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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE JANE MEYRE SILVA COSTA MOVIMENTO CABAÇAL: EXPRESSÃO MUSICAL DA JUVENTUDE E AS POLÍTICAS CULTURAIS DO CEARÁ FORTALEZA 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

JANE MEYRE SILVA COSTA

MOVIMENTO CABAÇAL:

EXPRESSÃO MUSICAL DA JUVENTUDE E AS POLÍTICAS

CULTURAIS DO CEARÁ

FORTALEZA 2007

11

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

MOVIMENTO CABAÇAL:

EXPRESSÃO MUSICAL DA JUVENTUDE E AS POLÍTICAS

CULTURAIS DO CEARÁ

JANE MEYRE SILVACOSTA

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará, em cumprimento das exigências parciais para a obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Prof. Dra. Elba Braga Ramalho

Fortaleza – Ceará

2007

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C737m Costa, Jane Meyre Silva Movimento Cabaçal: expressão musical da juventude e as políticas culturais do Ceará / Jane Meyre Silva Costa. - Fortaleza, 2007.

121p. Orientadora: Prof. Dra. Elba Braga Ramalho

Dissertação (Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados.

1. Política Cultural. 2. Música. 3. Cultura. I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados. CDD: 306.0981

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Universidade Estadual do Ceará

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

Movimento Cabaçal: expressão musical da juventude e as Políticas Culturais do

Ceará

Jane Meyre Silva Costa

Qualificação em: 09 / 08 / 2007 Conceito Obtido: Satisfatório

Banca Examinadora

_____________________________________ Profª Drª Elba Braga Ramalho

(Presidente - Orientadora)

_______________________________________ Profª Drª Maria Sulamita de Almeida Vieira

(Membro da Banca)

_______________________________________ Profº Dr. Alexandre Almeida Barbalho

(Membro da Banca)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Marileyde e Francisco, os quais tenho

muito orgulho e representam verdadeiros exemplos de vida, de luta e persistência.

Através deles aprendi que o estudo e o conhecimento são a verdadeira herança que

poderiam deixar para o resto da vida;

Aos meus quatro irmãos, Marcelo Henrique, Robson Régis, Ana Márcia e

Fernando Régis, que são grandes amigos, acima de tudo, e que me deram apoio e

conselho em todos os momentos da minha vida. Sem sua participação não conseguiria

obter êxito algum;

Meu agradecimento, em especial, à minha orientadora Elba Braga Ramalho e ao

professor Alexandre Barbalho que, com incentivo e dedicação, ajudaram, de forma

efetiva, na construção deste trabalho, sem os quais esta dissertação não se concretizaria;

À minha amiga Vivian Matias, que há muitos anos representa parte essencial em

todos os momentos da minha vida, bons e ruins, sempre tão presente;

À minha cunhada, mas acima de tudo, amiga Paula Taiz, que teve participação

ativa em inúmeros momentos da minha vida, sempre disposta, de alguma forma, a estar

por perto nos principais acontecimentos da minha vida;

Ao meu namorado Raul Gondim pela presença e apoio no decorrer desta

pesquisa;

Aos meus amigos de vida, que há tantos anos estão presentes e participam com

tanto companheirismo, através de incontáveis momentos essenciais e inesquecíveis:

Kelvia, Mariana, Kássio, Juliano, Pedro e Bruno;

Aos meus dois novos amigos - não menos importantes – Alberto e Marquinhos,

que nos últimos dois anos participaram de forma constante, não apenas neste processo

de conhecimento, mas compartilhando todos os momentos da minha vida;

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Às minhas amigas de curso, as quais se tornaram amigas de vida: Danielly,

Eveline, Vera e Ticiana, que desempenharam um papel fundamental, tanto em termos

de pesquisa, como na vida pessoal;

À Fátima, pela paciência e cooperação diária, nas incontáveis vezes que

necessitei de forma urgente de sua colaboração, na Secretaria do Mestrado;

Agradeço, também, a todos os integrantes das quatro bandas envolvidas nesta

pesquisa, SoulZé, Jumentaparida, Dr. Raiz e Dzefinha, os quais me atenderam de forma

carinhosa e imediata ;

Agradeço finalmente, à FUNCAP, pelo incentivo financeiro dado a esta

pesquisa.

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Nunca diga nordestino Que Deus lhe deu um destino

Causador do padecer, Nunca diga que é o pecado

Que lhe deixa fracassado Sem condição de viver.

Não guarde no pensamento Que estamos no sofrimento É pagando o que devemos,

A Providência Divina Não nos deu a triste sina

De sofrer o que sofremos.

Deus o autor da criação Nos dotou com a razão

Bem livres de preconceitos, Mas os ingratos da terra

Com opressão e com guerra Negam os nossos direitos.

Não é Deus que nos castiga,

Nem é a seca que obriga Sofrermos dura sentença,

Não somos nordestinados, Nós somos injustiçados

Tratados com indiferença.

Sofremos em nossa vida Uma batalha renhida

Do irmão contra o irmão, Nós somos injustiçados

Nordestinos explorados, Mas nordestinados, não.

.......................................................... Nordestino sim, nordestinado não Pataiva do Assaré

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RESUMO

Esta pesquisa dissertativa busca-se uma interpretação sobre as expressões musicais das juventudes urbanas cearenses no Movimento Cabaçal e sua relação com as políticas culturais do Ceará. Tal Movimento propõe expressar-se na procura da valorização da cultura nordestina, aliando-a a elementos da contemporaneidade. Objetiva-se nesse sentido compreender as políticas culturais vigentes no Ceará, e como o Movimento Cabaçal poderá influenciar na criação dessas políticas. Discute-se este movimento cultural como uma forma de expressão artística das juventudes urbanas contemporâneas no cenário da mundialização sócio-cultural o qual se origina diante de um quadro político cultural existente. Percebe-se este Movimento como uma forma de manifestação da sociedade civil em busca de políticas concernentes com seus anseios, tendo assim o Estado como mediador deste processo. Compreende-se que apenas na união entre Estado e Sociedade civil as políticas culturais existentes poderão dar conta das manifestações culturais originadas pela comunidade. Para realização da investigação utilizou-se da pesquisa bibliográfica e de campo, através da realização de entrevistas semi - estruturadas com os integrantes das bandas que integram o Movimento Cabaçal, quais sejam: D.Zefinha, Dr. Raiz, Jumentaparida e Soulzé. Palavras-chave: Política Cultural, Música e Cultura.

ABSTRACT

This dissertativa research searchs an interpretation on the musical expressions das pertaining to the state of Ceará urban youths no Cabaçal Movement and its relation with the cultural politics do Ceará. Such Movement considers to express in the search of the valuation of the culture northeastern, being united it it elements of the contemporaneidade. Objective in this direction to understand the effective cultural politics in the Ceará, and as the Cabaçal Movement it will be able to influence in the creation of these politics. This cultural movement is argued as a form of artistic expression of urban youths contemporaries in the scene of the partner-cultural mundialização which if ahead originates from a picture existing cultural politician. This Movement is perceived as a form of manifestation of the civil society in search of concernentes politics with its yearnings, thus having the State as mediating of this process. It is understood that only in the union between State and civil Society the existing cultural politics will be able to give account of the cultural manifestations originated by the community. For accomplishment of the inquiry it was used of the bibliographical research and field, through the accomplishment of half interviews - structuralized with the integrant ones of the bands who integrate the Cabaçal Movement, which are: D.Zefinha, Dr. Raiz, Jumentaparida and Soulzé. Word-key: Cultural politics, Music and Culture.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 A EXPRESSÃO ARTÍSTICO-CULTURAL DO MOVIMENTO CABAÇAL... 14

1.1. Construção do Movimento Cabaçal................................................... 14

1.2. A Proposta............................................................................................ 21

1.3. A Tradição Nordestina e sua influência no Movimento Cabaçal.... 26

1.4. Século XX e suas influências............................................................... 29

1.4.1.A tradição musical nordestina urbanizada..................................... 32

1.4.2. O Pessoal do Ceará e Massafeira.................................................... 37

2 AS BANDAS...............................................................................................................41

2.1. Contextualização do Movimento Cabaçal: A música popular em diálogo com a mundialização da cultura.................................................................... 41

2.2. Dzefinha: “O teatro na música”......................................................... 50

2.3. Dr. Raiz: A eferverscência cultural do Cariri ...................................59

2.4. Jumentaparida: O Hardcore Regionalista .......................................65

2.5. Soulzé: A levada soul........................................................................... 70

2.6. Fim do movimento?..............................................................................73 3 . OS ATORES SOCIAIS E SUA INFLUÊNCIA NAS POLÍTICAS CULTURAIS

3.1. Os atores do Movimento Cabaçal...................................................... 76

3.2. Movimento Cabaçal como formador de Políticas Culturais........... 81

3.3. Repercussão do Movimento Cabaçal nas políticas culturais no Estado do Ceará.............................................................................................................88

3.3.1 A cultura aliada à economia............................................................. 89

3.3.2 Os rumos dados à cultura do Ceará, na atualidade....................... 96

3.4. A cultural transversal........................................................................ 104

Considerações finais................................................................................................... 109

Apêndice

Bibilografia

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INTRODUÇÃO

Conhecer a movimentação artístico-musical dentro do cenário juvenil no

Estado do Ceará foi de grande valia desde a graduação, cujo tema da monografia

apresentada foi Juventudes urbanas e movimentos artístico-culturais no Ceará: uma

interpretação sobre o Movimento Cabaçal. Durante o curso de Serviço Social, em

estágio dentro do projeto SOMAR-MARINHA, da Secretaria de Ação Social, despertei

o interesse em aproximar as duas temáticas, juventude e música. A idéia serviu de

estímulo para o desenvolvimento de uma pesquisa sobre o Movimento Cabaçal, graças

ao incentivo da orientadora de graduação.

A pesquisa, iniciada em 2003, cresceu junto ao próprio Movimento, em

plena atividade desde então, graças à mídia - a exemplo da entrevista no Jornal Hoje, da

Rede Globo, e da panfletagem espalhada pelas ruas do bairro Benfica, em Fortaleza. Os

shows eram constantes, principalmente na Praça Verde, do Centro Cultural Dragão do

Mar, onde as bandas, muitas vezes, se apresentavam juntas ou em duplas, sempre

elevando o nome do Movimento Cabaçal como temática central. Mesmo preservando a

cultura local, vários são os estilos que compõem as bandas Jumantaparida, próxima ao

Hardcore; DZefinha e Dr. Raiz, mais teatral, e a SoulZé, de estilo soul.

A pesquisa monográfica realizada para esse trabalho foi resultado de

inúmeras participações dos eventos que mobilizaram a cidade. Anotações referentes às

performances, indumentárias e às letras das músicas serviram como ferramenta de

estudo, além do contato pessoal com os vocalistas Renee Muringa (SoulZé), Orlângelo

(Dzefinha), Zôo (Jumentaparida) e Júnior Boca (Dr.Raiz).

Apesar do êxito junto ao público e à mídia, as bandas começaram a se

dispersar. Apresentavam-se separadas, até que a Jumentaparida desfez-se e a SoulZé

migrou para São Paulo. O fato levou, após a conclusão da monografia, a algumas

indagações que vieram à tona, entre elas a mais contundente de todas: por que as bandas

têm vida curta ou precisam sair do Ceará para dar continuidade à sua carreira? Esse é

um dos questionamentos que exponho aqui, partindo do pressuposto a análise das

políticas de incentivo do Estado com relação à preservação da cultura local.

Nesse trabalho, lançarei mão de indagações pertinentes, visando a

compreender as políticas culturais vigentes no Ceará, e de como o Movimento Cabaçal

poderá influenciar na criação dessas políticas. O intuito é aliar o Movimento às políticas

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culturais do Estado, buscando compreender a repercussão existente entre ele e seu

avanço no cenário cearense, como proposta de um movimento sócio/cultural.

As entrevistas que não realizei no primeiro instante, durante a pesquisa

monográfica, pude concluir agora com mais afinco, a propósito da dissertação. Ao

longo do estudo, pude observar que há, nesse momento, um outro enfoque: a relação

desse Movimento com a política cultural.

O questionário foi realizado tomando por base as entrevistas, as quais pude

colher algumas informações sobre a história desses jovens artistas. Destaco, aqui, a

importância o seu uso para obtenção de detalhes fundamentais como: perfil sócio-

econômico, hábitos, costumes e valores, como se deu seu contato com a música, suas

influências e, finalmente, seu pensamento sobre o Movimento Cabaçal e as políticas

culturais vigentes.

Na pesquisa dissertativa, as entrevistas concedidas aos vocalistas das bandas

foram marcadas por meio de correio eletrônico ou telefonemas. Apenas com a Banda

SoulZé não foi realizado um contato direto, visto que eles se encontram em São Paulo,

e, por essa razão, suas respostas foram enviadas por meio da internet.

Como metodologia de análise das entrevistas prevaleceram os recursos da

linguagem oral, preservando, assim, a originalidade do discurso, uma vez que reforça a

espontaneidade. Após o processo de entrevistas, foi realizada a transcrição, atentando-

me para a pontuação, mas sem alterar gírias, coloquialismos ou expressões regionais.

Vale destacar que, à medida que os jovens integrantes do Movimento

Cabaçal contribuíram com sua opinião acerca do grupo, foi feita uma descrição do

perfil de cada um deles. Esses atores sociais serviram de análise para compreender sua

própria trajetória, levando-se em conta a identificação com a cultura tradicional

nordestina, junto a movimentos de “mundialização” cultural.

O propósito do referido trabalho, tendo em vista o contato direto com os

integrantes do Movimento, é discutir algumas categorias fundamentais que levaram à

fusão das várias culturas, dentro e fora do Nordeste. Também se faz necessário conhecer

como se dá sua influência, junto às políticas culturais vigentes no Estado do Ceará.

O primeiro capítulo, cujo título é A expressão artístico-cultural do

Movimento Cabaçal, irá abordar sobre como se deu a construção do Movimento, sua

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formação inicial, junção das bandas, as reuniões e discussões acerca de suas propostas,

além da origem do nome.

Após esse processo, irei me deter às propostas dos jovens integrantes, os

quais, juntamente com suas opiniões, utilizam alguns autores para explicar as palavras-

chave descritas em seus discursos, todas em negrito. Temáticas como a identificação, o

resgate de tradições e as influências destes jovens na música originária do Nordeste

serão atentamente observadas.

A música nordestina também será compreendida nesse momento, desde sua

gênese, permeada de fusões, até o entrecruzamento de etnias. No século XX, o destaque

será para o final da década de 1910 e início da década de 1920, onde é discutido o

imaginário em torno da construção da musicalidade no Nordeste.

As principais influências musicais também serão explicitadas, a exemplo da

década de 1940, com a figura de Luiz Gonzaga, e da década de 1970, com a presença do

Pessoal do Ceará e Massafeira, no Ceará.

No capítulo dois, que tem como título As Bandas, ingresso finalmente na

década de 1990, com o Movimento Manguebeat e a influência da mundialização nesse

processo. Entendo que na transição do século XX ao XXI a música regional

pernambucana se tornou essencial para a compreensão do Movimento Cabaçal.

A primeira banda a ser estudada é Dzefinha, de Itapipoca, onde realizo uma

incursão sobre os dois cds lançados, nos quais analiso sua “performance”, suas músicas

e indumentárias.

Dr. Raiz vem em seguida, proveniente da cidade de Juazeiro do Norte, na

região do Cariri. Devido à sua origem, a temática assume uma forte carga social e

religiosa, como a que se vê no movimento Caldeirão. Assim como Dzefinha, essa

Banda desempenha um papel teatral.

Com relação à banda Jumentaparida, proveniente da cidade de Fortaleza, o

objetivo foi tão - somente analisar suas letras e melodias.

Finalmente, a banda SoulZé, de Fortaleza, será a quarta Banda a ser

estudada. Atuando em São Paulo, vem com uma proposta de misturar soul com ritmos

nordestinos, sempre abordando questões sociais como foco principal. O universo

informacional e a música eletrônica também são objetos de destaque na banda.

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No último tópico do segundo capítulo, realizo uma discussão acerca do fim

do Movimento Cabaçal, que não conseguiu seguir uma trajetória longa no meio musical

cearense. No entanto, reafirmo que o assunto em questão não representa o objeto central

do meu trabalho. A problemática gira em torno do caráter efêmero que caracteriza o

sistema político no Estado do Ceará, no que diz respeito ao incentivo e à preservação

desses movimentos artístico-culturais.

No capítulo três desta pesquisa, cujo título é Os atores sociais e a influências

nas Políticas Culturais, parto para uma discussão sobre o desempenho dos

cantores/atores e a influência que outros movimentos e culturas exerceram na

concretização do Movimento Cabaçal.

É importante ressaltar que o Movimento, visto como formador de políticas

culturais, atuou em parceria com a sociedade civil e Estado. Na perspectiva de

manterem vivas as nossas raízes, em intercâmbio com a universalidade musical, buscou

suprir a necessidade de “resgatar” a cultura regional, junto à sociedade cearense.

A participação do Estado, como mediador dessa política, vem representada

pela Secretaria de Cultura, tendo à frente a secretária Cláudia Leitão, da gestão (2003-

2006). Destacaremos sua prioridade e a repercussão do Movimento dentro do quadro

político local.

Por fim, no tópico Cultura Transversal, é explicitada a necessidade de

comunicação da Secretaria de Cultura com as outras secretarias existentes, como a de

Educação e a de Turismo. Em conjunto com os outros setores da sociedade, o diálogo

entre elas torna-se elemento fundamental para que existam políticas públicas

consistentes e permanentes, junto à sociedade em seu processo de criação.

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CAPÍTULO 01. A EXPRESSÃO ARTÍSTICO-CULTURAL DO MOVIMENTO

CABAÇAL

O Movimento Cabaçal foi a união de alguns grupos musicais que tinham um objetivo em comum: mostrar a nova música do Ceará. As bandas que encabeçaram esse movimento tinham a preocupação de misturar os ritmos cabaçais com ritmos contemporâneos e com letras que buscavam sempre retratar o cotidiano do nordestino, utilizando-se do linguajar cearense para falar de seus problemas, das relações, e, de quando em vez, com um caráter denunciativo. (Iranilson1, Dzefinha)

Neste capítulo pretendo discorrer sobre como se deu a origem do Movimento

Cabaçal, partindo desde a concepção do nome, até os encontros, reuniões e propostas

das bandas Dzefinha, Jumentaparida, SoulZé e Dr. Raiz. Elas não só divulgaram o

Movimento em suas apresentações, como também propuseram uma discussão em torno

da valorização da cultura nordestina em harmonia com novas experiências do mundo

musical contemporâneo.

Os discursos dos jovens que integraram as referidas bandas serão

fundamentais junto a propostas de alguns teóricos que, ao longo do trabalho,

argumentarão sobre categorias - chave como: identificação, tradição e cultura

nordestina.

1.1. Construção do Movimento Cabaçal

O Movimento Cabaçal iniciou-se em 2001, encabeçado por jovens cearenses

da zona urbana do Estado, tendo como proposta fundamental a valorização da cultura

regional nordestina. Uma de suas características principais é a utilização de

1 Iranilson de Sousa Carneiro, 28 anos, é instrumentista da Banda DZefinha, universitário, de religião católica proveniente de Itapipoca. Ele conta que, inicialmente, sobrevive da música, apesar de não ganhar o necessário. Seu primeiro contato com a música se deu através da participação em um coral da Igreja de sua cidade, na época em que era coroinha. A relação com a cultura popular nordestina se deu na infância, quando presenciava em sua cidade festejos, brincadeiras, ritos, danças e demais manifestações tradicionais. Atualmente, escuta todos os ritmos musicais, pois, segundo ele, “a questão do estilo só interessa no início, quando você está descobrindo a musica e a batida que lhe empolga, assim como a letra. Depois você vai amadurecendo e aprende a ouvir vários estilos. Aprende a criticar e a elogiar”. Gosta de ler, sair com os amigos e, atualmente, o que mais consome são roupas e instrumentos musicais.

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instrumentos e ritmos provenientes de bandas cabaçais2, como o pífano, a zabumba, as

sanfonas e as alfaias, aliados a sons e a instrumentos do universo pop rock, próprios da

cultura contemporânea, como guitarras, baixos e baterias.

Junto à opinião pública, a impressa local, à época, fez grande menção aos

grupos, com matéria realizada pelo jornal O Povo3, publicada logo após os eventos no

Dragão do Mar, referindo-se a um dos shows que mais reuniu o maior número de

público, no que diz respeito aos artistas cearenses, como se vê:

Foi justamente do encontro de integrantes do Jumentaparida e DZefinha, num estúdio de televisão, que se deu o início de uma conversa que acabou gerando o Movimento Cabaçal. O nome surgiu em homenagem às bandas cabaçais do Cariri, que preservam uma sonoridade característica. Rapidamente, bandas e artistas de outras manifestações artísticas-teatro, dança, artes plásticas, literatura etc foram se engajando ao movimento, numa série de shows do Cabaçom, que acabaram por reunir ainda Jumentaparida, DZefinha, mais Soul Zé e a caririense Dr. Raiz. De lá o Movimento só se expande. O maior deles, na praça Almirante Barroso, ao lado do Centro Dragão do Mar, as bandas reuniram o maior público para artistas cearenses naquele local (três mil pessoas), segundo a produção do Centro Cultural. (site www.noolhar.com/ opovo/vidaearte )

O jornal tece, ainda, comparações com o Pessoal do Ceará4, movimento de

amplitude nacional que, trinta anos atrás, revolucionou o cenário cearense. A saber:

Pavimentando a ponte musical que liga essas duas gerações da música cearense estão o resgate e a valorização de elementos da cultura regional sob um prisma universal. Mas além desse pressuposto que foi utilizado tanto por Ednardo, Fagner e cia, quanto pela bandas e artistas que hoje compõem a estética cabaçal, ambos os movimentos têm um disco síntese.(jornal O Povo; 2003).

2 É o conjunto musical mais típico do interior cearense, especialmente na região do Cariri. Tem origem perdida no tempo, mas se desenvolveu e adquiriu peculiaridades próprias entre o povo do Cariri. Há também uma influência indígena, devido ao uso de instrumentos típicos como os pífanos (ou pífaros). A Banda compõe-se de quatro elementos, que tocam zabumba, pífaros e uma caixa. A mais conhecida é a Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, localizada no Crato. Toca quase toda espécie de música popular: antiga, regional, religiosa e carnavalesca. O ritmo é o baião, característico dos pés-de-serra do Cariri. Apresenta-se, em geral, em festividades de cunho cultural, artístico e religioso. Disponível no site http://www.turismo.ce.gov.br/atrativos_folclore.htm. 3 Referente ao dia 25 de agosto de 2003 4Assunto sobre o qual me deterei de uma forma mais aprofundada posteriormente.

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Renee Muringa5, vocalista da Banda SoulZé, foi o primeiro de uma série de

entrevistas que fiz, em junho de 2006, através das quais entrei em contato com

integrantes das demais bandas. Como um dos principais articuladores do Movimento

Cabaçal, o artista reforçou a importância do uso de instrumentos e ritmos nordestinos,

aliados a elementos da cultura contemporânea.

É assim a história do Movimento e assim se denominou porque a gente achou que era um Movimento, cara. Você tem n pessoas fazendo uma coisa, uma característica, e tem uma singularidade também, porque o Movimento Cabaçal é singular no Estado do Ceará. Não é a toa que a galera tá comparando, desde que o Pessoal do Ceará, na década de 1970, que a galera não faz porra nenhuma, e apareceram, naquela reportagem que você estava lendo... Nós ficamos altamente lisonjeadas porque a gente sabe o limiar muito forte cultural dentro do Estado. Não falo do Cariri, porque é uma bomba de cultura de tradição. Agora Fortaleza é paupérrima, tá entendendo? E não precisava ser assim então. (Renee Muringa, Banda SoulZé)

Segundo Muringa, um dos idealizadores do Movimento, todas as bandas,

D.Zefinha, Dr.Raiz, Jumentaparida e SoulZé, já se conheciam. Elas ensaiavam no

mesmo espaço, razão pela qual houve uma maior aproximação entre seus componentes.

A idéia era unir, apenas unir, fazer um festival. A gente foi vendo que esse lance que a gente fazia, que o SoulZé no interesse pelo regional, assim como o próprio Dr,Raiz, tendo interesse também pelo regional, o Jumenta, DZefinha, enfim outras bandas, a gente bem que achou esse lance em comum, no nosso trabalho. A gente organizou um Festival em abril de 2002, que foi o Primeiro Festival de Música do Movimento Cabaçal – CABAÇOM, só que quando a gente organizou esse festival, a idéia do Movimento já estava acontecendo. Aconteceu a idéia do Movimento da seguinte forma: o DZefinha, apareceu no

5 Renee Amorim Muringa, 32 anos, é vocalista da Banda SoulZé, fundada em 1997 e, atualmente, reside na cidade São Paulo. Já participou de outras Bandas antes, desde os dezessete anos, mas, segundo o cantor, foi nesse trabalho que iniciou sua carreira como letrista. Voltou-se para o musical nordestino, onde notadamente resultou em grande influência na sua obra. Nos últimos sete anos, veio se dedicando à pesquisa da História Musical de sua terra. Ministrou oficinas de Percussão e História da Música Nordestina, desde 2002, em entidades públicas e privadas, conjuntamente com outros músicos do SoulZé. Atuou também como produtor cultural, idealizando e promovendo desde 2001 os eventos do Movimento Cabaçal do Ceará. Participou como Curador Musical do Festival SESC de Bandas de Sobral, edições 2002 e 2003, da Mostra Sesc Cariri de Teatro 2001 e 2002, e foi um dos idealizadores e produtores do palco Vila Cultura no Ceará Music (com visitas diárias de 30.000 pessoas), edição 2002. Assina a produção executiva do Álbum Coletânea do Movimento Cabaçal (Fortaleza/CE maio de 2003). Assina e produz todas as faixas do Álbum LAB SZ (SoulZé/2003) e é responsável pelo projeto visual do encarte. Idealizou, criou, montou e, atualmente, dirige o espetáculo LAB SZ (2003). É responsável pela produção e planejamento estratégico da Tour SoulZé 2003.

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final de 2001, inclusive eles fizeram o primeiro show deles aqui em Fortaleza, com a gente, com o SoulZé, lá no Hits Café (...) (Renee Muringa)

O artista afirmou que, inicialmente, tomou conhecimento do trabalho de

Dzefinha, que estava começando a despontar no meio musical cearense em 2001.

Apesar do som diferenciado, percebeu uma proposta em comum: o interesse pela

cultura regional.

Nesse período, essa banda estava realizando um trabalho junto a Valéria

Pinheiro, que tinha uma Companhia denominada VATÁ6. Estava com um espetáculo de

dança, cujo nome ela mesma criou: “A Bagaceira-A dança dos Orixás7”. Segundo

Renee, foi idéia da própria artista sugerir, também, o nome Movimento Cabaçal. É o

que se comprova no relato abaixo:

Tem uma relação incrível com o regional. Ela é especialista em sapateado sul-americano, só que ela, a aula dela é justamente fazer o sapateado nos ritmos do Nordeste, não só dos ritmos, mas o espetáculo dela também é esse. Então ela se identificou. Quando ela viu esse pequeno universo de bandas trabalhando no mesmo sentido que ela, ela achou massa, quis se envolver, e um dia ela me ligou e pediu pra gente “porque que a gente não chama isso aí”. Já tá rolando um Movimento. Existe uma característica em comum entre a galera. Um interesse em comum e, papo vem, aí outro dia passou, ela veio com esse nome, do Movimento Cabaçal. (Renee Muringa)

Para o cantor, no início, houve um estranhamento com relação ao nome, uma

vez que ele tinha conhecimento do significado das bandas cabaçais, através da

realização de um trabalho paralelo de pesquisa. Porém, não obteve nenhuma informação

6 A Companhia de Brincantes Valéria Pinheiro foi fundada pela atriz, bailarina e coreógrafa Valéria Pinheiro em 1994 e atuou no eixo Rio - São Paulo até 2000. No mesmo ano estabeleceu domicílio em Fortaleza e constituiu a Cia. Vatá.

Disponível em http://ciavata.spaces.live.com/default.aspx?_c02_owner=1 [Acesso em 20 de junho de 2007] 7 A coreógrafa Valéria Pinheiro conceitua o espetáculo “Bagaceira, a dança dos Orixás” como um musical onde o corpo assume vários devires. O principal objetivo é grafar o espaço no tempo atual com referências à nossa ancestralidade. Isso faz com que haja uma cartografia de identidades que nos auxilia a conhecer cada vez mais o território ao qual pertencemos, além de nos dar subsídios pra entender esse universo. “Venho pesquisando as manifestações rítmicas tradicionais brasileiras já há alguns anos, e nesses últimos quatro anos tive a oportunidade de ver e viver mais de perto as tradições rítmicas nordestinas. Foi paixão à primeira vista! Os ritmos das zabumbas, das alfaias, triângulos e pífanos me hipnotizaram. Os movimentos dançados por Mestres e seus discípulos seguidores logo me chamaram a atenção. E segui meu trabalho "mamando" nessas tetas poderosas dos Mestres das manifestações tradicionais do nordeste. Disponível em http://www.meumundo.americaonline.com.br/ [Acesso em 20 de junho de 2007].

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pertinente, e já se dava conta que os componentes de outras bandas também

compartilhavam dessa mesma iniciativa. Investigando um pouco mais, Renee começou

a perceber que existia uma relação entre elas, além de observar, também, a influência

em outras manifestações artísticas, como é o caso da dança.

Foi estudando a história que eu vi que tinha a ver, cara, que a gente, que o nome Cabaçal é um nome massa. A gente era derivada disso, queira ou não queira. É justamente honesta essa derivação. Tem o lance dos ritmos que a banda cabaçal, ela toca esses mesmos ritmos (...) Então, cara, a partir de um estudo que a gente foi ver, que era pelo contrário, era uma denominação massa, muito legal. Dizia muita coisa se você fosse realmente atrás, dizia muita coisa. A gente tá nessa praia dos ritmos nordestinos, da própria instrumentação nordestina. Todas as bandas têm instrumentação nordestina, têm alfaias, têm zabumbas, têm pífanos, têm caxixes, enfim, toda instrumentação que se toca. Então, o nome Movimento Cabaçal surgiu daí. (Renee Muringa)

Júnior Boca, da banda Dr. Raiz, complementa o pensamento de Renee

Muringa, reforçando a forte influência do nome Movimento Cabaçal em suas

composições. A origem indígena teve um peso importante na escolha do nome, já que

os grupos adotavam uma sonoridade muito próxima de nossos ancestrais. É o que se vê

no fragmento de seu depoimento abaixo:

Vamos botar uma homenagem para as bandas cabaçais. Acho que o Ceará é um estado muito indígena, inclusive que não se reconhecer dessa maneira. Impressionante isso e a cabaça remete a isso, ao índio, ao utensílio doméstico, ao próprio instrumento, as bandas cabaçais do Ceará, que são conhecidas assim. Apenas no Ceará são conhecidas como bandas cabaçais, que diz na lenda que desde a tradição dizem que esses instrumentos eram feitos em grandes cabaças, e a gente fez essa homenagem. Música cabaçal feita por nós, música cearense... (Junior Boca8, Dr. Raiz)

8 Geraldo Ramos Freire Júnior, conhecido como Júnior Boca, é vocalista da Banda Dr. Raiz, tem 26 anos, nascido na cidade de Juazeiro do Norte, residente no bairro Franciscanos. Concluiu o Ensino Médio e, em seguida, iniciou o curso de Letras, fazendo até o terceiro semestre. No entanto, teve que trancá-lo devido à dedicação à música. Seus pais se opuseram no início, por achar que não teria futuro a carreira musical, mas atualmente eles apóiam e se sentem orgulhosos quando vão aos shows. Segundo Junior Boca, iniciou a carreira tocando cover do Alceu Valença, do Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, de Mestre Ambrósio, Cascabulho, Chico Science e Nação Zumbi. Sempre manifestou um gosto musical muito eclético. Além de tocar músicas de rock, gostava de Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, apesar de ser criticado por seus amigos. Ao mesmo tempo em que tentava fazer suas músicas utilizando a guitarra e o contra-baixo, procurava introduzir os pífanos e a viola de dez cordas. Inicialmente a Banda tocava punk-rock, mas depois do conhecimento do movimento Mangue, surgiu a idéia de tentar aliar elementos da cultura nordestina às guitarras e amplificadores provenientes de sua Banda original. O vocalista da Banda Dr.Raiz declarou que, em seus shows, há uma forte presença de elementos cênicos. Devido a experiência

28

A partir desse momento as reuniões começaram a ser mais constantes entre

os integrantes das quatro bandas. Apesar da distância e dos problemas financeiros

enfrentados por essas bandas oriundas do interior, (no caso, Dzefinha, de Itapipoca, e

Dr.Raiz, de Juazeiro do Norte,), Renee afirma que, na medida do possível, a alternativa

que encontravam mesmo que por meio de correio eletrônico.

(...) realmente essa galera já vem se encontrando há certo tempo. Já nos encontramos aqui em Fortaleza n vezes. Tem gente de Itapipoca, tem gente do Cariri, tem gente daqui. Já nos encontramos no Cariri, em debates, em discussões na construção do Movimento, do manifesto do Movimento, que ainda não saiu... Eu também não sei quando é que vai sair, tá entendendo? Assim como tem o lance do cd, o Cabaçom, que saiu, nós precisamos. Lançamos um produto agora pra mostrar para o público, mas o Movimento já aconteceu em outras flexões com outras bandas, como o tambor de Guaramiranga, do Consciência Armada, que faz rap com o regional, que é muito interessante. Galera lá do Morro Santa Terezinha, batalhadora pra caramba. Nós trouxemos atrações, que eu acho que esse é o grande filão dos eventos do Movimento Cabaçal, não só mostrar bandas contemporâneas que fazem trabalho de difusão. Mostrar as raízes, também, como nós já trouxemos os Irmãos Aniceto, o grupo de corpo lá do Iguape, os Tambores de Guaramiranga, o Cortejo Tamborim de Itapajé. E trouxemos no Ceará Music . Nós tínhamos a Vila Cultura que foi um projeto de iniciativa nossa. Nós trouxemos os melhores emboladores.. (Renee Muringa)9

Além dos integrantes das Bandas, participou das reuniões Thaís Andrade,

produtora musical, que, segundo Renee Muringa, “é paulista, mas é mais cearense que

muita gente daqui”. Além dela, mais três amigas da área de Sociologia ajudavam a

estruturar o Movimento.

Da união entre Renee Muringa (vocalista da Banda SoulZé) e Zôo (vocalista

da banda Jumentaparida), havia opiniões divergentes, mesmo este estando à frente do

Movimento. No seu depoimento, Zôo afirma que ele ainda é um embrião:

Eu costumo falar que é um embrião, porque não conseguimos envolver nem as pessoas que fazem parte dele, entendeu? Nem todo mundo tá envolvido ainda com a causa diretamente, e algumas coisas precisam ser trabalhadas. Muita gente fala que o movimento tem que ser construído de forma independente, de iniciativa pública ou privada, mas os eventos, principalmente, pra eles acontecerem a gente precisa de verba... Precisa da estrutura, som equipamento e a gente às vezes fica meio que refém dessas

anterior com peças teatrais, incorpora um tom cênico nos shows, além de influências em participações e apresentações de reisados e folguedos, participando com música e dança. 9 Entrevista realizada em Junho de 2003.

29

situações pra poder fazer o movimento acontecer. Mas eu acho que falta um pouco de articulação das pessoas que até então se propuseram a construir o alicerce do Movimento Cabaçal. Eu acho que o Movimento ainda tem que muito o que falar...mas ele ainda é um embrião. (Zôo10, Jumentaparida)

De um modo geral, os integrantes das bandas têm uma opinião em comum: o

Movimento Cabaçal não está representado, apenas, nessas quatro Bandas. Significa algo

bem mais amplo, uma vez que constitui todas aquelas manifestações artístico-culturais

que se propõem a expressar sua arte calcada no regional, com suas características e

problemáticas sociais, sempre aliadas aos movimentos da contemporaneidade. Renee

enumera outras bandas que apresentam a mesma proposta:

O Movimento, as pessoas fazem dentro de casa, tá entendendo? Uma quantidade de gente que se inspira na idéia do regional tem isso aqui na minha terra. Não só a galera musical, artes plásticas, a galera que faz fotografia, teatro...É essa idéia do regional, cara, o esforço da gente é isso. Olhe para cá! Olhe para cá, identifica tuas raízes, trabalha relacionado com elas, tá entendendo? Mas bota teu olho aqui. Tu tá botando teu olho lá fora. Bota teu olho primeiramente aqui. Nós temos muito mais para oferecer, não só para oferecer, mas muito o que fazer, tá entendendo? A história é isso. Tem muita coisa para fazer dentro do Estado do Ceará, tá entendendo? (...) O movimento já aconteceu em outras flexões com outras bandas, como o tambor de Guaramiranga, da Consciência Armada, que faz rap com o regional, que é muito interessante, galera lá do Morro Santa Terezinha batalhadora para caramba, nós trouxemos atrações que eu acho que esse é o grande filão dos eventos do Movimento Cabaçal, não só mostrar bandas contemporâneas que fazem trabalho de difusão mostrar as raízes também como nós já trouxemos os irmãos aniceto, o grupo de corpo lá do Iguape, os Tambores de Guaramiranga, o Cortejo Tamborim de Itapajé, é trouxemos no Ceara Music nós tínhamos a Vila Cultura que foi um projeto de iniciativa nossa, nós trouxemos os melhores emboladores, o Marreco ( Renee Muringa)

10 O vocalista da Banda Jumentaparida, chamado Luís Alberto Viana, mais conhecido como Zôo, tem 26 anos, nasceu na cidade de Fortaleza, no bairro Monte Castelo com seus pais. Atualmente está fazendo o curso de Música na Universidade Estadual do Ceará. Declarou que não vive exclusivamente dela, porque, segundo ele, “a gente aposta em música autoral, e é uma coisa muito difícil de se trabalhar aqui no Ceará, porque há uma valorização prioritária para as coisas que vêm de fora, infelizmente. Então se você trabalha uma coisa tua, você enfrenta uma certa resistência para que as pessoas assimilem teu trabalho e por conta disso eu afirmo com todas as letras que eu não vivo de música”. Para sobreviver Zôo relatou que realiza trabalhos com informática e é voluntário, atualmente, da ONG Associação Cultural Cearense do Rock. Relatou que começou a se envolver com música aos 13 anos de idade, aprendendo a tocar violão com um amigo. Aos 17 anos já começou a produzir músicas. O rock veio através de outras Bandas covers as quais integrava. A música nordestina foi assimilada naturalmente, pois, ninguém da sua família gostava. O vocalista da Banda relatou que na infância gostava muito de sons pesados, mas que atualmente vem ouvindo música dos anos 70. Não gosta muito de televisão, assiste apenas a jornais e documentários. Comentou também que investe seu dinheiro em viagens, que, segundo ele, “Eu não compro cd, eu não compro livro, essas paradas assim, eu não costumo gastar meu dinheiro com bens consumíveis, nem com coisas materiais, eu prefiro investir no espírito, viajar conhecer lugares, interagir com a natureza...”

30

Percebemos, nestas declarações, a preocupação existente dos jovens do

Movimento Cabaçal: a de aliar elementos da cultura local com os elementos

provenientes do mundo global e suas influências. Sob esse prisma, os integrantes

acreditam em uma forma diferenciada de se expressar através de sua cultura, da

identificação e da tradição focada no regionalismo.

1.2. A Proposta

O Movimento Cabaçal 11não se destaca somente na música, como é o

exemplo das quatro bandas engajadas a que nos referimos, e outras não menos

expressivas, como Tambores de Guaramiranga, Macunaíma, Consciência Armada,

Idson Ricart.. Há, também, manifestações artísticas que propagam o seu nome, vistas,

por exemplo, nas artes plásticas, com Marcelo Santiago, Zé Beto, Caetano e Zé

Tarcísio; na dança, com Valéria Pinheiro e sua Companhia VATÁ; no cinema, com

Rosemberg Cariri.

Apesar de cada uma delas apresentar uma proposta singular, havia um

objetivo comum: realizar uma música popular, tradicional, nordestina, relacionando-a

com elementos da modernidade, em seus ritmos, letras e performances. Instrumentos

como a zabumba, os pífanos, as alfaias, as rabecas, os triângulos, e os típicos da cultura

pop - rock, como baterias, guitarras e baixos, mesclavam-se com o intuito de estabelecer

um diálogo consistente entre o universo musical “tradicional” e o “moderno”.

A pretensão é focar um olhar contemporâneo sobre a música popular

nordestina, através de um conjunto de letras e temáticas, enfatizando a questão social, a

religião, a seca, o cangaço, a “molecagem” cearense, o humor diante das dificuldades da

vida, a alegria, a esperteza e a agudeza do povo nordestino.

Orlângelo, músico da banda Dzefinha, acredita na cultura popular como

“recriação” na composição de uma identidade nacional. Mesmo projetada no passado,

mantém seu caráter dinâmico e não é estática no tempo, por estar em constante

transformação. Ele defende que a produção ainda se manterá no futuro, como se vê:

11 Disponível no site http// www.caldeiraodasartes.com.br data 05.out.2006

31

A cultura nordestina recebeu muitas contribuições da África e da Península Ibérica. Ainda mantém viva a força dos ameríndios. Por estas fusões é tão rica, tão bela e tão confusa. Acho que a maior produção de um povo é a cultura. Seja na Ásia, Europa ou no Nordeste. Ela está presente diariamente na nossa língua, na culinária, na crença, no modo de agir, pensar e criar. Ela não está no passado. Ela é o presente e será o futuro. Foi através da arte que eu vinha fazendo, seja no teatro ou na musica eu precisava de subsídio. Precisava falar de algo através de uma forma. No primeiro momento pesquisei a cultura nordestina apenas para recriação. Buscava símbolos, ícones e arquétipos que pudessem contribuir na minha criação. Hoje tenho profunda paixão e acho que procuro essa cultura para revitalizar minha alma. Acredito que como brasileiro preciso compreender melhor o lugar em que vivo e conhecer melhor a história do meu povo. (Orlângelo Leal, Dzefinha)

No discurso desses jovens artistas, o que percebemos é que eles se remetem,

a todo o momento, à inspiração da cultura regional e à preservação das raízes, em suas

composições e propostas. A música, para eles, ganha uma conotação diferenciada,

passando a “ressignificar” uma nova modalidade artística a partir do que já foi

estabelecido.

Existe uma concordância entre alguns autores - entre os quais destaquei dois

que comungam com o mesmo pensamento desses compositores. Eles não utilizam a

terminologia “identidade”, dando preferência ao termo “identificação”, para fazer

referências à construção do Movimento.

O primeiro autor, Bezerra de Menezes (2004), no seu livro A cultura

brasileira “descobre” o Brasil, ou “Que país é este? enxerga o termo “identificação”,

como o que melhor designa o conceito dos grupos, frente ao constante processo

histórico. Segundo ele, “esse termo se reconstrói de modo infindo” (p.04). Sua

discussão fundamenta uma das bases para o entendimento do processo artístico cultural

que essas Bandas tentam demonstrar em sua concepção musical. Ao utilizarem a

proposta de aliar o global ao local, elas “ressignificam” seu “tempo”, sua cultura e sua

identificação, realizando, assim, um processo constante de transformação.

Existe a necessidade de apreensão da realidade e dos elementos culturais

como identificação. Esta tem que estar atrelada ao cotidiano, de acordo com o espaço, o

tempo e a própria população. “Somos um sendo e não um ser12”, afirma Bezerra de

Menezes ao revelar esse intenso processo de mutação.

12 Comentário do autor em sala de aula

32

Hall (2005) é outro autor a abordar a discussão em torno da “identificação”

como algo a ser construído com o tempo, através de um processo e não algo inato ao

indivíduo. Utiliza-se, desse modo, do mesmo termo para dar conta da construção desse

Movimento:

Assim, em vez de falar “identidade” como uma coisa acabada, deveríamos falar de “identificação”, vê-la como um processo em andamento. A identidade surge não tanto como um processo em plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. (HALL, 2005:39)

É dessa forma, sem dúvida, que os jovens integrantes do Movimento

Cabaçal desejam, através da música, expressar sua relação com a cultura nordestina.

Tomando como base um dos depoimentos, percebemos que há uma identificação forte

com suas origens, como forma de referência e valorização. A preocupação é levar a

música além da fronteira nordestina, alcançando os extremos do mercado estrangeiro. É

assim que revela Orlângelo Leal:

(...) nós estamos no Nordeste, estamos presentes aqui, vivemos aqui no Ceará. Não tem para onde correr. Mas a minha música eu quero que ela seja humana, porque eu falo de elementos humanos da espiritualidade, que possa lá no Acre, o cara possa se sentir na música que eu tô cantando, eu não tô fazendo música para nós nordestinos, eu tô fazendo música para o mundo! (Orlângelo13 Leal, Dzefinha)

13 Orlângelo Leal Martins, 31 anos, nascido na cidade do Crato, é vocalista da Banda DZefinha.É Pedagogo, pós-graduado em Arte e Educação pelo Colégio de Direção Teatral. Sobrevive da música, mas ocupa outras funções: leciona Artes Cênicas (dança e teatro), faz direção de espetáculos, compõe gingles, é autor teatral e free lancer. Faz ainda composição para cinema, teatro e vídeo e tem uma companhia teatral com um repertório de espetáculos para o público infantil e adulto. Começou a se envolver com a música no início dos anos noventa, com uma Banda de Rock chamada “Plebe Juvenil”, se apresentando em comícios e em algumas cidades do Vale do Curu. No mesmo período, já participava de festivais de música em Itapipoca. Ganhou alguns como intérprete e compositor. Segundo ele, “Minha história musical se confunde com a minha carreira teatral, pois na mesma época, em 1991, eu já tinha escrito e atuado em espetáculos teatrais. Por isso falo que sou um artista cênico”. Orlângelo relatou que gosta muito da música tradicional interpretada por brincantes (coco, cantoria de viola, torém, samba, cavalo-marinho, aboio, frevo), mas é eclético e gosta da música em geral. Depois de montada a Banda, começou a escutar os artistas cearenses: Flávio Paiva, Abdoral Jamacaru, Eugênio Leandro, Davi Duarte, Pingo, Mona Gadelha, etc., relatando que suas principais influências são os folguedos do nordeste.

33

Para ele a canção proposta pelo Movimento, apesar de ter suas origens e

características fincadas no Nordeste, não se propõe a identificar-se apenas como música

regional, como muitas vezes é difundida na própria mídia e nos meios de comunicação.

A música, segundo ele, é universal. É assim a maneira com a qual os jovens assimilam

essa “nova” forma de perceber e se identificar com a cultura nordestina.

(...) a cultura popular do nordeste não é uma coisa de 300 anos atrás, que a gente tá resgatando, que é uma coisa parada, que não se modifica, que não se cria. A cultura popular está todo tempo criando. Os Irmãos Aniceto todo dia compõem uma coisa nova, e isso não é contemporâneo? Não deixa de ser cultura popular, cultura do povo... É por isso que nós acreditamos que a banda, o trabalho dela, na sonoridade, na formação... essa coisa de misturar o contemporâneo com o tradicional. Porque a gente pensa nisso, que o tradicional é também contemporâneo, e o contemporâneo se inspira no tradicional. (Vanildo14, percussionista da Banda Dzefinha).

Quando Vanildo descreve que o contemporâneo tem sua inspiração no

tradicional, nos vem uma pergunta: o que vem a ser essa tradição? O músico acredita no

caráter renovável que vem sofrendo a cultura em todo seu processo, e a tradição

também estará envolvida dentro dessa dinâmica, como assim á o pensamento de

Hobsbawn (2002)15.

Um dos elementos referentes ao tradicional, aos quais os jovens se referem, e

que gerou a própria denominação do Movimento Cabaçal, é a banda Cabaçal dos Irmãos

Aniceto16.

No caso do Brasil e, particularmente, do Nordeste, as tradições se aplicam e

são mantidas, no decorrer dos anos, como uma “identidade” nordestina, no sentido

14 Francisco Vanildo Costa Franco tem 25 anos, Ensino Médio completo e é natural de Guaramiranga. No ano de 2007 veio residir em Fortaleza, no bairro Benfica. Sobrevive da música através das aulas que oferece de percussão. Fora isso, dedica-se ao trabalho na Banda Dzefinha, que é mais de investimento. Toca também pífano, flauta transversal e percussão. Entrou em contato com a música, com uns treze anos de idade, quando foi para o bairro onde morava, participando de uma oficina de construção de instrumentos, de percussão e pífano. A partir desse projeto foram surgindo outras oportunidades. 15 Ver Hobsbawn e Terence, 2002. 16

A Banda, originária do Crato, é composta por cinco integrantes de uma mesma família: a Lourenço da Silva. São dois pifeiros, Raimundo e Antônio, o zabumbeiro Adriano, filho de Antônio, Jeová na caixa, e Cícero nos pratos. Segundo Assumpção essa Banda representa a “tradição” oral perpertuada pelas diferentes gerações, descendente direto dos índios Cariri. Tem uma relação muito estreita com os elementos da natureza, em virtude de sua própria origem, os índios Cariris. Além dessa formação musical, apresentava-se através de movimentos performáticos, imitando animais, em seus shows por todo o país. Iniciavam os eventos, em algumas participações, nos shows do Movimento Cabaçal. Disponível no site http// www.revistaangulo.com.br em 15.jan.2004

34

estático do termo. No passado, a região nordestina se limitou ao espaço rural, avesso às

modificações, legitimando uma noção de “identidade” e de “tradição” peculiares 17.

Um dos aspectos do conceito de tradição é a idéia de resgate, muito em foco

até mesmo no meio acadêmico. Essa visão não é bem aceita pelos integrantes dessas

Bandas, como assim argumenta Zôo, ex-vocalista da Jumentaparida:

Eu prefiro acreditar nessa idéia da tradição dentro da contemporaneidade, entendeu? O Jumenta não faz trabalho de resgate, certo? Nós somos influenciados por música nordestina, entendeu?, E vemos o rock como música universal. Mas, assim, em momento algum, a gente faz um trabalho de pesquisa, que resgata instrumento, que resgata a métrica, que resgata essas coisas pra poder fazer. Buscamos voltar no tempo e contar uma realidade pra dentro daquilo que a gente vive hoje em dia. (Zôo, ex-integrante da banda Jumentaparida).

Mesmo existindo uma valorização dos elementos culturais construídos no

passado, não há implícita a proposta de resgate. Eles preferem ver o passado apenas

como um referencial para construir uma realidade contemporânea. Dessa forma

misturam, em sua melodia, guitarra com zabumba, bateria com pífano, resultando em

um som bastante singular. Observemos a letra da música abaixo:

Tava em casa

Zefinha me chamou Pra falar que meu amor

Partiu pro além mar

Dzefinha me faz um cafuné

Que a marvada da muié partiu pra não voltar

Nas caravelas

Vindas do lá de lá No princípio aqui era um caos

Caravelas do mundo inteiro Invadiram o Brasil do pandeiro

Inventaram o pré-carnaval .....................................................

(Dzefinha, Toada)

Sou do Nordeste

Da praia do Sertão, da capital Cabra da peste

Riqueza cultural de Norte a Sul De Leste a Oeste

Eu tô aqui para dizer

Eu sou da terra da embolada Da rabeca bem tocada

E do pandeiro Que é mais veloz

Que o tiro do cangaceiro

Valente e conhecido Pelo mundo inteiro

Daqui pra frente Misturo rock com a levada do repente

Mostrando que o nordeste é muito diferente Da imagem pobre que é passada pra você

Na TV

17 Ver Albuquerque Júnior, 2001.

35

......................................................................... (Sou do Nordeste, Jumenta Parida)

Eu vou subir a serra, sentir cheiro de mato Na cachoeira do Boi Morto onde se bebe de fato

Vou ver fazer a cachaça retirada da pura cana Subir as escadarias da fé que irmana

Depois eu vou para o Agreste, vou descer para o

sertão Terra de cabra valente por onde andou Lampião Usando meu chapéu de couro, vou ver zabumba

falar Eu vou para o Juazeiro para ver o Padim Padre

Cícero implorar

E a chuva começa a cair Se São José ajudar

...........................................

(Cachoeira do Boi Morto, SoulZe)

Margarida se um dia ouvir essa canção

Faz favor de lembrar do meu pobre sertão Era uma pele corada e macia

A beleza da lua no espaço Um olhar que amansou meu cangaço

Um sorriso que há tempo eu não via

O meu peito no meio se partia A tristeza ficou na despedida

A saudade invadiu-me na saída Quando vi minha dama indo embora

Minha alma saiu sertão a fora A procura do amor de Margarida

Margarida se um dia ouvir essa canção

Faz favor de lembrar do meu pobre sertão Que me guarda na memória a canção da solidão Que conserva nossa história aqui dentro do meu

coração ....................................................

Margarida (Dr. Raiz) Dudé Casado/Junior Boca

A linguagem típica do Nordeste e a teimosia do povo sertanejo são temas

recorrentes nessa letra de música. Mas também estão presentes, como valores

universais, o amor e a saudade, o que nos leva a crer que o Movimento não se prende

tão-somente à vivência do povo do sertão.

Em meio à soma de temas diversos e aos elementos adquiridos no decorrer

da infância, convertidos em outros atuais, o que se compreende é que o Movimento veio

para solidificar o terreno já fértil da nossa cultura.

1.3. A Tradição Nordestina e sua influência no Movimento Cabaçal

A discussão sobre como surgiu a chamada música nordestina é relevante

para entendermos as influências geradas até os dias atuais, o que irá interferir na

consciência de uma musicalidade de estimável valor. Um panorama do Movimento, bem

como alguns depoimentos colhidos ao longo desse estudo, reafirma a busca pela

construção de uma identificação musical nordestina.

Para que se tenha uma noção clara da formação do Movimento Cabaçal,

torna-se necessário conhecer as características da musica tradicional nordestina, assim

36

como o marco diferencial entre o antigo e o moderno, e sua confluência no cenário

artístico cearense. Para tanto, é importante compreender que não se trata de uma nova

vertente na musica nordestina, e sim, de uma fusão de ritmos que denuncia o quadro

geral da cultura hoje.

Segundo Elba Braga Ramalho (2000), a vida musical no Nordeste é

conhecida através de documentos deixados pelos holandeses que ocuparam

Pernambuco, com a figura de Maurício de Nassau (1637-1644). Nas pinturas, gravuras e

desenhos encontramos as cenas de dança e música tradicional das comunidades

africanas. Instrumentos como tambor, chocalhos de cabaça, maracás e reco-reco são

típicos dessas expressões artísticas. As músicas toadas por escravos, por exemplo, se

encontram, também, registradas nas descrições das Irmandades religiosas.

Em Salvador, primeira cidade brasileira, o pólo artístico e cultural era

proeminente em relação a outras importantes cidades litorâneas, como Recife e Rio de

Janeiro. Particularmente, não tinha uma economia voltada, apenas, para o mercado

externo. A produção da cana-de-açúcar estava centrada na economia interna, fato que

intensificou as relações culturais e sociais dentro da capital. Tomemos como exemplo a

visão do estudioso Tinhorão (1998), com relação ao sistema sócio/cultural dessa cidade:

Essa unidade econômico-regional obtida numa área de mais de quatro mil quilômetros quadrados pela coincidência de exploração do mesmo produto – o açúcar de cana-, através de iguais modos e forma de produção - a construção de engenhos com capital e serviço técnico próprios, e força de trabalho escravo -, originava um sistema de relações sócio-culturais que, confirmando no geral a tendência da colônia para o estreito intercâmbio entre o campo e a cidade , aprofundava no entanto essa troca de influências com uma dinâmica e uma variedade de aspectos absolutamente original. ( Tinhorão, 1998: 79)

Ao mesmo tempo em que se iniciavam as diversas formas de canto e dança

na Bahia, ocorreu a explosão urbana provocada pelo trânsito da colônia para as minas.

Nesse intercâmbio entre cidade/campo, se por um lado provocou o início do caos social,

por outro se beneficiou da necessidade de mão-de-obra como suprimento comercial.

Algumas danças nasceram do entrecruzamento de culturas e etnias,

principalmente a negra - devido ao contingente de escravos que trabalhavam nos

37

canaviais. Foi originada, na Bahia, a fofa18, adotada pelas camadas populares brancas

portuguesas, além de outras danças, como o lundu19 e, posteriormente, o fado20.

Já com relação à comunidade indígena, uma banda de pifeiros é descrita pelo

viajante inglês George Gardner em sua visita ao Crato em 1838. Segundo Ramalho

(2000), ela demonstra um processo de aculturação, uma vez que bebeu na fonte da

cultura européia:

A estrutura do conjunto - dois pífaros, um tarol e uma zabumba - reflete a tradição européia. A própria palavra pífaro é uma corruptela da palavra piffero. A substituição da flauta indígena – toré, tocada em posição vertical - , pelas tranversais, de influência européia, sugere mudanças na sua função, pois o rústico toré, originalmente feito de bambu, era moldado e executado entre os homens em razão de seu simbolismo fálico. A adaptação feita pelos missionários permitia a presença de mulheres e crianças na audiência. A zabumba, além de sua baqueta, foi acrescido de uma vareta para possibilitar a execução dos ritmos em contratempo. ( Ramalho, 2000:14)

Podemos perceber que o entrecruzamento de culturas era intenso na região

nordestina, e sempre esteve presente desde sua construção. Aspectos como a riqueza

étnica, constituída a base da miscigenação e acrescida da língua e da religião, foram

essenciais para o crescimento da música popular brasileira.

Em pleno século XIX o grande marco econômico do país foi a transferência

do pólo da cana-de-açúcar para o café, trazendo conseqüências drásticas, tanto no

18 Tinhorão (1998) afirma que das danças originadas do criativo intercâmbio étnico-cultural-religioso a de maior popularidade, tanto no Brasil como em Portugal, foi a fofa. Foi citada pela primeira vez em 1730, como dança praticada por negros em Lisboa. Essa data coincidia com a época em que muitos portugueses viriam ao Brasil, atraídos pela miragem das riquezas nas minas gerais. Junto a eles, muitos escravos migravam para o Brasil para o trabalho junto as minas. Através desse entrecruzamento de culturas, novas formas de dança eram originadas, para pouco a pouco interessar aos mulatos, que, certamente, as fariam chegar ao público das camadas médias do teatro popular. Finalmente, as famílias brancas da elite colonial iam tomar conhecimento de tal novidade. 19

Segundo Tinhorão (1998) ao lado da fofa, adotada pela camada branca portuguesa, surgia o lundu. Para o autor, a dança era muito mais presa aos batuques negros que a fofa - de onde se destacara como dança autônoma, ao casar a umbigada dos rituais de terreiro africanos com a coreografia tradicional do fandango. É caracterizado pelo elemento coreográfico da umbigada com que o bailarino tirava o par para o centro da roda, e da marcação de palmas do ritmo de estribilho sempre repetido. O lundu reunia dois elementos acrescidos do castanholar dos dedos com as mãos erguidas sobre a cabeça, imitados do fandango. (1998:101) 20 Representou a terceira dança branco-mestiça derivada dos batuques ao lado da fofa e do próprio lundu. De coreografia semelhante à do fandango e à do lundu, o fado era conhecido às vezes no plural, outras vezes no plural. Sua semelhança com o lundu é bem variada e seria pertinente chamar o fado de um segundo nome para lundu, segundo Tinhorão (1998).

38

campo econômica como cultural, na região Nordeste. Na visão de Ramalho (2000),

havia duas realidades sociais: a do poder nas mãos dos fazendeiros, e a dos menos

favorecidos, que encontravam, na arte, uma forma de resistência. Era o mundo dos

circos, mascates e cantadores, o que favoreceu a manutenção de algumas tradições ainda

hoje propaladas no país. A música nordestina apareceu em meio à efervescência cultural

existente, também, na região Sudeste.

1.4. Século XX e suas influências

Sou influenciado pela diversidade musical brasileira, principalmente pelo rádio e pelas músicas populares que meus pais ouviam em casa, que vão de Ivanildo “Sax de Ouro”, Luiz Gonzaga a Jorge Bem Jor. (Marcio21, Dzefinha)

Tomando como exemplo a citação acima, essa diversidade cultural a que se

refere o músico Márcio, do grupo Dzefinha, demonstra que a relação entre o local e o

global perdeu totalmente suas linhas de limitação, se entrecruzando de uma forma

espontânea e original.

Mesmo que as linhas divisórias estejam ultrapassadas, é importante salientar

que, a partir do século XX, grandes transformações culturais foram contundentes para a

formação da música brasileira e, especificamente, a nordestina. A Primeira Guerra

Mundial22 (1914-1919) serviu como grande divisor de águas, provocando um

rompimento em todas as esferas sociais, econômicas e políticas e alterando a forma de

ver o mundo.

21

Ângelo Márcio Leal Martins, 28 anos, tem curso superior. Além de músico, é arte-educador e ator, juntamente com seus dois irmãos Orlângelo Leal e Paulo Orlando, também componentes da Dzefinha. É natural de Juazeiro do Norte e toca percussão e sax. É ator há 12 anos e já participou de vários espetáculos de dança. Como arte-educador, ministrou diversas oficinas nas diversas linguagens artísticas. Como luthier tocou instrumentos percussivos. 22 Ramalho (2000) discorreu sobre esse período e sua importância para a construção do Brasil como um todo. Segundo a autora, a Primeira Guerra Mundial trouxe desenvolvimento interno e incentivo à indústria local. Porém, ela ressalta que não somente na economia ocorreram transformações, mas também na área cultural. Essa área sofreu grandes modificações em relação às atividades relacionadas ao entretenimento – o qual se voltou mais para a cultura local. Nesse momento as elites começaram a se motivar e a assistir a eventos relacionados à cultura popular. Passou, desse modo, a interessar-se também pelo componente cultural, ou seja, por “produtos” locais. A produção local a partir desse momento começa a ter mais incentivo, inclusive no Nordeste.

39

Mudanças em todo o mundo acabaram por interferir nas artes e, sobretudo,

na cultura de um povo. No caso do Brasil, especificamente, os extremos se acentuam,

destacando as regiões Norte e Sul, o que incitou cada vez mais o estudo dos

regionalismos. A nação passou a ser vista dividida, buscando captar o todo, através do

qual se chega a uma totalidade.

Buscam nas partes a compreensão do todo, já que se vê a nação como um organismo composto por diversas partes, que deviam ser individualizadas e identificadas. A busca da nação leva à descoberta da região com um novo perfil. Diferentes saberes, seja no campo da arte ou da ciência, são mobilizados no sentido de compreender a nação (...) (ALBUQUERQUE JR, 2001:41).

A partir de então, não se poderia mais compreender a região sob o prisma

naturalista, em que o meio, a raça e a natureza são utilizados como elementos imediatos

de identificação de um povo, como se enxergava anteriormente. No início do século XX

os hábitos, os costumes, as práticas sociais e políticas passam, também, a ser analisadas

com o intuito de explicar as influências que uma cultura exercerá sobre outra.

As grandes distâncias e deficiências de transporte faziam das regiões Norte e

do Sul espaços totalmente desconhecidos um do outro. Por isso houve a necessidade de

conhecimento do país como um todo, para, assim, pensarmos em uma política de

nacionalização23, já que se acreditava que essa distância impedia sua emergência.

O Nordeste “nasce”, então, para o país, em meio a essa dicotomia regional.

Segundo a estudiosa Vieira (2000), foi redefinida a questão do espaço regional, com a

existência de programas e políticas voltadas diretamente para o Nordeste, o que

consolidou sua imagem, por conta da riqueza de crenças, costumes e atitudes peculiares.

23 Desejava-se unificar o país, porém não representava um processo neutro, e sim um processo politicamente orientado, que significava a hegemonia de uns espaços sobre outros. Essa política foi realizada por volta da década de 1930,durante o período de Getúlio Vargas, encabeçada, principalmente, pelas elites sulistas e pelos meios de comunicação da época. (Albuquerque Júnior, 2001:42). Conforme Albuquerque Júnior (2001), nessa época, São Paulo e Rio de Janeiro se colocam como centro distribuidor em nível nacional, relegando as outras áreas de costumes e hábitos diferenciados como “regional” ou “estranho”. O espaço diferenciado e a construção da economia e sociedade fazem com que se inicie uma nova relação entre as regiões: a de poder. A cultura, não diferente das outras temáticas, envolve também essa espécie de relação. O autor descreve sobre os estudos referentes à temática regional, revelando sua importância para a institucionalização de uma elite, dando, assim, um caráter político e social para essa discussão. Fundamentalmente, a cultura popular é utilizada como elemento simbólico, o qual permitirá que os intelectuais tomem consciência da condição periférica em que vivem, saindo de um papel tradicionalista e conservador.

40

Sem dúvida que os meios de comunicação na época – principalmente os

jornais - contribuíram para a construção do imaginário coletivo. O Nordeste manteve

uma imagem de região predominantemente inferior, devido às calamidades naturais que

lhe aferraram, como a seca de 1919, em contraste com a modernização urbana de São

Paulo, grande pólo econômico e social. Alastra-se, até os dias atuais, a visão de que os

estados nordestinos são atrasados, principalmente nas áreas rurais, mais castigadas pelo

flagelo da seca.

A própria produção literária brasileira pode ter contribuído para uma visão

inferiorizada do Nordeste, aos olhos de muitos intelectuais modernistas da primeira

fase, que movimentaram a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. No segundo

momento do Modernismo, surgiu a chamada Geração de 30. Tendo à frente escritores

como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, entre outros -

voltados para a denúncia dos problemas do Nordeste – o que predominava era a rejeição

da experiência com a linguagem, em prol de uma escrita lancinante e ultra-realista. 24. A

Geração serviu de modelo aos períodos literários posteriores, como o próprio romance

contemporâneo dos anos 60 e 70, que, também, buscou retratar uma neorealidade, sob

outro enfoque social.

Com o século XX vieram as transformações, trazendo grandes

conseqüências para a música, a partir da década de 4025. Hoje, a música regional, de raiz

24 No tocante à literatura, o Pré-Modernismo brasileiro, no início do século XX, também abriu espaço para a literatura regionalista. Autores passaram a influenciar o pensamento relacionado ao “Norte”, como naturalmente inferior, devido a seu meio e raça. Tomando como exemplo, posso enfatizar um autor que teve enorme relevância dentro da literatura regionalista: Euclides da Cunha, em Os Sertões. 25 Esse período representou um momento muito forte na política brasileira: o Estado Novo e a Era Vargas, tendo, assim, um cunho muito mais ideológico e simbólico. O Estado, a partir dos anos 1930, durante o Governo de Getúlio Vargas, torna-se um novo condicionante nessa busca por uma “brasilidade autêntica”, através de políticas culturais que enquadrem a música dentro desse perfil cívico-nacionalista. Agindo assim, ele valoriza o que seria tradicional e puro dentro do cenário musical brasileiro. Isso se deu, também, porque na década de 1940, com o ingresso do rádio, um novo campo se abria para a música e para os ouvintes, inclusive com gêneros estrangeiros, perfazendo o mesmo espaço do Baião e de outros “gêneros regionais”, que foram ganhando adesão do público. Para as elites intelectuais e para o Estado não era interessante que esses gêneros híbridos tomassem força junto à população, por representarem uma espécie de “artificialismo comercial”. Havia toda uma dominação ideológica por trás desse pensamento. A estratégia era garantir a força do Estado através de uma articulação das elites e das classes populares, tendo como pilar a música. A afirmação de uma “identidade nacional” na música diminuía as tensões sociais que surgiam devido ao processo capitalista e modernizante nascente à época. Para o Estado e as elites não interessavam que chegasse a população uma série de ideais provenientes do exterior, de revoltas e revoluções. A idéia do Governo era “salvar” a música brasileira das influências estrangeiras e da internacionalização crescente, fazendo com que o povo se detivesse à sua tradição e à autenticidade, em busca de suas raízes na criação de uma música “autêntica”. Nesse período, a música popular brasileira foi marcada por um extremo caráter simbólico, cujo principal fiador era o Estado, que buscava firmar seu poder junto à população.

41

urbanizada, ganha força, mostrando que se espelhou nas grandes escolas (como na

literatura, na música, assim como nos próprios costumes de épocas passadas).

1.4.1.A tradição musical nordestina urbanizada

Apesar das diversas influências existentes no Movimento Cabaçal, com

vários personagens da música popular apontados durante a entrevista, apenas um

permaneceu recorrente em todas as respostas dadas: a produção musical de Luiz

Gonzaga.

A música nordestina, após o processo de construção de um imaginário

coletivo que, por longos anos, insistia em defini-la como inferior, agora aparece sob um

novo cenário: a cidade. As influências trarão uma nova roupagem à música, que passará

a não representar somente o universo rural, mas terá olhos para o mundo futuro.

Trazida por Luiz Gonzaga na década de 1940, a música, hoje, apresenta uma

hibridização cultural sem precedentes. Com sua sanfona, o Rei do Baião, originário de

uma família de músicos, inicia sua trajetória, compondo músicas sob medida para os

migrantes que partiam do Nordeste para o Sudeste, em busca de melhores condições de

vida.

O Baião e o sertão26, na música de Luiz Gonzaga, segundo Vieira (2000), em

determinados momentos se confundem em uma só realidade, tendo, assim, um valor de

duplicidade. O sertão representa, a um só tempo, um local de miséria e fome - sendo

considerado um local de identificação - visto através da saudade tão referenciada por

suas músicas.

A “performance” do Rei do Baião é um instrumento a mais para

caracterização de suas músicas e de sua interpretação. O sertão se deixava entrever

26

Napolitano (2005) fez uma série de observações sobre como se deu esse processo de autenticidade na música popular brasileira, através de quatro fases principais: a primeira, referente ao lugar sócio-geográfico onde a música brasileira seria mais autêntica, como o “morro” e, posteriormente, o “sertão”. Em seguida, o autor descreve que a música popular brasileira tem a origem ligada ao tempo e ao espaço, razão pela qual é mais “autêntica” e “legítima”, quando mais fiel ao passado, aos gêneros de “raiz” e aos elementos “folclóricos”. A terceira fase revela que no crescimento econômico e industrial haveria o triunfo de uma música sem identidade e legitimidade, devido à influência dos modismos culturais. Por fim, o último aspecto analisado pelo autor configura toda a participação do Governo Getulista na formação de uma identidade nacional. Ele ressalta a necessidade de uma aliança entre setores intelectuais nacionalistas para se conseguir essa “verdadeira brasilidade”, evitando, assim, que se perca essa tão almejada autenticidade, tão promulgada pelo governo getulista.

42

através de suas indumentárias, do chapéu de couro, de sua sanfona e de sua maneira

acolhedora. Manteve como público fiel os migrantes que residiam no Rio de Janeiro e

São Paulo, longe de sua terra natal, o que passou a constituir, dessa forma, a grande

metáfora do sertão.

Dentro desse contexto, portanto, percebemos que o Baião se insere como

expressão musical da metrópole, porém trazendo temas recorrentes, como, por exemplo,

a saudade da terra de origem. O ritmo nordestino integra essa interação do sertão com a

cidade, cada vez mais valorizada pelo espaço conquistado dos movimentos musicais

contemporâneos.

É inevitável tecer semelhanças existentes entre o personagem Luiz Gonzaga

e os jovens integrantes do Movimento Cabaçal, assunto sobre o qual me deterei ao

longo do capítulo seguinte. As indumentárias, o modo de falar “arrastado”, a

comicidade, o intenso diálogo com o público, a “performance” utilizada no palco

representam alguns dos aspectos que as bandas trazem em suas apresentações, como

herança inegável do “Rei do Baião”.

Uma outra característica que marca a relação do Nordeste com a cidade,

através do que representa o Movimento Cabaçal, é que no repertório de Gonzaga há um

diálogo envolvendo a cidade grande e o interior - terra natal de alguns deles - e que,

notadamente, nos remete a uma simbologia do sertão.

A temática está presente, por exemplo, na música A Súplica, da

Jumentaparida, cuja letra foi escrita por Zôo, ex-vocalista da Banda. Em entrevista

concedida a essa pesquisadora, o cantor relata que, em sua infância, uma de suas

principais referências musicais foi Luiz Gonzaga, através dos discos que ouvia com seu

pai, na cidade natal, Quixadá. Observando-a, percebo sua influência como uma tradição

viva na memória, não só dele, mas de outros jovens envolvidos no Movimento.

Na referida música, Zôo narra a história de um homem que, apesar de todo

sentimento pela terra natal, por falta de condições resolve migrar para cidade grande. O

contexto é semelhante ao de Gonzaga, como se vê:

Acordei cedo e já fui ver que horas eram De madrugada o galo começa a cantar Abro a janela, olho para o céu Não tem uma nuvem O diabo dessa seca é de lascar Deus me perdoe

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Pode ser que eu esteja errado Mas acho que São Pedro Se esqueceu deste lugar Vamos rezar e suplicar Sem água a gente não vive Não tem jeito para plantar E sem plantar como é que vou me alimentar? Se as minhas vacas já tudo morreram Não tenho mais um pé de plantação A fome tá gerando um desespero Vamo acaba tudo debaixo do chão Deus mais uma vez me perdoe Eu tenho que roubar Mas por favor antes de me julgar Ponha-se no meu lugar E no meu lugar o que você faria Ao ver sua filha aos prantos suplicar Pai, aqui não tem comida Vamo imbora desse lugar Pai aqui não tem escola Como é que vou me educar? Vamo imbora que chegou a hora Senão a nossa hora vai chegar Caiu a noite, pé na estrada Vamo se mudar Tamo partido pra cidade grande Adeus.... ........................................................................................ Banda Jumentaparida, A Súplica

No entanto, o olhar do jovem não é o mesmo do grande mestre - com sua

vivência de viajante e seu espírito de homem sofredor - e o propósito, aqui, não é

sublimar o trabalho de um em detrimento de outro. O que importa é dizer que o sertão é

tema presente nos dois trabalhos, visto como um local da saudade, de tranqüilidade e de

demasiada fartura. Na letra Meu pé-de-serra, por exemplo, é explicitada essa sensação

de saudosismo. Mas ainda que haja sofrimento, com o flagelo da seca, o sertão também

é o espaço da segurança e do amor:

Lá no meu pé-de-serra Deixei ficar meu coração Ai que saudade tenho Eu vou voltar pro meu sertão No meu roçado trabalhava todo dia Mas no meu rancho tinha tudo que eu queria

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O que observo, comparando os dois trechos das músicas, realizadas em

épocas e contextos tão diferentes, é que a memória e a referência permanecem. A

cultura, espaço dinâmico, é criada e recriada com base nas tradições, e “ressignificada”

a seu tempo.

O sociólogo Simmel (1998) descreveu, de forma clara, toda essa

transformação por que passa a cultura, na qual percebo identificações entre o passado

musical e a movimentação dos jovens do Movimento Cabaçal. Para o autor a cultura

aparece como algo que será cultivado, isto é, resultará numa junção do que ele chama de

cultura subjetiva e objetiva27.

O que realmente resume o pensamento de Simmel (1998), conforme sua

concepção, é a afirmação de que “Cultura é o caminho que sai de uma unidade fechada,

passando pela pluralidade desenvolvida, chegando à unidade desenvolvida.” (1998, 81).

Essas especificidades culturais referentes a cada homem é que conferirão ao indivíduo o

caráter plural, e o que o autor irá chamar de “seu mundo”, ou seja, uma formação

cultural de cada indivíduo.

Longe de ser esquecida, a cultura nordestina já estava pré-estabelecida na

concepção desses artistas contemporâneos, através de suas origens familiares. A herança

se junta aos valores adquiridos na modernidade, resultando em algo individual,

modificado através do “mundo de cada um”.

As referências a que esses jovens tinham, através de gerações, são

“ressignificadas” e darão origem a um novo objeto. Esse é o conceito apreendido pelo

pesquisador. No entanto, o entendimento de cultura para cada um deles será visto de

forma diferenciada, devido à sua formação cultural individual.

As influências herdadas pela história familiar, o lugar onde nasceram e a

formação cultural irão, notadamente, estimular na composição musical desses jovens

artistas.

Como foi debatido anteriormente, as principais cidades brasileiras, a partir

da década de 1940, estavam em um movimento contínuo de expansão. Apesar de toda a

27Por cultura objetiva o autor define como um conhecimento adquirido pelo indivíduo no decorrer dos anos, sendo que este acervo aumenta diariamente, já a ela é algo que está em uma aceleração contida. Representa, portanto, algo que existe independente do homem.

45

dinâmica geradora da discussão acerca da interlocução entre cidade e sertão, este passa

a ser avesso a qualquer tipo de transformação. Já a cidade28 é vista como o local da

perda dos valores tradicionais e do distanciamento da natureza.

Nosso caráter e nossa cultura são híbridos desde a formação, e com a música

não foi diferente. A origem musical, oriunda de várias misturas de ritmos, fez com que

essa contraposição entre erudito/popular, hegemônico/vanguardista,

folclórico/comercial e o sertão/cidade interagisse de uma forma bastante peculiar.

O local e o nacional, o moderno e o tradicional, a cidade e o sertão são temas

recorrentes nas músicas e nas letras de Luiz Gonzaga, entrelaçadas no espaço

conservador e imutável do Nordeste - concebendo a chamada “música de raiz” - e o

moderno e dinâmico mundo da cidade. Desse laço fez surgir a “música nacional”.

Porém o que percebo é que esses termos se confundem, pois o ambiente e a

produção local carregam em si a marca de uma realidade nacional, estabelecendo,

assim, redes de relações plurais. Esse entrelaçamento está presente no Movimento

Cabaçal, em particular na música de SoulZé, quando fala da questão da terra, entendida

no contexto nacional, e não apenas no Nordeste:

As enxadas proclamaram que queriam te cuidar Logo elas se calaram com a promessa de igualar Derramaram o teu sangue misturado com suor Com os arames lhe roubaram o que tinham de melhor De quem é essa terra? A terra pertence a quem? Mãe gentil de gente brava Hoje o sangue é seu sêmen ...................................................................... Banda SoulZe, De quem é essa terra?

Ao analisar a produção musical desses artistas contemporâneos, notamos a

crise gerada pelo contexto nacional, como conseqüência dos avanços e da desordem do

mundo atual. Mesmo que possa manter uma relação de interdependência, podemos

observar a interferência desses dois mundos.

28 Napolitano (2005) explica esse processo de relação da cidade, na música popular brasileira, a partir do século XX. Segundo ele, o urbano reuniu uma série de elementos à “performance” e á composição musical. A gênese da música popular está intimamente ligada à urbanização da formação das classes populares e médias urbanas. Essa nova estrutura socioeconômica fazia com que o público se ligasse intimamente à vida cultural e a esses novos valores urbanos.

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Conhecer o regional e suas especificidades, em tempos de globalização

cultural, vem sendo uma das pretensões dos movimentos artístico-culturais. A partir

dessa consciência eles podem se distinguir das chamadas “manifestações nacionais”. As

especificidades da região, do seu povo e da cultura são elementos cada vez mais

constantes nos grupos oriundos do Nordeste. Entretanto, esses elementos vêm sempre

acompanhados de significados mais amplos, como a cidade e suas influências, o que

terá como efeito a interlocução com os elementos contemporâneos.

Como ficou exposta anteriormente, a proposta do Movimento Cabaçal, de

aliar os dois mundos, não representa algo novo no cenário musical contemporâneo. Não

se pode pensar em interferências musicais, nem de fusão de gêneros e ritmos, sem

mencionar a importância do Movimento Tropicália29, por exemplo. Ocorrido no final

dos anos 60, se valeu da experiência do Movimento Antropofágico, de Oswald de

Andrade, durante a primeira fase do Modernismo no Brasil, na década de 20.

1.4.2. O Pessoal do Ceará e Massafeira

Na década 70, no Ceará, ocorreram dois movimentos ligados ao que Mary

Pimentel (2006) - que escreveu uma dissertação cujo título é Terral dos Sonhos -

denominou de “cearensidade”. Sua idéia é abraçada pelo Movimento Cabaçal, como

marca indelével, vista através dos referenciais simbólicos desse povo:

29 A Tropicália foi alvo de muitas críticas. Por suas atitudes provocadoras foi odiada pela direita, e por não ter um caráter de protesto também foi criticada pela esquerda. Seu desfecho se deu no final da década de 60. Brandão e Duarte resumem esse período histórico, de engajamento da juventude na cultura e na política brasileira: “Nesse contexto, a cultura jovem dos anos 60, no Brasil, chegou ao final da década enfrentando duas novas questões. De um lado, a tentativa de manter uma produção cultural engajada, motivada pela idéia de revolução e transformação social, tal como fora equacionada até 1964 (...), de outro lado, a participação na indústria cultural, identificada como uma espécie de “traição” à cultura nacional, pois era tida como uma forma de cooptação utilizada pelo regime militar ao capital estrangeiro. A esse impasse, o Tropicalismo tentou responder de forma original. Entre a exigência de uma cultura politizada e a solicitação de uma cultura de consumo, optou pela tensão que poderia ser estabelecida entre esses dois pólos de concepção estética e política” ( Brandão e Duarte, 1990:74). Apesar de compreender que o hibridismo vem-se instalando na música brasileira há muito tempo, foi através da figura desse movimento que houve uma explosão no Brasil em termos de experimentação musical, trazendo à tona uma nova forma de criar música. Desapegado de valores tradicionalistas, a Tropicália surge com a proposta de fundir gêneros e estilos musicais, trazendo para a época novos conceitos e tendências e aliando o tradicional ao moderno. O Tropicalismo representou uma nova linguagem da música popular brasileira, partindo da “tradição” da música, aliada a elementos da modernidade. Essa iniciativa de unir elementos foi bastante criticada na época pelos que apostavam num movimento para a construção de uma identidade nacional.

47

Formas subjetivas pelas quais os artistas apreendem definem seu referente existencial, social e cultural, sua arte e a relação entre suas esferas. A análise de seus depoimentos como dos conteúdos simbólicos inseridos em suas obras nos fornece elementos para definir sobre essa dimensão imaginária: a cearensidade. (2006:155)

A partir desta concepção de “identificação cearense”, a autora desenvolveu

em seu estudo uma série de aspectos que revela serem distintivos e identificadores da

música cearense. O primeiro aspecto é a urbanidade como código referencial e

existencial, trazendo consigo as diversas influências culturais da cidade para suas

músicas e composições. O segundo é a relação com a contemporaneidade. Em sua

análise, a maioria das músicas vindas do Ceará representa uma visão do cotidiano de

cada compositor, que traz um olhar universal à sua música, falando de seu tempo e das

transformações históricas ocorridas:

Os compositores cearenses revelaram a necessidade de assumir um compromisso com sua realidade: o compromisso de uma geração frente aos impasses e contradições próprias do momento histórico advindos com as transformações culturais operadas não só em nível nacional como em nível mundial, que colocaram em evidência a revolução dos costumes, dos padrões sexuais e morais. (Pimentel: 2006,161)

Dentre esses compositores a autora cita Belchior, que denuncia em suas

letras um olhar crítico sobre a juventude de seu tempo. Com o trecho da música Velha

roupa colorida: “E o que em algum tempo, era jovem e novo, hoje é antigo, e

precisamos todos rejuvenescer (...)”, ela exemplifica que um dos segmentos utilizados

para caracterização da denominada “identidade cearense” é sua relação com os

movimentos contraditórios da sociedade. No trecho que citei acima, quando Belchior

fala em “rejuvenescer”, indaga sobre a mudança de tempo, vinculando, assim, sua

relação com os movimentos contraditórios da contemporaneidade.

O cantor, na década de 70, participou de um movimento caracterizador dessa

agitação da juventude e que teve amplo destaque: o Pessoal do Ceará, o qual será

mencionado, posteriormente, pelos jovens integrantes do Movimento Cabaçal. Segundo

Mary Pimentel (1995), esse movimento representou um marco na incursão dos novos

compositores cearenses dentro do mercado fonográfico, tendo como alguns de seus

participantes o cantor e compositor Raimundo Fagner. Essa geração buscou a

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valorização da música popular cearense, que começava a apontar para o Sudeste - no

eixo Rio-São Paulo - ainda que através de trabalhos individualizados.

Por último, como terceiro traço distintivo da música cearense, temos a

relação amorosa entre o artista e seu lugar de origem. Segundo a autora, “sem levantar

bandeiras ou apelar para ufanismos ou bairrismos, o compositor cearense extravasa-se

numa lúcida emoção ao mostrar a realidade cearense.” (2006:164).

A autora utiliza como exemplo caracterizador da música cearense um trecho

da música Terra, de Ednardo, “Eu venho das dunas brancas, onde eu queria ficar (..)

meu céu é pleno de paz, sem chaminés ou fumaça”. Verificamos que é evidente a

demonstração de orgulho do compositor por sua terra de origem. Procurou mostrar seu

ambiente como exemplo de paz e tranqüilidade, para onde ele desejaria permanecer. O

artista cearense, também, foi um dos grandes mentores de outro movimento que surgiu

no Ceará, no final da década de 1970: o Massafeira.

Especificamente, em 1979, o Movimento surgiu como uma “nova safra de

compositores também disposta a enfrentar as dificuldades encontradas na carreira

artística”. (Pimentel, 1995: 136). O caráter diferencial seria a não migração para o eixo

Rio-São Paulo. Esses artistas buscaram, mesmo no seu apego ao local de origem,

ampliar e renovar os espaços musicais. Por essa razão o caráter de “identificação” na

música cearense.

O principal objetivo do Massafeira era consolidar uma produção artística no

Estado, não somente no campo musical, mas nas artes em geral. Seu desejo era sair do

Sudeste, que é onde centram as principais produções artísticas do país, e encontrar

mercado, aqui, no Ceará. A propósito disso, é que mais de duas centenas de artistas

cearenses chegaram a ser reunir no Theatro José de Alencar, no ano de 1979, na busca

da consolidação de uma música cearense que dialogasse com o mundo contemporâneo.

Márcio, integrante da Dzefinha, quando perguntado sobre o que representa a

identificação cearense: “É a digital pela qual eu encontro sentido e similitude. É por

onde eu me diferencio do resto do mundo ao mesmo tempo em que me integro a ele”.

A integração com o mundo, a que se refere o músico, está focada na crença

da identificação, que mantém uma aliança contínua com a contemporaneidade, sem que

ela não signifique algo negativo.

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Júnior Boca, integrante da Banda Dr. Raiz, também reforça a questão da

identificação como fator que dá continuidade ao seu trabalho. Ele enxerga o que vem de

fora, mas está muito ligado ao que vem de dentro, já que diz respeito à sua origem.

Vejamos sua visão um tanto irônica sobre a globalização que, para ele, desequilibrou

um pouco as matizes de uma cultura enraizada:

Sem xenofobia ou etnocentrismo ou achando que a cultura da gente é melhor que as outras não. A gente simplesmente é daqui, tem um traço identitário bonito. Então é interessante a gente que é daqui ouvir isso, como também poder mostrar isso para outras pessoas, como é interessante também a gente ver o que é de fora, ver o colorido do mundo, que a globalização veio para deixar tudo cinza.. (Júnior Boca, vocalista da banda Dr. Raiz)

Segundo Júnior, existe a presença de um traço identificador que define o

cearense. Todavia não se pode negar certa resistência em preservar a cultura local, sob o

risco de perdê-la para as constantes mudanças do mundo urbano. É inegável a tentativa

de fundir o que já está arraigado com as novidades recentes de hoje.

Não percebemos, em suas músicas, uma característica peculiar pelo fato de

serem realizadas no Ceará. Da mesma forma que o Movimento se fundamenta na

discussão de Mary Pimentel (2006), busca-se descrever a realidade vivida na região. Os

três elementos tratados pela autora para descrever os dois movimentos aqui, como a

urbanidade, a relação dos artistas com a contemporaneidade e, finalmente, a ligação ao

local de origem, estão presentes, também, nas diversas canções do Movimento Cabaçal.

A globalização, sem dúvida, carrega esse embate, que faz com que a cultura

nordestina absorva as mudanças do mundo atual, em constante transformação, não só no

campo econômico, mas em toda a produção artística. É um ponto crucial a ser discutido,

na tentativa de apontar os possíveis efeitos que esse mundo venha suscitar nos modelos

já fixados da tradição.

50

CAPÍTULO 02: AS BANDAS

É um movimento artístico encabeçado pelas bandas D.Zefinha, SoulZé, Jumentaparida e Dr. Raiz, que busca uma nova identificação para a arte do Ceará. O movimento é aberto para todas as manifestações artísticas (dança, teatro, artes plásticas). (Iranilson, Dzefinha)

Neste tópico o objetivo é buscar definir, à luz de algumas letras de canções

escolhidas, o que representa o Movimento Cabaçal, suas propostas, aspirações e

principais características. Por uma questão metodológica, serviram de interpretação

somente as letras que me foram pertinentes e que tenham maior relevância junto ao

público, apesar da variação de temas.

Como o propósito, aqui, não é investigar sobre a musicalidade do Movimento -

assunto de interesse do profissional em Música, – o estudo se restringirá tão-somente à

interpretação do conteúdo de algumas letras, para que se tenha em conta a proposta de

cada um dos grupos. É relevante, antes, situarmos o Movimento em um contexto

musical recente, observando as interferências de outras modalidades, dentro e fora do

panorama nacional.

2.1. Contextualização do Movimento Cabaçal: A música popular em diálogo com a

mundialização da cultura

É assunto recorrente neste trabalho a questão da globalização cultural, porém

tomando de empréstimo a visão de Ortiz (2001), a denominação mais pertinente para se

referir a esse tipo de movimento global é a chamada “mundialização” cultural. Na esfera

do mundo atual, torna-se indispensável tecer comparações entre o local e o global,

percebendo de que modo interagem e entram em conflito mútuo.

O termo globalização é utilizado para designar todo e qualquer processo de

mudança econômica e tecnológica. Em se tratando do aspecto cultural, a terminologia

51

mais apropriada é a da “mundialização”, que se refere, particularmente, às

transformações ocorridas na cultura e os elementos envolvidos:

O processo de mundialização é um fenômeno social total que permeia o conjunto das manifestações culturais. Para existir, ela deve se localizar, enraizar-se nas práticas cotidianas dos homens, sem os quais seria uma expressão abstrata das relações sociais. (ORTIZ, 2000: p.31)

É importante entendermos a “mundialização” cultural como um termo

indispensável na compreensão da proposta do Movimento Cabaçal. Com base nesse

conceito, percebo, através da leitura de alguns estudiosos sobre o tema, uma nova forma

de conceber a cultura dentro da sua proposta: a “desterritorialização”. Ao mesmo tempo

em que os jovens artistas procuravam valorizar a cultura nordestina, se

“desterritorializam” do seu local de origem para que possam dialogar com a cultura

mais globalizada. O termo se ajusta, portanto, à saída do espaço individualizado, para

conquistar outro, de sentido mais abrangente.

Os autores Canclini (1997), Hall (2003) e Ortiz (2001), que pesquisaram

sobre a fusão entre diversas esferas culturais, tratam do termo “desterritorialização” não

como sendo um afrouxamento da cultura de seu local de origem. Apesar de manter sua

gênese, será cada vez mais difícil sustentá-la integralmente devido ao processo

globalizante e suas confluências com outras culturas.

Com a “desterritorialização” elimina-se, portanto, o enorme peso que as

raízes e a tradição exercem sobre a sociedade, permitindo que haja uma mobilidade dos

elementos culturais. Essa é a maneira pela qual a cultura se “esvazia” de seus conceitos

particulares.

Canclini (1997), fazendo um estudo comparativo, discorre sobre a existência

de uma tensão entre os processos de “territorialização” e “desterritorialização”, isto é,

entre as perdas das referências com relação aos aspectos tradicionais e a configuração

de encadeamento cultural. Essa última é geradora de uma gama de possibilidades, no

que se refere à articulação entre a urbe e o processo de mundialização, o que dá margem

a uma nova configuração cultural.

O conflito referido pelo autor está presente na mentalidade dos jovens

envolvidos no Movimento Cabaçal, visto que, ao mesmo tempo em que alguns se

52

voltam para temas universais, referem-se ao Nordeste e ao Ceará, em particular, como

fontes que devem se manter preservadas.

A “mundialização” maximiza esse conflito. Ao mesmo tempo em que o

homem contemporâneo tem necessidade de estar aberto às novidades tecnológicas –

embora haja os mais resistentes a toda e qualquer mudança - existe um outro ponto a se

questionar, que é o da busca por algo que o “identifique” como único, em meio a uma

diversidade cultural. Penso ser esse o motivo principal do surgimento de grupos como o

Movimento Cabaçal.

Ariza (2006) traça uma definição sobre quatro modalidades de músicas que

ele considera mais importantes. Depois do samba, da Bossa Nova e da Tropicália, é a

vez da denominada World Music ou World beat, de amplitude internacional, o que

acaba culminando em um hibridismo cultural sem fronteiras. São estilos adotados por

especialistas do mercado fonográfico atual, como segmentos da música popular

brasileira, em todos os seus desdobramentos e fusões de ritmos.

A world music, pensada como algo além da identificação de um produto comercial, pode ser apreciada sob várias perspectivas. Uma delas seria o interesse “pós-fusão” pelas formas tradicionais em si mesmas, certa curiosidade em conhecer experimentações “puras” de origens tão inéditas, quanto diversas (...) Seria uma espécie de turismo através dos sons. (...) Já sob outro ângulo, trata-se da continuidade dos processos de misturas musicais, já não operados dentro do âmbito do jazz e sim do pop. (ARIZA, 2006: p.293)

O autor explica que em todo o mundo esse “novo” processo musical foi

surgindo durante a década de 90, devido ao esgotamento do pop internacional e à

necessidade do mercado fonográfico de se voltar para um público cada vez mais

exigente.

Além desses motivos citados acima, o autor declara que esse movimento

surgiu, também, devido à inquietude e a motivações particulares dos jovens músicos, os

quais almejavam se “abrir” para novos estilos e experimentações, cansados do que

estava exposto no mercado mundial. Ou seja, essa movimentação foi positiva tanto para

o mercado fonográfico, ávido por experimentações novas, como para o público e para

os músicos.

53

Na declaração de Xavier, da banda SoulZé, percebo a necessidade dos

componentes do Movimento Cabaçal em fazerem uma reformulação estética na música,

com o objetivo de experimentar algo novo que movimentasse a cena cultural no Estado

do Ceará. É o que está visível na entrevista abaixo:

Pretendia mexer com a cena local. O Ceará vivia num hiato muito grande. Desde o “Pessoal do Ceará”, não se via mais nada saindo de lá, nada que aparecesse com um trabalho conciso, e queríamos mostrar que poderíamos produzir coisas de qualidade e com coisas que tínhamos ali mesmo; claro, sem esquecer do que anda acontecendo no mundo. As coisas têm que se renovar e é assim que a arte se difunde. (Xavier, banda SoulZé).

Apesar do mercado investir em novas recriações, é importante salientar que a

chamada world music surgiu não somente de uma necessidade econômica, mas também

do processo de constante mutação cultural. Dentro dessa mistura de ritmos envolvendo

culturas diferentes, torna-nos difícil conceber uma definição única, homogênia, para

essa categoria musical. Está muito mais próxima de um gênero, com todas as suas

nuances e desdobramentos.

Ariza (2006) destaca dois elementos pelos quais passa a música brasileira

hoje. A primeira, típica dos Estados Unidos, é o jazz junto à música eletrônica; a

segunda é o processo de miscigenação, que envolvem aspectos tradicionais e expressões

contemporâneas.

Na visão do autor, esse fenômeno vem surgindo devido ao processo de

“mundialização”, que se intensificou tanto na área econômica como cultural.

O processo de globalização, então, movimenta-se em direção ao estabelecimento de um sistema econômico e cultural comum a diversas e dispersas realidades, desde diversos centros hegemônicos, dirigindo-se a certa universalização. Ele, por outro lado, também dá lugar a um movimento de contrapartida, que se origina nas localidades (denominado globalização no Japão), exaltando o “particular” e coexistindo, assim, dois processos de comunicação: um global e outro local, sem serem plenamente harmônicos. (ARIZA, 2006: p.73)

Essa cultura, que vem emergindo dentro de um processo histórico, não está

ligada a nenhum contexto tempo/ espacial. Surge aliada à intensa miscelânea de

54

componentes trazidos pelos meios de comunicação global, influenciando, assim, as

composições artísticas em geral.

Na música, um dos melhores exemplos dessa manifestação artística é o

Manguebeat. Iniciado na década de 90, composto por jovens da zona urbana de Recife,

teve como proposta inicial fundir gêneros musicais. A idéia foi mesclar elementos da

cultura nordestina, como maracatu, ciranda, coco-de-roda, embolada, caboclinho, com

gêneros da música pop global, como rap, soul, funk, hip hop, o rock alternativo e a nova

música eletrônica. O movimento serviu de forte inspiração aos jovens músicos das

gerações seguintes, entre eles, indubitavelmente, o próprio Cabaçal.

Fazer interagir o velho com o novo era a intento de Chico Science, que

trabalhou a fusão de elementos tradicionais da música popular em meio a um contexto

atual diverso, repleto de sons eletrônicos. Sua realidade era o mangue, a desigualdade

social evidente na cidade de Recife, a História da região, entre outros ingredientes que,

juntos, se fundiram em uma complexa agregação de batidas e sonoridades

incomparáveis.

O Movimento, no seu início, foi bastante criticado pela mídia e por parte do

público, que o considerava apenas imitação do Manguebeat, e por não trazerem nada de

original. Renee Muringa (outubro/2003) cantor da banda SoulZé, posicionou-se sobre

essa crítica:

Se eu tiver que imitar o Chico Science para fazer com que a galera aqui olhe para dentro desse Estado, vou imitar 30.000 vezes se essa é a palavra, mas eu garanto que o objetivo, a virtude de conseguir isso é muito maior do que o questionamento em imitar ou não imitar, (...). Porque nós somos pobres em cultura, nós somos pobre mesmo, essa é a grande verdade. (Renee Muringa, vocalista da banda Soulzé)

O desânimo é evidente entre esses artistas locais quando se trata de

originalidade. Para eles, o Ceará é visto como a terra dos “covers”, onde o caminho

mais fácil a percorrer é a imitação gratuita aos estrangeiros. Afirmam que o público, por

sua vez, está acostumado a buscar espaços com esse tipo de música de imitação, daí a

inclinação do Movimento em produzir suas próprias músicas.

55

O vocalista Zôo, da Jumentaparida, avalia a importância do movimento

MangueBeat:

Jamais negaremos a influência do Movimento MangueBeat, que ajudou a despertar novamente no público da nossa idade o apego às nossas raízes culturais há tempo esquecidas. Também nunca abriremos a boca pra dizer que fazemos algo inovador. O que acontece é que assimilamos as boas influências das bandas que trabalham a fusão de ritmos e criamos um som com o nosso tempero, com a cara da Jumentaparida30.

No que diz respeito à “desterritorialização”, abordada anteriormente, de

acordo com Ortiz (2001), ela será um dos caminhos percorridos pelo Movimento

Cabaçal, que, também, percorre o trajeto da “mundialização”. O novo conceito

representa “um espaço abstrato, racional, des-localizado”. Para ele se “localizar” deve

preencher o vazio com a presença de objetos “mundializados”, e o mundo, então, passa

a se tornar reconhecível.

Ortiz (2000) não é de acordo que o conceito de “mundialização” trará a

homogeneização das culturas. Segundo ele, reflete-se uma padronização cultural:

Uma civilização promove um padrão cultural sem com isso implicar uniformização de todos. Sua amplitude envolve, certamente, outras manifestações. Mas o que é mais importante, ela possui uma especificidade, fundando uma nova maneira de “estar no mundo”, estabelecendo novos valores e legitimações. (ORTIZ, 2000: p. 33)

Ainda seguindo o pensamento de Ortiz, esse fenômeno representa um

processo decorrente de antinomias, como o local/global, o heterogêneo/homogêneo, a

fragmentação/unicidade, acarretando, assim, em uma tendência contraditória dentro da

unicidade.

Conforme o autor, essa dicotomia não se reporta, apenas, a limites espaciais,

mas se reveste de um valor simbólico. Segundo ele, o movimento se associa aos pares

universal/particular, cosmopolita/provinciano, elementos estes presenciados nos jovens

que compõem o Movimento Cabaçal, onde existe uma redefinição do significado da

tradição.

30 Em entrevista realizada para a revista Container 6, por Nailana Thiely.

56

Através da observação desses três autores, Canclini (1997), Hall (2003) e

Ortiz (2001), faz-notar que o local e o global são termos atados um ao outro, não

podendo ser estudados isoladamente, uma vez que “cada um é a condição de existência

do outro”, como assim disse Hall (2003). O nascimento de uma cultura traz consigo a

influência do meio, das pessoas e de sua história.

É inevitável que essa cultura musical sofra modificações, dado a sua

interação com o meio social. Interessa-me, portanto, interpretar a influência dos

elementos globalizantes na cultura nordestina, segundo a concepção dos jovens

integrantes do Movimento Cabaçal.

Perguntados sobre a concepção de cultura nordestina, estes, em sua maioria,

não se esquivaram em destacar a presença natural de elementos relacionados à

“mundialização” e à confluência das culturas desde sua gênese.

Para Xavier, da Banda SoulZé, por exemplo, que sequer é nordestino - é

paulista, residente há alguns anos no Ceará - seu discurso se baseia em como está sendo

conduzida a cultura popular nordestina. A avalanche de bandas que estão surgindo sob a

denominação de “música regional” traz certo desconforto, além de uma preocupação a

mais ao percussionista. Ele critica o uso do termo “resgate” utilizado por muitas bandas

para justificar sua existência. A cultura, como todas as outras coisas, está para ser

modificada. Assim expõe o cantor:

Tenho receio de como se usa a cultura popular. Vejo que é importante ter respeito, mas não gosto desse lance de super exposição, ou desse lance de todo mundo sair tocando tambor e dizendo que é regional. A cultura popular tá aí, mas devemos ter bom senso, e não gosto muito desse lance de conservar e resgatar. Ela não morre e tá aí pra ser modificada como tudo no mundo. Adoro brincar com ela, mexer nos ritmos, nas roupas, ou seja, tudo serve de inspiração, mas não como diretriz. Acho importante, mas não pode ser o motivo maior, as bandeiras são levantadas com muita facilidade e tenho receio disso. ( Xavier31, Banda SoulZé)

31 Francisco César Xavier Oliveira, 25 anos, é formado em Pedagogia. De religião católica, é natural de Marília- São Paulo. Vive da música, além de ter vários projetos musicais. Segundo o percussionista “tudo em que me envolvo faz parte dela”. Trabalha como arte-educador, dando aulas de percussão e fazendo direção musical de espetáculos e de grupos musicais em Ongs Sempre gostou de música. Desde cedo entrou para um grupo musical na escola, depois entrou para Bandas do circuito alternativo cearense. Logo já estava produzindo e gravando com várias Bandas da cena cearense. Trabalhou durante muito tempo em grupos folclóricos, ritmos, danças, mitos e costumes. Residiu em algumas regiões Estado do Ceará, inclusive no Cariri. “Tenho muitas influências regionais porque vivenciei tudo isso, mas não acho honesto dizer que não tenho influências urbanas, pois morei muito tempo na capital, e não tem como não ter”

57

Xavier levanta uma discussão bastante significativa quando enfoca os

movimentos artístico-culturais que elevam a bandeira de Nordeste, e como a mídia do

Sudeste trata esses movimentos, denominando-os “regionalistas”. Esse depoimento nos

instiga a pensar porque somos tratados como regionais, enquanto no Sudeste do país a

cultura é vista como estritamente nacional. Não podemos reafirmar esse estigma que

nos foi dado. Acredito que somos diferentes devido à nossa formação e à nossa

construção cultural, mas não podemos “levantar a bandeira da peculiaridade e

singularidade”, uma vez que corremos o risco de nos tornar exóticos, parafraseando

Mário de Andrade (1972).

Esse fenômeno está se tornando muito comum no campo musical. Bandas

estão sendo formadas e ritmos estão sendo divulgados como peculiaridade exclusiva do

Nordeste, o que acredito ser um atraso para a construção da cultura nordestina. Dessa

forma, caímos no mesmo equívoco dos tradicionalistas, que assumem que o que é bom

é o que vem do passado, e que devemos nos deter às raízes.

A aliança com os antepassados, sem a experiência da modernidade, deve ser

rompida. Os artistas devem ter esse cuidado de não aceitar essa imagem na difusão de

suas manifestações artísticas. Essa crítica também defende Xavier. Temo que essa visão

turva seja apregoada pelas novas bandas que sofrem influência exagerada da própria

mídia.

A diversidade de temas é importante quanto se trata de música produzida

aqui no Nordeste. Felizmente, grande parte dos artistas tem se comprometido com essa

aliança de junção do novo e do velho, a exemplo de grupos como Cordel do Fogo

Encantado, e artistas do porte de Lenine, Zeca Baleiro, Tom Zé e tantos outros que vêm

na contramão desse exotismo midiático, renegando o estigma de “regionais”.

Orlângelo Leal, em uma observação bastante pertinente, ressalta essa “nova”

leva de bandas musicais que procuram, em sua proposta, a valorização restrita da

cultura popular nordestina. Ele não descarta ser essa uma conseqüência de um mercado

cada vez mais fechado. Segundo o cantor, muitas bandas podem ser produzidas na

pretensão de indicar alternativas distintas das demais, embora ao mesmo tempo em que

desejam novas sonoridades, abrangem mercados novos e maiores:

Eu preferi essa coisa de tocar essa música do Brasil, que passa pelo samba, que passa pelo chorinho, que passa pelo frevo, que passa pela cantoria de viola,

58

porque eu acredito que esse universo é um universo muito criativo, em que ele pode te dar muito subsídio pra você desenvolver sua atividade. Se você pegar em diversas bandas, que tenha como inspiração a cultura popular brasileira como tradição, em alguns momentos elas se repetem, obviamente. Mas, em alguns momentos são muito distantes uma das outras. São bem diferentes. Então você vê possibilidade do que tem para você falar, de você ver e fazer. Isso passa, também, pela identidade. Pode ser, também, uma onda de mercado porque as pessoas tão vendo uma coisa de nicho que pode vender, pode ser uma oportunidade. “Ah! Então, vamos. Dá para se vender coisa por aqui, então vamos para esse lado”. Mas pode também ser por uma questão de necessidade de uma estética brasileira. (Orlângelo Leal, integrante da banda Dzefinha).

Carvalho (2005) comenta sobre a indústria fonográfica em formação, que

apóia e investe nesse tipo de manifestação cultural por achar que representa um novo

mercado em expansão. Apoiadas por muitas gravadoras, o falar do nordeste e o sotaque

são contundentes na identificação das chamadas “bandas regionais”.

A estratégia é tentar resistir ao tempo com a agilidade do improviso, a musicalidade da rima, a camisa de força da métrica, o forte sotaque nordestino, a voz anasalada da herança medieval e toda a riqueza de uma tradição popular que se apropria da indústria do entretenimento. (CARVALHO, 2005: p. 69)

Na realidade, o sistema capitalista tem grande influência em toda essa

transformação que está ocorrendo, especificamente na música. Por ser bastante

multifacetado, se adapta a todas as manifestações, desde que lucrativas para o

empreendedor. O mercado encara essas “novas” manifestações como um produto

inédito para o consumo de pessoas que não se adequaram ao mercado já existente.

Canclini (1997) comenta sobre este fato dando, assim, quatro alternativas principais

para o que estar acontecendo:

01. A impossibilidade de incorporar toda a população à produção industrial urbana; 02. A necessidade de o mercado incluir as estruturas e os bens simbólicos tradicionais nos circuitos massivos de comunicação, para atingir mesmo as camadas populares menos integradas à modernidade; 03. Ao interesse dos sistemas políticos em levar em conta o folclore a fim de fortalecer sua hegemonia e sua legitimidade; 04. A continuidade na produção cultural dos setores populares. (CANCLINI, 1997: p.215)

59

O autor descreve, ainda, sobre a necessidade desse tipo de indústria cultural que

se ocupa, também, dos consumidores resistentes ao consumo uniforme, diversificando a

produção de meios para se adaptar a todos os estilos e anseios. Com isso, o

tradicional/regional/popular é transformado, interagindo com o

moderno/urbano/globalizado, e demonstrando, assim, que o mercado cultural também

tem que se apropriar dos consumidores em busca de novos valores culturais.

Há um outro lado que não podemos deixar de comentar: além da

“espetacularização” destas bandas, a “mundialização” cultural vem trazendo a

necessidade do homem de se voltar às suas origens, como uma forma de se opor a essa

massificação. De acordo com Carvalho, “a nostalgia do homem contemporâneo levou a

um verdadeiro fascínio pelo artesanal, nestes tempos de exacerbada industrialização,

onde não somente na música, mas nas artes em geral, existe a predominância de um

deslumbramento pelo “tradicional/regional/arcaico” (2005, 85).

A fala do artista Orlângelo Leal reflete uma discussão ampla, resultante da

proliferação dessas bandas em todo o Nordeste. Não apenas no Ceará, mas em

Pernambuco e na Bahia estão se alastrando grupos com a mesma proposta do

Movimento Cabaçal. Outro ponto, responsável por esse fenômeno, é a aceitação do

público que se torna cada vez maior. Baseado nesse ponto de vista, posso realmente

pensar se esta não seria uma alternativa musical para o ingresso dessas bandas no novo

mercado cultural da música, que acredito estar em grande expansão, apesar da falta de

apoio do Governo.

Movimentar a cena musical cearense, carregando consigo uma singularidade

em suas músicas, trazer temas ligados ao povo nordestino, com a experimentação de

instrumentos, como a zabumba e o pífano, em harmonia com os ideais de hoje, é o perfil

do universo sonoro hoje.

A seguir realizarei a exposição das quatro bandas envolvidas no Movimento

Cabaçal, observando as letras, melodias, performances e indumentárias, para que se

possa obter uma visão global da especificidade de cada uma delas.

2.2. Dzefinha: “O teatro na música”

A Banda Dzefinha, originária de Itapipoca, apareceu no cenário cearense em

2001. Vem com uma proposta de integrar música e teatro, devido aos espetáculos de

60

rua, na cidade. Em suas apresentações realiza uma interação com a platéia através de

brincadeiras e “contações” de histórias e “causos” populares.

Da experiência teatral dos três irmãos – Orlângelo Leal, Paulo Orlando e

Ângelo Marcio - que tinham, anteriormente, uma companhia de teatro no início da

carreira – migraram para outra linha artística: a música. Levaram consigo a

“performance” corporal adquirida no teatro, verdadeiro diferencial da banda: “O teatro

na música”. É assim que Orlângelo Leal define a Banda DZefinha,

A gente tem um disco e a gente tem um show, em alguns momentos eles se complementam. Outro, eles são bem distintos um do outro assim. Mais uma vez posso perceber a importância do caráter performático de suas apresentações e uma das principais diferenciações da banda, o ver e o ouvir. (Orlângelo Leal).

Os integrantes realizam um cuidadoso esforço no sentido de criar

personagens que façam o público ouvir e ver, a um só fôlego, produzindo, dessa

maneira, um espetáculo interativo.

Sua formação atual é a seguinte: Orlângelo Leal no vocal, violão, rabeca e

pífano; Ângelo Marcio no sax, alfaia e pandeiro; Maninho na bateria; Welliton Araújo,

responsável pelo contrabaixo; Vaninho na percussão, Joélia Braga faz a sonoplastia do

espetáculo e, por fim, Paulo Orlando32 , que integra o lado artístico teatral da banda,

com relação às performances (Dragão, Caboclinho, Perna-de-Pau).

As músicas são criadas, em sua grande maioria, por autoria do próprio

Orlângelo Leal. Mas ressalta que os demais integrantes da banda têm constante

participação na seleção e no processo criativo. A Banda lançou no mercado o primeiro

Cd intitulado Cantos e Causos. O álbum compõe-se de 12 faixas musicais. Sua

vendagem já foi esgotada. Tem como freqüente em suas músicas, neste primeiro Cd,

segundo os próprios integrantes, a presença de três elementos principais: o cômico,

rítmico e a dança popular.

32 Paulo Orlando: Ator, formado pelo curso de teatro dos princípios básicos e aluno do Curso de Comunicação Social, Publicidade e Propaganda. Paulo Orlando Leal Martins tem sete anos de experiência teatral. Participou de vários espetáculos, além de diversas oficinas relacionadas à área teatral. Sua experiência teatral durante os últimos anos esteve mais presente na rua, com os espetáculos: “Retrato em Preto e Branco”, “A Chegada de Marculino no Purgatório”, “O Auto da Camisinha”, “Caostrazfobia” e “A Traição da Megera” e “O Casamento de Tabarim”.

61

O cômico é representado pela figura do personagem Mateus33 e sua

namorada Catirina, personagens presentes no Reisado de Congos, e representados,

respectivamente na banda, por Márcio Leal e Joélia Braga34.

Romance (concepção de Orlângelo Leal), uma das faixas de seu Cd Cantos e

Causos, tem sua matriz nos Romances da tradição oral: histórias de amor cantada em

versos. Alterna recitativo35, e canto. Orlângelo, inicialmente, realiza um recitativo

referindo-se à importância da figura feminina que, segundo o artista, apesar de todos os

problemas que ela pode gerar na vida de um homem, torna-se essencial para sua

sobrevivência:

Eu sei que a mulher tem defeito Maltrata, briga.. Tem a mulher que “atraiçoa” A muié que bebe A muié que fuma Mas quer desgraçar a sua vida meu amigo? Resolva viver sem uma? 36

Márcio Leal produz seu espetáculo “trabalhando o arquétipo desse

personagem, que tem uma função importante na construção do jogo cênico e da

dramaturgia. Ele vem quebrar o rito e a formalidade, tendo o cômico popular como

fonte de pesquisa e atuação” (outubro/2006)

33 Mateus é um ex-escravo que morre de medo do “Jaraguá”, personagem do figural do “reisado de congos”, uma mistura de pássaro, jumento e jacaré. Humorado, flexível às dificuldades da vida, a cotidiana disponibilidade para a galhofa, com riso e alegria, com esperteza e agudez, com espírito carnavalesco, que se traduz em repentes pertinentes, cômicos e transformadores da alma. (informações retiradas do release da Banda Dzefinha) 34 Joélia Braga de Sousa, 29 anos, é natural de Itapipoca, residente do bairro Salgadinho. Pedagoga, atriz, artista plástica e percussionista. Larga experiência profissional em educação infantil. Na Faculdade de Educação de Itapipoca foi bolsista de Iniciação Artística pelo CNPQ, desenvolvendo pesquisa em artes cênicas para a educação infantil. Atuou como atriz, confeccionou figurinos e adereços e fez sonoplastia dos espetáculos: “A Chegada de Marculino no Purgatório”, “A volta do Capeta”, “O Casamento de Tabarim”, “A Saga do Boi Tinhoso” e os “Bufões”. Além da Banda, faz parte de um grupo de teatro com mais outros três membros da Banda (Orlângelo, seu marido, Paulo Orlando e Marcio), chamado Trupe Metamorfose, que trabalha com aulas espetáculos, oficinas de arte-educação, teatro de rua, de palco, musicais infantis entre outros. Também é figurinista. Segundo Jóélia, em 1999 o grupo foi para o Festival de Teatro Nordestino de Guaramiranga fazer pesquisas e oficinas, “foi quando viu uma galera tocando pandeiro e decidi que queria aprender”. Foi muito útil porque no teatro de rua se trabalha com muita sonoplastia e isso a ajudou muito. Daí veio a zabumba, o triangulo,o caracaxá e o caxixis. 35 Segundo Aurélio (1988), recitativo representa um canto declamado, numa ópera, numa cantata ou num oratório, e que se caracteriza pela liberdade do ritmo e da melodia, e pelo assunto narrativo. 36 DZEFINHA. Cantos e causos. Produção Executiva: Thais Andrade. Direção musical: Orlângelo Leal. Fortaleza: Proaudio Studio, 2002.

62

O personagem Mateus está presente em toda a cena, representando um dos

elementos principais do show, pelo fato de interagir com o público, de contar histórias,

de brincar e de fazer rir a todo o momento. No entanto, após o primeiro trabalho, a

banda buscou outros arquétipos típicos da cultura tradicional, não se prendendo somente

a um.

O lado cômico, ingrediente indispensável para abrandar as dificuldades da

vida, além da inclinação para a galhofa, a alegria, a esperteza e a agudez, estão também

presentes nas letras da canção De Goga.

Nesta canção, como podemos perceber, o conteúdo lírico é recheado de

expressões, muito utilizadas pelo povo cearense, como “arengo”, “fuxico” e “espritado”

com o objetivo de revelar segundo Orlângelo, um povo que apesar de todos os

problemas ligados ao seu cotidiano estão sempre dispostos a rir e brincar.

A molecagem cearense, segundo Orlângelo Leal caracterizando este

elemento, é parte fundamental nesse espírito carnavalesco, cuja presença se traduz em

repentes repletos de comicidade. Entre a alegria e as agudezas do cotidiano, predomina

a diversidade artística dos brincantes e mestres, artesãos da fantasia e do riso.

Percebem-se nesta canção, “colagens” de gêneros diversificados da música

tradicional: toques de viola que se aproximam ora das cantigas de cego ora dos

rasqueados, os quais dão o suporte ao canto declamado da introdução e aos segmentos

estróficos em forma de embolada.

É de goga Enfeiar minha cidade Malinar nos meus ouvidos muruanha deixa em paz No pau da venta Sabacu rebolou sangue Arreda o passo Não se avexe Pois vou lhe atazanar Eu dou cotoco Arengo e falo rouco De vera eu sou cabôco Matuto sei aboiar Ôxe, galego Sou curumim criado Traquino e espritado

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Não gosto de confusão Mesmo difrussio Dou de garra na tua fuça Fuxico vogando é papo Já me dá congestão Eu já falei tá falado, cantei No meu canto embolado, Falei ..............................................

De Goga37, Orlângelo Leal

O segundo elemento a ser interpretado por Orlângelo Leal, nas

apresentações da banda Dzefinha, é o âmbito do ritmo. Para o artista o ritmo da banda é

inspirado na cultura popular brasileira, como o samba, o coco, o repente, o xote, o

frevo, a embolada, o caboclinho, o xaxado, o aboio, a toada, a loa, os benditos e o toré,

sejam eles um canto alegre ou triste, porque cada um “diz muito das cenas do cotidiano,

de hoje ou de um tempo sem fronteiras, de forma poética e harmônica”. Para bem

expressar a dimensão rítmica, há uma rica presença de instrumentos percussivos, como

o pandeiro, o zabumba, o triângulo, o ganzá, a caixa de guerra, o caxixi, os pratos, etc.

Os primeiros e os demais instrumentos melódicos tais como a rabeca, a sanfona, o

violão, o cavaquinho, os pífaros, o berimbau, e os apitos, segundo o artista, “ajudaram a

caracterizar uma sonoridade brasileira com uma riqueza musical e interpretativa”.

(Orlângelo Leal)

Alguns desses elementos estão presentes na canção do cd intitulado

Esquentamento. Podemos observar a composição melódica como elemento primordial.

Esta canção inicia-se com a exposição de Orlângelo sobre a importância da rabeca como

fonte de sobrevivência do artista, neste momento sem melodia:

Essa minha rabequinha é meus pé, é minhas mão É minha roça de milho, minha farinha, meu feijão Dela eu tiro a confissão, por não poder trabalhar Mas ao padre eu fui perguntar, se tocar fazia mal E ele me disse: Pode tocar lá na praça, porém se tocar de graça, Cai num pecado Mortal!38

37 DZEFINHA. Cantos e causos. Produção Executiva: Thais Andrade. Direção musical: Orlângelo Leal. Fortaleza: Proaudio Studio, 2002.

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Eles se somam ao movimento performático de Paulo Orlando. Na canção, a

melodia e a “performance” representam os elementos principais.

O terceiro elemento presente na banda, descrito por Orlângelo, é a dança

popular. Para ele a inspiração é proveniente das bandas cabaçais, do cavalo marinho,

das rodas de coco, do maracatu, dos reisados, das congadas e de outros folguedos de

baile.

Assim ele define a representatividade da dança, no espetáculo da banda

Dzefinha:

O ato de dançar é revelado como experiência fundamental que permite ao brincante dançar as muitas vidas das diversas personalidades que cada ser humano resguarda em si. No espetáculo “Cantos e Causos”, a dança, aparece como instrumento de linguagem para falar dos caminhos que vão do contato com a cultura popular e contemporânea, na busca de formular uma interpretação e uma encenação nacional, um corpo brasileiro que dança, samba, que brinca capoeira e que joga futebol. A dança das festas sagradas e profanas, que fala nossa língua, nosso verbo. Conhecer esse dança, alegre, que vai além do artesanal, do folclórico e do exótico, é aprender mais sobre nossa identidade de índio, de negro, de branco, de brasileiro, é reinventar mundo, é dá dimensão significante à arte na sociedade. (Informações retiradas do release da Banda Dzefinha)

Outro integrante da banda, Vanildo, também relata sobre a expressividade da

dança dentro do grupo. Trata-se de um elemento ativo, junto à “performance” teatral,

como se vê:

Essa coisa de dançar, de fazer “performance”, de fazer brincadeira, a banda traz isso muito forte, porque, na verdade, criou-se uma identidade em torno da música que a gente faz, em torno da “performance” que a gente faz, em torno das músicas que a gente canta e tal. Então a banda não existe, se não tiver essas duas coisas juntas. As pessoas conhecem a banda Dzefinha, com música, com uma sonoridade legal com as performances também. Então é essas duas coisas que formam uma. Dzefinha é o teatro, a dança e a música e a sonoridade do Nordeste que também se liga ao que está sendo produzido hoje em dia, com o eletrônico. (Vanildo, percussionista da Banda Dzefinha)

De acordo com suas palavras, a música e o teatro estão ligados, sendo esta a

principal característica da banda. O estudioso Napolitano (2005) defende a importância

do elemento cênico dentro do contexto proposto pelos artistas. Para ele, esses

38 DZEFINHA. Cantos e causos. Produção Executiva: Thais Andrade. Direção musical: Orlângelo Leal. Fortaleza: Proaudio Studio, 2002.

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elementos têm sido fundamentais, atualmente, na compreensão das manifestações

culturais. Com o advento da indústria cultural – tendo à frente a televisão como

principal ferramenta de entretenimento a serviço do povo – a música passou a ser,

também, visualizada.

Além do elemento cênico presente na banda, as indumentárias, o improviso -

tanto musical como performático diante da platéia – e a dança também se apresentam

como elementos de linguagem, no desenvolvimento e construção de suas apresentações.

Joélia Braga, outra integrante, relata sobre a importância das indumentárias:

É a nossa característica principal. Como basicamente somos também um grupo teatral, isso tem nos ajudado bastante a conceber essa mistura de música e cena. O figurino é o que caracteriza cada um de nós, desde o Mateus ao mestre ou os brincantes. Seria muito estranho um músico parar o show para contar uma piada. O figurino, a caracterização e os personagens nos permitem ir muito mais além. (Joélia Braga, integrante Dzefinha)

Joélia Braga, além de percussionista, é a personagem Catirina, que realiza

algumas brincadeiras com o personagem Mateus (Marcio Leal). É, também, responsável

pelas indumentárias da banda.

O segundo cd intitulado Zefinha Vai à Feira vem com uma proposta, a meu

vê, bastante diferente da anterior. Pelo próprio título criado, Orlângelo Leal explica o

objetivo desse segundo trabalho “A feira que batiza o cd é exatamente uma metáfora

para o mundo. Para aparecer em meio à turba provocada pela globalização, marcada

pelo consumismo desenfreado, é preciso também entrar no jogo do mercado.

Globalização é se ofertar para o mundo.”39

Esse espetáculo levou mais de um ano para ficar pronto e veio com uma

tiragem de 2.000 cópias. Nesse primeiro momento, escolheram o Teatro para que o

público pudesse compreender o conceito do espetáculo, segundo Vanildo Franco: “Esse

show tá bem diferente. Tem muito detalhe para você sentar e observar. Vale a pena

39 Entrevista concedida pela Banda ao Jornal O Povo de 14 de Junho de 2007, tendo como título da matéria “O balaio (High Tech) da Zefinha”, de Amanda Queirós.

66

prestar um pouquinho mais atenção nos arranjos de algumas músicas, na cena, na

iluminação, coisa que um local aberto fica mais difícil de fazer”40.

Há também, neste cd, a força da guitarra, da bateria e do contrabaixo, de uma

forma mais intensa que no anterior, Cantos e Causos. Isso dá margem ao aspecto mais

“global” da banda. É o que se comprova no depoimento de Orlângelo Leal, que diz que:

“a gente tá se definindo como uma banda plural de música popular brasileira”. É,

portanto, um cd mais eclético, partindo mais para a “universalidade, da sonoridade, da

pluralidade da música brasileira”.

No show de lançamento do segundo cd, no Teatro do Centro Cultural

Dragão do Mar, em junho de 2007, é inevitável tecer comparações com o trabalho

anterior. Inicialmente, através de um monitor instalado, a banda apresentou um filme

onde mostra sua trajetória em países como Coréia, Alemanha e, claro, o próprio Ceará.

O palco foi um componente bastante explorado, com a presença de cds, latas

e caixas, enfatizando o tradicional e o contemporâneo, na busca por manter um universo

fundido de ritmos. Este segundo trabalho traz um grande diferencial comparando-o

com o anterior, Cantos e Causos.

Na canção O Furo, os autores se inspiram nas danças medievais, e para

reforçar fazem uso de instrumentos de época: a flauta doce.

Em Reino de Iluminura o ambiente sonoro é preenchido com elementos

idiomáticos do reggae caribenho.

As indumentárias coloridas utilizadas nos reisados, presentes nos shows do

primeiro cd Cantos e Causos, foram deixados de lado. Atualmente o que se viu foi a

forma casual de se vestir, tendo cada componente seu estilo próprio41. Porém, em suas

vestimentas, grudam cds e papéis nas próprias roupas, como para demonstrar sua

interação no mundo informatizado.

40 Entrevista concedida pela Banda ao Jornal O Povo de 14 de Junho de 2007, tendo como título da matéria “O balaio (High Tech) da Zefinha”, de Amanda Queirós. 41 Seguiram uma trajetória parecida com a dos artistas do Cordel do Fogo Encantado, Banda esta proveniente da cidade de Arcoverde, interior de Pernambuco. No primeiro momento apresentavam-se com indumentárias referentes ao Reisado das Caraíbas. A partir daí cada componente seguiu um estilo próprio. Segundo LIMA (2005), a proposta da Banda não é resgatar elementos tidos como “originais” da cultura local, e sim, mesclar singularidades da região de onde vem, com elementos considerados universais, que são influências constantes. (LIMA, 2005: p.103)

67

Nas inúmeras idas aos shows desta Banda, observei um outro aspecto

bastante importante. Trata-se do personagem de Ângelo Marcio, que no cd Cantos e

Causos representou a figura de reisado Mateus, que brincava e contava historias para o

público. Como me referi anteriormente, ele foi deixado de lado, mas aos poucos foi

sendo retomado no show Zefinha Vai à Feira. Apesar de não se apresentar mais pintado

e com roupas coloridas, Márcio reaparece com uma máscara, provocando o riso na

platéia. Ele é peça fundamental no desenvolvimento do show. Canta, também, uma das

faixas do cd, com a música O Penso, a qual propõe um discurso de caráter mais

existencialista.

O supracitado segundo cd está dividido em 13 faixas musicais, entre elas a

peça instrumental Baião Serrano42. As letras de algumas canções fazem uso de

vocábulos do universo informacional como: download, logoff, no break, aliados a

expressões comuns entre o povo cearense, como “cabeça chata” e “Beco da Poeira”,

além das conhecidas vaias do cearense “iiiiêêiii”.

Orlângelo afirma que não tem como objetivo firmar-se como “banda

nordestina”, e que é necessário se identificar como brasileiro, acima de tudo, não apenas

como nordestino.

Talvez a gente tenha que se definir como brasileiro. Nós somos um só. Podemos morar no Ceará, mas eu sou o mesmo, dos brasileiros que moram em São Paulo. Obviamente os nossos costumes são outros, obviamente que nós comemos um pouco diferente, mas falamos a mesma língua, provocamos sonoridades... Essa identidade deve ser por necessidade de ascensão à vida do país. (Banda Dzefinha)

Essas manifestações populares, que possuem uma gama de elementos

distintos na criação de suas composições, representam uma forma de resistência

cultural. Segundo os integrantes da Dzefinha, seu objetivo não é o “resgate da cultura

popular nordestina”. O que buscam é dialogar e se apropriar de vários elementos, em

um trabalho de recriação.

42 Esta música é de composição de Vanildo Franco e Paulo Jales. Em sua melodia temos a presença de Ângelo Márcio, na zabumba, triângulo e efeitos; Maninho, na caixa, pratos e Hi Hat; Danilo Sampaio, no baixo; Vanildo Franco, no pife e Joélia Braga, nos pratos de mão.

68

2.3. Dr. Raiz: A eferverscência cultural do Cariri

A banda Dr. Raiz, originária de Juazeiro do Norte, em 1998, tem como alvo

principal a fusão de elementos do rock com os da chamada “cultura popular nordestina”.

Quanto ao nome, foi idéia do próprio vocalista Júnior Boca, devido a um cordel de

Patativa do Assaré, em que ressalta um personagem com essa denominação:

A gente tava procurando algo que tivesse a ver com raízes, e aí a gente lembrou do cordel do Patativa do Assaré, e da própria figura do Dr. Raiz. trata-se de um personagem que vive nas feiras livres, vendendo ervas medicinais, às pessoas. A gente achou legal, levou lá...e todo mundo aceitou. (Júnior Boca, Dr. Raiz)

Os representantes desta banda apresentam-se da seguinte forma: Antônio

Queiroz, único representante da cidade do Crato, vocalista e baixista; Beto Lemos,

vocalista e instrumentista (toca guitarra, violão e percussão); Dudé, vocalista, toca

instrumentos como sanfona, guitarra, violão; Júnior Boca toca percussão, pífano e

também é vocalista; Júnior Casado, responsável pela percussão; Pantera, também

percussionista e vocalista e, finalmente, Ramon Saraiva, que toca guitarra, violão,

percussão e também é vocalista.

Assim como outras bandas, a necessidade de valorizar a terra de origem,

através das particularidades do Nordeste, está evidente nas letras de música e nos

discursos desses jovens. Vejamos como expressa o vocalista da Banda:

Não é só no Ceará, nem só no Brasil, mas uma preocupação do mundo todo de se voltar para suas raízes, para o tribal. Eu acho que não tem para onde correr. Quando os povos de uma cultura começam a ter noção que tá perdendo a sua identidade diante desse processo de globalização, aquela história toda que a gente já conhece, e aí, pra você não deixar de existir, a única forma é você procurar voltar para si mesmo. E aí você encontra esses elementos e se encanta. Porque a gente, principalmente aqui no nosso caso, a gente não tava dizendo que a nossa cultura era a mais bela que nenhuma outra sabe... mas era tão bela e tão importante quanto.. (Júnior Boca, Banda Dr. Raiz).

Junior Boca dá a entender que a “mundialização” é prejudicial à evolução de

toda e qualquer manifestação local. Todavia, o que posso perceber é que, apesar de

existir certa resistência, ela é de suma importância para que haja uma difusão na nossa

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cultura. Canclini (2003), por exemplo, irá referir-se a essa “contradição” existente nas

sociedades atuais:

A Globalização acirra a concorrência internacional e desestrutura a produção cultural endógena, favorece a expansão das indústrias culturais com capacidade de homogeneizar e ao mesmo tempo contemplar de forma articulada as diversidades setoriais e regionais (CANCLINI, 2003: p.22).

Acredita o autor que a “mundialização” tem o caráter de fazer com que nossa

cultura se homogeneíze. No entanto, nossa sociedade já se solidificou como

heterogênea, haja vista os antepassados da época colonial, com a presença maciça de

culturas tão diferentes, como a africana e a européia. Originou-se, desde então, o

sincretismo cultural, que o favoreceu a hibridização, arraigada e em constate mutação

no espaço cultural brasileiro.

A Banda Dr Raiz lança um Cd, no ano de 2006, intitulado Cariri.Ce.Brasil,

trazendo uma seleção de 17 músicas. Boa parte é instrumental, como Abaianada43,

Portal do Cangaço44, Borboletas Azuis - Prelúdio45, Rabo de Boi46, Briga de Foice47,

Trotto48e Tocaia49. Nas demais faixas é nítida a inclinação por temas de caráter social e

religioso.

Sua fonte de inspiração, segundo eles, são as manifestações culturais

populares, como os reisados, as lapinhas, os pastoris, o ritmos das bandas cabaçais, o

43 Tocada pela Banda Cabaçal Santo Antônio, com o Mestre Chico. 44 Esta canção é de autoria de Dudé Casado, com sua guitarra e viola acompanhada de: Júnior Boca, nos pratos; Evaldo Rodrigues, no triângulo; Antônio Queiroz, no baixo e flauta; Lindemberg, na caixa e prato e participação especial de César Xavier, na zabumba. 45 Canção de Dudé Casado com Evaldo Rodrigues e Júnior Boca nos efeitos. 46 Canção de Dudé Casado, que vem com sua guitarra e sanfona; contando com a presença de Evaldo Rodrigues, no triângulo; Antônio Queiroz, no baixo; Lindemberg Monteiro, na caixa e prato; Júnior Casado na Zabumba e, finalmente, a participação especial de Waldonys Menezes, na sanfona. No final é tocada Asa Branca, de Luiz Gonzaga, dando continuidade a faixa Rabo de boi (forró dos véi). 47 Música de Júnior Boca, no pífano e voz; Dudé Casado, na guitarra; Evaldo Rodrigues, no prato; Antônio Queiroz, no baixo; Lindemberg Monteiro, na caixa e prato e Junior Casado, na zabumba Cabaçal. 48 Música Medieval ( Anônimo- Itália, século XIV). Ela conta com a presença de Dudé Casado, na viola e sanfona; Evaldo Rodrigues, no tambor; Antônio Queiroz, no baixo e flauta doce e Júnior Casado, na pandeirola. 49 Canção de Júnior Boca, que toca os pratos; Dudé Casado, na guitarra e sanfona; Evaldo Rodrigues, na zabumba; Antônio Queiroz, no baixo; Lindemberg Monteiro, na caixa e prato; Júnior Casado, no triângulo e participação especial de Waldonys Menezes, na sanfona.

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forró pé-de-serra, o maracatu, o coco, o maneiro-pau, a embolada e a cantoria. Assim

como a banda Dzefinha, Dr.Raiz também utiliza performances teatrais em seus shows.

Em uma das músicas intitulada Caldeirão, o cantor Júnior Boca se veste de Beato José

Lourenço50 e realiza uma pequena encenação no palco.

O artista explica o que motivou a banda a inserir elementos cênicos em seus

shows:

Com relação à Dzefinha é engraçado, porque ela veio do teatro e virou banda, e o Dr. Raiz começou com música e colocou esses elementos cênicos depois. Esse processo começou devido aos folguedos que a gente tinha contato, fora essa cultura toda, a história da gente. Todos eles tinham a questão da encenação, tinham uma dança. A “performance”, inclusive o reisado, as bandas cabaçais, o Maneiro-Pau a gente achou interessante, além de levar um ritmo desse, contava uma história de um cangaceiro.. E aí, naturalmente, foi acontecendo...(Júnior Boca, Dr. Raiz).

Com base na assertiva do cantor e nas observações a que tenho me dedicado,

observo a forte inspiração da banda em trabalhar elementos cênicos. Percebe-se a

influência dos inúmeros folguedos nordestinos, os quais são bastante comuns na cidade

de Juazeiro do Norte. A dança do maneiro-pau, as bandas cabaçais e o reisado foram os

principais motivadores da banda Dr. Raiz.

É válido ressaltar, em relação à produção do cd, que o mesmo só conseguiu

ser gravado após ter ganhado um edital, lançado pela Secretaria de Cultura do Ceará, no

ano de 2006. O assunto será discutido em capítulo posterior, juntamente com relação às

políticas públicas dentro do Estado do Ceará.

Quanto ao repertório do grupo Dr. Raiz, observa-se que as letras são

dispostas geralmente em três ou quatro estrofes, e que a sonoridade alterna entre a

presença de elementos idiomáticos da tradição regional e da música mais pesada dos

roqueiros.

Destacarei duas das 17 músicas, por entender que estas melhor representam a

proposta da banda, além de estarem entre as mais solicitadas em seus shows. A

50 Aos 20 anos de idade chegava à cidade de Juazeiro o paraibano José Lourenço Gomes da Silva, em busca de orientação do padre Cícero. Este recomendou que fizesse uma penitência durante algum tempo e que depois voltasse. No seu retorno disse que tinha uma missão. Mandou que se situasse no sítio Baixa Dantas, onde o padre mandaria os romeiros mais desvalidos, fugitivos de perseguições. O beato tornou-se pessoa de grande confiança de Padre Cícero. Após vários problemas, Padre Cícero perde o sítio e loca José Lourenço e seus seguidores na fazenda Caldeirão. Em pouco tempo é fornecedor de mão- de-obra, além de fertilíssima propriedade. Após a morte de Padre Cícero, Caldeirão é atacado por oficiais da polícia, devido ao receio de sua expansão. O local é saqueado e incendiado. (Souza:1994)

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primeira a ser apreciada é intitulada Caldeirão. A história do Ceará e o fanatismo

religioso são temas presentes, devido a procedência: Juazeiro do Norte, de Padre Cícero,

grande expoente da fé.

A melodia da canção Caldeirão de Santa Cruz do deserto inicia com uma

apropriação de uma canção dos Penitentes de Barbalha - Bendito de São Sebastião.

Após essa introdução, A guitarra distorcida se mistura à voz do cantor Júnior Boca e ao

tambor de Beto Lemos, que ingressa como participação especial. Nesta canção, também

se insere um segundo momento fortemente marcado pela presença de elementos

rítmicos do maracatu enfatizado pelo agogô. Trata-se, portanto, de uma grande

miscelânea de ritmos em uma mesma composição.

Com relação às letras, toda a narração tem como pano de fundo a história do

Caldeirão, narrada na modalidade estrófica dos Oito pés de quadrão, muito embora a

disposição rítmica das estrofes não condiga totalmente com a norma dada.51 No

encerramento, Júnior Boca faz o sinal da cruz declamando “Em nome do pai, do filho e

do espírito santo!!”. Trata-se do grito do cantor para encerrar a canção, como para

reforçar mais ainda a religiosidade presente em suas composições.

A vida me trouxe Uma triste lembrança Da falsa esperança E da grande ilusão Da terra doada Da terra amada Da terra arrasada Do meu caldeirão O olho da inveja A mão da maldade Fez perversidade Fez destruição Gente massacrada Gente assassinada Gente desterrada Do meu caldeirão A esperança que eu tive em minha vida Eu plantei toda naquela terra Esperava colhe-la sem guerra Essa era minha intenção Hoje lembro daquela aflição

51 Segundo Batista o quadrão representa estrofes de metros variados, geralmente em oitavas. Este termo também pode ser denominado Quadrão de oito, oito pés ao quadrão e oitava em quadrão. Esta disposição de estrofes é bastante utilizada pelos cantadores nordestinos. (1982: p.66)

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Isso tudo se virou num fato Que até hoje eu tenho contado Nesses oito pés ao quadrão .......................................................... (Caldeirão de Santa Cruz do deserto, Dr. Raiz52)

A segunda canção a ser interpretada é a que se intitula Borboletas Azuis

(Aves de Jesus). Em sua letra o tema da fé revela a enorme relação que a Banda tem

com esta temática, devido o local em que estão inseridos como já comentei, reduto dos

fiéis de Padre Cícero, localizado em Juazeiro do Norte no Ceará.

No final, Júnior Boca faz uma declamação sem melodia (a secco), após a

qual retorna ao som do pífano, da sanfona e da guitarra. Nota-se, na fala do músico, o

acentuado sotaque caririense, nos sons do “de” e do “te”53.

Lá se vais fiéis amigos, a santa procissão Por entre olhares tristes da pobreza e aflição Juazeiro terra santa, muita fé e oração Sofrimento, muita reza e penitência Pra encontrar a salvação Penei, rezei até me afobar Tanta reza nunca me ajudou Subia e descia o horto todo dia Mas minha paciência agora já se esgotou Sofrimento, muita reza e penitência Fanatismo, hipocrisia e miséria É verdade ainda dizem que o paraíso Se consegue sendo pobre sofredô E desse jeito vivi a vida reprimido Pensando estar certo meu senhor. ................................................................ ( Borboletas Azuis, Dr. Raiz54)

Através de apurada observação, percebo que esta banda diferencia-se um

pouco do discurso utilizado pelos integrantes da banda Dzefinha. Dr.Raiz vem com a

52 DR.RAIZ. Cariri.Ce.Brasil. Arranjos: Grupo Dr. Raiz. Direção de Arte: Marcos Pê. Fortaleza: Proaudio Studio, 2006. 53 Na lingüística se denomina de paliodental. Iniciação à Fonética e à Fonologia. Callou, Dinah, Leite, Yonne. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. 54 DR.RAIZ. Cariri.Ce.Brasil. Arranjos: Grupo Dr. Raiz. Direção de Arte: Marcos Pê. Fortaleza: Proaudio Studio, 2006.

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proposta de valorização e preservação da música. As tradições referenciadas vão ao

encontro às manifestações populares e aos folguedos nordestinos, trazidos pelos negros,

brancos e índios. No caso de DZefinha, a proposta tem um caráter mais

“antropofágico55”.

A influência da cantoria nordestina está presente nesta banda, principalmente

na canção “Nordestino - Introdução”. Podemos observar essa característica pela

disposição de versos, sendo assim do gênero identificado como carretilha de quatro

sílabas56, segundo Batista (1982).

Sua disposição representa uma toada muito rápida, onde as suas terminações

correspondem quatro terminações iguais ABBAACCDDC.

Passei minha vida morando no mato (A) Arando terra, arrancando toco (B) Toquei fogo em broca, era aquele sufoco (B) Colhia feijão e vendia barato (A) Criava um cachorro, uma vaca e um gato (A) Um burro ligeiro pra eu trabalhar (C) A minha casinha, o meu sabiá (C) Tinha dinheiro, mas tinha vontade (D) De ganhar o mundo e na grande cidade (D) Tomar uma cana na beira do mar (C)

Em Nordestino (Na Beira do Mar) a lírica conta a história de um nordestino

que migra para a cidade grande e, chegando lá, é assaltado, passando por situações

constrangedoras, por não estar habituado àquela realidade. No final, a terra natal é vista

como refúgio de paz, liberdade e aconchego.

......................................................................... E nesse momento fiquei com saudades, Do meu Juazeiro, do meu Cariri E dessa viagem me arrependi

55 Antropofagia cultural é o termo utilizado pelos intelectuais que participavam do movimento Semana de Arte Moderna de 1922, tendo à frente Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, entre muitos outros. A proposta era rearticular termos antes dicotômicos, como tradição e modernidade, regional e universal, sob nova forma e compreensão da cultura brasileira, através de uma renovação estética. Na música esse exemplo se deu no Brasil com o Tropicalismo, onde artistas reeditaram a metáfora antropofágica. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram os precursores do Movimento. (SANTOS, Mariza Veloso Mota e MADEIRA, Maria Angélica. Leituras Brasileiras: Itinerários no pensamento Social e na Literatura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

56 Carretilha representa uma estrofe de dez versos de quatro ou cinco sílabas, na mesma disposição de rima da décima, cantados em toadas muito rápidas. ( Batista, 1982: p. 19)

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Pois vi que perdi minha liberdade As cidades grandes são lindas cidades Mas não são melhores que o meu Ceará Que qualquer boteco posso freqüentar E encher de amor o meu coração Prefiro os costumes desse meu sertão ......................................................................................... (Nordestino, Dudé Casado)

Os integrantes que constituem a banda Dr.Raiz, em sua maioria, são

provenientes da cidade de Juazeiro do Norte, talvez seja por esse motivo que apesar da

influência sobre a Banda de elementos da cultura rock57, em suas composições

melódicas, percebemos a caráter influenciador da terra de origem, Juazeiro do Norte

localizado na região do Cariri no Ceará. Local este, que tem uma grande expressão

cultural de seus artistas, além de enorme presença de manifestações artísticas e

folguedos nordestinos. Traz assim para a banda o caráter híbrido presente em suas

composições.

2.4. Jumentaparida: O Hardcore Regionalista

A banda, fundada em 1998, era reconhecida como sendo o Hardcore

Regionalista, por ter uma preponderância mais intensa da cultura rock. A constante

presença das guitarras e da bateria faz seu diferencial dentro do Movimento Cabaçal.

Foi a única, entre as quatro aqui pesquisadas, que não deu continuidade a seu trabalho,

desfazendo-se em 2005. A falta de apoio estatal foi o motivo gerador, segundo seus

integrantes, do fim do grupo, que se sentiu desmotivado em seguir a carreira artística.

Tinha em sua composição Zôo (voz, backing vocals e percussões); Breno

Lagartixa (guitarras e backing vocals); Anax Vieira (baixo e backing vocals) e

finalmente André Luiz na bateria e backing vocal.

O artista Zôo, vocalista, explica o porquê da escolha do nome da Banda, de

forte sonoridade – a idéia partiu de seu tio - como algo que estivesse fortemente ligado

ao cotidiano do sertão:

O Jumento é o bicho doido do sertão, que canta as alegrias e as desgraças do Nordeste e sai por aí distribuindo coices nas coisas erradas. Esse nome foi

57 Segundo entrevista do vocalista Júnior Boca para esta pesquisadora.

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inventado por um tio nosso, o tio Toim, (...) e ele veio se encaixar perfeitamente no tipo de som que a gente queria fazer. 58

A banda Jumentaparida era uma das mais bem cotadas em termo de público

. A juventude identificava-se muito com sua música, talvez por seu caráter mais

próximo do rock. Conseguiu realizar um clipe na casa de show Hey How, na cidade de

Fortaleza, e lançar um cd homônimo, em sua curta trajetória musical.

Em seu cd, único lançado pela banda, constam 14 músicas, cujas letras

apresentam estrofes mais longas. Estão divididas, em sua maioria, em três ou quatro. A

melodia prima por um som em que predominam as guitarras, os baixos e as baterias.

Segundo Zôo, na concepção das letras sempre existiu a preocupação em

tratar de temas sociais. O próprio vocalista integra a Associação Cultural Cearense do

Rock59, onde, além de movimentar eventos, há um trabalho voltado para a questão

sócio-cultural. Como ele mesmo explica:

Eu acho importantíssimo o estímulo à solidariedade, como as coisas estão acontecendo hoje em dia, essa desigualdade grande. E desde 98 que eu estou envolvido com a Associação Cultural Cearense do Rock. Aqui a gente não produz só show. Claro que a gente produz os eventos. É uma associação de bandas de rock, mas o rock, ele canta muito a crítica social. A maioria das bandas de rock canta a crítica social e eu não acho válido você ficar preso somente ao discurso, cantando, esculhambando a tudo e a todos e não dá um pingo de contribuição. É pouco o que a gente faz aqui, mas já é alguma coisa e eu acho que a partir de alguma coisa você pode fazer mais... A gente começou um projeto de inclusão digital, aqui na associação, pra essa comunidade e pras comunidades aqui ao redor. E já sendo viabilizado, já tá praticamente certo um outro projeto pra gente trabalhar com arte-terapia e adolescentes soropositivos, quer dizer, tá praticamente fechado pra gente começar já agora em setembro. E é uma contribuição mínima. Eu acho que a idéia da gente enquanto artista é tomar a frente de uma coisa dessa. É porque queira ou não queira o artista ele é formador de opinião e isso é uma coisa que precisa ser estimulada entre as pessoas, a solidariedade. Não só a solidariedade, como essa questão ambiental (...) (Zôo, Jumentaparida)

58 Disponível em http// www. paginas.terra..com.br/informática/animescity/entrevista9.htm.

59 A Associação Cearense do Rock foi criada em 1998, sob a presidência de Amaudson Ximenes, o qual tem o objetivo de, segundo seu próprio presidente, além de promover festivais como o ForCaos e ajudar bandas num regime de quase cooperativa, tem um programa semanal de rádio. A emissora só toca bandas nacionais. Há, também, um informativo periódico em forma de fanzine, chamado SubVox, e ainda integra um projeto que ajuda jovens carentes da periferia, através da AAPCS ( Associação de Apoio ao Programa Comunidade Solidária).

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A canção Jumentaparida, que carrega o mesmo nome da banda, apresenta

em sua letra uma proposta muito clara acerca da realidade do Nordeste: o sertão e o

êxodo rural. Nesta banda, observa-se também a fusão de elementos regionais com

aqueles da cultura do rock, com destaque para o timbre destorcido da guitarra.

Então, a Jumenta hoje, desembestou E o sertão vai ouvir rock”nroll Ecoando de todos os lados Trazendo o recado para o povo mandou Distorção, é a palavra de ordem aqui Sem mensagens não posso seguir Vou passando deixando o meu rastro E catando os pedaços do que destruir E o que destruir? Resolvi, bem cedinho me mandei pro sertão Na paisagem encontro a inspiração A guitarra misturei com o fole Peguei hardcore e misturei com o Baião

...........................................................................

(Música:Jumentaparida,banda Jumentaparida60)

Na canção Êxodo, sua melodia segue a mesma tendência da anterior: a

percussão é mantida como, com elementos rítmicos regionais, e a guitarra interfere

provocando um processo de hibridização.

Observemos a temática nesta letra, onde a visão dicotômica é bastante

acentuada, ou seja, de um lado o Sudeste, como gerador de oportunidades, do outro o

Nordeste, como símbolo de miséria e fome:

Noite cai E pinta o céu azul Com a cor dos urubu Que rodeiam aquele animal Que morto aculá Do lado de lá Não suportou tanta sede Tanta angústia, tanta dor Sofrimento à flor da pele Tome conta meu senhor Cansado dessa agonia

60 JUMENTAPARIDA. Jumentaparida. Produção: Moisés Veloso e Jumentaparida. Fortaleza: MV Estúdio, 2002.

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De morar no interior Vim embora pra cidade Pra ser mais um sofredor Carregando em minhas costas O peso da ilusão De ter casa, ter dinheiro De não me faltar o pão Larguei minha família Ficou pra trás o sertão Tenho que pensar na vida e esquecer o coração.

Vendo amanhecer o dia Sem encontrar a solução Perambulo pelas ruas E do meu lado a opressão Agora o que me resta A dor da decepção Volto pra morrer de fome E me enterrar lá no sertão. ...................................................

(Êxodo, Jumenta Parida61)

Na canção Sou do Nordeste, a letra acentua a visão estereotipada sobre o

Nordeste por parte do Sudeste: o primeiro é visto, apenas, como espaço de miséria e

seca. O intérprete faz uso do canto declamado, alternando com estrofes que se inspiram

na modalidade da Embolada62.

Sou do Nordeste Da praia do Sertão, da capital Cabra da peste Riqueza cultural de Norte a Sul De Lesta a Oeste Eu tô aquí para dizer Eu sou da terra da embolada Da rabeca bem tocada E do pandeiro Que é mais veloz Que o tiro do cangaceiro Valente e conhecido Pelo mundo inteiro Daqui pra frente Misturo rock com a levada do repente Mostrando que o nordeste é muito diferente Da imagem pobre que é passada pra você

61 JUMENTAPARIDA. Jumentaparida. Produção: Moisés Veloso e Jumentaparida. Fortaleza: MV Estúdio, 2002.

62 Segundo Batista (1982) a embolada representa oitava acompanhada de estribilho, em que o 1º e o 4º versos têm quatro sílabas e os demais têm sete. O nome é devido ao encadeamento de diversos. (1982: p. 26)

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Na TV .................................................................................

(Sou do Nordeste, Jumenta Parida)

Na canção Infância Cibernética, a qual o cantor Zôo relembra, com saudade,

as brincadeiras em que não havia os recursos tecnológicos de hoje. Mais uma fusão de

ritmos do tradicional ao internacional ocorre. No texto poético, há crítica à internet e à

televisão, ferramentas que ajudam as crianças a se manterem mais individualistas:

Confinados em seus quartos Alimentando-se de Gigabytes As crianças de hoje não são mais iguais As crianças de tempos atrás Brincadeiras nas ruas Já não existem mais Eu prefiro ficar no meu quarto Montando o meu próprio site As crianças de hoje não jogam bila As crianças de hoje não jogam peão As crianças de hoje só assimilam O lixo que provém da televisão

A política também é tema abordado nas letras desta banda. Principalmente a

do interior, onde muitos eleitores vendem seu voto em busca de alguns “presentes” dos

candidatos. Na canção Opinião, Zôo canta estes versos: “Eu não vendo o meu voto, eu

não vendo!”.

Eeeeuuu, saí de dentro do mato Queimei meu pé no asfalto Mas não gaguejo se o assunto é eleição Porque eu não fico calado Ao ver o povo humilhado Trocando o voto por um pedaço de pão

A atenção se volta para o conteúdo das letras, talvez mais do que a

sonoridade e o efeito das batidas. Os músicos dão uma extrema importância à

mensagem. Daí a razão de produzirem estrofes mais longas. A melodia fica um pouco

para segundo plano, como descrevi anteriormente.

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2.5. Soulzé: A levada soul

É dessa forma que o vocalista da SoulZé, Renee Muringa intitula a banda.

Formada em Fortaleza, em 1997, sua proposta pode ser compreendida através do

discurso de um dos seus integrantes:

Nós somos uma banda de rock, com certeza, mas nós temos uma influência muito forte dessa história de pegar o que tem em nosso redor e construir o nosso som. A gente se utiliza muito da indumentária nordestina, de ritmação, melodia e harmonia, mas a gente também tem influências de filmes, literatura... tudo isso entra na nossa música. E a nossa banda tem sete componentes e todos participam do processo de composição. O som pode ser definido como de uma banda de rock, com a pegada forte nordestina, mas liberada para outros sons, como samba funk, drum bass... 63

Nesta banda a proposta musical já se percebe no próprio nome. Ela mistura a

levada da música soul aos elementos nordestinos, carregando uma batida diferente das

outras às quais me referi anteriormente. Passeiam, também, pelos gêneros samba-funk e

o drum’n’bass, na busca por um som diferencial.

Sua formação anterior, denominada de Irmãos Duzé, revela uma trajetória

musical com misturas que vão de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e João do Vale ao

cancioneiro popular nordestino. Essa vivência foi marco direcionador da banda,

fazendo-a vislumbrar, segundo Renee Muringa, “principalmente o baião, com suas

paradas súbitas o grande laboratório que a música nordestina poderia e a forte presença

da percussão”. A experiência resultou, ainda, numa miscelânea estética ao entrar em

contato com outras influências: “as trilhas dos filmes de ficção científica, com seus

ruídos e climas, o psicodelismo e o experimentalismo da música das décadas 60 e 70 e a

atual música eletrônica”.

É composta por Renee Muringa, como vocalista; César Xavier, responsável

pela voz e percussão; Dazul, na guitarra; Marcos Maia64, bateria e percussão; Gil Dias,

63 Retirado de uma entrevista cedida a Cuia Records. Disponível em http//www.cuiarecords/ bandas.com.br. 64 Marcos Maia (Percussões e bateria), 30 anos. “Ingressei no mundo da música em 1987, no grupo folclórico da Escola Técnica Federal do Ceará, onde tocava percussão, zabumba, triângulo e atabaques. Foi ainda na ETFCe que fui apresentado à bateria. Passei a tocar na banda de rock da escola, o Crepúsculo, e a partir daí não parei mais”. Além de tocar com vários artistas cearenses, fez parte (e foi fundador) de várias bandas que foram significativas na cena local, como as extintas Vini Vidi Vici, Mad Blues, Groove e as ainda em atividade Cidadão Instigado, Los Coçadores Del Chaco, Unit, Quarto das Cinzas, Mary My Muse e SoulZé. No meio desses dezessete anos, forma-se em Arquitetura pela UFC e,

80

na flauta, pife e apitos; Demétrius, no baixo e, finalmente, Vital65 , na bateria, percussão

e nas programações.

Ao se referirem às suas músicas, se intitulam como Beat Pesado, por beber

na fonte da música nordestina e pregar a heterogeneidade cultural. A origem das

composições resulta desde mistura do baião até os ritmos contemporâneos. “O jungle se

abaioniza e o rock se anordestina nas densas levadas percussivas66”.

Na letra da canção Cyber Cangaceiro67, ocorre a fusão do meio tecnológico

com o universo nordestino, além da própria proposta da banda em sua denominação.

Cyber cangaceiro/ Com seu alforje prata Da palma sente falta/ Por essa gente, indignação Cyber cangaceiro! Meu Pedro é pedreiro/ Não se engana com a cilada No seu discurso, a armada/ Seu pensamento é munição Vinde bardo companheiro/ E acende com a palavra Vem desejo e se iguala/ Avassala meu coração! Cyber cangaceiro! ...............................................................................................

Cyber Cangaceiro, SoulZe

Em “De quem é essa terra?”, a banda procura abordar, em sua letra, o

aspecto social e reivindicatório, através da temática “terra”. Com relação à melodia, há

forte presença, mais uma vez, de instrumentos de percussão, de corda e de sopro, coma

presença do pífano. O pano-de-fundo é o som eletrônico, outra característica marcante.

As enxadas proclamaram que queriam te cuidar Logo elas se calaram com a promessa de igualar Derramaram o teu sangue misturado com suor Com os arames lhe roubaram o que tinham de melhor De quem é essa terra? A terra pertence a quem? Mãe gentil de gente brava

segundo o instrumentista, de uns tempos pra cá vem incursionando também pelas letras, com a produção de poesias, contos e um romance. Tudo, infelizmente, ainda não publicado.

65 Alexandre Vital (bateria, programações e percussões), 30 anos, baterista. Fez parte de várias bandas da cena roqueira de Fortaleza, com dez anos de estrada e participação em vários CD´s de artistas locais. Demonstra bastante ecletismo e versatilidade, dominando do baião ao drum´n bass. Já tocou nos principais palcos de Fortaleza e, atualmente, com a banda SOULZÉ. Retorna a São Paulo como uma das dez melhores atrações do ano de 2003, na concorrida chopperia do SESC POMPÉIA.

66 Retirado do site da banda www.soulze.com.br no dia 06/09/2006. 67 Cyber Cangaceiro (Retirado do site da banda www.soulze.com.br no dia 06/09/2006).

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Hoje o sangue é seu sêmen Entre códigos não se enxerga a justiça verdadeira Lhe arrancando as raízes vira mastro de bandeira Do progresso és a vítima revelando tua nobreza Cresce o joio em teu seio, o contraste da pobreza De quem é essa terra? A terra pertence a quem? Mãe gentil de gente brava Hoje o sangue é seu sêmen ...................................................................... Banda SoulZe, De quem é essa terra68?

Por apresentarem estrofes extensas, a melodia é, também, um grande

diferencial da banda. Seu estilo, talvez, seja o que mais se assemelha ao do Movimento

Manguebeat, de Chico Science e de Fred Zero Quatro, de Pernambuco, devido à

melodia e aos ritmos, os quais já foram mencionados em capítulo anterior.

Através da interpretação das bandas e de suas melodias e letras, na Soulzé o

elemento musical é mais convincente, pelo modo como são empregados recursos de

som, ritmo, timbres, do que mesmo o conteúdo poético das letras.

A banda SoulZé, atualmente, reside em São Paulo. Renee explica o porquê

da necessidade de sair do Ceará, para que a cena musical dê um avanço:

(...) no dia que tiver uma banda daqui do Ceará fazendo sucesso nacional, a cena aqui dá um salto de 10 anos, 1 ano em 10. Tem o Surto mas o Surto não levantava a bandeira do Ceará. Todas as bandas já passaram em rede nacional. A gente, o SoulZé já passou no Jornal Hoje. O Dr. Raiz já passou no Jornal Hoje. Só não sei se o Jumenta Parida passou, mas essa galera toda já passou, e a gente não tem cara ainda, olheiros voltados no Brasil. Não tem ninguém aqui olhando para o Ceará e é o que eu estou te dizendo. A cena aqui, cara, nós nunca tivemos um bloco, e isso não é por causa do Movimento Cabaçal. De jeito nenhum o Movimento Cabaçal é consequência disso. Mas nós nunca tivemos nesses anos agora um nível de produção artístico que nós estamos vivendo, hoje, dentro do Estado do Ceará. Desde 30 anos para trás não tem, em todas as vertentes (...) Renee Muringa

O que se percebe é que quando declara que “o Movimento Cabaçal é

conseqüência disso”, reflete todo o objetivo centrado na reação à política cultural

vigente no Ceará, que não investe com eficiência nessas novas manifestações artísticas.

68 CABAÇOM – O Som do Movimento Cabaçal. Produção: Renee Muringa. Fortaleza: Proaudio Estudio 2002/2003.

82

Por isso, segundo Renee, existe uma necessidade de articulação com outros Estados,

como São Paulo. Foi esse um dos principais motivos para que migrassem para a cidade,

em busca de melhores condições de trabalho.

2.6. Fim do movimento?

O Movimento Cabaçal foi meio que um namoro que ainda não terminou. Mas eu acho que ele foi uma coisa muito importante, principalmente para essas quatro bandas, que se assumiram como do Movimento e que se reuniam e promoviam discussões, tocaram em shows. Foi uma coisa até histórica... Orlângelo Leal

Atualmente o Movimento Cabaçal já não se encontra mais no cenário

musical cearense. Nos shows não há mais referência a ele e as bandas já não mais se

encontram, seguindo, assim, uma trajetória solitária, apesar do site particular da Soulzé e

da produtora Caldeirão das Artes, que ainda faz menção às bandas Dzefinha e Dr.Raiz.

Opiniões dos integrantes das bandas se divergem, no que diz respeito à

sobrevivência do Movimento. Alguns acreditam que a história e a inspiração servirão de

alicerce para grupos ou manifestações que ainda poderão ocorrer no Estado. Para outros,

não existe mais um trabalho solidificado, uma vez que a alternativa foi partir para

carreiras individuais, o que não comunga com o espírito do Cabaçal.

Para um dos integrantes da Dzefinha, Orlângelo Leal, apesar do grande

interesse em continuar, todas elas não tinham incentivo para tamanho investimento.

Tanto que cessaram as reuniões, nas quais debatiam, entre outros assuntos, sobre a

própria questão da identificação dentro do Movimento.

Para Xavier, integrante do Soulzé, que atualmente reside em São Paulo,

mesmo com o afastamento, o Movimento ainda está vivo, já que deixou sucessores no

Ceará. Mantêm-se presente na memória dos músicos e nas diversas manifestações

artísticas, ainda efervescentes hoje:

Sim, existe, deixamos muitos frutos no Estado. E mesmo viajando pelo Brasil, espalhamos por onde passamos, seja nos shows ou nas oficinas de Percussão e História da Música Nordestina. O movimento existe a partir do momento que

83

pessoas ainda falam nele, bandas ainda se inspiram nele, eventos ainda acontecem, e o comportamento e a atitude. (Xavier, integrante da banda Soulzé)

Vanildo, percussionista da Dzefinha, tem uma opinião diferenciada. Segundo

ele o Movimento não foi encabeçado somente por artistas do meio musical. Envolve

outras manifestações, como a dança, o teatro, as artes plásticas, a escultura e a literatura

de Cordel. Para o músico, deve “haver alguém que possa ter essa capacidade de

aglomerar forças”. O conceito fundamental do Movimento ainda existe, na valorização

da cultura nordestina.

Iranilson, outro percussionista da referida banda, concorda com a opinião de

Vanildo. Acredita que deve existir vontade própria, não somente por parte dos artistas,

como também dos gestores culturais. Contudo, acredita que os frutos foram

disseminados e que outras bandas estão seguindo a mesma tendência, dando

continuidade às propostas do Movimento, como se vê abaixo:

Infelizmente, acho até que por uma questão geográfica o Movimento não tenha prosseguido da forma que pensamos no início. É preciso que exista vontade, não só dos grupos como também dos gestores culturais, para garantir a sobrevivência de um movimento musical. É caro pro Dr.Raiz sair de Juazeiro do Norte pra Fortaleza, o Soulzé vir de São Paulo, enfim, eu acredito que o movimento não morre porque estão sempre surgindo novos grupos, seja na área da música, do teatro, das artes plásticas, etc., que desenvolvem seus trabalhos em cima dessa perspectiva, preocupados em manter viva nossa identidade. O movimento não é pra ser sempre as 4 bandas que o iniciaram. Alguém tem que dar prosseguimento e eu acredito que isso está acontecendo, mesmo que de maneira “individual” dos grupos. (Iranilson, percussionista da Banda Dzefinha).

Observo, pelas opiniões, que ainda não existe uma visão concreta sobre a

continuidade ou não do Movimento Cabaçal ou se, de fato, chegou a tomar forma de

movimento. O objetivo, aqui neste sentido, observar suas propostas, dentro da

perspectiva político/social no Estado do Ceará.

Essa discussão sobre a existência ou não do Movimento aponta para a

efemeridade das bandas no Ceará. Há de se questionar por que são construídas e

desfeitas a todo o momento, em razão da falta de investimento e apoio de políticas

públicas voltadas para o setor artístico-cultural.

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Esse e outros fatores fazem muitas bandas se desintegrarem, como ocorreu

com a Jumentaparida. Ou mesmo emigrarem para um Estado que lhe dê suporte

necessário para se manterem, como ocorreu com a Soulzé, que está há quase dois anos

em São Paulo. Isso nos leva a crer que o êxodo de décadas atrás – do Nordestino que

migra por buscar melhores condições de vida no Sudeste – se mantém vivo

lamentavelmente até hoje.

Xavier ainda descreve sobre os principais motivos que fizeram a banda

viajar, no intuito de obter uma melhor difusão de seu trabalho:

Queríamos distribuir nosso disco, mostrar nossa cara, e sabíamos que por aqui seríamos bem aceitos, mesmo com dificuldade, mas seríamos aceitos. Infelizmente a produção cultural do Ceará só agora começa a mudar e mostrar a cara. Mas mesmo assim, tá todo mundo vindo pra Sampa. Antes da gente só Fernando Catatau com o Cidadão Instigado tinha vindo pra cá e tentado a vida. Seguimos a mesma onda e viemos pra cá, primeiro pra fazer um tour e depois pra morar. Infelizmente aquela história que santo de casa não faz milagre, mesmo com a globalização e os independentes produzindo cada vez mais, a distância ainda nos atrapalhava. (Xavier, integrante da banda Soulzé).

Esse posicionamento reflete o momento atual em que as bandas atravessam.

E é também foco de discussão do capítulo seguinte desta pesquisa, onde levo os

seguintes questionamentos: por que ainda existe uma necessidade das bandas

nordestinas de se firmarem no mercado do Sudeste? Será que as políticas culturais do

Ceará estão dando conta das manifestações artístico-culturais? Será que estão

acompanhando as manifestações que estão surgindo no cenário cearense? Como se

originam estas políticas no campo cultural e qual o rumo em estão sendo tomadas?

85

03. OS ATORES SOCIAIS E SUA INFLUÊNCIA NAS POLÍTICAS CULTURAIS

Percebemos, no decorrer dessa pesquisa, que os jovens integrantes do

Movimento Cabaçal, a que me referi, mantiveram uma proposta em comum: a de se

unirem em busca da realização de algo que movimentasse a cena cultural cearense, a

qual, segundo eles, está estagnada.

Através dos relatos e depoimentos, que serviram para articular o Movimento,

se deixa transparecer a necessidade de sensibilizar toda a classe artística cearense, na

busca por criações novas, dentro de uma política de incentivo.

Partindo do pressuposto de que o Movimento Cabaçal representa uma forma

organizada de manifestação social, por se voltar a favor da valorização da cultura

cearense, percebemos que há um interesse em se fomentar discussões acerca da

valorização de uma música autoral e de qualidade. Questões estas que, segundo os

depoimentos, estão sendo deixadas de lado em meio às principais resoluções e debates

políticos do Ceará.

A tentativa, aqui, além de mostrar o Movimento, dentro do processo político

cultural no Estado, é buscar identificar o perfil dos jovens atores sociais, que mobilizam

o cenário musical.

3.1. Os atores do Movimento Cabaçal

Somos jovens, mas com sede de usar nossa própria cultura para expressar o novo.(Demétrius69,Dr.Raiz. novembro/2006)

69 Demétrius de Carvalho Silva, 32 anos, nascido na cidade de Ituverava, São Paulo. É formado em Música, pela Universidade Estadual do Ceará. Passou, também, pelo Conservatório Alberto Nepomuceno. Sobrevive dela atualmente. Entrou em contato com a música através de um primo.Iniciou tocando violão. Pouco tempo depois precisavam de um baixista para uma igreja e nunca mais parou de tocar. Nas horas vagas, gosta de ouvir qualquer tipo de música, ler livros de interesse na área. No momento, está lendo “Operação Cavalo de Tróia 4”, pois entende ser importante ler outros tipos de livros para “ampliar seus horizontes musicais”.

86

É dessa forma que o baixista da banda Dr. Raiz caracteriza o principal perfil

dos participantes do Movimento Cabaçal: a juventude. Mas o que é juventude? Creio

ser necessário compreender a terminologia e sua influência na sociedade moderna. Sua

atuação é constante dentro dos movimentos artístico-culturais.

O termo juventude é utilizado como categoria social, segundo Groppo

(2000). Ele se torna, ao mesmo tempo, uma representação sócio-cultural e uma situação

social, ou seja, representa uma construção simbólica, criada pela sociedade, para dar

significado a uma série de atitudes e comportamentos de certos indivíduos. Portanto,

retrata, simultaneamente, uma série de características comuns desses indivíduos.

Essa terminologia, no caso, é vista apenas uma representação simbólica, pois

não podemos delimitar o que é ser jovem somente pelo limite etário. As influências

sociais, econômicas ou culturais fazem com que a determinação se estenda ou diminua,

de acordo com cada segmento.

Por razão dessa diferenciação de significados, para as pessoas de diferentes

classes sociais e econômicas, esse termo deve ser adotado no plural: “juventudes”.

Trata-se de uma fase vivida de maneira heterogênea, fazendo com que se apreenda não

somente uma, mas diferentes culturas juvenis. Todavia, apesar dessa diferenciação entre

as juventudes, existem elementos em comum, por conta, talvez, da influência da cultura

de massa e da globalização.

A juventude, além de passar por várias metamorfoses na história da modernidade, também representa uma situação social simbolizada e vivida com muita diversidade na realidade cotidiana, devido à sua combinação com outras situações sociais, como a de classe ou estrato social e dentro também das diferenças culturais, nacionais e de localidade, bem como, as distinções de etnia e gênero. (GROPPO,2000 : p.14).

Groppo (2000) também defende sobre a implicação das classes nas

diferentes experiências da juventude, quando relata que ela foi vivida,

primeiramente, pelas classes burguesas aristocratas, para depois se tornar um direito

das classes trabalhadoras. No século XIX, por exemplo, a imagem dos rebeldes-sem-

causa, radicais ou delinqüentes baseava-se nos jovens das chamadas novas classes

médias.

87

Inicialmente, a imagem da juventude ideal está ligada aos elementos

urbano, ocidental, branco e masculino. Posteriormente, incorporam-se os grupos

rurais, não-ocidentais, negros, amarelos, mestiços e mulheres. A distinção dos grupos

juvenis também é discutida por Groppo (2000), quando ressalta a diferenciação em

relação ao gênero, classe e estrato social e quanto ao ambiente urbano ou rural.

Devido a essas diferenças é que irão surgir diversos grupos juvenis, que começarão a

adotar sua maneira de ver o mundo, seus gostos, símbolos e roupas, como se vê na

definição abaixo:

A criação das juventudes é um dos fundamentos da modernidade e a existência da multiplicidade quase que incontrolável de juventudes é um sinal de que este fundamento, assim como outros fundamentos da modernidade, possui suas contradições. A diversidade das juventudes modernas é um dos frutos das contradições dos projetos modernizadores que objetivaram as faixas etárias preparatórias à maturidade. (....) Ou seja, a multiplicidade das juventudes não se funda num vazio social ou num nada cultural, não emerge de uma realidade meramente diversa, ininteligível e esvaecida. Tem como base experiências sócio-culturais anteriores, paralelas ou posteriores, que criaram e recriaram as faixas etárias e institucionalizaram o curso da vida individual. São projetos e ações que fazem parte do processo civilizador da modernidade. (ibidem, 2000: p.18-19).

No mundo contemporâneo, a relação entre as “juventudes” e a

modernidade tende a se tornar complexa, devido à expansão do mercado e ao

consumo em escala global. Multiplicam-se os produtos culturais, estilos e tendências

vinculadas aos símbolos juvenis, e, também, associados às distintas tribos: skatistas,

funkeiros, bad boys, tribalistas, etc. O cenário urbano é palco privilegiado do

aparecimento de movimentos culturais juvenis, identificados com estilos e estéticas

que articulam o global e o local, como a exemplo do Movimento Cabaçal, estudado

no decorrer dessa dissertação.

Nas sociedades modernas e urbanas, a tendência dos jovens é de aglutinação

com grupos que representem o mesmo modo de pensar e agir, além de apresentar um

desejo constante de transformação.

Ao observar o perfil dos integrantes das bandas envolvidas no Movimento

Cabaçal, constatei que eles estão numa faixa etária de 25 a 32 anos de idade. A grande

maioria possui o curso superior. Alguns têm duas graduações – cinco formados em

88

Pedagogia e três formados em Música. Em sua maioria, ainda não conseguiram concluí-

lo. Outros são da área de Letras e de Comunicação Social. Poucos sobrevivem

exclusivamente da música, apesar das dificuldades existentes. Exercer funções paralelas

é o comum entre esses artistas.

Nas horas vagas dedicam-se a escutar música, ler livros e revistas,

principalmente às ligadas à área. Vão aos cinemas e teatros e, em sua maioria, não

gostam de programas televisivos. A maioria dos jovens músicos gasta seu dinheiro com

contas básicas diárias, além de cds, dvds, idas a shows e, também, com a aquisição de

instrumentos musicais.

Perguntados sobre sua formação cultural, as respostas foram as mais

variadas possíveis:

Venho batalhando diretamente dos mestres, aprendendo com eles, indo à casa deles, vivendo com eles, comendo um pouquinho da comida deles, minha formação cultural vem daí, da pesquisa que eu tenho...(Vanildo, Dzefinha)

Trabalhei muito tempo em grupos folclóricos, nesse período tive bastante contato com a cultura popular, ritmos, danças, mitos e costumes. Morei em alguns interiores do Estado do Ceará, inclusive no Cariri. Tenho família por lá e vivenciei bastante o que acontecia nas manifestações tradicionais de lá. (Xavier, SoulZé)

(...) era muito comum na infância da gente, a gente vê reisados, banda cabaçal, maneiro pau, bacamarteiro, quadrilhas juninas, tudo isso (...) tudo isso muito forte, que ainda tem. Isso ficou na gente (...) (Junior Boca, Dr. Raiz)

Foi com quatorze eu já ouvia algumas coisas, e com os dezessete a gente já começou a produzir o nosso próprio som com essas influências que a gente até então tinha assimilado, de rock’n’roll, e de música nordestina. Em momento algum a gente confessa que está fazendo algo novo. Não estamos! A gente assimilou várias influências, jogamos o nosso tempero. Aí é que tá o diferencial do Jumenta. Essa questão da forma. Como essas influências estão sendo processadas e jogadas pro público... (Zôo, Jumentaparida)

Estudei em uma escola no meu 1º grau que tinha uma banda de música. Passei por vários instrumentos (contrabaixo-tuba, barítono, bombardino e, por fim, trombone). Depois aprendi a tocar flauta doce, que foi meu instrumento predileto até hoje. Entrei no curso de Música da UECE, porém não conclui. Fiz parte do Grupo de Flautas-doce na mesma Universidade. Estudei oboé, mas, abandonei. Achei muito difícil. Atualmente toco flauta transversa, pífano e digerido (que eu mesmo construí) e construo alguns tipos de pífanos... (Gil, SoulZé)

Minha formação foi simplesmente convivendo com os grupos de tradição daqui; Reisado, Maneiro-Pau, Bandas Cabaçais etc... (Lindemberg, Dr. Raiz)

Tive muito contato com música de raiz. Xote, baião, xaxado, cantoria de viola. Cresci vendo meu avô paterno ler “romance” (cordel). Todo o povo se reunia

89

na sala à noite para ouvir aquelas histórias quase cantadas. Ele sabia tudo sobre Lampião e suas proezas. Na verdade meus avós moravam no interior, então tive contato com reisados, brincadeiras e cantigas de roda, queda do Judas na Semana Santa. Além disso meu pai fazia dramas, atuava e escrevia. Depois dessa primeira parte na infância veio só depois a faculdade e a bolsa de teatro, daí meu interesse de pesquisar sobre cultura popular e descobrir que, de certa forma, eu tive o privilégio de viver um pouco de muitas manifestações populares. (Joélia Braga, Dzefinha) Gosto de música desde criança porque convivi com um tio que era músico e outro que era radialista. Minha mãe também ouvia muito Roberto Carlos e Jovem Guarda em geral. Na adolescência conheci o rock e suas variadas vertentes, como o heavy metal e punk rock. Eu gostava de rock, de sair de preto. Era filiado a um partido de esquerda, participava do movimento estudantil...Sempre com uma tendência pra rebeldia. Descobrir a cultura popular pra mim era uma necessidade. E o melhor é que eu nem precisei sair da minha cidade para conhecer, graças ao forte movimento de artistas que existe há mais de 15 anos aqui, trabalhando o teatro, a dança, a música, a pesquisa, participando de festivais pelo país adentro. (Iranilson, Dzefinha))

Através dessas declarações percebo que todos possuem em comum uma

considerada bagagem musical, adquirida no ambiente de cultura popular nordestina.

Todos são oriundos de cidades como Itapipoca, Juazeiro do Norte, Guaramiranga e

Fortaleza. A formação familiar também tem um peso importante na formação

musical. Cada um possui uma concepção individualizada sobre sua cultura, trazendo

um elemento diferencial na composição da banda.

Outra característica interessante a ressaltar foi a convivência, na infância,

desses componentes do Movimento Cabaçal, com grupos folclóricos ou mestres de

folguedos nordestinos dos mais diversos, além de grupos tradicionais, como o

Reisado, o Maneiro-Pau, entre outros.

Observei neles uma necessidade de não apenas “fazer” música. Há,

também, a intenção de sensibilizar seus ouvintes para a discussão em torno da

identificação, destacando o Nordeste, as raízes e as tradições, vista sob um olhar

contemporâneo.

Seu repertório representa a linguagem do questionamento e do saber.

Assim, entendo ser esse um dos propósitos do grupo. O conhecimento acadêmico em

Pedagogia e em Arte-Educação, além da experiência acadêmica na área de Música e

no Teatro (aprenderam desde a fabricação de instrumentos até as aulas teóricas)

ajudaram muito na estruturação do Movimento..

90

O trabalho de pesquisa, que diz respeito ao estudo sobre a cultura

nordestina, é visto como tema permanente. Suas principais referências musicais da

atualidade são grandes nomes da música popular brasileira. Apesar da origem

nordestina - como Zeca Baleiro, Lenine, Abdoral Jamacaru, Tom Zé e Chico César -

representam uma nova safra de artistas que buscam temas de caráter universal, não se

restringindo, apenas, ao ambiente do Nordeste e suas peculiaridades. Nomes como

Luiz Gonzaga, Mestre Ambrósio e Chico Science também não faltam na lista de

preferências desses músicos, que usam essas referências como fonte de inspiração.

3.2. Movimento Cabaçal como formador de Políticas Culturais

Com base na pesquisa sobre a atuação do Movimento junto às influências

musicais, percebo que ele representa uma reação à política cultural vigente. É de suma

importância para o presente trabalho analisar, neste tópico, de que forma a política

cultural do Estado pode dar conta das diversas manifestações sociais, como a exemplo

do Movimento Cabaçal. Pude observar, também, de maneira explícita ou não, que há

por trás de movimentos culturais como esses uma proposta, também, de uma política

voltada para a valorização da cultura local.

Partindo do pressuposto da declaração de Vanildo, integrante da Dzefinha,

esses jovens entendem que existe a necessidade de participação maior na construção de

políticas voltadas a cultura e na elaboração de projetos e propostas. A integração torna-

se, assim, uma das alavancas para a política cultural atingir todos os segmentos e

expressões artístico-culturais.

Mas eu vejo que também tem um, porém, como a gente tá batalhando muito nesses eventos que a gente vem fazendo, também tem uma parte da gente, a gente poderia também cavar esses espaços, elaborar projetos para mandar propostas, cobrar bilheteria. Eu tenho certeza que iria dar público, não aquele público megalomaníaco de outros artistas, mas iria dar público. Então vem à questão da gente buscar, também, conquistar nosso espaço, fazer propostas, elaborar projetos, pra galera realmente ter opções diferentes. (Vanildo, percussionista da Banda Dzefinha).

A partir do depoimento acima, é de suma importância conceituar o que vem

a ser política cultural. O termo adotado nesta pesquisa não sugere estar ligado

91

exclusivamente ao governo. Segundo Barbalho (2005), além de instituições não-estatais

e empresas privadas promoverem políticas culturais, ela também pode se manifestar de

forma específica a partir de sindicatos, associações de moradores ou organizações de

movimentos populares, que representam uma importante parcela da sociedade civil.

A sociedade civil tem prioridade nessa tarefa, por entender que,

principalmente na política cultural, a cultura é gerada pelo povo e não pelo Estado. E

será a partir da dinâmica vivida pela sociedade que essas políticas poderão dar conta da

necessidade social da cultura. Ou seja, algo que está ativamente ligado à visão de

coletivo.

Utilizo as palavras de Dagnino (2000) para explicar o porquê da adoção de

uma forma alternativa de política cultural, que não parta somente do Estado, mas que

tenha como principais atores políticos os movimentos sociais.

Iluminar implicações menos visíveis e, com freqüência negligenciadas dessas lutas. Enfatizar as implicações culturais significa reconhecer a capacidade dos movimentos sociais de produzir novas visões de uma sociedade democrática, na medida em que eles identificam a ordem social existente como limitadora e excludente com relação a seus valores e interesses. Embora possam ser fragmentárias, plurais e contraditórias, essas contestações culturais não devem ser vistas como subprodutos das lutas políticas, mas como constitutivas dos esforços dos movimentos sociais, para redefinir o significado e os limites da própria política. (DAGNINO, 2000: p.81)

Será Gramsci70 que irá inicialmente romper esse pensamento, trazendo

enormes contribuições para os estudos teórico-político-cultural. Este autor se opõe à

visão simplificada da época, herdada por Marx, da relação ser reduzida apenas ao

determinismo econômico. Para Gramsci, três elementos são primordiais para a

compreensão da relação entre cultura e política: conceito de hegemonia, como um

processo de articulação de constantes interesses; a transformação social, não apenas

como uma tomada de poder, mas uma reforma intelectual e ética; e, finalmente, uma

maior ênfase dada à participação da sociedade civil.

70 Citado por Dagnino (2000) em Cultura, Cidadania e Democracia: A transformação dos discursos e prática na esquerda latino-amercana. In. Cultura e política nos Movimentos Latino-americanos, .

92

Estes três pilares revelados por ele trouxeram à tona uma ampliação do

conceito de política cultural, que permite uma transformação de forma bastante

significativa na América Latina, nos anos 70 e 80.

A ênfase dada pelo autor, no que concerne à participação da sociedade civil,

trouxe implicações no papel exercido pelo Estado, o que contribuiu para a ampliação e a

pluralidade nas relações de poder. Entre cultura e política as relações são restabelecidas.

Nesse sentido a participação da sociedade e dos movimentos sociais começa a adquirir

uma maior atenção.

As idéias de Gramsci foram disseminadas em toda a América Latina de

forma ampla, devido a um momento de grandes transformações e de novas questões

relacionadas à democracia. O pensamento deste autor surge em meio a um clima de

insatisfação que surgia na época, recebendo o apoio da ala de intelectuais que estavam

em busca de maiores transformações na sociedade.

Um exemplo que posso utilizar para descrever sobre o momento vivido é a

política neoliberal71, que surge em meados da década de 80 e que tem grande influência

na relação entre Estado e sociedade civil, tornando-a ainda mais complexa72. Segundo

os teóricos políticos o neoliberalismo traz conseqüências, como o Estado mínimo e o

desemprego. Isso, de certa forma, contribuiu para novas possibilidades dentro dos

movimentos sociais.

Segundo Oliveira (1995) o neoliberalismo, devido a todas as conseqüências

drásticas trazidas è sociedade, trouxe uma vitalidade consigo, que é a de mostrar

extraordinária capacidade de responder ao seu ataque, organizando-se.

71 Segundo Anderson (1995) o Neoliberalismo nasceu logo após a II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista. A idéia para a crise instalada após a II Guerra Mundial era a criação de um Estado forte, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. Essa representava a idéia principal do neoliberalismo instalado primeiramente na Europa e, posteriormente, na América Latina, particularmente no Chile, sob a figura de Pinochet, nos anos 1970. 72 Segundo Borón (1995) o Neoliberalismo trouxe conseqüências drásticas à sociedade, a qual foi originada sob uma forma fragmentada e heterogênea, marcada por profundas desigualdades de todo o tipo - classe, etnia, gênero e religião.

93

Essa movimentação serviu, assim, como elemento fundamental para se

pensar na política cultural dos movimentos sociais, representando uma nova noção do

termo cidadania73 , o qual torna operacional uma visão mais ampliada de democracia74.

Através dessa nova forma de perceber a cidadania, as políticas culturais

conseguirão dar conta das transformações ocorridas na sociedade, em um determinado

momento histórico. A cidadania, nesse caso, não deve estar mais dentro dos limites da

relação de Estado. Deve estar estabelecida dentro da própria sociedade civil, trazendo,

com isso, novas formas de sociabilidade, através da negociação. Isso faz com que se

estabeleçam as diferenças existentes nas diversas manifestações sociais. Com isso,

podemos perceber, de uma forma significativa, que o projeto neoliberal transformou a

relação existente entre o Estado e a sociedade civil, bem como as condições nas quais a

ação coletiva pode acontecer.

Concordando com as fundamentações teóricas de Alvarez, Dagnino e

Escobar (2000), parto do pressuposto de que todos os movimentos sociais na América

Latina põem em prática uma política cultural, e não apenas aqueles que tomam por base

a cultura. Entendo que se torna inviável separá-la da política e em todos os seus

aspectos são indissociáveis. A cultura, por manter uma relação social, integra um

conjunto de significados. Por essa razão não pode ser vista independente das relações de

poder envolvidas nessas práticas. Compreendo, também, que ela representa, além de

significados e simbologias, intervenções concretas dentro da sociedade, como podemos

tomar como exemplo o próprio sujeito aqui pesquisado, o Movimento Cabaçal. Esta

expressão artístico-cultural carrega, através de suas composições, uma discussão aberta

acerca dos problemas relacionados à cultura no Estado, vistos com reserva pelas

políticas culturais vigentes no Ceará.

73 Segundo Dagnino, o termo cidadania se difundiu cada vez mais na sociedade brasileira a partir dos anos 1990. A nova cidadania busca implementar uma estratégia de construção democrática, de transformação social, que impõe um laço constitutivo entre cultura e política. Incorporando características das sociedades contemporâneas, tais como o papel das subjetividades , o surgimento dos sujeitos sociais de um novo tipo, e de direitos de um novo tipo, bem como a ampliação do espaço da política, essa estratégia enfatiza o caráter intrínseco de transformação cultural com respeito à construção da democracia. (Dagnino, 2000:85) Segundo a autora, a redefinição da noção de cidadania, formulada pelos movimentos sociais representa não somente uma estratégia política, mas uma política cultural. 74 Dagnino traz à tona uma noção mais ampliada de democracia, a qual transcende os limites tanto das instituições políticas, enquanto tradicionalmente concebidas como modelo das “democracias realmente existentes”. O traço distintivo dessa concepção, que aponta para extensão e aprofundamento da democracia, é o fato que sua referência básica, mais do que a democratização do regime político, é a democratização da sociedade como um todo, portanto, as práticas culturais encarnadas em relações sociais de exclusão e desigualdade. (80-81). Porém, a autora deixa claro que essa concepção não implica a institucionalidade política do Estado, e sim uma reivindicação radical de sua transformação.

94

O conceito de política cultural, neste sentido, deve ser ampliado, para que

possamos analisar estas intervenções, observando, assim, a sociedade civil como sujeito

ativo. Cabe a ela o papel de enxergar a multiplicidade de questões que envolvem a

temática cultural.

Entretanto não busco realizar uma visão maniqueísta entre sociedade civil

versus Estado, onde o último é visto como um elemento “diabólico” na questão. A

sociedade civil não está livre das contradições e, por isso, não pode ser mitificada.

Acredito ser imprescindível o entrelaçamento destes elementos para que a política

cultural se consolide de forma ampla e democrática.

As influências trazidas pela modernidade, segundo Canclini (2006), também

irão remodelar este processo pelo qual passam a política cultural e o papel do Estado e

da sociedade civil. O autor coloca em pauta a influência da indústria cultural, e de como

dará conta dos movimentos que surgem, constantemente.

Temos que repensar o Estado como representante das necessidades coletivas

da sociedade e que estas não sejam sempre subordinadas ao lucro. Não podemos

descartar o papel atual do mercado, no processo de produção de cultura. Todavia, não

deve ser ele seu regulador e determinante.

O papel do Estado não se prende apenas à conservação e administração de

patrimônios históricos, e sim, a estudar como está se estruturando e sendo construída

essa relação global/local. A hibridização cultural, resultante dessa relação, é um dos

maiores desafios da política cultural nos dias de hoje.

Canclini (1997) diz que “as políticas culturais menos eficazes é que se

aferram ao passado e ignoram o emergente” (1997, p.198). Em outras palavras, para

serem eficientes, estas políticas têm que acompanhar toda a evolução e mudanças

ocorridas dentro da sociedade, senão, tornar-se-ão obsoletas e sem utilidade. Para ele:

Em síntese, a política cultural e de pesquisa relacionada ao patrimônio não tem por que reduzir sua tarefa ao resgate dos objetos “autênticos” de uma sociedade. Parece que devem importar-nos mais os processos que os objetos, e não sua capacidade de permanecer “puros”, iguais a si mesmos, mas por sua representatividade sociocultural. Nessa perspectiva, a investigação, a restauração e a difusão do patrimônio não teriam por finalidade central almejar a autenticidade ou restabelecê-la, mas reconstruir a verossimilhança histórica e estabelecer bases comuns para uma reelaboração de acordo com as necessidades do presente. (CANCLINI, 1997: p. 202)

95

Não há como a política se voltar para algo que está no passado, pois iria

reduzir sua função e não atingiria a complexidade de movimentos gerados pela

sociedade, a exemplo do Movimento Cabaçal. Interessa aos jovens participantes a

reelaboração de políticas que estejam de acordo com o presente, assumindo os conflitos

gerados na atualidade de uma maneira bem mais concreta. A cultura não representa algo

abstrato, a partir da forma que ela é utilizada. Pode, sim, ser utilizada como

transformação social.

A proposta de transformação se encontra presente no discurso destes jovens,

que visavam, não apenas a fortalecer o cenário cultural, como também a ter uma ligação

de cunho social. O vocalista da banda Jumentaparida, Zôo, por exemplo, revela assim

a proposta do Movimento:

Ele pretende várias coisas. Ele pretende fortalecer um cenário, fortalecer por que o cenário já existe. Fortalecer um cenário artístico no Estado, chamar a atenção das pessoas para importância da valorização da cultura regional, e pretende trabalhar com projetos sociais, atender o social mesmo...A gente chegou até a fazer uma reunião da Associação do Movimento Cabaçal. Não sei se era esse bem o nome, mas o propósito era formar uma associação, uma entidade para representar o Movimento e poder intermediar a relação dos artistas com o próprio Estado, com a Scretaria, com empresas, com a iniciativa pública. (Zôo, Jumentaparida)

A relação com o social é assunto recorrente, como se percebe:

A idéia não era se prender só a evento. A idéia era fazer com que o Movimento Cabaçal vire um movimento não só de cunho cultural mas de cunho social também. A idéia ...a gente tem isso aí pra poder concretizar, se articular mais. A gente precisa se unir mais, não só os líderes das bandas que eram até então, as pessoas que se encontravam pra poder discutir e materializavam realizações do movimento e tal... (Zôo, Jumentaparida)

A gente espera para fazer agora, a gente espera criar a sociedade Purunga, que Purunga quer dizer a mesma coisa que cabaça, cabaçal, né? A gente quer criar a Sociedade Purunga, que é uma sociedade civil sem fins lucrativos, com a galera das bandas do Movimento. E quem se interessar, nós queremos criar projetos para dentro das universidades, que são projetos, assim, ah vamos fazer um evento cultural, pois vamos chamar a galera da comunicação lá da UFC para desenvolver, para trabalhar junto com a gente. Vamos chamar do art design, da arquitetura para desenhar todas as logos das histórias todas. Então a gente quer envolver a galera das universidades, que é a intelectualidade da história, né?. ( Renee Muringa)

96

Seu discurso deixa transparecer que a proposta do Movimento sempre

pretendeu chegar até os jovens da periferia, uma vez que estes nem sempre têm fácil

acesso a esse tipo de informação:

(...) um dos objetivos da gente agora pra esse segundo semestre de 2003, pro ano de 2004, a gente já vem desenvolvendo alguns projetos de oficinas da periferia, oficinas, assim. A galera do Movimento dá uma série de oficinas, oficina de flauta, de contrabaixo, dá oficina de construção de instrumentos percussivos, dá oficina de orientação percussiva, dá oficina de história da música nordestina, história da cultura nordestina, dá oficinas de teatro, teatro de rua, a galera do Movimento, as bandas do Dona Zefinha, Soul Zé. Essas oficinas que eu tô te falando são todas ministradas pelo pessoal das bandas e o nosso intuito é justamente como disponibilizar essas oficinas. Mas como criar cena na periferia?, criar esse gosto de repente pelo regional na periferia, não só pelo regional? mas também o encontro quando a gente fala em olhar para cá, olhar para a raiz, é justamente propor cidadania. No caso, é justamente a idéia de conjunto de coletividade. Esse é o objetivo final da coisa, o objetivo maior de tudo é esse, é justamente o cearense se sentir mais cearense. (Renee Muringa).

Orlângelo também descreve sobre a importância da cultura e sua ligação

com os movimentos da comunidade. Apesar das dificuldades existentes, devido sua

heterogeneidade, será a partir dela que a política cultural deve está sendo constituída.

Segundo o cantor, “Quando você fala na palavra cultura é muito complicado porque

você tá mexendo com todo um comportamento, então esse órgão que toma conta da

cultura e seus planejamentos e projetos, eles devem se voltar para a comunidade...”

(Orlângelo Leal outubro/2006).

No entanto, sabemos que, apesar da política cultural partir da sociedade civil,

a participação do Estado como mediador se torna relevante, para que as políticas e

projetos se tornem eficazes e para que haja um maior incentivo e investimento nessa

área. Vanildo se refere à importância do papel do Estado nessa mediação, através dos

gestores culturais.

Esses projetos, na minha concepção, têm que ser auto-sustentáveis e permanentes. Têm que fazer parte da educação dos gestores culturais, produtores culturais, dos artistas também Tem que haver capacitação das pessoas que elaboram o projeto, capacitar recursos para realizar eventos, para dar condições para o público ver arte e para o artista fazer sua arte. (Vanildo, Dzefinha)

97

A partir dessa interação, é que se pode dar continuidade às políticas culturais

constituídas a partir da realidade da própria sociedade civil, através de investimentos e

capacitação de recursos.

Diante desta observação, no próximo tópico faz-se necessário realizar uma

discussão sobre como andam as prioridades do Estado para o setor cultural, que tem um

papel fundamental nesse processo. Como principal objeto de análise estão as

prioridades das Secretarias de Cultura no decorrer dos anos, e, principalmente, como se

deu a repercussão do Movimento Cabaçal na última gestão, da então secretária Cláudia

Leitão.

3.3. Repercussão do Movimento Cabaçal nas políticas culturais no Estado do

Ceará

No decorrer da história da criação da Secretaria de Cultura, o Ceará,

precursor dessa instituição em 1966, nos aponta o rumo que tomou, e o que foi feito até

hoje, a respeito do incentivo dado à arte e à cultura no Estado. A política cultural, que

com o passar dos anos está cada vez mais aliada à economia, tem sua fase áurea com a

gestão de Paulo Linhares, na década de 90. Será dentro dessa temática que nos

deteremos sobre o assunto, a posteriori, com a finalidade de explicarmos o rumo dado à

cultura, durante o período 2003-2006, presidida por Cláudia Leitão, e sabermos qual a

repercussão do Movimento Cabaçal nessa gestão.

A influência da economia, dentro das políticas culturais estabelecidas no

Ceará, é de vital importância para entendermos como se evoluíram manifestações desse

porte. Para falar sobre essa política, utilizada como sustentáculo para produção

econômica no Estado, observo o exemplo da gestão de Paulo Linhares. Traço um

paralelo, dentro do mesmo período, da cidade de Fortaleza com a cidade de Recife, para

estabelecer um panorama de como ambas foram construídas, com base na política

cultural. É também importante saber como chegaram a ser diferenciadas em termos de

difusão.

98

3.3.1 A cultura aliada à economia

No Ceará, até 1965, a cultura não tinha uma Secretaria própria. Ligava-se à

Secretaria de Educação. A iniciativa de desmembramento se deu a partir de 1966, no

Governo Virgílio Távora, cujo primeiro secretário foi Raimundo Girão.

Nas décadas seguintes, de 1970 a 1980, a Secretaria de Cultura foi se

estruturando como elemento fundamental para afirmação do governo junto à sociedade,

principalmente na gestão de Violeta Arraes75, na qual a cultura adquiriu um espaço

fundamental junto ao governo de Tasso Jereissati.

Após esse processo, ainda no Governo das Mudanças, destaco a gestão de

Paulo Linhares, durante Governo de Ciro Gomes – que assumiu a gestão em 1993 - por

representar o momento crucial da cultura aliada à economia do Estado.

Ciro Gomes tinha o objetivo de dar à cultura, através da figura de Linhares,

uma posição de destaque, por acreditar que seria positivo, para sua gestão, a construção

e a promoção da sua imagem. Pensando nisso, deu à Secult um papel importante, cuja

principal proposta era exatamente a “publicização” do Governo junto ao povo.

Tal proposta para a cultura nos foi bastante prejudicial, uma vez que

nenhuma política cultural deve ter essa finalidade. Pensando em uma indústria cultural

cearense, Linhares sugeriu a construção de um centro onde pudesse centralizar as

manifestações de cunho cultural. Anos depois, em 1996, após renovar seu período de

gestor cultural, no segundo Governo de Tasso Jereissati (1995-1998), surgiu o Centro

Cultural Dragão do Mar.

Nesse momento, a gestão de Paulo Linhares tomou um novo rumo, já que

esta buscou uma junção entre cultura e mercado, ganhando, assim, um caráter mais

instrumental. A nova política será estruturada a partir de um Plano de Desenvolvimento

Cultural Barbalho (2005) discorre sobre essa questão:

75 Violeta Arraes representou um grande passo para a abertura de um espaço da Secult, dentro do Governo. Ela, por residir muito tempo na França, além de ter bons contatos e influência dentro da classe artística, representava uma espécie de ponto de apoio de artistas e intelectuais exilados pela ditadura. Foi bastante influente dentro da classe artística. Porém, foi muito criticada por uma ala de artistas por não morar há muito tempo no Ceará e não conhecer a realidade da produção cultural do Estado. Sua posse ocorreu em 1988 e, apesar de alguns empecilhos, foi vista como motivo de festa, devido sua influência política e cultural. Três linhas, segundo Barbalho (1998), foram seguidas pela atual Secretaria: a primeira foi a recuperação dos espaços físicos pertencentes à Secult - foi nessa época que o Theatro José de Alencar recebeu uma de suas maiores reformas. A segunda ação foi a promoção de eventos de grande porte. A terceira foi a instalação do Pólo de Cinema do Ceará.

99

Há um rompimento assumido com a visão erudita, ou beletrista, marcada por um profundo elitismo e que vigorou na secretaria até então. No Plano, a cultura é considerada em sua dimensão antropológica, como “modo de vida das coletividades humanas”. Este passo é fundamental na compreensão da cultura relacionada a outras dimensões sociais, como a economia e a política, bem como incorpora as produções da cultura popular e da indústria cultural e possibilita a introdução de ambas nas políticas públicas do setor. (BARBALHO, 2005: p.95)

Foi durante essa gestão que a Secretaria ganhou um peso maior dentro do

Governo das Mudanças: a cultura é aliada à economia e a indústria cultural. Diante

desse contexto, o Ceará se coloca numa posição privilegiada, em comparação a outros

Estados, por se tratar de uma colonização mais recente e, com isso, adaptar-se muito

mais facilmente às novas configurações da economia mundial. Fortaleza é diferente de

estados nordestinos, como Recife, onde a política cultural se pautou em manifestações

tradicionais, principalmente na gestão de Ariano Suassuna. A capital pernambucana, na

década, de 90, teve à frente de sua Secretaria de Cultura o renomado escritor, que

implantou uma política de valorização das manifestações culturais e populares em todo

o seu Estado.

Desde o Movimento Armorial76, em 1970, seu criador busca realizar uma

arte brasileira erudita, a partir das raízes populares da cultura nordestina. Ariano ressalta

uma peculiaridade do povo nordestino que, segundo Barbalho (2004), “vem afirmando a

tradição como elemento identitário privilegiado da região”. Na década de 90, essa

imagem do Nordeste chega a institucinalizar-se como política pública, quando ele

ingressa como Secretário de Cultura de Pernambuco, no período de 1995-1998.

Nesse mesmo período, ocorria a explosão do Movimento Manguebeat, com

sua “parabólica enfiada na lama”. Chico Science, o precursor, procurava realizar a fusão

do maracatu com o rock. Ariano era avesso a qualquer tipo de aliança entre as culturas,

rechaçando todos os movimentos que chegassem com essa proposta. A própria

Tropicália, no fim dos anos 60, servia, também, de exemplo para ele como um

movimento de interferências culturais. No Manguebeat, no entanto, chegou a enaltecer a

figura de Chico Science, por ele ter conseguido, em seus shows, fazer com que os

76 A Arte Armorial, que precedeu o próprio Movimento Armorial, tinha como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do Nordeste (literatura de Cordel). A partir desta concepção é criado Movimento Armorial, por Ariano Suassuna, o qual tinha como propósito de realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura nordestina. (SUASSUNA, 1974: 09)

100

jovens pernambucanos conhecessem umas das principais manifestações artísticas de

Pernambuco, o Maracatu, e por enxergar a importância da valorização desses

movimentos.

Apesar de sua posição tradicionalista em relação aos movimentos artístico-

culturais, por desprezar qualquer tipo de transformação e hibridização cultural, não

posso tirar o mérito de Ariano Suassuna, junto à política cultural de Pernambuco. Foi

através de sua intervenção política que o Estado, hoje, se tornou um dos principais

centros de referência de produção cultural no Nordeste.

Simultâneo ao período em que se estabelecia a política cultural em Recife,

fundamentada na construção e na valorização das manifestações culturais, no Ceará, o

então Secretário Paulo Linhares procurava se contrapor a essa imagem. Buscou uma

proposta mais flexível, visando a uma política de modernização, dentro de um espaço

ligado à indústria cultural.

Paulo Linhares realiza, assim, uma série de ações, sempre conectando a

política cultural à economia. O Secretário, em entrevista dada ao Jornal O Povo, em

1997, fala de sua política, em contraposição a de Ariano Suassuna.

Como acredito que se deve modificar hoje, no presente, o que tá aí para conseguir um futuro melhor, eu não tenho essa grande ligação com o passado, como o Ariano. Acho que as próprias condições antropológicas da formação cultural do Ceará, o processo de colonização, que é muito diferente de Pernambuco, nos leva a ter uma visão diferente. Nós não temos um passado colonial de glórias para ficarmos falando disso, indefinidamente. A gente é muito mais solto, mais livre. (LINHARES, Paulo. Contra a cultura da miséria. O Povo, Fortaleza, 11 mar. 1997. Vida & Arte, p.1 In BARBALHO, Alexandre, 2005:99).

O que se pode perceber, diante dessa declaração, é que Paulo Linhares toma

uma posição a favor da indústria cultural e da “mundialização” que já estava tomando

forma, dentro do Estado do Ceará. Para o gestor, a cultura possui também um caráter

mercadológico. As próprias produções já estavam sendo lançadas para o mercado. De

acordo com ele, o Ceará não poderia se contrapor a esse novo estágio.

Percebo, então, duas visões bastante opostas: a de Ariano, ao mesmo tempo

tradicionalista, que se negou a acompanhar os movimentos de transformações culturais,

favorecendo, assim, uma enorme produção local; e a de Paulo Linhares, que embora

101

mais moderna e antenada com a contemporaneidade, errou por priorizar, em seu

governo, a economia, muito mais que a própria cultura. Acredito que essa inversão de

prioridade teve sérias conseqüências para a cultura cearense, refletidas até hoje. Sem

uma política de base, de valorização das manifestações artísticas locais adequadas,

aliados aos movimentos da contemporaneidade, o resultado é uma produção cultural

baseada em alguns elementos superficiais e sem consistência, que se atrofiam mediante

o descaso do Governo.

Com um evento que aconteceu no ano de 2006, no Ceará, que foi a Feira da

Música, observo que a Secretaria de Cultura e os órgãos conveniados precisam, ainda,

exercer um papel mais próximo junto ao Ministério de Cultura, para que manifestações

artísticas possam ter uma representatividade nacional.

No Ceará ocorre, há cinco anos, essa Feira da Música na cidade. Dela

participam bandas independentes de todo o Brasil, com intuito de mostrar seu trabalho

autoral. No período de 07 a 11 de fevereiro de 2007, o evento contou com a presença do

atual Ministro da Cultura Gilberto Gil, que veio prestigiá-la e anunciar a formação de

uma Feira da Música Brasil. Ela terá abrangência nacional e repercussão internacional.

Um dos objetivos do evento é facilitar, através de um portal, a “venda” da música

brasileira para o exterior. A cidade escolhida para sediar a próxima feira foi Recife. A

escolha gerou uma grande decepção para os organizadores da Feira da Música de

Fortaleza, que acontece anualmente. O Ministro, explicou o porquê:

Recife porque ela tem toda uma elaboração, uma formulação, uma capacidade de processamento. A diversidade musical é muito grande. Essa capacidade existe em Pernambuco. Tem um carnaval importantíssimo e um outro conjunto importante de festas. Tem um ciclo junino, que Pernambuco irradia pro resto do Nordeste, pra Bahia, pra Sergipe. É um lugar importante, um pólo com música. É o lugar do frevo, um dos gêneros mais importantes da música no mundo. Razões pra que ela seja em Recife não faltam77.

Compreendo que, apesar de todos os esforços da SECULT em valorizar a

cultura no Ceará, apesar do Estado ter sido o primeiro a criar uma Secretaria de Cultura,

ainda tem muito a alcançar. Ivan Ferraro, um dos principais articuladores da Feira da

77 Entrevista concedida ao Jornal Diário do Nordeste, no dia 15 ago.2006.

102

Música de Fortaleza, descreve a falta de articulação entre o Governo do Ceará e o

Governo Federal:

Claro que a prefeitura de Recife e o Governo de Pernambuco estão entrando e fazendo um lobby muito grande pra isso ir pra lá também. Porque Pernambuco não é o Ceará. Enquanto os nossos políticos não perceberam ainda a importância deste tipo de ação, eles lá estão, pelo menos, 20 anos à nossa frente, em nível de articulação política. A culpa não é nem nossa, mas os políticos locais não têm essa visão, de entender, perceber isso. (...) Somos muito mais reconhecidos em nível nacional que em nível local.

(...) falta de articulação política. Temos quase tantos deputados quanto Recife, no Planalto Central. Então é um problema mesmo de entendimento da questão, de realmente perceber o que significa a economia da cultura, de ter visão de empreendimento de negócio. (...) Fomos à primeira Feira Independente do Brasil (....).

(...) Porque botar dinheiro, a SECULT entra, é nossa parceira com a lei estadual. Mas precisamos dessa articulação política, que ainda é fraca. 78

O exemplo e as declarações mostram o quanto a política local necessita

avançar. Percebo, na declaração de Ivan Ferraro, a falta de coesão entre nossos políticos

– deputados, senadores – e o poder local, no sentido de fortalecer as políticas públicas

no Estado e, com isso, trazer influências drásticas a toda produção cultural local.

O estabelecimento de políticas voltadas à cultura ainda não está sendo

percebido e investido como deveria ser, e isso se fez notar nas inúmeras declarações dos

artistas do Movimento Cabaçal. Entendo ser esse o motivo de buscarem algo diferente,

com o intuito de fugir do estigma de Fortaleza ser considerada uma terra de “covers”,

como assim relatou um deles. Vanildo, integrante da banda Dzefinha, assim argumenta

que artista não é valorizado no Estado:

Existe uma facilidade maior de eventos e uma carência de espaços. Eu vejo que não existem casas onde exista esse tipo de música, casa mesmo, espaços, clubes. Na verdade se monta uma estrutura onde está acontecendo um evento e lá a gente toca, e isso tem acontecido bastante com a gente. Agora espaço mesmo existe uma carência. E o público cearense é mais complicado. Às vezes até vai escutar a banda, mas para ver mais uma banda nacional, primeiro. (Vanildo, banda Dzefinha).

78 Entrevista concedida ao Jornal Diário do Nordeste, no dia 15 de ago. 2006.

103

Nas entrevistas que realizei com os componentes das Bandas do Movimento

Cabaçal é nítida a insatisfação com o rumo que a música local vem tomando no Ceará.

Segundo os artistas, existe pouca valorização do público por este tipo de espetáculo, por

causa de uma cultura de incentivo, e que está mal habituada a aceitar, na maioria das

vezes, bandas provenientes do Sudeste.

Orlângelo Leal declara sobre a falta de investimento e sobre uma indústria

musical que apóiem e valorizem o artista cearense:

Eu acho que ainda falta, no Ceará, uma indústria musical mais eloqüente, com mais espaço para shows para debates, no musical, mas não somente de musica. As pessoas se reúnem, nós temos uma feira da música.. Considero uma das maiores feiras do Brasil. Quem teve oportunidade de conhecer a feira lá de Brasília e acho que a feira da música que acontece em Fortaleza consegue se relacionar com outros estados, e se informar muito bem. E isso prova que tem algo a ser feito aqui. Você vai encontrar vários cearenses pelo mundo e acho que nós temos uma terra fértil, pra você criar. O que ainda falta potencialmente é uma indústria musical, que vai desde o consumo da música até a música local, que toca na rádio, porque se você tem uma movimentação de uma comunidade que fala sobre isso, você vai provocando mais que as pessoas. Por exemplo se nós baixássemos uma lei de no mínimo 20% da programação das rádios do Ceará ser de música local, seria um outro quadro, né?..teria que se conhecer quem são os artistas. Então você tem ali, no Cariri, um pólo musical muito rico, que vai desde Abdoral Jamacaru até Dr. Raiz, eZabumbeiros Cariri, que são outra geração. (Orlângelo, vocalista da Banda Dzefinha).

O Ceará tem estrutura para produzir música e movimentos culturais de toda a

espécie, basta um maior interesse para que isso aconteça. As políticas públicas da área,

apesar dos 40 anos da SECULT, comemorados este ano, estão ainda muito provincianas

e têm muito o que avançar.

Entendo ainda que, apesar de todos os avanços alcançados pela última

secretária de Cultura, Cláudia Leitão, que priorizou a valorização das ações no interior e

descentralizou-as, a economia ainda está em detrimento da cultura. Esse é um dos

principais entraves, dentro dessa política atual. Sem dúvida, que essa é uma questão

crucial para a análise das políticas que giram em torno da proposta de movimentos

artísticos como o Cabaçal. Entendo que a política de editais, principal porta de acesso

de muitos artistas da cena independente de Fortaleza, representa uma das saídas para a

abertura do novo quadro político cultural.

104

Como vimos, as políticas públicas ainda não estão dando conta da realidade

dos artistas, que se apresentam, apenas, em espaços restritos a esse tipo “alternativo” de

música. É o caso do Centro Cultural Dragão do Mar ou do Theatro José de Alencar,

locais de acesso ainda limitado a uma ampla parcela da população.

Os festivais que ocorrem no interior propiciam o outro pólo difusor dessas

bandas. Tais eventos, em sua maioria, têm como maiores freqüentadores os

pesquisadores sobre esses movimentos, não atingindo, portanto, o grande público.

Há a necessidade de se repensar sobre a cultura que vigora no Ceará e o que

ela representa no nosso cotidiano, reelaborada a cada instante e baseada em nossas

tradições. Sem esquecer, também, o passado, mas buscando uma “ressignificação”

pertinente, no entrelaçamento com nossa realidade.

Mesmo estruturada em uma política de base – sabemos que o fator

econômico é imprescindível – é importante que venha a ser ganhar um espaço

secundário, depois da cultura. E que não seja o principal objetivo das gestões culturais e

da sociedade civil. Assim sendo, poderemos pensar em uma renovação da situação

recente no âmbito cultural.

Em relação às políticas culturais do Estado, posso afirmar, tomando como

base as declarações dos jovens artistas do Movimento Cabaçal, que existem avanços e

retrocessos. Embora, atualmente, o setor ligado à cultura tenha uma maior visibilidade,

esta ainda está muito longe do que poderia oferecer à sociedade.

Não se pode negar que as políticas culturais vêm avançando gradativamente

no decorrer dos anos. Há uma preocupação maior com este setor, porém não é o

suficiente para a resolução de seus inúmeros problemas, de investimento, gestão e

participação da sociedade.

Se não existir uma aliança entre a sociedade civil, as Secretarias do Estado e

o próprio Governo Federal, ficará difícil, às políticas culturais, alcançar uma estrutura

voltada para toda e qualquer manifestação cultural no Estado do Ceará.

105

3.3.2 Os rumos dados à cultura do Ceará, na atualidade

No Ceará, a Secretaria de Cultura, de 2003 a 2006, foi presidida por Cláudia

Leitão, que em seu mandato elaborou um Plano Estadual de Governo sob o seguinte

tema: “Valorizando a Diversidade e Promovendo a Cidadania Cultural”. Em seu

discurso de apresentação, ela falou da importância da cultura em tempos de

globalização.

Segundo a secretária, a manifestação cultural deve ser “consumida” pelo

local, para depois expandir-se nacionalmente. Infere-se, daí, a necessidade de que

conheçamos nossas manifestações culturais:

A Política Cultural proposta para o período 2003-2006 parte do pressuposto de que a cultura é o elemento fundamental para dar consistência a qualquer programa público de desenvolvimento social e econômico. Portanto, pensar a cultura com perspectiva de afirmação da cearensidade, construção da cidadania e inclusão social, significa permitir o acesso de todos os equipamentos da cultura do Estado concretizando, desta forma, o principal objetivo da ação cultural: geração de conhecimento, criação, circulação e preservação dos bens e serviços culturais. (Plano Estadual de Cultura)

Esse processo de interação entre cultura e política se confirma, finalmente,

com a criação da Secretaria de Cultura no Ceará, em 1966, como havia me referido

anteriormente. Claudia Leitão, através de ações referentes ao campo cultural, realizou

uma série de atos, diretrizes e programas voltados à ampliação e difusão cultural, tanto

regional, quanto nacional.

(...) todo processo de articulação de uma manifestação cultural local/nacional, com um mercado nacional mais abrangente, implica que seja consumida de forma mais consistente no local de ser promovida a evento mais amplo, tendo amparo institucional por parte dos órgãos governamentais de fomento e patrocínio do setor privado. Vale ainda discutir as formas de financiamento destas manifestações e de que modo os eventuais patrocínios de grandes empresas transnacionais influenciaram em suas formas e conteúdos, ameaçando destituí-las de sua vitalidade original. (Plano Estadual de Cultura)

A Secretária expôs em seu plano que é imprescindível trabalhar a cultura de

uma forma estratégica, analisando todos os aspectos econômicos, políticos, tecnológicos

106

que com ela se relacionam. Segundo ela, o grande desafio das políticas culturais dessa

gestão seria o de analisar cada fato desde a criação até a difusão cultural, além de todos

os seus aspectos para garantias de propagação da cultura em condições satisfatórias.

A secretária toma como base, inicialmente, a discussão sobre o consumo, já

iniciada na gestão de Paulo Linhares. Conclui que para consumir temos que conhecer as

manifestações artísticas. Inicia-se, portanto, uma série de ações, como a denominada

Secult Itinerante, na tentativa de levar a Secretaria de Cultura ao interior do Estado, com

fins de propagar o conhecimento das manifestações populares de cada região do Ceará a

um maior número de pessoas.

Propiciar o conhecimento das culturas locais também é apontado por um dos

integrantes da Banda Dr. Raiz, Júnior Boca, como uma boa proposta para a realização

de uma política cultural bem fundamentada. O objetivo é que ela alcance os anseios da

população. Para ele, política cultural significa:

(...) conhecer mesmo, acho que não são só esses tipos de ações, a gente sabe de vários grupos que trabalham com música contemporânea, música tradicional ressignificada ou não. Mas em especial a questão dos grupos mesmo, que é uma realidade que não tem como se inserir por si só nesse universo do espetáculo. Tem que se pensar, tem que se dar oportunidade, mas pensar em primeiro plano em busca disso, porque é a essência da coisa. E para se desenvolver uma política pública no Estado e no interior que acho, não é uma coisa complicada é só conhecer a realidade. E a maior parte dos problemas dos grupos de tradição são problemas sociais das comunidades... Tem que haver uma renovação de pessoas sensíveis..(Júnior Boca, Banda Dr. Raiz)

Essa atitude política, de conhecimento das regiões, contudo, pode levar a

dois caminhos opostos: de maneira positiva, fazendo com que as ações sejam

descentralizadas de Fortaleza e consigam atingir todo o interior do Estado, conhecendo

a cultura de cada região; e de maneira negativa, pois esse conhecimento tem uma

finalidade de cunho apenas mercadológico.

Como exemplo, cito o caso dos mestres da cultura79 Júnior Boca, por residir

no Cariri, berço de muitos desses mestres, que tece uma crítica sobre essa política de

79 Mestres da Cultura – Por meio da Lei nº. 13.351, o Governo do Estado, através da Secretaria da Cultura (Secult), está garantindo o registro dos Mestres da Cultura Tradicional Popular, e disponibilizando o valor de 01 salário mínimo para que os mesmos continuassem seu processo de passagem de conhecimentos às gerações futuras.

107

“espetacularização” que o governo vem fazendo. Segundo o artista, esse tipo de política

não muda a realidade dessa categoria. Para ele deveria ser realizado um trabalho de

base:

Eu não vejo essa coisa de sentar, ver a realidade dos grupos, ter um incentivo, levar para as escolas mesmo, saber como o mestre está, porque vários mestres estão recebendo esse valor. Mas os problemas sociais do bairro continuam os mesmos: drogas, prostituição, violência. Não muda muito a realidade não.. Ajuda, mas.. questão financeira.. Nesse ponto não mudou. Deu mais visibilidade...mas mudar a realidade. Eu que estou próximo, isso não aconteceu. (Júnior Boca, banda Dr. Raiz).

Analisando duas das cinco diretrizes enumeradas no Plano Estadual de

Cultura, como a valorização das culturas regionais e o apoio à criação artística e

cultural, podemos perceber duas vertentes concernentes ao atual momento em que

encontram os jovens do Movimento. Segundo o Plano:

Com o intuito de preservar as manifestações culturais definidoras da nossa identidade e estimular a experimentação de outras linguagens, a partir de critérios claros e compartilhados com a população, a Secretaria de Cultura define sua política de atuação de expressões artísticas e culturais nas áreas a seguir descritas: 1. audiovisual; 2. arte visual, 3. artes cênicas; 4. Literatura; 4. Música; 5. Tradição popular/artesanato/ gastronomia. (Plano Estadual de Cultura)

Observo a importância dada pela secretária à valorização das culturas

regionais, principalmente à música. O momento é propício para se debater as

manifestações que vêm ocorrendo em grande parte no Nordeste, por várias bandas que

têm esta proposta de valorização da identidade nordestina, especificamente no Ceará,

berço do Movimento Cabaçal.

A partir do desenvolvimento do Programa artístico-cultural, um dos

objetivos da atual gestão foi a dinamização das expressões artísticas, que apóiam a

criação e a produção das mesmas, sobretudo a musical.

Uma política pública comprometida com o exercício pleno da cidadania deve compreender o direito à escuta diversificada, apresentar mecanismos pelos

108

quais a tradição da música seja mantida, e, a um só tempo, oferecer possibilidades que aflorem artistas e linguagens musicais que atendam às postulações estéticas da contemporaneidade. (Plano Estadual de Cultura)

Mais uma vez pode-se observar, no discurso de um dos programas da

secretária Cláudia Leitão, o fato destas manifestações culturais estarem articuladas à

contemporaneidade. Fomentar a difusão da música cearense representa um dos

objetivos do Programa no campo da música, promovendo espaços para promoção,

circulação e produção das manifestações artístico-culturais.

Analisando as propostas do Plano Estadual de Cultura, percebo o valor dado

a essas manifestações pela atual gestão, em âmbito cultural, além da relevância de seu

estudo para compreensão dessa movimentação, que não está focada apenas no Ceará,

mas envolve outros Estados nordestinos.

Como já foi retratado acima, vale ressaltar que houve avanços na atual

gestão. Uma das bandas integrantes do Movimento Cabaçal, a Dr. Raiz, foi beneficiada

com a política de editais. No cd Cariri. Ce., Dr. Raiz conseguiu ser produzido apenas no

ano de 2006, devido ao financiamento gerado pela Secult.

Nós também somos muito agradecidos ao Governo do Estado, a Secult, porque não só a gente como vários artistas tiveram essa oportunidade de lançar o disco. A gente não teria lançado se não fosse esse edital e foi uma política necessária. Vários outros Estados já tem várias outras formas de incentivo, e aqui, no Ceará, acho que tem que existir muito mais. Mas essa coisa do edital mesmo ajudou muita gente. (...). A gente teve o apoio, acho que por merecimento, a gente vem há muito tempo, tem o reconhecimento mesmo, a gente colocou o projeto, rolou e o cd saiu. A gente tá com muito orgulho. Tá lá a marca da Secult e de qualquer outra pessoa ou instituição que contribuísse. A gente não vai se prender a ninguém e mudar o trabalho. Temos nossa forma de pensar, e nem deixar de falar o que a gente sente, mas qualquer ajuda é sempre bem vinda. (Júnior Boca, Banda Dr. Raiz).

Há de se notar a euforia vivida pela banda Dr. Raiz por ter sido contemplada.

Todavia, entendo ser uma questão bem mais ampla: será que as bandas que estão

surgindo estão sendo, também, beneficiadas pela atual política cultural? Será que existe

investimento suficiente nessa área?

Outro problema revelado por um dos membros da banda Dzefinha, que se

disse satisfeito com os rumos da atual política cultural - que beneficiou sua banda - é

109

que a política da gestão Cláudia Leitão ainda não se detém na valorização do artista. É o

que se confirma abaixo:

Vou falar de um olhar bem individual mesmo, pra mim individualmente. Esse período da Cláudia Leitão, depois que ela começou a colocar em prática seu projeto, foi o período que eu mais trabalhei, que eu mais toquei, que eu mais viajei no Estado do Ceará, que eu mais ganhei dinheiro, dando oficinas, fazendo shows, conhecendo lugares que eu nunca tinha ido, tocando para uma galera que eu nunca tinha tocado. No interior, principalmente, então, na verdade, eu acho que foi um período muito bom. Foi uma experiência muito boa. Tem seus reajustes, claro.. (Vanildo, percussionista da banda Dzefinha). Eu não sei se a palavra seria essa, porque valorização envolve outras coisas :pagar um cachê legal, receber no dia certo, hospedar legal, dar um transporte legal, porque de repente é só chamar e dar um cachêzinho. Isso talvez não seja valorizar, poderia ser uma satisfação que a Secretaria tá dando para alguns grupos de música. Mas, apesar disso tudo, a gente tocou bastante, foi positivo. E foi muito bom esse período, entendeu? Mais que na gestão anterior, muito mais mesmo... (Vanildo, percussionista da banda Dzefinha).

Uma outra questão a repensarmos, que também está aliada ao pensamento de

Vanildo, é a necessidade de um trabalho de base, que ofereça cursos para artistas das

diversas áreas: dramaturgia, dança, artes, etc. Orlângelo expõe sobre a importância da

manutenção e ampliação dos artistas, de cursos e colégios que, segundo ele, são

essenciais para composição do artista em geral. A cultura não pode ficar voltada apenas

para eventos e festivais:

Eu só sinto falta dos colégios, sabe...colégio teatral, de dramaturgia, design. Eu acho que foram muito importantes. Se você fizer uma visita ao teatro, a dramaturgia foi muito importante para os artistas, esse momento das escolas de formação, porque ajudou muito. Eu, particularmente, fui aluno do colégio de Direção Teatral e tive a oportunidade de estudar com Claudio Levi, Antônio Mercado, Celso Nunes, Orlando Sena. São grandes nomes do Brasil. Eu acho que a Dzefinha que vocês assistem talvez não fosse a Dzefinha se eu não tivesse passado, naquele momento, do colégio de direção, entende? Isso contribui para minha formação profissional e contribui para muitos outros artistas também, que estão aqui em Fortaleza, e outros no interior, que fizeram parte desse momento. ( Orlângelo Leal, Banda Dzefinha)

Outro comentário de Orlângelo se baseia num fato bastante interessante,

também referido por Vanildo anteriormente, que é a descentralização das ações:

“estamos tocando mais no interior”, afirma o percussionista da banda. Essa é uma das

110

ações realizadas pela gestão Cláudia Leitão mais comentadas pelos integrantes da

banda. Segundo eles, o dinheiro, agora, não se concentra apenas na capital. Está sendo

dividido por todo o Estado. Esse é um dos aspectos mais positivos da sua gestão.

Acho que a Cláudia fez um outro Governo. Fez um Governo de descentralização das ações de Fortaleza para o interior. A sensação que você tem é que não está acontecendo nada, porque quando você começa a repartir o dinheiro, fica pouco para todo mundo. Pior é quando é só para uma equipe, e os demais não têm acesso. É uma política, também, que o Brasil todo tá aprendendo a fazer, que é a descentralização das ações do eixo Rio- São Paulo. Você acha que os atores da Globo acharam legal isso? Você acha que os diretores de cinema ficaram felizes? (Orlângelo Leal, vocalista da banda Dzefinha).

(...) se você visitar o interior, essa gestão, o povo gosta, as pessoas se identificam. Eu não sei com o outro governo. Não sei se esse continua ou o outro ganha. Ele vai ter que ter interlocução com o interior, e as pessoas vão cobrar quando eu digo interlocução. É desde as prefeituras assim, ou dos artistas, através dos editais, que eu acho que é a única forma... Não sei se é bom ou ruim, só faço uma análise de como é que estava... aí, então, você mora no interior e vê o que está acontecendo com essa descentralização. Dá uma espalhada no dinheiro, acho que é por aí... (Orlângelo Leal, vocalista da banda Dzefinha).

Orlângelo, contudo, comenta acerca de um aspecto negativo dessa

descentralização também nas periferias. Segundo o artista, as ações culturais estão

voltadas, apenas, para o Centro Cultural Dragão do Mar, para o Theatro José de Alencar

e para Aldeota, esquecendo as periferias. Isso limita os artistas que não podem levar

seus espetáculos para as outras partes da cidade.

Precisamos de mais centros culturais, pois as atividades culturais não podem se resumir à Praia de Iracema. Podemos imaginar que no José Walter poderia ter um centro cultural, no Pirambu tem que ter um centro cultural, porque nós, artistas, vamos acabar morrendo... Ou você se apresenta no Theatro José de Alencar ou no Dragão do Mar, ou na Aldeota, um teatro que foi praticamente fechado. (Orlângelo Leal, vocalista da banda Dzefinha).

A concentração de espetáculos em determinados locais faz com que várias

dessas manifestações artísticas não chegue até o povo, principalmente, àquele que mora

na periferia que não tem poder de escolha nem acesso a programas culturais variados.

Por essa razão, a maioria do público que assiste aos shows do Movimento Cabaçal é de

111

classe média e universitária, o que representa a camada da sociedade para a qual a

informação - dos grupos não midiáticos e mais independentes - chega mais rápido.

(...) as pessoas vão ouvir música, seja para relaxar, seja para se divertir, seja para refletir. Elas vão procurar música e vai, com certeza, buscar o mais fácil. O mais fácil é o que está com mais acessibilidade. Quando eu falo da indústria musical é porque nós temos uma barreira musical. O grande problema, hoje, não é gravar disco, qualquer um grava disco. Você grava em casa. O grande problema, hoje, é fazer com que as pessoas escutem sua música.. (Orlângelo vocalista da Banda Dzefinha)

Concordo com a posição de Orlângelo sobre a ampliação das ações para o

interior, pois acredito que estas não podem se concentrar apenas na capital. Não se pode

confundir, e sim, valorizar e difundir a cultura local, como alguns meios de

comunicação o fazem. A tentativa é valorizar o que está sendo criado no próprio local,

na prática de uma política cultural democrática. Essa deveria ser a real função da

Secretaria de Cultura.

A disseminação da cultura enfrenta uma barreira muito forte entre as regiões,

como o Nordeste e o Sudeste, entre a capital e o interior e mesmo entre os bairros. A

concentração cultural ainda representa um dos entraves para a democratização das

manifestações artísticas, além da questão do livre acesso, que também representa uma

das problemáticas enfrentadas pelas políticas culturais.

Os editais são uma das formas para que esse acesso se torne mais

democrático e é visto pelos integrantes das bandas do Movimento como um dos pontos

positivos do atual governo. Para Orlângelo, “a cultura de edital aparentemente parece

ser a forma mais democrática de ‘ratiar’ o dinheiro”. (2007)

Sendo assim, observo que, ao mesmo tempo em que a gestão Cláudia Leitão

deu um avanço, também retrocedeu. Pecou ao aliar a cultura à economia do Estado,

numa perspectiva mercadológica centrada nos mesmos moldes prescindidos pela gestão

Paulo Linhares.

No entanto, apesar dessa similitude entre as duas gestões, o discurso atual

utilizado pela secretária é mais de fomentação do mercado cultural e menos para uma

produção, realizando uma interface com o turismo, como analisarei no próximo tópico.

112

A tentativa de ver uma cultura com um fim específico nos parece ser

bastante prejudicial para a dinâmica, tanto cultural como das políticas públicas, apesar

da vantagem em ter as atenções voltadas, agora, para a política cultural. Entendo que

estas políticas também podem representar um campo vasto para o turismo e,

consequentemente, para a economia, apesar dos riscos que possam apresentar para

manutenção de nossa cultura. Acredito que ficará comprometida tanto sua criação como

difusão.

Ter um fim específico atrasa toda uma dinâmica cultural, pois limita o

processo criativo e de construção cultural. A cultura é algo livre que deve basear-se em

seu povo, sua tradições, além dos movimentos contemporâneos. Não é passar pelo crivo

econômico, como acontece desde a gestão de Paulo Linhares. Os ganhos, como já me

referi, existem, mas não compensarão os prejuízos que possam ser gerados por essa

política.

Outra dificuldade apresentada é a de que, apesar dos avanços alcançados, os

principais entraves gerados por essas políticas é que elas se tornam de interesse ao

Governo. Representam, apenas, políticas executadas pela gestão do momento, e não são

políticas permanentes, independentes da gestão em vigor.

A cada mudança de gestão outros elementos são priorizados e outras

construções são feitas, prejudicando, assim, todo o andamento da produção e difusão

cultural em conclusão. Júnior Boca comenta sobre essa questão. Quando perguntado

sobre o que pediria para a próxima gestão, ele respondeu:

Continuidade aos projetos que deram certo. Mas esse é um problema grave no interior, principalmente, uma nova gestão que entra quebra tudo, não se importa com o trabalho que vem sendo desenvolvido. E vai refazer tudo de novo e isso, muitas vezes, atropela o processo porque tem muita coisa legal que rola e pode ser continuada nessa nova gestão que tá entrando. Iisso não acontece. De qualquer forma a Secult vem desenvolvendo um trabalho muito vasto e eu fico muito feliz nesse sentido. E eu queria muito que pudesse continuar. Eu acho que eles devem ter esse carinho pelo povo ser beneficiado, nesses vários projetos. Repensar, melhorar e aumentar e criar novas formas de incentivo. (Júnior Boca, integrante da banda Dr. Raiz).

Acredito que há muitos entraves, não somente em termos de política cultural,

mas de uma forma geral. Alguns Estados, porém, conseguem, no decorrer de seu

governo, obter uma consistência maior em termos de ações voltadas ao setor cultural,

113

obtendo, assim, um maior êxito no gerenciamento, na produção e na difusão de seus

elementos culturais.

Na atual gestão de Cid Gomes, o novo secretário, que toma a frente da

Secretaria de Cultura do Ceará, é o professor Francisco Auto Filho. Não posso formar

uma opinião concreta sobre os rumos que a cultura seguirá, nesse momento. É de se

esperar que as ações de priorização do interior do Estado continuem sendo realizadas,

além das políticas já citadas, que fez o Ceará avançar no setor cultural.

3.4. A cultural transversal

O Ceará, hoje, representa um grande pólo turístico. Tem como seus

principais atrativos – e que já fazem parte do roteiro de qualquer turista - os shows de

humor, os grupos de forró, as praias e o sol permanente. Elementos estes que foram se

constituindo, com o passar dos anos, como expressões artístico-culturais do povo

cearense. São reconhecidos, inclusive, pelos inúmeros turistas que chegam tanto do

Brasil como de outros países.

As indagações são inevitáveis: é somente isso que nos oferece Fortaleza? E

os outros gêneros musicais? E outras manifestações artísticas? E os museus, teatros,

igrejas, enfim: em que lugar estão, nesse roteiro turístico, os patrimônios históricos?

Onde estão os principais pólos culturais do Ceará?

O Theatro José de Alencar, o Centro Cultural Dragão do Mar, o Museu do

Ceará e o das Secas, a Catedral e o Centro da cidade representam espaços que são

conhecidos superficialmente pelos pacotes turísticos. Em suma, a própria cidade não é

valorizada pela “city tours” para muitos turistas.

Essa questão foi tema do jornal O Povo80, em matéria intitulada “Fortaleza

no roteiro”. O artigo critica, justamente, a não-valorização de espaços culturais pelos

guias turísticos. De acordo com o turismólogo Gérson Linhares, outras cidades já estão

à frente de Fortaleza nesse tipo de roteiro cultural:

Enquanto a capital cearense segue vendendo apenas suas praias, outras capitais nordestinas, como Recife e Salvador, já atentaram para oferecer não apenas o

80 Jornal O Povo em 03 dez.2006, matéria escrita por Amanda Queirós.

114

lazer do sol, mas a riqueza cultural de seu patrimônio, de sua história e de suas manifestações artísticas. Sinal que há espaço também para Fortaleza seguir este rumo como um diferencial na conquista de novos mercados. Caso contrário, a capital cearense corre o risco de se tornar uma cidade-dormitório, local onde os turistas se aconchegam após os já costumeiros passeios na praia. (Gérson Linhares, turismólogo em entrevista para O Povo).

Como já comentei neste trabalho, a política cultural de Cláudia Leitão teve o

intuito de aliar a cultura ao mercado. Tomando de empréstimo seu discurso, o então

Secretário de Turismo Allan Aguiar, em declaração, a meu ver equivocada, quando

perguntado sobre o porquê dos roteiros turísticos não abrangerem os principais centros

históricos de Fortaleza, respondeu:

A cultura está permanentemente inserida no processo de divulgação e promoção do Ceará. A nossa música, a nossa dança, o nosso artesanato, a nossa alegria compõem o conjunto de traços típicos da população do Estado. É aí que você mostra o forró, uma especialidade nossa no âmbito da música. (...) Nós procuramos fazer a indução para que o turista visite essas áreas, mas ninguém tem o poder de obrigá-los a ir até elas.

(Allan Aguiar, Secretário de Turismo do Governo do período 2003-2006).

A declaração reflete a visão limitada que se tem, hoje, por parte de alguns

gestores culturais cearenses. Sem uma infra-estrutura organizada, competência das

próprias Secretarias de Cultura e Turismo, não há como os turistas se deslocarem para

conhecer esses espaços culturais, abandonados pela atual gestão.

As manifestações artístico-culturais são várias no Ceará. Cabe às secretarias,

em geral, se unirem com o objetivo de ampliar e investir, para que não somente os

estudantes universitários e historiadores visitem esses espaços, mas também os próprios

habitantes da cidade e os turistas tenham interesses e curiosidade em fazê-lo.

O exemplo do turismo foi dado como para ressaltar como o Ceará ainda tem

uma visão provinciana na valorização do aspecto cultural e na construção de suas

políticas culturais. Como Gerson Linhares relatou, cidades como Recife e Salvador,

devido à política realizada, tanto no âmbito do Turismo como da Cultura, se

diferenciam em termos de expressão e valorização cultural. Seu patrimônio histórico,

hoje, é estimado e conhecido em todo o Brasil, atraindo turistas do mundo inteiro.

115

Ao contrário de Fortaleza, que utiliza como pólo principal do turismo apenas

suas praias e como referência musical o forró - deixando de lado todas as outras

manifestações artísticas presentes na cidade, além de patrimônios históricos que devem,

também, ser conhecidos e apreciados – Salvador e Recife procuram valorizara a cultura

como um todo.

Uma das conseqüências principais dos inúmeros problemas vividos com

relação à cultura no Estado é essa visão focada, apenas, em atrações como o forró e os

shows de humor - que são referências em âmbito nacional - não abrindo mercado para

novas manifestações artísticas que estão surgindo.

O já citado turismólogo Gerson Linhares nos lembra o exemplo de

Pernambuco, para exemplificar como a sua política, tanto cultural como a de turismo,

estão aliadas, visando à valorização das manifestações artísticas como um todo.

Sabemos, porém, que não só o turismo e a cultura devem estar relacionados, mas todas

as Secretarias de Governo, afinal essa deveria ser uma política de Estado e não mais de

Governo.

Uma proposta de ação para a SECULT é revelada pelo pesquisador Oswald

Barroso81,

Sendo assim, nada mais apropriado que a Secult, além de desempenhar suas atribuições específicas, atue como uma espécie de supra-secretaria, discutindo e trabalhando junto às demais, na implantação de políticas públicas, bem como que tenhamos no Conselho de Cultura representantes dos movimentos sociais (que são principalmente culturais), sejam ecológicos, étnicos, feministas, pacifistas etc. (Oswald Barroso).

A política cultural representa algo bem mais amplo, que vai alem da própria

Secretaria. Sua articulação com as outras pastas existentes é necessária para a realização

de um trabalho de base e de estruturação, conforme disse Oswald: “uma política cultural

não apenas norteando a pasta de cultura, mas o conjunto de ações do Governo, no

sentido de promover um desenvolvimento econômico, social e cultural, que fosse ao

mesmo tempo auto-sustentável e não excludente”.

81 Teatrólogo e jornalista, em entrevista para o jornal O Povo no dia 10 jan. 2007, com o nome “Transversalidade da Cultura”.

116

No mesmo sentido, Vanildo, da Dzefinha, comenta essa questão, quando

perguntado sobre como anda a política cultural, atualmente, no Ceará. O artista fala da

importância de um trabalho estruturado:

Não se pode viver só de eventos. O público também tem que estar buscando coisas novas. Então passa por muita coisa. O gestor entra, o produtor cultural entra, o artista entra, o público também entra. Tem que ser feito um trabalho de educação, na verdade. Desses pontos que a gente tenha uma auto-sustentabilidade para as pessoas comprarem o que existe aqui no Ceará, valorizarem realmente e de o artista cearense se sentir valorizado, os empresários investirem nos artistas cearenses porque reconhece que são artisticamente bons. São ações como essa que seriam interessantes de acontecer no Estado. (Vanildo, percussionista da banda Dzefinha).

A cultura perpassa por toda nossa vida. Por essa razão deve estar atrelada a

todos os componentes da sociedade e transitar por todos os setores, além de gestores

tanto da cultura, como da educação, saúde e turismo. É de suma importância para que

haja uma cultura solidificada, estabelecida dentro da sociedade cearense. Como afirma

Oswald Barroso, “a cultura, antes de ser sua expressão material, é a forma do humano

dar significado ao mundo (...). Nesse sentido, a cultura é transversal e deve lançar luzes

sobre todas as outras atividades do poder público.”.

O diálogo entre vários segmentos do Estado torna-se um elemento

fundamental para que existam políticas públicas consistentes, junto à sociedade em seu

processo de criação. É dessa forma que elas, através da união do Estado com a

sociedade civil, conseguirão dar continuidade a toda e qualquer manifestação de ordem

artístico-cultural.

No que diz respeito à gestão atual (2007-2010), de Francisco Auto Filho, a

Secretaria de Cultura do Estado do Ceará traz como principal projeto, em seu Governo,

a Constituinte Cultural do Ceará, o qual integra

(...) o esforço de consulta à sociedade no que diz respeito à revisão constitucional proposta pela Assembléia Legislativa. Seu objetivo é atualizar o Marco Legal da Cultura, pelo qual o Sistema Nacional da Cultura determina que os municípios estruturem uma Secretaria, um Conselho e um Fundo Municipal da Cultura. A Constituinte Cultural, a ser levada ao diálogo com todos os setores sociais, irá servir de base para elaboração do Plano Plurianual da Política Cultural do Ceará82.

82 Disponível no sitio http// www.secult.ce.gov.br em 20. set de 2007.

117

Esse plano tem como fundamento principal a proposta de um orçamento fixo

destinado à cultura e de iniciativas de projetos que passem a ser garantidos por lei e não

por quem assumir o Estado. Entendo ser este um dos principais avanços no que tange à

valorização da cultura e que não deve estar agregado, tão-somente, à gestão atual, pois,

a posteriori, quebraria toda uma lógica de ações.

Outro ponto importante, também abordado no documento, é a defesa da

política de editais, implementada pela Secult (gestão Cláudia Leitão), que já prevê sua

ampliação. Assim sendo, o orçamento participativo passaria, com a aprovação da

Constituinte, a ser um dos principais pontos que definiria a implementação de projetos

no Estado. Entre eles, definir que a TVC seja incorporada como uma TV Pública e não

Estatal, com espaço aberto à população, mantendo uma diversidade de programação.

A Constituinte Cultural será encaminhada às instituições públicas e sociais,

que participaram da elaboração, bem como aos delegados culturais e às bibliotecas

públicas do todo o Estado. Ao ser incorporado às constituintes dos outros setores, ela

passa a tramitar na Assembléia Legislativa, com o intuito de tornar-se a 60º Emenda

Constitucional, no dia 5 de outubro, ano em que a Constituição Estadual completa 18

anos.

Percebemos que, desse modo, a cultura no Estado representará um avanço e

um novo passo para que as políticas destinadas ao setor cultural tenham mais autonomia

e recursos próprios. Assim ele dará conta da dinâmica gerada pela sociedade em termos

de manifestações artísticas culturais.

Esta gestão está apenas em seu início, não cabendo, pois, um julgamento

precipitado, quando às ações futuras. Porém, há de se desejar que essas ações tenham

continuidade para que, com isso, a cultura e, consequentemente, a própria sociedade

sejam beneficiadas.

118

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desta pesquisa, observei que o Movimento Cabaçal representa uma

forma de articulação e de expressão da juventude urbana cearense, mediante o quadro

político atual. Ele se inspira no imaginário popular nordestino para a construção de um

repertório musical, aliado aos elementos da “mundialização” cultural. Percebemos que

sua estruturação se deu de uma forma organizada, através de discussões, reuniões e

eventos, e buscava não se restringir apenas à realização de shows.

O Movimento propunha realizar uma discussão junto à sociedade, visando ao

conhecimento e à valorização da cultura nordestina, especificamente, a cearense. Nas

suas atrações sempre procuravam levar personagens referentes à cultura local, como a

exemplo da Banda Cabaçal, dos Irmãos Aniceto. O resultado foi trazer para o público

jovem o conhecimento acerca das figuras tradicionais da nossa cultura, muitas vezes

distante da sua realidade.

Cada uma das bandas que integravam o Movimento Cabaçal, Dzefinha, Dr.

Raiz, Jumentaparida e SoulZé, procuravam expressar, através das letras de música, dos

ritmos e da experiência com a poesia popular, aspectos sociais e culturais do seu local

de origem. Seu repertório representou uma linguagem de questionamento e de saber,

passando a ser um dos interesses do Movimento.

Podemos perceber a necessidade de sensibilizar os ouvintes acerca da

identificação do Nordeste, das raízes e das tradições cearenses, mas vistos sob o prisma

da contemporaneidade. Vale ressaltar que o interesse maior é a fusão de elementos

vindos de fora com os da terra natal. Seu objetivo era chamar a atenção, tanto da própria

comunidade, como dos órgãos públicos, com a finalidade de investir em produções

próprias no Ceará.

O aspecto social representou uma das preocupações deste Movimento

artístico-cultural, pois visava a desempenhar um trabalho junto à comunidade e,

principalmente, junto aos jovens provenientes da periferia do Ceará. A pretensão é a de

que haja uma realização profissional, oferecendo cursos e oficinas ligados à música e à

cultura cearense em geral.

119

A precariedade de políticas inteiradas em um projeto de desenvolvimento

cultural fez com que estes jovens se reunissem, realizando eventos que valorizassem a

cultura local. Porém não conseguiram dar continuidade ao trabalho de articulação do

Movimento, devido à falta de investimento e apoio do Estado. A conseqüência foi que

as bandas tomaram rumos individuais. Entretanto, por mais que o Movimento não tenha

conseguido se reerguer, sua proposta teve o poder de repercussão junto ao órgão

público, ligado à Secretaria de Cultura.

Através da análise do Plano Estadual de Cultura, documento lançado pela

Secretaria Estadual de Cultura do Ceará, na gestão Cláudia Leitão (2003-2006),

percebemos a existência de um trabalho junto a estas Bandas, como é o caso do cd de

Dr. Raiz, que foi financiado pela própria Secretaria, por meio de editais.

A gestão priorizava ações no interior, através do projeto Cultura Itinerante,

visando ao conhecimento das diversas produções locais. Houve um trabalho de

valorização da cultura, com a realização de diversas apresentações. Nessa empreitada, a

Banda convidada foi Dzefinha, que mais mostrou seu desempenho junto ao público.

No tocante a essa gestão, nem todas as bandas expressaram seu

contentamento. É o caso de Dr. Raiz, por exemplo, que não foi contemplada da mesma

forma que a Dzefinha. Apesar dos pequenos avanços, a insatisfação era notória, no que

diz respeito à valorização do artista. A intenção eram as ações descentralizadas da

capital, onde existia uma política que chegasse até o interior.

Pude constatar que houve, por parte de alguns integrantes, a necessidade de

um trabalho de base nas escolas de formação. Exemplos como o colégio de dramaturgia

e o de design são essenciais para a formação do artista, haja vista que a política cultural

de um Estado não pode se limitar a eventos e festivais.

Compreendemos que, para que as idéias se concretizem, deveria haver uma

parceria entre a comunidade e o Estado, sem a qual movimentos como o Cabaçal

desaparecerão do cenário musical cearense ou mesmo buscarão êxito fora do nosso já

restrito mercado.

As ações da Secretaria de Cultura devem se estender, tanto dentro da

comunidade, abrangendo toda a área do Estado, como em áreas mais fechadas, como os

120

teatros e os centros culturais. A parceria ideal seria, também, com outros órgãos do

Governo, como a Secretarias de Turismo e de Educação, as quais se tornam essenciais

dentro desse processo de estruturação e base.

É necessário, portanto, que políticas voltadas para a cultura estejam

acessíveis a movimentos como esses, que tenham condições de dar continuidade a seus

projetos, e não se dissolvam pela falta de investimento ou articulação do Estado.

A participação dos gestores é primordial nesse processo, e que não seja vista,

apenas, sob uma ótica mercadológica, o que poderia acarretar em um atraso às já

estagnadas ações culturais. A função do Estado não deveria se restringir à conservação

de patrimônios históricos, que também são importantes para manutenção da nossa

cultura. Mas há a necessidade, também, dele exercer um papel de mediador junto às

ações da comunidade com relação à cultura, buscando estabelecer um diálogo entre o

universo local e o global. A hibridização cultural, resultante dessa relação, se revela

como um dos maiores desafios da política cultural, nos dias de hoje, devido à dinâmica

do mundo atual.

A partir dos dados aqui propostos, podemos entender a importância desses

movimentos artístico-culturais, tanto para a sociedade como para as políticas vigentes.

A definição das políticas culturais junto ao Estado deve ser proveniente destes

movimentos sociais, que refletem e expressam, de forma real, os anseios da sociedade.

A partir dessa perspectiva, as políticas culturais conseguirão dar conta dos inúmeros

movimentos existentes, – além do Cabaçal – se estabelecerem uma feliz parceira com a

sociedade civil.

Na nova gestão vigente – a do secretário de Cultura Auto Filho – criaremos

expectativas, no sentido de vermos semear os resultados presentes na chamada

Constituinte Cultural. Nela, se busca uma maior autonomia para o setor cultural, como o

orçamento próprio e a continuidade de suas ações, através de políticas específicas. Para

que se tenha uma maior amplitude, torna-se se necessário que as decisões sejam

tomadas junto à população, reafirmando, assim, uma política pública consistente.

É importante que se tenha em mente – Governo e população em geral – que

a cada momento, no nosso Estado, movimentos culturais novos podem ser gerados,

121

movidos pela ânsia de expressarem sua arte junto ao povo. Cabe a todos reverter, de

forma imediata, o quadro geral que compunha nossa história cultural.

122

APÊNDICE

123

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

I. PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO

� Nome

� Idade

� Escolaridade

� Religião

� Naturalidade

� Bairro onde mora

� Renda familiar

� Nível de escolaridade dos pais

II. HÁBITOS, COSTUMES E VALORES

� Você vive da música, ou tem outra atividade paralela?

� Fale um pouco de sua história pessoal, como entrou em contato com a música?

� O que mais consome? Com que mais gasta?

� O que costuma fazer nas horas vagas?

� Assiste Tv? Quais os programas que mais gosta?

� Quais os tipos de revistas ou livros você lê? Dê exemplos.

III. FORMAÇÃO CULTURAL E RELAÇÃO COM A CULTURA POPULAR NORDESTINA

� Fale um pouco da sua formação cultural.

� Quais as suas influências culturais, artísticas?

� O que você entende por cultura popular nordestina?

� Qual a sua relação com a cultura popular nordestina?

� De onde se originou seu interesse por ela?

124

IV. MOVIMENTO CABAÇAL

� Quais as suas preferências musicais, seu estilo?

� O que é o Movimento Cabaçal para você?

� Como ele foi construído?

� Podemos ainda dizer que existe um Movimento Cabaçal?

� Em que estágio anda este movimento?

� Que tipo de público tem o Movimento Cabaçal?

� Qual o perfil dos componentes de sua banda?

� O que o Movimento Cabaçal pretende?

� Preferências musicais e poéticas?

� O que você considera viável para colocar no cd, que tipos de escolhas fazem para escolher as músicas do repertório? Como se realiza a escolha do repertório?

V. POLÍTICA CULTURAL

� O que você entende por política cultural?

� Como é sua relação com o Estado?

� Você tem conhecimento de alguma política desenvolvida pelo Governo referente à valorização da música nordestina?

� Houve até agora, algum incentivo por parte do Estado para a banda, para este tipo de musica?

Vocês pensam em sair do Estado, como a Banda Soulzé fez? Por que?

125

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