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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERPROFISSIONAIS NO HOSPITAL GERAL: CONTRIBUIÇÕES DA SAÚDE MENTAL PARA UMA CLÍNICA DO SUJEITO CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

DEPARTAMENTO DE SAÚDE COLETIVA

BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA

ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERPROFISSIONAIS NO HOSPITAL GERAL:

CONTRIBUIÇÕES DA SAÚDE MENTAL PARA UMA CLÍNICA DO SUJEITO

CAMPINAS

2016

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BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA

ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERPROFISSIONAIS NO HOSPITAL GERAL:

CONTRIBUIÇÕES DA SAÚDE MENTAL PARA UMA CLÍNICA DO SUJEITO

Dissertação de Mestrado apresentada à Pós-Graduação em

Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos

exigidos para obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva,

área de concentração: Política, Planejamento e Gestão em Saúde.

ORIENTADOR: PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA E ORIENTADO PELO PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

CAMPINAS

2016

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

BRUNO HENRIQUE BENGEL DE PAULA

ORIENTADOR: GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

COORIENTADOR:

MEMBROS:

1. PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

2. PROFA. DRA. ANA MARIA FERNANDES PITTA

3. PROFA. DRA. DANIELE SACARDO NIGRO

Programa de Pós-Graduação em [PROGRAMA] da Faculdade de Ciências

Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca

examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

Data: 24/02/2016

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AGRADECIMENTOS

Ao Gastão, por sua disponibilidade para a troca de saberes e práticas com os

mais jovens, além do apoio e confiança depositados neste trabalho...

À minha mãe, fonte inesgotável de identificações pessoais e profissionais...

Ao meu pai, principal responsável pelo processo de me tornar homem...

Ao meu irmão e às minhas irmãs, por acreditarem e incentivarem

incondicionalmente seu irmão mais velho...

Às equipes dos CAPSi Espaço Criativo e Roda Viva, pelo convívio diário de

trabalho, em que pude experimentar a potência da invenção, mesmo em

contextos de intenso sofrimento psíquico, podendo construir laços de

amizade e amor....

À Yumi, pelo carinho e parceria, fundamentais para o início deste trabalho...

À Giovana e Carolina, pelo acolhimento das angústias e ansiedades

despertadas durante a conclusão deste trabalho...

Ao Coletivo de Apoio e Estudos Paidéia, por todo o conhecimento generoso

que foi-me possibilitado...

À Danielle, ao Rubens e à Ana, pelas imensas contribuições científicas e

afetivas durante o momento de qualificação e de defesa do mestrado...

Aos meus amigos paulistanos, pela manutenção e investimento em nossas

relações de amizade, que já duram tantos anos, apesar das distâncias

geográficas...

Ao meu analista, por acompanhar-me na árdua tarefa de responsabilização

pelos próprios desejos e sintomas...

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RESUMO

O Hospital Geral nasce enquanto instrumento terapêutico somente a partir da segunda metade do século XVIII. É nesse momento histórico que o médico surge como a figura principal na organização hospitalar, enquanto portador do conhecimento sobre a cura e sobre a gerência econômica e espacial do hospital. A saúde mental, anteriormente excluída e enclausurada no manicômio enquanto campo de práticas, reintegra-se ao hospital geral tendo a interconsulta como uma ferramenta-chave nesse processo. Esta investigação teve como objetivo estudar as relações interprofissionais em um hospital público a partir do trabalho de interconsulta da saúde mental. Foi realizado levantamento e análise exploratória de todos os pedidos de interconsulta aos profissionais da saúde mental durante o período de um ano (junho de 2014 a maio de 2015). Procurou-se investigar a função clínico-institucional desses profissionais, utilizando-se de entrevistas semi-estruturadas aos profissionais da saúde mental e à equipe de uma enfermaria, analisando os dados obtidos por meio da abordagem metodológica Paidéia, fazendo uso de conceitos oriundos da Saúde Mental e da Saúde Coletiva. A partir dos resultados obtidos com o trabalho, buscou-se desenvolver contribuições para a implementação de novos arranjos/dispositivos de gestão dos processos de trabalho e da clínica e, dessa forma, poder compreender as condições de possibilidade que permitem a emergência de novas práticas em saúde centradas no sujeito, tanto para dentro do Hospital Geral como em suas articulações com a rede de serviços do SUS. Palavras-chave: trabalho interprofisisonal, interconsulta, apoio matricial, saúde mental no hospital geral.

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ABSTRACT The General Hospital is born as a therapeutic tool only from the second half of the eighteenth century. It is in this historical moment that the physician emerges as the leading figure in the hospital organization, as bearer of knowledge about healing and about the economic and spatial management of the hospital. Mental health, previously excluded and cloistered in the asylum as field practices, reintegrates to the general hospital with the interconsultation as a key tool in this process. This research aimed to study the inter-relationship in a public hospital from the mental health interconsultation work. Was conducted survey and exploratory analysis of all requests for interconsultation to mental health professionals during the period of one year (June 2014 to May 2015). We sought to investigate the clinical and institutional role of these professionals, using semi-structured interviews with mental health professionals and staff of a ward, analyzing the data obtained through the methodological approach Paideia, using concepts from Mental Health and Public Health. From the results obtained with the work, we sought to develop contributions to the implementation of new arrangements / management devices work processes and clinical and thus be able to understand the conditions of possibility that enable the emergence of new practices health-centered subject, both within the General Hospital as its articulations with the SUS service network. Keywords: interprofessional work, interconsultation, matrix support, mental health in the general hospital.

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 9

2. INTRODUÇÅO ........................................................................................... 10

2.1. Norma médica: considerações sobre o normal e o patológico ..... 10

2.2. O nascimento do Hospital Geral .................................................. 14

2.3. Interconsulta e saúde mental ....................................................... 17

2.4. O Hospital Geral como campo de estudo .................................... 25

2.5. As implicações da trajetória profissional do pesquisador ............ 26

3. OBJETIVOS ............................................................................................. 34

3.1. Objetivos gerais ........................................................................... 34

3.2. Objetivos específicos ................................................................... 34

4. METODOLOGIA ........................................................................................ 35

5. RESULTADOS ESPERADOS ................................................................... 38

6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................... 39

6.1. Observações de campo ............................................................... 39

6.2. Resultados quantitativos .............................................................. 41

6.3. Resultados qualitativos ................................................................ 50

6.3.1. Profissionais da saúde mental ................................................. 51

6.3.2. Profissionais da clínica médica ................................................ 62

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 77

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 84

9. ANEXOS ................................................................................................... 88

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1. APRESENTAÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo exploratório descritivo das

solicitações de interconsulta à saúde mental em um hospital geral, bem como

analisa tematicamente seis entrevistas com profissionais da saúde mental e

com outros profissionais da equipe de saúde.

O material está organizado em capítulos, além da introdução e dos

anexos. Na introdução, procuramos situar brevemente nosso objeto de

estudo e a motivação pessoal do pesquisador em relação ao tema.

Na primeira parte da introdução, são feitas considerações sobre a

norma médica e as bases epistemológicas que sustentam a clínica do normal

e do patológico. Na sequência, são apresentadas as condições de

possibilidade para o surgimento do hospital como instrumento terapêutico,

regido por uma organização disciplinar dos corpos e local de produção do

saber médico. Na terceira parte, é trabalhado o conceito de interconsulta na

saúde mental e suas implicações no hospital geral. Em seguida, o campo de

estudo do trabalho é contextualizado. Na quinta e última parte da introdução,

são trabalhados os conceitos de Clínica Ampliada e Compartilhada, Práxis

Paidéia, e de Apoio Matricial e de Equipes de Referências.

No capítulo seguinte, explicitamos o objeto de estudo, os objetivos

gerais e específicos propostos. A metodologia utilizada aparece no capítulo

posterior. A isto chamamos de “elementos constitutivos” da pesquisa.

Em seguida, são apresentados, analisados e discutidos os dados

quantitativos e qualitativos obtidos com o estudo, alem das observações

preliminares de campo.

No último capitulo do trabalho são feitas as considerações finais do

trabalho relacionando os objetivos propostos com os resultados obtidos.

Por fim, as tabelas, o parecer do comitê de ética e o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido podem ser visualizados nos Anexos.

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2. INTRODUÇÃO

2.1. Norma médica: considerações sobre o normal e o patológico

A prática clínica dentro do Hospital Geral privilegia o olhar como meio

de produção de conhecimento sobre a doença. Podemos retomar a

etimologia da palavra clínica, que traz consigo o sentido de “se debruçar

sobre o leito do doente”. O exame busca compreender o fenômeno

patológico presente no corpo que se submete à apreciação médica,

procurando delinear um diagnóstico a partir de uma série de procedimentos

avaliativos que visam apreender e combater os desvios dos processos

fisiológicos ditos normais. Mas o que a fisiologia determina como sendo

“normal”? E como faz para chegar a tal consideração?

Faremos uma incursão na obra O normal e o patológico de Georges

Canguilhem para compreender as condições de possibilidade que permitiram

a construção da fisiologia como disciplina privilegiada pela medicina para

que, em um segundo momento, possamos analisar o olhar examinador do

médico e suas conseqüências clínicas.

A partir de um estudo genealógico da medicina, enquanto

conhecimento e prática científica, Canguilhem (2014) destaca a influência da

corrente de pensamento positivista sobre o campo da medicina, desde A.

Comte e sua leitura sobre Broussais, tomando seu princípio como universal,

em que considera as doenças como alterações de excitação dos tecidos,

como falta ou excesso, para aquém ou além dos limiares do estado normal.

O “princípio de Broussais” constata a conservação da essência dos

fenômenos e suas modificações se dá somente por mudanças de

intensidade, não acarretando uma mudança de natureza. A conseqüência

desse postulado é de que os fenômenos de doença seriam coincidentes aos

fenômenos de saúde, já que representariam somente intensidades distintas.

Canguilhem (2014) questiona a validade dessas duas noções, excesso e

falta, denotando seu caráter explicitamente vago, apesar da pretensão

quantitativa inerente à sua utilização. Segundo o autor, somente podemos

nos referir à excesso ou falta a partir de uma norma balizadora, isso implica

“reconhecer o caráter normativo do estado dito normal” (Canguilhem, 2014, p.

24). A partir dessas considerações, ressalta-se a existência de “um ideal de

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perfeição [que] paira sobre essa tentativa de definição positiva” (p. 24).

Canguilhem (2014) faz objeção à tese de que a patologia seria uma fisiologia

mais ampla, e que esta última serviria como base científica para as

formulações das práticas terapêuticas, mas isso só teria sentido, segundo o

autor, se “fosse possível dar-se uma definição puramente objetiva do normal

como de um fato” e também se “fosse possível traduzir qualquer diferença

entre o estado normal e o estado patológico em termos de quantidade”

(Canguilhem, 2014, p. 24).

Dando continuidade à investigação das condições de possibilidade

para uma medicina científica, Canguilhem (2014) retoma os trabalhos de seu

conterrâneo Claude Bernard que, segundo o autor,

(...) considera a medicina como a ciência das doenças, e a fisiologia como ciência da vida. Nas ciências, é a teoria que ilumina e domina a prática. A terapêutica racional só poderia ser sustentada por uma patologia cientifica e uma patologia científica deve se basear na ciência fisiológica (p. 33).

Claude Bernard afirma que entre fisiologia e patologia há uma

correspondência das funções que estão em jogo no organismo. Portanto,

conhecer os mecanismos em funcionamento de um corpo sadio, serviria de

base para compreender as alterações patológicas. Segundo Bernard, “a

exageração, a desproporção, a desarmonia dos fenômenos normais

constituem o estado doentio” (Claude Bernard apud Canguilhem, 2014, p.

36).

Essa visão homogeneizante de normal e patológico revela uma

preocupação na manutenção da lei e da ordem ditas naturais, com intuito de

fazer valer o progresso como conseqüência da produção científica. Estamos

diante de uma proposta de defesa incondicional do positivismo na ciência

biomédica.

Para dar credibilidade a sua formulação teórica, Claude Bernard se

utilizou da experimentação controlada para quantificar seus conceitos

fisiológicos. Contudo, será possível anular o caráter qualitativo presente na

experiência mórbida, utilizando-se dos termos “dis-túrbio, des-proporção,

dês-armonia?”, pergunta-se Canguilhem (2014). E continua com o problema:

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“o conceito de doença será o conceito de uma realidade objetiva acessível ao

conhecimento científico quantitativo?” (p. 40).

A tentativa de Bernard não desconsideraria o valor dado pelo ser vivo

ao seu próprio adoecimento e isso seria passível de mensuração? Tratando a

saúde como uma norma médica, poderíamos pensar que a medicina buscaria

sempre a correção do estado patológico independentemente da existência de

um sujeito que o encarna.

Canguilhem (2014) refere que a validade da teoria de C. Bernard só se

confirma se restringirmos o fenômeno patológico a algum de seus sintomas,

ao buscar a causa dos efeitos sintomáticos em um mecanismo específico do

organismo (p. 47). Essa validade parcial revela uma limitação da teoria, visto

que reduz o olhar para fragmentos de um sistema – o corpo. Podemos

verificar na clínica os riscos envolvidos ao considerar os sintomas

isoladamente, descontextualizados. Para exemplificar, Canguilhem (2014)

explicita:

Um sintoma patológico pode traduzir isoladamente a hiperatividade de uma função cujo o produto é rigorosamente idêntico ao produto das mesmas funções nas condições ditas normais, mas isso não quer dizer que o mal orgânico, considerado como outro modo de ser da totalidade funcional, e não como uma soma de sintomas, não seja para o organismo uma nova forma de se comportar em relação ao meio (p. 50)

A prática clínica está cada vez mais degradada na pós-modernidade,

já que o contato prévio entre médico e paciente, em que por meio do

encontro se possibilita a tomada singularizada de uma história de vida e a

apreensão da ruptura de sua continuidade por conta da doença, vem

perdendo sua capacidade de produzir conhecimentos novos, ocorrendo um

abuso da utilização de protocolos (categorias pré-fixadas), ou seja, um eterno

retorno ao Mesmo. O ponto de vista do doente perde força e seu modo de

subjetivação não coincidem com a técnica objetivante do médico. Tratar o

estado patológico como extensão do estado fisiológico aniquila nossa

capacidade de considerar a singularidade da experiência mórbida, em seu

aspecto qualitativo.

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Apesar dessa vocação médica de ir a procura das constantes

fisiológicas presentes no evento patológico, não podemos esquecer que é a

partir da patologia que foi possível toda construção de uma fisiologia do

normal, visto que é a doença que tensiona os limites do corpo, rompendo

com o silêncio dos órgãos, enquanto ideal de saúde, assim como afirma

Leriche (apud Canguilhem, 2014). Mesmo se consagrando como a ciência da

vida, a fisiologia continua sendo tributária da patologia.

Inclusive, é a partir das doenças que o médico começa a por em

prática seu conhecimento e sua técnica, com o intuito de diagnosticá-las para

poder curar o paciente. Nas palavras de Canguilhem,

a tarefa que lhe cabe é determinar quais são os fenômenos vitais durante os quais os homens se dizem doentes, quais são as origens desses fenômenos, as leis de sua evolução, as ações que os modificam (p. 77).

De acordo com o autor, a ciência médica não faz especulação acerca

dos sentidos da existência para o ser, aliás se afasta cada vez mais de uma

apreensão ontológica do homem. Os valores desejados pelo homem, como

sinônimos de saúde, são segundo Jaspers (apud Canguilhem, 2014)

conceitos como:

A vida, uma vida longa, a capacidade de reprodução, a capacidade de trabalho físico, a força, a resistência à fadiga, a ausência de dor, um estado no qual se sente o corpo o menos possível, além da agradável sensação de existir (p. 77).

O próprio Jaspers explicita o desinteresse do médico pelo sentido das

palavras saúde e doença, pelos possíveis significados que têm para o

homem, estando voltado exclusivamente para a ciência dos fenômenos vitais.

Portanto, assim como o conceito de saúde é determinado socialmente, o de

doença não passaria impune e “mais do que a opinião dos médicos, é a

apreciação dos pacientes e das idéias dominantes do meio social que

determina o que se chama ‘doença’” (Jaspers apud Canguilhem, 2014, p. 76).

Apesar de não haver um compromisso da medicina com as

significações coletivas dadas à saúde e doença, a norma médica é

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hegemônica no que diz respeito às ofertas de meios possíveis para a

reconciliação do doente com seu bem-estar corpóreo, já que

teoricamente, curar é fazer voltar à norma uma função ou organismo que dela se tinham afastado. O médico geralmente tira a norma de seu conhecimento da fisiologia, dita ciência do homem normal, de sua experiência vivida das funções orgânicas, e da representação comum da norma em um meio social em dado momento (Canguilhem, 2014, p. 77).

Esses determinantes da norma representam as autoridades médicas,

predominando, indubitavelmente, a fisiologia como a principal delas, pois “se

apresenta como uma antologia canônica de constantes funcionais”, sendo

que “essas constantes são classificadas como normais enquanto designam

características médias e mais freqüentes de casos praticamente

observáveis”, bem como são “classificadas como normais porque entram,

como ideal, nessa atividade normativa que é a terapêutica” (Canguilhem,

2014, p. 77).

O normal, como ideal, expressão da norma médica, serve à medicina

como meta a ser alcançada pela terapêutica, mesmo que seu olhar

examinador, e objetificante, seja incompatível com a construção subjetiva

feita pelo paciente acerca de seu próprio processo de adoecimento.

Será a respeito da prática médica e de sua institucionalização no

hospital geral que iremos nos debruçar – para não perder a raiz etimológica

da palavra clínica – a partir deste momento do trabalho, utilizando-nos das

contribuições de outro autor francês, que fora orientando de Canguilhem -

Michel Foucault.

2.2. O nascimento do Hospital Geral

Enquanto instrumento terapêutico, o surgimento do hospital remonta à

segunda metade do século XVIII (Foucault, 1986, p. 99). De acordo com o

filósofo francês, esse tipo de estabelecimento já se fazia presente no cenário

das grandes cidades do Ocidente desde a Idade Média. Entretanto, até o

século XVII, essa edificação urbana assumia outra função social, a qual

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consistia em assistir material e espiritualmente os pobres que estavam à

beira da morte.

O hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doença e de possível contágio, é perigoso. Por estas razões, o hospital deve estar presente tanto para recolhê-lo, quanto para proteger os outros do perigo que ele encarna (Foucault, 1986, p. 101).

Espaço de salvação das almas daqueles que cuidam e dos miseráveis

assistidos, essa era a destinação desse espaço intermediário entre a vida e a

morte. Segundo Foucault (1986)

(...) o Hospital Geral, lugar de internamento, onde se justapõem e se misturam doentes, loucos, devassos, prostitutas, etc., é ainda, em meados do século XVII, uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual, em que a função médica não aparece (p. 112).

O hospital ainda não se organizava como um espaço medicalizado,

sendo que a medicina ainda não fazia do hospital seu lócus privilegiado para

a formação clínica de médicos. O encontro entre essas duas instituições

(Hospital e Medicina) não vai se dar de modo fortuito, mas a partir da

convergência entre uma tecnologia política – a disciplina; como técnica de

exercício do poder para o re-ordenamento hospitalar e para a gestão dos

homens - e o sistema epistemológico da medicina, tendo como modelo de

inteligibilidade da doença advindo da Botânica, isto é, considera-se a doença

como um fenômeno natural (Foucault, 1986, pp. 107-108). Embora, como já

fora citado por Jaspers (apud Canguilhem, 2014), há uma determinação

social do conceito de doença.

A concepção arquitetônica do hospital e sua distribuição espacial,

segundo Foucault (1986), além da própria administração dos corpos doentes,

representam o esquadrinhamento disciplinar que a instituição hospitalar está

submetida, sendo justificado por “razões econômicas, o preço atribuído ao

individuo, [e] o desejo de evitar que as epidemias se propaguem” (p. 107).

Paralelamente, as transformações no saber médico produzem outro conceito

de doença, entendida como composta por “espécies, características

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observáveis, curso e desenvolvimento como toda a planta.” (p. 107).

Portanto, a doença seria o efeito da ação da natureza, e de suas leis

naturais, sobre o indivíduo. Logo, será preciso intervir no meio que possibilita

o desenvolvimento desses fenômenos naturais, ou seja, será necessário agir

sobre “o ar, a água, a temperatura ambiente, o regime, a alimentação, etc.”

(p. 107) com o intuito de permitir a cura da doença.

Esse encontro entre o poder disciplinar e o saber da “medicina do

meio”, portanto, faz do médico a figura principal na organização hospitalar, já

que portador de um conhecimento da cura e, consequentemente, do modo

mais adequado de gerir econômica e espacialmente o hospital, fazendo

desse estabelecimento medicalizado um meio de intervenção terapêutica

sobre o doente e a doença.

A formação médica estará, a partir de então, condicionada ao acúmulo

de experiência no âmbito institucional, conformando, assim, sua concepção

de clínica.

Com a disciplinarização do espaço hospitalar que permite curar, como também registrar, formar e acumular saber, a medicina se dá como objeto de observação um imenso domínio, limitado, de um lado, pelo indivíduo e, de outro, pela população” (Foucault, 1986, p. 111).

Ao isolar os doentes será possível prescrever condutas

individualizadas, ao mesmo tempo que, ao se utilizar dos registros

documentais – os prontuários de hoje em dia –, será permitida a realização

de estudos comparativos e deduzir “fenômenos patológicos comuns a toda a

população” (p. 111).

A tecnologia hospitalar permitiu a conjugação de duas medicinas –

individual e populacional -, agenciamento histórico que, segundo Foucault

(1986), sofrerá uma redistribuição a partir do século XIX (p. 111).

Esse remanejamento das medicinas nos convida ao exercício reflexivo

de compreender quais as condições de possibilidade que permitiram a

institucionalização do modelo hospitalar com que nos deparamos na

contemporaneidade. A fragmentação do saber médico em compartimentos

especializados, o nascimento dos sistemas públicos de saúde, a migração de

outros núcleos de práticas e saberes para os serviços de saúde, são alguns

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exemplos de realidades historicamente constituídas e que co-existem na

atualidade, produzindo efeitos notórios e indissociados do objeto de

apreensão desse estudo - o Hospital Geral.

Dentre essas construções históricas que foram se constituindo ao

longo do tempo e que produziram mudanças significativas no cenário

institucional do hospital geral, desde o seu surgimento como instrumento

terapêutico no século XVIII, a transferência da psiquiatria do manicômio para

o nosocômio permitiu uma maior amplitude da prática clínica hospitalar, bem

como a entrada de outros núcleos profissionais, como a própria psicologia,

que também contribuíram nesse processo. Portanto, é relevante

apresentarmos uma das ferramentas que possibilitou esse intercâmbio da

psiquiatria com as outras especialidades médicas: a interconsulta da saúde

mental. Por conseguinte, considerando as particularidades presentes na

organização dos processos de trabalho da saúde mental no hospital geral,

mostra-se pertinente um aprofundamento teórico dessa ferramenta

institucional para elucidar as bases epistemológicas que sustentam essa

tecnologia, isto é, este conjunto de saberes e práticas que orientam os

trabalhadores em suas atividades laborais.

2.3. Interconsulta e saúde mental

Do ponto de vista histórico, como já foi dito, a interconsulta da saúde

mental representa uma reentrada da psiquiatria no hospital, que ocorreu “não

somente quando o psiquiatra começa a atuar com uma ideologia dinâmica

terapeuticamente efetiva, se não também quando o hospital decide aceitar a

internação de pacientes psiquiátricos” (Ferrari, Luchina e Luchina, 1980, p.

30). A psiquiatria clássica, embora compartilhasse do mesmo esquema

referencial teórico das outras especialidades médicas, tinha como lócus de

atuação não o hospital geral, mas o hospital psiquiátrico (ou manicômio),

isolando-se assim das outras medicinas.

De acordo com Ferrari, Luchina e Luchina (1980), “a aparição

simultânea e em grande escala de serviços psiquiátricos com possibilidade

de internação em hospitais gerais ocorre após a Segunda Guerra Mundial” (p.

30). A prática psiquiátrica inserida no contexto do hospital geral, não mais

restrita ao manicômio, liga-se a uma especialidade denominada consultation-

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liaison psychiatry ou psychosomatic medice, como passou a ser nomeada

nos Estados Unidos. Se desenvolveu no país norte-americano desde a

década de 1930, conforme as unidades psiquiátricas foram se consolidando

no interior dos hospitais gerais. Após a Segunda Guerra Mundial, há um

aumento significativo desta prática, por conta do acolhimento de ex-

combatentes que manifestavam algum tipo de transtorno mental (Botega,

2012).

Além da expansão desses serviços, em escala mundial, para abarcar

os diversos tipos de sofrimento psíquico decorrentes da violência

desproporcional vivenciada nos campos de batalha, o término dos conflitos

armados suscitou reflexões sobre o papel das próprias instituições

segregadoras na sociedade – como os manicômios –, contribuindo assim

para que modificações no campo da saúde mental fossem possíveis.

Segundo Amarante (2007), os campos de concentração, forjados na

Segunda Guerra Mundial, trouxeram à tona o horror produzido por esses

depósitos de pessoas, fazendo a sociedade refletir acerca da natureza

humana, criando condições de possibilidade para a ocorrência de

transformações no campo da psiquiatria. Consequentemente, as instituições

totais (Goffman, 2013) passaram a ser alvo de crítica devido às diversas

violações da dignidade humana, permitindo a sociedade dirigir seus olhares

aos manicômios e às condições de vida oferecidas aos pacientes

psiquiátricos internados nessas instituições, que nada se diferenciavam dos

campos de concentração. A constatação dessa situação permitiu que as

primeiras experiências de reforma psiquiátrica pudessem nascer.

Amarante (2007) categoriza essas experiências em três grupos

distintos. O primeiro grupo é composto pela Comunidade Terapêutica

(Inglaterra) e Psicoterapia Institucional (França), em que ambas as

experiências apostaram na reinvenção da instituição asilar através de uma

remodelagem da gestão e da clínica. No segundo grupo, estão presentes as

experiências da Psiquiatria de Setor (França) e a Psiquiatria Preventiva

(Estados Unidos), em que se acreditava que o modelo hospitalar estava

obsoleto e que era necessária a construção de outros serviços assistências

que viessem a diminuir a importância do hospital psiquiátrico. Por fim, o

último grupo é formado pela Antipsiquiatria (Inglaterra) e pela Psiquiatria

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Democrática (Itália), propostas não reformistas da psiquiatria, mas correntes

de pensamento que criticaram os pressupostos que sustentam o modelo

científico psiquiátrico, incluindo seus serviços assistenciais, propondo a

desconstrução da psiquiatria enquanto instituição.

Já no Brasil, de acordo com Amarante (1995), “a reforma psiquiátrica é

um processo que surge mais concreta e, principalmente, a partir da

conjuntura da redemocratização, em fins da década de 70” (p. 87). É nesse

momento histórico que os ideais ético-políticos das reformas psiquiátricas

ocorridas na Europa e nos Estados Unidos ecoam no país, contaminando a

sociedade civil e, principalmente, os trabalhadores da saúde mental. Essa

conjuntura agrega várias entidades vinculadas à saúde fazendo eclodir “um

novo ator, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que

desempenha, durante um longo período, o principal papel, tanto na

formulação teórica quanto na organização de novas práticas” (p. 88).

Em 1987 ocorre o II Congresso Nacional do MTSM, na cidade de

Bauru (SP), em que é adotado o lema “Por uma sociedade sem manicômios”.

Vale relembrar que no mesmo ano foi realizada a I Conferência Nacional de

Saude Mental no Rio de Janeiro e também foi inaugurado o primeiro Centro

de Atenção Psicossocial (CAPS) do país, na cidade de São Paulo (Brasil,

2005).

O ano de 1989 marcou o início do processo de intervenção da

Secretaria Municipal de Saude de Santos (SP) na Casa de Saude Anchieta

(hospital psiquiátrico), local alvo de denúncias de maus-tratos e inclusive de

mortes de pacientes internados. No mesmo período, foram implantados os

Núcleos de Atenção Psicossocial na cidade, funcionando 24 horas (Brasil,

2005). Esse mesmo ano também

(...) marca a entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. E o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo (Brasil, 2005).

A década de 1990 é caracterizada por um processo de expansão

descontínuo dos CAPS e NAPS. As novas normatizações do Ministério da

Saude não estabeleceram uma linha especifica de financiamento dos

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serviços substitutivos, embora os regulamentassem. Não haviam normas de

fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos que previssem a

redução sistemática dos leitos, sendo que a maior parte dos recursos

federais ainda eram destinados aos hospitais psiquiátricos (Brasil, 2005).

O ano de 2001 foi marcado pela promulgação da lei 10216, após 12

anos de tramitação no Congresso Nacional. Vale ressaltar que o projeto

original foi rejeitado, tendo sido aprovado um substitutivo que dispõe sobre “a

proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e

redireciona o modelo assistencial em saude mental”, sem no entanto instituir

mecanismos claros que garantissem a progressiva extinção dos manicômios,

uma das aspirações fundamentais do texto original. De qualquer modo, a Lei

da Reforma Psiquiátrica Brasileira, como ficou conhecida, permitiu avanços

significativos no campo da saúde mental (Amarante, 2007).

Vale ressaltar que é a partir de 2002, através de uma série de

normatizações do Ministério da Saúde, incluindo especificamente o Programa

Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria),

que se instituem mecanismos com clareza, eficácia e segurança suficiente

para a redução dos leitos dos grandes hospitais psiquiátricos. Portanto, trata-

se da institucionalização do primeiro processo avaliativo sistemático e anual

dessas instituições (Brasil 2005).

No contexto da reforma, com o fechamento progressivo dos hospitais

psiquiátricos e criação dos serviços extra-hospitalares – como os CAPS –, o

hospital geral passou a ser o local de acesso para tratamento dos usuários

da saúde mental, seja para o cuidado de questões clínicas relacionadas ou

não ao adoecimento mental, seja para atender à crises agudas, podendo ser

utilizados leitos psiquiátricos em enfermarias de clínica médica ou com a

criação de enfermarias próprias de psiquiatria/saúde mental no interior do

hospital geral.

Botega (2012) chama atenção ao fato de que a instalação das

Unidades de Psiquiatria no Hospital Geral (UPHG) e a oferta de serviços de

interconsulta permitiram a psiquiatria se constituir como uma estrutura

organizacional no âmbito do hospital geral, ressaltando que essa entrada não

passou impune de resistências diversas, podendo ser observadas até hoje,

mas que, segundo o autor, esse processo de integração e interação mútua,

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com as demais especialidade médicas, só foi possível graças ao

deslocamento de pacientes com diagnósticos psiquiátricos para as unidades

de internação de psiquiatria, através da realização de interconsultas e

também em função da participação de psiquiatras em comissões

hospitalares.

Ao estudar o processo de reintegração da psiquiatria no hospital geral,

Ferrari, Luchina e Luchina (1980) explicitam as causas de fundo que

propiciaram esse movimento. Apresentaremos aqui as dez causas

levantadas pelos autores em seu trabalho.

1) A introdução de fármacos, a partir do desenvolvimento da

farmacologia, que em elevadas doses podem provocar transtornos

mentais, como a depressão ou quadros confusionais agudos.

2) A utilização de procedimentos técnicos e cirúrgicos mais invasivos,

com pré e pós-operatórios complicados, que podem acarretar

sofrimento psíquico mesmo em intervenções exitosas.

3) A administração cada vez mais freqüente de pacientes que

necessitam de cuidados médicos e psiquiátricos simultâneos. Como,

por exemplo, nos casos de episódios confusionais em pacientes

idosos ou de delirium tremens em usuários crônicos de álcool.

4) As trocas que foram se produzindo nos esquemas referenciais

médicos, com a necessária consideração do contexto psicossocial do

paciente, em que o conhecimento sobre fatores oriundos desse

contexto revela seu envolvimento na aparição, exacerbação e

perpetuação das doenças.

5) A diversificação dos métodos relativos à cura faz com que o

paciente deixe de depender somente de um médico, necessitando do

cuidado de outras especialidades médicas e também de profissionais

não médicos.

6) Ações terapêuticas cada vez mais despersonalizadas, por conta dos

avanços tecnológicos e do aumento do número de especialidades

médicas, produziram uma quebra da imagem do “médico de cabeceira

como continente dos problemas pessoais e familiares dos pacientes”

(p. 33).

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7) Os desenvolvimentos científicos na área da psicologia constituíram

um campo de atuação profissional antes destinado aos manejos

intuitivos da equipe de saúde. Vale ressaltar que a chegada ao

hospital produz uma crise na estabilidade emocional dos pacientes.

8) Por conta do aumento dos meios de comunicação e

consequentemente o maior acesso às informações relacionadas a

saúde, os pacientes tornam-se cada vez mais informados acerca das

causas das doenças, dos métodos terapêuticos existentes, além do

que implica sua colaboração no processo de cura. Os pacientes

deixam de ser sujeitos passivos, vindo a fazer exigências e sugestões

em seu tratamento, o que torna a tarefa do médico mais difícil.

9) As ansiedades interpessoais presentes no trabalho em equipe, além

do estresse advindo do próprio trabalho hospitalar, exercem influencia

sobre o trabalho do médico, afetando sua vida emocional e pessoal.

10) Por fim, uma maior proximidade com o paciente produz um

conhecimento mais profundo sobre sua vida pessoal, em que são

apresentadas situações que o médico vem a conhecer, mas não sabe

como intervir. Isso acarreta um aumento de ansiedade do profissional.

No atual momento, portanto, a interconsulta de saúde mental vem se

consolidando como uma prática clínica pertencente ao âmbito hospitalar.

Nogueira-Martins e Botega (1998) definem a interconsulta psiquiátrica como

uma sub-especialidade da Psiquiatria que trabalha na interface com a

Medicina, desenvolvendo práticas assistenciais, bem como de ensino e

pesquisa. A Interconsulta também é compreendida como um instrumento

metodológico utilizado no trabalho em serviços de saúde pelo psiquiatra,

objetivando compreender e aprimorar a tarefa assistencial.

No Brasil o termo interconsulta psiquiátrica é constituído pelas

categorias consultoria psiquiátrica e psiquiatria de ligação. Consultoria diz

respeito ao trabalho de um profissional da saúde mental que avalia e

prescreve tratamentos aos pacientes que tem seu cuidado sob

responsabilidade de outros profissionais especialistas. Sua presença no

serviço não é freqüente, mas episódica, já que responde a uma solicitação

específica para atendimento. Enquanto que a psiquiatria de ligação implica

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em um contato contínuo com setor do hospital geral, como as enfermarias,

por exemplo, em que o profissional da saúde mental participa do cotidiano do

serviço, compondo a equipe de saúde, participando das discussões de caso,

prestando assistência direta aos pacientes, além de lidar com questões

institucionais que permeiam à equipe, os pacientes e seus familiares, além da

própria unidade assistencial (Botega, 2012).

Embora, como afirma Botega (2012), a interconsulta de saúde mental

não seja uma prática hegemônica no hospital geral, alguns autores têm

elaborado diversos trabalhos para avaliar os resultados dessa prática.

Dentre esses trabalhos, Carvalho e Lustosa (2008) fazem uma revisão

da literatura acerca da interdisciplinaridade na área da saúde e a

interconsulta psicológica1, com vistas a apresentar suas contribuições para

garantir a integralidade do cuidado dos usuários do SUS e os limites a serem

superados. A partir do levantamento e análise das publicações relacionadas

ao tema, as autoras citam:

Vários estudos apontam os custos e as consequências negativas de negligenciar o manejo de transtornos psiquiátricos e queixas psicossociais durante o tratamento. Sobre os custos e a utilização dos serviços médicos, sabe-se que tal negligência acarreta na maior duração do tratamento médico, mais frequente e menos apropriada utilização de diagnósticos médicos e procedimentos, além de repetidas e desnecessárias readmissões hospitalares (Carvalho & Lustosa, 2008, p. 36).

Em outro trabalho de revisão de literatura, acerca da interconsulta

psiquiátrica2, Nogueira-Martins e Botega (1998) afirmam que há evidências

de que intervenções psiquiátricas, psicológicas e psicossociais acarretam

benefícios para os serviços hospitalares, bem como para os seus usuários,

1 Segundo Rossi (2008) a interconsulta psicológica “estuda os aspectos psicológicos e sociais da atividade médica hospitalar. Seus objetivos são auxiliar profissionais de outras áreas no diagnóstico e tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos ou psicossociais (situações emocionais emergentes) e intermediar a relação entre os envolvidos na situação (equipe de saude, pacientes e familiares), facilitando a comunicação, a cooperação e a elaboração de conflitos. (...) Envolve, portanto, um olhar centrado no paciente e não em sua doença (p. 31). 2 É digno de nota explicitar que no Brasil, em 1977, foi estruturado e organizado o primeiro serviço de interconsulta, inserido como estágio profissional na residência médica em psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), dentro do departamento de psiquiatria e psicologia médica. Em 1992 há o reconhecimento da Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association) da interconsulta como uma subespecialidade da psiquiatria (Botega, 2012).

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pois produzem uma diminuição do uso de serviços assistenciais, de exames

radiológicos e laboratoriais, além de reduzir o tempo de hospitalização,

resultando na queda dos custos com as internações hospitalares.

Os autores também enfatizam os efeitos dessa prática na formação

profissional dos psiquiatras, bem como na equipe de saúde como um todo.

No que se refere a formação de recursos humanos para a área de saude, a Interconsulta é uma importante estratégia pedagógica destinada a melhorar a qualificação profissional das equipes de saude, aumentando sua capacidade para identificar e resolver problemas de natureza psiquiátrica, em uma população onde a prevalência de tais problemas é alta. Um outro objetivo é o de aprimorar a qualificação do psiquiatra, mediante sua participação em unidades ou enfermarias clínico-cirurgicas, nas quais o interconsultor pode ter contato com situações que habitualmente não ocorrem em serviços especializados de Psiquiatria. (Nogueira-Martins & Botega, 1998).

Na Argentina, autores como Ferrari, Luchina e Luchina (1980)

desenvolveram o conceito de interconsulta médico-psicológica,

referenciando-se a atuação do profissional da saúde mental voltada para

relação médico-paciente, a partir da construção de um diagnóstico

situacional, utilizando-se do referencial psicanalítico para a compreensão e

manejo da situação. A interconsulta, portanto, emergiria a partir de um

conflito dessa relação.

A relação médico-paciente é compreendida, em termos

psicodinâmicos, como complexa e com certo grau de profundidade, sendo

modulada por mecanismos inconscientes de ambos os termos dessa relação.

Entre médico e paciente se estabelece um campo dinâmico, transferencial,

em que a doença transita e organiza-se neste interstício. A organização da

doença está condicionada às forças que atuam nessa relação em um

determinado espaço físico, sendo atravessada por aspectos pessoais,

familiares, institucionais e culturais. (Ferrari, Luchina & Luchina, 1980).

A interconsulta, portanto, concebe uma “semiologia do ‘campo

dinâmico’ médico-paciente, o que em outros termos significa saber como se

organizou a doença e como ela foi conduzida” (Ferrari, Luchina e Luchina,

1980). Esta semiologia, segundo os autores,

(...) terá diferentes alcances segundo as necessidades da crise, e esta pode envolver, como indicação, uma

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desestruturação total da organização levantada, fixa e estereotipada, que condicionou a crise, ou desestruturações parciais com instrumentalização operativa a nível do paciente e/ou da instituição; o que nunca pode ficar excluído de se considerar da crise é o médico. O interconsultor a cargo da Interconsulta precisa considerar o grau de operatividade que implica desestruturar a organização de uma doença e de uma relação médico-paciente em ação, introduzindo a variável (ação psiquiátrica) que significa cuidar de um paciente a partir de uma interconsulta, o que necessariamente comporta criar uma nova relação médico-paciente, uma nova organização da doença e pôr termino à anterior relação e organização. (Ferrari, Luchina e Luchina, 1980, p. 50).

A partir dessas considerações e concepções acerca da interconsulta

em saúde mental, o pesquisador foi a campo para estudar o fenômeno em

questão como objeto que permitiu apreender aspectos referentes às relações

interprofissionais. Portanto, mostra-se necessário contextualizar o campo de

pesquisa eleito para a realização deste trabalho – no caso, o hospital geral.

2.4. O Hospital Geral como campo de estudo

O campo de investigação eleito para este estudo foi um hospital

público situado no município de Campinas, que se constitui como referência

no atendimento de urgência e emergência para a Região Metropolitana de

Campinas (RMC). Atualmente, o hospital é composto por pronto-socorro (PS)

adulto e infantil, unidade de terapia intensiva (UTI) adulta e infantil,

enfermarias de ortopedia e neurologia, de cirurgia geral e especialidade, de

clínica médica e moléstias infectocontagiosas, além de uma enfermaria

pediátrica. Conta ainda com centro cirúrgico, centro de referência em

oncologia, ambulatório de especialidades e o serviço de atendimento

domiciliar (SAD).

A partir de 2001, o serviço hospitalar passou por uma mudança em

seu modelo de gestão, operando de forma colegiada. Nesse momento, surge

o colegiado gestor do hospital, composto por diretores e pelos coordenadores

locais, além da formalização do Conselho Local de Saúde (CLS), em que os

usuários passaram a participar da tomada de decisão de assuntos

concernentes à organização do serviço e à assistência. O hospital se

reorganiza através de unidades de produção, que seriam “um Coletivo

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Organizado em potencial, já que juntaria sob uma mesma direção diferentes

profissionais e especialistas, todos envolvidos com um certo processo

produtivo” (Campos, 2000, p. 155), com a presença de um gestor local por

Unidade, sendo que qualquer profissional de nível superior poderia exercer

essa função, com a responsabilidade de fazer a gestão dos recursos

humanos, materiais e dos processos de trabalho. Essa transição de modelo

visava romper com as linhas de mando verticais, centrada nas especialidades

médicas e/ou categorias profissionais, com suas chefias próprias e

independentes das demais.

Simultaneamente, foram instituídos os colegiados gestores nas

unidades assistenciais, compostos por trabalhadores e pelo gestor local,

possibilitando o aumento da democracia institucional a partir da aproximação

entre coordenadores e executores das ações. Esse arranjo organizacional

tem como atribuição fazer a gestão compartilhada dos processos de trabalho

de cada unidade de produção do hospital.

Outro arranjo organizacional proposto, para dar sustentabilidade ao

novo modelo de gestão, foi a institucionalização das referências técnicas.

Compostas por profissionais com conhecimento teórico-prático reconhecido,

que desenvolveriam ações de apoio técnico, e não gerenciais, aos colegas

de mesma categoria profissional ou especialidade.

De 2001 em diante, o serviço hospitalar passou por diversas

mudanças de gestão, que acarretaram no enfraquecimento do Colegiado

Gestor e assim fragilizando o modelo de gestão compartilhada e democrática

proposto. No capítulo 5.1 apresentaremos algumas das consequências

dessas mudanças estruturais a partir das observações feitas em campo.

Anteriormente a isso, consideramos importante destacar como se deu o

encontro do pesquisador com o campo de pesquisa, com o intuito de

ressaltar as motivações em jogo para a construção dessa pesquisa.

2.5. As implicações da trajetória profissional do pesquisador

O encontro do pesquisador com o Hospital Geral se deu anteriormente

à produção deste trabalho, por meio do estabelecimento de vínculo

empregatício com o hospital público campineiro. Essa passagem se constitui

como marco significativo no processo de formação/atuação do mesmo

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enquanto trabalhador na área da saúde. Portanto, será preciso entender a

historicidade dessa construção profissional, destacando aspectos desse

itinerário de formação, que se (re)atualizam no encontro com essa

modalidade de serviço de saúde.

A respeito da implicação do pesquisador com o próprio processo de

formação, Jean Oury (1991) explicita:

Encaremos, portanto, a formação como alguma coisa da ordem de uma “modificação”: modificação de um certo nível da personalidade do sujeito que se engaja neste trabalho; não uma transformação, mas uma modificação no sentido de uma sensibilização para alguma coisa específica. (…) Essa sensibilização não necessita, da parte do sujeito que se engaja, uma disponibilidade de saída, ou antes, uma disposição particular de sua própria personalidade? Pois, se trata do engajamento de toda uma vida nesse trabalho. Não é alguma coisa que se faz de maneira passageira. (…) Seria importante poder precisar quais são as qualidades implícitas que estão na base de uma certa “escolha” profissional. Certamente que se pode estar aí por acaso. Mas isto nunca é puro acaso: existe sempre uma dimensão inconsciente na decisão de se engajar. (…) A formação deve, com efeito, poder se integrar ao desenvolvimento da personalidade.

A partir das considerações de Oury, além da formação universitária em

Psicologia e do interesse teórico-prático do pesquisador pela psicanálise e

análise institucional, que designam historicamente as escolhas intrínsecas à

sua trajetória profissional, devemos nos deter, também, em suas

experimentações no campo da Saúde Mental e na interface com a Saúde

Coletiva, visto sua importância no desenvolvimento de uma práxis implicada

ética e politicamente com a clínica. Mais especificamente, com a apropriação

e operacionalização do conceito de clínica ampliada e compartilhada, no

horizonte do trabalho em saúde.

Clínica adjetivada por ampliada por seu objeto de intervenção não se

restringir à doença, mas que compreende o sujeito que encarna a doença,

considerando os riscos e vulnerabilidades em jogo em seu organismo, bem

como aqueles(as) referentes ao seu contexto social e também dependentes

de sua condição psíquica. Portanto, nenhuma especialidade é capaz de

realizar uma abordagem integral do sujeito. Além do objeto, o objetivo

também se amplia, já que não se limita à produção de saúde – seja pela via

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curativa, preventiva, reabilitadora ou paliativa –, mas contribui para o

aumento do grau de autonomia dos usuários (Campos & Amaral, 2007).

Autonomia aqui entendida como um conceito relativo, e não absoluto, como

sendo a capacidade do sujeito de refletir e intervir sobre si mesmo e sobre o

meio que o circunda, isto é, o modo como pratica o autocuidado e como se

relaciona com sua rede de dependências (Campos & Onocko Campos, 2006;

Campos & Amaral, 2007).

Segundo Campos e Amaral (2007), a construção de autonomia e de

autocuidado somente será alcançada

(...) caso se pratique uma clínica compartilhada, alterando-se radicalmente a postura tradicional que tende a transformar o paciente em um objeto inerte, ou em uma criança que deveria acatar, de maneira acrítica e sem restrições, todas as prescrições e diretrizes disciplinares da equipe de saúde (p. 580).

A clínica enquanto compartilhada, como explicitam os autores, implica

em uma modificação da relação entre profissional e usuário, já que ambos se

tornam corresponsáveis pelo processo de produção de saúde. Essa

concepção de trabalho em saúde impõe um rearranjo na dinâmica do poder

na relação profissional-usuário, modificando os papéis desempenhados por

cada termo dessa relação. Para que essa prática se torne exequível, o

estabelecimento de uma relação dialógica entre os sujeitos envolvidos é

imprescindível, quando os contratos terapêuticos são debatidos e negociados

em conjunto, construindo, dessa forma, objetivos comuns e definindo

responsabilidades entre as partes. A partir disso, instaura-se um processo de

cogestão da clínica, diminuindo o abismo existente na relação entre usuários

e profissionais, produzindo atos terapêuticos menos mecanicistas e

protocolares, além de interferir diretamente na resolutividade das ações

clínicas, devido ao aumento da participação dos usuários em seu próprio

tratamento.

Fazer clínica ampliada e compartilhada é um grande desafio para os

serviços públicos de saúde. Implica a promoção de encontros entre diferentes

disciplinas e sujeitos concretos. Se entrecruzam trajetórias de vida, saberes e

práticas sobre um mesmo objeto de trabalho, estabelecendo-se objetivos

comuns que norteiam as diferentes intervenções. Nesse sentido, a

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participação do pesquisador no Coletivo de Estudos e Apoio Paidéia,

coordenado pelo prof. Dr. Gastão W. S. Campos e vinculado ao

Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), serviu como meio para

experimentações empíricas e construções teóricas acerca dessa noção de

trabalho interdisciplinar em saúde.

Campos et al. (2013) trabalham com a concepção de práxis Paidéia

para refletir e desenvolver práticas que incorporem a cogestão nas relações

sociais. Paidéia se refere à possibilidade de desenvolvimento do potencial de

seres humanos por meio de uma educação integral. Compunha a tríade

ateniense que visava garantir o bem-estar dos sujeitos na Polis grega,

juntamente com a cidadania (direitos) e a democracia participativa (Ágora).

Portanto, a práxis Paidéia é uma proposta de sociabilidade democrática e

uma metodologia para a formação de pessoas que objetiva a ampliação da

capacidade de analisar e intervir sobre si mesmas e sobre o contexto que

estão inseridas (pp. 15-16).

Destarte, a cogestão do trabalho em saúde é uma aposta que visa a

produção desse efeito Paidéia nas pessoas e nos serviços de saúde, através

da construção de espaços coletivos em que há o compartilhamento de poder

e de saberes. Com a democratização institucional, fazendo-se presente

dentro das equipes de saúde, criam-se condições de possibilidade para a

interdisciplinaridade da clínica. Mas de que modo compor um plano comum

de trabalho sem que se diluam as especificidades de cada disciplina?

Os conceitos de campo e núcleo (Campos, 1997) são úteis para tratar

dessa questão, pois “permitem distinguir os saberes e práticas peculiares a

cada profissão, dos saberes, práticas e responsabilidades comuns a todos os

profissionais de saude” (Campos e col., 2013, pp. 67-68).

O campo seria composto por saberes e responsabilidades comuns a

várias especialidades e/ou profissões. Conhecimentos compartilhados acerca

do processo saúde-doença, que envolvem saberes acerca do organismo, da

relação profissional-paciente, dos riscos epidemiológicos, de regras gerais de

promoção e prevenção, além de noções genéricas política, organização de

modelos e do processo de trabalho em saúde (Campos, 1997).

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Núcleo é constituído por um conjunto de saberes e responsabilidades

concernentes a cada profissão ou especialidade. Marca a diferença entre os

membros de uma mesma equipe, pois contém a singularidade que define a

identidade de cada profissional ou especialista, os conhecimentos e ações

exclusivas de acordo com sua competência (Campos, 1997).

Portanto, a equipe multiprofissional, operando interdisciplinarmente,

compartilha conhecimentos comuns, circunscrevendo assim seu campo de

atuação, e cada núcleo integra o trabalho grupal, a partir das contribuições

específicas de seu aglutinado de saberes e práticas, de modo dinâmico,

dialógico, em que as ações são pactuadas coletivamente, tendo como objeto

de intervenção o sujeito e a(s) doença(s) que encarna.

Logo, a escuta dos sujeitos que procuram os serviços de saúde, para

além e/ou aquém do exame de seu corpo, traz à tona demandas de outra

ordem, convocando a prática clínica a se deter não só nas regularidades

fisiopatológicas, mas também nos determinantes sociais e nas condições

psíquicas que estão em jogo para uma existência singular.

Para que essas demandas sejam trabalhadas de modo integral, será

preciso que as fronteiras entre os núcleos de competências e

responsabilidades possuam gradientes cada vez maiores de permeabilidade,

já que o encontro com a alteridade necessita de uma clara disponibilidade

para à afetação mútua.

Ceccim (2008), a propósito do trabalho em equipe, propõe a ética da

entre-disciplinaridade, e que nesse movimento

a equipe multiprofissional de saúde teria, nos recursos e instrumentos terapêuticos de cada corpo de conhecimento [competências] e atos de uma profissão [responsabilidades], a oportunidade de compor e inventar a intervenção coletiva, constituindo-se cada desempenho ampliado ou modificado em um desempenho protegido pela condição da equipe. A equipe comporia o tempo todo um sistema de práticas em aberto, relacionado mais a cada situação concreta e relativa a cada equipe ou local selecionado que a um sistema burocrático de divisão técnica do trabalho em situação abstrata de competências e habilidades por título profissional (p. 271).

Além das determinações socioeconômicas que impõe limites a prática

clínica, tornando-a degradada, pois diminuem sua capacidade para resolver

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problemas (Campos, 2013), o rompimento com o sistema burocrático de

divisão técnica do trabalho permitiria questionar a clínica oficial de se

autorizar a não se responsabilizar pela integralidade dos sujeitos, por conta

de seu objeto de estudo e intervenção reduzido (Campos, 2013). O enfoque

desequilibrado nos aspectos biológicos, em detrimento das dimensões

subjetiva e social dos sujeitos, acarreta “em saberes e prática marcados pelo

mecanicismo e pela unilateralidade de abordagem” (Campos, 2013, pp. 61-

62). A redução do objeto, por outro lado, tende a considerar mais a doença

do que o sujeito que a encarna, e quando este último é considerado, pensa-

se o de modo fragmentado, dividido em partes que apenas teoricamente

guardariam uma noção de interdependência (Campos, 2013, p. 62). Esse

reducionismo origina inúmeras consequências negativas. Dentre elas,

Campos (2013) explicita:

Abordagem terapêutica excessivamente voltada para a noção de cura (...), ficando em segundo plano tanto as possibilidades de promoção da saúde, ou de prevenção e até mesmo as de reabilitação. Além do mais, esse objeto reduzido autorizaria a multiplicação de especialidades, que terminam por fragmentar, em grau insuportável, o processo de trabalho em saúde. Em decorrência, vem reduzindo-se a capacidade operacional de cada Clínico, estabelecendo-se uma cadeia de dependência quase impossível de ser integrada em projetos terapêuticos coerentes (p. 62)

Considerar essa dimensão ética do trabalho em equipe, da entre-

disciplinaridade, aliada aos conceitos de núcleo e campo, são fundamentais

para se efetivar a construção de uma clínica ampliada, em que se produzem

desvios da lógica assistencial pautada pela fragmentação das

especialidades. O rompimento com essa racionalidade produz outros modos

de operacionalização da clínica, esta voltada não só para a cura, mas para a

produção de saúde. Campos (1997) ainda nos lembra que “a organização

parcelar do trabalho em saúde e a consequente fixação do profissional a

determinada etapa de um certo projeto terapêutico produzem alienação”,

embrutecendo e aborrecendo o trabalhador, já que concentra-se

(...) em atos esvaziados de sentido, ou cujo sentido depende de uma continuação que o trabalhador não somente não controla como até desconhece, tudo isso

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termina produzindo um padrão de relacionamento com o saber e com a prática profissional altamente burocratizado (p. 236).

São nos espaços de cogestão do serviço e da clínica (colegiado

gestor, planejamento do serviço, reuniões de equipe etc.) que o uso desses

conceitos se mostra fundamental para dar condições de possibilidade às

transformações que visam à democracia institucional, já que nos autoriza a

criar zonas de contato com os diversos saberes e práticas.

O contato com esses arranjos institucionais permite a experimentação

de meios possíveis em que clínica e gestão adquirem inteligibilidade

enquanto termos indissociáveis, reafirmando a causa primeira de qualquer

serviço de saúde: produzir saúde!

Dentre esses arranjos institucionais, destacamos o apoio matricial

como uma ferramenta fundamental para pensar a gestão da clínica. O Apoio

Matricial é tanto arranjo organizacional como metodologia para a gestão do

trabalho em saúde. Pode ser compreendido como retaguarda assistencial e

suporte técnico especializado para equipes multiprofissionais, aumentando

sua capacidade de fazer clínica ampliada. Permite a regulação dos

encaminhamentos para a atenção especializada, incidindo sobre o sistema

de “referência e contra-referência” e as “interconsultas”, corresponsabilizando

os profissionais envolvidos com o caso, com vistas a garantir a integralidade

do cuidado com cada caso singular (Campos, 1999; Campos e Domitti, 2007;

Campos et al. 2013).

O Apoio Matricial pode ser considerado uma práxis Paidéia, pois

(...) busca levar a lógica da cogestão e do apoio para as relações interprofissionais, substituindo as tradicionais modalidades de relação burocrática e com grande desequilíbrio de poder. (...) busca pensar modos de lidar com esses processos segundo o referencial da interdisciplinaridade e da interprofissionalidade. (...) em que os profissionais sejam responsáveis por pessoas, e não por setores, atividades e procedimentos (Campos et al., 2013, p. 65).

Inserir a lógica da cogestão nas relações interprofissionais, permite

promover a construção dialógica de Projetos Terapêuticos Singulares junto à

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população, sem deixar de considerar a complexidade do processo saúde-

doença e seus determinantes sociais (território, cultura, políticas públicas)

psicológicos (modos de subjetivação, circulação dos afetos, dinâmica familiar,

sofrimento psíquico) e biológicos (anátomo-fisiologia das doenças, herança

genética).

Além disso, ao substituir as modalidades tradicionais de

encaminhamento para outros profissionais ou especialidades, seja pela via

da “referência e contra-referência” ou pelas solicitações de “interconsulta”, a

metodologia de apoio matricial cria condições de possibilidade para o

estabelecimento de relações com maior grau de democracia entre os

profissionais, podendo, inclusive, ser um sustentáculo para a ascensão do

usuário enquanto sujeito de desejos e interesses, corresponsável pelo próprio

tratamento.

É a partir dessas considerações acerca do Apoio Matricial que este

trabalho se pauta para (re)pensar o trabalho do profissional especialista em

Saúde Mental dentro do Hospital Geral. No que essa metodologia de trabalho

poderia contribuir para mudar a prática clínica hospitalar, notadamente

marcada pela excessiva fragmentação do processo de trabalho e pelo

sofrimento psíquico manifesto pelos usuários, que submetem seus corpos às

intervenções biomédicas, com baixo grau de autonomia sobre as práticas

diagnósticas e terapêuticas que se expõe.

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3. OBJETIVOS

3.1. OBJETIVOS GERAIS

- Investigar a prática clínica da saúde mental e sua relação com outras

profissões no Hospital Geral;

- Compreender o papel clínico-institucional do psicólogo e do psiquiatra

hospitalar.

3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Realizar análise exploratória que caracterize o padrão de encaminhamento

de casos e das avaliações em saúde mental;

- Analisar a função estratégica do profissional de saúde mental no hospital

geral no que se refere à promoção de uma ampliação da clínica e quais as

ferramentas teórico-conceituais utilizadas para tal promoção;

- Fornecer subsídios para novas práticas clínico-institucionais que favoreçam

a emergência do sujeito na clínica;

- Apreender quais as condições de possibilidade que permitem a emergência

de novas práticas em saúde pautadas na clínica ampliada e compartilhada.

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4. METODOLOGIA

A pesquisa de campo foi realizada em um hospital público do

município de Campinas. Para entrada do pesquisador no campo de estudo,

em um primeiro momento, foi utilizado como método de coleta e análise de

dados a observação do contexto hospitalar. Observou-se o modo de

funcionamento do serviço de saúde, compreendendo, assim, os fluxos e

arranjos institucionais que organizam os processos de trabalho, com ênfase

para a relação entre os profissionais de saúde mental com as outras

especialidades. O pesquisador entrou em contato com as unidades de

produção e seus trabalhadores e gestores, além da clientela atendida, com

vistas à apreender a dinâmica clínico-institucional do Hospital Geral e sua

historicidade. Os dados obtidos serviram para descrever o modelo de

atenção estruturado no hospital.

Em um segundo momento da pesquisa (fase quantitativa), para a

coleta de dados referente às intervenções em saúde mental, foi realizado um

estudo exploratório descritivo da assistência psicológica e psiquiátrica às

unidades de produção do Hospital Geral, por meio dos registros de

atendimento em interconsulta desses profissionais. A partir desses registros,

foi feito um levantamento de todos usuários atendidos pela psicologia e

psiquiatria no ano anterior a entrada do pesquisador no campo (junho de

2014 a maio de 2015), já que esse intervalo de tempo permite apreender

aspectos sazonais inerentes aos pedidos de interconsulta.

A partir desse material foi realizada análise descritiva das relações

interprofissionais e foram coletados dados dos usuários, encaminhados à

Saúde Mental, como sexo, idade, data de entrada e de alta do Hospital,

especialidade de origem do encaminhamento, diagnóstico médico e

avaliação e conduta da equipe de saúde mental, incluindo os

encaminhamentos para a rede de saúde (mental) municipal.

Após a concretização desse levantamento, os dados obtidos foram

tabulados com o intuito de identificar os tipos de encomenda predominantes

nos pedidos de interconsulta para psicólogos(as) e psiquiatras.

A partir dos dados quantitativos, utilizou-se de abordagem qualitativa

para complementar as informações colhidas até o momento. Para isso, foram

realizadas entrevistas semiestruturadas com todos os profissionais de saúde

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mental do Hospital Geral (três psicólogos e um psiquiatra) e com outros

profissionais representantes da área clínica que mais realizou

encaminhamentos à saúde mental (sendo um(a) médico(a) especialista,

um(a) enfermeiro(a) e um(a) assistente social) para poder apreender sua

avaliação acerca do trabalho em equipe multiprofissional, como ocorre a

construção e compartilhamento de casos clínicos (ou projetos terapêuticos

singulares), comparando o trabalho realizado quando psicólogos e

psiquiatras compõem, de fato, a equipe de saúde do setor, com o trabalho

realizado por eles como interconsultores, isto é, quando não são parte

integrante da equipe da unidade de produção. Foram incluídos nessas

entrevistas os profissionais da saúde mental que tivessem vínculo

empregatício com o hospital geral e estivessem lotados em algum setor

específico (centro de custo). Portanto, foram excluídos os psicólogos e

psiquiatras com contrato de estágio/residência com o serviço. Para as

entrevistas com outros profissionais da área clínica, foram selecionados

trabalhadores com vínculo empregatício com o hospital geral e que

apresentassem uma jornada de trabalho horizontal, além de serem

representantes da unidade de produção que mais solicitou interconsultas de

saúde mental, indicados pela coordenação da própria unidade. Excluiu-se,

portanto, os profissionais “plantonistas” e aqueles que tem vínculo de

estágio/residência com o serviço.

A entrevista é um instrumento de coleta de dados pertinente já que

permite a construção de informações conexas ao objeto de estudo, como

afirma Minayo (2013). As entrevistas foram fonte de informação de dados

primários, pois os conteúdos foram diretamente construídos a partir do

diálogo entre entrevistador e entrevistado, tratando das reflexões que os

entrevistados têm da realidade que vivenciam. Portanto, expressam as

representações dessa realidade por esses sujeitos (Minayo, 2013).

As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, mediante

o candidato estar de acordo com a participação e assinar o termo de

consentimento livre e esclarecido, garantindo-se assim o anonimato do

entrevistado.

Para analisar os dados obtidos, utilizamos como referencial

metodológico a teoria Paidéia desenvolvida por Campos (2000). Essa

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metodologia nos fornece ferramentas para analisar a (co-)produção de

saberes, práticas e sujeitos no âmbito hospitalar, nos servindo de conceitos

oriundos da Saúde Mental – interconsulta psiquiátrica e médico-psicológica –

e também da Saúde Coletiva – trabalho interprofissional, em equipe e em

rede de cuidados, sob o referencial do apoio matricial. Tendo como

pressuposto aumentar a capacidade de reflexão e ação dos sujeitos

envolvidos no processo saúde-doença-intervenção. Todo material empírico

coletado serviu para analisar o grau de democratização institucional do

serviço, o modo de conformação das relações interprofissionais e como

ocorre a assistência em saúde mental.

Partindo-se dessa lógica, o Apoio Matricial – enquanto práxis Paidéia –

se constitui como conceito chave para compreender as relações de trabalho

no interior das equipes multiprofissionais, no que se refere ao

compartilhamento de conhecimentos e responsabilidades, os jogos de poder

e a dinâmica intersubjetiva. Essas três dimensões (pedagógica, política e

psicológica) são inerentes aos processos de trabalho, portanto, a análise do

material coletado considerou-as como fundamentais para pensar e dizer

sobre a constituição dos sujeitos envolvidos no trabalho em saúde.

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5. RESULTADOS ESPERADOS

Conseguir analisar e compreender as ações desempenhadas pelos

profissionais da saúde mental, no âmbito hospitalar, com vistas à obtenção

subsídios para o planejamento de ações que promovam o aumento do grau

de autonomia dos usuários do serviço e que levem em consideração a

singularidade do sujeito desejante.

Potencializar arranjos/dispositivos de gestão democrática que

permitam o compartilhamento dos saberes e práticas, produzindo, dessa

forma, gradientes maiores de transversalização dos núcleos imersos no

campo hospitalar, garantindo assim a construção de uma prática clínica

implicada, não somente com o sujeito-em-sofrimento, mas também com os

seus efeitos no corpo social.

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6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1. OBSERVAÇÕES DE CAMPO

Observamos que a interconsulta é uma prática clínica corriqueira no

âmbito hospitalar. Constitui-se como prática a partir da solicitação de

avaliação e conduta à uma outra especialidade médica, ou outra categoria

profissional, realizada pelo médico responsável pela condução do tratamento

de determinado usuário em uma dada unidade assistencial do hospital geral.

Os pedidos são feitos a partir do preenchimento de uma guia específica em

que há dados de identificação do usuário, a hipóteses diagnóstica formulada,

além das suspeitas diagnósticas ou os sinais e sintomas que necessitam ser

esclarecidos por outra especialidade ou núcleo profissional. Após a avaliação

do interconsultor, é dada uma devolutiva com as respectivas sugestões de

tratamento ou de exames diagnósticos ou laboratoriais, podendo ser

realizada por escrito em prontuário ou através de discussão de caso com o

responsável pela solicitação.

Nesse contexto institucional se inserem as interconsultas da saúde

mental, especificamente da psiquiatria e psicologia, objeto privilegiado de

estudo do presente trabalho. Portanto, será necessário caracterizar as

especificidades inerentes à interconsulta em saúde mental.

Primeiramente, o arranjo organizacional proposto para o núcleo da

saúde mental se diferencia dos demais, pois o intercâmbio com as outras

especialidades ocorre prioritariamente através da discussão de caso prévia e

também posteriormente à avaliação. As solicitações de interconsulta à

psicologia, especificamente, não seguem o mesmo mecanismo de

preenchimento dos pedidos (guias), o que torna o diálogo com o profissional

solicitante imprescindível para a execução da interconsulta. Esse arranjo

permite também que as solicitações não fiquem restritas à categoria médica,

estendendo-se aos outros profissionais que compõem a equipe de saúde. No

caso da psiquiatria, o protocolo institucional, seguido pelas outras

especialidades, mantém-se o mesmo. Contudo, vale ressaltar que a

discussão de caso ainda assim é indispensável para a execução dessa

prática.

O serviço hospitalar conta atualmente com três profissionais da saúde

mental, sendo duas psicólogas e um psiquiatra. Uma das profissionais da

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psicologia está alocada na enfermaria de Clínica Médica e de Moléstias

Infectocontagiosas (CM/MI), enquanto a outra faz parte da equipe da

enfermaria de pediatria. Cada qual é responsável pelos usuários internados

em suas respectivas unidades, além de realizarem interconsultas nas outras

enfermarias, pronto-socorro adulto e pediátrico, além das Unidades de

Terapia Intensiva (UTI) adulta e pediátrica, sendo que a psicóloga que atua

na CM/MI é responsável por atender a UTI e o PS adulto, além da Clínica

Cirúrgica (CG), enquanto que a outra psicóloga responde à UTI pediátrica,

PS infantil, Ortopedia e Neurologia. O psiquiatra, por sua vez, está alocado

no Pronto-Socorro (PS) adulto, sendo responsável por realizar interconsultas

somente nesta unidade de produção. As enfermarias, no caso, contam com

retaguarda psiquiátrica da residência em psiquiatria do Serviço de Saúde Dr.

Cândido Ferreira (SSCF).

Observou-se que o modelo de gestão colegiada proposto a partir de

2001, conforme o passar dos anos, vem sofrendo um processo de

degradação. Empiricamente, observa-se a exclusividade de gestores locais

com formação médica, sendo auxiliados por gerentes com experiência

administrativa ou por profissionais do núcleo da enfermagem. Objetivamente,

essa composição produz uma cisão na gestão dos processos de trabalho das

unidades, pois criam-se linhas de mando individualizadas, em que há uma

gerência especifica por categoria profissional, no caso medicina e

enfermagem. Essa condição produz efeitos importantes não só na

organização e dinâmica das equipes, mas também afeta diretamente à

assistência aos usuários, pois gera consequências para o cuidado clínico,

tornando-o mais fragmentado e sensível às sequelas danosas oriundas de

disputas corporativas.

Outro aspecto relevante que vem comprometendo o trabalho em

equipe multiprofissional é a extinção das referências técnicas enquanto apoio

especializado. Seus representantes têm assumido funções gerenciais,

tornando-os coordenadores específicos da categoria profissional que

representam.

Embora a democratização institucional seja parte do discurso oficial do

serviço, com informações presentes inclusive nos meios de comunicação

institucional, acompanhamos a ocorrência de mudanças estruturais no modo

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de fazer gestão que são significativas, vindo a comprometer o projeto de

cogestão iniciado em 2001, que visava a sustentação de espaços

democráticos de discussão e de deliberação de propostas e ações.

6.2. RESULTADOS QUANTITATIVOS

Com o intuito de realizar uma análise exploratória descritiva da

assistência em saúde mental, foi realizado um levantamento dos

atendimentos em interconsulta a partir do registro desses profissionais acerca

de sua produção.

A interconsulta da saúde mental, como dito anteriormente, é um

arranjo organizacional estabelecido no Hospital Geral em que os profissionais

responsáveis pelo acompanhamento dos usuários, inseridos em alguma

unidade de produção, solicitam avaliação e conduta dos profissionais

psicólogos e/ou psiquiatras. Esse pedido pode ser realizado por qualquer

membro da equipe, pertencente a algum determinado setor do hospital,

podendo ser um profissional da enfermagem, do serviço social, das

especialidades médicas ou até mesmo da família do paciente que porventura

identifica uma necessidade de assistência em saúde mental e requer

atendimento especializado.

As solicitações de interconsulta são feitas por intermédio de breve

discussão de caso (queixa inicial, hipótese diagnóstica, histórico clínico etc.),

que pode ser realizada por telefone, pessoalmente ou por escrito, em que é

feita uma encomenda aos profissionais da saúde mental no sentido de avaliar

e intervir na situação.

O psiquiatra do PS adulto não detém nenhuma forma de registro

pessoal para além daquilo que escreve em prontuário multiprofissional. Logo

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não foi possível ter acesso a nenhuma fonte de dados secundária da

psiquiatria, lembrando que neste estudo não estava prevista análise de

prontuário, tanto por não se tratar de estudo de caso, como pelo tempo

limitado de pesquisa.

Por outro lado, como material de registro, as psicólogas utilizam um

livro-ata em que anotam todos os atendimentos realizados por elas, seja

aqueles solicitados por outros profissionais, assim como aqueles efetuados

sem contato prévio com outra categoria profissional ou especialidade.

Utilizou-se dessa fonte de registro como objeto de investigação devido

a sua praticidade, já que permitiu o acesso às informações necessárias para

o cumprimento da fase analítica quantitativa deste estudo. Vale ressaltar que

para cada usuário acompanhando pela psicologia hospitalar é produzida uma

ficha de atendimento com informações detalhadas sobre o caso, como dados

de identificação, diagnóstico médico, avaliação psicológica, além dos

encaminhamentos propostos para a rede municipal de saúde. Como esse

estudo não objetiva investigar os pormenores das intervenções realizadas

com os usuários pelas profissionais, já que se propõem a traçar um

panorama geral das solicitações de interconsulta em um espaço de tempo

(um ano), os arquivos que contém essas fichas de atendimento não foram

acessados pelo pesquisador.

Portanto, a partir da análise desses dados quantitativos, referentes aos

pedidos de interconsulta realizados pelos profissionais da psicologia,

obtivemos duas fontes de informações distintas, correspondentes às Tabelas

1 e 2 (vide anexos).

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Apesar de uma padronização, no que se refere ao tipo de informação

a ser registrada, os materiais são produzidos de forma diferente, em que é

possível citar alguns motivos para tal distinção: 1) a singularidade de notação

de cada profissional, 2) os aspectos relativos às especificidades dos

processos de trabalho presentes em cada unidade de produção, 3) a postura

profissional individual e 4) a clientela atendida.

Comecemos então pela análise dos dados embutidos na Tabela 1.

A psicóloga pertencente à equipe da Pediatria, durante o período de

um ano, realizou 15 interconsultas de um total de 478 atendimentos nesse

mesmo espaço de tempo. No que se refere ao processo de trabalho, a

profissional compreende que os casos pertencentes à sua unidade de

origem, a pediatria, são avaliados pela mesma sem que haja a necessidade

de um pedido prévio de interconsulta por outros profissionais da enfermaria.

Portanto, a quantidade de interconsultas realizadas pela psicóloga

representa, somente, os atendimentos realizados em outros setores, fora da

unidade pediátrica.

Observando os dados obtidos a partir do registro feito por essa

psicóloga, presentes na Tabela 1, apreendemos que a maior parte das

solicitações de interconsulta provém do Pronto-Socorro, por diagnósticos

médicos bem diversificados, sendo 8 requerimentos da unidade adulta e 2

pedidos oriundos da unidade infantil. Podemos inferir que os pacientes

agudos, atendidos pelas equipes da urgência e emergência, produzem certo

tipo de demanda que ultrapassa a capacidade resolutiva dos profissionais,

em que podemos pensar que a agudização do processo saúde-doença traz

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consigo um sujeito em crise, pois também urgem e emergem questões intra-

psíquicas.

Até por conta disso, chama-nos atenção os casos em que se pode

apreender questões específicas da saúde mental, já que ficam explícitos os

diagnósticos psicológicos, como por exemplo os casos de violência sexual,

depressão e intoxicação exógena, acidental ou não (tentativa de suicídio).

Além das unidades de urgência/emergência, as outras unidades

solicitantes, com o respectivo número de pedidos de interconsulta, são as

enfermarias de Ortopedia (2), Neurologia (2) e Clínica Médica (1).

A idade média dos pacientes atendidos é de aproximadamente 24

anos, sendo que 11 estão abaixo dessa média, sendo 8 menores de 18 anos.

Os demais usuários estão dentro de uma faixa etária entre 54 e 66 anos de

idade.

Quase a metade dos pacientes atendidos em interconsulta pela

psicóloga (7) permaneceram hospitalizados por menos de 24 horas, ou seja,

ingressaram no serviço e receberam alta no mesmo dia.

Com relação a sua distribuição no tempo, no ano de 2014, foram

realizados 2 atendimentos em Junho, 1 em Julho, 3 em Setembro e 1 em

Outubro. Já no ano de 2015, foram feitos 1 atendimento em Janeiro, 3 em

fevereiro e 4 em março. Não é possível realizar qualquer inferência acerca de

questões sazonais envolvidas, devido aos diferentes tipos de diagnósticos

médicos e por sua repartição no tempo.

É importante ressaltar que os dados obtidos não evidenciam

claramente o tipo de intervenção realizada pela profissional, já que sua

notação é pouco especifica, e tão pouco é possível discernir algo acerca do

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tipo encaminhamento dado aos casos, pois não há qualquer tipo de registro

no livro-ata de atendimentos.

Passemos, então, a análise dos dados contidos na Tabela 2.

A psicóloga que integra a equipe de saúde da enfermaria de Clínica

Médica e Moléstias Infectocontagiosas atendeu, no período de 1 ano, a 118

pedidos de interconsulta. Dentre as solicitações de avaliação e conduta,

estão casos referentes à sua unidade de produção de origem, além de casos

vinculados às outras unidades de produção. É importante considerar essa

particularidade, pois o registro evidencia as relações interprofissionais

estabelecidas entre a psicologia e as outras especialidades, no que se refere

aos pedidos de interconsulta em saúde mental, no interior da própria equipe

da CM/MI. Por se tratarem de membros da mesma equipe, as solicitações de

atendimento ocorrem a partir de uma discussão de caso prévia, em que há o

encontro presencial entre os profissionais, podendo a devolutiva da

interconsulta ser realizada também nos mesmos termos.

Analisando a Tabela 2, constatamos o predomínio de interconsulta

realizadas na própria unidade de origem da psicóloga, totalizando 68

pedidos, como podemos conferir na Tabela 3.

Tabela 3 - Número de interconsultas por unidade de origem dos pedidos.

UNIDADE DE ORIGEM No

Clínica Médica 68

Pronto-Socorro Adulto 7

Clínica Cirúrgica 7

Pediatria 5

Ortopoedia/Neurologia 3

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UTI Adulta 2

Recepção 1

Centro de Referência em Oncologia 1

Esse número é muito superior se compararmos à todas as solicitações

oriundas de outras unidades de produção (26) – Pronto-Socorro adulto (7),

Clínica Cirúrgica (7), Pediatria (5), Ortopedia/Neurologia (3), UTI adulta (2),

Oncologia (1), além da Recepção (1) do hospital, que se trata de uma

unidade administrativa. Vale ressaltar que em 24 interconsultas não foi

registrada a unidade de procedência do paciente. Esses dados evidenciam o

peso que tem a presença do psicólogo quando esse profissional integra uma

equipe multiprofissional, pois isso acaba produzindo demandas específicas

de atendimento. Nas outras unidades assistenciais, podemos inferir que a

ausência desse profissional na equipe – com exceção da Pediatria – acaba

produzindo poucas demandas passíveis de psicologização, o que não

significa dizer que não existam usuários que se beneficiariam de intervenções

do núcleo da psicologia, mas que essa oferta não incide de modo efetivo nos

processos de trabalho das unidades de produção que não contam com essa

categoria profissional. Além do mais, podemos considerar a possibilidade da

existência de uma retaguarda psiquiátrica, executada pela residência do

SSCF, como moduladora dos pedidos de interconsulta em saúde mental,

dirigindo demandas especificamente à essa especialidade médica.

Em relação aos solicitantes dos pedidos de interconsulta,

independentemente da unidade de produção de origem, observamos que a

enfermagem se constitui como núcleo profissional que mais convocou a

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psicologia a intervir nos casos, totalizando 33 pedidos, como podemos

visualizar na Tabela 4.

Tabela 4 - Número de interconsultas por categoria profissional ou pessoas

solicitantes.

Solicitantes dos pedidos de interconsulta No

Enfermagem 33

Medicina 25

Familiares 17

Serviço Social 14

Nutrição 8

Fisioterapia 3

Usuário 3

Coordenação 2

Psicologia 2

Outros 2

A categoria médica surge em segundo lugar, com 25 solicitações

realizadas. Na terceira posição, encontramos os familiares dos pacientes

hospitalizados, com 17 pedidos. Esse dado é significativo, pois expõe a

possibilidade de acesso das famílias à profissional da psicologia, em que

suas queixas podem ser acolhidas e transformadas em demandas de

intervenção específicas desse núcleo de competências. Dando seguimento

aos dados presentes nessa categoria de análise, parecem o serviço social

(14), a nutrição (8), a fisioterapia (3), os próprios usuários (3), a coordenação

(2), outros colegas de categoria profissional (2), além de uma professora de

educação especial (1) e outros usuários (1) internados na mesma unidade.

No que diz respeito à distribuição temporal das interconsulta,

verificamos que o mês com maior número de solicitações é Dezembro (20),

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seguido pelos meses de Julho (16), Agosto (16), Setembro (13), Outubro (13)

e Janeiro (12). Podemos observar essa distribuição na Tabela 5.

Tabela 5 - Número de interconsultas por mês.

MÊS No

Junho 0

Julho 16

Agosto 16

Setembro 13

Outubro 13

Novembro 9

Dezembro 20

Janeiro 12

Fevereiro 3

Março 0

Abril 10

Maio 6

Em Dezembro, chama-nos atenção o número de casos (3) atendidos

com o diagnóstico médico de doença não especificada causada pelo vírus da

imunodeficiência humana (HIV), que na Tabela 2, consta como B24 – código

representativo presente na Classificação Estatística Internacional de Doenças

e Problemas Relacionados a Saude, atualmente em sua 10a versão (CID-10).

As doenças cardiorrespiratórias se sobressaem nos casos atendidos pela

psicologia, contabilizando 6 pedidos de interconsulta para paciente

diagnosticados com esse tipo de patologia – J96.0, I50.0, J18.9, i20.9, i20.0 e

i26.0 (CID-10).

Com relação ao gênero, 61 pacientes atendidos em interconsulta pela

profissional da psicologia são do sexo feminino, enquanto que 54 são do

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sexo masculino. Em 3 casos não houve especificação do gênero do paciente.

Não se observa uma diferença significativa com relação a esse dado.

Tabela 6 - Número de interconsultas por gênero.

GÊNERO No

Masculino 54

Feminino 61

Não especificado 3

Total 118

Os dados relativos à idade revelam uma concentração maior de

pacientes atendidos em interconsulta na faixa etária de 41 a 64 anos de

idade (46). Conforme demonstra a Tabela 7.

Tabela 7 - Número de interconsultas por faixa etária.

FAIXAS ETÁRIAS No

0-18 anos 7

19-40 anos 24

41-64 anos 46

65 anos ou mais 25

São 24 usuários de 19 a 40 anos e o mesmo número de casos com

idade igual ou superior a 65 anos. Crianças e adolescentes, com até 18 anos,

representam o menor número de casos (7), lembrando que essa profissional

não está alocada na enfermaria de Pediatria e nem é responsável direta

pelas interconsultas no PS infantil. O predomínio de interconsultas aos

pacientes acima dos 40 anos de idade pode estar relacionado à clientela

atendida, principalmente, na enfermaria de CM/MI, já que o perfil é de

usuários adultos e idosos. Além disso, como dito anteriormente, essa é a

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unidade em que a profissional de psicologia está inserida e apresenta o maior

número de solicitações de interconsulta.

Analisando os tipos de intervenção realizadas pela profissional,

constatamos uma maior variedade de procedimentos registrados em seu

livro-ata de atendimentos. Ações clínicas como 1a entrevista; atendimento no

leito; atendimento, orientação e/ou apoio familiar; suporte psicológico;

acompanhamento psicológico; acolhimento; encaminhamento e articulação

de rede, compõem uma gama variada de intervenções que se destinam tanto

ao usuário hospitalizado como a sua família, de caráter pontual ou

processual, além da tentativa de garantir a integralidade do cuidado através

da continuidade do acompanhamento na rede de serviços de saúde.

6.3. RESULTADOS QUALITATIVOS

Para a confecção desta etapa da pesquisa, forma construídas

categorias de análise a partir daquilo que se destacou dos discursos dos

sujeitos entrevistados e a partir do olhar crítico do pesquisador.

Em um primeiro momento, foram analisadas e discutidas as

entrevistas feitas com os profissionais da saúde mental (6.3.1) e,

posteriormente, o mesmo processo foi realizado com as entrevistas dos

outros profissionais que atuam na enfermaria de clínica médica (6.3.2). Vale

ressaltar que foram construídas três categorias temáticas de análise para

cada bloco de entrevistas. Contudo, ressaltamos que essa categorização não

se esgota aqui, podendo ser depreendidas outras categorias de análise

devido a riqueza que o material apresenta.

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6.3.1. PROFISSIONAIS DA SAÚDE MENTAL – Psicóloga 1 (Psi1),

Psicóloga 2 (Psi2) e Psiquiatra (Psiq)

(A) INTERCONSULTA: CONCEPÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS

A concepção de interconsulta, presente no discurso de uma das

psicólogas, refere-se às solicitações de avaliação feitas pelos médicos, seja

para a psicologia ou psiquiatria, seja para outras especialidades médicas.

Podemos observá-la na seguinte fala:

(...) quando o especialista médico, ele faz a sua avaliação e ele sente a necessidade de estar chamando, seja o psicólogo, o psiquiatra ou também outras especialidades médicas (...) (Psi1).

Embora outros profissionais realizem pedidos de interconsulta à saúde

mental, como observado na Tabela 2, nota-se nessa fala uma centralidade na

figura do médico como o principal responsável pelos requerimentos de

avaliação. Podemos afirmar que esse é um discurso médico-centrado,

sugerindo que os processos de trabalho, no que diz respeito ao

referenciamento de casos para outras especialidades ou categorias

profissionais, está localizado em um só núcleo profissional.

Contudo, a outra profissional da psicologia abrange em sua fala outras

categorias profissionais como possíveis solicitantes de interconsulta, pois

esse arranjo se dá “quando algum profissional do hospital pede uma

avaliação, no meu caso da psicologia” (Psi2). A mesma entrevistada sugere

que a intervenção a ser adotada em cada caso particular deve ser construída

de modo compartilhado, pois “depois da avaliação é feita a devolutiva para

que se defina o melhor procedimento para aquele paciente para qual a

interconsulta foi solicitada” (Psi2). Vale salientar que, em sua experiência

profissional anterior, essa psicóloga não havia trabalhado com esse arranjo

clínico-institucional.

Na verdade eu nunca tinha ouvido esse termo antes [interconsulta], eu trabalhava em centro de saúde e lá a gente discutia casos em equipe, mas esse termo interconsulta para mim foi novo e eu acabei aprendendo aqui no hospital mesmo (Psi2).

É interessante destacar que há uma diferenciação posta nesse

discurso. A profissional diferencia sua atuação no Centro de Saúde com o

Hospital Geral, pois no serviço hospitalar a psicóloga é solicitada a atender

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determinadas encomendas feitas à psicologia, enquanto que na Unidade

Básica de Saúde (UBS) os casos eram discutidos com a própria equipe,

podendo assim produzir ou não uma demanda de atendimento psicológico.

Essa distinção revela um dos modos como as relações interprofissionais

operam no contexto hospitalar, ou seja, uma modalidade burocrática e com

grande desequilíbrio de poder, seguindo o modelo tradicional descrito por

Campos e col. (2013). Segundo Onocko Campos (2013), “nos grandes

hospitais contemporâneos (...) a lógica de produção de procedimentos

substituiu a produção de saude”, em que a eficiência, medida através da

produção no tempo, se sobressai sobre a eficácia das ações de saúde. A

respeito dessa discussão acerca da relação entre eficiência e eficácia no

trabalho em saúde, Campos e Amaral (2007) comentam:

Esses modelos [pautados no trabalho em linha de produção] podem apresentar ganhos em eficiência e produtividade, mas tendem a subestimar a eficácia; ou seja, o objetivo primário dos serviços de saude que é a produção de saude (p. 579)

Outra distinção significativa, ao compararmos os discursos das duas

profissionais da psicologia, está presente nas expectativas da psicóloga 1 em

relação a sua atuação a partir da interconsulta, em que sua avaliação e a

conduta prescrita devem ser seguidas rigorosamente pelo profissional médico

que solicitou “ajuda”, para que assim possa se garantir “uma relação legal”

entre ambas as partes. Essa compreensão está contida no seguinte trecho:

O que eu espero é que eles entendam as orientações que eu dou em relação ao meu trabalho e que seja cumprida, assim como a gente acaba cumprindo as orientações [do médico]. (...) se ele [médico] chamou é porque ele pediu ajuda em relação a isso, então o que você orientar, tanto a ele quanto ao paciente, enquanto ele estiver na internação, que a gente tem uma relação legal e de entendimento sobre este paciente. Até mesmo orientando ele como agir, até onde chegar com esse paciente (Psi1).

Embora haja uma crítica, presente nesse mesmo discurso, relativa ao

arranjo organizacional da interconsulta, já que anseia-se por processos de

trabalho “multiprofissionais”, para poder se chegar no que “seria um

atendimento integral ao invés de ser [só] uma interconsulta” (Psi1), evidencia-

se a disputa de poder existente na relação médico-psicólogo, em que o saber

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especializado, sobre uma determinada parte do sujeito-paciente, tem o

estatuto de verdade soberana sobre os demais saberes, devendo ser

acatado por aqueles que não o detém. Essa disputa corporativa revela uma

preocupação maior com os procedimentos e técnicas específicos de cada

profissão, do que propriamente com a responsabilidade pelo resultado final

das ações propostas ao usuário. (Campos et. al, 2013).

Já no discurso do psiquiatra que atua no PS adulto, está presente uma

concepção teórica do que é a interconsulta psiquiátrica, baseada no que

nomeia de “modelo americano” (sic), em que essa especialidade médica

ingressa no hospital geral como apoio às áreas clínicas. Esse modelo,

segundo o entrevistado, é importado no Brasil por volta da década de 1980,

colocando limites na prática psiquiátrica no Hospital Geral, já que o usuário

nunca será um paciente psiquiátrico, isto é, não estará sob responsabilidade

do psiquiatra. Segundo o profissional, “isso teoricamente coloca certos limites

na prática, não só a nível da prática objetiva, mas também da prática até a

nível politicamente éticos do seu trabalho” (Psiq). Limite prático, ético e

político. O entrevistado está se referindo a prática de consultoria psiquiátrica,

descrita por Botega (2012) como uma avaliação e prescrição do profissional

da saúde mental dos pacientes sob responsabilidade de outra especialidade

médica, não fazendo parte da equipe assistencial e respondendo somente às

solicitações específicas.

O entrevistado considera ser responsável por aquilo que avalia e

sugere, mas ressalta que há uma “responsabilidade final” (Psiq) que não lhe

cabe. Pondera que, no nível teórico, haveria uma diferença entre esse

modelo e o da corresponsabilidade, pois a partir da coparticipação daqueles

profissionais envolvidos com diferentes níveis de atendimento destinados ao

paciente, haveria mais de uma pessoa responsável pelo caso. Cita como

exemplo de corresponsabilidade quando “os colegas solicitavam interconsulta

muitas vezes para tentar avaliar se o paciente tinha ou não capacidade

psíquica e emocional para poder saber o que ele está escolhendo” (Psiq). O

profissional está se referindo às solicitações de avaliação da capacidade

psíquica do paciente no que diz respeito ao julgamento crítico acerca do que

é colocado para ela como oferta terapêutica de tratamento. Para exemplificar

essa questão:

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[Quando a] cirurgia vascular, solicitava uma interconsulta para poder saber se o paciente que não quer fazer uma amputação por um início de necrose diabética ou algo assim, se ele tinha condição ou não de entender a gravidade da situação (Psiq).

Entende que esse tipo de pedido ultrapassa os limites do que seria a

interconsulta, já que nesse caso, assumiria uma corresponsabilidade pelo

usuário, a partir do que nomeia de “laudo psiquiátrico”.

Através de sua experiência concreta, o arranjo interconsulta, portanto,

é descrito como um apoio especializado dado ao “colega” médico que

apresenta alguma dúvida específica. Por conseguinte, apoiar significa sanar

dúvidas e fazer sugestões, a partir de uma demanda circunscrita, para

auxiliar no manejo do caso, lembrando que “o paciente (...) sempre é de

responsabilidade de quem pediu a interconsulta, (...) embora até [se] tenha

contato com o paciente na interconsulta quando é necessário” (Psiq) ou com

a família. O profissional nomeia-se como “consultor”, restringindo sua prática

de “apoio” a uma consultoria dada ao médico solicitante, o que não seria uma

restrição da concepção de apoio enquanto práxis Paidéia (Campos et. al.

2013).

O entrevistado ressalta essa concepção de interconsulta ao declarar

que o limites observados por ele dessa prática são fazer com que o médico

solicitante compreenda o enquadre desse arranjo, em que a relação do

interconsultor – ou simplesmente consultor – com o paciente não ultrapassa a

responsabilidade atribuída ao próprio médico que demanda apoio

especializado. Essa ideação fica evidente no discurso do psiquiatra, quando

este afirma que:

(...) não sou eu que vou medicar o paciente que está agitando, por exemplo, posso sugerir para ele que o paciente seja medicado com isso, com aquilo ou aquilo outro (Psiq).

A partir desse trecho, podemos conceber que a assistência

psiquiátrica, prestada diretamente ao usuário, se resume a avaliação

especializada, orientação, encaminhamento e prescrição medicamentosa,

sendo que o profissional especialista não assume a condução do caso ao

longo do período de hospitalização – “o paciente não é e não vai ser meu”

(Psiq). Essa postura implica em uma relação estrangeira com a equipe que

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acompanha o paciente, já que o próprio profissional afirma que “a relação é

da equipe com o paciente, eu não faço parte da equipe, eu entro no meio

dela e saio dela” (Psiq).

(B) O QUE PODE A INTERCONSULTA? CONSIDERAÇÕES SOBRE

LIMITES, DESAFIOS E POSSIBILIDADES

A psicóloga 2 compreende que o trabalho de interconsulta pode

permitir uma transformação das práticas vigentes no Hospital Geral, sendo

estratégico para a “mudança desse modelo que acontece hoje para um que

seja melhor para a equipe e para o usuário” (Psi2).

Considera que um dos limites do trabalho em sua unidade de origem

seria a concepção de trabalho em equipe impregnada nas práticas

cotidianas, tendo conseqüências clínicas significativas, já que o

próprio olhar que se dá para o paciente, (...) as questões psicológicas elas não são (...) trazidas em evidência, a não ser em casos extremos quando o paciente está se recusando a tomar remédio ou quando está ameaçando ir embora sem ter alta consentida, então assim, são situações chaves que daí o psicólogo é chamado, mas, por exemplo, na visita conjunta3, a discussão fica muito focada na questão clínica, o que o paciente tem, a medicação, então aí acho que já envolve esse limite da concepção, talvez do que seja esse trabalho interdisciplinar aqui (Psi2).

A partir dessa consideração, entende que o desafio do trabalho

interprofissional seria uma quebra de paradigma, criando condições de

possibilidade para a implementação de uma clinica ampliada e

compartilhada, de modo a romper com a cisão disciplinar e, por conseguinte,

com a fragmentação do cuidado.

Idealmente, a profissional concebe que a prática de interconsulta

poderia desenvolver outras formas de engajamento das pessoas com a

clínica, usando “da interconsulta como um disparador até para a equipe estar

refletindo para outras questões”, não focando somente naquilo que despertou

o interesse de solicitar uma avaliação psicológica, mas de pensar nas

(...) relações entre a questão somática que o paciente traz e as emocionais que levaram ele ao longo do

3 Esse arranjo organizacional terá seu funcionamento descrito posteriormente.

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tempo, e de repente adquirir certas doenças, ou não estar se cuidando tão bem quanto poderia em relação ao uso da medicação (Psi2).

A psicóloga compreende que essa transformação das relações

interprofissionais produziria efeitos importantes nas ofertas terapêuticas

propostas, já que a eficácia das ações seria maior e com isso diminuiriam as

frustrações pessoais dos profissionais com o seu próprio trabalho, pois

passariam a ver os resultado das suas intervenções, em que os pacientes

conseguiriam “assumir um [auto]cuidado com a qualidade que precisa” (Psi2),

não necessitando regressar ao serviço de alta complexidade tantas vezes.

Como meio de evitar as frustrações pessoais relacionadas ao trabalho,

Campos e col. (2013) afirmam que

(...) a realização profissional e existencial dos profissionais de saude depende do reconhecimento – por parte da sociedade e deles próprios – dos resultados de seu trabalho, isto é, da apropriação de sua obra, como algo digno da admiração e do respeito publico. E a religação dos profissionais e das equipes a sua obra se faz possível por meio da articulação (aproximação) entre os objetos de investimento dos profissionais, seu objeto de trabalho e a produção de valores de uso (pp. 367-368).

Contudo, a profissional da psicologia considera que para que essas

mudanças possam ser implementadas no contexto hospitalar, será

necessária a abertura dos trabalhadores para a reflexão de suas práticas,

produzindo assim um deslocamento do olhar (ou da escuta), se propondo “a

olhar para aquilo que ele está acostumado a olhar de um jeito, olhar de uma

nova forma” (Psi2). Entende que seria preciso quebrar essas barreiras

pessoais, de modo a ampliar as possibilidades de interpretação das situações

para criar soluções novas, deixando de pautá-las, exclusivamente, em ações

do tipo queixa conduta.

No discurso do psiquiatra também está presente a idéia de que uma

disponibilidade prévia à mudança ser necessária para uma transformação

das práticas. No que se refere as possibilidades do trabalho de interconsulta,

o psiquiatra entende que essa prática, ao criar uma superfície de contato

entre saberes distintos, pode vir a produzir desdobramentos pedagógicos, a

partir das próprias dificuldades que a equipe apresenta em relação à

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determinados assuntos que não fazem parte de seu repertorio clínico. Mas

isso só poderá acontecer, como já exposto anteriormente, se a equipe tiver

abertura para repensar as próprias práticas.

Contudo, esse desdobramento é compreendido como “outra coisa

diferente da interconsulta” (Psiq). Podemos diferenciar essa compreensão do

que se entende por Apoio Matricial (Campos, 1999; Campos e Domitti, 2007;

Campos et al. 2013) e por Interconsulta em saúde mental (Ferrari et. al.,

1980; Botega, 2012), pois o suporte dado à equipe de referência, além de ser

técnico, é também pedagógico.

O entrevistado cita um exemplo de uma ação pedagógica que

encabeçou no PS adulto.

(...) já fui solicitado a tentar fazer um pequeno curso, digamos assim, com as equipes, por exemplo, para tentar orientá-los da melhor forma a lidar com o paciente que chega no hospital por tentativa de suicídio, por exemplo, claramente, muitas vezes existe uma série de atitudes que são inadequadas para lidar com esses pacientes, independente da categoria do profissional, e às vezes ao falar um pouco sobre isso surge a possibilidade de um desdobramento, mas que se insere dentro de toda a dificuldade do dia a dia do trabalho, equipes que trabalham em ritmo de plantão, que trocam ao longo do dia, ao longo da semana, mas é um desdobramento interessante, talvez um dia isso possa ser estruturado de uma forma como um trabalho como um todo. Mas isso não é interconsulta (Psiq).

O profissional conclui sua ilustração reforçando a incompatibilidade

dessa ação pedagógica com o que compreende por interconsulta, embora

explicite que esse “curso” foi uma conseqüência de sua prática como

interconsultor. Além disso, explicita que há um efeito pedagógico para a sua

prática, em que é possível modificar suas concepções e ações a partir

daquilo que aprende no encontro com os pacientes e seus familiares.

A psicóloga 1, por outro lado, enfatiza a importância do encontro do

paciente com a saúde mental como um ganho em si para o usuário do

serviço, em um contexto em que não se está habituado com ações da

psicologia e psiquiatria. A partir disso, a profissional destaca a importância de

se terem mais profissionais da saúde mental atuando no Hospital Geral, já

que entende que o atual quadro de trabalhadores dessa área como

deficitário.

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Explicita o encaminhamento para a rede de serviços de saúde do

município como um limite e também como um desafio do trabalho em

interconsulta. Encontra dificuldades para garantir um encaminhamento ágil

aos usuários, já que “você não ter muitas vezes a emergência [ou urgência?]

na hora para dar continuidade do nosso trabalho”. Podemos pensar que essa

necessidade de assegurar urgentemente a continuidade do cuidado, além de

ser uma forma de responsabilização pelo caso, reflete uma postura

imediatista, em que uma resposta precisa ser dada, à questão emergente,

naquele exato momento. Se por um lado isso evidencia uma dinâmica

institucional que privilegia ações aceleradas para atender o fluxo ininterrupto

de porta de entrada do serviço (Pronto-Socorro), por outro lado revela o

sofrimento da profissional ao se deparar com uma situação em que não há

uma mesma receptividade da rede em acolher o paciente atendido por ela,

assim como não sente-se acolhida em sua própria angústia. Portanto, a

urgência também é da profissional, que busca uma resposta às pressas para

uma demanda formulada à saúde mental, mas que não vai ser trabalhada no

contexto hospitalar, se o paciente não for ficar internado. Podemos dizer que

há uma identificação como o sofrimento do outro, já que para ambos os

casos, tanto do paciente quanto da profissional, suas demandas não podem

ser escutadas. Alivia-se, então, essa dor através da justificativa de “os outros

de lá” estão sobrecarregados, já que faltam profissionais e estrutura para

acolher urgências e emergências. Nota-se que há uma preocupação da

psicóloga com a não aderência do paciente, ao serviço que foi encaminhado,

por conta das dificuldades no acesso, o que geraria desistência. As

perguntas que ficam são: os encaminhamentos estão sendo feitos de forma

implicada? Há uma corresponsabilização pelo caso?

Outro desafio que se coloca em questão é quando da não aceitação

do paciente de se submeter às intervenções da psicologia ou psiquiatria,

observada na seguinte fala:

E o desafio também acaba sendo você percebe que aquele paciente tem a necessidade tanto de um acompanhamento psicológico, como psiquiátrico e ele não aceita, então para a gente se torna um desafio para que ele se cuide (Psi1).

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Para além da concepção e do exercício de tornar o paciente um ser

dócil, submisso à tudo aquilo que lhe é proposto, tendo como justificativa a

intenção de fazê-lo se cuidar - o que seria uma disciplinarização do corpo do

paciente, como trabalhado por Foucault (2005) em sua analítica do poder

disciplinar –, essa fala revela também um outro tipo de sofrimento, ligado à

experiência de impotência diante de uma situação concreta em que se teria

algo para intervir.

(C) DIAGNÓSTICOS PREDOMINANTES

As tentativas de suicídio, ou risco de suicídio, se configuram como as

encomendas predominantes à saúde mental, de acordo com dois dos

entrevistados (Psi2 e Psiq).

A psicóloga que atua na unidade de clínica médica considera que o

fator tempo é um limite do trabalho como interconsultora no PS adulto, e que

por conta dessa dinâmica da unidade, acaba que precisando correr “contra o

relógio” (Psi2) para atender as solicitações de atendimento.

Acho que os limites envolvem a dinâmica do setor que solicitou a interconsulta, por exemplo, se é lá no pronto socorro eu sinto que as coisas são muito rápidas porque a demanda toda hora chegando, então esse fator tempo acaba sendo limite (...) (Psi2).

Nos casos que envolvem risco ou tentativa de suicídio, existe a

percepção da entrevistada de que há uma “intolerância” da equipe solicitante,

demandando da interconsulta o encaminhamento dos pacientes para “leito no

CAPS ou para um pronto socorro que tenha essa retaguarda psiquiátrica”

(Psi2). A justificativa para tal encomenda seria a necessidade de liberação de

leitos para atender outras questões clínicas urgentes. A profissional

rememora uma fala que ouviu de uma profissional da unidade de urgência e

emergência para ilustrar sua argumentação:

‘olha, se não conseguir resolver isso, ela vai, a paciente vai ficar lá na sala de espera porque vai ter que entrar um infartado’ (Psi2).

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O sofrimento psíquico acaba não sendo prioridade dentro do pronto-

socorro, não por uma questão de desprezo, segundo a psicóloga, mas devido

a preeminência das questões de ordem física.

Embora não considere que as emergências de ordem psíquica sejam

desprezadas, o discurso da entrevistada evidencia uma predileção no

atendimento às enfermidades de causa orgânica em detrimento das

psicogênicas. De acordo com Botega e Nogueira-Martins (2012), toda

interconsulta destinada à saúde mental deve ser considerada como

emergencial, seja por conta do quadro clínico apresentado pelo paciente,

seja pelo fato do pedido de ter sido feito após um tempo de postergação, em

que a decisão de fazer uma solicitação à saúde mental pode vir em um

momento em que

(...) o médico já atingiu o seu limite de suportar a angústia desencadeada por uma situação clínica, e, quando solicita a interconsulta, quer a presença urgente do psiquiatra, pois urgente é sua aflição (p. 161).

O psiquiatra entrevistado afirma que as demandas destinadas à

interconsulta psiquiátrica, no pronto-socorro, “basicamente são as tentativas

de suicídio”.

Nessas situações de um modo geral o colega vai tentar saber qual é a orientação que ele vai fazer após a alta, e daí dependendo da situação, desde um encaminhamento, a minha sugestão pode ser desde um encaminhamento para o centro de saúde que tem a equipe de saúde mental, seja para o CAPS, ou mesmo, em raríssimas exceções para uma internação hospitalar direta, raríssimas exceções (Psiq).

O profissional do pronto-socorro ressalta que a avaliação do caso vai

configurar o destino do encaminhamento dado ao paciente. Explicita que as

transferências para unidade de psiquiatria em hospital geral são raras, pois

embora “a prevalência maior seja a tentativa de suicídio raramente vai ter

algum paciente claramente psicótico” (Psiq).

Aponta sua preferência em fazer o contato diretamente com o serviço

ou equipe de saúde mental que irá acolher o paciente encaminhado do

hospital, revelando que “em algumas situações mais sérias” (Psiq), busca

entrar em contato com a família para saber sobre o desfecho do

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encaminhamento, apesar de não produzir nenhum tipo de registro dessa

ação em prontuário.

Outras situações que é convocado a atender em interconsulta são os

casos de “pacientes alcoolistas ou dependentes químicos”, em que “a dúvida

de modo geral é só em relação a como fazer o encaminhamento” (Psiq).

Já a psicóloga 1 revela que os tipos de sofrimento, atrelados às

solicitações de interconsulta mais predominantes, se referem à internações

mais prolongadas, frustrações relacionadas à não ocorrência de uma cirurgia

que estava programada, pois “eles não pensam no emocional do paciente

quando uma cirurgia é suspensa” (Psi1), ou até mesmo como informar sobre

o diagnóstico, sendo que “quem vai me socorrer nessa hora é a psicologia”

(Psi1).

Mas nem sempre os pedidos de interconsulta são feitos à psicologia

para “tampar um buraco que (...) o próprio profissional cavou para o

paciente”. Segundo a entrevistada, muitas vezes a equipe consegue perceber

sintomas relacionados à depressões ou ansiedades, o que culmina em

pedidos de interconsulta mais qualificados, o que “para a gente é gratificante

quando vem desta forma” (Psi1).

Voltando a entrevista da psicóloga 2, a profissional explicita também

que já foi solicitada à atender pacientes a partir do pedido da própria família,

assim como mostram os dados da Tabela 4.

(...) já aconteceu pedido de familiar, familiar assim que percebe que o paciente está meio deprimido, ou mesmo em casos daqui da MI [moléstias infectocontagiosas] que tem casos de uso de drogas, e assim pede orientação para encaminhar ou para conversar com o paciente para ver se o paciente muda o comportamento (Psi2).

A psicóloga se surpreende com o fato de não receber pedidos de

interconsulta em “casos de violência domestica” (Psi2). Outras situações que

é chamada para intervir são de pacientes com internações longas, na UTI

principalmente, que passam a apresentar sintomas depressivos, pois “às

vezes a família não podia estar muito presente e eu acabo sendo chamada

para dar esse apoio” (Psi2).

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6.3.2. PROFISSIONAIS DA CLÍNICA MÉDICA – Médico (Med), Assistente

Social (AS) e Enfermeira (Enf)

(A) CONCEPÇÕES SOBRE INTERCONSULTA

Há uma concepção idealizada do que seria uma interconsulta da

saude mental para o médico entrevistado, em que “ela deveria ser feita de

uma forma sistemática até a alta deste paciente” (Med). O profissional faz

uma crítica ao caráter pontual das intervenções em saúde mental no hospital,

afirmando que devido a “complexidade dos nossos pacientes” (Med), essas

intervenções deveriam ser “mais institucionalizadas” (Med), contando, para

que essa prática seja exequível, com “um grupo maior de saude mental”

(Med). A partir dessa concepção do médico, há o entendimento de que a

interconsulta desencadeia um processo de cuidado que necessitaria de uma

continuidade, que poderia até se estender para além da internação.

A assistente social entrevistada compreende que a interconsulta da

saúde mental deveria abranger todos os pacientes assistidos no hospital

geral, preferencialmente através de entrevista no inicio da internação, se

tornando dessa forma uma prática institucionalizada e protocolar, “assim

como a gente [do serviço social] faz uma ficha de internação” (AS). A

profissional reforça essa idéia enaltecendo a especificidade do olhar dos

profissionais da saúde mental diante dos outros olhares possíveis para os

usuários do serviço hospitalar, pois “até de repente facilita na cura do

paciente” (AS). Para corroborar com sua análise, a assistente social

rememora uma experiência de trabalho conjunto:

(...) e como eu já trabalhei em grupo com psicóloga, a gente sempre trabalhou em parceria, então eu valorizo muito isso, acho que o olhar do outro profissional, nossa, eu acho fantástico (AS).

Segundo a profissional (AS), os pedidos de interconsulta formulados

por ela não são feitos por escrito, mas acontecem a partir de discussões de

caso, pois tem apreço pelo compartilhamento de saberes, já que dessa forma

pode dividir as percepções que construiu a partir do caso, incluindo suas

dúvidas, bem como explicitar questões sociais pertinentes, que compõem sua

avaliação.

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Contudo, a entrevistada afirma que o compartilhamento de casos com

a saúde mental depende de como a relações interprofissionais se constituem,

pois

(...) dependendo de quem é o profissional de saúde mental, se ele é um profissional que tem interesse, que se envolve, que também está interessado no paciente, que é o principal objetivo nosso, eu fico, nossa, eu me empolgo em estar passando essas informações, e trocando e querendo, e você conversou e como foi? (AS)

Vale destacar que sendo o principal objetivo, das ações em saúde, o

paciente, as relações profissionais necessitam estar formatadas de modo a

contemplar a complexidade do processo saude-doença, incorporada em

sujeitos concretos, revelando assim a necessária interdependência

profissional para a elaboração de intervenções eficazes. Colocar o usuário

como foco de nossas preocupações pode ser a chave para que possamos

produzir ampliações na clínica, determinando responsabilidades

coletivamente pactuadas. A respeito da centralidade das ações em saúde no

usuário e da responsabilidade profissional, Ceccim (2008) afirma:

Se todo profissional de saude requer habilitação técnica para a clínica e para a operação de recursos e instrumentos terapêuticos, então ele deve poder ser responsabilizado por assistir em conjunto com a sua equipe de organização da atenção à saude. Reconhecer, validar e legitimar o assistir em conjunto desloca, definitivamente, o eixo corporativo-centrado das práticas profissionais de saude, para o eixo usuário-centrado. Em um eixo corporativo-centrado, a responsabilidade pelos atos de saude pertence a cada profissional individualmente identificado com cada ação prestada ao usuário. Em um eixo usuário-centrado, a responsabilização gerada é para com o projeto terapêutico, tornando cada ato mais implicado com o direito a saude de cada usuário, segundo uma jurisprudência usuário-centrada (p. 272).

A trabalhadora do serviço social compreende que vai depender de um

certo perfil profissional, a saber, ter “esse interesse em saber, ir lá, entender

e querer discutir o caso” (AS), para um compartilhamento eficaz e usuário-

centrado seja possível.

Em contrapartida à compreensão idealizada acerca da interconsulta da

saúde mental, a profissional do serviço social classifica o arranjo atualmente

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instituído como uma forma de “apagar fogo” (AS), descrevendo o modo como

ocorrem as construções dos pedidos de interconsulta da seguinte forma:

(...) quando o profissional percebe que tem alguma questão ali que ele não está dando conta, que é importante para o tratamento do paciente, ele chama o profissional da saúde mental, mas eu penso que muitas coisas acabam passando desapercebidas pelos profissionais que estão ali e que aí quando não percebem, vamos chamar a saúde mental? Então eu penso que existe alguma falha neste processo (AS).

Dois aspectos dessa descrição merecem ser ressaltados.

Primeiramente, a entrevistada compreende que os chamados aos

profissionais da saúde mental ocorrem mediante a percepção de que existe

“alguma questão” que o profissional responsável pelo caso “não está dando

conta” (AS). Ferrari, Luchina e Luchina (1980) compreendem que os pedidos

de interconsulta são conseqüência da existência de um conflito na relação

médico-paciente, em que fatores psicológicos, familiares, institucionais e

culturais interferem nessa dinâmica. Esses autores compreendem que esse

conflito revela uma crise dessa relação, que se expressa através do canal

transferencial estabelecido entre aquele que pretende curar (o médico) e o

que espera ser curado pelo outro (o paciente). Em segundo lugar, a

assistente social se pergunta sobre como convocar os profissionais da saúde

mental se muitas vezes algumas demandas passam “desapercebidas pelos

profissionais” (AS). A não apreensão de questões relacionadas a

subjetividade dos usuários assistidos pode estar relacionada ao modelo de

clínica hegemônico que opera no contexto hospitalar, isto é, o modelo

biomédico. Para biomedicina as doenças são consideradas como fatos

concretos, ou seja, são passíveis de observação empírica, podendo ser

verificados através de um arsenal técnico e científico, enriquecidos através

do desenvolvimento extraordinário das ciências biológicas e do formidável

progresso tecnológico (Ferrari, Luchina & Luchina, 1980). Analisar aspectos

advindos do psíquico, das relações familiares e o contexto social do paciente

não são consideradas atividades médicas por não ter, à rigor, fundamentação

científica (Ferrari, Luchina & Luchina, 1980). Portanto, essas questões

fugiriam ao olhar treinado dos médicos. Contudo, podemos analisar essa fala

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da entrevistada considerando justamente o número reduzido de profissionais

da saúde mental que atuam no hospital. Uma oferta reduzida de

interconsultas desse núcleo, por conta da escassez de profissionais, sendo

apontada como problemática por todos participantes entrevistados,

compromete a produção de demandas para a saúde mental. De acordo com

Baremblitt (2002) “a demanda não é espontânea, a demanda não é o

primeiro passo de um processo: ela é produzida, de tal modo que existe um

passo anterior à demanda que é a oferta. A demanda não existe por si” (p.

61). Portanto, uma oferta restrita de interconsultas interferirá na produção de

demanda para esse tipo de intervenção especializada. Ferrari e col. (1980)

fazem uma descrição da curva de encaminhamentos para a saúde mental e

os determinantes em jogo na oscilação do número de pedidos de

interconsulta.

A percentagem de chamadas parece depender, entre outras coisas, da imagem que a equipe de Interconsulta projeta no hospital, ou seja, a sua capacidade de se adaptar à tarefa médica com a urgência exigida pelas circunstâncias, em outras palavras, a sua utilidade e sua eficiência clínica, da estabilidade dos membros integrantes da equipe de interconsultores, etc. A porcentagem de interconsultas varia naturalmente ao longo do tempo que a equipe de Interconsulta está em funcionamento; inicialmente há um aumento gradual das encomendas, então alguma estabilidade é alcançada e, em seguida, começar um declínio a medida que os próprios médicos podem cuidar de situações que antes, por nenhum conhecimento, eram exclusivamente destinadas à Interconsulta (p. 54).

Para a enfermeira entrevistada, as solicitações de interconsulta para a

psiquiatria são feitas de “médico para médico”, utilizando do “papel da

interconsulta” para realizar os pedidos. Pontua que no caso da psicologia, há

um contato direto da psicóloga com os enfermeiros, seja para obter

informações da enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de

enfermagem) sobre os pacientes, seja para receber as demandas destinadas

à ela. É importante destacar que existe um contato cotidiano da psicóloga

com a equipe de enfermagem, pois essa profissional está alocada na

enfermaria de clínica médica, sendo responsável por “acompanhar todos os

casos de todos os pacientes” (Enf).

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Para exemplificar essa distinção entre as solicitações de interconsulta

dirigidas à psiquiatria daquelas encaminhadas à psicologia, a profissional de

enfermagem explicita:

Então, da psiquiatria tem um papel, um formulário próprio que entrega na mão da pessoa mesmo, né, agora da psicologia a gente faz mais verbalmente mesmo, eu vou na sala dela quando preciso conversar, pedir algo especial para algum paciente, algo desse tipo, eu não faço papel de pedido de interconsulta, pelo menos a enfermagem não faz (Enf).

O médico entrevistado não diferencia o modo como são realizadas as

solicitações para a saúde mental das de outras especialidades médicas, já

que “existe um formulário próprio para todas as interconsultas” (Med).

Também não faz distinção entre os pedidos encaminhados aos residentes de

psiquiatria, que tem como campos de estágio a enfermaria de clínica médica,

daqueles direcionados à psicóloga que atua na unidade, sendo que ambos os

núcleos profissionais estariam submetidos ao mesmo tipo de protocolo de

interconsulta.

No que se refere à construção e o compartilhamento dos casos

clínicos, o profissional da medicina somente considera, em seu discurso, a

possibilidade de discussão de caso com os médicos residentes em

psiquiatria.

Quando são esses residentes da psiquiatria, eles têm feito de uma forma muito mais intensa, eles discutem com nosso residente também, com o preceptor que está junto no caso assim, então aí há um dinamismo muito maior na discussão (Med).

No entanto, pondera que o modo como a discussão de caso se

operacionaliza pode variar de profissional para profissional. Sugere, portanto,

que

(...) houvesse essa discussão também numa reunião mais ampliada que nós fazemos todas as quintas-feiras [visita conjunta multiprofissional] quando temos cinco, seis preceptores com todos os residentes, nós discutimos amplamente todos os casos (Med).

A visita conjunta multiprofissional é um arranjo institucional que

viabiliza a discussão de todos os pacientes atendidos na unidade de clínica

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médica através de uma apresentação, feita pelo médico residente

responsável pelo cuidado, da evolução do caso clínico, considerando-se a

queixa inicial, o histórico de doenças, as hipóteses diagnósticas levantadas,

as condutas diagnósticas e terapêuticas propostas, além dos

encaminhamentos necessários para a continuidade do tratamento. Além dos

residentes de clínica médica e seus preceptores, participam outros

profissionais que atuam na unidade assistencial, dentre eles a psicóloga.

Contudo, esse espaço de discussão apresenta um caráter médico-centrado,

como aponta a enfermeira entrevistada:

(...) a gente faz a visita conjunta de quinta-feira, mas é uma coisa muito parte médica, fica centrada na parte médica e depois fala um pouquinho a enfermagem, mas não tem aquela coisa conjunta de todo paciente, qualquer que seja o paciente, de estar trabalhando junto com a psicologia, sabe, não tem essa coisa integrada assim, é bem fragmentada mesmo (Enf).

Os profissionais não médicos contribuem com seu olhar específico

para a discussão dos casos clínicos, mas fica evidente no discurso da

entrevistada o caráter multidisciplinar do arranjo, além da hegemonia do

saber médico sobre a clínica. A respeito da biomedicina, Campos e col.

(2013) defendem que para a manutenção do trabalho em saúde como práxis,

a clínica depende da arte de equilibrar doença e sujeito (Campos & Bedrikow,

2011).

O trabalho em saude como praxis requer que se mantenha, permanentemente, a tensão entre o saber sobre a doença e o saber sobre a relação com o sujeito doente, o que só é possível quando, na clínica, o profissional de saude reconhece a incompletude do modelo biomédico ao exercer sua função terapêutica no caso singular (Campos et. al., 2013, p. 340).

(B) DEMANDAS DIRIGIDAS À SAÚDE MENTAL

A assistente social explicita que a saúde mental é convoca à intervir

em casos muito graves, em casos de rupturas, por exemplo, o paciente vai ter uma amputação de membro, casos de não aceitação da doença, o paciente acabou de ter um diagnóstico de um câncer ou de alguma doença grave ou alguma coisa assim (...), caso de amputação, em caso de diagnóstico de doenças graves, doenças que precisam de um tratamento mais prolongado, a não aceitação da doença, a não aceitação

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da internação, enfim, não só para o paciente como para a família, um paciente que sofreu um politrauma e ele precisa ficar numa cama, quer dizer, desestrutura a família toda (...), casos de depressão, casos de tentativa de suicídio, paciente soropositivo (AS).

A profissional do serviço social faz uma distinção entre a função de

acolher o paciente nessas situações graves e a capacidade de intervenção

nas mesmas, em que intervir seria uma atribuição especificamente da

psicologia, considerando-a como uma ajuda para “superar ou aceitar essa

idéia” (AS), isto é, estar doente.

A entrevistada, continuando sua linha de raciocínio, cita também como

exemplo casos em que um paciente idoso passa a ficar na condição de

acamado. Essa perda de autonomia, segundo ela, cria uma dependência

maior do paciente para com a família nuclear ou extensa, em que pode

ocorrer uma inversão de papéis, sendo que aquele que antes era cuidador,

passa a ser cuidado por outro(s), que “então deixa de ser o filho e vai

começar a ser o pai ou a mãe desse paciente” (AS). Compreende que nesses

casos a saúde mental pode auxiliar no apoio àqueles que apóiam o paciente,

pois a família pode não estar preparada para o cuidado ou acaba se

esquivando da responsabilidade de cuidar (AS).

Já o médico entrevistado explicita que as situações ou casos que

desencadeiam pedidos de interconsulta estão relacionadas à pacientes que

apresentam “surto de comportamento”, “depressão”, “agitação psicomotora

que foge da gente” ou “algum surto que ocorre muitas vezes aqui de o

paciente internar” (Med).

Posteriormente, o entrevistado faz uma descrição mais detalhada dos

diagnósticos que suscitam solicitações de interconsulta à saúde mental,

relacionando-os com a idade ou fase da vida. Com relação aos usuários

idosos, o médico afirma:

(...) nós temos bastante pacientes idosos aqui no hospital e nós sabemos que com a internação desencadeia muita depressão né, ou alteração de comportamento (...) o paciente começa a ficar com uma confusão mental ou delirium né, e muitas vezes a gente pede avaliação, orientação da saúde mental em como lidar com isso (Med).

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Já no que se refere ao que acomete os usuários mais jovens:

Pacientes mais jovens também, nós temos pacientes muito etilistas, paciente que precisa de uma avaliação, ou que estão com surto psicótico, ou porque estão precisando de um acompanhamento depois pelo etilismo, então também é uma situação que muitas vezes a gente pede a avaliação da saúde mental (Med).

Outras situações que o profissional menciona, também

desencadeadoras de pedidos de interconsulta, estão relacionadas aos

diagnósticos fechados pela equipe de saúde da unidade e suas

conseqüências para os usuários. Cita como exemplos:

(...) o paciente descobre que ele é soropositivo ou um paciente que descobre uma doença oncológica, ou paciente, um cardiopata. Então nós temos assim situações de pacientes que tem que fazer uma cirurgia cardíaca e descobre que vai ter que operar então isso traz uma série de mudanças comportamentais que a gente solicita a saúde mental para nos ajudar (Med).

A ajuda solicitada pela medicina à saúde mental se limita, de acordo

com o discurso do médico, à execução de avaliações e a formulação de

orientações para o profissional solicitante, sendo que essas orientações

estariam relacionadas, exclusivamente, ao uso de psicotrópicos, restringindo

assim o escopo de ações clínicas propostas pela saúde mental à prescrição

de medicamentos. Não podemos negar a importância do uso de psicotrópicos

para o tratamento em saúde mental, mas devemos ponderar, assim como

Pitta (1999), que as ansiedades e depressões dos pacientes são

naturalmente projetadas no hospital por mediação dos próprios

trabalhadores, havendo um risco dos profissionais serem invadidos por esses

sentimentos intensos e incontroláveis, constitutivos da própria natureza do

trabalho hospitalar. Uma das formas de responder a essas manifestações

sintomáticas dos usuários, sequelas da própria hospitalização, seria a

medicalização de questões clínico-institucionais e que se expressam na

relação trabalhador-usuário. Podemos afirmar, a partir de Campos e col.

(2013), que as consequências da medicalização seriam:

o declínio da capacidade das pessoas de lidarem de forma autônoma com seus adoecimentos e dores cotidianas; a desagregação das relações que entrelaçam o homem a sua

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doença e sofrimento; e uma crescente e infindável demanda por atenção médica para todos os tipos de problemas, gerando dependência excessiva, alienação e outras iatrogenias. (p. 85-86)

É interessante observar que o médico entrevistado diz não se recordar

de que qualquer situação em que a saúde mental foi acionada para realizar

algum tipo de orientação familiar, reforçando a idéia de que esse tipo de ação

foge das atribuições anteriormente conferidas à saúde mental – avaliar o

paciente em crise e prescrever remédios (Med).

Ao ser perguntada sobre a existência de intervenções da saúde mental

com os familiares, a profissional da enfermagem afirma que há “problemas na

comunicação” (Enf) na relação da equipe de enfermagem com os usuários e

suas famílias. Justifica sua afirmação exemplificando que são feitas tentativas

de se explicar determinados tipos de procedimento, mas que não são

assimiladas pelos familiares do paciente, necessitando da “ajuda da

psicóloga para comunicação, para ser mais claro” (Enf). Além disso, a equipe

de enfermagem conta com o acompanhamento da psicóloga da unidade para

“falar de algum diagnóstico difícil” (Enf).

É interessante observar no discurso do médico que a descoberta da

doença, ou da necessidade de ter que se fazer um procedimento invasivo,

não contempla a ação do médico de comunicar o paciente sobre os fatos.

Enquanto que na fala da enfermeira, esta expõe as dificuldades

apresentadas quando da necessidade de transmissão de alguma informação

relevante sobre o caso, seja devido à algum procedimento a ser realizado,

seja para noticiar um diagnóstico. Portanto, qual a responsabilidade dos

profissionais que atuam no caso frente a necessidade de comunicação

dessas notícias difíceis e como as comunicam? Como lidar com os efeitos,

dessas informações, desencadeados no e pelo paciente?

Pitta (1999), a partir da análise do trabalho de Menzies (1970),

classifica cinco tipos de mecanismos de defesa estruturados socialmente que

os membros de uma organização – no caso, o hospital geral – desenvolvem

e que tendem a se tornar aspectos da realidade externa, em que a mesma

necessita ser pactuada pelos novos e antigos membros da organização.

Dentre esses mecanismos de defesa está a fuga da angústia de ter uma

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responsabilidade específica e de tomar uma decisão final. Esse mecanismo

logra defender o sujeito contra o peso da responsabilidade, buscando reduzi-

lo. A autora complementa sua argumentação, ressaltando que a fuga da

angústia se beneficia do modo parcelar e fragmentado que se estruturam os

processos de trabalho. Portanto, convocar os profissionais da saúde mental à

intervir pode servir como um meio do profissional responsável pelo caso se

proteger da angústia que o interpela.

Ferrari, Luchina e Luchina (1980) defendem a ideia de que o

interconsultor deve intervir, em casos como os citados pelos profissionais

entrevistados, na relação dinâmica estabelecida entre médico e paciente4

com o intuito de fortalecer o vínculo estabelecido entre eles, aumentando

assim a capacidade resolutiva do médico e assegurando a confiança

depositada pelo paciente naquele que o assiste.

Retomando a entrevista concedida pela enfermeira, a mesma explicita

que além das situações que envolvem dificuldades na comunicação entre a

equipe de saúde e o usuário, a saúde mental é convocada à intervir quando o

paciente está em “período de confusão”, quando “não está aceitando o

tratamento” ou “não aceita intervenção da enfermagem”, seja porque “não

quer tomar o remédio ou por não estar aceitando a situação dele”, ou seja,

em momentos em “que realmente está assim muito difícil de ir conversar, de

lidar”. Além dessas situações, a interconsulta é solicitada em casos em que o

paciente está “depressivo” ou se “já faz algum tratamento psiquiátrico” (Enf).

A interconsulta da saúde mental é solicitada quando os corpos dos

pacientes parecem resistir à dominação exercida pelo poder disciplinar que

opera no âmbito hospitalar. As práticas de enfermagem, assim como de

outros núcleos de saber, buscam pela disciplina tornar “dócil” o corpo do

paciente, o que culminaria, nas palavras de Foucault (2005), no aumento das

forças produtivas do corpo, pensando-se em sua utilidade econômica, ao

mesmo tempo em que diminui as forças desse mesmo corpo, dominando-o

politicamente através da obediência.

4 A interconsulta médico-psicológica, conceito abordado por esses autores, intervém preferencialmente na relação médico-paciente. Embora possamos extrapolar essa concepção e pensar nessa intervenção em outras relações transferenciais, com outros profissionais, que o paciente possa vir a estabelecer no contexto hospitalar.

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Os exemplos citados pela entrevistada expressam a tentativa de

submeter o corpo do doente às práticas de cuidado disciplinares. A respeito

dessa dinâmica institucional, Pitta (1999) caracteriza qual o tipo de condição

imposta ao doente:

Por uma cultura própria, onde as relações de poder e disciplina atravessam as diversas atuações no seu interior sem serem vistas ou examinadas de forma clara, até porquanto não se manifestam de modo transparente, é tendência instituída infantilizar o doente, submetendo-o ao paternalismo, fato que se manifesta de incontáveis maneiras no dia-a-dia do hospital (p. 51).

(C) LIMITES, DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA INTERCONSULTA

O maior limite da interconsulta de saúde mental, apontado pela

assistente social entrevistada, seria a escassez de recursos humanos

destinados a esse núcleo profissional. Esse fato seria consequência da

hegemonia da biomedicina no campo de saberes e práticas da saúde

coletiva, acarretando em uma desvalorização dos conhecimentos e técnicas

advindos da saude mental, já que “nossa estrutura de saude ainda não está

montada com este olhar” (AS).

A profissional do serviço social esclarece seu ponto de vista,

explicitando que a “estrutura de saude publica, ela é muito médico-centrada”

(AS), vindo a fazer uma comparação com os serviços especializados em

saúde mental e o modo como suas equipes multiprofissionais estão

estruturadas.

Questiona como está equacionado o quadro de trabalhadores do

hospital, pois entende que há uma hipervalorização de uma só categoria

profissional – a médica. Ressalta que a equipe de saúde deveria ter um papel

central, e não os médicos, “como se a equipe de saude fosse médico em

primeiro lugar” (AS), já que todos os membros que a compõem tem sua

importância técnica específica.

De acordo com Campos e col. (2013) o paradigma biomédico

“restringe a capacidade dos profissionais de analisarem e intervirem na

complexidade dos problemas de saude” (p. 88), sendo preciso esticar as

bordas das práticas de saúde individuais e coletivas para além da

biomedicina.

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Quanto aos desafios colocados à saúde mental, a assistente social

compreende que ações preventivas precisariam ser implementadas a médio

e longo prazo, já que caracteriza a população como sendo “coletivamente

doente”, isto é, nós seríamos “neurótico[s] por causa disso, por causa

daquilo, por causa da insegurança, por causa de tudo”, sendo necessária

(...) uma estrutura montada voltada para isso, espaços para que a gente também possa esvaziar um pouquinho essas neuroses da insegurança de tudo o que acontece, que acaba levando uma pessoa ao suicídio, a depressão, então eu acredito muito na prevenção (...) Eu penso que hoje em dia o curativo impera, mas o preventivo está muito perdido, então se a gente trabalhasse mais no preventivo, o curativo talvez fosse menor, ou o numero de suicídios fosse menor (AS).

Essa aposta em ações preventivas de saúde mental toma corpo, no

discurso da entrevistada, quando ela defende a universalização do acesso à

profissionais da psicologia através da atenção básica à saúde. Garantindo-se

acesso a psicólogos e psicólogas, a população iria “conhecer mais o que faz

a psicologia”, desmistificando assim algumas crenças presentes no

imaginário social acerca da associação restrita entre psicologia e doença

mental. Considera a profissão como elitizada, entendendo que uma maior

disponibilidade de profissionais nas unidades básicas de saúde promoveria

uma socialização dos conhecimentos e práticas desse núcleo (AS).

A assistente social compreende que o trabalho de interconsulta em

saúde mental possibilita, aos usuários que tem acesso à esses profissionais,

a construção de um encaminhamento para algum outro profissional ou

serviço.

Considera que o trabalho de interconsulta, além de uma prática

assistencialmente dirigida diretamente ao usuário, também tem uma

dimensão pedagógica que permeia as relações interprofissionais.

(...) eu gosto muito de trabalhar com o pessoal da saúde mental porque a visão, a forma, a avaliação que tem do profissional e nessa discussão de caso isso me acrescenta muita coisa

Mas não deixa de enfatizar, ao término da entrevista, a necessária

“quebra de paradigmas” – modelo biomédico da clínica e elitização da

psicologia –, para ampliação de oferta de saúde mental no hospital. Entende

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que deveriam existir psicólogos atuantes em todas as unidades de produção

do hospital.

A enfermeira entrevistada explicita “que precisa melhorar muito a parte

de saúde mental do hospital”, pois compreende que os profissionais da

equipe de saude “não sabem lidar com o paciente psiquiátrico” (Enf). Embora

considere que o atendimento a essa população específica seja deficitário,

sinaliza que em casos de pacientes que não tem histórico de

acompanhamento em saúde mental, as dificuldades de manejo da equipe

continuam presentes. Se o usuário “de repente solta alguma coisa assim

meio estranha” (Enf), os profissionais apresentam dificuldades em acolher o

conteúdo manifesto que remete a uma subjetividade latente. Esse discurso

deixa claro que tudo o que foge da pretensa neutralidade na relação

trabalhador-usuário, pretendida por meio da objetividade técnica, assola os

profissionais da enfermagem.

Pondera que as demandas apresentadas por meio dos casos

atendidos pela equipe de enfermagem, na enfermaria de clínica médica, por

conta de sua complexidade, exigem dos profissionais paciência e preparação

adequada, o que se agrava, em sua percepção, com a falta de recursos

humanos que vem comprometendo o funcionamento do hospital como um

todo e que vem a produzir um esgotamento nos trabalhadores, diminuindo

assim sua capacidade de lidar com os pacientes (Enf). Entende que haveria a

necessidade de se realizar treinamentos tanto com a equipe de enfermagem

como com a equipe médica, pois compreende que os casos de saúde mental

ou de cuidados paliativos carecem de um olhar para a subjetividade do

paciente. Aponta que o pronto-socorro seria um lugar importante para

realização desses treinamentos, pois é a porta de entrada em “que chega o

paciente psiquiátrico” (Enf). Cita como exemplos casos em que usuários

chegam ao serviço intoxicados pelo uso de álcool ou outras drogas, sendo

assistidos de forma preconceituosa, sofrendo julgamentos morais através de

rotulações estereotipadas: “é bêbado” ou “é drogado” (Enf). A entrevistada

explicita que quando é resgatado o histórico de vida do paciente, passa-se a

saber a respeito de sua singularidade. Com isso, os preconceitos revelam

sua moralidade e se tornam inconsistentes ao serem confrontados com a

realidade vivida.

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(...) às vezes quando chega alguém que a gente sabe do histórico, a gente conversa com a auxiliar ela fala ‘nossa, eu não sabia disso’ e realmente começa a tratar diferente aquele paciente, não tem mais aquele olhar ‘tipo, ai eu achei que ele, sabe, estava fazendo de propósito e era sem-vergonhice do paciente’ (Enf).

A partir da quebra dessas construções fantasiosas acerca do outro

que se entorpece, torna-se possível considerar uma intoxicação aguda por

conta do uso de substâncias psicoativas como um sintoma que manifesta o

sofrimento psíquico do paciente. “A gente precisa tratar disso, como tem um

problema físico ou biológico, tem o problema mental também” (Enf).

O médico entrevistado, por sua vez, entende que para superar os

limites de como a interconsulta em saude mental está instituída, “deveria ser

repensada a saúde mental dentro do hospital em geral”, pois considera a

necessidade de maior interação entre a psiquiatria e as demais

especialidades médicas, em que avanços são precisos

(...) não só na internação de pacientes psiquiátricos, como avaliação de uma forma mais sistemática em nível de pronto socorro, que é onde tem muitos pacientes de psiquiatria, e nós trabalhamos de uma forma muito pontual, muito mal elaborada (Med).

Para o profissional médico, o maior desafio a ser enfrentado é a

dissociação da saúde mental do SUS, “como fossem coisas separadas, a

saúde mental é uma coisa e todo o atendimento do SUS é outra”.

(...) porque a impressão que nos dá é que pelo SUS os gestores não se importam com a saúde mental, a impressão que dá muitas vezes é que os gestores acham a saúde mental um peso, não uma solução que, então a gente vê um baixíssimo entendimento, investimento nisso (Med).

Cita como exemplo, desse “baixíssimo entendimento” e “investimento”

na saúde mental, os problemas apresentados na gestão do convênio firmado

entre a Prefeitura Municipal de Campinas e o Serviço de Saúde Cândido

Ferreira5 (SSCF) no que se refere a contratação de profissionais e sua

inserção na rede.

5 Instituição filantrópica que firmou convênio de cogestão e de cooperação interinstitucional com a prefeitura em 2002. O SSCF é responsável pela administração de serviços públicos

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Já no que concerne às possibilidades que a interconsulta permite, o

entrevistado compreende que esse trabalho propicia um exercício reflexivo

acerca de como “está a saude mental dentro do hospital, o que dá para

crescer”. Embora se consiga hoje “atingir até certo nível terapêutico”, a oferta

deveria ser amplamente aumentada, já que “a gama de pacientes que

precisa[m] de um tratamento de saúde mental dentro de um hospital como o

nosso é muito grande”, necessitando portanto de “uma atuação mais

conjunta” (Med).

Já a profissional da enfermagem concebe que a interconsulta da

saúde mental possibilita “ver um outro lado”, já que “as vezes a gente está

tão focado só na parte clínica (...) e não vê o paciente como um todo” (Enf).

Considera que as intervenções da psicologia, com as quais está mais

habituada em seu ambiente de trabalho,

(...) vem para somar essa parte, para ver realmente que aquilo lá é um ser humano, é uma pessoa que a gente tem que ver os problemas que ele tem em casa, os problemas na família, os problemas pessoais, a gente meio que esquece assim, a gente fica focando no que a gente está trabalhando no dia a dia e acaba esquecendo (Enf).

“Aquilo lá é um ser humano”. Essa fala reflete uma postura clínica que

através do exame físico transforma corpos em objetos de investigação e

intervenção, desconsiderando o sujeito que incorpora a doença.

de saúde mental pertencentes Rede de Atenção Psicossocial do município (RAPS) e pela contração de seus trabalhadores.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados obtidos, conseguimos apreender como a

prática clínica da saúde mental se efetiva, no interior do hospital geral, por

intermédio da interconsulta. Essa metodologia clínico-institucional compõe a

rotina de trabalho dos profissionais da saúde mental, mas existem

concepções distintas acerca de sua execução, seu alcance e também suas

limitações, como pudemos verificar através da análise e discussão das

entrevistas realizadas com as duas psicólogas e o psiquiatra.

Essas diferentes concepções acerca da função assistencial e

organizacional da interconsulta refletem em atividades práticas que não são

coincidentes entre si, produzindo modos singulares de inserção nas equipes

de saúde. As composições possíveis com outros profissionais, portanto,

dependerá de como é ofertada a interconsulta de saúde mental. Os

resultados obtidos através do levantamento dos pedidos de interconsulta

revelam que a presença in loco pode gerar ou não demandas específicas de

encaminhamento para a saúde mental, vindo a depender da oferta de

intervenção proposta por cada profissional. A consultoria ofertada pelo

psiquiatra, a partir do enquadre fechado de sua atuação, origina solicitações

pontuais de apoio técnico sem que haja uma corresponsabilização pelos

casos. As entrevistas de avaliação feitas pela psicóloga pertencente a

enfermaria de pediatria demonstraram intervenções independentes do

restante dos procedimentos propostos pela equipe da unidade pediátrica,

acarretando em projetos terapêuticos não integrados e resultando, assim, em

poucos pedidos de interconsulta. Por fim, as discussões de caso

protagonizadas pela psicóloga da unidade de clínica médica engendram

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processos de trabalho que rompem com a fragmentação do cuidado,

produzindo o compartilhamento de saberes e a divisão de responsabilidades,

mesmo a profissional tendo que se deparar com a hegemonia de práticas

clínicas medicocentradas.

Portanto, apreendemos uma diversidade de papéis clínico-

institucionais assumidos pelos profissionais da saúde mental, estando de

acordo com suas compreensões individuais acerca do arranjo organizacional

da interconsulta. O que confirma o que foi observado por vários estudiosos

da gestão em saúde sobre a existência de uma autonomia relativa dos

profissionais que fazem clínica em relação aos gestores, programas e

normas organizacionais.

Se nos determos aos objetivos específicos propostos para esse trabalho,

podemos afirmar que não foi possível traçar um padrão de encaminhamento

e das avaliações da saúde mental por meio da análise exploratória das

solicitações de interconsulta, por conta da não padronização dos registros de

atendimentos dos profissionais. Apesar de existir uma fonte de registro

semelhante para detalhar as informações pertinentes dos atendimentos

realizados pela psicologia, o conteúdo do material produzido pelas

profissionais, em suas anotações, não é correspondente. Esse fato reflete

não somente a singularidade de notação de cada profissional, mas revela às

especificidades dos processos de trabalho presentes em cada unidade de

produção onde as psicólogas estão alocadas, assim como expõe o modo

como são moldadas as relações interprofissionais.

Embora não tenha sido possível depreender desses dados o padrão

dos pedidos de interconsulta à saúde mental, foi possível identificar os

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diferentes modos de conformação das relações interprofissionais, como dito

anteriormente, em consonância com as particularidades do trabalho de cada

profissional da saúde mental. Não havendo uma sistematização padronizada

dos pedidos de interconsulta à saúde mental, como pudemos observar no

registro das atividades realizadas pelos profissionais, podemos constatar a

existência de diferentes concepções acerca do trabalho empenhado por cada

interconsultor no modo como compreendem o serviço prestado. Embora seja

uma prática vigente no âmbito hospitalar, a interconsulta da saúde mental se

operacionaliza de acordo com a experiência prática de cada profissional, o

que consequentemente produz intervenções pautadas em esquemas

referenciais individualizados. No caso da psicóloga que atua na enfermaria

de pediatria, a não ocorrência de pedidos de interconsulta provenientes da

mesma unidade de origem sugere que sua atuação assistencial acontece de

forma independente da equipe de saúde, o que indica que nesse caso se

adota um modelo multidisciplinar de trabalho, pois as ações de saúde não

ocorrem de forma integrada e conjunta, fazendo com que a profissional

realize “entrevistas de avaliação” com todos os pacientes internados e seus

familiares, independentemente do caso e do acompanhamento já realizado

por outros profissionais. Com relação aos dados obtidos através do registro

de atendimentos da outra psicóloga, pudemos constatar a predominância de

encaminhamentos à saúde mental provenientes de sua própria unidade de

origem, o que sugere uma inserção desse núcleo profissional interligada ao

campo de saberes e práticas da clínica médica. Vale ressaltar que os pedidos

de interconsulta foram formulados à psicóloga por diferentes núcleos

profissional, sendo majoritárias as solicitações feitas pela enfermagem. Esse

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dado revela a não centralidade na figura do médico como solicitante

privilegiado de interconsultas, além de expressar uma proposta de trabalho

interdisciplinar a partir da construção dos casos de forma compartilhada,

como descrito pela própria profissional da psicologia em sua entrevista.

Podemos concluir, a partir da análise exploratória realizada, que não

há no hospital geral estudado um serviço de saúde mental estruturado a

partir de uma equipe de interconsultores, mas que existem profissionais

alocados em unidades de produção distintas e com inserções singulares nas

equipes de saúde que pertencem,

Por outro lado, a interconsulta da saúde mental é tida como um arranjo

organizacional de importância reconhecida pelos profissionais que atuam na

enfermaria de clínica médica, unidade esta eleita como campo para a

confecção das entrevistas semiestruturadas. Sua função na organização dos

processos de trabalho é estratégica, pois serve como recurso para desvelar e

abordar os aspectos psicossociais presentes nos casos atendidos pela

equipe de saúde. Além de se constituir como uma ferramenta terapêutica

fundamental para compor com o tratamento proposto aos pacientes

internados, a presença dos profissionais da saúde mental no ambiente

hospitalar ressalta a necessária abordagem de questões psíquicas para

abarcar a complexidade dos casos atendidos, com vistas a acolher o

sofrimento causado pela própria institucionalização hospitalar, a contribuir no

tratamento de comorbidades psiquiátricas relacionadas à doenças orgânicas

e a auxiliar no aumento da eficácia nas ações terapêuticas propostas,

tornando-as mais resolutivas. Podemos inferir que a interconsulta da saúde

mental é um instrumento capaz de produzir ampliações na clínica, embora as

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estratégias teórico-conceituais utilizadas como referencial para tal prática não

tenham sido postas em evidencia no discurso dos profissionais da saúde

mental. Contudo, algumas noções gerais são apresentadas como

fundamentais para o exercício de uma clínica ampliada e compartilhada,

como a necessidade de garantir a integralidade do cuidado dos usuários, não

negligenciando os aspectos psíquicos e sociais determinantes do processo

saúde-doença; a necessária abordagem interdisciplinar dos casos clínicos,

visto sua complexidade; e a construção de arranjos institucionais que

garantam a troca de conhecimento entre os distintos núcleos profissionais e a

construção de estratégias individuais e coletivas de cuidado para os usuários

assistidos, considerando as competências de cada especialidade e definindo

responsabilidades.

Como pudemos observar nas entrevistas com os profissionais da

saúde mental, as relações interprofissionais se estabelecem de acordo com o

tipo de assistência prestada, em que o profissional ou a equipe solicitante

pode ser entendida como demandante de uma avaliação especializada, em

que não há o compartilhamento de responsabilidades sobre caso, ou pode

ser concebida como parte integrante da avaliação e de intervenção sobre o

processo de saúde-doença dos usuários assistidos.

O modo como estão conformadas as relações interprofissionais é

determinante para o tipo de clínica a ser posto em prática. Embora tenha sido

feita uma reestruturação do modelo de gestão do hospital, com vistas a

produzir maiores gradientes de democratização institucional, o modelo

assistencial parece não ter sofrido qualquer tipo alteração, sendo mantida a

hierarquia dos saberes, em que a biomedicina tem lugar cativo no topo dessa

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estrutura, tendo consequências visíveis na clínica. A aposta na interconsulta

médico-psicológica (Ferrari et. al., 1980) e na interconsulta psiquiátrica

(Botega, 2012), bem como no apoio matricial (Campos, 1999; Campos e

Domitti, 2007; Campos et al. 2013), como metodologias de organização do

trabalho da saúde mental no hospital geral, pode servir para criar condições

de possibilidade para a emergência de práticas em saúde pautadas no

sujeito, sem excluir a doença que o acomete, mas considerando a

singularidade do processo de adoecimento. Portanto, pensamos que uma

gestão democrática somente se sustenta a partir uma prática clínica também

democrática e vice-versa, pois se não corremos o risco de reproduzir a linhas

de comando verticais, presentes na administração científica de Taylor

(Campos, 2000), nas relações interprofissionais, assim como podemos fazer

gestão a partir das evidências originárias de um só núcleo profissional,

deslegitimando e constrangendo outras fontes de conhecimento teórico-

prático.

Portanto, concluímos este trabalho considerando a necessidade de

produção de outros estudos a acerca das contribuições da saúde mental para

o desenvolvimento de práticas clínicas centradas no sujeito no contexto

hospitalar. Como vimos, a partir dos resultados deste trabalho, a interconsulta

da saúde mental é uma ferramenta fundamental para garantir o aumento da

capacidade resolutiva das equipes de equipe, visto que põe em destaque os

determinantes psicossociais presentes no processo saúde-doença dos

usuários assistidos.

A presença de profissionais da saúde mental, no âmbito hospitalar, por

si só não produz alterações no modelo assistencial vigente, sendo necessária

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a implementação de arranjos clínico-institucionais que tenham como

referencial teórico-metodológico o trabalho interdisciplinar, permitindo assim o

compartilhamento de saberes e práticas, para definição de responsabilidades

em equipe; também possibilitando uma atenuação dos efeitos nocivos das

disputas corporativas e dos jogos de poder; além de abarcar dinâmica

intersubjetiva como parte constitutiva do trabalho em saúde.

A escolha da interconsulta em saúde mental como objeto deste estudo

nos possibilitou interrogar o saber-poder médico, através das fissuras que se

abrem a partir do que os usuários-sujeitos revelam com seus sintomas, que

escapam à institucionalização da clínica biomédica hegemônica. Pensamos,

portanto, que é a partir da escuta do que resiste que podemos questionar as

formas instituídas, tensionando assim o modelo de clínica e gestão

tradicionais.

Por fim, entendemos que a produção de novos estudos voltados para

a investigação das articulações possíveis entre apoio matricial e interconsulta

de saúde mental, seja de fundamental importância para a consolidação de

práticas assistenciais centradas no sujeito e também para a

instrumentalização dos profissionais que atuam no contexto hospitalar,

trazendo assim benefícios inquestionáveis para os próprios trabalhos, assim

como para os usuários assistidos pelo SUS.

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ROSSI, L. Gritos e sussurros: a interconsulta psicologica nas unidades de

emergências medicas do Instituto Central do Hospital das Clinicas – FMUSP

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2008

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9. ANEXOS

ANEXO 1 – TABELAS

TABELA 1

Nome Idd Sx Unidd. Solicitante

Entrada Atendi. Alta Diag. Médico Intervenção da Psic. Diagnóstico Psicológico

MACFS 15d M PSI 24/06/14

24/06/14

24/06/14

Vítima abuso sexual

Entrevista de avaliação

Vitima abuso sexual

NCS 9 M PSI 24/06/14

24/06/14

24/06/14

Agressor abuso sexual

Entrevista de avaliação

Agressor abuso sexual

ICM 17 M Ortopedia 04/07/14

07/07/14

15/07/14

Fratura de tíbia E

Entrevista de avaliação

LSAP 1 F PSI 05/09/14

05/09/14

08/09/14

Intoxicação exógena

Entrevista de avaliação

MBB 63 M Neurologia 25/08/14

15/09/14

01/10/14

Biopsia linfomadoma

Entrevista de avaliação

MESNM 15 F PSI 24/09/14

25/09/14

25/09/14

Intoxicação exógena

Entrevista de avaliação

Tentativa de suicídio

MESI 22 F PSA 06/10/14

06/10/14

06/10/14

Depressão pós parto

Entrevista de avaliação

Depressão pós parto

DSPS 22d M PSI 28/01/15

28/01/15

28/01/15

Febre e tosse seca a/e

Entrevista de avaliação

ALOF 8 F PSI 02/02/15

02/02/15

02/02/15

Vômito ao ingerir alimentação

Entrevista de avaliação

MSL 66 F Neurologia 03/02/15

12/02/15

26/02/15

Paraparesia Entrevista de avaliação

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DBT 15 F PSI 18/02/15

19/02/15

19/02/15

Esquecimento + dor de cabeça

Entrevista de avaliação

AMO 20 M Ortopedia 07/01/15

11/03/15

06/05/15

Osteomielite crônica em tíbia E

Entrevista de avaliação

JPS 15 F PSI 17/03/15

17/03/15

17/03/15

FCC antebraço E

Entrevista de avaliação

MCRP 54 F PSA 20/03/15

23/03/15

15/04/15

Pressão alta + angina

Entrevista de avaliação

JS 57 M Clínica médica 08/03/15

24/03/15

07/04/15

Edema agudo de pulmão

Entrevista de avaliação

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TABELA 2

Nome Idd. Sx. Unidade de origem Solicitante Entrada Atendim. Alta Diag. Médico

Intervenção Psi. Diag. Psi.

WCO 56 F CM/MI Nutricionista 02/07/14 07/07/14 J18.9 1a entrevista psi Depressão

ALVL 41 M CM/MI Enfermagem 02/07/14 04/07/14 08/07/14 Z00.0

1a entrevista psi

IRJ 41 F PSA 04/07/14 04/07/14 04/07/14 Tentativa de Suicídio (TS)

Avaliação e encaminhamento

TS

CMINE

16 F PSA 04/07/14 04/07/14 04/07/14 TS Avaliação e encaminhamento

TS

MBL 46 F CM/MI Enfermagem 05/07/14 15/07/14 Atendimento no leito

RL 5 F Pediatria Serviço social 15/07/14 A86 Atendimento familiar (avó)

CPN 61 M CM/MI Medicina 28/06/14 03/07/14 03/07/14 (óbito)

Apoio familiar

RL 5 F Pediatria Serviço social 22/05/14 16/07/14

VGQ 56 M Psicologia 19/06/14 01/07/14 23/07/14 I10 Entrevista/orientação familiar

RL 5 F Psicologia 07/05/14 22/07/14 A86 Observação/orientação e suporte familiar

MBL 46 F CM/MI Medicina 05/07/14 Apoio psicológico durante internação

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BJ 76 M CM/MI Medicina/nutricionista

18/07/14 24/07/14 1a entrevista (usuário e filha)

MBL 46 F CM/MI Medicina/enfermagem

5/7/14 18/7/15 Acompanhamento psicológico

JRS 79 F Outros usuários do HMMG

28/7/14 Atendimento familiar (filha)/suporte psicológico

CRR 48 F CM/MI Medicina 24/7/14 28/7/14 1a avaliação psicológica (filho)

JB 72 M Família (conflito com o hospital)

28/7/14 Apoio familiar/ atendimento ao paciente e família

CCO 26 F Recepção HMMG 5/8/14 5/8/14 Queixas sobre como lidar com os comportamentos da filha (3a11m)

Encaminhamento da mãe para UBS/orientação

JB 72 M CM/MI Enfermagem 20/7/14 6/8/14 Z00.0 Suporte psicológico (paciente e família)

ASL 29 F CM/MI Enfermagem 02/08/14 6/8/14 Z00.0 1a entrevista

LSMA 19 M CM/MI Enfermagem 30/7/14 6/8/14 A15 1a entrevista

SRO 33 F CM/MI Medicina 6/8/14 12/8/14 N39.0 1a entrevista psicológica

CCL 83 M CM/MI Enfermagem 8/8/14 12/8/14 J96.0 1a entrevista

MNS 63 F CM/MI Nutrição 22/7/14 18/8/14 N18.9 Acompanhamento

DPJ 62 M CM/MI Enfermagem 11/8/14 18/8/14 I21.3 Suporte psicológico

MLCM F Clínica Cirúrgica Serviço Social 20/8/14 1a entrevista

CFN Clínica Cirúrgica Serviço social 20/8/14 1a entrevista

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SRO 33 F Professora educação especial

6/8/14 22/8/14 N39.0 Orientação ao profissional/articulação de rede

TM Ortopedia/Neurologia

Serviço social 22/08/14

FUBC 24 M CM/MI Coordenação 20/08/14 25/08/14 1ª entrevista

LMB 26 F Clínica Cirúrgica Família (Mãe) 26/08/14 1ª entrevista/encaminhamento (marido)

CFN F Clínica Cirúrgica 26/08/14 Acompanhamento

MLCT F Clínica Cirúrgica 26/08/14 Acompanhamento

SSL 53 M Parente de funcionário do PSI

01/09/14 Orientação/encaminhamento UBS

Conflitos conjugais e ejaculação precoce

ERMS 28 M CM/MI Medicina 29/08/14 02/09/14 B20.8 Orientação/acolhimento

RLS 29 M CM/MI Enfermagem 21/08/14 05/09/14 05/09/14 R50.9 Orientação

LMC 63 F CM/MI Medicina 03/09/14 12/09/14 13/09/14 A46 1ª entrevista

GNG 68 M CM/MI Medicina 29/07/14 11/09/14 19/09/14 R52 Suporte psicológico

LHFC 51 F CM/MI Medicina 10/09/14 18/09/14 B59 1ª entrevista

TR 19 M PSA 19/09/14 TS Orientação/avaliação/encaminhamento

TS

R UTI 19/09/15 Acompanhamneto

VXS 49 M CM/MI Nutrição 28/08/14 22/09/14 J18.9 1ª entrevista

EVC 75 F CM/MI Enfermagem 21/09/14 29/09/14 J96.0 1ª entrevista

JPR 29 F Oncologia Psicologia 27/09/14 29/09/14 T07 1ª entrevista

RCS 49 M CM/MI Enfermagem 09/09/14 30/09/14 K70.1

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MC 27 M CM/MI Enfermagem 19/09/14 30/09/14 A15 1ª entrevista

MFB 66 M CM/MI Medicina 12/9/14 1/10/14 N170 Acompanhamento

JA M Ortopedia/Neurologia

Medicina 1/10/14 TB 1ª entrevista

IFL 63 M Clínica Cirúrgica Serviço social 6/10/14 Apoio psicológico

MES 53 F CM/MI Enfermagem 10/10/14 B20 Atendimento

RRF 34 F CM/MI Enfermagem 13/10/14 I70.0 Encaminhamento

MF 67 M CM/MI Medicina/nutrição 1/10/14 14/10/14 Orientação

LGFO 9 M Pediatria Serviço social 27/9/14 16/10/14 1ª entrevista

ABL F Clínica Cirúrgica Enfermagem 15/10/14 1ª entrevista’

LSS F Ortopedia/Neurologia

Enfermagem 15/10/14 Suporte psicológico

ZSR 71 F PSA 15/10/14 Avaliação e encaminhamento

JMP 64 M CM/MI Serviço social 18/9/14 20/10/14 1ª entrevista

ADR M CM/MI Serviço social 16/10/14 20/10/14 1ª entrevista

SMRC 39 F Paciente 16/10/14 20/10/14 1ª entrevista

APOA 46 F CM/MI Medicina 30/1014 3/11/14 I46.0 1ª entrevista

RAO 64 F CM/MI Medicina/nutrição 19/10/14 3/11/14 N30.0 Apoio familiar (filho) ‘

ASD 31 M CM/MI Fisioterapia 22/9/14 3/11/14 R50 1ª entrevista

RAP 64 F CM/MI Medicina/nutrição 19/10/14 7/11/14 19/11/14 N30.0 1ª entrevista

ABS 65 M CM/MI Medicina 27/10/11 11/11/14 11/11/14 1ª entrevista/encaminhamento

AAA 33 M CM/MI Medicina 11/10/14 11/11/14 A27.0 encaminhamento

SVPZ 59 F CM/MI Enfermagem 13/11/14 14/11/14 6/12/14 C97 1ª entrevista

ICS 70 F Família (filha) 5/11/14 24/11/14 I20.0 Orientação/suporte psicológico

ABMV 56 F Família (filha) 5/11/14 27/11/14 27/11/14 N18.0 Avaliação e

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encaminhamento (filha)

SGS 33 F CM/MI Enfermagem 26/11/14 3/12/14 B24 1ª entrevista

MLPS 80 F CM/MI Enfermagem 29/11/14 3/12/14 J96.0 1ª entrevista

N F CM/MI Nutrição Suporte psicológico

E M Paciente Atendimento/orientação

JLP 42 M PSA 9/12/14 10/12/14 TS TS

AAS 75 M CM/MI Enfermagem 3/12/14 12/12/14 I50.0 1ª entrevista

AAS 60 M CM/MI Enfermagem 1/12/14 16/12/14 6/1/15 J18.9 Acompanhamento

DAM 40 F CM/MI Enfermagem 7/12/14 16/12/14 I20.9 1ª entrevista

ICS 70 F Família (filha) 2/12/14 16/12/14 Suporte familiar

LTCC 79 F CM/MI Fisioterapia 25/11/14 17/12/14 R10.0 Suporte psicológico

JADS 37 M CM/MI Enfermagem 8/12/14 17/12/14 B24 1ª entrevista

CHLV 22 M PSA 17/12/14 18/12/14 S14.1 1ª entrevista e orientação familiar

JADS 37 M CM/MI Enfermagem 8/12/14 22/12/14 B24

ICS 70 F Família (filha) 2/12/14 2/12/14 I20.0 Suporte familiar

JEGG 56 M CM/MI Medicina 9/12/14 22/12/14 I26.0 1ª entrevista

JADS 37 M CM/MI Família (visita filha 10ª) -

8/12/14 23/12/14 B24 Avaliação/orientação

MLS 48 F CM/MI Medicina 1/12/14 24/12/14 1/1/15 N17.8 1ª entrevista

AMC 52 F CM/MI Enfermagem 22/12/14 24/12/14 b.20.8 1ª entrevista

JADS

M Família 29/12/14

ANS 60 F Família (filha) 30/10/14 05/12/14 21/01/15 Apoio familiar

JEGG 56 M CM/MI Medicina 09/12/14 5/01/15 I26.0 Acompanhamento

CFD 43 F CM/MI Enfermagem 25/12/14 6/01/15 Z00.0 1ª entrevista/suporte

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psicológico

ER 42 F CM/MI Serviço social 16/01/15 07/01/15 1ª entrevista

TOF 14 M Pediatria Serviço social 06/01/15 08/01/15 L55.2 Suporte psicológico

SSO 09 M Pediatria Serviço social 06/01/15 08/01/15 L55.2 1ª entrevista

SHBC 44 F PSA 11/01/15 12/01/15 TS (ingestão de remédio)

Avaliação/orientação familiar/encaminhamento

TS

YAC 53 M CM/MI Medicina 29/12/14 13/01/15 J18.9 Suporte familiar

MANS 31 M Família 04/01/15 13/01/15 K76.7 Acolhimento/orientação

ANS 70 F CM/MI Enfermagem 01/08/14 13/01/15 T07 1ª entrevista

ICS 70 F Família (filha) 02/01/15 13/01/15 J82 Suporte familiar

FLR 48 M CM/MI Conflito (família x enfermagem)

12/01/15 22/01/15 B24 Acolhimento/orientação à mãe

MAO 59 F CM/MI Fisioterapia 20/12/14 27/01/15 I50.0 Acompanhamento

CJS 71 F CM/MI Medicina 26/01/15 06/02/15 J18.0 Suporte psicológico/orientação

JCMT M UTIa Serviço social 06/02/15 1ª entrevista

MLFF 74 F Enfermagem 23/01/15 09/02/15 C71.0

Período de férias (02/03/15 à 30/03/15)

MSV 54 F CM/MI Coordenação 09/03/15 02/04/15 10/04/15 I20.0 1ª entrevista

JS 57 M CM/MI Psicologia 8/03/15 06/04/15 07/04/15 1ª entrevista

MSV 54 F Paciente 09/03/15 06/04/15 10/04/15 I20.0 Acompanhamento

RCAM 24 F CM/MI Serviço social 07/04/15 14/04/15 E14.0 1ª entrevista

SMJD 78 F CM/MI Enfermagem 08/04/15 15/04/15 I50.0 1ª entrevista

MCCS 63 M CM/MI Enfermagem 17/03/15 15/04/15 1ª entrevista

CMML 85 F Família (neto) 09/04/15 15/04/15 J15.9 Acolhimento

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LZ 81 M Família (filha) 12/04/15 28/04/15 J18.0 Filha pede para trazer a neta do paciente/sofrimento, medo da perda

LPOA 45 F CM/MI Enfermagem 12/03/15 28/04/15 J81 Acompanhamento

SM 64 M Família (filha) 14/04/15 30/04/15 R10.0 Apoio familiar

SM 64 M CM/MI Medicina 14/04/15 04/05/15 R10.0 Acompanhamento

APS 78 F Família (filhos) 04/04/15 04/05/15 Acolhimento filho/entrevista filha

SSJ 52 F CM/MI Enfermagem 04/05/15 05/05/15 1ª entrevista

R F CM/MI Enfermagem 22/05/15

V M Família (filha) 26/05/15 Acompanhamento

CC 47 M CM/MI Medicina 25/05/15 26/05/15 1ª entrevista

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TABELA 3 - Número de interconsultas por unidade de origem dos pedidos.

UNIDADE DE ORIGEM No

Clínica Médica 68

Pronto-Socorro Adulto 7

Clínica Cirúrgica 7

Pediatria 5

Ortopoedia/Neurologia 3

UTI Adulta 2

Recepção 1

Centro de Referência em Oncologia 1

TABELA 4 - Número de interconsultas por categoria profissional ou pessoas

solicitantes.

Solicitantes dos pedidos de interconsulta No

Enfermagem 33

Medicina 25

Familiares 17

Serviço Social 14

Nutrição 8

Fisioterapia 3

Usuário 3

Coordenação 2

Psicologia 2

Outros 2

TABELA 5 - Número de interconsultas por categoria profissional ou pessoas

solicitantes.

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Solicitantes dos pedidos de interconsulta No

Enfermagem 33

Medicina 25

Familiares 17

Serviço Social 14

Nutrição 8

Fisioterapia 3

Usuário 3

Coordenação 2

Psicologia 2

Outros 2

TABELA 6 - Número de interconsultas por gênero.

GÊNERO No

Masculino 54

Feminino 61

Não especificado 3

Total 118

TABELA 7 - Número de interconsultas por faixa etária.

FAIXAS ETÁRIAS No

0-18 anos 7

19-40 anos 24

41-64 anos 46

65 anos ou mais 25

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ANEXO 3 – Roteiros de entrevista

1) profissionais da saúde mental

A) O que é interconsulta?

- Descrição do arranjo institucional

- Concepção teórica

B) Como faz interconsulta?

- Descrição de como a atividade é realizada

- Relação interporfissional: Como se dá a construção e o

compartilhamento dos casos clínicos

- Ações clínicas propostas

- Desdobramentos: discussões de caso, encaminhamentos etc

C) Quais suas expectativas em relação a interconsulta realizada por

você?

- Os resultados que espera com o trabalho realizado:

Em relação ao usuário

Em relação à equipe

Em relação à própria prática

D) Quais são as encomendas predominantes aos serviços de psicologia e

psiquiatria?

- Diagnósticos

- Conflitos

- Tipos de sofrimento psíquico: do usuário, da família, da equipe

E) Quais são os limites, desafios e as possibilidades do trabalho em

equipe quando se utiliza o recurso da interconsulta?

- Desafios: O que precisa mudar

- Limites: Até onde se pode atuar

- Possibilidades: O que o trabalho permite

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2) Profissionais da área clínica:

A) Como é a interconsulta da saúde mental?

- Descrição do arranjo institucional

- Concepção teórica

B) Como são feitos os pedidos de interconsulta saúde mental?

- Descrição de como a atividade é realizada

- Relação interporfissional: como se dá a construção e o

compartilhamento dos casos clínicos

- Ações clínicas propostas

- Desdobramentos: discussões de caso, encaminhamentos etc

C) Quais as situações ou casos clínicos em que a saúde mental é

convocada a intervir?

- Diagnósticos

- Conflitos

- Tipos de sofrimento psíquico: do usuário, da equipe, da família

D) Quais os limites, desafios e possibilidades da interconsulta em Saúde

Mental?

- Desafios: O que precisa mudar

- Limites: Até onde se pode atuar

- Possibilidades: O que o trabalho permite

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ANEXO 4 - TCLE

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado a participar como voluntário de um estudo. Este documento, chamado

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pretende assegurar seus direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com você e outra com o pesquisador.

Essa pesquisa chamada “Estudo das relações interprofissionais no hospital geral: contribuições da saúde mental para uma clínica do sujeito”, do Departamento de Saude Coletiva/ FCM/ Unicamp será desenvolvida junto ao serviço de saúde Hospital Municipal Dr. Mário Gatti - Campinas. Seu objetivo é analisar as contribuições da saúde mental à prática clínica no Hospital Geral. Desta forma, pretende-se analisar os pedidos de interconsulta para a saúde mental e também investigar as concepções dos profissionais acerca do trabalho em equipe e a inserção da psicologia e psiquiatria no compartilhamento de casos clínicos.

As entrevistas serão realizadas em local de fácil acesso, de preferência no próprio setor do Hospital em que o participante trabalha. A entrevista terá duração de cerca de meia hora.

Durante a entrevista, será utilizado um gravador de áudio para garantir a recuperação das informações e para que estas possam ser analisadas posteriormente. Os pesquisadores ouvirão as gravações várias vezes e transcreverão as conversas fielmente. Assim que as transcrições forem feitas, o material gravado será descartado.

Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação será dada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação dos resultados desse estudo, seu nome não será citado.

A participação na pesquisa é voluntária e não haverá qualquer custeio ou reembolso de despesas, como transporte e alimentação. Você tem liberdade para se recusar a participar ou retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem que tenha nenhum tipo de prejuízo.

O pesquisador se compromete a prestar qualquer tipo de esclarecimento, antes, durante e após a pesquisa, sobre os procedimentos e outros assuntos relacionados a ela, além de retornar os resultados da pesquisa a todos os participantes.

Para esclarecimento de dúvidas relacionadas aos procedimentos do estudo, entrar em contato diretamente com o pesquisador responsável pelos telefones: (11) 99955 9051. Qualquer questão, dúvida, esclarecimento ou reclamação sobre os aspectos éticos dessa pesquisa, favor entrar em contato com: Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp: Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126 – Caixa Postal 6111 – CEP: 13083-887 – Campinas/ SP – Fone: (19) 3521 8936 ou 3521 7187– E-mail: [email protected]

Sendo assim, pelo presente instrumento que atende às exigências legais, não restando qualquer dúvida a respeito do lido e explicado, o Sr.(a) ______________________________________________, portador(a) da cédula de identidade _________________________, firma seu CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO concordando em participar da pesquisa proposta.

E, por estarem de acordo, assinam o presente termo. Campinas/ São Paulo, ______ de ________________ de _______.

___________________________________ __________________________________ Pesquisador Participante

Responsabilidade do Pesquisador:

Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP perante o qual o projeto foi apresentado e pela CONEP, quando pertinente. Comprometo-me a utilizar o material e os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento ou conforme o consentimento dado pelo participante.

__________________________________________________ Data:____/_____/______.

(Assinatura do pesquisador)

ANEXO 5 – Parecer do comitê de ética

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