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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO
ASPECTOS DESTACADOS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL
EDUARDO TEUBER PEREIRA
Itajaí (SC), 2006
2
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO
ASPECTOS DESTACADOS DA ADOÇÃO INTERNACIONAL
EDUARDO TEUBER PEREIRA
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Esp. Eduardo Erivelton Campos
Itajaí (SC), 2006
3
MEUS AGRADECIMENTOS:
A Deus, que me iluminou e guiou;
Ao meu pai Hermínio - in memorian e minha mãe Tânia, pois se tratam de meus maiores
motivadores. Amo vocês;
À minha mãe, minha fortaleza, sempre presente mostrando-me à vida da forma mais digna e tendo
por mim um afeto sem limite e uma paciência maior ainda. Meu alicerce até hoje.
Ao meu irmão Alison pelo apoio e compreensão nas horas difíceis.
Ao meu orientador Eduardo Erivelton Campos pela paciência que teve durante a construção
deste trabalho orientando-me;
Meus amigos e amigas que estavam presentes trazendo-me sempre um conforto. Nunca os
esquecerei;
E aos meus familiares e demais não citados especificamente, mas também fizeram parte deste
trabalho. Todos especiais.
4
Dedicátoria
Ao meu pai Hermínio Renato
Pereira (in memorian), um grande mestre que
muito me ensinou a lutar diante
das dificuldades, servindo de exemplo
de luta pela vida.
Pai, sinto sua presença
com carinho, amor e dedicação,
e que mesmo longe está sempre tão perto,
acompanhando-me espiritualmente em
todos os momentos de minha vida.
5
“Ah! Eu muito, até
saíres da penosa infância sofri
contigo, e trabalhei bastante,
na doce esperança de que um
dia, já irados os Deuses me
negavam sucessão, adotando-
lhe como filho, meu amparo e
meu consolo tu serias”.
(Ilíada, canto IX,
discurso de Félix a Aquiles).
6
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Eduardo
Teuber Pereira, sob o título ASPECTOS DESTACADOS DA ADOÇÃO
INTERNACIONAL, foi submetida em 02 de junho de 2006 à Banca Examinadora
composta pelos seguintes Professores: Eduardo Erivelton Campos (Orientador e
Presidente da Banca), Wanderlei Godoy Junior (Membro) e Débora Ferreira de
Souza (Membro) e aprovada com a nota 9.87 (nove e oitenta e sete).
Itajaí (SC), 02 de junho de 2006.
Eduardo Erivelton Campos
Orientador e Presidente da Banca
Prof. MSc Antônio Augusto Lapa
Coordenação de Monografia
7
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando
a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Itajaí (SC), 02 de junho de 2006.
Eduardo Teuber Pereira
Graduando
8
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CCB Código Civil Brasileiro
CPC Código de Processo Civil
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
DEC. Decreto
Des. Desembargador
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
9
ROL DE CATEGORIAS
Adoção:
Ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos independentemente de
qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício,
trazendo para sua família, ma condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é
estranha1.
Adoção Internacional
“[...] aquela que faz incidir o Direito Internacional Privado, seja em razão do
elemento de estraneidade que se apresenta no momento da constituição do
vínculo (nacionalidade estrangeira de uma das partes, domicílio ou residência de
uma das partes no exterior), seja em razão dos efeitos extraterritoriais a
produzir”2.
Adotando
Pessoa que foi tomada ou aceita como filho, por uma outra3.
Adotante
Pessoa que, sem filhos legítimos ou legitimados, adotou, isto, é, tomou ou aceitou
uma outra como seu filho4.
Estágio de Convivência
“[...] período ou fase de convivência entre o pretendente à adoção e o adotando,
facultando ao juiz a sua fixação, observadas as peculiaridades do caso”5.
1 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 5. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 336. 2 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 31. 3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 94. 4 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 95. 5 SILVA FILHO, Arthur Marques da. O regime jurídico da adoção estatutária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 136.
10
Laudo de Habilitação
“É o documento, expedido pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção, que
autoriza o interessado a requerer a adoção”6.
6 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 141.
11
SUMÁRIO
RESUMO .....................................................................................................................XIII
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 14
Capítulo 1
CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADOÇÃO
1.1 CONCEITO ............................................................................................................ 16
1.2 HISTÓRICO DA ADOÇÃO .................................................................................... 17
1.2.1 Época pré-Romana............................................................................................ 17
1.2.2 Período Romano ............................................................................................... 21
1.2.2.1 Ad-rogação .....................................................................................................21
1.2.2.2 Adoção em sentido estrito ............................................................................22
1.2.2.3 Adoção testamentária....................................................................................22
1.2.3 Idade Média........................................................................................................ 25
1.2.4 Direito Francês .................................................................................................. 26
1.3 A ADOÇÃO NO BRASIL ....................................................................................... 27
Capítulo 2
DO PROCESSO DE ADOÇÃO
2.1 A ADOÇÃO NO CÓDIGO CIVIL............................................................................ 34
2.2 A ADOÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.................... 38
2.3 A ADOÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL DE 1988......................................................................................................... 42
2.4 DO PROCESSO DE ADOÇÃO.............................................................................. 45
2.5 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE .......................................................................................................... 51
12
Capítulo 3
DA ADOÇÃO INTERNACIONAL
3.1 INTRÓITO .............................................................................................................. 55
3.2 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS A RESPEITO DA ADOÇÃO
INTERNACIONAL ....................................................................................................... 59
3.3 PROCEDIMENTOS PARA ADOÇÃO POR ESTRANGEIROS ............................. 67
3.3.1 A preferência em favor dos nacionais............................................................. 67
3.3.2 Cadastro de Estrangeiros Interessados em Adoção e de Crianças
e Adolescentes em Condições de Serem Adotados ............................................... 69
3.3.3 Requisitos para a adoção nacional e internacional ....................................... 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 78
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS .................................................................. 80
13
RESUMO
A adoção é um instituto que desde os primórdios da
civilização é utiliza pelo homem, na tentativa de adotar como seu filho, outra
pessoa, oferecendo-lhe sustento, dignidade e, principalmente, uma nova família.
Aqui no Brasil, a preocupação com este instituto remonta às épocas do período
colonial. Atualmente a preocupação com o bem estar do menor é constante,
aumentando a cada dia que passa. E, com essa nova onda de tráfico de menores,
a adoção internacional passou a receber cada vez mais atenção da comunidade
jurídica. No entanto, além da questão da criminalidade, uma vida melhor também
é preocupação constante dos operadores do direito, que vêm buscando, a cada
dia que passa, os melhores interesses do menor, mesmo que isso represente,
algumas vezes, a não adoção destes. Com este trabalho se pretende avaliar em
que condições pode se dar a adoção de criança brasileira por pessoa estrangeira
não residente no Brasil – a adoção internacional – buscando fazer um estudo
sobre os aspectos destacados deste instituto.
14
INTRODUÇÃO
A presente monografia foi desenvolvida no campo das
Ciências Jurídicas, com enfoque na Adoção Internacional, sob o ponto de vista
social e legal, face aos procedimentos de adoção de crianças e adolescentes
brasileiros por estrangeiros não residentes no Brasil.
Os objetivos do presente trabalho são dois, quais sejam:
institucional, relacionado à produção de Monografia para a obtenção de título de
Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí; e investigatório,
subdividido em: a) objetivo investigatório geral, discorrer sobre o instituto da
Adoção Internacional; e b) objetivos investigatórios específicos: a) analisar o
instituto da Adoção, com uma abordagem na sua origem histórica, o seu conceito,
a sua natureza jurídica, etc., b) discorrer sobre a Adoção do CCB de 1916 e 2002,
do ECA, da CRFB/88, bem como a respeito das convenções existentes a respeito
deste assunto.
O tema é atual e relevante, pois a Adoção vem sendo cada
vez mais utilizada por aqueles estrangeiros residentes fora do Brasil que desejam
adotar um filho.
Destarte, apresenta-se no primeiro capítulo um estudo
acerca do conceito de adoção e uma explanação sobre o seu desenvolvimento
histórico desde o período pré-romano, até os dias atuais na legislação vigente no
Brasil.
Já no segundo capítulo fez-se uma explanação acerca da
Adoção no CCB, de 1916 e 2002, na CRFB/88, bem como no ECA, discorrendo,
ainda, sobre o procedimento de adoção, com uma explicação sobre o
funcionamento deste tipo de ação.
Finalmente, no terceiro e ultimo capítulo é tratado do
assunto cerne do presente trabalho, qual seja, da Adoção Internacional.
Neste capítulo analisa-se a adoção de crianças brasileiras
por estrangeiros não residentes no Brasil, mais precisamente o estágio de
convivência, as condições para que a adoção de crianças brasileiras por
estrangeiros seja efetivada e as formas pelas quais são requiridas.
15
A investigação foi desenvolvida de forma bibliográfica e
jurisprudencial, sendo essencialmente teórica.
Para encetar a investigação adotou-se o método indutivo,
operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria, dos conceitos
operacionais e da pesquisa de fontes documentais e para relatar os resultados da
pesquisa, empregou-se o método dedutivo.
Nas considerações finais apresentam-se breves sínteses de
cada capítulo, além de demonstrar se as hipóteses básicas da pesquisa foram ou
não confirmadas.
16
Capítulo I
CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADOÇÃO
1.1 CONCEITO
Muitas são as definições a respeito do instituto da adoção,
haja vista as várias interpretações existentes sobre o mesmo, sendo
apresentados, neste primeiro momento, os vários conceitos trazidos pelos
doutrinadores.
Conceituando a adoção no direito romano, ensina Cretella
Júnior7 assevera que:
Em sentido lato, adoção é a colocação de alguém sob a patria potestas, podendo recair sobre o alieni juris (adoção propriamente dita) ou sobre o sui juris (adrogação). Adoção, propriamente dita, é o ato pelo qual o alieni juris, homem ou mulher, sai da família de origem para colocar-se sob outra patria potestas. É a transferência de patria potestas.
Já Rodrigues8 define a adoção como um “ato do adotante
pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho pessoa que lhe é
estranha”, tratando-se de negócio bilateral e solene.
Para este autor:
[...] a unilateralidade da adoção é imperfeita e mesmo discutível, pois a lei reclama o consentimento dos pais ou do representante legal do adotado (art. 45).
7 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 125. 8 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, v. VI, 1993. p. 345.
17
Este requisito levou mesmo alguns escritores clássicos a definirem a adoção como contrato. Mas, como há hipóteses em que tal concordância não é exigida e como a principal manifestação de vontade é a do adotante, não choca admiti-la como ato unilateral9.
Para Chaves10 trata-se de:
(...) ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos da Lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue.
Também na definição de Wald11, a adoção é uma ficção
jurídica que cria o parentesco civil, sendo, pois, um ato jurídico bilateral que gera
laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste
naturalmente.
Pereira12, por sua vez, assevera que a:
(...) adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim.
Carvalho Santos13 afirma que a adoção é ato jurídico que
estabelece entre duas pessoas relações civis de paternidade e filiação.
No entendimento de Lopes Alarcon, apud Silva Filho14:
9 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, p. 345. 10 CHAVES, Antônio. Adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 23. 11 WALD, Arnoldo, apud LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 14. 12 PEREIRA, Caio Mario da Silva, apud LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 14. 13 SANTOS, Carvalho, apud MONTEIRO, Sandra Maria. Aspectos Novos da Adoção. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 05.
18
(...) é um ato jurídico solene e complexo, excepcionalmente impugnável, em virtude do qual consentem em vincular-se o adotante e o adotado mediante algumas relações jurídicas próprias da filiação legítima.
Monteiro15 define a adoção como o ato jurídico que cria o
parentesco civil, gera laços de paternidade e filiação, independentemente de fato
natural de procriação.
Verifica-se, através dos conceitos apresentados que se trata
de ato jurídico bilateral e solene, no qual uma pessoa estabelece um vínculo de
filiação com uma pessoa estranha, tendo com ela, a partir deste ato, uma relação
de parentesco.
1.2 HISTÓRICO DA ADOÇÃO
1.2.1 Época Pré-Romana
A adoção teve sua origem em época muito primitiva entre os
egípcios, hebreus e romanos, com finalidade eminentemente religiosa. Destinava-
se, pois, a perpetuação do culto doméstico, voltado aos antepassados falecidos,
máxime, para quem não tinha descendentes16.
Da mesma forma, este expediente cultural foi amplamente
utilizado no Oriente, conforme registram os Códigos de Manu e Hamurabi.
14 ALARCON, Lopes. apud SILVA FILHO, Artur Marques da. O Regime Jurídico da Adoção Estatutária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 57. 15 MONTEIRO. Sônia M. Aspectos Novos da Adoção. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 03. 16 CARVALHO, Ivan Lira de. Adoção - enfoque multidisciplinar do instituto. In: ALVIM, Teresa Arruda (coord.). Repertório de jurisprudência e doutrina sobre direito de família: aspectos constitucionais, civis e processuais. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 125.
19
A maioria dos autores cita, em termos de história mundial, o
Código de Hamurabi (1718 a 1686 AC) como o diploma que primeiro tratou do
tema adoção. Ato contínuo, cita as Leis de Manu (Livro IX), além da criação do
instituto no Egito, Galiléia, Palestina e Atenas. A adoção, até aqui, tinha como
finalidade a continuidade do culto familiar.
Entre os babilônios, foi minuciosamente disciplinado no
Código de Hamurabi, 1728-1686 a.C., revelando uma civilização adiantadíssima
para época tão afastada, do qual Chaves17 transcreve alguns de seus dispositivos
subordinados à epígrafe:
Adoção. Ofensa aos pais. Substituição de criança. 185. Se alguém dá seu nome a uma criança e a cria como filho, este adotado não poderá mais ser reclamado. 186. Se alguém adota como filho um menino e depois que o adotou ele se revolta contra seu pai adotivo e sua mãe, este adotado deverá voltar à sua casa paterna. 187. O filho (adotado) de um camareiro a serviço da Corte ou de uma sacerdotisameretriz não pode ser mais reclamado.
Como se percebe, já naquela época o instituto da adoção
possuía muita importância, tendo o adotado, inclusive, direitos sucessórios. Se
por exemplo, um operário tomasse para criar um menino, lhe ensinando o seu
ofício, este não poderia mais ser reclamado. No entanto, se dito operário não
ensinou ao adotado o seu ofício, poderia este voltar à sua casa paterna.
A atitude do pai adotivo, em tratá-lo como filho, era deveras
salutar para que o ato de adoção tivesse eficácia e continuidade, como se verifica
a seguir:
190. Se alguém não considera entre seus filhos um menino que tomou e criou como filho, o adotado pode voltar à sua casa paterna.
17 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena. São Paulo: Julex, 4. ed., 1988, v. I, p. 39-40.
20
191. Se alguém que tomou e criou um menino como seu filho, põe sua casa e tem filhos e quer renegar o adotado, o filho adotivo não deve retirar-se de mãos vazias. O pai adotivo deverá dar-lhe de seus bens um terço da sua quota de filho e então deverá afastar-se. Do campo, do pomar e da casa ele não deverá dar-lhe nada18.
Fica clara a preocupação do legislador babilônico em
considerar os casos em que o adotado podia ou não ser reclamado pelos pais
legítimos, critério que lhe serve para ordenar cada um dos dispositivos.
Como no caso do art. 185, que tornava a criação um ato, o
qual garantia que a relação de adoção se tornasse indissolúvel, ou seja, uma vez
educado, o adotado não poderia virar as costas ao pai adotivo e voltar
tranqüilamente à sua casa, pois estaria lesando aquele princípio de justiça
elementar, que estabelece que as prestações recíprocas entre os contraentes
devam ser iguais, correspondentes, princípio que constitui um dos fulcros do
direito babilônico e assírio19.
De acordo com as Leis de Manu, IX, 10: “aquele a quem a
natureza não deu filhos, pode adotar um para que as cerimônias fúnebres não
cessem”20.
Neste período, os antigos julgavam que a felicidade do
morto dependia não da sua conduta em vida, mas da conduta que seus
descendentes tinham a seu respeito, após sua morte. Dessa forma, os mortos
tinham necessidade de que a sua descendência jamais se extinguisse, porque a
extinção da família provocaria a ruína da sua religião e a infelicidade dos
ancestrais21.
18 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 39-40. 19 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 41. 20 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 41. 21 WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 65.
21
Esta preservação somente seria possível se o casal tivesse
filhos que cultivassem a tradição. Se estes não pudessem tê-los, era necessário
ter alguém que o fizesse, surgindo, deste modo, os filhos adotivos que assim se
tornavam por vontade própria, ou por imposição do chefe de sua família biológica,
fazendo jus à partilha do patrimônio deixado pelos novos parentes.
Conforme explica Wolkmer22:
(...) o dever de perpetuar o culto doméstico foi a fonte do direito de adoção entre os antigos e exatamente por esse motivo só era permitida a adoção de quem não tinha filhos.
Há que se salientar que nesta época a adoção visava tão
somente preservar a cultura e a tradição dos povos primitivos, sem nenhuma
referência aos interesses do adotado; sendo a transmissão do patrimônio mera
conseqüência.
Apenas mais tarde é que a adoção foi normatizada,
implicando responsabilidades ao adotante, tais como a transmissão do patrimônio
deste ao adotado.
1.2.2 Período Romano
Foi no Direito Romano que o instituto da adoção se
desenvolveu, tendo como finalidade básica a de proporcionar herdeiro para o
indivíduo que não tenha filhos consangüíneos, por motivos de família ou políticos,
para transformar plebeus em patrícios; para atribuir o “jus civitatis” a um latino.
22 WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de história do direito, p. 66.
22
Assim, a adoção teve sua configuração jurídica no Código
de Justiniano. Originariamente, estava vinculada ao culto dos mortos, mas com o
passar dos tempos, foi adquirindo significativa importância política.
Operava-se, pois, a adoção, de duas formas distintas: em
virtude da autoridade do magistrado, quando os adotandos ainda estivessem em
poder dos ascendentes, de primeiro ou de segundo grau; ou em virtude da
autoridade do imperador, nos casos de adoção, por estranho, de pessoas
capazes, que deveriam nela consentir. Em ambas as formas, somente os maiores
de dezoito anos podiam adotar. Porém, não dispunha no Código de Justiniano a
respeito da diferença de idade entre adotante e adotando, apenas exigia que este
fosse menor de idade que aquele, a fim de que imitasse a natureza23.
Além das pessoas estranhas, os netos também podiam ser
adotados pelos avôs, adquirindo condição de filhos destes. E, como o adotado se
assimilava ao filho nascido do legítimo matrimônio, aquele parente que restou
adotado por ascendente, igualmente podia ser dado em adoção a outra pessoa,
como se filho legítimo do adotante fosse24.
Outras questões interessantes acerca da adoção, tratadas
nas Instituições de Justiniano, reportam ao fato de que se podia adotar não
apenas como filho, mas também na condição de neto ou bisneto, os filhos de
pessoas estranhas, ainda que o adotante não possuísse filhos, ou seja, ele seria
avô ou bisavô, mesmo sem ter sido pai.
As mulheres, a princípio, não podiam adotar, visto que nem
seus filhos naturais estavam sob seu poder. Contudo, por piedade do príncipe, a
elas poderia ser concedida a “graça” do instituto, se por ventura houvessem
perdido algum outro filho25.
23 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 43-44. 24 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 44. 25 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 44.
23
A adoção, contudo, desenvolveu-se em fases distintas do
Império Romano. Numa certa fase da história romana, ou seja, no apogeu do
Império, tornou-se um importante instrumento de Direito Público, utilizado pelos
imperadores para designarem seus sucessores. Mais tarde, já na fase helênica, o
instituto perdeu suas características políticas e até religiosas, e tomou rumos
opostos, com aspectos novamente privatísticos, limitando-se à perpetuação
familiar dos casais estéreis.
Destacam-se, neste período, três espécies de adoção:
1.2.2.1 Ad-rogação
A ad-rogação, que tinha como característica a adoção pelo
paterfamilias de um outro paterfamilias, ingressando este na família do primeiro
na qualidade de filius bem como todos os seus dependentes, através de uma
solenidade onde participavam a autoridade pública, com a intervenção de um
pontífice e devendo ter também a anuência do povo, que era convocado por
aquele. Tal espécie aplica-se apenas aos homens.
Explica Chaves26 que:
Foi, em Roma, poderosa arma política, uma vez que, mediante ela, se podiam obter as honras e a magistratura, passando-se da classe dos plebeus para a dos patrícios e vice-versa e, ainda, por seu intermédio, se tornou possível a designação de sucessor ao trono, ao tempo do Império.
1.2.2.2 Adoção em sentido estrito
Nesta espécie de adoção o magistrado processava o pedido
e decidia sobre a concessão, passando o adotado a integrar a família do adotante
26 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 42.
24
na qualidade de filho ou neto, não sendo necessária a intervenção do povo nem
do Pontífice27.
1.2.2.3 Adoção testamentária
A terceira forma de adoção, dava-se através de testamento,
de modo que o adotante fazia valer sua vontade de adotar. Este tipo de adoção
ficou célebre por ter sido empregada por César para adotar Augusto.
Porém, tinha seu caráter controvertido. Para uns, tal adoção
possuía as mesmas características que a ad-rogação; enquanto que para outros,
não passava de simples instituição de herdeiro tendo como condição primordial a
de o adotado tomar o nome do testador.
Cretella Júnior28 a coloca como um dos quatro subitens da
ad-rogação distinguindo-os em: “por cúrias, diante de 30 lictores, por meio de
rescrito imperial e por meio de testamento”.
Foi com Justiniano que a adoção acabou por ser
simplificada. O pai natural e o adotante compareciam com o filho e manifestavam
na presença do magistrado a disposição do primeiro em entregar o filho e do
segundo em adotá-lo.
Era lavrado um termo de adoção, que passava a ser
documento hábil a comprovar a existência da nova filiação.
Conforme havia previsão nos preceitos do Livro I das
Institutas de Gaio:
97. Não só os filhos naturais, segundo o que dissemos, se encontram em nosso poder, mas também aqueles que adotamos.
27 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 42. 28 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano, p. 126.
25
98. A adoção, pois, faz-se de dois modos: pela autoridade do povo ou pelo império do magistrado, como o pretor. 99. Adotamos pela autoridade do povo aqueles que são sui juris; e essa espécie de adoção é chamada adrogatio, porque aquele que adota é rogado, isto é, interrogado, se deseja ter como seu filho legítimo aquele a quem vai adotar; e aquele que é adotado é consultado se concorda que assim seja feito; e ao povo é perguntado se ordena que assim se faça. Pelo império do magistrado, adotamos aqueles que estão sob o poder dos pais, quer se achem no primeiro grau de descendentes, como o filho e a filha, quer em inferior, qual o neto e a neta, o bisneto e a bisneta. 100. Aquela adoção que se faz com a aprovação do povo, nunca se fez em lugar algum a não ser em Roma; enquanto esta também se faz nas províncias perante os presidentes. 101. Também as mulheres não são adotadas com a aprovação, do povo, pois assim pareceu melhor; no entanto perante o pretor ou nas províncias na presença do procônsul e do legado também as mulheres costumam ser adotadas. 102. Igualmente adotar um impúbere perante o povo às vezes é proibido, às vezes permitido; agora por uma constituição (epístola) do ótimo Imperador Antonino, que escreveu aos pontífices, se evidenciar-se a justa causa da adoção, sob certas condições é permitida. Na presença do pretor e nas províncias perante o procônsul e o legado, podemos adotar pessoas (homens) de qualquer idade29.
Verifica-se através dos dispositivos citados, que já existia a
preocupação em equiparar os filhos adotivos aos legítimos, estabelecendo o
legislador as condições para que a adoção fosse válida.
Embora permitisse a adoção de homens de qualquer idade,
não passou despercebida a preocupação dos casos em que o mais novo se
propunha a adotar o mais velho, amparando também os filhos do adotado, caso
os houvesse:
106. Mas há uma questão a solver, comum a uma e outra espécie de adoção, se o mais novo pode adotar o mais velho.
29 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 43-44.
26
107. É próprio da adoção que se faz perante o povo, aqueles, que têm sob seu poder os seus filhos, se der em ad-rogação, não só se submete ao poder do ad-rogante, como também os próprios filhos ficam sob o poder do adrogante, na qualidade de netos30.
1.2.3 Idade Média
Na Idade Média a adoção, por longo tempo, caiu em desuso,
por ser instituto que contrariava os interesses, direitos eventuais, dos senhores
feudais, sobrevivendo do instituto romano, “apenas uma versão por assim dizer
popular da adoptio minus plena”31.
Neste período a adoção praticamente extinguiu-se, vindo a
ter nova relevância social no Código Napoleônico, após a Revolução Francesa,
por conseqüência de interesses pessoais do próprio imperador francês que não
tendo descendentes biológicos, desejava adotar um de seus sobrinhos para que
lhe pudesse suceder.
1.2.4 Direito Francês
Para os franceses a adoção consistia em um ato de que
participava a assembléia do povo, possuindo os seguintes caracteres: o adotante
deveria ser varão, não podia ter filhos e devia realizar a transmissão de sua
fortuna a um donatário ou herdeiro que saía favorecido com as mesmas
vantagens de um filho legítimo.
Explica Chaves32 que:
Nos primeiros tempos existiam várias maneiras de adotar, derivadas de tradições romanas, realizadas por convenções
30 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 43-44. 31 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 46. 32 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 48-49.
27
escritas e exigindo-se como requisito ser o adotante de sexo masculino e não ter descendência. Havia também um instituto similar: a afiliação, que, todavia, pressupunha, ao contrário da adoção, a existência de filhos próprios.
O sistema feudal influenciou a utilização do instituto, sendo
considerada contrária aos direitos eventuais dos senhores sobre os feudos. A
adoção somente era utilizada nos países que seguiam o Direito romano e, na
França, antes da Revolução, não era praticada, pois de acordo com certos
costumes era formalmente proibida.
Foi reintroduzida mediante uma decisão da Assembléia
Legislativa, mas somente foi regulada após intervenção pessoal de Napoleão
Bonaparte nos artigos 343-360.
1.3 A ADOÇÃO NO BRASIL
Aqui no Brasil, até o advento da independência, vigoraram
as Ordenações Filipinas. A primeira legislação brasileira que se refere à adoção é
a Lei de 22 de setembro de 1828 em seu art. 2º, nº 1.
Anteriormente, as cartas de perfilhamento, eram expedidas
pela mesa de desembargo do paço instituído por Dom João IV.
Em 1808, com a vinda da família real para o Brasil, foi criado
outro Tribunal do Paço e, de acordo com o § 118 da Lei 22/1828, a carta de
perfilhamento passou a ser atribuição do Tribunal da Relação, sediado no Rio de
Janeiro33.
33 SZNICK, Valdir. Adoção. São Paulo: Parma, 1993. 2. ed. ampliada, p. 25.
28
Explica Sznick34 que:
Outras leis referiram-se ao tema da adoção, mas sempre incidentalmente: Lei de 30 de novembro de 1841, § 38; Regimento de 10 de junho de 1850, art. 146; Ordenação de 18 de outubro de 1852; Regimento de 31 de março de 1874 (art. 5º, § único); Decreto de 24 de janeiro de 1890 (art. 7, § 1 e art. 8, § único).
Clóvis Bevilácqua, não deixou de incluir o instituto em seu
Anteprojeto e Projeto, o qual se tornou o atual Código Civil. O mesmo autor
defendia que, na falta de disposição expressa vigia o direito romano. Seu projeto
foi aprovado por unanimidade pela comissão extraparlamentar, nos termos dos
arts. 432 a 444.
Quando da apresentação à Câmara, José Monjardim opinou
pela sua inteira supressão, diferentemente de M. F. Correia e Andrade Figueira
que assumiram-lhe a defesa.
No Senado, Gonçalves Chaves, combateu a inclusão da
adoção no projeto com o fundamento de que o instituto jamais teria entrado em
nossos costumes por ser obsoleto.
Consoante Chaves35:
Demonstrou, no entanto, Clóvis Beviláqua ter o crítico confundido perfilhamento com adoção; que os nossos juristas tratam da adoção; o próprio Teixeira de Freitas, no Esboço, a havia regulado criteriosamente; o instituto sempre esteve em uso entre nós, conforme é afirmado por vários atos legislativos; os Códigos da França, Itália, Espanha, Áustria, Zurique, Uruguai, Peru, Bolívia, Alemanha e Japão regulam a espécie, e, finalmente, segundo mostram Bluntschli e Sanches Ramón, tem ainda hoje alta função social a desempenhar como instituto de beneficência. Projeto Revisto considerou a matéria nos arts. 455-466.
34 SZNICK, Valdir. Adoção, p. 25. 35 CHAVES, Antônio. Adoção Simples e Adoção Plena, p. 57.
29
Promulgado o Código Civil de 1916, a matéria passou a ser
prevista nos arts. 368 a 378. Foi alterado pela Lei nº 3.133, de 08 de maio de
1957, que reduziu de cinqüenta para trinta anos a idade do adotante e de dezoito
para dezesseis anos a diferença etária entre adotante e adotado.
A Lei nº 3.133/57 abriu a possibilidade de o nome do
adotante aderir-se ao do adotado. Este novo diploma ainda permitia a adoção,
mesmo no caso de existir prole. Porém, alterando a redação do artigo 377 do
Código Civil de 1916, estabeleceu que, possuindo, o adotante, filhos legítimos,
legitimados ou reconhecidos, a relação advinda da adoção não envolveria a de
sucessão hereditária. Assim como no Código Civil de 1916, a nova lei previa a
dissolução do vínculo da adoção, mas agora também por consenso das duas
partes.
A Lei nº 4.655/65, que instituiu a legitimação adotiva, foi
considerada, na época, um grande avanço na evolução da adoção. E trouxe
inovações como a irrevogabilidade da adoção, ainda que, dos adotantes, viessem
a nascer filhos legítimos (artigo 7º), e a modificação do prenome do legitimado.
Contudo, a nova lei eliminou o solteiro do elenco dos adotantes, embora outros
países, como a Dinamarca e a Polônia, entre outros, o admitissem, desde que
ficasse devidamente comprovada a sua idoneidade moral e econômica, além de
ter que ser possuidor de um lar para acolher o adotado.
Da mesma forma que a Lei nº 3.133/57, a Lei nº 4.655/65
quando dispunha sobre os efeitos da legitimação adotiva, desconsiderava a
sucessão hereditária, excetuando-a daquele rol, caso o adotado concorresse com
filho legítimo ou superveniente. Esta exclusão da sucessão hereditária do elenco
dos efeitos da legitimação adotiva viabilizou o insucesso, naquela época, do
instituto.
30
O Código de Menores (Lei nº 6.697/79) revogou a Lei nº
4.655/65 e o legislador, pela primeira vez, deu à adoção um caráter de medida
protetiva para menores em situação irregular.
A partir da promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, introduziram-se importantes modificações na
legislação pátria. Pela nova Constituição, em seu art. 227, § 6º: “fica proibida
qualquer designação discriminatória relativa à filiação”. Assim sendo, os filhos
havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, passaram a ter os
mesmos direitos e qualificações.
Contemporaneamente, com a entrada em vigor do Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), desapareceu a forma de adoção
civil para menores de 18 anos, tendo dito Estatuto, introduzido modificações
profundas no instituto da adoção, procurando atender essencialmente os
interesses do menor.
Conforme ensina Souza36:
O ECA introduziu profundas modificações no instituto da adoção, alicerçando-se na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, afastando-a da situação irregular que pautava o Código de Menores. A doutrina da proteção integral está calcada no reconhecimento de que as crianças e adolescentes, devido a condições peculiares de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral. São titulares de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa e que ensejam o integral desenvolvimento de suas personalidades em condições de liberdade e dignidade. Esta teoria tem por base a Convenção Internacional Sobre os Diretos da Criança. O Estatuto da Criança e do Adolescente dirige-se ao segmento de nossa população considerado o mais frágil e vulnerável, garantindo-lhe proteção especial.
36 SOUZA, Myriam Vasconcelos de. Adoção Intuitu Personae à Luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Repertório de Jurisprudência e Doutrina Sobre Direito de Família: Aspectos Constitucionais, Civis e Processuais. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e LAZZARINI, Alexandre Alves (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. v. 3, pp. 149-150.
31
No atual Código Civil Brasileiro, a adoção encontra-se
disposta nos artigos 1618 a 1623, tendo havido grandes mudanças em relação ao
Código Civil de 1916.
Assim, no Código Civil de 1916 só poderiam adotar aquelas
pessoas que tivessem mais de trinta anos, e no atual Código, os maiores de 18
anos já podem adotar (art. 1618).
A exigência de diferença de 16 anos entre adotante e
adotado foi mantida no atual Código Civil (art. 1619).
Também o Código atual trouxe a exigência de obediência a
processo judicial (art. 1623), a qual na havia no Código anterior, que exigia,
apenas, que o tal se fizesse por escritura pública, não se admitindo condição ou
termo.
Já no plano internacional, a preocupação com o tema
adoção surge com maior ênfase em 1960 quando por iniciativa da Organização
das Nações Unidas foi realizado um Seminário, na cidade de Leysin, sendo
estabelecidos os Princípios Fundamentais da Adoção Internacional.
Neste seminário concluiu-se que a adoção internacional
seria utilizada como medida excepcional.
Daí por diante, realizaram-se várias Convenções entres as
quais merecem destaque:
A Convenção Européia em Matéria de Adoção de Crianças,
realizada na cidade de Estrasburgo, em 1967. Teve como finalidade unificar e
regular as regras sobre adoção.
32
A Convenção Européia sobre o Reconhecimento e a
Execução das Decisões Relativas à Guarda de Menores, proposta na cidade de
Luxemburgo, em 1980.
Ainda em 1980, concluiu-se a Convenção sobre os Aspectos
Civis do rapto Internacional de Crianças, em Haia. Finalizada durante a 14ª
Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, teve como objetivo a
proteção da criança dos efeitos da mudança de domicílio ou do tráfico
internacional.
Elaboraram-se, então, as Bases para um Projeto de
Convenção Interamericana sobre Adoção de Menores, durante a III Conferência
Interamericana de Direito Privado, em Quito, em 1983.
Firmou-se a Convenção Interamericana sobre Conflitos de
Leis em Matéria de Adoção de Menores durante a 3ª Conferência Interamericana
de Direito Internacional Privado, na cidade de La Paz, em 1984. Aprovada pelo
Brasil através do Decreto nº 60 de 19 de junho de 1996, art. 1º. Promulgada
através do Decreto 2.429 de 17 de dezembro de 1997, art. 1º.
Elaboraram a Convenção Interamericana sobre Restituição
Internacional de Menores, durante a 4ª Conferência Interamericana de Direito
Internacional Privado, em Montevidéu, em 1989. Promulgada no Brasil, pelo
decreto Presidencial 1.212/94, sem quaisquer reservas ou ressalvas. (art. 1º do
Decreto 1.212/94).
Em 18 de dezembro de 1972, a ONU através da Resolução
3.028, XXVII tentou unir os países membros para estudar os diversos programas
sobre proteção de menores.
A partir deste estudo, a ONU instituiu a Resolução n.º 41/85, de 3/12/86 que serviu de parâmetro à Declaração sobre os princípios sociais jurídicos aplicáveis à proteção e ao bem-estar dos menores, tendo como finalidade a prática da adoção e outras
33
atividades de colocação familiar no plano nacional e internacional37.
Em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral da ONU,
inspirada na Resolução nº. 41/85, proclamou a Convenção sobre os Direitos da
Criança, disciplinando a proteção especial dos menores sem família, a adoção
nos níveis nacional e internacional e a venda, tráfico e seqüestro de menores. No
Brasil, o Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990 aprovou o texto da
Convenção. Em 24 de setembro de 1990, o ratificou.
Em 21 de novembro de 1990, o Decreto 99.710, tornou-a
exigível em solo brasileiro (art. 1º do Decreto 99.710/90).
Por último, figura a Convenção Relativa à Proteção e à
Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional, firmada durante a
17ª Seção da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, em 1993,
aprovada no Brasil através do Decreto nº 63, de 1995 em seu art. 1º. Em 14 de
janeiro de 1999, o Decreto Legislativo nº 1, de 1999, aprovou o texto da
Convenção, revogando o Decreto nº 63, de 1995. Em 08 de fevereiro de 1999,
ratificou.
37 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 36.
34
Capítulo 2
DO PROCESSO DE ADOÇÃO
2.1 A ADOÇÃO NO CÓDIGO CIVIL
Atualmente, há em vigor, no Brasil, duas modalidades de
adoção: a adoção restrita do Código Civil Brasileiro, que se aplica à adoção de
maiores de 18 anos e a adoção plena regulada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, que é mais utilizada, pois abrange a adoção de crianças e
adolescentes.
A modalidade da adoção elencada no Código Civil Brasileiro
é a chamada civil.
De acordo com o entendimento de Gonçalves38, sua
natureza jurídica é de um negócio bilateral e solene. É a adoção tradicional,
restrita, que não integra totalmente o adotando na família do adotante. O
adotando permanece ligado aos seus parentes consangüíneos, sendo que
apenas o pátrio poder passa para o adotante. Atualmente, tal modalidade de
adoção só se aplica aos maiores de dezoito anos.
Na definição de Diniz39, a adoção é, portanto, um vínculo de
parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o
adotado um liame legal de paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será
definitiva ou irrevogável, para todos os efeitos legais, uma vez que desliga o
adotado de qualquer vínculo com os pais de sangue, salvo os impedimentos para
o casamento (CRFB/88, art. 227, §§ 5º e 6º), criando verdadeiros laços de
parentesco entre o adotado e a família do adotante (CCB, art. 1626). 38 GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas. Direito de Família. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1997. 39 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 17. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2002, 5º volume, p. 416.
35
Assinala Diniz40 que duas eram as espécies de adoção
admitidas no direito brasileiro anterior: a simples, regida pelo CCB de 1916 e a Lei
nº 3.133/57, e a plena, regulada pela Lei nº 8.069/90, arts. 39 a 52. A Adoção
simples, ou restrita, era a concernente ao vínculo de filiação que se estabelece
entre o adotante e o adotado, que pode ser pessoa maior ou menor entre 18 e 21
anos, mas tal posição de filho não era definitiva ou irrevogável. Era regida pela Lei
nº 3.133, de 8 de maio de 1957, que havia atualizado sua regulamentação pelo
CCB de 1916.
A adoção plena, estatutária ou legitimante foi a denominação
introduzida, no Brasil, pela Lei nº 6.697/79, para designar a legitimação adotiva,
criada pela Lei nº 4.655/65, sem alterar, basicamente, tal instituto. Com a
revogação da Lei nº 6.697/79 pela Lei nº 8.069/90, art. 267, manteve-se aquela
nomenclatura por entendê-la conforme aos princípios e efeitos da adoção
regulada pelo ECA e ante o fato de essa terminologia já estar consagrada
juridicamente, pois tem sido empregada desde a era de Justiniano, que admitia
tanto a adoptio plena como a adoptio minus plena, baseando tal distinção no
critério da irrevogabilidade41.
Essa forma de adoção era a espécie pela qual o menor
adotado passava a ser, irrevogavelmente, para todos os efeitos legais, filhos dos
adotantes, desligando-se de qualquer vínculo com os pais de sangue e parentes,
salvo os impedimentos matrimoniais. Essa modalidade tinha por fim atender o
desejo que um casal tinha de trazer ao seio da família um menor, que se
encontrasse em determinadas situações estabelecidas em lei, como filho e
proteger a infância desvalida, possibilitando que o menor abandonado ou órfão
tivesse uma família organizada e estável. Assim, a criança até 12 anos e o
adolescente entre 12 e 18 anos de idade tinham o direito de ser criados e
40 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 417. 41 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 417.
36
educados no seio da família substituta, assegurando assim sua convivência
familiar e comunitária (Lei nº 8.069/90, arts. 19 e 28, 1ª parte)42.
Venosa43 explica que a adoção civil ou comum era regulada
nos arts. 368 a 378. Continuaram em vigor esses dispositivos para as adoções
não reguladas pelo ECA. Esse estatuto disciplina a adoção dos menos até 18
anos e, além dessa idade, por exceção, quando, ao contemplar 18 anos, o
adotando já estivesse sob a guarda ou tutela dos adotantes. No ECA, há rígidos
procedimentos a serem obedecidos e a adoção depende de sentença judicial. No
sistema do CCB de 1916, a adoção era feita por escritura pública, sem a
interferência do magistrado. Tal procedimento, como se viu, foi banido pelo atual
CCB.
A adoção do CCB antigo continuou aplicável para quem
tivesse mais de 18 anos. O art. 377, atinente a direitos sucessórios, fora revogado
pela CRFB/88 (art. 227, § 6º) que igualou todos os direitos de filiação,
independentemente de sua natureza44.
A adoção, no CCB de 1916, de lei eminentemente
patrimonial visava proeminentemente à pessoa dos adotantes, ficando o adotando
em segundo plano, aspecto que já não é admitido na moderna adoção.
Originalmente, o Código disciplinou a adoção conforme tendência internacional da
época, isto é, como instituição destinada a dar prole àqueles que não tinham e
não podiam ter filhos. A adoção somente era possível, por exemplo, na provecta
idade de 50 anos. A grande guinada legislativa é iniciada com a Lei nº 3.133/57,
que trouxe profundas alterações para a adoção45.
42 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 417. 43 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, v. 6, p. 333. 44 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 333. 45 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 334.
37
Rodrigues46 observa que foi esse diploma que passou a
considerar a adoção sob o prisma assistencial, tendo em mira a condição do
adotado, representando, na realidade, uma nova adoção, distante daquela
disciplinada pelo legislador no início do século. Essa lei de 1957 permitiu a
adoção por pessoas de 30 anos, com ou sem prole legítima ou ilegítima. Até
então, a possibilidade de adoção restringia-se às pessoas sem filhos. Assim,
estatuindo, essa lei determinou, na redação dada ao art. 377, do antigo Código,
que quando o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a
relação de adoção não envolvia a sucessão hereditária. Esse preceito teve
vigência até a CRFB/88, pois o art. 227, § 6º, equiparou os filhos de qualquer
natureza para todos os fins.
Já Pereira47 observa que essa adoção regulada pelo CCB
antigo não podia observar tão-somente suas regras. Isso porque, ao estabelecer
a CRFB/88, no art. 226, § 5º, que a adoção será assistida pelo Poder Público, não
fez distinção entre as modalidades de adoção.
Eram as características e requisitos dessa adoção nos
termos do CCB de 1916:
1. adotante 16 anos mais velho que o adotando, com mais de 30 anos de idade; 2. se o adotante fosse casado, casamento com duração superior a cinco anos; 3. duas pessoas não podiam adotar conjuntamente se não fossem marido e mulher; 4. adotando com mais de 18 anos; 5. o tutor ou curador podia adotar, depois de prestadas as contas; 6. escritura pública; 7. possibilidade de adoção por estrangeiro sem restrições.
46 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 330. 47 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. 5, p. 229.
38
Com o advento do CCB atual a adoção simples e plena
deixaram de existir. A adoção passa a ser irrestrita, trazendo importantes reflexos
nos direitos da personalidade e nos direitos sucessórios48.
Chaves49 faz uma distinção entre a adoção do CCB, que ele
trata apenas de adoção, da adoção do ECA da seguinte forma:
A adoção é a convocação de um estranho, que tanto pode ser um menor, como um homem ou uma mulher, mesmo casados, para dentro de uma família ou ao lado de uma pessoa que tenha dezesseis anos mais, sem a preocupação de apagar a lembrança e a condição de estranho, ao passo que a adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente é a integração de uma criança, exclusivamente, numa família, e com a preocupação primordial de fazer esquecer por completo a condição de estranho.
Sendo assim, a adoção civil perdeu a sua importância, uma
vez que não se aplica a menores e são raras as adoções de maiores. Assim,
crianças e adolescentes são adotados conforme procedimento estabelecido pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, pela modalidade da chamada adoção
estatutária, da qual será tratada mais adiante, independente de sua situação
jurídica ser irregular ou não.
2.2 A ADOÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A proteção à criança e ao adolescente está disposta no ECA
(Lei nº 8.609, de 13 de julho de 1990) desde o seu primeiro artigo50.
No Título que trata dos Direitos Fundamentais, nos artigos 7º
ao 14 do Capítulo I, preceitua este Estatuto o direito à vida e a saúde, deixando
48 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 418. 49 CHAVES, Antônio. Adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 78. 50 ECA. Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
39
claro o objetivo de se implementar políticas sociais públicas que permitam o
desenvolvimento sadio e harmonioso de crianças e adolescentes.
Já no Capítulo II, disciplina o direito à liberdade, ao respeito
e à dignidade, ficando novamente estabelecido o direito a participar da vida
familiar e comunitária.
Neste contexto, o art. 17 estabelece o direito à
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
ficando abrangidas a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos
valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
No Capítulo III, que se relaciona diretamente à convivência
familiar e comunitária aos quais nos referimos anteriormente, encontra-se
disposto o direito que toda criança e adolescente têm de serem criados e
educados no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta.
Ainda neste Capítulo, determina o art. 20 a proibição de
diferenciação entre filhos naturais e adotivos, vindo ao encontro do que dispõe a
CRFB/88, em seu art. 227, § 6º51, ficando claro que todos os filhos têm os
mesmos direitos e obrigações na vida familiar.
Aliás, há que ressaltar que o próprio ECA deixa clara a
proibição de diferenciação entre os filhos naturais e os filhos adotivos, reforçando
a disposição constitucional, ao preceituar, no artigo 41, que os filhos adotivos têm
os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios.
Nos artigos 21 a 24, o ECA disciplina os direitos e deveres
dos pais, o pátrio poder e seus limites, além dos motivos e determinações da sua
perda.
51 CRFB/88. Art. 227. (...) § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
40
Logo em seguida, figura a Seção II nomeada "Da Família
Natural”, e, mais adiante, na Seção III, intitulada "Da Família Substituta", disciplina
a adoção.
No tocante à família substituta, preceitua o caput do art. 28
que:
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
A adoção está inserida no art. 39 da referida Lei, o qual
dispõe que:
Art. 39. A adoção da criança e do adolescente reger-se-á segundo disposto nesta lei. Parágrafo único: Fica vedada a adoção por procuração.
Explica Silva Filho52 que a “figura da adoção estatutária traz
novo e avançado regime jurídico que, por certo, facilitará a integração das
crianças e adolescentes em famílias substitutas”.
Foi o ECA, aliás, que dispôs, no seu art. 47, caput, que “o
vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro
civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão”.
Tal disposição foi inserida no CCB, no art. 1623,
diferentemente do que dispunha o art. 375 do CCB de 1916, que estabelecia que
a adoção poderia se efetuar por escritura pública.
A idade exigida para a adoção pelo ECA é a de 21 anos,
independentemente do seu estado civil, devendo o adotante ser pelo menos,
dezesseis anos mais velho que o adotado53. 52 SILVA FILHO, Arthur Marques da. O regime jurídico da adoção estatutária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 65.
41
Nogueira54, ao comentar a redução a respeito da idade do
adotante relata que:
Essa abertura do Estatuto só se justifica para facilitar a adoção, permitindo assim que casais jovens ou mesmo pessoas solteiras tenham possibilidade de adotar. É verdade que os casais jovens, com a possibilidade de terem filhos, não irão se precipitar em adotar, o que diminuirá o número desses casais interessados na adoção.
O ECA inovou, também, ao não estipular restrições a
respeito do estado civil do adotante, que pode ser homem ou mulher solteiros,
casados, viúvos, divorciados, etc.
Venosa55 salienta que o presente CCB não alterou, em
princípio, a filosofia e a estrutura do ECA, sua competência jurisdicional e seus
instrumentos procedimentais. Desse modo, mantém-se a atribuição dos juizados
da infância e da juventude para a concessão de adoção dos menores, havendo
que se compatibilizar ambos os diplomas.
Por razões de ordem pública, evitando-se assim fraudes ou
outras razões, estipulou o ECA algumas proibições, quais sejam: a adoção
procuração não é permitida, assim como não podem adotar os avós e irmãos, o
tutor ou o curador do adotando, enquanto estiver na administração deste; ao
contrário da adoção estatuída no Código Civil de 1916, a adoção estatutária não
pode ser revogada; não havendo impedimento, no entanto, que seja declarada
nula ou anulada, quando não tiver sido feita em obediência à lei.
53 ECA. Art. 42, caput. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. 54 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4. ed. rev. aum. atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 61. 55 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 339.
42
2.3 A ADOÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Historicamente, pode se dizer da total inexistência de
referências nos diversos textos constitucionais brasileiros a respeito do Instituto
da Adoção. Desde a Carta Outorgada de 1824 e da 1ª Constituição Republicana
de 1891, passando pela Carta Política de 1934 que apresentava os primeiros
registros de aproximação com a adoção, ao fazer menção à família e ao
reconhecimento dos filhos naturais, além da Magna Carta de 1937, que inseria
conceitos bem em vigor no momento histórico da humanidade de atribuir uma
super-valorização ao ente “Estado”, como por exemplo: compensações às
famílias numerosas na proporção dos seus encargos; dever do Estado, de
maneira subsidiária ou principal, de propiciar educação; igualdade de direitos dos
filhos naturais aos legítimos, facilitando-lhes o reconhecimento; cuidados
especiais à infância e juventude garantidos pelo Estado; dever do Estado de
prover de condições de conforto e cuidado à Infância e Juventude abandonada
moral, intelectual ou física; direito de os pais miseráveis invocarem o auxílio e a
proteção do Estado para subsistência e educação da prole; no entanto todos os
textos são silentes a respeito da adoção56.
Também a Constituição de 1946, formulada através de uma
Assembléia Nacional Constituinte, a qual trouxe grandes novidades e conquistas
democráticas, mas, no aspecto relativo à família, pode-se dizer até que foi mais
tímida do que aquelas Cartas que a antecederam, quanto na Constituição de
1967, com redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional 01/89, no auge
do regime político autoritário da ditadura militar, que praticamente reproduzia a
Carta Política anterior, neste assunto57.
56 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: a Convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização de procedimentos. 1. ed. 5. tir. Curitiba: Juruá, 2005, p. 59. 57 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional, p. 59-60.
43
Para Figueiredo58 a adoção no Brasil sempre foi
constitucional, inclusive à época do Brasil colônia, na vigência das Ordenações
Afonsinas, Manoelinas e Filipinas e no Império, embora com sua expressa
previsão legislativa surgindo no CCB de 1916, quando vigente a 1ª Constituição
Republicana.
É evidente, no entanto, na visão deste autor, que a
inexistência de disciplinamento expresso na Constituição sobre o Instituto da
Adoção, em especial sobre fixação de critérios e condições para o seu
deferimento em favor de estrangeiros, motivou interpretações distintas a respeito
da sua aplicabilidade59.
O grande salto qualitativo sobre a adoção foi dado com a
CRFB/88, quando disciplina no capítulo VII – da família, da criança, do
adolescente e do idoso, do título VII – da ordem social, em seus artigos 226, §§
3º, 4º, 5º e 6º.
Com a edição da CRFB/88, passou-se a proibir
determinadas expressões referentes às condições nas quais eram concebidos os
filhos, tais como ilegítimos, adulterinos, espúrio, incestuoso, como também foram
verificadas grandes inovações, em especial a partir das relativas à filiação e
outras próprias do instituto.
De acordo com Gomes60:
A maior inovação contida no texto constitucional, encontra-se na inversão da importância dada ao interesse do adotante para o interesse do adotado, ou seja, anteriormente à Constituição da República de 1988, a adoção possuía um caráter contratual,
58 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional, p. 61. 59 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional, p. 61. 60 GOMES, Marco Antônio de Bulhões. Adoção Internacional e sua Problemática Social. Monografia de Conclusão do Curso de Direito. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1997. p. 30.
44
ressaltando a importância do adotante em adquirir um filho, sendo que, após o advento da Carta Magna, o interesse do adotado passou a ter maior relevância para a inserção da criança em família substituta.
Este entendimento, aliás, é o visualizado na CRFB/88, em
seu art. 227, o qual reza:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
E continua em seu § 6º:
§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Explica Monteiro61 que o ECA
[...] restringe os obstáculos normalmente encontrados no procedimento de adoção, mas ao mesmo tempo impõe a observância de regras que demonstram ser sua finalidade, unicamente, a proteção do interesse do menor.
Lisboa62, por sua vez, complementa, dizendo que nos dias
atuais, a adoção visa prioritariamente aos interesses do menor adotando. Tanto a
Declaração da ONU quanto a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança consagram esse princípio.
61 MONTEIRO, Sônia Maria. Aspectos Novos da Adoção. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 41. 62 LISBOA, Sandra Maria. Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente - Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996. p. 51.
45
2.4 DO PROCESSO DE ADOÇÃO
Guimarães, na sua obra Adoção, Tutela e Guarda63 faz uma
vasta explanação sobre o procedimento de adoção, a qual merece destaque no
presente trabalho, haja vista a importância do conhecimento sobre esse assunto
para o presente trabalho.
Assim, assevera este autor que, em consonância com o
princípio legal da proteção integral adotado pelo ECA, os processos afetos à
Justiça da Infância e da Juventude têm como característica a simplificação dos
procedimentos e, dentro do possível, admite uma certa informalidade no sentido
de possibilitar o acesso rápido aos interessados ao juízo e celeridade na solução
do problema apresentado64.
O art. 153 do ECA, por exemplo, permite ao juiz investigar
os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, sempre ouvido o
Ministério Público, se a medida judicial a ser adotada não corresponder a
procedimento previsto em lei, como no caso de revogação da guarda prevista no
art. 3565.
No mesmo sentido, para que não haja lacunas, o art. 152 do
ECA estabelece expressamente a aplicação subsidiária das normas gerais
previstas na legislação processual civil pertinente aos procedimentos regulados
pelo Estatuto.
Nos termos do art. 206 do ECA, os procedimentos afetos à
Justiça da Infância e da Juventude correm em segredo de justiça e, quando não
63 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. 64 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 49. 65 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 49.
46
houver lide, isto é, quando não houver resistência à pretensão do interessado no
provimento judicial, o pleito poderá ser formulado diretamente por este, sem
necessidade de advogado, em consonância, também, com o art. 5º, LV, da
CRFB/88. Havendo lide a intervenção por advogado é obrigatória, podendo, no
caso de pedido de colocação em família substituta, o requerente ser assistido
pelo representante do Ministério Público66.
O Ministério Público deve intervir em todos os processos de
competência da Justiça da Infância e da Juventude, a teor do contido nos arts.
201, III; 202 e 204, do ECA, sendo caso de nulidade absoluta a falta de
intervenção ministerial.
O art. 165 do ECA apresenta alguns requisitos especiais da
petição inicial, que devem ser atendidos, além dos gerais previstos no art. 282 do
Código de Processo Civil, observando-se que as ações judiciais de competência
da Justiça da Infância e Juventude são isentas de custas e emolumentos,
ressalvada a hipótese de litigância de má-fé, conforme prevê o art. 141, § 2º, do
ECA67.
Se os pais da criança ou adolescente forem falecidos,
tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido
expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser
formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios
requerentes, como dispõe o art. 166, do ECA, sem necessidade de advogado, em
razão da inexistência de lide, seguindo o feito um procedimento singelo, não
havendo necessidade de citação dos genitores68.
66 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 49. 67 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 51. 68 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 51.
47
Havendo anuência dos pais, serão eles ouvidos, em
audiência, pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público,
que poderá perguntar diretamente, tomando-se por termo as declarações (art. 166
do ECA). Será determinada de ofício pelo juiz, ou atendendo a requerimento das
partes ou do Ministério Público, a realização de estudo social ou de perícia por
equipe interprofissional (art. 167, do ECA), decidindo-se sobre a concessão de
guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de
convivência69.
Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e ouvido
sempre que possível a criança ou o adolescente, levando-se devidamente em
conta sua opinião conforme previsto no § 1º, do art. 28, do ECA, dar-se-á vista
dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, decidindo a autoridade
judiciária em igual prazo (art. 168, do ECA)70.
Assevera Guimarães71 que, na prática, em razão das
peculiaridades dos processos afetos à Justiça da Infância e Juventude, poderá já
constar dos autos, quando da realização de audiência para oitiva da criança ou
adolescente, de seus pais, ou dos requerentes, os estudos e laudos necessários,
podendo decidir-se sobre o deferimento ou não da medida pleiteada, na própria
audiência, após a manifestação das partes e do Ministério Público.
No caso de anuência dos genitores com a adoção do filho,
não há necessidade de decisão destituindo-os do poder familiar, pois a destituição
é uma penalidade aplicada aos pais que descumprem seus deveres, não sendo a
69 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 52. 70 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 52. 71 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 52.
48
anuência dos pais motivo de destituição. O poder familiar, em sua integridade, é
indelegável e, em regra, irrenunciável72.
Como afirma Gomes73, com a adoção, transfere-se o poder
familiar do pai natural ao adotivo, havendo, neste caso, a única hipótese permitida
de renúncia ao poder familiar por parte do pai natural.
Conforme dispõe o art. 169 do ECA, nos casos em que a
destituição da tutela ou a perda ou suspensão do poder familiar constituírem
pressupostos lógicos da medida principal de colocação em família substituta,
serão observados os procedimentos contraditórios respectivos, previstos nos arts.
164 e 155/163, respectivamente, que correrão em autos próprios, apensados aos
do procedimento verificatório respectivo, acrescentando o parágrafo único do
referido art. 169, que a perda ou a modificação da guarda poderá ser decretada
nos mesmos autos do procedimento, observado o disposto no art. 35, que
estabelece a necessidade de fundamentação e manifestação prévia do Ministério
Público quanto à alteração da guarda74.
Assim, havendo tutela anteriormente deferida e novo pedido
de colocação da criança ou adolescente em família substituta, é necessária a
destituição da tutela se não houver anuência do tutor com a nova medida
pleiteada. Nesses casos, nos termos do art. 169, do ECA, observar-se-á o
procedimento para a remoção do tutor previsto na lei processual civil e, no que
couber, o disposto no procedimento previsto pelo ECA para a perda ou
suspensão do poder familiar (arts. 155 a 163, do ECA), conforme estabelecido no
art. 16475.
72 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 52. 73 GOMES, Orlando. Direito de Família. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 52. 74 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 52-53. 75 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 53.
49
Para a adoção é imprescindível a destituição do poder
familiar, nos casos em que não haja anuência dos genitores, não forem eles
falecidos ou desconhecidos ou não tenham ainda sido destituídos. A tutela
pressupõe a destituição ou suspensão do poder familiar ou que os pais sejam
falecidos, desconhecidos ou tenham anuído ao pedido, caso em que deverão ser
suspensos do poder familiar. A guarda não implica em suspensão ou perda do
poder familiar, mas precisa que seja respeitado o procedimento contraditório
quando houver discordância dos genitores76.
Sendo necessária a destituição ou suspensão do poder
familiar, o pedido de colocação em família substituta será feito, pelos
interessados, através de advogado, cumulativamente com o pedido de destituição
ou suspensão. Em qualquer caso, sendo proposta ação de destituição do poder
familiar, deverão sempre ser os pais defendidos por advogado e, não tendo eles
possibilidade de constituir o patrono sem prejuízo do próprio sustento e de sua
família, poderão requerer que seja nomeado defensor dativo para este fim, pelo
juízo, nos termos do art. 159, do ECA77.
Entendendo ser conveniente, necessária e oportuna a
propositura de ação de destituição ou suspensão do poder familiar em
determinado caso concreto examinado, havendo ou não interessados na guarda,
tutela ou adoção da criança ou adolescente, o representante do Ministério Público
poderá propor a ação, com o rito dos arts. 155 a 163, do ECA, visando tornar
possível a colocação, mesmo que futura, em família substituta. Observe-se que o
Ministério Público é legitimado expressamente para propor a ação nos termos do
art. 155, do ECA, tratando-se de legitimidade concorrente com aqueles que
tenham, nos termos do referido artigo, legítimo interesse78.
76 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 53. 77 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 53. 78 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 53.
50
Explica Guimarães79 que a autoridade judiciária não pode
dar início de ofício ao procedimento de destituição ou suspensão do poder
familiar, conforme dispõe o art. 2º do Código de Processo Civil, em consonância
com o princípio geral ne procedat judex ex officio, nem poderá nomear curador
especial para promover a ação no caso de recusa do representante do Ministério
Público em promovê-la.
2.5 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE
O ECA dispõe, em seu art. 23 que “a falta ou a carência de
recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do
pátrio poder”. O estado de pobreza, assim, não é elemento definitivo para
possibilitar a adoção. A destituição do pátrio poder deve anteceder a adoção,
ainda que decretada na mesma sentença. Tratando-se de menor abandonado,
todos os esforços devem ser enviados para a localização dos pais80.
Conforme prevê o art. 24 do ECA:
Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em processo contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
O art. 22 reporta-se ao dever de sustento, guarda e
educação dos filhos. O art. 1638 do CCB enuncia também as causas de perda do
poder familiar. Portanto, não é admitido que o magistrado conceda a suspensão
79 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o estatuto da criança e do adolescente e o novo Código Civil, p. 54. 80 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 345.
51
do pátrio poder ou poder familiar sem maiores cuidados, sob a égide de propiciar
melhores condições à criança e ao adolescente.
Conforme acentuado por Venosa81, essa modalidade de
adoção, conhecida como adoção plena no sistema anterior, é destinada aos
menores de 18 anos. Excepcionalmente, no sistema anterior ao atual CCB, o
adotando poderia ter idade superior, se à data do pedido já estivesse sob a
guarda ou tutela dos adotantes (art. 40). No vigente Código, a adoção de maiores
de 18 anos deve seguir essa lei, nada impedindo que se continue a aplicar o ECA,
até que seja a matéria regulamentada.
O cônjuge ou companheiro pode adotar o filho do consorte,
ficando mantidos os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou
companheiro do adotante e respectivos parentes (art. 41, §1º). A regra também
está descrita no art. 1626, parágrafo único, do atual CCB.
A adoção segundo o ECA não somente iguala os direitos
sucessórios dos adotivos como também estabelece reciprocidade do direito
hereditário entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes,
descendentes e colaterais, até o 4º grau, observada a ordem de vocação
hereditária (art. 41, § 2º). Superam-se, portanto, todos os resquícios de
discriminação na adoção, existentes até a CRFB/8882.
No ECA, a idade mínima de adoção foi sensivelmente
diminuída nessa modalidade: podiam adotar os maiores de 21 anos,
independentemente do estado civil (art. 42). No atual CCB, levando em conta a
maioridade que assume, fica permitido a adoção para os maiores de 18 anos (art.
1618), passando esta a ser um requisito objetivo para o adotante. A questão
81 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 345-346. 82 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 346.
52
subjetiva, maturidade para a adoção, por exemplo, é aspecto de oportunidade e
conveniência a ser analisado pelo juiz no caso concreto83.
Não há, também, qualquer restrição ao estado civil do
adotante: pode ser solteiro, divorciado, separado judicialmente, viúvo, concubino.
A adoção pode ser singular ou conjunta. A adoção conjunta é admitida por casal
em matrimônio ou em união estável, entidade familiar reconhecida
constitucionalmente. Ressalta Venosa84 que, se não são ainda os companheiros
homossexuais reconhecidos como entidade familiar, a eles não é dado adotar
conjuntamente, podendo, o indivíduo homossexual adotar, no entanto,
dependendo da avaliação do juiz, pois, nessa hipótese, não se admite qualquer
discriminação.
No intuito de aproximar a adoção tanto quanto possível da
natureza, exige a lei que o adotante seja pelo menos 16 anos mais velho que o
adotado (art. 42. § 3º, ECA; art. 1619, CCB/2002).
O § 5º do art. 42 permite que a adoção seja deferida quando
o adotante vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a
sentença. O procedimento já deve ter sido iniciado em vida, cabendo ao juiz
analisar sobre a conveniência de adoção post mortem (atual CCB, art. 1628)85.
Ademais, como lembra Venosa86, o art. 44 do ECA, bem
como o art. 1620, do CCB estabelecem a proibição temporária de adoção para o
adotante tutor e curador enquanto ele não prestar contas de sua administração e
as tiver aprovadas, não pode adotar o pupilo ou curatelado.
83 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 346. 84 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 347-348. 85 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 349. 86 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 350.
53
O Ministério Público, tendo em vista o interesse público
relevante no processo de adoção, tem participação obrigatória, de acordo com o
preceituado no art. 83, I e III, do CPC.
O consentimento dos pais ou do representante legal do
adotando é necessário, conforme dispõe o caput do art. 45. No mesmo sentido
estipula o art. 1621 do atual CCB. Assim, ninguém pode adotar menor sem o
consentimento de seus pais ou representantes. Suas declarações devem ser
tomadas a termo. Essa concordância equivale, no dizer de Rodrigues87, “à
renúncia voluntária do pátrio poder”. O consentimento dos pais ou dos
representantes é revogável até a publicação da sentença constitutiva de adoção,
segundo o art. 1621, § 2º.
O menor, com mais de 12 anos de idade, também deverá
ser ouvido, e será necessário seu consentimento (art. 45, § 2º). Conforme acentua
Venosa88, o menor é considerado sujeito de direito pelo ECA, ao contrário da
legislação anterior. A negativa do menor em ser adotado, por si só, não
condiciona o juiz ao indeferimento do pedido, mas a adoção, nessas condições
deve ser cercada de maiores cuidados. Em se tratando de adotando maior de 18
anos não há dúvidas de que a adoção somente pode ocorrer com seu
consentimento.
O ECA, quanto aos menores, abre exceção, no entanto, ao
dispõe que “o consentimento será dispensado em relação à criança e ao
adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio
poder” (art. 45, § 1º).
87 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família, p. 338. 88 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 351.
54
Capítulo 3
DA ADOÇÃO INTERNACIONAL
3.1 INTRÓITO
A adoção internacional – que envolve pessoas de países
diferentes – vem crescendo ultimamente, e, nessa expressão, na prática cotidiana
o que ocorre é a exportação de crianças (mesmo as legais) de países pobres (a
América do Sul) para países ricos (Europa e América do Norte). É a mais gritante
diferença socioeconômica que divide os países do norte e do sul, no pensamento
de Sznick89.
A adoção internacional, ou seja, a procura de crianças
brasileiras por estrangeiros, vem crescendo muito nos últimos anos. Daí surgirem,
ao lado dos interessados diretos, várias intermediações, quer individuais, quer,
até de pessoas jurídicas, através de agências de intermediação; como,
especialmente por parte dos adotantes, há os bem-intencionados, nos que fazem
a intermediação, em regra, muitos não só são mal-intencionados (visando lucro e
vantagens pessoais com a adoção, mas, até, formando verdadeiras quadrilhas
para o cometimento de crimes – já que os lucros são grandes e em moeda
estrangeira – como seqüestro de recém-nascidos, na maioria das vezes, nas
próprias maternidades, ou, então, em locais públicos90.
Há, no instituto jurídico da adoção, toda uma problemática
sociológica que deve ser ponderada. Reformas vêm sendo feitas, em todo o
mundo, e têm servido de inspiração às Convenções Internacionais de Direito
89 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 1999, p. 461. 90 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 461.
55
Privado, como a Convenção de Haia, de 1985, e a Convenção Interamericana de
OEA, de 198491.
Aqui no Brasil, a partir da vigência do Estatuto da Criança e
do Adolescente, a adoção de crianças e adolescentes não está mais dividida em
adoção simples e adoção plena. Essa divisão, proposta pelo Código de Menores
(Lei nº 6.697/79) diferenciava e estabelecia quais as características pessoais do
adotante. Por exemplo, os solteiros e estrangeiros somente podiam adotar com
restrições, ou seja, através de adoção simples; os casados e nacionais faziam
uso da adoção plena92.
Hoje, essa divisão foi banida do ordenamento jurídico
brasileiro, existindo somente a adoção, que produz plenamente todos os seus
efeitos, tanto para os solteiros e casados como para os nacionais e
estrangeiros93.
A adoção regulada pelo ECA (arts. 39 a 52) refere-se à
adoção de crianças e adolescentes, que para a norma estatutária significam:
crianças: pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente: pessoa
entre doze e dezoito anos de idade (ECA, art. 2). Esse regulamento tem como
fundamento e conseqüência o disposto na CRFB/88 no § 5º do art. 227, que
reza94:
Art. 227. A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
A adoção por estrangeiros, também conhecida por adoção
internacional, inter-racial ou transnacional, é assunto que deve ser considerado 91 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 462. 92 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 30. 93 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 30. 94 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 30.
56
com seriedade, para que permaneça como um instituto eficaz contra o tráfico de
crianças e alternativo em relação à colocação de crianças em família substituta95.
J. Foyer e C. Labrusse-Riou, apud Liberati96 definiram a
adoção internacional como
aquela que faz incidir o Direito Internacional Privado, seja em razão do elemento de estraneidade que se apresenta no momento da constituição do vínculo (nacionalidade estrangeira de uma das partes, domicílio ou resistência de uma das partes no exterior), seja em razão dos efeitos extraterritoriais a produzir.
A adoção transnacional exige, para sua concretização, que
as pessoas que integram a relação processual sejam domiciliadas em países
diferentes. Grande parte da legislação alienígena proclama o domicílio do
adotante como fator identificador da adoção por estrangeiros. Entretanto, a
CRFB/88 elegeu, no art. 227 § 5º, a nacionalidade do adotado97.
Destarte, conforme justifica a professora Cláudia Lima
Marques, in RT 692/15, apud Liberati98:
quem escreve sobre as regras da adoção internacional no ordenamento jurídico brasileiro está escrevendo sobre a adoção em Direito Internacional Privado. A adoção internacional já foi tema de várias Declarações, Convenções, Tratados Multilaterais. A finalidade maior deste esforço internacional é criar mecanismos eficientes para assegurar o bem-estar da criança adotada, assim como uma situação jurídica estável tanto no seu país de origem, como no país dos adotantes. Mas, ainda hoje, a segurança jurídica das crianças adotadas internacionalmente depende, em muito, das normas internas sobre adoção, de sua prática e do
95 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 31. 96 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 31. 97 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 31. 98 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 31.
57
controle exercido pelo Poder Judiciário do país de origem, assim como da confiança que estas normas internas despertam nos países onde os adotantes estrangeiros têm seu domicílio.
A transferência de crianças de um país para outro, de uma
família ou de uma cultura para outra, fez com que surgissem alguns problemas
jurídicos e sociais, que a moderna ordem legislativa internacional capitaneada
pela Organização das Nações Unidas, tem procurado resolver99.
Na esfera internacional, busca-se nas convenções uma
regulamentação supra-estatal visando controlar o aumento da procura de crianças
para adoção; no plano interno dos países, a preocupação é com a adaptação e as
reformas legislativas que procuram regular a matéria e dar uma resposta à
situação100.
Com essas novas regras (convenções internacionais e
legislações nacionais), a regulamentação da adoção internacional, além de coibir
o tráfico de crianças, imprimirá legalidade nos processos, selará a confiança entre
as Nações e proporcionará maior confiabilidade àqueles que desejam adotar101.
Finaliza Sznick102 que se deve tomar esses cuidados
especiais no que se refere à adoção de menores por estrangeiros residentes no
exterior. Por outro lado, deve-se dar preferência, na adoção, à pessoa da mesma
nacionalidade, residente no País; em seguida, a estrangeiros residentes no País
e, por ultimo, a estrangeiros domiciliados no exterior.
99 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 31. 100 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 31. 101 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 32. 102 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 464.
58
3.2 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS A RESPEITO DA ADOÇÃO
INTERNACIONAL
Todo esse panorama no que diz respeito à adoção
internacional levou à necessidade da tentativa de se elaborar uma legislação que
pudesse ser adotada, se não por todos os países europeus, pelo menos por uma
grande maioria. Daí surgiram acordos internacionais (entre dois ou mais países),
conferências e as chamadas Convenções103.
Destarte, no plano internacional, a preocupação com o tema
adoção existe desde 1960 quando por iniciativa da Organização das Nações
Unidas foram realizados os Fundamental Principles for Intercountry Adoption-
Leysin104, objetos de discussão e estudo num Seminário, na cidade de Leysin105.
A recomendação originada dos Principles não constituía
legislação vinculante para o país-membro signatário, e, portanto, eram princípios
de observância não obrigatória. De qualquer modo, essa iniciativa da ONU
demonstrava, já naquela época, uma preocupação crescente com a adoção.
Tanto é que a principal conclusão daquele Seminário considerou a adoção
nacional e, por fim, destacava que a adoção internacional só deveria ser
autorizada se fosse para o bem estar da criança106.
Neste seminário concluiu-se que a adoção internacional
seria utilizada como medida excepcional.
103 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 482. 104 Princípios Fundamentais da Adoção Internacional. 105 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 32. 106 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 32.
59
Em 15 de novembro de 1965 foi realizada na cidade de Haia
a Conferência sobre a Adoção Internacional, surgindo, daí, a Convenção de Haia.
O tema central das discussões versava sobre a lei aplicável, jurisdição e
reconhecimento em matéria de adoção107.
Resume Sznick108 que essa Convenção foi realizada em 15
de novembro de 1965. Está em vigor desde 1978 (23 de outubro). Foi ratificada
por poucos países: Áustria, Suíça e Inglaterra. O próprio país-sede, a Holanda,
não a ratificou.
Interessante anotar que esta Convenção tinha como meta
disciplinar as relações de adoção entre pessoas domiciliadas em países
europeus, pois naquela época não se previa o grande movimento de adoções que
se realizariam entre os cones Norte-Sul109.
É uma convenção que apresenta certa complexidade. O
objetivo é o reconhecimento da adoção internacional110.
No entanto, daí por diante, várias Convenções foram sendo
realizadas a fim de se tratar do tema.
Destarte, em 1967, os países membros do Conselho da
Europa, reunidos na cidade de Estrasburgo, no dia 24 de abril de 1967,
elaboraram a Convenção Européia em Matéria de Adoção de Crianças, com a
finalidade de unificar e regular algumas regras sobre a adoção111.
107 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 32. 108 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 482. 109 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 32. 110 SZNICK, VaJldir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 483. 111 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 33.
60
Esta Convenção teve poder coercitivo para os membros
signatários e pretendia, com isso, além de propiciar uma união maior entre os
membros do Conselho da Europa, ajustar divergências entre as legislações
internas. Apesar de não abordar temas essenciais sobre a adoção, vigora entre
os países membros do Conselho da Europa112.
Em 20 de maio de 1980, o Conselho da Europa novamente
se reuniu em Luxemburgo e acordou sobre a Convenção Européia sobre o
Reconhecimento e a Execução das Decisões Relativas à Guarda de Menores e
sobre o Restabelecimento da Guarda de Menores113.
Ainda em 1980, concluiu-se a Convenção sobre os Aspectos
Civis do Rapto Internacional de Crianças (Convencción sobre los aspectos civiles
de la subtracción internacional de menores), concluída em Haia, em 25 de
outubro de 1980, durante a 14ª Conferência de Haia de Direito Internacional
Privado, e teve como objetivo a proteção da criança, no plano internacional, dos
efeitos prejudiciais resultantes da mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita
e estabelecer as formas que garantissem o regresso imediato da criança ao
Estado da sua residência habitual; velar para que os direitos da custódia e de
visita vigentes em um dos Estados contratantes fossem respeitados nos demais
Estados contratantes114.
Esta Convenção objetivava, também, impor respeito aos
direitos e interesses da criança quando tivesse sido transferida irregularmente de
sua residência para outro país, sendo-lhe assegurado o direito de imediato
regresso115.
112 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 33. 113 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 33. 114 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 34. 115 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 34.
61
Em 7 de março de 1983, o Instituto del Niño, órgão da
organização dos Estados Americanos – OEA, reunido na cidade de Quito, para a
III Conferência Interamericana de Direito Privado, elaborou as Bases para um
Proyecto de Convención Interamericana sobre Adopción de Menores116.
O art. 1º desta Convenção define que “a adoção
internacional de menores como aquela em que os adotantes e o adotado tenham
residência habitual em países diferentes”.
Em 24 de maio de 1984, em La Paz, a Organização dos
Estados Americanos – OEA voltou a discutir o tema, no âmbito da 3ª Conferência
Interamericana de Direito Internacional Privado (CIDIP-III), surgindo, daí, a
Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Adoção de
Menores117.
Apesar dos esforços dos países membros da OEA, o texto
acordado em La Paz, inclusive pelo Brasil – pelo fato de o texto convencional
adequar-se à legislação brasileira –, não respondeu ao apelo internacional na
solução dos conflitos, pelo fato de não conseguir abranger os países de adotantes
e países adotandos118.
Em 15 de julho de 1989, a Organização Interamericana de
Direito Internacional Privado, na cidade de Montevidéu, originando a Convenção
Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores (Convención
Interamericana sobre Restitución Internacional de Menores)119.
116 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 34. 117 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 35. 118 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 35. 119 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 35.
62
Essa Convenção foi promulgada, no Brasil, pelo Decreto
Presidencial 1.212, de 3 de agosto de 1994, sem quaisquer reservas ou
ressalvas.
Através da Resolução 3.028, XXVII, de 18 de dezembro de
1972, que recebeu o nome de Conferência das Nações Unidas para uma
Convenção Internacional sobre o Direito da Adoção, a Organização das Nações
Unidas tentou aglutinar os países membros para estudar e pesquisar os diversos
programas e legislação sobre proteção de menores. A partir deste estudo, a ONU
instituiu a Resolução nº 41/85, de 3 de dezembro de 1986, que serviu de
parâmetro à Declaração sobre os princípios sociais e jurídicos aplicáveis à
proteção e ao bem-estar dos menores, tendo como finalidade a prática da adoção
e outras atividades de colocação familiar no plano nacional e internacional120.
Essa Resolução também inspirou a Assembléia Geral da
ONU que, em 20 de novembro de 1989, proclamou a Convenção sobre os
Direitos da Criança, estabelecendo nos artigos 20, 21 e 35, a proteção especial
dos menores sem família, a adoção nos níveis nacional e internacional e a venda,
tráfico e seqüestro de menores. Nela a ONU proclamou, através de sua
Assembléia Geral, o documento mais importante sobre a proteção infanto-juvenil:
a Convenção sobre os Direitos da Criança, com caráter vinculante para todos os
países membros121.
A Convenção sobre os Direitos da Criança entrou em vigor
internacional em 2 de setembro de 1990, sendo aprovada pelo Congresso
Nacional Brasileiro pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990. O
Brasil ratificou a Convenção em 24 de setembro de 1990, tendo sua vigência no
dia 23 de outubro de 1990. Legalmente, essa Convenção tornou-se exigível em
solo brasileiro através do Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990122.
120 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 36. 121 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 36. 122 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 37-38.
63
Por fim, a Conferência de Haia de Direito Internacional
Privado, na sua 16ª reunião, em outubro de 1988, decidiu que a Organização
deveria, em conjunto com os Estados membros, instituir uma nova Convenção
sobre a adoção internacional que fosse mais eficiente e vinculativa para as
nações123.
Os países que originariamente foram signatários desta
Convenção são os seguintes: Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, China,
Canadá, Chipre, Tcheco-Eslováquia, Dinamarca, Egito, Finlândia, França,
Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México,
Países Baixos, Noruega, Polônia, Portugal, Espanha, Suriname, Suécia, Suíça,
Reino Unido de Grã Bretanha e Irlanda do Norte, Estados Unidos da América,
Uruguai, Venezuela e Iugoslávia, tendo o Brasil, como já dito anteriormente,
participado como membro ad hoc, pois na época não era membro da conferência
de Haia de Direito Internacional Privado, como ocorre no presente124.
Aqui no Brasil, o texto da Convenção relativa à proteção e à
cooperação internacional em matéria internacional, concluída em 29 de maio de
1993, foi encaminhado ao Congresso Nacional, nos termos do inciso I do art. 49
da CRFB/88, através da Mensagem 865/93, do Poder Executivo. No dia 19 de
abril de 1995, o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo nº 65, publicado
no DOU do dia 28 de abril de 1995, aprovando o texto da referida Convenção125.
Por último figura a Convenção Relativa à Proteção e à
Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional, firmada durante a
17ª Seção da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, em 1993,
aprovada no Brasil através do Decreto nº 63, de 1995 em seu art. 1º. Em 14 de
123 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 38. 124 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional: a Convenção de Haia e a normativa brasileira – uniformização de procedimentos. 1. ed. 2. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 49. 125 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 44.
64
janeiro de 1999, o Decreto Legislativo nº 1, de 1999, aprovou o texto da
Convenção, revogando o Decreto nº 63, de 1995. Em 08 de fevereiro de 1999,
ratificou.
Costa126 assevera que:
A Convenção de Haia de Direito Internacional Privado Relativa à Proteção de Crianças e à Colaboração em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993, pode ser considerada a primeira Convenção verdadeiramente internacional a regular a adoção, instituto que de há muito ultrapassou as fronteiras regionais, para tornar-se um fenômeno de efetivo interesse mundial.
Melo Junior127 afirma que:
[...] historicamente quem deu o “start”, quem provocou a Convenção foi a Itália. Ela fez um ofício à Conferência Permanente de Haia. Eles já tinham a intenção, já haviam discutido anteriormente essa questão, mas a Itália, pro problemas que estava vivenciando, entendeu de fazer tal provocação. O professor Van Lon, que é o secretário geral desta Convenção, esteve no Brasil quando da primeira fase de elaboração da Convenção, e tive a oportunidade de manter contato com ele. Elaborou-se essa Convenção por quê? Primeiro porque houve um aumento na década de sessenta de adoções internacionais, que passou a ser um fenômeno mundial, caracterizado pela migração de crianças para países localizados a distâncias geográficas muito grandes, e em sociedades e culturas completamente distintas.
126 COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção Transnacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1988, p. 188. 127 MELO JUNIOR, Samuel Alves. Visão geral da Convenção de Haia e pontos mais importantes – A Convenção e o Estatuto da Criança e do Adolescente. In Infância e Cidadania. nº 4 (Org. Luiz Carlos Figueiredo). InorAdopt São Paulo: 2000, p. 75 a 91.
65
Figueiredo128 assevera que considerando a magnitude e
gravidade do problema, bem como os sucessivos fracassos das iniciativas
anteriores, pode-se dizer que a Convenção de Haia sobre adoção internacional
representa um verdadeiro milagre de junção em um único texto de interesses tão
conflitantes e que a história haverá de fazer justiça aos seus idealizadores e
participantes das fases iniciais de negociação, em especial ao professor J. H. A.
Van Lon, secretário geral do birô permanente da Conferência de Haia, pela
persistência, tenacidade e denodo com que enfrentara todos os obstáculos para
materializar esta proposta que congrega as diversas visões sobre a adoção
internacional.
Com a ratificação da Convenção de Haia referente à Adoção
Internacional, o Brasil assume uma posição de vanguarda em relação aos demais
Países signatários, demonstrando que suas diretrizes caminham em direção à
proteção dos direitos da criança e do adolescente129.
3.3 PROCEDIMENTOS PARA ADOÇÃO POR ESTRANGEIROS
3.3.1 A preferência em favor dos nacionais
O art. 19 do ECA assegura o direito de convivência familiar,
consoante o comando do art. 226 da CRFB/88, mas expressamente prioriza
aquela natural e coloca a família substituta com excepcional. Disso decorre que,
seja para uma adoção para brasileiro, seja para estrangeiro, primeiramente
haverá que se comprovar que houve tentativa real de manter na família
biológica130.
128 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção Internacional: Convenções Internacionais. In Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina – ESMESC. Florianópolis, 1998, v. 4, p. 20 a 30. 129 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 46. 130 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 83.
66
É por isso que o art. 23 da mesma lei diz que “a falta ou a
carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou
suspensão do pátrio poder”, resultando que a pobreza dos pais não pode ser
invocada como justificadora do deferimento de uma adoção131.
Não há qualquer impedimento constitucional ou legal para
que estrangeiro domiciliado no exterior adote criança brasileira. No entanto, para
que isso ocorra faz-se indispensável que tenha sido aberta a possibilidade para a
adoção ser procedida por brasileiro, a teor do art. 227, § 5º e dos arts. 31, 50, 51
e 169 do Estatuto132.
No tocante à existência, ou não, de preferência entre
pretendentes, vale destacar que a leitura do art. 38 e seus parágrafos revela que
o legislador alçou as questões relativas à afinidade, afetividade e parentesco
como preponderantes para evitar ou pelo menos minimizar efeitos negativos
decorrentes da medida de colocação em família substituta.
Entende Figueiredo133 que o legislador foi sábio em todos os
sentidos e bastante feliz ao redigir as disciplinas sobre essa matéria. Primeiro ao
generalizar tais preferências para todas as formas de colocação em família
substituta; segundo por não estabelecer uma gradação entre elas, ao contrário do
que se observa, por exemplo, no texto do CCB sobre Tutela, onde a preferência
clara é a do parentesco e até dos parentes paternos sobre os maternos, a qual
consubstancia forma artificial e superficial de enfrentamento das questões das
relações humanas.
Será na análise pontual de cada caso que se verificará, à luz
do art. 6º do ECA, qual dentre eles deva prevalecer. Se for possível conjugar os
três atributos em uma mesma pessoa, será sempre o ideal e a quase certeza do 131 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 83. 132 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 83. 133 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 87.
67
sucesso da colocação na família substituta. Se não for, e havendo a possibilidade
de alternativas de famílias nas quais a criança/adolescente possa ser colocada, é
o interesse superior desta que deve preponderar134.
Assevera Figueiredo135 que, embora a adoção seja a mais
consistente e definitiva forma de colocação em família substituta, e a Guarda,
aquela mais incompleta, este ultimo Instituto, exatamente pela sua fácil
revogabilidade, se presta melhor para os casos mais traumáticos, para
adolescentes e para situações em que exista disputa para definir com quem
deverá o mesmo ficar, funcionando a Guarda como uma espécie de período de
estágio de convivência que justificará ou não a concessão futura de uma forma
mais perene de colocação em família substituta.
3.3.2 Cadastro de Estrangeiros Interessados em Adoção e de Crianças e
Adolescentes em Condições de Serem Adotados
Fixado o entendimento de que tanto para a CRFB/88 quanto
para o ECA, os nacionais possuem prioridade na adoção e, por conseqüência,
inviabilizando os pedidos de adoção expressa ou cumulados com decretação de
perda do pátrio poder em favor de estrangeiros, impõem-se algumas referências
em favor de estrangeiros, pretendentes nas comarcas e nas Comissões Estaduais
Judiciárias de Adoção, ao qual o ECA submeteu obrigatoriamente as adoções
internacionais136.
Em relação aos cadastros de menores, assevera Figueiredo
que é de se dizer que, ainda na vigência do Código de Menores, eram eles
encontrados em várias comarcas brasileiras, como forma de disciplinar as longas
filas de espera dos pretendentes à adoção, no entanto, sem cunho obrigatório,
134 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 87. 135 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 88. 136 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 88.
68
diante da falta de previsão legal, normalmente sem distinguir critérios de
prioridade que não a burocrática ordem de inscrição137.
A partir da vigência do ECA foi estabelecida a
obrigatoriedade do prévio cadastramento dos pretendentes e das crianças em
todas as comarcas e se estabeleceu regras e condições próprias para inscrição
de adotantes estrangeiros, destacando-se, entre elas: prévia autorização do país
dos adotantes; estudo psicossocial feito por órgão oficial ou entidade credenciada;
autenticação dos documentos em consulado brasileiro; prova da vigência da Lei
do país estrangeiro autorizando adoção internacional etc138.
Sendo promovida por brasileiros ou estrangeiros, o ECA
indica que no processo de adoção precisam ficar claros quatro aspectos para que
esta seja deferida, quais sejam: que os adotantes ofereçam ambiente familiar
adequado; que não revelem, por qualquer modo, incompatibilidade com a
natureza da medida; que o pedido se funde em motivos legítimos; que a adoção
represente real vantagem para o adotando139.
Uma boa regra interpretativa nesses casos deve ser a
utilização intensiva do art. 43 do ECA que diz: “A adoção será deferida quando
apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.
A respeito deste assunto, Marques140 assevera que “as
adoções internacionais ficaram igualmente submetidas ao princípio do art. 43 do
Estatuto e só serão concedidas se apresentarem reais vantagens para o
adotando e, principalmente, fundarem-se em motivos legítimos”.
137 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 88. 138 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 88. 139 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 89. 140 MARQUES, Claudia Lima. Novas regras sobre adoção internacional no direito brasileiro. In RT-692. São Paulo: 1993, p. 15.
69
A propósito, Melo Junior141 também acrescenta que:
[...] há medias que podem e devem ser tomadas pelas atuais Cejas e Cejais em consonância e com o amparo do nosso ordenamento jurídico interno, visando assegurar o primado, no mínimo por preceitos éticos e morais, contidos no art. 1º, letra “a”, da Convenção que trata da cooperação de campo da adoção internacional e que diz: A presente Convenção tem como objetivo: a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais tenham lugar em consideração ao interesse superior das crianças e ao respeito dos direitos fundamentais reconhecidos pelo direito internacional.
A respeito de quem pode ser adotado em uma adoção
internacional cabe destacar que o art. 2º do ECA auto-limita a sua aplicabilidade a
pessoas de até 18 anos, mas o seu parágrafo único diz que, excepcionalmente,
nos casos expressos em lei, suas normas são aplicáveis até os 21 anos. Disso
decorre que: a) para pessoas de 18 a 21 anos, tanto são aplicáveis as regras do
CCB (art. 368 e ss), com a adoção contratual, revogável, sem efeitos plenos,
como as regras do ECA, mas, neste ultimo caso, impõe-se que haja tutela (que
vai até os 21 anos), ou guarda (que cessa aos 18 anos); b) como o art. 31 não
admite outra forma de colocação em família substituta não nacional que não seja
a adoção, é impossível que a excepcionalidade do art. 40 seja aplicável a
estrangeiro domiciliado no exterior, pois este não pode obter guarda ou tutela que
são pressupostos de admissibilidade para a aplicação da exceção.
3.3.3 Requisitos para a adoção nacional e internacional
A matéria tocante aos procedimentos de adoção encontra-se
regulada nos arts. 165 a 170 do ECA e essas regras gerais aplica-se também aos
nacionais e internacionais.
141 MELO JUNIOR, Samuel Alves. Cejas e Cejais à Luz das Convenções Internacionais, Infância e Cidadania nº 01. Inoradopt. São Paulo: 1998, p. 91.
70
O ECA também determina, nos arts. 29, 42 e 51, que o
interessado em adoção, estrangeiro, deve preencher os seguintes requisitos
pessoais:
a) ser maior de vinte e um anos de idade, independentemente do estado civil; b) se a adoção for realizada por ambos os cônjuges ou concumbinos, pelo menos um deles deverá ter completado vinte e um anos de idade; c) comprovar a estabilidade da relação conjugal; d) ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotando; e) estar habilitado à adoção, segundo as leis de seu país; f) apresentar estudo psicossocial elaborado por agência credenciada em seu país; g) ter compatibilidade com a adoção e oferecer ambiente familiar adequado142.
Liberati143 afirma que, para se ter uma idéia global sobre os
requisitos pessoais do adotante é interessante notar o que dizem as legislações
alienígenas acerca do assunto. Desta forma, o autor destaca o art. 175 do Código
Civil espanhol que reza:
Art. 175. La adopción requiere que el adoptante tenga veinticinco años. Em la adopción por ambos os cónyuges basta que uno de ellos haya alcanzado dicha edad (...)
Também cita a Legge nº 184, que regula a adoção na Itália,
que é mais restrita e permite a adoção somente por cônjuges que estejam
casados há pelo menos três anos. Essa mesma lei determina, no art. 30, que os
candidatos à adoção internacional devem requerer ao tribunal competente a
declaração de idoneidade144.
142 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 88. 143 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 88. 144 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 88-89.
71
Os magistrados italianos Francesca Ichino e Mario Zevola
anotam que na Itália os cônjuges que desejam adotar devem: a) estar casados há
pelo menos três anos; b) não estar separados nem de fato; c) ter ao menos um
dos cônjuges, dezoito anos e não mais que quarenta anos de diferença do
adotado145.
Vários são outros exemplos de países citados por Liberati,
apenas para demonstrar o qual diferentes podem ser as regras de adoção em
cada país, devendo serem estas respeitadas em território brasileiro por ocasião
da adoção internacional.
Assevera Liberati146 que o patamar da idade colocada pelos
legisladores dos diversos países como requisito essencial de procedibilidade no
processo de adoção está intimamente ligado com o amadurecimento psicológico
do interessado. A idade mínima estipulada segue uma convenção
internacionalmente estabelecida, como para a fixação da idade para contrair
matrimônio, para conduzir veículos, para o estabelecimento da responsabilidade
penal etc.
Liberati147 salienta, entretanto, que as legislações dos
diversos países, colocando a idade mínima entre 21 e 35 anos, procuram imitar a
evolução do comportamento humano, no sentido de que é nessa faixa etária que
as pessoas normalmente contraem matrimônio e têm filhos.
Além da questão da idade, as legislações sobre a condição
civil do adotante. Umas só admitem a adoção por pessoas casadas, outras a
permitem para solteiros, viúvos ou concubinos. Mas na maioria delas se verifica
um ponto em comum: duas pessoas somente podem adotar se forem casadas148.
145 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 89. 146 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 92. 147 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 92. 148 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 92-93.
72
No entanto, o ECA não faz qualquer restrição a respeito,
podendo ter legitimidade ativa para a adoção o casado, o solteiro, o viúvo, o
divorciado, o concubino, conforme reza o art. 42 que estabelece que todos
aqueles que têm mais de 21 anos podem adotar “independentemente do estado
civil”.
Processualmente falando, além dos pré-requisitos, a lei trata
do pedido não contencioso e do litigioso. No primeiro caso, o legislador elencou
as hipóteses de falecimento dos pais; da destituição ou suspensão do pátrio
poder destes e, finalmente, a adesão expressa dos genitores, todas elas podendo
ser processadas sem assistência de advogado149.
A lei fala que o juiz deve determinar a realização de estudo
social, se possível, parecer por equipe interprofissional, de ofício ou a
requerimento das partes, ou do Ministério Público, aplicável às adoções por
brasileiros ou estrangeiros. Nessa ocasião o juiz deve decidir sobre a guarda
provisória, procedimento este não aplicável aos estrangeiros, e sobre o estágio de
convivência, nos casos de adoção nacional e internacional150.
Tão logo apresentado o relatório social e o laudo pericial,
deve, sempre que possível, ouvir a criança e obrigatoriamente o adolescente,
dando-se vistas ao Ministério Público, por cinco dias decidindo a autoridade
judiciária em igual prazo.
Como as adoções internacionais são feitas para crianças
cujos pais sejam desconhecidos ou tenham tido decretada a perda do pátrio
poder, convém destacar que estão legitimados para propor tal ação tanto o
Ministério Público quanto “quem tenha legítimo interesse”. Tal expressão,
149 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 110. 150 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 110.
73
conforme explica Figueiredo151, deve ser entendida como o legítimo interesse do
CCB (art. 76) e o interesse e legitimidade do CPC (art. 3º), subdividido em
jurídico, moral e econômico, pois, se o legislador não tivesse interessado em
ampliar o leque dos sujeitos ativos, teria repetido a expressão “parente próximo”
do CCB ou mesmo se valido dos dizeres: “nos termos de lei civil”.
Figueiredo152 também defende a tese da legitimação do
adotante estrangeiro para propor ação de Decretação de Perda do Pátrio poder,
na hipótese de o Ministério Público manter-se silente e na inércia de outros
legitimados, sob pena de se perpetuar a vulnerabilização ou o abrigamento. Para
tanto, como juízo de admissibilidade, deverá demonstrar a prévia autorização do
país de origem (facultativamente a prova da ratificação da Convenção de Haia, se
for o caso); o laudo de habilitação da Comissão Estadual de Adoção e o
cadastramento no cadastro do Juizado. Isto não se confunde com a possibilidade
de pedido cumulado com adoção ou de adesão expressa, que são impossíveis
para estrangeiros.
Explica Liberati153 que, apesar de adotar plenamente, os
estrangeiros ainda foram contemplados com outras exigências, relacionadas à
produção de provas documentais – diversas das dos nacionais -, em virtude da
própria condição de estrangeiros.
Na lição de Sznick154 o interessado na adoção deverá
apresentar uma documentação inicial, para se candidatar à adoção com requisitos
baseados na legislação do país de origem, além de uma comprovação social.
151 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 112. 152 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção internacional, p. 113. 153 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 94. 154 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 465.
74
Ademais, sem documentos idôneos os interessados
estrangeiros não poderão adotar no Brasil. Os documentos necessários à
habilitação perante a Comissão Judiciária Estadual de Adoção Internacional
devem estar traduzidos por perito oficial e chancelados pela autoridade consular.
De igual modo, a lei autoriza e habilita o interessado no seu país de origem deve
indicar sua validade155.
Entende Sznick156 que para o Brasil, a adoção por
estrangeiro não residente no país deveria ter a sua documentação apresentada
ao Ministério da Justiça, que faria esse exame de admissibilidade e, ao depois,
encaminharia à comarca, para o respectivo andamento. Isto para que houvesse
um maior controle das adoções internacionais, já que, através desse exame de
admissibilidade seria possível ter um controle único, e não pulverizado, como
ocorre diretamente às comarcas onde reside a criança a ser adotada.
No entanto, ressalta este autor que o objetivo principal desta
forma de controle se dá porque quando um estrangeiro adota um brasileiro, o
pedido e a autorização vêm concedidos através do Ministério da Justiça. Com a
adoção por estrangeiro residente fora do país, e como com essa adoção e
mudança de domicílio o menor vão não só adquirir nova nacionalidade, do país de
origem do adotante, mas, em conseqüência, perder a nacionalidade, os casos de
perda são, também, de competência do Ministério da Justiça157.
Ressalte-se que todos os obstáculos existentes àqueles
pretendentes à adoção servem como uma defesa para o adotando que quer ver
sua situação definida e em melhores condições que a vivida antes da adoção.
155 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 106-107. 156 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 468. 157 SZNICK, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional, p. 468.
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Essas exigências, ao ver de Liberati158, são, sem dúvida nenhuma, de grande
valia para que o instituto da adoção tenha sua credibilidade restabelecida.
158 LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional, p. 109.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto da Adoção Internacional vem sendo cada vez
mais utilizado por aqueles estrangeiros residentes fora do país e que desejam
adotar crianças brasileiras.
Devido a este aumento no numero de pretendentes à
adoção, e em virtude da preocupação em garantir-se os interesses do menor, a
partir da CRFB/88 e do ECA, o legislador brasileiro procurou dificultar os casos de
tráfico de menores, disciplinando as situações em que as crianças brasileiras são
colocadas à disposição destas famílias, dificultando a colocação das crianças em
famílias substitutas estrangeiras, ou seja, determinando que esta somente seria
possível anteriormente à CRFB/88, estabelecendo ainda, prazos mínimos para o
estágio de convivência, que deve ser cumprido integralmente em solo nacional e
que, a adoção por estrangeiro, na forma da lei, deverá ser assistida por membro
do Parquet.
Através deste trabalho buscou-se apresentar com clareza os
requisitos necessários para a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros
residentes fora do Brasil.
Assim, pôde-se constatar, através da pesquisa efetuada,
que alguns dos requisitos necessários são: ser maior de vinte e um anos de
idade, independentemente do estado civil; se a adoção for realizada por ambos os
cônjuges ou concumbinos, pelo menos um deles deverá ter completado vinte e
um anos de idade; comprovar a estabilidade da relação conjugal; ser, pelo menos,
dezesseis anos mais velho que o adotando; estar habilitado à adoção, segundo
as leis de seu país; apresentar estudo psicossocial elaborado por agência
credenciada em seu país; ter compatibilidade com a adoção e oferecer ambiente
familiar adequado.
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Além destes requisitos, há a questão da análise psicológica
e social, que deve ser levada em conta com bastante cautela, tendo em vista o
fato de se estar enviando uma criança brasileira para viver em solo estrangeiro.
Não se pode esquecer que a preferência para a adoção de
qualquer criança é sempre de brasileiros, não podendo, no entanto, ser esta uma
questão discriminatória, haja vista que, conforme já falado, o interesse e o bem
estar do menor é que deve permanecer.
O fato é que a adoção por família estrangeira é um fato
jurídico que muito vem levantando muitas discussões doutrinárias, exigindo do
legislador um grande empenho em aperfeiçoar a legislação que trata do assunto.
As exigências são inúmeras para os estrangeiros que
desejam adotar uma criança brasileira, mas isto se deve aos cuidados
necessários para impedir o tráfico de menores, haja vista que não são poucos os
casos de tráfico internacional de crianças para fins ilícitos.
Mas o fato é que se, através do excesso de zelo, criam-se
barreiras que inviabilizam a adoção internacional, há que se ressaltar que todos
os obstáculos existentes àqueles pretendentes à adoção servem como uma
defesa para o adotando que quer ver sua situação definida e em melhores
condições que a vivida antes da adoção. Essas exigências, sem dúvida nenhuma,
de grande valia para que o instituto da adoção tenha sua credibilidade
restabelecida.
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