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ELIANE RIBEIRO DE CALDAS O APRENDER A PENSAR NA DIFERENÇA São Leopoldo Dezembro, 2005 UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

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ELIANE RIBEIRO DE CALDAS

O APRENDER A PENSAR NA DIFERENÇA

São Leopoldo

Dezembro, 2005

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS

CENTRO DE CI ÊNCIAS HUMANAS

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ELIANE RIBEIRO DE CALDAS

O APRENDER A PENSAR NA DIFERENÇA

São Leopoldo

Dezembro, 2005

Orientador Professor Dr. Sérgio Augusto Sardi

Monografia submetida como requisito parcialpara a obtenção do tí tulo de Especialista emFilosofia e seu Ensino na Universidade doVale do Rio dos Sinos – UNISINOS

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Aos meus amados filhos, Jé ssica e Jackson, pedaç os muito valiosos naminha existê ncia e que permearam todas as linhas deste trabalho;

Aos meus pais, João e Marlene, que sempre me apó iam incondicio-nalmente e sempre embarcam comigo nas mais variadas aventurase experiê ncias, sem pedir nada em troca;

Ao Rudimar, pelos momentos a mim dedicados;

Ao Dr. Paulo Roza, grande impulsionador para que a filosofia faç aparte definitiva na minha vida;

Ao grande amigo e cunhado Rudnei, meu agradecimento especial pordispor de horas, minutos e segundos ouvindo as minhas angú stias,medos, inseguranç as e não deixando que eu esmorecesse;

Ao amigo Oli Vanderlei, que sempre me socorre nas horas mais difí ceis;

Ao pequeno grande homem, Dr. Prof. Sé rgio Sardi, orientadordeste trabalho, pela humildade, credibilidade, paciê ncia, e confi-anç a dispensadas a mim;

Ao querido mestre e coordenador deste curso, Prof. Urbano Scheid,que muito me ensinou sobre filosofia e que em momento algum medisse não;

À amiga Stela, pela colaboraç ão na estruturaç ão desta monografia;

Aos colegas, Élvio e Vinicius, pelo auxí lio na construç ão deste trabalho,ouvindo pacientemente minhas idé ias, contribuindo para torná-lasreais;

Aos colegas do curso, Evandro, Patrí cia, Helena, Wellington,Igor, Beth, Janice, Marcelo, Arilton, Mauro e Merci,que com suas experiê ncias, jeito de ser, aceitação do outro, forma-ram a melhor turma acadê mica da qual tive oportunidade de fa-zer parte;

Enfim, a todos que direta ou indiretamente participaram e contribuí ramnesta caminhada.

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SUM ÁRIO

ACEITANDO O INACEIT ÁVEL OU CONSTRUINDO UM CAMINHO?......................4

CAPÍTULO I - TRANSMITINDO CONTE ÚDOS OU EDUCANDO?............................8

CAPÍTULO II - APRENDENDO A ENSINAR OU APRENDENDO A APRENDER? 21

CAPÍTULO III - PENSANDO SIMPLESMENTE OU PENSANDO O PENSAR? ......28

CAPÍTULO IV - DESCONSIDERANDO A DIFEREN ÇA OU ACEITANDO UMDESAFIO? ................................................................................................................32

CAPÍTULO V - CRISTALIZANDO O SABER OU FILOSOFANDO COMO UMCONVITE AO NOVO? ..............................................................................................41

CONSIDERA ÇÕES GERAIS ....................................................................................44

CONSIDERA ÇÕES PESSOAIS................................................................................47

REFER ÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS.........................................................................50

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ACEITANDO O INACEIT ÁVEL OU CONSTRUINDO UM CAMINHO?

Era uma vez...

Parece estranho começar um trabalho cientí fico assim, mas tudo começou

exatamente deste jeito: era uma vez uma Eliane inquieta, questionadora, querendo

saber tudo de tudo, sedenta por conhecimento, por saber, por entender o mundo, as

pessoas, sempre muito crí tica, que foi buscar no curso de pós-graduação de Filoso-

fia e seu ensino respostas a estas indagações.

Pura Ilusão. Ao longo do curso, fui ficando cada vez mais perdida, sem con-

seguir imaginar como juntar a teoria e a prática e ainda construir uma práxis (intera-

ção, inter-relação positiva entre os dois) que contribuí sse para uma visão de cons-

trução de mundo. Num primeiro momento, pensei: como vou conseguir realizar uma

construção que tenha sentido, que possa contribuir para um mundo melhor?

Estava tudo muito ideológico. Todo o conhecimento adquirido nas aulas da

pós-graduação mexia comigo de uma forma muito especial, mexia com a minha vi-

são de mundo. Passei a questionar tudo a minha volta, dia a dia me fazia perguntas,

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as palavras soavam estranhas, estava o tempo todo buscando entender o compor-

tamento humano e o que as pessoas diziam ou tentavam dizer. Tinha a sensação de

estar fora do mundo, uma “ et” (extraterrestre).

Ficava cada vez mais introspectiva, reavaliando minhas ações, as ações das

pessoas a minha volta, de como se viam no mundo e para quê. O mundo estava

particionado, e eu não sabia mais como juntá-lo novamente.

Olhava-me no espelho e sentia-me diferente. Mas diferente em que, me per-

guntava? O que é esta diferença? O que é o aprender? O que é o pensar? O que é

Filosofia? E agora? Mexi com toda uma estrutura interna e externa, fiz separações,

desmembrei, filtrei conhecimentos, sentimentos, atitudes. Estou perdida.

Todas estas questões me levaram a entender que este seria um processo

inevitável para a minha construção: “ Questionar é criar condições de avançar. Para

fazer uma pergunta, precisamos pensar que há algo no qual ainda não pensamos,

precisamos saber que não sabemos algo. E isso nos põe em condições de apren-

der” (SARDI, 2004, p.14).

Percebi que esse processo reflexivo pedia um passo a mais. Estava incon-

sistente. Só refletir foi importante naquele momento, mas o que fazer com essas re-

flexões? Sabia que após este perí odo já não era mais a mesma pessoa, que havia

crescido internamente. Queria uma construção mais concreta, um sentido, contribuir

para um mundo melhor, pois afinal de contas iniciei a especialização com este obje-

tivo. O que fazer e como fazer?

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Este momento reflexivo e crí tico lembrou-me Sócrates:

Mesmo se soubéssemos transformar pedras em ouro, este conhe-cimento não teria valor. Pois se não soubéssemos fazer uso do ouro, ele denada nos serviria [...]. Mesmo se tivéssemos algum conhecimento que nostornasse imortais, se não soubéssemos como utilizar a imortalidade, mesmoisto de nada nos serviria.

Eu queria utilizar este ouro para contribuir no abrilhantamento de muitos ca-

minhos. Como fazer?

Percebi na filosofia e sua aplicação na educação um caminho enriquecedor

e importante para alcançar este objetivo.

Iniciei a busca por outros conhecimentos, além da especialização, realizei

leituras, participei de encontros temáticos, congressos, colóquios, cursos de exten-

são. Entendia que estes momentos seriam de grande valia para me auxiliar no co-

nhecimento do processo educacional.

Aprimorei os questionamentos internos e percebi que muitas das minhas di-

ficuldades e de outras crianças, que eu já vinha observando ao longo de minha ativi-

dade profissional, estavam ligadas ao fato de ter (aqui entendida como obrigação)

que aprender a pensar de uma forma padronizada e qualquer iniciativa diferente se-

ria considerada como dificuldades, desobediência, indisciplina, hiperatividade, déficit

de atenção e outros.

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Este “ método de ensino” contribui para que as crianças sintam-se desinte-

grada e desinteirada, estanques, sem condições de avançar.

Apesar das muitas perguntas, neste momento me parece relevante e central

aprofundar a seguinte questão:

“ Como aprender a pensar considerando as diferenças, respeitando as parti-

cularidades, individualidades e experiências de cada um?” .

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CAPÍTULO I

TRANSMITINDO CONTE ÚDOS OU EDUCANDO?

Antigamente, e aqui refiro ao século XIX, as práticas pedagógicas eram

construí das a partir de uma visão dos sujeitos enquanto pessoas ignorantes, des-

providas de conhecimentos, de vivências. A escola era o local onde “ aprenderiam a

ser alguém” .

Segundo Rancière: “ Cada prática pedagógica explica a desigualdade do sa-

ber como um mal, e um mal redutí vel em uma progressão infinita em direção ao

bem” (2002, p.124).

O processo de ensino era e parece continuar sendo, na maioria das vezes,

conteudista, que não privilegia o pensar, com queixas freqüentes dos educadores de

que os estudantes não se interessam, não gostam de estudar, não cumprem as ta-

refas escolares. A criança leva a culpa desta não aprendizagem.

O educador, por sua vez, que também é fruto deste sistema educacional que

pouco mudou, não recebe um preparo adequado para estimular o aprender com

base no pensar. Acredita nos “ ensinamentos” que recebeu, pois eles dão suporte

para manter uma ordem que facilita no momento de passar os conteúdos para o

“aprendizado” da criança.

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Em uma educação tradicional, o aprender a pensar, torna-se contraditório,

pois este sistema quer formar pessoas “ obedientes” , “ centradas” , que siga o cami-

nho que eles, os inventores desta pedagogia, entendem o melhor.

Instruir para libertar vai contra os princí pios desta forma direcionada de ensi-

nar, pois ameaça uma estrutura “ sólida” e pode escapar ao controle: “ A instrução

das massas coloca em perigo os governos absolutos” (RANCIÈRE, 2002, p.130).

Neste contexto, não existem diferentes, todos são tratados como iguais, há

um nivelamento. A sala de aula é um espaço de dominação constante, onde é proi-

bido avançar no pensar e no aprender. Pensar pode representar o caos. Parece ha-

ver um reducionismo simplista no processo do pensamento e uma ênfase acentuada

no aprender a ensinar dentro de moldes pré-fabricados.

Apesar de estarmos na era tecnológica, os avanços na educação ainda con-

tinuam alicerçados na inferioridade, na denegação humana, na necessidade de con-

duzir para pensar, para aprender. Diz Rancière: “ O que embrutece o povo não é a

falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência” (2002, p.50).

Para exemplificar este processo, relato, abaixo, duas situações que justifi-

cam estas práticas no sistema educacional.

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O Pequeno Grande Construtor

Esta é a história de um construtor analfabeto que trabalhava para a chama-

da classe média alta.

Este senhor, de nome Florêncio Silva, morador de uma cidade do interior, foi

um menino pobre, que desde pequeno - cinco anos de idade - já auxiliava seus pais,

pequenos agricultores, na lida do campo.

Ele tinha muita vontade de aprender e dizia ao pai que quando crescesse

construiria casas. Seu pai não duvidava, porque observava a perseverança do filho.

Mas tinha um problema: na localidade onde a famí lia Silva residia não havia esta-

belecimento de ensino. A escola mais próxima ficava distante uns 10 km, dificultando

o acesso.

Mas o pai do menino, Sr. João, mesmo sabendo que seria complicado fre-

qüentar regularmente esta escola pela sua distância, resolveu matriculá-lo aos sete

anos e meio. Tinha como meta dar condições ao filho de realizar o sonho de cons-

truir as tão faladas casas.

Florêncio, muito satisfeito, iniciou as aulas. Ao longo do dia, ficava horas

longe de casa. A maioria das vezes ia a pé, outras de carona no carro de bois ou

carroças dos vizinhos. Em muitas situações o menino era obrigado a faltar, algumas

devido às intempéries do tempo, outras para ajudar os pais na época de colheita.

Ficava chateado, mas entendia que não poderia ser diferente.

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Mesmo assim nada lhe era penoso, continuava a freqüentar a escola, pois

queria penetrar no mundo das letras e dos números. Perseguia seu sonho.

Porém, na metade do ano, seus pais foram chamados pela professora. Esta

lhes informou que o menino Florêncio tinha “ dificuldades de aprendizagem” , não

acompanha a turma, nem sequer sabia ainda juntar o “ B” com o “ A” . Só queria saber

de desenhar. Passava a aula toda desenhando casas. “ Veja só, passa brincando” ,

reclamou.

Nas contas, dizia ela, até consegue dar o resultado “ de cabeça” como ele

mesmo diz, mas não acredito, não sabe elaborar a conta, como pode acertar? Com

certeza “ copia” de algum colega. Mas na verdade, o menino de tanto ver o pai con-

tando mudas, paus de cerca, fazendo cálculos para saber o que tinha ganho no final

da colheita, etc.., aprendeu também a fazer estes cálculos mentalmente.

A professora Sra. Flora, este era seu nome, que era também a diretora, a

servente, a secretária, sentenciou: “ Sr. João e Dona Margarida deixem Florêncio em

casa, não vai adiantar ele vir para a escola, é tempo perdido. Na roça, ele vai ser

mais útil, pois a memória dele é “ fraca” , nunca vai conseguir aprender nada” .

Segundo Rancière: “ O segredo do mestre é saber reconhecer a distância

entre a matéria ensinada e o sujeito a instruir, a distância, também, entre aprender e

compreender” (2002, p.18).

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O menino ouviu calado sua sentença, não podia se manifestar, pois era falta

de respeito com os mais velhos. Mas pensou: “ ainda vou mostrar a esta professora

que vou aprender muito na vida e serei conhecido na cidade” . Passaram-se alguns

anos, Florêncio continuava a trabalhar na lavoura da famí lia.

Mas um fato novo aconteceu, seu tio paterno, um construtor civil, foi visitá-

los e convidou-o a morar com ele na cidade e ajudá-lo na construção de casas. Am-

bos sempre foram amigos e Sr. Manoel era seu tio preferido.

O pai, apesar de consternado com o convite, pois seu filho lhe faria muita

falta, concordou. Disse ele ao irmão: — Contigo ele poderá ter um bom futuro, pois a

lida do campo está muito difí cil, conseguimos sempre tão pouco.

Florêncio, então, iniciou uma nova vida na cidade. Seu tio, pacientemente,

foi lhe ensinado tudo que aprendera, até então, na arte de construir casas.

O que pode, essencialmente, um emancipado é ser emancipador:fornecer, não a chave do saber, mas a consciência daquilo que pode umainteligência, quando ela se considera como igual a qualquer outra e consi-dera qualquer outra como igual à sua (RANCI ÈRE, 2002, p.50).

Todo o dia Florêncio aprendia um detalhe a mais. Era interessado, trabalha-

dor, caprichoso e se encantava quando via a casa pronta.

Segundo Rancière, a mola propulsora para aprender é a vontade:

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O homem – e a criança, em particular – pode ter necessidade deum mestre, quando sua vontade não é suficientemente forte para colocá-lae mantê-la em seu caminho. Mas a sujeição é puramente de vontade avontade. Ela se torna embrutecedora quando liga uma inteligência a umaoutra inteligência. No ato de ensinar e de aprender, há duas vontades e du-as inteligências (2002, p.25).

Na cidade, seus “ dotes” eram comentados. A dupla, tio e sobrinho, sempre

tinha muitas obras para realizar. A procura era grande. Aos 22 anos, tio de Florêncio

faleceu, mas ele não desanimou. Continuou cada vez mais dedicado.

Agora já era um construtor conhecido e chamado de “ o pequeno grande

construtor” , porque era baixinho, franzino. Sua fama foi parar na cidade vizinha. Foi

então contratado por engenheiros e arquitetos desta cidade para que executasse

suas obras.

Estes profissionais lhe entregavam as plantas e recebiam a obra concluí da

tal qual tinham planejado. Mas uma questão intrigava outros profissionais, seus pa-

rentes, amigos, vizinhos:

“Como o Sr. Florêncio consegue entender e executar as plantas se não sabe

ler, é analfabeto, ignorante?”

— Prestando atenção e querendo aprender, dizia ele. Eles me mostravam as

plantas, explicavam o que queriam. Aí eu pensava e conseguia ver o que eles dizi-

am nos “ desenhos” .

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— Mas como o senhor conseguia saber qual o lado certo da planta e por

qual delas começar, são várias plantas de uma mesma casa? O senhor não as colo-

ca ao contrário, viradas para baixo, por exemplo?

Respondia ele que não, já conhecia as letras, mesmo sem saber juntá-las, e

sabia que o nome dos engenheiros ficava no canto direito bem embaixo. Este era

um sinal para que colocasse as plantas na posição correta.

— E como o senhor sabia por qual planta começar?

— Ah! Muito simples, exclamava ele. Tudo na vida para dar certo, tem que

ter uma base bem forte e firme. Pedi então aos engenheiros e arquitetos que me

ensinassem quais das plantas era o alicerce e qual ordem seguir com as demais.

Como já construí a casas sem plantas, sabia que era pelo alicerce que deveria iniciar

a obra. Assim, todas as vezes que eu me preparava para construir uma casa, colo-

cava uma planta encima da outra exatamente como eles tinham me ensinado.

— E as quantidades que precisava como fios, cimentos, pedras, areia. Como

o senhor sabia?

— Bom, explicou ele, aprendi fazer cálculos de “ cabeça” com meu pai. Ele

sempre foi um homem muito sábio, me ensinou muito, apesar de ser analfabeto e

ignorante como eu: “ Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é

sobre este saber, sobre esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar”

(2002, p.11).

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Muitas pessoas o incentivaram, acreditaram na sua capacidade de pensar,

na sua vontade de aprender. O pequeno grande construtor, a exemplo do tio, seguiu

sua vida contribuindo na formação de novos construtores.

Esta é a história de uma pessoa que poderia não ter tido sucesso na vida,

pois, foi estigmatizado como sendo “ um menino com dificuldades de aprendizagem” .

Não se enquadrou nos padrões educacionais estabelecidos, pois não conseguia

aprender, pois não conseguia pensar, não absorvia os ensinamentos da “ educadora”

devido às “ suas” dificuldades de compreensão.

O Relógio

A situação abaixo foi relatada pela colega Luciane, fonoaudióloga, 35 anos,

acerca das lembranças que tem do método de ensino de uma escola particular,

pertencente a uma congregação religiosa, a qual freqüentou durante o ensino fun-

damental, numa cidade do interior.

Luciane relata que aos oito anos, durante uma determinada aula, uma situa-

ção ficou-lhe marcante: era a uma aula da professora Reginalda que iria “ ensinar” a

ver as horas.

Iniciada a aula, a professora mostrou-lhes um relógio, mexeu para cima e

para baixo seus ponteiros e foi assim dizendo: “ deste jeito é meio dia, do outro uma

hora e, deste aqui, é dez e meia” , assim sucessivamente.

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Esta professora não fazia perguntas e nem deixava que os estudantes as fi-

zessem. Só falava, falava, falava. Eram somente explicações e mais explicações: “ O

explicador é aquele que impõe e abole a distância, que a desdobra e que a reabsor-

ve no seio de sua palavra” (RANCIÈRE, 2002, p.18).

Ninguém podia tocar no relógio. Só podiam ficar observando aquele vai e

vem. A turma permanecia em silêncio, só observava. Não podiam fazer barulho,

nem conversar, nem mesmo cochichar. Ela cuidava todos os movimentos dos estu-

dantes.

Luciane lembra que estava com dificuldades de entender aquela matéria, ti-

nha dúvidas. A professora não dava tempo para que pensassem. Queria que a as-

similação fosse instantânea, sem questionamentos. Quando havia dúvidas, alguns

estudantes faziam questionamentos, outros se colocavam à disposição para contri-

buir com a professora. Mas esta não lhes dava espaço. Mostrava-se visivelmente

irritada com as interferências. Dizia-lhes: “ A professora sou eu e se não estão enten-

dendo é porque não estão prestando atenção” .

Em vez de aceitar uma explicação, um exemplo, uma discordân-cia, uma objeção ou uma pergunta como parte do encontro com a vida dacriança, temos tendência para condenar ou elogiar quase tudo o que o alu-no faz ou diz. Sob tais condições, para os alunos fica muito claro o que éque devem fazer (1977, p.5).

Luciane refere que tudo ficou mais complicado ainda quando a professora

explicou que 15 para as cinco era a mesma coisa que 16h45minutos. Entrou em pâ-

nico, não conseguiu entender como que coisas diferentes podiam ser iguais?

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Após o término da aula, já no caminho para casa, pensava na aula e se sen-

tia mal. Não conseguia entender todas aquelas informações. Perguntava-se: “ Mas o

que está acontecendo comigo? Não consegui aprender esta matéria, parecia tão

fácil, tão comum” ? Ficou alguns dias remoendo seu fracasso e tentando entender

porque não entendia.

Resolveu, então, pedir ajuda para as colegas. Chegando na escola, co-

mentou sua insatisfação com a aula do relógio. Disse que não havia entendido.

Para a sua surpresa, a maioria de suas amigas também afirmou não ter con-

seguido “ aprender” a ver as horas. Sentiu-se um pouco aliviada, até que seu colega

Edison, que estava próximo ao grupo, entrasse na conversa. Ele disse: “ Se vocês

não entenderam, posso explicar, porque eu entendi” .

Neste momento Luciane, que deveria ter ficado contente com o oferecimento

da ajuda do colega, se sentiu pior ainda. Angustiada ficou pensando: “ Se o Edison

entendeu, ele é inteligente e eu sou burra” .

Apesar de estar muito chateada consigo, resolveu aceitar a ajuda. O colega

então passou a explicar-lhes como ver as horas no relógio:

— O ponteiro pequeno é as horas e o grande, os minutos. Pediu que pres-

tássemos mais atenção no ponteiro grande. Ele se movimenta bem mais, o pequeno

fica parado um tempão no mesmo lugar, por isso não precisa dar muita bola para

ele. Tudo começa no número 12 que é igual a zero, o ponto de partida, depois vem o

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um, aí já passou cinco minutos, no número dois soma mais cinco, vai dar 10 minu-

tos. É a tabuada do cinco. Quando o ponteiro grande faz toda a volta, o ponteiro pe-

queno desce para o próximo número, então passou uma hora.

Ao longo da explicação, Edison deixou que tocassem o relógio, que experi-

mentassem o que ele explicava. Fazia perguntas em uma linguagem simples, na

linguagem de igual para igual, de criança. Era alegre. Parecia uma brincadeira, foi

muito divertido.

Luciane acredita que Edison tenha aprendido desta forma peculiar, porque

adorava inventar coisas, sempre aparecia com alguma novidade que ele mesmo cri-

ava. Tinha muitas habilidades, fazia poesias, músicas e as tocava no violão. Era cu-

rioso, criativo, acessí vel, se relacionava bem com todos os colegas. Não guardava

para si seus conhecimentos. Era diferente dos outros colegas e, mesmo não sendo

de uma famí lia de classe média baixa, acredita que havia por parte desta bastante

estí mulo.

Luciane e suas colegas rapidamente assimilaram o funcionamento desta pe-

quena máquina. “ Parecia impossí vel aprender” , disse ela, “ mas o Edison nos ensi-

nou diferente da irmã Reginalda, de um outro jeito que ficou muito mais fácil de

aprender” .

Hoje ela considera que se a irmã Reginalda fosse uma pessoa mais flexí vel,

percebido as dificuldades dos estudantes, poderia ter dado espaço ao colega Edison

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para que apresentasse este outro método de ensino, valorizando o esforço do cole-

ga.

Diz ela: “ Infelizmente naquela instituição de ensino, a maioria dos professo-

res só tinha um jeito de ensinar e quem não se adequasse, ou rodava ou optava por

sair da escola, porque se sentia fracassado. Este método deixou-me marcas, é sofri-

do, rí gido, padronizado, não valoriza as diferenças. Não há espaços para argumen-

tar. Infelizmente até hoje muitos educadores ainda agem assim” .

Luciane e Sr. Florêncio, como muitas outras pessoas, poderiam ter tido fra-

casso na vida pessoal e profissional, pois tiveram dificuldades de adequar a um de-

terminado “ método de ensino” . Trilharam outros caminhos, talvez sem se darem

conta de que, mesmo em “ enquadrados em uma fôrma” , utilizaram o pensar, a von-

tade para fazer a diferença.

E aprenderam, pois o aprender tem a ver com a nossa vontade de aprender

a pensar, e a angústia pela qual passaram contribuiu efetivamente para este apren-

dizado. São profissionais reconhecidos, que não eram para “ dar certo” , mas dribla-

ram o sistema tradicional.

A escola, antes de ser somente um local para ensinar, deve ser o palco de

muito acolhimento, observação, atenção, criatividade, de lazer, de momentos onde

as vivências possam transformar-se em saber, de respeito a si e ao outro, um desa-

fiar o saber e um saber desafiar o desafio, um inovar com sensatez.

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Penso ser emergente e necessário um processo pedagógico que habilite

educadores e estudantes a pensarem e que ambos possam experimentar e experi-

enciar produções inéditas.

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CAPÍTULO II

APRENDENDO A ENSINAR OU APRENDENDO A APRENDER?

Falamos e escrevemos tanto a respeito do tema integração, interação, inclu-

são e de que devemos nos despir de pré-conceitos, aceitar o outro com suas dife-

renças, mas, na formação acadêmica, aprendemos que o geral se sobrepõe ao par-

ticular.

Como equacionar este problema? Como fica o estudante que não consegue

“pensar e agir” como o programado? E o professor que não consegue ensiná-lo?

Onde “ exercitar” este ensinar o diferente, ainda durante a formação acadêmica?

Quais os sentimentos de ambos? Como aprender a aprender a ensinar? Como

contribuir na base educacional considerando a diferença? E a capacidade do pen-

sar, onde fica? Enclausurado?

A educação, no sentido clássico, significa a construção de uma pedagogia

(uma prática educativa) que dê conta de indicar e delinear a direção (o caminho) da

aprendizagem humana. O estudante é entendido como alguém que não dispõe de

condições para pensar e aprender, que necessita de recursos que o condicione para

tal:

Assim como o legislador que institui um povoado deve estar emcondições de alterar a natureza humana, assim o mestre cria um homem, eneste criar o conduz, o governa, para o que deve ser. O mestre (como o le-gislador) é mediador necessário para aquiescer à liberdade, possível so-mente dentro da ordem justa e da obediência à lei” (WASKMAN, Vera. Omal-estar na educação: variações sobre o mestre e o discípulo. In: KOHAN,Walter Omar. (org.) Políticas do ensino de filosofia. Rio de janeiro: DP&A,2004. p.73).

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O papel do professor neste contexto é o de conduzir o estudante pelo cami-

nho certo e, para cumprir esta tarefa, necessita ter o controle deste saber (poder).

Para ilustrar as colocações, transcrevi a seguir um diálogo entre uma professora da

5ª série do ensino fundamental da disciplina de português e um estudante de 11

anos, ocorrido em uma escola estadual no ano de 2004.

Contando uma História

Jackson um menino muito esperto e curioso perguntou a sua professora:

— O que é uma história, “ sôra” ?

A professora Aparecida, que recém iniciara a leitura de uma história como

atividade daquela aula, mostrou-se indignada com a pergunta (ou será que com a

interrupção?). Era visí vel o seu embaraço com tal questionamento, pois estava pre-

parada somente para ler a tal história. Observando que a “ prô” não lhe respondera,

Jackson insistiu:

– “ Prô” Cida, era assim que a chamavam, mas o que é mesmo uma história?

Não esta e em especial mas as histórias em geral. Como elas surgem? Para que

serve ouvir as histórias?

A “ prô” , que em geral ensinava a matéria, sem ser questionada, ficou visi-

velmente irritada; com certeza se sentiu perdida, pois não havia recebido preparo

para um tipo de situação como esta.

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Para conseguir prosseguir à aula, disse ao Jackson:

— Na próxima aula te explico essas dúvidas.

Segundo Rancière: “ [...] a cada etapa, cava-se o abismo da ignorância que o

professor tapa, antes de cavar um outro” (2002, p.33).

O menino, não satisfeito com sua resposta, e pouco disposto a esperar pela

próxima aula, tornou a perguntar:

— Mas eu quero saber para que serve ouvir essa história, para que eu vou

usá-la? Mas o que é mesmo uma história? Como ela surgiu?

Segundo Sardi: “ Questionar é criar condições de avançar. E isso nos põe em

condições de aprender” (2005).

Decidida a acabar com as perguntas do menino, a prô disse-lhe:

— Tu estás tumultuando a aula. És inquieto, agitado, indisciplinado e per-

guntas demais.

Ordenou que parasse ou teria suas notas rebaixadas. Jackson, devido à

forma impositiva como a professora se mostrou, obrigou-se a calar, sem que tivesse

seu desejo de aprender atendido. “ O fato de haver diferenças, de haver discordân-

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cias como o manual, prepara o terreno para se pensar mais, mas muito freqüente-

mente isso não é assim interpretado” (RATHS, 1977, p.26).

O exemplo acima demonstra as dificuldades que os “ educadores” clássicos

têm de se desviar de um determinado molde pedagógico:

O estudante é considerado como um mero receptor de informações, incapaz

de pensar por si, sem espaço para expor seus pensamentos, experiências, dúvidas

e curiosidades. É “ alguém” limitado e sem potencialidades.

O processo educacional não considera particularidades, utiliza a mesma

fôrma e forma para todos, a linguagem é cristalizada, não há lugar para o diferente,

para o “ despadronizado” , a verdade é única. Existe uma forte inclinação em apre-

sentar conteúdos prontos, mostrando os fatos e, a partir daí , solicitar que a criança

pense.

Façamos então ao contrário, solicitemos à criança que pense e depois

construí mos com ela os fatos, por exemplo: por que trazer uma história pronta, pre-

viamente escolhida? Por que não construir com os estudantes uma que lhe pareça

interessante?

Raramente damos aos estudantes uma oportunidade para fazertrabalho independente. Por “independente” entendemos um trabalho quecomece com a curiosidade, as perguntas e a busca de um aluno. Temostendência para dar informação ao aluno e pedir-lhe que assimile essa infor-mação (RATHS, 1977, p.30).

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Observasse que há dificuldades de trabalhar com o adverso, a diferença, o

contraste. Diz Heráclito: “ [...] quem exclui o diverso (oposto), não percebe a unidade

da totalidade [...]” (apud KOHAN, 2003, p.133).

Esta postura contribui para homogeneizar a educação e construir a debilida-

de humana. A criança é um ser humano único, e sendo único, tem particularidades

próprias que lhe permite pensar e aprender de modo diferenciado e próprio, com

condições de indicar um outro caminho, solicitar outros significados, diferentes dos já

pré-estabelecidos.

Para exemplificar o exposto, transcrevi um segundo diálogo de um outro

menino – Renato, 6ª série, da mesma escola, com a professora Fátima da disciplina

de Ciências:

“Aprendendo” com o Manual

A professora Fátima solicitou a leitura individual de um texto do livro didático,

utilizado pelos estudantes. A partir da leitura, eles deveriam responder as perguntas

elaboradas pela professora, as quais se referiam ao texto. Após concluí -las, deveri-

am entregar o trabalho para a professora.

[...] desde que ingressamos no ensino fundamental, ou mesmoantes, somos geralmente ensinados a dar respostas a questões formuladaspor outras pessoas. E esse gesto passivo, uma mera adequação a pergun-tas que não são nossas e, muitas vezes, sequer dizem respeito ao processode nossas vidas (SARDI, 2002).

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O menino Renato, após concluir a tarefa, entregou-lhe as folhas com as per-

guntas e as respostas. Imediatamente a professora lhe indagou sobre as respostas,

dizendo-lhe:

— As respostas estão diferentes do livro. Este não é o jeito “ correto” de fa-

zer, está “ errado” e, se tu não refizeres da forma como eu determinei, literalmente,

não vai “ ganhar” nota.

Renato respondeu-lhe que fez conforme entendeu, e o resultado que chegou

é o mesmo, só que com outras palavras. A professora disse que não interessava,

estava errado e que não iria considerar o trabalho.

Sabemos que a criança, se lhe for permitido, especula tudo, quer conheci-

mento, quer aprender, necessita de estí mulo. Este processo é essencial para seu

desenvolvimento integral. Mas, infelizmente, ainda encontramos “ educadores” que

acreditam que quanto mais atividades programadas, mais o estudante consegue

pensar e aprender. Um fazer mecânico.

Existe a pré-suposição que tem de condicionar para aprender, porque difi-

cilmente o estudante conseguirá ter idéias próprias. O educador tem que orientá-lo

para que haja assimilação, tem que vir pronto.

Para a maioria dos educadores, a mente ocupada com muitas informações,

resulta no aprender, pois não concebe um envolvimento, troca mútua. Um dá e o

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outro deve receber, sem questionar. Entendem o processo de aprendizagem como

um processo uniforme e continuo, onde não há contextos diferentes.

Para caminhar com a criança, é necessário instituir uma comunicação, con-

siderando que há diferenças, efetivar um diálogo, interagir com o outro: “ Com esta

postura abrimos espaços para filosofar, possibilitando o aprendizado” (KOHAN,

2005, citação em sala de aula).

Por mais que tenhamos um sistema educacional que tente nos conduzir

condicionando, há como transformá-lo a partir da vontade, ela é a mola propulsora

que aciona o pensar, o fazer, que nos permite construir, des-construir.

O educador deve, antes de tudo, se colocar na posição de aprendiz, revendo

constantemente conceitos, teorias, criando e re-criando saberes com os estudantes.

Enfim, um desacomodador do saber, propiciando o surgimento de novos saberes

antes nunca imaginados.

Aprender é um ato de liberdade, que está ligada diretamente a nossa capa-

cidade de articular as diferenças e de enriquecer o processo educacional com estas

diferenças.

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CAPÍTULO III

PENSANDO SIMPLESMENTE OU PENSANDO O PENSAR?

Montando um Origami

Em uma reunião profissional, a educadora que coordenava a atividade lan-

çou um desafio às colegas de trabalho: montar uma figura numa folha de papel ofí -

cio igual a que ela havia realizado momentos antes na presença dos colegas.

A educadora, sob os olhares atentos dos colegas, fez agilmente várias ras-

gaduras no papel. Para concluir, torceu a folha e mostrou uma espécie de origami.

Então, pediu aos colegas que tentassem reproduzir a figura tal e qual havia realiza-

do.

Parecia algo muito fácil e rápido, torce daqui, torce dali, mas não foi bem as-

sim. Houve rasgos desnecessários que impediram os colegas de montar a figura.

Como não estavam conseguindo, iniciaram uma série de perguntas, sobre como

conseguir fazer o origami, que técnica deveria utilizar para concluir a tarefa. Pediram

pistas. A professora-coordenadora não forneceu as informações solicitadas, disse

que deveriam tentar fazer sem orientação: “ Observem o origami e façam” , determi-

nou. Não teve de sua parte nenhuma manifestação que motivasse o pensar. Uma

das colegas ficou observando a figura por alguns momentos. Parecia fazer uso de

um pensamento reflexivo. Segundo Raths: “ Observar é uma forma de descobrir in-

formação, uma parte do processo de reação significativa do mundo ... Aprendemos a

ver e a notar o que não tí nhamos percebido antes” (1977, p.22).

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Quando sentiu que estava preparada para construir a figura, iniciou calma-

mente sua figura. Conseguiu reproduzir a figura com a mesma riqueza de detalhes,

só que com outra técnica.

Questionada pela coordenadora sobre como conseguiu realizar a tarefa cor-

retamente, disse-lhe ter realizado rasgaduras e dobraduras.

A professora disse que era impossí vel ter feito a figura sem torcê-la e que

ela só conseguiu porque dobrou. A “ educadora” colocou em dúvida a capacidade do

pensar diferente da colega. Não concebia esta nova técnica.

A colega, mesmo perante a descrença da “ educadora” , tornou a afirmar que

a forma de fazer foi dobrando, disse ela: “ o resultado foi o mesmo, mas o caminho

foi outro” .

Conforme: “ Não é o pensamento “ ordinário” , de “ baixo ní vel” , dos outros, o

que embrutece, mas a crença na incapacidade de pensar dos outros e na superiori-

dade do próprio pensar” (KOHAN, 2004, p.234).

Neste agir, observasse que, mesmo entre “ iguais” , ou seja, entre profissio-

nais de mesmo ní vel educacional, a diferença no pensar não é aceita. O pensar lhes

parece algo abstrato, transparente, infinito, intocável, sem substância, impraticável,

algo não real, pois não é visto. Creio que muitos educadores devem se perguntar:

como então o pensar vai fazer parte de um método pedagógico se parece não haver

concretude?

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Na formação dos educadores, parece haver uma padronização do ser hu-

mano, fazendo-os crer que todos os estudantes que encontrarão na sua atividade

futura serão iguais e pensarão da mesma forma. Devido esta formação, todo o pro-

cesso ter de ser “ visto” , há necessidade de uma técnica, um método, tem que ser

palpável.

Nesse sentido, o pensar é um acontecimento imprevisível. Não háformas predeterminadas que o produzam. As técnicas, os m étodos, podeminibir sua emergência: os modelos quando crêem aprender o pensar e torná-lo transmissível, antecipam o inantecipável (KOHAN, 2003, p.232).

O invisí vel, para muitos deles, é um grande mistério que assombra, que não

tem limites, que parece inatingí vel, inalcançável, que gera medos, inseguranças,

pela falta de controle e de “ dominação” que pode gerar.

Utilizei o exemplo acima para ilustrar que um pensar diferente, na maioria

das vezes, ao invés de ser um potencializador para ampliar as alternativas e as ha-

bilidades cognitivas, funciona como um limitador da possibilidade humana. Também

para refletir o pensar, pois para muitos “ educadores” pensar cansa, estimular o pen-

sar dá trabalho, exige rever constantemente a prática profissional, requer consciên-

cia das ações. É necessário que tenhamos vontade, disponibilidade, despojamento,

crença em si mesmo e no outro para despertar o prazer de pensar, de aprender.

Valorizar o pensamento é capacitar para discernir, é possibilitar autonomia,

alternativas, é dar condições ao estudante ser um cidadão livre, responsável por

seus atos e com os outros.

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Posições diferentes ou diferentes modos de pensar podem gerar grandes

contribuições se nos colocarmos abertos a conhecê-las, a aplicá-las. Considerar as

diferentes formas de pensar é dar condições de aprender, de criar espaços para a

construção do novo, de contribuir solidificar uma aprendizagem.

O estí mulo ao pensar é um processo conjunto, um preparo para viver, so-

breviver e viver cada vez melhor, é dar oportunidades, é suporte à solução de muitas

situações que se apresentam ao longo da vida. O pensar vem de dentro e tudo que

de dentro brota jamais voltará a sua forma inicial. O pensar encanta e nos leva a

uma grande aventura, a um caminho sem volta, uma liberdade incondicional.

Será que é o ensinar que provoca o pensar que provoca o aprender ou será

que é o pensar que provoca o aprender que provoca o ensinar?

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CAPÍTULO IV

DESCONSIDERANDO A DIFEREN ÇA OU ACEITANDO UM DESAFIO?

Quanto ao ser, Deluze se expressa da seguinte forma: “ O ser real é singular

e uní voco; é diferente em si mesmo. Dessa diferença eficiente no coração do ser flui

a multiplicidade real do mundo” (apud HARDT, Michael, 1996, p.175).

A diferença que aqui refiro não é a de etnias, de raça, fí sica, mas a do pen-

sar e do aprender. Daqueles estudantes que não aprendem dentro de um padrão,

que “ teimam” em pensar de outro jeito, diferente do que querem lhe ensinar.

Esta diferença que em sala de aula é uma maneira muito peculiar de pensar

e aprender. Que apavora em alguns momentos que coloca em risco o saber do edu-

cador, que mexe com as estruturas que parecem tão solidamente construí das, que é

desconhecida por alguns, que atrapalha o bom andamento da turma. Que muitas

vezes obriga o educador a rever sua prática.

O ser humano sempre tem muito medo do desconhecido, porque não é pre-

parado para enfrentá-lo, e a diferença é este desconhecido para o educador, pois

para esta forma de pensar não há técnica especí fica.

Neste contexto, o diferente é assustador, pois falta um preparo acadêmico

que dê conta dos modos de existência singularidades, deste jeito tão próprio de

pensar. As dificuldades de aceitação aparecem quando este fazer diferenciado vem

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à tona e, este estudante, acaba por ser reduzido a um ser humano ‘ incapaz de pen-

sar por si’ .

Gera-se, assim, uma situação que pode ter dois caminhos para os educado-

res: ou excluí -los ou aceitar o desafio e tomar esta situação como enriquecedora do

processo educacional.

Ao me assumir na diferença, posição que me possibilita respeitar –e não apenas conviver com – a diferença (do outro), ao assumir a relaçãoprimordial entre a palavra e o viver desde a narrativa de minha vida, talvezpossa expressar a diferença nos une - e distancia – na diferença; talvezpossa ensinar; talvez possa aprender...mas por prazer (SARDI, 2002).

Inúmeras possibilidades podem surgir, tanto para o educador, como para o

estudante. O aprender a pensar na diferença é um caminho que permite transpor

barreiras inimagináveis, é a superação da superação, é romper paradigmas, é um

crescimento intelectual, é dar um novo sentido à educação e a vida, é considerar o

ser como ser uní voco:

A univocidade do ser não significa que haja um só e mesmo ser:ao contrário, os existentes são m últiplos e diferentes, sempre produzidospor uma síntese disjuntiva, eles próprios disjuntos e divergentes, membradisjuncta. A univocidade do ser significa que o ser é Voz, que ele se diz emum só e mesmo “sentido” de tudo aquilo que se diz. Aquilo de que se diznão é, em absoluto, o mesmo. Mas ele é o mesmo para tudo aquilo de quese diz (DELEUZE, 1974, p.185).

O aprender de forma diferente e com tempos diferentes exercita nosso cres-

cimento, provoca o pensar, oportuniza aprender a aprender o que ainda não tinha

sido pensado, amplia horizontes, abre espaços à construção conjunta do saber,

transforma a prática profissional, qualificando-a.

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O pensar diferente dá espaço ao surgimento do novo, a novas construções,

“ [...] o pensar surge na diferença, não na repetição mecânica” (SARDI, 2002).

O aprender a pensar deve ter sempre a diferença como ponto de partida,

porque ela dá o pensar, dá experiências múltiplas, possibilita a construção de novos

horizontes, fascina.

O relato a seguir exemplifica um fazer diferenciado que enriquece a prática

profissional e estimula o pensar.

A aula da professora Rita

Esta é história de uma professora que encanta seus estudantes pela forma

como ministra a aula. Tudo começou com meu filho. Duas vezes por semana, quan-

do ele retornava da escola dizia: “ Como as aulas da ‘ prô’ Rita são legais. Ela con-

versa com a gente sobre futebol, educação de filhos, lazer, comidas, polí tica, direitos

das crianças. Todas as aulas são diferentes, divertidas, aprendo sempre coisas no-

vas. Ela nos escuta e respeita as nossas opiniões” . Segundo Sardi: “ A escuta ca-

racteriza o educador” (2002).

Minha filha, que também já havia assistido aulas com esta professora, refor-

çava sempre os comentários do irmão. Os elogios eram constantes e despertavam

minhas atenções. Perguntava-me: “ Mas o que ela faz diferente?”

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Interessada e disposta a também me contaminar com este fascí nio, resolvi

assistir a tão falada aula de história da professora Rita da turma 62 (6ª série). Segue

relato:

A professora Rita entrou na sala com um grande sorriso no rosto, dando

uma boa tarde com vigor:

— Boa tarde meus lindinhos. Como vocês estão?

— Boa tarde “ sôra” , responderam eles entusiasmados. Estamos bem.

Os semblantes se transformaram, havia sorrisos em todos os rostos. Bas-

tante afetuosa, carinhosa, demonstrando satisfação com a alegria dos estudantes,

ela deu inicio à aula brincando, mexendo com um com outro, fazendo piadas. Os

estudantes responderam às brincadeiras com a mesma intensidade. O clima forma-

do era de total descontração.

Segundo Sardi: “ A conexão entre emoção e cognição conformam um sentido

ampliado de razão, para além de uma concepção exclusivamente lógica, sistemática

e unitária” (2002).

No curso da aula, a professora Rita iniciou o conteúdo programado para

aquele dia. Já havia combinado com eles na aula anterior, que fizessem a leitura do

texto. Perguntou se haviam lido o texto, uns disseram que sim, outros que não. Mas

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este não foi motivo para haver repúdios ou xingamentos. O texto era sobre Reforma

Protestante e Brasil Colônia.

Ao longo da aula, ela anotava no quadro as informações trazidas pelos estu-

dantes, as quais eram resultantes das perguntas que fazia. Observei que, em mo-

mento algum, a professora desconsiderou qualquer informação.

Quando observava que a informação não era assim tão pertinente, refletia

com todos os estudantes, não somente com quem a trouxe. Estavam fazendo uma

construção conjunta.

Durante a aula, aproveitava situações do cotidiano e fazia outras referências

que pareciam “ não ter nada a ver” com o conteúdo programado, como no exemplo

abaixo:

— Patrí cia, observei que colocaste um chiclete no chão! Num tom de voz

brando e sempre com um sorriso no rosto, professora Rita resolveu chamar a aten-

ção da turma para a questão ambiental e perguntou-lhes:

— E se bilhões de pessoas colocarem o lixo no chão, como fica a conserva-

ção do local onde estamos e como ficaria a humanidade?

— Morrerí amos, disse um colega. Outro completou:

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— Morrerí amos porque a água iria ficar contaminada.

— Terí amos várias doenças, comentou um terceiro. E assim sucessiva-

mente todos contribuí ram na discussão.

Interessante observar que, espontaneamente, a colega que havia jogado o

chiclete no chão, juntou e colocou a goma de mascar na lixeira, dizendo:

— Tá bom “ sôra” , vou colocá-lo na lixeira. E assim procedeu.

Com relação a esta postura, assim já se expressou Raths: “ Sob a orientação

de um professor competente, bem informado e paciente, o fato de aprender como

interpretar as experiências da vida é um marco importante no caminho para a matu-

ridade” (1977, p.26).

Continuando no tema, a professora perguntou a opinião da turma sobre

mascar chicletes e chupar pirulito após ter almoçado e já ter escovado os dentes.

Alguns responderam:

— Dá um gostinho bom, disse um dos colegas.

— Depois escovamos novamente, justificou um outro colega.

— Não se deve fazer isto, afirmou outra.

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— Vai estragar os dentes, sentenciou um quarto colega.

Professora Rita, após fomentar a discussão, refletiu com eles a questão.

Pensar é uma forma de prender. Pensar é uma forma de perguntarpelos fatos, e se o pensamento tem algum objetivo, os fatos assim encon-trados serão significativos para esse objetivo. Nesse caso temos aprendiza-do intencional, e uma pessoa está amadurecendo quando suas atividadessão disciplinadas pelo objetivo (RANCI ÈRE, 2002, p.15).

Seguiram ampliando conjuntamente o tema. Agora falavam da saúde em ge-

ral. Comentaram sobre alimentação e sua importância para o bem estar, e que atitu-

des impensadas, sem uma análise, levam a prejuí zos futuros.

Professora Rita fez considerações acerca da importância de evitar doenças

como placa bacteriana, aumento de acidez, caries, úlcera, diabetes, obesidade,

pressão alta, pedras nos rins e outras doenças.

Também explicou sobre o SUS – Sistema Único de Saúde, que é um siste-

ma de saúde atualmente deficitário e que a demora no atendimento é grande, po-

dendo levar à morte. Neste momento um estudante questionou:

— Como é feito o chiclete?

A exemplo de como estava agindo até aqui, a professora Rita devolveu a

pergunta para turma:

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— E aí turma? Do que vocês acham que é feito o chiclete?

Surgiram várias sugestões, algumas engraçadas, outras mais sérias. Até

que chegaram a uma possí vel composição do chiclete.

Quanto a construção do conhecimento, assim se expressou Sardi: “ Aprender

a relacionar ordenadamente as perguntas e as respostas é já construir conheci-

mento” (2002).

Professora Rita retomou a “ aula oficial” .

Nisso chegou na porta da sala de aula um menino da turma ao lado e fez

uma reclamação da professora:

— A “ sôra” , para a nossa turma tu não passou a matéria no quadro. Disse

isto e saiu.

A professora Rita sorriu envaidecida com o ciúmes demonstrado pelo estu-

dante e retomou novamente o tema Colonização do Brasil, e a aula seguiu animada,

perpassando outros caminhos pertinentes às situações que se apresentavam, ora

colocada por ela, ora pelos estudantes, mas sempre num sentido de qualificar o in-

telectual de cada um, sem deixar de lado o afeto, atenção, bom humor, carinho e o

respeito pelo pensar de cada um.

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Segundo Sardi: “ mais que ensinar, trata-se sempre de convidar o outro a

aprender, e a aprender a aprender, do seu próprio modo, na sua diferença, fazendo

o papel daquele que estimula e requer do outro que ele possa ultrapassar a si mes-

mo” (2004, p.19).

Com este exemplo profissional, procuro mostrar que existem várias formas

de ensinar a pensar, despojando-se de pré-conceitos, respeitando as vivências, as

diferenças de cada um.

O educador não deve ser uma pessoa que direcione um saber, deve ser um

orientador, um estimulador, que torna interessante para interessar, que disponibiliza

o conhecimento também para aprender. Quanto a esta verdade assim asseverou

Sardi: “ Instigamos, facilitamos, ou convidamos, indiretamente, a aprender, quando

somos, nós mesmos, aprendizes do aprender, e partilhamos, na diferença, as nos-

sas próprias diferenças” (2005).

O verdadeiro saber acontece na troca, no ver e olhar o outro, no aprender

com as diferentes formas de pensar, com a mesma igualdade de inteligências: “ A

igualdade das inteligências é laço comum do gênero humano, a condição necessária

e suficiente para que uma sociedade de homens exista” (RANCIÈRE, 2002, p.82).

O aprender a pensar na diferença é, antes de tudo, abrir espaços interiores

para aprender a aprender.

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CAPÍTULO V

CRISTALIZANDO O SABER OU FILOSOFANDO COMO UM CONVITE AO

NOVO?

Na educação, por todas as questões até aqui levantadas, observa-se que

ainda há uma lógica de dominação de um saber, que exclui o adverso, o diferente,

exatamente por ser este um desacomodador do sistema.

Qualquer iniciativa ou ação que dê conta de querer incluir este excluí do, de

atender a todos verdadeiramente, pode significar um desequilí brio, uma fragilização

deste sistema educacional, mudando seu sentido, obrigando a uma reflexão profun-

da sobre as práticas educativas existentes.

Neste contexto, fica claro porque a filosofia foi sendo banida dos currí culos

escolares. Ela permitia questionar o instituí do, transformar o que já era dado como

sabido, definitivo, a verdade absoluta, o “ melhor para todos” .

A filosofia, incluí da no processo educacional, tem o papel essencial de refle-

tir e interrogar esta prática normativa na educação, trazendo à tona os problemas

existentes na dita “ ação educativa” , modificando a ordem existente, o estado normal

das coisas, possibilitando um pensar que aflore novas idéias, outros valores, outros

saberes. Segundo Kohan: “ Filosofia significa permitir (criar possibilidades) para que

os outros possam pensar” (2005, citação de sala de aula).

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Considerando a afirmação do professor Walter, a filosofia é a possibilidade

de aprender a pensar, rompendo com a inércia na educação. Ela questiona, coloca

em cheque o modelo tradicional de “ ensinar” , propicia o perguntar, a inquietação, a

indagação, rompe com a homogeneidade, quebra com o instituí do, considera a dife-

rença: “ Porque para a filosofia, segundo Sócrates, viver uma vida sem perguntas

não é viver de verdade” (2003, p.171).

Para a filosofia, o diferente é um potencializador do pensar e do aprender,

um construtor de um novo sentido, de uma autonomia, da verdadeira cidadania, que

assusta a grande maioria dos educadores, porque quebra pré-conceitos, desmonta o

que parecia tão lógico e tão óbvio.

A fonte inspiradora que impulsiona a filosofia é o pensar diferente e este

pensar é que aciona o iní cio de um processo efetivo de transformação, que nos co-

loca numa posição de aprender a pensar e que nos possibilita novas experiências.

Segundo Kohan: “ Quem ensina aprende e quem aprende ensina, se ensinar

e aprender têm um caráter de experiência” (2003, p.202).

A cada experiência nos modificamos, nos transformamos, nos construí mos

com possibilidades infinitas.

A filosofia contribui no fortalecimento da fórmula mágica do pensar da crian-

ça, que é ilimitado, sem fronteiras, que diz o que sente com muita transparência,

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com descontração, que diz o que vivência, que é um ser humano em potencial, que

tem um sentido bem mais amplo que somente o significado do dizer.

O papel do educador neste contexto reside na troca de conhecimentos e sa-

beres, se retro-alimentando com a criança, utilizando para este aprendizado de uma

linguagem acessí vel, valendo-se da experiência e do conhecimento de cada uma

das crianças, partindo do que ela trás, despojando-se de valores pré-concebidos ou

pré-conceituosos para, em conjunto com a criança, aprender a educar.

A criança tem condições de criar, de inventar e reinventar formas de pensar,

de aprender, é um encontro imprevisí vel.

Aprender é uma tarefa infinita. Não há nada prefigurado, prede-terminado, previsto a aprender; nada a aprender. Aprender é abrir os senti-dos ao que carece de ser pensado. O saber e o método n ão são outra coisaque obturações desse movimento do aprender que é a própria cultura(KOHAN, 2003, p.223).

A Filosofia mexe com o nosso jeito de ser, porque mexe com o nosso pen-

sar, nos possibilita novas descobertas, nos constrói e desconstrói, é transformadora.

Segundo Walter O. Kohan: “ Fazer filosofia é aprender muito e aprender é um ato de

liberdade” (2005, citação em sala de aula).

A filosofia é a arte de vislumbrar caminhos, de fragmentar e desfragmentar,

de dar possibilidades para um pensar próprio, um pensar diferente, um aprender

naturalmente que nos constitui gente.

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CONSIDERA ÇÕES GERAIS

O sistema reduz o pensar a um mero movimento de aprender conteúdos, a

partir de métodos já estabelecidos. O aprender a pensar, em geral, somente se es-

tabelece dentro uma forma padronizada, sem que exista respeito à diferença neste

pensar. Diante do exposto, vários questionamentos ficam em aberto:

E os estudantes, que não se enquadram neste padrão educacional, ficarão a

margem desse sistema?

E o educador, será que tem dificuldades de trabalhar com as diferenças por-

que não consegue se perceber parte integrante do processo? Será que a represen-

tação que têm do outro, o não acreditar no outro, não é uma descrença em si mes-

mo? E refletir as próprias ações, rever-se para quebrar com o instituí do é um dos

caminhos?

Será que não corresponder aos anseios de outrem é ser hábil, é ser capaz?

E o nosso compromisso de fazer a diferença e contribuir com um mundo melhor?

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Será que é possí vel o educador encontrar alicerce de transformação neste

contexto social, polí tico e econômico atual, onde os valores são mutáveis, e a subje-

tividade é pouco valorizada? Será que falta um preparo acadêmico, um assumir a

própria diferença para que se possa respeitar a diferença do outro?

São muitas as perguntas, mas acredito que um dos grandes desafios é

pensar numa educação que realmente integre as diferenças, que considere a hete-

rogeneidade do pensar e do aprender, tratando os diferentes como diferentes. Que

se priorize a construção emergente de um processo pedagógico que habilite educa-

dores e estudantes ao pensar e que, a partir disso, possa haver uma construção

conjunta do saber. Que as diferenças possam ser assumidas como possibilidades do

pensar e do aprender e, assim, se constituí rem alternativas que enriqueça e retro-

alimente o processo do ensino.

Com estas reflexões, creio poder contribuir para um olhar do nosso fazer co-

tidiano, que ele seja calcado na formação dos sujeitos, que lhes possibilitem novos

caminhos, outras escolhas, muitas alternativas e possibilidades, um novo sentido à

vida. Acredito que essa deva ser uma posição contí nua, comprometida com um

mundo melhor, um mundo onde realmente possamos pensar, aprender, aprender a

aprender a ensinar.

Que este possa ser um dos caminhos que fomente uma transformação na

formação pedagógica dos educadores, uma quebra significativa de paradigmas, que

os sensibilize a aprender a pensar na diferença. Um novo olhar na Educação. Um

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outro “ jeito de fazer” , de pensar, de aprender, que permite uma função inventiva, cri-

ativa.

“Quem busca, sempre encontra, não encontra necessariamente aquilo que

buscava, menos ainda, aquilo que é preciso encontrar. Mas encontra alguma coisa

nova, a relacionar à coisa que já conhece” (RACIÈRE, 2002, p.44).

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CONSIDERA ÇÕES PESSOAIS

O ato de escrever este trabalho me possibilitou um novo olhar, vários movi-

mentos do pensar, uma aventura pelo desconhecido, uma aventura pelo o que eu

acreditava não aventurável, um ir e vir sem limites, sem barreiras, inimaginável, um

refletir constante, desbravador, uma viagem sem fronteiras. Um ato interior que fez

aflorar diversos sentimentos de alegria, de medo, de insegurança, de avanços e re-

trocessos no pensar, sofrido em algumas vezes, mas também muito prazeroso.

Em alguns momentos pensava já ter atingido o objetivo, outros parecia faltar

conhecimento, estava tão distante. As vezes abria-se inúmeras possibilidades, am-

plas até demais. Sabia que precisava retornar para não perder o foco do trabalho.

Mas o caminho de volta já não era o mesmo, eu já não era a mesma, me transfor-

mava no pensamento e a escrita ia se modificando.

Quando lia e relia minha produção observava que sempre faltava algo, esta-

va incompleta, a infinitude era assustadora. Retornava, fazia alterações, construí a e

desconstruí a. O pensamento voava como um pássaro, parecia que a mão não con-

seguiria acompanhar.

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Surgiam novas criações, um dizer no papel o que muitas vezes eu não dis-

se. Um nascer que passou por desencontros, encontros. Uma vontade incessante do

saber.

Quando me dei por conta estava produzindo um trabalho que narrava as mi-

nhas vivências e as vivências de outras pessoas, um estilo literário, que foi se des-

dobrando com muita espontaneidade. Que foi se construindo e se constituindo fora

do padrão acadêmico, um jeito próprio de fazer, diferente, a minha diferença, que

nasceu do meu filosofar.

Este trabalho, muito mais do que uma exigência acadêmica, foi uma des-

construção e uma construção do ser, do meu ser, uma conquista interior, o surgi-

mento do meu novo, uma possibilidade inigualável, um grande recomeço. Um pe-

queno passo na longa caminhada que tenho pela frente, pois acredito que as pe-

quenas atitudes transformam as grandes ações.

Hoje sei que nada sei, mas que estou aberta a aprender, a escutar-me e es-

cutar o outro, a ver e olhar o meu entorno.

Ao finalizar este recomeço, julgo importante salientar que utilizei o termo

estudante e não aluno, por ser esta última, uma palavra que significa “ ausente ou

sem luz". Portanto, alguém sem conhecimento.

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Quero também aqui deixar registrado que todas as histórias relatadas são

verí dicas e frutos de observações, atendimentos, reuniões de trabalho e relatos de

pessoas que, de uma forma ou de outra, participaram deste vivido.

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REFER ÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS

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WASKMAN, Vera. O mal-estar na educação: variações sobre o mestre e o discí pulo.In: KOHAN, Walter Omar. (org.) Polí ticas do ensino de filosofia. Rio de janeiro:DP&A, 2004.

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