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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI UNIVALI PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA PROPPEC CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PMGPP AS ATRIBUIÇÕES DAS DELEGACIAS DA MULHER DE SANTA CATARINA NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E DA POLÍTICA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES ANA SILVIA SERRANO GHISI ITAJAÍ (SC), 2013

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –

PROPPEC

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS – PMGPP

AS ATRIBUIÇÕES DAS DELEGACIAS DA MULHER DE SANTA CATARINA NO

CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E DA POLÍTICA NACIONAL DE

ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

ANA SILVIA SERRANO GHISI

ITAJAÍ (SC), 2013

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –

PROPPEC

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS

PÚBLICAS – PMGPP

AS ATRIBUIÇÕES DAS DELEGACIAS DA MULHER DE SANTA CATARINA NO

CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E DA POLÍTICA NACIONAL DE

ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Ana Silvia Serrano Ghisi

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do

Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas,

da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, sob a

orientação da Profa. Dra Ana Cláudia Delfini

Capistrano de Oliveira, como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre em Gestão de Políticas

Públicas.

ITAJAI (SC), 2013

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Ao meu esposo, Fernando, com quem me sinto

maravilhosa "because I see the love light in your eyes and

the wonder of it all is that you just don't realize how much

I love you"...

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AGRADECIMENTOS

Agradeço as bênçãos concedidas pelo Senhor Deus, que me dá diariamente a vida, me

conforta diante das aflições e cuida dos meus caminhos.

Aos meus pais e minha avó, que sempre me incentivaram a buscar o conhecimento e

nunca mediram esforços para que eu pudesse receber educação de qualidade.

Ao meu marido, companheiro e amigo, Fernando Benedet Ghisi, que me incentiva

diariamente, me inspira e me dá suporte, por todo seu amor.

À professora Dra. Ana Claudia Delfini Capistrano de Oliveira, minha orientadora, por

todo o conhecimento que me proporcionou, pela dedicação à pesquisa e pela amizade.

A todo o corpo docente do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas,

pela atenção sempre prestada, pelo conhecimento transmitido e pela alegria com que trilharam

conosco esse caminho.

Ao Delegado-Geral da Polícia Civil, Dr. Aldo Pinheiro D'Ávila, por ter prontamente

autorizado a pesquisa de campo e o exame dos sistemas policiais, por acreditar que a pesquisa

acadêmica nos levará a construir a uma Polícia Civil melhor.

Ao Dr. Luiz Fernando Neves Córdova, Psicólogo Policial com quem tive a satisfação

de trabalhar na 6ª Delegacia de Polícia da Capital, por todas as reflexões em mim provocadas,

por todo o apoio e incentivo prestados à minha pesquisa.

Aos Agentes, Escrivães e Psicólogos da 6ª DP, com quem dividi os melhores e mais

difíceis momentos na Delegacia, por terem me apoiado e segurado as pontas durante minha

dedicação ao Mestrado - obrigada pela amizade!

Aos Delegados e Delegadas que voluntariamente participaram da pesquisa, enviando

prontamente seus questionários respondidos, contribuindo para que o os objetivos do trabalho

fossem alcançados.

Enfim, a todos aqueles que contribuíram de alguma forma para meu crescimento

profissional e acadêmico durante esse período, meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

A pesquisa analisa as atribuições normativas das Delegacias da Mulher de Santa Catarina, no

contexto das relações de gênero e da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra

as Mulheres, compilando as normas existentes e investigando a aplicação dessas normas no

âmbito da Polícia Civil catarinense. Trata-se de uma pesquisa Aplicada, abordando o

problema de maneira Quali-quantitativa, possuindo objetivo Exploratório. Quanto aos

procedimentos técnicos, utiliza-se a revisão bibliográfica, a pesquisa documental e o

levantamento. Assim, apresenta-se um referencial teórico sobre Políticas Públicas e Gênero,

com um breve relato sobre a formulação das políticas de enfrentamento à violência contra

mulheres no Brasil. Em seguida, a pesquisa apresenta a Polícia Civil e sua estrutura

administrativa, contextualizando a Instituição à qual estão vinculadas as Delegacias da

Mulher. Por fim, a pesquisa identifica as novas atividades exigidas da Polícia, previstas na

Lei Maria da Penha e na Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de

Atendimento às Mulheres, comparando com as atividades efetivamente exercidas e com a

estrutura disponível nas unidades. Para tanto, são analisados os questionários respondidos

pelos Delegados e Delegadas que atuam nas Delegacias da Mulher de Santa Catarina,

verificando-se que as atividades executadas nas referidas unidades policiais estão aquém do

previsto nas normativas, tanto em relação à estrutura quanto nos serviços oferecidos às

mulheres . Verifica-se, também, a necessidade de adequação da normativa interna da Polícia

Civil sobre as atribuições das especializadas, apresentando-se uma nova proposta, visando

substituir a atual Resolução 007/GAB/CPC/SSP/2003.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Violência de Gênero; Delegacia da Mulher.

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RESUMEN

El estudio analisa las funciones normativas de las Comissarías de Policía de la Mujer de Santa

Catarina, en el contexto de las relaciones de género y la Política Nacional de Enfrentamento

de la Violencia contra la Mujer, haciendo la compilación de las normas existentes y la

investigación de la aplicación de estas normas en la Policía Civil de Santa Catarina. Se trata

de una investigación aplicada, que aborda el problema de manera cuali-cuantitativa, con

objetivo exploratorio. En cuanto a los procedimientos técnicos, usamos la revisión de la

literatura, el estudio y la investigación documental. Por lo tanto, se presenta un marco teórico

para las Políticas Públicas y Género, con una breve reseña de la formulación de políticas para

combatir la violencia contra las mujeres en Brasil. Entonces, la investigación presenta la

Policía Civil y su estructura administrativa, contextualizando la institución a la que están

vinculadas las comissarías de policía de la mujer. Por último, la investigación identifica

nuevas actividades necesarias de la Policía, contenidas en la Ley Maria da Penha y Norma

Técnica de normalización del Servicio de Policía Especializada para Mujeres, en comparación

con las actividades realmente realizadas y la estructura disponible en las unidades. Para ello,

se analizan los cuestionarios respondidos por los delegados que trabajan en Comissarías de

Policía en Santa Catarina, señalando que las atividades estan por debajo das previsiones

normativas, en relación con la estructura y los servicios ofrecidos. Verficamos la necesidad de

adaptar la normativa interna de la Policía Civil en las tareas especializadas, presentando una

nueva propuesta para reemplazar la Resolución actual 007/GAB/CPC/SSP/2003.

Palabras clave: política pública, violencia de género, Comissarías de policía de la Mujer.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Georreferenciamento da Polícia Civil............................................................... 50

FIGURA 2 - Delegacias Regionais da Polícia Civil de Santa Catarina ................................ 51

FIGURA 3 - Organograma da Polícia Civil de Santa Catarina ............................................. 52

FIGURA 4 - Fluxo de atendimento da Rede ......................................................................... 78

GRÁFICO 1 - Horário de Atendimento das DPCAMI em Santa Catarina .......................... 86

GRÁFICO 2 - Perfil dos Delegados/Delegadas de DPCAMI em Santa Catarina ................ 87

GRÁFICO 3 - Policiais que possuem armamento sob cautela nas DPCAMI .......................100

GRÁFICO 4 - Policiais que possuem algema nas DPCAMI................................................. 101

GRÁFICO 5 - Policiais que possuem coletes balísticos nas DPCAMI .................................101

GRÁFICO 6 - Policiais que possuem telefones funcionais nas DPCAMI ........................... 102

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Espécies de violência contra as mulheres e conceito ........................................ 37

TABELA 2 - Quadro de carreira: Agente de Polícia Civil - Descrição e Especificação do

Cargo ....................................................................................................................................... 53

TABELA 3 - Quadro de carreira: Escrivão de Polícia Civil - Descrição e Especificação do

Cargo ....................................................................................................................................... 55

TABELA 4 - Quadro de carreira: Psicólogo Policial Civil - Descrição e Especificação do

Cargo ....................................................................................................................................... 56

TABELA 5 - Quadro de carreira: Delegado de Polícia Civil - Descrição e Especificação do

Cargo ....................................................................................................................................... 58

TABELA 6 - Número de Inquéritos Policiais (IP) Instaurados .............................................. 72

TABELA 7 - Número de Termos Circunstanciados (TC) realizados ..................................... 73

TABELA 8 - Número de Autos de Prisão em Flagrante (APF).............................................. 73

TABELA 9 - Número de Medidas Protetivas (MP) requeridas .............................................. 74

TABELA 10 - Sugestão de quadro de pessoal das Delegacias da Mulher ............................. 81

TABELA 11 - Relação das Delegacias da Mulher em Santa Catarina, leis de criação e

nomenclatura ........................................................................................................................... 83

TABELA 12 - Número de Inquéritos Instaurados em Joinville no ano de 2012 .................... 92

TABELA 13 - Percentual das Delegacias que realizam as atribuições legais do art. 11 da Lei

Maria da Penha ........................................................................................................................ 94

TABELA 14 - Inquéritos Policiais e Boletins de Ocorrência por DPCAMI em 2012 ........... 97

TABELA 15 - Estrutura das DPCAMI de Santa Catarina ..................................................... 98

TABELA 16 - Equipamentos disponíveis nas DPCAMI de Santa Catarina .........................100

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11

2 POLÍTICAS PÚBLICAS: A COMPLEXIDADE DO CAMPO DE ESTUDO ............. 14

2.1 Políticas sociais no Brasil, movimento feminista e o gênero: breves considerações

históricas ................................................................................................................................... 17

2.2 Gênero e Políticas Públicas no Brasil ................................................................................. 25

2.3 Políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres .................................. 31

3 AS ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA ............................ 42

3.1 Polícia Civil: origem, atribuições legais e a atuação preventiva ........................................ 42

3.2 Organização administrativa e carreiras policiais civis em Santa Catarina ......................... 49

3.3 As atribuições de Polícia Judiciária .................................................................................... 59

4 AS DELEGACIAS DA MULHER EM SANTA CATARINA: QUAL SEU PAPEL?.. 64

4.1 Atribuições da Delegacia da Mulher: A Resolução 007/GAB/CPC/SSP/2003, a Lei Maria

da Penha e a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento

à Mulher .................................................................................................................................... 64

4.2 A realidade das Delegacias da Mulher em Santa Catarina: análise a partir do questionário

respondido pelos Delegados/Delegadas ................................................................................... 83

4.3 Sugestões para regulamentar as atribuições e a estrutura das Delegacias da Mulher no

Estado ..................................................................................................................................... 102

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 109

6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 113

ANEXO A - Sugestão de Resolução para disciplinar as atribuições das DPCAMI ....... 120

ANEXO B - Questionário às Delegadas das Delegacias Especializadas de Santa Catarina

................................................................................................................................................ 122

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1 INTRODUÇÃO

A Polícia Civil, por força constitucional, é responsável pelo exercício de Polícia

Judiciária e apuração das infrações penais, exceto as militares. Assim, a atuação desse órgão

ocorre de forma repressiva, ou seja, somente após o cometimento de um crime ou

contravenção, visando colher provas materiais, identificar a autoria dos crimes e encaminhar o

procedimento investigativo ao Ministério Público para processamento e punição do autor.

Por outro lado, a partir da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres no Brasil, dois instrumentos normativos passaram a orientar a atuação das

Delegacias da Mulher, no enfrentamento à violência de gênero: a Lei 11.340/2006 (Lei Maria

da Penha) e a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento

à Mulher. A partir dos referidos instrumentos, ampliaram-se as atribuições da Polícia Civil, no

que diz respeito aos procedimentos executados pelas Delegacias da Mulher, exigindo-se a

prática de atividades preventivas e protetoras.

Esta pesquisadora se deparou com esse dilema ao atuar na Delegacia da Mulher de

Florianópolis - 6ª Delegacia de Polícia da Capital, como Delegada responsável pelo setor de

atendimento às mulheres. Apesar de pouco tempo de atuação (entre agosto de 2011 a janeiro

de 2013), foram diversos casos atendidos que demandaram mais do que trabalhos de Polícia

Judiciária: exigiram encaminhamentos a outros órgão da rede, execução de serviços

diferenciados de atenção e proteção às vítimas, recomendaram mudanças nos atendimentos e

rotinas policiais da unidade. Também neste período houve muito debate jurídico com outras

Delegadas e Delegados que atuavam em Delegacias Especializadas, pois as funções e

competências dessas unidades não eram claras o suficiente para determinar o tipo de

atendimento que deveria ser oferecido à população: cada Especializada funcionava de acordo

com o entendimento jurídico da Delegada ou Delegado titular do momento.

Assim, verificou-se que, para analisar as atribuições das Delegacias da Mulher de

Santa Catarina, no contexto das relações de gênero e da Política Nacional de Enfrentamento à

Violência contra as Mulheres, é necessário compilar os instrumentos normativos existentes,

além de identificar a aplicação dessas normas no âmbito da Polícia Civil e verificar a

necessidade de revisão da normativa interna acerca de tais unidades policiais. Esse é o

objetivo geral do trabalho, o qual pode ser subdividido em objetivos específicos: a)

Conceituar Gênero e Políticas Públicas, identificando o contexto histórico de surgimento das

Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra Mulheres no Brasil; b) Identificar os

instrumentos normativos brasileiros que estabelecem atribuições para a Polícia Civil e para as

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Delegacias da Mulher; c) Fazer um levantamento, por meio de questionários aos Delegados

responsáveis, acerca da situação fática das Delegacias da Mulher de Santa Catarina quanto às

atribuições exercidas, à estrutura e aos recursos humanos existentes; d) Propor uma diretriz de

padronização das atribuições das Delegacias da Mulher do Estado de Santa Catarina.

Para atingir esses objetivos, a pesquisa se desenvolve de forma Aplicada, abordando o

problema de maneira Quali-quantitativa, possuindo objetivo Exploratório. Quanto aos

procedimentos técnicos, utiliza-se a revisão bibliográfica, a pesquisa documental e o

levantamento.

Inicialmente, é apresentado um referencial teórico sobre Políticas Públicas e sobre

Gênero, bem como sobre o processo de inserção da temática de gênero na agenda das

políticas públicas brasileiras. Em seguida, é analisado o contexto histórico de surgimento das

políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil, relatando o processo de

construção dos Planos Nacionais de políticas para mulheres e a importância da participação da

sociedade organizada. São apresentadas as diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à

Violência Contra as Mulheres e o principal instrumento normativo para coibir a prática de

violência doméstica e familiar: a Lei Maria da Penha.

Em seguida, a pesquisa busca investigar a importância da Polícia Civil no contexto de

enfrentamento a esse tipo de violência. Para tanto, são resgatadas as funções históricas da

instituição desde seu surgimento no Brasil, a fim de verificar se há espaço para a atuação

preventiva no aparato policial. Analisa-se, também, a organização administrativa da Polícia

Civil de Santa Catarina, para compreender a estrutura onde são inseridas as Delegacias da

Mulher no Estado. Finalizando o estudo referente à Polícia Civil, são descritas as atribuições

das carreiras que compõe o quadro funcional do órgão, bem como as atribuições de polícia

judiciária previstas em Lei.

O último capítulo dedica-se à análise das Delegacias da Mulher em Santa Catarina.

Primeiramente, são compiladas e analisadas as normativas que preveem atribuições

específicas para essas unidades e que as diferenciam de uma delegacia comum: a Resolução

007/GAB/2003 da Polícia Civil catarinense, assim como a Lei Maria da Penha e a Norma

Técnica de Padronização das Delegacias de Atendimento à Mulher. Identificadas as previsões

legais e a estrutura ideal para o desenvolvimento das atividades dessas unidades

especializadas, passa-se a analisar a situação fática das Delegacias da Mulher em Santa

Catarina, considerando a pesquisa de campo realizada por meio de questionário aos

Delegados/Delegadas responsáveis por tais unidades.

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O levantamento de informações por meio dos questionários obedeceu à seguinte

metodologia: primeiramente, verificando no site da Polícia Civil o endereço e telefone das

Delegacias da Mulher em cada Regional, foi realizado contato via e-mail e telefônico com os

colegas Delegados e Delegadas, explicando sobre o desenvolvimento da pesquisa, objetivos e

importância da participação de cada um/uma. Foi encaminhado ao email funcional de cada

colega um link que remetia a um formulário (o questionário), para ser respondido online.

Trata-se de ferramenta gratuita do Google, onde o pesquisador pode colher as informações e

armazená-las em planilha no próprio e-mail (desde que o email do pesquisador seja G-mail).

Findado o prazo para respostas, foi reiterada a solicitação àqueles que não responderam,

concluindo-se a pesquisa com 19 participantes.

Por fim, comprando-se as previsões contidas nas leis e as atividades efetivamente

exercidas pelas Delegacias, analisa-se a necessidade de revisão da normativa interna,

apresentando-se uma proposta de resolução para padronização das atribuições das Delegacias

da Mulher em Santa Catarina.

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2 POLÍTICAS PÚBLICAS: A COMPLEXIDADE DO CAMPO DE ESTUDO

O conceito de políticas públicas difere entre autores, principalmente em razão da

origem dos primeiros estudos sobre o tema. Nos Estados Unidos, as políticas públicas foram

objeto de análise a partir dos anos 50, diferenciando três conceitos: polity, politics e policy.

Assim, conforme Frey (2000, p.215-217), a dimensão polity se refere à “ordem do sistema

político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-

administrativo”, enquanto o termo politics diz respeito ao processo político, “freqüentemente

de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às

decisões de distribuição”. A dimensão policy refere-se aos conteúdos concretos, isto é, “à

configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das

decisões políticas”.

Desta forma, na literatura norteamericana, surgem conceitos diversos sobre o que são

políticas públicas:

Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa o

governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980), como um conjunto de

ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o

mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem

diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye

(1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer

ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja,

decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões:

quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. (SOUZA, 2006, p.24)

Azevedo (2011, p. 17), de forma mais geral, entende política pública como “tudo o

que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas

omissões”. O autor acrescenta, ainda, que um dos elementos da política pública é a busca pelo

consenso, o qual gera melhores condições de aprovação e implementação das políticas

propostas.

Para compreender o significado de política pública, Fernandes (2007, p.1), ao citar

Bolívar Lamounier, ressalta que é necessário: 1) entender a dimensão técnico-administrativa

que a compõe, ou seja, “buscando verificar a eficiência e o resultado prático para a sociedade

das políticas públicas”; e 2) por outro lado, reconhecer que “toda política pública é uma forma

de intervenção nas relações sociais em que o processo decisório condiciona e é condicionado

por interesses e expectativas sociais”.

Esse entendimento é complementado por Johnson (2011, p.181), ao abordar a política

pública como um processo, resultante de uma “atividade intencional do ser humano, desde a

sua formulação à sua execução cotidiana, tornando evidente o caráter político, decorrente de

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uma complexa disputa de interesses, que se materializa em cada um dos momentos deste

percurso”.

Assim, políticas públicas se constituem num objeto de estudo complexo e, tendo em

vista que são influenciadas e também repercutem na economia e na sociedade, “qualquer

teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política,

economia e sociedade.” (SOUZA, 2006, p.25). Os padrões de interação social são bastante

complexos, dinâmicos e compostos por uma série de aspectos determinantes, que variam em

cada tipo de política e em cada período histórico. Desta forma, muitos modelos foram criados

para estudar os processos de formulação e gestão de políticas públicas, especialmente para

compreenderem os processos de decisão que levam à institucionalização de determinada

política.

Para fins desta pesquisa, consideraremos a abordagem metodológica elaborada por

Flexor e Leite (2007) que, na busca por incorporar aos modelos propostos os processos

econômicos, sociais e políticos que influenciam as políticas públicas, trabalharam as seguintes

dimensões das políticas: a) histórica e institucional, b) processual e c) organizativa, as quais

serão explicitadas a seguir.

Para trabalharem a dimensão histórica, os autores utilizam referencial teórico da

corrente neoinstitucionalista histórica, ressaltando duas contribuições importantes desta

abordagem: 1) o conflito entre grupos pela apropriação de recursos representa a dimensão

central das políticas e, neste aspecto, as instituições atribuem a certos grupos ou interesses um

acesso desproporcional ao processo de decisão; e 2) as instituições constituem parâmetros

históricos essenciais, estruturando uma trajetória que afeta o conjunto de opções de políticas

públicas possíveis.

Neste sentido, Souza (2006, p.39) evidencia que a contribuição importante do

neoinstitucionalismo é a ênfase na luta pelo poder e por recursos entre grupos sociais como

cerne da formulação de políticas: “Essa luta é mediada por instituições políticas e econômicas

que levam as políticas públicas para certa direção e privilegiam alguns grupos em detrimento

de outros [...]”.

Quanto à dimensão processual trabalhada por Flexor e Leite (2007, p. 9), parte-se do

pressuposto que “as políticas públicas não dependem somente de processos associados às

trajetórias institucionais especificas, mas possuem, igualmente, uma dinâmica própria.”.

Assim, seguindo a formulação teórica proposta pelo modelo heurístico das sequências, os

autores defendem que a produção de políticas tem início a partir da identificação de um

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problema e da construção de uma agenda, passando à formulação de soluções, implementação

da política e avaliação.

De acordo com esse modelo, para que um problema seja inscrito numa agenda, é

necessário:

1) que o problema seja relacionado com o escopo de atividades de uma autoridade;

2) que o problema seja capaz de ser traduzido na linguagem da ação política; 3) a

existência de uma situação problemática, i.e., a presença de um hiato entre, por um

lado, as expectativas e aspirações e, por outro lado, os desejos e crenças do que

deveria ser feito e realizado. (FLEXOR; LEITE, 2007, p. 9)

Assim, a construção de uma agenda é um processo que demanda a participação de

diversos atores. Neste sentido, é importante mencionar a tipologia do “ciclo da política

pública”, a qual também contribui com o estudo sobre como os governos definem suas

agendas.

Conforme Souza (2006, p.29), “o ciclo da política pública é constituído dos seguintes

estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das

opções, implementação e avaliação.”. Para esta tipologia, a definição da agenda é enfatizada,

e os estudos se debruçam sobre o motivo pelo qual algumas questões ganham espaço na

agenda política enquanto outras são ignoradas. Assim, essa teoria fornece três respostas sobre

como os problemas se inserem em uma agenda:

A primeira focaliza os problemas, isto é, problemas entram na agenda quando

assumimos que devemos fazer algo sobre eles. O reconhecimento e a definição dos

problemas afeta os resultados da agenda. A segunda resposta focaliza a política

propriamente dita, ou seja, como se constrói a consciência coletiva sobre a

necessidade de se enfrentar um dado problema. Essa construção se daria via

processo eleitoral, via mudanças nos partidos que governam ou via mudanças nas

ideologias (ou na forma de ver o mundo), aliados à força ou à fraqueza dos grupos

de interesse. Segundo esta visão, a construção de uma consciência coletiva sobre

determinado problema é fator poderoso e determinante na definição da agenda. [...]

A terceira resposta focaliza os participantes, que são classificados como visíveis, ou

seja, políticos, mídia, partidos, grupos de pressão, etc. e invisíveis, tais como

acadêmicos e burocracia. Segundo esta perspectiva, os participantes visíveis

definem a agenda e os invisíveis, as alternativas. (SOUZA, 2006, p.30)

Assim, Flexor e Leite (2007, p. 9) destacam a importância dos empreendedores

políticos na formação das agendas, os quais mobilizam recursos e atividades para formarem

as arenas.

O passo seguinte à formulação de uma agenda seria a escolha de soluções, ou seja, o

momento decisório. Escolher a solução pode representar eleger a melhor ou a mais viável,

considerando restrições de tempo, custos e informações. Assim, os Flexor e Leite (2007, p. 9)

descrevem duas atividades que se destacam nessa fase:

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1) a formulação é a transformação de um problema em solução ou em alternativas, e

é preciso levar em conta os modos de ações e intervenções e as estratégias que as

sustentam (estudos técnicos, conflitos, previsão, coordenação, construção de

coalizões, propaganda, persuasão, etc.); 2) o trabalho de legitimação que consiste em

conformar uma solução com critérios ou regras, inscrevendo a solução num quadro

normativo particular.

Passada a fase decisória, inicia-se a implementação da política pública, que seria a

acomodação das decisões à realidade, ou a aplicação de um programa de ações ao problema.

Esta fase também dependeria dos atores envolvidos, dos instrumentos estabelecidos e do grau

de centralização dos processos. Por fim, o modelo heurístico prevê a avaliação das políticas

como exercício feito pelos diversos atores, seja individualmente ou em grupo, em função de

seus quadros de referências, valores, normas e percepções individuais. (FLEXOR; LEITE,

2007, p.10-11).

Quanto à última dimensão de análise, proposta por Flexor e Leite (2007), que se trata

da dimensão organizativa, os autores enfatizam a necessidade de considerar o papel dos

gestores no processo das políticas públicas. Assim, apontam como fatores que influenciam a

gestão das políticas: a dinâmica interativa do processo de decisão; os jogos de interesses e

negociações intraorganizacionais, ou seja, envolvendo órgãos de execução das políticas;

diversidade dos sistemas de ação e modos de estruturação dos interesses políticos e sociais

entre países e entre setores, ou seja, considerar as redes de políticas públicas, a partir do

“reconhecimento da diversidade das organizações estatais, da pluralidade dos grupos de

interesses e das múltiplas formas de relacionamento entre esses atores”. (FLEXOR; LEITE,

2007, p. 14)

Assim, conforme os aspectos mencionados na metodologia desenvolvida pelos

referidos autores, passaremos a breves considerações históricas sobre as políticas sociais no

Brasil, a fim de possibilitar uma análise do contexto e do processo de surgimento das políticas

para mulheres na agenda brasileira.

2.1 Políticas sociais no Brasil, movimento feminista e o gênero: breves considerações

históricas

Conforme visto, muitos são os fatores que influenciam a formulação e a

implementação de políticas públicas. A análise dos atores sociais e sua interação no processo

de formulação da agenda política de um governo, bem como o contexto institucional e as

arenas decisórias são fundamentais para diferenciar os tipos de políticas desenvolvidas em

cada época e por cada gestão. Assim, também, os poderes determinantes em cada processo e o

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contexto político-democrático são essenciais para definir o posicionamento do Estado como

provedor de bens e serviços.

Segundo Fernandes (2007, p. 4), para compreender o processo em que o Estado

assumiu o caráter de promotor da justiça social, no século XX, “é necessário observar dois

movimentos da história: A mudança do papel do estado na economia e o avanço da

cidadania.”. Esses dois movimentos, em nível internacional, se desenvolvem mais

intensamente no pós-guerra, a partir de 1945.

No Brasil, desde a formação do Estado até os anos de 1930, as políticas na área social

eram fragmentadas e emergenciais. O Estado não se mostrava como agente protetor ou

provedor da política social, pois o mercado atendia às demandas individuais, enquanto as

questões sociais eram controladas repressivamente. (JOHNSON, 2011, p. 184).

Entretanto, a partir de 1930, com a passagem da economia agroexportadora para a

urbano-industrial, o Estado passou a assumir o papel de provedor, com vistas a fornecer

serviços à população. Entretanto, para Medeiros (2001), a estratégia do governo Vargas está

relacionada ao controle da política e da economia pelo Estado, com fins ao desenvolvimento.

Assim, para o autor, os direitos trabalhistas promulgados neste período tinham os seguintes

objetivos:

(i) evitar que os movimentos de trabalhadores se tornassem base de apoio para

grupos de oposição que reivindicavam mudanças mais profundas na organização da

sociedade; (ii) despolitizar as relações de trabalho, impedindo que as organizações

de trabalhadores se legitimassem como instrumento de reivindicação; e (iii) fazer

dos trabalhadores um ponto de apoio, ainda que passivo, do regime. (MEDEIROS,

2001, p.11)

Nesse contexto, o Estado buscou absorver as demandas populares, para alavancar o

processo de industrialização capitalista, sem romper com a ordem estabelecida. Conforme

Winckler e Moura Neto (2008, p. 113), a reivindicação social, via populismo, e a expansão

econômica de cunho nacional-desenvolvimentista são as características fundamentais da

política social a partir de 1930.

Em seguida, o Estado Novo (1937-1945) é marcado pela repressão aos movimentos de

esquerda e direita, concentração do poder decisório sobre políticas sociais no governo federal

e aumento do poder da burocracia. (MEDEIROS, 2001, p.12). Essas características se repetem

durante o regime militar iniciado em 1964, conforme Draibe (1998, p. 4-5): extrema

centralização dos recursos decisórios e financeiros no Executivo Federal, acentuada

fragmentação institucional, financiamento do gasto público dependente de fundos específicos,

ausência de mecanismos de participação e controle social, estímulos ao setor privado como

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produtor de serviços sociais, conteúdo corporativista dos programas e uso clientelístico dos

recursos e benefícios.

A lógica predominante durante o regime militar era a de que o desenvolvimento social

seria decorrente do desenvolvimento econômico:

O modelo de crescimento adotado pressupunha a necessidade de se acumular renda

para garantir as bases do crescimento. A redistribuição dessa renda ocorreria

posteriormente, por efeito de trickle down. Assim, a repressão a movimentos sociais

revindicatórios tornou-se um dos elementos da estratégia de desenvolvimento

nacional. A concentração de renda, no entanto, tem custos sociais pesados. Para

compensá-los e garantir a estabilidade política necessária ao crescimento

econômico, o governo implementou uma série de políticas sociais de natureza

assistencialista. (MEDEIROS, 2001, p.14)

Assim, as políticas sociais assistencialistas se constituíram importante instrumento

para possibilitar a vivência do “milagre econômico” na década de 70, num período em que os

direitos civis e políticos eram negados à população. Para Bacelar (2003, p.2), a herança

decorrente do período que vai de 1930 a 1980, é a de um Estado centralizador,

desenvolvimentista, autoritário:

A pouca ênfase no bem-estar, ou seja, a tradição de assumir muito mais o objetivo

do crescimento econômico e muito menos o objetivo de proteção social ao conjunto

da sociedade, fez com que o Estado adquirisse uma postura de fazedor e não de

regulador. Nós não temos tradição de Estado regulador, mas de Estado fazedor,

protetor; não temos tradição de Estado que regule, que negocie com a sociedade os

espaços políticos, o que só hoje estamos aprendendo a fazer. O Estado regulador

requer o diálogo entre governo e sociedade civil, e nós não temos tradição de fazer

isso. O Estado centralizador, em muitos momentos da nossa vida recente, junta-se ao

autoritário: tivemos uma longa ditadura no período Vargas e, depois, uma longa

ditadura nos governos militares pós-64. Então, o viés autoritário é muito forte nas

políticas públicas do país.

Entretanto, a partir dos anos 80, especialmente após a promulgação da Constituição

Federal de 1988, alteram-se as diretrizes formais para as políticas públicas no Brasil, com a

ampliação dos direitos, especialmente na área trabalhista e de seguridade social. Por outro

lado, conforme Medeiros (2001, p.17), o fim dos regimes militares, “foi acompanhado por

avanços na área política, como o crescimento da atividade partidária e sindical e o próprio

aumento da participação popular no processo eleitoral. Paradoxalmente, seguiu-se também de

retração e desmantelamento das políticas sociais”.

Johnson (2011, p.196) ressalta que as forças sociais reclamavam a ampliação dos

espaços decisórios, ao mesmo tempo em que o neoliberalismo convocava a sociedade a

compartilhar responsabilidades pela questão social. É um período marcado pela ampliação

dos espaços de participação política e dos movimentos sociais, conforme Draibe (1998, p.12):

Destaque-se em primeiro lugar, a forte reestruturação do tecido social, que se

processa com a emergência de novos atores coletivos, gozando de melhores

condições organizacionais e orientados por novas formas de ação política. Ora, a

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proliferação de novas associações e partidos, assim como a revitalização da

competição eleitoral influenciaram significativamente o processo de democratização

assim como o debate político acerca da reestruturação das políticas sociais.

Assim, passaram a ganhar reconhecimento, por parte do Estado, movimentos como o

dos camponeses, das crianças e adolescentes, de indígenas, de negros e das mulheres.

Conforme Farah (2004, p. 50), os movimentos sociais constituídos desde os anos 70,

participaram da constituição da nova agenda de políticas públicas, em torno da luta pela

democratização do regime, pelo acesso a serviços públicos e pela melhoria na qualidade de

vida nos centos urbanos. Neste momento, as mulheres e as discussões relativas ao gênero já

estavam presentes, pois os movimentos sociais eram compostos por um número expressivo de

mulheres.

Como afirma Elisabeth Souza-Lobo, lembrada por Farah (2004, p.50),

“frequentemente as análises ignoraram que os principais atores nos movimentos populares

eram, de fato, atrizes”. Ao falar da história das políticas sociais no Brasil é imprescindível

destacar o papel do movimento das mulheres, da sua percepção como sujeito coletivo que

questiona a esfera privada e anseia pelo espaço público, levando a este palco os assuntos que

antes eram considerados privados.

Ao mesmo tempo em que passaram a questionar as questões de classes, as mulheres

envolvidas nos movimentos sociais passaram a levantar temas como o direito a creche, à

saúde da mulher, à sexualidade, à contracepção e à violência contra a mulher (FARAH, 2004,

p. 51). Este engajamento de mulheres não era propriamente o movimento feminista, mas com

ele assinalou uma convergência para os temas relativos à mulher:

O feminismo, diferentemente dos ‘movimentos sociais com participação de

mulheres’, tinha como objetivo central a transformação da situação da mulher na

sociedade, de forma a superar a desigualdade presente nas relações entre homens e

mulheres. O movimento feminista – assim como a discriminação nos movimentos

sociais urbanos de temas específicos à vivência das mulheres - contribuiu para a

inclusão da questão de gênero na agenda pública, como uma das desigualdades a

serem superadas por um regime democrático. A discriminação de questões

diretamente ligadas às mulheres envolveu, por sua vez, tanto uma crítica à ação do

Estado quanto – à medida que a democratização avançava – a formulação de

propostas de políticas públicas que contemplassem a questão de gênero. (FARAH,

2004, p. 51).

Conforme Silva (1992, p. 18), dentre as iniciativas democratizantes que surgiram na

década de 70, e dentre os discursos dos diversos atores sociais, “a fala feminista é a que

menos ameaça (na óptica dos grupos dominantes)”. Isso porque, até a década de 70, as

iniciativas de disseminação das ideias feministas no país eram experiências isoladas. Por outro

lado, foram elas que deram visibilidade às mulheres como seres sociais e públicos, que

ajudaram a construir novas abordagens do feminino, permitindo a crítica à dominação

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patriarcal ao questionar a construção social dos discursos sobre o feminino e o masculino na

sociedade ocidental.

Após os anos 70, o movimento feminista contribui de maneira mais intensa para o

desenvolvimento de políticas de igualdade, por considerar a existência de uma “opressão

específica a todas as mulheres” (GARCIA, 1998, p.177). Com essa bandeira, foi realizada a

primeira Conferência Mundial de Mulheres, no México em 1975, onde foram formuladas

propostas para melhoria da condição de vida das mulheres. Em 1979, foi realizada a

Convenção para a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, seguida

pela Conferência Internacional sobre a Mulher em Nairobi (1985) e pela IV Conferência

Mundial sobre a Mulher, em Beijin (1995) (Cf. BANDEIRA, 2005, p. 9).

Foi também a partir da década de 70 que o movimento feminista passou a incorporar o

debate teórico e acadêmico sobre as relações de gênero, conforme explica Farah (2004, p. 48).

Este foi o período da chamada “segunda onda do movimento feminista”1, quando diversas

correntes interpretativas do feminismo se afirmaram, como o feminismo da diferença e o

feminismo da igualdade. Para este último:

as únicas diferenças efetivamente existentes entre homens e mulheres são

biológicas-sexuais, e que as demais diferenças observáveis são culturais, derivadas

de relações de opressão e, portanto,devem ser eliminadas para dar lugar a relações

entre seres ‘iguais’. Para as teóricas e os teóricos da diferença, o conceito de gênero

remete a traços culturais femininos (ou, no pólo oposto, masculinos) construídos

socialmente sobre a base biológica. Constrói-se assim uma polarização binária entre

os gêneros, em que a diferença é concebida como categoria central de análise,

fundamental na definição de estratégias de ação. As diferenças entre homens e

mulheres são enfatizadas, estabelecendo-se uma polaridade entre masculino e

feminino, produção e reprodução, e público e privado. Para o feminismo da

diferença, o poder concentrar-se-ia na esfera pública, estando nessa polaridade a

origem da subordinação das mulheres.(FARAH, 2004,p.48)

O debate sobre gênero, portanto, foi essencial para fundamentar as demandas

feministas, ao possibilitar o questionamento das supostas diferenças existentes entre homens e

mulheres e que geravam a opressão destas. A principal referência sobre gênero, e que

influenciou pesquisadoras a partir da década de 80, decorre dos estudos de Joan Scott,

1 Conforme Costa (2009, p. 57), a segunda onda do feminismo na América Latina nasceu nos anos 1970, como

consequência da resistência das mulheres à ditadura militar, sendo intrinsecamente ligada aos movimentos de

oposição que lhe deram uma especificidade determinante. Surge sob o impacto do movimento feminista

internacional e como consequência do processo de modernização que gerou um acréscimo das mulheres no

mercado de trabalho e a ampliação do sistema educacional. No Brasil, este processo incorporou também a

questão da “efervescência cultural de 1968”, ou seja, os novos comportamentos afetivos e sexuais, o acesso a

terapias psicológicas e psicanalíticas, a derrota da luta armada e o significado político e pessoal para as mulheres

que lutaram, além das novas experiências que entraram em conflito com o padrão tradicional e as hierarquias de

gênero.

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historiadora e feminista americana, que publicou o artigo “Gênero: uma categoria útil de

análise histórica”, em 1988.

Em seu artigo, Scott menciona as abordagens das historiadoras feministas que até

então trabalharam com análise de gênero, e as resume em três posições teóricas: 1) explicação

das origens do patriarcado; 2) tradição marxista e crítica feminista; 3) inspiração nas escolas

de psicanálise para explicar a produção e reprodução da identidade de gênero do sujeito.

Quanto às teorias que abordaram a questão de gênero apenas com relação às origens

do patriarcado, Scott apontou algumas críticas: 1) as teorias não explicam o que a

desigualdade de gênero tem a ver com as outras desigualdades; 2) a análise baseia-se na

diferença física entre mulheres e homens, pois considera a dominação como forma de

apropriação masculina do labor reprodutivo da mulher ou pela reificação sexual das mulheres

pelos homens. Assim, Scott pondera que, nessa teoria, a questão da diferença física tem um

caráter universal e imutável, pressupondo um sentido coerente ou inerente ao corpo humano,

fora de qualquer construção sócio-cultural: “De certo ponto de vista, a história se torna um

epifenômeno que oferece variações intermináveis sobre o tema imutável de uma desigualdade

de gênero fixa”. (SCOTT, 1991, p. 10.)

Ao analisar as teorias históricas das feministas marxistas, Scott (1991, p. 13)

considerou que elas enfrentam um problema inverso ao que a teoria do patriarcado coloca:

“No interior do marxismo, o conceito de gênero foi por muito tempo tratado como subproduto

de estruturas econômicas mutantes: o gênero não tem tido o seu próprio estatuto de análise”.

Por último, quando analisou as teorias psicanalíticas sobre gênero, considerou que as

interpretações possuem uma “fixação exclusiva sobre as questões relativas ao sujeito

individual”, além de uma tendência a “reificar como dimensão principal do gênero o

antagonismo subjetivamente produzido entre homens e mulheres”. (SCOTT, 1991, p. 16). A

historiadora pondera que tais teorias acabam por impedir a introdução de uma “noção de

especificidade e variabilidade históricas”. Desta forma, a autora entende que é preciso rejeitar

o caráter fixo e permanente da oposição binária homem-mulher, submetendo as categorias à

crítica:

Se utilizarmos a definição da desconstrução de Jacques Derrida, esta crítica significa

analisar no seu contexto a maneira como opera qualquer oposição binária,

revertendo e deslocando a sua construção hierárquica, em lugar de aceitá-la como

real, como óbvia ou como estando na natureza das coisas. Em certo sentido, as

feministas, sem dúvida, só fizeram isso durante anos. A história do pensamento

feminista é uma história de recusa da construção hierárquica da relação entre

masculino e feminino; nos seus contextos específicos é uma tentativa de reverter ou

deslocar seus funcionamentos. (SCOTT, 1991, p. 19).

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A historiadora lembra que o termo gênero como categoria de análise, como meio de

falar de sistemas de relações sociais ou entre os sexos, somente apareceu no final do século

XX, tomando forma de debate teórico. Assim, considera necessário, para a evolução do

debate e para a compreensão de como funciona o gênero, que sejam tratados tanto o sujeito

individual como a organização social, articulando a natureza de suas inter-relações. Entende,

também, que deve ser superada a noção de que o poder social é unificado, coerente e

centralizado, passando a entender o poder como “constelações dispersas de relações desiguais

constituídas pelo discurso nos ‘campos de forças’” (SCOTT, 1991, p. 19-20).

Assim, emerge a definição de gênero para Scott (1991, p. 21): “O núcleo essencial da

definição baseia-se na conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento

constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é

uma forma primeira de significar as relações de poder”.

Desdobrando o conceito, a autora entende que, “como elemento constitutivo das

relações sociais fundadas sobre diferenças percebidas entre os sexos, o gênero implica quatro

elementos relacionados entre si”: 1) os símbolos culturalmente disponíveis que evocam

representações múltiplas: Eva e Maria como símbolos da mulher; 2) conceitos normativos que

evidenciam interpretações limitativas dos símbolos: doutrinas religiosas, educativas,

científicas, políticas ou jurídicas que afirmam de forma categórica e sem equívoco o sentido

do masculino e do feminino, como se fossem produtos de um consenso social; 3) Noção do

político, das instituições e das organizações sociais: a nova pesquisa histórica deve “explodir

a noção de fixidade” (Scott, 1991, p. 22) e descobrir a natureza do debate que insiste na

representação binária dos gêneros, incluindo a categoria de gênero ao mercado de trabalho, à

educação, ao sistema político; 4) Identidade Subjetiva: “As diferenças entre os corpos que são

ligados ao sexo, são constantemente solicitadas para testemunhar as relações e fenômenos

sociais que não tem nada a ver com a sexualidade” (GODELIER apud SCOTT, 1991, p. 23).

Na segunda parte da definição de Scott, de que o gênero é uma forma primeira de

significar o poder, a autora traz exemplos, na História Moderna, em que a diferença sexual foi

concebida em termos de dominação e controle de mulheres, a fim de ilustrar os diversos tipos

de relações de poder. Em seguida, afirma que “as estruturas hierárquicas baseiam-se em

compreensões generalizadas da relação pretensamente natural entre o masculino e o

feminino” (SCOTT, 1991, p. 26).

A partir dos estudos de Scott, passou-se a entender o gênero como uma construção

social, baseada nas diferenças biológicas. Assim, Bandeira (2005, p. 07), ao realizar uma

análise sobre transversalidade de gênero nas políticas públicas, conceitua o termo como

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“conjunto de normas, valores, costumes e práticas através das quais a diferença biológica

entre homens e mulheres é culturalmente significada”. A autora afirma que a categoria de

gênero muda o enfoque de mulheres e homens como sujeitos isolados para analisar as

relações interpessoais e sociais, “através das quais elas são mutuamente constituídas como

categorias sociais desiguais”.

Curado e Auad (2008, p. 23-24), enfatizam que “não é o gênero que é construído sobre

a base da diferença do sexo biológico. Em vez disso, o sexo biológico é socialmente

construído – e percebido – ao se tornar um dado pertinente em razão da existência do gênero”.

As autoras explicam que a diferença biológica existente entre homens e mulheres “é um fato

anatômico que não teria nenhuma significação em si mesmo se não fossem os arranjos de

gênero vigentes.” É por isso que, conforme GARCIA (1998, p. 173), a construção social de

homens e mulheres implica na educação e socialização de cada um de maneira diferente,

criando uma oposição e, às vezes, até mesmo um antagonismo.

A criação da desigualdade baseada na diferença biológica é, portanto, um ato social, o

que demanda a criação de políticas públicas com enfoque em gênero para modificar o

processo, conforme Alvarez (apud VIEZZER, 1989, p. 112):

O gênero de um ser humano é o significado social e político historicamente

atribuído ao seu sexo. Nascemos macho ou fêmea. Somos feitos como um homem

ou uma mulher. E o processo fazer homens e mulheres é então historicamente e

culturalmente variável; consequentemente, pode ser potencialmente modificado

através de luta política e das políticas públicas.

Seguindo esse debate conceitual, a Secretaria de Políticas para Mulheres, em sua

cartilha sobre o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres (2011, p. 20),

adota o termo gênero como a construção social, cultural e também política da(s)

masculinidade(s) e da(s) feminilidade(s), assim como das relações entre homens e mulheres.

Assim, considera que a construção de gênero não surge apenas para diferenciar culturalmente

as categorias masculino e feminino, mas especialmente para diferenciar os sexos no contexto

social e político.

Como se pode perceber, não há consenso em torno do polêmico e rico debate acerca

do gênero. Todavia, tanto o movimento de mulheres quanto o movimento feminista foram

impactados pelas discussões das relações de gênero, mas estas ainda parecem não impactar

tanto a esfera pública como se deveria. Além disso, como mostra Farah, “a incorporação da

perspectiva de gênero por políticas públicas é, no entanto, um tema ainda hoje pouco

explorado”. (FARAH, 2004, p.47).

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2.2 Gênero e Políticas Públicas no Brasil

No Brasil, as primeiras políticas com “recorte” de gênero se traduziram em políticas

dirigidas a mulheres, ou seja, com ações diferenciadas para mulheres, como a criação do

Conselho Estadual da Condição Feminina (1983) e a primeira Delegacia de Polícia de Defesa

da Mulher (1985), ambos em São Paulo (Cf. FARAH, 2004, p. 51). Além disso, criou-se o

Conselho Nacional de Direitos da Mulher (1985), o qual, juntamente com as organizações não

governamentais ligadas a movimento de mulheres, passou a defender inúmeros direitos para

as mulheres, o que ficou conhecido como “lobby do batom”, em 1987, conforme descreve

Pinto (2006, p. 6):

As suas atividades levaram aos seguintes direitos legais, expressos no Código Civil,

dentre os quais foram concedidos: O direito de as mulheres tomarem decisões sobre

a casa, com os tribunais decidindo em caso de conflito; A supremacia dos homens

nas questões familiares foi eliminada; O direito de a mulher casada declarar

separadamente o imposto de renda e de ter os filhos como dependentes para as

deduções do imposto de renda; A eliminação do direito do homem de impedir que as

suas esposas trabalhem em quaisquer circunstâncias; Os mesmos direitos para os

filhos tidos fora do casamento e aqueles gerados no matrimônio assim como os

mesmos direitos para os parceiros que aqueles dos casamentos formais; O direito à

licença-paternidade paga; A violência sexual como um crime contra os direitos

humanos em oposição ao crime moral, implicando assim em penalidades mais duras

para os que cometem crimes sexuais, além dos direitos trabalhistas e previdenciários

terem sido expandidos para as(os) empregadas(os) domésticas(os).

Em 1988, tem-se a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, a

qual reconheceu a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações, garantindo

tratamento igual perante a lei, conforme o artigo 5º, parágrafo 1º. Neste processo, o Conselho

Nacional de Direitos da Mulher teve papel fundamental, pois conduziu a campanha nacional

denominada “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, realizando diversos

eventos em todo o país e sistematizando as propostas regionais na “Carta das Mulheres à

Assembleia Constituinte”. Segundo Costa (2009, p. 63), o movimento feminista conseguiu

aprovar em torno de 80% de suas demandas legislativas, “se constituindo no setor organizado

da sociedade civil que mais vitórias conquistou”.

Assim, ao final da década de 1980, é possível observar uma “agenda de gênero”

conforme ensina Farah(2004, p.53):

A agenda de gênero,por sua vez, constituída nos anos 70 – integrada a uma agenda

mais abrangente, em torno da democratização e da noção de direitos –, já se

discriminara no final dos anos 80, sendo formulada por um movimento não mais

unitário. Assim, quando, ao final da década de 80, a agenda de reforma da ação do

Estado se redefine e se torna mais complexa, também são mais complexos os

vínculos com a agenda de gênero.

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Porém, esta agenda não está isenta de conflitos e dissensos. A literatura sobre gênero e

políticas públicas aponta para diversas interpretações à luz do gênero que podem ser

resumidas em dois tópicos: 1) Apesar de inicialmente as políticas com “recorte” de gênero

terem sido dirigidas a mulheres a fim de corrigir as desigualdades e assimetrias entre os sexos,

isto não significa que a agenda de gênero ou as políticas públicas devam contemplar apenas as

mulheres; 2) As políticas públicas devem ser feitas com a participação ampla das mulheres,

ultrapassando a ideia de representação na qual apenas um segmento de mulheres fala em

nome de outro. De um modo geral, a agenda de gênero e as políticas públicas devem

questionar e superar o padrão dominante nas identidades de gênero no qual ainda figuram

sistemas hierárquicos e desiguais. Não é uma agenda simples, muitos assuntos emergem

destes tópicos, como a focalização das políticas, a vitimização das mulheres e a sua

participação x representação, assim resumidos por Farah (2004, p.56):

No debate sobre a focalização há, portanto,diferenças significativas nas abordagens

relativas às políticas com foco na mulher. De um lado, uma ênfase na eficiência e

uma certa ‘funcionalização’ da mulher, vista como um ‘instrumento’ do

desenvolvimento, como ‘potencializadora’ de políticas públicas, pelo papel que

desempenha na família. De outro, uma ênfase em direitos, na constituição da mulher

como sujeito. Assim, a exemplo dos distintos vetores presentes na agenda de

reforma do Estado – o da eficiência e o da democratização – também na agenda de

gênero há uma tensão entre diferentes perspectivas.

No contexto mundial, a partir da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres em Beijin

(1995), foi delineada uma estratégia de abordagem reconhecida como “transversalidade de

gênero”, outro tema emergente da agenda de gênero, que significa garantir a incorporação de

melhorias para as mulheres em todas as dimensões: econômica, política, cultural e social, em

aspectos como remuneração, segurança social, educação, partilha nas responsabilidades

profissionais e familiares, além de paridade nos processos de decisão. (Cf FERREIRA, apud

BANDEIRA, 2005, p. 10). Para Bandeira (2005, p.5), a transversalidade de gênero representa

uma “matriz que permite orientar uma nova visão de competências (políticas, institucionais e

administrativas) e uma responsabilização dos agentes públicos em relação à superação das

assimetrias de gênero, nas e entre as distintas esferas do governo.”.

Conforme referencial teórico utilizado na primeira parte deste capítulo, a formulação e

gestão de políticas públicas é um processo que considera diferentes dimensões: histórica,

processual e organizativa. Neste sentido, a formulação, implementação e avaliação de

políticas públicas devem considerar as seguintes questões: 1) o conflito entre grupos de

interesse e a luta pelo poder e recursos; 2) a inserção da problemática na construção da agenda

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pública, com a formulação de soluções, a implementação destas alternativas e a avaliação

constante das políticas; 3) o papel dos gestores no processo das políticas públicas.

Ora, conforme vimos, a inserção das questões de gênero na agenda pública foi, e ainda

é, uma das bandeiras de luta dos movimentos feministas, na medida em que estes pretendem

demonstrar como as circunstâncias pessoais das mulheres, vividas em âmbito privado, são

estruturadas por fatores públicos, “por leis sobre a violação e o aborto, pelo status de ‘esposa’,

por políticas relativas ao cuidado de crianças, pela definição de subsídios próprios do estado

de bem-estar e pela divisão sexual do trabalho no lar e fora dele. Portanto, os problemas

‘pessoais’ só podem ser resolvidos através dos meios e das ações políticas”. (PATEMAN

apud COSTA, 2009, p. 53).

Entretanto, conforme já mencionamos, a formulação e a implementação das políticas

públicas passa, também, pela dimensão histórica, relativa à desigualdade de acesso ao poder e

aos recursos. Conforme Bandeira (2005, p. 43), embora os movimentos feministas tenham se

esforçado por exigir políticas públicas de gênero, “é certo que seu eco não ressoou ainda no

plano governamental.”. Para a autora, é necessário subsidiar pesquisas que revelem a

desigualdade de gênero, para que seja evidenciado, em nível governamental, que as políticas

não são neutras para gênero e têm impactos diferenciados em mulheres e homens. Além disso,

é necessário reforçar as políticas afirmativas, especialmente quanto à desigualdade de

remuneração das mulheres no mercado de trabalho.

Para ilustrar a importância da dimensão organizativa, que considera o papel dos

gestores no processo de políticas públicas, trazemos a constatação de Bandeira (2005, p. 43),

que verifica a necessidade de fortalecimento da instância de decisão política da Secretaria de

Políticas para Mulheres (SPM), no âmbito da Presidência da República. Para a pesquisadora,

o poder decisório deveria abranger todas as áreas do governo, com desdobramentos nas

esferas estaduais e municipais, incluindo a dimensão de gênero na definição, aplicação e

avaliação das políticas públicas de nível nacional ou setorial. Também importante é

considerar que, além da ênfase na inclusão de mulheres como beneficiárias das políticas, há

uma reivindicação de inclusão das mulheres entre os atores que participam da formulação, da

implementação e do controle das políticas públicas. (FARAH, 2004, p. 54).

A nova agenda de políticas públicas corresponde, portanto, à implementação efetiva

das diretrizes traçadas pela IV Conferência Mundial sobre as Mulheres (Beijin - 1995), as

quais são pontuadas por Farah (2004, p. 57-58): 1) Violência; 2) Saúde; 3) Meninas e

adolescentes; 4) Geração de emprego e renda 5) Educação; 6) Trabalho; 7) Infra-estrutura

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urbana e habitação; 8) Questão agrária; 9) Incorporação da perspectiva de gênero por toda

política pública (transversalidade); 10) Acesso ao poder político e empowerment.

Quanto a este último aspecto, Farah (2004, p. 58) ressalta que diz respeito à abertura

de espaços de decisão às mulheres, como forma de garantir sua atuação na formulação e

implementação de políticas públicas, além da criação de condições de autonomia para que as

mulheres possam decidir sobre suas próprias vidas, envolvendo mudanças nas relações de

poder nos diversos espaços em que estão inseridas: trabalho, casa, vida pública, etc.

Assim, baseados na plataforma de ação elaborada na Conferência, os países

participantes, entre eles o Brasil, passaram a estruturar a agenda pública nos anos

subsequentes, pensando a questão de gênero. Neste contexto, foi criada a Secretaria Especial

de Políticas para Mulheres, em 2003, ligada à Presidência da República. Em 2004, foi

realizada a I Conferência Nacional para Mulheres, com vistas a criar o Plano Nacional de

Políticas para Mulheres. Esta Conferência foi precedida de plenárias municipais e regionais,

além de Conferências Estaduais:

Calcula-se que aproximadamente 500 mil mulheres participaram em todo o processo

nos âmbitos municipais, estaduais e federal. Participaram, na qualidade de delegadas

das 27 conferências estaduais realizadas no país, 14.050 mulheres, durante os meses

de maio e junho (SEPM, 2004a), das quais 2.000 foram indicadas como delegadas

para a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, realizada em 14

e 15 de julho. Segundo estimativas, 47% das mulheres participantes pertenciam a

organizações do movimento de mulheres negras. (COSTA, 2009, p. 74)

Essa estratégia de participação foi articulada para garantir um maior número de

delegadas vinculadas ao movimento feminista e assegurar a incorporação de demandas

contidas na Plataforma Feminista2 ao Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Além disso,

a participação nas conferências locais e estaduais visavam garantir que o movimento não seria

utilizado de forma meramente ilustrativa, “com poucos resultados concretos sobre as

definições do futuro plano” (ARTICULAÇÃO, apud COSTA, 2009, p. 74).

2 A Plataforma Política Feminista foi elaborada a partir de debates e mobilizações regionais organizadas por uma

Comissão Nacional e 26 comitês regionais, sendo aprovada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras,

ocorrida em junho de 2002. Contou com a participação de diversos segmentos dos movimentos de mulheres

(feministas, sindicalistas, movimentos populares, negras, “terceira idade”, lésbicas, trabalhadoras rurais,

indígenas, juventude, parteiras, domésticas e mulheres com deficiência). A Plataforma se apresenta como: “[...]

um documento extenso, denso, propositivo e de conteúdo amplo e diversificado construído a partir de uma

perspectiva feminista de questionamento da sociedade e de se repensar como sujeito político. Seu texto contém

análise e desafios para a sociedade, para o Estado, e para outros movimentos além do próprio feminismo. As

ênfases da Plataforma estão traduzidas em cinco capítulos, tratando desde os temas da democracia política, da

justiça social e da inserção do Brasil no contexto internacional, e chegando até a democratização da vida social, e

da liberdade sexual e reprodutiva. Nos diferentes capítulos articulam-se as especificidades da dupla estratégia de

luta do feminismo brasileiro com vistas ao reconhecimento das diferenças e dos novos movimentos de mulheres;

e à igualdade, redistribuição de riquezas e pela justiça social.” (PLATAFORMA, 2002, p.8 )

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Assim, a primeira edição do Plano Nacional de Políticas para Mulheres (PNPM) foi

lançada em 2005, contendo objetivos para serem alcançados até o ano de 2007. Inicialmente,

o plano se estruturou em 199 ações, distribuídas em 26 prioridades, as quais se encontraram

agrupadas em quatro linhas de ação: a) Autonomia, igualdade no mundo trabalho e cidadania;

b) Educação inclusiva e não sexista; c) Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos

reprodutivos; d) Enfrentamento à violência contra as mulheres. Quanto a este último eixo,

continha os seguintes objetivos (BRASIL, 2005, p. 13):

1. implantar uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher;

2. garantir o atendimento integral, humanizado e de qualidade às mulheres em

situação de violência; 3. reduzir os índices de violência contra as mulheres;

4.garantir o cumprimento dos instrumentos e acordos internacionais e revisar a

legislação brasileira de enfrentamento à violência contra as mulheres

Em 2007, foi realizada a II Conferência Nacional para Mulheres, nos mesmos moldes

da Conferência anterior, com a participação de 2.700 delegadas na etapa nacional. Lançou-se,

no ano seguinte, o II Plano Nacional de Políticas para Mulheres, reformulando-se as linhas de

ação e contemplando 394 ações nos seguintes eixos: I) Autonomia econômica e igualdade no

mundo do trabalho, com inclusão social; II) Educação inclusiva, não-sexista, não-racista, não-

homofóbica e não-lesbofóbica; III) Saúde das Mulheres, direitos sexuais e direitos

reprodutivos; IV) Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres; V)

Participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; VI) Desenvolvimento sustentável

no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia de justiça ambiental, soberania e

segurança alimentar; VII) Direito à terra, moradia digna e infra-estrutura social nos meios

rural e urbano, considerando as comunidades tradicionais; VIII) Cultura, comunicação e mídia

igualitárias, democráticas e não discriminatórias; IX) Enfrentamento do racismo, sexismo e

lesbofobia; X) Enfrentamento das desigualdades geracionais que atingem as mulheres, com

especial atenção às jovens e idosas; XI) Gestão e monitoramento do plano.

Para este II PNPM, quanto ao eixo relativo ao enfrentamento de todas as formas de

violência contra as mulheres, foram traçados os seguintes objetivos:

I. Consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres com plena efetivação da Lei Maria da Penha; II. Implementação do Pacto

Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres; III. Implementação

do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no que diz respeito às

ações referentes ao tráfico de mulheres, jovens e meninas.

Como se pode observar, os objetivos estão concentrados na implementação de três

políticas: Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Pacto Nacional

pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e Plano Nacional de Enfretamento ao

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Tráfico de Pessoas. Constata-se, portanto, que o I PNPM cuidou de prever a elaboração das

políticas, enquanto o II PNPM se preocupou com a questão da implementação.

Em dezembro de 2011, ocorreu a 3ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres,

contando com a participação de 2.125 delegadas eleitas nas etapas regionais. Desta

Conferência, foi elaborado o III PNPM, o qual cria objetivos e metas a serem atingidos entre

os anos de 2013 e 2015. A novidade na estrutura é a previsão de um plano de trabalho, o qual

detalha ações, órgãos responsáveis e órgãos parceiros. Além disso, o plano de trabalho

relaciona cada ação às metas e objetivos do Plano Plurianual do Governo (PPA), como forma

de demonstrar a necessidade da transversalidade de gênero nas políticas públicas:

É preciso considerar o caráter transversal e complexo na implementação do PNPM,

pois algumas ações são implementadas diretamente pela SPM enquanto outras são

implementadas por diversos outros órgãos governamentais, não cabendo à SPM sua

execução. [...] para a implementação transversal do PNPM, a SPM considera

fundamental a consolidação de mecanismos de gênero nos órgãos e ministérios.

Sejam esses mecanismos assessorias, coordenações ou diretorias, a transversalidade

das políticas públicas na questão de gênero somente se institucionaliza quando todos

os órgãos do governo internalizam o olhar de gênero como uma constante em suas

ações. (BRASIL, 2013, p. 12-13)

Quanto às linhas de ação, o III PNPM mantém os grandes temas já consolidados nos

planos anteriores, adequando nomenclaturas e incorporando novas demandas sociais, sempre

com o enfoque de gênero: I) Igualdade no mundo do trabalho e autonomia econômica; II)

Educação para igualdade e cidadania; III) Saúde integral das mulheres, direitos sexuais e

direitos reprodutivos; IV) Enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres;

V) Fortalecimento e participação das mulheres nos espaços de poder e decisão; VI)

Desenvolvimento sustentável com igualdade econômica e social; VII) Direito à terra, com

igualdade para as mulheres do campo e da floresta; VIII) Cultura, esporte, comunicação e

mídia; IX) Enfrentamento do racismo, sexismo e lesbofobia; X) Igualdade para as mulheres

jovens, idosas e mulheres com deficiência.

Quanto ao eixo relativo ao enfrentamento de todas as formas de violência contra as

mulheres, o novo PNPM insiste em objetivos que buscam resolver antigos e persistentes

problemas:

I. Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência

considerando as questões étnicas, raciais, geracionais, de orientação sexual, de

deficiência e de inserção social, econômica e regional. II. Garantir a implementação

e aplicabilidade da Lei Maria da Penha, por meio de difusão da lei e do

fortalecimento dos instrumentos de proteção dos direitos das mulheres em situação

de violência. III. Ampliar e fortalecer os serviços especializados, integrar e articular

os serviços e instituições de atendimento às mulheres em situação de violência,

especialmente as mulheres do campo e da floresta. IV. Proporcionar às mulheres em

situação de violência um atendimento humanizado, integral e qualificado nos

serviços especializados e na rede de atendimento. V. Desconstruir mitos e

preconceitos em relação à violência contra a mulher, promovendo uma mudança

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cultural a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito

respeito às diversidades e de valorização da paz. VI. Identificar e responsabilizar os

agressores das mulheres que sofrem violência doméstica e sexual. VII. Prestar

atendimento às mulheres que têm seus direitos humanos e sexuais violados,

garantindo os direitos sexuais e os direitos reprodutivos na perspectiva da autonomia

das mulheres sobre seu corpo e sobre sua sexualidade. VIII. Garantir a inserção das

mulheres em situação de violência nos programas sociais nas três esferas de

governo, de forma a fomentar sua independência e autonomia. (BRASIL, 2013, p.

43)

Percebe-se, assim, que no âmbito do PNPM, os desafios para a questão do

enfrentamento à violência contra a mulher continuam centrados na implementação das

políticas delineadas a partir dos planos anteriores. A luta primeira foi criar uma Política

Nacional, um Pacto e uma Lei - hoje, os desafios estão na verdadeira implementação e na

constante avaliação do plano.

Para os fins propostos neste trabalho, passamos a abordar, então, a questão referente

ao enfrentamento da violência contra as mulheres.

2.3 Políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres

A violência contra as mulheres é uma forma de expressão das relações sociais

estabelecidas em torno da questão de gênero, das relações hierárquicas desiguais que

estabelecem dominação e subalternidade. (CHAUÍ, 1985; SAFFIOTI, 1987; AZEVEDO

1981; GREGORI, 1993). Desta forma, a subordinação da mulher ao homem, conforme

assevera Viezzer (1989, p. 95) atravessou todos os períodos da chamada civilização,

permanecendo até os nossos dias.

Embora cada pesquisadora aponte um conjunto de causas para a existência da

violência contra a mulher, neste trabalho não explicitaremos tais temas, pois o objetivo da

pesquisa não é a investigação sobre as origens da violência: partimos do pressuposto que ela

existe e que as mulheres são vítimas em função da questão de gênero que permeia as relações.

Muitos fatores são apontados por quem pesquisa o fenômeno da violência de gênero,

entretanto, os fatos comprovados estatisticamente revelam: o uso da força física é uma das

formas mais comuns de subjulgar e exercer poder sobre o outro, no caso, "a outra", embora

não seja a única forma de violência existente.

Os indicadores são pontuais neste sentido. O Mapa da Violência 2012 (WAISELFIS,

2012, p. 5), revela que "nos 30 anos decorridos a partir de 1980 foram assassinadas no país

perto de 91 mil mulheres, 43,5 mil só na última década. O número de mortes nesses 30 anos

passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% – mais que triplicando –

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nos quantitativos de mulheres vítimas de assassinato." O Dossiê Mulher 2012 apresenta

relatório sobre a violência contra a mulher no Estado do Rio de Janeiro: "Em 2011, foram

registrados 4.871 casos de estupro, 81.273 casos de ameaça, 84.709 casos de lesão corporal

dolosa, 4.242 casos de tentativa de homicídio e 4.279 casos de homicídio doloso. Desses

totais, os percentuais de mulheres vítimas foram, respectivamente, 82,6%, 66,8%, 64,5%,

16,0% e 7,1%". Ou seja, nos casos de estupro, ameaça e lesão corporal, a maioria das vítimas

foram mulheres. (TEIXEIRA; PINTO; MORAES, 2012, p. 10)

Nesta perspectiva, Soihet (2009, p. 371) entende que a normatização, a cultura, a

discriminação e a submissão femininas se constituíram uma espécie de violência já

experimentada pelas mulheres que viveram entre os séculos XVI e XVIII. Para a autora, neste

período, que se iniciou com o Iluminismo e sua suposta racionalidade, a violência se

expressou de inúmeras formas simbólicas: inferioridade jurídica, inculcação escolar dos

papéis sociais, divisão das atribuições e dos espaços, impedimento de participação na esfera

pública, entre outras, ou seja, a violência não se limitou ao embate físico.

Os discursos sobre a inferioridade feminina se afirmaram em textos filosóficos da

época:

Quanto ao físico, a mulher é, pela sua fisiologia, mais fraca do que o homem, as

perdas periódicas de sangue que enfraquecem as mulheres e as doenças que

aparecem com a sua supressão, os tempos de gravidez, a necessidade de

amamentarem os filhos e de velarem constantemente por eles, e a delicadeza de seus

membros, tornam-na pouco propícias para todos os trabalhos e para todas as

profissões que exigem força e resistência. (VOLTAIRE, apud DUBY; PERROT,

1993, p. 382)

Beauvoir (1980, p. 73), entretanto, afirma que a humanidade não é uma espécie

animal: é uma realidade histórica. Dito isso, a filósofa contesta o argumento puramente

biológico que atribui às mulheres a inferioridade e que serviu de embasamento para discursos

legitimadores do domínio e do poder dos homens: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.

Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume

no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre

o macho e o castrado que qualificam de feminino." (BEAUVOIR, 1967, p. 9).

Disso se pode extrair que há um fator cultural que julga certas práticas normais ou

violentas. As condutas que hoje se compreendem como "violência contra a mulher", na

realidade, nem sempre foram consideradas ilegítimas ou injustas, nem sempre constaram em

estatísticas ou alarmaram as sociedades, embora haja um consenso entre as pesquisadoras do

gênero de que as formas de subjugação sempre existiram.

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Entretanto, conforme Blay (2003, p. 87), desde a metade do século XIX até depois da

Primeira Guerra Mundial, com a profunda mudança no panorama econômico e cultural

mundial, na industrialização e na urbanização, esse cenário de submissão das mulheres foi se

alterando, passando as mesmas cada vez mais a ocupar espaço nas ruas, a trabalhar fora de

casa, a estudar e exercer outras atividades, antes destinada somente a homens.

No Brasil, conforme De Souza, Baldwin e Da Rosa (2000, p. 487), houve a influência

de três setores para a criação dessa conjuntura histórica. Primeiramente o político, em 1975,

quando a ditadura militar enfraquecia e a abertura política permitia às Nações Unidas uma

coesão com os movimentos feministas que já eclodiam no país, por meio da realização de

conferências, convenções e tratados internacionais.

Em segundo lugar, o setor econômico, no mesmo período:

[...] a participação feminina na população economicamente ativa (PEA) brasileira

aumentou de 18,5% para 26,9%. A participação feminina na PEA em posições

administrativas quase dobrou entre 1960 e 1980 de 8,2% para 15,4%. O número de

mulheres em profissões de alto prestígio (p. ex., engenheiras, economistas, médicas,

professoras universitárias e advogadas) cresceu aproximadamente 400% nessa

década, de 19.000 em 1970 para 95.800 em 1980. Em 1980, já havia

aproximadamente o mesmo número de homens e mulheres brasileiros nas

universidades (689.000 homens e 663.000 mulheres). (DE SOUZA; BALDWIN;

DA ROSA, 2000, p. 487).

O terceiro setor que auxiliou na nova compreensão do papel da mulher na sociedade

foi o religioso. O modelo de Maria (Marianismo), que pregava a abnegação, a passividade, a

castidade e a dedicação materna, foi reformulado até mesmo pela Igreja Católica nos anos 70,

com a Teologia da Libertação. Foram formados grupos comunitários (Comunidades

Eclesiásticas de Base) que se dedicavam às ações sociais e políticas em prol dos trabalhadores

e das classes mais pobres, e estes grupos frequentemente eram liderados por mulheres. Daí

então, que a Igreja passou a apoiar as mulheres como, também, um grupo social oprimido. As

religiões afro-brasileiras também concederam força libertadora às mulheres, especialmente

entre as pobres, “oferecendo-lhes modelos de papéis positivos (p. ex., mãe-de-santo),

compensando a falta de poder que elas experimentam na sociedade” (DE SOUZA;

BALDWIN; DA ROSA, 2000, p. 487).

Com isso, comportamentos que antes eram considerados "normais" passaram a ser

questionados e classificados como violência, como por exemplo, proibir a mulher de trabalhar

fora de casa, determinar o tipo de roupa que deve usar, impedir sua participação em atividades

sociais, entre outras, ocorrendo uma certa emancipação da mulher, minimizando a dominação

patriarcal no espaço doméstico.

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Desta forma, a questão da violência passou a se tornar um tema visível, demandando

inserção na agenda de políticas públicas. No Brasil, o tema ganhou espaço também nos meios

midiáticos no final da década de 70, despertando sentimentos na sociedade civil a partir de

casos como o de “Doca Street”, que matou a namorada, Angela Diniz - uma personalidade

conhecida nas colunas sociais do Rio de Janeiro. A principal estratégia da defesa do réu foi a

desqualificação da vítima, fazendo uma alusão à sua vida desregrada e a problemas judiciais

enfrentados, como porte de entorpecentes e a perda da guarda dos filhos. Tais argumentos,

longe de advogarem a favor do criminoso, passaram a despertar revolta nos movimentos

feministas organizados, que foram para as ruas e protestaram sob o lema “quem ama não

mata”. (Cf. MIRANDA, 2008).

Em termos de políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher,

surgem as primeiras iniciativas isoladas: a criação de Casas Abrigos e de Delegacias da

Mulher em diversos Estados, entre os anos 1985 e 2003. (BRASIL, 2011b, p.16.)

A partir de 2003, com a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres, no âmbito do

Governo Federal, as políticas de enfrentamento são ampliadas, passando-se à inclusão de

ações integradas, como: “criação de normas e padrões de atendimento, aperfeiçoamento da

legislação, incentivo à constituição de redes de serviços, o apoio a projetos educativos e

culturais de prevenção à violência e ampliação do acesso das mulheres à justiça e aos serviços

de segurança pública.” (BRASIL, 2011b, p.7)

Também a partir da construção dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres, o

enfrentamento à violência contra mulheres é consolidado como prioritário no campo de

políticas públicas. As ações de enfrentamento não se restringem às ações de segurança e

assistência, mas objetivam a criação de diversos serviços como centros de referência,

defensorias públicas, serviços de responsabilização e educação do agressor, promotorias e

varas especializadas, dentre outros. (Cf. BRASIL, 2011b, p.16).

Paralelamente à construção dos instrumentos políticos, se desenvolvia o processo

legislativo que culminou, em 07 de agosto de 2006, com a publicação da Lei 11.340 –

conhecida por Lei Maria da Penha. A referida lei, conforme previsto no artigo 1º, cria

mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de

dispor sobre a criação dos Juizados de violência doméstica e familiar, e estabelecer medidas

de assistência e proteção às mulheres. (BRASIL, 2006).

É importante lembrar, entretanto, que a criação da Lei Maria da Penha foi resultado de

uma condenação do Brasil, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização

dos Estados Americanos - OEA (cf. SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES,

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2012). Movida por denúncia de organismos de defesa dos direitos humanos, a referida

Comissão entendeu que o Estado brasileiro se omitiu no caso das duas tentativas de homicídio

sofridas pela biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes, perpetrados por seu marido,

restando impune o autor dos crimes. Assim, como condenação, o Brasil precisou realizar o

julgamento do agressor e também elaborar uma lei específica para os casos de violência

doméstica, o que desencadeou o processo legislativo que deu origem à publicação da Lei

Maria da Penha.

A lei tem o mérito de conceituar violência doméstica e familiar, fazendo uma relação

com a ação ou omissão baseada no gênero:

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a

mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,

sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito

da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de

pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II -

no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos

que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou

por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor

conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de

orientação sexual. (grifo nosso)

Este artigo prevê que a violência pode ser doméstica ou familiar, desde que haja uma

ação ou omissão baseada no gênero. A lei, portanto, não difere quando se trata de violência

doméstica, familiar: o que importa é que seja contra a mulher e que seja baseada no gênero.

Assim porque a Lei Maria da Penha não tem aplicação direta para homens que sofrem

violência doméstica, por exemplo, um filho em relação a um pai. Alguns tribunais já

estenderam a aplicação da lei para casos de uniões entre homossexuais e também para

violência familiar perpetrada contra transexuais. Entretanto, são decisões minoritárias e

derivam de uma interpretação extensiva da lei.

Sobre este aspecto, é importante ressaltar que, teoricamente, as violências doméstica e

a familiar são categorias distintas, e que merecem ser especificadas, pois também diferem da

violência de gênero, conforme trabalhado por Saffioti antes mesmo da publicação da Lei

Maria da Penha (1999, p. 82-83):

A expressão violência doméstica costuma ser empregada como sinônimo de

violência familiar e, não raramente, de violência de gênero. [...] Não há maiores

dificuldades em se comprometer a violência familiar, ou seja, aquela que envolve

membros de uma mesma família extensa ou nuclear, levando-se em conta a

consanguinidade e a afinidade. Compreendida na violência de gênero, a violência

familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora dele, embora seja mais

frequente no primeiro caso. A violência intrafamiliar extrapola os limites do

domicílio. [...] A violência doméstica apresenta pontos de sobreposição com a

familiar, podendo também atingir pessoas que, não pertencendo à família, vivem,

parcial ou integralmente, no domicílio do agressor, como é o caso de agregados e

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empregadas (os) domésticas (os). Estabelecido o domínio de um território, o chefe,

via de regra um homem, passa a reinar quase incondicionalmente sobre seus demais

ocupantes. O processo de territorialização do domínio não é puramente geográfico,

mas também simbólico.

Quanto à violência de gênero, a autora ressalta que concerne preferencialmente às

relações homem-mulher, o que não significa que uma relação entre duas mulheres ou dois

homens não possa se enquadrar nesta categoria. Em outra obra, Saffioti (2001, p. 115) ressalta

que a violência de gênero é conceito amplo, abrangendo vítimas mulheres, crianças e

adolescentes de ambos os sexos:

No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta

das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância

da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja

nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do

prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da

categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela

violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência

das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo este necessidade de fazer uso

da violência. Nada impede, embora seja inusitado, que uma mulher pratique

violência física contra seu marido/companheiro/namorado. As mulheres como

categoria social não têm, contudo, um projeto de dominação-exploração dos

homens.

As mulheres podem, portanto, serem vítimas de violência de gênero, mas também

violentadoras, quando exercem por delegação do chefe do grupo domiciliar uma violência que

seria masculina: "a violência doméstica tem um gênero: o masculino, qualquer que seja o sexo

físico do/da dominante" (WELZER-LANG apud SAFFIOTI, 1999, p. 84). Assim, a violência

de gênero pode ser entendida para além da relação violenta entre homem e mulher,

compreendendo também a de adultos contra crianças e adolescentes.

Estas considerações servem para ilustrar o quanto o debate sobre violência de gênero

ainda deve avançar, pois hoje a Lei Maria da Penha não diferencia estas categorias e se

restringe à proteção de mulheres, que estejam sob violência doméstica e familiar baseadas no

gênero, ou seja, é necessário que todas as categorias estejam combinadas e possam ser

comprovadas de plano no processo.

Por outro lado, tem-se a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres, a qual foi um dos objetivos I Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Este

instrumento tem por finalidade "estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de

prevenção e combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia de

direitos às mulheres em situação de violência, conforme normas e instrumentos internacionais

de direitos humanos e legislação nacional." (BRASIL, 2011b, p.9).

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A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres adota uma

definição mais ampla sobre violência, fundamentada na Convenção de Belém do Pará (1994),

segundo a qual a violência contra a mulher constitui "qualquer ação ou conduta, baseada no

gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no

âmbito público como no privado.", compreendendo:

1) A violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o

agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que

compreende, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e

patrimonial (Lei 11.340/2006); 2) A violência ocorrida na comunidade e seja

perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso

sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual

no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de

saúde ou qualquer outro lugar; 3) A violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou

seus agentes, onde quer que ocorra (violência institucional). (BRASIL, 2011b, p. 19)

As ações se concentram nas seguintes espécies de violência contra a mulher: violência

doméstica e familiar e suas subdivisões (lei 11.340/2006); tráfico de mulheres; violência

sexual; exploração sexual comercial de mulheres adolescentes/jovens; violência institucional;

assédio sexual, assédio moral e cárcere privado. Abaixo, apresento quadro contendo o resumo

dos conceitos de cada espécie de violência, conforme o texto da Política Nacional de

Enfrentamento à Violência contra as Mulheres:

Tabela 1 - Espécies de violência contra as mulheres e conceito.

ESPÉCIES DE VIOLÊNCIA CONCEITO

Violência Doméstica Qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à

mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e

dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, no

âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto, na

qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,

independentemente de coabitação (Lei nº 11.340/2006). Divide-

se em violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral)

Violência Sexual "É a ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico

ou verbal, ou participar de outras relações sexuais com uso da

força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação,

ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule o limite

da vontade pessoal." (BRASIL, 2011b, p. 22)

Violência física Qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da

mulher.

Violência Psicológica "Conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima

da mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,

comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,

constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,

vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,

ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou

qualquer outro meio que

lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação"

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(BRASIL, 2011b, p. 22)

Violência Patrimonial Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição

parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,

documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos

econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas

necessidades. (BRASIL, 2011b, p. 22)

Violência Moral Entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

difamação ou injúria. (BRASIL, 2011b, p. 22)

Violência Institucional É aquela praticada, por ação e/ou omissão, nas instituições

prestadoras de serviços públicos. Mulheres em situação de

violência são, por vezes, ‘revitimizadas’ nos serviços quando:

são julgadas; não têm sua autonomia respeitada; são forçadas a

contar a história de violência inúmeras vezes; são discriminadas

em função de questões de raça/etnia, de classe e geracionais.

Outra forma de violência institucional que merece destaque é a

violência sofrida pelas mulheres em situação de prisão, que são

privadas de seus direitos humanos, em especial de seus direitos

sexuais e reprodutivos. (BRASIL, 2011b, p. 23)

Tráfico de Mulheres "[...]baseia-se em uma abordagem focada na perspectiva dos

direitos humanos das mulheres e no Protocolo de Palermo, em

que há três elementos centrais: 1.movimento de pessoas, seja

dentro do território nacional ou entre fronteiras; 2. uso de engano

ou coerção, incluindo o uso ou ameaça da força ou abuso de

autoridade ou situação de vulnerabilidade; e, 3. a finalidade de

exploração (exploração sexual; trabalho ou serviços forçados,

incluindo o doméstico; escravatura ou práticas similares à

escravatura; servidão; remoção de órgãos; casamento servil)."

(BRASIL, 2011b, p. 23)

Exploração Sexual de Mulheres meio pelo qual um indivíduo tira proveito da sexualidade de

outra pessoa (neste caso, das mulheres) com base numa relação

desigual de poder, podendo fazer uso da coerção física,

psicológica e do engano. (BRASIL, 2011b, p. 24)

Exploração sexual comercial de

mulheres, adolescentes/jovens

"Exploração sexual para fins comerciais trata-se de uma prática

que envolve troca de dinheiro com/ou favores entre um usuário

um intermediário/aliciador/agente e outros que obtêm lucro com

a compra e venda do uso do corpo das crianças e dos

adolescentes, como se fosse uma mercadoria”. [...] Existem três

formas primárias de exploração sexual comercial e que possuem

uma relação entre si: a prostituição, a pornografia e o tráfico

com fins sexuais, incluindo-se aí o turismo sexual." (BRASIL,

2011b, p. 24)

Assedio Sexual "A abordagem, não desejada pelo outro, com intenção sexual ou

insistência inoportuna de alguém em posição privilegiada que

usa dessa vantagem para obter favores sexuais de subalternos ou

dependentes. Para sua perfeita caracterização, o constrangimento

deve ser causado por quem se prevaleça de sua condição de

superior hierárquico ou ascendência, inerentes ao exercício de

emprego, cargo ou função" (BRASIL, 2011b, p. 24)

Assedio Moral É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos,

comportamento, atitude, etc.) que, intencional e frequentemente,

fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa,

ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

(BRASIL, 2011b, p. 24)

Cárcere Privado Segundo o Art. 148 do Código Penal Brasileiro, configura-se

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quando uma pessoa é impedida de andar com liberdade e é

mantida presa contra a vontade. E se a vítima é a mãe, pai, filho,

filha ou esposa do agressor, a pena é aumentada. (BRASIL,

2011b, p. 24)

Fonte: a autora.

De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres

(BRASIL, 2011b, p. 21), o enfoque de gênero é fundamental para compreender estes tipos de

violência:

A violência contra as mulheres só pode ser entendida no contexto das relações

desiguais de gênero, como forma de reprodução do controle do corpo feminino e das

mulheres numa sociedade sexista e patriarcal. As desigualdades de gênero têm,

assim, na violência contra as mulheres, sua expressão máxima que, por sua vez,

deve ser compreendida como uma violação dos direitos humanos das mulheres.

O texto reconhece, ainda, que a violência de gênero contra as mulheres remete "a um

fenômeno multifacetado, com raízes histórico-culturais, é permeado por questões étnico-

raciais, de classe e de geração" (BRASIL, 2011b, p. 21), requerendo do Estado e demais

agentes uma abordagem intersetorial e multidimensional, que envolva diversos setores como

saúde, educação, assistência social, segurança pública, cultura, justiça e outros. Por isso, a

política não se denomina combate à violência, e sim enfrentamento, pois "a noção de

enfrentamento não se restringe à questão do combate, mas compreende também as dimensões

da prevenção, da assistência e da garantia de direitos das mulheres." (BRASIL, 2011b, p. 25).

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres é composta

pelas seguintes diretrizes: 1) Garantir o cumprimento dos tratados, acordos e convenções

internacionais firmados e ratificados pelo Estado Brasileiro relativos ao enfrentamento da

violência contra as mulheres; 2) Reconhecer a violência de gênero, raça e etnia como

violência estrutural e histórica que expressa a opressão das mulheres e que precisa ser tratada

como questão da segurança, justiça, educação, assistência social e saúde pública; 3) Combater

as distintas formas de apropriação e exploração mercantil do corpo e da vida das mulheres,

como a exploração sexual e o tráfico de mulheres; 4) Implementar medidas preventivas nas

políticas públicas, de maneira integrada e intersetorial nas áreas de saúde, educação,

assistência, turismo, comunicação, cultura, direitos humanos e justiça; 5) Incentivar a

formação e capacitação de profissionais para o enfrentamento à violência contra as mulheres,

em especial no que tange à assistência; 6) Estruturar a Redes de Atendimento à mulher em

situação de violência nos Estados, Municípios e Distrito Federal. (BRASIL, 2011b, p. 32-33).

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Para implementar as ações nos Estados e Municípios, o Governo lançou, em 2007, o

Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, como parte de sua agenda

social. Conforme a Secretaria de Políticas para Mulheres (BRASIL, 2011a, p.11), o pacto

consiste:

[...] em um acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados e dos

municípios brasileiros para o planejamento de ações que consolidassem a Política

Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da

implantação de políticas públicas integradas em todo território nacional.

A proposta inicial do Pacto era estruturar as ações em torno de quatro áreas, os quais

foram ampliados, no ano de 2011, para cinco eixos: 1) Garantia da aplicabilidade da Lei

Maria da Penha; 2) Ampliação e fortalecimento da rede de serviços para mulheres em

situação de violência; 3) Garantia da segurança cidadã e acesso à Justiça; 4) Garantia dos

direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de mulheres;

5) Garantia da autonomia das mulheres em situação de violência e ampliação de seus direitos.

(BRASIL, 2011a, p.12).

O Pacto e as ações nele propostas se baseiam em três premissas: a transversalidade de

gênero, a intersetorialidade e a capilaridade:

A transversalidade de gênero visa garantir que a questão de violência contra a

mulher e de gênero perpasse as mais diversas políticas públicas setoriais. A

intersetorialidade, por sua vez, compreende ações em duas dimensões: uma

envolvendo parcerias entre organismos setoriais e atores em cada esfera de governo

(ministérios, secretarias, coordenadorias, etc.); e outra, implica uma maior

articulação entre políticas nacionais e locais em diferentes áreas (saúde, justiça,

educação, trabalho, segurança pública, etc.). Dessa articulação decorre a terceira

premissa que diz respeito à capilaridade destas ações, programas e políticas; levando

a proposta de execução de uma política nacional de enfrentamento à violência contra

as mulheres até os níveis locais de governo. (BRASIL, 2011a, p.24).

Desta forma, percebe-se que o Pacto Nacional visa desenvolver ações para além das

áreas de segurança pública e assistência social, pois tem como Objetivo Geral “enfrentar todas

as formas de violência contra as mulheres a partir de uma visão integral deste fenômeno”.

(BRASIL, 2011a, p.26). Tem, ainda, como objetivos específicos: a redução dos índices de

violência contra as mulheres; a promoção de uma mudança cultural a partir da disseminação

de atitudes igualitárias, de valores éticos de respeito às diversidades de gênero e de

valorização da paz; a garantia e proteção dos direitos das mulheres em situação de violência,

considerando questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de

inserção social, além de fatores econômicos e regionais.

Para cada Eixo previsto no Pacto, são previstas uma série de ações, que “alinham

aspectos técnicos, políticos, culturais, sociais e conceituais acerca do tema, orientando

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procedimentos, construindo protocolos, normas e fluxos que institucionalizem e que garantam

legitimidade aos serviços prestados e às políticas implementadas.” (BRASIL, 2011a, p.56).

As ações envolvem políticas de diferentes esferas de governo e de diversos órgãos, como

resultado do princípio da transversalidade de gênero.

É importante ressaltar que o próprio Pacto prevê, também, etapas para sua

implementação, gestão e monitoramento, tanto em nível federal, como estadual e municipal.

Os Estados que aderiram ao Pacto e executam as ações nele previstas, recebem repasses do

Governo Federal, por meio da Secretaria de Políticas para Mulheres. As informações sobre o

Pacto em cada Estado se encontram disponíveis no sítio da Secretaria, sendo que a Região Sul

foi uma das que menos recebeu repasses, provavelmente em virtude dos Estados não terem

aderido efetivamente o Pacto – apenas realizaram acordos de cooperação federativos.

Passamos, agora, ao estudo sobre a Polícia Civil de Santa Catarina, a fim de

compreender sua estrutura e atribuições legais, bem como seu papel no contexto de

enfrentamento à violência contra a mulher.

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3 AS ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA

Na obra “Violência contra a mulher: quem mete a colher?”, Vinagre Silva (1992, p.40)

analisa a prática policial civil no Rio de Janeiro, especialmente no que se refere ao

atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Ao iniciar o estudo sobre

a Polícia Civil, destaca que “a tradição institucional brasileira cria, aliada a um conjunto de

traços culturais e estruturais, um caldo autoritário e antidemocrático, que a priori tende a

inviabilizar o sentido expresso da existência da instituição policial: garantir a ordem e cumprir

a lei.”.

Para a pesquisadora, há um suporte cultural, uma cultura de violência, autoritarismo e

impunidade, onde o direito de cidadania não é reconhecido. Por outro lado, ela pontua que a

instituição policial é percebida pelas frações de classe que não tem acesso a informações

básicas sobre seus direitos sociais como “concreta, real e única mediadora entre as situações

cotidianas de violência e o ordenamento jurídico estabelecido” (FICHER apud VINAGRE

SILVA, 1992, p. 45).

A lógica de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” foi superada pela

atual legislação e é, portanto, vedada aos servidores públicos que atuam na área da segurança,

especialmente nas Delegacias de Polícia. Entretanto, é necessário resgatar o surgimento

histórico e as funções cultural e legalmente atribuídas a essa instituição, a fim de que se possa

vislumbrar uma transição de uma polícia repressiva, truculenta e antidemocrática para uma

instituição que atue de forma preventiva e garanta a proteção das vítimas de violência

3.1 Polícia Civil: origem, atribuições legais e a atuação preventiva

A história da polícia no Brasil teve início com a vinda da Família Real

Portuguesa, quando foi adotado o modelo de Intendência de Polícia, por meio de alvará do

Príncipe Regente, em 10 de maio de 1808 (BRASIL, 1891, p. 26-27). Este modelo já

funcionava em Lisboa desde 1760, onde o Intendente coordenava as atribuições policiais dos

magistrados judiciais, além de manter sob sua subordinação a Real Casa Pia e a Guarda Real

de Polícia3. Segundo Marcineiro (2009, p.25), no Rio de Janeiro o Intendente exercia as

seguintes atribuições:

3 A Real Casa Pia era uma instituição responsável pela integração sócio-profissional de jovens envolvidos com

atividades irregulares e a marginalidade. A Guarda Real de Polícia era uma força armada dependente da

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Dentre as suas funções, além de ter a responsabilidade de policiar as ruas, expedir

passaportes, vigiar os estrangeiros, fiscalizar as condições sanitárias dos depósitos

de escravos e providenciar moradia para os novos habitantes que a cidade recebeu

com a chegada da corte, esperava-se que ele transformasse a vila colonial,

provinciana, inculta, suja e perigosa em algo mais parecido com uma capital

européia, digna de sediar a monarquia portuguesa. Além de tudo isso, ele deveria

aterrar pântanos, organizar o abastecimento de água e comida e a coleta de lixo e

esgoto, calçar e iluminar as ruas usando lampiões a óleo de baleia, construir

estradas, pontes, aquedutos, fontes, passeios e praças públicas.

Segundo Genovez (2011), a Intendência de Polícia foi extinta no ano de 1831,

sendo sucedida pela Chefia de Polícia, cargo previsto no Código de Processo Criminal do

Império, de 1832. Dois anos depois, foi implantada a Chefia de Polícia em Santa Catarina e,

em 1835, a Força Pública, que tinha como função “atender os interesses da Monarquia, evitar

aglomeração de escravos e atender aos anseios da classe dominante, além de se constituírem

em braço armado do poder público para execução das posturas municipais.” (MARCINEIRO,

2009, p.27).

Assim, inicia-se a distinção de atribuições entre Polícia Judiciária, a qual originou

a Polícia Civil, e Força Pública, que originou a Polícia Militar, pois enquanto a primeira se

constituía em órgão do sistema criminal, a segunda atuava no policiamento e na defesa

interna. A distinção expressa ser daria apenas no ano de 1866, com o Decreto Imperial nº

3.598, de 27 de janeiro de 1866, que reorganizou a Força Policial da corte, dividindo-a em

dois corpos: um civil e outro militar. (Cf. AMORIM, 2009, p. 89).

Com relação à Polícia Judiciária, ela tem redefinidas suas atribuições a partir da

Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841, que promoveu reformas ao Código de Processo

Criminal do Império e estabeleceu competências para cada cargo: chefias de polícia, juízes

municipais, promotores públicos e juízes de direito.

Assim, às Chefias de Polícia, restaram as atribuições anteriormente exercidas

pelos Juízes de Paz: tinham amplos poderes para exercer a vigilância sobre sua jurisdição,

desfazer reuniões ilegais, reunir provas de crimes, prender e julgar infratores. Ainda, cabia à

polícia judiciária proceder ao exame de corpo de delito, prender pessoas consideradas

culpadas, expedir mandados de busca e apreensão, e julgar alguns crimes conforme o tipo de

pena prevista (algumas espécies de multa, de prisão, de degredo ou de desterro). (Cf.

BARROS, 2005, p. 37-38).

Intendência Geral de Polícia quanto às atividades e atribuições, sendo criada para melhor consecução dos

objetivos de segurança pública desse órgão. (ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA TORRE DO TOMBO, 2013)

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É na Lei n.261, de 1841, que aparece, pela primeira vez, o termo "Delegado",

prevendo que estes seriam nomeados pelo Imperador ou pelos Presidentes da Província,

escolhidos entre juízes ou cidadãos:

Art. 1º Haverá no Municipio da Côrte, e em cada Provincia um Chefe de Policia,

com os Delegados e Subdelegados necessarios, os quaes, sobre proposta, serão

nomeados pelo Imperador, ou pelos Presidentes. Todas as Autoridades Policiaes são

subordinadas ao Chefe da Policia. Art. 2º Os Chefes de Policia serão escolhidos

d'entre os Desembargadores, e Juizes de Direito: os Delegados e Subdelegados

d'entre quaesquer Juizes e Cidadãos: serão todos amoviveis, e obrigados a acceitar.

(BRASIL, 1841)

No ano seguinte, é publicado o Regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842,

que distingue as funções de polícia administrativa e polícia judiciária, embora continuassem a

ser exercidas pelos mesmos órgãos. O artigo 1º do referido regulamento previa que as

atividades de polícia administrativa e judiciária serão incumbidas ao Ministro e Secretário de

Estado dos Negócios da Justiça, no âmbito do Império, aos Presidentes das Províncias e aos

Chefes de Polícia no âmbito provincial, aos Delegados de Polícia e Subdelegados nos distritos

de suas jurisdições, aos Juízes de Paz nos distritos, aos Inspetores de Quarteirão nos

quarteirões, e às Câmaras Municipais e seus fiscais nos municípios. A sessão I do

Regulamento 120/1842, traz as atribuições da polícia administrativa, as quais foram

sintetizadas por Machado (Apud BARROS, 2005, p.38):

Reconhecimento de suspeitos; a repressão dos ébrios, vadios, vagabundos,

mendigos, turbulentos, prostitutas escandalosas e outros indivíduos perigosos, aos

quais pode ser imposta a obrigação de assinar os termos de bem viver e segurança;

evitar ajuntamentos ilícitos e vigiar as sociedades secretas; inspecionar os teatros,

espetáculos e divertimentos públicos, formar os relatórios gerais e especiais, assim

como estatística policial e criminal; julgar as contravenções às posturas das Câmaras

Municipais; vigiar sobretudo o que diz respeito à prevenção dos delitos e

manutenção da ordem e tranqüilidade pública.

Portanto, podemos perceber que neste período, que coincide com o final do

Império, a polícia acumulava muitas funções, tanto repressivas como preventivas,

principalmente em razão da atribuição de competências que, hoje, são do Poder Judiciário e

do Poder Executivo (Prefeituras Municipais). Conforme Santos (2005, p.59), a separação

entre a função policial e judicial se deu somente a partir da edição da Lei 2.033, de 20 de

setembro de 1871. A partir deste momento, a polícia judiciária ficou com a missão de

instaurar o inquérito policial para constituir as provas que levariam os criminosos à punição

pelo judiciário.

Segundo Daura, (2008, p. 91), mesmo com o advento da República, em 1889, e

toda a modificação nos órgãos do Estado, a organização policial não sofreu significativas

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alterações quanto às atribuições, destacando-se que a polícia judiciária passou a ser

subordinada ao Poder Executivo, prevendo-se sua organização estadual e respectivas

carreiras.

Atualmente, a Constituição Federal de 15 de outubro de 1988, no artigo 144, prevê a

Segurança Pública como sendo “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” sendo

exercida “para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio” (BRASIL, 1988). O referido artigo traz, ainda, um rol de órgãos que exercerão a

Segurança Pública4: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal,

Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

À Polícia Civil coube a missão constitucional de exercício das funções de polícia

judiciária e apuração das infrações penais, exceto as de competência da Polícia Federal e as

infrações penais militares. O texto da Constituição Federal prevê, ainda, que as Polícias Civis

serão dirigidas por Delegados de Polícia de carreira e se subordinarão aos Governadores dos

Estados (Art. 144, §4º e §6º).

O sítio institucional da Polícia Civil catarinense descreve a missão do órgão:

“Contribuir para a harmonia das relações sociais e o exercício pleno da cidadania,

promovendo e desenvolvendo a investigação criminal e serviços administrativos de

fiscalização e controle.” (grifo nosso). Para tanto, são relacionados como objetivos, além da

garantia da segurança dos cidadãos, a investigação dos crimes “[...] que não puderam ser

prevenidos, colhendo e transmitindo às autoridades competentes os indícios e provas,

indagando quais sejam os seus autores e cúmplices, e concorrendo eficazmente para que

sejam levados aos tribunais.” (POLICIA CIVIL DE SANTA CATARINA, 2013).

No caso de Santa Catarina, a Polícia Civil tem outras atribuições, além da investigação

de infrações penais, as quais estão previstas na Constituição do Estado de Santa Catarina, de

1989:

Art. 106. A Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia, subordina-se ao

Governador do Estado, cabendo-lhe: I - ressalvada a competência da União, as

funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares;

II - (revogado – EC 39) III - a execução dos serviços administrativos de trânsito;

IV - a supervisão dos serviços de segurança privada; V - o controle da propriedade e

uso de armas, munições, explosivos e outros produtos controlados; VI - a

fiscalização de jogos e diversões públicas.

4 A Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada

com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência,

efetivas ou potenciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei. (MINISTÉRIO DA

JUSTIÇA, 2013)

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É importante lembrar que a lei federal n. 10.826 de 22 de dezembro de 2003, instituiu

o Sistema Nacional de Armas (SINARM) no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia

Federal, a qual passou a ter competência em todo o território nacional para controle da

propriedade e uso de armas e munições. Portanto, a Polícia Civil deixou de possuir esta

atribuição. Com relação à supervisão de serviços de segurança privada, a Lei 7.102, de 20 de

julho de 1983, autorizava que o Ministério da Justiça efetuasse convênio com as Secretarias

de Segurança Pública dos Estados para supervisionar tais atividades. Entretanto, a Lei 9.017,

de 30 de março de 1995 modificou a legislação anterior e passou a atribuir à Polícia Federal a

exclusividade para normatização, controle e fiscalização das atividades de segurança privada.

Restaram à Polícia Civil, portanto, as atividades relativas à execução dos serviços de

polícia judiciária, apuração das infrações penais, supervisão dos serviços de trânsito e

fiscalização de jogos e diversões públicas. Desta forma, percebe-se que, além das funções

investigativas, algumas atribuições de polícia administrativa ficaram a cargo da Polícia Civil,

em razão da tradição histórica que sempre atribuiu a este órgão as funções de polícia

judiciária e polícia administrativa, como visto anteriormente.

Conforme Meirelles (2012, p. 137), é importante distinguir os conceitos de polícia

administrativa, polícia de preservação da ordem pública e polícia judiciária. Para o autor,

polícia administrativa corresponde ao poder de polícia que a Administração Pública possui e

que incide sobre bens, direitos e atividades. O Código Tributário Nacional conceitua o poder

de polícia:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que,

limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou

abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,

à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de

atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à

tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou

coletivos.

Conforme se extrai do conceito acima exposto, polícia administrativa se refere à

atividade de limitação, disciplina, regulação de bens, direitos e serviços, sendo difundida por

diversos órgãos da Administração (Ex: atuação da vigilância sanitária, do PROCON, das

agências de saúde, telecomunicações, entre outras.). Portanto, ela não é uma atividade

exercida exclusivamente por órgãos policiais.

A polícia administrativa pode agir preventivamente, expedindo alvarás de licença ou

de autorização. Também pode agir de forma repressiva, fiscalizando as atividades e bens

sujeitos ao controle da Administração, além de lavrar o auto de infração no caso de ocorrência

de violação de normas administrativas e promover a aplicação da respectiva sanção.

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Mereilles (2012, p. 137) observa que as polícias da ordem pública e a judiciária, em

vez de atuarem sobre direitos, bens e serviços, atuam sobre pessoas, sendo executadas pelos

órgãos de segurança pública, listados no art. 144 da Constituição Federal (Ex: Polícia Militar

e Polícia Civil). Portanto, embora a Constituição Federal tenha atribuído às polícias suas

funções precípuas, ela não impediu o exercício de polícia administrativa pelos órgãos

policiais, no que for relacionado à preservação da ordem pública. O conceito legal de ordem

pública se encontra no Decreto n. 88.777, de 1983:

Art. 2º [...] 21- Ordem Pública: Conjunto de regras formais que emanam do

ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de

todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência

harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação

ou condição que conduza ao bem comum.

Em que pese esse entendimento, alguns autores consideram a Polícia Civil como órgão

meramente repressivo, e que deveria atuar somente a partir da ocorrência de um crime:

Tão logo o autor de um delito seja contido após o cometimento do ilícito, ou mesmo

que não se conheça o autor, mas havendo quebra da ordem, o assunto passa a ser, de

fato e de direito, da polícia judiciária. [...] De qualquer forma, em havendo a atuação

da policial judiciária, os atos serão regidos pelo Direito Processual Penal, sob a

égide do Poder Judiciário como destinatário final da investigação, bem como do

controle externo do Ministério Público. Esta fase é iniciada como Auto de Prisão

em Flagrante ou a instauração do Inquérito Policial (comum ou militar). [...].

(AMORIM, 2009, p. 123).

Esta posição pode ser correta quando se fala na atividade policial visando somente a

restauração da ordem pública violada, ou seja, a partir da ocorrência do crime e objetivando

sua punição no âmbito judicial. Por outro lado, quando se fala em missão de preservação da

ordem pública, que é a atividade atribuída a todos os órgãos da segurança pública listados no

artigo 144 da Constituição Federal, a atuação policial civil deve superar a atitude meramente

repressiva. Este é o entendimento do Ministério da Justiça, no Projeto de Modernização das

Polícias Civis:

Conquanto esta competência legal não se caracterize pela prevenção de caráter

ostensivo, como ocorre com a Polícia Militar, ela também abarca o sentido

finalístico de prevenir o delito, seja por dissuasão gerada pela eficiência e eficácia

do método repressivo, seja pelo papel proativo de interlocução com a sociedade

civil, pelo qual a polícia também desempenha uma função pedagógica, fomentadora

das posturas concorrentes do cidadão, na produção da segurança pública. Neste

último sentido, a polícia atua como educadora para a cidadania, comunicando

técnicas, recomendando procedimentos e atitudes que resultem em efetiva prevenção

ao crime, perfazendo a vocação da chamada polícia comunitária. (MINISTERIO DA

JUSTIÇA, 2005, p.21-22).

O documento recomenda, ainda, a correta audição do público usuário. Neste sentido, é

importante a observação de Vinagre Silva (1992, p. 44), que entende ser a Delegacia de

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Polícia um dos órgãos mais próximos à população, se constituindo em pronto-socorro social

devido à inexistência ou inoperância de outros órgãos da rede de equipamentos sociais:

A experiência como assistente social, que vivenciou a realidade das demandas que

emergem nas delegacias, mostrou que é comum a procura da instituição policial na

expectativa de receber orientação judiciária ou ver alguma situação atendida , que

por direito está circunscrita ao âmbito do aparato judiciário. Nesses casos incluem-se

situações que envolvem pedido de pensão alimentícia, de guarda de filhos menores e

separação.

A autora enfatiza que a instituição policial é, simultaneamente, um instrumento e um

espaço de poder que se relaciona com a sociedade civil inclusive exercendo um papel

pedagógico em sentido amplo, tanto nos aspectos negativos como positivos: “A sociedade e

as instituições educam. A população recorre é a essas instituições, é o 190 e é a delegacia, é a

PM e é a Polícia Civil. É como diz o Hélio Luz, dia e noite, a delegacia não tem porta. A

delegacia está aberta mais do que a prefeitura, mais que o judiciário...” (PERCINOTO, apud

VINAGRE SILVA, 1992, p. 47).

A delegacia é o órgão que está aberto 24h por dia, atendendo demandas jurídicas,

orientando o cidadão, muito mais do que apenas se comportando de forma passiva, a espera

da ocorrência de um crime. E, muitas vezes, nessa função de órgão aberto ao cidadão, acaba

exercendo atividades puramente “cartoriais”, as quais são demandadas pelos cidadãos para

viabilizar compensações patrimoniais (ex: boletim de ocorrência de furto de veículo para

acionar o seguro). (Cf. VINAGRE SILVA, 1992, p. 47).

Entretanto, é importante ressaltar que a atuação anterior à fase repressiva do delito não

se confunde com o policiamento ostensivo, que é uma atividade exercida exclusivamente pela

Polícia Militar. Esta se caracteriza pelo uso de fardamento e equipamento, e pode ser um dos

seguintes tipos: policiamento ostensivo geral, urbano e rural, de trânsito, florestal e de

mananciais, rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais; portuário; fluvial e lacustre; de

radiopatrulha terrestre e aérea; de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado,

além de outros fixados em legislação estadual. Este é o conceito do Decreto 88.777, de

setembro de 1983: “Art. 2º [...] 27) Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das

Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam

identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a

manutenção da ordem pública.”

Verifica-se que, apesar de haver distinção entre os trabalhos de Polícia Civil e Militar,

ambas possuem a função de preservar a ordem pública e garantir a segurança dos cidadãos.

Por isso, o Ministério da Justiça recomenda a atuação de forma integrada, de maneira alinhada

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e complementar. Para esse órgão, integração significa “o posicionamento racional de cada

organização em sua esfera de competência constitucional, mas de uma maneira sincronizada

do ponto de vista técnico”:

Uma série de medidas pode ser apontada como referência de um processo de

articulação eficaz: · utilização da mesma infra-estrutura das redes de

telecomunicação; · compatibilização das áreas de atuação; · planejamento comum

descentralizado; · implantação de Centros Integrados de Atendimento e Despacho,

com aplicativos georeferenciados dos atendimentos e registros de boletins de

ocorrência em sistema comum; · política de ensino e pesquisa sob matrizes

curriculares comuns; · atividades de cunho cultural, social e esportivas conjuntas.

(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2005, p. 23.)

Em Santa Catarina, ambos os órgãos se encontram subordinados à Secretaria de

Estado de Segurança Pública, juntamente com o Corpo de Bombeiros Militar, o Instituto

Geral de Perícias e o Departamento Estadual de Trânsito. A organização administrativa dessa

Secretaria é prevista na Lei complementar estadual n. 381/2007, com as modificações

instituídas pela Lei Complementar n. 534, de 20 de abril de 2011.

3.2 Organização administrativa e carreiras policiais civis em Santa Catarina

A Polícia Civil de Santa Catarina está presente em todo o território estadual,

organizada em Diretorias de Polícia, Delegacias Regionais de Polícia, Delegacias de Comarca

e Delegacias de Município. As atribuições das referidas unidades estão disciplinadas no

Decreto Estadual n. 4.141, de 23 de dezembro de 1977.

As Delegacias de Comarca (DPCOs) são instaladas de acordo com as sedes de

comarcas judiciais, conforme definição do Código de Divisão e Organização Judiciárias do

Estado de Santa Catarina5(Lei 5.624, de 09 de novembro de 1979). Por exclusão, nas cidades

que não são sedes de comarcas, as delegacias se denominam Delegacias de Polícia de

Município (DPMUs) e se subordinam administrativamente à DPCO.

Tanto as DPCOs como as DPMUs compõem regiões policiais, sendo subordinadas às

Delegacias Regionais de Polícia (DRPs). Essas DRPs coordenam administrativamente as

DPCOs e DPMUs, além de congregarem serviços de expedição de documentos de trânsito,

documentos de identificação e alvarás de jogos e diversões públicas. As DRPs subordinam-se

5 Art. 5º - O território do Estado, para a administração da Justiça, divide-se em distritos, subdistritos, municípios,

comarcas e comarcas integradas, formando, porém, uma só circunscrição para os atos da competência do

Tribunal de Justiça. Art. 6º - As comarcas, classificadas em quatro entrâncias, são as que integram a relação

contida no anexo I* deste Código. Art. 7º - A comarca constituir-se-á de um ou mais municípios, recebendo a

denominação daquele que lhe servir de sede. (SANTA CATARINA. 1979).

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às Diretorias de Polícia, conforme figura abaixo: Diretoria de Polícia do Litoral (DPL),

Diretoria de Polícia do Interior (DPOI) ou Diretoria de Polícia da Grande Florianópolis

(DPGF).

Figura 1 - Georreferenciamento da Polícia Civil.

Fonte: Setor de Recursos Humanos da Polícia Civil.

Abaixo, o mapa de Santa Catarina dividido pela circunscrição das Delegacias

Regionais de Polícia. Atualmente, são trinta DRPs no Estado:

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Figura 2 - Delegacias Regionais da Polícia Civil de Santa Catarina

Fonte: Polícia Civil de Santa Catarina.

Na estrutura catarinense há, ainda, uma Diretoria Estadual de Investigação Criminal

(DEIC), e a Diretoria de Inteligência, ambas com atribuição para atuação em todo o Estado.

Todas as Diretorias, juntamente com a Academia da Polícia Civil (órgão de ensino e pesquisa)

e a Corregedoria (órgão correicional), estão subordinadas ao Gabinete do Delegado Geral, que

é o chefe maior da instituição. Há, ainda, setores de apoio, como o Fundo de Melhorias da

Polícia Civil, o qual é responsável pela administração logística e pelas finanças da Instituição.

Ressalta-se, ainda, a existência de gerências, dentre as quais podemos citar a Gerência de

Recursos Humanos e a Gerência de Jogos e Diversões, sendo esta responsável pela

fiscalização dos espetáculos públicos e concessão de alvarás para diversas atividades, como

hotéis, pensões, bares, boates, teatros, cinemas, entre outras previstas no Decreto estadual

nº894/72. Abaixo, o organograma da Polícia Civil:

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Figura 3 – Organograma da Polícia Civil de Santa

Catarina.

Fonte: Polícia Civil de Santa Catarina (2013).

É importante ressaltar que, apesar de não constarem expressamente no organograma

da instituição, existem delegacias especializadas na apuração de diferentes tipos de crimes. É

o caso da Delegacia de Homicídios, Delegacia de Repressão a Roubos, Delegacia de Pessoas

Desaparecidas, Delegacias de Crimes de Trânsito, Delegacia de Crimes Ambientais,

Delegacia de Proteção ao Turista e Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e

Idoso. Há, ainda, uma Central de Operações Policiais Especiais e trinta Divisões de

Investigação Criminal no Estado.

Verificou-se, anteriormente, que a Polícia Judiciária é dirigida por Delegados de

Polícia de carreira, que são as autoridades policiais. O Plano de Carreira da Polícia Civil

catarinense (Lei Complementar n. 453/2009) prevê que os agentes da autoridade policial são

os Agentes de Polícia, os Escrivães de Polícia e os Psicólogos Policiais. Portanto, as

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atividades de polícia civil são exercidas por essas quatro carreiras, as quais passamos a

descrever, haja vista as diversas atribuições previstas.

Os agentes da autoridade policial passaram a se qualificar, a partir da Lei

Complementar n. 453, de 2009, como cargos de nível superior, com atividades técnico-

jurídica:

Art. 14. [...] § 2º Além das atribuições que estão descritas nos Anexos IX, X e XI

desta Lei Complementar, os Agentes da Autoridade Policial, mencionados no inciso

I e II do caput deste artigo têm atividades de nível superior técnico-jurídico,

principalmente na execução de operações e investigações policiais, e nas

formalidades e procedimentos necessários à realização dos serviços cartorários, os

quais desempenharão além das atividades de polícia judiciária ou administrativas,

outras determinadas pelas autoridades policiais, previstas nas normas legais e

regulamentares em vigor.

Extinguiram-se os cargos de Escrevente, Investigador, Comissário e Inspetor, os quais

passaram a ser denominados Agentes de Polícia Civil. As atribuições desse cargo se

encontram previstas no Anexo IX do Plano de Carreira:

Tabela 2 - Quadro de Carreira: Agente de Polícia Civil – Descrição e Especificação do Cargo.

DENOMINAÇÃO DO CARGO: AGENTE DE POLÍCIA CIVIL

GRUPO: SEGURANÇA PÚBLICA-POLÍCIA CIVIL

SUBGRUPO: AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL

CÓDIGO: SP-PC-AP

HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Portador de Diploma em Curso Superior e aprovação em curso de

formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 400 (quatrocentas) horas-aula de

duração.

JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA: executar os serviços de polícia judiciária e investigativa ou administrativa,

sob a direção da autoridade policial ou do superior imediato, além de todas as atividades previstas em

lei, inerentes ao exercício de seu cargo.

ATRIBUIÇÕES- DESCRIÇÃO DETALHADA

1. Conduzir viaturas policiais;

2. Cumprir os horários estabelecidos, bem como concorrer à escala de serviço e operações especiais

para as quais seja designado;

3. Zelar pela manutenção das viaturas, dos equipamentos, armas e demais utensílios móveis e imóveis

de sua unidade policial;

4. Operar todos os equipamentos de comunicação disponíveis na unidade policial a que pertencer;

5. Proceder à entrega de correspondências e intimações que lhe forem determinadas;

6. Informar a unidade policial, através de relatório sobre a conclusão de diligências que lhe forem

incumbidas;

7. Velar permanentemente sobre todos os fatos e atos que possa interessar à prevenção e repressão de

crimes e contravenções;

8. Deter, apresentando à autoridade policial competente, quem quer que seja encontrado em flagrante

delito;

9. Permanecer em sua unidade policial durante o horário de trabalho, somente se ausentando quando

autorizado ou nos casos previstos em lei ou regulamento;

10. Guardar sigilo sobre serviços que lhe forem confiados;

11. Dar ciência imediata à autoridade policial de fato ou ato delituoso;

12. Zelar pela manutenção da ordem pública em geral;

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13. Cumprir com presteza as diligências e determinações superiores;

14. Operar sistema de comunicação nas centrais de rádio da polícia civil;

15. Controlar o tráfego de informações via rádio entre bases fixas, móveis e portáteis;

16. Utilizar linguagem técnica na radiocomunicação;

17. Zelar pelo equipamento de radiocomunicação;

18. Organizar e manter atualizados mapas de localização de ruas e logradouros;

19. Manter cadastro de endereços e telefones de todas as unidades policiais do Estado;

20. Fazer, quando competente para tanto, a manutenção e conserto dos equipamentos de

radiocomunicação;

21. Desenvolver, sempre que possível, projetos, aplicativos e sistemas informatizados de interesse da

polícia civil;

22. Proceder, quando competente, à instalação, manutenção e substituição dos equipamentos de

informática;

23. Dar suporte técnico, quando possível, aos projetos, aplicativos e sistemas informatizados da

polícia civil;

24. Executar, quando competente, o cadastramento e alimentação dos programas e aplicativos

informatizados da polícia civil;

25. Executar em trabalho de equipe operações de resgate de reféns;

26. Realizar treinamento constante com finalidade de manter-se preparado para o enfrentamento de

situações de alto risco;

27. Dar apoio tático operacional às unidades policiais, quando solicitado;

28. Manter cadastro e arquivo de criminosos e do crime organizado;

29. Exercer segurança para dignatários;

30. Executar outras operações de caráter especial;

31. Proceder à investigação criminal, mediante ciência e supervisão da autoridade policial, valendo-se

de todos os mecanismos legais disponibilizados;

32. Deslocar-se imediatamente, quando não houver impedimento devidamente justificado, ao local da

infração penal, providenciando para que não se alterem o estado e a conservação da coisa até a

realização da perícia;

33. Realizar levantamento preliminar de local de crime ou que demande investigação policial,

colhendo materiais e informações necessárias às providências da autoridade policial, quando houver

risco de graves prejuízos à formação da prova pela ausência de perito oficial;

34. Emitir relatórios circunstanciados do curso das investigações;

35. Cumprir, quando designado, mandados policiais e judiciais;

36. Manter atualizados os arquivos e dados estatísticos da unidade policial, relativos à incidência

criminal e seus infratores;

37. Atender ao público e registrar delitos e ocorrências trazidos ao seu conhecimento, dando ciência à

autoridade policial;

38. Providenciar a expedição de guia para fins de exame pericial;

39. Solicitar auxílio de órgãos técnicos quando necessário;

40. Executar serviços de carceragem e transporte de presos provisórios, sob custódia da polícia civil,

quando determinado;

41. Elaborar relatório diário das atividades desenvolvidas, formatando estatisticamente os registros

efetuados, sua natureza e providências adotadas;

42. Atuar no recebimento e emissão de expedientes da unidade policial, mantendo organizado o

correspondente arquivo documental;

43. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública; e

44. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.

Fonte: Lei Complementar 435/2009.

Portanto,verificam-se diversas atribuições relacionadas à função investigativa

criminal, de polícia judiciária e de polícia administrativa. É evidente a atuação preventiva no

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âmbito das funções de segurança pública: “7. Velar permanentemente sobre todos os fatos e

atos que possa interessar à prevenção e repressão de crimes e contravenções; 12. Zelar pela

manutenção da ordem pública em geral;” (grifo nosso). Por outro lado, não há qualquer

referência especificamente ao atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e

familiar.

O segundo cargo que consta como agente da autoridade policial é a carreira de

Escrivão de Polícia Civil, ao qual compete a lavratura dos procedimentos de polícia judiciária

(auto de prisão em flagrante, inquérito policial e termo circunstanciado), além de outros

termos específicos durante o procedimento investigativo (termo de apreensão, termo de

reconhecimento, etc):

Tabela 3 – Quadro de Carreira: Escrivão de Polícia Civil – Descrição e especificação do

Cargo.

DENOMINAÇÃO DO CARGO: ESCRIVÃO DE POLÍCIA CIVIL

GRUPO: SEGURANÇA PÚBLICA-POLÍCIA CIVIL

SUBGRUPO: AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL

CÓDIGO: SP-PC-AP

HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Portador de Diploma em Curso Superior e aprovação em curso de

formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 400 (quatrocentas) horas-aula de

duração.

JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA: lavrar e subscrever os autos e termos de sua competência, adotados na

atividade de polícia judiciária, de forma contínua, providenciando sua tramitação normal, sob

orientação do Delegado de Polícia.

ATRIBUIÇÕES - DESCRIÇÃO DETALHADA:

1. Cumprir ordens, despachos e outras determinações legais emanadas do Delegado de Polícia;

2. Executar os trabalhos cartorários das unidades policiais;

3. Cumprir os horários estabelecidos, bem como concorrer às escalas de serviços e operações

especiais quando convocado;

4. Conduzir viaturas policiais, quando necessário;

5. Lavrar e subscrever os autos e termos de sua competência, adotados na atividade de polícia

judiciária, de forma contínua, providenciando sua tramitação normal, sob orientação do Delegado de

Polícia;

6. Contribuir para a preservação do patrimônio da unidade policial e zelar pelos equipamentos e

materiais sob sua responsabilidade;

7. Adotar providências necessárias à expedição de mandados, dentre outros, de intimação às partes e

requisição de servidores públicos, a fim de serem inquiridos;

8. Expedir certidões e providenciar cópia de documentos, após deferimento do Delegado de Polícia;

9. Providenciar o recolhimento da fiança arbitrada pela autoridade policial;

10. Acautelar objetos e valores vinculados a procedimento investigatório, em conformidade com o

despacho do Delegado de Polícia;

11. Dar destinação a objetos e documentos vinculados a procedimentos policiais sob sua

responsabilidade, cumprindo despacho do Delegado de Polícia;

12. Providenciar guia de exame pericial, no curso do procedimento policial;

13. Organizar mapas de estatística criminal e relatórios mensais das atividades do cartório sob sua

responsabilidade e contribuir para a atualização dos arquivos da unidade policial;

14. Impedir a retirada da unidade policial de autos de procedimentos policiais, sem a expressa

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autorização do Delegado de Polícia;

15. Cumprir mandados de prisão, coordenar, participar de atividades operacionais, tais como:

barreiras , operações de cumprimento de mandados de busca e apreensão;

16. Cumprir, quando designado, mandados policiais e judiciais;

17. Executar outras operações de caráter especial;

18. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública; e

19. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.

Fonte: Lei Complementar 435/2009.

Assim como para o cargo de Agente de Polícia Civil, não há qualquer referência

específica à lavratura de procedimentos referentes ao enfrentamento à violência contra a

mulher. Também não há referência aos procedimentos específicos previstos na legislação

especial sobre crianças e adolescentes, os quais não são presos em flagrante delito, nem

investigados mediante inquérito policial.

O cargo de Psicólogo Policial é uma carreira que só existe na Polícia Civil catarinense.

Inicialmente, a carreira se destinava ao trabalho junto às questões de trânsito, atuando nos

exames psicotécnicos do Departamento Estadual de Trânsito, que pertencia à estrutura da

Polícia Civil. Entretanto, a carreira passou por significativas mudanças, constituindo-se em

importante corpo técnico a serviço da segurança pública e também dos próprios policiais

civis. As atribuições desse cargo estão previstas no Anexo X do Plano de Carreira:

Tabela 4 - Quadro de Carreira: Psicólogo Policial Civil – Descrição e especificação do Cargo.

DENOMINAÇÃO DO CARGO: PSICÓLOGO POLICIAL CIVIL

GRUPO: SEGURANÇA PÚBLICA-POLÍCIA CIVIL

SUBGRUPO: AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL

CÓDIGO: SP-PC-AP

HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: portador de Diploma de Psicólogo, currículo de 05 (cinco) anos, e

aprovação em curso de formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 400

(quatrocentas) horas-aula de duração.

JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA: emitir laudos psicológicos e demais funções inerentes ao cargo.

ATRIBUIÇÕES - DESCRIÇÃO DETALHADA:

1. Prestar atendimento em psicoterapia aos policiais envolvidos com alcoolismo e drogas, ou em

qualquer outra necessidade de natureza emocional e/ou funcional e, quando necessário, providenciar

o encaminhamento a profissionais e instituições congêneres, bem como orientar seus familiares;

2. Proporcionar meios de superação no trato dos problemas de relacionamento, inadequação funcional

e motivação dos servidores que atuam na área de segurança pública;

3. Realizar, por solicitação de órgãos das Secretarias de Estado da Segurança Pública e Defesa do

Cidadão e da Administração, avaliações psicológicas dos servidores que prestam serviços na área de

segurança pública, em especial, nos casos de desajuste funcional ou qualquer outro problema de

ordem comportamental;

4. Conduzir viaturas, acompanhar os policiais em locais de infração, nos quais haver partes

emocionalmente alteradas;

5. Participar de operações, principalmente em situações críticas, que seja necessário o gerenciamento

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de crise;

6. Manifestar-se, quando solicitado, nos casos de concessão de auxílio-saúde, readaptação,

aproveitamento, exoneração e demissão dos policiais civis ocupantes de cargos de provimento

efetivo;

7. Propor meios de avaliação e acompanhamento do desempenho de policiais civis;

8. Atuar na área do desenvolvimento de recursos humanos, assessorando os órgãos deliberativos na

identificação das necessidades de seu pessoal, bem como na definição de estratégias e

aperfeiçoamento das atividades funcionais;

9. Apresentar programas de capacitação e aperfeiçoamento a partir das necessidades funcionais e

motivacionais identificadas no pessoal, planejando, realizando e avaliando cursos e outras atividades

de cunho profissional;

10. Desenvolver estudos e pesquisas objetivando ampliar o conhecimento sobre o comportamento

humano que possam contribuir com os objetivos gerais da Polícia Civil e da Secretaria de Estado da

Segurança Pública e Defesa do Cidadão;

11. Planejar e executar avaliações psicológicas, bem como elaborar e emitir os respectivos laudos

psicológicos, especialmente, nos processos seletivos para provimento de cargos no âmbito da Polícia

Civil e para concessão da licença para porte de arma para o policial civil aposentado;

12. Emitir laudos psicológicos nos casos de suicídio, de personalidade de criminosos e adolescentes

infratores, quando solicitado pela autoridade policial;

13. Proceder, quando solicitado por autoridade policial ou judiciária ou por membros do Ministério

Público, apoio psicológico e perícias na sua área profissional como avaliações, pareceres e laudos

psicológicos;

14. Integrar comissões e participar de atividades juntamente com outras entidades em assuntos de

interesse da segurança pública;

15. Prestar, quando solicitado pela autoridade competente, atendimento psicológico à criança, ao

adolescente, à mulher, e/ou ao homem envolvidos em infração criminal (na condição de vítima ou

infrator) e, quando necessário, providenciar o encaminhamento aos órgãos competentes;

16. Participar, quando solicitado pela autoridade competente, no planejamento e execução de

campanhas educativas referentes à violência, prevenção e combate a drogas, trânsito, e outros

assuntos atinentes à segurança pública;

17. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública; e

18. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.

Fonte: Lei Complementar 435/2009

Portanto, é na descrição de atividades dos Psicólogos Policiais que encontramos as

primeiras referências ao atendimento especializado de vítimas em situação de vulnerabilidade,

como crianças, adolescentes e mulheres. Também é prevista a atuação em campanhas de

prevenção referentes à violência e assuntos atinentes à segurança pública:

14. Integrar comissões e participar de atividades juntamente com outras entidades

em assuntos de interesse da segurança pública;15. Prestar, quando solicitado pela

autoridade competente, atendimento psicológico à criança, ao adolescente, à mulher,

e/ou ao homem envolvidos em infração criminal (na condição de vítima ou infrator)

e, quando necessário, providenciar o encaminhamento aos órgãos competentes; 16.

Participar, quando solicitado pela autoridade competente, no planejamento e

execução de campanhas educativas referentes à violência, prevenção e combate a

drogas, trânsito, e outros assuntos atinentes à segurança pública; [...]

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Com relação às atribuições do cargo de Delegado de Polícia, o Plano de Carreira o

define como servidor responsável por “Planejar, programar, organizar, dirigir, coordenar,

supervisionar e controlar as atividades de polícia judiciária, de apuração de infrações penais e

de polícia administrativa, no âmbito das suas atribuições constitucionais e legais.” (grifo

nosso).

Tabela 5 – Quadro de Carreira: Delegado de Polícia Civil – Descrição e especificação do

Cargo.

DENOMINAÇÃO DO CARGO: DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL

GRUPO OPERACIONAL: OCUPAÇÕES DE NÍVEL SUPERIOR -

AUTORIDADE POLICIAL

CÓDIGO: SP-PC-AP

HABILITAÇÃO PROFISSIONAL: Portador de Diploma de Bacharel em Direito e aprovação em

curso de formação no órgão de ensino da Polícia Civil, com no mínimo 600 (seiscentas) horas-aula de

duração.

JORNADA DE TRABALHO: 40 horas semanais, com dedicação exclusiva.

DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Planejar, programar, organizar, dirigir, coordenar, supervisionar e

controlar as atividades de polícia judiciária, de apuração de infrações penais e de polícia

administrativa, no âmbito das suas atribuições constitucionais e legais.

RESPONSABILIDADE: Chefia das atividades de polícia judiciária do Estado e de apuração de

infrações penais, exceto as militares e de atividades meio de interesse policial civil e de segurança

pública.

1. Presidir, com exclusividade, procedimentos processuais relativos à polícia judiciária do Estado e à

apuração de infrações penais, exceto as militares;

2. Dirigir as atividades administrativas de unidade policial civil;

3. Garantir o cumprimento das normas referentes a procedimentos processuais, prazos, documentos,

registros, livros e arquivos da unidade policial;

4. Requisitar exames e perícias necessárias à apuração da infração penal;

5. Fornecer certidões, atestados e documentos no âmbito de suas atribuições;

6. Expedir certificado de registro de veículo, carteira nacional de habilitação, cédula de identidade

civil, registro de porte de arma de fogo, carteira e atestado de blaster, alvarás, licenças e outros atos e

documentos inerentes às atividades de competência da Polícia Civil;

7. Fiscalizar o uso de armas, munições, explosivos e outros produtos controlados e atividades de jogos

e diversões públicas;

8. Presidir sindicâncias administrativas, disciplinares e processos disciplinares;

9. Dirigir, executar, orientar, coordenar e controlar os serviços de investigação policial, bem como

elaborar, organizar e promover planos e operações direcionadas à segurança pública;

10. Representar pela expedição de atos judiciais e promover o devido cumprimento;

11. Arbitrar fiança nos termos da legislação vigente;

12. Promover periodicamente, reuniões de trabalho e de avaliação de desempenho com os funcionários

que prestam serviço na unidade policial;

13. Manter intercâmbio com demais órgãos públicos, promovendo o intercâmbio de informações

necessárias à execução, continuidade e aperfeiçoamento da atividade policial;

14. Comparecer, sempre que possível, nos locais da prática de infrações penais, coordenando e

orientando as ações necessárias a sua elucidação;

15. Auxiliar, quando solicitado, na apuração de infração cuja competência seja de outra Autoridade

Policial;

16. Expedir notificações de trânsito e multas previstas em lei de sua competência funcional;

17. Responsabilizar-se pelas necessidades de pessoal e material da unidade policial onde prestar

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exercício, solicitando, com antecedência, providências a quem de direito, necessárias ao seu

atendimento;

18. Cumprir e fazer cumprir as leis e normas regulamentares, em especial as inerentes às atividades da

Polícia Civil;

19. Exercer atividades administrativas de interesse policial civil ou de segurança pública;

20. Expedir atestados e certidões inerentes a sua atividade profissional;

21. Solicitar auxílio de unidades policiais, quando necessário para o bom desempenho das atividades

do órgão onde presta exercício;

22. Elaborar relatório circunstanciado sobre as atividades, pessoal e material da unidade policial onde

passar a prestar serviços e por ocasião da sua transferência definitiva para outro órgão;

23. Cumprir mandados de prisão, coordenar, participar de atividades operacionais, tais como:

barreiras, operações de cumprimento de mandados de busca e apreensão;

24. Conduzir viaturas e realizar prisões, quando no cumprimento de ordens judiciais e situações de

flagrância;

25. Chefiar e coordenar as diligências de cumprimento de mandados de busca e apreensão; e

26. Exercer demais atribuições inerentes ao cargo ocupado, previstas em lei ou regulamento.

Fonte: Lei Complementar 435/2009.

Portanto, são os Delegados e Delegadas de Polícia os responsável constitucionalmente

por dirigirem as Polícias Civis, possuindo diversas atribuições relacionadas à coordenação

administrativa das unidades policiais, coordenação das atividades investigativas e condução

dos procedimentos de polícia judiciária, além de expedir alvarás e atestados, relacionados à

atividade de polícia administrativa.

Passamos, então, à análise das atribuições de polícia judiciária, haja vista ser uma

função exercida exclusivamente pelo cargo de Delegado de Polícia, nos crimes de sua

competência.

3.3 As atribuições de Polícia Judiciária

Conforme Daura (2008, p. 62-63), as atribuições policiais se dividem em polícia

administrativa e polícia judiciária, sendo função da primeira atuar de forma preventiva,

enquanto cabe à segunda a atuação após o cometimento do ilícito, visando colher provas e

informações para possibilitar a repressão pelo Poder Judiciário. Desta forma, o exercício de

polícia judiciária por parte da Polícia Civil visa apontar o eventual autor de uma infração, a

fim de se aproximar ao máximo da verdade real e possibilitar a atuação judicial de forma

imparcial e eficiente.

As funções de polícia judiciária estão previstas no Código de Processo Penal brasileiro

(Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941) que prevê, nos artigos 4º ao 23, as atribuições

da autoridade policial desde o momento em que toma ciência de um fato criminoso até a

remessa do inquérito policial ao juízo competente para processar e julgar o autor do crime.

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O artigo 4º, caput, descreve: "Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas

autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração

das infrações penais e da sua autoria." Portanto, mais uma vez, verifica-se que, no

ordenamento jurídico brasileiro, o termo autoridade policial corresponde ao Delegado de

Polícia de carreira, sendo que o exercício dos poderes é feito por meio dos agentes,

congregados no órgão de Polícia Judiciária (Cf THOMÉ, 1997, p. 25).

No artigo 6º, o Código de Processo Penal determina algumas providências que o

Delegado de Polícia deve adotar quando tiver conhecimento da prática de uma infração penal:

Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade

policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o

estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender

os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas

circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no

que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o

respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura;

VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar,

se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível,

e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do

indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica,

sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer

outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

O referido artigo, portanto, descreve que a autoridade policial deverá preservar a cena

do crime, realizar apreensões de objetos necessários à investigação, colher todas as provas

para o esclarecimento dos fatos, inclusive ouvindo testemunhas, ofendido e suspeitos. Pode,

ainda, proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas, fazer acareações, determinar que se

realizem exames periciais e ordenar a identificação datiloscópica do indiciado nos casos

previstos em lei. O artigo 7º também prevê a possibilidade de reprodução simulada dos fatos,

quando esta não contrarie a moralidade e a ordem pública – este ato é conhecido

popularmente como “reconstituição do crime”.

Esta etapa de colheita de provas sobre o delito, que visa à apuração da infração penal e

da autoria é denominada investigação policial e exterioriza-se através de um procedimento

formal e escrito chamado de inquérito policial. Conforme Daura (2009, p. 102), a

conceituação deste instrumento remonta à Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, que dizia em

seu artigo 42: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o

descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices,

devendo ser reduzido a instrumento escrito”.

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O inquérito policial serve como base para que o Ministério Público, órgão de

acusação, decida por oferecer a denúncia criminal, ou seja, “para que, em sede judicial, se

delibere com dados concretos, sobre o cabimento da mesma, além de se aproveitar algumas

provas já produzidas e embasar a decretação de medidas urgentes”. (DAURA, 2008, p. 102).

Também incumbe à autoridade policial, conforme o artigo 13 do Código de Processo

Penal, o fornecimento de informações às autoridades judiciárias, quando for necessário à

instrução e julgamento dos processos; a realização de diligências requisitadas pelo juiz ou

pelo Ministério Público; o cumprimento de mandados de prisão expedidos pelas autoridades

judiciárias e o poder de representar por prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza.

É de competência do Delegado de Polícia a formalização da prisão em flagrante, nos

termos do artigo 304 do Código de Processo Penal. A prisão em flagrante ocorre nas seguintes

hipóteses (artigo 302): quando o agente é surpreendido cometendo uma infração penal,

quando acabou de cometê-la, ou quando é encontrado logo depois, com instrumentos, armas,

objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração. Também é possível quando

o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em

situação que o faça presumir ser o autor da infração penal.

Conforme Greco (2009, p. 25), o auto de prisão em flagrante é uma peça a ser

confeccionada pelo Delegado de Polícia, nos crimes de sua competência, e é composta pela:

“a) oitiva das testemunhas; b) oitiva da vítima, quando houver, embora não tenha sido

mencionada pelo caput do art.304 do Código de Processo Penal; c) interrogatório do preso.”.

Além do Inquérito Policial e do Auto de Prisão em Flagrante, a autoridade policial

deve conduzir a formalização do Termo Circunstanciado. Esse procedimento se encontra

previsto na Lei 9.099, de 20 de setembro de 1995, que instituiu os juizados especiais cíveis e

criminais, sendo estes competentes para julgamento das infrações penais de menor potencial

ofensivo:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e

leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações

penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

[...] Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os

efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena

máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

A partir desta lei, os crimes cuja pena máxima seja até dois anos de prisão passaram a

ser processados de forma mais célere e evitando-se a aplicação de penas privativas de

liberdade. Assim, caso uma pessoa seja surpreendida cometendo ou logo após cometer um

crime de menor potencial ofensivo, a autoridade policial deverá lavrar o termo

circunstanciado e providenciar a apresentação das partes ao poder judiciário: “Art. 69. A

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autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o

encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as

requisições dos exames periciais necessários.”.

É importante recordar que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) vedou

expressamente a possibilidade de aplicação da lei 9.099 aos crimes relacionados à violência

doméstica e familiar contra a mulher. Assim, tratando-se dos referidos crimes, não há outra

possibilidade senão a prisão em flagrante ou a instauração de inquérito policial.

Também deve-se mencionar que a Lei 9.099 transformou o delito de lesão corporal de

natureza leve (art.129, caput do Código Penal) em crime cuja ação é pública, mas

condicionada à representação da vítima. Assim, desde a edição da referida lei, para que uma

pessoa seja processada e punida pelo crime de lesão corporal leve, a vítima deve manifestar

sua intenção neste sentido. Entretanto, tendo em vista que a Lei Maria da Penha vedou a

aplicação da Lei 9.099 aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, a lesão

corporal leve passou a ser de ação pública incondicionada, isto é, o autor é processado e

punido mesmo sem a anuência da ofendida (CUNHA; PINTO, 2011, p. 180):

Dentre as atribuições do Delegado de Polícia, é importante mencionar o poder para

representar judicialmente pela prisão preventiva, pela prisão temporária, pela interceptação de

comunicações telefônicas e dados telemáticos, pela quebra de sigilo bancário e fiscal, pelo

sequestro de bens e pela busca domiciliar.

Também é de atribuição do Delegado de Polícia a concessão de fiança, nos termos do

artigo 322 do Código de Processo Penal: “Art. 322. A autoridade policial somente poderá

conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja

superior a 4 (quatro) anos”. Conforme Daura (2008, p. 161), a fiança significa

responsabilidade financeira, uma garantia oferecida junto ao processo:

É um instrumento processual o qual objetiva que o acusado, posto em liberdade, se

vincule ao processo não deixando de comparecer aos seus atos, obedecendo a

imposições, para não perder a quantia paga e lhe garantir a liberdade até o trânsito

em julgado da sentença penal condenatória.

A fiança é acompanhada de imposições ao indiciado, as quais devem ser cumpridas

para que não seja perdido o valor depositado e também para que não seja, eventualmente,

decretada a prisão preventiva.

Além de todas as funções de polícia administrativa e judiciária, os Delegados que

atuam em Delegacias da Mulher possuem outras atribuições, tanto em razão da existência da

Portaria 007/2003, do Gabinete do Delegado Geral, que regulamenta as atribuições das

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Delegacias especializadas, assim como em razão de novas previsões decorrentes de leis e

políticas públicas específicas sobre o enfrentamento à violência contra a mulher.

A partir da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no

Brasil, dois instrumentos normativos passaram a orientar a atuação das Delegacias da Mulher,

no enfrentamento à violência de gênero: a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Norma

Técnica de Padronização das Delegacias da Mulher. Os referidos instrumentos ampliaram as

atribuições da Polícia Civil, no que diz respeito aos procedimentos executados pelas

Delegacias da Mulher, exigindo-se a prática de atividades preventivas e protetoras.

Desta forma, passamos à análise das atribuições específicas das Delegacias da Mulher,

bem como da situação fática vivenciada nessas unidades policiais catarinenses.

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4 AS DELEGACIAS DA MULHER EM SANTA CATARINA: QUAL SEU PAPEL?

Apesar das previsões legais referentes à atuação da Polícia Civil enfatizarem seu papel

na atuação repressiva do crime, a lógica das políticas de segurança pública e também de

enfrentamento à violência contra a mulher têm demandando o exercício de diversas funções

de cunho preventivo e protetor. Essas atividades, em Santa Catarina, são executadas pelas

Delegacias da Mulher, que são consideradas unidades especializadas no atendimento de

mulheres vítimas de violência.

Para compreender o papel das Delegacias da Mulher em Santa Catarina, iniciaremos

apresentando as atribuições legais específicas a essas unidades, previstas na Resolução

007/GAB/CPC/SSP/2003, assim como as novas demandas contidas na Lei Maria da Penha e

diretrizes da Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento

à Mulher.

4.1 Atribuições da Delegacia da Mulher: A Resolução 007/GAB/CPC/SSP/2003, a Lei

Maria da Penha e a Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de

Atendimento à Mulher

No organograma da Polícia Civil de Santa Catarina, não se encontram especificadas as

unidades que correspondem às Delegacias da Mulher, haja vista que elas são consideradas, em

estrutura e hierarquia, como uma Delegacia de Polícia de Comarca (DPCo).

A história das delegacias da mulher em Santa Catarina começa com a criação da

Delegacia da Mulher da Capital, que foi a segunda unidade especializada a ser criada no país,

antecedida apenas pela Delegacia da Mulher de São Paulo, inaugurada em 06 de agosto de

1985. A origem dessa unidade em Santa Catarina remonta ao Decreto estadual n.19.273, de

11 de abril de 1983, criou seis “distritos policiais” na Capital catarinense, prevendo que a

“jurisdição” de cada um ficasse a cargo do Secretário de Segurança. Conforme Nizer (2010, p.

142), foi por meio da Portaria 915/GAB/SSP/85, de 27 de setembro de 1985, que o Secretário

de Segurança criou o “setor de proteção à criança e adolescente e o setor de proteção à

mulher”, dentro do 6ª Distrito Policial. Desde então, a 6ª Delegacia de Polícia da Capital

engloba a Delegacia da Criança e do Adolescente e a Delegacia da Mulher.

Desta forma, conforme observa Forcellini (2010, p. 301), a 6ª Delegacia de Polícia,

conhecida popularmente como Delegacia da Mulher, engloba dois setores distintos, embora

harmônicos: “o setor de atendimento à criança e ao adolescente vítimas de violência sexual e

de maus tratos, e o setor de violência doméstica, no qual atende-se às mulheres vítimas, bem

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como seus ofensores, conforme a Lei Maria da Penha.” A autora observa, ainda, que uma das

distinções existentes entre a 6ª Delegacia e as demais delegacias existentes no quadro da

Polícia Civil está na composição de seu quadro funcional, que possui carreira de Psicólogo

Policial, cujas atribuições foram elencadas no capítulo anterior.

Após a criação da Delegacia da Mulher de Florianópolis, outras unidades foram

criadas no Estado, atendendo esse mesmo público: mulheres, crianças e adolescentes. Desta

forma, foi publicada no Diário Oficial do Estado no dia 14 de janeiro de 2004, a Resolução

007/GAB/CPC/SSP/2003, do Gabinete do Delegado Geral da Polícia Civil, a qual

regulamentou as atribuições dessas unidades especializadas:

Art. 1º As Delegacias de Polícia da Mulher, da Criança e do Adolescente, terão

atuação na circunscrição da respectiva comarca, com competência para: I –

Desenvolver os procedimentos legais relativos à apuração de atos infracionais,

conforme o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente; II – Apurar os ilícitos

criminais referentes à prática de violência física e moral contra a mulher, cujo

sujeito ativo do delito seja pessoa do sexo masculino; III – Apurar ilícitos criminais

referentes à prática de violência sexual contra a mulher, cujos sujeitos ativos sejam

pessoas do sexo masculino ou feminino.

Portanto, de acordo com a redação da mencionada resolução, as Delegacias passam a

ser chamadas “da Mulher, da Criança e do Adolescente”, possuindo atribuições relacionadas à

proteção das crianças, à apuração de atos infracionais cometidos por adolescentes, além da

apuração de ilícitos criminais contra a mulher.

É importante notar que essa portaria não diferencia os crimes cometidos contra

mulheres, entre violência doméstica e crimes comuns. O que orienta a atribuição da delegacia

é o sexo sujeito passivo: se for mulher, vítima de qualquer violência física ou moral praticada

por homem, deve ser atendida na unidade. Da mesma forma, qualquer ato de violência sexual

perpetrado contra a mulher, independente do sexo do agressor, a atribuição é também da

especializada. Vale frisar: a circunscrição, ou seja, o âmbito de atuação da delegacia,

corresponde à comarca onde ela está situada. Desta forma, a 6ª Delegacia da Capital, por

exemplo, atende todas as mulheres de Florianópolis que sofrerem os crimes acima descritos,

além de todas as crianças vítimas e os adolescentes em conflito com a lei.

Posterior à edição dessa resolução, entra em vigor a Lei 11.340, de 07 de agosto de

2006 – Lei Maria da Penha. Entre outras inovações no tema do enfrentamento à violência

doméstica e familiar, a referida lei definiu o que é violência doméstica e familiar, em seu

artigo 5º:

[...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou

omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou

psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica,

compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem

vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família,

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compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se

consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade

expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou

tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. [...]

Portanto, como já evidenciado anteriormente neste trabalho, a violência doméstica

teve seu conceito ampliado, pois passou a ser definida como toda aquela baseada no gênero e

praticada no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação

íntima de afeto. A mesma lei, no artigo 7º, definiu as cinco formas de violência doméstica e

familiar contra a mulher, como sendo: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Desta

forma, se amplia também o rol de crimes e circunstâncias onde atribuição passa a ser da

Delegacia da Mulher.

Simão e Toneli (2010, p. 66) realizaram pesquisa junto aos boletins de ocorrência

registrados na 6ª Delegacia da Capital, especificamente na unidade referente à Delegacia da

Mulher, observando dois períodos: de 22/09/2006 a 22/10/2006, que corresponde ao mês

seguinte à vigência da Lei Maria da Penha, e entre 13/08/2007 a 13/09/2007, um ano após o

primeiro período, totalizando 470 boletins de ocorrência.

Esta pesquisa demonstrou que 82% das ocorrências registradas nos dois períodos

classificam-se como domésticas, segundo o conceito inaugurado pela Lei Maria da Penha,

sendo que 93,2% dos agressores eram do sexo masculino. Quanto ao tipo de vínculo entre

autores e vítimas, 77,39% dos homens denunciados se referem a companheiros, ex-

companheiros, marido, ex-marido, namorado e ex-namorado, enquanto outros familiares

como irmãos e filhos correspondem a 8,86% da amostra. Apenas 13, 75% estão fora do

ambiente doméstico e familiar, “outro indicador de que o ambiente doméstico é o principal

foco de incidência da violência contra a mulher.” (SIMÃO; TONELI, 2010, p. 70). Por outro

lado, quando se verificou o vínculo existente entre as mulheres autoras de violência, foi

percebido que apenas 25% estão inseridas no ambiente doméstico e familiar, sendo alta a

frequencia de irmãs e sobrinhas como autoras de violência, seguida por mães, filhas e sogras,

enquanto as autoras que não pertencentes à família (conhecidas, familiares do ex-cônjuge e

vizinhas), correspondem a 59,38%.

Além de outras categorias de análise, Simão e Toneli (2010, p. 75) observaram os

tipos de crimes cometidos. Nos boletins pesquisados, foram apontados 834 crimes contra a

mulher, sendo que 74,7% se referiam aos crimes de Ameaça, Injúria, Difamação e Lesão

Corporal. Os demais tipos de crimes apresentam ocorrência menor, destacando-se a

perturbação da tranquilidade (perseguição ou ligações telefônicas), o dano (destruição de bens

da vítima) e o constrangimento ilegal.

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Por fim, compararam com pesquisa realizada por Lodetti (2007) na mesma delegacia,

concluindo que a Lei Maria da Penha possibilitou o aumento de denúncias contra autores de

crime com vínculos afetivos diversos da relação estritamente conjugal. Entretanto, quanto aos

tipos de crimes praticados, não houve alteração, pois a grande concentração de denúncias é

relacionada aos crimes de ameaça, injúria, difamação e lesão corporal.

Outra pesquisa importante realizada na Delegacia da Mulher da Capital analisou os

registros efetuados durante todo o ano de 2006, tanto na 6ª Delegacia, como em outras

unidades policiais da cidade, os quais foram encaminhados à delegacia especializada. Nizer

(2010, p. 145) analisou 4.765 boletins de ocorrência, constatando que 48,14% se referem ao

crime de Ameaça, seguido de violência física (14,21%) e lesão corporal (9,99%). Além desses

tipos penais, 6,05% dos registros apresentam denúncias relacionadas à violência psicológica,

a qual foi descrita na Lei Maria da Penha.

Estas pesquisas demonstram que a Lei Maria da Penha ampliou o rol de crimes e

situações que passam a ser de atribuição das Delegacias da Mulher. Entretanto, as alterações

mais significativas para o enfrentamento à violência doméstica e familiar são de ordem

processual e procedimental.

Marcelino (2010, p. 101) observa que antes da Lei Maria da Penha, muitas mulheres

chegavam à Delegacia com o intuito de que um policial se dirigisse a sua casa e intimidasse

seu agressor, dando ideia que ela estava pronta para denunciá-lo à polícia se ocorresse outro

tipo de agressão. É o que se chama de “susto” (SANTOS, 2001, p. 102), ou seja, a

demonstração de que a polícia já o conhece e sabe o que ele está fazendo, sendo uma

condição para imposição de mudança. Muitas mulheres desejam que os policiais deem um

susto nos agressores ou ameaçadores, demonstrando que eles podem ser chamados a

comparecer diante da autoridade policial.

Outras mulheres que chegavam à delegacia vinham com vontade de denunciar a

agressão, porém percebia-se claramente que esta não era a vontade real, muitas vezes estavam

ali apenas para desabafar, ou mostrar para si mesmas que tinham coragem de fazer a

denúncia:

Muitos foram os casos em que o policial registro o Boletim de Ocorrência e,duas

horas depois, a mulher agredida, aquela que veio cheia de hematomas, olhos

arrebentados e orgulho ferido, voltou para solicitar que o Boletim de Ocorrência

fosse retirado, pois a agressão havia sido somente um momento de fraqueza, por

culpa do álcool, pois ‘quando está sóbrio, ele é tão bom’, ou por que gostaria de

retirar a Ocorrência com medo do amante descobrir e vir tomar satisfações.

(MARCELINO, 2010, p. 101).

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Segundo o referido autor, com esse tipo de atitude, a própria delegacia “não tinha

muito o que fazer”, pois ao mesmo tempo que estava disponibilizando um policial para ouvir

e registrar o Boletim de Ocorrência, sabia-se que nada aconteceria, porque a própria mulher se

arrependeria do registro. No caso em que a mulher levava até o fim a denúncia, encontrava no

judiciário outro fator de arrependimento: a pena que esperava do agressor era a punição de

pagamento de cestas básicas.

Isso porque a Lei 9.099/95 instituiu o chamado Termo Circunstanciado para os delitos

de menor potencial ofensivo (com penas de até dois anos de prisão). Assim, a autoridade

policial deveria liberar o agressor diante do compromisso do mesmo em comparecer em

audiência do Juizado Especial Criminal, mesmo que ele tivesse sido preso em flagrante. E na

audiência do Juizado, o autor do crime poderia optar por uma pena não restritiva de liberdade

para que o processo fosse suspenso: daí porque muitos agressores “pagavam cestas básicas” a

instituições beneficentes e deixavam de ser punidos criminalmente. “Isto fez com que as

mulheres agredidas ficassem desamparadas e sem saber o que fazer, ou melhor, onde

realmente buscar ajuda, pois o próprio sistema parecia que cobria com lençóis a violência

doméstica.” (MARCELINO, 2010, p. 103).

Conforme Santos (2001, p. 69), neste universo, a perspectiva feminista e a

preocupação com a impunidade levavam a crer que a delegacia da mulher era inoperante e

ineficiente, enquanto alguns pesquisadores entendem que os eventos ali ocorridos eram

positivos, especialmente no que tange ao arquivamento das denúncias pelas mulheres e na

mediação dos conflitos, pois atendiam às expectativas da demanda. Por outro lado, os

policiais somam insatisfações e desmotivação, pois não entendem seu trabalho como “fazer

polícia”.

Conforme discutido no segundo capítulo, a Lei Maria da Penha foi significativa em

razão de alterar os procedimentos realizados pelas delegacias da mulher. A referida lei criou

um sistema que visa coibir a prática da violência doméstica, caracterizando-se pela prevenção

e assistência, prevendo diversos instrumentos jurídicos de caráter protetivo.

Quanto à nomenclatura das delegacias, Santos (2001, p. 76) entende que a

denominação interfere nas rotinas de atendimentos: “delegacias especiais de defesa da

mulher”, ou “delegacias de proteção à mulher” diferem de “delegacias de atendimento” à

mulher, pois refletem nas práticas policiais e nas expectativas da demanda. Neste sentido,

visando padronizar o atendimento, o artigo 8º, inciso IV, da Lei Maria da Penha define como

uma das diretrizes de política pública “a implementação de atendimento policial especializado

para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher”. Assim, para esta

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lei, as unidades policiais devem ser denominadas DEAMs – Delegacias de Atendimento à

Mulher e possuir atendimento policial especializado.

A Lei 11.340/2006 possui um capítulo destinado ao atendimento pela Autoridade

Policial, determinando que “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e

familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará,

de imediato, as providências legais cabíveis” (art.10).

O artigo 11 prevê que a autoridade policial, no atendimento às mulheres em situação

de violência doméstica, deverá adotar as seguintes providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato o

Ministério Público e o Poder Judiciário; II – encaminhar a ofendida ao hospital ou

posto de saúde e ao Instituto; III – fornecer transporte para a ofendida e seus

dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV – se

necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do

local da ocorrência ou do domicílio familiar; V – informar à ofendida os direitos a

ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Desta forma, a lei garante à vítima que seja protegida, com fins a evitar nova prática

de crimes, sendo por meio de transporte a local seguro, ou por meio de acompanhamento ao

local da ocorrência para retirada de pertences pessoais. São medidas que não se relacionam

diretamente à apuração do crime, mas são relevantes como meio de prevenção de novas

ocorrências.

O artigo 12 da Lei Maria da Penha descreve procedimentos a serem adotados, com

relação ao registro de ocorrência de violência doméstica. O referido artigo prevê que a

autoridade policial deve ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência, tomar a

representação a termo, colher as provas do crime, determinar que se proceda ao exame de

corpo de delito e outras perícias, ouvir o agressor e as testemunhas, juntar os antecedentes

criminais do agressor e remeter o inquérito policial ao juiz, no prazo legal. Além disso, o

referido artigo impõe prazo para que a autoridade policial remeta o pedido da ofendida para

concessão de medidas protetivas de urgência. (Cf. CUNHA; PINTO, 2011, p. 81-82).

Sobre as medidas protetivas de urgência, é importante ressaltar que se trata de uma

inovação importante no que se refere à proteção das vítimas de violência doméstica e familiar.

Previstas no artigo 22 da Lei Maria da Penha, as medidas tem como objetivo proteger a

ofendida e evitar a ocorrência de novos crimes ou de crimes mais graves. Assim, pode ser

requerido o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato por qualquer meio, a

proibição de aproximação a uma distância mínima, entre outras medidas. Elas podem ser

solicitadas na Delegacia e devem ser encaminhadas pela autoridade policial ao Poder

Judiciário no prazo de 48h para apreciação. (Cf. CUNHA; PINTO, 2011, p. 86).

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A Lei previu a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher, com competência cível e criminal, para processo e julgamento das demandas

relacionadas à violência doméstica e familiar. Nos locais onde não há instalação de juizados

especializados, geralmente se atribui a uma vara criminal as competências desses processos.

Em razão do alto índice de desistências dos processos, por parte das mulheres, foi

previsto, no artigo 16 que, nas ações que dependem de representação da vítima, somente será

admitida a renúncia perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade,

antes do oferecimento da Denúncia pelo Ministério Público. É o caso de inquéritos relativos

aos crimes de Ameaça, Perturbação da Tranquilidade, Vias de Fato, entre outros.

Embora a intenção do legislador tenha sido a de preservar a veracidade e

espontaneidade da manifestação de vontade da vítima, esta previsão tem sido considerada

polêmica. Autoras como Karan (Apud CUNHA; PINTO, 2011, p. 101), entendem que este

dispositivo inferioriza a mulher, a qual passa a ocupar “uma posição passiva e vitimizadora,

tratada como alguém incapaz de tomar decisões por si própria”.

A decisão da mulher entre processar seu companheiro – levar a “queixa” adiante, ou

desistir e manter a violência restrita ao âmbito privado, é fortemente influenciada pelos papéis

de gênero na família: o que se espera da mulher e do homem em uma relação? O que é normal

entre um casal? O que é e sempre foi “natural”? O que vai mudar com o processo? Como

recorda Gregori (1992, p. 193), o casal é uma unidade construída culturamente e as distinções

sexuais servem para compor os gêneros e as definições de condutas atribuídas a cada um

nessa unidade familiar. Essa naturalização torna complexa a posição da mulher: ela é

cúmplice ao tomar como referência “o masculino” como complementar e definidor do

feminino:

Nesse contexto, cabem à mulher determinados atributos associados à sua natureza

(seus instintos, a feminilidade construída a partir do corpo feminino, etc). Isso

explica, em parte, sua clausura no doméstico, no universo da reprodução. Universo

privado no qual é tecida a trama que aprisiona a mulher e, simultaneamente, torna-a

singular e indispensável. E ela vive essa situação de forma ambígua: gosta de ser

indispensável, mas se ressente com a limitação de sua liberdade. O prazer de se

sentir indispensável e os ressentimentos são vividos num dia-a-dia que não é de todo

imprevisível, mas que gera medo – a violência sobre o corpo da mulher existe de

fato. O medo alimenta a cumplicidade. Ela permitirá à mulher encontrar alguns dos

seus recursos de vingança (recriminá-lo, exigir dele o cumprimento do seu papel).

(GREGORI, 1992, p. 194).

Entretanto, essa vingança, essa a exigência do cumprimento do papel do marido

enquanto homem, pode ser atingida com o simples registro da ocorrência, ou ainda no

momento da intimação do agressor pela Delegacia. Assim, muitas mulheres têm satisfeitas

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suas pretensões mesmo sem que o processo seja deflagrado no âmbito judicial. Resguardam-

se os problemas domésticos ao âmbito privado e afasta-se o medo da dissolução conjugal.

Muitas mulheres não consideram relevante negar a ordem moral que mantém esse

conjunto de referências aos papeis atribuídos aos sexos nas relações. Conforme Gregori

(1992, p. 196), todo o sofrimento que as mulheres descrevem em suas queixas personificam

um agente concreto: o homem. A violência, portanto, reside no outro, e não na ordem de

padrões culturais que regem essa relação que a vítima estabelece com o agressor.

Ao prever que a desistência será admitida somente em juízo, a Lei tem considerado a

possibilidade de imersão das mulheres nessa ordem cultural de naturalização de seu papel na

relação conjugal, onde não é fácil ou permitido o enfrentamento dos medos, exigindo-se uma

postura concreta e de decisão.

Dentre as inovações da Lei também foi imposta a vedação de aplicação de cestas

básicas, prestações pecuniárias ou penas isoladas de multa, aos casos de violência doméstica e

familiar contra a mulher. Conforme Cunha e Pinto (2011, p. 106), a intenção estampada no

artigo 17 é ver o agressor cumprir pena de caráter pessoal, ou seja, restritiva de liberdade

(prisão) ou restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, limitação de finais de

semana, interdição temporária de direitos).

Outra questão que a Lei procurou vedar foi a entrega, pela vítima, de intimação da

Delegacia ao agressor. Tratava-se de “situação até comum, principalmente em locais dotados

de precárias condições de atendimento, com falta de pessoal e equipamentos materiais

adequados” (CUNHA; PINTO, 2011, p. 123). A vítima registrava o boletim de ocorrência e

ainda se via na obrigação de entregar a intimação ao agressor para que ele comparecesse à

Delegacia ou até mesmo ao Fórum. O artigo 21, em seu parágrafo único, veda essa

possibilidade, demandando que as delegacias e os juizados utilizem policiais e oficiais de

justiça para efetuar a notificação ao agressor. Além disso, o mesmo artigo determina que a

ofendida deverá ser notificada quanto aos atos processuais envolvendo o agressor,

especialmente sobre seu ingresso e saída da prisão.

A Lei Maria da Penha também vedou a aplicação dos artigos da lei dos juizados

especiais criminais, a Lei 9.099/95. Desta forma, os crimes de violência doméstica ou familiar

cometida contra mulheres, independente da quantidade de pena, somente serão processados

mediante inquérito policial. No caso de prisão em flagrante, não há possibilidade de

confeccionar Termo Circunstanciado e liberar o agressor: será lavrado Auto de Prisão em

Flagrante, independente da quantidade de pena atribuída ao crime cometido.

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Também em decorrência da inaplicabilidade da lei 9.099/95, o crime de lesão corporal

leve é considerado de ação pública incondicionada, ou seja, o processo ocorre independente

de manifestação de vontade da vítima. O contrário também é válido: mesmo que a vítima não

deseje processar o autor, a Autoridade Policial é obrigada a instaurar o inquérito, produzir as

provas e remeter o resultado da investigação ao Juizado de Violência Doméstica. Essa

situação é particularmente importante no momento da prisão em flagrante, a qual deverá ser

executada independente da vontade da vítima – não há possibilidade de desistir na delegacia,

ou de fazer o boletim apenas para dar “um susto” no agressor.

Verifica-se, pois, os avanços da lei em termos de relações de gênero, primeiro por

tornar de ordem pública o que antes era considerado apenas um problema de privado. A Lei

também forneceu instrumentos às mulheres agredidas e que antes não podiam discutir em pé

de igualdade com seus companheiros alguns assuntos relativos à ordem familiar, como a

guarda e a educação de filhos, a pensão alimentícia, a moradia provisória durante o processo.

Além disso, a Lei inova ao assumir, no artigo 8º, que as políticas públicas devem

promover valores ligados à equidade de gênero, desde a educação escolar baseada na

igualdade e nos direitos humanos, chegando aos meios de comunicação, visando coibir os

papéis estereotipados que perpetuam a violência doméstica. Se o gênero é o significado social

e político atribuído aos sexos, então as representações a respeito dos sexos dentro da

sociedade e da política podem e devem ser modificados por meio das políticas públicas.

Após o advento da Lei Maria da Penha, o número de inquéritos policiais instaurados

junto à 6ª Delegacia de Polícia da Capital dobrou. Nizer (2011, p. 39) realizou pesquisa junto

aos registros efetuados e observou que esse aumento foi inversamente proporcional ao

número de termos circunstanciados:

Tabela 6 – Número de Inquéritos Policiais (IP) Instaurados

Ano Nº de Inquéritos

2006 636

2007 1142

2008 937

2009 1822

2010 986

Fonte: Nizer, 2011, p. 40.

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Tabela 7 – Número de Termos Circunstanciados (TC) realizados

Ano Nº de TC’s

2005 605

2006 578

2007 287

2008 228

2009 198

2010 167

Fonte: Nizer, 2011, p.46.

O aumento no primeiro ano da vigência da Lei decorre, principalmente, da mudança

explicada anteriormente: deixou de ser aplicada a Lei 9.099 para os casos de violência

doméstica, passando a ser admitido o Termo Circunstanciado apenas quando não envolve esse

tipo de violência. Ou seja, casos em que a mulher é vítima de agressão por parte de estranhos,

como por exemplo, durante briga em show, discussão verbal com vizinhos, assédio sexual no

âmbito do trabalho, entre outros.

A redução no número de inquéritos no ano de 2008 e impressionante aumento no

seguinte, pode ser atribuída ao entendimento judicial acerca da necessidade de representação

nos crimes de lesões corporais leves e também quanto à contravenção penal de vias de fato.

Até o ano de 2012, não havia posicionamento jurisprudencial fixado no sentido de que tais

crimes deveriam ser apurados sem necessidade de representação da vítima. Então, os

inquéritos eram instaurados – ou não – conforme o entendimento jurídico do Delegado que

presidia o inquérito e do Promotor que oferecia a denúncia. Daí porque esses números sempre

variavam.

Também em razão da possibilidade de prisão em flagrante, o número de autuações

aumentou consideravelmente. Em 2005, ano anterior à vigência da Lei, foram apenas duas

prisões em flagrante, enquanto no ano seguinte (2007) foram 80 prisões:

Tabela 8 – Número de Autos de Prisão em Flagrante (APF)

Ano Nº de APF’s

2005 02

2006 75

2007 80

2008 51

2009 35

2010 19

Fonte: Nizer, 2011, p. 42.

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Da mesma forma, com relação às medidas protetivas, a partir da vigência da Lei Maria

da Penha, o número de requerimentos tem aumentado ano após ano, provavelmente em razão

da eficácia imediata diante da violência:

Tabela 9 – Número de Medidas Protetivas (MP) requeridas

Ano Nº de Medidas

2006 34

2007 293

2008 318

2009 607

2010 646

Fonte: Nizer, 2011, p. 40.

A Lei modificou, ainda, o artigo 61 do Código Penal, prevendo como agravante de

pena qualquer crime praticado “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações

domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da

lei específica”. Além disso, criou uma figura penal no artigo 129, §9º, prevendo pena de 3

meses a 3 anos de detenção para as lesões praticadas contra ascendente, descendente, irmão,

cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda prevalecendo-

se das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Este tipo penal é aplicável

tanto para vítimas mulheres como homens, garantindo a punição mais rigorosa a todo crime

perpetrado no seio da família e das relações domésticas.6 E mais: se o crime for contra pessoa

portadora de deficiência, essa pena poderá ser aumentada de um terço.

Por fim, uma das modificações mais relevantes à atividade policial refere-se à questão

da prisão preventiva como garantia da execução das medidas protetivas. Segundo o Código de

Processo Penal (art. 312) a prisão preventiva poderá ser decretada: a) como garantia da ordem

pública; b) como garantia da ordem econômica; c) por conveniência da instrução criminal ou

d) para assegurar a aplicação da lei penal. Em todos os casos, deve haver prova da existência

do crime e indício suficiente de autoria. A prisão preventiva também poderá ser decretada em

caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas

cautelares previstas no artigo 282, §4º do Código de Processo Penal.

6 Segundo CUNHA e PINTO, (2011, p. 46), a agressão no âmbito doméstico inclui as pessoas esporadicamente

agregadas, ainda que não tenham vínculo familiar com o agressor. Assim, essa definição abrange as empregadas

domésticas que prestam serviço no seio das famílias e no ambiente residencial.

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Além de cumprir esses requisitos, o artigo 313 prevê as hipóteses para decretação da

preventiva: 1) em crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade superior a quatro

anos; ou 2) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em

julgado; ou 3) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,

adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas

protetivas de urgência; ou ainda 4) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa

ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser

colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese

recomendar a manutenção da medida.

Desta forma, percebe-se que somente em situações excepcionais será decretada a

preventiva em um crime comum. Entretanto, no rol de situações se encontra a questão da

violência doméstica e familiar, a fim de tornar efetivas as medidas protetivas de urgência.

Assim, caso o autor dos fatos venha a descumprir os termos impostos pelo juiz (ex: proibição

de aproximação da vítima), poderá ser decretada sua prisão preventiva visando assegurar a

execução dos termos da medida. A prisão preventiva poderá ocorrer em razão do mero

descumprimento, ainda que o autor dos fatos não tenha praticado novo crime contra a vítima e

mesmo que o inquérito sobre o crime anterior ainda não tenha sido concluído.

Vale observar que a redação atual deste artigo foi dada pela Lei 12.403/2011, a qual

ampliou o rol de proteção concedido pela Lei Maria da Penha às mulheres, abrangendo

também as crianças, adolescentes, idosos, enfermos e pessoas com deficiência, haja vista que

medidas de natureza protetiva podem ser concedidas a estes, conforme legislação específica.

Desta forma, percebemos que Lei Maria da Penha demandou uma substancial

modificação nas atribuições policiais, em razão das novas ações a serem executadas pela

autoridade policial visando a proteção da ofendida no primeiro atendimento, até a

possibilidade de solicitação de medidas protetivas e a decretação de prisão preventiva.

Além disso, a lei prevê diversas medidas integradas de assistência à mulher em

situação de violência, demandando a organização de diversos serviços em rede: Poder

Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, segurança pública, assistência social,

saúde, educação, trabalho e habitação. Com isso, o trabalho policial precisa ser repensado,

englobando as atividades de cunho preventivo, mas também realizando os encaminhamentos

dos casos aos órgãos competentes da rede de atendimento à mulher.

É importante ressaltar que as novas atribuições da Delegacia da Mulher demandaram a

elaboração de uma diretriz para a estruturação dessas unidades policiais. Assim, por iniciativa

da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e da Secretaria de Políticas para

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Mulheres (SPM), foi elaborada a “Norma Técnica de Padronização das Delegacias

Especializadas de Atendimento às Mulheres - DEAMs”. (BRASIL, 2010, p.12).

A referida Norma Técnica foi dividida em cinco capítulos, abordando os seguintes

temas: 1) Legislações nacionais e internacionais sobre direitos humanos das mulheres; 2)

Papel das Delegacias da Mulher no âmbito do Sistema de Segurança Pública; 3) Princípios e

novas atribuições das Delegacias da Mulher; 4) Redes de Serviço; 5) Estrutura física, recursos

humanos e materiais necessários à implantação da Lei Maria da Penha.

Ao abordar o papel das Delegacias da Mulher, no segundo capítulo, a diretriz ressalta

as novas atribuições da polícia civil, em consonância com o Projeto de Modernização das

Polícias Civis, elaborado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. A Norma Técnica

ressalta que compete à Polícia Civil desempenhar a primeira fase da repressão estatal, de

caráter preliminar à persecução processual. Por outro lado, destaca que o papel da Polícia

Civil não pode ser apenas como órgão repressor, “mas educador e aberto à audição do público

usuário” (BRASIL, 2010, p. 28).

Segundo a Norma Técnica, os novos desafios para a Polícia Civil e para as Delegacias

da Mulher consistem em agir com: a) profissionalização (posturas profissionalizadas por

técnicas de gestão e ação operativa); b) prevenção (dissuasão, eficiência e eficácia do método

investigativo e atuando como educadora da cidadania); c) educação e cidadania (correta

audição do público usuário, superando o papel meramente reativo da atividade investigativa);

d) investigação (executar de modo otimizado o ciclo produtivo do sistema de justiça

criminal). (Cf. BRASIL, 2010, p. 28-29)

Além de ressaltar os novos princípios de atuação das Delegacias, a norma técnica

estabelece, expressamente, que “as atividades das DEAMs têm caráter preventivo e

repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento

legal, às quais devem ser pautadas no respeito aos direitos humanos e aos princípios do

Estado Democrático de Direito”. (BRASIL, 2010, p. 30). Além disso, desenvolvem ações

complementares, tendo competências concorrentes com as delegacias de base territorial,

devendo atuar com parceria, potencializando a ação policial na área territorial da respectiva

especializada.

É importante mencionar que as DEAMs tem competência definida pela matéria, isto é,

o tipo de crime a ser investigado: no caso, a violência de gênero. Assim, as beneficiárias

diretas do serviço são todas as mulheres vítimas de violência de gênero, e não somente aos

crimes de violência doméstica e familiar nos termos da Lei Maria da Penha. Daí a importância

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do atendimento ser conduzido por profissionais previamente capacitados em violência de

gênero.

O terceiro capítulo da Norma Técnica de Padronização descreve as novas atribuições

das DEAMs em conformidade com a Lei Maria da Penha. Observa, de forma bastante

acertada,que as novas atribuições são cumulativas, ou seja, além das investigações originárias

decorrentes da especialização de gênero, somam-se as novas, da recente legislação.

Quanto aos procedimentos a serem adotados pelas DEAMs, destaca que “o primeiro

contato entre o/a policial e mulher é muito importante porque pode ser determinante para o

desenrolar da queixa-crime e/ou da investigação criminal” (BRASIL, 2010, p.36). Assim,

considera que tanto a concepção arquitetônica das Delegacias como a postura dos agentes

policiais devem propiciar um atendimento acolhedor.

São apontadas como diretrizes para o atendimento da mulher: a existência de

ambientes separados para a vítima e o agressor; o acolhimento humanizado, garantindo a

privacidade do depoimento da mulher; a ausência de preconceitos ou discriminações no

atendimento; a equipe de atendimento ser qualificada profissionalmente no tema de gênero e,

de preferência, do sexo feminino; o conhecimento das diretrizes e procedimentos, além da

disponibilidade de materiais de informação e orientação para as mulheres; o acolhimento de

todas as mulheres em situação de violência de gênero, ainda que a Delegacia não tenha

atribuição específica, como no tráfico de seres humanos, cuja competência é Federal,

procedendo o encaminhamento para a instância competente; e, por fim, ter a escuta

qualificada, sigilosa e não julgadora. (Cf. BRASIL, 2010, p.36-37).

Desta forma, verificamos que a Delegacia passa a ser um espaço de acolhimento e

proteção – funções estas que exigem uma postura diferenciada por parte da Polícia Civil,

superando a lógica repressiva-punitiva. A qualidade do serviço passa, antes, pela

reformulação dos conceitos de “ação policial”, por parte da própria instituição, e também dos

policiais que trabalham nas unidades especializadas. Santos (2001, p. 96), ao realizar um

estudo antropológico na 6ª Delegacia da Capital, percebeu a problemática da seguinte forma:

A vivência da ação policial na delegacia da mulher tem sido percebida como distante

do fazer polícia: prender, investigar, processar. Distantes da concepção aprendida

nas academias, as práticas são vistas como desestimulantes. Assim, quando a

queixosa chega querendo conversar, a maioria das policiais procuram na delegacia

aquela que pode realizar essa tarefa e de preferência uma assistente social e/ou uma

psicóloga. [...]. Na concepção das policiais, não havia distinção entre o trabalho de

uma psicóloga e de uma assistente social, o que revela um aspecto importante da

divisão do trabalho policial e do não-policial. A ação policial, portanto, deveria se

restringir à determinadas práticas. [...]

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Desta forma, verifica-se a importância de se estabelecerem os papéis da Delegacia da

Mulher, bem como a necessidade de elaboração, em nível estadual, de diretrizes de

atendimento e de regulamentação dos processos, a fim de que os policiais sejam qualificados

para atuarem nesse serviço.

Por isso, é importante que os policiais conheçam os serviços disponíveis em sua

localidade, a fim de encaminharem corretamente as mulheres em situação de violência, bem

como para que contribuam para o fortalecimento da rede de serviços de atendimento:

A rede de atendimento é composta por todos os serviços, governamentais e não

governamentais que prestam assistência às mulheres em situação de violência,

dentre os quais os centros de referência, as casas abrigo, os postos de saúde e

hospitais, IML (DML), serviços de assistência jurídica e psicológica, defensoria

pública, Delegacia da Mulher e Poder Judiciário, serviços de assistência social,

como os que compõe o Sistema Único de Assistência Social (Cras e Creas), dentre

outros. (BRASIL, 2010, p. 45-46).

A parceria entre esses serviços contribui para a formação de um fluxo de atendimento,

garantindo qualidade dos serviços prestados à vítima. Abaixo, a proposta de fluxo de

atendimento a partir de uma DEAM:

Figura 4 - Fluxo da Rede de Atendimento

Fonte: Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. (BRASIL,

2010, p. 48)

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A Norma Técnica lista algumas medidas para auxiliar na articulação da rede: obter

uma lista com o nome, endereço e telefone de todas as instituições sociais que compõem a

Rede de Atendimento; visitar os serviços da Rede de Atendimento; afixar a lista em local

visível para que as mulheres tomem conhecimento; manter a lista atualizada; participar de

reuniões da Rede para trocas de experiências e avaliação do funcionamento da Rede

(BRASIL, 2010, p. 47).

No capítulo cinco, a Norma Técnica fala sobre a Estrutura das DEAMs. Inicia

mencionando a importância da criação de uma Coordenação das Delegacias Especializadas no

âmbito de cada Estado que tiver implantado, no mínimo, dez Delegacias da Mulher (BRASIL,

2010, p. 49), com o objetivo de promover articulação da política de atendimento e

enfrentamento da violência contra as mulheres.

A Norma Técnica prevê que a coordenação deve ter uma gestora, preferencialmente

Delegada de Polícia com experiência em trabalho na DEAM, com formação em violência de

gênero e direitos humanos, e com uma equipe de trabalho que possa executar todas as

atribuições da coordenadoria. Por questões didáticas, agrupamos as atribuições previstas na

Norma Técnica em quatro tipos: a) quanto às políticas públicas; b) quanto ao

acompanhamento dos trabalhos das DEAMs; c) quanto à articulação com as redes de serviços;

e d) quanto à produção de estudos técnicos:

a) quanto às políticas públicas: Assessorar as políticas públicas de segurança pública

da mulher; Coordenar a política de atendimento às mulheres em situação de violência, no

âmbito estadual, orientando tecnicamente o seu desempenho operacional e facilitando a

interlocução na esfera federal, com a SENASP e SPM; Exercer a interlocução das unidades

especializadas com a Secretaria de Segurança Pública, Chefia da Polícia Civil, a Secretaria

Estadual de Segurança e os demais órgãos no âmbito da administração pública; Auxiliar na

divulgação do Disque Denúncia – 180, na sistematização e no atendimento das denúncias e

avaliação dos procedimentos relacionados ao atendimento da Central 180. (Cf. BRASIL,

2010, p. 49-51).

b) quanto ao acompanhamento dos trabalhos das DEAMs: Dar acompanhamento

permanente às Especializadas da Mulher; Orientar as Delegacias da Mulher quanto ao

preenchimento dos boletins de ocorrência (BO) ou registro de ocorrência (RO) e quanto à

produção de estatísticas criminais; Acompanhar os desdobramentos dos casos mais graves

atendidos pelas DEAMs, dialogando com outras instituições envolvidas no atendimento;

Propor a realização de cursos de formação/formação continuada para os profissionais de

Segurança Pública que estão lotados nas DEAMs; Realizar reuniões periódicas com as

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equipes das DEAMs; Fazer vistorias periódicas às DEAMs; Fiscalizar a efetiva aplicação de

atendimento psicossocial para os profissionais que atuam nas DEAMs. (Cf. BRASIL, 2010, p.

49-51).

c) quanto à articulação com a rede de serviços: “Articular com a rede de serviços,

privilegiando o encaminhamento das mulheres em situação de violência aos Centros de

Referência; Facilitar o acesso aos serviços de saúde e a qualquer outro serviço que se faça

necessário e à rede de atendimento; Efetivar a articulação institucional das Unidades

Especializadas com a Rede de Serviços existentes, acompanhar e dirimir dúvidas e impasses

na relação entre as unidades especializadas e os demais serviços da Rede de Atendimento;

Propor discussão permanente com a Rede de Atendimento, promovendo reuniões e formação

conjunta, acompanhando, dirimindo dúvidas e impasses na relação das delegacias com os

serviços da Rede de Atendimento; Participar ativamente da Rede de Atendimento,

promovendo reuniões para fortalecimento das articulações entre as diversas unidades

envolvidas e atividades de formação conjunta, visando estabelecer um sistema de referência e

contra-referência para acompanhar as mulheres atendidas e os desdobramentos efetivados.

(Cf. BRASIL, 2010, p. 49-51).

d) quanto à produção de estudos técnicos: Proceder estudos a respeito do perfil das

(os) policiais que atuam e/ou deverão autuar nas Unidades Especializadas, indicando critérios

a serem adotados para a sua seleção e/ou transferência; Efetuar estudos para a ampliação do

número de Delegacias Especializadas no estado, indicando também a necessidade de reformas

e adaptações nos prédios e de outras necessidades materiais apresentadas pelas DEAMs;

Coordenar e administrar o banco de dados sobre violência de gênero, administrando as

seguintes atividades: receber os dados coletados pelas unidades especializadas; proceder à

interpretação e análise dos dados para informação e divulgação; e elaborar relatórios de

análise estatística, que serão utilizados pelas unidades especializadas no planejamento das

suas ações; Participar de estudos e pesquisas sobre violência de gênero, em parcerias com

núcleos de estudos de gênero das universidades, ONGs e fundações. (Cf. BRASIL, 2010, p.

49-51).

Outro aspecto importante que é recomendado pela Norma Técnica, diz respeito aos

recursos humanos (BRASIL, 2010, p.52-53). Baseada em um estudo do Departamento de

Planejamento Organizacional da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado Rio

Grande do Sul, que considerou fatores como a população, área geográfica, número de

ocorrências, dentre outros, a Norma Técnica apresenta um quadro de referência para lotação

mínima necessária de servidores na unidade:

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Tabela 10 – Sugestão de quadro de pessoal das Delegacias da Mulher

Categoria

Profissional

Até 100 mil

hab.

Até 300 mil

hab.

Até 500 mil

hab.

Até 1

milhão hab.

Acima de 1

milhão hab.

Delegado (a) 02 03 04 05 A partir de 5

Agente policial

(escrivão ou

investigador)

21 42 63 84 105

Apoio

Administrativo

02 04 06 08 10

Serviços Gerais 01 02 03 04 05

Fonte: Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento à

Mulher. (BRASIL, 2010, p. 53)

A Norma Técnica considerou como ideal o seguinte efetivo para uma DEAM: 02

Delegados, 21 Agentes (Escrivães e Investigadores), 02 apoios e 01 Serviços Gerais. Esses

números, entretanto, correspondem a uma Delegacia de cidade com até 100 mil habitantes.

Para cidades maiores, estabeleceu que a quantidade de DEAMs deve ser maior,

localizando-as em áreas geográficas antagônicas: a) municípios com até 300 mil habitantes: 2

DEAMS; b) municípios com até 500 mil habitantes: 3 DEAMS; c) municípios com população

entre 500 e 1 milhão de habitantes: 4 DEAMS; d) municípios com mais de 1 milhão de

habitantes: 5 DEAMs.

De acordo com esses parâmetros, o setor de Recursos Humanos da Polícia Civil pode

elaborar um estudo comparativo com a realidade existente nas Delegacias do Estado,

sugerindo mudanças no quadro lotacional de servidores ou até mesmo fundamentando a

abertura de concurso público.

Quanto ao horário de atendimento nas DEAMs, deve ser ofertado de maneira

ininterrupta, em plantão de 24h, inclusive aos sábados, domingos e feriados. Além disso, a

Delegacia deve dispor de uma equipe presente em horário de expediente, entre 8h-18h.

A Norma Técnica sugere, também, questões relacionadas à infraestrutura da unidade

policial, destacando a importância de equipamentos mínimos de comunicação, transporte,

armamento e informática, entre outros:

a. Comunicação – Neste item estão especificados os seguintes equipamentos: 1

Central fixa de rádio, 1 Central telefônica, 2 Rádios HT e um telefone fax; b.

Transporte – Estão especificados 1 (um) camburão (com cela), 2 (dois ) veículos

caracterizados e 2 veículos sem caracterização; c. Armamento – Neste item, a

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especificação é destinada a cada policial em exercício na Delegacia, sendo

necessária uma pistola 40 PT 940, revólver, algemas e colete balístico. A munição

deve ser, no mínimo, de 50 cartuchos para cada arma; além disso, é importante o

manuseio de instrumentos de tecnologia menos letais. d. Informática – A

especificação prevê, no mínimo, 4 computadores e 4 impressoras, sendo 1

multifuncional e 2 modelos deskjet, com previsão de rede lógica e internet, com

acesso ao Infoseg; computador portátil, implantação de sistema informatizado para

coleta e análise de dados estatísticos, registros, informações, software para banco de

dados; e. Diversos – neste item, os equipamentos especificados devem observar o

avanço tecnológico, incluindo: 1 TV LCD de, no mínimo, 29 polegadas, 1 video e

DVD, 1 máquina fotográfica digital, 4 minigravadores, 1 bebedouro refrigerado, 1

filmadora, 1 fogão, 1 geladeira, ventiladores e detector de metal, equipamento de

datashow e ar- condicionado. Além disso, materiais de consumo, panfletos de

divulgação e informação, cartilhas e outros materiais informativos. (BRASIL, 2010,

p. 55-56).

Sobre a localização e o espaço físico, a Norma Técnica recomenda que as DEAMs

devem estar localizadas em áreas próximas a outros serviços que compõe a rede de

atendimento e que sejam providas de transporte urbano. Quanto às instalações, observa que

devem ser “amplas, com fachadas bem iluminadas e sinalizadas de forma a facilitar o acesso

da população e observar as especificações constantes na legislação vigente, em especial, no

que se refere à acessibilidade”. (BRASIL, 2010, p. 56).

Quanto ao espaço físico, compreende necessária a existência de uma área de recepção,

com espaços separados para espera da vítima e do agressor; uma área de registro, composta

por cartório, sala de espera e sala de registro de boletim de ocorrência; um local para

assistência judiciária; uma área para a equipe técnica, com três salas: para a equipe de

investigação, para a comunicação e para reconhecimentos, com espelho gessel; uma área para

a coordenação, que se refere à sala da Delegada, à sala de reunião e uma sala de espera; uma

área de apoio, composta por almoxarifado, sala de estar para servidores, copa e cozinha, sala

de equipamentos e armamentos e sala de detenção provisória; e, por fim, áreas comuns,

compostas por estacionamentos para público e para as viaturas, banheiro feminino e

masculino, sala de audiência e sala de reuniões. (BRASIL, 2010, p.55-56).

Apesar de prever condições ideais para estruturação das Delegacias da Mulher, é

importante ressaltar que a referida Norma Técnica não é uma lei que obriga a Administração

Pública, e sim uma diretriz nacional que visa melhorar os processos e padronizar as unidades

no país. Entretanto, é inegável que a implantação das diretrizes constantes nessa Norma

Técnica pode refletir em melhoria da qualidade de atendimento das vítimas e no

fortalecimento do enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.

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Desta forma, passamos ao estudo da estrutura das Delegacias da Mulher em Santa

Catarina, buscando verificar a realidade fática quanto às atribuições exercidas, à estrutura e

aos recursos humanos existentes.

4.2 A realidade das Delegacias da Mulher em Santa Catarina: análise a partir do

questionário respondido pelos Delegados/Delegadas

Para verificar as condições estruturais das Delegacias da Mulher em Santa Catarina,

elaboramos um questionário para ser respondido pelos Delegados ou Delegadas titulares das

unidades policiais especializadas. O questionário visou levantar informações sobre a estrutura

física e de equipamentos da Delegacia, a rotina de funcionamento, os tipos de crimes

investigados, as atribuições exercidas e os procedimentos efetuados. Também objetivou

levantar informações sobre o perfil dos/das Delegados/Delegadas atuantes em tais unidades,

bem como a percepção das mesmas sobre gênero e políticas públicas. O questionário foi

enviado por email, em formato de formulário online, e os participantes tiveram 20 dias para

responde-lo.

A primeira dificuldade enfrentada foi a identificação das Delegacias da Mulher

existentes no âmbito da Polícia Civil. Conforme já mencionado anteriormente, Santa Catarina

foi o segundo Estado brasileiro a inaugurar uma Delegacia da Mulher, sob a forma de setor

especializado dentro da 6ª Delegacia da Capital. Após essa iniciativa, as demais unidades

foram criadas sucessivamente por lei, subordinando-se às Delegacias Regionais de Polícia

(DRP). Desta forma, em pesquisa realizada junto ao site da Assembleia Legislativa de Santa

Catarina, identificamos a criação de 30 Delegacias da Mulher no Estado, conforme o quadro

abaixo:

Tabela 11 - Relação das Delegacias da Mulher em Santa Catarina, leis de criação e

nomenclatura

DRP Sede Lei de criação da DP da Mulher Nome atribuído

0 Florianópolis Dec 19.273, de 11 de abril de 1983

“6ª Delegacia de Polícia” – Setor de

Proteção à Mulher

1ª São José Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

2ª Joinville Dec 3357, de 30 de maio de 1989 Delegacia de Proteção à Mulher

3ª Blumenau Dec 3290, de 18 de maio de 1989

Delegacia de Proteção à Mulher e ao

menor

4ª Itajaí Dec 3134, de 29 de março de 1989 Delegacia de Proteção à Mulher

5ª Tubarão Dec 3359, de 31 de maio de 1989

Delegacia de Polícia de proteção à

Mulher e ao Menor

6ª Criciúma

Dec 2542, de 21 de novembro de

1988 Delegacia de Proteção à Mulher

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Fonte: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina

É importante ressaltar que a Delegacia da Mulher da Palhoça, constante no quadro

acima, está estruturada e em funcionamento desde 2012, embora o decreto de sua

7ª Rio do Sul Dec 2128, de 18 de agosto de 1997

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

8ª Lages Dec 3289, de 18 de maio de 1989

Delegacia de Proteção à Mulher e ao

menor

9ª Mafra Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

10ª Caçador Dec 2128, de 18 de agosto de 1997

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

11ª Joaçaba Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

12ª Chapecó Dec 4196, de 11 de janeiro de 1994

Delegacia de Polícia da Criança,

Adolescente e Proteção à Mulher

13ª

São Miguel

Do Oeste Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

14ª Concórdia Dec 4709, de 19 de abril de 1990

Delegacia de Proteção à Mulher e ao

menor

15ª

Jaraguá do

Sul Dec 4587, de 22 de janeiro de 1990

Delegacia de Proteção à Mulher e ao

menor

16ª Xanxerê Dec 2286, de 14 de outubro de 1997

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

17ª Brusque Dec 3387, de 02 de junho de 1989 Delegacia de Proteção à Mulher

18ª Laguna

Dec 4983, de 23 de novembro de

1994

Delegacia de Polícia da Criança,

Adolescente e Proteção à Mulher

19ª Araranguá Dec 3360, de 31 de maio de 1989

Delegacia de Proteção à Mulher e ao

menor

20ª Ituporanga

Dec 4983, de 23 de novembro de

1994

Delegacia de Polícia da Criança,

Adolescente e Proteção à Mulher

21ª

São Bento do

Sul

Dec 4983, de 23 de novembro de

1994

Delegacia de Polícia da Criança,

Adolescente e Proteção à Mulher

22ª Canoinhas

Dec 4983, de 23 de novembro de

1994

Delegacia de Polícia da Criança,

Adolescente e Proteção à Mulher

23ª Porto União Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

24ª Curitibanos Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

25ª Videira Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

26ª

Campos

Novos Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

27ª São Joaquim Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

28ª

São Lourenço

Do Oeste Dec 2286, de 14 de outubro de 1997

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

29ª

Balneário

Camboriú Dec 3200, de 24 de setembro de 1998

Delegacia de Polícia da Mulher, da

Criança e do Adolescente

30ª Palhoça

Em funcionamento, mas não foi

criada por lei

DCAMI – Delegacia de Proteção à

Criança, Adolescente, Mulher e Idoso

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regulamentação ainda não tenha sido publicado. Já a Delegacia da Mulher de Laguna, embora

prevista em lei, não foi completamente estruturada, havendo previsões para entrar em

funcionamento a partir de 2014. Por outro lado, duas unidades foram criadas por lei, mas

nunca foram instaladas: é o caso das DEAMs de Xanxerê e de São Lourenço Do Oeste.

Desta forma, encaminhamos o questionário para 28 Delegados/Delegadas de Polícia,

titulares das especializadas em funcionamento. Destes, 19 responderam à pesquisa: Porto

União, Mafra, São Joaquim, Itajaí, Araranguá, Joinville, Blumenau, Palhoça, Tubarão,

Campos Novos, Rio do Sul, Lages, Chapecó, Jaraguá do Sul, Balneário Camboriú, Joaçaba,

Florianópolis, Videira e São Bento do Sul. Portanto, deixam de fazer parte da presente

pesquisa as unidades de São Miguel D’Oeste, Concórdia, Caçador, Curitibanos, Canoinhas,

Ituporanga, Criciúma, Brusque e São José.

Ao analisar as respostas, verifica-se que a falta de padronização destas unidades já

começa pela nomenclatura: grande parte se denomina “DPCAMI (Delegacia de Proteção à

Criança, Adolescente, Mulher e Idoso”, enquanto algumas se dizem “DPCAMI-FRON

(Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Fronteira)”, e uma se

chama “6ª Delegacia de Polícia da Capital”. Entretanto, nenhuma das nomenclaturas existe

por lei, conforme se verifica a partir dos Decretos estaduais de criação, citados na tabela

acima.

Conforme se pode perceber, cada Decreto que criou uma unidade a batizou com nome

distinto. Em algumas regionais, a denominação oficial é “Delegacia de Proteção à Mulher”,

enquanto em outras unidades foram criadas com o nome de “Delegacia de Proteção à Mulher,

Criança e Adolescente”. Administrativamente, para garantir uma padronização mínima, no

ano de 2008 passou a se instituir a denominação extraoficial “DPCAMI – Delegacia de

Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso” para todas as unidades.

A inserção da população idosa no atendimento preferencial por esta especializada se

deu exclusivamente em razão da publicação do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de

outubro de 2003). Não há criação formal dessas unidades no Estado, tampouco existe Portaria

regulamentadora das atribuições que essas delegacias possuem. O fato é que tal demanda

subdividiu ainda mais os trabalhos da Delegacia da Mulher, a qual já contava com setor de

proteção à criança e ao adolescente, além do atendimento de adolescentes em conflito com a

lei. A Delegacia da Mulher da Capital foi a única unidade especializada que não incorporou a

demanda do idoso, realizando atendimentos apenas a Crianças, Adolescentes e Mulheres.

Já com relação à denominação “DPCAMI – Fron”, origina-se do Projeto ENAFRON -

Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras, um convênio celebrado entre Estado

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e Federação, por meio do Ministério da Justiça e Secretaria Nacional de Segurança Pública.

De acordo com o Decreto estadual n.1.227, de 30 de outubro de 2012, as unidades policiais

localizadas em regiões de fronteira passam a receber nova denominação. Assim, por exemplo,

a região de Chapecó passa a ser a 12ª Delegacia Regional de Polícia de Fronteira – 12ª DRP-

Fron, e assim as unidades policiais subordinadas, motivo pelo qual a DPCAMI de Chapecó se

denomina DPCAMI – Fron.

A área de atuação também não segue um padrão: algumas delegacias têm o âmbito

circunscricional adstrito à cidade sede da Comarca onde estão instaladas (Ex: Porto União,

Joaçaba, Palhoça, Joinville, Florianópolis, Itajaí), enquanto outras atendem ao público das

cidades vizinhas (Ex: Rio do Sul, que atende Agronômica, Lontras, Presidente Nereu e

Aurora; São Bento do Sul que atende também Campo Alegre; Campos Novos que atende

também Zortéa, Brunópolis e Vargem; Jaraguá do Sul, que atende também Corupá).

Quanto ao horário de atendimento, 47% atendem somente em horário de expediente,

compreendido entre 8h-18h, enquanto 16% atendem em expediente e realizam sobreaviso

noturno. Apenas 7 unidades atendem em regime de plantão 24 horas.

Gráfico 1 – Horário de Atendimento das DPCAMI em Santa Catarina.

Expediente 8-18h47%Expediente e

sobreaviso16%

Plantão 24h37%

Horário de Atendimento

Fonte: Questionários aplicados

Outro objetivo da aplicação do questionário visava traçar um perfil dos

Delegados/Delegadas atuantes nas DPCAMI. As respostas demonstraram que a maioria é do

sexo masculino (13 Delegados e 6 Delegadas), e possuem pouco tempo de serviço na

Especializada - até 5 anos (17 delegados). A faixa etária predominante é de 30-40 anos,

seguida pelos que possuem entre 40-50, verificando-se, ainda, a presença de dois Delegados

com idade inferior a 30 anos e dois na faixa etária de 50-60 anos:

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Gráfico 2 - Perfil dos Delegados/Delegadas de DPCAMI em Santa Catarina.

Fonte: Questionários aplicados

Dentre os que responderam ao questionário, verificamos que apenas 8 possuem curso

certificado sobre gênero ou Lei Maria da Penha, o que demonstra duas situações: a) que não

há preparação especializada aos Delegados que assumirão DPCAMI; b) a necessidade de

investimento em formação continuada. Não se pode esquecer que a qualidade do atendimento

e a atenção integral das vítimas tem relação direta com o conhecimento sobre a legislação e os

deveres inerentes à Polícia Civil no enfrentamento à violência de gênero.

Da mesma forma, a interlocução com outros órgãos, a formação de redes e a

elaboração de políticas públicas efetivas no enfrentamento à violência de gênero passam pela

atuação dos Delegados em Conselhos de Direito da Mulher, Conselhos da Criança e do

Adolescente, Conselhos do Idoso, entre outros. O questionário revelou que apenas 6

Delegados participam de algum conselho Federal, Estadual ou Municipal.

Também foram realizadas perguntas abertas aos Delegados, com o objetivo de

verificar o que pensam a respeito de gênero, violência de gênero e Políticas Públicas. À

primeira pergunta: “O que você entende por gênero?”, 13 Delegados/Delegadas responderam,

e observou-se que 06 respostas continham a palavra “sociedade” ou “relações sociais”, ou

seja, para esses delegados, gênero se relaciona com “papéis atribuídos pela sociedade”, ou

“construção social” sobre os sexos:

“Entendo que gênero é um termo utilizado no intuito de superar os determinismos

biológicos que diferem os sexos feminino e masculino, no intuito de redefinir as

relações entre homens e mulheres e questionar o lugar e os papéis que eles ocupam

na sociedade e as relações de poder que se estabelecem”. // “Trata-se não só da

distinção entre homens e mulheres, mas nas relações sociais entre eles estabelecidas

e também nos diferentes papeis por eles ocupados na sociedade.” // “Gênero são as

atribuições/estereótipos que determinada sociedade atribui as pessoas, as

classificando em homens ou mulheres.” // “A palavra gênero tem alguns

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significados.Contudo, relacionado ao tema proposto (Delegacias Especializadas),

gênero é a diferença existente entre o "mundo" masculino e o feminino; são as

características atribuídas a cada sexo pela sociedade.”// “Trata-se de uma construção

social que define o que seja ser homem ou ser mulher.”// ” Refere-se à identidade

adotada ou atribuída a uma pessoa de acordo com seus genitais, psicologia ou seu

papel na sociedade.”

Também foi possível observar 03 respostas que relacionaram “gênero” e violência, ou

seja, crimes específicos contra determinados grupos como mulheres, crianças, adolescentes e

idosos. Pode-se dizer que existe, por parte desses profissionais, a compreensão do gênero

como uma relação de hipossuficiência, de desigualdade, onde a violência é a forma de poder

exercida sobre tais grupos em situação de vulnerabilidade.

Uma resposta referiu gênero “a tudo o que se refere à lei Maria da Penha”. Esta

percepção é fruto do novo paradigma normativo e conceitual que a Lei Maria da Penha

inaugurou, ao definir as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Foi a

primeira vez que uma lei brasileira instituiu o debate de gênero no âmbito da Segurança

Pública, prevendo expressamente o termo “violência de gênero”.

Quando questionados se consideram que a Delegacia atende às demandas relacionadas

à violência de gênero, 14 responderam positivamente, sendo que apenas uma resposta foi em

sentido negativo:

De forma alguma. As Delegacias da Mulher tem sido utilizadas pela população

como o único espaço público de reclamação de suas questões pessoais. As mulheres

que procuram a Delegacia buscam por soluções que só um atendimento psicossocial

e jurídico poderia resolver. Pela ausência desse serviço, a mulher se frustra e o

trágico resultado é a criminalização das questões familiares de pessoas menos

esclarecidas e, geralmente, de baixa renda. Cabe esclarecer que as pessoas que

verdadeiramente sofrem violência de gênero não procuram as Delegacias de Polícia,

por medo, por desconhecimento de seus direitos e por serem resilientes às violências

sofridas.

Na visão desse delegado (a), o público que procura a Delegacia de Polícia precisaria

de assistência social por parte de outros órgãos da rede de atendimento. Na falta destes, a

solução criminal oferecida pelo procedimento policial é a mais barata e viável para resolução

dos conflitos familiares. O (a) Delegado (a) acredita que as pessoas que realmente sofrem

violência de gênero não têm procurado a delegacia – essa percepção provavelmente ocorre

diante do perfil diversificado de mulheres que tem procurado acesso aos serviços policiais. Ao

mesmo tempo em que algumas pesquisas demonstram que as mulheres vítimas de violência

doméstica são submissas, economicamente dependentes e com baixo poder de decisão sobre

os atos da própria vida, esse nem sempre é o perfil, pois conforme observa Nizer (2010, p.

150), grande parte das mulheres que procuraram a Delegacia da Mulher de Florianópolis

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trabalham e têm condições de sustentar a si e aos filhos, e continuam possuindo os direitos

assegurados pela Lei Maria da Penha.7

Aqueles que consideram que a delegacia atende às demandas de gênero justificaram

sua posição afirmando cumprimento às demandas da Lei Maria da Penha, que exige a

ocorrência de violência baseada no gênero, além da previsão de atendimento a todos os crimes

em que as vítimas sejam mulheres.

Também foi questionado se eles/elas consideram que a Delegacia tem implantado

Políticas Públicas de Gênero ou Políticas Públicas para Mulheres, e se eles entendem haver

diferença entre tais políticas. Com relação a essa questão, obtivemos 14 respostas, sendo que

06 Delegados entenderam que a Delegacia não tem implantado políticas públicas de gênero

ou políticas para as mulheres.

Nas respostas oferecidas por esses Delegados/Delegadas, pode-se verificar que não há

uma percepção da atividade policial especializada como parte da política pública de

enfrentamento à violência de gênero. Alguns responderam que as políticas públicas competem

ao Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, sendo que à Delegacia de Polícia cabe

orientar às usuárias sobre quais políticas estão disponíveis, de acordo com o perfil e

necessidades. Outros responderam que só conseguem se limitar ao trabalho da Delegacia, às

demandas de procedimentos policiais a serem encaminhados para o Poder Judiciário, não

conseguindo participar de fóruns, cursos, debates.

Estas falas são preocupantes, pois evidenciam certa frustração dos profissionais, os

quais esperavam participar mais ativamente da política de enfrentamento à violência contra as

mulheres. Ao mesmo tempo, as afirmativas demonstram certo desconhecimento sobre tais

políticas, as quais passam necessariamente pelo registro das ocorrências, pela investigação

dos crimes e pela responsabilização do agressor – atividades essas que tornam visíveis as

violências, produzem estatísticas, promovem o encorajamento e oportunizam o acolhimento

das queixas e denúncias. Neste contexto, a função da Delegacia de Polícia é essencial para tal

7 Sobre a confusão existente entre violência de gênero e vulnerabilidade, vale recordar a decisão judicial no caso

de agressão sofrido pela atriz Luana Piovani, perpetrado em 2008 pelo seu, então, namorado, Dado Dolabella. O

Tribunal do Rio de Janeiro, em decisão publicada no dia 25/06/2013 entendeu que o Juizado de Violência

Doméstica é incompetente para julgar a ação, deixando de aplicar a Lei Maria da Penha ao caso. Conforme

notícia publicada no sítio do Poder Judiciário do Rio de Janeiro, “Ao traçar um histórico sobre a Lei Maria da

Penha, o desembargador Sidney Rosa da Silva ressaltou que a regra se aplica “pelo binômio ‘hipossuficiência’ e

‘vulnerabilidade’, em que se apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que inclui relações

diversas movidas por afetividade ou afinidade”. O magistrado acrescentou que é “público e notório que a

indicada vítima nunca foi uma mulher oprimida ou subjugada aos caprichos do homem”. Disponível em:

<http://www.tjrj.jus.br/web/guest/home/-/noticias/visualizar/129505>.

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política, ainda naquelas unidades que se restringem a elaborar os procedimentos policiais e

encaminhá-los à Justiça.

Esta percepção acerca da importância da especializada está presente na fala dos

Delegados que consideram a Delegacia como promotora de políticas públicas. Estes entendem

que a própria implantação da Delegacia da Mulher já é uma política pública para mulheres e

assim se consolida por possuir atendimento específico para o público feminino, quando

fornece “apoio psicossocial no local, encaminhamento a centros especializados em

acolhimento social, encaminhamento de pedidos de medidas protetivas, encaminhamento à

Casa Abrigo da Mulher, etc.”.

Algumas falas evidenciaram, também, um descontentamento com as políticas públicas

de segurança, as quais “privilegiam crimes de maior repercussão midiática”, fazendo com que

as DPCAMI sejam “carentes em recursos, em efetivo qualificado e em equipamentos, apesar

da grande demanda de trabalho”. Além disso, alguns delegados mencionaram o fato de que a

Delegacia atende diversos públicos além da violência contra a mulher – o caso das crianças,

adolescentes e idosos, o que aumenta o número de procedimentos policiais e faz com que,

muitas vezes, “as Delegacias cumpram os preceitos legais de forma mecânica [...]”.

Quanto à diferença entre políticas de gênero e políticas para mulheres, 01

Delegado/Delegada disse não haver distinção entre tais políticas, enquanto 04

Delegados/Delegadas responderam afirmativamente, definindo-as:

“Há diferenças sim, a política pública de gênero tem uma abrangência muito maior

do que a política pública para mulheres, abrangendo não só estas, mas também toda

relação entre pessoas, seja do mesmo sexo ou não, em que exista vulnerabilidade e

dependência de uma parte em relação a outra, com ressalvas para a discussão

doutrinária acerca das relações homoafetivas masculinas, onde ainda há muita

discussão e polêmica sobre o tema.” // “Sim, há diferença entre políticas públicas de

Gênero e Políticas Públicas para Mulheres, pois as primeiras são voltadas a garantia

da igualdade material entre homens e mulheres, enquanto as segundas visam apenas

melhorar as condições das mulheres sem estarem baseadas nas preocupações

atinentes as diferenças de gênero.” // “Entendo que há diferença entre política

pública de gênero e política pública para mulheres, porque a primeira teria o intuito

de chegar-se à equidade tão esperada”.

A segunda parte do questionário diz respeito às atribuições e estrutura das Delegacias

da Mulher. Conforme já mencionado anteriormente, a resolução interna da Polícia Civil que

disciplina as atribuições dessas especializadas (Resolução 007/GAB/2003) está defasada,

porque confeccionada anteriormente à Lei Maria da Penha e não incorporou o conceito de

gênero. Além disso, existem inúmeras divergências quanto ao atendimento de crianças e

adolescentes, pois a referida portaria mencionou o termo “Criança” apenas na nomenclatura

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da delegacia, não descreveu em quais casos a criança vítima deverá ser atendida por estas

unidades.

Assim, o questionário possuía a seguinte questão: “Quanto aos crimes investigados

pela Delegacia Especializada, assinale as atribuições de sua unidade:”. A única resposta que

foi assinalada em todos os questionários se refere à apuração de atos infracionais praticados

por adolescentes. Ou seja, o único padrão de atendimento nessas delegacias é que todas são

responsáveis pelos adolescentes em conflito com a lei.

Entretanto, com relação às atribuições relacionadas à proteção das crianças e

adolescentes, há bastante divergência: 07 unidades responderam que somente atendem

crianças na condição de vítima de qualquer tipo de crime, e nunca os adolescentes nesta

condição, enquanto 10 Delegacias responderam que atendem ambos os públicos, quando são

vítimas de crimes de qualquer natureza. Por outro lado, quando crianças e adolescentes são

vítimas de crimes específicos, como maus tratos e violência sexual, 11 Delegacias entendem

ser de atribuição da especializada a apuração do fato.

Com relação ao atendimento da mulher, nem todas as delegacias cumprem fielmente o

disposto na Resolução 007/GAB/2003. Dos 19 Delegados que responderam o questionário, 15

dizem seguir literalmente o que está previsto na primeira parte da resolução: “Apurar os

ilícitos criminais referentes à prática de violência física e moral contra a mulher, cujo sujeito

ativo do delito seja pessoa do sexo masculino”, enquanto 14 Delegados/Delegadas disseram

cumprir a atribuição prevista na segunda parte da referida resolução: “Apurar os ilícitos

criminais referentes à prática de violência sexual contra a mulher, cujos sujeitos ativos sejam

pessoas do sexo masculino e feminino”.

Na questão relativa à apuração de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, 18

Delegacias responderam que apuram todas as formas dessa espécie de violência, embora não

existe referência expressa na Resolução 007/GAB/2003. O desempenho desta atribuição

decorre, portanto, das inovações e demandas originadas com a Lei Maria da Penha.

Há, ainda, o registro de seis Delegacias que dizem atender todo o tipo de crime

cometido contra a mulher, em sua área de circunscrição, desde que tenham sido cometidos por

homens. Desta forma, nessas unidades, ainda que não se enquadre no conceito da Resolução

007/GAB/2003, tampouco na Lei Maria da Penha, mesmo assim o crime é apurado pela

Delegacia da Mulher.

Quanto à demanda de proteção ao Idoso, não há consenso quanto ao critério a ser

adotado para atender esse público, pois sequer há previsão em lei ou regulamentação interna

da Polícia Civil: 7 Delegacias que apuram todo o tipo de crime cometido contra o idoso; 8

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delegacias apuram somente crimes contra o idoso quando houver a ocorrência de violência

doméstica ou familiar nos termos da Lei Maria da Penha; e 13 Delegacias apuram os crimes

previstos no Estatuto do Idoso.

Essas divergências relacionadas às atribuições são enfrentadas diariamente pelas

DPCAMIs, pois as demais unidades policiais tendem a encaminhar toda a vítima mulher,

criança, adolescente e idoso às especializadas, restando às Delegacias comuns a atribuição

exclusiva para atender os crimes praticados contra outras vítimas (O Estado, a coletividade,

empresas, homens entre 18 e 59 anos, e ainda os crimes patrimoniais contra qualquer

cidadão). Logo, surge uma questão a ser refletida: a criação de delegacias especializadas

promoveu a priorização do atendimento dos grupos vulneráveis, ou produziu desigualdades?

Se verificarmos o caso da cidade mais populosa do Estado (Joinville), há apenas uma

Delegacia para Criança, Adolescente, Mulher e Idoso, enquanto existem nove Delegacias de

Polícia distribuídas em bairros estratégicos para o público em geral. O cidadão tem o direito

de ser atendido em uma das referidas unidades policiais, seja ela especializada ou não.

Entretanto, todos os boletins registrados que dizem respeito ao público atendido pela

DPCAMI são encaminhados para essa unidade, que deverá providenciar a instauração do

respectivo inquérito policial e tramitação até envio para o juízo competente. Desta forma, a

DPCAMI de Joinville lidera o ranking de instauração de inquéritos, se comparada com as

demais unidades de sua região:

Tabela 12 - Número de Inquéritos Instaurados em Joinville no ano de 2012

Delegacia de Polícia Número de Inquéritos 01/01/2012 a 31/12/2012

1ª DP Indisponível

2ª DP 342

3ª DP 193

4ª DP 189

5ª DP 82

6ª DP 100

7ª DP 225

8ª DP 203

Central de Plantão Policial 12

Delegacia de Delitos de Trânsito 116

Divisão de Investigação Criminal 102

DPCAMI 1.412

Fonte: Sistema Integrado de Segurança Pública

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Devemos observar que esses números não servem para comparar qualitativamente o

trabalho realizado pelas delegacias. Os inquéritos que tramitam em unidades comuns e

especializadas são diferentes, cada um com sua particularidade: as diligências investigativas

em crimes de violência doméstica, por exemplo, são mais simples se comparadas a uma

investigação de tráfico de drogas. Entretanto, esses números evidenciam a demanda existente

com relação aos crimes de atribuição das especializadas: a DPCAMI de Joinville é

responsável por 47% dos inquéritos instaurados na cidade, significando a delegacia com

maior volume de trabalho cartorário no Estado.

Vale, ainda, ressaltar que esses números não consideram a quantidade de

procedimentos realizados contra adolescentes em conflito com a lei. Por força do Estatuto da

Criança e do Adolescente, aquele que comete ato infracional não responde a inquérito policial

– o procedimento é formalizado sob a nomenclatura “Auto de Apuração de Ato Infracional”,

quando a autoria ou materialidade precisam ser investigadas. Quando o adolescente é

apreendido em flagrante, confecciona-se o “Auto de Apreensão de Adolescente Infrator”,

quando o crime for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou o “Boletim de

Ocorrência Circunstanciado” nos demais crimes. Logo, as estatísticas relativas a esses

procedimentos são contabilizadas à parte, não integrando a tabela acima.

Além do volume de trabalho gerado pela demanda que recai sobre as especializadas,

tem-se a necessidade de adotar procedimentos especiais de atendimento às vítimas,

especialmente em razão da previsão contida no artigo 11 da Lei Maria da Penha. Desta forma,

inserimos no questionário aos Delegados uma questão sobre quais destes procedimentos são

adotados pelas Delegacias, chegando-se aos seguintes resultados:

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Tabela 13 - Percentual de Delegacias que realizam as atribuições legais do art.11 da Lei Maria

da Penha.

Previsão Legal (art. 11, Lei 11.340/2006) Delegacias que

realizam (%)

“I – garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato

ao Ministério Público e ao Poder Judiciário”

52,63%

“II – encaminhar a mulher aos estabelecimentos de saúde e ao Instituto

Médico legal”

84,21%

“III – fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou

local seguro, quando houver risco de vida”

63,15%

“IV – acompanhá-la para a retirada de seus pertences, quando necessário” 94,73%

“V – informá-la de seus direitos e sobre os serviços disponíveis”. 100%

Fonte: Questionários aplicados

Verifica-se, desta forma, que o atendimento às vítimas nas unidades pesquisadas ainda

não é integral, conforme prevê a Lei Maria da Penha. Vários fatores podem contribuir para

que as atribuições acima elencadas não sejam efetivamente realizadas pelas Delegacias: 1)

Desconhecimento por parte das vítimas, que deixam de solicitar os serviços; 2)

Desconhecimento por parte dos policiais de que é dever da Polícia realizar tais tarefas; 3)

Dificuldades operacionais, em razão de baixo número de policiais no plantão ou de escassez

de viaturas para a demanda; 4) Acordo com outras entidades como Conselho Tutelar, Centros

de Referência, Polícia Militar e Guarda Municipal, as quais prestam o serviço de forma

auxiliar, desobrigando a Delegacia.

Há, ainda, a previsão do artigo 12 da Lei Maria da Penha, que determina à Autoridade

Policial procedimentos diferenciados para o atendimento da ofendida, descrevendo a

necessidade de “tomar a termo a representação, se apresentada”. Nos crimes de Ação Penal

Pública Condicionada, no qual a representação é necessária, essa informação deve ser

prestada à vítima, assim como sobre a impossibilidade de renúncia na Delegacia. Sobre esse

item, 94,73% das Delegacias responderam que prestam “orientação acerca da necessidade de

representação ou queixa-crime, nos casos em que os crimes se processam mediante Ação

Penal Pública condicionada e Ação Penal Privada”.

Com relação ao pedido de concessão de Medidas Protetivas de Urgência, previsto no

artigo 12, inciso III, da Lei 11.340/06, todas as Delegacias responderam que confeccionam e

encaminham ao juízo competente. Esse pode ser o fator que diferencia o atendimento em uma

Delegacia de Polícia, já que é o único órgão estadual que realiza tal serviço de forma pública

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e gratuita (pelo menos enquanto não se implanta a Defensoria Pública no Estado). Além disso,

em caso de descumprimento por parte do agressor, 89,47% dos Delegados responderam que

têm representado pela Prisão Preventiva e 94,73% têm realizado operações externas para

cumprimento dos mandados de prisão e condução coercitiva.

Em razão da peculiaridade da Polícia Civil catarinense, que possui em seu quadro

funcional o Psicólogo Policial, 78,94% das Delegacias realizam atendimento psicológico às

vítimas atendidas na unidade. Essa atividade pode contribuir para o acolhimento das vítimas,

especialmente por oferecer uma escuta qualificada e uma orientação técnica especializada.

Entretanto, é importante observar que não é realizado qualquer tipo de tratamento ou terapia

na Delegacia, embora possa haver encaminhamento aos órgãos da rede de atendimento.

Além dessas atividades, ressalta-se que 63,15% das unidades policiais especializadas

afirmaram seguirem um protocolo de atendimento padronizado para as vítimas de violência

sexual, em parceria com outros órgãos da rede de atendimento. Em Florianópolis, esse

protocolo se chama “Protocolo de Atenção às Vítimas de Violência Sexual do Município de

Florianópolis”, e foi firmado entre a Prefeitura Municipal, a Secretaria de Segurança Pública,

a Universidade Federal de Santa Catarina, a Secretaria de Justiça e Cidadania e a Secretaria de

Saúde.

Por este protocolo, a vítima de violência sexual poderá dar entrada em qualquer

instituição pública ou privada das áreas da saúde, segurança, órgãos de proteção à infância ou

de cunho social, devendo ser encaminhada imediatamente às Unidades de Referência da Rede

de Atendimento: Universidade Federal de Santa Catarina, Maternidade Carmela Dutra e

Hospital Infantil Joana de Gusmão (Cf. FLORIANÓPOLIS, 2010, p.13).

Nessas unidades, o atendimento é realizado de acordo com um fluxograma que

considera a idade da vítima e o tipo de crime sexual praticado: A 6ª Delegacia é acionada nos

casos em que há violência sexual contra crianças e adolescentes, e comparece ao local para

registro compulsório do Boletim de Ocorrência, providenciando o acionamento do IML, que

também comparece ao local para exame de corpo de delito. Caso a vítima seja maior de 18

anos, a Delegacia somente é acionada se houver seu interesse. De qualquer forma, são

coletados os materiais necessários para futuros exames e encaminhados ao IML, caso a vítima

decida requisitar a investigação posteriormente. Desta forma, a vítima não precisa sair do

hospital e procurar outras unidades como uma delegacia ou IML, o que contribui para reduzir

os danos e traumas provocados pelo crime. A vítima é, ainda, encaminhada para atendimento

psicossocial e jurídico junto ao CEAV (Centro de Atendimento às Vítimas de Crimes). (Cf.

FLORIANÓPOLIS, 2010, p. 21).

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Em algumas localidades não há um protocolo a ser seguido, motivo pelo qual as

próprias Delegacias criaram rotinas internas para melhoria do atendimento. É o caso de 43,1%

das DPCAMIs que responderam ao questionário.

Além de todas essas atividades relacionadas diretamente ao atendimento de mulheres,

os Delegados responderam que realizam operações externas de fiscalização em bares, boates e

casas noturnas (58%), além de mutirões para conclusão de procedimentos em atraso (36,84%)

e reuniões de trabalho e avaliação de desempenho dos servidores da unidade (47,36%).

Outra questão relacionada aos procedimentos efetuados na Especializada diz respeito à

utilização do Sistema Integrado de Segurança Pública – SISP. Esse sistema possui integração

de diversos bancos de dados, sendo utilizado e alimentado por órgãos da Segurança Pública e

do Poder Judiciário, constituindo-se importante ferramenta de investigação e execução do

trabalho policial. Desta forma, é importante que as Delegacias utilizem as rotinas do SISP

para alimentar o banco de dados e proporcionar estatísticas criminais confiáveis,

especialmente no tocante à violência de gênero. Neste aspecto, verificamos que 100% das

Delegacias que responderam ao questionário utilizam o Sistema Integrado de Segurança

Pública para confecção de Boletins de Ocorrência, Termos Circunstanciados e Inquéritos

Policiais. Quanto aos Autos de Prisão em Flagrante, apenas uma delegacia respondeu não

realizá-lo no ambiente do SISP.

Desta forma, com autorização do Delegado-Geral da Polícia Civil, foi extraído

relatório do SISP, referente à quantidade de boletins de ocorrência e inquéritos policiais

registrados em cada unidade especializada que participou da pesquisa, no período

compreendido entre 01/01/2012 a 31/12/2012:

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Tabela 14 - Inquéritos Policiais e Boletins de Ocorrência por DPCAMI em 2012

DPCAMI Boletins de Ocorrência Inquéritos Policiais

Joinville 6.256 1.412

Blumenau 5.797 896

Florianópolis 5.291 965

Balneário Camboriú 3.077 257

Tubarão 2.296 247

Chapecó 1.964 662

Lages 1.819 327

Jaraguá do Sul 1.311 Indisponível

São Bento do Sul 1.161 164

Araranguá 866 332

Mafra 761 196

Videira 735 221

Palhoça 598 247

Rio do Sul 559 199

Campos Novos 543 280

Itajaí 529 299

Porto União 518 209

São Joaquim 339 163

Joaçaba 53 14

TOTAL 34.473 7.090

*Refere-se ao período a partir de setembro a dezembro de 2012, quando foi inaugurada a DPCAMI de Palhoça.

** Refere-se ao período a partir de 13/11/2012 a 31/12/2012, quando passou a funcionar a DPCAMI de Joaçaba.

Fonte: Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP)

O número de boletins de ocorrência é sempre superior ao de inquéritos policiais, pois

eles podem dar origem a termos circunstanciados, autos de apuração de ato infracional, autos

de prisão em flagrante, ou ainda serem juntados a outro inquérito já existente em relação aos

mesmos envolvidos. Nos casos de crimes de ação penal pública condicionada à representação

ou ação penal privada, a vítima pode não oferecer a representação ou queixa-crime no boletim

de ocorrência, o que impede a instauração de inquérito.

Além dos procedimentos realizados pelas DPCAMI, o questionário objetivou verificar

a estrutura e os equipamentos disponíveis nessas Delegacias, tomando como diretriz a Norma

Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres

(BRASIL, 2011, p.56), discutida anteriormente. Os espaços deveriam ser divididos entre área

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de recepção, de registro, de assistência judiciária, para a equipe técnica, para coordenação,

áreas de apoio e áreas comuns. Assim, o questionário apresentou opções referentes à

infraestrutura, para que as Delegadas selecionassem o que existe no espaço de suas unidades.

Tabela 15 – Estrutura das DPCAMI de Santa Catarina

Quanto à estrutura da Delegacia, assinale o que a unidade possui:

Nº de

Delegacias que

possuem

recepção com espaços separados para agressor e vítima 2

comissariado com salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro

do boletim de ocorrência 11

comissariado sem salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro

do boletim de ocorrência 5

cartório (s) policial (is) reservados, onde o depoimento é prestado com sigilo,

garantindo separação entre vítima e agressor 16

sala para advogados ou assistência judiciária 0

sala (s) para atendimento psicológico 15

sala da investigação 4

sala com espelho gessel (para reconhecimento) 4

sala para a coordenação (Delegado de Polícia) 18

sala de espera para atendimento com o Delegado de Polícia 9

sala de reunião 1

Almoxarifado 3

Arquivo 13

sala de equipamentos e armas 2

sala de estar/espaço de convivência para os servidores 0

copa-cozinha 12

sala de detenção provisória 2

cela para permanência de presos 8

estacionamento para policiais 12

estacionamento para viaturas 15

estacionamento para público em geral 2

sala para crianças – brinquedoteca 4

sala para atendimento de crianças vítimas de violência, com recursos de apoio 5

sala de protocolo de documentos 7

banheiros separados - feminino e masculino 9

vestiários separados - masculino e feminino 1

vestiário de uso comum 2

alojamento para policiais - separado masculino e feminino 2

alojamento para policais - de uso comum 7

sala para exames médicos 0

Acessibilidade a portadores de necessidades especiais 6

Fonte: Questionários aplicados

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É importante ressaltar que, quanto à área para recepção, apenas duas delegacias

responderam possuir espaços separados para agressor e vítima. Por outro lado, 58% das

unidades responderam possuir comissariado com salas ou repartições individualizadas para

registro do boletim de ocorrência e 84,21% possuem cartórios policiais reservados, onde o

depoimento é prestado com sigilo, garantindo separação entre vítima e agressor.

Com relação à área para equipe técnica, ressalta-se que 15 unidades, das 19 que

responderam ao questionário, possuem sala específica para atendimento psicológico. Por

outro lado, a sala para a investigação e a sala para reconhecimentos, com espelho gessel, estão

presentes em apenas 4 unidades policiais.

Outro ponto importante que o questionário revelou diz respeito à acessibilidade do

público externo: o estacionamento para público em geral somente é presente em duas

unidades policiais e apenas seis Delegacias responderam estar adequadas ao acesso por

portadores de necessidades especiais. Esse fato ocorre porque muitas unidades policiais são

instaladas em espaços locados, os quais não foram construídos com a finalidade específica de

abrigar uma especializada. O Estado, entretanto, deverá providenciar as reformas e

ampliações necessárias para garantir o amplo acesso da população, conforme a exigência

legal.

Outro dado preocupante diz respeito ao ambiente de trabalho para os policiais. Apenas

9 delegacias relataram possuir alojamento para os policiais, sendo que em 7 unidades ele é de

uso comum para homens e mulheres. Também na maioria das unidades não existe a separação

de banheiros entre os públicos feminino e masculino. Além disso, nenhuma delegacia

respondeu possuir sala de estar/espaço de convivência para os servidores. Esses dados podem

expressar o quanto o espaço policial ainda é eminentemente masculino e autoritário, com

pouca abertura à prática acolhedora tanto para o público externo como para os novos e novas

policiais que possam integrar a equipe.

Percebe-se, portanto, que a realidade de infraestrutura da maioria das unidades

especializadas que responderam ao questionário está aquém do ideal previsto nas diretrizes da

Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres.

Com relação aos equipamentos disponíveis, é importante ressaltar que todas possuem

computadores com acesso à internet, onde se realizam os procedimentos policiais, e a maioria

conta com impressoras à laser, o que confere qualidade na produção dos documentos. Além

disso, 84% das delegacias responderam que possuem ar condicionado nas salas de

atendimento, o que contribui para aumentar a qualidade do ambiente e do serviço.

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Tabela 16 – Equipamentos disponíveis nas DPCAMI de Santa Catarina.

Equipamentos Nº de Delegacias que

possuem

Computadores com acesso à internet 19

Ar condicionado nas salas de atendimento 17

Notebook 10

Modem 3G 0

Impressoras laser 14

Televisor 9

Máquina fotográfica digital 18

Webcam para computadores 9

Filmadora digital 3

Gravadores portáteis de voz 1

Central de rádio 1

Rádios HT 1

Viaturas com cela 7

Viaturas descaracterizadas 13

Fonte: Questionários aplicados

Com relação ao armamento policial, 14 unidades responderam que todos os policiais

possuem arma sob cautela. Apenas 5 unidades responderam que “a maioria” de seus policiais

têm armas. Diferente do que ocorre em outras corporações, na Polícia Civil catarinense o

policial recebe a arma no momento em que se forma na Academia de Polícia, após passar pelo

treinamento recomendado pela matriz curricular da SENASP.

Gráfico 3 – Policiais que possuem armamento sob cautela nas DPCAMI

Fonte: Questionários aplicados

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Quanto às algemas e coletes balísticos, uma Delegacia respondeu que nenhum de seus

policiais possui algema e colete balístico. O ideal é que todos os policiais recebam esses itens

no momento de sua formação na Academia, como ocorre com o armamento de uso pessoal.

Da mesma forma, com relação aos telefones funcionais, cuja conta é custeada pelo Estado até

certo limite e garante gratuidade de comunicação entre telefones da mesma operadora, nas

DPCAMI são poucos os policiais que possuem. Apenas três Delegacias responderam que este

telefone foi concedido à maioria dos policiais.

Gráfico 4 – Policiais que possuem algemas nas DPCAMI

Nenhum5%

Todos26%

Poucos32%

A maioria

32%

Metade5%

Algemas

Fonte: questionários aplicados

Gráfico 5 – Policiais que possuem coletes balísticos nas DPCAMI

Fonte: Questionários aplicados

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Gráfico 6 – Policiais que possuem telefones funcionais nas DPCAMI.

Fonte: Questionários aplicados

Para finalizar, questionamos se os Delegados/Delegadas consideram a necessidade de

reformulação da atual Resolução que disciplina as atribuições das Especializadas no âmbito

da Polícia Civil catarinense. Esta questão foi unânime entre os que responderam o

questionário, evidenciando que a normativa é considerada defasada e sua atualização é

urgente.

4.3 Sugestões para regulamentar as atribuições e a estrutura das Delegacias da Mulher

no Estado

Em 2012, foi realizada uma reunião de trabalho na Academia da Polícia Civil, a qual

contou com a participação de Delegados e Delegadas titulares ou atuantes em DPCAMI no

Estado. O objetivo foi debater a atual resolução que disciplina as atribuições das

especializadas e elaborar uma proposta ao Delegado-Geral da Polícia Civil, visando adequar a

normativa. A nova portaria se encontra em análise no Gabinete do Delegado-Geral, para

adequações e publicação.

Em que pese a existência de tal documento, é possível apresentar sugestões para

normatização das novas atribuições das Delegacias da Mulher, de acordo com as demandas

surgidas a partir da Lei Maria da Penha, do Estatuto do Idoso e também pelas diretrizes

constantes na Norma Técnica de Padronização das DEAMs, verificadas na presente pesquisa.

Primeiramente, seria importante a edição de um Decreto estadual para regulamentar a

matéria, ou seja, para definir um padrão de nomenclatura das delegacias especializadas, bem

como suas atribuições e a circunscrição. Essa providência, embora não seja obrigatória, seria

ideal, diante de tantos decretos existentes, os quais batizam as delegacias sob diversos nomes,

não identificam o âmbito de atuação da Delegacia e não definem as atribuições.

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Tendo em vista que o Estado já possui mais de dez Delegacias da Mulher instituídas

por lei e em funcionamento, também é necessário implementar a Coordenação das Delegacias

Especializadas no âmbito da Polícia Civil catarinense, como órgão de assessoria ao Delegado-

Geral para articulação e aprimoramento das políticas públicas de enfrentamento à violência

contra as mulheres. Na pesquisa realizada junto aos Delegados, 95% responderam que a

criação da coordenação pode contribuir para a melhoria dos serviços prestados pelas

Especializadas.

Esta Coordenação, cujas atribuições foram anteriormente elencadas, deverá priorizar

no caso de Santa Catarina, estudos sobre as Delegacias, principalmente quanto ao perfil dos

policiais que atuam nas unidades, quanto às necessidades de reformas e equipamentos, e à

criação de novas unidades no Estado. Além disso, tal coordenação deverá promover, em

parceria com a Academia de Polícia Civil, cursos de formação específicos para policiais que

atuarão nas Especializadas, bem como a formação continuada.

Ao mesmo tempo em que a Coordenação atua para o fortalecimento das unidades,

também pode realizar o monitoramento das novas atribuições exercidas pelas DPCAMI, a fim

de propor mudanças que acompanhem as novas demandas. Desta forma, é importante que a

resolução ou Portaria do Delegado-Geral não engesse as unidades, permitindo que os casos

excepcionais sejam assim considerados. Por exemplo, em Delegacias de cidades mais

populosas, e com alto índice de ocorrências, deve-se projetar futura divisão entre o

atendimento de vítimas de violência de gênero e o recebimento de adolescentes infratores,

com a criação de uma unidade própria para o segundo caso, haja vista as peculiaridades

decorrentes de lei.

Quanto à estrutura mínima das Delegacias, é importante que sejam comparadas as

exigências constantes na Norma Técnica de Padronização das DEAMs com a atual estrutura

existente, verificando-se as prioridades e elaborando um planejamento de reformas e compras

que contemplem tais unidades. Com relação aos recursos humanos, é importante lembrar que

a Lei Maria da Penha aumentou o número de inquéritos policiais, demandando também um

estudo direcionado às DPCAMI, por parte do Setor de Recursos Humanos da Polícia Civil, a

fim de se verificar o quadro lotacional mínimo de Escrivães de Polícia para cada unidade,

além de Agentes, Psicólogos e Delegados.

É importante que sejam consideradas as demandas de atividades a serem exercidas

pelas DPCAMI também no momento do planejamento de distribuição de viaturas e quotas de

combustível, haja vista que a mulher pode solicitar o transporte para local seguro, o

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acompanhamento para retirada de pertences do local da ocorrência, entre outros tipos de

transporte, os quais competem à unidade policial promover.

Com relação às atribuições descritas na Resolução 007/GAB/SSP/2003, sugere-se que

sejam modificados os seguintes aspectos:

1) Definir quais os crimes serão de atribuição da especializada quando a vítima for

criança ou adolescente;

2) Definir quais os crimes serão de atribuição da especializada quando a vítima for

mulher;

3) Definir quais as situações em que o idoso ou idosa serão atendidos na

Especializada;

4) Definir a atribuição para apuração de atos infracionais, ou seja, os crimes e

contravenções praticados por adolescentes.

Quanto à questão do atendimento à criança e ao adolescente, a Especializada busca

atender à Doutrina da Proteção Integral, delineada na Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a

salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão.

A doutrina da proteção integral está prevista, também, no artigo 3º do Estatuto da

Criança e do Adolescente e parte da compreensão de que as normas devem concebê-los como

cidadãos plenos, sujeitos à proteção prioritária, tendo em vista que são pessoas em condição

peculiar de desenvolvimento. (BRASIL, 1990).

Desta forma, não é possível que uma resolução ou portaria seja discriminadora quanto

aos casos em que esses sujeitos devem ser atendidos: ou a proteção é integral, ou a Delegacia

não pode receber o título “proteção à criança e ao adolescente”. Evidentemente, se a unidade

for responsável todo o caso em que a criança ou o adolescente se encontrar na condição de

vítima, haverá um aumento considerável no número de procedimentos, pois isso corresponde

a investigar desde as mortes culposas (no trânsito, ou ocorridas em hospitais sob suspeita de

negligência médica), até os casos de bulling sofridos no ambiente escolar.

Definir a atribuição da Delegacia com base na idade ou sexo da vítima implica dizer

que não será realizada uma seleção dos tipos de crimes a serem investigados: podem ser

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quaisquer dos previstos no Código Penal, ou ainda em leis esparsas, como é o caso dos crimes

do Estatuto da Criança e do Adolescente. As DPCAMI estão preparadas para esta demanda?

Com relação aos crimes praticados contra as mulheres, há que se observar a distinção

entre dois tipos de ocorrência: os crimes comuns, que vitimam tanto mulheres como homens

(ex: furto, roubo, estelionato, ameaça, lesão corporal), e aqueles nos quais a mulher é vítima

de violência doméstica e familiar (todo o crime cometido nos termos da Lei Maria da Penha).

A atual normativa da Polícia Civil catarinense apenas retira da especializada a apuração dos

crimes patrimoniais comuns, praticados contra mulheres, os quais devem ser investigados pela

Delegacia de Comarca, por não ser considerado um crime sofrido em razão do gênero.

A Norma Técnica de Padronização das DEAMs estima que 25% das ocorrências

criminais registradas em uma cidade correspondem a crimes onde mulheres são

vítimas.(BRASIL, 2010, p. 53). Assim, caso a Especializada possua, também, atendimento de

crianças, adolescentes e idosos, deve-se considerar o aumento desse percentual e,

consequentemente, a necessidade de reforçar a estrutura e o quantitativo de pessoal à serviço

da Delegacia.

Conforme já exposto, a atual resolução sobre as atribuições não disciplina a questão do

atendimento ao idoso. A Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003, conhecida como Estatuto do

Idoso, dispõe que o Poder Judiciário pode criar varas especializadas para tramitação dos

processos de idosos (art. 70). Além disso, assegura prioridade na tramitação dos processos e

procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou

interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (art. 71). A lei não fala,

entretanto, em criação de Delegacias Especializadas.

Haja vista que foi criada uma cultura de atendimento às demandas dos idosos nas

DPCAMI do Estado, seria um retrocesso retirar esse público das atribuições da especializada.

Entretanto, é preciso regulamentar em quais casos os idosos serão atendidos, ou seja, o

motivo pelo qual devem receber tratamento especializado. Além disso, os idosos também são

vítimas de violência doméstica, tanto quanto crianças e adolescentes, pois conforme Safiotti

(1999, p. 84), no exercício da função patriarcal, o gênero masculino detêm o poder de

determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos,

tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda quando o

crime é cometido por mulheres, a violência tem um gênero, e ele é o masculino, independente

do sexo físico do agressor.

Definindo-se que o atendimento continuará especializado em Crianças, Adolescentes,

Mulheres e Idosos, resta definir os tipos de crime que têm relação com a questão de gênero e

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que tais públicos costumam ser vítimas, exigindo-se atendimento especializado e integrado

com outros órgãos da rede de serviços.

Assim, quando a vítima for mulher, deve ser atribuição da Especializada: 1) a

apuração de todos os crimes previstos na legislação vigente, quando cometidos com violência

doméstica ou familiar, nos termos do artigo 5º da Lei 11.340/2006; b) Os crimes previstos no

Código Penal, no Título I (Dos crimes contra a pessoa) e no Título VII (Dos crimes contra a

família), quando o sujeito passivo do crime for mulher e o sujeito ativo for homem; c) Os

crimes previstos no Código Penal, no Título VI (Dos crimes contra a dignidade sexual),

independente do sexo do sujeito ativo.

Nestes Títulos, se encontram previstos os crimes de homicídio, lesões corporais,

ameaça, maus tratos, constrangimento ilegal, estupro, entre outros. Os bens jurídicos tutelados

por esses tipos penais são: Título I - a vida, a incolumidade física, a saúde, a liberdade e a

honra; Título VI - a liberdade sexual; VII - a família.

Ficam excluídos do atendimento pela DPCAMI, portanto, os crimes contra o

patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita, entre outros), porque não possuem relação

com a questão de gênero, e sim com o poder aquisitivo, posse e propriedade. A DPCAMI

investigaria apenas os crimes patrimoniais praticados na condição de violência doméstica ou

familiar. Essa distinção ocorre porque os crimes patrimoniais compõem estatísticas

diferenciadas e resultam em medidas específicas de segurança pública, o que demanda a

investigação pelas delegacias comuns.

Também ficam excluídos da atribuição das DPCAMI os crimes contra a propriedade

imaterial, haja vista que o bem jurídico tutelado não possui qualquer relação com a questão de

gênero ou vulnerabilidade social. Da mesma forma, os crimes previstos no Título IV - Dos

crimes contra a organização do trabalho, haja vista que o bem jurídico tutelado é o direito

coletivo ao trabalho.

Outro título que não se encaixa na atribuição da DPCAMI engloba aos crimes contra o

sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (Título V), eis que o objetivo da norma é

proteger a liberdade de crença. Não há qualquer relação deste crime com a questão de gênero.

Evidentemente, quando um companheiro, pai ou irmão cometer os crimes descritos nesta

parte do Código Penal, será atribuição da DPCAMI, em razão da previsão de que todo crime

cometido mediante violência doméstica ou familiar deve ser investigado pela especializada.

Os crimes previstos no Título VIII - Dos crimes contra a incolumidade pública,

também não tem razão de serem investigados pelas DPCAMI, pois os sujeitos passivos de tais

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crimes são a coletividade, os meios de comunicação, transporte e outros serviços, ou seja,

nenhuma relação com a questão de gênero.

Quanto ao Título IX, diz respeito aos crimes contra a paz pública (Ex: formação de

quadrilha, constituição de milícia privada, entre outros). O bem jurídico tutelado é a paz

pública, não tem qualquer relação com questões de gênero. Da mesma forma, os crimes

descritos nos Título X e XI do Código Penal, ou seja, crimes contra a Fé Pública e contra a

Administração Pública, cujas vítimas são o Estado e a Administração.

Com relação aos crimes contra a dignidade sexual, a sugestão de prever na nova

Resolução que toda mulher deverá ser atendida quando for sujeito passivo de tal delito,

independente do sexo do sujeito ativo, visa garantir a aplicação dos protocolos especiais de

atendimento. Os crimes contra a dignidade sexual possuem relação direta com o gênero,

podendo também ser cometidos por mulheres. Desta forma, sendo um dos crimes mais graves

e de consequências mais nefastas, é importante que seja garantida à vítima o atendimento

integral, o encaminhamento para unidades de saúde de referência e a possibilidade de impedir

ou interromper uma gravidez indesejada.

A nova resolução deverá prever, também, os casos em que as crianças e adolescentes

deverão ser atendidos pela DPCAMI. A condição para o atendimento independe do sexo e se

dá em razão da doutrina da proteção integral. Desta forma, a DPCAMI deve ter atribuição

para investigar todos os crimes cometidos contra crianças e adolescentes, previstos no Código

Penal, nos seguintes Títulos: I - Dos Crimes contra a Pessoa; VI - Dos crimes contra a

dignidade sexual; e VII - Dos crimes contra a família, da mesma forma como foi diferenciado

para as mulheres. Também deverão ser atendidos quando vítimas de violência doméstica e

familiar, nos termos da Lei Maria da Penha. Além disso, também deve ser de atribuição da

Especializada a investigação de todos os crimes previstos no Estatuto da Criança e do

Adolescente, dentre os quais, por exemplo. estão previstos crimes relacionados à pedofilia.

Com relação ao atendimento de Idosos, também deve se ter como obrigatório o

atendimento àquelas que sofrerem violência doméstica e familiar, nos termos da Lei

11.340/2006. Além desses casos, a especializada deve possuir atribuição para os crimes

previstos no Estatuto do Idoso, os quais tramitam em procedimento especial e demandam

encaminhamentos das vítimas para atendimento em outros órgãos da rede de serviços.

Ficam, portanto, excluídos do atendimento pelas DPCAMI os crimes previstos no

Código de Trânsito Brasileiro, culposos ou dolosos, e também os Crimes do Código de

Defesa do Consumidor, mesmo que a vítima seja mulher, criança, adolescente ou idoso, pois

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tais crimes não possuem relação com o gênero – o bem jurídico tutelado é a segurança no

trânsito e as relações de consumo.

Por fim, tem-se a questão polêmica do atendimento aos adolescentes que cometem

atos infracionais. A doutrina da proteção integral também visa proteger o adolescente infrator,

o qual é sujeito em condição peculiar de desenvolvimento. Por isso, o Estatuto da Criança e

do Adolescente prevê que este não é penalizado, não se submete a processo criminal e não

cumpre pena, sendo-lhe aplicadas medidas sócio-educativas e medidas protetivas.

Justifica-se a necessidade de existirem delegacias especializadas, a fim de garantir que

o adolescente apreendido seja mantido separadamente aos presos adultos, bem como para que

a formalização do procedimento seja adequada às exigências da lei e o apreendido seja

encaminhado à autoridade judiciária competente. Entretanto, diante da demanda de trabalho

destinada às DPCAMI, deve-se repensar o atendimento de adolescentes infratores por essa

unidade.

Nada impede que sejam criadas unidades específicas de atendimento ao adolescente

infrator, separadas das unidades comuns e também das DPCAMI, onde o protocolo de

recebimento das ocorrências continuará seguindo o fluxo previsto no Estatuto da Criança e do

Adolescente. Neste caso, as DPCAMI terão a demanda de trabalho reduzida e poderão

investir na padronização do atendimento às vítimas de violência de gênero, exercendo todas

as atribuições previstas em lei, além de garantir a produção dos atos de polícia judiciária

relativos a esses crimes.

Portanto, a resolução que disciplinar as novas atribuições da especializada não poderá

obrigar a DPCAMI a atender adolescentes infratores, sob pena de inviabilizar a futura

separação de tal setor, especialmente nas DPCAMI das maiores cidades do Estado, como

Joinville, Florianópolis e Blumenau.

No anexo A, segue uma proposta de resolução, compilando o que foi acima descrito

como sugestão para disciplinar as atribuições das especializadas em Santa Catarina.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou investigar as atribuições das Delegacias da Mulher de

Santa Catarina, por meio da compilação de instrumentos normativos existentes e

considerando o contexto da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as

Mulheres. Também buscou verificar a aplicação dos referidos instrumentos normativos no

âmbito da Polícia Civil catarinense e a necessidade de revisão da normativa interna acerca das

atribuições de tais unidades policiais.

Para delinear quais atribuições uma Delegacia da Mulher deve desempenhar, foi

necessário entender o contexto que demandou o surgimento de tais unidades especializadas,

ou seja, em que momento a problemática da violência contra a mulher se inseriu na agenda

das políticas públicas. Assim, a pesquisa apresentou um referencial teórico sobre Gênero e

Políticas Públicas, demonstrando a importância dos atores (atrizes) sociais, os contextos

institucionais e as arenas decisórias fundamentais nesse processo.

Para as mulheres, a inserção de suas demandas como políticas públicas foi (é) um

processo difícil, porque antes precisou ser evidenciado que o tratamento desigual não é algo

natural - é fruto de uma concepção acerca do gênero, uma atribuição social de papeis aos

sexos biológicos, onde à mulher resta o que é privado, jamais o público, o político, o social.

Portanto, foi de extrema importância evidenciar os conceitos e teorias sobre gênero e

violência de gênero, as quais embasaram a luta dos movimentos feministas e de mulheres.

As considerações históricas sobre esse processo puderam demonstrar que a projeção

pública dos problemas antes considerados privados foi impulsionada pelas atrocidades

cometidas contra mulheres no âmbito das relações íntimas de afeto. O clamor popular foi

crescendo e tornou-se impossível perpetuar a prática de "maquiar" as feridas infligidas às

mulheres. E a legislação foi, embora de forma lenta, acompanhando as novas aspirações para

o antigo problema da violência doméstica e familiar.

Verificamos o processo de participação das mulheres na construção dos Planos

Nacionais de Políticas Para Mulheres, o que certamente conferiu legitimidade às políticas dali

oriundas, porque foram debatidas em diversas instâncias, por atrizes que representavam

diferentes segmentos. A abordagem sobre a Política Nacional de Enfrentamento à Violência

contra as Mulheres e sobre a Lei Maria da Penha possibilitou identificar os principais

instrumentos normativos e as novas demandas que surgiram quanto ao tema do enfrentamento

à violência de gênero.

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Antes de verificar se tais instrumentos modificaram as atribuições das Delegacias da

Mulher no Estado, a pesquisa buscou resgatar as funções históricas atribuídas à Polícia Civil

desde seu surgimento no Brasil até a atual Constituição Federal. Verificou-se que a instituição

possui atribuições relacionadas à preservação da ordem pública que vão além da simples

repressão ao crime, ou seja, também é função da Polícia Civil realizar atividades de cunho

preventivo, especialmente no que diz respeito à violência doméstica e familiar contra a

mulher.

Para compreender onde as Delegacias da Mulher estão inseridas no quadro

organizacional da Polícia Civil, foi apresentada a estrutura administrativa e organogramas da

instituição. Verificou-se que as DPCAMI não constam expressamente no organograma, sendo

igualadas às Delegacias de Comarca. Ao final do estudo sobre a Polícia Civil, foram descritas

as atribuições das carreiras que compõe o quadro funcional do órgão, verificando-se que

somente no cargo de Psicólogo Policial existem funções relacionadas à atuação nas

especializadas.

Esta parte da pesquisa teve um maior grau de dificuldade, no que diz respeito à

história e estrutura administrativa da Polícia Civil. Não há publicações oficiais sobre o tema,

fazendo-se necessário analisar documentos legislativos, sem referências do contexto histórico

de suas edições. Também houve dificuldade para localizar a legislação correspondente à atual

estrutura administrativa da instituição, pois foram sucessivas "reformas administrativas"

promovidas pelo Poder Executivo e não há uma compilação atualizada contendo o

organograma oficial, com as diretorias e unidades subordinadas.

Quanto ao último capítulo, dedicou-se à análise específica das Delegacias da Mulher

em Santa Catarina, quanto às atribuições que deveriam exercer, as efetivamente exercidas e

estrutura material existente. Primeiramente, foram compiladas e analisadas as previsões

normativas que relacionam atribuições específicas para essas unidades: a Resolução

007/GAB/2003 da Polícia Civil catarinense, assim como artigos da Lei Maria da Penha e as

diretrizes da Norma Técnica de Padronização das Delegacias de Atendimento à Mulher.

Identificadas as previsões legais e a estrutura ideal para o desenvolvimento das atividades

dessas unidades especializadas, passou-se a analisar a situação fática das Delegacias da

Mulher em Santa Catarina, considerando respostas dos questionários enviados aos

Delegados/Delegadas responsáveis por tais unidades.

Verificou-se que, embora as políticas públicas formuladas tenha sido inovadoras,

prevendo instrumentos e serviços ideais, a implementação de tais políticas ainda está muito

aquém das previsões normativas, no que esta pesquisa se propôs a investigar, ou seja, as

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atribuições das Delegacias da Mulher em Santa Catarina. O objetivo não foi avaliar a

qualidade dos serviços prestados pelas unidades, pois antes de uma avaliação desse tipo, é

preciso identificar quais serviços deveriam ser prestados, quais atribuições deveriam ser

exercidas e quais são efetivamente desempenhadas.

Apesar da Polícia Civil catarinense ter sido uma das pioneiras a inaugurar a Delegacia

de Proteção à Mulher no país, e embora tenha hoje maior número de unidades que outros

Estados como Rio de Janeiro e São Paulo, há muito o que atualizar em termos de organização

administrativa, regulamentação de atribuições e estruturação das unidades. Sequer houve a

criação de uma Coordenação das DEAMs, apesar de possuir mais de dez delegacias,

conforme prevê a Norma Técnica.

Houve, também, dificuldade para localizar as diversas leis de criação das Delegacias

Especializadas, pois não há um setor da Secretaria de Segurança que tenha compilados todos

os referidos decretos. Diante disso, a falta de um padrão para as unidades especializadas é

visível desde a nomenclatura atribuída a cada uma: o nome que consta nas placas das

Delegacias (DPCAMI) não corresponde à nomenclatura atribuída pelas leis de criação.

Examinada a Resolução 007/GAB/2003, que disciplina as atribuições das Delegacias

da Mulher, verificou-se que a redação é confusa, não abrange as novas situações previstas em

lei e ainda possibilita entendimentos jurídicos diversos entre os Delegados e Delegadas,

fazendo com que cada unidade atenda públicos diferentes. Além disso, foi editada antes da

Lei Maria da Penha e do Estatuto do Idoso - deixando de prever, portanto, todas as

atribuições e atividades decorrentes de tais leis. Há, ainda, a mescla de atendimento com os

adolescentes em conflito com a lei, o que demanda uma divisão interna do trabalho e

certamente sobrecarrega os policiais que atuam nessas unidades.

Verificou-se que a demanda de trabalho (boletins de ocorrência e inquéritos policiais)

dessas unidades é muito superior às Delegacias comuns, especialmente nos grandes centros

como Joinville, Florianópolis, Blumenau. Por outro lado, a estrutura física e os equipamentos

à disposição de tais unidades está aquém das diretrizes contidas na Norma Técnica de

Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres.

Diante dessas considerações, foi elaborada uma proposta de resolução para padronizar

as atribuições das DPCAMI no Estado, expondo os motivos que levaram a tal construção.

Somente a partir da reformulação das atribuições na normativa interna e da

estruturação das unidades com os equipamentos e recursos humanos necessários é que poderá

ser avaliada a efetiva implementação das diretrizes da Política Nacional de Enfrentamento à

Violência contra as Mulheres.

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Desta forma, espera-se que essa pesquisa contribua para futuras pesquisas que avaliem

a qualidade da execução das atribuições e serviços prestados pelas Delegacias. Espera-se,

também, que a pesquisa possa contribuir para a formulação de políticas públicas no âmbito da

Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Civil, relativas à atualização da normativa

existente, à estruturação das unidades especializadas e ao investimento em capacitação e

valorização para os profissionais que trabalham nas referidas Delegacias.

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ANEXO A - Sugestão de Resolução para disciplinar as atribuições das DPCAMI

RESOLUÇÃO Nº____ /DGPC/2013

O DELEGADO-GERAL DA POLÍCIA CIVIL do Estado de Santa Catarina, no uso de

suas atribuições legais,

Considerando a necessidade de dispor sobre a competência e atribuições das

Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso, conforme previsto no

Decreto nº 4196, de 11 de janeiro de 1994, com as alterações previstas no Decreto nº 3200, de

24 de setembro de 1998,

RESOLVE:

Art. 1º. As Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso, no

Estado de Santa Catarina, serão denominadas DPCAMI;

Art. 2º. As Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso

terão atuação na circunscrição das respectivas Comarcas, com atribuições para desenvolver os

procedimentos legais relativos à apuração das seguintes infrações:

I) os crimes previstos no Código Penal, no Título I (Dos crimes contra a

pessoa) e no Título VII (Dos crimes contra a família), quando o sujeito passivo do crime for

mulher e o sujeito ativo for homem;

II) os crimes previstos no Código Penal, no Título I (Dos crimes contra a

pessoa) e no Título VII (Dos crimes contra a família), quando o sujeito passivo do crime for

criança ou adolescente;

III) os crimes previstos no Código Penal, no Título VI (Dos crimes contra a

dignidade sexual) sempre que o sujeito passivo do crime for criança, adolescente, mulher ou

idoso;

IV) todo o crime cometido mediante violência doméstica ou familiar, nos

termos do art. 5º da Lei 11.340, de ;

V) os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de

13 de julho de 1990);

VI) Os crimes previstos no Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de

2003);

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Parágrafo único: As DPCAMI poderão ter atribuição para apuração de atos

infracionais cometidos por adolescentes, por decisão do Delegado Regional de Polícia em

cada região, quando não houver uma unidade policial destinada especificamente para este fim.

Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente a Resolução nº

007/GAB/CPC/SSP/2003.

Art. 4º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

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ANEXO B - Questionário às Delegadas das Delegacias Especializadas de Santa Catarina

Questionário às Delegadas das Delegacias Especializadas de Santa Catarina

Este questionário pretende levantar informações sobre as atribuições, os procedimentos e a estrutura física das Delegacias Especializadas de Santa Catarina. A análise das respostas pretende verificar se existe padronização e/ou cumprimento das diretrizes nacionais e estaduais sobre as Especializadas. Assim, solicito sua colaboração!

Esta pesquisa tem fins meramente acadêmicos e não será publicada na íntegra, apenas o resultado da análise das respostas.

*Obrigatório Qual o nome de sua unidade policial? A qual Delegacia Regional de Polícia ela se subordina? *

Qual a área de abrangência da Delegacia? * (comarcas, municípios)

Qual o horário de atendimento da Delegacia? *

PERFIL DA ENTREVISTADA - Sexo: *

PERFIL DA ENTREVISTADA - Tempo de Serviço na Especializada *

PERFIL DA ENTREVISTADA - Faixa etária?

PERFIL DA ENTREVISTADA - Possui curso certificado sobre gênero ou Lei Maria da Penha?*

PERFIL DA ENTREVISTADA - Participa de algum Conselho Municipal, Estadual ou Federal? *

PERFIL DA ENTREVISTADA - O que você entende por gênero?

PERFIL DA ENTREVISTADA - Você considera que a Delegacia atende demandas relacionadas à violência de gênero? Por que?

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PERFIL DA ENTREVISTADA - Você considera que a Delegacia tem implementado Políticas Públicas de Gênero ou Políticas Públicas para Mulheres? Você considera que há diferença entre tais políticas?

Quanto aos crimes investigados pela Delegacia Especializada, assinale as atribuições de sua unidade: *

o Apurar os ilícitos criminais referentes à prática de violência física e moral contra

a mulher, cujo sujeito ativo do delito seja pessoa do sexo masculino;

o Apurar os ilícitos criminais referentes à prática de violência sexual contra a

mulher, cujos sujeitos ativos sejam pessoas do sexo masculino ou feminino

o Apurar todos os ilícitos criminais ocorridos na área de circunscrição, desde que

cometidos por homens, contra mulheres;

o Apurar toda a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei

Maria da Penha;

o Apurar atos infracionais praticados por adolescentes

o Apurar crimes de qualquer natureza, praticado somente contra crianças (não

inclui adolescentes)

o Apurar crimes de qualquer natureza, praticados contra crianças e adolescentes

o Apurar crimes contra crianças e adolescentes, desde que estes sejam vítimas

de crimes específicos (ex: maus tratos, violência sexual)

o Apurar crimes contra crianças e adolescentes, desde que vítimas de violência

doméstica nos termos da Lei Maria da Penha

o Apurar crimes contra idosos - somente os previstos no Estatuto do Idoso

o Apurar crimes de qualquer natureza, praticados contra idosos

o Apurar crimes praticados contra idosos, mas somente na condição de violência

doméstica nos termos da Lei Maria da Penha

o Outro:

Quanto aos procedimentos, assinale aqueles realizados ou implantados por sua unidade policial: *

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o existência de protocolo de atendimento padronizado para vítimas de violência

sexual, em parceria com outros órgãos da rede de atendimento

o existência de procedimentos criados pela unidade, quanto ao atendimento de

vítimas de violência sexual

o existência de protocolo criado pela Instituição, padronizando o atendimento de

vítimas de violência sexual

o existência de orientações não normatizadas, recebidas durante a formação

policial, acerca do atendimento de vítimas de violência sexual

o garantia de proteção policial à vítima de violência doméstica, quando

necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário

o encaminhamento da vítima de violência doméstica aos estabelecimentos de

saúde e ao Instituto Médico Legal

o fornecimento de transporte para a vítima de violência doméstica e os

dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida

o acompanhamento da vítima de violência doméstica para retirada dos pertences

do local da ocorrência ou de casa, quando necessário

o orientação para a vítima de violência doméstica sobre os direitos e deveres

disponíveis

o confecção de pedido de Medida Protetiva de Urgência para a vítima de violência

doméstica e encaminhamento ao juízo competente

o representação por prisão preventiva, no caso de descumprimento de Medidas

Protetivas de Urgência

o Atendimento por psicólogo policial às vítimas atendidas pela unidade

o orientação acerca da necessidade de Representação ou Queixa-crime, nos

casos em que os crimes se processam mediante Ação Penal Pública condicionada e Ação

Penal Privada.

o Operações externas: fiscalização em bares, boates, casas noturnas

o Operações externas: cumprimento de mandados de prisão e condução

coercitiva

o Operações internas: mutirão para conclusão de procedimentos atrasados

o Operações internas: reuniões de trabalho e de avaliação de desempenho com

os servidores que prestam serviço na unidade policial

o Outro:

Assinale quais procedimentos sua Delegacia Especializada realiza no SISP (Sistema Integrado de Segurança Pública): *

o Auto de Prisão em Flagrante

o Inquérito Policial

o Termo Circunstanciado

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o Boletim de Ocorrência

o Boletim de Ocorrência Circunstanciado (Adolescente)

o Auto de Apreensão de Adolescente

o Auto de Apuração de Ato Infracional

o Rotina "Providências" no Boletim de Ocorrência

Quanto à estrutura da Delegacia, assinale o que a unidade possui: *

o recepção com espaços separados para agressor e vítima

o comissariado com salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro

do boletim de ocorrência

o comissariado sem salas ou repartições privativas (individualizadas) para registro

do boletim de ocorrência

o cartório (s) policial (is) reservados, onde o depoimento é prestado com sigilo,

garantindo separação entre vítima e agressor

o sala para advogados ou assistência judiciária

o sala (s) para atendimento psicológico

o sala da investigação

o sala com espelho gessel (para reconhecimento)

o sala para a coordenação (Delegado de Polícia)

o sala de espera para atendimento com o Delegado de Polícia

o sala de reunião

o almoxarifado

o arquivo

o sala de equipamentos e armas

o sala de estar/espaço de convivência para os servidores

o copa-cozinha

o sala de detenção provisória

o cela para permanência de presos

o estacionamento para policiais

o estacionamento para viaturas

o estacionamento para público em geral

o sala para crianças - brinquedoteca

o sala para atendimento de crianças vítimas de violência, com recursos de apoio

o sala de protocolo de documentos

o banheiros separados - feminino e masculino

o vestiários separados - masculino e feminino

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o vestiário de uso comum

o alojamento para policiais - separado masculino e feminino

o alojamento para policais - de uso comum

o sala para exames médicos

o Acessibilidade a portadores de necessidades especiais

Quanto aos equipamentos, assinale o que a unidade possui: *

o Computadores com acesso à internet

o Ar condicionado nas salas de atendimento

o Notebook

o Modem 3G

o Impressoras laser

o Televisor

o Máquina fotográfica digital

o Webcam para computadores

o Filmadora digital

o Gravadores portáteis de voz

o Central de rádio

o Rádios HT

o Viaturas com cela

o Viaturas descaracterizadas

Quanto aos equipamentos de uso dos policiais, assinale: *

Nenhum Todos Poucos A maioria

Cerca da

metade

Policiais que

possuem arma

Policiais que

possuem algema

Policiais que

possuem colete

balístico

Policiais que

possuem telefone

funcional

Você considera que a implantação de uma Coordenadoria Estadual das Delegacias da Mulher pode contribuir para melhoria da qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelas Especializadas? *

o Sim

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o Não

o Não sei

Você considera que há necessidade de reformular a Resolução 007/GAB/2003, que regula as atribuições das Especializadas no âmbito da Polícia Civil de Santa Catarina? *

o Sim

o Não

o Não sei