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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM RAFAELA DEFENDI MARIANO ANÁLISE DA GESTÃO TÓPICA DO PROGRAMA “MANOS E MINAS” CAMPINAS 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

RAFAELA DEFENDI MARIANO

ANÁLISE DA GESTÃO TÓPICA DO PROGRAMA “MANOS E

MINAS”

CAMPINAS

2011

i

RAFAELA DEFENDI MARIANO

ANÁLISE DA GESTÃO TÓPICA DO PROGRAMA “MANOS E

MINAS”

Monografia apresentada ao Instituto de Estudos da

Linguagem da Universidade Estadual de Campinas

como requisito parcial para a obtenção do título de

Licenciado em Letras – Português.

Orientador: Profa. Dra. Anna Christina Bentes da

Silva

Campinas

2011

ii

Dedico este trabalho aos meus pais, ao meu irmão Tarcísio e ao Rafael, que me acompanharam nessa caminhada acadêmica e

que tanto torceram e torcem pelo meu sucesso.

iii

AGRADECIMENTOS Sempre é bom terminar um trabalho e ver que muitos foram aqueles essenciais à sua

realização, seja por meio do apoio, da orientação, do incentivo ou do compartilhamento

de ideias.

Posso me considerar abençoada por ter tido essas pessoas de perto ou longe me

acompanhando.

Agradeço primeiramente a Deus por ter me amparado nos momentos difíceis de dúvidas

e angústias e por ter me proporcionado saúde nesse caminho de luta, mas também de

muita luz.

Agradeço à minha família que incondicionalmente me apoiou. Aos meus pais que nunca

me negaram renúncias, paciência, carinho e amor. Muito obrigada, Pai, Mãe e Tar!

Agradeço ao Rafael, companheiro inseparável de amor, carinho, atenção e

compartilhamento da rotina de pesquisa e dedicação.

Meus mais sinceros agradecimentos à Anna, querida professora, orientadora e amiga,

que me acompanhou desde 2008 com muita dedicação, conselhos e que me fez

empolgar com os diversos insights e conclusões de análises.

Agradeço também à Cláudia Goulart por ter me ajudado muito no último e desafiador

semestre de pesquisa.

Agradeço ainda aos meus colegas de pesquisa que compartilharam os momentos de

descoberta e de aprendizado: Bia, Clara, Natália, Lucas, Cláudio, Amanda, Raquel e

Geovana. E também à querida Lívia Granato, que por meio de sua dissertação e dos

diálogos mantidos me abriu os olhos para um tema fascinante e desafiador.

Devo também meus agradecimentos aos professores que fizeram parte da minha

formação: os do pré-primário até os da banca deste trabalho. Em especial, à minha tia e

professora Nenê que me ensinou o prazer da leitura e à minha tia, madrinha e professora

Meyres que acompanhou de perto por dois anos de luta e vitória.

Enfim, agradeço imensamente a todos os meus amigos e familiares que, de perto ou

longe, estiveram presentes na minha trajetória.

iv

RESUMO

Nosso trabalho tem como principal objetivo fazer um levantamento e produzir análises

sobre a gestão do tópico nas interações entre apresentador e entrevistado na plateia e nas

entrevistas com moradores da periferia em reportagens externas do programa de

auditório “Manos e Minas”, veiculado pela TV Cultura do Estado de São Paulo. O

programa se caracteriza pelo objetivo de trazer “‘a voz da periferia’ à mídia televisiva”

e pela participação nas interações e nas reportagens externas de moradores da periferia

urbana. Buscamos mais especificamente analisar a organização tópica no nível

hierárquico e linear dessas duas situações no programa “Manos e Minas”.

Palavras-chave: Linguística Textual – Tópico Discursivo – Programa “Manos e

Minas”

v

ABSTRACT The present work has as main objective to collect and to analyze the discursive topic

management existent in interactions between TV host and interviewees in the audience

and in interviews with suburb’s residents in the reports of the talk show “Manos e

Minas” aired by the TV channel “Cultura” from São Paulo. The television program is

characterized by the goal of bringing out “the voice of the suburbs to the Brazilian mass

media” and by the participation in the interections and external reports of suburb’s

residents. Our purpose was to analyze more specifically the distribution of the discourse

topic into two axes, hierarchical and linear, in these situations on television program

“Manos e Minas”.

Key-Words: Textual Linguistic– Discourse Topic– Television Program “Manos e

Minas”- Interview

vi

SUMÁRIO

Capítulo 1: Introduzindo a Pesquisa ............................................................................. 7

1.1 Justificativas e Hipóteses iniciais ............................................................................ 7

1.2 O Programa “Manos e Minas” .............................................................................. 11

1.3 Objetivos ................................................................................................................ 22

1.3.1 Objetivo Geral ................................................................................................ 22

1.3.2 Objetivos Específicos ..................................................................................... 23

Capítulo 2: Projetando a Pesquisa ............................................................................... 24

2.1 Pressupostos Teórico-analíticos ............................................................................. 24

2.1.1 Estudos sobre tópico discursivo ...................................................................... 25

2.1.2 Estudos sobre Entrevista Sociolinguística ...................................................... 32

2.2. Metodologia .......................................................................................................... 34

2.2.1 Programa “Manos e Minas”: o recorte do corpus ........................................... 34

2.2.2 Descrição do Programa de 16/07/2008 ........................................................... 35

2.2.3 Sobre a escolha do sistema de transcrição dos dados ..................................... 38

Capítulo 3: O desenvolvimento da pesquisa ............................................................... 40

3.1 Análise da reportagem externa sobre a Revista Ocas ............................................ 40

3.2 Análise da entrevista na plateia .............................................................................. 62

Capítulo 4: Considerações Finais ................................................................................. 75

4.1 Conclusões ............................................................................................................. 75

4.2 Possibilidades de Desenvolvimento ....................................................................... 75

Referências Bibliográficas ............................................................................................ 78

Anexos ............................................................................................................................. 81

7

Capítulo 1: Introduzindo a Pesquisa 1.1 Justificativas e Hipóteses Iniciais

Nosso trabalho pretende realizar análises da gestão do tópico discursivo em

dois gêneros, a saber: entrevista e reportagem, que ocorrem no programa “Manos e

Minas”.

A intersecção entre os campos da Sociolinguística e da Linguística Textual

proposta nesse trabalho tem sido fruto de discussão e tematização em nosso grupo de

pesquisa “É nóis na fita”: a formação de um registro e a elaboração de estilos no campo

da cultura popular urbana paulista”, sob coordenação da professora doutora Anna

Christina Bentes, nos trabalhos de Bentes (2009a, 2009b, 2011a, 2011b), de Nogueira

(2010) e nos nossos dois projetos de Iniciação Científica1 desenvolvidos durante a

graduação.

Nossas análises iniciais estiveram voltadas para a questão do estilo de fala de

um sujeito pertencente ao grupo social de moradores da periferia da grande São Paulo

(MARIANO, 2011). Mais especificamente, nossas pesquisas (MARIANO, 2009; 2011)

pretenderam descrever e analisar as diferenças estilísticas resultantes das manipulações

estratégicas, por parte do rapper Mano Brown, de recursos linguístico-discursivos em

três diferentes situações comunicativas: discurso de agradecimento, depoimento e

entrevista sobre um tema social controverso com mais de dois participantes. Nossa

hipótese era a de que, sendo o design de audiência2 (BELL, 2001) o fator condicionante

da variação estilística, dois fenômenos se apresentavam como os principais lugares de

observação dessa variação: a manipulação do tópico discursivo e o uso dos marcadores

discursivos.

1 O primeiro projeto de pesquisa se intitula “Análise dos fatores estilísticos envolvidos na produção da fala de um rapper em diferentes situações comunicativas” e foi financiado pelo CNPQ/PIBIC de agosto de 2009 a julho de 2010. O segundo projeto de pesquisa se intitula “Recursos para a construção de estilos: tópico e marcadores discursivos na fala de um rapper paulista” e foi financiado pela Fapesp (Processo no. 2010/17357-0) de dezembro de 2010 a dezembro de 2011. 2 Design de audiência é, segundo Bell (2001), o princípio básico a partir do qual um falante pode optar entre acomodar-se à fala de seu interlocutor- assemelhando-se sua performance linguística à dele – ou distanciando-se dela e aproximando-se da performance linguística de seu grupo ou terceiro (design de referência). Essa escolha tem significação social no conteúdo discursivo e pode indicar solidariedade ou distinção social.

8

Analisamos, então, quais eram os tópicos desenvolvidos nas situações

comunicativas e como eles se organizavam linear e hierarquicamente.

Em termos de organização tópica de natureza hierárquica (JUBRAN et al.,

2002; JUBRAN, 2006; BENTES E RIO, 2006), a primeira situação comunicativa, o

discurso de agradecimento, apresentou, a nosso ver, o supertópico Qualidades e defeitos do ser humano e dois subtópicos co-constituintes: (1) Humildade x arrogância e (2) Comentários sobre si mesmo.

Podemos perceber em relação aos tópicos desenvolvidos pelo rapper que Mano

Brown revela uma determinada percepção dos fatos do mundo e de suas próprias ações,

ou seja, além da reflexão sobre a realidade social presente em suas músicas, ele revela

em seu discurso que o ato de refletir sobre as qualidades e defeitos dos seres humanos e

sobre suas próprias ações faz parte constante de sua vida.

Podemos observar que os dois subtópicos são de caráter reflexivo: enquanto o

primeiro, Humildade x arrogância, caracteriza a reflexão de Mano Brown sobre a

sociedade em geral, o segundo, Comentários sobre si mesmo, caracteriza a reflexão do

rapper sobre si mesmo. Apesar de falar sobre os defeitos da sociedade em geral, Mano

Brown os exemplifica com cenas do cotidiano da própria favela de forma a incitar em

seus interlocutores uma consciência crítica (cf. BENTES, 2009a).

Pudemos observar, a partir da organização linear dos tópicos desenvolvidos por

Mano Brown no discurso, que há nesse texto oral uma tendência à não perturbação da

linearidade, ou, em outras palavras, Mano Brown introduz um novo tópico apenas

depois de concluí-lo.

Observamos ainda o fato de o rapper fazer promessas, revelar seus erros e

desejos e também pedir à sua audiência que “não o abandonem”. Isso mostra, a nosso

ver, que Mano Brown, mais do que adequar sua linguagem à de seus interlocutores

(design de audiência), tenta se aproximar deles através de determinados tópicos,

exibindo um discurso que promove a sua identificação com os moradores da favela

(design de referência).

A segunda situação comunicativa, um depoimento dado pelo rapper a uma

jornalista dentro de seu próprio carro em um curto trajeto, apresenta, a nosso ver, um

supertópico predominante e desenvolvido: Documentário. Esse supertópico apresenta

dois subtópicos co-constituintes: (1) História da vida de um ladrão e (2) Descrição do contexto. Um outro tópico não desenvolvido é o Sonhar em estar preso, que só

9

aparece no final quando Mano Brown faz a seguinte revelação: “eu já sonhei eu preso

várias vez/tipo...já me imaginei várias vez/cê acredita?...várias vezes... morto nem

tanto...”.

Em relação à linearidade, podemos dizer que, ao contrário da primeira situação

comunicativa, há maior descontinuidade tópica no depoimento: Mano Brown alterna

muito os tópicos de forma que os quadros tópicos não se finalizam antes que outro se

inicie. Isso ocorre principalmente no início e no fim do depoimento.

A organização tópica de natureza hierárquica da entrevista semiestruturada

sobre tema social controverso com mais de dois participantes na qual participa Mano

Brown apresenta, a nosso ver, o supertópico Rap brasileiro e três subtópicos co-

constituintes: (1) Realidade da periferia; (2) Visão da sociedade sobre os grupos de rap e (3) Visão dos rappers sobre o rap brasileiro.

Em decorrência do fato de haver intimidade entre os participantes, que são

amigos e colegas de trabalho, percebemos que a maioria das mudanças de tópico são

linguisticamente marcadas, principalmente por meio de perguntas feitas pelo rapper

Mano Brown que, como mediador implícito da entrevista, é o maior responsável por

instaurar tópicos, por promover mudanças e/ou expansão de tópico e por levar os outros

participantes a se engajarem na interação.

O contato com as amostras do programa “Manos e Minas” nos estudos

desenvolvidos na disciplina Investigação Científica, quando lemos o trabalho de

Granato (2011) e fizemos a transcrição de dois programas3 inteiros, fez com que

observássemos que os temas mais gerais e os tópicos de que tratam o programa estão

relacionados com alguns dos tópicos instaurados e desenvolvidos pelo rapper Mano

Brown nas três situações comunicativas já analisadas em nossa pesquisa de Iniciação

Científica (MARIANO, 2009; 2011). Entre esses tópicos estão: o rap, a realidade da

periferia e o impacto de determinados produtos culturais; e assim como no caso do

rapper Mano Brown, esses tópicos são mobilizados pelos próprios representantes da

periferia. Além disso, percebemos que, no programa, muitos dos entrevistados

topicalizam a si mesmos, principalmente por meio do relato de suas histórias de vida,

assim como fez Mano Brown na primeira e na segunda situação comunicativa com a

instauração dos tópicos “Comentários sobre si mesmo” e “Sonhar em estar preso”,

3 Programas “Manos e Minas” de 02/05/2009 e 23/08/2009.

10

sendo que o rapper instaura este último tópico para mostrar o impacto do produto

cultural sobre o qual relata, o documentário, em sua vida.

Nosso interesse, então, é analisar a gestão do tópico discursivo em uma

reportagem externa e em uma entrevista na plateia com o intuito de não apenas analisar

quais são os tópicos desenvolvidos, mas como eles se organizam linear e

hierarquicamente.

A partir da realização da transcrição, percebemos também que os tópicos

desenvolvidos são muito diferentes de outros programas de auditório, como confirma

esse texto publicado no site4 do programa:

Os principais elementos do hip-hop estão na nossa linha de frente. Rap, dança de rua, b-boys, DJ, grafiteiro e MC juntam-se a outras manifestações da cultura popular. As reportagens mergulham nos assuntos que povoam esse cotidiano. Falamos tanto do boombox, quanto do bumba (ou seja, tanto do equipamento de som, quanto do transporte coletivo); mostramos aulas de DJ e DJ tomando aula (nas batalhas). As batalhas aqui podem ser a procura pelo trabalho ou o desafio na rinha de MCs. O jovem de periferia encontra no Manos e Minas o seu universo com tudo que tem de bom, sem fechar os olhos para as dificuldades. Tudo sem preconceito. (http://www.tvcultura.com.br/manoseminas/, grifos nossos)

Além da observação da exclusividade dos tópicos discursivos desenvolvidos no

programa, outro fato que nos chamou a atenção foi a instauração de tópicos discursivos

por parte dos entrevistados que nem sempre vão ao encontro do tópico instaurado pelo

apresentador/repórter em suas perguntas. Além disso, o programa se caracteriza por

retomar, no contexto das entrevistas do auditório, pelo menos um dos tópicos

discursivos presentes na reportagem anteriormente exibida. Esse tópico se transforma,

então, segundo Granato (2011), em um mote para uma breve interação entre o

apresentador e um ou dois integrantes da plateia.

Segundo Granato (2011), essas retomadas constituem “uma estratégia cujo

objetivo é o de tanto produzir uma expansão do tópico em questão como também

propiciar a exposição dos pontos de vista dos sujeitos sobre as realidades retratadas e/ou

sobre os relatos de suas próprias experiências”, o que aproxima essas entrevistas de

4 O site do programa é: http://www.tvcultura.com.br/manoseminas. Acesso em 01 de julho de 2011.

11

entrevistas sociolinguísticas, como será melhor exposto no item 2.1.2, no próximo

capítulo.

Por se tratarem de contextos e participantes diferentes, a retomada de tópico

não constitui uma inserção (cf. JUBRAN et al., 2002). Nossa hipótese é a de que, como

afirma Granato (2011), a manutenção do tópico em outra(s) interação(ões) constitui um

movimento de tópico que, segundo Jubran et. al (2002, p. 351), ocorre quando, na

conversação, os interlocutores realizam o ‘deslizamento’ de um aspecto de um tópico

para outro “a fim de ocasionar um conjunto diferente de mencionáveis (referentes,

entidades)” (MAYNARD, 1980 apud JUBRAN et. al., 2002, p. 351). Segundo os

autores, tal movimento de tópico pode ser feito por meio dos seguintes processos: (i)

uso de formulações alternativas de um objeto para construir linhas diferentes de falas

tópicas5; (ii) falar sobre entidades que podem ser chamadas de membros de mesma

classe; (iii) expansão de um elemento que, no tópico em desenvolvimento, fora

rapidamente referido ou figurava como marginal no conhecimento de mundo dos

interlocutores; (iv) dar exemplos; (v) fazer sínteses; (vi) fazer análises; (vii) fazer

comparações, entre outros processos.

Como nas entrevistas na plateia é comum que o apresentador pergunte a

opinião dos entrevistados sobre os tópicos desenvolvidos na reportagem, acreditamos

que dar exemplos e comentar serão as atividades de textualização mais recorrentes

nessas entrevistas.

1.2 O Programa “Manos e Minas”

O programa “Manos e Minas” estreou na TV Cultura no dia 7 de maio de 2008,

tendo como apresentador um dos principais nomes do hip-hop paulistano: Rappin’

Hood. Gravado no Auditório Franco Zampari, em São Paulo, e apresentado em três ou

quatro blocos. “Manos e Minas”, apesar de ser um programa de auditório, gênero já

consolidado na TV Brasileira, diferencia-se dos demais por ter um objetivo que faz com

que ele não esteja no status quo dos programas televisivos brasileiros, como Granato

(2011) nos revela em sua dissertação.

5 Um exemplo desse processo seriam segmentos tópicos que abordam o mesmo referente de pontos de vista diferentes.

12

Segundo a pesquisadora, o programa “Manos e Minas” tem uma estrutura

muito semelhante à de um programa de auditório, de acordo com a definição de Aronchi

de Souza (2004 apud GRANATO, 2011), pois traz:

um apresentador reconhecido pela audiência à qual se destina;

o espaço necessário para a produção: palco e plateia, “possibilitando, assim,

a interação do apresentador com o público, que participa da produção tanto

na plateia quanto no palco, ocupado a maior parte do tempo pelo

apresentador, daí a razão de o palco ser o elemento cenográfico

fundamental” (ARONCHI DE SOUZA apud GRANATO, 2011, p. 36);

o público que “é cuidadosamente controlado e determinante do sucesso -

por “mostrar alegria, animação, interesse, podendo cantar, dançar e dar

opinião; sempre instigada pelo apresentador” (ARONCHI DE SOUZA apud

GRANATO, 2011, p. 36) e além de ser a forma que permite estar mais

próxima da realidade de produção televisiva, a plateia pode ainda dialogar

com o apresentador quando da apresentação de quadros internos ao

auditório (GRANATO, p. 35);

apresentação de música, dança e outras produções artísticas e

sucessão de quadros que, por sua vez, faz do programa de auditório um

gênero “que comporta outros formatos: reportagens, debates, videoclipes e

encenações, responsáveis também pela manutenção do ritmo da produção;

fenômeno esse denominado por Kress (2003) como hibridização”

(GRANATO, 2011, p. 36)

Porém, o programa é inovador por estar ancorado nos elementos do hip-hop e

por ter objetivos diferentes dos programas de auditório presentes na TV brasileira.

Sendo assim, o programa, como observa Granato (2011), não pode ser descrito a partir

somente de uma teoria verbal, visto que nele se ressalta, visualmente e sonoramente

desde a vinheta até o cenário, o fundo musical e outros recursos semióticos tais como os

quadros externos quinzenais, a preocupação em ser coerente com o objetivo de mostrar

a periferia e a sua cultura a partir do ponto de vista dos próprios sujeitos que constituem

a periferia, como afirma Rappin’ Hood em uma notícia em áudio publicada no site

Radar Cultura:

13

E é muito bom trazer esse público, essa cultura pra tevê. É uma responsabilidade, né? Ser representante do povo na tevê, poder trazer essa cultura, poder tratar o povo da periferia e fazê-los se verem representados na tevê. É uma oportunidade única, assim, que eu só tenho que agradecer.6 (http://www.radarcultura.com.br/node/15856, grifos nossos)

Segundo Granato (2011), a estrutura do programa “Manos e Minas” se

constitui por quatro elementos ligados à cultura hip-hop, a saber: (i) o DJ e (ii) o MC,

responsável pelo desenvolvimento do rap; (iii) os dançarinos de break, dança que se

origina do rap, e (iv) o grafiteiro7, outra manifestação artística que faz parte do

movimento hip-hop.

O DJ, apresentado no primeiro bloco, é responsável pela trilha sonora do

programa: no início e no fim dos blocos quando o apresentador canta trechos de música

e no decorrer dos blocos quando da interação com a plateia por meio de improvisações.

O primeiro DJ do programa foi DJ Primo (in memorian) e desde setembro de 2009 é

Erick Jay, tricampeão do Hip-Hop DJ e atual campeão do DMC Brasil 2010.

Imagem 1: DJ Primo (In memorian), DJ residente do programa até setembro de 2009.

Em relação ao apresentador do programa (MC), é interessante notar que todos

aqueles que desempenharam essa função ao longo da trajetória do programa (Rappin’ 6 Essa citação se encontra na tese de Granato (2011) e se refere à reportagem em áudio publicada originalmente no site www.radarcultura.com.br, cujo link é http://www.radarcultura.com.br/node/15856, com o escopo de apresentar a nova programação da TV Cultura em vigor a partir do dia 5 de maio de 2008. 7 Sobre o grafite, sua história e inserção no movimento hip-hop, ver Munhoz (2003).

14

Hood, Thaíde, Max B.O e Anelis Assumpção) são originalmente rappers e, portanto,

são representantes legítimos da cultura hip-hop no país e sujeitos bastante reconhecidos

nas comunidades de periferia, além de compartilharem da vivência na periferia e da

participação em projetos sociais. Por terem vivenciado a realidade da periferia e por

serem protagonistas de movimento social, os apresentadores representam o ponto de

vista dos moradores da periferia, caracterizando, assim, mais um traço inovador do

programa, como constatou Granato (2011).

Apresentamos aqui a trajetória do apresentador do programa analisado nessa

pesquisa, a saber: Rappin’ Hood8. Nascido na periferia de São Paulo e com um

codinome inspirado no lendário Robin Hood, Rappin’ Hood estreou no “Manos e

Minas” como apresentador de programa televisivo. Em pesquisa sobre a biografia do

rapper, Granato (2011) encontrou as seguintes informações:

Cantou nos anos 80 com a equipe de bailes Chic Show, que também ajudou a lançar o grupo Racionais MC's. Formou no começo dos anos 90 o grupo Posse Mente Zulu, um dos mais importantes grupos de rap de São Paulo - que gravou seu primeiro registro em 1998. Em 2001, Rappin’ Hood lançou seu primeiro álbum solo, Sujeito Homem, misturando gêneros como samba e reggae ao rap tradicional. (GRANATO, 2011, p. 75)9

8Apresentamos apenas a biografia do primeiro apresentador do programa “Manos e Minas”, Rappin’Hood, visto que o programa analisado nessa pesquisa data de 16/08/2008, quando o rapper ainda era apresentador. 9Granato (2011) encontrou essa breve biografia de Rappin’ Hood no site http://www.cliquemusic.com.br/artistas/rappin--hood.asp. Acesso em 1º de julho de 2011.

15

Imagem 2: Rappin’ Hood na apresentação do “Manos e Minas” de 16/07/2008

Após quase um ano à frente do programa, Rappin’ Hood o deixou, alegando

problemas com a produção do mesmo, conforme depoimento dado ao jornalista Fábio

Rogério, do Portal Rap Nacional10.

Além das apresentações de break durante o programa11, principalmente no

início e no fim dos blocos, o programa também já fez concursos de break entre grupos

de diversas comunidades brasileiras. No programa analisado, porém, os dançarinos não

aparecem. A nosso ver, isso ocorre em virtude de o convidado musical não ser um

cantor de rap, mas de um estilo pop-romântico.

10Notícia disponível em: http://ferrez.blogspot.com/2009/03/rappin-hood-se-desliga-do-manos-e-minas.html, acesso em 01/07/2011. 11 O programa possui dançarinos fixos: os b-boys são Kokada e Catatatu e as b-girls são Sil e Ana P.

16

Imagem 3: Apresentação de break no programa de 07/05/2008. Fonte: Granato (2011)

O grafiteiro fica durante o programa produzindo uma tela. No início do

programa, ele é apresentado e geralmente no último bloco, o grafiteiro mostra sua tela e

participa da entrevista na qual responde sobre os significados do quadro, bem como

sobre as influências e motivações para a temática escolhida, entre outros assuntos.

Imagem 4: Grafiteira Ana Clara no programa de 16/07/2008

Além desses participantes, há também músicos ou grupos musicais que se

apresentam no programa e que são de estilos diversos, mas sempre ligados à cultura

negra ou popular brasileira. Após ou anteriormente à apresentação musical, o

17

apresentador sempre requisita ao artista que relate um pouco da trajetória profissional

do grupo ou, quando termina um quadro, pede para que os integrantes do grupo

comentem sobre os temas discutidos na reportagem. Além dos grupos musicais

convidados, a partir de novembro de 2010, o programa passou a contar com uma banda

fixa: Projeto Nave, que, apesar de não ter um estilo único, é ligada à cultura hip-hop,

como informa o site da banda12.

Imagem 5: Walmir Borges e banda no programa de 16/07/2008

Além do apresentador (MC), DJ, dançarinos de break, grafiteiros e grupos

musicais relacionados à música popular brasileira ou internacional (rap, funk, samba,

reggae, dentre outros), compõe ainda o programa uma plateia formada em sua maioria

por adolescentes, jovens e adultos voluntários de ONG’s, escolas estaduais e

municipais, representantes e integrantes de projetos sociais e/ou educativos,

representantes de comunidades de periferia e representantes de grupos de rap e de

break.

12 http://www.projetonave.com/2011/02/15/manos-e-minas-2/, acessado em 1º de julho de 2011.

18

Imagem 6: O palco e a plateia no programa de 16/07/2008

Além desses elementos que compõem o enquadre13 de programa de auditório

ligado à cultura hip-hop, ainda há no programa reportagens externas e quadros de

periodicidade fixa que versam sobre temas de interesse do público do programa, como

revelou o levantamento dos tópicos discursivos recorrentes em algumas amostras feito

por Granato (2011).

Em relação aos quadros fixos, apresentamos aqui os antigos e os novos. Em

relação aos primeiros, que já não estão mais no ar, há o quadro “Interferência”14,

gravado sempre na “Barraca do Saldanha”, no Capão Redondo, favela da Zona Sul de

São Paulo, no qual o escritor Ferréz entrevistava cantores, cineastas, poetas cujo

engajamento social e político envolve também a periferia. Havia também o quadro

“Buzão: circular periférico”15, apresentado quinzenalmente pelo escritor Alessandro

13 Estamos considerando o enquadre nesta pesquisa da perspectiva de Tannen e Wallat (1987) que se baseia por sua vez em Frame Analysis, de Goffman. Segundo as autoras, a noção de enquadre se refere ao que está acontecendo em uma interação sem a qual nenhuma elocução pode ser interpretada, em outras palavras, refere-se “à percepção de qual atividade está sendo encenada, de qual sentido os falantes dão ao que dizem” (ibid., p. 124). 14 O quadro ficou no ar desde a estreia do programa até março de 2010, quando Ferrez anunciou sua saída. 15 Em novembro de 2010, depois da reestruturação do programa “Manos e Minas”, esse quadro, antes produzido pela DGT Filmes, passa a ser produzido pela própria emissora. Com um novo nome, “Suburbano Convicto”, o quadro continua a ser apresentado por Alessandro Buzo que, como antes, visita as periferias brasileiras e faz entrevistas com os seus moradores.

19

Buzo, também protagonista de movimento social, que visitava, em cada episódio, um

bairro da periferia de cidades do estado de São Paulo e do Rio de Janeiro, apresentando

e promovendo as atividades socioculturais do lugar. Além da conversa inicial com o

representante da comunidade que será o “anfitrião”, durante a visita, Buzo conversa

com os moradores e em cada espaço visitado, “são feitas entrevistas com os

participantes das práticas a fim de que sejam conhecidas tais práticas, bem como sua

história, objetivos, alcances e participantes, por meio dos relatos e da filmagem”.

(GRANATO, 2011, p. 100). Esse quadro também confirma a inovação do programa e

corrobora com os seus objetivos, à medida que é construído “um retrato da periferia

pelos próprios sujeitos, já que esses além de entrevistados são também responsáveis

pela apresentação dos espaços visitados” (GRANATO, 2011, p. 233).

Quando da reestreia do programa, outro quadro passou a ser fixo na

programação. “A rua é nóis”, homônimo do rap de Emicida, passou a ser exibido pelo

rapper e apresentador que já fez entrevistas com grandes cantores da música popular

brasileira, como Jair Rodrigues, Di Melo, Kiko Dinucci, Leci Brandão e também com

artistas ligados à cultura hip-hop, como DJ Nato, Flora Matos, Grupo Inquérito, entre

outros.

Em relação às reportagens variadas, Granato (2011) assim as resume:

Ora dirigidas pelo apresentador do programa, por uma repórter (Cristiane Gomes, Ermicida, Juju Dendém e Rodney Suguita) ou por um dos próprios moradores dos espaços visitados, as reportagens estruturam-se a partir das diferentes tipologias textuais: relatar, narrar, expor, argumentar e descrever ações (DOLZ & SCHENEUWLY, 2004). (GRANATO, 2011, p. 102)

Ainda segundo a pesquisadora, no que se refere aos tópicos das reportagens,

“esses são relacionados ao cotidiano ou a práticas culturais da periferia, datas

comemorativas nacionais, concursos, projetos sociais, elementos do hip-hop,

exposições, shows, saúde, carreira musical, empregabilidade, acessibilidade, práticas de

leitura e/ou escrita, entre outros”. Dessa forma, Granato (2011) observa que as temáticas

do programa “Manos e Minas”:

(...) não se relacionam especifica e/ou exclusivamente ao entretenimento, tal como assinalam Tinhorão (1981) e Aronchi de Souza (2004) sobre esse gênero, mas: (i) às práticas sociais,

20

culturais, educacionais de periferia; (ii) às dificuldades várias dos sujeitos da periferia; (iii) aos preconceitos sociais e raciais vivenciados pelos sujeitos da periferia e (iv) ao universo do hip-hop, com vistas à valorização e à legitimação dessas práticas de periferia na televisão e (v) à crítica à condição de exclusão social de muitos sujeitos de periferia, à falta de emprego e de educação de qualidade, à falta de investimentos governamentais na periferia. (GRANATO, 2011, p. 223)

Granato (2011), então, conclui, através da descrição dos elementos

composicionais do programa, que há uma corroboração por parte destes para os

objetivos do programa de trazer “a voz da periferia’ à mídia televisiva” e “valorizar e

possibilitar o conhecimento sobre essa realidade do ponto de vista dos próprios sujeitos

que participam e promovem práticas sociais, culturais, literárias e musicais”

(GRANATO, 2011, p. 72), ou seja, os objetivos do programa são reforçados pela gestão

dos tópicos discursivos, pelos elementos semióticos e pela escolha dos apresentadores e

de todos os atores sociais que participam do programa, pois, como moradores da

periferia e/ou protagonistas de movimento social, compartilham das práticas

socioculturais do espaço em foco: a periferia.

Evidencia-se, assim, o papel do programa de trazer “a voz da periferia” à mídia televisiva, o papel de divulgar, valorizar e possibilitar o conhecimento sobre essa realidade do ponto de vista dos próprios sujeitos que participam e promovem práticas sociais, culturais, literárias e musicais vinculadas tanto às comunidades da periferia quanto ao universo do movimento hip-hop. Aliás, o programa também explicita, principalmente pelas afirmações do apresentador do programa e/ou dos quadros, um objetivo de comprovar que essas práticas na periferia – de que trata o programa - não são eventos periódicos, mas fazem parte da habitualidade, do cotidiano dessa comunidade, por isso são constituídas práticas, de fato. (GRANAT0, 2011, p. 71)

Granato (2011) entende a noção de prática empreendida na Etnometodologia

pelo sociólogo Albert Ogien, que “analisa e reflete as decisões práticas no seu contexto

e, portanto, em função dos detalhes imediatos que as produzem”. Para o autor, “prática

trata da regularidade das ações dos indivíduos” (OGIEN, 2001 apud GRANATO,

2011).

Em relação à história do hip-hop e às práticas do grupo, Herschmann (2005),

pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escreveu o livro O funk

21

e o hip-hop invadem a cena no qual relata que o hip-hop "nacional" surgiu no Brasil nos

meados da década de 80 “nos salões que animavam a noite paulistana no circuito negro

e popular dos barros periféricos”, mobilizando inicialmente a juventude negra e

trabalhadora da cidade de São Paulo: "Um de seus introdutores foi o rapper Nelson que,

ainda nos anos 1980, trouxe o ritmo para a praça da Sé, na capital paulista”

(HERSCHMANN, 2005, p. 25). Para o pesquisador, os “arrastões” de 1992 e 1993 são

um marco para o funk e o hip-hop, pois, segundo ele, foi a partir desse momento, em

função da grande veiculação na mídia, que os dois movimentos adquiriram uma nova

dimensão por se ter colocado em discussão “o lugar do pobre no debate político e

intelectual do País” (HERSCHMANN, 2005). Desde o começo, então, a imagem desses

grupos sociais aparece na mídia associada às gangues e às organizações criminosas

(reação de agressividade), porém, segundo o autor:

(...) constata-se também um grande interesse por sua produção cultural. Apesar do constante processo de estigmatização, sua imagem exerce enorme fascínio sobre um grande número de jovens que parecem ter encontrado nesses grupos sociais, na sociabilidade e nos estilos que promovem formas fundamentais de expressão e comunicação. (HERSCHMANN, 2005, p. 20)

Segundo o autor, então, os arrastões não são o marco introdutório do funk e do

hip-hop no cenário nacional, mas:

(...) aceleraram um processo de popularização, arremessando esses jovens no centro do cenário midiático, fazendo com que ocupassem, de início, as seções policiais dos noticiários dos grandes veículos de comunicação e, depois, também seus respectivos cadernos culturais. (HERSCHMANN, 2005, p. 29).

Acredito que o autor conseguiu investigar e encontrar a causa para a

“midiatização” da população da periferia, porém, parece ainda estarmos distantes de

encontrar a cultura produzida por essa população em cadernos culturais ou na mídia

televisiva. O Programa “Manos e Minas” parece, como já foi afirmado anteriormente,

pioneiro em termos dos objetivos da trazer à mídia as práticas relativas ao hip-hop e as

práticas culturais da periferia sob o ponto de vista dos seus moradores.

Ainda em relação ao hip-hop, Herschamnn (2005) afirma que “as

representações promovidas pelos rappers sugerem um Brasil hierarquizado e

autoritário” e “revelam assim, os conflitos diários enfrentados pelas camadas menos

22

prestigiadas” (HERSCHMANN, 2005, p. 30), ou seja, o pesquisador afirma que o

movimento hip-hop tem um importante papel como discurso político que, de certa

forma, revitalizou “parte das reinvindicações do movimento negro” (HERSCHMANN,

2005, p. 27). Podemos observar que no Programa “Manos e Minas”, além da

representação das práticas da cultura hip-hop, também há críticas acerca dos problemas

vivenciados pelos moradores da periferia, como desemprego, enchentes, gravidez na

adolescência, violência nas escolas, crescimento do consumo de crack, entre outros16, o

que revela que o programa compartilha dos objetivos do movimento hip-hop, como

também observa Granato (2011):

(...) o hip-hop chegou ao país na década de 80, sendo hoje destaque entre os jovens não só pela manifestação artística, mas também pela construção de uma consciência crítica e social entre os participantes do movimento também conhecido por “cultura de rua”, cujos temas principais são “a reconstrução da identidade negra e a experiência juvenil na periferia” (SILVA, 1999, p. 28). No programa Manos e Minas, é claro o compartilhamento desses mesmos objetivos por meio das críticas acerca dos problemas vivenciados pelos sujeitos de periferia no país. (GRANATO, 2011, p. 73)

A análise da gestão do tópico discursivo possibilita, então, observarmos o

alinhamento do programa quanto aos seus objetivos de valorizar e mostrar a cultura hip-

hop, ou seja, nossa análise possibilitará entendermos melhor os objetivos do programa e

confirmar

1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo Geral

Fazer um levantamento e produzir análises sobre a gestão do tópico nas

interações entre apresentador e entrevistado na plateia e nas reportagens externas

do programa de auditório “Manos e Minas” veiculado pela TV Cultura do

Estado de São Paulo.

16 Esses tópicos referentes à realidade da periferia brasileira foram retirados do quadro 22 da dissertação de Granato (2011), intitulado: “Tópicos referentes à realidade social brasileira e/ou de periferia”, que foram elencados a partir das reportagens das amostras dos programas analisadas pela pesquisadora.

23

1.3.2 Objetivos Específicos

Analisar a organização tópica no nível hierárquico e linear em uma interação

entre apresentador e entrevistado na plateia do programa de auditório “Manos e

Minas”.

Analisar a organização tópica no nível hierárquico e linear em uma entrevista

com moradores da periferia em reportagens externas do programa de auditório

“Manos e Minas”.

24

Capítulo 2: Projetando a Pesquisa 2.1 Pressupostos teórico-analíticos 2.1.1 Estudos sobre o Tópico Discursivo

Quanto ao conceito de tópico, utilizaremos o proposto por Jubran et al. (2002)

e Jubran (2006). A noção de tópico proposta pelos autores é uma revisão da noção que o

Grupo de Organização Textual-Interativa do Projeto de Gramática do Português Falado

(PGPF) propôs a esta unidade discursiva em Koch (1990 apud JUBRAN, 2006).

Inicialmente, o conceito centrava-se na noção de “tema” ou “aboutness”: “fragmentos

textuais, de extensões variadas, recobrindo determinado assunto (tema), em pauta no

segmento recortado para análise” (KOCH et al., 1990 apud JUBRAN et al., 2002, p.

343) e apresentava caráter vago e amplo, o que dificultava, então, sua

operacionalização.

Jubran et al. (2002) e Jubran (2006), a partir de uma perspectiva discursiva,

promoveram um estudo da organização tópica de um discurso de natureza oral-

dialogada a fim de melhor definir a unidade de análise de estatuto discursivo, o tópico:

Tomado no sentido geral de “acerca de”, o tópico manifesta-se, na conversação, mediante enunciados formulados a respeito de um conjunto de referentes explícitos ou inferíveis, concernentes entre si e em relevância num determinado ponto da mensagem. (JUBRAN et al., 2002, p. 344) (grifos nossos)

Jubran et al. (2002) propõem, então, uma análise que vai além do turno, pois

percebem que, em uma conversação, a relação de interdependência entre os turnos

“pode ser movida pela preocupação dos falantes em se entrosarem, procurando manter a

conversação em torno de um conjunto de referentes comuns (...) Nesse caso são

observáveis segmentos discursivos articulados em torno de um tópico proeminente”

(JUBRAN et al., 2002, p. 342); ou seja, como a interação verbal é envolvida por atos

colaborativos em vista da construção do texto, o turno é produzido por referência ao

anterior.

O novo conceito, apesar das críticas que ainda persistem em virtude de não

estar necessariamente materializado no texto, por ser interativo e discursivamente

produzido, apresenta uma nova forma de identificação que permite um menor grau de

25

subjetividade e melhor operacionalização. Segundo Pinheiro (2006) “os traços de

concernência e relevância que precisam a centração, uma das características do tópico,

segundo Jubran et al. (1992), se apresentam como um critério a partir do qual o tópico

pode ser identificado e depreendido” (PINHEIRO, 2006, p. 44), o que permite assim

mais segurança e objetividade na delimitação da categoria.

A centração, uma das propriedades definidoras de tópico, abrange, além dos

traços de concernência (“relação de interdependência entre elementos textuais, firmada

nos mecanismos coesivos de sequenciação e referenciação”) e relevância

(“proeminência de elementos textuais na constituição desse conjunto referencial”), o

traço de pontualização, que se caracteriza pela “localização desse conjunto em

determinado ponto do texto”.

Os estudos mais recentes demonstram que o tópico não é mais visto apenas

como uma noção de conteúdo como os estudos anteriores, visto que “aquilo de que se

fala” não pode ser desvinculado do “como se fala” (MAYNARD, 1980 apud JUBRAN

et al., 2002). Podemos afirmar que o conceito de tópico do Grupo de Organização

Textual Interativa do Projeto de Gramática do Português Falado (PGPF) contribui para

o pressuposto de Maynard, visto que os elementos coesivos de referenciação e

sequenciação nos dão pistas para a delimitação do tópico (traço de concernência) e a

escolha desses elementos produz sentidos.

Partindo do postulado de tópico não só como conteúdo, nossa pesquisa buscará

ampliar os estudos de Granato (2011) que, por ter o interesse na estrutura composicional

do programa, voltou-se predominantemente para o levantamento dos tópicos e menos

para a questão da organicidade, que, segundo Jubran et al. (2002), é outra propriedade

do tópico.

Ainda segundo Jubran et al. (2002) e Jubran (2006), esta propriedade diz

respeito às relações de interdependência tópica, que podem se estabelecer em dois

níveis: o hierárquico e o linear/sequencial. Os autores esclarecem que o primeiro se

refere ao plano vertical, em que os tópicos podem ser descritos hierarquicamente

“conforme as dependências de superordenação e subordinação entre tópicos que se

implicam pelo grau de abrangência do assunto” e o segundo se refere ao plano

horizontal “de acordo com as articulações intertópicas em termo de adjacências ou

interposições na linha discursiva” (JUBRAN et al., 2002, p. 345).

26

A partir dessa categoria, Jubran et al. (2002) conseguem identificar e delimitar

os segmentos tópicos, ou seja, “unidades discursivas que atualizam as propriedades de

tópico” (JUBRAN et al., 2002, p. 345); observar como esses segmentos se distribuem

linearmente e se inter-relacionam hierarquicamente no texto e caracterizar

estruturalmente os segmentos, ou seja, descrever a estrutura intratópica que pode vir

evidenciada por marcas linguísticas na sua abertura, meio ou saída que ajudam a

delimitá-los.

Em relação à hierarquização, Jubran et al. (2002) afirmam que é possível

observar e identificar as relações de interdependência entre os tópicos de acordo com a

sua abrangência. Nas palavras dos autores:

Há como que camadas de organização, indo desde um tópico suficientemente amplo para não ser recoberto por outro superordenado, passando por tópicos sucessivamente particularizados, até se alcançarem constituintes tópicos mínimos-definíveis pelo maior grau de particularização do assunto em relevância. (JUBRAN et al., 2002, p. 346)

A partir dessa constatação, os autores propuseram a análise com base em

Quadros Tópicos (QT) ― noção abstrata e relacional cujo estatuto concreto é

determinado pelo nível de hierarquia selecionado pelo analista (JUBRAN et al., 2002)

― caracterizados por duas condições necessárias (a e b) e uma possível (c):

a) centração num tópico mais abrangente (Supertópico – ST);

b) divisão interna em tópicos co-constituintes (Subtópicos – SbT);

c) subdivisões sucessivas no interior de cada tópico co-constituinte de forma que um

tópico pode vir a ser ao mesmo tempo ST e SbT.

Rezende (2006) apresenta em seu texto uma importante questão teórico-

metodológica nos estudos do Projeto da Gramática do Português Falado (PGPF) sobre a

noção de Quadro Tópico (QT) que achamos necessário trazer em nossa pesquisa, visto

que nos baseamos em uma das perspectivas apresentadas pelo autor: a de Jubran et al.

([1992] 2002).

O sub-grupo de pesquisa “Organização textual-interativa” no qual se inserem

os trabalhos de Jubran et al. (2002), Koch (1992 apud REZENDE, 2006) e Fávero

(1993 apud REZENDE, 2006) cujas perspectivas se diferenciam em relação à

concepção e aplicação em análises do conceito de QT se destaca pelo pioneirismo no

Brasil na definição de uma categoria de estatuto discursivo para análise de textos orais.

27

Essas pesquisas ultrapassaram a análise em nível frasal para a proposição de análises de

uma unidade discursiva, o tópico, que considera “fatores pragmático-contextuais

inerentes às práticas comunicativas em geral” e que possui critérios sólidos de

identificação e delimitação (REZENDE, 2006, p. 72), como discute também Pinheiro

(2006). Então, para a delimitação do tópico, como já discutimos, o analista deve atentar

tanto ao “sobre o que se fala” (concernência), “quanto a fatores linguísticos e

pragmáticos contextuais que também atuam em sua estruturação interna e sua

ocorrência no discurso” (REZENDE, 2006, p. 72).

A natureza hierárquica e linear provém do fato de que “quando

falamos/escrevemos, fazemo-lo dispondo nosso discurso numa organização temático-

estrutural de camadas tópicas, em que as mais abrangentes contém outras, mais

específicas e particularizadas” (REZENDE, 2006, p. 72). De um lado, portanto, o tópico

manifesta-se hierarquicamente em níveis mais ou menos particularizados (organização

hierárquica) e, por outro, alcança um nível de concretude (segmentos tópicos) que torna

possível a observação do comportamento linear do discurso. Para Jubran et al. (2002

apud REZENDE, 2006), são as relações entre os níveis hierárquicos que dão origem a

Quadros Tópicos, de modo que há centração em um tópico mais abrangente

(supertópico) que recobre tópicos co-constituintes (subtópicos) que, por sua vez, podem

ser subdivididos de forma que sejam supertópicos de outros subtópicos. Então, cada

quadro tópico possui um supertópico e os subtópicos co-constituintes. De modo que

fazer a análise do QT é olhar a hierarquia da organização tópica, como mostra o gráfico

de Jubran et al. (2002):

28

Gráfico 1: Esquema de Organização Hierárquica (Jubran et al., 2002)

Como se observa no gráfico, o quadro tópico A é formado pelo supertópico T1

e os subtópicos subordinados a ele: T2.1 e T2.2. Este, por sua vez, funciona como

supertópico no quadro tópico B ao qual se ligam os subtópicos T3.1 e T3.2 e assim por

diante. Nessa perspectiva de Jubran et al. (2002), o QT é caracterizado em termos

relacionais, ou seja, “é um procedimento metodológico de que se vale o analista para

indicar quais são os tópicos subordinadores e quais os subordinados” em cada nível da

hierarquia. Portanto, “não se propõe, neste modelo, caracterizar o QT como um patamar

da organização hierárquica, mas como locus analítico que circunscreve tópicos de níveis

diferentes, porém próximos” (REZENDE, 2006, p. 73).

Ao contrário de Jubran et al. (2002), Koch (1992 apud REZENDE, 2006)

considera o QT um dos níveis da organização hierárquica: “[se denomina] aos

fragmentos de nível mais baixo de segmentos tópicos; um conjunto de segmentos

tópicos formará um subtópico; diversos subtópicos construirão um quadro tópico;

havendo ainda um tópico superior que englobe vários tópicos, ter-se-á um supertópico”,

como se observa no gráfico:

29

1 a 14 = segmentos tópicos A-B=quadros tópicos

a-b-c-d = subtópicos Σ = supertópicos

Gráfico 2: Esquema Organização Hierárquica (Koch, 1992 apud REZENDE, 2006)

Tanto o modelo de Jubran et al. (2002) como o de Koch (1992 apud

REZENDE, 2006) apresentam o tópico em níveis mais ou menos abrangentes, prevendo

uma organização em camadas de forma que estas são formadas de acordo com a

abrangência do assunto em foco. A diferença consiste, como já dissemos, no fato de

que, para Koch (1992 apud REZENDE, 2006), QT é definido como um nível de

organização intermediária entre o tópico global do texto (supertópico) e outro nível mais

específico da organização (subtópicos); e para Jubran et al. (2002), o QT é estritamente

relacional.

Em Fávero (1993 apud REZENDE, 2006), a exemplo de Koch (1992 apud

REZENDE, 2006), há um nível intermediário entre o subtópico e o supertópico: o

tópico. Porém, diferentemente das autoras anteriores, quadro tópico é o panorama

hierárquico geral, ou seja, a disposição de todos os níveis tópicos se denomina quadro

tópico, como podemos observar no gráfico:

Σ

A B

a b c d

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

30

Quadro Tópico

Gráfico 3: Esquema da Organização Hierárquica (Fávero, 1993 apud Rezende, 2006)

Rezende (2006) adota a perspectiva de Koch (1992), acreditando que o QT é

um importante nível de organização textual. Cabe a nós analistas, como propõe Rezende

(2006), questionar se, do ponto de vista analítico, há consequências entre as diferentes

concepções. Adotamos aqui a perspectiva de Jubran et al. (2002) para a qual o QT é um

importante locus analítico da organização hierárquica, pois nosso interesse é justamente

analisar os tópicos subordinadores e subordinados e essa perspectiva se adequa, então, a

nosso ver, aos propósitos analíticos de nossa pesquisa.

Em relação à distribuição linear do tópico, Jubran et al. (2002) caracterizam

dois fenômenos básicos: a continuidade e a descontinuidade. A primeira se refere à

abertura do tópico subsequente com o esgotamento do anterior e a segunda à

perturbação da sequência linear seja pela suspensão de um tópico que ainda não se

esgotou ou pela divisão desse tópico que será retomado posteriormente. Segundo Jubran

et al. (2002), apesar da possibilidade de descontinuidade com a inserção de tópicos

constitutivos de um quadro tópico entre tópicos de outro quadro tópico, nos níveis

hierárquicos mais elevados, há uma tendência ao restabelecimento da linearidade.

Assim, quando há dois supertópicos na conversação, um só é iniciado quando o outro se

esgota, confirmando, segundo os autores, a estruturação, coesão e coerência do

fenômeno conversação.

Segundo Jubran et al. (2002), há três formas de ocorrência da mudança de

tópico: introdução de um tópico após o esgotamento do anterior, caracterizando assim

continuidade; passagem gradativa de um foco de relevância para outro, graças ao tópico

ST

T T

SbT SbT SbT SbT

31

de transição que não é o tópico anterior e nem o seguinte, mas algo que os liga; e

introdução de um tópico por abandono do anterior que não foi esgotado, caracterizando

assim a descontinuidade.

As marcas que podem delimitar os segmentos tópicos, apesar de facultativas e

multifuncionais (podem aparecer em situações textuais outras), são um critério auxiliar

na segmentação. Essas marcas podem ser prosódicas (entonação, por exemplo);

morfossintáticas (topicalização- quando um dos referentes passa a ser centralizado e

torna-se novo assunto de relevância ou deslocamento à esquerda- topicalização com um

pronome co-referencial presente); léxico-semânticas (paráfrases, repetições seja para

concluir tópicos ou concluir para introduzir novos tópicos, frases feitas, ditados

populares e enunciados conclusivos); marcadores discursivos; atos ilocutórios; silêncio

e pausas; hesitações etc.

Além de marcas linguísticas, é interessante observar que outros recursos

também auxiliam na delimitação do tópico. Granato (2011), com base em vários

estudos17, confirma o pressuposto, em sua descrição e análise do programa “Manos e

Minas” de que, assim como a maioria dos programas televisivos, os textos dos

programas televisivos são de natureza multimodal e de que a referenciação não é

construída apenas por meio das estratégias de retomada, remissão ou encapsulamento de

nomes próprios, pronomes ou expressões nominais, mas a partir de recursos próprios de

cada um dos modos semióticos articulados para sua elaboração. No caso do programa

“Manos e Minas”, Granato (2011) observa a recorrência de remissões aos referentes dos

elementos do hip-hop, grafite, break, rap, DJ por meio também de práticas referenciais

de caráter multimodal. A delimitação dos tópicos por meio da “possibilidade localização

desse conjunto tido em dado momento como focal em determinado ponto do texto,

através de marcas linguístico-discursivas” (Koch, 2009, p. 97, grifos nossos), que

caracteriza o traço de pontualização, pode ser auxiliada ainda pelos recursos

multimodais utilizados em gêneros como o que analisamos nessa pesquisa, a

reportagem televisiva. Dessa forma, o corte de edição para a focalização da câmera em

imagens que reforçam o tópico mobilizado pelo interlocutor revela que a referenciação

não se limita a recursos de natureza verbal.

17 Koch (2008), Kress e Van Leeuwen (2001), Mondada (2005) e Bentes e Rio (2005).

32

2.1.2 Estudos sobre Entrevista Sociolinguística

Com a realização da transcrição dos programas, pudemos constatar que, ao

longo deles, havia muitas entrevistas tanto no auditório como nas reportagens externas

com sujeitos da periferia. Essas entrevistas apresentavam uma roteirização, também

característica das entrevistas referenciais. Porém, constatamos que, diferentemente

destas, as entrevistas com os sujeitos da periferia têm não apenas um objetivo

referencial, mas também e, principalmente, alguns objetivos de caráter sociolinguístico,

como o de fazer o outro falar da vida na comunidade, o que caracteriza assim uma

entrevista sociolinguística (SCHIFFRIN, 1994).

No entanto, as entrevistas referenciais, segundo a autora, diferenciam-se das

entrevistas sociolinguísticas porque esta última tem um objetivo não apenas referencial:

A informação que se quer obter em uma entrevista sociolinguística, por exemplo, é a informação que está relacionada com a teoria, prática e aplicação da sociolinguística, ex: informação sobre o padrão fonológico, gramatical ou discursivo, linguagem e atitudes sociais, e modos de vida na comunidade. (SCHIFFRIN, 1994, p. 161, tradução nossa, grifos nossos)

O objetivo geral do programa de “trazer “a voz da periferia à mídia televisiva”

tem, a nosso ver, grande impacto nos tópicos mobilizados no programa, como as

análises sobre as temáticas recorrentes no programa feitas por Granato (2011) nos

mostram: realidade da periferia do país; atividade cultural na periferia; projeto social

e/ou educacional e elementos do hip-hop: grafite; DJ e break dance (b. boys e/ou

b.girls).

Os objetivos sociolinguísticos das entrevistas do programa também corroboram

esse objetivo geral, explicitado pela notícia veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo

de 29 de abril de 200818, que revela também a diferença do Programa “Manos e Minas”

em relação aos outros programas televisivos:

(...)Na plateia do Manos e Minas, o clima é 'mil grau'. Vários manos, atitude, responsa, Zona Sul, Zona Norte, Zona Oeste, e, claro, 'Zona Leste somos nós'. A animação é total enquanto

18 Essa notícia foi retirada da tese de Granato (2011) e está disponível originalmente no site http://www.saopaulo.sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=94487&c=5. Acesso em 30 de junho de 2011.

33

Rappin‘ Hood conduz a galera, que samba ao som de Jorge Aragão (tem samba, sim, sinhô) e cala em solidariedade quando o assunto é a falta de trabalho na periferia. Na tela, um jovem rapper fala do drama de procurar emprego - enquanto distribui currículos, faz seu rap. Na plateia, depois de assistir ao vídeo, um ex-presidiário solta o verbo: 'Fui enquadrado no artigo 157. Cumpri minha pena. Tô livre e quero trabalhar. Mas quem vai dar emprego para um ex-presidiário?' Jorge Aragão quebra o silêncio solene: 'Quem quiser trabalhar comigo procure minha equipe. Tem vaga para ajudante geral na turnê que estou fazendo. Não é muito, mas é um começo.' Assim foi dada a largada de Manos e Minas, que estreia na TV Cultura no dia 7, às 19h30, e promete fazer jus ao bordão 'tá tudo dominado'. Mas, afinal, o que é Manos e Minas? Com exclusividade, fomos acompanhar a primeira gravação. Programa de auditório? Show? Jornalismo? É tudo ao mesmo tempo - e agora. É o primeiro programa da TV nacional que não é só pensado mas também produzido pelo morador da periferia. 'Não é show. A vybe aqui é diferente. Na TV, você troca energia com o público, mas nunca sabe como vai voltar. Está sendo ótimo. O pessoal troca ideia legal. É o espaço que faltava. Até hoje, quase sempre, quando falam de nós, é só na página policial', reflete Rappin‘ Hood. (...) (http://www.saopaulo.sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=94487&c=

5, grifos nossos)

Outro fator que aproxima essas interações de entrevistas sociolinguísticas é, a

nosso ver, o fato de buscarem resolver o problema da distribuição assimétrica da

informação, como afirma Schiffrin (1994):

As entrevistas sociolinguísticas têm alguns traços típicos de uma entrevista. Um importante traço é sua finalidade: desde que uma pessoa (um sociolinguista, S) procura obter uma informação específica do outro (o destinatário, D), a estrutura de atividades e expectativas para o comportamento gira, ao menos parcialmente, em torno do desejo de resolver a distribuição assimétrica de informação. (SCHIFFRIN, 1994, p. 160, tradução nossa)

A nosso ver, assim como afirmam a notícia do Jornal O Estado de São Paulo e

a fala de Rappin’ Hood sobre o programa, as interações que ocorrem no programa têm

como objetivo fazer o entrevistado falar da vida na comunidade e dar sua opinião sobre

temas que fazem parte do seu cotidiano, ou seja, é o próprio morador da periferia que

narra, descreve, relata, comenta, expõe sua opinião e argumenta. Além disso, essas

entrevistas contribuem para que se diminua a “assimétrica distribuição de informação”

34

(SCHIFFRIN, 1994), no caso, entre o público mais amplo a quem se destina o programa

“Manos e Minas” e os entrevistados pelo programa que, no caso, são moradores da

periferia e ligados ao movimento hip-hop.

Como afirmamos acima, a entrevista se constitui por relatos, narrativas,

descrições, argumentações, comentários e exposições. Isso significa, segundo Schiffrin

(1994), que as entrevistas sociolinguísticas podem ser consideradas eventos de fala

mistos ou híbridos. Dessa forma, podemos afirmar que a entrevista sociolinguística se

constitui por diversos enquadres19 decorrentes da alteração do tipo de atividade a ser

desempenhada pelos sujeitos e da mudança de tópico proposta pelo entrevistador. Em

nossa pesquisa de Iniciação Científica (MARIANO, 2011), concluímos, como já foi

dito, que os diferentes tópicos mobilizados pelo rapper Mano Brown, nas diferentes

situações comunicativas, demandam atividades de textualização diferentes que, por sua

vez, influenciam seu desempenho linguístico. Acreditamos que, assim como ocorreu

com a mudança de situação comunicativa, a mudança de tópicos durante as entrevistas

do programa “Manos e Minas” faz com que haja demanda de novas atividades de

textualização e instauração de novo enquadre. Isso não significa dizer que toda mudança

de tópico por parte do entrevistador ou do entrevistado propiciará novas atividades de

textualização, mas que novas atividades de textualização ocorrem em decorrência de

novos tópicos e novos enquadres. A análise da gestão do tópico discursivo nas

entrevistas com moradores da periferia propiciam, a nosso ver, verificar se essa

hipótese, que se confirmou no caso da análise da manipulação estilística em diferentes

situações comunicativas pelo rapper Mano Brown, confirma-se também no caso dessas

entrevistas sociolinguísticas.

2.2 Metodologia 2.2.1 Programa “Manos e Minas”: o recorte do corpus

Em virtude da necessidade de um recorte para a composição do corpus para o

presente trabalho, foi selecionada a seguinte amostra do programa “Manos e Minas”: a

exibição do dia 16 de julho de 2008. Nossa escolha se deu em virtude dos tópicos

abordados nessa amostra serem tópicos bastante recorrentes na história do programa,

tanto no auditório pelo apresentador, quanto nas reportagens, conforme elencou Granato 19 Sobre a noção de enquadre, ver nota 10.

35

(2011). Entre eles estão os tópicos que abordam projeto social, trabalho, grafite,

atividades socioculturais na periferia, entre outros. Além disso, percebemos a

necessidade de um aprofundamento da análise da gestão tópica realizada por Granato

(2011). Escolhemos analisar duas interações do programa de 16/07/2008: a reportagem

externa sobre a revista Ocas e a entrevista no auditório com dois moradores da periferia

também sobre a Revista Ocas.

2. 2.2 Descrição do Programa “Manos e Minas” de 16 de julho de 2008

Apresentamos nesse item uma descrição do programa de 16/07/200820. As duas

interações que analisaremos, a reportagem externa sobre a Revista Ocas e a entrevista

na plateia com dois moradores da periferia também sobre a revista, serão melhor

contextualizadas e descritas no capítulo 3.

O programa de 16/07/2008 foi exibido dois meses após a estreia do “Manos e

Minas”, em 7 de maio do mesmo ano, e é o 11º apresentado por Rappin’ Hood, que

inicia o programa com a frase sempre usada: “Salve salve RApa Manos e Minas tá no

AR”. O rapper canta junto com a plateia o rap “Us guerreiros”, de sua própria autoria, e

“manda uma salva” para os telespectadores da cidade de Salvador e para os estados de

Porto Alegre, Tocantins, Piauí, Espírito Santo, Goiás, Amazonas, Ceará, Paraíba, Rio de

Janeiro e São Paulo. Em seguida, apresenta o DJ Primo, participante fixo do palco; a

convidada, a grafiteira Ana Clara; as pessoas que compõem a plateia que vão à gravação

em grupos: Fundação Cafu, Escola Estadual “Tito Lívio Ferreira” de São Miguel e

Projeto Gerações do Jardim Maristela; e o cantor convidado do dia, Walmir Borges.

Após a apresentação musical do convidado Walmir Borges, Rappin’ Hood,

como em todas as exibições do programa, entrevista o convidado sobre os trabalhos

anteriores, sobre o CD em lançamento e sobre projetos futuros.

20 Complementamos a descrição feita por Granato (2011).

36

Imagem 7: Entrevista com o cantor Walmir Borges

A primeira reportagem do programa versa sobre a revista Ocas, um projeto

social que dá oportunidade de trabalho para sujeitos que se encontram em situação de

“risco social”.

Imagem 8: Reportagem sobre a Revista Ocas

37

Após a exibição da reportagem no VT do programa, Rappin’ Hood chama dois

participantes da plateia que conhecem o projeto para entrevistá-los. A entrevista retoma

muitos dos tópicos desenvolvidos na reportagem, como mostrarão nossas análises.

Imagem 9: Entrevista com o participantes da plateia Paulo Magrão

Antes de chamar o intervalo comercial, o apresentador pede para que o cantor

Walmir Borges cante novamente e antecipa o que vai ocorrer no segundo bloco: a

exibição do quadro Buzão: circular periférico. No segundo bloco do programa, além da

exibição desse quadro fixo, apresentado pelo repórter Alessandro Buzo, que visitou o

bairro Jardim Brasil, da Zona Norte de São Paulo, acompanhado de Trutty (morador do

bairro e integrante do grupo Spaine Trutty), Rappin’ Hood entrevista na plateia um

morador do Jardim Brasil, Fábio Rogério, retomando novamente alguns tópicos

instaurados no quadro.

Depois da entrevista, Rappin’ Hood faz a chamada de um novo quadro, de

exibição não-fixa, o “Mano a Mano”, apresentado por ele mesmo. Nesse quadro, o

apresentador de “Manos e Minas” entrevista o ator francês Vincent Cassel e o leva à

favela Heliópolis para visitar a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, regida pelo maestro

Edílson Ventureli, também entrevistado pelo rapper. Na volta ao palco, Walmir Borges

canta mais uma música e o apresentador chama o intervalo comercial.

38

No terceiro bloco, como o tópico da segunda reportagem é o grafite, Rappin’

Hood entrevista a grafiteira Ana Clara e discute sobre a importância e o objetivo do

grafite e sobre o quadro grafitado por ela durante o programa.

Depois da antecipação de alguns tópicos na entrevista com Ana Clara, há a

exibição da reportagem sobre o grafite na qual a jornalista do programa entrevista a

dupla de grafiteiros, Leonardo Delafuente e Anderson Augusto, o Duo Seis e Meia, que

grafitam os bueiros da cidade de São Paulo.

Para finalizar o programa, Rappin’ Hood entrevista novamente Walmir Borges

questionando-o sobre sua carreira musical e experiências significativas e faz um dueto

com o convidado cantando a música “Favelas do Brasil”, cujo refrão é repetido até o

apresentador agradecer à plateia, ao telespectador e aos convidados do programa.

2.2.3 Sobre a escolha do sistema de transcrição dos dados

O corpus da presente pesquisa integra o corpus do Projeto “É Nóis na Fita: a

formação de um registro e a elaboração de registros no campo da cultura popular

urbana paulista”, sob a coordenação da Professora Doutora Anna Christina Bentes, no

qual um dos objetivos específicos é construir um corpus ampliado e vídeo-gravado de

entrevistas, de situações de interação cotidianas e de produtos midiáticos (programas de

TV, de rádio, raps e gêneros literários) relacionados aos sujeitos e ao universo social

das periferias de São Paulo.

Nosso grupo de pesquisa teve discussões a respeito de qual seria o modelo

mais adequado aos nossos interesses e objetivos e decidimos pela adaptação dos

modelos já existentes por contemplarem aspectos que serão úteis para eventuais análises

que os pesquisadores venham a fazer, utilizando o banco de dados que será

disponibilizado virtualmente. O modelo que utilizaremos é, portanto, uma adaptação das

convenções adotadas por outros grupos e projetos de análise da fala, a saber: Projeto

ALIP (Amostra Linguística do Interior Paulista), Grupo de Pesquisa COGITES

(Cognição, Interação e Significação), Projeto NURC (Norma Urbana Culta).

Usamos a ferramenta de “Tab” ao invés de tabela para que futuros

pesquisadores que venham a utilizar o corpus tenham maior facilidade na formatação ao

inserirem as transcrições em seus textos.

39

O modelo de transcrição adotado segue basicamente o modelo utilizado pelo

grupo ALIP, que prevê uma notação que engloba aspectos morfofonológicos, traços da

interação e comentários do transcritor, com o acréscimo de notações de outras semioses

(gestualidade e expressividade, por exemplo). O modelo se mostra adequado aos

objetivos do grupo, já que por esse sistema “é possível a marcação de fenômenos

comuns em nossos dados, já que as interações no auditório e nas reportagens são, na

maioria das vezes, de fala espontânea, embora os tópicos possam ser definidos

previamente” e também por possibilitar “vislumbrar o registro dos manos por meio das

falas dos sujeitos participantes do programa sem correções gramaticais21” (GRANATO,

2011, p. 65).

É importante salientar também que, de modo a ser um retrato mais próximo de

como são organizados os quadros e blocos de cada programa, a organização de cada

amostra transcrita que consta dos Anexos explicita a divisão do programa em quadros e

blocos.

21 Segundo os pesquisadores, na transcrição, não serão feitas correções da concordância verbal e nominal com base nas normas gramaticais. Assim, se ocorrerem, serão transcritas construções como: eles diz, nós aluga, eles aluga, nós foi, os ano, às vez, as mulher.

40

Capítulo 3: O desenvolvimento da pesquisa

Como já afirmamos, nosso objetivo é analisar a gestão do tópico discursivo em

dois gêneros que ocorrem no programa: o primeiro é uma reportagem externa sobre a

Revista Ocas e o segundo é uma entrevista com dois participantes da plateia, moradores

da periferia e que conhecem a revista Ocas.

3.1 Análise da reportagem externa sobre a Revista Ocas

A primeira reportagem do programa “Manos e Minas” de 16/07/2008 versa

sobre a Revista Ocas22, apresentada como uma possibilidade de os sujeitos que se

encontram em uma situação denominada pela revista como “risco social” iniciarem a

recolocação profissional.

A reportagem assemelha-se a um documentário na medida em que o objetivo

parece ser principalmente o de acompanhar os vendedores em seu cotidiano de

divulgação e venda da revista nas ruas. Podemos observar também que, apesar da

presença do repórter23, não temos acesso às perguntas feitas por ele, mas apenas a

presença da câmera que focaliza diferentes momentos desse cotidiano. Em meio a essas

imagens da venda da revista, os atores sociais que participam da reportagem contam

suas histórias de vida (caso dos vendedores Daniel Martins e Claudio Bongiovani) ou

22 Lançada em São Paulo, no dia 6 de julho de 2002 e no Rio de Janeiro, em 8 de julho, a Revista Ocas tem uma publicação bimestral com tiragem de cerca de 26 mil exemplares. Segundo consta no site, a revista promove a responsabilidade social e publica seções dedicadas a notícias nacionais e internacionais, comportamento, lançamentos artísticos e intelectuais e ensaios. Além disso, a publicação reserva espaço para a expressão dos vendedores e aborda problemáticas relacionadas à exclusão social. A revista é uma chance de mudança efetiva na vida das pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, ou seja, pessoas com dificuldades para entrar no mercado de trabalho. A interação decorrente da compra e da venda da publicação permite que os vendedores estabeleçam contatos e deem novos e autônomos passos de reintegração. O objetivo é fornecer instrumentos de resgate da autoestima dos vendedores, criando mecanismos para que o indivíduo se torne seu próprio agente de transformação, de forma que Ocas seja um ponto de passagem, e não o destino definitivo. Os vendedores compram a revista por um real e a vendem pelo preço de capa, quatro reais. Todos têm idade mínima de 18 anos, recebem treinamento, assinam um código de conduta e portam crachá. Em novembro de 2011, a revista chega à sua 80ª edição com reportagens de colaboradores voluntários. Fonte: www.ocas.org.br. 23 No final da reportagem, temos acesso à informação de que o repórter do programa Rodney Suguita fez a vídeo- reportagem.

41

dão explicações sobre a revista e seus vendedores (caso do vendedor não identificado e

do presidente da revista, Guilherme Araújo).

Entre os vários atores sociais envolvidos com a venda e divulgação da Revista

Ocas, na reportagem participam Daniel Martins (DM), Guilherme Araújo (GA), Claudio

Bongiovani (CB) e outro vendedor que não é identificado (VE).

Daniel Martins (DM) começou como divulgador e vendedor da revista e

atualmente é coordenador dos vendedores da revista. Claudio Bongiovani (CB),

segundo informações em entrevista Webradio24, foi vendedor da Revista Ocas por

algum tempo e, depois de se reestabelecer e sair da situação de risco social, foi

contratado pela Editora Segmento, onde trabalha atualmente. Guilherme Araújo (GA) é

formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e

desenvolve atividades como diretor financeiro da Revista desde 2003 e como vice-

presidente.

A reportagem do programa acompanha o cotidiano de Daniel Martins e

Claudio Bongiovani. Observamos, então, momentos em que eles conversam com os

seus clientes e momentos em que falam diretamente com a câmera.

Imagem 10: Interação na rua entre o vendedor Daniel Martins e uma senhora

24Entrevista de Daniel Martins disponível em http://webradio.ipso.org.br/index.php?id=467&cat=Entrevistas, acesso em 08/11/2011.

42

Imagem 11: Daniel Martins falando diretamente com a câmera

A diferença consiste em que enquanto no caso das intervenções de Daniel

Martins, as interações entre vendedor e compradores estão em primeiro plano na

reportagem, as cenas em que Claudio Bongiovani está desenvolvendo seu trabalho de

divulgação próximo ao Museu da Língua Portuguesa aparecem sem áudio, apenas como

reforço imagético do tópico abordado pelo vendedor naquele momento da reportagem:

sua vida atual como funcionário da editora.

Imagem 12: Imagem de Cláudio trabalhando como reforço imagético do tópico abordado por ele

43

A reportagem inicia-se com Daniel Martins cantando um samba e interagindo

com a própria câmera. Depois disso, observamos duas diferentes interações de DM com

duas mulheres na tentativa de fazer a venda da revista. Essa interação inicial ativa o

frame apresentação das atividades de venda da revista sem que haja necessidade de uma

contextualização feita por um narrador ou de que sejam mostradas as perguntas feitas

pelo repórter. Em relação ao prosseguimento da reportagem, observamos que em meio ao

acompanhamento do cotidiano desses vendedores através da focalização da câmera,

aparecem explicações dadas pelo vendedor não identificado e por Guilherme Araújo.

Esses participantes também estão em seu cotidiano de trabalho, o primeiro distribuindo

as revistas aos vendedores e o segundo em seu escritório. Ao contrário, porém, de

Daniel Martins e de Claudio Bongiovani que topicalizam suas histórias de vida, o

vendedor não identificado tematiza a revista e Guilherme Araújo apresenta o vendedor

Cláudio Bongiovani.

Imagem 13: Vendedor não-identificado sendo entrevistado em seu local de trabalho

44

Imagem 14: Guilherme Araújo sendo entrevistado em seu local de trabalho

O primeiro gráfico de nossas análises apresenta o quadro tópico de nível mais

elevado em termos hierárquicos dessa reportagem, ou seja, um tópico mais abrangente

(supertópico), que comporta divisão interna em tópicos co-constituintes (subtópicos) no

primeiro nível da hierarquia. Acreditamos que “Função Social da Revista Ocas” é o

supertópico em função do fato de a reportagem e a fala de todos os participantes

conferirem uma grande relevância para esse tópico. Além disso, como já afirmamos,

todos os participantes da reportagem referem-se a essa função em suas falas.

Como observamos no gráfico a seguir, o supertópico “Função Social da

Revista Ocas” é desenvolvido, num nível imediatamente inferior, através de dois

subtópicos, a saber:

a) “Descrição da Revista Ocas” b) “Guerreiros da Revista Ocas” De forma a depreender o subtópico “Descrição da Revista Ocas”,

consideramos que a forma como VE se refere à revista é de fundamental importância.

Ele mobiliza uma sequência textual de natureza descritiva (ADAM, 2008):

45

Exemplo 125

VE 1bom... pra quem não sabe a Ocas... é um:: projeto social que dá oportunidade de trabalho pra quem tá... em risco social

Além da mobilização de um tipo de estruturação textual (sequência descritiva),

VE também faz uso de uma expressão referencial bastante complexa que, nos termos de

Koch (2009), pode ser qualificada como uma descrição definida26 (“um projeto social

que dá oportunidade de trabalho para quem está em risco social”), composta por SN +

Oração Adjetiva.

Essas atividades de textualização (mobilização de uma sequência descritiva e

elaboração de descrição definida) conferem um tipo de materialidade textual ao

subtópico desenvolvido por VE e DM.

Esse segmento 1 juntamente com o segmento 4, desenvolvido pelo vendedor

DM, fazem parte do quadro tópico encabeçado pelo supertópico “Descrição da Revista

Ocas”, como será melhor exemplificado no gráfico 5.

O segundo subtópico (“Guerreiros da Revista Ocas”) pode ser depreendido

por meio da categorização feita por Rappin’ Hood em sua apresentação da reportagem

sobre o tópico trabalho:

Exemplo 2 RH bom... e agora o assunto é trabalho... eu vô(u) te convidá(r)... pá conhecê(r)

agora... rapaziada...vários guerreiros e guerreiras da revista Ocas... que é uma revista que não tem fins lucrativos... é da hora vamo(s) curti(r) ali no V.T.... Manos e Minas

Tanto em relação à depreensão do subtópico 1 (“Descrição da Revista Ocas”)

como o do subtópico 2 (“Guerreiros da Revista Ocas”), consideramos o princípio de 25 Os exemplos não estão necessariamente na ordem em que aparecem na reportagem e na entrevista. Neles estão identificados os segmentos tópicos a que correspondem por meio de números em fonte maior e colchetes, marcação também feita na transcrição em anexo.

26 Segundo Koch (2009), “denominam-se expressões ou formas nominais definidas as formas linguísticas constituídas, minimamente, de um determinante definido seguido de um nome. Pode-se, de início, mencionar dois tipos distintos dessas formas: as descrições definidas e as formas nominalizadas (...)”. As expressões referenciais definidas em português podem, segundo a autora, assumir as seguintes configurações: Determinante + Nome ou Determinante+ Modificador +Nome+ Modificador, sendo que o determinante pode ser um artigo definido ou um demonstrativo e o modificador pode ser um adjetivo, um sintagma preposicionado ou uma oração adjetiva.

46

que progressão referencial e progressão tópica são co-determinados, de forma que “a

continuidade referencial serve de base para o desenvolvimento de um tópico”

(MARCUSCHI, 2008, p. 141)

Ao desenvolverem o subtópico “Guerreiros da Revista Ocas”, os vendedores

DM e CB tratam sobre suas vidas, salientando, assim, a função social desempenhada

pela revista, como observamos nos trechos abaixo:

Exemplo 3

DM (...)3HOje eu... graças a essa revista... estou me dando bem com várias pessoas a gente tem oportunidade de conhecê(r) muitas pessoas bacanas que nos dão apoio

Exemplo 4 CB (...) 9hoje... eu sou funcionário... da Editora Segmento... hoje eu tenho

carte(i)ra assinada tenho os benefícios da C.L.T.... e sô(u) um funcionário comum como qualqué(r) o(u)tro empregado

O gráfico a seguir, como já afirmamos, mostra o supertópico da reportagem,

“Função Social da Revista Ocas”, e seus dois subtópicos imediatamente inferiores,

“Descrição da Revista Ocas” e “Guerreiros da Revista Ocas”, caracterizando assim

o quadro tópico mais elevado hierarquicamente, denominado Quadro Tópico A.

Gráfico 4: Quadro Tópico A da reportagem

Ao lançarmos um olhar mais detalhado para o subtópico 1 (que agora é um

supertópico em relação aos outros dois subtópicos), vemos que ele pouco se desenvolve.

A descrição da revista se restringe a caracterizá-la quanto à sua função e ao seu preço,

como podemos ver no gráfico abaixo:

Função Social da Revista Ocas

Descrição da Revista Ocas

Guerreiros da Revista Ocas

47

Gráfico 5: Quadro Tópico B1 da reportagem

Em relação ao tópico “Guerreiros da Revista Ocas” que é desenvolvido ao

longo de toda a fala dos atores socais Daniel Martins, Guilherme Araújo e Claudio

Bongiovani, temos o desdobramento em dois níveis inferiores. No primeiro nível

inferior, observamos que este tópico é desenvolvido através de dois subtópicos, a saber:

a) Guerreiro Daniel Martins b) Guerreiro Claudio Bongiovani

Esses dois subtópicos ficam bem divididos na reportagem, de modo que apenas

quando o subtópico “Guerreiro Daniel Martins” é finalizado, observamos a

instauração do novo subtópico, “Guerreiro Claudio Bongiovani”. Cabe salientar

também que enquanto o primeiro subtópico só é desenvolvido por DM, o segundo é

desenvolvido por GA e por CB. GA instaura o subtópico “Guerreiro Claudio

Bongiovani” como uma forma de apresentar o vendedor CB, que iniciará sua fala logo

em seguida:

Exemplo 5 GA 5são pessoas fantásticas inclusive o Cláudio é um dos primeiros vendedores

da revista... ((corte de imagem: mostra-se uma fotografia de Cláudio enquanto ocorre a pausa)) um dos GRANdes... divulgadores da... da iniciativa ((corte de imagem: mostra-se uma fotografia de Cláudio)) já esteve no Brasil em São Paulo no estado inteiro levando a revista

Descrição da Revista Ocas

Revista Ocas como uma oportunidade

para os desempregados

1

Preço da Revista

4

48

Então, o quadro tópico encabeçado pelo supertópico “Guerreiros da Revista Ocas” fica assim organizado:

Gráfico 6: Quadro Tópico B2 da reportagem

Os vendedores DM e CB narram como a revista os ajudou a sair da situação de

risco em que se encontravam. Observamos, então, que a progressão temática promovida

pelos vendedores se aproxima do que Koch (2009) denomina “progressão linear”,

comum quando se narra, que é o caso desses interlocutores. Dessa forma, em ambos os

tópicos, “Guerreiro Daniel Martins” e “Guerreiro Claudio Bongiovani”, os

narradores discorrem sobre a vida antes da revista, quando estavam em risco social e

sobre suas vidas depois da revista. No caso do primeiro supertópico, “Guerreiro

Daniel Martins”, desenvolvem-se dois subtópicos, a saber: “Dificuldades de arrumar

emprego pela idade” e “Oportunidades proporcionadas pela Revista Ocas”.

Guerreiros da Revista Ocas

Guerreiro Daniel Martins

Guerreiro Claudio Bongiovani

49

Gráfico 7: Quadro Tópico C1 da reportagem

As marcas linguísticas também nos auxiliaram na delimitação desses

subtópicos. DM desenvolve uma progressão temporal de sua narrativa por meio dos

adjuntos adverbiais “com cinquenta e nove anos de idade” e “hoje” que, não por acaso,

marcam o início dos subtópicos “Dificuldades de arrumar emprego pela idade” e

“Oportunidades proporcionadas pela Revista Ocas”, respectivamente.

A concernência entre esses dois tópicos (“Dificuldades de arrumar

emprego” e “Oportunidades proporcionadas pela Revista Ocas”) na fala de Daniel

Martins pode ser observada pela cadeia referencial que organiza o texto:

Exemplo 6 DM 2com cinquenta e nove anos de idade eu fui procurá(r) emprego há dois

tre(i)s anos atrás... e não consegui emprego pEla idade... os novos num tem oportunidade po(r)que não tem experiência quem tem experiência eles não aceita(m) po(r)que acha que passô(u) dos quarenta já tá velho... então era praticamente aquele negócio tê que vendê(r) o almoço pra... comprá(r) a janta...3HOje eu... graças a essa revista... estou me dando bem com várias pessoas a gente tem oportunidade de conhecê(r) muitas pessoas bacanas que nos dão apoio

Guerreiro Daniel Martins

Dificuldades de arrumar emprego pela idade

Oportunidades proporcionadas pela

Revista Ocas

2 3

50

A partir desse trecho, é possível observar as seguintes cadeias referenciais que

se ligam por meio de processos anafóricos diretos e indiretos27:

Cadeia referencial 1 emprego

essa revista

oportunidade

Cadeia Referencial 2 os novos

experiência

quem tem experiência

velho

Novamente afirmamos, então, que, como postula Jubran et al. (2002), os

elementos coesivos de referenciação e sequenciação nos dão pistas para a delimitação

do tópico (traço de concernência).

O próximo Quadro Tópico do terceiro nível hierárquico é encabeçado pelo

supertópico “Guerreiro Claudio Bongiovani” e tem maior número de subtópicos

subordinados a ele em virtude do maior tempo de desenvolvimento desse quadro tópico.

Já os tópicos desenvolvidos por CB são os seguintes: “A vida estabilizada do passado”, “Fatalidade na vida”, “A vida como morador de rua” e “A vida atual

como funcionário da editora”. As delimitações desses subtópicos partiram também da

observação da concernência entre eles e os tópicos desenvolvidos por DM e também da

observação da construção referencial. Como observamos no gráfico a seguir, o

subtópico “Descrição de CB” é o primeiro desenvolvido (segmento 5), pois a

introdução do supertópico “Guerreiro Claudio Bongiovani” é feita por Guilherme

Araújo que apresenta o vendedor e topicaliza a situação daquele momento da vida de

CB.

Em relação à fala de CB, esta está organizada como o gráfico abaixo mostra:

27 De acordo com Marcuschi (2005), a anáfora indireta é “um caso de referência textual, isto é, de construção, indução ou ativação de referentes no processo textual-discursivo que envolve atenção cognitiva conjunta dos interlocutores e processamento local”, ou seja, mesmo não existindo uma relação direta entre uma anáfora indireta e o co-texto, visto que se trata de uma estratégia endofórica de ativação de referentes por meio de referenciação implícita, persiste um vínculo coerente na continuidade temática.

51

Gráfico 8: Quadro Tópico C2 da reportagem

A introdução do subtópico “A vida estabilizada do passado” ocorre por uma

frase resumidora: “eu tive tudo na vida”. No desenvolvimento desse subtópico,

observamos a exemplificação dessa frase resumidora: o narrador tinha formação

acadêmica, trabalho, família e bens materiais. No segundo subtópico, temos a narração

das duas “fatalidades” que acontecem na vida de CB: o acidente, que provocou a morte

de todos os familiares, e o assalto à casa:

Exemplo 7

CB (...)7aí aconteceu a fatalidade... família foi numa festa... e na volta o carro bateu c‘um caminhão de made(i)ra e::... faleceram todos... e:: no outro dia... depois do do enterro tive outra decepção... a minha casa e a casa do vizinho tava arrombada... ro(u)bada queimada... num teve decisão... não... é::... eu vi... é:... automático... eu vi a única coisa que eu peguei foi um álbum de foto da minha filha... dos meus filhos... e simplesmente algum que não tinha queimado né? e simplesmente saí...

No segmento 8, CB narra sua vida pós-fatalidade e desenvolve o subtópico: “A

vida como morador de rua”:

Exemplo 8

CB 8aí fiquei andando... fiquei vagando na rua... era só bebida a gente comia... uma vez a cada... dois ter(i)s dia(s)... frio chuva... eu fiquei na rua onze meses... eu dormia naquele viaduto lá da da do MASP o São Carlos do Pinhal ((o volume da música é aumentado)) e uma coisa muito importante que eu

Guerreiro Claudio

Bongiovani

Descrição de CB

A vida estabilizada do passado

Fatalidade na vida

A vida como

morador de rua

5 6 7 8

A vida atual como funcionário da editora

9

52

aprendi na rua é que as pessoas não trata as pessoas que estão em condição de rua como ser humano... é simplesmente alguma coisa

No segmento 9, CB desenvolve o subtópico “A vida atual como funcionário

da editora” e descreve os benefícios da oportunidade dada pelo Projeto Ocas:

Exemplo 9 CB 9hoje... eu sou funcionário... da Editora Segmento... hoje eu tenho carte(i)ra

assinada tenho os benefícios da C.L.T.... e sô(u) um funcionário comum como qualqué(r) o(u)tro empregado

Como é possível observar nesses exemplos, CB organiza-se textualmente por

meio de sequência narrativa28 de ações encadeadas por meio do marcador discursivo

“aí” e do advérbio “hoje”, que além de organizarem o discurso do ponto de vista

temporal, auxiliam-nos a delimitar os subtópicos do quadro tópico encabeçado pelo

supertópico “Guerreiro Cláudio Bongiovani”.

No final da reportagem, observa-se o fechamento por parte dos interlocutores

DM e CB com o desenvolvimento de dois segmentos que, a nosso ver, configuram-se

como comentários:

Exemplo 10 CB comentário como o fênix ressurgindo da cinza... a partir do momento que ele

acreditá(r) que ele é capaz ele pode tudo Exemplo 11 DM comentário e eu costumo sempre ter comigo uma frase... um:... uma estrofe

daquela música de Antonio Carlos Jocafi... “errei mas tenho forças pra recomeçá(r) dizem que pau que nasce torto morre torto eu não sou pau posso me regenerá(r) é isso que vai acontecê(r)

28 Segundo Adam (2008), “Toda narrativa pode ser considerada como uma exposição de “fatos” reais ou imaginários, sendo que “essa designação geral de ‘fatos’ abrange duas realidades distintas: eventos e ações. A ação se caracteriza pela presença de um agente — ator humano ou antropomórfico — que provoca ou tenta evitar uma mudança. O evento acontece sob o efeito de causas, sem intervenção intencional de um agente.” (ADAM, 2008, p. 224; ênfase do autor). O autor afirma ainda que o mais alto de narrativização seria expresso por uma trama constituída por cinco macroproposições narrativas de base que correspondem a cinco momentos (m): m1: antes do processo; m2: início do processo; m3: curso do processo; m4: fim do processo; m5: depois do processo.

53

Esses dois segmentos não instauram um tópico novo, mas apresentam

claramente a função de coda das narrativas. Nesse caso, a coda serve como uma lição

moral relativa às suas histórias de vida. Percebemos nos dois trechos a presença de

verbos relacionados semanticamente (ressurgir, recomeçar, regenerar) e de

“construções” tais como “fênix ressurgindo da cinza” e “pau que nasce torto morre

torto” que, em geral, caracterizam a ação de produzir uma “moral” para a história.

Além das marcas linguísticas como critério auxiliar na segmentação, é

interessante observar que as práticas referenciais de caráter multimodal que, segundo

Granato (2011), são recorrentes nas remissões dos elementos do hip-hop, também o são

nas reportagens externas, como já mencionamos, como reforço imagético do tópico

abordado pelos locutores, como é possível observar na exibição da foto da família

(imagem 15) como reforço do tópico “Fatalidade na vida”, de imagens de moradores

de rua como reforço do tópico “A vida como morador de rua” (imagem 16) e da

imagem do vendedor Cláudio Bongiovani em visita à cidade de Bauru (imagem 17)

como reforço do tópico “A vida atual como funcionário da editora”, entre outras.

Imagem 15: Fotografia da filha de Cláudio Bongiovani

54

Imagem 16: Imagem de moradores de rua que reforça o tópico mobilizado por Claudio Bongiovani

Imagem 17: Imagem do vendedor Cláudio Bongiovani em visita à cidade de Bauru, reforçando o tópico mobilizado por Guilherme Araújo

Apesar de não ser o objetivo desse trabalho a caracterização do programa sob o

ponto de vista do gênero discursivo, objetivo este já desenvolvido por Granato (2011) e

nem a análise da referenciação, consideramos relevante trazer aqui essa

problematização, já que a análise do tópico discursivo está imbricada com a questão da

referenciação, principalmente em gêneros multimodais, como observamos. Além disso,

não é apenas na fala de CB que se observam cortes de imagem para a exibição de outras

imagens que reforçam o tópico mobilizado pelo interlocutor. Em toda a reportagem,

55

esse é um recurso muito utilizado e que produz efeitos de sentidos, como já

exemplificamos. A reportagem, então, mostra a função social da revista não apenas

pelos tópicos abordados verbalmente, como mostram nossas análises e gráficos da

organização tópica, mas também pelo áudio e o visual.

Retomando a organização tópica da reportagem, podemos, então, concluir que

na reportagem temos um supertópico “Função Social da Revista Ocas” que está

relacionado, por sua vez, com o objetivo da reportagem de mostrar uma descrição da

revista e as histórias de vida de dois atores sociais do projeto. Temos, assim, o

desenvolvimento de dois subtópicos inferiores a esse supertópico que não são

igualmente desenvolvidos do ponto de vista temporal e em termos de detalhamento. O

primeiro subtópico, “Descrição da Revista Ocas”, é pouco desenvolvido, pois a

reportagem se assemelha a um documentário no qual não há um narrador ou repórter e

nem momentos mais longos de sequências expositivas. Ao contrário do primeiro

subtópico, o segundo é desenvolvido por três dos quatro participantes. Por fim, os

subtópicos desenvolvidos nos quadros tópicos encabeçados pelos supertópicos

“Guerreiro Daniel Martins” e “Guerreiro Cláudio Bongiovani” são tópicos

relativos à história de vida desses vendedores cuja progressão é feita temporalmente, ou

seja, os subtópicos referem-se à vida antes e depois das oportunidades proporcionadas

pela revista. Por fim, apresentamos a organização hierárquica e a segmentação linear

completa com todos os quadros tópicos e segmentos lineares:

56

Gráfico 9: Organização Hierárquica dos tópicos da reportagem

Função Social da Revista

Ocas

Descrição da Revista Ocas

Os guerreiros da Revista

Ocas

Revista Ocas como uma

oportunidade para os

desempre-gados

Guerreiro Daniel

Martins

Guerreiro Cláudio

Bongiovani

Dificuldades de arrumar

emprego pela idade

Oportunida-des com a

Revista Ocas

Descrição de CB

1

2 3 5

Preço da Revista Ocas

4 A vida estabilizada do passado

6

Fatalidade na vida

7

A vida como morador de

rua

8

A vida atual como

funcionário da editora

9

57

A análise da gestão do tópico discursivo por meio da organização linear e

hierárquica não dá conta, a nosso ver, de importantes questões que observamos no texto

analisado. A primeira delas é a ocorrência do desenvolvimento do quadro tópico

encabeçado pelo supertópico “Guerreiro Cláudio Bongiovani” por dois diferentes

locutores (GA e CB) em momentos diferentes da reportagem por meio de sequências

textuais diferentes (ADAM, 2008). Quando Guilherme Araújo insere o subtópico

“Descrição de CB”, ele usa sequências descritivas para apresentar o vendedor como

um grande ator social dentro do Projeto da Revista Ocas:

Exemplo 12 GA ((imagem da revista, corte de edição: novo ambiente, escritório da revista))

5são pessoas fantásticas inclusive o Cláudio é um dos primeiros vendedores da revista... ((corte de imagem: mostra-se uma fotografia de Cláudio enquanto ocorre a pausa)) um dos GRANdes... divulgadores da... da iniciativa ((corte de imagem: mostra-se uma fotografia de Cláudio)) já esteve no Brasil em São Paulo no estado inteiro levando a revista

Cláudio Bongiovani finaliza sua história com a tematização de sua vida atual:

“A vida atual como funcionário da editora”. Esse subtópico, então, aparece na

progressão linear como fechamento das sequências narrativas que reforçam a ideia de

que CB tem uma outra vida hoje e que, portanto, o Projeto Ocas teve papel fundamental

na vida do vendedor.

Partimos do pressuposto, nessa pesquisa, de texto como “lugar de interação

entre atores sociais e de construção interacional de sentidos” (KOCH, 2009), ou seja, o

texto é: (i) uma atividade verbal a serviço de fins sociais, (ii) uma atividade consciente e

criativa na qual há desenvolvimento de estratégias concretas de ação e escolha de meios

adequados à realização dos objetivos e (iii) uma atividade interacional, já que a escolha

de elementos linguísticos permite não apenas a depreensão de conteúdos semânticos

(em decorrência da ativação de processo e estratégias de ordem cognitiva), como

também a interação de acordo com as práticas socioculturais (KOCH, 2005).

Segundo Adam (2008 apud PASSEGGI et al., 2010), há vários níveis da

análise de discurso e níveis da análise textual. No nível do discurso, o primeiro nível é

justamente a ação (visada, objetivos), materializada no texto por meio dos atos de

58

discurso. Todo texto deve ser analisado levando-se em consideração todos os seus

níveis, esquematizados por Adam e complementados por Passeggi et al. (2010):

Esquema 1: Níveis da Análise de discurso e Níveis da Análise Textual (ADAM, 2008 apud

PASSEGGI et al., 2010)

Em alguns segmentos, porém, alguns níveis se sobrepõem aos demais. Na

reportagem, como observamos, há alguns segmentos nos quais os atos de discurso

(ações) são mais caracterizadores do segmento do que o conteúdo informacional

(semântica- representação discursiva), o que faz com que não possamos restringir todos

os segmentos da reportagem a segmentos tópicos, pois muitos deles são sequências

dialogais de natureza fática, como discutiremos a seguir, ou seja, não são segmentos

com conteúdos concernentes, visto que nesses casos o foco está em seu papel

interacional e acional e não sobre o que se fala.

Em seus dados, retirados do corpus do Projeto NURC, Jubran et al. (2002)

classificaram os segmentos em que a natureza interacional se sobrepõe à natureza

semântica como “digressão baseada na interação”: “Tais digressões, por serem baseadas

sensivelmente na interação, são perfeitamente identificáveis e demarcáveis, embora nem

59

sempre apresentem estruturas claras e definidas” (JUBRAN et al., 2002, p. 366). No

caso dos dados desta pesquisa, porém, não podemos considerar certas sequências

textuais como digressões, porque, a nosso ver, essas sequências não possuem uma

natureza tópica. Elas apresentam uma natureza interacional com funções textuais

bastante definidas, tais como a de abertura e de fechamento de tópicos. Acreditamos que

essas sequências textuais bastante delimitadas em nosso corpus sejam o que Adam

(2008 apud PASSEGGI et al., 2010) define como sequências dialogais que, como já

dissemos, podem marcar o início de um texto (apresentações, saudações, cumprimentos)

ou seu fim (saudações, agradecimentos).

O exemplo 13 mostra a interação inicial entre Alessandro Buzo e Trutty no

quadro Buzão: Circular Periférico. Como podemos observar, os interlocutores se

cumprimentam e Trutty fala da satisfação em poder participar do quadro.

Exemplo 13 AB salve manos e minas hoje o circular periférico nos trouxe até o bairro do Jardim

Brasil na Zona Norte de São Paulo... e quem vai nu mostrá(r) a quebrada é o Trutty do g(r)upo Spaine Trutty... e aí Trutty?

TR e aí 28[Buzão]? AB 28[firmeza] guerre(i)ro? TR satisfação enorme em tá 29[recebendo] no quadro do Buzão aqui Manos e

Minas... sem palavras...vô(u) mostrá(r) minha quebrada e falá(r) que aqui também se fa(i)z cultura

Já no final do programa, podemos observar os agradecimentos de Walmir

Borges, cantor convidado, e do apresentador Rappin’ Hood além do tradicional “salve”:

Exemplo 14 WB (o)brigado HOOD RH (o)brigado eu Walmir vida longa paz muito sucesso 40[axé (inint.)] WB 40[muito obrigado] muito obrigado muito obrigado valeu gaLERA: RH Walmir 41[Borges] Manos e MiNAs brigado rapa paz a todos WB 41[Um salvE:]

Nos dados do NURC, não temos acesso às interações iniciais de cumprimentos

e saudações. Em nossos dados, apesar de ocorrerem edições, não há exclusão dessas

“sequências dialogais” de abertura e de fechamento que enquadram o núcleo

transacional de base (ADAM, 2008 apud PASSEGGI et al., 2010), ou seja, não

60

excluem essas “saudações elementares habituais, que tornam mais natural a

conversação” (ADAM, 2008 apud PASSEGGI et al. , 2010), o que revela a importância

dessas sequências em um gênero televisivo. Além dos intercâmbios de abertura e

fechamento de um diálogo (sequências fáticas), faz parte também da sequência dialogal

a sequência transacional (pergunta, resposta e avaliação), como mostra o esquema a

seguir proposto por Adam (2008 apud PASSEGGI et al., 2010):

Esquema 2: Sequência Dialogal (Adam, 2008 apud Passeggi et al., 2010)

Além das sequências fáticas de abertura e fechamento, consideramos que

existem outras sequências de natureza interacional que serão exemplificadas conforme

forem aparecendo em nosso corpus. Adiantamos que além dos cumprimentos,

saudações, agradecimentos e despedidas, observamos também sequências de

apresentações, convites, elogios etc.

Por se tratar de uma reportagem para um programa de auditório, há uma dupla

natureza em evidência: a textual, mas também a interacional. Dessa forma, não

podemos restringir todos os segmentos da reportagem a segmentos tópicos, pois muitos

deles são sequências dialogais de fala de natureza fática, como já discutiu Adam (2008

apud PASSEGGI et al., 2010). Por isso, propomos nesse trabalho uma análise da

sequenciação da reportagem em que levamos em consideração as sequências fáticas

dialogais (ADAM, 2008 apud PASSEGGI et al., 2010), os comentários e os segmentos

tópicos:

Tabela 1: Organização Linear da Reportagem

Sequência Linear

Sequências fáticas dialogais

Segmentos Tópicos Comentários

Cumprimentos

Auto-apresentação

61

Abertura Pergunta

Resposta

Avaliação da

resposta

Proposta de venda

Desenvolvimento

1. Revista Ocas como uma

oportunidade para os

desempregados

2. Dificuldades de arrumar

emprego pela idade

3. Oportunidades

proporcionadas pela Revista

Ocas

4. Preço da Revista

5. A vida atual como funcionário

da editora

6. A vida estabilizada do

passado

7. Fatalidade na vida

8. A vida como morador de rua

9. A vida atual como funcionário

da editora

Fechamento Comentário final

de CB

Comentário final

de DM

Podemos observar por meio dessa tabela que a reportagem segue a seguinte

sequência textual: abertura com sequências dialogais de natureza fática,

desenvolvimento com segmentos de natureza tópica e fechamento com comentários.

Em relação às sequências denominadas fáticas por Adam (2008 apud

PASSEGGI et al., 2010), mas que preferimos denominar sequências fáticas dialogais de

natureza interacional por ser uma denominação mais abrangente do que apenas a

denominação sequência fática de abertura e fechamento, como postula o autor,

primeiramente cabe salientar que, apesar do enfoque estar em uma ação e não em um

62

tópico concernente, elas apresentam uma importante função na marcação da abertura da

sequência de tópicos que vão ser desenvolvidos, como podemos observar na tabela 1 da

organização linear da reportagem. Os comentários, por sua vez, apresentam a função

textual de fechamento da reportagem. Podemos concluir, portanto, que apesar de não

estarem centrados em um tópico concernente, as sequências dialogais e os comentários

desempenham um importante papel na organização textual da reportagem, como

mostraram nossa análise do nível linear.

3.2 Análise das Entrevistas na Plateia

Depois da reportagem sobre a Revista Ocas, Rappin’ Hood faz um comentário

que qualifica a revista (“revista Ocas representa”) e chama na plateia convidados que

conheçam a revista:

Exemplo 15 RH 16[firmeza total revista Ocas] representa... queria sabê(r) se na plateia tem

alguém aqui que conhece a revista Ocas... VOCÊ...

Essa entrevista com pessoas da plateia é comum no programa, como já

dissemos, principalmente após as reportagens. Os participantes convidados a se

posicionar sobre o tema abordado na reportagem estão geralmente envolvidos com este,

seja por conhecerem os projetos ou por serem moradores do bairro mostrado na

reportagem, por exemplo.

Também podemos observar nessas entrevistas, que geralmente são curtas com

duas ou três perguntas, é que os convidados permanecem na plateia, o que parece

mostrar que o programa valoriza a participação daqueles que vão ao programa, não

sendo necessário ser um convidado famoso para ser entrevistado.

63

Imagem 18: Entrevistado Ivan do Patrocínio

A primeira entrevista se inicia com uma sequência fática dialogal de natureza

interacional na qual os interactantes se cumprimentam (“como vai você? tudo bem?” e

“SALve... Ivan fica a vontade”). Apesar de Rappin’ Hood não responder à pergunta de

cumprimento de Ivan do Patrocínio, o primeiro entrevistado, o apresentador faz outra

sequência fática de abertura dando as boas-vindas ao convidado. Em seguida, o

entrevistador faz perguntas de abertura: “fala o seu nome e da onde você veio”, o que

mostra a importância que o programa dá à identificação do convidado através do nome,

mas principalmente através da identificação do lugar de origem para mostrar que o

participante é um morador da periferia e representante dela. Além dos cumprimentos,

são comuns nas entrevistas perguntas sobre o lugar de origem, como observamos no

início dessa entrevista. Segundo Urbano et al. (2002), além das “perguntas de sim ou

não, também conhecidas por Perguntas fechadas ou de confirmação/negação” e das

“Perguntas sobre algo, também denominadas Perguntas abertas ou de busca de

informação nova”, há “tipos especiais de Perguntas e Respostas, como: Perguntas

negativas, Perguntas com forças ilocucionárias diferentes implícitas (atos de fala

indiretos), Perguntas Introdutórias, tag questions, Perguntas retóricas, tendenciosas e

outras. (URBANO et al., 2002, p. 76). As perguntas que iniciam a maioria das

entrevistas do programa de 16/08/2008 encaixam-se na categoria “perguntas

introdutórias” e obtêm-se por meio delas informações importantes sobre a origem do

64

entrevistado, informação esta valorizada pelo programa que objetiva trazer “a voz da

periferia” para a mídia brasileira.

Por fim, Rappin’ Hood faz um novo cumprimento ao participante: “isso

me(s)mo rapa(i)z satisfação... Ivón”.

Exemplo 16 IP como vai você? 17[tudo bem? como vai a saúde?] RH 17[SALve...] Ivan fica a vontade... fala o seu nome 18[e da] onde você veio] IP 18[meu nome] meu nome é Ivan Patrocínio eu vim lá da quebrada de Ponte Alta

Guarulhos ao lado de Bom Sucesso ali RH isso me(s)mo rapa(i)z satisfação... Ivón...

Como já discutimos na análise da reportagem, essas sequências fáticas

dialogais de natureza interacional que estão presentes ao longo do programa em seus

vários gêneros e enquadres configuram a abertura da interação e, apesar de

desempenharem um papel interacional como característica principal, auxiliam na

progressão textual, ou seja, desempenham também uma importante função no nível

textual.

Na entrevista, Rappin’ Hood faz duas perguntas a Ivan do Patrocínio. No

exemplo a seguir, marcamos em negrito essas questões feitas pelo apresentador ao

entrevistado a partir das quais se dá a retomada no auditório de tópicos desenvolvidos

na reportagem.

Exemplo 17

RH isso me(s)mo rapa(i)z satisfação... Ivón... 1eu queria sabê(r) o que você acha... da iniciativa da revista Ocas de dá(r) oportunidade de emprego para moradores de rua? (...)

Exemplo 18 RH 2eu queria te fazê(r) uma ô(u)t(r)a pergunta... fora eles darem oportunidade

para os moradores de rua... eu queria sabê(r) quanto à qualidade da revista o conteúdo da revista você acha legal? (...)

A primeira pergunta formulada por Rappin’ Hood a Ivan do Patrocínio (IP)

requer que o entrevistado faça uma avaliação sobre a função da revista de dar

oportunidade de emprego a moradores de rua por meio da question tag: “o que você

acha”. Então, a pergunta promove a expansão do tópico, já que requer que o participante

65

topicalize a avaliação da revista. Enquanto na reportagem, observamos a presença do

supertópico “Função Social da Revista Ocas”, na entrevista, esse supertópico é

expandido por meio do subtópico “Avaliação da função social da Revista Ocas”.

A segunda pergunta feita pelo apresentador requer novamente que o

entrevistado faça uma apreciação. Essa pergunta, porém, instaura um novo tópico que

não havia sido abordado na reportagem: conteúdo da revista. Assim como na primeira

pergunta, esta requer que o entrevistado faça uma avaliação, porém, não mais da função

social, mas em relação ao conteúdo da revista. Dessa forma, as perguntas feitas por

Rappin’ Hood requerem que o convidado faça uma avaliação de um tópico já

desenvolvido na reportagem e de um tópico novo, o que faz com que as sequências

textuais da entrevista sejam de natureza mais argumentativa, como analisaremos a

seguir.

Em relação aos segmentos tópicos referentes às respostas do entrevistado Ivan

do Patrocínio, observemos a resposta à primeira pergunta:

Exemplo 19

IP (...) ó é essencial é nota dez... assim... além da revista prestá(r) esse serviço social po... a-ao aposentado que... têm dificuldade de arrumar um emprego... vai ali vende sua revista e tem a sua comissão.. i: pô... a o... sequência fática dialogalquero chamá(r) a atenção da da das empresa pô vamo(s)s ajudá(r) vamo(s) patrociná(r) essas revistas que presta serviço social gente... vamo(s) acordÁ(r) vamo(s) acordÁ(r)

Como já afirmamos, a pergunta de Rappin’ Hood exige que o entrevistado faça

uma avaliação da função social da revista. Ivan do Patrocínio (IP) responde com as

apreciações positivas: “nota dez” e “essencial”. Em seguida ao subtópico “Avaliação

da função social da revista”, apesar de inserir o advérbio “além”, IP parafraseia aquilo

que RH havia falado, com uma importante diferença: instaura um novo referente,

“aposentados que têm dificuldade de arrumar um emprego”, o que mostra que ele viu a

reportagem e a explicação dada por Daniel Martins abaixo reproduzida:

Exemplo 20 DM tudo ótimo... eu sou o Daniel Martins eu sou da revista Ocas... ((corte de edição,

DM dirige-se a outra mulher)) a senhora já conhece Ocas?

66

SM eu sei que é de:: de rua né? DM eu não sou morador de 15[rua] SM 15[tá] DM eu tive dificuldade de emprego devido a minha idade

Ivan do Patrocínio também faz também um importante processo de movimento

tópico (Jubran et al., 2002) através de uma síntese da reportagem: “aposentado que...

têm dificuldade de arrumar um emprego... vai ali vende sua revista e tem a sua

comissão”, reforçando a temática “venda da revista” mostrada pelas imagens do

cotidiano dos vendedores na reportagem.

Apesar de não inserir nenhum conteúdo tópico novo em relação à pergunta

feita pelo apresentador, IP faz uma ação importante no final de sua resposta: uma

“propaganda”, chamando a atenção de patrocinadores. Essa sequência dialogal de

natureza interacional, a nosso ver, tem a função não só fática, mas apelativa, visto que o

objetivo parece ser o de convencer o interlocutor acerca da ajuda à revista, reforçada

pela locução verbal do início do segmento: “quero chamá(r) a atenção da da das

empresa” e pelos verbos no imperativo: vamo(s)s ajudá(r)”, “vamo(s) patrociná(r)” e

“vamo(s) acordÁ(r)”. A sequência, portanto, apesar de não ter um conteúdo

informacional, tem uma importante função de natureza interacional, mas também

textual: fechamento dos segmentos tópicos referentes ao subtópico “Avaliação da

função social da revista”.

Em relação à segunda pergunta (“eu queria sabê(r) quanto à qualidade da

revista o conteúdo da revista você acha legal?”), o entrevistado responde com a mesma

avaliação da resposta anterior: “nota dez” e prossegue com o subtópico instaurado por

Rappin’ Hood na pergunta, evitando a resposta monossilábica que, segundo Urbano et

al. (2002) não é “de bom-tom ou ao menos de hábito”. Além de prosseguir com o

subtópico instaurado por Rappin’ Hood, “Avaliação do conteúdo da revista”, IP

retoma o subtópico “função da revista”, parafraseando a sua própria fala anterior por

meio da expressão: “como eu já disse”. Ou seja, ele desenvolve o tópico instaurado na

pergunta por RH por meio de uma rápida avaliação, mas não dá prosseguimento a ele. O

retorno ao tópico anterior caracteriza, então, uma descontinuidade em termos da

organização linear da entrevista.

67

Exemplo 21

RH 4fora eles darem oportunidade para os moradores de rua... eu queria sabê(r) quanto à qualidade da revista o conteúdo da revista você acha legal?

IP muito nota de(i)z assim nota de(i)z mesmo... 5assim... como eu já disse... presta serviço social aos aposentado aos moradores de ruas e etecetera

No final da entrevista, observamos o que Adam (2008 apud PASSEGGI et al.,

2010) denomina sequência fática de fechamento em que os interlocutores se agradecem

mutuamente:

Exemplo 22 RH muito obrigado Ivón satisfação IP brigada você aí RH valeu valeu

No caso, observamos expressões idiomáticas relativas ao contexto do registro

dos manos: “satisfação” e “valeu” que, segundo Granato (2011), constroem “efeitos de

pertencimento do locutor à comunidade referenciada” e reforçam “as ideias de que

produtores, plateia e entrevistados compartilham valores, crenças e atitudes e que

participam todos de uma mesma comunidade”.

Observemos agora a organização tópica da entrevista que nos mostra os dois

subtópicos desenvolvidos na entrevista, “Avaliação da função social da revista” e

“Avaliação do conteúdo da revista”.

Gráfico 10: Organização Tópica da Primeira Entrevista com Ivan do Patrocínio

Revista Ocas

Avaliação da Função Social da

Revista

Avaliação do Conteúdo da

Revista

1 3 2

68

Além do desenvolvimento desses dois subtópicos, inseridos por Rappin’ Hood

e desenvolvidos por Ivan do Patrocínio, observamos na entrevista além das sequências

dialogais de abertura e fechamento com apresentações, cumprimentos, saudações e

agradecimentos (como podemos observar no exemplo 22), uma sequência dialogal cujo

caráter é publicitário e convidativo, como já expusemos. A organização linear dessa

entrevista, portanto, fica caracterizada pela abertura com sequência dialogal,

desenvolvimento com segmentos tópicos e fechamento com sequências dialogais. Ainda

podemos observar uma sequência dialogal entre os dois subtópicos desenvolvidos, o

que mostra mais uma vez, a nosso ver, que além da natureza interacional, essas

sequências apresentam uma função organizacional do texto. Observemos, então, a

organização linear desse texto na tabela abaixo:

Tabela 2: Organização Linear da entrevista com Ivan do Patrocínio

Sequência Linear

Sequências Fáticas Dialogais

Segmentos Tópicos

Abertura

Cumprimento

Pergunta de apresentação

Resposta de apresentação

Cumprimento

Desenvolvimento

1. Avaliação da Função Social da

Revista

Convite ao patrocínio

2. Avaliação do Conteúdo da

Revista

3. Avaliação da Função Social da

Revista

Fechamento Agradecimentos

Em relação à segunda entrevista, podemos observar que os interlocutores se

cumprimentam e Rappin’ Hood novamente faz perguntas introdutórias e o entrevistado

Paulo Magrão (PM) além de responder seu nome e o bairro de onde vem, também cita o

projeto social que desenvolve em seu bairro.

69

Exemplo 23 RH 19[bom... desse outro lado da plateia tem] alguém tam(b)ém... salve 20[Paulo] PM 20[e aí...] beleza? RH fala pra mim seu nome da onde você vem fica a vontade PM Paulo Magrão... eu sô da Capão Cidadão... e é um prazê(r) tá aqui de novo...

com você né Rap RH satisfação nossa PM a gente:: vem do Capão Redondo... fazê um trabalho lá com a 21[Associação

Capão] Irene... São Miguel todo mundo junto aí é isso aí

Antes de fazer a primeira pergunta, Rappin’ Hood parafraseia aquilo que

Daniel Martins fala na entrevista sobre o preço da revista, retomando o tópico “Preço

da revista”.

Exemplo 24

RH 1ó a revista custa tre(i)s reais sendo que dois reais ficam com o com o vendedor e um real é revertido pra suten/sustentabilidade da publicação da produção... (vo)cê acha que isso aí é um preço... um preço legal po povo comprá(r)?

Novamente, observamos que o apresentador restringe a pergunta à resposta do

tipo sim/não, visto que direciona a resposta não para que seja feito um comentário sobre

o preço da revista, mas para que se responda sobre a adequação ou não do preço. O

subtópico que Rappin’ Hood desenvolve em sua pergunta é “Avaliação do Preço da

revista” que já fora rapidamente mobilizado pelo vendedor Daniel Martins na

reportagem.

Apesar de ser uma pergunta “fechada”, o entrevistado Paulo Magrão, ao

contrário do primeiro entrevistado, não repete as mesmas informações dadas por RH,

mas insere novos conteúdos informacionais. Antes, porém, o participante faz a inserção

do tópico29 “Guerreiro Cláudio Bongiovani”:

Exemplo 25

PM ó u:: eu... 2eu co/ eu conheci o Cláudio algum tempo atrás na Paulista...

29 A inserção constitui “resquícios de tópicos já abordados anteriormente na conversação” (JUBRAN et al., 2002, p. 65).

70

conheci ele no Capão também vendendo... eu vi o esforço

Nessa modalidade de inserção, os resquícios de tópico são “meras referências a

um conjunto conceitual claramente diferente daquele que está em relevância no

momento em que elas ocorrem”. Nesse caso, a inserção retoma de forma momentânea o

tópico mobilizado na reportagem (“A vida atual como funcionário da editora”) que não

estava, porém, em desenvolvimento naquele momento da interação. Além disso, cabe

salientar que a inserção tem uma função aparente nesse caso. Observa-se que o

segmento inserido serve como uma forma de produzir uma validação da sua opinião, ou

seja, o entrevistado faz essa inserção como uma forma de mostrar conhecimento de

causa sobre o assunto: conhece o vendedor Claudio Bongiovani e já teve a experiência

de ver seu esforço.

Depois da inserção, PM retoma o subtópico “Avaliação do preço da revista”

por meio de uma sequência de natureza argumentativa. PM expõe sua opinião: “eu acho

até pô(u)co... né?” e em seguida, argumenta não por meio da argumentação clássica,

mas por meio de um período argumentativo que se inicia pelo conectivo “porque” e que

expande o tópico “Avaliação do preço da revista” por meio da topicalização da

“Avaliação do conteúdo da revista”. Diferentemente, porém, do primeiro

entrevistado, PM desenvolve esse subtópico por meio da exemplificação, como

podemos observar:

Exemplo 26

PM 5temos também a Conexão... lá do Rio de Janeiro temos várias revista 6mas aqui em São Paulo a Ocas pra mim é uma revista que:: faz matérias já vi Ferréz M.V. Bill Rappin Hood... ele faz uma matéria referente as pessoas da RUa... né... que vivem na rua e... o rap é da rua né... é o é o movimento da rua

No desenvolvimento desse subtópico, PM faz novamente uma inserção (“Outra

revista formato tabloide”), dessa vez para exemplificar (“temos também a Conexão...lá

no Rio de Janeiro”), o que segundo Jubran (1999, p. 134) “aponta o envolvimento do

locutor com o assunto, revelando sua atitude em relação ao conhecimento do que

comunica: a de que este se baseia na evidencialidade dos exemplos”.

Como essa inserção é um caso de parênteses correlacionado com o conteúdo

tópico, ele atenua a propriedade de desvio de tópico, particularizadora da

71

parentetização, na medida em que é concernente com os enunciados de relevância

tópica, por manter conexões de conteúdo com eles (JUBRAN, 2009, p. 135). Pelo fato

de guardar uma proximidade com o tópico discursivo em desenvolvimento, “o critério

do desvio tópico torna-se menos operante para a sua identificação”, por isso a

necessidade de observar as propriedades formais desse tipo de parentetização, como

“pausas, possibilidade de interrupção sintática do enunciado em que se encaixam e

posterior retomada do mesmo, marcadores de suspensão e de retorno do tópico

(JUBRAN, 1999, p. 134). Na inserção em análise, observa-se a pausa depois que se

finaliza a parentetização, caracterizando que se trata, de fato, de uma parentetização e de

um desvio do tópico, apesar de manter uma relação com o conteúdo abordado.

PM encerra sua resposta citando exemplos de matérias com protagonistas de

movimento social, entre eles, o seu próprio interlocutor Rappin’ Hood, concluindo que a

revista traz matérias sobre a rua: tanto sobre as pessoas que vivem na rua como sobre o

rap¸ um movimento da rua, segundo o entrevistado. Para o fecho ou saída da interação, como já dissemos, é recorrente o uso de

expressões de agradecimento. No caso do fechamento dessa entrevista, observamos

novamente expressões que pertencem ao registro dos manos, o que reforça, mais uma

vez, o pertencimento ao grupo e compartilhamento de valores, crenças e atitudes, como

já mencionamos.

Exemplo 27 RH é isso me(s)mo Paulo Magrão satisfação 22[tamo junto rapa(i)z] PL 22[((palmas e gritos))] PM 22[valeu brigado]

A organização tópica da resposta do segundo entrevistado revela que PM não

se limita ao subtópico inserido por RH na pergunta, “Avaliação do preço da revista”,

mas expande o supertópico “Revista Ocas” com o desenvolvimento de um tópico que

não havia sido mencionado na reportagem, mas que fora instaurado na primeira

entrevista por RH e que o entrevistado IP não desenvolvera. Cabe salientar que a

expansão do tópico se dá para justificar a avaliação do preço da revista.

A organização tópica da segunda entrevista fica, então, assim organizada:

72

Gráfico 11: Organização Tópica da segunda entrevista

Podemos observar que os dois subtópicos são desenvolvidos em dois

segmentos tópicos, o que mostra mais simetria entre eles em termos de

desenvolvimento. Além disso, apesar da linearidade dos tópicos no nível sequencial, há

duas inserções, porém, como já afirmamos, essas inserções não causam uma pausa

abrupta dos tópicos em andamento naquele momento da interação, pois mantêm

conexões de conteúdo com eles. Tanto assim que podemos perceber que os tópicos

voltam a ser desenvolvidos após a pequena interrupção das inserções.

O primeiro entrevistado, como já dissemos, apesar de não expandir o tópico

instaurado por Rappin’ Hood, ao contrário do segundo entrevistado que expande o

tópico “Avaliação do preço da revista” instaurado pelo apresentador para um segundo

subtópico, “Avaliação do conteúdo da revista”, não podemos deixar de considerar que

Ivan do Patrocínio faz uma importante ação em relação à revista Ocas, assim como as

duas entrevistas como um todo fazem: uma defesa da revista. No caso de Ivan do

Patrocínio, observamos uma sequência dialogal que apresenta o caráter publicitário,

chamando a atenção dos patrocinadores, como já discutimos. Portanto, não podemos

analisar uma interação seja ela qual for sem levar em consideração que, além de

Inserção

Revista Ocas

Avaliação do Preço da revista

Avaliação do Conteúdo da revista

1 3 4 6

2 5

73

conteúdos informacionais, há importantes ações, tanto aquelas que já estão consolidadas

quando indivíduos se encontram ou se despedem, como as sequências fáticas de

abertura e fechamento de um diálogo (ADAM, 2008 apud PASSEGGI et al., 2010),

como outras cujo caráter não é o de fazer cumprimentos ou agradecimentos e

despedidas, mas o de fazer apresentações, convites, elogios etc.

Propomos, então, novamente a observação da organização linear por meio da

consideração não apenas dos segmentos tópicos, mas das sequências fáticas dialogais

cuja ocorrência também podemos observar na segunda entrevista:

Tabela 3: Organização Linear da entrevista com Paulo Magrão

Sequência Linear

Sequência Fática Dialogal Segmentos tópicos

Abertura

Cumprimentos

Pergunta de apresentação

Boas-vindas

Resposta de Apresentação

Cumprimento pela participação

Apresentação do lugar de origem

Desenvolvimento

1. Avaliação do Preço da Revista

2. Inserção de caráter argumentativo (“A vida atual como funcionário da editora”

3. Avaliação do preço da revista

4. Avaliação do conteúdo da revista

5.Inserção de caráter exemplificador (“Outra revista formato tabloide”)

6. Conteúdo da Revista

74

Encerramento Agradecimentos

Podemos concluir, então, que tanto as perguntas feitas por Rappin’ Hood

como as respostas dos dois entrevistados assinalam que o objetivo de expandir o tópico,

que era nossa hipótese inicial em relação às entrevistas feitas na plateia pós-reportagens,

configura-se, mas de forma avaliativa, argumentativa: os entrevistados produzem

sequências argumentativas para justificar as avaliações positivas em relação ao preço e

ao conteúdo da revista. O primeiro entrevistado faz avaliações de dois tópicos já

abordados na reportagem, a função social da revista e o preço da revista; e o segundo

entrevistado também desenvolve o subtópico “Avaliação do preço da revista” e um

novo subtópico que também tem caráter avaliador: “Avaliação do conteúdo da

revista”. Os entrevistados, portanto, ao avaliarem positivamente os aspectos função

social, preço e conteúdo da revista e ao fundamentarem suas avaliações, reforçam a

divulgação da revista feita pelo programa.

75

Capítulo 4: Considerações Finais 4.1 Conclusões

Nossas conclusões apontam para o fato de que a expansão dos tópicos da

reportagem ocorre nas entrevistas por meio de avaliações de tópicos já desenvolvidos

naquela, “Avaliação da função social da revista” e “Avaliação do preço da revista”,

e o desenvolvimento de um novo tópico, “Avaliação do conteúdo da revista”. Os

entrevistados promovem, então, por meio de pontos de vista positivos e de

argumentação, o reforço da divulgação da revista, já iniciado na reportagem por meio

das sequências descritivas e narrativas sobre a revista que informaram o telespectador

sobre as histórias de vida dos beneficiados pelo Projeto e que reforçaram, por sua vez, a

ideia de que Cláudio Bongiovani e Daniel Martins têm uma outra vida desde a

oportunidade oferecida pelo Projeto Ocas.

Tanto na reportagem como nas entrevistas, apesar de serem desenvolvidos

tópicos diferentes por meio de sequências textuais diversas (descritivas e narrativas na

primeira e argumentativas nas entrevistas) e por sujeitos que, no primeiro caso, são

beneficiados pelo Projeto e, no segundo caso, conhecem a Revista, podemos observar

que há promoção da divulgação da revista.

4.3 Possibilidades de desenvolvimento da pesquisa

Pretendemos realizar a continuação do presente trabalho em nossa pesquisa de

Mestrado. Nosso intuito é realizar descrições e análises mais aprofundadas sobre o

impacto dos recursos mobilizados pelos falantes no nível textual na caracterização de

determinados registros de linguagem.

Iremos ampliar o corpus e, assim, analisar a organização tópica no nível

hierárquico e linear das interações entre apresentador e entrevistado na plateia e das

entrevistas com moradores da periferia em reportagens externas de 10 amostras do

programa de auditório “Manos e Minas. Nossas análises da gestão do tópico discursivo

no programa “Manos e Minas” contribuirão, a nosso ver, para uma melhor

caracterização do repertório textual dos registros orais dos manos.

76

Entendemos, então, que a gestão do tópico discursivo é um dispositivo

importante para se caracterizar o registro de determinado grupo, visto que quando se

analisa esse recurso textual, analisam-se certos conteúdos mobilizados de determinado

modo em determinado contexto, ou seja, analisa-se a configuração de recursos

semânticos (HALLIDAY, 1978), associando-os ao contexto em que ocorre.

Assumimos que o registro e os estilos dos manos são concebidos como

realidades linguístico-discursivas fundamentalmente heterogêneas, apresentando graus

de tipificação variáveis, dependentes não apenas da configuração das situações

(HALLIDAY, 1978), mas também dos propósitos comunicativos e da competência

metapragmática dos sujeitos (IRVINE, 2001), principalmente no que diz respeito à

manipulação estratégica dos elementos que compõem tanto o registro como os estilos.

Partimos ainda do postulado de Agha (2007 apud BENTES, 2009a) de que,

apesar do registro ser um modelo reflexivo que avalia conjuntos de repertórios para

classificações de pessoas e grupos, não há “um compartilhamento uniforme por parte

dos falantes do registro em questão, mas de uma coordenação e manipulação mútua de

modelos parcialmente sobrepostos que possibilitam formas ordenadas de interação entre

os sujeitos”. Consideramos, então, que o registro dos manos, assim como qualquer outro

registro, não é homogêneo e estático, visto que são “modelos reflexivos de avaliação e

de uso apenas parcialmente compartilhados pelos sujeitos” (AGHA, 2007 apud

BENTES, 2009a; grifos nossos), o que se conclui que:

(...) o registro e os estilos dos manos, reconhecíveis tanto pelos sujeitos que reivindicam essa identidade para si como por aqueles que se afastam dessa identidade, constituem-se em pontos de um continuum de outros registros e estilos; determinados elementos desses outros registros e/ou estilos (principalmente o léxico, mas não apenas) podem emergir no interior da produção discursiva dos manos, o que reforça a natureza heterogênea do repertório verbal mais geral dos manos (BENTES, 2009a).

A partir da postulação da não-homogeneidade de registro em um grupo, Agha

(2007 apud BENTES, 2009a) conclui que quando se analisa um determinado grupo

social, encontra-se sempre um fracionamento ou uma fragmentação desse grupo em

outros, o que se denomina fracionamento sociológico. Assim, pode-se concluir que, ao

se estudar as práticas de linguagem de determinado grupo social, percebe-se a

diferenciação identitária interna ao próprio grupo (BENTES, 2009a, p. 14).

77

Partindo das nossas conclusões sobre a descontinuidade tópica na produção

textual do rapper Mano Brown (MARIANO, 2011) e partindo do pressuposto de que

estilo e registro não se revelam apenas por meio de marcas estritamente linguísticas,

mas também pela manipulação de recursos do nível textual, temos como hipótese que

gestão do tópico discursivo, articulada ao tipo textual e à configuração relacional da

situação (GOFFMAN [1964] 2002; [1979] 2002), são os recursos textuais e

interacionais que podem auxiliar na caracterização dos registros linguísticos desse grupo

social.

Percebemos, ao realizar a transcrição das amostras do programa, que a maneira

como os entrevistados organizam textualmente suas respostas parece contribuir para a

caracterização dos registros dos manos, como foi observado nas análises iniciais de

Bentes et al. (2011). As pesquisadoras analisaram a interação entre o apresentador

Rappin’ Hood com dois integrantes da plateia (dados retirados de GRANATO, 2011, p.

174-175) e apontou duas possibilidades de conclusão que devem ser investigadas: (i) a

postulação de registros linguísticos diferentes, a depender dos graus de tipificação a

serem encontrados no corpus ou (ii) a postulação de um registro comum, que apresenta

conjuntos de repertórios diferentes entre si, mas que são compartilhados por seus

falantes (BENTES et al., 2011).

Partindo desse pressuposto, nossa pesquisa buscará analisar como a gestão do

tópico contribui para a compreensão da diferenciação social existente no interior da

comunidade dos moradores de periferia, sendo que para isso “não se faz necessário

comparar práticas linguístico-discursivas desses sujeitos com as de outros grupos

sociais, mas investigar mais detalhadamente o estabelecimento de distinções no interior

dos subcampos sociais nos quais estes sujeitos circulam (...)” (BENTES, 2009a).

78

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

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80

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81

ANEXO

Transcrição da reportagem exibida no Programa “Manos e Minas” de 16/07/200830

Situação Reportagem Externa Participantes PM: Primeira mulher

SM: Segunda mulher DM: Daniel Martins VE: Vendedor GA: Guilherme Araújo CB: Cláudio Bongiovani

((foco em DM, que começa a cantar uma música))

30 Destacamos que utilizamos como modelo de transcrição uma adaptação dos modelos já existentes, a saber: Iboruna e Cogites. Além disso, cabe salientar que a transcrição já está marcada com as segmentações dos tópicos discursivos por meio de números maiores e a abertura e fechamento dos colchetes.

82

DM ((dirigindo-se para a câmera)) eu vou pra praia vou viver em frente ao mar... conhece esse sambinha? é gostoso pra dedéu... ((corte de edição, DM encontra com uma mulher)) tudo bem com a senhora? PM tudo bem DM tudo ótimo... eu sou o Daniel Martins eu sou da revista Ocas... ((corte de edição,

DM dirige-se a outra mulher)) a senhora já conhece Ocas? SM eu sei que é de:: de rua né? DM eu não sou morador de 15[rua] SM 15[tá] DM eu tive dificuldade de emprego devido a minha idade PM ((corte de edição: retorno à primeira interação)) eu vou levar tudo (inint.) DM eu vou fazê(r) eu vou fazê(r) um promoção pra você PM (es)tá certo DM duas por cinco (es)tá certo? PM (es)tá bom VE ((corte de edição, novo ambiente: centro de distribuição da Revista

Ocas))1bom... pra quem não sabe a Ocas... ((corte de imagem: mostra-se VE distribuindo revistas aos vendedores)) é um:: projeto social que dá oportunidade de trabalho pra quem tá... em risco social

DM ((corte de edição: retorno ao cenário inicial, a rua, DM dirigindo-se à câmera))2com cinquenta e nove anos de idade eu fui procurá(r) emprego há dois tre(i)s anos atrás... e não consegui emprego pEla idade... ((corte de imagem: mostra-se o cotidiano de trabalho de DM nas ruas, no centro de distribuição pegando revistas, fazendo as intervenções)) os novos num tem oportunidade po(r)que não tem experiência quem tem experiência eles não aceita(m) po(r)que acha que passô(u) dos quarenta já tá velho... então era praticamente aquele negócio tê que vendê(r) o almoço pra... comprá(r) a janta... 3HOje eu... graças a essa revista... estou me dando bem com várias pessoas a gente tem oportunidade de conhecê(r) muitas pessoas bacanas que nos dão apoio... 4((corte de edição: dirigindo-se à segunda mulher))o que eu vendo entre os ter(i)s reais dois 16[são meus para quem Vende] para o vendedor

SM 16[tá::] GA ((imagem da revista, corte de edição: novo ambiente, escritório da revista))

5são pessoas fantásticas inclusive o Cláudio é um dos primeiros vendedores da revista... ((corte de imagem: mostra-se uma fotografia de Cláudio enquanto ocorre a pausa)) um dos GRANdes... divulgadores da... da iniciativa ((corte de imagem: mostra-se uma fotografia de Cláudio)) já esteve no Brasil em São Paulo no estado inteiro levando a revista

CB ((corte de edição: novo ambiente, CB sentado em um parque))6eu tive tudo na vida... sô(u) formado em Química trabalhei na Usiminas... tinha casa carro... família... ((corte de edição, porém, com continuidade do cenário))7aí aconteceu a fatalidade... família foi numa festa... e na volta o carro bateu c‘um caminhão de made(i)ra e::... faleceram todos...((corte de imagem: imagens de moradores de rua enquanto ocorre a pausa)) e:: no outro dia... depois do do enterro tive outra decepção... a minha casa e a casa do vizinho tava arrombada...

Sequências

Fáticas

Dialogais

83

ro(u)bada queimada... ((corte de edição, porém, com continuidade do cenário)) num teve decisão... não... é::... eu vi... é:... automático... eu vi a única coisa que eu peguei foi um álbum de foto da minha filha... ((corte de imagem: exibição da imagem de uma fotografia enquanto ocorre a pausa)) dos meus filhos... e simplesmente algum que não tinha queimado né? e simplesmente saí... ((começa música de fundo com intercalação entre a imagem de CB falando e imagens de moradores de rua)) 8aí fiquei andando... fiquei vagando na rua... era só bebida a gente comia... uma vez a cada... dois ter(i)s dia(s)... frio chuva... eu fiquei na rua onze meses... eu dormia naquele viaduto lá da da do MASP o São Carlos do Pinhal... ((corte de imagem: imagens do viaduto mencionado e por último, imagem de CB vendendo a revista em frente à Estação da Luz, em São Paulo, enquanto ocorre a pausa)) e uma coisa muito importante que eu aprendi na rua é ((corte de imagem: enquanto CB fala, aparecem imagens dele vendendo sua revista em frente à Estação da Luz, em São Paulo)) que as pessoas não trata as pessoas que estão em condição de rua como ser humano... é simplesmente alguma coisa... 9((intercalação da imagem de CB falando e de imagens dele vendendo a revista em frente à Estação da Luz e do Museu da Língua Portuguesa)) hoje... eu sou funcionário... da Editora Segmento... hoje eu tenho carte(i)ra assinada tenho os benefícios da C.L.T.... e sô(u) um funcionário comum como qualqué(r) o(u)tro empregado... como o fênix ressurgindo da cinza... a partir do momento que ele acreditá(r) que ele é capaz ele pode tudo

DM e eu costumo sempre ter comigo uma frase... um:... uma estrofe daquela música de Antonio Carlos Jocafi... “errei mas tenho forças pra recomeçá(r) dizem que pau que nasce torto morre torto eu não sou pau posso me regenerá(r) é isso que vai acontecê(r) ((começa a música cujo trecho DM citou em sua fala concomitante a imagens da rua, a informações sobre a revista Ocas e os créditos da reportagem durante 20 segundos))

Sequências

Fáticas

Dialogais

84

Transcrição da entrevista exibida no Programa “Manos e Minas” de 16/07/2008 Situação Entrevista na plateia Participantes PL: Plateia

RH: Rappin’ Hood IP: Ivan Patrocínio PM: Paulo Magrão WB: Walmir Borges

PL 16[((palmas e gritos))] RH 16[firmeza total revista Ocas] representa... queria sabê(r) se na plateia tem

alguém aqui que conhece a revista Ocas... VOCÊ... IP como vai você? 17[tudo bem? como vai a saúde?] RH 17[SALve...] Ivan fica a vontade... fala o seu nome 18[e da] onde você veio] IP 18[meu nome] meu nome é Ivan Patrocínio eu vim lá da quebrada de Ponte Alta

Guarulhos ao lado de Bom Sucesso ali RH isso me(s)mo rapa(i)z satisfação... Ivón..eu queria sabê(r) 1o que você acha...

da iniciativa da revista Ocas de dá(r) oportunidade de emprego para moradores de rua?

IP ó é essencial é nota dez... assim... além da revista prestá(r) esse serviço social po... a-ao aposentado que... tem dificuldade de arrumar um emprego... vai ali vende sua revista e tem a sua comissão.. i: pô... a o... quero chamá(r) a atenção da da das empresa pô vamo(s) ajudá(r) vamo(s) patrociná(r) essas revistas que presta serviço social gente... vamo(s) acordÁ(r) vamo(s) acordÁ(r)

RH 2eu queria te fazê(r) uma ô(u)t(r)a pergunta... fora eles darem oportunidade para os moradores de rua... eu queria sabê(r) quanto à qualidade da revista o conteúdo da revista você acha legal?

IP muito nota de(i)z assim nota de(i)z mesmo... 3assim... como eu já disse... presta serviço social aos aposentado aos moradores de ruas e etecetera

RH muito obrigado Ivón satisfação IP brigada você aí RH valeu valeu PL 19[((palmas)) RH 19[bom... desse outro lado da plateia tem] alguém tam(b)ém... salve 20[Paulo] PM 20[e aí...] beleza? RH fala pra mim seu nome da onde você vem fica à vontade PM Paulo Magrão... eu sô da Capão Cidadão... e é um prazê(r) (es)tá(r) aqui de

novo... com você né Rap RH satisfação nossa PM a gente:: vem do Capão Redondo... fazê(r) um trabalho lá com a 21[Associação

Capão] Irene... São Miguel todo mundo junto aí é isso aí PL 21[((palmas e gritos))] RH é isso me(s)mo rapa(i)z... 1ó a revista custa tre(i)s reais sendo que dois reais

ficam com o com o vendedor e um real é revertido pra suten/sustentabilidade da

Sequências

Fáticas

Dialogais

Sequências

Fáticas

Dialogais

Sequências Fáticas Dialogais

Sequências

Fáticas

Dialogais

85

publicação da produção... cê acha que isso aí é um preço... um preço legal po povo comprá(r)

PM ó u:: eu... 2eu co/ eu conheci o Cláudio algum tempo atrás na Paulista... conheci ele no Capão também vendendo... eu vi o esforço...3eu acho até pô(u)co... né?... porque::... é apenas dois reais... ter(i)s reais a revista para o pu/ grande público é um preço realmente irrisório... 4e num compram nem metade das matérias do conteúdo que você vai adquirir culturalmente para o seu EU... aquela revista é para mim é uma das mais importantes... formato tabloide que existe no país... 5temos também a Conexão... lá do Rio de Janeiro temos várias revista 6mas aqui em São Paulo a Ocas pra mim é uma revista que:: faz matérias já vi Ferréz M.V. Bill Rappin Hood... ele faz uma matéria referente às pessoas da RUa... né?... que vivem na rua e... o rap é da rua né... é o é o movimento da rua

RH é isso me(s)mo Paulo Magrão satisfação 22[tamo junto rapa(i)z] PL 22[((palmas e gritos))] PM 22[valeu brigado]

Sequências Fáticas Dialogais