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Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São José Curso de Relações Internacionais CHINA: OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE E DA MUDANÇA CLIMÁTICA Karine Rodrigues Guollo Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí. Professor Orientador: Prof. Sérgio Luís Boeira UNIVALI SÃO JOSÉ - 2008

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Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São José Curso de Relações Internacionais

CHINA: OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE E DA MUDANÇA CLIMÁTICA

Karine Rodrigues Guollo

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí.

Professor Orientador: Prof. Sérgio Luís Boeira

UNIVALI SÃO JOSÉ - 2008

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CHINA: OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE E DA MUDANÇA CLIMÁTICA

Karine Rodrigues Guollo Sumário

Introdução 1. Contextualização histórica e geográfica da China 2. Sustentabilidade: Conferências da ONU 3. Relações Internacionais e Teoria da Sustentabilidade 4. “Milagre Econômico” versus Sustentabilidade Socioambiental 5. Mudança Climática Global e a China Considerações Finais Referências.

RESUMO: Este artigo – contrariando a tendência dominante de enfoque unilateral sobre o desenvolvimento econômico da China e suas potencialidades mercadológicas no cenário internacional – apresenta esta nação no contexto das Conferências Internacionais da ONU dedicadas aos problemas que vinculam as noções de meio ambiente e desenvolvimento. Observou-se que a história chinesa foi marcada por momentos difíceis, com profundas alterações, antes de sua ascensão rápida nas duas últimas décadas. Porém, novos e mais complexos desafios começam a ser delineados, como a degradação ambiental e as mudanças climáticas. Apesar do crescimento econômico, com destaque para a produção de bens e serviços, em virtude do avanço tecnológico, a promessa de diminuir a pobreza e a desigualdade social parece impossível sem um questionamento do modelo insustentável de desenvolvimento socioeconômico. Nesse sentido o artigo toma como referência principal a contribuição do economista e ambientalista Ignacy Sachs, defensor do ecodesenvolvimento, visando introduzir o debate sobre as dimensões da (in) sustentabilidade da maior potência emergente no século XXI. Palavras-chave: China; mudança climática; sustentabilidade.

ABSTRACT: This article – countering the dominant tendency of unilateral focus on economic development in China and their marketing potential in the international arena – presents this nation in the context of the UN International Conference dedicated to the problems that bind the concepts of environment and development. It was observed that Chinese history was marked by difficult times, with profound changes, before its rapid ascension in the last two decades. However, new and more complex challenges are beginning to be delineated, such as environmental degradation and climate change. Despite economic growth, with emphasis on the production of goods and services, as a result of technological advance, the promise of reducing poverty and social inequality seems impossible without a questioning of the unsustainable model of socioeconomic development. In that sense the article makes reference to the main contribution of Ignacy Sachs economist and environmentalist, supporter of ecodevelopment, aiming to enter the debate on the size of the (un) sustainability of major emerging power in the XXI century. Key-words: China, climate change, sustainability.

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Introdução:

Os recursos naturais do planeta são finitos e, portanto, é plausível pensar que

precisam ser utilizados de modo sustentável, para o bem das futuras gerações. Foi esta

constatação que possibilitou o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável.

Mais que um termo da moda, sustentabilidade é uma forma de viabilizar o desenvolvimento

econômico no longo prazo, com benefícios para a sociedade como um todo.

O presente trabalho aborda como tema principal a China e os desafios ambientais

relacionados ao seu acelerado crescimento. Busca interpretar os desafios da China à luz da

teoria da sustentabilidade, especialmente em relação à mudança climática global,

considerando-se o chamado milagre econômico recente. Pretende também descrever

aspectos históricos e teóricos da noção de sustentabilidade, tomando-se como referência

especial a abordagem de Ignacy Sachs, economista com formação interdisciplinar e

transdisciplinar, consultor da ONU e uma das mais destacadas figuras no debate

internacional sobre a crise ecológica global1. A abordagem é introdutória, contextualizadora

e não exatamente analítica, enfatizando a complexidade das dimensões da sustentabilidade

(social, econômica, ecológica, cultural e espacial), articuladas politicamente. Trata-se de

uma perspectiva aberta, dialógica, sobre um tema vasto e complexo.

O debate acerca da questão ambiental nas Relações Internacionais (RI) é

relativamente novo. Está ainda longe de tornar-se estratégico e central, conforme propõe a

abordagem da sustentabilidade desenvolvida por Sachs. Os internacionalistas, de um modo

mais ou menos generalizado, carecem de uma formação interdisciplinar que inclua as

ciências da natureza, como a ecologia, permanecendo no âmbito das ciências sociais e

humanas. Além disso, sofrem uma forte influência do positivismo jurídico e do estatismo

(realismo), abordagens notavelmente insensíveis à crise ecológica global. Portanto, este

1 Ignacy Sachs nasceu na Polônia, naturalizou-se francês e viveu quatorze anos no Brasil. Formou-se na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro, atualmente Universidade Cândido Mendes. Obteve seu doutorado em economia na Universidade de Delhi, na Índia, e estudou intensamente a realidade dos países do Hemisfério Sul. De 1968 s 2004, lecionou na famosa Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, onde dirigiu o Programa de Doutorado em Pesquisas Comparativas sobre Desenvolvimento, além de fundar e dirigir o Centro Internacional de Pesquisas sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CIRED) e o Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo (CBBC). Foi também assessor do Secretário Executivo da Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Atualmente preside o Grupo consultivo de experts da Iniciativa dos Biocombustíveis da UNCTAD. (SACHS; FREIRE, 2007).

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artigo apresenta-se de forma relativamente marginal no debate internacionalista, visando

contribuir com uma abordagem inovadora e propondo que a teoria da sustentabilidade de

Sachs seja objeto de outros estudos em R.I.

Em termos de relações internacionais, é imprescindível apontar como marco inicial

do debate a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano,

em Estocolmo, no ano de 1972. Desde então, multiplicaram-se as Conferências e a

elaboração de Convenções, visando deter a insustentabilidade ambiental dos modelos

industriais de desenvolvimento econômico.

O presente artigo destaca as seguintes seções: 1) Contextualização Histórica e

Geográfica da China; 2) Sustentabilidade: Conferências da ONU; 3) Relações

Internacionais e Teoria da Sustentabilidade, 4) “Milagre Econômico” versus

Sustentabilidade Socioambiental, 5) Mudança Climática Global e a China.

1. Contextualização Histórica e Geográfica

O assim chamado Grande Dragão do século XXI, a China, atualmente se encontra

entre as maiores potências do mundo. Assim esta nação não poderia continuar isolada das

ações e políticas que produzem as relações internacionais, envolvendo os aspectos

políticos, comerciais, culturais, entre outros. Nesse contexto é preciso compreender melhor

este país para entender sua posição no cenário internacional.

Com dimensões continentais, a China é o país mais populoso do planeta com

aproximadamente 1,25 bilhão de pessoas. Situada na parte leste da Ásia, é o terceiro maior

país do mundo em extensão territorial (área de 9.596.961 km2) depois da Federação Russa

(17.075.400 km2) e do Canadá (9.976.13 km2). Sua Capital é Pequim. O mandarim é o

idioma oficial embora existam muitos outros dialetos regionais e a sociedade convive com

56 nacionalidades, a mais numerosa é a dos chineses Han (COUTO, 2008, p. 10-13).

A China é um dos países com a civilização mais antiga do mundo, registrando uma

história escrita que remonta há mais de 4000 anos. Há milhares de anos, já existia na região

uma agricultura desenvolvida, além de ricas atividades culturais. Neste contexto se faz

necessário abordar, mesmo que de forma breve, alguns aspectos relevantes da história da

China.

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As grandes dinastias do passado manifestaram de fato progressos técnicos e

culturais surpreendentes. Os antigos chineses foram cientificamente avançados e são os

responsáveis por diversas invenções como o papel, a bússola, a pólvora e a impressão

(FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p. 17-20).

A China é um país multirreligioso. As raízes da perspectiva religiosa chinesa estão

no Confucionismo, no Taoísmo e no Budismo2. A civilização chinesa é muito antiga, assim

como sua organização social, essa estruturação proporcionou o surgimento de diferentes

religiões (COUTO, 2008, p.50).

“O confucionismo3 procurou transformar cada indivíduo em um ser moral, pronto

para agir com base em ideais, a defender a virtude contra o erro humano, até mesmo de

maus governantes” (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p.67).

Como filosofia de vida, associa-se ao confucionismo:

[...] as virtudes silenciosas da paciência, pacifismo e honra; a reverência aos ancestrais, aos idosos e às pessoas cultas; e, sobretudo, um humanismo brando, que considera o homem, e não Deus, como o centro do universo (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p.66).

O taoísmo está fundamentado nos ensinamentos de Lao Tsé e também de Chuang

Tsé. Expressa a visão naturalista do homem comum e a crença nos espíritos invisíveis da

natureza (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p. 66). Incorpora os conceitos tradicionais do

yin e do yang, fundamentais numa das obras mais antigas da história da humanidade: I

Ching: o livro das mutações (WILHELM (1982)4. Yin representa o princípio feminino, o

acolhimento, muitas vezes confundido por leigos ocidentais como passividade e fraqueza.

Yang representa a masculinidade, a ação, a criatividade, muitas vezes confundida com

força.

Solomon e Higgins (2006, p. 26) afirmam que, juntos, Confúcio e Lao Tsé (século

VI antes de Cristo) definiram a filosofia chinesa. Eles concordavam quanto à ênfase sobre a

harmonia, como estado ideal, tanto da sociedade quanto do indivíduo, e defendiam uma

concepção abrangente da vida humana, que destaca o lugar da pessoa num contexto mais

2 A fé budista foi importada da Índia na metade do século I d.C e foi ganhando adeptos. 3 Expressão derivada da influência de Confúcio, filósofo e teórico político que teve e ainda tem grande influência na China e em toda Ásia oriental. As noções de moral, integridade, modéstia e humanidade são centrais no seu pensamento (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p. 66). 4 Tal obra surgiu no período anterior à dinastia Chou (1150-249 a.C).

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amplo (que pode ser concebido como contrário ao individualismo moderno, ocidental).

Ambos tratam do Tao (traduzido como “caminho”, a partir do título do livro Tao Te Ching,

ou seja, atribuído a Lao Tsé).5 Solomon e Higgins observam que a palavra grega diké, com

freqüência traduzida como “justiça”, também significava “o caminho”. Confúcio dizia que

o caminho para a boa vida era seguir as tradições de honra e respeito pelos ancestrais,

enquanto que Lao Tsé apresenta uma interpretação mais complexa e misteriosa. Segundo

ele, o Tao que “pode ser seguido não é o verdadeiro Tao; o nome que pode ser proferido

não é o verdadeiro nome”. Lao Tsé atribuía grande relevância à natureza e

proporcionalmente um valor menor à sociedade humana, ao contrário de Confúcio. Lao Tsé

tinha “muito mais fé na natureza e muito maior tolerância pelas paixões de homens sem

instrução, sem cultura” (SOLOMON; HIGGINS, 2006, p. 26). 6 A tradição taoísta

representa, portanto, um potencial de transformação contemporânea em favor da

sustentabilidade em suas dimensões social, cultural e ambiental.

A história da China pode ser dividida nas seguintes fases: pré-dinástico (até 2200

a.C. primeira dinastia, a Xia); dinástico (2200 a.C até 1911 d.C, ano em que a dinastia Qing

cedeu lugar à República); de transição (1912-1949); e comunista, a partir de primeiro de

outubro de 1949 (GIFFONI, 2007, p.30).

A China, a partir do século XIII, mantém contatos mais freqüentes com o Ocidente,

por intermédio de mercadores venezianos. A partir do século XIX, a influência do Ocidente

causou um grande impacto sobre o Império Chinês. Em 1820, os britânicos obtiveram a

exclusividade do comércio no Porto de Cantão. Interesses comerciais opuseram a China e a

Grã-Bretanha e levaram à Guerra do Ópio7. Vitoriosos, os britânicos garantiram o

monopólio do comércio do produto, a abertura de cinco portos chineses ao Ocidente e a

posse de Hong Kong, cuja devolução foi feita em 1997 (HAESBAERT, 1992, p.15-22) O

5 Traduzido no Brasil pelo poeta Mário Quintana e por Murillo Nunes de Azevedo (1975) com o título de O

Caminho Perfeito. Richard Wilhelm (1978) escreveu a mesma obra com título Tao-te King: o livro do sentido

e da vida. Recomenda-se, também, ver o estudo de Blofeld (1987). 6 Em uma obra de 557 páginas, David Cooper (2002) critica a tendência da história da filosofia escrita por ocidentais em minimizar a relevância e a profundidade das filosofias orientais. Em “As filosofias do mundo: uma introdução histórica”, Cooper faz uma análise que mostra certas semelhanças e diferenças entre as filosofias de vários continentes. 7 Na Guerra do Ópio (1840-1842) travada entre a China e a Grã-Bretanha, os ingleses queriam comercializar o ópio da Índia com a China que em determinado momento da história posicionou-se contra o comércio de drogas dando início à luta entre os dois países.

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final do século XIX representou uma verdadeira rendição, não só frente ao Ocidente, mas

também em relação a seus vizinhos russos e japoneses.

O período maoísta teve início em 1949, com a fundação do Partido Comunista

Chinês (PCC), e a criação da República Popular da China, sob a liderança de Mao Tse-

tung, e se estendeu até 1976, ano de sua morte. Foi uma época de muitas transformações,

marcada por várias revoluções. Mao Tse-tung buscou industrializar a China que, embora

fosse um país predominantemente socialista, possuía desigualdades internas relevantes e

um alto índice de desemprego (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p.317).

O Partido Comunista chinês, após assumir o Poder, procurou reconstruir e unificar o

país. As profundas transformações que ocorreram colocaram a China em posição de

destaque no cenário internacional.

Durante o governo de Mao, a China possuía aproximadamente 600 milhões de

habitantes, quase um quarto da população mundial. A reforma agrária tornou-se vital,

principalmente porque 90% da população vivia no campo. Cerca de 470 milhões de

hectares de terras foram distribuídos entre 70 milhões de famílias chinesas. Pouco tempo

depois, os camponeses reuniram-se em cooperativas, dando início à coletivização da

agricultura chinesa (CUNHA, 2008, p.115).

Muitas medidas foram tomadas pelos comunistas para evitar um boicote ao

governo. Muitos dos ex-proprietários de latifúndios foram levados a julgamento e

condenados à prisão perpétua com trabalhos forçados ou à morte. Além disso, foi realizada

uma grande campanha contra a corrupção, as missões religiosas e o imperialismo norte-

americano.

Todas as iniciativas resultaram no crescimento econômico e aumento do índice de

produtividade. No entanto, em muitos momentos os salários baixos dos operários e a

coletivização das terras despertaram críticas ao governo, principalmente por parte dos

estudantes, que eram reprimidos com violência8.

Em 1958, ocorreu o chamado Grande Salto para a Frente, movimento liderado por

Mao Tsé-tung, um programa de aceleração do crescimento – um fracasso que trouxe a

maior mortandade por fome da história (GIFFONI, 2007, p.50). Com o Grande Salto, a

8 Pode ser citado como exemplo o massacre da praça Tiananmen, em 1989. Vários estudantes foram mortos e presos por desafiar as autoridades e lutar pela democracia (GIFFONI, 2007 p.48).

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China tentava superar a Inglaterra em 15 anos, mobilizando-se em um intenso esforço de

coletivização integral e de industrialização. O Grande Salto consistiu na tentativa de

aumentar a produção agrícola, superando, dessa forma, as diferenças entre a cidade e o

campo (CUNHA, 2008, p.77).

Entretanto, o Grande Salto sofreu uma dura derrota, trazendo à China graves

problemas na produção, aumentando ainda mais as dificuldades econômicas vivenciadas

pelos chineses, fazendo tombar no caos toda a economia nacional. Com o fim deste

movimento, Mao Tsé-tung praticamente se retirou de cena, abrindo espaço para Deng

Xiaoping e Liu Shaoshi, que assumem a liderança do país com idéias inovadoras e bem

sucedidas no aumento da produtividade agrícola e na industrialização (GIFFONI, 2007,

p.51).

Em 1964, surgiu o programa das Quatro Modernizações (agrícola, industrial, defesa

nacional e cultural; elaborado por Deng, constituiu em uma tentativa de combinar o

socialismo e o capitalismo). Porém, no contexto de expansão do socialismo, esse programa

perdeu força e, a partir de 1966, deu-se início à Revolução Cultural (FAIRBANK;

GOLDMAN, 2008, p.317).

A Revolução Cultural se deu entre 1966-1976, com o intuito de superar os

problemas econômicos causados pelo Grande Salto e reajustar a economia. O principal

ponto de partida desse movimento consistiu na reforma do ensino, propondo uma

campanha segundo a qual os valores culturais socialistas seriam divulgados pelo país. Seria

uma revolução dentro da revolução, com os objetivos de purificar o PCC, retomar os ideais

socialistas e eliminar seus rivais (HAESBAERT, 1994, p.20-25). Os intelectuais foram

encorajados a prestar apoio ao regime socialista, e receberam, assim, a confiança desse

regime. No entanto, tais intelectuais foram submetidos a sessões de humilhação pública por

serem acusados de tentar restaurar o capitalismo na China, pois passaram a criticar

severamente o Grande Salto. Assim, a Revolução Cultural entrou em processo de

esgotamento.

Durante a Revolução Cultural foi proibida a divulgação ou a entrada no país de

valores ou idéias ocidentais. Livros foram queimados e a China fechou-se para o mundo.

A Revolução Cultural encerrou-se oficialmente em 1976, com a morte de Mao Tsé-

tung e a prisão dos quatro dirigentes mais importantes da Revolução (Wang Hongwen, Yao

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Wenyuan, Zhang Chuqiao e Jiang Qing, viúva de Mao Tsé-tung), conhecidos como o

“Bando dos Quatro” (GIFFONI, 2007, p.49-51).

Quando Deng Xiaoping ascendeu ao poder, a China enfrentava graves problemas,

como a inflação alta, o desemprego e a falta de acesso a moradias. Com as Quatro

Modernizações, a luta de classes e a luta pela produção deveriam ser transformadas. As

modernizações industrial e agrícola significaram um maior intercâmbio entre a China e o

mercado internacional, trazendo tecnologia ao país e possibilitando, assim, a sua

modernização. Durante toda a década de 80, coloca-se em prática o plano de reformas

elaborado por Deng (MARTI, 2007, p.2-8).

A partir das criações das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), a China abre suas

fronteiras ao mercado internacional. As ZEEs tinham como objetivo a oferta de mão-de-

obra barata, além da isenção de impostos para investidores estrangeiros. Todavia, a política

desenvolvida por Deng Xiaoping, com a criação das ZEEs, diminuiu a qualidade de vida

dos camponeses na zona rural. Além disso, o regime comunista passava a idéia de que o

país não poderia desenvolver-se, já que a ideologia predominante no mundo pós-Guerra

Fria foi o neoliberalismo, e tanto o comunismo chinês, como o soviético, eram baseados na

repressão política (MARTI, 2007, p.16-19).

A China voltou-se para o mundo capitalista globalizado. O consumo passou a ser

visto, até mesmo pelos comunistas, como uma necessidade da sociedade, porém dentro dos

padrões do socialismo estabelecido pelo Partido Comunista Chinês. Assim, a partir de

1993, quando assume o poder Jiang Zemin, ocorre uma maior abertura ao capitalismo

internacional e a inserção da República Popular Chinesa no comércio mundial.

Cabe observar que, apesar de tudo, houve grandes conquistas no período maoísta.

Um país que, na primeira metade do século XX, fora devastado por guerras internas,

encontrava-se, no início da década de 1980, unificado, apesar das crises de liderança

resultante da Revolução Cultural (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008, p.374). Porém, os

dirigentes chineses haviam tomado consciência de que sua política de auto-suficiência,

recusa em aceitar ajuda externa e a negativa à aquisição de tecnologia estrangeira haviam

reduzido as taxas de crescimento e o progresso em quase todos os setores da economia.

Na verdade, a China experimentou, até sua entrada na OMC (2001), três processos

desenvolvimentistas durante as gestões de Mao Tsé-tung, Deng Xiaoping e Jiang Zemin.

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Em março de 2003, foi eleito pelo Congresso Nacional do Povo Hu Jintao para presidente

da China, em substituição a Jiang Zemin, iniciando-se, nesse momento, a quarta geração de

políticos na China. Após a adesão à OMC, a China vem adaptando-se às obrigações

assumidas e às leis e regulamentos nacionais do Comércio Externo, tendo sido aprovado

naquele país um conjunto de normas que constituem o sistema legislativo sobre importação

e exportação de mercadorias hoje em vigor.

Em uma visão retrospectiva sobre as últimas décadas, observa-se que o início da

década de 1980 pode ser considerado um marco na história contemporânea da China9. Isto

porque foi nesse período que ocorreu uma abertura mais constante e decisiva do país ao

exterior, após o período turbulento da Revolução Cultural (FAIRBANK; GOLDMAN,

2008, p.374).

Desde 1978, quando Deng Xiaoping iniciou suas reformas na China, a economia

cresceu a uma média superior a 10% ao ano. Em menos de 25 anos, o país pobre e agrário

transformou-se numa grande potência econômica mundial, caminhando para tornar-se a

terceira do mundo, atrás do Japão e Estados Unidos. As exportações do país aumentaram e

o comércio exterior transformou-se em fator predominante da economia chinesa

(GRYZINSKI, 2006. p. 15).

Apesar da grande liberalização econômica adotada pela China, a política continuou

monopolizada pelo Partido Comunista. O governo ainda reprime de forma sistemática

qualquer tipo de oposição (GRYZINSKI, 2006, p. 13-14).

2. Sustentabilidade: Conferências da ONU

Para as Relações Internacionais a questão ambiental se mostra atualmente entre os

grandes temas globais. A atenção da opinião pública e as pressões políticas verificam-se

principalmente diante da evolução e a forma como foi tratado o tema no âmbito

multilateral, cujos marcos foram as conferências de Estocolmo, em 1972, do Rio de

Janeiro, em 1992, e de Joanesburgo, em 2002.

9 Sob a liderança de Deng Xiaoping, os ideólogos do Partido Comunista Chinês e os burocratas do governo iniciaram o processo de reconversão e abertura da economia. Idéias como “socialismo de mercado” e “caminho do desenvolvimento para uma ascensão pacifica” cristalizam a percepção da importância de se utilizar os instrumentos de mercado, especialmente para obtenção de tecnologia e capacidades administrativas do Ocidente, de modo a criar as condições materiais da modernização (MARTI, 2007, p.62).

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O crescimento da importância da temática ambiental no cenário internacional foi

acompanhado e também estimulado pela ONU. A partir da indicação do Conselho

Econômico Social das Nações Unidas ou United Nations Economic and Social Council

(ECOSOC), em julho de 1968, surgiu a idéia de organizar-se um encontro de países para

criar formas de controlar a poluição do ar e a chuva ácida (SOARES, 2003, p. 37-42).

Enviada à Assembléia Geral da ONU, a indicação foi aprovada em dezembro daquele ano.

Na mesma reunião definiu-se o ano de 1972 para sua realização. Estava nascendo a

conferência que marcou o ambientalismo internacional e que inaugurou um novo ciclo nos

estudos das relações internacionais. Seguiram-se quatro anos de consultas entre os Estados

e um intenso trabalho preparatório10.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em

Estocolmo, em 1972, foi um marco nas relações internacionais. Naquela ocasião, os

Estados reuniram-se, pela primeira vez, numa grande assembléia universal para tratar da

ação coletiva visando a preservação do meio ambiente enquanto elemento essencial para a

sobrevivência do ser humano e da própria civilização.

Essa Conferência chamou a atenção das nações para o fato de que a ação humana

estava causando séria degradação da natureza e criando severos riscos para o bem estar e

para a própria sobrevivência da humanidade. A Conferência foi marcada pelo confronto

entre as perspectivas dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento. Os

representantes dos países ditos desenvolvidos estavam preocupados com os efeitos da

devastação ambiental sobre a Terra, propondo um programa internacional voltado para a

conservação dos recursos naturais do planeta, pregando que medidas preventivas teriam que

ser encontradas imediatamente, para que se evitasse um grande desastre. Por outro lado, os

representantes dos países em desenvolvimento argumentavam que se encontravam

assolados pela miséria, com graves problemas de moradia, de saneamento básico, e que

necessitavam desenvolver-se economicamente. Questionavam a legitimidade das

recomendações dos países ricos que já haviam atingido o poderio industrial com o uso

predatório de recursos naturais e que queriam impor a eles complexas exigências de

10 Destaca-se a realização de um Painel de Peritos em Desenvolvimento e Meio Ambiente, celebrado em Founex, cidade próxima de Genebra, de 4 a 12 de junho de 1971, com especialistas de todas as regiões do mundo. O Relatório Founex, considerado uma das peças fundamentais para consolidar as bases conceituais a ser discutida na Conferência de Estocolmo.

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controle ambiental, que poderiam encarecer e retardar a industrialização (McCORMICK,

1992, p.99).

A Conferência, apesar de atribulada, gerou um documento histórico, com 24 artigos,

e teve como um de seus principais desdobramentos a criação do Programa das Nações

Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)11, a primeira agência ambiental global

(McCORMICK, 1992, p.114).

A Conferência resultou na elaboração da Declaração de Estocolmo sobre o Meio

Ambiente Humano. Constituiu-se numa declaração de princípios comuns no intuito de

oferecer aos povos de todas as nações inspiração e guia para buscar garantir a melhoria da

qualidade do meio ambiente humano. O meio ambiente passou a ser discutido de forma

mais global.

Além da poluição atmosférica, foram tratadas a poluição da água e a do solo

provenientes da industrialização, que avançava nos países até então fora do circuito da

economia internacional. Neste aspecto, o objetivo foi elaborar estratégias para conter a

poluição em suas várias manifestações.

Outro tema abordado em Estocolmo foi a pressão que o crescimento demográfico

exerce sobre os recursos naturais na Terra. Neste contexto, propostas de se limitar o

controle populacional e o crescimento econômico foram temas de intenso debate

(RIBEIRO, 2005, p.74).

A China foi protagonista do grande enfrentamento ocorrido na Conferência de

Estocolmo, e assim sinalizava sua intenção de ampliar sua influência sobre o cenário

internacional. Apoiando a posição dos chamados países em desenvolvimento, manifestou-

se a favor da autonomia dos países em relação à adoção de restrições ambientais, posição

vitoriosa, expressa no princípio 21 da declaração:

De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, de acordo com a sua política ambiental, e a responsabilidade de assegurar que as atividades levadas a efeito, dentro da jurisdição ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora dos limites da jurisdição nacional (SILVA, 2002, p. 325).

11 Este tinha limitações e deficiências, mas foi provavelmente a melhor forma institucional possível naquelas circunstâncias.

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13

Além disso, sugeriu que se apontasse como principal responsável pela degradação

ambiental os países desenvolvidos no texto da conferência. Apesar de não conseguir a

inclusão desse aspecto na versão final da Declaração de Estocolmo, a China indicava que

poderia firmar-se como uma das lideranças nas discussões ambientais (RIBEIRO, 2005,

p.79-81).

A principal virtude da Declaração adotada em Estocolmo é a de haver reconhecido

que os problemas ambientais dos países em desenvolvimento eram e continuam a ser

distinto dos países desenvolvidos (SILVA, 2002, p.32). Um dos resultados mais

importantes, do ponto de vista do desenvolvimento do direito internacional, foi o

estabelecimento de um conjunto de princípios, a Declaração de Estocolmo, e de um Plano

de Ação que serviram de base para políticas e medidas internas nos Estados em favor do

meio ambiente.

A segunda grande reunião das Nações Unidas sobre o meio ambiente surgiu de uma

deliberação da Assembléia Geral da ONU, em 1988. As preocupações dirigiram-se para o

desenvolvimento aliado à conservação ambiental. Em 1988 a Assembléia Geral das Nações

Unidas aprovou uma Resolução determinando a realização, até 1992, de uma conferência

sobre o meio ambiente e desenvolvimento que pudesse avaliar como os países haviam

promovido a proteção ambiental desde a Conferência de Estocolmo de 1972. Na sessão que

aprovou essa resolução o Brasil ofereceu-se para sediar o encontro em 1992.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

(CNUMAD) ficou conhecida também como Rio 92. Neste contexto, os Estados e a

sociedade civil internacional reafirmaram então a importância de reforçar e ampliar a

cooperação entre as nações.

A Conferência do Rio consolidou o movimento em defesa do meio ambiente

iniciado em Estocolmo em 1972. Reforçou a tendência à regulação multilateral sobre o

meio ambiente, mas com ênfase na sua relação com a problemática do desenvolvimento. Os

anos 80 foram marcados pelo impulso resultante da divulgação do relatório da Comissão

Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecido como Relatório

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14

Bruntland12. Neste documento definiu-se o conceito de desenvolvimento sustentável como

“aquele que atente às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as

gerações futuras atenderem suas próprias” (BRUNTLAND, 1987, p.46).

A divulgação do Relatório Brundtland, que serviu de base para discussões na

Conferência do Rio 92, confirma uma tendência em curso de associar desenvolvimento e

meio ambiente. Com uma abordagem normativa, propõe o compromisso e união entre os

países ricos e pobres e entre gerações atuais e futuras, num esforço conjunto de combate a

pobreza, degradação dos recursos naturais, e tudo aquilo que possa colocar em risco a

sobrevivência do planeta. O Relatório Brundtland sugeriu mais crescimento, porém não

mais com as bases do conceito inicial do desenvolvimento; qualidade de vida para o maior

número de pessoas, mas com o propósito de conter o desastre ambiental. Dessa maneira, a

preocupação com o meio ambiente é incorporada pelo conceito de desenvolvimento,

validando a denominação desenvolvimento sustentável13. Assim, o vínculo entre

desenvolvimento e meio ambiente se estabelece na necessidade da sustentabilidade.

A Declaração do Rio teve como ponto de partida a Declaração de Estocolmo de

1972. Os princípios gerais nela contidos não têm natureza jurídica coercitiva, porém a

concordância unânime dos Estados em relação ao seu enunciado confere-lhes uma

densidade política especial no tratamento das questões ambientais e ao desenvolvimento

sustentável (SOARES, 2003, p.52). A participação ativa de atores não-governamentais na

Conferência do Rio é um indício do papel cada vez mais importante desses atores em

negociações internacionais. Em geral, pode-se dizer que representantes de ONGs e do setor

privado têm tido um papel significativo nos anos recentes na elaboração de importantes

acordos internacionais, assistindo delegações oficiais, ou até sendo incluídos como parte

das mesmas. A Conferência do Rio propiciou um debate e mobilização da comunidade

internacional em torno da necessidade de uma urgente mudança de comportamento visando

à preservação da vida na Terra. Outro resultado da Rio 92 foi a Convenção-Quadro das

Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será tratada mais adiante.

12 O argumento central desenvolvido no Relatório Brundland é o de que o meio ambiente é um elemento essencial para o processo de desenvolvimento e não uma externalidade, como era considerado até então. Constitui um alerta para a Comunidade internacional na busca de uma ação política cooperativa capaz de deter o processo em curso, ou seja, a degradação ambiental resultante do modelo econômico industrial. 13 Em 1973, o canadense Maurice Strong lançou o conceito de ecodesenvolvimento, cujos princípios foram formulados por Ignacy Sachs.

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15

Após trinta anos da Conferência de Estocolmo e dez anos da Conferência do Rio,

em 2002 foi realizada a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em

Johannesburgo (África do Sul). Seu principal objetivo foi avaliar os avanços e dificuldades

de implementação da Agenda 21 e criar um plano de implementação para a recuperação

ambiental do planeta, reforçando os princípios firmados na Conferência do Rio. Entretanto,

nenhum dos documentos oficiais, o Plano de Ação e a Declaração de Johannesburgo, inclui

metas precisas para preservação do planeta, prevalecendo interesses econômicos e

comerciais sobre os direitos humanos e a efetiva proteção do planeta.

As Conferências anteriormente abordadas e algumas catástrofes ambientais

marcaram a construção do Direito Internacional do Meio Ambiente14, pois provocaram a

necessidade social e vontade de se produzir regras jurídicas. A necessidade de restabelecer

um equilíbrio no meio ambiente mundial ameaçado pela atividade humana motivou a

emergência de um corpo de normas internacionais que culminaram na institucionalização

do Direito Internacional do Meio Ambiente. As normas internacionais do meio ambiente

disciplinam fenômenos que ultrapassam as fronteiras dos Estados-nações, tratando de temas

que, por terem conteúdo e exigirem uma tutela global, têm sua formulação no âmbito

internacional.

3. Relações Internacionais e Teoria da Sustentabilidade

As tradições teóricas de Relações Internacionais sempre abordaram temas clássicos

como a paz e a guerra, a cooperação e o conflito, a riqueza e a pobreza. Com o fim da

Guerra Fria uma série de novos temas passou a chamar a atenção da sociedade

contemporânea. Levando em conta a complexidade e a diversidade cultural características

do mundo em que vivemos, pode-se dizer que o estudo das Relações Internacionais (RI) é

de extrema relevância para a compreensão dos fenômenos sociais em escala mundial. Neste

contexto, faz-se necessário esclarecer que simultaneamente à pluralidade desses fenômenos

está a multiplicidade de correntes teóricas da área. Nessa seção, pretende-se abordar

sucintamente as correntes teóricas mais relevantes das Relações Internacionais, destacando-

14 A importância do Direito na questão ambiental é a elevação do meio ambiente ao status de bem jurídico tutelado pelo ordenamento, surgindo a idéia de proteção e de responsabilização em caso de danos.

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16

se a peculiaridade da teoria da sustentabilidade ou ecodesenvolvimento, conforme Ignacy

Sachs.

O debate entre o Realismo e o Idealismo é tido como clássico uma vez que estas

perspectivas têm sido pioneiras no campo dos estudos em Relações Internacionais. Como

exemplos de realistas podem-se apontar Raymond Aron, Henry Kissinger, Hans

Morgenthau, Edward Hallet Carr, dentre outros. Por outro lado, Norman Angell, Francis

Fukuyama, Stanley Hoffmann têm destaque como defensores do que os realistas chamam

de Idealismo, também conhecido como Liberalismo.

A escola realista afirma defender a visão do mundo como ele é e não como deveria

ser. Em termos de política doméstica, sem ordem e uma estabilidade mínima, dificilmente

um Estado irá alcançar seus objetivos políticos ou mesmo econômicos e sociais. A

concepção do Realismo é pautada na crença de uma sociedade internacional anárquica que

propicia o clima de competição e violência. A diferença principal entre o Idealismo e o

Realismo está no fato de que idealistas consideram a lei e a organização internacional, bem

como a moralidade, além do poder, como influentes nos eventos internacionais; os realistas

enfatizam as Relações Internacionais em termos de poder (NOGUEIRA; MESSARI, 2005,

p.20-48). É relevante observar que nenhuma destas perspectivas convencionais contém

alguma contribuição no sentido de compreender-se a problemática ambiental

contemporânea.

A partir da década de 1980, a chamada Teoria Crítica, derivada da Escola de

Frankfurt, 15 finalmente emergiu no campo de estudos de Relações Internacionais, depois

de várias décadas de influência sobre as ciências sociais e sobre a filosofia moderna. A

abertura dos analistas em RI ao questionamento das perspectivas ditas positivistas

(enfaticamente criticadas pela Escola de Frankfurt) ocorre especialmente com o processo de

despolarização ideológica ao final da chamada Guerra Fria. A perspectiva crítica

certamente contribui com a abordagem ambiental à medida que vincula à chamada razão

instrumental ao domínio industrial da natureza e ao estreitamento da noção de natureza

humana.

15 Para uma introdução às análises da Escola de Frankfurt, recomenda-se ver, entre outros, Assoun (1991) e Bronner (1997).

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17

Outra perspectiva crítica do positivismo inerente às perspectivas convencionais é

denominada Construtivismo. Em certa medida, a influência do construtivismo no campo

das Relações Internacionais ocorreu a partir da teoria da estruturação, de Anthony Giddens

(1989, original de 1984). Os construtivistas negam qualquer “antecedência ontológica tanto

aos agentes quanto à estrutura, e afirmam que ambos são co-construídos” (NOGUEIRA;

MESSARI, 2005, p. 163). Para esta abordagem, as normas informam o discurso e o

discurso não é apenas um instrumento para a ação política, mas também é a própria ação

política. Isso significa dizer, no caso da problemática ambiental, conceitos como o de

sustentabilidade ou preservação ambiental expressam diferentes políticas públicas e, ainda

que sejam marginais em termos de aplicação efetiva, constituem-se como elementos

inovadores no âmbito das relações internacionais.

A perspectiva denominada Pós-Modernismo “se caracteriza pela desconfiança e

pela descrença na possibilidade de reformar o projeto iluminista e recuperar seu

compromisso com a autonomia e a liberdade humanas” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005,

p.188). Os pós-modernistas questionam fortemente o discurso realista como uma estrutura

de dominação que se apresenta como neutra e natural. Tal como a Teoria Crítica e o

Construtivismo, o Pós-Modernismo questiona amplamente a epistemologia positivista,

cientificista, inerente às perspectivas dominantes em Relações Internacionais, contribuindo

com a emergência de uma pluralidade de temas e experiências como objetos de estudo

legítimos. Nesse sentido, há diferentes contribuições de autores pós-modernistas à

problemática ambiental. Por razões de limitação de espaço, não são abordados neste

trabalho.

Há, conforme mostram Nogueira e Messari (2005), outras perspectivas emergindo

no campo de estudos de Relações Internacionais, como a corrente feminista e a do pós-

colonialismo. Entretanto, por mais que os enfoques pós-positivistas, em conjunto, possam

sinalizar uma aproximação à perspectiva ambiental ou da sustentabilidade, está claro que o

meio ambiente permanece como um tema marginal e não estratégico nos estudos de R.I.

Entre as causas deste fenômeno pode-se apontar a complexidade, a interdisciplinaridade ou

mesmo a transdisciplinaridade inerentes à perspectiva ambiental, por implicar um diálogo

entre ciências sociais e ambientais.

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18

Mas, independentemente da atenção dos internacionalistas, a chamada questão

ambiental tem se tornado, nas últimas décadas, parte constitutiva da agenda política

mundial, pela importância vital que os sistemas ecológicos desempenham na esfera da

produção e reprodução do modelo de desenvolvimento dominante (industrializante). Apesar

do sucesso simbólico e de discursos dramáticos na mídia, a destruição do meio ambiente

continua afirmando a insustentabilidade sobre a sustentabilidade em praticamente todos os

países. A realidade é que a estreita noção de crescimento econômico não levou em conta a

necessidade da sustentabilidade social e ambiental. A própria ciência econômica (na versão

neoclássica) e seu principal indicador, o PIB (Produto Interno Bruto), manifestam uma

abordagem alheia à cultura e ao meio ambiente. 16

Entretanto, meio ambiente e economia estão diretamente relacionados (inclusive no

uso do mesmo prefixo “eco”, do grego, oikos). Os resultados do desenvolvimento

econômico se encontram, não somente na prosperidade, mas também na destruição e na

poluição do meio ambiente. Como exemplos podem ser mencionados: a poluição do ar e o

aquecimento global, causado pelas emissões gasosas de indústrias ou automóveis, o

desmatamento das florestas e a poluição dos rios e mares.

A complexidade da questão ambiental só é compreensível se relacionada a outras

questões ou temáticas, como a da tecnologia, do desenvolvimento, dos arranjos de

produção, dos estilos de vida, da epistemologia, das normas legais, das formas

organizacionais e administrativas. Enfim, como foi dito anteriormente, a problemática

ambiental requer um exame inter e transdisciplinar17.

Nos últimos anos, tem-se intensificado o debate sobre sustentabilidade e

desenvolvimento econômico por diversas áreas de conhecimento (economia, biologia,

sociologia, entre outras), porém o ponto predominante tem sido a busca de um modelo de

desenvolvimento econômico e social que esteja em harmonia com a natureza, permitindo a

16 A economia ecológica, crítica da economia neoclássica e também da economia marxista, alia-se à chamada ecologia política na obra de um de seus criadores, Joan Martinez Alier (2007). 17 Interdisciplinar, aqui, significando trabalho coletivo de diversos especialistas sob um mesmo problema e de forma integrada. Transdisciplinar é a transposição das fronteiras disciplinares. Formação de profissionais que, conservando e reafirmando suas competências disciplinares, sejam capazes de dialogar e interagir com outros especialistas na abordagem concreta das relações sociedade-natureza a partir de modelos conceituais, hipóteses e procedimentos metodológicos comuns, reforçados pelas heterogêneas escalas de análise e práticas metodológicas provenientes dos distintos campos disciplinares envolvidos (SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÂES, 2007). A propósito destes conceitos, recomenda-se, para uma análise mais consistente, obras de Edgar Morin (1998), Ivan Domingues (2005), Arlindo Philippi Jr. et al. (2000).

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19

sustentabilidade e a vida das gerações futuras, algo que ficou conhecido como

desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento.

Há mais de trinta anos Ignacy Sachs lançou alguns dos fundamentos do debate

contemporâneo sobre a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento, baseado

na convergência entre economia, ecologia, antropologia cultural e ciência política. Suas

idéias são hoje mais claramente compreendidas no cenário das mudanças climáticas e da

crise social e política mundial. De forma bastante simplificada, a novidade desta abordagem

do desenvolvimento sustentável está no questionamento do reducionismo inerente à noção

hegemônica de crescimento econômico. O ecodesenvolvimento é uma contribuição

interdisciplinar e transdisciplinar voltada para uma concepção de desenvolvimento em

várias dimensões, destacando-se questões éticas, de justiça social e preservação ambiental.

Ignacy Sachs é o principal autor das idéias sobre ecodesenvolvimento. Este conceito

buscava superar, no início da década de 1970, a polarização do debate, que oscilava entre a

defesa do desenvolvimento sem limites e uma visão catastrófica sobre os limites do

crescimento.

Dentro dessa orientação o conceito de ecodesenvolvimento foi definido por Sachs

como

Um processo criativo de transformação do meio com a ajuda de técnicas ecologicamente prudentes, concebidas em função das potencialidades deste meio, impedindo o desperdício inconsiderado dos recursos, e cuidando para que estes sejam empregados na satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios naturais e dos contextos culturais (SACHS, 1986 apud SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÂES, 2007, p.25).

Com o passar dos anos, o termo desenvolvimento sustentável se impôs sobre o

termo ecodesenvolvimento, principalmente em função da difusão do Relatório Brundtland,

e o próprio Sachs acabou aderindo à nova expressão, à sua maneira, ou seja, sem seguir um

receituário acabado. De um modo geral, Sachs tem superado certas limitações do conceito

difundido pela ONU. Para ele, o desenvolvimento sustentável é incompatível com as forças

do mercado sem restrições, que ocasiona problemas sociais e agrava a desigualdade social.

Entende que o desenvolvimento sustentável possui cinco dimensões principais:

sustentabilidade social, sustentabilidade econômica, sustentabilidade ecológica,

sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural. O conceito de desenvolvimento

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sustentável refere-se a uma nova concepção dos limites e ao reconhecimento das

fragilidades do planeta, ao mesmo tempo em que enfoca o problema socioeconômico e da

satisfação das necessidades básicas das populações (SACHS; FREIRE, 2007, p 285-296).

Dessa forma, os problemas social e ambiental são faces de uma mesma moeda, uma vez

que o funcionamento da sociedade moderna ficou preso à instância econômica, dominante

na sociedade industrial capitalista.

No aspecto social, os critérios perseguem o alcance da homogeneidade social, em

que a distribuição de renda seja justa e o acesso aos recursos e serviços sociais estejam em

direito de igualdade, buscando conduzir a sociedade a um novo sistema de valores sociais.

Quanto à cultura, sugere-se que entrem em equilíbrio e respeito às tradições e as

mudanças de inovação. Denuncia a cultura estabelecida pelos meios de comunicação,

pretendendo defender o pensar na produção de ações políticas e administrativas baseadas

nas especificidades de cada realidade local, em oposição a modelos prontos e importados.

Quanto às dimensões ecológica e ambiental, alerta-se sobre as necessidades de

limitar a utilização dos recursos naturais não renováveis e de utilizar-se novas tecnologias

que sejam eficazes na conservação de energia, água e recursos naturais renováveis

(SACHS; FREIRE, 2007, p 285-296).

Quanto à dimensão espacial, indica uma adequação nas configurações urbano-

rurais, na busca de obtenção de uma melhor distribuição territorial dos assentamentos

humanos e das atividades econômicas, buscando a regulação no uso e ocupação do solo,

regulação das áreas de restrição ou conservação. O objetivo é obter, assim, por meio do

ecodesenvolvimento, melhoria do ambiente urbano, criando estratégias de desenvolvimento

ambientalmente seguras, conservando a biodiversidade e áreas ecologicamente frágeis

(SACHS; FREIRE, 2007, p 285-296).

Quanto à dimensão econômica, a teoria da sustentabilidade de Sachs defende o

desenvolvimento harmônico de respeito ao meio ambiente e com justiça social. Defende

também a possibilidade de uma transição de um sistema condicionado às forças do mercado

enfocadas no materialismo, ou seja, no apego a posses materiais, para uma nova civilização

voltada para a evolução humana, para o autoconhecimento e a solidariedade (SACHS;

FREIRE, 2007, p 285-296).

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Há também critérios propostos à política nacional e internacional. Quanto à

primeira, Sachs discute e sugere formas de viabilizar a capacidade do Estado de manter um

nível razoável de coesão social, buscando desenvolver a capacidade de implementação de

projetos em parceria com todos os empreendedores. Quanto à política internacional, o autor

sugere a promoção da cooperação mundial por meio de um sistema eficaz de prevenção de

guerras, liderado pela ONU. Sinaliza ainda a adoção de um sistema efetivo de colaboração

técnico-científica internacional. Por fim, propõe a gestão do patrimônio global, como

herança comum da humanidade (SACHS; FREIRE, 2007, p 285-296).

A diferença, em relação às perspectivas não-ambientais, está em que, ao colocar o

ambiente como centro das decisões, abre-se a possibilidade de aplicar-se o principio da

continuidade, ou seja, da sustentabilidade. Por exemplo: ao evitar-se a queima de

combustíveis fósseis, os prejuízos ambientais tendem a estacionar e, com o tempo, regredir

a ponto de possibilitar à natureza recuperar seu equilíbrio. Isso, com certeza, daria uma

melhor base para a implantação de um processo de desenvolvimento sustentável. Os

esforços para construir um modo de vida verdadeiramente sustentável requerem uma crítica

e dinâmica integração interdisciplinar, na qual se usam elementos da economia, sociologia,

antropologia e ecologia. Em síntese, pode-se dizer que Sachs definiu estratégias de

mudanças na relação homem e natureza, apresentando suas idéias tanto contra o

crescimento econômico desenfreado, como contra as atitudes radicais de um ecologismo

abusivo.

A idéia de que os países em desenvolvimento devem passar pelas mesmas etapas de

desenvolvimento dos países desenvolvidos, como a industrialização geradora da idéia de

consumismo, deve ser superada. Como defensor do ecodesenvolvimento em países em

desenvolvidos, Sachs salienta que “Uma boa combinação de recursos naturais bons e

baratos, força de trabalho qualificada e conhecimento moderno resultam em uma vantagem

comparativa inigualável” (SACHS, 1986 apud SCOTTO; CARVALHO; GUIMARÂES,

2007, p. 35).

Neste contexto os problemas originários da insustentabilidade promoveram uma

nova agenda, mas, como ela atrapalha o crescimento econômico e não está chancelada pela

racionalidade instrumental e pelos interesses dominantes, é constantemente minada.

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Pode-se dizer que o desenvolvimento é a universalização efetiva do conjunto dos

direitos humanos (por direitos humanos entendem-se direitos cívicos, direitos econômicos,

culturais, sociais e todo um conjunto de direitos difusos, incluindo os que são relativos ao

meio ambiente).

Caso evite continuar marginalizando a problemática ambiental e sua complexidade,

o campo das Relações Internacionais poderá assumir um novo significado, incorporando e

desenvolvendo a teoria da sustentabilidade. A própria ascensão econômica da China e seu

imenso mercado consumidor servem de estímulo à abertura do campo das R.I.

4- “Milagre Econômico” versus Sustentabilidade Socioambiental

No atual panorama mundial falar em transformação e crescimento é falar da China.

O país, com mais de um bilhão de habitantes, é um exemplo único de progresso na história,

um país que caminha rumo ao topo do cenário geopolítico com uma velocidade

surpreendente e aparentemente incontrolável. No entanto, é importante lembrar que todo

crescimento econômico representa também crescimento de impactos ambientais e sociais,

na história do industrialismo. O caso chinês confirma esta regra, e de forma bastante

enfática18. Os impactos já podem ser observados: falta de água potável para parte da

população, poluição atmosférica, demanda energética em desequilíbrio com a infra-

estrutura, espaço cada vez mais limitado para a agropecuária (esgotamento do solo e

crescimento das cidades), marginalização de populações rurais, entre outros. Enquanto o

mundo observa com expectativa o fenômeno chinês, o governo (em conjunto com diversas

empresas multinacionais) vem tomando atitudes para equilibrar esta situação e impedir o

que consideram uma possível desorganização do país19. Entretanto, dependendo do ponto

de vista, a desorganização, ou melhor, a auto-eco-desorganização, já está amplamente

estabelecida.

18 A China tornou-se um centro de manufatura mundial de inúmeros bens de consumo (aparelhos eletrônicos, têxteis sintéticos, automóveis). As demandas energéticas sofreram aumento, sendo que o carvão representa 75% da energia primária e fornece dois terços da produção elétrica. 19 Os chineses ressaltam que têm metas ecológicas e pretendem reduzir o consumo de energia por unidade do Produto Interno Bruto em 20% dos níveis de 2005 até 2010, o que significa manter a produção industrial gastando menos energia. O governo espera cortar as emissões de gases poluidores em até 10% para proteger o meio ambiente e garantir o desenvolvimento sustentável (GRYZINSKI, 2006).

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Os problemas ambientais da China são também agravados pela herança da era

comunista. Assim sendo, indústrias muito poluentes (carvão, aço, papel, cimento,

fertilizantes) são mantidas em atividade para preservar milhões de empregos. Muito mais

abundante para os chineses do que o petróleo é o carvão, um recurso do qual a China é a

maior consumidora (mais de 2 bilhões de toneladas). O carvão representa cerca de 75% do

consumo energético do país e a China apresenta reservas estimadas em mais de 125 bilhões

de toneladas. Com o ritmo de consumo tendendo a crescer ainda mais, o balanço entre

reserva e produção (R/P) do país pode não durar mais do que 50 anos (GRYZINSKI, 2006,

p. 35-38).

Como a pressão ambiental vem crescendo ao mesmo tempo em que as reservas de

carvão apontam para esse esgotamento em meio século, a atitude do governo chinês tem

sido a de buscar fontes alternativas e, simultaneamente, declarar seu apoio ao projeto de

redução de emissões do carbono. O que não se sabe é o quanto o meio ambiente do planeta

e a própria China poderão suportar até que o país consiga se desvencilhar desta

dependência em relação ao carvão.

A impressionante trajetória de crescimento econômico da China traz importantes

desafios tanto para si mesma quanto para os demais países centrais e da periferia do poder

socioeconômico mundial. As lideranças do PCC estão conscientes das tensões provocadas

pelo crescimento acelerado. Em particular, pretendem evitar os desequilíbrios distributivos,

a escassez de matérias-primas e os demais problemas ambientais. O principal objetivo

chinês é o desenvolvimento da China, a sua auto-suficiência, sua independência

(econômica, energética).

O rápido desenvolvimento chinês tem chamado a atenção da comunidade

internacional, na medida em que gera externalidades que podem ser percebidas

(potencialmente) como ameaças, especialmente na área de segurança energética. Ademais,

apesar do avanço dos últimos anos, os níveis de renda do país (em termos absolutos e per

capita) e seus recursos naturais e populacionais sugerem a necessidade da manutenção do

crescimento, bem como evidenciam alguns de seus limites.

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À medida que se agravam os problemas da concentração demográfica20, colocando

em xeque a aparente abundância de recursos, o dilema ecológico transparece com muito

mais intensidade. A China passa a conviver com a contradição de uma cultura que, na

tradição taoísta, cultua a relação harmoniosa homem-natureza e uma prática

socioeconômica e sociopolítica forjada pela influência ocidental industrialista, que mescla

aspectos do confucionismo, do nacionalismo e da repressão política.21 E em parte por

questão de sobrevivência, faz uso indiscriminado e predatório de seus recursos. De modo

geral, a qualidade, a fertilidade e a quantidade de solos aráveis diminuíram drasticamente

no decorrer dos últimos anos e atualmente o processo está longe de desacelerar

(LUCOTTE, 2006, p.3). O grande número de habitantes impulsiona e retarda, ao mesmo

tempo, o avanço tecnológico. Estimula, na medida em que exige novas técnicas para

aumentar a produtividade, e retarda, na medida em que oferece uma gigantesca força de

trabalho que dispensa máquinas e novos métodos de trabalho.

A China tem 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo e é o maior emissor

mundial de dióxido de enxofre. O modelo energético baseado no carvão e no petróleo,

responsável pela expansão econômica, é o mesmo que provoca o colapso do meio ambiente

pelo aquecimento climático em um ritmo tal que, segundo as previsões, já se pode

considerar até mesmo a possibilidade de se alcançar uma situação em que a deterioração

substituiria o progresso (LUCOTTE, 2006, p.6).

Os problemas ambientais, causados pelo processo de crescimento econômico

acelerado, colocaram o país em situação difícil, pois de um lado há uma possibilidade real

de aumentar a produção de bens e serviços, em virtude do avanço tecnológico e, com isso,

caminhar para a efetivação da promessa de diminuir a pobreza, base do pensamento político

que sustentava a tese do desenvolvimento acelerado. Por outro lado, não é possível

restringir a certos locais os efeitos maléficos da industrialização, materializados em

situações como a poluição do ar e a degradação ambiental.

20 A emergência de consumidores das classes média e rica também tem repercussões enormes sobre o meio ambiente. A construção de milhões de novas moradias e outras obras urbanas causam alterações ambientais. Estima-se que 19% da superfície sofreram processos de erosão dos solos, 9% implicaram a salinização e 25% a desertificação (LUCOTTE, 2006, p.5). 21 Repressão de leitura, de diversão, de movimento, ou seja, tudo que ofende a moral e os bons costumes do ponto de vista chinês (principalmente do Partido Comunista Chinês) é considerado subversivo.

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Por mais que a centralização política ainda domine e que o autoritarismo

burocrático-estatal tente impor um modelo de sociedade homogênea, as desigualdades

econômicas e a multiplicidade de culturas se conjugam com uma natureza extremamente

diversificada para moldar a riqueza de paisagens da China. Porém as catástrofes “naturais”

como enchentes, tufões e terremotos adquirem no país uma conotação muito mais

dramática, dada a fragilidade dos espaços intensamente ocupados e a quantidade de pessoas

que elas atingem.

Entre os diversos problemas enfrentados pelas sociedades atualmente, que

evidenciam a insuficiência da ciência em respondê-los satisfatoriamente, destaca-se o

aquecimento global, que será abordado logo adiante. No caso dos recursos hídricos, o

problema é sério por diversos fatores. Em primeiro lugar, a demanda é naturalmente muito

alta: a China detêm 7% da água do planeta e mais de 20% da população. Esta não seria uma

proporção tão grave se 75% dos seus rios não estivessem poluídos e se o país não contasse

com um sistema pouco eficiente de distribuição. Para solucionar o problema, o governo

conta especialmente com a otimização desta distribuição e com o tratamento da água22

poluída, prevendo para isto um orçamento estimado em 125 bilhões de dólares (LUCOTTE,

2006, p. 5-12).

Apesar das medidas para combater a degradação ao meio ambiente da China,

sistematicamente anunciada pelo PCC, é forçoso constatar que o desenvolvimento

econômico prossegue seu avanço predatório. A situação geral do meio ambiente continua a

se degradar e, conseqüentemente, também a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras

chineses deteriora-se. De fato, mesmo que seja para permitir à China prosseguir o

crescimento de sua economia, os dirigentes chineses devem planejar com seriedade o

ecodesenvolvimento em seu país.

Os dirigentes chineses estão despertando gradualmente para a tensão entre o

crescimento econômico e a proteção do meio ambiente. Há insuficiência de coordenação

intergovernamental sobre questões de saúde ambiental. Em especial, observa-se na China a

ausência de organizações da sociedade civil devido à ausência de democracia, o que

22 É importante lembrar que esta questão afeta ainda países vizinhos da China, que por si só já sofrem com graves problemas no setor hídrico. O Cazaquistão, por exemplo, além de ver sua água reduzida pelo mau uso e pela poluição, ainda assiste aos chineses desviarem parte das águas de rios comuns aos dois países, que chegam ao seu território bem menos caudalosos (LUCOTTE, 2006, p.6-12).

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também contribui com a degradação ambiental. Algumas iniciativas internacionais de

investigação estão sendo desenvolvidas, com apoio do PNUMA.

5-Mudança Climática Global e a China

A chamada mudança climática global apresenta-se atualmente como um problema

central da agenda das políticas internacionais, por implicar diretamente a possibilidade de

sobrevivência humana na Terra. O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças

Climáticas (IPCC) afirma que o aquecimento climático da Terra é causado principalmente

pelas emissões de gases do efeito estufa na era industrial, ou seja, por força da ação

humana, mais do que por processos naturais.

A partir de 1980, a preocupação com o clima ganhou importância. Ocorreram, desde

então, inúmeras reuniões de ordem internacional, cuja pauta eram as mudanças climáticas23,

em que foram discutidas as possíveis soluções para evitar ou, pelo menos, reduzir a emissão

dos gases causadores do efeito estufa. Vários gases que existem naturalmente na atmosfera,

quando emitidos em excesso, intensificam o efeito estufa: metano (CH4), óxido nitroso

(N2O), ozônio (O3), hidrofluorcarbonos (HFCs) e o dióxido de carbono (CO2), que,

atualmente, são os que mais contribuíram para o incremento do problema (SILVA, 1995, p.

90). Devido ao aumento da concentração desses gases, o efeito estufa vem agravando-se e

trazendo consigo a elevação da temperatura média global e conseqüências drásticas são

esperadas com esse aquecimento, como derretimento das calotas polares, aumento do nível

médio dos oceanos, propagação de doenças tropicais, migração e extinção da

biodiversidade, entre outros.

Com efeito, o aquecimento global não deve ser pensado como uma ocorrência

meramente natural ou um fenômeno isolável e singular, mas como um processo ou

conjunto de processos interconectados que se desenvolvem em várias dimensões (SILVA,

2002, p.58-61). Isto tem várias implicações. A primeira é que ninguém fica de fora do

problema gerado pela mudança climática. Todos os Estados, povos e indivíduos do planeta,

23 De acordo com a definição das Nações Unidas, mudança climática diz respeito somente à mudança do clima que é atribuída, direta ou indiretamente, à atividade humana, que altera a composição da atmosfera climática.

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de um modo ou de outro, são co-responsáveis e potenciais vítimas em relação às

transformações climáticas globais em curso.

Os efeitos e ameaças decorrentes do crescimento econômico, como o risco

ambiental, são em grande medida ignorados. O dano ambiental era concebido como “mal

necessário” ou o “preço do progresso” e, assim, posto à margem das discussões públicas e

políticas, mas, conforme visto anteriormente, as conferências da ONU começaram a mudar

esta percepção, determinando a criação de agências governamentais para tratar, ainda que

burocraticamente, as questões ambientais. Desta forma, a questão climática faz parte de um

conjunto de problemas que deixaram de ser particulares para se tornarem mundiais.

A produção jurídica da Rio 92 resultou em duas convenções multilaterais:

Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre

Mudança do Clima.

A Convenção Quadro sobre Mudança Climática foi assinada por 180 países e entrou

em vigor em março de 1994. Tal acordo resultou da decisão conjunta do PNUMA e da

Organização Meteorológica Mundial de estabelecer um Painel Intergovernamental sobre

Mudança do Clima (IPCC), com a finalidade de elabora relatórios sobre os aspectos

científicos da previsão da mudança do clima, dos seus impactos e as estratégias de resposta

dos Estados, individualmente ou em conjunto, aos fenômenos observados.

Segundo Soares (2001, p.77), a referida Convenção estabelece normas

programáticas para “reduzir o lançamento não só de dióxido de carbono na atmosfera, mas

de todos os gases de efeito estufa, ainda não regulados pelo Protocolo de Montreal24, sobre

substâncias que destroem a camada de ozônio”. Além disso, tal convenção adiciona todo o

repertório de medidas que a adoção de tal política implicará, bem como contêm dispositivos

específicos sobre a conservação e ampliação de sumidouros de gases de carbono, como os

oceanos e as florestas (SOARES, 2001, p.77).

Segundo a convenção, apesar da grande resistência por parte de vários países

desenvolvidos, sua premissa básica é o princípio da responsabilidade comum, porém

diferenciada. Por este raciocínio entende-se que, mesmo estabelecendo a necessidade de

todos os países partilharem o ônus de redução das emissões de gases do efeito estufa, cabe

24 O Protocolo de Montreal sobre Substâncias que destroem a camada de Ozônio é um acordo internacional, criado no âmbito da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio de 1985, onde os países se comprometeram em trocar informações, estudar e proteger a camada de ozônio (SILVA, 2002, p.267).

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aos países desenvolvidos liderar a redução de emissões e assumir os primeiros

compromissos, uma vez que historicamente foram eles os grandes emissores.

Vale destacar que foi instituído nesta ocasião, como parte integrante prevista no

documento, um órgão supremo com competência deliberativa e decisória quanto aos

assuntos atinentes à Convenção. Trata-se da Conferência das Partes (COP), para a qual os

Estados-partes da Convenção delegaram poderes de complementar, regular, e, em certos

aspectos, inovar, em relação aos dispositivos da Convenção-quadro, sem logicamente sair

da moldura legislativa proposta por ela. Deste modo, como foi prevista a complementação

posterior da convenção, o Protocolo de Kyoto é ato multilateral posterior que resultou de

reuniões periódicas da Conferência das Partes, assinado em 1997.

A crença na idéia de progresso na cultura industrial está, pois, sofrendo de exaustão,

desintegração e desencantamento. Isto é o que tem estimulado a articulação de Estados-

nações, empresas e sociedade civil e a manifestar o desejo de mudar os rumos da sociedade

industrial. O regime internacional de mudança climática, assim, pode ser concebido como

uma forma de manifesto, embora incipiente e com obstáculos concretos à sua efetivação.

A China é, no momento, uma das economias com crescimento mais acelerado no

mundo, caracterizando-se por uma ampla diversificação econômica e por exportações que

inundam todos os países. Tal ritmo gera pressões sobre a infra-estrutura dos principais

centros industriais, com impactos adicionais sobre o meio ambiente.

A China é, ao lado dos Estados Unidos, o maior poluidor do planeta. O uso do

carvão como principal fonte de energia responde por muitos problemas. A China é o

segundo maior consumidor de energia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

O modelo energético baseado no carvão e no petróleo, responsável pela expansão

econômica, é o mesmo que provoca o colapso do meio ambiente pelo aquecimento

climático em um ritmo tal que, segundo as previsões já explicitadas, levam a considerar até

mesmo a possibilidade de se alcançar uma situação em que a deterioração substituiria o

progresso, o que confirmaria a promessa não cumprida da modernidade.

Os chineses, no entanto, ressaltam que têm metas ecológicas e pretendem reduzir o

consumo de energia por unidade do Produto Interno Bruto em 20% dos níveis de 2005 até

2010, o que significa manter a produção industrial gastando menos energia. No mesmo

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período, o governo espera cortar as emissões de gases poluidores em até 10% para proteger

o meio ambiente e garantir o desenvolvimento sustentável (CUNHA, 2008, p.73).

Neste contexto, a economia de energia e as inovações tecnológicas podem diminuir

o problema. Porém, a alteração dos modos de produção e consumo é indispensável e

representa enorme dificuldade, pois está intimamente ligada ao modo de vida e aos desejos

contemporâneos. O aquecimento global evidencia a necessidade de uma reflexão e de uma

reavaliação dos nossos modos de produção, de consumo e de relação com a própria vida. É

relevante observar que a tradição de uma visão ecológica da vida expressa pelo taoísmo há

vários séculos, conforme visto anteriormente, representa a possibilidade de adesão da

população chinesa à proposta de mudança pró-sustentabilidade na dimensão cultural.

Quando o assunto é referente à mudança climática, interesses conflitantes entre os

Estados ficam evidentes, tornando-se um dos temas mais complexos da agenda

internacional. Tal complexidade refere-se ao fato de que a consolidação do referido regime

implica em profundas inter-relações entre a economia e o ambiente global, ou seja, a sua

eficácia está na dependência do desenvolvimento de alternativas tecnológicas viáveis para

operar e manter a sustentabilidade ambiental e o crescimento econômico (RIBEIRO, 2005,

p.73).

Deduz-se, ainda, que um estudo aprofundado das alterações do clima mundial, por

sua complexidade de efeitos e causas, deva englobar o conjunto dos sistemas político,

econômico e social, envolvendo, portanto, várias dimensões, conforme visto anteriormente.

O conflito ecológico gerado em torno da questão climática implica em perceber que

o momento histórico que permeia a sociedade global desde a década de 1980 tem resultado

em uma nova maneira de ver o mundo e interpretar a humanidade e seu futuro.

Do que foi exposto, já é possível identificar as principais cúpulas e convenções

internacionais que culminaram na decisão de atribuir à atmosfera o status de preocupação

mundial, pois, como foram relatados, os problemas do seu uso foram consensualmente

vinculados à construção do regime internacional de mudança climática.

Portanto, o que é possível perceber até o momento é que, se há um limite para o

crescimento das atividades industriais na Terra, tal limite tem como parâmetro fundamental

o modo como o ser humano interage com a natureza, sob a forma de ecossistemas, de

estilos de vida, de consumo e de produção. A China participa do debate sobre o futuro da

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modernidade com o que há de mais predatório e com o que há de mais ecológico,

simultaneamente. Trata-se de um caso ímpar a desafiar o campo das Relações

Internacionais, por sua complexidade.

Considerações finais

Apesar de todas as medidas que foram até o momento tomadas pelo governo chinês

a situação geral do meio ambiente continua a degradar-se e, conseqüentemente, também a

degradar a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras chineses (GUIDI; CHUNTAO, 2008).

Os conflitos sociais relacionados a questões ambientais se agravam. Não há dúvida quanto

à impossibilidade ou inviabilidade do crescimento econômico sem consideração pelas

diversas dimensões da sustentabilidade. A defesa da continuidade do uso irracional e

insustentável dos recursos naturais por meio de imposições tecnocráticas e repressão

política apresenta-se como uma utopia negativa. Portanto, parece plausível apostar no

ecodesenvolvimento, ou seja, na construção de políticas crescentemente harmonizadas de

sustentabilidade social, econômica, ambiental, cultural e espacial. Tal aposta pode começar

pelo resgate da cultura taoísta, que se revela tanto mais atualizada quanto mais avança a

insustentabilidade em todas as suas formas. A China tem um imenso desafio

socioambiental, econômico, político, mas também tem a ser favor uma das tradições

culturais mais sensíveis aos ciclos da natureza. É fundamental observar que os chineses

estão acostumados a grandes mudanças. A China é a nação que gerou o I Ching: o livro das

mutações. Se o desafio chinês, assim como o mundial, é harmonizar o desenvolvimento

econômico, o desenvolvimento cultural e humano com o desenvolvimento ecológico e

ambiental – cabe lembrar que a China é a nação que idealizou uma cultura de harmonia,

apesar de sua história de conflitos.

A instauração de um ecodesenvolvimento na China tem a ver com o futuro do

planeta em seu conjunto. De fato, apesar de seu crescimento econômico, o PIB chinês por

habitante continua ainda muito inferior ao dos países desenvolvidos. A China ainda guarda

um gigantesco potencial de crescimento.

O desenvolvimento sustentável na China é urgente inclusive como alternativa para

os chamados países desenvolvidos, já que o mercado chinês atualmente contribui

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intensamente com o consumismo, a poluição e o desequilíbrio de todo o planeta. Em

contrapartida, os países desenvolvidos deverão aceitar pagar o justo preço dos produtos

manufaturados chineses que importam, preço esse que, necessariamente, internalizará os

custos de produção segundo critérios rigorosos de proteção ao meio ambiente.

Uma contribuição essencial – ainda que breve – deste trabalho é a constatação de

que se abre cada vez maior espaço para a participação dos cientistas sociais, especialmente

daqueles que trabalham com as relações internacionais, no debate interdisciplinar e

transdisciplinar sobre o clima, tendo em vista a natureza multidimensional e global dos

riscos e efeitos nefastos do aquecimento climático.

Estamos cientes, contudo, dos limites do trabalho aqui desenvolvido, especialmente

no que se refere ao meio ambiente da China. Além das contingências da pesquisa

acadêmica, de seus prazos e regras institucionais, e dos objetivos limitados deste trabalho

no contexto da graduação, estamos cientes de que a pesquisa interdisciplinar requer a

contribuição de vários cientistas, com distintas competências, o que recomenda prudência

nas conclusões. A consciência dos limites, entretanto, pode motivar outros pesquisadores a

seguir o caminho aberto, buscando superar essa breve contribuição.

Por fim, entre tantas lacunas possíveis do ponto de vista de qualquer olhar

especializado, deixamos aqui, pelo menos, uma espécie de desafio motivador aos que

trabalham, primordialmente, na área de relações internacionais.

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