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1 HISTÓRIA E COLAPSO DA CIVILIZAÇÃO

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HISTÓRIA E COLAPSO

DA CIVILIZAÇÃO

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ARNALDO MOURTHÉ

HISTÓRIA E COLAPSO

DA CIVILIZAÇÃO

É MELHOR O INCÔMODO DA ADVERTÊNCIA QUE

A TRAGÉDIA DA IGNORÂNCIA

1a Edição

Rio de Janeiro

2012

MOURTHÉeditora

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Copyright 2012 by Arnaldo Mourthé

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Mourthé Ltda.

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou de partes do mesmo, sob quaisquer meios, sem a autorização expressa da Editora.

Projeto Gráfico e Capa: Claudia Mourthé Mapa: Carte générale de la Terre - Arquivo da Biblioteca Nacional

Revisão: Alvanísio Damaceno

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MOURTHÉeditora

Editora Mourthé Ltda. Rua Farani, 42 - Loja H - Botafogo CEP 22231-020 - Rio de Janeiro - RJ

[email protected] www.editoramourthe.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mourthé, Arnaldo História e colapso da civilização : é melhor oincômodo da advertência que a tragédia daignorância / Arnaldo Mourthé. -- 1. ed. --Rio de Janeiro : Editora Mourthé, 2012.

Bibliografia. ISBN 978-85-65938-01-3

1. Civilização - História 2. Cultura - HistóriaI. Título.

12-11718 CDD-909

Índices para catálogo sistemático: 1. Civilização : História 909 2. Cultura : História 909 3. Humanidade : História 909

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Tudo o que existe em nós e no nosso entorno representa um estágio da nossa evolução que deve ser superado. Promover essa superação é o que nos cabe fazer como sujeitos da história. O contrário é vivermos estagnados na mediocridade e no sofri-mento.

Arnaldo Mourthé

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Agradecimentos

Aos mais próximos, cujos ensinamentos e exemplos de vida fizeram de mim um cidadão, especialmente aos meus pais, Pedro e Olga, que me inspiraram

e me inspiram em tudo que fiz e que faço, incluindo este livro.

A Marília, pela paciência e suporte ao meu trabalho.

Às minhas filhas e netos, pela expectativa positiva e pelo apoio.

A todas as mulheres e homens de todos os tempos, por seu trabalho incessante para a formação e sustentação da humanidade.

Aos grandes pensadores, que elevaram o homem com seus ensinamentos da filosofia, das ciências e das virtudes, especialmente da ética e do respeito

ao outro e à vida.

Aos artistas, pela busca permanente da autossuperação.

Aos líderes que defenderam seus povos e criaram as instituições que formam a civilização.

Aos pesquisadores, historiadores e escritores, que nos permitiram conhecer a história e a natureza das sociedades e das instituições.

Todos são coautores deste livro.

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SUMÁRIO Apresentação ...................................................................................................... 13

I – Introdução ..................................................................................................... 17

II – Do surgimento da espécie humana às civilizações do Mundo Antigo .... 21Surgimento e desenvolvimento da espécie humana ............................................. 21Uma indagação necessária ................................................................................... 25 A revolução agrícola ........................................................................................... 27A metalurgia ......................................................................................................... 31Pastoreio e nomadismo ........................................................................................ 32Envolta em mitos e lendas, surge a civilização ................................................... 33Suméria, a primeira civilização ............................................................................ 34

III – As antigas grandes civilizações ................................................................. 37Lendas e mitos sobre a origem da civilização egípcia ......................................... 37 A civilização egípcia ............................................................................................ 39 Aquenaton, um faraó ímpar ................................................................................. 42O final do Novo Império e a decadência .............................................................. 48 As disputas imperiais no Oriente Médio .............................................................. 49 Surgem novos protagonistas do processo histórico ............................................. 53 O Império Assírio ................................................................................................ 60O Império Neobabilônio ...................................................................................... 62O Elam, a Média e a Pérsia .................................................................................. 63

IV – Na Grécia, as raízes da civilização ocidental ........................................... 67A civilização nos mares de Creta e Egeu ............................................................. 67A cidade-Estado e a religião familiar ................................................................... 70A civilização grega ............................................................................................... 71Atenas .................................................................................................................. 74As Guerras Médicas ............................................................................................. 76Atenas e a Liga de Delos ..................................................................................... 79A Guerra do Peloponeso ...................................................................................... 81A formação do Império Greco-Macedônio ......................................................... 82 Filipe da Macedônia ............................................................................................. 83Cultura, filosofia e artes na Grécia ....................................................................... 87Os filósofos da natureza ....................................................................................... 88Alexandre e o Império Greco-Macedônio ........................................................... 91

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V – Civilizações orientais ................................................................................ 101A civilização chinesa .......................................................................................... 102A civilização indiana .......................................................................................... 111

VI – Os grandes filósofos e líderes religiosos, e seus ensinamentos ............. 117Sócrates .............................................................................................................. 117 Platão ................................................................................................................. 124Quais ensinamentos são de Sócrates e quais de Platão? ................................... 126Filósofos e místicos orientais ............................................................................ 127Krishna .............................................................................................................. 128Lao-tsé ............................................................................................................... 133Buda .................................................................................................................. 134Confúcio ............................................................................................................ 138

VII – A partir de Roma nasce um novo e grande império ........................... 145Cartago ................................................................................................................145Etrúria ................................................................................................................ 146Roma .................................................................................................................. 147Roma potência ................................................................................................... 150A marcha de Roma para a formação de um império e a Primeira Guerra Púnica .... 151Aníbal Barca e a Segunda Guerra Púnica .......................................................... 154Cipião, o Africano, e a vitória romana ............................................................... 163Uma Roma diferente .......................................................................................... 166A ditadura de Sila e suas consequências ............................................................ 170Júlio César, a transição de Roma para uma nova era ......................................... 173Augusto .............................................................................................................. 178Jesus de Nazaré e os fundamentos da revolução silenciosa do cristianismo ..... 180O império depois de Augusto ............................................................................. 183A dinastia dos Severos, os imperadores militares e os ilirianos ........................ 187O Império Romano do Oriente .......................................................................... 189O fim do Império do Ocidente ........................................................................... 198 O cristianismo e o Império Romano .................................................................. 199

VIII – Os impérios no Oriente Médio depois de Alexandre ......................... 207Os partas ............................................................................................................. 207Os sassânidas ..................................................................................................... 208Maomé e o islamismo ....................................................................................... 209

IX – Reflexões sobre o Mundo Antigo ............................................................ 213Fatos, crenças, mitos e lendas ........................................................................... 213Lições do Mundo Antigo ................................................................................... 219

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X – A Idade Média ........................................................................................... 229Uma onda de choque vinda da Ásia muda a Europa ......................................... 229O embrião do império teocrático europeu e a expansão do catolicismo ........... 230A invasão islamita .............................................................................................. 235Sociedade, instituições, economia e artes .......................................................... 237O império de Carlos Magno e seus desdobramentos ......................................... 241Nascem as nações europeias sob a tutela da Igreja romana .............................. 246A supremacia da Igreja romana e as cruzadas ................................................... 250A intolerância religiosa levada ao extremo ........................................................ 254A cruzada contra os albigenses .......................................................................... 259A Inquisição como instrumento de dominação .................................................. 261As ordens religiosas militares ............................................................................ 267A ampliação dos conflitos sociais e religiosos e a perseguição aos judeus ....... 269As contradições na sociedade europeia tornam-se agudas ................................ 272Da Peste Negra à revolução tecnológica pré-capitalista .................................... 275A navegação e os descobrimentos ...................................................................... 277As armas de fogo ............................................................................................... 279O esgotamento do império teocrático e o fim da Idade Média .......................... 280

XI – O Renascimento ....................................................................................... 287As cidades-Estado do norte da Itália .................................................................. 287Em Florença brilham os primeiros raios de luz do Renascimento ..................... 291A imprensa ......................................................................................................... 293Mentes abertas e uma explosão de criatividade nas artes .................................. 294A Reforma e a Contrarreforma, e seus efeitos na política europeia .................. 306

XII – A civilização capitalista .......................................................................... 313Surge o modo de produção capitalista ............................................................... 313Nas novas terras das Américas, a violência e o genocídio ................................. 315Conquista e colonização das terras brasileiras ................................................... 321As disputas das nações europeias pelas terras das Américas ............................. 332 As colônias e a escravidão capitalizam a Europa .............................................. 337 Após o Renascimento, a ciência e a filosofia se afirmam .................................. 345Em meio às lutas sociais e religiosas, a ascensão da burguesia ao poder na Inglaterra ...................................................................................................................... 357 A Revolução Industrial ...................................................................................... 363Uma pausa para reflexão ................................................................................... 366 O absolutismo .................................................................................................... 372Nascem os Estados Unidos da América ............................................................. 387 O iluminismo ..................................................................................................... 391A Revolução Francesa ....................................................................................... 399

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As guerras napoleônicas e o avanço do poder burguês ...................................... 412Revolução de 1848 na França e na Europa ........................................................ 421Uma reflexão sobre a economia, o poder e os movimentos sociais ................... 425A natureza do modo de produção capitalista e a sociedade que ele criou ......... 435A expansão do colonialismo e seus conflitos ..................................................... 444Apesar de tudo a sociedade capitalista avança e com ela a cultura e a ciência ... 450A segunda revolução da física e os novos paradigmas da ciência ..................... 457A partilha da África ............................................................................................ 462A crise de 1873, monopólio e imperialismo ...................................................... 468Conflitos de interesse levam as nações a se prepararem para a guerra .............. 474A Primeira Guerra Mundial ............................................................................... 477A Revolução de Outubro e as tensões do pós-guerra ......................................... 486 A crise de 1929 e suas consequências ................................................................ 494A Segunda Guerra Mundial ............................................................................... 506

XIII – O pós-guerra: reivindicações, reconstrução, confrontos e incertezas ... 523 A divisão do mundo em dois blocos e a guerra fria ........................................... 523A descolonização e a utopia da autodeterminação dos povos ........................... 539Um período de mudanças nas metrópoles ......................................................... 556O Brasil: um caminho insólito e penoso para a soberania ................................. 560O avanço do capitalismo para sua periferia: o caso do Brasil ........................... 588 As ditaduras como solução para a expansão capitalista .................................... 620O retorno à democracia burguesa dependente ................................................... 631

XIV – Mais algumas ferramentas intelectuais para a compreensão da civilização .......................................................................................................... 643Civilização, cultura e processo civilizatório ...................................................... 644Determinismo e livre-arbítrio ............................................................................ 647A busca do conhecimento .................................................................................. 652

XV – Análises apontam para o colapso da civilização .................................. 657As metamorfoses do capitalismo e de sua civilização pragmática .................... 657Neoliberalismo, a rota do suicídio ..................................................................... 673A ideologia burguesa, suas contradições e as reações dos oprimidos e injustiçados ......................................................................................................... 676Uma nova civilização se anuncia ....................................................................... 687

XVI – Considerações finais ............................................................................. 691

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Apresentação

Este livro é o resultado de muitas indagações, uma vida de experiências profissionais e na política, e de uma ampla pesquisa da história para encontrar respostas às nossas perplexidades. Ele tem como objetos os feitos e os pensamentos dos homens ao longo do tempo e as formas que a sociedade adotou no processo civilizatório. Nos meados do segundo milênio, a civilização medieval sofreu um colapso. Era o fim da Idade Média, decantada por alguns, denegrida por muitos. Iniciava-se um processo na busca de outra civilização, mais livre e mais humana. Mas essa civilização não ocorreu como imaginavam os sábios que viveram no período do Renascimento ao iluminismo. Houve as descobertas do Novo Mundo e de suas civilizações. Instituíram-se a República e a democracia parlamentar, que substituíram a delegação divina do poder aos reis e à nobreza. Mas o avanço dos princípios republicanos foi contido pela nova classe hegemônica, a burguesia capitalista. Os dogmas medievais, de interesse da Igreja Católica e da nobreza, foram substituídos por outros dogmas de interesse da burguesia, como o laissez faire e o mercado. O primeiro como impulsionador do progresso, o segundo como regulador da vida em sociedade. A conquista do Novo Mundo, com a destruição de suas civilizações e a escravização de seus povos, mostra uma grande ruptura entre o pensamento humanista, nascido no Renascimento e desenvolvido pelo iluminismo, e a prática egoísta de dominação da nova sociedade em formação. É essa a principal contradição que vem permeando a história da humanidade até nossos dias. Ela se encontra na oscilação da sociedade entre a paz e a guerra, entre o crescimento e as crises da economia, entre as ditaduras e os governos eleitos pelo povo, entre as conquistas e as perdas de direitos do cidadão. Sem jamais conseguir uma estabilidade duradoura, a civilização que conhecemos foi-se consolidando, sustentada pelo modo de produção capitalista, com o qual se construiu uma estrutura produtiva envolvendo ciência, tecnologia, religião, ideologias e as instituições que nos governam. O poder burguês cresceu e impôs o lucro como princípio fundamental para a sociedade, em detrimento das necessidades materiais das pessoas e de valores maiores, éticos, morais e culturais. O modo de produção capitalista prevaleceu por sua capacidade de desenvolver as forças produtivas. Mas ele se tornou destrutivo. A acumulação excessiva de capital, nas mãos de poucos, gerou as crises de estoque de mercadorias, que levaram à bancarrota os capitalistas menores e ao desastre social.

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Para superar essas crises, o capitalismo precisou expandir seus mercados. Assim, ampliou o colonialismo e, com ele, a acumulação de capital, causa das crises. Para manter esse processo perverso, a solução encontrada para o excesso de estoque foi sua dissipação. A guerra tornou-se uma necessidade para manter o sistema capitalista e sua civilização tornou-se belicista. As crises e as guerras produziram agitações sociais que abalaram o poder burguês, obrigando-o a fazer concessões de direitos aos cidadãos. A sociedade evoluiu, e a propaganda burguesa creditou essa evolução ao sistema e às instituições construídas à sua imagem e semelhança. Travou-se uma luta ideológica intensa entre os interesses burgueses capitalistas e a população em geral. Múltiplas batalhas ocorreram dentro do próprio modo de produção, entre os capitalistas e proletários, mas também no conjunto da sociedade, entre os liberais e os republicanos, o egoísmo e a fraternidade. Ou seja, entre o interesse de grupo dominante, a burguesia, e o do conjunto da população. Entre a democracia parlamentar sob a tutela da burguesia, na qual o interesse privado se impõe ao público, e a República, que representa o primado do coletivo sobre o particular. Prevaleceu o poder burguês, que vigora até o presente, com concessões nos momentos de crise e nos períodos de pós-guerra. A burguesia impôs sua hegemonia na maior parte do mundo, mas a contradição do sistema capitalista, geradora de crises, permaneceu. Para superar o desequilíbrio entre demanda e produção, esta sempre maior, o capitalismo precisou ampliar sua área de ação e criou a globalização. Esta derrubou fronteiras nacionais para o dinheiro e para as mercadorias, reduziu a soberania dos países, debilitou a República, corrompeu culturas e autoridades, mas não resolveu a contradição do sistema. Pelo contrário, ela tornou-a mais aguda pela aceleração da acumulação e da concentração de capital. Nos nossos dias, as 300 pessoas mais ricas do mundo possuem patrimônio de mesmo valor que a metade mais pobre dos habitantes do planeta, mais de três bilhões de pessoas. Gerou-se um volume de capital ocioso tão grande e tão volátil que não se consegue medir. Esse capital gigantesco transita pelo mundo em tempo real na busca desenfreada de lucro, em atividades não produtivas ou destrutivas. De propulsor das forças produtivas, o capitalismo tornou-se predador por excelência, devorando o que encontra e gerando crises financeiras cada vez mais graves. Há um estado de pânico nos poupadores de todo o mundo que investem nessa aventura desenfreada e irresponsável. A crise financeira de 2008, que produziu recessão que dura até nossos dias, foi o primeiro grande sinal de alerta sobre o que poderá acontecer no amanhã não muito distante. Subproduto dessa fase do sistema, o endividamento público que está levando muitos países à incapacidade de atender a suas populações com serviços essenciais e à insolvência. Já estão em situação crítica alguns países europeus e os Estados Unidos. Esse fenômeno parece ser outro estopim da crise, que talvez seja muito mais grave que a de 2008, capaz de desorganizar a economia mundial e demolir instituições.

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A história se repete cinco séculos depois, com o colapso de mais uma civilização. Esse fenômeno precisa ser analisado com todo cuidado, pois ele pode se desdobrar em situações imprevisíveis. Para tentar compreendê-lo, fomos procurar lições da história, estabelecendo paralelos entre situações semelhantes, na tentativa de encontrar nelas o antídoto para o mal que nos aflige. Assim, surgiu este livro, uma busca de respostas ao nosso megaproblema. Com esse objetivo o colocamos nas mãos do leitor. É preciso, antes de tudo, abrir uma picada na obscuridade da floresta para alcançarmos uma luz no horizonte, um raio de esperança. Nossa maior preocupação é para com a humanidade, ou seja, com todos os habitantes da Terra. Cremos na necessidade da ajuda de cada um de nós, mesmo que seja pequena, para formar uma consciência coletiva suficientemente forte, capaz de minimizar as graves consequências da grande crise civilizatória que se aproxima. Estamos convencidos de que nossa civilização está nas vésperas de um colapso. Em consequência, é preciso que ela seja profundamente renovada. Para que isso seja um passo à frente na evolução da humanidade, urge produzir um novo Renascimento. Do contrário estaremos voltando a uma Era de Trevas. Essa opção depende de cada um de nós, do nosso nível de consciência e da nossa participação ativa. Assim, podemos dizer que o futuro de todos depende de você, caro leitor. Sua melhor opção é enfrentar o problema, e para isso preparar-se. Ou, conformado, deixar-se vencer.

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I

Introdução

A sociedade moderna está repleta de contradições, sob a forma de paradoxos e de omissões no atendimento das necessidades das pessoas. Comecemos pelos paradoxos.

Primeiro paradoxo:

A união das pessoas é uma necessidade. É sobre ela que a civilização foi construída. Mas essa união tem sido cada vez mais precária nos tempos modernos. Foi em prol da segurança que as pessoas se reuniram em grupos familiares, em tribos, em nações e na criação da República. Foram essas diversas formas de união que garantiram a sobrevivência da humanidade. Por que então o paradoxo? As pessoas se unem por afeto ou interesse. Quando a afetividade e o interesse coletivo são negligenciados essa união ocorre apenas por interesse pessoal. É o que acontece com a sociedade moderna. Ao dilapidar a ética e os valores morais e sentimentais, a união das pessoas torna-se frágil e instável, pronta a se romper. Impera o egoísmo que leva à desconfiança, à corrupção, à deterioração da sociedade e ao colapso da civilização.

Segundo paradoxo:

Tudo que compõe o universo é energia; entretanto a humanidade está em permanentes conflitos e guerras por sua causa. A energia se manifesta em várias formas e condições, luz, calor, ondas eletromagnéticas, matéria, mas é una. Tudo é energia. Ela é tão abundante quanto é grande o universo. Assim, fazer guerra por ela é um paradoxo. Dizer que há falta de energia é falsidade ou ignorância. O que há são seu mau uso e seu desperdício, ambos pela visão mesquinha do homem. Fala-se muito em produzir energia. Essa expressão é uma impropriedade, pois a energia é o fundamento de todo o mundo material. Ela não é criada, apenas transformada.

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Terceiro paradoxo:

Há na natureza uma profusão de riquezas que atendem a todas as necessidades básicas do homem. No entanto as carências de toda natureza e a fome atingem um bilhão de seres humanos, o que é um paradoxo. Ao homem foi concedida a prerrogativa de criar instrumentos e aumentar a produção natural através do seu trabalho. Assim fazendo, ele incorpora valor àquilo que produz. Como as riquezas da natureza, as criadas pelo homem deveriam ser dirigidas para sua sobrevivência e engrandecimento. Mas não é assim. A apropriação da riqueza por poucas pessoas não gerou apenas o progresso e o conhecimento, mas também relações de dependência e de conflitos que estagnaram um grande contingente humano na miséria e na ignorância. As disputas pela riqueza, que fazem parte do cotidiano da humanidade, geram guerras e situações de submissão que resultam em sofrimento e infelicidade. A corrida pela hegemonia econômica e bélica trouxe a destruição de riquezas naturais, a miséria e o genocídio. A dependência do ser humano imobiliza sua criatividade e a própria produção social. Essas disputas são resultado de um comportamento humano egoísta, que transforma a abundância em miséria e sofrimento.

Quarto paradoxo:

As leis da natureza são para todos. Qualquer infração a elas, de onde quer que venha, terá a resposta adequada e predeterminada. As leis dos homens já não são assim. Só excepcionalmente elas se aplicam com equidade. Esse é outro paradoxo. Nossas leis são produzidas pelo grupo hegemônico da sociedade para a defesa de seus interesses e o constrangimento dos outros, os subalternos. Além disso, o sistema de poder cria instrumentos para defender os membros privilegiados das castas sociais do rigor da lei, quais sejam, a manipulação do poder, a pressão política e o uso da força. Os meios para isso são o dinheiro e o poder do Estado, ambos com grande potencial de coação. Quando não se consegue a impunidade dos membros das castas por meios institucionais, usam-se outros métodos, como a corrupção, a chantagem e o uso privado da força. Essa desigualdade é a negação do princípio republicano de que todos são iguais perante a Lei, além de permitir a manipulação do poder, o que faz da democracia uma farsa. As representações políticas refletem o poder real dos grupos sociais, não da maioria da população, como se divulga. Isso compromete outro princípio republicano, a soberania da vontade dos cidadãos. O poder nas mãos de uns poucos leva à concentração de renda e aumenta os conflitos sociais, tornando-se obstáculo ao desenvolvimento humano.

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É preciso ter sempre em mente que só há democracia verdadeira quando imperam os princípios republicanos, a soberania popular, o respeito às leis, a igualdade de oportunidade, a liberdade, enfim, a cidadania plena para todos. Não há democracia verdadeira sem República, não há República sem soberania nacional.

Quinto paradoxo:

O modo de vida consumista praticado nos países mais ricos e as tecnologias destrutivas que o possibilitam estão em contradição com a capacidade da natureza de recuperar-se. Sua expansão para todos levaria ao colapso da natureza, outro paradoxo. Há falsidade quando as nações mais capitalizadas querem impor aos outros povos sua cultura, seus hábitos e costumes, sua arte, sua língua, sem que haja possibilidade de oferecer-lhes o padrão de vida que suas populações usufruem. Como a cultura de um povo é, sobretudo, sua adequação às condições concretas de sua existência, essa exportação cultural é uma farsa, um engodo. O fato a ressaltar é que as nações do consumismo não podem ser modelo para os povos, porque sua cópia representaria o colapso da natureza. Visto por esse ângulo, só uma nova civilização preservará a humanidade.

* * *

Somam-se a esses paradoxos uma série de omissões, relativas a questões que exigem soluções imediatas, mas que são proteladas ou tratadas com descaso. Isso mostra que estamos atravessando um período de grandes contradições na sociedade que se mostra incapaz de resolver os problemas que afligem as pessoas. Esses problemas são: O mau uso dos recursos naturais, que produz poluição e escassez. O descaso com as pessoas, que mostra que nossa sociedade foi incapaz de superar o elitismo e a prática escravista do colonialismo. A violência, que a mídia banaliza e expõe de forma irresponsável em enlatados de mau gosto, postura que revela uma aberração: preparar as pessoas para aceitar as guerras e sua desumanidade. Ela corrói a sociedade e as instituições e está contribuindo para o colapso da própria civilização. Nossa sociedade ainda trata as diferenças com discriminação. Ela ignora que a diversidade biológica é necessária à preservação da espécie e a cultural é um recurso para superar o colapso das civilizações. Quando se discrimina, vê-se uma qualidade como defeito, um trunfo como uma desvantagem. Os colonialistas agiam dessa maneira para desqualificar os povos que colonizavam, ou escravizavam. A discriminação é um instrumento das nações mais ricas na sua investida para

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submeter governos, com o objetivo de impor suas políticas que visam sempre espoliar os povos e as pessoas mais pobres.

* * *

Para que tudo isso possa ocorrer, há um processo em curso de alienação da população, preparando-a para aceitar todos esses paradoxos e as omissões em relação à satisfação de suas necessidades humanas. A alienação coroa as contradições da sociedade e acentua o descalabro que se torna rotina na sociedade e nos governos que a representam. Ela tem como finalidade maior impedir que a população reaja às políticas impatrióticas das elites dominantes e às intervenções externas que elas apoiam. Tudo isso leva o país ao marasmo, à perda de sua identidade, de sua autonomia, tornando-o instrumento e vítima da dominação externa. Nesse quadro, não se pode esperar uma superação da condição de subordinação em que nos encontramos. Dentre essas políticas danosas estão, a depredação da natureza, fonte de lucros para seus exploradores, e o esquecimento dos valores que norteiam toda coletividade para seu desenvolvimento e preservação. Mas a natureza não é passível de alienação. Suas leis são imutáveis e implacáveis. Suas respostas são contundentes, o que aumenta o risco das pessoas e da própria civilização, pois as pessoas se esquecem rapidamente dos desastres naturais. Mas haverá um momento em que a natureza dará seu basta a tudo isso. Essas contradições são um desafio para todos nós. Foram elas que balizaram as pesquisas e as interpretações dos fatos históricos aqui relatados. Esse cuidado visou buscar na história informações e inspirações para a análise dos acontecimentos atuais e a tomada de consciência dos problemas que o homem moderno enfrenta. Entretanto, cada leitor pode ter uma visão diferente da do autor. Isso deve levá-lo às suas próprias pesquisas e interpretações. Além disso, a história é dinâmica. Ela está sempre em marcha. Cabe, portanto, a todos buscar compreender as causas e efeitos que movimentam a história, e tentar evitar novos impasses. Isso se faz através da superação de nossos pensamentos e nossas práticas sociais. Façamos isso!

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II

Do surgimento da espécie humana às civilizações do Mundo Antigo

Surgimento e desenvolvimento da espécie humana A história começa com o registro escrito dos feitos humanos. Para conhecer o que veio antes, incluindo a formação das primeiras civilizações, precisamos da ajuda da arqueologia. Cabe a ela encontrar informações que, confrontadas, ofereçam uma trajetória da evolução humana. Para obter essas informações, a arqueologia se vale das pesquisas de fósseis de ossadas, dos locais de assentamentos humanos, dos instrumentos usados pelo homem primitivo e de suas pinturas e gravações feitas nas cavernas e nas rochas. Vejamos o que essa ciência nos ensina. Em um momento, entre oito e cinco milhões de anos, ocorreu uma mutação genética que produziu a separação entre as vertentes humana e simiesca, que tiveram um ancestral comum. Foram as mudanças na estrutura óssea e na anatomia, com diferenças na coluna vertebral, na pelve, nos quadris e nos dedos dos pés, que possibilitaram ao primeiro ancestral do homem ficar em pé e assim deslocar-se. Em 1978 foram encontradas em Laetoli, Tanzânia, pegadas de dois adultos e de uma criança, que provaram a existência de bípedes há 3,7 milhões de anos. A altura dos adultos variava entre 1,1 e 1,4 metros, e seu peso em torno de 27 quilos. Dos inúmeros esqueletos de humanoides descobertos, o mais antigo foi o de Lucy, que viveu há 3,4 milhões de anos em Afar, Etiópia. Ele é de uma fêmea adulta, baixa, robusta e bípede, mas com feições similares às dos símios. Os arqueólogos a classificam uma Australopithecus afarensis, uma das espécies conhecidas de hominídeos mais antigas, entre 4 e 3,2 milhões de anos. Daí em diante, muitas mutações ocorreram, tornando muito difícil definir com precisão a linhagem evolutiva do homem. Faltam indicadores suficientes, já que os conhecidos são esparsos no tempo e no espaço, deixando margem a diversas vertentes evolutivas. Mas há alguns dados interessantes que nos deixam um campo de hipóteses mais prováveis para o que teria acontecido. Além da condição de bípede, algumas descobertas merecem nossa atenção. O Homo habilis, que sucede à espécie de Lucy, apresentava mudanças

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na pelve que permitiam a gestação de crianças com maior caixa craniana, condição para a evolução do tamanho do cérebro da espécie, que é um item muito interessante no processo evolutivo. No Australopithecus afarensis essa capacidade era de 700 cm³, no Homo habilis de 800 cm³ e dos primeiros Homo erectus de 1.000 cm³. Na medida desse crescimento cerebral, as feições dessas espécies vão se aproximando da humana, encolhendo a mandíbula e formando o nariz. A condição de bípede produz uma adaptação dos pés para manter o corpo em equilíbrio e libera as mãos para manipulação de materiais, tornando os dedos mais flexíveis e ágeis. Essa é uma linhagem evolutiva muito provável para chegarmos ao homem moderno. Para comparação, o cérebro médio do macaco atual tem 700 cm³, enquanto o do homem moderno 1.500 cm³. O cérebro do Homo erectus foi crescendo, tendo alcançado a capacidade similar à do homem moderno, o que ocorreu há cerca de 2 milhões de anos. Os restos de uma criança de 12 anos, que teria vivido há 1,7 milhão de anos, foram encontrados em Nariokotome, Quênia, e mostram que seu esqueleto era pouco diferente do de um menino de hoje. O crescimento do cérebro deu ao homem maior capacidade mental e permitiu-lhe impor-se diante da força física, da agilidade e da velocidade de outras espécies. Com isso ele sobreviveu e expandiu-se por outras terras. Mas como isso aconteceu? Na sua relação com outros animais, os ancestrais humanos tinham algumas desvantagens. A cada evolução sua queixada regredia, suas presas tornaram-se menores e suas garras também, além de mais fracas. Eles precisavam de outras qualidades que compensassem essas fragilidades para garantirem sua sobrevi-vência. Os que formaram a linha genealógica do homem moderno foram aqueles que desenvolveram capacidades cerebrais e manuais que lhes permitiram manusear e fabricar ferramentas e armas. Os Australopithecus não fabricavam armas, mas usaram o que encontravam na natureza, como pedras que lançavam sobre o inimigo ou a caça, bastões de madeira ou ossos longos para bater. As primeiras ferramentas e armas fabricadas pelo homem datam de 500 mil anos, e foram encontradas em Uganda e na Tanzânia. Nesse período, nosso ancestral já era o Homo erectus. Suas ferramentas eram simples pedras rudemente lascadas, para usos diversos difíceis de especificar, que imaginamos como armas ou instrumentos cortantes para abater a caça e cortar-lhe a carne. Esses instrumentos foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo até cerca de 150 ou 100 mil anos atrás. Embora não haja provas, é possível que o Homo erectus já confeccionasse o machado de mão, uma pedra lascada em cunha amarrada na ponta de um pequeno bastão, há um milhão de anos. Embora a evolução física fosse essencial para a existência do homem, o que o distingue do animal é a sua capacidade de intervir no processo natural. Isso ocorreu a partir do momento que os ancestrais do homem conseguiram produzir instrumentos, armas e utensílios. Quando um chipanzé bate com uma vara em um

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galho de árvore para apanhar uma fruta, ou a faz mais longa enfiando-a no oco de um pedaço de bambu, ou usa uma pedra para atirar ou bater em um contendor, ele está apenas se valendo de elementos encontrados na natureza. Mas quando o Homo erectus amarrou uma pedra na ponta de um pequeno bastão, ele fez algo inusitado no reino animal, criou um instrumento que poderia ser usado para quebrar o fruto da castanha ou como arma para atacar outro animal. Com o bastão ele alongava seu braço e com a pedra sua mão se tornava mais contundente. Ele associou ideias e usou sua habilidade para alcançar um objetivo, quando manuseou madeira e pedra, e fibras para fixar os outros dois materiais um no outro. Talvez possamos dizer que esse foi o momento que marcou a primeira tomada de consciência do animal que veio a ser mais tarde o Homem ou, quem sabe, se fez homem naquele momento. Ali ele tornou-se mais poderoso, não apenas pelo instrumento, mas, sobretudo, pela capacidade de produzi-lo, ou seja, por modificar suas relações com o mundo exterior. Quando o mesmo Homo erectus lascou materiais cristalinos, como o sílex e a obsidiana, e os tornou cortantes, transformou sua marreta em machado e serviu-se dele para cortar madeira, caçar e descarnar a caça abatida. Parece que o uso de instrumentos cortantes e o hábito de comer carne foram se desenvolvendo paralelamente. Achados arqueológicos apontam para isso. A qualidade das armas e a destreza do caçador permitiram o aumento da coleta da carne. Sendo esse um alimento concentrado, com grande quantidade de proteína, o homem reduziu a quantidade de alimentos ingeridos, economizou o tempo da sua coleta e pôde dedicar-se à caça, mesmo quando exigia longas caminhadas. Isso também assegurou alimentos para um maior número de pessoas e sua prole cresceu. Além do alimento, a caça lhe proporcionava as peles dos animais abatidos para cobrir seu corpo. Mais tarde ele faria cabanas com elas, um bom abrigo contra o frio, que o libertou de viver apenas nos trópicos, muito secos durante o período glacial, para aventurar-se mais longe, em zonas mais frias, mas com maior fartura de água. O fato de o homem conquistar a condição de fabricante de instrumentos representa um salto de qualidade na sua evolução. Para isso ele teve de associar ideias. Era preciso mais que observar os animais, ou os semelhantes, e tentar imitá-los, mas associar ideias e ter habilidade para transformá-las em realidade, em objetos preconcebidos. Isso implica inteligência e dedos com flexão e sensibilidade para realizar as operações necessárias. As armas permitiam-lhe caçar animais de maior porte, que exigiam a ação em grupo em operação coordenada. Isso implica associação mais complexa de ideias e comunicação entre eles. Alguma forma de comunicação surgiu nessa fase de seu desenvolvimento. Mas além das armas e do desenvolvimento do raciocínio e da comunicação, o homem daria mais tarde passos decisivos para sua preservação e sua liberdade, conquistar novos territórios e usar o fogo.

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Dados da arqueologia indicam que o uso do fogo pelo homem foi anterior à técnica de sua obtenção por choques de pedras ou fricção de um bastão de madeira com pedra. Ele o apanhou de uma fogueira natural, produzida por raio, erupção vulcânica ou outro fenômeno da natureza, como a combustão espontânea de algumas espécies vegetais em atmosfera seca e forte calor. Não podendo produzi-lo e sendo difícil encontrá-lo, era preciso conservá-lo. O uso do fogo foi uma conquista humana, um meio de melhorar sua condição de vida, na sua defesa contra as intempéries ou na manipulação de alguns aspectos da natureza. O fogo aquece o homem no inverno, cozinha seus alimentos e afasta outros animais que veem a chama com grande temor. Detém os animais fora da caverna que abriga o homem. Este não necessitará mais subir em árvores ou dormir nas paredes íngremes das falésias como forma de proteção. Como todo animal, o homem era orientado por instintos. Mas teve de superar seu temor ao fogo para dele se apropriar. A partir daí, surgiu outro problema, conservar essa grande conquista. O fogo era para ele um fenômeno da natureza até então incontrolável, fugaz e de grande poder destrutivo. Sua conservação exigia cuidados especiais. Era preciso uma forte motivação para fazê-lo. O fogo possui seu lado místico, como a chuva, o trovão e o raio que o produz. Reverenciar o fogo como algo sagrado foi um achado para motivar as pessoas a mantê-lo sempre aceso. O fogo sagrado foi cultuado por diversas tribos, pelas famílias da Grécia e de Roma, e em todo o mundo colonizado. Até hoje o é nas velas acesas nas residências e nas igrejas para proteger-nos contra qualquer sorte de mal não identificável. Entretanto, o homem passou a controlá-lo sem saber que graças a ele poderia expandir-se por todo o planeta e seguir seu processo evolutivo. A expansão dos humanos ou humanoides foi uma necessidade em face do crescimento da população. Os espaços eram disputados ferozmente e um dos grupos precisava instalar-se alhures ou um deles seria massacrado. A dispersão por território cada vez maior era inevitável. Fósseis do Homo erectus foram encontrados em vários lugares do mundo em datas entre 400 mil e 150 mil anos. O Homem de Pequim na China, o Homem de Java na Indonésia, o Homo ergaster na Europa. Em relação ao Homo sapiens há uma controvérsia de datação do seu surgimento. Enquanto grupos espiritualistas falam de 500 mil anos, os arqueólogos consideram de 200 mil a 150 mil anos. Há autores que afirmam ter ele surgido há 50 mil anos. Pode haver discrepância de conceituação das características que definem um ou o outro. Essa controvérsia pode ser interessante, mas foge ao escopo de nosso trabalho. Na Europa foram encontrados fósseis, artefatos e pinturas rupestres de dois tipos distintos de Homo, o de Neandertal, também conhecido como Homo sapiens de Neandertal, e o de Cro-Magnon, que arqueólogos franceses chamam de Homo sapiens-sapiens, encontrado na França e que ocupou parte dela e da Ibéria. Certamente este teria compartilhado um mesmo território com o de Neandertal,

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por algumas dezenas de milhares de anos, onde eles teriam convivido. Este último viveu antes e durante quase toda a última glaciação europeia, e foi um habilidoso construtor de ferramentas. Há grande polêmica sobre cada um deles, sua cultura, formas de comunicação, organização social e práticas religiosas. Sobre isso nos limitamos ao registro. Mas o de Neandertal foi extinto entre 30 mil e 20 mil anos. Ele era apenas caçador. É possível que a redução da caça por migração de animais, uma epidemia ou conflitos com os rivais possam tê-lo enfraquecido e reduzido sua população comprometendo sua existência. O período de expansão das populações dessas duas espécies de Homo sapiens coincide com a última glaciação, entre 80 mil e 10 mil anos atrás, quando a sobrevivência humana passou por uma grande prova nas superfícies geladas do norte da Terra, incluindo as ilhas britânicas e o norte do continente europeu. As ferramentas passaram por mudanças significativas. Usada como instrumento de corte e de penetração, a pedra lascada tornara-se polida. Esse evento foi tão importante que definiu um período da pré-história, a passagem do paleolítico para o neolítico. Nessa época já não havia nenhum exemplar de qualquer hominídeo sobre a Terra, que não fosse o Homo sapiens, ou simplesmente o Homem (12) (86) (116).