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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI KELLY CRISTINE DE AMORIM A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

KELLY CRISTINE DE AMORIM

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Biguaçu 2008

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i

KELLY CRISTINE DE AMORIM

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de Biguaçu.

Orientador: Professor MSc Marilene do Espírito Santo

Biguaçu 2008

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ii

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que iluminou meus caminhos e me forneceu forças necessárias para que eu não

desanimasse.

À professora e orientadora Marilene do Espírito Santo, que sempre acreditou em meu potencial e

que teve paciência com as minhas dificuldades.

Aos professores que de forma direta ou indireta participaram de minha formação não só acadêmica, mas também pessoal e profissional, que muito mais

que mestres, foram exemplos de vida.

Aos amigos e familiares que compreenderam as minhas faltas e meu cansaço.

A todos os colegas de trabalho, pelo incentivo e auxílio dispensado.

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iii

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, Maria Bernadete de Amorim e José Campolino de Amorim,

que não mediram esforços e trabalho para garantir minha formação.

A meu irmão e cunhada, Alan José de Amorim e Josiane Marina Nascimento de Amorim, pelo

exemplo e carinho fornecidos em todos os momentos.

E em especial, a meu filho, Gabriel de Amorim Espíndola, que trouxe a alegria de viver e a

esperança de dias melhores.

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iv

“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer

um novo fim.”

- Francisco Cândido Xavier –

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v

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 10 de novembro de 2008

Kelly Cristine de Amorim Graduanda

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KELLY CRISTINE DE AMORIM

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em

Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí,

Centro de Educação de Biguaçu.

Área de Concentração: Execução Penal

Biguaçu, 10 de novembro de 2008

Professora MSc Marilene do Espírito Santo] Orientador e Presidente da Banca

Professora MSc Helena Nastassya Paschoal Pitsica Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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ROL DE CATEGORIAS

Classificação

“A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da

execução científica das penas privativas de liberdade e da medida de segurança

detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral de regime

penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade

da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais”1.

Comissão Técnica de Classificação

“Elaborará o programa individualizador e acompanhará a execução das penas

privativas de liberdade e restritivas de direitos, devendo propor, à autoridade

competente, as progressões e regressões de regimes, bem como as conversões”2.

“Será presidida pelo Diretor e composta por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um

psicólogo e um assistente social [...]”3

Exame Criminológico

“É uma pesquisa multidisciplinar integrada, objetivando por meio de recurso analítico-

sintético chegar a uma visão pluridimensional de comportamento do agente”4;

“consiste em perícia, em meio de prova, mesmo quando mero prognóstico de

reincidência. A valoração cabe, sempre, ao juiz da execução apreciá-lo”5.

Execução Penal

“É a efetivação dos mandamentos existentes na sentença ou outra decisão criminal,

destinados a reprimir e prevenir os delitos”6.

1 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p.32. 2 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 35. 3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 57.

4 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.101-102. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 56. 6 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 33.

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Individualizar

“Consiste em investigar as causas que levaram o agente a cometer o crime; qual o

grau de anti-sociabilidade manifestado na ação delituosa; análise de suas condições

biológicas, psíquicas e sociais; quais as possibilidades de reagir ou aceitar o

tratamento ressocializador: finalmente, quais os sintomas de sua maior ou menor

periculosidade”7.

Pena

“É o castigo, ou seja, o pagamento pelo mal praticado. O castigo compensa o

mal e dá reparação à moral; a finalidade é recuperar, ressocializar, reeducar ou

educar o condenado, tendo uma finalidade educativa que é de natureza

jurídica”8.

Reincidência

“Palavra de origem latina, derivada de recidere, que do ponto de vista semântico

significa recair no mesmo erro, repetir o ato”9. “A situação de quem pratica um fato

criminoso após ter sido condenado por crime anterior, em sentença transitada em

julgado”10.

Ressocialização

Significa “ato ou efeito de ressocializar-se; ressocializar (De re + socializar);

tornar a socializar (se)”11. “É a reintegração da pessoa que delinqüiu à

sociedade, presumidamente recuperado”12.

7 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 74-75. 8 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84. p. 30. 9 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 568. 10 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 729. 11 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurelio século XXI: o dicionario da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 1578. 12 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 129.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................ ...13

ABSTRACT ....................................................................................... 14

INTRODUÇÃO .................................................................................. 15

CAPÍTULO 1

A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E OS SISTEMAS PENAIS: FUNÇÃO HISTÓRICA

1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA PENA.................................................................17

1.1.1 Período de Vingança Privada..............................................................19

1.1.2 Período de Vingança Divina................................................................21

1.1.3 Período de Vingança Pública..............................................................22

1.4 Período Humanitário da Pena................................................................23

1.2 SURGIMENTO DOS SISTEMAS PRISIONAIS...........................................25

1.2.1 Sistema Pensilvânico ou da Filadélfia.................................................26

1.2.2 Sistema de Alburn...............................................................................27

1.2.3 Sistema Progressivo............................................................................28

1.2.3.1 Inglês........................................................................................28

1.2.3.2 Irlandês.....................................................................................29

1.2.4 Prisão Semi-Aberta.............................................................................31

1.2.5 Prisão Aberta ou Comunitária.............................................................33

1.3 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SUA ORIGEM.........................................34

1.3.1 Origem da Lei de Execuções Penais..................................................34

1.3.2 Natureza Jurídica da Execução Penal................................................35

1.3.3 Objetivo da Execução Penal...............................................................37

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1.4 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA EXECUÇÃO PENAL..........................38

1.4.1 Princípio da Legalidade.......................................................................38

1.4.2 Princípio da Jurisdicionalidade............................................................39

1.4.3 Princípio da Individualização da Pena.................................................40

CAPÍTULO 2 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA E A CLASSIFICAÇÃO DO PRESO

2.1 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA E A CLASSIFICAÇÃO

DO PRESO: NOÇÕES GERAIS DA EXECUÇÃO DA PENA............................42

2.1.1 Individualização da Execução da Pena...............................................43

2.1.2 A Classificação do Preso.....................................................................46

2.2 COMISSÃO TÉCNICA DE CLASSIFICAÇÃO.............................................49

2.2.1 Profissionais Técnicos.........................................................................52

2.2.2 Diretor..................................................................................................54

2.2.3 Chefes de Serviço...............................................................................56

2.3 EXAMES REALIZADOS..............................................................................58

2.3.1 Exame Criminológico...........................................................................59

2.3.2 Exame de Personalidade....................................................................62

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CAPÍTULO 3 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO PARA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

3.1 CONCEITO DE RESSOCIALIZAÇÃO.........................................................64

3.2 OBJETIVOS E VANTAGENS DA RESSOCIALIZAÇÃO.............................66

3.2.1 Objetivos..............................................................................................66

3.2.2 Vantagens...........................................................................................68

3.3 A NÃO REINCIDÊNCIA COMO INDICATIVO DA RESSOCIALIZAÇÃO....70

3.3.1 Conceito de Reincidência...................................................................70

3.3.2 Pressupostos da Reincidência...........................................................71

3.3.3 A problemática dos efeitos da reincidência........................................73

3.4 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO

PARA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO..........................................................78

CONCLUSÃO ................................................................................... 85

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 88

ANEXO ............................................................................................. 93

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RESUMO

Esta monografia tem por fim verificação como a individualização da execução da pena

pode auxiliar na ressocialização do preso. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo,

constituindo-se o trabalho de uma descrição produzida a partir de uma pesquisa

bibliográfica, buscando identificar na legislação brasileira os meios utilizados para

efetuar esta individualização, a fim de que seja conhecida as principais características

do preso e efetuada a classificação deste, proporcionando uma tratamento

penitenciário adequado à sua personalidade. Assim, no primeiro capítulo buscou-se

apresentar a origem histórica da pena e dos sistemas prisionais, seu conceitos,

objetivos e finalidades. Também aborda sobre a Lei de Execução Penal e os princípios

observados por esta. No segundo capítulo, por sua vez, há um estudo acerca da

individualização da pena e a classificação do preso, a forma como são efetuadas, a

importância de cada na execução penal e suas diferenças, os exames realizados, a

comissão técnica de classificação responsável pela observação das mudanças do

comportamento do preso dentro do estabelecimento prisional. E por fim, no terceiro

capítulo, é apresentado um estudo sobre a influência da individualização da execução

da pena e a conseqüente classificação do preso no melhoramento do tratamento

carcerário, objetivando a ressocialização do preso e a sua reeducação para que enfim

retorne ao convívio social. Além, consta um estudo sobre a reincidência criminal e

como o conhecimento de suas causas e efeitos podem auxiliar ou atrapalhar na busca

da ressocialização desejada.

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ABSTRACT Esta monografía tiene finalmente verificación como la individualização de la ejecución

de la pena puede auxiliar en la ressocialização del preso. Para tanto, se utilizó el

método deductivo, se constituyendo el trabajo de una descripción producida a partir de

una pesquisa bibliográfica, buscando identificar en la legislación brasileña los medios

utilizados para efectuar esta individualização, a fin de que sea conocida las principales

características del preso y efectuada la clasificación de este, proporcionando una

tratamiento penitenciario adecuado a su personalidad. Así, en el primer capítulo se

buscó presentar el origen histórica de la pena y de los sistemas carcelarios, su

conceptos, objetivos y finalidades. También aborda sobre la Ley de Ejecución Penal y

los principios observados por esta. En el segundo capítulo, a su vez, hay un estudio

acerca de la individualização de la pena y la clasificación del preso, la forma como son

efectuadas, la importancia de cada en la ejecución penal y sus diferencias, los

exámenes realizados, la comisión técnica de clasificación responsable por la

observación de los cambios del comportamiento del preso dentro del establecimiento

carcelario. Y finalmente, en el tercer capítulo, es presentado un estudio sobre la

influencia de la individualização de la ejecución de la pena y la consecuente

clasificación del preso en el mejoramiento del tratamiento carcelario, objetivando la

ressocialização del preso y su reeducación para que en fin retorne a la convivencia

social. Más adelante, consta un estudio sobre la reincidencia criminal y como el

conocimiento de sus causas y efectos pueden auxiliar o estorbar en la busca de la

ressocialização deseada.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a individualização da

execução da pena como requisito para ressocialização do preso.

O seu objetivo é verificar como a individualização da pena na

fase executiva pode auxiliar na elaboração do programa de tratamento prisional, onde

constará as medidas sócio-educativas apropriadas a cada sentenciado. Assim, a pena

recebida será adaptada dentro das regras estabelecidas pela sentença, mas terá um

caráter pessoal, onde o preso poderá visualizar formas de se moldar às regras sociais

e jurídicas, além de ter um acompanhamento psicológico e educacional, buscando

desenvolver sua capacidade intelectual no aprendizado de novas atividades.

A importância fundamental da pesquisa reside na constatação

de que, a simples aplicação da Lei de Execução Penal, onde consta as formas de

tratamento, os direitos e deveres dos presos, seria suficiente para uma ampliação da

taxa de ressocialização e, em conseqüência, a diminuição da reincidência criminal,

trazendo assim, vantagens e benefícios à sociedade.

A pesquisa é apresentada em três capítulos. No capítulo 1,

efetua-se um estudo sobre a origem histórica das penas, sua definição, a evolução e

mudanças em seus objetivos e finalidades. Também trata sobre o surgimento dos

sistemas prisionais, como iniciou o cumprimento das penas, os modelos apresentados

em diversos países e que serviram de modelo para outros e que são observados na

atualidade. Sobre a Lei de Execução Penal consta como se originou, sua natureza

jurídica, seu objetivo e a grande importância de seus dispositivos que norteiam a

execução, estabelecendo a forma de tratamento prisional, as pessoas que trabalham e

suas atividades, os direitos e deveres dos presos, além de alguns princípios que

regem e que devem ser observados durante a execução da pena.

No capítulo 2, trata de apresentar uma abordagem sobre a

individualização da pena na fase executiva com o intuito de conhecer a personalidade

do sentenciado e a classificação inicial, a fim de poder comparar com a sua evolução

no decorrer do cumprimento da pena. Trata da comissão técnica de classificação e os

profissionais envolvidos nesta tarefa de individualizar a pena e trabalhar para o correto

cumprimento da pena, estabelecendo a disciplina necessária, observados os deveres

e direitos dos presos.

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No capítulo 3, por fim, consta um estudo sobre a

ressocialização do preso, seus conceitos, objetivos e vantagens observadas para o

preso assim como para a sociedade. A não reincidência é tratada como um indicativo

da ressocialização e seus efeitos são vistos como uma dificuldade maior ao passo de

ter reeducar este preso que já passou por um tratamento prisional.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, foi adotado

como método de abordagem o dedutivo, mediante o procedimento descritivo-analítico,

e como técnica de pesquisa a documentação indireta, por meio da coleta de dados

bibliográficos e documentais.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

individualização da execução da pena.

Cabe ainda salientar, que este estudo não pretende limitar a

abrangência do tema, uma vez que ilimitada são as vertentes a que este poderia

seguir. Este trabalho foi realizado de forma essencialmente descritivo, não tendo por

fim encontrar soluções para os vários problemas encontrados no sistema prisional

atual. Solicita, apenas, a observância da aplicação da Lei de Execução Penal para

facilitar e adequar o cumprimento da pena, visando garantir uma das finalidades da

pena: a ressocialização do preso.

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CAPÍTULO 1

A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E OS SISTEMAS PENAIS: FUNÇÃO HISTÓRICA

1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA PENA

A pena é uma instituição muito antiga cujo objetivo era, primeiramente, a

conservação das espécies. Pena é definida como “punição; castigo; ato ou efeito de

punir; condenação; tristeza [...]”, também como “aquilo que se faz sofrer a alguém por

um delito cometido; punição; sofrimento; desgraça [...]”13. Ou ainda, no sentido legal,

“sanção restritiva de liberdade ou pecuniária aplicada pelo Poder Judiciário a quem

praticar contravenção ou crime”14.

Diniz entende a pena como sendo:

[...] a ameaça que a lei comina em abstrato para a hipótese de uma determinada espécie delitiva, senão a possibilidade e magnitude incluída nela que o juiz precisa e impõe em concreto por um delito particularizado, pela ocorrência delitiva individualizada, e que o condenado deve cumprir. É obra da razão, está criada e regulada por normas, representa uma equação de equilíbrio de valores e se propõe a evitar a violência, resolver conflitos e lograr a paz social, sujeitando-se a limites que a humanizam conforme progride a inteligência e a sensibilidade15.

Não há um diploma legal que defina o termo pena. Tendo por base o artigo

1°, da Lei de Execuções Penais16, que trata da execução da pena, considera-se a

pena como a efetivação da sentença criminal, buscando não só reprimir o delito

13

ENCICLOPÉDIA BADEM. Verbete “pena”, p.118. São Paulo: Atlas, 2001, p. 249. 14 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 555. 15 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 138. 16 Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm - Acesso em 17/09/2008.

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cometido, como também reeducar o condenado, ensinando-lhe valores e caminhos

que, talvez, até então não teve oportunidade de conhecer.

Beccaria afirma que a origem da pena advém da necessidade de cada

homem ceder pequenas parcelas de sua liberdade que, reunidas, fundamentam o

direito de punir:

Nas palavras do autor:

Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar inimigos em toda parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para usufruir o restante com mais segurança. Não era suficiente, contudo, a formação desse depósito; era necessário protege-lo contra as usurpações de cada particular, pois a tendência do homem é tão forte para o despotismo, que ele procura, incessantemente, não só retirar da massa comum a sua parte de liberdade, como também usurpar a dos outros. Eram necessários meios sensíveis e muito poderosos para sufocar esse espírito despótico, que logo voltou a mergulhar a sociedade em seu antigo caos. Tais meios foram as penas estabelecidas contra os que infringiam as leis17.

Beccaria acreditava que, desta forma, as pessoas firmam um contrato

social, no qual abrem mão de um número mínimo de direitos, para a realização da paz

social.

Defere-se à sociedade o direito de reprimir atos que ameaçam ou possam

ameaçar sua existência. “Assim, surge como uma das funções da pena a defesa

social, pois, sem ela, a garantia da ordem pública estaria seriamente ameaçada”18.

Muitas são as definições de pena, tendo sido algumas citadas no início

deste capítulo, as quais estão principalmente ligadas com a idéia de sanção por uma

conduta anteriormente praticada. A sociedade busca com a aplicação da pena além da

retribuição à pessoa que cometeu o infortúnio, também devolução aos cidadãos um

sentimento de paz social.

Assim, feitas algumas considerações sobre a pena, buscar-se-á a seguir

situar a origem da utilização da pena como meio de coação.

17 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 19. 18 RICO, José Maria. As Sanções Penais e a Política Criminal Contemporânea. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1978, p. 4.

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Rico, especifica os estágios pelos quais as penas são estudadas e

analisadas:

Nesse evoluir destacam-se quatro grandes estágios: o do período primitivo da vingança privada, tendo por base concepções de repressão e composição; o da vingança divina, lastreado na expiação e intimidação; o da vingança pública, inspirado pela expiação e emenda do condenado e o humanitário, cuja idéia central prossegue sendo o poder intimidatório da pena, aliada a considerações voltadas a ressocialização do criminoso19.

Observa-se que o autor aponta nos três primeiros períodos a palavra

“vingança”20 divina, limitada, pública, concepção esta que desaparece somente no

chamado período humanitário.

Daí surge a idéia da pena ser vista como uma forma de punir aquele que

cometeu um ato tipo como condenável, indesejável pela sociedade. A vingança seria

de toda a sociedade contra o sujeito que ousou transpor as regras que esta

anteriormente já especificou.

Assim, primeiramente será realizado o estudo sobre o Período de Vingança

Privada, o qual se refere à época em que se começou a limitar a punição a ser

aplicada a alguém que ofendesse outrem, sendo que anterior a este período seria a

vingança ilimitada, ou seja, quem sofreu algum dano poderia fazer qualquer coisa com

aquele que cometeu a ofensa.

1.1.1 Período de Vingança Privada

O período da vingança privada é apontado por muitos autores como a

forma mais remota de manifestação da pena, quando cada indivíduo que se via

prejudicado por outrem utilizava de sua própria força e razão para punir conforme lhe

convinha.

19 RICO, José Maria. As sanções penais e a Política Criminal Contemporânea, p. 5. 20 Este verbo possui como sinônimo: punição, castigo, desforra, represália.

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Esse período é dividido em ilimitado e limitado, sendo que neste último não

havia limites para fazer valer a punição àquele que efetuou um ato lesivo, nem

qualquer tipo de escalonamento da força deferida conforme a infração cometida.

Nesta época o homem primitivo vivia em grupos, os quais definiam normas

relativas à religião, à moral e ao direito. “A violação de tais normas provocava o

desequilíbrio no grupo e a punição do autor, se conhecido, ou algum do grupo, era a

maneira simbólica de destruir a violação, o crime”21.

No período limitado buscou-se evitar os excessos da primeira, aplicando-se

uma pena proporcional à transgressão e impossibilitando que o autor ficasse à mercê

do ódio do ofendido ao receber a represália. Representou grande conquista, pois

estabelecia proporcionalidade entre ação e reação do delito cometido e da pena

imposta22. Esta conquista denominou-se Lei de Talião, sendo dos institutos

consuetudinários da Antiguidade que mais se tem informação.

Seguindo esta concepção, têm-se as locuções encontradas no Livro de

Êxodo, Capítulo 13-21, do Antigo Testamento da Bíblia Sagrada, que relata como era

o direito aplicado na sociedade na época: “[...] aquele que ferir mortalmente um

homem, será morto”... “Mas se houver danos, urge dar a vida por vida, olho por olho,

dente por dente, mão por mão [...]”23.

Ademais, na Lei das XII Tábuas, encontra-se a influência do Talião, que

dispõe, in verbis, no número 11 da Tábua VII: “Se alguém fere a outrem, que sofra a

pena de Talião, salvo se houver acordo”24.

Falconi aponta que na Lei das XII Tábuas “pela primeira vez, se usa a

expressão Talião, marcando o início da composição, começando então com uma

humanização da pena”25.

21 ZANON, Artêmio. Introdução à ciência do direito penal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997, p. 80. 22 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social. 3 ed. ver. Florianópolis: UFSC, 2003, p.25. 23 http://www.bibliacatolica.com.br/01/2/21.php. Acesso em 05 de junho de 2008. 24 http://www.api.adm.br/direito/TABUAS.htm. Acesso em 05 de junho de 2008. 25 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Ícone, 2002, p.35.

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Assim, a composição surge como uma forma mais moderada de pena,

aplicada de uma forma alternativa, nos casos em que a Lei de Talião não podia ser

usada, como nos crimes praticados por omissão. A composição foi considerada “a

modalidade precursora da indenização do Direito Civil e da pena de multa do Direito

Penal”26.

Sobre este aspecto Falconi acentua que:

Iniciava-se a substituição da pena aflitiva contra a integridade física do condenado por uma forma qualquer de indenização. Essa indenização poderia ser uma retribuição pecuniária ou mesmo a prestação de serviços pelo criminoso à família do ofendido27.

Ainda, um dos documentos mais antigos encontrados que versava sobre a

instituição de penas e normas jurídicas, o Código de Hamurabi, localizado há cerca de

2.000 anos a.C, possui dois artigos que tinham rudimentar semelhança com a prática

da composição e do Talião, tais sejam: “Artigo 209: se alguém bate numa mulher e a

faz abortar, deverá pagar dez ciclos pelo feito. Artigo 210: se essa mulher vier a

morrer, então deverá matar o filho deste”28.

Por fim, no período da vingança privada limitada a sociedade passou a se

relacionar de uma forma mais contínua, com o surgimento do comércio, das cidades,

formando agrupamentos e constituindo religiões. Com o surgimento das religiões, o

homem passou a atribuir as punições a desejos divinos, sob o argumento da

purificação da alma, e assim retirava do ofendido o interesse em punir, fatos estes que

serão analisados no próximo subtítulo.

1.1.2 Período de Vingança Divina

Conforme já mencionado, a história dos povos demonstra que a origem das

penas é tão antiga quanto a humanidade, posto que já se manifestava quando do

surgimento das crenças religiosas.

26 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p.122. 27 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal, p.37. 28 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal, p.35.

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Pimentel afirma que este período foi problemático pela falta de

esclarecimentos que motivassem as penas, deixando um poder inatingível aos

membros do clero que tinham acesso aos conhecimentos divinos, limitando à

sociedade apenas a aplicação de suas exigências. Assim o autor menciona:

O medo do desconhecido e o poder dos privilegiados, que tinham ou ostentavam predicados para se entenderem com as entidades sobrenaturais, certamente conferiram aos sacerdotes a autoridade, o respeito e o temor reverencial que formam a essência do poder29.

Aos reis e imperadores era dado poder com caráter divino, de forma que os

cidadãos eram considerados servos, e as leis penais estavam introduzidas e

misturadas nos livros sagrados30.

Pimentel acrescenta que com este poder nas mãos dos sacerdotes e reis “o

castigo, portanto, dado o seu caráter emocional, era totalizador e não individualizado,

atingindo pessoas, coisas de seus haveres e até os seus animais e suas terras”31.

No mesmo sentido, Goulart indica que “a vingança e a expiação religiosa

permaneceram por muito tempo como a finalidade principal da pena”32. Vislumbra-se

que o principal objetivo das penas desse período era especialmente a intimidação,

com vistas a prevenir a ocorrência dos delitos publicamente castigados.

1.1.3 Período de Vingança Pública

A delimitação e a conseqüente separação entre o Direito e a Religião

ocorreram com a evolução das relações entre os povos e com o surgimento de novos

conceitos de valores que norteavam a vida particular e social33.

Dotti aponta alguns pontos sobre o período de vingança pública:

29 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.120. 30 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.28. 31 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.121. 32 GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito da execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.21. 33 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.35.

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A pena pública era caracterizada por uma dupla natureza originária; se apresentava como exercício da vingança coletiva, ora como sacrifício expiatório. Enquanto essa modalidade penal acarretava sempre a morte do condenado, na privada se permitia a perda da liberdade como sanção propriamente dita imposta ao culpado [...]34.

A pena de prisão foi a principal contribuição deixada pelo Cristianismo

nessa fase. Posteriormente, com o afastamento da Igreja, foi possível “fortalecer a

autoridade pública, tornando-se forte o Estado, chamando para si o exercício da pena,

tirando das mãos do ofendido ou de sua família tal titularidade”35.

No mais, Pimentel afirma que “a idéia predominante era a de que a pena

era um mal necessário, que se deveria opor ao mal do crime: malum passionis ob

malum actionis”36.

Oliveira acrescenta alguns problemas deste período, acentuando que “as

penas que não atingiam propriamente o corpo do condenado eram acompanhadas de

castigos acessórios: o banimento era precedido de exposição e marcação de ferrete e

a multa era acompanhada de açoite, etc”37.

Diante do elevado número de crueldades aplicadas, se buscou formas, ao

final deste período, para amenizar e limitar os castigos. Inicia-se então um novo ciclo

na história da pena, conhecido como o período humanitário38.

1.1.4 Período Humanitário da Pena

Surgiu a partir da segunda metade do século XVIII um movimento de

filósofos, juristas e legisladores que pregava a moderação das punições e sua

proporcionalidade com o crime39. O sofrimento deixou de ser o objetivo da punição. “A

execução passou a ser feita, na maioria das vezes, de forma visível e instantânea, 34 DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 32. 35 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.36. 36 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.127. 37 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.39. 38 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.41. 39 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.24.

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seja com injeção de tranqüilizantes e guilhotina, possibilitando uma morte rápida para

o infrator e seus familiares”40.

Este abrandamento do modo de aplicar as punições teve início diante do

aumento do número de crimes contra o patrimônio e diminuição dos crimes contra a

pessoa, situação essa que não mais permitia promover as penas cruéis para infrações

menos graves. Como explana Oliveira:

[...] verificou-se que, aos poucos, houve um declínio dos crimes contra as pessoas (crime de sangue e agressões físicas) e um acréscimo contra o patrimônio (roubo, furto e fraude), devido a uma grande elevação do nível de vida, com a conseqüente multiplicação e bens móveis e imóveis e um forte crescimento demográfico41.

Nesta fase a pena de prisão foi reformulada e adaptada conforme o

surgimento de novas modalidades de delitos. “Os reformadores não pretendiam

somente abrandar as penas, mas atacavam a corrupção que dominava a justiça, a

qual, ainda, se apresentava irregular e contraditória, na medida em que o poder estava

centralizado no monarca”42.

De acordo com estas alterações na sociedade, Focault esclarece:

Na verdade, a passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude faz parte de todo um mecanismo complexo, onde figuram o desenvolvimento da produção, do aumento das riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações das propriedades, método de vigilância mais rigoroso, um policiamento mais estreito da população, técnicas mais bem ajustadas de descoberta, de captura, de informação43.

Oliveira aponta que “verifica-se do estudo evolutivo da pena, que em todas

as épocas sempre houve grande variedade de punições e diversidade abundante de

instrumentos para executá-la”44.

40 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da violência nas prisões. Trad. Ligia m. Pondé Vassalo. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 1991, p 72. 41 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.43. 42 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.43. 43 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p 72. 44 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.46.

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Apesar de objetivar a recuperação do criminoso, Pimentel assegura que

“[...] a prisão sempre trouxe e sempre trará aos que são a ela submetidos, grandes

sofrimentos, sejam eles corporais ou psicológicos”45.

Analisada a origem das penas, e tendo em conta que a prisão se firmou

como a principal forma de punição, necessário se faz um estudo acerca do surgimento

dos sistemas prisionais.

1.2 SURGIMENTO DOS SISTEMAS PRISIONAIS

Com a influência do movimento de humanização da pena e a idealização

de um sistema prisional mais eficaz, vários outros métodos de execução da pena

foram criados. Oliveira esclarece que “inicialmente, a detenção aparece na história

como uma medida simplesmente preventiva para, só mais tarde, adquirir um caráter

repressivo e tornar-se um tipo de pena”46.

Acerca do surgimento das prisões Pimentel acrescenta:

A pena de prisão teve sua origem nos mosteiros da Idade Média, como punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem às suas celas para que se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se assim com Deus47.

E Oliveira complementa, discorrendo que “como as condições econômicas

e sociais da época não permitiam a construção de estabelecimentos penais

adequados, usava-se os mais variados sistemas de aprisionamento”48.

Sobre o reconhecimento da prisão como pena definitiva em substituição à

pena de morte, Oliveira aponta que só ocorreu no século XVIII, sendo que “antes, a

45 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.132. 46 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.47. 47 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.134. 48 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.47.

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simples prisão não era considerada suficiente, acrescentando a ela outras privações:

carência alimentar, utilização de cintos, etc”49.

Sendo a prisão a principal forma de punição, passou-se à construção de

prisões que pudessem receber e aplicar o castigo às pessoas que cometiam delitos.

Buscando uma melhor forma de punir e um melhor controle sobre a pessoa tutelada,

surgiram vários sistemas prisionais.

No entanto, três sistemas prisionais se destacaram por conseguir atingir

suas propostas, sendo adotados em outras localidades além daquelas em que foram

criados, sejam eles: o sistema da Filadélfia ou Pensilvânico, o de Alburn , e o sistema

Progressivo Inglês e Irlandês, sendo que neste último, levava-se em conta o

comportamento e aproveitamento do preso, possibilitando, assim, a progressão do

regime fechado para aberto ou semi-aberto, diferenciando-se dos primeiros, nas quais

o regime de cumprimento da pena era somente o fechado.

1.2.1 Sistema da Filadélfia ou Pensilvânico

Inspirado nas idéias de John Howard50, que buscava uma reforma nos

estabelecimentos prisionais, “[...] surge nos Estados Unidos o sistema celular,

implantado no Estado da Filadélfia, com cuja denominação entrou para a história dos

presídios”51.

Era conhecido como celular por utilizar o isolamento absoluto e somente

estimular a leitura da Bíblia, sem que o preso tivesse direito a trabalho ou visitas.

Sobre este tipo de sistema prisional, Focault discorre:

Sozinho em sua cela o detento está entregue a si mesmo; no silêncio de suas paixões e do mundo que o cerca, ele desce à sua consciência, interroga-a e sente

49

OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.49. 50 Autor inglês que dedicou praticamente toda a sua vida estudos e pesquisas sobre as condições e melhoramentos carcerários. Deu inicio a um movimento revolucionário para humanizar as regras disciplinares da detenção penal e o regime prisional da época ao publicar State of Prisions in Ingland and Wales (1777). 51 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? São Paulo: Ícone, 1998, p. 59-60.

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despertar em si o sentimento moral que nunca perece inteiramente no coração do homem52.

Deste modo, com base na disciplina rigorosa, o silêncio somente era

quebrado "quando o recluso precisasse falar com os funcionários do presídio, e para

tanto fossem autorizados”53.

Nesta linha, Oliveira aponta que “o sistema Pensilvânico foi muito criticado,

porque, além de ser extremamente severo, impedia a ressocialização do

condenado”54.

Com pequenas reformulações e alterações, tendo em vista que o sistema

Pensilvânico conseguia aplicar uma disciplina rigorosa e punia o indivíduo com o

isolamento absoluto da sociedade, surge, em 1821, o sistema de Alburn, tendo como

ideal ser o oposto do Pensilvânico, o qual será abordado no tópico seguinte.

1.2.2 Sistema de Alburn

Criado com o desejo de superar os defeitos e limitações do sistema

celular55, o sistema de Alburn surge a partir de uma iniciativa que começou no Estado

de Nova Iorque, com a construção de uma penitenciária na cidade de Alburn.56

Esse sistema tinha como característica a possibilidade de interação entre

os presos durante o dia, mas com a exigência do absoluto silêncio, e total isolamento

noturno57.

Pimentel esclarece que “falhava o sistema pela proibição de visitas, mesmo

dos familiares, com a abolição do lazer e dos exercícios físicos, bem como uma

notória indiferença quanto à instrução e aprendizado ministrado aos presos”58.

52 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p 83. 53

FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social?, p. 60. 54

OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.57. 55 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2004, p. 70. 56 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.137. 57 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.57. 58 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.138.

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Este sistema propunha-se garantir a eficácia da lei através de um controle

rígido e ininterrupto das atividades dos apenados, com o intuito deste poder voltar a

sociedade, sem as características criminosas que possuía.

Focault acrescenta que o objetivo deste sistema “[...] era requalificar o

criminoso como indivíduo social treinando-o para uma atividade útil e resignada,

devolvendo-lhe hábitos de sociabilidade59.

Quando da ascensão da prisão como forma de cumprimento de pena tinha-

se como objetivo a retirada da pessoa que delinqüiu da sociedade. No Sistema de

Alburn já havia uma preocupação em recuperar esta pessoa para que esta retornasse

ao mesmo meio que havia saído, sendo que em decorrência deste fato teve início um

sistema de progressão da execução da pena, sendo que o indivíduo encarcerado

recebia benefícios em decorrência de seu bom comportamento.

1.2.4 Sistema Progressivo

O Sistema Progressivo surgiu na Inglaterra em 1846, apesar de ter sido

implantado na Austrália, sua colônia, como alternativa aos sistemas e outros países,

nos quais a pena era cumprida basicamente em regime fechado e poucos eram os

direitos garantidos aos presos. A Irlanda adotou este tipo de sistema prisional, pois

percebeu que o cumprimento de pena diferenciava-se de acordo com o

comportamento do preso e o quanto este estaria readaptado para volta ao meio social.

1.2.4.1 Inglês

Trata-se de um novo sistema de prisão, denominado progressivo, atribuído

a um capitão da Marinha Real Inglesa, chamado Alexander Maconochie60.

Os presos condenados no solo inglês eram encaminhados a um presídio

construído na Austrália, antiga colônia inglesa. Nesta, iniciou-se uma nova visão de

59 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p 200. 60 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p 59.

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execução da pena, diferenciando-se por considerar, além da gravidade do delito

cometido, a boa conduta e o trabalho do preso.

Sobre o Sistema Inglês, Pimentel acrescenta:

Como diretor de um presídio do condado de Narvich, na ilha de Norfolk, na Austrália, Maconochie iniciou um trabalho que realmente modificaria a vida dos presos vindos da Inglaterra, em condições desumanas, pois muitos dos desportados morriam na viagem, vitimados por moléstias que se manifestavam no ambiente infecto dos navios que os transportavam. Os que chegavam ao presídio estavam tão debilitados que não suportavam o menor esforço e eram facilmente levados a extrema degradação física, quando não à morte61.

Focault aponta que “o solo australiano foi utilizado pela Inglaterra para

estabelecer várias prisões, constando mesmo que Sydney, a cidade que exerceu

enorme importância política, foi fundada por prisioneiros”62.

Pimentel discorre:

Pouco tempo depois de ser empossado na direção deste estabelecimento penal, destinado a recolher presos perigosos e reincidentes, Marconochie dizia orgulhosamente que havia encontrado a ilha de Norfolk feito um inferno e a havia convertido em uma comunidade disciplinada e bem regulamentada63.

Oliveira esclarece como se dava a aplicação deste sistema e a forma como

era cumprida a pena:

Adotava-se o critério de dividir o tempo de cumprimento da pena em três períodos; o primeiro era chamado o período de prova, com isolamento celular completo de tipo Pensilvânico; o segundo período se iniciava com a permissão de trabalho em comum ao preso, observada porém a regra auburniana do rigoroso silêncio e mantido o isolamento noturno, passando depois de algum tempo para as chamadas public work-houses, com vantagens maiores; finalmente, o terceiro período, no qual, pela correção demonstrada, o prisioneiro obtinha o ticket of leave, com o benefício da liberdade condicional64.

61 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.139-140 62 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p 60. 63

PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.140. 64 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.61.

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Deste modo, por possuir uma série de critérios para concessões de

benefícios, que se obtinha em cada período, que ficou conhecido como sistema

progressivo, o qual teve repercussão em outros países, como a Irlanda, cujo sistema

prisional será abordado no próximo tópico.

1.2.4.2 Irlandês

Em 1853 passou a ser adotado na Irlanda um sistema progressivo que

tinha como modelo o sistema progressivo inglês, mas com o acréscimo ao

cumprimento da pena, de mais um período.

Neste sistema, além dos períodos característicos do modelo inglês, passou

a existir um quarto período que “[..] consistia, antes do livramento condicional, um

período de trabalho externo no campo, testando-os e preparando-os para o retorno à

vida livre em sociedade”65.

Este sistema também tinha este como característica “a transferência dos

reclusos para prisões intermediárias, com suave regime de vigilância, sem uniforme,

com permissão para conversar, saídas dentro de certo raio, trabalho externo no campo

[...]”66.

Bitencourt indica as vantagens que os presos submetidos a esse sistema

recebiam com o acréscimo deste quarto período:

Muitas vezes os apenados viviam em barracas desmontáveis, como trabalhadores livres dedicando-se ao cultivo ou à indústria. Concedia-se-lhes inúmeras vantagens, como dispor de parte da remuneração de seu trabalho, não receber nenhum castigo corporal, escolher a atividade laboral e, especialmente, poder comunicar-se com a população livre, embora sem perder a condição de apenado67.

Ressalta-se que esse modelo prisional tinha como marca preponderante a

confiança na ressocialização do preso e sua reintegração ao meio social.

65 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.141. 66 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.61. 67 BITENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão, p. 85-86.

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A busca dessa readaptação do preso é que sustentou a divisão em quatro

etapas deste sistema, Pimentel acrescenta:

Inicialmente o recluso fica sujeito a uma observação por parte dos encarregados da terapia penal, por tempo não excedente de três meses, e que é chamado de período de prova. Posteriormente, é admitido ao trabalho em comum, dentro ou fora do presídio, mantido o isolamento noturno. Num terceiro período o preso é encaminhado para um estabelecimento semi-aberto, ou Colônia Agrícola, preparando-se para receber o benefício da liberdade condicional, que á a quarta e última etapa da execução da pena privativa de liberdade68.

Importante destacar que, no Brasil, o §2° do artigo 33 do Código Penal de

1940 declara que “as penas privativas de liberdade deverão ser executadas de forma

progressiva, segundo o mérito do condenado”69. Apesar de lembrar a forma de

progressividade destes dois últimos sistemas prisionais, Jesus informa que “a reforma

penal de 1984 não adotou o sistema progressivo, mas um sistema progressivo (forma

progressiva de execução), visando à ressocialização do preso”70.

O estudo dos três sistemas prisionais abordados até então, mostram o

surgimento da prisão, ou seja, a forma de cumprimento de pena, em regra, fechada,

na qual o condenado cumpre a pena isolado do convívio social. Verificadas as

características do regime fechado e a sua forma de implantação, será analisado no

próximo tópico as primeiras aplicações dos regimes semi-aberto e aberto.

1.2.5 Prisão Semi-Aberta

A idéia de prisão semi-aberta teve origem na Suíça, onde foi realizada a

primeira experiência acerca de sua aplicação, na prisão chamada de Witzwill. Foi

construída em terras do Estado, na zona rural, assemelhava-se a uma grande fazenda

onde os condenados moravam e trabalhavam, servindo de modelo para muitos outros

estabelecimentos do gênero71.

68 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.141. 69 GOMES, Luiz Flávio (organizador). Constituição Federal – Código de Processo Penal – Código Penal. 6 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 418. 70 JESUS, Damásio E. de. Novas Questões Criminais. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 521. 71 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.142.

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A criação desta forma de cumprimento de pena tinha como objetivo a

ressocialização, uma vez que, tendo por base os sistemas prisionais adotados em

outros países e observados os presos sujeitos a tais limitações, tinha-se que quanto

mais tempo o apenado ficasse trancado, sujeito a humilhações e restrições, maior era

a sua degradação física e psicológica.

Nesse sentido Oliveira esclarece:

[...] em todas as partes do mundo, de um modo geral, o resultado da execução das penas em prisões fechadas de segurança máxima mostrou-se desesperador e o índice de reincidência era alarmante, o que comprova a ineficácia das prisões e implica em uma severa redução de encarceramento neste regime prisional72.

Neste sistema, o trabalho era feito ao ar livre e o preso recebia

remuneração suficiente para sustentar sua família, além da possibilidade de acumular

algumas economias para o momento da liberdade73.

No entanto, segundo Pimentel, “o sistema de prisão semi-aberta apresenta

alguns inconvenientes, que não chegam, entretanto, a desaconselhá-lo, pois são

facilmente contornáveis”74.

Sobre tais problemas Oliveira afirma que, o primeiro deles, era “a

dificuldade de adaptação a essa forma de vida dos presos oriundos das grandes

cidades“75.

Outra dificuldade Pimentel atribui à “facilidade com que o preso pode

abandonar o local, ocorrendo com relativa freqüência entre os presos recém-

transferidos, nos primeiros quinze dias de sua chegada”76.

Além desses pontos citados, Pimentel prossegue na sua análise e afirma:

Pela experiência adquirida no trato da matéria, parece-nos aconselhável que, além de bom preparo psicológico quanto da remoção do preso para uma prisão semi-

72 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.62. 73 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.63. 74 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.142. 75 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.63. 76 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.142.

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aberta, é preciso que se exerça uma discreta vigilância sobre eles principalmente nos primeiros quinze dias após o ingresso no estabelecimento, sobretudo depois de visitas dos familiares, observando-se suas reações77.

Não obstante as dificuldades apontadas, muitos desses estabelecimentos

foram criados em vários países, tendo no Brasil atualmente, por exemplo, o Instituto

Penal Agrícola “Noé Azevedo”, em Bauru, no Estado de São Paulo, o congênere de

Neves, em Minas Gerais, e ainda a Colônia Penal Agrícola de Palhoça, subsidiária da

Penitenciária de Florianópolis, Estado de Santa Catarina.

Buscando superar os problemas apontados pelo regime fechado e semi-

aberto, surge o Sistema de Prisão Aberta, aplicada a presos que apresentavam

periculosidade e exprimiam uma alta capacidade de ressocialização.

1.2.6 Prisão Aberta ou Comunitária

A prisão aberta passou a ser adotada nos países que obtinham um melhor

índice de ressocialização dos presos como resultado de diminuição ao tempo de

encarceramento nas prisões, como no caso da prisão semi-aberta.

O estabelecimento penal que adotava este regime de prisão era constituído

por uma simples residência, comumente chamada de Casa do Albergado, na qual o

condenado se recolhia para dormir à noite, depois de ter trabalhado ou estudado fora,

durante todo o dia78.

O objetivo principal desta modalidade de prisão, inicialmente, era testar de

uma forma real o retorno do apenado à sociedade e à convivência com sua família,

verificando seu grau de adaptação.

Pimentel discorre sobre as vantagens desta modalidade de prisão:

Se a personalidade do criminoso é uma estrutura complexa de fatores, que agiram negativamente sobre ele, essa experiência real de liberdade, sob a motivação de readquirir a liberdade plena, permite que essa

77 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.143. 78 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.64.

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fatoração seja posta em cheque, reavaliada e substituída por comportamento diverso, o que jamais seria possível no ambiente de uma prisão fechada, porque é impossível treinar um homem preso par viver em liberdade79.

No Brasil, o sistema de prisão albergue sofreu grande desgaste por conta

de sua difícil aplicabilidade, uma vez que é o Estado o responsável por construir as

residências para instalação dos albergados e de fornecer recursos necessários, e não

o fazendo, impossibilita a implementação dessa forma de execução de pena80.

Note-se que o artigo 117 da Lei n.7.210, Lei de Execuções Penais admite o

cumprimento da pena de regime aberto em residência em substituição ao recolhimento

em albergue se o condenado preencher os requisitos dispostos nos incisos I, II, III e

IV, seja eles possuir mais de setenta anos, doença grave, ter sob sua guarda filho

menor ou deficiente físico ou mental ou no caso de condenada gestante.

No entanto, conforme já mencionado, grandes são as dificuldades de

aplicação deste dispositivo, restando, muitas vezes ao condenado com tais

dificuldades, o cumprimento da sua pena dentro do sistema prisional tradicional.

Assim, necessário se faz um estudo acerca da Lei de Execuções Penais a

fim de obter um maior esclarecimento acerca das formas de cumprimento das penas,

o que será feito no próximo tópico.

1.3 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SUA ORIGEM (Lei n. 7.210, de 11 de

julho de 1984)

A execução penal é o instrumento pelo qual o direito de punir se exterioriza.

Do latim executione, execução significa “ato ou efeito de executar, de levar a efeito;

realização; cumprimento de sentença, depois de transitada em julgado”81.

79 PIMENTEL, Manoel Pedro. O Crime e a Pena na Atualidade, p.144. 80 OLIVEIRA, Odete Maria. Prisão: um paradoxo social, p.64. 81 ENCICLOPÉDIA BADEM. Verbete “execução”, p.118.

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Nogueira entende que “é a mais importante fase do direito punitivo, uma

vez que seu objetivo é justamente tornar exeqüível ou efetiva a sentença criminal que

impôs ao condenado determinada sanção pelo crime praticado”82.

1.3.1 Origem da Lei de Execuções Penais

O Projeto do Código Penitenciário da República de 1933 foi a primeira

tentativa no Brasil de uma codificação das normas de execução penal83.

A execução penal passou a ter caráter marcadamente jurisdicional, com o

advento do Código de Processo Penal (Dec.-lei 3.689/41), que a disciplinava como a

última fase do processo criminal84.

Sobre a origem da execução penal, Goulart assevera que:

Efetivamente, o conjunto de normas jurídicas que regem a execução penal no Brasil surgiu à partir da proposição ao legislador de um anteprojeto tratando a matéria. Obteve daquela resposta consistente no ato aprobatório, que teve em vista o conjunto dos fatos referentes a execução penal, submetido a amplo espectro valorativo, operando-se a opção por sua edição com lei, visando atender as cruciantes experiências vividas do terreno da execução das penas e, da mesma forma, às exigências comunitárias no tocante ao aperfeiçoamento, modernização e humanização da disciplina reguladora da execução penal85.

Ante o cunho jurisdicional que tomou a execução da pena após a entrada

em vigor do Código de Processo Penal se mostrou necessário a produção de uma lei

que tratasse exclusivamente de execução, o que ocorreu em 11 de julho de 1984,

quando foi editada a Lei 7.210, denominada Lei Execução Penal.

82 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p.3. 83 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 28. 84 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.59. 85

GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.59.

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Para Beneti a jurisdicionalização da execução penal pode ser encarada

como forma de garantir a aplicação do direito.

[...] a exposição do fenômeno da jurisdicionalização aperfeiçoou-se modernamente, fixando-se a jurisdicionalidade da execução penal como corolário da inafastabilidade da jurisdição penal, um dos fundamentos da garantia do Estado de Direito86.

Desde então a Lei de Execuções Penais orienta a execução da pena

aplicada e aponta formas de buscar garantias para que um dos objetivos da prisão

seja alcançado, tal seja a ressocialização do condenado.

1.3.2 Natureza Jurídica da Execução Penal

A fase da execução da pena é complexa, tendo em vista que possui uma

natureza híbrida na qual o Estado detém uma função administrativa e jurisdicional,

cabendo à administração penitenciária ao Poder Executivo (Estado-administração) e

ao Judiciário dirimir os incidentes da execução.

Sobre a natureza híbrida da execução penal Nogueira aponta:

É realmente uma atividade complexa, que hoje se desenvolve não só no plano jurisdicional e administrativo, mas também no social, pois não se pode prescindir da cooperação da comunidade no cumprimento e fiscalização das condições impostas no sursis, assim como nas penas restritivas de direito, mormente prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana87.

Ainda, pela máxima nulla poena sine judicio88 firma-se o entendimento de

que a adequação do fato à norma típica só pode ser realizada pelo Estado, por

intermédio da atividade jurisdicional89.

86 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 4. 87 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais. São Paulo: Saraiva, 1998, p.4. 88 Não há pena sem processo - http://www.centraljuridica.com/dicionario.html - Acesso em 21/10/2008. 89 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal, p. 5-6.

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Porém, no que tange à execução da pena, Mirabete aponta que “há uma

parte que se refere especificadamente a providências administrativas e que fica a

cargo das autoridades penitenciárias e, ao lado disso, desenvolve-se a atividade

judicial da execução”90.

Assim, a natureza jurídica da execução penal, para Nogueira, pode ser

classificada da seguinte forma:

[...] quanto à relação da sanção com o poder punitivo estatal, a execução se enquadraria no direito penal substancial; quanto à relação da sanção com o título executivo, pertenceria ao direito processual; e no que tange à atividade executiva, própria e verdadeira, ao direito administrativo91.

Esta natureza mista busca manter a imparcialidade na execução, da

mesma forma que se tem, ou deveria ter, nos julgamentos. Tal, nas palavras de

Beneti, seria possível “com estrita observância das garantias próprias do Estado de

Direito, com a devida intervenção do Estado na órbita dos direitos do condenado”92.

1.3.3 Objetivo da Execução Penal

A execução da pena tem como objetivo fazer cumprir o disposto na

sentença condenatória. “O art. 1°93 da Lei 7.210/84 é claro ao assinalar que um dos

objetivos da execução penal é proporcionar condições para harmônica integração

social do condenado e do internado”94.

Mirabete expõe a importância da Lei de Execuções Penais:

Além de tentar proporcionar condições para a harmônica integração social do preso ou do internado, procura-se no diploma legal não só cuidar do sujeito passivo da execução, como também da defesa social, dando guarita, ainda, à declaração universal dos direitos do preso comum que é constituída das Regras Mínimas

90 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 25. 91 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p.5. 92 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal, p. 7. 93 Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. 94 SILVA, Haroldo Caetano. Manual da Execução Penal. Campinas: Bookseller, 2001, p. 40.

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para Tratamento dos Presos95, da Organização das Nações Unidas, editadas em 195896.

Sobre os objetivos da execução penal Thompson aduz:

Propõe-se, oficialmente, como finalidade da pena de prisão, a obtenção não de uma, mas de vários objetivos concomitantes: punição retributiva do mal causado pelo delinqüente; prevenção da prática de novas infrações, através da intimidação do condenado e de pessoas potencialmente criminosas; regeneração do preso, no sentido de transformá-lo de criminoso em não criminoso [...]97.

Deste modo, da análise da Lei de Execuções Penais, observa-se que esta

possui disposições que objetivam a recuperação do preso para que este não volte a

delinqüir, por meio de várias formas de assistência, proporcionando condições

favoráveis para a sua reintegração ao meio social.

A respeito das condições oferecidas e do objetivo da reintegração do preso

à sociedade, seus pontos serão analisados mais detidamente nos capítulos seguintes

deste trabalho.

1.4 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA EXECUÇÃO PENAL

Assim como nos demais ramos do Direito, na Execução Penal os princípios

são vistos como um ideal orientador da busca de direitos básicos àquele que ficará

sob guarda e custódia do Estado. Além deste poder, o Estado possui o dever de

devolver à sociedade, após este período, um indivíduo pronto para se relacionar com

outras pessoas.

Goulart explica que “os princípios informadores do direito da execução

penal atuam no sentido de iluminar suas bases e fundamentos e, por igual, orientar

sua aplicação e o sentido de sua compreensão”98.

95 Esse conjunto de regras pode ser visualizado ao fim do trabalho no anexo. 96 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, p. 33. 97 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária, p. 3. 98 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.86.

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E acrescenta que “no campo do Direito, os princípios constituem-se em

enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a

compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer

para elaboração de novas normas”99.

Assim, buscando garantir ao condenado a regularidade processual da

execução e a aplicação adequada das leis, os princípios da legalidade, da

jurisdicionalidade, da personalidade, entre outros também são observados na fase

executória.

1.4.1 Princípio da Legalidade

Este princípio visa garantir que as penas se executem do modo previsto

nas leis e regulamentos.

Mirabete alerta sobre a importância da observância deste princípio na

execução da pena:

Essa garantia executiva, que na doutrina tem-se denominado de princípio da legalidade na execução penal, constitui-se em um desdobramento lógico do princípio nulla poena sine lege: a execução das sanções penais não pode ficar submetida ao poder de arbítrio dos funcionários das instituições penitenciárias, como se a intervenção do juiz, do Ministério Público e de outros órgãos fosse algo alheio aos costumes e aos hábitos do estabelecimento100.

É claramente observado nos incisos XXXIX, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX do

art. 5°101 da Constituição da República Federativa do Brasil, que pelo princípio da

legalidade o condenado é detentor de obrigações mas, também titular de direitos.

Ademais, é necessário garantir que na execução penal sejam observadas

as disposições estabelecidas em lei, seja exigindo do preso o cumprimento da pena de

forma adequada e de acordo com as regras do estabelecimento prisional, seja na 99 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.85. 100 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, p. 35. 101 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].

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observação, por parte da administração prisional, dos direitos do sentenciado, tais

como alimentação, acesso ao trabalho, assistência à saúde, jurídica entre outros.

Mirabete, reforçando este entendimento, afirma que “se de um lado se pode

impor ao condenado as sanções penais estabelecidas na legislação, observadas as

limitações constitucionais, de outro não se admite que seja ele submetido a restrições

não contidas na lei”102.

1.4.2 Princípio da Jurisdicionalidade

De acordo com este princípio, “entende-se que a execução penal é uma

atividade predominantemente administrativa, com incidentes de jurisdicionalidade”103.

Nesse sentido, o artigo 2° da Lei de Execuções Penais estabelece que ”a

jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território

Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do

Código de Processo Penal”104.

Mirabete alerta para a necessidade de garantir o controle jurisdicional na

execução da pena:

As garantias jurídicas ao condenado não devem ser apenas aquelas que se relacionam com a lei que regula a execução. Devem estender-se também à autoridade encarregada de aplicá-la, assegurando-se o controle jurisdicional do magistrado sobre a execução penal105.

Seguindo este entendimento, Goulart afirma que “com a jurisdicionalização

da execução penal, a individualização executiva tornou-se trabalho integrado, a qual

concorre, harmonicamente e dentro das atribuições fixadas em lei, a autoridade

administrativa e a judiciária”106.

Ainda sobre tal princípio, Beneti aponta que “a jurisdição é, então, de uma

parte, direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do cidadão”.107 Sustenta-se,

102 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, p. 38. 103 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p.4. 104 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 29. 105 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal, p. 38. 106 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.103. 107 BENETI, Sidnei Agostinho. Execução Penal, p. 7.

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então, que depois de transitado em julgado a decisão condenatória, cabe ao

magistrado a fiscalização da execução penal a fim de vigiar e conduzir a execução da

pena, o que resulta em garantia ao condenado.

1.4.3 Princípio da Individualização da Pena

Este princípio abrange os princípios da personalidade e da

proporcionalidade, que juntos colaboram para a correta classificação dos presos.

Barros aponta que:

A personalidade determina que a pena seja dirigida àquela pessoa individualmente considerada, não podendo ultrapassá-la [...]; o princípio da proporcionalidade implica que, na execução penal, a pena e sua forma de cumprimento devem estar de acordo com a realidade vivida pelo condenado.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5°, em seu inciso

XLVI, estabelece que “a lei regulará a individualização da pena [...]”108.

Sobre o tema, Goulart aduz:

[...] a pena dirige-se à pessoa do condenado, não podendo ultrapassá-la e operando em função da culpabilidade daquele, enquanto indivíduo responsável capaz por suas ações, bem como, sujeito de direitos e deveres para com a comunidade. Nestas condições, a pena só pode ser dirigida à pessoa do autor da infração penal, daí derivando seu caráter de personalidade109.

O artigo 5° da Lei n. 7.210/1984, Lei de Execuções Penais informa que “os

condenados serão classificados, segundo seus antecedentes e personalidade, para

orientar a individualização da execução penal”110. Prevê este dispositivo legal a

necessidade do estudo do histórico do preso para orientar a forma que será executada

a sua pena, a fim de que ela atinja seu objetivo.

108 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm - acesso em 21/04/2008. 109 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.96. 110 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 48.

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A aplicação do princípio da personalidade na execução da pena seria,

então, uma conquista ao condenado, atuando como uma de suas verdades mais

expressivas, no sentido de atribuir uma proporção entre a pena imposta e a infração

cometida.

Vale salientar, porém, que o cumprimento da pena é uma atividade

decorrente de uma sentença penal, que também deve vir acompanhada da aplicação

destes princípios, de modo a ser a pena coercitiva e também meio de ressocialização.

Verificadas as origens da pena, do sistema prisional, da Lei de Execução

Penal e tendo por base a aplicação dos princípios constitucional assegurados pela Lei

de Execução Penal, no próximo capítulo será efetuada uma abordagem sobre a

individualização da execução da pena e a classificação dos presos, enfoque deste

trabalho, para no terceiro capítulo verificar-se como esta individualização pode auxiliar

na ressocialização dos presos.

CAPÍTULO 2

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA E A

CLASSIFICAÇÃO DO PRESO

2.1 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA E A CLASSIFICAÇÃO

DO PRESO: NOÇÕES GERAIS DA EXECUÇÃO DA PENA

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A individualização é uma das chamadas garantias repressivas, constituindo

postulado básico de justiça111. Assim individualizar a pena é proporcionar ao

sentenciado uma sanção conforme a sentença que o condenou, nos moldes em que a

Lei de Execuções Penais prevê.

Goulart esclarece como se dá a individualização judicial da pena:

Nesse instante, o juiz penal deverá escolher o tipo de pena aplicável ao caso e fixar-lhe a quantidade, bem como, determinar o regime inicial do cumprimento da pena e decidir sobre o cabimento de eventual substituição de pena privativa de liberdade (art. 59 e incisos do CP). Tal decisão, deverá tomar em linha de conta a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e conseqüências do crime e, ainda, o comportamento da vítima. Nesse procedimento, ainda, impõe a lei ao juiz a individualização da pena consoante os critérios da necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime112.

Ainda sobre o tema, Mirabete afirma que “no momento executório, a

individualização é processada no período de cumprimento da pena e que abrange

medidas judiciais e administrativas, ligadas ao regime penitenciário, à suspensão da

pena, ao livramento condicional etc”113.

Bissoli Filho acrescenta que “a individualização executiva, muito mais do

que a previsão ou a aplicação da pena, representa o ponto culminante, o fim jurídico a

que se destina a pena”114.

Uma vez individualizada a execução da pena, passa-se a classificação do

preso, que será separado conforme respostas obtidas nos exames realizados,

aplicando condições diferenciadas de acordo com as suas características.

Assim, Nogueira afirma que “além de constituir a efetivação da antiga

norma geral de regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do

111 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 50. 112 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.97. 113 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 50. 114 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização: Dos Antecedentes à Reincidência Criminal, p. 154.

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princípio da proporcionalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias

fundamentais”115.

A classificação do preso deve ser aplicada desde o início da execução

penal, conforme assevera Goulart:

Um primeiro dado a respeito, vem consignado no item 26 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, que afirma que a classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva116.

E mais, a classificação dos presos se faz necessária para assegurar que

cada preso seja submetido a tratamento carcerário conforme prevê a sua sentença

penal. Essa separação é feita através de estudos efetuados pela Comissão de

Classificação (esta será estudada em um tópico posterior) através de exames de

personalidade, criminológico e biotipologia criminal. Bissoli Filho afirma que “na análise

do componente humano é necessário verificar a personalidade mais ou menos

perigosa e mais ou menos readaptável à vida social do preso”117.

2.1.1 Individualização da Execução da Pena

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece como

garantia, no artigo 5°, inciso XLVI, a individualização da pena, sendo que esta pode

ser verificada primeiramente na lei que descreveu a conduta e cominou a pena, na

qual as penas são individualizadas de acordo com o crime cometido.

Em um segundo momento observa-se a individualização na sentença

judicial, quando o magistrado, dentro da margem em que pode operar de acordo com

o tipo penal, fixa uma pena de acordo com critérios estabelecidos em lei (artigo 59 do

Código Penal), como a conduta do agente, o grau de periculosidade demonstrado, os

antecedentes, etc.

115

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p.10. 116 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.98. 117 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização. Dos Antecedente à Reincidência Criminal, p.150.

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Já no terceiro momento, a função individualizadora pode ser observada na

execução da pena, em que se busca formas de tratamento diferenciadas a cada

sentenciado, tendo em vista que cada um possui peculiaridades que precisam ser

verificadas, com o intuito de aplicar programas para adaptá-lo à realidade carcerária e

de, também, transformá-lo para que se torne um indivíduo capaz de retornar ao

convívio social.

A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 5° prevê que a classificação dos

presos será feita “para orientar a individualização da execução penal”118. (grifo

nosso)

Sobre esta garantia, Boschi acrescenta que:

[...] a garantia da individualização da pena é uma idéia que nasceu pronta, ao contrário do que pode parecer, pois ela expressa, em verdade, o resultado de longa e dolorosa evolução da sociedade desde as formações sociais antigas para as formações sociais modernas e individualistas119.

A individualização, portanto, promove a adequação da pena às

características pessoais de cada preso, a fim de oferecer medidas adequadas,

proporcionando o livre desenvolvimento de sua personalidade.

Barros, porém, faz uma ressalva: “A individualização da pena em execução

não tem o fim de transformar ou readaptar o preso ao modelo de normalidade social,

mas, apenas, o fim de não torná-lo pior, de não dissociá-lo”120.

Prosseguindo nesse assunto, necessário se faz verificar alguns conceitos

doutrinários da palavra individualizar. Assim, Rosa afirma que:

Individualizar consiste em investigar as causas que levaram o agente a cometer o crime; qual o grau de anti-sociabilidade manifestado na ação delituosa; análise de suas condições biológicas, psíquicas e sociais; quais as possibilidades de reagir ou aceitar o tratamento ressocializador: finalmente, quais os sintomas de sua

118 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 48. 119 CARVALHO, Salo de (Coordenador). BOSCHI, José Antônio Paganella. Crítica à Execução Penal. 2 ed. rev. ampl e atual. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2007, p.121. 120 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 138.

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maior ou menor periculosidade121.

Nas palavras de Bitencourt:

Individualizar, na execução penal, significa das a cada preso as melhores condições para o cumprimento da sanção imposta; é conceder-lhe oportunidade e elementos necessários e suficientes para conseguir a sua reinserção social122.

Ainda sobre o tema e reafirmando a necessidade de que o Estado veja o

preso como uma pessoa dotada de característica únicas, têm-se a lição de Bobbio:

“[...] que primeiro vem o indivíduo, o indivíduo singular, deve-se observar, que tem

valor em si mesmo. Só depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito

pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado”123.

Nesta linha Rosa discorre:

Numa sociedade em que a pena não tem apenas o sentido retributivo, mas visa, também – e sobretudo – a ressocialização do condenado, impõe-se a individualização, para que se verifica a capacidade de readaptação, a possibilidade de ser feita distinguindo-se os incapazes de ressocialização ou readaptação124.

E mais, o tratamento individualizado na execução da pena deve ter em

vista o futuro do sentenciado que está cumprindo uma pena privativa de liberdade.

Assim, Barros aponta que a individualização “[...] implica em dar a cada

preso as oportunidades a que tem direito como ser individual e distinto dos demais”125,

dando o auxílio necessário para que se desenvolva de forma consciente e não volte a

delinqüir.

Mirabete acrescenta que “a individualização deve aflorar técnica e

científica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos

condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais

121 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 74-75. 122 BITENCOURT,Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, p. 71-72. 123 BOBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 60-61. 124 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução Penal, p. 74. 125 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 136.

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adequados,conforme as condições pessoais de cada um”126.

Desse modo, após ser feita a individualização, os presos são classificados

para que possam cumprir a pena recebida em conformidade com a sentença recebida

e com o resultado dos exames efetuados. Então, no próximo item será abordada a

classificação dos presos e a forma de sua realização.

2.1.2 A Classificação do Preso

Na Lei de Execuções Penais, tem-se no artigo 5° ao artigo 9° as

disposições acerca da classificação dos presos. O artigo 5° define como será efetuada

a seleção dos condenados; o 6° expõe quem serão os responsáveis pela classificação

e de que formas estes contribuirão para a adequação da execução da pena; o artigo

7° explicita como será formada a Comissão Técnica de Classificação; o artigo 8°

dispõe sobre a obrigatoriedade do exame criminológico para o sentenciado a pena

privativa de liberdade em regime fechado, mas faculta àqueles condenados a cumprir

a pena em regime semi-aberto e; no artigo 9° aponta formas da Comissão de

Classificação obter informações e dados a respeito do preso que está sendo

analisado127.

Marcão, citando o item 26 da Exposição de Motivos da Lei de Execução

Penal, aponta que

A classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas de liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral de regime penitenciário, a classificação é o desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais128.

O comportamento social do indivíduo é resultante não só do seu patrimônio

hereditário, mas também de uma soma de experiências, hauridas principalmente na

126 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 48. 127 LOPES, Maurício Antônio Riberito. Código Penal. 4 ed. rev. e atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.230-231. 128 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2001, p.32.

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infância, de permeio com o ambiente e a educação por ele recebida.129 Daí surge a

necessidade de uma classificação paralela dos crimes e dos castigos e a necessidade

de uma individualização das penas, em conformidade com as características

singulares de cada criminoso130.

Barros aponta que “a classificação tem por objetivo nortear a forma do

cumprimento da pena, bem como servir de parâmetro para observação do

desenvolvimento do preso durante a execução”131.

Goulart discorre sobre as etapas da classificação:

Inicialmente, serão considerados os antecedentes do sentenciado, ou seja, a história de sua vida, de seus múltiplos aspectos, o que não se confunde com sua história judiciária criminal, apenas uma das faces da questão. Num segundo momento, será considerada a personalidade do sentenciado. O termo personalidade designa a maneira de ser e de funcionar de um psiquismo humano e, através do estudo de sua estrutura examina-se o conjunto das relações que organizam e unem entre si as diversas condutas e disposições do indivíduo humano132.

Observa-se que com a classificação os presos são estudados e separados

conforme sua personalidade, periculosidade, seu grau de readaptação à vida social.

Desse modo, não há um contato direto de condenados perigosos, com aqueles

considerados menos perigosos.

Assim, Bissoli Filho afirma que “a classificação é a diferenciação levada a

efeito com base na ordenação tipológica, ou seja, separando-se conforme o sexo,

idade, espécie de crimes e duração das penas”133.

E complementa, mencionando que:

A condição para que as prisões dêem bons resultados deve-se separar os desiguais, como os loucos dos natos, os habituais e reincidentes dos ocasionais, devendo ser estabelecidas duas categoriais básicas, a

129 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 53. 130 FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p.83. 131 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 139. 132 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.100. 133 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização. Dos Antecedentes à Reincidência Criminal, p.155.

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dos presos incorrigíveis e incuráveis e a dos readaptáveis à vida social134.

Então, para promover a ressocialização do preso, um dos objetivos da

execução penal, imprescindível é a classificação para fornecer o tratamento adequado

de acordo com cada tipo de personalidade estudada.

Barros aponta que “a falta da classificação inicial e sem acompanhamento

do preso durante o cumprimento da pena não se pode falar em pena individualizada,

além do que, não se saberá os efeitos surtidos pelo cumprimento da sanção”135.

Esse acompanhamento, conforme o artigo 6° da Lei de Execuções Penais,

será feito por uma Comissão Técnica de Classificação, que através de exames e

buscando dados a respeito do preso, elaboram pareceres para corretamente elaborar

um programa de execução da pena.

Esses exames mencionados acima auxiliam na seleção e classificação dos

sentenciados, sendo eles o criminológico e o de personalidade. Este assunto será

abordado com mais detalhes no item “exames realizados”, porém ressaltar-se-á a

diferença entre eles.

Assim Nogueira expõe:

O exame criminológico difere do exame de personalidade, pois o primeiro parte do binômio delito-delinquente, numa interação de causa e efeito, tendo como objetivo a investigação médica, psicológica e social; e o segundo consiste no inquérito sobre o agente para além do crime cometido, sendo tarefa exigida em todo o curso do procedimento criminal e não apenas elemento característico a execução da pena ou da medida de segurança.136

Carvalho aponta a importância desses exames para efetuar-se a

classificação:

Investigar a personalidade, as aptidões, os interesses e experiências profissionais será a referência fundamental para se estabelecer o perfil de cada um, atendendo-se

134 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização. Dos Antecedentes à Reincidência Criminal, p.155. 135 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 140. 136 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais, p.10.

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desta forma a individualidade preconizada na Lei de Execução Penal, com vistas a uma futura reinserção social construtiva”137.

Marcão aponta que através destes exames “[...] é que se buscará adaptar a

via executória à pessoa do condenado”138.

No próximo tópico será abordado a respeito da Comissão Técnica de

Classificação, responsáveis pela seleção e separação dos presos, sua formação,

atribuições e os meios que dispõe para efetuar tal tarefa, de acordo com a Lei de

Execução Penal.

2.2 COMISSÃO TÉCNICA DE CLASSIFICAÇÃO

O artigo 6° da Lei de Execução Penal atribui à Comissão Técnica de

Classificação a responsabilidade de efetuar a seleção dos sentenciados e elaborar

uma programação da execução da pena em conformidade com as informações

obtidas da pessoa analisada.

Além disso, Marcão, citando os itens 28 a 36 da Exposição de Motivos da

Lei de Execução Penal, aponta que “cabe-lhe propor as progressões e regressões dos

regimes, bem como as conversões que constituem incidentes de execução resolvidas

pela autoridade judiciária competente”139.

Vale ressaltar, porém, que a Lei n. 10.792, de 1° de dezembro de 2003,

alterou a redação dada ao artigo 6°, no qual anteriormente lia-se: “A classificação será

feita pela Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa

individualizador e acompanhará a execução das penas privativas de liberdade e

restritivas de direitos, devendo propor, à autoridade competente, as progressões e

regressões de regimes, bem como as conversões”140.

137 CARVALHO, Salo de (Coordenador). BOSCHI, José Antônio Paganella. Crítica à Execução Penal, p. 127. 138 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 33. 139 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 34. 140 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 35.

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Com a alteração, têm-se: “Art. 6o A classificação será feita por Comissão

Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa

de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório”141.

Assim, observa-se que, com a nova redação, a Comissão Técnica de

Classificação não teria mais a atribuição de acompanhar o cumprimento da pena e o

desenvolvimento do preso durante este período, muito embora ser esta observação

necessária para verificar se a pena conseguiu cumprir seu objetivo relativamente ao

evitar a reincidência.

Com a jurisdicionalização da execução penal, a individualização executiva

tornou-se trabalho integrado, no qual concorrem, harmonicamente e dentro das

atribuições fixadas em lei, a autoridade administrativa e judiciária142.

Sobre a importância da Comissão Técnica de Classificação, Albergaria

aponta:

A visão interdisciplinar da Comissão Técnica de Classificação renovará o contexto penitenciário, com a contribuição científica na evolução do processo de ressocialização, assegurando o acesso às diferentes fases do plano individual de readaptação social. Nem a progressão dos regimes, nem a concessão das medidas alternativas ou de similiberdade ficarão ao critério explosivo do diretor do estabelecimento penal. Já se acentuou que a Comissão Técnica de Classificação é a pedra angular do sistema penitenciário progressivo, porque conduz cientificamente à execução penal, assegura o diálogo interdisciplinar e a melhor orientação do tratamento reeducativo143.

Mirabete, seguindo este posicionamento, expõe que “[...] a observação do

comportamento é imprescindível uma vez que compreende toda a percepção do

condenado em relação a outras pessoas, com a oportunidade de aplicação de testes,

conversão de diagnósticos, etc”144.

No artigo 7°, caput, da Lei de Execução Penal encontra-se a composição

da Comissão Técnica de Classificação, sendo que “[...] será presidida pelo Diretor e

141 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm - Acesso em 22/10/2008. 142 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito da Execução Penal, p.103. 143 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 134. 144 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 54.

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composta, no mínimo, por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um psicólogo e um

assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade [...]”.145

O parágrafo único deste artigo ressalva que “nos demais casos a Comissão atuará

junto ao Juízo da Execução e será integrada por fiscais do Serviço Social”146.

Segundo Albergaria, essa Comissão surgiu em “[...] laboratórios de

antropologia criminal, como primeira tentativa de levar a contribuição da criminologia à

administração penitenciária”147.

Referindo-se a esta contribuição, Costa aponta que “[...] a meta essencial

dos criminólogos tem sido a pesquisa no sentido de verificar se os delinqüentes

apresentam características particulares, e se são portadores de quaisquer traços que

os distingam dos indivíduos não delinqüentes”148.

Tem-se assim uma idéia do objetivo que sempre se buscou ter da pessoa

que ingressa no sistema prisional, ou mesmo durante, a execução da pena. Por este

motivo é que a observação envolve um conjunto de pessoas que colhem os elementos

para uma correta adequação desta pena com a pessoa do sentenciado.

Mirabete expõe que:

[...] todo o processo de individualização do tratamento penitenciário exige postura técnica e científica e, assim, funcionários aptos a realizarem os exames clínicos, morfológicos, psiquiátricos, psicotécnicos, psicológicos, sociais etc., para a síntese criminológica necessária aos informes e pareceres a respeito da periculosidade e adaptabilidade do condenado, básicas para uma correta classificação dos presos e ajustada individualização da pena149.

Cabe, então, à Comissão avaliar de forma mais ampla a pessoa que

cumpre uma sanção imposta pelo Estado, ou seja, além do crime praticado, buscando

assim pontos que sirvam de fundamento para aplicação de um programa

individualizador, tendo como fim a ressocialização.

145 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 35. 146 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 57. 147 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 129. 148 COSTA, Álvaro Mayrink da. Exame Criminológico. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 111. 149 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 57.

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Dessa forma Albergaria enfatiza:

Realmente a Comissão Técnica de Classificação, pela participação de técnicos em ciências criminológicas, imprime caráter científico ao sistema progressivo, eliminando o seu formalismo e rigidez. É a Comissão Técnica de Classificação que, dentro de seu processo de reeducação, focaliza a remissão parcial da pena. Esta não consiste somente num cálculo aritmético, efetuado pela direção penitenciária. O seu elemento subjetivo consiste na participação ativa do interno no processo de reeducação ou em sua efetiva readaptação social, o que é avaliada pela Comissão Técnica de Classificação150.

Por fim, o artigo 8° da Lei de Execução Penal151 prevê a realização de

exame criminológico ao preso submetido a cumprimento de pena privativa de

liberdade, sendo obrigatório ao que cumpre regime fechado e facultativo para que se

encontra em regime semi-aberto, delimitando com clareza que àquele que permanece

segregado é imprescindível a análise comportamental que virá do exame em estudo.

Mais detalhes acerca do exame criminológico serão indicados no item

exames realizados.

No próximo tópico será efetuada uma abordagem acerca dos profissionais

que compõem a Comissão Técnica de Classificação, distinguindo-se a atividade de

cada um, importância e suas características.

2.2.1 Profissionais Técnicos

Como já visto, cabe à Comissão Técnica e Classificação realizar exames e

buscar informações necessárias para conhecer o condenado e, por conseguinte,

individualizar a pena, oferecendo-lhe um tratamento penal adequado.

O artigo 7° da Lei de Execução Penal prevê que a Comissão “será

150 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 143. 151 Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto. - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm - Acesso em 23/09/2008.

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presidida pelo Diretor e composta por dois chefes de serviço, um psiquiatra, um

psicólogo e um assistente social [...]”152 (grifo nosso). Os profissionais acima

destacados são denominados “técnicos” e têm como função contribuir através do seu

conhecimento profissional, buscando uma melhor análise do condenado.

Mirabete aponta que além destes, “[...] pode a Comissão contar com

médicos clínicos, juristas e outros profissionais com qualificações técnicas, conforme a

necessidade de cada estabelecimento penal”153.

O psiquiatra é então responsável pelos exames criminológicos e de

biotipologia criminal. Marcão aponta que cabe ao psiquiatra “[...] fornecer o parecer

técnico, científico, detalhando as características relevantes do condenado para compor

o laudo da Comissão de Classificação”154.

O objeto de estudo do psicólogo é focado na personalidade do

sentenciado, verificando seu comportamento dentro do estabelecimento prisional, a

forma como se relaciona com os demais presos155.

Vieira cita as três formas pelas quais os psicólogos dividem as técnicas de

avaliação do caráter e da personalidade:

As técnicas subjetivas compreendem a auto-avaliação por meio de diário, autobiografia, carta, composição literária etc. as objetivas abrangem quer as medidas fisiológicas quer o comportamento observado em laboratório, quer a conduta nas situações do dia-a-dia, aferições efetuadas por outros e diversos experimentos introduzidos nos últimos anos para aperfeiçoamento de cada análise. As projetivas são de três espécies: 1. – expressivo-motoras (gestos e letras), estrutural-perceptivas (interpretação de figuras) e dinâmico-aperceptivas (uso de narração ou dissertação)156.

Em verdade, muitas são as técnicas utilizadas pelos psicólogos, cada qual

com sua devida importância, posto que se dispõe a apresentar o quadro real da

personalidade e os principais traços da personalidade do avaliado.

152

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 57. 153 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 57. 154 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 35. 155 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 148. 156 VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Noções de Criminologia. São Paulo: LEDIX, 1997, p. 215.

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Imprescindível também é, dentro do rol dos profissionais técnicos, o

trabalho do Assistente Social. Rosa aponta que este profissional é responsável por

acompanhar o comportamento do sentenciado, auxiliando-o na difícil tarefa de se

compreender no meio social a qual foi retirado.

Assim, Rosa cita que “o serviço social relato periodicamente ao Juiz da

Execução, fornecendo-lhe detalhada notícia sobre o comportamento do sujeito e

propondo, se for o caso, a modificação das prescrições”157.

No mais, cabe ao Assistente Social resolver conflitos que possam surgir no

mundo externo à prisão, garantindo direitos mínimos que o apenado não perde com a

sentença penal, tais como o acesso a documentos, registro civil, cadastro de pessoa

física, carteira de trabalho etc.

Assim, verificado quem são os profissionais técnicos e o trabalho que

realizam, será analisada a figura do Diretor, pessoa também de suma importância

dentro do estabelecimento prisional.

2.2.2 Diretor

O artigo 75 da Lei de Execução Penal158 é enfático ao discorrer sobre os

requisitos que a pessoa que está na direção de um estabelecimento prisional deve

possuir para ocupar tal cargo.

Sobre estes requisitos, Mirabete tece os seguintes apontamentos:

Assim, em primeiro lugar, deve ser uma pessoa com formação profissional nas ciências humanísticas, de modo a ter condições de dispensar ao preso a atenção devida ao processo de reinserção social. Em segundo lugar, deve possuir experiência administrativa no desempenho de atividades relacionadas à administração penitenciária ou hospital psiquiátrico, tendo assim

157 ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução Penal.p. 72. 158 Art. 75. O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá satisfazer os seguintes requisitos: I - ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou Pedagogia, ou Serviços Sociais; II - possuir experiência administrativa na área; III - ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função. Parágrafo único. O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará tempo integral à sua função.

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conhecimentos técnicos específicos e prática nessa área de administração. Por fim, exige-se absoluta idoneidade moral, aliada a aptidão para o desempenho da função, pois só assim poderá inspirar respeito de seus subordinados e exercer influência benéfica aos presos. Em suam, exige-se qualificação, caráter, capacidade administrativa, formação adequada e experiência na matéria159.

Não há dúvidas, portanto, quanto à importância do diretor dentro do

estabelecimento prisional. A Lei de Execução Penal exige deste profissional muito

além de formação e experiência profissional em áreas afins, uma vez que este será o

representante do Estado no decorrer do cumprimento da pena. Muitos dos conflitos e

problemas surgidos durante a execução da pena são solucionados pelo Diretor, sem a

necessidade de solicitar auxilio do judiciário.

Nesse sentido, Nogueira explana que o curso superior exigido para este

profissional deve ser “[...] numa das áreas ligadas ao problema carcerário, e se

possível, bacharel em Direito, subtendendo que este seja conhecedor de problemas

jurídicos e penitenciários, mesmo que não tenha especialização na área”160

Nos mais, Mirabete aponta que, de acordo com as Regras Mínimas da

Organização das Nações Unidas (n. 50.1)161, “o diretor do estabelecimento penal

deverá achar-se devidamente qualificado para a função, por seu caráter, capacidade

administrativa, formação adequada e experiência na matéria”162.

Ainda, o parágrafo único do artigo 75 da Lei de Execução Penal determina

que “o diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará

tempo integral à sua função”163

Sobre a necessidade de dedicação exclusiva de dedicação ao cargo de

Diretor, Mirabete expõe:

Diante das complexas e absorventes atividades que exerce, o diretor deverá consagrar todo o tempo a sua função, que não pode ser desempenhada como algo circunscrito a horários determinados. Determina-se assim que deverá ele residir no estabelecimento, ou nas

159 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 241. 160 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais, p. 117. 161 Vide Anexo. 162 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 240. 163 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 171.

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proximidades, dedicando tempo integral à sua função [...]164.

Salienta-se que este entendimento encontra amparo nas Regras Mínimas

da Organização das Nações Unidas (n. 50.2 e n. 50.3)165.

Uma vez analisado, ainda que brevemente, o trabalho dos profissionais

técnicos e do Diretor, passa-se ao estudo sobre os Chefes de Serviço que auxiliam o

Diretor na manutenção da ordem e da disciplina dentro dos estabelecimentos

prisionais.

2.2.3 Chefes de Serviço

Esses profissionais atuam em conjunto com os demais servidores do

sistema prisional, tendo como função vigilância, ordenamento, disciplina e retidão na

custódia dos presos.

Grande é a importância desses profissionais, uma vez que lidam

diariamente e diretamente

A Lei de Execução Penal, nos artigos 76 e 77 é clara ao ressaltar os

requisitos necessários para que alguém trabalho junto ao sistema prisional, dando a

idéia da grande responsabilidade de cada um destes profissionais, principalmente dos

Chefes de Serviço, que orientam e ordenam os demais profissionais no intuito de

estabelecer uma condição de respeito entre os funcionários e os presos. Assim:

Art. 76. O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em diferentes categorias funcionais, segundo as necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabelecimento e às demais funções. Art. 77. A escolha do pessoal administrativo, especializado, de instrução técnica e vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e antecedentes pessoais do candidato. § 1°. O ingresso do pessoal penitenciário, bem como a progressão ou ascensão profissional dependerão de cursos específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos servidores em exercício.

164 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 241. 165 Vide Anexo.

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§ 2°. No estabelecimento para mulheres somente se permitirá o trabalho de pessoal do sexo feminino, salvo quando se tratar de pessoal técnico especializado.166

Estes profissionais devem estar muito bem preparados, uma vez que são

os aplicadores do programa de execução idealizado pela Comissão de Classificação e

são estes que trabalharão com o intuito de conduzir à ressocialização do apenado.

Nesta linha, Nogueira estabelece que “[...] o trabalho deve ser orientado por

pessoal especializado, de forma a ser desempenhado adequadamente, como uma

necessidade de vida que cada um tem que satisfazer”167.

Mirabete, sobre esta questão, faz a seguinte explanação:

A vigilância e a custódia dos presos, apesar de importantes e mesmo indispensáveis, não são as únicas finalidades dos sistemas penitenciários modernos, nem devem ser as preocupações primordiais dos funcionários no processo de reinserção social dos condenados. Por muito adiantado que seja um programa penitenciário, por mais avançado que seja a arquitetura prisional, por muitos meios econômicos que se destinem a esse processo, não se podem conseguir êxitos reformadores nos presos se não se conta com um corpo de funcionários competentes que estejam imbuídos de sua alta missão social.168

No entendimento do autor, de nada adianta investimentos econômicos e

melhoramento nas instalações prisionais, se não houver uma atenção própria aos

profissionais da área, que são os aplicadores dos programas individualizadores.

Nogueira, enfim, levanta uma problemática existente em muitos

estabelecimentos prisionais brasileiros:

Infelizmente, a escolha de muitos funcionários que vão trabalhar nos estabelecimentos penitenciários depende mais de critério político do que propriamente de especialização, admitindo-se pessoal despreparado para uma função delicada e trabalhosa, sendo essa a razão do insucesso e de muitas rebeliões.169

166 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 172. 167 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais, p. 117. 168 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 242. 169 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais, p. 118.

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Ainda, Mirabete discorre sobre a importância do preparo do pessoal

penitenciário e destaca:

Os funcionários de pequena categoria são os que mais contato têm com o preso, que deles recebe maior influência e a maior soma de estímulos. Podem, assim, contribuir eficazmente para o bom êxito do trabalho do pessoal especializado, como, de outro lado, comprometê-lo irremediavelmente. O baixo nível cultural do guardas prisionais e a ausência de critério seletivo têm criado grande vulnerabilidade do sistema penitenciário170.

Assim, percebe-se que para atingir um dos fins a que se destina a

execução da pena, que é a recuperação do homem que delinqüiu, necessário é o

investimento nas pessoas que trabalham diretamente com o preso, com treinamentos,

reciclagens, cursos e acompanhamento psicológico, tendo em vista a pressão a que

estão sujeitos.

Este conjunto de investimentos, estimula o profissional a dedicar-se de

forma mais completa e pacífica ao seu trabalho e, como salienta Nogueira, “[...] muita

coisa poderá fazer em favor do preso, desde que ele também colabore, trabalhando,

produzindo, participando e tornando-se útil e recuperável”171

Feitas tais considerações, passa-se ao estudo sobre os Exames

Realizados para obtenção de informações técnicas e científicas sobre o sentenciado,

tudo com o objetivo de corretamente individualizá-lo e classificá-lo de acordo com suas

peculiaridades e assim buscar a ressocialização deste condenado.

2.3 EXAMES REALIZADOS: APONTAMENTOS INICIAIS

A Classificação é um meio de se chegar ao objetivo final da execução

penal, que é o oferecimento ao condenado de meios e possibilidades para sua

harmônica integração social.

Os artigos 5°, 8° e 9° da Lei de Execução Penal estabelecem os exames

170 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 242. 171 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execuções Penais, p. 118.

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realizados pela Comissão Técnica de Classificação e as formas de busca de

informações sobre o sentenciado, como o exame criminológico, de personalidade e

biotipologia criminal, além dos antecedentes.

O artigo 9° da Lei de Execução Penal estabelece quais os meios possíveis

de buscar informações acerca do condenado a ser estudado.

Art. 9º A Comissão, no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá: I - entrevistar pessoas; II - requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e informações a respeito do condenado; III - realizar outras diligências e exames necessários.172

Sobre a dificuldade de realização destes exames, Nogueira aponta:

A composição desta Comissão tem encontrado dificuldades de ser seguida, não só pela falta de meios materiais, como ainda de elementos humanos para integrá-la, pois não é fácil conseguirem-se profissionais qualificados para sua formação, o que tem impedido a realização desses exames previstos em lei.173

O que se pretende com a realização destes exames é o conhecimento, sob

vários aspectos, do homem que delinqüiu, para que submetido a um tratamento

reeducativo correspondente, possa ser ressocializado, tudo no interesse precípuo do

grupo e da sociedade.174

No próximo tópico será efetuada uma explanação sobre o Exame

Criminológico, quem o realiza e quais informações são obtidas por ele, além de

apontarmos, através de jurisprudências, o que se tem decidido acerca da

obrigatoriedade ou não da realização deste exame.

2.3.1 Exame Criminológico 172 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm. 173 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentário à Lei de Execução Penal, p. 12. 174 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito da Execução Penal, p.104.

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O Exame Criminológico é uma perícia com informações sobre a

periculosidade e adaptabilidade, buscando assim uma melhor seleção do destino a ser

dado ao condenado examinado.

Conforme já mencionado, a Lei de Execução Penal determina a

obrigatoriedade da realização do exame criminológico para o condenado à prisão em

regime fechado, e o faculta para o condenado em regime semi-aberto.

O artigo 8° da Lei de Execução Penal estabelece, além da obrigatoriedade

citada, o objetivo do exame:

Art. 8° O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.175

Trata-se, pois, tal exame, nas palavras de Goulart, “[...] de uma pesquisa

multidisciplinar integrada, objetivando por meio de recurso analítico-sintético chegar a

uma visão pluridimensional de comportamento do agente”176

Albergaria, sobre a importância da realização deste exame, afirma que

“constitui a base do tratamento reeducativo e se destina a determinar o tipo de

estabelecimento e tratamento penitenciário aos quais os presos devem ser

confiados”177.

Sobre a finalidade do Exame criminológico, Mirabete aponta que “consiste

em perícia, em meio de prova, mesmo quando mero prognóstico de reincidência. A

valoração cabe, sempre, ao juiz da execução apreciá-lo”178

Ainda, o item 31 da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal expõe

175 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 36. 176 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.101-102. 177 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 135. 178 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 56.

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que:

A gravidade do fato delituoso ou as condições pessoais do agente, determinantes da execução em regime fechado, aconselham o exame criminológico, que se orientará no sentido de conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso, para determinar a sua inserção no grupo com o qual conviverá no curso da execução da pena179.

Além disso, o artigo 34 do Código Penal ratifica a necessidade da

realização deste exame ao dispor que “o condenado será submetido, no início de

cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da

execução”180.

Também nas Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas181 prevê

a realização deste para os condenados a regime aberto, conforme cita Albergaria que

“[...] compreende o estudo biossomático, a entrevista psiquiátrica, o exame psicológico

e a história ou investigação social”182.

Assim, o Exame Criminológico se torna necessário uma vez que, “[...] visa

conhecer a estrutura físico-morfológica do sentenciado, a disposição emocional básica

(temperamento), e o conjunto e experiências vividas (caráter)”183.

Marcão relaciona os quesitos levantados na realização deste exame:

1) O condenado apresenta, ainda, estereótipos comportamentais de que voltará a delinqüir?; 2) apresenta características de periculosidade latente com manifestações atuais?; 3) está apto a ser transferido para regime prisional mais brando ou apresenta sinais de que voltará a delinqüir?; 4) tem consciência de que infringiu norma de conduta?; 5) tem consciência de moral social?; 6) demonstra estar em condições de aceitar o convívio social e/ou ambiente de trabalho, ou apresenta ainda sinais de inadaptação, agressão, repúdio ou sinais que demonstram não ser conveniente a sua adaptação ao meio social?; 7) demonstra-se psicologicamente capacitado para o trabalho?; 8) estamos diante de uma personalidade perigosa ou agressiva para o convívio social?; 9) pelo exame feito e

179 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 38. 180 GOMES, Luiz Flávio (Organizador). Constituição Federal – Código de Processo Penal – Código Penal, p. 306. 181 Vide Anexo. 182 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 135. 183 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 140.

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pelos critérios utilizados, pode-se informar que o condenado está em condições de merecer concessão de progressão de regime prisional?; 10) é de ser guardada alguma cautela com relação ao examinado? Qual? Por quê?; 11) Outras observações que se entender necessárias184.

Tomando uma posição crítica, tendo em vista a real condição do sistema

prisional brasileiro, Nogueira alerta para as dificuldades encontradas para realização

deste exame dispondo que “[...] é forçoso reconhecer que a previsão legal não

encontra meios de ser posta em prática, pois carecemos de estrutura, até mesmo nas

grandes cidades, para a realização deste exame”185.

Apesar desta última observação, notada é a importância da realização do

exame criminológico, além dos outros que serão estudados nos próximos tópicos, para

um melhor conhecimento do condenado e assim individualizar a execução da pena

que recebeu, a fim de que este se desenvolva de forma a buscar uma ressocialização.

No próximo item será analisado como é efetuado o Exame de

Personalidade e no que este difere do Criminológico.

2.3.2 Exame de Personalidade

Este exame tem por finalidade a verificação do comportamento humano e a

forma como o sentenciado exterioriza seus sentimentos e emoções.

Costa aponta que os testes realizados durante a realização deste exame

“[...] são comparados com outras pessoas que passaram por circunstâncias ou

condições de vida semelhantes ao do condenado”186.

O artigo 5° da Lei de Execução Penal dispõe que “os condenados serão

classificados, segundo seus antecedentes e personalidade [...]”187 (grifo nosso).

184 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 39-40. 185 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentário à Lei de Execução Penal, p. 11. 186 COSTA, Álvaro Mayrink da. Exame Criminológico. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 114. 187 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 33.

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Além, o artigo 59 do Código Penal estabelece que “o juiz, atendendo à

culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente [...]”188

(grifo nosso).

Sobre a formação da personalidade, Vieira esclarece que:

[...] a personalidade constitui-se da fusão de elementos psíquicos e orgânicos de diversas espécies, a marcarem a pessoa humana, motivo pelo qual se torna imperiosa a investigação de todos os componentes, já que o crime provém de um ser que reagiu sob a ação de determinantes estímulos e de situações particulares do ambiente exterior189.

Marcão reconhece a necessidade do estudo da personalidade do agente,

previsto tanto na Lei de Execução Penal como no Código Penal, afirmando que

“constitui tarefa exigida em todo curso do procedimento criminal e não apenas

elemento característico da execução da pena ou da medida de segurança”190.

No estudo da personalidade do condenado é também necessário conhecer

seus antecedentes, ou seja, tudo de bom ou de ruim que aconteceu em sua vida, com

destaque para a reincidência e o envolvimento em inquéritos ou processos judiciais,

alcançando assim toda a vida pregressa do condenado191.

A respeito da verificação dos antecedentes do condenado, Mirabete

considera:

Os exames de personalidade e dos antecedentes são obrigatórios para todos os condenados a penas privativas de liberdade e destinam-se à classificação que determinará o tratamento penal mais recomendado. Como se anota na exposição de motivos, reduzir-se-á a mera falácia o princípio da individualização da pena se não se efetuar o exame de personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal e se não forem registradas as mutações do comportamento ocorridas no itinerário da execução192.

188 GOMES, Luiz Flávio (Organizador). Constituição Federal – Código de Processo Penal – Código Penal, p. 311. 189 VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Noções de Criminologia. São Paulo: LEDIX, 1997, p. 215. 190 MARCÃO, Renato Flávio. Lei de Execução Penal Anotada, p. 37. 191 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, de 11-7-84, p. 54. 192 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei n. 7.210, p. 52.

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Como esclareceu o autor acima, a realização desse exame deve ser feita

no início da execução para estabelecer o tratamento a ser dado ao condenado no

estabelecimento penitenciário, e posteriormente, no decorrer da execução para

verificar possíveis alterações de seu comportamento.

Goulart analisa a forma de elaboração do exame de personalidade:

As técnicas para essa avaliação são as mais variadas, podendo ser distinguidas em três grandes grupos: subjetivas, incluindo todas as formas de auto-descrição através da auto-avaliação; objetivas, utilizando medidas fisiológicas, da observação do comportamento e avaliações feitas por terceiros; projetivas, realizando o referido estudo da personalidade através de exames expressivo-motores, estrutural-perceptivos e dinâmicos-aperceptivos193.

O Exame de Personalidade, assim, trata-se de um exame genérico, que

servirá, juntamente com o Exame Criminológico estudado neste tópico, para traçar o

perfil do preso condenado e orientar a execução da pena recebida.

Vistos os elementos utilizados para individualização da execução da pena,

a forma como esta se dá e seus objetivos, verificar-se-á no próximo capítulo como

esta individualização poderá auxiliar no processo de ressocialização do preso.

CAPÍTULO 3

A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO

REQUISITO PARA RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

3.1 CONCEITO DE RESSOCIALIZAÇÃO

Ressocialização é a reintegração da pessoa que delinqüiu à sociedade,

presumidamente recuperado. Essa recuperação social vislumbra uma adequação aos

193 GOULART, José Eduardo. Princípios Informadores do Direito de Execução Penal, p.100.

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padrões morais e legais, pressupostos para uma vida harmônica em sociedade.194

Segundo Thompson, ressocializar é:

[...] tornar o ser humano capaz de viver em sociedade novamente, consoante a maioria dos homens fazem; poderia, a princípio, referir-se apenas ao comportamento do preso, aos elementos externos que nos podem resumir da seguinte forma: ressocializar é modificar o comportamento do preso, para que seja harmônica com o comportamento socialmente aceito e não nocivo à sociedade195.

Uma vez ressocializado o preso pode ser reintroduzido na sociedade, na

medida em que se apresenta capaz de respeitar os limites impostos pela convivência

com os demais membros da sociedade.

O objetivo é buscar formar e desenvolver a personalidade do preso,

oferecendo educação e trabalho, direitos do homem como pessoa social.

Albergaria aponta que “o tratamento reeducativo é uma educação tardia do

recluso, que não a teve em época oportuna, na infância ou juventude”196

Assim, ante a conceituação apresentada, tendo oportunidades para

reeducar-se, o preso poderá visualizar oportunidades que na conjuntura social em que

vivia, não possuía. Assim poderá reintegrar-se à sociedade, possibilitando a sua

ressocialização.

Neste liame, Costa Júnior acrescenta:

Após a realização de uma conduta típica, antijurídica e culpável, a pena só será aplicada se mostrar-se de algum modo útil. Ou para reeducar o agente, que se mostre necessitado de ser ressocializado, ou para atender os reclamos da coletividade que exige a punição como exigência superior de um sentimento de justiça, como demonstração de respeito ao ordenamento jurídica-pena197.

194 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 129. 195 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 28. 196 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 153. 197 COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito penal objetivo: comentários ao Código penal e ao Código de propriedade industrial. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2003, p. 53.

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O autor indica que a ressocialização reflete a utilidade da pena

Essa preparação para o retorno à sociedade há de ser efetuada dentro do

próprio estabelecimento prisional, buscando aos poucos, de acordo com as constantes

avaliações da Comissão Técnica de Classificação, e verificando um melhoramento do

comportamento do preso, integrá-lo, possibilitando retornar ao convívio social.

Nesse ponto, Albergaria aponta que, de acordo com a Lei de Execução

Penal, deveria ocorrer “[...] a transformação do estabelecimento prisional em escola de

alfabetização e profissionalização do preso, para inseri-lo como força produtiva na

população ativa da Nação, e sobretudo, como cidadão numa sociedade mais humana,

fraterna e democrática”198.

Verifica-se, então, que o conceito de ressocialização está ligado com a

educação e o preparo para o trabalho. Assim, será mais tranqüilo o retorno à

sociedade, tendo em vista que este estará reintegrado. No próximo tópico será visto os

objetivos e vantagens da ressocialização, tanto para aquele que cumpre uma pena,

como para a sociedade que sofreu pelo erro daquele que descumpriu as disposições

legais e que terá que recebê-lo novamente.

3.2 OBJETIVOS E VANTAGENS DA RESSOCIALIZAÇÃO

Ressocializar, conforme já mencionado, é integrar à sociedade aquele que

atentou contra a harmonia desta, e que como conseqüência lhe foi privada a liberdade.

Neste ponto do trabalho buscar-se-á demonstrar quais são os objetivos da

ressocialização, bem como que, com a observância daquilo que está previsto na Lei

de Execução Penal, a ressocialização é possível e os benefícios sociais serão

198 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 21.

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grandes.

3.2.1 Objetivos

Já no artigo 1° da Lei de Execução Penal há a seguinte disposição: “A

execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão

criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e

do internado”199.

Verifica-se que o objetivo da pena não é apenas punir aquele que

desrespeitou as leis, mas também dar a ele uma nova chance de inserir na sociedade,

através da assistência e do trabalho200 durante a execução, aquele que se encontrava

às margens desta.

Em análise ao dispositivo citado, Rosa aponta que, com a educação e o

trabalho, se chega à ressocialização:

Hoje em dia já se chegou à conclusão que o mais importante é preparar o condenado para o seu reingresso na vida social, ensinando-lhe atividades profissionais honestas e criando-lhe hábitos de higiene, de ordem e de disciplina. A preocupação máxima deve ser sua construção ou reconstrução moral201.

Assim, Verifica-se que com a educação, com o trabalho, além da

assistência social e religiosa, valoriza-se o preso como pessoa e procura-se retirar o

estigma que este possuía ao entrar no estabelecimento prisional e que, sem este

processo levará ao retorno ao convívio social.

Falconi aponta que o objetivo da ressocialização é adequar o retorno do

sentenciado ao meio social. Segundo o autor:

Como prioridade máxima temos a questão regulamentar, sem atropelos ou imposições, o modus vivendi do

199 GOMES, Luiz Flávio (organizador). Constituição Federal – Código de Processo Penal – Código Penal, p. 547. 200 As formas de assistência ao preso e o trabalho que este desenvolve durante a execução da pena, estão previstos na Lei de execução Penal, do artigo 10 ao 37. 201

ROSA, Antônio José Miguel Feu. Execução Penal, p.54.

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reinserido no sistema social ao qual pertence e que fora, temporariamente, excluído ou afastado. Há de ser um relacionamento calcado nos parâmetros da amistosidade, porém sem protecionismos. Respeitoso, porém sem constrangimento para ambas as partes: egresso e sociedade. Ninguém deve forçar ninguém a nada. Todos devem manter-se dentro dos espaços preestabelecidos, não por força de qualquer norma jurídica positiva, mas por uma conscientização natural pacificamente aceita e absorvida por ambas as partes202.

Essa preparação destacado por Falconi passa pela realização de um

trabalho social, o qual com orientação psicológica, psiquiátrica e religiosa adequada ao

caso, traçará as melhores formas de buscar a reintegração do sentenciado.

Ainda sobre o tema, Albergaria aponta a necessidade da assistência e

cuidado do preso dentro do estabelecimento prisional, lugar onde o Estado mantém a

custódia do sentenciado. O autor afirma que “não haverá desenvolvimento da

personalidade do recluso sem as condições materiais de saúde ou proteção de seus

direitos, bem como a instrução escolar e profissional e a assistência religiosa”203.

Com um trabalho reestruturador após o acompanhamento individualizado

do preso, este estará preparado para o retorno à sociedade e levará consigo a

possibilidade de assumir novo rumo na condição de sua vida.

Um dos principais objetivos da ressocialização do preso é a educação, a

fim de que este aprenda uma atividade profissional e esteja apto para desenvolver um

trabalho. Tal, aliado à assistência social, religiosa e psicológica são fundamentais para

o sucesso da reinserção do sentenciado na sociedade.

No próximo tópico a abordagem será quanto às vantagens que a

ressocialização traz para o indivíduo que delinqüiu e para a sociedade, que anseia

pelo fim da criminalidade.

3.2.2 Vantagens da Ressocialização

Discutir as vantagens da ressocialização pode parecer lugar comum.

Porém ante o crescimento da criminalidade, sobretudo em função da reincidência, a 202

FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 125-126. 203

ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 154.

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abordagem é, por certo, indispensável.

Assim, as vantagens da ressocialização são todos os benefícios que são

observados, como a diminuição da criminalidade. A sociedade passa a ter maior

segurança e a pessoa que delinqüiu valorizada, desenvolveria a sua capacidade de

trabalho e adquiriria respeito e credibilidade perante as demais pessoas.

No entanto, Andrade aponta que o sistema prisional atual não tem se

mostrado eficaz e afasta, cada vez mais, o ideal de ressocialização:

[...] enquanto suas funções declaradas ou promessas apresentam uma eficácia meramente simbólica porque não são e não podem ser cumpridas, a prisão cumpre, latentemente, outras funções reais, não apenas diversas, mas inversas às socialmente úteis declaradas por seu discurso oficial, que incidem negativamente na existência dos indivíduos e da sociedade, e contribuem para reproduzir as relações desiguais de propriedade e poder204.

No mesmo sentido, Bitencourt afirma que “se tem dito reiteradamente que o

problema da prisão é a própria prisão. Aqui, como em outros países, avilta,

desmoraliza, denigre e embrutece o apenado”205.

Adolfo também aponta o objetivo da que a sanção penal tem sofrido dentro

dos estabelecimentos prisionais, ao declarar que “o sistema atual certamente não se

presta aos fins estabelecidos na lei. Não ressocializa, ao contrário, cria intenso ânimo

de mágoa e insatisfação pela crueldade e insalubridade do local”206.

Porém, apesar destas críticas, Falconi aponta:

A pena somente deverá ser aplicada se dela puder esperar algum benefício. Se ela, a sanção, não tiver serventia para facilitar a reinserção social do indivíduo no contexto social do qual ele for retirado, deve-se pensar o que fazer dela, já que imprestável ao fim a que se propôs junto à sociedade207.

204 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Siatema Penal Máximo X Cidadania Mínima: Códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 133. 205 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas Penas Alternativas. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 3. 206 ADOLFO, Lúcio. Execução Penal e sua Aplicação: o preso e seus direitos. Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 26. 207 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 129.

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É por isso importante que se resgate a função da pena e que se busque,

pelo cumprimento do disposto ma Lei de execução Penal, a preparação do

sentenciado, a preparação do sentenciado para a sua reintegração.

Barros acrescenta que esta integração devolve à sociedade “a segurança

de não viver ameaçado eternamente”208 e a possibilidade de acreditar que as leis e as

sanções penais impostas atingem o fim pretendido.

Bissoli aponta também, como vantagem da ressocialização, “a prevenção

de futuros crimes, visto que uma pessoa sabedora de suas capacidades intelectuais e

físicas não precisará mais delinqüir e viver à margem da sociedade”209.

Esta prevenção beneficia tanto o preso quanto a sociedade, daí a

necessidade de aplicação de um tratamento penitenciário específico e elaborado

conforme a peculiaridade de cada sentenciado, pois através disso há chances de se

alcançar a ressocialização.

Por fim, Falconi completa que uma das vantagens da ressocialização

estaria na adaptação do preso a um cotidiano adequado no meio social: “[...] o

tratamento penitenciário voltado para a reinserção deve ser muito assíduo e profundo.

Deve-se transmitir ou retransmitir, entre outros valores, o do necessário raciocínio

ontológico sobre a vida cotidiana”210.

E Bissoli Filho acrescenta que a ressocialização torna inócuo o preso

incorrigível e incurável e reeduca para a vida social aquele emendável e curável.211

Não há dúvidas, deste modo, que apostar no oferecimento ao preso de um

tratamento individualizado é uma forma de alcançar a ressocialização e, as vantagens

que dela resultam.

3.3 A NÃO REINCIDÊNCIA COMO INDICATIVO DA RESSOCIALIZAÇÃO

208 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 227. 209 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização. Dos Antecedentes à Reincidência Criminal, p. 163. 210 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 128. 211 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da Criminalização. Dos Antecedentes à Reincidência Criminal, p. 154.

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Ante a análise feita anteriormente, pode-se colocar que, uma vez

ressocializado e reintegrado á sociedade, a pessoa que já cumpriu uma pena pela

prática de uma infração penal e que sofreu uma limitação à sua liberdade, tem uma

grande possibilidade de não voltar a delinqüir

A reincidência é uma circunstância observada no momento em que o

magistrado efetua o cálculo da pena, e está prevista no artigo 61, inciso I, do Código

Penal como uma agravante da pena a ser imposta.

Sobre isso, Mirabete afirma que: “A exarcebação da pena justifica-se

plenamente para aquele que, punido, anteriormente, voltou a delinqüir, demonstrando

com sua conduta criminosa que a sanção aplicada se mostrou insuficiente para

intimidá-lo ou recuperá-lo”.212

É pois a reincidência uma demonstração da ineficácia do tratamento

prisional aplicado e, portanto, será abordado a seguir o conceito de reincidência, seus

pressupostos previstos na legislação, bem como o seu papel como empecilho na

busca da ressocialização do preso.

3.3.1 Conceito de Reincidência

Reincidência é uma palavra de origem latina, derivada de recidere, que do

ponto de vista semântico significa recair no mesmo erro, repetir o ato213. Bonfim

conceitua como “[...]a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido

condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgado”.214

Falconi complementa “[...] a reincidência é uma circunstância agravante

(artigo 61, inciso I do Código Penal) e impõe ao magistrado aumentar a pena daquele

que reitera (repete) certa (ou qualquer) conduta criminosa”.215

212 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal- parte geral: arts. 1 a 120 do CP, vol. 1. 13.ed. rev. e atual. 1998, p. 301. 213 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 568. 214 BONFIM, Edílson Mougenot. CAPEZ, Fernando. Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 729 215 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal, p.285.

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Como conceito operacional legal, o artigo 63 do Código Penal assim

dispõe: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de

transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado

por crime anterior”.216

Assim, têm-se a idéia da importância do estudo da reincidência criminal,

uma vez que junto com os antecedentes, podem interferir na formação do juízo de

valor feito quando da apreciação da conduta típica do acusado.

3.3.2 Pressupostos da Reincidência

A prática de novo crime não é suficiente para a caracterização da

reincidência. É necessário que alguns pressupostos sejam cumpridos. Jesus esclarece

que:

A reincidência pressupõe uma sentença condenatória transitada em julgado por prática de crime. Há reincidência somente quando o novo crime é cometido após a sentença condenatória de que não cabe mais recurso. Exs.: a) O sujeito pratica um crime, sendo processado e condenado. Conformando-se com a decisão, não recorre, vindo a sentença a transitar em julgado. Meses depois, vem a praticar novo crime. É considerado reincidente, uma vez que cometeu novo delito após o trânsito em julgado de sentença que o condenou por prática de crime; b) O sujeito comete um delito, vindo a ser processado e condenado. Não se conformando com a sentença, recorre para o Tribunal, que mantém a condenação, não cabendo mais recurso algum. Anos depois, vem a cometer novo delito. É reincidente, pois praticou o novo crime após a condenação irrecorrível por prática de um delito217.

Então, para a caracterização da reincidência é necessário que exista uma

sentença condenatória transitada em julgado por crime anterior, de modo que haverá

mera reiteração criminal, e não reincidência, se o novo fato criminoso for cometido

antes da publicação da decisão condenatória relativa ao fato anterior ou, se a esta

216 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.214. 217 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 568.

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tiver sido publicada, mas não ter transitado julgado antes da reiteração da em

julgado.218

Assim, sem haver uma condenação anterior transitada em julgado e o

cometimento de um novo crime não há o que se falar em reincidência, uma vez que,

como leciona Galvão, “[...] não possui qualquer relevância a consideração extrajurídica

do indivíduo tecnicamente primário, pois a lei somente se refere ao reincidente como

indivíduo anteriormente condenado”.219

Jesus assinala o conceito de criminoso primário que se contrapõe ao

conceito de reincidente:

Criminoso primário é não só o que foi condenado pela primeira vez, como também o que foi condenado diversas vezes, sem ser reincidente. Suponha-se que o agente em meses seguidos cometa vários crimes em comarcas diferentes. É processado várias vezes, sendo condenado em todas as comarcas. Embora tenha sofrido uma série de condenações irrecorríveis, não se trata de réu reincidente, pois não cometeu novo delito após o trânsito em julgado de nenhuma sentença condenatória por prática de crime, permanecendo primário. É o chamado tecnicamente primário.220

Deste modo, o réu mantém a primariedade quando condenado por vários

crimes, desde que nenhum tenha sido praticado depois da primeira condenação

imposta.

O artigo 63 do Código Penal é claro ao dispor que somente ocorre a

reincidência quando do cometimento de novo crime e não contravenção. Porém o

artigo 7° do Decreto-lei 3.688, de 03 de outubro de 1941, Lei de Contravenções

Penais, dita:

Art. 7° Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção221.

218 GALVÃO, Fernando. Aplicação da pena, p.165. 219 GALVÃO, Fernando. Aplicação da pena, p.165. 220 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 565. 221 ABREU FILHO, Nylson Paim de (organizador). Constituição Federal, Código Penal e Código de Processo Penal, p. 330.

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Portanto, em concurso entre crimes e contravenções, só será considerado

reincidente o réu que, condenado definitivamente pela prática de contravenção penal

vem a praticar outra contravenção ou, se condenado definitivamente pela prática de

um crime, vem a praticar uma contravenção penal.

Sobre o tema Bissoli Filho aponta que “[...] a lei penal brasileira não

reconhece a reincidência quando o primeiro fato for uma contravenção e o segundo for

um crime”222.

Ademais, Capez, referindo-se à prova da reincidência, aponta que “[...] não

bastam meras informações a respeito da vida pregressa ou a simples juntada da folha

de antecedentes para a comprovação da agravante”223, sendo necessário uma

certidão da sentença condenatória com a data em que esta transitou em julgado.

3.3.2 A problemática dos efeitos da reincidência

A ocorrência da reincidência independe da natureza dos crimes praticados,

podendo ser dolosos, culposos, consumados ou até mesmo tentados, sendo que se o

agente possuir mais de três condenações com trânsito em julgado é chamado de

multirreincidente224.

Então uma vez ocorrida a reincidência, a legislação prevê uma série de

efeitos:

a) “agrava a pena privativa de liberdade (art. 61, I, do CP)”225 – conforme

este artigo, “são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando

não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência”226;

b) “constitui circunstância preponderante no concurso de agravantes (art.

67 do CP)”227 – assim, estabelece este artigo que “no concurso de

222 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p.76 223 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463. 224 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 567. 225 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463. 226 DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, p. 112. 227 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463.

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agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado

pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que

resultam dos motivos determinantes do crime (...) e da reincidência”228;

c) “impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de

direitos quando houver reincidência em crime doloso (art. 44, II, do

CP)”229; – o artigo citado informa que “as penas restritivas de direito são

autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: II – o réu

não for reincidente em crime doloso”;

d) “impede a substituição de pena privativa de liberdade por pena de multa

(art. 60, §2°, do CP)”230; esse parágrafo aduz que “a pena privativa de

liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída

pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44”231;

e) “impede a concessão de sursis quando por crime doloso (art. 77, I, do

CP)”232; este artigo define que “a execução da pena privativa de

liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2

(dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I – o condenado não seja

reincidente em crime doloso233;

f) “aumenta o prazo de cumprimento de pena para obtenção do

livramento condicional (art. 83, II, do CP)”234; conforme este artigo “o

juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena

privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: II –

cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime

doloso235;

g) “impede o livramento condicional nos crimes previstos na Lei de Crimes

Hediondos, quando se tratar de reincidência específica (art. 5° da Lei n.

8.072/90)”236; O artigo 5° desta Lei acrescentou o inciso V ao artigo 63

do Código Penal, com a seguinte redação:

O juiz poderá livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que cumprido mais de 2/3 (dois terços) da pena, nos casos de condenação por crime hediondo,

228 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.221. 229 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463. 230 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463. 231 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.60. 232 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463. 233 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.255. 234 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.463. 235 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.265. 236 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464.

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prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza237.

h) “interrompe a prescrição da pretensão executória (art. 117, VI, do

CP)”238; o artigo explana que “o curso da prescrição interrompe-se: VI –

pela reincidência”239;

i) “aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória (art. 110 do

CP)”240; segundo o artigo “a prescrição depois de transitar em julgado a

sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos

prazos fixados no art. 109, os quais se aumentam de um terço, se o

condenado é reincidente”241;

j) “revoga o sursis, obrigatoriamente, em caso de condenação em crime

doloso (art. 81, I, do CP), e facultativamente, no caso de condenação

por crime culposo ou contravenção, a pena privativa de liberdade ou

restritiva de direitos (art. 81, §1° do CP)”242; o artigo citado, juntamente

com o inciso I ditam que “a suspensão será revogada se, no curso do

prazo, o beneficiário é condenado, em sentença irrecorrível, por crime

doloso”243; e o parágrafo 1° afirma que “a suspensão poderá ser

revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta

ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou contravenção,

a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos”244;

k) “revoga o livramento condicional, obrigatoriamente, em caso de

condenação a pena privativa de liberdade (art. 86 do CP) e,

facultativamente, no caso de condenação por crime ou contravenção a

pena que não seja privativa de liberdade (art. 87 do CP)”245; atenta-se

ao fato de em ambas as hipóteses os artigos citados referem-se à

condenação por sentença irrecorrível;

l) “revoga a reabilitação quando o agente for condenado à pena que não

seja de multa (art. 95 do CP)”246; o artigo dispõe que esta revogação

237 ABREU FILHO, Nylson Paim de (organizador). Constituição Federal, Código Penal e Código de Processo Penal, p. 195. 238 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 239 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p. 314. 240 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 241 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.313. 242 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 243 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.255. 244 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.256. 245 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 246 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464.

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poderá ser proferida de ofício ou a requerimento do Ministério

Público247;

m) “impede a incidência de algumas causas de diminuição de pena (arts.

155, §2°, e 171, §1°, todos do CP)”248; o parágrafo 2° do artigo 155 do

Código Penal limita benefícios a réus não reincidentes, expondo “se o

criminoso é primário [...] o juiz pode substituir a pena de reclusão pela

de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena

de multa.”249 E o parágrafo 1° do artigo 171 do Código Penal remete

aos benefícios do artigo anterior, caso o réu condenado às penas do

artigo 171 for primário250.

n) “obriga o agente a iniciar o cumprimento da pena de reclusão em

regime fechado (art. 33, §2°, b e c, do CP)”251; em b consta que, caso a

pena auferida for de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e o condenado não for

reincidente, poderá cumpri-la desde o início em regime semi-aberto e

em c encontra-se que se a pena imposta for igual ou inferior a 4

(quatro) anos, e se não for reincidente, poderá cumpri-la em regime

aberto desde o início252;

o) “obriga o agente a iniciar o cumprimento de pena de detenção em

regime semi-aberto (art. 33, 2a parte, §2°, c, do CP)”253; sendo que o

artigo possibilita o cumprimento da pena em regime fechado;

p) “impede a liberdade provisória para apelar (art. 594 do CPP)”254;

q) “impede a prestação de fiança em caso de condenação por crime

doloso (art. 323, III, do CPP)”255.

Assim, uma vez demonstrada à reincidência e fundamentada através de

uma sentença condenatória transitada em julgado, muitos são os efeitos que

produzirá, desde a fixação da pena-base até o seu cumprimento.

Porém, o artigo 64, inciso I, prevê que não são considerados os efeitos se

“entre a data do cumprimento ou extinção da pena de crime anterior e a infração

247 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.284. 248 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 249 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.469. 250 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.536. 251 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 252 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.137. 253 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 254 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464. 255 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.464.

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posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos [...]”256., de forma

que, após esse período de tempo a decisão condenatória anterior perde a sua

eficácia, voltando o agente a possuir a condição de réu primário257.

Damásio em análise à temporariedade dos efeitos da reincidência, incluída

pela Lei n. 6.416/77, assevera que “[...] o longo período entre o primeiro fato e sua

repetição obsta que se entenda persistente o vínculo criminológico capaz de ligar os

dois crimes, com o acréscimo da reprovabilidade sobre o sujeito e, portanto, de sua

culpabilidade”258.

Então, a fixação de um tempo limita o grau de reprovação a ser

reconhecido pelo magistrado, como medida de diferenciá-lo de outro infrator.

Ademais, neste mesmo artigo 64, mas no inciso II, reside a regra de não se

considerar os crimes militares próprios e os políticos para efeito de reincidência.

Capez explica esta condição:

Os militares próprios são os que estão definidos como crime apenas no Código Penal Militar. Se a condenação definitiva anterior for por crime militar próprio, a prática de crime comum não leva à reincidência. Se o agente, porém, pratica crime militar próprio, após ter sido definitivamente condenado pela prática de crime comum, será reincidente perante o Código Penal Militar, pois este não tem norma equivalente259.

Aduz Bonfim expondo sobre os crimes políticos:

Como crime político entende-se os puros (exclusiva natureza política) ou relativos (ofendem simultaneamente a ordem político-social do Estado e um interesse privado), próprios (atingem a organização política do Estado) ou impróprios (ofendem um interesse político do cidadão). O conceito de crime político abrange não só os crimes de motivação política (aspecto subjetivo) como os que ofendem a estrutura política do Estado e os direito políticos individuais (aspecto objetivo).

256 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código Penal Comentado, p.214. 257 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.465. 258 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 569-570. 259 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, p.467.

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Além, Jesus afirma que “[...] não há reincidência se a pretensão estatal em

relação ao delito anterior foi atingida pela anistia após o trânsito em julgado da

sentença condenatória.”260

E Mirabete aponta que “deixou de ser considerada também, para o efeito

da reincidência, a condenação anterior em que foi concedido o perdão judicial (art.

120)”261.

Diante do exposto, verifica-se que, uma vez demonstrada e comprovada, a

legislação dispõe de diversas formas de mensurar a aplicação da pena de um agente

reincidente, tendo por base os fatores criminológicos que o levaram a novamente

delinqüir.

Esses fatores são demasiadamente importantes para reiniciar um estudo

criminológico e psicológico, para que se consiga finalmente recuperar esta pessoa,

ressocializá-lo, para que não volte a delinqüir novamente.

No próximo tópico será enfrentado o tema deste trabalho, qual seja a

individualização da execução da pena e sua importância na aplicação de um

tratamento prisional correspondente e adequado a cada preso.

3.4 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA PENA COMO REQUISITO

PARA RESSOCIALIZAÇÃO.

O artigo 4° da Lei de Execução Penal prevê uma participação da sociedade

juntamente com o Estado com o fim de elaboração de uma política criminal adequada

em busca de um bem comum. Este pode ser alcançado com a ressocialização do

preso, onde este passaria a fazer parte da sociedade, com educação e valores

inseridos em sua personalidade.

O aludido artigo prevê: “O Estado deverá recorrer à cooperação da

comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”262.

260 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1, p. 575. 261 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, p. 304.

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A respeito desta cooperação, Albergaria cita:

O fundamento dessa responsabilidade da sociedade estaria na sua culpa na gênese das condições sociais criminógenas, com base em uma das funções do sistema penal: a solidariedade com os delinqüentes no Estado Social Democrático de Direito que nos obriga a dar aos criminosos a ajuda de que necessitam para a sua auto-androgênese ou repersonalização, já que temos nossas mãos manchadas com e em sua culpabilidade263.

O autor responsabiliza a sociedade pelo preconceito e pela falta de

oportunidades que as pessoas margilizadas e de níveis sociais inferiores sofrem, e

aponta este como um dos fatores que colaboram para a entrada e permanência na

criminalidade.

Nesse sentido, Andrade afirma que “sem dúvida um mecanismo

fundamental da distribuição da criminalidade são os estereótipos de autores e vítimas

que, tecidos por variáveis geralmente associadas aos pobres, torna-os mais

vulneráveis à criminalização”264.

Com respeito aos estereótipos, Bissoli Filho aponta problemas decorrentes

da formação destes:

A ampla difusão de uma descrição hostil de algumas pessoas ou classes as quais se lhes atribui intenções más e atos desastrosos, assim como a seleção através do sistema administrativo, de pessoas, geralmente débeis e pobres, a quem se lhes outorga a descrição (o etiquetamento) ocasiona mais discriminação, levando a pessoa na direção do estereótipo265.

A sociedade então, está mais ligada com a formação da criminanalidade do

que tão somente ao papel de vitima que assume diante da ocorrência de um fato

delituoso.

262 GOMES, Luiz Flávio (organizador). Constituição Federal – Código de Processo Penal – Código Penal, p. 547. 263 ALBERGARIA, Jason. Criminologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Aide, 1988, p. 284. 264 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo X Cidadania Mínima: Códigos da violência na era da globalização, p. 53. 265 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 198.

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Nesse sentido, Andrade discorre sobre a formação da criminalidade: “A

clientela do sistema penal é constituída de pobres não porque tenha uma maior

tendência a delinqüir mas precisamente porque tenham maiores chances de serem

criminalizados e etiquetados como delinqüentes”266

Tendo por base essa responsabilidade indireta da sociedade e a solicitação

da Lei de Execução da sua cooperação no processo de ressocialização, necessário se

faz a elaboração de um plano individual de readatação, a fim de direcionar a execução

da pena para este intuito, observados os pareceres fornecidos pela Comissão Técnica

de Classificação.

Albergaria fornece as oito principais indicações que deve conter estes

pareceres, para que, com base neles, se possa iniciar um tratamento individualizado

ao sentenciado:

a) O internamento em regime aberto ou fechado; b) Afetação a um estabelecimento ou seção; c) Trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais; d) Escolaridade; e) Participação em atividades formativas; f) Ocupação em tempo livre; g) Medidas especiais de assistência ou tratamento; h) Medidas de flexibilidade da execução267.

Este programa, porém, deve considerar e respeitar os direitos fundamentais

dos presos, aqueles inatingíveis pelos efeitos da sentença penal, garantidos na Lei de

Execução Penal do artigo 40 ao 43 e na própria Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988.

Assim, Barros considera que:

A previsão, pela Lei de Execução Penal, da utilização, em determinadas situações, de meios coercitivos, faltas e sanções deve-se, portanto, ao fato de que a administração penitenciária tem o dever de respeitar os direitos fundamentais dos reclusos de forma a assegurar o exercício de todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, e a esse dever corresponde a obrigação do preso respeitar as normas do regimento interno reguladoras da vida do estabelecimento268.

266 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo X Cidadania Mínima: Códigos da violência na era da globalização, p. 54. 267 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 136-137. 268 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 155.

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Acerca da importância da preservação destes direitos, Adolfo observa que

é necessário “[...] ter sempre em mente que, antes de tudo, seus direitos são

sagrados, e para fazê-los valer farão de tudo. Qualquer justificativa será suficiente

para ele se voltar contra a sociedade que o puniu”269.

Da mesma forma, Barros aponta:

Como as demais fases de individualização da pena, a individualização executória também está adstrita aos preceitos constitucionais, à observação do princípio da proporcionalidade e da necessidade, não podendo a pena afetar a dignidade do sentenciado, que de forma alguma poderá ser submetido a tratamento desumano ou degradante, sendo-lhe devido acesso ao desenvolvimento integral de sua personalidade270.

Tem-se assim, a idéia de que a vontade de moldar o preso em

conformidade com os valores da sociedade na busca de uma harmônica convivência

não poderá ultrapassar limites inerentes a cada cidadão, independente de sua posição

de encarcerado ou não.

Há de se buscar, sempre, uma readaptação ao meio social, fazendo o

próprio condenado perceber que é capaz e que possui direitos e obrigações.

A readaptação, ressalta-se, deve ser feita de forma escalonada,

possibilitando a avaliação constante desse preso e visualizando o quão readaptado

está e, se é necessário uma modificação no seu processo de ressocialização.

Assim, para Falconi “[...] há de estar condicionada rigorosamente a uma

escala de processos de condicionamento social partindo do minus, representado pelo

encarceramento, até alcançar o plus, que é a reintrodução do condenado no convívio

social”271.

É esta observação constante do sentenciado que evidencia a importância

do trabalho da Comissão Técnica de Classificação. Nas palavras de Albergaria:

A visão interdisciplinar da Comissão Técnica de Classificação renovará o contexto penitenciário, com a contribuição científica na evolução do processo de

269 ADOLFO, Lúcio. Execução Penal e sua Aplicação: o preso e seus direitos, p. 27. 270 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 212. 271 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 117.

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ressocialização, assegurando-se o acesso às diferentes fases do plano individual de readaptação social272.

Conforme já apontado, é necessário é o exame de classificação efetuado

no início da execução a fim de conhecer a personalidade do sentenciado no início do

cumprimento da pena e para que a Comissão tenha um parâmetro para averiguar seu

desenvolvimento.

Com fundamento no perfil do preso, averiguado no momento que inicia a

execução da pena que recebeu, a Comissão de Classificação possuirá elementos para

basear o programa de tratamento do preso dentro do estabelecimento penal a qual

este foi dirigido.

A elaboração deste programa é uma das atividades da Comissão efetua,

em busca da reeducação e ressocialização do condenado. Albergaria destaca que “[...]

são pontos nucleares da Comissão Técnica de Classificação o exame criminológico

(análise de seu resultado), o programa de tratamento (sua elaboração) e a

progressão de regime (a reclassificação), sobre os quais incidem as atribuições da

Comissão”273. (grifo nosso)

Na execução desse programa, Falconi aponta que:

É absolutamente imperioso que se façam experiências múltiplas de relações interpessoais, no sentido de que, cada vez mais, aqueles que se encontram reclusos possam vivenciar e conviver com problemas que são ordinários nas relações humanas. Não serão, à evidência, as severas punições carcerárias que irão, de forma eficaz, formar uma mentalidade disciplinada no recluso. Da prática de tais métodos não haverá de sair a reeducação, tampouco a ressocialização e em definitivo baldar-se-á toda razão de ser do trabalho de tentativa de reinserção social274.

O tratamento penitenciário seria assim uma forma diferenciada de

sociedade, no qual o preso perceberia as vantagens de possuir limitações de seus

direitos, tendo em vista os direitos que conquistaria, como desenvolvimento pessoal e

intelectual, que colocaria em prática assim do seu retorno ao convívio social.

272 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 134. 273 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 134. 274 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 118-119.

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Nesse contexto, Albergaria expõe que “[...] o tratamento reeducativo

realiza-se num contexto co-natural à dimensão do homem, como ser social,

assegurando ao condenado a sua socialização e crescimento pessoal, como cidadão

e membro da sociedade, da qual continua fazendo parte”275.

Apesar de ter um caráter benéfico e possuir vantagens em sua

aplicabilidade, o programa de tratamento somente atingirá seus propósitos se for

adequado e decorrente de um estudo aprofundado acerca da personalidade e da

conduta do sentenciado, conforme já citado.

Barros dessa forma discorre:

O tratamento deve ser visto em termos estritamente garantistas e, portanto, não como uma imposição de valores, senão como criação das bases de um autodesenvolvimento livre ou, ao menos, como disposição das condições que impeçam que o sujeito veja piorado, em conseqüência da intervenção penal, seu estado de socialização276.

O sentenciado, que está sujeito a este programa de tratamento, somente

absorverá o propósito da ressocialização se estiver de acordo com sua capacidade de

aprendizagem. Sem esta adequação, não há como alcançar o fim desejado.

Falconi pondera, assinalando que “há de se acreditar firmemente na

condição humana de todo cidadão; há de ser livre e como tal viver, na sua profunda

capacidade de adaptação e, então sim, determinar-se segundo regras mínimas de

convivência social”277.

Desta forma, há a necessidade de uma participação voluntária do

condenado na elaboração e execução de seu programa de tratamento, fornecendo

dados para que se possa aplicar a ele medidas que desenvolvam suas capacidade, de

forma livre e espontânea.

275 ALBERGARIA, Jason. Criminologia, p. 289. 276 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 214. 277 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 126.

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Albergaria afirma que “a obrigatoriedade faria supor que o tratamento seria

imposta e a participação coercitiva violaria os direitos da pessoa humana, tanto mais

quanto visa o tratamento à modificação da personalidade do preso”278.

Uma vez verificados e constatados, pela Comissão Técnica de

Classificação melhoramentos na conduta do preso e uma possível reinserção na

sociedade, necessário se faz uma modificação no tratamento sendo este efetuado.

Este é o posicionamento de Bissoli Filho, “[...] de modo menos rígido e com encargos

de confiança, para habituá-los gradualmente à vida livre, buscando sempre avaliar

quanto à cessação da periculosidade criminal e viabilizar a colocação do condenado

em liberdade”279.

Albergaria enumera quatro fases a qual o tratamento penitenciário se

baseia na individualização do preso na busca de sua ressocialização:

O dossiê do preso é examinado e sua personalidade estudada. Esse trabalho é realizado por uma equipe de especialistas, compreendendo psicólogos, trabalhadores sociais, sociólogos e psiquiatras. Esse processo de diagnóstico comporta a utilização de técnicas existentes, como a investigação social, os exames médicos-psiquiátricos e psicológicos, bem como relatórios sobre o nível de educação, profissão, religião e lazer. Na segunda fase as informações sobre o preso são apresentadas à comissão de classificação. Com base no diagnóstico, é estabelecido o programa de tratamento e de reeducação individualizada. A comissão fixa o regime de detenção: os regimes de segurança máxima, média ou mínima; designa a cela ou dormitório, o trabalho, o serviço de saúde, cursos educativos, recreação e outras ocupações. Geralmente, o recluso comparece ante a comissão nos sessenta dias que seguem sua admissão no estabelecimento. Na terceira fase é posto em execução o tratamento indicado. A comissão de classificação verifica se as recomendações são realmente observadas. O programa de tratamento está sujeito à reclassificação pela comissão, segundo as necessidades do recluso (4ª fase)280.

Constata-se, assim, a importância do tratamento individualizado do preso

na execução da pena, seja no início de seu cumprimento, seja durante esta, a fim de

que se tenham elementos para aplicar as medidas reeducativas cabíveis e

diferenciadas a cada um. 278 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 138. 279 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 155. 280 ALBERGARIA, Jason. Direito Penitenciário e Direito do Menor, p. 132.

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Barros aponta que “[...] os dispositivos que determinam que o preso deverá

submeter-se às normas de execução da pena e estabelecem os seus deveres (arts. 38

e 39 da LEP) objetivam viabilizar o cumprimento da pena, de forma a possibilitar o

gradual retorno do condenado ao convívio social”281.

E, uma vez observado o respeito do preso pelas normas de conduta social

e pelas leis, chega-se ao fim que a execução penal se atém, podendo o sentenciado, a

partir de então, caminhar para sua libertação, sendo capaz de desenvolver-se e

trabalhar sem o apoio que possuía dentro do estabelecimento prisional.

Nesse sentido, Falconi esclarece que “trata-se de se criar no sentenciado

um puro sentimento de responsabilidade social, fornecendo-lhe, através de Serviços

Sociais de Justiça, elementos para uma aprendizagem visando a que não pratique

crime no futuro”282.

Sendo ressocializado, menores são as chances da ocorrência da

reincidência, trazendo benefícios para o preso e para a sociedade, sabendo que

durante a execução de sua pena foi tratado de forma humana e respeitada a sua

individualidade.

Barros, nesse sentido, expõe:

Anota-se que a aplicação correta do princípio da individualização da pena na execução penal é imprescindível para que não se perca a dimensão humana dos condenados. Adequar a pena em execução ao homem que a cumpre é dar rosto e voz ao condenado, evitar que fique reduzido a calhamaços de papéis283.

Assim, vê-se que não será com o uso da violência e nem retirando do preso

direitos fundamentais inerentes à pessoa humana que fará que ele não pratique mais

crimes.

281 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 142. 282 FALCONI, Romeu. Sistema Presidial: Reinserção Social? p. 126. 283 BARROS, Carmen Silva de Moraes. A Individualização da Pena na Execução Penal, p. 246.

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Necessário é oportunizar que ele adquira uma consciência de justiça e

cidadania, moldando suas vontades e perspectivas com a legislação e a moral veladas

pela sociedade em que vive.

Por fim, cabe ao Estado e à sociedade interagiram com o intuito de sempre

buscar recuperar seus cidadãos para o bem de todos, sem estigmas e etiquetamentos,

buscando valorizar independente do meio em que vive, apresentando soluções e

meios adequados para recuperação e ressocialização daqueles que possam ter

errado, mas que buscam meios de uma harmônica convivência social.

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CONCLUSÃO

O estudo da individualização da execução da pena foi realizado com o

enfoque na ressocialização do preso.

Para tanto, foi efetuado um estudo sobre o conceito de pena e seu

surgimento, sendo que, depois de verificado que esta possui como finalidade a

retribuição do mal cometido e a ressocialização do preso, passou-se a verificar o

surgimento dos sistemas prisionais e como se chegou ao atual modelo de prisão.

Nas prisões é que são cumpridas as sanções penais impostas na

sentenças condenatórias, sendo assim de suma importância a sua boa conservação,

abrangendo tanto a parte física, estrutural, bem como preparo e qualificação dos

profissionais que nela atuam e que instruirão e vigiarão a correta execução desta pena

pelo sentenciado.

A Lei de Execução Penal possui 204 artigos que disciplinam a execução

penal, fornecendo elementos norteadores da forma de tratamento do preso, os direitos

e garantias individuais inerentes à pessoa humana que não são abrangidos pela

sentença penal, além dos deveres do preso, como a disciplina e a obediência que

deve permanecer enquanto estiver dentro do estabelecimento prisional.

Esta Lei trata de diversas matérias, conforme estabelece a Exposição de

Motivos da Lei de Execução Penal no item 7, “uma lei específica e abrangente que

atenderá a todos os problemas relacionados com a execução penal, equacionando

matérias pertinentes [...] demarcando, assim, os limites penais de segurança”284.

Então a Lei de Execução Penal responsável por disciplinar a execução

penal e nela consta que os presos deverão ser classificados e individualizados para

que seja cumprida de forma adequada a sua pena e efetuado o tratamento

penitenciário relacionado com sua personalidade, basta apenas que a lei seja

cumprida.

284 GOMES, Luiz Flávio (organizador). Constituição Federal – Código de Processo Penal – Código Penal, p. 525.

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A legislação reconhece que as pessoas que se encontram presas possuem

características físicas e sociais que as diferem uma das outras, como nível de

escolaridade e sociabilidade, grau de periculosidade, e difícil será ressocializar

qualquer uma delas se forem tratadas como iguais.

Desde o momento que a pessoa ingressa no sistema prisional deve ser

feito um estudo sobre esta pessoa a fim de conhecer seus possíveis problemas de

conduta, suas aptidões, sua personalidade para que não haja um contato direto de

presos perigosos com os considerados menos.

Até mesmo para saber se esse preso evoluiu, na forma de ter diminuído o

seu estado de violência, de agressividade, se estudou e aprendeu um ofício para que

possa receber um regime prisional mais brando e assim, retornar ao convívio social

com capacidade de administrar sua vida, sem infringir as leis.

Portanto, nota-se a importância da individualização da execução da pena

na busca da ressocialização do preso ao perceber que, com isso, o preso será visto

com uma pessoa única, com qualidades e defeitos, apesar de ter cometido um ilícito

penal, e terá sua individualidade preservada, enquanto cumpre a pena recebida.

Assim aumenta as chances de se desenvolver, através da assistência educacional,

profissional e religiosa recebida e não reincidir na prática delituosa, o que trará

benefícios para o preso e para toda a sociedade.

Infelizmente o sistema prisional atual, por falta de incentivos e apoio do

Executivo, não consegue chegar aos fins a que foi proposto. Muitos são os problemas,

como falta de recursos, de pessoal capacitado, treinamento e reciclagem dos

funcionários, porém há que se ter sempre em primeira linha que o Estado possui a

custódia do preso, ou seja, está responsável pela integridade física e psicológica de

uma pessoa que cometeu um ilícito penal, mas que está cumprindo a pena

determinada na sentença.

Assim, não deve o sistema prisional piorar as condições e as restrições já

impostas pela sentença. Deve ser apenas o órgão de execução, com instalações

adequadas e apropriadas para o desenvolvimento daqueles que muitas vezes, não

tiveram acesso à educação, não contaram com o apoio familiar ou social e que,

infelizmente, optaram em algum momento da vida em efetuar uma conduta reprovável.

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Tem-se, portanto, que se o sistema prisional não consegue ressocializar o

preso e fazer com que ele tenha uma conduta diferente no meio em que vive, tendo

em consta que cada pessoa possui sua personalidade e valores próprios e que não

cabe ao Estado o poder de invadir a privacidade de cada um e ditar com esta deve

ser, mas que pelo menos, não a dissocialize. Esta dissocialização diz respeito em

tornar pior aquele que já possui alguma característica ou conduta que o levou ao

crime, mas que poderia com a assistência apropriada tornar-se uma pessoa de bem.

Por mais dificuldades que sejam apontadas, pede-se apenas o

cumprimento da lei, dentro das possibilidades de cada presídio ou penitenciária e que

sejam separados e individualizados os presos conforme estes adentrem e executem

suas sentenças, valorizando suas progressões e possibilitando dessa forma a

ressocialização do preso.

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ANEXOS

REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DE PRISIONEIROS285

Adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinqüentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU através da sua resolução 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, aditada pela resolução 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977. Em 25 de maio de 1984, através da resolução 1984/47, o Conselho Econômico e Social aprovou treze procedimentos para a aplicação efetiva das Regras Mínimas (anexo). Observações preliminares 1. O objetivo das presentes regras não é descrever detalhadamente um sistema penitenciário modelo, mas apenas estabelecer - inspirando-se em conceitos geralmente admitidos em nossos tempos e nos elementos essenciais dos sistemas contemporâneos mais adequados - os princípios e as regras de uma boa organização penitenciária e da prática relativa ao tratamento de prisioneiros. 2. É evidente que devido a grande variedade de condições jurídicas, sociais, econômicas e geográficas existentes no mundo, todas estas regras não podem ser aplicadas indistintamente em todas as partes e a todo tempo. Devem, contudo, servir para estimular o esforço constante com vistas à superação das dificuldades práticas que se opõem a sua aplicação, na certeza de que representam, em seu conjunto, as condições mínimas admitidas pelas Nações Unidas. 3. Por outro lado, os critérios que se aplicam às matérias referidas nestas regras evoluem constantemente e, portanto, não tendem a excluir a possibilidade de experiências e práticas, sempre que as mesmas se ajustem aos princípios e propósitos que emanam do texto das regras. De acordo com esse espírito, a administração penitenciária central sempre poderá autorizar qualquer exceção às regras. 4. 1.A primeira parte das regras trata das matérias relativas à administração geral dos estabelecimentos penitenciários e

285 http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm - Acesso em 22/10/2008.

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é aplicável a todas as categorias de prisioneiros, criminais ou civis, em regime de prisão preventiva ou já condenados, incluindo aqueles que tenham sido objeto de medida de segurança ou de medida de reeducação ordenada por um juiz. 2.A segunda parte contém as regras que são aplicáveis somente às categorias de prisioneiros a que se refere cada seção. Entretanto, as regras da seção A, aplicáveis aos presos condenados, serão igualmente aplicáveis às categorias de presos a que se referem as seções B, C e D, sempre que não sejam contraditórias com as regras específicas dessas seções e sob a condição de que sejam proveitosas para tais prisioneiros. 5. 1.Estas regras não estão destinadas a determinar a organização dos estabelecimentos para delinqüentes juvenis (estabelecimentos Borstal, instituições de reeducação etc.). Todavia, de um modo geral, pode-se considerar que a primeira parte destas regras mínimas também é aplicável a esses estabelecimentos. 2.A categoria de prisioneiros juvenis deve compreender, em qualquer caso, os menores sujeitos à jurisdição de menores. Como norma geral, os delinqüentes juvenis não deveriam ser condenados a penas de prisão. PARTE I Regras de aplicação geral Princípio Fundamental 6. 1.As regras que se seguem deverão ser aplicadas imparcialmente. Não haverá discriminação alguma baseada em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou em qualquer outra situação. 2.Ao contrário, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o preso. Registro 7. 1.Em todos os lugares em que haja pessoas detidas, deverá existir um livro oficial de registro, atualizado, contendo páginas numeradas, no qual serão anotados, relativamente a cada preso: a.A informação referente a sua identidade; b.As razões da sua detenção e a autoridade competente que a ordenou; c.O dia e a hora da sua entrada e da sua saída. 2.Nenhuma pessoa deverá ser admitida em um estabelecimento prisional sem uma ordem de detenção válida, cujos dados serão previamente lançados no livro de registro.

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Separação de categorias 8. As diferentes categorias de presos deverão ser mantidas em estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes zonas de um mesmo estabelecimento prisional, levando-se em consideração seu sexo e idade, seus antecedentes, as razões da detenção e o tratamento que lhes deve ser aplicado. Assim é que: a.Quando for possível, homens e mulheres deverão ficar detidos em estabelecimentos separados; em estabelecimentos que recebam homens e mulheres, o conjunto dos locais destinados às mulheres deverá estar completamente separado; b.As pessoas presas preventivamente deverão ser mantidas separadas dos presos condenados; c.Pessoas presas por dívidas ou por outras questões de natureza civil deverão ser mantidas separadas das pessoas presas por infração penal; d.Os presos jovens deverão ser mantidos separados dos presos adultos. Locais destinados aos presos 9. 1.As celas ou quartos destinados ao isolamento noturno não deverão ser ocupadas por mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário da população carcerária, for indispensável que a administração penitenciária central faça exceções a esta regra, deverá evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou quarto individual. 2.Quando se recorra à utilização de dormitórios, estes deverão ser ocupados por presos cuidadosamente escolhidos e reconhecidos como sendo capazes de serem alojados nessas condições. Durante a noite, deverão estar sujeitos a uma vigilância regular, adaptada ao tipo de estabelecimento prisional em que se encontram detidos. 10. Todas os locais destinados aos presos, especialmente aqueles que se destinam ao alojamento dos presos durante a noite, deverão satisfazer as exigências da higiene, levando-se em conta o clima, especialmente no que concerne ao volume de ar, espaço mínimo, iluminação, aquecimento e ventilação. 11. Em todos os locais onde os presos devam viver ou trabalhar: a.As janelas deverão ser suficientemente grandes para que os presos possam ler e trabalhar com luz natural, e deverão estar dispostas de modo a permitir a entrada de ar fresco, haja ou não ventilação artificial. b.A luz artificial deverá ser suficiente para os presos poderem ler ou trabalhar sem prejudicar a visão. 12. As instalações sanitárias deverão ser adequadas para que os presos possam satisfazer suas necessidades naturais no momento oportuno, de um modo limpo e decente. 13. As instalações de banho deverão ser adequadas para que cada preso possa tomar banho a uma temperatura adaptada ao clima, tão freqüentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do

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ano e a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana em um clima temperado. 14. Todos os locais de um estabelecimento penitenciário freqüentados regularmente pelos presos deverão ser mantidos e conservados escrupulosamente limpos. Higiene pessoal 15. Será exigido que todos os presos mantenham-se limpos; para este fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à sua saúde e limpeza. 16. Serão postos à disposição dos presos meios para cuidarem do cabelo e da barba, a fim de que possam se apresentar corretamente e conservem o respeito por si mesmos; os homens deverão poder barbear-se com regularidade. Roupas de vestir, camas e roupas de cama 17. 1.Todo preso a quem não seja permitido vestir suas próprias roupas, deverá receber as apropriadas ao clima e em quantidade suficiente para manter-se em boa saúde. Ditas roupas não poderão ser, de forma alguma, degradantes ou humilhantes. 2.Todas as roupas deverão estar limpas e mantidas em bom estado. A roupa de baixo será trocada e lavada com a freqüência necessária à manutenção da higiene. 3.Em circunstâncias excepcionais, quando o preso necessitar afastar-se do estabelecimento penitenciário para fins autorizados, ele poderá usar suas próprias roupas, que não chamem atenção sobre si. 18. Quando um preso for autorizado a vestir suas próprias roupas, deverão ser tomadas medidas para se assegurar que, quando do seu ingresso no estabelecimento penitenciário, as mesmas estão limpas e são utilizáveis. 19. Cada preso disporá, de acordo com os costumes locais ou nacionais, de uma cama individual e de roupa de cama suficiente e própria, mantida em bom estado de conservação e trocada com uma freqüência capaz de garantir sua limpeza. Alimentação 20. 1.A administração fornecerá a cada preso, em horas determinadas, uma alimentação de boa qualidade, bem preparada e servida, cujo valor nutritivo seja suficiente para a manutenção da sua saúde e das suas forças. 2.Todo preso deverá ter a possibilidade de dispor de água potável quando dela necessitar. Exercícios físicos

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21. 1.O preso que não trabalhar ao ar livre deverá ter, se o tempo permitir, pelo menos uma hora por dia para fazer exercícios apropriados ao ar livre. 2.Os presos jovens e outros cuja idade e condição física o permitam, receberão durante o período reservado ao exercício uma educação física e recreativa. Para este fim, serão colocados à disposição dos presos o espaço, as instalações e os equipamentos necessários. Serviços médicos 22. 1.Cada estabelecimento penitenciário terá à sua disposição os serviços de pelo menos um médico qualificado, que deverá ter certos conhecimentos de psiquiatria. Os serviços médicos deverão ser organizados em estreita ligação com a administração geral de saúde da comunidade ou nação. Deverão incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, para o tratamento de estados de anomalia. 2.Os presos doentes que necessitem tratamento especializado deverão ser transferidos para estabelecimentos especializados ou para hospitais civis. Quando existam facilidades hospitalares em um estabelecimento prisional, o respectivo equipamento, mobiliário e produtos farmacêuticos serão adequados para o tratamento médico dos presos doentes, e deverá haver pessoal devidamente qualificado. 3.Cada preso poderá servir-se dos trabalhos de um dentista qualificado. 23. 1.Nos estabelecimentos prisionais para mulheres devem existir instalações especiais para o tratamento de presas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz e das convalescentes. Desde que seja possível, deverão ser tomadas medidas para que o parto ocorra em um hospital civil. Se a criança nascer num estabelecimento prisional, tal fato não deverá constar no seu registro de nascimento. 2.Quando for permitido às mães presas conservar as respectivas crianças, deverão ser tomadas medidas para organizar uma creche, dotada de pessoal qualificado, onde as crianças possam permanecer quando não estejam ao cuidado das mães. 24. O médico deverá ver e examinar cada preso o mais depressa possível após a sua admissão no estabelecimento prisional e depois, quando necessário, com o objetivo de detectar doenças físicas ou mentais e de tomar todas as medidas necessárias para o respectivo tratamento; de separar presos suspeitos de doenças infecciosas ou contagiosas; de anotar deformidades físicas ou mentais que possam constituir obstáculos à reabilitação dos presos, e de determinar a capacidade de trabalho de cada preso. 25.

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1.O médico deverá tratar da saúde física e mental dos presos e deverá diariamente observar todos os presos doentes e os que se queixam de dores ou mal-estar, e qualquer preso para o qual a sua atenção for chamada. 2.O médico deverá informar o diretor quando considerar que a saúde física ou mental de um preso tenha sido ou venha a ser seriamente afetada pelo prolongamento da situação de detenção ou por qualquer condição específica dessa situação de detenção. 26. 1.O médico deverá regularmente inspecionar e aconselhar o diretor sobre: a.A quantidade, qualidade, preparação e serviço da alimentação; b.A higiene e limpeza do estabelecimento prisional e dos presos; c.As condições sanitárias, aquecimento, iluminação e ventilação do estabelecimento prisional; d.A adequação e limpeza da roupa de vestir e de cama dos presos; e.A observância das regras concernentes à educação física e aos desportos, quando não houver pessoal técnico encarregado destas atividades. 2.O diretor levará em consideração os relatórios e os pareceres que o médico lhe apresentar, de acordo com as regras 25(2) e 26, e no caso de concordar com as recomendações apresentadas tomará imediatamente medidas no sentido de pôr em prática essas recomendações; se as mesmas não estiverem no âmbito da sua competência, ou caso não concorde com elas, deverá imediatamente enviar o seu próprio relatório e o parecer do médico a uma autoridade superior. Disciplina e sanções 27. A disciplina e a ordem serão mantidas com firmeza, mas sem impor mais restrições do que as necessárias à manutenção da segurança e da boa organização da vida comunitária. 28. 1.Nenhum preso pode ser utilizado em serviços que lhe sejam atribuídos em conseqüência de medidas disciplinares. 2.Esta regra, contudo, não impedirá o conveniente funcionamento de sistemas baseados na autogestão, nos quais atividades ou responsabilidades sociais, educacionais ou esportivas específicas podem ser confiadas, sob adequada supervisão, a presos reunidos em grupos com objetivos terapêuticos. 29. A lei ou regulamentação emanada da autoridade administrativa competente determinará, para cada caso: a.O comportamento que constitua falta disciplinar; b.Os tipos e a duração da punição a aplicar; c.A autoridade competente para impor tal punição. 30. 1.Nenhum preso será punido senão de acordo com a lei ou regulamento, e nunca duas vezes pelo mesmo crime. 2.Nenhum preso será punido a não ser que tenha sido informado do crime de que é acusado e

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lhe seja dada uma oportunidade adequada para apresentar defesa. A autoridade competente examinará o caso exaustivamente. 3) Quando necessário e possível, o preso será autorizado a defender-se por meio de um intérprete. 31. Serão absolutamente proibidos como punições por faltas disciplinares os castigos corporais, a detenção em cela escura e todas as penas cruéis, desumanas ou degradantes. 32. a.As penas de isolamento e de redução de alimentação não deverão nunca ser aplicadas, a menos que o médico tenha examinado o preso e certificado por escrito que ele está apto para as suportar. b.O mesmo se aplicará a qualquer outra punição que possa ser prejudicial à saúde física ou mental de um preso. Em nenhum caso deverá tal punição contrariar ou divergir do princípio estabelecido na regra 31. c.O médico visitará diariamente os presos sujeitos a tais punições e aconselhará o diretor caso considere necessário terminar ou alterar a punição por razões de saúde física ou mental. Instrumentos de coação 33. A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes, ferros e coletes de força nunca deve ser aplicada como punição. Correntes e ferros também não serão usados como instrumentos de coação. Quaisquer outros instrumentos de coação não serão usados, exceto nas seguintes circunstâncias: a.Como precaução contra fuga durante uma transferência, desde que sejam retirados quando o preso comparecer perante uma autoridade judicial ou administrativa; b.Por razões médicas e sob a supervisão do médico; c.Por ordem do diretor, se outros métodos de controle falharem, a fim de evitar que o preso se moleste a si mesmo, a outros ou cause estragos materiais; nestas circunstâncias, o diretor consultará imediatamente o médico e informará à autoridade administrativa superior. 34. As normas e o modo de utilização dos instrumentos de coação serão decididos pela administração prisional central. Tais instrumentos não devem ser impostos senão pelo tempo estritamente necessário. Informação e direito de queixa dos presos 35. 1.Quando for admitido, cada preso receberá informação escrita sobre o regime prisional para a sua categoria, sobre os regulamentos disciplinares do estabelecimento e os métodos autorizados para obter informações e para formular queixas; e qualquer outra informação necessária para conhecer os seus direitos e obrigações, e para se adaptar à vida do estabelecimento.

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2.Se o preso for analfabeto, tais informações ser-lhe-ão comunicadas oralmente. 36. 1.Todo preso terá, em cada dia de trabalho, a oportunidade de apresentar pedidos ou queixas ao diretor do estabelecimento ou ao funcionário autorizado a representá-lo. 2.As petições ou queixas poderão ser apresentadas ao inspetor de prisões durante sua inspeção. O preso poderá falar com o inspetor ou com qualquer outro funcionário encarregado da inspeção sem que o diretor ou qualquer outro membro do estabelecimento se faça presente. 3.Todo preso deve ter autorização para encaminhar, pelas vias prescritas, sem censura quanto às questões de mérito mas na devida forma, uma petição ou queixa à administração penitenciária central, à autoridade judicial ou a qualquer outra autoridade competente. 4.A menos que uma solicitação ou queixa seja evidentemente temerária ou desprovida de fundamento, a mesma deverá ser examinada sem demora, dando-se uma resposta ao preso no seu devido tempo. Contatos com o mundo exterior 37. Os presos serão autorizados, sob a necessária supervisão, a comunicar-se periodicamente com as suas famílias e com amigos de boa reputação, quer por correspondência quer através de visitas. 38. 1.Aos presos de nacionalidade estrangeira, serão concedidas facilidades razoáveis para se comunicarem com os representantes diplomáticos e consulares do Estado a que pertencem. 2.A presos de nacionalidade de Estados sem representação diplomática ou consular no país, e a refugiados ou apátridas, serão concedidas facilidades semelhantes para comunicarem-se com os representantes diplomáticos do Estado encarregado de zelar pelos seus interesses ou com qualquer entidade nacional ou internacional que tenha como tarefa a proteção de tais indivíduos. 39. Os presos serão mantidos regularmente informados das notícias mais importantes através da leitura de jornais, periódicos ou publicações especiais do estabelecimento prisional, através de transmissões de rádio, conferências ou quaisquer outros meios semelhantes, autorizados ou controlados pela administração. Biblioteca 40. Cada estabelecimento prisional terá uma biblioteca para o uso de todas as categorias de presos, devidamente provida com livros de recreio e de instrução, e os presos serão estimulados a utilizá-la. Religião

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41. 1.Se o estabelecimento reunir um número suficiente de presos da mesma religião, um representante qualificado dessa religião será nomeado ou admitido. Se o número de presos o justificar e as condições o permitirem, tal serviço será na base de tempo completo. 2.Um representante qualificado, nomeado ou admitido nos termos do parágrafo 1, será autorizado a celebrar serviços religiosos regulares e a fazer visitas pastorais particulares a presos da sua religião, em ocasiões apropriadas. 3.Não será recusado o acesso de qualquer preso a um representante qualificado de qualquer religião. Por outro lado, se qualquer preso levantar objeções à visita de qualquer representante religioso, sua posição será inteiramente respeitada. 42. Tanto quanto possível, cada preso será autorizado a satisfazer as necessidades de sua vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no estabelecimento ou tendo em sua posse livros de rito e prática religiosa da sua crença. Depósitos de objetos pertencentes aos presos 43. 1.Quando o preso ingressa no estabelecimento prisional, o dinheiro, os objetos de valor, roupas e outros bens que lhe pertençam, mas que não possam permanecer em seu poder por força do regulamento, serão guardados em um lugar seguro, levantando-se um inventário de todos eles, que deverá ser assinado pelo preso. Serão tomadas as medidas necessárias para que tais objetos se conservem em bom estado. 2.Os objetos e o dinheiro pertencentes ao preso ser-lhe-ão devolvidos quando da sua liberação, com exceção do dinheiro que ele foi autorizado a gastar, dos objetos que tenham sido remetidos para o exterior do estabelecimento, com a devida autorização, e das roupas cuja destruição haja sido decidida por questões higiênicas. O preso assinará um recibo dos objetos e do dinheiro que lhe forem restituídos. 3.Os valores e objetos enviados ao preso do exterior do estabelecimento prisional serão submetidos às mesmas regras. 4.Se o preso estiver na posse de medicamentos ou de entorpecentes no momento do seu ingresso no estabelecimento prisional, o médico decidirá que uso será dado a eles. Notificação de morte, doenças e transferências 44. 1.No caso de morte, doença ou acidente grave, ou da transferência do preso para um estabelecimento para doentes mentais, o diretor informará imediatamente o cônjuge, se o preso for casado, ou o parente mais próximo, e informará, em qualquer caso, a pessoa previamente designada pelo preso.

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2.Um preso será informado imediatamente da morte ou doença grave de qualquer parente próximo. No caso de doença grave de um parente próximo, o preso será autorizado, quando as circunstâncias o permitirem, a visitá-lo, escoltado ou não. 3.Cada preso terá o direito de informar imediatamente à sua família sobre sua prisão ou transferência para outro estabelecimento prisional. Transferência de presos 45. 1.Quando os presos estiverem sendo transferidos para outro estabelecimento prisional, deverão ser vistos o menos possível pelo público, e medidas apropriadas serão adotadas para protegê-los contra qualquer forma de insultos, curiosidade e publicidade. 2.Será proibido o traslado de presos em transportes com ventilação ou iluminação deficientes, ou que de qualquer outro modo possam submetê-los a sacrifícios desnecessários. 3.O transporte de presos será efetuado às expensas da administração, em condições iguais para todos eles. Pessoal penitenciário 46. 1.A administração penitenciária escolherá cuidadosamente o pessoal de todas as categorias, posto que, da integridade, humanidade, aptidão pessoal e capacidade profissional desse pessoal, dependerá a boa direção dos estabelecimentos penitenciários. 2.A administração penitenciária esforçar-se-á constantemente por despertar e manter no espírito do pessoal e na opinião pública a convicção de que a função penitenciária constitui um serviço social de grande importância e, sendo assim, utilizará todos os meios apropriados para ilustrar o público. 3.Para lograr tais fins, será necessário que os membros trabalhem com exclusividade como funcionários penitenciários profissionais, tenham a condição de funcionários públicos e, portanto, a segurança de que a estabilidade em seu emprego dependerá unicamente da sua boa conduta, da eficácia do seu trabalho e de sua aptidão física. A remuneração do pessoal deverá ser adequada, a fim de se obter e conservar os serviços de homens e mulheres capazes. Determinar-se-á os benefícios da carreira e as condições do serviço tendo em conta o caráter penoso de suas funções. 47. 1.Os membros do pessoal deverão possuir um nível intelectual satisfatório. 2.Os membros do pessoal deverão fazer, antes de ingressarem no serviço, um curso de

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formação geral e especial, e passar satisfatoriamente pelas provas teóricas e práticas. 3.Após seu ingresso no serviço e durante a carreira, os membros do pessoal deverão manter e melhorar seus conhecimentos e sua capacidade profissionais fazendo cursos de aperfeiçoamento, que se organizarão periodicamente. 48. Todos os membros do pessoal deverão conduzir-se e cumprir suas funções, em qualquer circunstância, de modo a que seu exemplo inspire respeito e exerça uma influência benéfica sobre os presos. 49. 1.Na medida do possível dever-se-á agregar ao pessoal um número suficiente de especialistas, tais como psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, professores e instrutores técnicos. 2.Os serviços dos assistentes sociais, dos professores e instrutores técnicos deverão ser mantidos permanentemente, sem que isto exclua os serviços de auxiliares a tempo parcial ou voluntários. 50. 1.O diretor do estabelecimento prisional deverá estar devidamente qualificado para sua função por seu caráter, sua capacidade administrativa, uma formação adequada e por sua experiência na matéria. 2.O diretor deverá consagrar todo o seu tempo à sua função oficial, que não poderá ser desempenhada com restrição de horário. 3.O diretor deverá residir no estabelecimento prisional ou perto dele. 4.Quando dois ou mais estabelecimentos estejam sob a autoridade de um único diretor, este os visitará com freqüência. Cada um desses estabelecimentos estará dirigido por um funcionário responsável residente no local. 51. 1.O diretor, o subdiretor e a maioria do pessoal do estabelecimento prisional deverão falar a língua da maior parte dos reclusos ou uma língua compreendida pela maior parte deles. 2.Recorrer-se-á aos serviços de um intérprete toda vez que seja necessário. 52. 1.Nos estabelecimentos prisionais cuja importância exija o serviço contínuo de um ou vários médicos, pelo menos um deles residirá no estabelecimento ou nas suas proximidades. 2.Nos demais estabelecimentos, o médico visitará diariamente os presos e residirá próximo o bastante do estabelecimento para acudir sem demora toda vez que se apresente um caso urgente. 53. 1.Nos estabelecimentos mistos, a seção das mulheres estará sob a direção de um funcionário responsável do sexo feminino, a qual manterá sob sua guarda todas as chaves de tal seção. 2.Nenhum funcionário do sexo masculino ingressará na seção feminina desacompanhado de

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um membro feminino do pessoal. 3.A vigilância das presas será exercida exclusivamente por funcionários do sexo feminino. Contudo, isto não excluirá que funcionários do sexo masculino, especialmente os médicos e o pessoal de ensino, desempenhem suas funções profissionais em estabelecimentos ou seções reservadas às mulheres. 54. 1.Os funcionários dos estabelecimentos prisionais não usarão, nas suas relações com os presos, de força, exceto em legítima defesa ou em casos de tentativa de fuga, ou de resistência física ativa ou passiva a uma ordem fundamentada na lei ou nos regulamentos. Os funcionários que tenham que recorrer à força, não devem usar senão a estritamente necessária, e devem informar imediatamente o incidente ao diretor do estabelecimento prisional. 2.Será dado aos guardas da prisão treinamento físico especial, a fim de habilitá-los a dominarem presos agressivos. 3.Exceto em circunstâncias especiais, os funcionários, no cumprimento de funções que impliquem contato direto com os presos, não deverão andar armados. Além disso, não será fornecida arma a nenhum funcionário sem que o mesmo tenha sido previamente adestrado no seu manejo. Inspeção 55. Haverá uma inspeção regular dos estabelecimentos e serviços prisionais por inspetores qualificados e experientes, nomeados por uma autoridade competente. É seu dever assegurar que estes estabelecimentos estão sendo administrados de acordo com as leis e regulamentos vigentes, para prosseguimento dos objetivos dos serviços prisionais e correcionais. PARTE II Regras aplicáveis a categorias especiais A. Presos condenados Princípios mestres 56. Os princípios mestres enumerados a seguir têm por objetivo definir o espírito segundo o qual devem ser administrados os sistemas penitenciários e os objetivos a serem buscados, de acordo com a declaração constante no ítem 1 das Observações preliminares das presentes regras. 57. A prisão e outras medidas cujo efeito é separar um delinqüente do mundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem do indivíduo o direito à autodeterminação, privando-o da sua liberdade. Logo, o sistema prisional não deverá, exceto por razões justificáveis de segregação ou para a manutenção da disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação.

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58. O fim e a justificação de uma pena de prisão ou de qualquer medida privativa de liberdade é, em última instância, proteger a sociedade contra o crime. Este fim somente pode ser atingido se o tempo de prisão for aproveitado para assegurar, tanto quanto possível, que depois do seu regresso à sociedade o delinqüente não apenas queira respeitar a lei e se auto-sustentar, mas também que seja capaz de fazê-lo. 59. Para alcançar esse propósito, o sistema penitenciário deve empregar, tratando de aplicá-los conforme as necessidades do tratamento individual dos delinqüentes, todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e de outra natureza, e todas as formas de assistência de que pode dispor. 60. 1.O regime do estabelecimento prisional deve tentar reduzir as diferenças existentes entre a vida na prisão e a vida livre quando tais diferenças contribuírem para debilitar o sentido de responsabilidade do preso ou o respeito à dignidade da sua pessoa. 2.É conveniente que, antes do término do cumprimento de uma pena ou medida, sejam tomadas as providências necessárias para assegurar ao preso um retorno progressivo à vida em sociedade. Este propósito pode ser alcançado, de acordo com o caso, com a adoção de um regime preparatório para a liberação, organizado dentro do mesmo estabelecimento prisional ou em outra instituição apropriada, ou mediante libertação condicional sob vigilância não confiada à polícia, compreendendo uma assistência social eficaz. 61. No tratamento, não deverá ser enfatizada a exclusão dos presos da sociedade, mas, ao contrário, o fato de que continuam a fazer parte dela. Com esse objetivo deve-se recorrer, na medida ao possível, à cooperação de organismos comunitários que ajudem o pessoal do estabelecimento prisional na sua tarefa de reabilitar socialmente os presos. Cada estabelecimento penitenciário deverá contar com a colaboração de assistentes sociais encarregados de manter e melhorar as relações dos presos com suas famílias e com os organismos sociais que possam lhes ser úteis. Também deverão ser feitas gestões visando proteger, desde que compatível com a lei e com a pena imposta, os direitos relativos aos interesses civis, os benefícios dos direitos da previdência social e outros benefícios sociais dos presos. 62. Os serviços médicos do estabelecimento prisional se esforçarão para descobrir e deverão tratar todas as deficiências ou enfermidades físicas ou mentais que constituam um obstáculo à readaptação do preso. Com vistas a esse fim, deverá ser realizado todo tratamento médico, cirúrgico e psiquiátrico que for julgado necessário. 63. 1.Estes princípios exigem a individualização do tratamento que, por sua vez, requer um sistema flexível de classificação dos presos em grupos. Portanto, convém que os grupos sejam distribuídos em estabelecimentos distintos, onde cada um deles possa receber o tratamento necessário. 2.Ditos estabelecimentos não devem adotar as mesmas medidas de segurança com relação a todos os grupos. É

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conveniente estabelecer diversos graus de segurança conforme a que seja necessária para cada um dos diferentes grupos. Os estabelecimentos abertos - nos quais inexistem meios de segurança física contra a fuga e se confia na autodisciplina dos presos - proporcionam, a presos cuidadosamente escolhidos, as condições mais favoráveis para a sua readaptação. 3.É conveniente evitar que nos estabelecimentos fechados o número de presos seja tão elevado que constitua um obstáculo à individualização do tratamento. Em alguns países, estima-se que o número de presos em tais estabelecimentos não deve passar de quinhentos. Nos estabelecimentos abertos, o número de presos deve ser o mais reduzido possível. 4.Ao contrário, também não convém manter estabelecimentos demasiadamente pequenos para que se possa organizar neles um regime apropriado. 64. O dever da sociedade não termina com a libertação do preso. Deve-se dispor, por conseguinte, dos serviços de organismos governamentais ou privados capazes de prestar à pessoa solta uma ajuda pós-penitenciária eficaz, que tenda a diminuir os preconceitos para com ela e permitam sua readaptação à comunidade. Tratamento 65. O tratamento dos condenados a uma punição ou medida privativa de liberdade deve ter por objetivo, enquanto a duração da pena o permitir, inspirar-lhes a vontade de viver conforme a lei, manter-se com o produto do seu trabalho e criar neles a aptidão para fazê-lo. Tal tratamento estará direcionado a fomentar-lhes o respeito por si mesmos e a desenvolver seu senso de responsabilidade. 66. 1.Para lograr tal fim, deverá se recorrer, em particular, à assistência religiosa, nos países em que ela seja possível, à instrução, à orientação e à formação profissionais, aos métodos de assistência social individual, ao assessoramento relativo ao emprego, ao desenvolvimento físico e à educação do caráter moral, em conformidade com as necessidades individuais de cada preso. Deverá ser levado em conta seu passado social e criminal, sua capacidade e aptidão físicas e mentais, suas disposições pessoais, a duração de sua condenação e as perspectivas depois da sua libertação. 2.Em relação a cada preso condenado a uma pena ou medida de certa duração, que ingresse no estabelecimento prisional, será remetida ao diretor, o quanto antes, um informe completo relativo aos aspectos mencionados no parágrafo anterior. Este informe será acompanhado por o de um médico, se possível especializado em psiquiatria, sobre o estado físico e mental do preso. 3.Os informes e demais documentos pertinentes formarão um arquivo individual. Estes arquivos serão mantidos atualizados e serão classificados de modo que o pessoal responsável possa consultá-los

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sempre que seja necessário. Classificação e individualização 67. Os objetivos da classificação deverão ser: a.Separar os presos que, por seu passado criminal ou sua má disposição, exerceriam uma influência nociva sobre os companheiros de detenção; b.Repartir os presos em grupos, a fim de facilitar o tratamento destinado à sua readaptação social. 68. Haverá, se possível, estabelecimentos prisionais separados ou seções separadas dentro dos estabelecimentos para os distintos grupos de presos. 69. Tão logo uma pessoa condenada a uma pena ou medida de certa duração ingresse em um estabelecimento prisional, e depois de um estudo da sua personalidade, será criado um programa de tratamento individual, tendo em vista os dados obtidos sobre suas necessidades individuais, sua capacidade e suas inclinações. Privilégios 70. Em cada estabelecimento prisional será instituído um sistema de privilégios adaptado aos diferentes grupos de presos e aos diferentes métodos de tratamento, a fim de estimular a boa conduta, desenvolver o sentido de responsabilidade e promover o interesse e a cooperação dos presos no que diz respeito ao seu tratamento. Trabalho 71. 1.O trabalho na prisão não deve ser penoso. 2.Todos os presos condenados deverão trabalhar, em conformidade com as suas aptidões física e mental, de acordo com a determinação do médico. 3.Trabalho suficiente de natureza útil será dado aos presos de modo a conservá-los ativos durante um dia normal de trabalho. 4.Tanto quanto possível, o trabalho proporcionado será de natureza que mantenha ou aumente as capacidades dos presos para ganharem honestamente a vida depois de libertados. 5.Será proporcionado treinamento profissional em profissões úteis aos presos que dele tirarem proveito, especialmente aos presos jovens. 6.Dentro dos limites compatíveis com uma seleção profissional apropriada e com as exigências da administração e disciplina prisionais, os presos poderão escolher o tipo de trabalho que querem fazer. 72.

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1.A organização e os métodos de trabalho penitenciário deverão se assemelhar o mais possível aos que se aplicam a um trabalho similar fora do estabelecimento prisional, a fim de que os presos sejam preparados para as condições normais de trabalho livre. 2.Contudo, o interesse dos presos e de sua formação profissional não deverão ficar subordinados ao desejo de se auferir benefícios pecuniários de uma indústria penitenciária. 73. 1.As indústrias e granjas penitenciárias deverão ser dirigidas preferencialmente pela administração e não por empreiteiros privados. 2.Os presos que se empregarem em algum trabalho não fiscalizado pela administração estarão sempre sob a vigilância do pessoal penitenciário. A menos que o trabalho seja feito para outros setores do governo, as pessoas por ele beneficiadas pagarão à administração o salário normalmente exigido para tal trabalho, levando-se em conta o rendimento do preso. 74. 1.Nos estabelecimentos penitenciários, serão tomadas as mesmas precauções prescritas para a proteção, segurança e saúde dos trabalhadores livres. 2.Serão tomadas medidas visando indenizar os presos que sofrerem acidentes de trabalho e enfermidades profissionais em condições similares às que a lei dispõe para os trabalhadores livres. 75. 1.As horas diárias e semanais máximas de trabalho dos presos serão fixadas por lei ou por regulamento administrativo, tendo em consideração regras ou costumes locais concernentes ao trabalho das pessoas livres. 2.As horas serão fixadas de modo a deixar um dia de descanso semanal e tempo suficiente para a educação e para outras atividades necessárias ao tratamento e reabilitação dos presos. 76. 1.O trabalho dos reclusos deverá ser remunerado de uma maneira eqüitativa. 2.O regulamento permitirá aos reclusos que utilizem pelo menos uma parte da sua remuneração para adquirir objetos destinados a seu uso pessoal e que enviem a outra parte à sua família. 3.O regulamento deverá, igualmente, prever que a administração reservará uma parte da remuneração para a constituição de um fundo, que será entregue ao preso quando ele for posto em liberdade. Educação e recreio 77. 1.Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos em condições de aproveitá-la, incluindo instrução religiosa nos países em que isso for possível. A educação de analfabetos e presos

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jovens será obrigatória, prestando-lhe a administração especial atenção. 2.Tanto quanto possível, a educação dos presos estará integrada ao sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação. 78. Atividades de recreio e culturais serão proporcionadas em todos os estabelecimentos prisionais em benefício da saúde física e mental dos presos. Relações sociais e assistência pós-prisional 79. Será prestada especial atenção à manutenção e melhora das relações entre o preso e sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos. 80. Desde o início do cumprimento da pena de um preso, ter-se-á em conta o seu futuro depois de libertado, devendo ser estimulado e auxiliado a manter ou estabelecer relações com pessoas ou organizações externas, aptas a promover os melhores interesses da sua família e da sua própria reabilitação social. 81. 1.Serviços ou organizações, governamentais ou não, que prestam assistência a presos libertados, ajudando-os a reingressarem na sociedade, assegurarão, na medida do possível e do necessário, que sejam fornecidos aos presos libertados documentos de identificação apropriados, casas adequadas e trabalho, que estejam conveniente e adequadamente vestidos, tendo em conta o clima e a estação do ano, e que tenham meios materiais suficientes para chegar ao seu destino e para se manter no período imediatamente seguinte ao da sua libertação. 2.Os representantes oficiais dessas organizações terão todo o acesso necessário ao estabelecimento prisional e aos presos, sendo consultados sobre o futuro do preso desde o início do cumprimento da pena. 3.É recomendável que as atividades dessas organizações estejam centralizadas ou seja coordenadas, tanto quanto possível, a fim de garantir a melhor utilização dos seus esforços. B. Presos dementes e mentalmente enfermos 82. 1.Os presos considerados dementes não deverão ficar detidos em prisões. Devem ser tomadas medidas para transferí-los, o mais rapidamente possível, para instituições destinadas a enfermos mentais. 2.Os presos que sofrem de outras doenças ou anomalias mentais deverão ser examinados e tratados em instituições especializadas sob vigilância médica. 3.Durante sua estada na prisão, tais presos deverão ser postos sob a supervisão especial de um médico. 4.O serviço médico ou psiquiátrico dos estabelecimentos prisionais proporcionará tratamento

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psiquiátrico a todos os presos que necessitam de tal tratamento. 83. Será conveniente a adoção de disposições, de acordo com os organismos competentes, para que, caso necessário, o tratamento psiquiátrico prossiga depois da libertação do preso, assegurando-se uma assistência social pós-penitenciária de caráter psiquiátrico. C. Pessoas detidas ou em prisão preventiva 84. 1.As pessoas detidas ou presas em virtude de acusações criminais pendentes, que estejam sob custódia policial ou em uma prisão, mas que ainda não foram submetidas a julgamento e condenadas, serão designados por "presos não julgados" nestas regras. 2.Os presos não julgados presumem-se inocentes e como tal devem ser tratados. 3.Sem prejuízo das normas legais sobre a proteção da liberdade individual ou que prescrevem os trâmites a serem observados em relação a presos não julgados, estes deverão ser beneficiados por um regime especial, delineado na regra que se segue apenas nos seus requisitos essenciais. 85. 1.Os presos não julgados serão mantidos separados dos presos condenados. 2.Os presos jovens não julgados serão mantidos separados dos adultos e deverão estar, a princípio, detidos em estabelecimentos prisionais separados. 86. Os presos não julgados dormirão sós, em quartos separados. 87. Dentro dos limites compatíveis com a boa ordem do estabelecimento prisional, os presos não julgados podem, se assim o desejarem, mandar vir alimentação do exterior às expensas próprias, quer através da administração, quer através da sua família ou amigos. Caso contrário, a administração fornecer-lhes-á alimentação. 88. 1.O preso não julgado será autorizado a usar a sua própria roupa de vestir, se estiver limpa e for adequada. 2.Se usar roupa da prisão, esta será diferente da fornecida aos presos condenados. 89. Será sempre dada ao preso não julgado oportunidade para trabalhar, mas não lhe será exigido trabalhar. Se optar por trabalhar, será pago. 90. O preso não julgado será autorizado a adquirir, às expensas próprias ou às expensas de terceiros, livros, jornais, material para escrever e outros meios de ocupação compatíveis com os interesses da administração da justiça e a segurança e a boa ordem do estabelecimento prisional. 91. O preso não julgado será autorizado a receber a visita e ser tratado por seu médico ou dentista pessoal, desde que haja

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motivo razoável para tal pedido e que ele possa suportar os gastos daí decorrentes. 92. O preso não julgado será autorizado a informar imediatamente à sua família sobre sua detenção, e ser-lhe-ão dadas todas as facilidades razoáveis para comunicar-se com sua família e amigos e para receber as visitas deles, sujeito apenas às restrições e supervisão necessárias aos interesses da administração da justiça e à segurança e boa ordem do estabelecimento prisional. 93. O preso não julgado será autorizado a requerer assistência legal gratuita, onde tal assistência exista, e a receber visitas do seu advogado para tratar da sua defesa, preparando e entregando-lhe instruções confidenciais. Para esse fim ser-lhe-á fornecido, se ele assim o desejar, material para escrever. As conferências entre o preso não julgado e o seu advogado podem ser vigiadas visualmente por um policial ou por um funcionário do estabelecimento prisional, mas a conversação entre eles não poderá ser ouvida. D. Pessoas condenadas por dívidas ou à prisão civil 94. Nos países em que a legislação prevê a possibilidade de prisão por dívidas ou outras formas de prisão civil, as pessoas assim condenadas não serão submetidas a maiores restrições nem a tratamentos mais severos que os necessários à segurança e à manutenção da ordem. O tratamento dado a elas não será, em nenhum caso, mais rígido do que aquele reservado às pessoas acusadas, ressalvada, contudo, a eventual obrigação de trabalhar. E. Pessoas presas, detidas ou encarceradas sem acusação 95. Sem prejuízo das regras contidas no artigo 9 do Pacto de Direitos Civis e Políticos, será dada às pessoas detidas ou presas sem acusação a mesma proteção concedida nos termos da Parte I e da seção C da Parte II. As regras da seção A da Parte II serão do mesmo modo aplicáveis sempre que beneficiarem este grupo especial de indivíduos sob detenção; todavia, medida alguma será tomada se considerado que a reeducação ou a reabilitação são, por qualquer forma, inapropriadas a indivíduos não condenados por qualquer crime.