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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI CENTRO DE FORMAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM SENTIMENTOS E PERCEPÇÕES DO CLIENTE COM SINTOMAS SOMÁTICOS DECORRENTES DE SOFRIMENTO PSÍQUICO: ATENDIDO EM UNIDADE DE EMERGÊNCIA CLÍNICA ACÁCIO HENRIQUE MANCHINI BIGUAÇU, SC 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI CENTRO DE FORMAÇÃO DE BIGUAÇU

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

SENTIMENTOS E PERCEPÇÕES DO CLIENTE COM SINTOMAS

SOMÁTICOS DECORRENTES DE SOFRIMENTO PSÍQUICO: ATENDIDO EM UNIDADE DE EMERGÊNCIA CLÍNICA

ACÁCIO HENRIQUE MANCHINI

BIGUAÇU, SC 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI CENTRO DE FORMAÇÃO DE BIGUAÇU

CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM

SENTIMENTOS E PERCEPÇÕES DO CLIENTE COM SINTOMAS

SOMÁTICOS DECORRENTES DE SOFRIMENTO PSÍQUICO: ATENDIDO EM UNIDADE DE EMERGÊNCIA CLÍNICA

ACÁCIO HENRIQUE MANCHINI

Monografia apresentada à disciplina de Metodologia da Pesquisa (Monografia) para a obtenção do título de enfermeiro, sob a orientação da Prof.ª Valdete Préve Pereira.

BIGUAÇU, SC 2008

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ACÁCIO HENRIQUE MANCHINI

SENTIMENTOS E PERCEPÇÕES DO CLIENTE COM SINTOMAS SOMÁTICOS DECORRENTES DE SOFRIMENTO PSÍQUICO:

ATENDIDO EM UNIDADE DE EMERGÊNCIA CLÍNICA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi submetido ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para obtenção do Título de:

ENFERMEIRO

E aprovado na sua versão final, em 24 de 2008, atendendo às normas da legislação vigente da Universidade do Vale do Itajaí, Curso de Graduação em Enfermagem

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof.ª MSc. Valdete Préve Pereira

Orientadora

__________________________________________ Prof.ª MSc. Maritê Inês Argenta

Membro

__________________________________________

Prof.ª Esp. Daniela D’Avila Membro

Dedicatória Dedico este trabalho as Marias da minha vida: minha mãe e minha esposa, que são meus amores e companheiras de vida, que tiveram paciência e saudade nos momentos em que estive ausente.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus através dessa energia que possibilita acordar para um novo dia e

poder preencher as páginas da minha vida.

A minha mãe que me ensinou que a vida é cheia de batalhas, mas a paz se consegue

com muita perseverança.

A minha esposa quando eu estava caindo segurava a minha mão e dava aquela

risada tão especial em alto tom para eu acordar para a vida.

Aos meus irmãos e cunhados por acreditarem no meu potencial.

A Luana e o Sandro que é a minha família mais próxima.

Aos meus sobrinhos que estão na minha memória o tempo todo.

Aos meus amigos que ajudaram tanto na vida diária como no processo educacional.

A minha orientadora, em especial que, com seu jeito meigo, palavras doces, postura

serena, abraçou esta proposta junto comigo, caminhando junto, respeitando meu caminhar e

o meu aprimoramento lento.

A meu pai e irmão in memória que estão contentes por eu ter conseguido chegar a

um dos meus objetivos da vida.

As professoras Maritê e Daniela por terem aceitado participar da banca, tendo uma

ligação diretamente ao assunto com clientes da área da cardiologia, onde as duas conhecem

bem tal clientela e as emoções e os conflitos que surgem dos mesmos.

MANCHINI, Acácio Henrique. Sentimentos e Percepções do Cliente com Sintomas Somáticos Decorrentes de Sofrimento Psíquico Atendido em Unidade de Emergência Clínica. 2008, 65 p. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Curso de Graduação em Enfermagem, Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Biguaçu/SC, 2008.

RESUMO

O presente estudo vem abordar um tema de interesse da área da saúde, relacionado ao cuidado de clientes que chegam às unidades de atendimento de emergência clínica, apresentando inúmeros sintomas físicos, porém causados por intenso sofrimento psíquico. Estes quadros têm sido cada vez mais freqüentes e tem exigido dedicação e atenção qualificada dos profissionais que atuam nestes serviços. Trata-se de um estudo qualitativo, cujo objetivo foi conhecer os sentimentos e percepções dos clientes com sintomas somáticos decorrentes de sofrimento psíquico, que procuram atendimento em um serviço de emergência clínica. O estudo foi desenvolvido com clientes que buscaram um serviço de emergência clínica, vinculada a um Hospital, localizado na região da Grande Florianópolis/SC, no período compreendido entre 01 de março a 30 de abril de 2008. O referencial teórico utilizado teve por base a teoria “Relação Pessoa a Pessoa” de Joyce Travelbee, seguindo as etapas do método de pesquisa propostas pela autora. A coleta de dados foi efetivada a partir dos encontros realizados pelo acadêmico de enfermagem e vivenciados junto com 8 (oito) clientes participantes. Na análise dos dados, foram identificados os sentimentos e percepções dos clientes com sintomas somáticos recorrentes de sofrimento psíquico, incluídos e apresentados em quatro categorias, a saber: a procura do Serviço de Emergência: o pedido de ajuda; os sentimentos presentes: o sofrimento psíquico; a atenção da Enfermagem: uma prática desconhecida; a Relação Pessoa a Pessoa: o oferecimento da ajuda. Finalmente, pode-se concluir que, ao vivenciar este processo, os clientes participantes do estudo expressaram seus sentimentos e percepções relacionadas ao sofrimento psíquico relacionado à experiência vivida, através do processo pessoa a pessoa, possibilitado pela interação de ajuda estabelecida entre o acadêmico de enfermagem e clientes. Os clientes vivenciaram uma nova abordagem, voltada para a atenção do seu lado emocional, que lhes proporcionou a identificação dos significados do seu processo de adoecimento, como também, um amadurecimento pessoal, voltada para novos enfrentamentos.

Palavras-chaves: Enfermagem. Sofrimento psíquico. Saúde mental. Emergência clínica

ABSTRACT

This study has addressed a topic of interest in the health field, related to the care of clients who come to units of emergency care clinic, presenting different physical symptoms, all caused by intense mental suffering. These cases have been increasingly frequent and have required dedication and attention of qualified professionals. This is a qualitative study, which aims to understand the feelings and perceptions of customers with somatic symptoms resulting from mental suffering, seeking care in the emergency room. The study was developed with clients seeking an emergency medical service, from a Cardiology Hospital, located around Florianopolis / SC, from March, 1st to April, 30th, 2008. The theoretical reference used was based on the theory " Person to Person Relationship " of Joyce Travelbee, following the steps of the research method proposed by the author. Data collection was carried out from meetings held by an experienced nurse student with eight (8) clients. In the analysis, feelings and perceptions of clients were related to somatic symptoms of mental suffering applicants, included and presented in four categories, namely: the demand of the Office of Emergency: The request for aid, the feelings present: 1) Seeking of emergency Room; 2) The request for aid, 3) Perceived feelings; 4) the mental suffering; The attention of Nursing: the unknown practice, the Person to Person Relationship; the offer of aid. Finally, it was concluded that by experiencing this process, study participants expressed their feelings and perceptions related to mental suffering related to experiences, through person to person processes, enabled by the interaction of aid between the nurse student. and the clients. Participants experienced a new approach, turned their attention to the emotional side, provided the identification of the meanings of the process of illness, but also a personal insights, angled to new perspectives. Key words: Nursing. Mental suffering. Mental health. Emergency room.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................9

2 OBJETIVOS ........................................................................................................................12

2.1 Objetivo Geral .................................................................................................................12

2.2 Objetivos Específicos ......................................................................................................12

3 REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................................13

4 REFERENCIAL TEÓRICO ..............................................................................................22

4.1 Biografia de Joyce Travelbee ..........................................................................................22

4.2 Pressupostos da Teoria de Joyce Travelbee.....................................................................23

4.3 Conceitos .........................................................................................................................25

5 METODOLOGIA................................................................................................................29

5.1 Tipo da Pesquisa ..............................................................................................................29

5.2 Local do Estudo ...............................................................................................................29

5.3 Participantes do Estudo....................................................................................................30

5.4 Coleta dos Dados .............................................................................................................30

5.5 Análise dos Dados ...........................................................................................................31

5.6 Aspectos Éticos................................................................................................................31

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS...................................................................................34

6.1 A Procura do Serviço de Emergência: O Pedido de Ajuda .............................................34

6.2. Os sentimentos Presentes: O Sofrimento Psíquico .........................................................39

6.3 A Atenção da Enfermagem: Uma Prática Desconhecida ................................................43

6.4. A relação Pessoa-Pessoa: O Oferecimento da Ajuda .....................................................47

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................52

8 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................56

APÊNDICES ...........................................................................................................................58

Apêndice 1: Termo de compromisso de orientação ........................................................59

Apêndice 2: Termo de consentimento livre e esclarecido. .............................................60

Apêndice 3: Solicitação prévia de autorização da instituição .........................................61

Apêndice 4: Roteiro para a entrevista semi-estruturada .................................................62

1. INTRODUÇÃO

No processo de atenção em saúde, os profissionais da enfermagem inclusive os

acadêmicos, têm percebido e focado o cuidado no atendimento físico do cliente, deixando de

lado as condições emocionais e psíquicas do mesmo. As reações emocionais têm despertado à

sociedade e aos profissionais de saúde para uma abordagem mais humana, que possa oferecer

um atendimento, no sentido de aliviar os sofrimentos emocionais destes clientes.

Relatado por alguns autores e confirmado por Stuart e Laraia, (2001), ao avaliar um

paciente, o enfermeiro deve identificar o comportamento do mesmo, o evento desencadeante,

a percepção do evento, os sistemas de apoio, os recursos de enfrentamento, as competências e

mecanismos de enfrentamento anterior. A crise é uma perturbação resultante de uma ameaça

percebida que desafia os mecanismos de enfrentamento habituais do indivíduo, são momentos

de maior vulnerabilidade, mas também, podem estimular o crescimento pessoal. A

intervenção nas crises emocionais ou em situações de grande sofrimento psíquico pode ser

feita com uma atenção breve e ativa, com objetivo de restaurar o nível de funcionamento

anterior à mesma.

Segundo Ramadan e Motta, (2007), o ser humano utiliza o corpo como forma de

comunicação, utilizando-o para expressar suas emoções, alegrias, sofrimentos e estratégias

defensivas.

A linguagem do corpo com freqüência é mais rica e expressiva do que a verbal, não é,

portanto, difícil compreender que o corpo fala e quase sempre com muita clareza. Desta

forma, aceleração dos batimentos cardíacos, a freqüência do pulso, o rubor, a temperatura da

pele e extremidades ou mesmo, a tensão arterial podem estar ligados a estímulos emocionais

importantes, podendo ser entendidos, muitas vezes, como maneiras do corpo se comunicar.

Na minha trajetória profissional, nas diversas áreas onde atuei, como na psiquiatria,

UTI, clínica médica e cirúrgica, e também em serviços de emergência, deparei-me com

clientes apresentando manifestações físicas, somáticas, traduzidas por vários sintomas

clínicos, que na realidade correspondiam a complicações psicológicas acompanhadas por

grande sofrimento psíquico.

Em meus trabalhos voluntários em entidades filantrópicas e em entidades comunitárias

com idosos, comunidades carentes, pessoa soro positiva, tive a oportunidade de ajudar

pessoas, também, com o quadro acima descrito. Muitas pessoas procuravam estes serviços

com reações humanas relacionadas à sintomatologia clínica, como: hipertensão, dores pré-

10

cordiais, cefaléias, náuseas, vômitos, dormências generalizadas, dispnéias, taquicardias,

tonturas, visão turva, angústias, frustração, medo intenso, etc.

Na literatura estas reações somáticas são descritas em vários quadros patológicos,

como nos transtornos de ansiedade em geral, no pânico e nos transtornos somatoformes e

hipocondríacos, onde o indivíduo, frente à impossibilidade de lidar adequadamente com seus

conflitos ou sofrimentos psíquicos, os transforma em sintomas físicos.

Na minha vivência esse tema sempre foi de grande importância, pois estava presente

na maioria dos casos atendidos e demandava grande esforço, conhecimento e sensibilidade no

processo de um melhor cuidar. Ao mesmo tempo, vinha carregado de complexidade, pela

dificuldade de mergulhar no mundo interior das pessoas que necessitavam deste cuidado,

pois, tratando-se do lado emocional, temos um universo imenso a ser desvendado. Estes

sentimentos que afligem a parte expressiva da sociedade vêm aumentando diariamente e

tendo um custo elevado para as famílias e sociedade, que pagam um preço alto, pois, tornam-

se co-dependentes desta situação.

Além do ônus pessoal, percebemos que esta problemática acarreta também custos

gerenciais ligados a necessidades de recursos materiais e humanos demandando maior

investimento para as instituições de saúde e para a sociedade em geral.

Percebi, também, que nas unidades de emergência onde trabalhei a equipe de saúde,

inclusive a equipe de enfermagem, tem muitas dificuldades para oferecer um atendimento

humanizado para os clientes com sofrimento psíquico. Esta atitude pode ocorrer por conta de

uma rotina de trabalho muito intensa, pela falta de capacitação do pessoal na atuação na área

da saúde mental, por dificuldades pessoais para lidar com problemas emocionais relacionados

aos mecanismos de defesa individuais dos próprios profissionais, ou devido a uma visão

social distorcida em relação às pessoas com crises ou reações emocionais, manifestadas por

sintomas somáticos. O enfermeiro tem uma dificuldade na abordagem com os pacientes que

apresentam este quadro, pois os mesmos, muitas vezes não conseguem falar de seus próprios

sentimentos. Para enfermagem o processo do ouvir nem sempre está claro na percepção dos

sentimentos dos pacientes, o escutar é entendido como parte fisiológica do ser humano,

negando o valor das manifestações emocionais mais íntimas dos mesmos.

Entendo que, para o atendimento desta clientela, o profissional de enfermagem deve

estar voltado para uma abordagem humana, que predomine o relacionamento interpessoal, a

compreensão do outro, que dê espaço ao ouvir, ao compreender o significado da experiência

vivida pelo paciente, ajudando, assim, a superar o momento de crise pelo qual está passando.

Hoje, como acadêmico de enfermagem e com a percepção da importância deste tema,

11

gostaria de aprofundar meus conhecimentos e compreender melhor este assunto para que num

futuro próximo, como profissional enfermeiro que atua em uma unidade de emergência, possa

exercer a minha função auxiliando de forma mais adequada os clientes que procuram este

serviço para o alívio de suas angústias, e que este conhecimento possa ser estendido para

outras áreas da enfermagem, contribuindo para um novo processo de cuidar dentro da

profissão.

Para o desenvolvimento deste estudo, depois de muitas leituras e reflexões, percebi na

teoria da “Relação pessoa a pessoa” de Joice Travelbee, um guia adequado para auxiliar na

condução deste trabalho de pesquisa.

Neste sentido, no intuito de contribuir para o desenvolvimento da saúde e do saber e

fazer enfermagem pretendo realizar este trabalho, pesquisando o tema proposto como forma

de investigação, procurando responder a pergunta de pesquisa: quais os sentimentos e

percepções dos clientes que manifestam sintomas somáticos decorrentes de sofrimento

psíquico, que procuram atendimento em uma unidade de emergência clínica?

Para responder esta questão, foram formulados os objetivos apresentados a seguir:

12

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Conhecer os sentimentos e percepções dos clientes com sintomas somáticos

decorrentes de sofrimento psíquico, que procuram atendimento em um serviço de emergência

clínica.

2.2.Objetivos Específicos

� Observar o atendimento na unidade de emergência (identificação, consulta,

exames), realizado durante a triagem de clientes que apresentam sintomas

somáticos decorrentes de sofrimento psíquico, com foco no cuidado de

enfermagem realizado;

� Levantar os motivos que fizeram o cliente procurar o serviço de emergência;

� Identificar os sentimentos mais intensos nos clientes com sofrimento psíquico;

� Identificar as percepções dos clientes quanto à experiência vivenciada e ao

atendimento recebido;

� Conhecer as razões (problemas), que levam os indivíduos a somatizar estes

sentimentos negativos.

13

3. REVISÃO DE LITERATURA

Para a realização deste trabalho, torna-se necessário, ampliar os conhecimentos sobre

o tema. Neste sentido é fundamental buscar na literatura informações oferecidas por outros

autores sobre o assunto a ser pesquisado.

A essência do problema levantado está relacionada a diversos quadros clínicos, que

acometem grande número de pessoas, levando-as a buscar ajuda nos diversos segmentos dos

serviços de saúde. Dentro destes quadros clínicos, encontramos maior significação nos

quadros gerais de ansiedade, nos dissociativos ou conversivos, nos transtornos somatoformes

e de pânico.

Segundo Ramadan e Motta (2007), o transtorno somatoforme é uma expressão grego-

latina utilizada para lidar com um conjunto de transtornos heterogêneos de mecanismos

etiopatogenicos diferentes. Na classificação do CID 10, referente aos transtornos mentais e de

comportamento de 1993, esses transtornos se caracterizam pela apresentação repetida de

sintomas físicos, cuja avaliação clínica não revela uma doença física. O paciente mostra-se

preocupado, requisita avaliação médica e fica reticente quando é reassegurado de que não

sofre de doença física, mesmo nos casos em que algum problema clínico é detectado, este não

explica a extensão da preocupação do paciente, que resiste em estabelecer uma relação com

dificuldades ou conflitos emocionais ou eventos desagradáveis, até quando há uma clara

relação temporal entre eles.

Ramadam e Motta (2007) referem que nos transtornos somatoformes a produção dos

sintomas não é intencional; a pessoa não vivencia a sensação de controle da produção dos

sintomas, o que os distingues dos transtornos factício ou de simulação.

No transtorno de simulação, a produção de sintomas físicos ou psíquicos é intencional,

mas há uma necessidade psicológica de assumir o papel de doente, não havendo incentivos

externos para tal comportamento. Este sempre implica na presença de transtorno mental, em

geral um severo transtorno de personalidade. Os sintomas mais comuns são: dor abdominal

associada a náuseas e vômitos, sangramentos e abscessos auto provocados. Os pacientes em

geral apresentam seus sintomas com grande dramaticidade, mas de modo vago e inconsciente;

podem enredar em mentiras patológicas intermináveis para intrigar o ouvinte, quando os

confrontados, negam as alegações feitas. Passam a maior parte de suas vidas em hospitais, na

simulação, a produção intencional de sintomas visa a obtenção de vantagens externas, como

nos casos de conversão, que segundo os autores “é o discurso não pronunciado, mas com

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todas as letras visíveis”.

Sob o ponto de vista do processo evolutivo, não resta dúvida de que antes da

linguagem verbal articulada ou falhada, está o ser humano que tenha utilizado o corpo para

expressar suas emoções, alegrias, sofrimentos e estratégias defensivas. Sabem-se, em

contrapartida, que numerosas funções e deficiências nos rendimentos psíquicos podem

preceder, com grande antecipação, graves doenças orgânicas (por exemplo: depressões antes

de outros sintomas de neoplasias); contudo, é o corpo a sede privilegiada para expressão das

emoções, seja pelas posturas, seja por alterações neurovetativas, nem sempre registrada pelo

observador menos perspicaz.

Para Ramadam e Motta (2007), a categoria nosológica de somatização é descrita no

Código Internacional de Doenças como um transtorno caracterizado, essencialmente, pela

presença de sintomas físicos, múltiplos, recorrentes e variáveis no tempo, persistindo ao

menos por dois anos. A maioria dos pacientes tem uma longa e complicada história de contato

com a assistência médica primária e com a especializada, durante as quais muitas

investigações negativas ou cirúrgicas exploratórias sem resultados podem ter sido realizadas.

Os sintomas podem estar referidos em qualquer parte ou sistema do corpo. O curso da doença

é crônico e flutuante, acarretando prejuízo no comportamento social, interpessoal e familiar.

As queixas podem abranger vários sistemas orgânicos ou diferentes tipos de sintomas,

principalmente os indicados a seguir:

� Gastrintestinais: vômitos (não de gravidez), dor abdominal (não de menstruação),

náusea (não de cinetoses), excesso de gases digestivos, diarréia, intolerância a

passar mal com vários alimentos diferentes;

� Dolorosos: dor nas extremidades, nas costas, nas juntas (articulações), a micção e

outras (incluindo cefaléias);

� Cardiopulmonares: fôlego curto (dispnéia), mesmo sem esforço, palpitações, dores

no peito e vertigem;

� Neurológicos: amnésia, dificuldade para deglutir, perda da voz, surdez, visão

dupla, visão embasada, cegueira, desmaio ou perda da consciência, convulsão ou

ataque, perturbação no andar, paralisia ou fraqueza muscular, retenção urinaria ou

dificuldade de micção;

� Sintomas Sexuais após atividade sexual: sensação de ardor nos órgãos sexuais

(diferente da que ocorre a relação), diferença sexual, dor durante a relação,

impotência;

15

� Sintomas reprodutivos femininos: que a pessoa julga ocorrerem mais freqüente ou

gravemente do que a maioria das mulheres, como a menstruação dolorosa, período

menstruais irregulares, sangramento menstrual excessivo, vômito em toda a

gravidez;

� Outras sensações cutâneas: (coceiras, queimação, dormência, manchas, erupções).

No transtorno de ansiedade, também, ocorre a presença de sintomas somáticos em

decorrência de sofrimento psíquico. Para Ramadam e Motta (2007), a ansiedade é uma

emoção normal, universal do ser humano, que ocorre quando se antecipa uma situação de

perigo. Pode ser benéfica, pois conduz a uma mobilização e preparo para melhor enfrentar

esses momentos. Torna-se patológica quando muito intensa ou desproporcional ao estímulo

que a originou, ou quando surge sem que haja um motivo para isso. É acompanhada, então, de

sintomas físicos originados, principalmente, do sistema nervoso autônomo e compromete o

desempenho e bem-estar da pessoa por ela acometida.

Segundo Stuart e Laraia (2001), nas ansiedades há o predomínio das reações

simpáticas, reações estas que ativam os processos do corpo e preparam o organismo para lidar

com uma situação de emergência frente a uma reação de luta ou de fuga. No momento em que

o organismo sente-se ameaçado, o córtex cerebral ativa as glândulas adrenais através do ramo

simpático que estimula o sistema autônomo, é então, liberada a epinefrina, que torna a

respiração mais profunda, aumenta os batimentos cardíacos e a pressão arterial; pode

aumentar, também, o nível de glicemia. Observa-se uma variedade de respostas fisiológicas à

ansiedade, conforme os sintomas são a seguir:

� Autonômicos: taquicardia, taquipnéia, sensação de falta de ar, sudorese, boca seca,

náusea, miccção freqüente, dificuldade para engolir, mal-estar abdominal, arrepios

de frio, ondas de calor, vasoconstrição, aumento de peristaltismo (diarréia),

piloereção e midríase;

� Hiperventilação: parestesias, tontura, vertigem, dor ou pressão no peito,

desrealização e despersonalização;

� Tensão muscular: sensação de tensão, dificuldade para relaxar, tremores, dores

diversas e inespecificas, contraturas;

� Comportamento: inquietação (movimenta as mãos, pernas, investiga o ambiente,

anda de um lado para outro), esquiva (evita situações que desencadeiam a

ansiedade ou o medo), reage assustada a pequenos estímulos, insônia e irritação;

� Psíquicos: tensão, nervosismo, apreensão, sensação de que algo horrível vai

16

acontecer, mal-estar indefinido, insegurança e dificuldade de concentração

(RAMADAM; MOTTA, 2007).

As manifestações objetivas da ansiedade são inespecíficas, ocorrendo de forma

semelhante em emoções diversas, como ira, expectativa, medo, excitação ou mesmo após

exercícios, somente podemos saber, que alguém está ansioso por dedução, ou questionando-o

e comparando sua resposta com nossas próprias experiências e conceito de ansiedade. Disto

resulta, não podermos ter certeza da existência de uma emoção equivalente em outras espécies

de animais, dificultando, por exemplo, o desenvolvimento de modelos experimentais de

ansiedade. (RAMADAM; MOTTA, 2007).

A ansiedade pode se manifestar de forma episódica, física ou tônica. Ela pode estar

associada a determinados eventos, situações ou objetos (chamada situacional ou especifica),

ou, ainda, ocorrer de forma aparentemente emotiva (chamada espontânea ou livre-flutuante).

Quando ela é habitual e freqüente, pode-se considerá-la um traço de personalidade. No

período em que ocorre, fala-se em estado ansioso.

Freud (apud KAPLAN; SADOCK, 1999), propôs que a ansiedade era um sinal de

perigo ante a percepção da ameaça do surgimento na consciência de desejos infantis

reprimidos, invariavelmente de natureza sexual e inaceitável. Tal perspectiva foi

adicionalmente elaborada por Freud com inclusão de eventos internos (por exemplo, ação do

id ou do superego sobre o ego), ou externos (por exemplo, ambientais), como possíveis sinais

de perigo. Quando os mecanismos de defesa do ego são incapazes de desativar ameaças de

perigo inconscientemente percebidas, segue-se uma ansiedade sintomática. Os teóricos

psicanalíticos modernos têm proposto que se os mecanismos de defesa forem totalmente

sobrepujados, a ansiedade pode progredir para um estado de pânico.

O Transtorno de Pânico (TP), foi caracterizado como entidade nosológica autônoma,

apenas, a partir de1960, até então, integrava oficialmente o grupo das neuroses de ansiedade e

das neuroses fóbicas.

Segundo Kaplan e Sadock (1999), o transtorno de pânico é uma doença crônica e

comum, associada com considerável morbidade e custo social. Seus aspectos centrais são

ataques de pânico inesperado e recorrente (ataques súbitos de medo acompanhados por

sintomas somáticos severos, como: dispnéia, palpitações e tontura), esquivo e preocupações

associadas relacionadas à possível recorrência, conseqüências ou implicações dos ataques

sobre a saúde. Embora, os sintomas de pânico tenham sido bem descritos por mais de um

século, apenas na ultima década o transtorno de pânico tornou-se amplamente reconhecido

como uma doença psiquiátrica distinta. Além disso, embora existissem diversos tratamentos

17

eficazes, aproximadamente, metade das pessoas que sofrem de transtorno de pânico não é

diagnosticada, é mal diagnosticada, ou não recebe tratamento.

Uma razão para isto é que, a maioria dos pacientes com transtorno de pânico é vista,

inicialmente, por clínicos gerais, outros especialistas ou médicos de pronto-socorro, com

queixas de sintomas somáticos súbitos e avassaladores (por exemplo: palpitações, dispnéia,

dor torácica, tontura). Os sintomas somáticos de pânico, frequentemente, se parecem com

aqueles de eventos médicos catastróficos comuns (por exemplo: infarto do miocárdio). Um

diagnóstico preciso em face do evidente sofrimento do paciente geralmente requer que o

médico esteja ciente da possibilidade de uma etiologia psiquiátrica e tenha tempo para um

interrogatório específico e minucioso. Infelizmente, no ambiente médico atual, muitas pessoas

com transtorno de pânico passam por procedimentos de avaliação elaborados, caros, mas

inconclusivos ou recebem tratamentos ineficazes para ansiedade inespecífica.

No transtorno de pânico, a ansiedade se manifesta como ataques de pânico recorrentes

– ataques súbitos de pavor, acompanhados por numerosos sinais e sintomas físicos e

cognitivos, como: taquicardia, tremor, sensações de irrealidade e medo de morrer. Diferente

da ansiedade generalizada ou livremente flutuante, os ataques de pânicos são experimentados

como períodos distintos que alcançam um pico de intensidade dentro de segundos ou minutos

e cedem logo em seguida.

Dattilio e Freeman (2004) comentam que, o transtorno do pânico é um dos transtornos

psicológicos mais comuns e incapacitantes nos ambientes de atendimento de saúde mental e

clínica geral e, há algum tempo, vem se mantendo entre os dez transtornos mais comuns

encontrados nos prontos socorros. Essas situações se devem em parte, ao fato de que as

palpitações cardíacas estarem entre os sintomas mais comuns, expressos durante um ataque de

pânico.

A teoria cognitivo-comportamental do pânico afirma que são os fatores psicológicos

em detrimento dos psicobiológiocos que desencadeiam os sintomas do pânico. Embora as

teorias cognitivo-comportamentais reconheçam os componentes neuroquímicos dos sintomas

autonômicos, elas colocam mais ênfase, na percepção de ameaça, o perigo, querem envolva

acontecimentos internos ou externos. Especialmente, a teoria da atribuição, apresentada nas

duas últimas décadas, propõe que, sintomas específicos, onde resultam na hiperventilação,

provocam pânico em indivíduos que são predispostos, genética ou psicologicamente, a

atribuição exageradamente catastrófica de sensações corporais internas. Segundo essa teoria,

as sensações físicas mais comuns durante um ataque de pânico incluem: taquicardia,

palpitações, adormecimento, formigamento nas extremidades, náusea, falta de ar, tontura,

18

vertigem, visão embaçada e dispnéia. Perceberam que essas sensações são semelhantes às

sensações produzidas pela hiperventilação e hipotetizaram que a hiperventilação pode

desempenhar um papel importante na iniciação dos ataques de pânico. A teoria propõe que

alguns indivíduos aumentam sua ventilação respiratória quando estão sob estresse. Tal

aumento faz com que o dióxido de carbono seja expelido dos pulmões, provocando um

decréscimo na pressão parcial do dióxido de carbono no sangue, com o aumento do pH

sanguíneo.

Estas mudanças na química do sangue provocam sensações corporais desconfortáveis,

como as acima mencionadas, às quais o indivíduo responde com o susto e apreensão. Esta

apreensão aumentada desencadeia um aumento adicional na ventilação, e está criada a espiral

para um ataque de pânico completo (DATTILIO; FREEMAN, 2004).

Ramadam e Motta, (2007), caracteriza o transtorno do pânico sendo, crise súbitas com

múltiplos sintomas e sinais de hiperatividade autonômica, além de sensação de mal-estar e

perigo iminente, atingindo seu máximo em até, cerca de dez minutos. Tipicamente, um ataque

de pânico situacional é precedido por ansiedade antecipatória crescente, ligada à expectativa

de sentir-se mal em um determinado contexto. Essa ansiedade pode ser acompanhada de

sinais e sintomas somáticos, mas tal situação ocorre de forma gradual e flutuante até que o

individuo entre na situação e tem uma brusca elevação na intensidade das manifestações

autonômicas.

O cortejo de outros sintomas somáticos e psíquicos que podem, ou não, levar ao

comportamento desadaptativo de congelamento ou busca desordenada de saída (fuga) ou

ajuda (p.ex., indo a um pronto-socorro), que denominamos pânico. Portanto, um ataque de

pânico não implica, necessariamente, comportamento ou sensação de pânico, o que faz com

que esse nome seja inadequado.

A repetição de ataques ou crises de pânico espontâneo configura o transtorno de

pânico. Além disso, eles resultam em insegurança, ansiedade antecipatória e esquiva fóbica

das situações ou locais onde ocorreram, caracterizando quadros de agarofobia e fobia social.

Isso traz grandes limitações para as atividades sociais e profissionais e para a auto-imagem do

paciente, que não consegue explicação para seus sintomas, apesar das freqüentes consultas e

exames médicos, em geral com resultados negativos. “Surge então, manifestações

depressivas, agravadas pela tendência, comum em nossa sociedade, de ‘explicar” tudo através

de formulações ‘psicológicas’ ou até ‘místico-religiosas’. Como os médicos não estão imunes

a essa tendência, na ânsia de ajudar um paciente com sintomas para os quais não encontram

patologia, podem contribuir para sua auto-desmoralização ao sugerirem que ele deva procurar

19

uma causa emocional para seus males.

Segundo Rogers (1983) os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para auto

compreensão e para modificação de seus auto-conceitos, de suas atitudes e de seus

comportamentos autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima passível

de definição e de atitudes psicológicas facilitadoras.

Kaplan e Sadock (1999) citam como tratamento farmacológico, nestes casos, o uso de

benzodiazepinicos e outras terapias, como: terapia cognitiva, relaxamento aplicado, técnicas

de controle respiratório, relacionamentos interpessoais.

Para Ramadam e Motta (2007), é de extrema importância que nos conscientizemos de

que há sofrimento psíquico, diferentemente da simulação, nos transtorno somatoformes e

dissociativos (ou conversivos) sendo, portanto, merecedores de preocupação e tratamento.

Devemos agir sempre de modo compreensivo, com tato e sensibilidade, enfatizando

que os sintomas nos são familiar, que doenças físicas sérias foram afastadas, apoiando e

encorajando os comportamentos adaptativos.

Como esses transtornos são um diagnostico de exclusão, um rigoroso exame clínico e

neurológico é indispensável. Devemos esclarecer ao paciente que os sintomas apresentados

por ele correspondem o modo como o seu corpo reage ao estresse.

Nenhuma estratégia de tratamento foi testada de modo randomizado, porém, a

experiência clinica sugere que a psicoterapia suportiva breve associação à sugestão, assim

como alguns programas comportamentais com reforços positivos para cada melhora gradual

se mostram eficazes.

Nos pacientes hipocondríacos, devem ser afastadas todas as doenças orgânicas

possíveis, porém, é importante que o médico não faça testes e exames em larga escala, o que

poderia levar o individuo a concluir que aquele está inseguro quanto ao diagnóstico e

provavelmente estaria deixando de detectar uma desordem importante. Aceitar o paciente

como pessoa que realmente está sofrendo e ajudá-lo a conhecer a conexão existente, entre o

estresse e sua preocupação com a saúde, deve ser o objetivo do médico a curto prazo.

Por serem “doctor shoppers” notórios, os indivíduos com transtorno de somatização

acabam por conseguir procedimentos médicos cada vez mais invasivos, levando, à muitas

lesões iatrogênicas e farmacodependências. O trabalho, geralmente, melhora a auto-estima do

paciente e dá estrutura para uma vida interpessoal mais satisfatória.

O foco primário da terapia dos quadros somatoformes dolorosos é a melhora das

dificuldades psicossociais ao invés do alivio da dor em si. As complicações iatrogências, tais

como: cirurgias repetidas, polifarmácia, abuso de drogas, especialmente analgésicos

20

narcóticos e alcoolismo secundário, devem ser tratados de forma adequada. A literatura

clínica para o manejo de dor crônica recomenda o uso da amitriptilina, principalmente, por

um período de manutenção de meses a anos. Respostas eficazes com imipramina, outros

antidepressivos tricíclicos e inibidores da monoaminoxidase foram relatados.

Técnicas comportamentais básicas, como controle de contingência (identificação e

aplicação sistemática apropriada de reforços positivos e negativos), tem resultados

satisfatórios, assim como, psicoterapia cognitiva e psicodinâmica. É importante salientar que,

como em todo restante da Psiquiatria, senão em toda Medicina, quando há a associação de

várias síndromes, está indicado o tratamento das mesmas de acordo com as suas respectivas

condutas.

O uso de medicações para alívio sintomático da ansiedade, quando intensa, diminui o

sofrimento psíquico e pode ajudar o paciente a tolerar melhor o quadro; porém, a investigação

profunda da estrutura da personalidade e dos mecanismos psicodinâmicos de cada paciente é

obrigatória, levando não só ao diagnostico correto, mas também, indicando o tratamento

psicoterápico especifico mais adequado.

Dattilio e Freeman, (2004), relata que o tratamento do pânico utiliza alguns métodos

como: respiração controlada, indução de sintomas e diminuição de sua intensidade, intenção

paradoxal, dessensibilização e reprocessamento do movimento dos olhos, farmacoterapia,

biblioterapia, tarefa entre sessões, prevenção da recaída, grupos de apoio, apoio familiar e

conjugal.

Powell e Brady (1996) relatam como ocasiões em que todos os esforços para nos

comunicar parecem inúteis. Todos nós experimentamos, de vez em quando, colapsos em

comunicação. É parte do relacionamento. Dizer que isso nunca vai acontecer seria negar os

fatos da vida.

Buscaglia (1995) comenta que são necessárias duas pessoas para a comunicação

humana, normalmente um fala e o outro escuta. Mas ouvintes são raros, quanto, locutores

sensíveis. Muitos de nós esquecemos da fina arte de ouvir. Quando ouvimos, que é raro,

sofremos a interferência de nossas próprias idéias, trabalhamos constantemente e, quando

tudo é dito e feito, não escutamos o que a pessoa está dizendo, mas aquilo que estamos

preparados para escutar. Muitas vezes descobrimos que os outros tem soluções para os nossos

problemas e respostas para nossas perguntas, antes mesmo de as termos feito. O verdadeiro

ouvir é determinado pelo uso dos intervalos. As armadilhas do escutar verdadeiro estão

expressas num poema profundo, ouça de um autor anônimo:

21

Quando lhe peço que me ouça e você começa a dar conselhos, Você não faz o que pedi. Quando lhe peço que me ouça e você começa a me dizer por que. Eu não deveria me sentir assim desse jeito, você está passando por cima dos meus sentimentos. Quando lhe peço que me ouça e você sente que deve fazer algo para resolver meus problemas, você falhou comigo, estranho como posso parecer. Talvez seja por isso que a prece funciona para algumas pessoas. Porque Deus é mudo e Ele não oferece conselhos ou tenta consertar as coisas. Lê só escuta e confia em você para resolvê-los por si próprio. Então, por favor, só me ouça. E se quiser falar, espere alguns minutos até sua vez e eu prometo que vou escutá-lo.

Para a o desenvolvimento desta proposta de pesquisa utilizarei a teoria de Joice

Travelbee que, através de seus conceitos e pressupostos, guiará esta construção em todo o seu

processo.

Apresento a teoria no capítulo a seguir.

22

4. REFERENCIAL TEÓRICO

Este trabalho seguirá as bases teóricas da Teoria da Relação Interpessoal da Joyce

Travelbee, possibilitando compreender os sentimentos e as percepções dos clientes que

apresentam sintomas clínicos relacionados à somatização de sentimentos negativos e conflitos

psíquicos e a atenção recebida em uma emergência clínica. Assim, esclarecendo um melhor

entendimento dos papéis que são exercidos no dia a dia pelos profissionais de saúde e em

especial pelo profissional de enfermagem em relação ao doente com reações emocionais e que

procuram os serviços de emergência clínica para atendimento. A teoria de Joyce Travelbee

contempla questões essenciais do relacionamento humano, permitindo uma melhor

compreensão dos aspectos emocionais e dos sentimentos humanos, acreditando no potencial

do indivíduo de superar suas reações emocionais, conforme constatamos em seu conceito de

enfermagem:

Enfermagem é um processo interpessoal entre dois seres humanos, no qual um deles precisa de ajuda e outro fornece ajuda. O objetivo desta ajuda é proporcionar os meios para o cliente enfrentar a situação da doença, aprender com a experiência e encontrar o seu significado (LEOPARDI, 1999, p. 85).

Os sentimentos e sofrimentos têm uma relação muito íntima com a enfermagem,

fazendo os enfermeiros muitas vezes se sentirem impotentes em algumas situações.

4.1. Biografia de Joyce Travelbee

Joyce Travelbee nasceu em 1926, enfermeira psiquiátrica, docente e escritora, em

1946, concluiu seus estudos básicos de Enfermagem na Escola de Caridade de Nova Orleans.

Tornou-se bacharel em Ciências da Enfermagem, na Universidade Estadual da Lousiana, em

1956, concluiu seu curso completo de mestrado na Universidade de Yale, em 1959.

Iniciou sua carreira como docente de Enfermagem, em 1952, iniciando o Curso de

Enfermagem Psiquiátrica na Universidade Estadual de Lousiana, na Universidade de Nova

York e de Mississipi. Em 1963, iniciou a publicação de seus artigos em revista de

Enfermagem. Em 1966, publicou seu primeiro livro, intitulado “Interpessoal Aspectos of

Nursing”, sendo o mesmo reeditado, em 1971. Em 1969 publicou seu segundo livro com o

título “Intervencion in Psychiatric Nussing”. No ano de 1970, Travelbee foi nomeada Diretora

da Escola de Enfermagem do Hotel Dieu, em Nova Orleans. Em 1973, na Universidade da

Flórida, Travelbee deu início a um programa de doutorado, o qual não pode completar, pois

23

veio a falecer inesperadamente no mesmo ano, com 47 anos de idade. No momento de sua

morte, era Diretora da Educação Pós-Universitária da Escola de Enfermagem da Universidade

Estadual de Lousiana (LEOPARDI, 1999).

Para o desenvolvimento de sua teoria, Travelbee estabeleceu os pressupostos da

Relação Interpessoal relacionados ao sofrimento e a Enfermagem apresentados a seguir.

4.2. Pressupostos da Teoria de Joice Travelbee

� A relação enfermeiro/paciente é essência do propósito da enfermagem;

� Seres humanos são irrepetíveis e únicos. Os seres humanos são seres racionais,

sociais e são mais diferentes que semelhantes;

� Seres humanos são organismos biológicos e podem ser afetadas por

hereditariedade, meio ambiente, cultura e experiências de vida;

� Pessoas experienciam conflitos e fazem escolhas;

� Seres humanos são capazes de pensamento racional e lógico e amadurecem;

� As pessoas possuem um sentido de intimidade, porém são capazes de se fazerem

entender;

� Como seres sociais, podem conhecer amar e responder aos outros compreendendo

sua unicidade;

� Seres humanos têm capacidade de evoluir e mudar todo o tempo.

A partir dos pressupostos da teoria de Joice Travelbee, apresento seis pressupostos

pessoais, relacionados com os clientes com sintomas somáticos em decorrência de sofrimento

psíquico, que buscam atendimento em uma unidade de emergência clínica, que são os sujeitos

deste estudo.

� O cliente com sintomas somáticos em decorrência de sofrimento psíquico é um ser

único, racional e resultado de suas interações sociais;

� O cliente com sintomas somáticos em decorrência de sofrimento psíquico é fruto

de suas experiências de vida, influências hereditárias, ambientais e culturais;

� O cliente com sintomas somáticos em decorrência de sofrimento psíquico interage

com outros seres humanos pautados em uma relação de conhecimento e amor,

buscando compreensão e alívio para seus conflitos e sofrimento psíquico;

� O cliente com sintomas somáticos em decorrência de sofrimento psíquico agindo

24

com sua capacidade de pensar racional e logicamente pode contribuir com seu

processo de amadurecimento;

� O cliente com sintomas somáticos em decorrência de sofrimento psíquico em

processo de interação com outras pessoas (acadêmico de enfermagem), pode

compreender os significados da experiência vivida e superar o momento de crise;

� O enfermeiro (acadêmico de enfermagem), através de um processo de relação

interpessoal, pode ajudar o cliente com sintomas somáticos em decorrência de

sofrimento psíquico a compreender e enfrentar a experiência da doença e encontrar

um outro sentido para sua vida.

Segundo Meleis (apud LEOPARDI, 1999), há outros pontos baseados na Teoria de

Travelbee, os quais têm importância fundamental para proposta, mesmo que a autora não os

tenha abordado explicitamente, ou seja:

� A relação enfermagem/paciente é a essência do propósito da enfermagem;

� Todos os seres humanos passam por certas experiências durante o processo de

vida. Tais experiências podem ser consideradas como totalidades coerentes e

podem ser compreendidas (exemplo: doença, ansiedade, alegria). Então,

semelhanças e similaridades entre seres humanos estão na natureza de suas

experiências;

� Classificações tendem a evocar categorias estereotipadas. Enfermeiros devem

lembrar que pacientes são seres humanos que se diferenciam entre si e somente

precisam da assistência de pessoas que acreditam ser capazes de ajudá-los a

resolver os problemas de saúde;

� Relações são estabelecidas quando os parceiros percebem a singularidade um do

outro. Então, tais relações humanas transcendem os papéis e são verdadeiras;

� Estas relações são significativas e efetivas, baseadas nas relações de singularidade;

� As relações enfermeiro/paciente são baseadas na percepção do paciente como um

doente e da enfermagem como um trabalho. Doença é somente compreendida no

contexto de percepção do paciente e do enfermeiro;

� As experiências de doenças, sofrimento e dor podem ser auto-atualizáveis, se os

indivíduos encontram significados nelas;

� Os seres humanos são motivados a procurar e compreender os significados de

todas as experiências de vida;

25

� Doenças e sofrimentos não são somente conflitos físicos para os seres humanos,

são conflitos emocionais e espirituais também;

� A interação enfermeiro/paciente, quando tem um propósito, preenche os objetivos

de enfermagem;

� A comunicação é um processo que pode capacitar o enfermeiro a estabelecer a

relação enfermeiro/paciente e, se necessário, assisti-los para que busquem

significado naquela experiência;

� Espera-se que os enfermeiros averigúem os significados das mensagens

intercambiadas.

Para Travelbee o enfermeiro deve ser capaz de fornecer assistência que o paciente está

necessitando, pois tem um corpo de conhecimento especializado e capacidade de utilizá-los,

com objetivo de manter o máximo grau de saúde possível. Para isto, ele precisa ter uma

percepção desenvolvida a partir de suas próprias experiências como um ser humano que

enfrenta dor e sofrimento. Neste caso, pode-se desenvolver um processo de comunicação,

porque o enfermeiro se envolve verdadeiramente com o paciente, estabelecendo com ele uma

relação pessoa-pessoa, através da empatia e rapport.

4.3. Conceitos

� Para melhor compreensão, da Teoria das Relações Interpessoais de Joice

Travelbee apresento uma definição de seus principais conceitos:

� Percepção: se refere ao movimento interno de uma pessoa para tomar consciência

do mundo em que o cerca, decifrando-o de acordo com suas experiências

anteriores (TRAVELBEE, 1979).

� Comunicação: é uma capacidade humana para o estabelecimento de trocas e

informações e significados sobre mundo e sobre si mesmo. Pode permitir a

enfermeira estabelecer uma relação pessoa-pessoa (TRAVELBEE, 1979).

� Relação pessoa-pessoa: é o resultado final de uma série de inter-relações

planejadas entre dois seres humanos: a enfermeira e o paciente, na qual não se

evidencia qualquer processo de hierarquia. É, também, uma série de experiências

para os participantes, durante o encontro ambos desenvolvem o aumento da

capacidade para estabelecer relações interpessoais, de modo que ambos podem

compartilhar seus sentimentos, valores e significados através do processo de

26

comunicação. Para a autora, uma relação não “acontece simplesmente”, a

enfermeira planeja deliberada e conscientemente. Na relação espera-se que ambos,

paciente e enfermeira, modifiquem seu comportamento. No final, ambos aprendem

com o processo interativo (TRAVELBEE, 1979).

� Ser humano: seres únicos, racionais, sociais, irrepetíveis, mais diferentes que

semelhantes. Segundo a autora, são organismos biológicos, podem ser afetadas por

hereditariedade, meio ambiente, cultura e experiência de vida (TRAVELBEE,

1979).

� Saúde-mental: um provável juízo de valor, mais apto para uma análise

psicológica que para uma rígida definição científica. Depende do conceito de

natureza do homem. Esta autora afirma que os juízos de valor referentes à saúde

mental, são determinados em geral por normas culturais, regras ou conceitos de

comportamentos apropriados. Afirma ainda que a saúde mental não é “algo que a

pessoa possui”, mas “algo que a pessoa é”, como é demonstrado por certos

comportamentos e atitudes (TRAVELBEE, 1979).

Esta autora caracteriza a saúde mental em três atitudes importantes a saber: a) atitude

para amar, que consiste em amar a si mesmo, de transcender-se, de amar aos outros; b) a

capacidade de enfrentar a realidade tal como ela é, resolvendo os problemas realisticamente e

c) a capacidade de descobrir um sentido e propósito de vida.

� Enfermagem é um processo interpessoal entre dois seres humanos, no qual um

deles precisa de ajuda e outro fornece ajuda. O objetivo desta ajuda é proporcionar

os meios para o cliente enfrentar a situação de doença, aprender com a experiência

e encontrar o seu significado (TRAVELBEE, 1979).

� Sentimento é uma decisão, uma disposição mental, que alguém toma em sua

mente, ou alma, ou espírito, a respeito de outrem ou algo. Por este conceito, toda e

qualquer palavra que denota emoções quando usada, pode ser classificada como

sentimento quando se refere a algo que podemos ou não escolher fazer (FREIRE,

2008).

� Sofrimento na visão de Travelbee o sofrimento é um sentimento de desprazer que

percorre desde um simples desconforto mental, físico ou espiritual a uma angústia

extrema, incluindo as fases além da angustia, que são o desespero e negligencia de

si mesmo e a fase terminal da indiferença apática, sendo experiência variável em

27

intensidade, de indivíduo para indivíduo. A autora entende que o enfermeiro deve

não somente aliviar a dor física do outra, mas ver a pessoa por inteira, o seu

sofrimento, o seu estado mental e espiritual.

Não é objetivo deste estudo a aplicação prática do Processo de Enfermagem de Joice

Travelbee, porém, pretendo seguir as suas premissas básicas, contempladas em todas as suas

fases, para permear os encontros com os participantes, tornando o momento da coleta de

dados um momento único para o pesquisador (enfermeiro) e entrevistado (cliente). Pois, neste

momento sem dúvida, poderá acontecer o estabelecimento da relação pessoa-pessoa, onde

ambos estarão compartilhando sentimentos, valores e significados, oportunizando a relação de

ajuda e o enfrentamento da doença experenciada pelo cliente.

Travelbee (1979) coloca que cada encontro é único, e se dá entre enfermeiro e

paciente através de várias fases gerais. Estas fases não são entidades isoladas, frequentemente

uma sobrepõe a outra. As fases que levam ao estabelecimento de uma relação incluem uma

fase prévia da interação, onde acontece a escolha do paciente; a fase de introdução ou de

orientação, onde são dados todos os esclarecimentos sobre os encontros, firmando um acordo

com todas as combinações; a fase de entidades emergentes, onde surgirão os assuntos e

problemas, e onde se dará a relação e interação propriamente dita e por fim a fase do término

da relação, onde deve ser trabalhada a separação, o fim da relação.

O Processo de Enfermagem desenvolvido por Travelbee apresenta detalhadamente

estas 5 (cinco) fases, citadas abaixo:

1. Fase do encontro original, como primeiro contato entre as pessoas, de modo causal

ou deliberado, voluntário ou determinado por circunstâncias que impedem a

expressão da vontade, como em casos da dificuldade da comunicação, neste caso o

enfermeiro deve buscar a ajuda de familiares ou pessoas significativas da pessoa

enferma. Neste caso, o encontro original é o primeiro contato entre pesquisador

(acadêmico de enfermagem), e participante da pesquisa (cliente), momento em que

o acadêmico de enfermagem coloca-se à disposição do cliente, informando a

disponibilidade profissional em iniciar uma relação de ajuda terapêutica.

2. Fase das identidades emergentes, que ocorrem quando os envolvidos se expressam

sua identidade pessoal, seus valores e significados um ao outro, de modo a

estabelecer uma relação pessoa a pessoa. Esta fase acontecerá no primeiro contato

28

entre pesquisador/participante, quando o acadêmico de enfermagem “provoca” a

comunicação dos sentimentos e percepções do cliente.

3. Fase da empatia ocorre quando o profissional e enfermo expressam o desejo de

estabelecerem um processo de ajuda mútua, por encontrarem receptividade no

outro (LEOPARDI, 1999). Momento em que o acadêmico de enfermagem percebe

a possibilidade de interagir, ouvindo,orientando ou propondo condutas aos

clientes.

4. Fase da simpatia é o momento em que se dá o estabelecimento mútuo dos

objetivos, quando o enfermeiro pode colocar-se como apoiador para ajudar a

pessoa a enfrentar sua doença e tratamento (LEOPARDI, 1999). Neste momento o

cliente percebe a presença verdadeira do acadêmico de enfermagem como

participante ativo do processo de busca do significado da doença ou experiência

vivida, das possibilidades terapêuticas e os diferentes papéis (profissional e não

profissional), no processo saúde-doença.

5. Fase do Rapport ocorre quando ambos avaliam a relação e os resultados

terapêuticos (LEOPARDI, 1999). Momento em que acadêmico de enfermagem e

cliente consegue avaliar o presente e traçar planos para o futuro.

29

5 METODOLOGIA

5.1. Tipo da Pesquisa

A metodologia é o caminho e representa o instrumental próprio da abordagem da

realidade. Pode-se afirmar que esta ocupa lugar central no interior das teorias sociais uma vez

que essa faz parte intrínseca da visão social de mundo, veiculada na teoria (MINAYO, 2004).

Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, exploratória e descritiva. A pesquisa

qualitativa trabalha com o significado das ações e relações humanas em um nível de realidade

que não pode ser quantificada. Exploratória por possibilitar as considerações dos mais

variados aspectos relativa ao estudo, como o aprimoramento de idéias, e descritiva por

descrever as características da população estudada (GIL, 1996; MINAYO, 2004).

5.2. Local do Estudo

A pesquisa foi realizada nas dependências de uma emergência de um hospital

localizado na grande Florianópolis, que atende tanto clientes com doenças crônicas quanto

agudas. Sua estrutura física possui centro cirúrgico, UTI, clínica médica e cirúrgica semi-

intensiva, emergência, sala para procedimentos hemodinâmicos e outros exames. Presta

cuidados de alta complexidade. Atende clientes adultos na faixa etária acima de 18 anos. O

hospital atende em regime particular, está situado no município de Florianópolis – SC tem a

capacidade para atendimento de 35 leitos, sendo referência em cardiologia da região da

grande Florianópolis. Esta unidade hospitalar apresentou uma taxa de ocupação média de 81%

no ano de 2007.

No setor de emergência as estatísticas básicas apresentaram os seguintes dados: 839

consultas com 10,5% de internações 223 pacientes com dor torácica; 33 pacientes internados

com dor torácica; 84 solicitações de ECO; 17 solicitações de TE; 5 solicitações de USG; 4

solicitações de CAT.

A instituição tem como missão: “Oferecer segurança em saúde cardiovascular,

atendendo as necessidades de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação com respeito à

dignidade do paciente e seus familiares”

O Serviço de Enfermagem da instituição tem como missão: “Responsabilizar-se pela

humanização, qualificação e padronização da assistência de acordo com o código de ética de

30

enfermagem, garantido segurança no cuidado do cliente” e como visão: “Tornar-se referencial

na qualidade da assistência de enfermagem na área cardiológica, garantindo respeito e a

humanização plena pelos pacientes”

5.3. Participantes do Estudo

Participaram deste estudo 8 (oito) clientes que procuraram o serviço de emergência

dependências de uma emergência do referido hospital, com sintomas somáticos decorrentes

de sofrimento psíquico, no período de entre os meses de março a abril de 2008, e que

estiveram em conformidade com os seguintes critérios de seleção:

� Aceitaram a participar do estudo;

� Tiveram disponibilidade de tempo;

� Estavam em condições físicas e mentais para responder as perguntas e manter

contato com o pesquisador.

Dos participantes do estudo, 4 são do sexo feminino e 4 do sexo masculino.

Para garantir aos participantes o direito ético do anonimato, foram utilizados

codinomes referentes a fenômenos e elementos da natureza, para a identificação dos mesmos

neste estudo. São eles: Estrela, Água, Vento, Sol, Fauna, Flora, Terra e Lua.

5.4. Coleta de Dados

Os dados foram coletados no período de 1º de março a 30 de abril de 2008, através

técnicas de entrevistas semi-estruturadas, gravadas em fita cassete, que foram posteriormente

transcritas para possibilitar o processo de registro e análise.

A entrevista é descrita por Gil (1996), como “a técnica que envolve duas pessoas

numa situação ‘face a face’ e em que uma delas formula questões e a outra responde”. Cervo

e Bervian (2002), ainda acrescentam que é uma conversa com o objetivo de recolher por meio

do interrogatório do informante dada para a pesquisa.

Foi utilizada também a técnica de observação participante para conhecer o

atendimento dado pela equipe de saúde e em especialmente pela equipe de enfermagem como

também dos procedimentos realizados na unidade da emergência (identificação e consulta

médica, exames), com os clientes com sintomas somáticos decorrentes de sofrimento

psíquico. A observação participante ocorreu no momento anterior ao primeiro contato deste

cliente com o pesquisador (acadêmico de enfermagem).

31

Para a realização da entrevista semi-estruturada, após ter recebido atendimento médico

e demais cuidados da equipe de enfermagem, o cliente foi convidado a acompanhar o

acadêmico até um consultório para iniciar a entrevista. Na entrevista semi-estruturada neste

caso não existiu rigidez de roteiro, podendo explorar mais amplamente algumas questões.

Para auxiliar nas entrevistas foi utilizado um roteiro com questões norteadoras (Apêndice 4),

com o objetivo de identificar os sentimentos e percepções dos clientes com sofrimento

psíquico, quanto ao atendimento em uma Unidade de Emergência Clínica. A participação foi

espontânea e ocorreu após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Apêndice 2), devidamente preenchido.

5.5 Análise dos Dados

Para Marconi e Lakatos (2007, p.22), analisar significa “estudar, decompor, dividir e

interpretar, [...] refere-se ao processo de conhecimento de determinada realidade, tendo em

vista transmitir significados ou tirar conclusões de determinado texto”.

Neste estudo, os dados obtidos a partir das entrevistas com os clientes e da observação

participante foram analisados à luz do referencial teórico e da revisão de literatura e

apresentados de forma descritiva.

O processo de análise seguiu os passos da Análise Temática apresentada por Minayo

(2004), o qual representa uma das modalidades da Análise de Conteúdo e comporta um feixe

de relações que pode ser graficamente apresentado através de uma palavra, uma frase, um

resumo, operacionalmente desdobra-se em três etapas:

1. Pré-análise consiste na seleção dos documentos a serem analisados;

2. Exploração do material corresponde à codificação, objetivando a compreensão do

texto;

3. Tratamento dos resultados obtidos e interpretação, destacando-se as informações

obtidas.

5.6. Aspectos Éticos

Toda a pesquisa aqui proposta seguirá os preceitos éticos da resolução 196/96, onde

estão aprovadas as diretrizes e normas que regulamentam a pesquisa envolvendo seres

humanos.

Brasil (1996) afirma que:

32

A Comissão Nacional de Ética em pesquisa – CONEP – é uma comissão do Conselho Nacional de Saúde – CNS, criada através da Resolução 196/96 e com constituição designada pela Resolução 246/97, com a função de implementar as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, aprovados pelo Conselho. Tem função consultiva, deliberativa, normativa e educativa, atuando conjuntamente com uma rede de Comitês de Ética em Pesquisa, CEP – organizados nas instituições onde as pesquisas se realizam (BRASIL, 1996).

Na realização deste estudo, foram respeitados todos os princípios éticos que regem a

pesquisa, com seres humanos, conforme Resolução nº. 196/CNS, foram tomadas as seguintes

providências: apresentação do projeto e autorização da Instituição para realização do estudo;

aprovação do projeto pela Comisão de Ética da UNIVALI; esclarecimento, aos participantes,

do objetivo do estudo e procedimentos para a coleta de dados; assinatura de Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido.

Os participantes do estudo foram informados do direito de desistir do estudo a

qualquer momento; da garantia do sigilo e anonimato.

Ética quer dizer ethos em grego, traduzindo-se por “modo de ser” ou caráter. Tem

como objetivo principal analisar a maneira de agir dos homens em sociedade. Examina o

comportamento humano em suas profissões, associando o motivo e a finalidade dos atos

através de normas e deveres. Os deveres orientam a vida dos homens uma vez que a ética é

construída por deveres (NORONHA et al, 1995).

A pesquisa também está fundamentada no Código de Ética dos profissionais de

Enfermagem aprovado pelas resoluções COFEN 240 e 247/2000, onde reúne normas e

princípios, direitos e deveres, pertinentes à conduta ética do profissional que deverá ser

assumido por todos.

Segundo Motta (2002), os princípios éticos seguem diretrizes com Seres Humanos

citados a seguir:

Autonomia: consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a

grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes. Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres

humanos deverá sempre tratá-lo em sua dignidade, respeitá-lo em sua autonomia e defendê-lo

em sua vulnerabilidade;

Beneficência: ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais, como potenciais,

individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de

danos e riscos;

Não maleficência: garantia de que danos previsíveis serão evitados, por este princípio

estamos moralmente proibidos de intencionalmente infligir o mal a um paciente;

33

Justiça: relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da

pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual

consideração dos interesses envolvidos, não podendo o sentido de sua destinação sócio-

humanitária.

34

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os dados obtidos a partir das entrevistas foram analisados à luz do referencial teórico

de Travelbee, da revisão de literatura e seguiu as etapas da análise de conteúdo temática,

apresentadas por Minayo (2004), que no caso do presente estudo, consistiu em descobrir os

núcleos de sentido comunicados no texto e buscar seus significados relacionados aos

sentimentos e percepções dos sujeitos estudados.

Da análise dos dados surgiram quatro categorias que revelaram sentimentos e

percepções dos portadores de transtornos somáticos, quanto à experiência vivida no processo

de adoecimento. Estas categorias são:

� A procura do Serviço de Emergência: o pedido de ajuda;

� Os sentimentos presentes: o sofrimento psíquico;

� A atenção da Enfermagem: uma prática desconhecida;

� A Relação pessoa a pessoa: o oferecimento da ajuda;

Passaremos então, a apresentar estas categorias:

6.1. A Procura do Serviço de Emergência: o Pedido de Ajuda

São vastas na literatura, as indicações da comunicação do corpo em decorrência dos

estímulos psicológicos, que segundo Ramadam e Motta (2007), caracterizam-se pela

apresentação repetida de sintomas físicos, no entanto, sem revelar em sua avaliação à

presença de doença física. O paciente mostra-se preocupado, requisita avaliação do médico

clinico e normalmente resiste em estabelecer relações com dificuldades e conflitos

emocionais. Enfim, conforme os mesmos autores, “o corpo fala de várias formas” e quase

sempre com muita clareza.

A freqüência e intensidade destes sintomas físicos, comumente semelhantes aos de

doenças cardíacas, como palpitações, taquicardias, hiperventilação e dor torácicas, fazem com

que um número expressivo de clientes procure os Serviços de Emergência Clínica, em busca

de socorro e atendimento rápido, temendo por conseqüências graves, inclusive que o levem a

risco de morte. No período da coleta dos dados vários clientes procuraram o Serviço de

Emergência Clínica, local da realização do estudo, relatando uma vasta sintomatologia,

35

acompanhados de inúmeros sinais físicos, que indicavam a presença do sofrimento psíquico.

Desta clientela foram selecionados os participantes deste estudo, os quais referiram

como sintomas mais presentes, primeiramente os representados pelos sintomas

cardiovasculares, gastrintestinais e respiratórios, conforme a fala de Vento, evidenciada neste

momento:

“Eu procurei este serviço de emergência porque eu estava com dor abdominal, dor no peito e dor no braço” (VENTO).

Para a psicanálise, segundo Ramadam e Motta (2007), o mecanismo de somatização,

que é a base das doenças psicossomática, caracteriza-se como um grito indiferenciado do

corpo, que pode ser de prazer ou desprazer, com respostas do sistema

simpático/parassimpático. O sintoma é um grito biológico, não um discurso estruturado, que

para Vento, neste momento, estes sintomas, acima descritos, representam seu grito, pedindo

socorro e ajuda, mesmo sem a plena consciência das verdadeiras causas e motivos de tal

sofrimento, revelados mais tarde como problemas familiares.

Dos sinais e sintomas cardiovasculares, os mais presentes foram: dor no peito, pressão

alta, freqüência cardíaca elevada, dor e dormência no braço. O paciente chega ao serviço de

emergência transtornado, apavorado, com a certeza quase irrefutável que pode sofre um

enfarte fulminante do miocárdio a qualquer momento, conforme o relato abaixo:

“Porque tive falta de ar, dor forte no peito, eu estava dormindo e acordei com falta de ar e essa dor forte no peito” (FLORA).

Embora pareça sugerir que a intensidade dos sintomas físicos implique na mesma

intensidade do sofrimento psíquico, o processo de somatização, não diz o que representa, pois

indica vagamente a intensidade dos estímulos recebidos, através dos órgãos e sistemas

vulneráveis do sujeito. Vai depender mais da sensibilidade e subjetividade da pessoa que está

vivenciando a experiência e do significado, do que os sentimentos internos representam para

ela. Para Travelbee (1979) todos os seres humanos passam por certas experiências e irão

procurar significados para as mesmas durante o processo de vida. Tais experiências podem ser

consideradas como totalidades coerentes e podem ser compreendidas, como no caso das

doenças e ansiedades.

O Transtorno do Pânico é um dos fortes responsáveis por levar um grande número de

paciente a procurar atendimento em prontos-socorros e Unidades de Emergência Clínica. Este

transtorno é caracterizado

36

“Pela ocorrência espontânea e inexplicável de ataques de pânico, que são períodos de intenso medo, podendo variar desde diversos ataques ao dia até poucos no curso de um ano”. A expressão desse medo é manifestada por sintomas emocionais e físicos, tais como: taquicardia, sudorese, falta de ar, medo de enlouquecer, perder o controle ou morrer. É também, freqüentemente que crises de Pânico sejam acompanhadas por agorafobia, que é o temor de se encontrar sozinho em lugares dos quais seja difícil uma saída rápida, no caso da pessoa “passar mal” (BALLONE, 2007).

Ainda, segundo Ballone (2007), um dos sintomas físicos responsáveis pelo paciente

com Pânico procurar um Pronto Socorro é a dor no peito (dor torácica), reforçando ainda mais

a idéia de que ele esteja tendo realmente um problema cardíaco grave, com a vida em risco.

Normalmente, é essa dor torácica que leva o paciente à busca repetida por inúmeros

atendimentos em unidades de urgência cardiológicas ou outros serviços médicos. Esta

situação é confirmada na fala apresentada abaixo:

“É a primeira vez que eu cheguei aqui, estava com a pressão alta, quer dizer que é da síndrome do pânico e não do coração. [...] tenho a sensação que estou morrendo, que vai me dar um ataque do coração, e eu estou morrendo na mesma hora” (TERRA).

“[...] é uma sensação de morte, uma coisa ruim, em parte, este mal estar, que dá essa sensação de morte, nesse momento [...]” (ÀGUA).

No relato de Terra e Água, percebe-se o desespero, um sofrimento extremo, que

exprime através da dor, disfunção ou desconforto nesta área corporal, problemas e emoções

mal discriminadas e mal elaboradas pelo psiquismo.

Soares Filho et al. (2007) evidenciam uma forte relação entre a dor no peito (dor

torácica) e o Transtorno do Pânico. Em um recente estudo com pacientes que chegaram a um

Serviço de Emergência Clínica com dor torácica, 30% apresentavam Transtorno do Pânico e

22% possuíam o Transtorno do Pânico sem a presença da Doença Arterial Coronariana. E

entre aqueles com Transtorno do Pânico, 75% não apresentavam Doença Arterial

Coronariana.

Os sintomas aqui mencionados foram os de maior ocorrência entre os participantes da

pesquisa, evidenciados na colocação abaixo:

“Porque estava tendo uma sensação de aumento da freqüência cardíaca e pressão alta” (ÀGUA).

Ainda segundo Soares Filho et al. (2007) a comorbidade (concordância) entre o

Transtorno de Pânico com a Doença Arterial Coronariana é bastante comum e alertam para o

fato do diagnóstico de Transtorno de Pânico raramente ser feito e das graves conseqüências

37

que podem decorrer disso. Uma das questões a ser lembrada é que 6 dos 13 sintomas básicos

do Transtorno do Pânico são também encontrados em doenças do coração, entre elas a dor

torácica, as palpitações, sudorese, sensação de asfixia, sufocação e ondas de calor (FLEET et

al. apud BALLONE, 2007). Devido a essa semelhança entre os sintomas cardíacos e de

pânico, é claro que a pessoa acometida por ataque de pânico, acreditando estar na iminência

de um infarto agudo do miocárdio, busque avidamente os Serviços de Emergência Clínica.

“Eu ontem à noite me senti mal, e meu braço meio adormecido, aí eu fiquei assustada e o coração bate acelerado [...]” (LUA).

Uma questão séria a ser observada nestes casos é a necessidade da avaliação clínica

correta, segundo Ballone (2007) é comum a avaliação clínica ficar restrita à área cardíaca,

considerando que os atendimentos acontecem em Unidades de Emergência Clínica, e os

profissionais, na maioria das vezes, não têm formação em psiquiatria. Nestes casos mesmo

trazendo um conveniente conforto ao profissional assistente, pode desencadear sentimentos de

angústia, insegurança e mais desespero no paciente frente a um diagnóstico incerto, pois,

ainda conforme o mesmo autor,

“Não é raro que o profissional assistente do serviço de emergência sentencie solenemente [...] – você não tem nada [...] procure um psiquiatra, sugerindo assim subestimar a queixa do paciente, duvidar de seu sintoma e atribuir à psiquiatria a função de ‘tratar’ de quem não tem nada” (BALLONE, 2007).

Este mesmo autor alerta para a importância do diagnóstico e da abordagem correta,

pois, em muitos Serviços de Emergência, a predominância da crença habitual é que, basta a

informação dada ao paciente, de que ele não teve um evento cardíaco para que desapareçam

os ataques do pânico. O autor reforça que este é um raciocínio linear e absolutamente

simplório, pois, o paciente é um ser emocional e neste momento não se conduz pela razão, ou

então, não estaria achando e até sentindo que pode perder o controle e morrer de repente.

Outro risco acontece quando os clínicos, assistentes das emergências clínicas, deduzem que o

paciente com dor torácica, palpitações, sudorese e ansiedade têm apenas a doença do pânico,

negando a possibilidade de uma comorbidade com Doença Arterial Coronariana (BALLONE,

2007).

Este mesmo autor alerta para a chamada “cegueira” diagnóstica, que pode fazer com

que o paciente procure repetidamente atendimento em Unidade de Emergência Clínica,

quando acometido de ataques de pânico acompanhado de dor no peito, passando a ter uma

38

vida limitada, sem alívio dos sintomas, do medo e da ansiedade. A falta de um diagnóstico

claro produziria invariavelmente “a cronificação dos sintomas, limitação das atividades e

redução da qualidade de vida, além de uso excessivo e inadequado de exames clínicos e

recursos médicos” (BALLONE, 2007).

Neste sentido, o autor afirma que “empurrar com a barriga” na esperança que se

resolva sozinho é um grande engano, pois, alguns estudos mostram que pacientes sem

abordagem psiquiátrica adequada e em condições de dor semelhantes, acompanhados por 11

anos, constatou-se que 74%, continuavam se queixando de dor torácica e consequentemente,

pedindo repetidamente ajuda, “socorro” nas Emergências Clínicas.

Alguns clientes participantes do estudo como Estrela e Sol, apresentaram outras

queixas clínicas, agora relacionadas ao sistema gastrintestinal, como ânsia de vômito.

Quanto ao acometimento do sistema respiratório, apareceu principalmente a dispnéia.

Além desses sintomas foram relatados por estes e outros entrevistados, sintomas como

calafrios, tonturas, desconforto e mal estar geral, agonia, cansaço. Conforme relato:

“[...] com uma ânsia de vômito, quando eu fico neste estado eu procuro medir minha pressão, sabe, então por isso que eu cheguei aqui.” (ESTRELA). “Porque eu senti calafrios, eu senti tontura, ânsia de vômito e um leve ardume no peito” (SOL).

Segundo Gentil, Lotufo e Maciel (2007) os sintomas acima relatados pelos clientes

investigados, são facilmente encontrados nos transtornos ansiosos generalizados, freqüentes

em portadores de doenças somáticas crônicas ou graves e relacionam-se com problemas,

situações de conflitos e doenças que atuam como estressores para os indivíduos, confirmados

na fala de Flora, que exprime toda a sua preocupação em forma de conflito pela necessidade

de tomada de uma decisão muito séria, apresentada abaixo:

“Vários, porque eu tinha que fazer uma cirurgia neurológica na minha filha, angustiando bastante [...] muito perdida, estou separada e desempregada, a cirurgia é um risco, ela pode ficar sem os movimentos, não me sinto segura [...]” (FLORA).

Foi relatado, também, que a escolha do local para receber o atendimento ficou por

conta de ser uma instituição e um serviço de referência e de garantia de rápido atendimento,

trazendo o sentimento de segurança. Neste aspecto, Fauna expõe o seu conhecimento e

expectativas relacionadas à instituição a qual procurou para pedir ajuda, confirmando a

importância deste aspecto para os clientes, principalmente pela sensação de gravidade do

quadro.

39

“Olha se eu chego numa emergência de uma clínica qualificada como esta, em que é feito um eletro e que meu coração está perfeito e que eu tenho todos os batimentos cardíacos, todos, a consulta feita na parte cardiológica e eu estou bem, é o motivo pelo qual eu procurei esta instituição, pra ver se eu estou prestes à enfartar ou não. Se é detectado que o meu problema não é do coração, logicamente é um problema emocional, e se o problema é emocional é sinal na verdade que alguma coisa ta errada [...]” (FAUNA).

Alguns clientes, após o atendimento, com o problema diagnosticado corretamente e

quando orientados adequadamente, começam a se dar conta dos verdadeiros motivos do

evento a que estavam submetidos, e então por dedução, já começam a pensar no pano de

fundo que sustenta este cenário.

Para muitos clientes este “in sight” é momentâneo, sem maiores conseqüências ou

mudanças futuras, para outros é o início de um longo processo de transformação.

6.2. Os Sentimentos Presentes: o Sofrimento Psíquico

A Medicina organicista e cartesiana vem desenvolvendo seu compromisso

fundamental que é medir, isolar um vírus ou uma bactéria, dosar uma enzima, radiografar o

organismo, porém, encontram-se longe de medir um sentimento, uma emoção, o sofrimento e

a tristeza (VIEIRA, 2008).

Na fala dos participantes desta pesquisa foram relatados inúmeros sentimentos que

denunciam a presença clara de conflitos emocionais e do sofrimento psíquico.

Na compreensão da psicanálise, o sofrimento psíquico foi abordado de diversas

maneiras, como: sintoma, inibições, angústias, distúrbio de caráter, compulsões à repetição,

foram algumas de suas expressões mais freqüentes (DUNKER, 2008).

Neste campo, os participantes deste estudo destacam sentimentos como: angustia

generalizada, insegurança, medos, impotência, mágoa, decepção, frustração, insatisfação,

conflitos de decisão, ansiedade, estresse, sensação de morte eminente, saudade, tristeza, culpa,

solidão, conformismo, perdas, desesperança, pensamentos suicidas, lembranças negativas do

passado, descrença, sentimentos de abandono, necessidade de desabafar, conflitos de

pensamento.

O sentimento de ansiedade é o mais presente, praticamente todos os participantes

referiram este sentimento, e os trouxeram carregados de muito sofrimento. Para TERRA, este

sentimento está presente em todas as horas de sua vida, em tudo que faz: “é assim, eu tenho

muita ansiedade, tudo eu tenho que resolver na hora, tem que ser tudo certinho [...]”. Para

Daly (1995a), o sofrimento na perspectiva da teoria de Parse pode ser observado como

40

possibilidades de escolha, segundo o autor, a pessoa que sofre está vivendo com alternativas,

que são determinadas pelos valores e crenças pessoais. As pessoas fazem suas escolhas

considerando o significado de suas experiências vividas. Sofrer representa uma experiência

única, com significado dado por cada pessoa.

Para Vento a ansiedade é muito forte, e está ligada à experiência de separação

conjugal, provocando um sentimento de morte, carregado de grande sofrimento, conforme

relato abaixo:

“[...] é horrível, horrível, é a sensação de morte familiar, então é devastadora, a palavra mais, que mais que define [...] eu tô com uma ansiedade muito grande, [...] foi por causa da separação” (VENTO).

Para Travelbee (1979), o sofrimento é um sentimento de desprazer que vai de um

simples e transitório desconforto mental, físico ou espiritual a uma angústia extrema,

incluindo as fases além da angústia, que são o desespero e negligência de si mesmo e a fase

terminal da indiferença apática, podendo variar de indivíduo para indivíduo.

Dentro de uma definição sucinta de sofrimento, Daly (1995a, p. 50), diz que na

perspectiva de Parse, O sofrimento “é um peso agonizante incitado ao se estar com e separado

de outras pessoas, objetos, e situações que se mostram como de uma leveza, com peso

emocional suportável”. As descrições dos fenômenos do sofrimento podem incluir muitas

vezes conforto ou desconforto, a escolha do sofrer pode nos ligar aos outros ou nos separa das

pessoas. TERRA associa este sentimento ao sofrimento intenso pela morte do pai, presente

em sua colocação abaixo:

“[...] não sei, talvez porque meu pai ficou doente e descobriu que estava com câncer no pulmão. [...] a gente via aquele sofrimento dele, que ele não queria morrer, ele me olhava assim com muita tristeza no rosto dele, isso estava me matando, me corroendo por dentro [...]” (TERRA).

À luz da perspectiva da teoria de Parse, o sofrimento humano pode ser construído

através do processo humano-universo e que pode estar ligado com outros valores, como

perdas, tristeza, sonhos e visões do mundo (DALY, 1995b).

Segundo Travelbee (1979), “doenças e sofrimentos não são apenas conflitos físicos

para os seres humanos, são também conflitos emocionais e espirituais”. A autora afirma

também que as experiências de doenças, sofrimento e dor podem ser modificados através de

um aprimoramento interno, se os indivíduos encontrarem significados nelas.

Fauna e Sol expõem seu sofrimento representado por sentimentos de tristeza ligada às

41

perdas familiares. Para Fauna as perdas estão relacionadas aos conflitos de aceitação de

separação conjugal ocorrida no passado, conflitos ainda não resolvidos. Expressa sua tristeza

na fala abaixo:

“[...] eu vivo de óculos escuros pra que as pessoas não olhem dentro dos meus olhos e vejam a tristeza que estou e às vezes você até tem vergonha” (FAUNA). “Já tive uma crise grave de depressão, mas não como hoje, hoje eu senti uma tristeza e já faz 10 dias, eu estou tomando remédios de depressão, uma tristeza profunda”. (SOL).

Para Sol, esta tristeza vem da perda de um familiar, que lhe deixou marcas tão

profundas que provocaram todo um desequilíbrio emocional, não superado ao longo do

tempo, fazendo com que frequentemente venha pedir ajuda em um Serviço de Emergência

Clínica.

Quando não há esta relação de ajuda de confiança a outra pessoa sente-se isolada e

insegura, podendo até ter uma comunicação do cotidiano, ou estar em volta de outras pessoas,

mas no fundo sente-se sozinha.

No processo de relação de ajuda estabelecido entre o acadêmico de enfermagem e a

outra pessoa, neste caso, o participante do estudo, surgiram sentimentos relacionados à

solidão, conforme relatos descritos a seguir:

“No momento que eu fico neste estado sim, me sinto bem sozinho. [...] passou a ser até uma situação delicada, perigosa, que neste momento depressivo você quer o afastamento de todos. [...] não procura em hipótese alguma a participação de alguém ao seu lado, é muito difícil você expor quando se está neste estado deste problema, que eu considero sério. [...]” (FAUNA). “Olha. Não é necessariamente um medo, né, é uma solidão, medo de ficar sozinho. [...] durante o casamento me senti sozinho, chegar em casa do trabalho, ter uma filha num quarto, outra estudando no outro, a sogra ta vendo TV no outro e eu ficar sozinho várias vezes. Me senti sozinho dentro de casa mesmo casado, ter que ficar vendo TV sozinho na sala, muito estranho, né” (VENTO).

Powell e Brady (1996) referindo-se a importância do relacionamento humano e da

felicidade, diz que “a nossa vida parece ter a mesma qualidade dos nossos relacionamentos,

somo tão felizes, quanto felizes são os nossos relacionamentos. Um ser humano solitário é

uma contradição em termos”. O autor afirma também que a existência de um ser humano

isolado dos outros é como uma planta tentando sobreviver, sem sol ou sem água. Nenhum

novo crescimento pode ocorrer e a vida que existe começa a murchar e lentamente morrerá.

Para Powell e Brady (1996), a solidão é uma das experiências mais dolorosas, é como

se fosse a prisão do espírito humano, quando estamos solitários andamos para lá e para cá em

42

pequenos mundo introvertidos, cremos que ninguém nos compreende e realmente não nos

importamos muito em compreender os outros.

Um outro sentimento, percebido e relatado por vários clientes participantes da

pesquisa, é o estresse, que pode estar ligado também, a problemas familiares ou às questões

de trabalho. Alguns clientes não conseguem definir a causa deste sentimento, mas sabem que

é forte e neste momento já está trazendo prejuízos para suas vidas.

Para Stuar e Laraia (2001) chama-se de estressor qualquer estímulo capaz de provocar

o aparecimento de um conjunto de respostas orgânicas, mentais, psicológicas e/ou

comportamentais. Essa resposta, em princípio tem como objetivo adaptar o indivíduo à nova

situação, gerada pelo estímulo estressor, e o conjunto delas, assumindo um tempo

considerável, é chamado de estresse. O estado de estresse está, então, relacionado com a

resposta de adaptação e estar estressado quer dizer, "estar sob pressão" ou "estar sob a ação de

estímulo insistente". Este sentimento fica evidenciado nas falas de Lua e Água:

“Eu acho que é o estresse do meu trabalho, imaginei que era porque eu estava sobrecarregada de trabalho [...]” (LUA). “Um pouco de ansiedade talvez, um pouco de estresse, alguma situação acredito que leve a isso, esse estresse” (ÀGUA).

Segundo Stuart e Laraia (2001) os pequenos incômodos ou estresses diários podem

estar mais estritamente ligados e ter um efeito maior sobre os humores e a saúde de um

indivíduo do que os grandes infortúnios. Os incômodos são incidentes irritantes, frustrantes

ou angustiantes que ocorrem todos os dias, conforme relato de Água citado anteriormente.

Estes incômodos ou estresse diário foram relatados, também, por Estrela, que vem

experenciando um sentimento freqüente de irritação provocado por constante poluição sonora,

na redondeza de sua casa. Este sentimento é expresso na fala abaixo:

“Eu procurei porque me senti bastante nervoso, com uma leve depressão. [...] eu não suporto o barulho, som excessivamente alto, foi por isso [...] Me dá uma tremedeira, não consigo me segurar” (ESTRELA).

Os eventos estressantes podem estar ligados às crises familiares, profissionais,

educacionais, interpessoais, de saúde, financeiras, legais ou comunitárias. Podem, também,

estar relacionados com a entrada ou a saída no campo pessoal de alguém muito significativo,

ou pode estar ligados à valores e à desejabilidade social, como problemas financeiros,

demissão do emprego, divórcio ou a morte de alguém, conforme relato de Sol:

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“Desde a morte do meu pai, ele teve um enfarte fulminante, há seis anos, e depois eu tinha uma loja e a situação financeira não estava muito bem” (SOL).

Ainda para Stuart e Laraia (2001), alguns eventos podem significar tensões e

incômodos da vida, transformando-se em fontes potenciais de estresse, como tensões

conjugais; tensões dos pais ligados aos filhos adolescentes e no início da vida adulta; tensões

associadas com a economia doméstica e sobrecargas e insatisfações associadas ao papel

profissional. Na percepção de Água, a experiência do estresse está relacionada a problemas de

trabalho e ao fato do filho adolescente ter saído de casa, conforme citada a seguir:

“Esse estresse está ligado a problemas familiares, problemas de trabalho, acredito, um filho que saiu recentemente de casa [...]” (ÀGUA).

Lua confirma que este sentimento está ligado as tensões causadas pelo acúmulo de

trabalho, deixando-a sobrecarregada e diz:

“[...] não sei, porque eu fiz um eletrocardiograma e ele (médico), comentou que eu estava ansiosa. [...] é pelo fato de ele falar que eu estava sobrecarregada. [...] eu acho que é estresse no meu trabalho, sobrecarregada de trabalho” (LUA).

6.3 A Atenção da Enfermagem: Uma Prática Desconhecida

As unidades de emergência clínica recebem um número significativo de clientes que

procuram o Serviço de Emergência Clínica para pedir ajuda e aliviar seus sintomas clínicos

provocados por sofrimento psíquico de toda a ordem, como já mencionados anteriormente.

No período que transcorreu a pesquisa, além da realização das entrevistas, como

pesquisador, usando da técnica de observação participante, percebi o movimento da equipe de

saúde, principalmente dos integrantes da equipe de enfermagem quanto à atenção dispensada

aos clientes participantes do estudo.

Estas observações me levaram a perceber o distanciamento dos profissionais da

enfermagem de um cuidado voltado para o atendimento das necessidades psicossociais,

principalmente àquelas focadas nas emoções.

Durante este período, ficaram evidentes as dificuldades vivenciadas pela equipe de

enfermagem para reconhecer as reações humanas, apresentadas sob forma de sintomatologia

física, mas que na realidade estava ocultando o sofrimento psíquico.

A ação da enfermagem no atendimento destes clientes ficava centrada e protocolos

pré-estabelecidos voltados inteiramente para uma assistência clínica, ou seja: realização de

triagem e acolhimento; administração de medicamentos; monitoramento cardíaco; realização

44

de EEG; acompanhamento ao RX, Eco, USG, Ergometria; realização de sinais vitais;

instalação de O2; cuidados de higiene e conforto, organização do setor; encaminhamento do

procedimento de alta; solicitação para a realização dos exames laboratoriais verificando

imediatamente seus resultados; solicitação das dietas prescritas.

É evidente que em um Serviço de Emergência Clínica, como esta, onde foi realizado o

estudo, os cuidados são centrados em procedimentos clínicos, e é natural também que a

equipe seja preparada e que a rotina demande ações predominantemente médicas, porém, o

ser humano deve ser atendido em todas as suas dimensões, além da biológica, também a

psicológica e social, pois segundo Travelbee (1979), “seres humanos são organismos

biopsicossociais, e podem ser afetadas por hereditariedade, meio ambiente, cultura e

experiências de vida”.

Para Travelbee (1979) a Enfermagem

“[...] é um processo interpessoal entre dois seres humanos, no qual um deles precisa de ajuda e o outro fornece ajuda. O objetivo desta ajuda é proporcionar os meios para o cliente enfrentar a situação da doença, aprender com a experiência e encontrar o seu significado” (TRAVELBEE, 1979, p. 5).

A autora enfatiza a importância da interação no relacionamento humano, necessário

para que o processo de ajuda se estabeleça e para que o profissional possa oferecer ao cliente

um atendimento completo, auxiliando-o na compreensão e enfrentamento do problema

emergente.

Não percebi neste universo de atendimento a aproximação dos profissionais de saúde e

em especial os de enfermagem, para o desenvolvimento do processo interpessoal no sentido

do estabelecimento de uma relação de ajuda.

Os profissionais de enfermagem não demonstraram interesse, afinidade, ou mesmo

conhecimento para uma abordagem no campo psíquico ou emocional.

Esta questão, também, ficou evidenciada em um trabalho de campo deste acadêmico

(pesquisador), realizado em estágio supervisionado do 8º período, em uma instituição de

emergência cardiológica, onde a proposta era “identificar os cuidados realizados pela equipe

de enfermagem de uma emergência em paciente com sintomas somáticos decorrentes de

sofrimento psíquicos”. Aqui foi relatado por alguns membros da equipe de enfermagem um

conhecimento superficial do que são sintomas somáticos, e outros profissionais relataram que

nunca ouviram falar. Os mesmos afirmam terem dificuldades para abordar os pacientes com

estes sintomas, pois não conhecem os sentimentos mais intensos e acham que esta é uma

função dos profissionais psicólogos e assistentes sociais.

45

Alguns referiram, também, que os problemas são diferentes dos sentimentos, mas não

conseguem separar um do outro, que o ouvir é deferente de escutar e sentem dificuldade em

ouvir.

Reportando-nos para uma rápida avaliação dos currículos dos cursos de formação de

enfermagem, percebemos a carência de conteúdos da área da saúde mental, que contemplem

informações sobre as questões emocionais, psíquicas e do relacionamento humano. A forte

abordagem está centrada nos aspectos clínicos e biológicos, limitando o preparo dos

profissionais de enfermagem para este assunto.

Observa-se, também, uma carga horária ínfima, que não permite o desenvolvimento

necessário para apresentação dos conteúdos e desta forma não permitindo a formação

adequada dos profissionais de enfermagem nesta área.

A equipe de enfermagem que participou da proposta de estágio acima citada, referiu

que sente, também, a necessidade de realizar cursos ou estudar mais sobre o assunto.

No referido estudo, após, a implementação de uma prática pelo acadêmico de

enfermagem (pesquisador), que consistia em trabalhar com a equipe a percepção e o cuidado

de pacientes com sintomas somáticos decorrente de sofrimento psíquico, foi percebida uma

mudança positiva no atendimento destes pacientes pela equipe.

Os profissionais começaram a perceber os pacientes ao seu redor que apresentavam

sintomas somáticos, comentavam que os pacientes se isolavam devido a notícia de

intervenção cirúrgica, outros ficavam ansiosos ou decepcionados pela demora da realização

de alguns procedimentos, outros sentiam saudades de casa ou pela ausência de

acompanhantes, perceberam, também, que alguns pacientes estavam tristes, depressivos e

estressados devido a fatores econômicos e familiares.

No presente estudo, também, fica evidenciado que em alguns momentos e dependendo

dos profissionais, há uma atenção para com os clientes com sintomas somáticos decorrentes

de sofrimento psíquico. Esta questão está relatada na fala de Flora

“Principalmente você, [...] a menina ali, a enfermeira que me atendeu, foram as duas primeiras pessoas que perceberam que eu tenha notado” (FLORA).

Os profissionais acreditam que dar atenção, como ficar ao lado, é uma maneira de

diminuir a solidão dos pacientes, relatam, também, que fazer algumas perguntas direcionando

para os problemas ajuda a vir à tona os sentimentos mais latentes. Detectaram que alguns

pacientes fazem reflexões de posturas e atitudes de uma vida de vícios e hábitos alimentares

inadequados, trazendo uma tristeza junto com estas lembranças.

46

Na fala dos clientes do presente estudo, fica evidente esta lacuna, pois, quando

perguntado aos participantes sobre o atendimento da equipe de saúde e em especial da

enfermagem, a maioria relata não ter percebido este atendimento, conforme a fala abaixo:

“[...] acho que não, a enfermeira que estava aqui me analisando, acho que não, não chegou a falar nada para mim, só mediu minha pressão e fez um eletro e depois saiu [...]” (TERRA).

É visível a dificuldade que a equipe de enfermagem tem para assumir os cuidados com

as necessidades emocionais dos clientes que se apresentam nos serviços clínicos,

principalmente nos de Emergência clínica. Situações como a alta complexidade do

atendimento de urgência e emergência, a alta rotatividade, a falta de ambiente propício para a

prática da relação de ajuda emocional, fazem com que estas necessidades humanas básicas,

relacionadas às emoções, não sejam devidamente atendidas.

Outra questão pontual, que deve ser considerada, refere-se à condição do próprio

indivíduo, neste caso, o profissional de enfermagem, muitas vezes, apresenta limitações

causadas por sentimentos negativos relacionados aos seus conflitos pessoais, conceitos

errôneos, preconceitos ou mesmo a presença de sofrimento psíquico.

Os profissionais de enfermagem necessitam se dar conta de seus pensamentos e

sentimentos antes de interagir com o paciente para avaliar o efeito desses pensamentos e

sentimentos na relação pessoa-pessoa. (TRAVELBEE, 1979). A autora considera que o

sentimento tem dois aspectos, um componente psicológico emocional, que pode aparecer em

forma de angústia, ansiedade, medos etc. e, um equivalente somático, que pode ser

manifestado por sintomas cardiovasculares, respiratórios ou gastrintestinais.

Segundo Stuart e Laraia (2001), as emoções dos profissionais da equipe de

enfermagem são particularmente importantes no cuidado de pacientes altamente ansiosos.

Este profissional pode responder com falta de empatia, impaciência e frustração, que são

emoções comuns da recíproca ansiedade. Estrela sinaliza na sua fala a seguir a percepção de

uma atenção que não ocorreu, confirmando esta dificuldade aparente da enfermagem:

“Não, a enfermagem não consegue perceber estes sentimentos de frustração, de raiva [...]” (ESTRELA)

Se o profissional negar sua ansiedade isso pode ter efeitos prejudiciais sobre o

relacionamento do mesmo com o paciente. Em virtude de sua própria ansiedade este

profissional pode ser incapaz de diferenciar os níveis de ansiedade em outras pessoas, ele

também, pode transferir seus temores e frustrações para os pacientes, aumentando assim o

47

problema dos mesmos.

Vento relata que sentiu na atuação da equipe de enfermagem, um atendimento

atencioso e com espírito humanitário, porém, para ele os profissionais não perceberam os

sentimentos mais evidentes naquele momento, quando diz: “eu achei assim, o fato deles

terem me dado atenção logo que descobriu o problema achei bastante humano, acho que não

perceberam este sentimento não [...]” (VENTO).

O profissional de enfermagem deve se esforçar para aceitar a ansiedade de seus

pacientes, sem uma ansiedade recíproca, clarificando continuamente seus próprios

sentimentos e seu próprio papel. Este profissional deve estar alerta para os sinais de ansiedade

em si mesmo, aceita-lo e tentar explorar sua causa.

6.4. A Relação Pessoa-Pessoa: O Oferecimento da Ajuda

Os encontros foram permeados pelos princípios básicos da relação interpessoal da

Teoria da Relação Pessoa-Pessoa de Travelbee, na medida em que o cliente respondia as

questões da entrevista semi-estruturada e ia expondo os seus sentimentos e percepções sobre o

seu problema e naturalmente se estabeleceu o processo de relação de ajuda. Neste processo,

houve conseqüentemente a percepção dos significados da experiência emocional relatada

pelos clientes, propiciando a oportunidade para o enfrentamento das mesmas.

Segundo Travelbee (1979), relação pessoa-pessoa é

“[...] uma interação entre seres humanos, na qual não se evidencia qualquer processo de hierarquia de modo que ambos podem compartilhar seus sentimentos, valores e significados através do processo de comunicação. É antes de tudo uma experiência que se produz entre enfermeira e o beneficiário de seus cuidados” (TRAVELBEE, 1979, p. 49).

Nos encontros entre o acadêmico de enfermagem (pesquisador) e o cliente (sujeito da

pesquisa), emergiram os sentimentos mais latentes, que propiciaram o estabelecimento da

relação pessoa-pessoa. Nestes momentos o acadêmico pode ter uma postura facilitadora, com

o compartilhamento dos sentimentos, valores e significados, através do processo de

comunicação. Nesta interação Terra traz seus sentimentos ligados a perda de um ente querido,

aqui o acadêmico pode fazer questionamentos quanto as relações de afeto que permeavam

esta experiência os significados desta relação e do sentimento das perdas em si. A

oportunidade fez brotar estes sentimentos adormecidos, refletir sobre eles e perceber o que

significam, fez com que Terra começasse a se dar conta de todo este peso emocional que

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acompanhava sua vida desde a morte do pai e que era este sentimento que lhe provocava

grande sofrimento psíquico, traduzido em sintomas físicos, os quais a levavam a procurar o

Serviço de Emergência Clínica. Neste momento Terra pode rever seus sentimentos e valores,

podendo re-significá-los e propor uma nova forma de enfrentamento, no sentido de mudança

de comportamento. Assim como Terra, outros Clientes manifestaram seus sintomas e

conflitos como no caso de Flora quando sinaliza grandes conflitos de decisão relacionado a

necessidade de enfrentamento de uma cirurgia para a filha; Lua sinaliza sentimentos de

grande estresse por sobrecarga de trabalho; Água verbaliza um grande sofrimento devido a

perdas e conflitos familiares e problemas relacionados a sua vida profissional. Em todos estes

casos o acadêmico pode vivenciar o processo de interação, propiciando a relação de ajuda,

conforme citado por Travelbee (1979), quando diz que “a enfermagem é um processo

interpessoal entre dois seres humanos, no qual um deles precisa de ajuda e o outro fornece

ajuda”. E esta relação é estabelecida quando os parceiros percebem a singularidade um do

outro e então, tal relação humana transcende os papéis e as máscaras e são verdadeiras,

significativas e efetivas, baseadas nas relações de singularidade.

A relação de ajuda está diretamente ligada à pessoa que oferece ajuda, onde ela precisa

estar atenta a pequenos detalhes na outra pessoa, que são demonstrados na sua linguagem

corporal ou através da sua comunicação verbal. No processo de interação com os participantes

da pesquisa, estes detalhes estavam presentes na forma de olhar, no tom da voz, nos gestos, no

seu caminhar, na forma de se vestir, nos episódios de choro, demonstrando os seus

sentimentos internos.

A pessoa que oferece ajuda deve estar aberta a outra pessoa, aceitando-a como ela é,

onde deve tomar uma postura de não pré julgamento, saber deixar de lado seus conceitos e

preconceitos, tentar busca no íntimo da outra pessoa suas emoções, junto com a mesma, na

sua velocidade do seu caminhar, não direcionando seu caminho, respeitando sua vontade e seu

potencial, tentar focar em seus sentimentos, no significado que a experiência tem para ela, não

em seus problemas e suas atitudes.

Nem todo o pedido de ajuda é manifestado claramente, o mesmo pode estar nas

entrelinhas da comunicação, a pessoa que oferece ajuda precisa mergulhar mais

profundamente nos sentimentos e emoções do outro para reconhecer os sentimentos mais

latentes em si, que estão limitando o seu caminhar. Travelbee (1979) define “comunicação

como uma capacidade humana para o estabelecimento de trocas e informações e significados

sobre mundo e sobre si mesmo. Pode permitir ao enfermeiro estabelecer uma relação pessoa-

pessoa”.

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Rogers (1983) ressalta a importância da comunicação na relação de ajuda, da

capacidade de ouvir o outro, não apenas as palavras, mas principalmente os pensamentos,

sentimentos e os significados mais profundos da vida desta pessoa.

É pela comunicação estabelecida com o paciente, que a enfermagem pode

compreendê-lo em toda a sua visão de mundo, isto é, seu modo de pensar, sentir e agir. Só

assim podemos identificar os problemas por ele sentido com base no significado que ele

atribui aos fatos que lhe ocorrem e tentar ajuda-los a encontrar meios para manter ou

recuperar sua saúde. Mais ainda, ajudá-lo a sair de da situação de doença mais amadurecida,

fortalecida pela experiência vivida. Porque cada experiência de vida constitui uma

aprendizagem, o que implica em mudança de comportamento (STEFANELLI, 1991). Para

Rogers (1983), quando as pessoas são ouvidas do modo empático, isto lhes possibilita ouvir

cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas à medida que uma pessoa

compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias

experiências. A pessoa torna-se mais verdadeira e mais genuína, essas tendências, que são a

recíproca das atitudes do profissional, permitem que pessoa seja uma propiciadora mais

eficiente do seu crescimento. Sente-se mais livre para ser uma pessoa verdadeira e integral.

Rogers (1983) enfatiza, também, a importância do “saber ouvir” no processo de

relação interpessoal, a capacidade de ouvir as palavras, os sentimentos, a tonalidade dos

sentimentos, o significado pessoal, até mesmo os significados que se escondem as intenções

inconscientes do cliente.

A pessoa que necessita de ajuda depara com vários problemas, emocionais,

econômicos, sociais, familiares, espirituais, conjugais, esses problemas são todos importantes

quando relacionados à manutenção de saúde e paz consigo próprio e com as outras pessoas.

Alguns destes problemas são mais evidentes e perceptivos na sociedade, tendo um cuidado e

uma melhor atenção. A pessoa que oferece ajuda deve ter em mente que o lado emocional

fica, muitas vezes em um cantinho escuro e frio do ser humano, pedindo para que alguém leve

luz e calor naquele local tão deserto.

Existem vários direcionamentos e sinais que a outra pessoa demonstra no pedido de

ajuda, então, quem oferece ajuda deve estar totalmente centrado na pessoa, para que estas

situações não passem despercebidas, onde na maioria das vezes, as pessoas desconhecidas ou

familiares não conseguem perceber e nem sabem lidar com essas situações de emoções

latentes.

Segundo Rogers (1989), para que se crie um clima facilitador de crescimento é

necessária a presença das condições de autenticidade, aceitação e compreensão empática. O

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autor reforça a importância da autenticidade nas relações, pois, quanto mais o profissional for

ele mesmo na relação com outro, quanto mais puder remover as barreiras profissionais e

pessoais, maior a probabilidade de que o cliente mude a crença de um modo construtivo. Isto

significa que o profissional está vivendo abertamente o sentimento e atitude que fluem

naquele momento, sendo transparente.

Para o autor a segunda atitude importante na criação de um clima que facilite a

mudança é a aceitação, o interesse ou a consideração, uma aceitação incondicional. Quando o

profissional tem plena aceitação em relação ao que quer que o cliente seja naquele momento,

a probabilidade de ocorrer um movimento de ajuda ou uma mudança aumenta.

Para Barros et al. (2003), “aceitar o paciente não é somente compreendê-lo, mas

também, considerá-lo como ser humano, com sentimentos e valores que lhe são peculiares e

que determinam as atitudes expressa em seu comportamento”. Travelbee (1979) destaca que

aceitar o paciente é um aspecto orientador do trabalho dos profissionais de enfermagem.

Enfatiza a importância da aceitação do paciente e que demonstre tal aceitação. Aceitar não

significa concordar como qualquer comportamento dele, mas implica em tomar consciência

do significado socialmente não aceito desse comportamento.

A outra questão a ser observada é a compreensão empática, quando o profissional

capta com precisão os sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo e

comunica esta compreensão ao cliente.

O relacionamento interpessoal é muito mais complexo, onde a empatia de ambos é

muito importante para reconhecer as necessidades básicas humanas e poder ter uma relação de

ajuda verdadeira.

No processo de relação de ajuda é fundamental que se estabeleça um clima de

confiança, onde o cliente confie no profissional do jeito como ele é (ROGERS, 1991).

A pessoa que necessita de ajuda, precisa se sentir seguro, não ameaçada, respeitada

sempre na privacidade de suas emoções, e quem oferece ajuda deve compreender que o

processo de mudança é lento para algumas pessoas e mais rápido para outras, devendo ser

respeitados os ritmos de cada uma. Os participantes do estudo percebem e vivenciam no

processo de ajuda estabelecido, pela segurança oferecida uma melhora significativa na sua

experiência de adoecimento, confirmada na fala abaixo:

“[...] essa sensação pior já passou, agora já está bem mais tranqüilo, talvez pela segurança de estar bem perto de pessoas que para ficarem em qualquer situação, passa né, a contribuir em resolver e ajudar [...]” (ÀGUA).

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Os clientes perceberam os benefícios deste atendimento diferenciado, a presença

verdadeira dos profissionais de enfermagem, a atenção voltada para uma relação interpessoal

terapêutica pessoa-pessoa e expressam este sentimento, conforme relato abaixo:

“[...] quando eu fico neste estado, eu procuro medir a minha pressão, sabe então, foi por isso que eu cheguei aqui, e fui atendido por vocês, e o que tenho mais a relatar, é que eu agora estou bem melhor, mas olha, melhorei bastante [...]” (ESTRELA).

Somente quando cada indivíduo na interação percebe o outro como ser humano que a

relação é possível. Ela se refere não a uma relação profissional de enfermagem/cliente, mas

sim a uma relação ser humano/ser humano, que ela descreve como uma experiência

mutuamente significativa (TRAVELBEE apud TOWNSEND, 2002).

O acadêmico ao realizar esta relação de ajuda, teve uma participação não só como

ouvinte, mas criando ali uma relação de ajuda, uma área de conforto emocional, fazendo a

outra pessoa refletir sobre este processo da sua vida pessoal, familiar, conjugal, etc., deixando

o mesmo mais sereno para organizar estas emoções e resolver seus conflitos.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os ritmos e exigências da vida moderna, traduzidos em grandes problemas sociais têm

exigido das pessoas um esforço quase sobre humano de adaptação às mudanças rápidas e aos

novos padrões contemporâneos. Neste clima que caminha carregado de alta competitividade,

permeado de muita violência e em alta velocidade, faz com que o ser humano para sobreviver,

pague um preço alto, com uma moeda representada por sentimentos que expressam medo,

insegurança, ansiedade, angústia, tristeza e muitos outros.

Muitas pessoas, em alguns momentos de suas vidas, sem os mecanismos de defesa

necessários, e vivenciando estes sentimentos, os transformam em sofrimento psíquico, em

intensidade quase insuportável. Como não conseguem resolver ou enfrentar os problemas e

sem a possibilidade de amenizar o sofrimento emocional, os transformam em sintomas

clínicos, como uma forma de chamar a atenção para si e pedir ajuda às pessoas que lhes

rodeiam. Estas pessoas chegam, então, aos Serviços de Saúde e Emergência Clínica para pedir

esta ajuda.

A necessidade de estudar este tema surgiu do meu exercício profissional, das minhas

inquietações, da minha prática diária de fazer enfermagem, quando percebo as dificuldades

vivenciadas pelas equipes de saúde e em especial da enfermagem no cuidado de pessoas que

procuram os serviços clínicos, com sintomas físicos, em busca de conforto emocional.

A partir deste estudo, vivenciei como acadêmico de enfermagem uma experiência

ímpar para o meu aprimoramento profissional, que oportunizou compreender melhor o

processo vivencial do ser humano, podendo sentir a outra pessoa, através, dos seus gestos

suas emoções exteriorizadas. E poder entrar em seus mundos, conhecer a outra pessoa através

dos seus relacionamentos, das suas experiências e seus desafios. Para mim, foi uma lição de

vida, poder presenciar momentos tão intensos como foram esses, quando percebi o quanto o

ser humano é complexo e especial e como cada um convive e lida com os mesmos problemas

emoções de diferentes maneiras, exigindo de mim uma maior compreensão.

O desenvolvimento do estudo só foi possível, através da participação e receptividade

dos clientes, que permitiram momentos de co-existência, baseados em sentimento de

confiança, que facilitaram a realização do mesmo. No decorrer do processo, os clientes

mostraram-se confiantes para compartilhar suas percepções, experiências, emoções e

sentimentos, como também, de participar do processo de Relação Pessoa a Pessoa, no sentido

de buscar alívio e enfrentamento para o seu sofrimento psíquico.

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Espero que este trabalho possa ser mais um instrumento de conhecimento e pesquisa

para os profissionais de saúde em especial os de enfermagem, contribuindo para a ampliação

de seus conhecimentos sobre o tema e poderá ajudá-los a compreender melhor os sentimentos,

as emoções e conflitos que os pacientes vivenciam quando chegam para atendimento, tanto na

área hospitalar, quanto na área coletiva, e que possa despertar nestes profissionais um

interesse genuíno por um atendimento mais adequado, pois, os clientes com sintomas

somáticos decorrentes de sofrimento psíquico estão todos os dias em contato com os

profissionais de enfermagem, deixando, muitas vezes, estes profissionais impotentes e

inseguros por não saberem lidar com esses sentimentos.

A utilização do referencial teórico de Travelbee nos torna participantes do processo da

vida humana, na intersubjetividade do relacionar-se com outro ser, trazendo a possibilidade de

inteiração para ajudá-lo a superar seus conflitos e sofrimento psíquico.

Avaliando a aplicação da teoria da “Relação Pessoa a Pessoa” de Travelbee, nesta

proposta de inter-relação, percebi que a teoria é estruturada e deu boa sustentação a esta

prática, mostrou-se resolutiva, pertinente e adequada, permitindo conhecer melhor o ser

humano, respeitando necessidades, limites e escolhas, criando espaço para reflexão no sentido

do enfrentamento e superação destas pessoas.

Os conceitos e pressupostos da teoria serviram de guia para elaboração e

aprimoramento dos meus pressupostos relacionados aos clientes com sintomas somáticos,

decorrentes de sofrimento psíquico, os quais acompanharam todo o desenvolvimento deste

estudo e confirmaram as minhas crenças nesta clientela diferenciada.

Entendo a necessidade de engajamento e parcerias com profissionais de outras áreas

da saúde, principalmente àqueles que labutam na saúde mental, ressaltando a importância das

trocas de saberes, no sentido do desenvolvimento do trabalho conjunto, tão necessário neste

tipo de atendimento.

Para finalizar, entendo que os objetivos deste estudo foram alcançados, pois, permitiu

através dos encontros e da Relação pessoas a pessoa estabelecida, conhecer os sentimentos e

percepções dos clientes com sintomas somáticos, decorrentes de sofrimento psíquico,

atendidos um Serviço de Emergência Clínica apresentados em quatro categorias de análise.

Na categoria “A procura do serviço de emergência: o pedido de ajuda”, os clientes

apoiados pela relação de ajuda estabelecida, relataram as suas percepções sobre os sintomas

somáticos que os fizeram procurar os Serviços de Emergência Clínica. Estas percepções

foram centradas nos sintomas físicos, onde os mais freqüentes estão ligados aos sistemas

cardiovasculares, respiratórios e gastrintestinais. As queixas somáticas foram de toda ordem,

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desde dor torácica, palpitações, taquicardias, hiperventilação, calafrios, até tonturas e ânsia de

vômito. Neste momento a maioria dos entrevistados ainda não percebe clara a ligação destes

sintomas físicos com seu sofrimento emocional.

A segunda categoria “Os sentimentos presentes: o sofrimento psíquico” o pano de

fundo aparece, os sentimentos se mostram, e a partir da relação pessoa a pessoa, emergem as

causas da somatização, a verdadeira razão da busca pela ajuda, são apresentados os

sentimentos e percepções dos clientes relacionados ao sofrimento psíquico. Na realização do

estudo esse foi um momento crucial, pois, através da aceitação e de uma atitude não

julgadora, o acadêmico de enfermagem pode aprofundar-se no processo de inteiração e

auxiliar o cliente na compreensão do significado daquela experiência, vivida naquele

momento, de estar ali, em um Serviço de Emergência Clínica, solicitando ajuda. Apareceram

sentimentos de medo, angústia, ansiedade, medo da morte, estresse, frustração, desesperança,

tristeza, solidão, conflitos pessoais e muitos outros. Na medida em que ia se desenvolvendo o

processo de ajuda, com a abordagem e inter-relação do acadêmico, estes sentimentos se

traduziram em conflitos familiares, conflitos de decisão, sentimentos de perda pessoais e

familiares, todos ligados à presença de sofrimento psíquico intenso.

Na categoria “A atenção da Enfermagem: uma prática desconhecida,” ficou evidente

na percepção dos usuários do Serviço de Emergência Clínica quanto a ausência de uma

prática voltada para a atenção ao sofrimento emocional destes clientes. Tanto equipe de saúde

na sua totalidade, quanto à equipe de enfermagem, não foram percebidas neste atendimento.

As observações do pesquisador, realizadas sob forma de “observação participante”,

mostraram as ações da equipe de enfermagem totalmente voltada e preparada para os

procedimentos clínicos de alta complexidade, abrindo uma lacuna na atenção aos sintomas

psíquicos apresentados.

A quarta e última categoria, “A Relação Pessoa a Pessoa: o oferecimento da ajuda”

constituiu-se de um momento único, quando acadêmico de enfermagem e cliente

estabeleceram o processo da Relação Pessoa a Pessoa, propiciando a interação e o

oferecimento da ajuda. Aqui os participantes puderam refletir sobre os sentimentos presentes

e com a orientação do acadêmico, respeitando os ritmos do cliente foram sendo esclarecidos

os significados daquela experiência, no sentido do cliente perceber o problema e traçar formas

de enfrentamento para uma vida melhor.

Ao concluir este estudo tenho a sensação de que este não foi finalizado, mas que na

realidade está abrindo caminhos e possibilidades para novos estudos e questionamentos sobre

o tema, pois, muito ainda se tem a fazer para melhorar o atendimento desta clientela pelos

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profissionais de saúde que atuam nesta área. Deixo aqui a proposta deste desafio.

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8. REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1

Termo de compromisso de orientação

Eu, Valdete Préve Pereira, professora da disciplina Saúde da Mulher, da Criança, do Adolescente, do Adulto e do Idoso, do Curso de Graduação de Enfermagem, da Universidade do Vale do Itajaí – Centro de Educação – Campus Biguaçu, concordo em orientar o aluno: Acácio Henrique Manchini no decorrer do desenvolvimento da pesquisa, tendo como tema: “Sentimentos e percepções do cliente com sintomas somáticos decorrentes de sofrimento psíquico atendido em unidade de emergência clínica”.

Conforme projeto ora submetido à aprovação. Todos estão cientes das Normas para Elaboração do Trabalho de Conclusão do

Curso, bem como, dos prazos de entrega das tarefas. Biguaçu, 20/09/07.

_____________________________ Acácio Henrique Manchini

Pesquisador

______________________________________ Valdete Préve Pereira

Orientadora

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APÊNDICE 2 Termo de consentimento livre e esclarecido

Este instrumento tem a intenção de obter o seu consentimento por escrito

para participar do estudo “Sentimentos e percepções do cliente com sintomas somáticos decorrentes de sofrimento psíquico atendido em unidade de emergência clínica”, durante o período de dezembro de 2007 a janeiro de 2008, com o intuito de contribuir para o levantamento de dados do Acadêmico de Enfermagem, Acácio Henrique Manchini, nesta Instituição.

O estudo tem por objetivo conhecer os sentimentos e percepções dos clientes que vivenciam reações emocionais frente ao cuidado de enfermagem prestado em um serviço de emergência clínica.

Os relatos obtidos serão confidenciais e, portanto, não utilizarei os nomes dos participantes em nenhum momento, garantindo sempre o sigilo da pesquisa e os preceitos éticos da profissão.

Saliento que após a coleta de dados, seu relato será entregue para seu parecer final, estando você livre para argumentar, interferir ou recusar as informações, como também, desistir de participar do estudo em qualquer momento do desenvolvimento da pesquisa.

Será entregue a você uma cópia deste termo, e outra ficará arquivada com a pesquisadora.

Certa de sua colaboração, agradeço a sua disponibilidade em participar do estudo nos possibilitando a aquisição de novos conhecimentos, bem como, as prováveis mudanças que repercutirão na prática da Enfermagem.

Eu,........................................................................................., consinto em participar desta pesquisa, desde que respeite as respectivas proposições contidas neste termo.

Atenciosamente

Florianópolis, setembro de 2007

___________________________ Acácio Henrique Manchini Acadêmica de Enfermagem

________________________________Valdete Preve Pereira

Orientadora

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APÊNDICE 3 Solicitação prévia de autorização da instituição

Biguaçu, 20 de Setembro de 2007.

Para: S.O.S. Cárdio Responsável: Fernando Graça Aranha Assunto: Autorização para Pesquisa.

Prezado Senhor:

Como aluno do Curso de Graduação em Enfermagem da UNIVALI, solicito a autorização para a realização das atividades previstas nesse Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado: “Sentimentos e percepções do cliente com sintomas somáticos decorrentes de sofrimento psíquico atendido em unidade de emergência clínica”.

Assumo o compromisso ético de manter o sigilo das informações e proteção da imagem e prestígio dessa Instituição, sendo que estes dados serão utilizados em meu estudo acadêmico.

Contando com sua colaboração, agradeço antecipadamente.

Atenciosamente,

_______________________ Acácio Henrique Manchini

Acadêmico de Enfermagem.

______________________________________ Valdete Préve Pereira

Orientadora

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APÊNDICE 4

Roteiro para a entrevista semi-estruturada 1. Por que você procurou atendimento na emergência? 2. É a primeira vez que você apresentou estes sintomas? Por que lhe acontece isso? 3. Em sua opinião, qual é o problema? Por que lhe acontece isso? 4. Que razões você daria para o inicio dos sintomas, neste momento específico? 5. Como você se sente neste momento, o que lhe incomoda mais, o que lhe aflige? 6. Você sabe o que lhe acontece? Tem algum conhecimento sobre esta patologia? 7. Qual é o significado desta experiência para a sua vida? 8. O que mais lhe ajuda a superar estes momentos difíceis? O que mais lhe tranqüiliza? 9. Já procurou ajuda em outros lugares ou instituições? 10. Que tipo de ajuda você espera ter no momento de crise? 11. Como você percebeu o atendimento dado pelos profissionais da clínica? Em especial os profissionais de Enfermagem? Você conseguiu distinguir este atendimento? 12. Como você gostaria de ser atendido, ou de ser tratado, ou que atendimento você esperava do pessoal de enfermagem? 13. O que você sente que pode lhe ajudar daqui para frente, alguns profissionais ou alguma instituição?