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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE ANTÔNIA IARA ADEODATO DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA FORTALEZA-CEARÁ 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS

MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE

ANTÔNIA IARA ADEODATO

DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE

FORTALEZA

FORTALEZA-CEARÁ

2016

1

ANTÔNIA IARA ADEODATO

DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE

FORTALEZA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Área de Concentração: Políticas Públicas

Orientador: Prof. Dr. João Tadeu de Andrade.

FORTALEZA-CEARÁ

2016

2

3

ANTÔNIA IARA ADEODATO

DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE

FORTALEZA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade.

Aprovada em: 25 de abril de 2016

BANCA EXAMINADORA:

4

AGRADECIMENTOS

A Deus, refúgio que me acalenta nos momentos mais difíceis.

À minha amada mãe, Francisca, inspiração da minha vida.

Ao meu amor, Wellington, pelo singelo companheirismo e por todos os momentos

que vivemos juntos.

Aos meus irmãos, Ieda, Manuel (in memoriam) e Ieres, pelo incentivo e carinho.

Ao meu sobrinho, Mota Filho, e ao meu afilhado, Alisson, pelas alegrias das nossas

brincadeiras.

Ao meu querido orientador, João Tadeu, pela grata e valiosa companhia nesta

jornada.

Aos meus amigos, pela compreensão diante das ausências.

A todos que fazem parte do CAPS geral do Jardim América, pela acolhida dos

momentos compartilhados. Em especial, às pessoas que dividiram comigo suas

histórias de vida. Obrigada pela confiança.

Aos professores João Bosco Feitosa, Zulmira Áurea Cruz e Regina Heloisa Mattei

pelas preciosas contribuições que fizeram a este trabalho, durante a banca de

defesa.

À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela

concessão da bolsa de fomento à pesquisa, fundamental na realização desta

investigação.

Aos docentes e discentes do Programa de Mestrado Acadêmico em Políticas

Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, pelos momentos de

discussão e aprendizado.

A todos que contribuíram direta ou indiretamente para o desenvolvimento desta

dissertação.

5

“Se é verdade que o real é relacional,

pode acontecer que eu não saiba de uma

instituição acerca do qual julgo saber

tudo, porque ela nada é fora das relações

com o todo”.

(BOURDIEU, 2007, p.31).

6

RESUMO

Nesta dissertação analiso a estruturação de uma rede de apoio social, organizada em torno do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) geral do bairro Jardim América, localizado no município de Fortaleza, Ceará. Tal rede é constituída pelos profissionais do CAPS do Jardim América, por sujeitos classificados como portadores de transtornos mentais e seus familiares, além de demais pessoas envolvidas no processo de cuidado (membros de associações e cooperativas de bairro, integrantes de igrejas, amigos, vizinhos). Na construção deste objeto, fui instigada pela premissa de que o CAPS faz uso de práticas em associação com os campos de sociabilidades existentes no cotidiano das pessoas em tratamento, considerando-as um importante dispositivo terapêutico. Partindo desse pressuposto, compreendo que avaliar este novo modelo assistencial de saúde mental denota considerar fatores externos ao indivíduo e presentes em seu cotidiano, em hábitos de vida e em práticas de sociabilidade. Para a concretização desta pesquisa, realizo uma análise documental das principais normas jurídicas pertinentes à Política Nacional de Saúde Mental, uma abordagem de orientação etnográfica do CAPS, além da proposta de Análise de Redes Sociais (ARS) destinada ao mapeamento das redes de apoio dos usuários deste serviço de saúde mental. Neste sentido, a ARS se constituiu como ferramenta conceitual, analítica e metodológica. Os resultados apontaram que: 1) a rede de cuidados vinculada ao CAPS se estrutura a partir das tensões existentes entre as sociabilidades cotidianas dos usuários e as práticas institucionais de tratamento; 2) apesar da mudança do modelo de tratamento, as redes sociais das pessoas com transtorno mental continuam fragilizadas; 3) as práticas representativas do hospital psiquiátrico ainda estão presentes no cotidiano dos usuários do CAPS; 4) as redes de apoio social dos usuários do CAPS se caracterizam, sobretudo, por interações com parentes, membros de grupos religiosos, profissionais e outros profissionais do CAPS; 5) contrapondo-se ao discurso do Estado, existe pouca oferta e abrangência das atividades desenvolvidas pelo CAPS, envolvendo os campos de sociabilidades dos usuários do CAPS. Em conclusão, chama-se atenção para a reflexão sobre a importância do fortalecimento dos vínculos sociais e comunitários nas práticas de cuidado direcionadas as pessoas com transtornos mentais. Palavras-chave: Saúde mental. Rede social. Sociabilidade. Políticas públicas. Atenção psicossocial.

7

ABSTRACT This dissertation I analyze the structure of a social support network, organized around the Center for Psychosocial Care (CAPS) general of the district of Jardim América, situated in the city of Fortaleza, Ceará. This network is comprised of the CAPS professionals of Jardim América, by subjects classified as having mental disorders and their relatives and other people involved in the care process (members of association and neighborhood unions, church members, friends, neighbors). So, I was instigated by the premise that the CAPS makes use of practices in combination with the existing sociability fields in the daily lives of people in treatment, considering them an important therapeutic device. Based on this assumption, I understand that evaluate this new care model for mental health denotes to consider external factors to the individual and present in his daily life, life habits and practices of sociability. So, to achieve this research it was done a documentary analysis of the main juridical rules; relevant to the National Mental Health Policy, an approach of ethnographic orientation of CAPS, besides the proposal of Social Network Analysis (SNA) for the mapping of users support networks of this mental health service. In this sense, I used the proposal of Social Network Analysis (SNA) as a conceptual, analytical and methodological tool. The results showed that: 1) the network linked to CAPS is structured from the tensions of everyday sociability of users and the institutional practices of treatment; 2) despite the change of the treatment model, the social networks of people with mental disorders remain vulnerable; 3) the representative practices of the psychiatric hospital are still present in the daily lives of these individuals; 4) the networks of users social support of CAPS are characterized mainly, by interactions with relatives, religious groups members, professionals and other CAPS professionals; 5) in opposition of the State speech, there is little supply and scope of activities undertaken by CAPS, involving sociability fields of CAPS users. In conclusion, great attention must be given in order to reflect on the importance of strengthening of social and community links in care practices aimed at people with mental disorders. Key-words: Mental health. Social network. Sociability. Public policies. Psychological care.

8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Fotografia do pátio do CAPS geral do Jardim América........... 56 Figura 2 - Quadro produzido no grupo de arteterapia pelos usuários do

CAPS............................................................................................... 59

Figura 3 - Painel confeccionado pelos usuários do CAPS destinado ao Festejo Junino (2015)....................................................................

60

Figura 4 - Fotografia alusiva à atividade do grupo de Memória................ 60 Figura 5 - Apresentação do Teatro do Oprimido (2014)............................. 63 Figura 6 - Organograma da Rede de Atenção à Saúde Mental................. 99 Figura 7 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do

CAPS constituída por malhas estreitas...................................... 106

Figura 8 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do

CAPS constituída por malhas intermediárias............................

115 Figura 9 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do

CAPS constituída por malhas frouxas....................................... 121

9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRATECOM Associação Brasileira de Terapia Comunitária

AGEAC Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e

Culturais

ARS Análise de Rede Social

BPC Benefício de Prestação Continuada

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

CRAS Centro de Referência da Assistência Social

CREAECE Centro de Referência em Educação e Atendimento

Especializado do Ceará

COGTES Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde

CGSM Coordenação Geral de Saúde Mental

CGMAD Coordenação Geral de Saúde Mental Álcool e outras Drogas

ECC Encontro de Casais com Cristo

ESF Estratégia Saúde da Família

GTSM Grupo de Trabalho em Saúde Mental

IPI Internações Psiquiátricas Involuntárias

IPV Internações Psiquiátricas Voluntárias

IPM Programa de Saúde do Instituto de Previdência do Município

ISSEC Instituto de Saúde dos Servidores do Estado do Ceará

MISMEC Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do

Pirambu

MSMCBJ Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim

MTSM Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental

NAMI Núcleo de Atenção Médica Integrada

NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde

PNASH Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar

PRH Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar

Psiquiátrica

PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

10

PSF Programa de Saúde da Família

RAPS Rede de Atenção Psicossocial

SER Secretaria Executiva Regional

SRT Serviço Residencial Terapêutico

SESI Serviço Social da Indústria

SISNEP Sistema Nacional de Ética em Pesquisa

SMS Secretaria Municipal de Saúde

SPA Serviço de Psicologia Aplicada

SUS Sistema Único de Saúde

UAPS – Unidade de atenção primária à saúde

UECE Universidade Estadual do Ceará

UFC Universidade Federal do Ceará

UBS Unidade Básica de Saúde

11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 AS MUDANÇAS NO PARADIGMA MANICOMIAL E OS NOVOS

DISPOSITIVOS DE CUIDADO..................................................................... 26

2.1 AS PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE A LOUCURA E SUAS

FORMAS DE TRATAMENTO....................................................................

26

2.1.1 O Processo de institucionalização e disciplinamento da loucura............ 27 2.1.2 As Instituições Totais e a mortificação do Eu ....................................... 30 2.1.3 A nova relação do Estado com o “doente mental”............................... 32

2.2 OS MOVIMENTOS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E O PROCESSO DE

DESOSPITALIZAÇÃO................................................................................

34

2.2.1 A psiquiatria reformada e o discurso da humanização do tratamento.. 34

2.2.2 O Movimento de reforma psiquiátrica no Brasil................................... 38 2.2.3 A instituição CAPS e a nova Política Nacional de Saúde Mental.......... 42 2.2.4 Saúde Mental no Ceará: contexto histórico e político.......................... 45 3 QUANDO O CAPS É O CAMPO: ASPECTOS ETNOGRÁFICOS DE UMA

INSTITUIÇÃO DE SAÚDE MENTAL....................................................................

52

3.1 CAPS: LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO..................................................... 53

3.2 O CAPS E A REDE DE ATENDIMENTO À SAÚDE MENTAL................... 63

3.3 COTIDIANO DO CAPS: UM DIA DE OBSERVAÇÃO................................ 72

3.4 OS USUÁRIOS E A FAMÍLIA NO CAPS................................................... 77

4 ATENÇÃO E CUIDADO NA SAÚDE MENTAL: AS REDES DE APOIO SOCIAL......................................................................................................

84

4.1 A CONCEPÇÃO DE REDES NAS CIÊNCIAS SOCIAIS........................... 84

4.2 AS REDES: MECANISMO E SUPORTE DE APOIO SOCIAL.................... 93

4.3 SAÚDE MENTAL E REDE INSTITUCIONAL EM FORTALEZA................ 97

4.4 TECENDO AS REDES DE APOIO SOCIAL DOS USUÁRIOS DO CAPS

DO JARDIM AMÉRICA..............................................................................

102

4.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS REDES DE MALHAS ESTREITAS,

INTERMEDIÁRIAS E FROUXAS DOS USUÁRIOS DO CAPS.................... 122

4.6 (RE) SIGNIFICANDO A SAÚDE MENTAL COMUNITÁRIA: A PERSPECTIVA

DOS USUÁRIOS, FAMILIARES E PROFISSIONAIS DO CAPS.............. 124

12

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ 130

REFERÊNCIAS.......................................................................................... APÊNDICES...............................................................................................

APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS.......................................

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO.......................................................................................... APÊNDICE C – MATRIZ GERADORA DE DADOS...........................................

ANEXOS.....................................................................................................

ANEXO A – PARECER DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE........

ANEXO B – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP/UECE..............

135 144 145

148

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151

152

153

13

1 INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa abordo a estruturação das redes de apoio social dos

usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do bairro Jardim América,

localizado no município de Fortaleza, Ceará. Essas redes são constituídas pelos

profissionais do CAPS, pelos usuários do serviço e seus familiares, além de demais

pessoas envolvidas no processo de cuidado (integrantes de grupos religiosos,

lideranças comunitárias, amigos, vizinhos). Busco de modo particular: 1) mapear as

redes de apoio social dos usuários do CAPS geral do Jardim América; 2) conhecer

os tipos de apoio prestados pelos integrantes dessas redes às pessoas em

tratamento; 3) analisar as práticas institucionais e as relações que os usuários do

serviço estabelecem com os profissionais de saúde, seus familiares e demais

envolvidos no tratamento; 4) avaliar os significados atribuídos a esse modelo de

assistência em saúde mental, segundo o ponto de vista dos profissionais da saúde,

usuários do serviço e seus familiares.

Os CAPS fazem parte da Política Nacional de Saúde Mental, que propõe

a progressiva substituição dos hospitais psiquiátricos (antigos hospícios ou

manicômios), por instituições de tratamento de base comunitária. O CAPS é assim

caracterizado como ambiente de atendimento destinado às pessoas classificadas

pelo saber médico como portadores de transtornos mentais, atuando em um ou dois

turnos de quatro horas, composto por profissionais de áreas diversas e proposto

para ser um lugar de convivência e articulação entre profissionais, usuários do

serviço, seus familiares e demais membros da comunidade. Tem como intuito

estabelecer uma rede de sociabilidades dos usuários em seu território e promover a

“inserção social” destas pessoas, mediante a realização de ações intersetoriais,

envolvendo educação, trabalho, esporte, cultura e lazer (BRASIL, 2004).

Meu interesse em pesquisar um dos serviços de saúde mental, o CAPS

em particular, refere-se a alguns fatores principais. O primeiro diz respeito à

relevância que esse serviço tem para a Política Nacional de Saúde Mental,

considerada pelo Governo Federal como o serviço de saúde estratégico para a

organização da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico. O outro fator tem relação

com uma vivência pessoal. O fato de desde criança conviver com um parente que

apresenta transtornos psíquicos, acompanhando de perto os impasses e conflitos

acerca do tratamento destinado às pessoas com transtornos mentais. O terceiro

14

motivo reporta-se as visitas que fiz às instituições psiquiátricas1, no período em que

trabalharei na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do

Estado do Ceará. Considero ainda como relevante para essa escolha, a ênfase nas

significações que a interação social (familiares, vizinhos, amigos, membros da

comunidade) vem trazendo para as questões de saúde, influenciando nos

mecanismos de socialização dos indivíduos. Por fim, dirijo-me à mudança no

intitulado modelo de atenção em saúde mental brasileiro, que resultou na

implantação destes novos serviços de atendimento, contrapondo-se ao paradigma

tradicional, pautado no hospital psiquiátrico como principal centro de tratamento.

Na construção deste objeto de pesquisa, de imediato fui instigada a me

deter apenas no exame dos procedimentos e mecanismos de funcionamento

adotados por um CAPS geral 2 do município de Fortaleza. No decorrer da fase

exploratória, contudo, percebi que a instituição CAPS dispõe em seu projeto de

práticas terapêuticas (atividades culturais, oficinas destinadas à geração de renda,

atendimentos a grupos de familiares, atividades de lazer com a família, dentre

outras) que visam à articulação com os grupos sociais próximos aos usuários

(família, vizinhança, associações), considerando a construção de redes sociais um

importante auxiliar no tratamento. Ressalte-se que essas redes são compostas não

somente por aqueles ditos portadores de transtornos mentais e seus familiares,

como por aqueles que fazem parte do cotidiano destas pessoas. Esta constatação

me estimulou a delimitar, como campo de pesquisa, as redes de apoio social dos

usuários do CAPS, suas práticas e interações das múltiplas sociabilidades.

Com base nesta motivação, escolhi como lócus de investigação o CAPS

geral da Secretaria Executiva Regional (SER) IV3 do município de Fortaleza, Ceará.

A minha entrada no CAPS requereu uma série de procedimentos burocráticos, que

1 Dentre essas figuram: o Hospital-Dia do Instituto de Psiquiatria do Ceará, o Hospital de Saúde Mental Dr. Frota Pinto, a Residência Terapêutica Solar dos Girassóis e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) das Secretarias Executivas Regionais II, IV e V do município de Fortaleza. 2 Os CAPS gerais atendem pessoas com transtornos mentais graves e persistentes (BRASIL, 2004). 3 Segundo a Prefeitura Municipal de Fortaleza, a SER IV possui área territorial de 34.272 km², abrangendo 19 bairros: São José Bonifácio, Benfica, Fátima, Jardim América, Damas, Parreão, Bom Futuro, Vila União, Montese, Couto Fernandes, Pan Americano, Demócrito Rocha, Itaoca, Parangaba, Serrinha, Aeroporto, Itaperi, Dendê e Vila Pery. Sua população é de aproximadamente 305 mil habitantes, conforme censo do IBGE. O bairro mais populoso é o da Parangaba, com cerca de 32.840 mil habitantes; e o menos populoso é o Dendê, com apenas 2.480. A Regional possui ainda a segunda maior emergência do Estado do Ceará, o Frotinha da Parangaba, que realiza uma média de 16 mil atendimentos por mês. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/regionais/regional-IV>.

15

dentro de uma lógica normativa foram cumpridos. Submeti, previamente, meu

projeto à Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde (COGTES),

vinculada a Prefeitura Municipal de Fortaleza, e ao Sistema Nacional de Ética em

Pesquisa (SISNEP), sendo avaliado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual

do Ceará. Após a aprovação da COGTES e do Comitê de Ética em Pesquisa da

UECE, iniciei minhas visitas ao CAPS. A priori mantive contato com a coordenadora

e com os profissionais da Instituição, sendo-me permitido acompanhar um membro

da equipe técnica no desempenho de suas atribuições. Entendo que este fato me

possibilitou constituir uma relação de proximidade e confiança com os usuários,

facilitando a obtenção de informações.

Esta pesquisa é de natureza qualitativa e quantitativa, tendo em vista que

se reporta ao mundo das relações, das representações e da intencionalidade, mas

também esta voltada às observações dos aspectos estruturais do comportamento

humano, através da aplicação de recursos relativos à sistematização das relações

sociais, intrínseco à Análise de Rede Social (ARS). Destaca-se que por pesquisa

qualitativa Minayo (2010, p. 21) entende a atividade da ciência que “trabalha com o

universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores,

das atitudes da realidade social”. Já por pesquisa quantitativa, Bauer, Gaskell e

Allum (2007) entendem a abordagem metodológica que trabalha com números e usa

métodos estatísticos para explicar os dados. Ressalte-se que, tentando superar a

dicotomia entre pesquisas qualitativas e quantitativas, Bauer, Gaskell e Allum (2007)

postulam que não há quantificação sem qualificação, por outro lado a qualificação

procura na quantificação equivalente funcional para lhe dar maior sustentabilidade.

Assim, embora haja divergência sobre a construção de uma teoria das

redes sociais que oriente os pesquisadores sobre que dados devem ser extraídos,

ou mesmo que significado se pode atribuir a um conjunto de informações, considero

a possibilidade de construir um modelo consistente de observação empírica,

baseado no uso da metodologia de Análise de Redes Sociais 4. Por ARS entende-se

uma metodologia voltada para o estudo das ligações relacionais entre atores sociais.

Esta metodologia pretende oferecer uma dupla explicação: a primeira refere-se ao

4 A Análise de Redes Sociais surgiu na década de 1970, oriunda da Sociologia, da Psicologia Social e da Antropologia. Nos últimos anos, a ARS ganhou importância em diversas áreas de conhecimento, tais como: Administração, Medicina, Economia, Geografia, Ciências da Comunicação, Biologia.

16

comportamento dos indivíduos, através das redes nas quais eles se inserem; e a

segunda reporta-se à estruturação de redes sociais a partir do modelo de interação

entre os sujeitos. Neste sentido, a ARS propõe que a sociedade apresenta padrões

de regularidade, organizados a partir de campos de sociabilidade que se estruturam

conforme os laços estabelecidos entre as pessoas, os quais podem ser

sistematizados, quantificados e formalizados.

Nesta perspectiva, construí uma matriz geradora de dados para cada

configuração de estrutura reticular (malhas estreitas, intermediárias e frouxas).

Essas matrizes sintetizam os aspectos relacionados à configuração das redes de

apoio social dos usuários, sendo constituídas a partir da identificação dos sujeitos,

dos tipos de vínculos que mantém e dos recursos transmitidos (ver matriz geradora

de dados no apêndice C). Este recurso me permitiu condensar aspectos pertinentes

às características ou propriedades dos vínculos (identificação das pessoas

próximas) e a intensidade dos laços (tipo de relação, recursos adquiridos e status de

relacionamento). Os dados foram obtidos a partir das entrevistas (ver roteiro de

entrevista no apêndice A) e observações diretas. Posteriormente, transpus estas

informações para os programas UCINET e Netdraw, os quais me possibilitaram

analisar os dados relacionais e obter a configuração gráfica das redes de malhas

estreitas, intermediárias e frouxas dos usuários do CAPS. Ressalta-se que utilizei

esses programas informáticos, almejando facilitar a localização dos atores em uma

estrutura reticular e o padrão da relação entre eles.

O UCINET é um pacote de software destinado à análise de dados de rede

social. Ele foi desenvolvido por Lin Freeman, Martin Everett e Steve Borgatti. O

UCINET permite o armazenamento dos dados em uma matriz, sendo utilizada na

medição das propriedades estruturais do grafo. Atua, portanto, como programa de

armazenamento dos dados relacionais e de análise das propriedades estruturais das

relações sociais. Nele é possível medir a centralidade dos atores em uma estrutura

reticular, a densidade das relações, o grau de entrada e de saída dos

relacionamentos, dentre outros. O UCINET traz ainda como ferramenta de

visualização reticular o programa Netdraw, destinado à visualização de um conjunto

de relações entre atores sob o prisma de um gráfico. Para tal, é necessário exportar

os dados do UCINET para o Netdraw. Desde modo, o Netdraw é utilizado como um

recurso de desenho de um grafo, tendo como base o ficheiro de dados criado em um

17

dispositivo de armazenamento de informações, neste caso o UCINET. O Netdraw é

muito empregado quando se trata da configuração gráfica de um número elevado de

atores.

Em conformidade com a ARS, busquei identificar de que forma os

profissionais do CAPS, usuários, seus familiares e demais pessoas envolvidas no

cuidado se relacionam entre si, quais padrões de comportamento nestas estruturas

reticulares podem ser inferidos e que características estruturais destas redes podem

explicar o acesso a determinados recursos sociais. Portanto, não se tratou de

analisar a rede de atenção à saúde mental do município de Fortaleza, definida pelo

Ministério da Saúde como o conjunto de serviços e equipamentos disponíveis num

determinado território geográfico (Unidade Básica de Saúde, Hospital Geral, CAPS,

Conselho Municipal de Saúde, dentre outros), incluindo também os profissionais de

saúde (BRASIL, 2013). As redes que foram reconstituídas se referem aos vínculos

interativos dos usuários do CAPS (parentes, amigos, membros da comunidade),

também incluindo os campos institucionais onde os pacientes estão inscritos

(associações, grupos religiosos, instituições de saúde) a partir das suas trajetórias

terapêuticas.

Importa dizer que se tratou de uma abordagem egocentrada, ou seja, as

redes de relações foram constituídas a partir de um indivíduo específico, neste caso

o usuário do CAPS. Estas redes, contudo, não englobam todos os contatos dos

usuários, mas se reportam as pessoas que prestam (atualmente) algum tipo de

apoio imediato a esses pacientes. A noção de apoio social fornecido pelas redes de

relações dos usuários do CAPS refere-se aos recursos emocional, instrumental ou

material, informacional e interação social positiva (DUE, 1999), proporcionados pelos

profissionais de instituições governamentais, associações da sociedade civil,

familiares, vizinhos, amigos, membros de congregações religiosas. Destaca-se que o

apoio emocional abrange expressões de amor e afeição; o apoio instrumental ou

material se refere à provisão das necessidades materiais em geral; o apoio de

informação envolve informações, aconselhamentos, orientações; e o de interação

social positiva reporta-se à disponibilidade de pessoas com quem se divertir e

relaxar. Neste trabalho, ampliei a dimensão de interação social positiva para

satisfazer também à disposição da rede social em atender as necessidades

individuais, tendo em vista diferentes situações (doença, desemprego, etc.). Neste

18

sentido, a nomenclatura “rede de apoio social” dos usuários do CAPS foi pensada

com vistas a satisfazer dois critérios: 1) indivíduos que integram as redes sociais dos

usuários do CAPS; 2) interação social entre os membros da rede, existindo a

transmissão de algum tipo de apoio social (emocional, instrumental ou material,

informacional e interação social positiva) aos usuários do CAPS.

Nesse caso, solicitei aos usuários entrevistados listar os seus contatos

adjacentes, indicando o tipo de apoio recebido. Não considerei, contudo, os atores

que se desdobram a partir dos contatos imediatos dos usuários, localizados mais

distantes do ego. Entendo que a adoção desse tipo de abordagem me permitiu

identificar as pessoas que participam das redes de apoio social dos usuários,

realizando múltiplas tarefas e auxiliando em diferentes situações de ajuda cotidiana,

além de facilitar a compreensão dos padrões de auxílio e reciprocidade que ocorrem

de forma não mediada, por meio de vínculos diretos. Parto, portanto, da premissa de

que o comportamento relacional facilita a obtenção de informações, recursos e

apoios, relacionados à melhoria da condição física e psíquica dos indivíduos.

Ressalto que essa orientação leva em conta a dimensão temporal e dinâmica das

interações sociais.

Para o intento dessa pesquisa foram reconstruídas dez redes de apoio

social, elencadas em três categorias diferentes: redes de malhas estreitas, redes de

malhas intermediárias e redes de malhas frouxas. Destaca-se que a delimitação

dessas três estruturas reticulares e a inserção da categoria de “redes de malhas

intermediárias” levou em conta o aperfeiçoamento da abordagem de BOTT (1976)

que considera as redes de malhas estreitas e frouxas, em consonância com os

dados obtidos no CAPS. Neste sentido, considero que as redes de malhas estreitas

abrangem o maior número de atores (nós) interligados e os vínculos entre os atores

são mais fortes, configurados principalmente por laços de parentesco e de amizade.

Na rede de malhas intermediárias há um número maior de laços fortes estabelecidos

entre os atores do que na rede de malhas frouxas, porém, menor do que na rede de

malhas estreitas. Na rede de malhas frouxas há um número menor de atores (em

comparação com as duas redes anteriores), com predominância de laços fracos.

Utilizo o conceito de laços fortes e fracos de acordo com Granovetter (1973). Para o

autor, os laços fortes são aqueles que conectam os indivíduos aos familiares e

amigos próximos, e são expressos por uma relação de intimidade, reciprocidade e

19

frequência. Já os laços fracos interligam os atores aos campos de sociabilidade mais

distantes (parentes mais afastados, colegas de trabalho, vizinhos), e manifesta-se,

sobretudo, em apoios informacionais. Destarte, entendo que o emprego desse

recurso permitiu conhecer os padrões de sociabilidade dos usuários do CAPS e

também inferir sobre que tipos de recursos são acessados a partir da qualidade dos

laços (fortes/fracos).

Em complementaridade a ARS, utilizei também uma abordagem de

inspiração etnográfica do CAPS e realizei entrevistas com os profissionais da

Instituição, usuários e seus familiares. A abordagem de inspiração etnográfica do

CAPS geral do Jardim América, possibilitou uma descrição densa do cotidiano

institucional, das relações e práticas desenvolvidas no processo de triagem, nos

grupos terapêuticos, nas oficinas e reuniões interdisciplinares. Por descrição densa

é entendido o ato etnográfico de conhecer a cultura, que se expressa, através do

registro dos fatos e da descrição, análise e interpretação dos significados contidos

nos ritos e performances humanas (GEERTZ, 2008). Outro recurso técnico-

metodológico consistiu na observação participante que teve como objetivo captar a

dinâmica de funcionamento da instituição, bem como compartilhar das motivações,

perspectivas e expectativas dos agentes sociais envolvidos (pacientes, familiares,

profissionais, demais cuidadores) durante as atividades desenvolvidas por estes

grupos, tendo em vista o contato face a face. A adoção dessa abordagem consistiu

no entendimento de que essa proposta contribui para identificar atores, vínculos e

relações, dando suporte ao mapeamento da estrutura reticular.

Foram feitas concomitantemente entrevistas semiestruturadas e

individuais, mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre Esclarecido (ver

apêndice B), com os profissionais de saúde, usuários do serviço e seus familiares

com o intuito de captar a configuração reticular e suas representações acerca da

rede comunitária de cuidados em saúde mental. Realizei ao todo dezenove

entrevistas, sendo treze com os pacientes do CAPS, três com seus familiares e

outras três com os profissionais de saúde, com duração média de 40 minutos cada.

Cabe destacar que na realização das entrevistas priorizei os usuários do CAPS, com

vistas a embasar a construção das redes de apoio social. A escolha dos usuários

como principais interlocutores da pesquisa, em detrimento dos profissionais e

familiares, deve-se a dois aspectos fundamentais: 1) os campos de sociabilidade se

20

reportavam diretamente às suas interações cotidianas; 2) dá voz aos sujeitos em

questão, tantas vezes estigmatizados e reprimidos. Desta forma, entendo que a

entrevista possibilitou, por meio das trocas verbais e não verbais estabelecidas no

contexto de interação, uma melhor compreensão dos significados, valores e

representações dos atores sociais a respeito das suas vivências pessoais e práticas

constituídas no cotidiano do CAPS.

Para a operacionalização desta pesquisa classifiquei os participantes em

três grupos distintos: 1) usuários do CAPS; 2) familiares e demais cuidadores; 3)

profissionais da Instituição. A escolha dos usuários levou em conta alguns fatores.

Primeiro, tentei reproduzir uma amostra da clientela do CAPS do Jardim América,

segundo sexo, idade e tipo de diagnóstico mais frequente. Segundo, considerei

aqueles usuários que participam das oficinas ou grupos terapêuticos no CAPS.

Terceiro, procurei mesclar os usuários que possuem redes sociais com maior

número de atores e vínculos mais fortes, e os que mantêm laços sociais mais fracos.

Quanto aos profissionais ponderei o tempo de trabalho na Instituição, priorizando os

mais antigos. Combinei ainda os profissionais pertencentes às diferentes áreas do

conhecimento, dando ênfase aqueles que participam diretamente das oficinas

terapêuticas (assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros).

A facilidade de acesso aos profissionais também foi tomado como critério de

escolha. Os familiares e demais cuidadores reportam-se aqueles que frequentam

com regularidade o CAPS e/ou que mantiveram participação ativa nas atividades

oferecidas pela Instituição, portanto, não se referem diretamente aos usuários

entrevistados.

Na construção das estruturas reticulares e na citação dos trechos das

entrevistas, identifiquei os interlocutores da pesquisa a partir dos três grupos citados,

a seguir: a) usuário 1, usuário 2, usuário 3, usuário 4, e assim por diante; b) familiar

1, familiar 2 e familiar 3; c) profissional de Serviço Social, profissional de

Enfermagem, profissional de Terapia Ocupacional. Utilizei esse procedimento para

preservar a identidade dos interlocutores da pesquisa, conforme orientação do

SISNEP. Quanto ao perfil dos usuários entrevistados, convém salientar que

entrevistei cinco homens e oito mulheres, entre 20 e 60 anos, cujos diagnósticos

mais frequentes abrangiam transtornos psicóticos (esquizofrenia) e de humor

(bipolaridade e depressão). Os familiares 1, 2 e 3 são mães de usuários do CAPS

21

(não entrevistados). Os profissionais entrevistados são funcionários públicos,

concernentes às áreas de Serviço Social, Enfermagem e Terapia Ocupacional,

respectivamente.

Por fim, realizei uma análise documental das principais normas jurídicas

editadas, com o propósito de implantar a Reforma Psiquiátrica no Brasil, alistadas

sob os seguintes contextos: Legislação Federal, Legislação Estadual, portarias do

Ministério da Saúde, resoluções e recomendações do Conselho Nacional de Saúde,

do Conselho Estadual de Saúde do Ceará e do Conselho Municipal de Saúde de

Fortaleza, bem como relatórios das conferências de saúde mental, ambas nas

respectivas esferas federativas (nacional, estadual, municipal). Também foram

consultados o Projeto Terapêutico do CAPS geral do Jardim América e o relatório do

Grupo de Trabalho em Saúde Mental (GTSM) 5, referente à avaliação da Rede de

Atenção Psicossocial de Fortaleza.

No processo de análise e interpretação dos dados foi utilizado o Método

de Interpretação de Sentidos. Segundo Minayo (2010, p. 69), este procedimento

consiste na “tentativa de avançar mais na interpretação, caminhando além dos

conteúdos de textos na direção de seus contextos e revelando as lógicas e as

explicações mais abrangentes presentes em uma determinada cultura [...]”. Para tal,

foi realizada uma leitura compreensiva dos dados levantados, objetivando obter uma

visão de conjunto e apreender as particularidades do material. Posteriormente, foi à

exploração do material, que consistiu na problematização das ideias explícitas e

implícitas contidas no texto e na busca de sentidos mais amplos (socioculturais)

atribuídos às ideias. Por fim, foi elaborada a síntese interpretativa, que consiste em

fazer uma articulação entre os objetivos do estudo, a base teórica adotada e os

dados empíricos.

Embasada por esta premissa, articulo a descrição dos mecanismos de

organização, funcionamento do CAPS geral do Jardim América e dos serviços de

apoio, com as percepções, apropriações e ações dos atores sociais envolvidos em

torno desta nova proposta terapêutica. Pois, compartilho da premissa levantada por

Bourdieu (2004), para quem somente a apreensão da lógica objetiva da organização

5 Este relatório é oriundo de uma parceria entre a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores do município de Fortaleza e a sociedade civil, representada pelos segmentos de usuários, familiares, trabalhadores e Conselhos de classe. Surgiu da reivindicação dos usuários e integrantes do Conselho local do CAPS geral do Jardim América.

22

não consegue elucidar o princípio explicativo do funcionamento de uma organização;

é necessário introduzir o nível das significações. Como indicadores de análise

concebo: a estruturação das redes de apoio social dos usuários do CAPS; as

distintas tipologias de apoio conferidas aos usuários do CAPS por suas redes

sociais; as práticas de sociabilidades inscritas entre os profissionais da instituição,

usuários, familiares e demais pessoas envolvidas no processo de cuidado; e os

significados atribuídos ao CAPS de base comunitária. Para tal, utilizei como

conceitos centrais, as categorias de saúde mental, rede social e sociabilidade.

Assim, ao discutir as mudanças nos dispositivos de saúde mental, nos

quais se pode incluir o CAPS, compreendo que é fundamental a reconstituição das

bases do encargo social designado ao “doente mental” e suas implicações para o

direcionamento dos tratamentos no decorrer da Modernidade. No âmbito das

Ciências Sociais, alguns estudos alcançaram o status de clássicos a despeito das

representações sociais sobre o fenômeno da loucura, das formas histórico-culturais

de se lidar com esta e com o chamado “louco”, e das práticas daí emergentes. Tomo

como ponto de partida à problemática foucaultiana (2006; 2010), tendo como eixo a

análise do processo de institucionalização e disciplinamento da loucura, bem como o

delineamento conferido a esse personagem na sociedade moderna. Em

complementaridade, emprego os estudos realizados por Goffman (2010) com ênfase

nas características das denominadas “Instituições Totais”, sua dinâmica de

organização e a forma como atuam sobre o indivíduo. Por seguinte, utilizo as

análises realizadas por Robert Castel (1991), em A Ordem Psiquiátrica: A idade de

Ouro do Alienismo, sobre os sistemas que se materializam em políticas de saúde

mental nos diferentes contextos históricos.

Por sua vez, o arcabouço conceitual, analítico e metodológico da análise

de redes sociais 6 é acionado para lançar luz aos estudos sobre as interações

sociais. Nestas abordagens, verifica-se um ponto em comum, que se expressa pelo

aspecto relacional, intrínseco ao conceito de rede. Por rede entendo um conjunto de

relações sociais entre um grupo de atores (COLONOMOS, 1995 apud ACIOLI, 2007,

p.2). Deste modo, contrapondo-se às análises sociológicas que enfatizam a

dimensão da ação individual ou as perspectivas que se referem às restrições

6 Segundo Portugal (2007), a vasta e dispersa literatura produzida nos últimos anos sobre as redes sociais, em diversos domínios científicos, ressoam na defesa de uma “ciência das redes”, como forma de apreender a interconexões do mundo contemporâneo.

23

estruturais, entendo que esta perspectiva leva em consideração tanto as escolhas

de cada indivíduo, como as determinações e os padrões construídos socialmente.

Vale destacar que a construção de redes sociais é considerada pelo Estado como

um importante mecanismo para o Movimento da Luta Antimanicomial e para as

diretrizes da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que têm em sua concepção uma

referência para a mudança paradigmática sobre o estigma da loucura.

Dentro da análise do conceito de rede emprego, portanto, autores

vinculados à Sociologia e à Antropologia Social, que consideram as propriedades

morfológicas e interativas das redes. Tomo como referência os estudos de Bott

(1976), com foco nas estruturas reticulares como ferramenta de análise dos

relacionamentos entre pessoas, identificando seus elos em diferentes contextos.

Adoto também a contribuição de Simmel (2006, 1983), voltada, principalmente, para

o estudo da morfologia das redes e para o seu condicionamento nos

comportamentos dos indivíduos. Neste sentido, parto da premissa de que as formas

sociais são engendradas pela interação entre os indivíduos, contudo, as estruturas

que emergem das relações sociais também exercem sobre ela um constrangimento

(SIMMEL, 2006). Por conseguinte, tento estabelecer um diálogo com os estudos

voltados para a análise quantitativa das redes, a partir de uma abordagem estrutural.

Utilizo como fundamento os escritos de Lazega (2014) e Lemieux (2012)

direcionados ao estudo das relações que interligam os indivíduos, as quais são

compreendidas como unidade básica da estrutural social. Abordo ainda as análises

de Fontes (2007; 2008) e Portugal (2013) com foco analítico nas relações sociais,

engendradas a partir da estruturação de redes sociais, percebidas como mecanismo

de apoio social. As análises de Granovetter (1973) com relação às categorias de

laços fortes e fracos, e os estudos de Due (1999) com foco nas tipologias de apoio

social também foram tomados como referência.

Já a categoria sociabilidade reporta-se à ênfase concebida pela Política

Nacional de Saúde Mental ao papel da interação social nas práticas terapêuticas dos

indivíduos portadores de transtorno mental. Para discutir as formas de sociabilidade

e as determinações da inserção dos campos de sociabilidades vinculados aos

usuários do CAPS, tomei como aporte teórico as abordagens de Simmel (2006;

1983), Goffman (2011). Segundo Simmel (2006), o conceito de sociabilidade é

entendido como forma específica de interação, a qual tende a tomar no decurso do

24

processo social uma individualidade própria, independente dos impulsos, interesses

e inclinações dos indivíduos. Ou seja, a “forma lúdica da sociação”, não importando

as motivações (SIMMEL, 2006, p. 65). Salienta-se que por sociação entende-se as

formas ou modos pelos quais os atores sociais se relacionam. As relações sociais

podem configurar-se como conflitivas, de interesse mútuo ou de subordinação.

Assim sendo, a sociologia pura ou formal tem por objeto os fenômenos no momento

de sua sociação, livres dos seus conteúdos, que ainda não são sociais.

Remetendo-se à corrente do interacionismo simbólico, podem ser citadas

as análises de Goffman sobre a interação social e seus efeitos sobre a identidade

individual. Em Ritual de Interação (2011), Goffman analisa os fatores que

influenciam o comportamento humano e formam a identidade individual, quando em

interação face a face. Para o autor, todas as pessoas vivem num mundo de

encontros sociais que as envolvem, em contato face a face ou mediado por outros

participantes. Em cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar um

padrão de atos verbais e não verbais, com o qual expressa sua opinião sobre uma

determinada situação e sua avaliação sobre os participantes, especialmente sobre

ela própria.

Assim, com base nos estudos sobre redes sociais, vinculados à noção de

apoio social, pode-se analisar que a associação condiciona o estilo de vida, o

sentimento de bem-estar e, mesmo, a saúde dos indivíduos (FONTES, 2007;

PORTUGAL, 2013, SOUZA, 2003). Alguns exames, contudo, enfatizam que as

pessoas com transtorno mental apresentam redes sociais empobrecidas, em virtude

das situações de isolamento vivenciadas (FONTES, 2007; SOUZA, 2003). Partindo

destas observações, suponho que: 1) as redes sociais são centrais à sociabilidade

dos indivíduos e ao acesso aos distintos recursos materiais e imateriais (apoio

emocional, instrumental, informacional, interação social positiva); 2) as redes de

apoio sociais se estruturam a partir das tensões existentes entre as sociabilidades

cotidianas dos usuários e as práticas institucionais de tratamento; 3) apesar da

mudança do modelo de tratamento clássico, para outras modalidades de tratamento,

as redes sociais das pessoas portadoras de transtorno mental continuam

fragilizadas.

Para a concretização desta pesquisa, parto dos seguintes

questionamentos: Como são estruturadas as redes de apoio social dos usuários do

25

CAPS geral do Jardim América? Como ocorre a participação de pessoas e grupos

dos diversos campos de sociabilidade (familiares, vizinhos, amigos, integrantes de

grupos religiosos, lideranças comunitárias, colegas de trabalho) existentes no

cotidiano das pessoas em tratamento nesse CAPS? Quais os tipos de apoio

conferidos pelas pessoas inseridas nas redes sociais dos usuários do CAPS? De

que maneira o modelo de tratamento em rede do CAPS é compreendido pelos

profissionais da saúde, usuários e familiares no registro de suas experiências? Com

efeito, procuro trabalhar esses pontos à luz da análise dos objetivos propostos pela

Política Nacional de Saúde Mental, dos significados em torno deste paradigma

assistencial e da prática cotidiana vivenciada pelos profissionais do Centro de

Atenção Psicossocial da Regional IV do Município de Fortaleza, usuários e

familiares, traçando seus desenvolvimentos distintos e seus cruzamentos.

No segundo capítulo dessa dissertação abordo as mudanças no

paradigma assistencial psiquiátrico. Tomo como ponto de partida o processo de

institucionalização e disciplinamento da loucura. Em seguida, analiso os movimentos

de reforma instituídos após a II Guerra Mundial, que deram origem à desconstrução

do dispositivo psiquiátrico clássico, culminando com os movimentos de reforma

psiquiátrica no Brasil e no Ceará. No terceiro capítulo, realizo uma abordagem de

orientação etnográfica do CAPS geral do bairro Jardim América, objetivando

reconstituir sua dinâmica cotidiana, as práticas e relações de poder entre

profissionais, usuários e demais pessoas envolvidas no cuidado. No quarto capítulo,

construo tipologias das redes sociais dos usuários do CAPS. A priori explano sobre

as concepções teóricas acerca das redes sociais, enquanto mecanismo de suporte

social. Posteriormente, identifico as estruturas reticulares dos usuários do CAPS

constituídas a partir das pessoas e grupos que compõem os diversos campos de

sociabilidade (profissionais de saúde, familiares, vizinhos, amigos, integrantes de

grupos religiosos, lideranças comunitárias, colegas de trabalho), analisando as

relações estabelecidas entre eles. Por fim, examino os significados atribuídos ao

modelo comunitário de saúde mental, pelos profissionais do CAPS Jardim América,

usuários do serviço e familiares envolvidos no cuidado.

26

2 AS MUDANÇAS NO PARADIGMA MANICOMIAL E OS NOVOS DISPOSITIVOS

DE CUIDADO

2.1 AS PERSPECTIVAS HISTÓRICAS SOBRE A LOUCURA E SUAS FORMAS DE

TRATAMENTO

A percepção moderna da loucura trouxe consigo elementos que, até hoje,

constituem as bases do encargo do doente mental e direcionam as formas de lidar

com a loucura e o chamado louco. Analisar as representações historicamente

construídas acerca da loucura remete à reflexão dos mecanismos de produção de

saberes e exercício do poder direcionados aos sujeitos, rotulados como doentes

mentais na modernidade. No processo de apropriação pela medicina, a loucura foi

definida como distúrbio das paixões humanas, que inabilita o sujeito de partilhar do

pacto social. O alienado era visto como incapaz de ter consciência de seus atos e,

por extensão, perigoso para si e para os demais. Neste contexto, o hospício, que na

Idade Clássica tinha como função principal servir de asilo para excluídos

socialmente, passa a constituir-se em instituição de enclausuramento e internação

que assume a conotação do hospital psiquiátrico moderno, respondendo as

exigências econômicas, políticas e sociais da Modernidade.

Com os movimentos de reforma, instituídos após a II Guerra Mundial,

foram estabelecidas tentativas de redirecionamento da assistência psiquiátrica, que

vai da política de confinamento dos loucos até a atual concepção de promoção da

saúde mental. O debate crítico em torno da saúde mental e do processo de reforma

psiquiátrica indica para a incapacidade da psiquiatria explicar ou curar o seu objeto

de intervenção, a doença mental. A superação do paradigma clássico está

relacionada, portanto, à desconstrução do dispositivo psiquiátrico e clínico em seus

preceitos fundantes e suas técnicas de poder-saber. Assim, surgem instituições de

tratamento substitutivas, caracterizadas por estruturas intermediárias entre a

internação integral e a vida comunitária.

2.1.1 O Processo de institucionalização e disciplinamento da loucura

Michel Foucault, em História da Loucura na Idade Clássica (2010), retrata

que durante a Idade Média, em virtude das Cruzadas, ocorreu a proliferação da

27

lepra na Europa, sendo estabelecidas, como forma de manter os enfermos

afastados da sociedade, instituições de abrigamento. A figura do leproso trazia

consigo um estigma, com valores e imagens predeterminadas socialmente. Com o

fim da lepra, estas estruturas e práticas de cerceamento, voltadas a eliminar o

desemprego ou pelo menos ocultar seus efeitos sociais, foram direcionadas aos

pobres, vagabundos, presidiários e “cabeças alienadas”, os quais assumiram o

papel anteriormente atribuído ao lazarento. Deste modo, a loucura torna-se

sucessora da lepra no que diz respeito aos medos seculares, modos de exclusão e

discriminação.

Na paisagem imaginária da Renascença, verifica-se o aparecimento da

Nau dos Loucos, barcos de peregrinação destinados ao translado dos alienados de

uma cidade para outra, almejando simbolicamente encontrar “senão a fortuna, pelo

menos a figura de seus destinos ou suas verdades” (FOUCAULT, 2010, p. 9). O

louco designava a ameaça do desatino e do perigo constante, por isso era banido

dos muros das cidades europeias e condenados a andar de cidade em cidade ou

colocados em navios para, na inquietude do mar, vagarem sem destino, chegando,

ocasionalmente, a algum porto. O fato de o louco ser levado para outros lugares

através da água mostra seu efeito purificador. “Além do mais, a navegação entrega

o homem a incerteza da sorte: nela, cada um é confiado ao seu próprio destino. [...]

Este se torna prisioneiro da mais aberta das estradas” (FOUCAULT, 2010, p.12),

comparando, a prisão à imensidão do mar. O destino do louco não era sua terra de

origem, e nem aquela que ficou para trás. Sua terra se limita à distância entre

ambas.

Nos fins da Idade Média, a figura do louco retorna ao cotidiano do homem

europeu. As artes trazem consigo o pensar crítico, onde sua imagem marginal torna-

se o centro e o reflexo da verdade. Na literatura e na filosofia, o fenômeno da

loucura surge como revelação das fraquezas e ilusões humanas. Nas artes

plásticas, está associada aos sonhos, sendo representada como um saber obscuro,

que esconde segredos, precisando por isso ser desvendada. No teatro,

especificamente nas farsas e sotias (gêneros teatrais), o personagem do louco era

visto como detentor da verdade, desempenhando um papel contrário nos contos e

sátiras. Verifica-se, assim, que no início do século XVII, a loucura passa a ser

considerada como incapaz de incitar a manifestação da verdade e o retorno da

28

razão. Ela é percebida como falha da razão ou uma aparência falsa da verdade, no

campo das ilusões, levando as pessoas a desenvolverem uma falsa percepção dos

sentidos. De acordo com Foucault (2010, p. 33), a loucura, até o final do século

XVIII, mantinha uma relação paradoxal com a razão. “Elas se afirmam e se negam

uma à outra”.

Com o advento da Modernidade, a constituição de uma nova configuração

de pensamento e organização social, reformulou a percepção social sobre a loucura

e a maneira de tratar o louco. Para Foucault (2010), a chamada loucura

compreendida, na Época Clássica, como ausência da razão, torna-se objeto de

conhecimento científico na Modernidade. A loucura, agora identificada como

alienação e caracterizada como doença mental, passa a estar vinculada a uma

possibilidade de cura, enquanto o asilo se torna o lugar de isolamento específico do

chamado louco, configurando-se como um meio mais sutil de dominação da loucura,

um modo menos explícito de sujeitá-la. Conforme destaca Foucault:

Ignorada há séculos, ou pelo menos, mal conhecida, a era clássica teria começada a apreendê-la de modo obscuro como desorganização da família, desordem social, perigo para o Estado. E aos poucos esta primeira percepção se teria organizado, e finalmente aperfeiçoado, numa consciência médica que teria formulado como doença da natureza aquilo que até então era reconhecido apenas como mal-estar da sociedade (2010, p. 80).

No século XVII, o internamento funcionou, inicialmente, como mecanismo

de controle social, destinando-se a conter a mendicância e a vagabundagem. As

instituições de internamento, voltadas para a eliminação dos associais,

representavam um castigo moral à miséria, considerada como desordem ao sistema

normativo estabelecido. Neste período, “a loucura era percebida no horizonte social

da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no

grupo”, inserindo no contexto dos problemas da cidade (FOUCAULT, 2010, p. 78).

Ela repousava-se sobre a moral e a ética, sendo por isso chamada de loucura moral.

Internava-se o louco quando este não tinha consciência de que sua loucura poderia

perturbar moralmente a sociedade e não sentia remorso pelo crime feito. Os

hospitais tinham o poder de autoridade, direção, administração, correção e punição.

Chicotadas, medicamentos e penitências eram utilizados como práticas terapêuticas.

Os indivíduos que após o internamento não retomassem seu lugar na sociedade,

29

eram “chicoteados em praça pública, marcados nos ombros e expulsos da cidade”,

outros ainda eram guilhotinados, servindo de espetáculo para as multidões, com o

propósito de evitar repetições (FOUCAULT, 2010, p. 64).

Apesar dos asilos terem surgido antes da Revolução Francesa, o hospital

como instrumento terapêutico surgiu no final do século XVIII. Segundo Foucault

(2010), a causa da alienação não estava mais no âmbito da moral, sua essência era

o desarranjo das funções mentais. O tratamento nos manicômios, defendido por

Phillippe Pinel (considerado o pai da psiquiatria) baseia-se principalmente na

reeducação dos alienados, no respeito às normas e no desencorajamento das

condutas inconvenientes. Isso denota o caráter essencialmente moral com o qual a

loucura passa a ser revestida. O louco, portanto, necessitava de cuidados, remédios

e do apoio de outras pessoas. É nesse sentido que surge a primeira “revolução”

psiquiátrica, fazendo com que o século XIX fosse considerado o período dos

manicômios em decorrência da enorme quantidade de hospitais que foram

construídos e destinados aos doentes mentais. Para justificar a quantidade de

internações, surgiu uma variedade de diagnósticos sobre a loucura. Toda essa

mobilização fez a medicina psiquiátrica florescer, tornando o manicômio o seu

núcleo gerador. Dentro deste, a loucura era tomada como objeto bem discriminado e

delineado. O manicômio ao invés de ser o lugar de enclausuramento de loucos,

tornou-se o lócus de cura.

O entendimento das novas tecnologias de controle sobre o corpo, ora

objeto de poder, também é retomado em Vigiar e Punir (1987). Segundo Foucault, a

partir do século XVIII e início do XIX ocorreu a “supressão do espetáculo punitivo”

em diversos países da Europa e nos EUA. As penas que expunham o corpo do

condenado, a espetáculos públicos de crueldade, constando de torturas, mutilações

e execuções deixaram de ser aplicadas, explicitamente, sobre o corpo do

condenado e passaram a atuar sobre sua subjetividade. Como resultado do duplo

desaparecimento do teatro punitivo e anulação da dor, a relação castigo-corpo é

modificada, culminando em uma nova forma de exercício de poder, o denominado

poder disciplinar. O Estado não é o órgão central e único de poder. O micro-poder é

exercido em várias instituições, como: o hospital, o exército, a escola, a fábrica, a

prisão. Estes são caracterizados como mecanismos que visam ao controle das

30

operações do corpo, possibilitando sua sujeição constante mediante uma contínua

normatização, com a finalidade de os tornarem dóceis e úteis (FOUCAULT, 1987).

2.1.2 As Instituições Totais e a mortificação do Eu

Goffman (2010), ao analisar o mundo social dos internos de um hospital

para doentes mentais, identifica que certos preceitos de estruturação de uma

instituição determinam a sua condição de instituição total e acarretam

consequências na formação do eu da pessoa nela inserida. O caráter “total”,

expresso pela tendência de fechamento, ocorre quando essa instituição social se

organiza de modo a atender indivíduos em situações semelhantes de tratamento,

separando-os da sociedade mais ampla por um período e impondo-lhes uma vida

fechada sob uma administração rigorosamente formal, que se baseia no discurso de

atendimento aos objetivos institucionais. O caráter “total” da instituição age sob o

internado, de maneira que o seu eu passa por transformações do ponto de vista

pessoal e do seu papel social.

Para Goffman (2010), o indivíduo, na vida cotidiana, interage com

diferentes coparticipantes, em variados lugares e sob diversas autoridades. Ao

inserir-se numa instituição social, ele passa a agir num mesmo lugar, com igual

grupo de pessoas e sob obrigações e regras semelhantes para a realização das

atividades impostas. Esse empreendimento faz com que o internado, ao chegar ao

hospital, sofra um processo de “morte social” que suprime a concepção de si mesmo

e a cultura apreendida, formadas na vida familiar e civil, acarretando na perda do

seu conjunto de identidade e segurança pessoal. Tal tecnologia decorre do

despojamento do seu papel social pela imposição de barreiras no contato com o

mundo externo, do enquadramento pela imposição de regras de conduta e do

despojamento de bens materiais e simbólicos.

Com a finalidade de indicar a sequência regular de mudanças no

comportamento dos indivíduos rotulados como doente mental e suas imagens para

julgar a si mesmos e aos outros, Goffman (2010) recorre ao conceito de carreira por

entender que o emprego desta categoria permite, por um lado, abordar assuntos

íntimos, e por outro, retratar a posição oficial e as relações jurídicas, pertinentes ao

estilo de vida dos indivíduos. Ressalta-se que a acepção de desvio como carreira é

31

utilizada como importante ferramenta de análise para os interacionistas simbólicos,

especialmente Becker (2008) e Goffman (2010). Este modelo propõe que existe uma

série de mudanças no comportamento do indivíduo, correspondente a diferentes

fases, que devem ser explicadas, considerando o desenvolvimento dos padrões de

comportamento numa sequência de etapas ordenadas. Como primeiro passo de

uma carreira desviante deve-se cometer um ato de transgressão, sendo seguido da

experiência de rotulação.

Partindo desse pressuposto, Goffman (2010) postula três fases principais

na trajetória de vida do doente mental: pré-paciente (anterior à admissão no

hospital), internamento (período em que se encontra internado), ex-doente (posterior

à alta hospitalar). A etapa pré-paciente começa com a expropriação dos direitos civis

e relações com o mundo externo, culminado com a inserção na instituição, através

da internação voluntária ou involuntária. A passagem para o status de paciente

ocorre por intermédio de um circuito de agentes e agências, composto pela pessoa

mais próxima (ente querido), o denunciante da transgressão (membro da família,

vizinho ou amigo) e os mediadores (geralmente um especialista: médico, policial,

advogado). Estes atuam sobre o paciente propiciando-lhe um sentimento de

enganação em relação à pessoa mais próxima e ao denunciante da transgressão.

Quando envolve outras pessoas, no caso os mediadores, a ofensa causada pela

pessoa mais próxima denomina-se cerimônia de degradação, pois se torna um fato

social público. Em seguida, ocorre a “construção histórica do caso”, pelos

mediadores, que tem um caráter retrospectivo do passado do internado.

Na fase de internado o paciente, num primeiro momento, desenvolve um

sentimento de abandono, um desejo de anonimato e os contatos são evitados. Num

segundo momento, ocorre o estágio da aceitação, caracterizado pelo despojamento

das defesas, satisfações e afirmações do paciente e pelo reconhecimento de que as

restrições e privações são partes do tratamento. Num terceiro momento, o doente

mental faz apologia do seu eu, criando “histórias tristes” que explicam o fracasso do

passado. Goffman (2010) chama atenção para o fenômeno de negação da

racionalidade do paciente, que ocorre quando a equipe dirigente desmente estas

histórias tristes, através das informações contidas em seu dossiê, ocasionando na

aceitação da interpretação imposta pelo hospital. Num quarto momento, mesmo

32

sendo verdadeiros os registros, o paciente procura escondê-los, sente-se ameaçado

e se vê obrigado a reconstruir sua história, que tende a ser desmentida novamente.

2.1.3 A nova relação do Estado com o doente mental

Em A Ordem Psiquiátrica: A Idade de Ouro do Alienismo, Castel (1991)

postula que a percepção moderna da loucura, originária da Revolução Francesa

(1789), trouxe consigo elementos que, até hoje, constituem as bases do encargo do

doente mental e da sua concepção antropológica. Neste sentido, a presença de

novos representantes políticos, a atribuição do status de doença mental à loucura e

a constituição de uma nova estrutura institucional serão considerados fundamentais

para a materialização das políticas de saúde mental, instituídas em diferentes

contextos históricos. Desde modo, o autor enfatiza dois momentos particulares na

história da doença mental: o período denominado “Idade do Ouro do Alienismo”

surgido na França nos anos de 1780, materializado na lei de 1838 (reguladora do

regime dos alienados); e aquele inaugurado nos anos 1860, denominado de

Aggiornamento, reconhecido pela emergência da psiquiatria contemporânea.

O primeiro momento é caracterizado, na sociedade liberal burguesa, pela

nova relação do Estado com o louco, através da tutelarização da loucura pela

medicina. Conforme destaca Castel (1991, p. 11): “o louco [...] vai ser dotado do

status de alienado, completamente medicalizado, isto é, integralmente definido [...]

pelo aparelho que conquistou o monopólio de seu encargo legítimo [...]”. Os

médicos, possuidores de um saber legítimo sobre a loucura, adquirem o direito de

intervir nas questões sociais implicadas por ela, passando a exercer a função de

perito. Ressalte-se que a atitude científica da psiquiatria alienista francesa baseava-

se na sintomatologia, ou seja, na observação dos sintomas e distúrbios daquele “que

não tem, habitualmente, consideração por nenhuma regra, nenhuma lei, nenhum

costume [...]” (CASTEL, 1991, p. 111). A desordem social era o terreno privilegiado

onde aparece a doença mental, a qual se manifestava em correspondência com

causas morais: paixão, desgosto, miséria, privação etc. Assim, o asilo se constitui

como lugar privilegiado de reestabelecimento da ordem social.

Quanto às características da assistência psiquiátrica na “Idade do Ouro”,

Castel (1991) retrata que Philippe Pinel, Pierre Jean Georges Cabanis e Michel-

33

Augustin Thouret, representam os primeiros reformuladores da antiga “Instituição

Totalitária”. Segundo o autor, essas instituições apesar de serem privatizadas,

mantinham ligações com o Estado, enclausurando aqueles considerados

“perigosos”: crianças epiléticas, insanos e condenados por delitos. Para a corrente

alienista, entretanto, a repressão dos ditos doentes deverá ser fundamentada em

princípios médicos, enquanto que, a dos criminosos estará pautada em bases

jurídicas. Seus princípios de tratamento e cura estabeleciam: 1) o isolamento do

mundo exterior, condição necessária de qualquer terapêutica da loucura; 2) a

constituição de uma ordem asilar, voltado para o controle do desvio; 3) a instituição

de uma relação de autoridade, pautado no saber médico. Estes novos dispositivos

de tratamento incluíam também a classificação dos doentes mentais. Verifica-se,

contudo, que apesar destas “reformas”, as tecnologias disciplinares, no sentido

foucaultiano, permaneciam análogas às velhas instituições.

A partir dos anos de 1960, os dispositivos psiquiátricos da “Idade do

Ouro” sofreram fortes críticas, notadamente o modelo asilar. A passagem para

psiquiatria contemporânea baseou-se, sobretudo, nos trabalhos de Bénédict

Augustin Morel, de orientação organogenética. Vale destacar que a partir do século

XIX, verifica-se uma dissociação entre medicina científica e assistência. Essa

orientação estimulou o desenvolvimento de colônias familiares agrícolas, e a criação

de seções especiais para homens epilépticos e mulheres, separadas dos alienados

criminosos (CASTEL, 1991). Segundo Amarante (2013, p. 41), tal processo

representa uma mudança dos mecanismos de controle e disciplinamento social, que

vai da política de confinamento dos loucos até a moderna “promoção de saúde

mental”, tal como compreendemos hoje.

2.2 OS MOVIMENTOS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA E O PROCESSO DE

DESOSPITALIZAÇÃO

O questionamento da legitimidade da assistência centrada no hospital

psiquiátrico, pautada na perspectiva de isolamento das pessoas em tratamento,

ganhou ênfase após a II Guerra Mundial. Naquele momento, diversos “movimentos

34

de reforma” 7 passaram a criticar as práticas do hospital psiquiátrico, as quais se

embasavam em três preceitos principais: o isolamento do mundo externo; a

organização do espaço asilar e manutenção da disciplina; a submissão à autoridade

médica. As reformas propostas abrangiam desde mudanças no interior da

instituição, com a dita transformação das relações e sua humanização, até uma

reorientação do modelo, que passava a ser prioritariamente extra-hospitalar.

Nos tópicos seguintes, analisarei os movimentos de reforma psiquiátrica,

utilizando a classificação proposta por Birman e Costa (1994). Inicialmente,

abordarei as comunidades terapêuticas (Inglaterra e Estados Unidos) e a

psicoterapia institucional (França), modelos restritos às reformas no âmbito

institucional; em seguida, a psiquiatria de setor (França) e a psiquiatria preventiva

(Estados Unidos), as quais ampliaram os padrões de tratamento para fora do espaço

asilar; por fim, a antipsiquiatria (Inglaterra) e a psiquiatria democrática (Itália),

paradigmas contestatórios de cunho mais radical, direcionados aos dispositivos

saber/poder médico, às instituições psiquiátricas e suas terapêuticas. As Reformas

Psiquiátricas no Brasil e no Ceará também serão retratadas.

2.2.1 A psiquiatria reformada e o discurso da humanização do tratamento

O processo de reformas institucionais, predominantemente limitado ao

hospital psiquiátrico e fundamentado na adoção de medidas administrativas de

cunho participativo, culminou no surgimento do modelo de tratamento denominado

comunidade terapêutica8, proposto por Maxwell Jones. Esta perspectiva tinha como

principais referências: a terapia ocupacional, o trabalho terapêutico grupal, voltado

para a integração das pessoas em tratamento, e a organização dos pacientes em

pequenos grupos de atividades, objetivando maior participação destes nas terapias.

Com relação à função de comunidade terapêutica, Jones (1972 apud AMARANTE,

2013, p. 29) destaca: “O paciente é colocado em posição onde possa, com o auxílio

7Franco Rotelli (1990) utiliza o termo “psiquiatria reformada” para identificar os movimentos de reforma psiquiátrica ocorridos após a II Guerra Mundial. 8Os primeiros usos do termo comunidade terapêutica remontam a 1946, no momento em que Thomas Forrest Main escreve um trabalho intitulado Uma comunidade terapêutica, retratando o hospital de Northfield, em Birmingham. A delimitação da expressão, contudo, acontece apenas no ano de 1959, quando Jonas Maxwell faz uma série de estudos sobre o funcionamento de outra instituição psiquiátrica. Maxwell é o principal expoente do desenvolvimento dessa experiência na Inglaterra.

35

de outros, aprender novos meios de superar as dificuldades e relacionar-se

positivamente com pessoas que o podem auxiliar”. Vale destacar que este recurso

incluía o envolvimento dos profissionais de saúde, pacientes, familiares e pessoas

da comunidade nas práticas terapêuticas institucionais, e abrangia a possibilidade

do tratamento ocorrer fora das instituições psiquiátricas, no meio social em que o

sujeito vive.

No que diz respeito à efetividade da práxis comunitária, Basaglia (1985)

adverte que o “democratismo” instituído com a implementação desse modelo

mostrava-se oscilatório. Em resposta à ameaça de uma possível desorganização na

comunidade terapêutica, eram estabelecidas medidas restritivas e regressivas aos

pacientes, sobrepondo vinculadas ao saber/poder médico psiquiátrico. Quanto a isto,

Rotelli (1994, p. 150) afirma que a experiência inglesa da comunidade terapêutica

não cumpriu, em seu processo de desenvolvimento, as promessas de uma mudança

substancial na situação institucional. Conforme destaca: “Foi uma experiência

importante de modificação dentro do hospital, mas ela não conseguiu colocar na raiz

o problema da exclusão, problema este que fundamenta o próprio hospital

psiquiátrico [...]”.

A técnica da psicoterapia institucional surgiu na França. O termo foi

empregado pela primeira vez por Georges Daumezon e Philippe Koechlin, em 1952,

para caracterizar a terapêutica desenvolvida por Francois Tosquelles no Hospital

Saint-Alban. As mudanças propostas por Tosquelles abrangiam alterações na

dinâmica organizacional da instituição asilar, voltados à humanização das práticas

hospitalares, a modificação das relações médico/paciente e a abertura de espaços

de participação. Os pressupostos da psicoterapia institucional baseavam-se no

resgate do papel do hospital psiquiátrico, tal como idealizado por Pinel e Esquirol,

voltado para os processos de cura e tratamento das doenças mentais. Entendia-se

que o hospital psiquiátrico havia se desviado de seu principal intento, tornando-se

um lugar de violência e opressão. O projeto da psicoterapia institucional, entretanto,

foi alvo de importantes críticas relativas, sobretudo, à centralidade da instituição

psiquiátrica, enquanto espaço legítimo de tratamento.

Por sua vez, a psiquiatria de setor iniciou-se, na França, a partir de 1945,

idealizada por Lucien Bonnafé. Estendendo a terapêutica para fora dos muros do

hospital psiquiátrico, este modelo propunha estruturar um serviço público de

36

tratamento psiquiátrico, através do estabelecimento de instituições compostas por

psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, os quais se

responsabilizariam pelo atendimento de uma determinada área geográfica, com a

proposta de realizarem prevenção e tratamento das doenças mentais junto à

comunidade. Visando cuidar do paciente em seu próprio meio social e cultural, a

psiquiatria de setor restringia a internação a uma etapa da terapêutica. A partir de

1960, os dispendiosos gastos com o modelo tradicional de tratamento estimularam o

governo francês a tornar este paradigma “setorializado” à política oficial de saúde

mental. Contudo, conforme Amarante (2013, p. 35):

Esta experiência não alcança os resultados esperados, seja pela resistência

dos grupos de intelectuais que a interpretam como extensão da abrangência política e ideológica da psiquiatria, seja pela resistência demonstrada pelos setores conservadores contra a possível invasão dos loucos nas ruas e, ainda, seja pela muito mais custosa implantação dos serviços de prevenção e pós-cura.

De outro lado, a psiquiatria preventiva ou comunitária surgiu nos anos

1970 originária nos Estados Unidos. Visando à redução da doença mental nas

comunidades, situava-se entre a psiquiatria de setor e o modelo inglês, pautado na

comunidade terapêutica. Este modelo se baseava nos estudos de Caplan (1964), o

qual pressupunha a superação dos problemas de saúde por intermédio da

participação, da autoajuda e de oportunidades sociais. Segundo esta concepção as

doenças mentais (entendida como desvio, marginalidade) poderiam ser prevenidas,

se detectadas precocemente, evitando a internação psiquiátrica. Era necessário,

portanto, ir às ruas, às casas, para identificar aqueles que, por seu estilo de vida e

hábitos, pudessem ser “suspeitos” de desenvolver uma doença mental, devendo ser

conduzidos a tratamento especializado em serviços extra-hospitalares (centros de

saúde mental, hospitais dia/noite, enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais).

Esta identificação dava-se a partir dos resultados de questionários aplicados à

população.

A antipsiquiatria, surgida na Inglaterra nos anos 1960, tinha como

principais expoentes Ronald David Laing, David Graham Cooper e Aaron Esterson.

Inspirados no movimento de contracultura, eles defendiam um movimento de ruptura

com o saber e prática instituídos na psiquiatria tradicional, questionando a própria

compreensão médica de doença mental e o tratamento destinado a ela. Conforme

37

Amarante (2013, p. 42), “aqui é formulada a primeira crítica radical ao saber médico-

psiquiátrico, no sentido de desautorizá-lo a considerar a esquizofrenia uma doença”.

Por isso mesmo, o fundamento da ideologia antipsiquiátrica era a total extinção dos

manicômios e a eliminação da ideia de doença mental. Embasada na

fenomenologia, existencialismo, marxismo, psicanálise, além de outras correntes da

sociologia e da psiquiatria, a antipsiquiatria defendia que a loucura não designava

um estado patológico do indivíduo, mas caracterizava-se como ruptura da ordem

social instituída. Assim, o status atribuído ao “louco” era contestado, junto com a

lógica manicomial, propondo um novo projeto de comunidade terapêutica, voltado

para a inversão da hierarquia e disciplina hospitalar. O método terapêutico da

antipsiquiatria não predizia tratamento químico ou físico, mas terapias grupais, com

foco na análise do discurso.

No livro A instituição negada (1985), Basaglia observa que a

transformação dos manicômios deve-se à alteração da relação entre os atores

institucionais, imersos na rede de saberes/poderes/subjetividades. Ou seja, está

relacionado com a transposição dos processos de violência, os quais estão

submetidos os pacientes, e a negação do saber/poder absoluto do médico

psiquiátrico, expresso na relação entre paciente (objeto da cura) e profissional

(sujeito da cura). Influenciado pelas ideias de Maxwell Jones, Basaglia inicialmente

utilizou o modelo de comunidade terapêutica inglesa. Na década de 1960, ele

instituiu mudanças na dinâmica de funcionamento do manicômio de Gorizia, que

visavam tanto a “humanização do tratamento”, quanto à participação de profissionais

e pacientes nos processos terapêuticos. As primeiras modificações direcionavam-se

para a abertura gradual dos pavilhões, a abolição do uso do uniforme, a participação

dos pacientes nas reuniões de equipe, sendo-lhes permitido desenvolver atividades

laborais e realizar passeios fora da instituição. Ampliando estas ações, a partir da

década de 1970, Basaglia promoveu a substituição do tratamento hospitalar e

manicomial por uma rede territorial de atendimento.

A partir destas experiências inspiradas em Basaglia foram construídos

novos espaços de tratamento na Itália, dentre eles: centros de saúde mental,

grupos-apartamentos (residências onde moravam os usuários dos centros),

cooperativas de trabalho (posteriormente redefinidas de empresas sociais), serviços

de emergência. Estas iniciativas reformistas foram construindo bases sociais mais

38

amplas, influenciando no surgimento da Psiquiatria Democrática na Itália. Esta se

caracterizou como um movimento de cunho político, constituído a partir de 1973, que

englobou uma série de medidas legais, com ênfase para a promulgação da Lei 180/

19789, conhecida como Lei Basaglia. Conforme salienta Amarante (1996), a

trajetória de desinstitucionalização prático-teórica desenvolvida por Franco Basaglia

abrangeu a desativação do hospital de Gorizia, a criação da psiquiatria democrática

e de “redes alternativas à psiquiatria” e, posteriormente, a promulgação da Lei

180/1978. Destaca-se que a tradição teórica Basagliana influenciou o processo de

reforma psiquiátrica brasileira, como apresento na sessão seguinte.

2.2.2 O Movimento de reforma psiquiátrica no Brasil

Influenciado por esses movimentos de reforma, o processo de Reforma

Psiquiátrica no Brasil10 alcançou maior notoriedade nos anos 1970, intrinsecamente

relacionado com o ressurgimento dos movimentos sociais. Foi, sobretudo, o

Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), composto por

trabalhadores da área da saúde, sindicalistas, associações de familiares e pessoas

com histórico de internação, que estabeleceu as críticas à terapêutica realizada nos

manicômios, à hegemonia de uma rede privada de assistência e ao chamado saber

psiquiátrico, bem como ao modelo pautado no hospital psiquiátrico como único

espaço de tratamento das pessoas caracterizadas como portadoras de transtornos

mentais. Vale destacar que o Movimento de Saúde Mental fazia fortes denúncias

contra o governo militar que, muitas vezes, utilizava a psiquiatria como mecanismo

de controle da sociedade, por meio, inclusive, de torturas (AMARANTE, 2013).

Tais discussões e críticas que envolviam a referida assistência em

hospitais psiquiátricos acarretaram, posteriormente, a sanção de leis e normas e o

conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde. Como

9 A Lei 180/1978 assegurava o fechamento dos hospitais psiquiátricos e a criação de serviços alternativos na comunidade. Como principais diretrizes destacam-se: a proibição de novas internações e a construção de novos hospitais psiquiátricos; a instalação de serviços psiquiátricos na comunidade, os quais deveriam garantir atendimento contínuo; a intervenção jurídica em casos de internação contra a vontade do paciente. Disponível em: <http://www.ifb.org.br/legislacao/Lei%20180%20-%20Italia.pdf>. 10 Reforma Psiquiátrica é compreendida como um movimento de cunho político e social, composto de atores, instituições e forças de origens diferentes, e que incide em territórios diversos e nas várias esferas governamentais, envolvendo aspectos econômicos, sociais, morais, culturais e políticos (BRASIL, 2005).

39

referências das políticas de saúde do Brasil destacam-se: a 8ª Conferência Nacional

de Saúde (1986), a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), a 2ª

Conferência Nacional de Saúde Mental (1992), a qual consolidou as bases

conceituais do processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira, culminando na 3ª

Conferência Nacional de Saúde Mental (2001). As condições institucionais para a

reestruturação da assistência em saúde mental foram instituídas com a criação do

Sistema Único de Saúde (SUS), através da Constituição de 1988 e do processo de

municipalização.

Na década de 1990, a Reforma Psiquiátrica se tornou política pública no

Brasil, ganhando impulso em 2001 com uma série de normatizações do Ministério da

Saúde. Nesse momento, entram em vigor no País as primeiras normas federais,

regulamentando a implantação de serviços de atenção diária e as primeiras normas

para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Vale destacar que entre

1990 e 2010, o Ministério da Saúde publicou 68 portarias versando sobre a área de

saúde mental, dentre elas: a Portaria nº 189/1991, que insere os Centros de Atenção

Psicossocial (CAPS) na tabela de procedimento do SUS; a Portaria nº 224/1992, que

regulamenta o funcionamento dos CAPS; a Portaria nº 251/2002 que estabelece as

diretrizes e normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassifica os

hospitais psiquiátricos, define a estrutura e a porta de entrada para as internações

psiquiátricas na rede do SUS; a Portaria nº 336/2002 que regulamenta as

modalidades de CAPS (BRASIL, 2010).

Para a operacionalização desta nova política foi criada, ainda na década

de 1990, a Coordenação Geral de Saúde Mental (CGSM) no lugar da Divisão

Nacional de Saúde Mental, que até aquele momento exercia funções de

planejamento de campanhas de saúde mental e manutenção de alguns hospitais

psiquiátricos públicos. A CGSM, posteriormente, incorporada à problemática do uso

de álcool e outras drogas, passou a ser denominada Coordenação Geral de Saúde

Mental Álcool e outras Drogas (CGMAD). Atualmente a CGMAD tem a função de

coordenar os processos de elaboração e avaliação da rede de atenção psicossocial

e, potencializada pela emergência do SUS, implantar ações relevantes no sistema

público de saúde, como a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e o

financiamento de serviços na comunidade.

40

No ano de 1990 ocorreu também a Conferência Regional para a

Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, realizada em Caracas. Neste evento, foi

promulgado o documento final intitulado “Declaração de Caracas”, o qual

estabeleceu, entre outras questões, a necessidade de promover a reestruturação da

assistência psiquiátrica, através da revisão crítica do papel hegemônico do hospital

psiquiátrico. Saliente-se que a “Declaração de Caracas” foi retomada em 2005, sob

a forma de um documento denominado “Princípios Orientadores para o

Desenvolvimento da Atenção em Saúde Mental nas Américas”, com o objetivo de

avaliar os resultados obtidos nos 15 anos que se seguiram desde a Conferência.

Neste documento, foram reconhecidos os avanços, obstáculos e dificuldades na

reestruturação da atenção psiquiátrica brasileira nos últimos anos e, reafirmados os

princípios anteriores.

Como marco regulatório desta política é sancionada a Lei Federal nº

10.216/2001, originária do Projeto de Lei nº 3.657/1989 do deputado Paulo Delgado,

que propôs a extinção progressiva do modelo psiquiátrico clássico, inclusive de

hospitais especializados, com sua substituição por outras modalidades assistenciais.

A lei em questão proibiu, em todo o Brasil, a construção de novos hospitais

psiquiátricos, a contratação, pelo serviço público, de leitos e unidades particulares

deste tipo e estabeleceu que os tratamentos devem ser realizados preferencialmente

em serviços comunitários de saúde mental e, como finalidade primordial, propôs a

“reinserção social” do doente mental.

Este fenômeno passou a ser chamado de desinstitucionalização11. Com

ele surgem serviços substitutivos, caracterizados por estruturas intermediárias entre

a internação integral e a vida comunitária. Conforme enfatiza o Ministério da Saúde

(2005), a organização dos serviços de saúde mental de base comunitária pode ser

constituída por vários dispositivos assistenciais que possibilitem à atenção

psicossocial aos pacientes com transtornos mentais, segundo critérios populacionais

e demandas dos municípios. Este modelo de atenção à saúde mental dispõe de uma

diversidade de equipamentos e serviços, dentre eles, os chamados Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS), serviços residenciais terapêuticos (SRT), centros de

11O termo desinstitucionalização, de origem anglo-saxã, vincula-se ao contexto da psiquiatria preventiva ou comunitária (surgida nos anos 1970). Inicialmente, remete-se à noção de superação dos manicômios, através da desospitalização, mas sucessivamente se estende para todas as práticas que acompanham e seguem este processo (VENTURINI, 2010).

41

convivência e cultura, além de leitos em hospitais gerais (BRASIL, 2005). Ressalte-

se que a construção de uma rede comunitária de atenção psicossocial, voltado à

reorganização e o redirecionamento das ações em saúde mental é considerada o

principal aspecto de estruturação da Política Nacional de Saúde Mental e do

processo de Reforma Psiquiátrica, pois viabiliza a atenção em saúde mental

territorial, e o envolvimento das pessoas que fazem parte do cotidiano dos

portadores de transtornos mentais.

Como principais ações da atual política de saúde mental destacam-se: a

implantação do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria

(PNASH/Psiquiatria); a implementação do Programa Anual de Reestruturação da

Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH); a criação do Programa de Volta

para Casa (Lei Federal nº 10.708/2003); a expansão dos Centros de Atenção

Psicossocial e das Residências Terapêuticas (Portarias GM nº 336/2002; GM nº

106/2000; GM nº 1.220/2000); a instituição do Colegiado de Coordenadores de

Saúde Mental; a garantia de uma linha específica de financiamento para os CAPS

(Portaria SAS nº 189/2002); o enfrentamento do uso do álcool e das outras drogas

no campo da saúde pública; a implantação de uma Política de Saúde Mental Infanto-

Juvenil; a realização de ações de saúde mental na Atenção Básica; a

implementação do Programa de Formação de Recursos Humanos para a Reforma

Psiquiátrica; a instauração do sistema de Avaliação dos Centros de Atenção

Psicossocial.

2.2.3 A instituição CAPS e a nova Política Nacional de Saúde Mental

Conforme enfatiza o Ministério da Saúde, os CAPS são serviços de saúde

municipais, abertos, comunitários, que oferecem atendimento diário às pessoas com

transtornos mentais severos e persistentes, realizando acompanhamento clínico e

promovendo a “reinserção social” desses sujeitos, através do acesso ao trabalho,

lazer, exercício de direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários

(BRASIL, 2005, p. 27). Partindo dessa concepção oficial, os CAPS, enquanto

serviços territorializados, veiculam em seu projeto terapêutico a ideia de que é

importante se articular com os grupos de sociabilidades existentes no cotidiano das

pessoas em tratamento (família, vizinhança, associações, igreja), visando organizar

42

uma prática onde haja participação da comunidade. Ressalte-se que o termo

comunidade é definido, no âmbito dessa política, como um conjunto de pessoas que

prestam ajuda umas às outras, através de laços de sangue, afetivos, religiosos, de

solidariedade, de vizinhança, que mantêm vivas as relações sociais que a sustentam

(BRASIL, 2004).

Neste sentido, os CAPS constituem-se como dispositivos que devem

realizar a articulação dos serviços de saúde com as “redes sociais dos usuários”,

objetivando, além de oferecer atendimento médico e psicológico, estimular a

integração das pessoas com transtornos mentais ao território, lugar onde se

desenvolve sua vida cotidiana. Esta interação, contudo, ocorre de maneira marginal

ou precária, conforme veremos adiante. Cabe, portanto, aos CAPS:

[...] o direcionamento local das políticas e programas de Saúde Mental: desenvolvendo projetos terapêuticos e comunitários, dispensando medicamentos, encaminhando e acompanhando usuários que moram em residências terapêuticas, assessorando e sendo retaguarda para o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde e Equipes de Saúde da Família no cuidado domiciliar (BRASIL, 2004, p.12).

De acordo com a portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde, as

modalidades dos CAPS passam a ser assim regulamentados: CAPS Geral (podendo

ser tipo I, II, III), CAPS AD (podendo ser tipo I, II, III) e CAPS Infantil, definidos por

ordem crescente de porte, complexidade e abrangência populacional, organizando-

se no País segundo o perfil demográfico dos municípios. O CAPS geral é destinado

ao tratamento de vários transtornos psíquicos, o CAPS AD ao uso abusivo de álcool

e de outras drogas e o CAPS Infantil à terapêutica de transtornos mentais de

crianças e adolescentes. Salienta-se que em Fortaleza, os CAPS seguem a mesma

taxionomia. Conforme descrito a seguir:

CAPS I é um serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional

para atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000

habitantes, funcionando no período de 8h às 18h, em dois turnos, durante os

cinco dias úteis da semana;

CAPS II é um dispositivo de atenção psicossocial com capacidade

operacional para atendimento em municípios com população entre 70.000 e

200.000 habitantes, funcionando das 8h às 18h, em dois turnos, durante os

43

cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno

funcionando até 21 horas;

CAPS III é um serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional

para atendimento em municípios com população acima de 200.000

habitantes, constituindo-se em serviço ambulatorial de atenção contínua,

durante 24 horas diariamente, incluindo feriados e fins de semana;

CAPS Infantil é um dispositivo de atenção psicossocial para atendimento a

crianças e adolescentes, constituindo-se em referência para uma população

de cerca de 200.000 habitantes, ou outro parâmetro populacional a ser

definido pelo gestor local, atendendo a critérios epidemiológicos;

CAPS AD é um serviço de atenção psicossocial para atendimento de

pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias

psicoativas, com capacidade para atendimento em municípios com população

superior a 70.000, funcionando das 8h às 18h, em dois turnos, durante os

cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno,

funcionando até 21h.

Conforme destaca a portaria nº 336/2002, podem ser atribuídas aos

equipamentos de tipo II, no caso específico do CAPS geral do bairro Jardim

América, às seguintes funções, de acordo com anuência ou delegação do gestor

local: a) organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental; b)

regulação da porta de entrada da rede de atenção à saúde mental; c) coordenação

das atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas; d) supervisão e

capacitação das equipes de Atenção Básica, serviços e programas de saúde mental;

e) realização e atualização do cadastramento dos pacientes que utilizam

medicamentos essenciais para a área de saúde mental, regulamentados pela

Portaria/GM/MS nº 1.077/1999, e medicamentos excepcionais, regulamentados pela

Portaria/SAS/MS nº 341/2001; f) garantia do funcionamento das 8h às 18h, em dois

turnos, durante os cinco dias úteis da semana, podendo comportar um terceiro turno

funcionando até 21h.

De efeito, o Poder Público define como principais premissas desta nova

prática terapêutica: a) o reconhecimento da dimensão da subjetividade do paciente;

b) o fortalecimento da rede de sociabilidades existentes no cotidiano das pessoas

44

em tratamento, através do convívio social deste com a família e a comunidade; c) a

restituição dos direitos civis dos pacientes egressos de instituições psiquiátricas; d) a

inserção de ações e atividades, com ênfase nos grupos e oficinas terapêuticas, em

associação com as “redes sociais” das pessoas em tratamento, com vistas a mediar

às relações entre os sujeitos e assim permitir a ampliação de sua contratualidade

social; e) o fortalecimento do sentimento de territorialidade dos pacientes, que

significa o fato de as ações do CAPS se inscreverem em associação com as

sociabilidades primária e secundária das pessoas sob sua atenção; f) a promoção

de práticas que possibilitem maior “humanização” dos serviços de saúde e dos

espaços públicos em geral; g) o reconhecimento da importância dos diversos

campos de saberes na constituição dos tratamentos (BRASIL, 2005).

Dentre os serviços oferecidos pelos CAPS, além de atendimentos

clínicos, estão às oficinas terapêuticas, atividades culturais, oficinas destinadas à

geração de renda, atividades de lazer, práticas esportivas, ações de ensino, visitas

domiciliares, atividades desenvolvidas em conjunto com associações de bairro e

outras instituições da comunidade. Cito, em particular, os atendimentos destinados a

grupo de familiares, com o objetivo de criar laços de solidariedade, discutir

problemas em comum, receber orientação sobre diagnóstico ou sobre a participação

da família no projeto terapêutico; e os acompanhamentos individualizados às

famílias, almejando oferecer orientação em situações rotineiras ou em momentos de

crise (BRASIL, 2004). Estas atividades, embora seguindo a orientação geral do

Ministério da Saúde, fazem um recorte de realidade local e adaptam às suas

condições específicas.

2.2.4 A Saúde Mental no Ceará: contexto histórico e político

Como marco teórico e político do movimento da reforma psiquiátrica

cearense destacam-se: a I Conferência Estadual de Saúde Mental do Ceará, em

1992, a qual balizou as propostas do Projeto de Lei do Deputado Mário Mamede; e a

II Conferência Estadual de Saúde Mental do Ceará no ano de 2001. No âmbito do

Município de Fortaleza, a criação do Programa Saúde Mental e da Comissão

Municipal de Reforma Psiquiátrica de Fortaleza, ligada ao Conselho Municipal de

Saúde, através do Decreto nº 9.057/1993; a I Conferência Municipal de Saúde

45

Mental, realizada em 2001, a qual teve como deliberação a reestruturação da

referida Comissão, intitulada Comissão de Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica; e o

I Fórum de Saúde Mental de Reforma Psiquiátrica ocorrido em 2003,

desempenharam relevante papel no apoio teórico e técnico para a implantação dos

primeiros CAPS em Fortaleza.

No ano de 1993, seguindo as mudanças ocorridas em todo país, o Ceará

promulgou a Lei nº 12.151/1993 (denominada Lei Mário Mamede), a qual propunha

a progressiva extinção dos hospitais psiquiátricos e a construção de um modelo de

assistência psiquiátrica alternativo. Esta lei estabelecia ainda o prazo de cinco anos,

contados a partir de sua publicação, para a adaptação dos hospitais psiquiátricos.

Como principais pilares, instituía a proibição da construção e ampliação de hospitais

psiquiátricos (públicos ou privados), e a contratação e financiamento, pelos setores

estatais, de novos leitos, em todo território cearense. Ressalte-se que essa lei é

anterior à Lei nº 10.216 do Deputado Paulo Delgado, de âmbito nacional.

Segundo Moura Fé (2004 apud BARROS, 2008), a implantação dos

primeiros CAPS surgiu por iniciativa e responsabilidade municipal. A participação

dos governos federal e estadual foi praticamente inexistente. A trajetória de

implantação dos CAPS no Ceará ocorreu da seguinte forma: a priori foram

inaugurados sete CAPS no interior do Estado, respectivamente em: Iguatu (1991),

Canindé (1993), Quixadá (1993), Icó (1995), Cascavel (1995), Juazeiro do Norte

(1995) e Aracati (1997). O primeiro CAPS de Fortaleza só foi implantado em 1998,

tendo sido o CAPS da Secretaria Executiva Regional III. Nos anos seguintes

sucederam os CAPS de: Itapipoca (1999), Sobral (1999), Morada Nova (1999),

Barbalha (1999), Capistrano (2000), Fortaleza – SER IV e VI (2001), Quixeramobim

(2001), Crateús (2001), Marco (2001), Horizonte (2001), Crato (2002), Tauá (2002),

Aquiraz (2002), Paraipaba (2002), Sobral – CAPS AD (2002); Jardim (2003),

Caucaia (2003), Maracanaú (2003), Maranguape (2003), Iguatu – CAPS AD (2003),

Caucaia – CAPS AD (2004), Juazeiro do Norte – CAPS AD (2004), Camocim (2004);

Euzébio (2005), Tamboril (2005), Limoeiro do Norte (2005), Farias Brito (2005),

Itarema (2005), Amontada (2005) e de Iguatu – CAPS Infantil (2005). Destaca-se

que atualmente o Ceará dispõe de 107 CAPS, correspondendo a uma cobertura de

1,12 CAPS/100.00 habitantes.

46

Neste contexto de reforma, destacam-se dois projetos inovadores na

prática do cuidado em saúde mental, estabelecidos por iniciativas de Organizações

Não-Governamentais: o Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária do

Pirambu (MISMEC/CE) e o Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim

(MSMCBJ). O MISMEC/CE, conhecido como Projeto Quatro Varas, iniciou suas

atividades em 1987, idealizado pelo psiquiatra e antropólogo Adalberto Barreto. Tem

como principais premissas o desenvolvimento de uma experiência de terapia no

âmbito da comunidade, objetivando resgatar a dimensão contextual, sem perder de

vista a dimensão individual, biológica, psicológica, interrrelacional e ambiental.

Dentre as atividades ofertadas sobressaem: Terapia Comunitária, Resgate da

Autoestima, Massoterapia, Exercício de Liberação dos Traumas, Yoga, Casa da

Memória, Escolinha Espaço de Convivência Casa de Maria, Farmácia Viva, Terapia

e Teatro Zé e Maria, além do Ateliê de Arte. O Projeto tem o apoio da Universidade

Federal do Ceará (UFC); Associação Brasileira de Terapia Comunitária

(ABRATECOM); Prefeitura Municipal de Fortaleza; Serviço Social da Indústria

(SESI); e Movimento EMAUS. Segundo o MISMEC/CE, o Projeto realizou 1.926.860

atendimentos até 2013 12.

O MSMCBJ iniciou suas atividades em 1996, sob a coordenação do padre

e psiquiatra Ottorino Bonvini, Padre Rino como é usualmente chamado, e de

algumas lideranças das Comunidades Eclesiais de Base. A princípio, foram criados

espaços de escuta e de acompanhamento terapêutico para famílias em situação de

risco, sendo inaugurado oficialmente apenas no ano de 1998. Tem como principais

projetos e serviços: Terapia de Autoestima; Terapia Comunitária; Massoterapia;

Centro de Aprendizagem do Bom Jardim; Projeto “Sim à Vida, Não às Drogas”;

Biodança; Casa de Aprendizagem Ezequiel Ramin; Horta Comunitária; Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); Centro de Atenção Psicossocial Comunitário

do Bom Jardim (CAPS Comunitário); Ponto de Cultura Casa AME (Arte, Música e

Espetáculo) Dom Franco Masserdotti; Tele centro Comunitário do bairro Bom

Jardim. A chegada, em 2005, do CAPS destinado a atender a população da

Secretaria Executiva Regional V 13 do município de Fortaleza é fruto de uma parceria

12 Fonte: MISMEC-CE. Divulgação do texto no site <http://www.consciencia.net>. Acesso em 12 mar. 2015. 13 Segundo a Prefeitura de Fortaleza, a Regional V é uma das regiões mais populosas da Cidade, dispondo de uma população estimada de 570 mil habitantes. Abrange os seguintes bairros: Conjunto Ceará, Siqueira, Mondubim, Conjunto José Walter, Granja Lisboa, Granja Portugal,

47

estabelecida entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e o MSMCBJ. Através

dessa parceria, o CAPS é administrado pelo MSMCBJ e pela SMS em regime de

cogestão 14.

Outras iniciativas voltadas à reestruturação da assistência psiquiátrica no

Ceará são verificadas em 2003. Dentre elas, Moura Fé (2004 apud BARROS, 2008)

destaca a constituição da Comissão Estadual Revisora de Internações Psiquiátricas

Involuntárias, composta por dois representantes da referida Secretaria e um

representante do Ministério Público, os quais tinham como competência discutir os

mecanismos necessários para a operacionalização da Lei Federal nº 10. 216/2001

no Estado e da Portaria GM nº 2.391/2002 que instituiu o controle das internações

psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV) de acordo com o disposto na Lei

da Reforma Psiquiátrica. E a realização do I Seminário sobre Internação Psiquiátrica

e Cidadania do Ceará, em 2003, promovido pela Promotoria de Defesa da Saúde

Pública do Ceará, em parceria com as Secretarias de Saúde do Estado e do

Município de Fortaleza, o qual resultou em 23 propostas e outras diretrizes para

operacionalizações de ações e serviços de saúde mental.

Verifica-se, contudo, que apesar da expansão de serviços assistenciais

substitutivos continuou a lógica hospitalocêntrica na Capital. Este fato foi

evidenciado no II Encontro dos CAPS do Ceará, realizado em Fortaleza, no ano de

2004, quando foi discutida a necessidade da ampliação da rede de assistência em

saúde mental não asilar na capital cearense, através da ampliação dos serviços

CAPS e de residências terapêuticas, além de leitos e emergências psiquiátricas em

hospitais gerais, com a finalidade de diminuir as internações em hospitais

psiquiátricos (BARROS, 2008). Deste evento resultou um documento com 43

propostas, voltado para o direcionamento da Política de Saúde Mental no Ceará.

Vale destacar que, apenas em 2005, Fortaleza ampliou a rede de CAPS para 14

equipamentos, com a seguinte distribuição: seis CAPS tipo II, seis CAPS AD e dois

CAPS Infantil. Naquele período, quatro instituições ofereciam leitos psiquiátricos à

pacientes do SUS em Fortaleza: Hospital Mira Y Lopez (160 leitos), Instituição

Espírita Nosso Lar (160), Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo (120) e Hospital

Bom Jardim, Genibaú, Canindezinho, Vila Manoel Sátiro, Parque São José, Parque Santa Rosa, Maraponga, Jardim Cearense, Conjunto Esperança e Presidente Vargas. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br>. Acesso em 12 mar. 2015. 14 Fonte: MSCBJ-CE. Divulgação do texto no site <http://www.msmcbj.org.br>. Acesso 12 mar. 2015.

48

de Saúde Mental Professor Frota Pinto (160). O Instituto de Psiquiatria do Ceará

(IPC), que oferecia 80 leitos, estava fechado para reforma15 nessa época.

Destaca-se que em quatro anos (2011-2015), mais de 400 leitos de

internação psiquiátrica conveniados ao SUS foram fechados. Dos leitos, 80 eram do

Instituto de Psiquiatria do Ceará (IPC), 103 da Clínica de Saúde Mental Doutor

Suliano, 160 do Hospital Mira y Lopez (vendido em 2012) e seis do Hospital São

Gerardo. Atualmente (2016), o município de Fortaleza disponibiliza 470 leitos

credenciados pelo SUS em hospitais psiquiátricos, distribuídos da seguinte forma:

São Vicente de Paula (130), Instituição Espírita Nosso Lar (160) e Hospital de Saúde

Mental Professor Frota Pinto (180), configurando-se como a porta de entrada para

as internações de emergência. Estas instituições psiquiátricas, contudo, recebem

diárias com valor inferior daquelas destinadas aos hospitais gerais. Conforme a

Secretaria Municipal de Saúde, os recursos financeiros são destinados,

prioritariamente, para implantação da rede aberta e comunitária, substitutiva aos

hospitais psiquiátricos, inclusive, visando leitos psiquiátricos em hospitais gerais16.

A rede de atenção à saúde mental do município de Fortaleza é composta

por cinco CAPS Geral, um CAPS Geral 24 horas, dois CAPS AD 24 horas, quatro

CAPS AD, dois CAPS Infantil (totalizando 14 CAPS); uma Unidade de

Desintoxicação na Santa Casa de Misericórdia com 12 leitos; três Serviços

Residenciais Terapêuticos (SRT); uma Cooperativa; oito Unidades de Acolhimento

Transitório, sendo seis conveniadas; duas Ocas de Saúde Comunitária; onze

Comunidades Terapêuticas Conveniadas; três Hospitais Psiquiátricos credenciados

no SUS; uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)

com atendimento específico para a saúde mental. No que se refere aos leitos em

hospitais gerais, Fortaleza dispõe de 32 leitos em hospitais gerais, distribuídos a

seguir: Hospital Geral Dr. Cesar Cals (01), Hospital Infantil Albert Sabin (01),

Hospital Cura Dars (01), Hospital da Policia Militar do Ceará (02), Hospital

Universitário Walter Cantídio (02), Hospital Dr. Wandick Ponte (25) 17.

15 Estas informações foram coletadas no site na Prefeitura de Fortaleza. Disponível em: <http://portalantigo.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=15516&Itemid=78>. Acesso em 15 abr. 2015. 16 Idem 17 Dados da Secretaria Municipal de Saúde. Disponível em:<http://www.fortaleza.ce.gov.br/sms/saude-mental>. Acesso em: 8 fev. 2016.

49

Quanto à situação da rede de atenção psicossocial de Fortaleza é

relevante citar o relatório do Grupo de Trabalho em Saúde Mental (GTSM), realizado

em 2014, com ênfase para os Centros de Atenção Psicossocial. Conforme o GTSM,

os CAPS municipais dispõem de condições estruturais desfavoráveis, em relação à

salubridade, à acessibilidade e à garantia de segurança. Outro ponto avaliado

refere-se à insuficiência de recursos materiais e humanos, o que compromete a

oferta de atendimentos semi-intensivos e intensivos. Saliente-se que alguns CAPS

não dispõem do quadro funcional completo18, sendo ainda evidenciada a

precarização dos vínculos empregatícios. No que tange ao planejamento e

direcionamento das ações, 75% dos CAPS asseveraram dispor de Projetos

Terapêuticos Institucionais, contudo, estes se encontram desatualizados, não

repercutindo nas práticas cotidianas. A inexistência de Supervisão Clínica

Institucional também é citada no relatório.

Outro aspecto considerado insatisfatório refere-se à organização da

demanda e da rede de cuidados em saúde mental no âmbito do seu território,

premissa definida pela Portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde, que assegura

ao CAPS o papel regulador da porta de entrada da rede assistencial, a

responsabilização pela articulação com outros serviços da rede de atenção à saúde

mental e a coordenação das atividades de supervisão de unidades hospitalares,

bem como a supervisão e capacitação das equipes da Atenção Básica. A

irregularidade no fornecimento de medicação, ocasionada pela falta de remédios,

em detrimento da demanda, também foi referida. No que tange às visitas

domiciliares, a frequência e condições para a realização dessa atividade, verificou-

se a incipiência de meios de transporte para o deslocamento dos profissionais,

havendo rodízio dos carros para as instituições.

Esse relatório também aponta que embora 90% dos CAPS afirmem

desenvolver atividades de Educação Permanente, estas se restringem a rodas de

equipe, que ocorrem de forma irregular, notadamente com parte dos profissionais,

os quais utilizam esse espaço para resolução de questões de nível administrativo e,

pontualmente, para estudos de caso. O atributo de coordenar as atividades de

18Segundo a Portaria GM nº 336/2002, a equipe técnica mínima para atuação no NAPS/CAPS para atendimento de 30 pacientes, por turno de quatro horas, deve ser composta por: um médico psiquiatra; um enfermeiro; quatro profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro profissional necessário à realização dos trabalhos), além de profissionais de nível médio.

50

supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas no âmbito do seu território e de

supervisar e capacitar das equipes de Atenção Básica, instituído pela Portaria GM nº

336/2002, conforme já referido, também não está sendo cumprido. O relatório

notifica que 80% dos CAPS de Fortaleza não realizam estas atividades. Os outros

equipamentos, que correspondem a 20% do percentual, não responderam a esta

pergunta. “Esse dado reforça a desarticulação da rede e a não efetivação de uma

importante função institucional por parte dos CAPS que se configura na orientação

dos demais serviços da rede de saúde” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO

EM SAÚDE MENTAL, 2014, p. 14).

No que se refere à realização dos atendimentos destinados às famílias

dos usuários, o GTSM aborda que 80% dos serviços CAPS em Fortaleza afirmaram

desenvolver trabalho específico com os familiares dos usuários. Com relação às

atividades comunitárias, com foco na integração do usuário a comunidade, 60% dos

serviços asseveraram que dispõem de atividades voltadas à “inserção familiar e

social”, dentre eles o CAPS geral do Jardim América. Contudo, apesar do perfil

apresentado, 80% dos serviços consideram estas atividades insuficientes. Tal

constatação se opõe à principal premissa da Política Nacional de Saúde Mental, que

é da constituição de serviços de base territorial, em articulação com os campos de

sociabilidades de seus usuários.

Convêm salientar que artigos jornalísticos19 também trazem à tona, em

tom de denúncia, as dificuldades de estruturação da rede de atenção psicossocial de

Fortaleza. O Estado enuncia: “Faltam médicos psiquiatras, psicólogos, enfermeiros,

técnicos de enfermagem [...], além de medicamentos nos CAPS de Fortaleza. Dos

14 que existem na Capital, todos estão funcionando de forma precária”. Imagem

também referida pelo O Povo: “A rede psicossocial de Fortaleza, da qual fazem

parte os CAPS, apresenta problemas estruturais, falta de medicamentos e número

de médicos insuficiente. Enquanto isso, paciente sofre sem atendimento”. Quanto à

oferta de leitos em hospitais psiquiátricos, o G1 salienta: “Pacientes dormem no

chão em hospital psiquiátrico do Ceará. Único hospital do gênero não atende a 19 O Estado, 21 de dezembro de 2015. Disponível em <http://www.oestadoce.com.br/geral/saude-mental-em-fortaleza-pede-socorro>. Acesso 05 fev. 2016. O Povo, 05 de novembro de 2014. Disponível em <http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2014/11/05/noticiasjornalcotidiano,3342811/pacientes-relatam-dificuldade-de-atendimento.shtml>. Acesso 05 fev. 2016. G1, 22 de outubro de 2012. Disponível em <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2012/10/pacientes-dormem-no-chao-em-hospital-psiquiatrico-do-ceara.html>. Acesso 05 fev. 2016.

51

demanda no estado do Ceará. Número de leitos psiquiátricos reduziu à metade desde

2004”.

Dito isso, verifico que embora se constate a expansão dos dispositivos

abertos de saúde mental, o fechamento e a redução de leitos em hospitais

psiquiátricos, muito se tem que avançar com relação à implementação efetiva da

rede de serviços comunitários no contexto de Fortaleza e do Ceará. As práticas

representativas do modelo de atenção representado pelo hospital psiquiátrico ainda

estão presentes no cotidiano dos usuários do CAPS. Outro aspecto relevante refere-

se a pouca abrangência das atividades terapêuticas envolvendo os campos de

sociabilidades das pessoas em tratamento psiquiátrico, contando com pouca

participação da comunidade local. Considero, portanto, que a substituição dos

serviços, dentro de uma lógica neoliberal, não garante a efetividade das ações.

52

3 QUANDO O CAPS É O CAMPO: ASPECTOS ETNOGRÁFICOS DE UMA

INSTITUIÇÃO DE SAÚDE MENTAL

A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente (MACHADO DE ASSIS, 2014, p. 260).

Para Machado de Assis (2014) tomar a loucura como objeto isolado é um

erro. O suposto isolamento da loucura, entendida como ilha perdida ou unidade

independente, oculta sua inserção em um sistema mais amplo em termos

econômico, político e cultural. A suspeita torna-se um ato cognitivo capaz de incluí-la

nesta realidade, semelhante ao ato de olhar, ouvir e escrever etnográfico. Segundo

Cardoso (2006), a especificidade do trabalho antropológico, voltado para a

articulação da pesquisa de campo e a interpretação dos resultados, está organizada

a partir desses atos cognitivos, de natureza epistêmica, os quais são o substrato

metodológico desse capítulo. O olhar, o ouvir e o escrever tornam-se etapas

importantes para a apreensão dos fenômenos sociais, pois disciplinados pelo

arcabouço teórico-metodológico que permeia a formação acadêmica, permite afastar

as prenoções e atribuir significado a realidade empírica.

Neste capítulo utilizo-me destes três atos cognitivos, tomados como

chave metodológica, para realizar uma abordagem com direcionamento etnográfico

do CAPS do Jardim América, objetivando reconstituir a dinâmica e a lógica

cotidiana, as práticas e relações entre profissionais, usuários, familiares e demais

atores envolvidos no processo de cuidado. Parto da premissa de que a

compreensão da dinâmica institucional em termos de olhar, ouvir e escrever deve

levar em conta as conexões, diferenciações, combinações e vivencias dos atores

sociais. O CAPS, portanto, deve ser entendido como produto dos indivíduos, ou

seja, resultado de suas interações sociais. Desta forma, proponho realizar uma

descrição dos procedimentos e práticas institucionais e das interações sociais,

desenvolvidas no processo de triagem 20, nos grupos terapêuticos, nas oficinas e

reuniões multidisciplinares, sendo analisadas as tensões e ambiguidades próprias

desta rede de relações. Esta proposta contribuirá para identificar atores, vínculos e 20 Por triagem entendo o processo destinado a identificar o perfil, estratificação de risco e a prioridade de atendimento dos usuários dos serviços de saúde.

53

relações, dando suporte ao mapeamento da estrutura reticular dos usuários do

CAPS.

É válido salientar que ao analisar os procedimentos e as técnicas

institucionais adotados pelo CAPS no exercício do seu fazer cotidiano, não tenho

como desprezar o arranjo de técnicas minuciosas que visam ao controle das

operações do corpo dos indivíduos, mediante uma contínua normatização. Não

quero dizer que essas práticas são análogas às adotados nas ditas “Instituições

Totais”, mas apontar alguns aspectos de similitudes e descontinuidades desses dois

modelos de terapêutica, a partir da análise da lógica e do ordenamento funcional do

CAPS. Trata-se, portanto, de observar os “micro-poderes” (FOUCAULT, 1979),

existentes em várias instâncias da vida social, os quais se materializam em práticas,

instituições e saberes que asseguram a manipulação das ações individuais, por

meio da imposição de normas, com a finalidade de controlar ou corrigir as operações

do corpo dos indivíduos. Neste sentido considero que esse poder está estritamente

relacionado com as formações discursivas, que molda as práticas institucionais em

locais específicos.

3.1 CAPS: LOCALIZAÇÃO E DESCRIÇÃO

Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo, esteja na domesticação do seu olhar. Isto porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados para a investigação empírica, o objeto sobre o qual dirigimos nosso olhar, já foi previamente alterado pelo modo de visualizá-lo. (OLIVEIRA, 2006, p. 19).

Desconstruir os julgamentos previamente estabelecimentos, apreendendo

a singularidade da realidade empírica, a partir do esquema conceitual disciplinar ao

qual o pesquisador está inserido e que exerce função formadora na sua maneira de

ver a realidade, constitui o que Cardoso (2006) chama de olhar etnográfico. O

estranhamento crítico diante do próximo, oriundo desse olhar, dá-se a partir das

experiências vivenciadas pelo pesquisador na sua inserção ao “lugar do outro”. O

momento da pesquisa de campo organiza-se, portanto, como a fase em que o

pesquisador estabelece uma relação de contato com seus interlocutores, sendo-lhe

também permitido reformular suas indagações iniciais, descobrir novos indícios de

investigação, bem como reelaborar seus instrumentos de levantamento de dados.

Esta etapa, contudo, vem atrelada a muitas dificuldades. No início, o pesquisador é

54

surpreendido por dúvidas, incertezas, medos, expectativas e inquietudes. Foi com

este emaranhado de sentimentos que iniciei minhas idas e vindas ao CAPS do

Jardim América.

O CAPS geral da Secretaria Executiva Regional IV, localizado na Av.

Borges de Melo, nº 201, no Bairro Jardim América, em Fortaleza, foi inaugurado em

08 de outubro de 2001, mediante parceria entre a Universidade Estadual do Ceará e

a Prefeitura Municipal de Fortaleza. É classificado dentro de uma tipologia de

atendimento como equipamento de tipo II, conforme Portaria nº 336/2002, do

Ministério da Saúde. Funciona de segunda a sexta-feira, das oito às dezessete

horas. Seu prédio, antigo Mercado de Nazaré, pertence ao patrimônio do Município

de Fortaleza, sendo dividido em: recepção, coordenação, sala de prontuários,

farmácia, refeitório, cozinha, pátio, almoxarifado, depósito, banheiros (masculino e

feminino para os usuários e outro para os funcionários), consultórios médicos, salas

de Psicologia, Serviço Social, Terapia Ocupacional, Enfermaria, salão para

realização das reuniões e um pequeno estacionamento externo.

FIGURA 1 - Fotografia do pátio do CAPS geral do Jardim América

Fonte: Prefeitura de Fortaleza. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/noticias/destaque/populacao-atendida-em-caps-e-creas-participa-de-oficinas-na-i-semana-municipal>. Acesso em: 14 mar. 2016.

55

Este CAPS foi um dos primeiros Centros de Atenção Psicossocial a ser

implantado em Fortaleza, em concomitância com o CAPS da Regional VI. Na época

só existia o CAPS da SER III, vinculado à Universidade Federal do Ceará. Estes

dois Centros atendiam a demanda das outras três regionais de Fortaleza. Os CAPS

gerais das Secretarias Regionais II e V foram criados apenas em 2005. A partir

desse ano, houve a expansão da rede de atenção à saúde mental do município,

impulsionada, sobretudo, pela implantação de novos equipamentos. A contratação

da “equipe técnica” para atuar nessas unidades de saúde e a construção das

estruturas físicas para sediá-las são apontadas como dificuldades para a

organização do serviço, segundo relatos dos profissionais entrevistados. Estes

destacaram que a contratação das equipes de saúde mental ocorreu a partir do

processo de terceirização, distribuídas a priori na rede de Atenção Básica. As

estruturas físicas dos CAPS que se seguiram, na modalidade geral, infantil e AD,

foram organizadas mediante prédios alugados e salas improvisadas. Conforme

descrição a seguir:

Em janeiros de 2005 começaram a haver reuniões [...]. Aí começaram haver reuniões de planejamento para a Política Municipal de Saúde Mental. Então eu fiz parte desse grupo que criou as diretrizes da política. Eu conheci pessoas que estão na rede até hoje. [...] Porque nessas reuniões tanto eram criadas as diretrizes, como eram feitas as questões de trabalho braçal, de procurar casas para serem os CAPS, porque agora são quatorze, mas eram só três: o CAPS da Regional IV, III e VI. Então foram criados onze CAPS. Então a gente ia atrás das casas para alugar, vendo se eram adequados, e aí essa rede começou a ser criada. As equipes foram formadas a partir de uma terceirização de pessoas, né? E ai essas pessoas foram formando novas equipes de saúde mental. E essas equipes iniciaram o trabalho em Postos de Saúde. Eu acho que isso foi muito importante para toda a política, porque eles foram para a ponta realmente, lá na Atenção Básica, conhecer as equipes da Atenção Básica, trabalhar junto. Isso porque não tinha casa para ficar. Por outro lado, foi muito positivo, estar dentro do Posto, conhecer a realidade do Posto, e levar a saúde mental para dentro do Posto de Saúde. Então muitos CAPS foram criados, dentro dos Postos de Saúde. Conseguiam uma salinha lá dentro, e aquela salinha era da equipe do CAPS, depois que conseguiram as casas. A partir de quando foram encontrando as casas, eles foram saindo aos poucos para suas casas, né? E aí ficaram independentes dos Postos, mas aí eu acredito que tenham continuado essa ligação. [...] As pessoas que continuaram nessa rede, eu acredito que ficaram muito próximos aos Postos de Saúde (Profissional de Terapia Ocupacional).

A equipe profissional do CAPS atual é constituída por três psiquiatras,

três psicólogos, três assistentes sociais, três enfermeiras, três terapeutas

ocupacionais, cinco auxiliares administrativas, uma massoterapeuta, três

56

farmacêuticos, uma cozinheira, quatro seguranças privados, dois guardas

municipais, um porteiro, quatro auxiliares de enfermagem, um auxiliar de farmácia,

um vigia, um agente de serviços gerais e uma coordenadora, além de residentes e

estagiários das diversas áreas. Vale destacar que utilizo o termo “equipe técnica”

para me referir ao conjunto de profissionais de nível superior e médio que integram o

corpo multidisciplinar do CAPS, previsto pela Portaria nº 336/2002, já mencionada

anteriormente. Esta distinção é importante por entender que não são todos os

profissionais que se inscrevem nesta categorização. Já o termo “equipe profissional”

é empregado para fazer referência à totalidade dos trabalhadores. Neste sentido,

quanto à formação das equipes profissionais, em meados de 2005, um membro da

equipe técnica relata:

Quando eu cheguei aqui em 2005, o CAPS já tinha sido inaugurado em 2001. Eu não peguei o começo da reforma psiquiátrica, mas neste período o CAPS estava começando a crescer e a se desenvolver. A gente, aliás, nós todos fomos mandados para formação [...] para capacitação em saúde mental, todos, sem exceção de nenhum. Então a gente fazia por bloco. Foi muito bom, porque assim você não cai de paraquedas. [...] Na época o pessoal da enfermagem, o assistente social, o farmacêutico, faltava na equipe para constituir o CAPS. Não tinha na época. Então assim a gente foi chamado logo no começo para fazer a capacitação. Os servidores mesmo traziam todo o material pra gente complementar a capacitação que a gente fazia na UECE. E foi um processo lento, gradual. O que sabia era que o CAPS era o equipamento que ia receber o pessoal do Hospital. [...] Na época tinham uns 200 pacientes, se eu não me engano, ou mais. [...] As oficinas tinham muito pouco, só tinham umas três ou quatro oficinas por semana. As oficinas, na época, só eram da Terapia Ocupacional, Serviço Social e Psicologia. Só delas. Não tinham oficinas com nenhum nível médio participando, e hoje a gente já tem profissionais do nível médio participando. Continua a mesma coisa, só que hoje entrou outras categorias. [...] A prática foi aprendendo na bucha, no dia-a-dia, acertando, errando, aprendendo, lendo, estudando. Tivemos um ano de supervisão, aqui dentro, com o Jacson Sampaio. [...] Foi a melhor que aconteceu neste CAPS. Em 2007, 2008, 2009 neste período a gente teve supervisão (Auxiliar de enfermagem).

Na primeira entrada no campo procurei estabelecer contato com a

coordenadora e os profissionais da instituição, sendo-me permitido acompanhar um

profissional no desempenho de suas atribuições. Este fato foi muito significativo para

o desenvolvimento dessa pesquisa, pois me possibilitou compreender, através de

uma relação de proximidade, a lógica e a dinâmica institucional. Por vezes, inclusive,

fui identificada pelos usuários como uma funcionária do CAPS. Tal aspecto pode ter,

por um lado, facilitado à aceitação dos usuários e da própria equipe profissional,

57

possibilitando-me uma maior inserção nos espaços institucionais e favorecido a

obtenção de informações oficiais. Velho (2003), por outro lado, atenta para o fato de

que estranhar o familiar, ou seja, desnaturalizar noções, impressões, categorias,

classificações constitui-se como tarefa nem sempre fácil, mas de grande valia para o

pesquisador. Para o autor, relações de proximidade e distância, familiaridade e

estranhamento vão depender da trajetória do pesquisador.

Não desprezo ainda à possibilidade de que essa imagem (funcionária do

CAPS) construída pelos sujeitos com relação a mim pode ter contribuído para a

omissão de alguma informação por parte dos usuários. Esse desafio lembra, de

certa forma, aquele vivenciado por Geertz (2008, p.186-188) ao estudar a luta de

galos balineses. Ele destaca que de início era visto pelos balineses como não

pessoa, criatura invisível. Só foi identificado como pertencente aquele lugar quando,

imitando ou outros nativos, fugiu de uma abordagem da polícia, enquanto assistia

uma rinha de galos. Assim, o rompimento dessa barreira simbólica, levou-o a “uma

aceitação súbita e total, não habitual, numa sociedade extremamente avessa a

penetração de estrangeiros”. O CAPS, nesse sentido, não deixa de ser um espaço

adverso e de difícil acesso àqueles que não são nativos, ou seja, profissionais e

usuários.

Neste transcurso de tempo, recebi autorização para participar das

atividades iniciais (grupo de acolhimento inicial, avaliação individual), bem como dos

atendimentos destinados àqueles usuários que estavam afastados do serviço

(reavaliação), e ainda das atividades voltadas para atender alguma necessidade

imediata dos usuários (acolhida). Atendimentos que se mantém sob o prisma do

sigilo ético-profissional. Ainda participei das reuniões da equipe multidisciplinar e dos

encontros dos seguintes grupos: Corpo e Movimento, Artetapia, Memória,

Orientação Institucional (incorporado ao Grupo de Acolhimento Inicial), Orientação

Previdenciária, Família (não está em funcionamento), Sala de Espera (acontece de

forma esporádica), Cine CAPS e Oficina Produtiva de Terapia Ocupacional. Vale

destacar que além destas atividades o CAPS dispõe em seu organograma dos

grupos de Música e Movimento, Alfabetizar, Teatro, Laços (não está em

funcionamento), Projeto de Vida e Condicionamento Funcional. A oferta das oficinas

e dos grupos modifica-se constantemente, depende da demanda dos usuários e da

iniciativa dos profissionais. Neste período, assisti também a uma apresentação do

58

Teatro do Oprimido21, participei de uma festa comemorativa aos tempos da

brilhantina, e de um festejo junino.

Em termos do olhar etnográfico, apresento, a seguir, fotografias de

algumas atividades que participei no CAPS do Jardim América, com esforço de

descrevê-las. Faço alusão à Oficina de Arteterapia (ver Figuras 2 e 3), ao Grupo de

Memória (ver Figura 4) e à apresentação do Teatro do Oprimido (ver Figura 5). Parto

do entendimento de que “a imagem [...] oferece um registro restrito, mas poderoso

das ações temporais e dos acontecimentos reais – concretos, materiais” (LOIZOS,

2007, p. 137). Neste sentido, compreendo que as informações visuais são

representações de um complexo maior de ações sociais, extraídas das realidades

que lhes conceberam.

FIGURA 2 – Quadro produzido no grupo de arteterapia pelos usuários do CAPS

Fonte: Foto ilustrativa cedida por um profissional da terapia ocupacional.

21 Teatro do Oprimido é um método teatral que se baseia no princípio de que o ato de transformar é transformador. Criado pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal, o teatro do oprimido reúne exercícios, jogos e técnicas teatrais, oportunizando a encenação de uma situação real e a troca de experiências entre atores e espectadores, através da intervenção direta na ação teatral. Disponível em < http://ctorio.org.br/novosite/arvore-do-to/teatro-do-oprimido/>. Acesso em 13 mar. 2016.

59

FIGURA 3 – Painel confeccionado pelos usuários do CAPS destinado ao Festejo Junino (2015)

Fonte: Foto ilustrativa cedida por um profissional da terapia ocupacional.

Conforme referido, as fotografias 2 e 3 apresentam o registro do material

produzido pelos usuários no decorrer dos encontros do grupo de Arteterapia.

Ressalte-se que o grupo de Arteterapia constitui-se de atividades voltadas para o

desenvolvimento da expressão artística dos usuários do serviço, com enfoque no

trabalho com pinturas, desenho, modelagem e escultura. Neste contexto, utilizo-me

da segunda imagem (ver Figura 3), para descrição da minha participação no grupo,

tendo em vista que acompanhei o processo de feitura do painel que compôs a

decoração da comemoração do festejo junino do CAPS, em 2015.

Em uma das ocasiões que participei dessa atividade, os usuários estavam

produzindo bandeirinhas e as letras da frase ARRAIÁ DO CAPS. Como de costume,

eles permaneciam sentados próximos a uma mesa, onde o material (caixa de leite,

tecido, cola, tesoura) estava disposto. Logo que cheguei, fui informada que cada

membro era responsável por realizar uma tarefa. Diante da notícia, tratei de

perguntar em que poderia ajudar, sendo incumbida de contribuir com o recorte das

letras nas caixas de leite. Os afazeres dividiam-se assim: um usuário fazia o

desenho das letras nas embalagens de leite (base do letreiro), outro o desenho das

bandeirinhas, um terceiro usuário recortava as caixas, de acordo com o molde.

Outros realizavam esse mesmo processo (desenho e recorte) com o tecido. Todos

60

se mostravam empolgados com a atividade. Em meio ao exercício manual, eles

conversam sobre o processo de confecção das letras. Assuntos relacionados à vida

cotidiana (o que iriam fazer após o grupo, uso de medicação, expectativas para o

Arraiá) também permeavam às conversas paralelas. Eu, como não tinha intimidade

com eles, tentava também me inserir nas conversas, por vezes, sem êxito. Ao final

do grupo, todos guardaram o material, o qual seria utilizado pelos profissionais para

a decoração da comemoração junina.

FIGURA 4 – Fotografia alusiva à atividade do grupo de Memória

Fonte: Foto ilustrativa cedida por um profissional da terapia ocupacional.

O grupo de Memória acontece todas às sextas-feiras, no espaço do salão.

Da mesma forma que o grupo de Arteterapia, essa atividade é conduzida por

profissionais da terapia ocupacional. Segundo relatos de um membro da equipe

técnica, nesse grupo “todos os exercícios envolvem atenção, concentração,

memorização e socialização”. Dentre as ações realizadas estão: palavras-cruzadas,

bingos, listas de afazeres que envolvem a rotina dos usuários. Na data de registro

da figura 4, os usuários estavam montando um quebra-cabeça (atividade lúdica).

Neste dia, estavam inseridos na atividade cinco usuários. Outras pessoas, por

vezes, entravam na sala, onde a atividade estava sendo realizada. Uns observavam

com atenção o jogo, mas não se envolviam na brincadeira; outros perguntavam

61

alguma informação ao profissional responsável, e logo saiam; outros ainda entravam

no salão apenas para esperar os atendimentos clínicos. Desta vez, resolvi não

participar do jogo, pois queria observar o desenvolvimento da atividade em uma

perspectiva de alguém que “esta de fora”. Fiquei sentada próximo à mesa, apenas

observando-os. Chamou minha atenção o tom de entusiasmo que os usuários

falavam da disposição das peças, e o clima de calmaria que pairava na Instituição.

Nesta data chovia muito e, de modo geral, não era intenso o movimento no CAPS.

Ao se aproximar do meio dia, o profissional pediu para que todos guardassem o

material, pois seria utilizado posteriormente, e que se preparassem para o almoço.

Assim, todos saíram da sala para ir ao refeitório.

FIGURA 5 – Apresentação do Teatro do Oprimido (2014)

Fonte: elaborado pela autora.

A figura 5 faz referência à apresentação do Teatro do Oprimido no CAPS

geral do Jardim América, em 2014 22. A peça encenada foi baseada na história de

vida de uma usuária do CAPS. Traz como foco situações de violação de direitos

vivenciadas no ambiente familiar. A escolha desse enredo aconteceu durante os

22 O Teatro do Oprimido foi implementado no CAPS geral do Jardim América por residentes e preceptores da Residência Integrada em Saúde, vinculado a Escola de Saúde Pública do Ceará, no ano de 2014. Esse grupo faz parte do projeto denominado Teatro do Oprimido na Saúde Mental de Fortaleza, financiado pelo Ministério da Saúde.

62

encontros da oficina, os quais antecederam à apresentação do teatro. No período de

preparação da peça, os profissionais pediram aos usuários da Instituição que

escrevessem sobre situações marcantes em suas vidas, com o intuito de

fundamentar a trama da encenação. Neste sentido, é interessante o relato da

usuária que teve sua história escolhida, ela diz:

Até amanhã, as meninas vão fazer outra uma peça falando da minha vida,

eu escrevi um bom tempo da minha vida, desde a infância até o dia de hoje. Até ela [profissional do CAPS] levou para estudar em casa, porque eu fiz da minha infância até o dia de hoje. [...] Antes já tinham feito uma peça contando a minha história, no Teatro do Oprimido, eu contei pra ela, aí eu escrevi. (Usuária 3)

Após a escolha da narrativa, os ensaios iniciaram-se. Estes aconteceram

no próprio ambiente do CAPS, em torno de dois meses (outubro e novembro de

2014). Aproximadamente, trinta familiares e usuários dos serviços CAPS

compuseram a primeira equipe. A apresentação aconteceu no salão do CAPS do

Jardim América. Este evento contou com a participação de usuários, familiares,

profissionais e gestores de saúde. Na imagem (ver Figura 5) aparece um membro da

equipe técnica explicando sobre a peça. Após essa explanação, iniciou-se a

encenação. Os atores (usuários) apresentaram uma situação em que fazia

referência a momentos de violência psicológica, praticados por membros da família

de um portador de transtorno mental. Estigma e preconceito são tomados como

aspectos centrais nessa trama. Por vezes, a peça era paralisada, e o enredo era

dialogado com a plateia. Assim, seguiu-se até o desfecho final. Em que

arrependidos os filhos pediam desculpas a mãe, ora agredida.

Atualmente, o CAPS do Jardim América possui mais de 11 mil prontuários

abertos. Entretanto, segundo informações dos funcionários 23, apenas 3.320

aproximadamente estão ativos. Este número refere-se às pessoas que participam,

com certa frequência, dos grupos terapêuticos e atendimentos individuais, incluindo

as consultas médicas. Quanto ao atendimento diário, o Projeto Terapêutico da

Instituição (2014) prevê 240 pessoas/dia. Sua clientela é composta por adultos com

transtornos mentais severos ou persistentes, residentes no território da SER IV de

Fortaleza, egressos ou não de hospitais psiquiátricos. A maioria são pertencentes às 23 Anotações no caderno de campo na data 23/11/2015. Estes dados foram obtidos a partir de uma pesquisa realizada pelos profissionais da Instituição, com o intuito de identificar a demanda de usuários ativos. Reporta-se ao período de 2013-2015.

63

classes populares. Os usuários que buscam o CAPS geral do Jardim América

advêm de demanda espontânea ou são encaminhados por outras instituições

públicas, privadas ou organizações não governamentais.

Segundo o Fluxograma Institucional, o primeiro atendimento realizado no

CAPS geral da SER IV é denominado Acolhimento Inicial. Durante este

procedimento, quando os profissionais não avaliam necessidade de tratamento

neste serviço, as pessoas que passaram pela triagem são encaminhadas para

outras unidades de saúde e/ou equipamentos vinculados às políticas setoriais.

Quando verificada demanda, esses sujeitos são direcionados para abertura de

prontuário na Instituição. A partir deste momento, os usuários poderão ter acesso

aos grupos e oficinas terapêuticas, abordagens familiares e atendimentos

individuais, abrangendo as consultas médicas. No transcurso destes atendimentos,

quando constatadas, pela equipe técnica, necessidades que não se restringem à

saúde mental, podem também ocorrer encaminhamentos paralelos a outros órgãos

públicos ou privados.

O Projeto do CAPS do Jardim América propõe ainda a

corresponsabilização das ações junto às unidades da Atenção Básica, através do

chamado “apoio matricial”. Por apoio matricial ou matriciamento, Campos (1999)

entende o momento em que se constitui a troca de saberes entre os profissionais, de

vários serviços de saúde, com o objetivo de garantir a vinculação aos pacientes e a

responsabilização das ações de assistência. Projetos de inclusão social (ações de

orientação para o trabalho, com foco na empregabilidade, economia solidária e

trabalho autônomo) ainda são tomados no ordenamento do fluxo da Instituição. O

último procedimento realizado consiste na emissão de alta médica, ou

encaminhamento para a Atenção Básica, nos casos em que os pacientes são

considerados estáveis.

3.2 O CAPS E A REDE DE ATENDIMENTO À SAÚDE MENTAL

Evidentemente tanto o ouvir como o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambas complementam-se e servem para o pesquisador como duas muletas [...], que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada do conhecimento. (OLIVEIRA, 2006)

64

Complementando o olhar, o ato de ouvir compartilha das mesmas

condições prévias desse último, aparecendo como uma ação importante na

eliminação de informações que não se constituem significantes para o pesquisador.

Assim, descrito os mecanismos de organização do CAPS, através desses

empreendimentos cognitivos, postulo que se torna necessário compreender a “teia

de significados” (GEERTZ, 2008) que os atores sociais envolvidos atribuem a essa

lógica institucional. As explicações conferidas pelos próprios sujeitos do espaço

investigado, obtidas no contexto das interações dialógicas, favorecem um ouvir todo

especial. A observação participante e as entrevistas ganham destaque nesta ótica.

Dito isso, abordarei, de forma mais detalhada, os atendimentos realizados pelo

referido CAPS e sua articulação com a rede de atenção à saúde mental.

O grupo de Acolhimento Inicial acontece todas as terças-feiras a partir

das 8hs, e nas quintas-feiras às 14hs. A priori são agendadas cinco pessoas, com

tempo de espera de dois meses aproximadamente. Este grupo é realizado por uma

assistente social, por um psicológico e por uma terapeuta ocupacional, alternando

dias e horários. Tem como objetivo identificar as pessoas que se enquadram no

perfil estipulado, pela Política Nacional de Saúde Mental, como usuários do CAPS

geral (pessoas com transtornos mentais severos e persistentes), com vistas a

proceder com a inserção ou não do usuário na instituição. Como pude olhar e ouvir,

durante esta atividade é retratado o processo de reforma psiquiátrica brasileira e

seus ideais, os critérios e procedimentos de admissão na instituição, os serviços

oferecidos, a configuração dos profissionais atuantes e as atividades desenvolvidas.

É discutido ainda o Projeto Terapêutico do CAPS. Destaca-se que o Projeto

Terapêutico configura-se como um dispositivo, no sentido foucaultiano, destinado à

organização dos processos de trabalho no CAPS geral do Jardim América,

estabelecendo a função, as metas, as articulações, as ações e os projetos

pertinentes para o delineamento do cuidado em saúde mental.

Após este momento, os usuários abordam os motivos que os trouxeram

ao serviço, respaldos por um acordo de sigilo, previamente estabelecido. Assim,

somente depois da escuta qualificada, o profissional procede com a realização dos

encaminhamentos, que podem ser interno ou externo. Os internos são voltados para

os atendimentos que ocorrem no próprio serviço CAPS. Já os externos destinam-se

àqueles usuários que não apresentam perfil para atendimento em CAPS. Estes são

65

orientados e encaminhados para outras instituições de saúde. Dentre elas

destacam-se: Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, CAPS AD, Núcleo de

Atenção Médica Integrada da UNIFOR (NAMI), Serviço de Psicologia Aplicada (SPA)

da UECE/UFC, Unidades Básicas de Saúde, Espaço Ekobé, entre outras. A rede

socioassistencial e jurídica também são incorporadas ao “processo de cuidado”,

como demonstra a fala de um profissional ao explicar o Grupo de Avaliação Inicial: E a ideia dele [grupo] é exatamente nós promovermos essa conversa, depois do que, após ter feito um acordo ético como o grupo, cada pessoa pertencente ao grupo fala porque veio ao serviço. Se veio encaminhado? Porque veio? O que está sentindo? E a partir daí a gente já faz uma avaliação do perfil de necessidade de atendimento dessa pessoa, e aí constrói uma proposta de cuidado que pode ser a de abrir prontuário no CAPS, ou não. Pode muito bem ser um atendimento no Posto, ou um plano de cuidados em outro espaço, que não seja o CAPS, e nem sempre na área de saúde. Às vezes coincide de ser em outra área de saúde na atenção primária, por exemplo. É isso, aí a gente estratifica riscos, estratifica sem instrumento real de estratificação, mas estratifica só na base dialógica mesmo, para poder definir a urgência ou não desse atendimento. (Profissional de Serviço Social)

Em seguida à acolhida são agendados os atendimentos individuais de

ingresso à Instituição. O procedimento de admissão consiste em efetuar o

preenchimento da ficha de “anamnese”, procedendo com a definição do tipo de

terapia do usuário e a abertura do prontuário. Vale destacar que este instrumental,

por vezes, não é preenchido em sua totalidade, em decorrência, sobretudo, do

número de atendimentos agendados para o mesmo profissional e da demora de seu

preenchimento. A “anamnese” dá-se através de um processo de escuta terapêutica

e entrevista, com o propósito de identificar a história social, afetiva, familiar e do

adoecimento do usuário. Por escuta terapêutica entendo uma estratégia de

comunicação essencial para a compreensão do outro, expressa a partir de uma

atitude de interesse e de respeito (BENJAMIM, 1983). Neste contexto, postulo que o

atendimento de “anamnese” constitui como mecanismo que subsidiará a construção

do projeto terapêutico do usuário, realizado somente por profissionais de nível

superior. Conforme destaca um membro da equipe técnica: Por meio da realização da anamnese ocorre à coleta de dados com o intuito

de conhecer o usuário e sua demanda, bem como reunir condições efetivas de intervenção profissional. É um momento relevante para o estabelecimento de vínculos com os usuários, e ainda possibilita a realização da escuta apurada das suas vivências. (Profissional de Serviço Social)

66

Quanto às características da ficha de “anamnese”, considero que existe

predomínio de conteúdo biologizante. Nela consta a identificação do paciente;

histórico da doença; antecedentes pessoais, familiares, psicossociais, patológicos;

avaliação psíquica (estado mental e emocional atual) e física; hipóteses

diagnósticas; e plano terapêutico. Dispondo, dentre outras, das seguintes perguntas:

Como é o seu relacionamento com as pessoas da sua família, do seu trabalho,

outros? Como são seus hábitos (alimentação, sono, lazer)? Como está o seu

humor? Você apresenta distúrbios clínicos? Já teve crises convulsivas? Já foi

hospitalizado? Isso se assemelha ao que Foucault (1987) chama de vigilância

médica. Para ele, a vigilância dá-se através de uma série de controles

administrativos sobre os doentes, por meio da identificação do paciente, histórico

das patologias, delimitação do diagnóstico, especificação do atendimento, registro

de presenças e ausências na instituição.

O momento da realização da entrevista de "anamnese”, como já citado, é

construído o Projeto Terapêutico Singular de cuidado do usuário. Salienta-se que

por Projeto Terapêutico Singular entende-se “um conjunto de propostas de condutas

terapêuticas articuladas, para um indivíduo, família e coletivo, resultado da

discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, com apoio matricial se necessário”

(BRASIL, 2013, p. 83). Desta forma, a partir deste atendimento são promovidos

encaminhamentos para as consultas médicas e atividades terapêuticas. Caso seja

avaliado que o usuário necessite de acompanhamento psicológico, preenche-se

uma ficha de encaminhamento interno, ficando a cargo do profissional responsável o

agendamento da data e do horário. Em virtude da demanda, há uma demora neste

atendimento. Sublinho que não existe previsão do tempo de espera por parte da

Instituição.

Realizados estes dispositivos 24, outros atendimentos são registrados no

Projeto do CAPS: a) consulta médica; b) acompanhamento psicofarmacológico; c)

avaliação psicológica ou terapêutica-ocupacional; d) terapia individual; e)

atendimento de enfermagem, que pode ser: consulta de enfermagem, intercorrência

nos quadros de maior estratificação de risco, ou administração monitorada de

medicação, reservada aos pacientes sem suporte familiar ou sem condições de

autocuidado em relação à medicação; f) atendimento psicológico; g) grupos, oficinas 24 Refiro-me à acolhida, anamnese, abertura do prontuário, construção do projeto terapêutico singular, encaminhamentos e orientações.

67

terapêuticas e atividades sócioterapêuticas (grupo de acolhimento, festas

comemorativas, passeios culturais), h) visita domiciliar designada aos usuários

impossibilitados de deslocarem-se ao CAPS ou direcionada à realização de

intervenção social. Participação no Conselho Local de usuários, ações de apoio

matricial, parcerias com instituições conveniadas ao Sistema Saúde-Escola e à

Escola de Saúde Pública do Ceará, participação em eventos públicos com a

temática de saúde mental, rodas de equipe, atividades de inclusão produtiva (ações

de orientação para o trabalho executada em grupo ou individual), busca ativa

(atendimento destinado aos usuários em abandono do tratamento), abordagem à

população em situação de rua, orientação previdenciária ainda estão previstas nas

atividades do CAPS.

No que tange à participação da “equipe técnica” nestas atividades,

convém salientar que, com exceção de alguns atendimentos de enfermagem que

podem ser realizados por profissionais de nível médio (intercorrência, administração

de medicação), das atividades sócioterapêuticas (grupo de acolhimento, festas

comemorativas e passeios culturais), das tarefas compartilhadas (visitas

domiciliares, realização de busca ativa, ações de apoio matricial, participação em

eventos, reuniões e rodas de equipe), os outros atendimentos, já citados

anteriormente, são de incumbência dos profissionais de nível superior. Este fato

expressa à divisão de tarefas e das hierarquias dentro da equipe multidisciplinar.

Neste sentido, observo que na separação das atividades sobressaí às diferenças

das posições ocupadas pelos distintos agentes no espaço institucional.

Feitas as devidas explanações, alguns aspectos serão tomadas para

análise: as ações de apoio matricial, a atividade de inclusão produtiva e a

abordagem de rua. O primeiro ponto considerado refere-se às tentativas do CAPS

geral do Jardim América de fomentar iniciativas conjuntas de “apoio matricial”, junto

ao Centro de Saúde da Família Luís Albuquerque Mendes, responsável por atender

o território do bairro Serrinha. Segundo relatos dos profissionais do CAPS, estas

atividades de organização das ações de saúde mental na Atenção Básica visam

diminuir o número de encaminhamentos realizados pela referida Unidade Básica de

Saúde (UBS), oferecer suporte técnico às equipes do Núcleo de Apoio a Saúde da

Família (NASF) e da Estratégia Saúde da Família (ESF) e promover a capacidade

resolutiva de problemas de saúde (quadros leves de transtorno mental) pela equipe

68

local. Como resultados deste processo, na esfera da efetivação da política pública,

foram realizados, ainda de forma incipiente, discussões de caso, intervenções a

famílias em regime de corresponsabilidade, visitas domiciliares e atendimentos

conjuntos entre o CAPS e a UBS Luís Albuquerque Mendes. As ações de

matriciamento são citadas também como estratégia utilizada pelo CAPS para

promover a articulação entre usuários, seus familiares e demais pessoas da

comunidade. Conforme enfatiza um profissional do Centro Psicossocial:

Outra estratégia que eu acho muito importante, que a gente tá fazendo agora, é exatamente este trabalho, junto com a atenção primária. Que trabalho é esse? È um trabalho de envolver a atenção primária no cuidado do paciente que tem transtorno mental. Então envolver, inclusive, como ordenador no curso desse cuidado. Fazendo isso à gente desperta um recurso muito importante, que é aquele recurso de saúde que tá na ponta da vivência do nosso usuário. Como ele tá na ponta da vivência do nosso usuário, ele conhece melhor o território, ele conhece melhor a dinâmica da comunidade. E a gente tá fazendo isso, não só fomentando o cuidado clínico, mas também o cuidado não clínico. [...] E o cuidado não clínico o que é? É usar práticas alternativas, é usar os recursos das várias instituições e setores da política pública, é utilizar os recursos comunitários. A Atenção Básica tem um potencial muito maior do que o nosso, pois tá mexendo nessa teia de relações das pessoas, dos recursos, que se tornaram parceiros nisso. Então essa é uma estratégia. (Profissional de Serviço Social)

Como se analisa no discurso do profissional do CAPS, as novas diretrizes

propostas para a área de saúde mental presumem o envolvimento de outros agentes

no processo de cuidado psicossocial. O hospital psiquiátrico deixa de exercer papel

predominante na realização do cuidado. As famílias e as comunidades tornam-se o

lócus privilegiado do tratamento. Os serviços de saúde existentes nos territórios

onde as pessoas vivem também ganham notoriedade, com ênfase para o âmbito da

Atenção Básica. Conhecer a história de vida dos usuários, as relações que eles

estabelecem com o grupo familiar e o meio onde vivem, suas (re) significações a

respeito da díade saúde/doença e seus projetos de vida, constituem-se ideários

importantes para a construção do Projeto Terapêutico Singular de cuidado. Posto

que, “no modelo hospitalocêntrico, ou seja, aquele em que a lógica do cuidado às

pessoas era o hospital, os pacientes sofriam contenção, no modelo do território

recebem continência, isto é, acolhimento e escuta” (BRASIL, 2013, p. 28).

Este ideário pressupõe garantir a integralidade do cuidado, a partir da

observação do indivíduo na sua totalidade, separando, cada vez menos, a Saúde

Física da Saúde Mental. Neste sentido, as psicopatologias passam a ser explicadas

69

como demandas existentes no exercício cotidiano dos trabalhadores da Atenção

Básica. Exige-se, destarte, desses profissionais que incorporem as competências da

terapêutica em saúde mental na sua prática diária, objetivando desenvolver um

“cuidado integral” à saúde. A Atenção Básica é percebida, dentro deste contexto,

como mecanismo estratégico de intervenção, pois possibilita a atuação dos

profissionais de saúde em um território geograficamente delimitado e conhecido,

favorecendo o contato com os usuários e o reconhecimento de suas singularidades.

A política do SUS, no entanto, enfrenta muitas dificuldades para sua

efetivação, inclusive no âmbito da Atenção Básica. Durante o período que estive na

Instituição, pude observar que ocorreram ações pontuais do CAPS do Jardim

América em articulação com a UBS Luís Albuquerque Mendes, ambos vinculados à

Coordenadoria Regional de Saúde de Fortaleza. Essas iniciativas, em sua maior

parte, dizem respeito à tentativa de fortalecimento do “apoio matricial” e de

capacitação das estratégias de “estratificação de risco” utilizadas no domínio da

saúde mental pelos profissionais. Por “estratificação de risco” entende-se uma

técnica de definição da urgência do atendimento, dependendo do quadro

psicopatológico do paciente. Nas palavras de um profissional do serviço social: “na

abordagem a gente utiliza as queixas da crise, se existe alguma quadro de surto,

risco auto ou heterodirigido, ou uma possibilidade real de agravamento, se existe

suporte familiar, e se a pessoa está medicada” [...]. Estas ações dispõem, contudo,

de pouca abrangência, pois esbarram na falta capacitação técnica dos profissionais,

instrumentais específicos e conhecimento por parte das instituições de saúde.

No que tange a articulação do CAPS com a rede de atendimento, o

segundo aspecto considerado refere-se às atividades de inclusão produtiva. Nesse

sentido, observei que as tentativas de reintegração dos usuários à vida laborativa,

através da empregabilidade, economia solidária25 e trabalho autônomo, conforme

prevê o Projeto Terapêutico do CAPS, partem da iniciativa individual dos

25 Economia solidária é definida como o é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Enquanto na economia convencional existe a separação entre os donos do negócio e os empregados, na economia solidária os próprios trabalhadores tomam as decisões de como tocar o negócio, dividir o trabalho e repartir os resultados. Dentre as iniciativas econômicas estão: associações e grupos de produtores; cooperativas de agricultura familiar; cooperativas de coleta e reciclagem; empresas recuperadas assumidas pelos trabalhadores; redes de produção, comercialização e consumo; bancos comunitários; cooperativas de crédito; clubes de trocas; entre outras. Disponível em < http://www.mtps.gov.br/trabalhador-economia-solidaria>. Acesso em 15 de mar. de 2016.

70

profissionais do CAPS. Não há uma ação articulada e efetiva de negociação e

comunicação por parte da Secretaria Municipal de Saúde com os órgãos e

instituições que se inscrevem nas políticas setoriais, com vistas a propiciar a

inserção dos usuários do CAPS no mercado de trabalho formal e informal. Ressalte-

se que o ideário de inclusão produtiva, previsto no âmbito das políticas públicas,

pressupõe o reconhecimento do trabalho e da formação profissional como direito de

cidadania. Neste sentido, verifico limitados esforços por parte da “equipe técnica” do

CAPS. Muitos destes esforços se referem a buscar informações de datas e locais

onde haverá a oferta de cursos profissionalizantes e feiras de artesanato,

estabelecer contato e negociar com estes espaços socioprodutivos. Para ilustrar

esta explicação, tomarei a fala de dois usuários. Vale destacar que as perguntas

contidas no trecho da entrevista foram feitas por mim. Objetivando preservar o

sentido da fala resolvi mantê-las. Eu faço esses trabalhos com sandália, crochê, eu faço um monte de coisas. A senhora faz em casa? È, e aonde eu vou, eu levo o meu trabalho, não custa levar a agulha e a linha, né? A senhora trabalha sozinha, ou tem outras pessoas que lhe ajudam? Não, sozinha. Às vezes, as pessoas me fazem pedidos e não sai no dia certo, porque eu trabalho só. [...]E tem feirinha que a gente vai, e não ganha nada, né? Então eu prefiro trabalhar só. A senhora leva suas peças para a feirinha? É. Feirinha do bairro? Não, é aqui do CAPS. Às vezes, a profissional do CAPS sabe onde tem feirinha, ou informam a ela onde tem. Aí ela vai e arranja um espaço pra gente ir. Ela dá o aviso. Eu acho que é o pessoal aqui do CAPS que avisa ela. Aí ela avisa pra gente. Ela diz: Em tal canto, vai haver feirinha, ai se vocês quiserem ir, a gente vai (Usuária 6). Eu faço um curso dois dias, é de pintura e tecido, à tarde. Faz três anos que eu faço. E onde a senhora faz? Eu faço com uma professora, que atende na casa dela. Neste grupo são quatro alunos, comigo. Eu fui segunda e terça-feira pela manhã. E a tarde? A tarde segunda e terça eu venho pra cá. Hoje é o grupo de bordado, o outro é projeto de vida.[...] Eu gosto de artesanato. A senhora vende? Ah, eu vendo mais é muito pouco. Vende uma pecinha aqui. Até logo porque minha produção é pequena, e por essa limitação que eu tenho, de não tá com bem coragem o dia todo, eu faço pouco, né? Eu faço poucas peças. Mas eu gosto do que faço, adoro artesanato. Aí não só minhas colegas daqui, aquela que eu tava conversando com ela, a gente dividi muito as coisas, ela traz coisas que ela aprende. A gente não fez curso, a gente aprendeu uma com as outras, com a televisão que às vezes dá umas dicas, com a internet. A filha dela pega mais. Às vezes eu olho alguma coisa com meu marido. Mas a senhora trabalha sozinha em casa? Sozinha mesmo. [...] Eu trabalho com pintura, boneca, coisinha assim. Pega um depósito eu enfeito. Crio também outras coisas. É diversificado meu artesanato. Muita coisa eu crio na minha cabeça. Eu adoro boneca. Cortar, fazer vestidinho. Eu gosto tanto, que até uma época dessas, nós fomos para uma feirinha que a profissional do CAPS levou. Mas não vendeu praticamente nada, porque o pessoal chega, olha, acha bonitinho. [...] Foi uma feira de artesanato? Foi lá na Praça do Ferreira. Aí tinha lá um local que era de artesanato. Não era só nós, tinha outras pessoas lá também. Aí

71

apareceu essa oportunidade. Aqui também, às vezes a gente faz umas feirinhas aqui. Aí se trouxer as coisas da gente, a gente vende alguma besteirinha. (Usuária 4)

Em relação aos atendimentos destinados à população em situação de

rua, durante o período que estive no CAPS, presenciei casos em que esta clientela

buscou o CAPS para atendimento psicossocial ou requisição de algum serviço.

Observei a ocorrência de articulações e encaminhamentos desse CAPS, sobretudo,

com o Centro POP, localizado no Benfica, e com o CAPS AD da SER IV

(popularmente chamado de CAPS AD do Alto da Coruja). Concernente ao âmbito da

Saúde e da Assistência Social, essa rede pressupõe a articulação entre profissionais

do CAPS (Geral e AD), Centro Pop (Centro de Referência Especializado para

População em situação de Rua), Consultórios de Rua (unidade móvel que acolhe

pessoas em situação de rua por motivos de drogadição), Centro de Convivência

para Pessoas em Situação de Rua, Pousada Social, Casa de Passagem, Abrigos

Institucionais, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro

Especializado de Referência da Assistência Social (CREAS), Hospitais,

Comunidades Terapêuticas e as equipes do NASF (Núcleo de Atendimento à Saúde

da Família) vinculadas às Unidades Básicas de Saúde 26.

3.3 COTIDIANO DO CAPS: UM DIA DE OBSERVAÇÃO

Após realizar a descrição das atividades desenvolvidas na Instituição,

neste tópico tentarei fazer a escrita das “formas de ações recíprocas” (Simmel, 2006)

estabelecidas entre os usuários, cuidadores e os profissionais de saúde dentro do

espaço do CAPS, ou seja, os comportamentos dos indivíduos em interação uns com

os outros, no momento das reuniões e grupos terapêuticos. Entendo, portanto, que a

rede de relações existentes dentro do espaço institucional fornece uma parte

26 A Política Municipal de Atenção à População em Situação de Rua foi implementada, em Fortaleza, pela Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) a partir do ano de 2008, quando da criação do Programa de Atendimento Integral à População de Rua. Vale destacar, contudo, que no âmbito do município de Fortaleza restam instrumentos jurídicos a serem elaborados. Não existe uma Lei em vigor que regulamente a jurisdição desta Política. Consta a indicação do Projeto de Lei 0057/ 2014 que prevê a Política Municipal para a População em Situação de Rua. Disponível em http://216.59.16.201:8080/sapl/sapl_documentos/materia/17458_texto_integral.

72

essencial dos dados necessários ao estudo do funcionamento desse serviço de

saúde. Nesse intento, retratarei um dia de observação participante no CAPS do

Jardim América. Convém salientar que, em alguns casos, por se tratar de relatos

que trazem à tona eventos e informações a respeito dos prognósticos dos usuários,

optei por não descrevê-los, com o intuito de preservar os interlocutores. A maior

parte dos dados foi obtida através das minhas observações e registros em campo,

no período de decurso da pesquisa.

Era um dia de grande movimentação no CAPS. Nesta ocasião, cheguei à

Instituição por volta das 8h30min da manhã e saí apenas à tarde, quando o

expediente terminou. De início, após cumprimentar os usuários e profissionais que

estavam na recepção, deixei meus objetos pessoais na sala de prontuários, como

fazia todos os dias, e me dirigi ao salão, lugar onde iria acontecer uma reunião do

Conselho de Usuários. Naquela oportunidade, o Conselho realizaria um balanço dos

avanços e retrocessos das atividades que tiveram no decorrer do ano de 2015.

Diferente do que ocorre rotineiramente, pois na maioria das reuniões os conselheiros

presidem sozinhos, dispondo da presença esporádica de um ou outro profissional de

saúde, alguns profissionais faziam-se presentes à sessão.

Como ocorre habitualmente nos grupos terapêuticos e reuniões entre os

usuários ou profissionais do CAPS, as cadeiras estavam dispostas em círculo, com

vistas a simbolizar uma aparente inexistência de relação hierárquica. Importa dizer

que esta tentativa de dissociação entre saber e poder, proveniente da distinção entre

os detentores do conhecimento especializado e os não detentores, é reflexo do

ideário de mudança promovido pela atual Política Nacional de Saúde Mental. Posto

que, as propostas e diretrizes incluídas nos documentos oficiais visam interferir, não

apenas em como as instituições devem ser estruturadas, mas no modo com as

terapêuticas são organizadas e na maneira como os indivíduos se comportam uns

em relação aos outros. Essa perspectiva pressupõe que os usuários do CAPS

deixem de ser vistos como agentes passivos, e tornem-se sujeitos de direitos.

A reunião do Conselho foi iniciada com a fala de um membro da “equipe

técnica” sobre sua experiência na 15ª Conferência Nacional de Saúde, retratando os

assuntos discutidos e suas avaliações no âmbito da política pública de saúde

mental. Em seguida, um usuário pediu a palavra e queixou-se da insuficiência de

vale-transporte, alimentação e assistência médica na Instituição. A presidente do

73

Conselho, neste momento, explicou sobre a carga horária dos médicos e a

necessidade de mobilização política dos usuários, com o intuito de reivindicar seus

direitos. Enfatizou que um membro da gestão do município viria a esta reunião, e

que seria importante que todos participassem ativamente das discussões. Outro

usuário citou ainda situações em que se sentiu incomodado com a conduta de um

determinado funcionário. Neste momento, um profissional da “equipe técnica”

verbalizou que já havia conversado com ele, mas que iria retomar a conversa.

Foram feitas ainda reclamações com relação à demora na acolhida e no

atendimento, bem como em virtude da falta de remédios. Outro ressaltou: “quando

as pessoas têm um problema é visto pela sociedade como excluído”.

Neste instante, o membro da gestão já se fazia presente. Em sua fala

pontuou a redução de gastos por parte dos entes federados (União, Estados e

Municípios) e explicou os trâmites burocráticos que ocasionavam a falta do vale-

transporte, responsabilizando-se por rever esses protocolos, junto ao setor

encarregado. A insuficiência do vale-transporte durante o mês continuou a ser

enfatizada pelos usuários. Destarte, um paciente asseverou que faltava

conhecimento da população sobre a Reforma Psiquiátrica. A presidente do Conselho

explicou, a posteriori, que está elaborando um instrumental que mensura o número

de pessoas do CAPS que necessitam de vale-transporte para deslocar-se. Outro

usuário levantou a questão da emissão da carteira que possibilita à gratuidade das

passagens nos transportes coletivos, destinada às pessoas com deficiência, como

alternativa para diminuir a demanda por vale-transporte na Instituição. Um

conselheiro explicou, contudo, que as psicopatologias não garantiam o direito ao

passe-livre. Vale destacar que as psicopatologias são rotuladas pelo código de

Classificação Internacional de Doenças (CID). Nesta ocasião, foi sugerida a

organização de uma comissão para ir até a Empresa de Transporte Urbano e

discutir essa situação.

Prosseguindo com a reunião, a demanda por melhorias na qualidade do

serviço continuou a ser debatida. Um usuário solicitou a oferta de um número maior

de grupos terapêuticos. Outro reclamou do horário que os usuários entram na

Instituição, queixando-se de uma fila que se forma no perímetro da rua, no turno da

manhã, com vistas a garantir o atendimento. Mediante a isto, foi explicado por um

membro da “equipe técnica” que os atendimentos dão início às 8h, mas a partir das

74

7h já é permitida a entrada de usuários no CAPS. Questões, tais como: a circulação

de pessoas, no entorno da cantina, durante o horário do almoço dos profissionais,

proibição na concessão de gêneros alimentícios por parte da Instituição nas

confraternizações e festejos de qualquer ordem, e organização do espaço do salão

nos dias de atividade também foram citadas. Encerrando a reunião, verbalizou-se

que esses impasses deverão ser retomados para debate posteriormente.

É interessante pontuar quanto à regularização espacial e temporal do

CAPS, que a disciplina institucional manifesta-se por meio de diversas técnicas.

Como observado anteriormente, o controle na circulação de pessoas no entorno da

cantina, no período do almoço; a delimitação e organização dos espaços e horários

para cada atividade específica; a demarcação do horário de funcionamento são

tecnologias de controle sobre o corpo, tomando como referência por FOUCAULT

(1987). Para o autor, o poder disciplinar dá-se através da distribuição dos indivíduos

no espaço e do controle da atividade, determinada pela dimensão temporal.

Ressalta-se que o princípio da clausura, ou melhor, da especificação de um local

fechado em si mesmo, não é hegemônico nas instituições disciplinares, pois elas

“trabalham o espaço de maneira muito mais flexível e mais fina, [...] segundo o

princípio da localização imediata ou do quadriculamento” (1979, p.122-123). A regra

da localização funcional e da demarcação temporal, ou seja, da definição de lugares

determinados e dos horários para cada atividade, além de atender a necessidade de

controle, torna o espaço útil. Portanto, as disciplinas, organizando os espaços e o

tempo, criam lugares funcionais e hierárquicos. Dentro dessa regularização espaço-

temporal, os indivíduos também se tornam intercambiáveis, pois cada um se define

pelo lugar que ocupa numa classificação. A disciplina os distribui e os faz circular

numa rede de relação.

Após o almoço, no período da tarde, continuei a acompanhar o dia-a-dia

da Instituição. Como de costume havia vários usuários no pátio. Estes e as demais

pessoas presentes no local mantinham conversas simultâneas, não sendo possível

ouvir o que falavam. Como já ultrapassava 13 horas, os profissionais da farmácia

haviam retomado suas atividades rotineiras. Forma-se uma discreta fila na janela do

setor, onde normalmente os remédios são dispensados, mediante apresentação do

documento de identidade do usuário e/ou do responsável, da receita médica e do

cartão do SUS. A exigência do uso deste cartão foi inserida há pouco tempo no

75

CAPS do Jardim América, fato que ainda causa muitas queixas entre os usuários.

Neste dia, muitos usuários reclamavam da exigência de apresentação do cartão

para receber a medicação. Os profissionais, entretanto, tentavam explicar que

apenas cumpriam normas protocolares. Tal explicação, por vezes, não os satisfazia,

pois estes continuavam a argumentar.

Quanto a isso, é interessante pontuar que para FOUCAULT (1987) a

concessão dos remédios também é tomada como objeto de controle disciplinar.

Segundo o autor, as tecnologias de observação médica são antecedidas pela

vigilância fiscal e econômica. Como observado no CAPS, existe uma série de

procedimentos burocráticos, conforme já referido, que regulam a entrega da

medicação aos usuários, os quais identificam a pessoa que receitou e a que recebeu

os farmacólogos, a finalidade, a periodicidade e a quantidade de remédios. Desde

modo, o poder disciplinar “tende-se a individualizar os corpos, as doenças, os

sintomas, as vidas e as mortes, constituindo um quadro real de singularidades

justapostas e cuidadosamente distintas” (FOUCAULT, 1987, p.124).

Destaca-se que no espaço do pátio ocorre também, de maneira eventual,

o desenvolvimento da atividade de sala de espera. Essa atividade é realizada por

grupos de residentes ou estagiários voluntários das diversas áreas profissionais.

Trata-se de dinâmicas diversas, objetivando sensibilizar e envolver as pessoas que

estão esperando por atendimento. Na ocasião, fui surpreendida com a realização

deste grupo, por parte de quatro alunos de enfermagem. Em meios a olhares,

conversas, pessoas transitando de um lado para o outro, os discentes iniciaram a

atividade. A princípio entregaram um pedaço de papel, que se encontrava dobrado,

para alguns usuários. Depois de entregue, pediram que todos o abrissem e,

sequencialmente, lessem o bilhete que haviam recebido. Estes continham

mensagens positivas de otimismo, prosperidade, esperança, fé e amor. Muitos

usuários aparentavam sentir-se envergonhados com a brincadeira, todavia,

prosseguiram com a leitura dos papéis, limitando-se a isso. Paralelamente à leitura

de cada mensagem, os alunos faziam reflexões sobre o que se havia lido, sempre

com palavras que tentavam resgatar a autoestima dos usuários. E assim sucedeu-se

até a última pessoa. Por fim, eles leram uma mensagem de esperança e

despediram-se do grupo. Esta dinâmica durou em torno de 20min.

76

Neste transcurso de tempo, uma funcionária aproximou-se dos usuários e

solicitou que todas as pessoas que se encontravam no CAPS pela primeira vez e

que estavam agendadas para o Grupo de Atendimento Inicial se dirigissem para a

sala de número 03. Logo, eu também me conduzi para a sala. O atendimento

começou com uma proposta de pactuação de acordo de sigilo entre o grupo. Este

propunha que os relatos enunciados não seriam repassados para outras pessoas,

após o atendimento. Com acenos positivos esse compromisso foi firmado pelos

participantes. Em seguida, o profissional responsável iniciou a explicação sobre o

processo de reforma psiquiátrica e a organização do serviço CAPS. Ao explicar

sobre os objetivos do Grupo e a imagem oficial do que deve ser o CAPS, foi referido:

A ideia deste grupo é situar as pessoas na proposta da instituição CAPS. O

que é o CAPS? Como ele nasce? Contextualizar o CAPS dentro da Reforma Psiquiátrica. Até para que as pessoas tirem algumas ideias, porque, às vezes, as pessoas chegam com uma ideia, por exemplo, de que o CAPS é uma instituição onde se coloca o paciente para passar o dia. E a gente tem que tirar esta ideia, porque a ideia do CAPS não é substituir a vida de ninguém, pelo contrário, é promover condições para que a pessoa realize a sua vida, ao mesmo tempo, que faz o tratamento. Não tem aquela coisa, dá um stand by, para depois poder voltar. Não, não é isso [...]. (Profissional de Serviço Social)

Dando continuidade ao atendimento grupal, após a abordagem do

profissional, houve a apresentação dos usuários e suas demandas. Prontamente

aos relatos, o funcionário pediu que todos saíssem da sala, avisando que eles

seriam chamados em seguida. Assim, convidou-os (individualmente) para explicar

qual seria a conduta de tratamento. Foram agendados atendimentos individuais

para avaliação de alguns usuários. Em um caso, por se ter sido avaliado como um

quadro psicopatológico de risco foi aberto prontuário, sendo ainda realizado

encaminhamento externo para o Hospital de Saúde Mental Dr. Frota Pinto. Por fim,

foi feito a escuta de outro usuário que se recusou falar no grupo. Nessa ocorrência,

foi agendada terapia no NAMI (Núcleo de Atenção Médica Integrada), marcado

atendimento médico psiquiátrico e atendimento com sua família. Após cada

atendimento os usuários iam sendo liberados.

77

3.4 OS USUÁRIOS E A FAMÍLIA NO CAPS

Por vezes, sentei-me nos bancos do pátio do CAPS junto com os

usuários, lugar onde estes aguardavam a chamada para os atendimentos. Em várias

ocasiões, os vi acompanhados por seus familiares (principalmente cônjuges, pais,

filhos, irmãos), tendo também observado a presença de vizinhos, amigos, membros

de congregações religiosas. Constatei, não obstante, que a maioria dos

acompanhantes é do sexo feminino e membros da família dos usuários. Outro fato

que chamou minha atenção refere-se à presença da família (ou pessoas ditas como

próximas) relacionada, sobretudo, aos casos em que havia maior gravidade do

quadro clínico e/ou psiquiátrico das pessoas em tratamento. O cuidado

desempenhado por esses atores (familiares, vizinhos, amigos, membros de

congregações religiosas) no ambiente do CAPS configurava-se em auxiliar o

deslocamento do usuário, aguardar as terapias em sua companhia, e acompanhá-lo

aos atendimentos. Em virtude de alguma limitação física ou psíquica grave do ente

adoecido, o “cuidador” também era responsável por repassar as principais queixas

durante a consulta médica.

Neste sentido, compreendo que é interessante abordar a participação dos

familiares (principais responsáveis pelo cuidado) nas atividades promovidas pelo

CAPS, tendo em vista o papel desempenhado pelos laços de parentesco na

provisão do bem-estar social e individual das pessoas com transtorno mental, ora

usuários do CAPS. No que tange ao conceito de família e suas atribuições, utilizo a

definição de família constituída por um grupo de pessoas que são relacionadas entre

si por relações de afinidade, descendência e consanguinidade (casamento ou

adoção), organizada em núcleos de reprodução (DURHAM, 1982; LÉVI-STRAUSS,

1982). Quanto as suas atribuições, Dias (2011) afirma que a família no sistema

capitalista exerce as seguintes funções: biológica, de socialização, assistencial e

econômica. Destarte, interesso-me pela assistencial e econômica, que diz respeito à

proteção física, financeira, instrumental e psicológica de seus membros, referindo-se

também aos cuidados prestados na infância, na velhice ou ao familiar acometido por

alguma doença. A preconização da família como um espaço de proteção social em

nível primário também é discutida por outros autores (KALOUSTIAN, 1998, REIS,

1995). Para Kaloustian (1998) os aportes afetivos e materiais são conferidos aos

78

entes familiares à medida que a instituição familiar se constitui como espaço de

apoio, solidariedade, reprodução social e cuidados. Reis (1995), contudo, alerta que

a família ao mesmo tempo é um lócus de hierarquia, autoridade e dominação.

Partindo desse pressuposto, constatei que o apoio social exercido pela

família não engloba todos os usuários do CAPS. A impossibilidade ou incapacidade

da instituição familiar de prestar algum tipo de apoio também é algo presente na

cotianeidade das pessoas com transtornos mentais. Muitos usuários relataram que

comparecem a todos os atendimentos sozinhos e que seus familiares não

frequentavam as atividades do CAPS, ou participavam de forma eventual. A este

fato, uns explicaram que moravam sozinhos, e que seus familiares residiam distante,

mantendo contato esporádico com a família; outros expuseram que seus familiares

ditos como próximos trabalhavam, e que tinham pouco tempo para acompanhá-los à

Instituição; outros asseveraram que a insuficiência de recursos materiais por parte

dos familiares dificultava a prestação de apoio; outros ainda referiram os vínculos

(fracos) construídos nas interações familiares.

Por outro lado, alguns usuários referiram que não necessitavam de

acompanhamento para vir aos tratamentos, pois se sentiam bem de saúde, mas que

consideravam que tinham suporte social, sobretudo, da família; outros asseveraram

que seus familiares ou pessoas classificadas como próximas, compareciam ao

CAPS apenas para deixá-los e/ou buscá-los, não participando das atividades

terapêuticas; alguns abordaram que só dispunham de apoio social por parte da

família, contudo, os parentes não frequentavam as atividades terapêuticas do CAPS;

outros ainda consideravam que tinham redes sociais amplas (composta por amigos,

familiares, integrantes de congregações religiosas, membros de associações civis),

embora, estas pessoas não comparecessem ao CAPS. Tomarei a fala de dois

usuários, os quais afirmaram que, embora, seus familiares viessem à Instituição, não

estavam inseridos nas atividades terapêuticas. Conforme salientam os trechos das

entrevistas a seguir:

Depois que eu fiquei tomando remédio mais vezes, eu nunca mais sai sozinha, eu só venho pra cá por causa que ele [marido] vem comigo. Ele fica aqui me esperando, mas ele não participa das atividades daqui. Ele já participou do grupo de família, mas parou de vir. E porque ele parou? Acho que ele ficou sem tempo, eu acho que acabou também, eu nunca mais ouvi falar. O pessoal gostava da participação dele, ele gosta de falar (Usuária 4).

79

Eles [familiares] vêm, mas eles não ficam. A minha filha veio. Aí uma menina começou a gritar. Aí ela disse que ia pra casa. Eu disse pra ela: tá com medo mulher? Imagina quando eu tô em crise! Ela respondeu: a senhora é a senhora. Teve um que saiu chorando, ela disse: ai mamãe eu vou embora, eu fiquei com tanto medo da mulher que saiu gritando. Ela veio no dia da confraternização do grupo de alfabetização [...]. (Usuária 3)

Conforme observado nas falas, a participação dos familiares (ou pessoas

tidas como próximas) dos usuários nas atividades promovidas pelo CAPS restringe-

se, sobretudo, a uma situação de emergência, festejo de alguma ordem ou

atendimento previamente agendado, ocorrendo de forma pontual. Na maioria dos

casos, a inserção dos familiares nos processos é percebida, pelos profissionais e

usuários, como aspecto positivo, atrelado à melhoria do quadro psiquiátrico do

paciente. Um dos usuários entrevistados, inclusive, expressa seu anseio de que

houvesse um engajamento maior nas terapias por parte de seus parentes, conforme

demonstra seu relato:

Eu acho interessante à família participar, porque muitos familiares que não gostam de participar, deixam só o usuário lá. E eles [familiares] ficam recuados. Agora tem uns que participam só quando tem festa, alguma coisa assim. Agora eu gostaria muito que minha família participasse das minhas terapias, não participam nenhum. Ninguém me acompanha. Antigamente, meu pai me acompanhava, mas ai depois ele começou a trabalhar, ai pronto. Eu venho sozinho. (Usuário 7)

Em complementaridade, um profissional do CAPS ressalta a pouca

abrangência das atividades envolvendo as famílias e os campos de sociabilidade

dos usuários, atentando para a importância dos recursos comunitários na promoção

do cuidado, seja no desenvolvimento da autonomia da pessoa em tratamento,

incremento de ações de “inserção social” e garantia do acesso aos serviços sociais.

Sua fala traz ainda uma reflexão sobre a realidade dos serviços governamentais de

saúde mental em contraste com as premissas da reforma psiquiátrica, a seguir:

Eu não acho que a participação dos familiares e da comunidade ocorra de

forma satisfatória. Eu acho que ocorre eventual. Em alguns momentos, infelizmente. Tanto os usuários como os recursos comunitários, quando bem acionados, eles se manifestam e apresentam uma resposta positiva no sentido de participação nos processos terapêuticos, mas infelizmente essa não é uma realidade cotidiana. Porque o ideal é exatamente que estas pessoas que sofrem de transtornos mentais pudessem contar cotidianamente com uma condição comunitária e familiar que favoreça a autonomia, que favoreça a vivência, que favoreça a inserção dessas pessoas nos movimentos, nas famílias, comunidade, no acesso aos

80

serviços e tudo. E essa não é uma realidade, porque eu não posso pressupor um tratamento que seja limitado a um CAPS, isso aí não é um tratamento coerente com a proposta da reforma psiquiátrica. Um acompanhamento real, um processo terapêutico real da reforma psiquiátrica, ela se dá no dia-a-dia, em vários espaços. Então essa participação que acontece eventualmente, quando fomentada, estimulada pelo profissional CAPS, é muito incipiente, não é uma realidade, uma verdade no nosso trabalho não. (Profissional de Serviço Social)

É interessante pontuar que a perspectiva de que o envolvimento de

familiares e pessoas que compõem as redes sociais dos usuários contribui para o

controle e manejo das crises psiquiátricas é compreendia por Oliveira (2000) como

um aspecto positivo para o processo de reabilitação psicossocial. Segundo a autora,

este apoio influencia favoravelmente no prognóstico da doença, associando-se aos

baixos índices de reinternações. Esta ideia também é balizada nos relatos dos

profissionais da Instituição:

O usuário que tem um bom suporte familiar e comunitário é o usuário que

menos se interna. É o usuário que por conta da família está mais próxima do tratamento dele, aprende a manejar as crises, sem precisar internar, né? É o usuário que a família já percebe não sendo como uma síntese do transtorno mental, como acontece geralmente. O usuário deixa de ser pessoa, cidadão, e se transforma só em portador com transtorno mental. E a família quando se aproxima a gente tenta desmistificar, retirar este estigma que, muitas vezes, é iniciado dentro da própria família. Então o familiar que tá mais próximo, é aquele familiar que, às vezes, não tem a condição afetiva pra isso. Os afetos estão embotados, a relação ta muito desgastada. E a gente tem que fazer um trabalho. Mais ainda não tá do jeito que a gente quer. Aqui e acolá que a gente tem esses ganhos. Não é ainda uma realidade do serviço, é uma realidade conquistada eventualmente. Não é ainda totalizante [...]. (Assistente Social)

Esse trecho corrobora ainda a ideia legitimada no campo da “promoção

do cuidado” de que não se pode separar a doença do contexto familiar. A fala do

profissional, porém, traz à tona que o papel da família na prestação do cuidado, por

vezes, é percebido como aspecto negativo ao tratamento. Diante disso, analiso que

o contexto da prestação do cuidado está sujeito a tensões e conflitos entre os atores

envolvidos. Como demonstra Simmel (2006) às interações sociais podem prefigurar

relações conflitivas, de interesse mútuo, de subordinação ou dominação. Estes

conflitos, contudo, são explicados como fonte de relações de violência, negligência,

situações desrespeitosas e de abandono. Conforme relatos de um membro da

equipe técnica, durante o grupo de Acolhimento Inicial:

81

As famílias são partes importantes do papel de cuidado. Mas, às vezes, a gente precisa compreender que os familiares mais atrapalham, do que cuidam, porque também estão em situação de sofrimento. Como também tem família que é negligente, violenta, de várias formas. Que ameaçam de internar. (Profissional de Serviço Social)

Embora o relato do profissional indique alguns casos em que a família

atue como violador de direitos, Oliveira (2000) registra uma inversão na maneira de

cuidar do sujeito com transtorno mental, atribuindo à família papel positivo no

desenvolvimento de atividades, tais como: alimentar, administrar a terapêutica

medicamentosa e dar apoio ao seu familiar doente, tarefas anteriormente conferidas

às instituições estatais. Diferentemente do que pressupunha a terapêutica clássica,

a família é constantemente compreendida, pelo discurso oficial atual, que reverbera

nas falas dos profissionais da saúde, como importante mecanismo de apoio social

aos portadores de transtornos mentais, atuando como um recurso na prestação do

cuidado. Neste sentido, a participação da família e da comunidade nos processos de

tratamento das pessoas com transtorno mental emerge como alternativa a estrutura

da instituição manicomial, considerada segregadora e cronificadora (AMARANTE,

2013).

Por outro lado, Pimentel e Albuquerque (2010) destacam que este

reposicionamento do papel da família na provisão do bem-estar social e individual

instituída na sociedade contemporânea está vinculado a duas perspectivas. A

primeira remonta o reconhecimento dos laços familiares como contributo para

sentimento de bem-estar e suporte emocional dos indivíduos; a segunda, de sentido

negativo, associa-se ao papel de responsabilização das famílias pelos cuidados aos

seus membros, devido à ineficácia dos sistemas públicos de proteção social de

garantir a efetividade desse apoio, mediante as exigências crescentes.

No que se refere às representações construídas acerca dos benefícios,

para o tratamento das pessoas com transtornos mentais, provenientes da

participação dos familiares e pessoas ditas como próximas nas atividades do CAPS,

outras informações foram obtidas. Por meio de conversas informais, uma usuária

discorreu que se sentia acolhida no CAPS, contudo não gostava da presença de

outro usuário, pois este apresentava comportamento agitado. Ressalto que a pessoa

citada comparece ao serviço cotidianamente há longa data, não apresenta vínculos

familiares fortalecidos, tem boa relação com os funcionários da Instituição, sendo

82

portador de transtorno mental e de deficiência mental 27. Outro usuário me informou

que quando há participação dos familiares e pessoas da comunidade nas atividades

desenvolvidas pelo CAPS, observa que “fica mais alegre, confiante e comunicativo”.

Dito isso, uma terceira usuária lembrou o evento “Tô de Lua”. Destaca-se que esse

evento objetivava mobilizar a população, através de apresentações teatrais e

exposição de arte de autoria dos usuários do CAPS, sendo organizado em 2008, na

praça do bairro do Jardim América, pelos profissionais do CAPS em articulação com

lideranças comunitárias. Por fim, remetendo-se ao seu relacionamento com

familiares e vizinhos, outro usuário expôs que sofria preconceito por parte da

vizinhança, alegando que dispunha de apoio social apenas por parte de seus pais, e

que vinha ao CAPS para realizar tratamento, sentindo-se bem.

Em contato com estes sujeitos, por reiteradas vezes presenciei os

profissionais relatarem que a mudança não se refere apenas às reformulações da

ação técnica e da organização de serviços, mas também à discussão das relações

institucionais e sociais de poder. Eles destacaram ainda que o aspecto mais

significativo dessa proposta terapêutica é o reconhecimento das redes de apoio

sociais existentes no cotidiano das pessoas em tratamento, embora atentassem

para a falta de recursos humanos e materiais na realização das atividades

terapêuticas voltadas para os usuários do serviço. Assim, ao questionar sobre a

importância do serviço CAPS no cotidiano das pessoas em tratamento, uma

profissional descreveu que “o CAPS tem a função de cuidar, ao mesmo tempo em

que as pessoas vivem sua vida na comunidade”. Tal Imagem é reiterada por outros

funcionários: “a ideia do CAPS não é substituir a vida de ninguém, pelo contrário é

promover condições para que a pessoa realize a sua vida, ao mesmo tempo, que faz

o tratamento”.

Em contrapartida, embasada na experiência vivenciada e nos relatos dos

usuários, familiares e profissionais da saúde, pude observar que o CAPS, apesar

27 A deficiência mental é caracterizada por um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades interpessoais, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança. Já o transtorno mental engloba uma série de condições que também afetam o desempenho interativo da pessoa. Os transtornos mentais podem ser divididas em dois grupos, neuroses e psicoses. As neuroses podem ser características encontradas em qualquer pessoa, como ansiedade e medo. As psicoses são fenômenos psíquicos anormais, como delírios, perseguição e confusão mental (Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais, edição de 1994).

83

das dificuldades estruturais, exerce um papel significativo na vida das pessoas que

estão em tratamento, pois em muitos casos se caracteriza como um dos principais

espaços de apoio social. O exemplo do usuário que não apresenta vínculos

familiares fortalecidos, citado anteriormente, é emblemático. Assim, considero que

mesmo aqueles usuários que dispõem de laços de parentesco intensos estão

inseridos em redes sociais mais restritas, com predominância ao espaço da família e

do serviço de saúde mental. A inserção social precária e o preconceito são

compreendidos como relevantes aspectos de análise. Neste sentido, verifico que o

estigma é um fator que se faz presente nas mais diversas situações da vida dos

usuários, inclusive verbalizado e materializado no próprio corpo. Outro fator

relevante refere-se à frágil abrangência das atividades terapêuticas envolvendo as

pessoas pertencentes ao cotidiano dos usuários, contando com pouca participação

da comunidade local. Salienta-se também que a participação dos familiares nas

atividades promovidas pelo CAPS acontece, principalmente, em ocasião das datas

comemorativas, atendimentos agendados ou situações de emergência.

84

4. ATENÇÃO E CUIDADO NA SAÚDE MENTAL: AS REDES DE APOIO SOCIAL

Neste capítulo construí tipologias de redes de apoio social dos usuários

do CAPS do Jardim América, através da metodologia de Análise das Redes Sociais.

No primeiro momento, realizei uma revisão de literatura da categoria rede social,

enfatizando a discussão teórica que propõe que as relações sociais têm impacto

significativo na vida das pessoas, podendo atuar como fonte de suporte social.

Posteriormente, retomei a análise dos processos de interação entre os usuários,

familiares e demais cuidadores, para identificar as estruturas reticulares. Com esse

intento, mapeei as redes sociais constituídas a partir dos vínculos interativos de dez

usuários do CAPS. Para fins de análise, as redes dos usuários foram divididas em

três categoriais: redes de malhas estreitas, intermediárias e frouxas, de acordo com

a intensidade dos laços. Esse processo permitiu a construção de padrões de

interações sociais, indicando os principais condicionantes (número e tipo de

relações, densidade, intensidade e conexidade) dessas redes e as formas

específicas de sociabilidade. Por fim, analisei os significados atribuídos por esses

sujeitos ao modelo comunitário de saúde mental, pautado no envolvimento dos

usuários, seus familiares e membros da comunidade na implementação de práticas

de assistência e cuidados.

4.1 A CONCEPÇÃO DE REDES NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

No âmbito das Ciências Sociais a concepção rede social tem um caráter

polissêmico. Nesta abordagem, contudo, verifica-se um ponto em comum, que se

expressa pelo aspecto relacional, intrínseco ao conceito de rede. Deste modo,

entende-se que a acepção de rede se torna complexa e depende do contexto em

que é utilizada. Os primeiros usos da definição de rede, inicialmente vinculados à

Sociologia e à Antropologia Social, desconsideravam as estruturas constitutivas das

redes (característica morfológica) e também não estabeleciam relações entre as

redes e o comportamento dos indivíduos (dimensão interativa). Esses estudos

propunham estudar a realidade social como uma rede, atribuindo-lhe sentido

metafórico. Claude Lévi-Strauss, em As Estruturas Elementares do Parentesco,

publicada em 1940, utiliza-se da idéia de rede, ao identificar que os processos

85

sociais que envolvem as conexões entre os indivíduos excedem os limites dos

grupos sociais. Já Radcliffe-Brown, na década de 1950, introduz o termo “rede social

total” como uma simbologia correspondente à estrutura social. Dentro deste

entendimento, a estrutura é uma série definida de relações sociais na qual os seres

humanos individuais estão relacionados num todo integrado.

No transcorrer das últimas décadas do século XX, verifica-se a

constituição do estudo da teoria das redes sociais. O sentido analítico de rede social

desenvolveu-se, na década de 1950, em torno de duas vertentes: 1) Antropologia

Social britânica, com foco no estudo situacional de grupos sociais; 2) corrente de

estudos americana, voltada para a análise quantitativa, a partir de uma abordagem

estrutural. A utilização do conceito de rede social, pela Antropologia Britânica, surgiu

diante da insatisfação com a análise de cunho estrutural-funcionalista, a qual

privilegiava como unidade de análise o grupo restrito, e da consequente busca de

modos alternativos de interpretação da ação social. Por sua vez, a tradição de

estudos americanos fundamentou-se em duas abordagens distintas: uma de caráter

formalista, influenciada pela teoria de Simmel, voltada, principalmente, para o estudo

da morfologia das redes e para o seu condicionamento nos comportamentos; e

outra, de cunho estruturalista, direcionada ao estudo das relações que interligam os

indivíduos, compreendida como unidade básica da estrutural social.

Na Antropologia Social britânica, o trabalho de Barnes, realizado no início

da década de 1950, sobre uma comunidade de pescadores norueguesa (Bremmes),

foi precursor nos estudos das estruturas sociais de uma comunidade, entendida

como rede social. Nesta análise, o autor dividiu a rede total (englobando a totalidade

das relações de um indivíduo) da comunidade de Bremmes em três campos: sistema

territorial, sistema industrial e rede de laços sociais entre pares de pessoas. Ao

elaborar essas divisões, ele pretendia distinguir as relações estabelecidas no interior

dos grupos territoriais, religiosos, ocupacionais e de castra das conexões que se

originavam a partir dos grupos de parentesco e amizade (campo não institucional).

Os resultados do seu estudo apontaram que a maioria das interações entre os

indivíduos, não era estabelecida a partir da pertença territorial ou industrial, mas

embasava-se em laços de parentesco, amizade e conhecimento, denominado rede

de relações (BARNES, 1954).

86

Em estudos posteriores, Barnes (1987) argumenta que as relações

sociais correspondentes às conexões entre os indivíduos não formam uma cadeia

simples de interações individuais. Para ele, as conexões interpessoais oriundas da

afiliação das pessoas a um grupo social fazem parte da “rede social total”, tanto

quanto as que vinculam pessoas de grupos distintos. Por rede social total,

compreende-se “uma abstração [...] da realidade que contém a maior parte possível

da informação sobre a totalidade da vida social da comunidade à qual corresponde”

(BARNES, 1987, p.166). Deste modo, a rede parcial constitui-se como um fragmento

da rede total. Outro conceito importante utilizado por Barnes (1987), o qual

complementa o sentido de rede total, refere-se à rede sociocêntrica ou

sociocentrada. Esta rede reporta-se aos campos institucionais de sociabilidade onde

os atores estão inseridos. Com isso, ele nega a acepção de que existem tantas

redes quanto o número de atores num sistema social. Em oposição, entende-se por

redes egocentradas ou egocêntricas um conjunto de relações descritas com base

em um indivíduo de referência, ou seja, centradas em um ego (BOTT, 1976).

Diferentemente da autora citada anteriormente, Barnes (1987) propõe

outros termos e descreve alguns procedimentos para indicar as propriedades

egocêntricas de uma rede. Segundo o autor, o primeiro passo para isolar a posição

de um ator em uma estrutura reticular é tomar qualquer pessoa e examinar a rede a

partir de seu ponto de vista. A seguir, ele sugere o termo estrela 28 primária ou

estrela de primeira ordem para designar as relações sociais originadas com base em

uma pessoa a partir da qual as redes foram construídas (indivíduo de referência). As

pessoas próximas a esse indivíduo são identificadas pelo nome de contatos

primários ou contatos de primeira ordem. Quando se trata de um conjunto das

relações entre duas pessoas denomina-se zona primária ou zona de primeira ordem.

Os contatos de segunda ordem (todos aqueles originados da relação entre duas

pessoas pertencentes à zona primária ou zona de primeira ordem), por conseguinte,

vão indicando seus outros contatos, originando a zona secundária ou zona de

segunda ordem. De modo análogo, podem-se definir zonas de amplitude crescente.

Quanto maior o número de pessoas na rede, maior a amplitude.

Importa dizer que alguns autores utilizam o termo rede pessoal para

designar um conjunto de relações constituídas a partir de um sujeito específico, ou 28 Conforme destaca Silva, Fialho e Saragoça (2013), o termo estrela foi utilizado anteriormente por Moreno, ainda nos anos de 1950, para designar o indivíduo de referência da rede.

87

seja, como sinônimo de rede egocêntrica. Michel (1969 apud ENNE, 2004) atribui o

termo rede pessoal para designar as relações derivadas do status de uma pessoa

(amigo, irmã, pai, colega de trabalho), ao invés da filiação a qualquer grupo.

Marques et al (2011), porém, aponta a diferença entre redes egocêntricas e redes

pessoais. Segundo o autor, a distinção dá-se no reconhecimento das relações

diretas e indiretas constituídas a partir do ator de referência. Na rede egocêntrica

incluem-se apenas os atores que mantém relação direta com o ator de referência. Já

nas redes pessoais são conhecidas também as relações dos contatos que o ator de

referência mantém ligação, ou seja, inclui os vínculos diretos e indiretos.

Por sua vez, Bott (1976) amplia a discussão ao utilizar o conceito de rede

como uma ferramenta de análise dos relacionamentos entre pessoas, identificando

seus elos em diferentes contextos. No livro Família e Rede Social 29, ela discorre

que a dinâmica da estrutura familiar além de estar sujeita ao comportamento dos

seus membros, depende de uma rede de relações que seus integrantes mantêm

com outras pessoas e com instituições sociais, ou seja, da conexão com uma rede.

Para a autora, “[...] as famílias pesquisadas não viviam em grupos. Elas viviam em

redes, se é que podemos usar o termo ‘viviam em’ para descrever a situação de

estarem em contato com um conjunto de pessoas e organizações [...]” (1976, p. 29).

Neste sentido, foi observado que a estrutura das redes ao redor da família estava

associada ao grau de segregação dos papéis conjugais. Quanto mais próximas

eram as pessoas em uma rede, mais segregados estavam os papéis entre marido e

mulher.

É interessante pontuar que Bott (1976) e Barnes (1987), embora utilizem

terminologias distintas, se referem à extensão das relações existentes entre os

atores que compõem as redes. Para Bott (1976) “rede malhas estreitas” indica que

existe um maior número de relações estabelecidas entre a família conjugal e seus

parentes, amigos, vizinhos, colegas de trabalho. A designação “rede de malhas

frouxas” sugere que se mantêm menos relações de interdependência e que os

vínculos entre os atores são mais distantes. Já Barnes (1987) emprega os termos

“redes de malhas grandes” (número maior de relações) e “redes de malhas

pequenas” (número menor de relações) para indicar as conexões entre os atores.

29A primeira versão deste livro foi publicada em 1957.

88

Estas análises contribuíram para a acepção do atributo de densidade de rede,

posteriormente abordado.

No que se refere à corrente formalista americana considera-se importante

fazer um adendo à teoria formal de Simmel (2006). A análise simmeliana pressupõe

que a sociedade possui diversos agrupamentos e configurações que não se

confundem com a vida de cada indivíduo envolvido. Para o autor, o próprio conceito

de indivíduo é igualmente uma construção abstrata. A decisão do nível no qual a

realidade deve ser investigada, se a partir do sujeito individual ou do coletivo, é

delimitada pelo propósito do conhecimento, sendo os dois pontos de vista, modos de

observação igualmente distantes da realidade. Desta forma, a categoria sociedade,

pode ser entendida, mais amplamente, como a interação entre os indivíduos, não se

restringindo apenas às interações duradouras já cristalizadas. Para Simmel (2006)

sociedade significa, portanto, que os indivíduos estão constantemente ligados uns

aos outros, influenciando e recebendo influências; e, algo funcional, que os

indivíduos fazem e sofrem ao mesmo tempo: a sociação. Neste sentido, todos os

domínios da vida encontram sua origem e seu fundamento nas interações entre os

indivíduos.

Partindo desse ponto de vista, observa-se que o argumento simmeliano

quanto à sociologia das formas de sociação, isto é, referente aos processos que

conformam os conteúdos das relações entre os indivíduos, instigou as análises da

morfologia das redes e seu impacto nos comportamentos dos atores sociais. Esta

perspectiva, baseado nos modelos de interação entre os atores sociais, favoreceu

também o desenvolvimento de vários métodos quantitativos relativos à

sistematização, quantificação e formalização das relações sociais. Destacam-se a

análise sociométrica, empregada pela Psicologia, voltada para a quantificação de

dados relacionais; e a teoria dos grafos matemáticos, direcionada ao estudo das

estruturas que compõem os sistemas sociais, representadas pelo arranjo entre

pontos e linhas 30.

Avançando nessa discussão, a corrente estrutural americana estabeleceu

a noção de relação como unidade principal de análise da estrutura social, 30 Segundo Silva, Fialho e Saragoça (2013) foi com a invenção das técnicas sociométricas de Moreno, que se lançaram, nos anos 1930, as bases desta abordagem. Para os autores, a partir deste período e até aos anos 1950, alguns psicólogos sociais como Fritz Heider, Kurt Lewin, Alex Bavelas, Leo Festinger e George Homans trabalharam a análise das estruturas dos grupos, com influência até hoje.

89

empregando um grande número de conceitos e métodos. Segundo Wasserman e

Faust (1999 apud PORTUGAL, 2007, p. 6-7) quatro princípios são identificados

como constituintes dos estudos das redes sociais: 1) os atores e suas relações são

interdependentes; 2) os laços relacionais entre os atores são meios de trocas ou

transferências de fluxos de recursos materiais e imateriais; 3) o modelo de redes

concebe as estruturas das relações como canais que conformam a ação individual;

4) os padrões constantes das relações entre os atores são configurações da

estrutura social. Já Wellman e Berkowitz (1991 apud PORTUGAL, 2007, p. 6)

preconizam que “as estruturas sociais podem ser representadas como redes – como

conjunto de nós (ou membros do sistema social) e conjunto de laços que

representam as suas interconexões”. Neste sentido, a acepção de “nós” refere-se a

indivíduos, grupos, corporações, agregados domésticos ou outras coletividades. E a

concepção de “laços” representa fluxos de recursos, relações de amizade,

transferências ou relações estruturais.

Dentro desse entendimento, Portugal (2007) salienta que a corrente

estrutural americana influenciou, sobretudo, os estudos das redes sociais, enquanto

mecanismo de suporte social. Para a autora, os trabalhos clássicos de Barry

Wellman (1985; 1991) e de Claude Fischer (1982) constituem dois marcos neste

campo. As análises de Wellman abordam a ingerência das redes no

condicionamento do comportamento individual e na integração dos sistemas

macrossociais. Em Networks as Personal Communities (1985; 1991), ele observa

que a estrutura das redes influencia na mobilização de recursos e na constituição de

oportunidades para seus integrantes. Já os trabalhos de Fischer evidenciam a

relação entre a estrutura social e a configuração das redes pessoais. Em To Dwell

Among Friends (1982), o autor faz uma comparação entre as redes dos habitantes

das grandes áreas urbanas e as redes daqueles que vivem em pequenos centros.

Como resultados, constata que tanto os habitantes das grandes cidades, como os

moradores dos pequenos centros estão incluídos em redes de relações que

proporcionam apoio, solidariedade e ajuda. Convém salientar que essas redes,

entretanto, apresentam configurações distintas, ocasionadas, dentre outros

aspectos, pelo nível de escolaridade, ocupação profissional, rendimento, sexo, idade

de seus membros. Por fim, destacam-se nesta corrente os trabalhos de Mark

Granovetter (1973; 1982) sobre o papel das redes sociais no acesso ao emprego,

90

demonstrando como determinados tipos de laços sociais (fortes/fracos) permitem

estabelecer proximidades entre diferentes grupos sociais. E os estudos de Nan Lin

(1982), confirmando a tese de Granovetter, sobre a importância dos laços fracos na

busca de um emprego.

Estes estudos precederam o advento da “análise das redes sociais”

(ARS) ou “análise (neo) estrutural”, a qual forneceu um conjunto de instrumentos

para estudar as propriedades matemáticas das redes representadas como gráficos.

Conforme Lazega e Higgins (2014, p. 6), o método estrutural que originará a análise

de redes decorre dos trabalhos metodológicos de antropólogos anglo-saxões e da

sociometria clássica. Já as técnicas e os conceitos empregados nesse método

(equivalência estrutural, coesão, centralidade, autonomia) se desenvolveram na

década de 1970, principalmente nos Estados Unidos. Compartilhando da premissa

levantada por Barnes (1987) ao afirmar que se deve tomar a globalidade da rede

social total, Lazega (2014) assevera que esse método trabalha com sistemas de

relações completas. Ou seja, diferencia-se das análises de rede pessoal ou

egocêntrica, na qual as relações enumeradas pelo indivíduo de referência não são

conhecidas. Tal fato dificulta a reconstituição das relações indiretas de cada membro

no conjunto social. Conforme destaca “é preciso definir papéis, seja de modo

teórico, seja de modo exploratório, para passar de dados de redes pessoais a uma

lógica de tipo estrutural” (LAZEGA, 2014, p. 7).

O método estrutural parte da observação das interdependências entre os

membros de um meio social organizado, objetivando reconstituir e analisar, de modo

limitado, um sistema de relações e de trocas complexas entre atores. Neste sentido,

o sistema de relações observado, denominado de rede social, é entendido como um

meio que permite a transferência ou troca de recursos (aprendizagens,

solidariedades, controles sociais, regulações), além de um engajamento intencional

em relação a outros indivíduos com quem se estabelece contato. Esta abordagem

pode ser resumida em quatro conjuntos de procedimentos: 1) descrição das

relações entre os subconjuntos de atores (representação da morfologia); 2)

posicionamento dos atores nessa estrutura; 3) associação entre posição e

comportamento estratégico dos atores; 4) reestruturação do sistema de

dependências com base no comportamento dos atores, nas escolhas por novas

relações, nas mudanças de normas (LAZEGA, 2014).

91

Nos termos da teoria dos grafos, as relações entre os atores sociais

podem constituir-se como de caráter orientado e não orientado. As relações

orientadas ou assimétricas indicam a transferência de algum recurso de um ator

para outro, podendo ser unidirecional ou bidirecional. E as relações não orientadas

ou simétricas sugerem que não existem transmissões unidirecionais de um ator para

o outro, mas antes uma relação que não se restringe a uma transmissão orientada.

Ou seja, as relações orientadas ocorrem quando há apenas uma transmissão de A

para B, podendo ocorrer no sentido contrário. As relações não orientadas acontecem

quando necessariamente os vínculos são recíprocos. Saliente-se que são atribuídas

as denominações de “arcos” às relações ditas orientadas, e de “arestas” às relações

não orientadas (LEMIEUX, 2012).

A medida da razão entre as relações existentes e as relações possíveis é

chamada de densidade. Para calcular as relações possíveis de uma relação não

orientada utiliza-se a seguinte fórmula: N x (N-1)/2, onde N é o número de atores.

Ou seja, se houver 8 atores, o número de relações possíveis é calculado por: 8 x

7/2, que é igual a 28 relações. Caso se considere que há relações orientadas no

interior de cada um dos pares de atores, teriam 56 relações possíveis, resultado da

multiplicação de 28 por 2. Posteriormente, a densidade é calculada dividindo o

número de relações existentes pelo número de relações possíveis. Multiplica-se por

100 para calcular o percentual. Scott (1991 apud LEMIEUX, 2012, p. 21) assinala

que a densidade das relações depende do número de atores que estão dispostos no

grafo. Quanto mais elevado for o número de atores, menor será a densidade. “Assim

sendo, se o tamanho for igual, a densidade será provavelmente maior numa rede de

parentesco do que num aparelho administrativo”.

A noção de conexidade refere-se à existência de relações entre os atores.

Quando o grafo é conexo significa que os atores mantém relação entre si, quando é

não conexo simboliza o isolamento de um ou vários atores. As conexões podem ser

forte, semiforte ou quase forte. É forte quando todos os atores de um determinado

agrupamento mantêm relações entre si; semiforte quando além da relação entre o

ator A com seus contatos, há pelo menos uma relação desses contatos

simultaneamente; e quase forte quando só existe a relação do ator A com o restante

dos seus contatos (os contatos do ator A não mantém conexões). Neste sentido, os

atores podem ocupar posições dominantes, dominadas, semidominante,

92

subdominante, subdominada e isolada. Chama-se ator dominante quando ele é

emissor de uma conexão com a totalidade dos outros atores pertencentes a um

grupo. Ao contrário, a posição dominada dá-se quando o ator não mantém relação

com nenhum outro contato, além do ator dominante. Na condição de

semidominante, a relação é mantida com quase todos os atores, mais não engloba a

totalidade. O ator numa posição subdominante é emissor de uma conexão com um

ou vários atores. Já o ator que ocupa uma relação subdominada não é o emissor de

nenhuma conexão com outro ator, sendo o destinatário de pelo menos uma

conexão. Na posição isolada, ele não é emissor, nem destinatário de qualquer

conexão com outro ator (LEMIEUX, 2012).

A partir daí, vários estudos sobre redes sociais, vinculados à análise das

denominadas redes de movimentos, redes de solidariedade, expressões utilizadas

no campo de estudo dos movimentos sociais, sucederam-se. Dentro desse âmbito

destacam-se, em particular, Ilse Scherer-Warren (1996), que formulou a noção de

“rede de movimentos”, e Fontes (2004), com enfoque no conceito de “redes de

redes”. Para Warren (1996, p.10) a concepção de rede de movimentos permite uma

articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal, entre o uno e o

diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo. Segundo a

autora, a análises de redes nos estudos de ações coletivas, tem apontado para a

ideia de que as ações coletivas surgem de redes, as quais interagem e influenciam-

se mutuamente. Já como enfatiza Fontes (2004), a ideia de “redes de redes” é um

mecanismo que constrói a mobilização dos indivíduos para novas redes. Esta

acepção postula que cada ator social tende a se inscrever em diferentes círculos de

troca, em um movimento permanente em que as redes de mediação tanto geram

novas redes, como renovam as antigas.

Por fim, no âmbito de estudos recentes que utilizam a ideia de rede com

viés metafórico, convém destacar a Sociologia figuracional de Elias (1994). A partir

da metáfora da Rede, ele propõe elucidar como a existência simultânea de muitas

pessoas, seus atos recíprocos e suas relações mútuas dão origem à sociedade.

Para o autor, numa rede muitos fios se ligam para formá-la. A rede é compreendida

em termos de modo como se vinculam, numa relação recíproca. Essa ligação origina

um sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, conforme seu lugar e

função na totalidade. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a

93

tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto, a rede nada é do que uma ligação

de fios individuais. Ressalte-se que, no interior do todo, cada fio continua a constituir

uma unidade em si, ou seja, tem uma posição e uma forma singular dentro deste

todo. Desta forma, Elias (1994) destaca que é necessário abandonar o modo de

pensamento que postula a sociedade e o indivíduo como substâncias indissociáveis,

ou seja, como signos isolados, para pensá-los em termos de relações e funções

dentro da estrutura social. Pois nem o indivíduo, nem a sociedade existem um sem o

outro. O indivíduo é compreendido como um produto histórico que se construiu ao

longo do tempo, a partir de mecanismos de diferenciação de seu comportamento em

relação ao dos outros. E a sociedade é constituída através das funções sociais que

as pessoas desempenham entre si, seja em relação a si ou aos outros.

4.2 AS REDES: MECANISMO DE SUPORTE E APOIO SOCIAL

As análises que relacionam o apoio social com o processo de

saúde/doença ganharam notoriedade a partir da década de 1970. Segundo

Canesqui e Barsaglini (2012), neste período surgiram os primeiros estudos, no

âmbito da psicologia social, voltados às implicações do apoio social para a melhoria

dos efeitos do estresse na saúde dos indivíduos, com ênfase para as investigações

realizadas por Cobb (1976) e Cassel (1974). Posteriormente, estas análises se

estenderam ao enfrentamento das enfermidades crônicas ou de longa duração. No

campo da antropologia médica norte-americana sobressaíram as pesquisas sobre

os efeitos positivos do apoio e das redes sociais nos comportamentos dos indivíduos

com problemas de saúde crônicos (KAPLAN, 1987), na relação dos doentes com os

profissionais dos serviços de saúde pública (KUNSTADTER, 1960), e na aceitação

aos tratamentos médicos por parte das pessoas adoecidas, com foco na melhoria da

sua qualidade de vida (GALLANT, 2003).

Nos estudos sociológicos inicialmente estavam presentes concepções, de

natureza funcionalista, vinculadas a perspectiva de que o apoio desempenha a

função de integração e coesão social à medida que rompe com o isolamento. Neste

sentido, associa-se a noção de apoio ao tamanho das redes sociais. Quanto mais

extenso for o tamanho da rede (grau de integração social) maiores são os efeitos

positivos atribuídos à saúde mental e física dos indivíduos (RAMOS, 2002). Opondo-

94

se a esse entendimento, os estudos atrelados ao interacionismo simbólico e a

fenomenologia abordaram que o apoio social está imbricado às ações e relações

dos indivíduos entre si, dispondo de significação para eles. Nessa corrente, atribuiu-

se destaque aos sentidos atribuídos pelos sujeitos aos efeitos do apoio social,

constituído no processo de interação social.

Na esfera da literatura sobre apoio social, os conceitos e abordagens

encontram-se, principalmente, vinculados as teorias sociológicas, antropológicas e

da psicologia social, com foco na perspectiva do apoio relacionado à rede social,

solidariedade, trocas e valores culturais. Vários estudos indicam que não existe um

consenso na definição do conceito de apoio social, das suas tipologias e dos

instrumentos de mensuração de dados acerca desse recurso social. Essas distintas

concepções de apoio social o definem como: 1) elemento de integração e coesão

social (VALLA, 1999); 2) informação, falada ou não, e/ou auxilio material e proteção

oferecida por outras pessoas ou grupos com os quais se têm contatos sistemáticos e

que resultam em efeitos emocionais e comportamentos positivos (LEAL et al, 2000);

3) mecanismo de proteção, promoção da saúde e participação social (DALMASO,

2000); 4) apoio emocional ou prático fornecido pela família e ou amigos (COSTA el

al, 2005); 5) conjunto de provisões instrumentais ou expressivas, reais ou

percebidas, levadas pela comunidade, redes sociais e amigos íntimos (PENÃ, 2003).

Considerando a ampla literatura sobre apoio social, neste trabalho utilizei

a concepção que o define como “prestação de ajuda que se baseia nos

intercâmbios, obrigações e padrões de reciprocidade entre os indivíduos, grupos,

famílias e instituições, dispondo de significados para os atores neles envolvidos”

(CANESQUI e BARSAGLINI, 2012). Parto do entendimento de que a prestação de

cuidados aos portadores de transtorno mental não se restringe aos profissionais da

saúde, mas envolvem familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, membros de

congregações religiosas, associações comunitárias e movimentos sociais. Por

cuidado entendo o processo de “recompor globalmente o ser humano que sofreu

alguma desestruturação patológica de seu ser e isso significa não apenas recompor

todas as suas dimensões, mas, conquistar de novo as relações globais do ser

humano com seu entorno” (ROSELLÓ, 2009). Destaca-se que a maneira de

conceber o apoio é influenciada pelas mudanças econômicas, sociais, políticas e

culturais que afetam à sociedade.

95

Dentro dessa perspectiva, Barrón (1996) destaca três níveis (fontes)

principais de transmissão de apoio social: a comunidade, redes sociais e o apoio

social informal, que proporcionam vínculo mais estreito entre os indivíduos. Segundo

o autor, o apoio social obtido no nível comunitário proporciona um sentido de

pertencimento e de integração com a comunidade, expresso no âmbito das

associações, instituições. O nível das redes sociais concebe que o apoio social é

obtido como resultado das interações sociais dentro de um agregado social,

composto por pessoas que se estabeleçam relações de proximidade. O apoio social

informal é obtido dos vínculos mais estreitos, através de intercâmbios recíprocos e

do compartilhamento de responsabilidades, objetivando o bem-estar dos outros. O

apoio social informal (também chamado de ligações mais íntimas) provém das

relações que emergem do contexto da família e dos amigos. Vale destacar que os

três níveis são importantes no campo dos cuidados da saúde, porém diferem entre si

quando o seu impacto sobre o bem-estar dos indivíduos.

A despeito desse entendimento, postulo que estas três fontes constituem

a base das relações sociais informais, em contraposição as relações sociais formais,

estabelecidas pelas práticas de sociabilidade na esfera das instituições do mercado

e do Estado. Para análise da transmissão do apoio social, Barrón (1996) alerta que a

unidade da estrutura social que se toma como fundamento são as relações sociais

informais (denominada de redes sociais no sentido amplo), que inclui todos os

indivíduos com quem se tem uma relação de proximidade e/ou envolvimento

(família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, membros de congregações

religiosas, integrantes de associações comunitárias). A estrutura das redes sociais

pode ser caracterizada sob diferentes aspectos: número e tipo de relações,

frequência de contatos, duração dos contatos, diversidade, densidade e

reciprocidade, conforme já referido.

No que tange às funções que o apoio social, proveniente da interação dos

indivíduos pertencentes às redes sociais, Due (1999) aponta que o apoio social

abrange aspectos qualitativos e comportamentais das relações sociais e

compreende quatro tipos: emocional, instrumental ou material, informacional e de

interação social positiva. O apoio emocional envolve expressões de amor e afeição;

o apoio instrumental ou material se refere aos auxílios concretos como provimento

de necessidades materiais em geral, ajuda para trabalhos práticos (limpeza de casa,

96

preparação de refeição, provimento de transporte) e ajuda financeira; o apoio de

informação compreende informações, aconselhamentos, orientações; e o de

interação social positiva diz respeito à disponibilidade de pessoas com quem se

divertir e relaxar, conforme já citado. Ribeiro (1999) alerta que os distintos tipos

apoio social (referido como suporte social) apresentam efeitos distintos nos

indivíduos e nos grupos.

De modo geral, concebem-se três perspectivas principais na definição de

apoio social. A primeira concebe o apoio social como a propriedade funcional das

relações interpessoais. Neste sentido, o apoio diz respeito aos aspectos qualitativos

das relações sociais e as redes aos aspectos quantitativos, constituídos pelo número

e o tipo dos relacionamentos, sua duração, frequência, diversidade, densidade e

reciprocidade. Evidencia-se a concepção de que as relações sociais são

constituídas por características estruturais e funcionais, com foco nos distintos

contextos, os atores envolvidos e as funções que os indivíduos assumem nas

interações de apoio. Na segunda perspectiva entende-se que o conceito de apoio

social é central na análise das interações sociais. Nesta abordagem dá-se ênfase ao

sentido atribuído pelo indivíduo ao apoio recebido. A terceira corrente (utilizada

nesse trabalho) enfoca a rede social, a integração do indivíduo a um grupo e as

inter-relações entre eles. Parte-se do entendimento de que a sociedade é constituída

por redes de relações interdependentes que exercem uma influência na saúde das

pessoas. Neste sentido, as redes sociais possuem características que podem ser

explicadas em termos de estrutura, funcionalidade ou pelos atributos das relações

mais íntimas até as ampliadas.

4.3 SAÚDE MENTAL E REDE INSTITUCIONAL EM FORTALEZA

A nova prática de cuidados, postulada pela Política Nacional de Saúde

Mental, prevê que o ato terapêutico não se limite à intervenção da biomedicina,

delimitado ao espaço da instituição, mas envolva os demais serviços e

equipamentos do território, onde os usuários estão inseridos. Por território entende-

se “as instâncias pessoais e institucionais que atravessam a experiência do sujeito,

incluindo: a casa, a escola, a igreja, o clube, a lanchonete, o cinema, a praça, a casa

dos colegas, o posto de saúde e todas as outras” (BRASIL, 2005, p 13). Conforme

97

destaca Fontes (2008, p.185), esta abordagem se estende para além dos

procedimentos de medicalização, ou daqueles de higiene moral preconizado por

Pinel, diz respeito ao tratamento do transtorno mental com o mínimo de danos aos

sujeitos. Danos que se referem à “despessoalização do quotidiano do louco sem

direitos e desassujeitado juridicamente”, e relativos a uma vida ordinária, com

pessoas, afetos e sociabilidades cotidianas.

O Ministério da Saúde (2005) recomenda a implementação desse modelo,

com ênfase para a construção de uma rede comunitária de cuidados, voltada à

reorganização e ao redirecionamento das ações em saúde mental. A construção

dessa rede é considerada o principal aspecto de estruturação da Política Nacional

de Saúde Mental e do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, pois objetiva

viabilizar a atenção em saúde mental territorial e o envolvimento das pessoas que

fazem parte do cotidiano dos sujeitos com transtornos mentais. Na esfera da

Política, a ideia de rede perpassa um conjunto concreto de serviços interligados, e

situa-se também como forma de conceber e ofertar cuidado. “A ideia aqui é que

somente uma organização em rede, e não apenas um serviço ou equipamento, é

capaz de fazer face à complexidade das demandas de inclusão de pessoas

estigmatizadas” (BRASIL, 2004).

Dentro dessa lógica discursiva, o bairro onde os usuários residem, seus

comportamentos, suas redes de relações com vizinhos, familiares e demais pessoas

que fazem parte do seu cotidiano são tomados como questões de referência para a

delimitação do cuidado. Assim, o CAPS se constitui como serviço estratégico do

processo de reforma psiquiátrica brasileira, sendo-lhe atribuída a organização de

uma rede comunitária, em oposição às diretrizes do paradigma hospitalocêntrico:

isolamento do mundo externo, ajuste da conduta/subjetividade do indivíduo e

despojamento de bens materiais e simbólicos. Esta rede comunitária de cuidados ou

rede de atenção à saúde mental propõe extrapolar os serviços de saúde do

município, abrangendo outros equipamentos e serviços governamentais vinculados

a distintas políticas setoriais, além de recursos comunitários (associações e

cooperativas de bairro, escola, família, vizinhança), direcionados à construção de

apoio social ao usuário.

Conforme verificado no organograma abaixo, o CAPS está no centro da

rede de atenção à saúde mental. Contornando esse equipamento encontram-se

98

outras instituições governamentais: Centro Comunitário, CAPS infantil, Instituições

de Defesa dos Direitos do Usuário, Residências Terapêuticas, Hospital Geral, CAPS

Ad, alinhados respectivamente no sentido horário da rede. O PSF, Unidades Básicas

de Saúde, Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), Prontos Socorros

Gerais estão em uma escala menor na delimitação do organograma. Estes se

responsabilizam por estabelecer um contato mais próximo entre os serviços

governamentais e a população. Por fim, essa rede comunitária de cuidados é

integrada pelos recursos comunitários: praças, esportes, associações e/ou

cooperativas, trabalho, associação de bairro, escola, família e vizinhos.

FIGURA 6 - Organograma da Rede de Atenção à Saúde Mental

Fonte: BRASIL, Ministério da Saúde, 2004.

Neste sentido, promovem-se mudanças que se reportam à articulação

dos novos dispositivos de cuidado, vinculados ao processo de desinstitucionali-

99

zação. Assim o CAPS, definido como porta de entrada dos serviços de saúde

mental, pressupõe incluir no conjunto de suas ações, tanto intervenções junto a

outros dispositivos institucionais (no âmbito da saúde e das outras políticas

setoriais), como práticas em associação com redes sociais não clínicas, as quais

fazem parte do cotidiano das pessoas com transtornos mentais: escola, instituições

de esporte, lazer, cultura, dispositivos socioassistenciais (CRAS, CREAS, Centro

Pop, Centro Comunitário) e jurídicos (Ministério Público, Promotoria de Saúde),

dentre outros. Desta forma, o cuidado terapêutico torna-se “uma tarefa não apenas

dos técnicos, mas também dos próprios internos, dos familiares e da comunidade

externa” (AMARANTE, 2013, p. 29).

No campo institucional, o CAPS relaciona-se à Rede de Atenção

Psicossocial, denominada RAPS, que inclui os serviços de natureza clínica. A

RAPS, instituída pela Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde, é destinada ao

atendimento de pessoas portadoras de transtorno mental, ou com necessidades

decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Como

objetivo geral desta rede atribui-se a criação, a ampliação e a articulação dos

serviços de atenção à saúde mental. Ela divide-se em: Atenção Básica em Saúde;

Atenção Psicossocial Estratégica; Atenção de Urgência e Emergência; Atenção

Residencial de Caráter Transitório; Atenção Hospitalar; Estratégias de

Desinstitucionalização; e Estratégias de Reabilitação Psicossocial.

Conforme a Portaria MS nº 3.088/2011, a RAPS é composta pelos

seguintes dispositivos assistenciais: 1) Unidade Básica de Saúde; 2) Núcleo de

Apoio a Saúde da Família; 3) Consultório na Rua; 4) Equipe de Apoio aos serviços

do componente Atenção Residencial de Caráter Transitório; 5) Centros de

Convivência e Cultura; 6) Centros de Atenção Psicossocial, nas suas diferentes

modalidades; 7) SAMU 192; 8) Sala de Estabilização; 9) UPA 24 horas; 10) portas

hospitalares de atenção à urgência/pronto socorro; 11) Unidade de Acolhimento; 12)

Serviços de Atenção em Regime Residencial; 13) enfermaria especializada em

Hospital Geral; 14) serviço Hospitalar de Referência para Atenção às pessoas com

sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack,

álcool e outras drogas; 15) Serviços Residenciais Terapêuticos e iniciativas de

Geração de Trabalho e Renda, Empreendimentos Solidários e Cooperativas Sociais.

100

As diretrizes da RAPS encontram balizadas nos seguintes pressupostos

principais: a) respeito aos direitos humanos; b) reconhecimento dos determinantes

sociais da saúde; c) combate a estigmas e preconceitos; d) garantia do acesso e da

qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional; 5)

atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; 6) diversificação

das estratégias de cuidado; 7) desenvolvimento de atividades no território, que

favoreça a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da

cidadania; 8) desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos; 9) ênfase em

serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos

usuários e de seus familiares; 10) organização dos serviços em rede de atenção à

saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais; 11) promoção de

estratégias de educação permanente; 12) desenvolvimento da lógica do cuidado

para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de

crack, álcool e outras drogas, tendo como eixo central a construção do projeto

terapêutico singular (PORTARIA MS nº 3088/2011).

Em suma, entende-se que o modelo de redes de cuidado, dentro dessa

perspectiva, pressupõe a configuração de ações de saúde mental em base territorial

e a atuação transversal com as outras políticas públicas. Isso implica em

intervenções articuladas nos distintos níveis da atenção da saúde (primária,

secundária e terciária), e ações intersetoriais com as políticas setoriais (Assistência

Social, Educação, Habitação, Emprego e Renda). Partindo desse pressuposto,

concebo que no âmbito da Secretaria Executiva Regional IV do município de

Fortaleza, a Rede de Atenção Psicossocial (rede de atendimento institucional oficial

de saúde mental) compõe-se pelos seguintes equipamentos:

12 Unidades Básicas de Atenção à Saúde da Família: Posto de Saúde Aloísio

Lorsheider; Posto de Saúde Luís Albuquerque Mendes; Posto de Saúde José

Valdevino de Carvalho; Posto de Saúde Parangaba; Posto de Saúde Ocelo

Pinheiro; Posto de Saúde Oliveira Pombo; Posto de Saúde Abel Pinto; Posto

de Saúde Gutemberg Braun; Posto de Saúde Dr. Luis Costa; Posto de Saúde

Filgueiras Lima; Posto de Saúde Dr. Roberto da Silva Bruno; Posto de Saúde

Maria José Turbay Barreira;

01 Hospital Distrital Maria José Barroso de Oliveira (Frotinha da Parangaba);

101

01 Hospital Infantil: Centro de Assistência a Criança Lúcia de Fátima (CROA);

01 CAPS Geral;

01 CAPS Infantil Maria Ileuda Verçosa;

01 CAPS Álcool e Drogas Alto da Coruja;

02 Hospitais Psiquiátricos: Nosso Lar São Vicente de Paula e Hospital Nosso

Lar;

01 UPA - Unidade Itaperi;

01 Centro Integrado de Referência sobre Drogas (CIRD), vinculado a

Coordenadoria Especial De Políticas Sobre Drogas;

04 Comunidades Terapêuticas: Desafio Jovem, Fazenda da Esperança, Obra

Rainha dos Anjos, Casa Santa Maria Madalena (Projeto Volta Israel).

Além desses equipamentos governamentais de saúde localizados no

território da SER IV de Fortaleza, existem outros serviços e instituições que não

limitam sua atuação ao âmbito do território das Secretarias Executivas Regionais,

sendo responsáveis por atender a demanda de urgência/emergência em saúde

mental, oriundas do município de Fortaleza. São eles: Ambulância do Serviço de

Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); Hospital de Saúde Mental Professor Frota

Pinto; CAPS Geral 24 Horas (01 Unidade); e portas hospitalares de atenção à

urgência/pronto socorro. Como já foi dito, Fortaleza dispõe de 32 leitos distribuídos

nos seguintes hospitais gerais: Hospital Geral Dr. Cesar Cals, Hospital Infantil Albert

Sabin, Hospital Cura Dars, Hospital da Policia Militar do Ceará, Hospital Universitário

Walter Cantídio e Hospital Dr. Wandick Ponte.

4.4 TECENDO AS REDES DE APOIO SOCIAL DOS USUÁRIOS DO CAPS DO

JARDIM AMÉRICA

Com base nas entrevistas que realizei, neste tópico construí a

estruturação das redes de apoio social dos usuários do CAPS. Conforme dito na

metodologia, tomei como referência dez usuários e procurei identificar as pessoas e

instituições existentes no cotidiano dos sujeitos em tratamento. Para tal, adotei uma

abordagem egocentrada, ou seja, com base nas redes de relações a partir de um

indivíduo específico, neste caso o usuário do CAPS. Esta rede, contudo, não

102

engloba todos os contatos dos usuários, mas refere-se àqueles que prestam algum

tipo de apoio e que se mantém contato atualmente. Os tipos de apoio utilizados

foram emocional, instrumental ou material, informacional e interação social positiva

(DUE, 1999). Ressalto que a construção das redes ocorre a partir da orientação dos

vínculos (parentes, amigos, colegas de trabalho, membros de congregações

religiosas). Esta análise permitiu conhecer os padrões de sociabilidade e também

inferir sobre que tipos de recursos são acessados a partir da qualidade dos laços

dos usuários do CAPS. Utilizo a noção de “redes de malhas estreitas” (número maior

de relações com a família e os amigos) e “redes de malhas frouxas” (número menor

de relações com a família e os amigos) para indicar as conexões entre os atores.

Emprego ainda uma categoria “redes de malhas intermediárias” para simbolizar os

laços que se encontram entre essas duas dimensões.

A configuração gráfica das redes sociais de apoio aos usuários do CAPS

foi feita com base nas informações obtidas através de uma matriz geradora de

dados individuais. Nesta matriz foram sistematizadas informações das pessoas e

instituições que os usuários do CAPS mantêm contato recíproco. Ganha destaque

os dados referentes à identificação das pessoas/instituições por ordem de

proximidade e o tipo de relação, indicando os vínculos interativos e os recursos

adquiridos com o contato (material, emocional, interação social positiva,

informacional). Ressalte-se que o apoio financeiro abrange o fornecimento de

recursos materiais; o emocional compreende expressões de amor e afeto; o recurso

da informação está relacionado com o ato do aconselhamento, informação e

orientação; a interação social positiva alude à disponibilidade de pessoas com quem

se divertir e relaxar, bem como à propensão da rede social em atender a diferentes

situações, tais como: doença, desemprego, etc.

Importa dizer que entendo que o processo de interação social dá-se de

forma recíproca, através do contato e da comunicação que se estabelece entre os

indivíduos. Destarte trato aqui de redes orientadas em dois sentidos (bilaterais), pois

compreendo que embora as pessoas ditas como próximas aos usuários o

transmitam recursos (emocional, instrumental/material, informacional, interação

social positiva), o processo de interação social dá-se de forma recíproca, através do

contato e da comunicação que se estabelece entre eles. Deste modo, julgo que para

os objetivos desse trabalho é interessante salientar os tipos de apoio que as

103

pessoas ditas como próximas transmitem e recebem dos usuários do CAPS. As

arestas dispostas no gráfico, portanto, são direcionadas e representam a direção do

vínculo ou sentido do fluxo. Partem do indivíduo que recebe o apoio para aquele que

o transmite e vice-versa. Este tipo de dado irá permitir o entendimento mais apurado

dos padrões de ajuda e cuidado que ocorre de forma não mediada, por meio de

vínculos diretos.

REDES DE MALHAS ESTREITAS

Usuário 1

O usuário 1 verbaliza que é o único usuário dos CAPS do município de

Fortaleza que participa do Fórum Cearense de Luta Antimanicomial, exercendo

também a função de delegado do Conselho Municipal de Saúde. Reconhece como

um militante do movimento antimanicomial no Brasil, verbalizando que tem como

objetivo contribuir para a diminuição do preconceito contra as pessoas com

transtornos mentais. Convive como o cônjuge, filhos e netos. Relata que possui

fortes vínculos familiares. Atualmente, ele frequenta o CAPS apenas para a

realização de consultas médicas e reuniões do Conselho de Usuários, contudo,

refere que já teve uma participação ativa na instituição e que tem boa relação com

os profissionais. Refere que já participou de vários grupos de Arteterapia no CAPS,

onde aprendeu o ofício de artista plástico. Continua trabalhando com arte, realizando

vários concursos e exposições no âmbito do Estado do Ceará. Informa que a arte

possibilita-lhe conhecer e interagir com diversas pessoas. É usuário do Instituto de

Saúde dos Servidores do Estado do Ceará (ISSEC). Já foi internado cinco vezes no

Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, em momentos de crise psiquiátrica.

Reporta-se ao internamento como uma experiência negativa. É membro do grupo

religioso denominado Encontro de Casais com Cristo (ECC) e frequenta

regularmente a Igreja Santíssima Trindade, onde dispõe de muitos amigos.

Assevera ainda que mantém bom relacionamento com vizinhos. Ele relata, por fim,

que não participa de nenhuma atividade na comunidade em que vive. Não costuma

viajar, ir a festas, mas afirmou que gosta de ir a exposições e ao teatro. Considera

que mantém vínculos fortes com o cônjuge, filhos e netos.

104

Usuário 2

O usuário 2 assevera que participa das atividades artísticas e culturais

promovidas pelo Centro Cultural Banco do Nordeste (conversas filosóficas), Vila das

Arte (cineclubes) e Serviço Social do Comércio (Café com filosofia). Faz curso de

geofilosofia e meditação na Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e

Culturais (AGEAC), informática na Associação Elos da Vida e curso de Libras básico

no Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará

(CREAECE). Participa de palestras na Organização Internacional Nova acrópole

(organização de caráter humanista, filosófico e cultural) e no Espaço Viver.

Frequenta o CAPS três vezes na semana, participando dos grupos Cine CAPS,

Corpo em movimento e Terapia Ocupacional. É paciente do UBS Filgueiras Lima.

Afirma que atualmente mantém um bom relacionamento com sua mãe e irmãos. É

membro da Igreja Cristã Maranata, onde tem muitos amigos. Ele assevera inclusive

que os maiores dos laços de amizade que dispõe referem-se aos integrantes da

Igreja e do CAPS. Diz que se relaciona bem com as pessoas, mas que sua maior

dificuldade é conseguir emprego. Trabalha, de forma eventual, com panfletagem,

mas no momento está empregado. Já foi internado cinco vezes em hospitais

psiquiátricos (três vezes no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, uma

vez no Hospital de Saúde Mental Doutor Suliano, uma vez no Hospital Batista

Memorial). Refere como pessoas próximas: dois membros da igreja, dois usuários

do CAPS, além de um familiar (irmão). Não refere vínculos com vizinhos.

Usuária 3

A usuária 3 frequenta o CAPS todos os dias, participando dos grupos:

Corpo e Movimento, Condicionamento Funcional, Terapia Ocupacional, Teatro do

Oprimido, Cine CAPS, Música e Movimento, Memória e de Alfabetização. É membro

da Igreja Assembleia de Deus, onde mantém uma participação diária. Afirma que

frequenta todos os eventos promovidos pela Igreja e pelo CAPS. Faz tratamento de

asma no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, e recebe

atendimento clínico na UAPS Filgueiras Lima. Convive com filhos e netos, mas

considera que recebe apoio principalmente de uma filha que a acompanha ao

CAPS. Relata ter um bom relacionamento com seus familiares próximos. Verbaliza,

contudo, que mantém laços fracos na vizinhança. Refere que participava das

105

atividades de organização do bloco carnavalesco “Garotos do Benfica” na

comunidade onde morava, mas está afastada. Afirma que costuma viajar de forma

esporádica, para visitar parentes e que gosta de ir a piqueniques e à romaria de São

Francisco com seus filhos. Assevera que trabalha informalmente como cuidadora de

idosos, no período que se sente bem de saúde, mas no momento não está

trabalhando. Ela destaca, por fim, que mantém forte vínculo afetivo com seus filhos,

comadre, ex-companheiro, ex-sogra e ex-cunhada.

FIGURA 7 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do CAPS constituída por

malhas estreitas

Fonte: elaborado pela autora.

A rede de malhas estreitas é composta por 34 nós (atores) e 40 laços

(relações). No primeiro caso, indica que no total de 40 relações entre os atores

existem 1.122 laços possíveis. A densidade da rede (expressa pela razão das

106

relações existentes e das relações possíveis) é de aproximadamente 3,56%. Em

termos de laços recebidos, o ator central 31 da rede de malhas estreitas é o usuário

2, com grau de saída 32 de 15 relações (índice de saída normalizado 33 de 45,5 %).

Ou seja, o usuário 2 dispõe do maior número de interações nessa rede. Ele está

interconectado há 15 pessoas. Já o nó (ator) que possui o menor número de

interações na rede é a usuária 3. Este ator apresenta 13 nós interagindo com ele

(índice de entrada normalizado de 39,4%). Ressalte-se que o índice de entrada

normalizado mede o prestígio e a influência dos atores de controlar informações

e/ou obter recursos. Esta estrutura reticular é entendida como de malhas estreitas,

pois além de possuir mais atores do que as outras redes, eles apresentam o maior

índice de conexidade com os familiares e amigos. Das 40 relações, 18 são

representadas como de laço forte, sendo 22 de laço fraco. Conforme já exposto, o

usuário 1 considera manter maior vínculo com o cônjuge, os filhos e netos. O

usuário 2 aponta que é mais próximo dos membros da igreja, dos usuários do CAPS

e de um irmão. E a usuária 3 assevera que apresenta laços afetivos com os filhos,

comadre, ex-companheiro, ex-sogra e ex-cunhada.

Partindo dessas constatações e dos relatos dos usuários do CAPS, pude

observar que na rede de malhas estreitas o padrão de sociabilidade constituído por

laços fortes se estrutura entre pessoas com grau de parentesco (cônjuge, filho (a),

neto (a), mãe, irmão (a), comadre, ex-marido, ex-sogra, ex-cunhada), e por vezes de

amizade. Os laços de amizade dos usuários se referem principalmente aos

participantes da mesma igreja (grupo religioso Encontro de Casais com Cristo, Igreja

Santíssima Trindade, Igreja Cristã Maranata, Igreja Assembleia de Deus),

profissionais e pacientes do CAPS. Atribuo esta vinculação, sobretudo, às

propriedades dos laços (frequência do contato e tempo de conhecimento entre os

envolvidos) e aos recursos acessados na interação. Os três usuários relataram que

frequentam o CAPS há muitos anos e que mantém ou mantiveram contatos diários

com os outros usuários e profissionais. A participação em igrejas ou congregações

religiosas também foi apontada como algo periódico e de longa data.

31 O grau de centralidade indica o número de atores que um determinado nó está diretamente ligado. O ator central é o que possui mais atores interconectados. 32 O grau de saída indica a soma das interações do ator de referência. 33 Índice de saída normalizado é o percentual da medida do grau de saída. Calcula-se com base em todas as interações da rede.

107

Já os laços fracos reportam-se aos vizinhos, componentes de grupos

artísticos, demais profissionais de saúde (ISSEC, UAPS Filgueiras Lima, Hospital de

Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes), integrantes de movimento social

(Fórum Cearense de Luta Antimanicomial), afiliados de instituições de defesa dos

direitos dos usuários dos serviços de saúde (Conselho Municipal de Saúde),

instituições governamentais (Centro de Referência em Educação e Atendimento

Especializado do Ceará), além de membros de associação filantrópica, fundação,

organização não governamental ou entidade privada (Centro Cultural Banco do

Nordeste, Vila das Artes, SESC, Associação Geofilosófica de Estudos

Antropológicos e Culturais, Associação Elos da Vida, Espaço Viver, Organização

Internacional Nova acrópole).

Quanto aos recursos acessados, os usuários atribuíram à família o

protagonismo dos quatro aspectos de apoio: emocional, instrumental (ou material),

informacional e interação social positiva. Aos laços de amizade foram conferidos

apoios emocional, informacional e de interação social positiva. Aos demais membros

da rede de malhas estreitas, os quais constituem os laços fracos, foi dirigido apoio

informacional e de interação social positiva. É importante destacar que cada nó

apresenta combinações distintas de apoio social, dependendo do membro envolvido

e do caráter do vínculo. Nas falas dos usuários, apresentadas abaixo, é possível

observar algumas dessas dimensões referentes aos laços sociais estabelecidos com

os grupos de sociabilidade próximos.

O usuário 1 identifica que o cônjuge e os filhos dispensam-lhe apoio

emocional, material/instrumental, informacional e de interação social positiva,

contribuindo para melhora do seu quadro clínico. O momento da internação em um

hospital psiquiátrico foi tomado como emblemático. Segundo relata: “Eles sempre

me apoiaram, mesmo quando eu estava nas crises, quando eu me internava,

sempre contei com o apoio deles, em tudo”. Quanto aos profissionais de saúde do

CAPS, indica apoio emocional, informacional e de interação social positiva. A

perspectiva do acolhimento é citada como abrangendo o cuidado ofertado pelos

profissionais nas distintas etapas do processo de tratamento, que vai da triagem aos

atendimentos individuais e grupais, descrito a seguir:

Quando eu cheguei aqui, a primeira coisa que eu percebi foi o acolhimento.

Eles me acolheram com respeito, carinho e afeto [...]. Eles conversaram

108

comigo. Aí fui fazendo os tratamentos, passei pelo grupo de Psicologia, e

hoje eu não posso dizer que estou curado, mas nunca mais tive crise.

(Usuário 1)

A participação em movimentos sociais também é entendida como uma

experiência positiva de interação social, enquanto espaço de exercício da cidadania.

“Minha participação no Fórum é ótima. Eu tenho vez, tenho voz. Os meus trabalhos,

mesmo sem eu querer, eles divulgam. Isso me anima, continuo caminhando, um dia

eu chego lá”. Já sua inserção em grupos religiosos é representada dentro da

dimensão de interação social positiva e de apoio emocional. A dimensão do

acolhimento é retomada, influenciando no sentimento de bem-estar. Conforme

relata: “Eu faço parte da Igreja Santíssima Trindade, faço parte do ECC. Me sinto

muito bem lá, porque sou acolhido [...]. Eu tenho muitos amigos no ECC, me dou

bem com todos eles, sem nenhum problema”.

Já o usuário 2 considera que mantinha uma relação conflituosa com a

mãe, referindo eventos de agressões físicas e psicológicas aferidos por ele contra a

genitora, em momentos de crise psiquiátrica. Atualmente, relata apresentar um

relacionamento estável com a família. Aos laços de parentesco foi atribuído apoio

financeiro e de interação social positiva. É citado o envolvimento da mãe nas

atividades do Grupo de Família promovido pelo CAPS, contudo, seu discurso não

apresenta os motivos que ocasionaram o afastamento de sua progenitora do grupo.

Convém ressaltar que esta atividade terapêutica (Grupo de Família) não está em

funcionamento34. Conforme segue:

O meu relacionamento com a minha família é um relacionamento normal. Assim, de tempos em tempos eu tenho alguns atritos com a minha mãe [...]. E algumas vezes eu agredi minha mãe fisicamente e verbalmente [...], mas no geral eu sou uma pessoa tranquila, sou calmo. Não sou de discussão, de briga. [...] Atualmente meu relacionamento com minha mãe e com meu irmão tá normal, tá tranquilo, tá tudo bem. Eles me ajudam financeiramente. Minha mãe vinha pra a reunião de família aqui. (Usuário 2)

34 No período que estive na Instituição foram feitas algumas tentativas de reativação do Grupo de Família, entretanto, apesar da divulgação por meio de contatos telefônicos e presenciais, houve pouca aderência por parte dos familiares dos usuários. Em duas ocasiões acompanhei as atividades do grupo, tendo constatado a participação de três familiares na primeira reunião e dois no segundo encontro. Não houve continuidade das ações.

109

Partindo desse relato, ele refere que a sua participação nas atividades do

CAPS é percebida como de caráter de interação social positiva. Para ele: “Eu venho

pro CAPS quase todo dia, porque eu gosto de participar dos grupos. [...] É bem

animado, bem legal. Todo mundo me trata bem”. Por sua vez, reporta que mantém

relações de amizade, principalmente com membros da Igreja Cristã Maranata e do

CAPS, referindo apoio emocional e de interação social positiva. Enfatiza melhora em

seu quadro clínico advindo da interação com os integrantes da igreja e forte vínculo

afetivo com uma integrante da instituição religiosa. Um paciente do CAPS também é

citado como um amigo que frequenta outros espaços sociais com ele. A seguir:

Tenho muitos amigos. Eles gostam muito de mim. A maioria é da igreja e

aqui do CAPS. Eu frequento a Igreja Maranata, melhorei bastante depois que comecei a frequentar a igreja. De todas as denominações religiosas é a que eu mais me identifico. Eu tenho maior prazer e orgulho de ser dessa igreja. [...] Eu sou mais próximo de uma irmã da igreja. É uma senhora que tem duas filhas, que eu ajudo muito elas. Quando eu tava trabalhando eu ajudava muito financeiramente, agora eu parei mais. [...] Aqui no CAPS eu tenho um amigo também, ele frequentava muito o Centro Cultural comigo. (Usuário 2)

Os vínculos fracos são atribuídos aos membros das seguintes

instituições: Centro Cultural Banco do Nordeste, Vila das Artes, Serviço Social do

Comércio, Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e Culturais,

Associação Elos da Vida, Espaço Viver, Organização Internacional Nova acrópole,

além do Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará.

Segundo relatos, não existe um caráter de frequência, intimidade ou reciprocidade

dos laços. Um exemplo disso é a escassa circulação de informações entre as redes

sociais mais próximas desse usuário. Em algumas ocasiões, ele é informado da

oferta de cursos e palestras, através de meios publicitários ou por parte da própria

organização do curso. Os laços construídos referem-se à interação social positiva,

adquire uma dimensão de diversão e relaxamento. Conforme disposto abaixo:

Eu gosto de frequentar esses ambientes, porque eu gosto muito de assistir

palestras. Palestras de cunho filosófico, psicológico, teológico, religioso, bíblico. Eu vou só quando eu tô no ônibus e eu vejo um cartaz mostrando, falando das próximas palestras aí eu anoto a data, o horário e vou naquele dia e assisto à palestra, ou quando eles avisam no final do curso. Faço a inscrição por telefone. (Usuário 2)

110

A usuária 3 identifica que os filhos são responsáveis por prestar-lhe apoio

emocional, material/instrumental (preparo de refeições, controle do uso da

medicação), interação social positiva (acompanhamento as consultas médicas,

atividades de lazer). Já a comadre responsabiliza-se pelo apoio emocional e

informacional (conversas), material/instrumental (ajuda material de algum alimento).

Conforme relato a seguir:

As meninas [filhas] me tratam muito bem. Meu filho também. Eles levantam

mesmo. Eu tenho uma comadre que morava em frente lá de casa, só que ela se mudou. Aí, quando eu tava assim, ela conversava, chamava eu lá pra fora, mas eu não saia. Quando eu tô com depressão, eu só fico dentro de casa, eu não quero vê ninguém. Se eu vejo as meninas [filhas] fazendo comida, eu fico só olhando, porque se vem comida de fora, eu não como, eu acho que tem veneno. Todos dão apoio, mais quem se destacou mais foi uma filha [...], porque dia 19 teve a consulta, ela veio. O médico pediu para trazer acompanhante, porque ás vezes eu tô com esquecimento um pouquinho, mas não é totalmente. A minha comadre ajudava muito. Só que era assim, era a minha vizinha também, mas eu me mudei. Ela é como se fosse uma irmã, assim era uma família que se ajudava um ao outro. Quando tava precisando de uma coisa a gente cedia. Lá em casa faltou arroz, eu dizia me arranja ali emprestado amanhã eu te dou. Era assim, como se fosse um parente da gente, mas ela se mudou, e eu também me mudei de lá. Mas aí meus filhos são muito assim, elas puxam de mim, ficam pegando no meu pé. Se precisar eu tomar remédio, eu tomo. Elas [filhas] mandam eu abrir a boca, mostrar a língua, para ver se eu tô enganando elas. É assim, elas puxam mesmo. (Usuária 3)

Os laços fracos referem-se aos profissionais de saúde, usuários do CAPS

e membros de grupos religiosos, dispondo de interação social positiva. É

interessante pontuar que a usuária 3, embora relate contato frequente com os

membros do CAPS e da Igreja Assembleia de Deus, não os indica como pessoas

que mantém relações de proximidade/intimidade. Conforme segue:

Todo dia eu venho pro CAPS, só não venho no dia que eu tenho consulta

no Hospital de Messejana. Eu faço tratamento de asma lá. Aí eu não venho. Aí depois que eu almoço, eu vou para casa, e volto à tarde. Às vezes eu saio um pouco à noite, se tiver algum evento para eu ir, eu vou. Frequento os eventos que tá tendo tudinho na Igreja, esta noite assim teve evento na Igreja. Ontem foi o culto das missões, aí a gente teve uma festa, uma confraternização que nós fizemos. [...] Sei que hoje foi uma benção. Vou à semana todinha, eu só não vou quando eu tô trabalhando. Eu participo dos eventos da Igreja e daqui também. Quinta-feira retrasada, dia 13, eu fiz o Seminário de Cultura e Saúde Mental, eu fui também para a exposição de artes plásticas. Aí as meninas [profissionais do CAPS] me inscreveram. Aí, quando foi dia 13, a gente passou o dia todinho no Seminário. Foi lá na Promotoria de Justiça, ali na Rua Assunção. Eu gostei muito. (Usuária 3)

111

Segundo a terminologia adotada na ARS, estes atores ocupam posições

na rede, dependendo da emissão ou recepção dos laços. Neste caso, como

considerei apenas as interações dos usuários do CAPS, verifico que as conexões

partem dos laços que o usuário 1 estabelece com sua rede de apoio. A conexidade

dessa rede é composta por atores dominantes, dominados e subdominados 35. O

usuário 1 é dito como ator dominante. Em contraposição, os atores dominados

dessa rede, pertencentes aos diferentes campos de sociabilidade dos usuários do

CAPS, podem ser elencados em 4 (quatro) grupos: 1) familiares

(comadre/compadre; ex-companheiro (a); ex-sogro (a); ex-cunhado (a); cônjuge;

irmão (a), pai/mãe); 2) profissionais de saúde (Instituto de Saúde dos Servidores do

Estado do Ceará e Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes); 3)

membros de congregações religiosas (Igreja Cristã Maranata, Igreja Santíssima

Trindade, grupo religioso Encontro de Casais com Cristo e Igreja Assembleia de

Deus), 4) participantes de grupos artísticos informais e associações civis (Fórum

Cearense de Luta Antimanicomial, Conselho Municipal de Saúde, Centro Cultural

Banco do Nordeste, Associação Vila das Artes, Serviço Social do Comércio,

Associação Geofilosófica de Estudos Antropológicos e Culturais, Centro de

Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará, Associação Elos

da Vida, Organização Internacional Nova Acrópole e Espaço Viver). Já os atores que

ocupam a posição de subdominado são representados por: filho (a), neto (a),

profissional de saúde do CAPS, usuário (a) do CAPS, vizinho (a), amigo (a),

profissional da UAPS Filgueiras Lima.

REDES DE MALHAS INTERMEDIÁRIAS

Usuária 4

A usuária 4 relatou que faz um curso particular de pintura e tecido.

Frequenta o CAPS dois dias na semana para participar dos grupos: Projeto de vida

e Terapia Ocupacional. Relata que permanece a maior parte do tempo em casa,

pois a medicação está deixando-a sonolenta, mas tem o hábito de fazer artesanato.

35 Conforme já referido, os atores dominantes são os emissores das relações que compõem a rede de malha grande; os atores dominados são aqueles que mantêm relação somente com o ator dominante; e os atores subdominados são destinatários de pelo menos uma vinculação, mas não são emissores de nenhuma conexão.

112

Participa dos eventos promovidos pelo CAPS, no que se refere ao grupo de Terapia

Ocupacional. Ela reside com o companheiro e um filho, além da empregada

doméstica. Considera que a família a apoia, o cônjuge principalmente. Não participa

de atividades na comunidade onde reside. Faz parte do grupo religioso Legião de

Maria e costuma ir regularmente à Igreja Bom Jesus dos Aflitos. Frequenta a UAPS

Aloísio Lorsheider e o Programa de Saúde do Instituto de Previdência do Município

(IPM). Raramente viaja ou faz passeios. Às vezes, costuma ir à casa de uma vizinha,

que mantém muito apreço. Considera que não tem amigos, mas afirma que mantém

boa relação com todos que convive. Relata ainda que após a descoberta do quadro

psiquiátrico muitas pessoas se afastaram. Todas as pessoas ditas como próximas

são membros da família.

Usuária 5

A usuária 5 comparece ao CAPS quatro vezes por semana. Participa de

seis grupos terapêuticos: Teatro do Oprimido, Corpo e Movimento, Oficina Terapia

Ocupacional, Alfabetização, Memória, Cine CAPS. Afirma que mantém fortes

vínculos de amizade com os usuários da instituição e que se sente incomodada

quando estes se encontram acometidos de algum problema. Relata que seus

familiares exercem papel significativo no seu cuidado. Reveza entre a casa da tia,

em Fortaleza, e a da mãe, em outra cidade do interior. Além desses parentes,

convive também com seus filhos e primos. Quando está na casa da mãe, ela

participa de um grupo de artesanato, composto por quinze vizinhas, utilizando a

renda para ajudar nos gastos diários. Revela que quando está em Fortaleza dedica-

se ao tratamento no CAPS. Afirma que gostaria de inserir-se nas atividades do

Centro de Referencia da Assistência Social (CRAS), contudo, percebe que o serviço

não está funcionando adequadamente. Costuma ir à Paróquia Nossa Senhora de

Nazaré, participando do grupo religioso Legião de Maria. É beneficiária do Beneficio

de Prestação Continuada (BPC). Relata que já sofreu várias manifestações de

preconceito por parte de familiares distantes e da vizinhança, mas que atualmente

mantém bom relacionamento com ambos. Frequenta a UAPS Filgueiras Lima. Não

costuma fazer passeios e/ou ir a festas. Considera importante a família vir ao CAPS

com regularidade, pois contribui com a efetividade do tratamento. Considera como

próximos: filhos, mãe, tio, primo, usuário do CAPS.

113

Usuária 6

A usuária 6 frequenta o CAPS uma vez por semana, com o intuito de

participar do Grupo de Terapia Ocupacional (oficina produtiva). Afirma não envolver-

se em nenhuma atividade na comunidade onde reside. Trabalha informalmente na

fabricação de peças feitas em crochê, além de receber o Benefício de Prestação

Continuada. É paciente da UAPS Filgueiras Lima. Costuma ir à Igreja Católica Dom

Bosco e à Paróquia Nossa Senhora de Nazaré. Reveza entre a sua casa e a da

cunhada. Assevera que embora resida sozinha, sua filha e netos moram ao lado. A

filha é a principal responsável por lhe prestar apoio. Ela considera que mantém um

bom relacionamento com a filha. Refere vínculos de amizade com usuários e

profissionais do CAPS. Relata ainda que já participou do Projeto Saúde, Bombeiros

e Sociedade e que costumava ir com sua sobrinha, mas que atualmente não está

frequentando. Não costuma ir a festas, viajar, fazer passeios. Reconhece como

pessoas próximas: profissional do CAPS, usuário, filha, netos e cunhada.

Usuário 7

O usuário 7 trabalha informalmente, ajuda o irmão na venda de lanches,

dispondo de apoio material e emocional deste. Frequenta o CAPS semanalmente,

participando do Grupo Corpo e Movimento. Em sua fala é constante a referência a

outros usuários do CAPS quando são mencionados os laços de amizade. Segundo

relata mantém relação de proximidade com a mãe, a irmã, um membro da Igreja, um

usuário do CAPS e um profissional da instituição. Não participa de nenhuma

atividade na comunidade onde reside, não costuma viajar, fazer passeios ou ir a

festas, permanecendo, a maior parte do tempo, no âmbito familiar. Recebe

atendimento clínico na UAPS Ocelo Pinheiro. Informa que já sofreu várias

manifestações de preconceito por parte da vizinhança, não mantendo relações de

apoio. É integrante da Igreja Cristã Maranata, onde frequenta semanalmente. Afirma

ainda que já foi internado no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto,

mesmo realizando tratamento no CAPS. Percebe o internamento como algo

negativo ao tratamento psiquiátrico.

114

FIGURA 8 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do CAPS constituída por malhas intermediárias

Fonte: elaborado pela autora.

A rede de malhas intermediárias tem 28 nós e 37 laços. Esta estrutura

reticular apresenta uma densidade de aproximadamente 4,89%, manifestando um

percentual de 756 relações possíveis. Convém ressaltar que a densidade da rede é

uma medida que indica a razão do número de relações existentes pelo número de

relações possíveis, sendo inversamente proporcional ao número de atores na rede.

Quanto maior o número de atores, menor a densidade. No que se refere ao número

de conexões diretas de um ator (grau de centralidade), verifico que o ator 4

apresenta o maior número de interações. Ele exibe um grau de saída de 11

relações. Por grau de saída entendo a soma das interações que o ator de referência

tem com os outros nós. Portanto, o índice de saída normalizado do ator 4 é de

115

40,7%. Já o ator que apresenta o menor percentual de laços é o usuário 7. Ele

interage diretamente com 7 atores, os quais são responsáveis por lhe prestar algum

tipo de apoio. O usuário 7 apresenta a medida do índice de saída de 25,9%.

Os laços sociais da rede de malhas intermediárias são

predominantemente do tipo primário, fato que indica menor participação desses

pacientes em redes sociais mais amplas. Das 37 relações sociais existentes, 13

laços referem-se aos familiares dos usuários. Neste caso, verifico que embora a

existência de contatos frequentes com familiares não expresse necessariamente

uma proximidade afetiva, os usuários entrevistados nesta rede consideram manter

maior vínculo afetivo com seus parentes. Por sua vez, a composição dos laços fortes

é identificada pela usuária4 como concernente apenas ao cônjuge e aos filhos. Já a

usuária5 afirma dispor de laços fortes com a mãe, a tia, os filhos, o primo, além de

outros usuários do CAPS. Quanto à usuária 6,elaafirmaque é mais próxima da filha,

dos netos, da cunhada, dos profissionais e usuários do CAPS.O usuário 7 percebe-

se próximo da mãe, da irmã, de um membro da Igreja, de um usuário do CAPS e de

um profissional da Instituição. Considerando a indicação desses quatro atores,

constato que os laços fortes são configurados nessa estrutura reticular pelos

familiares dos pacientes, outros usuários e profissionais do CAPS, além de membros

de grupos religiosos. Os outros campos de sociabilidade construídos a partir dos

laços fracos referem-se: 1) vizinhos; 2) profissionais de saúde (UAPS Aloísio

Lorsheider, UAPS Filgueiras Lima e Programa de Saúde do Instituto de Previdência

do Município); 3) membros de grupo de artesanato; 4)empregada doméstica; 5)

integrantes de grupos religiosos (Legião de Maria, Igreja Bom Jesus dos Aflitos,

Igreja Católica Dom Bosco e Paróquia Nossa Senhora de Nazaré).

Os tipos de apoio conferidos aos usuários do CAPS são pertinentes aos

tipos de laços que eles mantêm. Aos laços fortes foram atribuídos apoio emocional,

informacional/material, instrumental e interação social positiva. Importa dizer que

cada ator exerce um papel diferente na provisão dos cuidados. A usuária 4

considera que o cônjuge é quem lhe presta maior apoio, referindo que ele a

acompanha em todos os lugares, oferta ajuda nos momentos de crise, orienta nas

decisões difíceis, auxilia financeiramente e lhe garante suporte emocional. Os filhos

também foram citados como sujeitos envolvidos na provisão de apoio emocional e

de interação social positiva, contudo, com menos frequência, conforme relata:

116

Meu marido é maravilhoso. Depois que eu fiquei tomando remédio mais

vezes, eu nunca mais sai sozinha. Eu só venho pra cá por causa que ele

vem comigo. Ele fica aqui me esperando. Ele é meu companheiro mesmo,

me apoia em tudo, inclusive materialmente. Meus filhos também. Lógico não

é igual. Dá problema, e às vezes não quer receber a gente quando tá

doente. É ruim pra eles quando eu entro em crise. Mas eu tô bem, eles me

tratam bem, me respeitam. Meus filhos me acompanhavam no tratamento,

mas hoje em dia vem pouco (Usuária 4).

Aos membros do grupo de artesanato foi conferido o atributo de interação

social positiva. Aos profissionais do CAPS, profissional UAPS Aloísio Lorsheider e

do Programa de Saúde do Instituto de Previdência do Município estão atrelados os

suportes informacional e de interação positiva. A empregada doméstica foi

relacionada ajuda para trabalhos práticos relativos aos cuidados com a casa (apoio

instrumental). Aos vizinhos, membros do grupo religioso Legião de Maria e da Igreja

Bom Jesus dos Aflitos foram atribuídos apoios de interação social positiva.

A usuária 5 considera que mantém vínculos fortes com seus familiares e

usuários do CAPS. Conforme demonstra em sua fala, este fato está também

atrelado com a provisão das suas necessidades. Ela citou que seus parentes (mãe,

filhos, tios e primo) prestam-lhe apoio emocional, material/instrumental e de

interação social positiva. Aos usuários do CAPS é conferido apoio emocional e de

interação positiva.

Eu passo três semanas em Fortaleza, e depois eu vou pro interior. Porque

eu tenho dois filhos lá, ai eles ficam com a minha mãe. Aqui eu fico na casa

dos meus tios. Eles [filhos] me ajudam. O mais velho ele me ajuda muito,

ele me dá meus remédios quando ele tá em casa. Às 10 horas quando ele

chega, ele sempre faz alguma vitamina pra mim. E a outra filha, ela é mais

de me ajudar nas coisas de casa. Mas quando ela sai de casa, ela manda o

outro tomar conta de mim. Eu sou igual uma criança pra eles. Eles cuidam

muito bem: meus filhos, minha mãe. Aqui é minha tia, meu tio e meu primo

que toma conta de mim. Então assim: todos eles têm uma responsabilidade

por mim, né. É meu tio vem me deixar e me buscar, vem me deixar dentro

do CAPS, e me pega dentro do CAPS. Meu primo também. Eles gostam

muito de mim [...]. Aqui eu passo o dia todinho. Aí eu participo dos grupos.

Agora tem dias que eu não me sinto bem aqui, nos dias que elas [pacientes

do grupo terapêutico] tão estressada, nervosa. Eu fico agitada, triste. Eu me

sinto bem quando vejo todo mundo bem. Aí eu fico bem [...] (Usuária 5).

117

A usuária 6 atribui a provisão de apoio emocional e apoio

instrumental/material (preparo das refeições), aos laços com a filha e a neta. Relata

que sua cunhada presta-lhe auxílio emocional, principalmente relacionado ao

enfrentamento de uma situação de perda (morte do filho). Por vezes, a cunhada

também a acompanha ao CAPS e à Igreja. Ressalte-se que ela não cita vínculos

fortes com os membros da Igreja. O CAPS é percebido com um lugar de apoio

emocional, a seguir:

A minha filha casou, mas ela nunca me abandonou. Eu mando ela procurar

um lugar pra ela: mulher vai embora com teus filhos. Aí ela diz: mãe se eu não lhe deixei antes, eu vou lhe deixar agora. [...] Ela sempre tá perto de mim. Durante o dia, eu fico com minha neta, aí eu vou e durmo, porque tomo uma série de remédio. [...] Eu me acordo tarde, aí vou merendar, fico no meio dos meus crochês, das minhas encomendas, das minhas sandálias, das minhas coisas. Aí passa o tempo, aí minha netinha, às vezes tem feito o almoço, às vezes é minha filha quem manda, pra mimnão ir pra cozinha. De vez em quando, eu venho pro CAPS com a minha cunhada. Ela também vai pra igreja comigo. Sempre assim, eu choro muito, eu saio de casa pra chorar aqui [CAPS], porque em casa tem aquela coisa. Foi meu filho que eu perdi (Usuária 6).

Por fim, o usuário 7 indica que mantém um bom relacionamento com a

mãe e os dois irmãos, dispondo de apoio emocional e instrumental/material.

Segundo relata: “O meu relacionamento com eles é bom. Nós somos amigos uns

dos outros. Se ajuda nas coisas. Se respeita [...]”. Quanto aos laços de amizade, ele

sugere apoio de interação social positiva. Refere que é amigo apenas de um

membro da Igreja Maranata (que também faz tratamento no CAPS), e de outro

paciente do CAPS. Conforme afirma: “Eles são legais, a gente conversa muito”.

Porém, demonstra laços fracos com os membros da vizinhança, segundo relata: “Eu

converso com eles só o necessário. Antes, eu tinha muito atenção com eles. Hoje eu

não gosto mais disso. Perdi esse interesse. Eu me reservo. Fico só dentro de casa”.

REDES DE MALHAS FROUXAS

Usuária 8

A usuária 8 relata que não mantém laços fortes com sua família. Refere

que foi abandonada pela mãe quando tinha sete anos de idade, seu pai faleceu

recentemente, e não dispõe de contatos regulares com seus irmãos. Segundo relata

mora sozinha, mantendo contato esporádico com um irmão, uma tia e a madrasta.

118

Frequenta regularmente o CAPS, onde é participante dos Grupos: Condicionamento

Funcional, Terapia Ocupacional (Pintura e Bordado). Recebe atendimento médico

também na UAPS Dr. Roberto Bruno. Costuma ir à Igreja Universal, mas não

apresenta vínculos fortes com os integrantes. Não trabalha, mantendo-se com os

recursos do BPC. Relata que está esperando o início das aulas de um curso

profissionalizante de estética e manicure, mas não soube informar o nome da

instituição que irá promovê-lo. Afirma ainda que faz passeios apenas quando o

CAPS promove. Não costuma participar de atividades na comunidade, viajar ou ir a

festas. Verbaliza que tem amigos no CAPS, dispondo de bom relacionamento com

os vizinhos. Mantém histórico de internação asilar. Considera como pessoas mais

próximas o irmão e um profissional do CAPS.

Usuário 9

O usuário 9 frequenta o CAPS todos os dias para uso da medicação (é

classificado como paciente monitorado, ou seja, recebe e faz uso da medicação na

própria Instituição). Participa, contudo, apenas do Conselho de Usuários e das

consultas e atendimentos individuais. Relata que foi abandonado pela família ainda

quando criança, apresentando histórico de internação asilar por longa data. Não

mantém, portanto, contatos com a família. Apresentou discurso confuso sobre a

realização de atividade laborativa. Ora afirmou que ajuda uma pessoa no

restaurante próximo a sua casa, ora que no período noturno frequentava a escola.

Relata que tem apenas um amigo fora da Instituição (um vizinho). Costuma ir à

Igreja Nossa Senhora de Fátima, de forma esporádica. Afirma que frequenta de

forma eventual o Conselho Municipal de Saúde e o Distrito de Saúde da Secretaria

Executiva Regional IV, para reivindicar remédios. É paciente da UAPS Filgueiras

Lima. Recebe o BPC. Não participa de atividades na comunidade onde reside.

Afirmou que faz passeios promovidos pelo CAPS, e que gosta de ir a um shopping

da capital. Todas as pessoas citadas como próximas são usuários do CAPS.

Usuário 10

O usuário 10 não realiza atividade laborativa, mantendo-se com os

recursos do BPC. Relata que atualmente mantém uma boa relação com a família,

considerando que é mais próximo de dois irmãos em particular. Segundo informa,

119

mora sozinho, não possui filhos, dispondo de contato diário com uma irmã (citada

como pessoa próxima). Frequenta o CAPS há 12 anos, participando dos grupos de

Arteterapia e Memória. Exerce também o papel de membro do Conselho de

Usuários do CAPS, apresentando-se como uma pessoa atuante na instituição. É

usuário ainda da UAPS Filgueiras Lima. Comunica que já trabalhou como vendedor

ambulante na Praça José de Alencar, no centro da cidade de Fortaleza, e que gosta

de ir lá, visitar seus ex-colegas de trabalho, todavia não vai com regularidade. Em

sua fala é constante o relato de que já sofreu preconceito, em virtude da sua

orientação sexual e de ser portador de transtorno mental, por parte da família e

vizinhos. Costuma ir à missa, mensalmente, na Igreja Nossa Senhora de Fátima.

Considera que mantém vínculos fortes apenas com dois amigos (pessoas externas

ao CAPS), dois irmãos e um profissional do CAPS.

FIGURA 9 - Representação gráfica da rede de relações dos usuários do CAPS constituída por

redes de malhas frouxas

Fonte: elaborado pela autora.

120

A rede de malhas frouxas dispõe de 16 nós e 20 laços. Essa estrutura

reticular demonstra uma densidade de 8,33% (razão das relações existes pelas

relações possíveis), no total de 240 relações possíveis. Este dado indica que esta

rede dispõe de menos atores, em comparação com a rede de malhas estreitas e as

redes de malhas intermediárias. No que tange ao número de conexões diretas de

um ator (grau de centralidade) constato que o ator 8 apresenta o maior número de

interações. Ou seja, ele exibe 8 atores em sua rede de apoio social. O índice de

saída normalizado desse ator é de 53,3%. Já o ator que apresenta o menor número

de laços é o usuário 9. Sua rede de apoio é composta por 5 atores, os quais são

responsáveis pela provisão de recursos para atender suas necessidades básicas. O

usuário 9 apresenta a medida do índice de saída de 33,3%. Conforme observado,

quando maior o índice de saída da rede, maior é o percentual de laços provenientes

de um nó.

Diferentemente das redes de malhas estreitas e intermediárias, as quais

denotam predominância dos laços de parentesco na provisão dos cuidados, na rede

de malhas frouxas os laços fortes incluem campos de sociabilidade mais

diversificados. Os laços fortes abrangem familiares (em menor escala de cuidado),

profissionais e usuários do CAPS, amigos 36. É interessante pontuar que estes

campos sociais também são referidos como constituintes dos laços fracos. Os laços

fracos referem-se a parentes; profissionais de saúde (UAPS Ocelo Pinheiro, UAPS

Filgueiras Lima e UAPS Dr. Roberto da Silva Bruno), usuários do CAPS, ex-colega

de trabalho, vizinho, integrante de grupos religiosos (Igreja Nossa Senhora de

Fátima e Igreja Universal), amigo, membro de órgãos deliberativos e de gestão no

âmbito da política pública da saúde (Conselho Municipal de Saúde e Distrito de

Saúde da Secretaria Executiva Regional IV).

Neste sentido, observo que na rede de malhas frouxas há uma

incongruência na definição desses laços. Não há uma delimitação dos campos

sociais que compõem os vínculos fortes e fracos. Estes campos ora são

identificados como constitutivos dos laços fortes, ora dos laços fracos. Há uma

menor intensidade dos laços, tendo em vista que eles se constituem por relações

36 Convém destacar que a definição de amigo apresenta questões empíricas importantes. Utilizo a definição de amigo a partir dos usuários entrevistados. Os laços de amizade citados pelo usuário 8 referem-se a pessoas que não estão inseridas no ambiente do CAPS e de grupos religiosos, mas pertencentes a outros campos sociais (vizinhança, trabalho).

121

mais fracas. Vale destacar que os laços fortes (também chamados de laços

estreitos) são aqueles que unem os indivíduos a parentes (pais, cônjuges, filhos) e a

amigos que se mantêm uma relação mais próxima. Ao passo que os laços fracos

(laços frouxos) são aqueles que ligam os indivíduos a familiares mais afastados,

colegas de trabalho e vizinhos. Este tipo de laço dá acesso preferencialmente a

recursos de conhecimentos (GRANOVETTER, 1973).

Por sua vez, verifico que o papel da família não apresenta centralidade na

prestação do cuidado. Esta característica está mais acentuada na morfologia das

redes dos usuários 8 e 9. Os dois usuários (com especificidades diferentes) se

reportam a situações de abandono familiar. Para ilustrar destaco a fala da usuária 8,

referindo-se ao relacionamento com seus parentes. A percepção atribuída às suas

interações familiares, impulsionadas por conflitos ou afastamentos afetivos, bem

como pelo distanciamento geográfico da sua rede de parentesco, confere significado

a sua biografia.

No momento, eu tô morando sozinha, porque meu pai morreu, minha mãe

foi embora e me abandonou. Eu era bem pequenininha [07 anos], ela me deixou com meus irmãos. Ficamos todos jogados. Na casa de um, na casa de outro. Porque meu pai não sabia cuidar de nós. Cuidava de um e do outro mal cuidado. Na casa dos outros, aí se criamos. [...] Meu pai morreu, minha mãe não tem mais. O relacionamento que eu tenho agora é o seguinte: Tem uma irmã minha na Itália. [...] Ela gosta muito de brigar comigo. [...] Tem meu irmão. Eu me dou bem com ele, agora ele mora longe. E a minha madrasta é minha amiga (Usuária 8).

Partindo do contato que mantive com a usuária 8 e da análise do relato

exposto, observo que provisão de recursos por parte de sua família é escassa. Sua

fala sugere que ela dispõe de apoio emocional apenas por parte da madrasta e do

irmão. No que se refere aos vínculos com os profissionais e usuários do CAPS,

verifico suporte de interação social positiva, instrumental (material) e informacional,

conforme segue: “Eu tenho muitos amigos no CAPS. Eu me sinto bem aqui. Se eu

passar o dia, eu almoço aqui, se não passar, eu almoço em casa. Eu gosto mais da

[profissional], porque ela me indica as coisas”. É interessante pontuar ainda sua fala

a despeito do seu relacionamento com os membros da Igreja que frequenta, com

foco no apoio informacional dispensado por alguns religiosos: “Na igreja tem muitas

pessoas, mas eles não falam comigo não. Só as obreiras. Elas conversam comigo,

me dão conselho”.

122

Por sua vez, o usuário 9 assevera que todas as pessoas que considera

próximas (ditos como amigos) reportam-se aos outros pacientes do CAPS. Aos

amigos indica apoio emocional e de interação social positiva e emocional. Frequenta

o CAPS todos os dias para obtenção e uso de medicação (apoio instrumental e de

interação social positiva). Ressalta que frequenta a Igreja Nossa Senhora de Fátima,

sendo conferido também suporte de interação social positiva. Para ele: “as pessoas

são legais. Eu gosto de lá”. Em sua fala não está presente interações com laços

fortes. Apresenta histórico de internação hospitalar por longa data, não mantendo

vínculos familiares. Ele relata que: “Eu vou na SER IV avisar que não tem remédio

pro povo. Eu vou pra promotoria também”. Não há indicação de recursos advindos

dos membros do Conselho Municipal de Saúde e do Distrito de Saúde da Secretaria

Executiva Regional IV.

Em oposição, o usuário 10 indica laços fortes de parentesco. Contudo,

verifica-se uma rede de relações menores do que os atores dispostos nas redes de

malhas estreitas e intermediárias. Segundo ele relata, mantém laços fortes apenas

com dois membros da família, dispondo de apoio emocional e interação social

positiva. Assim observa: “Eu não diria que eu tenho uma relação muito boa. E os

únicos que eu sou realmente próximo são o meu irmão e a minha irmã. Sei que

posso contar com eles. Quer dizer a família toda não. Só de dois”. No que tange aos

laços de amizade, foram atribuídos apoio informacional e de interação social

positiva. Para ele: “O meu relacionamento com meus amigos é bom. Às vezes tem

algumas desavenças, porque a gente diverge de opiniões. Mas de um modo geral, a

convivência é positiva. Nós conversamos muito”.

4.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS REDES DE MALHAS ESTREITAS,

INTERMEDIÁRIAS E FROUXAS DOS USUÁRIOS DO CAPS

Nos dois tipos de redes (estreitas e intermediárias), verifico que os laços

familiares constituem as principais relações sociais de alocação de recursos e

prestação de apoio social (em suas diferentes tipologias) destinado aos usuários do

CAPS. Há predominância da família principalmente na prestação do cuidado

emocional e material ou instrumental. A família não exerce papel principal na

prestação do cuidado, apenas na rede de malha frouxas. Tomando como referência

123

o conceito de laços fortes e fracos de Granovetter (1973) para explicar esse fato,

entendo que os laços fortes constroem-se a partir de relações mais frequentes,

ocasionando maior intimidade entre os atores envolvidos e maior intensidade

emocional. Esses laços (fortes) são estabelecidos principalmente entre familiares e

amigos. Sendo menos provável que aconteça entre pessoas conhecidas. Essas

diferenças entre os laços fortes e os laços fracos vão fazer com que as

configurações das redes dos usuários adquiram formas diferentes. Constato,

portanto, que existe uma causalidade entre os campos de sociabilidade, as redes e

a condição social (pessoa com transtorno mental) desses sujeitos.

É interessante também pontuar que nas amostras de redes de malhas

estreitas e frouxas utilizei a representação da rede de três usuários. Na rede de

malhas intermediárias utilizei a amostra de quatro usuários. Este resultado reverbera

na variável densidade. No primeiro caso, indica que no total de 40 relações entre os

atores existem 1.122 laços possíveis. A densidade da rede é aproximadamente

3,56%. Já a rede de malhas intermediárias apresenta uma densidade de 4,89%,

manifestando 756 relações possíveis. Em contrapartida, a rede de malhas frouxas

demonstra uma densidade de 8,33%, no total de 240 relações possíveis. Com base

nesses dados, percebe-se que quanto maior o número de relações de uma rede,

menor é a sua densidade (razão entre as relações existentes e as relações

possíveis). Ou seja, maior é o número de laços possíveis e menor a propriedade de

conexidade entre os atores. Convém destacar que este entendimento é aplicado

quando se estuda as redes formadas pelos contatos dos atores que estão em

ligação com o nó de referência (usuário do CAPS). Neste caso, como apresento

apenas as interações imediatas, com foco na vinculação dos usuários do CAPS com

sua rede de apoio, verifico que a rede de malhas estreitas apresenta a maior

possibilidade de vinculação entre os atores (1122 relações possíveis), bem como

que estes estão notadamente marcados por laços fortes de parentesco e de

amizade entre participantes da mesma igreja, profissionais e pacientes do CAPS.

Por sua vez, observo que estão presentes nas três estruturas reticulares

as seguintes instituições pertencentes à Rede de Atenção à Saúde Mental (rede de

cuidados oficial): o próprio CAPS; o Conselho Municipal de Saúde (Instituição de

Defesa dos Direitos do Usuário); Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart

Gomes (Hospital Geral); UAPS Filgueiras Lima, UAPS Aloísio Lorsheider, UAPS Dr.

124

Roberto da Silva Bruno, UAPS Ocelo Pinheiro (unidades de atenção primária à

saúde); Conselho Municipal de Saúde e Distrito de Saúde da Secretaria Executiva

Regional IV do município de Fortaleza. No que se refere aos arranjos comunitários

de apoio social, verifico o envolvimento de parentes e vizinhos, bem como de grupos

de artesanato. Esta configuração, contudo, denota a predominância de serviços de

saúde do município, em contraste com os recursos comunitários.

Nas três redes (malhas estreitas, intermediárias e frouxas), o ator que

apresenta a posição com maior número de interações, indicada pela medida de

centralidade de grau, é o ator central da rede de malhas grandes. Isto é, o usuário 2,

com grau de saída de 15 relações (índice de saída normalizado de 45,5 %). Já o

ator que apresenta o menor número de laços é o usuário 9. Sua rede de apoio é

composta por cinco atores, os quais são responsáveis pela provisão de recursos,

com vistas a atender suas necessidades básicas. Ele apresenta um grau de

centralidade de 33,3% (índice de saída). Conforme observado, quando maior o

índice de saída da rede, maior é o percentual de laços provenientes de um nó.

Quanto ao local de encontro dos pacientes com as pessoas que

compõem sua rede de apoio é frequente a menção ao ambiente da casa, do espaço

do CAPS e da Igreja. A frequência de contato entre as pessoas com transtornos

mentais e os integrantes de suas redes é, de modo geral, diariamente e/ou

semanalmente. Este resultado pode sugerir que, embora se encontrem com

regularidade, a proximidade afetiva não se expressa somente pela frequência de

contato, mas pelo tipo de recurso recebido. Por sua vez, os atores que compõem as

redes de apoio desempenham papéis diferentes na provisão das necessidades

sociais aos usuários do CAPS. Conforme já referido, isso reverbera na morfologia

das Redes.

4.6 (RE) SIGNIFICANDO A SAÚDE MENTAL COMUNITÁRIA: A PERSPECTIVA

DOS USUÁRIOS, FAMILIARES E PROFISSIONAIS DO CAPS

Carta de um usuário do CAPS Do ano de 2002 a 2008, passei por várias internações em um determinado Hospital Psiquiátrico, onde nunca tive melhoras e sim cada vez mais piorando. [...] Em 2008 fui encaminhado ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) da Regional IV de Fortaleza. Neste momento, percebi que o tratamento era e é completamente diferente dos Hospitais Psiquiátricos. No CAPS fui tratado

125

com respeito, liberdade e não como prisioneiro. No CAPS também foi descoberto meu talento para as artes (esculturas e pinturas). Já fiz inclusive várias exposições, e fui premiado em vários concursos. Através dos meus trabalhos artísticos, procuro mostrar para a sociedade que as pessoas com transtorno mental são capazes de criar e produzir. Em todo o país, é possível encontrar artistas usuários de serviços de saúde mental produzindo: pintando, gravando, escrevendo, expondo e se expondo, orgulhosos de seus dons e valores. Hoje faço parte do Fórum Cearense da Luta Antimanicomial, lutando para que a reforma psiquiátrica seja cumprida, conforme a lei nº 10.216. Sou o único usuário de CAPS que faz parte do Fórum. Luto para que pessoas com transtorno mental tenham liberdade e direito a voz. Luto por uma sociedade sem manicômios, pois se cruzar os braços estarei aceitando uma camisa de força. Não ao retrocesso, avanços sim. Queria que houvesse conscientização de que todos são iguais. Eu sou um sobrevivente sim, no meio de tanto preconceito eu sobrevivo, pois a cada dia respiro o milagre da arte e nela encontro paz. Se arte for loucura, não quero cura.

Neste tópico final, início com uma breve carta que me foi entregue

carinhosamente pelo usuário 1, vinculado ao CAPS do Jardim América. Em poucas

palavras, ele nos traz relatos biográficos de sua trajetória terapêutica. Manifesta-se

como um militante do movimento de luta antimanicomial e aponta nuanças na

mudança do sistema de valores, atreladas à formulação das premissas que

embasam os modelos de tratamento psiquiátrico. A cessação da liberdade e dos

vínculos sociais são aspectos que denotam profundo sofrimento em sua narrativa.

Por sua vez, ele associa a experiência com a arte a uma nova percepção de si e da

condição social conferida ao portador de transtorno mental. Assim, o anseio por

equidade, liberdade e direito à voz o faz lutar por uma sociedade livre de

manicômios.

Com base no exposto e em outros relatos dos usuários e familiares,

considero que o modelo de atenção à saúde mental, pautado na perspectiva de

tratamento em base comunitária, é representado por esses sujeitos dentro de uma

perspectiva de conquista de direitos, respeito de intersubjetividades e possibilidade

de realizar o tratamento sem estar isolado dentro de um hospital psiquiátrico. Tomo

como referência o relato do familiar 1, quando destaca que o CAPS (funcionando de

acordo com as diretrizes da reforma) poderia consagrar-se como “solução” para as

demandas de saúde mental. Aponta ainda que a implementação desse equipamento

foi um avanço no que concerne ao tratamento, e que a capacidade substitutiva do

CAPS está na possibilidade de reinserir o usuário no convívio com a família.

126

O CAPS é uma solução para a saúde mental, se funcionasse. É um negócio tão complexo. É importante os CAPS? É! Do jeito que tá? Não! Acabar? Deus me livre. Que já foi uma conquista, vai perder essa conquista? É uma coisa assim muito difícil, importante é demais. Se funcionassem muitas pessoas que tem problemas mentais, não digo que estariam curadas porque tem muitos que não tem cura, né? Mas estariam estabilizados, estariam até convivendo com seus familiares, contribuindo de alguma forma na sociedade, seria um ponto de apoio. (Familiar 1)

Na visão dos profissionais, o modelo de atenção em saúde mental em

rede também é representado como uma conquista do direito que extrapola a

conquista de realizar o tratamento de forma humanizada e fora dos muros da

instituição psiquiátrica. Refere-se ao exercício do direito de conviver em sociedade,

trabalhar e cuidar de qualquer quadro de saúde, crônico ou não, assumindo o

protagonismo do tratamento. Segundo o profissional de Terapia Ocupacional:

“representa, portanto, a única oportunidade efetiva de uma terapêutica que dê

realmente resultado na vida do usuário”.

Importa salientar também que o cuidado exercido em articulação com a

família e a comunidade é representado por um membro da “equipe técnica” do

CAPS como fator relevante de controle e manuseio das crises psiquiátricas,

ocasionando a diminuição dos encaminhamentos para o CAPS 24 horas, ou mesmo

das internações em hospitais de cunho manicomial. A seguir:

Eu acredito no cuidado aberto de base territorial, acredito sim, que a gente trabalhando a comunidade e a família no manejo de crises, talvez não precise de tantos leitos mesmo, entendeu? A partir do momento em que se aprendi a manejar, a conviver com uma pessoa que, em algum momento, apresente uma crise. E eu sei manejar esta crise, sem precisar encaminhar esta pessoa lá para o CAPS 24hs, seja pra onde for, aí eu vou tá entendendo que o processo terapêutico tá dando certo. Porque o projeto terapêutico tem que avançar mesmo rumo à família e a comunidade. (Profissional de Serviço Social)

Por outro lado, no discurso desse mesmo profissional ainda é constante a

referência do hospital psiquiátrico como espaço de atendimento especializado para a

terapêutica das crises dos usuários do CAPS, tendo em vista a inabilidade da família

em lidar com esse momento de crise, e a falta de infraestrutura do CAPS. O fato,

porém, da assistência se dar em âmbito de um hospital psiquiátrico é contestado,

levando-se a hipótese desse atendimento ocorrer em um hospital geral, conforme

prevê a Politica Nacional de Saúde Mental. A frequência do atendimento em hospital

127

psiquiátrico é atribuída, sobretudo, ao número reduzido de unidades de CAPS 24

horas ou à falta de leitos em hospitais gerais. Conforme segue: O hospital psiquiátrico [nome do hospital] em ainda um papel dentro da nossa sociedade, na nossa comunidade, ninguém pode negar. Tanto é que quando a equipe se treme nas bases quem é que socorre é lá. [...] Principalmente, em uma realidade que o CAPS 24 horas não tem ainda um suporte, uma estrutura para cuidar. [...]Eu não posso dizer que eu conto com um sistema de 24hs de CAPS, se eu tenho só oito leitos dentro desse CAPS, né? Às vezes eu tenho paciente que, infelizmente, eu tenho de enviar para o hospital psiquiátrico, porque eu não tenho leito nos hospitais gerais, e nos CAPS geral da IV, da II, ou da V, sei lá. (Profissional de Serviço Social)

O profissional acrescenta ainda que a questão central do processo de

reforma psiquiátrica não é o questionamento do hospital psiquiátrico como principal

centro de tratamento ou a criação dos serviços substitutivos, mas a criação de uma

cultura que seja antimanicomial. Inclusive no que diz respeito ao exercício

profissional. Neste sentido, tomo como alusão sua fala a despeito da atuação do

CAPS. Segundo relata a própria Instituição CAPS pode perpetuar práticas ditas

“hospitalocêntricas”, que influenciam na construção desse dispositivo psiquiátrico em

suas técnicas de poder-saber:

E olhe lá, eu também não vou ser hipócrita não, muitas vezes nós temos hospitais psiquiátricos travestidos de CAPS. Não só travestido de CAPS, travestido de salas de consultório. Dependendo da forma que eu me porto, diante do usuário, posso ser um hospital psiquiátrico, eu todinha. Então mais uma vez eu digo, não é a instituição só, hospital psiquiátrico, é uma sociedade. As práticas, e como estão conjugadas as práticas. Inclusive com a fala disciplinar que tem dentro dos CAPS, entendeu? Então eu posso ser um hospital psiquiátrico em pessoa, dependo de como eu me porto, diante do processo terapêutico que tá sendo proposto para este usuário, diante da recusa desse usuário de aceitar este projeto terapêutico, diante do modelo de cuidado que eu tô sugerindo a ele, eu posso ser um hospital psiquiátrico. O hospital psiquiátrico pode ser uma pessoa. Quem pode avaliar? E eu não me sinto legítimo de avaliar isso, é o próprio usuário. E eu acho que o usuário ao avaliar, vale muito a pena lembrar que não mudou muita coisa. Mudou muito com relação a algumas coisas, mas com relação a outras não. [...] A gente ainda pega muito paciente, robotizado, embotado. Nós temos muita coisa de um hospital psiquiátrico ainda. (Profissional de Serviço Social)

Partindo dessa análise, observo que existem duas propostas terapêuticas

em disputa: o modelo de atenção embasado no hospital psiquiátrico, e o de

proeminência psicossocial, voltado ao atendimento do usuário a partir do viés

ambulatorial. A articulação entre o discurso e a prática dos profissionais está

128

diretamente atrelada as suas compreensões acerca das terapêuticas realizadas no

âmbito da nova Política de Saúde Mental. Desta forma, considero que o binômio

discurso e prática pode apontar indícios do direcionamento das políticas públicas no

âmbito da saúde mental. E reconhecê-la imbrica acessar os mecanismos

institucionais que compõem a rede de atenção à saúde mental. Tomo como aporte o

subsequente relato de um profissional:

Então assim as pessoas que vão trabalhar nesse cuidado, estas pessoas estão preparadas? Não estou falando de informação, estou falando de formação. Estou falando de empatia com os princípios da reforma psiquiátrica, estas pessoas querem estar trabalhando ali? Estão sabendo o que estão fazendo ali dentro? Porque minha grande impressão é que muitas as pessoas não sabem o que estão fazendo dentro dos CAPS. Não tem noção do projeto maior que acompanha o CAPS junto de toda a rede, entendeu? Não entende qual é o seu papel dentro da reforma psiquiátrica, como instituição. Aí vêm aquelas práticas muitas vezes não muito atuais. Sem nem saber. Na maior da simpatia. E ai muitas vezes, é uma postura manicomial. Seja infantilizando, seja estigmatizando, seja de qualquer jeito. Mas não deixa de ser manicomial. Institucionalizar paciente, como também institucionalizar profissional. É isso que tá acontecendo muitas vezes. E essa não é a ideia da reforma. Nós sabemos qual a ideia da reforma? Que projeto nós estamos construindo? Como é que o usuário, como é que a sociedade tá vendo está reforma? Não se discute reforma psiquiátrica dentro da sociedade. Não se discute. [...] (Profissional de Serviço Social)

No que tange à representatividade da situação da rede de atenção

psicossocial de Fortaleza, o profissional de Serviço Social destaca que avalia “a rede

como uma rede incompleta, fragilizada em conteúdo e estrutura”. Segundo verbaliza,

o conteúdo refere-se à definição das diretrizes clínicas da saúde mental do

município. Diante disso, ele sugere que os profissionais devem ter bem claro qual

modelo de tratamento pretende-se implementar, e pautar suas práticas na promoção

de ações que levem em conta o vínculo e o cuidado comunitário. Conforme segue:

Se eu digo que o referencial é o da reforma psiquiátrica e não do hospital psiquiátrico. Então eu tenho obrigação de ser coerente com os princípios dessa reforma, né? Pra isso se eu trabalho dentro da questão da reforma, dentro de um CAPS, onde o vínculo e o cuidado são fundamentais. Então eu tenho que promover condições para que este vínculo e este cuidado ocorram. E ai vem à credibilidade de uma política pública, com financiamento adequado. Não só em termos de logística, mais em termos de educação permanente para as pessoas que vão trabalhar [...]. (Profissional de Serviço Social)

Já o familiar 1 pontuou que há problemas estruturais que dizem respeito

ao funcionamento dos serviços comunitários de saúde mental, o CAPS em

129

particular. Em seu discurso enfatiza as condições de infraestrutura da Instituição.

Destaca ainda que considera o modelo clássico de tratamento inapropriado, mas

que não avalia que os CAPS estejam atuando de acordo com os preceitos da

reforma psiquiátrica. Para ele:

Eu avalio assim, a quantidade de CAPS é maravilhosa, se os CAPS funcionassem como deveria ser. Porque na verdade eu sou contra a internação, eu participo da luta antimanicomial. Eu acho manicômio “descer a escada abaixo”, é o fim, é regredir. Agora também eu não aceito o CAPS do jeito que tá. Aí nem manicômio, nem os CAPS do jeito que estão. Por isso que eu lutei a vida toda, para que o CAPS fosse dentro da proposta, dentro do projeto. (...) Então aquela estrutura ali não acolhe ninguém, nem profissionais nem usuários. Porque, umas gaiolinhas que você fica ali mal acomodado. É melhor uma praça, é melhor ir para a praia. Eu no meu caso prefiro ficar em casa. Sair da minha casa para ir para o CAPS do jeito que tá, eu prefiro não ir mais, por isso que eu não fui mais. (Familiar 1)

Neste sentido, considero que as falas dos usuários, seus familiares e

profissionais do CAPS denotam para a capacidade substitutiva dos serviços

comunitários de saúde mental, em detrimento do hospital psiquiátrico. Esta

disposição está atrelada, sobretudo, à possiblidade desses serviços públicos

atuarem no território, seja na mobilização de atores e recursos comunitários em

função dos objetivos e estratégias de inclusão social (atividades culturais,

esportivas, de lazer e trabalho), seja na transformação da cultura e da comunidade

em relação ao fenômeno da loucura e aos sujeitos em sofrimento mental. Por outro

lado, é constante o argumento de que o modelo de atenção baseado no hospital

psiquiátrico ainda se faz presente na vida cotidiana dos usuários do CAPS, e que há

problemas estruturais que envolvem os serviços públicos, que ocasionam uma

inclusão precária de acesso à política pública de saúde mental.

130

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo se propôs analisar a mudança no modelo de tratamento

destinado às pessoas com transtorno mental, tendo como referente empírico as

redes de apoio social dos usuários do Centro de Atenção Psicossocial do bairro

Jardim América, em Fortaleza, Ceará. Para tal, mapeei as redes sociais dos

usuários do CAPS, investiguei os tipos de apoio prestados pelos integrantes dessas

estruturas reticulares às pessoas que realizam tratamento no serviço, examinei as

práticas institucionais e as relações que os sujeitos acometidos por transtornos

mentais estabelecem com as pessoas envolvidas no seu processo de cuidado, e

avaliei os significados atribuídos a esse paradigma de assistência em saúde mental.

Iniciei minha jornada refletindo sobre as perspectivas históricas acerca da

loucura e de suas formas de tratamento. Fiz um sucinto resgate dos paradigmas

clássicos de concepção da loucura, passando pelos movimentos de reforma

psiquiátrica instituídos após a II Guerra Mundial (que deram origem à desconstrução

do modelo manicomial), culminando na reforma psiquiátrica do Brasil e do Ceará.

Parti da ideia de que as representações e os dispositivos de tratamento

historicamente construídos em torno da loucura remetem à reflexão dos mecanismos

de produção de saberes e do exercício do poder direcionados aos sujeitos, rotulados

como portadores de transtorno mental. Isso me levou a pensar que na

representação social do louco e da loucura, em um dado momento histórico, são (re)

significadas e (re) constituídas as bases dos paradigmas de intervenção

psicossocial.

No segundo ponto, abordei o serviço CAPS, caracterizado como uma

estrutura intermediária entre a internação integral e a vida comunitária. Assim,

através de uma perspectiva com direcionamento etnográfico, enveredei pela

dinâmica e lógica cotidiana de funcionamento do CAPS do Jardim América, bem

como pelas práticas e relações constituídas entre usuários, profissionais e demais

pessoas envolvidas no processo de cuidado. Esta proposta de descrição detalhada

do CAPS contribuiu para identificar atores, vínculos e relações, dando suporte ao

mapeamento das redes de apoio dos usuários.

No desfecho dessa caminhada, construí tipologias de redes de apoio

social dos usuários do CAPS do Jardim América, através da metodologia de Análise

131

das Redes Sociais. Num primeiro momento, realizei uma revisão de literatura das

categorias de apoio social e rede social, enfatizando a discussão teórica que propõe

que as relações têm impacto significativo na vida das pessoas com transtornos

mentais, podendo atuar como contributo para o tratamento e fonte de suporte social.

Posteriormente, retomei a análise dos processos de interação entre os profissionais

do CAPS, usuários, familiares e demais cuidadores, para identificar as estruturas

reticulares e os tipos de apoio social conferidos dessas relações. Por fim, foram

analisados os significados atribuídos por esses sujeitos ao modelo comunitário de

saúde mental.

As hipóteses defendidas neste trabalho consideraram que: 1) as redes

sociais são centrais à sociabilidade dos indivíduos e ao acesso aos distintos

recursos materiais e imateriais (apoio emocional, material ou instrumental,

informacional e integração social positiva); 2) as redes de apoio social dos usuários

do CAPS do Jardim América se estruturam a partir das tensões existentes entre as

sociabilidades cotidianas das pessoas em tratamento e as práticas institucionais; 3)

apesar da mudança do modelo de tratamento clássico, para outras modalidades de

tratamento, as redes sociais das pessoas acometidas de transtorno mental

continuam fragilizadas.

Como resultados dessa pesquisa, constatei que as redes de apoio social

dos usuários do CAPS geral do Jardim América se caracterizam predominantemente

por interações com parentes, membros de grupos religiosos, profissionais e outros

usuários do CAPS. A provisão do cuidado está centrada, sobretudo, no papel

desempenhado pela família e na intervenção assistencial proporcionada pelo CAPS,

as quais acontecem dentro de um processo de inclusão precária. Ou seja, marcado

pela ineficácia dos serviços públicos (neste caso o CAPS) de efetivar ações

concretas de proteção social, em detrimento de um processo amplo de garantia de

direitos.

Deste modo, verifiquei que apesar da Politica Nacional de Saúde Mental

prever uma prática terapêutica centrada no envolvimento ativo da família e da

comunidade, existe pouca participação, nas atividades desenvolvidas pelo CAPS do

Jardim América, dos recursos comunitários na prestação dos cuidados às pessoas

com transtornos mentais. Os obstáculos, que dizem respeito à organização de uma

rede comunitária de cuidados, perpassam condições estruturais de funcionamento

132

dos serviços de saúde mental, que envolvem limitações orçamentárias, de política

de pessoal e de gestão; condições de infraestrutura; precariedade de organização e

articulação da rede assistencial de serviços; e ações limitadas de saúde mental na

Atenção Básica.

Outro aspecto relevante, no âmbito da organização interna do CAPS geral

do Jardim América, refere-se à escassa oferta e abrangência das atividades

terapêuticas envolvendo os grupos sociais próximos aos usuários (família,

vizinhança, associações, igreja), contando com pouca participação da comunidade

local. Em sua maioria, a participação desses grupos restringem-se às celebrações

de datas comemorativas, atendimentos previamente agendados e situações de

emergência. Não há, portanto, um trabalho efetivo e contínuo de articulação entre o

serviço de saúde, a família do usuário e a comunidade. Ressalte-se que esta

constatação contrapõe-se ao discurso do Estado, sobre a reestruturação da

assistência psiquiátrica centrada na promoção de ações conjuntas entre a sociedade

civil organizada e os serviços públicos locais. Desta forma, verifico que existe uma

dicotomia entre os significados produzidos pelos usuários e seus familiares sobre a

realidade social e as ideias difundidas pelo discurso do Estado.

Por sua vez, as práticas representativas do modelo de atenção

representado pelo hospital psiquiátrico ainda são verificadas no cotidiano dos

usuários do CAPS do Jardim América. Situações de isolamento vivenciadas por

motivo de internação, abandono familiar, inclusão social precária das políticas

públicas e violação de direitos são recorrentes na fala desses sujeitos. Assim,

constato que apesar da diminuição das internações e da ampliação dos dispositivos

da rede de atenção psicossocial de Fortaleza, o hospital psiquiátrico desempenha

papel de destaque no que tange aos cuidados intensivos dos sujeitos com

transtornos mentais, ora entrevistados.

No que tange ao Programa Estratégico de Bolsas para Promoção da

Inovação Tecnológica, entendo que este trabalho apresenta relevante contribuição

para o chamado setor de inovação social. Por inovação social compreendo o

desenvolvimento de estratégias, produtos, processos e serviços que buscam

contribuir com o atendimento das necessidades sociais das pessoas, que vão desde

as condições de trabalho e educação até o desenvolvimento de atividades de

promoção à saúde, com vistas a fortalecer a sociedade civil.

133

Assim sendo, diante das contribuições dessa pesquisa, em especial a

delimitação das redes de apoio social dos usuários do CAPS, trago algumas

sugestões de estratégias para eventuais intervenções por parte da Secretaria de

Saúde de Fortaleza, com vistas a potencializar a promoção à saúde e o

fortalecimento da rede comunitária de cuidados. Parto do entendimento que a

Política Nacional de Saúde Mental exige uma ação continuada, articulando gestores,

servidores, usuários dos serviços públicos, seus familiares e a comunidade,

objetivando a transformação das práticas de saúde.

Realizar ações culturais, jornadas esportivas, atividades educacionais e

artísticas, através da concretização de parcerias externas com associações

de moradores, conselhos comunitários, igrejas como forma de incentivar o

engajamento e a participação da sociedade civil na promoção do cuidado às

pessoas com transtorno mental;

Ampliar a execução de “Projetos Terapêuticos Singulares” em parceria com

as redes de apoio social dos usuários dos serviços de saúde mental;

Incrementar ações voltadas à geração de emprego e renda dos usuários do

CAPS e seus familiares, em conjunto com as políticas setoriais de educação,

trabalho e assistência social como forma de oportunizar acesso aos direitos

sociais. Dentre essas iniciativas destaco: feiras de artesanato, cursos de

capacitação técnico-profissional, oficinas produtivas, encaminhamentos para

empresas públicas e privadas, salientando as atividades que promovam a

empregabilidade, geração de trabalho e inclusão social;

Promover eventos de sensibilização da temática de saúde mental e reuniões

de planejamento das atividades do CAPS em articulação com as pessoas

pertencentes aos campos sociais próximos dos usuários (família, vizinhança,

associações, igreja), visando mobilizar e fortalecer as redes de apoio social

dos usuários dos serviços de saúde mental;

Reorganizar a relação matricial, fortalecendo a corresponsabilização das

ações entre as equipes da atenção básica e da atenção especializada em

saúde mental, tendo em vista a instrumentalização da rede comunitária de

cuidados;

134

Fortalecer a participação dos espaços de discussão e de avaliação das ações

desenvolvidas no âmbito da política pública de saúde mental, estimulando o

envolvimento e o compromisso dos sujeitos envolvidos no processo de

cuidado;

Realizar rodas de conversas periódicas com os usuários, familiares,

associações civis e comunitárias, com o intuito de abordar temas relacionados

à saúde mental, mobilizando a participação desses diversos sujeitos na

prática de cuidado;

A partir do mapeamento da rede de apoio social dos usuários do CAPS,

ampliar a oferta de atividades terapêuticas envolvendo os campos de

sociabilidade pertencentes ao cotidiano das pessoas em tratamento.

Considero, portanto, que as transformações societárias não são simples

reflexo da mudança de uma legislação, mas fruto de um longo processo de

construção e desconstrução de saberes e práticas. A substituição dos serviços

públicos de saúde, dentro de uma lógica neoliberal, não garante a efetividade das

ações. É necessária uma mudança estrutural dos agentes governamentais e da

sociedade civil, no sentido de se construir uma prática voltada para a inserção social

concreta das pessoas com transtorno mental, dentro de um compromisso ético e

político com os preceitos da Reforma Psiquiátrica brasileira.

135

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144

APÊNDICES

145

APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

USUÁRIOS

1. Como é o seu dia-a-dia?

2. Quantas pessoas residem com você? Quem são?

3. Como é o seu relacionamento com seus familiares?

4. Você participa de alguma atividade na comunidade a qual reside? Em

caso afirmativo, especifique.

5. Você exerce alguma atividade laborativa? Se sim, qual?

6. Você costuma ir à igreja, festas, viajar ou fazer passeios?

7. Como é o seu relacionamento com estas pessoas (vizinhos, amigos,

membros de associações civis, colegas de trabalho, outros)?

8. Indique as pessoas que você considera que mantém relações mais

próximas. Você considera que recebe algum tipo de apoio dessas

pessoas? Quais?

9. Você já sofreu alguma manifestação de preconceito dentro destes grupos

(família, vizinhança, amigos, colegas de trabalho)?

10. Você gostaria de participar ou faz parte de algum grupo ou oficina

terapêutica no CAPS do Jardim América? Se sim, qual?

11. Nesta atividade existe a participação de familiares, pessoas da vizinhança

e/ou demais pessoas envolvidas em seu cotididiano?

12. Como você percebe a participação dessas pessoas (familiares, pessoas

da vizinhança, membros de associações) nas atividades desenvolvidas

pelo CAPS do Jardim América? Você acha que contribui para o seu

tratamento? Que mudanças você identifica na sua saúde?

13. Para você o que representa o modelo de atenção em saúde mental,

pautado na perspectiva de tratamento em base comunitária?

146

PROFISSIONAIS

1. Desde quando você trabalha no CAPS do Jardim América? Você

acompanhou o processo de implantação deste CAPS? Como foi?

2. Você é responsável por realizar algum grupo ou oficina terapêutica neste

CAPS? Se sim, qual? Que atividades são realizadas neste grupo ou oficina

terapêutica?

3. Partindo da premissa de que o CAPS deve ser um lugar que promova a

articulação entre usuários, seus familiares e demais pessoas da comunidade.

Eu gostaria de lhe perguntar se, em sua opinião, ocorre efetivamente à

participação dos campos de sociabilidades existentes no cotidiano das

pessoas em tratamento nas atividades desenvolvidas por este CAPS? Quais

estratégias são utilizadas pela Instituição para organizar esta prática?

4. Você considera que a convivência e articulação entre profissionais, usuários

do serviço, seus familiares e demais membros da comunidade, dentro do

espaço do CAPS, constitui instrumento auxiliar no tratamento das pessoas

com transtorno mental? Que mudanças você identifica na qualidade de vida

deles?

5. Para você o que representa o modelo de atenção em saúde mental, pautado

na perspectiva de tratamento em base comunitária?

6. No sentido da promoção do cuidado, quais avanços/retrocessos foram

promovidos pela mudança no modelo de atenção à saúde mental, promovida

pela Reforma Psiquiátrica no Brasil? O que falta avançar?

7. Como você avalia a situação atual da Rede de Atenção Psicossocial de

Fortaleza? Em sua opinião, que mudanças necessitam ser realizadas ou não

para garantir a efetividade das ações?

147

FAMILIARES

1. Como é o seu dia-a-dia?

2. Quantas pessoas residem com você? Quem são?

3. Como é o seu relacionamento com seu familiar que apresenta transtorno

mental?

4. Você gostaria de participar ou faz parte de algum grupo ou oficina terapêutica

no CAPS do Jardim América? Se sim, qual?

5. Nesta atividade existe a participação de outros familiares, pessoas da

vizinhança e/ou demais pessoas da comunidade?

6. Que atividades são realizadas neste grupo ou oficina terapêutica?

7. Você considera que a convivência e articulação entre profissionais, usuários

do serviço, seus familiares e demais pessoas envolvidas no cuidado, dentro

do espaço do CAPS, constitui instrumento auxiliar no tratamento das pessoas

com transtornos mentais? Que mudanças você identifica na qualidade de vida

deles?

8. Para você o que representa o modelo de atenção em saúde mental, pautado

na perspectiva de tratamento em base comunitária?

148

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Nome da pesquisa: DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: ESTUDO DAS REDES SOCIAIS DE UM CAPS NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA. Pesquisador Responsável: Antônia Iara Adeodato. Endereço: Rua 143, Bloco 02, ap. 11C, Bairro Conjunto Nova Metrópole, CEP: 61658-290, Caucaia-CE – Brasil. Fone (85) 98839 6669. E-mail: [email protected] Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará Endereço: Av. Dr. Silas Munguba, 1700, Campus do Itaperi, Fortaleza-CE CEP: 60.714.903. Fone/Fax: (85) 3101-9890. E-mail: http://www.uece.br/cep/ Delimitação e Justificativa: A presente proposta de pesquisa tem como objetivo geral analisar a dinâmica de funcionamento, organização e articulação de uma rede social em saúde mental, constituída pelos profissionais do Centro de Atenção Psicossocial geral da SER IV do município de Fortaleza, pelos usuários do serviço e seus familiares, além de demais pessoas envolvidas no processo de cuidado que, porventura, desenvolva alguma atividade junto ao CAPS. Busco, de modo particular: mapear as sociabilidades cotidianas dos usuários e as práticas institucionais do CAPS geral da SER IV; contribuir para a reflexão da importância das redes sociais como mecanismo de suporte social; analisar as relações que os usuários do serviço estabelecem com os profissionais de saúde, seus familiares e demais pessoas da comunidade; avaliar os significados atribuídos a esse modelo de assistência em saúde mental, segundo o ponto de vista dos usuários e profissionais envolvidos. A relevância do estudo diz respeito à ênfase nas novas significações que a interação social vem trazendo para as questões de saúde, influenciando nos mecanismos de socialização dos indivíduos. E o fato de ocorrer no CAPS parte significativa do cotidiano das pessoas em tratamento psiquiátrico, lugar onde se retira apoio para o enfrentamento do sofrimento psíquico. Por fim, dirijo-me à mudança no intitulado modelo de atenção em saúde mental brasileiro, que resultou na implantação dos serviços comunitários de atendimento, contrapondo-se ao paradigma tradicional, pautado no hospital psiquiátrico como principal centro de tratamento. Ressalta-se que o CAPS é considerado pela Política Nacional de Saúde Mental o serviço de saúde estratégico para a organização da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico em determinado território. O (a) senhor (a) está sendo solicitado (a) a participar desta pesquisa e voluntariamente responder as perguntas. As suas informações e respostas serão mantidas em sigilo. As pessoas não serão identificadas e as informações serão consideradas confidenciais. Ao participar desta pesquisa asseguramos ao (a) senhor (a) que as respostas ficarão sob total sigilo e não haverá identificação das pessoas participantes. Ressaltamos que este estudo possibilitará benefícios no que diz respeito ao mapeamento das redes de apoio social dos (a) usuários (a) do CAPS geral da SER IV, constituindo subsídios para a formulação e implementação de atividades desenvolvidas pelos profissionais da instituição. E ainda contribuirá para a

149

apreensão dos sentidos e significados em torno do atual modelo de atenção à saúde mental brasileiro, fomentando a discussão a respeito da Política Nacional de Saúde Mental. Os riscos que o (a) senhor (a) estará susceptível referem-se aos sentimentos de desconforto que poderá sentir ao compartilhar informações de âmbito privado, ou constrangimento em falar de situações de preconceito que presenciou ou mesmo foi vítima. Como providências para evitar tais riscos, respeitarei os momentos e as escolhas dos informantes em compartilhar de suas vivências pessoais, tendo como central o cuidado com sua integridade física e psíquica. Sendo observado ainda o não aprofundamento dos diálogos que reportem a situações de constrangimento. Destacamos que são direitos do (a) senhor (a) ao participar da pesquisa (Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério de Saúde – Governo Federal – Brasil): 1 - A garantia de receber resposta a qualquer pergunta, dúvidas, esclarecimentos acerca dos procedimentos, riscos, benefícios e outros relacionados à pesquisa; 2 - A liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isso traga qualquer prejuízo; 3 - A segurança de não ser identificado e do caráter confidencial de toda a informação relacionada com sua privacidade; 4 - O compromisso de receber informação atualizada durante o estudo, mesmo que este afete sua vontade de continuar participando; 5 - A disponibilidade de indenização a que legalmente tem direito em caso de danos justificados, causados diretamente pela pesquisa; 6 - Se existem gastos adicionais, estes serão absorvidos pelo orçamento da pesquisa. TERMO DE CONSENTIMENTO Eu, ______________________________________________________, portador do documento de Identidade ____________________ fui informado (a) dos propósitos do estudo DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: estudo das redes sociais de um CAPS no município de Fortaleza, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

___________________________, ____/____/____

______________________________________________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa Assinatura do pesquisador responsável (entrevistado) Digital do sujeito da pesquisa (entrevistado)

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APÊNDICE C - MATRIZ GERADORA DE DADOS

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ANEXOS

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ANEXO A – PARECER SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

PREFEITURA FORTALEZA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE

COORDENADORIA DE GESTÃO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO NA SAÚDE DECLARAÇÃO

Número do Processo: P533098/2015

Título do Projeto de Pesquisa: “DAS INSTITUIÇÕES TOTAIS AOS DISPOSITIVOS COMUNITÁRIOS DE SAÚDE MENTAL: um estudo das redes sociais do CAPS da SER IV do município de Fortaleza”

Pesquisador (a) Responsável: ANTONIA IARA ADEODATO

Instituição Proponente: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

A Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde - COGTES,

conforme sua atribuição declara ter analisado o mérito científico e a relevância social

do projeto de pesquisa supracitado e emitido parecer recomendando a

coparticipação da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza no estudo. Declara,

outrossim, conhecer e cumprir as Resoluções Éticas Brasileiras, notadamente a

Resolução CNS 466/2012. A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, por meio

desta Coordenadoria, está ciente de suas corresponsabilidades como instituição

coparticipante do referido projeto de pesquisa, assim como de seu compromisso no

resguardo da segurança e bem-estar dos sujeitos de pesquisa nela recrutados,

dispondo de infraestrutura necessária para a garantia de tal segurança e bem-estar.

Fortaleza, 30 de Março de 2015

Maria Ivanília Tavares Timbó

Coordenadora de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde

Rua Antonio Augusto, 1571 • Meireles • CEP 60.110 - 370 Fortaleza - Ceará, Brasil (85) 3105 1473 / 3131 1694

153

ANEXO B – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP/UECE

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