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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA BAHIA – UNEB GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS – SEMARH CENTRO DE RECURSOS AMBIENTAIS – CRA NÚCLEO DE ESTUDOS AVANÇADOS DO MEIO AMBIENTE – NEAMA SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – SENAI PAULO HUNOLD LARA LUIS CARLOS RAMOS DA SILVA USOS EXTRATIVISTAS DA PIAÇAVA (Attalea funifera Martius ex Spreng) E SEU ESTOQUE NATURAL NA ORLA DE MATA DE SÃO JOÃO - BAHIA Salvador 2006

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA BAHIA – UNEB

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE E RECURSOS HÍDRICOS – SEMARH

CENTRO DE RECURSOS AMBIENTAIS – CRA NÚCLEO DE ESTUDOS AVANÇADOS DO MEIO AMBIENTE – NEAMA

SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – SENAI

PAULO HUNOLD LARA LUIS CARLOS RAMOS DA SILVA

USOS EXTRATIVISTAS DA PIAÇAVA (Attalea funifera Martius ex Spreng)

E SEU ESTOQUE NATURAL NA ORLA DE MATA DE SÃO JOÃO - BAHIA

Salvador 2006

PAULO HUNOLD LARA LUIS CARLOS RAMOS DA SILVA

USOS EXTRATIVISTAS DA PIAÇAVA (Attalea funifera Martius ex Spreng) E SEU ESTOQUE NATURAL NA ORLA DE MATA DE SÃO JOÃO - BAHIA

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Gestão Ambiental Municipal da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como requisito para a obtenção do Grau de Especialista. Orientador: Msc. Fernando Antonio Esteves de Araújo Silva

Salvador 2006

Oferecemos esta monografia às nossas famílias,

principalmente às nossas esposas, filhos e filhas e a

todos os colaboradores deste curso de especialização.

Agradecemos às artesãs pela paciência e pelas

informações que nos passaram.

Paulo Hunold Lara e Luis Carlos Ramos da Silva

SUMÁRIO

1. Introdução ..................................................................................................................... 1

2. Contextualização da área .............................................................................................. 3

2.1 Meio Físico ................................................................................................................. 3

2.2 Clima ........................................................................................................................... 4

2.3 Aspectos Vegetacionais da Área de Estudo ................................................................ 5

2.4 Aspectos Sócio Econômicos ....................................................................................... 7

3 Material e Métodos ........................................................................................................ 8

3.1 Classificação Botânica da Piaçava .............................................................................. 8

3.2 Descrição Morfológica ............................................................................................... 8

3.3 Metodologia das Entrevistas ....................................................................................... 10

3.4 Metodologia do Inventário da Piaçava ....................................................................... 10

4 Resultados e Discussões ................................................................................................ 11

4.1 Do Uso da Piaçava ...................................................................................................... 11

4.2 Da População de Piaçava na região ............................................................................ 19

5 Bibliografia ................................................................................................................... 23

6. Anexos .......................................................................................................................... 24

1. INTRODUÇÃO

Os primeiros relatos escritos sobre o uso da palmeira da Piaçava (Attalea funifera

Martius ex Spreng) remontam à chegada dos portugueses, e passados vários séculos, a fibra

de Piaçava continua a ser largamente utilizada na confecção de diversos produtos. Seu uso

atualmente possui importância na produção da vassouras para fins domésticos,

principalmente nos estados do Centro e Sul do Brasil, prosseguindo com o uso do óleo na

culinária local, além do emprego do endocarpo do fruto como matéria-prima na fabricação

de botões, cachimbos, empunhaduras de bengalas, maçanetas e na indústria de carvão

ativado e artesanatos. Também tem sido usada como isolante térmico, material para

coberturas de casas e quiosques de praia na construção civil, na indústria de compostos de

borracha e como substrato para floricultura. Além disso, os frutos e sementes são usados na

indústria de cosméticos e na alimentação, respectivamente, com a extração do óleo da

amêndoa e processamento artesanal do mesocarpo do fruto visando a fabricação da farinha

satim, esta última, considerada fonte de nutrição de populações ribeirinhas de descendentes

de escravos e índios.

Foto 1: Confecção de tapete em Diogo . Foto do autor

A palha da Piaçava também é amplamente utilizada para fabricação de utensílios

domésticos de maneira artesanal. Durante o período colonial até a revolução industrial, a

Piaçava brasileira era reconhecida por suas características de resistência e durabilidade. A

fibra foi muito usada na marinharia, para confecção de cabos para embarcações, devido sua

resistência à água (SPIX E MARTIUS 1828). Recentemente, as fibras sintéticas

substituíram-na em alguns casos, mas a Piaçava ainda possui valor comercial, chegando a

ser exportada atualmente para Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Bélgica

(BAHIA 2006).

A exploração comercial da fibra da Piaçava no Brasil historicamente se limita

praticamente apenas à exploração extrativista dos piaçavais existentes, cuja produtividade é

extremamente baixa, mas atende à demanda do mercado local, nacional e internacional. A

obtenção da fibra da piaçava através de plantio organizado possui uma única experiência no

município de Valença, Bahia em plantação que se iniciou em 1970 (BAHIA 2006).

A piaçaveira tem grande importância econômica, sendo amplamente conhecida pelo

fornecimento de sua fibra (ZUGAIB e COSTA 1988). Existe um outro tipo de fibra,

produzida na Amazônia, que muito se assemelha à fibra da piaçaveira Attalea funifera

Martius ex Spreng, porém é de uma outra espécie descrita como Leopodinia piassaba

Wallace. A importância econômica da fibra pode ser melhor observada através dos dados

de exportação dos principais portos mostrados na Tabela 1.

TABELA 1 – Portos de exportação de piaçava e suas arrecadações

PORTOS TON US$

Manaus, AM 1 107 102.650

Fortaleza, CE 13 28.600

Ilhéus, BA 515 636.906

Salvador, BA 134 287.875

Rio de Janeiro, RJ 14 17.555

TOTAL 783 1.091.586

¹A piaçava exportada pelo porto de Manaus é proveniente da palmeira Leopoldina piassaba Wallace, cuja ocorrência limita-se apenas à região amazônica.

(Fonte: ZUGAIB e COSTA, 1988)

O processo de produção e beneficiamento da palha de Piaçava na orla do município

de Mata de São João, Bahia, é feito de forma tipicamente extrativista e artesanal, e se

caracteriza pela exploração individual ou em regime de meação e parceria. A atividade

piaçaveícola é basicamente familiar, existindo pouca forma de organização empresarial.

Embora tradicional, mas em conformidade com as realidades onde é explorada, a atividade

detém importância sócio-econômica muito grande, pois se constitui num fator de geração

de emprego e renda, permanecendo até os tempos atuais.

A região estudada não explora a fibra da Piaçava para fins de exportação, como é

comum no litoral sul da Bahia. O uso da Piaçava como cobertura de casas e quiosques

existe, mas há de se destacar o uso da palha para confecção de tapetes, bolsas e chapéus

artesanais. Os artesãos locais herdaram dos índios Tupinambás, que habitavam a região

quando Garcia D’Ávila fundou a Casa da Torre em 1549, a habilidade de trançar a palha da

Piaçava e fabricar objetos. A produção artesanal da trança de Piaçava tinha o objetivo de

suprir as necessidades de objetos de uso prático como chapéus e tapetes na vida dos

trabalhadores rurais e pescadores.

Até os anos 60 a orla de Mata de São João era isolada de grandes centros e

comercialmente não havia organização produtiva entre os artesãos, mas muitos chapéus e

“rodas de trança” foram vendidos para comercialização em Salvador, Candeias e outros

centros. Estes produtos da Piaçava eram coletados por comerciantes que se aventuravam

pelas estradas precárias da região para comprar de porta em porta de artesãos e revender em

outros centros. Atualmente, o processo de ocupação hoteleira e imobiliária está em franco

desenvolvimento no litoral norte baiano, em especial na orla do município de Mata de São

João, que estará recebendo até 2010 cerca de U$ 600 milhões em investimentos privados

com fins hoteleiros e imobiliários (BAHIA 2004). Grandes mudanças na economia local

ocorreram nas últimas décadas, e os saberes da confecção das tranças entre os familiares

nativos da região permaneceram vivos, mas a Piaçava deixou de ser fonte de renda para

muitas famílias devido às novas ofertas de empregos oriundos da hotelaria, que emprega

jovens da região.

A Piaçava ainda é utilizada por inúmeras famílias do litoral norte baiano,

principalmente nas comunidades tradicionais, onde a trança sempre fez parte do cotidiano

das famílias que por gerações mantém os saberes da extração da palha.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA

Para melhor compreensão da área estudada foram levantados dados relativos ao meio físico, ao clima, à vegetação e às condições socio-econômicas da região.

2.1 MEIO FÍSICO

Na área de estudo, diferentes unidades geológico ambientais estão presentes. O

relevo apresenta uma planície costeira que se estende de norte a sul circundada a oeste

pelos tabuleiros da Formação Barreiras e a leste pelo Oceano Atlântico. Os solos, em toda a

área de estudo, são bastante arenosos e se distinguem por terem idades origens

diferenciadas, sendo que na porção mais próxima às praias situam-se cordões de dunas de

origem quaternária, enquanto que mais interiormente situam-se depósitos arenosos de

origem terciária.

Os levantamentos de campo relativos à população de Piaçava do presente trabalho

foram realizados entre a localidade de Imbassaí e Praia do Forte. Neste trecho predominam

depósitos de areias litorâneas povoadas por restingas em diferentes estágios de regeneração

e porte. Pode ser observada também a presença de dunas altas na área de estudo,

principalmente nas proximidades da Lagoa Jauara. Na porção mais a oeste da área de

estudo, há a presença de solos com mais argila, onde a formação vegetal é de restinga

arbórea arbustiva. Quanto aos recursos hídricos da região de estudo, destaca-se a bacia

hidrográfica do Rio Pojuca ao sul da área de estudo, nas proximidades da Reserva

Sapiranga e da bacia hidrográfica do Rio Açu, que antes de sua foz forma a Lagoa

Timeantube, ao centro da área de estudo, no entorno da Vila de Praia do Forte e ao norte da

área de estudo pela bacia hidrográfica do Rio Imbassaí, que possui sua foz na localidade de

mesmo nome. Na porção mais próxima à localidade de Imbassaí, pequenos cursos de água

originários do contato entre a Formação Barreiras e a Planície Litorânea formam um

conjunto de lagoas destacando-se a Lagoa Jauara que no inverno escoa para a foz do Rio

Imbassaí.

Foto 2: Aspecto da vegetação na área da Lagoa Jauara

2.2 CLIMA

Todo o território do município de Mata de São João encontra-se na zona úmida do

Estado da Bahia. Os estudos do SEI (1999), definem a classificação climática, segundo

método de Thornthwaite, como úmido megatérmico. A distribuição da precipitação

pluviométrica ocorre ao longo de todo ano, com valores acima de 100 mm entre os meses

de fevereiro e outubro. Os meses de abril a julho, no entanto, se destacam com

precipitações que, somadas, atingem a mais de 50% do total anual de 1.831 mm. Nos meses

de outubro, novembro, dezembro e janeiro há uma diminuição das chuvas, mas mesmo

assim, continuam com valores acima de 60 mm por mês (limite climático que define o mês

seco), sendo janeiro aquele com menor índice (77 mm).

A distribuição espacial no território mostra tendência a atingir valores mais elevados

na direção do litoral, favorecida pela alta umidade relativa do ar, em virtude da

proximidade do mar. Após o período de inverno, que é bastante chuvoso, há uma pequena

estiagem no início da primavera, sendo que ao final desta estação, chuvas voltam a ocorrer.

Conhecidas regionalmente como “trovoadas” estas chuvas garantem uma reposição de água

aos solos, mas nada comparável ao período de inverno quando os solos encontram-se

bastante encharcados.

A temperatura média compensada anual é considerada alta, próxima de 25 ºC, sendo os meses de julho e agosto aqueles que apresentam menores valores, em torno de 22ºC, enquanto os meses de janeiro e fevereiro, os mais elevados, aproximadamente 26ºC.

Gráfico 1: Balanço Hídrico Climatológico e Armazenamento de Água no Solo(1930-1961)

Fonte (INMET/www.inmet.gov.br)

2.3 ASPECTOS VEGETACIONAIS DA ÁREA DE ESTUDO

Na caracterização da cobertura vegetal do município de Mata de São João, recorreu-se

ao mapeamento realizado pela DDF (1998) e informações dos estudos realizados na criação

da APA Litoral Norte, no qual são destacadas as áreas de vegetação natural e de ação

antrópica nas suas várias formas.

Observa-se que o município encontra-se em grande parte na região fitoecológica das

Florestas Ombrófilas (perenifólia) e em menor proporção na região dos cerrados. Na orla há

o predomínio de formação de restingas, de moitas e de dunas, todas em vários estágios de

regeneração, predominando o estágio inicial, demonstrando que a cobertura original já foi

praticamente extinta restando apenas manchas residuais descontínuas. As áreas de Floresta

Ombrófila, remanescentes a oeste da área de estudo, estão sofrendo forte pressão, não só de

atividades de pecuária e silvicultura, como também de madeireiras e carvoarias. A maior

parte da área do município é ocupada com pecuária bovina de corte de baixo rendimento

físico, e silvicultura, com pinus e eucalipto que formam maciços homogêneos de reduzida

biodiversidade. Atualmente os ambientes de restinga de moita e restinga arbustiva é que

sofrem grande pressão pela ocupação imobiliária e hoteleira que está ocupando as áreas

mais próximas do litoral. A Reserva Legal de Sapiranga, demarcada ao sul da região,

apresenta uma restinga arbórea em avançado estágio de regeneração, bastante relevante

ecologicamente. Nos séculos passados a região era mais explorada agricolamente do que

hoje. Muitas roças estão há décadas abandonadas, e nestas áreas a restinga se encontra bem

regenerada.

Na porção da Orla pode-se encontrar as espécies vegetais comuns às restingas como

ao Cerrado: Vellozia dasypus (canela-de-ema), espécie endêmica dos Tabuleiros Costeiros,

ocorre com certa freqüência. As seguintes espécies integram junto à Piaçava (Athalea

funifera Martius ex Spreng) a unidade: Bauhinia rubiginosa Bong., Bonnetia stricta (Nees)

Nees & Mart., Calycolpus legrandii Mattos, Curatella americana L., Cyrtopodium

paranaense Schltr., Echinolaena inflexa (Poir.) Chase, Epidendrum cinnabarium Salzm.,

Hohenbergia littoralis L. B. Smith, Manilkara salzmanni (DC.) H. J. Lam., Miconia

ferruginata DC., Tabebuia elliptica (DC.) Sandw., Vanillabahiana Hoehne, Vellozia

dasypus C. B. Smith. Syagrus coronata (Mart.) Becc. e Syagrus schizophilla (Mart.) Glass,

esta última endêmica do litoral norte da Bahia e com características de áreas de restinga. A

presença da canela-de-ema, assim como a freqüência de orquídeas (Catasetum sp.,

Epidendrum cinnabarinum, E. elongatum), espécies sensíveis a impactos, demonstram o

bom estado de conservação do ambiente pesquisado.

Os elementos físicos ambientais determinam a cobertura vegetal, o que condiciona

uma maior presença de florestas na porção oeste da área, em função de solos mais férteis e

das restingas e terras úmidas nas porções leste, associados a depósitos marinhos e eólicos

onde se desenvolvem solos menos férteis. Ao longo de toda a área de estudo nas diferentes

unidades ecológicas da região, há presença de Piaçava, mas há locais com concentrações

maciças, onde praticamente só há Piaçava. Estes piaçavais estão concentrados em áreas de

baixa fertilidade nas encostas do contato entre a Formação Barreiras e os terraços arenosos.

Também em áreas onde existe uma restinga arbustiva em regeneração.

A distribuição das diversas unidades ecológicas encontradas na área da pesquisa é

equilibrada, as diversas tipologias encontram-se em estágios sucessórios avançados e

primários, e as áreas antropizadas, onde estes ambientes naturais foram modificados por

atividades humanas, notadamente as relacionadas a usos rurais agrícolas, permanecem

desmatadas ou estão em estágio inicial de regeneração. A Piaçava por ser uma espécie

resistente ao fogo, pode ter tido sua distribuição favorecida pela prática histórica do fogo

como método de roçagem na região.

Diferentemente das Piaçavas do litoral sul baiano, onde um espécime pode atingir

10 metros de altura, as plantas da área de estudo não desenvolvem estirpe, e por

conseqüência são baixas, o que deve facilitar bastante o trabalho dos artesãos na extração

da palha.

2.4 ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS

Segundo as informações contidas no levantamento sócio-ambiental para a

atualização do Programa de Planejamento e Gestão Ambiental (PPGA) desenvolvido para a

Área de Proteção Ambiental Litoral Norte, 40 % dos moradores dos municípios de Mata de

São João, Entre Rios, Conde, Esplanada, Jandaíra e Itanagra possuem médias salariais de

dois salários mínimos. Muitos destes moradores completam as suas rendas com a venda de

produtos de artesanato e do pescado, conseguidos nos vários rios que cortam toda a área do

litoral norte baiano. Para estas pessoas o meio ambiente serve como meio de subsistência,

de onde retiram a matéria-prima para confeccionar o artesanato e até mesmo o alimento

para toda a família. Segundo o PPGA, a baixa faixa etária do morador do litoral norte é

uma das potencialidades da região, fator que pode contribuir para a ocupação dos postos de

trabalho nas redes de hotéis, pousadas e outros serviços que vêm surgindo com o

crescimento do setor turístico em toda a região do litoral norte baiano. Em contrapartida, a

região possui alto índice de analfabetismo entre adultos, e carece de estruturas educacionais

adequadas.

Tradicionalmente a palha da Piaçava sempre esteve presente na economia da região,

principalmente nas comunidades de Curralinho e Sauípe, que ficavam próximas ao acesso

da Vila de São José do Avena, em Itanagra, ponto de escoamento da produção local e final

da estrada asfaltada. A área próxima à foz do Rio Pojuca era bastante isolada, pois a

travessia do Rio era feita por canoa, e somente após a década de setenta é que uma balsa foi

instalada para facilitar o acesso.

3. MATERIAL E MÉTODOS

3.1 CLASSIFICAÇÃO BOTÂNICA DA PIAÇAVA

Existem divergências entre estudiosos em relação à classificação de espécies de

piaçaveiras. Segundo MEDEIROS-COSTA (1985) e NOBLICK (1991), as denominações

das espécies Attalea funifera Martius e Attalea acaulis Burret são sinônimos. Estas

palmeiras ocorrem no litoral dos estados da Bahia, Alagoas e Sergipe, entretanto, a maior

concentração destas plantas está no litoral baiano.

A classificação botânica da piaçaveira segundo UHL e DRANSFIELD (1987), é a

seguinte:

Reino – Vegetal

Divisão – Spermatophyta (Fanerógama)

Classe – Angiospermae

Sub-classe – Monocotyledoneae

Ordem – Arecales (Principes)

Família – Arecaceae (Palmae)

Subfamília – Arecoideae

Tribo – Cocoeae

Sub-tribo – Attaleinae

Gênero – Attalea

Espécie – Attalea funifera

3.2 DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA

A piaçaveira foi descrita por MARTIUS (1878-1882), e suas principais

características botânicas são:

RAIZ Possui cor branca a amarelada, com a coifa bastante diferenciada. Inicialmente não

ocorrem raízes secundárias e com a idade de um ano possui 50 a 60 cm de comprimento.

CAULE Estirpe ereta, cor cinza escuro, com marcas foliares em toda a sua extensão; visível

a partir do 4º ano quando atinge uma altura de 6 a 10 m (válido para a população de

Piaçavas do litoral sul baiano). Existem três fases distintas pelas quais passa a piaçaveira: a

“patioba”, estágio em que as folhas emergem da base da planta, não apresentando caule

visível; “bananeira”, estágio em que o estirpe começa a aparecer; e “coqueiro”, quando a

planta é considerada adulta, o estirpe já se encontra desenvolvido.

FOLHA Completa, ereta, de coloração verde-escuro, limbo fendido, com nervuras

paripenadas. Bainha abarcante, prefoliação dobrada ou franzida e filotaxia helicoidal.

INFLORESCÊNCIA Espádice composta por raquilas protegidas por uma espata, quando nova é branco-

marfim, escurecendo à medida que se desenvolve, passando a castanho e finalmente a

cinza-escuro. Geralmente a espata só se abre após o 3º mês do seu aparecimento e quando a

planta já tem mais de cinco anos. Do ráquis principal partem divisões secundárias,

denominadas raquilas, nelas estão presas logo próximas à inserção, uma ou duas flores

femininas e a partir daí até a extremidade, inserem-se as flores masculinas. Nos 15 a 20 cm

finais da inflorescência não existem ramificações em espiga, as espatas se diferenciam

quando fechadas conforme a inflorescência. As flores femininas são maiores e mais

arredondadas, e as masculinas são menores e achatadas na sua parte mediana. As espatas

são raiadas e normalmente uma planta pode desenvolver seis espádices durante o ano.

FLOR FEMININA Maior que a masculina, bem diferenciada, situa-se na base de cada espiga, próxima

à bifurcação do ráquis. Geralmente aparecem duas flores por espiga, podendo se encontrar

apenas uma. Na sua base encontra-se 1 a 2 flores masculinas com estames abortados; a flor

é branca quando nova e com a espata fechada, passando depois a amarela e castanha

quando fecundada. É completa, presa a uma concavidade existente no ráquis, escróbilo,

existem duas ou uma em cada ráquis secundário. O cálice é branco-marfim, trissépalo, de

sépalas sésseis, carnoso, petalóide, dialissépalo, zigomorfo de perfloração torcida, sépalas

glabras arredondadas, de bordos lisos e persistentes. A corola tripétala, branco-marfim,

petalóide, quando nova é encoberta pelo cálice, no fruto desenvolvido apresenta-se maior

que o cálice, possui pétalas sésseis, glabras, dialipétalo, zigomorfo, de perfloração torcida,

com pétalas arredondadas, de bordos lisos e côncavos. Além da corola existe um disco

carnoso persistente. O gineceu é tricarpelar, com variação de 1 a 4 lóculos, gamocarpelar;

estigma trífido, lanceolado com um septo longitudinal mediano, enrolado no sentido dorsal.

Os estiletes são livres, mas só são visíveis nas flores jovens, são carnudos e não

diferenciados nas flores desenvolvidas; inserem-se na parte superior do ovário. O ovário é

súpero, tricarpelar, gamocarpelar, uni ou plurilocular e tem forma oval.

FLOR MASCULINA É completa, séssil, mais ou menos 50 por espiga, menor que a flor feminina. As

flores masculinas estão dispostas em toda a extensão das espigas nos ráquis secundários,

são brancas quando novas e amarelas após abertura da espata, abrem-se imediatamente

após a abertura da espata. O cálice é pequenino, quase inexistente, zigomorfo, trissépalo,

glabro com sépalas livres lanceoladas. A corola possui pétalas brancas e alongadas,

lanceoladas, de bordos acuminados, três pétalas sésseis, glabras, bastante independentes e

facilmente destacáveis. O androceu é completo, basefixo, com seis estames diplostêmones

regulares, brancos, com anteras lanceoladas. Os estames são livres, dialistemones e

hipóginos; com filetes brancos, bem diferenciados, dorsifixos, existindo estaminódios,

principalmente nas flores situadas próximo da base das flores femininas.

FRUTO Simples, pluricarpelar e plurilocular, com 1 a 4 lóculos. Drupa de epicarpo

esverdeado, mesocarpo fibroso e revestido de polpa amilácea de cor amarelada, conhecida

como “satim”. Endocarpo pétreo de cor castanho.

3.3 METODOLOGIA DAS ENTREVISTAS

Para determinação dos usos da Piaçava, optou-se pela abordagem direta, e por

entrevistas com artesãos que utilizavam a Piaçava nas diversas localidades da orla do

município de Mata de São João. Estes foram abordados pelos autores para aplicação do

questionário de pesquisa (ANEXO I).

Após a realização das entrevistas, os questionários foram tabulados e analisados no

sentido de se identificar os diferentes usos dados à Piaçava pela população local e o perfil

dos artesãos. Durante as entrevistas também foram abordados aspectos do manejo aplicado

ao piaçaval, bem como os métodos de beneficiamento e produção da palha para confecção

dos artesanatos.

3.4 METODOLOGIA DO INVENTÁRIO DA PIAÇAVA

Optou-se neste trabalho por avaliar a população de Piaçava em área entre a

localidade de Praia do Forte e a localidade de Imbassaí (ANEXO II). A região foi escolhida

por ser apontada em várias entrevistas como área de extração da Piaçava. Na porção mais

próxima à praia, no trecho onde estão os coqueirais a Piaçava não está presente. Esta

começa a aparecer mais interiorizada na planície costeira, sendo encontrada tanto nas áreas

de restinga de moitas, como na áreas de restinga arbustiva e arbórea. Foram feitos

levantamentos em campo com a demarcação de parcelas aleatórias de 20 metros por 10

metros nas duas áreas escolhidas, em locais onde há concentração de Piaçava. Uma um

pouco mais elevada, próxima ao Castelo Garcia D’Ávila e outra em área próxima à Lagoa

Jauara. Em cada área foram realizadas três parcelas para amostragem da população de

Piaçava. Para cada parcela foram contados os indivíduos de Piaçava classificado-os em três

classes distintas. Uma classe composta pelas plantas jovens com porte entre 0,3 metro até 2

metros, uma segunda classe pelas plantas maiores de 2,0 metros e menores que 4 metros, e

a terceira classe composta pelas plantas acima de 4 metros. Não foram contadas plantas

inferiores a trinta centímetros.

4. RESULTADOS

4.1 Do Uso da Piaçava

Foram realizadas as entrevistas nas diversas localidades da orla de Mata de São João

no período de julho a setembro de 2006. Os artesãos foram abordados diretamente em suas

residências ou locais de venda dos produtos de artesanato. Procurou-se aplicar o

questionário seguindo a ordem das questões elaboradas e deixando que informações

complementares fossem colocadas espontaneamente. A análise e tabulação dos

questionários aplicados estão apresentadas a seguir:

Tabela 2: Distribuição das entrevistas realizadas pelas comunidades da orla de Mata de São João

Local Açu da Torre Imbassaí Barro

Branco

Santo

Antônio Sauípe Curralinho Diogo Areal

%

12%

12%

12%

12%

18%

6%

6%

24%

Ficou caracterizado que os artesãos que fazem uso da Piaçava são

predominantemente mulheres que aprenderam seus saberes sobre o uso desta palmeira com

as mães quando pequenas, entre seis e nove anos de idade, e desde então vêm extraindo a

palha e produzindo artesanato. Os homens ajudam na extração e no preparo da palha, mas

não trançam, e somente na comunidade de Açu da Torre foram encontrados homens que

trabalham a Piaçava, não para confecção de artesanato, mas para fazerem cobertura de

casas e quiosques.

É comum a participação de familiares, crianças e adultos na colheita, e em algumas

comunidades, foi comentado que a ida ao Piaçaval é feita em conjunto entre os artesãos. As

colheitas são reguladas pela demanda de matéria prima. A maioria das entrevistadas visita o

Piaçaval uma vez por mês em média, e possui três pontos de coleta que explora

alternadamente. A extração ocorre ao longo de todo o ano, sendo que em várias entrevistas

há o comentário de que a palha é “melhor” no inverno, mas a chuva atrapalha no processo

de secagem e “mancha” a palha. Esta qualidade na melhoria da palha do inverno é relativa

à facilidade de se trabalhar a trança, pois a folha fica mais macia, o que provavelmente deve

estar relacionada com a saturação do solo no período de inverno. O verão é o período de

maior demanda de matéria prima devido ao aumento do fluxo de turistas, principais

compradores do artesanato.

Gráfico 2: Distância percorrida pelos artesãos da residência até a área de extração

A distância percorrida entre as residências dos artesãos e os locais de colheita varia

de 1 a 12 quilômetros, mas na maioria dos casos os pontos de coleta situam-se entre três a

quatro quilômetros da residência das artesãs. Quase a totalidade dos artesãos abordados

informou que costuma sair para a extração no período da manhã e só retorna à tarde, não

realizando nenhuma outra atividade no local da extração.

Com relação ao processo de extração, observou-se que as fases da produção podem

ser resumidas em:

Extração

Cada trançadeira possui alguns pontos de extração da palha que são usados de

maneira rotativa, de modo a não serem visitados em intervalos inferiores ao da recuperação

do piaçaval. Todas as entrevistadas afirmam que vão às colheitas a pé e retornam

carregando os feixes de palha na cabeça. Somente uma delas alegou que carrega a palha de

volta para casa em carrinho de mão devido a sua idade avançada.

A parte da planta extraída é a folha ainda nova, antes da abertura do chamado “olho

da planta”. Na extração retira-se com um só golpe de facão a folha deixando na planta

aproximadamente o último terço desta, não se ferindo a gema apical, de modo a garantir a

integridade da Piaçava. Durante a extração as folhas são arrumadas em feixes de 30 a 40

folhas com peso variando entre 20 e 30 kg.

14,29%

21,43% 21,43%

28,57%

7,14%

21,43%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

0,5 a 1 Km 1 a 2 Km 2 a 3 Km 3 a 4 Km 5 a 6 Km 6 a 12 Km

Distância Percorrida para Extração

%

42,86%

21,43%

14,29% 14,29%

7,14%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

1 lata 2 latas 3 latas 4 latas não informou Quantidade em "latas extraidas em cada visita ao Piaçaval

Gráfico 3: Quantidade extraída de Piaçava em “latas” a cada colheita

Normalmente cada trançadeira carrega o seu próprio feixe, e é comum realizar a

extração em conjunto com outras trançadeiras ou outros membros da família. Apesar de

arrumarem a extração em feixes, ao responderem os questionários davam o volume da

extração em “latas”. Em média as artesãs colhem a quantidade suficiente para completarem

duas “latas” para a fervura, o que gera palha suficiente para um mês de trabalho de trança.

A lata utilizada pelas artesãs é quase sempre um latão de 18 litros de tinta reaproveitado

para este fim.

Foto 3: Artesã realizando a “dispenca” das folhas da Piaçava

Dispenca

Nesta fase do processo as folhas são separadas com leves batidas do pecíolo no

chão, o que faz com que os folíolos iniciem a separação. Passando-se a mão entre os

folíolos as folhas são abertas e retiradas do pecíolo que é desprezado.

Fervura

As folhas são enroladas em rodas, e são acomodadas em latas para a fervura umas

sobre as outras, deixando o centro da lata livre. Somente depois de completar a lata até em

cima é que uma última roda é colocada pelo interior das outras, fixando todas as outras

dentro da lata. A preocupação das artesãs é de manter a arrumação das palhas de modo que

a água possa circular bem e atingir todas as partes da palha igualmente.

Secagem

Após a fervura das folhas, estas são abertas e enroladas de modo a deixarem o limbo

todo distendido. Cada seis voltas de palhas abertas é chamado de “cãimbo” ou “canga”. É

uma medida que varia de artesão para artesão, porque é medida com a mão e pode variar

muito devido ao tamanho da mão da pessoa. Forma-se um cãimbo enrolando as palhas em

umas das mãos, e quando não é possível se dar mais uma volta de palha, amarra-se a roda

fechando o cãimbo. Estas rodas de palha são penduradas em varais sob o telhado para

secarem a sombra. Não é feita a secagem ao sol por deixar a palha quebradiça e frágil. No

período de inverno a secagem é prejudicada devido aos respingos da chuva que provocam o

aparecimento de pintas pretas na palha, o que faz ela perder seu valor comercial.

Foto 4: “Caimbos” secando sob o telhado

Riscagem

Após a secagem as folhas são “riscadas” com o uso de uma faca. O limbo da folha é

dividido em duas ou três partes, a depender de seu tamanho ou do trançado que se quer

fazer (mais fino ou mais grosso). O resultado desta fase é pequenas tiras de palha que são a

base de todos os tipos de trança. A nervura central do limbo é desprezada. As palhas

riscadas são armazenadas em pequenos feixes ou “molhos” e estão prontas para se trançar.

Foto 5: Riscando a palha

Tingimento

Há algumas trançadeiras que utilizam técnicas com o uso de pigmentos naturais

como o Cipó de Rego, que dá às palhas a coloração laranja. Tradicionalmente há algumas

técnicas para deixar as palhas escurecidas, como por exemplo, enterrá-la na lama do

mangue por alguns dias. É bastante comum, no entanto, o uso de anilina de diversas cores

para o tingimento das palhas. Para isto a anilina é diluída em água e as palhas riscadas são

fervidas por algumas horas para absorver o pigmento. Depois da fervura, as palhas são

lavadas com sabão em pó e secas. Esta lavagem é importante para fixar o pigmento, caso

contrário, as palhas ficariam soltando sua cor.

Foto 6: Medindo a braça de trança produzida

Trança

Com os “molhos” de palha em mãos, são feitas tiras de palha trançada que vão

variar de acordo com o tipo de produto que se pretende confeccionar. As tranças mais

tradicionais são as denominadas de 13 pares e de 17 pares. Estas tiras de palha são

armazenadas em “rodas de trança” que possuem cerca de 25 braças (55 metros). Novos

tipos de trançado denominados de “bico” e “laçinho” estão bastante difundidos atualmente,

devido a cursos realizados na região pelo SEBRAE e por ONGs que atuaram na

organização das trançadeiras.

As rodas são a matéria prima básica para confecção das bolsas, chapéus e tapetes.

Tabela 3: Renda anual das trançadeiras entrevistadas cooperadas e não cooperadas

Renda Anual em R$ Cooperada Não Cooperada

Abaixo de 500 25%

500 - 1000 17%

1000 - 1500 8%

1500 - 2000

2000 - 2500 25%

3000 - 3500 17%

Acima de 3500 8%

Nos últimos anos houve um esforço de várias entidades na região do entorno do

Complexo Sauípe no sentido de organizar as trançadeiras. Foram realizados cursos onde

novas técnicas foram ensinadas, bem como o resgate de técnicas antigas. Havia na região

uma variação muito grande nos formatos e tipos de bolsas que as trançadeiras faziam, e

atualmente o artesanato possui uma certa padronização nos tamanhos. O principal resultado

destas iniciativas foi a organização de algumas associações, como a Associação de Artesãos

de Porto de Sauípe, Associação de Artesãos de Santo Antônio Diogo e Areal, Associação

de Artesãos de Curralinho, Associação de Artesãos de Sauípe. Atualmente há uma loja na

comunidade do Diogo e uma loja na comunidade de Porto de Sauípe (Entre Rios) e uma

loja dentro do Complexo de Sauípe desde 2003. Nas entrevistas ficou evidente que a

abertura destes pontos de venda resultou no maior escoamento da produção das trançadeiras

cooperadas e, conseqüentemente, em um aumento significativo do rendimento mensal das

artesãs. As trançadeiras organizam-se em torno da sua produção recrutando familiares para

o auxilia-las. Nestas comunidades onde há organização produtiva ainda é comum encontrar

a geração mais nova, com menos de quarenta anos, trançando a palha da piaçava. Nas

comunidades onde não há associativismo foram encontradas apenas senhoras de idade,

acima de sessenta anos, fazendo trança, praticamente por hábito e não comercializando a

produção, que é apenas usada pelos familiares. Nas comunidades onde existem muitas

trançadeiras associadas, até mesmo surgiram fornecedores de palha e de rodas de trança.

Em algumas entrevistas foi comentado que quando há encomendas grandes as trançadeiras

chegam a comprar umas das outras rodas de tranças prontas para agilizar a entrega dos

pedidos.

Foto 7: Costura da trança de Piaçava é feita com o “linho” de Licuri

Associado ao artesanato da Piaçava, há a extração de uma outra palmeira, chamada

na região de Licuri, Syagrus coronata (Mart.) Becc. Esta espécie se destaca como

fundamental para a confecção dos artesanatos, pois é utilizada para se fazer as costuras das

tiras de palha de Piaçava. O folíolo desta palmeira, bastante resistente, é usado para

costurar as fitas de trança no processo de produção dos chapéus tapetes. A extração é

simples, e quase sempre é feita nas proximidades das residências das trançadeiras. Ao

contrário da Piaçava, o Licuri é utilizado in natura, sem nenhuma fervura. Para a

preparação do “linho” o folíolo é aberto e riscado em tiras, sendo que a nervura é

desprezada. As tiras são secas e arrumadas em “molhos”. Ele é utilizado devido à alta

resistência de sua fibra. Há também que se observar que o Licuri pode ter sua palha

utilizada para confecção de chapéus através de um processo semelhante ao da Piaçava, mas

este tipo de artesanato já é raro na região e não foi encontrado nenhum artesão

confeccionando tais chapéus. No entanto podem ser encontradas vassouras feitas com a

folha de Licuri. Durante a extração da Piaçava o Licuri também é utilizado para se fazer a

amarração do feixe das palhas.

Tabela 4: Número de trançadeiras por associação na área de estudo

Nome da Associação Número de Associadas

Associação das Artesãs do Diogo,

Areal e Santo Antônio 53

Associação de Artesãos do Curralinho 26

Associação das Produtoras Artesãs de

Vila Sauípe, Estiva, Canoa e Água

Comprida

50 *

Associação das Artesãs de Vila Sauípe 58

Artesãos de Porto de Sauípe

Associados 53 *

Cinco Entidades associativas 240

* inclui artesãos de Entre Rios

4.2 Da População de Piaçava na região

A Piaçava é bastante comum em toda a região, tanto nos solos mais arenosos como

nos solos mais argilosos, rareando somente quando a Floresta Ombrófila se encontra em

estágios de regeneração mais avançados. Há bastante recrutamento em ambas as áreas

levantadas, mas devemos destacar que na área da Jauara houve uma maior

representatividade de plantas com porte maior que quatro metros (classe III) sugerindo um

Piaçaval mais maduro e apto para a exploração. Na área do Castelo Garcia D’Ávila há

predomínio da classe um, o que demonstra que há um recrutamento mais significativo,

sugerindo que este Piaçaval esteja em formação ou expansão.

Foto 8: Aspecto do adensamento do piaçaval nas proximidades da Lagoa Jauara

O quadro abaixo representa as parcelas levantadas nas duas áreas amostradas e

pode-se observar que a maior média de plantas por parcela está na classe II com porte entre

dois a quatro metros e que há um equilíbrio representativo entre a classe III e I.

Tabela 5: Resultado do inventário na área de estudo

Castelo Garcia D’Ávila

Lagoa Jauara

Parcela 1 2 3 4 5 6 Média Desvio Padrão Total

Classe I (> 0,3 < 2,0 m) 21 18 17 7 13 5 13,50 6,38 81

Classe II (> 2,0 < 4,0 m) 9 10 8 37 57 16 22,83 19,95 137

Clase III ( > 4,0 m) 19 15 0 19 17 25 15,83 8,45 95

Total 50 45 28 67 92 52 55,67 21,79 334

Os artesãos, para conseguirem maior produtividade durante a extração, buscam as

plantas maiores que irão render mais palha, ou seja, da classe III. Desta maneira utilizamos

a média por área de indivíduos da Classe III encontrada para realizar as quantificações e

extrapolações sobre o estoque de Piaçava relevante para os artesãos. O rodízio da área de

extração praticado na região pelos artesãos é de três meses, tempo que segundo os artesãos

é suficiente para a rebrota das plantas. Considerando que um artesão necessita de em média

40 plantas com porte acima de quatro metros para formar um feixe de palha, calculamos a

área necessária para extração de cada artesão. Para que houvesse a possibilidade de se

efetuar um rodízio de áreas de extração e de descanso da área extraída para regeneração,

observamos que no mínimo cada artesão deveria possuir três áreas de extração.

Considerando a média encontrada para a Classe III de 15,83 plantas a cada 200m²,

um artesão deverá percorrer cerca de 505,37m² durante sua colheita. Para que haja

possibilidade de se efetuar um rodízio de áreas de extração e de descanso da área extraída

para regeneração, observamos que no mínimo cada artesão deverá possuir uma área de

1500m² exclusivos para sua atividade. Admitindo-se o universo de artesãs cadastradas

atualmente na orla podemos concluir que cerca de 360.000 metros quadrados de piaçavais

são explorados anualmente na região.

As modificações recentes no uso e na ocupação do solo na região afetaram

diretamente o ciclo produtivo da Piaçava, pois áreas que antes eram exploradas pela

população local passam a ter acesso restrito por estarem sendo ocupadas por

empreendimentos. Considerando este cenário, o uso atual da Piaçava pelas comunidades

tradicionais no Litoral do município de Mata de São João deve ser mais estudado para

garantir a continuidade desta arte. Novas avaliações são necessárias para se planejar o

manejo sustentável dos Piaçavais avaliando-se a distribuição dos mesmos e sua taxa de

reposição natural. Não foram avaliados em campo os processos regenerativos das Piaçavas

após a colheita e nem a sazonalidade do desenvolvimento destas plantas. Além disto,

estudos complementares seriam necessários para se avaliar a necessidade da área de Licuris

que estão envolvidos na produção do artesanato.

A Piaçava tem um valor histórico, cultural e econômico na região que não pode ser

desprezado e pode ser incorporado à nova realidade que a orla de Mata de São João está

vivendo, mesmo porque o artesanato da palha é um produto de grande aceitação entre os

turistas que passam a freqüentar a região.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Piaçava é uma espécie que sempre esteve presente no cotidiano dos moradores da

orla de Mata de São João. Muito antes de Garcia D’Ávila construir a Casa da Torre, os

índios a usavam quase do mesmo modo que os artesãos de hoje. Seu valor econômico teve

seu incremento em consonância com a nova realidade econômica local e também cresce

com a chegada dos empreendimentos turísticos que estão se implantando na região. Ficou

evidente para os autores que os esforços realizados para vitalizar o ciclo produtivo do

extrativismo da Piaçava no entorno dos primeiro hotéis a se fixarem na região obtiveram

sucesso. As artesãs associadas não só garantem a venda de sua produção e renda para elas,

como também passam a se estruturar criando novos integrantes da cadeia produtiva. Isto

porque, para cumprir encomendas de artesanato, muitas vezes passam a comprar a palha já

extraída de outras artesãs.

Da maneira tradicional local como é feita a extração da palha a Piaçava, não se

danifica a planta,o que garante que ela continue seu ciclo de vida. A extração da palha para

fins artesanais não se trata portanto, de uma relação predatória. No entanto, estudos mais

aprofundados sobre o ciclo da planta e sua regeneração são necessários para se estabelecer

estas relações entre a população de Piaçava e seus extratores, para garantir o uso

sustentável de áreas de extração pelos artesãos.

6. BIBLIOGRAFIA

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Moreau, Mauricio Santana.1996. - Ocorrência, manejo, produtividade e canais de comercialização da piaçaveira (Attalea funifera Mart.) em Ilhéus, Una e Canavieiras/BA.. 01/12/1996 1v. 63p. Mestrado. UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - CIÊNCIAS AGRÁRIAS

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ANEXO I

Avaliação dos usos extrativistas da Piaçava na Orla de Mata de São João Questionário aplicado aos artesãos da Orla de Mata de São João.

Dados gerais Nome:

Idade: Grau de Instrução:

Estado Civil: Natural de:

Nº de Pessoas na Residência:

Localidade:

Padrão da Casa: 1 ( ) Taipa 2 ( ) Adobe 3 ( ) Alvenaria 4 ( ) Outros

Luz Elétrica: 1 ( ) Sim 2 ( ) Não Padrão: 1 ( ) Sim 2 ( ) Não

Com quem aprendeu a tecer?

Utiliza Gás de Cozinha:

1 ( ) Sim 2 ( ) Não a ( ) Constante b ( ) Eventual

Cooperada:

1 ( ) Sim 2 ( ) Não

Os filhos vão a escola?

( ) Municipal

( ) Estadual

( ) Particular

Já foi ao Dentista?

( ) Prevenção

( ) emergencia

( )Já arrancou algum

dente

Tem acesso ao

Médico?

Dist. do PSF_____

Já foi visitado em

casa?

1 ( ) Sim 2 ( ) Não

Participa em sua comunidade das atividades sociais? Freqüenta bares? È religioso(a)?

O que acha que está faltando no local onde vive? Pretende se mudar? Para onde?

Dados da Piaçava Quais usos que faz da Piaçava?

Extrai a própria palha ou compra de terceiros?

Quantas pessoas participam da exploração ao longo de todo o processo?

Todas da Família?

Local onde retira a Piaçava?

È sempre o mesmo?

Local alternativo?

Como chega lá?

Distância do Local de coleta para a residência?

Como carrega?

Onde extraia anteriormente?

Qual o motivo de ter mudado o local de extração?

Há quantos anos realiza a extração?

Você sente que a Piaçava está acabando?

Em que época do ano extrai mais Piaçava?

Freqüência? No mesmo local? 1 ( ) Sim 2 ( ) Não

Quantidade extraída a cada visita ao Piaçaval?

Quando vai extrair a palha realiza outra atividade?

Caça? 1 ( ) Sim 2 ( ) Não O quê?

Os pais utilizavam a Piaçava? 1 ( ) Sim 2 ( ) Não

Seus filhos participam da produção ? 1 ( ) Sim 2 ( ) Não

Quanto de Piaçava é necessário para fazer um rolo de trança?

Quantos rolos fazem um tapete?

Quanto vendeu em 2005?

Além da trança possui outra atividade remunerada?

Cuida da casa?

Recebe alguma pensão, aposentadoria ou ajuda externa?

Qual o preço do rolo de trança?

Qual o valor comercializado?

( )mínimo ( )máximo

Qual a renda da família? ( ) <1 salário ( ) 1-2 salários ( ) 3-4 salários ( ) > 4 salários

Observaçãoes:

ANEXOS

ANEXO I Questionário

ANEXO II Mapa da Área de Estudo

ANEXO III Perfil da Parcela 1 - Castelo Garcia D’Ávila

ANEXO IV Perfil da Parcela 4 - Lagoa Jauara