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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL MESTRADO ACADÊMICO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS VALÉRIA SOARES DE OLIVEIRA O RACISMO VISTO E SENTIDO NA ESCOLA: PROFESSORES E ALUNOS EM CENA NO ENSINO DE HISTÓRIA (2016-2017) QUIXADÁ-CEARÁ 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL

MESTRADO ACADÊMICO INTERDISCIPLINAR EM HISTÓRIA E LETRAS

VALÉRIA SOARES DE OLIVEIRA

O RACISMO VISTO E SENTIDO NA ESCOLA: PROFESSORES E ALUNOS EM

CENA NO ENSINO DE HISTÓRIA

(2016-2017)

QUIXADÁ-CEARÁ

2018

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VALÉRIA SOARES DE OLIVEIRA

O RACISMO VISTO E SENTIDO NA ESCOLA: PROFESSORES E ALUNOS EM CENA

NO ENSINO DE HISTÓRIA

(2016-2017)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico Interdisciplinar em História e

Letras, da Faculdade de Educação, Ciências e

Letras do Sertão Central, da Universidade

Estadual do Ceará, como requisito parcial à

obtenção do título de mestre em História e

Letras. Área de concentração: Cultura,

Memória, Ensino e Linguagens.

Orientadora: Profª. Drª. Isaíde Bandeira da

Silva.

QUIXADÁ – CEARÁ

2018

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Dedico este trabalho à minha família,

principalmente, minha mãe e meu filho, pois,

durante a sua realização, entenderam a minha

distância, angústias e fragilidades, o que foi

fundamental para desenvolvimento da

pesquisa.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida, por seu infinito amor e misericórdia, que me guiaram e

me possibilitaram a realização desta conquista.

A Jesus, Maria e demais irmãos que trabalham com o Mestre na seara do bem, que me

iluminaram, sustentaram e fortaleceram nessa jornada tão solitária.

À minha mãe, exemplo de amor e de dedicação que esteve ao meu lado, não me permitindo

desanimar ou desacreditar de que era capaz de realizar este sonho que transformei em

objetivo.

Ao meu filho João Vítor, por seu amor, compreensão e companheirismo, que me fortaleciam

diante das dificuldades e adversidades do caminho.

Aos meus irmãos Venicio e Verinha e minhas sobrinhas Tânia e Talya, por terem acreditado

em mim, me apoiado nos momentos mais difíceis dessa caminhada e não terem me deixado

desanimar ou desistir do meu objetivo.

À minha orientadora, professora doutora Isaíde Bandeira da Silva, por sua dedicação,

compromisso e contribuição em mais uma etapa de minha vida acadêmica.

Às professoras da banca de qualificação, prof. Dra. Berenice Abreu de Castro Neves e prof.

Dra. Fátima Maria Leitão Araújo, pelas valiosas contribuições a este trabalho.

Aos membros da banca de defesa, professora Dra. Fátima Maria Leitão Araújo e ao prof. Dr.

Edson Holanda Lima Barboza, por gentilmente terem aceitado participar desta etapa final.

À turma MIHL da FECLESC, em especial aos amigos que conquistei, por todos os momentos

em que compartilhamos alegrias e angústias na busca incessante de galgarmos nossos

objetivos.

Aos queridos professores do MIHL da FECLESC, que foram fundamentais nesse processo.

Ao secretário do MIHL, Raphael Pereira, por sua atenção e solicitude.

Aos gestores, professores e estudantes das escolas EEF José Bonifácio de Sousa, EEF

Nemésio Bezerra e EEM Abraão Baquit, que me acolheram e permitiram minha presença em

seus cotidianos, viabilizando a minha pesquisa.

Aos meus gestores e colegas de trabalho, pela paciência, compreensão e substituição de

minhas ausências em virtude das atividades do mestrado.

Aos amigos que estiveram ao meu lado, me incentivaram e compartilharam as angústias e as

alegrias experienciadas nesse percurso.

Aos meus alunos queridos, que diariamente me dão forças para lutar por uma educação

inclusiva e valorativa, me fazendo crer no seu poder transformador.

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“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor

de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião.

Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se

elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a

amar, pois o amor chega mais naturalmente ao

coração humano do que o seu oposto. A

bondade humana é uma chama que pode ser

oculta, jamais extinta.”

(Nelson Mandela)

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RESUMO

O objeto desta pesquisa é o racismo numa perspectiva sociocultural de proposições

dominantes, tendo como cenário de observação o ambiente escolar. Tivemos como objetivo

principal perceber como o racismo se manifesta no cotidiano escolar, recorrendo, como

campo de pesquisa, a três escolas situadas no Bairro Campo Novo, na cidade de Quixadá -

CE. Como procedimento metodológico, realizamos observações não participativas e

entrevistas semiestruturadas com quinze estudantes, três professores de história e dois

gestores escolares. Ainda trabalhamos com outras fontes, como as Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais, os Projetos Político Pedagógicos das

três escolas e os Livros didáticos de história adotados nas escolas. Analisamos, por meio das

falas dos professores e estudantes entrevistados, a compreensão destes sobre as relações

étnicorraciais existentes nas escolas em que lecionam ou estudam e como identificam e lidam

com as manifestações preconceituosas presentes neste âmbito. Disto resultou que, apesar de

atos racistas ocorrerem cotidianamente nas escolas pesquisadas, existem possibilidades de

reeducar para as relações étnicorraciais e erradicar o racismo no contexto em que vivem,

sobretudo pelo ensino de história que valorize a história e cultura do negro africano e afro-

brasileiro que foi escravizado no Brasil, por séculos e muitos, que permanecem cativos do

preconceito e do desrespeito por parte considerável da sociedade nacional.

Palavras-chave: Racismo. Escola. Ensino de História. Relações étnicorraciais.

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ABSTRACT

The object of the research is racism in a sociocultural perspective of dominant propositions,

having as an observation scenario the school environment. The primary aim was to

understand how racism manifests itself in school everyday life. Our field of research was

three schools located in the Campo Novo Neighborhood, in the city of Quixadá - CE. As a

methodological procedure we conducted non-participatory observations and semi-structured

interviews with fifteen students, three history teachers and two school managers. Other

sources were used, such as the National Curriculum Guidelines for Ethnic-Racial Relations

Education, the Political Pedagogical Projects of the three schools, and the History Textbooks

adopted in schools. Through the statements of teachers and students interviewed, we analyze

their understanding of the ethnicorcialrelations existing in the schools where they teach or

study and how they identify and deal with the prejudiced manifestations present in this field.

In addition, the work states that, although racist acts occur daily in the schools surveyed, there

are possibilities to reeducate for ethnicorcialsrelations and to eradicate racism in the context in

which they live, especially through teaching history that values the history and culture of

African and Afro-Brazilian people who have been enslaved in Brazil for centuries, and many

remain captive of prejudice and disrespect for a considerable part of national society.

Keywords: Racism. School. Teaching History. Ethnicorcials Relations.

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LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

CNA Congresso Nacional Africano

CNE Conselho Nacional de Educação

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LD Livro Didático

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MNU Movimento Negro Unificado

MP Medida Provisória

ONG Organização Não Governamental

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PETECA Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do

Adolescente

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PPP Projeto Político Pedagógico

SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

2 O RACISMO EM FOCO...........................................................................................18

2.1 O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO E A CONQUISTA DA LEI 10.639/03......20

2.2 RACISMO NO BRASIL: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS?......................................27

2.3 NA ESCOLA SE REVELA: “RACISMO É O PRECONCEITO DE COR! ”............31

3 O RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR............................................................41

3.1 AS ESCOLAS E OS SUJEITOS ESCOLARES: O CAMPO DA PESQUISA...........42

3.2 NO UNIVERSO ESTUDANTIL: “TEM QUE RESPEITAR O PRÓXIMO, PARAR

COM AQUELAS BRINCADEIRAS CHATAS”.........................................................50

3.3 O ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NO COMBATE

AO RACISMO: RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS NA

PERSPECTIVA DOCENTE.........................................................................................58

4 O COMBATE AO RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR: REEDUCAR

PARA AS RELAÇÕES ÉTNICORRACIAIS..........................................................70

4.1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA

AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA E OS PROJETOS POLÍTICOS

PEDAGÓGICOS (PPP) DAS ESCOLAS EM FOCO..................................................71

4.2 A QUESTÃO ÉTNICORRACIAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

ADOTADOS NAS ESCOLAS PESQUISADAS.........................................................84

4.3 COMO COMBATER O RACISMO NA ESCOLA? CAMINHOS POSSÍVEIS PARA

EQUIDADE RACIAL................................................................................................107

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................117

FONTES.....................................................................................................................125

REFERÊNCIAS........................................................................................................128

APÊNDICES..............................................................................................................134

APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – GESTORES

ESCOLARES).............................................................................................................135

APÊNDICE B – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – PROFESSORES

DE HISTÓRIA)...........................................................................................................136

APÊNDICE C – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – ALUNOS)......137

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1 INTRODUÇÃO

O ensino de uma história reflexiva exige um olhar à multiculturalidade formadora

da população brasileira e de suas respectivas representações na concepção da identidade

nacional, tão idealizada e desejada por muitos que acreditam em uma educação libertadora,

que, por sua vez, ao “dar vida” aos diferentes povos que constituem a nação, desempenha

papel singular no processo de implantação de mudanças relevantes no cenário nacional no

início do século XXI.

Dentre as mudanças ocorridas nesse panorama, ratificamos a conquista social da

Lei Federal de nº 10.639/031, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-

brasileira e africana nas escolas de educação básica do país, bem como incluiu no calendário

escolar o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”,2 alterando a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Essa medida, não obstante, não deve ser entendida como uma benesse do Governo

Federal, uma vez que resultou de lutas travadas pelo Movimento Negro Unificado (MNU),

que atuou no processo de elaboração e execução de políticas afirmativas para o negro no

Brasil desde 1978. A partir da sanção da lei supracitada, os militantes negros do país tiveram

parte de suas demandas atendidas, com o respaldo legal necessário ao processo de

reconfiguração educacional contemporâneo, que pressupõe a inclusão escolar aos diversos

indivíduos da sociedade brasileira, tendo em vista que educação é direito de todos.

A promulgação da lei supracitada desencadeou discussões no que se refere às

relações étnicorraciais no Brasil, bem como, viabilizou questionamentos acerca da

“democracia racial brasileira”, uma vez que, ao tornar obrigatório o ensino da história do

negro nos estabelecimentos de ensino da educação básica em todo território nacional,

demonstra a fragilidade desses indivíduos e as dificuldades ainda enfrentadas por eles no país,

especialmente, no que se refere às manifestações racistas existentes dentro e fora do ambiente

escolar.

Para compreender um pouco mais essas questões, dialogamos com autores que

pesquisam a história do tempo presente, o ensino de história, a cultura escolar e didática do

ensino, bem como as relações étnicorraciais no Brasil, dentre eles: Helena Isabel Muller

1 Alterada pela Lei nº 11.645, de 08 de março de 2008.

2 Vinte de novembro marca a data de morte de Zumbi, grande líder do Quilombo dos Palmares, figura

relevante na história de resistência negra no Brasil no período colonial, que morreu lutando pela liberdade de

todos os negros escravizados no país.

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(2007), que faz algumas ponderações sobre a história do tempo presente como ação política;

Thais Nivia de Lima e Fonseca (2003), Marcos Antônio da Silva e Selva Guimarães Fonseca

(2010), JõrnRüsen (2010) e Jaime Pinsky (2017) da área do ensino de história, que abordam a

relevância do ensino de história na construção de uma sociedade mais crítica e consciente de

seus direitos e deveres em face das adversidades da educação formal, sobretudo no Brasil;

Dominique Julia (2001), que evidencia a escola como lugar de acepção de normas e condutas,

constituição de pensamentos, práticas e ou ideologias diversas, que ele denomina cultura

escolar; José Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira e Mirza Seabra Toschi (2005), que

destacam as relações políticas entre as demandas do Estado e as estruturas da organização

curricular das escolas brasileira, deixando clara a inexistência de imparcialidade no que se

pretende ensinar aos educandos. E, por fim, dialogamos com autores como Frantz Fanon

(1980; 2008), Ana Lúcia Lopes (2004), Kabengele Munanga (2005), Ronaldo Sales Júnior

(2006), Raquel Amorim dos Santos, Simone Carvalho de Souza e Patrícia do Socorro Sena

Fonseca (2011) e Nilma Lino Gomes (2002; 2005; 2011; 2012), que explicam o sentido das

relações étnicorraciais no Brasil e o racismo no país, enfatizando o papel subalternizado do

negro na sociedade brasileira, como ainda as múltiplas interpretações dessas relações no

contexto nacional.

Percebemos que o racismo no Brasil é embasado por um construto ideológico de

justificação, classificação e naturalização que permite a supremacia de um grupo com relação

ao outro, tendo por base o escravismo, que perdurou quase quatro séculos em nosso país –

XVI a XIX, numa longa experiência em que negros africanos e afro-brasileiros eram tratados

como seres não humanos, coisificados.

Nesse sentido, apontamos algumas conquistas resultantes da atuação do MNU no

país, tendo em vista o desempenho dos seus militantes na denúncia dos problemas sofridos

pelo negro no Brasil, que, por sua vez, resultou na elaboração e execução de políticas

afirmativas para o negro no Estado nacional brasileiro, bem como para a promulgação da Lei

Federal nº 10.639/03 (modificada pela Lei no. 11.645/08), que já mencionamos, mas que será

analisada ao observarmos os limites e possibilidades de sua execução nas escolas pesquisadas.

Diante deste cenário, temos como objeto de estudo o racismo visto e sentido na

escola, no intuito de respondermos à nossa principal problemática de pesquisa, que se situa no

âmbito das relações étnicorraciais existentes nesse contexto. Assim, os nossos objetivos são

analisar como o racismo se reflete no cotidiano escolar; investigar as políticas educacionais

das relações étnicorraciais nas escolas pesquisadas; avaliar a existência ou não da práxis do

ensino da história africana e afro-brasileira; e identificar a percepção dos docentes e discentes

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entrevistados em face das realidades experienciadas no cotidiano escolar no que se refere às

manifestações racistas, bem como as possibilidades de combatê-las.

Tivemos como campo de pesquisa três escolas situadas no bairro Campo Novo, na

Cidade de Quixadá - CE. No referido bairro, existem sete escolas, das quais apenas uma é

estadual e as demais são municipais, divididas em duas Regionais Educacionais do sistema da

Secretaria de Educação do município. Analisamos, entretanto, nesta pesquisa apenas três

destas, sendo duas escolas municipais de Ensino Fundamental I e II que sediam as Regionais

existentes no Campo Novo, respectivamente, a Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio

de Sousa (Escola modelo – sede de quatro anexos, dentre eles a creche) e a Escola de Ensino

Fundamental Nemésio Bezerra. E, a terceira escola – única estadual do bairro –, Escola de

Ensino Médio Abraão Baquit.

A escolha do bairro decorre de nossa experiência docente em uma das escolas que

foram analisadas – a Escola de Ensino Médio Abraão Baquit – onde percebemos a

significativa quantidade de alunos negros matriculados e presenciamos alguns casos de

preconceitos raciais, explícitos e implícitos, entre os estudantes, em ações praticadas muitas

vezes por crianças e jovens negros, que, em oportunidades diversas, apresentavam discursos

racistas que denotavam a falta de conhecimento ou conscientização acerca de suas

identidades, demonstrando a problemática do racismo em suas relações diárias.

Os dados colhidos nesta pesquisa contribuíram para uma análise mais apurada das

políticas existentes nas escolas – mediante PPPs e livros didáticos de história – bem como das

concepções construídas pelos diferentes sujeitos que atuam no campo educacional

quixadaense, no que se refere ao racismo e às relações étnicorraciais; investigou-se como

essas relações se apresentam e se refletem nas escolas e qual o papel do ensino da história e

da cultura afro-brasileira e africana como ação de combate ao racismo dentro e fora das

escolas analisadas.

No que se refere ao nosso interesse pela proposta da pesquisa ora apresentada,

podemos afirmar que está diretamente associado à nossa formação acadêmica, uma vez que

nos incomodava o fato de termos ingressado no curso de licenciatura em história após a

promulgação da Lei 10.639/03 e, na organização curricular de nosso curso, não existir

nenhuma disciplina que contemplasse a história e cultura da África ou dos afro-brasileiros.

Todavia, buscando minimizar os efeitos dessa ausência de conteúdo, durante todo

o curso, desenvolvemos e apresentamos trabalhos que contemplavam tais temáticas. Essa

inquietação, somada à prática da docência, iniciada durante nossa formação acadêmica,

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resultou na elaboração de um trabalho monográfico3, no qual analisamos a aplicabilidade da

proposta da Lei 10.639/03 na perspectiva dos docentes, num contexto em que os professores

careciam de formação para tal. O resultado deste trabalho culminou em questionamentos

acerca da vivência escolar e das possibilidades de pesquisa neste campo.

A partir de então, maturamos nossa compreensão acerca dos resultados obtidos e

passamos a elaborar novos questionamentos, que tinham como base o racismo como

fenômeno social que permeia a escola. Nesse sentido, transformamos esse fenômeno em

objeto, resultando na atual pesquisa que apresenta diferentes sujeitos – gestores, professores e

alunos – de três escolas do bairro Campo Novo, na cidade de Quixadá – e como eles

compreendem o racismo e a relação deste com a escola e o ensino de história.

Este bairro possui considerável densidade demográfica, contando, no último censo

do IBGE (2010)4, com a população total de 6.880 habitantes – o que corresponde a 8,5% em

relação ao valor total de habitantes do município – sendo um dos maiores bairros da cidade.

Conhecido pela vulnerabilidade social, o Campo Novo apresenta sérios problemas

socioeconômicos, uma vez que boa parte de seus habitantes são trabalhadores que atuam no

mercado informal e que muitas vezes não conseguem assegurar um salário mínimo por mês.

Conscientes dos problemas que perpassam o âmbito escolar, bem como de que

ainda existe muito a ser feito para que as relações étnicorraciais sejam trabalhadas com mais

afinco na escola, além de entender essa problemática como algo que ultrapassa conteúdos

pontuais apresentados nas aulas de história, optamos por fazer entrevista com seis professores

e quinze alunos, que nos ajudaram a compreender melhor o racismo visto e sentido no

cotidiano escolar quixadaense, no tempo presente, mais precisamente durante os anos de 2016

e 2017.

Como parte de nosso percurso metodológico, analisamos fontes documentais,

como as Leis 9.394/96 que estabelecem as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino

de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, os Projetos Políticos Pedagógicos e os Livros

Didáticos de História adotados nas escolas que foram nosso campo de pesquisa, buscando

estabelecer relações entre teoria e prática nesse contexto.

3 OLIVEIRA, Valéria Soares de. O ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas de

Quixadá: uma análise do trabalho docente. Monografia apresentada ao curso de História da

FECLESC/UECE, 2011. 4

Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopseporsetores/?nivel=st>. Acesso em: 06de jul.

de 2016.

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Utilizamos a história oral como metodologia, viabilizada por entrevistas semi-

estruturadas5 realizadas no interior das escolas, em salas reservadas, como laboratórios de

informática, sala de multimeios e sala dos professores. Entrevistamos – em cada uma das três

escolas pesquisadas – um coordenador pedagógico, um professor de história e cinco alunos

(facilmente identificados como negros) do último ano de cada segmento escolar que a

instituição atende, ou seja, 5º ano do Ensino Fundamental I, 9º. ano do Ensino Fundamental II

e 3º ano do Ensino Médio, totalizando vinte e um entrevistados6. Estas séries finalizam blocos

importantes da Educação Básica, como a finalização do Ensino Fundamental das séries

iniciais que acontece no 5º. ano; a finalização do Ensino Fundamental total, que se dá no 9º.

ano, e a conclusão da Educação Básica no Brasil que acontece no 3º. ano do Ensino Médio.

Portanto, momentos fundamentais para saber como os alunos estão concluindo estes ciclos

com relação ao respeito às diferenças étnicorraciais.

Todavia, na Escola de Ensino Médio, a entrevista com o coordenador pedagógico

não foi efetivada porque, nas diversas tentativas de realização, ele solicitava que adiássemos o

diálogo – o gestor da escola não falou diretamente que não participaria da entrevista, porém

inviabilizou sua concretização. Os demais entrevistados foram solícitos – com exceção de

alguns estudantes do Ensino Fundamental que se recusaram a participar da pesquisa em

virtude do tema abordado: o racismo na escola – e aceitaram de prontidão a participação,

inclusive os pais dos estudantes menores, que precisaram assinar os documentos emitidos

pelo Comitê de Ética7, autorizando a participação dos filhos na pesquisa.

Nosso percurso metodológico foi repleto de desafios e conquistas. Inicialmente,

fomos às escolas nos apresentar aos gestores e professores, que se mostraram solícitos e nos

ajudaram a iniciar o contato com os estudantes. Posteriormente, conseguimos estabelecer um

diálogo com esses estudantes antes mesmo da realização da entrevista, pois passamos a ir às

escolas pelo menos duas vezes por semana, no período de agosto a novembro de 2016.

Tivemos acesso aos Projetos Político Pedagógico (PPPs) das escolas e realizamos as

5 Em apêndice.

6 Optamos por manter os nomes dos entrevistados em sigilo, dessa forma identificaremos apenas a escola

e o papel do entrevistado (estudante, professor, gestor). 7

Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, submetemos o projeto à Comissão Nacional

de Ética em Pesquisa – CONEP – que é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde – CNS, criada por meio

da Resolução 196/96, com a função de implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas

envolvendo seres humanos, aprovadas pelo Conselho. Tem função consultiva, deliberativa, normativa e

educativa, atuando conjuntamente com uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa – CEP –, organizados nas

instituições onde as pesquisas se realizam. FONTE: CONEP disponível em:

<http://portal2.saude.gov.br/sisnep/pesquisador/> Acesso em: 05 de dez. de 2017.

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entrevistas com os agentes escolares selecionados, finalizando, assim, a primeira parte de

observação do campo de pesquisa.

No primeiro momento, acreditávamos ter concluído a análise de campo e que

restava apenas analisar as fontes neles coletadas, porém, na qualificação da dissertação, a

comissão avaliadora propôs que retornássemos às escolas com novos olhares que nos

ajudassem a perceber as nuances das relações nelas experienciadas, então retornamos às

escolas em junho e julho de 2017 e iniciamos um novo processo de observação. É curioso

perceber que as pessoas não estavam mais tão preocupadas ou incomodadas com a nossa

presença, o que nos oportunizou adentrar um pouco mais os espaços das escolas e dialogar

com outros sujeitos escolares além dos entrevistados. Nessa segunda fase de observação,

também entramos em contato com os livros didáticos de história adotados nas escolas

analisadas, o que agregou bastante à nossa análise e escrita.

Ao averiguar a história do tempo presente, destacamos a relevância desta em

propiciar aos historiadores olhares possíveis para a apreciação de seu objeto de pesquisa, haja

vista que “as fontes a serem trabalhadas nesse processo não estão dadas, prontas para resgatar

um passado, mas são escolhidas para resgatar algo que estava perdido, para responder a um

problema” (MULLER, 2007, p. 28-29), ou a vários problemas, colaborando na compreensão

da realidade mediante a conexão entre passado e presente, conferindo esses novos

significados e viabilizando a construção de um saber histórico do presente. Nessa perspectiva,

“o estudo do passado emerge, assim, não como um fim em si, mas como meio de iluminar

nosso olhar sobre o presente, vindo assim a contribuir, de alguma maneira, para a discussão e,

que sabe, solução de problemas nossos contemporâneos” (MULLER, 2007, p. 29).

Para tanto, optamos pela pesquisa qualitativa, uma vez que a escola, na condição

de campo de investigação, nos fornece subsídios para a consecução de pesquisa educacional,

exigindo que consideremos as potencialidades de constituição de pistas no nosso objeto de

estudo, principalmente na apreensão de que as ações são mais bem compreendidas se

observadas no seu ambiente habitual de ocorrência, especialmente por meio das relações

estabelecidas entre investigadores e sujeitos de investigação (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

Após sistematização e análise dos dados obtidos na pesquisa, estruturamos o

estudo em três capítulos. No primeiro, apresentamos algumas considerações sobre o racismo

como fenômeno social, resultante da lógica de dominação capitalista de uma classe sobre

outra. Destacamos a importância de compreender a peculiaridade das relações étnicorraciais

estabelecidas no Brasil, apontando o papel singular do Movimento Unificado Negro no

processo de desconstrução do “mito da democracia racial” presente no país, mediante

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denúncias de práticas racistas no interior do Estado brasileiro, bem como sua atuação no

contexto histórico da conquista social da Lei Federal de nº 10.639/03. Por fim, apresentamos

o que gestores, professores e alunos das escolas quixadaenses entendem por racismo.

No segundo capítulo, a fim de avançar na compreensão das relações cotidianas

expressas nas falas dos sujeitos entrevistados, olhamos para o contexto das escolas

pesquisadas, buscando compreender: como ocorrem as manifestações racistas no contexto

escolar; de que forma as relações étnicorraciais são estabelecidas entre os diferentes sujeitos

que compõem este cenário; e os desafios de ensinar ou aprender a história africana e afro-

brasileira na perspectiva de uma educação valorativa e libertadora, em que informação e

instrução podem ser mecanismos de emancipação das amarras preconceituosas ainda

presentes nas concepções de professores e estudantes quixadaenses.

No terceiro capítulo, destacamos os projetos executados nas escolas que têm por

objetivo divulgar e valorizar a história e cultura africana e afro-brasileira; apresentamos

nossas considerações sobre os livros didáticos de história das três escolas; e exibimos as falas

dos entrevistados no que se refere às perspectivas desses com relação ao que devemos ou

podemos fazer para combater o racismo na escola, bem como suas perspectivas sobre as

realidades em que estão imersos. Primamos pela análise comparativa das falas dos

entrevistados e as propostas de efetivações das políticas públicas, quanto ao fim da

desigualdade social e racial presente na sociedade brasileira, pela reeducação das relações

étnicorraciais dentro e fora das escolas brasileiras.

Salientamos que a contribuição efetiva desta pesquisa dar-se-á a partir do

momento em que todos nós, independentemente da cor da pele, nos conscientizarmos da

forma cruel como agimos com os negros e, posteriormente, mudarmos nossos

comportamentos para transformar nossa sociedade a partir do local onde vivemos.

Por fim, fazemos um convite à leitura desta dissertação, que, dentre outros

objetivos, visou viabilizar reflexões mais fundamentadas e consistentes sobre o racismo visto

e sentido por professores e estudantes nas escolas públicas de Quixadá.

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2 O RACISMO EM FOCO

Os europeus, tentando justificar sua dominação ao restante do mundo, a partir do

século XVI, escolheram os “não brancos” como alvo do racismo, “sendo o negro e o indígena

as duas grandes vítimas preferenciais dos colonizadores europeus racistas que, julgando-se

superiores àqueles, os dominaram, destruindo as suas culturas e economia”. (SANT‟ANA,

2005, p.46)

A realidade apresentada tenta justificar com mais coerência a relação entre o

racismo e o capitalismo, que, originários da sociedade moderna, tentam construir relações de

servidão e obediência por parte dos “não brancos" para com os brancos europeus, a partir da

propagação do darwinismo social8 que justifica a dominação dos povos do “Novo Mundo”.

No tocante a essa construção histórica do racismo, Callinicos (1993), pondera:

Diz-se frequentemente que o racismo é tão antigo quanto a natureza humana, e em

consequência não poderia ser eliminado. Pelo contrário, o racismo tal como o

conhecemos hoje desenvolveu-se nos séculos 17 e 18 para justificar o uso

sistemático do trabalho escravo africano nas grandes plantações do 'Novo Mundo'

que foram fundamentais para o estabelecimento do capitalismo enquanto sistema

mundial. O racismo, portanto, formou-se como parte do processo através do qual o

capitalismo tornou-se o sistema econômico e social dominante. As suas

transformações posteriores estão ligadas às transformações do capitalismo.

(CALLINICOS, 1993, p.08)

Nesse sentido, o autor destaca o uso de trabalho escravo como essencial ao

processo de expansão e afirmação do novo sistema econômico e social do mundo, o

capitalismo. A partir de então, os europeus desenvolveram teorias como a eugenia9, o racismo

“científico”10

e o darwinismo social, utilizando o prestígio da ciência para instaurar e difundir

a exploração e domínio dos “não brancos” pelos brancos europeus, que justificassem as

8 O Darwinismo Social é a teoria da evolução das espécies, aplicada à sociedade. Seu mentor foi o

filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) que considerava que os seres humanos são, por natureza, desiguais,

ou seja, dotados de diversas aptidões inatas, algumas superiores, outras inferiores. Nesta acepção, portanto, seria

normal que os mais aptos vencessem e dominassem os mais fracos. Cf. BOLSANELLO, Maria Augusta.

Darwinismo Social, eugenia e racismo “científico”: sua representação na sociedade e na educação brasileiras.

Educar em Revista, Curitiba, nº12, Editora da UFPR, 1996. 9

O termo eugenia foi criado em 1883 pelo primo de Darwin, Francis Galton (1822-1911). Preconizava o

favorecimento, pelo Estado, da formação de uma elite genética por meio do controle científico da procriação

humana, em que os inferiores (os menos aptos) seriam ou eliminados, ou desencorajados de procriar, visando ao

aperfeiçoamento da raça (THUILLIER, apud BOLSANELLO, 1996, p.155) 10

O racismo científico relacionava o elemento fenotípico à capacidade intelectual do indivíduo e ao

desenvolvimento de uma nação ou sociedade, destacando a raça ariana como superior, sendo que o arianismo “é

um mito biológico e social, entre outros, criados pelo próprio racismo científico para gerar uma hierarquia

biológica entre seres humanos e justificar conquistas e dominação de supostos „superiores‟ sobre „inferiores‟”.

(PETEAN, 2014, p.125)

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desigualdades e a violação dos direitos de parte da humanidade, o que confirma a construção

social do racismo.

Coadunando com a análise de Callinicos (1993), Sant‟Ana (2005) considera o

racismo como fenômeno resultante do processo de relações assimétricas entre os europeus e

os povos do novo mundo, destacando que:

O racismo tomou-se uma ideologia bem elaborada, sendo fruto da ciência europeia a

serviço da dominação sobre a América, Ásia e África. E esta ideologia racista ganha

força a partir da escravidão negra, adquirindo estatuto de teoria após a revolução

industrial europeia. (SANT‟ANA, 2005, p.49)

Os povos dos continentes citados acima foram dominados e explorados para

atender às exigências dos dominadores europeus no processo de implantação do capitalismo.

Na ocasião, os dominadores utilizaram os mais diversos tipos de abusos, uma vez que os

justificavam ao assumirem papéis de “civilizadores” dos “primitivos”, reafirmando assim a

“inferioridade” das demais raças diante do branco europeu.

Nasce desse processo um novo paradigma social que atinge os mais variados

tempos e espaços geográficos do globo, pois, apesar da passagem dos séculos e das mudanças

sociais e históricas da era contemporânea, o racismo – no limiar do século XXI – ainda

sobrevive em discursos e ações cotidianas, reafirmando um modelo social segregacionista.

No Brasil, durante muitos anos, o racismo não era questionado como problema

social que merecesse atenção das pessoas ou pautas de discussões políticas que visassem à

redução das desigualdades entre brancos e negros uma vez que o mito da “democracia

racial”11

apresentava um país de relações harmônicas entre os diferentes povos e etnias que

formam a nação.

Não obstante, fundamentada em estudos científicos relativos às questões de raça,

etnia e gênero, desenvolvidos principalmente, nas áreas das ciências sociais, associados às

reivindicações do Movimento Negro Unificado e demais segmentos sociais que compreendem

a relevância de abordar a questão racial, a questão social referente ao racismo passa a ser

pauta importante na elaboração de políticas públicas de ações afirmativas para o negro

11 O Mito da “Democracia racial” no Brasil pregava uma ideia de que no país não havia hierarquias

raciais e que negros e brancos vivam harmonicamente num sistema sociocultural mestiço. Entretanto, foi

entendido como “mito” por Florestan Fernandes, em 1965, denunciado como fraude por Abdias Nascimento, em

1968 e só foi renegado pelo movimento negro na promulgação da Constituição Federal de 1988. Sobre este

assunto, ver: GUIMARÃES, A. S. A. Cidadania e retóricas negras de inclusão social. Lua Nova, São Paulo, 85:

13-40, 2012.

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brasileiro, sobretudo a partir da década de 1980, época de transições político-ideológicas em

todo o mundo, especialmente no Brasil.

As ações afirmativas são políticas públicas que têm por objetivo garantir

oportunidade de inserção social aos grupos minoritários e ou marginalizados no sentido de

intervirem temporariamente na reconfiguração dos processos históricos nacionais, visando

minimizar os efeitos das desigualdades existentes no país, oferecendo igualdade de

oportunidades para os indivíduos que são tratados de forma diferente.

No que concerne às ações afirmativas, Santos (apud ROCHA, 2006) ressalta que:

São medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado,

espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades

historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento,

bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização,

decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. Portanto, as

ações afirmativas visam combater os efeitos acumulados em virtude das

discriminações ocorridas no passado. (SANTOS, apud ROCHA, 2006 p.98)

Rocha (2006) nos esclarece acerca do caráter transitório das ações afirmativas,

chamando nossa atenção para seus objetivos. Pois, somente através dessas intervenções se

torna viável alocar os grupos historicamente discriminados, no mesmo patamar social dos

outros agrupamentos.

Resultantes de ações reivindicatórias do movimento negro, essas políticas

afirmam os problemas vivenciados pelos negros no Brasil, que ultrapassam as sendas da

legalidade e se apresentam em discursos silenciosos e na discrepância social entre negros e

não negros no contexto nacional.

As contribuições das ações desenvolvidas pelo Movimento Negro Unificado no

Brasil e a relação deste com o governo brasileiro no que se refere as políticas públicas de

combate ao racismo, selada por acordos políticos de impactos significativos no processo de

reconfiguração educacional das últimas décadas, serão abordadas no próximo tópico.

2.1 O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO E A CONQUISTA DA LEI 10.639/03

No dia 07 de julho de 197812

, ativistas negros de sete entidades que formavam o

Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial foram a praça Ramos de Azevedo, em

12 Sobre a origem do MNU e o evento do dia 07/07/1978, ver: <http://mnu.blogspot.com.br/> e

<http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1978/07/08/2//#> Acesso em: 02 de out. de 2016.

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frente ao teatro municipal da cidade de São Paulo protestar contra o racismo no Brasil. Na

ocasião, leram uma carta aberta a população apresentando os problemas enfrentados pelos

negros no país, chamando a atenção da sociedade para o que de fato ocorria no cenário

nacional.

O acontecimento supracitado marca uma fase mais incisiva dos militantes negros

no Brasil. No entanto, essa luta em busca da liberdade e igualdade entre as raças está presente

em todos os tempos da história nacional, uma vez que os negros, desde a era escravista

(século XVI ao XIX) demonstravam insatisfação e resistência ao modo como eram tratados,

apresentando em suas trajetórias ações insurgentes, marcadas por lutas e libertações dos

grupos marginalizados que viviam em condição sub-humana no país.

A atuação do Movimento Negro Unificado – MNU no Brasil, pós 1978, ganhou

destaque nos cenários nacional e internacional, principalmente a partir dos manifestos

seguidos de acordos políticos, traçados no início da década seguinte, com intuito de promover

a igualdade social e racial no contexto nacional brasileiro. Acerca desse cenário, Rocha

(2006) pondera:

Durante os bons ventos dos anos 80, anos em que avançam as lutas dos

trabalhadores por direitos sociais, as reivindicações do movimento social negro

começam a ganhar eco na sociedade. Nesse período, o Estado de São Paulo cria o

Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra. A

partir daí alguns estados, como o da Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato

Grosso do Sul, também criam conselhos similares, com o objetivo de desenvolver

ações para a comunidade negra. (ROCHA, 2006. p. 55)

As lutas travadas pelos militantes do MNU, a partir de então, ganharam

repercussão em todo país, resultando na criação de conselhos estaduais – conforme citação

acima – e na inserção da questão racial na Constituição Federal de 198813

. Neste documento o

racismo passou a ser repudiado no artigo 4º (quarto) e a prática racista considerada crime

inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, como está expresso

no artigo 5º (quinto) de nossa Constituição. Vejamos na íntegra esses dois artigos:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais

pelos seguintes princípios [...] VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo [...]

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

13 Documento na integra, disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 de set. de 2016.

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do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

(EC no 45/2004) [...] XLII–a prática do racismo constitui crime inafiançável e

imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei [...]14

Esta conquista apresenta resultado de árduas batalhas de ativistas que acreditaram

na força de suas ações, pois “apesar de sabermos que existe um jogo de interesses políticos e

sociais em toda ação política, podemos dizer que assegurar legalmente esses direitos foi uma

grande conquista para os negros, em especial, os que sofreram e ainda sofrem preconceitos

raciais” (OLIVEIRA, 2011, p. 16)

No contexto das conquistas do MNU no Brasil, enfatizamos a conquista social da

Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e

Bases da educação nacional - LDB), incluindo o artigo 26A instituindo diretrizes curriculares

que obrigaram a inclusão no currículo da Educação Básica do Ensino de Cultura e História

Africana e Afro-brasileira nas instituições de ensino público e particular em todo território

nacional. Bem como, incluíram no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia

Nacional da Consciência Negra”.

O vinte de novembro faz referência a data da morte de Zumbi dos Palmares,

militante negro que atuou em diversas lutas de caráter emancipatório da comunidade negra no

país. Esse reconhecimento enfatiza a história dos negros brasileiros que por muitos anos não

tiveram suas histórias e memórias apresentadas e ou reconhecidas enquanto formadoras da

história nacional. A simbologia desta data rompe com a tradição brasileira de rememorar as

conquistas e ou episódios políticos nacionais como obras dos brancos detentores do poder,

como fizeram, por exemplo, com o treze de maio, em que a Princesa Isabel ganhou destaque

como bem feitora que “libertou” os escravos, excluindo assim os diversos fatores e agentes

que colaboraram para a tomada de decisão de “libertar oficialmente” os negros escravizados

no país.

Nesse sentido, salientamos que o vinte de novembro enquanto dia nacional da

consciência negra trouxe à tona o que Pollak (1989) chamaria de uma “memória coletiva

subterrânea” da história nacional brasileira, uma vez que esta é resultante de uma crise

provocada por uma disputa de memória originária da memória coletiva dita oficial que tenta

enquadrar e uniformizar todas as memórias.

14 Disponível em:

<https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf> . Acesso em: 02 de

dez. de 2017.

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A memória subterrânea que emerge através do feito supracitado apresenta novos

cenários e atores da história do país, e, nesse contexto, as memórias e lembranças dos grupos

subalternizados na história do Brasil, passam a ser apresentadas e evidenciadas, a partir de

quebra de paradigmas históricos e conceituais. A memória trazida através da história passa a

cumprir seu papel, pois, conforme Menezes (2005, pág. 34) o trabalho da memória é “uma

evocação do passado, ela tem a capacidade de reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o

da perda total, porque o ato de lembrar conserva o que se foi e não retornará jamais”.

As possibilidades de reorganização social no país, viabilizadas principalmente

através da constituição de uma identidade do negro no Brasil corrobora para a adoção de uma

postura mais justa e igualitária no que concerne ao papel dos negros na construção da história

e identidade nacional. Contudo, sabemos que uma data não pode sozinha desconstruir

memórias e mitos da história nacional, porém, se apresenta enquanto possibilidade de

conhecimento e reconhecimento do papel dos negros na gênese da história do Brasil.

Faz-se necessário, contudo, compreender essas ações enquanto conquistas dos

ativistas negros e não como benefícios concedidos pelo governo federal. Pois, no processo de

elaboração desta lei, muitos interesses políticos estavam em jogo, e, a inserção das questões

étnicorraciais não poderiam mais ser proteladas, uma vez que, o presidente recém-eleito da

época – Luiz Inácio Lula da Silva – contou com o apoio do MNU e simpatizantes da proposta

para se eleger e precisava responder às demandas deste grupo.

A sanção de uma lei não garante sua implementação, todavia, neste caso, ao

aprovar um código que reconheceu os problemas étnicorraciais existentes no país e a

fragilidade dos afro-brasileiros que têm seus direitos feridos por um modelo social excludente,

trouxe à tona problemas que precisam ser discutidos para que possam, por conseguinte, ser

minimizados e ou sanados.

No tocante a referida Lei e suas nuances, Dias e Cunha (2012), ressaltam que:

Implementar a lei 10.639/03 não é meramente questão de reparar uma história de

sofrimento, segregação, proibição e agruras impostas pela escravidão negra no

Brasil, por um grande período de cativeiro e pelas mazelas deixadas de uma abolição

inacabada alimentada de injustiças sociais, é principalmente promover o combate ao

racismo, ao preconceito, a discriminação e as intolerâncias na sua fonte de

manifestação e na sua raiz de proliferação que perdura até os dias atuais, criando

desigualdade de oportunidades, desenvolvimento e evolução entre as diversidades de

cor. Seria reconhecer a incontestável importância do negro para a formação e

construção desse nosso país chamado Brasil, e reconhecer que a educação é o

principal veículo reprodutor desse ideal chamado LIBERDADE. (p. 495)

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Ao analisar o contexto político e social do país e a criação da Lei 10.639/03, os

autores supracitados compreendem as múltiplas questões intrínsecas a formulação desta. São

problemas e demandas sociais que impactaram na construção de desigualdades e injustiças

sociais e repercutiram na sociedade brasileira desde a sua formação até os dias atuais.

Reconhecer a importância do negro na formação da história do Brasil vai para

além de medidas pontuais desenvolvidas nos campos políticos, sociais e culturais do país.

Essas modificações interferem diretamente na vida dos indivíduos que compõem a sociedade

brasileira, como no espaço escolar, mas para além dele, uma vez que, “para além das salas de

aula, essas políticas confrontam com o imaginário social, com a democracia racial, com a

ideologia do branqueamento15

, com a naturalização das relações raciais, transcendendo ao

espaço físico das instituições educacionais”. (SILVA, 2012, p. 114)

Ao inserir uma Lei que torna obrigatório o ensino da história afro-brasileira e

africana se reconhece o papel representativo da instituição escola, compreendendo que a

problemática do racismo e das relações étnicorraciais existentes no país, perpassam o

ambiente escolar e não se esgotam nele. Daí a necessidade de ampliar o alcance dessas ações

para que os objetivos traçados sejam alcançados com excelência.

Reconhecer a importância das culturas e histórias dos diferentes povos para a

formação nacional e promover uma educação pautada na qualidade do ensino e na igualdade

de direitos entre esses sujeitos independentemente de sua origem, cor ou crença é papel do

Estado brasileiro que se propõe democrático.

Os problemas sociais enfrentados pelos negros no Brasil, em geral, são nutridos

por relações que denotam discriminação em virtude da cor da pele dos indivíduos ofendidos.

Nessa perspectiva, compreendemos a importância do ensino de história na consecução dessa

proposta legal, bem como o papel do professor, uma vez que a partir da exequibilidade do

ensino da história e da cultura dos africanos e dos afro-brasileiros, provavelmente

conseguiremos promover reparos sociais e educacionais para e com os indivíduos negros

formadores da nação brasileira.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana não propõem uma inversão do

currículo de uma orientação eurocentrista para africanista, todavia, ressalta a importância da

valorização das contribuições histórico-culturais dos povos indígenas, asiáticos, africanos e

15 A tese do branqueamento afirmava a inferioridade de negros, índios e a maioria dos mestiços, mas

esperava que mecanismos seletivos, operando na sociedade (a busca de cônjuges mais claros), pudessem clarear

o fenótipo no espaço de três gerações. (SEYFERTH, 2002 apud ROCHA, 2006)

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europeus, enquanto formadores da identidade nacional. Nesse sentido, devemos compreender

que “no momento em que uma nova diretriz redefine as finalidades atribuídas ao esforço

coletivo, os antigos valores não são, no entanto, eliminados como por milagre, as antigas

divisões não são apagadas, novas restrições somam-se simplesmente às antigas” (JULIA,

2001, p.23).

A escola nesse processo deve viabilizar posicionamentos políticos por parte dos

diferentes sujeitos que a compõe quando das trocas de conhecimentos e experiências entre

brancos e negros, valorizando as singularidades de suas histórias e culturas, promovendo o

acesso e a permanência desses no âmbito do ensino formal que lhes ofereça uma educação de

qualidade capaz de transcender os muros escolares e interferir na construção de uma

sociedade mais justa e igualitária.

As orientações contidas nas Diretrizes Curriculares para Educação das Relações

Étnico-Raciais têm por objetivo atender as demandas por reparações que possam ressarcir os

afro-brasileiros dos danos causados aos seus antecedentes desde a era escravista, bem como,

viabilizar iniciativas de combate ao racismo e todos os tipos de discriminações contra os

negros brasileiros. Compreendendo que, no Brasil, para reeducar as relações étnicorraciais “é

necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o

sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então

decidir que sociedade queremos construir daqui para frente” (BRASIL, 2004, pág.14).

A ideia de transformação social presente nas novas diretrizes nacionais,

apresentam em sua gênese a denúncia do racismo enquanto fenômeno social existente no país,

propagada principalmente, através do Movimento Negro que, por sua vez, se destacou ao

promover ações diversas em várias partes do Brasil, no sentido de ressaltar a problemática no

contexto nacional. Nesse sentido, Gomes (2012), salienta que:

O Movimento Negro é o protagonista central que conseguiu dar maior visibilidade

ao racismo e sua dinâmica de apagamento no conjunto da sociedade, ao mito da

democracia racial, demandando a implicação do Estado para a efetivação da

paridade de direitos sociais. Colaboram, para o reconhecimento dessa problemática

social e para a construção de uma política para a diversidade e para educação das

relações étnico-raciais na escola, nesse contexto, a Marcha Zumbi dos Palmares

(1995), os dados sociodemográficos que demonstram a condição de desigualdade

racial divulgados pelo IPEA (2001), a realização da 3.a Conferência de Durban, a

criação da SEPPIR (2003) e da SECAD (2004). (p.23)

As conquistas do MNU, destacadas acima, refletem diretamente na elaboração de

políticas afirmativas que inseriram a problemática da desigualdade racial no Brasil, bem

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como, ofereceram possibilidades de reconfigurações políticas e sociais no Estado nacional,

através de discussões acerca da dinâmica das relações étnicorraciais no Brasil.

A criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial –

SEPPIR, através da Medida Provisória n° 111, de 21 de março de 2003, convertida na Lei nº

10.678/03 apresentava várias finalidades, dentre elas a de formulação, coordenação e

articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial no Brasil,

vislumbrando combater o racismo e promover igualdade de oportunidades entre os diferentes

grupos étnicos existentes no país, apresentando os problemas vivenciados pelos negros no

Brasil e a relação de enfrentamento existente entre brancos e não brancos no contexto

nacional, resulta do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro.

Esta Secretaria, no entanto, em meados do ano de 2016 passou por modificações

em virtude de mudanças conjunturais no cenário político brasileiro. Dessa forma, permanece

na condição de Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, passando a

ser vinculada ao Ministério da Justiça e Cidadania, a partir da Medida Provisória nº 726

publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de maio de 201616

.

A Medida Provisória nº 726, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de

maio de 2016, estabeleceu a estrutura organizacional da Presidência da República e dos

Ministérios que compõem o governo federal. O documento oficializou a extinção do

Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, que foi

criado em 13 de outubro de 2015, pela MP 696, com a junção da Secretaria de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); Secretaria de Políticas para as Mulheres; Secretaria

de Direitos Humanos e Secretaria Nacional de Juventude.

É provável, frente ao atual cenário nacional de perdas de garantias sociais que tais

medidas implicarão na descontinuidade desse modelo político de proposta inclusiva e

equitativa. Não obstante, esta questão não será aprofundada neste trabalho.

A questão racial no Brasil apresenta interpretações diversas e divergentes uma vez

que, “se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e

negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico

de raça cunhado no século XVIII”. (BRASIL, 2004, p.13)

Nesse sentido, dialogaremos, a seguir com autores que abordam o racismo no

Brasil e seus significados e significantes.

16 Sobre a MP nº 726 ver: <http://www.seppir.gov.br/sobre-a-seppir/a-secretaria>. Acesso em 04 de out.

de 2016.

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2.2 RACISMO NO BRASIL: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS?

As influências do darwinismo social, da eugenia e do racismo “científico”

propagados no Brasil entre os séculos XIX e XX, condicionaram os negros a marginalização a

partir da negação do direito de integração social destes quando da abolição (1888) da

escravatura no país, justificando tal quadro social como consequência de uma relação entre

pessoas incapazes de assumir determinados papeis sociais em virtude da inferioridade de sua

raça (BOLSANELLO, 1996).

O racismo enquanto conjunto de teorias que remontam a uma hierarquia racial,

atravessa os diversos âmbitos e tempos políticos da história brasileira. Todavia, a ideologia de

miscigenação propagada no Brasil em diversos tempos históricos, dissimulou a realidade

vivida pelos negros no país, através da minimização da problemática racial no cenário

nacional.

Destarte, a história do negro no Brasil é marcada por relações de dominação,

violação de direitos e segregações sociais respaldados em discursos ideológicos que negam os

conflitos existentes nas relações étnicorraciais do contexto nacional, apesar de todas as

evidências e denúncias das desigualdades existentes entre brancos e negros no país.

Nesse contexto, o racismo no Brasil apresenta a peculiaridade da negação. Por

muitos anos foi pulverizada a ideia de que os brasileiros não eram racistas, que o racismo não

fazia parte de nossa realidade, e que vivíamos com excelência uma democracia racial. Tal

crença foi questionada por Florestan Fernandes (1965) – que a caracterizou como “mito” – e

por outros estudiosos e militantes defensores da igualdade racial e social.

A compreensão da democracia racial como mito possibilitou novas reflexões

sobre os problemas vivenciados em nosso país. Nessa perspectiva, Guimarães (2012) teceu

uma análise crítica da história do Brasil, ponderando sobre alguns momentos cruciais da

história nacional em que a concepção de cidadania para todos fora difusa, uma vez que “a

subcidadania da maioria dos negros e mestiços evitou por muito tempo que as raízes raciais da

hierarquia social fossem visíveis” (GUIMARÃES, 2012, p.16), e, mediante as conjunturas

político-sociais, a compreensão dessa “democracia racial” em que povos de raças e etnias

diferentes viviam e conviviam harmoniosamente no país era reafirmada ou negada.

A elaboração e a propagação desse mito, resultou no desaparecimento de

identidades e do protagonismo do negro no território nacional, principalmente, quando da

queima de documentos relacionados à escravidão no Brasil, pois

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O governo, através de Decreto de 14 de dezembro de 1890, assinado por Rui

Barbosa, que na ocasião era Ministro da Fazenda, e na Circular nº. 29, de 13 de maio

de 1891, determina a queima dos documentos relacionados à escravidão no país.

Assim, com o esquecimento das mazelas da escravidão seria possível constituir uma

nação em que todos os povos poderiam conviver fraternalmente e avançar nos ideais

liberais de igualdade, fraternidade e liberdade. (ROCHA, 2006, p.26)

A ideia de destruir documentos da época da escravidão brasileira implica numa

disputa de memória em que se fazia necessário promover o “esquecimento” das atrocidades

cometidas contra os africanos e afrodescendentes. Contudo, queimar esses registros não

resultaria na construção de relações harmoniosas e igualitárias, uma vez que “o longo silêncio

sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil

impotente opõe ao excesso de discursos oficiais”. (POLLAK, 1989, p.5)

Analisando o exposto, questionamos: como conviver fraternalmente numa

sociedade excludente e discriminadora? Como viver a dinâmica de ideais liberais num

contexto marcado pela desigualdade social e racial entre os indivíduos? Essas interrogações

nos levam a reflexões que coadunam com as ponderações de Rocha (2006), quando afirma

que o racismo no Brasil é embasado em uma construção ideológica de justificação,

classificação e naturalização, que permite a supremacia de um grupo com relação ao outro.

Os ideais segregacionistas presentes na formação da cultura nacional não estão

dissociados dos processos históricos mundiais, ao contrário, conforme vimos, encontram suas

bases na ciência europeia que buscava justificar a dominação dos europeus sobre os povos do

“Novo Mundo”. Nesse sentido, Munanga (2005, p.18) esclarece que “o preconceito é produto

das culturas humanas que, em algumas sociedades, transformou-se em arma ideológica para

legitimar e justificar a dominação de uns sobre os outros”.

O racismo no Brasil está ligado a uma rede mundial de acontecimentos que

interferem nos âmbitos nacional e internacional e, por sua vez regem as relações de

dominação entre seres humanos. Assim, Rocha (2006) pontua:

O entendimento do racismo como um fenômeno social presente nas relações sociais

no país. Embora haja, historicamente, ações no sentido de negá-lo, o seu

entendimento torna-se um dado necessário para a compreensão das raízes das

desigualdades econômicas e sociais da sociedade brasileira. (ROCHA, 2006, p.03).

Na referida pesquisa, o autor enfatiza o caráter histórico da negação do racismo

como fenômeno social presente no Brasil. Em contrapartida, o compreende como fator

determinante na formação das desigualdades sociais vigentes no contexto nacional. Esta

análise reafirma a condição de inferioridade em que os negros foram apresentados no país

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desde a era escravista até os dias atuais ressaltando a discriminação como propulsora de

disparidades entre brancos e não brancos no Brasil.

Percebemos que várias formas de discriminação e reprodução de preconceitos são

perpetuadas pela sociedade brasileira em diferentes tempos e espaços, colaborando para

manutenção e propagação do racismo no país, mesmo diante da determinação constitucional

que atesta a prática racista como crime inafiançável. Nesse sentido, palavras, gestos e

silêncios se configuram como formadores de uma cultura racista legitimada pelos ditos e não

ditos cotidianos.

O modelo social explicitado acima resulta de um pensamento colonizado, pois,

conforme Fanon (1980, p.44), “não se pode exigir impunemente que um homem seja contra

os preconceitos do seu grupo. Ora, é preciso voltar a dizê-lo, todo o grupo colonialista é

racista”. Nessa dinâmica, o comportamento preconceituoso e excludente ainda vigente na

atualidade precede essa lógica.

Ao analisar os diversos fatores que viabilizam práticas racistas no país, Telles

(2012) denomina cultura racista o conjunto de práticas excludentes e discriminatórias

reafirmadas nas diversas manifestações preconceituosas para com os negros, no Brasil.

Segundo o pesquisador:

A cultura racista é reforçada, naturalizada e legitimada através do humor, ditados

populares, televisão e propaganda. Esta cultura ainda se reflete na discriminação

durante a educação e no mercado de trabalho, assim como na exclusão dos negros

das redes sociais mais importantes da sociedade brasileira. O Estado brasileiro

também é cúmplice da perpetuação dessa cultura e auxiliou a criar desigualdades

raciais. (TELLES, 2012, p.140).

A trajetória dos negros africanos e dos afro-brasileiros no Brasil é marcada por

embates que às vezes mascaram e outras denunciam o sistema político de dominação de uma

raça sobre outras. Nesta acepção, cabe salientar que, após a libertação dos escravos, as

políticas de imigração existentes no Brasil reforçaram a desigualdade racial no país, uma vez

que, ao incentivar a entrada de brancos no território nacional para inseri-la como mão de obra

paga e “embranquecer” a população, fomentou a construção de distâncias sociais e

econômicas entre brancos e negros. Como destaca Rocha (2006):

O discurso ideológico que naturaliza as desigualdades raciais no país molda-se de

acordo com as determinações históricas e econômicas. A ideologia de dominação

racial justificaria a escravidão a partir das ideias de inferioridade do negro, e o mito

da democracia colocar-se-ia por debaixo do tapete, omitir-se-ia a questão racial

brasileira. Esses discursos são parte estruturante da ideologia de dominação de

classe no Brasil. (p.25)

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As ideologias de dominação propagadas no Brasil nos períodos escravista e pós-

escravista são preponderantes no processo de estruturação da sociedade brasileira,

repercutindo na crença de que as diferenças vividas pelos negros no Brasil são de origem

econômica e não racial. Por isso, a ideia de que no país não existia preconceito em virtude da

cor dos indivíduos foi tão bem aceita, durante anos, nos contextos nacional e internacional.

As relações existentes entre os diferentes grupos sociais no Brasil são delimitadas

por práticas diversas e divergentes que podem denotar a sobreposição de alguns indivíduos

sobre os outros. Analisando essa realidade, compreendemos o que Sales Jr. (2006) designa de

“relações cordiais” entre brancos e negros no Brasil. Em sua pesquisa, o referido autor

enfatiza que:

Muitas vezes a discriminação se dá sem nenhuma enunciação explícita ou implícita

de caráter racial. As relações raciais constituem, nesse caso, um jogo de linguagem

não-verbal, não-dito, discurso silencioso, mais corporal do que verbal, pelo qual os

indivíduos mobilizam as forças, os corpos e os acontecimentos sociais, e se

apropriam deles. O “discurso silencioso” configura-se na forma mais forte de não-

dito. Nesses casos, é muito difícil caracterizar a prática discriminatória a partir do

comportamento individual. É preciso confrontá-lo com outros comportamentos ou

inseri-lo numa série divergente de comportamentos repetidos (práticas) que separa e

distribui “brancos” e “negros”. (SALES Jr., 2006, p. 243).

Analisar o silêncio desses discursos racistas requer um conhecimento mais

profícuo das relações étnicorraciais existentes no país, por este motivo, trazemos para nossa

discussão a pesquisa de Sales Jr. (2006). Com propriedade do que diz, ele apresenta os

fragmentos das relações entre negros e brancos no Brasil, deixando claro como essas relações

trazem consigo o sentido de “cordialidade” do negro para com o branco, demonstrando o

lugar de subordinação ocupado pelo negro. Este por sua vez, na tentativa constante de se

sentir pertencente à realidade do mundo do branco, busca alcançar novos patamares pelo

processo de “embranquecimento” social.

A realidade das relações contemporâneas – em pleno século XXI – entre negros e

não negros no Brasil, ainda apresenta resquícios de orientação escravista, excludente e

segregacionista. Não obstante, militantes do MNU, de ONGs e da sociedade civil vêm, ao

longo das últimas décadas, tentando reduzir essas disparidades e, por conseguinte, inserir o

negro brasileiro em todos os espaços sociais de forma equânime, considerando a importância

do ser humano em detrimento das teorias que distinguem os indivíduos baseados na cor de

sua pele e nas características fenotípicas que apresentam.

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Acreditamos, enfim, que por meio de uma mudança de posicionamento dos

brasileiros e de novas práticas sociais, poderemos desarraigar o racismo do cenário nacional e

implementar a verdadeira democracia racial no Brasil.

2.3 NA ESCOLA SE REVELA: “RACISMO É O PRECONCEITO DE COR.”

A escola, como espaço de formação e possível transformação social,

historicamente desempenha papel na elaboração de novas realidades educacionais e sociais

que se conformam numa dinâmica composta de aquisição e reprodução de pensamentos,

informações e conhecimentos. Nesse sentido, as ações desenvolvidas neste ambiente superam

a adesão e execução das propostas existentes nos próprios projetos político pedagógicos e

ultrapassam diretrizes do ensino formal, tendo em vista que o currículo vivenciado pelos

alunos vai além dos conteúdos escolhidos para serem ministrados pelos professores. “A

existência, na experiência escolar, de um „currículo oculto‟ ao lado do currículo oficial está

confirmada por vários estudos sobre o tema”. (LOPES, 2004, p.17), pois

O currículo não é um elemento neutro e desinteressado na transmissão de conteúdos

do conhecimento social. Ele esteve sempre imbricado em relações políticas de poder

e de controle social sobre a produção desse conhecimento. Por isso, ao transmitir

visões de mundo particulares, reproduz valores que irão participar da formação de

identidades individuais e sociais e, portanto, de sujeitos sociais. (LOPES, 2004,

p.16)

Ambiente propício ao desenvolvimento de concepções de mundo que podem

desconstruir ou reforçar ideais racistas de acordo com o direcionamento dos pensamentos e ou

ações desenvolvidas no interior desse espaço, a escola contemporânea, para promover a

formação de cidadãos capazes de lidar com as múltiplas culturas, linguagens e etnias

existentes no país, bem como com os preconceitos e discriminações ainda presentes em nossa

sociedade, precisa efetivamente inserir em seu processo formal e formativo uma educação das

relações étnicorraciais.

Percebendo a dimensão das relações estabelecidas na escola e as múltiplas

possibilidades de sucesso ou insucesso dos vínculos concebidos neste âmbito, entendemos

que “nesse lugar, subjaz um campo cultural no qual o conhecimento, o discurso e o poder

interseccionam-se de maneira a produzir práticas historicamente racistas, além da regulação

moral e social”. (SANTOS, SOUZA e FONSECA, 2011, p. 113)

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Nesse contexto, as escolas e seus agentes, em especial os docentes, precisam estar

preparados para promover um processo educacional plural e transformador, uma vez que, de

acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana,

[…] para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que

desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo

europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos

pedagógicos. (BRASIL, 2004, p.15).

Quando falamos em discriminação étnicorracial nas escolas, estamos nos

referindo às práticas discriminatórias, de caráter preconceituoso, que envolvem o composto de

relações existente entre os diferentes sujeitos que convivem neste espaço. Essas práticas

reforçam as desigualdades raciais e sociais ainda presentes no país. Silva (2009) é enfático ao

afirmar que:

O combate à discriminação racial deve existir em todos os campos e instituições de

socialização segundo a Constituição brasileira. Porém na escola estão as evidências

de uma sociedade desigual, nas oportunidades de acesso e também de permanência,

na possibilidade de formação educacional confiável que conduza a uma carreira

acadêmica e consequentemente profissional. (SILVA, 2009, p.117)

As desigualdades presentes na sociedade brasileira são estendidas para a escola,

de forma a acentuar cada vez mais a problemática da discriminação racial nesse ambiente.

Considerando que as oportunidades de qualificação profissional para estudantes negros não

são iguais àquelas ofertadas aos estudantes brancos – apesar de ações promovidas por

movimentos sociais, sociedade civil e pelo Estado por via das políticas públicas voltadas às

questões étnicorraciais. Entretanto, o que de fato ocorre, segundo estudos realizados nas

últimas décadas, é a “centralidade da discriminação no sistema educacional como fator de

reprodução das desigualdades raciais” (SOARES, 2005 p.01). Essa realidade justifica o lugar

de destaque ocupado pela educação nas ações de combate ao racismo no Brasil. Como nos

lembra Gomes (2012):

A educação escolar, como espaço-tempo de formação humana, socialização e

sistematização de conhecimentos, apresenta-se como uma área central para a

realização de uma intervenção positiva na superação de preconceitos, estereótipos,

discriminação e racismo. (p.24)

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Compreendendo a dimensão do ensino formal na construção de uma sociedade

mais justa, nos propomos a analisar o contexto educacional na tentativa de encontrar as

dissensões e convergências entre a realidade nacional e a local, apresentando a fala dos

sujeitos entrevistados nas escolas pesquisadas em Quixadá, município localizado no Sertão

Central do Ceará.

Para tanto, fomos a campo e, mediante observações e entrevistas semi-

estruturadas, avaliamos a realidade de três escolas públicas do bairro Campo Novo, situado na

periferia da cidade. Entrevistamos – em cada uma das três escolas – um coordenador

pedagógico, um professor de história e cinco alunos (facilmente identificados como negros),

do último ano de cada segmento escolar que a instituição pesquisada atende, ou seja, em uma

das escolas alunos do 5º ano do Ensino Fundamental I, em outra escola os alunos do 9º ano do

Ensino Fundamental II e em outra os alunos do 3º ano do Ensino Médio.

O racismo nas palavras do professor de história do 9º ano da escola municipal de

Ensino Fundamental Nemésio Bezerra seria “um preconceito de cor, preconceito de raça. Mas

eu acrescentaria que racismo é a desvalorização de uma raça, de uma etnia, em favor de outra,

eu diria assim”17

.

De acordo com o professor entrevistado o racismo vai além do preconceito,

resultando na valorização de uma raça ou etnia em detrimento das demais existentes na

sociedade. Nesse sentido, o entrevistado, apresenta um pensamento aproximado da

abordagem que estamos assinalando, uma vez que essa desvalorização se configura por

conjuntos de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e entre as etnias,

em que algumas pessoas são consideradas inferiores a outras.

Conforme o pensamento do professor, uma estudante do 3º ano do ensino médio

ressalta:

Racismo pra mim é um tipo de preconceito entre as raças, as etnias como, por

exemplo, sobre cor da pele, o modo de alguém se vestir, de outros países que se

vestem. Pra mim, tudo isso faz parte de um racismo. E até mesmo um ... é ... tipo de

pensamento ou atitude que o indivíduo vem a ter contra o próximo, sendo ele de

irritar ou prejudicar ele de qualquer outra maneira (informação verbal).18

17 Entrevista realizada em 2016 com o professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra. 18

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio da Escola Abraão Baquit.

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Em sua fala, a estudante aponta uma questão que vai além das teorias raciais, uma

vez que aborda o racismo como algo que desrespeita, prejudica e chateia quem é agredido por

manifestações preconceituosas.

Na mesma perspectiva dos demais entrevistados, outro estudante do 3º ano do

Ensino Médio destaca:

Assim, definição de racismo eu não sei. Eu sei dizer o que é uma pessoa racista. Pra

mim, uma pessoa racista é aquela pessoa hipócrita que quer se colocar acima de

todas as outras pessoas, diminuindo aquelas que, por exemplo, é [sic] diferente de

sua cor, tipo, eu sou negro, me considero negro… a outra pessoa se considera

branca. O que acha que é branco pode ser superior a pessoa de pele mais morena,

mais escura. Pra mim é hipocrisia! É besta um cara que faz isso (informação

verbal).19

O estudante inicia sua fala dizendo não saber definir racismo, todavia, ao dizer o

que é uma pessoa racista, deixa claro que reconhece o racismo como uma relação hierárquica

e desigual entre pessoas de raças diferentes, ressaltando a ideia de superioridade do branco em

relação ao negro e deixando clara a realidade díspar entre as pessoas negras e as brancas.

Outro fator relevante na fala deste entrevistado é seu posicionamento, pois destaca

que se reconhece como negro. Tal postura chamou a nossa atenção, uma vez que, apesar de

termos selecionado para entrevista somente alunos que apresentavam características físicas

negras, muitos não se reconhecem como tal. Esta observação denota a crise identitária vivida

por esses estudantes que, não obstante apresentarem características fenotípicas da “raça”

negra, não se reconhecem negros, fato este que consequentemente implicará nos resultados da

construção identitária frágil dessas crianças e adolescentes negros.

Sobre a construção de identidade positiva da criança e do adolescente negro,

Coelho (2010, p.14), reforça que a construção da identidade se cristaliza por intermédio das

relações construídas no campo social dos agentes, como fonte de “significado” e

“experiência” com os grupos nos quais esses indivíduos se inserem, segundo Hall (1999);

Castells (2000); Berger e Luckman (1987). Coelho (2010) ainda chama a atenção para o fato

de que essas crianças e jovens negros não compreendem o que vem a ser identidade, não

obstante entenderem quando são objeto de segregação simbólica ou explícita por meio de

piadas ou do que se costuma entender como “brincadeiras” nas relações cotidianas no espaço

escolar.

19 Entrevista realizada em 2016com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

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Nesse sentido, percebemos que a “negação” da cor, expressa nas entrelinhas das

falas das pessoas entrevistadas, estão diretamente associadas às relações raciais existentes

dentro e fora das escolas. A esse respeito, Lopes (2004, p. 17) identifica que “essa origem da

classificação por cor é carregada de um conteúdo marcadamente discriminatório, e com ele

vêm junto conceitos, opiniões e certezas que informaram, ao longo da nossa história, o lugar

de cada um – brancos e negros – no imaginário social”.

A negação da cor e dos conflitos vividos no contexto das escolas pesquisadas é

reforçada em algumas colocações como, por exemplo, uma estudante do 9º ano do Ensino

Fundamental, que, ao ser questionada sobre o racismo respondeu, entre risos, “tipo assim, eu

não tenho nem palavras...”20

. Silenciou e, na sequência, afirmou que nunca ouvira falar sobre

racismo, nem mesmo na escola. Porém, em outro momento, contradisse a própria fala, ao ser

questionada sobre a vivência escolar, quando salientou as “brincadeiras bestas”21

, que em suas

palavras se referiam “as coisas do preconceito, gente que sofre bullying”22

. Compreendemos

então que ela pode não saber definir o racismo, mas reconhece suas formas de apresentação e

representações sociais expressas por múltiplas vias.

Nesta fala, encontramos a negação e o “desconhecimento” como forma de

silenciar o que de fato ocorre, tendo em vista que, no decorrer de nossa conversa, a estudante

salientou que sentia “alívio” ao estudar a história dos africanos e que participa ativamente

dessas aulas. Interpretamos este alívio como algo que ameniza as relações étnicorraciais no

contexto escolar. Quais motivos levam esta criança a participar ativamente de uma aula que

lhe traz alívio? Esta palavra fez-nos repensar sua fala e compreender o que o silêncio desta

estudante trazia à tona.

As tensões presentes nas escolas representam um pouco as relações

segregacionistas em nosso país. Nesse sentido, Sales Jr. (2006) aborda os “silêncios”

presentes nas relações raciais “cordiais” que expressam a estabilidade da desigualdade e

hierarquia raciais no Brasil, que, por conseguinte, diminuem o nível de tensão destas. Nesse

contexto, compreendemos o “riso” e o “alívio” presentes na fala da estudante como marcas de

relações de desigualdades raciais presentes dentro e fora do contexto das escolas.

20 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra. 21

Idem. 22

Idem.

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A estudante entrevistada apresentou um resultado peculiar da relação de

desigualdade existente entre brancos e negros, uma vez que, ao silenciar sobre o que de fato

sentia, demonstrou os efeitos da estigmatização racial vivenciada no cotidiano escolar.

No que se refere aos estigmas raciais, Sales Jr. (2006) acrescenta:

A estigmatização racial é o exercício de uma vigilância difusa e ciosa da hierarquia e

da dominação raciais, provocando intensidades de dor nem sempre corpóreas, mas

que repercutem no corpo, mutilando-o, esfolando-o, fragmentando-o, codificando-o,

semiotizando-o, não apenas simbolicamente ou imaginariamente. Afeta o corpo com

marcas mais sociais do que corporais, mas que repercutem nele como estigmas. O

estigma é uma demarcação corporal de uma relação social de desigualdade,

resultante de uma reificação dos processos de dominação/hierarquização. (p.233)

Segundo a nossa análise, a dor expressa na palavra “alívio” utilizada pela

estudante reafirma o caráter excludente e danoso das relações raciais vivenciadas nas escolas

pesquisadas. Demais falas de professores e estudantes reforçam a problemática do racismo

ainda presente nas relações entre brancos e negros no país, especialmente nas escolas

analisadas.

Ao ser questionado sobre o que é racismo, um estudante do 3º ano do ensino

médio, destacou:

Eu acho que hoje na sociedade que a gente vive a palavra racismo ela é muito mal

interpretada. Ela é as vezes confundida com preconceito racial. O racismo na minha

concepção é o ato ou o fato de julgar as pessoas a partir da sua raça, colocar a sua

raça independentemente de ser branco, negro, islâmico, católico, protestante, assim,

colocar sua raça como fator de julgamento, sei lá, pra outras pessoas, outras

sociedades. Pra mim o racismo é isso, julgar as pessoas conforme a sua raça ou a sua

concepção de certo ou errado (informação verbal).23

Em sua fala, o estudante demonstra várias concepções do que entende por

racismo, inclusive, apresentando várias formas de preconceito que superam a questão racial,

no entanto, destaca a raça como fator de julgamento. Apesar de não estabelecer a hierarquia

das relações raciais, destacando brancos ou negros, aponta a raça como instrumento de análise

do outro a partir de si, quando cita o julgamento de outras pessoas e outras sociedades.

A ideia de racismo apresentada acima pelo aluno do 3º ano do Ensino Médio é

reproduzida por outros estudantes entrevistados, que concebem por racismo as ações e ou

reproduções discriminatórias sofridas pelos negros e outros agentes escolares.

23 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

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Nesse sentido, outro estudante do 3º ano do Ensino Médio ressaltou que “o

racismo é uma discriminação a alguém, ou melhor, algo que irrite ou machuque a outra

pessoa”24

, destacando as marcas deixadas pela discriminação, uma vez que, ao falar do

racismo, salienta os efeitos dessas manifestações para as vítimas dessas agressões, afirmando

que tais atos irritam ou machucam, deixando claro que, ao serem humilhados devido à

discriminação, as vítimas passam por processos danosos e dolorosos.

Dialogando com os alunos do Ensino Fundamental, conseguimos outras respostas

que nos esclarecem acerca da concepção dessas crianças e jovens sobre o racismo. Uma

estudante do 9º ano da Escola Nemésio Bezerra, ao ser indagada sobre o tema, ponderou que

racismo para ela “é quando uma pessoa fica xingando a outra por causa da cor, diferença.

Cabelo, corpo, tudo”25

. A estudante fala de xingamentos em virtude da cor, do cabelo, do

corpo, ressaltando a estigmatização racial conforme já discutido com Sales Jr. (2006) e Lopes

(2004).

As questões pontuadas pela estudante nos fazem refletir cada vez mais sobre o

poder representativo do corpo e, principalmente, as marcas sociais presentes no corpo do

negro como portador da informação de uma diferença que desencadeia a expressão do

preconceito. (LOPES, 2004)

A concepção da estudante sobre o racismo é reafirmada por outra estudante,

também do 9º ano, que assegura: “Racismo é falta de respeito! Porque muita gente tem

racismo por causa da cor. O estilo da pessoa, o jeito. Você tem um cabelo meio assim

encaracolado, diz que é ruim. Se tem cabelo duro, é cabelo de vassoura. E é isso!”26

.

Novamente a compreensão acerca do racismo por parte dos estudantes

entrevistados ressalta o corpo negro e sua representatividade, considerando que “a visibilidade

corporal do negro é que anuncia os outros significados discriminatórios que lhe são

atribuídos, sempre marcados por um sentido de inferioridade”. (LOPES, 2004, p.22). Esta

última, gestada nas relações de subordinação do negro escravizado frente aos seus senhores,

durante o regime escravista no Brasil.

Outro estudante do 9º ano do Ensino Fundamental apresentou concepção

semelhante à de suas colegas, ao afirmar que racismo é “prejudicar os outros, chamar de

nome, tipo assim uma pessoa vai passando, ela é negra e eu sou branco, aí falo nomes com

24 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit

25 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra. 26

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra.

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ele, tipo bicho preto, macaco, qualquer coisa assim”27

. O ato de depreciar o outro é novamente

posto em cena quando os estudantes são indagados sobre o racismo, apresentando com clareza

as marcas desse fenômeno na concepção das crianças e jovens entrevistados nas escolas de

Quixadá.

Outro fator relevante é que os estudantes entrevistados falam sempre do outro,

talvez por não se reconhecerem negros. Observamos essa situação em algumas falas, e

percebemos a dificuldade desse reconhecimento de si, expressa na fala do estudante ao

exemplificar a resposta da pergunta a ele dirigida quando disse “eu sou branco” e o “outro” é

negro. Ou seja, eles observam e compreendem as desigualdades das relações entre negros e

não negros, porém, algumas vezes não se percebem como pertencentes a este grupo ou negam

a própria cor.

No contexto das relações analisadas, compreendemos a negação da cor como

estratégia de fuga, tendo em vista que ela carrega consigo fardos muito pesados, uma vez que

“o “corpo negro”, conforme um regime semiótico racista, é o próprio lugar da subordinação

ou da exclusão...” (SALES Jr. 2006, p.233). No Brasil do século XXI, ainda predomina uma

ideologia racista e excludente, em que “a miscigenação não eliminou a discriminação, apenas

a pluralizou, matizou, modalizou, conforme a presença ou a ausência gradual de

características “negras”, mas principalmente pela tonalidade da cor da pele [...]” (idem).

Por outro lado, algumas crianças e adolescentes se reconhecem negras e afirmam

sofrer na escola e na sociedade em virtude da cor de pele que têm. Um estudante do 5º ano, do

Ensino Fundamental, ao ser indagado sobre o que entendia por racismo, foi enfático ao

afirmar que “racismo é as diferenças que os brancos vê [sic] nos negros, e também, nos

indígenas que também são negros que nem eu, e que nem minhas amigas e meus amigos”28

.

O enunciado do estudante aborda o reconhecimento de si e do outro, denotando

assim a compreensão deste sobre a própria cor e a cor dos colegas, que ele denomina

“amigas” e “amigos”, chamando a atenção para a diferenciação dada a eles em virtude dessa

tonalidade na cor da pele, citando também os indígenas, que pouco são mencionados por

nossos entrevistados.

27 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra.

28

Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José

Bonifácio de Sousa.

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39

A percepção de racismo para com o negro apresentada acima pelo estudante é

confirmada na fala de sua colega de sala, que ponderou: “Racismo é a pessoa branca que tem

muito preconceito com as pessoas negras, chama a pessoa de nêga, de preta, de carvão”.29

Os discursos dos estudantes entrevistados são semelhantes e incisivos quanto à

desvalorização do negro em virtude de sua cor e dos caracteres físicos que apresentam,

mesmo quando estes são demonstrados pelo que eles chamam de “brincadeiras” (estas serão

abordadas no próximo capítulo). Observamos, também, a carga pejorativa destinada por eles à

denominação “negro”, pois, de acordo com alguns depoimentos, fica notório que ser chamado

de negro é ofensivo para alguns. Todavia, compreendemos que essa concepção está associada

à carga negativa e subalternizada do “ser negro” no Brasil.

Por fim, pudemos constatar, por via das entrevistas realizadas, que, apesar de

alguns estudantes não conseguirem definir o racismo com precisão, apresentam com clareza o

sofrimento ocasionado pelas ofensas a eles desferidas em virtude da cor de pele que têm.

Ademais, demonstram perceber as diferenças estabelecidas nas relações sociais que

vivenciam, especialmente na escola.

As concepções dos estudantes entrevistados denunciam a realidade vivida por eles

dentro e fora do contexto escolar. A negação ou o reconhecimento de si e do outro e a

percepção de um fenômeno social que tem o negro como símbolo de inferioridade racial, as

quais tentam justificar a segregação social existente entre negros e não negros no país são

concebidas por eles como algo dorido e injustificável, vez que compreendem a ideia de

igualdade entre as pessoas, independente de pele ou condição social. Não obstante, a partir da

realidade em que vivem, já perceberam que existe distância considerável entre o que deveria

acontecer e o que de fato ocorre na convivência social. Enquanto crianças e jovens de bairro

periférico, os estudantes entrevistados sofrem na pele o descaso do Estado e a marginalização

que lhes é imposta.

Nesse cenário, a escola se apresenta como relevante na construção de uma

consciência histórica por parte dos seus agentes, pois, conforme Telles (2012, p.129), “[…] as

escolas podem ser os locais mais importantes para examinar como as desigualdades raciais

são produzidas. Sem dúvida, as desigualdades entre classes são reproduzidas na educação de

diversas maneiras, o que também reproduz desigualdades raciais”. E, uma vez que estamos

nos referindo a crianças e jovens entre dez e dezoito anos, de bairro periférico, de

29 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José

Bonifácio de Sousa.

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vulnerabilidade social, do sertão central cearense, essa consciência está cada vez mais

suscetível de não ser erigida.

No que alude ao entendimento desses sujeitos sobre racismo, respostas mais

curtas como: “Racismo pra mim é uma pessoa discriminar a outra pela cor ou pela classe

social: preconceitos...”, “Racismo é o preconceito de cor... ”, “É coisa feia.” ou “É o que

fazem com as pessoas negras, de cor [...] na forma de tratamento”, “Racismo é quando

alguém fica apelidando uma pessoa negra”, também foram apresentadas por nossos

entrevistados. Todavia, conforme pontuamos, anteriormente, mesmo não compreendendo

muito bem o fenômeno social racismo, professores e estudantes entrevistados sabem a quem

se destinam as manifestações de preconceito racial, pois, segundo suas concepções, os negros

são alvos dessas ações.

Durante as entrevistas e conversas informais, constatamos que, nas escolas

pesquisadas, professores e alunos sabem o que é racismo, apesar de ainda o confundirem com

outras práticas preconceituosas presentes em nossa sociedade. Não obstante, compreendem as

ações de discriminação racial como práticas de violação de direitos, exemplificando como

preconceito racial, religioso ou social e apresentando informações que denotam certo

reconhecimento dessas manifestações em seus cotidianos.

Os resultados apresentados neste primeiro capítulo nos incentivam a permanecer

questionando as fontes de que dispomos para compreender a vivências desses sujeitos e os

tipos de relações ou tensões de cunho racial existentes ou não no seu cotidiano escolar, bem

como os desafios impostos aos professores de história na exequibilidade da lei 10.639/03,

numa perspectiva de instrução antirracista, ao inserir os estudantes no universo da história e

cultura afro-brasileira e africana.

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3 O RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR

A escola, no geral, desempenha papel singular no processo de sociabilidade e

integração social de inúmeras crianças e jovens em todo o mundo. Representa espaço de

preparação dos estudantes para a vida em sociedade, onde as relações e concepções de mundo

são construídas, baseadas em posturas e ideologias disseminadas nos diversos acontecimentos

vividos no interior desses ambientes.

Compreendendo a relevância das experiências compartilhadas nesse âmbito, bem

como o impacto das relações estabelecidas na vida dos estudantes e professores da educação

básica, desenvolvemos nossa pesquisa em Quixadá, vislumbrando analisar como o racismo se

reflete no cotidiano escolar, trazendo à reflexão posturas racistas que muitas vezes passam

despercebidas ou como simples “brincadeiras”, conforme enfatizaremos mais à frente, ao

analisar a fala dos entrevistados.

No caso dos alunos negros, a concepção do racismo requer mais atenção, uma vez

que o “corpo negro” é estigmatizado e a construção da identidade negra no Brasil é marcada

por lutas e desafios, uma vez que o reconhecimento da história do negro ainda é questionado

pelo pensamento colonizado de uma boa parte da população nacional, de visão eurocentrista e

racista.

Nesse contexto, tanto as relações estabelecidas na escola, quanto os processos

educacionais são fundamentais para construção identitária do negro. No que se refere a essa

questão Santos, Souza e Fonseca (2011, p. 109), evidenciam que:

A construção da identidade negra na escola é processual e requer que se intensifique

a de materiais didáticos e a formação de professores no sentido de criar subsídios

para implementar uma educação de valorização e reconhecimento da história,

cultura e identidade da população negra no Brasil.

Para a efetivação de uma educação das relações étnicorraciais, as escolas precisam

promover ações diversas que garantam a concretização de um ensino pautado no respeito e na

valorização do outro. Nesse sentido, a aplicabilidade da Lei 10.639/03 (alterada pela Lei

11.645/2008) fomenta o reconhecimento da importância da história do negro no Brasil e

coloca em pauta discussões que viabilizam a desconstrução de pensamentos e ações que

subalternizam o negro e sustentam o racismo no país, apesar de que “combater o racismo,

trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-

raciais não são tarefas exclusivas da escola”. (BRASIL, 2004, p.14).

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Isto posto, somos conduzidos à compreensão do nosso papel de professor de

história que busca analisar acontecimentos do cotidiano escolar, a fim de perceber as diversas

significações do fenômeno social racismo no contexto atual, relacionando-o com a

constituição histórica do Brasil, bem como com a formação da identidade nacional. Dessa

forma, afirmamos que nossa pesquisa visa elaborar uma compreensão histórica sobre a

realidade analisada do e no tempo presente, mediante processos diversos que nos auxiliam a

compreender a construção do racismo e, por conseguinte, contribuir para a formação de novas

experiências no campo histórico da história da educação.

3.1 AS ESCOLAS E OS SUJEITOS ESCOLARES: O CAMPO DA PESQUISA

As escolas pesquisadas – situadas no bairro Campo Novo, em Quixadá – apresentam

características ímpares e para melhor compreendê-las apresentaremos a seguir, suas

organizações estruturais e conjunturais.

Figura 1 – Parte externa da EEF José Bonifácio de Sousa

Fonte: Própria autora (2017)

A Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa, situada à Rua da

Lavanderia S/N, bairro Campo Novo, em Quixadá, foi fundada em 1970 (figura 1). No

decorrer dos anos passou por mudanças e reconfigurações político administrativas, inclusive

com a construção de uma nova estrutura física que buscou atender – via parceria entre Estado

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e município – ao projeto de padronização das escolas no país, fomentado pelo Governo

Federal30

. Essa nova estrutura foi inaugurada em 1º de novembro de 2007.

O prédio de arquitetura modernista é composto por doze salas de aula, uma sala

de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), uma sala de

recursos, um auditório, uma quadra de esportes coberta, um refeitório, três banheiros, uma

sala de multimeios, sala dos professores, sala de direção e uma secretaria. No ano de 2016, a

escola contava com um quadro de funcionários composto por 34 servidores, sendo 25

professores e 09 técnico-administrativos.

As turmas são distribuídas nos turnos manhã e tarde e tem em média 617 alunos

devidamente matriculados, dentre eles as crianças da creche do bairro, que está localizada ao

lado da escola e a ela responde administrativamente.

Figura 2 – Parte externa da EEF Nemésio Bezerra

Fonte: Própria autora (2017)

A Escola de Ensino Fundamental Nemésio Bezerra, situada à Avenida Presidente

Vargas, 453, bairro Putiú/ Campo Novo, em Quixadá, foi fundada em 27/05/1965 (figura 2).

O prédio de arquitetura modesta está deteriorado, necessitando de reformas. Nele

há oito salas de aula, uma sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional

Especializado (AEE), uma quadra de esportes coberta, um refeitório, três banheiros, uma sala

de multimeios, um laboratório de informática, sala dos professores, sala de direção, sala de

coordenação e uma secretaria.

30 O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) disponibiliza aos municípios, Estados e ao

Distrito Federal projetos padrão para a construção de escolas do modelo Espaço Educacional Urbano e Rural.

Daí a escola ficou conhecida na comunidade como Escola Modelo.

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No ano de 2016, a escola contava com um quadro de funcionários composto por

60 colaboradores, sendo 21 professores, 01 diretor, 03 coordenadores escolares 16

burocráticos (incluindo serviços gerais e cargos administrativos) e mais 19 servidores – 11

professores e 08 técnico-administrativos – lotados na comunidade Rainha da Paz (extensão da

escola situada no bairro Nova Jerusalém).

As turmas são distribuídas nos turnos manhã e tarde – inclusive na extensão –,

tendo em média 420 alunos matriculados, atendendo as demandas dos bairros Putiú, COHAB,

Monte Alegre e Nova Jerusalém.

Figura 3 – Parte externa da EEM Abraão Baquit

Fonte: Própria autora (2017)

A Escola Estadual de Ensino Médio Abraão Baquit, situada à Rua Reginaldo

Lopes S/N, no bairro Campo Novo, na zona periférica de Quixadá (figura 3), foi criada em

1987, recebendo autorização para ofertar a modalidade de Ensino Médio em 2002.

O prédio de arquitetura simples está deteriorado, principalmente na parte externa,

necessitando de reformas. Há cinco salas de aula, uma quadra de esportes coberta, um

refeitório, três banheiros, uma biblioteca, três laboratórios (dois de informática e um de

ciências), sala dos professores, sala de direção e coordenação e uma secretaria.

No ano de 2016, a escola contava com 28 professores, 10 efetivos e 18

temporários, 01 diretor, 03 coordenadores escolares, 01 assessor administrativo financeiro, 01

secretária, 01 professora interprete de libras e 22 funcionários: 15 efetivos e 07 terceirizados.

Funcionando nos três turnos, inclusive na zona rural, tinha em média 178 alunos matriculados

na sede que somado as duas extensões, ambas na zona rural do município, Cipó dos Anjos

com 125 alunos e Juatama com 182 alunos, totaliza 485 alunos devidamente matriculados,

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atendendo às realidades especificas de cada contexto mediante parceria entre Estado e

município.

Findada a apresentação das escolas, reconhecemos que analisar a importância

dessa instituição no processo de viabilidade de uma educação das relações étnicorraciais e na

constituição das identidades dos sujeitos escolares, requer percebê-la ulteriormente à sua

estrutura física, tendo em vista que esta apresenta elementos estruturais próprios, “tem suas

características de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus

modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de

símbolos” (FORQUIN, 1993, p.167).

Buscamos, nesse sentido, perceber as relações que permeiam o contexto das

escolas, sobretudo as entre membros escolares e a comunidade do entorno. Os moradores do

bairro Campo Novo mantêm vínculo com essas instituições, fazendo uso de seus espaços em

situações diversas, como por exemplo, festas de aniversários. Observamos, durante o estudo, a

integração entre a comunidade escolar e os moradores do bairro que, por sua vez, ao se

relacionarem uns com os outros, criam elos de confiança e de respeito mútuo, num contexto

socioeconômico adverso. Mas a escola ainda é percebida, por alguns, como um espaço de

“punição”, em que os estudantes têm que se submeter às suas normas e regras, para não

perderem benefícios que estão atrelados à sua frequência escolar como, por exemplo, o Bolsa

Família.

Durante as observações realizadas em campo, os gestores das escolas foram

enfáticos ao afirmarem que alguns pais ou familiares só mandam as crianças e adolescentes

para assistirem as aulas em virtude do controle de faltas escolares que é enviado à Secretaria

de Desenvolvimento Social do município para o acompanhamento que é destinado ao

programa federal Bolsa Família31

, em que, um dos quesitos exigidos para manutenção do

benefício é manter a frequência das crianças e adolescentes na escola. Esta situação é

confirmada também na pesquisa de Brito (2008)32

, quando o mesmo fez um estudo sobre o

bairro Campo Novo.

De acordo com Brito (2008), muitos fatores colaboram para a propagação de

pensamentos que não valorizam a educação no contexto do bairro, dentre os quais a falta de

31 O Bolsa Família é um programa que contribui para o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil. Foi

criado em outubro de 2003 e possui três eixos principais: complemento da renda, acesso a direitos e articulações

com outras ações. Maiores informações sobre este assunto em:< http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-

e> Acesso em: 21 de jul. de 2017. 32

BRITO, Francisco Carlos Saraiva de. A periferia e suas adversidades: a trajetória do Bairro Campo

Novo e suas representações (1964 – 2008). Quixadá/Ceará: Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão

Central, 2008 (Monografia de graduação do curso de história).

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estrutura familiar dos estudantes, pontuando que “A educação parece não ter muita

importância para muitos dos jovens” (p. 65), e respaldando suas ponderações com a fala de

uma adolescente entrevistada por ele, que foi enfática ao afirmar que não gostava de ir pra

escola e que só ia porque a mãe a obrigava devido ao Bolsa Família. A frase da entrevistada

no estudo de Brito reafirma o que os gestores que entrevistamos em nossa pesquisa pontuaram

sobre as condições em que alguns estudantes vão para escola.

Os estudantes das escolas pesquisadas têm em média vinte aulas por semana

(entre Português, Matemática, História, Geografia e as demais disciplinas da Base Nacional

Comum Curricular33

), associadas a projetos pedagógicos em que professores e gestores

buscam orientá-los quanto à importância da educação escolar no processo de formação deles

como cidadãos plenos em direitos e deveres. Os projetos desenvolvidos tentam conscientizar

histórica e socialmente os educandos e suas famílias, como por exemplo, as atividades

vinculadas ao PETECA (Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança

e do Adolescente34

), que são bem empreendidas nas escolas do bairro, devido à situação de

exploração do trabalho infanto-juvenil na qual parte das famílias da comunidade vive.

Todavia, desenvolver a consciência histórica em crianças e adolescentes que

vivem na periferia de uma cidade do interior do Ceará não é simples, uma vez que requer

quebra de paradigmas – sobretudo referentes ao respeito e à valorização dos outros – e a

desconstrução de ações preconceituosas arraigadas no cotidiano desses, que vêm

sobrevivendo às mudanças sociais e ao tempo. Entretanto, se faz imprescindível na promoção

de uma educação plural e verdadeiramente libertadora, dado que “a consciência histórica é

necessária a fim de que o agir (e o sofrer) humano não permaneça cego quando seu superávit

intencional se realiza para além de suas condições e circunstâncias” (RÜSEN, 2010, p. 81).

A criticidade e a transformação social são produtos da consciência histórica, que

tira os indivíduos (neste caso, os estudantes e suas famílias) da condição de ignorantes da

própria realidade, mediante o recurso rememorativo da consciência histórica em que “às

33 A Base Nacional Comum Curricular é um documento de caráter normativo que define o conjunto

orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas

e modalidades da Educação Básica. Conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades

Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação

Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil. FONTE:

<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/> Acesso em: 21 de jul. de 2017. 34

O Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca) é um

programa de educação que visa conscientizar a sociedade para a erradicação do trabalho infantil. Consiste num

conjunto de ações voltadas para a promoção de debates nas escolas, dos temas relativos aos direitos da criança e

do adolescente, especialmente o trabalho infantil e a profissionalização adolescente. FONTE:

<http://pindoretama.ce.gov.br/projeto-peteca-todos-contra-o-trabalho-infantil/>. Acesso em: 21 de jul. de 2017.

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experiências do tempo passado, fornece ao presente uma orientação no tempo que, no

movimento mesmo do agir, não é percebida” (RÜSEN, 2010, p.80).

Nesse contexto, o ensino de história favorece o despertar da consciência histórica

dos estudantes de escolas públicas da periferia quixadaense, por meio do conhecimento dos

fatos históricos, especialmente dos menos privilegiados, (como, por exemplo, na história do

Brasil, dos negros e índios), para assim aproximar os sujeitos escolares e os fatos, sem,

necessariamente, enaltecer àqueles que foram silenciados, por séculos, na história do país,

para, enfim, promover mudanças sociais, na realidade atual. (DAVIES, 2017)

No entanto, tal tarefa não é simples de ser realizada. Os professores que trabalham

nas escolas pesquisadas – tanto os que foram entrevistados quanto os demais com quem

conversamos de maneira informal na hora dos intervalos das aulas, na sala dos professores –,

no decorrer da pesquisa, confirmaram as dificuldades encontradas no exercício da função de

educar, haja vista os problemas culturais e socioeconômicos enfrentados pelos moradores do

bairro, que repercutem diretamente no processo de aprendizagem dos estudantes. Essa

realidade limita as possibilidades de mudanças na história local, e, por conseguinte, nacional.

Nesse contexto, avaliamos que as escolas analisadas desempenham papéis

relevantes no bairro, pois, apesar de ainda encontrarem barreiras para transpor o processo

educativo dos estudantes, vêm colaborando em outros campos, além do ensino-aprendizagem.

A hora do lanche (o recreio), por exemplo, é esperada com alegria, uma vez que parte

significativa dos estudantes matriculados nas escolas afirma ir para as aulas “apenas para

merendar”, deixando clara a situação socioeconômica em que vivem com seus tutores (que

muitas vezes não são os pais). Segundo eles, a melhor hora do dia é a da merenda. Essa

situação é de conhecimento dos gestores escolares e municipais, daí eles mantêm um cardápio

balanceado para “atender”, mesmo que pontualmente, esta necessidade do seu público.

As escolas pesquisadas ainda dispõem de materiais diversos como livros

paradidáticos, jogos pedagógicos, instrumentos musicais, quebra-cabeças, damas, dados,

fantoches e computadores que são utilizados pelos estudantes e que podem auxiliá-los em sua

formação escolar. Essas ferramentas são aproveitadas de acordo com a vontade dos estudantes

e com a política da escola. Em uma de nossas observações, na Escola Nemésio Bezerra, nos

surpreendemos com a quantidade de crianças na sala de multimeios procurando livros e jogos.

O espaço, entretanto, era pequeno, e eles ficavam enfileirados esperando a vez de irem em

busca de livros, ou formavam grupos e ficavam de pé, fazendo a leitura para que todos

desfrutassem daquele momento e tivessem acesso àquela informação (figura 04). Os jogos

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educativos, jogos nas quadras e as brincadeiras de pega-pega também fazem parte do

cotidiano dos estudantes desta e das outras duas escolas analisadas (figuras 05 e 06).

Figura 4 – Estudantes da Escola Nemésio Bezerra no Centro de Multimeios

durante o recreio.

Fonte: Própria autora (2016)

Figura 5 – Estudantes da Escola Nemésio Bezerra durante o recreio.

avervo

Fonte: Própria autora (2016)

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Figura 6 – Estudantes da Escola José Bonifácio (Modelo) durante o recreio.

Fonte: Própria autora (2016)

Observar a vivência de professores e estudantes no âmbito escolar nos viabilizou

maior compreensão das ações habituais presentes nas relações entre esses indivíduos, haja

vista que o comportamento humano é influenciado pelo meio no qual ele ocorre e, nesse

sentido, investigar esses locais de estudo nos oportunizou novas leituras acerca das histórias

que neles se desenvolvem. (BOGDAN; BIKLEN; 1994)

Pudemos, portanto, perceber o desafio de educar num contexto de conflitos e

vulnerabilidades socioeconômicas, uma vez que parte dos estudantes e de seus responsáveis

prefere compreender a escola como espaço de mera transmissão de conhecimento ou até

mesmo de cumprimento de obrigações sociais, desprezando a complexidade das ações e das

relações que ocorrem neste ambiente e que viabilizam a constituição de uma cultura pautada

nos modos de ser e fazer no contexto escolar.

A ideia de cultura escolar, trazida nesta discussão harmoniza-se com o

pensamento de Julia (2001), quando o mesmo a determina como:

Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar,

e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a

incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades

que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou

simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p.10)

Ao analisar a cultura escolar, Julia (2001) evidencia que a escola não é somente o

lugar dessa transmissão de conhecimento, mas de acepção de normas e condutas, construção

de pensamentos, práticas e ideologias, que se transformam para atender às necessidades de

seus usuários, de acordo com o tempo em que fazem uso dessa instituição como lugar de

construção de conhecimentos e de reconhecimento individual e social.

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A cultura escolar é composta por diversas manifestações que ocorrem no

cotidiano de alunos e professores, dentro e fora das escolas, “la cultura escolar es toda la vida

escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y

hacer...” (FRAGO, 1995, p. 69)

Partindo dessas premissas, observamos os diversos agentes que compõem as

instituições analisadas, na tentativa de compreender as relações entre esses sujeitos que vivem

essas e nessas escolas, haja vista que esse espaço de ensino formal “representa um território

que historicamente apresenta corporações ideológicas e materiais imbricadas em uma

complexa teia de relações culturais e de poder” (COELHO e SOARES, 2011, p.113), que

tendem a ser legitimadas pela representação social da instituição escola.

As relações de sociabilidade que ocorrem no interior dessas instituições

demonstram os impactos e as possibilidades de aprendizados nela desenvolvidos, uma vez

que, “Na escola, o aprendizado sobre as regras e valores sociais é experimentado sob a ótica

do grupo” (LOPES, 2004, p. 13.). São relações estabelecidas entre pares, mediadas ou não por

professores(as) e demais sujeitos escolares. Essas relações são marcadas por divergências e

conflitos, especialmente com a população negra, o que tenciona ainda mais as relações e

corrobora com a propagação de práticas racistas e desconfortos que refletem, diretamente, na

formação da identidade dos afrodescendentes.

Nesse sentido, faz-se mister desfazer mentalidades racistas e discriminadoras

ainda presentes em nosso país, e, para tanto, a escola se apresenta como lugar propício para

romper com o pensamento eurocentrista que inferioriza os negros e os coloca em situação de

subalternização.

Desse modo, as experiências produzidas cotidianamente no ambiente escolar

precisam ser contestadas, problematizadas, para que se efetivem relações sociais e raciais

equânimes, pois, na escola atual, ainda “subjaz um campo cultural no qual o conhecimento, o

discurso e o poder interseccionam-se de maneira a produzir práticas historicamente racistas”

(COELHO; SOARES, 2011, p. 113), que precisam ser eliminadas.

3.2 NO UNIVERSO ESTUDANTIL: “TEM QUE RESPEITAR O PRÓXIMO, PARAR

COM AQUELAS BRINCADEIRAS CHATAS.”

Inicialmente, visitamos as escolas, observamos previamente as relações nela

existentes e escolhemos os indivíduos que seriam entrevistados. Daí, fizemos entrevistas com

quinze estudantes que, ao serem questionados sobre a existência de práticas racistas na escola,

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responderam que não havia. Porém, no decorrer das entrevistas, eles citaram a existência de

“brincadeiras chatas” ou “brincadeiras bestas” que se direcionavam aos colegas negros ou aos

próprios estudantes entrevistados, que também são facilmente identificados como negros.

Ao ser questionada sobre a existência de manifestações racistas na escola, uma

das estudantes entrevistadas garantiu nunca ter presenciado nada parecido dento da escola.

Todavia, ao falar das aulas de história, ressaltou que o professor conversa muito com eles e

sempre alerta “que não precisa tirar brincadeira besta com o outro” e ainda explica que não

pode maltratar o colega com “brincadeiras” ofensivas, “tem que respeitar o próximo”. Ao

refletir sobre o conteúdo presente nessas “brincadeiras bestas”, indagamos sobre como, por

que e a quem essas supostas brincadeiras eram endereçadas. A estudante destacou que elas se

dirigiam a ela e aos colegas negros. Ao solicitar que nos informasse mais sobre as

“brincadeiras”, citou: “são aquelas que chama de macaco”. Nesta fala, percebemos a marca de

um discurso que naturaliza agressões denominando-as de “brincadeira”. Chamar o colega

negro de macaco é fortalecer o pensamento racista e preconceituoso de inferioridade dos

negros frente aos brancos.

Outra observação relevante nesse diálogo é a participação ou interferência do

professor de história, quando alerta sobre os maus tratos implícitos nessas “brincadeiras”,

afirmando a necessidade de respeitar o outro. Esse tipo de mediação na relação escolar se faz

indispensável, uma vez que, para reconhecer, valorizar e afirmar os direitos da comunidade

afro-brasileira, os agentes sociais precisam mudar seus discursos, raciocínios, lógicas, gestos e

posturas (BRASIL, 2004). Nessa situação, o professor aproveitou a oportunidade para

esclarecer sobre a importância do respeito ao colega, fomentando a valorização da diversidade

em sala de aula.

A desconstrução da mentalidade racista na escola requer empenho e dedicação

processuais e contínuos, segundo o ritmo dos sujeitos escolares. Contudo, gestores e

professores precisam atentar para essa realidade e intervir diretamente na conscientização dos

alunos quanto aos gestos, palavras ou discursos racistas que ferem os colegas e deturpam suas

imagens e interferem na construção de suas identidades, uma vez que essas não são

construídas no isolamento, são formadas nas relações dialógicas estabelecidas com os outros

(GOMES, 2002).

Durante as entrevistas realizadas com os estudantes no interior das escolas

pesquisadas, algumas falas se repetiam, dentre elas: “Os meninos chamam os outros de

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macaco, tição”, “bicho preto, macaco”, “neguim”, “soim35

”, denotando a naturalidade com

que o preconceito racial acontece no cotidiano escolar desses. Xingamentos como esses,

eivados de preconceitos, também já foram analisados por Lopes (2004), que destacou que

ocorrem abertamente em situações de conflitos. Nesse sentido, a pesquisadora nos esclarece

que:

Os apelidos e xingamentos fazem parte da vida de crianças e adolescentes, mas

apelidos e xingamentos de cunho racial são característicos da experiência de

crianças e jovens negros, tanto no convívio cotidiano quanto na experiência escolar.

Xingamentos são, via de regra, expressões de desqualificação e diminuição pessoal,

que podem se estender à família ou a outros grupos de pertencimento. (LOPES,

2004, P.21)

Ratificamos que piadas, brincadeiras e atribuições reforçam o preconceito racial

em suas dimensões: moral, intelectual e estética, interferindo diretamente na formação

identitária da criança e do adolescente negro (LOPES, 2004).

Constatamos em nossa pesquisa a problemática do reconhecer-se negro numa

sociedade racista, por meio das falas de um dos estudantes entrevistados que afirmava não

gostar de sua cor de pele, que “bonita era a cor clara, a cor branca”36

. Dessa forma, nos

defrontamos com o desafio de crianças e jovens estudantes que buscam se reconhecer

socialmente num contexto de conflitos e contradições em que seus lugares são determinados

pela cor da pele e demais características fenotípicas que possuem.

De acordo com o relato de uma estudante do Ensino Fundamental, ela e seus

colegas negros sofrem preconceitos por suas características físicas, ao citar que “muita gente

que tem o cabelo encaracolado, dizem que é ruim, se é duro chamam de cabelo de

vassoura”37

. Essa fala evidencia a estigmatização do corpo negro e a existência do preconceito

racial na escola.

No âmbito dessa questão, Gomes esclarece que:

A identidade negra como uma construção social, histórica e cultural repleta de

densidade, de conflitos e de diálogos (…) implica a construção do olhar de um

35 Soim é o nome popularmente dado ao sagui, macaco pequeno pertencente à família Callithricidae, que

mede aproximadamente 25 centímetros, sem incluir a cauda de tamanho longo. Pesa de 250 a 400 gramas e

possui pelagem em tons cinza, branco, preto e marrom, sendo que o mais comum conta com tufos de pelos nas

orelhas. Há espécies por toda a América do Sul, habitando em bandos as árvores de matas e florestas. Disponível

em: <<http://revistagloborural.globo.com/GloboRural>>. Acesso em 10 out. 2016. 36

Fala de um estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola Nemésio Bezerra, durante a

realização da entrevista. 37

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra.

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grupo étnico/racial sobre si mesmo, a partir da relação com o outro. Um olhar que

quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois só o outro

interpela nossa própria identidade. (GOMES, 2002, p. 38)

É necessário refletir e pensar na escola como um espaço de construção e

reprodução de pensamentos e conhecimentos que interferem na formação individual e social

de crianças e jovens brancos e não brancos. Nesse sentido, faz-se mister desfazer estereótipos

e mentalidades racistas para que esses sujeitos possam construir suas identidades em relações

de respeito e valorização de si e do outro.

Nessa perspectiva, quando pensamos a escola como um espaço específico de

formação inserida num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do

que currículos, disciplinas escolares, regimentos, provas, testes e conteúdos.

Deparamo-nos com diferentes olhares que se cruzam, que se chocam e que se

encontram. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que

interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua

cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto

pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las. Sendo

entendida como um processo contínuo, construído pelos negros e negras nos vários

espaços – institucionais ou não – nos quais circulam, podemos concluir que a

identidade negra também é construída durante a trajetória escolar desses sujeitos.

(GOMES, 2002, p.39).

Os desafios das relações estabelecidas nas escolas precisam ser problematizados e

discutidos, visando minimizar os impactos dos preconceitos ainda presentes nesses ambientes,

sobretudo relativamente ao reconhecimento identitário dos negros.

Nas escolas analisadas, por exemplo, identificamos a necessidade de desconstruir

falas e gestos que evidenciam o corpo do negro, muitas vezes entendidos como

“brincadeiras”, mas, que devem ser compreendidos como preconceitos raciais, tendo em vista

que reforçam as diferenças entre os estudantes brancos e não brancos.

O suposto humor racial, baseado em estereótipos, naturaliza juízos populares

relativos aos negros, ao tempo em que ameniza a seriedade da situação (TELLES, 2012). No

entanto, travestidas de humor, essas ações popularizam e reproduzem estereótipos negativos

sobre as pessoas negras e podem resultar em danos imensuráveis, haja vista a gravidade da

discriminação na formação identitária dessas.

Alguns alunos não conseguem distinguir entre a brincadeira e a ação

preconceituosa, todavia assumem perceber o sofrimento ocasionado pela ofensa do

preconceito sofrido. Uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, ao ser questionada

sobre manifestações racistas na escola, observou:

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Quando tem trabalho na sala de aula, as pessoas não... tipo... elas não chama [sic],

assim (pausa) há diferença, assim é muito. Quando vai fazer um trabalho, a pessoa

não chama ela ali não, chama outra. Racismo é assim hoje em dia, nas escolas.

Assim, fica excluindo. [sic] (informação verbal).38

A estudante demonstra perceber que há diferenciações quando do

desenvolvimento de trabalhos em grupo, confirmando a existência de preferências pelos

integrantes das equipes, concebida a partir da cor e dos caracteres físicos dos alunos. Nesta

fala, constatamos a existência do preconceito racial no cotidiano escolar, bem como os

diversos mecanismos de exclusão de estudantes negros(as) neste contexto.

Acerca dessas práticas, recorremos à pesquisa de Nogueira (apud LOPES, 2004),

quando o mesmo realizou um estudo comparado sobre as “relações raciais” no Brasil e nos

Estados Unidos e assinalou que a distinção no Brasil se dá pelo “preconceito racial de marca”,

“[…] aquele vinculado à aparência física, manifestações gestuais, etc. – que permite, em

função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, decidir a sua inclusão ou

exclusão na categoria de negro” (NOGUEIRA, apud LOPES, 2004, p.19). Esta fala, elucida a

manifestação do “preconceito de marca” presente no contexto escolar quixadaense. Os

estudantes entrevistados expressam a dor do sofrimento de ter no corpo o motivo de agressões

sofridas.

Outra estudante do 9° ano do Ensino Fundamental II, ao ser questionada sobre a

existência de aulas ou projetos que abordam a história dos africanos e afro-brasileiros, ou o

racismo no Brasil, respondeu que a temática é sempre trabalhada na escola, que os alunos

discutem a questão junto aos professores, porém, nem sempre com o devido respeito que o

assunto merece, culminando em conflitos que machucam os estudantes negros. Em suas

palavras, ao citar os momentos de discussão do assunto e as “brincadeiras bestas”, destaca:

Tem aluno que aquilo ali pra ele não é nada, mas o que ele fala machuca uma pessoa

né? Aí é como o povo fala: é melhor um tapa que uma palavra né? Aí pra mim

merece mais coisa assim, falar mais[sic] (informação verbal).39

A estudante demonstra a necessidade de maior esclarecimento, de mais atenção à

causa, de problematizar o racismo para que os agressores compreendam a dor que causam em

suas vítimas. Ao afirmar que é melhor uma tapa que uma palavra, evidencia a gravidade das

38 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra. 39

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra.

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manifestações racistas existentes na escola para aqueles a quem as agressões são dirigidas,

haja vista que, são palavras carregadas de preconceito e discriminação, que ferem e

inferiorizam suas vítimas.

Na Escola Abraão Baquit, um estudante do 3º ano do Ensino Médio, ao afirmar-se

vítima de preconceito racial, descreveu o que ouviu e o que sentiu na escola, quando

surpreendido por uma manifestação racista por parte de um colega.

O cara chegou, me chamou já de neguim, carvão, besta, óleo, tô me lembrando aqui

das palavras. Ele começou, e eu só calado. Na época eu nunca gostei muito de

responder, entendeu? Como eu me senti com tudo isso? Eu me senti inútil! É,

desamparado! Ninguém veio me amparar. E na época a direção do colégio não

tomou nenhuma providência sobre isso[sic] (informação verbal).40

A dor e o sofrimento manifestados nas falas dos estudantes entrevistados nos

levam a uma reflexão acerca do quão relevante é realizar um trabalho ativo e contínuo no

ambiente escolar, pautado no respeito à diversidade, para assim promover reais mudanças

dentro e fora dos muros das escolas. Para tanto, é imprescindível a adoção de políticas

educacionais valorativas, que reorganizem o trabalho pedagógico e reestruturem as práticas

escolares (BRASIL, 2004), haja vista a representatividade das relações cultivadas nesses

espaços, na vida de estudantes, professores e comunidade.

De acordo com o depoimento, o estudante se sentiu abandonado ao procurar o

apoio da gestão, que se omitiu em face da situação apresentada. Não obstante,

compreendemos a dificuldade de perceber e desnaturalizar as agressões de caráter racial

presentes na escola, uma vez que essas ocorrem, muitas vezes, de forma sutil ou dissimulada.

No tocante a essa realidade, Lopes considera que:

As manifestações racistas, no espaço escolar, acontecem muitas vezes, em situações

tão cotidianas, que é preciso estar atento para enxergá-las. Dar espaço para que as

situações possam ser faladas e enfrentadas é um caminho possível de superação

dessas experiências (LOPES, 2004, p.24)

Um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental, ao ser questionado sobre a

presença de manifestações de racismo na escola, afirmou não saber, todavia, alegou ser vítima

de preconceito racial na rua onde mora, situada no bairro Campo Novo. Ele foi enfático ao

40 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de Ensino

Médio Abraão Baquit.

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dizer que racismo é “as diferenças que os brancos vê [sic] nos negros e também nos indígenas,

que também são negros que nem eu e que nem minhas amigas e meus amigos”41

.

Observemos que nesta fala, o estudante nega a existência de racismo na escola,

entretanto, se considera vítima de preconceito racial na comunidade, ponderando que a escola

pode sim intervir no processo de desconstrução do preconceito racial, dizendo que esta – por

via dos projetos e de professores e gestores – deveria “falar com quem faz racismo com os

outros, podia falar com eles e também dizer pra eles que isso dói”42

. Esta observação destaca

mais uma vez a dor causada por manifestações de preconceito racial no contexto dos

estudantes negros quixadaenses, mesmo que, neste caso, o preconceito não tenha sido

manifestado no ambiente restrito da escola, mas em seu entorno.

Outro fator relevante na fala deste estudante é que ele se reconhece negro, postura

de poucos, uma vez que, apesar de todos os estudantes entrevistados serem facilmente

identificados como negros, em sua maioria não se reconhecem assim, falam sempre a partir

do outro, como se não se percebessem ou até mesmo como se negassem a própria cor.

Esta observação encontrou eco no relato da professora de história do ensino médio

da Escola Abraão Baquit, quando, ao afirmar o descaso de alguns alunos quando o tema da

aula é história afro-brasileira ou africana, ponderou que a reação dos estudantes “não é

receptiva, como se aquilo ali não fizesse parte da história deles”43

. Complementando que os

estudantes negros “Não se vêem como negros, eles são apenas pardos”44

.

Essa classificação de pardo, segundo Lopes (2004), faz parte da construção das

relações raciais no Brasil que culminou na elaboração do que autora chama de “gradiente de

cor”, que traz consigo uma simbologia de lugares sociais demarcados pela cor de pele das

pessoas. Nesse contexto, o lugar do negro é subalternizado e, talvez por este motivo, seja

complicado para os estudantes das escolas analisadas se reconhecerem como negros, uma vez

que no Brasil vivemos numa cultura racista, em que muitas vezes o racismo é visto como algo

natural, reafirmando a observação de Fanon (1980, p.44) de que “todo o grupo colonialista é

racista”.

A negação ou naturalização do racismo na escola ratifica nossa compreensão, que

tem por base o pensamento de Fanon (1980), acerca da postura racista presente nos grupos

41 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José

Bonifácio. 42

Idem. 43

Entrevista realizada em 2016 com a professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de

Ensino Médio Abraão Baquit. 44

Idem

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colonizados. Destarte, é producente repensar o papel da instituição escola e de seus

representantes no processo de conscientização e problematização das relações étnicorraciais

no contexto nacional como meio de transformar a realidade presente.

Desnaturalizar práticas racistas requer adoção de novas posturas, que culminem na

superação das desigualdades étnicorraciais ainda presentes na educação escolar nacional.

Assim, percebemos a necessidade de evidenciar, com a análise das falas dos estudantes

entrevistados, o que ocorre no contexto das escolas pesquisadas.

Durante uma entrevista realizada com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio

da Escola Abraão Baquit, percebemos quão ingênua ainda é a compreensão de alguns

estudantes a respeito do racismo e suas manifestações. Quando questionada sobre a existência

de preconceito racial na escola, a estudante respondeu que não existia. Entretanto, quando

indagamos sobre as “brincadeiras” que se referiam à cor dos colegas, ela respondeu: “na sala

tem né? De vez em quando tem alguém que diz assim: aquele neguim, mas nada sério, é uma

brincadeira assim besta e boba... não tem maldade45

.

Outra estudante da mesma sala também negou a existência de prática de racismo

na escola, porém, quando fizemos o mesmo questionamento acerca das “brincadeiras”

pertinentes à cor de pele dos colegas, respondeu: “Sim, questão de brincadeiras a gente

sempre presencia, porque tem sempre essas brincadeiras, mas algo assim mais sério, não”.46

A compreensão dessas ações preconceituosas como “brincadeiras” se repete nas

falas de outros estudantes entrevistados, tanto na escola Abraão Baquit, quanto nas outras

duas escolas pesquisadas. Por outro lado, alguns dos estudantes que sentiram a dor do

preconceito racial são enfáticos ao afirmarem a existência do racismo na escola, haja vista

terem se sentido ofendidos e percebido que tais “brincadeiras” são, na verdade, agressões que

ocorrem exclusivamente por causa da sua cor de pele.

Algumas falas também chamam a atenção para a forma como os negros são

tratados no bairro Campo Novo, ratificando a relevância da compreensão de que o ambiente

escolar sofre influências do meio no qual se insere.

Verificamos, dessa forma, a presença de práticas discriminatórias nas escolas

pesquisadas e percebemos que tais brincadeiras se apresentam munidas de sentimentos de

desprezo pelo outro, de discriminação em virtude da cor da pele do ou da colega de sala e de

45 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de Ensino

Médio Abraão Baquit. 46

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola de Ensino

Médio Abraão Baquit.

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estereótipos que reproduzem os preconceitos raciais ainda existentes na sociedade brasileira,

colaborando, assim, para a perpetuação da cultura racista no universo escolar e, o pior,

situações vistas como “brincadeiras”.

Nesse sentido, Lopes (2004, p.16) indaga sobre “qual tem sido a função social da

escola especificamente para a população negra e mestiça na nossa sociedade”, tendo em vista

que esta instituição desempenha papel de destaque no que se refere à desconstrução e à

reafirmação de ideologias gestadas no seio da sociedade.

Não obstante, apesar de todos os desafios e limitações existentes nas escolas

pesquisadas, urge perceber o ensino da história afro-brasileira e africana como meio de

esclarecimento e conscientização que viabiliza novos modelos de ensino, pautados no respeito

e na equidade entre todos, independentemente de sua origem e cor de pele.

Para tanto, analisaremos, a seguir, as falas dos professores de história e gestores

escolares sobre a existência ou não de manifestações racistas nas escolas em que atuam e

como os mesmos se posicionam diante de tais situações, bem como a compreensão destes

acerca do papel do ensino de história afro-brasileira e africana numa perspectiva de educação

das relações étnicorraciais no bairro Campo Novo.

3.3 O ENSINO DE HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NO COMBATE AO

RACISMO: RELAÇÕES POSSÍVEIS ENTRE TEORIAS E PRÁTICAS NA

PERSPECTIVA DOCENTE

A trajetória do ensino de história no Brasil apresenta características não lineares

de conquistas, perdas, mudanças e permanências que refletem as transformações políticas e

governamentais do país. É por meio das seleções estabelecidas pelos currículos que se

apresentam “estratégias de construção/manipulação do conhecimento histórico escolar”

(SILVA e FONSECA, 2010, p.16). Assim,

[...] a história ensinada é sempre fruto de uma seleção, um “recorte” temporal,

histórico. As histórias são frutos de múltiplas leituras, interpretações de sujeitos

históricos situados socialmente. Assim como a História, o currículo escolar não é um

mero conjunto neutro de conhecimentos escolares a serem ensinados, apreendidos e

avaliados. (SILVA e FONSECA, 2010, p.16).

Esses mecanismos, que sistematizam o ensino oficial no país, afetam diretamente

a consciência histórica de nossos estudantes, principalmente os estudantes da educação básica,

que são bombardeados de informações que muitas vezes (por nossas experiências em sala de

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aula) não lhes asseguram conhecimento da história do país, tampouco viabilizam reflexões

críticas acerca da realidade nacional. Em contrapartida, apresenta relevância pelo alcance

numérico, uma vez que a escola é uma instituição que parte significativa das crianças e jovens

do Brasil frequenta e se instrui.

Nesse sentido, Fonseca (2003) destaca a relevância do ensino de história e sua

representatividade na esfera escolar, analisando a trajetória dessa disciplina no Brasil durante

o século XX enquanto fonte de compreensão do ensino de história em sua dimensão histórica.

Salienta ainda a necessidade de adentrar nesse campo para compreender melhor a importância

do saber histórico escolar, que se distingue do acadêmico, mas que se apresenta como

relevante a partir de sua representação social, ao atender a interesses de políticas educacionais

e pedagógicas que pretendem construir a “identidade nacional”, cujos currículos são

influenciados pelos interesses do Estado e de alguns grupos sociais dominantes.

As ponderações dos autores acima se associam aos nossos conceitos, quando da

realização das entrevistas com professores da educação básica quixadaense, em que os

mesmos ressaltaram a relevância do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira para

promoção de uma educação antirracista no contexto escolar.

O professor do 9º ano da escola Nemésio Bezerra, ao ser questionado sobre a

existência de manifestações racistas na escola, pontuou:

Em alguns momentos assim em aula mesmo eu lembro que um aluno que não era

branco… um chamou o outro de macaco ele disse que o aluno parecia um macaco.

Então, a partir disso eu o chamei imediatamente e disse que a gente tinha que ter

uma conversa muito séria. E houve outros momentos também que não vou dizer que

era o racismo em si, mas era relacionado a isso que foi uma questão de um menino

que o pai era umbandista e possuía um terreiro de macumba e de certa forma um

menino o chamou de macumbeiro, e de macumbeiro não no sentido da palavra em si

do termo da palavra, mas de certa forma isso eu assimilei como racismo. Porque ele

chamou o menino de macumbeiro, já que a macumba está ligada às etnias, às

religiões, aos ritos africanos. (informação verbal).47

As situações mencionadas acima confirmam mais uma vez a existência de

manifestações racistas no cotidiano escolar – mesmo que o professor não rotule, de forma

direta, essas práticas como racistas – haja vista que percebemos a presença de estereótipos

impregnados pelo racialismo nas duas situações que são apresentadas pelo entrevistado. Na

primeira, um estudante evidencia a cor de pele do colega numa tentativa de inferiorizá-lo,

47 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Escola Nemésio Bezerra.

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chamando-o de macaco. Na segunda situação, um estudante chama o outro de macumbeiro,

evidenciando a religiosidade afro do pai do colega.

Na sequência de sua fala, o docente afirmou que preparou uma aula de história

sobre “religiosidades africanas” e, logo após a aula, o estudante que havia sido discriminado

pelo colega se assumiu como macumbeiro, deixando clara a importância do ensino de história

no combate ao preconceito e ao racismo. A reação do estudante enfatiza a relevância da

ressignificação da palavra macumbeiro, que inicialmente simbolizava uma imagem pejorativa

dele frente aos colegas, no entanto, a partir da aula sobre as religiosidades africanas, a ideia de

ser macumbeiro deixou de ser marginalizada e ganhou representatividade na formação sua

identidade.

As situações expostas na fala do professor denotam que “em nossa sociedade, a

estigmatização do afrodescendente acontece de forma violenta. Cria-se uma figura caricatural

do negro, cheia de estereótipos, que se constituem em representações sociais cristalizadas

sobre ele”. (VIDEIRA, 2005, p. 218) que, por conseguinte, mantêm o sistema cultural escolar

como partícipe desse processo preconceituoso e excludente em que os negros são submetidos

a viver dentro (e fora) das escolas em todo país.

A postura do professor demonstra a necessidade de problematizar essas questões

para desnaturalizá-las e, para tanto, a educação e o ensino se fazem primordiais nesse

processo. O professor ainda observou que “Para combater, primeiramente é necessário

esclarecer… esclarecer qual é a importância – no nosso caso aqui, das etnias que formam a

sociedade brasileira. Dessa forma, eu acho que o aluno vai compreender que todas as raças

são iguais, que não há diferença”.48

Em suas ponderações, esse professor de história destacou episódios em que

precisou intervir nas relações dos estudantes, especialmente via esclarecimento sobre as

posturas preconceituosas destes, bem como sobre a importância da história do negro no

processo de desconstrução do racismo na escola. Nesse sentido, o ensino da história africana e

afro-brasileira foi de suma importância para conscientizar os educandos desta escola, haja

vista que “as ideologias da cultura brasileira tendem sempre a colocar os africanos no campo

do exótico, do precário ou do incompleto. Principalmente porque partem de um imenso

desconhecimento sobre a África”. (CUNHA Jr., 2005, p.254).

48 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Escola Nemésio Bezerra.

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A atitude do professor ao elaborar uma aula sobre a religiosidade africana fez toda

diferença para a turma, em especial para o estudante que carregava “o peso” da religião do

pai. É útil perceber que, ao identificar a prática racista em sala, o professor de história utilizou

seu conhecimento e o converteu em metodologia de ensino, o que viabilizou mudança de

percepções e valores acerca da história e da cultura afro, bem como colaborou no processo de

identificação da vítima com a cultura de seu povo.

No que concerne à intervenção dos docentes em casos de racismo nas escolas,

Gomes (2005, p. 148-149), salienta:

O entendimento conceptual sobre o que é racismo, discriminação racial e

preconceito, poderia ajudar os (as) educadores(as) a compreenderem a

especificidade do racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma prática

racista e quando esta acontece no interior da escola. Essa é uma discussão que

deveria fazer parte do processo de formação dos professores. Porém, é necessário

que, na educação, a discussão teórica e conceptual sobre a questão racial esteja

acompanhada da adoção de práticas concretas. Julgo que seria interessante se

pudéssemos construir experiências de formação em que os professores pudessem

vivenciar, analisar e propor estratégias de intervenção que tenham a valorização da

cultura negra e a eliminação de práticas racistas como foco principal. Dessa forma, o

entendimento dos conceitos estaria associado às experiências concretas,

possibilitando uma mudança de valores.

A problemática da formação docente, enfatizada acima pela autora, associada à

falta de conhecimento por parte de alguns professores, culmina na manutenção, bem como na

propagação de práticas racistas no interior das escolas.

Essa marca do preconceito de cor é tão presente e relevante no contexto das

relações sociais contemporâneas, que existem manifestações de preconceito racial até mesmo

por parte de alguns professores. Ao ser questionada sobre a existência de manifestações

racistas na escola, a professora de história afirmou:

Sim! Não de professor com aluno, mas entre os próprios alunos a gente vê essa

manifestação de preconceito, às vezes em clima de brincadeira, mas que a gente sabe

que no fundo, no fundo não é uma brincadeira. E também com funcionários da

escola, professores com os funcionários da escola. Se dizendo ser brincadeira, da

mesma forma que os alunos fazem (informação verbal).49

Em seguida, a professora narrou o episódio que demonstra bem essa postura

preconceituosa, pois, de acordo com ela, a situação ocorrera na escola em que leciona – uma

das escolas pesquisadas. Houve um desentendimento entre uma professora de língua

49 Entrevista realizada em 2016 com uma professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola

Abraão Baquit.

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portuguesa e a coordenadora da escola (que é licenciada em história) por causa de uma

“brincadeira” direcionada a um servidor negro. A professora relatou que, no momento em que

a colega de trabalho (a professora de língua portuguesa) participava de um evento, enviou via

grupo de wattsapp50

uma foto ao lado da imagem de um preto velho51

, dizendo estar ao lado

do pai do vigia da escola, que é negro. “Houve até um embate entre a coordenadora e a

professora, porque essa brincadeira foi através de um grupo do wattsapp, que essa outra

pessoa não participa (o vigia). E que a coordenadora chegou até a sair do grupo, pois várias

pessoas ficaram querendo dizer que era „brincadeira‟”.52

Este depoimento reforça a naturalidade com que algumas pessoas, com o

agravante, neste caso, de serem professores, aceitam a disseminação do preconceito racial no

Brasil, e como isso reflete no meio educacional, principalmente porque é visto por alguns

professores como algo normal, pois, quando a coordenadora tentou intervir, conscientizando a

professora acerca do que ela acabara de fazer, os demais colegas se pronunciaram dizendo ser

apenas uma brincadeira.

Fanon (1980, p. 44) chama atenção para a normalidade do ser racista numa cultura

com racismo, ou seja, nessas circunstâncias “o racista é, pois, normal [é a norma]”. Desta

forma, compreendemos melhor a dificuldade de reconhecer, denunciar e desnaturalizar o

racismo no Brasil, pois ele está arraigado na essência de uma sociedade de pensamento

colonizado.

No que se refere ao episódio denunciado acima e às demais práticas

preconceituosas existentes nas escolas, destacamos o papel do professor como essencial, pois

a postura adotada por alguns devido à falta de preparo (o que requer um pensar sobre o

processo formação docente) ou por preconceitos raciais arraigados, interfere diretamente na

formação dos estudantes, uma vez que estes professores, frequentemente “não sabem lançar

mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala como momento

pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a

importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional”.

(MUNANGA, 2005, p. 15), e mais grave, algumas vezes, são protagonistas destas situações

de discriminação, como no caso relatado acima.

50 Aplicativo de mensagens instantâneas (software para smartphones).

51 O Preto Velho é uma entidade africana que está associada à imagem de ancestrais das religiões afro.

Um espírito evoluído que é conselheiro, amigo acolhedor e confidente, mas também um espírito forte que luta

contra o mal sob a proteção dosorixás da Umbanda. Ver mais em: <<https://www.raizesespirituais.com.br/preto-

velho-espirito-evoluido/>> Acesso em: 24 de nov. 2016 52

Entrevista realizada em 2016 com uma professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola

Abraão Baquit

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Os episódios citados chamaram nossa atenção, uma vez que compreendemos a

falta de conhecimento ainda presente no âmbito escolar como parte de um processo social

excludente num país de pensamento colonizado.

Nas ocorrências apresentadas por nossos entrevistados, percebemos que as

práticas de preconceito racial existentes nas escolas demonstraram que parte do que acontece

se relaciona com a naturalização do racismo e com o desconhecimento e a desvalorização –

por parte dos estudantes e também de alguns professores – da história dos negros afro-

brasileiros e africanos.

Nesse sentido, percebemos que a colonização requer mais do que a subordinação

material de um povo, na medida em que também fornece os meios pelos quais as pessoas são

capazes “de se expressarem e se entenderem”. (FANON, 2008, p. 15). Essa concepção de

mundo reflete nas relações sociais nos diferentes meios, em especial nas escolas, uma vez que

interferem nas estruturas de saber e linguagem, convergindo para o que fora denominado por

Frantz Fanon (2008) de “colonialismo epistemológico”.

A perspectiva de pensamento colonizado apresentada por Fanon (2008) dialoga

bem com nossa pesquisa, uma vez que pretendemos refletir sobre o papel da escola no

processo de exequibilidade de práticas sociais de produção e reprodução de conhecimentos

diversos, principalmente no que se refere à história dos africanos e afro-brasileiros.

Buscando perceber as práticas de ensino como propulsoras de um novo modelo de

educação que se propõe emancipadora, focamos no racismo ainda presente no cerne de nossa

sociedade e, que, por ser a escola parte desta, também apresenta formas peculiares de

manifestações preconceituosas de caráter racial. Para tanto, destacamos a seguir algumas

ponderações dos docentes entrevistados, ao expressarem suas perspectivas e angústias acerca

dos conflitos vivenciados nas escolas e sobre o papel do ensino da história africana e afro-

brasileira como instrumento de combate ao racismo.

No decorrer da entrevista com a professora de história do Ensino Médio, a

docente apontou que uma das dificuldades enfrentadas para problematizar o racismo em sala é

a negação da própria cor por parte dos estudantes, pois, ao falar sobre as aulas de história e os

projetos da escola que contemplam a história e cultura africana e afro-brasileira, a professora

pontua a falta de conscientização e interesse dos estudantes que estão saindo do Ensino Médio

sem conhecer a história dos negros africanos e afro-brasileiros, avaliando, por meio de sua

vivência escolar, que:

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Além dos projetos, eu acho que a conscientização de cada um mesmo, o que é

difícil. Muitas vezes, o negro não se vê como negro, ele próprio não se aceita como

negro. Já começa a dificuldade daí, né? Ele tem vergonha de dizer que é negro. O

que não deveria existir, mas que a nossa sociedade impõe isso... eles não se aceitam

como negros, e é como se não fosse um assunto interessante para eles, essa tentativa

de conscientização quanto à raça. (informação verbal).53

A professora ainda acrescentou que, mesmo chamando a atenção dos estudantes

para despertá-los quanto às suas origens, e, em especial, à cor de pele deles, dificilmente dois

ou três integrantes da turma se manifestam ou se posicionam em relação à situação do negro

no Brasil, mais especificamente no que se refere ao reconhecimento da própria cor. Essa

negação exposta pela entrevistada demonstra que ainda estamos longe de superar o estigma do

negro como descendente de pessoas subalternizadas em nossa sociedade, o que, por esse

motivo, não desperta o interesse de alguns jovens em se reconhecerem negros, mesmo diante

dos traços fenotípicos negros que possuem.

No que se refere às relações raciais presentes no Brasil e às representações e

experiências de subalternidade do negro, Lopes (2004, p. 17) identifica que “essa origem da

classificação por cor é carregada de um conteúdo marcadamente discriminatório, e com ele

vêm junto conceitos, opiniões e certezas que informaram, ao longo da nossa história, o lugar

de cada um – brancos e negros – no imaginário social”. Essa abordagem justifica a postura de

alguns dos estudantes da escola pesquisada quanto à negação da própria cor, uma vez que ela

apresenta um fardo muito pesado da gênese da história nacional, bem como de toda a

trajetória do negro no nosso país.

O professor de história do Ensino Fundamental I, ao ser questionado sobre a

presença de manifestações racistas na escola, respondeu que:

Sim, quase semanalmente acontece isso. Quando começa uma discussão em sala, se

a pessoa for mais escura, chamam de negro ou macumbeiro… que envolve a

religião. São sempre essas duas coisas: negro e macumbeiro. Macaco também. Mas

só ocorre quando tem conflito, não é espontâneo deles. Ocorre um conflito, e eles

soltam as palavras. (informação verbal).54

Observamos na fala do professor que as manifestações racistas na escola ocorrem

em momentos de discussões entre os estudantes. As agressões enfatizam a cor e a religião de

origem afro dos estudantes agredidos nos fazendo refletir sobre a relevância de problematizar

53 Entrevista realizada em 2016 com uma professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola

Abraão Baquit. 54

Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 5º ano do Ensino Fundamental, da

Escola José Bonifácio de Sousa.

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o racismo na tentativa de promover uma verdadeira educação para as relações étnicorraciais

nas escolas quixadaenses, haja vista a maneira preconceituosa com que os estudantes

elaboram suas discussões em sala, nas quais a cor de pele é enfatizada para manifestar

desprezo pelo colega, bem como menosprezá-lo pelo emprego do termo “macumbeiro”, visto

como pejorativo e como sinônimo de “ser negro” ou “ser preto”, numa tentativa de

demarcação de lugares sociais em uma sociedade racista.

Notamos na fala deste professor um distanciamento ou silenciamento sobre a

problemática em questão, observe-se a sua abordagem centrada apenas nas ações dos

estudantes, principalmente quando diz que essas ações não são espontâneas, mas que nascem

dos conflitos, como que querendo justificar o porquê de elas existirem. Em nenhum momento

ele diz que interfere nesses tumultos ou que problematiza sobre essas práticas racistas dentro

da sala de aula. O silêncio do professor pode auxiliar novas ocorrências de ações

preconceituosas e discriminatórias no espaço escolar, bem como em outros espaços sociais

(CAVALLEIRO, 2006).

Em um segundo momento, ao questionarmos o professor sobre o que pode ser

feito pela escola para conscientizar os estudantes sobre a problemática do racismo, ele

enfatizou:

Com educação. Mas a gente vê que já vem de casa... a má educação deles vem de

casa, então o que a gente faz aqui é um trabalho quase perdido. Pode fazer o que

quiser, mas sempre vai ter. Diminui em determinadas épocas do ano, mas não acaba.

Qualquer conflito, partem logo para essa área aí. (informação verbal).55

Percebemos que, malgrado enfatize a educação como meio de conscientização dos

estudantes sobre suas posturas e ações preconceituosas, o professor demonstra descrença no

trabalho que realiza, ao salientar que podem fazer de tudo, mas que essas ações não acabarão,

visto que, durante os conflitos, a questão racial é sempre evidenciada como meio de

minimizar o outro a partir de sua cor.

No que se refere à diminuição dessas agressões racistas, o professor referiu que os

conflitos diminuem quando são realizados projetos que abordam a história e cultura negra na

escola, o que nos faz refletir sobre a importância de trabalhar na escola a história dos negros

no Brasil, para, a partir de então, emergir “um relacionamento mais igualitário e mais justo,

que nos faça apreender o mundo de forma edificante, emancipatória e multicultural”.

(GOMES, 2011, p. 50)

55 Idem.

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Outra questão que observamos ao analisar as entrevistas dos três professores de

história é que abordar a temática do racismo e da história e cultura do negro africano e afro-

brasileiro parece ser de responsabilidade apenas dos professores de história, como se esse

trabalho de conscientização apresentasse caráter conteudista e conceitual disciplinar e que,

por este motivo, só pudesse ser abordado e problematizado pelos professores da disciplina

história.

Sobre essa realidade, a coordenadora da Escola Municipal Nemésio Bezerra

distinguiu em sua fala que “o racismo é algo que ocorre de forma tão perspicaz, às vezes, que

você pensa que não é racista, mas está sendo racista em alguma forma”56

. Na sequência do

diálogo, ela apontou que, para que se efetive uma política de combate ao racismo nas escolas,

é necessário que os professores se engajem mais, pois, segundo a sua percepção, na escola em

que atua, somente os professores de história trabalham com mais afinco a história e a cultura

africana e afro-brasileira. Despertar os demais professores para esse fenômeno social que

adentra e interfere na comunidade escolar é desafiador, pois, “primeiro os professores

precisam estar conscientes do que é o racismo, para não adotarem posturas racistas”57

e, para

tanto, precisam fazer cursos e capacitações que os auxiliem a perceber o racismo implícito em

letras de músicas, histórias e até mesmo nas representações de personagens – como o “Saci

Pererê”58

– nos eventos escolares.

Essas ponderações são reafirmadas na fala do professor de história da escola

supracitada, quando, ao ser questionado sobre as propostas pedagógicas existentes na escola

para a efetivação do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, afirmou:

Todos os anos, mesmo que sejam pontuais, mas, nós temos o dia da consciência

negra. Mas, para além disso aí, nós temos as feiras, temos duas feiras culturais

durante o ano. Temos uma em maio, final de maio e a outra em novembro. E, em

todas essas feiras têm sempre uma oficina voltada para cultura afro-brasileira.

Inclusive no ano passado eu mesmo monitorei uma, eu e a Auricélia fomos os

ministrantes... e foi show de bola! Foi uma das mais belas oficinas e mais

proveitosas que a escola presenciou e que já teve. (informação verbal).59

56 Entrevista realizada em 2016 com a coordenadora pedagógica da Escola Nemésio Bezerra.

57 Idem.

58 O Saci-Pererê é uma lenda do folclore brasileiro e originou-se entre as tribos indígenas do sul do Brasil.

Com a influência da mitologia africana, o saci se transformou em um negrinho que perdeu a perna lutando

capoeira, além disso, herdou o pito, uma espécie de cachimbo, e ganhou da mitologia europeia um gorrinho

vermelho. Ver mais em: <<https://brasilescola.uol.com.br/folclore/saci-perere.htm>> Acesso em 10 de nov.

2017. 59

Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Escola Nemésio Bezerra.

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O professor destaca que monitorou a feira com outra professora de história –

atualmente lotada no Laboratório Escolar de Informática –, o que confirma a relevância das

atividades promovidas e coordenadas pelos professores de história nas escolas públicas do

bairro Campo Novo, em Quixadá. É notório, no discurso dos professores e gestores

entrevistados, esse direcionamento aos professores formados em história, como se essa fosse a

única disciplina capaz de apresentar a história e cultura africana e afro-brasileira.

Os desafios desses professores e de muitos que estão no “chão” da sala de aula,

vão além do ensinar a história e cultura dos afro-brasileiros e africanos, pois, segundo o relato

de dois dos três professores de história entrevistados, um dos maiores desafios é despertar nos

estudantes o interesse pelo assunto. O professor da turma do 5º ano do Fundamental I, por sua

vez, afirmou que o desinteresse apresentado pelas crianças permeia todas as disciplinas e seus

conteúdos – ele é pedagogo e leciona várias disciplinas (o chamado polivalente) – e que a

turma é apática durante suas aulas.

A professora do 3º ano do Ensino Médio, sublinhou, conforme citamos acima, o

desinteresse pelo conteúdo por boa parte da turma, principalmente pelos estudantes que não se

consideram ou não se aceitam como negros, daí surgindo o descaso pelo assunto. Em

contrapartida, o professor do 9º ano do Fundamental II, afirmou que os alunos participam e

até gostam das aulas que abordam a história e cultura africana e afro-brasileira.

Ao ser indagado sobre a reação dos alunos nas aulas que tratam da temática afro-

brasileira e africana, o professor de história do 9º ano afirmou que:

Eles já ficam ansiosos pra ver o que eu vou trabalhar. Os assuntos, os temas, as

imagens … que eu gosto muito de imagem! Eu acho que a imagem diz muita coisa.

E aí a gente vai trabalhando dessa forma e eles adoram, é tanto que num capítulo eu

demoro assim quatro ou cinco aulas pra dar, porque eu esmiuço a história africana.

(informação verbal).60

Conforme o depoimento deste professor, ele explora temáticas da história africana

empregando metodologias que prendem a atenção dos alunos em vários encontros e,

certamente, os envolve em discussões que desconstroem imagens deturpadas da história dos

africanos e dos afro-brasileiros. Metodologias assim colaboram com a formação de novas

concepções acerca da história do negro e de sua importância na história do Brasil.

Analisando o que foi apresentado nas falas dos três professores de história

entrevistados, nos questionamos sobre os procedimentos metodológicos utilizados por estes.

60 Idem.

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O que falta para se obter êxito na implementação do ensino da história africana e afro-

brasileira nas escolas públicas de Quixadá? Será a responsabilidade somente dos professores

de história? Por outro lado, é produtivo questionar: por que o depoimento de um dos

professores contrasta dos demais? Quem de fato está conseguindo promover uma educação

mais crítica? Estes questionamentos nos levam a perceber que, apesar de o professor de

história estar à frente desta tarefa, ela é coletiva e dinâmica, exigindo novas posturas e

astúcias por parte de todos os sujeitos escolares, para que teoria e prática caminhem em

harmonia e a educação se torne de fato emancipadora. A esse respeito, Cunha Jr. (2005, p.

252) assevera:

Nesta formulação da necessidade de combate à desigualdade, a educação figura

como uma das formas importantes de mudança da estrutura social dos

afrodescendentes. Para combater esta desigualdade, a educação precisa teorizar,

realizar práticas efetivas e específicas que modifiquem concretamente a situação dos

afrodescendentes.

As situações elencadas acima, apesar de apresentarem algumas contradições e

limitações por parte dos professores entrevistados, reafirmam a importância do ensino de

história na promoção da descolonização do pensamento dos estudantes da educação básica

quixadaense, bem como dos demais professores que compõem o cenário escolar, uma vez

que, ao apresentar novos fatos e personagens da história do país, bem como problematizar as

dificuldades sociais do presente em suas relações com o passado, os professores de história

podem colaborar significativamente para a promoção de uma educação das relações

étnicorraciais nas escolas.

A escola, por meio de seus representantes, especialmente professores, constitui

um dos espaços em que pode ocorrer a aplicabilidade de políticas públicas que visam reparar

os danos causados às comunidades marginalizadas, sobretudo a comunidade negra, e reverter

o cenário no qual esses sujeitos ainda se encontram.

No que concerne às relações étnicorraciais e na promoção de uma educação

antirracista, consideramos como subsídios significativos o conhecimento das histórias e

culturas africanas e afro-brasileiras, por isso salientamos a relevância da conquista social da

Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de cultura e história africana e afro-brasileira

no currículo da educação básica nacional e suas possibilidades de consecução no contexto

local. Isto posto, é útil recordar que, para compreender tais propostas, é necessário percebê-las

de modo ulterior ao cenário formal e governamental, uma vez que os cidadãos brasileiros –

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em especial os que sofrem as marcas do preconceito – costumam buscar a emancipação

cultural de uma história nacional pautada no eurocentrismo.

A promoção de uma educação valorativa e equânime, entretanto, envolve

diferentes procedimentos metodológicos que atendam aos novos moldes do ensino,

reconhecendo a relevância de orientações no âmbito escolar, sem, no entanto, compreendê-las

como imparciais, pois, as Diretrizes Curriculares e demais políticas organizacionais dos

sistemas de ensino do país, estão eivadas de significados políticos que podem influenciar

fortemente as ideias, atitudes, comportamentos e modos de agir de professores e alunos, bem

como as práticas pedagógicas, curriculares e organizacionais (LIBÂNEO, OLIVEIRA e

TOSCHI, 2005).

Nesse contexto, é mandatória a compreensão de que “a história ensinada é sempre

fruto de uma seleção, um „recorte‟ temporal, histórico. As histórias são frutos de múltiplas

leituras, interpretações de sujeitos históricos situados socialmente”. (SILVA e FONSECA,

2010, p.16). Dessa forma, compreendemos que a inserção da história do negro nos currículos

escolares e nas aulas de história e demais disciplinas faz parte de uma conquista do

movimento negro, que vislumbra um projeto educativo muitas vezes contrastante com a teoria

social e pedagógica hegemônica. (GOMES, 2011)

Destarte, salientamos que, a despeito dos desafios e limitações presentes nas

escolas, os professores e estudantes da educação básica quixadaense, estão questionando,

problematizando e refletindo sobre a importância da desconstrução de uma cultura racista no

contexto local, tendo em vista as metodologias utilizadas pelos professores para a consecução

de um ensino pautado no respeito a diversidade étnicorracial do povo brasileiro.

Ademais, ressaltamos que a tarefa de reeducar para as relações étnicorraciais é de

responsabilidade de todas as pessoas e instituições que prezam por uma sociedade justa e

igualitária, uma vez que “combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e

racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da

escola”. (BRASIL, 2004, p. 14).

Dentre as escolas pesquisadas, tivemos a oportunidade de presenciar a

culminância do projeto do dia da consciência negra, e, na ocasião, percebemos a participação

de parte significativa dos professores, bem como da direção, apesar de o evento ser conduzido

pelos professores de história. Porém, pudemos observar o apoio dos demais agentes escolares.

Não por acaso, esta escola é aquela em que o depoimento do professor não condiz com o

depoimento dos outros dois professores entrevistados, demonstrando que o apoio dos colegas

professores e gestores é fundamental para o sucesso na inserção de novos conteúdos e debates

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que são essenciais ao processo de aprendizagem dos alunos, numa proposta de educação

cidadã e inclusiva. Este projeto e outros serão relatados e analisados no capítulo a seguir.

4 O COMBATE AO RACISMO NO COTIDIANO ESCOLAR: REEDUCAR PARA AS

RELAÇÕES ÉTNICORRACIAIS

A instituição escolar deve ser compreendida como figura representativa no

cenário de desconstrução de ideias e pensamentos e de ressignificação dos fenômenos sociais

contemporâneos. No caso específico de interesse desta pesquisa – bairro Campo Novo, em

Quixadá –, esta instituição revela-se um espaço necessário, pelas condições socioeconômicas,

de discussão à frutificação de novos conhecimentos que objetivem indicar alternativas

exequíveis de erradicação do preconceito racial no cenário local.

O racismo ocorre no interior das escolas por motivos diversos, como: a falta de

capacitação ou sensibilidade dos profissionais – que não raro são inaptos a mediar situações

de conflitos em que ocorrem manifestações racistas; e a ausência de materiais que auxiliem

professores e gestores na consecução das diretrizes educacionais voltadas à educação das

relações étnicorraciais, sobretudo por negligência da comunidade escolar, em que pais,

estudantes, professores e demais profissionais que atuam nas escolas muitas vezes se omitem

de discutir a questão da discriminação racial – existente dentro e fora do contexto escolar –

como se, ao agirem assim, pudessem invisibilizar a realidade vivida por parte dos estudantes

negros quixadaenses. Tal postura apenas dificulta a reflexão sobre a questão, para, por

conseguinte, extirpá-la do cotidiano das vítimas dessas práticas preconceituosas.

Deste modo, para que compreendamos melhor o papel das escolas analisadas no

contexto em que se situam, neste último capítulo, analisamos as propostas pedagógicas

existentes nas escolas para a efetivação do ensino da história e da cultura afro-brasileira e

africana, bem como os desafios enfrentados por gestores, professores e estudantes durante as

aulas e projetos que abordam temáticas voltadas à realização de um ensino multicultural.

Empreendemos uma análise comparativa entre as falas dos entrevistados e as propostas das

Políticas Públicas de Educação para Promoção da Igualdade Racial no país – baseadas,

sobretudo nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana – bem como, com os Projetos

Políticos Pedagógicos (PPP) das três escolas investigadas e os livros didáticos de história que

estas adotam do Programa Nacional do Livro Didático. Por fim, apresentamos as ponderações

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dos sujeitos entrevistados sobre como devemos combater o racismo na escola, considerando a

vivência e percepção de cada um sobre o seu contexto sócio escolar.

4.1 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS

RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-

BRASILEIRA E AFRICANA E OS PROJETOS POLÍTICOS PEDAGÓGICOS (PPP) DAS

ESCOLAS EM FOCO

Educar para as relações étnicorraciais é uma incumbência desafiadora, pois requer

das escolas um posicionamento político, segundo o qual instituição e comunidade escolar

sejam parceiras no processo de desenvolvimento de ações que objetivem promover um

modelo de ensino antirracista, que prime especialmente pelo respeito e valorização da história

dos africanos e afro-brasileiros, marcada por uma trajetória silenciosa.

O Art. 3°, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana afirma que:

A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-

Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos,

competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e

seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades/

mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações

e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004. (BRASIL, 2004, p. 32)

As Diretrizes citadas remetem ao parecer do Conselho Nacional de Educação –

CNE/CP 003/2004, que, por sua vez,

[...] visa a atender os propósitos expressos na Indicação CNE/CP 6/2002, bem como

regulamentar a alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, pela Lei 10.639/200, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. (BRASIL, 2004,

p.9),

Buscando cumprir o estabelecido nos Art. 5º, I, Art. 210, Art. 206, I, § 1° do Art.

242, Art. 215 e Art. 216, da Constituição Federal e nos Art. 26, 26 A e 79 B na Lei 9.394/96

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que prescrevem o direito à igualdade de

condições de vida e de cidadania, bem como garantem igual direito às histórias e culturas que

compõem a nação brasileira e o acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos

brasileiros. (BRASIL, 2004).

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Partindo do pressuposto no referido parecer, a garantia de direito às histórias e

culturas nacionais visa reparar a dívida histórica que o Brasil tem com a comunidade negra,

mediante a reorganização do currículo escolar. Para tanto, novas mentalidades e metodologias

precisam ser desenvolvidas no sentido de educar para as relações étnicorraciais, pelo despertar

das consciências no que se refere à importância da história e cultura negra no país. Portanto, é

imperativo que a escola e seus educadores assegurem a construção de estratégias educacionais

de combate ao racismo, atendendo às políticas de reparações, reconhecimento e valorização

de ações afirmativas para a educação das relações étnicorraciais.

Nesta perspectiva, algumas estratégias são elencadas nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-brasileira e Africana, destacando que:

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de

educação das relações étnico/raciais positivas têm como objetivo fortalecer entre os

negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Entre os negros, poderão

oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana;

para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a

participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser,

viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão

parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da

escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população,

possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação

racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de ensino da

educação brasileira. (BRASIL, 2004, p.16)

Nesse contexto de mudanças de posturas e mentalidades pelas vivências escolares,

o ensino da história africana e afro-brasileira deveria atender às exigências contidas nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino

de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que determinam:

O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes

meios, em atividades curriculares ou não, em que: – se explicite, busque

compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de

expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana;

– promovam-se oportunidades de diálogo em que se conheçam, se ponham em

comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se

busquem formas de convivência respeitosa, além da construção de projeto de

sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, defender sua especificidade

étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam; – sejam incentivadas

atividades em que pessoas – estudantes, professores, servidores, integrantes da

comunidade externa aos estabelecimentos de ensino – de diferentes culturas

interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, visões de

mundo, raciocínios e pensamentos de cada um. (BRASIL, 2004, p.20-21)

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As ações educativas de combate ao racismo e as discriminações visam

problematizar as relações étnicorraciais que precisam ser percebidas, discutidas e

compreendidas por todos os cidadãos brasileiros, para que os direitos da comunidade negra

sejam respeitados e suas histórias e culturas valorizadas. Nesse contexto, o uso de

metodologias diversas contribui para o aprendizado dessas histórias e culturas, numa

perspectiva mais ampla, haja vista que a inserção do ensino da história e cultura afro-

brasileira e africana na educação básica nacional é preponderante no processo de reeducação

dos brasileiros, pois “não se trata apenas de trazer para dentro da escola um novo componente

curricular, mas uma temática e um debate marcados por uma longa trajetória de disputas e

embates, de polêmicas e dissensos, e também de silenciamentos”. (ALBERTI, 2013, p. 59)

Fazer emergir as vozes dos afrodescendentes – silenciadas por quase quinhentos

anos de história nacional – através de discussões promovidas no contexto escolar é

fundamental para o processo de desconstrução de conceitos, ideias e comportamentos racistas

que favorecem a segregação étnicorracial em nosso país.

Algumas propostas para trabalhar esta temática nas escolas de todo o país estão

elencadas nas Orientações e ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais, elaboradas

pela Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Dentre as

recomendações presentes nesse guia, escolhemos sugestões de atividades para o Ensino

Fundamental e para o Ensino Médio, que podem subsidiar escolas e professores na

exequibilidade da Lei 10.639/03.

Referentes aos temas e metodologias a serem trabalhados no Ensino Fundamental,

destacamos três: identidade, histórico da comunidade e a realidade sócio racial da população

negra. Exemplo 1:

Tema: Identidade (autoconhecimento, relações sociais individuais e diversidade).

Objetivos: Perceber, valorizar semelhanças e diferenças, respeitar as diversidades

Subtema: Eu, minha família, o lugar onde moro.

Diálogo com a questão racial:

Identidade racial em relação à origem étnica da família do/a aluno/a.

Termo afro-brasileiro buscando a ancestralidade africana da família.

Identificar tradições familiares e semelhantes àquelas que se relacionam às tradições

africanas reinventadas no Brasil, valorizando-as. (BRASIL, 2006, p.181).

Conforme apresentado, ao abordar o tema Identidade, objetiva-se a percepção,

valorização e respeito às diversidades, que têm por base as percepções dos estudantes com

relação aos conhecimentos familiares, por meio da associação destes com as tradições

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africanas e/ou afro-brasileiras, o que colabora para o processo de identificação dos estudantes

ao grupo afrodescendente. Sobre o histórico da comunidade, temos o Exemplo 2, que sugere:

Confeccionar álbuns, livros de contos, ABCs, cordel, privilegiando a história da

comunidade, sendo assim um instrumento de valorização dos grupos étnico-raciais e

sociais que a compõem. Esta atividade promoverá o fortalecimento de inserção na

escrita, ao mesmo tempo em que se valorizará uma dimensão de oralidade, aqui

pensada como transmissão de saberes necessários e fundamentais à memória

coletiva dos grupos. (BRASIL, 2006, p.185).

Essas atividades permitem aos estudantes o reconhecimento da história da sua

comunidade, família e de sua própria história, fortalecida pela experiência com a tradição oral

africana, que poderá refletir positivamente na formação identitária das crianças negras, bem

como a fixação da aprendizagem pelo código escrito e por outros métodos que fortalecem

esse processo educativo, baseado sobretudo no respeito a diversidade étnicorracial. No âmbito

da abordagem sobre a realidade sócio racial da população negra no contexto contemporâneo,

o Exemplo 3 propõe a música, o jornal e as mídias como subsídios preponderantes na

realização de propostas pedagógicas, ao afirmar:

O elemento motivador para estimular o projeto de trabalho poderia ser a música

(rap, samba ou outras que abordem o tema5); um artigo de jornal; análise de

anúncios publicitários. Por meio desses elementos, propiciar reflexões sobre o difícil

processo de ocupação do espaço urbano vivenciado pela população negra no período

pós-abolição e na atualidade, contextualizando as causas consequências dessa

ocupação como também as relações estabelecidas. (BRASIL, 2006, p.186).

Esses elementos pedagógicos possibilitam uma relação mais direta entre os

estudantes e a realidade que os cerca, o que pode fomentar neles o interesse pela temática,

pois, ao conjecturarem sobre o processo de ocupação dos espaços urbanos e sociais pela

comunidade negra, podem ou não se reconhecer nos papéis de oprimidos ou opressores nas

vivências cotidianas, o que implica em reflexões das próprias ações e relações estabelecidas

no seu convívio social.

Quando os autores das orientações direcionam a abordagem para as possíveis

ações a serem desenvolvidas no Ensino Médio, destacam:

O presente texto aponta que por meio do Projeto Político Pedagógico das escolas é

possível garantir condições para que alunos (as), negros (as) e não-negros (as)

possam conhecer a escola como um espaço de socialização. Um espaço em que as

relações interpessoais, os conteúdos e materiais constituam o diálogo entre culturas,

que tragam não apenas as histórias e contribuições do ponto de vista europeu, mas

também as histórias e contribuições africanas e afro-brasileiras. (BRASIL, 2006, p.

87).

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Essas orientações enfatizam a intrínseca relação entre conteúdos, materiais e

vivências escolares no contexto de relações culturais e simbólicas, legitimadas na dinâmica

escolar. Nas observações contidas no documento citado, também foi considerada a

particularidade dos estudantes de Ensino Médio e a representatividade social do ser jovem

como fator relevante para a promoção de um diálogo multicultural e pluriétnico, capaz de

colaborar na formação de identidades positivas na escola. Todavia, nesse processo, os

Projetos Políticos Pedagógicos (que toda escola precisa elaborar) são apresentados como

meios de viabilizar a construção dessas identidades positivas, mediante ações diversas

desenvolvidas para e com a comunidade escolar.

Nesse sentido, analisamos os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas José

Bonifácio de Sousa, Nemésio Bezerra e Abraão Baquit, para compreender melhor as ações

nelas desenvolvidas que visem o combate ao racismo. Porém, faz-se necessário, antes de

apresentá-los, esclarecer que essas escolas, localizadas no bairro Campo Novo, no município

de Quixadá, atendem às demandas de estudantes também de outros bairros circunvizinhos,

como: Putiú, COHAB e Monte Alegre. As três escolas têm prédios anexos, inclusive situados

fora do perímetro urbano, em distritos61

que pertencem à cidade de Quixadá.

Nas três escolas pesquisadas, são desenvolvidas atividades pedagógicas baseadas

em diretrizes norteadores do ensino formal nacional, dentre elas, as orientações contidas na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs), Conselhos Estadual e Municipal de Educação, Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA, bem como em seus Projetos Político Pedagógicos (PPP‟s), nos quais

constam as orientações internas dos trabalhos a serem realizados conforme a realidade e as

condições de cada escola.

Nos Projetos Político Pedagógicos das três escolas, percebemos que as palavras

cultura, inclusão, diversidade, respeito, educação, ética e cidadania se repetem e são

ressaltadas nos fundamentos ético-políticos dessas instituições, que, ao justificarem o papel

que as escolas têm na comunidade, defendem como princípios norteadores da política escolar

garantir a formação de sujeitos capazes de exercerem plenamente a cidadania, por meio de

uma educação humanista, conforme mostra-se apreensível nos seguintes trechos dos PPPs:

61 A Escola José Bonifácio de Sousa tem como anexo a creche do bairro. O anexo da Escola Nemésio

Bezerra está situado no bairro Planalto Jerusalém, próximo ao bairro Campo novo e os dois anexos da Escola

Abraão Baquit estão localizados em dois distritos da Cidade de Quixadá, Juatama e Cipó dos Anjos.

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Princípios norteadores do trabalho

Gestão democrática da Educação.

Reconhecimento e respeito a diversidade humana.

Garantia da aprendizagem dos saberes e conhecimentos reconhecidos historicamente

pela humanidade e os construídos e legitimados pela comunidade.

Garantia da formação de sujeitos capazes de exercerem plenamente a cidadania.

Garantia de uma educação humanista...

(PPP da Escola José Bonifácio de Sousa, p. 02-03).

Educar significa tornar as pessoas capazes de alcançar objetivos e exercer sua

cidadania plena, tendo a convicção de que o mundo pode ser mudado e/ou

transformado pelas pessoas conscientes e, que para isso, a aquisição do saber

cultural torna-se necessário [...] Buscar a formação cidadã, fundamentada na

construção de uma consciência cristã e crítica, voltada para a análise das questões

sociais, políticas e culturais que cercam o ser humano, este é o princípio mais

significativo da prática docente dirigida aos educandos. (PPP da Escola Nemésio

Bezerra, p.18).

A Escola de Ensino Médio Abraão Baquit tem como filosofia o desenvolvimento de

uma educação integral, diante da transição pela qual passa o mundo, vive-se

expectativa variada: imaginárias, reais, transformadoras e eloquentes. Diante dessa

realidade e na busca de uma sociedade mais justa e humana, solidária e feliz,

trabalharemos para que os nosso educando sejam cidadãos dignos e responsáveis;

críticos, autônomos, solidários, criativos, conhecedores de seus direitos e deveres,

para que possam enfrentar os desafios da atualidade sem preconceitos e

discriminação, buscando assim o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; habilitando-o a

atuar na sociedade com senso crítico, iniciativa, criatividade, independência e

responsabilidade social. (PPP da Escola Abraão Baquit, p. 17-18).

Com relação à inserção de ações em conformidade com a Lei 10.639/03, nos PPPs

das escolas José Bonifácio de Sousa e Nemésio Bezerra, essas são referenciadas tanto no texto

que aborda cultura e diversidade – que faz parte dos princípios norteadores desses

documentos – quanto na parte que diz respeito à disciplina de história, destacando a

determinação legal de âmbito federal e suas exigências quanto à inclusão da história e cultura

africana e afro-brasileira na educação básica de todo país e que, por esse motivo, precisam ser

aplicadas à realidade das escolas. Vejamos:

Ações desenvolvidas na escola nos anos de 2015-2016.

Ação Afro

Em consonância com a Lei 10.639/2003, a escola desenvolve com os alunos e

professores específicos, conteúdos onde são trabalhados temas pertinentes ao

assunto. (PPP da Escola José Bonifácio de Sousa, p.24).

A referida instituição defende a utilização de projetos que contemplem todos os

objetivos propostos, tendo em vista suprir às necessidades complementares e plurais

formativas dos educandos, desenvolvendo projetos que abranjam a arte, a

tecnologia, a leitura e escrita, as culturas diversificadas como: a indígena, a

afrodescendente e rural. (PPP da Escola Nemésio Bezerra, p. 24).

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No que concerne ao detalhamento do conteúdo curricular, o PPP da Escola

Nemésio Bezerra – único que especifica conteúdo por disciplina – cita a Lei 10.639/03 na

disciplina história, problematizando a relevância de refletir sobre o ensinar e o aprender da

disciplina história no contexto das relações contemporâneas. É exemplar do detalhamento o

seguinte trecho:

Pensando neste panorama é que se torna emergente um repensar a forma de ensinar

e aprender a disciplina história como os demais componentes curriculares das áreas

do conhecimento humano para inserir ações pedagógicas que contemplem a Lei

10.639/2003 que trata da História da África e Cultura Afro-Brasileira. (PPP da

Escola Nemésio Bezerra, p. 28).

O prescrito acima destaca a relevância da inclusão do ensino da história e cultura

africana e afro-brasileira no contexto escolar, e, não obstante não se descrevam metodologias

ou ações que a tornem exequível, se apresentam nas falas de professores e estudantes

entrevistados atividades que devem ser realizadas nas aulas de história, bem como projetos

concernentes à temática que envolvem toda comunidade escolar. Segundo os professores,

esses projetos são, geralmente, concluídos em eventos que fazem referência ao Dia da

Consciência Negra, que, com a Lei 10.639/2003, passou a ser o dia 20 de novembro.

No PPP da Escola Abraão Baquit, não existe referência à Lei 10.639/03, nem

tampouco à educação para as relações étnicorraciais no ambiente escolar. A palavra raça só

aparece na justificativa do documento num formato genérico e pontual, sem maiores

explanações, ao lado de outras diversidades. Observemos:

Os valores da escola estão centrados na participação de todos, pois acreditamos que

o trabalho em equipe contribui para o sucesso de cada um. Nosso compromisso é

fazer com que o aluno adquira conhecimentos aliado a uma formação de valores

éticos, morais, despertando a solidariedade e respeito às diversidades culturais,

raciais, religiosas e políticas. (PPP da Escola Abraão Baquit, p. 10).

Não há no PPP da escola mencionada abordagens específicas à diversidade

étnico-racial, uma vez que ela é apresentada como uma das diversidades que precisam ser

respeitadas pelos alunos. Neste documento, é referida apenas a inserção social dos estudantes,

através de um modelo educacional de qualidade, fundamentado na ampla formação desses

educandos. Conforme descrito abaixo:

Pretendemos ser uma escola de referência no estado, conhecida pela qualidade de

ensino, motivação e interesse na aprendizagem do educando e sua formação cidadã,

para que isso ocorra pensamos em:

Promover a superação das práticas desenvolvidas pela escola tradicional;

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Desenvolver as capacidades cognitivas, físicas, afetivas de relação interpessoal e

inserção social, ética e estética, tendo em vista uma formação ampla;

Despertar a disponibilidade de todos os sujeitos ao aprender, conhecer, fazer, ser

conviver, empreender, prosperar e o comprometimento pessoal e social ao processo

de ensino-aprendizagem e a autoafirmação [...] Assim sendo, nossa filosofia é

oferecer um ensino de qualidade, estimulando a criatividade e a participação dos

nossos educandos, tornando-os cidadãos solidários, éticos e dignos. (PPP da Escola

Abraão Baquit, p. 19-20).

Objetivando perceber os diferentes PPP‟s em ação nas três escolas avaliadas,

elencamos algumas considerações dos nossos entrevistados com relação à realização dos

projetos referentes a questão étnicorracial.

Na Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa, um dos estudantes, ao

ser questionado sobre a existência de projetos sobre a história africana e afro-brasileira,

respondeu positivamente e que, na semana anterior à nossa conversa, várias atividades

referentes ao Dia da Consciência Negra tinham ocorrido na escola, dentre elas uma em que

garotas e garotos negros desfilaram. E explicou:

Teve até o desfile aqui na escola! Eu desfilei e a minha amiga também desfilou.

Acho que foi bem legal… ajudaria muito se os garotos das ruas tivessem vindo, pra

poder ver se eles paravam de fazer racismo. (informação verbal).62

Na observação do estudante, é notório que o preconceito racial está presente na

realidade do bairro e que ele vê na escola um espaço que pode conscientizar alguns colegas

quanto à ignorância do preconceito racial, acrescentando ainda que gostara do momento em

que desfilou no evento da escola junto com sua amiga, que também é negra. O desfile que

ocorrera na escola durante a culminância desse projeto foi citado também por outra estudante

entrevistada, que afirmou que essas atividades desenvolvidas na escola ocorrem:

Pras pessoas brancas não ter [sic] racismo contra as pessoas negras. As meninas

fizeram a dança da Shakira e também alguns meninos desfilaram. Desfile das

pessoas negras...fiquei feliz! (informação verbal).63

Compreendemos, nesse sentido, que, para esses estudantes, o projeto “Semeando

Valores” – que fora desenvolvido na escola, no decorrer do ano letivo, por meio de aulas,

palestras e oficinas que abordavam a importância de conhecer e valorizar a história dos

diferentes grupos étnicorraciais existentes no Brasil e teve sua culminância na Semana da

62 Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José

Bonifácio de Sousa. 63

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José

Bonifácio de Sousa.

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Consciência Negra, com atividades como dança, teatro e desfile – representa a expressão da

própria identidade deles, uma vez que estes ressaltam a atividade desenvolvida na escola

como algo que pode ajudar no combate ao preconceito racial contra os negros e, quando citam

o desfile, enfatizam a cor da pele daqueles que desfilaram.

O projeto citado demonstra a participação da escola no processo de formação

identitária de seus alunos negros, a partir da efetivação de projetos pedagógicos que buscam

valorizar o negro e apresentá-lo numa perspectiva igualitária com o branco, que não o

inferioriza, demonstrando a diversidade dos sujeitos que compõem o universo escolar.

Acreditamos que essa metodologia utilizada na escola se caracteriza como ação que visa

“naturalizar a igualdade para se opor à naturalização da diferença como inferioridade, que é o

que sustenta o preconceito.” (LOPES, 2004, p.26).

De acordo com o professor de história do 5º ano, o projeto pedagógico

“Semeando valores”, realizado na escola em 2016, ajudou a reduzir os conflitos entre os

estudantes. Ainda segundo o professor, “esse projeto envolvia eles para diminuir um pouco a

violência que gera esses conflitos de racismo e intolerância que tem aqui dentro da escola”.64

A violência presente nas ações dos estudantes é reafirmada na fala da diretora

quando esta responde nosso questionamento sobre as dificuldades na implementação de ações

que visam combater o racismo na escola.

Não existe dificuldade em trabalhar políticas públicas contra o racismo na escola. O

que existe é que alguns alunos mesmo sendo orientados não mudam suas atitudes

porque o convívio familiar e as atitudes da sociedade causam contradição ao que

eles aprendem na escola.(informação verbal).65

A realidade extraescolar pautada no desrespeito, na violência e na desvalorização

do outro é igualmente apresentada na fala do estudante citado acima, quando referiu que, se os

meninos da rua tivessem participado do evento, isso ajudaria no combate ao racismo,

deixando clara a existências de práticas racistas na comunidade.

A diretora aponta o convívio familiar e social como desafios constantes na tarefa

educativa de proposta inclusiva que viabiliza o encontro de muitas alteridades expressas no

cotidiano escolar. Ressaltamos nesse contexto a condição de violência a que esses estudantes

são submetidos diariamente que lhes tira em parte a sensibilidade de compreender e respeitar

as diferenças étnicorraciais. Contudo, se compararmos as falas citadas, percebemos, na voz

64 Entrevista realizada em 2016 com o professor de história do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola

José Bonifácio de Sousa. 65

Entrevista realizada em 2016 com a diretora da Escola José Bonifácio de Sousa.

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dos estudantes, a semente da esperança de dias melhores num cenário adverso e repleto de

contradições.

Na Escola Nemésio Bezerra, os projetos pedagógicos que fazem alusão à história

e cultura africana e afro-brasileira também foram citados com frequência por nossos

entrevistados. Uma estudante do 9º ano ao ser questionada sobre a existência de projetos que

abordam a referida temática, afirmou que “O professor faz às vezes. Às vezes ele faz teatro,

chama as meninas e ele amostra [sic], chama todo mundo pro pátio e amostra [sic] teatro, aí

depois tem palestra e só.66

A estudante destaca que o projeto é executado na escola e é exposto

em apresentação teatral seguida de palestra, deixando claro que a proposta contempla várias

metodologias.

O professor de história da turma do 9º ano, ao ser questionado sobre as

apresentações desses projetos, destacou que essa atividade:

É aberta para comunidade, a comunidade visita. Nós convidamos pessoas das

gestões, da secretaria de educação e tudo mais. Então nós temos esse trabalho, esse

desenvolvimento e nós mesmos professores de história, nós sempre procuramos

estender um pouco mais os temas que falam sobre Continente africano, cultura afro-

brasileira. Geralmente o continente africano, a economia, a política, sociedade, e a

gente aproveita isso aí e traz para nossa história, com relação a cultura afro-

brasileira. (informação verbal).67

As observações acima nos fazem perceber a realização de atividades voltadas à

temática africana e afro-brasileira na Escola Nemésio Bezerra, mesmo que de maneira

pontual, por meio de projetos. Ao citar que essas apresentações são exibidas para toda a

comunidade, o professor deixa claro o alcance dessa atividade fora do contexto escolar.

Participamos da culminância de um desses projetos (figuras 07 e 08), que ocorreu

no dia 21 de novembro de 2016, durante nossa observação no campo de pesquisa. O projeto,

intitulado “20 de novembro: Dia da Consciência Negra”, originado da Feira Cultural que

ocorre anualmente, faz parte das ações desenvolvidas na escola. Essas atividades são

realizadas por meio de oficinas que abordam, dentre outras, a temática africana e afro-

brasileira. Segundo o professor orientador do projeto, uma das oficinas foi de maquiagem e

tinha como objetivo apresentar a beleza das meninas negras, visando valorizar a sua

identidade étnicorracial. Outras oficinas que utilizaram imagens, exposição de murais, vídeos,

66 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra. 67

Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Escola Nemésio Bezerra.

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filmes e documentários, também fizeram parte desse projeto, que, na semana da Consciência

Negra, foi protagonizado pelos estudantes, com apresentações teatrais, danças e explanações

sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira.

Figura 7 – Culminância do Projeto “20 de novembro: Dia da Consciência Negra”, da

Escola Nemésio Bezerra.

Fonte: Própria autora, 2016.

Figura 8 – Culminância do Projeto “20 de novembro: Dia da Consciência Negra”, da

Escola Nemésio Bezerra.

Fonte: Própria autora, 2016.

A elaboração desse projeto contou com a participação de todos os estudantes da

escola e de alguns professores durante o turno da manhã, se repetindo no turno da tarde.

Interessante percebermos a atenção destinada às apresentações de danças e até mesmo às

explicações teóricas desenvolvidas por alguns estudantes.

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Essa prática poderá influenciar na assimilação de novos e relevantes aprendizados,

sobretudo para os estudantes negros, que se vêem como sujeitos históricos que atuam em

vários campos da sociedade e que têm muitas e belas histórias que precisam ser repassadas

aos demais. Apesar de que, como nos lembra Munanga (2005, p. 16):

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa

apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras

ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação

envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas

afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a

todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto

de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se

desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza

econômica e social e da identidade nacional.

Apresentamos, por fim, o que dizem estudantes e professora sobre a existência de

projetos pedagógicos da Escola Abraão Baquit. Especificamente nesta escola, dos cinco

alunos entrevistados, apenas uma estudante afirmou a existência de projeto relacionado à

história do negro, ao comentar que “Vai ter a feira da cultura, aí vai ter um grupo falando do

racismo, aí escolheram nós [sic], aí nós vamos estudar mais do que a professora fala pra

apresentar este projeto, acho que é um projeto muito bom”.68

Observemos que nessa colocação a estudante se refere a uma “feira da cultura”,

que aconteceria e que seu grupo escolhera falar sobre o racismo. Em sua fala, não é

apresentado um projeto já executado, mas sim um projeto que estava em desenvolvimento.

Daí, compreendemos o porquê de os demais entrevistados assegurarem a inexistência de

projetos que abordassem a temática. Um dos estudantes enfatizou:

Na atual escola não, mas na outra que eu estudava antigamente, sempre tinha. Aqui

no Abraão, eu estou saindo e acho que nunca presenciei um ato desse. Deveria ter

mais manifestação não só dentro da escola, mas na comunidade também. Eu acho

que seria uma coisa bacana e também conscientizaria as pessoas a fazer o que é o

certo. (informação verbal).69

O estudante deixa claro que, durante os três anos que passara na escola, não

presenciou nenhuma atividade pedagógica que remetesse à história africana e afro-brasileira.

Em contrapartida, a professora de história deles (turma 3º ano) afirmou que “são trabalhadas

68 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

69 Entrevista realizada em 2016com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

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temáticas da cultura afro-brasileira. Cada semana uma temática diferente”70

. Porém, não

exemplificou como realiza essas atividades.

Essas contradições entre as falas dos estudantes e a afirmativa da professora

quanto à existência de projetos ou ações dentro da escola que abordassem a história africana e

afro-brasileira é justificada pela professora, que assim justifica: “eles não têm uma

receptividade, como se aquilo ali não fosse parte da história deles”71

.

No azo de refletir sobre educar na atualidade, sobretudo ao pensarmos o ensino de

história no contexto escolar, devemos “ter como referência [...] a dinâmica epistemológica da

história e da educação não como unidades autônomas, mas na inter-relação criadora e singular

que deriva da fusão entre esses dois campos” (ZAMBONI, LUCINI e MIRANDA, 2013, p.

258), uma vez que o processo de ensino-aprendizagem ocorre numa dinâmica que transcende

o saber e a abordagem do professor, adentrando o campo de relação entre os estudantes e o

conteúdo a ser explorado, como fora destacado na fala da professora acerca da falta de

acolhimento dos estudantes quando se aborda o tema.

Talvez a professora esteja certa e haja descaso por parte de alguns, o que pode

resultar no desconhecimento deles sobre a importância de determinadas atividades

desenvolvidas na escola; porém, devemos considerar a possibilidade de a professora estar

afirmando que esses projetos são realizados para nos fazer acreditar que, na prática, ocorre o

que está prescrito nos documentos externos que norteiam as atividades escolares, tendo em

vista que, no Projeto Político Pedagógico da Escola Abraão Baquit, não constam

determinações ou orientações para o trabalho com a temática africana e afro-brasileira.

Em face desse contrassenso, nos questionamos sobre como o conteúdo em questão

está sendo trabalhado na escola e, até mesmo, se a realização dessa tarefa só existe para

cumprir com as diretrizes educacionais, de maneira tão pontual ou genérica que os estudantes

entrevistados não percebem. Algumas indagações ficarão sem resposta, pois não

presenciamos, durante nossa observação, nenhuma aula ou atividade que contemplasse a

temática em questão. Porém, consideramos as ponderações da professora que confirma a

existência de tal debate em suas aulas e salienta a apatia dos estudantes quando aborda a

temática africana e afro-brasileira, bem como as falas dos estudantes que afirmaram a

inexistência desses projetos na escola.

70 Entrevista realizada em 2016 com a professora de história do 3º ano do Ensino Médio, da Escola

Abraão Baquit. 71

Idem.

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4.2 A QUESTÃO ÉTNICORRACIAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

ADOTADOS NAS ESCOLAS PESQUISADAS

Para ser ensinada, a história precisa de ferramentas pedagógicas que auxiliem o

professor na inserção do que está prescrito no currículo oficial na prática escolar. Para atender

a esta demanda, em geral, recorre-se ao livro didático que é distribuído para as escolas

públicas do Brasil através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que representa

uma “política com forte aderência na escola, na medida em que oferta materiais didáticos a

serem apropriados por estudantes e por professores [...]” (BRASIL, 2016, p.21).

O livro didático é instrumento pedagógico de relevante papel tanto no ensino de

história quanto na constituição da cultura escolar, sendo vasta a sua divulgação e abrangência

no contexto do ensino formal nacional (CONCEIÇÃO, 2007). Assim, na composição deste

trabalho, consideramos pertinente destacar o que tem sido veiculado nos livros didáticos de

história adotados nas escolas pesquisadas no tocante à temática africana e afro-brasileira, bem

como se esses conteúdos têm, de algum modo, ressignificado este ensino em especial, com

relação às questões étnicorraciais.

A Escola Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa adota o livro

didático de história do 5º ano, da coleção Projeto Coopera História, da autoria de Elian Alabi

Lucci e Anselmo Lazaro Branco, São Paulo: Saraiva, 2014.

Figura 9 – Capa do livro didático de História adotado na turma do 5º ano da Escola José

Bonifácio de Sousa

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Fonte: LUCCI, ElianAlabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva,

2014.

Com relação à análise desta obra presente na resenha do Guia do PNLD do triênio

2016-2018 da disciplina história, à cultura e à história africana e afro-brasileira da coleção

Projeto Coopera História é abordada em diferentes temáticas. Senão, observe-se:

A História da África e dos afrodescendentes também é apresentada a partir de

determinados temas como: as Grandes Navegações, o cultivo da cana-de-açúcar e o

tráfico negreiro, o processo que levou ao fim da escravização de negros. O

continente africano é representado na coleção para contextualizar as Grandes

Navegações e, mais adiante, para localizar de onde os africanos escravizados eram

trazidos. Nesses momentos é importante que o professor busque outras narrativas

históricas para desenvolver com os alunos as particularidades da História desse

continente e aprofundar sua relação com a nossa história também. (BRASIL, 2015,

p.217).

No livro que analisamos, só encontramos a abordagem que se refere ao processo

da abolição da escravatura, o que nos faz acreditar que os demais temas sejam abordados no

livro do 4º ano da mesma coleção, haja vista que a análise realizada no Guia do PNLD

contempla as coleções do 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. Ao analisar o livro didático

adotado na escola, pudemos observar que o negro aparece de forma pontual em algumas

páginas desta obra. Inicialmente, na Unidade 01, intitulada “Os caminhos para a República”,

da página 21 à 25, que se ocupa do fim da escravidão no Brasil e os passos da abolição, apesar

de ser abordada a resistência dos negros escravizados (tanto em texto escrito como em

imagens), a ênfase é conferida às leis que antecederam a abolição, bem como, ao mencionar a

Lei Áurea, a figura da princesa Isabel foi enaltecida em detrimento dos grupos abolicionistas;

esta questão é reforçada, na página seguinte (figura 10).

Figura 10 – Páginas do livro didático adotado na turma do 5º ano da Escola José

Bonifácio de Sousa

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Fonte: LUCCI, Elian Alabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 22.

Na figura acima, o livro reproduz uma litografia de Angelo Agostini, publicada na

Revista Ilustrada em 29 de julho de 1888, que apresenta a princesa Isabel sendo homenageada

pelos afrodescendentes que lhes atribuía a libertação da escravatura. Entretanto, na

continuidade da atividade, na página seguinte (figura 11), existe um texto que desconstrói essa

imagem de heroína da princesa e expõe os demais sujeitos dos movimentos sociais de caráter

abolicionista que pressionavam a monarquia a legalizar a abolição da escravatura no Brasil.

Vejamos:

Figura 11 – Páginas do livro didático adotado na turma do 5º ano da Escola José

Bonifácio de Sousa

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Fonte: LUCCI, ElianAlabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva,

2014, p. 23.

Na página acima, salienta-se que “a abolição não proveio do bondoso coração da

regente. Foi produto de uma luta violenta, sangrenta, cheia de heróis anônimos”. (BRANCO;

LUCCI, 2014, pág. 23). Em outra página, a liberdade dos negros é problematizada, instigando

os estudantes a repensarem sobre em que condições ficaram os ex-escravizados da nação, haja

vista a ausência de projetos de inserção destes na sociedade brasileira. O texto base para a

realização da atividade é de linguagem acessível a idade dos estudantes, porém carece de

elementos outros que prendam a atenção do alunado. Vejamos um trecho:

A abolição resultou principalmente da luta dos escravizados pela liberdade e da

adesão dos diversos segmentos da sociedade à campanha abolicionista.

Na década de 1870, começaram a aparecer grupos abolicionistas, isto é, que

defendiam o fim da escravidão. Eles eram formados em geral por jovens advogados,

jornalistas e estudantes, tanto descendentes de africanos quanto de europeus. Foi o

início da chamada campanha abolicionista. (LUCCI; BRANCO, 2014, p.24).

A campanha abolicionista é abordada no texto de forma concisa, deixando lacunas

que exigem do professor e dos estudantes um olhar mais crítico para interpretar os textos e

imagens presentes, especialmente no sentido de apreensão do conteúdo proposto, que,

segundo o manual do professor, apresenta como um dos objetivos da unidade:

Compreender a abolição da escravatura como um fato praticamente consumado, uma

vez que o número de escravizados tornou-se relativamente pequeno e tendia a

desaparecer em vista da Lei do Ventre Livre e, posteriormente, da extinção do

tráfico. (LUCCI; BRANCO, 2014, p.166).

Nesse manual, explica-se ao professor que, ao abordar este conteúdo, propõe-se

que os estudantes compreendam a abolição como fato praticamente consumado, em virtude do

número reduzido de escravizados (devido à Lei do Ventre Livre e à extinção do tráfico

negreiro), porém essa temática foi exposta de forma genérica e não problematizada no livro

didático.

Ainda no manual do professor (nas páginas 168 e 169), é sugerida a leitura de

textos complementares para os professores, como: “Teje Livre!”, de Maria Lúcia Montes e

“Os escravos: povo marcado”, de Felipe Van Deursen, bem como indica-se a análise dos

textos e imagens junto aos estudantes.

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Diante do exposto, reafirmamos a relevância de questionar sobre como o

professor está fazendo uso desse livro, uma vez que “é urgente favorecer a compreensão do

ensino de História capaz de ir além da superficialidade dos conteúdos trabalhados pela

historiografia tradicional dos livros didáticos, numa necessária interação com outras fontes e

ramos disciplinares” (TIMBÓ, 2007, pag.65), tendo em vista o quantitativo de documentos e

linguagens presentes neste instrumento pedagógico.

Outra parte do livro que traz a história do negro no Brasil está na unidade 04,

intitulada “De volta à democracia”, na qual são apresentadas aos leitores as conquistas sociais

e seus desafios no contexto nacional. Nessa unidade, duas questões são abordadas:

afrodescendentes e educação. Vejamos:

Na história do Brasil, o processo educacional tem excluído os afrobrasileiros desde a

abolição da escravatura, quando houve restrição dos ex-escravizados negros à

educação nas escolas públicas. Esse preconceito e essa discriminação continuam até

nossos dias.

A educação é um direito de todos. Promover educação de qualidade é um dos meios

mais eficientes para combater a desigualdade social e realizar a inclusão social.

(LUCCI e BRANCO, 2014, p.113).

O texto apresenta a exclusão dos negros no processo educacional brasileiro desde

a abolição da escravatura e, por outro lado, destaca a importância da educação como meio de

inclusão social desses, bem como o combate ao racismo, a partir do ensino da história de seus

antepassados, destacando que “é fundamental falar da história e da cultura negras para todas

as crianças, para que meninos e meninas afro-brasileiros, possam saber a história de seus

antepassados, entender e valorizar suas influências culturais” (LUCCI e BRANCO, 2014,

p.113). Contudo, estas questões são abordadas em dois parágrafos e uma citação, o que

equivale a menos de uma página do livro.

Em outro momento, os autores apresentam “indígenas, trabalhadores rurais,

quilombolas e o direito à terra”, no qual expõem o exemplo da marcha organizada por

indígenas, camponeses e quilombolas que ocorreu no Mato Grosso do Sul no ano de 2013, a

qual apresentava como pauta de reivindicação a demarcação de terras indígenas e

quilombolas, conforme descrito abaixo:

Muitos movimentos lutam no campo pela demarcação de terras e também pela

garantia do direito à terra. Em algumas manifestações eles se unem para ter mais

força. Um exemplo foi a marcha de indígenas, camponeses e quilombolas no Mato

Grosso do Sul, em 2013, com o intuito de denunciar o sofrimento dessas populações

e a violência contra elas, bem como exigir a reforma agrária e a demarcação de

terras. (LUCCI e BRANCO, 2014, p.116).

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Essas informações estão registradas num documento do MST transcrito no próprio

livro, mas que precisa ser lido e compreendido, para que os dados contidos possam fazer

sentido para os educandos, pois uma das características significativas do livro didático,

conforme Freitas (2009, p. 14), “é o fato de ele ser planejado e organizado para uso em

situação didática; para ser lido – no seu sentido mais abrangente, para produzir sentido”,

principalmente se há textos multimodais72

tão presentes nas produções contemporâneas.

No manual do professor, não constam sugestões para trabalhar o conteúdo

afrodescendentes e educação, condicionando a discussão da temática ao conhecimento e

interesse do professor em abordar ou problematizar o assunto junto aos seus alunos, o que

implica diretamente na lacuna existente entre o oficial e o real na abordagem das conquistas

da comunidade negra concernentes ao campo educacional, especialmente nesse segmento do

ensino em que o professor de história, em geral, não é formado na área73

.

Ressaltamos aqui o uso do manual do professor como instrumento que visa

colaborar no processo de ensino-aprendizagem escolar, haja vista as ferramentas

metodológicas que permeiam o livro didático e que são apresentadas em sua pluralidade de

possibilidades de uso. No caso específico da disciplina história, Oliveira (2009) considera que

a presença de documentos transcritos, mapas históricos, filmes, séries, charges, história em

quadrinhos, dentre outros “que têm a imagem como veículo fundamental, necessitam de

novos aportes informacionais para que sejam, adequadamente trabalhados pelo professor”

(OLIVEIRA, 2009, p. 82) para assim garantirem resultados mais satisfatórios.74

Na Escola Nemésio Bezerra, o livro didático adotado é parte da Coleção História

Sociedade & Cidadania de Alfredo Boulos Júnior (3ª Ed. São Paulo: FTD, 2015).

72 A multimodalidade refere-se às mais distintas formas e modos de representação utilizados na

construção linguística de uma dada mensagem, tais como: palavras, imagens cores, formatos, marcas/ traços

tipográficos, disposição da grafia, gestos, padrões de entonação, olhares etc. (DIONÍSIO, 2005; 2011). Ver mais

em: DIONISIO, A. P. Gêneros Textuais e Multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M; GAYDECZKA, B.;

BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011 e DIONISIO, A.

P. Multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita (atividades). In: MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A.

P. (Org.). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 73

O professor de história do 5º ano é graduado em Pedagogia e leciona as disciplinas de História,

Geografia, Religião, Inglês e Artes. 74

No que se refere à satisfatoriedade dos resultados, a autora sublinha os programas de formação

continuada para professores com foco na contribuição do exercício do trabalho docente pelo uso do material

didático mais acessível – fornecido pelo Estado para a garantia de resultados mais satisfatórios para professores e

estudantes.

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Figuras 12 – Capa do livro didático adotado na turma do 9º ano da Escola Nemésio

Bezerra

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 9º ano. 3ª Ed. – São Paulo: FTD, 2015.

Na análise desta obra, presente na resenha do Guia do PNLD do triênio 2017-

2019 da disciplina história, no que se refere à temática africana e afro-brasileira, evidencia-se:

O tratamento da História da África, da cultura afro-brasileira e das culturas

indígenas recebeu atenção especial na coleção. Todos os volumes trazem discussões

capazes de favorecer o trabalho do professor na construção de uma sociedade

brasileira mais tolerante, do ponto de vista de sua formação étnico-racial. A obra

apresenta a participação dessas populações como agentes da história, dando

visibilidade aos vários lugares ocupados pelos indígenas, africanos e

afrodescendentes na sociedade, em diferentes temporalidades. (BRASIL, 2016, p.

109).

Neste livro, a história do negro africano é abordada em dois capítulos. No capítulo

01, a industrialização e o imperialismo são os conteúdos principais e, nesse contexto, são

enfatizadas as teorias racistas do século XIX e o imperialismo na África, bem como a

resistência africana. Então, com relação às teorias racistas do século XIX e o imperialismo na

África, o autor destaca:

Para justificar a dominação imperialista sobre os outros povos, os europeus

desenvolveram um conjunto de teorias racistas. Essas teorias diziam basicamente

que a „raça branca‟ era superior a „raça negra‟ e à „amarela‟ e que na luta pela vida,

somente as raças superiores sobreviveriam. (BOULOS Jr., 2015, p. 16).

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Na página seguinte, considera que, “por meio de ataques e da pressão diplomática,

as terras conquistadas são transformadas em colônias, protetorados, domínios ou área de

influência”(BOULOS Jr., 2015, p. 17). Esses textos são complementados por charges, trechos

de documentários, imagens diversas e questionamentos sobre o processo imperialista na

África. Dentre as charges, destacamos uma de 1906, que critica a exploração exercida pelo

Rei Leopoldo II da Bélgica no Congo (Figura 13).

Figura 13 – Charge de 1906 que critica a exploração exercida pelo Rei Leopoldo II da

Bélgica no Congo

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 9º ano. 3ª Ed. – São Paulo: FTD, 2015, pág.

18.

Ao lado da charge, o texto, intitulado “Belgas na bacia do Rio Congo”, destaca:

Em 1884, usando a força e a diplomacia, o rei Leopoldo II da Bélgica conseguiu

transformar o Congo, um território dezenas de vezes maior que a Bélgica, em uma

propriedade particular dele. Propriedade que ele chamava de „Estado-livre do

Congo‟. Explorando a mão de obra africana, Leopoldo II extraiu do Congo uma

fortuna incalculável em borracha e marfim, a dominação do Congo converteu-se em

um dos episódios mais cruéis da História e envolveu a morte de cerca de 10 milhões

de africanos. (BOULOS Jr., 2015, p. 18).

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O texto se alonga na descrição da situação vivida por mulheres, idosos e crianças

da época, que eram mantidos reféns, enquanto os homens iam trabalhar na coleta de borracha

e marfim. A charge é explicada brevemente ao leitor, no sentido de complementação de

informações referentes à temática, tendo em vista que essa abordagem ocupa metade da

página do livro didático.

No que se refere à resistência africana, essa só consta na página 20 do livro

didático, que inicia com um questionamento sobre os motivos que levaram os africanos a

reagirem e se rebelarem contra a dominação britânica. Abaixo do questionamento, há uma

imagem do Museu em homenagem à rainha africana Nana aa Asanrewaa, uma líder local que

foi presa e deportada pelos britânicos, complementada por um trecho do texto de Leila Leite

Hernandes (2005), abordando a rebelião de Ashanti contra o domínio britânico, que durou dez

anos, de 1890 a 1900, na Costa do Ouro (atual Gana). A maneira como o conteúdo é

organizado nesta página denota a pontualidade com que a resistência africana é tratada, pois,

segundo o texto, após deporem chefes tradicionais locais, “o governo britânico exigiu que seu

representante se sentasse no Tamborete de Ouro, símbolo da alma ashanti e da sua

sobrevivência como nação e, por isso, instrumento de consagração da legitimidade dos seus

chefes” (BOULOS Jr., 2015, p. 18). Fica claro no texto que foi essa exigência que fomentou

na população local o desejo de se rebelarem contra os britânicos, salientando a resistência

desses povos em manterem suas tradições e cultura.

A segunda abordagem é realizada no capítulo 10, que apresenta os processos de

independência na África e na Ásia. Vejamos:

Entre os principais fatores da independência dos povos afro-asiáticos podemos citar:

a) As lutas dos próprios africanos e dos asiáticos nos movimentos de

independência de seus países[...]

b) O enfraquecimento das potências colonialistas europeias devido às perdas

sofridas durante a Segunda Guerra[...]

c) A força de movimentos como o pan-africanismo e negritude. (BOULOS Jr.,

2015, p. 174).

Seguido de cada um desses itens, existem explicações acerca do que ocasionou as

situações elencadas, com destaque para o pan-africanismo, que, de acordo com o texto do

livro didático em questão, foi um movimento político-ideológico que surgiu como forma de

resistência, visando transformar a vida da raça negra, libertando-a da situação de pobreza e

opressão em que vivia e realçando também que a noção de raça adotada pelo movimento tinha

por objetivo “conferir identidade aos diversos povos negros da África” (BOULOS Jr., 2015,

p. 174). Como complementação de conteúdo, apresentou-se a letra da música “África Une-

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te”, de Bob Marley – que ajudou, na época, a difundir as ideias pan-africanistas – e

contextualizou-se historicamente o ideal e os personagens dessas histórias:

África Une-te

África te une

Porque estamos saindo da Babilônia

E estamos indo para a terra de nosso pai. [...]

Então África te une,

Te une para o bem do nosso povo [...]

Une-te para o benefício de suas crianças

Une-te, pois é mais tarde do que você pensa

A África espera por seus criadores, a África espera por seus criadores

África você é meu antepassado fundamental

Une-te para os africanos que estão no mundo, te une pelos africanos de longe

África te une. (BOULOS Jr., 2015, p. 175).

Quanto à organização da escrita sobre a história africana, faz-se necessário

ressaltar que “ainda há uma disputa de espaço físico no livro para se abordar a África e a Ásia

no mesmo capítulo” (TIMBÓ, 2009, p.52). Essa disputa é visível nos dois capítulos que

analisamos (Capítulo 01 – Industrialização e Imperialismo e capítulo 10 – Independências:

África e Ásia).

Por outro lado, quatro estudos de caso sobre os processos de independência dos

países africanos são demonstrados no interior do capítulo, dentre os quais, a luta contra o

apartheid na África do Sul, destacando a formação do Congresso Nacional Africano (CNA) e

a figura de Nelson Mandela como ativista na luta pelos direitos dos sul-africanos.

Ressaltando:

Em 1994 ocorreram as primeiras eleições com a participação dos negros na África

do Sul. Mandela foi eleito presidente da República e, com o apoio da maioria no

parlamento, conseguiu aprovar a Lei de Direitos sobre a Terra, que restituiu às

famílias negras as terras que lhes tinham sido usurpadas havia décadas. (BOULOS

Jr., 2015, p. 184).

Os estudos de caso apresentam as lutas e resistências dos diferentes povos

africanos, propiciando aos leitores novas visões sobre a sua história e cultura. Isto nos permite

considerar que, apesar de o capítulo abordar a história de dois continentes, dá relevo a alguns

contextos que podem subsidiar estudantes e professores no processo de aprendizagem dessas

histórias. Em contrapartida, sentimos a ausência da história do negro no Brasil, especialmente

da presença do movimento negro no capítulo 16 (página 301 a 327), que apresenta o Brasil na

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nova ordem mundial, elencando os acontecimentos das lutas sociais desde o governo Collor

até o governo Dilma, aludindo apenas às lutas indígenas75

.

No que se refere ao material de apoio ao professor do livro didático, este é dotado

de um manual multimídia, indicações de livros, sites, filmes, textos e sugestões de atividades

que subsidiam o professor na consecução da aplicabilidade da história da África em sala de

aula. Dentre as orientações, expõe-se como se deve elaborar projetos interdisciplinares,

descrevendo o passo a passo e trazendo um exemplo de projeto que tem como título “paz,

respeito e tolerância”:

Como o tema é muito amplo, a escola poderá trabalhar o que considerar mais

interessante ou necessário: priorizar, por exemplo, o desrespeito e a intolerância

entre pessoas e /ou etnias; ou a violência entre os povos e Estados Nacionais; as

agressões dos seres humanos à flora/ fauna/ mares e rios. Cada um desses subtemas

pode ser transformado no tema de um novo projeto. (BOULOS Jr., 2015, p. 389).

De acordo com o manual para a disciplina história, os objetivos a serem

alcançados com este projeto interdisciplinar são:

Situar a violência, o desrespeito e a intolerância no tempo e no espaço;

Trabalhar os conceitos de paz, respeito, tolerância; mudanças/permanências;

preconceito, discriminação e racismo;

Estimular o repúdio a todos os tipos de preconceito (de raça, de classe, de gênero, de

religião etc.). (BOULOS Jr., 2015, p. 390).

Reconheçamos, entretanto, o papel relevante do professor na realização da tarefa

instrucional que tem o livro didático como ferramenta pedagógica, sobretudo o livro didático

de história, fundamentados no fato de que “Os usos dos livros didáticos de história no ensino

fundamental II (do 6º ao 9º ano) e médio dependerão muito da formação/ preparação do

professor. Quanto mais preparado for, maior a possibilidade de exploração do livro didático

adotado” (TIMBÓ, 2009, p. 52). Tal exploração favorecerá a percepção do alunado quanto ao

aprendizado dos conhecimentos históricos existentes no livro didático de história e ou para

além deles. Salientamos, contudo, a observação do professor de história da escola Nemésio

Bezerra, que, ao ser questionado sobre o trabalho com a temática africana e afro-brasileira,

ponderou:

75 Destacamos aqui a importância de todas as lutas e movimentos sociais da conjuntura política nacional.

Por isso, quando afirmamos “apenas as lutas indígenas”, não desmerecemos a causa, no entanto nos referimos às

ausências dos demais movimentos sociais existentes no país, especialmente, a partir do período de

redemocratização, dentre eles o MNU (Movimento Negro Unificado), que nos interessa nesta discussão.

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Eu avalio de uma forma muito positiva, mas acho que ainda falta muita coisa. Os

próprios livros didáticos eles poderiam fazer um papel diferenciado nesta questão,

porque os livros eles são muitos restritos. Quando eu falei na outra pergunta que eu

gosto de explanar o assunto, mas é por minha conta, o livro não incentiva. O livro

quando é colocado África, Continente Africano, aí você vê de certa forma eles

tratam a África como se ela fosse assim um grande país, e que tudo fosse igual.

Como se não existisse uma diferença cultural, uma diversidade cultural, entendeu?

Aí a gente é que tem que fazer esse trabalho. E eu acho que a própria escola ela

poderia planejar no seu plano, na sua grade curricular, colocar projetos e mais

elementos que o professor possa trabalhar essas temáticas com mais propriedade.

Mas eu acho que poderia partir melhor do livro didático, pois assim o professor não

tinha para onde correr. Que a gente sabe que tem muito professor de história que

realmente, eu não vou dizer que não ligam, mas eles têm dificuldade de trabalhar

com essa temática porque você ver que na faculdade nós não aprendemos nada sobre

o continente africano, nada sobre cultura afro-brasileira, então eu acho que a

faculdade ela poderia formar professores, mas estimulando seu conhecimento para o

continente africano também. (informação verbal).76

O professor aponta a falta de preparação em sua formação inicial – e dos demais

colegas – como desafio a ser superado na elaboração de aulas que abordem a temática

africana e afro-brasileira, pois à época em que cursou licenciatura em história77

não existiam

disciplinas que atendessem a essa demanda. Afirmou também que o continente africano é

exposto no livro didático como um país, informação equivocada que contrasta com a

abordagem presente no livro didático de história utilizado na escola, o qual examinamos e de

onde trouxemos algumas ponderações para compor esta parte de nosso trabalho, constatando

que, ainda que os textos sejam organizados num formato condensado, os países africanos são

apresentados ao leitor, com ênfase nas pluralidades de cada contexto sociocultural, e não

como um “país”, como ponderou nosso entrevistado. Em sua fala, o professor talvez não

tenha conseguido expressar bem o seu pensamento, pois, posteriormente à entrevista, nos

informou que nas aulas de geografia78

também trabalha a temática africana, apresentando as

particularidades de cada país do continente, conforme consta no livro didático de geografia.

É notável, nesse contexto, o papel do profissional professor e sua formação quanto

ao trato com a temática em questão, mediada pelo uso do livro didático de história, que requer

a compreensão desses professores sobre as possibilidades de usos do livro didático e suas

fontes. Ensinar a disciplina história, desse modo, ultrapassa a prática de repassar conteúdos

sobre fatos isolados do passado ou de explanar verdades definitivas, imutáveis e indiscutíveis,

pois existe um compromisso com a história do tempo presente, em cumprir seu papel político-

76 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Escola Nemésio Bezerra. 77

O professor ingressou no curso de licenciatura plena em história na turma 2004.2 da FECLESC/UECE. 78

O professor é formado em história, mas, para completar a carga horária, leciona as disciplinas de

Ciências, Geografia, Artes e História.

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social repleto de tensões e contradições (PINSKY, 2017). Nesse contexto, o professor é

mediador do processo de ensino-aprendizagem e necessita estar preparado para lidar com

situações diversas e adversas.

Trabalhar com materiais didáticos em sala de aula, especificamente, na proposta

de viabilizar um conhecimento histórico escolar, é desafiador para os professores de história

que atuam na educação básica – sejam esses formados ou não na área. Sobretudo porque

requer a adoção de posturas metodológicas que desenvolvam a criticidade dos estudantes,

dentre elas a exploração das fontes documentais presentes nos livros didáticos, que às vezes

não são compreendidas por seus usuários. No que se refere à inserção e utilização das fontes

documentais – por parte dos professores – presentes nos livros didáticos de história,

Conceição (2007, p. 105), pondera:

Parece absolutamente desafiador prever qual será a extensão e profundidade da

inserção das fontes documentais nos LDs de História, na efetiva prática de ensino do

conhecimento histórico no cotidiano das nossas escolas e dos nossos alunos em sala

de aula, sobretudo se esse profissional não tiver a formação de base na área da

História. E, mesmo tendo a formação histórica, partilha-se do argumento da

historiadora Marlene Cainelli, que é o da necessidade contínua de aprofundamento

teórico e pedagógico para trabalhar com a área histórica.

Existem vários processos desde a elaboração e aprovação do livro pelo PNLD à

escolha do material pelas escolas que também se encontram permeados de relações e

significados culturais que não podem ser desvalorizados. No caso do livro utilizado na Escola

Nemésio Bezerra, o professor afirmou que o livro adotado na escola não foi o que eles

(professores de história) escolheram. Segundo ele, o que certamente pesou na escolha foi a

imagem de capa, pois, na sua percepção, existe uma representatividade relevante dessa

imagem de capa, que traz algumas mãos, de tonalidades diferentes de pele, segurando uma

pomba símbolo de paz. O professor deixou claro que, no momento da escolha oficial do livro,

tudo o que fora analisado pelos docentes perdera relevância em detrimento da simbologia da

imagem. Não vamos aqui concordar ou discordar da percepção do professor, todavia,

salientamos essa situação apenas para que nos atentemos aos fatos outros que interferem na

escolha dos livros didáticos pelas escolas. Nesse sentido, nos questionamos sobre quem de

fato escolhe os livros didáticos e o que permeia esse processo de escolha. Talvez respondamos

a essa indagação em pesquisas futuras, mas, para esse momento, objetivamos apenas chamar a

atenção do leitor para esse fato peculiar, visto a necessidade de refletir sobre essa a

problemática exposta.

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Por fim, apresentamos o livro didático utilizado na Escola de Ensino Médio

Abraão Baquit, da coleção História sociedade & cidadania: 3º Ano e autoria de Alfredo

Boulos Júnior, São Paulo: FTD, 2013.

Figura 14 – Capa do livro didático de História adotado na turma do 3º ano da Escola de

Ensino Médio Abraão Baquit.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013.

De acordo com a avaliação do Guia do PNLD, triênio 2015-2017, a temática

africana e afro-brasileira permeia vários conteúdos nesta obra:

A legislação referente à História da África e a história e cultura afro-brasileira e

indígena é atendida, ressaltando-se a preocupação da coleção em destacar a

diversidade dos grupos e experiências. Isso ocorre a partir da organização dos

capítulos de cada volume, com conteúdos referentes aos indígenas, africanos e

afrodescendentes de forma alternada com outros conteúdos. Também a seleção de

textos e imagens destaca a presença dos negros e indígenas nas lutas políticas e

ressalta suas práticas culturais. (BRASIL, 2014, p.78).

Constatamos que as histórias dos negros africanos e afro-brasileiros perpassam as

quatro unidades do livro e nelas são discutidos fatos e conceitos em que os negros figuram

como agentes do processo histórico.

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No capítulo 01, que aborda a industrialização e o imperialismo, apesar de dividir

espaço com o continente asiático, a história africana é representada por lutas e resistências

contra a partilha de seu território, demonstrando para além do que sempre é exposto sobre a

África – enquanto símbolo de fome, miséria e passividade. Por exemplo:

Um exemplo de resistência africana, na época, foi a oferecida pelo Império Zulu,

unidade política fundada em meados do século XIX. Liderados por um comandante

a quem chamavam Chaka, os zulus travaram uma guerra que se estendeu por muitos

anos contra os bôeres e conseguiram vencê-los diversas vezes nos campos de

batalha. No final, porém, acabaram derrotados graças, principalmente, à

superioridade tecnológica e bélica do inimigo. Impressionados com as estratégias do

comandante zulu, os vencedores o apelidaram de „Napoleão Negro‟. (BOULOS Jr.

2013, p. 17).

No trecho, observamos que os africanos – no caso, os do Império Zulu – viveram

suas glórias e derrotas. Eles, assim como os sujeitos das demais civilizações do globo,

construíram suas histórias com lutas, derrotas e conquistas. Aborda-se também a partilha do

continente africano entre os europeus na Conferência de Berlim (1885) como medida de evitar

guerra entre eles. Esse tema é abordado por meio de texto escrito e de um mapa político da

África (Figura 15).

Figura 15 – Página do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão

Baquit

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Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 19

Abaixo do mapa, há um texto que melhor descreve a partilha do continente,

expondo inclusive as situações provocadas no interior deste a partir da sua divisão. Porém,

sem vincular o texto ao mapa e até mesmo gerar maiores reflexões sobre a problemática, a

Conferência de Berlim é apenas descrita:

Na Conferência de Berlim, os europeus redesenharam o mapa africano segundo seus

próprios interesses, fixando, por isso, fronteiras artificiais: separaram povos amigos

de culturas semelhantes e misturaram, em um mesmo território, povos rivais, com

línguas e costumes diferentes, o que alimentou rivalidades e conflitos entre os

africanos.” (BOULOS Jr. 2013, p. 19).

No capítulo 03 – que conta a história da Primeira República brasileira –, o autor

do livro, ao abordar o processo de modernização e higienização da cidade do Rio de Janeiro,

inseriu uma imagem que representa a formação da Favela do Morro (1912), tendo como

legenda o destaque de que boa parte dos moradores da Favela eram afrodescendentes (Figura

16).

Figura 16 – Página do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão

Baquit

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 67.

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Sem maiores esclarecimentos sobre o quantitativo dos moradores da Favela, a

informação adicional aparece como dica de vídeo sobre a industrialização, revoltas urbanas e

o movimento operário na Primeira República que pode ser identificada na imagem acima.

O texto central salienta a participação ativa de afrodescendentes, especialmente

Marcelino Rodrigues Meneses e João Cândido Felisberto (O almirante negro), na chamada

“Revolta contra Chibata” (pag. 67 e 68 do LD). Vejamos alguns trechos:

Outra rebelião importante para se compreender a história da Primeira República

começou no mar e foi liderada por marinheiros, entre os quais havia grande número

de afrodescendentes. (BOULOS Jr., 2013, p. 67). Em 16 de novembro de 1910, durante uma viagem com destino ao Rio de Janeiro, o

marinheiro negro Marcelino Rodrigues Meneses foi condenado a 250 chibatadas,

embora o regulamento previsse no máximo 25. (BOULOS Jr., 2013, p. 68). A indignação tomou conta dos marinheiros. Em 22 de novembro de 1910, liderados

por João Cândido, Francisco Dias e o Cabo Gregório, dominaram os oficiais e

assumiram o comando de dois importantes navios de guerra: o Minas Gerais e o São

Paulo. Com bandeiras vermelhas hasteadas, exigiram do então presidente da

República Hermes da Fonseca o fim dos castigos corporais, o aumento dos salários,

melhor alimentação e perdão aos participantes da revolta. (BOULOS Jr., 2013, p.

68).

Na conclusão deste capítulo, duas fontes são apresentadas (charge e texto),

questionando o caráter autoritário da urbanização do Rio de Janeiro e criticando o preconceito

racial existente no RJ da primeira república. Percebemos aqui a presença de personagens que

foram invisibilizados na história nacional e que se encontram presentes agora, talvez em razão

do cumprimento das diretrizes nacionais citadas anteriormente.

Figura 17 – Charge que critica o autoritarismo do processo de reurbanização da cidade

do Rio de Janeiro

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Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 76.

A história escrita no livro didático utilizado na escola Abraão Baquit mantém

relação com as diretrizes curriculares nacionais, haja vista que, além do que já foi descrito do

conteúdo do livro didático, a resistência negra aparece em outros capítulos que contemplam:

as lutas antirracistas dentro e fora do país – capítulos 04 e 10 (figuras 18 e 19).

Figura 18 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão

Baquit.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 95.

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A figura acima apresenta atletas da seleção feminina da França ao lado das

jogadoras da seleção dos Estados Unidos segurando uma faixa que diz “Diga não ao racismo”.

O fato ocorreu no ano de 2011, antes de uma partida em que as duas seleções disputavam a

semifinal da copa do mundo de futebol feminino na Alemanha, dando visibilidade à luta

mundial contra o racismo, na parte do capítulo que aborda o nazi-fascismo e suas ideologias

segregacionistas, congregando fatos históricos de dois períodos distintos, mas que dialogam

entre si por sua vertente preconceituosa e excludente. E assim, passado e presente se cruzam.

No capítulo 10 (figura 19), a problemática do preconceito racial é destacada no

contexto nacional, ao trazer para a discussão a indignação de Nelson Rodrigues com o

racismo no Brasil, divulgada por meio de sua peça “Anjo Negro”, de 1946, liberada pela

Censura Federal apenas quando aceitou um ator branco para encenar o papel principal,

pintado de graxa, papel esse que seria interpretado por Abdias do Nascimento (militante

negro), mas que não passou pela censura.

Figura 19 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão

Baquit

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 187.

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A abordagem presente no livro didático apresenta a situação vivida pelos negros

no Brasil naquela época, que pouco se difere da atual.79

A arte como resistência do

movimento negro no Brasil também é salientada nas atividades deste capítulo.

No capítulo 11, que aborda o regime militar no Brasil, a questão racial é

apresentada como componente das conquistas sociais que culminaram na aprovação da

Constituição de 198880

, chamada de Constituição cidadã. Na conclusão da unidade 3, que

contempla do capítulo 08 ao 11, o hip hop,81

apresentado na sua qualidade de movimento

cultural protagonizado por jovens negros no país (figuras 20 e 21).

Figura 20 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão

Baquit

79 Estamos nos remetendo ao que ocorreu em novembro de 2017 no Rio de Janeiro, quando, para

interpretar a escritora negra Carolina Maria de Jesus (1914-1977) ,que teve sua vida e obra recriadas na peça

“Carolina Maria de Jesus, diário de Bitita”, foi selecionada a atriz Andréia Ribeiro (facilmente identificada como

branca). Essa situação demonstra que, apesar das lutas e reivindicações da comunidade negra, nas “homenagens”

relacionadas à Consciência Negra quem tem papel principal ainda é o branco. 80

A Constituição Federal de 1988 determinou, em seu art. 5º,XLII – a prática do racismo constitui crime

inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; FONTE:

<<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>> Acesso em 17 de nov. 2017. 81

De origem norte-americana (década de 1970), o hip-hop, envolve o campo da música (rap), artes visuais

(grafitti) e dança (break), e apresenta como característica a apologia da “atitude”, uma ética própria que trabalha

pela “conscientização” da condição racial e social da juventude pobre dos subúrbios. FONTE: MELLO, M.I.C.;

PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo . HERSCHMANN, Micael (org), Abalando os Anos 90: Funk e Hip-Hop,

Globalização, Violência e Estilo Cultural, e VIANNA, Hermano (org.) Galeras Cariocas. Horizontes

Antropológicos, Porto Alegre, v. 11, p. 206-209, 1999. Disponível em:

<<https://www.ufrgs.br/ppgas/ha/pdf/n11/HA-v5n11a10.pdf>> Acesso em: 17 de nov.2017.

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Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 226.

Figura 21 – Páginas do livro didático adotado na turma do 3º ano da Escola Abraão

Baquit.

Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade & cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 227.

Conforme exposto nas figuras acima, quatro fontes são apresentadas ao leitor, no

sentido de valorizar a história e a cultura do negro no Brasil, bem como, denunciar as

diferenças sociais e raciais ainda presentes em nossa sociedade, ao enfatizar a realidade

experienciada pelos jovens pobres das periferias das cidades brasileiras.

Essas problematizações contidas no livro didático ressaltam a importância desse

instrumento didático na construção do conhecimento e consciência histórica dos estudantes,

pois, “em suas múltiplas faces e problemáticas, o LD tem sido, em todo processo de revisão

do ensino de história no Brasil, um elemento de imprescindível relevância para a discussão

das questões relacionadas à prática de ensino do conhecimento histórico no âmbito escolar.”

(CONCEIÇÃO, 2007, p.101).

Por fim, nos capítulos 08 e 12, são enfatizadas, respectivamente, as lutas e

resistências dos afro-asiáticos nos contextos de emancipação política dos países dos dois

continentes e as lutas populares na África do Norte e no Oriente Médio, iniciadas no final do

ano de 2010. Vejamos alguns trechos:

Um fator importante das independências afro-asiáticas foi a luta dos próprios

africanos e asiáticos nos movimentos de libertação de seus países. Outro fator foi o

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impacto da Segunda Guerra sobre as metrópoles europeias, porque saíram da guerra

exauridas e passaram a concentrar seus esforços na reconstrução nacional. Os

movimentos de libertação afro-asiáticos tiraram proveito disso e intensificaram as

lutas pela independência. (BOULOS Jr., 2013, p. 153). Mas, afinal, quais foram os movimentos desses levantes que a imprensa denominou

Primavera Árabe? O que levou a multidão às ruas para protestar?

A razão desses levantes não foi religiosa ou étnica, mas, sim, problemas sociais

agudos, tais como a enorme disparidade entre ricos e pobres; a falta de uma política

para a juventude; o cerceamento da liberdade de imprensa; a negação de igualdade

de direitos às mulheres; a existência de ditadores corruptos que ocupavam o poder

há décadas. (BOULOS Jr., 2013, p. 258).

Nos fragmentos acima, a postura ativa dos africanos é ressaltada em diferentes

contextos e tempos históricos. Suas lutas e ideologias estão presentes nas abordagens, todavia,

carecem da sensibilidade dos professores para que sejam exploradas positivamente, no sentido

de apresentar o continente africano, seus países e seus habitantes sem preconceitos ou

estereótipos que os desqualifiquem ou subalternizem.

No que se refere à desconstrução da imagem da África no contexto

contemporâneo, Silva (2014, p. 17) considera:

Ideias distorcidas ou hegemônicas sobre a África foram aprendidas através da mídia

e, principalmente, através dos livros didáticos na educação escolar, publicados antes

dos critérios de análise do Plano Nacional de Livro Didático (PNLD, 2007), que

hoje engloba o cumprimento da Lei 10.639/03 a qual torna obrigatório o ensino da

história sobre a África e da cultura afro-Brasileira.

A ressignificação atribuída à história dos africanos nos livros didáticos de história

decorre, principalmente, das exigências contidas na Lei 10.639/03 e das propostas das

Políticas Públicas de Educação para Promoção da Igualdade Racial no país, baseadas nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino

de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que devem ser adotadas em todo o território

nacional. Nesse contexto, faz-se imprescindível o reconhecimento de que a lei supracitada é

“fruto de um conjunto de demandas sociais, apresentadas sobretudo pelos movimentos negros

existentes no Brasil desde o século XIX”. (CONCEIÇÃO, 2010, p.136). No entanto, a

inclusão desta temática dá-se necessariamente por exigência do Programa Nacional do Livro

Didático, que tem entre seus critérios avaliativos analisar como o livro didático aborda a

questão afro-brasileira.

No que se refere ao manual de apoio ao professor, o autor orienta para o uso das

diversas linguagens (mapas, charges, textos, fotografias, dicas de sites, documentários, dentre

outros) expostas nos capítulos do livro didático como metodologias possíveis no processo de

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ensino-aprendizagem, complementando com textos de teóricos estudiosos da história dos

africanos e afro-brasileiros que explicam desde o porquê da inserção dessa temática na

educação básica a sugestões de livros e filmes que abordam o tema.

A existência desses conteúdos no livro didático de história, entretanto, não garante

sua explanação e exploração em sala de aula. Assim, retomamos mais uma vez a discussão

que tem por base a formação e a sensibilidade do professor em trabalhar a história dos

africanos e afro-brasileiros em sala de aula, considerando que “o estudo da temática, a

aplicação da lei n. 10.639/2003, na prática, depende, fundamentalmente, da história do

professor, de sua sensibilidade pessoal e política com a questão” (SILVA, 2013, p. 61-62). A

esse respeito, Conceição (2010, p. 146) considera:

A problemática da história e da cultura afro-brasileira para o ensino de história

requer abordagens e práticas que ajudem nossos alunos a pensarem historicamente

esse processo histórico. É para isso que ensinamos história na escola. E é sem

dúvida esse o objetivo da formação histórica escolar.

Concordamos com a pesquisadora que é necessário repensar as práticas escolares

na inserção da história africana e afro-brasileira, visando conscientizar os estudantes quanto à

relevância do papel histórico do negro africano e afro-brasileiro, numa tentativa de promover

um ensino pautado no conhecimento e reconhecimento desses como agentes históricos, a fim

de desconstruir uma imagem de subalternização que foi propagada por séculos e, por

conseguinte, promover novas concepções históricas nas escolas.

No contexto das escolas do bairro Campo Novo, os livros didáticos de história se

configuram como instrumentos fundamentais no processo educativo dos estudantes, como

também no apoio aos professores, sobretudo no que concerne à temática africana e afro-

brasileira abordadas nesses, embora ainda percebamos lacunas e silêncios entre o conteúdo do

livro e o seu uso em sala de aula, o que implica na dificuldade de apreensão das informações

contidas no material, necessárias à aprendizagem, bem como ao reconhecimento e à

valorização da história afro. Ademais, constatamos a relevância dessa ferramenta didático-

pedagógica, apesar de suas limitações.

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4.3 COMO COMBATER O RACISMO NA ESCOLA? CAMINHOS POSSÍVEIS PARA

EQUIDADE RACIAL

De acordo com a nossa pesquisa de campo, as escolas do bairro campo novo

desenvolvem, ao longo do ano letivo, ações educativas diversas, que primam, segundo seus

PPPs e seus gestores, por uma educação crítica, valorativa e de qualidade. Partindo dessa

premissa e da compreensão de professores e estudantes que compõem o quadro educacional

do bairro, apontamos a seguir possíveis práticas de combate ao racismo no contexto escolar,

que podem propiciar a recuperação da dignidade dos estudantes negros, bem como a

valorização de suas culturas e construção de suas identidades individuais e coletivas.

Nesse sentido, algumas possibilidades de reeducar para as relações étnicorraciais e

erradicar o racismo na escola foram assinaladas por nossos entrevistados. Dentre elas, a

efetivação de projetos, palestras e demais ações que visem conscientizar a comunidade escolar

sobre o respeito a diversidade étnicorracial presente na sociedade.

Quando questionados sobre como combater o racismo na escola, estudantes e

professores foram enfáticos ao afirmarem o papel das ações realizadas no interior das escolas

nesse processo simbólico de desconstrução de ideias e posturas racistas. Vejamos:

Eu acho que deveria ter projetos, projetos de conscientização pra pessoa não tratar a

outra diferente. Todos nós somos iguais! Na história que nós estamos estudando

tem, fala na história africana, fala muito, só que tem pessoas que não percebe que

aquilo é algo de bom pra ser levado na vida do dia a dia. Acho que o projeto devia

ser assim um vídeo mostrando a história, algo que eles prestassem atenção e levasse

[sic] pra si (informação verbal).82

A estudante salienta a necessidade de as ações pontuais realizadas na escola por

projetos serem associadas à vivência cotidiana dos sujeitos escolares para que, assim, haja

conscientização quanto ao princípio de igualdade humana que precisa ser percebido e

vivenciado por todos.

O diálogo também é percebido pelos estudantes como primordial no processo

elucidativo que visa desconstruir pensamentos preconceituosos e excludentes tão arraigados

em nossa sociedade, sobretudo nas escolas pesquisadas. Na percepção de uma estudante

entrevistada do 9º ano, da escola Nemésio Bezerra, no combate ao racismo, a conversa é

essencial: para ela, deve-se “conversar, quando a pessoa fazer isso, dizer que não é certo,

conversar sempre, porque palestras na escola sobre isso às vezes tem, mas nem todos

82 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

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compreende [sic]”.83

Notamos que, na concepção desta estudante, as palestras ocorrem num

contexto genérico, por isso surge a necessidade de um diálogo mais próximo, direcionado,

para que os agressores compreendam a dimensão de suas ações via conscientização e

problematização das relações étnicorraciais vividas no cotidiano escolar.

No que se refere aos conflitos que permeiam essas relações experienciadas nas

escolas e o que pode ser realizado para findá-los, um dos entrevistados apontou:

Eu acho que deveria ser feito mais ações para conscientizar as pessoas, ações para

inteirar mais, pra [sic] conscientizar que é um pouco sem noção, “desculpe” é um

pouco idiota, julgar as pessoas conforme a nossa raça. Eu acho que deveria ser feito

mais projetos, campanha na escola para conscientizar e diversificar esse conceito de

racismo e essas coisas assim. (informação verbal).84

Neste seu enunciado, o estudante deixa clara a necessidade de conscientização das

pessoas quanto às suas ações preconceituosas, sobretudo quando ressalta sobre “julgar as

pessoas conforme a nossa raça”. Ao utilizar essa expressão, o estudante repassa a ideia de

reconhecimento identitário e de reafirmação da dor causada pelo preconceito racial, tendo em

vista que a raça julgada e hierarquizada em nossa sociedade é a negra.

Essa dor também está explícita na resposta do estudante do 5º ano, da escola José

Bonifácio de Sousa, quando diz que, para combater o racismo na escola, é preciso “falar com

quem faz racismo com os outros, podia falar com eles e também dizer pra [sic] eles que isso

dói”.85

O depoimento deste estudante, apesar de curto, reflete o que passa na escola uma

criança negra da periferia. Ele não consegue argumentar muito, até pela pouca idade – deve

ter mais ou menos dez anos –, mas declara sua dor, acreditando que pela conscientização, que

ele denomina fala, essas práticas podem ser extintas e a dor por elas causadas, superada.

Com relação aos sentimentos envolvidos nessas circunstâncias, um outro

estudante demonstrou inquietação com relação ao que ele chama de dois lados – vítima e

agressor. Segundo ele, para findar o racismo na escola, é necessário:

Projetos, projetos sempre ajuda bastante, palestras também, exemplos de pessoas

reais e que já levaram, que já praticaram e que já sofreram bullyng porque é

importante também mostrar os dois lados, como o agressor sente e como a vítima se

sente entendeu? O que leva a pessoa a praticar o racismo. (informação verbal).86

83 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra. 84

Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit. 85

Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola José

Bonifácio de Sousa. 86

Entrevista realizada em 2016 com um estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

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Este estudante é o mesmo que afirmou ter sofrido racismo na escola e que os

gestores não se posicionaram quanto à situação por ele vivida. Sua inquietação é refletir sobre

quais motivos justificam a prática do racismo na visão do agressor. Ou seja, para ele, discutir

somente o que sente a vítima não é suficiente para resolver a situação, faz-se necessário, para

tanto, compreender as causas movedoras dessas ações por parte de quem as pratica,

posicionamento que consideramos pertinente e realmente necessário.

No que se refere às dores causadas pela marca racial, Sales Jr. (2006), salienta:

A estigmatização racial é o exercício de uma vigilância difusa e ciosa da hierarquia e

da dominação raciais, provocando intensidades de dor nem sempre corpóreas, mas

que repercutem no corpo, mutilando-o, esfolando-o, fragmentando-o, codificando-o,

semiotizando-o, não apenas simbolicamente ou imaginariamente. Afeta o corpo com

marcas mais sociais do que corporais, mas que repercutem nele como estigmas. O

estigma é uma demarcação corporal de uma relação social de desigualdade,

resultante de uma reificação dos processos de dominação/hierarquização. (p.233).

A dor exposta pelos estudantes está associada ao fato de que a vítima do

preconceito racial precisa lidar com as marcas sociais que a inferiorizam e estigmatizam a

partir do corpo. A percepção dessa realidade por parte desses estudantes suscita em suas falas

a afirmação das dores que sentem e a tentativa de compreensão sobre o que leva os outros a

feri-los exclusivamente por serem negros.

Em suas ponderações, os estudantes evidenciam suas dores, mas, nas entrelinhas,

demonstram a esperança de transformação da realidade vivida, principalmente, mediante as

intervenções propiciadas pelas ações desenvolvidas nas escolas que objetivam abolir o

racismo nesse contexto.

A conscientização da comunidade escolar é percebida como fio condutor dessa

transformação de realidade, uma vez que o respeito à diversidade na escola é imprescindível

para a erradicação de manifestações racistas nesse ambiente. Assim, o professor de história do

9º Ano da Escola Nemésio Bezerra afirma:

Primeiramente valorizar as etnias, valorizar a etnia negra, a indígena, porque o

racismo está ligado não somente a predominância da cor negra, mas ao índio

também, mas como no nosso caso as questões, vamos dizer ligadas às etnias são

muito raras, você não encontra, até nos traços das pessoas e que mesmo assim elas

não acham que sejam indígenas, sempre acham que são negras, como é o meu caso,

eu tenho uma descendência indígena e também africana. Mas a minha indígena ela é

muito mais visível. Então assim, para combater primeiramente é esclarecer.

Esclarecer qual é a importância no nosso caso aqui das etnias que formam a

sociedade brasileira. Dessa forma eu acho que o aluno ele vai compreender que

todas as raças são iguais, não há diferença. Eu digo muito para os meus alunos que a

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única diferença que existe entre eles não é de cor, não é de procedência social, de

procedência familiar, mas sim, a única diferença deles que existe é o interesse, o

interesse pela educação, somente isso. Eu acho que é assim é a valorização

realmente das etnias. (informação verbal).87

A valorização das etnias, citada pelo professor, perpassa os trâmites do ensino

formal e requer ressignificar o papel de cada um de nossos antepassados no processo de

formação da história e identidade nacional. Para tanto, faz-se necessária a promoção de um

ensino que viabilize a desconstrução de preconceitos arraigados a história do Brasil no que

tange aos diferentes povos formadores de nossa nação. Por conseguinte, propiciar uma

educação valorativa, pautada no respeito e na valorização de todos os sujeitos,

independentemente de suas características fenotípicas.

Essa compreensão coaduna com a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais

para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

brasileira e Africana, que expõe como um dos princípios norteadores da consciência política e

histórica da diversidade “a compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que

pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias,

igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história”

(BRASIL, 2004, p.18).

Alguns estudantes também mencionaram, em suas falas, o respeito às diversidades

existentes nas escolas. Quando questionados sobre como combater o racismo na escola,

responderam: “Ter respeito, respeitar os povo [sic]”88

; „Dar o respeito à pessoa do jeito que

ela é, do jeito que ela nasceu porque não pode mudar”89

. A compreensão do respeito ao outro

em sua singularidade, conforme salientam os estudantes, é fundamental nesse contexto de

reeducação para as relações étnicorraciais, pois que, para reconhecer as disparidades ainda

presentes em nossa sociedade e, por conseguinte, extirpá-las, precisamos valorizar e respeitar

as “pessoas negras, a sua descendência africana, sua cultura e história” (BRASIL, 2004, p.

12), tão relevantes para a história do Brasil e dos brasileiros quanto as das demais matrizes

formadoras da identidade nacional. Principalmente, quando compreendemos que a formação e

o reconhecimento identitário das pessoas são construídos cotidianamente, uma vez que as

87 Entrevista realizada em 2016 com um professor de história do 9º ano do Ensino Fundamental II, da

Escola Nemésio Bezerra. 88

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola José

Bonifácio de Sousa. 89

Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 9º ano do Ensino Fundamental II, da Escola

Nemésio Bezerra.

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identidades culturais são dinâmicas e não estão aprisionadas no passado, bem como “a cultura

não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar” (HALL, 2003, p. 44).

O professor figura nesse processo como agente de transformação que precisa estar

atento aos embates e preconceitos que têm origem nas questões raciais para promover

reflexões sobre as perspectivas de uma educação valorativa fundamentada no respeito à

diversidade étnico-cultural de sua sociedade. Para tanto, esses educadores precisam ter

consciência da realidade que os cerca, uma vez que a diversidade étnico-cultural brasileira

ainda figura muito mais no campo teórico do que no prático, mesmo a teoria reconhecendo a

importância das práticas vivenciadas no chão da sala de aula.

A conscientização por parte dos professores foi citada por uma de nossas

entrevistadas como meio de banir o preconceito racial na escola. Para ela:

Primeiro os professores têm que estar conscientes do que é a questão do racismo.

Porque de repente até o próprio professor pode estar tendo alguma ação de racismo.

Tem que primeiro passar por uma conscientização do professor do que é que é o

racismo porque tem muita coisa embutida ali, que a gente não sabe. Só vai descobrir

como? Fazendo curso, capacitação nesse sentido. Algo que te dê suporte para

entender o que tem por trás, porque sempre tem alguma coisa escondida em algum

canto. É uma música, é numa boneca, nas formas, bem difíceis de tratar e de

perceber. O problema do racismo na escola é esse você tem que ter noção para poder

combater, você pode estar sendo racista sem querer. Na hora de colocar os meninos

que são de cor mais acentuada (posso até estar sendo racista nessa colocação) para

fazer, por exemplo a representação do saci, quem é que as escolas colocam? São os

meninos negros que aparentemente são parecidos com o saci. São questões bem

interessantes, e a gente só pode estar olhando isso com outro olhar quando a gente

tem conhecimento. (informação verbal).90

As situações corriqueiras, citadas pela entrevistada acima, coordenadora

pedagógica da Escola Nemésio Bezerra, estão presentes no cotidiano escolar quixadaense e

são fortemente marcadas pelo preconceito racial que determina os lugares dos estudantes

negros e dos brancos. Daí a necessidade de os professores repensarem seus conceitos e

preconceitos para assim transformarem as próprias ações que interferem diretamente no

processo educativo de seus alunos, para que essas práticas, viabilizadas pelas mudanças de

mentalidades, sejam “capazes de contribuir no processo de construção da democracia

brasileira, que não poderá ser plenamente cumprida enquanto perdurar a destruição das

individualidades históricas e culturais das populações que formaram a matriz plural do povo e

da sociedade brasileira. (MUNANGA, 2005, p.17).

90 Entrevista realizada em 2016 com a Coordenadora pedagógica da Escola de Ensino Fundamental II,

Nemésio Bezerra.

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Para tanto, os professores, conforme alerta nossa entrevistada, precisam não só

buscar formações continuadas que lhe assegurem aquisição de novos conhecimentos, mas as

instituições escolares, bem como as secretarias de educação, precisam promover essas

formações continuadas, especialmente referentes à temática em questão, uma vez que educar

para as relações étnicorraciais requer dos professores qualificação e sensibilidade que os

capacitem a “direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimento

étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes, palavras

preconceituosas” (BRASIL, 2004, p.17).

A importância de novas posturas pedagógicas, propiciadas pela formação docente,

bem como a necessidade de uma reeducação de todos os brasileiros estão fundamentadas nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais para o Ensino

de História e Cultura Afro-brasileira e Africana:

A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos

currículos da educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões

pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhecesse

que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar

devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se

repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo

de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à

população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que

devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural

e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática (BRASIL, 2004, p. 17).

A relevância de métodos didáticos que difundam o respeito ao outro e à sua

história e cultura, numa perspectiva igualitária, conforme preceitua o documento acima,

também se faz presente na afirmativa de uma estudante, quando a mesma asseverou:

Eu acho que a gente deve promover mais campanha, reportagem sobre esse tema né?

E devemos persistir nesse caso que é um fato muito sério né? Que a gente deveria

juntamente com as redes sociais e entre os meios de comunicação propor uma

sociedade né? Sem desigualdade e todos lutando pelo mesmo direito que é a

igualdade. (informação verbal).91

Utilizar dos diversos mecanismos e instrumentos informativos para combater o

racismo na escola é de fato uma atitude condizente com a realidade dos estudantes, considere-

se, por exemplo, que as redes sociais e demais instrumentos midiáticos fazem parte do dia-a-

dia das crianças e jovens de todas as classes sociais e devem, portanto, cumprir seus papéis

sociais. Pensar muros extra escolares, uma vez que essas campanhas não se limitariam ao

91 Entrevista realizada em 2016 com uma estudante do 3º ano do Ensino Médio, da Escola Abraão Baquit.

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contexto das escolas, é uma forma de dar visibilidade à questão racial e convidar todos os

sujeitos sociais a refletirem e viverem a alteridade necessária para a formação de uma

sociedade justa e equânime, em que todos os cidadãos tenham seus direitos respeitados,

independendo do grupo étnicorracial ao qual pertença.

Por outro lado, foram apresentados os desafios existentes na parceria escola e

família nesse processo, pois, ao serem questionados sobre o que pode ser realizado para

combater o racismo na escola, dois dos professores entrevistados relataram haver tarefas

educativas realizadas nas escolas do bairro Campo Novo que visam conscientizar os

estudantes quanto à necessidade de adoção de novas posturas diante das diversidades

presentes na sociedade as quais concorrem com uma realidade familiar avessa ao respeito e a

valorização do outro. Observemos suas ponderações:

Podemos combater o racismo na escola com educação, mas a gente vê que já vem de

casa, a má educação deles já vem de casa. Então o que a gente faz aqui é um

trabalho, na minha opinião, quase perdido. Podemos fazer o que quisermos, mas

sempre vai ter. Diminui em determinada época do ano, mas parece que eles não se

esquecem, qualquer conflito, partem logo para essa área aí. (informação verbal).92

O professor de história do 5º ano, da Escola José Bonifácio de Sousa, destaca em

sua afirmativa que a “má educação” dos estudantes vem de casa e que, independentemente do

que a escola faça, eles não desconstruirão seus pensamentos e ações preconceituosas,

arraigadas e legitimadas no meio em que vivem. Essa percepção denota a descrença do

trabalho realizado no âmbito escolar, todavia, suas observações podem estar associadas à

atenção dada por ele a questão. Em nenhum momento falou de alguma ação que realizou ou

realiza no sentido de problematizar e ou de esclarecer os estudantes no que concerne aos

preconceitos raciais existentes na escola. Do contrário, ratifica sempre em sua fala os conflitos

vividos pelos estudantes da escola, que encontram a questão racial como base, mas não se

apresenta como partícipe desse processo.

A postura do professor nos faz refletir novamente sobre a formação docente, uma

vez que essa deve passar por mudanças que possam ir “além das velhas dicotomias entre o

escolar e o não escolar, o político e o cultural, o instituído e o instituinte, ainda presentes em

vários currículos e práticas de formação de professores” (GOMES, 2011, p.57). Pensar sobre

esse processo também se faz necessário, tendo em vista que é atribuída ao professor a tarefa

de educar e, para tanto, esse profissional precisa estar devidamente preparado.

92 Entrevista realizada em 2016 com o professor de história do 5º ano do Ensino Fundamental I, da Escola

José Bonifácio de Sousa.

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Com relação às possibilidades de luta contra o racismo na escola e à necessidade

de parceria entre essa e a família nesse processo, a diretora da Escola José Bonifácio de

Sousa, considerou:

A escola pode contribuir no combate ao racismo conscientizando os alunos que

somos todos iguais, independentemente da raça. Isso pode ser feito de diversas

maneiras, através de leitura e análise de texto, histórias, vídeos educativos, rodas de

conversas, mas é necessário a ajuda das famílias nesse processo. (informação

verbal).93

A professora que estava na gestão escolar justificou sua fala após a entrevista,

dizendo que o trabalho realizado na escola era contraproducente porque as famílias dos

estudantes não colaboravam e, muitas vezes, até dificultam os processos educativos

desenvolvidos na instituição. De acordo com seu depoimento, parte do que é abordado na

escola passa por um processo conflitante com a realidade sociocultural dos estudantes, uma

vez que a conjuntura das relações existentes no bairro é pautada no desrespeito e no descaso,

não só às relações étnicorraciais, mas também aos demais dilemas vividos por parte dos

moradores.

Diante da análise dos professores sobre a realidade local, que dialoga diretamente

com a nacional, percebemos que, mesmo mediante legislações e diretrizes educacionais e da

realização de aulas e projetos desenvolvidos nas escolas, o preconceito racial perpassa os

limites das escolas e requer mudanças de atitudes em todos os contextos sociais do país.

Buscando perceber os pormenores dessa complexa situação, recorremos a Munanga (2005, p.

17), que afirma:

Como, então, reverter esse quadro preconceituoso que prejudica a formação do

verdadeiro cidadão e a educação de todos os alunos, em especial os membros dos

grupos étnicos, vítimas do preconceito e da discriminação racial? Não existem leis

no mundo que sejam capazes de erradicar as atitudes preconceituosas existentes nas

cabeças das pessoas, atitudes essas provenientes dos sistemas culturais de todas as

sociedades humanas. No entanto, cremos que a educação é capaz de oferecer tanto

aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de

superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles

pela cultura racista na qual foram socializados. Apesar da complexidade da luta

contra o racismo, que consequentemente exige várias frentes de batalhas, não temos

dúvida de que a transformação de nossas cabeças de professores é uma tarefa

preliminar importantíssima. Essa transformação fará de nós os verdadeiros

educadores.

93 Entrevista realizada em 2016 com a diretora da Escola de Ensino Fundamental I, José Bonifácio de

Sousa.

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A citação acima nos faz refletir que, por mais desafiadora que seja a promoção de

uma educação emancipadora num contexto vulnerável, como o do bairro Campo Novo, o

cenário educacional, por meio de seus educadores, se configura como ambiente propício à

implementação dessas mudanças, pois são esses e os demais agentes escolares que podem

mudar a realidade local, por via de ações capazes de transformar o vivido e de propiciar a

desconstrução de relações preconceituosas que supervalorizam pessoas em detrimentos de

outras, exclusivamente por causa de suas características fenotípicas.

Destarte, ressaltamos que as escolas e seus representantes desempenham papel de

extrema importância na formação cultural de seus alunos, porquanto exercem poder de

influência sobre esses uma vez que as subjetividades dos sujeitos dialogam com os sistemas

culturais existentes na sociedade a que pertencem.

Problematizar as relações étnicorraciais no contexto escolar implica diretamente

na ressignificação do papel social do negro na contemporaneidade, haja vista que “A cultura

não é apenas uma viagem de redescoberta, uma viagem de retorno. Não é uma “arqueologia”.

A cultura é uma produção” (HALL, 2003, p. 44) viva e dinâmica em que passado e presente

se interseccionam, “Não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que

nós fazemos das nossas tradições” (HALL, 2003, p. 44).

O reconhecimento de si enquanto sujeito histórico, bem como a ressignificação

dos sujeitos num contexto excludente e preconceituoso é evidenciado nas falas dos

entrevistados, quando esses apontam ações diversas como meio de combater o racismo nas

escolas, destacando as atividades desenvolvidas através da execução de projetos pedagógicos

voltados a conscientização e ao respeito a diversidade presente na sociedade brasileira.

As respostas de nossos entrevistados no decorrer de nossa pesquisa nos fazem

refletir sobre as possibilidades exequíveis de transformação do contexto das escolas

pesquisadas, em que professores, estudantes, pais e comunidade em geral são convidados a

pensar sobre a realidade vivida e a partir de então trabalharem juntos no processo de

desconstrução de pensamentos e posturas racistas.

Concluímos que, nesse contexto, a instituição escola, apesar de atuar num campo

social específico, oferece aos alunos condições para que as diversidades culturais sejam

problematizadas, respeitadas e valorizadas, na tentativa de romper com as amarras do

preconceito racial e desconstruir as injustiças cometidas historicamente contra os afro-

brasileiros, haja vista que:

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A educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a diferença

entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é preciso valorizá-la

para garantir a democracia que, entre outros, significa respeito pelas pessoas e

nações tais como são, com suas características próprias e individualizadoras; que

buscar soluções e fazê-las vigorar é uma questão de direitos humanos e cidadania

(LOPES, 2005, p. 189).

Promover ações para educação das relações étnicorraciais perpassa as políticas

educacionais em suas diversas esferas, todavia é no convívio cotidiano, nas salas de aulas e

demais espaços das escolas que as relações são construídas e reelaboradas pelos diferentes

sujeitos que compõem a instituição escolar. Assim, compreendemos que para além da

execução das propostas das diretrizes curriculares (externas e internas) e dos conteúdos que

abordam a história africana e afro-brasileira, a escola deve promover ações diversas capazes

de elaborar novos significados à cultura negra e, por conseguinte, descontruir o paradigma do

preconceito racial ainda presente em nossa sociedade.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Adentrar no espaço escolar é uma das melhores formas de perceber as nuances

que permeiam as relações estabelecidas nesse contexto e trazer para o debate acadêmico

alguns aspectos da educação formal em movimento. Nesse sentido, nossa pesquisa – que teve

como problema principal perceber como o racismo se reflete no cotidiano das escolas

analisadas – foi realizada por meio da discussão entre teorias e práticas que envolvem a

dinâmica escolar, dentre elas as percepções dos sujeitos que compõem esse lugar.

O racismo é resultante de construções e contradições históricas em que alguns

seres humanos, tentando se construir maiores e melhores que os outros, designaram a cor da

pele como elemento de inferioridade para justificarem suas práticas desumanas de opressão e

desrespeito para com os oprimidos. Nesse eixo, a presente pesquisa aborda o racismo numa

perspectiva sociocultural de proposições dominantes.

Refletimos dessa forma o racismo como fenômeno social, numa perspectiva

sociocultural, originária do século XVI, quando os europeus elaboraram teorias raciais para

justificar sua dominação ao restante do mundo. Nesse contexto, o próprio corpo dos

dominados serviu como sustentáculo de propagação do preconceito racial. Na percepção de

Lopes (2004, p.22):

O preconceito racial conta, como suporte para a sua veiculação, o primeiro

equipamento básico do homem: seu corpo. Assim, tomando o corpo negro como

portador da informação de uma diferença que desencadeia a expressão do

preconceito. As outras dimensões do negro que o constituem como ser humano, sua

capacidade intelectual, seu universo moral e sua afetividade, são agregadas a este

suporte biológico, já marcadas de antemão pela desqualificação e pela

inferiorização.

As marcas de inferiorização do corpo negro refletem as relações racistas presentes

na atualidade, sobretudo no cotidiano escolar, uma vez que o racismo na escola se expressa de

várias formas que, verbalizadas ou não, silenciadas ou enfrentadas por professores e

estudantes, ainda permeiam a cultura escolar e demarcam os papéis de estudantes negros e

brancos, não obstante dos esforços empregados nas propostas de educação das relações

étnicorraciais, especialmente, a partir da promulgação da Lei 10.639/03 e da elaboração das

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais, que têm como

objetivo principal reparar os danos causados à comunidade negra no Brasil, bem como através

do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, de onde “espera-se que a escola

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assuma realmente o seu papel social de valorização e de difusão da cultura e da pluralidade de

nossa formação étnica [...]” (FERNANDES, 2005, p.385)

Compreendemos, assim, a importância da implementação de uma educação

escolar de fato inclusiva, equânime e valorativa, capaz de agregar nos diferentes processos

educacionais as diversidades dos povos que compõem a história do Brasil, destacando a

relevância de suas histórias e culturas na formação da chamada identidade nacional.

No atual cenário brasileiro, especificamente na segunda década do século XXI,

ainda percebemos lacunas existentes entre as políticas educacionais e as práticas escolares

cotidianas, com relação às questões étnicorraciais. Em contrapartida, devemos ponderar

alguns avanços no que se refere às políticas públicas de caráter inclusivo e equitativo

desenvolvidas no Brasil, como a Lei no. 10.639/2003 posteriormente substituída pela Lei no.

11.645/2008, que salientam a obrigatoriedade da educação afro-brasileira e indígena na

Educação Básica em todo o país.

As conquistas já alcançadas advêm de séculos de luta do povo negro, e devemos

permanecer batalhando para a consecução de novas e significativas conquistas em prol da

equidade entre todos os brasileiros, independentemente de sua cor de pele. Albuquerque e

Fraga Filho (2006) a esse respeito argumentam:

Então, hoje, a palavra de ordem é a igualdade de oportunidades, uma outra maneira

de dizer liberdade e inclusão social como, antes de nós, tantos outros negros já

reivindicaram. Continuar se posicionando contra o racismo e defendendo melhores

condições de vida é o que cabe a todos os herdeiros da história de luta do povo

negro. É de fato tarefa de todo brasileiro. (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO,

2006, p.314)

Concordamos com os referidos autores que a causa é nossa e que somente atingirá

seu objetivo se todos permanecermos na luta. Para tanto, urge a adoção de novas posturas

diante das relações étnicorraciais presente em nosso país. Precisamos, entretanto, discutir as

várias possibilidades de reconfiguração social, em que todos os sujeitos que compõem a nação

sejam corresponsáveis por essa transformação.

Nesse sentido, efetivar um ensino escolar antirracista, pautado na valorização da

história e na cultura do negro africano e afro-brasileiro é fundamental no processo de

efetivação de uma educação cidadã, que vise à igualdade de direitos e à viabilidade de

transformação social de um grupo historicamente excluído.

As leis inclusivas são importantes para um despertar crítico social diante, por

exemplo, de posturas racistas no cotidiano escolar, mas estas leis precisam estar associadas

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aos trabalhos desenvolvidos pelos professores, que, no exercício de suas funções, busquem

despertar nos alunos o sentimento de pertencimento ao universo da cultura letrada,

conjecturando a promoção de uma educação de caráter libertador e transformador, próximo à

proposta educativa freireana94

.

O desafio imposto às escolas e aos professores tende a reforçar o papel do ensino

formal na reconstrução da história do Brasil e dos brasileiros, especialmente em relação às

desigualdades existentes entre negros e não negros, no contexto nacional, pois, apesar de

existirem políticas públicas voltadas para as questões étnicorraciais, como a Lei Federal

10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e

estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais

e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – que visam promover uma

educação equânime em todo estado brasileiro –, na prática ainda existem muitas lacunas a

serem preenchidas. A escola, na qualidade de campo de pesquisa, nos oportunizou

investigações acerca das relações étnicorraciais, tendo em vista que “para muitos alunos,

especialmente os pertencentes às escolas públicas, a escola e, por conseguinte, suas aulas são

as únicas fontes de referência na elaboração de significados quanto à sua formação em todos

os níveis, inclusive na formação de sua identidade [...]” (COELHO, 2010, p.14).

Compreendendo a construção da identidade como “um fenômeno que se produz em referência

aos outros [...]” (POLLAK, 1992, p.204), percebemos a relevância das relações desenvolvidas

na escola, especialmente, nesse processo de formação identitária dos estudantes das escolas

investigadas.

Para enfatizar a realidade vivida nas três escolas pesquisadas, utilizamos a história

oral como metodologia, viabilizada pela realização de entrevistas semi-estruturadas com os

diversos sujeitos que compõem este universo – gestores, professores e estudantes. E

constatamos, pelas percepções dos entrevistados, que atos racistas ocorrem cotidianamente

dentro delas, demonstrando que nossas escolas ainda não estão adequadas para a promoção de

uma educação cidadã inclusiva, que tem por premissa o respeito à diversidade e à dignidade

humana.

As manifestações racistas nas escolas pesquisadas ocorrem por mecanismos

diversos, dentre os quais destacamos as chamadas brincadeiras que ridicularizam as crianças e

94 A teoria freireana destaca que os homens se libertam em comunhão, mediante ações políticas e culturais

de reflexões e práxis viabilizadas por um modelo educativo horizontal mediatizado pelo mundo e pautado na

dialogicidade enquanto essência da educação como prática da liberdade. FONTE: FREIRE, Paulo. Pedagogia do

Oprimido.17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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jovens negros a partir de sua cor de pele e características fenotípicas, bem como nos silêncios

que demonstram a dor da vítima, negativizam suas imagens e às vezes são usados, sobretudo

por professores, para evitar os confrontos étnicos que “em sua grande maioria essa ação não

surte muito efeito, pois, os problemas só irão se agravar ainda mais” (ARAÚJO e

BERNARDES, 2012, p. 529-530). Essa situação foi relacionada por um dos professores

entrevistados, ao evidenciar que as manifestações racistas estão presentes nos conflitos

vivenciados pelos estudantes, mas que são minimizadas durante a realização de trabalhos ou

projetos que têm por objetivo discutir as relações étnicorraciais.

A situação exposta denota a necessidade de discutir e problematizar as relações

étnicorraciais nas escolas, uma vez que somente através do reconhecimento de que existe

racismo na escola e do enfrentamento dessa situação é que podemos descontruir pensamentos

e práticas preconceituosas e excludentes dentro e fora do contexto analisado.

O fortalecimento de consciências ultrapassa a organização curricular das escolas e

as estratégias pedagógicas no sentido de reeducar negros e brancos desde um modelo

educativo em que todos sejam capazes de problematizar as desigualdades que permeiam as

relações étnicorraciais no Brasil para, posteriormente, promover as mudanças necessárias à

reparação dos danos causados ao grupo mais prejudicado nessas relações assimétricas – os

negros. Igualmente, é imperativo organizar um modelo de relacionamento, pautado no

respeito e na equidade entre todos os brasileiros, independentemente do grupo étnico a que

pertençam.

A escola, em sua dimensão institucional de meio formal de ensino, apresenta

problemas diversos que refletem a realidade social do país, como a questão do racismo

presente nas relações escolares. Todavia, no contexto de tentativas de combate a esta questão,

destacamos a influência do ensino de história, em especial, o ensino da história afro-brasileira

e africana, como mecanismo de transmissão e construção de conhecimentos históricos que

podem ressignificar a imagem dos negros no país, e, por consequência, transformar o

pensamento ainda colonizado e preconceituoso acerca do papel destes na formação da história

brasileira.

A conquista social da lei 10.639/03, como também as diretrizes para educação das

relações étnicorraciais, são instrumentos de luta que questionam o modelo social e

educacional brasileiro em seus formatos rasos e discriminadores. E, nessa conjuntura,

observamos o papel singular do ensino de história, tendo em vista o vasto campo de pesquisa

propiciado pela historiografia nacional no que se refere à história dos negros africanos e afro-

brasileiros na composição da história do país.

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Os desafios e possibilidades de consecução desse modelo educacional, entretanto,

subjazem à organização curricular das escolas, sobretudo as disciplinas ministradas, dentre

elas, a disciplina história e o ensino da história afro-brasileira e africana, que, nesse contexto,

podem ajudar os alunos a entenderem a participação dos negros na construção da história

nacional, através da retratação de histórias em que esses sujeitos são apresentados como

construtores da própria história e da história do país. A partir desses conhecimentos, o

estudante “estará mais apto a atuar criticamente, sem idealização ingênua (heroização), nem

autodepreciação (a história do ponto de vista conservador) da transformação social”.

(DAVIES, 2017, p.125). Esse conhecimento, acreditamos, deverá incitá-los na busca de novas

descobertas e desafios que os ajudarão a construir a própria identidade.

Nesse esteio, refletir sobre educação escolar e descolonização do saber95

, a partir

do ensino de história, requer pensar nesse ensino, tendo “como referência, portanto, a

dinâmica epistemológica da história e da educação não como unidades autônomas, mas na

inter-relação criadora e singular que deriva da fusão entre esses dois campos”. (ZAMBONI,

LUCINI e MIRANDA; 2013, p.258). A educação e o ensino, devem, portanto, trabalhar de

mãos dadas na formação de cidadãos, cientes de seus direitos e deveres, para, assim,

transformar a sua realidade.

Buscando compreender de que modo as histórias dos africanos e dos afro-

brasileiros chegam aos estudantes das escolas pesquisadas, analisamos alguns instrumentos

pedagógicos utilizados pelos professores de história, dentre os quais destacamos os livros

didáticos de história para investigar os conteúdos e as abordagens neles contidos, visando

comparar as falas dos entrevistados às demais fontes disponíveis nas escolas.

Desse modo, afirmamos que a história do negro no livro didático de história

adotado na Escola Municipal de Ensino Fundamental I José Bonifácio de Sousa é abordada de

maneira pontual e sutil, sem muitas informações ou exploração dos conteúdos. Se restringe à

história do Brasil, destacando as ações da comunidade negra no processo abolicionista no país

e, na atualidade, nos processos de distribuição de terras e de lutas para incluir a história no

negro na educação nacional. Porém, não faz menção à história da África ou dos africanos.

No livro didático adotado na Escola Municipal de Ensino Fundamental II

Nemésio Bezerra, a história da comunidade negra se restringe ao negro africano, não

95 Ao refletir sobre descolonização do saber, o fazemos na perspectiva exposta por Carlos Walter Porto-

Gonçalves na apresentação da edição em português da obra “A colonialidade do saber. Eurocentrismo e Ciências

Sociais. Perspectivas latino-americanas” de Edgardo Lander (2005). Nela o autor afirma que a Colonialidade do

Saber nos revela, um legado epistemológico do eurocentrismo que nos impossibilita compreender o mundo a

partir do meio em que vivemos e de suas epistemes.

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contemplando a história dos afro-brasileiros, mesmo que na historiografia apresentada sobre a

história nacional contemporânea houvesse espaço para temáticas relacionadas ao negro do e

no Brasil.

Em contrapartida, no livro didático de história adotado na Escola Estadual Abraão

Baquit, a história e cultura africana e afro-brasileira é bem explorada em vários capítulos,

atendendo ao que é proposto nas Diretrizes Nacionais na promoção de políticas de reparação,

reconhecimento e valorização das ações afirmativas, em que o Estado deve, por diversos

mecanismos, promover mudanças no trato das pessoas negras, dentre elas, no âmbito do

ensino formal, buscar por justiça e igualdade de direitos sociais, civis, culturais e econômicos,

viabilizando, pelo conhecimento de suas histórias e culturas, desconstruir o mito da

democracia racial na sociedade nacional (BRASIL, 2004).

Constatamos dificuldades e ou fragilidades na promoção de um ensino de história

mais crítico, que podem ser justificadas pela formação inicial dos professores, principalmente

os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que precisam atender às várias

disciplinas do currículo escolar. Essa realidade implica também na exploração adequada do

conteúdo do livro didático, incluindo o manual do professor, para que as potencialidades deste

instrumento didático possam de fato contribuir para a construção do conhecimento histórico e

consequente formação cidadã crítica diante do mundo.

Para o emprego dos livros didáticos em sala de aula, por seu turno, ao professor

de história é dada a responsabilidade do trato pedagógico com as fontes documentais neles

existentes, para galgar resultados satisfatórios. Não obstante, devemos lembrar que existem

outros sujeitos e instituições envolvidos nesse processo de elaboração e utilização desse livro

que nos fazem refletir sobre essa ferramenta como objeto da cultura escolar, como afirma

Gatti Júnior (2004), que representa apenas uma amostra das relações culturais experienciadas

no cotidiano das escolas, constituídas na condição de “lugar onde se entrecruzam aspectos da

História da Cultura e da História da Pedagogia” (GATTI JR. 2006, pag.09).

Ao identificarmos, nas três escolas investigadas, a presença da história e cultura

africana e afro-brasileira exposta de modos distintos nos livros didáticos de história, bem

como por meio de projetos e ações coletivas desenvolvidas no espaço escolar, constatamos a

relação entre o legal e o real no ensino formal quixadaense, sobretudo quando, nas falas dos

professores, o livro didático é citado como manual de apoio pedagógico fundamental em suas

práticas escolares, bem como no desenvolvimento de projetos extrassala, porém pouco

explorado no chão da sala de aula.

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123

Reconhecemos as diferenças e os desafios entre as práticas que viabilizam a

exequibilidade do ensino da história africana e afro-brasileira nas três escolas como meio de

combater o racismo e conscientizar a comunidade escolar quanto à necessidade de educar para

as relações étnicorraciais no contexto local, haja vista que, apesar de as escolas estarem

situadas no mesmo bairro, questões diversas imprimem a cada uma um modelo singular de

execução da tarefa educativa, que inclui desde a flexibilização do currículo e usos do material

didático até o envolvimento e a sensibilidade das pessoas com o tema.

Por fim, apresentamos as considerações de professores e estudantes das escolas

acerca das possibilidades de reeducar para as relações étnicorraciais e erradicar o racismo no

contexto em que vivem. Esses destacaram a realização de projetos, palestras e demais ações

que visem conscientizar a comunidade escolar sobre o respeito a diversidade étnico-racial

presente na escola e na sociedade como um todo. Esses agentes escolares têm consciência de

seus papéis sociais, mas também buscam encontrar suporte nas escolas, pois, para promoção

de uma educação inclusiva, valorativa e antirracista no Brasil, é necessário rever conceitos e

práticas que permeiam o universo escolar. O racismo precisa ser repensado, discutido e

denunciado na comunidade escolar para, possivelmente, viabilizar a formulação de novas

concepções que considerem o valor das histórias e culturas dos diferentes grupos

étnicorraciais que compõem a nação brasileira.

Com esta pesquisa, visamos contribuir no processo reflexivo das relações

étnicorraciais presentes nas escolas quixadaenses, trazendo à reflexão posturas racistas que

muitas vezes passam despercebidas ou como simples brincadeiras, pois, a partir do momento

em que nos conscientizamos da forma cruel como agimos, é que podemos mudar nossos

comportamentos e transformar nossa sociedade a partir do local onde moramos e vivemos. Ao

aderir a novas posturas, escolas e professores passam a auxiliar na formação de cidadãos

conscientes de seus direitos e deveres, que, por conseguinte, poderão – a partir desse

entendimento – garantir a real transformação da sociedade brasileira através das próprias

ações, tendo por base a elaboração de análises mais críticas de mundo e de novos

comportamentos a esse respeito.

Constatamos que as escolas do bairro Campo Novo, em Quixadá/CE, apesar de

atuarem num contexto de vulnerabilidade socioeconômico e cultural, promovem por meio de

projetos pedagógicos – que buscam envolver toda comunidade escolar – ações voltadas a

educar para as relações étnicorraciais, fundamentadas nas exigências da Lei 10.639/03 e nas

orientações presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações

Étnico-Raciais, como também em seus Projetos Político Pedagógicos, que estão de acordo

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124

com as Diretrizes Nacionais e se propõem a orientar seus educandos para a convivência em

sociedade.

Ademais, concluímos que existem caminhos possíveis a serem trilhados para a

formação de indivíduos mais críticos e comprometidos com a causa antirracista, que não

deverão mascarar relações preconceituosas e discriminatórias, propiciando,

consequentemente, a edificação de relações étnicorraciais simétricas, de bases sólidas, num

país essencialmente multirracial, onde o respeito à diversidade e à individualidade dos

diversos sujeitos que compõem a nação sejam reconhecidos, considerados e valorizados, para

que assim a cidadania seja exercida em sua plenitude por todos, independentemente de sua

cor, raça ou condição socioeconômica.

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125

FONTES

Entrevistados (as):

NOME DO

ENTREVISTADO

FUNÇÃO LOCAL DA

ENTREVISTA

DATA DA

ENTREVISTA

MARIA AMÉLIA DE

LIMA SILVA

PROFESSORA ESCOLA

ABRAÃO

BAQUIT

13/09/2016

LUCAS DE SOUSA

SILVA

ESTUDANTE ESCOLA

ABRAÃO

BAQUIT

14/09/2016

ZIDANE BARBOSA ESTUDANTE ESCOLA

ABRAÃO

BAQUIT

16/09/2016

MARIA GRACINEIDE

CUNHA PESSOA

ESTUDANTE ESCOLA

ABRAÃO

BAQUIT

16/09/2016

DANIELLE MATEUS DO

NASCIMENTO

ESTUDANTE ESCOLA

ABRAÃO

BAQUIT

16/09/2016

NILMAR DA SILVA ESTUDANTE ESCOLA

ABRAÃO

BAQUIT

19/09/2016

DANIEL MARTINS DE

LIMA

ESTUDANTE ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

26/09/2016

MARIA JANISNARA

LINO LIMA

ESTUDANTE ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

26/09/20160

CAIO VICTOR MENDES

FILIPE

ESTUDANTE ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

26/09/2016

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126

JADE LOPES DE LIMA ESTUDANTE ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

03/10/2016

ERYKA NARA

NASCIMENTO PEREIRA

ESTUDANTE ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

03/10/2016

FRANCISCO CARLOS

SARAIVA DE BRITO

PROFESSOR ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

03/10/2016

SANDRA MARIA

FERREIRA CABRAL

COORDENADORA

PEDAGÓGICA

ESCOLA

NEMÉSIO

BEZERRA

10/10/2016

FRANCISCO OSMAR

HENRIQUE DE LIMA

PROFESSOR ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

22/11/2016

VERA LÚCIA SILVA

VIEIRA

DIRETORA ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

22/11/2016

MARIA WRIANNY

MOURA QUEIROZ

ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

23/11/2016

KAYKY BEZERRA

BRITO

ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

23/11/2016

ALANA PÂMELA DOS

SANTOS RIBEIRO

ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

24/11/2016

TAYNARA LIMA DA

SILVA

ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

24/11/2016

JOSÉ PAULINO DE LIMA

NETO

ESTUDANTE ESCOLA JOSÉ

BONIFÁCIO DE

SOUSA

24/11/2016

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134

APÊNDICES

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APÊNDICE A – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – GESTORES

ESCOLARES)

1. Para você o que é racismo?

2. No seu cotidiano de trabalho você já percebeu ou presenciou manifestação (ções) de

racismo? Comente.

3. Na sua opinião como devemos combater o racismo na escola?

4. Existem propostas pedagógicas nesta escola para a efetivação do ensino da história e

cultura afro-brasileira e africana? Se afirmativo, quais? Como se realizam?

5. Você encontra dificuldade (s)/desafio(s) na escola para implementar política pública

de combate ao racismo? Comente.

6. Como você avalia a execução das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Africana no contexto desta escola?

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APÊNDICE B – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS - PROFESSORES DE

HISTÓRIA)

1. Para você o que é racismo?

2. No seu cotidiano escolar você já percebeu ou presenciou manifestação (ções) de

racismo? Comente.

3. Na sua opinião como devemos combater o racismo na escola?

4. Existem propostas pedagógicas nesta escola para a efetivação do ensino da história e

cultura afro-brasileira e africana? Se afirmativo, quais são e como se realizam?

5. Durante suas aulas você contempla a temática afro-brasileira e africana? Se afirmativo,

em que momento(s) e como? E como os alunos reagem?

6. Você encontra dificuldade(s)/desafio(s) na escola para implementar política pública

(Projetos) de combate ao racismo? Comente.

7. Como você avalia a inserção (ou a necessidade) do ensino da história e cultura afro-

brasileira e africana na sua escola?

Page 138: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE …uece.br/Mihl/Dmdocuments/Dissertacaovaleriasoaresdeoliveira.pdf2 Vinte de novembro marca a data de morte de Zumbi, grande líder do

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APÊNDICE C – ROTEIRO DE PERGUNTAS (ENTREVISTAS – ALUNOS)

1. Para você o que é racismo?

2. Você já percebeu ou presenciou manifestação (ções) de racismo na sua escola?

Comente.

3. Na sua opinião como devemos combater o racismo na escola?

4. Existem projetos de combate ao racismo em sua escola? Se afirmativo, quais são e

como se realizam?

5. Você estuda a história e cultura afro-brasileira e africana ou assuntos relacionados a

temática racista nas aulas de história? Comente.

6. O que você acha de projetos que divulgam a cultura afro-brasileira e africana na

escola? Comente.