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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O CRIME ORGANIZADO E A LEI 9.034/95 COM AS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 10.217/01 MICHELLE CARMINATTI Itajaí, outubro de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O CRIME ORGANIZADO E A LEI 9.034/95 COM AS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 10.217/01

MICHELLE CARMINATTI

Itajaí, outubro de 2006

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O CRIME ORGANIZADO E A LEI 9.034/95 COM AS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 10.217/01

MICHELLE CARMINATTI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Especialista Eduardo Erivelton Campos

Itajaí, outubro de 2006.

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AGRADECIMENTO

Meus agradecimentos vão a todas as pessoas que de alguma forma me apoiaram na vida

acadêmica.

Aos professores que me acompanharam durante o curso, em especial ao professor coordenador do curso de direito e ao meu orientador, Osmar Diniz Facchini e Eduardo Campos, pela dedicação, pela

paciência e pela sabedoria a mim dispensada.

A minha amiga e atenciosa tia Justina, que sempre me incentivou quando o desânimo se

abatia, trazendo uma palavra de conforto e um afago carinhoso.

Aos meus padrinhos, Terezinha e Vitor, pessoas que sempre acreditaram em mim e me apoiaram.

Ao meu lindo irmão, Jyonathan, pelo amor e pela confiança que sempre demonstrou.

A minha querida mãe, Almerinda, pelo incentivo de todas as horas.

Ao meu amado pai, Luis, o qual não mediu esforços durante toda a jornada acadêmica para

que essa se concretizasse.

Ao meu querido namorado, Cristiano, pela dedicação e compreensão.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a melhor família do mundo e a minha querida tia Ju, pessoas admiráveis e

amadas, a qual só tenho agradecer, pois sempre estiveram ao meu lado em todos os momento de minha vida e que com certeza estão orgulhosos de me ver feliz por um motivo que eles tanto me

incentivaram.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, outubro de 2006

Michelle Carminatti Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduando Michelle Carminatti, sob o título

[Titulo da Monografia], foi submetida em [Data] à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com

a nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, outubro de 2006

Professor Eduardo Erivelton Campos Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Ação Criminosa

“A expressão ação criminosa tem, em sentido vulgar, várias acepções não

estritamente jurídicas e que dizem respeito a comportamentos tidos como

desviados. Nesse sentido amplo, referem-se antes a uma forma continuada de

atuação ou comportamento do que a uma ação isolada. Num sentido mais restrito

e concreto, serve também para designar a perpetração de um delito”.1

Agente

“Pessoa que está a frente de cargos ou desempenha funções(...); intermediário de

negócio(...); sujeito ativo da infração penal”. 2

Agente do Crime

“São (...) as pessoas que se apontam como responsáveis ou culpáveis, seja como

autores ou cúmplices, pelos crimes que cometeram.”3

Antijuridicidade

“(...) é a falta de autorização para a prática da ação típica. No Direito Penal, é

considerada antijurídica uma ação típica que não está amparada por nenhuma

causa de justificação. Portanto, ela é caracterizada por dois fatores: a realização

do fato típico e a ausência de uma causa de justificação. (...)”4

Crime

1 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho.

27 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2006. p. 16 2 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p. 76 3 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 78 4 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 114

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“(...) a doutrina finalista moderna tem considerado o crime como a conduta típica,

antijurídica e culpável.”5

Crime Organizado

“A expressão crime organizado (organized crims’) é uma palavra nova, de origem

americana, entendendo como grupos criminosos organizados para a execução de

crimes, nos mais variados campos (tráfico armas, drogas, mulheres – ainda

comum hoje em dia, entre nós, como a Espanha e Oriente Médio, em regra,

Japão – jogos, assaltos, extorsão, corrupção, entre outros)”.6

A expressão crime organizado traz ínsita em si(sic) a noção básica de

associação de pessoas, em grupos, com finalidades de, através de práticas

criminosas (animus delinquendi) tirarem, quase sempre proveitos patrimoniais ou

políticos.

Culpabilidade

“Derivado do adjetivo latino culpabilis, de culpa (que merece repressão, digno de

exploração, culpável), possui o sentido de indicar, em acepção estrita, o estado

da falta ou violação considerada como condição para imputabilidade da

responsabilidade penal ou civil. Mostra, assim, a evidência da culpa argüida

contra o agente, em virtude da violação por ele praticada. Em sentido mais amplo,

significa a mera possibilidade de ser imputável ao agente a autoria de um delito,

penal o civil, pelo que lhe será sancionada a responsabilidade inscrita na lei

respectiva, que foi transgredida. (...)”7

Delação

“Originado de delatio, de deferre (na acepção de denunciar, delatar, acusar,

deferir), é aplicado na linguagem forense mais propriamente para designar a

denúncia de um delito, praticado por uma pessoa, sem que o denunciante

(delator) se mostre parte interessada diretamente na sua repressão, feita perante

5 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 399 6 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 401 7 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 403

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autoridade judiciária ou policial, a quem compete a iniciativa de promover a

verificação da denuncia e a punição do criminoso. (...)”8

Delação premiada

“É a delação realizada por pessoa envolvida no delito e que procura obter o

benefício de redução ou mesmo isenção das respectivas. (nsf)”9

Máfia

“A terminologia é discutida: para alguns, vem do árabe mahyah, significando

audácia ou arrogância; ou ainda árabe , machfil, significando lugar de reunião. È

uma associação secreta e ilícita, nascida na Silícia, com ramificações em todo o

mundo, atuando em negócios excusos como o tráfico de drogas, prostituição,

crimes financeiros e outros” 10

Nexo causal

“Diz-se, na composição da responsabilidade civil, da relação de causa e efeito

entre o fato e o dano objeto de ressarcimento.”11

Organização

(...) conjunto dos instrumentos (órgãos) escolhidos, predispostos e oportunamente

coordenados por um indivíduo ou grupo, com vistas à consecução de

determinados fins.”12

Organização Criminosa

“(...) aparatos organizados de poder, dotados de estruturas hierarquizadas, por

conta da qual o centro de imputação de condutas delituosas atua sobre um

coletivo de executores fungíveis, ligados à organização por vontade própria, mas

com a consciência de integrarem uma rede com grande número de membros.”13

8 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 423 9 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 423 10 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico.p 873 11 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 952 12 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 989 13 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 989

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Resultado

“De resultar, do latim resultare (voltar para trás, repercutir), vulgarmente é

entendido como efeito ou a conseqüência de algum fato ou ato; é, assim, o estado

a que se chegou ou o que se originou de algum fato ou ato. Extensivamente,

então, é tido no sentido de solução ou deliberação tomada acerca de uma

questão. Exprime, pois, a própria decisão, em que se põe fim ou termo à

pendência ou à questão.”14

Tipicidade

“(...) conjunto das características de determinado delito. Em síntese é a descrição

legal de um fato que a lei proíbe ou ordena. Em direito penal, diz-se que há

tipicidade quando o fato se adequa ao tipo, ou seja, quando corresponde às

características objetivas e subjetivas do modelo legal, abstratamente formulado

pelo legislador.”15

14 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 1227 15 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. p 1401

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SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XII

INTRODUÇÃO..................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ......................................................................................... 4 1.1 CONCEITO FORMAL.......................................................................................5 1.2 CONCEITO MATERIAL....................................................................................6 1.3 CONCEITO ANALÍTICO...................................................................................7 1.4 CARACTERISTICAS DO CRIME .....................................................................9 1.4.1 AÇÃO TÍPICA ....................................................................................................9 1.4.1.1 Conduta: ..................................................................................................10 1.4.1.2 Resultado:................................................................................................12 1.4.1.3 Nexo Causal: ..........................................................................................13 1.4.1.4 Tipicidade: ...............................................................................................14 1.4.2 ANTIJURIDICIDADE ..........................................................................................15 1.4.3 CULPABILIDADE..............................................................................................17

CAPITULO 2.............................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 2.1 ORIGENS HISTÓRICAS................................................................................20 2.2 NOÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO ...........................................21 2.2.1CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO .......................................................23 2.2.2 TIPOS PENAIS PRATICADOS PELAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS.........................25 2.3 MÁFIAS ..........................................................................................................27 2.4 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS MUNDIAIS ................................................28 2.4.1 AS TRÍADES CHINESAS ....................................................................................28 2.4.2 COSA NOSTRA SICILIANA................................................................................29 2.4.3 COSA NOSTRA NORTE-AMERICANA ..................................................................30 2.4.4 CAMORRA – NDRANGHETA – SACRA COROA UNITA..........................................31 2.4.5 MÁFIA RUSSA ................................................................................................32 2.4.6 YAKUSA.........................................................................................................33 2.4.7 CARTÉIS MEXICANOS ......................................................................................34 2.4.8 CARTÉIS COLOMBIANOS ..................................................................................35 2.5 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL ..............................................................37

CAPITULO 3.............................. ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

A PRODUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA EM FACE DO CRIME ORGANIZADO................................................................................... 41 3.1 BANDO OU QUADRILHA ..............................................................................41 3.2 A LEI 9.034/95 E SUBSEQÜENTES ALTERAÇÕES: ...................................43 3.3 A LEI 10.217/01 ..............................................................................................45

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3.4 FORMAS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL...............48 3.4.1 DELAÇÃO PREMIADA ......................................................................................48 3.4.2 INFILTRAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS................................................................52 3.4.3 AÇÃO CONTROLADA POR POLICIAIS..................................................................55

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................... 60

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS........................................... 64

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RESUMO

Através da analise das origens da criminalidade organizada

em suas mais diversas vertentes no mundo é possível diagnosticarmos, através

de suas similaridades, as formas de combate a serem aplicadas. As origens das

organizações criminosas, seja de que local forem, apresentam alguns aspectos

em comum, surgiram onde não se fez presente o estado subjugando-se no papel

deste, deram ao cidadão marginalizado e oprimido, o assistencialismo que o

Estado lhe negou e passaram a contar com o apoio daquela população. Assim é

fácil constar que a política adotada pelas autoridades nacionais para o combate a

criminalidade do tipo organizada, qual seja, a edição de leis rigorosamente

repressivas, sem nenhum tipo de política pública é ineficaz. Inobstante tal

constatação, fez-se ainda, um estudo da Lei 9.034 e suas ulteriores modificações

a qual trata do crime organizado no Brasil.

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INTRODUÇÃO

O direito tem despertado no homem o interesse na proteção

dos bens que lhe são mais caros, entre eles, a liberdade.

Objeto de tutela do Direito Penal, tem sofrido restrições na

defesa da boa convivência social através da tipificação de condutas que

ofendem a moral e os bons costumes.

Estas condutas, tipificadas como crime, normalmente

referem-se a fatos realizados por uma única pessoa. Contudo, o fato punível

pode ser obra de vários agentes associados ou não, mas, com finalidade única.

Esta reunião de pessoas no cometimento da infração penal,

da origem ao que a doutrina chama de crime organizado, tema escolhido para

esta pesquisa.

Assim, a pesquisa tem por objetivos: institucional; produzir

uma monografia para a obtenção do título de bacharel em Direito pela

Universidade do Vale do Itajaí. geral; investigar no âmbito do direito penal

brasileiro, o conceito de crime suas características essenciais, a organização

criminosa, sua formação e abrangência. específicos; verificar à luz da legislação

penal brasileira a Lei 9.034/95, como diploma legal que tem por escopo combater

o crime organizado, principalmente, no tocante a infiltração por agentes estatais

em sua estrutura para seu desmantelamento e a delação premiada com o mesmo

objetivo.

Ao Capítulo 1, reserva-se a conceituação do crime, sob o

tríplice aspecto, formal, material e analítico definindo-se a qual deles a doutrina

penal brasileira se filia. Destaca-se ainda, no primeiro capitulo as características

essenciais do crime tais como: a conduta, o resultado, o nexo causal, a tipicidade,

a antijuridicidade e a culpabilidade.

No Capítulo 2, tratar-se-á em breves considerações das

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2

origens do crime organizado, destacando as suas primeiras associações até a

chegada das máfias que proliferaram pelos mais variados recantos da terra.

Destacar-se-á ainda as características da organização criminosa, os principais

tipos penais por elas violados, bem como, sua estrutura organizacional de acordo

com a peculiaridade de cada uma delas. Pesquisar-se-á ainda as origens do

crime organizado no Brasil, posto que, é dele que a Lei 9.034/95 irá se ocupar.

O Capítulo 3 destina-se ao estudo do que seja o crime de

quadrilha ou bando previstos no Código Penal em seu artigo 288 e a organização

criminosa prevista na Lei 9.034/95 e suas subseqüentes alterações. Parte-se das

dificuldades apresentadas para a conceituação do que seja a organização

criminosa uma vez que, a lei brasileira não a definiu em seus próprios

dispositivos. A parte final destina-se a infiltração dos agentes estatais nas

organizações criminosas visando o seu desmantelamento, bem como, a

importância do instituto da delação premiada como forma de atacar e destruir

essas organizações. Aborda-se ainda a ação controlada por policiais como meio

de se coibir à ação das organizações criminosas quanto ao momento oportuno da

prisão em flagrante.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre o tema pesquisado.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

A Lei 9.034/95 com as modificações introduzidas pela Lei 10.217/01, define com clareza, frente ao ordenamento jurídico brasileiro o que seja a organização criminosa.

A infiltração policial permitida pela Lei 9.034/95 com as modificações introduzidas pela Lei 10.217/01 é instrumento eficaz de combate a organização criminosa, conforme entendimento pacífico da doutrina penal pátria.

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A delação premiada, que permite a diminuição da pena, para o componente da organização criminosa, que de forma decisiva colabora com as autoridades, tem se tornado instrumento eficaz para combater o crime organizado, muito embora, deva ser aceito com reservas frente a sua característica de traição, pois a traição pauta-se pelo antivalor e pelo antiético, podendo às vezes conduzir a decisões injustas face a possibilidade de ocorrer a vingança.

A ação controlada praticada pela polícia na espera do momento mais oportuno para a prisão em flagrante, visando atingir de forma mais efetiva a organização criminosa não se constitui em prevaricação, muito embora exista esta possibilidade.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

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O CRIME E SUAS CARACTERÍSTICAS

O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo enforcar

os aspectos fundamentais acerca da legislação vigente sobre o crime organizado,

em especial no âmbito do Direito Penal brasileiro.

Dentro deste objetivo, busca-se pesquisar, analisar e

descrever o entendimento doutrinário acerca desta espécie de crime destacando

as conseqüências deste e as medidas legais cabíveis para combatê-lo.

No entanto, para se chegar a esta categoria de crime far-se-

á uma breve incursão sobre o que é crime em sua generalidade partindo-se

desde a etimologia da palavra crime.

Desde início é importante salientar que a definição do que é

crime não é objeto somente das ciências criminais, mas, também, de outros

ramos do conhecimento humano, tais como a criminologia, a filosofia, a

sociologia, a psicologia, etc, no entanto a ter-se-á somente aos conceitos emitidos

pela doutrina penal.

No âmbito do Direito Penal a conceituação de crime também

não obedece a um único modelo pois nela encontrar-se-á definições quanto ao

aspecto formal, material e analítico.

Antes de se chegar a esta particularidade do conceito de

crime é preciso se entender o que quer dizer etimologicamente a palavra crime

que segundo Leal. 16

Vem do latim, de onde se origina (crimen, inis) o termo crime significa queixa, calunia, injuria, erro. Enfim, tem uma acepção semântica relacionada com a idéia de mal, o que ainda hoje expressa o seu verdadeiro sentido. Do ponto de vista

16 LEAL, João José,Direito Penal: parte geral, 2004, p 180

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terminológico, deve-se esclarecer que infração penal, conduta delituosa, conduta criminosa, ilícito penal, tipo penal, fato punível, são termos que, em sentido amplo, podem ser utilizados com sinônimos da entidade jurídica denominada crime, pois dizem respeito ao mesmo objeto de estudo.

Por outro lado a lei de introdução ao Código Penal, em seu

artigo 1º, decreto-lei, nº 3.914, diz que:

Art. 1º - Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal que a lei comina, isoladamente pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativa.

Temos, portanto, a frisar que de acordo com o âmbito

estritamente conceitual, ficou a cargo da doutrina uma maior análise acerca do

conceito de crime, onde o ilícito penal apresenta-se sob três aspectos o qual

passa-se a analisar.

1.1 CONCEITO FORMAL

Sob o aspecto formal tem-se que crime nada mais é do que

a relação de contrariedade entre o fato e a lei.

Para Leal17, ao se referir ao conceito formal de crime, nos

informa que pode ele ser definido como sendo:

a conduta humana (ação ou omissão), contraria a lei penal, o que nos dá, sem dúvida, a idéia do que é uma infração penal. Trata-se de um conceito meramente formal, pois não nos esclarece qual a natureza desta conduta, nem porque é ela assim considerada.

17 LEAL, João José. Direito Penal: parte geral, 2004, p 181.

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6

No mesmo sentido é o entendimento de Prado ao afirmar

que “podemos dizer que crime é a conduta proibida e sancionada pela lei, nos

dando sem dúvida a idéia de que é uma infração penal.” 18

Idêntico entendimento encontra-se em Mirabete quando diz

que “o crime é o fato humano contrário à lei (Carmignani). Crime é qualquer ação

legalmente punível. Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça

de pena. Crime é uma conduta (ação ou omissão) contrária ao direito a que a lei

atribui uma pena.” 19

Desta forma é fácil de se constatar que sob o aspecto formal

crime nada mais é do que a contrariedade do fato humano à lei penal.

1.2 CONCEITO MATERIAL

Na esfera material ou substancial, o ilícito penal versa sobre

lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, podendo apresentar caráter

individual, coletivo ou difuso.20

Da mesma forma destaca o seu conteúdo teleológico, tendo

em vista o bem protegido pela lei penal onde se pode dizer por que determinado

fato é considerado criminoso e outro não. 21

Para Noronha sob o aspecto material “crime é a conduta

humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.” 22

Portanto neste sentido o aspecto material “ 18 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, art. 1º a 120º. 6 ed. Ver.,

atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. v. 1. p 133. 19 MIRABETE. Manual de Direito Penal, p. 91 20 PRADO. Curso de direito penal brasileiro, p. 134 21 MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Direito Penal- Parte geral. Código Penal arts. 1º a

120º.3 ed., ver., atual. e ampl.- Bauru, SP: EDIPRO, , 2002, p. 97 22 NORONHA, Direito penal: introdução e parte geral , P. 96

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é aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o por que de determinado fato ser considerado criminoso e outro não. Sob esse enfoque, crime pode ser definido como o todo fato humano que propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social 23

Ainda nessa linha é importante salientar que este conceito busca apresentar o crime como uma ação contrária aos valores essenciais de proteção da coletividade, haja vista que a natureza da conduta determina a opção legislativa no que diz respeito à instituição da figura delituosa.24

Assim o entendimento doutrinário é praticamente unânime

ao afirmar que sob o aspecto material o crime é a conduta humana que lesa ou

expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.

1.3 CONCEITO ANALÍTICO

Este conceito busca estabelecer os elementos estruturais do

crime, sendo que para uns é um fato típico e antijurídico enquanto que para

outros é um fato típico, antijurídico e culpável e para outros mais é um fato típico,

antijurídico, culpável e punível.

Analisando-se este conceito verifica-se que o mesmo parte

de um ponto para chegar a outro, obedecendo portanto um caráter de

progressividade partindo da tipicidade, para a antijuridicidade, para culpabilidade

e por fim a punibilidade.

No entanto autores há que entendem que o correto é

conceituá-lo como sendo apenas um fato típico e antijurídico conforme nos

23 BONFIM, Edilson Mougenot. Direito Penal: parte geral/ Fernando Capez – São Paulo: Saraiva,

2004, p. 252 24 LEAL, Direito Penal: parte geral, p. 65

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informa Andreucci ao dizer que “o conceito analítico apresenta posição

dicotômica, onde o crime deve ser composto pela tipicidade e ilicitude.” 25

Os adeptos desta corrente excluem a culpabilidade e a

punibilidade por entendê-las como pressupostos ou condições para se impor a

pena.

Já em oposição a este entendimento, René Ariel Dotti, em

seu Curso de Direito Penal menciona que:

o crime é conduta humana típica,ilícita e culpável.

Sem rejeitar alguns aspectos que estruturam critérios anteriores, como, p. ex., o do bem jurídico a ser tutelado pela norma penal, este é o conceito dominante na literatura nacional e estrangeira levando em conta as exigências de segurança individual, posto indicar um aspecto fundamental para autorizar a pena criminal: a culpabilidade.

A conduta é representada por uma ação ou omissão humana dirigida a um fim; a tipicidade é a adequação, objetiva e subjetiva, dessa conduta a uma norma legal; a ilicitude é a quantidade de um comportamento não autorizado pelo Direito e a culpabilidade é o juízo de reprovação que recaia sobre a conduta humana do sujeito que tem ou pode ter a consciência da ilicitude e de atuar segundo as normas jurídico-penais.

Esse conceito acolhe a formulação analítica, completando com a exigência de que somente haverá crime através do comportamento das pessoas naturais (físicas) e jamais das pessoas jurídicas (morais).26

No mesmo sentido é o entendimento de Leal a dizer que:

Até o começo do século XX a doutrina concebia o crime a partir

25 ANDREUSSI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120º). 3. ed.

atual. e aum. – São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1. p.33 26 DOTTI, René Ariel, Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.

300/301

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de um critério bipartido, constituído de dois elementos: um objetivo, representado pela ação ou omissão e, outro subjetivo, representado pela culpabilidade. Em 1906, o jurista alemão Ernst Von Beling, reformulou o conceito analítico de crime, inserindo um novo elemento: a tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista dogmático, como a conduta humana, (ação propriamente dita ou omissão), típica, antijurídica e culpável. Este conceito passou a ser entendido como o mais adequado para definir o crime do ponto de vista técnico-jurídico. É aceito pela grande maioria dos penalistas.27

Do exposto verifica-se que o conceito mais adequado para o

crime no momento atual é o analítico, no seu aspecto tricotômico, como fato

típico, antijurídico e culpável.

1.4 CARACTERISTICAS DO CRIME

Outro aspecto a ser pesquisado e analisado neste trabalho

monográfico é aquele atinente às características do crime, que Leal o

decompõem como: ação típica, antijurídica e culpável.28

1.4.1 Ação típica

Na doutrina penal, tem-se que o fato típico é um

comportamento ativo ou omissivo, provocado pelo homem e que está

correlacionado com a norma jurídica. Seria, outro sim, o que diz a lógica jurídica,

a subjunção, isto é, a perfeita correlação do fato a norma.

Neste sentido Damásio de Jesus relaciona que: “fato típico é

o comportamento humano que provoca um resultado e é previsto na lei penal

27 LEAL, João José,Direito Penal: parte geral, 2004, p.184 28 LEAL. Direito Penal. p. 185

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como infração”.29

Mirabete menciona que “fato típico é o comportamento

humano que provoca, em regra, um resultado, e é previsto como infração penal”. 30

Em suma pode-se perceber que o fato típico nada mais é do

que a correlação da ação desenvolvida pelo sujeito que encontra uma norma

penal que o coíbe.

Por outro lado, verifica-se que o fato típico compõem-se de

quatro elementos, a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade.

1.4.1.1 Conduta:

Para os adeptos da teoria finalista da ação, que é a adotada

pelo Direito Penal pátrio, todo movimento realizado pelo homem visa atingir um

fim.

Neste caminhar, Damásio de Jesus nos diz que:

“Conduta é a ação ou omissão humana consciente e

dirigida à determinada finalidade”, isto é, em busca de um resultado pretendido

pelo homem.31

Caminhando no mesmo sentido, Francisco de Assis Toledo,

apresenta uma definição descritiva e, ao mesmo tempo eclética, sobre a conduta,

quando afirma que ela é “o comportamento humano, dominante ou dominável

pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de um bem

29 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p.83 30 MIRABETE, Manual de direito penal, 1998, P. 96 31 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal. 23. ed. São Paulo: Atlas 2006, p. 91

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jurídico ou, ainda, para a causação de uma possível lesão a um bem jurídico”. 32

Mas, a conduta, apresenta algumas características

importantes, que, sem a sua integralização não permite a realização do tipo penal

e que são, a vontade, a consciência, a finalidade e a exteriorização.

Por isso, Mirabette nos diz que ela é

um comportamento humano, não estando incluídos, os fatos naturais (raio, chuva, terremoto), os do mundo animal e os atos praticados pelas pessoas jurídicas. (...) A conduta exige a necessidade de repercussão externa da vontade do agente. O pensar e o querer humanos não preenchem as características da ação enquanto não se tenham iniciado a manifestação exterior da vontade. Não constituem conduta o simples pensamento, a cogitação, o planejamento intelectual da prática de um crime.33

Assim, a vontade, consciência, finalidade e exteriorização

(inexiste enquanto enclausurada na mente), constituem os elementos da conduta.

A falta de um desses elementos essenciais acarreta a ausência da mesma. 34

A conduta pode manifestar-se de várias formas, como:

conduta comissiva, conduta omissiva, conduta comissiva omissiva.

Maggio, em seu Direito Penal-parte geral menciona:

Conduta comissiva é o movimento corpóreo humano, consistente em fazer alguma coisa, ou seja, é o comportamento ativo, como, por exemplo, atirar, subtrair, ofender, etc.

Conduta omissiva consiste na inatividade, na abstenção de movimento, é o não fazer alguma coisa que devia ser feita. Para Julio Mirabete, o fundamento de todo crime omissivo constitui-se em uma ação esperada e na não-realização de um comportamento exigido do sujeito.

32 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004, p. 212 33 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 91 34 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 86

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Conduta comissiva omissiva, neste caso a conduta descrita no tipo é comissiva de fazer (matar, por exemplo) mas o resultado ocorre porque o agente não o impediu. Para que o sujeito responda pelo crime, porém, é necessário que tenha o dever jurídico de agir, ou seja, o dever de impedir o resultado. 35

Consoante vale lembrar que o Código Penal em seu artigo

13, parágrafo 2.º dispõe:

A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.36

Verificado o que seja a conduta como elemento constitutivo

do fato típico é importante que se analise o que dela resulta.

1.4.1.2 Resultado:

Acerca do resultado vislumbra-se que não existe ainda uma

corrente pacífica, haja vista que uns doutrinadores defendem que não há crime

sem que haja resultado; já outros acreditam que pode haver crime que não exijam

a ocorrência de um resultado.

O caput do artigo 13 do Código Penal Brasileiro aduz: “o

resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe

deu causa. Considera-se causa ação ou omissão sem a qual o resultado não teria

ocorrido”. 37

Neste sentido, constata-se que para que exista o crime não

35 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 87 36 VADE MECUM, 2006, p. 540 37 VADE MECUM, 2006 p. 540

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basta a conduta e sim também o resultado, vez que este deve ser entendido

como lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma penal.38

Constata-se, portanto, que o resultado, nada mais é do que

a conseqüência que adveio da realização da conduta, isto é, a modificação por

ela criada no mundo exterior.

Mas, esta modificação, causada ao mundo exterior deve ser

atribuída ao comportamento praticado por alguém, portanto, alguém lhe deu

causa, exigindo-se por isso uma ligação entre a conduta, o agente e o resultado

para que se possa atribuir ao autor da conduta a prática do crime.

1.4.1.3 Nexo Causal:

O terceiro elemento do fato típico é o nexo causal, ou seja, a

relação de causalidade entre a conduta e o resultado.

Desta forma Mirabete, ensina:

o conceito de causa não é jurídico, mas de natureza; é a conexão, a ligação que existe numa sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem. Causar, como ensina os léxicos, é modificar, originar, produzir fenômeno natural que independe de definição. 39

Varias foram as teorias elaboradas sobre o tema, mas a

teoria empregada pelo Código Penal foi a da equivalência dos antecedentes,

onde considera como causa toda a ação ou omissão sem qual o resultado não

teria ocorrido.

Neste sentido vislumbra-se que sempre deve existir o nexo

causal para a atribuição de uma conduta típica ao agente. Não havendo nexo

38 MIRABETE, Manual de direito penal , p. 97 39 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 98

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causal, não há que se cogitar a responsabilidade penal.

“A simples duvida a respeito da existência do nexo de

causalidade impede a responsabilização do agente pelo resultado”.40

Consoante, não se pode deixar de mencionar que não existe

nexo causal entre a omissão e o resultado, haja vista que “a estrutura da conduta

omissiva é essencialmente normativa, não naturalista o omitente responde pelo

resultado não porque causou o resultado, mas porque não agiu para impedi-lo,

realizando a conduta a que estava obrigado”.41

O desencadeamento lógico das três características do tipo

penal acima abordados levam a tipicidade, pois que, sem ele, impossível seria a

punição, pois, o próprio direito penal moderno exige, por questão de segurança

jurídica, de que ninguém pode ser punido sem que o comportamento por ele

praticado esteja previsto numa lei penal.

1.4.1.4 Tipicidade:

A tipicidade também integra o fato típico, sendo que onde

não houver tipicidade não há crime.

René Ariel Dotti, menciona que:

A tipicidade é a adequação do fato humano ao tipo de ilícito contido na norma incriminadora. Ou, em outras palavras: é a conformidade do fato à imagem diretriz traçada pela lei, a característica que apresenta o fato quando realiza concretamente o tipo legal. 42

Desta forma, constata-se que o juízo de tipicidade consiste

em verificar se determinado comportamento humano se enquadra perfeitamente

na definição legal de crime.

40 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 100 41 MIRABETE, Manual de direito penal, p. 100 42 DOTTI, Curso de direito penal: parte geral, P. 311

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Consoante Leal, ensina que:

a tipicidade foi definida como a conformidade do fato àquela imagem diretriz traçada na lei, ou seja, é a condição de que deve revestir-se o fato para realizar concretamente o tipo legal. Ou, ainda, é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora. 43

Desta forma, a tipicidade consiste na correspondência exata,

na adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei.

Para exemplificar o caso em tela, o artigo 288 do Código

Penal nos trás:”Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando,

para fim de cometer crimes...”44

Destarte que Maggio aduz acerca do fato acima:

Neste crime não haverá tipicidade se a associação reunir apenas duas ou três pessoas, vez que o tipo exige um mínimo de quatro pessoas(mais de três). Assim também se a finalidade for apenas de praticar contravenção, atos imorais ou ilícitos administrativos, pois o tipo exige a deliberação específica de cometer crimes.45

Não se pode deixar de mencionar que a doutrina e a

jurisprudência vêm admitindo que a excludente da tipicidade pelo principio da

insignificância, não está inserida na legislação brasileira, mas é aceita por

analogia desde que não contraria à lei.46

1.4.2 Antijuridicidade

A segunda característica do crime e não menos importante 43 LEAL, Direito Penal Geral, P. 233 44 VADE MECUM, Código Penal, P. 568 45 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 90 46 MAGGIO, Direito Penal- parte geral, p. 91

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que a primeira é a antijuridicidade, daí a necessidade de abordá-la, embora de

forma sucinta para, melhor compreendê-la.

Originária do latim “on ilicitude”, acontece quando o

comportamento for oposto à ordem jurídica como um todo, além do mais, exige

que o fato material causado seja lesivo a interesse juridicamente protegido. É

aquilo em que a lei penal manda ou deixa de fazer sob pena de uma sanção. É a

relação de contrariedade entre o fato e o ordenamento jurídico. 47

A Antijuridicidade, que para alguns é sinônimo de ilicitude, é

a contrariedade do fato típico comparado com a lei, é dizer, o fato contraria o

disposto no ordenamento jurídico.

Everaldo da Cunha Luna afirma que “o crime é um fato

jurídico porque definido pelo direito e fato antijurídico porque contraria ao

ordenamento jurídico”.

Sendo assim, para que ocorra crime, não basta somente que

o fato seja típico e sim é necessário que a conduta típica seja também contrária

ao Direito Penal. Caso haja alguma norma permissiva, inexiste ilicitude e, em

conseqüência, não há crime.48

Para Mirabete:

(...) antijuridicidade no direito penal é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico. Se em princípio for injurídico o fato típico, não será contrário ao direito quando estiver protegido pela própria lei penal.49

Em suma, não podemos deixar de ressaltar que a

antijuridicidade é sempre material, constituindo a lesão de um interesse

penalmente protegido, ela existe por si só, deve ser determinada objetivamente,

47 MIRABETE, Manual de direito penal ,1996, P. 94 48 LEAL, Direito Penal Geral, p. 184 49 MIRABETE, Manual de direito penal, 1996, P. 94

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independente da culpa ou da imputabilidade do sujeito.

Atualmente utiliza-se o termo “ilicitude” como sinônimo de

antijuridicidade, uma vez que o crime, embora contrário à lei penal, não deixa de

ser um fato jurídico, dado que produz inúmeros efeitos nessa órbita. 50

Vislumbra-se que o crime é a violação de um interesse

penalmente protegido. Percebe-se então que é o fato que não é permitido pelo

direito, ou seja, é toda conduta humana que fere o interesse social protegido pela

própria norma.

1.4.3 Culpabilidade

A outra característica do crime que merece estudo é a

culpabilidade e está ela intimamente ligada à reprovabilidade do comportamento

praticado pelo agente.

Na Doutrina Penal Brasileira não é pacífico o entendimento

de que a culpabilidade é uma das características do crime, pois, à os que dizem

ser ela mero pressuposto para aplicação da pena.

Dessa controvérsia emergem os entendimentos bipartite e

tripartite.

A corrente doutrinária que se avulta, embora ainda

minoritária, mas que toma corpo é a que adota o critério bipartite e é capitaneada

por Damásio de Jesus onde acredita que a culpabilidade não deve fazer parte das

características do crime, mas sim funcionar como mero pressuposto da pena,

visto que, com a Teoria Finalista, a mesma esvaziou-se dos "seus" elementos

fundamentais, quais seja o dolo e a culpa, integrantes, a partir de então, da

50 CAPEZ, Curso de direito penal: parte geral, P. 254

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conduta, elemento do fato típico.51

Vicente de Paula Rodrigues Maggio, adepto do mesmo

entendimento menciona que “A culpabilidade não é característica, aspecto ou

elemento do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela

reprovabilidade da conduta. “52

Assim a idéia de que a culpabilidade é pressuposto da pena

pauta-se basicamente no entendimento de que aquela não incide sobre o fato,

mas sim sobre o sujeito isoladamente. Com efeito, o agente, ao praticar um fato

típico e antijurídico, estará incidindo em um ilícito penal e, portanto, haverá crime,

independentemente do mesmo ser culpável ou não. O juízo de reprovação

apenas funcionará como elo de ligação entre o indivíduo e a pena; em outras

palavras haverá crime sempre que o sujeito praticar um fato descrito e definido

em lei como crime e não acobertado por uma das causas excludentes da ilicitude,

entretanto, o indivíduo só será punido se for culpável.53

Já os adeptos do critério tripartite entendem que a

culpabilidade é e sempre será característica do crime, acreditam, basicamente,

que o crime possui três notas características, quais sejam: a tipicidade, a

antijuridicidade e a culpabilidade. O verdadeiro pressuposto da pena é o crime,

em si, com todas as suas peculiaridades. Em verdade, a culpabilidade incide

sobre o comportamento do sujeito e não sobre ele isoladamente. O que o direito

pune são os fatos praticados pelos indivíduos e não estes propriamente ditos.54

Ambas as correntes doutrinárias merecem ser respeitadas,

entretanto, data vênia, a idéia de que a culpabilidade é característica do crime é a

mais concisa a respeito do assunto.

51 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, v 3,1999, P. 454 52 MAGGIO, Direito penal: parte geral, p. 77 53 MIRABETTE. Manual de direito penal. p.230 54 AZEVEDO, 1993, p. 65

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Desta forma, torna-se crucial a precisa conclusão de David

Teixeira de Azevedo, onde afirma que não se pode acolher a concepção bipartida

do crime que refere ser este apenas um fato típico e antijurídico, simplificando em

demasia a culpabilidade e colocando-a como mero pressuposto da pena,

criticando assim, identicamente, a posição bipartida do crime.55

Assim a concepção do crime apenas como conduta típica e

antijurídica, colocada a culpabilidade como concernente a teoria da pena,

desmonta lógica e essencialmente a idéia jurídico penal de delito além de trazer

sérios riscos ao Direito Penal de matiz democrático, porquanto todos os

elementos que constituem pressuposto da intervenção estatal na esfera da

liberdade- sustentação de um Direito Penal minimalista- são diminuídos de modo

a conferir-se destaque à categoria da culpa, elevada agora a pressuposto único

da intervenção. Abre-se perigoso flanco à concepção da culpabilidade pela

conduta de vida, pelo caráter, numa avaliação tão-só subjetiva do fenômeno

criminal.

Daí a afirmação de Leal ao dizer que embora alguns

doutrinadores entendam que a culpabilidade não é elemento do crime e sim

pressuposto da pena, prevalece o entendimento tripartite.

Concluída esta primeira etapa da pesquisa cumpre definir

em sua segunda parte a organização criminosa, principalmente no que concerne

a sua estrutura organizacional.

55AZEVEDO, 1993, p. 66

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NOÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO

Tratar-se-á neste capitulo, em breves considerações, das

origens do crime organizado, destacando suas primeiras associações até a

chegada das máfias, que se espalharam pelos mais variados recantos da terra.

Procurar-se-á também, conceituar o que seja crime

organizado, apesar das dificuldades apontadas pela doutrina e pela jurisprudência

para se alcançar tal conceito.

2.1 ORIGENS HISTÓRICAS

Inobstante, deve-se relatar que o crime em larga escala não

é um fenômeno recente, haja vista que de acordo com relatos que nos chegam ao

conhecimento pela doutrina penal, pode-se verificar que as grandes quadrilhas

que atuavam na França a séculos atrás atestam isso.

Ademais, durante o reinado de Luiz XV, Louis Mandrin, Rei

dos contrabandistas, comandou centenas de homens onde estes tinham como

objetivo infernizar a vida dos guardas aduaneiros.56

Consoante, deve-se ressaltar os piratas do século XVII e

XVIII que apresentavam uma organização devidamente estruturada. Acontece

que estes grupos eram constituídos em torno de uma liderança, que, com a morte

ou retirada de seu líder, acabava se disseminando ou desaparecendo de cena.

Verifica-se assim, que nos tempos mais remotos o que se

56 MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998. p. 47

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tinha de conhecido eram os piratas e os corsários muitas vezes aliados a própria

realeza, promoviam saques e invasões a navios e cidades pilhando–as e

repartindo ao depois os bens espoliados, com a própria nobreza ou realeza .

Mingardi, nos dá a conhecer que :

O caso mais conhecido é dos corsários que Elizabeth I usou em sua guerra com a Espanha, cujos nomes mais conhecidos são Hawkins e Drake. Esses corsários recebiam o aval do Estado para atacar navios e possessões espanholas,e repartiam o butim com os cofres reais. 57

No século XVII, esse tipo de ligação citado acima, caiu em

desuso, haja vista que o lucro da pirataria passou para as mãos de altos

funcionários das administrações coloniais.

“Foi no começo do século XX que a racionalização presente

nas atividades econômicas lícitas começaram a ser empregadas nas atividades

ilícitas “58, propiciando novas estruturas as organizações criminosas que passaram

a se estruturar de forma igual as empresas regulares e oficiais.

2.2 NOÇÕES ACERCA DO CRIME ORGANIZADO

Diante da evolução dos conflitos sociais verifica-se que a

criminalidade vem assumindo um contorno cada vez mais diverso daquele

apresentado no passado, propiciando o surgimento das organizações criminosas,

tais como as máfias a nível mundial e o Comando Vermelho e o Primeiro

Comando da Capital, a nível nacional.

Fruto da intensa atividade criminosa desenvolvida nas

57 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 48 58 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 49

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periferias das grandes cidades foram tomando corpo e se estruturando como

verdadeiras empresas, que no âmbito do Direito penal passariam a serem

chamadas de organizações criminosas, cujo conceito apresenta dificuldades

estruturais de conceituação.

Assim, uma das melhores e das mais recentes definições é

de autoria da Pennssylvania Crime Comission que nos diz que:

Crime Organizado é a ilegítima atividade de uma organização traficando bens ou serviços ilegais, incluindo, mas não se limitando, ao jogo, prostituição, agiotagem, substâncias controladas, extorsão, ou outra atividade ilegítima contínua, ou outra prática ilegal que tenha o objetivo de grandes ganhos econômicos através de práticas fraudulentas ou coercitivas ou influência imprópria no governo.59

Já o Federal Bureau of Invetigations traz uma definição mais

prática e ao mesmo tempo mais completa:

Crime Organizado: Qualquer grupo que tenha de alguma forma uma estrutura formalizada e cujo objetivo primário seja obter lucros através de atividades ilegais. Tais grupos mantém suas posições através do uso da violência, ou ameaça de violência, corrupção de funcionários públicos, suborno ou extorsão e geralmente tem um impacto significativo na população local, da região ou país como um todo. Um grupo criminoso resume esta definição – La Cosa Nostra.60

Cumpre, todavia, salientar que a definição do FBI tem

algumas vantagens nítidas , sendo que menciona a estrutura formal, o impacto na

população definindo através da Máfia.

Resta, por fim, dizer que o crime organizado é como

qualquer outro grupo que tenha uma estrutura organizada formalizada cujo

objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais. 59 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 42 60 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 43

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Consoante se enumera as características do crime

organizado.

2.2.1Características do crime organizado

No que tange às características das organizações

criminosas, vale ressaltar que também se encontram divergências, as quais

mostram-se:

A Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil aponta 10

características principais: planejamento empresarial, antijuridicidade,

diversificação de áreas de atuação, estabilidade dos seus integrantes, cadeia de

comando, pluralidade de agentes, compartimentação, códigos de honra, controle

territorial e fins lucrativos.61

Já Mingardi enumera 15 características do crime organizado

que são: práticas de atividades ilícitas, atividade clandestina, hierarquia

organizacional, previsão de lucros, divisão de trabalho, uso da violência, simbiose

com o Estado, mercadorias ilícitas, planejamento empresarial, uso da intimidação,

vendas de serviços ilícitos, relações clientelistas, presença da lei do silêncio,

monopólio da violência e controle territorial.62

De fato todas as características mencionadas apresentam

relação com o crime organizado. A este respeito é oportuno destacar as mais

importantes, que são:

organização bastante rígida: seus membros procuram fazer

tudo da maneira mais organizada possível, buscando com isso o respeito;

61OLIVEIRA, Adriano. O crime organizado: é possível de definir? Acessado 10 de agosto de

2006, disponível em www.espaçoacademico.com.br. 62 OLIVEIRA, Adriano. O crime organizado: é possível de definir? Acessado 10 de agosto de

2006, disponível em www.espaçoacademico.com.br.

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estrutura hierárquica: esta estrutura é permanente e estável,

uma vez que cada membro possui sua tarefa;

certeza de impunidade: acreditam que a Lei jamais os

alcançará, vez que procuram sempre estar ligados a pessoas “funcionários

públicos” ;

vítimas difusas: suas vítimas são dificilmente

individualizadas;

pouca visibilidade dos danos causados: seus danos são de

pouca visualização, pois estas organizações causam danos a nação e não

somente a uma pessoa;

modus operandi: utiliza-se de profissionais qualificados,

onde transformam atividades ilícitas em lícitas, além de contribuir para a difícil

capturação dessas organizações;

transnacionalidade: significa a expansão para vários países,

deixando de atuar somente no seu, desta forma delimita o Estado pelo fato de

este encontrar-se limitado pela territorialidade de seus limites geográficos;

meios tecnológicos avançados: como detém imenso capital,

utiliza-se de meios tecnológicos mais avançados, ou seja o que há de mais novo

no mercado;

conexões com o poder público: trabalham simultaneamente

com órgãos do poder público favorecendo a troca de favores, o oferecimento de

vantagens, sem deixar pistas, estes podem fazer parte integrante direta ou

indiretamente, como se favorecer da benesse, conivências e coberturas que estas

podem oferecer ;

violência: utilizam-se de todos os meios necessários para

conseguir atingir seus objetivos, sendo que a violência é um destes, utilizando-se

da chantagem, seqüestro entre outros;

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25

Sendo assim, vislumbra-se que inúmeras são as

características, uma vez que se constituem em verdadeiras empresas de alcance

transnacional de poder centralizado e firme cujo método de controle é a violência.

Assim, paralelamente as características acima expostas, não

se pode deixar de relatar os tipos penais e contravencionais praticados por estas

organizações criminosas.

2.2.2 Tipos penais praticados pelas organizações criminosas

Os tipos penais praticados pelas organizações criminosas,

mais comuns em termos de Brasil, são:

Tráfico de drogas;

Furto e roubo de veículos;

Roubo de cargas;

O jogo do bicho;

Lavagem de dinheiro e fraudes;

Falsificação de remédios;

Contrabando;

Corrupção;

Sonegação fiscal e crimes contra a ordem tributária;

Roubos em bancos;

Seqüestros;

Grupos de extermínio;

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Em suma, deve-se levar em conta que o crime organizado é

um fenômeno social e gerador de atividades ilícitas, haja vista que se evidencia

através das condutas deletivas amplamente conhecidas e difundidas pelos

organismos vinculados aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além das

instituições internacionais “ONU”.

Sznick menciona:

A verdade é que a criminalidade organizada se apresenta cada vez mais organizada, mais rica, prepotente, avassaladora e violenta, com ramificações amplas até no Estado, formando muitas delas verdadeiras redes.63

As organizações criminosas buscam apoio para sua atuação

no âmbito institucional, instituições do Estado, sendo assim, estas organizações

precisam de agentes estatais para ser lucrativa e ter uma vida durável.

Na verdade essas organizações necessitam para sua

sobrevivência de uma aproximação com o Estado. Seus chefes não têm o menor

escrúpulo em dizer: ”Não preciso mais de pistoleiros. Agora quero deputados e

senadores” 64

Por conta do fato acima aduzido, esses agentes do Estado

perdem a sua transparência e passam a funcionar de acordo com os interesses

dos chefões do crime organizado.

Em outras palavras Gomes aduz:

“O crime organizado é a película cinzenta do Estado.”

Neste sentido, vislumbra-se que há muito tempo o crime

organizado vem ocupando o espaço do Estado, sendo que em muitos lugares

emprega mais que o poder público, concede muito mais proteção e dá aos jovens 63 SZNICK, Valdir. Crime organizado comentários. São Paulo: Livraria e Editora Universidade

de Direito Ltda, 1997, p. 16. 64 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 66

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mais oportunidade de ganhos oficiais.

Desta forma, pode-se constatar que em muitas vezes tende

a se arrogar o papel de árbitro e a exercer a pacificação que caberia ao Estado.

No tocante ao fato, não se pode deixar de mencionar que o

Estado, ou seja, o poder institucional e o econômico propiciaram ao crime

organizado a formar suas estruturas nos mesmos moldes dessas instituições.

Consoante a isso, vislumbra-se que as organizações criminosas embora se

assemelhem as organizações lícitas tem seus poderes classificados por

dimensões.

Assim, o crime organizado destaca-se por apresentar uma

atuação tanto regional, como nacional e/ou internacional e podem dominar tanto

uma parcela do mercado econômico como um território geograficamente

definido.65

Por atuarem de forma organizada e intimidatória, passaram

a receber a designação de máfias, cujo conceito é originário do direito penal

italiano.

2.3 MÁFIAS

Inicialmente a palavra máfia encontra-se prevista no artigo

416, do Código Penal Italiano e tem como significado gênero de comportar várias

espécies de organizações criminosas.

Amélia Crisantino, apud Guiseppe Pitré, menciona que a

palavra máfia era usada em alguns bairros italianos como sinônimo de audácia,

coragem e orgulho.

Desta forma se pode verificar que as máfias definem-se 65OLIVEIRA, Adriano. O crime organizado: é possível de definir? Acessado 10 de agosto de

2006, disponível em www.espaçoacademico.com.br.

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como organizações que tem como objetivo o controle social imposto pela

corrupção e pela força.

No ano de 1838, na Itália, ocorre a primeira referência oficial

à palavra Máfia, mencionada com o significado de “irmandades” de criminosos.

Já no ano de 1863, neste mesmo país, utiliza-se o termo

mafioso, como atribuição dada aos membros de uma organização criminosa

representados em uma peça de teatro cujo nome era I Mafiusi di la Vicária.

Mas a nota de toque dessas organizações criminosas que

não se deve deixar de mencionar e que se constituem em sua característica

principal é a Lei do Silêncio e que a este respeito Mingardi expõe: “o silêncio

sobre um crime específico praticado por membros da organização é necessário,

mas silenciar sobre a própria organização também o é.”66

Essas organizações centenárias, de estrutura forte,

fechadas, de obediência irrestrita, que não medem conseqüências para seus atos,

atuam em todas as parte do mundo e por isso merecem especial destaque.

2.4 ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS MUNDIAIS

2.4.1 As tríades chinesas

As tríades chinesas, destacam-se como as mais antigas

organizações criminosas do mundo e tem sua origem no ano de 1699, através de

um movimento popular para expulsar os invasores do império Ming na China.

Deve-se ressaltar que de acordo com dados relatados pelo

I.B.G.F. atuam de forma silenciosa e possuem várias facções divididas em células

menores, onde apresentam uma estrutura tradicional como: chefe, sub-chefe,

66 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 44

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chefe de recrutamentos, sandálias de palha (vínculo de comunicação), mastro

vermelho (segurança), leque de papel branco (administração financeira), base

(soldados). 67

Surgida no século XVI, essas organizações exploram a

prostituição no mundo sendo que traficam mulheres do Sudeste Asiático, da

América do Sul e Leste Europeu para a Europa Ocidental. Além do mais atuam no

campo da imigração ilegal, tráfico de drogas, usura, jogo, apostas ilegais,

extorsões e lavagem de dinheiro.

Atente-se ainda para o fato de sua atuação no mundo, esta

tem como destaques: EUA, Canadá, Grã Bretanha, Myanmar, Malásia, Austrália,

Taiwan, Hong Kong e Filipinas.

2.4.2 Cosa Nostra Siciliana

Segundo Rinaldi, o termo máfia refere-se a organizações

criminais que operam na região da Sicília. 68

Segundo dados do IBGF, constata-se que a Cosa Nostra

Siciliana possui cerca de cinco mil membros e centenas de simpatizantes. Dentre

este todos os membros encontram-se divididos em graus: picciotto, uomo d’onore

(homem de honra), capodecina (líder de uma unidade de dez membros),

capomandamento (líder de vários decini), representante regional, representante

municipal, consigliere (conselheiro).

Além do mais não se pode deixar de ressaltar que esta

organização apresenta como atividades principais o tráfico internacional de

drogas e atividades financeiras de lavagem de dinheiro.

67 LAVORENTI, Wilson e SILVA, José Geraldo da. Crime organizado na atualidade. Campinas:

Boockseller, 2000. p. 29. 68 RINALDI, Stanislao. Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália. In:

Revista brasileira de ciências criminais, ano 6 n. 22, abril/junho 1998, p. 12

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A Cosa Nostra Siciliana apresenta conexões internacionais

com:

Cosa Nostra dos EUA;

Cartéis colombianos;

Máfia Russa;

Famílias mafiosas na Alemanha, Bélgica, França, Espanha,

Grã Bretanha e Brasil;

Tríades chinesas;

Vínculos internos na Itália;

Sicília;

Conexões na Itália inteira e vínculos com a Camorra

’Ndtangheta e a Sacra Coroa Unita.

Lavorenti vislumbra:

“O tráfico de drogas tornou-se a atividade principal da Cosa Nostra, que atua como contadoria para acordos internacionais e rotas de tráfico. Atividades financeiras de lavagem de quantidades enormes de dinheiro, extorsões, e participação (por meio de chantagem) em obras públicas”.69

2.4.3 Cosa Nostra norte-americana

Possui cerca de três mil soldados, reunidos em vinte e cinco

famílias, presentes em vários Estados. Atualmente liderada por uma comissão

reunindo vinte e quatro famílias, onde vinte chefões encontram-se presos, junto

69 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 27

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com 300 soldados de Nova York.

As famílias de Nova York detêm a maior influência e contam

com 5 famílias.

Conexões internacionais:

Cartéis colombianos;

Máfia siciliana;

Máfia russa;

Estados Unidos da América;70

O tráfico de drogas, tráfico de armas, prostituição, extorsões,

usura e jogos ilícitos são as principais atividades realizadas por essa organização.

2.4.4 Camorra – Ndrangheta – Sacra Coroa Unita

De acordo com informações extraídas do IBGF, a máfia

definida como Camorra possui cerca de 100 organizações e 6.700 membros. Já

‘Ndranheta conta com aproximadamente 144 organizações e 5.600 membros.

Enquanto que a Sacra Coroa Unita apresenta 17 grupos e mil membros.

Atividades como o tráfico de drogas, extorsões,

financiamentos ilícitos, contrabando de cigarros, loterias clandestinas,

participações em obras são desempenhadas pela Camorra.

‘Ndrangheta desenvolve praticamente seqüestros em vista

de resgates e extorsões, além do mais atualmente atua também no tráfico de

drogas.

70 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 27

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No que tange a Sacra Coroa Unita destaca-se o

contrabando de cigarros, tráfico de drogas, extorsões, usura, jogos e fraudes

contra a Comunidade Européia.

2.4.5 Máfia Russa

Após a queda da União Soviética, alastrou-se uma enorme

crise, desta forma doutores em física, química, matemática, estrategistas

militares, médicos, entre outros profissionais qualificados, passaram a fazer parte

desta organização.

Como se vê esta máfia é a mais violenta de todas, uma vez

que seus membros são altamente qualificados.

Apresenta cerca de três milhões de membros, divididos

entre 5.700 bandos dentre os quais 200 possuem estruturas altamente

sofisticadas.

Apresenta um faturamento estimado em centenas de

milhões de dólares.

Acerca de suas principais atividades Lavorenti menciona:

Como atividades principais apresenta o tráfico de todos os tipos, matéria primas, armas do ex-Exército Vermelho, material nuclear, fraudes, prostituição, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, vendas de produtos falsificados no mercado negro.71

No que tange as suas conexões internacionais, destacam-

se:

Colônias estrangeiras e EUA;

Cartéis colombianos;

71 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 25

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Máfia siciliana;

Ex-União Soviética;

2.4.6 Yakusa

A Yakusa japonesa destaca-se dentre as mais antigas

organizações, vez que surgiu nos tempos do Japão feudal, ou seja, seus

primeiros vestígios são do século XVII, mas só no século seguinte tomou a forma

que mantém.

Criou-se a partir de dois grupos distintos: o dos jogadores,

Bakuto, e dos vendedores ambulantes, Tekiya, tem como base a relação oyabun-

kobun, o qual significa mestre-discípulo, ou mesmo pai-filho

O nome Yakusa significa:

[...] deriva do pior resultado possível no jogo de cartas hanafuda (cartas de flores). Essas cartas são dadas por jogadores e o último dígito de seu total conta como o número da mão. Por conseguinte, com mão 20 – o pior resultado – total do jogador é zero. Entre as combinações que pedem, a seqüência 8-9-3 forma 20 ou, em japonês, ya-ku-as.”72

Apresenta uma estrutura de forma bem tradicional, cerca de

60 mil membros e 25 mil associados.

Mormente podemos verificar conforme um relatório do

Departamento Nacional de Polícia do Japão publicado na década de 80, onde

mencionava de 42% dos yakusas não apresentavam uma parte do dedo mínimo e

que cerca de 75% tinham alguma tatuagem no corpo.

Desta forma podemos destacar a enorme fidelidade destes

membros, uma vez que, diga-se de passagem, era o mandamento fundamental

72 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 57

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em seu universo.

Antigamente tinha como principal atividade a cobrança de

uma taxa de proteção aos comerciantes, agora compra participações em

empresas, desenvolvendo assim a chantagem e a ameaça aos executivos.

Sua área de atuação não se restringe somente ao Japão e

sim, realiza negócios com qualquer outro país que exista colônia japonesa.

Destaca-se Ásia, Tailândia, Hong Kong e Taiwan.73

Não podemos deixar de mencionar sua ligação com outras

máfias: EUA, Colômbia, Alemanha, Rússia, China, Coréia do Sul.

Jogo, extorsão, prostituição, tráfico de entorpecentes e o

controle de camelôs são suas principais atividades.

2.4.7 Cartéis mexicanos

Constata-se ultimamente que o México, vem sendo utilizado

como um corredor de passagem de drogas pesadas colombianas, cerca de 70%

do que chega nos EUA.

Apresentam quatro cartéis, os quais passo a mencionar:

Cartel Tijuana: tem sua sede na cidade de Tijuana, destaca-

se como a mais violenta entre os cartéis mexicanos. Arellano-Felix Benjamin,

Francisco e Ramon são seus comandantes.

Cartel Sonora: atua em todo território entre Hermosillo e

Culiacan, Miguel Caro Quintero é seu comandante.

Cartel Juarez: encontra-se ligado aos cartéis colombianos, 73 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 58

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Amado Carillo Fuentes, maior traficante do México, sua droga é transportada por

hidro-aviões.

Grupo do Golfo: atua em Matamoros, Juan Garcia Abrego,

seu chefe, seu grupo é responsável pela entrada de droga em Michingan, New

Jersey e New York.

2.4.8 Cartéis colombianos

A Colômbia tornou-se uma potência mundial da droga

quando se integrou à Cosa Nostra siciliana.

Segundo Betancourt, existem cinco focos iniciais da máfia

Colombiana, que são:

a) Núcleo da Costa: especializado no contrabando de

cigarros, bebidas e eletrodomésticos. Na década de 70, a maconha era o grande

produto da região, tanto para o cultivo como para a exportação.

b) Núcleo de Antioquia ou Cartel de Medellín: tráfico de

maconha, refino e tráfico de cocaína eram suas principais atividades desde os

anos 70.Pablo Emílio Scobar Gavíria foi seu protótipo.

c) Núcleo Valluno ou Cartel de Cali: refino e trafico de

cocaína; constituído por indivíduos das classes média ou alta, seus fundadores

foram os irmãos Rodriguez Orejuela (banqueiros).

d) Núcleo Central: líder José Rodrigez Gacha , conhecido

como “El Mexicano”, formado a partir dos exploradores e capangas das minas de

esmeraldas.

e) Núcleo Oriental: menos conhecido dos cinco,

especializou-se em investimentos na construção civil e no comércio.

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Consoante se deve lembrar que a partir da década de 70 é

que a cocaína expande-se aos mercados consumidores dos EUA e da Europa.

Sendo assim, os cartéis colombianos desde o início tinham a

droga como sua atividade, primeiramente era a maconha, mais tarde a cocaína e

atualmente a heroína.

Desta forma destacam-se como sendo o segundo maior

produtor de heroína do mundo.

Lavorenti aduz:

os cartéis colombianos representam um caso único entre as organizações criminosas, por ter como atividade desde o começo sempre e somente as drogas, primeiro a marijuana, e mais tarde,a cocaína. Os cartéis administram todo o ciclo, desde a produção até a distribuição no mundo inteiro.74

Diga-se de passagem que os cartéis colombianos ficaram

conhecidos mundialmente depois que quase desencadearam a guerra civil.

Sendo que na verdade três guerras. A primeira entre traficantes e o sistema legal;

a segunda entre traficantes e latifundiários da esquerda que desejava a reforma

agrária e a terceira entre o Cartel de Medellín e a elite tradicional.

Integrada por centenas de membros, controlada por chefões

de várias famílias, todos reunidos em cartéis, sendo que se pode destacar

Medellín e Cali como os mais importantes.

Cosa Nostra norte-americana, Cartéis colombianos, Máfia

siciliana, Tríades chinesas, Yakusa japonesa e Colombia, são suas principais

conxões internacionais.75

Como afirma Fernandes,cabe observar:

74 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 26 75 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 26

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(...) não se prende exclusivamente ao desenvolvimento econômico ou a certos estágios de desenvolvimento. A prova inconteste dessa conclusão reside em que a máfia italiana, oriunda de uma nova região pobre como a Sicília, ao transportar-se para os Estados Unidos, cresceu e sofisticou-se até atingir um sistema criminoso altamente refinado. Depreende-se disso que não é o grau de desenvolvimento econômico que condiciona o crime organizado e tampouco fatores socioeconômicos, como a pobreza o desemprego etc. A correlação que existe entre a economia e crimes é que determinados sistemas econômicos são mais propícios à eclosão de certas formas de criminalidade do que outros.76

Não se pode deixar de mencionar que grande parte do

dinheiro que circula no sistema financeiro mundial está na mão das máfias, diante

disso, Arbx Jr & Tognoli afirma “Podemos afirmar com tranqüilidade que, se todas

as máfias fossem subitamente destruídas, isso causaria uma catástrofe no

mercado de valores mundial”.77

Diante do estudo feito acerca da máfia se pode tirar algumas

lições significativas, destacando que as organizações mafiosas podem tomar

várias formas, sendo que algumas mais violentas, outras menos, umas

confrontam o Estado, outras se compõem com ele, tendo sempre em mente que

embora apresentem inúmeras semelhanças, não existe um modelo o qual deve

ser seguindo, pois cada qual tem suas características.

2.5 CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

Notadamente pode-se relatar que o Cangaço78, foi o grande

76 SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Crimes praticados por organizações criminosas

inovações da lei 9.034/95. Revista dos Tribunais 716, junho de 1995, São Paulo 77 LAVORENTI. Crime organizado na atualidade, p. 34. 78 A palavra se origina de canga, o conjunto de arreios que amarram o boi ao carro. Segundo

Antonio Carlos Olivieiri, é provável que esse nome tenha surgido porque os bandoleiros usavam as espingardas a tiracolo ou com as correias cruzadas no peito, lembrando a canga do boi (Olivieri, Antonio Carlos. O cangaço. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1997, in SILVA, E. A op. cit. p. 25).

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antecedente da criminalidade organizada em nosso país, teve sua origem no fim

do século XIX e início do século XX, no sertão nordestino, tendo como objetivo a

própria colonização da região pelos portugueses.

Os cangaceiros, como eram conhecidos seus integrantes,

tinham como chefe Lampião 79 , figura lendária de Virgulino Ferreira da Silva.

Atuavam em várias frentes ao mesmo tempo, devido sua boa relação com

políticos e fazendeiros, dedicavam-se a saquear vilas, fazendas e pequenas

cidades.

A outra semente das organizações criminosas brasileiras,

surge da necessidade de se proteger os animais do jardim zoológico no Rio de

Janeiro, dando origem ao que hoje conhecemos como jogo do bicho.

Segundo dados históricos, Barão de Drumond foi quem deu

origem a primeira contravenção “jogo do bicho” no Brasil, vez que tinha como

objetivo arrecadar fundos para salvar os animais do jardim zoológico do Rio de

Janeiro.80

Diante disto, cariocas passaram a monopolizar o jogo a

partir da corrupção de policiais e políticos. Vale mencionar que na década de 80,

os adeptos a estas contravenções movimentavam cerca de U$ 500.00

79Nascido em 7 de julho de 1897, em Vila Bela (atual Serra Talhada), no sertão de Pernambuco,

Virgulino Ferreira da Silva e seus irmãos ingressaram no bando do mais famoso cangaceiro da época, Sinhô Pereira, por volta de 1920, após sua família vender sua propriedade, em razão de pressões de coronéis. Em 1922, assumiu a liderança do bando, iniciando uma série de ataques a vilas e cidades localizadas nos sertões dos Estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará, Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe, conquistando, entretanto, a fama de homem generoso e amigo dos pobres, nos quais promovia festas e distribuía presentes e dinheiro. Em 1929, refugiou-se em Sergipe, onde contava com a proteção de poderosos chefes políticos, entre os quais, Eronildes Carvalho, capitão-médico do exército que, com a revolução de 1930, chegou a ser interventor federal desse estado. Graças à ajuda voluntária de um coiteiro (cidadãos indefesos, que abrigavam os cangaceiros com medo de represálias) e com a colaboração forçada de outro, foi localizado às margens do rio São Francisco, nu ma fazenda chamada Angicos, Sergipe, onde foi morto por soldados de uma volante (grupo de policiais criado exclusivamente para o combate específico aos cangaceiros pelo sertão), comandada por José Lucena, em 28 de julho de 1938, com sua companheira Maria Déia Neném, conhecida como Maria Bonita, e mais nove integrantes de seu bando (Olivieri, Antonio Carlos. O cangaço. 2. Ed. São Paulo: Ática, 1997, in SILVA, E. A op. cit. p. 25).

80 MINGARDI. O Estado e o crime organizado, p. 92.

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(quinhentos mil dólares por dia), sendo que deste montante 4% à 10% era

destinado aos banqueiros.

Acerca da criminalidade organizada no Brasil Gomes ensina:

Brasil, possuidor da maior economia da América Latina, com uma sociedade marcada por extrema desigualdade social e um Estado emperrado pela burocracia, minado pela corrupção e pela deficiência administrativa, um negócio atraente para a expansão dos negócios e do poder do chamado crime organizado. 81

Desta forma se pode verificar que também no Brasil o crime

organizado infiltra-se, corrompendo todos os setores da economia de forma

rápida e progressiva.

O Brasil segundo a visão de alguns se classifica como:

“a) é refúgio ideal para mafiosos de alto nível;

b) interessante praça de lavagem de dinheiro;

c) é caminho para o tráfico de drogas;

concentra 17% das contas bancárias dos narcotraficantes;

é o principal produtor e fornecedor de matérias químicas

para os laboratórios clandestinos;”82

Às vezes duvida-se da existência das organizações

criminosas em solo brasileiro, talvez por não existir prova direta de sua existência

ou por que essas gozam de informações privilegiadas, dificultando ainda mais de

serem detectadas.

No entanto a realidade nacional tem demonstrado que ele

81 SANTOS, J. C. op. cit. p. 20-1. 82RINALDI. Criminalidade organizada de tipo mafioso e poder político na Itália. p. 13

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existe e em alguns lugares em oposição ao Estado e noutro ocupando o seu

próprio espaço em face da omissão e do abandono a que foram relegadas

significativas parcelas da população brasileira.

Por outro lado verifica-se, que embora a organização

criminosa, por vezes, se oponha ao Estado e com ele confronta para ocupar seus

espaços, não pode ela sobreviver sem a existência deste.

Neste sentido Rodrigues, aduz:

E o interessante de tudo isso é que o crime organizado, que mantém uma relação de amor e ódio com o Estado, retira deste as condições necessárias para a sua sobrevivência. Sem o Estado o CO simplesmente fenece. È uma relação simbólica e paradoxal, onde o hospede combate o hospedeiro, porém precisa deste para sobreviver.83

Extrai-se do estudo ora feito que o crime organizado, quer

no Brasil, quer em outras partes do mundo, sobrevive graças as mazelas oriundas

do próprio Estado que não cumpre com parte significativa de sua finalidade.

Isto posto, verificar-se-á a legislação penal vigente no direito

brasileiro para combater tais organizações, mormente a sua eficácia.

83 RODRIGUES, João Gaspar. Tóxicos: abordagem crítica da Lei 6.368/76. Campinas:

Boockseller, 2001, p. 337

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A PRODUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA EM FACE DO CRIME ORGANIZADO

Neste capítulo, analisar-se-á os principais aspectos da

legislação nacional em face do crime organizado. As deficiências normativas e as

possíveis inconstitucionalidades dos diplomas legais.

Em síntese, com o estudo da Lei 9.034 e seus termos, será

possível observar qual sua aplicação e qual os resultados práticos daí advindos,

para então, traçarmos comentários finais sobre a conveniência ou não do modelo

político-criminal adotado pelo Brasil.

3.1 BANDO OU QUADRILHA

A expressão quadrilha ou bando equivale a um termo

jurídico-penal específico e bem delimitado, capitulado no art. 288 do Código

Penal, onde, refere-se à associação como união de pessoas, de forma estável e

permanente, com objetivos em comum à prática de delitos. Já a Constituição

Federal de 1988 garante a todos a possibilidade de se associarem, desde que

não seja para fins ilícitos, como é o caso referido no artigo em discussão.84

O artigo 288 do Código Penal Comentado preceitua:

Art. 288. Associar-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão de um a três anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.85

Esse delito exige para sua configuração, um mínimo de

quatro agentes ativos, em concurso necessário, o que desde logo excluiria a

aplicação às organizações criminosas de dois ou três integrantes, o que é

84 JESUS, Direito penal , p. 413 85 DALMANTO, Código penal comentado, p 568

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perfeitamente possível em razão dos avanços tecnológicos atuais.

Consoante ao fato acima exposto, extrai-se da

jurisprudência:

Para a caracterização do crime de quadrilha ou bando previsto no artigo 288 do CP, exige a lei que da empreitada criminosa participem mais de três pessoas, resultando o número mínimo de quatro, que não se perfaz com a simples co-participação, pois é necessária a associação permanente com finalidade estabelecida para o cometimento de crimes”(RT764/562) TJSP.86

Destarte salientar que mesmo com a absolvição de um dos

agentes ou do não conhecimento da autoria de um dos criminosos, havendo

prova, irá ser caracterizada a associação de mais de três pessoas.87

O delito de bando e quadrilha também se caracteriza por ser

um crime permanente, isto é, se prolonga no tempo, não admitindo a tentativa,

pois sua consumação se dá com a simples associação de mais de três pessoas

com o fim de praticar crimes.

Soa do parágrafo único do mesmo dispositivo legal uma

circunstância de aumento de pena, aplicando-se em dobro a pena no caso de

bando ou quadrilha serem armados. O motivo deste aumento é a maior

periculosidade e temibilidade que o emprego de uma arma cause por seus

componentes. Para a doutrina não é necessário que todos integrantes estejam

armados, o que importa é que o bando ou quadrilha demonstre maior

periculosidade graças ao emprego da arma.88

Ademais, a jurisprudência pátria exige, para a configuração

deste delito, o requisito da estabilidade, o que pode levar em muitos casos à

exclusão da aplicação da lei aos bandos em relação aos quais não se consiga o

86 MIRABETE, Manual de direito penal, 2004, p. 2128 87 JESUS, Direito penal, p. 414 88 JESUS, Direito penal, p. 416

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enquadramento rígido e formalista dos nossos tribunais.89

Conceituado o que seja o crime de bando ou quadrilha

previsto na legislação brasileira, passa-se a analisar a Lei 9.034/95, criada para

combater as organizações criminosas e aferir, no âmbito doutrinário sua eficácia,

principalmente, no que concerne a problemática conceitual, a delação premiada,

ao instituto da infiltração policial nestas organizações e a ação controlada por

policiais, modificações que foram introduzidas pela Lei 10.217/01.

3.2 A LEI 9.034/95 E SUBSEQÜENTES ALTERAÇÕES:

A fim de se combater o crime organizado no Brasil, foi

editado a Lei 9.034/95 que veio com a pretensão de solucionar ou ao menos

enfraquecer o crime organizado em nosso país.

Diante do fato, passa-se a demonstrar algumas deficiências

normativas apresentadas por esta lei.

Inicia-se esta análise por seu artigo 1º que menciona:

Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crimes resultantes de quadrilha ou bando ou organizações ou associações de qualquer tipo.90

Conforme exposto acima, no seu primeiro artigo, nota-se um

grande pecado desta legislação, que é a indefinição de seus termos. Conforme se

pode perceber, esta não define o que é o crime organizado, e tampouco as

organizações criminosas.

89 NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. A lei da “caixa preta”. São Paulo : Revista dos

tribunais, vol. 720, out/95, p. 574. 90 Lei 9034/95. Acessado em 22 de agosto de 2006, disponível em www.planalto.gov.br

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Denota-se que, o projeto inicial tentou tipificar o crime

organizado e as organizações criminosas, entretanto, o fez de maneira

extremamente abstrata e de inominável amplitude. Como a Lei 9.034/95

pretendeu dispor sobre a utilização e repressão das ações praticadas por

organizações criminosas, mas não a definiu. 91

Gomes e Cervini chegaram a elaborar um esboço de projeto

de lei, daquilo que nas suas visões deveria ter preceituado a lei 9.034/95, como

organização criminosa92.

A organização criminosa seria definida em lei como toda a associação ilícita que reunisse ao menos três das seguintes características: previsão de acumulação de riqueza indevida; hierarquia estrutural; planejamento empresarial; uso de meios tecnológicos sofisticados; recrutamento de pessoas; divisão funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional das atividades; conexão estrutural ou funcional com o poder público, ou com agentes do poder público; ampla oferta de prestações sociais; divisão territorial das atividades ilícitas; alto poder de intimidação; real capacidade para fraude difusa; conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.93

Mesmo assim. para estes autores, a Lei 9.034/95 apesar de

não corretamente, acabou dando um mínimo de definição.

91 CASTANHEIRA, Beatriz Rizo. Organizações criminosas no direito penal brasileiro: o estado de

prevenção e o princípio da legalidade estrita. Revista brasileira de ciências criminais. Ano 6. n. 24 out./dez. 1998, p. 111.

92 Art. 1º O art. 288 e seu parágrafo único do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a ter a seguinte redação:ASSOCIAÇÃO ILÍCITA ‘Art. 288. Associarem-se duas ou mais pessoas, de modo estável e permanente, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de um (1) a três (3) anos. ASSOCIAÇÃO ARMADA § 1º A pena aplica-se em dobro, se a associação ilícita é armada. ASSOCIAÇÃO ORGANIZADA§ 2º Se a associação ilícita é organizada: Pena – reclusão, de três (3) a seis (6) anos. § 3º Considera-se organizada a associação ilícita quando presentes no mínimo três das seguintes características: I – hierarquia estrutural; II – planejamento empresarial; III – uso de meios tecnológicos avançados; IV – recrutamento de pessoas; V – divisão funcional das atividades; VI – conexão estrutural ou funcional com o poder público ou com o agente do poder público; VII – oferta de prestações sociais; VIII – divisão territorial das atividades ilícitas; IX – alto poder de intimidação; X – alta capacitação para a prática de fraude; XI – conexão local, regional, nacional ou internacional com outra organização criminosa.” (GOMES, L. F; CERVINI, R. op. cit., p. 99-100).

93 BORGES, Paulo César Corrêa. O crime organizado. São Paulo : Unesp, 2002, p 20.

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Já para Beatriz Riso Castanheira, tal posição é errônea ao

afirmar que:

A figura típica, crime organizado, cuja existência e validade sustentam é tão vaga que ao contrário do que entendem, o juízo de complementação pelo magistrado seria verdadeira criação normativa. 94 E desta forma colocaria o julgador na função de legislador, o que parece ser inconcessível.

Desta forma, pode se perceber que a Lei 9.034/95 ao invés

de trazer um conceito adequado de crime organizado, que atingisse um certo

consenso na doutrina penal, preferiu a não conceituação e em função disto é alvo

de contundentes críticas, em face da imprecisão conceitual adotada.

O legislador, em razão das críticas ao diploma legal em

apresso e verificando a necessidade de modificações nesta Lei edita um novo

diploma, de procura resolve estas questões controvertidas, acrescentando outros

institutos modificativos para torná-la mais eficiente.

3.3 A LEI 10.217/01

A Lei 10.217 de 11 de abril de 2001, veio a incluir no

primeiro artigo do diploma legal que modifica, organizações e associações

criminosas de qualquer tipo, porém não especificou o que seriam tais

organizações, é verdade, mas ampliou o restritivo conceito de quadrilha ou bando

já verificado.

Teria evitado, a referida lei, certos embaraços se tivesse

especificado o tipo de quadrilha que entende caracterizar por organização

criminosa, fazendo menção àquela de tipo mafioso, enumerando também os

delitos que entende serem praticados por organizações criminosas e não por

94 CASTANHEIRA. Organizações criminosas no direito penal brasileiro: o estado de

prevenção e o princípio da legalidade estrita, p. 114

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quadrilhas comuns.

Nesse sentido, o código penal italiano, tipificou a associação

do tipo mafioso, como:

uma associação mafiosa é aquela que tem como características: a intimidação; a sujeição à hierarquia e à lei do silêncio, tendo por finalidade a obtenção, de modo direito ou indireto, da gestão do controle de atividade econômica; a concessão, autorização, empreitada de serviço público; o impedimento do livre exercício de voto.95

Quanto às alterações promovidas pela Lei 10.217/01,

Gomes, entende que sua introdução ocasionou a perda de eficácia de vários

dispositivos legais da Lei 9.034/95, dentre eles os arts. 2.º, II, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º e 10.

Isso porque, para o citado doutrinador, a lei anterior que só valia para crimes

resultantes de organizações criminosas que, não se confundiam com a quadrilha

ou bando do art. 288, passa agora a ter três conteúdos diversos: organização

criminosa (sem tipificação no ordenamento nacional), quadrilha ou bando (art. 288

CP) e associação criminosa (ex: lei de tóxicos, art. 14).96

Em relação à indefinição do que seja organização criminosa,

uma vez que não existe em nenhuma parte do nosso ordenamento jurídico sua

definição, entende o referido autor que:

Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que,

95 BORGES. O crime organizado, p 22. 96 Lei 10.217 de 10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei

9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.) 96 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de

10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de 10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)

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nesse ponto, a Lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade). Se as leis do crime organizado no Brasil que existem para definir o que se entende por organização criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde 12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe o que é. 97

A conclusão chegada com esses apontamentos é de que,

embora a ciência criminal já tenha definido vários fatores que possam servir de

identificação das organizações criminosas, o juiz não pode substituir o legislador,

cabendo apenas a lei definir o que se deve entender por crime organizado “a não

ser que algum magistrado venha a usurpar a tarefa do legislador e diga do que se

trata. Mas até onde vão os limites da Constituição vigente, não se vislumbra a

mínima possibilidade de qualquer Juiz desempenhar esse anômalo papel”.98

Vê-se assim, a dificuldade em que se colocou a legislação

pátria de combate ao crime organizado, uma vez que seus criadores, usaram de

uma técnica legislativa merecedora, sem dúvida, de reparos. Nos parece claro

que, o espírito da lei, sabedora da dificuldade de se conceituar as organizações

criminosas, bem como, preocupada com o alto poder de mutabilidade de tais

associações, foi criar um conceito que acompanhasse o limiar dos tempos,

deixando em aberto sua possível definição a cargo do julgador que poderia

conceituar a organização criminosa no seu tempo e da sua forma. Contudo,

vimos que tal procedimento não é dos mais apropriados frente à Constituição da

República, e é assim considerado por muitos e conceituados doutrinadores,

inconstitucional.

É preciso que a lei defina o quanto antes o que são as 97 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de

10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)

98 GOMES, Luiz Flávio. Juiz já não pode investigar o crime organizado. Acessado em 28 de agosto de 2006, disponível em www.iunet.com.br,

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associações atingidas pela lei de combate ao crime organizado, a fim de se evitar

que os destinatários dessa norma utilizem-se da imprecisão dos seus termos para

escapar da persecução penal, fazendo com que a lei criada para combater tais

condutas lesivas, sirva-lhes de proteção, causando uma inversão de valores da

mais alta periculosidade para a sociedade moderna.

3.4FORMAS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

3.4.1 Delação Premiada

A delação no ordenamento jurídico brasileiro não é

exclusividade da lei de combate ao crime organizado. Está presente também na

lei de proteção aos réus colaboradores – Lei 9.807/99 – na Lei de combate a

lavagem de dinheiro – 9.613/98- e na Lei dos crimes hediondos – 8.072/90, a

qual primeiro apresentou o instituto no país.

Em síntese, a delação embora com os problemas descritos é

um instituto que não pode ter sua importância desconsiderada pelo mundo

jurídico. É um dos meios mais utilizados para se enfrentar a criminalidade

organizada. Mas, é preciso que nos cerquemos dos cuidados necessários. 99

Esta é de suma importância para o direito penal moderno,

mas não pode subjugar as liberdades individuais, tampouco pode ser usada a

todo o momento e em qualquer delito, sob pena de se configurar em uma

verdadeira “roleta russa”, onde os acusados, que não são criminosos e nem

condenados, possam ser atingidos e ter sua vida marcada.

O artigo 6º da Lei nos trás:

Art. 6º Nos crimes praticados por organizações criminosas a

99 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei 10.217 de

11.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br,

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pena será reduzida de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

Em relação a esse dispositivo legal, a primeira vista já se

observa que delega grande discricionariedade ao julgador, uma vez que

estabelece a redução de um a dois terços a quem o juiz considere haver

colaborado, espontaneamente, ao esclarecimento de infrações penais.100

A lei exige que não basta a espontaneidade da colaboração,

é necessário também que se traga nomes e condutas criminosas, ainda que

desconhecidas da polícia e do Ministério Público. O momento processual em que

é prestada a delação torna-se de suma importância, uma vez que quanto mais

próxima da sentença final, menos util se revelerá. 101

Cabe frisar ainda que:

o prêmio ao delator deve ser dado antes do encerramento do processo, onde as partes, inclusive o Ministério Público, opinarão a respeito do grau de esclarecimento proporcionado pela delação, concordando ou não com o benefício e em que proporção.102

Contudo, a lei não descreve nem exige um momento

oportuno para o arrependimento e a conseqüente delação do criminoso, embora,

imagina-se um certo embaraço, se, por exemplo, após o trânsito em julgado de

um crime, já estando na fase de execução resolve o delator se manifestar.

O maior problema da delação, entretanto, não nos parece residir no seu momento processual ou sua aplicação, mas sim seu grau de confiabilidade. A delação premiada assenta-se na traição, e como tal requer muita cautela, porque pode haver incriminação puramente vingativa. A delação é fruto do direito excepcional

100 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais.

São Paulo : Juarez de Oliveira, 2002, p. 58. 101 MENDRONI, Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 58. MENDRONI,

Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 59. 102 MENDRONI, Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 58. MENDRONI,

Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais, p. 59.

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italiano de combate as organizações criminosas, que acabou incorporando-se ao direito comum, numa inversão de valores onde os fins, no caso a identificação criminal, subjugam os meios.103 104

Torna-se assim, por demais temerosa a aplicação da

delação premiada, a qual exige inúmeros cuidados para que não se cometam

injustiças, a delação não deve ser tomada isoladamente, é necessário que se

encontre correlata ao contexto probatório apurado em cada caso concreto. É

preciso, também, que se adotem sanções rigorosas para as delações mentirosas,

para se evitarem danos à imagem pública de inocentes.105

O entendimento dos Tribunais brasileiros é de que a delação

se tomada em conjunto com os demais elementos coligidos dos autos é

admissível:

PROVA - DELAÇÃO - VALIDADE. Mostra-se fundamentado o provimento judicial quando há referência a depoimentos que respaldam delação de co-réus. Se de um lado a delação, de forma isolada, não respalda condenação, de outro serve ao convencimento quando consentânea com as demais provas coligidas" 106

103 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico

(lei 9.034/95) e político-criminal. 2ª edição, revisada e atualizada, São Paulo : Revista dos Tribunais Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 1997, p.111.

103 STF, HC n. 75.226/MS, rel. Min. Marco Aurelio, DJU 19.9.97, p. 45528)., 1997, p. 164. 104 No direito inglês, até meados do ano 1700 era excluído radicalmente o valor probatório das

declarações do co-réu delator (accomplice evidence). A partir do julgamento do caso Rer x Atwood and Robbins, ocorrido no ano de 1778, passou a prevalecer uma orientação menos rigorosa, no sentido de que uma condenação fundada em delação do co-réu era perfeitamente legítima, pois a valoração da prova era reservada ao júri; todavia, era dever do juiz alertar os jurados sobre o caráter suspeito da prova e os riscos de uma condenação amparada nas palavras do co-réu sem apoio em outras provas. Com o julgamento do caso Davies x D.P.P, no ano de 1954, a rule of practice se transformou em rule of law, impondo aos juízes o dever de orientar os jurados sobre a conveniência da confirmação da delação, a qual, entretanto permanece na esfera de discricionaridade dos jurados, que podem condenar com base apenas nas palavras do co-réu. (ENNIO, Amodio, in SILVA, E. A. op. cit., p. 149).

105 MAIA, Rodolfo Tigre. O estado desorganizado contra o crime organizado: anotações a lei federal n. 9.034/95 (organizações criminosas). Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 1997, p.111.

106 STF, HC n. 75.226/MS, rel. Min. Marco Aurelio, DJU 19.9.97, p. 45528).

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É necessário ainda que, para a plena eficácia da delação

premiada, se adote um sistema extremamente eficaz de proteção as

testemunhas, a fim de estimular a prática de tal conduta. Como esclarece o

Magistrado italiano Aldo Grassi:

É minha crença que as maiores críticas do fenômeno dos informantes não resultam do descrédito das próprias declarações destes, que são usadas quer como evidência, quer como ferramentas de investigação, mas sobretudo, pela falta de profissionalismo de alguns magistrados investigantes. Certamente as declarações de informantes devem ser intensamente verificadas, em sua confiabilidade intrínseca e extrínseca, e devem estar alicerçadas por evidências objetivas e testadas.107

Ademais, a proteção posterior do delator é de suma

importância para o funcionamento do instituto probatório. “Dar ‘prêmio’ penal pela

delação sem se oferecer nenhuma ‘proteção’ ao delator é algo que se aproxima

do nada, porque todos sabem que o delator passa a ser alvo de vingança

imediatamente.” 108

Embora a delação venha sendo usada em vários cantos do

mundo, com sucesso em vários casos, é ela amplamente criticada por boa parte

da doutrina, “o Estado não pode se valer de meios imorais para evitar a

impunidade (...) o Estado está se valendo da cooperação de um delinqüente,

comprada ao preço de sua impunidade para fazer justiça, coisa que o direito

penal repugna desde os tempos de Beccaria.”109

O direito é um conjunto normativo eminentemente ético e é por isso que é acatado e respeitado. Ele existe em função de alguns valores, hoje postos explicitamente no frontispício da nossa

107 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo : Atlas,

2003, p. 112. 108 GOMES, Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-

criminal, p. 164 109 GOMES, Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-

criminal, p. 166

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Constituição. Em determinadas circunstâncias até se compreende o prevalecimento de um valor sobre o outro, mas o que não dá para entender é a transformação do Direito em um instrumento de antivalores. Colocar em lei que o traidor merece prêmio é difundir uma cultura antivalorativa. É um equívoco pedagógico enorme. Ainda que o valor perseguido seja o de combater o crime, ainda assim, constitui um preço muito alto tentar alcançar esse fim com um meio tão questionado. O fim, em última instância, está justificando os meios.110

Parece-nos, data vênia, que a delação se tomada dentro das cautelas exigíveis e em harmonia com o contexto probatório apurado é um instrumento de extrema utilidade no combate ao crime organizado e nas proporções que este vem tomando. Os tribunais nacionais vem adotando o referido mecanismo legal com as cautelas devidas.

Dos comentários emitidos pela doutrina, verifica-se que a

delação premiada, embora aceita pelos tribunais, é instituto que deve ser

recepcionado com reservas, em virtude de calcar-se no anti-valor, no anti-ético e

que pode conduzir a decisões injustas, com a possibilidade de serem, na verdade,

não instrumento de colaboração, mas de vingança.

3.4.2 Infiltração de agentes policiais

A infiltração de agentes consiste numa técnica de

investigação criminal onde um agente do Estado, notadamente um policial,

mediante prévia autorização judicial infiltra-se em uma organização criminosa,

simulando a condição de integrante desta.

A doutrina internacional, classifica em três as premissas

básicas desse instituto, quais sejam: a dissimulação (ocultação do agente e de

suas verdadeiras intenções), o engano (toda a operação baseia-se em uma

encenação) e a interação (uma relação direta entre o agente e o autor

110 GOMES, Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-

criminal, p. 165.

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potencial).111

A infiltração policial desembarcou no Brasil através da Lei

10.217/011, que introduziu o inciso V ao art. 2º da lei 9.034/95.

Art. 2º. Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em Lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

V- infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Inobstante a indefinição legislativa, a maior dúvida que a

infiltração de agentes policias parece trazer é acerca da possibilidade do

cometimento de crimes pelos agentes infiltrados.

O simples fato de o agente policial atuar em uma quadrilha,

por exemplo, faz com que o mesmo já esteja incorrendo na figura típica do art.

288 do Código Penal.

Uma vez inseridos nas organizações criminosas, não há

como o agente infiltrado não praticar qualquer espécie de delito, inclusive atos de

execução, sob pena de ter sua identidade descoberta, frustrando o objetivo de

sua ação e colocando sua vida em grande risco.

Acentua-se, ainda, que, a atividade do agente infiltrado deve

estar limitada à busca dos elementos de provas, não pode, pois, provocar a

conduta a ser desenvolvida pelos investigados, sob pena de se comprometer à

validade da prova obtida. 112 Não pode ainda, praticar atos diversos dos

111 GOMES. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei 10.217 de 11.04.01,

p. 86. 112 Na prática norte-americana e pelas diretrizes da Procuradoria-Geral, são impostos os

seguintes limites aos agentes infiltrados: obter benefício pessoal dos delitos que deve cometer; vulnerar direitos constitucionais protegidos por leis, salvo mediante prévia autorização; oferecer e receber favores sexuais no exercício de suas funções; intimidar ou ameaçar os investigados; provocar o cometimento de crime pelos investigados. Por outro lado, somente poderão agir com prévia autorização para: utilização de identidade suspeita; permitir que um confidente participe

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pretendidos sob pena de se caracterizar verdadeiro desvio de função no exercício

dessa atividade estatal.113

A figura do agente infiltrado não se confunde com a do

agente provocador que, deliberadamente desencadeia práticas ilícitas pelos

integrantes de uma organização criminosa, sem dela fazer parte, para em seguida

impedir a consumação do ato.

Denota-se assim, que o policial infiltrado deve cercar-se de

inúmeros cuidados quando de sua atuação, não apenas nos que diz respeito a

sua integridade física, mas também os jurídicos, uma vez que caso desconheça a

legislação, pode, no anseio de prender criminosos, colocar em xeque toda a

operação da qual faz parte.

E, é talvez aí que resida o grande problema da infiltração

policial no Brasil, haja vista que a forma de atuação preconizada requer uma

polícia extremamente preparada, cujos agentes possuam qualidades singulares e

treinamento específico, inclusive psicológico, sob pena de serem seduzidos pelo

fascínio do proveito financeiro que essas organizações criminosas logram aos

seus integrantes.114

Ademais, a própria omissão legislativa em expressar quais

as atividades que podem ser praticadas pelo agente infiltrado, pode vir a

prejudicar o próprio investigador, como no caso de cometimento de crimes, uma

vez que não tendo expressa previsão legal pode o agente vir a ser processado

criminalmente o que pode fazer com que esse instituto perca sua eficácia caso

não suprimida essa lacuna legislativa.

De outro lado, não há como se afastar a importância de tal

de um delito; utilizar equipamentos eletrônicos de vigilância; utilizar fundos de governo; e iniciar investigação sobre líderes políticos ou religiosos, diplomatas, altos cargos do governo, empresários e artistas. (SILVA. E. A, Op. cit. p. 91).

113 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 91. 114 OLIVEIRA FILHO, Edmundo Dias. O vácuo do poder e o crime organizado. Goiânia : AB,

2002, p. 120.

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instrumento probatório nos rumos que o crime organizado vem tomando

atualmente, se é cada vez mais difícil se combater os criminosos com os meios

tradicionais, quase irracional seria não acatar as novas formas de combate que

vieram dando certo no decorrer dos anos nas mais diversas partes do globo.

É preciso, entretanto, se combater o crime da maneira mais

eficaz possível, e essa eficácia para ser alcançada deve preceder do atendimento

aos direitos individuais primordialmente e, além de tudo, é necessário que o

Estado não se omita de sua obrigação de dar segurança à população e equipe

suas polícias, dê as condições necessárias de trabalho e adote políticas públicas

que visem a segurança e o bem estar da população dissociados de interesses

políticos eleitoreiros, como infelizmente, é praxe no nosso país.

3.4.3 Ação controlada por policiais

A ação controlada por policiais, consiste na estratégia de

investigação que possibilita aos agentes policiais retardarem suas intervenções

em relação a infrações em curso, praticadas por organizações criminosas, para

acompanhar atos de seus membros até o momento mais apropriado para a

obtenção da prova e conseqüentemente efetuar suas prisões.115

Prevê o art. 2º da lei que:

a ação controlada consiste em retardar a intervenção policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculadas, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.

Esta ação consiste em suma no retardamento da prisão em

flagrante. Até a promulgação da Lei 9.034/95, não havia nenhuma possibilidade

de se retardar ou prolongar o flagrante, embora, saiba-se que tais atitudes eram

115 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 93.

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praticadas até comumente por policias, com a realização de campanas, etc.116

Cabe a autoridade policial exclusivamente definir sobre o

retardamento da ação e sobre o momento oportuno em que se dará a

intervenção. A lei não estabeleceu nenhuma forma de controle, da ação, seja pela

Magistratura, seja pelo Ministério Público, ficando a responsabilidade toda com a

Autoridade Policial.

Gomes critica a falta de qualquer controle sobre a atividade

policial: “é lamentável, aliás, que a lei não tenha estabelecido qualquer forma de

controle. Nenhuma polícia do mundo pode agir sem controle porque, às vezes, ela

é a expressão nua e crua do autoritarismo”.117

Silva é mais ameno, mas concorda que:

(...) Embora não se desconheça a dificuldade prática para a adoção de um procedimento prévio para acompanhar determinadas condutas criminosas já em curso, a exigência de prévia autorização judicial, após parecer do Ministério Público, é relevante, sobretudo porque o emprego dessa técnica de apuração criminal pode resultar em violação do direito à intimidade e à vida privada dos cidadãos investigados. Além de evitar eventuais excessos durante a investigação, o acompanhamento judicial também é salutar para assegurar a idoneidade da conduta dos próprios policiais, contra eventuais acusações de prevaricação em seus atos.118

Carlos Alberto Marchi de Queirós, também entende que se

trata de medida que invade a atribuição do Poder Judiciário, já que pode dar

margens a eventuais arbitrariedades, e outros desvios, visto que confere aos

116 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,

p. 117. 117 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,

p. 118. 118 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 94.

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policiais poderes judiciais.119

Inobstante a falta de controle judicial sobre a atividade

policial, é preciso que se faça a distinção entre o flagrante preparado120, ilegal no

ordenamento pátrio e o flagrante disposto na Lei 9.034, chamado pela doutrina de

flagrante prorrogado ou retardado, aventadas pela doutrina para designar a

situação decorrente da ação controlada em consonância com o art. 303 do

Código de Processo Penal, que prevê que para as infrações permanentes

“entende-se o agente em flagrante-delito, enquanto não cessar a permanência”.121

No flagrante preparado, há instigação, participação ou

colaboração da autoridade. No esperado, a autoridade aguarda, vigilante, o

desenrolar dos fatos até o momento mais oportuno ou conveniente para a prisão.

Na primeira hipótese o flagrante é nulo, na segunda não.122 As duas definições

não se confundem ainda com o flagrante forjado, em que policiais ou particulares

criam provas de um crime inexistente, colocando por exemplo no bolso de quem é

revistado, substância entorpecente.123

A regra geral para o policial é a do art. 301 do CPP:

há o dever policial de prender em flagrante quem é colhido em situação de flagrância. Essa regra, por isso mesmo, só pode ser quebrada quando razões fundadas autorizarem a estratégia excepcional. A imprescindibilidade desse pressuposto, exsurge mais evidente se imaginarmos que por causa da ação controlada pode inclusive desaparecer a situação flagrancial e nada ser feito. Assim, a ação controlada pode, tanto assegurar a eficácia probatória, como ensejar o desaparecimento da situação flagrancial. É óbvio que, nessa hipótese não há que se falar em

119 QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Crime Organizado no Brasil Comentários a lei 9.034,

aspectos judiciais e policiais teoria e prática. São Paulo : Iglu, 1998, p. 22. 120 Súmula 145 do STF ‘ não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna

impossível a sua consumação.’ 121 SILVA. Crime organizado: procedimento probatório, p. 93. 122 MAIA. O estado desorganizado contra o crime organizado: anotações a lei federal n.

9.034/95, p. 76. 123 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. São Paulo : Atlas, 2002, p. 376.

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responsabilidade do policial que dirigiu a operação, desde que tenha atuado com boa-fé e pautado seus atos em razões fundadas.124

Ademais, o flagrante prorrogado só é admitido quando se

supõe que a ação que está sendo praticada é oriunda de organizações criminosas

ou a ela vinculadas. Além do que a autoridade policial só pode se decidir pela

prorrogação do flagrante quando já conta com evidentes indícios de organização

criminosa, caso contrário, todo o caso de prevaricação policial poderia ficar

impune, alegando-se a suposição de se tratar de organizações criminosas.125

Nota-se assim, que a ação controlada é mais um dispositivo

que, senão inovador, uma vez que a polícia nacional vinha constantemente

fazendo uso do flagrante esperado, auxilia sobremaneira a investigação criminal,

pois agora, dispõe a legislação pátria como um instrumento discricionário em

poder da polícia.

Com essas observações, pôde-se constatar as principais

inovações legislativas trazidas pelas leis 9.034/95 e 10.217/01 para o

ordenamento pátrio. O rigor repressivo é marcante na legislação, como o são

também, as indefinições conceituais e procedimentais de seus institutos

probatórios. A não conceituação clara do que seja o crime organizado e as

organizações criminosas é uma questão que irá suscitar inúmeras dúvidas, por

um longo tempo, o que só contribuirá, não temos dúvida, com as próprias

organizações criminosas, que passam a ter contra elas uma legislação ambígua e

confusa. A falta de procedimentos claros para as infiltrações e ações controladas

por policiais é questão que também só tende a atrapalhar as operações policias.

Desde que começaram as demandas de solução imediata

nunca houve no Brasil, nenhuma política criminal global, séria e responsável em

124 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,

p. 118. 125 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-criminal,

p. 119.

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matéria de prevenção de delinqüência. Praticamente nada foi feito para evitar a

catástrofe anunciada, pelo contrário, inúmeros fatores criminológicos vêm sendo

incrementados (falta de educação, analfabetismo, desemprego, baixos salários,

escassa qualidade de vida, desagregação familiar, etc). Urge que, imediatamente

se abandonem as políticas ilusórias, enganosas, irresponsáveis e demagógicas.

Seria um bom começo fazer o necessário expurgo nos órgãos policiais, para

separar o joio do trigo, isto é, o bom do mau policial. Reformular as polícias,

remunerar bem o policial e dar-lhe estrutura são outras providências urgentes. E

se a população, principalmente a favelada, começar a perceber que não foi

abandonada pelo Estado certamente não requererá o auxílio-paralelo de certas

organizações criminosas. Não basta aquela população perceber a presença do

Estado na “pele” dos policiais repressores nos momentos de tensão, mas que

vejam também o lado sócio-econômico do Estado no seu meio.126

Portanto a eficácia da legislação encarregada de combater o

crime organizado no Brasil carece de um maior amadurecimento e

aperfeiçoamento.

Quanto a possíveis inconstitucionalidades, nada se detectou

na pesquisa realizada, muito embora, discute-se se a conceituação do que seja

organização criminosa por ser vaga não esteja ferindo o princípio da reserva

legal.

126 GOMES. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (lei 9.034/95) e político-

criminal, p. 46.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa ora desenvolvida fixou-se em vários pontos que

entende-se fundamental para a compreensão do que seja á organização

criminosa e de que forma o legislador pátrio pretende combate-la com eficiência.

Embora, por vezes, tenha se detectada de que boa parcela

das dificuldades encontradas para se combater o crime organizado no Brasil é um

estudo mais aprofundado quanto as causas que dão origem a este tipo de

criminalidade, não é a elas que a pesquisa se dirige, mas sim, à legislação

vigente, primordialmente à Lei 9.034/95 e 10.217/01.

No entanto, antes de se chegar a elas e seus principais

institutos, procurou-se definir no primeiro capítulo deste trabalho, até para se

compreender melhor o que é o crime organizado, o conceito crime sob seus

variados aspectos.

Na abordagem realizada, além do conceito procurou-se

estudar o fato típico, relacionado às suas características essenciais, tais como: a

conduta, o resultado dela proveniente, o nexo de causalidade, a tipicidade voltada

à adequação da conduta à Lei penal, a antijuridicidade como juízo de

contrariedade à Lei, a culpabilidade relacionada a censura que se deve atribuir a

quem pratica a conduta típica e antijurídica, no intuito, de se compreender o tipo

penal e posteriormente aplicar estes conhecimentos especificamente ao combate

a organizações criminosas como conduta típica.

No capítulo dois define-se a organização criminosa, não só

quanto a seu conceito, mas principalmente quanto a sua estrutura e alcance,

tonto no âmbito nacional, como também, no âmbito internacional, pois, este tipo

de organização não se limita as fronteiras de um único país, mas, pela

transnacionalidade até para permanecer na impunidade.

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Verificou-se ainda, que seu ambiente preferido é onde o

Estado se faz ausente, pois, ai, encontra os elementos indispensáveis para sua

organização e exploração.

No terceiro capítulo o foco voltou-se para a apreciação da

legislação vigente em nosso país para o combate a essa tipologia criminal, onde

se constatou a ausência de conceituação para a organização criminosa, trazendo

conseqüências sérias, como a apontado por Luiz Flávio Gomes as assim se

referiu: “Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto,

absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria

antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do

fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a Lei (9.034/95) passou a ser

letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje no ordenamento jurídico

brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um

conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade). Se as leis do crime

organizado no Brasil que existem para definir o que se entende por organização

criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde

12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito

que ninguém sabe o que é”. 127

Quanto aos institutos da delação premiada, da infiltração e

da ação controlada, alerta a doutrina sobre o perigo que eles representam, se

utilizados de forma inadequada, pois, por se caracterizarem por desvios aos

comandos estabelecidos pela Lei processual penal, podem se transformar em

instrumentos de injustiças e não de justiça penal.

Por outro lado, entende a doutrina penal que quando

utilizados, estes institutos, nos estreitos limites da ética e da moral se constituem

em eficientes mecanismos de combate à criminalidade organizada.

Diante disto, pode-se afirmar sem qualquer receio que a

primeira hipótese levantada para a elaboração deste trabalho resta parcialmente

127 GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da lei n. 10.217 de

10.04.01 (apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Acessado em 28.08.2006 disponível em www.mundojurídico.adv.br.)

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comprovada, pois, a falta de um conceito preciso do que seja a organização

criminosa, torna-se óbice intransponível para um combate efetivo a esta tipologia

criminal.

A segunda hipótese também resta parcialmente

comprovada, pois, se utilizada de forma inadequada pode se tornar um

instrumento de injustiça penal, pois, torna-se imperioso que se verifique de caso a

caso, se o espoco principal do delator é única e exclusivamente vingar-se de seus

opositores.

Há que se ponderar ainda que a delação nada mais é do

que a traição, daí, sua origem basear-se no desvalor, portanto, na imoralidade e

no antiético, forma combatida por pensadores como Becaria, entendendo, que

este procedimento coloca em cheque a moralidade como requisito indispensável

da norma jurídica.

A terceira hipótese refere-se à eficácia da infiltração policial

na organização criminosa no intuito de desmantela-la. Neste particular a doutrina

se manifesta de forma menos rígida, embora, alerta, para riscos provenientes da

infiltração, onde, o policial infiltrado torna-se, numa primeira análise em infrator da

Lei. A questão é como eximi-lo da responsabilidade penal se agregado à

organização está delinqüindo. Outro aspecto é o de se integrado a organização

ter que praticar comportamentos criminosos o que poderá levá-lo a se desviar de

sua finalidade principal.

Neste caso entende-se como tarefa difícil de se realizar,

porém, se levada a bom termo é instrumento eficiente de combate ao crime

organizado, confirmando parcialmente esta hipótese.

A derradeira é a ação controlada que no entender da

doutrina é a que apresenta o menor grau de dificuldade, embora, exige-se que

deva sobre ela se exercer o controle judicial. Na verdade, a espera para a

realização do flagrante, no momento mais adequado, para combater e

enfraquecer a organização criminosa é medida que se impõe e por isso poderoso

instrumento perfeitamente legal.

Por fim, pôde-se constatar, entre outras considerações que o

crime organizado é muito mais complexo do que comumente se imagina, devendo

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ser tratado de maneira especial. Destarte que não se quer aqui, simplesmente

acabar com a produção legislativa nacional por achá-la ineficiente, mas quer se

demonstrar que ela sozinha não resolve e nem ira resolver o complexo problema

da criminalidade organizada. Leis duras são importantes, não temos dúvida,

sozinhas são ineficazes.

Daí a certeza de que as hipóteses levantadas terem sido

parcialmente confirmadas, pois que, necessitam como medidas de contensão da

criminalidade outras alternativas extra penais que as auxiliem para que em

conjunto possam ser mais eficazes neste mister.

Portanto leis duras, implacáveis, contra o crime organizado

sim, mas, políticas públicas agressivas, voltadas para a área social também. Só

as extremas é insuficiente, as duas, permitem a ponderação e o equilíbrio. Do

equilíbrio resulta a recuperação do Estado como instrumento de organização

social.

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