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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO – CAMPUS BIGUAÇU NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – NPJ COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA GUILHERME FELIPE MIGUEL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA CULPA IN VIGILANDO POR VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA E À VIDA DO PRESO SOB SUA CUSTÓDIA Biguaçu-SC 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURPS

CURSO DE DIREITO – CAMPUS BIGUAÇU NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – NPJ

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

GUILHERME FELIPE MIGUEL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA CULPA IN VIGILANDO POR VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA E

À VIDA DO PRESO SOB SUA CUSTÓDIA

Biguaçu-SC 2009

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GUILHERME FELIPE MIGUEL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA CULPA IN VIGILANDO POR VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA E

À VIDA DO PRESO SOB SUA CUSTÓDIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito, na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de Biguaçu, sob a orientação do Profª. MSc. Eunice Aniseta de Souza Trajano.

Biguaçu-SC 2009

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GUILHERME FELIPE MIGUEL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA CULPA IN VIGILANDO POR VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE FÍSICA E

À VIDA DO PRESO SOB SUA CUSTÓDIA

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas.

______________________________________________

Profª. Eunice Anisete de Sousa Trajano, MSc - UNIVALI

Orientadora

_____________________________________________

Prof. Celso Wiggers, MSc - UNIVALI

_____________________________________________

Prof. Nilton João de Macedo Machado, MSc - UNIVALI

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DEDICATÓRIA

“Amada mãe, mesmo sendo contrária em ter um filho jogador de futebol, nunca impediste que eu tornasse realidade aquele sonho de criança, com a promessa de que nunca abandonasse o estudo. Não abandonei... Você me permitiu sonhar e me amparou quando prematuramente encerrei a carreia de jogador. Por mim trabalhaste uma vida, sempre muito sofrida, deste-me amor, nesta luta de vida que sempre me direcionava ao lado contrário daquilo que buscava. Dedicada mãe, és a responsável por minha formação, contigo dividi minhas derrotas e agora te dedico minhas conquistas, pois estas são fruto do maior exemplo de vida que tive, você.” Meu irmão, você é exemplo de hombridade, caráter e humanismo, qualidades raras dos dias de hoje. Já saímos no braço várias vezes, mas e ai… a gente é irmão, não é? Conhece a frase: “Ninguém bate no meu irmão, somos nós!”? Obrigado por tudo, e espero que esta monografia te inspire no término de sua caminhada no curso de medicina. Obrigado “Doutor”... Minha querida esposa, você e nossas filhas são a grande razão de toda a minha felicidade, agradeço a compreensão e paciência nos momentos em que me fiz ausente para o termino desta pesquisa. Sei que não foi fácil para você, e apesar de todas as dificuldades que atravessamos, sobrevivemos juntos e assim venceremos. Por essas e outras que a ti também dedico esta pesquisa e termino escrevendo em primeira pessoa para tentar expressar em frases o que muitas vezes só o coração consegue falar. Muito Obrigado!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter iluminado minha vida com Lívia Azevedo Miguel e

Sofia Azevedo Miguel, minhas filhas. Meu eterno amor por vocês.

Agradeço a minha orientadora, Professora, Mestre, Eunice Trajano, pela

carinhosa acolhida e primorosa orientação no estudo desta monografia, assim como

pela possibilidade de ver e conviver tão perto com esta união de delicadeza

intelectual e sinceridade nela concretizada. Por nossas conversas, sempre

acompanhadas de tamanha amizade e cordialidade, uma verdadeira lição de

sabedoria, em gestos e palavras, sempre também tão sábias.

Agradeço a todos os professores desta universidade pelo gentil acolhimento

que sempre tive nos momentos em que necessitei, assim como a todos os colegas

que fizeram parte da minha trajetória acadêmica; com certeza, guardarei cada um

em meu coração.

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“Ninguém pergunta o que o preso perdeu

com a prisão...”

(De um preso da penitenciária de

Florianópolis)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, Junho de 2009.

Guilherme Felipe Miguel

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RESUMO O objetivo da prisão está em reeducar e ressocializar o infrator, diante do delito praticado. Contudo, se havia excelentes intenções por parte do legislador, a sua aplicação plena diante da caótica estrutura e condições sub-humanas do sistema prisional se mostra muito difícil. A superlotação dos presídios, a falta de agentes penitenciários e seu despreparo, a infraestrutura prisional precária, longe de reeducar o preso, acabam por inseri-lo numa “escola do crime”. De qualquer forma, essa situação desesperadora concorre para transformar as unidades prisionais brasileiras que, longe da reeducação do preso, se tornam locais em permanente estado de tensão, onde eclodem rebeliões, espancamentos, brigas e, não raro, mortes. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, 6 º, informa, de maneira expressa, que o Estado responde de forma objetiva pelos danos causados aos administrados por atos dos agentes públicos; neste caso, estariam os presos, por estarem sob custódia das autoridades judiciárias, também amparados por este dispositivo. Assim, torna-se necessário comprovar o nexo de causalidade estabelecido entre o dano e a lesão suportada, a título de uma futura reparação por danos materiais e até mesmo morais. Através de uma pesquisa bibliográfica, esta monografia objetiva realizar um estudo referente à responsabilidade civil do Estado pela integridade física ou pela morte dos presos que se encontram inseridos nas unidades prisionais brasileiras. Palavras-chave: Sistema Prisional Brasileiro; Responsabilidade Civil do Estado; Presos; Integridade Física.

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ABSTRACT The purpose of prison is resocialization and re-educate the offender, before the offense charged. However, there was good intent by the legislature, its full implementation before the chaotic structure and subhuman conditions of the prison system are very difficult. The overcrowding of prisons, the lack of prison staff and their lack, the infrastructure poor prison, far from re-educate the prisoner, just by inserting it into a "school of crime". Anyway, this desperate turn contributes to the units that Brazilian prisons far from the prisoner rehabilitation, become places in permanent state of tension, where rebellions hatch, beatings, fights and often death. The Constitution of 1988, in his art. 37, 6, expressly informed that the state responds to an objective for the damage caused by acts of the administration officials, and here are the prisoners, and those in custody of the judicial authorities, also supported by this device. Thus, it is necessary to prove the causal link between the damage and injuries borne by way of a future repair of damage and even moral. Through a literature search, this paper aims to conduct a study regarding the liability of the State by the death or physical integrity of prisoners that are inserted in the Brazilian prison units. Keywords: Brazilian Prison System, Civil Liability of the State; Prisoners; physical integrity.

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LISTA DE ABREVIATURAS ApC – Apelação Cível Apud – citado por Art. – Artigo CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional Inc – Inciso LEP– Lei de Execuções Penais OEA – Organização dos Estados Americanos ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas Op. Cit – Opus Citatun – Obra citada PM – Polícia Militar STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

TPI – Tribunal Penal Internacional

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 12

1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO..................................................

16

1.1 DEFINIÇÃO....................................................................................................... 16

1.1.1 Culpa in vilgilando........................................................................................ 19

1.2 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO............................... 20

1.2.1 Teoria da irresponsabilidade....................................................................... 20

1.2.2 Teoria Civilista............................................................................................. 22

1.2.3 Teoria do risco ............................................................................................. 24

1.3 PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL......................................................................... 26

1.4 PREVISÃO CONSTITUCIONAL........................................................................ 28

1.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO.............................................. 31

1.6 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO............................................ 33

1.7 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE..................................................... 38

1.7.1 Caso fortuito e Força maior......................................................................... 39

1.7.2 Culpa da vítima............................................................................................. 40

2 A LEGISLAÇÃO QUE ASSEGURA A INTEGRIDADE FÍSICA DO PRESO......

42

2.1 DEFINIÇÃO DE PRESO/DETENTO.................................................................. 42

2.2 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL.................................................................... 44

2.2.1 Dos princípios constitucionais.................................................................... 46

2.2.2 Dignidade da pessoa humana..................................................................... 48

2.2.3 Direito à vida................................................................................................. 55

2.2.4 Direito à segurança....................................................................................... 59

2.2.5 Direito à saúde.............................................................................................. 61

2.3 PREVISÃO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO............................................... 63

2.4 PREVISÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL.................................................... 65

2.5 POSSIBILIDADES DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM

JURÍDICA INTERNACIONAL..................................................................................

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3 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA INTEGRIDADE DO PRESO....

3.1 A ESTRUTURA ATUAL DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO................... 74

3.1.1 Origem........................................................................................................... 77

3.1.2 Características.............................................................................................. 80

3.2 A TUTELA DO ESTADO JUNTO AO PRESO................................................... 83

3.2.1 A questão do suicídio................................................................................... 84

3.3 DANO MORAL................................................................................................... 87

3.3.1 Conceito......................................................................................................... 87

3.3.2 Reparação do dano moral............................................................................ 88

3.3.3 O Quantum indenizatório do dano moral................................................... 90

3.3.4 Dano emergente e Lucro cessante............................................................. 93

3.4 A POSTULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO............................................................... 94

3.5 O QUANTUM A SER POSTULADO.................................................................. 96

3.5.1 As despesas decorrentes do evento.......................................................... 97

3.5.2 O tempo de prestação alimentar................................................................. 98

3.5.3 O valor da prestação alimentar................................................................... 100

3.6 LEGITIMIDADE PARA POSTULAR.................................................................... 101

3.6.1 Prescrição da ação indenizatória................................................................. 104

3.7 QUEM PODE RESPONDER............................................................................... 105

3.8 A DEFESA DO ESTADO..................................................................................... 106

3.8.1 Decisões Favoráveis...................................................................................... 108

4 CONCLUSÃO........................................................................................................

111

REFERÊNCIAS.......................................................................................................

115

74

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INTRODUÇÃO

A responsabilidade se fundamenta no fato de alguém responder por um

ato realizado, ou não, acarretando um evento lesivo a outrem. A responsabilidade

abrange, neste sentido, uma vinculação entre o pretérito, ou seja, o dano, e o

conseqüente, o dever de reparação exigido através da coerção jurídica. Surge a

questão da responsabilidade civil do Estado, marcada por controvérsias, muitas

vezes, intransponíveis doutrinas e jurisprudências, sendo que, ao longo da história,

inúmeras alcançaram este instituto, adaptando-se à realidade e à dinâmica dos

novos tempos, como um reflexo da própria evolução do Estado.

Com relação à responsabilidade civil do Estado, esta merece ser

compreendida como a obrigação legal que lhe é imposta, objetivando ressarcir os

prejuízos acarretados aos cidadãos, oriundos do exercício das atividades públicas.

Indubitavelmente, na atualidade, informa-se que a responsabilidade civil do Estado

é aceita de forma universal, para que este recomponha o patrimônio afetado em

virtude de seus atos. Esta responsabilidade, como ocorre no Direito Privado, refere-

se à obrigação de reparar os danos patrimoniais acarretados a terceiros, posto a

termo através da satisfação ou pagamento por meio da indenização.

O que autoriza o Estado a determinar uma pena, privando de liberdade os

condenados por alguma infração, está na exigência de proteção de alguns bens de

forma a patrocinar a paz social. Num Estado Democrático de Direito, o Estado está a

serviço dos cidadãos, que é o objeto principal de proteção, sendo inadmissível a

redução das garantias constitucionais, utilizando-se do direito penal no combate à

violência e ao banditismo.

O caos instalado no sistema prisional brasileiro constitui-se na constatação

de que este sistema faliu e que deve ser totalmente reformulado pelo seu

desvirtuamento. A prisão tornou-se apenas um local onde são “varridos” do meio

social os indivíduos que infringiram a lei, tornando-se um perigo potencial à

sociedade. Os requisitos básicos para uma razoável condição penitenciária,

estabelecidos pela legislação penal brasileira, não estão sendo cumpridos, o que

pode ser observado nas reais condições das prisões brasileiras apresentadas pelos

meios de comunicação e pelas denúncias de presos, por ONGs e pelos mais

diversos operadores do Direito.

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As precárias condições de infraestrutura, o ócio, alimentação, higiene,

assistência médica, falta de perspectivas etc., alimentam a revolta dos presos. A

omissão ou má-administração do Estado, a corrupção e a baixa capacitação dos

agentes prisionais agravam o problema, tornando o ambiente prisional

absolutamente desumano e degradante frente aos objetivos da lei. Por outro lado,

nas prisões brasileiras, de certo modo, há um reino de terror, em virtude da

ampliação das tensões e violência, criando um ambiente extremamente hostil para

os condenados que nela ingressam e que pode ameaçar inclusive suas vidas.

Neste diapasão, a administração penitenciária possui o dever de respeitar os

direitos de seus presos, previstos em lei, e o preso, os deveres e obrigações

inerentes à vida do estabelecimento. Assim, é inadmissível e inconstitucional a

prática de abusos ou quaisquer arbitrariedades pelos agentes penitenciários, que

atuam em nome do Estado durante a estada do preso em suas unidades prisionais.

Foram assegurados aos presos todos os direitos não afetados pela sentença

penal condenatória e que podem ser restringidos somente por imposição da

legislação. A Lei de Execuções Penais (LEP) prevê expressamente as hipóteses em

que os direitos do preso podem ser restringidos dentro do presídio, mas, tanto em

nível constitucional quando pela LEP, os presos ainda possuem o direito à vida, à

dignidade e à integridade física, entre outros direitos fundamentais.

Esta realidade viola diretamente os princípios existentes na Constituição

Federal de 1988 referentes à integridade física e moral do preso, que acaba se

tornando um dos elementos preponderantes que transformam as prisões em antros

disseminadores de criminalidade, originando a violência tanto de presos contra

presos quanto de presos contra os funcionários, ou vice-versa.

Os familiares que se sentirem lesados pela morte ou ferimentos de um de

seus entes preso, em virtude da omissão do Estado em sua responsabilidade de

assegurar a integridade física e demais direitos e garantias fundamentais, podem

propor ações de indenização contra a Administração Pública. A busca pelo

ressarcimento da lesão sofrida torna-se também uma forma de corrigir a atuação da

Administração Pública, notadamente aquela vinculada ao Sistema Prisional. Assim,

o Estado possui a obrigação de corrigir estas irregularidades de tratamento ao

preso, da mesma forma que deve criar condições para que impere a segurança e o

respeito nas relações com os colegas de cela.

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Deste modo a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar se o

Estado é responsável pela integridade física e a vida do preso, dentro do princípio

da “Culpa in Vigilando” através dos fundamentos existentes no ordenamento jurídico

brasileiro que asseguram a sua tutela, bem como demonstrar a atual situação do

sistema prisional brasileiro revelando as inúmeras violações dos direitos daqueles

que se encontram encarcerados.

Neste norte, questiona-se: Diante do instituto da responsabilidade civil, deve

o Estado responder por qualquer ação (ato) ou mesmo uma omissão que

desencadeie um fato lesivo a aquele que se encontre sob sua custódia? O que deve

fazer o judiciário diante de tal situação? Que medidas podem ser tomadas pela

família do lesado?

Assim sendo, para alcançar os objetivos pretendidos do presente trabalho,

usar-se-á o método dedutivo, tendo como ponto de partido determinar a origem e

definição do instituto da Responsabilidade Civil Estado, analisar os direitos

assegurados ao preso no ordenamento jurídico brasileiro e por fim abordar a

responsabilidade civil do Estado sobre a integridade física e a vida do preso e as

hipóteses de excludente desta responsabilidade.

Para abordar as questões acima relacionadas o presente trabalho está

dividido em três capítulos.

No primeiro capitulo iniciar-se-á falando sobre a responsabilidade civil do

Estado suas diferentes teorias relacionadas com o processo de evolução sob o

ponto e vista doutrinário. Abordar-se-á o que prevê o atual Código Civil bem como a

Constituição Federal de 1988, confrontar-se-á a responsabilidade objetiva e a

subjetiva do Estado, bem com as excludentes de responsabilização , seja por, caso

fortuito ou força maior, bem como a culpa exclusiva ou concorrente da vítima.

O segundo capítulo prima em demonstrar as previsões protetivas no

ordenamento jurídico brasileiro daqueles que se encontram sobre a tutela do Estado,

quais sejam, Constituição Federal de 1988, Código Penal, lei de Execuções Penais,

bem como a possibilidade de responsabilização do Estado na ordem jurídica

internacional.

Neste diapasão pretende-se abordar a violação dos direitos do preso pelo

Estado, através de reportagens vinculadas nos órgão de comunicação social.

Reportagens essas que retratam aspectos da natureza desumana os quais vivem os

presos dos quais jamais gostaríamos de assistir.

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O terceiro capítulo desta monografia delineou-se em tratar da

responsabilidade civil do Estado pela integridade física do preso, por conseguinte

descrever sobre a atual estrutura do sistema prisional brasileiro, sua origem e

característica. Em seguida abordou-se a tutela do Estado junto ao preso frente a

atribuição premente de zelar por sua integridade física e vida, foi tratada a questão

referente ao suicídio do preso no que tange o pleiteio de indenização por parte dos

familiares do de cujus, espécies de reparação do dano sua postulação o tempo da

prestação de alimentar a legitimidade e sua prescrição.

Neste norte, a presente pesquisa não pretende esgotar e analisar todos os

direitos dos presos, mais sim, demonstrar a situação desumana que ele vive no

Brasil ficando este sujeito a própria sorte uma vez que os direitos e garantias

fundamentais quase raramente atingem a população carcerária. Por conseqüência

da falta de vigilância do Estado frente ao caos penitenciário que atravessa o país,

cabe ao próprio lesado quando ainda vivo ou seus familiares buscar por meio de

indenização não a reparação e sim a amenização que é paga em pecúnia sendo

esta uma forma imperfeita de tentar reparar o irreparável.

A nível pessoal, este tema justifica-se pela necessidade de proporcionar um

estudo sobre as precárias condições carcerárias brasileiras no que se refere a

segurança do preso, o que remete diretamente nos pequenos índices de reabilitação

que os presos alcançam ao final de suas penas, após passarem anos numa

verdadeira “zona de risco”. Assim, considero oportuno este estudo, de forma a

compreender os reais direitos que os detentos possuem enquanto cumprem suas

penas e a responsabilidade do Estado em criar condições para que o apenado as

cumpra da maneira mais adequada e digna possível.

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1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O instituto da responsabilidade civil do Estado refere-se a um

importantíssimo meio de defesa do cidadão junto ao Poder Público. Através da

possibilidade de responsabilização, o cidadão possui a certeza de que qualquer

dano a um direito seu, acarretado pela ação de agente público no pleno exercício de

suas atividades, poderá ser indenizado pelo Estado.

A obrigação do Estado de reparar os danos que foram causados a

particulares é uma consequência de atos ilícitos. O dever de indenizar baseia-se no

princípio da legalidade, que condiciona a validade da atuação dos agente públicos à

orientação das normas vigentes, pois, do contrário, pode ocorrer a anulação dos

atos surgidos de ilicitude e responsabilização pecuniária da instituição estatal, que

em seu nome se originaram. Neste diapasão, pode-se informar que a

responsabilidade civil funciona como instrumento de legalidade, impedindo

ingerências do Estado e da Administração Pública, com alcance entre os direitos dos

cidadãos e preservando institutos fundamentais do ordenamento jurídico.

Neste capítulo, abordar-se-á o contexto histórico da responsabilidade civil do

Estado e suas diferentes teorias, o que prevê o ordenamento jurídico brasileiro

frente à inércia do Estado, seja por ato omissivo ou comissivo, e os casos em que o

Estado fica liberado do dever de indenizar em razão de caso fortuito ou força maior,

ou mesmo culpa exclusiva da vítima.

1.1 DEFINIÇÃO

A palavra "responsabilidade", no vocabulário jurídico, surgiu do vocábulo

responsável, do verbo “responder”, que, por sua vez, sucedeu do latim respondere,

significando responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do

qual se obrigou, ou de algum ato que tenha praticado. O vocábulo deriva da

expressão latina spondeo, que era a palavra utilizada pelo direito romano e que se

ligava solenemente ao devedor. Com relação ao vocábulo "civil", vincula-se ao

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cidadão, uma vez que se consideram as suas relações com os outros membros da

sociedade, das quais originam direitos e deveres a exigir e a cumprir.1

De acordo com Maria Helena Diniz,

[...] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia de culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa. 2

A função da responsabilidade civil está em obrigar o agente, causador do

dano, a repará-lo, procurando-se estabelecer o sentimento de justiça à parte lesada.

O dano como consequência do ato ilícito proporciona a ruptura do equilíbrio jurídico-

econômico anteriormente existente entre o agente causador do dano e a vítima.

Surge a necessidade de se recuperar esse equilíbrio, o que se procura alcançar

recolocando o lesado no status quo ante. Assim, ocorre o princípio da restitutio in

integram, que se determina em restituir à vítima, dentro das possibilidades, uma

situação anterior à lesão. Esta situação se consolida por meio de uma indenização

estabelecida na devida proporção do dano. Indenizar a vítima pela metade seria

responsabilizá-la pelo restante. Pôr limites à reparação do dano à vítima é obriga-

la a suportar o resto dos prejuízos não indenizados.3

A responsabilidade civil do Estado é consequência do fato de que a

reparação pecuniária decorre de atos praticados por quaisquer dos Poderes do

Estado e não apenas de atividades administrativas.4

A responsabilidade civil do Estado diz respeito à obrigação a este imposta de reparar danos causados a terceiros em ecorrência de suas atividades ou omissões; por exemplo: atropelamento por veículo oficial, queda em buraco na rua, morte em prisão. A matéria é

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 36. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 36. 3 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5 ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 36. 4 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p. 97.

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estudada também sob outros títulos: responsabilidade patrimonial do Estado, responsabilidade extracontratual do Estado, responsabilidade civil da Administração, responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado5.

A responsabilidade do Estado refere-se às três espécies de funções em

que se divide o poder estatal, quais sejam, a função administrativa, a jurisdicional e

a legislativa. Entretanto, é mais comum observar a responsabilidade proveniente da

Administração Pública, pois, em casos dos Poderes Legislativo e Judiciário, ela

ocorre somente em raras exceções6.

Para Gasparini7, a responsabilidade civil do Estado “é a obrigação que se

lhe atribui, para recompor os danos causados a terceiros em razão de

comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou

jurídico que lhe seja imputável”.

Importante frisar, por outro lado, que a expressão “responsabilidade do

Estado”, é um tanto controversa, não sendo aceita por uma parte dos doutrinadores

pátrios. Meirelles, neste sentido, prefere a expressão do termo “responsabilidade da

Administração Pública”, pois a “responsabilidade do Estado” inicia-se geralmente de

atos da administração e não de atos do Estado em si. Em vista disso, seria melhor

mencionar responsabilidade da Administração Pública do que do Estado, pois a

primeira desponta da atividade administrativa dos órgãos públicos. 8

O encargo do Estado na reparação dos danos que foram causados a

particulares é uma consequência de atos ilícitos. Assim sendo, a obrigação de

indenizar se fundamenta no princípio da legalidade, que condiciona a validade da

atuação dos agente públicos à orientação das normas vigentes, pois, do contrário,

poderia ocorrer a anulação dos atos surgidos de ilicitude e responsabilização

pecuniária da instituição estatal, que em seu nome se originaram. 9

Neste diapasão, pode-se afirmar que a responsabilidade civil funciona

como instrumento de legalidade, impedindo ingerências do Estado e da

5 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.433. 6 DI PIETRO Maria Sýlvia Zanela. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.547. 7 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.825. 8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p.609. 9 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.109.

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19

Administração Pública, com alcance entre os direitos dos cidadãos e preservando

institutos fundamentais do ordenamento jurídico10.

Assim, a responsabilidade civil do Estado possui fundamentos entre os

princípios da igualdade e da legalidade, ensejando parâmetros para a atuação do

Poder Público, e, caso sejam violados, obrigarão a reparação aos que tenham

suportado o dano.

1.1.1 Culpa in vilgilando

Segundo Diniz11, culpa é “a inexecução de um dever que o agente podia

conhecer e observar. Pressupõe, portanto, um dever violado (elemento objetivo) e a

imputabilidade do agente (elemento subjetivo).” Ainda de acordo com Diniz, a “culpa in vigilando“ provém da falta de

cuidado com o procedimento a outrem.” Como exemplo, pode-se mencionar o filho

menor, que se apossa do carro de seu pai e atropela outra pessoa na rua. Neste

sentido, a culpa in vigilando, ou simplesmente a culpa in vigiar, é conseqüência da

falta de atenção ou cuidado no procedimento com alguém que está sob a guarda ou

responsabilidade do agente, como, por exemplo, uma babá com suas crianças, ou

um agente policial que transfere presos de uma instituição prisional para outra. 12

1.2 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Há um grande debate com relação ao questionamento se o Estado deve ou

não responder civilmente sobre determinados aspectos de suas atividades.

Historicamente o instituto da responsabilidade civil do Estado sempre foi um tema

controverso na esfera administrativista, fixando-se ao longo dos tempos algumas

10 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.109. 11 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, p 42. 12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 44.

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teorias sobre o tema. Assim, serão analisadas as teorias relacionadas com a

responsabilidade civil estatal e seu processo de evolução sob o ponto e vista

doutrinário.

1.2.1 Teoria da irresponsabilidade

A teoria da irresponsabilidade consagra a concepção de que o Estado

jamais responderá civilmente em virtude de seus atos ou omissões, desvinculando

de forma plena o Poder Público do dever de reparar danos causados a particulares,

restando somente o dever de acionar o funcionário, caso tenha atuado de forma

ilícita. É uma teoria habitual dos antigos regimes absolutistas, em que o poder

estatal era incontestável, acarretando a total ausência da obrigação ressarcitória,

pela premissa de que o monarca não errava em virtude da vontade divina de seu

poder. Mais que isto, havia a idéia de que não se deveria exigir uma indenização

àqueles que atuam em prol dos interesses da coletividade.13

Por conseguinte, Pereira menciona:

No princípio era a irresponsabilidade. Dentro da concepção política do estado absoluto, não se poderia conceber a idéia de reparação de danos causados pelo poder público, dado que não se adimitia a constituição de direitos contra o Estado soberano. Nesta fase, somente era admitida a responsabilidade pecuniária pessoal dos agentes da administração, o que muitas vezes frustava a ação de indenização ante a insolvência do funcionário. 14

Ainda, na valiosa contribuição doutrinária de Alexandre de Moraes:

Nesse primeiro momento histórico o Estado era irresponsável pelos danos que causasse aos particulares, no exercício das funções estatais. Observamos que, mesmo nesses casos, não ficavam os indivíduos a descoberto de qualquer proteção, pois haveria possibilidade de responsabilização individual dos agentes públicos que, atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem.

13 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.110-111. 14 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 128.

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Ressalte-se, porém, que a responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos do Estado. 15

Por séculos, prevaleceu a teoria da irresponsabilidade, ou seja,

responsabilidade sem culpa do Estado, destacando-se que o Estado era soberano e

infalível, pois este não errava, ou que a existência do Estado justificava-se para

atender ao interesse de todos. Logo, não poderia assim ser responsabilizado por

qualquer dano que viesse a acarretar, com a justificativa de que, se isso ocorresse,

a soberania do Estado estaria ameaçada16.

Em meados do século XIX, a concepção majoritária no Ocidente era a de

que o Estado não possuía qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus

membros. Era um paradigma muito severo para com os particulares em geral, sendo

uma consequência das condições políticas da época. O denominado Estado Liberal,

então vigente, tinha limitada atuação, intervindo muito pouco nas relações com os

particulares, sendo que a doutrina de sua irresponsabilidade tornava-se apenas um

embasamento da figuração política de distanciamento e da errônea isenção que o

Poder Público defendia naquele período histórico.17

Esta teoria se vinculava com o Direito Divino dos Reis nos estados

absolutistas, através de máximas que procuravam sustentar a não responsabilidade,

como, por exemplo, The king can do no wrong ou “Rei não erra”, e o l’État c’est moi

ou “Estado sou eu”, que teria sido dito por Luis XVI da França18:

Predominou até o século XIX, sobretudo nos países ocidentais, a These Feudal, como se referiam os franceses, ou seja, a tese de que o Estado, na expressão da lei e do direito, não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes, que, por sua vez, respondiam individualmente mediante comprovação da culpa e/ou dolo.19

15 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.921. 16 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.429. 17 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5 ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p.248-249. 18 BÜHRING, Márcia Andrea. Responsabilidade civil extracontratual do estado. São Paulo: Thomson-IOB. 2004, p.116. 19 FREITAS, Sérgio Henriques Zandona. Responsabilidade patrimonial do Estado. In.: MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.215.

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Contudo, essa teoria perdeu força em diversos países, pois a antiga idéia

de que o Estado era supremo confundia-se com a velha teoria da intocabilidade do

soberano, e que o tornava insuscetível de causar danos e ser responsabilizado,

sendo substituída posteriormente pela do Estado de Direito, em que deveriam ser

atribuídos a ele mesmo os direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas.20

Hoje, pela evolução do Direito, a teoria da irresponsabilidade do Estado está

totalmente antiquada e superada na maioria dos ordenamentos jurídicos,

principalmente nos mais avançados e democráticos, devido aos princípios da

isonomia e da legalidade, que são elementos estruturais do Estado de Direito.

Contudo, por mais extraordinário que seja, as últimas nações a destituí-las foram os

EUA, em 1946, e o Reino Unido, após a Segunda Guerra Mundial, em 1947.21

1.2.2 Teoria Civilista

Pelo fim da teoria da irresponsabilidade, possibiltiou-se a aplicação de

normas do direito privado no âmbito da responsabilidade civil do Estado,

equiparando-o à situação jurídica dos particulares, com relação à obrigação de

indenizar. Na teoria civilista, um dos principais elementos caracterizadores do dever

de ressarcimento fundamenta-se num fator de natureza subjetiva, representado pela

culpa do sujeito ao agir com dolo ou culpa, ou seja, devem-se observar as cautelas

caracterizando a imprudência, imperícia ou negligência, resultando no evento

danoso22.

Superada a teoria da irresponsabilidade do Estado, surge a doutrina da

responsabilidade estatal ou civilista da culpa, nas hipóteses de ação culposa de seu

agente.

Entretanto, procurava distinguir-se, para esse fim, dois tipos de atitude estatal: os atos de império e os atos de gestão. Aqueles seriam coercitivos porque decorrem do poder soberano do Estado, ao passo que estes mais se aproximariam com os atos de direito

20 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 440. 21 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.111. 22 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.111.

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privado. Se o Estado produzisse um ato de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado, mas se fosse a hipótese de ato de império não haveria responsabilização, pois que o fato seria regido pelas normas tradicionais de direito público, sempre protetivas da figura estatal.23

Completa Carvalho Filho, dizendo que a antiga teoria da irresponsabilidade

do Estado ocasionou um grande inconformismo entre as pessoas que se

consideravam vítimas de seus atos, pois frequentemente era difícil distinguir se o

ato era uma decisão de império (teoria da irresponsabilidade) ou de gestão (teoria

civilista subjetiva). Jurisprudencialmente procurava-se distinguir as faltas do agente

ligadas à função pública e as faltas advindas de sua atividade, pois não raro havia

dúvidas e confusões.24

Segundo Bühring:

Por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge do ato lesivo de que foi o causador, não se exigindo nem a culpa do agente público, nem a culpa do serviço, sendo suficiente a prova da lesão causada por agente da Administração Pública. A culpa é decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados, pois possui a Administração inúmeras e variadas atividades, que, ao mesmo tempo em que beneficiam toda coletividade, restringem direitos e garantias individuais e coletivas. 25

Através da teoria civilista, possibilitava-se que todos os danos acarretados

pelo Estado fossem plenamente reparados, em benefício de suas vítimas, desde

que fosse comprovado que este agiu com dolo ou culpa, não bastando apenas a

comprovação do dano sofrido pelo lesado.

A aplicabilidade dessa teoria civilista perdeu força e cedeu lugar às teoria publicistas, notadamente com o advento do Caso Blanco, ocorrido na cidade francesa de Bordeaux, em 1873, onde uma menina, Agnès Blanco, foi atropelada por um vagonete da Companhia Nacional de Manufatura de Fumo. Ao decidir a quem cabia apreciar o pedido de indenização formulado pelo pai da vítima, o Tribunal de Conflitos da França entendeu que a prestação dos serviços públicos estava sujeita a regime jurídico diverso do direito

23 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 440. 24 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 440. 25 BÜHRING, Márcia Andrea. Responsabilidade civil extracontratual do estado. São Paulo: Thomson-IOB. 2004, p.116.

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privado, e, por essa razão, atribuiu competência ao Conselho de Estado, órgão incumbido de julgar apenas questões nas quais os entes administrativos figurassem como parte.26

1.2.3 Teoria do risco

Com o apontamento da teoria do risco administrativo (risco integral) , com

relação às inúmeras e diversas atividades da Administração, tornou-se provavél os

danos serem causados a particulares.

Após a teoria civilista, os ordenamentos internacionais consagraram a teoria

da responsabilidade objetiva do Estado (teoria do risco), que dispensa o nexo da

culpa em relação ao dano. Por isso, ela incide em decorrência de fatos lícitos ou

ilícitos, necessitando que se comprove, pelo lesado, a relação causal entre o fato e

o dano.27

Alexandre de Moraes28 comenta que, superada a responsabilidade subjetiva

do Estado, passou-se então a adotar: “[...] a Teoria do Risco integral , pela qual o

Estado é responsável por qualquer dano causado ao individíduo, na gestão de seus

serviços, independentemente da culpa da própria vítima ou de caso fortuito ou força

maior”

A responsabilidade objetiva proporcionou uma grande evolução, beneficiando

mais amplamente o lesado, através da dispensa de comprovar alguns elementos que

dificultam alcançar o direito para a indenização dos prejuízos, como a identificação do

agente, a culpa deste na conduta administrativa, a falta do serviço, entre outros

elementos29. Ensina Barreto que:

A responsabilidade objetiva ou risco administrativo é, portanto, a teoria do risco integral, no ordenamento jurídico contemporâneo, haja vista que a prova é necessária somente para o Estado, quando

26 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.110-111. 27 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p.441. 28 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.923. 29 FIUZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 54.

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pretender obter o ressarcimento do valor indenizatório que pagou à vítima, na hipótese de os seus agentes terem provocado o dano de forma intencional ou com imprudência, imperícia ou negligência. Em outras palavras, tem-se que o Poder Público, via de regra, responde objetivamente perante o particular, enquanto que o agente causador do prejuízo responderá de forma subjetiva em face do ente estatal, se este demonstrar que a sua conduta fora praticada com dolo ou culpa. 30

Para que seja caracterizada a responsabilidade objetiva do Estado, o dano

deverá ser perpetrado por agente estatal, no desempenho de seu cargo, função ou

emprego público.31

A teoria do risco divide-se em duas espécies: a do risco administrativo e a

do risco integral. A teoria do risco administrativo possibilita as causas excludentes da

responsabilidade do Estado, sendo elas a da culpa da vítima de terceiros ou força

maior, e a teoria do risco integral não, baseada nos fundamentos políticos e

jurídicos que os Estados modernos adotaram a teoria da responsabilidade objetiva

no direito público. Mas, a maior parte da doutrina nacional não distingue entre risco

integral e administrativo, vistos como quase idênticos ou mesmo sinônimos,

correspondendo ao acidente administrativo.32

Mesmo que a Administração atue no interesse da sociedade, eventualmente

pode ocorrer que alguns membros da sociedade sofram danos em virtude de

condutas ativas ou omissivas dos agentes administrativos. Neste sentido, se todos

são beneficiados pelas atividades administrativas, todos devem dividir o

ressarcimento dos danos causados a determinadas pessoas, atribuindo, portanto ao

Estado o ressarcimento dos danos que seus agentes, por ação ou omissão, tenham

acarretado a terceiros.33 34

30 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p.113. 31 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 978. 32 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 611-612. 33 Segundo Cavalieri Filho (2005, p. 230): “Terceiro indica alguém estranho à Administração Pública, alguém com o qual o Estado não tem vínculo jurídico preexistente. Logo, o §6 do art. 37 da Constituição só se aplica à responsabilidade extracontratual do Estado. Não incide nos casos de responsabilidade contratual, porque aquele que contrata com o Estado não é terceiro; já mantém vínculo jurídico com a Administração, pelo que, ocorrendo o inadimplemento estatal, a responsabilidade deverá ser apurada com base nas regras que regem o contrato administrativo.” 34 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.430

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1.3 PREVISÃO NO CÓDIGO CIVIL

O código civil de 1916 em muito deixou a desejar quanto ao esclarecimento

sobre se o Estado respondia de forma subjetiva ou objetiva pelos atos praticados

pelos seus agentes. Com a reforma do Código Civil, em 2002, este problema foi

esclarecido, o que se comprovará a seguir.

No Código Civil de 1916, regulava-se a responsabilidade do Estado através

de seu art. 15, que rezava:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a de prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.35

Este dispositivo desencadeou diversas controvérsias entre doutrinadores,

pois alguns interpretavam que esta norma assegurava a teoria da responsabilidade

subjetiva, com a comprovação da culpa na conduta do agente, mas outros como o

início de uma responsabilidade objetiva do Estado. Carvalho Filho considera que

esta norma exigia a prova da culpa. Os pressupostos que nele existiam, entre eles o

procedimento contrário ao direito e a falta do dever prescrito por lei, revelavam que a

responsabilidade estatal não se configuraria através de fatos lícitos, mas apenas

com atos culposos. Quando alguém atua contrariando o direito ou falta a um dever

legal, sua conduta é considerada culposa.36

O Novo Código Civil de 2002 alterou a redação do art. 15 existente no antigo

Código de 1916 e no art. 43, informando melhor sobre a responsabilidade objetiva:

As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.37

35BRASIL.. Código Civil (1916). Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm>. Acesso em: 18 fev. 2009. 36 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p.442. 37BRASIL. Código Civil (2002). Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 17 fev. 2009.

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Com a reforma de 2002 do Código Civil, ficou clara a responsabilidade

objetiva do Estado, não importando se este agiu com dolo ou culpa, desde que

tenha causado dano a outrem. O Código Civil de 2002 trata somente a respeito da

responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, não informando,

contudo, sobre as pessoas jurídicas de direito privado, as quais são: associações,

sociedades, fundações, organizações religiosas e os partidos políticos. Por outro

lado, a responsabilidade subjetiva, encontrada em seu art. 927 informa: “Aquele que,

por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Prossegue o Código Civil, em seu artigo 186, informando:” Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” Assim, ficou bem

explícito que as pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços também

responderão por um eventual dano que seja causado.38

Com relação àquele que realizar um ato ilícito, acarretando algum dano a

terceiros, o novo Código menciona que deverá indenizar, mas sendo obscuro em

determinar o que seria um ato ilícito. Diversos doutrinadores, com relação ao

pressuposto da responsabilidade civil extracontratual subjetiva, mencionam somente

a culpa, ou, o que seria mais adequado informar, conduta culposa. O ato ilícito

possui como elemento central uma conduta humana voluntária, mas em oposição ao

Direito. O art. 186 do Código Civil informa sobre este elemento ao mencionar “ação

ou omissão”, mas que, nas palavras de Cavalieri Filho, deveria possuir o termo

“conduta”, pois seria uma das formas de exteriorização da atividade humana. 39

Alguns entendiam que a norma elegia a teoria da responsabilidade subjetiva,

necessitando, portanto, de uma investigação da culpa na conduta do agente atuante

em nome do Estado, mas outros já consideravam como o início da responsabilidade

objetiva do Estado. Mas o Código Civil de 2002 modificou o art. 15 e dispôs em sua

nova redação: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente

responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a

terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver,

38 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p.47. 39 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 47.

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por parte destes, culpa ou dolo.” Neste diapasão, nota-se que o Código Civil passou

a reger a questão com grande vinculação com o texto constitucional.40

1.4 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal caracterizou o país em um Estado Democrático de

Direito, e, sendo assim, não se pode conceber que um serviço público possua

imunidade a uma responsabilidade ou controle. Assim, em princípio, deve-se admitir

que a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado,

juntamente com aquelas prestadoras ou concessionárias de serviços públicos,

caracteriza-se através da comprovação do dano efetivo acarretado por seu agente e

do nexo causal existente entre o ato dele e o dano.

A Constituição Federal de 1988 recepcionou a responsabilidade objetiva do

Estado, de acordo com o § 6.° do art. 37:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.41

A atividade administrativa que informa o artigo constitucional acima refere-se

à conduta comissiva do Estado, como também pela conduta omissiva. Assim, de

acordo com a Carta Magna, configura-se a responsabilidade civil do Estado através

da ocorrência de um dano, de natureza moral ou material, ou pelo nexo de

causalidade, que, como foi visto anteriormente, é o prejuízo experimentado pelo

terceiro, como consequência, direta ou indireta, da atuação dos entes de direito

público, no exercício de suas atribuições, ou de direito privado, na execução de

serviços estatais por delegação do Poder Público.42

40 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2004, p. 449. 41 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009. 42 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR, 2006, p.113.

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Sobre a matéria, Alexandre de Moraes leciona que:

O Estado muitas vezes causa danos ou prejuízos aos indivíduos, gerando a obrigação de reparação patrimonial, decorrente de responsabilidade civil. Assim, enquanto sujeito de direito, o Estado submete-se à responsabilidade civil, prevendo a Constituição Federal que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de reingresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.43

Por conseguinte, Ricardo Fiúza comenta que:

A culpa ou dolo do agente somente é de se determinar para se estabelecer a ação in rem verso, da administração contra o agente. Quer dizer: o Estado responde sempre perante a vítima, independentemente da culpa do servidor. Este entretando responde perante o Estado, em se provando que agiu culposa ou dolosamente. Não importa se o funcionário seja ou não graduado. O Estado responderá pelo ato de qualquer servidor. 44

A Carta Magna instituiu como regra a responsabilidade objetiva, com

fundamento no risco administrativo, em virtude dos prejuízos causados por qualquer

comportamento dos agentes públicos. Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência

pátrias posicionaram-se no sentido de que, nos casos de condutas omissivas do

Estado, a sua responsabilização civil rege-se pela teoria da culpa administrativa;

tem a vítima o ônus da comprovação da falta ou prestação defeituosa tardia do

serviço público como fato causador do dano provocado. Caracterizando, portanto, a

inobservância do dever de agir por parte do Poder Público, ou o seu desempenho

irregular ou retardado, o particular deverá demonstrar a omissão administrativa para

alcançar o ressarcimento, comprovando que a atuação adequada do agente estatal

inviabilizaria o prejuízo.45

Por outro lado, apesar da disposição constitucional, inexiste

responsabilidade objetiva em casos oriundos de caso fortuito ou de força maior,

como ocorre também em casos de greve ou de importantes distúrbios da ordem

43 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.923. 44 FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 54. 45 FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 54.

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pública, porque não foram causados pelo Estado. O preceito constitucional

estabeleceu duas relações de responsabilidade: a primeira do poder público e seus

delegados na prestação de serviços públicos perante a vítima do dano, de caráter

objetivo, bastando apenas comprovar o prejuizo, e a segunda do agente causador

do dano, junto à Administração , de caráter subjetivo, tendo este que comprovar o

dolo ou culpa.46

A partir da Constituição da República de 1967, ocorreu uma ampliação da

responsabilização das pessoas jurídicas de direito público em virtude dos atos

provenientes de seus servidores47, acentuado através da promulgação da

Constituição Federal de 1988, que assegurou também a responsabilidade civil

objetiva às pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos.

Inúmeros serviços públicos, os não-essenciais, mas de fundamental importância,

como limpeza, vigilância, entre outros, ao contrário dos essenciais - que dizem

respeito à administração da justiça, à segurança pública etc. -, podem ser efetuados

pela iniciativa de empresas privadas. 48

Durante a Ditadura Militar de 64, nos anos 60 e 70, originaram-se várias

empresas estatais com o objetivo de executar serviços públicos, por meio de

concessão, sendo que, atualmente, essas empresas foram ou estão sendo

privatizadas. Apesar disso, o fato de estas empresas serem privadas ou públicas

não produz alteração com relação à sua responsabilidade civil. O fator que enseja a

essas empresas a responsabilidade objetiva prevista constitucionalmente não está

na natureza do capital público, misto ou privado, mas sim por executarem um serviço

público. Seria injusto submeter o terceiro, vítima da ação ou omissão do

concessionário, à comprovação da culpa do agente apenas porque o Estado

delegou à iniciativa privada a execução da obra ou do serviço. Neste diapasão, as

empresas permissionárias, concessionárias e autorizatárias de serviços públicos

possuem responsabilidade objetiva por eventuais danos causados por atos ou

omissões de todos os seus funcionários.49

46 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.979-990. 47 BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm> Acesso em: 25 maio. 2009. 48 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 20 fev. 2009. 49 HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade civil do Estado, Teresina, ano 4, n. 41, p.1 maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=491>. Acesso em: 16 jan. 2009.

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1.5 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

A responsabilidade civil objetiva obriga o Estado e as outras pessoas

jurídicas de direito privado, abrangendo também as prestadoras de serviços

públicos, a indenizar os danos causados por seus agentes no exercício de sua

função.

A questão da responsabilidade objetiva do Estado mescla-se

permanentemente com a própria evolução do Estado de Direito e na consagração

dos direitos individuais, criando limites de atuação do Estado em defesa do

cidadão.50Neste sentido, a responsabilidade civil do Estado é de natureza objetiva,

como foi previsto na Constituição Federal de 1988. 51

Gonçalves complementa dizendo:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria, dita objetiva, ou risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por nexo de causalidade, independentemente de culpa. Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. 52

Na maioria dos ordenamentos jurídicos internacionais, a responsabilidade do

Estado se fundamenta na responsabilidade objetiva. Deste modo, não é necessário

comprovar o dolo ou culpa do agente público, o mau funcionamento ou falha da

Administração, tornando-se orbigatório configurar-se uma relação de causa e efeito

entre ação ou omissão administrativa e o prejuizo suportado pela vítima, ou seja, o

nexo de causalidade, denominado vínculo entre a conduta ilícita e o dano. Deixa-

se de lado, objetivando o ressarcimento do dano, inquirir sobre o dolo ou culpa do

agente, da licitude ou ilicitude da conduta e do bom ou mau funcionamento da

50 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 429. 51 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009. 52 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 18.

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Administração. Comprovado o nexo causal, o Estado passa a ser obrigado a reparar

o dano.53

Leciona Diniz:

A responsabilidade sem culpa ou objetiva [...] fundada no risco, consiste na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta de seu causador. 54

Nessa ótica, leciona Silvio Venosa que:

Na responsabilidade objetiva, como regra geral leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa. Em que pese a permanência da responsabilidade subjetiva como regra geral entre nós, por força do Art. 159 do Código de 1926 e do Art. 186 do novo código, é crescente como examinamos o número de fenômenos que são regulados sob a responsabilidade objetiva. O próprio Código Civil de 1926 adotará a responsabilidade objetiva em algumas situações, como a do art. 1529 (novo, artigo 938) ( responsabilidade do habitante de casa por queda ou lançamento de coisas em lugar indevido). Tendo em vista a realidade da adoção crescente da responsabilidade objetiva pela legislação, torna-se desnecessária a discussão de sua conveniência do âmbito de nosso estudo e no atual estágio da ciência jurídica. 55

Em concordância com as palavras de Venosa, já se manifestou o Tribunal de

Justiça de São Paulo:

Indenização – Responsabilidade Civil do Estado – Vítima sob custódia em Distrito Policial, por estar embriagada – Morte por enforcamento – teoria do risco integral – irrelevância quanto a ter havido homicídio ou suicídio – responsabilidade objetiva reconhecida.56

53 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.430. 54 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 51. 55 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 18. 56 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Civil nº 3.174-5. São Paulo 1ª Câmara de Direito Público – Rel. Scarance Fernandes.

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Há preceitos que fundamentam a concepção da responsabilidade objetiva do

Estado:

a) sentido de justiça ou equidade: o neminen laedere, o alterum non

laedere, influenciam profundamente o Direito e a própria vida, em que o

causador de prejuízo a outrem fica obrigado a ressarcir o dano. A própria

Administração Pública, em virtude da multiplicidade e alcance de suas

atividades e as suas prerrogativas de poder, potencializa maiores riscos de

danos para a população;

b) o preceito da igualdade de todos ante os ônus e encargos da

Administração, ou "solidariedade social". A princípio, se todos se

beneficiam das atividades da Administração, todos devem dividir a

reparação dos danos que essas atividades podem acarretar para alguns

administrados. 57

1.6 RESPONSABILIDADES SUBJETIVAS DO ESTADO

A responsabilidade subjetiva na obrigação do Estado consiste na

indenização devido a um procedimento culposo ou doloso contrário ao Direito,

caracterizada por um dano causado a outrem, ou em deixar de impedi-lo, quando

deveria assim proceder58. Diz-se, pois, ser subjetiva “a responsabilidade quando se

esteia na idéia de culpa [...] Dentro desta concepção a responsabilidade do causador

do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa”59 Para Caio Mario da

Silva, “A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na

pesquisa ou indagação de como o comportamento contribuiu para o prejuízo pela

vítima”60. No mesmo raciocínio, Pablo Gagliano61 completa dizendo que “a

responsabilidade civil subjetiva é a decorrente de dano causado em função de ato

doloso ou culposo. “

57 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.430-431. 58 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 960. 59 GONÇALVES,Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 17-18. 60 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 29. 61 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 13.

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Orlando Soares informa que:

[...] a concepção de responsabilidade civil subjetiva se funda na responsabilidade moral, baseada na conseqüência e vontade do agente, sobre a qual a sanção civil (civil, criminal, trabalhista) visa a atuar. [...] Em outras palavras a responsabilidade subjetiva se baseia na capacidade de entendimento ético jurídico e determinação voluntária (vontade), adequada (a certo fato), que constitui pressuposto necessário para a aplicação de determinada sanção, com fundamento na culpabilidade. 62

A responsabilidade é subjetiva se possuir os elementos como conduta

culposa, nexo de causalidade e dano. A ação é um dos elementos para imputar

responsabilidade por ato que cause dano, sendo um dado fundamental para

caracterizar o ato jurídico que enseja a obrigação. O direito é uma ordenação que se

refere a condutas, e todo seu sistema tem como dependência essa relação. A ação

ou a omissão são fatores geradores de qualquer obrigação, podendo ser lícitas ou

mesmo ilícitas, tendo que ser imputável a obrigação de reparação do prejuízo,

originando a responsabilidade63.

Para que seja configurada a responsabilidade subjetiva, torna-se

fundamental que a conduta causadora do dano seja deliberada para alcançar o

comportamento proibido ou em desacordo aos níveis de empenho, atenção e

habilidades normais exigidos, sendo que o direito, em algumas destas hipóteses,

deve ser violado.64

Neste sentido, a falta ou carência de um serviço acarretado por um

funcionamento falho, até mesmo pelo seu atraso, é quantum satis, ou seja,

suficiente na caracterização da responsabilidade do Estado pelos danos nele

decorrentes em prejuízo dos administrados. Em verdade, cumpre reiterar que a

responsabilidade por falta de serviço, ou falha dele, é de carater subjetivo, porque

fundamentada na culpa ou dolo. Determinar-se-á sempre por comportamento ilícito

62 SOARES, Orlando. Responsabilidade civil no direito brasileiro. 3. ed. Rio de janeiro: 1999, p.33. 63 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1999, vol. 7, p. 38. 64 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

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de responsabilidade quando o Estado, devendo atuar de acordo com certos critérios

ou padrões, não o faz, ou atua de modo insuficiente.65

Resumidamente, a responsabilidade subjetiva caracteriza-se pela

dependência do comportamento do agente, fundamentando-se em sua ação ou

omissão culposa, ou seja, é insuficiente, para caracterizar a obrigação de indenizar,

o dano e o nexo causal, devendo a pretensa vítima comprovar que o ofensor agiu

com dolo ou culpa.66

O Estado poderia, a princípio, responder tanto pelo prejuízo causado em

razão da responsabilidade objetiva, através do art. 37, § 6.° da Constituição Federal,

caso a atividade da qual decorreu o dano fosse lícita, como também de forma

subjetiva, pela teoria da culpa, caso a atividade fosse ilícita ou pelo faute du

service.67

Para Cavalieri Filho:

Alguns autores não fazem distinção entre a culpa anônima e a responsabilidade objetiva, chegando, mesmo, a afirmar que são a mesma coisa. Estamos, neste ponto, com o professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao advertir que a responsabilidade por falta de serviço, falha do serviço ou culpa do serviço, seja qual for a tradução que se dê à fórmula francesa faute du service, não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, mas subjetiva, porque baseada na culpa do serviço diluída na sua organização, assumindo feição anônima ou impessoal. Responsabilidade com base na culpa, enfatiza o Mestre, e culpa do próprio Estado, do serviço que lhe incumbe prestar, não individualizável em determinado agente público, insuscetível de ser atribuída a certo agente público, porém no funcionamento ou não-funcionamento do serviço, por falta na sua organização. Cabe, neste caso, conclui o professor, à vítima comprovar a não-prestação do serviço ou a sua prestação retardada ou má prestação, a fim de ficar configurada a culpa do serviço, e, conseqüentemente, a responsabilidade do Estado, a quem incumbe prestá-lo. 68

Considerada insuficiente para a previsão de todas as hipóteses de

responsabilidade do Estado, a sua aplicação deve ser casuística para evitar ocorrer

65 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 960. 66 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 960. 67 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 960. 68 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 221.

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a responsabilidade do Estado em todos os casos ocorridos em sua finalidade

própria. Assim, nem sempre se verifica essa responsabilidade, de acordo com a

doutrina nacional, quando ocorrer falta d’água, cortes, oscilações de energia

(queimando aparelhos), buracos em rodovias (causando danos em veículos). Tudo

vai variar de acordo com as circunstâncias de cada caso. A doutrina francesa de

responsabilidade pour lefait des choses não foi bem disseminada no direito

administrativo, porque ela se restringe somente àquilo que se tem a guarda, não

podendo ampliar para os serviços públicos em geral.69

Nesta extensão, a responsabilidade faz um paralelo com a culpa, pela

omissão em tomar as providências necessárias para a segurança do serviço,

hipótese em que deverá a vítima comprovar a falta ou a falha do serviço, ou seja, a

culpa da Administração Pública. Do mesmo modo, percebe-se que a distinção entre

as duas teorias está nos fundamentos que as sustentam, devendo-se reconhecer

que a responsabilidade do Estado poderá ser de natureza subjetiva ou objetiva, de

acordo com a hipótese configurada, já que, para a maioria dos doutrinadores, entre

eles Arlanch, há amparo jurídico para uma e outra teorias, através das disposições

existentes no Código Civil e na Constituição Federal em aplicações diversas.70

Em voto lapidar, no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Sepúlveda

Pertence expõe:

Parece dominante na doutrina brasileira contemporânea a postura segundo a qual somente conforme cânones da teoria subjetiva, derivada da culpa, será admissível imputar ao Estado a responsabilidade pelos danos possibilitados por sua omissão. Sustentada por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, a tese, herdada e desenvolvida por Celso Antônio, tem colhido adesões de tomo (Maria Sylvia Z. Di Pietro, Sérgio de Andréa Ferreira, Odília da Luz Oliveira, Sérgio Cavalieri Filho, Lúcia Valle Figueiredo e Rui Stoco). Ora, se parte dessa visão, a mim parece claro que a fonte de regência da hipótese, que se deu por concretizada na espécie, não é o art. 37, § 6.°, da Constituição - que diz com a responsabilidade objetiva do Estado, à qual basta a relação de causalidade entre a ação do agente público e o dano – mas, sim, as normas ordinárias da responsabilidade subjetiva, a começar do art. 15 do Código Civil [atual art. 43]" (refere-se ao Código Civil de 1916). 71

69 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 961. 70 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 961. 71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial nº 283.989-2, Voto: Sepulveda Pertence, Revista dos Tribunais, nº 1804, p. 166, 25 mai. 2002.

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A responsabilidade objetiva, seja por influência da teoria do risco

profissional, do risco-proveito ou do risco administrativo, mesmo que atualmente seja

prevista constitucionalmente e considerada a mais forte teoria, apenas pode ser

reconhecida quando ocorre previsão legal expressa ou como exceção, se a

atividade normalmente desdobrada pelo autor do dano acarretar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem (Código Civil, art. 927, parágrafo único). A própria

Constituição Federal, que é um só corpo normativo, que se admite harmônico, esta-

belece as duas responsabilidades: a objetiva do Estado, elencada, como já visto, no

art. 37, § 6.°, nas hipóteses que menciona, e, também, na responsabilidade por

danos nucleares (art. 21, inc. XXIII, "c"); e a subjetiva, elencada no art. 5. °, incisos V

e X, quando estabelece a responsabilidade subjetiva do particular em casos de

violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.72

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurados o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.73

Fica evidente, portanto, que, pelos incisos V e X da Constituição Federal de

1988, o legislador prevê a possibilidade da reponsabilidade subjetiva em nosso

ordenamento jurídico.

72 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.962. 73 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009.

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1.7 EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

É incontestável ao Estado o dever de indenizar aquele que está sob sua

custódia, e que, por algum motivo, teve sua integridade física, a vida, ou mesmo sua

moral abalada em razão de alguma adversidade. De modo contrário, existem

situações em que o Estado está isento da responsabilidade de indenizar, como, por

exemplo, quando este não agiu com negligência através de seus agentes, em razão

de caso fortuito ou força maior de fatos oriundos e irresistíveis da natureza, como

enchentes, terremotos, secas, desabamentos de encostas, ou mesmo quanto ao

próprio preso que, por ato voluntário e exclusivo, atentou com a própria vida.

Outra forma um pouco mais atenuada de responsabilização seria a culpa

concorrente, em que o Estado divide com o lesado a culpa do dano ocorrido em

razão da culpa concorrente, como veremos a seguir.

No ordenamento jurídico nacional, a responsabilidade é objetiva, devendo,

portanto, caracterizar o dano e o nexo causal, para encontrar as hipóteses de

indenização. Mas há também as excludentes da responsabilidade do Estado, por

meio do comportamento ou culpa da vítima, de terceiros, do caso fortuito ou da força

maior. Por outro lado, a doutrina nacional também não está totalmente pacificada

com relação a todas as excludentes, podendo, para alguns, considerar uma ou

outra, mas a forma predominante é esta que se apresenta.74

Parece evidente que, caso a culpa seja do lesado, estará isento o Estado de

qualquer responsabilidade. Todavia, deve-se tomar cuidado para que se não

desconfigure a responsabilidade do Estado quando esta seria devida. Caso o dano

não ocorreria, se o comportamento da vítima não tivesse desencadeado a situação,

não há por que falar em responsabilização do Estado. Também se exime o Estado

de sua responsabilidade nas hipóteses de força maior, se ocorrer, a título de

exemplificação, uma enchente de grandes dimensões, de forma imprevisível e

incontrolável; é inadmissível obrigar o Estado a reparar seu dano.75

Na configuração da responsabilidade civil do Estado, é de suma importância

analisar o nexo de causalalidade que existe entre a ação ou mesmo omissão do 74 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente do planejamento. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, nº 13, abril/maio de 2002. p. 9. 75 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente do planejamento. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, nº 13, p. 9, abril/maio de 2002, p.10.

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poder público e o dano ocasionado. Comprovado pela Administração Pública que

outro acontecimento ocasionou o dano, sem o vínculo total com a atividade

administrativa, poderá haver a excludente total ou parcial, denominada culpa

concorrente, para o ressarcimento pleiteado.76

Venosa77 diz que "são excludentes de responsabilidade, que impedem que

se concretize o nexo causal, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a

força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar.”

Apesar de a legislação nacional ter adotado a teoria do risco administrativo,

não exigindo a comprovação da culpa lato sensu, ou seja, em sentido amplo,

contendo o dolo e a culpa em sentido restrito do Estado para ressarcimento, é

plenamente admissível certos fatores poderem eliminar essa responsabilidade civil,

chamadas de causas excludentes, que serão a seguir analisadas.78

1.7.1 Caso fortuito e Força maior

Ocorrem controvérsias doutrinárias na conceituação de caso fortuito e força

maior. Muitas vezes se chamam força maior os eventos da natureza, sendo que,

para os eventos imprevisíveis, como conflitos armados, considera-se caso fortuito;

em outras, o contrário. No direito privado, essa distinção não possui importância,

porque são causas que eliminam o dever de indenizar de qualquer forma. Mas, no

Direito Administrativo, essa distinção possui grande importância, porque apenas o

fato da natureza, como causa de ordem externa, exclui a responsabilidade estatal.79

Miranda diferencia o caso fortuito e da força maior:

[...] o primeiro é o acidente produzido por força física ininteligente, em condições, que não podiam ser previstas pelas partes. A segunda é o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer. 80

76 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 962. 77 VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil: responsabilidade civil. 3 ed.São Paulo, Atlas, 2003, Vol IV, p. 40. 78 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p. 110. 79 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p. 110. 80 MIRANDA, Darci A. Anotações ao Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. v.3, 1993, p. 131.

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Assim, os eventos de origem humana aleatórios ou acidentes ocorridos na

execução de serviços públicos que possuam motivos desconhecidos não eliminam

obrigação do ressarcimento pelos danos oriundos.

1.7.2 Culpa da vítima

Uma outra causa excludente é a culpa da vítima, exclusiva ou concorrente.

Assim, se a conduta da vítima contribuiu total ou parcialmente para o prejuízo que

ela mesma sofreu, a Administração se exime completamente. Mas, se o dano

decorreu através da conduta simultânea da vítima e da Administração, esta última

responde parcialmente.81

Por sua vez, informa Rodrigues:

O evento danoso pode derivar de culpa exclusiva ou concorrente da vítima; no primeiro caso desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vítima; no segundo, sua responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa, quanto da culpa da vítima. 82

Caracteriza-se o dano quando é acarretado exclusivamente pela vítima,

destruindo integralmente o nexo de causalidade existente entre a atuação do Estado

e o dano sofrido. Mas, se ocorrer culpa concorrente do Estado e da vítima, a

responsabilidade civil daquele será atenuada e não excluída, o que se chama de

concausa ou concurso de causas, quando vários eventos concorrem para a

produção do dano, cujos ônus deverão ser dividos entre todos aqueles que

colaboraram, direta ou indiretamente, para aquele desfecho. Essa distribuição da

responsabilidade civil deve ser analisada de forma equitativa nos casos concretos e

deve ter como parâmetro a importância da participação de cada ente causador para

a ocorrência do resultado prejudicial. Exemplificando uma concausa, cite-se uma

81 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.980. 82 RODRIGUES, Silvio, Direito civil: Responsabilidade civil. 17 ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999. vol. 4, p. 165.

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colisão de dois caminhões, um particular e outro oficial, causada pela inobservância

da sinalização de trânsito por ambos os motoristas.83

Segundo Di Pietro84: “Quando houver culpa da vítima, há que se distinguir se

é sua culpa exclusiva ou concorrente com a do Poder Público; no primeiro caso, o

Estado não responde; no segundo, atenua-se a sua responsabilidade, que se

reparte com a da vítima.” Para Carlos Roberto Gonçalves, "Quando o evento danoso

acontece por culpa exclusiva da vítima, desaparece a responsabilidade do agente.

Nesse caso, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo

experimentado pela vítima".85

Gonçalves explica que o Estado não responderá civilmente por atos

exclusivamente provocados por terceiros, portanto alheios às atividades exercidas

pelos entes governamentais, extinguindo assim o nexo de causalidade, pois inexiste

uma vinculação entre a sua conduta e o dano alegado.86

Neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça:

Responsabilidade Civil - Atropelamento - Culpa da Vítima - Pedido de Indenização Improcedente - Recurso Desprovido. Age com culpa o pedestre que de maneira inconcebível adentra a rodovia sem as cautelas e cuidados necessários para efetuar a travessia. A culpa da vítima exclui o nexo de causalidade capaz de gerar a responsabilidade do motorista do veículo atropelador87

Deste modo ocorrendo algum evento onde a vitima tenha atentado contra

sua própria integridade agindo com esta com imprudência ou experiência , sua

culpa exclusiva estará configurada podendo o Estado usar deste artifícios como

meio de defesa para dispersar-se da pretensão pecuniária pleiteada pela vitima ou

seus parentes ou mesmo atenuala quando ficar comprovada sua culpa concorrente

com o lesado.

83 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006, p. 111. 84 DI PIETRO Maria Sýlvia Zanela. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 555. 85 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Editora Saraiva, 1995, p. 505. 86 DI PIETRO Maria Sýlvia Zanela. Direito administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 555. 87 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 259261/Sp - 4ª T. - Rel. Min. Ministro Sálvio De Figueiredo Teixeira. Diário da Justiça da União, Brasília, 16 out. 2000

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2 A LEGISLAÇÃO QUE ASSEGURA A INTEGRIDADE FÍSICA DO

PRESO

O Brasil possui uma deficiente política penitenciária, o que favorece as

omissões, violando também os direitos fundamentais em virtude da inobservância

dos fundamentos existentes, em nível internacional, das Regras Mínimas da ONU

sobre Tratamento de Presos e Tratados Internacionais de Direitos Humanos e, em

nível nacional, da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Execuções Penais

(LEP).

É princípio fundante do Estado Democrático de Direito o respeito à dignidade

da pessoa humana, como consta na Constituição Federal de 1988. Constitui

garantia individual que ninguém será submetido à tortura ou tratamento degradante,

inclusive o preso, na sua integridade física e moral, devendo a lei punir as práticas

atentatórias aos direitos fundamentais, direitos que se opõem ao Estado, de forma

autoaplicável, sem prejuízo dos vários tratados de que somos signatários.

O preso, como um cidadão, é detentor de obrigações e também de direitos,

que muitas vezes são desrespeitados pelos agentes e instituições a serviço do

Estado.

Neste capítulo, pretende-se basicamente analisar as normas e princípios

constitucionais que regem a integridade física dos presos, bem como o que o

ordenamento infraconstitucional, composto pelo Código Penal e pela Lei de

Execuções Penais, informa a este respeito.

2.1 DEFINIÇÕES DE PRESO/DETENTO

Para o direito positivado, o vocábulo “preso” provém da palavra latina

Prehensus, ou seja, tomado, agarrado. É a palavra utilizada na linguagem policial e

penal, para designar a pessoa que foi privada de sua liberdade individual, estando-

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se recolhida a uma prisão. O preso nem sempre traz o sentido de condenado ou de

criminoso.88

Por sua vez, a prisão “é o ato jurídico de restrição formal de direito de

locomoção, não incidental, e só pode ser decorrente de decreto judicial, de

autoridade militar ou de auto de prisão em flagrante.”89

E detento é derivado do latim Detinere, ou seja, deter, reter. No sentido que

existe no Direito Civil, Comercial e também Penal, quer significar a ação pela qual se

detém ou se retém coisa ou pessoa, de forma justa ou injusta. Detenção, no sentido

penal, é a prisão, ou seja, a privação de liberdade da pessoa, recolhida ao cárcere.

O preso é denominado detento. E, em geral, costuma-se denominar de detenção o

estabelecimento que recolhe presas as pessoas, ou seja, casa de detenção.

Detenção distingue-se da reclusão. A pena de reclusão deverá ser cumprida em

regime fechado (em estabelecimento de segurança máxima ou média), semiaberto

ou aberto.90

A prisão, inúmeras vezes, pode ser considerada em sua característica

preventiva ou de nível policial. Neste sentido, pode ser aquilo que se insere na

prisão ou aquele que se encontra sem a sua liberdade individual, em função da

perda de sua faculdade de locomover-se livremente.91

Comumente há o consenso de que a prisão, como instrumento utilizado

pelo Estado para proteger a sociedade de seus infratores, contribui para o risco e a

segurança da vida em comunidade. A Prisão é uma violação ao Direito Fundamental

à Liberdade, e assim deve ser considerada como uma última opção. O

encarceramento, sendo ele provisório ou sentenciado, produz graves violências de

natureza física, psicológica e social; dentre uma das piores conseqüências da

Prisão, está a estigmatização, a rotulação do preso.92

Geralmente, a maior parte dos presos são indivíduos pobres e do sexo

masculino, menos favorecidos economicamente pela sorte. Indiretamente, seus

familiares acabam, de certa forma, sofrendo uma penalização, pois perdem uma de

88 DE PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 636. 89 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 90 DE PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 636. 91 DE PLÁCIDO e SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 636. 92 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. Curitiba: ICPC: Lúmen Juris, 2006, p. 20.

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suas principais fontes de renda e auxílio, sofrendo ainda discriminação pela

comunidade e humilhações durante os momentos de visita nos presídios.93

2.2 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL

Em um Estado Democrático de Direito, como ocorre no Brasil, o Estado está

a serviço de todos os indivíduos que o compõem, sendo, portanto, inadmissível uma

redução de garantias fundamentais, inclusive para aqueles que se encontram

encarcerados.

Na Constituição Federal de 1988, ocorreram inovações com relação aos

direitos e garantias fundamentais, principalmente concentrados em seu art. 5. Entre

os direitos e garantias fundamentais, o texto constitucional veda totalmente as

denominadas penas cruéis, em seu art. 5º, XLVII, e assegurando ao preso o respeito

à integridade física e moral, de acordo com o art. 5º, XLIX. Estes artigos baseiam-se

no pressuposto de que os direitos fundamentais são os direitos humanos94 previstos

em nível constitucional, na legislação infraconstitucional e em tratados

internacionais, possuindo aplicabilidade imediata, todos fundamentados no princípio

da dignidade humana.95

A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significa mera enunciação de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário para a concretização da democracia. Ressalte-se que a proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais previstos na Constituição Federal e no ordenamento jurídico em geral.96

93 KOERICH, Dulciléa. Assistência jurídica ao preso em Florianópolis. 1998, 25f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=9888> Acesso em: 27 jan. 2009, p. 15. 94 De acordo com Fabriz, Daury César. Bioética e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p.240 “Os direitos humanos referem-se a certos direitos garantidos e inerentes ao próprio homem em sentido universal e revelam-se com um conjunto de normas que visam defender a pessoa humana contra os excessos do poder ou daquele que exercita o poder.” 95 DEMARCHI, Lizandra Pereira. Os direitos fundamentais do cidadão preso: uma questão de dignidade e de responsabilidade social. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/106771/os-direitos-fundamentais-do-cidadao-preso-uma-questao-de-dignidade-e-de-responsabilidade-social-lizandra-pereira-demarchi> Publicado em 9 set. 2008. Acesso em: 19 jan. 2009. 96 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 21.

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No art. 5º, III, o texto constitucional veda terminantemente o tratamento

degradante, ou seja, o “que incida sobre a honra, a dignidade, o psíquico”, sendo um

tratamento que humilha o homem, reduzindo a sua humanidade e autoestima.97

A Constituição Federal de 1988 ampliou os direitos dos presos, sendo que a

prisão está prevista no art.5º, em seus incisos LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI,

LXVIII, LXXV, LXXVII; em seu art. 86, §3º; art. 136, §3º, incisos I a IV; com relação à

detenção, foram dedicados os arts. 136, §3º, II e III; 139, III.98

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania LXVIII – conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; LXXV – o estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.99

A observação aos direitos humanos fundamentais deve ocorrer

principalmente pelas autoridades públicas, sendo considerada um dos fundamentos

de um autêntico Estado Democrático de Direito. No ordenamento jurídico nacional,

97 BARROS FILHO, José Nabuco Galvão de. O direito à informação e os direitos dos presos: Um libelo contra a execração pública. Informe do Senado Federal. Brasília. 34 n. 135, p. 170, jul./set. 1997. 98 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2008, p.753. 99 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009,

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as normas constitucionais, que são os princípios100, os direitos e as garantias

fundamentais, possuem aplicação imediata, como pode ser constatado pelo art. 5°, §

1° da Carta Magna.101

2.2.1 Dos princípios constitucionais

Os princípios constituem idéias gerais e abstratas, que expressam, em maior

ou menor grau, todas as normas que formam o direito. Segundo Maurício Godinho

Delgado,102 a palavra princípio traduz, na linguagem, a idéia de “começo, início”, e,

neste sentido, “o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação ou

processo”.

Para Mello, princípio:

É o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. 103

Por sua vez, ensina José Joaquim Gomes Canotilho104 que princípios "são

normas que exigem a realização de algo, de melhor forma possível, de acordo com

as possibilidades fácticas e jurídicas, e as regras são normas que, verificados

pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem

nenhuma excepção".

Os princípios ocupam funções distintas no direito, atuando tanto na fase do

estabelecimento da norma quanto na efetivação social da mesma. Na fase pré-

100 Explicado no item 2.1.1. 101 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 179. 102 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual. São Paulo: LTr, 2001, p. 184 103 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 771-772. 104 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Lisboa: Editora Almedina, 2000, p. 1215.

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jurídica, os princípios abrem o caminho a ser seguido na confecção de novas leis,

sendo um norte para o legislador na produção de uma nova norma.105:

Os princípios possuem seu nível de importância, mas, dentro de uma

hierarquia jurídica, que, por outro lado, enseja a existência de princípios com maior

importância, estes vêm representados pelos princípios constitucionais. Os princípios

constitucionais merecem um destaque maior, pois eles permeiam toda a

Constituição, influenciando e inspirando a criação das demais normas. Os princípios

pagam um alto preço pela função altamente elevada que desempenham, não sendo

eles meras regras de condutas, mas valores e parâmetros que servirão como

embasamento para a criação de futuras normas.106

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isto só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta à proporção que perdem o seu caráter de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade[...] eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos.107

Neste sentido, a violação de um princípio seria um fato muito mais gravoso

do que simplesmente violar uma norma, pois o desprezo ou não-observação a um

princípio acarreta uma ofensa não somente a um específico mandamento

obrigatório, mas, de forma geral, a todo o sistema constitucional. A violação a um

princípio representa a mais grave espécie de ilegalidade ou de inconstitucionalidade,

sendo considerada uma rebeldia contra todo o sistema, seus valores fundamentais,

auxiliando para a corrosão de sua estrutura mestra.108

Para Mello109, "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma

norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um

específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos”.

105 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual. São Paulo: LTr, 2001, p. 17-24. 106 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Lisboa: Editora Almedina, 2000, p. 1.215. 107 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 153-154. 108 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 153-154. 109MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 748.

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Uma vez que a Constituição é um sistema formado por regras e princípios,

fruto do consenso social a respeito de valores fundamentais, e que os princípios

fundamentam as regras, os princípios situam-se no nível mais alto das normas, ou

seja, a “norma das normas” ou “fonte das fontes”.110

2.2.2 Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana tem um valor supremo, já que este se refere

à honra, ao seu brio, e, quando reconhecido pelo direito, coloca o homem, seu

destinatário, no mesmo nível de todos os outros, sem quaisquer distinções. “A

dignidade da pessoa humana situa-se na base de todos os direitos constitucionais

consagrados, quer aos seres humanos livres ou aprisionados por decisão

condenatória”.111

Dignidade é uma palavra originária do vocábulo latino dignitas, ou seja,

virtude ou honra. Portanto, a dignidade é uma qualidade moral de todas as pessoas

e fundamento para o respeito a ser dispensado indistintamente a todo ser

humano.112

A palavra dignidade pode ser usada em diferentes aspectos, com sentidos

diversos, como intelectual, social ou moral. A dignidade da pessoa humana, contida

no art. 1°, III do texto constitucional, é como “atributo intrínseco da pessoa humana,

como valor de todo ser racional, independentemente da forma como se comporte.

Assim, mesmo que uma pessoa tenha perpetrado um comportamento indigno, este

não a faz privada de seus direitos fundamentais.113

110 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 748. 111 SANTOS, Maria de Nazaré Silvia Gouveia dos. A atuação do juiz da execução penal na preservação dos direitos do preso: um desafio a ser vencido. Disponível em: <http://www.memorycmj.com.br/cnep/palestras/maria_de_nazare.pdf.> Acesso em: 28 jan. 2009, p.10. 112 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 176-177. 113 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1999, p. 79.

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Art. 1º - A República Federativa do Brasil, Formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana 114

O fundamento da dignidade não se esgota ou limita-se apenas na dimensão

material, econômica ou social do homem. Há de ser considerada também a

dimensão psíquica e espiritual, voltada para o transcendente, indissociável em sua

natureza.115

Para Santos116:

A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva [...] e ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais.

Por sua vez, Silva informa que:

A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida [...] concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [...]117

Nesse sentido, observa Alexandre de Moraes:

A dignidade da pessoa humana é o valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na auto determinação consciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentas mas sempre sem menosprezar a

114 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009, p.1. 115 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1999, p. 79. 116 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1999, p. 97. 117 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p.96.

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necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. 118

Resumindo, o ser humano deve ser sempre valorizado e considerado como

um fim em si mesmo e não como coisa, meio ou instrumento de realização de

objetivos outros. Por conseguinte, deve ser respeitado sempre, e toda ação ou ato

deve-se operar no sentido de valorizá-lo como ser, pessoa. O princípio da dignidade

humana não só deve inspirar o Direito, a ação do Estado e o comportamento

humano, como também deve servir de fonte inibidora de todos os atos atentatórios e

ofensivos à humanidade.119

O mundo ocidental desenvolveu a consciência de que todos os homens pertencem e formam a humanidade. A tendência é a inserção das minorias, condenando-se o racismo, a discriminação racial ou religiosa, sexual ou ideológica, posto que ofendem a dignidade humana. Vale dizer, não ofendem somente aquele que, por exemplo, sofre discriminação racial, mas atinge a toda a sociedade120.

É importante afirmar que não se trata somente de dizer que os homens são

totalmente iguais em todos os pontos de vista, mas que, apesar de suas diferenças

e diversidade, todos possuem direitos, já que todos são possuidores da dignidade

humana.121

Daí que a dignidade da pessoa humana não é uma criação do legislador constituinte, que apenas reconhece a sua existência e sua eminência, pois ela, como a própria pessoa humana, é um conceito a priori. Porém, ao colocá-la como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, transformou-a “num valor supremo da ordem jurídica”, ou seja, “não é apenas um princípio de ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural”, que “atrai o conteúdo de todos os direitos.122

118 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 128-129. 119 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 128-129. 120 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral: dispensa imotivada. São Paulo: LTr, 2002, p. 24. 121 KHAMIS, Renato Mehanna. Dano moral: dispensa imotivada. São Paulo: LTr, 2002, p. 24. 122 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1999, p. 79.

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Santos123 afirma que a dignidade é um ”atributo intrínseco da pessoa

humana, como valor de todo ser racional, independentemente da forma como se

comporte”, de tal modo que o comportamento indigno de uma pessoa não a faz

privada de seus direitos.

[...] no caso de dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas fundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade [...] passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal, definição esta que, todavia, acaba por não contribuir muito para uma compreensão satisfatória do que efetivamente é o âmbito de proteção da dignidade, na sua condição jurídico-normativa.124

Com essa realidade, outro questionamento é necessário: como garantir a

integridade física e moral de um cidadão preso, caso o presídio abrigue mais do

dobro de sua capacidade e, a pretexto de manter a segurança, desprezam-se os

direitos mais básicos do ser humano? Que necessidade há em submeter o cidadão-

preso a essas desumanidades? Que controle mantém o poder militar que, para

manter a segurança, precisa retirar do indivíduo o que lhe é mais salutar, ou seja, a

sua própria dignidade?125

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inc. III, informa que a

Republica Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito com

fundamento na dignidade da pessoa humana.126

Os condenados devem ser reconhecidos como indivíduos portadores de

dignidade, como um direito jurídico absoluto, inalienável, irrenunciável e

intangível.127

123 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1999, p. 79. 124 SARLET, Ingo Wolfganf. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 40. 125 DEMARCHI, Lizandra Pereira. Os direitos fundamentais do cidadão preso: uma questão de dignidade e de responsabilidade social. Disponível em http://www.lfg.com.br. Acesso em: 15 maio. 2009. 126 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009, p.1. 127 DEMARCHI, Lizandra Pereira. Os direitos fundamentais do cidadão preso: uma questão de dignidade e de responsabilidade social. Disponível em http://www.lfg.com.br 15, Acesso em: maio. 2009.

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O pleno reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana levou

a considerar-se o ser humano como o centro do universo jurídico, não sendo uma

prerrogativa de alguns indivíduos, mas inerente a todos os seres humanos. Portanto

a amplitude de seus efeitos, emanados através da ordem jurídica, não se dá de

forma distinta entre duas pessoas.128

Neste diapasão, a Constituição Federal de 1988, no seu art. 5º, entre os

direitos individuais, trouxe importantes exigências que o Estado, para a sua atuação

punitiva, há de observar, pois, do contrário, estará violando o princípio da dignidade

da pessoa humana. Através deste artigo constitucional, elencam-se as garantias em

seus incisos, como:

Proibição total em submeter qualquer pessoa a tratamento desumano

ou degradante (inciso III), garantindo ao preso o respeito à integridade

física e moral (inciso XLIX);

Observância do devido processo legal (inciso LIV) juntamente com o

contraditório e a ampla defesa (inciso LV);

Julgamento através de autoridade competente (inciso LIII);

Inadmissibilidade de provas obtidas por meio ilícito (inciso LVI);

Fim de juízos ou tribunais de exceção (inciso XXXVII);

Princípio de que ninguém será reputado culpado exceto com o

trânsito em julgado de sentença condenatória (inciso LVII). Assim, a

prisão do acusado, antes da sentença irrecorrível, é legítima somente

nas hipóteses previstas em lei;

Legitimidade material do direito de punir, como, por exemplo, a

cominação de penas (inciso XXXIX), a reserva legal da definição de

crimes, e a individualização destas de acordo com o grau de

culpabilidade do infrator (incisos XLV e XLVI), a interdição de

determinadas sanções (pena capital, a prisão perpétua, trabalhos

forçados, o banimento e as penas cruéis) (inciso XLVII);

Movimentação da competência prisional (incisos LXI – a LXVI e

LXVIII); e execução da pena (incisos XLVIII e L).129

128 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor/IBDC, 1999, p. 79 129 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009, p.1

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O Princípio da Dignidade Humana está em assegurar que o Estado, durante

seu exercício de jus puniendi em prol da manutenção da paz social, atue de forma a

não se afastar dos limites da humanidade ao acusado da prática de crime. Se o

delito for o mais hediondo e reprovável possível pela sociedade, mesmo assim é

injustificável que seu autor, uma vez sob custódia, tenha um tratamento indigno. 130

Tudo o que foi exposto serve para demonstrar a existência de uma grande

preocupação com o princípio da dignidade da pessoa humana, de forma a impedir

que a atividade jus puniendi estatal, manifestada sob o interesse da manutenção da

segurança da coletividade, acarrete a violação física e moral do indivíduo. 131

Apesar de ser norma insculpida em nossa lei maior, o princípio da dignidade

da pessoa humana é constantemente desrespeitado para com aquele que, por

qualquer infortúnio, veio a depender do sistema prisional brasileiro, como esclarece

o jornal Tribuna do Sol, do Estado do Piauí, de 8 de janeiro de 2009,: “Jornalista é

preso e torturado no interior do Piauí”.132

No mesmo sentido, lembra o jornalista Fábio Campana, em seu site, em

matéria publicada no dia 31 de outubro de 2008, a notícia: “Empresário é preso e

torturado por duas horas pela PM”.133

Na mesma ótica, o jornal “A HORA de Santa Catarina”, no dia 13 de maio de

2009, informa à população o afastamento de dois monitores do Centro Educacional

São Lucas, na cidade de São José – SC, acusados de torturas contra dois

adolescentes, e segue dizendo:

A promotora da infância e juventude, Leda Maria Hermann, em ação civil pública, sustentou que há indícios fortes de que os monitores Geraldo Torres e Evonir Dal Pizzol praticaram as agressões contra os adolescentes.[...].A juíza também determinou que o secretário da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, Ronaldo Benerdet, abra

130 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 54. 131 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996. p. 54 132 JORNALISTA é preso e torturado no interior do PI. Jornal Tribuna do Sol, Teresina-PI, 8 jan. 2009. Disponível em: <http://www.tribunadosol.com.br/coluna.asp?id=50234&s=17.> Acesso em: 10 mar. 2009. 133 CAMPANA, Fábio. Empresário é preso e torturado por dias pela PM. Disponível em: <http://www.fabiocampana.com.br/2008/10/empresário-preso-e-torturado-por-dias-horas-pela-pm/> Acesso em: 25 fev. 2009.

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em cinco dias procedimento administrativo contra os monitores e que conclua em no máximo 90 dias. 134

Na mesma gravidade, o Jornal Diário Catarinense traz, em matéria pública,

em abril do corrente ano:

A Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania determinou a abertura de sindicância e inquérito policial para investigar a denúncia de tortura de presos no Presídio Regional de Tijucas, na Grande Florianópolis. As agressões teriam ocorrido durante operação pente-fino realizada no dia 16 de março135.

Neste diapasão, Dráuzio Varella relata, em seu livro, a crueldade que alguns

encarcerados recebem da massa carcerária, indo afrontar o princípio da dignidade

da pessoa humana, ao qual todos temos direito:

Muitas vezes ao estuprador é dada a oportunidade de conviver pacificamente com a massa por longos períodos. Um dia no anonimato de uma rebelião, a turba enfurecida descarrega nele o ódio represado. Nessa ocasião são atirados do telhado, esfaqueados ou torturados com requintes de crueldade, como um catarinense que atendi na enfermaria com a língua queimada por uma faca em brasa e infectada pelos micróbios presentes nos excrementos que o obrigavam a ingerir a cada trinta minutos.136

Pelo que se verificou, apesar de o ordenamento jurídico brasileiro possuir

inúmeros dispositivos legais que objetivam assegurar a integridade física do preso e

o respeito à sua dignidade humana, estes não são efetivamente seguidos pelas

autoridades penitenciárias.

134 HERMINIO, Nunes. Monitores são afastados. A Hora de Santa Catarina, Florianópolis, 13 de maio de 2009. Seção Policial, p.3. 135 BERTOLINI, Jeferson. Denuncia de tortura será investigada. Diário Catarinense. Florianópolis, 04 de abril de 2009. Seção Policial, p. 24. 136 VARELA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.146-147.

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2.2.3 Direito à vida

A vida é o bem mais precioso homem. Dentre todos os demais direitos, a

vida é o de maior relevância, é o mais fundamental e precede os demais, do que

resulta ser pré-requisito. O princípio do direito à vida, dada a sua relevância e a sua

importância, manifesta-se expressamente, num direito protegido não só no plano

nacional, quanto internacional.137

Para Bittar, o direito à vida:

É um direito da personalidade dotado de caracteres especiais para que possa proteger eficazmente a pessoa humana. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que dele se despoje o titular, emprestando-lhe caráter essencial. Daí serem, de início, direitos intransmissíveis e indispensáveis, restringindo-se à pessoa do titular e manifestando-se desde o nascimento [...] Constituem direitos inatos (originários), absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes, como tem assentado a doutrina. 138

A Constituição Federal de 1988 descreve, em seu art. 5º, caput:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade[...]139

Alexandre de Moraes, em uma interpretação ao artigo 5º, caput, da

Constituição Federal, ilustra que cabe ao Estado assegurar o direito à vida desde

137 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p. 11. 138BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, p.11 139 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009 p.1.

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sua concepção, pois esta se inicia desde sua forma uterina, além de garantir sua

subsistência de forma digna ao cidadão. 140

Atualmente, o direito à vida é consagrado como um direito humano

fundamental, pois o direito à vida é uma condição necessária para o usufruto de

todos os outros direitos humanos. O direito à vida acabou se tornando o fundamento

do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito. Assim, cabe ao Estado

garantir à sociedade o direito à vida sob dois aspectos, no que se refere ao direito do

indivíduo de viver dignamente e de permanecer vivo.141

Ainda para Moraes, o direito à vida:

Há de ser compreendido em duas acepções, uma relacionada ao direito de viver e continuar vivo – aspecto biológico – e outra relacionada à existência de uma vida digna quanto à subsistência. Assim, o direito à vida significa não só assegurar os meios necessários à preservação da vida de todos, como também a garantia de condições para se viver com dignidade. Portanto, o direito à vida deve ser entendido como “direito a um nível de vida adequado com a condição humana”, o que implica o atendimento de vários direitos, como à alimentação, ao vestuário, à saúde, à educação, à cultura e ao lazer, dentre outros. 142

Assim, há que se atentar não só à vida em si, mas às condições de sua

manutenção, observando-se não apenas os meios necessários à realização de uma

ida digna, como também à manutenção. Como uma conseqüência direta do direito à

vida, há o direito à integridade física, no qual o indivíduo tem o direito de proteger

seu corpo e sua mente.143

É importante citar inicialmente a histórica Declaração Universal dos Direitos

Humanos, instituída em 1948, que, em seu art. 3º, informa que "todo indivíduo tem

direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa". Mais adiante, em seu art.

5º, afirma que "ninguém será submetido a torturas, penalidades ou tratamentos

cruéis, desumanos ou degradantes". Com relação ao direito à vida, enuncia, em seu 140 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.31. 141 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 31. 142 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p.87. 143 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 87.

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art. 12, que “ninguém será objeto de ingerências arbitrárias em sua vida privada, sua

família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques à sua honra ou

reputação. Qualquer indivíduo possui o direito à proteção da lei contra tais

ingerências ou ataques."144

Apesar de o direito à vida ser um direito constitucional, não é difícil ver, ou

mesmo ler em jornais ou revistas, este direito ser flagrantemente desrespeitado em

penitenciárias, delegacias, colônias penais ou mesmo agrícolas. Por todo o país,

reportagens denunciam estes casos, como o Jornal O Globo, publicado

recentemente, em 21 de marco de 2009, que traz a seguinte manchete: “Preso é

morto a facadas no presídio de Pernambuco”.145 Na mesma semana, em matéria

publicada dia 17 de março de 2009, o jornal O Globo já trazia como destaque:

“Preso é morto por não pagar seguro de R$ 500,00 no MA”.146

No mesmo flagrante de desrespeito à vida, o Diário Catarinense publicou a

seguinte manchete: “Crise atinge Penitenciária de São Pedro de Alcântara. Desde a

inauguração, em 2002, 12 pessoas já foram mortas na unidade” 147, e prossegue

dizendo:

Maior unidade prisional de Santa Catarina, a Penitenciária de São Pedro de Alcântara vive um momento tenso, talvez o pior pelo qual já passou em seus cinco anos de existência, com seguidas mortes de presos, motins e tráfico de drogas. Nos últimos seis meses, segundo levantamento feito pelo Diário Catarinense, cinco detentos foram assassinados dentro da unidade. A última morte foi registrada ontem de madrugada. O preso André Lopes, 23 anos, que cumpria pena por furto e estelionato, morreu no Hospital Celso Ramos, em Florianópolis, por causa das agressões que sofreu na terça-feira, dentro de um dos cubículos da ala de isolamento. Segundo o diretor da penitenciária, Everton Medeiros, Lopes estava no isolamento, uma espécie de castigo, porque tentou matar outro preso na

144 VIEIRA, Ricardo Stanziola. Direito à vida e movimentos sociais na perspectiva das necessidades e da alteridade. 1999, 192f. Dissertação (Mestrado em Direito) Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=25186> Acesso em: 19 jan. 2009, p.104. 145 PRESO é morto a facadas em presídio de Pernambuco. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 21 mar. 2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1052523-5598,00.html>Acesso em: 2 abr. 2009. 146 PRESO é morto por não pagar 'seguro' de R$ 500 no MA. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 17 mar. 2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1045667-5598,00.html> Acesso em: 3 abr. 2009. 147 BERTOLINI, Jeferson. Crise atinge Penitenciária de São Pedro de Alcântara. Diário Catarinense, Florianópolis, 07 de Fevereiro de 2008. N. 7969 Seção Policial, p. 24.

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semana passada. Às 17h de terça-feira, na hora da janta, ele foi encontrado ainda com vida por agentes prisionais. 148

Mais ao sul do Brasil, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, confirma ainda

mais o desrespeito e a insegurança do apenado no sistema prisional brasileiro:

O apenado Ademir José Duarte, 26 anos, foi encontrado morto às 7h desta terça-feira em uma cela do pavilhão A do Presídio Central de Porto Alegre, onde cumpria pena com outros 23 detentos. Conforme policiais civis que estiveram no local, o corpo estava suspenso por um pedaço de lençol, amarrado ao pescoço e à grade de uma janela. Conforme o comandante da Força Tarefa da Brigada Militar e diretor do Presídio Central, tenente-coronel Jainer Pereira Alves, a morte não alterou a rotina da prisão. Ele disse que Duarte tinha condenação por furto qualificado e aguardava transferência para outra prisão. O caso será investigado pela Delegacia de Homicídios e Desaparecidos. 149

Ademais, afirma Bissoli Filho:

[...] a vida na prisão impõe que o indivíduo se agregue a uma subcultura, ou seja, à sociedade carcerária, sob pena de sofrer sanções impostas pelos próprios companheiros (isolamento, maus- tratos e morte) cujo processo da vida carcerária segue em sentido inverso ao que pretende o tratamento ressocializador, gerando uma desculturação ou enculturação [...]150

Na mesma ótica, testemunha Dráuzio Varella, ao relatar as palavras de um

detento do presídio do Carandiru:

No silêncio da noite, a mente trabalha solitária porque a decisão final é minha e dela depende a sorte de um ser humano. Sou o Juiz do Pavilhão. Só que o juiz da rua trabalha aquelas horinhas dele e vai para a casa com o motorista; eu, é 24 por 48. Ele, só tem que julgar se o acusado vai preso; no máximo, dar uma pena mais longa. Eu, assino pena de morte.151

148 BERTOLINI, Jeferson. Crise atinge Penitenciária de São Pedro de Alcântara. Diário Catarinense, Florianópolis, 07 de Fevereiro de 2008. Seção Policial, p. 24. 149 LUIZ COSTA, José. Apenado é encontrado morto no Presídio Central. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 21 de março de 2009. Seção Policial, p. 17 150 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização - dos antecedentes à reincidência criminal. Florianópolis: Obra Jurídica Editora, 1998, p.211. 151 VARELA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 104.

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No mesmo dizer, completa o citado autor a respeito da pena capital

estabelecida entre os detentos:

É um universo de ódio aos estupradores. Os ladrões aceitam tudo: agressão física, estelionato, roubo, exploração do lenocínio e assassinos torpes – menos o estupro. A ojeriza a este crime é compartilhado pelos próprios funcionários e pela sociedade em geral. Na periferia de São Paulo, um homem abusou de um menino. Os jornais publicaram fotografias do assassino da criança. Numa tarde de sexta-feira por aparente descuido burocrático, um grupo de presos veio transferido para a Casa sem a direção se dar conta de que o criminoso estava no meio. Do momento em que ele desceu do camburão até sua morte no pavilhão, se passaram Cinco, exatos cinco minutos. Tomou tanta facada que quase lhe desarticularam o braço direito. 152

Esta realidade que acaba de ser relatada viola diretamente os princípios

existentes na Constituição Federal referentes à integridade física e à vida dos

presos. Isso acaba se tornando um dos elementos preponderantes que transformam

as prisões em antros disseminadores de criminalidade, originando a violência tanto

de presos contra presos, como de presos contra os funcionários, ou vice-versa.

2.2.4 Direito à segurança

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, informava,

em seu art. 3º: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança

pessoal” e, sob sua influência, a Constituição Federal de 1988 também considera,

em seu artigo 6º, a segurança como um direito fundamental. Mas a questão da

segurança, na maioria das vezes, é lembrada somente nos casos em que seus

titulares são as pessoas comuns e os presos políticos, atingidos em sua integridade

física e moral pela ação de agentes estatais, sendo esquecidos os presos comuns,

os quais também possuem o direito à segurança, violada pelo Estado. 153

152 VARELA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 104. 153 Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 apud SALGADO, Daniel de Resende. Fundamental direito à segurança. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/artigo_fundamental_dir_seguranca_procur._republica.pdf.> Acesso em: 2 fev. 2009.

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O direito à segurança é o direito guardião dos demais direitos fundamentais,

uma vez que, inexistindo segurança, os outros direitos terão pouca importância,

desordenando o Estado de Direito, reinando assim a insegurança e o desrespeito à

ordem jurídica.154

No que se refere ao preso, questiona Maria Colluci:

A responsabilidade civil do Estado na custódia do preso é apenas um dos aspectos que envolvem a custódia da pessoa do poder público, todavia, pelas circunstâncias de privação de liberdade, ausência de meios de defesa por parte do individuo e condições precárias de encarceramento, merece revisão urgente de critérios [...] bem como do afastamento dos agentes causadores de tais práticas, pela violação do homem e, por via de conseqüência, de toda a coletividade. 155

O direito à segurança é um dos direitos fundamentais previstos no caput do

art. 37 da Constituição Federal, também considerado como um direito inviolável, no

mesmo nível que os direitos à vida e à liberdade. Qualquer cidadão possui o direito à

segurança, e cabe ao Estado assegurar este direito para a população, o direito de ir

e vir, de liberdade de expressão, privacidade, sem ameaças a sua integridade física,

moral ou psicológica.156

A segurança, como direito individual, consiste naquela tranquilidade de espírito, própria de quem não o outro (Montesquieu). O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar, autônoma e responsavelmente a vida. Por isso, desde cedo consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito.157

Em um Estado Democrático de Direito, como ocorre no país, o Estado está a

serviço para todos os indivíduos que o compõem, sendo, portanto inadmissível uma

154 Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 apud SALGADO, Daniel de Resende. Fundamental direito à segurança. Disponível em: <http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/artigo_fundamental_dir_seguranca_procur._republica.pdf.> Acesso em: 2 fev. 2009. 155 COLLUCCI, Maria da Glória Lins da Silva. Responsabilidade do Estado na custódia do preso. Curitiba: Juruá, 1988 p. 20. 156 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 13 mar. 2009. 157 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição: direito constitucional positivo. 15. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.744.

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redução de garantias devendo o Estado entre as demais garantias inerentes a

pessoas humana objetivar a segurança do cidadão por meio de política preventiva.

2.2.5 Direito à saúde

No Brasil, o direito à saúde158 é um dos direitos e das garantias

fundamentais do cidadão, de natureza social, insculpido no art. 6° da Constituição de

1988. Pode-se complementar que o direito à saúde é um complemento ao direito à

vida. Diz o artigo 196 da Constituição Federal:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.159

Esse dispositivo deve orientar tudo o que for ligado à saúde, porque foi

formulado sob o enfoque da justiça social contida no direito universal aos cuidados

em saúde. O Direito à Saúde refere-se a um direito consagrado em nível

constitucional para o ser humano e exige do Estado que este estabeleça condições

para o pleno usufruto de boa saúde, individual ou coletivamente, por meios das

entidades legitimadas para esta finalidade.160

Segundo Valentim:

O Direito à saúde é um direito público subjetivo fundamental, de natureza indisponível e assegurada indistintamente às todas as pessoas pela Constituição de 1988, que, no art. 196, declara que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às

158 Para Organização Mundial de Saúde: “entende-se por saúde o estado de completo bem-estar psíquico, mental e social. [...] a pessoa que sofre um dano biológico é lesionada no aspecto estático da pessoa, enquanto que no dano à saúde a lesão refere-se ao aspecto dinâmico do ser. (KHAMIS, 2002, p. 33). 159 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009, p.1. 160 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos-conceito e legitimação para agir. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.54.

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ações e serviços para sua promoção e recuperação. Esses serviços e ações são de relevância pública, competindo ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle. 161

Através deste direito, já totalmente consagrado, pretende-se preservar as

aptidões naturais e adquiridas do indivíduo, em relação aos seus aspectos físicos e

mentais. Rejeitam-se veementemente as lesões, ou situações que podem causar

lesões, que podem prejudicar a normalidade funcional do corpo, sob as esferas

anatômica, fisiológica e mental.162

O Princípio do Direito à Vida vincula-se profundamente a um dos

fundamentos da República Federativa do Brasil, que se refere ao Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana, junto ao art. 1.º, III, da Constituição Federal de 1988.

Neste sentido, qualquer previsão legal ou atitude tomada pelo Estado que viole o

direito acarretará no desrespeito à dignidade da pessoa humana, sendo esta

consagrada como um princípio fundamental pelo texto constitucional.163

Com relação ao direito à saúde, muitas vezes ele está sendo desrespeitado

em alguns estabelecimentos prisionais, como pode ser visto nesta reportagem

veiculada pelo Jornal A Tarde, da Bahia, publicado em 21 de setembro de 2005, que

traz em sua primeira página: “Presídio tem 19 casos de tuberculose”164.Confirmando

ainda mais o caos e o desrespeito declarado à saúde nos presídios brasileiros, o

Jornal Alagoano Repórter Brasil, de 19 de julho de 2007, traz a seguinte notícia:

“Detentas morrem por falta de atendimento médico no maior presídio de Alagoas”165

O médico Dráuzio Varela testemunha, em seu livro Estação Carandiru, fatos

que vivenciou durante sua passagem pelo presídio com relação à saúde e comenta:

Um dia de chuva entrou um ladrão do pavilhão sete enrolado em um cobertor, feito um beduíno do deserto, apenas os olhos de fora.

161 VALENTIM, João Hilário. AIDS e relações de trabalho: o efetivo direito do trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p.111. 162 VALENTIM, João Hilário. AIDS e relações de trabalho: o efetivo direito do trabalho. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p.111. 163 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 22 mar. 2009. 164 PRESÍDIO tem 19 casos de tuberculose. Jornal a Tarde, Salvador-BA. Disponível em: <http://www.sistemas.aids.gov.br/impresa/Noticias.asp?NOTCod=67113> Acesso em: 6 mar. 2009. 165 CAMARGO, Beatriz. Detentas morrem por falta de atendimento médico no maior presídio da AL. Repórter Brasil, 19 jul. 2007. Disponível em: <http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1123>. Acesso em: 20 fev. 2009.

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Tinha os lábios rachados de febre, a conjuntiva amarelo-avermelhada e uma dor tão forte nos músculos que gritou quando lhe apertei a panturrilha. Era Leptospirose, doença transmitida pelo rato, comum naquela época do ano em que chovia toda tarde, o Tietê transbordava pela Marginal e o trânsito na região do Carandiru virava um inferno. 166

O artigo 225 da Constituição Federal de 1988, menciona que todos temos

direito a um ambiente ecologicamente equilibrado a essencial e sadia qualidade de

vida, sendo dever do poder público sua manutenção. Deste modo estender-se que

este direito não pode ser suprimido da população carcerária, devendo o Estado

assegurar aos presos um ambiente saudável para o cumprimento da pena uma vez

que nossa legislação preserva ao encarcerado todos os direitos não atingidos pela

perda da liberdade. 167

Pelo que foi mencionado, verifica-se que o Brasil possui uma deficiente

política penitenciária, o que favorece as omissões, violando também os direitos à

saúde do preso. O indivíduo que cometeu o delito deve cumprir sua pena, como

forma de retribuição e de reeducação pedagógica pelo mal que acarretou a vítima

como também junto a sociedade. Mas a severidade da execução não quer dizer que

os detentos possam ser tratados como “animais”, ou fiquem sujeitos a sua própria

sorte, como vem ocorrendo.

2.3 PREVISÃO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

O código penal, apesar de breve, reconhece o preso como sujeito de

direitos, criminalizando toda e qualquer situação que se inverta a este propósito,

conservando todos os direitos não restritos pela perda da liberdade, com o propósito

de que este deva cumprir sua pena, como forma de retribuição e de reeducação

pedagógica pelo mal que acarretou à vítima, como também junto à sociedade.

Compreendendo a garantia à integridade moral do preso, o art. 38 do Código

Penal conserva “todos aqueles direitos não atingidos pela perda da liberdade, como,

166 VARELA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 96. 167 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005 p. 2137-2138.

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por exemplo, alimentação suficiente e vestuário, proporcionalidade na distribuição do

tempo para o trabalho, descanso e recreação, assistência à saúde, jurídica e à

educação”,168.

De acordo com Paulo José da Costa Júnior169, “O preso não se reduz a

simples objeto de um processo administrativo-penal. Deve ser considerado como

titular de direitos e faculdades e não mero detentor de obrigações e ônus”.

Albergaria explica que: [...] a questão do respeito à pessoa do condenado tem íntima conexão com os direitos do recluso, que são parte integralmente de sua personalidade. O preso não só tem deveres a cumprir, mas é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não é um sujeito ”alieni júris”, não está fora do direito, pois se encontra numa relação jurídica em face do Estado, e exceto os direitos perdidos e limitados pela condenação, sua condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas. 170

Há ainda o art. 353, que informa sobre a vedação ao chamado

arrebatamento de preso: “Arrebatar preso, a fim de maltratá-lo, do poder de quem o

tenha sob custódia ou guarda: Pena - reclusão, de um a quatro anos, além da pena

correspondente à violência.”171

Na mesma linha de pensamento, o entendimento de Celso Delmanto172:

[...] a pessoa arrebatada é o preso e ele é tomado de quem o tenha sob custódia ou guarda. Não tem relevo a tipificação do local onde se acha o preso (em cadeia ou na rua), desde que se ache custodiado e guardado (por carcereiro, escolta policial, oficial de justiça, etc...). Também é indiferente para o tipo deste art. 353, a legalidade ou não da prisão. No entendimento deste artigo abrange só o preso e não a pessoa submetida à medida de segurança. O arrebatamento não visa à fuga do preso, mas, ao contrário, ao fim de maltratá-lo, o que marca o elemento subjetivo da figura. Infelizmente, nos últimos tempos tem ocorrido casos de arrebatamento de presos para linchamento, sendo eles tomados à força e mortos.

168 BARROS FILHO, José Nabuco Galvão de. O direito à informação e os direitos dos presos: Um libelo contra a execração pública. Informe do Senado Federal, Brasília a. 34 n. 135, p. 170, jul./set. 1997, p.170. 169 BARROS FILHO, José Nabuco Galvão de. O direito à informação e os direitos dos presos: Um libelo contra a execração pública. Informe do Senado Federal, Brasília a. 34 n. 135, p. 170, jul./set. 1997, p.170. 170 ALBERGARIA, Jason. Manual de direito penitenciário. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 147. 171 BRASIL. Código Penal (1940). Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm> Acesso em: 15 fev. 2009, p. 1. 172 DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. 6 ed. São Paulo: Renovar, 2002, p. 725.

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65

Sobre a matéria, lembra Paulo José da Costa Junior173 que o crime é

consumado ”no momento em que o preso é retirado da esfera de vigilância de quem

o detém, não sendo necessário que ele seja efetivamente maltratado”.

2.4 PREVISÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

A severidade da execução não quer dizer que os detentos possam ser

tratados como animais, ou fiquem sujeitos a sua própria sorte, como vem ocorrendo.

Eles possuem claros direitos, que a própria Lei de Execuções Penais assegura, e

em cuja violação o Estado deve ser responsabilizado.

A Lei 7.210/1984 – ou simplesmente LEP – Lei de Execuções Penais, é o

diploma legal regulamentador de todos os direitos e deveres dos presos junto ao

Estado e à sociedade, a serem aplicados ao longo de sua pena, sendo

popularmente conhecida como “Carta Magna dos detentos”. A LEP também é

considerada uma das leis mais avançadas, ao dispor sobre normas e direitos

eficientes, em especial com relação ao processo de ressocialização do preso.174 Contudo, de acordo com Mirabete,

Desde o início da vigência da lei, havia uma convicção quase unânime entre os que militam no exercício da aplicação do direito de que a Lei de Execução Penal era inexeqüível em muitos dos seus dispositivos e que, por falta de estrutura adequada, pouca coisa seria alterada na prática quanto ao cumprimento das penas privativas de liberdade e na aplicação da lei com relação às medidas alternativas previstas na nova legislação. Embora se reconheça que os mandamentos da Lei de Execução Penal sejam louváveis e acompanham o desenvolvimento dos estudos a respeito da matéria, estão eles distanciados e separados por um grande abismo da realidade nacional, o que a tem transformado, em muitos aspectos, em letra morta pelo descumprimento e total desconsideração dos governantes quando não pela ausência dos recursos materiais e humanos necessários a sua efetiva implantação. 175

173 COSTA JR., Paulo José da. Código Penal comentado. 9 ed. São Paulo; Perfil, 2007, p 1.095. 174 DIAS, Ailton Henrique. Direitos e deveres do preso. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/10471/1/direitos-e-deveres-do-preso/pagina1.html.>Acesso em: 11 jan. 2009, p.1. 175 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29.

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Sendo uma atividade complexa, a execução penal estabeleceu um conjunto

de deveres e direitos que compreende o preso e o Estado, pois, além das

obrigações legais inerentes ao seu estado de condenado, este deve submeter-se às

normas de execução da sua pena. Referidas normas, traduzidas em deveres,

representam, na verdade, um código de postura do condenado perante a

Administração e o Estado, presumindo numa formação ético-social muitas vezes não

condizente com a própria realidade do preso. Junto aos deveres, há também um rol

de direitos do preso. A execução penal, no Estado Democrático e de Direito, deve

observar estritamente os limites da lei e do necessário ao cumprimento da pena.

Assim, qualquer ato que ultrapasse os limites contraria direitos.176

O art. 3º da LEP garante ao preso todos os direitos não atingidos pela perda

da liberdade, e, apesar da perda de sua liberdade, ainda assim estão à disposição

do preso diversas prerrogativas elencadas no art. 5º, incisos XLVIII e XLIX, da

Constituição Federal de 1988, representadas pelo respeito à sua integridade física e

moral, e garantindo que sua pena seja cumprida em estabelecimentos de acordo

com a natureza do delito. Pretende-se assegurar ao preso o mínimo de existência,

personalidade, intimidade e honra, sendo valores básicos que poderão ser

fundamentais para o sucesso ou não da reeducação e ressocialização do preso.177

A Lei de Execução Penal, impedindo o excesso ou o desvio da execução que possa comprometer a dignidade e a humanidade da execução, torna expressa a extensão de direitos constitucionais aos presos e internos. Por outro lado, assegura também condições para que os mesmos, em decorrência de sua situação particular, possam desenvolver-se no sentido da reinserção social com o afastamento de inúmeros problemas surgidos com o encarceramento.178

Na LEP, estão dispostos, nos arts. 40, 41, 42 e 43, os direitos dos presos.

No art. 40, assegura-se o devido respeito, pelas autoridades, à integridade física dos

presos já condenados e os provisórios. No art. 41 da LEP, estão dispostos os

direitos elementares que devem ser assegurados e que estão sob a

responsabilidade do Estado; entre eles: o direito à alimentação, vestuário, 176 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29. 177 DIAS, Ailton Henrique. Direitos e deveres do preso. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/10471/1/direitos-e-deveres-do-preso/pagina1.html.>Acesso em: 11 jan. 2009, p. 1. 178 SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direitos, deveres e disciplina na execução penal. In.: CARVALHO, Salo de. Crítica a Execução Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 223.

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educação, instalações higiênicas, assistência médica, farmacêutica e odontológica,

de forma a reduzir o impacto do encarceramento, de forma a tornar, dentro do

possível, a vida na penitenciária tão similar à vida em liberdade179 .

Dentre esses direitos, estão o do exercício das atividades profissionais,

artísticas e desportivas que eram desempenhadas antes da prisão. Também são

importantes a assistência social e religiosa, o trabalho remunerado e previdência

social, proporcionalidade entre os horários de trabalho e pausas de repouso ou

descanso de recreação, visitas periódicas de familiares e contato exterior através de

cartas e de leitura.180

Informa Mirabete:

[...] que a assistência material consiste na alimentação, vestuário e instalações higiênicas adequadas. A alimentação, sem dúvida, deverá ser suficiente, para que possa, o preso, subsistir, devendo corresponder às suas necessidades vitais. As instalações devem ser dotadas de normas básicas de higiene e manter as necessidades pessoais do preso. Este é quem deve manter sua cela asseada, cabendo à administração fornecer os elementos necessários para a limpeza e higiene. 181

Também o artigo 41 informa inúmeros direitos vinculados especificamente

ao preso, chamados obviamente de “direitos do preso”, para assegurar a defesa.

Nele estão inseridos alguns exemplos, que não se esgotam para o indivíduo preso,

que se submete assim a inúmeras restrições. Assim, num sentido mais amplo, tudo

que não fosse restringido ou vedado pela sua especial condição de sentenciado

seria um direito seu.182

Além deles, deve haver a assistência jurídica, através de entrevistas

reservadas com o advogado; chamamento nominal; tratamento igualitário; audiência

179 JESUS. Damásio E. de, Código de processo penal – anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 633 180 JESUS. Damásio E. de, Código de processo penal – anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.632 - 633. 181 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 65. 182 DIAS, Ailton Henrique. Direitos e deveres do preso. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/10471/1/direitos-e-deveres-do-preso/pagina1.html.>Acesso em: 11 jan. 2009, p.1

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especial com o diretor da unidade prisional; representação e petição a qualquer

autoridade judiciária, em defesa de direito.183

Há também a Resolução nº 14, de 11 de novembro de 1994, que

consubstancia as Regras Mínimas para o Tratamento de Presos no Brasil e que, em

seu art. 3º, informa: “é assegurado ao preso o respeito à sua individualidade,

integridade física e dignidade pessoal”.184

Neste sentido, procurando de forma veemente mostrar o repúdio do

legislador constituinte pela tortura, a Constituição equipara-a aos crimes hediondos,

no art. 5º, XII, quando registra que “a lei considera crimes inafiançáveis e

insusceptíveis de graça ou anistia a prática de tortura. A própria Constituição não

conceitua a tortura, mas esta pode ser encontrada inicialmente na Convenção

Internacional para Prevenir e Puni-la, pelo Decreto-Lei nº 98.386, de 9 de novembro

de 1989, cujo diploma conceitua tortura em seu art. 2º.185

2.5 POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM

JURIDICA INTERNACIONAL

A letra da lei, de nossa legislação maior, no que se refere à dignidade da

pessoa humana é em muito parecida, quando não igual, com os tratados dos quais

somos signatários referentes aos direitos humanos. Estes tratados por si só já

seriam o suficiente para afastar qualquer ilegalidade que envolve maus-tratos ou

desrespeito à integridade física ou mesmo à vida daquele que já nasce vinculado ao

sistema.

183 BARROS, Carmen Silvia de Moraes. Direitos do preso Disponível em: <http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Direitos%20do%20preso> Acesso em: 27 jan. 2009. 184 LINJARDI, Josiani. SILVA, Wânia Rezende. Tratamento digno e observância dos direitos individuais: os dois lados de uma só realidade – as possíveis razões da convivência pacífica entre presos e agentes penitenciários no âmbito da Penitenciária Estadual de Maringá. Disponível em: <http://www.repositorio.seap.pr.gov.br/arquivos/File/gestao_de_politicas_publicas_no_parana_coletanea_de_estudos/cap_4_seguranca_publica/capitulo_4_6.pdf.> Acesso em: 1º fev. 2009. p.290. 185 LINJARDI, Josiani. SILVA, Wânia Rezende. Tratamento digno e observância dos direitos individuais: os dois lados de uma só realidade – as possíveis razões da convivência pacífica entre presos e agentes penitenciários no âmbito da Penitenciária Estadual de Maringá. Disponível em: <http://www.repositorio.seap.pr.gov.br/arquivos/File/gestao_de_politicas_publicas_no_parana_coletanea_de_estudos/cap_4_seguranca_publica/capitulo_4_6.pdf.> Acesso em: 1º fev. 2009. p. 290.

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A vinculação do Brasil com os tratados dos quais somos signatários e a

recepção da Constituição Federal de 1988 força-nos a obedecer-lhes, possibilitando

a responsabilização do Estado no ordenamento jurídico internacional através da

Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA) e da Corte Internacional de Justiça

(ONU), competente para julgar os Estados que atentem contra a humanidade.

Neste tópico, será visto o que prevê o ordenamento jurídico internacional

quanto ao tratamento ao ser humano frente ao que prevê o ordenamento jurídico

brasileiro.

A consagração das garantias jurídicas do preso ocorreu muito

posteriormente aos primórdios da história do direito penal, acarretando juízos

desvalorativos sobre ele. Somente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)

surgiu uma maior preocupação com o tratamento dos presos, em função dos

horrores descobertos nos campos de concentração nazistas e do tratamento

desumano aos prisioneiros de guerra de qualquer espécie, estimulando uma

internacionalização dos direitos humanos. A Carta das Nações Unidas (1945) fixou,

entre seus objetivos fundamentais, a promoção e o estímulo ao respeito aos direitos

humanos e às liberdades fundamentais de todos, inclusive de todos os presos,

sendo eles considerados também sujeitos de direitos.186

Neste sentido, a ONU promulgou, em 1948, a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que indiretamente representou o

estabelecimento de direitos aos presos. Posteriormente diversos congressos

internacionais foram realizados com patrocínio da ONU na questão dos presos,

sendo aprovadas, em 1955, as Regras Mínimas para Tratamento do Preso. Para

implementação destes direitos, surgiu uma estrutura de monitoramento e controle

em nível mundial e regional.

Em nível mundial, foi criado, em 16 de dezembro de 1966, o Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos, elencando inúmeros direitos específicos

aos presos, juntamente com a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou

penas cruéis, desumanas ou degradantes, e, em 22 de novembro de 1969, o Pacto

de San José da Costa Rica, que menciona, em seu artigo 1º, que ”Ninguém deve ser

submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.

186 ISRAEL, Tatiana Lages Aliverti. O tratamento do preso no direito penal internacional. Disponível em: <http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/26593494.html> Acesso em: 28 jan. 2009.

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Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à

dignidade inerente ao ser humano“, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de

1992.187

Informa Bastos que o Brasil aderiu de forma inconteste à luta em favor dos

direitos humanos, uma luta, aliás, multissecular e permanente. E, sendo assim, em

prol de sua coerência, deu guarida à Declaração Universal dos Direitos Humanos,

repudiando toda violação destes direitos, da mesma forma que repudia o terrorismo,

a tortura e o racismo. 188

O art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil

é signatário, é muito similar ao existente na Carta Magna brasileira, informando que

"Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,

desumanos ou degradantes".189

O art. 5º, inc.III, e em seu XLVII, da Constituição Federal de 1988, referente

à matéria em questão, reza que "ninguém será submetido a tortura nem a

tratamento desumano ou degradante", e, em outro inciso, informa inequivocamente

que não haverá penas de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e

cruéis.190

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. Logo, é um pacto de amplitude mundial. Entrou em vigor em 1976, quando foi atingido o número mínimo de adesões (35 Estados). O Congresso Brasileiro aprovou-o através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992, entrando em vigor em 24 de abril do mesmo ano. Desde então, o Brasil tornou-se responsável pela implementação e proteção dos direitos fundamentais previstos no Pacto.191

187 É considerado como um dos principais tratados que visam à proteção dos Direitos Humanos, data de 10 de dezembro de 1984, quando foi adotado pela Resolução n. 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas. No Brasil, foi ratificado apenas em 28 de setembro de 1989. 188 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.160. 189 BRASIL. Ministério da Justiça. Pacto internacional dos direitos civis e políticos. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_politicos.htm> Acesso em: 17 mar. 2009. 190 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009, p.1.. 191 LEITE, Antonio José Maffezoli; MAXIMINIANO, Vitore André Zílio. Pacto internacional dos direitos civis e políticos. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado5.htm.> Acesso em: 2 fev. 2009.

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Em nível regional, em virtude da localização do Brasil nas Américas e sua

importância no contexto latino-americano, há, além da Declaração Americana dos

Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Americana de Direitos Humanos, por

ter detalhado especificamente os direitos e garantias do preso, juntamente com a

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Elas visam estabelecer

meios para a responsabilização do Estado por eventuais violações aos direitos

humanos, respondendo este na Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA) e

na Corte Internacional de Justiça (ONU), notadamente aos indivíduos que estiverem

sob sua custódia, impondo sanções e reparações. 192

Por outro lado, as incontáveis violações aos diretos humanos por agentes

que atuavam em nome do Estado, tanto em nível nacional quanto internacional,

ensejaram o estabelecimento de uma nova ordem jurídica, baseada numa justiça

internacional, cuja atuação deve ser realizada através da cooperação entre as

nações. Esta repressão penal mundial para evitar a impunidade individual é

realizada através do Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda.193

Assim, há teorias atuais referentes à reação penal, visando modificar o

universo das prisões, de acordo com a afirmação e internacionalização dos direitos

humanos.194

192 ISRAEL, Tatiana Lages Aliverti. O tratamento do preso no direito penal internacional. Disponível em: <http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/26593494.html> Acesso em: 28 jan. 2009, p.1. 193 De acordo com Lewandowski (2002): “O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estudos Avançados 16, nº45, 2002, p. 187: “O Tratado de Roma, que prevê a criação do Tribunal Penal Internacional (ONU), vinculado à Organização das Nações Unidas, foi aprovado em 17 de julho de 1998 por uma maioria de 120 votos a favor, 7 em contrário (da China, Estados Unidos, Filipinas, Índia, Israel, Sri Lanka e Turquia) e 21 abstenções. No dia 11 de abril de 2002, o Tratado alcançou 66 ratificações, ultrapassando o número de adesões exigido para sua entrada em vigor. O Brasil assinou o pacto em 12 de fevereiro de 2000, depois de aprovado pelo Congresso Nacional, ratificando-o em 12 de junho de 2002, tornando-se o 69º Estado a reconhecer a jurisdição do TPI. A nova Corte, sediada em Haia, na Holanda, terá competência para julgar os chamados crimes contra a humanidade, assim como os crimes de guerra, de genocídio e de agressão. Sua criação constitui um avanço importante, pois esta é a primeira vez na história das relações entre Estados que se consegue obter o necessário consenso para levar a julgamento, por uma corte internacional permanente, políticos, chefes militares e mesmo pessoas comuns pela prática de delitos da mais alta gravidade, que até agora, salvo raras exceções, têm ficado impunes, especialmente em razão do princípio da soberania.” 194 ISRAEL, Tatiana Lages Aliverti. O tratamento do preso no direito penal internacional. Disponível em: <http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/26593494.html> Acesso em: 28 jan. 2009.

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A Corte Interamericana de Direitos Humanos sustentou que:

[...] os tratados modernos sobre direitos humanos, em geral e, em particular, a Convenção Americana, não são tratados multilaterais do tipo tradicional, concluídos em função de intercâmbio recíproco de direitos, para o benefício mútuo dos Estados contratantes. Seu objetivo e fim são a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos, independente de sua nacionalidade, tanto em face de seu próprio Estado como em face de outros Estados contratantes. Ao aprovar esses tratados sobre direitos humanos, os Estados submetem-se a uma ordem legal dentro da qual eles, para o bem comum, assumem várias obrigações não em relação com outros Estados, senão com os indivíduos sob sua jurisdição. 195

E Piovesan complementa:

Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam, interagindo com o sistema de proteção nacional, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais [...] Consagra, assim, o princípio da prevalência da norma mais benéfica, ou seja, a Convenção só se aplica se ampliar, fortalecer e aprimorar o grau de proteção de direitos, ficando vedada sua aplicação se resultar na restrição e limitação do exercício de direitos previstos pela ordem jurídica de um Estado-parte ou por tratados internacionais por ele retificados. 196

Neste entendimento, precisas são as palavras de Oliveira Junior:

Das conclusões possíveis do que até aqui foi dito, uma é de que a dignidade da pessoa humana não é dada por decreto, mas é resultado de uma conquista longamente trabalhada, sobretudo no que se relaciona ao respeito que cada um de nós tem consigo mesmo ao agir. Além das leis externas, há uma legislação interna – ligada à moral e à natureza humana, que precisa ser ouvida sem rodeios. 197

Por fim, é importante ressaltar que nem mesmo em relação a prisioneiros de

guerra é permitido um tratamento desumano, podendo aí utilizar-se da analogia com 195 CORREIA, Jesus José de Pina. A violação dos direitos dos presos e a vinculação do juiz à lei. 2007, 78f. Monografia (Graduação em Direito) Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, São José-SC, 2007, p. 22. Ver “Corte Interamericana de Direitos Humanos”. 196 PIOVESAN, Flávia. Introdução ao Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: a convenção Americana de Direitos Humanos. In.: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN. O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 25-26. 197 OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Humanismo hoje. Porto Alegre: Edição do Autor, 2000, p.20.

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relação aos presos comuns. A Convenção de Genebra, editada em 1929, estabelece

que os prisioneiros devem ser tratados com humanidade e dignidade, não podendo

sofrer maus-tratos ou torturas, devendo estar concentrados em instalações

prisionais com um mínimo de estrutura, dotadas de alimentação, vestuário

higiene.198

198 BARROS FILHO, José Nabuco Galvão de. O direito à informação e os direitos dos presos: Um libelo contra a execração pública. Informe do Senado Federal, Brasília a. 34 n. 135 jul./set. 1997, p.171.

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3 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA INTEGRIDADE DO

PRESO

O sistema prisional brasileiro é notoriamente alvo de severas críticas da

sociedade, de ONGs e dos operadores do Direito, em virtude de suas deficiências

crônicas, que, muito menos que auxiliar no processo de reeducação ou regeneração

do detento, está produzindo indivíduos com maior grau de periculosidade, que

retornam para o mundo do crime mais violentos. Mas, se por um lado as prisões

brasileiras corrompem ainda mais o ser humano, por outro, muitas delas tratam seus

detentos como se fossem animais, em virtude da péssima infraestrutura, celas

superlotadas, guerras entre detentos, atritos entre presos e agentes, estando o

condenado vivendo, ou melhor, sobrevivendo à própria sorte, pela omissão dos

agentes prisionais e de autoridades, representantes do Estado.

A morte de um preso, em razão da precariedade do serviço, ou a omissão

nos serviços de segurança pública, torna esta realidade uma responsabilidade direta

do Estado, que deveria ter tomando as providências para evitar tal fato e não o fez.

Neste capítulo, será analisado o Sistema Penitenciário Brasileiro, sua estrutura e

organização interna, bem como os procedimentos destinados à reparação do Estado

pela morte ou qualquer dano físico a pessoas sob sua custódia.

3.1 A ESTRUTURA ATUAL DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O conselho penitenciário brasileiro, foi instituído no ano de 1924 por meio do

decreto lei 16.655, por sua vez, a política criminal no Brasil é exercida pelo

Departamento Penitenciária Nacional (DEPEN) órgão executor, segundo dispõe

artigo 71 da lei nº7.210 – Lei de Execução Penal, que o define como órgão

executivo da Política Penitenciária Nacional de apoio administrativo e financeiro a o

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, denominado órgão

fiscalizador (CNPCP). 199

199 BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório de gestão 2002.DEPEN, Brasília , 2002. p. 2.

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Deste modo observa Alexandre Marino Costa:

[...] O Departamento Penitenciário Nacional acompanha a execução penal e zela pela observância das normas gerais do regime penitenciário.[...] o (DEPEN) é o órgão superior do Ministério da Justiça, integrante da secretária de justiça, com a função de executar a Política Penitenciária Nacional e apoiar administrativa e financeiramente o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. 200

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o Brasil

possuía, por dados de 2008, 1.097 estabelecimentos prisionais, abrangendo

penitenciárias, cadeias públicas ou similares, centros de observação, colônias

agrícolas, casas do albergado, hospitais de custódia. Neles, haviam sido

disponibilizadas 277.847 vagas do Sistema Prisional para uma população carcerária

de 381.112 presos. Destes dados, 58.901 estão em delegacias de policia, 130.745

são presos provisórios, outros 164.594 estão cumprindo sua pena em regime

fechado, 60.295 em regime semiaberto e 21.526 em regime aberto. 201

Os estabelecimentos prisionais classificam-se em categorias:

Penitenciárias: estabelecimentos penais para o recolhimento de

presos condenados com penas privativas de liberdade (regime

fechado). Estas penitenciárias, por sua vez, subdividem-se entre

aquelas de segurança máxima especial, com celas individuais, e

aquelas de segurança média ou máxima, possuindo celas individuais e

coletivas;

Cadeias Públicas: são estabelecimentos penais para a detenção

provisória de pessoas, com característica de segurança máxima;

Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: são estabelecimentos

penais que visam a abrigar condenados em regime semiaberto;

Casas do Albergado: unidades prisionais para abrigar presos

condenados a uma pena privativa de liberdade em regime aberto, ou

com limitação de fins de semana;

200 COSTA, Alexandre Marino. O trabalho prisional e a reintegração social do detento. Florianópolis, Insular, 1999, p. 57 201 BRASIL. Ministério da Justiça. Execução Penal. Disponível em: http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm >. Acesso em 17 de maio de 2009.

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Centros de Observação Criminológica: estabelecimentos penais de

regime fechado e de segurança máxima, onde serão realizados os

exames criminológicos, para a avaliação das Comissões Técnicas de

Classificação, que, com base nas informações reunidas, poderão

indicar a espécie de estabelecimento e o tratamento mais correto para

o preso;

Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimentos

penais para abrigar presos com distúrbios psicológicos, como medida

de segurança. 202

Entre estes estabelecimentos, sem dúvida, os mais importantes são as

penitenciárias e a cadeias públicas, em virtude do número de presos que nelas são

recolhidos. Como foi visto, a cadeia pública é o estabelecimento destinado ao

recolhimento de presos provisórios, não ocorrendo de fato, na maioria dos casos,

acabando por se tornar verdadeiro “depósito de presos”, alguns dos quais cumprindo

anos de pena, à espera de julgamento. Com um sistema em colapso, as cadeias

públicas tornam-se superlotadas, com celas onde se mesclam detentos acusados de

crimes leves com outros de maior periculosidade. Esta superlotação acirra os

ânimos de carcereiros e presos, muitas vezes incentivando fugas, motins,

espancamentos e mortes entre os detentos. Em hipótese de prisão provisória, o

detento já começa a ser penalizado antes mesmo de sua pretensa condenação, por

ainda não ter sido decretada e inexistir sentença judicial condenatória com o trânsito

em julgado. 203

As penitenciárias onde detentos cumprem pena no regime fechado, assim

como as cadeias públicas, são depósitos de criminosos, muitas vezes reunindo

presos de variadas espécies de infrações e condenações, como as mais leves e as

mais graves num mesmo setor ou mesma cela. Esta proximidade acaba

disseminando idéias e comportamentos criminosos em quase todos os presos,

tornando as penitenciárias verdadeiras “escola do crime”. Por sua vez, o surgimento

de facções ou gangues de presos, muitas das quais hostis a outros presos ou

202 JESUS. Damásio E. de, Código de Processo Penal – anotado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.646-64. 203 AQUINO, Jose Carlor. O cárcere e o Juiz criminal. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/17210/16774. Acesso em: 17 de mai. 2009.

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facções, cria uma espécie de “guerra silenciosa’, com espancamentos e mortes de

presos, não raro com o conhecimento ou conivência dos agentes penitenciários.204

3.1.1 Origem

Toda a trajetória do Sistema Penitenciário Brasileiro foi caracterizada por

uma grande omissão do Estado para a implementação de políticas públicas na área

penal. Como símbolo de punição do Estado, a prisão, desde a sua origem ainda no

Brasil-Colônia, possuía inúmeras destinações, como alojamento de escravos e ex-

escravos, asilo para menores e crianças de rua, hospício, e principalmente como

uma fortaleza para deter os inimigos políticos de toda natureza. 205

A prisão colonial brasileira era considerada como o “monumento” máximo

da exclusão social, possuindo altos muros e construída em ilhas e lugares inóspitos.

Nestes locais, era comum a tortura, a promiscuidade e os maus-tratos,

comportamentos desconhecidos para uma parcela da população brasileira, mas

bastante conhecidos por outra.206

Este caos penitenciário é fruto de inúmeros gravames que vem se

ramificando desde sua origem pelos povos primitivos segundo relata Odete Maria de

Oliveira:

Os povos primitivos ignoravam quase que completamente as penas privativas de liberdade e as prisões. Utilizavam a pena de morte como uma medida suprema, pura e simples e para os crimes reputados graves e atrozes, apenavam os culpados com suplício adicionais, e de efeitos amedrontadores.Tais penas também foram consagradas em épocas e por legislação avançadas. 207

O primeiro documento referente à existência de prisão no Brasil está no

Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas, e dava à

204 GAMA, Ricardo Rodrigues. A prisão. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 34, nº 136, out. 1997, p. 85. 205 LEMOS BRITO, J. G. Reforma penitenciária no Brasil. Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, S.E., 1933, p. 8. 206 LEMOS BRITO, J. G. Reforma penitenciária no Brasil. Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, S.E., 1933, p. 8 207 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão um paradoxo social. Editora da UFSC. Florianópolis, 1984 p. 29.

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Colônia, entre outras funções, o confinamento de degredados, representados por

“cafetões”, culpados por ferimentos por armas de fogo, duelo, invasão de

propriedade privada, resistência à prisão, falsificação de documentos e contrabando

de pedras, ouro ou prata.208

A Carta Régia de 1769 fez criar a primeira prisão brasileira, representada

pela Casa de Correção do Rio de Janeiro, mas que apenas após a promulgação da

Constituição de 1824 foram elencadas hipóteses mais amplas sobre a questão,

determinando prisões de acordo com o trabalho e divisão dos réus em virtude de

suas penas.209

A Constituição de 1824, promulgada no reinado de D. Pedro I, determinava,

em seu art. 179, que as prisões ou estabelecimentos prisionais deveriam ser

seguras, limpas, com a divisão dos réus de acordo com a espécie de crimes.

Entretanto, era praticamente letra morta, pois estas prisões, no início do século XIX,

possuíam condições desumanas e insalubres para os condenados. Leciona Pedroso

em sua obra que a prisão visava: 210,

Diminuir a criminalidade, a miséria, o crime e a insanidade social;

Proporcionar a superação e prevenção do crime;

Ampliar a segurança do Estado

O Código Criminal do Império, promulgado em 1830, regularizou a pena de

trabalho e da prisão simples, e o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834 atribuiu às

então Assembléias Legislativas das Províncias a condição para legislar a respeito da

criação e de funções de estabelecimentos prisionais.211

No Período Republicano, foram editadas inúmeras normas sobre a matéria,

em especial o Código Penal de 1890, que previa diversas espécies de penas e o

regime progressivo para a execução penal, informando, em seus arts. 50 e 51, que

"o condenado à prisão celular por tempo excedente a seis anos que houvesse

cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderia ser transferido

208 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 121, 1997. 209 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 121, 1997. 210 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 125, 1997. 211 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 121, 1997.

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para alguma penitenciária agrícola, a fim de cumprir o restante da sentença". Foi

criada a concepção de separação de presos por categoria de crimes ou pela própria

situação do preso, entre eles, golpistas, insanos, menores, pequenos ou grandes

criminosos e mulheres. Pelo Decreto nº 8.233, de 22 de dezembro de 1910, surgiu o

trabalho pago nas prisões.212

No início do século XX, a legitimidade social da prisão ganhou

diferenciações destinadas a um melhor controle da população carcerária. Foram

implementados modelos mais modernos de prisões, de acordo com as

características dos presos. O Código Penitenciário da República, de 1935, como as

leis anteriores criadas pela legislação de 1890, dispôs sobre a relação ao regime de

progressão e separação por categoria dos condenados.213

O Código Penal passou a vigorar em 1º de janeiro de 1942, representando

ainda hoje a legislação nacional penal básica fundamental, juntamente com todas as

modificações e atualizações que atravessou, passando a conter as penas privativas

de liberdade, restritivas de direitos e multa.214

Com a Lei nº 7.210 ou Lei de Execuções Penais (LEP), de 1984, classificam-

se os estabelecimentos prisionais, tornando a penitenciária, de acordo com seu art.

87, para o cumprimento da reclusão em regime fechado. Pelo art. 91, a colônia

agrícola, industrial, ou similar, passou a reunir os condenados em sistema de

detenção ou reclusão, em regime semiaberto. No art. 93, tem-se a casa do

albergado, para os condenados também à pena de reclusão ou detenção, em

regime aberto, e, finalmente, pelo art. 102, a cadeia pública, que se destina somente

à reclusão provisória de presos.215

O sistema prisional nacional atravessa, no início do século XXI, como já

ocorre por décadas, uma grande crise. A estrutura penitenciária brasileira, além de

obsoleta, é parte de um sistema que está em colapso, transformando a maioria dos

estabelecimentos prisionais, para os reclusos, num verdadeiro inferno,

212 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 121, 1997. 213 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 125, 1997. 214 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias. Revista de História. São Paulo, n. 136, p. 125, 1997. 215 KOERICH, Dulciléa. Assistência jurídica ao preso em Florianópolis. 1998, 25f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. Disponível em: <http://buscalegis.ccj.ufsc.br/busca.php?acao=abrir&id=9888> Acesso em: 27 jan. 2009.

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caracterizados pela superpopulação carcerária, celas sujas, insalubres, gerando

tensões entre os presos, como também entre estes e os agentes carcerários.

Internamente, há muita promiscuidade e corrupção nas prisões, fazendo com que o

preso perca o sentido de dignidade e honra que ainda lhe resta, dificultando mais

ainda a sua reeducação e reinserção social a que objetiva a prisão, tornando-se

mais "um aparelho destruidor de sua personalidade".216

3.1.2 Características

A problemática referente à superpopulação e à ineficiência como instituição

reeducadora é a mais importante, pois, em decorrência dela, surgem as demais. A

indignação popular desponta principalmente em virtude de motins e fugas, ocasiões

nas quais se debate o grande número de criminosos distribuídos no sistema

carcerário brasileiro e a eventual possibilidade de pena de morte. A violência nos

presídios tornou-se muito mais visível e percebida como um sério problema social.

Mesmo as estatísticas governamentais sendo imprecisas ou desatualizadas,

centenas de presos morrem nas prisões por diversos motivos, sem mencionar outros

milhares de feridos em virtude de rebeliões, pela violência dos presos ou dos

agentes penitenciários.217

Nesse passo diserta Odete Maria de Oliveira:

O mundo na prisão é antes de mais nada um mundo complexo. Não há objetivos comuns definidos exceto o imediatismo de segregar o indivíduo da sociedade. O conflito de preso com preso com os funcionários da prisão e com os demais presos é uma constante. A vida social numa prisão é sobremaneira difícil e quase impossível devido a um ambiente de desconfiança total, esperteza e desonestidade lá reinantes. “É um mundo do “eu”, “mim” e “meu” antes do” nosso”, “deles” e “dele”. 218

216 COELHO, Daniel Vasconcelos. A crise no sistema penitenciário brasileiro. Publicado em: 21 fev. 2004. Disponível em: <http://www.apriori.com.br/cgi/for/crise-no-sistema-penintenciario-brasileiro-daniel-v-coelho-t355.html> Acesso em: 17 jan. 2009. 217 BARROS, Cezar Leal.Prisão crepúsculo de uma era. 2. ed. Del Rey, Belo Horizonte, 2001, p. 17-18. 218 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão um paradoxo social. Editora da UFSC. Florianópolis, 1984 p. 64

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A decadência das prisões informada pelo filósofo francês Michel Foucault

ocorre devido à criação de outras formas de ilegalismo do Estado e de

vigilância/controle dos segmentos mais populares da sociedade. As prisões são

utilizadas sob o discurso de aplicação severa da penalidade de reclusão visando

reduzir a criminalidade, mas, por outro lado, acabam levando a um grande aumento

dos percentuais de encarceramento.219

Um relatório da ONU de 2001, referente à tortura no Brasil, informa, através

de dados enviados por delegados e diretores de presídios, que a superlotação e a

carência de recursos humanos incentivam um clima de tensão entre os agentes de

segurança e a população carcerária, incidindo muitas vezes em fugas, tentativas de

fugas e motins. Neste sentido, a severidade e dureza com que o pessoal de

segurança atua para a manutenção da ordem nos estabelecimentos muitas vezes

acarreta excessos, como casos de tortura ou maus-tratos.220

Ainda neste relatório da ONU, a Human Rights Watch, uma ONG americana

que faz pesquisa e advoga no campo dos direitos humanos, com sede em Nova

York, denuncia as graves violações aos diretos humanos sofridas pela população

carcerária brasileira. A Human Rights Watch realizou entrevistas com presos e

reféns de rebeliões, de torturas, maus-tratos e de incontáveis brutalidades físicas e

psicológicas perpetradas pelos funcionários penitenciários, policiais civis e militares

e, em alguns casos, com cumplicidade de diretores de penitenciárias. As torturas

geralmente ocorrem nas delegacias policiais e nas “celas de punição” dos

estabelecimentos carcerários, podendo gerar seqüelas físicas e psicológicas nos

detentos, estas últimas tão ou mais difíceis de serem superadas que as físicas. Além

das torturas, são comuns casos de assassinatos cometidos pela Polícia Militar na

repressão de tentativas de fugas ou rebeliões, como, por exemplo, as que ocorreram

no Presídio do Roger, em João Pessoa-PB, em julho de 1997, e na Penitenciária

Central João Chaves, em Natal, em fevereiro de 1998.221

Sobre a matéria sugestiona Cezar Barros Leal:

219 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1977. p. 277. 220CARVALHO FILHO, Raimundo. Recomendação. Disponível em: <http://www2.mp.ma.gov.br/Tortura/recomendacao0203.asp> Publicado em: 21. Mar.2003. Acesso em 17 mai. 2009 221 CARVALHO JAMES, Louis. A situação carcerária no Brasil e a miséria acadêmica. Publicado em; Jan. 2000. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/10724/10289> Acesso em: 20 mai 2009.

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Para fazer frente a esta situação, a ONU, no 9º Congresso sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo (abril – maio de 1995), como nos congressos anteriores (Havana, 1990; Milão, 1985; Gênova, 1975; Kyoto, 1970; Estocolmo, 1965; Londres, 1960 e Genova 1955), recomendou a utilização da pena detentiva em último caso, somente nas hipóteses de crimes graves e de condenados de intensa periculosidade; para outros delitos e criminosos de menor intensidade delinqüêncial, medidas e penas alternativas. Com isso, desafoga-se a justiça e o sistema penitenciário podendo aquela tratar com mais cuidado dos delitos menos graves. Desta forma restaura-se o valor preventivo da justiça penal e da sanção criminal. 222

Neste caso, é importante mencionar a famosa repressão ocorrida em

outubro de 1992 na Casa de Detenção de São Paulo, que foi chamada de Massacre

do Carandiru. A Casa de Detenção possuía uma capacidade para 3.500 presos,

mas, durante o massacre, havia 7.257 presos misturados entre si, como primários,

reincidentes, perigosos, batedores de carteira, ladrões de banco, usuários de

entorpecentes, traficantes de drogas, entre outros.223

Na ação da Policia Militar paulista, foram literalmente “exterminados” 111

presos, enquanto outros 110 ficaram feridos ou gravemente feridos. A justificativa

para a rebelião foi um ajuste de contas entre dois detentos. Não foi estabelecida

qualquer linha de negociação entre presos rebelados e a PM, e a própria atuação da

polícia foi considerada irresponsável, equivocada e gravemente desastrosa. Ao

invés de asegurar a segurança dos presos em conflito e o fim do combate, pois não

foram criados reféns, a tropa de choque adentrou o Pavilhão 9 fortemente armada,

iniciando o fuzilamento sumário de todos os presos que se encontravam em seu

caminho, inclusive vários em suas celas. A fuzilaria continuou mesmo após os

tumultos terem sido controlados, e os cadáveres dos presos foram amontoados no

pátio externo da penitenciária.224

222 LEAL, Barros Cezar. Prisão crepúsculo de uma era. 2 ed. Del Rey, Belo Horizonte.2001, p.16 223 ESTAÇÃO CARINDIRU. Outras Histórias. Direção: Hector Babenco. Produção: Brasil. Intérpretes: Rodrigo Santoro, Maria Luiza Mendonça e outros. Roteiro: Hector Babenco, Fernando Bonassi e outros. São Paulo: Columbia Tristar e Home Entertaiment do Brasil. 2003. 1 DVD, sn. Color. 224 ESTAÇÃO CARINDIRU. Outras Histórias, Direção: Hector Babenco. Produção: Brasil. Intérpretes: Rodrigo Santoro, Maria Luiza Mendonça e outros. Roteiro: Hector Babenco, Fernando Bonassi e outros. São Paulo: Columbia Tristar e Home Entertaiment do Brasil. 2003. 1 DVD, sn. Color.

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Antes desta chacina, que alcançou repercussão internacional, o pesquisador

Paulo Sérgio Pinheiro, em 1985, já denunciava a forma truculenta de atuação da

Polícia Militar e a inflexibilidade das negociações nas rebeliões de presos:

Rebeliões transformadas em novos motins, por motivos aparentemente fúteis, no sentido de que uma negociação se poderia estabelecer e o Estado deveria estar sendo capaz de atender a essas reivindicações, sem uso da força armada. Essas polícias militares atuam na função de castigo extra, como uma condenação suplementar à condenação que já grava sobre os detentos.225

Infelizmente é notório que a prisão na atualidade proporciona um grave risco

grave, de perigo de algum mal, lesão e não raro a morte, juntamente com a violação

da dignidade da pessoa humana. As celas, tanto as existentes nas delegacias de

polícia, quanto nos presídios transformaram em meros “depósitos de presos”, cujas

condições humanas são as mais degradantes possíveis.

3.2 A TUTELA DO ESTADO JUNTO AO PRESO

Ao Estado há a atribuição premente de zelar pela integridade física e moral

dos presos que estão sob sua custódia, caracterizando o dever de guarda e

vigilância. Se, por ato omissivo, o Estado não zelou pela integridade do preso, a

responsabilidade resultante de omissão deve ser investigada como responsabilidade

subjetiva, verificando se o Estado, com sua obrigação de agir, não o fez. É

importante a comprovação de que o Estado não utilizou das cautelas para

salvaguardar a integridade do preso. Sendo caracterizada esta omissão, por uma

negligência, ensejaria a culpa e, assim, a responsabilidade subjetiva.

225 VARELA, Dráuzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 62.

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3.2.1 A questão do suicídio

Nem sempre as decisões são favoráveis à família do preso morto quando

sob à custódia do Estado, quando muitas vezes considera-se que o de cujus

contribuiu para sua própria morte. A responsabilidade será caracterizada se ficar

comprovado que as medidas ou instalações que pudessem evitar o evento não

existiam. Não se considera adequado enquadrar a responsabilidade advinda do

suicídio de preso como responsabilidade objetiva derivada de situação propiciatória

criada pelo Estado, pois não há conexão lógica entre o evento suicídio e a situação

de risco vivida pelo detento. O encarceramento gera vários riscos aos detentos, mas

não se pode afirmar, com certeza, que gera o risco de suicídio.226

Há escassas decisões relacionadas com pedidos de indenização pela morte,

por suicídio de presos, sendo, como é notório, de ações de indenização pela morte

de presos por agentes penitenciários, por policiais civis ou militares e por outros

presos. As decisões ocorrem, em sua maioria, pela condenação ao Estado em

indenizar os familiares do preso, pela responsabilidade objetiva ou pela culpa in

vigilando. Por outro lado, há algumas decisões em contrário, que são

fundamentadas, eventualmente, num comportamento irresponsável ou leviano da

vítima, caracterizando assim culpa exclusiva ou concorrente do preso.227

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - MORTE DE PRESO OCORRIDA NAS DEPENDÊNCIAS DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL - SUICÍDIO COMPROVADO - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA CARACTERIZADA - DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE - RECURSO DESPROVIDO.Não se desconhece o dever DO ESTADO de assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX, CRFB), bem como a sua obrigação de fiscalizar e preservar segregação na prisão. Entretanto, não se considera legítima a atribuição da responsabilidade civil ao Estado pela morte de preso, que, por ato voluntário e exclusivo, comete suicídio, tendo em vista, inclusive, a comprovação de que não houve negligência por parte do ente

226 SANTIAGO, Leonardo Ayres. A responsabilidade extracontratual do Estado na hipótese de suicídio de presos sob sua custódia. Teresina, ano 12, n. 1751, 17 abr. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11168>. Acesso em: 22 jan. 2009. 227 SANTIAGO, Leonardo Ayres. A responsabilidade extracontratual do Estado na hipótese de suicídio de presos sob sua custódia, Teresina, ano 12, n. 1751, 17 abr. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11168>. Acesso em: 22 jan. 2009.

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público e seus agentes, que atuaram oportunamente, tomando as providências necessárias para que tal fato não viesse a acontecer.228

No mesmo sentido, posicionou-se a segunda Câmara do Tribunal de Justiça

de Santa Catarina:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DETENTO QUE SE SUICÍDA LOGO APÓS A PRISÃO - ATO OMISSIVO DO ESTADO - INOCORRÊNCIA - INEXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.Não se pode imputar ao Estado a responsabilidade civil pela MORTE de pessoa que, após ser detida e recolhida à cadeia, ceifa sua própria vida, porquanto não existe nexo de causalidade entre a prisão e o suicídio praticado por ato voluntário do detento, salvo quando evidenciada a culpa do agente público.229

No tocante a morte do preso são mais comuns as ações de indenização

devido à morte destes por policiais ou outros detentos. Poucas são as decisões

acerca de pedidos de indenização pela morte, por suicídio, de presos sob custódia

do Estado. 230

Veja-se este julgado do Superior Tribunal de Justiça:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PENSÃO.1. Morte de suspeito de ação penal por enforcamento no interior do estabelecimento prisional. Responsabilidade do Poder Público. Semelhança com o emblemático "Caso Herzog". Recurso limitado ao quantum do pensionamento. Proporcionalidade da indenização. 2. A verba devida por morte, ainda que a responsabilidade seja objetiva, calca-se no cânone do art. 1.537 do CC, de 1916. Em conseqüência, o autor do dano deve pagar os alimentos a quem o falecido os devia.231

228 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2005.010068-0, Primeira Câmara de Direito Público, Relator Nicanor da Silveira. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, 30 mar. 2005. 229 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2003.025115-4, Segunda Câmara de Direito Público, Relator Jaime Ramos. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, 31 ago. 2004. 230 SANTIAGO, Leonardo Ayres. A responsabilidade extracontratual do Estado na hipótese de suicídio de presos sob sua custódia, Teresina, ano 12, n. 1751, 17 abr. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11168>. Acesso em: 22 jan. 2009. 231 BRASIL Superior Tribunal de Justiça. REsp 466969 / RN Recurso Especial 2002/0110212-2 !ª Turma, Rel. Ministro Luiz Fux. Diário da Justiça, Brasília, 05 mai. 2003 p. 233.

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De modo contrário, entendeu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a

respeito do suicídio de preso.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUICÍDIO DE APENADO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NEXO CAUSAL AFASTADO. DEVER DE INDENIZAR NÃO RECONHECIDO. O contexto probatório é suficiente a demonstrar que o companheiro e pai das autoras foi o único responsável pela sua morte no interior do estabelecimento prisional, de sorte que, pela presença da excludente, resta afastado o nexo causal e, por conseqüência, o dever de indenizar. APELO IMPROVIDO. 232

Majoritariamente, as decisões ocorrem pela imputação ao Estado do dever

de indenizar, seja por responsabilidade objetiva, ou pela caracterização da culpa in

vigilando. Uma ou outra decisão em contrário utilizam como fundamentação a

atitude leviana ou provocativa da vítima, o que configuraria culpa exclusiva ou

concorrente.233

Exemplo disso é o julgamento do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo, cuja ementa informa:

É devida indenização por danos morais em favor de mãe de detento que foi morto por outros detentos em estabelecimento prisional.Refutou-se a tese de ato de terceiro e a tese vencedora foi que houve "culpa in vigilando" da Administração. 234

Mesmo pelo fato de o ato ter sido praticado por um terceiro ou a própria

vítima tenha atentado contra sua própria vida, mas no interior da Unidade Prisional,

não faz esquivar o Estado de sua responsabilidade civil, , fundamentada pelo texto

constitucional. Este deve cumprir todas as disposições fixadas na LEP, da mesma

232 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70023565385, Décima Câmara Cível, Rel: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 24 jul. 2008. Diário da Justiça do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. 233 SANTIAGO, Leonardo Ayres. A responsabilidade extracontratual do Estado na hipótese de suicídio de presos sob sua custódia, Teresina, ano 12, n. 1751, 17 abr. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11168>. Acesso em: 22 jan. 2009. 234 BRASIL Superior Tribunal de Justiça., Recurso REsp. 936.362-ES. Recuso Especial 2007/0064684-9 !ª Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão . Diário da Justiça, Brasília, 22 mai. 2009 .

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forma se ocorrer o falecimento de uma pessoa devido à omissão ou precariedade do

serviço de segurança.235

Diante do exposto, importante ressaltar, que a administração penitenciária

deve observar estritamente os direitos fundamentais dos apenados para assegurar o

exercício de todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Como a custódia do condenado é de responsabilidade do Estado, a vida e a

integridade física e moral, devem ser mantidas, onde a própria LEP garante a sua

integridade. O Estado deve, portanto, criar as condições e a segurança para

preservar a vida daquele condenado que em razão de sua pena se encontra

encarcerado num ambiente de risco, que o torna mais vulnerável dentro do sistema.

Desta forma considera-se inadmissível toda a forma de arbitrariedade por

parte da autoridade administrativa, contribuindo para a violação de uma das

principais características e as finalidades das penas que é seu caráter pedagógico e

de ressocialização. Assim, um ambiente prisional que não promova a integração

social , não garanta um cumprimento digno e sem risco a vida e a integridade física

do apenado de nada adiantará para a sua reinserção social.

Não raras são ocorrências de suicídios em presídios, pois todo o sofrimento

imposto pela condição da pena muitas vezes é o suficiente para a decisão de se

despedir da própria vida. Deste modo o risco de suicídio pelas adversas

circunstancias especificas da pena é altamente relevante entre a população

carcerária.

3.3 DANO MORAL

3.3.1 Conceito

235 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do estado e o sistema penitenciário. Publicado em 27 nov. 2007. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/754870> Acesso em: 25 jan. 2009.

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Dano moral é aquele que acarreta sofrimento, dor, vergonha, angústia, que

uma pessoa sente pelas conseqüências de qualquer ato praticado por outra

pessoa236. Leciona Cahali237 que “a expressão dano moral deve ser reservada

exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial”

Teixeira Filho dispõe que o Dano Moral é o:

[...] sofrimento humano provocado por ato ilícito de terceiro que molesta bens imateriais ou magoa valores íntimos da pessoa, os quais constituem o sustentáculo sobre o qual sua personalidade é moldada e sua postura nas relações em sociedade é erigida. 238

Por sua vez, Santos239 diz que “o dano patrimonial afeta o bolso, enquanto o

moral perturba o espírito”. Se turbar um bem jurídico existente nos direitos da

personalidade, como, por exemplo, a vida, a integridade corporal, a honra, a

imagem, ou quando alcançar os chamados atributos da pessoa, como o nome, a

capacidade, entre outros, o dano moral será direto.

3.3.2 Reparação do dano moral

Reparar o dano significa restaurar o direito violado, com as coisas retornadas

ao status quo ante, sempre que possível, e, quando não o for, estabelecendo-se um

novo estado, o que mais se aproxime do anterior à lesão. 240

Através da reparação, ocorre a reposição natural quando o bem é restituído

ao estado em que se encontrava antes do fato danoso, sendo considerada a melhor

forma de reparação, mas que, muitas vezes, é inviável. Substitui-se, então, por uma

prestação pecuniária, de caráter compensatório. Se o autor do dano for incapaz de

236 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 101. 237 CAHALI, Yussef Said, Dano moral. 2. ed. São Paulo, Revistas dos Tribunais, 1999, p.20 238 TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Dano Moral. In.: SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. v. 1, 20 ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 617. 239 SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 117. 240 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 95.

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restabelecer o estado anterior da coisa que danificou, paga a quantia

correspondente a seu valor.241

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988,

prevê, no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu artigo 5º, incisos V e

X, a reparação por dano moral:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;242

Nesse sentido destaca-se a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 186 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PLEITO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS.morte EM PRESÍDIO. ESGANADURA. CABIMENTO DA indenização. ONUS PROBANDI DO ESTADO. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. indenização FIXADA NA SENTENÇA A QUO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA.1. Ação de indenização por danos morais ajuizada em face de ente federativo, em decorrência de falecimento de presidiário que cumpria pena em Presídio Estadual em decorrência de asfixia mecânica por esganadura praticada pelos colegas de cela. 243

Geralmente, a reparação é realizada através de quantia em dinheiro, mesmo

ocorrendo o problema de que a responsabilidade na turbação na alma da vítima é

impossível de ser calculada pecuniariamente. A compensação de natureza

pecuniária é uma forma imperfeita de reparação do dano, pois o dinheiro de forma

alguma apaga a dor, mas, indiretamente, a importância pecuniária recebida,

possibilita que a vítima goze de sensações capazes de proporcionar-lhe satisfação,

241 GOMES, Orlando. Obrigações. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. 242 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009. 243 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 944884/RS - 1ª T. - Rel. Min. Rel. Min. Francisco Falcão. Diário da Justiça da União, Brasília, 17 abr. 2008.

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possibilitando que, mesmo parcialmente, supere as conseqüências da lesão

moral.244

Lembra Paulo Gagliano que no Antigo Testamento, livro sagrado dos

cristãos, em “Deuteronômio 22:28-29”, já se encontram algumas passagens que

tratam da reparação do dano moral:

Se um homem encontrar uma moça virgem não desposada e, pegando nela, deitar-se com ele, e forem apanhados, o homem que dela abusou dará ao pai da jovem cinqüenta ciclos de prata, e, porquanto a humilhou, ela ficará sendo sua mulher; não a poderá repudiar por todos os seus dias. 245

A partir do acima exposto, extrai-se que, as reparações referentes a danos

morais possuem como objetivo primordial a compensação da dor causada, sendo a

indenização pecuniária muito mais uma amenização do que uma tentativa de

reparação do dano.

3.3.3 O Quantum indenizatório do dano moral

A fixação do quantum no ordenamento jurídico nacional não é pacificado em

nível doutrinário e jurisprudencial para a indenização dos danos morais decorrentes

da responsabilidade civil. Inexistem dispositivos legais específicos para a sua

mensuração, sendo muitas vezes impraticável, inviável ou mesmo injusta a utilização

dos critérios na reparação dos danos materiais, em virtude da inexistência de

prejuízos que possam ser mensurados através do valor pecuniário do bem

atingido.246

No mesmo diapasão, Gonçalves explica que a problemática quanto à

qualificação do dano moral não possui parâmetros precisos no que se refere a sua

estimação. Enquanto a aplicação da fórmula “danos emergentes e lucro cessantes”

244 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 469. 245 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 60. 246 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 60-61.

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procura repor o patrimônio da vítima ao estado em que se encontrava, o dano moral

busca apenas um alívio, uma amenização da dor à pessoa lesada. 247

Em qualquer situação que envolva dano moral, os juízes encontram o

mesmo problema: a falta de critérios uniformes e legais para arbitrar um valor justo,

tendo como referência o fato ocorrido e o dano causado. Desta forma, prevalece o

critério arbitrado pelo juiz, a teor do artigo 1553 do Código Civil de 1916, mantendo

sua fórmula no novo Código Civil em seu artigo 946, que deixa ao livre critério do

juiz o arbitramento do valor indenizatório, não criando padrões para que seja

possibilitado o real controle e assim diminuindo a vasta sensação de injustiça que

muitas vezes ocorre. 248

Apesar da falta de um critério especifico para o ressarcimento do dano

moral, a possibilidade de indenização é indiscutível. O artigo 5º, incisos V e X, da

Constituição Federal de 1988, assim menciona:

Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade de direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;249

O Código Civil, observando os princípios relativos à dignidade humana,

prevê, em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência

ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito.”250

Uma questão referente ao quantum indenizatório que apresenta controvérsia

é a que diz respeito à real característica da verba condenatória, ou seja, se ela teria

247 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 587. 248 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 587. 249 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 10 fev. 2009, p.1. 250 BRASIL. Código Civil (1916). Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm>. Acesso em: 18 fev. 2009, p.1.

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natureza punitiva, compensatória ou de ressarcimento. Santos251, com relação à

natureza jurídica do quantum indenizatório, ensina :

É sobremaneira discutida a natureza jurídica da indenização por dano moral. Se ressarcitória, em que a indenização serve apenas como satisfação do dano padecido pela vítima, ou se é punitiva, considerando o ofensor que não deve ficar sem receber alguma reprimenda para lembrar-se de que não deverá, nunca mais, causar dano a outrem. Os danos punitivos, como também é chamada a indenização que tem esse aspecto, merecem ampla repercussão nos países da common law, sobretudo nos Estados Unidos da América. Muito embora vozes abalizadas se oponham à indenização que tenha caráter penal, não se pode afastar de todo que no montante indenizatório do dano moral deve o juiz estipular certa quantia como fator dissuasivo da prática de novos danos.” 252,

Segundo Maria Helena Diniz253, “A reparação pecuniária do dano moral é

um misto de pena e de satisfação compensatória.” O grande problema dos

magistrados para a caracterização do dano moral propriamente dito reside no

processo de mensuração do valor econômico devido à vítima para seu

ressarcimento.

Assim também são as lições de Santos:

Um dos grandes desafios do jurista, neste início do Século XXI, é encontrar pautas que mostrem a forma a que se deve chegar para quantificar o dano moral. Superada a questão sobre se o dano à pessoa deve ser objeto de indenização, como se discutia faz algum tempo, e reconhecido que o mal feito à integridade corporal ou psíquica de alguém, seja em suas derivações de danos patrimoniais ou extrapatrimoniais, o dano moral é plenamente ressarcível. O grande problema dos tempos hodiernos é a quantificação do dano moral. Salvo o labor dos Tribunais e de alguns poucos doutrinadores, não tem existido muito interesse em encontrar-se soluções justas para essa questão. 254

251 SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 156-157. 252 SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 156-157. 253 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, responsabilidade civil. 17. ed. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 98. 254 SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 149.

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O ordenamento jurídico nacional ainda não estabeleceu um regulamento

para a fixação do valor a ser pago para a indenização por danos morais, e, assim,

enquanto isto não for realizado, os Tribunais permanecerão em dificuldades práticas

para a mensuração do quantum, diante de efeitos patrimoniais e morais. Assim, o

advogado, em sua propositura da ação, deve ser bastante cauteloso ao estabelecer

o valor a ser arbitrado visando ao ressarcimento dos danos morais, estabelecendo

critérios mais justos ao juiz para determinar a fixação do quantum. Impede-se, desta

forma, que uma indenização acarrete um enriquecimento ilícito da vítima e, assim,

inúmeros aspectos devem ser levados em conta. 255

No mesmo qualificativo, prossegue o citado autor:

O arbitramento certo da indenização do dano moral, além de não existir pauta quantitativamente exata, reduz-se a uma operação insuscetível de ser fixada, tomando-se como embasamento conceitos que sirvam de validez geral. A fluidez e o caráter nebuloso e relativo da subjetividade, do sofrimento anímico, impede a existência de pautas que gozem de validez universal ou, ao menos, em determinado ordenamento jurídico de dado País. 256

O quantum fixado deverá proporcionar uma sensação de compensação

capaz de amenizar a dor sentida e servir de lição para que o infrator não volte a

praticar o mesmo ato. Mas, para fixar o quantum, o juiz deverá sempre analisar a

condição econômica das partes envolvidas no litígio, na maioria dos casos, o

pagamento sendo feito em parcela única.257

3.3.4 Dano emergente e Lucro cessante

A diminuição do patrimônio sofrido pela vítima, causando-lhe prejuízo,

denomina-se dano emergente (damnum emergens), podendo-se entender também

255 SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 149. 256 SANTOS, Antonio Jeová. Direito intertemporal e o novo Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 149. 257FERREIRA, Rogério Campos. Indenização por dano moral: fixação do quantum debeatur. Publicado em 5 dez. 2005. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=962. Acesso em: 5 mar. 2009.

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como patrimônio da vítima os membros do seu corpo, pois sem eles seu trabalho,

labor ativo, ficaria prejudicado. O dano emergente representa a diferença do

patrimônio que a vítima tinha antes de sofrer o ato que a levou a ter prejuízo e o que

passou a ter depois.258

Na mesma modalidade, o aumento que o patrimônio da vítima poderia ter

alcançado, mas que não ocorreu, em razão do evento danoso, denomina-se lucro

cessante, ou seja, a perda de um ganho esperado..259

Leciona Cavalieri Filho que lucro cessante consiste:

[...] na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, na cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo de sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado. 260

Por sua vez, o dano emergente ou dano positivo é uma efetiva e imediata

redução do patrimônio do indivíduo em virtude do ato ilícito. Constante no art. 402 do

Código Civil, o dano emergente refere-se àquilo que a vítima efetivamente perdeu.261

Logo, ao se admitir a indenização por lucro cessante, procurar-se-á, em

razão de juízo de probabilidade, averiguar a perda da chance ou oportunidade de

acordo com o normal desenrolar dos fatos.262

3.4 A POSTULAÇÃO DA INDENIZAÇÃO

No âmbito administrativisto, a vítima pode formular seu pedido de

indenização ao órgão a que pertence a pessoa jurídica responsável civilmente,

258 NALIN, Paulo Roberto. Responsabilidade civil descumprimento do contrato e dano extracontratual. Curitiba: Juruá, 1996, p. 78. 259 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, responsabilidade civil. 17. ed. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 65. 260 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p.96. 261 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 97. 262 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil, responsabilidade civil. 17. ed. v. 7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 65.

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estabelecendo desta forma um processo administrativo em que se manifestarão os

interessados, reunir-se-ão provas, chegando-se à sentença a respeito da coerência

ou não do pedido. Ocorrendo acordo com relação ao quantum indenizatório, pode

ocorrer o pagamento único ou em parcelas, por acordo entre as partes.263

A inicial, em termos, deve preencher os requisitos da legislação processual civil, notadamente o art. 282 do Código de Processo Civil. Provados os fatos, no que respeita ao dano efetivamente suportado pela vítima, e o nexo de casualidade entre o evento lesivo e o dano, está garantido o êxito da demanda, salvo se a Administração Pública demonstrar que a culpa pelo dano é da vítima.264

Preliminarmente informa-se que, em uma parte significativa dos casos, não

há inclusive um pedido indenizatório, principalmente pela falta de informação dos

familiares ou demais interessados com relação aos seus direitos, o que evita ou

dificulta enormemente o ingresso ao Poder Judiciário. Se a ação indenizatória é

impetrada de forma adequada, os interessados (sendo familiares ou amigos)

informam de forma mais precisa possível a data dos fatos e como eles ocorreram, os

rendimentos da vítima, e desta forma requer265:

Pagamento pelo sepultamento;

Pensão mensal no valor de dois terços do salário percebido (junto

com o 13º salário) pela vítima, até completar 65 anos de idade;

Correção monetária e juros de mora sobre as parcelas vencidas;

custas, honorários advocatícios;

Assistência judiciária gratuita;

Indenização por dano moral e pelo luto da família, em que o

arbitramento deverá ser realizado em liquidação de sentença.

Se a morte ocorre durante a execução da prisão, aqueles a quem o falecido

(de cujus) devia alimentos ajuízam ação indenizatória, alegando corretamente que o

resultado foi atingido durante a atividade da Administração Pública. Em hipóteses 263 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p.461-462. 264 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.984-985. 265 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.61.

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em que a prisão ocorreu de forma ilegal, os familiares podem pleitear uma ação

indenizatória, em virtude da ilicitude do ato, responsabilizando o Estado. A situação

não muda se, durante a prisão, o preso cometer suicídio.266

A indenização representa o montante pecuniário relacionado com a

reparação do dano, sendo uma compensação pelos prejuízos causados pelo ato

lesivo. A indenização destinada ao lesado deve ser a mais ampla possível, para a

reconstituição de seu património ofendido pelo ato lesivo, equivalente ao que o

prejudicado perdeu, juntamente com despesas que foi obrigado a fazer, e por tudo o

que deixou de ganhar (lucro cessante). Há casos em que devem ser juntados ao

montante indenizatório os juros de mora e correção monetária. Em caso de morte,

incide a regra do art. 948 do Código Civil, que fixa os fatores suscetíveis de serem

indenizados. Entretanto, ocorrendo lesões corporais ou alguma diminuição na

capacidade produtiva de trabalho, utilizam-se os arts. 949 e 950 do mesmo

diploma.267

Atualmente, não há que se falar em tal divisão, pois estaria vigente nas

palavras de Weirich268 a teoria objetiva. Nas hipóteses em que, por omissão no

exercício da atividade estatal, qual seja, a privação da liberdade, ocasionar o

falecimento do preso, não são distintas as pretensões.

3.5 O QUANTUM A SER POSTULADO

É altamente importante avaliar a questão do quantum postulável pelas

famílias, com possibilidades de alcançarem sucesso no Poder Judiciário, no pleiteio

266 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.60. 267 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p.461. 268 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.61-62

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do dano moral, danos emergentes, lucro cessante, às despesas médicas e

sepultamento, devido às pessoas pelo preso falecido.269

De modo geral, a indenização deve ser medida pela proporção do dano e

não pelo grau de culpa do agente. Por outro lado, falando-se em dano moral, leva-se

em consideração o grau de culpa equiparado com a extensão e a repercussão do

dano causado.270.

Cahali271 comenta que o arbitramento do quantum a ser postulado fica a

critério do juiz, devendo este precaver-se de modo a não proporcionar

enriquecimento sem justa causa à vítima, devendo assim avaliar a natureza da lesão

e a extensão do dano físico, as condições pessoais do ofendido, ou seja, o que ele

possuía antes e depois da ofensa, as condições pessoais do responsável e suas

possibilidades econômicas.

3.5.1 As despesas decorrentes do evento

Geralmente os pedidos de indenização devem estar anexados a

documentos comprobatórios das despesas de sepultamento, requerendo a

condenação do réu às despesas comprovadas. Estes pedidos de indenização estão

sendo aceitos pelo Poder Judiciário, em 1ª e 2ª instância, que dependem de

decisões quanto à liquidação de sentença e à apuração do ressarcimento e da

indenização.272 [...] a indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu, e o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do ato lesivo da Administração; a liquidação desses prejuízos é feita de acordo com os preceitos das

269 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.65. 270 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.589. 271 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 262-263. 272 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.65

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leis substantivas civil e adjetiva respectivamente (no caso, art. 1.537, I e II, do Código Civil e arts. 603 a 611 do CPC).”273

Pelo que foi acordado na decisão, ela deve compreender o que a vítima de

forma efetiva perdeu, o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do

ato lesivo da Administração e o que foi gasto em despesas advocatícias, ou seja, se

ocorreram despesas comprovadas, elas deverão ser indenizadas.274

3.5.2 O tempo de prestação alimentar

Ensina Cavalieri Filho que o valor da pensão deve ser fixado analisando-se a

renda comprovada da vítima, como também uma estimativa de quanto ganharia se

estivesse viva (sobrevida), através da média da expectativa de vida da população

brasileira, entre 65 a 70 anos. Neste sentido, se a vítima falecer aos 45 anos, sua

sobrevida seria de 20 ou 25 anos, prazo em que a família receberia a pensão. Caso

a vítima não tenha comprovação de renda, a pensão deverá ser fixada com base no

salário-mínimo. 275

Os pedidos pleiteados informam que a obrigação alimentar deve durar até o

tempo em que a vítima completasse hipoteticamente 60 anos de idade, caso

estivesse viva. Em outros, quando a vítima é solteira e os postulantes são seus

ascendentes, requerem que dure até a data em que a vítima atingisse a idade de 25

anos. Se o alimentado for menor de idade, o pedido está em que a data ad quem

atinja até a maioridade ou até 25 anos de idade, levando a criação de alguns

precedentes jurisprudenciais sobre a matéria.276

273 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação n. 46.018, da Capital. Relator: Des. Rubem Córdova, Segunda Câmara Civil. 01.11.94. Diário da Justiça de Santa Catarina, n.º 9180, p. 07, 20 fev.1995. 274 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.66. 275 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5 ed. rev. aumentada e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p.134. 276 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.66-67.

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AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO C/C DANOS MORAIS. MORTE DE DETENTO NO INTERIOR DE PRESÍDIO EM CONSEQÜÊNCIA DE DESCARGA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE ZELAR PELA INTEGRIDADE FÍSICA DAQUELES QUE ESTÃO SOB SUA CUSTÓDIA. CULPA IN VIGILANDO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E MATERIAIS. PENSÃO MENSAL DEVIDA. REDUÇÃO DO LIMITE DE 70 ANOS DE IDADE DA VÍTIMA PARA A DATA EM QUE ESTA COMPLETARIA 65 ANOS. MINORAÇÃO DO QUANTUM DA PENSÃO ARBITRADA PARA 1/3 DO SALÁRIO MÍNIMO A PARTIR DO DIA EM QUE O DE CUJUS ATINGIRIA 25 ANOS, HAJA VISTA EXISTIR A PRESUNÇÃO DE QUE A CONTAR DESTA IDADE ELE CONSTITUIRIA FAMÍLIA. DESPESAS COM O FUNERAL COMPROVADAS. JUROS LEGAIS CONTADOS DA CITAÇÃO. ADEQUAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA E ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS PELO ENTE ESTATAL. REMESSA PARCIALMENTE PROVIDA.277

No mesmo entendimento, o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DANOS MORAIS E MATERIAIS – INDENIZAÇÃO. 1. A Jurisprudência do STJ sedimentou-se no sentido de fixar a indenização por perda de filho menor, com pensão integral até a data em que a vítima completaria 24 anos e, a partir daí, pensão reduzida em 2/3, até a idade provável da vítima, 65 anos. 2. Razoabilidade na fixação dos danos morais em 300 (trezentos) salários mínimos.278

Confirmando a jurisprudência majoritária quanto ao tempo indenizatório, o

julgado do Supremo Tribunal Federal:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA O ESTADO - MENOR, POR SUSPEITA DE FURTO, RECOLHIDO À DELEGACIA DE FURTOS E ROUBOS Procedência da ação, condenado o Estado, diante das circunstâncias do caso, a pagar pensão mensal de dois terços do salário mínimo regional reajustável à autora "durante o período que

277 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2003.004595-3, Rel. Vanderlei Romer Primeira Câmara de Direito Público. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, 16 out. 2003. 278 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 315.983/RJ - 1ª T. - Rel. Min. Rel. Min. Franciulli Netto. Diário da Justiça da União, Brasília, 28 nov. 2008.

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vai da morte de seu filho até o dia em que completaria ele 65 anos de idade.279

3.5.3 O valor da prestação alimentar

A prestação alimentar possui seu montante atingido fundamentando-se na

renda do de cujus. É um ponto sem controvérsias, mas, com relação ao seu

quantum, se corresponde a um terço, à metade ou a dois terços de seus

rendimentos, mesmo com a dominância pela última fração, várias decisões

ocorreram favoravelmente para as outras, definidas na análise individual dos casos.

“Quanto ao salário-base, deve ser o da vítima e não o salário mínimo. É que a

apelada comprovou o quantum percebido pela vítima.”280

Há uma acórdão vinda de um processo aberto pela família de um preso de

São Bento do Sul-SC e que informa:

Decisão: unânime, prover parcialmente o recurso do Estado para reformar a sentença, no sentido de julgar improcedente o pedido de danos morais por Sirlei Maria Klosovski Muhlbauer fixando em cinco mil reais para cada um dos filhos Lauro Jorge Muhlbauer e Eduardo Luiz da Silva Muhlbauer, por maioria de votos, julgar improcedente o pedido de verba alimentar, vencido neste ponto o Des. Relator e também quanto ao marco inicial dos juros. Custas legais. Decisão: unânime, prover parcialmente o recurso do Estado para reformar a sentença, no sentido de julgar improcedente o pedido de danos morais por Sirlei Maria Klosovski Muhlbauer fixando em cinco mil reais para cada um dos filhos Lauro Jorge Muhlbauer e Eduardo Luiz da Silva Muhlbauer, por maioria de votos, julgar improcedente o pedido de verba alimentar, vencido neste ponto o Des. Relator e também quanto ao marco inicial dos juros. Custas legais.281

279 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 102.160-8-MG - 1ª T. - Rel. Min. Néri da Silveira. Diário da Justiça da União, Brasília, 28 fev.1992 RJ 76/56. 280 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.70 281 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. 1 Apelação Cível n. 2005.030325-5, Rel. Nicanor da Silveira Primeira Câmara de Direito Público. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, 25 mai. 2006.

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Por conseguinte, o Supremo Tribunal de Justiça declara o quanto vale a dor

de uma mãe que teve seu filho morto pelo Estado, seguindo adiante discriminasse o

valor a vida:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DO FILHO DA AUTORA E DEFORMIDADE PERMANENTE NA PERNA DIREITA DA AUTORA. DISPAROS DE ARMA DE FOGO POR POLICIAL MILITAR. Quanto à indenização, esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que pode majorar ou reduzir, quando irrisório ou absurdo, o valor das verbas fixadas a título de dano moral, por se tratar de matéria de direito e não de reexame fático-probatório. Dessarte, em atenção à jurisprudência desta Corte e ao princípio da razoabilidade, a indenização devida a título de danos morais, fixada pelo Tribunal de origem em 800 salários mínimos, deve ser reduzida para 400 salários mínimos, considerando a dor da autora pela morte de seu filho e pela lesão que sofreu em decorrência dos disparos de arma de fogo efetuados pelo policial militar. Da mesma forma, a indenização por danos estéticos, fixada em 200 salários mínimos, deve ser reduzida para 100 salários mínimos. Recurso especial provido em parte, para reduzir o valor total da indenização, fixada pela Corte de origem em 1000 salários mínimos, a 500 salários mínimos (400 salários mínimos referentes ao dano moral e 100 salários mínimos referentes ao dano estético), indenização a ser paga por pensão no valor de cinco salários mínimos por mês, até o total de 500 salários mínimos.282

3.6 LEGITIMIDIDADE PARA POSTULAR

Ocorrido o evento danoso, a vítima, ou seus representantes legais, deverá

pleitear uma ação indenizatória contra a instituição pública, ou pessoa jurídica de

direito privado, que realizava os serviços públicos, a que o agente que causou o

dano esteja vinculado. Mas, se ocorrer um acordo com relação ao montante da

indenização e seu devido pagamento, a ação judicial tornar-se-á desnecessária. Por

outro lado, não chegando a esse acordo, o interessado tem a prerrogativa de

pleitear em juízo a indenização de tudo aquilo que efetivamente perdeu, seus

lucros-cessantes e despesas contraídas devido à conduta lesiva, acumulando

282 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 315.983/RJ - 1ª T. - Rel. Min. Rel. Min. Franciulli Netto. Diário da Justiça da União, Brasília, 28 nov. 2008.

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pedido por danos morais e materiais em virtude do mesmo fato, embasados pela

Súmula n° 37, do STJ.283

Entre aqueles que podem ingressar em juízo visando à reparação, uma

indenização, está logicamente a vítima, como também seu cônjuge, companheiro e

herdeiros, interpondo contra pessoa jurídica de direito público ou pessoa jurídica de

direito privado prestadora de serviço público. Em casos de abuso de autoridade, a

Lei n 4.898/65 possibilita que a vítima acione diretamente o agente, em paralelo à

ação que mover contra a Administração, sendo que jurisprudencialmente se admite,

inclusive, que o autor da ação pleiteie a ação cumulativa contra a Fazenda Pública e

contra o agente, através de um litisconsórcio facultativo.284

Segundo Weirich285, os pais, filhos e cônjuges foram legitimados para

postular indenização, informando que a esposa pode representar seus filhos: “[...]

por si e representando seus filhos menores [...],[...] aforou ação de indenização

contra o Estado de Santa Catarina, alegando que era casada com [...], de cuja união

nasceram [...] e [...], menores impúberes”286

No âmbito administrativista, a vítima pode formular seu pedido de

indenização ao órgão a que pertence a pessoa jurídica civilmente responsável,

estabelecendo desta forma um processo administrativo em que se manifestarão os

interessados, reunir-se-ão provas,, chegando-se a uma sentença sobre a coerência

ou não pedido. Ocorrendo acordo com relação ao quantum indenizatório, pode ser

realizado o pagamento único ou parceladamente, pela vontade das partes287

A responsabilidade do Estado não ocorre somente com relação à integridade

física do preso, mas sim em aspectos mais amplos. Os familiares do preso morto

não precisam comprovar a dependência econômica, sendo que o vínculo familiar

com a vítima já é suficiente para presumir que foram abalados moralmente pela sua

283 BARRETO, Alex Muniz. Direito administrativo. Leme-SP: EDIJUR. 2006. p.117. 284 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.435. 285 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.75. 286 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação n. 36.739, da Capital . Relator: Des. Eder Graf. Terceira Câmara Civil, 10.0991. Diário da Justiça de Santa Catarina, nº 8.343, p. 05, 23 set., 1991. 287 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p.461-462.

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morte. A dor, o desgosto e o abalo psíquico são presumidos para os sucessores do

falecido.288

As famílias que sofreram pela omissão do Estado devem propor ações de

indenização contra a Fazenda Pública, visando à indenização pela lesão. Por outro

lado, é também um meio para estimular a correção da atuação da Administração

Pública, se ela for incapaz de tutelar os direitos e garantias fundamentais

estabelecidos no texto constitucional e nos instrumentos internacionais ratificados

pelo Brasil, entre elas a Convenção da Organização das Nações Unidas e a

Convenção Americana de Direitos Humanos, comumente denominada Pacto de

São José da Costa Rica.289

O tribunal catarinense, desta forma já se manifestou quanto a matéria, diz:

[...] a prova no tocante à dependência econômica da Autora em relação ao filho, embora não tenha se apresentado de forma robusta e escorreita, a jurisprudência [...] de forma criteriosa tem adotado para o caso a presunção de dano. Assim é que o dano sofrido pela autora com a morte do filho - de quem dependia economicamente - conforme declinado na peça inicial e as ordens de pagamentos efetivadas pelo mesmo a sua mãe, conforme documento [...] - levam à presunção legal, que não foi elidida. Deriva esta presunção legal da interpretação dada ao julgamento do RE n. 59.538, em que foi relator o Min. Djaci Falcão que assinalou que o ‘dano decorrente da morte de uma pessoa ligada a outra por vínculo de sangue é presumido. Daí o direito à indenização. Daí resta que, no caso, a indenização devida e fixada na sentença não tem o condão apenas de substituir a ajuda financeira que a mãe recebia de seu filho vitimado, mas sim de vir a reparar a morte de seu filho, via responsabilidade civil objetiva do Estado.290

288 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p.461-462. 289 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Responsabilidade do Estado e o sistema penitenciário. Publicado em 27 nov. 2007. Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/754870>Acesso em 25 jan. 2009, p.1. 290 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível, n. 46.018, da Capital. Relator: Des. Rubem Córdova, Segunda Câmara Civil. 01.11.94. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, n.º 9180, p.7. 20 fev. 1995.

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3.6.1 Prescrição da ação indenizatória

O direito à reparação pelos danos advindos possui natureza pessoal e

obrigacional. Nos direitos subjetivos em geral, não podem eles ser objeto da inércia

de seu titular, ensejando o aparecimento da prescrição da ação tutelar desses

direitos.291

Caso seja uma entidade federativa ou autárquica responsabilizada, o prazo

de prescrição será de (5) cinco anos, retroagidos a partir do fato danoso, no qual

poderão ser intentadas ações contra o Estado. A prescrição abrange o direito

subjetivo do lesado à indenização, inviabilizando tanto o pedido administrativo,

como a ação judicial.292

Ao contrário, se a ré for pessoa de direito privado, a questão relativa ao prazo prescricional merece cuidadoso exame. O Código Civil revogado fixava em vinte anos o prazo de prescrição de direitos pessoais (art. 177). Ocorre que a Medida Provisória n° 2.180-35, de 24/8/2001, inserindo o art. 1° na Lei n° 9.494, de 10/9/1997, que dis-põe sobre tutela antecipada contra a Fazenda, consignou que prescreve em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Houve, portanto, derrogação do antigo Código Civil nessa parte, de forma que as pessoas privadas abrangidas pelo art. 37, § 6°, da CF, passaram a ter o mesmo privilégio que têm as pessoas públicas no que toca à prescrição quinquenal de ações indenizatórias de terceiros em virtude de danos causados por seus agentes.293

No mesmo entendimento de Carvalho Filho, manifestou-se o Tribunal

Catarinense:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - SUICÍDIO DE PRESO -INDENIZAÇÃO - PRESCRIÇÃO. Prescreve em cinco anos o direito à ação de indenização contra o Estado. ‘Se a demanda foi proposta apenas pela viúva daquele que se suicidou quando se encontrava em prisão do Estado, sem menção, como autores, aos filhos ainda

291 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 462. 292 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 462. 293 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 462.

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incapazes, as causas suspensivas do curso da prescrição que lhes favorecem (CC, art. 168) não beneficiam aquela.294

Sobre a matéria já se manifestou o Supremo Tribunal de Justiça:” Assim

como o Estado dispõe do prazo de cinco anos para acionar os cidadãos, dispõem

estes do mesmo tempo para acionar o Estado, nos termos do Dec. 20.910⁄32.295

O Código Civil de 2002 alterou inúmeras previsões na disciplina da

prescrição. Uma delas refere-se ao prazo genérico da prescrição, que passou de

vinte para dez anos (art. 205). Por outro lado, o ordenamento jurídico pátrio sempre

privilegiou a Fazenda Pública, por meio de prazos menores de prescrição para

pretensões de terceiros contra ela, sendo de cinco anos pelo Decreto n 20.910/32.

complementado pelo Decreto-Lei nº 4.597, de 19.8.42.296

O Decreto Nº 20.910, De 06 de janeiro de 1932 assim prevê em seu artigo

1º: “As dividas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e

qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual

for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do

qual se originarem” 297

Em suma pode-se concluir que a prescrição das ações pessoais contra a

Fazenda Pública e suas autarquias é de cinco anos, conforme estabelece o Decreto

nº 20.910, de 6.1.32.

3.7 QUEM PODE RESPONDER

Durante a atividade de privação de liberdade, ocorrendo morte de preso ou

de pessoa livre, mas realizada por uma pessoa presa ou que deveria estar presa, ao

Estado será atribuída a responsabilidade, sendo este acionado através da Fazenda

294 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 48.947, Segunda Câmara de Direito Público, Newton Trisotto. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, 18 Jun. 1997. 295 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 313.888/SP, 2ª T., Rel. Min. Franciulli Neto,. Diário da Justiça da União, Brasília, 25 mai. 2006. 296 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2005, p. 463. 297 BRASIL. Decreto lei: 20.910. República Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D20910.htm> Acesso em: 19 abr. 2009.

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Pública Federal ou Estadual, dependendo da jurisdição, pouco importando, no caso

de morte de preso, se esta se deu por homicídio ou suicídio.298

O Estado deve ressarcir o dano resultante do suicídio de preso recolhido ao xadrez de Delegacia de Polícia, cujo estado físico e mental inspirava cuidados e assistência médico-hospitalar. Irrelevante, no caso, tratar-se ou não de prisão ilegal299

Os indivíduos, estando em prisões comuns ou em quaisquer locais que

possuem a tutela do Estado, possuem o direito à proteção contra todas as espécies

de agressão, pelos colegas de cela, como por agentes prisionais, policiais, ou de

qualquer outra pessoa. Ao Estado incumbe zelar pela incolumidade dos presos,

devendo indenizar os danos por estes sofridos nas prisões, independentemente de

culpa dos servidores do presídio

3.8 A DEFESA DO ESTADO

O Estado, recebendo a citação para responder ao pedido de indenização em

decorrência da morte ou graves ferimentos em preso, inicia a sua defesa

argumentando que não pode ser responsabilizado por atos de seus agentes,

informando sobre as teorias jurídicas que excluem a responsabilidade da

Administração Pública. Necessário se faz, de forma subsidiária, que a data ad

quem da prestação alimentar seja determinada pela faixa etária daquele que a

receber, contrapondo-se aos pedidos de indenização por dano moral, pleiteando no

reconhecimento de fatos relativos à indenização, como, por exemplo, o

casamento, alteração na situação econômica do indenizado, etc.300

298 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, 299 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação n. 32.325, de São Francisco do Sul. Relator: Des. Amaral e Silva. Terceira Câmara Civil, 26. 11.91. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, nº 8.398, p. 10 , 13 dez. 1991. 300 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p.79.

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Se os ascendentes (os pais ou mesmo avós) requerem a indenização, o

Estado exige que fique comprovada a dependência econômica. Caso seja

comprovado que a prisão foi ilegal, o Estado procura eximir-se atribuindo

responsabilidade ao agente público que não se utilizou das formalidades legais para

regularizar o ato de privação de liberdade.301

A defesa apresentada pelo Estado está arrimada na alegação de que a autora não demonstrou a dependência econômica que tinha em relação à vítima a justificar o pedido de uma pensão que a viria a substituir e que o recolhimento do detido vitimado se fez com a observância de estilo, dentro dos padrões normais para a espécie e circunstância e que a ação que o vitimou foi de caráter excepcional, inusitada, inesperada, extraordinária, eis que não houve responsabilidade direta dos agentes públicos sobre a espécie.302

Nos casos em que ocorre a morte de presos por suicídio, acusando o Estado

por responsabilidade por ato negativo, por conduta omissiva, a defesa informa sobre

a não existência de nexo causal, relação de causa e efeito que é essencial para

caracterizar a responsabilidade. A defesa argúi que pode ser responsabilizado o

Estado apenas nas hipóteses em que a morte tenha sido de sua responsabilidade, o

que não abrangeria o suicídio, e doutrinariamente a responsabilidade estatal é

quase sempre objetiva, exceto nas hipóteses de culpa exclusiva da vítima.303

A questão da legitimidade ativa não passa em branco. Questiona a

legitimidade da mãe em pleitear a indenização pelo falecimento de seu filho maior

de idade e solteiro, arguindo, nas preliminares, que o espólio é legítimo, e, mesmo

assim, quando o Espólio surge no lado ativo, insurge-se com maior rigor, em

especial ao pleitear indenização por dano moral e pensão aos herdeiros.304

301 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p. 80. 302 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 36.101, Rel. Des. Cid Pedroso. Terceira Câmara Civil. 25 jun. 91. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, nº 8.295, p 08, 17 jul. 1991. 303 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/160506_15.pdf.> Acesso em: 17 jan. 2009, p. 80. 304 WEIRICH, Heliomar. Responsabilidade civil por morte de presos. 1999, 115f. Monografia (Graduação em Direito). Curso de Graduação em Direto da Universidade Federal de Santa Catarina,

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3.8.1 Decisões favoráveis

Como foi visto, doutrinariamente é indubitável que a morte de preso em

estabelecimento prisional enseja a responsabilidade do Estado por culpa in

vigilando, uma vez que este indivíduo estava custodiado à direta proteção do

Estado, que deveria ser realizada por seus agentes, em prol de sua integridade

física, de acordo com o texto constitucional. Com a detenção do indivíduo, este é

colocado sob a guarda e responsabilidade das autoridades policiais, que passam a

ser obrigadas a estabelecer meios para a manutenção de sua integridade física,

assegurando a sua proteção contra eventuais violências ou arbitrariedades que

possam ser contra ele praticadas, por outros presos, por agentes do Estado ou de

terceiros.305

Jurisprudencialmente há diversas decisões favoráveis à família de presos

falecido em estabelecimento prisional que podem ser comprovadas com estes

postulados:

APELAÇÃO CIVIL. INDENIZAÇÃO. AGRESSÃO FÍSICA DE DETENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. DEVER DE GARANTIR A INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO. TERMO INICIAL. JUROS DE MORA. CORREÇÃO EX OFFICIO. DATA DO EVENTO DANOSO. MINORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA PARA 10% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. "A pessoa detida para simples averiguação, presa em virtude de sentença condenatória ou preventivamente no curso do processo criminal ou, mesmo, simplesmente perseguida por suspeita da prática de infração não é destituída do seu direito inalienável à integridade física ou moral, cuja preservação e tutela cabem às autoridades policiais" (Yussef Said Cahali)306

305 SANTIAGO, Leonardo Ayres. A responsabilidade extracontratual do Estado na hipótese de suicídio de presos sob sua custódia. Teresina, ano 12, n. 1751, 17 abr. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11168>. Acesso em: 22 jan. 2009. 306 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 2008.013180-4, Rel. Orli Rodrigues, Segunda Câmara de Direito Público. Diário da Justiça de Santa Catarina, Florianópolis, 16 julho. 2008.

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Desta forma, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

[...] no que se refere à morte de preso sob custódia do Estado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a responsabilidade civil do ente público é objetiva". Em voto vista, observei que o nexo causal se estabelece, em casos tais, entre o fato de estar preso sob a custódia do Estado e, nessa condição, ter sido vitimado, pouco importando quem o tenha vitimado. É que o Estado tem o dever de proteger os detentos, inclusive contra si mesmos. Ora, tendo o dever legal de proteger os presos, inclusive na prática de atentado contra sua própria vida, com maior razão deve exercer referida proteção em casos como o dos autos, no qual o detento foi vítima de homicídio em rebelião ocorrida no estabelecimento prisional administrado pelo ente público.307

Neste sentido, o julgado do Supremo Tribunal Federal:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 186 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PLEITO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. MORTE EM PRESÍDIO. ESGANADURA. CABIMENTO DA INDENIZAÇÃO. ONUS PROBANDI DO ESTADO. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO FIXADA NA SENTENÇA A QUO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA., [...]. 308

Em virtude desta precariedade, é natural que o Estado seja o responsável

por toda e qualquer ocorrência nas dependências desses estabelecimentos

prisionais, ocasionando prejuízos que, ao final, serão suportadas pelo contribuinte. A

consagração dessa responsabilização estatal torna-se um elemento eficaz contra o

arbítrio, abuso e ineficiência do Estado, para que melhor assegure a busca por um

verdadeiro Estado Democrático de Direito. Por outro lado, talvez não seja a teoria do

risco integral a mais adequada, mas a do risco administrativo, que concorra sobre a

Responsabilidade do Estado.

307 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 713682/RJ, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha. Diário da Justiça da União, Brasília, 12 mai. 2008. 308 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. :REsp 802.435/PE, 1ª T, Rel. Ministro LUIZ FUX - . Diário da Justiça da União, Brasília, 17 abril. 2008.

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4 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil é que obriga um indivíduo causador de um dano a

outrem a reparar ou ressarcir o prejuízo sofrido pela vítima. Mas há casos que

excluem o causador desta obrigação, se for caracterizado o caso fortuito, força maior

e culpa da vítima.

Em seu desenvolvimento, a responsabilidade civil alcançou também o

Estado, que passou a ser exposto à responsabilidade civil, superando a antiga teoria

da irresponsabilidade estatal. Importante frisar que a responsabilidade do Estado

encontra-se elencada no art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Deve-se

frisar que o próprio Estado é o responsável pelos atos surgidos de seus agentes,

não importando do Poder que surgiram ou a quem estariam vinculados.

A responsabilidade civil do Estado é um tema muito debatido

doutrinariamente, não alcançando ainda hoje uma pacificação satisfatória, em

virtude da amplitude, incontáveis hipóteses e complexidade. Com relação à

responsabilidade civil do Estado, esta se refere à obrigação legal que lhe imposta,

para a indenização dos prejuízos causados aos cidadãos, oriundos da relação de

suas atividades públicas.

A própria responsabilidade estatal existente no ordenamento jurídico pátrio,

como na maioria dos ordenamentos mundiais, é a objetiva, e, neste sentido, a

Constituição Federal de 1988, em sua evolução, procurou conter o maior número de

hipóteses possíveis de uma reparação. Ainda com relação à responsabilidade do

Estado, ocorre em três esferas do poder, caracterizando a responsabilidade

administrativa, a jurisdicional e a legislativa.

Visando à caracterização da responsabilidade estatal, torna-se

importantíssimo realizar o nexo de causalidade existente entre o dano sofrido pela

vítima e a lei que considere este prejuízo. O prejudicado pela ação estatal sempre

terá o direito à indenização a ser pleiteada contra a Fazenda Pública ou contra a

pessoa jurídica privada prestadora de serviço público a que pertencer o agente

causador do dano. A ação jamais é dirigida contra o agente público ou de quem faz

as suas vezes. Estes se limitam a responder de forma regressiva nos casos de dolo

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ou culpa. O Estado, depois de ressarcida a vítima, promove a ação repressiva contra

o agente causador do dano, se houver culpa ou dolo deste.

A indenização por danos patrimoniais deverá abranger os danos emergentes

sofridos e os lucros cessantes em virtude da condenação. Assim o prejuízo sofrido

pela vítima se divide naquilo que efetivamente perdeu, e aquilo que deixou de

ganhar, e o quantum será referente a tais danos, tornando-se o dano material

ressarcível.

Na realidade brasileira, geralmente o preso não é tolhido somente de sua

liberdade, mas também de sua dignidade, devido à cultura enraizada no Sistema

Prisional. Por outro lado, a liberdade deve ser restringida apenas em último caso, em

ocorrendo de inexistir outra forma de punição pelo delito realizado.

A pena de prisão deve ser usada apenas quando se mostrar absolutamente

necessária e, principalmente, o que se espera, sejam prisões dignas, resgatando-se

os princípios orientadores da execução da pena, tais como o da humanidade e da

dignidade humana. As prisões brasileiras continuam sendo território de graves

violações dos Direitos Humanos e de afronta aos princípios mais elementares de

justiça, humanidade e dignidade da pessoa humana, enquanto perdurarem políticas

públicas ambíguas, que só fazem impulsionar esse quadro, sem solucionar os reais

motivos que o criam.

A Lei de Execução Penal (LEP) impõe ao Estado o respeito à integridade

física e moral dos condenados e dos presos provisórios, assim como foi

estabelecido pela Constituição, que consagrou o direito aos presos de sua

integridade física e moral, assim como é também previsto no Código Penal, bem

como nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, com relação aos

direitos humanos do preso. A LEP possui bastante prestígio, sendo considerada

uma das mais bem elaboradas legislações sobre execução penal. Contudo, não é

aplicada em sua totalidade, em virtude de deficiências do sistema. Assim, seria um

dever do Estado resguardar a dignidade do encarceramento e preservar os direitos a

ele vinculados. A LEP elenca diversos direitos e garantias do preso, e os benefícios

que lhe são inerentes, principalmente em seu art. 41.

Em nível internacional, o Brasil já ratificou diversas convenções e tratados

no reconhecimento dos direitos dos indivíduos em estado de detenção ou prisão,

através das disposições do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

Estas exigências quanto à estrita observação aos direitos humanos visam criar

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condições para que a reabilitação e reeducação do preso alcance seus objetivos,

com notáveis benefícios para a sociedade como um todo.

A morte de um detento no interior de uma Delegacia de Polícia, Cadeia

Pública, Penitenciária, Colônia Penal Agrícola, ou qualquer outra unidade integrante

do Sistema Prisional, é de responsabilidade do Estado, União, ou Estados-

membros, que devem responder de forma objetiva por sua omissão, que ocasionou

a morte do reeducando.

Por certo, a situação crítica vivida pelos cidadãos-presos somente poderá

ser resolvida quando o verdadeiro Estado Democrático de Direito deixar de ser

apenas uma previsão constitucional, ou seja, quando passar a garantir o

cumprimento dos princípios para todos os brasileiros, principalmente em relação à

dignidade humana, e não simplesmente exercer a violência legítima, oficializada.

Defender os direitos dos presos é defender a sociedade brasileira, não se

podendo dispensar tratamentos tão repugnantes aos seres humanos, senão fica a

democracia irremediavelmente comprometida. A responsabilidade do Estado pela

integridade física e moral das pessoas sob sua custódia está prevista no art. 5°,

XLIX, da Constituição Federal, e o dever de assistência ao preso está previsto no

art. 10 da Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84). Como regra, a

responsabilidade objetiva do Estado está baseada na teoria do risco administrativo,

de acordo com o disposto no art. 37, § 6º, da Carta Magna. Por esta

responsabilidade, a culpa exclusiva da vítima impede que se forme o nexo de

causalidade, inexistindo, desta forma, a responsabilidade do Estado. Caso seja a

vítima a causadora do dano, não há nexo com o Estado e, assim, o Estado não

poderia ser responsabilizado por este fato.

Para concluir, e pelo que se verificou é indubitável a obrigação estatal em

indenizar, quando o dano decorre através da culpa in vigilando ou in custodiendo,

em virtude da carência de atenção pelos seus agentes junto ao preso. O Estado

deve cuidar da incolumidade dos presos, e os danos por estes sofridos nas prisões

devem ser por ele indenizados, não importando de quem é a culpa, dos agentes

ou funcionários do estabelecimento penitenciário.

Em última analise, ressalta-se que os objetivos deste trabalho foram

parcialmente alcançados, pois não raros são decisões do poder judiciário

reconhecendo as excludentes da responsabilidade do Estado, por meio do

comportamento ou culpa da vítima, de terceiros, de caso fortuito ou da força maior.

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Por outro lado, a doutrina nacional também não está totalmente pacificada

com relação a todas as excludentes, podendo, para alguns, considerar uma ou

outra. O que se tem como certo é que os direitos e garantias fundamentais da

pessoa humana, não devem se afastadas daquele que se encontra sob a custódia

do Estado, devendo este assegurar ao preso todos os seus direitos não atingidos

pela perda de sua liberdade.

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