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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ LUISA CRISTINA BOTTREL SOUZA O PROCESSO ELETRÔNICO COMO APOIO À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PENAL - POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NOS MARCOS DE UM PROCESSO GARANTISTA. Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

LUISA CRISTINA BOTTREL SOUZA

O PROCESSO ELETRÔNICO COMO APOIO À EFETIVIDADE

DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PENAL - POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NOS MARCOS DE UM

PROCESSO GARANTISTA.

Rio de Janeiro 2008

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LUISA CRISTINA BOTTREL SOUZA

O PROCESSO ELETRÔNICO COMO APOIO À

EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PENAL - POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NOS MARCOS DE UM PROCESSO GARANTISTA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá.

ORIENTADOR: PROF. DR. ROGÉRIO J. BENTO S. DO NASCIMENTO

Rio de Janeiro 2008

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VICE-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA A dissertação O PROCESSO ELETRÔNICO COMO APOIO À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PENAL - POSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO NOS MARCOS DE UM PROCESSO GARANTISTA. elaborada por

LUISA CRISTINA BOTTREL SOUZA

e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora foi aceita pelo Curso de Mestrado em Direito como requisito parcial à obtenção do título de

MESTRE EM DIREITO

Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2008.

BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Rogério J. B. S. do Nascimento Universidade Estácio de Sá Orientador Prof. Universidade Estácio de Sá Prof. Universidade

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DEDICATÓRIA

A Paulo Bottrel, querido pai, que nos deixou entre muitos legados o exemplo de jamais desistir de nossos sonhos, com a certeza de que esta conquista seria motivo de orgulho.

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AGRADECIMENTOS

Deus, muitas vezes, se comunica com seus filhos, através de anjos. Assim foi, quando colocou a Prof. Maria Teresinha Pereira e Silva no meu caminho. Sem sua ajuda, tenho certeza, as muitas pedras não teriam sido removidas. Na pessoa da estimada mestre, agradeço a todos os que, de alguma forma, contribuíram para que a caminhada fosse concluída.

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RESUMO

A presente dissertação, situada na Área de Concentração Direito Público e

Evolução Social, na linha de pesquisa Acesso à Justiça e Efetividade do Processo e projeto de Pesquisa Acesso à Justiça, Controle de Constitucionalidade e as Perspectivas da Jurisdição Constitucional, coordenado pelo Prof. Dr. Rogério J. B. Soares do Nascimento, orientador desta pesquisa e membro do corpo docente do Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, analisa as possibilidades do emprego do processo eletrônico no âmbito do processo penal, como instrumento auxiliar, na concretização dos preceitos constitucionais relativos à efetividade da prestação jurisdicional. Com esse propósito, o estudo, através de interpretação principiológica constitucional, aborda fundamentos legais e doutrinários relativos à efetividade da prestação jurisdicional, às garantias constitucionais no processo penal, bem como alguns procedimentos que poderiam viabilizar o incremento do uso da tecnologia da informação ao Direito, no contexto do processo penal. As fontes consultadas, a par da legislação constitucional e infraconstitucional, abarcaram a jurisprudência e doutrina produzida recentemente por pensadores do Direito e estudiosos de outras áreas, os quais se debruçaram sobre a temática da investigação. Ao final, apresentam-se considerações e sugestões relativas à efetividade da prestação jurisdicional, à desburocratização do sistema, tomando o processo eletrônico como um recurso a mais para auxiliar na solução de entraves com que se deparam os profissionais do Direito que militam na área penal e os cidadãos envolvidos nessa problemática.

Palavras-chave: Efetividade da Prestação Jurisdicional; Processo Penal; Processo

Eletrônico

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ABSTRACT

This following dissertation, found under the Public Law Concentration and Social Evolution Area, at the research program “Access to Justice and Effectiveness of the Lawsuit” and research project “Access to Justice, Constitutionality Control and the perspectives of a National Jurisdiction”, coordinated by professor Rogério J. B. Soares do Nascimento M.Sc., advisor on this research and member of the educational board of the master degree course on Law Studies, at the Universidade Estácio de Sá, analyzes the possibilities of the employment of electronic solutions, within the Criminal Law scope, as auxiliary tools to realize the constitutional precepts associated to the effectiveness of the jurisdictional provision. With this purpose, the study, through the constitutional principles understanding, reaches the legal and doctrinaire bases associated to the effectiveness of the jurisdictional PROVISION / INSTALLMENT, to the constitutional guarantees inherent to the criminal law, as well as the concepts and procedures that could make feasible the implementation of legal computing use, bringing it within the criminal law sphere. The resources available, up to date with the constitutional and infra-constitutional legislation, embraced the doctrine that has been recently proposed by law experts and intellectuals in diverse fields of study, who have focused on the investigation matter. Finally, considerations and suggestions related to the effectiveness of the jurisdictional PROVISION, to the de-bureaucratizing process of the legal system, are presented, recognizing, therefore, the electronic solution as an additional tool to help overcome the many obstacles imposed to those Law operators that act in the criminal area and to the citizens affected by these subject issues. KEYWORDS: Effectiveness of the Jurisdictional Provision, Criminal Law, Electronic Solution

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................09

PARTE I – BASES CONCEITUAIS ÀS GARANTIAS NO PROCESSO PENAL..25

CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO

JURISDICIONAL ...................................................................................................25

1.1 - A constitucionalização e efetividade do processo.................................25 1.2 - A unidade conceitual do processo e seus fundamentos ......................33 1.3 - A relevância do procedimento para realização do Direito......................46

CAPÍTULO 2 – GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL. .....52

2.1 - O devido processo legal a democratização do processo penal ...........52 2.2 - O sistema acusatório e o garantismo......................................................72

2.2.1 - O princípio da oralidade ....................................................................78 2.2.2 - O princípio da imediatidade e celeridade.........................................83

PARTE II – CONTRIBUIÇÃO DO PROCESSO ELETRONICO PARA A

EFETIVIDADE DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO. .......................................96

CAPÍTULO 3 – AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO........................................................................................................96

3.1 - A Informática e o Poder Judiciário .........................................................96 3.2 - Traços fundamentais do processo judicial e eletrônico.....................103

CAPÍTULO 4 - PERSPECTIVAS E LIMITES DO PROCESSO PENAL ELETRÔNICO......................................................................................................140

CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:.......................................................165

REFERÊNCIAS.....................................................................................................172

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INTRODUÇÃO

Sem sombra de dúvidas, no processo criminal, mais do que em

qualquer outro, encontram-se em permanente tensão os valores segurança e justiça.

Se, por um lado, o réu precisa ter segurança de que será julgado por juiz imparcial,

observado um procedimento traçado por regras claras e previamente definidas, com

base em provas produzidas licitamente, das quais tomará conhecimento e as quais

poderá impugnar, e que, caso condenado, a pena será proporcional à ofensa que

praticou; se, por outro lado, a sociedade tem de estar segura que as leis são

corretamente aplicadas, que o ofensor do bem jurídico receberá a reprimenda

devida, tem-se, também, como necessário que o processo, no qual seja garantia a

ampla defesa do acusado, tenha curso célere, porque tempo em demasia tem sabor

de impunidade, e não se pode olvidar que responder a uma ação penal representa

pesado ônus para qualquer pessoa, principalmente quando se encontra privada de

sua liberdade. Bem recorda Antonio Evaristo de Moraes Filho1 a lição registrada por

Carnelutti, em “Las Misérias del Proceso Penal”, segundo a qual “ a justiça humana

está feita de tal maneira que faz o homem sofrer não somente quando ele é culpado,

mas também para saber se ele é inocente”, porque “o processo em si mesmo é uma

tortura”. Um processo moroso significa tortura em maior grau, sendo indiscutível que

esse mal atinge não só o acusado que se encontra preso, mas também aquele que

está em liberdade, eis que nem esse está livre “do estigma e da angústia”2.

Embora seja de extrema importância priorizar a diligência do processo,

que seu tempo seja o menor possível, não se deixa de lado a certeza de que esse

tempo também tem relevante peso para que se obtenha uma decisão justa. Impõe-

se preservar o tempo necessário para que se colha com tranqüilidade a prova, para

que a acusação e a defesa possam formular suas teses, para que o juiz possa

absorver todo o conjunto probatório e apresentar o provimento final.

1 MORAES FILHO, Antonio Evaristo, In: “Reflexões atuais sobre a questão penal”, palestra proferida

na XVI Conferência Nacional dos Advogados, em Fortaleza, setembro de 1996, Revista Forense, a. 93, v.337.

2 LOPES, Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique, In: ______. Direito ao processo penal no prazo razoável. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006, p.7.

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De ponto de vista mais abrangente, que se alarga para além dos limites

dos Tribunais, é cediço que, a partir do momento em que se torna mais evidente o

problema da violência e da criminalidade, o Estado, sob pressão da sociedade,

reage, por meio de reformas legislativas, intervenções casuísticas, muitas vezes

incompatíveis com o compromisso constitucional.

Vive-se, como bem focou Paulo Roberto Leite Ventura3, “um ambiente

de desesperança e pânico coletivo, altamente comprometedor para um projeto

democrático duradouro, uma vez que a histeria presente no campo da segurança

pública tem gerado reações irracionais e reacionárias em face da questão da

violência urbana”. Possivelmente, seja essa a explicação para o Legislativo tanto

legislar, ainda que seus membros não saibam bem sobre o quê; para que o

administrador intervenha onde não deveria intervir, para a autoridade policial

prender, quando não seria necessário prender.

No Estado do Rio de Janeiro, as polícias civil e militar aumentam suas

estatísticas, prendendo miseráveis. Aliás, breve observação do que se lê

diariamente nos jornais permite afirmar que, para prender desafortunados, não é

preciso inteligência, estratégia, planejamento, investigação. Basta “bater o pé” na

porta do barraco, adentrar viela de uma comunidade carente, onde certamente

estarão desempregados e outros marginalizados pela sociedade. Por outro lado,

também é voz corrente que muito raro se têm – pelo menos, na justiça estadual –

como réus, pessoas das classes média ou alta, brancas, com nível universitário. As

estatísticas indicam com clareza que réus são sempre os pobres, analfabetos,

negros ou pardos, desdentados e deserdados pelo Poder Público.

A eficiência da autoridade policial é extrema para prender perigosos

ladrões de aparelhos celular, ousados traficantes, em cujo poder são

apreendidos,surpreendentemente, poucos gramas de maconha, ou camelôs, que

comercializam, pelas esquinas da cidade, alguns CD’s contrafeitos. Dificilmente, é

apresentado à Justiça o traficante proprietário das fazendas onde a droga é

cultivada, o responsável pela cocaína que é trazida, ou levada para o exterior, o

dono do estabelecimento onde são confeccionadas mercadorias que violam o direito

imaterial.

3 VENTURA, Paulo Roberto, In: _____. O Juiz Criminal: entre a neutralidade, os direitos fundamentais

e a pressão social pelo combate à criminalidade”. Rio de Janeiro: Revista EMERJ, v.10, n. 40, p. 17.

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Fauzi Hassan Choukr4 questiona a aptidão das instituições policiais,

que detêm atribuição para selecionar a matéria prima que é objeto do aparato

judicial penal, cuja estrutura administrativa está fossilizada pelos parâmetros

culturais da violência, para cumprimento da missão da construção de um “estado de

ordem”, obediente aos primados do Estado Democrático e de Direito. A atividade

investigatória, que se materializa no inquérito policial, aplica metodologia

ultrapassada, o que certamente compromete a verdade que nele se pretende

construir e transmitir.

Insiste o autor na premência de definir a ação policial como otimizadora

da violência, em contraposição à função de garantidora da ordem e da segurança

(do Estado e da sociedade). Ele acrescenta que “ o cenário que se apresenta sob

este enfoque é dramático, principalmente quando se verifica a violência policial na

realização de investigações criminais e na execução penal”. Em outras palavras:

nessa perspectiva de inserção social, a polícia que existe para proteger, dar

segurança e contribuir para manter a ordem, resulta fator de incremento da violência

e insegurança.

Resultado de uma investigação policial extremamente deficiente – e

não há, no particular, que se imputar responsabilidade por tanto despreparo ou

desleixo simplesmente ao agente público, na medida em que, em maior parte, as

causas decorrem da falta absoluta de investimentos na formação de servidores, na

inexistência de recursos materiais para o bom desempenho da atividade

investigatória – tem-se uma fase pré-processual na qual pouco se aprofunda para

esclarecimento dos fatos, o, que compromete, por certo, a instrução probatória, na

fase judicial. E, quando não se depara com o vazio, defronta-se com situação mais

grave, como ressalta Fauzi Choukr5, decorrente do significativo aumento do papel

policial e da técnica inquisitiva, na construção do sistema repressivo,

comprometendo a credibilidade da prova e debilitando a atividade jurisdicional.

As ações penais que têm curso perante as varas criminais estaduais,

em sua maioria, têm início mediante denúncias ofertadas com base em autos de

prisão em flagrante, que, em raros casos, decorrem de prévia atividade da polícia

judiciária.

4 CHOUKR, Fauzi Hassan, in, “Temas de Direito e Processo Penal”, RJ: Lumen Iuris,, 2004, p.179. 5 Ibidem, p.180.

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Milhares são os inquéritos policiais que se encontram empilhados, nas

prateleiras das delegacias policiais, aguardando diligências. Ante o esgotamento do

prazo, a autoridade policial, com respaldo em escusas pouco consistentes, requer

mais prazo para as investigações. O Ministério Público, que tanto luta

institucionalmente para incluir entre suas atribuições a investigação criminal, nem

sempre faz valer sua autoridade para exigir o cumprimento dos prazos e a realização

das diligências necessárias para elucidação dos crimes. A resignação termina por

tomar conta de todos.

E, nesse vai-e-vem, ficam os autos, por longos anos. As pessoas, que

vivem o sentimento da apatia estimulado pelo descrédito nas instituições, esquivam-

se, quando se trata de colaborar para o esclarecimento dos crimes, como

testemunhas. Ninguém quer se envolver, expor-se a riscos e muito menos perder

seu tempo. Essa indiferença é apenas mais uma dificuldade a superar na etapa da

instrução de inquéritos policiais.

Poucos são os que, diante da repercussão do crime apurado, e, em

geral, pela pressão exercida pela mídia, terminam por merecer especial atenção da

autoridade policial. Arnaldo Bloch6, recentemente, trouxe à discussão a frase do juiz

e pesquisador francês Antoine Garapon, segundo a qual “o Judiciário se tornou o

muro das lamentações da cena contemporânea”, chamando atenção para a

judicialização das relações sociais, resultado do isolamento do cidadão e da busca

frustrada do Estado, família, escola, religião por padrões éticos consistentes. A

partir daí, a população se torna um único e imenso júri, porta-voz do clamor público,

situação que termina por representar um verdadeiro risco de colisão com os

princípios que regem o Direito. Como se sabe, a verdade do processo nem sempre

corresponde ao fato real e, sem contenção, essa interferência popular, fortemente

insuflada pela mídia, pode causar efetivo desequilíbrio, no processo, abrindo portas

para que a arbitrariedade dite os rumos da lei. Consigna, então, a advertência feita

pelos cientistas sociais, no sentido de que “no vazio moral, esta dinâmica entre mídia

e Direito é a relação mais explosiva que há, e está tomando conta da vida

contemporânea, não somente no Brasil”.

Em regra, entre as idas e vindas, entre o órgão ministerial, que

requisita diligências, e a autoridade policial, que dificilmente as cumpre, o tempo vai

6 BLOCH, Arnaldo. “ O Show da Justiça”, artigo publicado no jornal “O Globo”, na seção O país, de 11-05-2008.

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passando e, nesse tempo, com freqüência, as provas desaparecem. Se alguma

testemunha havia, o passar do tempo apaga em sua memória detalhes sobre o fato

criminoso, causando explicáveis incertezas, hesitações. As testemunhas,

comumente, não são mais encontradas nos endereços constantes dos autos, às

vezes, nem mesmo o réu, o que impõe a realização de inúmeras diligências na

tentativa de localizá-los. Ofícios, mandados de intimação, inúmeros são os

documentos expedidos; muito tempo e dinheiro gastos. A rigor, trata-se de muito

trabalho, que resulta, na maioria das vezes, em vão.

Diligente Promotor de Justiça, verificando que a prescrição se avizinha,

oferece a denúncia, na tentativa de salvar o trabalho até então realizado. Uma

denúncia a mais também aumenta sua estatística. Como autor da ação, ao

Ministério Público incumbe o ônus da prova da acusação. Mas, como se

desincumbir a contento desse ônus, se o tempo passou e as testemunhas quando

encontradas, não mais se recordam com precisão do fato apurado?

No justificável empenho de dar resposta à sociedade, alguns

magistrados assumem o ônus de produzir a prova7, em muitas situações, sob

pressão da sociedade e da mídia que clamam por vingança. Não raro têm que

conviver com a frustração de absolver o réu, que sabem culpado, porque as provas

trazidas aos autos não são suficientes para a condenação.

Essa é, em breves linhas, a aflitiva vivência de um magistrado criminal:

como ser humano, também convive com o medo, com a insegurança; almeja uma

sociedade melhor, onde se possa viver com paz, com tranqüilidade e sejam dadas

iguais oportunidades a todos. Sabe ser peça de uma grande engrenagem, tem

consciência de suas responsabilidades e quer desempenhar bem seu papel.

Adquiriu conhecimento e quer colocá-lo à disposição da sociedade; convive, porém,

com a sensação de impotência, diante de tantos problemas, cujas soluções não se

apresentam minimamente acessíveis.

7 Há autores que defendem não haver mais lugar para um juiz hipertrofiado, na atual conjuntura histórico-política, razão pela qual, cabendo ao mesmo o exercício do poder jurisdicional, não poderá negligenciar na busca pelo melhor acertamento fático. Mas, esse poder de apuramento fático, não pode ser exercido de forma a sufocar a atuação das partes processuais. Se assim fosse, ao invés de iniciativa instrutória, haveria verdadeira atividade. De acordo com Marcos Alexandre Coelho Zilli (In, “A iniciativa instrutória do juiz no processo penal”, SP, Rev.Tribunais Ed., 2003, p.117), essa “iniciativa estará voltada à busca e ao recolhimento de elementos úteis para o melhor acertamento fático, tomando por base uma afirmação inicial delineada pela acusação. Não se trata, pois, de tarefa investigativa, mas sim instrutória, razão pela qual a denomina de iniciativa instrutória.

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As notórias dificuldades da fase indiciária fazem com que se gaste

muito tempo na investigação, até que um inquérito policial chegue, concluído, às

mãos do Promotor de Justiça, em condições de ser oferecida a denúncia. A esse

respeito, não se pode esquecer que, no processo penal, o desperdício de tempo

produz conseqüências inexoráveis, não só porque, como já enfocado, a prova se

dissipa, mas também porque a prescrição alcança a pretensão punitiva estatal.

Quando a ação penal é instaurada com o recebimento da denúncia,

passa-se a sofrer uma forte pressão para que o processo tramite rapidamente, para

que o pronunciamento final do juiz seja conhecido, para que a Justiça seja feita de

forma instantânea. Essa preocupação tem, inclusive, justificado a busca por

procedimentos mais céleres, por instrumentos que viabilizem maior racionalidade à

ação penal, pela concentração dos atos do processo, a fim de torná-lo mais ágil8.

A jurisdição penal, assim como todo o sistema processual no qual está

inserida, tem de ser efetiva. A busca da efetividade não pode deixar de considerar

que o subsistema processual penal atua sobre a realidade concreta projetando

sobre essa realidade modelos de pensamento que orientam atitudes, escolhas e

decisões dos atores nas esferas de poder legislativa, judicial e executiva.

A tradição positivista-normativa brasileira, com sua sofisticação formal

alienante, serve muitas vezes para afastar o processo penal da realidade criminal. A

legislação penal é aplicada literalmente, sem qualquer consideração de ordem

valorativa. A sociedade reage com perplexidade, e insatisfação, diante de decisões,

justificadas pelo apego às formas, distanciadas, contudo, do senso comum de

justiça.

Não é compatível com o Estado Democrático de Direito a postura de

negar a centralidade do indivíduo na arquitetura do Estado, porque nele o poder tem

de estar limitado e a proteção da pessoa e sua dignidade é a maior razão da

organização política da comunidade.

A crítica à tradição positivista pode dar lugar a diferentes trajetórias.

Por um ângulo, a ênfase na relação entre o direito penal e o direito processual penal 8 Em 30-05-2008, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que reduz até a metade a duração dos processos criminais, em relação a todos os crimes previstos no Código Penal, a exemplo do que já ocorreu em relação aos crimes dolosos contra a vida. As cinco fases do procedimento ficam concentradas em uma única audiência, além de ser prestigiado o princípio da identidade física do juiz (notícia publicada no Jornal do Commercio, Direito e Justiça, B-9, em 31-05-2008).

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com a política criminal dá lugar a uma preocupação com a funcionalidade do sistema

repressivo, no regime democrático; por outro ângulo, posta a ênfase na relação de

poder que confronta de um lado o Estado, com o monopólio do uso legítimo da

violência, e de outro o indivíduo, a preocupação que surge é com a rede de

garantias individuais conferidas ao acusado.

Nada impede, contudo, se reconheça no processo um papel de dupla

garantia, tutelando tanto os direitos individuais, no caso, do acusado frente ao poder

repressivo do Estado, quanto os direitos fundamentais de dimensão social e coletiva.

Ao mesmo tempo em que essas diferentes visões e matrizes teóricas

se opõem no debate doutrinário, a realidade segue seu curso e apresenta novos

problemas, mas também novas possibilidades, sendo tarefa da academia

estabelecer a ponta entre o debate teórico e a realidade prática, orientando a

escolha de soluções que preservem os valores mais caros à ordem constitucional.

Nesse complexo contexto em que se desenvolve o processo penal,

uma das mais recentes propostas do legislador veio acompanhada com a promessa

de celeridade. Trata-se da introdução no ordenamento jurídico do processo judicial

eletrônico. É pertinente acrescentar que, a despeito de os reclamos de presteza

tenderem a conferir maior ênfase ao processo civil, o que se comprova com a

considerável produção legislativa de reforma ao Código de Processo Civil, no caso

em tela, o processo judicial eletrônico não se circunscreveu a essa área do Direito.

Note-se que a Lei nº 11.419/20069, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro

esse novo instrumento processual, permitiu sua adoção no processo civil, no

trabalhista, nos juizados especiais e também no processo penal.

A iniciativa se justifica, uma vez que, em essência, não há diferença

entre processo penal, civil, trabalhista. Segundo lição de Chiovenda10, o conceito

de processo judicial, definido como complexo de atos coordenados ao objetivo de

9 “Art.1º. O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei. Parágrafo 1º Aplica-se o disposto nesta lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição”. 10 CHIOVENDA, Giuseppe, in “Instituições de Direito Processual Civil”, v. I, 3. ed., 2002, Bookseller, p.56.

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atuação da vontade da lei, por parte dos órgãos da jurisdição ordinária, respeitada

sua tríplice natureza, é comum a todos, quer civil, penal, trabalhista11.

Nesse passo, admite-se que os institutos processuais sejam

compreendidos à luz de uma Teoria Geral do Processo, que cuida dos fundamentos

e princípios do processo, independentemente do ramo do direito material a que

serve de instrumento. Nessa perspectiva, uma vez ocorrido o conflito de interesses,

repudiada pelo ordenamento jurídico a auto-tutela, somente prevista para casos

excepcionais, e tendo o Estado reservado para si o monopólio da prestação

jurisdicional, tornou-se necessário criar um instrumento através do qual a situação

conflituosa lhe fosse apresentada, os fatos fossem provados, o direito subjetivo

lesionado reparado, enfim, onde a lide fosse composta de forma justa.

Retomando a noção de processo judicial eletrônico, é notório que o

tempo atual é caracterizado, entre outros fatores, pela comunicação veloz. A

geração da década de cinqüenta não se esqueceu, certamente, que, naquela época,

para se fazer uma ligação interurbana, era necessário solicitar auxílio à telefonista e

com paciência muito esperar, até que o contato telefônico se completasse. Hoje,

diretamente de qualquer telefone, as pessoas se comunicam com outras em

qualquer lugar do mundo; a televisão leva sua imagem aos lugares mais distantes, a

informação chega ao destinatário de forma imediata; a leitura dos jornais vem sendo

substituída pelo conhecimento das notícias em tempo real no website12. Como

realçam Aury Lopes Jr e Gustavo Badaró13, na sociedade do mundo

contemporâneo, a velocidade é um valor. Segundo os citados pensadores, estamos

viciados na imediatidade, na hiperaceleração, que vai da comida fast food ao

instantaneísmo da teleação proporcionada pela virtualidade, pois vivemos o que

designam como presenteísmo, marcado pela consciência de que se faz necessário

conciliar um passado inexistente, pois repousa no plano da memória, do mito e da

imaginação, e um futuro aberto, indeterminado, igualmente inexistente.

11 Há posições diversas. Jacinto Coutinho, Rogério Tucci, Luciano Marques Leite, José Carlos Teixeira Giorgis, Joaquim Mendes de Almeida e Fernando Luso Soares, entre outros, sustentam que diante da indispensabilidade do processo penal e da inexistência de lide, não é possível estudá-lo sob o mesmo arcabouço do processo civil. 12 Lugar no ambiente web da Internet,ocupado por informações (texto, fotos, sons, vídeo), de uma empresa ou pessoa. Disponível em www.aisa.com.br/basico.html, acesso em 20-02-08. 13 LOPES JUNIOR, Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique, In, “Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável”,RJ, Lumen Iuris, 2006,em Notas dos Autores.

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Os profissionais do Direito não resistiram às facilidades que a

tecnologia oferece. Como outros grupos profissionais e cidadãos comuns recorrem

aos meios eletrônicos para acesso a bancos de dados, obtendo, em segundos, a

informação que outrora lhes consumia tempo precioso, muito trabalho e alto custo.

Não há dúvidas de que já se incorporou à rotina de trabalho dos advogados, dos

magistrados, dos membros do Ministério Público e demais profissionais do Direito,

bem como dos estudantes, as consultas aos portais dos diversos Tribunais para

conhecimento da atual jurisprudência, consulta acerca do andamento dos

processos, sem que se faça necessário o deslocamento à sede do foro; dos

trabalhos das casas legislativas (diplomas legislativos vigentes, trâmite de projetos

de leis), tudo isso com racionalidade no uso do tempo e dos custos. Também como

exemplo, recorda-se que não se encontram mais nos autos de um processo judicial

petições datilografadas, e, cada vez mais usual, tomarem ciência os advogados dos

atos do processo através do sítio disponibilizado na rede mundial de computadores

pelos Tribunais do país. É inquestionável, portanto, a importância da informática no

dia-a-dia dos profissionais do Direito.

Ao delinear a presente Dissertação, admite-se que seria ingênuo

acreditar que essa inovação afeta a prática jurídica apenas superficialmente, ou que

não venha a enfrentar desafios e sofrer resistências. Esse novo contexto

tecnológico atinge profundamente a atividade jurídica, eis que requer compromisso

ético, orientado para canalizar os avanços da tecnologia da informação para

salvaguardar a justiça e a liberdade, no contexto das garantias constitucionais ao

cidadão, conquistas da sociedade ao longo da história universal.

Sob esse enfoque, assume-se igualmente a premissa de que se faz

urgente consolidar uma Teoria Geral do Direito comprometida com as novas

necessidades do homem que vive na era da informática e impregnada dessa

“consciência tecnológica”, que pode ser colocada a serviço da efetividade da

prestação jurisdicional. Em outras palavras, como não se pode conceber o Direito à

margem dos acontecimentos sociais, econômicos e políticos, não é mais possível

nele pensar sem interface com a informática e com os avanços científicos e

tecnológicos.

Quando se trata de apontar as deficiências do Poder Judiciário, por

certo, a morosidade é a que causa maior adesão dos insatisfeitos. Talvez, por isso,

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18

entre as muitas propostas que são analisadas sob o título de “Reforma do

Judiciário”, grande parte delas se refira a medidas que visam conferir maior

celeridade aos processos. Muitas são as razões indicadas para o problema: a

insuficiência do número de magistrados, má gestão, cultura da burocracia; ritos

arcaicos14. Segundo levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, dos 48

milhões de processos existentes em 2006, apenas 11,3 milhões foram julgados, ou

seja, 76% dos processos existentes em curso continuaram nas prateleiras. Explica-

se, em conseqüência, a razão de as preocupações se voltarem para o estudo de

medidas que viabilizem marcha processual mais ágil.

Porém, a expectativa em relação ao tempo do processo e à

funcionalidade dos meios utilizados para a prestação jurisdicional não pode

comprometer-lhe a qualidade. Como bem recorda Leonardo Greco15:

” isso não significa que os fins justifiquem os meios. Como relação jurídica pluri-subjetiva, complexa e dinâmica, o processo em si mesmo deve formar-se e desenvolver-se com absoluto respeito à dignidade humana de todos os cidadãos, especialmente das partes, de tal modo que a justiça do seu resultado esteja de antemão assegurada pela adoção das regras mais propícias à ampla e equilibrada participação dos interessados, à isenta e adequada cognição do juiz e à apuração da verdade objetiva: um meio justo para um fim justo”.

A nova proposta legislativa visa, entre outras inovações, à extinção dos

autos físicos, à abolição do emprego de papel na atividade jurisdicional, o que não

constitui conduta facilmente assimilável. No cotidiano dos Tribunais, quando se

aborda o tema, não raro, verifica-se, além do receio com os riscos que a falta do

documento físico possa acarretar, dúvidas quanto à confiabilidade das informações

digitalizadas, ou ainda quanto à autenticidade dos documentos transmitidos por meio

eletrônico e, principalmente, insegurança quanto à proteção das garantias

constitucionais do processo.

14 Editorial Nossa Opinião, no jornal “OGlobo”, de 11-02-2008, sobre “ Lentidão da Justiça”. Segundo levantamento do CNJ, referente ao ano de 2006, houve um maior congestionamento nas varas estaduais, e em primeiro grau de jurisdição, tendo 79,92% das ações ficado sem julgamento, conforme matéria publicada no jornal “O Globo”, de 07-02-2008. 15 GRECCO, Leonardo, “Garantias Fundamentais do Processo: O Processo Justo”. Rio de Janeiro, Revista do Curso de Direito da Unesa, Ano 7, nº 6, ano 2004.

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19

Nessa linha de pensamento, é importante refletir sobre o alerta de

Schneider16, quando ressaltou que, conhecendo-se o difícil controle dos riscos do

uso do computador, é oportuna a investigação não só das formas de proteger-se,

“mas também a que se constatasse que o computador proporciona ou representa,

perante o utilizador, uma “realidade” virtual, através do mundo de dados que ele põe

à sua disposição”. Trata-se realmente de um mundo novo, que explica a resistência,

insegurança, reflexos do inevitável conservadorismo.

Abordando o tema, o Desembargador Néfi Cordeiro17 registra que as

várias resistências à modernidade que testemunhou, ao longo de sua vida

profissional, chegam, hoje, a ser risíveis, como por exemplo, a controvérsia gerada

quando se passou a admitir que as sentenças fossem datilografadas, e não mais

manuscritas pelo próprio magistrado, sob o argumento de perda da pessoalidade, ou

ainda quando se permitiu fossem impressas no computador, quando se aventou

para a perda da singularidade do ato.

Por sua natureza, o processo eletrônico requer comportamento e

conhecimento novos dos sujeitos da relação jurídica processual, dos advogados, do

juiz e de seus auxiliares. Não bastará confiança na integridade do sistema, devendo

se exigir do operador sua perfeita compreensão, porque somente assim terá a

garantia do pleno acesso ao mesmo.

Hugo Lança Silva18 advoga a necessidade de ser incluído nos

currículos das faculdades de Direito a cadeira de Informática, na medida em que “a

actividade do jurista, na sua multiplicidade e diversidade, não pode nos nossos dias

fazer-se eficazmente sem o recurso às novas tecnologias”.

A adoção do processo eletrônico requer a sedimentação de nova

cultura entre os profissionais do Direito e representa novo modus operandi na prática

dos atos processuais. Além da expectativa de celeridade, é preciso considerar os

potenciais significativos de transparência e de publicidade.

16 SCNHEIDER, Jochen. “Processamento electrónico de dados.Informática Jurídica”. In, Kaufmann e Hassemer (org.) Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas,Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa, 2002. p.548-586. 17 CORDEIRO, Néfi (prefácio). In, FIOREZE, Juliana. Videoconferência no Processo Penal Brasileiro, Curitiba: Juruá, 2007. 18 SILVA, Hugo Lança (posfacio). “Breve nuance sobre o Direito, a Informática e o Processo, desde uma perspectiva lusitana”. In, ALMEIDA FILHO, José Carlos. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo eletrônico, RJ, Forense, 2007, p. 340-352.

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20

Ao possibilitar maior celeridade na marcha do processo, alivia-se, no

processo penal, a pressão causada pelo consumo exagerado de tempo na fase pré-

processual. Além do mais, começando a persecução penal, quase sempre em

decorrência de uma prisão em flagrante, sem que haja, necessariamente, uma fase

investigatória, certamente, a adoção do processo eletrônico poderá representar

considerável economia de tempo, eis que a comunicação da prisão ao juízo

competente e ao órgão ministerial se fará eletronicamente – e, portanto,

imediatamente -, podendo, a partir daí, ter início o processo judicial eletrônico.

Explica-se a especial preocupação no que concerne ao emprego do

processo eletrônico no âmbito do processo penal, porque, em um dos pólos da

relação jurídica, há uma pessoa, à qual se imputa a prática de um crime, quase

sempre hipossuficiente, para quem o princípio da paridade de armas, da igualdade,

é, via de regra, utopia. A situação é bem diferente no processo civil, e também no

trabalhista, quando, em princípio, ainda que formalmente, há igualdade de forças,

eis que ambas as partes estão assistidas pelos seus advogados de confiança, têm

acesso às provas que dão esteio ao direito alegado, sendo, inclusive, facultado ao

juiz, quando verificada a hipossuficiência quer econômica, quer técnica, inverter o

ônus da prova, como ocorre nas relações de consumo, quando a desigualdade entre

as partes se apresenta acentuada.

Como referido, justiça e segurança são dois valores em constante

tensão no processo judicial. Essa tensão é intensificada no processo penal. Diante

desse dado de realidade, questiona-se a possibilidade de adotar o modelo

eletrônico, ou novos recursos da informática, sem que haja comprometimento dos

valores justiça e segurança. Reveste-se o processo eletrônico, nos moldes em que

foi formulado pela Lei nº 11.419/06, da segurança necessária, seu regramento é

suficientemente claro, foram criados mecanismos de resguardo das informações

digitalizadas, do sigilo e da privacidade das partes?

No caso específico do processo penal, como referido, a prestação

jurisdicional tardia, condenatória ou não, expõe a ineficácia do sistema penal. Pode

reforçar o aumento da violência e da criminalidade e a todos contaminar com o

sentimento de impunidade, porque reveladora da incapacidade do Estado em dar

conta de sua tarefa de garantir a paz social. O elemento tempo se insere no

substrato do conteúdo do valor justiça e também no de segurança, porque ele

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também é indispensável para que os fatos sejam provados no processo, a defesa

amplamente exercida, o provimento judicial formulado.

Em acréscimo, vale notar que, com as complexidades da vida

moderna, o Poder Judiciário não mais se depara exclusivamente com o crime

nacional, ou internacional, mas também com o crime transnacional, o que exige

disponibilidade suficiente e atualizada de recursos técnicos e humanos, compatíveis

com os novos desafios, para que a atuação se faça com cooperação de todos. O

desenvolvimento tecnológico não se restringe à área econômica; ao contrário, os

efeitos desse processo inovador se irradiam por todas as áreas do conhecimento

humano. E, se traz muitos benefícios, no que pertine ao Direito, também pode fazer-

se acompanhar de novas modalidades de desvio de condutas, de crimes, sempre

mais complexos, que exigem investigações sofisticadas, cooperação entre vários

Estados, que impõem pronta resposta penal, mas que, por outro lado, trazem

maiores dificuldades para que o tempo ideal do processo seja observado.

Em face dos argumentos expressos brevemente nas páginas

precedentes, a presente dissertação tem por escopo analisar, de acordo com a

legislação e a doutrina, as possibilidades de emprego do processo judicial eletrônico,

por meio da substituição dos autos físicos e uso de outros recursos eletrônicos em

sede penal. Busca-se examinar a possibilidade de avançar no emprego de novas

tecnologias, no processo penal, sem abdicar de sua compreensão garantista. Nesse

sentido, pretende-se investigar a possibilidade de serem realizadas intimações e

audiências eletrônicas, proferir o juiz a sentença pela via eletrônica, dispensados os

registros dos atos processuais em papel, com a garantia da efetividade da prestação

jurisdicional, sem qualquer comprometimento do devido processo legal.

Para alcançar esses objetivos, realizou-se pesquisa documental,

orientada pelo modelo crítico-dialético, pois se parte do pressuposto de que a

efetividade da prestação jurisdicional em todos os ramos do Direito enfrenta novos

desafios e caminha em paralelo com a sociedade no enfrentamento desses

embates. Nesse movimento, ao mesmo tempo em que sofre influências do modelo

de desenvolvimento sócio-econômico-ideológico e tecnológico-cultural, o Judiciário

também pode servir como elemento de impulso à concretização dos ideais da

Constituição da República no que se refere à cidadania.

As fontes de consulta foram constituídas por:

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a) doutrina: ainda é incipiente no direito brasileiro a produção

doutrinária a respeito de Direito Eletrônico, e menos ainda, em

relação à Informática Jurídica. Exatamente, por ser veículo de

comunicação mais célere e menos oneroso, não precisando o

jurista estar à disposição dos interesses dos editores, muitos têm se

valido da internet19 e de congressos para divulgação de seus

trabalhos. Assim, em termos específicos do processo eletrônico, a

par de três obras específicas sobre o tema já publicadas, a consulta

doutrinária se direcionou à colheita de material publicado na rede

mundial de computadores, em sites20 diversos. Diversa é a

situação quando se trata do enfoque constitucional conferido à

matéria, sendo notória a extensa produção cientifica que seguiu os

passos da crescente importância do Direito Constitucional, como

fundamento à constitucionalização do Direito Penal, considerando-

se o momento democrático vivido por quase todos os Estados.

b) legislação: foram feitas consultas à Constituição Federal, à

legislação infraconstitucional, atos administrativos editados pelos

Tribunais, assim como pesquisadas informações sobre a adoção do

modelo de comunicação eletrônica de atos processuais nas

legislações estrangeiras;

c) jurisprudência: a consulta à jurisprudência cingiu-se ao exame de

alguns julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior

Tribunal de Justiça, principalmente no que diz respeito à utilização

da videoconferência no interrogatório, no processo penal.

Através desta pesquisa, pretende-se contribuir para suprir lacunas na

doutrina nacional, na medida em que, sendo poucas as experiências práticas nos

novos moldes, não houve ainda condições materiais de avaliações críticas a seu

respeito.

19 Internet:redes públicas compostas por computadores ligados entre si por roteadores, de âmbito mundial, descentralizadas e de acesso público, através das quais se compartilha enorme quantidade de informações, das mais variadas formas, gerenciada por SNMP (Simple Network Mangement Protocol. Disponível em www.vivaolinux.com.br, acesso em 16-02-2008. 20 Site: localização do endereço de um servidor na internet. Disponível em-< www.lg.msm.com>, acesso em 11-02-2008.

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De igual forma, espera-se subsidiar o trabalho do legislador,

procurando demonstrar as possibilidades de emprego do processo eletrônico,

fomentando novos avanços legislativos.

Sob outro ângulo, o estudo pode servir de apoio aos membros do

Poder Judiciário, buscando vencer resistência a seu emprego e afastando

preocupações quanto à sua segurança.

Finalmente, o que se deseja é que o cidadão seja beneficiado por meio

da tecnologia, na medida em que, para o réu, um processo no qual o contraditório

seja amplamente respeitado, a prova seja levada ao processo com fidelidade,

representa garantia; assim como um processo relativamente célere é garantia para a

sociedade, que precisa de segurança, para conquista de seus propósitos.

Em termos de estrutura, a presente dissertação está organizada em

duas partes, subdivididas em cinco capítulos, cujo conteúdo se explicita a seguir.

Na primeira parte, busca apresentar as bases conceituais das garantias

constitucionais do processo penal, em dois capítulos, abordando-se, no primeiro, a

questão da efetividade da prestação jurisdicional, sob o enfoque da produção

doutrinária sobre o processo judicial, nos diferentes ramos do direito, segundo o

pressuposto de que o direito processual (em todas as áreas e também no processo

penal) está impregnado pelas normas constitucionais. Nessa linha de pensamento,

tendo em vista a manutenção do pacto social democrático, merece relevo um

processo judicial que resguarde as garantias constitucionais, apontando que é

através do procedimento que esse escopo é alcançado, porque através dele é que

se logra o equilíbrio entre os valores segurança e justiça.

No segundo capítulo, procura-se apontar garantias constitucionais que

informam o processo penal, na vigência da Constituição da República. Nesse

diapasão, foca-se que o princípio democrático informa o processo, no qual se busca

garantir a efetiva participação de seus atores, sendo o devido processo legal,

dessarte, não só um princípio, mas acima de tudo a garantia do processo justo.

Apresenta-se o sistema acusatório, em harmonia com o princípio da dignidade da

pessoa humana, além dos princípios da oralidade e da imediatidade, como modelos

a serem perseguidos, ante aos vínculos firmes que mantêm com o princípio

democrático. Em termos gerais, busca-se examinar como a garantia constitucional

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da celeridade pode ser assegurada, no processo penal, sem atropelo às demais

garantias constitucionais processuais, o que impõe o exercício da ponderação.

A segunda parte cuida da utilização do processo eletrônico, de forma

objetiva, analisando suas possibilidades como um instrumento que viabiliza, no

processo penal, uma maior efetividade.

O terceiro capítulo trata do processo judicial eletrônico, no contexto das

garantias constitucionais processuais. Num primeiro momento, analisam-se

historicamente as relações entre a Informática Jurídica e o Poder Judiciário, bem

como busca-se delinear os traços fundamentais do processo eletrônico, para

desaguar na análise do pensamento doutrinário relativo à adoção do processo

judicial eletrônico com estrito respeito aos valores segurança e celeridade.

No quarto capítulo, cuida-se da análise das possibilidades e limites da

utilização do processo eletrônico e outros recursos tecnológicos, no processo penal,

tomando como referência os princípios constitucionais e garantias que precisam

respaldar o processo penal, sem qualquer restrição ao direito de defesa. Analisa-se,

outrossim, as possibilidades de emprego do recurso da videoconferência no

processo penal.

Finalmente, no último capítulo, apresentam-se considerações

derivadas dos aspectos mais relevantes da investigação, sempre em função de seus

objetivos.

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PARTE I – BASES CONCEITUAIS ÀS GARANTIAS NO PROCESSO PENAL

CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTOS À EFETIVIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

1.1 - A constitucionalização e efetividade do processo:

A história do Estado de Direito está impregnada de elementos

contextuais de tempo e de outros fatores de natureza teórico-ideológica e sócio-

cultural, daí porque não pode ser compreendida, como adverte Canotilho21, como a

história de um simples conceito.

Sob esse enfoque, o Estado social e o Estado democrático seriam

formas vazias e desprovidas de significado, caso não estivessem amalgamadas ao

ideal de realização da cidadania e às possibilidades concretas de efetividade,

concepção, por natureza, também temporal. Ainda segundo Canotilho 22, mais do

que um conceito jurídico, o Estado democrático tem conotação de luta política.

Reconhece-se que as transformações observadas nesses diversos modelos de

Estado foram reações à insatisfação da maioria com os privilégios auferidos pela

minoria. Assim ocorreu com o Estado liberal, com o Estado social, com o Estado

democrático.

A frustração que causou a constatação do distanciamento do

compromisso com os princípios filosóficos, que haviam alimentado a revolta social,

que defendia liberdade, igualdade e fraternidade e de que a igualdade alcançada

fora apenas formal, fomentaram nova transformação do Estado. Nesse processo, o

Estado liberal cedeu lugar a ao Estado social. Como conseqüência, o conceito de

cidadania deslocou-se do plano civil e político para o social e a ordem jurídica

transformou-se “em instrumento de atingimento de metas sociais concretas, dentro

21 CANOTILHO, J.J. Gomes, In, “Direito Constitucional”, Coimbra, Almedina, 5.ed. 1991, p.353. 22 Ibidem, p. 355.

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de uma lógica distributivista de satisfação de direitos humanos sociais, igualitários,

destinados a organizar a sociedade de uma forma mais justa”23.

Após a Segunda Guerra Mundial, porém, vieram à tona outros

problemas sociais, na medida em que o desenvolvimento industrial e tecnológico

atingiu direitos até então intocados, os direitos coletivos, difusos, transindividuais,

além de ter ficado evidenciada a insuficiência dos meios internos, e a precariedade

dos internacionais, para tutelar os direitos fundamentais. Reconheceu-se a

necessidade de incorporação de outros conteúdos, ou valores de justiça, que eram

antes tratados apenas pelo jusnaturalismo, observados sob enfoque filosófico, ao

direito positivo.

Como salienta Ferrajoli24 :

“todos esses princípios, afirmados pelas doutrinas jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII, na forma de direito ou direitos naturais, foram consagrados nas modernas Constituições na forma de princípios normativos fundamentais que contêm limitações ou imperativos negativos – ou também positivos, como os expressados pelos chamados “direitos sociais” ou “materiais” (ao trabalho, à saúde, à subsistência, à educação, etc.), acrescentados nas Constituições deste século, cujos destinatários são os legisladores e os demais poderes públicos”.

Inaugura-se, a partir daí, um novo conceito, cujo alcance se apresenta

muito maior do que aquele que resultaria da simples soma dos conceitos de Estado

democrático e Estado de direito. Nesse, vê-se agregado um componente

revolucionário de verdadeira transformação do status quo25.

A própria finalidade da Constituição passa a exigir uma compreensão

sob essa nova perspectiva. Até então, a prevalência da norma constitucional sobre

o ordenamento jurídico era ditada unicamente pela posição apical que aquela

assumia na pirâmide da hierarquia das normas, reconhecendo-se, por tradição, que

na mesma estava consignada apenas uma ordenação de programas de ação, de

diretrizes para o legislador ordinário. A partir da instituição do Estado democrático

de direito, não mais se discute, que, decorrente da definição de legitimidade do

poder, tem a Constituição força normativa26, o que impõe uma nova interpretação

23 COPETI, André, In, “Direito Penal e Estado Democrático de Direito”, Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2000, p.55. 24 FERRAJOLI, Luigi, in, “Direito e Razão”, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2 ed., 2006, p.327. 25 COPETI, André, op.cit., p. 58. 26 Segundo KONRAD HESSE (In, “A Força Normativa da Constituição”, Porto Alegre: SA. Fabris Ed.,1991, p.24/5), a força normativa da Constituição depende da vontade de Constituição (wille zur

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do ordenamento jurídico, somente podendo ser reconhecida sua validade a partir da

verificação de sua conformidade com os princípios e regras da Constituição. A

alteração do paradigma da pós-modernidade, calcado no acordo racionalmente

motivado, avulta a importância da Constituição, porque ela passa a fixar com clareza

as regras do jogo político, a organização do poder e a tutela dos direitos

fundamentais.

No caso brasileiro, a Constituição de 1988 inaugurou novo marco no

Direito brasileiro. Consoante entendimento de L.G.Grandinetti27:

“a Constituição brasileira é uma carta de princípios por meio da qual o povo assumiu um compromisso, um ideário político que amolda, tange, direciona toda a atividade do País, delimitando as atividades estatais e particulares, em busca de um fim comum; e é esse ideário que deve circunscrever o intérprete de suas disposições e de todas as outras leis”.

A partir de 1988, todos os ramos do direito viram-se impregnados pelos

princípios constitucionais, e isso impôs a releitura das normas vigentes,

condicionando a validade das mesmas à conformidade com a Constituição. No dizer

de Luis Roberto Barroso28, “ a Constituição passa a ser a lente através da qual se

lêem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais”.

Analisando o problema em perspectiva histórica, recorda Lenio

Streck29, que, no passado, “ o legislador ordinário erigia-se em dono absoluto dos conteúdos da

verfassung). Quanto mais intensa for essa, menores são as restrições e os limites impostos à força normativa da Constituição. Registra ele que não é em tempos tranqüilos que a Constituição normativa se vê submetida á prova de sua força, mas sim em situações de emergência, nos tempos de necessidade. Indica como meta a ser almejada pela Ciência do Direito Constitucional a concretização plena da força normativa da Constituição. LENIO STRECK (in, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, RJ, Forense, 2 ed., 2003, cap.III e IV) expõe o debate sobre o procedimentalismo e o substancialismo, firmando sua convicção no sentido de que o papel da Constituição, sua força normativa e o grau de dirigismo dependem da assunção de uma dessas duas teses. Esclarece que no Brasil, há elenco considerável de juristas – Fabio Comparato, Paulo Bonavides, Clémerson Cléve, Ingo Sarlet, entre muitos outros) que defendem a atuação mais efetiva da justiça constitucional, para assim se garantir a realização dos direitos subjetivos previstos na Constituição. Alinha-se o autor entre os que defendem as teorias materiais-substanciais da Constituição, “porque trabalham com a perspectiva de que a implementação dos direitos e valores substantivos afigura-se com condição de possibilidade da validade da própria Constituição, naquilo que ela representa de elo conteudístico que une política e direito”. 27 GRANDINETTI, L.G.Castanho de Carvalho, in, Processo Penal e Constituição, RJ, Lumen Iuris, 4 ed., 2006, p.3. 28 BARROSO, Luis Roberto, In, “O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro”, na Revista Emerj, v. 6, n. 23, 2003, p. 25/65. 29 STRECK, Lenio Luiz, In, “A Jurisdição Constitucional e as Possibilidades Hermenêutica de Efetivação da Constituição: Um balanço critico dos quinze anos da Constituição”. Revista da Emerj, v.6, n. 23, 2003, p. 76.

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Constituição, podendo desenvolvê-los com maior ou menor amplitude, ou, inclusive, desconhecê-los, sem que nem os cidadãos e nenhum outro órgão do Estado pudessem ser capazes de reprovar tais comportamentos”, mas, essa conduta não se apresenta mais como possível, ante a efetividade e supremacia da Constituição.

Por sua vez, Daniel Sarmento30 assinala que a busca da justiça, que,

associada à harmonia, possibilita a convivência social, deve-se dar dentro do direito

positivado, caminho que se apresenta mais seguro, desde que seja reforçada a

aposta na força normativa da Constituição, como instrumento de emancipação

social. Ainda segundo o referido constitucionalista, a posição hierárquica superior

da Constituição, a abertura de suas normas e o fato de muitas delas, por deliberada

opção do constituinte, versarem sobre direito privado, o que se verifica com tanta

intensidade, que se chega a cogitar de um direito civil constitucional, possibilita

conceber-se a Constituição como um novo centro do direito privado, apto “a informar

seu conteúdo”, alicerçando e costurando à Constituição todo o manancial de normas

editadas. Esse entendimento em relação ao direito privado aplica-se, sem qualquer

sombra de dúvida, ao direito público, e, muito em especial, ao direito processual

penal.

O reconhecimento da raiz constitucional do processo penal não é fato

novo, na medida em que, já em 1900, João Mendes de Almeida Júnior31 afirmou ser

o Poder Judiciário constituído para assegurar a aplicação das leis que garantem a

inviolabilidade dos direitos individuais. Nos dias atuais, contudo, não se pode aceitar

como suficiente reconhecer esse vínculo apenas no fato o de direito processual

penal proteger a inviolabilidade de alguns direitos fundamentais – em sua maior

acepção, o direito de liberdade -, até mesmo porque, por serem esses direitos

fundamentais, assim reconhecidos porque imprescindíveis para preservação do

contrato social, ganharam amparo no seio da própria Carta Magna. Assim, não se

justificaria o direito penal, o direito processual penal, apenas para proteger o que a

própria Constituição já tutela.

30 SARMENTO, Daniel. In “A Normatividade da Constituição e a Constitucionalização do Direito Privado”, Revista Emerj, v. 6, n. 23, 2003, p. 279. 31 ALMEIDA JUNIOR, João Mendes. In “O Processo Criminal Brasileiro”, v. I, RJ, Lammert, a. 1901, p.4.

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Quando se refere à constitucionalização do direito, locução cujo

emprego é relativamente recente na terminologia jurídica32, não se pretende resumir

a questão à mera incorporação no texto constitucional de matérias antes versadas

na legislação infraconstitucional. O fenômeno assume maiores dimensões, na

medida em que, ante a unidade do ordenamento jurídico, todas as normas passam

necessariamente a ser interpretadas à luz da Constituição, suas regras e princípios.

Em relação ao processo penal, essa questão assume maior relevância,

porque superada sua compreensão como simples instrumento de composição do

litígio penal, devendo servir como instrumento político de participação social, a

intensidade dessa integração se medirá de acordo com o maior ou menor nível de

democratização da sociedade33. Quanto mais sólida e desenvolvida a democracia,

maior a participação garantida no processo penal, e maior a legitimidade das

decisões nele alcançadas. Defende, em conseqüência, Copeti34 a necessidade da

reengenharia político-normativa do sistema punitivo brasileiro, que se deve fazer a

partir da rede normativa do texto constitucional e com foco no prognóstico normativo

autorizado pelo Estado Democrático de Direito, de acordo com o projeto

constitucional. A harmonia, necessária, deve ser a meta, no caso do Direito

Constitucional e do Direito Processual Penal, ante a inequívoca constatação da

comunhão de dois de seus objetos: ambos lidam com a proteção dos direitos

fundamentais e com a separação de poderes. Mas, muito mais do que isso, o

processo penal há de ser a imagem do processo democrático, onde cada ator

cumpre o seu papel, onde o direito concreto seja produzido de forma imparcial. Esse

um compromisso para todos os poderes do Estado.

Reportando-se ao direito português, Manuel da Costa Andrade35

salienta a particular densidade de normas da Constituição da República Portuguesa

de alcance jurídico-penal, de aplicação direta e vinculativa, concluindo que nenhum

outro ramo do direito tem presença tão forte na Constituição. Segundo o autor, “a

32 BARROSO, Luis Roberto. “Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito”, na Revista da Emerj, vol. 9, nº 33, 2006, p. 43-92. 33 Assim pensa Geraldo Prado. “Sistema Acusatório, A Conformidade Constitucional e as Leis Processuais Penais”, 2. ed., RJ, Lumen Iuris, 2001, p. 50. 34 COPETI, André, op.cit., p. 77. 35 ANDRADE, Manuel da Costa. “Constituição e Legitimação do Direito Penal”, NUNES, Antonio Jose Avelãs e outro (org.). Diálogos Constitucionais Brasil/Portugal, RJ, Renovar, 2004. p.51/62.

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Constituição opera, assim, uma decidida redução da complexidade no que toca ao

desenho do sistema penal por parte do legislador ordinário”, na medida em que

demarca o horizonte no qual há de se inscrever a política criminal, define os valores

ou interesses suscetíveis de integrar o sistema dos bens jurídico-penais, prescreve

as categorias e princípios basilares do discurso da criminalização.

Nesse sentido, é relevante refletir sobre a afirmação de Geraldo Prado 36, no sentido de que a Constituição e o Processo Penal mantêm vínculos muito

mais fortes do que se costuma observar, pois não se trata de dizer que o processo

penal é a Constituição aplicada, sendo, em verdade, imperioso tratar o processo

penal como Constituição aplicada, para estabelecer a dogmática consciente do

vínculo. A respeito, o mesmo doutrinador37, em outro trabalho, recorda a

preocupação externada por Giuseppe Bettiol, no sentido de que a Constituição devia

se preocupar em “fixar normas processuais penais vinculadas à identidade

democrática, pois que ambos os ramos jurídicos tutelam a liberdade individual, como

se fossem destinatários de uma vocação comum”.

Reconhece-se que a Constituição da República contém um projeto de

transformação do Estado e da sociedade, fundamentado na realização dos direitos

humanos, que impõe a sujeição do próprio Estado ao sistema de valores

consagrados, a ele incumbindo conduzir essa transformação social. Visando tornar

exeqüível o projeto, foram consagrados direitos fundamentais, estabelecidos limites

à intervenção estatal na esfera das liberdades públicas e asseguradas garantias ao

indivíduo, cuja efetividade está a depender do controle jurisdicional, através do

processo, instrumento, portanto, de aferição da legitimidade da intervenção estatal

nas liberdades individuais.

Ainda que se reconheça que não se vive em um ambiente de utopia,

não se olvida que o dever ser resta ainda muito distante do ser. Assim, e com

indesejável freqüência, ocorrem violações dos direitos da pessoa, transgressões à

ordem pública, descumprimento dos compromissos elencados na Constituição,

exigindo a atuação do Judiciário para correção dos desvios.

36 PRADO, Geraldo. “Limites às Interceptações Telefônicas e a Jurisprudência do STJ, In “Acesso à Justiça - Efetividade do Processo”. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 51. 37 PRADO, Geraldo. “Sistema Acusatório”, Lumen Iuris, 2 ed., Rio de Janeiro, 2001, p.51.

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31

Nesse passo, a função jurisdicional assume, no Estado Constitucional de Direito,

características singulares, vinculada estritamente ao interesse do Direito, que não é,

em síntese, a de garantia. Pena Freire38 formula uma definição para a função

jurisdicional, no Estado constitucional, como a atividade

“ejercida por un poder real e independiente, orientado a la garantía de derechos e intereses de los ciudadanos, mediante la corrección de los márgenes de desviación e ilegitimidad jurídicas y la resolución de conflictos jurídicos al senalar los derechos e intereses que son legítimos y, por tanto, merecedores de tutela”.

Segundo interessante lição de Rogério Nascimento39, em um primeiro

momento, após a retomada da legitimidade democrática, a constitucionalização do

direito penal,

“se manifestou como fusão de conteúdos: a doutrina processual penal passou a valorizar os direitos fundamentais, muitos dos quais intimamente relacionados como o modelo punitivo opera; num segundo momento, passou a expressar também uma influência de método, com a incorporação do debate sobre interpretação, ponderação e hierarquização de direitos no discurso dos profissionais envolvidos na aplicação do processo penal”

A Constituição representa, em conseqüência, limite para o legislador

ordinário, eis que normas infraconstitucionais, que não espelham a alma da

Constituição, são inconstitucionais. Aquelas vigentes ao tempo de sua

promulgação, mas que não guardavam com a devida conformidade, não foram

recepcionadas. Daniel Sarmento40 ressalta a relevância da eficácia invalidatória e

derrogatória da Constituição, apontando para duas especiais circunstâncias, a

saber:

“ em primeiro lugar, existe uma profusão de normas privadas editadas antes da Constituição, em outro contexto social e axiológico, que por isso vão se chocar com a normativa constitucional com certa freqüência. É importante que, nestes casos, o jurista assuma posição corajosa, de afirmação dos valores constitucionais, menos reverente ao passado e mais voltada para o futuro, e ouse reconhecer, quando for o caso, a revogação destas normas, ainda que a colisão com a Constituição não seja expressa e textual. Por outro lado, diante da crise do Estado Social e do retorno aos valores individualistas de antanho, propugnando pelo pensamento neoliberal hoje hegemônico, há o risco de retrocessos na legislação privada, em contrariedade, à dimensão social e solidária da Carta de 88. Em ambas as

38 FREIRE, Antonio Manuel Pena. “La Garantia en el Estado constitucional de derecho”, Ed. Trotta, Madrid, 1997, p. 231. 39 NASCIMENTO, Rogério Bento. “A Constitucionalização do Processo Penal: Reinterpretando o Processo Penal a partir do Princípio Democrático”, In SOUZA NETO, Cláudio Pereira e SARMENTO, Daniel(org.). A Constitucionalização do Direito. RJ, Lumen Iuris, a. 2007, p.859. 40 SARMENTO, Daniel, op.cit, p. 290.

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hipóteses, o papel da Constituição como limite ao legislador será vital para num caso afirmar, e no outro, preservar, os avanços proporcionados pela ordem constitucional”.

Como afirma Ferrajoli41, havendo nexo indissolúvel entre garantia dos

direitos fundamentais, divisão de poderes e democracia, dada o primado da

Constituição, a influência dessas instituições na formulação da política criminal não

pode ser afastada e a relação processual penal, por sua vez, exatamente visando

sua adequação à estrutura democrática eleita pela Constituição da República, deve

ser instrumentalizada, conforme os princípios constitucionais, segundo a perspectiva

de garantia constitucional. Embora não haja mais espaço para controvérsias dessa

natureza e embora reconhecidos os mecanismos constitucionais garantidores das

liberdades públicas, as normas processuais penais infraconstitucionais ainda

resistem a essa influência transformadora, podendo-se, no particular, atribuir-se

grande parcela de responsabilidade ao Legislativo, e também ao Judiciário, a esse,

porque nem sempre tem tido a coragem de declarar inválidas normas que não se

amoldam à Constituição, de repudiar práticas ilegítimas, porque divorciadas dos

valores constitucionais.

Abordando o tema, Lenio Streck42 censura o fato de, apesar de tanto

se falar e discutir Constituição, ainda vivermos um contexto de baixa

constitucionalidade, em princípio, por sermos todos reféns de um senso comum

teórico, segundo o qual a validade da norma é igualada à sua vigência e norma tem

o mesmo sentido de texto, como se esse possuísse sentido próprio. Impedir que o

vínculo entre Constituição e processo seja apenas formal é tarefa de todos os

profissionais do Direito, não se podendo admitir falta de compromisso com a

interpretação e aplicação das normas tendo como foco os direitos fundamentais43. A

coerência normativa somente pode ser alcançada quando desenvolvida em

41 FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón.Teoria do Garantismo Penal, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 2006. 42 STRECK, Lenio Luiz. “A Concretização de Direitos e a Validade da Tese da Constituição Dirigente em Países de Modernidade Tardia”, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, p. 301/362. 43 LOPES JUNIOR, A. nesse mesmo sentido, assevera que “o juiz assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito, e a legitimidade de sua atuação não é política mas constitucional, consubstanciada na função de proteção dos direitos fundamentais de todos e de cada um, ainda que para isso tenha que adotar uma posição contraria à opinião da maioria. Deve tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver quando não existirem provas plenas e legais atendendo ao princípio da verdade formal”, In “Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal”. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001, p.12.

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conformidade com a Constituição, levando em consideração que o princípio

fundamental do sistema político democrático é o do respeito à dignidade da pessoa

humana44.

Enfatiza Rogério Bento Nascimento45 não bastar reconhecer a

irradiação das garantias constitucionais sobre as normas processuais penais, ou que

se admita, como Luis Roberto Barroso46, “o efeito expansivo das normas

constitucionais”, para se alcançar nova forma de interpretação do ordenamento

jurídico. Segundo o primeiro autor, é necessário conferir, antes de mais nada, um

caráter democrático ao processo penal, eis que foi escolha constitucional a estrutura

democrática de poder, devendo, por isso, ser o princípio democrático o condutor da

nova interpretação a ser conferida às normas processuais penais. Acrescenta o

autor que o “fenômeno da constitucionalização do processo penal não conduz a uma

simples filtragem das normas processuais, pela ótica da atual Constituição, traz a

necessidade de revisão das próprias bases do sistema de justiça penal”.

O processo, visto como garantia de decisões dotadas de aceitabilidade,

passa a ser também instrumento de concretização da Constituição, que vincula e

estabelece as condições do agir político-estatal47. Através dele, busca-se a efetiva

prestação jurisdicional, em perfeita sintonia com os princípios fundamentais

atinentes à conformação política e jurídica da sociedade. Trata-se de um direito de

todo o corpo social, que se dirige para além das expectativas das partes e é

condição inafastável para uma resposta jurisdicional imparcial, legal e justa48.

1.2 - A Unidade Conceitual do Processo e seus Fundamentos:

A Constituição da República, no art. 5º, inciso XXXV, determina que a lei

não exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Em um

só dispositivo constitucional, estão consagrados um princípio, o da inafastabilidade

da jurisdição; um direito fundamental, aquele que reconhece à pessoa o direito de 44 BINDER, Alberto, in, “Política Criminal: de la formulación a la praxis”, Buenos Aires,Ad Hoc, 1997. 45 NASCIMENTO, Rogério, op.cit, p. 859. 46 BARROSO, Luis Roberto, op.cit. p. 58. 47 STRECK, Lenio, op.cit. p. 366 48 PRADO, Geraldo. “Sistema Acusatório”, RJ,Lumen Iuris, 2 ed. 2001, nota rodapé 119. Para o referido autor, a solução justa é aquela que se encontra escorada na aceitação da atividade

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buscar a tutela jurisdicional, conferido de forma incondicionada, genérica e

abstrata; e também uma garantia, porque imposta ao Estado a criação de

condições de acesso ao Poder Judiciário a todas as pessoas, que ostentem um

direito subjetivo violado ou ameaçado de violação.

Atente-se que referido dispositivo constitucional não assegura apenas o acesso

formal aos órgãos judiciários. Assegura a todos o acesso à Justiça efetiva e justa.

Assegura a todos o acesso à Justiça propiciando

“a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos na sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em continua evolução”49.

A apresentação pela pessoa de sua pretensão ao órgão judiciário

materializa-se através do exercício do direito de ação, que, por sua vez, se

instrumentaliza no processo. Quando se reflete sobre jurisdição, ação, processo e

procedimento, dentro da ciência processual, as dimensões de cada um desses

institutos se apresentam com nitidez. Através da jurisdição, o Estado faz atuar o

Direito: a ação é o modo pelo qual a função estatal é provocada; o processo, por sua

vez, é o instrumento da ação50, e o procedimento, a seqüência de atividades que

precede o provimento51.

Como os conflitos de interesses não se resumem a questões de

natureza civil e penal, o Estado promoveu a distribuição do poder de compô-los a

órgãos jurisdicionais diversos, levando em conta a natureza desses conflitos. Aos

juízes do trabalho, a própria Carta Magna incumbiu a composição de conflitos de

interesses entre empregado e empregador, decorrentes da relação de trabalho; aos

juízes dos juizados especiais cíveis52, os conflitos de natureza civil de menor

complexidade, que tenham expressão pecuniária de até 40 salários mínimos,

jurisdicional penal como cognoscitiva, isto é, empenhada na determinação da verdade judicial conforme garantias orgânicas e procedimentais que devem cercar o processo penal. 49 WATANABE, Kazuo. “Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer”, in TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.).“Reforma do Código de Processo Civil”, São Paulo: Saraiva, 1996, p.20. 50 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. “Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna. Para onde caminha o processo?”. Revista Forense, n.376, p.145-180. 51 FAZZALARI, Elio. “Istituzioni di diritto processuale civile”, Cedam, 1975, p.5. 52 Lei nº 9.099/95, art.3º.

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inclusive as ações possessórias, as de despejo para uso próprio, arrendamento rural

e parceria agrícola, cobrança de cotas condominiais, ressarcimento de danos em

prédio urbano ou rústico, ressarcimento de danos causados em acidente de veículo

de via terrestre, cobrança de seguro devido em razão de acidente de veículos e de

honorários de profissionais liberais, excluídas as causas de natureza alimentar,

falimentar, fiscal, acidente de trabalho, resíduos, estado e capacidade das pessoas e

as de interesse da Fazenda Pública. Ao juiz do juizado especial criminal, incumbiu o

julgamento de delitos de menor potencial ofensivo, enquanto ao juiz criminal coube

processar e julgar as ações penais residuais, inclusive de natureza falimentar, e aos

juizes militares, aos juizes federais, aos juizes eleitorais, a competência criminal

especial. Essa distinção de jurisdição atende única e exclusivamente a interesses de

divisão de trabalho.

A jurisdição, como se sabe, é una, mas pode assumir tantos aspectos

quanto seja conveniente para pleno atendimento dos fins de melhor prestação

jurisdicional pelo Estado. Assim como a jurisdição é uma só, também é um só o

conceito de ação, tanto no processo civil, quanto no processo penal, no trabalhista.

Ao substituir-se ao indivíduo, na solução dos conflitos de interesses, o Estado passa

a exercer a jurisdição, que é prestada através do processo. Não se pode, contudo,

diante da constitucionalização do processo civil, conceber que o exercício da

jurisdição se resuma à função atribuída ao juiz de ditar a lei do caso concreto. O juiz

passa a ter o dever de criar a norma individual, com os olhos voltados para os

princípios constitucionais, em primeiro lugar, para o da dignidade da pessoa

humana, e selecionar o procedimento ideal que lhe permita outorgar efetivamente a

tutela de direito material.

Nessa linha de pensamento, Humberto Dalla Bernardina de Pinho53

afirma ser “impossível conceber nos dias atuais a atividade jurisdicional divorciada

dos princípios constitucionais, especialmente, do acesso à justiça e da dignidade da

pessoa humana”.

O Estado, no entanto, precisa ser provocado, para que possa exercer

a jurisdição. Essa provocação decorre do exercício do direito de ação, do qual

emana o dever de o Estado prestar a jurisdição. A ação, no âmbito processual,

53 PINHO, Humberto Dalla Bernardina, op.cit.p.43.

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“é o agir no sentido de obter a tutela dos tribunais e pressupõe um direito anterior de provocar o exercício da jurisdição, que é o direito de acesso à justiça, que, uma vez exigível, transmuda-se, também, em pretensão de tutela jurídica, ambos hoje constitucionalizados”.54

O direito de ação é reconhecido como direito abstrato, de natureza

pública, sendo autônomo em relação ao direito subjetivo material, verdadeiro

instrumento de que se vale o titular para provocar a prestação jurisdicional. Mas,

ainda que uno o conceito de ação, em razão da diversidade do direito material

lesionado, termina por ser imperiosa a elaboração de sistemas de princípios e regras

distintas, o que resulta no estudo do direito processual facetado, de acordo com seu

conteúdo. No direito processual civil, o estudo do processo, que visa dirimir conflitos

de natureza civil; no processo penal, os de natureza criminal; no direito processual

trabalhista, os processos onde o objeto do litígio é relação de trabalho. Entre esses

ramos do direito público, não há absoluta identidade, reconhecida a autonomia no

campo da dogmática jurídica. O que se afirma é que são ramos que partem de um

mesmo tronco, cujas raízes têm sustento no direito constitucional, mantendo muitos

institutos idênticos, permitindo a aplicação subsidiária de suas regras, tanto é que foi

possível a elaboração de uma Teoria Geral do Processo, sempre preconizada por

Frederico Marques55 e com tanta autoridade apresentada ao direito brasileiro, na

década de setenta, por Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e

Candido Dinamarco56.

Segundo esses autores, “como é una a atividade jurisdicional do

Estado, que sempre se desenvolve de forma processual, para resolver as lides

ocorrentes na vida da sociedade, mediante aplicação dos critérios estabelecidos

pelo direito material, também é substancialmente una a sua disciplina jurídica, que

se faz através do direito processual”. Dependendo da natureza da pretensão, o

processo será civil, trabalhista, penal, eleitoral. A ação penal não difere da ação civil

quanto à sua natureza, eis que a diferença reside apenas quanto ao conteúdo.

A palavra processo (do verbo procedere) assume a conotação de

marchar adiante e o conceito tradicional de processo judicial sempre foi apresentado

como o conjunto de atos ordenados, solenes, que observam forma pré-estabelecida,

54 FUX, Luiz, op.cit., p. 127. 55 FREDERICO MARQUES, José. “Elementos de Direito Processual Penal. RJ: Forense, v.1, p.192. 56 CINTRA, Antonio Carlos, DINAMARCO, Candido, GRINOVER, Ada Pellegrini, op.cit. 20.

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através do qual se aplica a lei ao caso concreto; ou seja, o meio através do qual o

Estado presta a jurisdição. Contrato, acordo (conforme as teorias privatistas),

relação jurídica, situação jurídica, instituição jurídica (conforme as teorias

publicistas), muitas foram as teorias elaboradas para analisar a natureza jurídica do

processo.

Como processo e direito material eram consideradas as duas faces de

um mesmo fenômeno, o direito processual penal não teve o mesmo

desenvolvimento do processo civil, na medida em que o direito civil se desenvolveu

muito mais do que o direito penal. Afinal, esse sempre foi compreendido como um

eficaz mecanismo de controle social, daí porque sempre sofreu maior ingerência

política, servindo de instrumento muito mais ao aparelho repressor do Estado, do

que à sociedade.

O tradicional conceito de processo, contudo, hoje, não mais satisfaz, na

medida em que seu escopo teleológico não pode ser desconsiderado. Relação

dinâmica, continuada, de movimento, somente quando o direito processual passou a

ter afirmação científica, o processo recebeu o tratamento de relação jurídica57.

Bulow58 confere relevo à noção de processo como relação jurídica, em

tentativa de pôr fim aos elementos insegurança e incerteza que dele resultavam, não

tendo se apercebido, contudo, serem elas inerentes ao próprio processo, tanto civil,

quanto penal. Apresentou o processo como se através dele fosse estabelecido um

vínculo entre o Estado-juiz e as partes, tendo ambos direitos e obrigações

recíprocas, com vistas ao restabelecimento da paz social. Embora não seja possível

reconhecer no processo penal um autêntico processo de partes, a relevância da

teoria desenvolvida por Bulow está no fato de que, a partir dela, o processo deixou

de ser visto como simples intervenção estatal com a finalidade de defesa social.

Também para Emilio Betti59, no processo, os atos processuais

praticados, coordenados em seqüência, com a finalidade de estabelecer uma nova

situação jurídica no processo, estavam ligados por um único fio, que era a relação

jurídica processual. Mas, também ele não conseguia definir com clareza a distinção

57 BULOW, Oskar, apud MARQUES, Alana Campos.“A relação jurídica processual como retórica: uma crítica a partir de James Goldschmidt”. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coord.).“Critica à Teoria Geral do Direito Processual Penal”. RJ: Renovar, 2001, p.171/189. 58 BULOW, Oskar, apud, MEZZOMO, op.cit.,p. 167. 59 BETTI, Emilio. “Diritto processuale civile italiano”, Roma, Foro Italiano, 1936, 2. ed., p.103/4.

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entre a relação jurídica processual e as demais relações jurídicas, tampouco lograva

explicar como da soma dessas várias relações jurídicas, ou mesmo de situações

jurídicas, se atingia o todo, que era o processo.

A teoria de Bulow recebeu muitas críticas, mas não se pode olvidar ter

sido ela o ponto de partida para tantas outras teorias, em verdade, dela variantes,

como é, por exemplo, a que foi elaborada por James Goldschmidt60, para quem o fim

do processo, seja penal, seja civil, orientava-se para a obtenção de uma sentença

com força de caso julgado, o que também evidenciava seu caráter dinâmico.

Iniciado o processo, surgia situação jurídica dinâmica, oferecendo-se às partes um

conjunto de possibilidades, expectativas e cargas, não mais faculdades e deveres.

Os vínculos que se estabeleciam entre as partes criavam para ambas situações de

expectativas de uma decisão favorável, que dependeria do modo como tivessem

atuado no processo. Não seria mais possível, portanto, falar em direitos, eis que se

tratava de possibilidades, expectativas de que o direito reclamado fosse

reconhecido, e em cargas, na medida em que o resultado ficava condicionado ao

impulso dado para cumprir os atos processuais. A insuficiência desse

entendimento61, assim como já se entendia insuficiente o conceito de que o

processo servia simplesmente ao acertamento do Direito62, aliado ao fato de que o

mesmo importava acentuar a incerteza característica da atividade processual, levou

à formulação de duras críticas a Goldschmidt63, que contou, no entanto, com o apoio

de Calamandrei, na obra “Il Processo como Giuoco”.

Para Calamandrei, o processo era um jogo, e as partes, os jogadores,

que conhecendo as regras desse jogo, deviam se movimentar, agir, de forma a obter

a sentença que reconhecesse o direito em litígio. O resultado do jogo, favorável a

uma parte ou à outra, não dependia, porém exclusivamente da atuação das

60 GOLDSCHMIDT, James, op.cit., p.41. 61 Para José Frederico Marques, “a palavra processo traduz a própria jurisdição em exercício”. Segundo ele, quando os atos se coordenam numa série sucessiva com fim determinado, fala-se que há processo, se o movimento se realiza em função da atividade jurisdicional”. “Elementos de Direito Processual Penal”, RJ,Forense, Vol. I, 1961, p.383. 62 CARNELUTTI, Francesco, In, “Sistemas de Direito Processual Civil”, Campinas, ClassicBook, ano 2000, p. 336. 63 Segundo Aury Lopes Júnior, as críticas eram injustas, desfechadas por muitos que não compreenderam o alcance da obra de Goldschmidt, para quem “a incerteza é consubstancial às relações processuais, posto que a sentença judicial nunca se pode prever com segurança”. Em verdade, não se pode supor o direito como existente, mas sim se ele existe ou não, no final do processo. Por isso, é que afirmava o autor que o processo é incerto e inseguro. “Processo Penal, Tempo e Risco: Quando a urgência atropela as garantias”. RJ: Lumen Iuris, 2003,p.20.

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mesmas, isso porque nesse jogo também tinha atuação o juiz, que devia ser

convencido de que a razão estava a favor de uma ou da outra parte. O processo era

apresentado, portanto, como jogo, no qual as partes atuavam, apresentando os fatos

e as provas, com a finalidade de convencer o juiz. Para ter êxito, não lhes bastava

ter razão, eis que se fazia imperioso que soubessem expor suas razões,

encontrarem quem as entendesse e as quisesse dar, e, por último, um devedor que

pudesse pagar64. O reconhecimento do direito dependia necessariamente do triunfo

da atuação da parte dedicada ao convencimento do julgador, que, por sua vez, não

era livre para dar razão a quem bem quisesse, pois que se encontrava atrelado à

prova levada aos autos. Assim, estava o juiz obrigado a dar razão àquele que

melhor conseguisse convencê-lo, o que levava Calamandrei65 a afirmar que “ o

processo, de instrumento de justiça, criado para dar razão ao mais justo, passa a ser

um instrumento de habilidade técnica, criado para dar vitória ao mais astuto”.

Carnelutti66 explicava a dialeticidade do processo, segundo ele,

verificada também no processo penal:

“ cada una de las partes tiene interés en que el proceso concluya de un modo determinado: el imputado tiende a ser absuelto; quien pretende ser acreedor aspira a la condena del deudor, y éste, a su vez, a que se lo absuelva. Es natural, por tanto, que la parte ofrezca al juez pruebas y las razones que considere idóneas para determinar la solución pó él deseada. De aquí una colaboración de las partes con el juez, que tiene, sin embargo, el defecto de ser parcial: cada una de ellas obra a fin de descubrir no toda la verdade, sino aquel tanto de verdad que a ella conviene”

“(....) si la colaboración de uma parte es parcial, o em otrso términos, tendenciosa, este defecto se corrige com la colaboración de la parte contraria, puesto que ésta tiente interés en descubri la outra parte de la verdad, por tanto, lo que have posible y útil dicha colaboración es el contradictorio (...) de aqui la conveniência de que las partes sean estimuladas a colaborar com el juez”.

A insuficiência dessas concepções agravou-se no mundo

contemporâneo, tão mais complexo. Cada vez mais, exige-se a efetividade da

prestação jurisdicional, e se constata, com perplexidade, que não basta mais que o

Estado garanta apenas tutela jurisdicional. O Estado democrático de direito exige 64 CALAMANDREI, P., Direito Processual Civil, v. 3, Campinas, Bookseller, 1999, p.223. 65 Ibidem, p. 55. 66 CARNELUTTI, Francesco, in, “Como se hace un proceso”, apud ARENHART, Bianca GEÓRGIA Cruz, “O Processo Penal Brasileiro à luz da filosofia da libertação de Enrique Dussel”. COUTINHO,

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mais. Exige uma tutela jurisdicional eficaz e eficiente67, o que impõe receba a ciência

processual contribuições de outras áreas do conhecimento. É exatamente esse o

fim colimado pela corrente instrumentalista. Como registra Marcelo Mezzomo68

“ há uma mudança no centro de gravidade do estudo do processo, passando a jurisdição ao centro, em vez da ação, como ate então se preconizava. Isso ocorre porque ganha importância no contexto do exercício do poder jurisdicional o enfoque que vê aí, primordialmente, o exercício de uma função na qual o Estado obtém a realização de diversos escopos, quer sejam políticos, sociais ou jurídicos. (...) Significa dizer que a forma do processo que servia ao Estado de concepção liberal, estado mínimo, individualista, inerte, não serve a um Estado interventor, atuante e solidarista, que vê no exercício da jurisdição mais um mecanismo de atingimento de seus escopos. Na esteira destas constatações é que surge um movimento de revisão enm todo o direito, e não só no processo, visando adaptar a feição do manancial legislativo ao novo modelo de Estado”.

Esse terceiro momento da evolução do processo, sob a visão

instrumentalista substancial, trouxe como conseqüência um considerável

alargamento dos horizontes da ciência processual. A ação ganha conteúdo mais

publicizado, como mecanismo de maior participação popular, como é o caso, no

Brasil, da ação popular e da ação civil pública; a jurisdição deixa de ter como

objetivo apenas a atuação do direito positivo e a pacificação do conflito, visando já

agora, a pacificação com justiça; e o processo, passa a ser instrumento do Estado

para que se alcance a maior eficiência da prestação jurisdicional, sendo mecanismo

de legitimação do poder, assim se atingindo o que, na Alemanha e na Itália, já há

algum tempo, era preconizado por Niklas Luhman e Elio Fazzalari69.

Jacinto N.Miranda (coord.). “Critica à Teoria Geral do Direito Processual Penal”.RJ, Renovar, 2001, p. 191/261. 67 Registra-se a importância dos estudos de BARBOSA MOREIRA, In “Notas sobre o problema da efetividade do processo”, Temas de Direito Processual – Terceira Série – para uma tomada de consciência dos processualistas a respeito do tema. Além dele podem ser citadas as fundamentais contribuições de CANDIDO DINAMARCO. “ A instrumentalidade do Processo”; CARNEIRO, P.C. “Acesso à Justiça”; WATANABE, K. In “Da cognição no processo civil”. 68 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. “Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna. Para onde caminha o processo ?, RF n. 376, p.145-180. 69 Ibidem, p. 170.

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Reconhecer que o processo tem como objetivo maior de assegurar a

efetividade do direito material não lhe diminui a importância. Para Hassemer70,

“ o proceso penal prepara y organiza el escenario que necesita el Derecho sustantivo para hacerse efectivo y sin proceso penal no puede haber ni protección de bienes juridicos ni realización de fin alguno de la pena o qualquiera de los fines que se quieran atribuir al Derecho Penal”.

Possuindo as partes certeza de que lhes é assegurada participação

ativa no processo, sua importância se avulta, porque isso lhe confere legitimidade,

confiabilidade e aceitabilidade, não só por parte do destinatário, mas de toda a

sociedade.

O conceito de efetividade do processo, ele próprio uma garantia71, vê-

se, portanto, atrelado a esses novos balizamentos, não bastando ao processo

moderno a noção clássica72. O processo efetivo é o que conduz as pessoas a uma

ordem jurídica justa. Deve estar, portanto, a serviço das mesmas, propiciando-lhes

o acesso à justiça, que, segundo Candido Dinamarco73, é “o pólo metodológico mais

importante do sistema processual na atualidade”, a partir do qual devem ser

examinados todos os demais princípios ou qualquer um deles.

Para o Direito Penal, em especial, por solução do direito posto, o

processo assume especial relevância, considerando a reserva de jurisdição para

aplicação da sanção penal – nulla poena sine iuditio. Segundo Cândido

Dinamarco74, “ o processo aparece, aí, como algo sem o qual não terá vida prática o

direito substancial, na sua imposição concreta e efetiva”.

Enquanto nos demais ramos do Direito, a solução dos conflitos de

interesses pode ser dar por vias diversas, que não demandam o exercício da

jurisdição, em regra, violações de direito penal somente podem ser resolvidas pelo

Poder Judiciário75, que é quem detém o monopólio do ius puniendi, que encerra,

70 HASSEMER, Winfried, in “Fundamentos del Derecho Penal”, Barcelona, Bosch Casa Editorial, 1984, p.150. 71 TUCCI, Rogério Lauria. “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, 2ª ed., SP, Revista dos Tribunais, ano 2004, p.61. 72 Para CHIOVENDA. “Dell’azione nascente dal contrato preliminare”, Riv.Dir.Comm, 1991: “Il processo deve dare per quanto possibile praticamente a chi ha dirirro tutto quello e proprio quello ch’egli ha diritto di conseguire”. 73 DINAMARCO, Candido, op.cit. p.359. 74 DINAMARCO, Candido. “A instrumentalidade do Processo”. São Paulo, Malheiros, 13. ed., 2008, p. 243. 75 LOPES JUNIOR, Aury, op.cit. p. 11-13. Segundo o autor, a instrumentalidade do processo penal reside no fato da impossibilidade de se aplicar qualquer sanção sem que haja o devido processo,

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muito antes do direito de punir o indivíduo que violou um bem jurídico eleito pela

coletividade como merecedor de proteção, uma garantia da liberdade individual.

Através dele são tutelados direitos fundamentais, é reconhecido o autor do crime

como pessoa, e para seu exercício são criados mecanismos de proteção ante os

riscos de abuso a serem praticados pelos órgãos públicos incumbidos da

investigação e punição76.

Ainda que não seja possível o estado de certeza que resulta do

exercício da jurisdição, através do processo, ser incorporado ao acervo de direitos

da pessoa, não se lhe pode negar o importante papel de pacificação social,

porquanto se presta a eliminar as insatisfações, visando resguardar a paz e

segurança. Segundo Candido Dinamarco77 ,

“a negação da natureza e objetivo puramente técnicos do sistema processual é ao mesmo tempo afirmação de sua permeabilidade aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material (os quais buscam efetividade através dele) e reconhecimento de sua inserção no universo axiliológico da sociedade a que se destina”.

Ou seja, os valores, os princípios, acolhidos pelo corpo social infiltram-

se no sistema processual, que passa necessariamente a ser interpretado como

instrumento de transformação, sendo, por isso, priorizada, também, sua própria

transformação. A instrumentalidade do processo torna-se núcleo dos estudos que

visam ao aprimoramento do sistema processual, sendo a porta principal, através da

qual a ideologia penetra no processo.

A função de garantia de um sistema criminal democrático prepondera,

sendo o processo, ele mesmo, expressão da democracia. Revela-se ele um

“produto da contribuição dialética de muitos e não da ação isolada de um só, ainda que este um – mesmo sendo o juiz – atue informado pela disposição de encontrar a solução mais justa, ou dito com outras palavras, apropriando-se da expressão kelseniana, ainda que atue para o povo”78.

mesmo no caso de consentimento do acusado. Demonstrando esse destacado caráter instrumental do processo penal, o autor conclui pela existência no processo penal de uma característica especial, qual seja, servir de instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais, que, em suma, é sua função garantista. 76 NASCIMENTO, Rogério Bento, op.cit. p. 861. 77 DINAMARCO, Candido, op.cit.,p.23. 78 PRADO, Geraldo, op.cit. , p. 39.

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O ideal de democracia contamina o processo, que se vê influenciado

por ideologias. Segundo Rogério Nascimento79, não é aceitável, porém, seja

reconhecida a função de garantia como a única finalidade do sistema, até porque

negar seu fim instrumental seria enfraquecer o modelo constitucional de proteção

dos direitos fundamentais que se vale da técnica penal para alcançar seus objetivos.

Variam, nos diversos ordenamentos jurídicos, a disciplina e a

configuração dos processos judiciais, podendo, no entanto, serem identificadas

linhas essenciais e comuns. Carnelutti80, no que tange às formas de tutela jurídica,

argumenta que há coincidência, na medida em que essa sempre se dá através da

cognição, da execução e da conservação de direitos.

Não são distintos os princípios que regem o processo penal dos que

norteiam o processo civil, trabalhista e o dos juizados especiais, quer cíveis, quer

criminais. Há profunda conexão funcional entre eles, na medida em que todos visam

à restauração de um estado de incerteza, aplicando a lei ao caso concreto, fazendo

justiça. Em todos, observa-se a sucessão de atos, que culminam com a decisão

final do órgão jurisdicional competente e análoga finalidade, qual o restabelecimento

da segurança, obtido com a decisão judicial. Sabe-se que os sistemas processuais

são informados por princípios, alguns gerais, que se estendem a todos os

ordenamentos jurídicos, outros, próprios e específicos, havendo, além desses

princípios gerais, como registram Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco81, normas

ideais, que pairam sobre os princípios e que configuram a aspiração de melhorias do

aparelhamento processual. Trata-se de princípios informativos do processo,

segundo referidos autores: o lógico, referente à celeridade e eficiência; o jurídico,

referente à isonomia e justiça na decisão; o político, referente ao máximo de

garantia social e o mínimo de sacrifício individual de liberdade e o econômico, que

diz respeito ao acesso à justiça, sob o aspecto econômico e temporal.

Muitos princípios gerais têm aplicação comum aos dois grandes ramos

do direito processual: quer no âmbito do processo civil, quer no do penal, hão de ser

observados os princípios do juiz natural, da imparcialidade do juiz, da igualdade das

partes, da ampla defesa, do contraditório, da publicidade, da motivação das

79 NASCIMENTO, op.cit, p. 861. 80 CARNELUTTI, Francesco, op.cit. 336. 81 CINTRA e outros, op.cit. p. 20.

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decisões judiciais, da celeridade. Outros, são específicos a cada um desses ramos

do direito processual, ao passo que alguns, embora comuns, se expressam com

maior ênfase em um ou noutro ramo.

Humberto Dalla Bernardina de Pinho82 defende, nesse mesmo passo, a

existência de uma única Teoria Geral do Processo83, com o objetivo de elaborar e

coordenar os conceitos, princípios e estruturas do direito processual, sem qualquer

intenção de unidade legislativa, isso porque a ciência processual obedece a uma

estrutura básica, que é comum a todos os demais ramos, fundada nos institutos

jurídicos da ação, da jurisdição e do processo. Anota-se, inclusive, que, com a

superação do entendimento de ser a lide um elemento essencial do processo,

tornou-se mais fácil a elaboração de uma teoria unitária.

Direito processual é assim o sistema de princípios e normas legais que

regulam o processo e disciplinam as atividades dos sujeitos envolvidos. A divisão do

direito processual em dois grandes ramos - o direito processual civil e o direito

processual penal -, levou em conta, para fins de melhor sistematização do estudo, o

conteúdo, ou objeto, do processo: quando se tratar de uma pretensão de natureza

extrapenal, a regulamentação normativa do processo é estabelecida pelo Direito

Processual Civil, quando se tratar de matéria penal, a regulamentação dar-se-á pelo

Direito Processual Penal.

Fenômeno observado em todos os ordenamentos jurídicos é a

atribuição ao juiz, cada vez mais, do papel de garantidor das liberdades individuais,

advertindo Denis Salas84, que “a verdadeira legitimidade do Judiciário está em

questão, na medida em que ela deflui do modo como as funções judiciais

asseguram, no processo, a transparência e regulam a forma como as decisões são

proferidas”.

O papel da jurisdição, sob o enfoque do garantismo, é o de defesa

intransigente dos direitos fundamentais85. E cônscio dessas novas exigências,

82 PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo, RJ, Lumen Iuris, RJ, 2007, p.8. 83 Nesse mesmo sentido, Marcelo Colombelli Mezzomo, que defende ser à luz de uma Teoria Geral do Processo que devem ser compreendidos todos os institutos processuais (In, “Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna. Para onde caminha o processo?”, Revista Forense, n 376, p.145-180). 84 SALAS, Denis. “O Papel do Juiz”, op.cit., organizada por DELMAS-MARTY, Mireille, p. 551. 85 CARVALHO, Salo. “ Penas e Garantias”, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2.ed., 2003, p. 104.

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o Poder Judiciário passa a perseguir, como jamais se viu, a eficiência, tanto em seu

alcance substancial, quanto no material. Do ponto de vista material, um dos

objetivos mais perseverantemente focados tem sido a celeridade, principalmente, a

partir do momento em que foi ela erigida ao patamar de princípio constitucional. Não

é possível que o Poder Judiciário, a quem incumbe a correção do direito positivo e

dos desvios praticados pelos demais Poderes, ele próprio deixe de assegurar a

efetividade de uma garantia constitucional.

No âmbito do direito penal, ocorrida a violação ao bem jurídico tutelado,

surge o poder-dever de punir do Estado. A sanção, no entanto, prevista na norma

penal não pode ser aplicada direta e imediatamente. Para que seja exercido o ius

puniendi, e seja assegurado o ius libertatis, necessário se afigura o processo, com

todos os passos que nele têm de ser dados, onde os direitos são postos em

confronto. A aplicação da sanção, portanto, deve ser resultado de um

pronunciamento judicial, obtido através do processo, no qual se observa o devido

processo legal.86 Levando em conta os direitos em jogo na ação penal, a

indisponibilidade dos direitos referentes à pessoa humana, impõe-se uma

abordagem mais cautelosa do processo penal. O processo é garantia ativa da

pessoa – porque o ordenamento jurídico prevê os remédios que podem ser

empregados, no caso de desrespeito ao caminho traçado -, e também é uma

garantia passiva, concedendo-lhe o direito à ampla defesa, ao contraditório. Não se

olvida que existe para que bem se aplique a lei penal, sem esquecer, todavia, que

sua função maior é a de preservação dos direitos individuais do acusado, em favor

de quem deve ser presumida a inocência. Um processo penal efetivo, portanto, é

aquele no qual os mecanismos de garantia dos direitos individuais são fortalecidos,

no qual maior intensidade se confere à observância do devido processo legal.

Embora reconhecida essa unicidade do direito processual, os direitos

em jogo na ação penal, justificaram a preocupação propulsora desse estudo.

86 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal. SP: Revista dos Tribunais, ano 2002, p.166.

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1.3. A relevância do procedimento para realização do Direito

Segundo Antonio Scarance Fernandes87, “o processo é o palco no qual

devem se desenvolvem, em estruturação equilibrada e cooperadora, as atividades

do Estado (jurisdição) e das partes (autor e réu)”, sendo o instrumento através do

qual alguém pode pleitear a afirmação concreta de seu direito subjetivo. E, para que

esse resultado seja alcançado, várias etapas têm que ser seguidas, passo a passo.

O “passo a passo” é o procedimento, que não se confunde com

processo, na senda de pensadores como Carnelutti88 e Chiovenda89, esse

sintetizando que o procedimento é o aspecto exterior do fenômeno processual.

Processo seria então o conjunto de atos realizados para a composição do litígio,

enquanto que procedimento seria a ordem observada na sucessão desses atos.

Eduardo Couture90 ensina que “o processo é a totalidade e o

procedimento a sucessão dos atos. O ato é uma unidade, o procedimento é a

sucessão dos atos; o processo é o conjunto desses atos dirigidos à realização dos

fins da jurisdição”. Cada processo, que varia de acordo com as formas de tutela

jurídica pretendida91, observa um procedimento, que é a forma através da qual os

atos processuais são praticados. Enfim, processo e procedimento não se identificam,

complementam-se, sendo esse a estrutura ordenada de atos através da qual se

desenvolve o processo na busca da solução dos conflitos de interesses.

Antonio Scarance Fernandes92 sublinha que, por um largo tempo, não

se fazia distinção entre processo e procedimento, tendo inclusive esse, quando o

direito processual passou a ser tratado como ciência, assumido um papel

secundário. Destaca que foram três as fases de evolução do procedimento: a

primeira, do procedimentalismo, quando o processo era simplesmente conceituado

como o conjunto de atos; a segunda, do procedimento como expressão externa do

processo, visto esse como relação jurídica, tendo-se acerca do procedimento uma

visão essencialmente formal, e a terceira, do procedimento como expressão 87 FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria Geral do Procedimento e o Procedimento no Processo Penal, SP, Revista dos Tribunais, ano 2005, p. 33. 88 CARNELUTTI, Francesco, op.cit.336. 89 CHIOVENDA, Guiseppe, op.cit.56. 90 COUTURE, Eduardo. “ Fundamentos del derecho procesal civil”, Buenos Aires: Depalma, 1974, p.180. 91 CHIOVENDA, Giuseppe, op.cit, p. 72. 92 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit., p. 23.

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essencial da unidade do processo, na medida em que se logrou superar a

dificuldade de se explicar o processo como única relação jurídica, sendo o mesmo

entendido como “um feixe de relações jurídicas”93, fase que coincide com a que

dispensa ao procedimento tratamento de elemento essencial do processo.

Segundo, ainda, Antonio Scarence Fernandes, a doutrina revelou que a

unidade do processo decorre do procedimento e não da relação jurídica ou das

diversas situações que nele se formam. Quem dá forma ao processo é o

procedimento. Sem o procedimento, resume Kazuo Watanabe94, a relação jurídica

processual seria algo “amorfo, disforme e sem ossatura”.

As partes que atuam no processo praticam vários atos, visando à

obtenção de um provimento estatal: manifestam-se, impugnam os atos praticados

pela parte adversa, comunicam-se ao juiz suas vontades, produzem provas.

Intervêm em diversos momentos da marcha do processo, desde que a lide é

apresentada ao Estado-juiz, até que seu desfecho ocorra. Esses atos são praticados

com o escopo de provocar a tutela jurisdicional, que, afinal, deverá aplicar a justiça

ao caso concreto, dando a cada um o que é seu. Mas, esses atos carecem ser

ordenados, coordenados, a fim de que cada parte se manifeste em um momento

próprio, as provas sejam produzidas no tempo certo, proporcionando-se iguais

oportunidades aos litigantes. Esses múltiplos atos são unidos pelo procedimento.

Registra Chiovenda95 que “entre os leigos abundam censuras às formas judiciais,

sob alegação de que as formas ensejam longas e inúteis querelas e frequentemente

a inobservância de uma forma pode acarretar a perda do direito”, mas conclui que as

formas são necessárias e que a ausência das mesmas traria desordem, confusão e

incerteza. Reconhece, por fim, ser preferível a manutenção das mesmas.

Sem fazer distinção entre processo e procedimento, afirmam Luiz

Marinoni e Sergio Arenhart96 que

“ se o processo é um instrumento e se para o exercício da jurisdição por meio do processo são traçados, pela lei, vários procedimentos – que devem estar de acordo com as normas e valores constitucionais -, o processo pode ser definido como o procedimento que, atendendo aos ditames da Constituição da República, permite que o juiz exerça sua função jurisdicional”.

93 CARNELUTTI, Francesco, op.cit., p. 28. 94 WATANABE, Kazuo. Da cognição no Processo Civil, Campinas, Bookseller, 2.ed. ano 2000, p. 122. 95 CHIOVENDA, Guiseppe, op.cit., p. 7. 96 MARINONI Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz, “Manual do Processo de Conhecimento”, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.70.

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Referidos autores, como referido, não fazem distinção entre processo e

procedimento, para eles sendo ambos o conjunto de atos legalmente ordenados

para apuração do fato, da autoria e exata aplicação da lei, que é a finalidade do

processo, sendo o caminho o meio utilizado para se chegar ao fim.

Fazzalari enfatizava que processo é procedimento em contraditório97,

dirigido de forma a resolver de forma definitiva e imparcial a controvérsia.

Em obra conjunta, os eminentes processualistas Cândido Dinamarco,

Ada Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra98 reconhecem o proveito da

distinção, apesar de advertir ser muito comum a confusão entre os termos processo,

procedimento e autos. Esclarecem, todavia, ser o procedimento “mero aspecto

formal do processo, não se confundindo conceitualmente com este; autos, por sua

vez, são a materialidade dos documentos em que se corporificam os atos do

procedimento”.

A prestação jurisdicional, repisa-se, se faz através do processo,

instrumento técnico, político e público. É ele o meio através do qual o Estado exerce

a jurisdição; ou seja, distribui justiça. Vários atos processuais são praticados, no

curso do processo, observando uma ordem preestabelecida. É através do

procedimento que esses atos são coordenados, visando o escopo final, atingido com

o provimento jurisdicional, no intuito de produzir efeitos válidos. São coordenados e

ligados. Analisando o tema, Antonio Scarance Fernandes99 ressalta que

“ o objetivo imediato de cada ato tem sua razão de ser no representar um passo em direção ao escopo último, comum a todos os atos. Cada ato tem um efeito próprio, particular, que opera dentro do universo do processo. Porém, esse efeito serve também para fazer com que o processo progrida na direção de sua meta e, por isso, o resultado de cada ato visa a influir direta ou indiretamente no conteúdo do ato final, cujo efeito se projeta para fora do âmbito processual”.

O procedimento, qualquer que seja o modelo adotado, se decompõe

em fases previamente definidas nas leis processuais: há uma fase postulatória, uma

instrutória e a decisória. Na primeira, formula-se a pretensão ao Poder Judiciário; na

97 Também Cândido Dinamarco informa que procedimento é o processo desde que nele se observe o contraditório, op.cit. p. 149. 98 DINAMARCO, GRINOVER e ARAUJO CINTRA, op.cit., p. 104. 99 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit. 33.

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segunda, promove-se a instrução do processo, apresentando ao juiz as provas

documentais, orais, periciais e no terceiro momento, é dada oportunidade às partes

para se manifestarem sobre tudo o que forma o conteúdo do processo e deduzir

suas alegações finais, seguindo-se o provimento judicial.

No âmbito do processo penal, o direito ao procedimento consiste “em

direito a um sistema de princípios e regras que, para alcançar um resultado justo,

faça atuar as normas do direito repressivo, necessárias para a concretização do

direito fundamental à segurança e assegure ao acusado todos os mecanismos

essenciais para a defesa de sua liberdade”100. É possível dizer que o acusado tem

direito ao procedimento. Ao se iniciar o processo, previsto o procedimento em regras

claras e previamente definidas, de acordo com a natureza e gravidade do delito

praticado, o acusado sabe exatamente o momento em que será ouvido pelo juiz,

sabe que terá que produzir provas, que terá oportunidade de apresentar suas

testemunhas, de requerer diligências, sabe que tem direito de estar presente nas

audiências que serão realizadas.

O procedimento é hoje visto como direito fundamental, sendo, segundo

Alexy101, um meio essencial para que sejam obtidos resultados eficazes das normas

de direito fundamental. A observância do procedimento representa, portanto, o

melhor meio de obter o resultado, ainda que não se possa afirmar que através dele

se obtenha o resultado correto. Certamente, não bastaria ao Estado garantir o

acesso à Justiça, estruturando órgãos para prestar a jurisdição, concedendo

garantias de independência ao julgador, a fim de preservar sua imparcialidade,

assegurando a assistência jurídica gratuita ao hipossuficiente, se não criassem

instrumentos para garantir, no processo, os valores liberdade e segurança. Esses

instrumentos são os procedimentos, através dos quais não só se legitima o resultado

obtido do exercício da jurisdição, como também a eles se confere legitimidade, na

medida em que resguardadas as garantias constitucionais e efetiva participação das

partes, os mecanismos decisórios do Estado passam a ter aceitação social102. A

observância de todos os passos traçados pelo legislador é a garantia maior da

100 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit. p.40. 101 ALEXY, Robert. “Teoria de los derechos fundamentales”. Madri, Centro de Estúdios Constitucionales, 1993, p.455. 102 LUHMANN, Niklas, In, “Legitimação pelo procedimento”, UnB, 1980, Brasília.

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preservação dos princípios constitucionais e salvaguarda da democracia no

processo103.

Na sociedade da comunicação, aos valores segurança e liberdade

agrega-se outro, igualmente relevante, que é a celeridade, constatação que levou

Jean Pradel104 a afirmar que o sistema processual eficiente é aquele através do qual

a verdade dos fatos é alcançada de forma célere. Justo processo, assim, passa a

ser compreendido como aquele através do qual se obtém, observado o

procedimento previamente definido, resultado justo e em tempo razoável. Não é

mais aceitável, ainda que preservada a segurança, ainda que obtido um resultado

justo, um processo moroso. Se o acusado precisa esperar longos anos para que

seja decidida a ação a que responde, ainda que, no processo, seja proferida uma

decisão a ele favorável, não terá ele o sentimento de ter sido ela justa. Se a vítima

tem que aguardar dez anos para que seja o seu ofensor condenado, ainda que seja

proferida uma sentença condenatória, não terá ela o sentimento de que justiça se

fez.

Não existe direito a um procedimento certo e único, aplicável a todas

as situações em concreto. O que existe é o direito a um procedimento ajustado aos

parâmetros extraídos das normas constitucionais; ou seja, que observe o devido

processo legal. Nada impede que se definam vários tipos de procedimentos,

variáveis de acordo com a natureza da pretensão deduzida; no caso do processo

penal, de acordo com a natureza da infração penal apurada. Quanto mais grave o

delito a ser apurado, mais longo o procedimento, na medida em que se presume que

um maior tempo será necessário para a profunda apuração dos fatos. O que releva

notar é a exigência, sempre constante, da preservação do equilíbrio da eficiência e

garantismo; em outras palavras: o procedimento deve garantir a efetiva participação

das partes no processo, a qual deve ser estimulada pelo aparato institucional e pelos

instrumentos legais, a fim de torná-lo cada vez mais democrático, em conseqüência,

mais próximo do que se idealiza como processo justo. Deve, ainda, estar informado

pelos princípios constitucionais, nele resguardada ampla defesa, o pleno

contraditório, a publicidade, a igualdade de tratamento dispensado às partes, e

deve, também, ser célere. No processo penal, principalmente, um processo ágil, 103 DINAMARCO, Candido, op.cit.156, referindo ser o processo em si mesmo democrático e, portanto, participativo, sob pena de não ser legítimo. 104 PRADEL JEAN, apud FERNANDES, Antonio Scarance Fernandes, op.cit. nota rodapé n. 55.

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uma prestação jurisdicional eficiente interessa tanto às partes, como a toda à

sociedade.

Somente assim orientado e percebido, o processo será apto a eliminar

as insatisfações, fazendo justiça, aplicando o direito, assegurando a liberdade,

servindo, ademais, como canal de exercício democrático, de cidadania.

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CAPÍTULO 2 – GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL

2.1 . O devido processo legal a democratização do processo penal

Compreendido o processo como necessário instrumento para a

realização da ordem jurídica justa e também como efetiva garantia de tutela de

direitos fundamentais, sua importância se agiganta. Como conseqüência, mais

freqüente o exercício de ponderação que se tem que fazer entre os valores justiça e

segurança, visando à paz social, assim compreendida como a criação, através do

processo, de um estado em que a comunidade volta à tranqüilidade após a

ocorrência de uma violação ao Direito. Muito possivelmente, pela indeterminação

dos conceitos, susceptíveis a tantas variantes, nem sempre se colhe satisfatória

orientação sobre quando se deve dar preferência ao valor justiça, ou ao valor

segurança, no processo, o que impõe ao juiz freqüente exercício da ponderação105.

Decorrente de “um estado de legitimidade justa, fundante de uma

sociedade democrática, qual seja a que instaure um processo de efetiva

incorporação de todo o povo nos mecanismos de controle das decisões e de sua

real participação nos rendimentos da produção”106, surge o princípio do devido

processo legal como bússola para o juiz, para o legislador, para o administrador, no

âmbito processual, não se podendo esquecer da importante lição legada pela Corte

Suprema dos Estados Unidos, que reconhecendo seu aspecto substantivo, aplicou-o

para limitar os atos do Poder Público107.

105 Marcelo Mezzomo (In, “Jurisdição, Ação e Processo à luz da processualística moderna. Para onde caminha o processo?”, artigo publicado na Revista Forense, n 376, p. 175), salienta que mais do nunca sobressai “o caráter instrumental do processo, sem que isto, como ocorria no sincretismo, represente uma menos valia ao processo, muito pelo contrário. O fato é que entre a certeza e a segurança jurídica e a celeridade, o sistema orienta-se cada vez mais para a última, até mesmo no processo penal, reduto fortificado da segurança jurídica, campo este onde todos os cuidados são recomendáveis”. 106 SILVA, José Afonso. “Curso de Direito Constitucional positivo” São Paulo: Revista dos Tribunais, 7 ed., p. 105. 107 SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. “O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil”, RJ, Forense, 1989.

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Apesar disso, sustenta Ada Grinover108 que o conceito de devido

processo legal comporta variações de acordo com o momento histórico, com a

consciência jurídica e política da nação. Do princípio não decorre um conceito

abstrato, do qual se possam tirar conclusões absolutas, aplicáveis a qualquer tempo

e lugar. Em verdade, serve ele de um standard.

Há os que sustentam ser o princípio do devido processo legal um

princípio geral do direito109, assim como há os que defendem ser princípio

processual do Estado de Direito, vinculando-o à noção do contraditório110.

De uma primeira fase de consolidação do princípio, no final do século

XIX, vivenciou-se seu desprestigio, no final da década de 1930, para testemunhar-se

seu renascimento, na década de 1950, em grande parte, sob a responsabilidade da

Suprema Corte dos Estados Unidos.

Sua interpretação, em uma fase inicial, foi eminentemente processual,

adquirindo, com o passar do tempo, um sentido substantivo, baseado no critério da

razoabilidade. Ceifados os excessos, como ensina Ada Grinover111, sua

interpretação passou a ser orientada no sentido de garantia das liberdades civis, daí

porque “ haverá violação da due process clause não somente onde forem

desarrazoadas as formas técnicas de exercício dos poderes processuais, mas

também onde a própria configuração dos substantive rights possa prejudicar a tutela,

condicionando “irrazoavelmente” o resultado do processo. Esse entendimento

impõe interpretação do princípio sem restrições, porque somente assim se poderá

assegurar a efetiva igualização das partes no processo”.

O due process of law é, portanto, mais do que uma garantia, apesar de

ser seu pressuposto de efetividade a possibilidade que têm as pessoas de acesso à

jurisdição. Para Gilson Bonato112,

há de ser tido como princípio basilar na estruturação dos estados de direito modernos, e especial relevo alcança “ no sistema brasileiro, em razão das garantias que dele decorrem, servindo de vetor e base para que seja

108 GRINOVER, Ada. “As garantias constitucionais do direito de ação”. SP, Revista dos Tribunais, 1973, p.34 109 PERELMAN é recordado por ANTONIO SCARANCE FERNANDES, op.cit. nota rodapé 61, p.27.como um dos autores que defendem ser princípio geral de direito. 110 KARL LARENZ é referido por ANTONIO SCARANCE FERNANDES, op.cit., n. 61, p.27 como um dos autores entende ser um princípio processual. 111 GRINOVER, A., op. cit. p. 38. 112 BONATO, Gilson, “Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais”, RJ, Lúmen Iuris, 2003, p. 1.

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alcançado um direito material calcado na razoabilidade das leis e um processo realmente democrático, efetivo e justo dentro de uma sociedade que procura caminhar sempre mais para uma democracia plena”.É o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis para o exercício da jurisdição113

.

A cláusula do devido processo legal deve ser compreendida como

princípio, do qual emanam diversas garantias, que, por sua vez, expressam direitos.

A propósito, vale registro a lição de Ingo Sarlet114, no sentido de que “na doutrina

pátria as garantias apresentam um papel instrumental em relação aos direitos

fundamentais, servindo como instrumentos de efetivação de todos os direitos por

elas protegidos”. Assim, do princípio do devido processo legal emanam diversas

garantias, passando as pessoas a serem titulares dos direitos respectivos, com o

espoco precípuo, qual seja do alcance de um processo justo.

Muitos dos princípios constitucionais que informam o processo em

geral, ao tempo em que criam direitos de hierarquia constitucional, também

estabelecem garantias, que se destinam não só às partes, mas ao próprio processo.

Como ensinam Ada Pellegrini Grinover e outros115, “ da idéia individualista das

garantias constitucionais-processuais, na ótica exclusiva de direitos subjetivos das

partes, passou-se, em épocas mais recentes, ao enfoque das garantias do “devido

processo legal”, como sendo qualidade do próprio processo, objetivamente

considerado, e fator legitimante do exercício da função jurisdicional, e esse, há de se

reconhecer, é um interesse social, que extrapola o âmbito das partes envolvidas no

processo. Garantias são o instrumento que asseguram os direitos, fenômenos “ de

índole declaratória, ou seja contidos em norma que exige determinado

comportamento”116.

Contraditório, ampla defesa, juiz natural, motivação, publicidade etc.

constituem, é certo, direitos subjetivos das partes, mas são, antes de mais nada,

garantias de um processo justo e legal, conduzido em observância ao devido

113 GRINOVER, Ada, DINAMARCO, Candido, e CINTRA, Antonio Carlos, Teoria Geral do Processo, São Paulo: RT, ano 1986, 286. 114 SARLET, Ingo. “A Eficácia dos Direitos Fundamentais”, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p.178-185. 115 GRINOVER, Ada, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, “As Nulidades no Processo Penal”,São Paulo: RT, 8ª ed, ano 2004,.p. 27. 116 GRINOVER, Ada. “O Processo em sua unidade”, RJ, Forense, 1984, p. 56.

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processo, não só em benefício das partes, mas como garantia do correto exercício

da função jurisdicional, interesse público, portanto.

O sentido material do devido processo legal impõe que todos os atos

públicos observem a razoabilidade, e, em especial, a proporcionalidade, exigência

que se estende a toda e qualquer forma de processo, seja legislativo, seja

administrativo, seja judicial. Segundo Luiz Flavio Gomes117, dele ainda decorrem

vários subprincípios, “dentre os quais o das garantias processuais que exige, além

de um procedimento justo, também o adequado acesso, assim como a realização do

direito”. De nada vale ter acesso à Justiça, conseguir apresentar uma pretensão ao

Poder Judiciário, se não tiver a pessoa certeza de que esse processo observará um

procedimento justo, que suas postulações serão examinadas, que receberá o

mesmo tratamento dispensado à outra parte, que poderá levar a conhecimento do

juiz suas provas e que esse irá decidir com base nos elementos que lhe forem

apresentados e motivará sua decisão. No caso do processo penal, impõe-se dar ao

mesmo uma credibilidade eficaz, de forma que a pessoa acusada da prática de um

crime possa ter a certeza de que, além do direito que tem de ser assistida por um

advogado, lhe será dada oportunidade plena de contradizer as provas que contra si

forem produzidas, suas alegações serão consideradas, o provimento judicial estará

amparado na lei e as provas que forem levadas ao processo.

A observância do devido processo legal, no caso específico do

processo penal, o transforma em um

“percurso de obstáculos: cada etapa do processo penal tem por finalidade apresentar e reunir obstáculos à persecução; a ideologia do due process é marcada pela estrutura formal do direito; uma pessoa não pode ser reconhecida culpada a não ser que os fatos estejam reconhecidos nos termos de um processo regular por um tribunal competente”118.

Como no processo penal, desenrola-se a ação entre o Estado, que

quer punir quem transgrediu a lei, e a pessoa, que quer afastar de si a aplicação de

medidas privativas ou restritivas de sua liberdade, reconhece-se que devem as

partes119, nessa disputa, dispor de paridade de armas e de forças, serem igualadas,

117 GOMES, Luiz Flavio. “As Garantias Mínimas do Devido Processo Criminal nos Sistemas Jurídicos Brasileiros e Interamericano: Estudo Introdutório. São Paulo: RT., 2000, p. 186. 118 DELMAS-MARTY, Mireille. “Processos Penais da Europa”. RJ: Lumen Iuris, 2005, Introdução, p.XXXIX. 119 Registra-se a divergência existente na doutrina quanto ao reconhecimento da existência de lide e de partes no processo penal. Por entender que a ação penal tem por objeto um conflito de interesses

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tanto quanto possível, a fim de que o exercício da jurisdição se faça com justiça

efetiva, não sendo um instrumento de opressão, tampouco de imposição da vontade

do mais forte.

É nesse momento histórico que o processo penal assume o papel de

ordenação limitadora do poder do Estado, em favor do indivíduo acusado da prática

de crime, impedindo a hipertrofia do poder e os abusos de seu exercício. Assumem

relevância os princípios processuais, sob nítida a inspiração do processo civil,

passando, entre outros a reger, de forma específica o processo penal, o princípio

dispositivo, da oficialidade, da verdade formal, da distribuição do ônus da prova, da

presunção de inocência do réu.

Jorge de Figueiredo Dias120 busca através de uma fórmula demonstrar

ser fim do processo penal “obstar a insegurança do direito que necessariamente

existe “antes” e “fora” dele, declarando o direito do caso concreto; isto é, definindo o

que para este caso é, hoje e aqui, justo”.

Como ressaltado, são objetivos do processo penal tornar efetivo o jus

puniendi, mediante o exercício do jus persequendi, e afirmar o jus libertatis, limitando

a coação estatal, que somente se apresenta como legítima, quando ocorrido um fato

penalmente relevante e quando há certeza quanto à autoria do crime.

A lição de Helio Tornaghi121 é também simples:

“ a lei processual penal é resultante da composição entre a segurança e a justiça. É preciso manter a ordem a qualquer custo; mas convém que isso ocorra com o máximo respeito pela justiça. A lei penal procura abrigar e garantir a paz, ameaçando com penas os atos que ela reputa ilícitos. A lei processual protege os que são acusados da prática de infrações penais, impondo normas que devem ser seguidas nos processos contra eles instaurados e impedindo que eles sejam entregues ao arbítrio das autoridades processantes”.

Como registra Geraldo Prado122, os riscos dessa orientação eram

conhecidos e assumidos pelo eminente processualista, ao reconhecer que,

de alta relevância social, que só pode ser solucionado pelo Poder Judiciário, além de inexistir pretensão resistida, autores domo Rogério Tucci, Jacinto Coutinho, Jose Carlos Teixeira Giorgis, concluem inaceitável o conceito de Carnelutti de lide no processo penal. Outros autores, porém, como Ada Grinover, Antonio Scarance Fernandes admitem a uniformidade de conceituação. 120 DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Processual Penal”, Primeiro Volume, Coimbra, Coimbra Ed., 1984, p. 24. 121 TORNAGHI, Helio. “Instituições de Processo Penal”, São Paulo, Saraiva, 2. ed., v. 1, p. 75. 122 PRADO, Geraldo, “Elementos para uma análise crítica da transação penal”. RJ: Lumen Iuris, 2003, p.53.

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infelizmente, nem sempre seria possível manter a segurança, sem prejuízo da

justiça, visão, lógico-formal, contudo, que, no modelo democrático atual, há de ser

acolhida com resistência.

O direito processual penal deve expressar um sistema de princípios e

regras que permita efetividade das normas do direito penal, necessárias para

concretização do direito fundamental à segurança social, e também, e

principalmente, assegure ao acusado todos os mecanismos essenciais para que

possa defender sua liberdade.

O princípio do acesso a uma ordem jurídica justa123 é mais do que um

princípio do processo, sendo síntese de todos eles124. Nele estão compreendidos:

órgãos jurisdicionais aos quais a pessoa possa direcionar suas pretensões; a

instalação de dependências físicas adequadas e em locais de fácil acesso; a

provisão de servidores para atendimento e execução de tarefas burocráticas; a

existência de um quadro suficiente de Defensores Públicos, de forma que se garanta

assistência jurídica gratuita ao hipossuficiente, e tantas outras providências

materiais, sem as quais, o acesso à Justiça passa a ser conceito apenas formal.

Conclui Gilson Bonato125 que garantir acesso à Justiça significa primordialmente, no

processo penal, “possibilitar ao acusado ou indiciado todos os meios de exercer as

garantias fundamentais que a Constituição lhe confere, tornando efetiva sua defesa

perante os órgãos estatais”.

O princípio da presunção de inocência complementa o do devido

processo legal. Desde 1789, seu conceito não sofre mutação, tendo sido

consagrado na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão o entendimento de

que todo homem é presumidamente inocente até que tenha sido declarado culpado.

Decorrem dele dois sub-princípios, segundo os quais o acusado não tem que

fornecer a prova de sua inocência e as medidas restritivas de liberdade somente

podem ser adotadas quando comprovadamente necessárias.

A Constituição da República, pela primeira vez, referiu-se

expressamente ao princípio da presunção de inocência, que informa todo o processo

123 Expressão utilizada por Kazuo Watanabe, conforme RUI PORTANOVA, In, “ Motivações Ideológicas da Sentença”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1992, 0.107. 124 DINAMARCO, C., op.cit., p. 304. 125 BONATO, G., op.cit. 120.

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penal e é corolário do valor máximo conferido à dignidade da pessoa, que somente

pode ser reconhecida culpada após ter-se observado o devido processo penal, no

qual tenha sido observado o equilíbrio entre o poder punitivo estatal e o direito à

liberdade.

O princípio do juiz natural, conseqüência lógica dos princípios da

isonomia e do devido processo legal, encerra dupla garantia. Sua origem se

identificou com a necessidade de impedir a ingerência do rei nos assuntos judiciais,

garantindo a imparcialidade do juiz. Em sua formulação mais moderna, sua origem

é reconhecida na Constituição italiana de 1948 e alemã de 1949126. Dele decorrem

que o juiz deve ser instituído antes da ocorrência do fato a ser por ele julgado e

ainda que não se pode transferir a causa para outro juiz, nem mesmo se já tiver sido

instituído. Essa exigência da prévia constituição do juízo tutela a determinação da

competência.

A Constituição da República garante o princípio do juiz natural em seu

duplo aspecto, determinado que está no inciso XXXVII do art. 5, que não haverá

juízo ou Tribunal de exceção, e no inciso LIII, do mesmo dispositivo constitucional,

que prevê que ninguém será processado, nem sentenciado senão pela autoridade

competente.

Ressalta Gilson Bonato127 que, do princípio do juiz natural, decorrem

três garantias, quais sejam, a de que somente os órgãos instituídos pela

Constituição podem exercer a jurisdição; a de que ninguém pode ser processado e

julgado por órgão instituído após o fato, a de que há uma ordem taxativa de

competência entre os juízos constituídos, não sendo tolerada discricionariedade.

Para Ada Grinover128, o princípio do juiz natural não pode mais ser

visto sob enfoque individualista, eis que atributo essencial da função jurisdicional,

sem o qual a função dessa se torna impossível.

O princípio da identidade física do juiz decorre do princípio do devido

processo legal. Não se confunde, por certo, com o do juiz natural, por isso que dele

resulta a vinculação da pessoa do juiz ao processo, sendo aquele de alcance mais

126 SILVA, Germano Marques. “Curso de Processo Penal”, 3. ed., Lisboa, Ed.Verbo, 1996, p. 50. 127 BONATO, G., op.cit., p.138. 128 GRINOVER, Ada P. “O Principio do Juiz Natural e sua Dupla Garantia”, na Revista de Processo, v. 29, RT, SP, 1983, p.11.

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amplo129. Justa é a crítica feita ao ordenamento jurídico brasileiro que não adota o

princípio da identidade física do juiz no processo penal. Não se afigura razoável, no

processo penal, a atuação de vários juízes, não se afigura razoável que o juiz que

sentencia não tenha participado da instrução. Muitas vezes, um é o juiz que procede

ao interrogatório do acusado, outro o que colhe a prova de acusação, outro a de

defesa, e um quarto, sentencia. Ideal seria que um só juiz presidisse a instrução

criminal, mantendo contato direto com a prova, porque não se pode deixar de

reconhecer o tanto que se perde quando se faz apenas uma leitura das transcrições

da prova colhida por outro magistrado.

Os modelos de procedimentos previstos na legislação penal em tudo

contribuem para que esse ideal não seja alcançado. A quantidade de audiências

previstas e a indisponibilidade das pautas de audiência fazem com que haja uma

distância de tempo considerável entre uma e outra audiência. Com isso, não se

pode garantir a presença de um mesmo magistrado na presidência do ato

processual. A concentração dos atos processuais é ideal a ser perseguido130.

O princípio da igualdade de tratamento a ser dispensado às partes no

processo é uma das feições do princípio da isonomia, consagrado no art. 5º, caput e

inciso I, da Constituição da República. Com muita propriedade, L.G.Grandinetti131

salienta que “os princípios constitucionais que encerram garantias processuais estão

intimamente interligados entre si, de sorte que se pode tornar difícil estabelecer que

princípio é responsável por qual garantia processual”. Em verdade, esse liame

129 Segundo Geraldo PRADO ( In, Duplo Grau de Jurisdição no Processo Penal Brasileiro: Visão a partir da Convenção Americana de Direito Humanos em Homenagem às idéias de Julio B.J.Maier. Direito Penal e Processual Penal. Uma visão garantista. B (org. BONATO,Gilson, RJ , Lumen Iuris, 2001, p. 111), o princípio da identidade física do juiz é categoria jurídica, sendo subprincípio do principio do juiz natural. Segundo ele, “ a verdade processual ou forense, fruto da atividade probatória das partes, realçada pelos argumentos da acusação e da defesa, em um processo contraditório no qual os sujeitos parciais de fato tenham podido dispor de paridade de armas e igualdade de tratamento e no qual, ainda, não sejam admitidas provas ilícitas, assegura ao juiz legitimidade à medida que a sentença estiver vinculada ao valor da verdade. E este valor de verdade se realiza integralmente apenas se o principio da identidade física do juiz for respeitado”. 130 Segundo QUIROS, Diego Zysman (In,”Imparcialidad judicial y enjuiciamiento penal. Un estúdio histórico-conceptual de modelos normativos de imparcialidad”, op.cit, org. HENDLER, E.Las garantias penales y procesales, p.343) “esta visión resulta de interés, pues nos permite ligar conceptualmente la existencia del principio de imparcialidad con la búsqueda de la verdad, y el nacimiento – a raíz de ella – de un juzgador:un juez em sentido substancial. De aquí que el principio en comentário solo puede ser analizado, como conseqüência de la existência de ciertos modelos de enjuiciamiento y proceso(formas jurídicas) orientadas por una volundad de verdad, como critério de atribución de la razón en el litígio”. 131 CARVALHO, L.G.Grandinetti, op.cit. p.39.

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termina por evidenciar que a proposta do legislador constitucional foi a de edificar

um conjunto de normas capazes de alicerçar um processo legal, democrático e justo.

Não é fácil alcançar a igualdade, até mesmo minimizar diferenças,

quando se está a tratar de grandes desigualdades. Além do mais é preciso definir

em que medida há de se agir na busca desse desiderato, porque não é possível, a

pretexto da busca da igualdade, atingir direitos da outra parte, no processo. A

igualdade reclama, como aponta Rogério Tucci132, transcrevendo lição de Burgoa,

uma noção jurídica, traduzida no fato de que várias pessoas, que, em número

indeterminado, se encontram em uma mesma e determinada situação, tenham a

possibilidade e capacidade de serem titulares qualitativamente dos mesmos direitos

e de contrair as mesmas obrigações. Desse entendimento decorre a constatação de

que, inobstante sejam indeterminadas genericamente as pessoas, a igualdade

jurídica decorre do fato de se encontrarem em identidade de situação jurídica. Autor

e réu devem ter os mesmos direitos, mesmos ônus, mesmos deveres. Dessa noção

jurídica resulta a inferência de que o tratamento a ser dispensado visando à

verdadeira igualdade deve ser proporcional, estando na Constituição da República

as metas da equiparação. Exatamente na proporcionalidade está a razão do

tratamento diferenciado, muitas vezes, outorgado ao acusado, inclusive, fundamento

do princípio do in dúbio pro reo.

As conseqüências do princípio da igualdade no processo penal são

extremamente relevantes, porque sabidamente uma das partes apresenta-se em

condição de ostensiva vulnerabilidade. De um lado, está o Estado, com todo seu

aparato administrativo; de outro o acusado, pobre, sem condições de contratar um

advogado, sem condições materiais de coletar provas para alicerçar sua defesa.

Não é sem razão a advertência de Gilson Bonato133, no sentido de que somente se

atingirá a efetividade do princípio da igualdade, no momento em que os profissionais

do Direito passarem a interpretar o Código de Processo Penal em consonância com

a Constituição.

Por isonomia processual, compreende-se conferir às partes as mesmas

armas, a fim de lhes garantir o tratamento paritário, com semelhantes chances de

132 TUCCI, R. “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”. 2. ed., SP: RT, 2004, p.138, citando BURGOA, Ignácio,” Las Garantias individuales”, México, Porrua, 1978. 133 BONATO, G., op.cit. p. 152.

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atingir seus objetivos. Como, no processo penal, são diferentes os direitos em jogo,

não se igualando os da acusação com os da defesa, a isonomia pode ser alcançada,

quando assegurado o equilíbrio, que se expressa na igualdade de oportunidades às

partes, para um repelir as alegações da outra. Já que não é possível do processo

penal garantir a paridade de armas, devem as partes, ao menos, ser colocadas em

posição de similitude, perante o juiz, que passa a ser responsável para manutenção

do equilíbrio, garantindo efetividade ao contraditório e à ampla defesa.

Segundo Paula Martins da Costa134, “se por um lado o contraditório não

precisa da igualdade entre as partes para existir, por outro ele restaura a igualdade

entre os interesses conflitantes perante e para o juiz”, ou seja, é através do

contraditório que se promove o desejável equilíbrio entre os sujeitos no processo

penal.

A relevância do papel do juiz na condução do processo penal, assim, é

inquestionável, porque a ele cabe impedir que as diferenças interfiram no processo.

E ainda que não seja possível alcançar a igualdade substancial,ao vedar o

tratamento desigual na prática dos atos do processo, a outorga de privilégios, o juiz

estará cumprindo seu papel.

Para Paula Martins da Costa135 o processo existe para garantir a

igualdade entre os homens, daí porque, para o processo penal, a igualdade jurídica

abrange tanto o direito fundamental de não ser discriminado pelo legislador, quando

da formulação do direito processual penal; quanto o direito a igual acesso à justiça,

ao processo, e, em especial, à defesa efetivamente produzida, e o direito à

igualdade na aplicação da lei penal, garantido pelo devido processo penal.

Nesse princípio, inclui-se a garantia da assistência jurídica aos

hipossuficientes, em sua grande maioria, os acusados no processo penal. Ressalta

Nelson Saule Junior136, que reconhece essa garantia constitucional como uma das

conquistas sociais mais importantes do processo de participação popular que

ocorreu na Assembléia Nacional Constituinte, que tem ela dupla finalidade, na

134 MARTINS DA COSTA, Paula B.F. “Igualdade no direito processual penal brasileiro”. SP: Revista dos Tribunais, 2001, p.97. 135 MARTINS DA COSTA, P. op. cit., p.64-5. 136 SAULE JUNIOR, Nelson. “A Assistência Jurídica como Instrumento de Garantia dos Direitos Urbanos e Cidadania”. GIORGI, Beatriz e outros (coord). “Direito, Cidadania e Justiça, Ensaios sobre Lógica, Interpretação, Teoria, Sociologia e Filosofia Jurídicas”. SP: Revista dos Tribunais, 1995, p.157-174.

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medida em que transcende o juízo e não se esgota no indivíduo. Visa assegurar a

cidadania e a dignidade da pessoa humana, e, através dela, torna-se possível

assegurar a defesa técnica ao acusado pobre, dando-lhe oportunidade de ser

assistido por profissional capacitado. Sabe-se que, na prática, em que pese todos os

esforços dos membros da Defensoria Pública, essa garantia assume feição

meramente formal. Em regra, os acusados somente vêm a conhecer o Defensor

Público no dia do interrogatório, nem sempre com o mesmo se entrevistando

previamente, sendo comum, além do mais, a atuação de vários Defensores Públicos

no mesmo processo, em razão de férias e outros afastamentos. Com isso, não é

possível se estabelecer um vínculo de confiança entre o assistente e assistido,

passando aquele a formular uma defesa técnica apenas formal.

Complementam-se ampla defesa e contraditório. Não há como se

conceber o processo sem a bilateralidade. Com o exercício do contraditório137, se

atinge a ampla defesa, que é exigência do devido processo legal, do qual é, por sua

vez, garantia direta. A defesa deve ser exercitada de forma ampla, e isso significa

dizer com a participação ativa dos interessados, marcada pela contrariedade, em

todos os atos processuais. Não se concebe, no dizer de Celso Bastos138, defesa

sem contraditório, já que esse é a exteriorização da própria defesa.

O processo penal justo exige o contraditório durante toda sua marcha,

daí se compreendendo que a informação deve ser prestada e a oportunidade de

reação deve ser resguardada em todas as fases do procedimento, não só na fase

instrutória. Rogério Tucci139 sustenta a necessidade de observá-lo durante toda a

persecução penal, na fase de investigação, inclusive, porque somente assim se está

a garantir a liberdade e a melhor atuação da defesa. Vicente Greco Filho140 admite a

possibilidade de um contraditório diferido, na medida em que a Constituição não

exigiu que fosse ele concomitante ao ato praticado. Como o que assegura o

contraditório é a possibilidade de a parte se contrapor ao ato, mediante

manifestação contrária à qual se reconheça eficácia, nada impede que na fase pré-

processual não seja ele observado, desde que, em um determinado momento, seja

137 FERNANDES, A.S, op.cit. p.61. Registra o autor a comum adoção do conceito apresentado por Mendes de Almeida, que define o contraditório como a ciência bilateral dos atos e termos processuais e a possibilidade de contrariá-los. 138 BASTOS, Celso. “Comentários à Constituição do Brasil”. v. 2, SP: Saraiva, 1988, p.266. 139 TUCCI, R., op.cit.,p.211. 140 GRECO FILHO, Vicente. “Tutela Constitucional das Liberdades”. SP: Saraiva, 1989, p.110-111.

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possível à parte dele conhecer e o impugnar. Exatamente porque, no processo

penal, a contrariedade deve ser efetiva e real, devidamente assegurada ao acusado

a liberdade jurídica, que a revelia tem efeitos tão diversos dos que produz no

processo civil.

Para Gilson Bonato141, “o direito de defesa cumpre, no processo penal,

um papel particular, pois, de um lado, atua de forma conjunta com as demais

garantias e, de outro, é a garantia que torna operativas todas as demais”. E,

referindo-se a BINDER142, conclui afirmando que a inviolabilidade do direito de

defesa é garantia fundamental, no processo penal, porque assegura vigência

concreta às demais garantias. Diversa sua incidência, no processo, penal, assim

como diversas suas conseqüências, em razão de sua maior importância política e da

supremacia dos bens e valores nele em jogo.

O direito à ampla defesa engloba o direito à informação, a

bilateralidade da audiência e o direito à prova legitimamente produzida. O direito à

informação deve ser preservado desde a fase investigatória, representando na fase

processual o direito ao conhecimento da imputação com clareza e objetividade. Tem

o acusado o direito de ser ouvido e, ainda que nem sempre seja possível fazê-lo,

durante as investigações, até mesmo para não atrapalhar o resultado das mesmas,

não se pode olvidar que a investigação interfere diretamente na formação da

convicção do julgador, daí porque deveria ser dado ao acusado o direito de

acompanhá-la, valendo registro a lição de BINDER143 segundo a qual “el derecho de

defensa está relacionado con la existência de una imputación, y no con el grado de

formalización de la imputación. Al contrario: cuanto menor es el grado de

formalización de la imputación, mayor es la necesidade de defensa”.

Além do direito à audiência, portanto, o direito de ser ouvido, tem o

acusado o direito de controlar a produção das provas que servirão ao julgador para

formar sua convicção e produzir aquelas necessárias para neutralizar a imputação

contra sua pessoa feita, sendo também direito seu valorar o conjunto probatório,

apresentando ao juízo suas conclusões a respeito das mesmas, com vistas a obter

uma sentença favorável.

141 BONATO, G., op.cit.,p. 160. 142 Apud BONATO, G. op.cit., p.161, BINDER. “Introducción ao Derecho Procesal Penal”. Buenos Aires, Ad Hoc, 1999. 143 apud, BONATO, G, op.cit., p.163, nota de rodapé 353.

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Por ampla defesa compreende-se a autodefesa e a defesa técnica. A

autodefesa é exercida pelo próprio acusado, quando é ouvido pelo juiz, quando

interrogado, única oportunidade que tem para pessoalmente exercer seus direitos. A

autodefesa engloba o direito de audiência, que é o direito de ser ouvido pelo juiz,

portanto influir em seu convencimento, e o direito de presença, segundo o qual lhe

assiste presenciar todos os atos do processo, participar dos mesmos e tomar

posição perante a prova dos autos.

A defesa técnica é a elaborada por seu defensor, profissional

devidamente habilitado pela Ordem dos Advogados do Brasil, devendo atuar o

advogado em todos os atos do processo, inclusive, participando ativamente do

interrogatório.

Como já enfocado, os princípios se entrelaçam, formam um conjunto,

com vistas a conferir a máxima garantia do devido processo legal. Como aponta

Rogério Tucci144 “a garantia da plenitude de defesa, ínsita ao devido processo penal,

compreende também, necessariamente, a bilateralidade da audiência, ou

contrariedade, que se assenta no regramento denominado princípio de justiça e se

justifica pela inafastabilidade do estabelecimento de paridade de armas entre os

sujeitos parciais do procedimento penal, de sorte a determinar-se,

consequentemente, o mais perfeito equilíbrio entre as suas atuações na persecutio

criminis”.

Tem o acusado direito à prova, que equivale não só ao direito de

produzir prova, mas também de impugnar aquela produzida pela acusação, valendo

notar que devem ser essas lícitas, na medida em que a Constituição da República,

em seu art. 5º, inciso LVI, veda aquelas obtidas por meios ilícitos.

Os atos processuais são públicos. Essa exigência está ligada

intimamente ao processo que se apresenta democrático, porque constitui poder de

fiscalização sobre a atuação do Poder Judiciário, além de representar efetiva

garantia do indivíduo, porque lhe propicia segurança sobre a imparcialidade e

independência do juiz. A garantia da publicidade não se dirige, porém, apenas ao

acusado, mas à toda sociedade, porque permite “ el control social de la actividad

144 TUCCI, R, op.cit.,p.189.

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jurisdiccional y fomenta la participación de los ciudadanos en matéria judicial,

evitandose los procesos secretos”145.

Nos dias atuais, a questão da publicidade dos julgamentos tem sido

debatida no mundo inteiro, na medida em que quanto maior a interferência dos

meios de comunicação na formação da opinião popular, maior a preocupação em se

garantir um julgamento sem interferências externas, um julgamento isento. A mídia

age, manipulando a vontade das pessoas, influência a formação da opinião, faz com

que se crie antipatias, com que sejam exacerbados sentimentos de piedade, assim

interferindo decisivamente na consciência popular, o que é sério e comprometedor

para a imparcialidade que se deve esperar de um julgamento. E, diga-se, essa

interferência não só atinge o leigo, mas também ao próprio juiz, que como ser

humano que é não fica infenso às artimanhas psicológicas levadas a efeito pela

mídia.

O princípio da motivação das decisões judiciais está expresso no art.

93, inciso IX, da Constituição da República, sendo ele imposição do princípio do

devido processo legal. O que legitima a decisão judicial é sua fundamentação. As

partes, no processo, têm o direito de conhecer as razões, os fundamentos, que

levaram o juiz a decidir de determinada forma. Ressalta Gilson Bonato146 que a

motivação das decisões proferidas pelo juiz revela respeito para com a pessoa do

acusado e sua dignidade, dando-lhe a oportunidade de poder exercer amplamente

sua defesa, caso seja necessária a interposição de recurso. Rui Portanova147,

inclusive, relembra que, emanando o Poder Judiciário do povo, é através da

sentença que responde ao povo, demonstrando o uso que está a fazer do poder

concedido, por isso “é imprescindível que a sentença seja clara e convincente para

que o sentimento do juiz seja compreendido sem dificuldade”. COUTURE148 é mais

incisivo, ao dizer que a motivação da sentença constitui um dever administrativo do

juiz.

Processo penal público, no qual são exaradas decisões legítimas,

assim devidamente motivadas, por juiz natural, que garanta o equilíbrio entre as 145 MALJAR, Daniel. “El Proceso Penal y Las Garantias Constitucionales”. Buenos Aires, Ad Hoc,, 2006, p.92. 146 BONATO, G., op.cit.180. 147 PORTANOVA, Rui. “Princípios do Processo Civil”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 249. 148 COUTURE, E., op.cit., p.189.

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partes, assegure a ampla defesa do acusado, dando-lhe chances de exercer sua

autodefesa, de ter em seu favor formulada uma defesa técnica eficiente, respeitado

o contraditório, é um processo legal justo, porque foi observado o devido processo

penal.

Segundo Paolo Ferrua149

“giusto processo può essere definito quello che sarebbe scelto da persone razionali in situazione di ideale imparzialità, perché ignare del ruole che le attendre: attore, convenuto, imputato, giudice, accusatore o vittima del reato. Non è difficile, allora, immaginare i fondamentali aspetti su cui convergerebbe il consenso, anche perché è relativamente più semplice determinare il ‘giusto’ in questioni procedurali che sostanziale (dove è difficile andare al di là del genérico suum cuique tribuere): un giudice imparziale, precostituito dalla legge, il principio dell’audiatur el altera pars da cui discendono il contraddittorio e l’eguaglianza delle parti, la pubblicità delle udienze, istituti capaci di assicurare un’efficace difesa ai non abbienti, tempi ragionevoli e, più en generale, una struttura idonea a favorire decisioni ‘giuste’, ossia correttte nell’ interpretazione delle norme e nella valutazione delle prove (con obbligo di motivazione e diritto al riesame, quando a decidere siano giudici togati); e, ancora, con specifico riguardo al processo penal, la tempestiva conoscenza dell’accusa, la non presunzione di colpevolezza, adeguate garanzie per le restrizione dellla libertà personale”.

No entendimento de Antonio Scarance Fernandes150, o processo penal

ideal, portanto, o processo justo, é o que apresenta ”um sistema que assegure

eficiência e garantismo”, dois valores fundamentais no processo penal moderno.

Em síntese, diante da amplitude do princípio do devido processo legal,

é possível afirmar, assim como o faz José Celso Melo Filho151, que abrange ele

princípios e direitos, como por exemplo, o direito à informação, nele incluído o direito

à citação; direito de defesa, resguardado o direito de arrolar testemunhas e de

serem as mesmas intimadas a comparecimento perante o juiz; o direito ao

contraditório; o direito de não ser processado por infração às leis ex post facto; o

direito de igualdade entre acusação e defesa; direito contra as medidas ilegais e

provas ilegais; direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; o direito de não se

auto-incriminar; o direito de ser julgado pelo juiz natural, o direito a um célere e

público julgamento.

149 FERRUA, Paolo. “Il Giusto processo”, Bologna, Zanichelli, seconda edizione, p.32 150 FERNANDES, Antonio Scarance, op. cit. p. 40. 151 MELO FILHO, José Celso. “A Tutela Judicial da Liberdade”. SP: RT 526, p.298.

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A instrumentalidade do processo penal, segundo Aury Lopes Junior152,

reside no fato da impossibilidade de se aplicar sanção sem que haja o devido

processo penal. Essa constatação serve para demonstrar que a instrumentalidade,

no processo penal, é mais relevante do que no processo civil. A pessoa contra quem

foi formulada uma imputação criminal tem direito a um processo penal, no qual se

tentará reconstruir o fato pretérito da vida, reconhecido na lei como delituoso,

objetivando o julgamento de mérito, constituindo esse direito também uma garantia,

comum a todos os sistemas legais do Estado democrático de direito. Ao se afirmar

que ninguém pode ser condenado sem julgamento, está a se garantir ao acusado

que terá oportunidade de ser ouvido, de produzir provas que afastem a imputação

que foi feita contra sua pessoa, que será julgado, por um juiz imparcial e

competente, afastada qualquer tipo de violência arbitrária. Garante-se também ao

Estado o direito de comprovar a imputação que fez, a autoria e a materialidade do

crime, para assim exercer o direito de punir quem violou a lei, restaurando o

equilíbrio rompido. Por fim, está a se garantir à sociedade que o infrator haverá de

sofrer a justa sanção, porque violou o pacto social. O processo envolve, como já

referido, um interesse privado, do acusado; um interesse público, do Estado; um

interesse social, da sociedade.

A tendência garantista, no entanto, diante da crescente criminalidade e

das novas formas de violência, situações que geram maior intranqüilidade social,

vem deixando de ser o centro exclusivo das atenções do processo penal,

emergindo, com igual intensidade, a defesa social, fenômeno também observado no

direito europeu, como registra Antonio Scarence Fernandes153. Surge a idéia de

emergência penal, camuflada pelo discurso político de que a solução está na maior

repressão e acompanhada da necessidade de uma resposta imediata e cujo tempo

deve ser consentâneo com o do estado de emergência. Afinal, a justiça penal é a

ponta do iceberg através do qual afloram e se evidenciam de forma dramática as

patologias sociais, daí que

“ è pur vero che la situazione di crisi fa ravvisare nello strumento penale il principale canale di ripristino dell’omogenità sociale e dell’eleminizione della conflittualità in antetisi al suo ruolo de ‘ultima ratio’ e fa si che al diritto

152 LOPES JUNIOR, Aury. “Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal”. RJ: Lumen Iuris, 2001, p.11-3. 153 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit., nota rodapé 57, citando Ennio Amodio.

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penale si attribuisca, in forma spesso taumaturgica, il compito de realizzare i principi sanciti nella Costituzione e ancora innattuati nella società reale”154

Informam Paola Bigliani e outro155 ser esse um fenômeno generalizado,

salietando que a

“intervención penal que há operado en los últimos tiempos, invadiendo ámbitos tradicionalmente libres de control judicial, debido principalmente a la ineficacia de las técnicas políticas y administrativas de control, há generado una superproducción de tipos delictivos, desplazando y distorsionando el lugar del conflicto social. (...) Esto evidencia la falta de critério respecto a la justificación de las prohibiciones, cada vez más alejado de la tutela de bienes y derechos fundamentales, y a su vez influye directamente sobre el derecho procesal penal, en tanto lo torna ineficaz, por estar cada vez más atascado de múltiples problemas triviales, que degenera, por um lado, en una justicia morosa y desentendida de los conflictos realmente importantes y, por el outro, en el recurso a soluciones de emergência que no hacen más que vulnerar principios fundamentales del sistema penal.”

A emergência repressiva não tem limites temporais, nem geográficos.

Assim, um estado de fato156, que deveria ter natureza temporária, excepcional,

termina por ser se infiltrar na consciência social, em razão do sentimento comum,

assumindo padrão de normalidade, sendo responsável pela involução do

ordenamento punitivo.

É fato que o ser humano carece da segurança para seu

desenvolvimento pleno, tendo sido exatamente essa necessidade de segurança que

o motivou a se despojar da liberdade plena, para assumir as obrigações impostas

pelo contrato social. Registra Eduardo Kataoka157 que a “pessoa cidadã da Teoria do

Estado clássica cede parcela de sua liberdade e por isso pode exigir do Estado,

como autêntico credor, que resolva os seus conflitos”. O Estado é devedor. Sua é a

obrigação de garantir aos seus cidadãos segurança necessária para trabalhar, criar

seus filhos, viver com dignidade. E quando ele falha, um clima de intranqüilidade a

todos assola, dando lugar a ações nem sempre comprometidas com os princípios

constitucionais.

154 BRICOLA, Franco. “Funzione promozionale, técnica premiale e diritto penale”, apud, Fauzi Hassan Choukr, In, “Temas de Direito e Processo Penal”. RJ:Lumen Iuris, 2004, p.157, nota rodapé 1. 155 BIGLIANI, Paola y COSTANZO, Mariano, in, “El olvido de la legalidad.Um análises del principio de legalidad a través de la “inflación penal” y sus consecuencia”. HENDLER, E(org.), op.cit., p.307. 156 FERRAJOLI, op. cit. 844. 157 KATAOKA, Eduardo. “Segurança Jurídica como Direito Fundamental e as Cláusulas Gerais no Novo Código Civil Brasileiro”. In, SARMENTO; GALDINO (coord.) “Direitos Fundamentais:Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres”. RJ: Renovar, 2006, p. 352.

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Adverte Fauzi Choukr158que esse “subsistema emergencial em nada

contribui para a consolidação dos valores culturais estampados no ato de fundação

(Constituição), desvirtuando o intérprete, dificultando a propagação da cultura da

normalidade e evitando, no limite, a construção de um sistema repressivo que possa

ser calcado nos valores do denominado ‘Estado democrático’, este entendido como

observador dos valores inerentes à dignidade da pessoa humana e calcado no

reconhecimento do outro (alteridade) como pressuposto essencial da consecução de

um processo penal ‘ justo”.

Silva Franco159, com absoluta propriedade, critica que o direito penal, e

via de conseqüência o direito processual penal, ingressa nos dias atuais em fase

crepuscular, na medida em que o controle penal passa a desempenhar uma função

nitidamente simbólica. “A intervenção penal não objetiva, mais tutelar, com eficácia,

os bens jurídicos considerados essenciais para a convivencialidade, mas apenas

produzir um impacto tranqüilizador sobre o cidadão e sobre a opinião pública,

acalmando os sentimentos, individual ou coletivo, de insegurança”. E tenta-se

promover a visão de que os direitos e garantias fundamentais são entraves ao bom

funcionamento do sistema.

Alguns movimentos reformistas do processo penal buscam

procedimentos simplificados, mais rápidos, menos formais. Adverte Mario

Chiavario160 que são “diversos os métodos usados algumas vezes pelos

legisladores, para se evadir do princípio da nulla poena sine iudicio, sem o

consentimento do acusado”, recordando disposição do Código Penal Militar italiano,

revogada em 1994, que permitia a execução de autores de certos crimes, quando

presos em flagrante delito.

A esse respeito, mais uma vez, é pertinente recordar que nenhum ramo

do direito é tão sensível à conformação do sistema político e à ideologia social

quanto o direito processual penal. Conforme assinala Salo de Carvalho 161, “se

fosse possível mensurar o grau de civilidade de determinada comunidade, tarefa

irrealizável empiricamente e inconcebível cientificamente, um dos primeiros critérios

158 HOUKR, Fauzi Hassan, op.cit., p.160. 159 SILVA FRANCO, Alberto (prefácio). In, PIERANGELI; ZAFFARONI, “Manual de Direito Penal Brasileiro”, Parte Geral, SP: RT, 1996, p.10 160 CHIAVARIO, Mario, op.cit. DELMAS-MARTY, Mireille (org.), p. 569. 161 CARVALHO, Salo, op.cit. p. XXI.

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utilizados seria a avaliação do sistema penal em sentido amplo”. Se os mecanismos

sociais revelam-se incapazes de dar solução aos conflitos, que decorrem da extrema

desigualdade entre as classes sociais, da nociva distribuição de rendas, do

desemprego, dos altos índices de evasão escolar, que, em conseqüência, causam

aumento da criminalidade, da violência, passam a ser o direito penal e o processual

penal utilizados como instrumentos de repressão.

Nunca se falou tanto do aumento da criminalidade quanto agora,

alarmada a população pelo massacre da mídia, que a faz crer que os freios

inibitórios externos não estão dando conta da crítica situação. Como registra Jacinto

de Miranda Coutinho162 “em situações similares, provocadoras de intranqüilidade

social – ora agravada pela imensa produção do medo levada a efeito pelos meios de

comunicação – o país responde com violência e endurecimento dos mecanismos de

repressão penal, como se isso fosse panacéia”.

E há os que se aproveitam desse estado de fragilidade da população e

acenam com soluções milagrosas, quase sempre instrumentalizadas em propostas

legislativas repressivas, que, apesar de violentar a Constituição, contam com o

apoio popular, sempre engabelado com promessas de segurança.

O Direito é um instrumento de viabilização da co-existência humana,

logo, não se pode concebê-lo a não ser como mecanismo para garantir a segurança

jurídica. Por isso, admite-se a possibilidade de se tratar com rigor a criminalidade,

mas isso não pode ser feito mediante desprezo dos direitos e garantias individuais.

Segundo Zaffaroni163, “ a função de garantia da co-existência se cumprirá na medida

em que se garanta a cada um a possibilidade de dispor – e usar – o que considere

necessário para sua auto-realização”. Conclui o autor que se a segurança jurídica é

o asseguramento da coexistência e a coexistência é o social, a distância entre

ambos os conceitos se encurta, até a superposição, ou seja, não pode ser defesa

social, que, por sua vez, somente pode ser entendida como prevenção, não

tendo significado diverso de segurança jurídica.

162 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “O Projeto de Justiça Criminal do Novo Governo Brasileiro”. In, BONATO,G.(org.). Processo Penal: Leituras Constitucionais, RJ: Lumen Iuris, 2003, p.137. 163 ZAFFARONI, Eugenio e Outro. “Manual de Direito Penal Brasileiro”. Parte Geral, 5. ed., p. 92.

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Denuncia Alberto Silva Franco164 o movimento de pinça que se iniciou

na década de 90, colocando a intervenção geral positiva como critério legitimador

para a intervenção penal. Demonstra que o modelo garantista e o princípio da

intervenção penal mínima, caracterizadores ambos do Estado democrático de

direito, não foram observados em sua inteireza, nem na própria Constituição de

1988, na medida em que, por exemplo, a figura do crime hediondo foi tratada como

paradigma constitucional, assim como decorreu de determinação constitucional a

criminilização de algumas condutas.

Registram-se essas preocupações, na medida em que o direito

processual penal deixa de ser visto como exclusivo instrumento de preservação da

liberdade jurídica do acusado, para voltar a ser o meio de atuação do poder punitivo

estatal, não mais com o objetivo de perpetuação de poder, mas sim com o escopo

de assegurar tão somente a paz social. E isso representa sério risco.

Por isso, insiste-se em que a eficácia do sistema penal, nesses

tempos, e mais do que nunca, impõe rapidez e certeza dos procedimentos, com

redução do formalismo, ainda que não seja possível se cogitar apenas da “lógica

economicista de produtividade pela produtividade”, como já se alertava na

Exposição de Motivos do Código Penal de Portugal165. Para Ada Pellegrini

Grinover166, eficiente é um processo penal no qual estão conjugados a efetividade e

a eficácia dos direitos fundamentais. Eficiente é um processo penal através do qual

se possa prestar a jurisdição de forma célere, observado o devido processo legal,

resguardados a ampla defesa, o contraditório, a igualdade de tratamento, enfim

todos os demais subprincípios que dele decorrem, através do qual se a alcance

justiça, com isso garantindo a todos a segurança jurídica, também um direito

fundamental.

164 FRANCO, Alberto Silva (prefácio) ZAFFARONI e outro, op.cit. p.10. 165 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit., nota rodapé n. 55. 166 GRINOVER, Ada Pellegrini, “Lineamentos gerais do novo processo penal na América Latina”, SP: Revista de Processo, v.15, n. 58, p. 1349.

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2.2. O sistema acusatório e o garantismo.

Na Europa continental, somente com o Iluminismo, que provocou o

alargamento da influência da racionalidade, uma nova concepção do ser humano e a

redução da importância da religião, ressurgiu, no processo penal, o sistema

acusatório, fundado nas conquistas definitivas do processo penal inglês, que

amplamente respondiam às reivindicações do momento histórico: separação dos

poderes do Estado, independência dos juízes, publicidade, contraditório e oralidade

do julgamento.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão consolidou

algumas exigências, consagrando a presunção de inocência, somente admitindo

prisão nos casos e formas previstos em lei e abriu caminho para que viessem, em

tempo seguinte, ser acolhidos o princípio da reserva legal; o direito de defesa e a

motivação dos julgamentos.

Mas, o sistema criminal acolhido pelo Code d’Instruction Criminelle de

1808 longe estava de espelhar aquele consagrado no mundo antigo, na Grécia e

em Roma. Apesar de positivar os princípios do contraditório, da publicidade, da

oralidade, mesclava características dos dois sistemas, tendo ficado conhecido como

sistema misto, o que influenciou, em termos gerais, a legislação da Europa

continental. Ainda naquele momento, defendia-se a necessidade de uma

investigação secreta, dirigida pelo juiz, com tímida atuação da defesa. Mas, a

tendência acusatória foi se acentuando. Na Áustria, Espanha e Franca, mantidas

algumas das características inquisitórias, na primeira fase, como por exemplo, o

segredo, a escrituração e a iniciativa judicial167. Em Portugal, somente em 1826,

ocorreu a reforma da estrutura processual penal.

No Brasil, após a unificação da legislação processual penal, conforme

determinado pela Constituição de 1934 e depois da Carta de 1937, foi promulgado o

Código de Processo Penal, que entrou em vigor em janeiro de 1942. Manteve-se o

procedimento escrito e burocrático, mas foi introduzida a instrução contraditória, a

167 PRADO, Geraldo, ob.cit., p. 111.

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completa separação das funções julgadora e acusatória e eliminado, quase por

completo, o procedimento ex officio.

Por esse caminho, chegou-se ao processo acusatório, nos moldes em

que é hoje conhecido.

Geraldo Prado168 apresenta uma definição de sistema acusatório como

categoria jurídica composta por normas e princípios, daí porque afirma não ser

possível justapô-lo a um preciso princípio acusatório, “pois a identidade entre um e

outro resultaria, por exigência lógica, na exclusão de uma das duas categorias, pela

impossibilidade de um princípio ser, ao mesmo tempo, um conjunto de princípios e

normas do qual ele faça parte, numa relação de continente a conteúdo”. Sustenta,

dessarte, que por sistema acusatório devem ser compreendidas as normas e

princípios fundamentais, ordenadamente dispostos e orientados pelo princípio

acusatório, que pressupõe um processo de partes, quer do ponto de vista estático,

ou seja, tendo em conta as funções que incumbe a cada uma delas no processo,

seja do ponto de vista dinâmico, através do modo pelo qual se relacionam no

processo o autor, o réu e o juiz.

No sistema acusatório, portanto, normas e princípios fundamentais,

ordenados e orientados pelo princípio acusatório, do direito moderno, é identificada

a relação jurídica processual, com seus três personagens – autor, réu e o juiz.

Segundo Giovanni Conso169, características desse sistema são a necessidade de

acusação ser ofertada por órgão distinto do julgador, a publicidade, a oralidade do

procedimento, a paridade das armas entre as partes, a exclusão da iniciativa judicial

para recolher as provas, e a liberdade do acusado, ao menos ate a sentença

condenatória definitiva. Sem negar a importância de um processo de partes,

principio do sistema acusatório, é, segundo Salo de Carvalho170, na gestão das

provas, que se tem o elemento que melhor os define. Claus Roxin171 indica ter o

processo inquisitivo como base o princípio de que a investigação da verdade está

nas mãos do juiz, que reúne, desde o início, a prova, interroga o réu, conduz o

processo e profere a sentença. No rito inquisitório, o juiz representa o interesse

168 PRADO, Geraldo. “Sistema Acusatório- A conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais”, 2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001, p.124. 169 CONSO, Gioivanni. ” Istituzioni di Diritto Processuale Penale”, apud, Geraldo Prado, op.cit.,p. 125. 170 CARVALHO, Salo. “Penas e Garantias”. 2. Ed, Rio de Janeiro: Lumen Iuris,ano 2003, p. 17. 171 ROXIN, Claus. “Derecho Procesal Penal, Estudos de Direito Penal”. RJ: Renovar, 2006, p. 122.

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punitivo, legalista, devendo ser dotado de capacidade investigativa. No sentido

teórico, ou conceitual, é inquisitivo o sistema cuja função seja a obtenção coercitiva

de reconhecimento de culpabilidade do réu172. A respeito, Maximo Langer esclarece

que, dessa perspectiva,

“ no importa si los reconocimientos de culpabilidad coercitivos son obtenidos por um juez inquisidor torturando al imputado, por un fiscal en un plano de igualdad formal con este, por un policía haciéndole preguntas al imputado antes de informale sus derechos, por un gran jurado durante sus procedimientos secretos, o, incluso, por um juez-psiquiatra utilizando hipnosis. Tampoco importa si esta coerción es ejercida en un proceso penal con persecución penal publica o privada, secreto o publico, escrito o oral”.

Rogério Nascimento173 também adere ao entendimento de que o que

define o sistema penal é a forma de gestão da prova. No sistema acusatório, o juiz

deve ser um expectador passivo, assumir uma posição equilibrada, voltado à

objetiva e imparcial avaliação dos fatos, cuja ciência lhe deve ser apresentada pelas

partes. Mas, há de se atentar que a adoção de um sistema de gestão da prova

adversarial puro não garante resultado justo. Adverte o autor que, no processo

penal, a iniciativa do juiz na produção das provas há de ser subsidiária e limitar-se à

produção dos meios de prova, sem adentrar o campo investigativo. Assim, não

restará descaracterizado o sistema como acusatório. Ao exercer a atividade

supletiva, o juiz não será influenciado pela prova, o que é alvo de censura, porque,

até que seja a mesma produzida, não se sabe o resultado que dela se obterá.

No sistema acusatório, em situação de igualdade, devem se encontrar

autor e réu, e sobrepondo-se a eles, atuando de forma imparcial, o juiz, que

representa o Estado. A relação entre autor e réu, se desenvolve no sistema

acusatório, com base no princípio da igualdade das partes. Ao contrário do que

ocorre no sistema inquisitório, o juiz não dirige, investiga, acusa e julga. Salo de

Carvalho174 aponta que o juiz deve adotar uma conduta passiva, tanto no que

concerne à iniciativa da ação, quanto à gestão da prova. Segundo o autor, está na

separação entre juiz e acusação o mais importante elemento do sistema acusatório.

172 LANGER, Maximo. “La dicotomia acusatório-inquisitivo y la importación de mecanismos procesales de la atradición jurídica anglosajona. Alguns reflexiones a partir del procedimiento abreviado”. HENDLER, E.(org.). op.cit., p. 239. 173 NASCIMENTO, Rogério Bento, op.cit., p. 862. 174 CARVALHO, Salo, op.cit., p.27-8.

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Informam o sistema acusatório os princípios do contraditório, que

resulta de uma garantia político-jurídica do cidadão, eis que lhe confere participação

no processo; da igualdade, que resulta que às partes devem ser garantidas iguais

oportunidades no processo, além de que deve o juiz buscar conferir-lhes igualdade

substancial; da publicidade, porquanto o processo é público, o que lhe confere

transparência; da oficialidade, que impõe ao juiz se mantenha inerte, até que seja

provocada a jurisdição, não podendo se concentrar em uma só pessoa as funções

de acusar e julgar; da presunção de inocência, porque a pessoa só pode ser

considerada culpada após a sentença condenatória ter transitado em julgado; da

obrigatoriedade, da indisponibilidade do processo, não podendo o titular da ação,

que age em nome do Estado,em princípio, deixar de exercer a ação penal, quando

tiver ciência da prática de um crime; do juiz natural, da motivação das decisões

judiciais e da oralidade, que aproxima o juiz que vai julgar da prova que lhe servirá

para formar seu convencimento.

O corolário é o devido processo legal, do qual se obtém o processo

legítimo, o processo justo, o processo democrático, no qual resta resguardado o

direito das partes de participar e influir no resultado.

Para que seja obtido um resultado, o mais justo possível, torna-se

necessário reproduzir no processo a verdade dos fatos. O Direito, esse haverá o juiz

de conhecê-lo. Mas, as questões de fato, essas precisam lhe ser apresentadas pelas

partes. Obter a verdade, no processo, é questão das mais difíceis. O objeto da prova

são fatos passados, que têm que ser reconstituídos, a fim de possibilitar a

argumentação e a obtenção do consenso, único meio de se alcançar a verdade

processual. Não é tarefa fácil reproduzir, no processo, os fatos, na forma como

efetivamente ocorreram. A observação e registro de um fato têm sempre uma carga

subjetiva, nem sempre isenta, e sempre sujeitas a deformações.

Quanto mais simples for o procedimento, mais ágil, mais aderente à

realidade social, consentâneo com a complexidade dos fatos, quanto mais

concentrados forem os atos processuais e maior for o contato do juiz com a prova,

maiores são as chances de se atingir com mais segurança a verdade que se busca

no processo.

O processo penal acusatório, aquele que se deixa impregnar pelo

principio acusatório, é o que melhor dá conta da função-garantia do direito, porque

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preserva a tripartição das atividades processuais, de sorte a validar os direitos

fundamentais. Acusa-se, defende-se e julga-se. Alejandra Aliiaud175, reconhecendo

sua importância, foi levada a questionar, inclusive, se não seria ele pressuposto

prévio e necessário para a operatividade das demais garantias processuais.

Jacinto de Miranda Coutinho176 aponta que, no Brasil, após terem sido

superados os sistemas puros, adotou-se um sistema misto. Segundo o autor não se

trata de um verdadeiro sistema, mas sim do resultado da inclusão, em um dos dois

modelos clássicos, de elementos do outro. E não lhe poupa críticas, sustentando

que, adotado esse caminho, a Justiça criminal não encontrará espaço para conferir

efetividade à Constituição da República. A seu ver

“ o sistema brasileiro segue tendencialmente (eis aí o adjetivo misto) inquisitório, porque seu núcleo ( o princípio) aponta para uma gestão de prova comandada pelo juiz(...) O mais complicado, é sintomático, segue sendo fazer ver aos operadores jurídicos que os elementos secundários (existência de partes; acusação autônoma por órgão diverso do juiz, contraditório, prisão cautelar como regra, etc.), embora relevantes, não tem o condão de fornecer o núcleo do sistema efetivamente, e, com isso, não se consegue marchar para uma reforma que aponte, para uma democracia processual”.

Alexandre Morais da Rosa177 aponta a incongruência da adoção da

expressão mista, como se de um terceiro gênero se tratasse, salientando que a

compreensão de um sistema decorre exatamente da existência de um princípio

unificador, não sendo possível aceitar-se a coexistência de princípios na origem do

sistema. Assim, a seu juízo, a admissão da expressão mista somente pode ser

aceita, quando se pretende indicar que o sistema brasileiro - que não é totalmente

inquisitório, nem totalmente acusatório – acolhe características comuns de ambos

os sistemas, mas há de se reconhecê-lo acusatório, na medida em que o princípio

que o informa é o acusatório.

Segundo Gilson Bonato178, no sistema misto, há um jogo alternado do

interesse público em punir os delitos e em conservar a liberdade do cidadão. O

175 ALLIAUD, Alejandra Mercedes. “Princípio acusatório. Estudio histórico-comparado de su gênesis y evolución”. HENDLER. E., op.cit., p.211-236. 176 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “O Projeto de Justiça Criminal do Novo Governo Brasileiro”. BOBATO, G. (org.). “Processo Penal:Leituras Constitucionais”. RJ: Lumen Iuris, 2003, p.129. 177 ROSA, Alexandre Morais. “Decisão Penal: “A bricolage de significantes”. RJ: Lumen Iuris, 2006, p.134. 178 BONATO, Gilson, op.cit., p. 97.

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procedimento – nele incluída a fase pré-processual – tem início com a investigação

que dá suporte à acusação. Nessa fase, no modelo brasileiro, foram mantidas as

características do sistema inquisitório. Após essa fase, oferecida e recebida a

acusação, passa-se à fase processual, que se desenvolve perante o juiz, onde

ocorre o debate, procede-se à instrução, com a apresentação das provas pelas

partes, onde, enfim, a forma acusatória é preservada, com prestígio maior da

oralidade, da imediatidade e da publicidade. Afirmando ser o modelo brasileiro, no

plano ideal, o acusatório, ratifica o autor, sua preocupação com a advertência de

que, para que ele o seja também na realidade, mister se faz que as leis processuais

infraconstitucionais sejam interpretadas e aplicadas em conformidade com a

Constituição.

A opção da Constituição da República pelo sistema acusatório é clara,

na medida em que foram separadas, de forma rígida, as funções do órgão de

acusação, exercidas pelo Ministério Público, como resta expresso no art. 129, I, da

Carta Constitucional, das do juiz, membro do Poder Judiciário, cujo ingresso na

carreira se dá concurso público e a quem são conferidas garantias como forma de

lhe assegurar integral independência.

O juiz não participa da investigação criminal, não devendo ter

ingerência na colheita da prova. Muito se questiona a possibilidade de o juiz de oficio

determinar a produção de provas. Admite-o a lei processual penal, assim como boa

parte de respeitável doutrina. E abre-se, no particular, um parênteses para se

reportar à Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, que faculta ao juiz a produção de

prova de ofício, podendo ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a

produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. Não se pode

deixar de considerar essa regra um retrocesso no caminho já trilhado em direção do

devido processo penal. Não se pode olvidar que o juiz é o garante dos direitos

fundamentais, não admitindo a Constituição que se dedique ele à tarefa de trazer

para o processo provas, que as partes não trouxeram. Cabe ao Ministério Público

produzir aquelas que dão alicerce a seu pedido de condenação, pois é ônus seu a

comprovação da acusação. Cabe ao acusado produzir as provas que neutralizem

aquelas apresentadas pela acusação. A atuação do magistrado, no particular,

compromete sua imparcialidade, que é garantia do devido processo legal, e jamais é

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possível esquecer que a função verdadeira do juiz criminal é tornar efetivo o

princípio do devido processo legal.

A pretexto da necessidade de se priorizar a segurança, algumas

reformas processuais penais têm se inclinado para o sistema inquisitorial,

“distanciando os mecanismos de averiguação do desvio punível da feição acusatória

insinuada pela CR e incrementando a desjudicialização do sistema jurídico-penal”179.

Censura Salo de Carvalho a invasão inapropriada do significado de segurança

pública no processo penal, na medida em que não é esse ferramenta das políticas

de segurança, e questiona: “se o sistema permite ao juiz produzir prova e ao

acusador investigar diretamente, como restam os direitos de ampla defesa do

acusado?”.

2.2.1 – O princípio da oralidade

A linguagem é forma de transmissão de pensamento e através dela

são trocadas informações. Essa troca de informações pode ocorrer pela forma

escrita, verbal, gestual. Importante, é que seja a transmissão clara, objetiva,

acessível e precisa. E, no Direito, a transmissão das idéias assume especial relevo,

porque é dessa forma que o juiz conhece do conflito de interesses existente entre as

partes, é através dela, também, que as partes conhecerão o pronunciamento judicial.

É através dela que os estudantes conhecem o que pensam os juristas, que o

conteúdo das leis chega aos destinatários, que o Direito é produzido, que a lei do

caso concreto é criada.

Não se discute que a comunicação oral tem grandes vantagens, na

medida em que a oralidade é a matriz de toda comunicação.

A comunicação no processo penal não se resume na linguagem falada.

Tanto a defesa é produzida oralmente, como, em grande parte, a atividade

probatória se desenvolve através da linguagem oral. Reconhecem-se as vantagens

do sistema oral, onde há predomínio da linguagem falada sobre a linguagem escrita,

179 CARVALHO, Salo. “Cinco teses para entender a desjudicialização material do Processo Penal Brasileiro”. WUNDERLICH, A. (org.). Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2005. p.473-486.

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daí sendo possível afirmar que um ideal de processo acusatório é aquele que adota

a publicidade, que resguarda o amplo contraditório e prestigia a oralidade.

Apesar de pairar alguma incerteza, na medida que frágeis são as

fontes, Jefferson Guedes180 aponta haver indícios de que, mesmos nas civilizações

que conheciam a escrita, a apreciação do direito, no processo primitivo, se

desenvolvia por meios essencialmente oralizados.

De acordo com Francisco Morato181 são características de um

procedimento oral a predominância da palavra falada, a imediatidade da relação do

juiz com as partes e com os meios de prova, a identidade física do juiz e a

concentração da causa no tempo.

A oralidade caracteriza-se, portanto, na circunstância de serem as

discussões travadas e as conclusões deduzidas de viva voz em audiência, de ser a

sentença pronunciada, em seguida, pelo mesmo juiz que assistiu a instrução e

debates do feito, da concentração de toda atividade processual em uma só

audiência ou em audiências imediatas. Como registra Arturo Rispoli182,

“a escrita não faz palpitar o fato na sua humanidade, em sua expressão mais espontânea e pura, porque carece do colorido da voz, da manifestação da convicção íntima, do ardor do justo e da vibração daquele que sente quebrantado seu direito. A oralidade, ao contrário, faz reviver as paixões no contraste estridente do duelo judiciário, na força vibrante da eloqüência, na eficácia de uma síntese vivificadora e fiel da realidade essencial do fato humano e jurídico”.

Segundo Jefferson Guedes, poder-se-ia dividir em três fases o

desenvolvimento do Direito, segundo o equilíbrio dos meios de comunicação: a

primeira essencialmente oral; a segunda, oral e escrita, coincidente com o momento

da popularização do papel no ocidente; a terceira, oral, escrita e documental,

quando foram ampliadas as manifestações escritas, o que se tornou possível com a

disseminação da cultura, do alfabetismo, que deixou de ser privilégio de poucos.

No sistema do commom law, não é percebida a preocupação com a

oralidade, como se observa nos direitos da Europa continental e ibero-americano. O

180 GUEDES, Jefferson Carus, “O Princípio da Oralidade”, SP, RT, Coleção Estudos de Direito de Processo, vol. 53, ano 2003,p.18. 181 MORATO, Francisco, “A Oralidade”, In, “Processo Oral”, RJ, Forense, 1940, p.1-24. 182 RISPOLI, Arturo, apud ,MORATO, F. “A Oralidade”, In Processo Oral, RJ, Forense, 1940, p.3.

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direito inglês da atualidade, que teve como fonte, desde o século XII, a reunião do

direito consuetudinário pelos tribunais reais centrais, como não sofreu influência do

direito romano-canônico, manteve o processo com suas características originais,

com prevalência da concentração, imediatidade e oralidade.

Muito contribuiu para a manutenção do processo oral, no common law,

segundo lição de Mauro Cappelletti183, a preservação da instituição do jurado, ainda

muito valorizada nos Estados Unidos. Como é na audiência, realizada para que

tomem os jurados conhecimento dos fatos, que a prova é produzida, que

depoimentos das partes e testemunhas são tomados, que são realizados os

debates, os atos processuais são concentrados e a imediação é prestigiada.

A tentativa levada a efeito no Código de Processo Civil francês, de

1806, de resgate do processo imediato, oral e concentrado, propagou-se pelas

demais leis processuais européias, grassando plena adesão, com especial destaque

às legislações alemã e austríaca, onde, inclusive, o princípio da oralidade terminou

por ser fonte geradora de novos princípios, como o da identidade física do juiz, da

concentração e da imediatidade. À exceção, no direito europeu continental, ficou

por conta da legislação italiana, que somente admitia a oralidade na fase final do

procedimento.

A adoção de um sistema oral jamais conquistou unanimidade.

Apresentado como remédio contra a lentidão dos processos, que seriam conduzidos

com mais facilidade, até mesmo porque não teriam as partes oportunidades para

atuações desleais, sempre recebeu severas críticas, apontando seus opositores que

se prestava ao espetáculo, além de exigir dos magistrados uma memória especial.

Enfim, o debate sobre as vantagens e desvantagens do sistema oral e

do sistema escrito ainda se mantém vivo, não perdeu a importância. A resistência à

oralidade persiste e, como registra Jefferson Guedes184, apesar de elogiada,

admirada, “nem sempre é implantada ou adotada.

Mauro Cappelletti,185 protagonista da campanha pela oralidade,

183 CAPPELLETTI, Mauro. “Processo oral y Processo escrito”, Buenos Aires: Ed.Jurídicas Europa-America, 1972, p. 58-71. 184 GUEDES, Jefferson Carús, op.cit. p.33. 185 CAPELLETTI, Mauro, O valor atual do princípio da oralidade. Revista Jurídica n. 297, julho de 2002, p.12/18 e “Processo oral y Processo escrito”, p. 58-71.

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posição que fora exercida por Chiovenda186 , umas seis décadas atrás, a fazia, não

mais enfocando a oralidade como instrumento a ser utilizado somente na fase

instrutória do processo, como panacéia que pretendia corrigir-lhe os males, mas

buscando apresentá-la como útil ferramenta a ser empregada pelas reformas

processuais, na busca do maior acesso à justiça, na medida em que estaria a

possibilitar a adoção de procedimentos mais simples, mais econômicos, e portanto,

mais céleres.

As mudanças sociais, que refletem, por sua vez, outras relações

processuais, impõem a apreciação do tema sob novos paradigmas, chegando

autores, como Pedro Henrique Demercian187, a afirmar que nenhuma reforma

processual será bem sucedida se não adotar o princípio da oralidade em plenitude.

A sociedade atual se comunica em tempo real e as decisões são

conhecidas no mesmo momento em que são prolatadas. Esses são novos fatos a

considerar e representam desafios a serem enfrentados, quando do estudo da

oralidade no processo. Como recorda Jefferson Guedes188, “diante de velozes

alterações operadas nas telecomunicações, nas últimas três décadas do século XX,

que se generalizam mundialmente, neste momento, surge outra gama de questões

que não foram e nem podiam ser cogitadas há 30 anos”.

É preciso, contudo, distinguir a oralidade do processo do processo oral.

Não há, nos ordenamentos jurídicos modernos, mais espaço para um processo

exclusivamente oral, sendo incontroversa a necessidade de haver documentação

dos atos processuais. Já lecionava Francisco Morato189 que a escritura é sempre

necessária e desempenha dupla função no procedimento oral. A primeira seria a de

preparação do desenvolvimento da causa, com o registro do conteúdo da demanda,

com os artigos contraditórios, os meios de provas e as provas pré-constituídas,

enfim, tudo o que integrasse a fase postulatória. A segunda seria a de documentar

os passos importantes do processo, em particular as ocorrências da audiência.

Conclui, dizendo que, no procedimento escrito, a escritura é a forma através do qual

186 CHIOVENDA, Giuseppe, “Procedimento Oral”. In, Processo Oral,op.cit., p.39. 187 DEMERCIAN, Pedro Henrique. “A Oralidade no Processo Penal Brasileiro”. São Paulo, Atlas, 1999, p.118. 188 GUEDES, Jefferson Carús, op.cit.p.36. 189 MORATO, Francisco, op. cit.p.4.

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se formulam as deduções, enquanto que “ no oral, não é senão o registro das

declarações ou deduções que se vão fazer na audiência”.

Ainda que haja acordo da superioridade da palavra sobre o escrito,

despido de sentimento, de emoção, conforme anunciava Carnelutti190,

“as deduções dos litigantes não devem tão só ser comunicadas ao juiz, senão também documentadas. A palavra é necessária à comunicação, o escrito é necessário à documentação das deduções das partes. Com isto se compreende facilmente que o princípio da oralidade não exclui de modo algum a escritura no processo; ao contrário, oralidade e escritura devem coexistir e integrar-se; o principio da oralidade significa somente que a palavra serve de meio de comunicação e a escritura de meio de documentação”191

A oralidade é princípio informador de caráter geral, por isso

fundamental, atinente ao processo civil e também ao processo penal, não sendo, no

entanto, encontradas referências a um processo, na atualidade, no qual todos os

atos processuais sejam realizados exclusivamente sob a forma oral. O predomínio é

de um processo misto, com prevalência de um ou outro modo de realização dos atos

do processo. Há procedimentos onde é priorizada a oralidade, como por exemplo, o

procedimento dos juizados especiais criminais, configurando exceções, no direito

brasileiro, as previsões acerca de processos puramente escritos e documentais,

como é o caso do habeas corpus.

A oralidade termina, é verdade, por aproximar o juiz da prova, na

medida em que ele a colhe diretamente, sendo-lhe dado sentir a segurança, a

insegurança, a seriedade, o temor, enfim, as reações do réu e das testemunhas.

Presidindo a fase instrutória, assistindo a produção das provas, entrando em contato

direto com as testemunhas, peritos, local e objetos relacionados com a causa, torna-

se mais fácil ao julgador colher de tudo sua impressão imediata, direta e pessoal.192

A oralidade apresenta como consectários a celeridade, na medida em

que a prova é produzida diretamente perante o juiz, verbalmente, permitindo ao

mesmo o contato com as partes, com as testemunhas; a imediação, o que aproxima

o juiz do fato a ser provado; a concentração, realizados os atos processuais

190 CARNELUTTI, Francesco, op.cit. p. 336. 191 Apud, Morato, Francesco, op.cit. p.5. 192 MORATO, Francisco, “A Oralidade”. In, “Processo Oral”. Chiovenda, Coletânea de Estudos de Juristas Nacionais e Estrangeiros”, 1ª série, RJ, Revista Forense, 1940, p. 5.

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preferencialmente em uma só audiência, e a identidade física do juiz, vinculando ao

julgamento aquele que colheu a prova.

A oralidade não exclui, contudo, a documentação dos atos processuais,

na medida em que há necessidade de se conservar o que foi expresso no processo,

até mesmo em razão do principio do segundo grau de jurisdição. Há necessidade de

se perenizar as ocorrências do processo. Os atos essenciais, assim compreendidos

os depoimentos, as manifestações dos patronos, os incidentes, as impugnações,

devem, portanto, ser reduzidos a escrito.

Ocorre, todavia, que essa escrituração dos atos processuais, muitas

vezes, compromete-lhes a fidelidade, como meio de prova. Quando os depoimentos

orais são reduzidos a escrito, nem sempre são mantidas as mesmas palavras

proferidas pelo depoente, nem sempre consegue o juiz registrar sentimentos,

impressões, comportamentos, dificilmente deixa registro sobre sua percepção a

respeito da firmeza de um depoimento, da sinceridade da testemunha, da linguagem

gestual. Em regra, um magistrado atento guarda em sua memória essas

circunstâncias, se foi ele quem colheu diretamente a prova, o que, certamente, lhe é

útil, quando da prolação da sentença. Mas, essas impressões só são de seu

conhecimento, jamais alcançando outras pessoas que um dia precisarem conhecer o

processo, como é o caso do órgão julgador, quando da apreciação dos recursos.

Ressalta-se a grande importância para a efetividade do processo da observância da

imediatidade.

2.2.2. O princípio da imediatidade e celeridade

O processo oral impõe como conseqüência a imediação dos atos

processuais, sendo da essência da oralidade a colheita direta da prova pelo juiz.

Segundo René Ariel Dotti193,

“ a imediação significa essencialmente que a decisão jurisdicional só pode ser proferida por quem tenha assistido à produção da provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa, mas significa também que na apreciação da prova se deve dar preferência aos meios de prova que se encontrem em relação mais direta com os “factos probandos” (v.g. preferência às testemunhas presenciais às de “ouvir dizer”, dos documentos

193 DOTTI, René Ariel. “Princípios do Processo Penal”. Revista de Processo. SP: RT (67), jul/set-92, p.73-92.

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originais às suas copias, etc.) e seja feita mais brevemente possível, logo que finda a audiência de julgamento”

O princípio da imediatidade envolve, portanto, um aspecto formal, que

decorre do contato direto do juiz com as partes, e um aspecto substancial, quando

ocorre a utilização de provas mais diretamente ligadas com o fato a ser provado.

Como anota Geraldo Prado194 “não se concebe procedimento penal no

curso do qual os atos de instrução criminal, tal seja, de aquisição e conservação das

provas e de debates sobre o material incorporado, para o fim de conformação da

convicção judicial, desdobrem-se no tempo, distantes uns dos outros e praticados

perante diferentes juizes.

Em face das mudanças geradas pelas novas tecnologias da

informação, a revisão no conceito de comunicação se apresenta como necessária,

inclusive em relação aos atos processuais. Reclama-se o reexame do significado de

imediatidade. Vários meios até então utilizados no processo tornam-se obsoletos -

como um dia se tornou obsoleta a máquina de escrever -, e uma atenta apreciação e

avaliação das modernas técnicas de comunicação passa a ser exigida quando do

exame da validade, do custo e da utilidade dos procedimentos processuais.

Não se pode, portanto, simplesmente desprezar o uso das inovações

tecnológicas para o aprimoramento da prestação jurisdicional, na medida em que há

efetiva possibilidade de se constituírem valioso recurso, até mesmo para

concretização da imediatidade. Jefferson Guedes195 explica que a utilização da

tecnologia faz aflorar dois sentimentos: o primeiro, é o que inspira nas pessoas júbilo

e, por isso, a intenção de seu aproveitamento até mesmo para a produção de

decisões por meio de equipamentos eletrônicos. O segundo, de perplexidade e

ceticismo, daqueles que nelas vêem o risco de tornar o processo desumano e de

romper a isonomia processual.

Segundo o autor, exatamente no momento em que se afirma ser a

imediatidade o “ponto de sobrevivência e de valorização do humano no processo”,

passa a haver o risco de ser entre o juiz e as partes interposta uma máquina.

194 PRADO, G. op.cit.p.171. 195 GUEDES, Jefferson Carús, op.cit., p.62.

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Não há correspondência absoluta entre oralidade/imediatidade e

escritura/mediatidade, principalmente, no processo penal brasileiro, eis que não vige,

contraditoriamente, o princípio da identidade física do juiz, não havendo vinculação

ao julgamento daquele que procedeu à colheita da prova oral. É bem verdade que,

no processo penal, a qualquer tempo, pode o juiz convocar o réu para ser ouvido,

pode reinquirir testemunhas, ordenar diligências, ainda que em grau de recurso,

previsões legais que prestigiam o princípio da imediatidade, na medida em que

representam meios para aproximação o juiz da prova. Por outro lado, porém, são

medidas que causam maior retardo da outorga da prestação jurisdicional, porque

impõem sejam renovadas audiências, refeita a prova, gerando custos perfeitamente

evitáveis, se imperasse o princípio da identidade física do juiz.

Os que defendem a inafastabilidade do princípio da imediatidade

invocam ser a humanização um valor social do processo, instrumento, insiste-se, de

pacificação social. Os atos de comunicação direta do juiz com o réu, de audiência

pessoal das testemunhas, colocadas na presença do magistrado, responsável

diretamente pela condução do processo, lhe dão “alma”, e permitem a avaliação

instantânea das ações e reações das pessoas envolvidas, sendo esses atos que,

inquestionavelmente, humanizam o processo, sendo inquestionável o valor social,

que carece ser preservado 196. Além do mais, ao ter contato com o juiz, o réu ganha

um interlocutor, encontra alguém para ouvi-lo, assim como as testemunhas, que se

sentem valorizadas quando comparecem perante a autoridade judicial para relatar

os fatos.

Por isso, afirmava Darci Guimarães Ribeiro197, com base nas lições de

Chiovenda, que “ a oralidade está imbricada diretamente no conceito social do

processo, visualizado externamente como um instrumento de bem-estar social,

capaz de garantir um acesso efetivo a uma ordem jurídica justa”, na medida que “il

processo deve dare per quanto possible a chi há um diritto tutto quello e proprio

quello ch’egli há diritto di conseguire”. Não há, ademais, outra forma de socializar o

processo, senão assumindo o magistrado uma posição de proeminência em relação

às partes. Ainda que as referências indicadas sejam feitas em relação ao processo

civil, a mesma orientação pode ser acolhida no processo penal, porque, também

196 GUEDES Jefferson Carús, op.cit. p.62. 197RIBEIRO, Darci Guimarães. “Audiência Preliminar e Oralidade”, em RT-759, janeiro/99, p. 773.

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nele “entre a forma do procedimento e a função da prova corre um nexo

estreitíssimo”198

Além do mais, ao colher diretamente a prova, o juiz deixa de ser um

mero receptor da mesma, porque assume uma participação ativa. Referido princípio

sofre, contudo, exceções, quando autoriza, por exemplo, o legislador a tomada de

depoimentos por carta precatória, quando é autorizada a mediação de intérprete ao

estrangeiro, ao surdo e ao mudo.

Decorrem ainda do princípio da oralidade o da concentração e o da

identidade física do juiz, esse, inexplicavelmente, ainda não aplicado ao processo

penal.

Ary de Azevedo Franco199, na década de cinqüenta, já criticava a

opção do legislador, assinalando que

“devendo a instrução criminal ser contraditória, mas realmente contraditória, também não deveria o legislador ter olvidado, um instante sequer, os três momentos essenciais da prova – a produção, o conhecimento e a apreciação, e tudo fazer no sentido de se atribuir ao juiz do processo, e só a ele, o dever de presidir a apreciação de todos os elementos de convicção acusatórios ou de defesa, e deixar expresso que ao juiz que houvesse presidido a produção de provas incumbiria julgar o processo. Entretanto, não o fez. De resto, essa atitude não constituiria novidade em nossa legislação processual, pois outro não e o principio dominante no processo civil, como já advertiu o Professor Vicente Ráo, ‘em que as partes, na dilação para esse fim assinado, produzem, reciprocamente, os elementos comprobatórios de suas alegações’, e o juiz que preside a audiência de instrução e julgamento, só ele julga, acrescentando:’E no processo civil estão em causa interesses patrimoniais individuais, que representam, sempre, muito menos do que os interesses da sociedade, ou da liberdade humana, postos em jogo no pretório criminal. É sabido, aliás, em processo criminal que o principio básico referente à apuração da verdade em duas regras se desdobra; a da livre convicção do juiz e a do contraditório, que força o magistrado não só a ouvir ambas as partes em seus debates e alegações, senão, ainda, a assistir à produção das respectivas provas’. É bem diferente, realmente, ler uma peça de teatro e vê-la representada. Assim também ler as peças de um processo e assistir à produção das provas, notadamente o depoimento das testemunhas”.

O princípio da concentração, por sua vez, diz respeito com o tempo do

processo, por isso que, sendo concentrados os atos processuais, não há o risco de

o tempo influenciar nas impressões que o magistrado colheu da prova. A reunião

198 CHIOVENDA, In, “Saggi di dirittto processuale civile”, apud, RIBEIRO, Darci Guimarães, op.cit., p. 773. 199 FRANCO, Ary de Azevedo. “Código de Processo Penal”. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto, 1942, apud, 5 ed. RJ, Forense, 1954, p.11.

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dos atos do processo em uma única audiência, portanto, se apresenta como melhor

solução, o que também é reconhecido pelo legislador, o que tem sido demonstrado

em várias oportunidades200. A preocupação com o tempo do julgamento, aliás, tem

sido a força propulsora das iniciativas de simplificação dos procedimentos,

observadas nos diversos ordenamentos jurídicos,201 sendo perene a inquietação em

criar procedimentos céleres, mas que possibilitem seja atingida a decisão justa, já

que não se pode esquecer que se a “celeridade é uma necessidade, a precipitação é

um grande mal”.202 Acompanhando o movimento de “maximização do

inquisitorialismo”, ainda se observa, como registra Salo de Carvalho203, uma

tendência de sumarização dos procedimentos, a pretexto de alcançar a almejada

celeridade. Uma sumarização, no entanto, que tem administrativado o processo

penal. A pressão em busca de economia no sistema judicial não pode recair, porém,

no processo penal, sobre o acusado, que tem direito que o processo a que está

sujeito seja justo, seguramente justo.

A tendência que se observa é da padronização do rito sumaríssimo, no

ordenamento jurídico brasileiro, o que importa, certamente, maior oralidade,

imediatidade, concentração dos atos processuais. Mas, todo esse movimento

reformista impõe ser feito com cautela, porque não é possível informalizar o

processo de conhecimento com vistas à obtenção de respostas mais rápidas, sem

que se esteja atento à preservação das garantias constitucionais.

Indiscutível a importância do tempo no processo penal. O tempo não só

fulmina a pretensão punitiva estatal. O tempo atinge seriamente a pessoa,

estigmatizada por estar respondendo à ação penal. O tempo corrói as provas, o que

compromete não só a defesa, como também a acusação. O tempo em demasia na

conclusão do processo deslegitima a sanção que dele resultar. Afinal, “ a

perpetuação do processo penal, além do tempo necessário para assegurar os

direitos fundamentais, se converte na principal violação de todas e de cada uma das

diversas garantias que o réu possui”204.

200 Lei nº 9.099/95, artigos 79 a 81; Lei nº 11.343/06, artigos 57 e 58. 201 Recomendação nº 18/87, do Conselho da Europa afirma que a simplificação dos procedimentos é um dos meios importantes para tornar a justiça criminal mais ágil. 202 PRADEL JEAN, op. cit, p. 52. 203 CARVALHO, S, op.cit., p. 482. 204 LOPES JUNIOR, Aury. Direito ao processo penal no prazo razoável”, RBCCRIM, 65, 2007, p. 216.

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A noção de tempo, contudo, faz parte da própria estrutura do processo,

“enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa

determinada temporalidade”205. O tempo no Direito não é relativo, não é subjetivo. O

tempo no Direito é absoluto, uniforme, objetivo. O tempo para o homem, contudo,

não perdeu sua noção de relatividade, de subjetividade. E desse confronto de

percepções surge a necessidade do equilíbrio. Se, por um lado, um processo

moroso, ainda que não esteja preso o acusado, termina por afrontar direito da

pessoa, que se vê desprovida de seu tempo, por outro, não é possível desconsiderar

que o tempo é necessário para que se produza uma decisão justa.

A sociedade vive, contudo, o tempo da aceleração: a informação é

transmitida em tempo real, os meios de comunicação terminaram com a distância, a

urgência se generalizou. Esse fenômeno evidenciou um sério problema, porque o

tempo do Direito não se compatibiliza com o tempo da sociedade. Jamais o Direito

poderá dar soluções instantâneas.

Como salienta Aury Lopes Junior206 o grande paradoxo se estabelece,

porque

“ a sociedade acostumada com a velocidade da virtualidade não quer esperar pelo processo, daí a paixão pelas prisões cautelares e a visibilidade de uma imediata punição. Assim querem o mercado ( que não pode esperar, pois o tempo é dinheiro) e a sociedade ( que não quer esperar, pois está acostumada ao instantâneo)” “(...) A urgência – ou o Estado correndo atrás – deixa de ser uma categoria extraordinária para generalizar-se, como uma tendência de alimentar-se de si mesmo, como se de alguma forma uma das suas intervenções pedisse a seguinte. Ao não tratar do problema com a devida maturação e profundidade, não há resultados duráveis. ‘ As intervenções de urgência parecem sempre chegar ao mesmo tempo demasiado cedo e demasiado tarde:demasiado cedo porque o tratamento aplicado é sempre superficial; demasiado tarde porque, sem uma inversão de lógica, o mal não parou de se propagar”.

Esse o momento vivido pela sociedade contemporânea. O momento da

urgência, das soluções rápidas, superficiais, das decisões transitórias, do atropelo

dos instrumentos construídos, quando não atendem eles às expectativas de

brevidade.

A Constituição da República, ao instituir um sistema de amplas

garantias, deu verdadeira guinada de rumo no processo penal. Sob esse ângulo,

205 LOPES JUNIOR, Aury, op.cit.,p.213. 206 LOPES JUNIOR, A. “Processo Penal. Tempo e Risco: Quando a Urgência Atropela as Garantias”. BONATO, G.(org.), Processo Penal:Leituras Constitucionais. RJ: Lumen Iuris, 2003, p.26.

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como já registrado, não mais se pode conduzi-lo como mero instrumento de

aplicação da lei penal, como resultava da interpretação obtida do autoritário Código

de Processo Penal, ou ainda como forma de se legitimar a prova colhida com vistas

à condenação do réu.

O processo penal há de ser visto como instrumento de efetiva garantia

do indivíduo em face do Estado, através dele evitam-se os abusos de poder,

defende-se a liberdade, isso sem prescindir seu papel de garantia da paz social.

Como costuma, contudo, ocorrer em todo o processo de mudança social, alguns

setores ainda revelam dificuldade em ler o Código de Processo Penal com o novo

olhar imposto pela Constituição Federal, da qual emana orientação determinante e

vinculante das demais normas que disciplinam o processo penal.

O inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República determinou

que todos têm direito, tanto no âmbito administrativo, quanto no judicial, à razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Sustenta Cláudio Cintra Zarif207, no entanto, não ser esse um novo

direito fundamental, por isso que sempre esteve ele previsto na Constituição sob o

manto do principio do devido processo legal, que está diretamente ligado ao Estado

de Direito. Um processo que observa a cláusula do devido processo legal é o

processo no qual se atinge uma rápida solução para o conflito de interesses, sem

que se deixe de lado o respeito aos demais princípios que decorrem também do

devido processo legal.

A necessidade de se conferir maior agilidade ao processo – no

ordenamento jurídico brasileiro, principio constitucional – impõe a ponderação entre

os demais princípios constitucionais do processo. Se por um lado, um processo

demorado viola a cláusula do devido processo legal, eis que dela decorre a garantia

que a jurisdição deve ser prestada com a maior brevidade possível, por outro, um

processo ágil em demasia, pode comprometer seriamente o direito de defesa do

acusado.

Salientando que o direito ao contraditório não é motivo suficiente para

que se curve ao formalismo, tampouco à restrição à liberdade das formas, ressalva

207 ZARIF, Cláudio Cintra. “Da necessidade de repensar o processo para que ele seja realmente efetivo”. FUX, Luiz e outros (coord.), “Processo e Constituição. Estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Barbosa Moreira. SP: Revista dos Tribunais, 2006, p.139.

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Pietro Lora Alarcón208 que “o princípio da celeridade expresso na Constituição revela

a postura teleológica do processo, que deve ser assumido como um instrumento ou

meio com objetivos claros que, ao serem cumpridos, o legitimam diante da

sociedade”.

Com efeito, apontam Aury Lopes Junior e Gustavo Badaró209 que à

medida em que o tempo no processo penal se dilata, maior a violação que se

verificam nos direitos fundamentais, e enfatizam que a primeira garantia a ser

ofendida é a da jurisdicionalidade, na medida em que o processo se transforma em

pena prévia à sentença, com um custo que não é só econômico, mas social e

psicológico, ante o estigma que passa a pesar sobre o indivíduo. Em seguida, vê-se

atingido o princípio da presunção de inocência, porque o passar do tempo vai

sepultando a credibilidade existente sobre a versão do acusado. Vulnerados também

os princípios do contraditório e da ampla defesa, porque, com o passar do tempo,

torna-se mais difícil ao acusado obter de provas, gerando para ele maiores gastos

com o patrocínio de sua defesa, enfim, o processo que se prolonga de forma

irrazoável indica uma verdadeira distorção de seu escopo.

Se é possível afirmar que a efetividade do princípio do devido processo

legal guarda profunda conexão com o processo ágil, principalmente, o processo

penal ágil, porquanto já se referiu que não só à sociedade interessa o deslinde

célere da ação penal, mas também ao acusado, corre-se também o risco desse

processo ágil comprometer a própria efetividade do princípio.

Como ressaltou Barbosa Moreira210, “a implantação de um processo

“mais humano” reclama a agilização da máquina judiciária”, sendo evidente que o

emperramento da mesma impede a efetiva realização do princípio da igualdade das

partes, especialmente em sua acepção substancial. Ao incluir no rol dos direitos

fundamentais o tempo razoável e justo do processo, o legislador constituinte traçou

para o infra-constitucional metas a serem observadas, impondo-lhe a edição de

normas modernizadoras do processo, a fim de garantir o cumprimento do

mandamento constitucional. A morosidade dos processos judiciais é um dos poucos

208 ALARCÓN, Pietro de Jésus. “A Reforma do Judiciário e Efetividade da Prestação Jurisdicional”, TAVARES, André e outros (coord.), Reforma do Judiciário, SP: Método, p.34. 209 LOPES JUNIOR, Aury e BADARÓ, Gustavo H. “Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável”, RJ, Lumen Iuris, 2006, p.8-9. 210 BARBOSA MOREIRA, José Carlos, “Temas de Direito Processual”, Primeira série, RJ, Saraiva, 1989, p. 14.

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problemas nacionais que enseja consenso, sendo com freqüência alardeado que,

dele decorrendo um sentimento de impunidade, termina por estimular a

inadimplência, comprometer os investimentos e causar prejuízos ao

desenvolvimento do país. Está na Constituição da República o suporte necessário

para que uma ampla reforma processual seja empreendida, visando conferir

celeridade à marcha processual.

Através simplesmente dos limites que eram impostos pela lei ao trâmite

processual, constatou-se não ser possível alcançar a proposta de celeridade.

Vários são os prazos definidos pelo legislador para a prática de atos processuais,

estabelecidos com base na adequação e razoabilidade, a fim de que sejam os

necessários para que a atividade processual seja praticada211. Mas, nem sempre é

fácil observá-los, em parte, em razão de incidentes processuais permitidos pela

própria legislação, em parte pela ineficiência da máquina burocrática. Os

parâmetros legais, muitas vezes, deixam de ser respeitados também para que sejam

respeitados princípios constitucionais, como o da ampla defesa e o do contraditório.

Não é possível, a pretexto de assegurar a celeridade da marcha do processo,

afrontar garantias processuais, sendo uma delas os próprios prazos no processo.

A preocupação com o tempo do processo, em todo mundo, é fato

recente, registrado após a Segunda Guerra Mundial, quando ganhou maior

visibilidade a proteção à dignidade da pessoa humana e avultou-se o interesse

coletivo sobre o correto funcionamento das instituições, e a conseqüente

necessidade de que o Estado conferisse a seus súditos confiança em suas

condições de resolver os litígios que lhe fossem apresentados, em prazo razoável e

adequado.

Apontando como mais uma demonstração do equívoco de serem

tratados o processo civil e o penal sob uma mesma Teoria Geral do Processo, Aury

Lopes212 assevera que a questão da celeridade processual deve ser enfocada de

forma diversa no processo civil e no processo penal, porquanto nesse sua

interpretação deve ser fazer “à luz da epistemologia constitucional de proteção ao

réu, constituindo, portanto, um direito subjetivo processual do imputado”.

211 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit.,p.122. 212 LOPES JUNIOR, A., op.cit. 221.

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A Constituição da República não fixou o prazo máximo de duração de

um processo, nem determinou que lei ordinária o fizesse. Adotou-se, segundo Aury

Lopes, a “doutrina do não prazo”213. Também não dispondo de um parâmetro

objetivo, a fim de evitar a discricionariedade, a Corte Americana de Direitos

Humanos passou a adotar, para fins de aferir a razoabilidade da duração do

processo, a teoria dos três critérios básicos, segundo a qual devem ser analisados a

complexidade do caso em julgamento; a atividade processual do acusado, que não

pode ser beneficiado pela demora a que deu causa; e a conduta das autoridades

judiciárias na condução do processo. Além do mais, conforme acrescenta o autor

referido, a questão há de ser sempre analisada sob o enfoque do principio da

proporcionalidade, eis que inafastável a ponderação dos bens jurídicos em jogo.

Ideal seria, por certo, que o acusado tivesse a informação do tempo

máximo que poderia ser submetido ao processo, já que o direito à jurisdição não

pode ser compreendido desatrelado do tempo em que deve a mesma ser prestada.

O Código de Processo Penal do Paraguai, em seu artigo 136, segundo registra Aury

Lopes214 , estabelece como prazo máximo de duração do processo penal o prazo de

três anos, findos os quais o juiz deverá declará-lo extinto.

Não se reconhece nessa a melhor solução, opinião externada por

Paolo Ferrua215, mas não se pode olvidar que assegurar que o processo tenha

trâmite célere é zelar pela efetividade dos direitos fundamentais. Cuidado, no

entanto, se impõe ter, porque ao se abreviar a duração do processo penal pode-se

causar danos mais graves aos direitos da pessoa. O processo penal demanda um

tempo, para que, de forma plena, sejam exercidos os direitos do acusado, para que

sejam observadas as garantias processuais. Assim, não é possível apenas suprir

fases do procedimento, substituir a jurisdição pela justiça negociada, abreviar

prazos.

213 LOPES JUNIOR, A., op.cit. 225. 214 LOPES JUNIOR, op.cit.,p.233. 215 Segundo FERRUA, Paolo, op.cit., p. 54, “impensabile, ovviamente, la fissazione per legge di termini di durata massima; tutt’altaro che ilógica, pur nella difficile compatibitilà com lê risorse, la previsione di um risarcimento all’imputato assolto dopo inammissibili ritari processuali”.

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Adverte Aury Lopes Junior216 que, na esfera penal, quando se está a

lidar com a liberdade e dignidade da pessoa,

“os efeitos dessas alquimias jurídicas em torno do tempo são devastadoras. A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo, pois, agora, primeiro, prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e doloroso efeito do processo ( que somente poderia decorrer de uma sentença, após decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser revertido, não só porque o tempo não volta, mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere”.

O problema é complexo. A violência social cresce. A solução que o

Estado apresentada é a repressão, um direito penal máximo, em geral, direcionado

aos pobres. A sociedade, amedrontada, aceita sem questionamentos a proposta.

Mas esse mesmo Estado não dá conta da repressão, e a ineficiência do aparelho

repressor se vê cada vez mais exposta. Mais processos, menos tempo para se

cuidar dos casos mais graves, mais tempo para que se tenha a resposta penal. O

sentimento de impunidade toma conta de todos, e como resposta mais violência é

fomentada e mais sentimento de impotência alimentado. A solução? Mais propostas

legislativas para tornar agilizar os processos e maior intervenção penal. Um ciclo

vicioso.

Carmen Lucia Antunes Rocha217 propõe a revisão da habilidade do

procedimento, para que possa realizar o processo sua finalidade, sua flexibilidade

para atender os interesses em jogo e a segurança com que se garantem os direitos

questionados. Daí porque, incluem-se logo no parâmetro de duração do processo “o

tempo prudente e justo para que a decisão jurisdicional renda a eficácia esperada,

ou seja a razoabilidade se estende não ao tempo de afirmação do direito em litígio,

senão à própria execução da decisão, à realização de seu conteúdo, à aplicação.

Critica Aury Lopes218, todavia, o utilitarismo processual, que apresenta

como solução apenas a supressão de atos do processo e o atropelo das garantias

processuais, renegando tanto a aceleração antigarantista, quanto a dilação indevida,

por entender que o que se deve buscar é a diminuição do tempo burocrático, através

da inserção da tecnologia e otimização de atos cartorários e mesmo judiciais.

216 LOPES JUNIOR, A., op.cit. 31. 217 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. “’As garantias do cidadão na justiça”, TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord), SP: Saraiva, 1993,p.38. 218 LOPES JUNIOR, A, op.cit. p.247.

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As mesmas advertências faz Salo de Carvalho219, quando acentua que

“ o que se assiste na atualidade é um absoluto descompasso entre as expectativas de uma sociedade que opera no ritmo da era digital, pós-revolução informática, e uma estrutura processual pesada, pois forjada na Ilustração. A forma de adaptação deste sistema originalmente pensado para um modelo de sociedade pré-industrial, e por este motivo lento, passa a ser a sumarizado dos procedimentos.No entanto, esta lentidão do processo penal liberal, muitas vezes ilusória, se se deixa de pensar em uma justiça imediatista, é marcada pelo sistema de garantias a ele inerente. Tem-se, desta maneira, instaurado o paradoxo do processo penal da era digital, representando no contraponto entre garantias versus celeridade, sendo notório o fato de que a aceleração da cognitio representa, inexoravelmente, déficit de garantias. Cognição e garantias estão, portanto, em razoes opostas. Optar por imprimir velocidade ao processo significa, necessariamente, irromper com sua estrutura forma garantidora”.

Se a solução não deve ser buscada na fixação de prazos legais mais

exíguos, nem, exclusivamente, na concentração dos atos processuais, ou ainda na

abreviação dos procedimentos, para se atingir a meta constitucional, de outros

recursos têm-se que se valer o Estado, e no caso do Poder Judiciário, guardião das

liberdades, essa busca passa a ser dever. Entre esses recursos, está certamente a

adoção de modernas técnicas de gestão, maior capacitação do seu quadro pessoal,

a ampliação do número de cargos para a magistratura.

A par dessas iniciativas de cunho administrativo, surge a proposta do

processo judicial eletrônico, solução apresentada pela Lei n. 11.419/2006, como um

caminho novo para se chegar ao tempo razoável do processo.

A novidade tecnológica positivada pelo legislador em 2006 deve ser

empregada em absoluta conformação ao texto constitucional, ponto de partida de

construção do modelo garantista. Isso porque, no processo penal, a observância de

alguns dos princípios que o informam deve ser exigida com maior rigor, porque nele

está em jogo um valor inestimável, que é a liberdade. Assim, toda e qualquer

mudança que se pretenda a levar a efeito no âmbito do processo penal há de ser

bem medida, bem avaliada, não se podendo permitir que, a pretexto de celeridade,

haja qualquer comprometimento das garantias constitucionais processuais,

verdadeiras conquistas da humanidade.

A alta relevância social do processo penal, instrumento do exercício da

jurisdição, inevitável e necessário, eis que, em regra, não é possível dar-se solução

219 CARVALHO, Salo, op.cit.,p.484.

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ao conflito penal extrajudicialmente, é reconhecida por Rogério Tucci220, na medida

em que, através dele, o Poder Judiciário pode exercer o resgate da esperança nas

instituições. Para exercer esse papel, no entanto, o Poder Judiciário não pode se

contentar em “dizer o direito do caso concreto”, ante a reconhecida insuficiência dos

resultados históricos desse comportamento, devendo exercer suas funções visando

à correção dos desvios e ilegitimidades nas quais outros Poderes, ou os próprios

indivíduos, possam incorrer.221 Segundo Antonio Peña Freire,

“la jurisdicción, como mecanismo para la resolución de conflictos concretos a derecho y como conexión de éste con los confictos y casos sociales permite que el sistema jurídico este abierto a los intereses sociales afectados. En la faculdad de llevar el derecho, y no simplemente la norma, al caso concreto se encuentra una de las notas más singulares del poder judicial que permite al juez difundir la constitución por todo el ordenamiento y por el entorno social conflictivo a partir de los casos que se le plantean”.

A proposta legislativa passa a ser examinada, portanto, com os

olhos na Constituição da República, com o sentido de se alcançar o processo

célere, sem supressão, contudo, de nenhuma garantia constitucional do processo

penal.

220 TUCCI, Rogério Lauria. “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”. 2., ed. São Paulo: RT., 2004, p.61. 221 FREIRE, Antonio Manuel. In, “La Garantia en el Estado Constitucional de Derecho”, Ed.Trotta, 1997,p.229.

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PARTE II – CONTRIBUIÇÃO DO PROCESSO ETRONICO PARA A EFETIVIDADE DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO.

CAPÍTULO 3 – AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO.

3.1 - A Informática e o Poder Judiciário:

A informação é considerada, atualmente, um bem essencial, sobre o

qual gravita a atividade econômica, entre outras áreas da vida humana. Ao refletir

sobre o assunto, cumpre ter em consideração que informação difere de

comunicação que abarca o conjunto de fatos existentes sobre determinada matéria,

assim como os processos que se dirigem à organização dos mesmos. Por

informação, entende-se a documentação estruturada e integrada em função de

determinados fins.

Segundo Perez Luño222, podem ser assinaladas quatro etapas no

desenvolvimento, no tempo, da informação: a primeira, correspondente à fase da

comunicação oral; a segunda, que teve início com o descobrimento da escrita,

enquanto que a terceira, com a invenção da imprensa, quando se tornou possível

fosse propagada e difundida a informação com mais rapidez e menor custo, e a

quarta fase tem com a tecnologia da informática sua maior expressão. Afirma o autor

que “con la tecnologia informática se abre una nueva etapa en la que es posible

recabar, almacenar, organizar y difundir informaciones en el tiempo y en el espacio,

con la máxima garantia de celeridad y exactitud”.

A essas fases correspondem diferentes momentos da história do

Direito: à fase oral correspondem os sistemas normativos consuetudinários, ao

passo que à segunda o da supremacia das fontes doutrinárias, dando espaço ao

surgimento dos sistemas legislativos. À terceira fase corresponde o fenômeno

222 LUÑO, Antonio Pérez, op.cit., p. 47.

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codificador, o que somente se tornou possível com a imprensa. Por fim, como

registra o professor espanhol, com esteio nas lições de Frosini e Sanchez Mazas,

“a actual etapa de incipiente tratamiento electrónico de la información jurídica, puede augurársele una contribuición decisiva en la raciolanización lógica, la sistematización y la exactitud del lenguaje jurídico y, por ende, de los propios sistemas normativos”.

Salientando a transcendência atual e potencial da tecnologia da

informática, cujo impacto alcança a um tempo o conceito e formas de exercício da

soberania nacional, a outro aspectos ligados à vida privada, Carlos M.Correa e

outros223 apontam que

“ la problemática que plantea la gestación y diseminación de la informática es tan amplia, compleja y novedosa que su examen teórico, así como su comprensión y encuadramiento a los fines de la formulación de políticas, presenta un desafio infrecuente para investigadores de todas las disciplinas, gobiernos, y actores económicos y socilales. Tal desfio es, ante todo, de orden político, en cuanto requiere que cada país tome una posición frente a este revolucionário fenômeno y opte por alguna de las diversas alternativas que objetivamente abren las condiciones tecnológicas y econômicas en que aquél se desenvuelve”.

O impacto dessas novas tecnologias se traduz, inicialmente, na

alteração dos processos e métodos de trabalho. Ao diluir as fronteiras, revoluciona

também as possibilidades de comunicação entre as pessoas, passando a

informação a ter um valor econômico.

Refletindo sobre o tema, uma idéia se apresenta indubitável: somente

com a adoção dos recursos tecnológicos tem o homem como lidar com a avalanche

de informação que está a seu dispor, nos dias atuais. É possível mesmo se afirmar

que a sociedade pós-industrial tem como símbolos as redes de informação e os

bancos de dados.

É a nova sociedade, fortemente influenciada sua conformação pela

tecnologia. Pierre Levy224 sustenta que

“novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência, dependem, na verdade, da

223 CORREA, Carlos, BATTO, Hilda, ZALDUENDO, Susana, ESPECHE, Felix, In “Derecho Informático”. Buenos Aires: Depalma, 1994, p. 2. 224 LEVY, Pierre. “As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática”, tradução Carlos Irineu da Costa, 1993, n. 34, p.7.

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metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem, são capturados por uma informática cada vez mais avançada. Não se pode conceber a pesquisa cientifica sem uma aparelhagem complexa que redistribui as antigas divisões entre experiência e teoria. Emerge, neste final do século XX, um conhecimento por simulação que os epistemologistas ainda não inventaram”.

Nesse mesmo passo, a análise feita por Antonio Enrique Pérez Luño225

“en las últimas décadas el universo conceptual y contextual de los juristas se ha visto profunda y radicalmente modificado por la transformación de los presupuestos culturales, políticos y econômicos que se ha producido en las sociedades tecnológicas del presente. La revolución tecnológica ha rendimensionado las relaciones del hombre com los demás hombres, las relaciones entre el hombre y la naturaleza, así como las relaciones del ser humano com su contexto o marco de convivência. En el curso de estos últimos anos pocas cuestiones han suscitado tan amplia y heterogênea inquietud como la que se refiere a las relaciones del hombre con las nuevas tecnologias. Importa recordar que nos hallamos em una sociedad onde la informática há devenido el símbolo emblemático de nuestra cultura, hasta el punto de que para designar el marco de nuestra convivência se alude reiteradamente a expresiónes tales como la “sociedad de la información”, o a la “sociedad informatizada”.

Sabe-se que a informática – palavra que resulta da concentração de

informação com automática - é espécie do gênero eletrônica, tendo essa um

conceito de maior abrangência. Informática se é a ciência que visa estudar as

formas de processamento das informações, o tratamento da informação através do

uso de equipamentos e procedimentos da área de processamento de dados226.

O Direito não ficou imune aos avanços da informática. Segundo Carlos

Correa227 “los temas jurídicos que la irrupción de esta tecnologia afecta son

numerosos”. A Informática Jurídica tem por objeto a aplicação da tecnologia da

informação ao Direito, estudando o tratamento automatizado das fontes de

conhecimento jurídico através dos sistemas de documentação legislativa,

jurisprudencial e doutrinaria – a Informática jurídica documental -; as fontes de

produção jurídica, através da elaboração dos fatores lógico-formais que concorrem

no processo legislativo e na decisão judicial – a informática jurídica decisional – ; e,

por fim, os processos de organização da infra-estrutura ou meios instrumentais com

os quais se torna possível a gestão do Direito - Informática jurídica de gestão.

225 LUÑO, Antonio Pérez, op. cit., p.7. 226 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3.ed., Ed.Positivo, p.1104. 227 CORREA, C. e outros, op. cit., p. 287.

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Por sua importância prática, merece maior relevo o conceito de

Informática de gestão, no direito inglês referida como “office automation” e no direito

espanhol como “ofimática ou burótica”, que compreende os avanços tecnológicos

que possibilitam a automatização de tarefas ordinárias, estandartizadas de

escrituração, documentação, comunicação, certificação, de operações de

transmissão e recebimento de comunicações, de organização e atualização de

arquivos e registros.

Adverte Pérez Luño228 que

“si el jurista, lejos de convertirse en un guardián de procedimientos caducos, desea utilizar um sistema riguroso de conceptos acordes con el alcance de las ciencias; si el juez pretende que sus juicios se realicen a través de decisiones racionales y fundadas y no retornar al arbítrio del cadí; si el funcionário público quiere situar la actuación administrativa a la altura de las exigencias de nuestro tiempo, será necesario que estos profesionales del Derecho posean una información exhaustiva y actualizada del núcleo de cuestiones sobre las que deben versar su cometido y decisiones. Porque es evidente que cualquier proceso de actuación y decision responde al conjunto de informaciones que les han servido de base y sobre las que se articulan”.

Segundo o autor229, houve muita resistência na Alemanha, na década

de setenta, à adoção da informática de gestão na área jurídica, porque defendiam

alguns o caráter único, e, portanto, sem impossibilidade da mecânica repetição, das

questões jurídicas. É certo que a pessoa, quando procura o advogado, apresenta-

lhe um problema pessoal, para o qual deseja uma resposta individualizada.

Alegavam, portanto, que

“ la gestión automática de los casos y procedimientos comportaria un tratamiento en masa de los mismos, que habría de conducir a la perdida de sus caracteres específicos. La tradicional relación fiduciária que liga al abogado con su cliente quedaria en la pratica abolida por las técnicas de gestión automatizada que conducen, de forma irremediable, a um bufete impersonal o despersonalizado en el que las relaciones entre hombres se ven suplantadas por relaciones entre maquinas”.

Exatamente, por reconhecer que os métodos tradicionais haviam

perdido a capacidade para solucionar os problemas jurídicos, em grande parte

resultante do fluxo incessante de leis, de jurisprudência, as resistências cederam e

as novas tecnologias passaram a ser acolhidas como a resposta inevitável.

228 LUNO, Perez, op.cit., p.51. 229 Ibidem, p.90.

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Incorporando os novos recursos tecnológicos ao trabalho jurídico, sem

dúvidas, mais tempo passaram a dispor os profissionais do Direito para se dedicar a

atividades intelectuais, que dependem de sua iniciativa pessoal.

A Informática decisional tem aplicação mais limitada, no âmbito do

Direito, na medida em que nessa área do conhecimento, que envolvem múltiplas e

variadas circunstâncias decorrentes das relações humanas, não é desejável que o

homem seja substituído pela máquina. Sob essa perspectiva de análise, cabe

reiterar que decisões, por exemplo, que envolvem a guarda de um filho, a aplicação

de uma pena, estimativa do valor de indenização pelo dano moral sofrido, por sua

natureza complexa, exigem do juiz um envolvimento com a causa, um conhecimento

dos fatos peculiares da demanda, das condições pessoais das partes. Como é

cediço, não podem os profissionais do Direito abrir mão da responsabilidade pessoal

na formulação de decisões dessa espécie. Em outras palavras: não se pode admitir

a adoção decisões totalmente padronizadas, na medida em que cada caso é um

caso, tampouco, acredita-se ser possível o fornecimento de informações para o

computador, deixando que ele “processe” a melhor decisão. No âmbito do Direito,

onde estão envolvidas pessoas, seus dissabores, suas angústias, não se concebe

jamais possível sejam os conflitos dirimidos pessoalmente pelo magistrado.

A Informática decisional tem, em verdade, por objeto o estudo de

procedimentos dirigidos a substituir a ação humana. Os programas são elaborados,

visando apresentar soluções possíveis, a partir das informações que são prestadas

pelo operador. Nem todos os processos de decisão, contudo, podem ser

programados para uso do computador. Luhmann230 dá suporte teórico a essa

inferência, quando formulou os conceitos de programação finalista e programação

condicional, demonstrando que nem todos os processos de decisão podem ser

enfrentados com o uso do computador. Ainda assim, há quem sustente que a

automatização nos processos jurídicos traria maior segurança jurídica, quando

houvesse maior uniformidade do processamento dos casos, com base em critérios

racionais, na medida em que seria possível a formalização das ponderações,

a quantificação da “medição” e da “interpretação”.

230 LUHMANN, apud, Schneider, Jochen, op.cit., p.559.

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Nos dias atuais, na atividade judiciária, a utilização da Informática

decisional está, por ora, limitada à elaboração de cálculos, confecção de laudos

periciais.

As novas tecnologias são desenvolvidas de maneira cada vez mais

veloz, e isso causa algum distanciamento entre o usuário e os novos recursos,

porque mal se tem tempo para conhecer um, quando um novo é apresentado. Essa

situação também provoca um vácuo, na medida em que não há tempo para

elaboração de leis que regrem o manuseio desses novos instrumentos tecnológicos.

As questões que surgem, por sua vez, expõem a possibilidade de violações de

direitos, como, por exemplo, o direito à liberdade de informação, o direito de

propriedade, os direitos personalíssimos. Enfrentar essas questões demanda

agilidade do Direito.

Como aconselha Leonardo Greco231 essas experiências merecem uma

reflexão crítica, porque, “se de um lado, revelam um potencial ilimitado no sentido de

facilitação do acesso à Justiça e da libertação do processo dos entraves formais e

burocráticos que consomem a maior parte do tempo e das energias nele aplicados,

de outro provocam inevitável questionamento em torno do alcance ou da utilidade de

vários princípios do direito processual, alguns milenares, como o contraditório e a

documentação escrita, outros mais recentes, como a oralidade e a livre convicção”.

Várias têm sido, como já referido, as iniciativas, visando por cobro à

morosidade do Poder Judiciário. Além de reformas na área de gestão

administrativa, muitas reformas legislativas vêm sendo empreendidas, com o

objetivo de tornar os procedimentos mais rápidos, menos formais. Observa-se, por

outro lado, em maior proporção, o avanço da Informática Jurídica no campo do

Direito, sendo, neste contexto, apresentado o processo judicial eletrônico. E, no

particular, reconhece-se como mais adequado o uso do adjetivo eletrônico, assim

entendido o processo produzido através de equipamento que, munido de circuitos

elétricos, contenha válvulas, semicondutores, transdutores232.

De há muito, ajustando-se à modernidade, os Tribunais passaram a

manter bancos de dados, para consulta jurisprudencial, assim como desenvolveram

sistemas para consulta de andamento processual. Há bastante tempo, também, a

231 GRECO, Leonardo. “O Processo Eletrônico”, na obra organizada por SILVA JUNIOR, Roberto Roland, “Internet e Direito, Reflexões doutrinárias”. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001, p. 11. 232 Verbete “eletrônica”, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, 3,ed. Positivo, p.723.

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velha máquina de escrever foi substituída pelo computador, nas serventias judiciais,

nos gabinetes dos magistrados, e também nos escritórios de advocacia.

A utilização da informática no âmbito do Poder Judiciário é, portanto,

uma realidade, presente com, cada vez maior, abrangência. Acostumaram-se os

profissionais do Direito a fazer consulta processual dos andamentos dos processos

nos quais têm interesse, não havendo mais a necessidade de deslocamento à

serventia para saber se um mandado foi juntado, se a data de uma audiência foi

designada, se um Perito foi nomeado. Auxiliado pelo sistema de informática, o

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro criou sistema para aferir a produtividade dos

magistrados e serventuários, com vistas a detectar problemas e traçar condutas na

busca de melhor prestação jurisdicional. Rotinas de trabalho vêm sendo revistas em

vários Tribunais do país, visando maior eficiência. A inclusão digital do Poder

Judiciário na sociedade informatizada já deu os primeiro passos, em um caminhar

sem volta, na medida em que prioriza a transparência dos procedimentos, a

celeridade do processo e a melhor gestão das informações.

Como afirmou Delfim Netto233 ,“o computador não tem o condão de

tornar inteligente o ser humano que se senta diante dele. Mas, por outro lado, é bem

mais fácil ser inteligente com a ajuda da tecnologia”.

Esses avanços refletiram-se também, e de forma positiva, no trabalho

dos advogados. No passado, muitos eram os que redigiam os textos manuscritos,

que eram encaminhados para datilografia, consumindo considerável tempo. Hoje, o

texto é produzido e imediatamente impresso, dele constando citações à

jurisprudência, consultada praticamente no mesmo tempo da produção do texto e

importada para o mesmo, com os recursos dos programas de informática. O

emprego dos recursos eletrônicos nessa atividade de produção de textos, contudo,

ainda que se reconheçam significativos os ganhos, não representou contribuição

relevante para reduzir a morosidade do andamento do processo.

Os Tribunais têm revelado elogiável preocupação na otimização das

atividades burocráticas, na medida em que se apurou que, do tempo de trâmite de

um processo, em torno de 70% desse tempo é gasto com tarefas burocráticas. As

velhas fichas e livros cartorários vem sendo substituídos pelos bancos de dados. A

233 DELFIM NETO, Antonio, em HAIDAR, Rodrigo, “A Influência da Tecnologia no Poder Judiciário”. Justiça num clique, www.conjur.estadao.com.br, acesso em 20-02-2008.

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consulta sobre o andamento do processo é feita diretamente no sistema de cada

Tribunal. Esses passaram a oferecer ao usuário a prestação de um serviço de

acompanhamento processual, mediante prévio cadastro. Através do sistema push, a

informação acerca da movimentação do processo é transmitida ao interessado pelo

correio eletrônico.

O Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e outros

Tribunais passaram também a divulgar pelo sistema o texto integral os principais

atos oficiais publicados, além de notícias a respeito de julgamentos que despertam

maior interesse do público, conferindo uma maior dimensão à publicidade. No âmbito

do Superior Tribunal de Justiça, o inteiro teor dos acórdãos é disponibilizado através

da Revista Eletrônica de Jurisprudência.

A penhora on line , através de convênio como o Banco Central, o leilão

eletrônico, o pagamento eletrônico de custas judiciais, todas essas são medidas que

comprovam que a tecnologia já faz parte da vida diária dos Tribunais. Os serviços

extrajudicias também vêm tentando acompanhar essa revolução tecnológica, sendo

já possível requerer-se certidões pela internet.

Mas, sem dúvida alguma, é o processo judicial eletrônico a mais

notável conquista para se conferir efetividade ao princípio da celeridade processual.

3.2 - Traços Fundamentais do Processo Judicial Eletrônico

Desde 1991, quando entrou em vigor a Lei do Inquilinato234, tornou-se

possível a realização da citação por meio eletrônico – através de fac-simile -, desde

que assim estivesse previsto no contrato. A Lei nº 9.800/99235 autorizou o

encaminhamento de petições e documentos via fax, não tendo, contudo, logrado a

efetividade almejada, possivelmente porque não dispensava a apresentação do

documento no original, no quinqüideo, ao juízo.

234 Lei nº 8.245/91, art. 58: “Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de locação, observar-se-á o seguinte: IV – desde que autorizado no contrato, a citação, intimação ou notificação, far-se-á mediante correspondência com aviso de recebimento, ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, também mediante telex ou fac-simile, ou, ainda, sendo necessário, pelas demais formas previstas no Código de Processo Civil”. 235 Lei nº 9.800/99, art. 1º. “É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-simile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita”.

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A Lei nº 10.259/2001, ao implantar os Juizados Especiais Federais,

autorizou em seu art. 8º a prática de atos processuais por meio eletrônico – a

realização de intimação e recepção de petições -, propiciando o início dos estudos

para a criação do processo judicial eletrônico. A Lei nº 11.280/06236, que reformou

alguns artigos do CPC, permitiu a prática e comunicação de atos processuais por

meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade

jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira –IPC-

Brasil. A Lei nº 11.341/06, ao inserir o parágrafo único no art. 541 do CPC,

possibilitou, para fins de instrução de Recurso Especial, que a prova do dissídio

jurisprudencial fosse feita mediante a juntada de certidão, cópia autenticada ou

pela citação do repositório de jurisprudência oficial ou credenciado, inclusive em

mídia eletrônica, ou ainda a reprodução do julgado disponível na Internet, com

indicação da respectiva fonte. No âmbito do processo penal, pode ser referida a Lei

nº 9.034/95, que reconheceu como meio de prova a captação e a interceptação

ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos e acústicos, e o seu registro e análise,

mediante circunstanciada autorização judicial237

Foram essas as experiências que antecederam à Lei nº 11.419/06,

que dispôs sobre a informatização do processo judicial, autorizou o emprego do

meio eletrônico na tramitação de todos processos judiciais, na comunicação de

atos e na transmissão de peças processuais, inclusive, no processo criminal.

Abordando o processo eletrônico na perspectiva do Direito

estrangeiro, verifica-se que, segundo noticiado pelo jornal “La Republica”238, a

Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou autorização para instalação pela

Suprema Corte de Justiça, no ano de 2008, do processo eletrônico, no âmbito de

sua competência, através de projeto financiado pelo Banco Interamericano de

Desenvolvimento. A expectativa, naquele país, também é a de que haverá uma

simplificação no trâmite das ações, na medida em que será autorizada a

236 Lei nº 11.280/06, art. 2º. “O art. 154 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:"Art. 154 Parágrafo único. “Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil." 237 Artigo 2º, inciso IV, da Lei nº 9.034/95. 238 www.alexandreathenienese.com.br, consulta feita em 04-01-2008.

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transmissão eletrônica de peças processuais, o reconhecimento de firma digital, a

comunicação e constituição de domicílio através da internet.

No Chile, a Ley de Enjuiciamento Civil – Ley 1/200, autorizou, em seu

art. 162, a comunicação dos atos processuais por meio eletrônico, desde que as

partes e o órgão jurisdicional disponham de equipamentos compatíveis239.

Na Itália, o processo eletrônico se aplica ao processo civil, ao

processo administrativo e aos processos que têm trâmite perante o Tribunal de

Contas, sob a denominação de processo civile telematico, instituído pela DPR 12-2-

2001, nº 123. A implantação da primeira fase do projeto, que vem ocorrendo de

modo gradual, se deu nos Tribunais de Bari, Bergamo. Bologna, Catania, Genova,

Lamezia Terme e Pádua. Permite o sistema desenvolvido pelo Ministério da Justiça

que o advogado redija e firme as petições, fazendo a comunicação eletrônica das

mesmas à serventia, além de consultar, via internet, ou intranet, o andamento dos

processos.

Em Portugal, através do Decreto-lei nº 290-D/99, foi regulamentada a

validade dos documentos eletrônicos e da assinatura digital, identificando, no

entanto, Hugo Lança Silva240, no Decreto-lei nº 183/2000, a verdadeira gênese do

239 Art.162 -Actos de comunicación por medios electrónicos, informáticos y similares. 1. Cuando las Oficinas judiciales y las partes o los destinatarios de los actos de comunicación dispusieren de medios electrónicos, telemáticos, infotelecomunicaciones o de otra clase semejante, que permitan el envío y la recepción de escritos y documentos, de forma tal que esté garantizada la autenticidad de la comunicación y de su contenido y quede constancia fehaciente de la remisión y recepción íntegras y del momento en que se hicieron, los actos de comunicación podrán efectuarse por aquellos medios, con el resguardo acreditativo de su recepción que proceda.Las partes y los profesionales que intervengan en el proceso deberán comunicar a las Oficinas judiciales el hecho de disponer de los medios antes indicados y su dirección.Asimismo se constituirá en el Ministerio de Justicia un Registro accesible electrónicamente de los medios indicados y las direcciones correspondientes a los organismos públicos.Cuando constando la correcta remisión del acto de comunicación por dichos medios técnicos, salvo los practicados a través de los servicios de notificaciones organizados por los Colegios de Procuradores, transcurrieran tres días sin que el destinatario acceda a su contenido, se entenderá que la comunicación ha sido intentada sin efecto y se procederá a su entrega en la forma establecida en el artículo 161.No obstante, caso de producirse el acceso transcurrido dicho plazo pero antes de efectuada la comunicación mediante entrega, se entenderá válidamente realizada la comunicación en la fecha que conste en el resguardo acreditativo de su recepción.2. Cuando la autenticidad de resoluciones, documentos, dictámenes o informes presentados o transmitidos por los medios a que se refiere el apartado anterior sólo pudiera ser reconocida o verificada mediante su examen directo o por otros procedimientos, podrán, no obstante, ser presentados en soporte electrónico mediante imágenes digitalizadas de los mismos, en la forma prevista en los artículos 267 y 268 de esta Ley, si bien, en caso de que alguna de las partes, el tribunal en los procesos de familia, incapacidad o filiación, o el Ministerio Fiscal, así lo solicitasen, habrán de aportarse aquéllos en su soporte papel original, en el plazo o momento procesal que a tal efecto se señale. 240 SILVA, Hugo Lança, In, ”Breve Nuance sobre o direito, a Informática e o Processo, desde uma perspectiva lusitana”, posfácio da obra de ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo, p. 340/352.

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processo eletrônico ou digital em Portugal. Critica o autor a proposta legislativa que

tornava obrigatória a apresentação de todos os requerimentos em suporte digital,

sem que tenha ocorrido uma fase experimental e antecedida da necessária

informação e formação. Esclarece que a lei encontrou um ambiente de grande

hostilidade, fomentada especialmente pelos profissionais que não tinham

conhecimentos de informática. A resistência se apresentou de tal ordem, que o

legislador recuou, o que segundo o autor fez aumentar os “anticorpos” ao processo

eletrônico, nos dias atuais, limitado ao âmbito do processo administrativo. Registra

Hugo da Silva que “ a experiência falhada proporcionou o incremento da

descrença, foi um propulsor dos incrédulos que arrolam argumentos tendentes ao

saneamento do processo digital, bem amparados num legislador confuso e

temeroso, com múltiplas contradições, incoerências e recuos”.

Em 16 de fevereiro de 2008, foi publicada a Portaria nº114/2008, importante

passo do Projeto de Desmaterialização, Eliminação e Simplificação dos atos e

processos na Justiça. Restaram as partes e seus procuradores autorizados a

praticar atos judiciais e a relacionarem-se com os Tribunais por meios eletrônicos.

Através do sistema informatizado CITIUS241, torna-se possível o acesso, consulta à

tramitação de processos, bem como a transmissão eletrônica de atos processuais e

documentos, dispensado o suporte de papel, tendo a medida vindo associada a um

atraente incentivo em matéria de custas judiciais. Todas as decisões judiciais

passam a ser obrigatoriamente prolatadas diretamente no sistema CITIUS, valendo

a versão eletrônica assinada digitalmente. O novo modelo aplica-se às ações

declarativas cíveis, às providências cautelares, notificações, ações de execução, à

exceção das ações indenizatórias cíveis, bem como as execuções decorrentes de

sentenças criminais.

Na Alemanha, entrou em vigor em 1º de abril de 2005 a lei que autorizou a

transmissão eletrônica de peças do processo, assim proporcionando um processo

completamente eletrônico. Aponta-se como vantagem o fato de o usuário poder

arquivar seus próprios documentos, o que também termina por dispensar os

servidores de tarefas burocráticas e repetitivas. A assinatura eletrônica também é

requisito exigido. O sistema de informática disponibilizado permite a consulta do

andamento processual, bem como ao usuário saber, de qualquer lugar onde se

241 www.citius.tribunaisnet.mj.pt .

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encontre, o teor das decisões judiciais, cuja autenticidade é garantida pela

assinatura eletrônica do magistrado. O projeto é iniciativa do programa Governo on

line 2005, sendo colocado à disposição de todos, de forma gratuita, nas páginas da

internet242.

Noticia Leonardo Greco243que na Áustria, no Japão e na Finlândia

também já é possível a propositura de ações por comunicação eletrônica, sendo que

nesse último pais a comunicação escrita entre as partes se faz eletronicamente, via

e-mail.

O processo eletrônico é, como se observa, uma realidade em diversos

ordenamentos jurídicos, sendo objeto de estudo da Informática de gestão.

Processo eletrônico não pode ser entendido como aquele cujos

registros dos atos processuais constam do sistema informatizado do Tribunal

perante o qual tramita. Tampouco é o processo formado por documentos produzidos

em equipamentos de informática. Reconhece-se a superior qualidade do trabalho

assim produzido e o tempo economizado com a utilização do computador e das

modernas impressoras nos serviços judiciários. A tarefa de datilografar um edital,

um mandado, por exemplo, era verdadeiramente árdua. Hoje, os conteúdos dos

textos ficam arquivados na memória do computador e basta ao usuário preencher

alguns campos, que se destinam a individualizar o processo, tendo como resultado

um trabalho bem apresentado, e, em especial, em curto espaço de tempo. Mas,

não é desse processo, que se forma por documentos impressos eletronicamente, de

que cuida a nova lei.

Todo documento produzido com recursos da informática – uma

planilha, um texto, uma planta de engenharia – é um documento eletrônico.

Segundo Aldemario Araújo Castro244, documento eletrônico pode ser

conceituado como a representação de um fato “concretizada por meio de um

computador e armazenado em formato específico (organização singular de bits e

bytes), capaz de ser traduzido ou apreendido pelos sentidos mediante o emprego de

programa (software) apropriado”.

242Disponível em: www.bundesgerichthof.de, www.bundesverwaltungsgericht.de; www.bundesfinanzhofs.de; www.bundespatentegericht.de. Acesso em 12/02/2008. 243 GRECO, Leonardo, op.cit., p.29. 244 CASTRO, Aldemário Araújo, “O documento eletrônico e a assinatura digital (Uma visão geral)”, disponível em <www.cbeji.com.br/br/downloads/secao/artaldemario>, acesso em 13/02/2008.

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Uma vez impressos esses documentos, sua comunicação em nada se

diferencia da que se fazia com o documento produzido na obsoleta máquina de

datilografia. Quer se trate de petição inicial, contestação, requerimento,

impugnação, certidão, laudo, despacho, sentença, o destino desses documentos é

integrar fisicamente os autos. O documento é impresso, levado ao setor de

protocolo do Tribunal, encaminhado à serventia judicial destinatária, e juntado aos

autos. Mais folhas de papel no processo...

O processo judicial eletrônico apresenta proposta mais ambiciosa, na

medida em que o documento de papel deixa de ser o meio e o fim. As peças do

processo eletrônico, além de produzidas eletronicamente, também são transmitidas

e incorporadas ao processo por meio eletrônico. Os atos processuais, assim

entendidos “todo cambio de la realidad objetiva o exterior, previsto y regulado por el

Derecho Procesal, que implica la intervención de la voluntad de um sujeito

considerada relevante por la norma, y al que se le atribuye la virtualidad de hacer

nacer ( o actualizar), modificar o extinguir situaciones juridicas procesales”, segundo

Abal245 , passam a ser praticados eletronicamente.

Não é proposta da atual legislação brasileira a adoção do recurso

eletrônico no processo de decisão. Nessa fase, é indispensável a atuação do

magistrado, o exercício de seu juízo de valor sobre a lide apresentada à decisão, a

atividade intelectual do profissional. O que se cogita, é o que, já em 1994, concebia

Jochen Schneider246, para o direito alemão: um processo sem papel. No direito

brasileiro, isso já é possível.

Colhe-se do pronunciamento da Ministra Ellen Gracie247:

O apego ao formato-papel e às formas tradicionais de apresentação das petições e arrazoados não nos deve impedir de vislumbrar as potencialidades de emprego das novas tecnologias. No limiar do terceiro milênio devemos, também nos do Poder Judiciário, estar prontos para utilizar formas novas de transmissão e arquivamento de dados, muitos diversos dos antigos cadernos processuais, recheados de carimbos, certidões e assinaturas, em norma de uma segurança que, embora desejável, não pode constituir obstáculo à celeridade e à eficiência”.

245 ABAL OLIU, Alejandro. “Derecho Procesal”, Tomo III, Montevideo, Fund. Cultura Universitária, 2004. 246 SCHNEIDER, op.cit., p. 575. 247 NORTHFLEET, Ellen Gracie. In, FERREIRA, Ana Amélia. “Transmissão de dados no Judiciário”. Disponível em www.camara-e.net, acesso em 20-02-2008.

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Assinala José Carlos de Araújo Almeida Filho248 que o legislador

infraconstitucional, por meio da Lei nº 11.419/2006, criou novo procedimento

especial, o que estaria a demandar, inclusive, a reforma do Código de Processo

Civil.

A essa conclusão chegou o referido autor, que muito tem se dedicado

ao estudo e à difusão do processo judicial eletrônico, da interpretação dada ao art.

1º da Lei nº 11.419/2006, que dispôs sobre a informatização do processo judicial. O

referido dispositivo legal preceitua que “o uso de meio eletrônico na tramitação de

processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será

admitido nos termos desta lei”.

O pesquisador supramencionado ressalta que não foi criado novo tipo

de processo, tanto é que, de forma geral, o legislador determinou que o uso do meio

eletrônico se daria na tramitação de processos judiciais. Daí concluiu ter sido criado

novo procedimento especial - o eletrônico -, com novos pressupostos de existência e

validade, alertando ser relevante a distinção, na medida em que sendo a

competência privativa da União tão apenas para legislar sobre matéria de direito

processual, permitido restaria aos Estados o exercício da competência de legislar a

respeito do procedimento eletrônico, o que, por certo, não se pode reconhecer

desejável.

O processo eletrônico, contudo, não constitui novo tipo de processo,

nem novo modelo de procedimento. Apesar de reconhecer expressamente que “o

procedimento eletrônico se infere na sistemática processual, porque pode ser

adotado em todos os procedimentos, à exceção do processo de execução por título

executivo extrajudicial”, parece incidir José Carlos de Araújo Almeida Filho em

equívoco, quando afirma que “serão dois ritos para uma só espécie de provimento

judicial”249.

É pertinente assinalar que nada mudou em relação aos procedimentos

existentes na legislação processual, quer no âmbito do processo civil, do processo

penal, trabalhista e dos juizados especiais. Na seara do processo civil, os

procedimentos continuam a ser apenas o ordinário, o sumário e os especiais; no

âmbito do processo penal, os procedimentos continuam a ser o comum ordinário e 248 ALMEIDA FILHO, José Carlos, op.cit. p. 143. 249 Ibidem, p. 212.

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sumário, e os especiais, como o do Tribunal do Júri, e outros instituídos em leis

extravagantes, como é o caso, por exemplo, do procedimento do juizado especial

criminal.

O que o legislador instituiu com a Lei nº 11.419/06 foi novo modelo de

processamento, nova modalidade de apresentação do conflito de interesses para

apreciação do Poder Judiciário. E essa conclusão, é importante ressalvar, não

afasta a obrigatoriedade desse novo modelo observar as garantias constitucionais.

Antes, o direito de ação havia sempre de se materializar através do

processo que se apresentava físico, onde a pretensão a ser deduzida tinha que ser

reduzida a escrito e impressa em folhas de papel, para assim ser apresentada ao

juízo. Os documentos a serem utilizados como meio de prova, apresentados

também em forma escrita, passavam a integrar os autos, ordenados

cronologicamente e anexados aos autos. Mesmo os atos praticados oralmente

tinham que ser escriturados, reduzidos a termo os depoimentos das partes, das

testemunhas, assim como todas as ocorrências da audiência. A prova pericial era

produzida em forma de laudo, instruído com documentos, e a sentença, prolatada

em folhas de papel, era juntada aos autos, encerrando ali a prestação jurisdicional.

Todas as folhas de papel, ordenadas, numeradas, carimbadas, passavam a

constituir os autos do processo, um volume, por vezes, vários volumes, que

circulavam de mãos em mãos, dos advogados, dos serventuários, do perito, do juiz,

até que um dia seu destino fosse o arquivo.

Para ser exercido o direito de ação, utilizada a via eletrônica, não é

mais necessária a apresentação da petição inicial em folha de papel. A pretensão

deve ser reduzida a escrito em documento eletrônico e eletronicamente transmitida

ao juízo competente, não através do correio eletrônico, como é admitido na Espanha

e em Portugal250, mas sim pelo sistema de código aberto a ser desenvolvido por

cada Tribunal. Por certo, quando houver necessidade de distribuição da ação,

havendo concorrência de competências, essa petição eletrônica deverá ser

encaminhada ao serviço de distribuição do Tribunal, o que de há muito já se

250 SOLIMANO, Santiago Madalena. “Las Nuevas Tecnologias aplicadas al proceso jurisdiccional y en particular la prueba digital en el derecho uruguayo vigente”. Disponível em <www.alfa.redi.org >. Acesso em 31-01-08.

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observa no Estado do Rio de Janeiro251, para que se faça a distribuição eletrônica

para o juízo competente. Chegando a pretensão ao conhecimento do juiz

competente, ele determinará seja a parte ré chamada ao processo.

No processo civil, e até mesmo trabalhista, há a previsão legal de a

citação ocorrer pela via eletrônica. Citado o réu, terá oportunidade de se defender,

só que sua defesa e as provas que serão apresentadas ao juiz não estarão mais

instrumentalizadas em peças processuais escritas, mas sim, em documentos

eletrônicos. A sentença será prolatada, não mais em folhas de papel.

O processo não deixa de existir; se o credor não receber o pagamento

e quiser submeter ao Poder Judiciário a lesão de direito sofrida, ajuizará ação de

cobrança, através do processo de conhecimento, pelo do qual buscará a

condenação do réu a lhe pagar o valor devido. E os procedimentos legais devem ser

observados. Assim, se a quantia reclamada for inferior a 40 salários-mínimos, pedirá

a citação do réu para comparecer à audiência de conciliação, instrução e

julgamento, e oferecer, querendo, defesa e provas, porque o rito a ser observado

será o sumário. Se o réu praticar crime de roubo, será desfechada ação penal

pública, com o recebimento da denúncia. Como o procedimento a ser observado

será o comum, o réu será citado, interrogado, observados os passos previstos na Lei

nº 11.719, de 20 de junho de 2008.

Como se pode inferir, as normas referentes aos procedimentos

próprios ao exercício de cada pretensão não deixam de ser observadas, quando

adotado o processo eletrônico. Nada mudou em relação aos procedimentos; o que

não se tem mais são os autos físicos.

A fase postulatória, que é escrita, permanece escrita, devendo ser

apresentada ao juiz a pretensão em documento escrito. A diferença consiste em

que a petição na qual deduzida a pretensão não será apresentada em folhas de

papel. Será um documento eletrônico. As fases orais, por sua vez, não dispensam a

documentação, seja por digitalização dos depoimentos – o que não é o desejável –

seja por gravação em áudio-visual - o que se reconhece infinitamente mais

251 Desde 16-09-1991, as distribuições de todos os feitos judiciais, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, são realizadas eletronicamente, sem a participação pessoal do servidor, como forma de garantir transparência e assegurar o princípio do juiz natural. Provimento CGJ nº 280,de 16-09-1991.

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conveniente, na medida em que representa grande avanço na instrução processual,

porquanto forma de se assegurar a imediatidade. Observa-se, inclusive, que o novo

diploma legal priorizou a utilização dos recursos eletrônicos, autorizando fossem

gravados os depoimentos das testemunhas. Registra-se que a Lei 11.690, de 9 de

junho de 2008, também já havia previsto, em seu art. 217, a possibilidade de o juiz

inquirir a testemunha utilizando-se do recurso da videoconferência, quando

verificasse que a presença do réu poderia lhe causar temor, humilhação e serio

constrangimento.

Como se observa, o processamento, em qualquer situação, é que se

vê modificado. Os atos processuais não mais serão escriturados, mas digitalizados,

registrados eletronicamente. A Lei nº 11.419/06 introduz o novo conceito do tempo

do processo sem papel, o que estará a exigir, certamente, radical mudança de

comportamento dos que lidam com o mesmo.

Insiste-se em que o processo judicial denominado eletrônico nada mais

é do que um novo modelo de processamento, instituído pelo legislador, na busca da

almejada celeridade processual.

Embora sensível à necessidade de se conferir celeridade à marcha

processual – o que se constata diante do grande número de projetos de lei que

existem a respeito do tema tramitando nas casas legislativas -, o Poder Legislativo,

em mais uma de suas condutas contraditórias, levou mais de cinco anos para

promulgar, em 19 de dezembro de 2006, a Lei nº 11.419, que entrou em vigor em 20

de março de 2007. Segundo Edilberto Barbosa Clementino252, em 2001, a

Associação dos Juizes Federais apresentou a sugestão do projeto de lei à Comissão

de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. A sugestão foi recebida em

Plenário, como projeto de Lei nº 5.828/01, para tramitar em regime de prioridade.

Em junho de 2002, o projeto foi remetido para o Senado Federal, tendo sido

somente em 2006 aprovado e sancionado em dezembro do mesmo ano, com alguns

vetos. Maior poderia ter sido o avanço introduzido pelo novo diploma legal, não

fosse o tempo em que o projeto esteve em tramitação no Congresso Nacional, não

fosse a velocidade incontrolável de tudo o que se refere à informática.

Alterou o referido diploma legal doze artigos do Código de Processo

Civil; nenhum, porém, do Código de Processo Penal, embora registre

252 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. “Processo Judicial Eletrônico”, Curitiba, Juruá, 2007, p. 81.

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expressamente o parágrafo primeiro de seu art. 1º que suas disposições são

aplicáveis, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos

juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.

Esse fato merece relevo como demonstração de que o legislador pátrio

ainda não abandonou o ranço patrimonialista, que marcou a produção do Direito nos

séculos passados. Valores como dignidade da pessoa, liberdade, segurança, que

traduzem o cerne das questões discutidas nos conflitos de natureza criminal,

continuam não sendo prioridade, na medida em que as alterações legislativas que

visam conferir maior celeridade ao processo penal permanecem em infindável

estudo, enquanto peculiar eficiência se tem demonstrado nas recentes alterações do

Código de Processo Civil, em especial, no processo de execução.

Aliás, em termos de reforma nas leis penais e processuais penais, o

que se observa é o apego ao casuísmo. Diante de uma situação de emergência, que

provoca clamor social, age o legislador, impulsionado pela mídia, sem qualquer

preocupação com a sistematização, com a coerência253.

Grande mérito não se nega, contudo, ao novo diploma legal, que

introduziu no direito positivo o modelo de processamento eletrônico, consolidando

experiências que se realizavam de forma isolada, fazendo crescer uma consciência

nacional no sentido da necessidade de se acelerar a implementação dessa nova

realidade no processo, assegurando celeridade, segurança, facilitação de acesso à

Justiça, enfim, resguardando os princípios constitucionais.

Ao permitir que cada Tribunal desenvolvesse seu programa próprio de

processo eletrônico, buscou, por certo, o legislador respeitar o trabalho que já vinha

sendo desenvolvido pelos diversos Tribunais, alguns já em fase avançada. Visou

evitar resistências à nova proposta, não impondo a solução única. Vozes não

tardariam em alardear que o programa desse ou daquele Tribunal era melhor do que

o escolhido pelo legislador.

253Essa constatação é observada, no presente, quando, em razão da crescente criminalidade

envolvendo menores, discute-se a redução da maioridade penal, como panacéia para os distúrbios sociais. A matéria é técnica e não poderia ser decidida através de plebiscito, cujo resultado já pode ser antecipado, na medida em que as pessoas, cuja cumplicidade se buscará, estão atemorizadas. É mais fácil reduzir o limite de idade da inimputabilidade do que enfrentar as verdadeiras razões do incremento da criminalidade. As soluções voltam-se sempre a dar à sociedade uma resposta nem sempre coerente, como foi o caso da Lei nº 8.072/90, dos crimes hediondos.

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Com isso, no entanto, enfraqueceu a possibilidade de unidade,

comprometendo a profecia do Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da

Justiça, Sergio Renault254: “ O Judiciário brasileiro vai deixar de ser um arquipélago

de ilhas que não se comunicam”. Em todo caso, foi sugerida pelo legislador a

padronização255. Respeitadas, porém, as peculiaridades, decorrentes das variadas

competências, melhor seria que todos os Tribunais do país falassem a mesma

linguagem tecnológica. Tudo indica, contudo, que providências estão sendo

tomadas, na medida em que o Conselho Nacional de Justiça está gerenciando

estudos, visando à padronização.

Cuidou o legislador de definir meio eletrônico como qualquer forma de

armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais; transmissão

eletrônica como toda forma de comunicação à distância com a utilização de redes de

comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores; e assinatura

eletrônica, forma de identificação do signatário, como a assinatura digital certificada

por autoridade certificadora credenciada, ou através de cadastro de usuário mantido

pelo Poder Judiciário, conforme disciplinado por seus órgãos.

De acordo com Delpiazzo256 é necessário, dentro do conceito de

documento eletrônico, distinguir tanto o documento elaborado mediante os recursos

eletrônicos, como aqueles que são diretamente formado pelos mesmos, porque, no

primeiro caso, seria “ la computador ala que manifieste una voluntad que ya se

encontraba expresada anteriormente”, sendo que, no segundo caso, o “ contenido

de la voluntad es determinado por el computador, es decir, no se limita a materializar

una voluntad diferente o externa”. Existem, por outro lado, diversas formas da

atividade de documentação se manifestar, razão pela qual o autor diferencia os

documentos eletrônicos stricto sensu, quando não resultam legíveis senão através

de um descodificador para tradução dos símbolos, sendo exemplo os dados que

ficam armazenados na “memória do computador” (hard-disc), em um CD-Rom. Os

documentos eletrônicos em sentido amplo são os documentos elaborados com os

254 RENAULT, Sergio, In HAIDAR, Rodrigo.Disponível em www.conjur.estadao.com.br, acesso em 20-02-2008. 255 Lei nº 11.419/06, art. 14- “Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a padronização”. 256 DELPIAZZO, Carlos. “El documento y la firma ante las NTI en Uruguay”, apud SOLIMANO, Santiago, “Las Nuevas Tecnologias Aplicadas al Proceso Jurisdiccional”. Disponível em < www.alfa.redi.org >. Acesso em 31.01.2008.

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recursos da informática e que têm a característica de ser perceptíveis, legíveis, de

uma forma direta, sem qualquer auxilio do equipamento. Esses, segundo

Delpiazzo257, são documentos informáticos, não eletrônicos.

Questão relevante que surge quando se trata de documentos

eletrônicos é quanto à sua segurança, ai entendidos fidelidade e durabilidade.

Segundo Carolina Crespo258 a prova documental sempre apresentou como

característica a segurança, por ser pré-constituída, ser fiel ao que se pretende

provar, além de sua durabilidade, havendo dúvidas quanto a essas qualidades,

quando se trata do documento eletrônico. Mas ela própria, após aferir os recursos já

disponibilizados pela tecnologia, conclui que “la fidelidad de los modernos

documentos no tiene porqué ser necesariamente menor que la de los tradicionales”,

e, apesar de reconhecer não gozarem dos mesmos níveis de segurança, com as

precauções adequadas, reconhece ostentarem níveis de segurança aceitáveis,

devendo-se ainda considerar que “ la seguridad de los soportes informáticos

constituye en la actualidad un campo fértil de investigación que, previsiblemente,

dará frutos en un futuro próximo”.

Autorizou o legislador a transmissão de documentos pertinentes a

processos judiciais – no caso, peças processuais – e a comunicação de atos por

meio eletrônico. Essa expressão é ampla, e compreenderia qualquer transmissão de

dados efetuada com tecnologia que funciona com base em componentes

eletrônicos, como por exemplo, o emprego do telex, fac-simile, correio eletrônico, e

as redes computadorizadas. A opção do legislador, no entanto, recaiu exatamente

na utilização da rede mundial de computadores, quando determinou que os órgãos

do Poder Judiciário desenvolvessem sistemas eletrônicos de processamento de

ações judiciais, utilizando-as de preferência, através de acesso por meio de redes

internas ou externas.259 Há, no particular, fundado receio quanto as implicações

negativas dessa disponibilidade de informações, porque, sabidamente, o que passa

pela internet alcança um número indeterminado de pessoas. Adverte Mario Antonio

257 DELPIAZZO, Carlos. “Derecho Informática Uruguayo. apud SOLIMANO, Santiago. Disponível em www.alfa-redi.org. Acesso em 31.01.2008. 258 CRESPO, Carolina Sanchis. ” La Prueba por Suportes Informáticos”,Valencia, Tirant lo Blanch, 1999, p.64. 259 Enquanto a internet é a rede pública de computadores, a intranet é a rede privada de computadores, utilizada pelas empresas para comunicação interna entre seus empregados.

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Lobato de Paiva 260 que “dados de saúde, creditícios dentre outros podem ser

devassados com simples acesso a páginas que difundem a jurisprudência na integra

de muitos tribunais e podem levar o implicado a vários constrangimentos e até

mesmo a discriminações”. Mais uma vez, é chamado o interprete a exercer a

ponderação de valores, desse exercício, certamente, resultando a certeza de que

maior valor certamente é a efetividade da prestação jurisdicional, não se

descartando, ademais, a possibilidade de serem criados mecanismos para

resguardar algumas informações lançadas na rede mundial de computadores.

Esses são os três instrumentos que representam a grande revolução

no direito pátrio, para os próximos anos: a informatização do processo judicial; a

comunicação eletrônica dos atos processuais e o processo eletrônico. Os três

instrumentos que vêm conferir maior energia à terceira onda do processo,

identificada por Cappelletti como os mecanismos de ampliação do acesso à Justiça.

São princípios que sobressaem da Lei nº 11.419/06 o da autenticidade

e da segurança, expressados na confiabilidade e preservação dos registros. A

autenticidade diz respeito à correspondência entre a forma e o conteúdo da

mensagem que se pretende comunicar, o que se obtém, segundo o diploma legal,

com o emprego da assinatura digital, cujo significado diverge do de assinatura

eletrônica261.

Desde que assinado digitalmente, o que visa exatamente conferir a

autenticidade do documento e a identificação do signatário, qualquer documento

transmitido por via eletrônica, e assim recebido, pode ser arquivado pelo destinatário

digitalmente, tendo o mesmo valor que o documento original.

A obrigatoriedade da assinatura digital, objeto de tantos

questionamentos, visa, portanto, conferir segurança ao processo, na medida em que

o documento assim assinado passa a ser reconhecido como documento original,

260 PAIVA, Mario Antonio Lobato. In, “Regras Mínimas para Difusão de Informação Judicial na Internet. In,BLUM, Renato e outros (coord), “Manual de Direito Eletrônico e Internet”, SP, Lex, 2006, p.408. 261 Assinatura digital – transformação matemática de uma mensagem por meio da utilização de uma função matemática e da criptografia assimétrica do resultado desta com a chave privada da entidade assinante. Ou ainda, o resultado de obter por meio de mecanismos ou dispositivos um padrão que permite se associar de forma inequívoca a um indivíduo e sua vontade de assinar. Conceito: “O certificado digital é um documento eletrônico assinado digitalmente por uma autoridade certificadora, e que contém diversos dados sobre o emissor e o seu titular. A função precípua do certificado digital é a de vincular uma pessoa ou uma entidade a uma chave pública”. Disponível em <www.conquiste.com.br>. Acesso em 13-02-2008.

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dispensando a apresentação de qualquer outro documento, como ocorria, quando

utilizada a transmissão via fac-simile.

A certificação digital por entidade certificadora, no caso do Brasil, a

ICP-Brasil, apresentada pelo legislador como uma das possibilidades de assinatura

digital, é instrumento utilizado mundialmente. Importa essa certificação um custo

adicional para o advogado, para as partes, para os peritos, enfim para os que

atuam no processo. A necessidade de aquisição da certificação digital tem sido, por

isso, criticada por representar forma de dificultar o acesso à justiça. É preciso

sopesar o custo e o beneficio, devendo ser registrado que a comprovação da

autenticidade do documento se faz imperiosa para que o documento transmitido

eletronicamente possa ser utilizado como prova.

Bello e Viera262 já advertiam que os riscos da documentação eletrônica

podiam ser resumidos em duas causas: o risco de um erro na transferência

produzido por falhas do computador, ou mesmo do programa utilizado pelo

remetente ou pelo receptor, ou pela incompatibilidade dos computadores em uso; ou

decorrer da modificação deliberada do documento, tanto no computador remetente,

quanto no receptor. Ressaltam, contudo, que referidos riscos são inerentes à noção

de documento, não sendo necessariamente riscos que decorrem do fato de ser o

documento eletrônico, e também, registram que a falha no equipamento ocorre em

probabilidade muito inferior às que decorrem da conduta humana.

Reconhece-se ser exatamente a questão da autenticidade o maior

obstáculo a ser vencido para que se possa fazer uso mais amplo do documento

eletrônico, inclusive como prova judicial, o que, desde 1968, é admitido no direito

inglês, em matéria contábil e bancária, no norte-americano e italiano263.

Não se discute a importância da assinatura digital, quando fazendo

uso de várias tecnologias – senhas, assinaturas digitalizadas, biometria, criptografia,

entre outras – se torna possível certificar a correspondência exata do código inserto

no documento com o seu par, depositado em repositório respectivo do responsável

pela certificação.

262 BELLO, Graciela, e VIEIRA, Luis Alberto, Aspectos Procesales del Fenômeno Informatico, apud Solimano, Santiago. Disponível em www.alfa.redi.org. Acesso em 31.01.2008. 263 Civil Evidence Act, 1968; “Stock Exchange Act e Banking Act”, de 1976 e 1979. Evidence Act, nos EUA.

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Assinatura digital não é a assinatura digitalizada. Através dela é

possível verificar a autoria dos documentos bem como sua veracidade e integridade

junto à autoridade certificadora. Não há, por enquanto, outro meio de se comprovar

que o documento enviado eletronicamente é autêntico, que a peça processual foi

efetivamente transmitida pelo patrono da parte, na medida em que os documentos

eletrônicos não podem ser subscritos pela via convencional. Por isso, é preciso

ponderar se a segurança que advém do sistema não justifica seja suportado o custo

da certificação.

Ensina Aldemário Araújo Castro264 como funciona a assinatura digital

baseada na criptografia assimétrica, padrão tecnológico atualmente acolhido em

grande parte do mundo. Segundo ele

“(...) aplica-se sobre o documento editado ou confeccionado um algoritmo de autenticação conhecido como hash . A aplicação do algoritmo hash gera um resumo do conteúdo do documento conhecido como message digest, com tamanho em torno de 128 bits. Aplica-se, então, ao message digest, a chave privada do usuário, obtendo-se um message digest criptografado ou codificado. O passo seguinte consiste em anexar ao documento em questão a chave pública do autor, presente no arquivo chamado certificado digital. Pode-se dizer que a assinatura digital de um documento eletrônico consiste, portanto, nesses três passos: a) geração do message digest pelo algoritmo hash; b) aplicação da chave privada ao message digest, obtendo-se um message digest criptografado e c) anexação do certificado digital do autor (contendo sua chave púublica). Destaca-se, neste passo, um aspecto crucial. As assinaturas digitais, de um mesmo usuário, utilizando a mesma chave privada, serão diferentes de documento para documento. Isto ocorre, porque o hash gerado varia em função do conteúdo de cada documento. E como o destinatário do texto ou mensagem assinada digitalmente terá ciência da integridade (não alteração/violação) e autenticidade (autoria) do mesmo ? Ao chegar a seu destino, o documento ou mensagem será acompanhado do message digest criptografado e do certificado digital do autor (com a chave pública nele inserida)”.

Caso o destinatário faça uso de aplicativo que suporte documento

eletrônico, poderá, com vistas a obter maior segurança, aplicar o mesmo hash do

conteúdo recebido, a chave pública que estará consignada no documento, obtendo o

message digest descodificado, podendo compará-lo com o message digest, e assim

assegurar-se da autenticidade e integridade do documento, quando houver

identidade.

264 CASTRO, Aldemário Araújo, “O documento eletrônico e a assinatura digital”. Disponível em www.cbeji.com.br. Acesso em 20-01-08.

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Trata-se, segundo José Carlos de Almeida Filho265, “de segurança

necessária para as transações comerciais e em especial para a utilização de

transmissão de atos processuais por meio eletrônico”. Hugo Lança Silva, ao

posfaciar a obra do referido autor, também alardeia a importância da assinatura

digital, reconhecida como “passo fulcral para a difusão do processo eletrônico. As

assinaturas digitais apresentam a dupla valência de determinar a origem dos dados

e garantir a sua integridade; por outras palavras permitem determinar com certeza

quem enviou determinado documento e que o documento foi elaborado por aquela

pessoa não tendo sofrido qualquer adulteração”. E acrescenta que “dos estudos

disponíveis sobre tecnologias de assinaturas digitais baseadas na criptografia de

chaves públicas, a assinatura digital constitui, neste momento, a técnica mais

reconhecida de assinatura eletrônica, apresentando o mais elevado grau de

segurança para a troca de dados em redes abertas”.

Em Portugal, importante iniciativa inserida no Projeto de Modernização

da Administração Pública, foi implementada através do “Cartão do Cidadão”266.

Trata-se de um cartão de identificação do cidadão, que reúne todas as informações

pertinentes à sua cidadania, como por exemplo, cadastro previdenciário,

identificação civil, senhas bancárias, sistema de saúde, e muitos outros, e onde

consta também sua assinatura digital, através da qual se torna possível conferir a

autenticação eletrônica de todos os atos eletrônicos nos quais intervenha. Ainda que

se reconheça a diferença demográfica existente entre os dois países, o exemplo não

pode ser descartado, exatamente quando se reconhece a imperiosa necessidade da

utilização da assinatura digital.

Sustenta José Carlos de Araújo Almeida Filho que os pressupostos

processuais de existência, de validade e os negativos, tomando por base a divisão

formulada por Luiz Rodrigues Wambier, não foram alterados pela Lei nº 11.419/06,

mas sim acrescidos por um novo pressuposto processual, que interfere em todos os

demais. Esse novo pressuposto processual seria a adoção obrigatória da infra-

estrutura de chaves públicas267. A necessidade de assinatura digital da peça inicial,

265 ALMEIDA FILHO, José Carlos, op.cit. p. 174. 266 Disponível em < www.ucma.gov.pt >. Acesso em 28-01-08. 267 Arquitetura, organização, técnicas, praticas e procedimentos que suportam, em conjunto, a implementação e a operação de um sistema de certificação baseado em criptografia de chaves publicas, Decreto nº 3.587/00, Glossário do anexo II.

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bem como de qualquer peça processual, leva o autor a concluir ter sido criado um

novo pressuposto processual de existência, e também de validade do processo.

Assevera ser necessário que “a parte e seus advogados, assim como os juízes e

demais sujeitos do processo, portem certificação digital sob pena de invalidação dos

atos do processo”, acrescentando não admitir, nesse caso, “haver possibilidade de

aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, aproveitando-se os atos

processuais praticados sem observância da Medida Provisória nº 2.200-2/2001”.

Toda vez que se fala em processo judicial eletrônico, uma das maiores

preocupação das pessoas diz respeito à segurança. São questões comuns, quando

se trata da matéria, saber se o processo eletrônico é verdadeiramente seguro, se

não seria ele suscetível a violações, fraudes. Essas indagações não são, realmente,

fáceis de serem respondidas. Além de ser tudo muito novo, de não disporem os

profissionais do Direito de conhecimentos substanciais de informática, não são

poucas as notícias sobre a ação de malfeitores que fraudam grandes empresas, que

transferem valores de contas correntes bancárias, que incluem despesas em cartões

de crédito de terceiros, que os clonam.

Há ousadia, inteligência voltada para o mal e tecnologia colocada à

disposição não só das pessoas de bem. Por isso, torna-se difícil afirmar ser o

processo judicial eletrônico efetivamente seguro. Não se está livre de o sistema “sair

do ar”, de comunicações serem interrompidas, de vírus atingirem arquivos. Mas,

mecanismos de segurança são constantemente criados, e um deles, há de se

reconhecer, é a certificação digital. Não há notícia de ter sido fraudado documento

certificado eletronicamente268, e não é demais recordar que documentos físicos são

também adulterados, não podendo ser esse um argumento contra a adoção dos

recursos eletrônicos.

Há alguns anos, poucas pessoas possuíam telefone celular, no Brasil.

Eram dispendiosos os aparelhos e sua utilidade era novidade ainda não bem

compreendida. Em 2005, o número de linhas de telefonia fixa no Brasil girava em

torno de 48.9%, enquanto já era de 59.3% o de telefonia móvel. A Telecom prevê

que, em 2008, já se tenham 141 milhões de linhas de telefone celular em

268 Disponível em < www.conjur.estadao.com.br > Justiça num clique, de HAIDAR, Rodrigo Acesso em 31-01-2008.

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operação269. Assim há de ser com a assinatura digital certificada. Hoje, é uma

novidade. Em breve, será corriqueiro seu uso e reconhecida sua necessidade,

diante da segurança que representa.

A exigência da assinatura eletrônica não pode ser reconhecida como

um novo requisito processual de existência ou de validade do processo.

O modelo de processamento eletrônico somente pode ser utilizado

quando os patronos das partes dispuserem de assinatura eletrônica. Quando isso

não ocorrer, previu o legislador que o processo deverá tramitar, observando o

modelo de processamento tradicional. Logo, pelo menos por enquanto, há opção.

Somente poderá ser transmitida eletronicamente, valendo como documento no

processo, uma petição inicial que estiver assinada digitalmente. Não dispondo o

advogado de assinatura digital, deverá imprimir a peça inicial e levá-la à distribuição

convencional. Do mesmo modo, se o réu, ao ser citado, contratar um advogado para

patrocinar sua defesa que não disponha de assinatura digital, o processo, ainda que

esteja sendo processado eletronicamente, deixará de sê-lo, devendo ser impressas

as folhas referentes aos atos processuais ate então praticados para formar os autos

físicos.

Visando, ademais, facilitar o acesso à Justiça – jamais, obstaculizá-lo -,

o legislador facultou a cada Tribunal a regulamentação do cadastro de usuários, com

a finalidade de os habilitar ao uso do processo eletrônico, mediante login e senha270,

o que também vem sendo objeto de severas censuras271. Observa-se, portanto, não

ser necessário para que um processo judicial tramite eletronicamente que os

advogados possuam assinatura digital certificada pelo ICP-Brasil. Há a possibilidade

de cada Tribunal regulamentar o cadastro único de credenciados, aos quais será

atribuído registro e meios de acesso ao sistema, com preservação do sigilo, da

identificação e autenticidade das comunicações, como já visto, princípios que

exsurgem da nova lei. Através da Recomendação nº 12/2007, o Conselho Nacional

de Justiça determinou que, no menor prazo possível, os Tribunais promovam a

regulamentação do cadastro e do credenciamento de assinaturas digitais, o que já

foi atendido pelo Tribunal Superior do Trabalho, através da Instrução Normativa nº

269 Disponível em <www.uol.idgnow.com.br/telecom>, acesso em 10-02-08. 270 Lei nº 11.419/2006, art. 1º, § 2, III, “b”, e art.2º. 271 Disponível em <www.ibde.org.br/>, acesso em 10-02-2008.

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30/2007, instituindo-a no âmbito daquele órgão.

Tendo o legislador interesse em reduzir as resistências à utilização do

processo eletrônico, haver-se-ia de reconhecer que a imposição de custo

excepcional, que decorre da certificação digital, representa uma contradição, pois

cria mais um obstáculo. A alternativa que foi prevista, reconhecendo possível que

cada Tribunal venha instituir seu próprio cadastro e promova o credenciamento do

usuário, é solução viável, porque, por certo, mais econômica. Não se pode afirmar,

contudo, ser a melhor solução, na medida em que aberta foi a porta para que

enorme quantidade de modelos venha a surgir, impondo que o advogado que milita

em várias jurisdições, em vários Estados, tenha que obter o credenciamento em

cada um dos Tribunais, submetendo-se a exigências as mais diversas, o que poderá

dificultar o exercício profissional.

Acresce-se o fato de não disporem, de imediato, todos os Tribunais de

condições materiais de instituir o referido cadastro. Demandará tempo para que

seus setores de informática possam desenvolver programas seguros e eficientes,

aptos a observar o comando da lei quanto ao sigilo, identificação e autenticidade,

três princípios que não podem deixar de ser priorizados quanto se trata de processo

eletrônico. A adoção dessa alternativa, apesar de mais econômica, poderá retardar

a utilização do novo modelo, porque irá depender das disponibilidades técnicas,

financeiras e materiais de cada Tribunal a implementação do cadastro e do

credenciamento.

Um só modelo de assinatura eletrônica seria mais conveniente, como

aliás é pratica recorrente no mundo – Lei nº 59/003, na Espanha; Regulamento de

firma eletrônica, na Itália; Lei de Firma Digital, na Alemanha, e nos Estados Unidos -

sendo certo que o tempo cuidaria de acomodar as primeiras dificuldades, não se

podendo descartar até mesmo a possibilidade de concessão de um subsídio para a

aquisição da certificação digital, que se reconhece forma mais segura para as

comunicações eletrônicas. Apollònia Martinez Nadal272assevera que a criptografia

contribui em grande medida para a segurança das comunicações na rede aberta e

insegura da internet,. sendo a criptografia de chaves assimétricas “ la solución

primera a la necesidad jurídica de autenticación, integridad y no rechazo de origen

272 NADAL, Apollònia Martinez, In “Comercio Eletrónico, firma digital y autoridades de certificación”, Iles Balears, Universitat de les Illes Baleares, Civitas, 2000, p.85.

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(en definitiva, firma) del mensaje electrónico, a través de los procedimientos de firma

digital (así como a la exigência comercial, técnica o incluso jurídica, de

confidencialidad, mediante los procesos de cifrado)”.

Não impôs a lei como obrigatório, também, que as partes disponham

de assinatura digital certificada por autoridade certificadora, tampouco do

credenciamento no cadastro a ser mantido por cada Tribunal. E isso, porque não

cabe à parte, pessoalmente, a prática do ato processual, mas sim a seu advogado,

que exerce a representação processual273. Em se tratando de processo com trâmite

perante os juizados especiais, quando foi autorizado pelo legislador que a parte

compareça pessoalmente, nas causas cíveis de valor inferior a 20 salários-mínimos,

certamente, que atendendo ao princípio da informalidade, não se poderá impor à

mesma que possua assinatura digital. Em regra, o primeiro atendimento é feito por

servidor, a quem é atribuída a responsabilidade de reduzir a escrito a pretensão.

Esse servidor é que deverá possuir assinatura digital, para encaminhar a peça inicial

ao juiz, para decisão. O réu fará sua defesa oralmente, não havendo, também,

necessidade de assinatura digital.

A assinatura digital somente se apresenta como necessária para

comunicação eletrônica dos atos do processo. Assim, a procuração outorgada pela

parte ao patrono não carece ser assinada digitalmente, exigência necessária

apenas quando o outorgante pretenda encaminhá-la eletronicamente. Nada obsta,

contudo, seja o documento digitalizado, impresso e assinado pelo mandante, após o

que, escaneado, deverá ser assinado digitalmente pelo advogado e pelo mesmo

transmitido eletronicamente, passando a ser peça integrante do processo eletrônico.

Quem deverá possuir a assinatura digital, portanto, é o advogado, responsável pela

transmissão do documento eletrônico, com o objetivo de atestar que o mesmo, que

foi transmitido eletronicamente, é autentico; ou seja, que aquele documento que

chegou ao destinatário tem igual teor do que foi enviado. Assim também os

representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, serventuários da justiça

e o magistrado.

No Brasil, o documento eletrônico somente pode ser reconhecido como

documento particular, de acordo com a Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto

273 Art. 36 CPC – Art. 2º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) e Art. 261 CPP.

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de 2001274, em sua segunda versão e que ainda se encontra em vigor. Instituiu

referida norma a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – IPC-Brasil,

vinculada à Casa Civil da Presidência da República, tendo transferido ao Comitê

Gestor a atribuição de regulamentação da atividade certificadora.

A Ordem dos Advogados do Brasil vem resistindo à obrigatoriedade de

somente serem admitidas as transmissões de documentos, recursos e demais

práticas de atos processuais, mediante uso de assinatura digital, certificada pelo

ICP-Brasil. Foram ajuizadas três ADIN’s – 3869, 3875 e 3880 275 –, apontando a

inconstitucionalidade, em especial, do artigo 2º da Lei nº 11.419/06, por violação ao

princípio da proporcionalidade, na medida em que teria vindo impor exigência

excessiva, a obstar o livre exercício profissional do advogado. Sustenta-se, ainda,

que a transferência aos Tribunais do poder de regulamentar o cadastro de usuários

afronta prerrogativa constitucional do órgão de classe, ao qual incumbe ordenar a

atividade dos advogados brasileiros.

Foi formulado pedido de liminar, tendo o Relator, o Min. Ricardo

Lewandowski, decidido por levar ao Plenário do Supremo Tribunal Federal o

julgamento da matéria, ante sua relevância e “especial significado para a ordem

social e segurança jurídica”, com respaldo no art. 12 da Lei nº 9.868/99, o que,

até a presente data, lamentavelmente, não ocorreu.

Em verdade, o que pretende a Ordem dos Advogados do Brasil é

resguardar para si o monopólio da concessão do certificado digital,

estabelecendo como obrigatória a sua cadeia de certificação, com a inserção na

carteira do associado, o que também parece não ser do agrado de todos os

advogados, como se colhe de debates travados na internet276.

A exigência do credenciamento prévio é imperiosa, na medida em

que não é possível se estender a todos, pelo menos por enquanto, os efeitos da

274 Medida Provisória nº 2200-2, Publicação: 24-08-2001. Instituiu a infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras, ICP-Brasil, entre outras providências. 275 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº. 3869 - Reqte: Conselho Federal da OAB – DF- Distrito Federal - Relator: Min. Ricardo Lewandowski – consulta em 04-06-2007. ADIN 3875 - Reqte: Conselho Federal da OAB - Sergipe SE - Relator: Min. Gilmar Mendes – consulta em 04-06-2007- Petição do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico requerendo sua admissão no feito na qualidade de “amicus curie” ; ADIN 3880 - Reqte: Conselho Federal da OAB – DF- Distrito Federal- Relator: Min. Ricardo Lewandowski – consulta em 01-08-2007 – Decisão indeferindo o pedido de realização de audiência pública . 276 Disponível em < www.ibde.org.br.> Acesso em 11-02-2008.

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intimação eletrônica. Somente os advogados que aderirem à inovação

tecnológica e obtiverem o registro cadastral poderão ser intimados

eletronicamente, em portal próprio, afastado o emprego do correio eletrônico277,

assumindo todas as conseqüências do ato processual. Justificada está, portanto, a

necessidade do cadastro, a fim de que nulidades processuais não venham a ocorrer.

É importante considerar, no tocante a prazo processual, que o

legislador deixou de considerar o horário do expediente forense. Assim, o ato

processual eletrônico é tempestivo ainda quando o envio ao sistema do Poder

Judiciário ocorra após às 18 horas. O prazo processual se estende até às 24 horas

de seu último dia, sendo essa inovação sido valorada positivamente por Humberto

Dalla Bernardina de Pinho278, na medida em que os advogados não ficarão mais

limitados ao horário de fechamento do setor de protocolos dos Tribunais.

Poderiam ser assim resumidos os passos, pelo menos iniciais, do

processo eletrônico: O advogado redige a petição inicial e a remete on line para o

Tribunal, juntamente com os documentos que a instruem, tudo assinado

digitalmente. O protocolo eletrônico do Tribunal recebe a petição, promovendo a

distribuição da nova ação. Fixada a competência, a transmissão do documento se

faz eletronicamente para o juiz competente. A recepção é imediata. No juízo, o

serventuário irá proceder à leitura da peça inicial, verificar o exato recolhimento das

custas judiciais, quando devidas, analisar a documentação acostada. Verificando

que se encontra tudo em ordem, remete on line para a tela do computador do juiz,

que analisará pedido de tutela antecipada, de liminar, ou simplesmente determinará

a citação. Ultrapassada a fase de admissibilidade, o processo volta à tela do

serventuário, que diligenciará pela remessa das peças necessárias para instrução do

mandado de citação, para a central de mandados. Nesse setor, pelo menos por

enquanto, o mandado de citação será impresso, assim como os documentos que o

devem instruir. Na Justiça Federal, ante o reduzido leque de sujeitos passivos -

autarquias, empresas públicas - já se fez possível a citação eletrônica, na medida

em que referidas pessoas jurídicas aderiram à novidade, efetuando o necessário

277 Impende registro que o STJ já havia refutado a utilização do correio eletrônico, como meio de transmissão de peças processuais, o que foi objeto de críticas (AgRg no REsp 652325/SC; AgRg na Pet 4307/RJ; AgRg no REsp 794923/RS; AgRg nos EDcl no REsp 916506/RN; AgRg no REsp 913850 / RS). 278 PINHO, Humberto Dalla Bernardina, op.cit.,p.206.

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cadastro. Em se tratando de pessoa natural, o ato processual deverá ser realizado,

nos termos da lei processual. Uma vez citado o réu, a certidão será lançada no

sistema, recebendo o juízo a informação de que a relação jurídica processual se

aperfeiçoou. A partir daí, começa a fluir o prazo para contestação, que poderá ser

ofertada eletronicamente pelo patrono constituído pela parte ré. Caso o advogado

não possua certificação digital, apresentará o documento escrito em setor próprio do

Tribunal, que cuidará para que seja o mesmo digitalizado, ou escaneado, passando

a integrar o processo eletrônico. Todas as decisões judiciais são remetidas on line

para a imprensa oficial, para publicação, que, em muito breve tempo, também se

fará eletronicamente.

Isso porque uma das grandes inovações da Lei nº 11.419/06279 foi a

possibilidade de os Tribunais criarem os Diários de Justiça eletrônico, disponibilizado

em sitio da rede mundial de computadores, no caso, a internet, enfatizando o

parágrafo 2º do artigo 4º que a publicação eletrônica, cujo conteúdo for assinado

digitalmente, substitui qualquer outro meio de publicação oficial, para quaisquer

efeitos legais, à exceção dos casos que a lei imponha a intimação ou a vista

pessoal.

Os Tribunais Superiores já implantaram o Diário de Justiça eletrônico.

O Superior Tribunal de Justiça, através da Resolução nº 8, de 20 de setembro de

2007, determinou que, a partir de 01-10-2007, a veiculação de seus atos se desse

pela forma eletrônica, e gratuitamente. Foi criado um link280, posicionado logo

abaixo do campo da consulta processual, com o nome “Diário de Justiça”. “Clicado”

o mouse sobre o mesmo, abre-se a página de consulta das publicações do Superior

Tribunal de Justiça. Até 31-12-2007, coexistiram as duas espécies de publicação,

passando, a partir de janeiro de 2008, a ser o meio eletrônico o oficial das

publicações do Superior Tribunal de Justiça.

O sistema do Diário de Justiça eletrônico adotado pelo Superior

Tribunal de Justiça é o primeiro a ter versão adaptada para web, em forma de links,

com vistas a tornar mais fácil a consulta. Os documentos estão ordenados por

órgãos julgadores, sendo possível a pesquisa sobre as decisões colegiadas e

279 Lei nº 11.419/06, art. 4.º “Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral”. 280 Conexão entre informações.

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individuais. A consulta é possível pelo número do processo original, número do

registro do processo no Superior Tribunal de Justiça, nome das partes, nome do

advogado e seu número de inscrição na OAB. Como as publicações têm

certificação eletrônica podem as cópias produzidas serem utilizadas como

documentos oficiais, servindo, por exemplo, para instrução de recursos especiais,

para comprovação do dissídio jurisprudencial, o que há de se reconhecer medida de

grande economia para o usuário.

A Resolução nº 341, de 16-04-2007, instituiu no âmbito do Supremo

Tribunal Federal o Diário de Justiça eletrônico. Ao se abrir a página inicial na

internet, um link é visualizado com o nome de Diário de Justiça eletrônico. Aberto

esse link, tem-se outra oportunidade de escolha, entre a leitura do periódico do dia

da consulta ou de outros, que permanecem disponíveis no sistema.

No Estado do Rio de Janeiro, desde outubro de 2007, foram

canceladas as assinaturas do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro destinadas

aos magistrados. Abrindo a página principal do Portal Corporativo, o magistrado tem

acesso a seu webmail, onde são divulgadas diariamente as matérias administrativas

publicadas, que ficam disponíveis pelo prazo de 30 dias. A providência, que foi

implantada pelo Ato Normativo Conjunto TJ-CGJ nº 9, de 3-10-2007, por certo,

representou grande economia para o Tribunal, além de que fomenta a cultura de

leitura diretamente da tela do monitor, o que é de grande valia para estimular esse

aprendizado que o processo eletrônico irá exigir.

O Supremo Tribunal Federal, que já adotou o modelo de

processamento do Recurso Extraordinário eletrônico, em fase de experiência com os

Tribunais de Justiça de Sergipe, Espírito Santo, com o TST e com o TRF da 1ª.

Região, e em 13 de dezembro de 2007, recebeu a primeira ação, de competência

originária daquele Tribunal, pela via eletrônica. Trata-se da ADI 3396281, ajuizada

pelo Procurador Geral da República, em sessão solene, na qual a ilustre Presidente

daquela Corte de Justiça teve a oportunidade de ressaltar a importância daquele

momento histórico, tornando possível a partir de então o ajuizamento de ações de

281 ADI nº 3396 - Reqte: Conselho Federal da OAB – DF- Distrito Federal- Relator: Min. Celso de Mello - Fase em 18-06-2007 – Petição requerendo admissão da Associação dos Advogados do BRB- ASABRB no feito, na qualidade de “amicus curie”, seguindo-se de conclusão ao Relator .

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competência do STF, de qualquer lugar do mundo, desde que o usuário possua

assinatura digital282.

Determina a lei que se considera como data da publicação o primeiro

dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário Oficial eletrônico,

começando a correr os prazos processuais no primeiro dia útil seguinte à data da

publicação. Impõe ressaltar que as intimações feitas por meio eletrônico nada têm a

ver com a comunicação que se faz através de e-mail, modalidade de intimação que

não foi prevista na lei, nem tem sido aceita pelo Superior Tribunal de Justiça283,

apesar de severas críticas, pelo fato de não reconhecer aquela Corte como similar

ao fac-simile o correio eletrônico.

A intimação do ato processual eletrônico considera-se realizada no dia

em que o intimando efetivar a consulta eletrônica e tomar conhecimento do conteúdo

da intimação. Assim, ao “clicar” o mouse sobre o resumo da notícia, será aberta

página, contendo o inteiro teor da intimação, que passa a ser do mesmo conhecida,

considerando-se, a partir daí, ter ocorrido a efetiva comunicação ao destinatário, o

que é imediatamente noticiado ao remetente, que lançará, também eletronicamente,

certidão sobre a realização do ato processual. Caso essa consulta venha a ocorrer

em dias não úteis - sábado, domingo ou feriado -, a intimação considera-se realizada

no dia útil seguinte. Caberá sempre ao juiz, no entanto, cuidar dos casos

excepcionais. Previu o legislador que, quando a intimação eletrônica puder causar

prejuízo a qualquer uma das partes, ou quando restar evidenciada tentativa de burla

ao sistema, o juiz deverá determinar a prática do ato processual, por qualquer outro

meio. Assim, diante de uma situação de urgência, quando a intimação se deva

fazer de forma imediata, o juiz deverá determinar seu cumprimento por mandado,

por oficial de justiça. Isso porque, a intimação eletrônica demanda um prazo.

Somente, após a consulta eletrônica, se pode considerá-la feita.

Ocorrendo de o destinatário não abrir o aviso, para assim ter

conhecimento do inteiro teor da intimação, o legislador previu um prazo ficto de 10

dias, findo o qual a intimação há de ser considerada realizada. Essa situação não é

desejável nos casos em que há urgência. Por isso, não se retirou das mãos do juiz o

282 Notícias STF de 30-05-2007 <www.stf.gov.br/portal/cms->. Acesso em 12-02-2007. 283 RMS nº 11960/RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª DJ 26/05/2003, p.368, Ag.Rg.no REsp 672410/SC, Min. Paulo Gallotti, 6 ª Turma, Publicação: 22-08-2006.

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poder de decidir sobre as situações que venham demandar um tratamento

excepcional.

Preocupação similar teve o legislador quando instituiu a citação pelo

correio, medida possível no âmbito do processo civil, e que se corre o risco de ser

estendida ao processo penal284. Quando o autor observa que a parte ré tudo faz

para evitar a citação, pode requerer ao juiz que o ato processual seja praticado de

outra forma, a fim de evitar retardos e impossibilitar a prática de conduta afrontosa à

dignidade da justiça.

Inovação trouxe o parágrafo 6º do art. 5º, quando previu que as

intimações eletrônicas são consideradas pessoais, para todos os efeitos legais.

Como é sabido certos personagens do processo gozam da prerrogativa da intimação

pessoal. Assim, a Fazenda Pública, o Ministério Público, o Defensor Público. A

intimação somente se aperfeiçoa com a vista pessoal dos autos. A partir da nova

lei,285 todos eles podem ser intimados eletronicamente, desde que lhes seja

viabilizado o acesso à integra do processo. E isso representa grande avanço na

batalha pela celeridade processual, na medida em que é sabido que, não só em

razão da prerrogativa do prazo em dobro, certos profissionais se negam a receber os

autos, para que não se aperfeiçoe a intimação pessoal, quando em proximidade de

períodos de férias, de licenças, até mesmo de feriados, evitando, com essa conduta,

o início de contagem dos prazos processuais.

O art. 6º da Lei nº 11.419/06 facultou que as citações também sejam

feitas eletronicamente, mas ressalvou expressamente as referentes aos processos

criminais e infracionais. Não é possível, em hipótese alguma, que a citação do réu

ou do menor infrator se faça eletronicamente. Essa sempre haverá de ser pessoal.

Isso não quer dizer que a expedição de carta precatória para citação do

réu que se encontra em outra comarca, ou em outro Estado, não possa se dar

eletronicamente. A transmissão eletrônica da carta precatória para a citação do réu é

possível. Chegando ao destino, o juízo deprecado, ao determinar o cumprimento da

284 Projeto de Lei. nº 4207-2001, que mereceu parecer favorável da CCJ da Câmara dos Deputados, aprovada a Emenda Substitutiva de Plenário n.1, encaminhada ao Senado Federal. 285 Lei nº 11.419/06, art. 9º - “O processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta lei”.

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ordem judicial, determinará a expedição do mandado de citação, que será impresso

em papel, devendo a citação ser realizada pelo oficial de justiça.

É possível avaliar a economia de tempo que se obtém tão somente

com a expedição e transmissão de uma carta precatória pela via eletrônica. Hoje, é

essa uma providência que envolve grande burocracia e, em conseqüência, consumo

de tempo, sendo causa de invariáveis excessos de prazo, no processo criminal. E

não só a carta precatória de citação do réu, ou de citação e interrogatório, como

também a carta precatória para intimação de testemunhas, para oitiva de

testemunhas, enfim, para realização de qualquer diligência. Digitar o mandado,

formar o instrumento, com a extração de cópias xerográficas do processo, colher a

assinatura do juiz, encaminhar ao setor de malote; no destino, proceder-se à

distribuição, autuação, levar para despacho do juiz deprecado, expedir mandado,

encaminhar ao Oficial de justiça; cumprida a diligência, retornarem os autos à mesa

do juiz deprecado, para que seja determinada sua devolução, dar baixa na

distribuição, encaminhar ao serviço de malote, para percorrer todo o caminho de

volta. Enfim, até que a carta precatória seja juntada aos autos, no mínimo, mais de

60 dias foram consumidos, na melhor das hipóteses.

Muitos passos desse moroso caminhar serão evitados. Com a

determinação de realização do ato em juízo outro e assinado eletronicamente o

mandado pelo juízo deprecante, a serventia encaminha eletronicamente ao juízo

deprecado as peças relevantes do processo, instruindo a carta precatória eletrônica.

O juiz deprecado, recebendo-a, o que ocorre em tempo real, determina seu

cumprimento, e só então haver-se-á de imprimir em papel o mandado de citação, de

intimação, de penhora, de busca e apreensão, enfim do ato processual que deverá

ser praticado. E, uma vez cumprido o mesmo, devidamente certificado pelo oficial de

justiça, ocorre a transmissão eletrônica do documento, assinado eletronicamente, o

que é de imediato juntado ao processo virtual.

Possibilitou a nova lei que todas as peças processuais produzidas

pelos advogados, em formato digital, sejam juntadas diretamente ao processo

eletrônico, independentemente de qualquer intervenção do cartório, mediante a

emissão de recibo eletrônico de protocolo286. É notória a demora para que petições 286 Lei nº 11.419/06, art. 10 – “A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem

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sejam juntadas aos autos, sendo essa uma das maiores reclamações dos

advogados. Excesso de processos, falta de servidores, desorganização, muitos são

os fatores que contribuem para que uma peça processual seja juntada aos autos,

algumas vezes, meses após seu recebimento no cartório. Há, em qualquer

serventia judicial, pastas, muitas pastas, com petições para serem juntadas aos

autos. E é notório também o risco existente de extravio, de um processo ser levado

à conclusão do juiz, sem que estejam todas as petições juntadas aos autos. No

modelo de processamento atual, o advogado protocola a petição, em um setor de

protocolo geral, que concentra o recebimento de petições. Ao final do expediente,

todas as petições recebidas ao longo do dia são separadas, de acordo com o

destino a ser tomado, e, no dia seguinte, na melhor das hipóteses, são elas

encaminhadas às serventias judiciais respectivas. Recebidas, não é possível serem

juntadas imediatamente aos autos. Não há tempo para procurar cada processo nas

estantes da serventia e promover a juntada das petições. São colocadas em pastas,

onde restam aguardando a oportunidade de serem carimbadas, numeradas e

costuradas no processo. O que nova a lei oferece como novidade é a abreviação de

todos esses passos. Economia de tempo, de mão de obra, de material. Carimbo,

papel, grampos, nada mais será preciso. O advogado, em seu escritório, poderá

produzir o documento, o assinará eletronicamente e pressionará a tecla “envia”.

Automaticamente, esse documento será remetido ao juízo competente, sendo

juntado ao processo a que se refere. É gerado um protocolo e emitido um recibo

eletrônico (time stamping). O serventuário, que é imediatamente informado pelo

sistema da juntada da nova peça eletronicamente, fará o exame do teor da petição

e, dependendo do que se requer ou se comunica, dará andamento ao processo,

encaminhando-o ao juiz, ao órgão do Ministério Público ou a algum dos auxiliares do

juízo. Tudo eletronicamente, sem papel.

Sendo impossível a digitalização dos documentos que instruem o

processo, seja em razão do volume, seja em razão da falta de legibilidade, deverão

esses ser apresentados ao cartório no prazo de 10 dias contados do envio da

petição eletrônica, o que deverá ser justificado. Referidos documentos ficarão

acautelados em cartório e somente serão devolvidos à parte após o trânsito em ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo”.

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julgado da sentença. Tendo sido digitalizados documentos, para instruir o processo

eletrônico, que são considerados originais para todos os efeitos legais, deverão as

partes preservá-los até que ocorra o trânsito em julgado da sentença, ou, quando

admitida, até o final do prazo para a interposição da ação rescisória. Importa registro

que, visando resguardar o sigilo, somente as partes e o Ministério Público podem ter

acesso ao inteiro teor dos documentos digitalizados, somente estando disponíveis

para conhecimento público o inteiro teor das decisões judiciais. Em se tratando de

fotografias, se não houver a possibilidade de serem digitalizadas, tampouco

escaneadas, nada obsta a que seja dado o mesmo tratamento dispensado aos

documentos que materialmente não podem ser inseridos no processo eletrônico,

restando acauteladas em cartório, para consulta, quando necessário for.

Questiona José Carlos Araújo Almeida Filho287 qual seria o prazo para

guarda de documentos utilizados no processo penal. Com a certeza de que o

objetivo do processo eletrônico é terminar com o uso de papel, indaga o autor se

haveria coerência na determinação de guarda dos documentos físicos até que

venha a ocorrer o trânsito em julgado da sentença, ou, no processo criminal, até que

se esgote o prazo para a revisão criminal. Ainda que se reconheça razoável sua

perplexidade, é preciso sempre ter em mente ser essa uma primeira fase, de

transição de um modelo tradicional, que prevaleceu por séculos, para uma

verdadeira revolução cultural, daí porque o açodamento não é recomendável, além

de que, exatamente por constituir uma novidade sem precedentes, é preciso incutir

nas pessoas segurança, para que a ela venham a aderir sem restrições. Um passo a

de ser dado de cada vez. Sob esse enfoque, não se vê qualquer óbice na guarda

dos referidos documentos. Importa registro que os documentos eletrônicos que

compõem o processo eletrônico devem ser arquivados em recursos digitais, esses

aos cuidados do Poder Judiciário. Nada impede que as partes mantenham, sob sua

guarda, os documentos físicos, ainda que deles não venham a se valer. Situação

diversa é a que envolve os documentos que não podem ser digitalizados. Esses

ficam sob a guarda do juízo, até que venha a ocorrer o transito em julgado da

sentença, sendo, a partir daí, responsabilidade da parte a manutenção dos mesmos,

até que se finde o prazo para ação rescisória ou para a revisão criminal.

287 ALMEIDA FILHO, José Carlos, op.cit., p. 273.

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Determinou o legislador que os autos do processo eletrônico fossem

protegidos por sistemas de segurança de acesso e armazenados em meio que

garanta a preservação e integridade dos dados, dispensada a formação de

autos suplementares, autorizando que a conservação dos autos seja feita total ou

parcialmente por meio eletrônico, o que significa dizer que alguns atos processuais

podem ser realizados eletronicamente, enquanto outros podem observar o modelo

de processamento tradicional. Reconhece-se a vantagem da conservação dos autos

em mídia digital, em servidores dos Tribunais.

Enfatiza-se como de grande importância a determinação contida no

art. 13 do novo diploma legal. Sabe-se como tempo é perdido na tentativa de

localização do réu, de testemunhas, de bens do devedor. Ofícios são expedidos

para a Secretaria da Receita Federal, para as concessionárias de serviço público,

para instituições bancárias, para cartórios de registro civil de pessoas naturais, de

registro civil de pessoas jurídicas, para juntas comerciais, e, quando se trata de

localização de réu, para o Tribunal Regional Eleitoral. Uma quantidade imensa de

ofícios são expedidos. Muito tempo perdido, para confeccionar os documentos, para

expedi-los, para se aguardar respostas, que nem sempre são prestadas. Referido

dispositivo legal autoriza o magistrado a requestar sejam essas informações,

necessárias à instrução do processo, prestadas por meio eletrônico. E, não só que

sejam prestadas informações, como que seja liberado o acesso a cadastros

públicos, assim considerados aqueles mantidos por concessionárias de serviços

públicos ou empresas privadas, como que sejam exibidos dados.

Os sistemas a serem desenvolvidos pelos Tribunais deverão usar

programas com código aberto, que significa software livre, ou seja disponível para

utilização por qualquer pessoa 288, com acesso ininterrupto por meio da internet,

devendo identificar os casos de prevenção, litispendência e coisa julgada, evitando a

duplicidade de ações, busca que se vê facilitada com a determinação de

identificação, na petição inicial, das partes, com o fornecimento do numero do

registro no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, no caso de ação de

288 Disponível em <www.softwarelivre.gov.br>, Acesso em 10-02-2008. Um sistema é assim classificado quando o seu código-fonte está acessível a qualquer pessoa, permitindo que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento desenvolva novos recursos, modifique e adicione ferramentas de acordo com suas necessidades.

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natureza cível, e do registro no Instituto Nacional de Identificação do Ministério

da Justiça, no caso de ação penal.

Duas compreensíveis preocupações surgem quando se trata de

processo judicial eletrônico. A primeira gravita em saber se não seria ele uma forma

de elitização da justiça. Ao invés de instrumento que acesso à justiça, o que é

efetivamente por todos almejado, poderia ele ser usado como forma de obstaculizar

o acesso da pessoa ao Poder Judiciário? A população desse país é, em maioria,

pobre, e sendo pobre, não tem acesso aos conhecimentos tecnológicos, sendo,

ademais, sabidamente caros os equipamentos de informática e seus acessórios,

dispendiosos os cursos especializados. Além do mais, existem as pessoas que não

têm afinidade com esse mundo de tecnologia, e não seria correto impor-lhes o uso

da informática. Essa preocupação leva Humberto Dalla Bernardina de Pinho289 a

propor prudência na aplicação da nova lei, de modo a não agravar a desigualdade

hoje existente entre a população.

Urge, porém, acentuar que a Lei nº 11.419/06 demonstrou especial

preocupação com o acesso à justiça. Pode-se afirmar ter sido objetivo do legislador

apresentar o processo eletrônico como verdadeiro instrumento de ampliação da

cidadania. No art. 10, parágrafo 3º, impôs a todos os órgãos do Poder Judiciário a

manutenção de equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de

computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais

– também, para transmissão e consulta. A partir do momento em que foram

instalados, nos corredores dos prédios dos fóruns, equipamentos eletrônicos para

consulta processual, a freqüência das partes é perfeitamente notada. Não é mais

necessário agendar consulta com o advogado, ficar à espera por horas para

atendimento pelo estagiário do Defensor Público. Dispondo do número do processo,

o interessado passa a ter acesso ao andamento do processo, deixa esse de ser um

mistério para sua pessoa, o que não pode deixar de ser considerado como grande

avanço para a efetividade da garantia de acesso à Justiça.

Ainda que o advogado não disponha do computador, em sua casa, em

seu escritório, ainda que não saiba ele operar o sistema, não estará ele impedido de

ter o processo que segue sob seu patrocínio processado eletronicamente.

289 PINHO, Humberto Dalla Bernardina, op.cit.,p. 210.

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Nada impede que ele produza a peça processual, que seja ela manuscrita,

datilografada, digitada, e que assim a apresente ao setor competente do Tribunal,

que deverá manter servidores treinados e equipamentos suficientes para realizar a

digitalização, ou escaneamento, para inclusão no sistema eletrônico. Ainda que não

disponha o advogado do serviço de internet, equipamentos serão colocados à sua

disposição nas dependências do Poder Judiciário, para que promova as consultas

acerca do andamento processual.

Anote-se o importante passo na conquista da cidadania que representa

a facilidade de consulta eletrônica aos processos judiciais. Qualquer pessoa, em

qualquer lugar que esteja, tem acesso às informações sobre os processos e

decisões judiciais, nos quais tem interesse, bastando que forneça ao sistema o

número do processo, ou o nome das partes, ou mesmo do advogado. Essa é uma

nova faceta da publicidade dos atos processuais, que lhes confere maior

transparência, maior certeza, maior segurança.

A segunda preocupação, como já referido, diz respeito à segurança,

com o que o legislador também revelou sensibilidade. Impôs, como já visto, a

obrigatoriedade, para conferir autenticidade aos documentos eletrônicos, da

assinatura digital. Em segundo plano, autorizou a emissão de documento físico – no

caso, do mandado de citação, intimação ou notificação - quando por motivo técnico

não for possível a realização do ato por meio eletrônico, ou quando em razão da

urgência, a fim de não causar prejuízos a quaisquer das partes, o juízo assim o

determinar. Em terceiro lugar, previu a prorrogação de prazos processuais, quando

inoperante o sistema. Em quarto, assegurou a possibilidade de ser argüir a falsidade

do documento, ocorrida a adulteração antes ou durante o processo de digitalização.

Em quinto, determinou que, quando da remessa a outro juízo, ou à instância

superior, onde não se disponha de sistema compatível, as peças processuais

deverão ser impressas em papel e autuadas, na forma da lei, devendo o escrivão

certificar os autores e a origem dos documentos produzidos, se há segredo de

justiça e a forma pela qual é possível acessar o banco de dados para aferição da

autenticidade das pecas e das assinaturas digitais. Em sexto, conforme está

disposto no artigo 12, parágrafo 5º, quando ocorrer a digitalização dos autos, o juízo

determinará a publicação de editais de intimação, para que no prazo de 30 dias se

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manifestem as partes e seus advogados, sobre o desejo de manterem sob sua

guarda documentos originais.

Essas foram as providências previstas pelo legislador, visando conferir

segurança material ao processo eletrônico.

Não se relega a preocupação dos que questionam a publicidade no

processo eletrônico, em verdade, o excesso de publicidade que decorre de sua

utilização. O processo judicial penal é, sabidamente, público. A publicidade, na

lição de Luiz Rodrigues Wambier290, “existe para vedar o obstáculo ao

conhecimento”, sendo na verdade uma garantia constitucional, impedindo os abusos

de autoridade. A inserção da garantia da publicidade no processo, segundo Antonio

Scarance Fernandes291, teve o condão de abolir os julgamentos realizados em

segredo, assegurando maior transparência e participação das partes, passando a

comunidade a ter direito de fiscalizar a atividade jurisdicional. A regra, no processo

penal, principalmente, é a da publicidade plena.

O processo é público e, portanto, pode ser consultado por qualquer

pessoa. Não é usual, contudo, alguém se dirigir a uma serventia judicial, para

examinar os autos, por mera curiosidade. Esse comportamento, de certa forma,

preserva o acusado. Mitiga os efeitos da publicidade. A não ser que esteja a pessoa

envolvida em um crime que ganhe repercussão na mídia, o fato de estar

respondendo a uma ação somente se torna conhecido de um número reduzido de

pessoas, ou quando, por alguma razão, há necessidade da expedição de certidões.

Mas, o mesmo não ocorre, quando as informações são lançadas na internet. O

número de pessoas que pode ter conhecimento das informações é inimaginável. A

exposição da pessoa que é parte no processo, principalmente, se figurar no pólo

passivo, é muito grande.

A Convenção Européia de Direitos do Homem, porém, prevê, em seu

art. 6(1), que o “julgamento deverá ser público, mas a imprensa e o público podem

ser excluídos total ou parcialmente do julgamento atendendo-se aos interesses

morais ou de segurança nacional numa sociedade democrática, na qual os

interesses dos jovens ou a proteção da vida privada das partes assim o requerem,

290 WAMBIER, Luiz Rodrigues. “Curso Avançado de Processo Civil”. SP: Revista dos Tribunais, v. I, 5.ed. 291 FERNANDES, Antonio Scarance, op. cit., p. 71.

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ou se possibilite apenas a publicidade estritamente necessária, na via da Corte, em

circunstâncias especiais nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da

Justiça”.

A preocupação que é apresentada, no que tange à potencialização da

publicidade, não é despropositada, na medida em que com o amplo acesso à

internet, podem ocorrer situações de mau uso das informações coletadas na rede,

com efetivo prejuízo para as pessoas envolvidas.

Qualquer pessoa que promova consulta ao banco de dados de um

Tribunal pode saber a situação processual das partes, se é autora, se é ré; se sofre

execução; se responde à ação penal, se foi condenada. Com o processo eletrônico,

essa publicidade se avulta, porque, apesar de documentos não poderem ser

visualizados, ante a vedação legal, as peças processuais estarão em sua íntegra

disponíveis no sistema. Segundo Dinamarco, Pellegrini e Cintra292 “toda precaução

deve ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade. Os canais de

comunicação de massa podem representar um perigo tão grande quanto o próprio

segredo”.

Defende, por isso, José Carlos Almeida Filho293 a necessidade de ser

relativizado o princípio da publicidade, devendo conceitos como segurança, sigilo e

respeito à intimidade e à vida privada devem ser repensados. Sua sugestão é que

não sejam incluídas determinadas informações na internet, porque é reconhecida a

facilidade da captura pelos mecanismos de buscas, o que encontraria respaldo no

art. 93, IX, da Constituição Federal. Assim, por exemplo, as partes poderiam ser

identificadas apenas com as iniciais de seus nomes, ou mesmo, pelos números de

inscrição no Cadastro de Contribuintes do Ministério da Fazenda, ou nos Institutos

de Identificação. Seria uma forma de se evitar a exposição em demasia das partes

processuais.

A experiência do processo eletrônico, no Brasil, muito avançou, no ano

de 2007, desde quando entrou a vigor a Lei nº 11.419/06.

A Justiça Federal tem revelado, no particular, especial pioneirismo.

292 DINAMARCO, PELLEGRINI, CINTRA, op.cit., p.104. 293 ALMEIDA FILHO, José Carlos, op.cit., p. 109.

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Desde 2004, foi instalado o Juizado Especial Federal da Comarca de

São Gonçalo, perante o qual só tramitam processos eletrônicos. E a experiência,

nesta Região da Justiça Federal, resultou em tantos êxitos, em grande parte pelo

jovial entusiasmo da magistrada titular Dra. Paula Patrícia Provedel, que se alastrou,

e, desde 31-03-2007294, todos os Juizados Especiais Federais utilizam-se do

processo eletrônico, na 2ª Região, através do Sistema Pólo, fora da internet.

A 3ª Vara Federal do TRF da 2ª Região, que detém a competência

para execução fiscal, também se encontra em processo de digitalização dos

processos em curso, sendo que novas ações já observam o modelo eletrônico de

processamento. Receberam o I Prêmio Innovare a 4ª Vara Federal Criminal da 5ª

Região e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pelo projeto de Sessão de

Julgamento informatizada e assinatura digital295. O IV Prêmio Innovare premiou o

programa do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sobre Sistemas de Informações

em bases criminais.296

Tem a justiça estadual fluminense revelado cautela na adoção do

processo eletrônico. A diversidade de competências, o envolvimento de múltiplos

personagens no processo, a variedade de procedimentos a serem observados,

estando em discussão, via de regra, matéria fática, o que enseja uma maior dilação

probatória, são fatores a contribuir que maior cuidado seja observado, a fim de evitar

tropeços que possam comprometer a boa aceitação da proposta legislativa. Desde

julho de 2004, nos julgamentos pelo Conselho da Magistratura de processos

administrativos, já se observa um misto de processo eletrônico. As peças relevantes

do processo são gravadas em CD-Rom e entregues aos seus membros, que assim

promovem o estudo prévio dos processos incluídos em pauta, o que, por certo,

agiliza os julgamentos, evitando, por exemplo, pedidos de vista. Pagamento de

custas judiciais também pode ser realizado eletronicamente, instituída que foi a Grerj

eletrônica. Toda comunicação administrativa a serventuários e magistrados se faz

eletronicamente, através dos endereços da intranet, tendo sido pela Corregedoria

Geral de Justiça implantado o serviço de videoconferência, utilizado para a

realização de cursos para serventuários, reuniões dos juizes dirigentes dos núcleos

294 Resolução nº 75/2006 TRF da 4ª Região. Pub. 16/09/2006. 295In, “A reforma silenciosa da justiça”, organizado pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Centro Justiça e Sociedade, ano 2005. 296 www.premioinnovare.com.br, consulta em 20-02-2008.

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regionais, evitando, com isso, o deslocamento das pessoas, o que, certamente,

causa prejuízos ao andamento dos serviços. O projeto piloto do processo eletrônico

foi retomado, estando em fase de implantação no Juizado Especial Criminal da Ilha

do Governador.

Caminho longo ainda há a trilhar. Mas, nesse caminhar não é possível

o retorno, dar-se um passo sequer para trás. É preciso haver o convencimento de

que a revolução tecnológica não atingiu somente as demais áreas do conhecimento,

tendo produzidos objetivos e intensos efeitos no Direito. Há de ser bem

compreendido o processo judicial eletrônico, para que dele se possa utilizar com

absoluta segurança, somente assim se atingindo a meta da celeridade, tantas vezes

vindicada. De nada adianta colocar mais computadores nas serventias, se não se

redimensionar e otimizar as rotinas de trabalho, se buscar a padronização, reavaliar

os procedimentos internos dos Tribunais. Como observa Eurípedes Cunha Junior297

se não for reconhecida a importância dessa necessidade de mudança de

comportamento, “corre-se um sério risco de perpetuar, agora com o auxílio da

tecnologia, os equívocos e ineficiências que tanto dificultam a prestação jurisdicional,

as partes e advogados, a sociedade e a justiça como um todo”. É, portanto, preciso

enxergar o novo com novos olhos, não com os olhos do velho.

297 CUNHA JUNIOR, Eurípedes. “A Informatização do Processo do Trabalho”. In BLUM, Renato e outros (coord.) Manual de Direito Eletrônico e Internet,SP, Lex, 2006, p.394.

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CAPÍTULO 4 - PERSPECTIVAS E LIMITES DO PROCESSO PENAL ELETRÔNICO

O modelo de processamento eletrônico é perfeitamente aplicável ao

processo penal. O artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de

2006, expressamente, admitiu seu emprego no processo penal.

Apesar de ter sido feita referência expressa ao processo penal, nada

impede sejam os recursos eletrônicos utilizados desde a fase investigatória, pré-

processual.

Sabe-se, contudo, que, neste país de tantas necessidades, ainda

levará um bom tempo para que o Poder Público aparelhe devidamente a polícia

judiciária, forneça equipamentos e treine seus agentes públicos para a utilização dos

recursos eletrônicos. Ressalva-se, porém, que tudo decorre de vontade política, na

medida em que, no Estado do Rio de Janeiro, a experiência levada a efeito nas

Delegacias Legais, nas quais são lavrados eletronicamente os termos

circunstanciados, com a comunicação on line ao juiz competente, por isso que,

nesses processos, não ocorre a distribuição, sendo, desde logo, designada data de

audiência, para a qual já é intimado imediatamente o interessado, em razão de seu

êxito, poderia servir de fomento para a expansão do projeto para as demais

unidades policiais.

Mas, ainda que as peças informativas do inquérito policial não

possam, de imediato, ser produzidas eletronicamente, diante das dificuldades de

natureza material, não configura esse um empecilho para que a ação penal seja

veiculada eletronicamente. Recebidos os autos do inquérito policial, o Promotor de

Justiça poderá elaborar a denúncia eletronicamente, escaneando os documentos

que a instruem, formando-se o processo eletrônico, que será submetido à

distribuição para o juiz competente, assim resguardado o princípio do juiz natural,

inalteradas que permanecem as regras de competência. Caso não seja possível a

produção da denúncia pela via eletrônica, nada obsta que, quando de sua

distribuição, seja ela, apresentada em folha de papel, assim como os documentos

que a instruem, escaneados. Registra-se que tanto o inquérito policial, quanto o

auto de prisão em flagrante, deverão ser previamente distribuídos, observadas as

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normas do Código de Processo Penal vigentes, assim como as regras de

organização judiciária. Com isso, respeitado está o princípio do juiz natural.

As fases procedimentais do processo penal – todas elas - permanecem

regradas pelo Código de Processo Penal e respectiva legislação extravagante. As

fases escritas, como é a fase postulatória, permanecem escritas. A fase oral, como

em essência é a instrutória, permanece oral.

Para a citação do réu, como a própria lei já excepcionou, em seu artigo

6º, há de ser impresso o mandado de citação. Não é possível se fazer a citação do

acusado pela via eletrônica. No direito de informação, insere-se o direito do acusado

de ser citado, de lhe ser dado conhecimento do integral teor da imputação, de ter

acesso a todos os elementos de prova até então coletados contra sua pessoa. É

imprescindível, em decorrência do princípio do devido processo legal, que o réu

tome ciência pessoalmente da existência do processo, a fim de que possa exercer

seu direito de defesa. A citação é, por isso, um dos atos processuais mais

importantes. Ninguém pode ser processado ou condenado sem que tenha ciência

da acusação que lhe é feita, sendo esse chamado para vir a juízo se defender feito

através da citação. E a regra é a citação pessoal, configurando exceção a citação

ficta, que se faz por edital, e agora de acordo com a Lei nº 11.719/2008, muito

lamentavelmente, pela citação por hora certa.

Ao ser exarada pelo juiz a ordem de citação, quando do recebimento

da denúncia, sendo essa decisão lançada no sistema, o mandado de citação será

expedido, devendo observar todos os requisitos explicitados no art. 352 do Código

de Processo Penal. Ainda sob a modalidade de citação real, possível quando o réu

se encontra fora do território onde exerce o juiz competente sua jurisdição, tem-se a

citação por precatória. A Lei nº 11.419/06 autorizou a expedição de carta precatória

e de carta rogatória, através da via eletrônica. Assim, encontrando-se o réu em

comarca diversa, ou em outro Estado da federação, ou mesmo em outro país,

possível é a expedição de carta precatória eletrônica, ou rogatória, no último caso,

para sua citação. No juízo deprecado, o mandado de citação será impresso em folha

de papel, assim como as peças que o instruem, e as diligências para citação do réu

serão realizadas por Oficial de Justiça.

Uma vez citado, o Oficial de Justiça lavrará certidão, que, assinada

eletronicamente, será devolvida ao juízo deprecante, por meio eletrônico, devendo

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constar do processo eletrônico o inteiro teor da certidão. Quando se tratar de militar

e funcionário público, o ofício de requisição poderá ser transmitido eletronicamente,

dispondo o órgão receptor de condições de recebê-lo. Caberá à unidade militar,

onde está servindo o citando, dar ao mesmo ciência, comunicando ao juízo a

autorização concedida para comparecimento do acusado, assim como ao superior

hierárquico do servidor, a quem deverá ser dada ciência da data designada para

seu comparecimento à sede do juízo. Como o réu preso deve ser citado

pessoalmente, em relação a ele não se dispensa a expedição de mandado de

citação, não importando o novo modelo de processamento, também, qualquer

alteração na citação editalícia. Cumpridos os prazos e demais requisitos da citação

ficta298, deverá a serventia lavrar certidão, que, assinada eletronicamente, passará a

integrar o processo eletrônico, com o descarte dos documentos em papel.

Merece registro, no particular, o fato de que, liberados os oficiais de

justiça de tantas incumbências, maior dedicação poderão dispensar ao cumprimento

de atos processuais relevantes, como é a citação, e que, no momento presente,

em razão da quantidade avassaladora de serviço, terminam sendo realizados sem

muito esmero, o que se observa da leitura de certidões deficientes, com informações

imprecisas, vagas, na falta de cuidado nas diligências para localização do réu,

muitas vezes causadoras de graves violações ao direito do devido processo legal e

da ampla defesa.

O processo eletrônico em nada compromete a oralidade do processo

penal, muito pelo contrário, propicia-lhe maior oportunidade. Várias são as

audiências realizadas no processo penal. No primeiro momento, tem-se a audiência

do interrogatório, quando o juiz tem a oportunidade de ouvir o que o réu tem a dizer,

de conhecê-lo, saber um pouco de sua história de vida, escutar de sua própria boca

a versão do fato criminoso que lhe é imputado. Nas audiências de colheita de prova

testemunhal, o juiz tem a chance de olhar para o rosto das testemunhas, de aferir

pelos seus discursos se estão seguras, se têm coerência, ou ao contrário, se

titubeiam, dissimulam. Essa oralidade do processo penal é que o caracteriza como

um processo mais democrático, na medida em que possibilita a participação

verdadeira das pessoas envolvidas, possibilita que as partes interfiram no resultado

do julgamento, e através da imediação aproxima o juiz do fato a ser provado,

298 Artigos 361 a 365 do CPP.

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permitindo que possa compreender de forma mais direta a conduta humana em

julgamento. O processo eletrônico resguarda toda essa oralidade do processo, e,

com a agilidade que promete, dará oportunidade ao juiz que faça melhor uso dessa

especial oportunidade do contato pessoal com o acusado, com as testemunhas.

Terá mais tempo para explorar, com mais cuidado, essa valiosa prova no processo

penal.

A respeito da prova testemunhal, Mauro Capelletti299 menciona ser a

mesma uma prova “mediata”, na medida em que o fato que se pretende provar é

representado por um fato – probatório – ulterior, ou seja, mediante a declaração-

narração do terceiro, ou da parte. Alerta que

“ninguém duvida dos perigos – da inexatidão, da incompletude, da distorção, quiçá inconsciente, quando não culposa ou dolosa, da realidade – ínsitos a este meio de prova. A excelência da prova “imediata”, mediante a qual o juiz se põe em contato direto e imediato com o fato a provar – especialmente através da inspeção judicial -, é indiscutível. Mas, o que acontece com a prova testemunhal no sistema da escritura ? Nesse, o juiz, além de não julgar com base na observação imediata do fato a provar, tampouco julga com base no fato (probatório) representativo do fato a provar e, sim, com base em um fato posterior – quais sejam, as atas e as petições, as quais, por sua vez, representam o fato representativo. Com isso, os perigos de inexatidão, da incompletude e da falsidade aumento em progressão geométrica”.

A preocupação apresentada pelo mestre italiano em relação ao

processo escrito não perde sua importância quando se trata do sistema oral, mas

que precisa ser documentado, para perpetuação do ato processual. Ao proceder ao

registro dos depoimentos, a fidelidade da prova, via de regra, se vê atingida. Ao ditar

os depoimentos, as palavras faladas não são reproduzidas literalmente. Os

depoimentos são transcritos de acordo com a interpretação que o magistrado dá à

narrativa. É muito comum o juiz criminal ouvir integralmente um depoimento e

depois ditá-lo, para que seja transcrito. Muito se perde em qualidade do depoimento.

Ou o juiz sintetiza demais, porque para ele, são aquelas as informações que

interessam, ou reproduz o depoimento com suas próprias palavras,

descaracterizando-o. Em muitos casos, já cansado, sem paciência, após uma

jornada estafante, presidindo várias audiências, dita os depoimentos de pessoas

diversas, fazendo-os parecer cópias uns dos outros. Dificilmente, há o registro do

299 CAPELLETTI, Mauro. “O valor atual do principio da oralidade”. Revista Jurídica n. 297, julho de 2002, p.12/18.

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comportamento das pessoas ouvidas, suas reações, alterações de semblante, a

impressão que o juiz teve das mesmas, sutilezas que são certamente muito difícil de

serem registradas em palavras. Porque meras palavras dificilmente traduzem

emoções. E o que fica registrado no papel são apenas palavras, sem alma. Essa a

prova que vai ser considerada para prolação da decisão final, assim como para o

exame do órgão revisor, quando do julgamento dos recursos.

O processo eletrônico, com a possibilidade que oferece de gravação

das audiências, traz enorme contribuição ao princípio da oralidade, e também da

imediatidade, porque a prova testemunhal deixa de representar a interpretação que

o juiz colheu das informações trazidas pelas testemunhas.

A gravação das audiências representa ganho inestimável para a

fidelidade da instrução criminal, a todos interessando, à sociedade, ao réu, na

medida em que o que se busca é o justo resultado. Ainda que não seja possível, a

um primeiro tempo, proceder-se à gravação da imagem, porque essa solução

exigiria equipamentos mais sofisticados e arquivos com capacidade de

armazenamento de mais dados, somente o registro da voz importará maior

segurança no julgamento. Propiciará ao sentenciante, ainda que não tenha ele

participado da instrução do processo, um contato mais direto com a prova, o que lhe

dará condições de valorá-la com mais precisão, o mesmo ocorrendo com o órgão

revisor.

Além do mais, não se pode deixar de considerar a economia de tempo

na realização das audiências, porque não mais será necessário que o juiz formule as

perguntas, e após serem dadas respostas, que ele as dite, para o servidor que

executa a tarefa de digitação. Bastará seja formulada a pergunta e seja dada

resposta, tudo sendo gravado, a um só tempo. E isso pode significar a realização de

um maior número de audiências, com profundos reflexos na celeridade do processo.

Como se pode observar o princípio da oralidade, e o da imediatidade,

passam a ter um alcance muito maior com o processo judicial eletrônico. As

audiências gravadas, através de mecanismos de informática – como por exemplo

MP3, como também vídeos – são inseridas como documentos do processo

eletrônico, ficando arquivado em cartório um CD, sendo outro disponibilizado para

consulta dos patronos. Ainda que o processo não observe integralmente, em um

primeiro momento, o modelo de processamento eletrônico, nada impede que, em

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sua fase oral, se recorra aos valiosos recursos da informática, procedendo-se à

gravação das audiências, o que já vem ocorrendo em diversas Comarcas do Rio

Grande do Sul, e com grande êxito, há algum tempo, também no Tribunal do Júri da

Comarca de Curitiba, por iniciativa do Juiz de Direito Dr. Fernando Moraes.

Não se pode deixar de reconhecer que, além do ganho de tempo e de

garantia de fidelidade da prova, a gravação das audiências também reduz o número

de documentos escritos e garante a perenidade da prova oral, gravada em arquivo

eletrônico.

Afiança José Carlos de Almeida Filho300 que, com a gravação das

audiências, “a transparência do sistema processual se amplia e possibilita ao

Tribunal, em caso de recursos, ter acesso a toda e qualquer polêmica criada na

primeira instância e a todos que participam do processo (sujeitos do processo) terão

mais eficácia com a adoção de tal mecanismo”.

Todas as demais provas podem ser produzidas eletronicamente.

Como já enfocado, um documento que é transmitido eletronicamente, seja por

digitalização, seja por escaneamento, desde que assinado digitalmente, passa a

integrar os autos, guardando seu valor intrínseco de documento público ou

particular, como documento original. Convém recordar que a Medida Provisória nº

2.200-2, de 24 de agosto de 2001, em seu artigo 10, reconheceu expressamente

como documento público, ou particular, o documento eletrônico. Insere-se nesse

conceito tanto o documento produzido por qualquer meio eletrônico, como por

exemplo é o caso de um e-mail, quanto aquele que é físico, mas transmitido pela via

eletrônica e assinado digitalmente passa a integrar o processo eletrônico.

É verdade que a falsidade do documento eletrônico pode ser argüida,

como pode ser a de qualquer documento juntado aos autos físicos. Mas, a

presunção que milita em favor do documento eletrônico é a de que tem ele integral

valor como meio de prova. Assim, laudos periciais, exames de corpo de delito,

informações prestadas por outros órgãos, enfim todos os documentos que se

prestam a instruir o processo, continuam a merecer o mesmo tratamento processual.

Em relação às fotografias, certamente, não podem ser anexadas ao processo

eletrônico na forma tradicional, já que inexistem autos físicos. Dispensado, por outro

300 ALMEIDA FILHO, José Carlos, op. cit.,p. 98.

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lado, o arquivamento em cartório, na medida em que podem ser escaneadas, isso

quando não for possível a remessa eletrônica do arquivo, caso tenha sido captada a

imagem em máquina digital. As interceptações telefônicas que, nos dias de hoje,

impõem a degravação e a juntada aos autos de uma enorme quantidade de papel,

passam a ser incorporadas ao processo eletrônico também eletronicamente.

Quem lida com autos de um ação penal, bem sabe a enorme

quantidade de papel que se acumula, em seu trâmite, a maior parte, absolutamente

desnecessária, sem que haja explicação plausível. Esse volume de papel é mais

uma causa de retardo do pronunciamento judicial. O mundo se volta, hoje, para a

defesa do meio ambiente, para a preservação das florestas, para a melhoria da

qualidade do ar que todos respiram. Não é, difícil imaginar a grande contribuição

que se traz para a humanidade, com a adoção do processo eletrônico, que não faz

mais uso de papel.

Uma advertência faz Augusto Rossini301, no que tange à perpetuação

da informação em meio físico, pelo fato de não ter sido superado no campo da

informática uma questão não propriamente técnica, mas decorrente do rápido

avanço tecnológico. Segundo o autor “qualquer documento produzido há mais de 10

anos e talvez salvo em suporte extremamente moderno à época (disco flexível de 5

e ¼) atualmente sequer é possível ser acessado, por falta de drive compatível ou de

programa que consiga lê-lo.Isto quer dizer que o conteúdo salvo exclusivamente em

suporte informático corre o risco de não conhecido em futuro próximo, salvo extrema

precaução, no caso a impressão”. E sua preocupação, quando se refere ao

processo penal, se acentua, apontando as

“ conseqüências extremas especialmente para o réu, que por si ou por seus herdeiros, pode permanentemente pleitear revisão criminal, a perpetuação da informação é absolutamente necessária, por força do exponencial avanço tecnológico que impossibilitaria o acesso ao dado porventura guardado em suporte ultrapassado à época do pleito, em futuro não necessariamente longínquo”.

Ousa-se discordar desse entendimento, porque não faz sentido algum,

quando se acolhe o modelo de processamento eletrônico, ter-se a preocupação de

imprimir documentos. Se o que se pretende é acabar com o uso do papel, como

301 ROSSINI, Augusto Eduardo de Souza, In “O Documento Eletrônico no Processo Penal”. In, BLUM, Renato e outros (coord.) op.cit., p. 109.

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então se cogitar de imprimir documentos para garantir a manutenção das

informações? Certamente, atento devem estar os responsáveis pela guarda dos

documentos eletrônicos, para que sejam atualizados os arquivos, sempre que se

implantar uma nova tecnologia. Assim como aqueles que têm suas recordações de

vida gravadas em fitas de vídeo-cassete, hoje cuidam para a regravação das

mesmas em cd’s. A responsabilidade pela perpetuação dos documentos é de quem

tem a responsabilidade por sua guarda, daí ser inafastável a responsabilidade do

Estado por manter atualizados os meios eletrônicos nos quais arquivado o acervo

processual. Considerando o elevado custo que representa para o Estado manter

instalações próprias, pessoal especializado, para o arquivo dos processos judiciais,

sendo cada vez mais problemática a questão referente ao espaço físico, certamente,

todo interesse vai existir na criação de mecanismos seguros para a guarda da

documentação eletrônica.

A sentença deverá observar todos requisitos legais, composta pelos

capítulos do relatório, da motivação e do dispositivo, mas, ao invés de ser

apresentada em documento em papel, será prolatada, na forma escrita,

eletronicamente, ocorrendo sua publicação quando passar a integrar o processo

eletrônico. As partes serão intimadas da sentença, os advogados cadastrados

perante o Tribunal, pela via eletrônica; o réu, sempre pessoalmente; o Ministério

Público e a Defensoria Pública, eletronicamente, através do acesso direto aos autos

eletrônicos, que lhes deve ser resguardado. Ciente da sentença, as partes,

querendo, poderão interpor recursos, também, pela via eletrônica. Se não for isso

possível, a petição recursal será apresentada em papel e escaneada, ingressando

no processo virtual, que assim será remetido ao órgão ad quem.

Enfatiza-se: apesar da grande novidade que o processo eletrônico

representa, nada, absolutamente, nada mudou no que tange aos procedimentos

legais.

Os atos processuais estão, por determinação constitucional, revestidos

da garantia da publicidade302. Relembra Antonio Scarance Fernandes303 que a

Emenda Constitucional nº 45/2004, acrescentou ao art. 93, inciso IX, nova

302 Art. 5º, inciso LX, da CF: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. 303 FERNANDES, Antonio Scarance, op.cit.p. p. 71.

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disposição, no sentido de que a limitação à publicidade dos atos processuais ficasse

restrita aos “casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no

sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

A regra, portanto, é a da publicidade plena, sendo possível, no entanto,

quando o interesse social o exigir, quando necessário for preservar o direito à

intimidade, ou houver risco de escândalo, inconveniente grave ou perigo de

perturbação da ordem – art. 792, parágrafo 1º, do CPP – impor-se restrições a

referido princípio.

A questão a ser enfocada, quanto ao uso do processo eletrônico, no

processo penal, não é o da falta de publicidade, mas sim o do uso indevido das

informações.

Já discutia a doutrina304 sobre a questão do excesso de publicidade

nos julgamentos de ações penais, o que, em certos casos – por exemplo, nos crimes

sexuais -, pode gerar efetivo constrangimento na vítima, nas testemunhas, e também

no acusado. A preocupação do legislador a respeito do tema se concretizou em

disposições legais que visam proteger o anonimato de testemunhas (Lei nº

9.807/99), que resguardam o sigilo de diligências, gravações e transcrições obtidas

por meio de interceptação eletrônica (Lei nº 9.296/96).

No processo eletrônico, os efeitos da publicidade alcançam grandes

dimensões, na medida em que a veiculação de informações através da internet,

como já se referiu, atinge um número indeterminado de pessoas. Concorda-se com

LG Grandinetti305 quando afirma que “ se por um lado toda decisão precisa ser

motivada, a publicidade pode ser atenuada quando outros direitos

fundamentais estiverem em risco”. Assim, a fim de preservar a intimidade do réu, da

vítima, das testemunhas, pode ocorrer alguma restrição ao princípio da publicidade.

O art. 11, parágrafo 6º, da Lei nº 11.419/06 já previu que o inteiro teor

dos documentos que compõem o processo eletrônico somente deve estar acessível

aos patronos e às partes, tendo terceiros apenas conhecimento integral das

decisões judiciais. Acredita-se possível, no caso do processo penal eletrônico, essa

restrição de publicidade possa se efetivar não se consignando o nome do réu, das

304 FERNANDES, Antonio Scarance, “O papel da vítima no processo criminal”. SP: Malheiros, 1995. 305 CASTANHO DE CARVALHO, LG Grandinetti, “Processo Penal e Constituição”. RJ: Lumen Iuris, p. 201.

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testemunhas, da vitima, por extenso. Poderia, por exemplo, o sujeito passivo da

ação penal ser identificado pelo número do registro no cadastro do Instituto de

Identificação. Sabe-se que referidas informações são públicas, assim qualquer um

que requeira uma certidão em cartório de registro de distribuição, terá acesso à

informação sobre a existência de ações penais distribuídas em face de determinada

pessoa. Ocorre, todavia, que para se obter essa informação, haverá o requerente de

dispor dos dados de qualificação da pessoa e terá também que recolher

emolumentos. Daí se pode concluir que somente quem tiver efetivo e justificado

interesse irá se dispor a requerer referida certidão. Não é esse o caso de pessoas

que, por falta de escrúpulo, invadem a privacidade alheia, o que se vê muitíssimo

facilitado através da internet.

Enquanto não houver sentença transitada em julgado, presume-se

inocente o acusado. Essa é verdade intocável para quem atua na área jurídica, mas

não é para o leigo, para quem saber que determinada pessoa responde à ação

penal pode representar justificativa para adoção de condutas discriminatórias.

É possível, foi o que se procurou demonstrar, a adoção do modelo de

processamento eletrônico, com absoluto resguardo do devido processo legal. Ampla

defesa e contraditório são preservados. Oportunidade é assegurada ao acusado

para ser ouvido pelo juiz, para defender-se, para produzir as provas que entender

necessárias para comprovar sua versão sobre os fatos. Apesar de ter o legislador

autorizado as intimações pela via eletrônica, caberá sempre ao juiz decidir quando a

utilização desse meio pode ser empregado, sem prejuízo da defesa do acusado.

Assim, a todo e qualquer tempo, o magistrado está ponderando os valores, justiça,

segurança e celeridade, na busca da eficiência do processo penal.

Grande discussão vem sendo travada em torno da utilização da

videoconferência no processo penal.

Em primeiro lugar, urge se acentue que a discussão gira em torno do

uso da videoconferência para o interrogatório. Certamente, não se pode por dúvida

da importância da utilização desse recurso eletrônico, para a celeridade do processo

penal. A Lei nº 11.690/2008 alterou a redação do art. 217 do CPP e permitiu ao juiz

proceder à inquirição de testemunha por videoconferência, quando a presença do

acusado na mesma causar temor ou constrangimento. É indiscutível ser essa muito

melhor solução do que aquela que autorizava o juiz a retirar o acusado da sala de

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audiências. O direito de presença à audiência restava, certamente, atingido, porque

ficava o acusado sem saber o que havia passado na audiência, sem ter como reagir

a uma prova que lhe era desfavorável. A partir de agora, permanecendo o acusado

na sala de audiências, passa a ser possível que oriente seu patrono sobre as

perguntas a serem formuladas à testemunha, que estiver sendo inquirida por

videoconferência. Existem situações, por outro lado, que importam efetivo

constrangimento para a testemunha, sendo muito comum nos crimes sexuais, a

vítima revelar o desconforto de depor na presença do acusado, sendo-lhe imposto

reviver a traumática experiência em frente a seu algoz. A solução alvitrada pelo

legislador atende, portanto, ao interesse de todos.

A videoconferência pode ser largamente empregada para oitiva de

testemunhas, quanto a esse aspecto não pairando grande controvérsia. Sabe-se

que o comparecimento das testemunhas, que residem em comarcas contíguas à

sede do juízo, importa gravame para as mesmas - tempo perdido, não

comparecimento ao trabalho, despesas com transporte. Ainda que tenha a

testemunha que se deslocar à sede da comarca de seu domicílio para prestar

depoimento, local onde deve estar instalado o equipamento eletrônico e manter o

Tribunal a estrutura administrativa necessária, certamente, será uma situação mais

confortável e que, possivelmente, lhe servirá de estímulo para prestar sua

colaboração à justiça. Quando se tratar de testemunhas residentes em outros

estados, cujo depoimento se colhe através de cartas precatórias, o que gera uma

sobrecarga nas pautas de audiências do juízo deprecado, o proveito se maximiza,

considerando que serão as mesmas ouvidas pelo juiz da causa, o que representa

um grande ganho de qualidade para a instrução criminal.

O foco da discussão é, portanto, o uso do interrogatório on line.

O Supremo Tribunal Federal, recentemente, manifestou-se a respeito

do tema, prolatando decisões que declararam a nulidade de interrogatórios

realizados com emprego desse recurso tecnológico, porque violadores do princípio

da ampla defesa.

O Ministro Celso de Mello, Relator do Habeas Corpus 86.634-4-RJ,

impetrado em favor de Luiz Fernando da Costa, 18 de dezembro de 2006, enfatizou,

em seu voto, apoiado no magistério de notáveis processualistas, que o “ acusado,

embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de

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nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na

fase de instrução do processo, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório,

sendo irrelevantes, para esse efeito (...) as alegações do Poder Público

concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados

presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que “ alegações de mera

conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as

inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a

Constituição”.

Acrescentou o Relator que o direito de comparecer aos autos do

processo decorre da garantia constitucional do devido processo legal, e nele devem

ser compreendidos os direitos de audiência e o direito de presença do réu. Citando o

magistério de Rogério Schietti Machado Cruz, Fernando da Costa Tourinho Filho,

Fernando Pedroso, Jaques de Camargo Penteado, Ada Pellegrini Grinover, Antonio

Scarace Fernandes, Rogério Tucci, Vicente Greco Filho, Jorge de Figueiredo Dias,

salientou que o direito de autodefesa se desdobra em direito de audiência e em

direito de presença, o que quer dizer que tem o acusado o direito de ser ouvido e de

falar durante os atos processuais, bem assim o de assistir a realização dos mesmos,

sendo dever do Estado facilitar o exercício desses direitos, ainda mais quando o

acusado se encontra preso.

Extrai-se do referido voto:

“Esse entendimento tem por suporte o reconhecimento – fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (José Frederico Marques, “O processo penal na atualidade”, in, Processo Penal e Constituição Federal, p.13/20, 1993, Apamagis/Ed.Acadêmica) – de que o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu”.

Em resumo, nesse julgamento, foi reconhecida como essencial a

presença do réu à instrução criminal, sob pena de ofensa à garantia constitucional

da plenitude de defesa, especificamente de autodefesa.

O Ministro César Peluso, em 14 de agosto de 2007, quando do

julgamento do Habeas Corpus nº 88.914-0 SP, também declarou nulo um

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interrogatório realizado mediante videoconferência, porque insultoso às garantias

elementares do devido processo legal.

Reconheceu, por igual, que a autodefesa consubstancia-se nos direitos

de audiência e de presença ou participação. Seria, então, o interrogatório uma forma

de exercício da autodefesa, porque é aquela a oportunidade que tem o réu de

oferecer sua versão sobre os fatos, invocar o direito ao silencio, indicar provas.

Registrou que “ o direito de ser ouvido pelo magistrado que o julgará constitui

conseqüência linear do direito à informação acerca da acusação. Concretiza-se no

interrogatório, que é, por excelência, o momento em que o acusado exerce a

autodefesa, e, como tal, é ato que, governado pelo chamado princípio da presunção

de inocência, objeto do art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República, permite ao

acusado refutar a denúncia e declinar argumentos que lhe justifiquem a ação”.

Admitida pela lei processual penal a realização de atos processuais fora da sede do

juízo, apenas como exceção, reconheceu que a necessidade desse proceder

deveria ter sido comprovada, além do que seria direito do réu, à mingua de lei que

autorizasse a utilização do recurso tecnológico, o comparecimento perante o juízo, o

que somente se podia entender como estar o réu presente diante do juiz.

Estas duas decisões emblemáticas da Segunda Turma do Supremo

Tribunal Federal estão a indicar uma convergência de entendimento, em que pese

haver notícia306 de que, em sede de Medida Cautelar em Habeas Corpus, tanto o

Min.Gilmar Mendes, como a Min. Carmem Lúcia indeferiram pedido de liminar

formulado pela Defensoria Pública do Estado de S.Paulo, sendo essa última decisão

proferida em outubro de 2007, o que pode significar uma diversa tomada de posição

a respeito da matéria.

Enquanto o Supremo Tribunal Federal se mantém avesso em relação à

utilização da videoconferência nas audiências criminais, o Superior Tribunal de

Justiça, até então, através de suas 5ª e 6ª Turmas, já havia externado o

entendimento de que, nos dias atuais, seu emprego representa avanço possível e

desejável. Em 10 de maio de 2007, o Ministro Arnaldo Esteves de Lima, quando do

julgamento do Habeas Corpus 76.046-SP307, salientou que a realização do

306 STJ – HC nº 90.900-MC. SP – Rel. Min. Gilmar Mendes. Publicação: DJ 27-03-2007 e HC 95.590-MC Rel. Min. Carmem Lúcia – Publicação: DJ 01/10/2007. 307 STJ - HC 76.046-SP. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Publicação: DJ 10/05/2007.

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interrogatório on line não suprime o contato visual e verbal, em tempo real, do

acusado com o juiz, configurando a sala onde o mesmo é realizado uma mera

extensão da sala de audiência. Enfatizou que o emprego da videoconferência evita o

prolongamento da custódia cautelar, evita fugas e diminui os custos, fatores que não

podem deixar de ser considerados na avaliação de sua conveniência.

Em data recente, no entanto, tanto a 5ª quanto a 6ª Turma do STJ

vieram a alterar o entendimento a respeito da matéria. Quando do julgamento do HC

94.069-SP308, em 13-05-2008, sob a relatoria do Min. Felix Ficher, a 5ª Turma

decidiu que padecia de nulidade o interrogatório realizado por videoconferência,

porque mitigava o direito de presença e de audiência do réu, além de inexistir lei o

amparando. Em 20-05-2008, a 6ª Turma julgou o HC 98.122-SP309, tendo como

Relatora a Desembargadora convocada Jane Silva. Consta da ementa que o

interrogatório é peça imprescindível do processo penal, sendo o momento em que o

acusado de viva voz e pessoalmente, confrontado perante o julgador, tem a

oportunidade de relatar sua versão dos fatos, para que se determine sua

culpabilidade ou inocência.

Não se conhece o inteiro teor das referidas decisões, eis que os

acórdãos ainda não foram publicados. A notícia, portanto, chegou a conhecimento

dos profissionais do Direito, através dos Boletins Informativos, em sua forma

reduzida. Não se conhecendo as razões de decidir dos eminentes Ministros,

impossível, por ora, entender-se referidas decisões como um passo dado para trás.

A respeito da ementa do HC 98.122-SP, vale a pena apenas a referência de que o

acusado interrogado por videoconferência se expressa de viva voz e pessoalmente,

lhe sendo dada oportunidade plena para que relate sua versão dos fatos ao juiz, que

ele está a ver e que também o vê. Assim, não se pode dizer que a utilização do

referido recurso eletrônico viole garantia constitucional do acusado.

Em relação à decisão do Ministro César Peluso, sempre referida pelos

doutrinadores como paradigma do posicionamento do Pretório Excelso, cabe

registrar dois relevantes argumentos que dela sobressaem. Em primeiro lugar, a

ausência de lei federal a respeito da matéria. Foi o ato processual praticado com

respaldo na Lei estadual do Estado de São Paulo nº 11.819/05, de

308 STJ – HC 94.069-SP, Rel. Min. Felix Fischer, em 13-05-2008, Informativo 355. 309 STJ – HC 98.122-SP, Rel. Des. Jane Silva, em 20-5-2008, Informativo 356.

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constitucionalidade duvidosa, na medida em que a competência para legislar sobre

direito processual é privativa da União. E, no direito brasileiro, não há previsão legal

para o emprego da videoconferência, como já ocorre em outros paises. Em segundo

lugar, colhe-se do voto que o réu, que havia sido preso em flagrante e estava sendo

processado pela prática de extorsão mediante seqüestro, não fora citado, mas sim

apresentado na sala de teleaudiência do Centro de Detenção Provisória da Chácara

Belém I. Se não foi previamente citado, se não foi advertido de que o interrogatório

iria ser realizado através da videoconferência, se não teve oportunidade de

impugnar a forma de realização do interrogatório, não se pode deixar de reconhecer

que ocorreu violação a seu direito de defesa. Além do mais, como ficou esclarecido

no voto, não houve qualquer comprovação acerca da necessidade de o ato judicial

ter sido realizado fora da sede do juízo. As decisões judiciais devem ser motivadas,

na motivação residindo sua legitimação.

Essas questões merecem ser enfatizadas, porque, acredita-se,

devidamente enfrentadas, poderiam ter conduzido a um resultado diferente.

Em primeiro lugar, urge esclarecer o que é videoconferência. Segundo

a União Internacional de Telecomunicações310, é um “serviço de teleconferência

audiovisual de conversação interativa que prevê uma troca bidirecional e em tempo

real, de sinais de áudio (voz) e vídeo (imagem), entre grupos de usuários, em dos ou

mais locais distintos.

Não são sinônimas as expressões teleconferência, videoconferência e

audioconferência. A primeira refere-se à comunicação à distância, de uma maneira

combinada, como a telefonia e a televisão, através de canais de comunicação via

satélite. A audioconferência é uma conferência que se realiza através de áudio –

telefone. A videoconferência é a comunicação interativa, nos dois sentidos, por

áudio e vídeo311 .

A videoconferência tem pouco tempo de utilização no Brasil, porque

vultoso o custo dos equipamentos e das conexões, e também porque não havia

disponibilidade de linhas digitais. Hoje, no entanto, vem sendo utilizada, com

freqüência notável, por médicos, que, mesmo estando em locais distintos, podem

trocar informações, para obter o diagnóstico de um paciente. Vem sendo usado 310 <www.itu.int>, acesso em 20-02-08. 311 FIORENZE, Juliana, “Videoconferência no Processo Penal Brasileiro”. Curitiba: Juruá, 2007. p.51.

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também no campo educacional, para ministrar cursos à distância, propiciando sejam

proferidas palestras de professores que se encontram até mesmo no exterior sejam

aproveitadas por estudantes que, no país, se encontram.

Existem diversos sistemas de videoconferência disponíveis no

mercado, como os sistemas de salas, sistemas set top, sistema desktop.

Para realização do interrogatório on line, são utilizadas duas câmeras profissionais,

telões, programas de computador e um canal exclusivo para comunicação entre os

dois pontos. A conexão é feita via telefônica. O próprio magistrado comanda o

sistema, direcionando a câmera, com vistas a que seja possível visualizar o

interrogando, seu advogado, o espaço físico onde o ato é realizado. O acusado, por

sua vez, vê o juiz. Deve esse esclarecer o acusado a forma como os recursos

podem ser utilizados, como ocorre o funcionamento do equipamento, orientando-lhe

para onde olhar e para onde falar, a fim de que sua voz seja captada sem qualquer

interferência.

Relata Juliana Fioreze312, que um dos primeiros interrogatórios por

videoconferência ocorreu em 1996, na Vara Criminal da Comarca de Campinas, em

São Paulo, através de um sistema muito precário, porque, naquela época não havia

disponíveis os modernos equipamentos hoje existentes. Ainda em 1996, o então

Juiz de Direito Luiz Flavio Gomes também realizou o primeiro interrogatório de réu

sob sua jurisdição, utilizando-se da internet para envio e recebimento da mensagem

de texto, em tempo real.

Para conferir segurança ao meio de comunicação entre o acusado e

seu advogado, assegurando a confidencialidade das informações daquele e o sigilo

profissional desse, é necessário que existam canais reservados e seguros.

Guilherme de Souza Nucci, apesar de reconhecer que o processo

eletrônico pode representar um enorme avanço para combater a lentidão do Poder

Judiciário, mostra-se refratário à idéia do interrogatório on line. Sustenta313 que o

contato pessoal entre o réu, mormente o preso, e o magistrado é sempre necessário.

Afirma, também, que o ideal seria haver a identidade física do juiz, o que vincularia o

juiz que proceder ao interrogatório a também ser o juiz que proferiria o julgamento.

312 Op.cit.p.60. 313 SOUZA, Guilherme Nucci, disponível em <www.cartaforense.com.br>. Acesso em 05-12-2007.

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Diverso, no entanto, é o pensamento de Jésus Maria González

García314 para quem a videoconferência é “una muestra de como la tecnología

puede ser eficaz coadyuvante de la Administración de Justicia y de la labor de los

jueces” (...), devendo ser valorada positivamente, porque

“la sociedad de la información demanda soluciones no sólo justas, sino rápidas. Los ciudadanos cada vez más conscientes de sus derechos y de su posición con respecto a los poderes públicos, son cada vez más exigentes com éstos a la hora de reclamar uma respuesta a sus peticiones. Los jueces, por su parte, com frecuencia se ven apremiados por la opinión publica en la resolución de los procesos. En em caso penal, además, la celeridad en respuesta viene exigida no sólo por la alarma sociaal que produce en el ciudadano la demora en la decision y, en su caso, en el ejercicio del ius puniendi, sino también por la necesidad de amparar los derechos del imputado, sujeto al proceso penal y sometido, en algunas ocasiones, al juicio paralelo de los médios de comunicación: la lentitud de la Justiça va en perjuicio de los derechos del sujeto pasivo del proceso penal, pero no solo cuando esta comprometida su liberdad personal. Esa es la razón por la cual la mayoría de las declaraciones de Derechos nacionales e internacionales reconocen, como nota própria del debido proceso, el derecho a que no se produzcan retrasos injustificados en la decisión judicial, pero con la mente puesta, a pesar de constituir proclamaciones generales, en el proceso penal”.

É o interrogatório um meio de defesa, mas não deixou de ser também

fonte de prova. Tem direito o acusado de ser ouvido. E de ser ouvido pelo juiz da

causa315. E o ato do interrogatório a oportunidade que se abre ao réu para que

apresente ele sua versão do fato que lhe é imputado, se assim o quiser. E o contato

do réu com o juiz que vai julgar o processo é a realização mais completa do

exercício do direito de ser ouvido pelo juiz316. Já restou registrada a concordância

com os que apontam que, no processo penal, o principio da identidade física do juiz

assume relevância muito maior do que no processo civil, não se encontrando

justificativas para que, no âmbito desse, tenha sido reconhecido como obrigatório –

art. 132 do Código de Processo Civil -, o mesmo não ocorrendo no processo penal.

A audiência do réu, das testemunhas, não é um ato mecânico. Ao proceder à oitiva

do réu, das testemunhas, o juiz vai colhendo impressões, vai construindo sua

certeza acerca dos fatos, vai edificando sua convicção sobre o objeto do litígio. E,

não se pode deixar de reconhecer que no processo penal a prova oral assume

especial relevo. Os litígios de natureza civil, em sua maior parte, podem ser

elucidados através da prova documental, da prova pericial. Os de natureza criminal,

314 GARCIA, Jésus Maria Gonzalez. “La Videoconferência, como instrumento para la agilización de la justicia penal:Nota sobre el modelo español”, p. 647. 315 Pacto de S.José da Costa Rica, art. 8º, 1º, Decreto nº 678/92. 316 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli, op.cit.p.347.

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em quase sua totalidade, dependem da prova testemunhal. Daí porque, a oitiva das

testemunhas assume tanta importância para um juiz criminal.

Ao recordar a importância da prova oral, no processo penal, afirma

Elmir Duclerc317 que “os fatos investigados, num processo criminal, por sua própria

natureza, encerram uma carga emotiva maior que outros, o que torna o juiz mais

suscetível de ser influenciado por prejulgamentos de toda ordem. Por outro lado, o

erro, na investigação criminal, assuma uma importância muito maior, à medida que

gera graves e irreparáveis conseqüências para outras pessoas; finalmente, a

subjetividade do juiz esta sujeita a uma espécie de deformação profissional que lhe

impõe uma forma jurisdicizada de ver o mundo. Além de sua própria subjetividade, o

juiz se vê a braços, no processo, com as subjetividades dos outros atores

processuais (testemunhas, peritos, etc.), o que incrementa ainda mais as

dificuldades na busca da verdade objetiva”.

Não é compreensível, tampouco desejável, no processo penal, a não

vinculação do juiz. Aquele que interroga, que ouve as testemunhas, deve ficar

vinculado ao processo, distorção que ora a Lei nº 11.719/2008 vem corrigir. Deve o

juiz que preside a audiência de interrogatório, do sumário de culpa, dedicar-se com

especial cuidado e zelo a registrar todos os fatos ocorridos durante a audiência,

inclusive, o estado emocional das pessoas ouvidas. Essa conduta em muito ajudaria

ao magistrado a quem incumbiria prolatar a sentença, assim como ao órgão ad

quem, quando da revisão da decisão judicial.

Autoriza o Código de Processo Penal318 que o interrogatório do

acusado se faça por precatória. Além de ser possível que sua citação se faça pelo

juízo deprecado, o legislador também autorizou que seja o acusado ouvido por outro

juízo.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como deixou registrado

o eminente Relator Ministro Ilmar Galvão, no julgamento do Habeas Corpus 70663-

1-SP, reportando-se ao RP nº 1280 e HC nº 70172, admite que o interrogatório

judicial se faça através de carta precatória, “sendo improcedente a alegação de

317 DUCLERC, Elmir. “Prova Penal e Garantismo: uma investigação critica sobre a verdade fática construída através do processo”. RJ: Lumen Iuris, p.116. 318 Art. 353 do CPP.

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prejuízo, mesmo porque restou evidenciado nos autos que, na ocasião, o paciente

teve a oportunidade de narrar amplamente os fatos, produzindo substancial defesa”.

Não se pode deixar de reconhecer a incoerência que resulta das

referidas decisões. Se a preocupação é a preservação do direito de defesa, como

entender estar esse assegurado quando o réu é ouvido por carta precatória, sem

que tenha qualquer contato com o juiz da causa, com aquele que, em princípio,

preside o processo no qual se encontra envolvido ? Fala com um juiz estranho, que

pouco conhece dos fatos, resumindo-se esse conhecimento, em geral, ao que

consta consignado na denúncia.

A situação se apresenta de forma bem diversa, quando se trata da

utilização da videoconferência, quando o juiz que interroga o réu, é o juiz que

preside o processo, que tem todo interesse em conhecer sua versão, que dispõe de

todos os elementos necessários para formular perguntas que sirvam para edificar

seu convencimento. Haveria respeito ao direito de estar presente, ao direito de ser

ouvido pessoalmente, quando o réu é interrogado por carta precatória?

É importante o registro de que o interrogatório por videoconferência

não assume a qualidade de prova no processo. É a videoconferência apenas um

moderno meio de comunicação, um recurso eletrônico a ser utilizado para

aproximação tornar o processo mais ágil, portanto, em benefício também do próprio

réu.

A videoconferência, hoje, segundo Fernando Botelho319,

“no Brasil, "dentro" ou fora do conceito internet (WEB) - os próprios "streaming" pela rede mundial - não estão apenas disponibilizados, por alta capacidade tecnológica, de transmissão (bandas, equipamentos, etc.) ao Brasil oficial. Estão, já a serviço de inúmeras aplicações privadas, amplamente testadas em eficácia e segurança, do que são exemplos as destinadas à telemedicina (cujos valores essenciais envolvidos, com todo o respeito, são mais sensíveis do que o próprio interrogatório do acusado, no processo criminal), e podem ser graduadas, em termos de qualidade e segurança,com recursos tecnológicos apropriados.Níveis adaptativos da videoconferência-definição da qualidade de imagens, taxas de compactação e de transmissão, redundância do sistema de transmissão, customização de equipamentos - tornam-se associáveis aos instrumentos clássicos, de segurança processual-jurídica, para tornarem factível, e sustentável, sob qualquer ótica (jurídica ou tecnológica), o interrogatório à distância, ou, o "teleinterrogatório".

319 BOTELHO, Fernando. Disponível em <[email protected]>, acesso em 05-02-2008.

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O recurso eletrônico da videoconferência permite que haja coesão e coerência da imagem, assim, possibilitando a comunicação em tempo real, direto e atual. Seu emprego, por outro lado, fica, por evidente, condicionado à concordância da defesa. Havendo justas razões para que o comparecimento do réu seja pessoal, serão essas apresentadas ao juiz, que somente de forma fundamentada poderá manter a utilização do recurso eletrônico na audiência do interrogatório.

Anota-se, outrossim, que na sistemática do Código de Processo Penal,

o comparecimento nem sempre significa estar presente fisicamente, referindo-se à

comunicação processual. Afiança Juliana Fioreze320 haver perfeito contato entre juiz

e acusado, na medida em que o contato virtual em nada difere do contato físico,

estando devidamente resguardadas todas as garantias e princípios constitucionais.

Quando se trata do devido processo legal, entende-se que esse

processo deve ser justo, que nele seja observada uma lisura global, que envolve o

direito das partes de serem ouvidas por um juiz independente, imparcial, e

previamente constituído. Não é, sabidamente, o processo judicial um simples ritual.

O acusado tem direito a um julgamento em contraditório e o direito de serem suas

alegações conhecidas, sendo esse o sinal mais relevante do sistema acusatório.

Registra-se que o direito de participar e de estar presente à audiência

se interligam. O direito de presença é reconhecido como tão relevante, que na

Inglaterra e na Alemanha, países nos quais a videoconferência é utilizada, ele é

visto como um direito essencial321.

No interrogatório realizado com o recurso da videoconferência, a

presença do réu é real. O juiz pode ouvi-lo, como se estivesse ele fisicamente na

sala de audiências. Pode ele ser ouvido, além de ser visto. A inquirição é direta e a

interação é recíproca. Um pode estar a quilômetros de distância do outro, mas a

tecnologia suplanta a questão espacial, e coloca-os frente à frente, em tempo real. A

percepção cognitiva é a mesma da que é obtida com se estivessem fisicamente

presentes.

Sustenta-se, portanto, que a utilização da videoconferência nas

audiências de interrogatório, uma vez resguardada a presença do advogado do

acusado, tanto no local onde o mesmo se encontra, como na sala de audiência, não

viola o direito de participação e presença, e, por outro lado, confere com maior

320 FIOREZE, Juliana, op.cit.p.102. 321 DELMAS-MARTY, Mireille, op..cit., p. 595.

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amplitude à garantia do juiz natural. O juiz da causa pode ouvir o réu, que estiver

fora da Comarca, pode ouvir as testemunhas, domiciliadas em outros estados, o

que, não se pode discutir, representa uma considerável abreviação no tempo de

duração do processo.

Registra-se, como de importância, o fato de que referido recurso

eletrônico não se aplica apenas ao réu que está preso. O réu solto pode residir em

outra comarca, em outro estado, até mesmo em outro país, e ser utilizado em

relação a ele o interrogatório on line, o que não se pode deixar de reconhecer

atender a seus interesses, na medida em que evita deslocamentos e despesas.

Consoante se colhe do voto do Desembargador Ferraz de Arruda, que

integra os autos do HC nº 88.914-SP,

“ o sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório do réu deve ser aceito à medida que foram garantidas visão, audição, comunicação reservado entre o réu e seu defensor e facultada, ainda, a gravação em compact disc,, que foi posteriomente anexado aos autos para eventual consulta. Afinal, o réu teve condições de dialogar com o julgador, o qual podia ser visto e ouvido, alem de poder conversar com seu defensor em canal de áudio reservado, tudo isso assistido por advogado da Funap”. Conclui, afirmando que “ o meio eletrônico utilizado vem em beneficio da próprio réu à medida que agiliza o procedimento. O contato com as pessoas presentes ao ato (juiz, Promotor, Advogado, depoentes, etc.), se dá em temo real de modo que se pode perfeitamente aferir as reações e expressões faciais dos envolvidos”.

O Estatuto da Corte Penal Internacional, de 17 de julho de 1998, prevê

a utilização das novas tecnologias, entre elas a videoconferência, sempre com

compatibilidade às garantias processuais e sempre em circunstâncias excepcionais,

como é o caso de o acusado, presente na audiência, não assumir um

comportamento correto, dando ensejo a que o juiz determine sua saída, autorizando

que o mesmo acompanhe o desenrolar da audiência mediante a utilização de

tecnologias de comunicação. Dentro da União Européia, o uso da videoconferência

está previsto no artigo 10 da Convenção da União Européia sobre assistência

judicial internacional em matéria penal, de 29 de maio de 2000. Registra Jésus

Garcia322 que referidas normas advertem que a declaração através da

videoconferência

322 GARCIA, Jésus, op. cit., p. 653.

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“no es concebida como uma opción técnica de uso discrecional por parte del tribunal competente sino solo como un instrumento sujeto al cumplimiento de determinadas condiciones: la necesidad de mantener el orden público en la vista, inexistência de otras posibilidades razonables de realizar la actuación, cuando se quiera proteger a la víctima de un delito de carácter sexual, entre otras. La videoconfencia es, según lo que las normas citadas establecen, um médio extraordinário, cuya novedad exige prudência en su aplicación hasta su plena asimilación por la sociedad”.

Itália e França foram os primeiros países a fazer uso regular da

videoconferência no processo penal. Na Itália, desde 1992, nos processos judiciais

contra a máfia. Em 1998, foi publicada lei regulando sua utilização no caso de

presos perigosos, e ainda quando se tratar de crimes de grande gravidade e que

causam clamor social, também nos casos da criminalidade organizada. Na França, a

matéria foi regulada pela Lei de 15 de novembro de 2001, quando da reforma do

Código de Processo Penal. Autorizado foi o emprego da videoconferência para o

interrogatório, com a formula ampla de “quando as necessidades de investigação o

justifique”323. Nos Estados Unidos, desde 1995, já era utilizado esse recurso para

interrogatório dos acusados, tendo sido mais recentemente, em 2002, através da

Federal Rule for criminal proceedings, permitido que o advogado que seu

comparecimento inicial se faça por videoconferência, desde que com o

consentimento do acusado. A oitiva de testemunha por videoconferência não foi

aceita pela Suprema Corte, que entendeu que haveria violação à clausula do

contraditório, na medida em que seria subtraído o acusado o direito de contraditar a

testemunha.

Deve ser considerado que as audiências realizadas por meio de

videoconferência são gravadas, o que representa uma grande contribuição para

uma instrução processual mais segura. Se é difícil para um juiz registrar na

assentada as impressões pessoais colhidas durante o ato processual, nenhuma

dificuldade se tem quando o depoimento é registrado em gravação áudio-visual. Se

o réu revelou-se hesitante, se apresentou-se arrependido, envergonhado; se seu

olhar tinha rancor, prepotência; se estava nervoso, piscava em excesso,

roia as unhas, enfim todas essas situações, que apesar de não de não constituírem

meio de prova, porquanto resultado de uma valoração subjetiva, passariam a ser

conhecidas pelo sentenciante, pelo Tribunal, quando do julgamento do recurso, o

que não se pode desconhecer relevante como recurso de valoração da prova. As 323 GARCIA, Jésus, op.cit., p. 655.

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expressões faciais e algumas manifestações se perdem quando têm de ser

traduzidas em palavras e registradas no papel, não quando são filmadas, quando

são gravadas.

Para formular ao réu as indagações de natureza pessoal, não precisa o

juiz estar sentado à sua frente, não precisa do contato pessoal. Basta que esteja

face à face, ou seja, olhando seu rosto, percebendo a sinceridade ou falsidade de

suas respostas.

Nos dias atuais, com os modernos recursos eletrônicos, não se corre o

risco de uma gravação de má qualidade, com pouca definição de imagem. É

verdadeiramente surpreendente, a qualidade dos registros audio-visuais, o que se

pode visualizar em uma tela de computador.

Há um grande receio de que o ato do interrogatório represente para o

réu constrangimento. Vai ele falar para uma câmera. Esse procedimento pode

causar-lhe inibição, algum desconforto. Mas, estando ele previamente avisado,

eventual constrangimento pode ser minimizado. Não é possível afirmar que o fato de

falar sem que o interlocutor esteja presente possa causar prejuízo à autodefesa.

Importante para que essa seja exercida plenamente é a previa audiência do réu com

seu defensor, com o profissional que irá orientá-lo, adverti-lo das conseqüências da

confissão, esboçar com ele a tese defensiva.

Há também uma preocupação, que não se pode entender como

justificadora da repulsa à utilização do meio eletrônico, no que diz respeito à

liberdade de manifestação do réu, que pode ser coagido, intimidado. Em primeiro

lugar, não se afasta no interrogatório levado a efeito nos moldes atuais a

possibilidade de o réu ser vítima de pressões externas, ainda que não realizadas na

presença do juiz. Em segundo lugar, presente o patrono do acusado, assim como

presente representante do juízo, quando do interrogatório on line, qualquer

irregularidade verificada será de imediato comunicada ao magistrado.

Impende frisar que, no particular, que a discussão a respeito do tema

põe em choque o garantismo e a defesa social. Qual priorizar ? Os que defendem o

uso do interrogatório on line, sustentam que representa ele economia, segurança,

modernidade, rapidez. Os que se põem contra, sustentam que há ofensa ao

princípio do devido processo legal. Estaria na ponderação de princípios a solução a

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ser encontrada. Esse exercício de ponderação haverá de ser feito pelo juiz sempre

que o acusado impugnar a realização do interrogatório através da videoconferência,

apresentando os motivos pelos quais sua presença física se faz necessária.

Devendo a jurisdição orientar-se pelo princípio da eficiência, a realização dos atos

processuais mediante emprego de recursos eletrônicos que propiciem um

julgamento mais rápido, mais simples, mais econômico, certamente atende à

proposta constitucional. Assim, nada obsta que, justificada a necessidade, até

mesmo porque, sendo dispendioso ainda o emprego da videoconferência, sua

utilização haverá de ficar restrita aos casos necessários, mas uma vez justificada

essa, a regra, seja seu uso. Diante da impugnação do acusado, o juiz deverá valorar

suas razões, e ai sim aferir a razoabilidade, adequação e proporcionalidade dos

direitos em jogo, para motivadamente decidir se há, ou não, de ser utilizado o

recurso eletrônico.

Razão assiste à Juliana Fioreze324, quando se refere que

“a compatibilização entre as garantias da ampla defesa e da eficiência do processo deve, entretanto, ser construída à luz do princípio da proporcionalidade, que tradicionalmente atua como critério solucionador dos conflitos entre valores constitucionais, procurando, pois, realizar o primeiro mandamento básico da fórmula política de um ordenamento, que é o respeito simultâneo aos interesses individuais, coletivos e públicos. Sua operacionalização perfaz-se por meio dos subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade estrita.

Cumpre observar, ademais, que apesar de o Plenário do Congresso

Nacional ter aprovado, por unanimidade, desde outubro de 2007, o Projeto de Lei nº

7227/06, que torna regra geral o uso da videoconferência nos interrogatórios e nas

audiências judiciais, das quais participe o juiz, o acusado preso e seu advogado, não

há noticia da sanção, ou do veto, pelo Sr. Presidente da República, apesar de a

imprensa ter anunciado que seria objeto de veto parcial, no caso, a disposição que

introduzia a prática como regra geral, por isso que se entendia que sua utilização, ao

contrário, deveria ser excepcional, sempre motivada, quando existisse verdadeiro

óbice para a presença física do réu perante o juiz.

O cotidiano da vida forense expõe freqüentes violações ao direito à

ampla defesa. Se o réu é pessoa pobre, se não pode contratar advogado, ainda que

responda solto ao processo, em geral, é interrogado sem que tenha oportunidade de

324 FIOREZE, Juliana, op.cit., p.114.

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se entrevistar previamente com o Defensor Público, ou com o advogado ad hoc, que

lhe é imposto e é apresentado no momento da audiência. Não parece ter sido essa a

extensão prevista pelo legislador quando impôs que houvesse a entrevista previa

entre o réu e seu defensor. Logicamente, essa entrevista não pode representar uns

poucos minutos que antecedem à entrada no réu na sala de audiências. O tempo

dessa entrevista deveria ser o necessário para que o réu contasse sua história para

aquele que vai assisti-lo, que indicasse as provas que tem em sua defesa. Quantas

vezes, porém, o réu chega para ser interrogado, sem saber sequer o endereço de

sua residência, sem possuir seus dados de qualificação completos, sem poder

fornecer ao Defensor Público o nome de testemunhas, que também não tem

condições materiais para fazer a busca de familiares, de pessoas que possam depor

em favor do acusado. Essa a defesa que se diz exercida amplamente em prol dos

mais carentes.

Não se tem qualquer dúvida de que o processo eletrônico, cuja adoção

torna mais visível a atuação do Poder Judiciário e em muito abrevia o tempo de

vários procedimentos, tudo tem para conferir maior transparência e rapidez à marcha

processual. Bem empregado, certamente, há de representar um grande avanço

nessa busca de celeridade, sendo um valoroso instrumento para assegurar a

eficiência do processo.

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CAPÍTULO 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Como é cediço, garantir segurança pública resulta de decisão política.

A esse respeito, os governantes precisam conscientizar-se de que, somente com a

destinação de recursos para o melhor aparelhamento da polícia judiciária, melhor

remuneração do servidor público, especialização das carreiras policiais se poderá

chegar a uma situação mais próxima possível do ideal. Não há dúvidas de que

esses constituem requisitos para minimizar a corrupção, o esgotamento da

capacidade de trabalho do servidor, a quem geralmente a sobrevivência impõe a

dupla jornada de trabalho, alcançar a reconquista da confiança dos cidadãos, já

impacientes com a morosidade do processo e sensação de impunidade, que não

conseguem compreender.

Nesse conjunto de problemas, no que concerne à obrigação do Estado

no que concerne às políticas públicas de segurança e efetividade da prestação

jurisdicional, o Poder Judiciário também tem que fazer sua parte. Não é possível

assistir passivo ao drama encenado diariamente no palco da vida.

É certo que a decisão sobre as políticas públicas cabe ao Poder

Executivo e o princípio da separação dos poderes é clausula pétrea, impondo limites

a atuação do Poder Judiciário. Mas, também não é possível ao magistrado manter-

se insensível ao caos, indiferente à necessidade de se dar concretude aos direitos

consagrados como valores maiores do cidadão.

Em caso de omissão do Poder Executivo, o Poder Judiciário é

chamado a garantir a efetividade dos direitos individuais e sociais e há de exigir que

aquele tome decisões que realizem o bem comum.

O retorno à judicatura criminal nos permitiu uma oportunidade para

uma reflexão: o que é possível fazer para mudar esse contexto, pelo menos nos

limites de nossa área de atuação? Com essa preocupação, concluiu-se que zelar

pela melhor instrução do processo, seria uma grande contribuição, zelar para que

fosse preservada a fidelidade da prova, também seria um considerável passo, e

estabelecer condições para que o processo alcançasse trâmite mais rápido,

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garantindo o pleno direito à defesa e demais requisitos, sem dúvida, uma conquista

significativa para garantir sua efetividade.

Sob este foco, foi guiada a pesquisa à legislação, doutrina e

jurisprudência alusivas ao tema, o que nos permitiu formular as seguintes

conclusões:

a) A presença da informática é realidade no cotidiano dos Tribunais e

tem facilitado significativamente o trabalho dos profissionais do Direito.

b) O processo judicial eletrônico, inquestionavelmente, pode atender

ao reclamo de uma justiça mais ágil, portanto, mais eficiente.

c) Os argumentos quanto à existência de riscos não se apresentam

como justificativas razoáveis para que se rejeite sua utilização. Não se pode

esquecer que o Brasil foi o pioneiro na prática da votação eletrônica, usando

tecnologia nacional, através da Urna Eletrônica, que tornou o exercício da cidadania

mais confiável, mais seguro, menos sujeito a fraudes. Em paralelo, cumpre notar

que operações bancárias são realizadas por meios eletrônicos, efetuam-se

diariamente transferências internacionais de vultosas quantias, o mercado de ações

movimenta a economia dos continentes, através da eletrônica, celebram-se

contratos, o mundo se comunica em tempo real, on line. Não há mais segmento da

sociedade que prescinda dos recursos tecnológicos. Ninguém podia imaginar, algum

tempo atrás, que seria possível pagar uma conta em caixa eletrônico, situado em

posto de gasolina, que se poderia conferir o saldo bancário, efetuar um pagamento,

sem sair da própria residência, que um aparelho de telefone podia ser utilizado para

comunicação sem utilização da voz, e, muito em breve, para assistir programas

televisivos.

d) Não há razão para não se aplicar no Direito as conquistas da ciência

e tecnologia. A nova lei vem apresentar aos profissionais do Direito uma ferramenta

esplêndida, que, acolhida sem tantas reservas, poderá representar grande avanço

na conquista da celeridade, e portanto a almejada eficiência no processo.

e) Em linhas gerais, é possível afirmar, segundo abalizada doutrina,

que não existem diferenças funcionais entre o processo civil, trabalhista e penal,

apesar de nesse, porque em jogo o valor supremo da liberdade, a observância das

garantias constitucionais se impõe com maior rigor.

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f) Somente se pode reconhecer que um processo judicial cumpriu seu

papel de instrumento para a construção de paz social com justiça, ou seja, somente

se pode reconhecer a efetividade do processo judicial, quando nele foram

observados os princípios da igualdade, da legalidade, da solidariedade.

g) No processo penal, o princípio da igualdade se observa quando

assegurado o tratamento paritário às partes envolvidas; o da legalidade, quando

observado o devido processo legal; da solidariedade, quando, reconhecido o fim

social do processo, se destine ele a dar segurança à sociedade e também

assegurar a dignidade da pessoa do acusado.

h) O processo judicial representa, portanto, dupla garantia, porque, a

um tempo, é instrumento de defesa social, na medida em que, por seu intermédio,

há de ser perseguir a estabilidade do contrato social, a pacificação das relações

sociais, a outro, não pode prescindir de seu papel de garantia dos direitos

individuais. Nesse contexto, é que avulta a importância da celeridade, que interessa

às partes envolvidas, ao Estado, à sociedade.

i) No processo penal, essa questão, que, desde 2004, ganhou status

de garantia constitucional, reveste-se de peculiar importância. Para o acusado,

porque há de lhe interessar livrar-se o mais rápido possível da imputação criminal,

ainda que esteja solto. Para o Estado, porque precisa dar pronta resposta à

sociedade e essa porque não pode mais conviver com a impunidade.

j) Surge, nessa linha de argumentação, o processo eletrônico com a

promessa de agilização da prestação jurisdicional, também, no processo penal, o

que foi admitido sem restrições pela Lei nº 11.419/2006. Respeitadas as fases

procedimentais do processo penal, todos os atos processuais podem ser realizados

com recursos eletrônicos, à exceção da citação. Seu emprego representa grande

economia de material – de papel, o que é reclamo atual mundial, não só dos

ambientalistas, de grampos, tinta de impressora, carimbos, etc...- e de recursos

humanos, porque dispensado da execução de tarefas ordinárias, como as de

guardar e retirar processos das prateleiras das serventias, selecionar as petições,

carimbá-las, numerá-las e juntá-las aos autos; proceder à leitura das publicações no

Diário Oficial, para então certificar a intimação, notificação; digitar mandados, ofícios,

termos. Livre dessas tarefas burocráticas, poderá o servidor dedicar-se a tarefas

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que exijam exercício de inteligência, o que poderá servir, inclusive, como estímulo

para melhor aperfeiçoamento profissional.

l) A utilização do processamento eletrônico no processo penal não viola

as garantias constitucionais do processo. Preserva-se ao acusado o amplo direito

de defesa, assegura-se o contraditório, o juiz natural, a igualdade de tratamento, a

publicidade, enfim, o devido processo legal. Privilegiam-se os princípios da

oralidade e da imediação, na medida em que propicia seja a prova oral colhida

diretamente pelo juiz que vai julgar, sem necessidade de se recorrer também ao

expediente da carta precatória, ou da carta rogatória, para oitiva das testemunhas.

Além do mais, sendo possível o emprego de recursos de multimídia, as audiências

passam a ser gravadas, o que preserva a fidelidade dos depoimentos, conduzindo à

melhor instrução criminal.

m) Não se vislumbram restrições à realização do interrrogatório por

videoconferência, na medida em que consiste ele apenas um instrumento pelo qual

o ato processual é realizado. O direito de presença do acusado à audiência não é

violado, ainda que não esteja pessoalmente presente. Sua presença é virtual, mas

isso não impede sejam observados os direitos e as garantias fundamentais.

Resguarda-se ao réu a prévia audiência com seu defensor, bem como

a presença de um representante do juízo na sala onde o mesmo se encontrar para

ser interrogado; do advogado constituído estará presente na sala de audiência; o juiz

deverá informar ao interrogando seus direitos, inclusive o direito ao silêncio. Deve

ser utilizado equipamento que possibilite boas condições de captação de imagem e

audição da voz, garantindo ao juiz a plena visão do local onde se encontra o réu e a

esse plena visão do juiz. O acusado, assim interrogado, é levado à presença do juiz.

Fala para o juiz e esse o ouve, com a oportunidade de observarem-se mutuamente,

tendo o réu assegurado seu direito de apresentar sua versão dos fatos para aquele

que o vai julgar.

Quando se fala em ampla defesa, entende-se que se deva conceder ao

acusado oportunidade para exercer a autodefesa, que lhe seja assegurada a defesa

técnica, que lhe seja dado defender-se fazendo uso de qualquer meio de prova, que

lhe seja possibilitado acompanhar a produção das provas e fazer a contraprova.

Nada disso é obstado, quando se promove o interrogatório on line. Reconhece-se

que para a utilização do referido recurso eletrônico deve ser comprovada a

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necessidade, reputando preferível sua utilização à oitiva do acusado por carta

precatória, pelo juízo deprecado. Conclui-se, também, que há de ser dada ao réu,

esteja ele solto ou preso, prévia ciência, quando de sua citação, de que o

interrogatório será realizado por videoconferência, para que não seja colhido de

surpresa, quando levado para a sala onde se encontrar instalado o equipamento,

dando oportunidade, outrossim, à sua defesa para eventual impugnação. As

câmeras deverão ser instaladas de forma a que o juiz possa observar todas as

dependências do local onde o réu se encontra, sendo necessária a presença de um

representante do juízo ao ato.

Para as audiências de depoimentos de testemunhas, a utilização da

videoconferência é de extrema valia, pois que assegura a maior imediatidade do

processo e fidelidade da prova.

n) O emprego do processo eletrônico encontrará resistências, eis que

exige uma nova mentalidade do profissional do Direito. Em primeiro lugar, faz-se

imperiosa a mudança de comportamento, atualização e algum conhecimento de

informática, para que possa operar com segurança o sistema informatizado e se

valer, sem receio, dos demais recursos eletrônicos. É pertinente acrescentar que a

quase totalidade dos advogados, no presente já faz uso da internet, para

acompanhamento dos processos nos quais têm interesse, eis que todos os Tribunais

mantêm bancos de dados, com as informações acerca do movimento processual.

Eles costumam fazer uso do recurso igualmente para consulta à jurisprudência,

doutrina, legislação. A atitude se justifica, pois, não é possível, nem necessário,

armazenar tanta informação, como a que se produz atualmente, sem os recursos da

eletrônica..

o) No processo de atualização, os profissionais do Direito precisarão de

conhecimento de conceitos como documento eletrônico, como assinatura digital,

meio eletrônico, relevantes e incorporados ao dia-dia de quem milita na área jurídica.

É importante o registro que essas práticas já não lhes são estranhas. Decorre daí

que, em breve espaço de tempo, o processo eletrônico deverá ser assimilado,

principalmente, considerando o grande ganho de tempo que representa.

p) Reconhece-se que o processo eletrônico, em verdade, introduziu

novo modelo de processamento, que, inclusive, permite sua regulamentação

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individuada pelos diferentes Tribunais, sem que, com isso, esteja a invadir seara de

competência privativa da União.

q) O mais importante a salientar é que serão inteiramente respeitadas

as fases procedimentais, observado o sistema acusatório: a ação penal começará

com a denúncia; o acusado será citado, interrogado; será oferecida por sua defesa a

defesa prévia. Proceder-se-á à instrução do processo, produzidas provas

documentais, periciais, testemunhal. Seguir-se-ão as alegações finais e a sentença.

Tudo ocorrerá eletronicamente, sem autos físicos, sem papel.

r) O processo judicial eletrônico, por certo, apresenta riscos. Assim,

como o incêndio consome o papel, a água o destrói, não sendo poucos os casos

que já chegaram a conhecimento público de incêndio em prédios de foro, com a

destruição de todo o acervo cartorário; assim como documentos particulares ou

públicos podem ser adulterados, assinaturas podem ser falsificadas, o processo

eletrônico também não é isento de riscos. O sistema informatizado pode ser

atacado por vírus, por hacker’s; dados pessoais podem ser captados dolosamente.

Mas, são esses os riscos da sociedade contemporânea, sendo que melhor

preparados para enfrentá-los está a comunidade cientifica, a quem são dedicadas

altas cifras para pesquisas de métodos de segurança para os programas, sistemas e

arquivos eletrônicos.

Os Tribunais passam a ser responsáveis pelo armazenamento dos

dados incluídos no sistema informatizado. A autenticidade dos documentos e

identificação do usuário se obtêm com a assinatura digital, devendo se lutar por uma

padronização no seu uso, o que certamente conduziria para o modelo oferecido pela

ICP-Brasil, ainda que represente de início um custo a ser suportado pelos

advogados e pelos Tribunais.

s) Justa se afigura a preocupação com o excesso de publicidade,

decorrente das informações que passam a ser disponibilizadas no sistema. O

princípio da publicidade, que se viu edificado como garantia do acusado em face do

Estado, porquanto tornando mais transparente o processo impedia o abuso de poder

e a violação das garantias constitucionais, passa a ser visto como um risco, por isso

que o conhecimento dos fatos do processo alcança dimensão até então não

imaginada. Quantas pessoas têm acesso à internet? Bilhões, certamente. Ao

acusado não deve interessar tanta especulação sobre sua vida particular.

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Considerando ser princípio constitucional o da presunção de inocência,

e, por isso não podendo o réu ser considerado culpado até que ocorra o trânsito em

julgado da sentença, reconhece-se que essa potencialização dos efeitos da

publicidade poderia causar danos à pessoa do acusado. Essa é questão relevante,

que está a merecer um cuidadoso exame, a justificar, inclusive, a relativização do

princípio da publicidade, que justificar, por exemplo, omissão de elementos de

qualificação das pessoas envolvidas na ação penal no banco de dados dos

Tribunais.

Ainda serão os Tribunais responsáveis pelas informações que

coletarem de outros bancos de dados para instrução dos processos. Como se viu, a

partir da nova lei, será possível ao juiz ingressar nos cadastros eletrônicos das

concessionárias de serviços, do Ministério da Fazenda, dos Institutos de

Identificação, do Banco Central, dali colhendo informações para localização do

acusado e de seus bens. A partir do momento em que essas informações são

obtidas, passa a ser obrigação do juiz resguardar o sigilo sobre as mesmas. Essa

questão também estará a merecer a devida atenção por parte do Judiciário.

O tempo é novo, e de muitas incertezas. O Direito novo já é, todavia,

realidade e não há por que temer a exploração do novo instrumento que foi colocado

à disposição da comunidade jurídica. O momento é de construir novos modelos no

espaço dos conhecimentos. E o momento é agora. O compromisso constitucional

não pode resultar apenas promessa. É tempo de fazer.

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LEGISLAÇÃO:

Constituição da República, DOU de 05/10/1988.

Emenda Constitucional nº 45/2004, DOU de 08-12-2004.

Código de Processo Penal – Dec. Lei nº 3.689 de 03/10/1941.

Código de Processo Civil – Lei nº 5.869, de 11/01/1973.

Lei nº 11.419/2006 DOU de 20/12/2006.

Lei nº 11.280/2006 DOU de 12/02/2006.

Lei nº 11.341/2006 DOU de 08/08/2006.

Lei nº 10.259/2001 DOU de 13/07/2001.

Lei nº 9.868/1999 DOU de 11/11/1999.

Lei nº 9.807/1999 DOU de 14/07/1999.

Lei nº 9.296/1996 DOU de 25/07/1996.

Lei nº 9.099/1995 DOU de 27/09/1995.

Lei nº 9.034/95 DOU de 04/05/1995.

Lei nº 8.245/1991 DOU de 21/10/1991.

Lei nº 8.072/1990 DOU de 26/07/1990.

Medida Provisória nº 2.200-2, de 24/08/2001.

Decreto Lei nº 290-D/1999.

Decreto Lei nº 183/2000.

Decreto nº 3587/2000.

Decreto nº 678/92, Pacto de S.José da Costa Rica.

Lei do Estado de São Paulo nº. 11.819/2005.

Projeto de Lei nº. 7227/06.

Projeto de Lei nº. 4207-2001.

Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº. 9, de 02/10/2007.

Instrução Normativa do TST nº. 30/2007.

Resolução do STJ nº 08, de 20/09/2007.

Resolução do STF nº 341, de 16/04/2007.

Resolução do TRF da 4ª Região nº 75/2006.

Provimento da Justiça Federal 2ª Região nº 19/2005.

Provimento CGJ do TJRJ nº. 36/2004.

Provimento CGJ nº 280, de 16-09-1991.

Recomendação nº 12/2007 CNJ.

Recomendação nº 18/87, do Conselho da Europa.

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JURISPRUDÊNCIA:

Habeas Corpus nª 86.634-4-RJ, 2ª T, STF, Rel. Min.Celso de Mello, 18-12-2006.

Habeas Corpus nº 70.663-1-SP, 1ª T, STF, Rel. Min.Ilmar Galvão, 17-05-94.

Habeas Corpus nº 88.914-0 SP , STF, Rel. Min. César Peluso, 14-08-2007.

Habeas Corpus nº 90.900-MC. SP, STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, em 27-03-2007.

Habeas Corpus nº 95.590-MC, STF, Rel. Min. Carmem Lúcia, em 01/10/2007.

Habeas Corpus nº 76.046-SP, STJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves de Lima, em

10/05/2007.

RMS 11960/RJ, STJ, Rel. Min. Gilson Dipp 5ª T, em 26/05/2003.

AG. RG.no RESP 672410/SC, STJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª T, em 22-08-2006.

ADIN nº 3869 Reqte: Conselho Federal da OAB – DF- Distrito Federal – Rel. Min.

Ricardo Lewandowski.

ADIN.nº 3875 - Reqte: Conselho Federal da OAB - Sergipe SE – Rel. Min. Gilmar

Mendes.

ADIN nº 3880 - Reqte: Conselho Federal da OAB – DF- Distrito Federal- Rel. Min.

Ricardo Lewandowski.

ADI nº 3396 - Reqte: Conselho Federal da OAB – DF- Distrito Federal- Rel. Min.

Celso de Mello.