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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA FRANCEZ MEDIAÇÃO DE LEITURA DE IMAGEM: UM CAMINHO PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA Itajaí (SC) 2019

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

LETÍCIA FRANCEZ

MEDIAÇÃO DE LEITURA DE IMAGEM: !UM CAMINHO PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA

Itajaí (SC) 2019"

UNIVALI UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE

Curso de Mestrado Acadêmico em Educação

LETÍCIA FRANCEZ

MEDIAÇÃO DE LEITURA DE IMAGEM:!UM CAMINHO PARA A EDUCAÇÃO ESTÉTICA

Dissertação apresentada ao colegiado do PPGE como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação – área de concentração: Educação – (Linha de Pesquisa – Cultura, Tecnologia e Processos de Aprendizagem). Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adair de Aguiar Neitzel.

Itajaí (SC) 2019"

A todos os educadores que veem na arte um convite à experiência, ao exercício

da sensibilidade e à ampliação do olhar.

AGRADECIMENTOS

Agradeço…

Aos meus pais, Pedro e Janice, meus primeiros mestres. Serei sempre grata por todos os aprendizados, por todas as oportunidades

que me trouxeram aqui e pelo apoio incondicional nessa caminhada.

Ao meu esposo, Walter, meu amor, companheiro e amigo. Gratidão imensa pelo incentivo, pela compreensão, pela escuta,

pelos profícuos diálogos, por nunca me deixar desistir. Percorrer essa trilha seria muito mais difícil sem você ao meu lado.

À minha orientadora, querida professora Adair.

Muito obrigada por me ajudar a ampliar meu olhar, por trazer a poesia e a literatura de volta em meu caminho, por fazer eu me apaixonar ainda mais pela arte.

Suas palavras me engrandecem, sua sensibilidade me encanta, sua sabedoria me inspira.

Aos professores do PPGE, pela partilha de conhecimentos, pela construção de aprendizados, por oportunizarem o exercício da experiência.

Ao Grupo de Pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora, e a todos

os demais colegas que cruzaram comigo essa trajetória. Agradeço as valorosas contribuições, trocas, conversas, os momentos de alegria e crescimento em conjunto.

À Secretaria de Educação de Balneário Camboriú, à Direção e à Supervisão da escola

em que foi realizada a pesquisa, pela compreensão e pela oportunidade concedida para que este estudo se efetivasse.

À colega de trabalho Denise Costa, pelo estímulo, compreensão e apoio

durante os dois anos de mestrado. Sua ajuda foi muito importante para que eu pudesse concluir essa etapa em minha vida.

Às professoras da banca, por aceitarem o convite, disponibilizarem

seus olhares e contribuírem para a melhoria do trabalho.

Obrigada a todos que passaram pelo meu caminho e que de alguma forma colaboraram para que eu chegasse até aqui.

Bernardo é quase árvore. Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem

de longe. E vêm pousar em seu ombro.

Seu olho renova as tardes. Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho:

1 abridor de amanhecer 1 prego que farfalha

1 encolhedor de rios — e 1 esticador de horizontes.

(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três fios de teias de aranha. A coisa fica bem

esticada.) Bernardo desregula a natureza:

Seu olho aumenta o poente. (Pode um homem enriquecer a natureza com a sua

incompletude?)

Manoel de Barros

RESUMO

Esta pesquisa possui como temas a mediação de leitura de imagem e a educação estética e está vinculada à linha de pesquisa Cultura, Tecnologia e Processos de Aprendizagem, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), e ao Grupo de Pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora. O estudo, que tem por objetivo discutir como a criança se relaciona esteticamente com a obra de arte por meio da mediação de leitura de imagem, utilizou a metodologia da Pesquisa Educacional Baseada em Arte (PEBA), a partir da perspectiva da A/r/tografia, que compreende as dimensões do artista/pesquisador/docente. Participaram como sujeitos da investigação 24 crianças com idade entre 6 e 7 anos, alunos de uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Municipal de Balneário Camboriú (SC), além da própria pesquisadora como a/r/tógrafa. Para guiar o estudo, foram estabelecidos alguns objetivos específicos, como: compreender a trajetória do uso da leitura de imagem no contexto da arte/educação por meio de estudo bibliográfico; debater como ocorre o processo de mediação de leitura da obra de arte nas aulas de Arte; e refletir sobre a relação entre a mediação de leitura de imagem e a educação estética. A produção dos dados foi realizada mediante quatro encontros de mediação com as crianças, durante as aulas em que a pesquisadora/docente leciona Arte. Os três primeiros encontros aconteceram em sala de aula como forma de aperfeiçoamento da prática mediadora, nos quais realizou-se a leitura de imagens de algumas obras de Tarsila do Amaral, Paul Cézanne, Jackson Pollock, entre outros artistas. As percepções dessas mediações foram registradas no diário da a/r/tógrafa e foram utilizadas como dados da pesquisa. O último encontro aconteceu na sala de leitura da escola, o qual foi registrado por equipamentos audiovisuais e contou com a participação do artista argentino Marcelo Urizar e algumas de suas obras originais. As transcrições das narrativas das crianças, assim como suas expressões faciais e corporais durante essa atividade serviram também como dados para discussão. Como aporte teórico para o debate em relação à leitura de imagem, o estudo baseou-se em Martins, Picosque e Guerra (2009), Rossi (2009), Merleau-Ponty (1999), Barthes (2015a, 2015b) dentre outros autores. Com apoio em Martins (2012, 2014b), Neitzel et al. (2017) e Uriarte et al. (2016) ocorreu a discussão sobre a mediação cultural, atrelada ao conceito de experiência proposto por Larrosa (2015). E a reflexão em relação à educação estética pautou-se nas concepções apresentadas por Duarte Jr. (2010) e Schiller (2017). Dentre algumas percepções apontadas pela pesquisa, compreende-se que a mediação que envolve o respeito pelo outro, que dá espaço ao silêncio, que instiga as crianças a pensarem por outros ângulos e oportuniza conexões que possam ampliar as leituras, proporciona alcançar outros níveis de compreensão estética. Acredita-se que uma educação pela arte que ajude a desenvolver o impulso lúdico gerado a partir da harmonia entre razão e emoção pode acontecer nas escolas pela mediação de leitura de imagens. A partir dos dados apresentados e da discussão realizada, entende-se que a criança se relaciona esteticamente com a obra de arte quando tem abertura para falar o que pensa, o que sente, ao criar conexões com o seu mundo, ao considerar a voz do outro, ao trazer experiências pessoais para sua memória e compartilhá-las. Desse movimento pode resultar a experiência, o afetamento e o desenvolvimento do pensamento sensível e do inteligível, contribuindo assim para o alcance de uma autonomia intelectual nos sujeitos. Palavras-chave: Mediação cultural. Leitura de imagem. Educação estética.

ABSTRACT The themes of this research are mediation of image reading, and aesthetic education, and it is linked to the line of research Culture, Technology and Learning Processes of the Postgraduate Program in Education of the University of Vale do Itajaí - UNIVALI, and the Group Cultural

Research, School and Creative Education. The study aims to discuss how the child aesthetically relates to a work of art through mediation of image reading. It uses the methodology of Arts-Based Educational Research (ABER), from the perspective of A/r/tography, which comprises the artist/researcher/teacher dimensions. Twenty-four children aged 6 to 7 years participated as research subjects. All were 1st grade students attending a Municipal School of Balneário Camboriú (SC), as well as the researcher herself as a/r/tographer. To guide the research, some secondary objectives were established, such as: to understand the historical development of the use of image reading in the context of art/education through a bibliographic study; to discuss how the process of mediation of reading the work of art in Art classes occurs; and to reflect on the relationship between image reading mediation and aesthetic education. The data was produced through four mediation meetings with the children, during the classes in which the researcher/teacher teaches Art. The first three meetings were held in the classroom as a way of improving the mediating practice, in which images of some works by Tarsila do Amaral, Paul Cézanne, Jackson Pollock and other artists were used. The perceptions of these mediations were recorded in the a/r/tographer diary and were used as research data. The final meeting took place in the school reading room, and was recorded using audiovisual equipment. This meeting was attended by the Argentinian artist Marcelo Urizar, who brought some of his original works. Transcripts of the children's narratives, as well as their facial and body expressions during this activity, also served as data for discussion. As a theoretical contribution to the discussion of image reading, the study used Martins, Picosque and Guerra (2009), Rossi (2009), Merleau-Ponty (1999), and Barthes (2015a, 2015b), among other authors. The discussion of cultural mediation was supported by Martins (2012), Martins (2014b), Neitzel et al. (2017) and Uriarte et al. (2016), and the concept of experience proposed by Larrosa (2015) was also used. The reflection on aesthetic education was based on the concepts presented by Duarte Jr. (2010) and Schiller (2017). Among some of the perceptions highlighted by the research, it is understood that mediation that involves respect for the other, that gives space to silence, that instigates children to think from other angles, and that allows connections that can enlarge the readings, enables new levels of aesthetic comprehension to be reached. It is believed that an art education that helps to develop the playful impulse generated from the harmony between reason and emotion can happen in schools through the mediation of reading images. Based on the data presented, and the discussion held, it is understood that the child aesthetically relates to the work of art when they are open to saying what they are thinking and feeling, when they create connections with their world, and when they consider the voice of another, by bringing personal experiences into their memory and sharing them. This movement can result the experience, affectation and the development of the sensible, and of intelligible thought, helping the subjects to achieve intellectual autonomy. Keywords: Cultural mediation. Image reading. Aesthetic education.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Visualidades 13

Figura 2 - Cultura, escola e educação criadora 16

Figura 3 - Ampliando o olhar 18

Figura 4 - Caminho[s] 26

Figura 5 - Desenho da pesquisa 29

Figura 6 - Práticas conceituais da a/r/tografia 32

Figura 7 - Mapa das mediações 35

Figura 8 - Passeio visual 38

Figura 9 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924 40

Figura 10 - Olhos no calor, Jackson Pollock, 1946 43

Figura 11 - Latas de sopa Campbell, Andy Warhol, 1965 44

Figura 12 - Natureza-morta com maçãs, Paul Cézanne, 1890 45

Figura 13 - Molozita em Buenos Aires, Marcelo Urizar, 2004 46

Figura 14 - A grande onda de Kanagawa, Katsushika Hokusai, 1831 48

Figura 15 - Sem título, Marcelo Urizar, 2013 50

Figura 16 - O Grito, de Edvard Munch, 1893 52

Figura 17 - Sem título, Marcelo Urizar, 2013 53

Figura 18 - Capricho 54

Figura 19 - Entre muitos 58

Figura 20 - Carnaval em Madureira, Tarsila do Amaral, 1924 60

Figura 21 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924 61

Figura 22 - Com a palavra, o artista 62

Figura 23 - Respostas 63

Figura 24 - Falta de tempo, excesso de trabalho e frustrações 64

Figura 25 - Metamorfose 66

Figura 26 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924 67

Figura 27 - Molozita em Buenos Aires, Marcelo Urizar, 2004 68

Figura 28 - Carnaval em Madureira, Tarsila do Amaral, 1924 69

Figura 29 - A morte de Molozita, Marcelo Urizar, 2004 71

Figura 30 - O artista/criança e a criança/artista 72

Figura 31 - Impulso lúdico 73

Figura 32 - Eu sinto amor 75

Figura 33 - Sem palavras 77

Figura 34 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924 79

Figura 35 - Guiando o olhar 80

Figura 36 - Evidências 82

Figura 37 - O artista em ação 83

Figura 38 - Olhares 85

Figura 39 - Peraltagens 86

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Pesquisas encontradas no Portal de Periódicos da CAPES e em seu Catálogo de Teses e Dissertações no período de 2012 a 2017, que relacionam leitura de imagem, mediação e educação estética 22

SUMÁRIO

1 VISUALIDADES QUE ME TROUXERAM ATÉ AQUI 13

1.1 ABERTURAS E MOVIMENTOS 18

2 O[S] CAMINHO[S] QUE CONDUZ[EM] O OLHAR 26

2.1 PESQUISA EDUCACIONAL BASEADA EM ARTE: A/R/TOGRAFIA 30

2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA E OS ENCONTROS DE MEDIAÇÃO 33

3 LEITURA DE IMAGEM: OLHARES QUE PASSEIAM 38

4 O SENTIDO DA MEDI[AÇÃO] CULTURAL 58

5 A EDUCAÇÃO ESTÉTICA PELA EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA 73

6 ALGUMAS PERCEPÇÕES 85

REFERÊNCIAS 90

APÊNDICES 95

!13

1 VISUALIDADES QUE ME TROUXERAM ATÉ AQUI

Figura 1 - Visualidades

!

Fonte: Elaborado pela autora.

13

1 VISUALIDADES QUE ME TROUXERAM ATÉ AQUI

Figura 1 - Visualidades

Fonte: Elaborado pela autora.

!14

Olhares que surgem atentos, janelas que transpassam a luz, fios que conduzem

caminhos, pontos que trazem movimentos. São estes alguns elementos que traduzem a

maneira como as visualidades sempre fizeram p[arte] da minha vida. Ainda quando criança,

eram nas formas, linhas e cores em que eu me perdia. Rodeada de papéis, lápis, canetas, tintas

e quaisquer outros materiais que encontrava pela frente, procurava transformá-los em algum

objeto estético. Encontrava no fazer artístico a fruição e o sentido, a transformação e

ressignificação do meu imaginário.

Quando procuro recordar-me acerca das imagens de obras de arte presentes em minha

infância, são poucas as referências que me vêm à mente. Durante a década de 1990 a

tecnologia ainda não estava presente no cotidiano como encontramos hoje, a disponibilidade

de livros de arte tampouco era frequente em minha casa e, na escola, as aulas de educação

artística concentravam-se mais em desenhos geométricos do que na apreciação de trabalhos

artísticos. Ao trazer um panorama sobre a presença da imagem na sala de aula, Rossi (2009, p.

16) explica que “muitos anos se passaram para que a imagem ocupasse um lugar de

importância no ensino das artes visuais”.

Dessa forma, as figuras mais marcantes que permeavam minha visualidade eram as

ilustrações dos livros infantis, as revistas de história em quadrinhos e as obras de arte que

conhecia quando assistia a um programa cultural televisivo. Dentre essas, uma sempre me

chamou muito a atenção: A Persistência da Memória, de Salvador Dalí, com seus relógios

que se derretem em meio a uma paisagem erma. Desde a primeira vez em que a vi, aos 10

anos de idade, ainda me sinto envolvida pelas sensações que a obra me provoca e acredito que

foram visualidades como essa que me fizeram seguir por um caminho artístico, que

contemplasse a sensibilidade.

Com o passar dos anos, o contato com a arte e a necessidade de transformar ideias em

imagens foram ficando cada vez maiores. Manoel de Barros (2015, p. 72) dizia que “imagens

são palavras que nos faltaram”. Ao trazer o período de minha adolescência à memória, penso

que as palavras do poeta se refletiram também em minha vivência, pois era por meio dos

desenhos e pinturas que eu encontrava uma forma de expressar as emoções e divagações da

idade. Em 2003, quando iria completar meus 16 anos de vida, havia chegado o momento de

decidir a profissão que seguiria. Dezesseis anos. Tão cedo! Ao mesmo tempo em que gostava

de desenhar, gostava também de escrever. Pensava em ser arquiteta, desenhar espaços,

!15

manejar cores e texturas. Pensava em ser professora de língua portuguesa, estudar palavras,

compor textos, atuar no campo da educação. Porém, com o pensamento ingênuo — típico da

idade — supunha que ao seguir pela primeira opção teria de lidar com a matemática —

disciplina com a qual eu não tinha afinidade — e se escolhesse a segunda alternativa achava

que a profissão não seria financeiramente atrativa. Entre os traços e as palavras, optei por

seguir um caminho que abrigaria as duas motivações e ingressei no curso de Comunicação

Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, com a pretensão de atuar na área de

criação, mais precisamente na atividade de Direção de Arte.

Durante o período de graduação, o contato com os diversos tipos de imagens —

fotografias, gravuras, ilustrações — possibilitou que essas fossem expandindo meu campo de

visão. A partir de então a leitura visual foi ganhando mais importância em minhas vivências,

estudos e trabalhos. Passei a observar com maior atenção as imagens ao meu redor,

analisando-as, considerando seus detalhes, contemplando-as com dedicação, para interpretá-

las e compreendê-las de modo consciente e a partir de minhas percepções.

Após alguns anos trabalhando na área de criação publicitária, a rigidez do espaço

corporativo, do consumismo e da competitividade, que são trazidos pelo mercado, foram

deixando-me anestesiada. Talvez estivesse passando pela crise dos sentidos, pela regressão

sensível demonstrada por nossas sociedades atuais, “regressão esta produzida e estimulada

industrialmente em favor da ampliação do mercado de bens tão dispensáveis quanto pobres

esteticamente”, conforme aponta Duarte Jr. (2010, p. 21).

Meus sentimentos, desejos e pensamentos vieram a pedir por mais. Por mais leveza,

fruição, sentido. Foi quando em 2013 iniciei a Licenciatura em Artes Visuais, um curso agora

voltado exclusivamente à arte e a um ofício que havia deixado em segundo plano, embora a

vontade de exercê-lo sempre tenha estado presente: a docência. Após a conclusão dos estudos,

abracei com entusiasmo esse novo universo e em 2016 tornei-me professora de Arte , 1

apaixonando-me assim pela educação.

O pouco tempo de atuação docente trouxe-me a ansiedade de querer aprender e

mergulhar mais a fundo nesse campo. Como consequência, ingressei no mestrado do

Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade do Vale do Itajaí

Neste estudo, o termo Arte aparece grafado com a inicial maiúscula sempre que se referir à disciplina curricu1 -lar. Nos demais sentidos da palavra, essa é utilizada com a inicial minúscula.

!16

(UNIVALI) e, ao participar do grupo de pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora,

entrei em contato próximo com diversos temas e saberes profundamente importantes para

minha vida pessoal, acadêmica e profissional, entre eles a educação estética e a mediação

cultural.

Figura 2 - Cultura, escola e educação criadora

!

Fonte: Elaborado pela autora. Passei então a sentir-me imersa em um mundo de novas possibilidade estésicas, o qual

para mim encontrava-se adormecido. A vivência dos encontros e a continuidade dos estudos

vieram a aguçar-me para o pensamento sensível, para a percepção dos sentidos e do mundo ao

meu redor. As imagens visuais que sempre estiveram presentes em minha mente e em meu

cotidiano suscitaram indagações e reflexões e passaram a motivar-me como pesquisadora.

!17

Assim, ao considerar o conhecimento e o aprendizado vivido durante o curso de

mestrado e ao revisitar em minha memória a maneira como eu me sentia ao ver uma obra de

arte quando criança, os pensamentos que se desenvolviam ao olhá-la com atenção, ao

permitir-me devanear nas visualidades que ali se apresentavam, optei por pesquisar sobre a

leitura de imagem, a mediação cultural e a educação estética. Encontrei-me provocada e

inspirada a refletir sobre tais questões e aplicá-las em forma de investigação.

!18

1.1 ABERTURAS E MOVIMENTOS

Figura 3 - Ampliando o olhar

!

Fonte: Elaborado pela autora.

18

1.1 ABERTURAS E MOVIMENTOS

Figura 3 - Ampliando o olhar

Fonte: Elaborado pela autora.

!19

Ampliar o olhar para o conhecimento é expandir os horizontes, visualizar caminhos

que levam a lugares inexplorados, clarear a visão, aprender a desaprender, reaprender, mover-

se para além do que está posto, ir ao encontro do novo. Rubem Alves (2011, p. 53) dizia que

uma pesquisa deve ser “uma aventura por um mar que ninguém mais conhece”, uma viagem

rumo ao desconhecido e de onde voltaremos com os nossos próprios mapas. Seguindo por

esse caminho, exercitei a abertura do olhar e desloquei-me em direção ao estudo dos temas

que me cercavam. Na medida em que havia identificado os assuntos centrais da pesquisa,

movimentei-me para investigar sobre o envolvimento entre a leitura de imagem, a mediação

cultural e a educação estética da criança.

De início, passei a observar como atualmente nosso cotidiano está repleto dos mais

diversos tipos de imagens, sejam elas artísticas ou não. Nosso olhar capta as visualidades que

encontramos em painéis pelas ruas, nas paredes dos estabelecimentos, nas telas dos

smartphones, nas revistas, jornais, livros, galerias, museus. São tantas formas, cores e figuras

dotadas de significados que se faz importante sabermos compreender tais mensagens visuais.

A leitura de imagem trata-se de uma interpretação do campo visual e vem ao encontro da

necessidade de observarmos melhor nosso entorno, afinal, “percebemos o mundo pelos

órgãos dos sentidos” e dessa forma “ao olharmos o mundo, estabelecemos contato, pois as

relações perceptivas se dão apenas diante do mundo existente e acontecem quando o sujeito

penetra no mundo” (BUORO, 1998, p. 134).

Soma-se ao fato de imagens estarem sendo apresentadas a nós de forma constante e

massiva, a observação de que, cada vez menos, temos sido estimulados a observar com

atenção tais visualidades, visto a forma acelerada como nosso cotidiano ocorre e a mínima

valorização de nossos sentidos. Dessa forma, nossa sensibilidade precisa ser aflorada para que

possamos desvendar de modo mais significativo os signos e as informações visuais que

possam estar presentes em tais imagens. Nesse viés, Duarte Jr. (2010, p. 23) afirma que a arte

“pode consistir num precioso instrumento para a educação do sensível, levando-nos não

apenas a descobrir formas até então inusitadas de sentir e perceber o mundo, como também

desenvolvendo e acurando os nossos sentimentos e percepções acerca da realidade vivida.”

Tal estímulo à sensibilidade e à contemplação do objeto artístico como forma de exercitar o

pensamento sensível poderia e deveria, inclusive, encaminhar-se nas escolas por meio do

ensino da Arte.

!20

Rossi (2009) argumenta que durante muito tempo a imagem foi apartada do ensino

escolar, mas que nas últimas décadas ressurge para ocupar um lugar importante nas aulas de

Arte: “já é consenso a ideia de que todo aluno deve ter a oportunidade de interpretar os

símbolos da arte, pois a dimensão estética é constitutiva do potencial humano” (ROSSI, 2009,

p. 9). Contudo, apesar de estarem a todo momento em contato com imagens provenientes de

diversos meios, observo que as crianças ainda pouco se relacionam com obras artísticas.

Como professora de Arte no Ensino Fundamental, percebo que nas escolas essa aproximação

é muitas vezes escassa e, quando ocorre, nem sempre é realizada de uma forma sensível e

aprofundada. Em alguns casos, a utilização de imagens de arte nas aulas é pautada somente

em explicações quanto à obra, de maneira que o professor apenas repassa informações a

respeito da produção artística e não permite que se desenvolvam as percepções das crianças, o

que parece resultar em relações muito vagas, longínquas, abordando a obra de arte como uma

imagem neutra, fechada, algo distante do mundo do aluno.

Convém aqui salientar que a educação estética, um dos temas deste estudo, não se

constitui como uma mera reprodução de conteúdos acerca das obras trabalhadas, mas sim de

uma estimulação das percepções, experiências e interpretações do sujeito sobre o objeto

contemplado (DUARTE JR., 2010). A educação estética trata de permitirmo-nos observar,

sentir e compreender a nós mesmos e ao mundo de modo mais aberto e significativo, pois a

apreciação artística “leva o sujeito a perceber-se no contexto em que está inserido, podendo

esse movimento levá-lo a enxergar também o outro, num processo de autoconhecimento que o

auxiliará a desenvolver seus sentidos e ampliar significados” (NEITZEL; CARVALHO, 2016,

p. 254). Logo, é preciso que também as crianças estejam abertas à sensibilidade, para que as

manifestações sensoriais as afetem, e para que possam tornar-se sujeitos mais conscientes

mediante um pensamento contemplativo, reflexivo e autônomo.

Nesse passo, encontramos na mediação cultural uma forma de suscitar o pensamento

sensível na criança, pois a ação mediadora é “um vasto território a ser explorado! […], que

acolhe o pensar e sentir dos mediados com a finalidade de ampliar sua possibilidade de

fruição, de composição ou até mesmo de recriação” (URIARTE et al., 2016, p. 41). Mediar é

contribuir para que as possibilidades de interpretação que a obra de arte traz manifestem-se na

sensorialidade e sensibilidade presentes no espectador.

!21

Martins (2014b, p. 260) afirma que a mediação é um “estar entre muitos”. Dessa

maneira, temos na figura do mediador aquele que vai contribuir para que a potencialidade

dessa ação se efetive e que dela prolifere uma interação mútua entre as partes que estão

inseridas nesse processo. O mediador é aquele que pode mobilizar as conexões entre o que a

imagem apresenta e as percepções desenvolvidas na criança. Conforme apontam Uriarte et al.

(2016), a mediação cultural precisa ser conduzida de maneira emancipadora e, para que tudo

isso ocorra, não basta apenas que seja realizada por um professor ou um agente de museu,

mas sim por alguém consciente das potencialidades que esse movimento pode desenvolver,

visto que “o que identifica o mediador cultural não são as suas funções, mas as ações por ele

promovidas, com ênfase na potência dos encontros com a arte, gerando contaminações

estéticas, que capturam o outro para as sensações provocadas pela obra de arte” (URIARTE et

al., 2016, p. 39).

Assim, durante estes movimentos que me faziam ampliar o olhar, como o estudo nas

disciplinas do mestrado, a investigação quanto aos temas que me cativavam e a observação do

meu entorno como docente, alguns questionamentos foram surgindo e inquietando-me em

relação à arte/educação . Qual o papel da leitura de imagem na educação estética da criança? 2

Como ler imagens de obra de arte na escola de maneira fruitiva? Como fazer mediação? Essas

são algumas questões que foram apontando o caminho da pesquisa e que, ao longo desse

trabalho, foram sendo também discutidas.

Já vimos que a leitura de imagem surge como prática essencial para a interpretação

dos signos que estão a nossa volta e, para que pudesse encontrar respostas para as indagações

que surgiam, procurei averiguar o que já havia sido estudado em relação ao assunto. A partir

de uma busca no Portal de Periódicos da CAPES e em seu Catálogo de Teses e Dissertações

sobre as pesquisas realizadas nos últimos cinco anos com esse tema, foi possível constatar que

ainda são poucas as investigações na área, principalmente quando relacionadas à mediação

cultural e à educação estética.

Ao utilizar os descritores “leitura de imagem”, “leitura de imagens”, “leitura da

imagem”, “alfabetização visual” e “letramento visual”, foram encontrados 25 trabalhos

realizados entre 2012 e 2017 que continham o descritor pesquisado inserido em seu título ou

Optei por utilizar essa nomenclatura para indicar uma conexão entre as áreas descritas. O uso da barra para unir 2

as palavras (arte/educação), ao contrário do hífen (arte-educação), compreende uma ligação entre esses dois te-mas.

!22

palavras-chave e que estavam relacionados a programas de pesquisa na área da Educação ou

Arte. Com base nessa busca inicial, foram localizados apenas três trabalhos que relacionavam

a leitura de imagem com a educação estética e/ou a mediação em seu problema de pesquisa,

conforme consta no Quadro 1, o qual apresenta as pesquisas selecionadas com os respectivos

títulos, autores, instituições de ensino onde foram desenvolvidas e o ano de publicação.

Quadro 1 - Pesquisas encontradas no Portal de Periódicos da CAPES e em seu Catálogo de Teses e

Dissertações no período de 2012 a 2017, que relacionam leitura de imagem, mediação e educação estética.

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados da pesquisa.

A pesquisa de Nunes (2013), intitulada Leitura mediada do livro de imagem no

ensino fundamental: letramento visual, interação e sentido, busca propor a mediação da

leitura do livro de imagem no Ensino Fundamental, “compreendendo-a como prática de

interação e sentido que auxilia no letramento visual” (NUNES, 2013, p. 8). A tese utiliza

como viés metodológico os conceitos da semiótica discursiva e da semiótica plástica com

base em Greimas, Floch e Oliveira, além de verificar práticas de leitura envolvendo três

professoras da rede pública estadual do Rio Grande do Sul e seus alunos. A partir do estudo, a

pesquisadora definiu alguns princípios para uma abordagem de letramento visual que tenha o

livro de imagem como objeto e a leitura mediada como ação, sendo: 1) o livro de imagem não

é somente uma narrativa imagética; 2) ler a imagem é compreender o que o texto diz e como

diz ou a imagem é constituída de conteúdo e expressão; 3) mediar para a leitura requer uma

interação especializada; 4) a prática da leitura mediada é perpassada por diferentes modos de

ser e agir que possibilitam a produção de sentido (NUNES, 2013).

PESQUISA AUTOR INSTITUIÇÃO/ANO

Leitura mediada do livro de imagem no ensino funda-

mental: letramento visual, interação e sentido.

(Tese)

Marilia Forgearini NunesUFRG

2013

Educação estética pela mediação!

de leitura de imagens de obra de arte

(Dissertação)

Michele Pedroso do

Amaral

UCS

2014

O letramento visual como experiência estesiológica

(Artigo)

Adeilza Gomes da Silva

Bezerra e Karenine de

Oliveira Porpino

UFRN

2015

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Amaral (2014) em seu trabalho denominado Educação estética pela mediação de

leitura de imagens de obra de arte, aponta para o fato de que a leitura de imagens, em muitas

instituições, tem se centrado apenas em transferir informações a respeito das imagens das

obras, sem dar espaço para que as crianças possam formular suas próprias percepções. O

estudo utilizou-se de oficinas de leitura de imagens de diferentes expressões artísticas,

realizadas com estudantes do curso de magistério, tendo como base metodológica sobre

mediação os estudos de Vigotsky. Por meio das respostas dos sujeitos e da observação direta

participante da pesquisadora, os resultados da pesquisa apresentaram a confirmação do

cenário atual da leitura visual de arte na escola, como também “evidenciaram o refinamento

de algumas habilidades de observação e análise, como indicativa de aprimoramento da

percepção estética, propiciadas pela experiência da leitura de arte” (AMARAL, 2014, p. 7).

O estudo apresentado por Bezerra e Porpino (2015), de título O letramento visual

como experiência estesiológica, tem por objetivo promover uma discussão sobre o assunto ao

considerar as imagens como artefatos da cultura visual e a mediação da leitura da visualidade

como estesia do corpo. O artigo é parte de uma pesquisa de Doutorado em Educação e,

fundamentado nos conceitos da Fenomenologia de Merleau-Ponty e da cultura visual de

Fernando Hernandez, entrelaça experiências do pesquisador e de outros docentes das escolas

municipais do Natal (RN), a partir da Formação Docente Continuada em Artes (FDCA). A

pesquisadora defende a seguinte tese:

O espaço tempo da FDCA irradia um estilo de ser docente mediador da leitura da visualidade como experiência sensível do corpo, sendo a abertura para o mundo um acontecimento do olhar e ler é atribuir sentidos às coisas, às palavras, às imagens, aos sons, ao toque”, dessa forma, “uma experiência que convida os docentes a agirem quando afetados por ela e se faz estética/estesiológica enlaçando-os por inteiro. (BEZERRA; PORPINO, 2015, p. 238).

Desse modo, com base no que aponta o Quadro 1, podemos observar a escassez de

pesquisas recentes que contemplam a leitura de imagem associada à mediação cultural e à

educação estética, visto que foram localizadas apenas três investigações realizadas nos

últimos cinco anos que consideram esses três temas de estudo. Tal constatação motivou-me

ainda mais em problematizar a relação entre esses objetos. O caminho que percorre esta

pesquisa passa por procurar entender de que maneira a criança se manifesta quando o

mediador dá voz a ela, quando a mediação ocorre de forma a permitir o diálogo do sujeito

com a obra.

!24

Seguindo na direção do que aponta Duarte Jr., quando insiste “na necessidade atual e

algo urgente de se dar maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do

sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética” (DUARTE JR., 2010, p.

13), este estudo contribui com a difusão de um saber voltado à valorização dos sentidos. Posto

isso, é importante sabermos como a mediação de leitura de imagem contribui para que a

criança se relacione com a obra de arte de uma maneira mais sensível, aberta a novos olhares.

Na medida em que a mediação, quando realizada de forma provocativa e instigante,

possibilita que o sujeito tenha voz e passe a elaborar suas próprias percepções em relação ao

objeto propositor, esta investigação poderá auxiliar professores em suas ações mediadoras,

tanto na área da Arte quanto em outras disciplinas e estudos.

Por tratar de temas como a mediação cultural e a educação estética, esta pesquisa vai

também ao encontro dos estudos já realizados pelo Grupo de Pesquisa Cultura, Escola e

Educação Criadora, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIVALI, ao qual este

trabalho está vinculado. Ao trazer a leitura visual para a abordagem de tais conceitos, este

estudo pode colaborar com o debate sobre a importância do desenvolvimento do pensamento

sensível articulado à arte e à educação. Dessa maneira, tendo em vista o possível impacto que

as imagens apresentam, em especial as imagens de arte, em nossa constituição como sujeitos

sensíveis, pretendo com esta investigação enriquecer e contribuir para essa discussão, além de

auxiliar na construção de práticas de mediação cultural.

Assim, esta dissertação está organizada em seis capítulos. Nesse primeiro,

Visualidades que me trouxeram até aqui, apresentei minha trajetória como leitora de imagens,

professora e pesquisadora e os motivos que me levaram a este estudo. Ainda, introduzi os

assuntos que serão tratados nesta investigação, a partir do que apontam Buoro (1998), Rossi

(2009), Duarte Jr. (2010), Neitzel e Carvalho (2016), Uriarte et al. (2016) e Martins (2014b),

além de evidenciar alguns dos trabalhos já realizados que contemplam os temas da pesquisa.

No segundo capítulo, intitulado O[s] caminho[s] que conduz[em] o olhar, apresento

a pergunta que norteia a pesquisa: como a criança se relaciona esteticamente com a obra

de arte por meio da mediação de leitura de imagem? Na sequência, discorro sobre os

objetivos do estudo, a metodologia utilizada com base na Pesquisa Educacional Baseada em

Arte (PEBA) e na A/r/tografia, os sujeitos do estudo e a produção dos dados.

!25

Em seguida, chegaremos ao terceiro capítulo, Leitura de imagem: olhares que

passeiam, no qual verifico a trajetória do uso da leitura de imagem no contexto da arte/

educação e apresento a proposta de mediação de leitura visual utilizada neste estudo,

entrelaçando os dados com os escritos de Martins, Picosque e Guerra (2009), Rossi (2009),

Merleau-Ponty (1999), Barthes (2015a, 2015b), Duarte Jr (2010), entre demais autores.

No quarto capítulo, O sentido da medi[ação] cultural, debato sobre o processo de

mediação de leitura da obra de arte a partir dos dados produzidos na pesquisa, com apoio em

Martins (2012, 2014b), Neitzel et al. (2017) e Uriarte et al. (2016), além de trazer o conceito

de experiência proposto por Larrosa (2015). O quinto capítulo, A educação estética pela

experiência artística, traz uma reflexão sobre a relação entre a mediação de leitura de imagem

e a educação estética, a partir dos dados do estudo e das concepções apresentadas por Duarte

Jr. (2010) e Schiller (2017), dentre outros pesquisadores. E, por fim, no capítulo Algumas

percepções, expresso alguns resultados e reflexões sobre esta pesquisa, sabendo que essa

discussão não deve jamais se encerrar aqui.

Volto novamente à memória o poeta Manoel de Barros (2015), que dizia usar as

palavras para compor seus silêncios. Prezava pela importância dos sentidos. Olhava seu

entorno com os ouvidos, escutava com o paladar, saboreava com o olhar. Suas palavras eram

tradução das suas visualidades mais simples, fruto das suas percepções mais profundas, e,

ainda hoje, é possível deixarmo-nos perder em meio a elas. Com a leveza que permeia a arte,

convido você a acompanhar-me neste percurso que une fruição e ciência, percepção e palavra,

imagem e verbo, para encontrarmos [ou perdermo-nos em] um novo [ou outros] caminho[s].

!26

2 O[S] CAMINHO[S] QUE CONDUZ[EM] O OLHAR

Figura 4 - Caminho[s]

!

Fonte: Elaborado pela autora.

26

2 O[S] CAMINHO[S] QUE CONDUZ[EM] O OLHAR

Figura 4 - Caminho[s]

Fonte: Elaborado pela autora.

!27

O caminho que delineia esta pesquisa não se apresenta como uma linha reta, mas se

configura em muitas idas e voltas, contornos, cruzamentos. Um percurso que toma corpo,

atravessa pontos de contato, busca novas possibilidades de chegar ao ponto de destino. Ao

analisar a experiência que um poeta faz com a linguagem, Heidegger (2003, p. 131) nos diz

que “experiência é percorrer um caminho”. Caminho este o qual precisamos “atravessar,

sofrer, receber o que nos vem ao encontro, harmonizando-nos e sintonizando-nos com

ele” (HEIDEGGER, 2003, p. 121). Para isso, é preciso renunciar àquilo que já é conhecido,

abdicar da relação anterior que se possa ter com o objeto ou sujeito, trazer um novo olhar,

deixar-se tocar pelas visualidades que se apresentam, estar presente.

É nesse sentido que esta pesquisa se direciona, ao considerar a busca pelo

desconhecido, pelas diferentes perspectivas que se colocam durante o processo de

investigação, pelas oportunidades de transformação que podem se ocasionar. Desde a

justificativa para sua concepção, passando pela formulação dos objetivos, a produção e

contemplação dos dados, até conduzir-se para as palavras finais, este trabalho tem

fundamento na experiência como um caminho a ser vivido, “algo que nos atropela, nos vem

ao encontro, chega até nós, nos avassala e transforma” (HEIDEGGER, 2003, p. 121).

Ao partirmos das indagações que surgiram durante minha atuação docente e nos

estudos realizados no curso de mestrado, além da intenção de problematizar leitura de

imagem, mediação cultural e educação estética, chegamos a um ponto importante dessa

travessia: a definição do seu objetivo principal. Dessa forma, esta pesquisa tem por finalidade

discutir como a criança se relaciona esteticamente com a obra de arte por meio da

mediação de leitura de imagem. Em consequência da intenção de alcançar esse destino,

traço ainda alguns objetivos específicos que servem como uma trilha a ser perseguida, mesmo

sabendo que outras vias poderão surgir e propor novos acessos que levem ao propósito final:

• compreender a trajetória do uso da leitura de imagem no contexto da arte/educação

por meio de estudo bibliográfico;

• debater como ocorre o processo de mediação de leitura da obra de arte nas aulas de

Arte;

• refletir sobre a relação entre a mediação de leitura de imagem e a educação

estética.

!28

Estabelecer o percurso metodológico do trabalho compreende também indicar com

qual olhar visualizaremos os objetos e sujeitos da pesquisa. Assim sendo, este estudo utiliza o

viés qualitativo como abordagem de investigação, visto que esse trabalha com ideias,

significados, motivos, valores, atitudes que não podem ser reduzidos a variáveis. Silva e

Menezes (2005, p. 20) nos mostram que a pesquisa qualitativa difere-se da quantitativa na

medida em que a primeira “considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o

sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito

que não pode ser traduzido em números” enquanto a segunda abordagem “considera que tudo

pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para

classificá-las e analisá-las”.

Na medida em que procuro pensar as ações relacionadas à experiência humana e

busco refletir sobre o contato da criança com a obra de arte, vou portanto ao encontro do viés

qualitativo, o qual "preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos,

descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada

sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc” (LAKATOS;

MARCONI, 2001, p. 269). Dessa maneira, este trabalho é conduzido por um caminho que

pode abrigar aspectos como a experiência, a percepção, o afeto e a sensibilidade, aliados ao

pensamento científico.

Em consonância com a abordagem qualitativa, trabalhei sob o enfoque da Pesquisa

Educacional Baseada em Arte (PEBA), a qual possui a arte como forma de coleta de dados

em seu processo de investigação e tem sido utilizada em diversos estudos nas áreas das

Ciências Sociais e Humanas (DIAS; IRWIN, 2013). Um dos propósitos dessa condição de

pesquisa “é utilizar as artes como um método, uma forma de análise, um tema, ou todos esses

elementos dentro da pesquisa qualitativa” (HUSS; CWIKEL, 2005, p. 45, tradução nossa ). 3

Com base na PEBA, adotei como metodologia de trabalho a A/r/tografia, na qual a escrita é

realizada de maneira a valorizar a dialética presente entre texto e imagem, com o intuito de

suscitar novos significados na pesquisa (AGUIAR, 2011).

Nesse contexto, os dados foram produzidos mediante quatro encontros de mediação

com uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola da Rede Municipal de

“The aim in arts-based research is to use the arts as a method, a form of analysis, a subject, or all of the above, 3

within qualitative research” (HUSS; CWIKEL, 2005, p. 45).

!29

Balneário Camboriú (SC), durante as aulas em que leciono Arte. Os três primeiros encontros

ocorreram em sala de aula e foram relatados em um diário de pesquisa, enquanto o último foi

realizado na sala de leitura da escola e registrado por equipamentos audiovisuais. As

mediações foram propostas por mim, na medida em que me coloco como a/r/tógrafa, e

participaram 24 crianças de 6 a 7 anos de idade, sendo esses sujeitos também meus alunos.

Figura 5 - Desenho da pesquisa

!

Fonte: Elaborado pela autora.

!30

O caminho metodológico que percorre este trabalho está representado na Figura 4, que

expressa o percurso que as palavras-chave e objetos do estudo foram seguindo até chegarem

na definição da metodologia, dos sujeitos e dos encontros de mediação, os quais serão

detalhadamente apresentados na sequência.

2.1 PESQUISA EDUCACIONAL BASEADA EM ARTE: A/R/TOGRAFIA

Riobaldo, personagem de João Guimarães Rosa (2015, p. 63), dizia que “o real não

está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Se

caminhamos sem olhar o que acontece ao nosso redor, não permitimos que nada nos

atravesse, que nada nos passe, que nada nos transforme. É durante a trajetória que vamos nos

deparando com as revelações que o caminho faz. Da mesma maneira movimenta-se esta

pesquisa, ao passo em que respostas, descobertas, indagações, espantos, sinais e reflexões vão

surgindo conforme avançamos, retrocedemos, voltamos e continuamos a visualizar o trilho

que nos conduz. Nesse sentido é que encontramos a PEBA como uma pertinente metodologia

para conduzir-nos nessa vereda.

A Pesquisa Educacional Baseada em Arte tem sua origem na Pesquisa Baseada nas

Artes (PBA) ou Investigación Baseada en las Artes (IBA), as quais desenham-se como

metodologias que entrelaçam investigação e arte, mantendo-as em uma dupla relação

(CARVALHO; IMMIANOVSKY, 2017). Hernández nos apresenta ainda uma definição que

configura a IBA como:

[…] um tipo de pesquisa de orientação qualitativa que utiliza procedimentos artísticos (literários, visuais e performativos) para dar conta de práticas de experiência em que tantos os diferentes sujeitos (investigador, leitor, colaborador) como as interpretações sobre suas experiências desvelam aspectos que não se fazem visíveis em outros tipos de pesquisa. (HERNÁNDEZ, 2013, p. 44)

Dessa forma, a Pesquisa Baseada nas Artes compreende-se como uma metodologia

que questiona as formas tradicionais de investigação, visto que trabalha com conceitos e

métodos que vão além das formas convencionais de pesquisar. Ao trazer a arte de maneira

visual e/ou textual, não como objeto mas como forma de conhecimento, entendimento e

representação, a IBA ou PBA “pretende é sugerir mais perguntas que oferecer

respostas” (HERNÁNDEZ, 2013, p. 45).

!31

Utilizar as artes como forma de pesquisa, por meio da PBA, tem sido um caminho

seguido por diversas áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia e a

Psicologia, fazendo com que tal metodologia seja cada vez mais aceita em instituições de

Ensino Superior de diversos países, incluindo o Brasil (OLIVEIRA, 2016). A Pesquisa

Educacional Baseada em Arte surge então com base na utilização dessa metodologia no

campo da Educação, “assim, a intenção de influenciar assuntos educacionais apresenta-se

como diferença considerável entre a PEBA e outras formas de PBA/IBA” (CARVALHO;

IMMIANOVSKY, 2017, p. 226).

É com apoio nesse contexto que encontra-se a A/r/tografia, cujo termo “origina-se da

fusão das letras iniciais das palavras inglesas Artist (artista), Researcher (pesquisador),

Teacher (professor) mais o radical Graph (grafia)” (AGUIAR, 2011, p. 61). Vista como uma

importante perspectiva metodológica da Pesquisa Baseada nas Artes, ela teve sua origem nos

anos 1970 e 1980, a partir dos estudos do pesquisador Elliot Eisner (Stanford University,

Estados Unidos), quando este “buscou pensar a arte como elemento básico, fundamental para

o desenvolvimento das suas pesquisas” (OLIVEIRA, 2016, p. 375).

Por meio da metodologia a/r/tográfica, a pesquisa é vista com um olhar alternativo às

metodologias científicas tradicionais, configurando-se como uma forma de investigação

estritamente ligada à arte e a educação. Nesse processo investigativo, busca-se enaltecer as

observações que surgem durante o estudo, e não apenas as suas conclusões finais. Cabe

ressaltar ainda a importância das produções artísticas como objeto de entendimento do

problema, conforme colocam Sinner et al. (2013, p. 100):

Estar envolvido com a prática da a/r/tografia significa investigar o mundo através de um processo contínuo de fazer arte, qualquer forma de arte, e escrever, mas não separados ou ilustrativos um do outro, e sim interligados e tramados através um do outro para serem capazes de criar significados expandidos e/ou suplementares.

Um trabalho que utiliza essa metodologia pode ainda ser interpretado pelos conceitos

metodológicos de “contiguidade, pesquisa viva, aberturas, metáfora/metonímia, reverberações

e excesso” (SINNER et al., 2013, p. 100). Ao esclarecerem tais práticas conceituais, Irwin e

Springgay (2013) as colocam não como critérios, mas como possibilidades de representação

que podem nos guiar na construção de significados por intermédio da pesquisa artística,

educacional e criativa.

!32

A contiguidade é entendida como a conexão entre arte e grafia, teoria e prática, as

ideais adjacentes que permeiam a pesquisa. A pesquisa viva trata-se de uma maneira de ser e

tornar-se no mundo, é o compromisso contínuo do pesquisador com seu entorno, mediante a

criação de significados com base em formas recursivas, refletivas, responsivas, mas

resistentes de compromisso. As aberturas são aquilo que reside nos entre-lugares, aquilo que

nos possibilita abrir para as conversações e relações: “as aberturas nos ajudam a ver além do

que é naturalizado, presumido, dado como consumado” (IRWIN, 2013, p. 33).

Quando o pesquisador utiliza a metáfora/metonímia essas podem abrir as

possibilidades para a criação de significados, podem auxiliar a fazer com que aquilo que

sentimos ou observamos seja compreensível e acessível também aos outros. As reverberações

referem-se ao movimento dinâmico da investigação, ao fluxo das conexões, “constroem o

significado como um espaço 'entre' as partes, indicando variações, descontinuidades e

complexidades” (OLIVEIRA, 2016, p. 378). E, ainda, o excesso que está atrelado àquilo que

sobra, o que não é visto, o que é deixado de lado, ignorado, sendo este um importante lugar de

informação.

Figura 6 - Práticas conceituais da a/r/tografia

!

Fonte: Elaborado pela autora com base em Irwin e Springgay (2013).

!33

Na Pesquisa Baseada nas Artes “o desafio é ir além da produção de textos ou

imagens impactantes e chegar a mobilizar a nós mesmos e a outros à ação, de maneira que o

efeito da pesquisa — da participação nela — seja melhorar nossas vidas” (HERNÁNDEZ,

2013, p. 57). Nesse sentido, trazemos a a/r/tografia, a partir da PEBA, como forma de

articular arte, pesquisa e educação na busca, entendimento e construção de significados que

possam também nos transformar.

2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA E OS ENCONTROS DE MEDIAÇÃO

Conforme já apresentado anteriormente, as mediações realizadas nesta pesquisa

foram propostas por mim, como pesquisadora/docente, aos meus próprios alunos durante

nossas aulas de Arte na escola em que leciono, na Rede Municipal de Ensino de Balneário

Camboriú, Santa Catarina. As crianças contempladas na investigação fazem parte de uma

turma de 1º ano do Ensino Fundamental, totalizando 24 crianças com idade de 6 a 7 anos. A

escola está localizada na região central de uma cidade com alto índice de desenvolvimento

socioeconômico e, portanto, muitas dessas crianças usufruem de boas condições materiais,

alguns já viajaram para lugares distantes e têm acesso ao consumo de bens culturais.

Mas, por que crianças de 6 anos de idade? Por que meus alunos? De acordo com

Rossi (2015), ao chegar nos anos iniciais do Ensino Fundamental a criança deixa de fazer

leituras visuais somente a partir de sua perspectiva e passa a considerar também o olhar dos

colegas: “essa característica proporciona uma nova possibilidade na leitura de imagens,

tornando a discussão em aula mais rica; um considerando o argumento do outro” (ROSSI,

2015, p. 220). Assim, uma vez que Neitzel et al. (2017, p. 329) afirmam que a mediação é

uma “ação de partilha, de troca, ela envolve o outro”, os diálogos que são construídos nessa

idade por meio de um emaranhado de percepções, olhares, sensações e sentidos intensificam-

se e potencializam a experiência estética que desejamos.

Sendo o mediador aquele que pode proporcionar “uma educação sensível que

desenvolva a autonomia, a sensibilidade e, consequentemente, um olhar mais apurado sobre o

contexto sociocultural em que vivemos” (OLIVEIRA; PILLOTTO, 2010, p. 240), passei a

refletir ainda mais sobre a maneira em que eu, como professora de Arte e pesquisadora, estava

conduzindo as mediações de leitura de imagem com meus alunos no decorrer das aulas.

!34

Martins (2014b, p. 259) explica que o mediador é o “elemento propulsor, como um gatilho a

disparar convites para o encontro com a arte” e que, dessa forma, a mediação precisa ser

conduzida com cautela, para que o sujeito da experiência estética não se afaste ou fique

anestesiado.

Ao verificar que Rita Irwin (2013, p. 29) coloca que “a/r/tógrafos concentram seus

esforços em melhorar a prática, compreender a prática de uma perspectiva diferente, e/ou usar

suas práticas para influenciar as experiências dos outros”, pensei que poderia aprimorar minha

atuação como mediadora e, portanto, iniciei o desenvolvimento e aperfeiçoamento dessa

atividade. Assim, de um total de quatro mediações, as três primeiras foram realizadas como

forma de aprimoramento e aconteceram em um único mês, sendo proposta uma mediação a

cada semana durante as aulas de Arte. As principais movimentações que ocorreram durante

essas mediações, as colocações mais marcantes de algumas crianças, minhas dúvidas,

percepções e reflexões foram registradas em um diário, o qual foi utilizado como instrumento

de dados para discussão nesta investigação.

Em relação à definição das imagens para leitura, Martins e Picosque (2012, p. 116)

afirmam que “atento aos sentidos das imagens, tal qual um arqueólogo que escava à procura

do desconhecido, o professor-pesquisador é um leitor de imagens que elege aquelas que vão

adentrar na sala de aula para o deleite e investigação dos alunos”. Desse modo, na qualidade

de pesquisadora/docente atuando como mediadora, fui a responsável pela escolha das obras

que fizeram parte da pesquisa. Para os três primeiros encontros, selecionei pinturas

representativas do cânone visual ocidental e para a última mediação elegi obras de um artista

que vive e atua em Balneário Camboriú, pois compreendo que o movimento na escola deve

ser do universal para o local e vice-versa. Iniciar pelo cânone foi uma opção porque me senti

mais segura em partir de obras as quais já havia um vasto material acerca delas.

Os três encontros iniciais de mediação aconteceram dentro da sala de aula das

crianças sendo que, no primeiro, organizei as mesas em um grande círculo e distribuí para

cada dupla de alunos um livro didático de Arte com a imagem da obra Carnaval em

Madureira de Tarsila do Amaral. Já para a segunda a mediação as mesas das crianças também

foram organizadas em um grande círculo, mas cada uma delas recebeu uma imagem de obra

de arte diferente, estando essas impressas em postais no tamanho de 150 x 210 milímetros.

Dentre as imagens selecionadas estavam obras de artistas como Paul Cézanne, Jackson

!35

Pollock, Katsushika Hokusai, Salvador Dalí, Pieter Bruegel, entre outros. Por fim, no último

encontro ocorrido em sala de aula, as mesas foram organizadas em fileiras e uma imagem da

obra A Cuca, de Tarsila do Amaral, foi exposta na parede em frente às crianças, impressa em

um cartaz com tamanho de 297 x 420 milímetros.

Figura 7 - Mapa das mediações

!

Fonte: Elaborado pela autora com imagens de obras de Amaral (2018a, 2018b), Cézanne (2018), Hokusai (2018), Pollock (2018) e Urizar (2004a, 2004b, 2013b).

!36

Após os estudos de refinamento da prática mediadora e desses três primeiros

encontros para a ampliação do olhar [sensível], saímos da sala de aula para a realização da

última mediação que aconteceu na sala de leitura da escola e teve a presença do artista

argentino Marcelo Urizar, que vive em Balneário Camboriú há 21 anos. Nesta ocasião as

crianças puderam ter contato com obras originais do pintor e dialogar com ele. A escolha por

esse artista ocorreu por sua disponibilidade em visitar a escola e participar do encontro com as

crianças. Esse encontro foi registrado por equipamentos audiovisuais e, dessa forma, as

transcrições das narrativas das crianças, assim como suas expressões faciais e corporais

realizadas durante a mediação serviram também como dados para discussão nesse trabalho.

A rotina que permeou todos os encontros iniciava-se com a acolhida das crianças,

passava pela realização das tarefas do cotidiano escolar, até chegar na apresentação visual de

uma ou mais imagens de arte. Por tratar-se de uma mediação não diretiva, as crianças eram

convidadas a visualizarem a(s) obra(s) e, caso desejassem, poderiam tecer comentários a

respeito do exposto de maneira livre. Tendo em vista o comportamento voluntário das

crianças, as mediações foram sendo sempre guiadas pelos questionamentos ou colocações que

surgiam, tanto de minha parte quanto dos demais participantes do estudo.

Irwin (2013) nos aponta ainda que a metodologia da a/r/tografia possui

características da pesquisa-ação, devido ao seu caráter intervencionista, além de compreendê-

la como uma prática viva na qual “as próprias práticas dos professores e artistas tornam-se

locais/ambientes de investigação” (OLIVEIRA, 2016, p. 378). Seguindo por esse caminho e

com base na ideia de fazer parte de algo plural, diverso, é que me inseri como participante do

estudo e, assim, conduzi meus próprios alunos nesse processo de investigação, de abertura de

olhares, troca de percepções e construção de sentidos.

Esta investigação, ao compreender as três dimensões que permeiam a identidade do

a/r/tógrafo, na medida em que é artista, pesquisador e professor, teve ainda como base a

experiência como forma de conhecimento. Larrosa (2015) nos alerta para a importância de

pensarmos a educação a partir do par experiência/sentido e que, para isso, precisamos

reivindicar a experiência e fazê-la soar de outro modo, compreendendo-a como singular,

subjetiva, finita e própria de cada ser. Seguindo os passos de Heidegger (2003), o autor aponta

que “é experiência aquilo que 'nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece, e, ao nos

!37

passar, nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à

sua própria transformação” (LARROSA, 2015, p. 28).

Coloquei-me assim também como sujeito de pesquisa e da experiência e, ao

proporcionar um contato e uma relação entre as crianças com as obras de arte durante as

mediações realizadas, foi possível oportunizar que elas pudessem fazer as suas experiências,

sendo cada uma dessas de forma única e pessoal. Com essa mesma abertura e sob esse mesmo

viés é que foram conduzidos os encontros e, posteriormente, a análise das colocações e

expressões das crianças, assim como minhas percepções como a/r/tógrafa. !

!38

3 LEITURA DE IMAGEM: OLHARES QUE PASSEIAM

Figura 8 - Passeio visual

!

Fonte: Elaborado pela autora.

38

3 LEITURA DE IMAGEM: OLHARES QUE PASSEIAM

Figura 8 - Passeio visual

Fonte: Elaborado pela autora.

!39

Paul Klee dizia que ao desenharmos uma linha deveríamos deixá-la sair para

caminhar livremente, movida por um ponto e sem a intenção de chegar a algum lugar (KLEE,

1972, tradução nossa ). Se para o artista suíço a linha é um ponto que sai para passear, assim 4

também nosso olhar pode fazer uma linha imaginária, contornando as visualidades que lhe são

apresentadas em uma obra de arte. Ao observarmos uma imagem podemos fazer um caminho

visual percorrendo os elementos que compõem a obra, fazendo idas e vindas, contornos e

cruzamentos, sem o objetivo de chegarmos a uma posição determinada e finita.

Quando ouvimos uma canção, assistimos a uma apresentação teatral ou a um

espetáculo de dança, entendemos que o tempo de visualização da produção artística é

determinado pelo artista, pois a obra possui um período de duração definido. Porém, quando

nos atemos às imagens artísticas, não há um tempo de apreciação estabelecido. Ao visualizar

uma pintura, fotografia ou escultura é o próprio espectador quem define a extensão do tempo

da sua observação, da leitura, da interpretação da imagem visual.

De acordo com Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 66), “da mesma maneira que,

para ler os livros, precisamos decodificar as letras, sílabas, dominar a gramática, enfim, ser

alfabetizados, letrados nessa língua, o mesmo acontece com a arte”. A leitura parte de um

processo de decodificação que, aliado à compreensão, possibilita atribuirmos significado ao

que estiver exposto. Pillar (2014, p. 7) complementa que “para compreender precisamos

decodificar e, se apenas decodificarmos sem compreender, a leitura não acontece”. Dessa

maneira, no contexto da arte “ler é produzir sentido” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA,

2009, p. 66) e, assim, a leitura de uma produção artística vai muito além da identificação de

seus elementos visuais, pois “ler uma obra seria, então, perceber, compreender, interpretar a

trama de cores, texturas, volumes, formas, linhas que constitui uma imagem” (PILLAR, 2014,

p. 11).

São diversos os métodos que podem ser utilizados para leitura visual da obra de arte

sendo que, para esta pesquisa, optei por uma proposta de mediação de leitura de imagem

dialógica, não-diretiva, na qual as crianças pudessem ter abertura para fazer suas

interpretações. Para compreender melhor seus pensamentos, senti que seria mais apropriado

“An active line on a walk, moving freely, without goal. A walk for a walk's sake. The mobility agent, is a point, 4

shifting its position forward” (KLEE, 1972, p. 16).

!40

deixá-las falar livremente, sem que procedimentos pré-estabelecidos de leitura pudessem

atrapalhar o andamento de suas percepções e colocações.

Martins, Picosque e Guerra (2009) enfatizam que o mais importante nesse processo é

que ele seja significativo para o aprendiz. As interferências de minha parte foram surgindo a

partir das falas das crianças, mas sem direcionar as leituras e interpretações. A mediação

ocorreu por meio de diálogos e da interação entre os sujeitos da pesquisa, de modo que os

participantes procuravam permitir o momento da fala e da escuta. Essa concepção de leitura

de imagem oferece à criança a oportunidade de elaborar seus pensamentos sensíveis e

inteligíveis sobre a obra de modo mais autônomo, além de instigar seus processos de

imaginação e criação.

Figura 9 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Amaral (2018a). No movimento de fruição artística são múltiplas as leituras que surgem, sendo que

cada criança visualiza a imagem a partir de sua perspectiva. Uma pintura, seja ela composta

por formas abstratas ou figurativas, carrega em si uma diversidade de significados e

!41

interpretações. Quando apresentei às crianças a obra A Cuca, de Tarsila do Amaral, na terceira

mediação realizada nesta pesquisa, muitas foram as interpretações que surgiram. Enquanto a

Criança 11 achou a imagem bonita “porque tem formas geométricas”, a Criança 5 achou

estranha “porque o bicho parece um alienígena” (Figura 9).

Essas diferentes leituras surgem a partir do mundo de referência de cada sujeito. Ao

destacar a presença de formas geométricas na imagem, a Criança 11 fez uma associação entre

o que considera belo com o que aprende nas aulas de Arte, visto que na semana anterior

havíamos trabalhado algumas formas a partir de pinturas de Tarsila do Amaral. Quando

observamos que a Criança 5 estranhou a personagem da obra, podemos compreender que ela,

apesar de ter apenas 6 anos de idade, já consegue perceber e identificar padrões construídos,

além de julgar se as visualidades que observa estão de acordo, ou não, com esses parâmetros

já estabelecidos em seu contexto de vida.

Na medida em que um professor de Arte propõe a leitura de uma obra ele está

provocando um processo de mediação no qual os sujeitos são instigados a verem além do que

está posto, com base em seu contexto e história de vida, suas experiências e percepções, pois

cada espectador “vê a obra de acordo com a sua ótica” ou “de acordo com suas referências

pessoais e culturais” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 75). A leitura de imagem

proporciona, assim, o exercício do pensamento sensível, a criação de novos conhecimentos e

a produção de sentidos.

Embora a utilização de representações visuais no ensino da Arte seja uma prática

atual, a história da educação revela que nem sempre foi assim. Até a metade do século XIX

havia a utilização de imagens, porém nessa época “acreditava-se que a aprendizagem em arte

se dava pela imitação, pelas percepções e ideias que o aprendiz captava do seu meio” (ROSSI,

2009, p. 13). O ensino e aprendizagem da Arte era realizado com base na imposição de

modelos e métodos dos adultos para as crianças e, assim, utilizava-se a imagem como modelo

para a produção artística. Ainda nesse período começaram a surgir críticas em relação a esse

procedimento, o qual fornecia imagens prontas e não permitia desenvolver o imaginário e o

talento criativo de cada aluno. Rossi (2009, p. 14) complementa que essa era uma educação

“que vinha de fora para dentro, e de cima para baixo, desconsiderando o alcance da

experiência da criança”.

!42

Por consequência, surge ao final do século XIX na Europa e nos Estados Unidos o

movimento denominado Escola Nova, que chega ao Brasil por volta de 1930. Também

conhecido como Escolanovismo, essa tendência pedagógica compreendia uma visão de

educação que abominava a utilização de imagens no ensino, especialmente no ensino da Arte.

Logo, a imagem encontrada na escola era apenas aquela criada pelo próprio aluno, carente de

propósito e repleta de subjetividade. A Escola Nova indicava que a educação escolar deveria

adaptar os estudantes ao seu ambiente social, de modo que o ensino e a aprendizagem

passariam a ser um processo de pesquisa individual, ou no máximo de pequenos grupos, e as

experiências cognitivas seriam desenvolvidas mediante um “aprender fazendo” (FERRAZ;

FUSARI, 2010, p. 29).

Essa prática decorreu-se até meados dos anos 1960, quando passaram a surgir

questionamentos sobre esse movimento educacional e a falta da utilização de imagens como

referência para o estudo. Teve início nesse período a Pedagogia Tecnicista que, conforme

apontam Ferraz e Fusari (2010), abordava o caráter eficiente da educação com o objetivo de

preparar cidadãos com mais competência e produtividade, de forma a estarem mais

capacitados para o mercado de trabalho. Concomitante ao tecnicismo, é assinada no início dos

anos 1970 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 5.692/71, a qual incluía a

Educação Artística como atividade curricular nas escolas brasileiras. Porém, segundo Rossi

(2009, p. 15), ainda assim “a situação do uso e da valorização da imagem não se alterou na

prática”. Conforme demonstra a autora, “a apreciação estética continuou sem espaço na

escola, durante os anos de abordagem tecnicista no Brasil” (ROSSI, 2009, p. 15).

Foi somente na década de 1980 que se iniciou um processo de valorização da

imagem e da percepção de sua importância para o ensino, a partir de discussões realizadas por

professores de Arte que foram organizando-se e compondo associações e movimentos de

estudo sobre a arte/educação. Contudo, a concretização da utilização de representações

visuais ocorreu aproximadamente a partir de 1990, quando houve uma mudança de paradigma

no ensino da Arte que trouxe a formação estética como objetivo primordial (ROSSI, 2009). A

aprovação da LDB nº 9.394/96, que apresenta a Arte como disciplina obrigatória, e a

divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Arte em 1998, passaram a

revelar que o uso da imagem no ensino contribui para a formação estética dos alunos.

!43

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada ao fim de 2017, também

considera o uso da imagem, como podemos verificar em uma das habilidades descritas para

os anos iniciais do ensino fundamental: “identificar e apreciar formas distintas das artes

visuais tradicionais e contemporâneas, cultivando a percepção, o imaginário, a capacidade de

simbolizar e o repertório imagético” (BRASIL, 2017, p. 199). O documento, apesar de tratar a

Arte de forma mais sucinta em relação aos antigos PCN, estabelece que o ensino da disciplina

deve permear seis dimensões do conhecimento: criação, crítica, estesia, expressão, fruição e

reflexão.

Figura 10 - Olhos no calor, Jackson Pollock, 1946

! Fonte: Elaborado pela autora com imagem do diário de pesquisa e da obra de Pollock (2018).

A partir das falas de duas crianças durante a segunda mediação desta pesquisa, foi

possível perceber que algumas dessas dimensões abordadas na BNCC foram contempladas no

encontro. A estesia, que “articula a sensibilidade e a percepção, tomadas como forma de

conhecer a si mesmo, o outro e o mundo” (BRASIL, 2017, p. 192), fica evidente no relato da

Criança 13 que, ao visualizar a obra Olhos no calor, de Jackson Pollock, disse que gostou da

imagem “porque ela é bonita, porque tem várias cores que todo mundo gosta” (Figura 10).

Perceber as cores presentes na imagem e associá-las aos seus gostos pessoais e de seus

!44

semelhantes é fruto de uma percepção estética. Ao sinalizar que a pintura contém “cores que

todo mundo gosta” a criança está ampliando seu olhar para além de suas preferências

individuais, sensibilizando-se em relação ao outro e considerando importante o grupo ao qual

pertence. Rossi (2009, p. 72) explica que “o critério da cor no julgamento estético é o

primeiro que aparece, quando a criança é ainda muito pequena”. Uma criança de seis ou sete

anos de idade poderá considerar que uma obra de arte é boa apenas por ter uma cor que lhe

agrada, independentemente da função que a cor exercer na imagem.

A percepção da cor na obra de arte aparece ainda na fala da Criança 2 quando, na

segunda mediação ao fazer a leitura da obra Latas de sopa Campbell, de Andy Warhol, diz

que achou a imagem bonita “porque tem a cor que eu gosto” (Figura 11). As crianças que não

possuem tanto contato com a arte, segundo Rossi (2009, p. 74), “usam o critério da cor no

âmbito da sua preferência pessoal”. Ao partir dos gostos pessoais das crianças, o professor de

Arte pode contribuir para a ampliação e o refinamento do repertório artístico de seus alunos,

por meio da apresentação de obras de arte que contemplem outros quesitos além da cor.

Figura 11 - Latas de sopa Campbell, Andy Warhol, 1965

! Fonte: Elaborado pela autora com imagem do diário de pesquisa e da obra de Warhol (2018).

Já a dimensão da reflexão proposta na BNCC, que “é a atitude de perceber, analisar e

interpretar as manifestações artísticas e culturais, seja como criador, seja como

leitor” (BRASIL, 2017, p. 193), surge na voz da Criança 8 quando, durante essa mesma

!45

mediação, ao observar a imagem Natureza morta com maçãs, de Paul Cézanne, disse que a

achou muito bonita “porque o cara que fez isso, acho que ele é famoso” (Figura 12). Nessa

situação a criança refletiu sobre a causa e o efeito de considerar aquela uma imagem

agradável. Podemos entender que, para ela, um artista famoso consequentemente produz boas

obras, e que belas imagens só são produzidas por artistas famosos.

Apesar de ter apenas seis anos de idade, podemos perceber que essa criança já

compreende que a escola trabalha com obras de notoriedade, pois entende que se essa imagem

lhe é apresentada é porque ela tem um valor social. O relato da Criança 8 reforça ainda a

importância de a escola ampliar o cânone visual utilizado nas aulas de Arte, incluindo

produções artísticas locais e regionais que são representativas do contexto dos alunos, além

das obras que já apresentam relevância no contexto global.

Figura 12 - Natureza-morta com maçãs, Paul Cézanne, 1890

! Fonte: Elaborado pela autora com imagem do diário de pesquisa e da obra de Cézanne (2018).

A reflexão oportunizada pela leitura de imagem ocorreu também na quarta mediação

realizada neste estudo e foi manifestada pelo diálogo estabelecido entre os sujeitos. Quando o

grupo visualizou a obra Molozita em Buenos Aires, de Marcelo Urizar, a Criança 21 pediu a

palavra e observou com certo estranhamento que havia faixas de pedestres na pintura. Foi

!46

então que perguntei por que o artista teria feito isso, dirigindo o questionamento a todas as

crianças para que elas pudessem refletir e elaborar suas próprias considerações. A devolutiva

surgiu na fala da Criança 6 que, após um silêncio do grupo, desejou expressar-se e emitiu sua

explicação dizendo que, como “na vida real” as faixas de pedestres servem para as pessoas

atravessarem a rua e que, como na pintura havia um sujeito, seria exatamente para que ele

pudesse fazer isso (Figura 13).

Figura 13 - Molozita em Buenos Aires, Marcelo Urizar, 2004

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens da pesquisa e da obra de Urizar (2004).

Verificamos que as leituras dos colegas, assim como as indagações e o silêncio

proporcionados pelo mediador, abriram espaço para a reflexão e para a elaboração do

pensamento das crianças. Visto que nesse encontro o artista esteve presente participando da

mediação, ele posteriormente elucidou a todos o que essas faixas representam na obra, porém,

antes que isso ocorresse elas puderam tirar suas próprias conclusões, com base em seu

conhecimento prévio sobre os objetos que se apresentam na pintura. Martins, Picosque e

Guerra (2009, p. 18) afirmam que por trás de todas as possíveis sensações, percepções e

lembranças despertadas por uma imagem “estão experiências e conhecimentos anteriores”.

Encontramos no uso da imagem em sala de aula não somente um importante recurso

didático para amparar os conteúdos de Arte, mas também a imagem passa a ser o próprio

conteúdo de estudo, pois “objetos de arte são imagens significantes e precisam ser

interpretados, e não apenas contemplados” (ROSSI, 2009, p. 20). Podemos perceber a

representação visual como um meio essencial para a construção de um olhar mais apurado na

criança, para que essa esteja apta a fazer uma leitura sensível e reflexiva sobre as visualidade

!47

que lhe são apresentadas, assim como de seu mundo. Na medida em que observa uma

produção artística, e percebe as sensações e pensamentos que ela provoca, a criança vai

atribuindo o seu modo de compreensão à imagem.

Caminhamos assim em direção a dois conceitos fundamentais que permeiam esta

pesquisa: a percepção e a sensibilidade. Para Merleau-Ponty (1999, p. 14), “o mundo é aquilo

que nós percebemos”, ou seja, nossa visão de mundo, nossos saberes, provêm de nossas

percepções, de nossas experiências. Visto que é por meio do corpo e de todos os sentidos que

passamos a compreender nosso entorno, “a percepção não é uma ciência do mundo, não é

nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os

atos se destacam e ela é pressuposta por eles” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6). Ao

contemplarmos a percepção, estamos voltando nossa atenção a um saber que vem primeiro,

que está intimamente ligado às nossas sensações, ao contato que temos com o mundo, com a

natureza, com o outro.

Duarte Jr. (2010, p. 13) afirma que “o mundo, antes de ser tomado como matéria

inteligível, surge a nós como objeto sensível”. Surge aqui a importância da sensibilidade que,

para esse mesmo autor, é o exercício da estesia, a capacidade do ser humano de sentir a si

próprio e ao outro, é “nossa prontidão para apreender os sinais emitidos pelas coisas e por nós

mesmos” (DUARTE JR., 2010, p. 137). Ocupar-se da sensibilidade, tanto na educação de

modo geral quanto no ensino da Arte especificamente, é preparar as crianças para estarem

atentas às suas percepções, aos seus sentidos. Trata de proporcionarmos momentos de

encontro com o mundo, com o outro, com o próprio corpo, com seus pensamentos e suas

experiências, para que possam assim atribuir sentido às suas vivências.

Nesse contexto a leitura de uma obra de arte, para Pillar (2014, p. 14), “é uma

aventura em que cognição e sensibilidade se interpenetram na busca de significados”. Essa

aventura mencionada pela autora foi identificada nas falas da Criança 18, durante a segunda

mediação realizada com as crianças. Após visualizar a obra A grande onda de Kanagawa, de

Katsushika Hokusai, a criança relatou que achou a imagem muito bonita “porque tem ondas e

eu gosto de nadar também” (Figura 14). Disse ainda: “eu não sei o que eu estou sentindo por

essa imagem, porque ela é tão bonita que eu não sei nem falar”. A relação que a menina de

seis anos estabelece com a imagem passa pela clareza dos elementos que a compõe (as

!48

ondas), pela conexão com o seus interesses pessoais (o nado), até chegar ao pensamento

sensível (a falta de palavras para dizer o que sente).

Figura 14 - A grande onda de Kanagawa, Katsushika Hokusai, 1831

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Hokusai (2018).

Ao abordar a classificação dos estágios da compreensão estética propostos por

Abigail Housen, Rossi (2014) explica que a pesquisadora determinou a existência de cinco

estágios do desenvolvimento estético: o descritivo, o construtivo, o classificativo, o

interpretativo e o recriativo. A narrativa da Criança 18 identificada nessa mediação vem ao

encontro do primeiro estágio, o descritivo ou narrativo, em que o leitor lida com a obra a

partir do seu tema, sua forma ou sua cor, conduzindo a leitura de maneira egocêntrica,

considerando apenas o seu ponto de vista e fazendo relação com os seus padrões e crenças

pessoais (ROSSI, 2014).

Apesar de que nesse estágio “não há tempo para o surgimento de um envolvimento

emocional entre obra e leitor e, por isso, ele não fala com muito entusiasmo sobre o que está

vendo” (ROSSI, 2014, p. 21), foi possível perceber a sensibilidade presente na criança ao lhe

faltarem palavras para descrever seus sentimentos. Sendo os sentidos e a percepção nossa

forma primeira de compreensão do mundo, a fala vem somente em seguida. Além disso,

!49

podemos sinalizar que há a possibilidade desse processo ter resultado em uma experiência no

sentido atribuído por Larrosa (2015, p. 18): “o que nos passa, o que nos acontece, o que nos

toca”. Uma vez que a Criança 18 prontamente se manifestou sobre sua percepção em relação

à imagem de arte, ela pode ter se colocado como sujeito da experiência, o qual “se define não

por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por

sua abertura” (LARROSA, 2015, p. 25).

Barthes (2015a) diria ainda que a leitura que essa criança fez está investida de

punctum. O autor, ao analisar a fotografia como objeto artístico e produtor de sentido, define

dois temas que os fazem provocar um interesse nas imagens fotográficas: o studium e o

punctum. O primeiro está relacionado a um afeto médio, “é da ordem do to like, e não do to

love; mobiliza um meio desejo, um meio querer”, enquanto o segundo gera um interesse

profundo, algo que punge, aquilo que “parte da cena, como uma flecha, e vem me

transpassar” (BARTHES, 2015a, p. 29).

Promover a leitura de imagens artísticas de forma dialógica é proporcionar aberturas

para que ocorram experiências na vida dessas crianças, para que possamos gerar cada vez

mais interesses na ordem do punctum. O ensino da Arte ocupa aqui um importante papel no

desenvolvimento da sensibilidade, visto que a arte “é, por si mesma, a experiência sensível

em que o nosso corpo perceptivo reflete” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2009, p. 107).

Pelo viés artístico se aprende muito, não somente sobre os processos racionais e informativos

da arte, mas também sobre as próprias percepções de cada ser, auxiliando no desenvolvimento

de seus sentidos perante as manifestações sensoriais e sensíveis que lhes ocorrem e na forma

como atribuem significados ao seu mundo.

Ao dar liberdade para que as crianças possam se manifestar e propor

questionamentos durante a leitura de imagem, o professor de Arte pode ajudar a ampliar a

leitura de seus alunos. Muitas crianças [e muito adultos também] carregam a ideia de que uma

obra de arte deve refletir exatamente a realidade. Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 20)

explicam que foi na Grécia Antiga que surgiu a compreensão do princípio da representação,

fundamentado na mimese, ou seja, na imitação, e que “ainda hoje, resistimos à obra de arte

que não reproduza o mundo visível”. Porém, precisamos expandir essa concepção para a

contemporaneidade, afinal, a arte “não imita objetos, ideias ou conceitos. Ela cria algo novo,

porque não é cópia ou pura reprodução, mas cria signos que podem ser visuais, sonoros,

!50

gestuais, corporais — presentificados em uma nova realidade, sob um outro ponto de

vista” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2009, p. 21).

A mediação de leitura de imagem dialógica proposta no quarto encontro desse estudo

trouxe essa questão à baila. Uma das obras de Marcelo Urizar expostas na ocasião provocou

estranhamento na Criança 2, a qual expressou traços de recusa e relatou que achou a borboleta

“um pouquinho esquisita”, porque nunca havia visto algo assim (Figura 15). Nesse instante,

questionei se nas representações artísticas os objetos deveriam ser exatamente como se

mostram na realidade, ou se não poderia haver uma liberdade criativa.

Foi a Criança 6 quem deu continuidade ao diálogo, enfatizando que é preciso ser

mais livre e que “às vezes pode ser uma coisa diferente, ao pintar algum bicho, ou uma flor”,

pois “tem pessoas que não acham sempre muito legal as coisas da vida real bem igualzinho”.

Entendo assim a importância de provocarmos essas discussões na aula de Arte, mediante uma

leitura visual que amplie o entendimento da representação artística, que proporcione a

abertura da sensibilidade e que contribua para que a criança tenha intimidade com as obras, o

que pode levá-la a fazer conexões com o seu próprio mundo ou a novos horizontes, além de

trazer a reflexão acerca da importância e da necessidade da arte.

Figura 15 - Sem título, Marcelo Urizar, 2013

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens da pesquisa e da obra de Urizar (2013a).

Como, então, ler imagens de obras de arte na escola de maneira fruitiva, que

proporcionem experiência sensíveis? A fruição aqui é entendida não como deleite, mas como

algo que provoca, que causa desconforto. Barthes (2015b, p. 20) propõe que o texto de fruição

é “aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado),

!51

faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos,

de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem”. O

autor analisa assim o texto literário, mas do mesmo modo podemos pensar a leitura de

imagens de arte, na qual a fruição estaria relacionada àquilo que atravessa o leitor/espectador,

que o desloca e o leva a relacionar-se não somente com a obra, mas também consigo mesmo,

em um movimento de encontros e desencontros, de perdas e ressignificações. A fruição não

tem censuras. É algo que nos encarna e nos faz mover, correr, saltitar, mergulhar, retornar.

Rubem Alves (2011) diz, poeticamente, que as coisas do mundo estão organizadas a

partir de duas feiras: a Feira das Utilidades e a Feira da Fruição. Enquanto na Feira das

Utilidades “o pensamento marcha, anda em linha reta, não se desvia, é econômico, não aceita

risos nem belezas”, na Feira da Fruição “o pensamento vai ‘ao sabor’, dançando e brincando,

vagabundeando”. (ALVES, 2011, p. 100). A fruição pode ocorrer na escola por meio de

mediações de leitura visual que possibilitem à criança exercitar sua criatividade e imaginação,

conduzir seu pensamento de forma livre e dançante. Para esse mesmo autor, aprender a

brincar com o pensamento “deveria ser um dos mais altos alvos da educação. É só quando o

pensamento brinca que as boas ideias chegam” (ALVES, 2011, p. 100). Essa abertura dada ao

pensamento, à interpretação e construção de significados, que acontece por uma mediação de

leitura de imagem dialógica, proporciona liberdade para a criança expressar-se de modo

autêntico, fantasiar ideias com base nas visualidades que se apresentam, criar narrativas a

partir das produções artísticas que encontra.

Segundo Rossi (2009), a interpretação de imagens baseada em narrativas é muito

comum entre crianças dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Para a autora, “quando o

aluno relaciona os elementos presentes na imagem com alguma coisa que poderia ter

acontecido ou que poderá acontecer, ele está usando a narrativa para interpretá-la” (ROSSI,

2009, p. 57). Esse acontecimento pode se manifestar por intermédio de uma leitura fruitiva,

que permita a divagação do pensamento, afinal, “pensar é a arte de brincar com coisas que

não existem” (ALVES, 2011, p. 100).

Podemos identificar a interpretação de imagens a partir de narrativas na fala da

Criança 11 que, no segundo encontro de mediação, ao visualizar a obra O Grito, de Edvard

Munch, disse gostar da pintura “porque tem o céu laranja, porque tá o sol nascendo” (Figura

16). O fato de a criança prestar mais atenção aos tons quentes e vibrantes e construir uma

!52

narrativa a partir disso, em vez de observar a expressão do personagem presente na imagem,

pode estar relacionado ao julgamento estético pela cor, sinalizado por Rossi (2009) e já

apresentado neste estudo.

O desenvolvimento de narrativas, apesar de ocorrer com mais frequência com

crianças pouco familiarizadas com a arte e com a discussão estética (ROSSI, 2009), aponta

para uma leitura de imagem que oportuniza o exercício do pensamento sensível e fruitivo. A

partir da identificação da cor na obra, a criança parece ter permitido ao seu pensamento ir

além, e ter construído um relato fantasioso sobre o sol nascente na imagem por ter sentido

abertura para expressar-se.

Figura 16 - O Grito, de Edvard Munch, 1893

! Fonte: Elaborado pela autora com imagem do diário de pesquisa e da obra de Munch (2018).

A fruição estética nas aulas de Arte pode ocorrer a partir desses momentos, nos quais

o professor, pela mediação de leitura visual dialógica, abre caminhos para que a fantasia e o

pensamento criativo apareçam. O diálogo aqui está presente na relação que a criança

estabelece com a obra, quando o professor abre espaço para que ela responda às visualidades

que a pintura apresenta e elabore a sua leitura a partir do que vê.

!53

A elaboração de narrativas e a criação de novos sentidos para a imagem artística

surgiu também na quarta mediação quando, ao visualizar um dos desenhos de Marcelo Urizar,

a Criança 10 disse que se o pássaro que aparece na obra existisse “na vida real”, ele poderia se

chamar “beija-beija-flor” (Figura 17). Quando repeti, em tom de interrogação, o nome que a

criança havia dado à ave, ela respondeu: “é que ele beija duas vezes”. Perguntei então o

motivo, e quem complementou o diálogo foi novamente a Criança 6, ao dizer que seria “toda

vez que ele beija a floresta”.

Figura 17 - Sem título, Marcelo Urizar, 2013

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens da pesquisa e da obra de Urizar (2013b).

Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 18) afirmam que a atribuição de sentido à

imagem “acontece de forma singular, por meio de uma rede de relações afetivas, conceituais,

cognitivas, significativas que o leitor articula frente à obra”. Podemos observar nesse diálogo

que, embora os sentidos atribuídos à obra sejam particulares de cada sujeito, a construção das

percepções e entendimentos pode ser realizada em conjunto por meio de uma mediação de

leitura visual dialógica. O motivo que levou a Criança 10 achar que o pássaro representado

beija duas vezes é singular e provém de sua assimilação, porém essa mesma construção foi

enriquecida pela narrativa da Criança 6 que, ainda que não tenha partido dela tal

interpretação, apropriou-se da leitura do colega e ampliou sua compreensão sobre a obra.

De acordo com Oliveira e Pilloto (2010, p. 239), a leitura de imagens proposta nas

escolas “[…] proporciona sentimentos e significados, e compreensão e interpretação à parte.

A ação é estabelecida quando as imagens são interpretadas e significadas com bases de

interação e conhecimento do contexto cultural”. Saber considerar as razões e as circunstâncias

!54

que levam as crianças a interpretarem as obras à sua maneira é importante para valorizar as

suas leituras e narrativas. Os motivos pelos quais a criança julga uma imagem boa ou ruim,

bonita ou feia, agradável ou desagradável, podem não ser adequados para um adulto, mas é

necessário ao professor compreender e respeitar a fase de desenvolvimento estético da

criança, dialogando com ela e oportunizando que ela dialogue com a obra.

Figura 18 - Capricho

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens da pesquisa e das obras de

Amaral (2018a, 2018b) e Urizar (2004a, 2004b).

!55

A maestria ou habilidade do artista é um dos critérios que aparecem nos estágios

iniciais do desenvolvimento estético, conforme aponta Rossi (2009). Durante a pesquisa, essa

avaliação surgiu na fala da Criança 24 que, tanto na primeira mediação quanto na terceira e na

quarta, afirmou gostar das obras porque estavam caprichadas (Figura 18). Rossi sinaliza ainda

que é importante reconhecer a maestria como preceito de julgamento porque “a valorização

da habilidade é o primeiro vínculo que os alunos estabelecem entre o artista e a

obra” (ROSSI, 2009, p. 94).

A partir de situações como essa, o professor de Arte pode conduzir seus alunos para

leituras que ultrapassem esse fundamento, para que a criança amplie seu olhar para além da

aptidão do artista. Ao ter contato com obras que fujam de um padrão visual realista ou com

formas claras e bem delineadas, a criança poderá ter a oportunidade de vivenciar novos

modos de relação estética e atribuir significados próprios às suas interpretações.

Ainda em relação à fala da Criança 24 na quarta mediação, quando a menina diz

achar a pintura linda porque ela é grande, ela relaciona a beleza da obra com a proporção que

essa ocupa no espaço físico. De fato, duas das obras originais que o artista levou até a escola

possuíam em torno de 1,5 x 1m. Cabe observar que ao frequentarmos museus e galerias de

arte, “podemos estabelecer relações mais intensas com a obra, seja pelo nosso olhar capaz de

ver proporções, texturas, formas e cores que são roubadas nas reproduções ou no ato de girar

em torno da obra para captar toda a sua tridimensionalidade […]” (MARTINS; PICOSQUE;

GUERRA, 2009, p. 70). Na medida em que nem sempre é possível sair do ambiente escolar

com as crianças, levar a arte até elas torna-se uma alternativa que pode contribuir para o

encantamento e a compreensão das obras a partir de suas dimensões reais.

Crianças de 6 ou 7 anos de idade, sujeitos dessa pesquisa, encontram-se em processo

de alfabetização, período em que precisam aprender uma importante técnica de decodificação

de signos alfabéticos. Porém, “não se alfabetiza fazendo apenas as crianças juntarem as letras.

Há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco significa. A leitura social, cultural e

estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura verbal” (BARBOSA, 2012, p.

28). A alfabetização visual, ou seja, a transformação das formas visuais em significado, passa

a ser um processo importante de leitura de mundo.

O envolvimento emocional e cognitivo das crianças durante a leitura de obras

artísticas visuais nesse período de aprendizagem vai contribuir ainda em seu raciocínio para a

!56

descoberta das letras. A leitura visual que faz uso de diversos signos pode expandir a

compreensão do aluno perante sua realidade e ajudá-lo também na decodificação dos signos

alfabéticos, tomando como base a obra artística e ampliando esse processo para todas as

imagens que são colocadas em seu cotidiano. Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 13)

afirmam que “do mesmo modo que existe na escola um espaço destinado à alfabetização na

linguagem das palavras e dos textos orais e escritos, é preciso haver cuidado com a

alfabetização nas linguagens da arte”. Dessa forma se faz importante trabalharmos a leitura

visual nas aulas de Arte, o que pode auxiliar as crianças em seus processos de reflexão e

compreensão.

Alfabetizar e exercitar o olhar, levá-lo para passear diante da imagem de uma obra de

arte é uma tarefa de aprendizagem, de conhecimento, de sensibilidade e de atribuição de

sentidos. A mediação de leitura de imagem proposta nesta pesquisa possibilita que a criança

possa realizar esses processos que geram o desenvolvimento de um saber sensível, contribui

para que ela possa expressar-se a partir de suas próprias percepções, visto que essa leitura não

espera respostas prontas, concretas, mas vai além de um saber único e finito. Utilizei um

modo de ler imagens que aprecia o diálogo, a fruição, que respeita o silêncio, que permite a

abertura de ideias, o encontro com o desconhecido, o surgimento do estranhamento.

Ao permitir que as crianças sintam-se livres para se expressarem durante a leitura de

imagem, iniciamos os primeiros passos da mediação cultural. Nessa etapa inicial em que o

mediador silencia para que as vozes das crianças se revelem, percebemos o surgimento de

algumas percepções estéticas que, devido à pouca idade, encontram-se ainda em

desenvolvimento. Porém, para que a criança possa avançar para outros estágios de

interpretação das produções artísticas, é necessário que o professor oportunize esse progresso

mediante perguntas, comentários, informações ou elementos que permitam ampliar a visão da

criança sobre a obra.

Na medida em que percebemos que a criança estabelece uma relação fruitiva com a

obra, devemos caminhar para uma próxima fase da mediação de leitura de imagem, que está

relacionada à produção do conhecimento. Ao chegarmos nesse ponto, é importante seguirmos

para a introdução de conceitos sobre a obra, informações sobre o artista e o contexto de sua

produção, mas ainda assim de modo dosado e dialógico. É o momento também de colocar

!57

questões que vão não somente refinar a percepção estética da criança, mas fornecer elementos

para que ela possa fazer uma leitura mais elaborada.

Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa (2008, p. 16), apresenta no poema

Meu olhar é nítido como um girassol a multiplicidade do olhar e a importância de sempre

exercitá-lo. Com seus versos, o poeta traz de forma sensível a sua leitura de mundo: “E o que

vejo a cada momento é aquilo que nunca antes eu tinha visto. E eu sei dar por isso muito

bem... Sei ter o pasmo essencial que tem uma criança se, ao nascer, reparasse que nascera

deveras. Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo”. Mediante

exercícios de ampliação do olhar, da alfabetização visual e do contato com a arte, a mediação

de leitura de imagem realizada de maneira dialógica possibilita que a criança desenvolva sua

sensibilidade e percepção, facilita o exercício da experiência e preza para que ela permita-se

também visualizar elementos que a possam pasmar, marcar, transpassar, pungir. !

!58

4 O SENTIDO DA MEDI[AÇÃO] CULTURAL

Figura 19 - Entre muitos

!

Fonte: Elaborado pela autora.

58

4 O SENTIDO DA MEDI[AÇÃO] CULTURAL

Figura 19 - Entre muitos

Fonte: Elaborado pela autora.

!59

Estar no meio, atuar em conjunto, promover trocas, partilhar saberes, viabilizar

diálogos, abrir caminhos. São esses alguns dos pontos pelos quais passam o sentido da

mediação cultural. Com raiz grega medhyo e latina medius, a, um, as quais indicam “aquilo

que está no meio”, o termo “mediação” tem sido usado no senso comum com o significado de

“ponte entre dois” (MARTINS, 2012, p. 47). Porém, quando adicionamos à palavra o conceito

de cultura, a mediação possibilita novos contatos, novas vias de compreensão e relação entre

obra e espectador, levando em consideração o contexto de cada uma dessas partes.

Assim, a mediação cultural vai além de estar entre dois, não pode ser entendida como

uma ponte que liga um ponto a outro, mas alcança o sentido de estar entre muitos, “em meio a

um complexo de pensamentos, sensações, histórias reatualizadas” (MARTINS, 2012, p. 47).

Seguindo por esse caminho, Viana, Pillotto e Voigt (2017, p. 121) complementam que, por

meio da mediação cultural, “é possível compreender a educação como uma ação de

interlocução não neutra, de troca, de se tornar parte do processo, de tomar parte, de

compartilhar conhecimentos, de permitir e se permitir conhecer o outro”.

Mediar a leitura de uma imagem de arte é proporcionar diálogos entre leitor e obra,

reflexões individuais e coletivas, elaboração de diferentes interpretações. Ao guiar os sujeitos

pela via do entendimento, da descoberta, da percepção estética e da fruição, a ação mediadora

abarca a sensibilidade e a ressignificação de saberes. Para Martins (2012, p. 48), mais do que

informar ou motivar percepções, a mediação cultural “envolve capturar o sujeito para entrar

numa experiência”.

Na medida em que Larrosa (2015) aponta que a experiência não é aquilo que

acontece, mas aquilo que nos acontece, o autor também sinaliza que essa experiência

encontra-se cada vez mais rara. O primeiro motivo de sua raridade estaria no excesso de

informação que recebemos, pois “a informação não é experiência. E mais, a informação não

deixa lugar para a experiência” (LARROSA, 2015, p. 18). A intenção principal em uma

mediação cultural não está em detalhar dados como suporte, materiais, dimensão ou contexto

histórico da obra, mas sim auxiliar na promoção de experiências significativas, que

provoquem tanto o pensamento sensível como o inteligível. Dessa maneira, ao realizarmos a

mediação de leitura de uma obra de arte é necessário sabermos dosar as informações para que

elas não ocupem o lugar da experiência.

!60

Uriarte et al. (2016, p. 44) assinalam que “informar é indicar chaves de leitura para

que cada um experimente a obra à sua maneira, evitando interferências”. Observamos assim

que a informação não pode ser entregue de modo que limite a mediação, mas sim utilizada

com cautela e equilíbrio pelo mediador. Ao ser dosada, ela pode ajudar o sujeito a entrar na

obra e auxiliar na ampliação dos olhares. Na mediação de leitura de imagem não é a

informação em si que prejudica a experiência, mas sim o seu excesso. Mediar é escutar, é

promover e permitir trocas de ideias, é propor caminhos que possam guiar a leitura e que não

venham a suspender o papel dos sujeitos nesse processo, “mediar, nesse sentido, seria menos

informar e mais dialogar” (NEITZEL et al., 2017, p. 329). Quando os dados sobre a obra são

o único meio de interação entre o mediador e os sujeitos, a mediação se esvai e a experiência

tende a ser ceifada.

Figura 20 - Carnaval em Madureira, Tarsila do Amaral, 1924

!

Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Amaral (2018b).

Durante todas as mediações realizadas para esta pesquisa procurei evitar interferir

com informações na leitura das crianças para que elas pudessem elaborar suas próprias

percepções. Preferi trazer os elementos sobre as obras somente ao final das mediações, após

as interpretações das crianças. Dessa maneira foi possível verificar que as crianças, ao

!61

fazerem as suas leituras, são capazes de criar novos sentidos para as obras e também

reconhecer aspectos e significados já existentes.

Essa situação revelou-se em algumas mediações. Enquanto no primeiro encontro a

Criança 13 identificou a Torre Eiffel na obra Carnaval em Madureira, de Tarsila do Amaral

(Figura 20), na terceira mediação a Criança 18 sentiu medo ao ver a obra A Cuca, também da

artista mencionada (Figura 21). No folclore brasileiro, a cuca é a figura que rouba as crianças

que desobedecem seus pais e, conforme relato no diário de pesquisa, o medo surgiu mesmo

antes que eu lhes dissesse o título da pintura. Conforme já discutimos, algumas informações

sobre a obra não precisam ser reveladas no início da mediação, assim, a criança pode fazer

sozinha o seu percurso para chegar ao entendimento, criando conexões sensíveis e cognitivas.

Figura 21 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924

!

Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Amaral (2018a).

Cenário semelhante ocorreu ainda no quarto encontro de mediação, com a presença

do artista Marcelo Urizar e algumas de suas obras. Antes de contarmos às crianças sobre os

motivos que levaram o pintor a criar os painéis apresentados, elas tiveram a liberdade de

fazerem suas próprias leituras. Somente após os relatos que surgiram é que o artista revelou o

!62

significado atribuído às suas obras (Figura 22). Ao compartilharmos as informações no

momento mais propício, de forma dosada e equilibrada, estamos atuando “para que a

informação seja melhor compreendida e internalizada, compartilhada como experiência e não

como um verbete a ser memorizado” (NEITZEL et al., 2017, p. 334). Ainda que as

observações feitas pelas crianças estavam de acordo com o sentido que os quadros têm para o

artista, o espaço proporcionado para que elas pudessem elaborar suas percepções também

pode revelar caminhos para que ocorra a experiência. Ao invés de entregarmos as respostas

prontas, podemos deixar que as crianças construam seus entendimentos de maneira mais

autônoma, sensível e significativa.

Figura 22 - Com a palavra, o artista

! Fonte: Elaborado pela autora.

Para Larrosa (2015, p. 20), a experiência é também “cada vez mais rara por excesso

de opinião”. O autor explica que parece haver um senso comum de que primeiro precisamos

estar informados e depois opinar, como se fosse necessário estar contra ou a favor de algo.

Essa ideia vai de encontro à mediação de leitura dialógica e fruitiva, que não pede por

respostas certas ou erradas e nem mesmo exige resposta. O que ela quer é facilitar a

experiência, o sentir, o afetar.

Durante o segundo encontro de mediação, senti que precisava esclarecer às crianças

que não havia a necessidade de formularem uma opinião sobre a obra e que não havia uma

resposta única e correta em relação às suas percepções (Figura 23). Na medida em que

aparentavam buscar atender a alguma expectativa, as crianças pareciam também estar

atreladas a esta lógica do par informação/opinião que nos alerta Larrosa (2015).

!63

Figura 23 - Respostas

! Fonte: Elaborado pela autora.

Rubem Alves (2011, p. 29) dizia que “o importante na conversa são os pensamentos

que ela provoca e não as conclusões a que se chega”. É, portanto, no desenrolar da mediação,

nos pensamentos e colocações que suscitam a partir da leitura da obra, que vão surgindo as

mais valiosas significações. A mediação não carece de opiniões pois não possui uma linha de

chegada, ela pode até mesmo gerar mais perguntas do que oferecer respostas. Entendo assim

que, promover encontros com a arte na escola que possibilitem a abertura do pensamento livre

e autônomo das crianças, que viabilizem diálogos internos e entre seus pares mas que também

valorizem o silêncio, é uma forma de reverter essa premissa da necessidade de opinar e assim

contribuir para que a experiência lhes aconteça.

A mediação cultural requer entrega, busca enaltecer a atenção do olhar, o exercício

da sensibilidade. Para tudo isso, é preciso dar espaço ao tempo. Nesse sentido, Larrosa (2015,

p. 22) sinaliza ainda que “em terceiro lugar, a experiência é cada vez mais rara por falta de

tempo”. Qual é o tempo na escola que estamos dedicando à fruição? A apreciação pede

instantes de dedicação, assim como a mediação também demanda momentos de imersão ao

outro, a si mesmo e à obra.

Ao longo da primeira mediação realizada com as crianças, percebi que eu não estava

dando ao tempo o seu devido valor. Sentimentos de tensão, ansiedade e frustração tomaram

conta da ação, o que pode haver comprometido o acontecimento da experiência. Nesse

!64

mesmo caminho encontra-se o último motivo pelo qual Larrosa (2015) explica a raridade da

experiência: o excesso de trabalho.

Figura 24 - Falta de tempo, excesso de trabalho e frustrações

! Fonte: Elaborado pela autora.

O autor afirma que o sujeito moderno coloca sempre seu ponto de vista a partir da

ação, quer realizar tudo que se propõe, sem intervalo para parar e prestar atenção ao que lhe

ocorre (LARROSA, 2015). Conforme relatos no diário de pesquisa (Figura 24), pude perceber

que em alguns momentos conduzi as duas primeiras mediações dessa forma, pois queria ter o

controle de tudo o que acontecia na sala de aula, incomodava-me com os alunos que não

estavam participando como eu gostaria, desejava mediar a leitura de uma criança ao mesmo

!65

tempo em que observava o que as demais estavam comentando entre elas ou o que estavam

rabiscando em seus cadernos. Essa necessidade de estar em constante ação e controle ofusca a

possibilidade de acontecer a experiência durante a mediação, tanto para o professor quanto

para a criança.

Após constatar essa situação, percebi que precisava repensar minha atuação como

pesquisadora/docente. As frustrações do momento fizeram com que eu ampliasse meu olhar.

Carvalho e Immianovsky (2017, p. 233) sinalizam que “trabalhar com incertezas e

frustrações, repensar a dicotomia entre teoria e experiência, razão e emoção, são

entendimentos necessários ao a/r/tógrafo, ou a um grupo de a/r/tógrafos”. É desse caos que a

arte provoca, da liberdade de ser, pensar e agir, que pode acontecer uma metamorfose, ainda

que em um primeiro momento não a percebamos.

Metamorfose, para Meira (2015, p. 18) “não se restringe a uma forma, mas é esse

movimento de ordem/desordem/nova ordem, uma terceira via”. Essa transmutação, que pode

acontecer na escola para a criança por meio do fazer artístico, pode desenrolar-se também

para o professor, quando repensa sua prática pedagógica. Nesse mesmo caminho, Rubem

Alves (2011, p. 44) aponta que as metamorfoses acontecem sempre de repente e que é mais

fácil para nós, seres humanos, passarmos por elas: “é que nossas cascas, diferentes das dos

animais, são feitas com palavras, carne e palavras misturadas. Basta que as palavras se

alterem para que o corpo se metamorfoseie num outro.”

Como, então, fazer mediação? Como mudar as palavras, as atitudes e o olhar?

Martins (2014b, p. 260) explica que “não há receitas de uma boa mediação cultural”. A arte já

carrega em si diversas possíveis sensações e o que irá resultar desse encontro é sempre novo,

porque os sujeitos e os contextos são diversos e é exatamente isso o que possibilita o

surgimento de diferentes sentimentos e conexões. Desse modo, compreendi que professores

que atuam como mediadores precisam estar atentos diante das colocações que se apresentam e

também de suas percepções, não permitindo que distrações e/ou preocupações os abalem.

O mediador é aquele que vai guiar os sujeitos pela via do entendimento, da

descoberta, da percepção estética e da fruição da obra de arte. Na medida em que Uriarte et al.

(2016, p. 40) explicam que mediar é “promover encantamento, mas também estranhamento,

conversar e perguntar, ter dúvidas, inquietar-se e mover-se em diferentes direções”, mediar é

!66

também “estesiar os sentidos”. A estesia dos sentidos, o afloramento da sensibilidade, também

precisou passar por mim nesse caminhar junto às crianças.

Figura 25 - Metamorfose

! Fonte: Elaborado pela autora.

Assim, minha postura como pesquisadora/docente foi se modificando ao longo do

estudo, fui metamorfoseando-me. No terceiro encontro de mediação já foi possível perceber

que a leveza e a suavidade passaram a emergir (Figura 25). A reflexão sobre a prática

mediadora, os estudos sobre mediação cultural e a participação no Grupo de Pesquisa

Cultura, Escola e Educação Criadora foram auxiliando-me nesse processo de formação e

ressignificação em relação à atuação do professor que faz mediação e o seu papel na

ampliação dos olhares e da sensibilidade das crianças em sala de aula.

Ao promover encontros com a arte de maneira fruitiva, o mediador cultural “provoca

os sentidos, convoca a cognição e instiga percepções individuais e coletivas” (URIARTE et

al., 2016, p. 39). Nesse conjunto de pensamentos e impressões, os olhares se complementam,

proliferam-se os diálogos entre os pares e surge a aglutinação de interpretações. Como

mediadores, “nossa tarefa é oferecer meios para que cada sujeito que participa de uma ação

mediadora possa criar, e que sua criação alimente a criação de todos, construindo diálogos

que permitam esta ampliação de pontos de vista que tanto enriquece” (MARTINS, 2014b, p.

260). A partir do momento em que uma criança expõe sua percepção sobre a obra, as demais

!67

podem trazer à memória sensações e lembranças que estejam conectadas a essa ideia, criando

assim suas próprias significações.

Essa conexão de interpretações e sentidos foi percebida na terceira mediação, quando

a Criança 14, ao ver a imagem A Cuca, de Tarsila do Amaral, disse achar “fofo” o “bichinho

laranja” e que sentia “que ele é um bicho do zoológico” (Figura 26). Logo após, a Criança 19

também remeteu à ideia da colega, ao dizer que “aquele parece um bicho do zoológico”.

Porém, essa foi além, trouxe à memória a vivência que já tivera ao ir a esse lugar, lembrando-

se ainda dos animais que lá encontrou. Percepções que se complementam demonstram a

importância da mediação de leitura de imagem quando proposta de forma dialógica, quando

permite que as crianças se relacionem com a obra de maneira aberta e sensível.

Figura 26 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Amaral (2018a). Quando o mediador silencia para dar voz aos sujeitos, surgem novas formas de

interpretação e criação de significados. Assim como afirmam Neitzel et al. (2017, p. 330), a

!68

mediação acontece quando suspende-se a narrativa, quando essa não é singular ou imposta

por um único sujeito, mas sim quando o mediador oferece caminhos para que os participantes

entrem na obra, são “fios que se tramam em uma teia labiríntica”. Percebemos que a Criança

19 primeiramente escutou a amiga para então complementar dizendo também achar o

personagem parecido com “um bicho do zoológico”. Dessa forma, mediar é também calar

(NEITZEL et al., 2017), pois a mediação se faz na escuta do outro, é uma construção coletiva

feita não somente pelo professor, mas também pelos colegas que participam do encontro.

Figura 27 - Molozita em Buenos Aires, Marcelo Urizar, 2004

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens da pesquisa e da obra de Urizar (2004a).

Situação similar ocorreu na quarta mediação, quando a Criança 13 iniciou sua fala

dizendo gostar da obra Molozita em Buenos Aires, de Marcelo Urizar, “porque ele misturou

cores e formatos” (Figura 27). Visto que “mediar é provocar o outro a construir

proposições” (NEITZEL et al., 2017, p. 330), perguntei à menina o que ela imaginava da

pintura. Ao iniciar a identificação dos elementos que compunham a produção artística, a

Criança 13 foi desvendando as visualidades que lhe eram apresentadas, levando seu olhar

confuso para caminhar sobre a imagem: “parece que tem um monte de pessoas andando, e

prédios, estradas, ruas e muitas coisas…”. Enquanto a menina calou para compreender o que

!69

via, a Criança 7 manifestou-se, dizendo gostar das cores da obra e que ela “parece muito uma

cidade”. Após essa fala, a Criança 13 finalizou: “é isso que eu ia falar”.

Novamente, relatos que se encontram e se entrelaçam, surgidos pelo diálogo, por

uma mediação que provoca mas que também silencia. Nessa troca de narrativas, a primeira

criança parece ter iniciado o caminho, foi guiada pela pesquisadora/docente, continuou seu

trajeto, e teve seu destino localizado pela segunda criança, que ajudou a desvendar o enigma

que ali se apresentava. Ao agirem dessa forma, mediador e sujeitos contribuem para que as

costuras entre os pares sejam feitas, transformando a leitura de imagem em uma grande

colcha de retalhos, repleta de diferentes texturas e formas de compreensão e sentido.

Figura 28 - Carnaval em Madureira, Tarsila do Amaral, 1924

!

Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Amaral (2018b).

Conforme já discutido, a interpretação que cada leitor faz da imagem está

relacionada ao seu contexto, a sua história, e dessa forma é importante que o mediador saiba

considerar todos os olhares que surgem. Em uma mediação de leitura de imagem dialógica,

podem surgir compreensões que serão unicamente relevantes para um determinado sujeito,

pois fazem parte apenas de seu mundo, como foi o caso da Criança 4 que, ao visualizar a

!70

imagem da obra Carnaval em Madureira, de Tarsila do Amaral, disse gostar da pintura

“porque tem um gato do Egito”. Quando perguntei sobre as lembranças que esse elemento

poderia trazer, respondeu dizendo que isso a faz lembrar de um desenho que assistia quando

era bebê (Figura 28).

Podemos observar aqui que a criança já se compreende como um sujeito que possui

uma história, pois consegue perceber que já não é mais um bebê, que cresceu e que esse fato

faz parte de seu passado. Ao analisarmos as formas estabelecidas na imagem é possível

perceber a presença de um animal semelhante a um cachorro, mas a associação a um “gato do

Egito” pela criança só foi possível devido às suas vivências, ao seu repertório. Nessa esteira,

cabe ressaltarmos que o movimento da mediação “revela uma atenção e respeito pelo outro,

pela bagagem de conhecimento trazida pelo indivíduo ou grupo que experiencia a mediação

de forma ativa e participativa” (NEITZEL et al., 2017, p. 329).

Podemos observar, ainda, os diferentes direcionamentos de olhar que uma imagem

pode inspirar. Nessa pintura, carregada de tantos elementos, a Criança 4 conduziu seu olhar

para o animal que aparece no canto inferior da tela, ou seja, voltou-se para o pequeno, o

minúsculo. Enquanto na narrativa apresentada no início deste capítulo (Figura 20), a Criança

13 levou sua atenção para a Torre Eiffel, que toma a maior parte do espaço na imagem,

focando assim no grande, no aparente. Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 66) afirmam que,

“ao apreciarmos obras de arte, nós as ressignificamos, as atualizamos, produzimos

interpretantes, de acordo com nossa sensibilidade atual”. Assim, cada sujeito que faz a leitura

de uma imagem visualiza a obra de um modo distinto, a partir de sua percepção. A mediação

tem essa riqueza pois, com base no diálogo que as crianças estabelecem com a produção

artística, o mediador proporciona vazão para que as subjetividades de cada ser apareçam.

A mediação envolve também provocar certa tensão entre o sujeito e a obra, com o

intuito de desencadear indagações e possibilitar novas vias de sentido e compreensão.

Convém ainda que o convite seja posto de forma aberta e desprendida, sem que haja qualquer

imposição por parte do mediador. Neitzel et al. (2017, p. 330) afirmam que “o melhor

discurso não é o persuasivo, mas aquele que convida ao jogo, que gera reflexão. Jogar é

brincar com os sentidos, provocar o desconforto, a intriga, a discórdia de opiniões”.

Em um dos diálogos ocorridos na quarta mediação com as crianças, procurei

convidar a Criança 17 ao jogo ao instigá-la a pensar de outra forma sobre a leitura que estava

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fazendo da obra A morte de Molozita, de Marcelo Urizar (Figura 29). Após dizer que gostou

da pintura “porque tem várias pessoas e algumas estão de cabeça para baixo”, perguntei à

menina o porquê e se essas pessoas realmente estavam de cabeça para baixo. À medida que

fez uma expressão facial e corporal demonstrando dúvida e reflexão, outra colega entrou para

participar, elaborando a sua resposta para o problema colocado em pauta.

Figura 29 - A morte de Molozita, Marcelo Urizar, 2004

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens da pesquisa e da obra de Urizar (2004b).

Quando a mediação é entendida como um jogo, no qual o mediador convida e

provoca os sujeitos a pensarem sobre os elementos da obra, as leituras podem tomar outros

caminhos, abrir novas passagens de entendimento. Em uma mediação de leitura de imagem

dialógica, o jogo ocorre a partir da harmonia entre imaginação e entendimento, na articulação

entre razão e emoção, que geram novas conexões de pensamento a cada criança e seus pares.

Uriarte et al. (2016, p. 37) afirmam que “ao provocar diálogos internos, por meio do

acesso a uma determinada forma ou objeto, descobrindo e conhecendo, a mediação cultural

pode favorecer encontros sensíveis alcançando outros pontos de vista e novas significações”.

Assim, encontros de mediação podem contribuir para uma compreensão maior por parte das

crianças em relação ao mundo que se apresenta, para que elas o vejam de uma forma mais

sensível, ampla e atenta.

O contato com a arte não precisa acontecer apenas em museus ou em instituições

culturais, ele pode [e deve] acontecer na escola, viabilizado pelo professor, e assim a escola

pode ser também esse espaço de mediação cultural. O acesso das crianças às obras e ao

artista, proporcionados no quarto encontro de mediação deste estudo, possibilitou que a

Criança 6 pudesse fazer uma relação entre seus interesses pessoais e o relato do pintor sobre

!72

sua carreira artística (Figura 30). Quando o menino perguntou a Marcelo Urizar há quanto

tempo ele faz arte, e soube então que o artista desenha e pinta desde criança, imediatamente

criou uma conexão com si mesmo ao dizer que também gosta de pintar. Trazer o artista até a

escola é também uma forma de desmistificar a imagem de figura distante e inalcançável que

esse possa ter, para que as crianças possam compreender que a arte está ao nosso redor e que

todos podem manifestá-la.

Figura 30 - O artista/criança e a criança/artista

! Fonte: Elaborado pela autora.

Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 130) afirmam que “o educador é um mediador

entre a arte e o aprendiz, promovendo entre eles um encontro rico, instigante e sensível”. Para

que essa aproximação aconteça, as autoras enfatizam a importância de o professor “promover

o acesso a artistas vivos, contemporâneos, brasileiros […]”, entre outras ações necessárias que

auxiliem a nutrição estética da criança, como escolher com cuidado as obras que serão

apresentadas, promover leituras desafiadoras e compreender que essas nem sempre precisam

gerar produções que a focalizam, além de viabilizar visitas a museus e demais espaços

culturais e artísticos.

Assim, a media[ação] cultural é algo que requer movimento, são passos que

provocam reverberações. Quando o professor de Arte, ao atuar como mediador, aproxima as

crianças e as obras de maneira aberta, atenta e dialógica, ele contribui para que dessa

aproximação possa resultar o afetamento. Mediar para afetar, promover encontros com a arte

que favoreçam a experiência pode ser uma forma de oportunizar relações estéticas que

contribuam na formação de sujeitos mais sensíveis, compreensivos e autônomos. !

!73

5 A EDUCAÇÃO ESTÉTICA PELA EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA

Figura 31- Impulso lúdico

!

Fonte: Elaborado pela autora.

73

5 A EDUCAÇÃO ESTÉTICA PELA EXPERIÊNCIA ARTÍSTICA

Figura 31- Impulso lúdico

Fonte: Elaborado pela autora.

!74

Olhos que se abrem, diálogos que emergem, pensamentos que se formam, sentidos

que se ampliam. Nesse caminho de provocações sensíveis, evoco novamente as palavras de

Alberto Caeiro, que dizia ser um guardador de rebanhos: “o rebanho é os meus pensamentos,

e os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos, e com as

mãos e os pés, e com o nariz e a boca” (PESSOA, 2016, p. 93). O poeta, ao revelar a

sensibilidade que se faz presente em nós, ajuda-nos a compreender que sentir e pensar são

tarefas intimamente ligadas. Rubem Alves (2011, p. 174) contava ainda que os poemas de

Caeiro são uma introdução à educação do olhar, pois “não vemos com os olhos. Vemos com

as palavras. Para ver é preciso não ter filosofia… É preciso fazer calar as palavras para se ver

com clareza. Os fenomenólogos perceberam isso”.

Como já vimos com Merleau-Ponty (1999), é mediante nossas assimilações

sensoriais que primeiramente percebemos o mundo ao nosso redor e assim o desvendamos

intelectualmente. Com isso, o conhecimento passa a ser apreendido não apenas de forma

racional, mas também de maneira sensitiva e afetiva. Nesse passo, Duarte Jr. (2010, p. 12)

afirma que “há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de todos os demais

conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam; um saber direto, corporal, anterior às

representações simbólicas que permitem os nossos processos de raciocínio e reflexão”. Do

mesmo modo que esse autor, entendo que como educadores precisamos voltar nossa atenção a

esse saber primordial “se quisermos refletir acerca das bases sobre as quais repousam todo e

qualquer processo educacional, por mais especializado que ele se mostre” (DUARTE JR.,

2010, p. 12).

Assim, na medida em que redirecionamos nosso olhar para uma educação que

contemple o sensível e o inteligível, estaríamos considerando uma educação estética. Para

tanto, cabe entendermos o termo estética segundo sua origem, com fundamento na palavra

grega aísthesis, “que significa sensação, sentimento” (ROSENFIELD, 2006, p. 7). Tais

sensações possibilitam que ampliemos nossas percepções a respeito de nós mesmos e do

outro, compreendendo a realidade a nossa volta de uma forma mais aberta e sensível.

Para Duarte Jr. (2010), retornar ao sentido primeiro da estética — ou da estesia,

equivalência do termo aísthesis em português — é "um dedicar-se ao desenvolvimento e

refinamento de nossos sentidos, que nos colocam face a face com os estímulos do

mundo” (DUARTE JR., 2010, p. 13). Permitir que as visualidades presentes ao nosso redor

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nos afetem e nos sensibilizem é tarefa necessária a nossa condição humana. Durante o quarto

encontro de mediação deste estudo, pude observar o modo como a sensibilidade da Criança

24 aflorou-se diante das obras do artista Marcelo Urizar.

Figura 32 - Eu sinto amor

! Fonte: Elaborado pela autora.

Ao iniciar sua narrativa dizendo que achou um dos quadros “o mais lindo e mais

caprichado do mundo” e que nunca havia visto algo tão bonito, a Criança 24 indicou sinais do

afetamento que a pintura possa ter lhe causado (Figura 32). Após explicar os motivos que a

levaram a encontrar beleza nas obras expostas, percebi o entusiasmo presente em sua fala e

perguntei se ela sentia algo ao ver aqueles desenhos. A menina respondeu, sorrindo, que sentia

amor, sugerindo também que talvez tenha lhe ocorrido uma experiência. Nas palavras de

Larrosa (2015, p. 28), “a experiência é uma paixão”, visto que “o sujeito apaixonado não

possui o objeto amado, mas é possuído por ele” (LARROSA, 2015, p. 29). Algo semelhante

pode ter acometido a menina, ao se entregar para o momento e deixar que seus sentidos e

sensações entrassem em cena.

Piske, Neitzel e Nhoque (2017, p. 279) afirmam que uma boa mediação de leitura do

literário “é aquela que amplia as possibilidades de afetamento do aluno para com a obra por

meio de provocações sensíveis” e que “retirar os alunos das salas de aula e proporcionar o

contato com outras maneiras de sentir, de enxergar e de perceber o texto e o mundo a sua

volta contribui para a sua educação estética”. Poderíamos dizer o mesmo em relação à leitura

de imagem. A mediação realizada de forma dialógica e em uma sala própria para leitura, além

!76

da seleção de obras visuais de notáveis cores e dimensões, podem ter contribuído para que a

Criança 24 ampliasse sua sensibilidade nesse encontro.

Quando falou o que sentia sobre a pintura, a menina não sabia que aquelas telas

estavam relacionadas a uma história de amor vivida pelo artista. Ainda que o sentido de amor

retratado pelo pintor fosse diferente do significado dessa palavra para a Criança 24, podemos

sugerir que o contato da menina com as obras possibilitou que ela emanasse um pensamento

sensível em relação às visualidades que contemplava. Duarte Jr. (2010, p. 22) explica que “é

através da arte que o ser humano simboliza mais de perto o seu encontro primeiro, sensível,

com o mundo”. As palavras proferidas, o olhar atento, a suavidade da voz e o sorriso

expressado pela criança apontam que a arte pode auxiliar no refinamento dos nossos sentidos.

Também as cartas de Schiller (2017), escritas ao fim do século XVIII, trazem

importantes contribuições a respeito do pensamento estético na medida em que o escritor

coloca a educação estética como força pensante, a qual irá possibilitar que o sujeito perceba o

mundo não somente pela razão, mas igualmente pela sensação e intuição. Para Schiller (2017,

p. 109), “não existe maneira de fazer racional o homem sensível sem torná-lo antes estético",

ou seja, o sujeito precisa que seus sentidos sejam educados, para que dessa forma ele possa

não apenas sentir o mundo que o cerca, mas também compreendê-lo.

O autor sustenta que somente a partir de uma educação estética o sujeito irá

conquistar sua liberdade, a qual consiste em uma autonomia intelectual, quando esse passa a

compreender seu entorno a partir de um estado de contemplação, tendo como base suas

próprias percepções. Suzuki (2017, p. 14) afirma que de acordo com o pensamento de

Schiller, “é mediante a cultura ou educação estética, quando se encontra no ‘estado de jogo’

contemplando o belo, que o homem poderá desenvolver-se plenamente, tanto em suas

capacidades intelectuais quanto sensíveis”. De acordo com Schiller (2017), o homem possui

duas forças que o impulsionam: o impulso sensível (que parte da natureza sensível do homem

e tem por objeto a vida) e o impulso formal (que parte da natureza racional do homem e tem

por objeto a forma). Para o filósofo, a ação recíproca entre essas duas forças resultaria em um

novo impulso: o lúdico, o qual compreende razão e sensibilidade, tendo portanto como objeto

a forma viva.

A mediação de leitura de imagem dialógica contribui para que a criança entre nesse

estado de jogo mencionado pelo autor, que ela se aproximem do impulso lúdico. Na medida

!77

em que contempla a arte de modo fruitivo, refletindo sobre o objeto que se apresenta, a

criança caminha para uma educação de seus sentidos, pois “escravo da natureza quando

apenas a sente, o homem torna-se o seu legislador quando a pensa” (SCHILLER, 2017, p.

120). Ao pensar a sua natureza, e não apenas senti-la, o homem passa a ter uma relação de

liberdade com o seu mundo, conforme explicam Franklin et al. (2017, p. 138): “uma

libertação pela apreciação e pela reflexão e, por meio delas, o indivíduo alcança a elevação

quando atinge a autonomia de pensamento”.

No último encontro de mediação deste estudo, a Criança 6 manifestou-se oralmente

com frequência. Suas contribuições nos oportunizam pensar como o afetamento pela obra de

arte pode ser o motor para o impulso lúdico se manifestar. Além de participar ativamente dos

diálogos, o menino fazia colocações mais substanciosas que seus colegas. Por ser sua

professora de Arte durante o ano letivo de 2018, sei que essa criança gosta de desenhar e

empenha-se com esmero em suas atividades artísticas. Conhecendo o contexto do menino e

sabendo que ele interessa-se pela pintura, entendo que esse encontro pode ter afetado mais a

ele do que às outras crianças. Essa participação excessiva pode ser uma pista de que algo

estava acontecendo nele, de que a experiência possa ter ocorrido.

Figura 33 - Sem palavras

! Fonte: Elaborado pela autora.

Em uma de suas colocações, a Criança 6 disse ter gostado das obras que estavam

expostas. Quando perguntei ao menino o que havia gostado nelas, disse que gostou “das

cores… e dos formatos”. Ao perguntar a ele o que essas imagens o faziam lembrar, respondeu

que achou muito bonito e que estava sem palavras (Figura 33). Larrosa (2015, p. 69) afirma

!78

que “na experiência sempre existe algo de ‘não sei o que dizer’, por isso não pode se elaborar

na linguagem disponível, na linguagem recebida, na linguagem do que já sabemos dizer”. A

expressão corporal do menino evidencia sua falta de palavras para descrever aquilo que sentia

ou pensava e revela um possível afetamento, uma experiência provocada pela arte.!

Para Schiller (2017, p. 113), são três os estágios de desenvolvimento que o homem

precisa percorrer: o físico, o estético e o moral, sendo que “no estado físico o homem apenas

sofre o poder da natureza, liberta-se deste poder no estado estético, e o domina no estado

moral”. Assim, Franklin et al. (2017, p. 138) afirmam que, para esse pensador, o juízo estético

“é compreendido de forma entrelaçada com a razão, e o cultivo dessas duas faculdades poderá

levar o homem a se elevar da necessidade física à necessidade moral, libertando-o do seu

estado natural, físico, que o permite apenas a percepção involuntária das coisas”. Quando o

homem exercita e educa seus sentidos, ele passa a ser cultivado e possuir assim a

sensibilidade para compreender a si mesmo e o mundo ao seu redor.

No decorrer do estudo, percebi como muitas crianças encontram-se no início de seu

desenvolvimento estético. Ainda não compreendem com clareza seus sentidos, ou até mesmo

o significado da palavra sentir. Rubem Alves (2011, p. 173) afirma que arte é “a natureza

transformada pela imaginação para nos dar novas experiências de prazer e alegria”. Assim,

mesmo sem saberem, as crianças pareciam estar transformando seus sentidos em experiência

artística, ao criarem novas formas para as visualidades que encontravam, além de sinalizarem

em suas narrativas que estão em processo de elaboração de um pensamento sensível.

No terceiro encontro de mediação, ao visualizar a obra A Cuca, de Tarsila do Amaral,

a Criança 9 disse achar “muito bonita essa coisa laranja” e, quando questionada sobre o que

sentia em relação à imagem, disse achar que era “algum personagem do Ben 10” (Figura 34).

O poeta Manoel de Barros (2016, p. 16) dizia que “as coisas que não têm nome são mais

pronunciadas por crianças”. Talvez, não apenas pronunciadas, mas também observadas e

contempladas pois, apesar de não saber nomear a figura que via, a criança viu beleza naquilo

que encontrou.

Nesse passo, Duarte Jr. (2010, p. 155) afirma que “o sentimento da beleza nos anima

a saber, a procurar, a querer desfrutar o desconhecido, em busca do seu sabor e de seu sentido

para a nossa existência”. A percepção do belo na criança a levou a relacionar o corpo que

havia na obra com um personagem de desenho animado, próprio de seu contexto infantil.

!79

Mesmo após conhecer a história da pintura, a Criança 9 não manifestou descontentamento em

saber que aquilo que pensava sobre a imagem diferenciava-se do seu motivo real. Isso pode

indicar que o sentido e a beleza que ela atribuiu à imagem possuem mais valor e a afetam

mais do que saber o significado que o quadro tem para a artista.

Figura 34 - A Cuca, Tarsila do Amaral, 1924

! Fonte: Elaborado pela autora com imagens do diário de pesquisa e da obra de Amaral (2004a). Em uma mediação de leitura de imagem dialógica, quando a criança tem a

oportunidade de sentir e pensar com autonomia sobre a obra, a probabilidade desse encontro

gerar uma experiência pode ser muito maior. A educação dos sentidos acontece por inúmeros

caminhos e nesta pesquisa exploramos o viés do campo artístico. Dessa maneira, proporcionar

aproximações com a arte que possibilitem a articulação entre o sensível e o inteligível tende a

contribuir para que as crianças alcancem outros níveis de compreensão estética.

Neitzel e Carvalho (2016, p. 254) afirmam que “a busca pelo conhecimento dá-se por

diversas vias e uma delas é pelo acesso aos bens culturais. Por meio da arte, o sujeito amplia

sua capacidade de reflexão e percepção, assim como sua sensibilidade”. Ao visualizar, escutar

ou tocar em uma obra, o sujeito passa a percebê-la e, a partir de então, utiliza seu pensamento

para senti-la e compreendê-la. Assim, o estímulo à sensibilidade e à contemplação do objeto

artístico como forma de exercitar o pensamento sensível pode encaminhar-se nas escolas pela

mediação de leitura de imagens artísticas.

!80

Por tratar da sensibilidade, dos pensamentos, das sensações e da vida humana,

podemos entender que a educação estética encontra-se na experiência. Na quarta mediação

proposta neste estudo, percebi que é possível que as Crianças 13 e 17 tenham sido afetadas

pelo encontro. Ao final da mediação, Marcelo Urizar criou uma obra para as crianças, fazendo

um desenho em uma única linha com caneta hidrográfica permanente e sem tirá-la do papel.

Após visualizarem o resultado, enquanto a Criança 17 dizia que havia gostado do trabalho do

artista porque “ele não parava nem um pouquinho de fazer assim e assim”, gesticulando com

a mão o caminho que Marcelo fez com a caneta, a Criança 13 fazia o mesmo, porém com seu

dedo perpassando uma das telas que estavam expostas na parede (Figura 35). Ao copiarem o

movimento do artista e permitirem que seus corpos expressassem o que pensavam e sentiam,

as meninas pareciam demonstrar a compreensão que tiveram sobre o momento vivenciado.

Sinalizaram com as mãos o afetamento e a sensibilidade que a arte possa ter lhes provocado.

Figura 35 - Guiando o olhar

! Fonte: Elaborado pela autora.

Schiller (2017, p. 31) afirma que o homem selvagem é aquele que não quebra seus

princípios porque não os conhece, enquanto o homem bárbaro é aquele que conhece seus

princípios e mesmo assim os quebra: “o homem, entretanto, pode ser oposto a si mesmo de

duas maneiras: como selvagem, quando seus sentimentos imperam sobre seus princípios, ou

como bárbaro, quando seus princípios destroem seus sentimentos”. Já o homem cultivado “faz

da natureza uma amiga e honra sua liberdade, na medida em que apenas põe rédeas a seu

arbítrio” (SCHILLER, 2017, p. 31). Para que o homem saia do estado de barbárie, ele precisa

passar por seu desenvolvimento estético e esse, por sua vez, o levará a atingir o terceiro

!81

estágio, a moral, o qual o permite — por meio da razão e da sensibilidade — alcançar a

autonomia intelectual.

Certamente não podemos considerar as crianças como sujeitos selvagens ou

bárbaros, porém na medida em que vamos disponibilizando contatos com a arte e auxiliando-

as a exercitarem o pensamento sensível e o inteligível, podemos contribuir com o seu

desenvolvimento estético. Martins, Picosque e Guerra (2009, p. 107) afirmam que a arte é

“experiência sensível em que o nosso corpo perceptivo reflete” e que “propor situações de

aprendizagem em arte implica vibrar nesse corpo o assombro pelo mundo e o estranhamento

diante daquilo que, amortecidos, com os sentidos embotados, já não vemos mais”. Assim, a

experiência artística proporcionada pela mediação de leitura de imagem pode ter auxiliado as

Crianças 13 e 17 a se manifestarem de acordo com seus processos racionais e sensíveis,

refletindo de forma corporal o entendimento que delas emergia.

Trazer a atenção às nossas sensações e percepções é algo que tem se tornado cada

vez mais relevante, porque atualmente parece estarmos vivendo em uma situação de barbárie,

no sentido atribuído por Schiller (2017), ou em um estado de anestesia, na definição de

Duarte Jr. (2010, p. 137): “a negação do sensível, a impossibilidade ou a incapacidade de

sentir”. Podemos perceber que nosso cotidiano pouco estimula o refinamento dos sentidos.

Isso se evidencia na velocidade em que passam nossos dias, nas ações corriqueiras e

operacionais que vivenciamos, no intenso modo como utilizamos aparelhos eletrônicos para

nos comunicarmos ao invés de interagirmos presencialmente com o outro. Somam-se ainda

nosso distanciamento em relação à natureza, o crescente consumo de alimentos artificiais e

industrializados, a poluição gradativa do ambiente, entre demais fatores que contribuem

apenas para o aumento do nível de estresse da população e em nada agregam ao despertar dos

sentidos.

Nesse passo, Duarte Jr. (2010, p. 13) insiste “na necessidade atual e algo urgente de

se dar maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do sentimento, que poder-

se-ia muito bem denominar educação estética”. A partir do momento em que os sentidos são

estimulados, novas formas de percepção e conhecimento passam a existir, de maneira que os

sujeitos têm a possibilidade de criar uma nova realidade perante as vivências estéticas as quais

se propõem. Quando tratamos da educação estética, estamos contemplando esta cultura

sensível, que parte da maneira como os sujeitos são afetados e como esses interagem com o

!82

seu meio. Na medida em que se permitem sentir as visualidades e demais sensorialidades a

sua volta, por intermédio da arte e de experiências dotadas de estesia, ampliam sua capacidade

de leitura de mundo e produção de sentidos.

Desse modo, a nutrição estética torna-se tarefa essencial às aulas de Arte, visto que

“a sensibilidade do indivíduo constitui, assim, o ponto de partida (e talvez, até o de chegada)

para nossas ações educacionais com vistas à construção de uma sociedade mais justa e

fraterna […]” (DUARTE JR., 2010, p. 139). Durante este estudo foi ficando cada vez mais

evidente a importância de nutrir esteticamente as crianças pela mediação de leitura de

imagem. Em um determinado dia de aula, após já ter realizado três encontros propostos para

esta pesquisa, apresentei às crianças a obra Carnaval de Arlequim, de Joan Miró. Nessa

ocasião, eu não havia planejado fazer a leitura da imagem com os alunos, mas apenas passar

algumas informações sobre a pintura, para que eles a conhecessem. Porém, antes que eu

falasse, muitos alunos imediatamente levantaram o braço, pedindo a palavra para contarem

sobre suas percepções acerca do trabalho do artista (Figura 36).

Figura 36 - Evidências

! Fonte: Elaborado pela autora.

Enquanto pesquisadora/docente essa situação marcou-me como uma experiência.

Contribuiu para que eu pudesse internalizar como o exercício da mediação de leitura de

imagem dialógica pode auxiliar as crianças a exercerem sua autonomia de pensamento e seus

processos de imaginação e criação, estabelecendo novas conexões de entendimento sobre si

mesmas e seu mundo. Provocou-me também a refletir ainda mais sobre a necessidade de estar

sempre atenta às minhas práticas pedagógicas, pois “o objetivo maior de uma nutrição estética

!83

é provocar leituras que possam desencadear um aprendizado de arte, ampliando as redes de

significação do fruidor” (MARTINS, GUERRA E PICOSQUE; 2009, p. 130). Dessa forma, é

importante que a aproximação da criança com a arte seja feita de forma aberta, fruitiva e

participativa, de maneira que contribua para que elas pensem com sensibilidade.

A arte pode abrir as possibilidades de ampliação do olhar, de compreensão dos

sujeitos, das situações, da vida. Porém, para que desse encontro resulte um pensamento

sensível, é preciso que ela também nos toque, que nos envolva, que nos atravesse. A arte pode

nos tornar mais sensíveis quando se dá como acontecimento, como experiência. Se a

experiência “é atenção, escuta, abertura, disponibilidade, sensibilidade, exposição” e “não

está do lado da ação e sim do lado da paixão” (LARROSA, 2015, p. 68), é na experiência que

nos educamos esteticamente.

Ao pensar a leitura do literário como acontecimento, Neitzel, Cruz e Weiss (2017, p.

127) a compreendem como aquela que afeta, que considera a visão do leitor sobre a obra,

"necessita ser sentida, habitar em nós, o que implica ser vivida como experiência". Quando

percebemos a leitura de imagem como acontecimento, entendendo-a não como o que

acontece, mas o que nos acontece, podemos compreendê-la também como uma forma de

experiência artística. A mediação de leitura de imagem realizada de maneira dialógica e aberta

a novos caminhos pode contribuir para que algo aconteça aos sujeitos que dela participam.

Figura 37 - O artista em ação

! Fonte: Elaborado pela autora.

Conforme relatado anteriormente, no último encontro de mediação com as crianças o

artista criou um desenho para que elas pudessem observar como ele elaborava algumas das

obras que estavam ali expostas. Quando ele começou a desenhar no papel, as crianças logo

!84

manifestaram expressões de espanto, sinalizando que algo lhes acontecia (Figura 37). Os

olhos atentos e o sorriso no rosto da Criança 2 ao repetir "ele não para", referindo-se ao

movimento que o artista fazia com a caneta, expressaram a surpresa causada na menina ao ver

a arte sendo criada à sua frente. Além dela, outros colegas tentavam adivinhar as figuras que

se formavam pelas mãos do artista, espantados pelo modo como ele criava o desenho e pela

forma diferente que tomavam aquelas figuras na medida em que eram desenhadas.

Martins (2014a, p. 39) diz que “o estranhamento só pode acontecer se entramos no

estado de vigília criativa, da sensibilidade à flor da pele. O passaporte é o corpo aberto,

escancarado, em estesia, não anestesiado”. Assim, para que a experiência aconteça, é

necessário darmos espaço a ela, pois "a experiência não é o caminho até um objetivo previsto,

até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o

que não se pode antecipar nem 'pré-ver' nem 'pré-dizer'" (LARROSA, 2015, p. 34). Os

encontros com a arte, quando possibilitados com essa abertura para o diálogo, podem

provocar o estranhamento e conduzir os sujeitos ao caminho do acontecimento, da

experiência.

Manoel de Barros (2015, p. 102), dizia que "a arte não tem pensa: o olho vê, a

lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo". Ao propormos uma

leitura de imagem que provoque a sensibilidade nas crianças, que traga suas lembranças e

estimule sua imaginação, contribuirmos para que elas transvejam o mundo. A educação

estética, o exercício do pensamento sensível e do inteligível, perpassam essa aproximação

com a produção artística que pode gerar a experiência. Como professora de Arte, penso que

quando proporcionamos abertura às crianças, quando entendemos os acontecimentos como

paixão, como aquilo que pode nos passar ao entrarmos em contato com a arte, poderemos

assim desenvolver a sensibilidade humana e caminharmos em direção a uma autonomia

intelectual. O sujeito cultivado pode ser aquele que transvê o mundo, que pela experiência

artística passa a ser mais consciente de quem é, do que sente, do que pensa e de como age.

!85

6 ALGUMAS PERCEPÇÕES

Figura 38 - Olhares

!

Fonte: Elaborado pela autora.

85

6 ALGUMAS PERCEPÇÕES

Figura 38 - Olhares

Fonte: Elaborado pela autora.

!86

Perceber sensações, pensamentos e ações , ampliar o olhar ou até mesmo multiplicá-

lo, fazendo com que assim ele abrangesse diversas direções, foram alguns dos movimentos

que me acompanharam no decorrer do mestrado. Manoel de Barros (1999) falava de um

menino [ou de si mesmo] o qual fazia peraltagens com as palavras. Ao longo desse estudo,

passei também a fazer peraltagens, mas com tintas e pincéis. Fui procurando dar forma e cor

àquilo que eu sentia e compreendia em relação à dinâmica da pesquisa. Elementos

organizados de maneira abstrata mas que concretizavam meu entendimento.

Foi durante a participação no Grupo de Pesquisa Cultura, Escola e Educação

Criadora que fiquei íntima do trabalho do referido poeta. Já havia ouvido falar de seu nome

mas não conhecia seus versos. Logo que escutei O menino que carregava água na peneira,

meu corpo apreendeu o poema:

Figura 39 - Peraltagens

!

Fonte: Figura elaborada pela autora com trechos do poema de Manoel de Barros (1999).

Um misto de razão e emoção tomaram conta daquele momento, as imagens vieram à

mente, a história do menino me fez pensar, as palavras de sua mãe fizeram meu coração

acelerar. Naquele instante, algo me passou, afetou, pungiu, veio-me ao encontro como uma

!87

flecha. Não posso afirmar que, durante esta pesquisa, as crianças tiveram uma experiência

com a arte do mesmo modo que eu tive com a poesia. No entanto, mediante suas narrativas,

gestos e expressões, tornaram perceptíveis alguns sinais de que algo lhes possa ter acontecido,

de que algo lhes tenha atravessado.

Esse mesmo poeta dizia dar respeito “às coisas desimportantes e aos seres

desimportantes” e que tinha “abundância de ser feliz por isso” (BARROS, 2015, p. 149).

Penso que a mediação de leitura de imagem dialógica por meio de narrativas pessoais

proposta neste estudo contribuiu para que cada criança também pudesse dar atenção aos

elementos que consideraram mais significativos para si nas obras de arte que viram.

Elementos que em um primeiro momento podem ser desimportantes ao olhar, mas que

possuem valor para aqueles que o destacaram, como o “gato do Egito” visto pela Criança 4 na

pintura de Tarsila do Amaral, “o céu laranja” na obra de Edvard Munch, observado pela

Criança 11, ou o “beija-beija-flor” denominado pela Criança 10 no desenho de Marcelo

Urizar. A abertura e o diálogo proporcionados possibilitaram que os sujeitos fizessem suas

próprias leituras, construíssem suas próprias narrativas, criassem suas peraltagens pelo olhar,

trazendo à tona aquilo que era importante e fazia sentido ao seu mundo.

Visto que esta investigação se propôs a discutir como a criança se relaciona

esteticamente com a obra de arte por meio da mediação de leitura de imagem, alguns outros

pontos foram se revelando durante a caminhada. Ao verificar a trajetória do uso da leitura de

imagem no contexto da arte/educação, vi que a sua utilização ganhou força nas últimas três

décadas e que o documento nacional mais recente também inclui a importância da imagem, da

estesia e da reflexão nas aulas de Arte. Porém, acredito que como arte/educadores ainda

precisamos percorrer mais por esses temas, para que não sejam tratados com superficialidade,

que não fiquem apenas no papel, mas que tomem a cena no cotidiano escolar.

Quando promovemos encontros com a arte, com base em leituras visuais, no contato

das crianças com os artistas, no incentivo ao diálogo e na produção de novos sentidos para as

obras, estamos também auxiliando no desenvolvimento de um olhar mais aguçado e na forma

como a criança enxerga seu entorno. Uma vez que a arte pode contribuir para a ampliação do

olhar, a mediação de leitura de imagem na escola auxilia também na alfabetização visual da

criança, para que ela possa compreender com maior nitidez os signos que estão a sua volta e

melhor interpretar as representações visuais que surgirem em seu caminho.

!88

No debate sobre o processo de mediação de leitura visual nas aulas de Arte pude

observar que quando a mediação é realizada de maneira dialógica com o objetivo de propor a

nutrição estética e a fruição, as possibilidade de compreensão e ressignificação para o sujeito

se amplificam. Isso ficou evidente no modo como as crianças passaram a elaborar narrativas e

a criar novas interpretações para as imagens que lhes eram apresentadas.

É na troca, na partilha, nessa profusão de saberes que a experiência artística pode

acontecer. A escuta do outro, a contribuição do colega, a participação do mediador, do artista,

as apreciações que se complementam sinalizam que a mediação é algo que se constrói em

conjunto. E nesse meio a criança vai também ocupando seu espaço, ecoando sua voz,

conectando seus pensamentos, proliferando seus olhares, ampliando seus sentidos.

A mediação que envolve o respeito pelo outro, que dá espaço ao silêncio, que instiga

as crianças a pensarem por outros ângulos e oportuniza conexões que possam expandir as

leituras, proporciona alcançar outros níveis de compressão. Desse movimento de

estranhamento, de encontro com o desconhecido, pode resultar a experiência, o afetamento, o

desenvolvimento do pensamento sensível e do inteligível. Quando o mediador enaltece o

diálogo, ele traz ainda a possibilidade de contribuir para o alcance da autonomia intelectual,

para a busca do sujeito cultivado.

Podem ser diversos os caminhos que levam à educação estética, sendo um deles o

encontro com a arte, pois ela pode nos tornar mais sensíveis quando se dá como

acontecimento, como experiência. Ao refletir sobre a relação entre a mediação de leitura de

imagem e a educação estética, foi possível entender que é justamente quando o mediador

oportuniza esse espaço à criança que acontece o jogo entre imaginação e entendimento, o qual

pode revelar novas vias de pensamento. Dessa maneira, uma educação pela arte que ajude a

desenvolver o impulso lúdico gerado a partir da harmonia entre razão e emoção pode

acontecer nas escolas pela mediação de leitura de imagens.

Percebi que dessa aproximação dialógica com a imagem artística pode resultar uma

experiência, tanto para aqueles que são mediados quanto para quem medeia. As mediações

realizadas com as crianças foram significativas para minha formação como arte/educadora.

Enxergar em mim a mudança na condução dos encontros e observar nas crianças a

disponibilidade em se manifestarem sobre as obras foi algo tocante ao me colocar na

qualidade de pesquisadora/docente.

!89

Este estudo proporcionou compreender que a educação estética encontra-se na

experiência. Entendo assim que a criança se relaciona esteticamente com a obra de arte

quando tem abertura para falar o que pensa, o que sente, ao criar conexões com o seu mundo,

ao considerar a voz do outro, ao trazer acontecimentos pessoais para sua memória e

compartilhá-los.

Abertura, diálogo, fruição, respeito, espaço, movimento, aproximações. São esses

alguns dos pontos pelos quais passam a mediação de leitura de imagem quando caminha em

direção ao exercício da experiência, do afetamento, da autonomia de pensamento. Manoel de

Barros (2015, p. 152) dizia ter aprendido com um fotógrafo-artista que “a importância de uma

coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”. Que possamos

mediar encontros com a arte que contribuam para o encantamento, que produzam afeto e

sentido para aqueles que participam e que se colocam abertos à experiência. !

!90

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APÊNDICES

LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A - Termo de Utilização de Dados 97

Apêndice B - Termo de Anuência da Instituição 98

Apêndice C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 99

Apêndice D - Termo de Autorização de Uso de Imagem 101

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Apêndice A - Termo de Utilização de Dados

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Apêndice B - Termo de Anuência da Instituição

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Apêndice D - Termo de Autorização de Uso de Imagem

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