração docente (idem, p. 3).
Aqui também a fala do passado ecoa no presente. Nos relatos dos professores
ativos entre 1940 e 1964 o compromisso com o exercício competente do magistério,
ancorado na posse de conhecimentos que lhe permitiam responder aos desafios
enfrentados no cotidiano, aparece como traço forte da profissão. Os professores ouvidos
associam a progressiva redução de entusiasmo pela profissão entre as novas gerações
docentes à deterioração das condições de trabalho, percebida como um fator determinante
no desvanecimento do compromisso profissional. Essa impressão se manifesta quando os
entrevistados confrontam suas próprias experiências docentes com aquelas que observam
atualmente.
Nota-se que as principais categorias problematizadas em nossa pesquisa
aparecem como questões atuais e relevantes no contexto da política educacional
contemporânea, expressa tanto nas diretrizes mundiais quanto na legislação geral da
educação brasileira (Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996). Isto indica a atualidade do
debate e, ao mesmo tempo, a persistência das dificuldades com que se deparou a profissão
docente ao longo do período investigado.
O magistério no Ceará durante o período de 1930 a 1964 apresenta faces
distintas e contraditórias. Nos anos trinta, a docência assume, sobretudo, um caráter
privado, no qual o professor é o principal responsável pelas decisões concernentes ao
ensino em decorrência da ausência do Estado como provedor, organizador e fiscalizador da
educação. Por outro lado, nesse momento, tal traço do magistério isenta o Estado da
responsabilidade para com a profissionalização do professor no sentido de lhe assegurar
formação, salário e um vínculo funcional. Este quadro reflete a insipiência de uma política
educacional e de uma rede pública de ensino.
Ao mesmo tempo, este período assiste à emergência de um exercício docente
que, se ainda circunscrito ao mundo privado, se deslocava para a esfera pública. O 114
A Declaração de Brasília foi emanada da Quarta Reunião do Grupo de Alto Nível de Educação para Todos, realizada entre 8 e 10 de novembro de 2004 na Capital Federal.
176
reconhecimento da docência como uma função pública, que se institui no cenário estadual
com a Carta de 1947, assinala essa transição. Os direitos, deveres e regulamentos próprios
dessa nova condição, ao mesmo tempo em que representam traços de profissionalização,
inauguram, nos anos subseqüentes, um período em que sua efetivação se dará de forma
ambígua e oscilatória, senão incompleta, no delineamento de uma feição própria para o
exercício do magistério. É essa incompletude da profissão docente que permanece do
passado no presente. A consolidação do magistério como exercício público se apresenta, ao
nosso ver, como principal avanço obtido nos anos que nos separam do período estudado
na medida em que fortalece o direito à educação como dever do Estado.
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DOCUMENTOS
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______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1949 pelo Governador do Estado Des. Faustino Albuquerque e Souza. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1949, 237p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1950 pelo Governador do Estado. Des. Faustino Albuquerque e Souza.Fortaleza: Imprensa Oficial, 1950, 181p.
______. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 15 de março de 1951 pelo governador do Estado Dr. Raul Barbosa. Fortaleza: Imprensa oficial, 1951.
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______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1952 pelo Governador do Estado Dr. Raul Barbosa. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1952, 315p.
______. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 15 de março de 1953 pelo governador do Estado Dr. Raul Barbosa. Fortaleza: Imprensa oficial, 1953.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1954 pelo Governador do Estado Dr. Raul Barbosa. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1954, 306p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1955pelo Governador Estenio Gomes da Silva. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1955, 314p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1956 pelo Governador Paulo Sarasate. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1956, 315p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1957 pelo Governador Paulo Sarasate. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1957, 181p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1958 pelo vice-Governador em exercício Flávio Portela Marcílio. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1958, 151p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1959 pelo Governador Flávio Portela Marcílio. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1959, 171p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1960 pelo Governador José Parsifal Barroso. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1960, 195p.
______. Mensagem apresentada á Assembléia Legislativa em 15 de março de 1961 pelo Governador José Parsifal Barroso. Fortaleza: Imprensa Oficial, 1961, 143p.
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CEARÁ. Relatório de Atividades do Estado, Adm. Carneiro de Mendonça: 22 de setembro de 1931 a 05 de setembro de 1934. Fortaleza, 1934.
Constituições:
BRASIL, Constituição Federal de 1934. Brasília, DF.
BRASIL, Constituição Federal de 1935. Brasília, DF.
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Isabel Maria Sabino de; VIEIRA, Sofia Lerche (Orgs.). Constituições do Estado do Ceará.
Fortaleza: INESP, 2005.
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CONSTITUIÇÃO do Estado do Ceará de 1947. In: POMPEU, Gina Marcílio; FARIAS,
Isabel Maria Sabino de; VIEIRA, Sofia Lerche (Orgs.). Constituições do Estado do Ceará.
Fortaleza: INESP, 2005.
Decretos:
DECRETO N. 134, de 12 de março de 1931.
DECRETO N. 147, de 24 de março de 1931.
DECRETO N. 488, de 8 de fevereiro de 1932.
DECRETO N. 516, de 21 de março de 1939.
DECRETO N. 1.036, de 1º de junho de 1933.
DECRETO N. 1.239, de 1° de fevereiro de 1934.
DECRETO N. 1.260, de 11 de abril de 1934.
DECRETO N. 1.320, de 7 de agosto de 1934.
DECRETO N. 1.349, de 5 de outubro de 1934.
DECRETO N. 1.436, de 29 de dezembro de 1934.
DECRETO N. 1.443, de 31 de dezembro de 1934.
DECRETO N. 1.480, de 12 de fevereiro de 1935.
DECRETO N. 1.481, de 12 de fevereiro de 1.935.
DECRETO N. 19.850, de 11 de abril de 1931.
DECRETO N. 19.851, de 11 de abril de 1931.
DECRETO N. 19.852, de 11 de abril de 1931.
DECRETO N. 19.890, de 18 de abril de 1931.
DECRETO N. 20.158, de 30 de janeiro de 1931.
DECRETO N. 343, de 31 de dezembro de 1931.
DECRETO N. 100, de 5 de setembro de 1935.
DECRETO N. 156, de 23 de setembro de 1935.
DECRETO N. 90, de 27 de agosto de 1935.
190
DECRETO N. 107, de 16 de setembro de 1935.
DECRETO N. 13, de 20 de setembro de 1935.
DECRETO N. 1.349, de 05 de outubro de 1934.
DECRETO N. 4.073, de 30 de janeiro de 1942.
DECRETO N. 6.141, de 28 de dezembro de 1943.
DECRETO N. 8.529, de 2 de janeiro de 1946.
DECRETO N. 1.218, de 10 de janeiro de 1934.
DECRETO N. 1.269, de 17 de maio de 1934.
DECRETO-LEI N. 8.530, de 02 de janeiro de 1946.
DECRETO- LEI N. 8.621, de 10 de janeiro de 1946.
DECRETO-LEI N. 8.622, de 10 de janeiro de 1946.
DECRETO-LEI Nº 9.613, de 2 de agosto de 1946.
Leis:
BRASIL, MEC. Lei nº 4024/61. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília,
1961.
LEI N. 1.424, de 30 de agosto de 1952 - Cria o cargo que indica.
LEI N. 1.604, de 11 de dezembro de 1952 - Cria cargos de Professor Ruralista,Professor
Primário e Mestre de Iniciação Profissional e dá outras providências.
LEI N. 1.671, de 17 de dezembro de 1952 - Dispõe sobre o número de aulas obrigatórias
em cada cadeira dos cursos oficiais do ensino secundário, normal e superior e dá outras
providências.
LEI N. 2.185, de 15 de dezembro de 1953 - Cria cargo de Professor
Primário Especializado autoriza a nomeação de cego e dá outras providências.
LEI N. 2.400, de 17 de agosto de 1954 - Cria cargos de Professor Auxiliar de Educação
Física e dá outras providências.
LEI N. 2.611, de 21 de dezembro de 1954 - Cria um cargo de Professor Padrão “V” e dá
outras providências.
191
LEI N. 84, de 28 de março de 1936 - Dá direito a serem nomeadas professoras de 1ª
entrância as três primeiras alumnas mais distinguidas no curso da Escola Normal Pedro II e
collegios que lhe são equiparados.
LEI N. 84, de 28 de março de 1936 - Dá direito a serem nomeadas professoras de 1ª
entrância as três primeiras alumnas mais distinguidas no curso da Escola Normal Pedro II e
collegios que lhe são equiparados.
LEI Nº. 1.953, de 2 de agosto de 1922 - Dispõe sobre a instrução pública do Estado.
Jornal O Lavrador:
Jornal O Lavrador. Justificando o nosso título. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola
da Escola Normal Rural, Ano I, nº 1, 14 de Nov. de 1934.
Jornal O Lavrador. Padre Cícero Romão Batista. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
Agrícola da Escola Normal Rural, Ano I, nº 2, 27 de Jul. de 1934.
Jornal O Lavrador. O Museu Vilas Nova Portugal. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
Agrícola da Escola Normal Rural, Ano I, nº 3, 21 de Set. de 1934.
Jornal O Lavrador. Semana Ruralista no Municipio de Jaozeiro. Juazeiro do Norte: Órgão do
Clube Agrícola da Escola Normal Rural, Ano I, nº 4, 26 de Nov. de 1934.
Jornal O Lavrador. Um Grande Benfeitor. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
Escola Normal Rural, Ano II, nº 9, 15 de Nov. 1935.
Jornal O Lavrador. Relatório. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola Normal
Rural, Ano III, nº 18, Nov., 1936.
Jornal O Lavrador. Concurso da mandioca. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
Escola Normal Rural, Ano III, nº 19 e 20, janeiro e fevereiro de 1937.
Jornal O Lavrador. Medida de alto alcance. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
Escola Normal Rural, Ano III, nº 21, março de 1937.
Jornal O Lavrador. Discurso proferido pela professora Neli Sobreira de Oliveira, por ocasião
do aniversário da nossa diretora. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola
Normal Rural, Ano III, nº 22, abril de 1937.
192
Jornal O Lavrador. A pascoa das crianças. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
Escola Normal Rural, Ano III, nº 23, maio de 1937.
Jornal O Lavrador. O nosso terceiro aniversário. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
Agrícola da Escola Normal Rural, Ano III, nº 24, junho de 1937.
Jornal O Lavrador. A música na antiguidade. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
Escola Normal Rural, Ano IV, nº 25, julho de 1937.
Jornal O Lavrador. A vida no Cariri. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola
Normal Rural, Ano IV, nº 26, Agosto de 1937.
Jornal O Lavrador. 21 de Setembro. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola
Normal Rural, Ano IV, nº 27, Set., 1937.
Jornal O Lavrador. A turma de professorandos de 1938 visita o Colegio s. Luiz em Fortaleza.
Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola Normal Rural, Ano V, nº 37, Dez.,
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Jornal O Lavrador. A Escola Normal Rural e sua Diretora. nº 29, março, 1938.
Jornal O Lavrador. Discurso pronunciado pela inteligente professoranda Jeni Machado,
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Escola Normal Rural, Ano VI, nº 45, Out./Nov./Dez., 1939.
Jornal O Lavrador. No campo de sementes de Barbalha. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
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Jornal O Lavrador. Trabalho do prof. Elias Rodrigues, iniciando a “Hora Rural”, promovida
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Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola Normal Rural, Ano VIII, nº 54,
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Jornal O Lavrador. Uma Edificante Comunhão de Idéias. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
Agrícola da Escola Normal Rural, Ano VIII, nº 56, setembro de 1941.
Jornal O Lavrador. A Escola Normal Rural dignifica o nome de Juazeiro. Juazeiro do Norte:
Órgão do Clube Agrícola da Escola Normal Rural, Ano VIII, nº 57, novembro e dezembro
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Jornal O Lavrador. Instrução e Progresso. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
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Jornal O Lavrador. A escola e o Mestre. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
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Jornal O Lavrador. Excursão. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da Escola Normal
Rural, Ano IX, nº 65, Out./Nov., 1942.
Jornal O Lavrador. O Ensino Rural e o seu raio de ação. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
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Jornal O Lavrador. Cooperativismo Escolar. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube Agrícola da
Escola Normal Rural, Ano VIII, nº 70, Out./Nov., 1943.
Jornal O Lavrador. Saudação à mocidade estudantina de Juazeiro. Juazeiro do Norte: Órgão
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Jornal O Lavrador. Prece do coração de um mestre. Juazeiro do Norte: Órgão do Clube
Agrícola da Escola Normal Rural, Ano XII, nº 83, Out./Nov., 1945.