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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ANA PAULA KRETSCHMER DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE São José (SC) 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ANA PAULA KRETSCHMER

DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE

São José (SC)

2009

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ANA PAULA KRETSCHMER

DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. Orientadora: MSc. Luiza Cristina Valente

São José (SC)

2009

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DEDICATÓRIA

Dedico o presente trabalho aos meus pais, responsáveis diretos pela mulher

que sou, fonte de perseverança, alegria e amor. Sem eles nada teria sentido.

Ao meu amor Carlos, que me inspira e me ilumina com seus gestos de

carinho, generosidade e de muito bom humor. Futuro pai dos meus filhos, é a razão

dos meus dias, cada vez mais felizes.

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora, professora e amiga dedicada, paciente e competente

em tudo que se propõe a realizar.

A todos os professores que participaram de minha vida acadêmica, em

especial àqueles com quem tive a felicidade de atuar no meio jurídico, através do

Escritório Modelo de Advocacia, que se transformaram em amigos muito especiais.

Aos amigos e colegas de trabalho, que sempre me guiaram de maneira

positiva no caminho escolhido.

A minha amiga/irmã Bartira, com quem compartilho minha vida, meus

anseios, alegrias, vitórias e decepções.

Enfim, a todas as pessoas que contribuíram de alguma forma com o presente

trabalho.

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Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova

consciência e juventude

Está em casa guardado por Deus contando vil metal

Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo

o que fizemos

Nós ainda somos os mesmos e vivemos

Ainda somos os mesmos e vivemos

Como os nossos pais.

BELCHIOR

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale

do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador

de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 29 de outubro de 2009.

Ana Paula Kretschmer

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RESUMO

A presente monografia tem o intuito de analisar as transformações sofridas pela

família no ordenamento jurídico brasileiro, bem como demonstrar a possibilidade de

arbitramento do dano moral, no que diz respeito ao não reconhecimento da

paternidade. Isto porque, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do

Adolescente estabelecem que o estado de filiação é direito fundamental à

identidade, não podendo o filho sofrer restrições ou discriminações. Para o

desenvolvimento do tema foi utilizado o método dedutivo e a técnica documental

indireta, restando o trabalho dividido em três etapas. A primeira delas diz respeito à

evolução das legislações constitucionais que regulamentaram a família no Brasil,

com uma leitura especial da Constituição de 1988, verdadeira carta de princípios e

normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Em seguida, elucidou-se o

tema da responsabilidade civil subjetiva com a análise de seus pressupostos, bem

como a possibilidade da configuração do dano moral no Direito de Família, em

observância aos preceitos estabelecidos pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente. Num terceiro momento, faz-se um estudo sobre as

formas de estabelecimento da paternidade e sobre como um filho pode ser

reconhecido, apresentando-se o entendimento doutrinário a respeito do cabimento

de dano moral decorrente do não reconhecimento da paternidade; e através de

pesquisa jurisprudencial nos Tribunais pátrios, analisam-se os posicionamentos

favoráveis e contrários ao tema proposto, com especial atenção aos

posicionamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil. Direito de Família. Dano Moral.

Paternidade.

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ABSTRACT

This thesis aims to examine the transformations undergone by the family in the

Brazilian legal, and demonstrate the possibility of arbitration of the compensatory

damages, regarding non-recognition of paternity. This is because the Federal

Constitution and the Statute of the Child and Adolescent establish the state of

membership is fundamental to the identity, and child can’t be restricted or

discrimination. To develop the theme was used the deductive method and indirect

technical documentation, leaving the work divided into three steps. The first one

concerns the evolution of constitutional laws that regulated the family in Brazil, with a

special reading of the Constitution of 1988, real charter of principles and rules

defining the fundamental rights and guarantees. Then explained to the topic of the

civil liability with the subjective analysis of their assumptions, and the possibility of

setting the compensatory damages in Family Law, in compliance with the precepts

established by the Constitution of 1988, and the Statute of the Child and Adolescent.

In the third step, it is a study on ways to establish paternity, and how a child can be

recognized, presenting the doctrinal understanding about the pertinence of

compensatory damages resulting from the non-recognition of paternity, through

research and case law in the Brazil’s courts, analyze the positions for and against the

proposed topic, with special attention to the placement of the Court of Santa

Catarina.

KEYWORDS: Civil Liability. Family Law. Compensatory Damages. Paternity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1 FAMÍLIA: EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E CONCEPÇÃO CONTEMP ORÂNEA .... 12

1.1 EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO ........................................................................................ 12

1.1.1 A Família nas Constituições de 1824 e 1891 ....................................................... 13

1.1.2 A Família no Código Civil de 1916 ............................................................................. 14

1.1.3 A Família nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1 967 ............................ 15

1.1.4 A Família na Constituição de 1988 ............................................................................ 16

1.1.5 A Família no Código Civil de 2002 ............................................................................. 19

1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA ......................... 21

1.2.1 Princípio da Dignidade da pessoa humana ......................................................... 22

1.2.2 Princípio da Igualdade e respeito à diferença .................................................... 23

1.2.3 Princípio da Solidariedade familiar ........................................................................... 24

1.2.4 Princípio da Proteção integral a Crianças e Adolesc entes ........................ 25

1.2.5 Princípio da Afetividade ................................................................................................... 26

1.3. CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DA FAMÍLIA ........................................... 27

2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL: BASES P ARA A

CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL ........................ ............................................. 29

2.1 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................... 29

2.1.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil ............................................................. 30

2.1.2 Excludentes da Responsabilidade Civil ................................................................. 34

2.2 DO DANO MORAL ........................................................................................... 36

2.2.1 Definição, fundamento e função do Dano Moral .............................................. 37

2.2.2 Dano moral indenizável .................................................................................................... 39

2.2.3 Avaliação e valor da reparação ................................................................................... 41

2.2.4 O dano moral no Direito de Família .......................................................................... 42

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3 DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA

PATERNIDADE ....................................... ................................................................. 45

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE FILIAÇÃO ............................................. 45

3.1.1 Formas de estabelecimento da Paternidade ....................................................... 47

3.1.1.1 Critério da Presunção Legal (Pater is Est) ............................................................. 47

3.1.1.2 Critério Biológico ................................................................................................................ 48

3.1.1.3 Critério Afetivo ..................................................................................................................... 50

3.1.2 Reconhecimento de Filhos ............................................................................................ 51

3.1.2.1 Reconhecimento Voluntário de Filhos ...................................................................... 52

3.1.2.2 Reconhecimento Forçado de Filhos (Investigação de Paternidade) ......... 53

3.2 A PATERNIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE............................. 56

3.2.1 As Conseqüências da Ausência Paterna .............................................................. 57

3.3 DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA

PATERNIDADE...................................................................................................... 59

3.3.1 Posicionamentos jurisprudenciais ............................................................................ 61

3.3.2 Posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Cata rina (da

CF/88 até 2009) .................................................................................................................................. 69

CONCLUSÃO ......................................... .................................................................. 75

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 78

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10

INTRODUÇÃO

Tendo em vista que o estado de filiação é considerado direito da

personalidade, com fundamento nos artigos 227 da Constituição Federal e 27 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, inicia-se a discussão sobre a possibilidade de

cabimento de indenização por dano moral em caso de violação de tal direito. Dentro

desse contexto, isto é, considerando que o estado de filiação como direito da

personalidade possui vários desdobramentos, opta-se por tratar da possibilidade de

indenização por dano moral pelo não reconhecimento da paternidade.

O tema foi escolhido em decorrência do trabalho de monitoria desenvolvido

no Escritório Modelo de Advocacia (EMA) na Univali, tendo em vista os inúmeros

atendimentos na área do Direito de Família, onde se pôde constatar a difícil tarefa

em estabelecer vínculos e estreitar as relações familiares, principalmente entre pais

e filhos, bem como fazer valer os preceitos constitucionalmente estabelecidos,

asseguradores dos direitos das crianças e dos adolescentes. Diante desta

experiência habitual, desenvolveu-se o desejo em aprofundar o assunto.

Para tanto, a adoção do método dedutivo e da técnica de pesquisa

documental indireta mostram-se os mais adequados, tendo em vista os objetivos da

monografia.

Seu objetivo geral é demonstrar como está a discussão do assunto no Brasil,

após a promulgação da Constituição de 1988, bem como quais são os argumentos

trazidos pela doutrina. Seus objetivos específicos são: a) análise da evolução da

regulamentação da família no ordenamento jurídico brasileiro, com a conceituação

da família na atualidade; b) estabelecimento das bases para a configuração do dano

moral no Direito de Família, analisando quais são os pressupostos da

responsabilidade civil subjetiva; c) discorrer sobre as formas de estabelecimento da

paternidade, de acordo com seus critérios, e de como se dá o reconhecimento dos

filhos.

Para tal fim, no primeiro capítulo é feita uma abordagem da evolução

legislativa da família no ordenamento jurídico constitucional brasileiro,

especificamente da família nas Constituições de 1824, 1891, 1943, 1937, 1946,

1967 e de 1988, bem como no Código Civil de 1916 e no de 2002. Em seguida, são

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11

apresentados os princípios constitucionais aplicados ao Direito de Família. Ainda no

primeiro capítulo, apresentam-se alguns conceitos trazidos pela doutrina de qual

seja a concepção atual da família. O objetivo do primeiro capítulo, portanto, é

compreender a evolução na família no ordenamento pátrio, e demonstrar que a

família na atualidade admite a discussão do tema proposto.

No segundo capítulo faz-se um estudo sobre a teoria geral da

responsabilidade civil, apresentando quais são seus pressupostos e quais as

excludentes da ilicitude. Posteriormente, adentra-se no tema dano moral,

apresentando sua definição, fundamento e função. Também neste capítulo busca-se

trazer o posicionamento da doutrina, no que se refere ao dano moral no Direito de

Família.

No terceiro e último capítulo, procede-se com o estudo sobre a filiação e as

formas de reconhecimento da paternidade, de acordo com os critérios apresentados

pelos doutrinadores, e também de como se dá o reconhecimento dos filhos. Em

seguida, apresenta-se o fundamento legal constitucional do estado de filiação como

direito da personalidade, ressaltando as conseqüências da ausência paterna.

Por fim, analisa-se a discussão do tema nos Tribunais Pátrios, em especial no

Tribunal de Justiça Catarinense, e busca-se trazer os argumentos pertinentes a cada

um dos julgados, no que se refere ao dano moral decorrente do não reconhecimento

da paternidade.

Com base no desenvolvimento do trabalho e seus argumentos expendidos no

decorrer dos capítulos é possível tecer as Considerações Finais da presente

monografia, e reconhecer a complexidade do assunto, atual e polêmico.

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1 FAMÍLIA: EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E CONCEPÇÃO

CONTEMPORÂNEA

O presente capítulo versa sobre a família, apresentando a evolução legislativa

de sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, bem como sua

concepção contemporânea, com a referência aos princípios constitucionais que

norteiam o Direito de Família.

O objetivo do primeiro capítulo é compreender a evolução da família no

ordenamento pátrio, e demonstrar que a família na atualidade admite a discussão do

tema proposto.

1.1 EVOLUÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

O tema principal do presente trabalho, qual seja, dano moral pelo não

reconhecimento da paternidade é fruto das transformações pelas quais passou e

vem passando a família brasileira, notadamente a partir da segunda metade do séc.

XX. Portanto, entendeu-se necessário tratar primeiramente da evolução da

legislação que regulamenta a família no Brasil, com o objetivo de demonstrar que a

concepção atual da família admite a discussão do tema.

A fim de alcançar o significado jurídico da família1, far-se-á uma análise da

evolução da regulação da entidade familiar por nosso ordenamento jurídico, em

especial o ordenamento constitucional, pois, analisando-se as Constituições

brasileiras, é possível constatar as mudanças experimentadas pela família até

chegarmos à sua concepção atual.

1 O estudo da evolução família remonta aos primórdios da civilização, entretanto, para efeitos do presente trabalho será considerada a família brasileira a partir do século XIX.

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1.1.1 A Família nas Constituições de 1824 e 1891

As Constituições de 1824 e 1891 tinham como preocupação maior a

regulamentação da forma de governo e de seu exercício, bem como a proteção dos

direitos do indivíduo, especialmente para limitar o poder de atuação do Estado.

Maria Berenice Dias2 resume os valores da sociedade à época das referidas

Constituições:

(...) uma sociedade conservadora, cujos vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. (...) O núcleo dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.

A primeira Constituição brasileira, de 1824 foi outorgada por Dom Pedro I, e

instituída sob o comando do imperador.3 Sobre a proteção da família nesta

Constituição, afirma Luciana Faísca Nahas4 que:

A única menção que a Constituição de 1824 faz à família diz respeito exclusivamente à Família Imperial, e, ainda, assim somente o fez, pois importava na organização da forma de governo do país, que era monárquico hereditário. [...] Isso não significa que não havia regulamentação jurídica a respeito da família. Não se pode esquecer que a religião católica era a religião oficial do Brasil, nos moldes do art. 5º do texto constitucional. Desta forma, incumbia ao Direito Canônico regulamentar as questões referentes ao casamento e suas conseqüências. (grifo nosso).

Entretanto, consoante Eduardo de Oliveira Leite5:

Com o advento da República e a publicação,em 24 de janeiro de 1890, do Decreto 181, passou a viger no Brasil somente o casamento civil. Não só se separava o poder temporal da Igreja, mas, ato contínuo, se impunha a supremacia do Estado sobre a matéria, até então de exclusiva competência religiosa.

2 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 28. 3 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 65. 4 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 65. 5 LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito Civil Aplicado: direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 36.

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14

A Constituição de 1891 substituiu a de 1824 e foi a primeira do Brasil

República. Tal Constituição decidiu drasticamente pela destituição dos títulos da

nobreza, bem como pela separação expressa entre Estado e a Igreja. Da instituição

do Estado laico tem-se que a única menção que se faz à família é sobre o

casamento civil. É o teor do §4º do art. 72 da Constituição de 1891, verbis: A

República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita. 6

Portanto, seguindo a tradição da não interferência na liberdade individual,

percebe-se que as Constituições antes mencionadas, passaram ao largo do direito

de família, deixando esse papel para o Direito Canônico e as Ordenações do Reino

de Portugal. Entretanto, a Constituição de 1891 teve a importância de instituir o

Estado laico e reconhecer o casamento civil.

1.1.2 A Família no Código Civil de 1916

Antes de continuar o exame da Família nas Constituições posteriores,

importante abrir um parêntese para tratar do Código Civil de 1916, o qual foi

promulgado na vigência da Constituição de 1891 e, como não poderia deixar de ser,

refletiu os valores predominantes nesse período. Portanto, segundo Maria Berenice

Dias7, o Código Civil de 1916:

(...) regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia uma estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções ente seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos.

Os filhos, considerados objeto e não sujeitos de direito, deviam obediência ao

pai, detentor exclusivo do pátrio poder, que era praticamente absoluto e ilimitado. A

6 BRASIL. Constituição da República dos Estados do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao91.htm. Acesso em 05 de abril de 2009. 7 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 30.

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15

mulher só exercia o pátrio poder excepcionalmente e também o perdia se, uma vez

viúva, viesse a se casar novamente.8 O casamento era visto como um negócio e

como forma de transmissão da propriedade, bem como de procriação. Outra

característica é de que tais casamentos se davam pela combinação dos patriarcas

de cada uma das famílias, sendo que o regime matrimonial dotal era o que

preponderava no momento da união.9

Sem adentrar em toda a regulação do Código Civil sobre a família, os

exemplos acima citados deixam claro que a lei refletiu os valores preponderantes na

sociedade à época da sua elaboração.

1.1.3 A Família nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1 967

A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar da proteção da família, ainda

que somente da família matrimonial. Também restaurou o reconhecimento dos

efeitos do casamento religioso.10

A Constituição de 1937 não alterou significativamente o direito de família, mas

apenas impôs algumas preocupações com a educação da prole, a colaboração

estatal para as famílias mais necessitadas, bem como a igualdade entre os filhos

naturais e legítimos.11

Já a Constituição de 1946, surgida no período pós-guerra, igualmente não

trouxe mudanças significativas no direito de família, conforme assevera Luciana

Faísca Nahas12:

Não houve significativas mudanças no tratamento da família na Constituição de 1946 em relação às anteriores. Continuou atrelada ao casamento civil com vínculo indissolúvel, e retornou a possibilidade, já prevista na Constituição de 1934 e suprimida na de 1937, de registro civil do casamento religioso.

8 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 381-382. 9 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 70. 10 Idem, Ibidem. p. 72-74. 11 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo: RT, 2002, p. 52-53. 12 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 77-78.

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16

Por fim, no que concerne à Constituição de 1967, foi promulgada sob o

regime ditatorial, no qual o exercício dos direitos e garantias individuais foi limitado.

No direito de família, a preservação da figura familiar permaneceu atrelada ao

matrimônio indissolúvel. Contudo, os anseios sociais eram outros, sendo que o

Brasil era um dos poucos países que ainda não admitia o divórcio, apoiado

principalmente pela Igreja Católica. 13

Entretanto, cabe mencionar que, antes da promulgação da Constituição de

1988, algumas alterações legislativas e jurisprudenciais buscaram acompanhar a

evolução que ocorria no seio da família brasileira. No campo legislativo destacam-se

o Estatuto da Mulher casada de 1962, que deu mais autonomia à esposa, e a Lei do

Divórcio, fruto da Emenda Constitucional n. 09, de 29.06.1977, que tornou possível a

dissolução do vínculo conjugal, e dessacralizou o casamento.14.

A jurisprudência deu sua contribuição no que diz respeito aos direitos das

famílias não matrimoniais, ainda que somente no aspecto patrimonial. A Súmula 380

do Supremo Tribunal Federal15, publicada em 11 de maio de 1964, permitia a

partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum dos concubinos e, na hipótese de

não haver patrimônio, os Tribunais concediam indenização por serviços prestados.

1.1.4 A Família na Constituição de 1988

Com toda certeza foi a Constituição de 1988 que realmente atendeu a

evolução da sociedade e estabeleceu os princípios condizentes à nova ordem social.

Para Luciana Faísca Nahas16:

O processo de democratização, vivido pela sociedade brasileira no momento que antecedeu a promulgação da Constituição de 1988 e a participação popular, durante a Constituinte, conferiram ao corpo normativo

13 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 77-80. 14 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 30. 15BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 380. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=380.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas. Acesso em 07 de abril de 2009. 16 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 88.

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17

uma quantidade de direitos e garantias aos cidadãos a ponto de torná-la conhecida como “Constituição Cidadã”. A Constituição de 1988 efetivamente alterou a concepção do Estado brasileiro nos mais diversos aspectos, mudando paradigmas da ordem jurídica que a antecedeu, e não foi diferente em relação à família.

Seguindo tal processo, o art. 226 da Constituição de 1988 merece ser citado,

pois mudou o perfil da família constitucionalmente protegida. In verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. 17

Sobre as importantes alterações trazidas pela Constituição de 1988, no

Direito de Família, explicita Luciana Faísca Nahas18:

A primeira entidade familiar protegida é a decorrente do casamento, porém sem a exclusividade a ele antes reservada. A Constituição menciona a forma civil, com celebração gratuita, e prevê a possibilidade de o casamento religioso gerar efeitos civis, nos termos da lei ordinária. Dessa forma, mantém a tradição já consagrada no constitucionalismo pátrio. O destaque, no entanto, está na consagração da igualdade entre os cônjuges. Este preceito constitucional refletiu diretamente na legislação ordinária, uma vez que até então ainda era válida a norma do Código Civil, que dispunha sobre a administração da sociedade conjugal pelo cônjuge varão, ainda que amenizada pelo Estatuto da Mulher Casada. A conquista da igualdade jurídica entre os cônjuges na administração da sociedade conjugal demonstra que, finalmente, houve o reconhecimento e proteção pela Constituição de uma mudança social. A elevação ao patamar

17BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 07 de abril de 2009. 18 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2006, p. 91-92.

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constitucional demonstra um rompimento total do constituinte com a concepção desigual e patriarcal da sociedade conjugal. [...]

A consagração da igualdade entre os cônjuges, o reconhecimento da união

estável entre o homem e a mulher, e também da família monoparental como

entidades familiares, foram umas das mais importantes inovações no âmbito do

Direito de Família. O patriarcalismo cedeu lugar à democratização e, a supremacia

do casamento ao pluralismo familiar.

Segundo Cristiano Chaves de Farias19:

(...) procedendo a uma comparação entre o texto constitucional [...] e o texto das Constituições brasileiras anteriores (art. 124 da Constituição de 1937, 163 da Constituição de 1946, 167 da Lei Maior de 1967 e 175 do Texto Constitucional de 1969) -, nota-se uma transformação radical, pois durante muito tempo a família legitimamente protegida somente poderia ser constituída através da instituição do casamento.

Para Maria Berenice Dias20:

A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226, parágrafo 3º) e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF 226 parágrafo 4º), que começou a ser chamada de família monoparental. [...] O enlaçamento dos vínculos familiares constituídos por um dos genitores com seus filhos, no âmbito da especial proteção do Estado, atende a uma realidade que precisa ser arrostada. [...]

Mais uma importante inovação trazida pela Constituição de 1988 foi a

prioridade concedida às crianças e aos adolescentes, elencada no art. 227 da

Constituição. In verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

19 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 35. 20 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 39 e 46.

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§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: [...] § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.21

Assim, as crianças e os adolescentes deixaram de ser objeto do direito para

se tornarem sujeitos de direito. Sobre a proteção igualitária dos filhos elencada no

parágrafo 6º do artigo supramencionado, significa que não se deve mais fazer

qualquer distinção em razão da origem da filiação, desaparecendo os termos

legítimo, adulterino, natural, incestuoso, ou qualquer outro com conotação de

tratamento desigual.

Em breve resumo, pode-se afirmar que das transformações trazidas pela

Constituição de 1988, as mais importantes, e fundamentais, diante da evolução da

sociedade no que diz respeito ao Direito de Família, foram a instauração da

igualdade entre o homem e a mulher, a proteção a outros tipos de entidades

familiares, como a união estável e a família monoparental e a igualdade dos filhos,

independentemente da origem da filiação.22

1.1.5 A Família no Código Civil de 2002

As mudanças trazidas pela Constituição de 1988 no que diz respeito à família

foram profundas e geraram impacto imediato no ordenamento jurídico brasileiro. O

Código Civil de 1916, com característica patrimonialista e patriarcal, revelou-se

21BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 10 de abril de 2009. 22 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 30-31.

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obsoleto, sendo que diversos dispositivos tornaram-se ineficazes após a

promulgação da Constituição.

Entretanto, antes do Código Civil de 2002, foram editadas algumas leis para

regulamentar os dispositivos constitucionais atinentes à família, tais como a Lei n.

8.069/90 que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei n. 8.560/92 que

tratou da filiação fora do casamento, e as Leis n. 8.971/94 e n. 9.278/96 que

dispuseram sobre a união estável.

Sobre o Código Civil de 2002, Maria Berenice Dias23 entende que:

O atual Código Civil – que ainda se costuma chamar de novo - entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003. O projeto original, no entanto, data de 1975, sendo anterior, inclusive, à Lei do Divórcio, que é de 1977. Tramitou pelo Congresso Nacional antes de ser promulgada a Constituição Federal, em 1988, que introduziu diversa ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana. Em completo descompasso com o novo sistema jurídico, o projeto teve de se submeter a profundas mudanças. Daí o sem-número de emendas que sofreu, tendo sido bombardeado por todos os lados. Assim, o novo Código, embora bem-vindo, chegou velho. Por isso, é imprescindível que os lidadores do direito busquem aperfeiçoá-lo: proponham emendas retificativas, realizem quem sabe até verdadeiras cirurgias plásticas, para que adquira o viço que a sociedade merece. [...]

No que diz respeito às mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002, dentro

do Direito de Família, Luiz Edson Fachin24 também explicita:

O Código Civil procurou atualizar os aspectos essenciais do direito de família. Incorporou as mudanças legislativas que haviam ocorrido por meio de legislação esparsa, apesar de ter preservado a estrutura do Código anterior. Mas não deu o passo mais ousado, nem mesmo em direção aos temas constitucionais consagrados, ou seja, operar a subsunção, à moldura de norma civil, de construções familiares existentes desde sempre, embora completamente ignoradas pelo legislador infraconstitucional.

Para Caio Mário da Silva Pereira25:

Não se trata, evidentemente, de extinguir os institutos já consagrados anteriormente. O que se cogita é de, através da legislação mais abrangente e adequada, o Estado estatuir medidas que visem à proteção ao campo da família, e que tenham por objeto mais desenvolvido programa de

23 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 31. 24 FACHIN, Luiz Edson. Da Paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 83. 25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: direito de família. 16. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 5, p. 38-39.

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assistência à família nos três estágios: relações entre homem e mulher; relações destes com os filhos; deveres do Estado com todas as pessoas abrangidas no contexto familiar.

Portanto, apesar do Código Civil atual ser posterior à Constituição de 1988,

muitas de suas normas não condizem com a realidade contemporânea,

principalmente por ser fruto de um projeto de 1975. Por isto, toda a legislação

infraconstitucional deve ser relida conforme os princípios consagrados pela

Constituição de 1988, pois é nela que está a base da família atual.

1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA

É através da Constituição Federal, verdadeira carta de princípios e normas

definidoras de direitos e garantias fundamentais que transcende o direito brasileiro.26

A primeira regra a ser invocada em qualquer processo hermenêutico, são os

princípios constitucionais27, os quais vêm em primeiro lugar e são as portas de

entrada em qualquer leitura interpretativa do direito.28.

A Constituição Federal tem como regra maior o respeito à dignidade da

pessoa humana, conforme expressamente proclama o inciso III do seu art. 1º, que

serve de norte ao sistema jurídico. Tal valor implica dotar os princípios da igualdade

e da isonomia de potencialidade transformadora na configuração de todas as

relações jurídicas.29 É no direito de família que mais se sente o reflexo dos princípios

elencados pela Constituição Federal de 1988, a qual consagrou como fundamentais

os valores sociais dominantes na sociedade. Os princípios que regem o direito de

família não podem distanciar-se da atual concepção da família, com múltiplas

facetas.30

26 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 54. 27 Idem, Ibidem. p. 56. 28 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 24. 29 DIAS, Maria Berenice. In: BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Cláudia Stein (coords.). Direito de Família: direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 7, p. 173. 30 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 57.

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Quanto ao número de princípios fundamentais, utilizados no Direito de

Família, afirma Gustavo Tepedino31 que “é difícil quantificar [...]. Alguns não estão

escritos nos textos legais, mas têm fundamentação ética no espírito dos

ordenamentos jurídicos para possibilitar a vida em sociedade”. Assim no presente

trabalho serão tratados aqueles mais pertinentes ao tema principal.

1.2.1 Princípio da Dignidade da pessoa humana

É o princípio maior, que fundou o Estado Democrático de Direito, afirmado no

primeiro artigo da Constituição Federal, sendo que a preocupação com a efetivação

dos direitos humanos e também da justiça social, levou o constituinte a consagrar a

dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional.32

Para Daniel Sarmento33 “sua essência é difícil de ser capturada em palavras,

mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se podem elencar de

antemão”.

Já para Walter Claudius Rothenburg34 “talvez possa ser identificado como

sendo o princípio de sentimentos e emoções. [...] também é sentido e experimentado

no plano dos afetos”.

Sobre a dignidade da pessoa humana, Daniel Sarmento35 afirma:

O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva. O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território.

Maria Berenice Dias36, ao falar sobre tal princípio, sob a ótica do direito de

família, assevera que:

31 TEPEDINO, Gustavo. Temas do Direito Civil: constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 25. 32 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 59. 33 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 65. 34 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 65. 35 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 71.

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O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família, [...].

Cristiano Chaves de Farias37 exemplifica o princípio falando que, “se é direito

da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a

entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna”. É o “direito

constitucional do ser humano ser feliz e dar fim àquilo que o aflige sem inventar

motivos”.38

1.2.2 Princípio da Igualdade e respeito à diferença

Maria Berenice Dias39 inicia a explicação sobre tal princípio, afirmando que o

sistema jurídico “assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os

cidadãos no âmbito social. A idéia central é garantir a igualdade, o que interessa

particularmente ao direito, pois está ligada à idéia de justiça”. É imprescindível que a

lei em si considere todos igualmente, ressalvadas as desigualdades que devem ser

sopesadas para prevalecer a igualdade material em detrimento da obtusa igualdade

formal.

Maria Berenice Dias40 esclarece ainda mais sobre o assunto:

A supremacia do princípio da igualdade alcançou também os vínculos da filiação, ao ser proibida qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção (CF 227, par. 6º). [...] Também em respeito ao princípio da igualdade, é livre a decisão do casal sobre o planejamento familiar (CC 1.565 par. 2º e CF 226 par. 7º), sendo vedada qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou

36 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 60. 37 FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem para a culpa na dissolução das relações afetivas. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, n. 18, jun.-jul.2003, p. 49-82. 38 ROSA, Alexandre Moraes da. Amante virtual: (In) conseqüências no direito de família e penal. Habitus, 2001, p. 88. 39 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 62. 40 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 62-63.

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públicas. É limitada a interferência do Estado, que deve propiciar os recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito.

Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da

igualdade no âmbito do direito de família, sendo que o tratamento igualitário nas

relações familiares deve ser pautado pela solidariedade entre seus membros,

caracterizada pelo afeto e pelo amor.41

1.2.3 Princípio da Solidariedade familiar

De acordo com os ensinamentos de Maria Berenice Dias42:

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. Também ao ser imposto aos pais o dever de assistência aos filhos (CF 229), consagra-se o princípio da solidariedade. (grifo nosso)

Um exemplo da concretização de tal princípio é o direito a alimentos. Assim,

caso um dos parentes deixe de atentar com a obrigação parental, não poderá exigi-

la daquele que se negou a prestar auxílio. Como o pai que deixa de cumprir com os

deveres inerentes ao poder familiar, não provendo a subsistência dos filhos. Tal

postura o impede de, em um momento de necessidade, buscar os alimentos frente

aos filhos, uma vez que desatendeu ao princípio da solidariedade familiar.43

41 ESTROUGO, Mônica Guazzelli. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). O princípio da igualdade aplicado à família: direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 335. 42 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 63-64. 43 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 64.

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1.2.4 Princípio da Proteção integral a Crianças e Adolesc entes

A consagração dos direitos de crianças e adolescentes como direitos

fundamentais, em observância ao art. 227 da Constituição Federal, incorporou na

doutrina a proteção integral aos mesmos, e vedou referências discriminatórias entre

os filhos, consoante disposição expressa do parágrafo 6º do art. 227 da Constituição

Federal, alterando profundamente os vínculos de filiação.44

Sendo assim, devem as crianças e adolescentes - considerados como

cidadãos vulneráveis e frágeis, em desenvolvimento - até os 18 anos, receber

tratamento diferenciado. Daí a consagração do princípio da proteção integral às

crianças e adolescentes e aos seus direitos fundamentais constitucionalmente

assegurados.45

De acordo com o entendimento de Ana Carolina B. Teixeira e Maria de

Fátima F. de Sá46:

A Carta Constitucional assegura a crianças e adolescentes (CF 227) direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também são colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. A forma de implementação de todo esse leque de direitos e garantias, que devem ser assegurados com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado, está no Estatuto da Criança e do Adolescente (L 8.069/1990), microssistema que traz normas de conteúdo material e processual, de natureza civil e penal, e abriga toda a legislação que reconhece os menores como sujeitos de direito. O Estatuto rege-se pelos princípios de melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral, visando a conduzir o menor à maioridade de forma responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais.

Já no que diz respeito ao direito à convivência familiar, tem-se que tal direito

não está ligado à origem biológica da família, mas é uma relação construída no

afeto.47

44 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 65. 45 GONÇALVES, Maria Dinair Acosta. Proteção integral: paradigma multidisciplinar do direito pós-moderno. Porto Alegre: Alcance, 2002, p. 31. 46 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade Civil e ofensa à dignidade humana. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, n. 32, out-nov. 2005, p. 138-158.

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1.2.5 Princípio da Afetividade

No entender de Silvana Maria Carbonera48:

Mesmo que a Constituição tenha enlaçado o afeto no âmbito de sua proteção, a palavra afeto não está no texto constitucional. Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. (grifo nosso)

O afeto não é fruto da biologia, sendo que os laços de afeto e de

solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Para Maria Berenice

Dias49:

Se o afeto passou a ser o elemento identificador das entidades familiares é este o sentimento que serve de parâmetro para a definição dos vínculos parentais, levando ao surgimento da família eudemonista, espaço que aponta o direito à felicidade como núcleo formador do sujeito. [...] À justiça coube a tarefa de definir o vínculo paterno-filial quando a estrutura familiar não reflete o vínculo da consangüinidade. [...] A definição da paternidade está condicionada à identificação da posse do estado de filho, reconhecida como a relação afetiva, íntima e duradoura, em que uma criança é tratada como filho, por quem cumpre todos os deveres inerentes ao poder familiar: cria, ama, educa e protege.

Portanto, a teoria e a prática das instituições da família dependem, em última

análise, da nossa disponibilidade em dar e receber amor, de transmitir sentimentos

de solidariedade, paciência, devoção, enfim, da convivência familiar harmoniosa e

pacífica.50

47 LÔBO, Paulo Luiz Netto. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord.). Direito de Família, relações de parentesco, direito patrimonial: código civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003, v. 16, p. 132. 48 CARBONERA, Silvana Maria. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). O papel jurídico do afeto nas relações de família. Anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 508. 49 DIAS, Maria Berenice. In: BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Cláudia Stein (coords.). Direito de Família: direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 7, p. 181. 50 VILLELA, João Batista. As novas relações de família. Anais da XV Conferência Nacional da OAB, Foz do Iguaçu, set. 1994, p. 645.

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1.3. CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DA FAMÍLIA

Para os autores Euclides de Oliveira e Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka51 “na idéia de família, o que mais importa [...] é exatamente pertencer ao

seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos,

esperanças e valores, [...]”. Ainda, na percepção dos autores52:

Há sim a imortização na idéia de família. Mudam os costumes, mudam os homens, muda a história; só parece não mudar esta verdade: a atávica necessidade que cada um de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se o seu porto e o seu refúgio, vale dizer, o seio de sua família, este lócus que se renova sempre como um ponto de referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência social.

Sobre a família na atualidade, Caio Mário da Silva Pereira53 afirma:

Modernamente, o grupo familiar se reduz numericamente. A necessidade econômica ou a simples conveniência leva a mulher a exercer atividades fora do lar, o que enfraquece o dirigismo no seu interior. Problemas habitacionais e de espaço, e atrações freqüentes exercem nos filhos maior fascínio do que as reuniões e os jogos domésticos do passado. [...] Nos meios menos favorecidos de fortuna, os menores começam muito cedo a trabalhar, seja em empregos regulares, seja em serviços eventuais e pequenos expedientes. Desta sorte, diminui necessariamente a coesão familiar. O menor adquire muito jovem, maior independência, deixando de se exercer a influência parental na sua educação. [...] Obviamente, surgem e crescem problemas sociais. Levanta-se em nosso tempo o mais grave de todos, que é o referente à infância abandonada e delinqüente, o da juventude que procura no uso das drogas uma satisfação para anseios indefinidos.

Não há como negar as importantes transformações ocorridas com a família

no direito contemporâneo, pois, a família patriarcal, matrimonial, patrimonializada e

indissolúvel cedeu lugar à família democratizada, plural, funcionalizada e dissolúvel

na medida em que não atende a felicidade de seus membros.

Para Leila Donizetti54:

51 OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de Família e o Novo Código Civil. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 06. 52 Idem, Ibidem. p. 06. 53 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: direito de família. 16. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 5, p. 29.

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Sem dúvida alguma, a família idealizada constitucionalmente é multifacetária e aberta e, por essa razão, acolhe todo e qualquer modelo de família forjado pelos indivíduos no cotidiano. Inserem-se aqui as famílias monoparentais, as famílias formadas por netos e avós, por tios e sobrinhos, irmãos, e também fundadas em relacionamentos homoafetivos. A família, nesse milênio, é o instrumento canalizador de todos os afetos; o ambiente ideal para a realização espiritual e física do ser humano, e não mais uma instituição voltada apenas para a procriação e para a defesa de aspectos patrimoniais.

Caio Mário da Silva Pereira55 elucida sobre o tema:

Consolida-se a família sócio-afetiva em nossa Doutrina e Jurisprudência uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como Direito Fundamental, a não-discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e o núcleo monoparental reconhecido como entidade familiar. Convocando os pais a uma ‘paternidade responsável’, assumiu-se uma realidade familiar concreta onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica, após as conquistas genéticas vinculadas aos estudos do DNA.

Para tanto, na concepção contemporânea de família, o novo paradigma está

centrado no afeto e na solidariedade como alicerce das instituições familiares, e

também na busca pela proteção dos interesses individuais de cada um de seus

membros, enquanto sujeitos de direitos. Verificou-se que é predominante o

entendimento de que a família é a unidade social, ou seja, é o meio natural para o

crescimento e bem estar de todos os seus membros, especialmente das crianças e

dos adolescentes, com fiel observância ao princípio do melhor interesse destes.

Ressalta-se aqui, a importância da convivência familiar, que assegura à criança ou

ao adolescente, o direito de ser criado e educado pela própria família, a qual deverá

prestar-lhes educação, guarda e sustento. Portanto, é essa nova concepção da

unidade familiar que permite analisar a questão sobre o cabimento do dano moral

em decorrência do não reconhecimento da paternidade.

54 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva: direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 13. 55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 5, p. 39.

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29

2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO MORAL: BASES

PARA A CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL

Neste segundo momento, realiza-se um estudo sobre a teoria geral da

responsabilidade civil, apresentando quais são os seus pressupostos e quais são as

suas excludentes, e aborda-se ainda o tema dano moral, com a sua definição, seu

fundamento e sua função. Na parte final do segundo capítulo trata-se do dano moral

no Direito de Família, com referência ao entendimento da doutrina e aos

fundamentos utilizados pela mesma.

O principal objetivo do segundo capítulo é analisar os pressupostos que

autorizam a configuração do dano moral, nos casos em que a paternidade do filho

não é reconhecida espontaneamente pelo pai.

2.1 TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

É de significante importância conceituar inicialmente, o que é a

responsabilidade civil. Rui Stoco56 entende que a noção da responsabilidade civil

pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere,

responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar

alguém por seus atos danosos.

Para o autor57:

Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no grupo social estratificado. [...] Do que se infere que a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar a outro, ou seja, o neminem laedere.

56 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 118. 57 Idem, Ibidem.

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Para Caio Mário da Silva Pereira58, a responsabilidade civil consiste na

efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da

relação jurídica que se forma. E, portanto, reparação e sujeito passivo compõem o

binômio desta responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que

subordina a reparação àquela pessoa que causou o dano.

Assim, a teoria da responsabilidade civil visa ao restabelecimento da ordem

ou do equilíbrio social, por meio da reparação dos danos morais e materiais

causados por uma ação lesiva a um interesse alheio, a fim de viabilizar a vida em

sociedade.

2.1.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil

Estabelece o art. 186 do Código Civil:

Art. 186, Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 59

Conforme o caput do art. 927, também do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 60

Tais preceitos devem ser adequados à teoria da responsabilidade civil

subjetiva, regra geral apresentada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Isto porque, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil trata da

responsabilidade civil objetiva, e dispõe:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

58 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 11. 59BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 20 de abril de 2009. 60 Idem, Ibidem.

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normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.61

A responsabilidade baseada no risco é denominada de objetiva, porque não

cabe qualquer investigação sobre a vontade do lesante ou sobre seu

comportamento negligente ou imprudente. Basta a violação a direito, bem como o

dano, para que surja a responsabilidade civil.

Eduardo Viana Pinto62 afirma:

[...] quando a lei impõe ao ofensor o dever de indenizar o dano cometido sem culpa, contentando-se apenas com os pressupostos do prejuízo e o nexo causal, estamos diante da figura da responsabilidade objetiva. Em síntese, não se exige prova da culpa do ofensor para que esteja compelido a indenizar o dano cometido. Em certas hipóteses, a culpa é presumida. Em outras, é inteiramente prescindível.

A regra geral para a responsabilidade civil estabelecida pelo Código Civil

esclarece que a violação a direito, por si só, não enseja a reparação do prejuízo.

Devem estar presentes, ainda, o nexo de causalidade e o dano, a fim de que o

agente lesante possa ser responsabilizado ao pagamento de indenização. É a

chamada responsabilidade civil subjetiva.

Ensina Regina Beatriz Tavares da Silva63:

[...] na aplicação do princípio geral da responsabilidade civil ou reparação de danos é imprescindível o preenchimento dos seguintes requisitos ou pressupostos: ação ou omissão que viola direito, nexo causal e dano moral e/ou material. [...] Dano, conforme nosso ordenamento jurídico pode ser moral ou material. Dano moral é aquele que resulta de ofensa a um direito de personalidade, como a honra, no sentido subjetivo (auto-estima) e no sentido objetivo (consideração social).

Caio Mário da Silva Pereira64 também opina:

61BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 20 de abril de 2009. 62 PINTO, Eduardo Viana. Responsabilidade Civil de acordo com o novo Código Civil. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 50. 63 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade Civil nas relações entre pais e filhos In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 466-467. 64 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 29-30.

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Na teoria da responsabilidade subjetiva, o que sobressai no foco das considerações e dos conceitos é a figura do ato ilícito, como ente dotado de características próprias, e identificado na sua estrutura, nos seus requisitos, nos seus efeitos e nos seus elementos. [...] A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. [...] Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o comportamento culposo do agente, ou simplesmente a sua culpa, abrangendo no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.

Conforme dito anteriormente, o direito civil brasileiro adota como regra geral a

teoria subjetiva para a base da responsabilidade civil. Assim, a partir dos dispositivos

legais supracitados, é possível identificar os 04 elementos que compõem a

responsabilidade civil, quais sejam: (a) a conduta humana, (b) o dano (que é o

elemento objetivo), (c) o nexo causal entre a conduta e o dano e, (d) a culpa

(elemento subjetivo).

O primeiro elemento da responsabilidade civil é a conduta humana, sendo

que o elemento conduta não depende da finalidade subjetiva do agente que a

pratica e causa dano.

Sobre o elemento “conduta”, cabem as observações de Rogério Roberto

Gonçalves de Abreu65:

[...] é a partir do exame do papel da vontade e sua concreta relação com os meios e fins da conduta que teremos conta de ser culposa, dolosa ou simplesmente causal a atuação do sujeito. [...] se for dolosa ou culposa a conduta do sujeito que causa um dano a terceiro, teremos aquilo que diz o Código Civil ser um ato ilícito civil. [...] desprovida que seja a conduta de culpa ou dolo, teremos, segundo o mesmo Código, um ato civilmente lícito.

O segundo elemento da responsabilidade civil é o dano, e, sem o dano não

existe responsabilidade civil. Isto é assim porque a responsabilidade resulta em

obrigação de ressarcir, que logicamente, não poderá concretizar-se onde não há o

que reparar.66

65 ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. Teoria do Dano Ilícito. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 514. 66 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 7, p. 59.

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São duas as espécies de dano, o moral e o patrimonial, decorrente do efeito

da lesão ou do caráter da sua repercussão sobre o lesado.

Sendo assim, no caso de dano patrimonial, a reparação tem como finalidade

repor as coisas lesadas ao status quo ante ou possibilitar à vítima a aquisição de

outro bem, semelhante ao lesado. Em síntese, compreende a efetiva diminuição no

patrimônio da vítima e o que ela deixou de ganhar.

Já no que se refere ao dano moral, se torna impossível restabelecer as coisas

ao estado anterior, sendo que a reparação reside no pagamento de uma soma

pecuniária, que possibilite ao lesado uma satisfação compensatória da sua dor

íntima.

Portanto, o dano deve ser entendido como prejuízo experimentado pelo

lesado, que deverá ser ressarcido. Se for considerado dano patrimonial, deve ser

ressarcido pela diminuição patrimonial sofrida pelo lesado, e se dano moral, a

indenização deve alcançar patamares capazes de mensurar a dor e a aflição

causadas no indivíduo.

No que se refere ao terceiro elemento da responsabilidade civil, o nexo de

causalidade, tem-se que ele é o fato gerador da responsabilidade e, não haverá a

relação de causalidade se o evento ocorreu por culpa exclusiva da vítima, por caso

fortuito ou força maior, por exemplo.

Destaca Marcelo Kokke Gomes67:

O nexo de causalidade é o elo entre o dano e a ação ou omissão que o originou. Além do dano e da culpa do agente, a vítima deverá provar que foi esta que produziu aquele. [...] O nexo de causalidade revela a causa do dano, identificando o fato que o produziu.

Por fim, o quarto elemento diz respeito à culpa68:

No nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral de que o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos decorre da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente. O comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter

67 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade Civil: dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 30. 68 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 7, p. 39.

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agido de modo diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade.

No entendimento de Marcelo Kokke Gomes69 “a culpa é o elemento essencial

e caracterizador da responsabilidade subjetiva. Somente haverá obrigação de

ressarcir se o sujeito tiver procedido com culpa.”

2.1.2 Excludentes da Responsabilidade Civil

Diversos autores tratam sobre o referido tema, contudo, divergem nas

hipóteses que excluem o dever de indenizar, as chamadas excludentes da

responsabilidade civil.

Para Inácio de Carvalho Neto70 o sistema jurídico pátrio permite a cominação

de enumeradas hipóteses, que excluem o agente do dever de indenizar. São elas: o

estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal, o

exercício regular de um direito, a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito e a força

maior, o fato de terceiro, a cláusula de não indenizar, a renúncia e o consentimento

do ofendido e a prescrição. As quatro primeiras hipóteses são chamadas de

excludentes da ilicitude.

O Código Civil preceitua no inciso II do art. 188 o estado de necessidade, nos

seguintes termos:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos: [...] II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo eminente.71

Segundo Ana Cecília Parodi72, o estado de necessidade alcança legitimidade

legal em face da absoluta necessidade do agente, perante as circunstâncias e

69 GOMES, Marcelo Kokke. Responsabilidade Civil: dano e defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 34. 70 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 62. 71BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 25 de abril de 2009.

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prática da conduta não delituosa, estando adstrito aos atos indispensáveis à

remoção do perigo.

No que diz respeito à legítima defesa, ao estrito cumprimento do dever legal e

ao exercício regular de um direito, a mesma autora73 ensina:

Ainda em sede do art. 188, agora no inciso I, o legislador comina a legítima defesa e o exercício regular de um direito reconhecido como excludentes da ilicitude dos atos, por eximirem a culpabilidade. Acentua-se que no exercício do direito reconhecido, resta inserido o notório cumprimento do dever legal. Sendo claro o conceito de exercício de direito/dever, legítima defesa é o conjunto de atos, praticados por um agente, para defender a si, aos seus ou ao seu patrimônio, do ataque injusto de uma outra pessoa, com ou sem o emprego de meios facilitadores. [...] há um limitador para os atos – há que ser praticado apenas o estritamente necessário para afastar o perigo de sobre si (legítima defesa) ou para exercer o direito/dever em tela – [...]. Logo, o agente terá o dever de indenizar o excesso ou o dano sobre terceiros.

Prosseguindo, tem-se a culpa da vítima como causa excludente da

responsabilidade civil, e, se a vítima procede com culpa exclusiva, desaparecerá o

dever de indenizar, diante da ausência do nexo causal, visto que não foi a conduta

do agente que lesou a vítima. Já a culpa concorrente dá-se quando a atitude culposa

do agente contribuiu para a lesão do patrimônio, sendo que, neste caso, permanece

o dever de indenizar, observando-se a proporcionalidade na culpa do agente.

Quanto ao caso fortuito ou força maior74:

Ambas as figuras são previstas na legislação codificada, notadamente no art. 393, parágrafo único, compreendendo-as como excludente integral da responsabilidade civil, pela quebra do liame causal, eis que o fato gerador do dano não advém de uma conduta do agente, muito menos culposa. Tradicionalmente, norma e doutrina não as distinguem, fixando, apenas, que o casus é oriundo de fato ou ato alheio à vontade das partes, em geral um evento, como uma greve; já a vis major decorre de acontecimentos naturais, eventos da própria natureza, como uma tempestade.

No que se refere ao fato de terceiro, cumpre esclarecer que terceiro é a

pessoa estranha ao negócio jurídico, ou seja, não integrante da relação jurídica

extracontratual, sendo considerado, portanto, alguém que não está submisso ao

dever de indenizar.

72 PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos relacionamentos Afetivos Pós-Modernos. Campinas: Russel Editores, 2007, p. 157. 73 Idem, Ibidem. p. 158. 74 PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos relacionamentos Afetivos Pós-Modernos Campinas: Russel Editores, 2007, p. 161.

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Já quanto à cláusula de não indenizar, ensina Inácio de Carvalho Neto75 que

“[...] diz respeito à responsabilidade contratual. Só nesta, naturalmente, é admissível

tal cláusula.”

A renúncia é um ato unilateral, que não depende de aceitação, e significa o

abandono do direito. No caso de consentimento do ofendido, ressalta-se que, se o

prejudicado consente na lesão a seu próprio direito e não há ilicitude no

comportamento do agente, não há dano a ser indenizado.

Finalmente, no que se refere à prescrição, o mesmo autor76 entende que esta

“só afeta a pretensão, nada intervindo no direito. Isto porque o direito ao

reconhecimento da paternidade é imprescritível, consoante preceito do art. 27 do

Estatuto da Criança e do Adolescente. No que se refere à pretensão ao

reconhecimento, o Código consagra prazo específico no art. 206, §3º, inc. V, prazo

este de três anos.

2.2 DO DANO MORAL

Inicialmente, cumpre ressaltar que além do dano moral, pode restar também

configurado o dano patrimonial, ante uma conduta danosa causada pelo agente.

Contudo, o objeto de estudo do presente trabalho monográfico é justamente o dano

moral oriundo de uma relação familiar, mais especificamente na relação paterno-

filial, indenizável mediante o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade

civil subjetiva, como por exemplo, pelo não reconhecimento da paternidade.

Rolf Madaleno77 afirma que “a reparação do dano moral no Direito brasileiro

foi elevada à garantia de direito fundamental com a Carta Política de 1988, [...]”.

A Constituição Federal de 1988 estatui no inciso V do art. 5º que:

Art. 5º [...]

75 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 73. 76 Idem, Ibidem. p. 74. 77 MADALENO, Rolf. O dano moral no Direito de Família In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 529.

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V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...] 78

Também o inciso X do referido artigo da Constituição, preceitua que:

Art. 5º [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] 79

Para o mesmo autor80 “[...] foi depois da promulgação da Constituição Federal

de 1988 que as legislações começaram a inserir normas próprias, alusivas à

reparação civil pelo dano moral, como sucedeu com o ECA, [...].”

2.2.1 Definição, fundamento e função do Dano Moral

O chamado dano moral corresponde à ofensa causada à pessoa, parte

subjetiva da relação processual, ou seja, atinge bens e valores de ordem interna,

como por exemplo, a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a privacidade,

enfim, todos os atributos da personalidade.

Entende Américo Luís Martins da Silva81 que dano moral é todo sofrimento

humano resultante de lesão de direitos estranhos ao patrimônio, encarado como

complexo de relações jurídicas com valor econômico. Assim, envolvem danos

morais, por exemplo, as lesões a direitos de família, bem como lesões causadoras

de sofrimento moral ou dor física.

78BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 02 de maio de 2009. 79 Idem, Ibidem. 80 MADALENO, Rolf. O dano moral no Direito de Família In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 530. 81 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 38.

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Para Rui Stoco82, tratando-se de dano moral, nas hipóteses em que a lei não

estabelece os critérios de reparação, impõe-se a obediência ao “binômio do

equilíbrio”, sendo que a compensação pela ofensa sofrida não deve ser fonte de

enriquecimento para quem recebe, tampouco causa da ruína daquele que dá.

Conforme dito anteriormente, os fundamentos que justificam o dever de

indenizar estão na própria Constituição Federal, que nos incisos V e X do art. 5º

estabeleceu a sua plena reparação, em perfeita consonância com o fundamento do

respeito à dignidade humana, inserido no inciso III do art. 1º, também da

Constituição Federal.83

Nehemias Domingos de Melo84 afirma que:

[...] é preciso recordar que a dignidade humana foi levada a um dos fundamentos básicos do Estado brasileiro. [...] os valores que compõem a dignidade humana são exatamente aqueles que dizem respeito aos valores íntimos da pessoa tais como o direito à intimidade, à privacidade, à honra, ao bom nome [...] e, em sendo violados hão de ser reparados pela via da indenização por danos morais.

No que se refere à finalidade da indenização decorrente do dano moral

sofrido, ressalta-se que tal indenização tem em vista aliviar o sofrimento da vítima e

desestimular o ofensor quanto à prática de novas ofensas. São, portanto, duas as

finalidades da indenização por dano moral: compensação à pessoa lesada (função

compensatória) e desestímulo ao ofensor (função punitiva).

Sobre a função punitiva dos danos morais, Clayton Reis85 explica que esta é

resultado de uma construção histórica, sedimentada na idéia de punir para

desestimular o delinqüente à prática de novos atos da mesma natureza.

Já sobre a função compensatória dos danos extrapatrimoniais, é aquela que

atende ao verdadeiro sentido da sua indenização, pois parte do pressuposto de que

os danos imateriais não podem ser integralmente indenizados, sendo que a

alternativa encontrada pela doutrina consiste no fato de que, somente através de

82 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 130. 83 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do cabimento à fixação do quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 10. 84 Idem, Ibidem. p. 09. 85 REIS, Clayton. Grandes temas da atualidade, dano moral, aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas: O verdadeiro sentido da indenização dos danos morais. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 66-67.

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uma quantia pecuniária será possível alcançar um estado de satisfação da vítima

lesionada.86

Nesse caso, o importante é o estado de ânimo da vítima após o

ressarcimento, pois o que interessa ao direito é a sua satisfação, ou seja, a medida

mais próxima possível entre a sua dor e a sua indenização ou compensação.

Portanto, o fundamental na indenização por danos morais é a tutela dos

interesses fundamentais, patrimônio essencial ao exercício da atividade social do ser

humano.

Cumpre destacar os apontamentos de Clayton Reis87:

O homem desenvolve toda a sua vida de relação dentro de um ambiente psicológico e social, servindo-se dos bens materiais que o mundo sempre lhe proporcionou para o desempenho dessas múltiplas atividades, tanto quanto desenvolver suas potencialidades na sociedade. A destruição ou lesão de qualquer desses elementos, afeta de forma substancial a vida de relação singular e plural da pessoa, e inclusive será capaz de produzir reflexo na área material.

Portanto, tem-se que o verdadeiro sentido da indenização repousa desta

forma, na verificação dos resultados vivenciados pela vítima, em sua intimidade, em

virtude de agressões de que foi vitimada.

2.2.2 Dano moral indenizável

Cabe agora definir o que seja o dano moral indenizável. Rogério Roberto

Gonçalves de Abreu88 entende que é incontestável que o dano assume um papel de

grande relevo no estudo da responsabilidade civil, sendo suficiente levar em conta

que o direito procura reprimir as condutas humanas praticadas com intenção de

causar danos a bens jurídicos relevantes.

86 REIS, Clayton. Grandes temas da atualidade, dano moral, aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas: O verdadeiro sentido da indenização dos danos morais. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 68. 87 Idem, Ibidem. p. 78. 88 ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. Teoria do Dano Ilícito. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 519.

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Os danos oriundos de atos ilícitos ensejam a obrigação de indenizar, pois

preenchem os requisitos previstos no art. 186, combinado com o caput do art. 927,

ambos do Código Civil.

Segundo Rogério Roberto Gonçalves de Abreu89:

[...] toda conduta ilícita só pode gerar dano ilícito. Não é possível, em verdade, que de uma conduta ilícita geradora de dano, eivada de dolo ou culpa, possa decorrer um dano lícito, protegido, autorizado e conforme o direito. Das condutas ilícitas apenas danos ilícitos poderão surgir.

Para que o dano moral seja indenizável deve ser revestido das características

autorizadoras da configuração da responsabilidade civil subjetiva, quais sejam, ação

ou omissão do agente, nexo de causalidade, dano e culpa.90

Ana Cecília Parodi91 assevera:

[...] por inteligência do art. 333 do Código de Processo Civil, será da carga de ônus do autor, provar que o dano efetivamente existiu e foi sofrido pela vítima. De maneira obrigatória, deverá ser certo e atual, não comportando a aplicabilidade de uma teoria preventiva, nem englobando ao dano futuro, incerto, eventual. Há que ser economicamente apreciável ou pecuniariamente arbitrado.

Por fim, Inácio de Carvalho Neto92 ensina que o dano moral não deve aceitar

uma indenização simbólica, bem como deve evitar o enriquecimento injusto,

observando sempre a gravidade do caso e as suas peculiaridades, sejam da vítima

ou do ofensor.

89 ABREU, Rogério Roberto Gonçalves de. Teoria do Dano Ilícito. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 521. 90 PARODI, Ana Cecília. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pós-Modernos. Campinas: Russel Editores, 2007, p. 203. 91 Idem, Ibidem. p. 203. 92 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 219-223.

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2.2.3 Avaliação e valor da reparação

A satisfação por que anseia a vítima, quando animada pela reprovação à

ofensa, não será completa se apenas resumir-se na indenização dos danos

patrimoniais, pois o desgosto, a aflição e a humilhação sofridos pela vítima ficam

sem compensação se estiverem limitados a indenizar os danos meramente

patrimoniais.

Américo Luís Martins da Silva93 entende que:

[...] alguns escritores designam tal reparação por pretium doloris (preço da dor), quando, na realidade, a reparação não tem por objeto pagar e compensar a dor, mas tão-só, atenuá-la ou eliminá-la com a possibilidade de retorno à alegria [...]. Faz parte da natureza humana procurar atenuar ou eliminar de todas as formas a dor do semelhante. É justamente nessa natureza que se vai encontrar fundamento suficiente para a reparação do dano moral.

No que se refere à fixação do quantum do dano moral, auxilia Nehemias

Domingos de Melo94:

[...] depreende-se o porquê de se destacar a importância que cumpre, na sociedade atual, a reparação do dano moral por um equivalente pecuniário, seja como função de compensar a vítima, seja como função de punir o agressor, seja com seu eventual caráter dúplice. Tal se justifica porque, no mais das vezes, torna-se impossível retroagir ao passado para um completo restitutio in integrum. De toda sorte, seja no caso de reparação “in natura” seja nos casos de reparação pela equivalência pecuniária, o papel do juiz assume importância ímpar, na medida em que, de sua discricionariedade é que virá a determinação do quantum debeatur.

Não há limitações pré-determinadas por lei para a fixação do quantum nas

indenizações por dano moral, visto que a Constituição Federal, ao regular a matéria,

não estabeleceu nenhum limite ao montante indenizatório.

Assim, não há outro meio mais eficiente para se fixar o dano moral a não ser

pelo arbitramento judicial. Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio,

93 SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 56. 94 MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do cabimento à fixação do quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 164.

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atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor,

estimar uma quantia a título de reparação decorrente do dano moral.95

2.2.4 O dano moral no Direito de Família

A possibilidade de caracterização de um ato ilícito em uma relação familiar é

certa e incontroversa, impondo a incidência da responsabilidade civil no Direito de

Família, com o conseqüente dever de reparar danos. Não se pode negar que as

regras da responsabilidade civil invadem todos os domínios da ciência jurídica,

ramificando-se pelas mais diversas relações jurídicas, inclusive as familiares.96

Rolf Madaleno97 entende que:

[...] a evolução do Direito de Família conduziu à supremacia da personalidade e à autonomia da pessoa diante de seu grupo familiar, não existindo qualquer prerrogativa familiar que permita que um membro da família cause dano doloso ou culposo a outro membro da família e se exima de responder em virtude do vínculo familiar. [...] na atualidade foi eliminada pelos precedentes doutrinários e jurisprudenciais a idéia de que em família não se reparam os danos causados entre seus integrantes, dado o fato de os princípios clássicos da responsabilidade civil terem sofrido uma sensível evolução, [...] escorado nos princípios constitucionais do respeito à dignidade da pessoa humana e da igualdade dos cônjuges.

Todavia, o tema é extremamente polêmico, pertencente à área cinzenta do

Direito de Família. Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald98, a

doutrina está dividida:

Em uma margem, encontram-se os adeptos de uma ampla caracterização da ilicitude nas relações familiares, admitindo uma ampliação da

95 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 169. 96 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 74. 97 MADALENO, Rolf. O dano moral no Direito de Família. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (coords.). Questões Controvertidas: responsabilidade civil. São Paulo: Editora Método, 2006, v. 5, p. 531 e 534-535. 98 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 74.

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responsabilização civil no âmbito interior da família. Sustentam estes que a indenização seria devida tanto nos casos gerais de ilicitude (tomando como modelo os arts. 186 e 187 da Lei Civil), como em casos específicos, decorrentes de violação de deveres familiares em concreto. [...] Noutra banda, há parcela, não menos significativa, de juristas que aceitam a aplicação da responsabilidade civil no Direito de Família tão-somente nos casos em que se caracterizar um ato ilícito, conforme a previsão legal genérica. Ou seja, entendem que a responsabilidade civil no seio familiar estaria associada, necessariamente, ao conceito geral da ilicitude, não havendo dever de indenizar sem a caracterização da cláusula geral da ilicitude (arts. 186 e 187, CC).

Assim, para o Direito de Família, a existência da responsabilidade civil

subjetiva está atrelada ao ato ilícito, gerador de um dano, ao nexo de causalidade

entre a conduta e o dano, e também à culpa, que deve ser entendida como a

expressão da consciência e vontade dirigidas a um fim perseguido.99

Maria Berenice Dias100 cita como exemplo de dano moral indenizável, quando

na dissolução da sociedade conjugal houver a comprovação da culpa ou da prática

de ato ilícito, causador de danos psíquicos e morais. Afirma ainda, que no caso do

noivo abandonado, este pode pleitear a referida indenização, no que se refere aos

gastos feitos com os preparativos do casamento e de todo o sonho acabado.

Inácio de Carvalho Neto101 exemplifica com o dano moral causado pelo pai,

diante do não reconhecimento de um filho. Isto porque, a criança cresce com a

pecha de que não tem pai e, na escola, no trabalho, é vista com o estigma de quem

não foi reconhecido pelo pai.

No que diz respeito ao dano moral assegurado à criança e ao adolescente,

tem-se que o art. 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou as suas

garantias constitucionais, sendo que o fato de serem crianças ou adolescentes não

lhes retira os direitos assegurados à pessoa adulta.

Sobre o assunto, Inácio de Carvalho Neto102 ensina:

[...] não é o grau de entendimento na percepção da ofensa pelo incapaz argumento que lhe retire o sagrado direito à honra, tanto que a Constituição Federal, como de igual o Estatuto da Criança e do Adolescente, asseguram à criança e ao adolescente o direito à dignidade e ao respeito e, certamente,

99 STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 134. 100 DIAS, Maria Berenice: Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 115-116. 101 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 473. 102 Idem, Ibidem. p. 474.

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não estariam tutelando tão preciosos valores que respeitam à personalidade moral de cada pessoa, acaso a Justiça pudesse, ao cabo, desconhecer e inimputar a desonra, porque o menor não pôde captar e bem compreender a ofensa, nem mesmo a extensão do dano sofrido.

Portanto, é possível afirmar que não há dúvidas quanto à incidência das

regras da responsabilidade civil nas relações familiares. A discussão, na verdade,

cinge-se em saber se a violação de algum dever específico de Direito de Família,

por si só, seria suficiente para ensejar o dever de indenizar.

Assim, é mister evidenciar que a doutrina acolhe a possibilidade de reparação

civil em uma relação familiar, decorrente da prática de um ato ilícito, desde que

evidenciada a culpa do agente.

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3 DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA

PATERNIDADE

O terceiro e último capítulo trata do tema central do presente trabalho,

iniciando-se com as considerações sobre a filiação e as formas de estabelecimento

da paternidade, através de critérios específicos. Posteriormente, apresentam-se os

tipos de reconhecimento dos filhos, com a caracterização da ação de investigação

de paternidade. Por fim, efetiva-se a pesquisa jurisprudencial em diversos Tribunais

Pátrios, em especial no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, destacando os

argumentos utilizados na fundamentação de tais julgados.

O objetivo principal do terceiro capítulo é demonstrar como está a discussão

do assunto no Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, bem como quais

são os argumentos trazidos pela doutrina e pela jurisprudência.

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE FILIAÇÃO

Filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas,

uma das quais é considerada filha da outra (pai ou mãe), sendo que o estado de

filiação é a qualificação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém,

compreendendo um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados.

Assim, o filho é titular do estado de filiação, da mesma forma que o pai e a mãe são

titulares dos estados de paternidade e de maternidade.103

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald104 afirmam que dentre as

múltiplas relações de parentesco, a filiação é a mais relevante, diante do vínculo

estabelecido entre os pais e seus filhos sob a ótica da afetividade. Entendem que a

103 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de Filiação e Direito à origem genética: uma distinção necessária In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.507. 104 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 471.

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filiação deve ser compreendida como o instrumento garantidor do desenvolvimento

da personalidade humana, sendo vedado, portanto, o estabelecimento de limites à

determinação do vínculo filiatório.

Renato Maia105 entende que:

Partindo da premissa de que a identidade pessoal da criança e do adolescente tem ligação direta com sua identidade no grupo familiar e social, [...] o estabelecimento de seu estado de filiação e [...] a fixação da relação jurídica de paternidade da forma adequada é o modo de garantir-lhe dignidade, respeito, convivência familiar condizente, além de ser o modo devido de colocá-lo a salvo da discriminação.

Contudo, de acordo com o que será demonstrado no decorrer deste capítulo,

nem sempre o vínculo da filiação é plenamente estabelecido no momento do

nascimento da criança, notadamente o da paternidade, fazendo com que se tenha

que buscar judicialmente tal direito. Portanto, considerando que o estado de filiação

é essencial para garantir a dignidade da pessoa humana e, todas as conseqüências

daí advindas, surgiram correntes doutrinárias pugnando pelo pagamento de

indenização por dano moral em decorrência do não reconhecimento da paternidade.

Assim, neste capítulo buscar-se-á demonstrar como está colocado o assunto

no sistema jurídico brasileiro, ou seja, se o não reconhecimento da paternidade, por

privar o filho do estado de filiação e, conseqüentemente, de todos os direitos dele

decorrentes, pode ensejar pagamento de indenização por dano moral.

Por fim, cabe lembrar, que também é possível a ocorrência do não

reconhecimento da maternidade, situação excepcional, mas não improvável.

Contudo, no presente trabalho o tema central a ser analisado é o cabimento do dano

moral em decorrência do não reconhecimento da paternidade, motivo pelo qual não

se abordará a questão da maternidade.

105 MAIA, Renato. Filiação Paternal e seus Efeitos. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 68-69.

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3.1.1 Formas de estabelecimento da Paternidade

São 03 (três) os critérios para a determinação da paternidade: (i) o critério

legal ou jurídico (fundado em uma presunção relativa imposta pelo legislador em

circunstâncias previamente indicadas no texto legal); (ii) o critério biológico (centrado

na determinação do vínculo genético) e (iii) critério sócio-afetivo (estabelecido pelo

laço de amor e solidariedade que se forma entre determinadas pessoas).

3.1.1.1 Critério da Presunção Legal (Pater is Est)

Tem-se que tal presunção, absorvida pelo Direito Romano, através da

expressão pater is est quaem justae nuptiae demonstrant (o pai é aquele indicado

pelas núpcias, pelo casamento), nasceu de uma concepção de família centrada no

matrimônio. Esta presunção filiatória não leva em conta a verdade biológica,

presumindo-se assim, que a mãe é indicada pelo parto e o pai é o marido desta

mãe.

Na paternidade presumida não se tem a certeza da paternidade – chega-se a

ela através da presunção, ou seja, o legislador parte de um fato real e existente para

alcançar a provável existência de outro, incerto.106

De acordo com o art. 1.597 do Código Civil:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.107

106 MAIA, Renato. Filiação Paternal e seus Efeitos. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 107. 107BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 19 de outubro de 2009.

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Como entre a concepção e o nascimento tem-se um período de cerca de 09

meses, são estabelecidos certos limites, cujo objetivo é afastar as dúvidas quanto a

paternidade. Assim, são admitidos como concebidos na constância do matrimônio os

nascidos pelo menos 180 dias (06 meses) depois do casamento. A mesma regra é

aplicada para o fim do casamento, pois, para os nascimentos ocorridos até 300 dias

(10 meses) após a dissolução da sociedade conjugal, presume a lei que o marido é

o pai. A presunção legal também vale quando o filho for fruto de reprodução

assistida, seja ela homóloga ou heteróloga.

Importante destacar aqui, que a conseqüência mais importante da presunção

legal é a possibilidade da mãe registrar seu filho no cartório, sem a presença do pai.

Leila Donizetti108 afirma que com o advento dos exames de DNA, o sistema

clássico de presunção da paternidade deu lugar à verdade biológica, retratada nos

99,9% de probabilidade de acerto no estabelecimento da identidade genética dos

indivíduos.

Já para Paulo Luiz Netto Lobo109, atualmente, a presunção da paternidade

reconfigura-se no estado de filiação, o qual decorre da construção progressiva da

relação afetiva paterno-filial, diante da convivência familiar. Antes, presumia-se

como pai biológico o marido da mãe. Hoje, presume-se pai aquele que age como tal,

independentemente de ser ou não o procriador da criança.

3.1.1.2 Critério Biológico

Pelo sistema biológico, filho é aquele que detém os genes do pai. Por

conseguinte, o reconhecimento da identidade biológica entre pai e filho concede à

criança alguns direitos, tais como: o direito de usar o nome do pai, o direito a

alimentos, o direito à herança.110

108 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva: direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 14. 109 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de Filiação e Direito à origem genética: uma distinção necessária. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.518-519. 110 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva: direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 35.

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Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald111:

Dentro deste novo contexto igualitário, proveniente da Constituição, causou profundo impacto sobre o critério legal de determinação filiatória [...] o avanço das pesquisas científicas, em especial com a utilização do exame de DNA. É que, com a utilização deste meio de determinação genética tornou-se possível uma certeza científica (quase absoluta) na determinação da filiação – o que veio a realçar a pluralidade na determinação filiatória.

A importância do exame de DNA, destarte, é indiscutível no âmbito da

filiação, permitindo, com precisão científica, a determinação da origem biológica.

Efetivamente, o exame de DNA consegue, praticamente sem margem de erro

(certeza científica de 99,999%), determinar a paternidade. Por isso, a probabilidade

de se encontrar ao acaso duas pessoas com a mesma impressão digital do DNA é

de 1 em cada 30 bilhões.112

Segundo Renato Maia113:

Pela necessidade de se firmar o elo genético entre pai e filho e pela necessidade de fazê-lo, parte-se de indícios e presunções até a certeza quase absoluta, examinando em conjunto todos os meios de prova necessários: as provas indiretas, como as orais, testemunhais e, em relação ao ato sexual, as provas médico-legais genéticas e não genéticas, tomadas como científicas.

Entende o mesmo autor114 ser irrefutável a contribuição do exame de DNA,

como prova sólida do vínculo genético da filiação. Contudo, afirma que deve haver

uma conexão de provas processuais e científicas, para a correta fixação da filiação

biológica.

É de suma importante citar a Lei n. 8.560/1992, que regula a investigação de

paternidade dos filhos havidos fora do casamento, mais especificamente o art. 2º-A,

recentemente incluído pela Lei n. 12.004/2009, que assim dispõe:

111 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 513. 112 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 513-514. 113 MAIA, Renato. Filiação Paternal e seus Efeitos. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 136. 114 Idem, Ibidem. p. 142.

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Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.115

Leila Donizetti116 ressalta que os exames de DNA, por mais que tenham

revolucionado os meios científicos e jurídicos, incidem “em grave erro ao limitar a

paternidade apenas aos laços biológicos desprovidos de quaisquer emoções e

sensações.”

Por fim, assevera a referida autora117:

Não é razoável, portanto, que o critério da filiação biológica seja suficiente para determinar a paternidade. A certeza dos dados genéticos não se equipara à identidade de filiação tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. É nesse contexto que surge o critério afetivo da filiação.

Assim, a determinação biológica da filiação não pode ser admitida de forma

simplista, pois existem outras indagações a respeito da determinação do parentesco,

como por exemplo, o critério sócio-afetivo. É preciso que haja uma correta

ponderação entre estes dois critérios, a fim de se determinar o vínculo paterno-filial.

3.1.1.3 Critério Afetivo

A terceira forma de estabelecimento da filiação diz respeito à filiação

socioafetiva. Como dito anteriormente, as evoluções da tecnologia agregaram valor

às estruturas familiares, a partir da possibilidade da identificação do elo biológico

(DNA) existente entre pais e filhos. Contudo, resta nítido que tal modelo científico

não atende à pluralidade das estruturas familiares existentes na atualidade, sendo

que a relação paterno-filial não se funda mais somente no conhecimento dos dados

biológicos.

115BRASIL. Lei n. 8.560/92. Regula a investigação da paternidade. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/127708/lei-8560-92. Acesso em 11 de agosto de 2009. 116 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva: direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 35. 117 Idem, Ibidem. p. 36.

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Leila Donizetti118 entende que o critério afetivo adquire relevância para a

identificação da filiação, uma vez que a paternidade biológica não consegue

substituir a convivência necessária para a construção permanente dos laços

afetivos. Também neste sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald119

afirmam que a filiação socioafetiva não está lastreada no nascimento (fato biológico),

mas em ato de vontade, cimentada, cotidianamente, no tratamento e na publicidade,

colocando em xeque, a um só tempo, a verdade biológica e as presunções jurídicas.

Consoante o disposto no art. 1.593 do Código Civil:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.120

Sendo assim, a filiação pode resultar da socioafetividade e constitui

modalidade de parentesco civil de “outra origem”, conforme preceitua o final do

referido artigo.

Entretanto, apesar da importância do vínculo socioafetivo na vida do filho,

adentrar-se-á de forma sucinta no tema, pois o que interessa neste trabalho é

examinar a hipótese de dano moral decorrente da negativa no reconhecimento da

paternidade.

3.1.2 Reconhecimento de Filhos

Conforme o que foi visto anteriormente, a presunção relativa da paternidade

somente é aplicável aos filhos nascidos de pessoas casadas entre si e, os filhos de

pessoas não casadas, ou seja, de pessoas que vivam em união estável ou mesmo

que não mantenham qualquer vínculo de estabilidade entre si, precisam ter seu

vínculo de paternidade reconhecido, através de ato espontâneo ou da intervenção

118 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva: direito à identidade genética. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 38. 119 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 517. 120BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 19 de outubro de 2009.

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judiciária. Portanto, é imprescindível analisar as formas de reconhecimento da

paternidade.

3.1.2.1 Reconhecimento Voluntário de Filhos

O reconhecimento espontâneo é o ato pelo qual o pai, a mãe ou ambos,

declaram o vínculo que os une ao filho nascido, conferindo-lhe o status familiae

correspondente.121 O reconhecimento voluntário da paternidade pode ser realizado

sob qualquer das formas previstas no art. 1609 do Código Civil, verbis:

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.122

Entretanto, se o filho já tiver atingido a maioridade, o reconhecimento

dependerá de seu consentimento, conforme dispõe o art. 1.614, também do Código

Civil:

Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.123

De acordo com o artigo 59 da Lei de Registros Públicos, Lei n. 6.015/73 124, o

reconhecimento voluntário, apesar de ser ato personalíssimo, pode ser realizado por

procurador, munido com poderes específicos, e outorgado por escritura púbica ou

121 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 524. 122BRASIL. Código Civil (Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 19 de outubro de 2009. 123 Idem, Ibidem. 124 BRASIL. Lei n. 6.015 de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os Registros Públicos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6015.htm. Acesso em 22 de agosto de 2009.

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particular. Registra-se ainda que, consoante o disposto no art. 1.613 do Código

Civil, se trata de ato irrevogável, não podendo estar submetido a condição, termo ou

encargo.

Segundo Maria Berenice Dias125:

O reconhecimento, espontâneo ou judicial, tem eficácia declaratória, constatando uma situação preexistente. [...] O reconhecimento voluntário da paternidade independe da prova da origem genética. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional. Como gera o estado de filiação, não pode estar sujeito a termo, sendo descabido o estabelecimento de qualquer condição (CC 1.613). É ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes. [...] O ato do reconhecimento é irretratável e indisponível, pois gera o estado de filiação. Assim, inadmissível arrependimento.

Cumpre ressaltar, por fim, que o reconhecimento voluntário pode ocorrer

antes mesmo do nascimento do filho, pois o parágrafo único do art. 1.609 do Código

Civil e o parágrafo único do art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

prevêem o reconhecimento de filiação do nascituro. Nosso ordenamento também

permite o reconhecimento póstumo, ou seja, posterior ao óbito do filho, entretanto,

somente é admitido se o falecido tiver deixado descendentes, a fim e evitar

perfilhação por interesse puramente patrimonial, já que o ascendente é o próximo na

ordem de vocação hereditária.

3.1.2.2 Reconhecimento Forçado de Filhos (Investigação de Paternidade)

Caso não tenha sido obtido o reconhecimento presumido ou espontâneo da

paternidade, os filhos podem obter o reconhecimento de suas condições

forçadamente, através de ação de investigação de paternidade, em face do suposto

genitor ou de seus herdeiros. Sendo assim, o reconhecimento coativo do estado de

filiação decorre do reconhecimento do vínculo paterno-filial, através de sentença

judicial.

125 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 338.

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Não se deve deixar de mencionar que a mãe pode se valer do chamado

procedimento oficioso de averiguação de paternidade previsto na Lei 8560/92

conforme explica Maria Berenice Dias126:

No momento do registro, é a declarante indagada sobre o genitor e, se ela quiser, indica quem é o pai, fornecendo seu nome e todos os elementos necessários â sua localização. Com tais dados, instaura-se na vara de registros públicos a averiguação oficiosa. O juiz ouve a genitora e determina a notificação do suposto pai, em segredo de justiça, isto é, no caso de ele ser casado. Confirmando o indigitado genitor a paternidade, procede-se à lavratura do termo, que será levado a registro. Negando a filiação que lhe é atribuída, ou permanecendo em silêncio, no prazo de 30 dias, o procedimento será encaminhado ao Ministério Público para propor a investigação de paternidade. O agente ministerial é o autor da ação, como legitimado extraordinário (CPC 6º). Essa iniciativa não impede que o menor, devidamente representado pela mãe, intente também a ação investigatória.

Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald127 a investigação de

paternidade se caracteriza como ação de estado familiar, que envolve discussão

acerca de direito de personalidade. Para tanto, trata-se de ação considerada

imprescritível, irrenunciável e inalienável.

Também neste sentido, Maria Berenice Dias128 afirma:

Ninguém duvida que o direito à filiação é um direito à identidade que integra o postulado fundamental da personalidade. Assim, a busca da identificação do vínculo de filiação é personalíssima, indisponível e imprescritível, [...]. Não há como falar em perda do direito de estado por inércia da pessoa. Pelo decurso de tempo, não se perdem ou se adquirem direitos pessoais, que podem ser exercitados a qualquer tempo.

Sobre o objeto da ação de investigação de paternidade, tem-se que é o

reconhecimento filiatório. Isto é, o autor da investigatória de estado parental almeja

ter o seu pai reconhecido por decisão judicial, estabelecendo uma relação de

parentesco, com todos os seus efeitos pessoais e patrimoniais.

Observa-se do art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que o estado

de filiação é direito fundamental à identidade, não podendo o filho sofrer restrições

ou discriminações. In verbis:

126 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 376. 127 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 534. 128 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Família. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 363.

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Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.129

No que diz respeito aos legitimados ativos à propositura da ação, tem-se que,

em regra, será promovida pelo filho maior ou menor, contudo, existem outros co-

legitimados ao ajuizamento da investigatória, quais sejam, nascituro (conforme

parágrafo único do art. 26 do ECA), filho já registrado em nome de terceiro, herdeiro

do filho morto (chamada de investigação avoenga) e Ministério Público (caso de

legitimidade extraordinária estabelecida pela Lei 8560/92).

Outro ponto importante a ser destacado diz respeito à resposta do réu, que, a

contar da juntada aos autos do mandado de citação, é de 15 dias. O não

oferecimento válido e tempestivo da contestação gera revelia, porém sem que dela

decorra qualquer efeito, já que se trata de direito indisponível de acordo com o art.

320, inciso II do CPC. Assim, mesmo que o réu seja citado pessoalmente, se não

contestar, não se reputam verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. É necessária a

produção de provas.130

De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald131:

Poderá o revel, contudo, comparecer ao processo a qualquer tempo, recebendo-o no estado em que se encontra, passando, a partir desse momento, a ter o direito de ser intimado, na pessoa de seu advogado constituído, dos atos subseqüentes ao seu ingresso. Até porque foi revel até ali, não mais sendo contumaz para os atos subseqüentes.

No que se refere à produção de provas na investigação de paternidade, não

há dúvida de que o exame de DNA, malgrado as críticas existentes, tornou-se o

meio probatório mais importante para determinação do vínculo de filiação. Mas uma

ressalva muito importante deve ser registrada, no que se refere à recusa do pai em

submeter-se ao exame de DNA. Isto porque, o assunto foi polêmico e divergente

129 BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em 01 de setembro de 2009. 130 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Família. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 373. 131 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 556.

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durante muito tempo. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 301132 que

abordava o tema. E, atualmente, com a alteração da Lei n. 8.560/92 (reguladora da

investigação da paternidade), feita pela Lei n. 12.004/2009, restou consignado que

tal recusa ao exame de DNA gera presunção da paternidade, que deve ser

corroborada pelo conjunto de provas. É o preceito explicitado no parágrafo único do

art. 2º-A, verbis:

Art. 2º-A Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.133

Por fim, tem-se que a natureza jurídica da ação de investigação de

paternidade é declaratória, pois o que se persegue é a afirmação pelo juízo de uma

situação concreta já existente, até então conhecida apenas no mundo fático, mas

não no plano jurídico.

3.2 A PATERNIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE

A investigação de paternidade se caracteriza como ação de estado, relativa

ao estado familiar, destinada a dirimir conflito de interesses relativo ao estado de

uma pessoa natural, envolvendo discussão acerca de verdadeiro direito da

personalidade. Sendo assim, trata-se de ação imprescritível e irrenunciável.134

Para Renato Maia135:

A personalidade é o conjunto de caracteres próprios da pessoa. Sem se consubstanciar em um direito, é ela que apóia os direitos e deveres que dela nascem. [...] Assim, pode-se afirmar que é o direito do filho ver sua paternidade definida pelo ordenamento, tal direito está vinculado à sua

132BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 301. Disponível em: http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0301a0330.htm. Acesso em 05 de setembro de 2009. 133BRASIL. Lei n. 12.004, de 29 de julho de 2009. Altera a Lei n. 8.560 de 29 de dezembro de 1992. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12004.htm. Acesso em 20 de outubro de 2009. 134 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª tiragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2008, p. 534. 135 MAIA, Renato. Filiação Paternal e seus Efeitos. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 58-59.

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personalidade, que integra sua própria pessoa e lhe assegura a dignidade. [...] O direito ao nome, o direito a integridade psíquica e moral, como identidade pessoal, familiar e social, dentre outros, [...] integram os direitos da personalidade, estão diretamente ligados à paternidade a ser estabelecida e imposta ao agente.

No que se refere ao fundamento legal constitucional do estado de filiação

como direito de personalidade, cita-se o §6º do artigo 227 da Constituição Federal,

verbis:

Art. 227. §6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.136

Também o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, já citado

anteriormente, estabelece a ausência de restrição ao direito filiatório. A igualdade

constitucional da filiação considerou o estabelecimento desta, um direito de todo

filho, possibilitando a toda criança conhecer sua origem e crescer em um ambiente

familiar.137

3.2.1 As Conseqüências da Ausência Paterna

Para Rodrigo da Cunha Pereira138:

A paternidade [...] constitui muito mais uma função, ou mesmo uma metáfora, do que propriamente uma relação biológica. Com as mudanças do sistema patriarcal, não se pode mais fazer o retrato de um pai típico. No patriarcado, o pai, além de encarnar a lei, a autoridade, é instituído de um poder quase divino. Por outro lado, pouca atenção foi dada ao outro lado desse sistema: as crianças eram abandonadas afetivamente pelo pai e tornavam-se propriedades exclusivas da mãe. O início da vida se desenrolava sem a presença do pai.

136BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 11 de setembro de 2009. 137 MAIA, Renato. Filiação Paternal e seus Efeitos. São Paulo: SRS Editora, 2008, p. 57. 138 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 127.

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Uma das mais relevantes conseqüências da queda do modelo patriarcal é o

redimensionamento da função paterna, sendo possível, atualmente, falar-se em uma

crise da paternidade, frente aos novos modelos de família. Sua função básica,

estruturante do filho como sujeito, está passando por um momento de transição,

onde os pais não assumem o direito e o dever de participação da formação, da

convivência afetiva e do desenvolvimento de seus filhos. 139

Segundo o citado autor140:

O declínio da autoridade paterna, conseqüência do fim da ideologia patriarcal, apresenta hoje sintomas sociais sérios e alarmantes. Se os pais fossem mais presentes na vida de seus filhos, certamente não haveria tantas crianças e adolescentes com evidentes sinais de desestruturação familiar. Seria ingenuidade pensar que esses sintomas sociais que o cotidiano nos escancara é conseqüência apenas do descaso do Estado e de uma economia perversa.

Para Ionete de Magalhães Souza141:

O pai é figura essencial na vida de toda pessoa. Não é bom que se crie sem a referencia paterna (quem possa conhecer o seu pai). Daí a CF/88 garantir em seu art. 5º, LXXIV, como princípio da dignidade humana, a busca o conhecimento da própria paternidade, com todo direito aos avançados métodos tecnológicos, inclusive aos hipossuficientes, de forma gratuita.

A criança e o adolescente privados ao reconhecimento da paternidade, se

encontram em situação de evidente violação do direito à convivência familiar e social

plena, bem como em afronta ao respeito da sua dignidade, pois são inevitáveis as

repercussões negativas que o não estabelecimento integral do estado de filiação

acarreta ao filho.142

Enfim, a ausência do pai, em decorrência de um abandono material ou

psíquico gera graves conseqüências na estrutura e na formação dos filhos, tanto que

139 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 128. 140 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Nem só de pão vive o Homem: Responsabilidade Civil por abandono afetivo. Disponível em: http://www.arpenbrasil.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=684&Itemid=96. Acesso em 14 de outubro de 2009. 141 SOUZA, Ionete de Magalhães. Paternidade Socioafetiva. Revista IOB de Direito de Família. n. 46, fev./mar., 2008, v. 9, p. 93. 142 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 121.

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o abandono material e o intelectual dos filhos são tipificados como crimes nos

artigos 244 e 246 do Código Penal.

Sendo assim, pode se destacar que uma parte da doutrina considera que o

não reconhecimento da paternidade, com a conseqüente ausência do pai no

exercício de suas funções paternas deve ser considerado ato grave, pois o pai é

aquele que representa a segurança e a proteção do filho. Portanto, é nesse contexto

que surgiram as discussões sobre a possibilidade do filho, cujo pai se negou a

reconhecer sua paternidade, buscar uma indenização pelos danos decorrentes de

tal atitude.

3.3 DANO MORAL DECORRENTE DO NÃO RECONHECIMENTO DA

PATERNIDADE

A questão do presente trabalho vem suscitando intensos debates na doutrina.

Isto porque, trata-se de um tema novo e polêmico, que começa a ser discutido pelos

doutrinadores e juristas, os quais muitas vezes divergem sobre o assunto, por

admitirem ou negarem a indenização por dano moral diante do não reconhecimento

da paternidade.

O posicionamento dos juristas ainda é incipiente, havendo poucos livros sobre

o tema. Como dito anteriormente, parte da doutrina entende que a violação pura e

simples de algum dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o dever de

indenizar, pois depende da efetiva prática de um ato ilícito, um dos pressupostos da

responsabilidade civil no Direito de Família. Além do ato ilícito, torna-se necessário o

preenchimento dos pressupostos que autorizam o arbitramento do dano moral, quais

sejam, a ocorrência de um dano, o nexo de causalidade entre o ato praticado e o

dano, bem como a comprovação da culpa do agente.

A outra parte admite uma ampla caracterização da ilicitude nas relações

familiares, sustentando que a indenização seria devida tanto nos casos gerais de

ilicitude, como em casos específicos, decorrentes de violação de deveres familiares

em concreto.

Também na jurisprudência o tema não é pacifico, pois alguns reconhecem a

indenização como cabível, em casos como o do pai que se recusa injustificadamente

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ao reconhecimento de filho que sabe ser seu, desde que preenchidos os

pressupostos da responsabilidade civil subjetiva. Outros, ao contrário, afirmam que

não existe lei obrigando ao reconhecimento voluntário, bem como há outros meios

de penalizar o investigado que se opõe injustificadamente ao reconhecimento.

Luiz Felipe Brasil Santos143 afirma que a grande dificuldade em se alcançar

um consenso sobre o tema decorre exatamente do fato de que a noção do que seja

dano ressarcível é dinâmica e evolui ao longo da história, na proporção em que se

amplia também a tutela dos direitos da pessoa.

Para Bernardo Castelo Branco144, o pai que se recusa ao reconhecimento

espontâneo do filho comete ato ilícito, atingindo e lesionando o direito subjetivo do

filho, juridicamente resguardado, de modo a criar inegáveis carências afetivas,

traumas e agravos morais, diante do repúdio público de que padece aquele a quem

são negados o nome, a identidade e o atributo de sua personalidade.

Também neste sentido, entende Rolf Madaleno145 que “ninguém poderá

afirmar, [...] que não constitui uma especial gravidade, reprovada pela moral e pelo

direito, a atitude do pai que se recusa a reconhecer espontaneamente uma filiação”.

O mesmo autor146 afirma que:

A reparação civil admitida como possível de reparação pelo gravame moral impingido ao investigante haverá de decorrer daquela atitude claramente postergatória do reconhecimento parental, onde o investigado se vale de todos subterfúgios processuais para dissimular a verdade biológica, fugindo-se com esfarrapadas desculpas ao exame pericial genético ou, mesmo, esquivando-se da perícia com notórios sintomas de indisfarçável rejeição ao vínculo de parentesco com o filho, do qual tem sobradas razões para haver como seu descendente.

Assim, alguns doutrinadores entendem que a recusa do pai ao

reconhecimento voluntário do filho havido fora do matrimônio também pode ensejar

a ocorrência de danos morais e até mesmo materiais ressarcíveis, bem como que a

143 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Pais, filhos e danos. IBDFAM. Publicado em 27 de junho de 2004. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=141. Acesso em 28 de outubro de 2009. 144 BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 122. 145 MADALENO, Rolf. O dano moral na investigação de paternidade. In: Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2000, v. 71, p. 271. 146 Idem, Ibidem. p. 278.

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falta de lei nesse sentido não impede seja considerado dever do pai o

reconhecimento, quando não tenha ele justa razão para contestar a paternidade.147

Portanto, o papel dos pais não se limita ao dever de sustento, de prover

materialmente o filho com os meios necessários à sua subsistência, mas vai muito

além, para abranger a subsistência emocional e a função de educação e assistência

em geral. Na medida em que não é cumprido esse irrenunciável papel, por

injustificável ausência paterna, surge o dano que há de ser reparado.148

3.3.1 Posicionamentos jurisprudenciais

Em pesquisa realizada nos diversos Tribunais Pátrios, foram encontradas

decisões sobre o dano moral pelo não reconhecimento da paternidade nos Tribunais

de Justiça de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul,

do Paraná e de Santa Catarina. Tendo em vista os limites de um trabalho de

iniciação científica, foram escolhidas apenas algumas decisões que espelham o

posicionamento desses Tribunais.

a) O primeiro exemplo jurisprudencial sobre o tema, emana do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul, cuja Relatoria é do Desembargador Claudir Fidélis

Faccenda. Verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PERDAS E DANOS. FALTA DE RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO DA PATERNIDADE. A responsabilidade civil, no Direito de Família, é subjetiva, somente surgindo o dever de indenizar quando evidenciado o agir com dolo ou culpa, restando caracterizada a ilicitude da conduta, bem como o nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido. Ausente um dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, qual seja, o ato ilícito, inexiste o dever de indenizar. 149

147 CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 470-471. 148 SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Pais, filhos e danos. IBDFAM. Publicado em 27 de junho de 2004. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=141. Acesso em 28 de outubro de 2009. 149 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70021764329, da Comarca de Butiá, da 8ª Câmara Cível, Relator Desembargador Claudir Fidélis Faccenda, julgado em 19/12/2007.

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Sobre este primeiro julgado, deve-se registrar que o Desembargador Relator

afirmou ser perfeitamente possível a cumulação da ação de investigação de

paternidade com pedido de dano moral, pois a recusa injustificada do pai ao

reconhecimento da paternidade é ato ilícito, e pode gerar danos ao filho.

Posteriormente, explicitou quais são os direitos das crianças e dos adolescentes, e

citou os arts. 227 da Constituição Federal, 19 e 22 do Estatuto da Criança e do

Adolescente e 1.584 e 1.586, ambos do Código Civil, ressaltando a importância da

figura paterna na formação da personalidade dos filhos.

Por fim, asseverou que a responsabilidade civil no Direito de Família é a

subjetiva, e por isso o dever de indenizar somente surge quando restar evidenciado

o dolo ou a culpa e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Sendo assim,

entendeu que no presente caso não há que se falar em indenização por danos

morais, pois o recorrido somente soube da existência do filho após o ajuizamento da

ação, situação que o impossibilitou ao cumprimento de suas obrigações paternas.

b) O segundo exemplo jurisprudencial trazido ao presente emana do Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro, cuja Relatoria é do Desembargador Sidney Hartung.

Verbis:

APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DIREITO DE FAMÍLIA – Não obstante seja possível pleitear reparação por ofensa moral advinda das relações entre pais e filhos, não se pode olvidar que os referidos danos devem ser provados, configurando, na hipótese, exceção a regra in re ipsa facti – In casu, tem-se que os apelados não se desincumbiram do ônus que lhes competia, qual seja, provar a ocorrência dos alegados danos morais suportados em razão do comportamento do recorrente, que, apesar dos fortes indícios de que poderia ser progenitor do menor, não reconheceu, voluntariamente, a paternidade, que veio a ser comprovada posteriormente, por meio da ação de investigação de paternidade, demonstrando comportamento negligente em relação ao seu filho e à mãe deste. – Precedentes jurisprudenciais desta E. Corte e de C. Tribunais de Justiça de outros Estados da Federação. – Reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial, com a condenação no pagamento de custas e honorários advocatícios, arbitrados em R$1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 20 §4º do CPC. – PROVIMENTO DO RECURSO.150

Neste segundo relato, o douto Desembargador também afirmou ser possível

a configuração do dano moral em decorrência da ausência do reconhecimento

150 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração em Apelação Cível nº 2009.001.02358, da 4ª Câmara Cível, Relator Desembargador Sidney Hartung, julgado em 16/06/2009.

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63

espontâneo da paternidade, em especial atenção ao princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana.

Tem-se que o pai procedeu de maneira negligente com seu filho, pois sabia

das fundadas evidências de que poderia ser o pai do menor, e, em nenhum

momento tomou qualquer atitude a fim de reconhecer a paternidade, causando dano

moral ao filho, em virtude da violação de preceito constitucionalmente assegurado.

Destarte, ausente a prova de tais danos, não houve indenização cabível.

c) O terceiro exemplo citado é contrário ao dano moral e tem origem do

Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DE INDENIZAÇÃO- RELAÇÃO PATERNO-FILIAL- AUSÊNCIA DE AMPARO MATERIAL E AFETIVO- RECONHECIMENTO MEDIANTE AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE- DANO MORAL- NÃO CARACTERIZAÇÃO- ATO ILÍCITO- INEXISTÊNCIA- EXERCÍCIO MODERADO E REGULAR DE DIREITO- INDENIZAÇÃO EM FAVOR DA FILHA E DA MÃE- NÃO CABIMENTO- RESPONSABILIDADE CIVIL- NÃO CONFIGURAÇÃO- MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O dever de indenizar depende de três requisitos: o DANO, a conduta antijurídica do agente e o nexo causal entre os dois primeiros. O reconhecimento da PATERNIDADE somente após ação de INVESTIGAÇÃO judicial não enseja DANO MORAL nem configura conduta antijurídica do reconhecido pai, que assim age em exercício moderado e regular de direito. Ausente a conduta antijurídica, não há se falar em responsabilidade civil de indenizar. 151

Alguns breves comentários devem ser feitos, no que diz respeito aos

argumentos trazidos no presente acórdão, no sentido da não configuração do dano

moral.

No ano de 2004 as ora apelantes, mãe e filha, ajuizaram ação de

investigação de paternidade em face do apelado, pleiteando, ainda, o arbitramento

de dano moral decorrente do não reconhecimento espontâneo da paternidade. Tem-

se que a paternidade restou reconhecida, contudo, o pedido de dano moral foi

julgado improcedente. Irresignadas com a decisão, interpuseram recurso de

apelação cível.

A Desembargadora Relatora entendeu que não restou configurado o dano

moral. Aplicou o art. 159 do Código Civil de 1916, tendo em vista a data do

nascimento da apelante (filha), citando o preceito constitucional autorizador do dano

moral (art. 5º, incisos V e X, CF). Contudo, afirmou que não restaram caracterizados

151 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0382.05.054419-8/001, Desembargadora Relatora Márcia de Paoli Balbino, julgado em 31/08/2006.

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os 03 elementos fundamentais à responsabilidade civil subjetiva, quais sejam,

conduta antijurídica, dano e nexo causal.

Asseverou, ainda, que como o apelado não tinha certeza da paternidade até a

sentença proferida em 2004, ele também não tinha, até então, obrigação material

com a filha, sendo que, atualmente, também não possui tal obrigação, pois a filha é

adulta e conta com mais de 50 anos, é casada, trabalha e possui filhos.

Finalizou afirmando que é possível que a filha tenha passado por privações,

mas isso não lhe dá direito de pleitear indenização, já que ausentes os requisitos da

conduta antijurídica e do nexo causal. E, a própria apelante afirmou que nunca

experimentou o afeto paterno e, portanto, não há que se falar de ter padecido de dor

íntima, passível de indenização, pois não se padece por algo que nunca se teve ou

não se tem.

d) No que diz respeito aos posicionamentos favoráveis ao dano moral

decorrente do não reconhecimento da paternidade, o primeiro exemplo emana do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja Relatoria é do Desembargador

Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, sendo que a Presidente

Desembargadora Maria Berenice Dias foi voto vencido. A ementa do acórdão é a

que segue:

DANO MORAL. NEGAÇÃO DA PATERNIDADE DOS FILHOS. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. 1. É tempestivo o recurso interposto no último dia do prazo recursal, em consonância com a Resolução nº 380/2001 do CM, que estabelece o Sistema de Protocolo Integrado do Poder Judiciário com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 2. Embora seja juridicamente possível o pedido, a contemplação do dano moral exige extrema cautela e apuração criteriosa dos fatos em se tratando de direito de família. 3. O direito à convivência familiar vem assegurado tanto no art. 227 da CF-88, como no art. 4º do ECA, mas se não fica comprovada a existência de convivência familiar não se cogita de abandono do pai capaz de ensejar abalo emocional nos infantes. Recurso provido, por maioria. 152

Ressalta-se aqui, o entendimento da referida Desembargadora, verbis:

Desde que a Psicanálise começou a fazer parte do Direito –principalmente do Direito das Famílias – não há como negar o direito dos filhos à convivência com os pais.

152 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018130211, da Comarca de Bento Gonçalves, da 7ª Câmara Cível, Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 28/03/2007.

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A necessidade do convívio do filho com os seus genitores – ambos os genitores – já está por demais comprovado por todas as ciências que estudam o psiquismo humano. Desempenha o genitor a função de romper o vínculo de identidade que o filho mantém em relação à mãe. É o interdito chamado de “lei do pai”. Assim, o pleno desenvolvimento dos infantes resta prejudicado pela ausência paterna. Isto está mais do que comprovado. Ao depois, ninguém questiona que a família constituída com a ausência de um dos genitores é uma família chamada de “desestruturada”, fator sempre identificado como causa de vulnerabilidade, estando assim os filhos mais propensos à marginalização. Certamente terão mais dificuldades em constituir vínculos afetivos e familiares. De outro lado, é no mínimo perverso afirmar que os filhos não teriam sofrido qualquer dano afetivo pelo simples fato de não terem eles convivido com o pai. Ora, não é a ausência do réu que causou dano aos autores. É a falta do convívio paterno, ausência da figura do pai que gera tais conseqüências. Será que em todos os Dias do Pai, quando na escola faziam cartões para ele e viam os pais dos colegas nas festas a eles dedicadas, não traz qualquer seqüela no filho. Tal não gera sentimento de rejeição, de menos valia? É este dano que merece ser indenizado, ao menos para que possam os filhos receber acompanhamento psicológico para contornar a perda afetiva que sofreram ao longo de suas vidas. [...] 153

Aqui, a Relatora Maria Berenice Dias ressaltou sucintamente, a importância

da figura do pai na formação do caráter dos filhos, bem como as conseqüências da

ausência paterna. Trata-se de caso onde não houve o reconhecimento da

paternidade, motivo capaz de gerar abalo moral em decorrência da falta de afeto

para com os filhos.

e) Como segundo exemplo, favorável ao tema em análise, emanado do

Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja Relatoria é do Desembargador Caetano

Lagrasta, verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. AUTOR ABANDONADO PELO PAI DESDE A GRAVIDEZ DA SUA GENITORA E RECONHECIDO COMO FILHO SOMENTE APÓS PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico. Indenização devida. Sentença reformada. Recurso provido para este fim. 154

A fim de fundamentar o exposto, segue:

153 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70018130211, da Comarca de Bento Gonçalves, da 7ª Câmara Cível, Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 28/03/2007. 154 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 511.903.4/7, de Marília, da 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Caetano Lagrasta, julgado em 12/03/2008.

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Se o pai não alimenta, não dá amor, é previsível a deformação da prole. Isso pode acontecer, e acontece, com famílias regularmente constituídas. Não se trata de aferir humilhações no decorrer do tempo. Ninguém é obrigado a amar o outro, ainda que seja o próprio filho. Nada obstante, a situação é previsível, porém, no caso da família constituída, ninguém, só por isso, requer a separação; ocorre que, na espécie, o abandono material e moral, é atitude consciente, desejada, ainda que obstada pela defesa do patrimônio, em relação aos outros filhos - o afastamento, o desamparo, com reflexos na constituição de abalo psíquico, é que merecem ressarcidos, diante do surgimento de nexo de causalidade. Sobre o assunto, ROLF MADALENO preleciona: Ninguém poderá afirmar, em sã consciência, que não constitui uma especial gravidade, reprovada pela moral e pelo direito, a atitude do pai que se recusa em reconhecer espontaneamente uma filiação extramatrimonial, que resulta comprovada depois em juízo. (...) É altamente reprovável e moralmente danosa a recusa voluntária ao reconhecimento da filiação extramatrimonial e certamente, a intensidade deste agravo cresce na medida em que o pai posterga o registro de filho que sabidamente é seu, criando em juízo e fora dele, todos os obstáculos possíveis ao protelamento do registro da paternidade, que ao final, termina por ser judicialmente declarada. Claramente postergatória do reconhecimento parental; onde o investigado se vale de todos subterfúgios processuais para dissimular a verdade biológica, fugando-se com esfarrapadas desculpas ao exame pericial genético, ou mesmo, esquivando-se da perícia com notórios sintomas de indisfarçável rejeição ao vínculo de parentesco com filho, do qual tem sobradas razões para haver como seu descendente. Mas, como era dito, falta de reconhecimento do próprio filho engendra, com efeito, um ato ilícito que faz nascer, ao seu turno, o direito de obter um ressarcimento em razão do dano moral de que pode padecer o descendente. [...] 155

Assim, também aqui o que se desejou destacar é que a recusa ao

reconhecimento espontâneo da paternidade, por pai que posterga o registro do filho

que sabe ser seu, é altamente reprovável, devendo ser considerada como ato ilícito,

autorizador do ressarcimento indenizatório ao filho.

f) Cumpre citar ainda, os julgados pesquisados no Superior Tribunal de

Justiça, que firmou o entendimento de que a indenização por dano moral pressupõe

a prática de ato ilícito por parte do ofensor. São eles:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária" (Resp n. 757.411/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 29.11.2005). II. Recurso especial não conhecido.156

155 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 511.903.4/7, de Marília, da 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Caetano Lagrasta, julgado em 12/03/2008. 156 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 514350, da Quarta Turma, Ministro Aldir Passarinho, julgado em 28 de abril de 2009.

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RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS.MPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código 157

Aqui é interessante registrar o entendimento do voto vencido, Ministro Barros

Monteiro, ao julgar o Recurso Especial nº 757411, cuja ementa está transcrita acima,

in verbis:

Como se sabe, na norma do art. 159 do Código Civil de 1916, está subentendido o prejuízo de cunho moral, que agora está explícito no Código novo. Leio o art. 186: "Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Creio que é essa a hipótese dos autos. Haveria, sim, uma excludente de responsabilidade se o réu, no caso o progenitor, demonstrasse a ocorrência de força maior, o que me parece não ter sequer sido cogitado no acórdão recorrido. De maneira que, no caso, ocorreram a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade. O dano resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo. Considero, pois, ser devida a indenização por dano moral no caso, sem cogitar de, eventualmente, ajustar ou não o quantum devido, porque me parece que esse aspecto não é objeto do recurso. Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual. Por essas razões, rogando vênia mais uma vez, não conheço do recurso especial. 158

g) Por fim, no que se refere ao entendimento do Supremo Tribunal Federal,

não se tem notícia, ainda, de julgados sobre o assunto. Contudo, em leitura

realizada no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, Rodrigo da

Cunha Pereira159 noticiou que o Supremo Tribunal Federal deve decidir nos

próximos dias, em caráter terminativo, um importante processo que diz respeito ao

estado de filiação. Trata-se da possibilidade ou não de indenização a um filho que foi

abandonado afetivamente pelo pai embora dele recebesse pensão alimentícia. É a

notícia, verbis:

157 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 757411, da Quarta Turma, Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 29 de novembro de 2005. 158 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 757411, da Quarta Turma, Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 29 de novembro de 2005. 159 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e o STF. IBDFAM. Publicado em 07 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553. Acesso em 28 de outubro de 2009.

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A matéria chegou à Corte Constitucional após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ter condenado o pai a indenizar esse filho em 200 salários mínimos por afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. O Superior Tribunal de Justiça cassou a decisão do tribunal mineiro sob a alegação de que a punição para um pai abandônico deve ser a destituição do poder familiar (deixar de ser pai), já que não se pode obrigar um pai a amar o seu filho. [...] Embora a premissa da afetividade seja inerente aos princípios constitucionais da dignidade humana, da solidariedade e da paternidade responsável, este novo conceito ainda não foi bem compreendido ou aceito por algumas instâncias ou membros do Judiciário. Trata-se da aplicação direta dos princípios constitucionais, com vistas ao cumprimento das responsabilidades - inclusive afetivas - com os filhos. No entanto, como todo pensamento inaugural, há resistências. Sobretudo porque os julgadores, embora trabalhem com imparcialidade, não são neutros, pois são humanos e, portanto, contaminados, em seu poder de arbítrio, por suas próprias convicções morais, políticas e ideológicas. A argumentação contrária à indenização pelo abandono paterno é que não se pode obrigar um pai a amar o seu filho e que isto seria a monetarização do afeto. Realmente o amor não tem preço, e não há dinheiro neste mundo que pague e apague a dor sofrida pelo abandono paterno. Nem mesmo se pretende indenizar a dor. Sofrimento e dor fazem parte do processo de crescimento e evolução das pessoas. Não é correto buscar-se indenização pelas dores da vida, assim como não é possível medicalizar a vida. Mas, afinal qual a importância político-jurídica e social de um caso particular como este? É que ele traz para o centro da cena jurídica a necessidade de se responsabilizar os pais pelo abandono de seus filhos. O exercício da paternidade é uma obrigação jurídica, estabelecida na Constituição da República (art 229) no Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil. A indenização pelo abandono afetivo tem função reparatória e pedagógica. Se a Suprema Corte disser que não há nenhuma sanção às regras e princípios jurídicos de que os pais são responsáveis pela criação e educação de seus filhos, e isto é dar afeto, ele estará instalando e endossando a irresponsabilidade paterna. A importância político-social e a repercussão geral estão na veiculação direta e reflexa da tragédia social de milhares de crianças abandonadas, e dos vários sintomas deste abandono, tais como gravidez na adolescência, altos índices de criminalidade, entre tantos outros exemplos de disfunções familiares. Esses sintomas não são apenas conseqüência da falta de políticas públicas adequadas. Eles estão diretamente relacionados ao abandono paterno, isto é, à falta do exercício das funções paternas, o que se denomina em Direito de Família de "poder familiar", que por sua vez relaciona-se a afetividade. Afeto não é apenas um sentimento. É também uma ação em relação aos filhos. A reparação civil ou a indenização vem exatamente contemplar aquilo que não se pode obrigar. Dizer que não cabe reparação civil pelo abandono afetivo é o mesmo que desresponsabilizar os pais pela criação e educação de seus filhos. Embora o caso que agoniza no STF (processo nº 567164) seja de um filho de classe média, ele diz respeito e interesse principalmente às crianças pobres. Talvez o STF não tenha dado a devida atenção, importância e entendido a "repercussão geral" do abandono afetivo, pelos mesmos motivos que o poder executivo não instala e executa políticas públicas de atenção às crianças e adolescentes. Menores, principalmente os abandonados, não fazem parte da engrenagem política e não têm força para clamar ao país e ao STF porque permitem que sejam abandonadas pelos seus pais.

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Nesse caso exemplar, cabe ao STF abrir as portas para um novo pensamento jurídico e para uma nova conduta em família, pautada pela responsabilidade, inclusive afetiva. 160

Portanto, apesar de não ser hipótese de indenização pelo não

reconhecimento da paternidade e sim por abandono afetivo, importante acompanhar

o julgamento, pois, o abandono afetivo é uma das conseqüências do não

reconhecimento da paternidade.

3.3.2 Posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Cata rina (da CF/88 até

2009)

Considerando que a presente monografia foi produzida em Santa Catarina,

entendeu-se importante destacar o posicionamento do Tribunal de Justiça do

Estado.

O Tribunal de Justiça Catarinense entende em sua grande maioria, não ser

possível o arbitramento do dano moral em decorrência do pai não ter reconhecido a

paternidade do filho. Citar-se-ão alguns exemplos sobre o assunto, a fim de elucidá-

lo. São eles:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS E DANOS MORAIS. PATERNIDADE RECONHECIDA. DANOS MORAIS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO DEMONSTRADOS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A simples recusa do réu em reconhecer a paternidade investigada não gera, por si só, dano moral indenizável, porquanto sua configuração dependa do preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil. O recorrido não cometeu nenhum ato ilícito, conforme disposição do art. 186 do Código Civil, capaz de justificar uma condenação por danos morais.161

a) Neste primeiro julgado, aduziu a Relatora Desembargadora que o apelado,

mesmo tendo conhecimento antes do ajuizamento da ação de investigação de

160 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, responsabilidade e o STF. IBDFAM. Publicado em 07 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=553. Acesso em 28 de outubro de 2009. 161 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2006.007021-8, de Blumenau, Relatora Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, julgado em 17/04/2007.

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paternidade de que possivelmente era o pai do apelante, não o reconheceu

voluntariamente como filho. Contudo, afirmou que durante a ação, o suposto pai não

ofereceu qualquer resistência à pretensão manifestada pelo recorrente, vindo a

reconhecer em juízo a paternidade que lhe foi atribuída.

Sendo assim, asseverou que o recorrido não cometeu nenhum ato ilícito,

conforme disposição do art. 186 do Código Civil, capaz de justificar uma condenação

por danos morais, mas o que ocorreu, de fato, foi uma promessa de reconhecimento

espontâneo da paternidade, a qual não foi cumprida. Ademais, relatou que tal fato

não impediu que o apelante buscasse o pretendido reconhecimento e amparo

econômico por intermédio da tutela estatal, o que somente ocorreu quando este

contava com 14 (catorze) anos.

Posteriormente, ressaltou que o tema é polêmico e envolve uma das grandes

discussões dentro da responsabilidade civil. Perguntou-se, até que ponto danos

extrapatrimoniais serão passíveis de compensação por meio de uma punição

pecuniária? A ausência do pai no período de crescimento e desenvolvimento do filho

pode ser compensada por uma vultosa indenização?

Por fim, enfatizou serem necessários cautela e reflexão, nos casos em que o

filho pleiteia indenização por danos morais decorrentes de abandono afetivo e

material do pai, pois deve o Judiciário tentar preservar a relação de amor e carinho

existente entre pai e filho. E se esta relação não existe, o Judiciário não deve

dificultar, por meio de uma condenação, uma relação amistosa que possa de

desenvolver no futuro.

Outro:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL C/C INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ACOLHIMENTO DOS PLEITOS DE NULIDADE DO REGISTRO E DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE – INSURGÊNCIA DO AUTOR CONTRA A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO – RECUSA DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE À ÉPOCA DO NASCIMENTO NÃO DEMONSTRADA – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. In casu, não ficou comprovado que o apelado sabia ser o pai do apelante à época do seu nascimento, tampouco que se recusou a reconhecer a paternidade naquela ocasião. A recusa do apelado em reconhecer a paternidade do apelante não configura ilícito, mormente considerando que, à época da concepção, a mãe do recorrente era casada com outro homem, o que justifica a dúvida do recorrido quanto à paternidade que lhe estava sendo atribuída depois de

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tantos anos.162

b) No segundo caso, o Relator afirmou não ter restado devidamente

comprovado que o apelado sabia ser o pai do apelante, à época do seu nascimento,

tampouco que se recusou a reconhecer a paternidade naquela ocasião, sendo que o

próprio apelante afirmou na inicial que, tanto ele como sua mãe, só vieram a

procurar pelo apelado em meados de 2000, quando o apelante contava com 23 anos

de idade, a fim de cobrar-lhe socorro financeiro.

Diante das circunstâncias, asseverou que a recusa do apelado em

reconhecer a paternidade do apelante não configurou ilícito, mormente considerando

que, à época da concepção, a mãe do recorrente era casada com outro homem, o

que justifica a dúvida do recorrido quanto à paternidade que lhe estava sendo

atribuída depois de tantos anos. Ainda, consignou que o apelado prontificou-se a

realizar o exame de DNA na primeira oportunidade em juízo, por ocasião da

audiência de conciliação, não apresentando resistência em admitir a paternidade,

desde que comprovada cientificamente, como de fato veio a ocorrer.

Sendo assim, ressaltou que, embora a ofensa aos direitos da personalidade

dispense a prova do dano sofrido pelo lesado, porquanto nesta hipótese ele é

presumido, a correspondente indenização somente é devida mediante a

comprovação de que o ato que importou lesão ao ofendido seja ilícito, lembrando

que a legislação brasileira adotou como regra, em matéria de responsabilidade civil,

a teoria subjetiva, a qual exige a demonstração de culpa por parte do ofensor,

conforme o teor do art. 186 do Código Civil.

Finalizou afirmando que, embora o não reconhecimento de filho por meio do

registro de nascimento configure ilícito civil, pois tal obrigação decorre do princípio

da paternidade responsável (art. 226, § 7º, da CF) e da determinação contida no art.

52 da Lei n. 6.015/73, a omissão quanto à prática deste ato somente imporá o dever

de indenizar ao pai que tenha agido com dolo ou culpa. E, salvo hipóteses legais em

sentido contrário, o ônus da prova do dolo ou da culpa por parte do ofensor cabe ao

lesado, consoante preceito do inciso I do art. 333 do CPC. Isto significa dizer que, no

162 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2007.018140-4, de Lages, Relator Desembargador Mazoni Ferreira, julgado em 06/05/2008.

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presente caso, competia ao apelante trazer aos autos elementos de convicção aptos

a demonstrar que o apelado tinha ciência de que ele era seu filho.

Por fim:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE – DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVAS – DOCUMENTAÇÃO SUFICIENTE PARA FORMAR O CONVENCIMENTO DO JULGADOR – EXEGESE DO ART. 330, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Se as provas existentes nos autos são suficientes ao convencimento do julgador, não se decreta a nulidade da sentença pelo julgamento antecipado da lide. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO E MATERIAL DO PAI AO FILHO – RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE APÓS AÇÃO INVESTIGATÓRIA – NECESSIDADE DE EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DO DANO – INDENIZAÇÃO INDEVIDA. Não configura dano moral, a ensejar a condenação do réu ao pagamento de indenização, o fato de o reconhecimento de paternidade ter se dado tão-somente após o ajuizamento da ação de investigação de paternidade e a realização do exame de DNA, quando o filho já contava com 46 anos de idade. O abandono afetivo do pai em relação ao filho não dá direito à indenização por dano moral, eis que não há no ordenamento jurídico obrigação legal de amar ou de dedicar amor, até porque, o laço sentimental é algo profundo que vai se fortalecendo com o passar do tempo, e não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais deficiências. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS – IMPOSIÇÃO AO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA VENCIDO – POSSIBILIDADE – OBRIGAÇÃO SOBRESTADA – APLICAÇÃO DO ART. 12 DA LEI N. 1.060/50. Sendo o vencido beneficiário da justiça gratuita, é possível impor-se a condenação em honorários advocatícios. Contudo, fica suspensa a obrigação pelo período de até cinco anos, enquanto persistir o estado de pobreza, extinguindo-se a dívida, após, pela sua prescrição qüinqüenal. RECURSO DESPROVIDO. 163

c) No terceiro exemplo colacionado, o Relator constatou que o autor

postulava reparação por danos morais, visto que desde a infância foi renegado e

abandonado pelo pai, situação que lhe causou profundo abalo.

Iniciou sua argumentação dizendo que o autor é fruto de relacionamento entre

sua mãe e o réu, ocorrido na década de 50, sendo que esta situação apenas veio a

ser reconhecida no ano de 2001, por ocasião da decisão definitiva prolatada pelo

Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em ação de investigação de paternidade, com

as mesmas partes em questão.

Afirmou que não havia como exigir do réu, àquela época, o cumprimento de

deveres inerentes à paternidade, porque esta restou reconhecida em momento

163 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2006.012075-7, de Mafra, Relator Desembargador Mazoni Ferreira, julgado em 05/02/2009.

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muito posterior, quando o autor já contava com praticamente cinqüenta anos de

idade. Assim, concluiu que os atos levados a efeito pelo réu constituíram-se em

exercício regular de direito, de modo que afastaram a possibilidade do acolhimento

da pretensão reparatória. Citou o inciso I do art. 160 do Código Civil de 1916,

vigente à época, verbis: não constituem atos ilícitos: I - Os praticados em legítima

defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

Asseverou que, ainda que se aleguem danos percebidos a partir do

reconhecimento da paternidade, o poder familiar e os deveres a ele inerentes

encerram-se com a maioridade, ressaltando que o réu nunca teve a obrigação de

sustento e guarda do autor, dada a maioridade deste e a capacidade de sustento do

mesmo. Sendo assim, afirmou que o pai não pode ser compelido a nutrir profundos

laços de afeto e ternura por um filho cuja certeza da paternidade somente veio após

quarenta anos, sem que tenha sido criado no seio de sua família.

Argumentou, por fim, que a reparação monetária não é o caminho para a

solução da celeuma, sob pena de banalização dos pleitos indenizatórios e

reconhecimento de que o caminho e amor podem ser comprados em casa esquina.

São estes os julgados escolhidos, oriundos do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, com seus respectivos argumentos.

Cumpre registrar, por fim, que uma parte da doutrina acolheu o entendimento

favorável ao dano moral decorrente do não reconhecimento da paternidade,

conforme demonstrado durante o desenvolvimento do presente trabalho.

Contudo, a jurisprudência não é pacífica no que se refere ao tema proposto.

Na maioria das decisões analisadas, os Tribunais admitiram em tese a possibilidade

de indenização, invocando princípios como da dignidade da pessoa humana e da

proteção integral da criança e do adolescente. Entretanto, negaram a indenização

por falta da demonstração de um ou mais requisitos autorizadores da

responsabilidade civil subjetiva, em especial o ato ilícito. Diversos são os

argumentos utilizados nos julgados pesquisados. A não configuração do dano moral

ante a ausência dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil

subjetiva é o argumento mais utilizado. Também o fato de o pai desconhecer a

suposta paternidade antes da ação de investigação de paternidade é outro

argumento trazido pelos Tribunais Pátrios. Ainda, o caso do filho que não teve

reconhecida a sua paternidade, sendo abandonado materialmente e afetivamente,

que não tem direito à indenização, visto que o amor não deve ser mensurado,

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tampouco deve ser considerado uma obrigação, é outro argumento capaz de

embasar os julgados supracitados.

Assim, reconhecendo a complexidade do assunto e com a consciência de não

se terem esgotado todos os âmbitos de análise do tema, pretende-se que o estudo

sirva de estímulo a novas pesquisas e reflexões na área, bem como contribua para o

desenvolvimento de uma adequada abordagem sobre a possibilidade de

indenização por dano moral pelo não reconhecimento da paternidade, como forma

de atender o princípio basilar do Ordenamento Jurídico, qual seja, a dignidade da

pessoa humana.

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CONCLUSÃO

A abordagem feita no primeiro capítulo sobre a evolução legislativa da família

no ordenamento jurídico permitiu constatar a importância das transformações

ocorridas nas Constituições brasileiras. Isto porque, no século passado a família era

constituída unicamente pelo matrimônio, e fazia distinções ente seus membros,

trazendo qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos

filhos havidos dessas relações. Os filhos eram considerados objeto e não sujeitos de

direito, e deviam obediência ao pai, detentor exclusivo do pátrio poder, que era

praticamente absoluto e ilimitado. Com a promulgação da Constituição de 1988 e o

estabelecimento de princípios condizentes à nova ordem social, consagrou-se a

igualdade entre os cônjuges, o reconhecimento da união estável entre o homem e a

mulher, e o surgimento da família monoparental, reconhecida como entidade

familiar. Assim, o patriarcalismo cedeu lugar à democratização, e a supremacia do

casamento ao pluralismo familiar.

Apresentaram-se também alguns princípios constitucionais aplicados ao

Direito de Família, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana e da

proteção integral a crianças e adolescentes, onde foi possível evidenciar o

tratamento prioritário concedido às crianças e aos adolescentes, os quais deixaram

de ser objeto do direito para se tornarem sujeitos de direito, não havendo mais

qualquer distinção em razão da origem da filiação.

Na seqüência, ainda no primeiro capítulo, foram apresentados alguns

conceitos trazidos pela doutrina sobre a família na atualidade, demonstrando que a

família contemporânea admite a discussão do tema proposto.

No segundo capítulo, estabeleceram-se as bases para a configuração do

dano moral no Direito de Família e apresentou-se a teoria geral da responsabilidade

civil, em especial a teoria da responsabilidade civil subjetiva, aplicada pelo Direito de

Família. Posteriormente, fez-se imprescindível a análise dos pressupostos que

autorizam a configuração da responsabilidade civil, bem como das excludentes do

dever de indenizar.

Além disso, procedeu-se com a definição do dano moral e com seu

fundamento constitucional, abordando sobre sua função compensatória e repressiva,

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concluindo-se pela existência da responsabilidade civil subjetiva no Direito de

Família, perfeitamente acolhida pela doutrina. Para tanto, devem estar evidenciados

os pressupostos autorizadores da responsabilidade civil subjettiva, quais sejam, o

ato ilícito gerador de um dano, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano e a

culpa do agente.

Com a apresentação, no terceiro capítulo, das considerações sobre filiação,

das formas de estabelecimento da paternidade e do reconhecimento de filhos,

principalmente sobre o reconhecimento forçado dos filhos, foi possível concluir que a

investigação de paternidade se caracteriza como ação relativa ao estado familiar,

envolvendo discussão acerca de verdadeiro direito da personalidade.

Sendo assim, a igualdade constitucional da filiação, trazida pelo §6º do art.

227, considerou o estabelecimento desta, um direito de todo filho, possibilitando

assim, a todas as crianças e adolescentes, o conhecimento de sua origem e o

crescimento em um ambiente familiar. E, é nesse contexto que surgiram as

discussões sobre a possibilidade do filho, cujo pai se negou a reconhecer

espontaneamente sua paternidade, buscar uma indenização pelos danos

decorrentes de tal atitude.

Na seqüência, apresentou-se o entendimento da doutrina sobre o assunto,

gerador de intensos debates. Isto porque, parte da doutrina entende que a violação

pura e simples de algum dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o

dever de indenizar, o qual depende da efetiva prática de um ato ilícito, um dos

pressupostos da responsabilidade civil no Direito de Família. E, além do ato ilícito,

torna-se necessário o preenchimento dos pressupostos que autorizam o

arbitramento do dano moral, quais sejam, a ocorrência de um dano, o nexo de

causalidade entre o ato praticado e o dano, bem como a comprovação da culpa do

agente.

Já no que diz respeito aos posicionamentos jurisprudenciais, realizou-se

pesquisa em alguns Tribunais Pátrios, em especial no Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, restando caracterizado que a jurisprudência não é pacífica no que se

refere ao tema proposto, pois na maioria das decisões analisadas, os Tribunais

admitiram em tese a possibilidade de indenização. Entretanto, negaram a

indenização por falta da demonstração de um ou mais requisitos autorizadores da

responsabilidade civil subjetiva, em especial o ato ilícito. Também no Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, o entendimento é de que, não havendo configuração do

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ato ilícito, não há que se falar em dano moral. Isto porque, a teoria da

responsabilidade civil adotada pelo Direito de Família é a subjetiva, sendo

imprescindível a comprovação da culpa do agente, ao causar dano a outrem.

Portanto, com a presente monografia tornou-se possível reconhecer a

complexidade do assunto, atual e polêmico, que começa a ser analisado pela

doutrina, atenta às transformações constantes ocorridas no Direito de Família, sendo

que tal estudo serve de estímulo a novas pesquisas e reflexões na área, bem como

contribui para o desenvolvimento de uma adequada abordagem sobre a

possibilidade de indenização por dano moral pelo não reconhecimento da

paternidade, em atendimento ao princípio nucelar do ordenamento jurídico, qual

seja, a dignidade da pessoa humana.

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