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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MARILÉIA MENDES GOULART ESCOLA E INFÂNCIA: A VOZ DA CRIANÇA Tubarão 2010

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

MARILÉIA MENDES GOULART

ESCOLA E INFÂNCIA: A VOZ DA CRIANÇA

Tubarão

2010

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MARILÉIA MENDES GOULART

ESCOLA E INFÂNCIA:

A VOZ DA CRIANÇA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador Prof. Clóvis Nicanor Kassick, Dr.

Tubarão

2010

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - MESTRADO

“ESCOLA E INFÂNCIA:

A VOZ DA CRIANÇA”

Mestrando(a): MARILÉIA MENDES GOULART

APROVADO PELA COMISSÃO EXAMINADORA em ____/____/_______.

Dr. Clóvis Nicanor Kassick (Orientador) ________________________________________ Dra. Vera Lúcia Chacon Valença (Examinador) __________________________________ Dr. Ilana Laterman (Examinador Externo) _______________________________________ Dra. Leonete Schmidt (Examinador Suplente) ____________________________________ Greicy Bathke (Assistente Acadêmica) __________________________________________

_______________________________________________ Professora Doutora Maria da Graça Nóbrega Bollmann

Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado Portaria GR nº708/2007

Tubarão, Santa Catarina, outubro de 2010. Campus Tubarão – Sede: Av. José Acácio Moreira, 787 – Cx. Postal 370 – 88704-900 Tubarão – SC – Fone: (48) 621-3000 Campus Araranguá: Rodovia Gov. Jorge Lacerda, 3201 – Jardim das Avenidas – 88900-000 Araranguá – SC – Fone: (48) 521-3000 Campus Grande Florianópolis: - Rua Prefeito Reinoldo Alves, 25 – Bairro Passa Vinte – Fazenda Pedra Branca – 88132-000 Palhoça – SC – Fone: (48) 279-1000 - Rua João Pereira dos Santos, 303 – Bairro Ponte do Imaruim – 88130-475 Palhoça – SC – Fone: (48) 279-1500 Campus Imbituba: Rua Santana, 937 – Portal da Vila – Vila Nova – 88780-000 Imbituba – SC – Fone: (48) 255-0691 Campus Braço do Norte: Rodovia SC 482, Km 05 – 88750-000 Braço do Norte – SC – Fone: (48) 658-7249 Campus Içara: Rua Marcos Rovaris, 309 – Centro – 88820-000 Içara – SC – Fone: (48) 432-4595 Campus Norte da Ilha: Rodovia SC, 401 – Km 19 – 88050-001 – Florianópolis – SC – Fone: (48) 261-0000 Home page: http://www.unisul.br

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É preciso inverter o olhar que se tem sobre a infância, pensar a infância a partir de uma outra lógica. A partir do que ela tem e não do que lhe falta. Como presença e não como ausência. Como afirmação e não como negação. Como força e não como incapacidade. Essa mudança de percepção vai gerar outras mudanças nos espaços outorgados à infância no pensamento e nas instituições pensadas para ela. (KOHAN, 2008, p. 41).

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AGRADEÇO...

A todas as pessoas que dão significado a minha vida e que tornaram

possível este trabalho.

Ao Prof. Dr. Clóvis Nicanor Kassick, pela orientação recebida, por

acreditar em minhas potencialidades, por não modificar a rota de minhas pegadas,

por, simplesmente, deixar-me caminhar.

Às crianças da Escola campo da pesquisa, que sempre me receberam

com alegria, e que, com suas falas, seus olhares, me ensinaram um pouco mais

sobre a condição de ser criança e viver a infância na escola.

Aos educadores da Escola campo da pesquisa que, de uma forma ou de

outra, contribuíram para que o meu olhar sobre a escola fosse ampliado.

Especialmente, a Eliane e a Cléria que, gentilmente, se dispuseram a conversar

sobre a pesquisa e, ao conhecerem o foco da mesma, se propuseram a discutir mais

a infância.

Às Professoras Doutoras, Ilana Latermann, Leonete Schmidt e Vera Lúcia

Chacon Valença, por aceitarem o convite para participar em banca de defesa, além

das contribuições dadas durante o processo de qualificação.

As minhas valiosas amigas: Rô, Márcia, Malú, Maris, Sílvia, Erly, Teca e

Rosinete que ouviram meus desabafos, minhas angústias e vibraram com minhas

conquistas. Com elas muito aprendi.

À querida Luciane que, carinhosamente, dividiu cada etapa desta

dissertação, ouvindo, sugerindo e incentivando.

A Carla Vasquez e Rosa Batista, pela contribuição para um olhar mais

apurado sobre a infância.

Especialmente a Olga, amiga, confidente, companheira, fortalecedora,

inspiradora, que acompanhou esta pesquisadora, suavizando a trajetória.

Às colegas que me auxiliaram na correção metodológica-científica,

Cristiane e Priscilla; à Janete pela revisão gramatical; à Sara pelo estímulo

constante.

Aos meus filhos Jackson, Rodolfo, Jhonatan e minha nora Leidiane por

terem entendido as minhas ausências, ainda, que estando presente.

Ao meu esposo “Zê”, pelo apoio, confiança, companheirismo e pelo seu

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amor incondicional. É bom sentir que és parte de mim.

A minha mãe, por ter me ensinado que as coisas mais simples são as

mais essenciais; e ao meu pai que, nas suas atitudes, me diz que o “riso” e as

“lágrimas”, dão sabor à existência. Acima de tudo agradeço-lhes, porque estiveram

de braços abertos para me apoiar sempre que precisei.

A minha família querida: meus cunhados, afilhados, sobrinhos, sobretudo

às minhas irmãs, Marilene, Maristela e Marlei, que mesmo sem entender o porquê

de tanta dedicação e ausência, vibram e torcem por minhas conquistas, afinal,

somos parte de uma mesma história de amor, que começou há muitos anos.

A todos que viveram comigo a busca e o sonho realizado, meu eterno

agradecimento. Vocês são essenciais!

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RESUMO

A infância vem sendo discutida e vista como categoria cultural e social, ela traz

consigo a necessidade de se estudar o modo como as escolas vêm se organizando

para incluí-la em seu cotidiano. Por isso, a presente pesquisa tem a intenção de

investigar se o tempo e o espaço escolar são pensados para as crianças e quais

concepções de infância estão presentes nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

A pesquisa foi realizada em uma escola pública da rede estadual utilizando-se a

metodologia de estudo de caso, com inspiração etnográfica. Como recurso

metodológico utilizou-se, observações, entrevistas, gravações e registros

fotográficos realizados com 16 crianças da 4ª série do Ensino Fundamental. Essa

pesquisa procurou dar visibilidade ao pensamento das crianças, como subsídios

para pensarmos os espaços e tempos fundamentados na alteridade da infância. Por

meio do olhar e da voz das crianças, verificou-se que as mesmas, ainda não são

vistas como uma categoria social e, como tal, não participam como atores sociais na

organização do cotidiano escolar. Contudo, os educadores buscam da melhor forma

possível qualificar o ensino. A pesquisa permitiu compreender com mais amplitude

os sujeitos que ocupam o espaço escolar, enquanto alunos e enquanto infância, não

de forma isolada e dicotomizada, ora um, ora outro, mas, a infância e a alunância

partilhando o mesmo tempo e o mesmo espaço. Finalmente, conhecer a escola e

“ouvir” a criança permitiu perceber que as questões sobre a infância e a criança

precisam ser revistas não só pelos profissionais em exercício nas escolas, mas,

sobretudo, pelas instituições, responsáveis pela formação de professores.

Palavras-chave: Infância/Criança. Alunância. Tempo/Espaço Escolar.

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ABSTRACT

Childhood has been debated and seen as a social and cultural category; since it

brings about the necessity of studying the way schools have been organizing

themselves in order to include childhood in their everyday practice. For this purpose,

the following study aims to investigate if school time and space are thought having in

mind its children, and which conceptions of childhood are presented throughout the

first grades within the Elementary school. This research was carried out in a state

public school within a case study and ethnographic framework. Field observation,

interviews, tape and photographic records of 16 children from the 4th grade were

made. This research attempted to highlight children’s way of thinking as a means to

provide elements which might allow us to reflect on space and time, grounded on the

alterity in childhood. Through these children’s voices and views it was verified that

they are not seen as a social category and, as such they are not social actors within

the school everyday practice organization. Besides, it was possible to comprehend

the subjects which encompass the school space more broadly, not only as students

and children under an isolated and dichotomized perspective, but having their

childhood and ‘school-hood’ sharing the same space and time. Finally, it is important

to stress that getting to know a school and to listen to a child disclosed the fact that

issues regarding children and their childhood must be reflected upon not only by the

school workers in the classrooms, but chiefly by the institutions which are in charge

of teacher education.

Key-words: Childhoo. Child. School-hood. Time-School Space.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1 - Primeira experiência profissional. ...................................................... 14

Fotografia 2 - Trabalho com escola multisseriada. ................................................... 15

Fotografia 3 - Pré Escolar.......................................................................................... 16

Fotografia 4 - Imagem cedida pela escola................................................................. 25

Fotografia 5 - Registrada, pelo Diretor a pedido deste grupo de crianças.

Pediram para registrar o grupo comigo. .................................................................. 26

Figura 1 - Ara Pacis. .................................................................................................. 38

Figura 2 - As meninas de Velasquez, 1656. .............................................................. 38

Figura 3 - Adulto em miniatura .................................................................................. 39

Figura 4 - Retratos de infâncias. ............................................................................... 49

Figura 5 - Controle moral e cultural dos alunos ......................................................... 68

Figura 6 - Saída para o recreio (década de 1970). .................................................... 73

Fotografia 6 - Escola pesquisada novembro de 2009. Registro feito por um aluno

do 4° ano. .................................................................................................................. 73

Figura 7 - Homogeneizando crianças e jovens. ........................................................ 75

Figura 8 - Amarras da escola. ................................................................................... 76

Fotografia 7 - Portão lateral ....................................................................................... 86

Fotografia 8 - Portão da frente .................................................................................. 86

Fotografia 9 - Portão lateral ....................................................................................... 88

Fotografia 10 - Frente da escola ............................................................................... 92

Fotografia 11 - Lateral e fundos ................................................................................ 92

Figura 9 – Organização espacial da sala de aula ..................................................... 98

Fotografia 12 - Decoração da sala de aula................................................................ 98

Fotografia 13 - O melhor lugar da escola. ................................................................ 99

Fotografia 14 - Refeitório ......................................................................................... 107

Fotografia 15 - Pátio interno .................................................................................... 107

Fotografia 16 - Mural ............................................................................................... 109

Fotografia 17 - Biblioteca......................................................................................... 110

Fotografia 18 - Brincadeiras .................................................................................... 111

Fotografia 19 - Espaços de brincadeira .................................................................. 112

Fotografia 20 - A sala de aula ................................................................................ 114

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Fotografia 21 - Banco do pátio – Ali é um momento de recreio que a gente

relaxa. Pensa, brinca um pouquinho. Às vezes em casa não é muito bom,

porque tenho que ajudar a mãe e daí não gosto. ................................................... 122

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Cronograma de aulas. ............................................................................. 94

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SUMÁRIO

1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA .................................................................. 13

1.1 FIOS QUE TECEM A PRESENTE HISTÓRIA .................................................... 13

1.2 CAMINHOS METODOLÓGICOS ........................................................................ 22

2 INFÂNCIA: MÚLTIPLOS OLHARES ..................................................................... 30

2.1 A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE INFÂNCIA: ENFOQUE FILOSOFICO ............ 31

2.2 OS LUGARES DA CRIANÇA: O OLHAR DA HISTÓRIA ................................... 36

2.2.1 A infância na modernidade ............................................................................ 40

2.3 CONTEMPORANEIDADE: O SUJEITO DE DIREITO NO ENFOQUE

SOCIOLÓGICO ........................................................................................................ 46

2.4 PSICOLOGIA: (DES) CAMINHOS ... .................................................................. 53

3 ESCOLA, QUE ESPAÇO/LUGAR É ESTE? DA ARQUITETURA FÍSICA À ORGANIZACIONAL.................................................................................................. 63

3.1 TEMPO E ESPAÇO/LUGAR DA ESCOLA: LIMITES OU POSSIBLIDADES? ... 69

3.2 A ESCOLA COMO LUGAR DA INFÂNCIA ........................................................ 78

4 A VOZ E O OLHAR DAS CRIANÇAS ................................................................... 84

4.1 PRIMEIRAS IMPRESSÕES: MINHA CHEGADA À ESCOLA ............................ 85

4.1.2 A escola: um pouco de sua história ............................................................. 89

4.2 PRIMEIROS ENCONTROS ............................................................................... 96

4.3 AS CONVERSAS... .......................................................................................... 103

4.4 RETRATOS DO COTIDIANO: IMAGENS ... LUGARES... MOVIMENTOS... .... 104

4.4.1 Espaço/lugar-prazer... ................................................................................. 107 4.4.2 Espaço-posição-expo-sição ....................................................................... 109 4.4.3 Espaço/lugar-comunicação... ...................................................................... 110

4.4.4 Espaço/lugar-solidão... Espaço/lugar-introspecção... .............................. 111 4.4.5 Espaço-inerte... espaço-produção... .......................................................... 114 4.4.6 Arquitetura infantil: da utopia à realidade .................................................. 117 5 PARA FINALIZAR OU PARA INICIAR? ............................................................. 126

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 132 APÊNDICES ........................................................................................................... 137 APÊNDICE A – Roteiro da entrevista ................................................................... 138 ANEXOS ................................................................................................................. 139

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ANEXO A – Resposta das entrevistas - dezembro de 2009 ............................... 140

ANEXOB – Planta Baixa ........................................................................................ 148 ANEXO C – Texto da escola ................................................................................. 152

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1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

1.1 FIOS QUE TECEM A PRESENTE HISTÓRIA

[...] mire, veja: o mais importante e bonito do mundo é isto; que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. (ROSA, 1984).

Entre bonecas, casinha, loucinhas, havia também lápis, cadernos e uma

alegria imensa por descobrir as letras, os livros e as cores que eles continham.

Nesse contexto, junto com minhas irmãs mais novas, eu começava o encantamento

por ensinar. Elas queriam brincar de outras coisas e eu queria brincar de ‘escolinha’.

Foi assim que alfabetizei pela primeira vez. Quando percebi, minha irmã, aos cinco

anos, já estava lendo. Numa época em que as crianças dessa idade não iam à

escola.

Minha paixão pela educação e por ensinar parece sempre ter existido,

nunca cogitei ser outra coisa se não educadora. Lembro que em 1981, aos

dezesseis anos, quando fazia o então, 2°Grau em Magistério de 1ª a 4ª série, surgiu

a oportunidade de trabalhar com crianças de 6 a 10 anos, alunos de 1ª a 4ª série do

1°Grau, através de um programa de governo, implementado pela prefeitura. O

objetivo era atender as crianças no período em que não estavam na escola e

promover ações para a melhoria da qualidade do ensino. Procurava, da melhor

forma, planejar metodologias diferenciadas para auxiliá-las nas tarefas da escola,

organizava oficina de brinquedos e brincadeiras e comemorávamos as chamadas

efemérides. Como eram muitos alunos e de todas as séries, uns ajudavam os

outros, às vezes, os maiores ajudavam os menores, outras vezes, eram agrupados

por séries iguais. As atividades sugeridas, como quase todas nessa época, eram

sempre com a intenção de que as crianças reproduzissem aquilo que era proposto.

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Fotografia 1 - Primeira experiência profissional. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 1981.

Em 1985, houve concurso para efetivar professores na Rede Pública

Estadual de Ensino, realizei a prova e fui aprovada. A escola para a qual fui

designada não era uma instituição comum, era uma sala de aula multisseriada.

Todos estudavam juntos na mesma sala de aula que era composta por 10 alunos.

Dois estavam na primeira série, três na segunda, um na terceira e quatro na quarta-

série do 1° Grau. Os desafios foram imensos, pois diferente da experiência anterior,

agora parecia que eu tinha de dar conta do conhecimento. A escola era uma

pequena casa, tinha somente uma sala de aula e uma cozinha.

Passado o susto inicial, lancei-me ao desafio de fazer daquele lugar o

melhor possível para aquelas crianças que viviam tão distantes da realidade das

crianças da cidade. Levei para a sala de aula todos os livros, gibis e revistas que

consegui, pois lá não havia nenhum material didático disponível. Assim, como na

experiência anterior, o fato de todas as crianças estarem juntas na mesma sala não

impedia de haver aprendizagem, mas, do contrário, contribuía, pois se ajudavam

mutuamente.

Lembro com saudades. Fizemos uma horta com a ajuda dos pais e logo

tínhamos verduras e temperos para fazermos o lanche. As crianças participavam de

muitas coisas que as da cidade nem sabiam existirem. Criamos um laço afetivo,

inigualável. De manhã, aconteciam às aulas, à tarde elas vinham novamente para a

escola, cuidávamos da horta, limpávamos a escola e juntos fazíamos a tarefa.

Algumas vezes, íamos juntos visitar as famílias dos alunos. Ao final do ano, todos

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foram aprovados e segundo os pais, pela primeira vez, eles gostaram de ir à escola.

No ano seguinte, por causa da distância, fui para outra escola, mas as lembranças

dessa experiência única ficaram para sempre.

Fotografia 2 - Trabalho com escola multisseriada. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 1985.

Posteriormente, atuei em escolas de Ensino Fundamental com primeira e

segunda séries, durante mais sete anos. Querendo conhecer um pouco mais a

Educação Infantil e outras formas de alfabetizar que não fossem através de cartilhas,

que nesta época era a metodologia adotada na escola, solicitei à diretora para

lecionar na pré-escola.

Na educação infantil, tive a possibilidade de ver as crianças brincando no

parque e vivendo com muita intensidade sua imaginação e sua ludicidade, através

da proposição de atividades em que elas interagiam com todas as linguagens, ainda

que o objetivo fosse que estivessem prontas para a leitura e a escrita ao final do

ano. Só que, aqui, eu conseguia desafiá-las a pensar, a duvidar, a explorar este

mundo letrado sem muita pressa.

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Fotografia 3 - Pré Escolar Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 1993.

Passados dois anos, deparei-me com outros desafios que foram surgindo

sucessivamente. Passo a trabalhar na gestão escolar, como secretária de escola;

como Consultora Educacional da Gerência Estadual de Ensino; na coordenação

pedagógica Educação Infantil ao Ensino Médio de uma escola particular, e,

atualmente, atuando como coordenadora e professora do Curso de Pedagogia e de

Licenciatura em Educação Especial da Universidade do Sul de Santa Catarina -

UNISUL. Essas outras funções me deram a oportunidade de visualizar a escola

como uma rede de relações.

Durante todo esse trajeto, em minhas reflexões, permeavam a

preocupação com “o que ensinar” e “como ensinar”, para que todos tivessem acesso

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igualitário ao saber, como se esse dependesse única e exclusivamente da instituição

escola. Minhas discussões, nesse momento, não me permitiam ver que, o fato de

dar as mesmas condições a todos sem perceber suas diferenças individuais,

contribuíam para que as desigualdades configuradas pelas questões das diferenças

sócio-econômicas e culturais continuavam, e/ou eram exacerbadas, ainda no

momento de sua saída da escola.

Nessa perspectiva, convém relembrar que, dados do MEC/INEP (BRASIL,

2004) apontam que 97% das crianças, em idade escolar, estão matriculadas no

Ensino Fundamental o que significa um avanço na democratização do ensino. No

entanto, temos indicadores de que, do número total de crianças de 7 a 14 anos,

mais ou menos 2,8 milhões estão trabalhando, e que cerca de 800 mil dessas

crianças estão envolvidas em formas degradantes de buscar meios de

sobrevivência, inclusive, a prostituição infantil. Se houve avanço em relação à

democratização do acesso e da permanência das crianças, ainda há o desafio de

garantir que seus direitos sejam respeitados.

Para Petitat (1994), a escola promove uma articulação seletiva dos

conjuntos culturais e dos grupos sociais e participa de sua produção e de sua

reprodução. Assim, nos vários momentos da história, ela assegurou desagregação e

corroborou com a diferenciação entre gerações de escolares e entre trabalhadores

intelectuais e manuais. Penso que a escola é uma instituição que, quando sem

reflexão e sem o questionamento de sua rotina, consolida as ideologias perpetuadas

na sociedade.

Sabe-se que a mudança dos dados acima não depende somente da

escola, mas o que se propõe é que as crianças e jovens tenham garantido, não

apenas acesso, mas uma educação de qualidade, em que a diversidade seja uma

possibilidade de construção de um mundo mais solidário. Nessa perspectiva, deve-

se levar em consideração a afirmação de Charlot (1986, p. 305), de que: “O papel de

uma óptica social em pedagogia é precisamente pôr fim à ambiguidade e mostrar

que não é preciso simplesmente adaptar a educação à sociedade, mas repensar, ao

mesmo tempo, a educação e a sociedade”.

A escola não pode perder de vista sua função social, ou seja, ao que ela

se propõe: democratizar e socializar os conhecimentos. Essa tarefa não é simples,

nem fácil, pois precisa de comprometimento e compromisso para além da

transmissão de conteúdos. Isso demanda a organização de um processo de

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aprendizagem que possibilite ao aluno a apropriação e o domínio dos saberes

trabalhados. Exige também políticas públicas articuladas que tragam as condições

reais para a escola.

Nesse sentido, algumas questões continuam a me inquietar, como

também, a muitos educadores: como oferecer condições de aprendizagem para as

crianças das classes menos favorecidas se a escola parte do pressuposto de que

dar tratamento igual a todas as crianças é condição para a democracia? Tratar os

desiguais, igualmente, significa, objetivamente, aprofundar as diferenças de entrada,

na saída? Se a escola é o lugar das desigualdades, por que ainda continuamos a

trabalhar num processo de formatação para os iguais? Não deveria a escola ter

espaço diferenciado para atender as singularidades? Como dar conta das diferenças

sociais num espaço organizado de forma tão igual? Esses questionamentos,

automaticamente, nos levam a outro: como tem sido a formação dos educadores?

Para a diversidade ou para a igualdade? A diversidade é um conceito que vem

sendo difundido na política nacional atual como forma de minimizar a exclusão. No

entanto, apesar do discurso de convivência com diferenças, ainda se vivem a

opressão e a indiferença a ela.

Rodrigues (1987, p. 90), faz uma critica à escola como instrumento de

manutenção das relações sociais dos setores mais privilegiados da sociedade

impondo a ela um desafio:

Que a escola não seja um lugar onde se reproduzem as injustiças e as estruturas ditatoriais do mandonismo. Devemos permitir que ela seja atravessada pelo desejo da participação de toda a sociedade, e que, nas nossas reuniões com pais, alunos, serventes, funcionários, diretores e especialistas, nos despojemos de nossas posições hierárquicas, para que haja um congraçamento de intenções, já que o objetivo de todos é realizar a melhor educação possível. Devemos ainda fazer todo o esforço para que esse espírito de solidariedade, de cooperação, de compreensão e de entendimento possa permear as nossas ações.

Ao fazer tal anúncio, Rodrigues não tem a intenção de afirmar que a

escola vai mudar as estruturas de uma sociedade, mas ela pode construir ou tecer

relações sólidas que, “incorporadas à conquista social, talvez se transformem em

meta para a sociedade”. Além disso, o autor traz o conceito da participação de

todos, incluindo alunos. Concordo com essa ideia, pois ao discutir os problemas e

buscar soluções compartilhadas, deixamos de hierarquizar as ações no cotidiano da

escola. Ressalto, porém, que alunos, não são somente os que estão nas 5ªs a 8ªs

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séries do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio, mas todos, incluindo os que

frequentam, tanto a Educação Infantil, quanto as séries iniciais do Ensino

Fundamental.

Ao trabalhar com a formação de educadores na Gerência de Ensino,

GERED, entre 2001 a 2004, pude perceber que a critica à escola é algo

permanente. Senti angústia nas falas dos professores, pois permeia nas mesmas,

sentimentos de impotência e descrédito em relação às ações que precisam ser

estabelecidas no espaço escolar para que se alcancem os objetivos propostos

quanto a uma aprendizagem de qualidade. Pude perceber também que, nas

tentativas de envolver alunos em conselhos de classe participativos ou outras ações,

as crianças do infantil e de 1ª a 4ª série não eram envolvidas. Penso que essas

ações nos dão uma breve noção de que a infância precisa chegar ao estatus de

adulto, para ter voz nas decisões.

Em maio de 2010, ao realizar uma formação sobre avaliação do processo

de aprendizagem com os educadores de uma escola estadual de Garopaba, SC,

antes de iniciar as discussões, tive de ouvir os desabafos, as indignações, para

depois estabelecer um diálogo. A primeira fala que ouvi foi: “como ensinar meninos e

meninas que não vem para escola?”, “como ouvir a criança que é espancada, que

vê os pais usando droga ou num conflito constante?".

Não foi fácil responder a tamanho descontentamento desses professores.

Iniciei dizendo a eles que esses dados nos dão pistas de que é preciso pensar na

diversidade; que a ideia de ensinar a todos de forma igual ou dar a todos as mesmas

condições de aprendizagem é algo utópico, em função das diferenças sociais e

individuais. Disse, ainda, que não há respostas prontas e acabadas, mas que na

discussão, no confronto e no conflito, poderíamos encontrar alguns caminhos. E,

reforçando afirmações já citadas anteriormente, enfatizei que democratizar não tem

a ver somente com a obrigatoriedade do ingresso que traz todos à escola como

preveem as políticas públicas e legislações, mas sim, com a busca de diferentes

atividades que atendam as diferenças de suas individualidades, possibilitando a

todos a construção de conhecimento.

Por isso, é preciso que a escola comece a se ancorar ou a dialogar com

todas as ciências, e não somente com a psicologia, como o foi em tantas épocas. É

preciso trazer, também, para nossas discussões, a sociologia, a filosofia, a

antropologia e a psicologia histórico-cultural. Ao dialogar com todas essas ciências,

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abre-se a possibilidade de um novo olhar para os espaços escolares e para os

sujeitos imbricados nesse ambiente.

Esse novo olhar vai nos permitir compreender com mais amplitude os

sujeitos que lá estão enquanto alunos e enquanto infância, não de forma isolada e

dicotomizada, ora um, ora outro, mas, a infância e a alunância partilhando o mesmo

tempo e o mesmo espaço. Essa é uma das apostas da presente pesquisa.

Nos últimos anos, trabalhando no curso de Pedagogia nas disciplinas de

Estágio e Organização do Cotidiano nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, surge

a necessidade de ampliar o foco das discussões, pensando a partir dos

questionamentos: quem são os alunos? Que concepção de infância perpassa as

ações e a organização dos anos iniciais do Ensino Fundamental? Como as crianças

são tratadas no interior da escola? Qual o tipo de relação existente entre adulto e

criança? Como os adultos organizam o tempo e o espaço escolar para as crianças?

São elas sujeito de direito? Qual a participação das mesmas na escola? Tem-se

levado em conta suas diferenças e necessidades?

Se a infância vem sendo discutida e vista como categoria cultural e social,

ela traz consigo a necessidade de se estudar o modo como as escolas vêm se

organizando para incluí-la em seu cotidiano. Começo, então, a pesquisar e a estudar

a infância, uma vez que é ela que ocupa o espaço das escolas nos anos iniciais.

Diante do exposto, apresento as questões que nortearam a realização

deste trabalho:

como os adultos organizam o tempo e o espaço escolar para as

crianças?

como a criança organizaria a sala de aula?

o que as crianças pensam a respeito da Organização Escola?

quais concepções de infância estão presentes nas séries iniciais do Ensino Fundamental?

A partir dos problemas levantados, trabalho com a possibilidade de que

os espaços da escola são pensados pelos adultos e para os adultos, e não para a

infância.

Para nortear o presente estudo, foram estabelecidos os seguintes

objetivos:

1. identificar como os adultos organizam o tempo e o espaço escolar para as crianças.

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2. verificar em quais espaços da escola as crianças ampliam suas relações

culturais. 3. observar a forma como as crianças ocupam o espaço/tempo na

instituição. 4. ouvir a criança sobre como ela organizaria os espaços de aprendizagem.

5. identificar as concepções de infância que estão presentes nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Dessa forma, minha intenção é refletir sobre o lugar que a infância ocupa na escola.

Trata-se de uma investigação que busca refletir sobre tais

questionamentos a partir do olhar e da voz das crianças. Conforme, nos aponta Cruz

(2008, p. 12).

Atualmente, essas concepções injustas em relação às crianças e prejudiciais para a qualidade dos serviços destinados a elas, coexistem com outras, que começam a permear e mesmo a justificar o discurso de alguns profissionais: idéias de criança como pessoa completa, competente, curiosa e criativa, com direito a ser ouvida e atendida nas suas necessidades específicas. Tais idéias vêm sendo gestadas em estudos, pesquisas e práticas de profissionais de várias áreas, os quais, por meio da escuta e do olhar sensíveis e livres de pré-conceitos, puderam ver e ouvir crianças concretas, vivas, reais.

A concepção de criança passa por mudanças, que vão do adulto em

miniatura, bibelô a sujeito de direitos. Essas mudanças exigem tempo, pois os

conceitos e atitudes foram sendo construídos gradativamente e estão enraizados

nos contextos escolares e familiares. Além disso, uma ruptura de paradigma exige

discussões, reflexões e pesquisas sobre como as crianças se relacionam, como

aprendem e se desenvolvem.

O que se propõe, através desta pesquisa, é que passemos a

compreender a infância como uma categoria social e as crianças como atores

sociais que participam e posicionam-se frente às experiências vivenciadas em seu

cotidiano.

Muito mais do que buscar respostas prontas e acabadas, a pesquisa tem

a finalidade de questionar, discutir e problematizar aquilo que é costumeiro ou

rotineiro nas escolas, ou seja, o fato de todos serem alunos, desconsiderando-se as

diferentes idades, sexo, culturas e histórias dos sujeitos que lá estão.

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1.2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Alguns pesquisadores como Sarmento (2004; 2008), Quinteiro (2000;

2002) e Kramer (2006) vêm discutindo questões referentes às pesquisas com as

quais buscam observar, ouvir, registrar e interpretar as representações sociais das

crianças no interior da escola. Esses pesquisadores falam sobre a necessidade de

se ouvir e interpretar as falas das crianças para se buscar “pistas” que contribuam

para modificar a dura realidade da escola e das crianças, em particular.

Tais autores apontam a etnografia como recurso mais adequado para o

registro dos testemunhos infantis, pois permite que o pesquisador adquira intimidade

com o campo e realize observações de longo alcance que oferecerão “pistas” sobre

as possibilidades e modos de coleta e análise de tais testemunhos.

A presente pesquisa foi iniciada com o levantamento bibliográfico a partir

de livros, dissertações, teses, artigos de periódicos em educação relacionados aos

conceitos de infância, criança, educação, escola, tempo e espaço da infância, tempo

e espaço escolares. Utilizei-me também de documentos tais como: Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional, Estatuto da Criança e do Adolescente e algumas

legislações nacionais e estaduais, que fundamentam a organização escolar.

Ao debruçar-me nos estudos da bibliografia levantada, pude identificar a

produção em relação à temática a ser investigada e, também, reafirmar a

importância dessa investigação, posto que a análise de tal produção mostrou que,

mesmo que alguns pesquisadores já tenham se preocupado com questões relativas

ao “tempo” e ao “espaço” da criança como sujeito de direitos, poucos relacionam o

tempo e o espaço da infância à escola, ou seja, há poucos estudos sobre a condição

social da infância no interior da escola no Ensino Fundamental.

Neste processo de aprofundamento e estudos sobre a história da escola e

da infância, percebi que era importante ter como referência as ciências da

Psicologia, da Sociologia, da Pedagogia, da Antropologia, da Filosofia e da História,

pois, dessa forma, poderia dar uma abrangência maior às discussões e

investigações sobre a escola e a relação entre a alunância, a infância e as

ideologias que permeiam o tema investigado. Outra área estudada foi a arquitetura

pelo fato de ela contribuir na análise do tempo e espaços escolares.

Durante esse processo, alguns autores foram sendo selecionados, tais

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como: Sarmento, Kramer, Gimeno Sacristan, Junqueira, entre outros que

subsidiaram a construção dos capítulos, conforme apresento:

Na área da Arquitetura, os trabalhos de Mayumi W. de Souza Lima. O estudo

dessa área será valorizado como uma forma de intervenção importante na

defesa dos direitos da criança, porque aborda discussões sobre o espaço da

escola.

Na área da Psicologia, para melhor compreender que atividades de

aprendizagem na infância devem estar imbuídas de criatividade, imaginação e

ludicidade, busquei Vigotsky, Leontiev.

Para compreender a infância como categoria social e histórica, o processo de

institucionalização do ensino e as questões referentes à organização do

espaço e do tempo escolar como processo histórico, valeram-me, Antonio

Viñao Frago, Augustín Escolano e Gimeno Sacristan.

Na área da Sociologia, para compreender a infância como construção cultural

e a criança como sujeito de direitos: Manuel Sarmento, Florestam Fernandes

e Walter Benjamin.

Na área da Pedagogia, para compreender os processos escolares, Miguel

Arroyo, Bernard Charlot, André Petitat e outros.

Entre leituras, análise de textos e produções escritas inicio as

investigações para melhor entender a realidade social escolhida e compreender o

tempo e o espaço da infância no interior da escola pública.

Tendo por base as discussões citadas acima, opto por uma pesquisa de

estudo de caso, com inspiração etnográfica.

O estudo de Caso, segundo Motta (2009), se propõe a estudar uma

unidade-caso, que pode ser uma família, um indivíduo, um grupo, uma situação.

Para o autor, o estudo de caso exige sempre uma abordagem qualitativa, porque

acontece ‘por meio da observação direta das atividades grupo e de entrevistas com

informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo’

(GIL, 2002 apud MOTTA, 2009, p. 53).

Pelo fato de a pesquisa caracterizar-se como um estudo de caso, a

etnografia surge como possibilidade, pois neste método ‘há uma valorização da

observação participante e uma preocupação com a natureza da relação do

pesquisador com a população estudada. (DURKAN, 1986 apud DELGADO;

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MULLER, 2008).

Também para Rocha (2008, p. 48):

Do ponto de vista metodológico, as pesquisas com crianças passam a exigir que se dê mais atenção as duas dimensões da experiência social por meio de pesquisas do tipo etnográfico, que permitem captar o entorno social e as experiências das crianças como agentes e como receptores de outras instancias sociais – portanto, no contexto das relações com outros agentes.

Assim, me propus ir à escola para observar, registrar, fotografar o

cotidiano escolar, entrevistar as crianças, descrever as situações e os fatos do

cotidiano, pressupondo a construção de significados que envolvem tanto o meu

modo de olhar, quanto o modo de olhar dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Esses

procedimentos de pesquisa encontram ressonância em Delgado, quando enfatiza

que:

a entrada no terreno é crucial na etnografia, uma vez que um dos seus objetivos principais, enquanto método interpretativo, é o estabelecimento do estatuto de membro e a adoção de uma perspectiva ou ponto de vista “dos de dentro. (CORSARO, 2003 apud DELGADO; MULLER, 2008).

A pesquisa com crianças nos impõe muitos desafios. Precisamos dar

visibilidade à alteridade das infâncias, distinguindo as representações que estas

fazem do mundo em relação às representações dos adultos.

Delgado e Muller (2008, p. 155) em seus textos, apresentam o que

Sarmento aponta como equívoco na pesquisa com crianças:

1. o adultocentrismo – memórias e lembranças que temos de nossas

infâncias e que impossibilitam de olhar as crianças no presente; 2. o infantocentrismo – radicalidade que não nos permite vislumbrar que as

crianças interajam com os adultos; 3. o uniformismo – adultos que não consideram a diversidade dos grupos

infantis.

Para estas autoras, o desafio é romper com a visão hierarquizada entre

adulto e criança e considerá-la na sua singularidade. É preciso que o pesquisador

dispa-se de sua adultez para entender as falas, as interações, as reações da

criança, ou seja, sair de si mesmo, para ir ao encontro do outro, da criança, tal qual

afirma Silva, Barbosa e Kramer (2005, p. 47-48).

[...] consideramos que é preciso superar o mito do protagonismo infantil e analisar criticamente as mudanças nos papéis e nas formas de interação entre crianças e adultos, compreendendo a infância como categoria e as

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crianças como sujeitos empíricos em interação constante com crianças, jovens e adultos.

Por esse motivo, me propus a realizar uma pesquisa alicerçada na

observação e na escuta das crianças e, também, considerar a interação entre as

crianças e os adultos em diferentes contextos da escola. Uma vez que a escola não

é feita somente por adultos, nem somente por crianças, mas partilhada pelas duas

categorias geracionais.

Com essa compreensão, focalizei dois aspectos: o espaço e tempo que a

infância ocupa no cotidiano escolar, através da prática pedagógica dos adultos e o

que revelam as falas das crianças a respeito desse espaço/tempo.

Para realização da pesquisa, escolhi como campo uma escola pública

estadual que possui características semelhantes à maioria das escolas da rede

estadual e municipal, ou seja, com horários de entrada e saída determinados,

divididos em períodos matutinos ou vespertinos, matriz curricular, calendário e

diretrizes iguais, pois são determinadas legalmente. Outro fator relevante na escolha

do campo de pesquisa foi por já ter trabalhado nesta escola, de 1999 a 2001, como

Secretária e conhecer um pouco de sua história e do comprometimento dos

profissionais que lá atuam, na busca pela qualidade e excelência na educação,

tendo essa escola se constituído como referência para as demais escolas em

relação aos conselhos de classe participativos.

Fotografia 4 - Imagem cedida pela escola. Fonte: Escola Educação Básica Professora Angélica Cabral, 2010.

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Participaram da pesquisa 16 crianças da quarta série do Ensino

Fundamental. A escolha das crianças do quarto ano se deu porque estavam

terminando os anos iniciais do Ensino Fundamental e, em razão disso, possuírem

maior vivência (em relação às crianças das séries anteriores) na escola.

Fotografia 5 - Registrada, pelo Diretor a pedido deste grupo de crianças. Pediram para registrar o grupo comigo. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Através de visitas sistematizadas, a pesquisa seguiu os seguintes passos:

1. Primeiramente entrei em contato com a instituição para propor e apresentar a

pesquisa.

2. Após a concordância da instituição, apresentei o projeto de pesquisa às

crianças envolvidas para obter a participação e o consentimento das mesmas.

Apesar de considerar a criança um sujeito de direito, em função da legislação

que a considera dependente, legalmente, solicito também, autorização dos

pais ou responsáveis, por meio de assinatura de um Termo de

Consentimento, a fim de poder divulgar fotos e falas.

3. Num terceiro momento, comecei a participar do cotidiano vivenciado pelas

crianças no interior da instituição, por meio de visitas, previamente

agendadas. Essas visitas me permitiram assistir às aulas e participar do

recreio, momentos que aproveitei para vê-las e, sobretudo, ouvi-las.

4. Após o levantamento de dados, análise dos mesmos e elaboração inicial do

relatório das pesquisas, o mesmo foi socializado com seus protagonistas,

ocasião em que foi definida a forma pela qual eles seriam referenciados.

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Como instrumento metodológico para captação dos dados, utilizei:

Observação participante - observei de forma atenta as situações vividas pelas

crianças e as situações propostas pelos adultos, para concomitantemente, descrever

os fatos. Essa observação teve o intuito de focar as crianças como atores sociais

individuais competentes e aprender mais sobre as maneiras pelas quais elas se

relacionam no espaço escolar, entre seus pares e com os adultos, pois

Conhecer as crianças permite aprender mais sobre a maneira como a própria sociedade e a estrutura social dão conformidade às infâncias; sobre o que elas reproduzem das estruturas ou o que elas próprias produzem e transformam através da sua ação social; sobre os significados sociais que estão sendo socialmente aceites e transmitidos e sobre o modo como o homem e mais particularmente as crianças – como seres humanos novos, de pouca idade – constroem e transformam o significado das coisas e as próprias relações sociais. (ROCHA, 2008, p. 48).

Registro escrito – utilizando um caderno, como diário de bordo, registrei os

momentos das crianças na instituição, focando aspectos como: descrição do espaço

físico, dos sujeitos, do cotidiano, das reações e alterações no comportamento dos

adultos e das crianças, dos movimentos de entradas e saídas dos locais

pesquisados e das situações inusitadas que, vez por outra, acontecem nos locais.

Esse registro me permitiu a reflexão a qual Freire assim se refere:

Quando escrevemos, desenvolvemos nossa capacidade reflexiva sobre o que sabemos e o que ainda não dominamos. O ato de escrever nos obriga a formular perguntas, levantamento de hipoteses, onde vamos aprendendo mais e mais, tanto a formulá-las quanto a respondê-las [...] .Assim o registrar de sua reflexao cotidiana significa abrir-se para seu processo de aprendizagem. (FREIRE, 1996, p. 6).

Registro fotográfico - o registro fotográfico foi outro meio de apreender a realidade

investigada por meio de imagens. As imagens expressam um espaço/tempo e

situações vividas, de forma diferente da palavra escrita. Nesse item, saliento que, ao

iniciar a pesquisa, meu propósito era eu mesma fotografar os espaços da escola.

Porém, ao assistir a uma das aulas, a professora de classe contou aos alunos uma

história de Ana Maria Machado em que a personagem guardava fotos em um baú.

Nesse momento, percebi, nas crianças, um certo encantamento ao ouvirem falar

destas fotos, principalmente, quando começaram a escrever sobre o texto: aos

poucos vinham conversar comigo sobre suas fotos. Esse fato, que evidenciou o

interesse e curiosidade das crianças, fez surgir em mim outra ideia. Com o

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consentimento da professora, fiz uma proposta às crianças, sugerindo que

fotografassem os espaços da escola de que mais gostavam. Todas concordaram e

foi uma euforia geral. Por isso, o registro do espaço escolar, além de ter algumas

fotos feitas por mim, ainda tem as fotos que as crianças registraram.

Entrevista estruturada: para investigar o "ponto de vista" das crianças em relação

ao tempo e ao espaço da escola, fui entrevistando-as e gravando suas falas, de

modo a compreender o que pensam e dizem sobre o tema. A cada entrevista,

conversava com a criança, perguntava se poderíamos gravar nossa conversa,

deixava que ela ajudasse a ligar o gravador e, depois de realizada a entrevista,

ouvíamos juntas o que ela respondeu e perguntava-lhe se era aquilo mesmo que ela

queria dizer. (APÊNDICE A).

Na perspectiva de compreender as crianças como sujeitos de direitos,

além de requerer autorização dos adultos, pais e professores para realização da

pesquisa, também o fiz com as crianças. Ressalto que as crianças receberam todas

as explicações necessárias, e que tiveram a opção de participarem ou não, tanto da

pesquisa, quanto da divulgação da mesma.

Houve também um momento para sistematização da pesquisa, durante o

qual foram apresentados, para todas as crianças juntas, os registros fotográficos e

as respostas dadas, para que discutissem juntamente com a pesquisadora sobre os

mesmos.

A partir da seleção e edição das imagens coletadas e das entrevistas

realizadas, defini as categorias de análise, conforme é indicado nas pesquisas

qualitativas em educação. Passei a participar das atividades acima descritas,

interagindo tanto com os adultos, quanto com as crianças, em diversos momentos e

espaços, de modo a apreender a complexidade daquela instituição, conforme será

descrito em capítulos posteriores.

Para além dos limites e desafios identificados no decorrer desta pesquisa,

este texto reflete a minha trajetória, tanto profissional como intelectual e encontra-se

organizado em quatro capítulos:

No capítulo 1 – contextualizo a pesquisa e apresento a metodologia,

através dos fios que tecem a presente história.

No capítulo 2 - Os múltiplos olhares sobre a infância, apresento

conceitos e ideias sobre aquilo que alguns pesquisadores e estudiosos têm discutido

sobre a infância e a criança em cada tempo histórico e nas diversas áreas do

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conhecimento.

No capítulo 3, Escola que Espaço e Tempo é esse?, procuro analisar o

processo histórico da escola e sua função social enquanto espaço que acolhe a

infância em nossos tempos. Discuto os aspectos históricos, sociológicos e

arquitetônicos dos tempos e dos espaços escolares, bem como questões

relacionadas à qualidade funcional e organizacional constitutiva desses espaços. No capítulo 4, A voz e o olhar das crianças, busco caracterizar a Escola

- Campo, por meio dos registros fotográficos realizados pelas crianças; pela

observação e análise das aulas e falas de adultos e profissionais da escola. Nesse

momento, trago as falas das crianças da escola investigada para que, por meio de

seu olhar, mostrem o que é estar na escola, o que mais gostam dela, quais os

espaços de que mais gostam e porquê, como percebem e vivenciam os diversos

tempos e espaços nesta escola e o que gostariam de mudar.

Ao final, faço considerações sobre as dificuldades encontradas, apresento

resultados e reafirmo a capacidade que as crianças apresentam em falar de forma

coerente sobre si mesmas e sobre o mundo ao seu redor. Além disso, ressalto a

necessidade da participação da criança nos processos de discussão e mudanças da

estrutura espaço-temporal das escolas públicas que requerem, por sua vez, uma

mudança de postura por parte do adulto, para que possa escutar as manifestações

infantis. Por fim, faço algumas considerações a respeito das possibilidades da escola

vir a se tornar um espaço construído e organizado com a participação das crianças,

respeitando-as enquanto sujeito de direitos.

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2 INFÂNCIA: MÚLTIPLOS OLHARES

Há um lugar, um pequeno lugar, tão pequeno como uma casinha de vidro na floresta em cima do alfinete, disse a criança. É lá que eu guardei a minha pena da cara de todos. Esta criança vai deixar de sorrir, disse o Medidor de Crianças. [...]. Há um lugar, um pequeno lugar tão pequeno como o ovo azul do bicho da seda, disse a criança. É lá que eu guardei o meu amigo. Esta criança vai deixar de falar, disse o Medidor de Crianças. [...]. Há um lugar, um pequeno lugar tão pequeno como a pedra de açúcar que a mosca leva para os seus filhinhos partirem e fazerem espelhos, disse a criança. É lá que eu guardei a minha mãe. Esta criança morreu, disse o Medidor de Crianças. Há um lugar, um pequeno lugar tão pequeno como a bolha de sumo dentro do gomo da tangerina, disse a criança. É lá que eu me guardei e comi-o e passou para o dentro do dentro do mais pequeno dos buracos do meu coração. Esta criança acabou, disse o Medidor de Crianças. É preciso fazer outra. (COSTA, 1973 apud SARMENTO; CERISARA, 2004, p. 9).

A poesia de Maria Velho da Costa trata da presença das crianças no

mundo, da sua capacidade imagética e a sua forma de relacionar-se com as coisas.

Ao mesmo tempo, traz o “Medidor de Criança”, o adulto, que cerceia a infância

propondo a elas um vir-a-ser, como se houvesse a necessidade de transformá-la em

ou para algo, assim como se refere o Medidor, “Esta criança acabou [...] É preciso

fazer outra.”

Por um longo período de tempo, a infância foi vista como algo inacabado,

como veremos nas discussões apresentadas. A ideologia de criança que precisa ser

transformada pelo adulto permeou e ainda permeia o ideário pedagógico e filosófico

de muitos discursos da modernidade. O desafio é pensar a infância por outra lógica,

a partir daquilo que ela tem e não daquilo que lhe falta. Sob este enfoque, podemos

pensar uma escolarização que veja a infância como categoria social e as crianças

como membros ativos da sociedade e das instituições das quais participam.

A re-construção histórica da infância, da Idade Média até a Idade

Contemporânea tem a intenção de nos fazer perceber como o sentimento de

infância foi se constituindo com as ideias e práticas de cada tempo e espaço. Ao

discutir a infância a partir das diversas concepções, a pesquisa procura situá-la

como categoria social e como categoria da história humana: infância entendida como

um período da história de cada um, que se estende, na sociedade ocidental

contemporânea, do nascimento até, aproximadamente, dez anos de idade.

(KRAMER, 2006). É preciso refletir sobre o significado desta categoria social que é a

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infância, para torná-la sujeito de direitos em nossas ações cotidianas.

Como apresentado na poesia, o desafio é pensar sobre o lugar da

infância na contemporaneidade e, sobretudo, do lugar que a criança ocupa nos

espaços em que convive. Para compreender os modos de ser da criança e o lugar

que ela constrói, a partir das relações que estabelece com seus pares e com suas

culturas, é preciso contextualizá-la no tempo e no espaço, pois os conceitos de

infância e criança estão intimamente ligados ao lugar social e às transformações e

orientações dos modos de ser desta categoria social ao longo dos tempos. O

presente capítulo tem por intenção situar a infância e a criança a partir do olhar de

diversas ciências, entre elas, a Sociologia, a História, a Filosofia e a Psicologia,

tecendo, entre estas, algumas considerações Pedagógicas e Antropológicas

2.1 A CONSTRUÇÃO DA IDEIA DE INFÂNCIA: ENFOQUE FILOSOFICO

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspido fogo lendo fotonovela. A mãe botou-o de castigo,mas na semana seguinte, ele veio contando que caíra no pátio da escola, um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez, Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça: - não a nada a fazer, Dona Colo. Este menino é um caso de poesia. (ANDRADE, 2003, p. 44).

Na poesia de Drummond, aparece a capacidade que a criança possui de

romper com as rotinas cristalizadas pelo mundo adulto e ir além dos limites do real,

através da sensibilidade e da capacidade imagética que possui. Esta singularidade

nem sempre foi observada ou entendida, conforme podemos verificar através de um

recorte filosófico.

Segundo Kohan (2008), um detalhe interessante oferecido pela

etimologia, é que os gregos antigos, que inventaram a filosofia na forma como hoje a

pensamos e praticamos, os mesmos que inventaram a Paideia e tantas outras

palavras, não inventaram a palavra infância. Os filósofos gregos não sentiram

necessidade de inventar a palavra infância. O que existiam eram várias palavras

para denominar criança. Três delas podem ser destacadas: ‘téknon’, que significa

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dar a luz, parir, marca a filiação. A outra palavra é ‘paîs’, que deu origem a palavras

como: pater, quem alimenta, pai; e paidagogós, quem conduz a criança, ou a mais

abstrata Paidéia, que significava cultura e educação. A terceira palavra era ‘neos’,

que significava literalmente jovem, recente. Assim, para se referir às crianças, os

gregos recorreram a três campos semânticos: o primeiro ligado ao nascimento, o

segundo à alimentação e o terceiro à criação, a mudança ou a novidade.

Ainda, para o mesmo autor, infância é uma palavra latina que nasceu há

mais de vinte séculos e sua etimologia está relacionada às normas e ao direito.

Etimologicamente, um indivíduo de pouca idade é denominado “in-fans”. Esse termo

está formado por um prefixo privativo de in e fari, “falar”, daí seu sentido originário de

“que não fala”, “incapaz de falar”. A ideia do nascimento da palavra infância, por

muito tempo, esteve atrelada à falta, à ausência, à incapacidade. Infans podia

designar criança em idade muito mais avançada que aquelas que não falam, de

modo que essa denominação era usual para as crianças até os sete anos, podendo

estender-se até aos treze ou quinze anos. Nesse sentido, infância vai além da

incapacidade de falar, refere-se à minoridade, ou seja, àqueles que não são

habilitados a falar. A infância está marcada desde a sua origem pela exclusão, e

essa exclusão é muito mais antiga e remonta, pelo menos, aos gregos clássicos. O

que se questiona é: hoje, as crianças já têm a possibilidade da fala! Quando e como

elas são ouvidas?

Nessa forma, trago eco a Kramer, quando indaga:

Pode a criança deixar de ser inf-ans (o que não fala) e adquirir voz num contexto que, por um lado infantiliza jovens e adultos e empurra para frente o momento da maturidade e, por outro, os adultiza, jogando para trás a curta etapa da primeira infância? (KRAMER, 2006, p. 15).

Kohan (2008) nos informa que, para Platão, o tipo de polis é determinado

pela educação. Assim, a infância tem grande relevância, uma vez que pode ser

moldada e formar a sociedade tão sonhada. Esse filósofo atribuiu algumas

características para a infância, tais como: criança é a possibilidade de um futuro

cidadão, quanto antes comece o processo de formação, de preenchimento das

possibilidades inatas, muito melhor, na medida em que o material for mais tenro e

maleável para receber as formas que um educador lhe deseje imprimir; as crianças

não participam da polis, são, portanto, mais inferiores que os adultos; para Platão, as

crianças estão na mesma condição das mulheres e escravos. A infância é o material

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dos sonhos políticos dos filósofos e dos educadores. O melhor que os infantes

podem fazer é se deixar levar a um outro lugar que sequer são capazes de perceber

ou imaginar. A única virtude das crianças parece ser o fato de serem “facilmente

moldadas”, isto é, elas podem ser convertidas em adultos.

A questão não tem a ver diretamente com a idade. Neste sentido, o defeito principal das crianças é que elas ainda não estão inseridas no âmbito da razão e como outras classes que fazem parte por diversos motivos do mesmo grupo – como idosos, bêbados ou loucos – não faz sentido abrir-lhes as portas da ética e da política. É energia dilapidada para quem não pode aproveitá-la. Quem é pura sensação (páthos) não tem espaço num mundo em que manda a razão (logos). Por razões semelhantes, as crianças não têm espaço na ética e na política. A tarefa do filósofo é deixar isso bem claro: consagrar a “evidente” exclusão da infância do mundo da pólis. (KOHAN, 2008, p. 46).

Segundo, o mesmo autor, Aristóteles, discípulo de Platão, por meio de

suas observações e tratados, idealiza a infância em consonância com as categorias

filosóficas que compõem sua concepção do ser humano e do mundo. As crianças

não estão inseridas no mundo da razão, assim como as mulheres, idosos, bêbados

ou loucos, por isso, não têm espaço na política e na ética.

Para ele, toda criança é uma criança em ato e, ao mesmo tempo, um adulto em potência, um ser que só alcançará sua completude e finalidade na adultícia. Neste sentido, para Aristóteles, toda criança é inacabada, incompleta, imperfeita por natureza e essa falta de completude estende-se aos planos éticos e políticos. (KOHAN, 2007, p. 108).

Esses ideários perpetuaram-se pelos tempos e podem ser vistos, ainda

hoje, nas vozes de muitos adultos que organizam espaços políticos, familiares e

escolares sem ao menos ouvir a criança, como se essas não tivessem condições de

compreender os conflitos e as relações sociais existentes.

Ao longo dos tempos, antigo, medieval e moderno, a infância vai

ganhando outros contornos. Filósofos contemporâneos como Nietzsche, Lyotard,

Agamben, Deleuze, Derrida trazem outros conceitos a respeito da infância e das

crianças.

Para Nietzsche, a criança aparece como criação e não como algo a ser

criado. Em quase todos os filósofos contemporâneos, percebe-se os ecos dessa

afirmação. “A criança é a inocência e o esquecimento, um novo começar, um

brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação”

(KOHAN, 2008, p. 46). Por isso, não há como ter rancor ou ressentimento sobre a

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mesma.

Lyotard, filósofo contemporâneo, mostrou que a infância não é apenas

uma etapa ou fase da vida. Para ele, “a infância impede a repetição do mesmo

mundo [...] Somos nascidos a cada vez que percebemos que o mundo pode nascer

novamente e ser outro. Infância pode ser chamada de transformação, criação e

revolução.” (KOHAN, 2008, p. 47).

O italiano, Giogio Agamben (2005 apud KOHAN, 2008), em seu livro

infância e história, traz a ontologia da infância em sua relação com a experiência, a

linguagem e a história. Traz a ideia da necessidade de haver infância, sem

linguagem, para que essa possa ser reinventada a cada novo nascimento. Caso a

criança já nascesse com a capacidade de linguagem do adulto, seria pura natureza,

língua morta, pois não teríamos a criação e a invenção. Sem essa perspectiva de

passagem, o ser humano seria natureza inerte.

Se não há possibilidade do ser humano ser a-histórico, é precisamente porque não fala desde ‘sempre’, porque tem que aprender a falar numa infância que não pode ser universalizada ou antecipada, uma infância da e na experiência, uma infância da e na história. (KOHAN, 2008, p. 48).

A infância é a condição da história e da experiência. Ela é condição e

possibilidade de uma existência humana, Derrida (2000 apud KOHAN, 2008), traz

outro enfoque para pensar a infância, fazendo uma analogia entre a infância e um

estrangeiro em terra estranha. Esse filósofo faz alguns questionamentos, para

refletirmos condições que temos para receber o estrangeiro, sem que ele perca sua

estrangeiridade. Propõe-nos pensar a infância na condição de “estrangeiros”, porque

falam e vivem de modos bastante específicos e, portanto, sua linguagem é outra. Em

suas palavras:

[...] ou o anfitrião se cala e isenta sua verdade e se deixa absolutamente transpassar pela verdade do outro, ou então ele proclama saber a verdade sobre o estrangeiro – e acompanha seu saber com a pretensa ignorância do estrangeiro sobre si; neste segundo extremo, o dono da casa se auto proclama sabedor de uma verdade que o outro ignora, pretende se constituir na própria voz do outro: “eu te conheço, eu sei o teu nome, eu te revelo. (DERRIDA, 2000 apud KOHAN, 2008, p. 52).

Ao falar do acolhimento da infância, Derrida sugere que o grande risco

da pedagogia é o próprio saber, porque não nos permite perceber o que o outro

sabe. Por outro lado, não demonstrar aquilo que se sabe também seria um grande

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risco, pois enquanto educadores seríamos impotentes. O autor faz uma série de

questionamentos sobre a relação entre o adulto, a criança e a forma como

precisamos acolhê-los e traz questões bastante relevantes, sobretudo para os

bastidores da educação:

Como acolher a esses infantes-estrangeiros? Com receber a infância? Que perguntas fazer-lhes? Que língua falar-lhe? Que convite propor-lhe? Com que forças acolhê-la? Qual hospitalidade oferecer-lhes? Como não sucumbir perante a tentação de acabar com a infantilidade da infância, em nome da tolerância, da solidariedade, do diálogo, e de tantas outras palavras bem pronunciadas? Quando a infância assoma, as perguntas não são fáceis de serem respondidas. (DERRIDA, 2000 apud KOHAN, 2008, p. 52).

O desafio não é ensinar ao outro aquilo que se sabe, mas perceber o que

o outro sabe. Pensar formas de acolher a criança, sem a tentação de acabar com a

infância. Para isto, observar, ouvir, dialogar, escutar são essenciais para

compreender a criança em sua inteireza.

Duas ideias centrais aparecem neste texto. Os primeiros filósofos trazem

a infância como uma etapa de vida a ser construída, uma ponte, uma passagem

para a vida adulta. Com esse conceito, a educação seria o caminho para a projeção

das utopias políticas para a humanidade, uma vez que teria como prioridade a

formação do infante. Para os filósofos contemporâneos, a infância está relacionada

à temporalidade; é colocada mais como condição do que como fase. As experiências

e os acontecimentos, as rupturas, as histórias constroem essa temporalidade.

Se no primeiro modelo cabia à educação a formação da criança, no

segundo, o papel da educação é estabelecer com a infância uma relação de

respeito, em que os conceitos são pensados para um determinado tempo.

Para Kohan (2008), vale lembrar que o filósofo Walter Benjamin, na

primeira metade do século XX, já criticava a concepção equivocada que os

educadores mantinham da criança, considerando-a ingênua, crédula, incompleta e

incompetente.

É preciso aprender para perceber possibilidades de encontros entre o

adulto e a criança. Sobre este aprendizado, Kohan (2008, p. 59), nos sinaliza o

caminho pensado pela filosofia, na contemporaneidade:

Aprender é traduzir. Traduzir é inventar. Inventar é inventar-se. Inventar-se é escutar o que não se escuta, pensar o que não se pensa, viver o que não se vive. A infância fala uma língua que não se escuta. A infância pronuncia uma palavra que não se entende. A infância pensa um pensamento que não

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se pensa. Dar espaço a essa língua, aprender essa palavra, atender esse pensamento pode ser uma oportunidade não apenas de dar um espaço digno, primordial e apaixonado a essa palavra infantil, mas também de educarmo-nos a nós mesmos, a oportunidade de deixar de situar os outros na outra terra, no des-terro, no estrangeiro, e poder alguma vez sair, pelo menos um pouquinho, de nossa terra pátria, nosso cômodo lugar. Essa parece ser uma das forças da infância: a de uma nova língua, de um novo, outro lugar para ser e para pensar, para nós e para os outros.

No início, a filosofia pensava a infância, já para os dias de hoje, ela se

dispõe a romper com essa lógica e propor que a infância pense a si própria. Somos

desafiados, então, a pensar uma infância e uma educação para este tempo. Uma

educação que nos leve ao encontro da infância, com sensibilidade e com um

enfoque em que o ensinar e o aprender, estão para além das fases do

desenvolvimento biológico, que nos exige um novo olhar, com muito mais escutas do

que perguntas. Assim, a infância não será mais objeto que precisa ser moldado, não

será somente pensada, mas pensante.

2.2 OS LUGARES DA CRIANÇA: O OLHAR DA HISTÓRIA

Remexo com um pedacinho de arame nas minhas memórias fósseis. Tem por lá um menino a brincar no terreiro entre conchas, osso de arara, sabugos, asas de caçarolas, etc. O menino também puxava, nos becos de sua aldeia, por um barbante sujo, umas latas tristes. O menino hoje é um homem douto que trata Com física quântica. Mas tem nostalgia das latas. Tem saudades de puxar por um barbante sujo umas latas tristes. [...] Aos parentes que ficaram na aldeia esse Homem encomendou uma árvore torta. Para caber nos seus passarinhos. De tarde os passarinhos fazem árvore nele. (BARROS, 2001 apud SCOTTON, 2004).

O poema faz referência a um homem cuja infância vivida com

sensibilidade, criatividade e sentido se estenderam no adulto que não se

desumanizou no encontro com a ciência e a tecnologia. Mostra que a vida humana

não é uma linha reta, mas um entrecruzamento de tempos. Ao longo do século XX, cresceu o esforço pelo conhecimento da criança

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em vários campos do conhecimento. Pode-se citar o historiador francês Philippe

Áries que publicou, nos anos 1970, seu estudo sobre a história social da criança e

da família. Em suas análises, afirma que a preocupação com a infância inicia- a

partir do século XIX.

Segundo Áries (1981), durante a Idade Média, crianças e adultos

compartilhavam os mesmos lugares no trabalho, nos afazeres domésticos, ou em

festas. Na sociedade medieval, não havia o sentimento de infância ou representação

definida das fases da vida. Pode-se afirmar que foi na Idade Média, no século XVII,

que as “Idades da Vida” começaram a ter importância.

O autor aponta seis etapas de vida. As três primeiras, que correspondem

à 1ª idade (nascimento / 7 anos), 2ª idade (7 / 14 anos) e 3ª idade (14 - 21 anos),

eram etapas não valorizadas pela sociedade. Somente a partir da 4ª idade, a

juventude (21 - 45 anos), as pessoas começavam a ser reconhecidas socialmente.

Ainda existiam a 5ª idade (a senectude), considerando a pessoa que não era velha,

mas que já tinha passado da juventude; e a 6ª idade (a velhice), dos 60 anos em

diante até a morte. Tais etapas alimentavam, desde esta época, a ideia de uma vida

dividida em fases. Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância

ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à

incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar

para a infância nesse mundo. (ARIÉS, 1981).

Elas eram registradas nas pinturas, nos objetos e na mobília, em datas

solenes para a família. As crianças, quando retratadas, tinham a aparência de

adultos em miniatura. No mundo das fórmulas românicas, até o fim do século XIII,

não existiam crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de

tamanho reduzido (ARIÉS, 1981), conforme retratado na imagem abaixo:

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Figura 1 - Ara Pacis. Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2010.

Escultura chamada Ara Pacis, retrata o menino Rômulo, junto de seu pai,

eles viviam em Roma. O menino era considerado adulto em miniatura, por isso tinha

muitos deveres. Na escultura, podemos vê-lo vestido da mesma maneira que os

outros adultos.

Figura 2 - As meninas de Velasquez, 1656. Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2010.

Margarida usa roupas de adultos. Ela é uma distração para seus pais.

Sua saia tem uma armação de ferro e o corpete fica bem apertado para lhe dar

cintura. Dessa forma, não pode correr, brincar, desenhar. Está se preparando para

ser uma rainha, pois sua família é da realeza.

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A criança, como vimos não estava ausente da Idade Média, ao menos a partir do século XIII, mas nunca era o modelo de retrato de uma infância real [...] A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e a sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do século XVI e durante o século XVII. [...] Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi também neste século que os retratos de família, muito mais antigos, tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição. (ÁRIES, 1981, p. 21, 28).

Abaixo, trago uma imagem, que recebi de uma agência bancária, em

agosto 2010. A imagem enfatiza, em letras garrafais a palavra “Mulher” e o retrato

de uma criança de “baby doll” e salto alto, caracterizando uma ideia erotizada da

infância. Esta imagem me fez refletir sobre e compará-la com o “adulto em

miniatura”, apresentado por Áries (1981) na idade média e questiono: os adultos

mudaram sua forma de pensar a infância ou ainda continuam fazendo da criança um

adulto em miniatura? A ótica neoliberal, construída no jogo de interesses nacionais e

internacionais, tem encontrado, na criança, uma fonte fértil para a produção de

capital. A escola e a família são instituições que dão continuidade a esse modelo de

sociedade ou tem procurado ser um espaço de ruptura? É possível romper com esta

lógica, num mundo globalizado?

Figura 3 - Adulto em miniatura Fonte: Banco Santander, 2010.

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Quando Áries faz referência à ausência do sentimento de infância na

sociedade medieval, não quer dizer que as crianças fossem abandonadas,

negligenciadas ou desprezadas. Porque para ele, o sentimento de infância não

significa afeição pelas crianças, mas consciência da particularidade infantil, ou seja,

das diferenças que, biológicas e sociais, distinguem a criança do adulto. Sendo

assim, “quando a criança já tivesse condições de viver sem o auxílio da mãe ou de

uma ama, ingressava no mundo adulto e não se distinguia mais destes”. (ÁRIES,

1981, p. 99).

A ideia de infância vai surgir, então, na modernidade, com as mudanças

econômicas e sociais, com o avanço da ciência e com a redução dos índices de

mortalidade. Segundo Áries, esta concepção nasce nas classes médias e é marcada

por dois sentimentos distintos e contraditórios: os sentimentos da ‘moralização’, que

impunha na criança formas de treinar, conduzir e controlar e os sentimentos de

‘paparicação’, que tornavam a criança engraçadinha, ingênua, pura.

2.2.1 A infância na modernidade

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. [...] Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos [...]. (SCOTTON, 2004).

O poeta, aos 85 anos, tem olhos que se voltam ao passado para falar

dos tesouros da infância. Esse retorno ao ‘quintal’ não é nostálgico, é alegre e

cativante. Ao falar do cotidiano de menino vai destacar o papel da imaginação na

vida das crianças, as diversas possibilidades de representação do real e os modos

próprios de estar no mundo e de interagir sobre ele.

A partir das contribuições de Áries, nos anos 70, ao longo do século XX,

surgem grandes preocupações no sentido de conhecer a criança e a infância.

Alguns acontecimentos tiveram impacto especial na história desses sujeitos, tendo

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desdobramentos próprios na formação das crianças nas sociedades

contemporâneas.

O sociólogo Frances Bernard Charlot (1979), tendo como base a infância

numa perspectiva social, mostra-nos que a imagem de criança assume, nos

sistemas filosóficos e pedagógicos, as dissimulações do aspecto social dessas

contradições, por trás de considerações morais e metafísicas. Para esse autor, a

representação da criança é socialmente determinada, uma vez que exprime as

aspirações e as recusas da sociedade e dos adultos que nela vivem.

Partindo-se dessa perspectiva, a infância não é um dado natural, mesmo

que do ponto de vista biológico, seja um fato natural; ela se constitui, historicamente,

a partir dos interesses sociais, econômicos, culturais e políticos de uma determinada

sociedade, sendo assim, podemos dizer que não há uma única infância, mas

infâncias.

Conforme vimos anteriormente, as crianças sempre existiram, porém na

invisibilidade. O sentimento de infância surge somente na modernidade e com o

desenvolvimento desta, surge, também, a escola pública institucionalizada e com ela

aparece, uma outra concepção de criança: a criança aluno.1 Essa concepção

contribui com a ideia de que a criança precisa ser moralizada, evitando-se, assim, a

reprodução de comportamentos desviantes e perturbadores da ordem social. A

escola surge como a principal fonte de socialização e uniformização, ao impor um

padrão universal de saberes e comportamentos, assumindo-se, ao mesmo tempo,

como meio fundamental de prevenção e moralização das classes populares.

Para Nascimento (2006, p. 27), “os estudos de Áries apontam para a

necessidade de se desconstruir padrões relativos à concepção burguesa de

infância.” Esse olhar impossibilita de ver as crianças pelo que são no presente, sem

ter como fundamento visões estereotipadas ou ideias pré concebidas sobre como

moldá-las. Ao conceber as crianças nos aspectos sociais, culturais, políticos e

econômicos, Áries, aponta para o fato de haver mais de uma infância, ao invés de

uma única infância.

Duas concepções de infância, que embora contraditórias, corroboraram

para a constituição do conceito de infância e criança dos nossos tempos, são as de

Rousseau e de Durkein. Rousseau, considerado um dos primeiros pedagogos da

1 A idéia de aluno será aprofundada, no capítulo 3

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história, no século XVIII, traz uma concepção de infância que valorizava

fundamentalmente a inocência e a naturalidade da criança e acentuava o caráter

romântico delas. Propôs uma educação infantil sem juízes, sem prisões e sem

exércitos. A partir da Revolução Francesa, em 1789, modificou-se a função do

Estado e, com isso, a responsabilidade para com a criança e o interesse por ela.

(LARROYO, 1999).

Contrário, às ideias de Rousseau, Emilie Durkhein em uma de suas mais

importantes obras (Teoria da socialização), desenvolve a ideia de que a infância é

uma geração sobre a qual os adultos impõem uma transmissão cultural e de

socialização. Apesar de suas concepções de criança serem diferentes das que hoje

concebemos, foi Durkheim (1978), quem primeiro relacionou a infância com a

escola, embora com objetivos de moralizar e disciplinar. Com isso, propõe uma

educação em que as crianças se adaptem às regras do jogo social, político e

econômico. Portanto, educar passa a significar, moralizar. Explica o referido autor

que educar é incutir na criança os três elementos da moralidade: o espírito de

disciplina, no qual a criança aprende a ter obediência à autoridade; o espírito de

abnegação, adquirindo o gosto de sacrificar-se aos ideais coletivos e a autonomia da

vontade, sinônimo de submissão esclarecida.

Entre esses dois conceitos de infância, a sociedade vai se estruturando, e

mudanças rapidamente vão remontando o cenário. Segundo Rizzini (2006, p. 1),

mudanças nas esferas econômicas, política e social, inevitavelmente, afetam a vida

das crianças e dos adolescentes. Essas mudanças podem atingi-los diretamente,

como no caso de guerra e migração ou devido a um processo acelerado de

urbanização ou, indiretamente, quando a família passa a enfrentar dificuldades

financeiras. Essas mudanças influenciam tanto nos conceitos de criança e infância,

quanto nas relações sociais existentes entre as gerações.

[...] a infância seria: [...] a concepção ou a representação que os adultos fazem do período inicial de vida, ou como o próprio período vivido pela criança, o sujeito real que vive esta fase da vida. A história da infância seria, portanto, a história da relação das crianças entre si e com os adultos, com a cultura e com a sociedade. Para os autores, a infância seria a condição social das crianças. (KUHLMANN JÚNIOR; FERNANDES, 2004 apud GOUVEA, 2008, p. 97).

Hoje vivemos num mundo globalizado, o que afeta consideravelmente as

relações entre comunidades e países e, sobretudo, as relações entre adultos e

crianças. Conceitos e valores acabam sendo universalizados em função do

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rompimento das fronteiras sociais, políticas, econômicas e culturais, por isso, nos

países ocidentais, a ideia de infância está diretamente ligada às transformações que

ocorrem em um determinado tempo e lugar. De tal forma que eventos localizados

são subsídios para os debates internacionais e nacionais. Desses debates, surgem,

tanto no cenário internacional quanto nacional, políticas voltadas à criança e à

infância.

Esse é o caso da primeira Declaração Universal dos Direitos das

Crianças, também conhecida como Declaração de Genebra, data de 1924 e

constituída após movimento internacional em defesa dos direitos das crianças. Para

Soares (2007), essa declaração representou, para a história dos direitos da criança,

o momento chave de um percurso de construção e consolidação da ideia das

crianças como sujeitos de direitos.

Na sequência, diante das graves condições de carência e pobreza em

que se encontrava a Europa após a 2ª Guerra Mundial, é criado, em 1946, o Fundo

das Nações Unidas para a Infância, UNICEF, que tem como principal objetivo

garantir às crianças serviços de saúde, educação, nutrição e bem-estar. Posterior ao

documento da UNICEF, ainda com a preocupação pelos direitos das crianças, em

1959 foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, que traz, em

seu bojo, aspectos que não apareciam na declaração de 1924, tais como: o direito

ao nome e à nacionalidade, o direito de brincar e de desenvolver-se numa atmosfera

de paz e amizade. Segundo Soares, dos 54 artigos dessa Declaração, podem-se

destacar três categorias de direitos: os relativos à provisão, à proteção e à

participação. Desses três, o menos difundido é o último, que confere às crianças

direitos civis e políticos, dando-lhes direito a uma identidade, à liberdade de

expressão e opinião, de ser consultada e ouvida e de tomar decisões em seu

proveito.

Alinhadas aos documentos internacionais e baseadas nas discussões

realizadas em relação às crianças, às idades, a seus sistemas de status e de papel

social, no Brasil, hoje, também, temos importantes documentos legais que

reconhecem a infância como categoria social. A principal delas, a Constituição de

1988, é a primeira que reconhece a educação infantil como direitos das crianças de

0 a 6 anos de idades; o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Nº 8.069, de

1990, que afirma os direitos das crianças e define como criança a pessoa até os 12

anos de idade incompletos; e a Lei de diretrizes e Bases Nacional, de 1996, que

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reconhece a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica.

Segundo Rizzini (2006, p. 11):

O Brasil é um bom exemplo de interação entre as forças, local, nacional e internacional para a promoção do bem estar da criança de baixa renda. O país destaca-se pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, uma lei que nasceu de um amplo movimento nacional que reuniu diversas organizações governamentais e não governamentais, universidades, militantes e grupos de base, incluindo alguns ligados à igreja católica. O movimento ganhou força em 1988 com a inclusão de um artigo sobre os direitos da criança na Constituição Federal, tendo contado com a participação ativa de muitos grupos militantes que lutaram, em seguida, pela aprovação da lei. O estatuto é considerado uma lei avançada, considerando-se principalmente a sua abrangência e as medidas progressistas que pressupõem maior participação da sociedade civil e a descentralização de poder na implementação da lei.

Apesar desse avanço, em nosso país, há uma grande disparidade na

distribuição de renda em função de classes sociais distintas, por isso, ainda

encontramos infâncias que vivem em condições muito diferentes. Essas condições

contribuem para que o significado social dado às crianças não seja igualitário. A

história da criança brasileira não foi diferente da dos adultos, tendo sido feita a sua

sombra. Sombra de uma sociedade que viveu quase quatro séculos de escravidão,

tendo a divisão entre senhores e escravos como determinante da sua estrutura

social. (DEL PRIORE, 2000 apud NASCIMENTO, 2006).

A pobreza em muitos países, tem causado a segregação econômica

também nas esferas política, social e psicológica, o que acaba gerando

estigmatização das crianças que pertencem a essas classes menos favorecidas.

Segundo Del Priori (2000 apud NASCIMENTO, 2006), no Brasil, mesmo

depois do processo de redemocratização, ocorrido na década de 1980, crianças e

adolescentes continuam a ser desrespeitados nas ruas pela polícia, principalmente

nas grandes cidades, ou se o quisermos, continuam sendo desrespeitadas, pelos

governos Federal, Estadual e Municipal, que são coniventes e/ou incompetentes

para fazer valer os dispositivos e argumentos constitucionais e legais no que se

refere aos direitos das crianças.

Souza e Pereira (2005), apontam como uma das consequências mais

radicais do sentimento moderno de infância, o que se percebe desde o fim do século

XIX, que é a tendência crescente de se separar o mundo das crianças do mundo

dos adultos. Se antes as crianças estavam misturadas com os adultos, e em toda

reunião para o trabalho, ou passeio, ou jogo juntavam crianças, na modernidade,

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crianças e adultos já não se misturam. Constituem suas histórias separadamente.

Começa então, o que elas chamam de processo de “enclausuramento”, de crianças

e também de adultos que perpassa a escolarização e outros modos de isolamento

espacial. Para as autoras, há uma série de situações que denunciam tais mudanças,

tais como:

Criança pequena com agenda lotada. A televisão que se transforma em babá. Os pais ausentes. Carinho transformado em objeto [...] Erotização da infância. Sexualidade. Publicidade. Cultura do consumo. [...] Individualismo desencadeado pela ausência do outro. Apagamento da relação de alteridade. Criança sozinha. Criança que manda nos pais. Estes são alguns dos fragmentos que compõem o contexto da infância contemporânea, dentro os quais destacamos a ruptura do contato e do diálogo entre adultos e crianças como uma questão que precisa ser analisada. (SOUZA; PEREIRA, 2005, p. 37).

Além disso, as autoras apontam outros indicadores visíveis na

contemporaneidade, como o fato de a criança ser objeto de mercado, sendo ao

mesmo tempo consumidora e objeto de consumo. Elas passam a ser rótulos de

produtos, mesmo que estes não se destinem a elas. E também, o fato de as crianças

terem perdido o respeito pelos adultos, que já não sabem mais como resgatar este

espaço de convivência perdido. Ressalta-se que essa convivência daria às crianças

a possibilidade de libertarem-se da violência a que se submetem. Essa violência

pode estar nas ruas ou mesmo dentro das próprias casas, através da mídia, por

meio da televisão, internet e outros. Ao mesmo tempo em que são reféns, as

crianças vivem numa cultura, em que a tecnologia ganhou espaços e, neste mundo,

estranhos aos adultos, são elas que muitas vezes podem solucionar nossos

problemas.

Sendo assim, as autoras citadas acima nos mostram uma problemática,

que é a segregação entre as gerações, mas também nos mostram oportunidades, ou

seja, ao pensarmos dialeticamente a relação adulto/criança, encontraremos na

criança a capacidade para tornar-se tradutora das linguagens, como as das

tecnologias, que o próprio adulto construiu. “Nesse diálogo, feito em desvio, há

possibilidade de um encontro [...] das diferentes temporalidades e linguagens que

constituem a criança e o adulto [...]” (SOUZA; PEREIRA, 2005, p. 40).

As crianças são sujeitos sociais e históricos, condicionados pelas

incoerências das sociedades em que vivem, por isso a infância ganha novos

contornos e as crianças tornam-se sujeitos históricos, compreendidos como atores

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sociais, que com experiências coletivas, constroem uma identidade social.

2.3 CONTEMPORANEIDADE: O SUJEITO DE DIREITO NO ENFOQUE

SOCIOLÓGICO

É um olhar para o ser menor, para o insignificante que eu me criei tendo. O ser que na sociedade é chutado como uma barata – cresce de importância para o meu olho. (SCOTTON, 2004).

Na contemporaneidade, estudiosos do campo da sociologia da infância

têm afirmado que a infância, enquanto categoria social é uma ideia moderna.

Sarmento e Cerisara (2004), afirmam que durante parte deste tempo, as crianças

eram vistas apenas como seres biológicos, não havia estatuto social que

normatizasse ou registrasse sua existência. Consideram, ainda, que, apesar de ter

havido sempre crianças, seres biológicos de geração jovem, nem sempre houve

infância, com categoria social de estatuto próprio.

Nem sempre a infância foi o foco dos estudos da sociologia. Foi somente

a partir do século XX e, sobretudo, a partir da década de 90, que se enfatizou a terminologia sociologia da infância, apesar de esta expressão ter sido formulada

desde os anos 30.

Estudos contemporâneos, nos quais podemos citar os realizados pela

sociologia da infância, trazem como tese principal o fato de as crianças participarem

coletivamente na sociedade e serem sujeitos ativos e não meramente passivos. Ou

seja, trazem uma proposta de estudar a infância por si própria, rompendo com o

adultocentrismo, entendendo a criança como produtora de cultura.

A precocidade do estudo das crianças pela medicina, psicologia e

pedagogia se dá pelo fato de considerarem que elas precisam de tratamento, de

orientação ou da ação pedagógica dos mais velhos. Essa imagem da infância

remete crianças à invisibilidade, porque não são consideradas seres sociais de pleno

direito. Para Sarmento e Cerisara (2004), a institucionalização da infância, no início

da idade moderna, se deu através de alguns fatores:

1. A criação de instâncias públicas de socialização, principalmente através da

institucionalização da escola pública e da sua expansão para as massas. A

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escola está intimamente associada à construção social da infância, fato que

se deu através da constituição do Estado, em meados do século XVIII, para

que as crianças fossem libertadas da condição do trabalho produtivo. Mais

tarde, essa institucionalização, que a princípio era somente aos meninos da

classe média, passa a ser obrigatória a todas as crianças. Essa ação segrega

adultos e crianças, por uma parte do dia e, também, impõe exigências e

deveres de aprendizagem, são modos de inculcação inerentes à cultura

escolar

2. O recentramento do núcleo familiar, principalmente, na classe média, que

outrora relegava os cuidados dos filhos às aias e criadas, passa a ter a

centralidade neste processo de cuidado, proteção e estímulos ao

desenvolvimento da criança.

3. A produção de disciplinas e saberes periciais difundidos pela psicologia, pela

pediatria e pela pedagogia, convencionando o que se chamava de padrões de

“normalidade”, passaram a influenciar a forma como as famílias e as

instituições tratavam as crianças.

Esses saberes desenvolveram-se sob duas ideias contraditórias, já

identificadas por Áries e pontuadas por Sarmento e Cerisara (2004), são as

pedagogias centradas no prazer de aprender e as pedagogias centradas no dever

do esforço, nas pulsões libertadoras e nos estímulos controladores, em suma, nas

ideias de criança-anjo, natural, inocente e bela e a criança demônio, rebelde,

caprichosa e disparatada. São esses conceitos de criança e infância que vão

permeando o ideário das representações modernas da infância.

As representações sociais e as condições de existência das crianças

passam, nesse período histórico, por transformações significativas, sobretudo na

estruturação do espaço-tempo das vidas cotidianas, na estrutura familiar, na escola

e no espaço público. Estas diferentes mudanças sociais trazem para a

contemporaneidade o que Sarmento e Cerisara (2004) convencionaram de

reinstitucionalização da infância.

Nas últimas décadas, a sociologia da infância ganha maior expressão, por

meio da criação de seus próprios conceitos, da formulação de teorias e abordagem

distintas e de constituição de problemáticas autônomas. A sociologia da infância,

segundo Sarmento e Cerisara (2004), desenvolve-se, sobretudo, para compreender

dois aspectos contraditórios, um que indica que mais do que nunca as crianças são

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objetos de cuidados e atenções, outro, que nesse mesmo tempo, a infância é uma

geração que acumula indicadores de exclusão e sofrimento. Ao estudar a infância,

não é apenas com as crianças que a sociologia da infância vai se ocupar, mas com

a reflexão sobre a realidade social que cerca a infância na contemporaneidade.

Para isto, Sarmento (2008) apresenta como objeto de estudo da

sociologia da infância, dois conceitos distintos: as crianças como atores sociais, no

seu processo de vida, e a infância, como categoria do tipo geracional, socialmente

constituída. Nesse contexto, a criança é o sujeito concreto que constitui a categoria

social do tipo geracional que é a infância.

O autor chama atenção para o fato de que essa condição de geração por

faixa etária vai definir a infância. “Existe infância na medida em que, historicamente,

a categoria etária foi constituída como diferença e que essa diferença é geradora de

desigualdade.” (SARMENTO, 2008, p. 24).

Essas diferenças são diacrônicas e sincrônicas. Diacrônicas quando

retratam a infância compreendida social e historicamente, revelando acontecimentos

sociais em tempos diferentes. As diferenças sincrônicas revelam a compreensão de

infância num mesmo tempo e espaço. Estes dados vão sendo constituídos e

modificando-se constantemente, assim, podemos dizer que não existe uma única

infância, mas várias infâncias.

Gimeno Sacristan (2005, p. 95) também vai falar da existência de

“infâncias” ao invés de “infância”, ao dizer, “Pensar em categorias de seres humanos

de forma tão abstratas - como é o caso da infância, ou como é a de um aluno –

como se todos tivessem o mesmo tipo de vida, e desenvolvimento, é uma ficção

intelectual e uma irresponsabilidade moral.”

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Figura 4 - Retratos de infâncias. Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2010.

As imagens acima trazem o retrato das muitas infâncias que podem

existir. Suas experiências de vida e o modo como são tratadas nos indicam as

condições diferenciadas que são dadas a elas, mesmo, ainda, no século XXI.

Gimeno Sacristan (2005, p. 95), afirma “se há uma variável evidente e definitiva que

nos dá motivo para afirmar a existência de muitos tipos de infância e muitas formas

de vivê-la, essa é a econômica.”

Para diminuir as diferenças existentes e salvaguardar as crianças de

serem vitimizadas pela sociedade, aos poucos, aparecem legislações para que os

seus direitos sejam garantidos.

Com isso, no início do século XX, surge a Declaração de Genebra (1º

declaração de princípios de salvaguarda de direitos para as crianças). Esta

representou, para a história dos direitos da criança, o momento chave de um

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percurso de construção e consolidação da ideia das crianças como sujeitos de

direitos.

Soares (1997 apud PINTO, 2003, p. 21) mostra em suas análises sobre

os aspectos históricos, políticos e sociais da construção dos direitos para as crianças

que há relação entre a construção destes direitos e a evolução dos conceitos de

criança e infância, quando afirma:

na Convenção dos Direitos das Crianças, de 1989, um avanço em relação às Declarações antes promulgadas: 1ª Declaração dos Direitos da Criança (1923); Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948); Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), pois nela estão reconhecidas a individualidade e a personalidade de cada criança, garantindo tanto a sua proteção quanto a sua liberdade. Incorpora uma diversidade de direitos civis, econômicos, sociais e culturais, superando a percepção de que a criança é legalmente posse de seus guardiões. Além disso, acaba tornando cada Estado responsável por cada criança em particular, ao estabelecer normas internacionais de como devem ser tratadas as crianças de qualquer classe social, em qualquer contexto.

Soares (1996) em seu artigo, ‘Os Direitos das Crianças nas Encruzilhadas

da Protecção e da Participação’, apresenta partes do documento do Comitê dos

Direitos das Crianças, abarcados nos 54 artigos da convenção. Esse documento

representa uma nova percepção sobre infância, pois reconhece a individualidade e

personalidade de cada criança, incorporando uma diversidade de direitos que são

agrupados em três categorias: direitos de provisão, direitos de proteção e

direitos de participação. Segundo a autora, nos direitos de provisão, são reconhecidos os

direitos sociais da criança, nomeadamente associados à preservação da saúde,

educação, segurança social, cuidados físicos, vida familiar, recreio e cultura. Nos

direitos de proteção, são identificados os direitos da criança relativamente à

discriminação, abuso físico e sexual, exploração, injustiça e conflito. Nos direitos de

participação, são identificados os direitos civis e políticos, ou seja, aqueles que

garantem o direito da criança ao nome e à identidade, o direito a ser consultada e

ouvida, o direito ao acesso à informação, à liberdade de expressão e opinião e o

direito a tomar decisões em seu proveito.

Indicadores mostram que houve, nos últimos anos, uma significativa

melhoria na qualidade de vida das crianças. Contudo, em comparação com aquilo

que o mundo gasta em armamentos ou bens de luxo, os recursos para garantir as

necessidades básicas das crianças são poucos. Há, ainda, necessidade de muito

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mais investimentos por parte órgãos responsáveis. Soares e Tomás (2004, p. 144)

nos apontam alguns dados bastante reveladores em relação à situação de risco a

que as crianças estão expostas diariamente. Segundo eles:

[...] muitos compromissos permanecem incumpridos, não porque os direitos básicos de provisão das crianças sejam demasiado ambiciosos, inatingíveis ou tecnicamente impossíveis de aplicar, mas porque a agenda da infância não é ainda considerada como uma prioridade política, econômica e social. Por isso mesmo escasseia e tarda o investimento, o que conduz ao dramatismo de cifras como os 11 milhões de crianças que morrem diariamente com menos de 5 anos, e 150 milhões que se encontram em situação de má nutrição, pela ausência de direitos básicos de provisão, como o são os direitos e cuidados básicos de saúde. Essa mesma escassez conduz também aos inquietantes 120 milhões de crianças que não vão à escola (53% das quais são meninas) e ao aumento alarmante dos infectados pelo HIV/SIDA (sobretudo na África sub-sahariana), que vitimou milhões de crianças e deixou muitas outras infectadas e/ou órfãs.

Apesar de ainda não estarmos no patamar idealizado, indiscutivelmente,

os direitos de provisão e proteção são os que, de certa forma, são colocados em

prática, pois “são reconhecidos e reforçados legalmente, com quadros normativos e

iniciativas mais ou menos eficazes. São os designados direitos legais da criança.”

(SOARES, 2007, p. 4).

No Brasil, esses direitos aparecem na Constituição Federal de 1988, no

Art. 203, da Assistência Social, no parágrafo I – a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; no parágrafo II, o amparo às

crianças e aos adolescentes carentes. No Art 205, da Educação - A Educação

direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. No Art. 208, parágrafo IV, do atendimento em creches

e pré escola às crianças de zero a seis anos.

Também podemos citar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),

Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, já referendado anteriormente. Esse estatuto vai

dispor de leis que garantam a proteção da criança, tais como direito à saúde, família,

educação, dignidade, convivência, entre outros. No título V, do ECA, é dedicado ao

Conselho Tutelar, Capítulo I - Art. 131 – O Conselho Tutelar é órgão permanente e

autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento

dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

A partir desses instrumentos legais, podemos dizer que em nosso país

houve um avanço, pelo menos, no que se refere à provisão e proteção, embora

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saibamos, mesmo de forma empírica, que estamos longe de alcançarmos de fato a

condição da criança como sujeito de direitos, pois nos documentos citados ainda

não aparecem a ideia da participação.

Para que o paradigma da participação infantil, seja, de fato, constituído, é

necessário que haja discussões, pesquisas e formação docente, sobretudo, nos

meios acadêmicos e nas instituições escolares. Ao referir-se ao direito da

participação, em Portugal, Soares (2007 p. 7, 9) vai nos dizer que:

O discurso acadêmico que tem vindo a ser construído sobre os direitos da criança tem tentado ultrapassar as velhas retóricas dos direitos como ‘utopias’ e umbilicalmente ligado aos paradigmas defendidos pela sociologia da infância, ou seja, à necessidade de encarar a infância como uma construção social e as crianças como actores sociais, competentes, activos e com ‘voz’, começa a tornar visíveis preocupações que até há bem pouco tempo não faziam parte das agendas de investigação no nosso país [...] A defesa de um paradigma que associe direitos de protecção, provisão e participação de uma forma interdependente, ou seja, que atenda à indispensabilidade de considerar que a criança é um sujeito de direitos, que para além da protecção, necessita também de margens de acção e intervenção no seu quotidiano, é a defesa de um paradigma impulsionador de uma cultura de respeito pela criança cidadã: de respeito pelas suas vulnerabilidades, mas de respeito também pelas suas competências.

Esses conceitos podem estar organizados, segundo os direitos

apresentados à Convenção dos Direitos da Criança, pois enquanto categoria social,

a infância vai ocupar um lugar de subalternidade, uma vez que ela depende da

categoria geracional constituída pelos adultos para a sua sobrevivência, ou seja,

para provisão dos bens indispensáveis à sua existência e para garantir sua

proteção, embora como já o dissemos, estes direitos sejam bastante negligenciados

pela sociedade.

Quanto ao direito de participação, este será respeitado no momento em

que o conceito de crianças como atores sociais estiverem internalizados nos

espaços em que a criança ocupa. Nesse, quesito, está o desafio da escola e dos

educadores de darem às crianças condições de participação nos processos

escolares.

[...] o espaço social da infância é um espaço construído, onde as crianças se assumem e são representadas através de uma identidade própria, com modos de vida distintos dos adultos, mais adaptados as suas próprias necessidades, começando as crianças a constituirem-se como um grupo social, um componente específico, tanto estrutural como cultural na maioria das sociedades. (SOARES; TOMÁS, 2004, p. 136).

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A sociologia da infância tem sido a área que vem difundindo o discurso

sobre construção social da infância. Esse discurso tem perpassado outras Ciências,

como a Psicologia e a Pedagogia, mesmo assim, na maioria das vezes, o espaço

pensado para as crianças é construído pelos adultos sem quase nunca ter em conta

o pensamento e a participação das mesmas.

A infância, segundo Soares e Tomás (2004), ainda é compreendida

dentro de parâmetros de um estatuto minoritário, como um período de vida em que

os indivíduos precisam de proteção, porque sabem menos, têm menos maturidade e

menos força, em comparação aos adultos. A proteção implica provisão, que implica,

por sua vez, relações de poder desiguais. O paternalismo está implícito nas ações

dos adultos sobre as crianças, e isso tem sido observado nos cotidianos infantis pós-

modernos. E esse dado justifica a ausência de voz e ação das crianças. Mesmo

quando os adultos as consideram participantes e as consultam sobre as decisões

que são tomadas em relação a si, a menoridade e o paternalismo subsistem. Essa

dimensão continua à espera de mudanças profundas e significativas nas relações de

poder entre adultos e crianças. Esta mudança “terá que necessariamente

desenvolver um reordenamento simbólico e prático do que é uma criança, a infância,

um adulto e um cidadão.” (ROCHA, 1999 apud SOARES; TOMÁS, 2004).

2.4 PSICOLOGIA: (DES) CAMINHOS ...

Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes. (ALVES, 2003).

Da crítica à superação...

A psicologia do desenvolvimento, por muito tempo, construiu uma ideia de

negatividade para as crianças e desvalorização da infância, pois, nesse contexto,

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ser criança não se define pelo que ela é, mas por aquilo que ela ainda não é, o

adulto.

Além disso, sua forma restrita de explicar a constituição humana, quando

segmenta, classifica, ordena e coordena as fases do desenvolvimento humano e

define o que é e o que não é crescimento, engendra um discurso desenvolvimentista

que estipula as formas e possibilidades com base nas quais o curso na vida humana

pode fazer sentido. (SOUZA, 1996). No campo pedagógico, os saberes da psicologia

do desenvolvimento têm sido considerados hegemônicos, o que tem dificultado a

necessidade de ver as crianças para além da fragmentação focada no cognitivo,

mas como um sujeito que, como ser humano, se caracteriza por múltiplas

potencialidades e dimensões.

Segundo Quinteiro (2002), a Psicologia é uma das áreas do

conhecimento entre as Ciências Sociais e Humanas que, desde seu surgimento, tem

dedicado seus estudos ao sujeito criança, porém analisando-a de forma coisificada e

descontextualizada. Como ciência do comportamento, caracterizou-se,

historicamente, por observar e medir as mudanças dos sujeitos ao longo de sua

existência. Esse fato trouxe para a educação, coordenadas que impossibilitaram um

olhar diferenciado sobre as crianças em suas relações e interações sociais, o que

contribuiu para engessar a ação pedagógica padronizando suas intervenções.

Dessa forma, a Psicologia testemunhou e contribuiu com o processo de construção

simultânea da escola moderna e do sentimento de infância. Para Souza (1996, p.

44):

A concepção do tempo linear, cumulativo, homogêneo e vazio, apontando sempre para o seu desdobramento inexorável no futuro, parece se constituir no alicerce ideológico mais importante para as concepções de desenvolvimento baseadas nos princípios ditos ontogenéticos. [...] A infância pressupõe um tempo de mudanças e de instabilidade em contraste com um tempo de estabilidade e de maturidade. Supõe-se, assim, que a infância deve ser vista como mero estado de passagem, precário e efêmero, que caminha para sua resolução posterior na idade adulta, por meio da acumulação de experiências e conhecimento. A linearidade do tempo cronológico autoriza uma compreensão da infância que lhe atribui uma qualidade de menoridade e, consequentemente, desqualificação como estado transitório, inacabado e imperfeito.

Essa concepção faz conceber a criança de acordo com padrões de

normalidade e deficiência, e vai condicionando a tratá-la de uma certa maneira, pois

nesta perspectiva, desenvolvem-se por etapas e são fragmentadas por áreas do

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desenvolvimento, tais como: cognitivo, afetivo, social, motor. Se a criança é vista

assim, “jamais será vista por inteiro, como membro de uma classe social situada

histórica, social e culturalmente”. (SOUZA, 1996, p. 45).

Isto não significa negar que a criança é um dado etário, mas que ela

também está imersa na história, interagindo com ela, modificando-se e, ao mesmo

tempo, modificando-a.

Souza (1996) apresenta a necessidade de interlocução com outras fontes

do saber, visto que a psicologia do desenvolvimento, sozinha, tem sido uma área de

conhecimento que contribui para a manutenção de uma concepção abstrata de

criança, uma vez que o projeto social que alicerça esse paradigma possui algumas

aspirações educacionais ancorado na perspectiva do progresso restritamente

econômico. E o modelo científico que apoia a concepção de conhecimento é esse

fundamentado na crença de alcançarmos a verdade e reduzir a realidade a

explicações globais e homogêneas. Isso tem trazido a necessidade de nos

aproximarmos de outras áreas, como a sociologia, a história, a antropologia, até

então pouco conhecidas, pois se considerava que a psicologia explicava tudo.

Por isso, é que a teoria do desenvolvimento não pode se constituir no

principal aporte para construirmos projetos para a educação da infância, porque o

que se almeja com a educação das crianças não é a de um sujeito homogêneo, mas

a valorização das características constitutivas dos modos de ser da infância.

Salienta-se que não se trata de jogar fora os conhecimentos advindos da psicologia

do desenvolvimento, mas se trata de saber lidar com esse saber numa visão aberta,

encarando-o como um dos campos a auxiliar na compreensão das crianças, não

como sendo o único.

Entende-se que essa integração das áreas do saber, dará suporte para

compreender e reconhecer a pluralidade das crianças e o modo como vivem suas

infâncias, porque relacionam diferenças relativas ao gênero, etnia, classe, cultura e,

ao mesmo tempo, a diversidade das crianças em relação aos adultos, que, para

além dos fatores de ordem da idade, da heteronomia, também se colocam

elementos relativos ao seu modo de produção cultural; esses ainda pouco

conhecidos e compreendidos pelo campo científico. (SOUZA, 1996).

A autora em questão propõe uma nova abordagem à psicologia do

desenvolvimento e traz dois aspectos relevantes. A primeira seria redefinir a

temporalidade humana, para que as pessoas sejam tratadas de forma integral, na

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sua infância, adultez e velhice, e não apenas como partes. É preciso que se vejam

essas faixas etárias ou essa temporalidade na sua plenitude. Por exemplo, no caso

da criança, quando passamos a olhá-la desgarrada do referencial adulto, a partir

dela mesma, compreendemos que não se trata de falta, mas de diferença; não é

ausência, mas presença de outras características, diferentes das dos adultos.

(SARMENTO, 2008). A segunda direção a ser resgatada no homem contemporâneo

é o seu espaço enquanto autor de transformações sociais. Se a educação que

queremos construir está comprometida com a felicidade e a valorização da vida

humana, temos que, de fato, conhecer e ajudar os sujeitos educativos

(indiferentemente da idade em que se encontram) a poderem ser mais inteiros em

suas humanidades, de modo que suas experiências passem pela percepção de suas

várias capacidades e dimensões humanas.

Nesse sentido, se começa a percorrer um caminho que tem como ponto

de chegada a busca de inteligibilidade sobre o ser criança, para poder alçar relações

educativas mais respeitosas e significativas, que são baseadas no respeito aos seus

modos de ser e viver, deslocando o eixo de conhecimento que era calcado somente

no desenvolvimento infantil para o foco nas culturas infantis.

Souza (1996) aponta dois elementos importantes constitutivos do mundo

da infância, sobre os quais a psicologia do desenvolvimento tem lidado numa

perspectiva adultocêntrica; trata-se dos elementos relativos à temporalidade e a

ludicidade. Para a autora:

Enfatizar a linguagem e o lúdico como expressão do desenvolvimento da criança é também buscar um caminho conceitual e metodológico que permita tirar a psicologia do desenvolvimento do “seu beco sem saída”, superando as correntes de desenvolvimento que trabalham na perspectiva do progresso e da evolução linear do sujeito humano. (SOUZA, 1996, p. 48).

O tempo para as crianças não é o tempo vazio, homogêneo, que está a

serviço de outras etapas da vida, mas é pleno de sentido no momento presente

enquanto existe. O lúdico, manifesto na infância pelo brincar, também não é o

espaço somente da imitação para a aquisição de aprendizagens, mas é também o

modo pelo qual as crianças podem reinventar, re(produzir), criar possibilidades

diferentes de interpretar e produzir o real. Portanto, ele não tem sua relevância

somente pelo que produz em termos de operações abstratas/cognitivas, mas

também porque produz a possibilidade das crianças imaginarem, criarem no

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presente a possibilidade concreta de inventar outros mundos possíveis. O lúdico não

é regulável, mensurável, nem objetivável. Toda tentativa de subordiná-lo ao tempo

de produção provoca sua morte. (SOUZA, 1996).

Nessa perspectiva e orientado pelos princípios do materialismo histórico

dialético, Liev Semionovich Vygotsky rompe com a tradição existente na psicologia

do desenvolvimento. Com Leontiev e Lúria, formou um grupo de jovens intelectuais

na Rússia pós-revolucionária, que buscava uma nova Psicologia. Ancorada nos

pressupostos de Vygotsky, a escola e os professores têm a possibilidade de

compreender os sujeitos ou a infância e a criança como parte da realidade em que

vivem, porque suas concepções implicam contextualização e totalidade permeando

as relações de ensino e de aprendizagem e reafirmando a condição de que o

homem é produto e produtor das suas relações e da sua cultura.

Neste sentido, Sarmento (2005, p. 22) salienta que,

Mais atento aos contextos sociais e às suas fracturas e fontes de estratificação, Vigotsky (1979) enfatiza o papel das crianças na aquisição da sua cultura social de pertença, através da internalização dos valores sociais e do desenvolvimento das capacidades linguísticas, com incorporação dos elementos simbólicos plasmados na linguagem.

Acredita-se que a teoria histórico cultural aponte, juntamente com outras

ciências, outros modos de pensar a escola e a infância, pois esta concepção de

desenvolvimento humano traz a ideia de que o funcionamento psicológico não está

pronto previamente, não é inato, não nasce com as pessoas, mas também não é

recebido pelas pessoas como um pacote pronto do meio ambiente.

Partilhando dos postulados marxistas, Vygotisky caracteriza o

funcionamento psicológico do ser humano em filogênese, isto é, o homem como

parte de uma mesma espécie, com uma história própria, e essa história da espécie

define limites e possibilidades de funcionamento psicológico. Há coisas que somos

capazes de realizar e outras que não somos capazes, em função da nossa

capacidade biológica.

Com relação a isto, Josué Filho (2004, p. 115) nos esclarece que

Através desses estudos tem sido mostrado que a organização e estruturação das formas superiores da actividade psíquica se realizam no processo de desenvolvimento social da criança, no seu processo de interação e colaboração com o meio circundante, e é dessa concepção que nasce a formulação da “Lei de Dupla Formação”, ou “Processo de Internalização”: para o desenvolvimento percorrer (de forma dialética) o

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caminho interpsicológico (entre as pessoas) para o intrapsicológico (interno), é necessária uma actividade mediadora que empregue tanto instrumentos quanto signos. Signos e instrumentos, no entanto, estão subordinados à actividade mediadora, que está, por sua vez, na raiz das funções psíquicas superiores.

Outra característica é a ontogênese, história do indivíduo, enquanto

espécie. Significa o desenvolvimento do ser, ou seja, de um indivíduo de uma

determinada espécie. Este desenvolvimento tem também uma história cultural:

formas de funcionamento cultural que interferem ou definem no funcionamento

psicológico. No caso do ser humano, a ideia básica de Vygotsky é que a relação do

homem com o mundo não é uma relação direta, mas é uma relação mediada.

Nas palavras de Quinteiro (2002, p. 146),

Ao deslocar o enfoque “biológico-evolucionista” da infância, Vygotsky redimensiona tal conceito, colocando-o no cenário do desenvolvimento cultural, superando, deste modo, a dimensão etária como elemento determinante para a compreensão do desenvolvimento da criança. É assim que a criança, agente dessa condição humana, passa a ser compreendida como sujeito histórico, social e cultural, uma vez que ela influencia e é influenciada pelos determinantes que constituem a formação social onde se encontra inserida. O desenvolvimento humano deve ser entendido, então, como produto das relações sociais que os diferentes sujeitos estabelecem para a produção de sua existência material, transformando-as e transformando-se, a um só tempo, mediante o estabelecimento dessas relações.

Corroborando com os estudos de Vygotisky, (JOSUÉ FILHO, 2004)

entende desenvolvimento e aprendizagem como processos dialéticos que se

desenrolam simultaneamente, articulados com um conjunto de circunstâncias

interiores e exteriores, mediadas simbolicamente pela cultura em que se vive e pela

presença dos outros. Assim, a estruturação das formas psicológicas superiores vai

se consolidar nas relações sociais que a criança estabelece com seus pares, com os

adultos e com o meio no qual estão inseridas. Afirma ele,

A elaboração conceitual é um modo conceitualmente desenvolvido pelos indivíduos ao refletirem sobre os diferentes âmbitos das suas experiências de vida. Na atividade escolar, o processo de elaboração conceitual constitui-se numa prática social dialógica (mediada pela palavra), e pedagógica (mediada pelo outro), e é este o processo que acredito, possibilita o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, conforme colocados pelos estudos de Vygotski, que afirmava que as funções psicológicas superiores têm origem social. (JOSUÉ FILHO, 2004, p. 115).

Cada sujeito em particular, ao apropriar-se dos instrumentos e signos

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criados socialmente, reproduz, em nível individual, as formas histórico-sociais da

atividade. A apropriação inicial está vinculada à participação do indivíduo na

coletividade em que aquele instrumento ou signo é socialmente significativo. Por

meio do processo de interiorização, a realização da atividade, que era coletiva e

externa, converte-se em individual, e os meios de sua organização, em internos. A

educação escolar deve desenvolver um papel fundamental na vida do homem. As

crianças e jovens vão à escola para aprender a cultura e internalizar os meios

cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo.

Para Josué Filho (2004), a escola se constitui, ainda nos dias de hoje, em

modelos marcados por mecanismos instrucionais de transmissão de conteúdos e

conjunto de atividades dirigidas “intencionalmente” pelo professor. Dessa forma,

desqualificam outras iniciativas e relações que estão ocorrendo nesse mesmo

ambiente entre as crianças. É preciso levar em conta outras iniciativas e relações

que interferem no processo educativo em sala de aula e para além da sala de aula.

Como por exemplo, as relações que as crianças travam no espaço escolar ou fora

dele, os conflitos que vivem, discussões sobre o que a televisão apresenta de

polêmico, atitudes das pessoas que influenciam na vida das outras pessoas e

formas de organização das comunidades, discussões em torno do meio ambiente.

Enfim, formas de tornar os conteúdos escolares ‘vivos’ e significativos.

[...] Mesmo valorizando a importância da escola e a necessidade social de um trabalho educativo como um possível mecanismo de socialização do conhecimento, principalmente no que diz respeito às crianças oriundas das classes economicamente menos favorecidas, considero um desserviço quando esse trabalho educativo se consubstancia como transmissão de verdades prontas e acabadas – como uma prática de “dar aulas” sobre conteúdos seleccinados em função da lógica dominante de razão instrumental (no dizer dos intelectuais da escola de Frankfurt). Um trabalho educativo que vê a infância apenas como uma fase efêmera, passageira e transitória, que nada tem a dizer ou a acrescentar sobre o mundo, cuja única finalidade é o vir a ser, ou seja, tornar-se adulto. (JOSUÉ FILHO, 2004, p. 120).

Só será possível alcançar um espaço de aprendizagem dialética na

escola, se houver momentos de reflexão, de estudos e de enfrentamento por parte

dos educadores para compreenderem de fato a que se propõe a teoria vygotskyana.

O fato de considerar a criança um sujeito ativo no processo de aprendizagem

permite romper com o ‘assujeitamento’ que permeia as relações entre crianças e

adultos presente na maioria das instituições escolares, em que as atividades

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propostas partem sempre do interesse dos adultos. Esta relação de hierarquia gera

tensão que representa o grau de imposição dos adultos sobre a infância.

Nessa atitude de vigiar o desenvolvimento humano a partir de normas pré-concebidas de incentivo à maturação, seleccionando e adaptando actividades “adequadas” para cada fase do desenvolvimento da criança, muito mais do que compreender e explicar o desenvolvimento humano evidencia-se a racionalização da infância. O que poderia ser compreendido [...] como construção mediada por sua inserção histórico-cultural, adultera-se num processo de ‘assujeitamento’, da criança a um modelo de desenvolvimento cientificista, universalizante e a-histórico [...] que repercute na educação, acabando por consolidar o que identifico como uma tendência a substituir o “sujeito criança” pelo “aluno”; ao invés da convivência entre essas duas facetas da construção da identidade, há a imposição da vontade adulta sobre as crianças, um exacerbado mecanismo de controlo e regulação que, em geral, desconhece os anseios das mesmas. (JOSUÉ FILHO, 2004, p. 117-118, grifo do autor).

Para o autor, essa lógica de escola vai consolidar a ideia de infância

apenas como uma fase efêmera, passageira e transitória, que nada tem a dizer ou a

acrescentar sobre o mundo, cuja única finalidade é o vir a ser, ou seja, tornar-se

adulto. Acrescenta ainda, que o trabalho educativo se dá através de verdades

prontas e acabadas como uma prática de “dar aulas” sobre conteúdos selecionados

em função da lógica dominante de razão instrumental.

Um outro fato que considero relevante, e que o autor acima citado,

apresenta com muita propriedade, é a distância pontuada por Vygostiski, entre o que

a criança é capaz de fazer sozinha e o que pode fazer com ajuda do outro. Esta é a

razão da atuação da pedagogia. O que decorre não nos autoriza a propor desafios

que a criança não consiga resolver nem com a ajuda de pessoas mais experientes

do que ela, pois, se a criança não os consegue resolver, não consegue acompanhar,

deixa de existir a “atividade interessada” (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988),

que é um elemento fundamental no desencadeamento do circuito interativo

resultante no desenvolvimento das estruturas cognitivas. (JOSUÉ FILHO, 2004).

Sobre esse fato, Vigotski, salienta que:

Estudos demonstram que o intelecto não é precisamente a reunião de determinado número de capacidades gerais – observação, atenção memória, juízo etc. – mas sim a soma de muitas capacidades diferentes, cada uma das quais em certa medida, independentemente das outras. Portanto, cada um tem de ser desenvolvida independentemente, mediante um exercício adequado. A tarefa do docente consiste em desenvolver não uma única capacidade de pensar, mas muitas capacidades particulares de pensar em campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade geral de prestar atenção, mas em desenvolver diferentes faculdades de concentrar a

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atenção sobre diferentes matérias. (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 108).

Nessa perspectiva, a brincadeira, no processo de desenvolvimento,

também é redimensionada. Ela será compreendida como sendo mais do que

expressão de um momento de um dado estágio do desenvolvimento, será concebida

como uma atividade caracteristicamente humana. “Na infância, a imaginação, a

fantasia, o brinquedo não são atividades que podem se caracterizar apenas pelo

prazer que proporcionam. Para a criança, o brinquedo é uma necessidade”

(VYGOTSKY, 1984 apud SOUZA, 1996, p. 49). A situação imaginária, segundo

Vygotsky, não é algo fortuito para as crianças, mas é a manifestação da sua

emancipação em relação às restrições situacionais. A linguagem da criança, no

brinquedo, significa sempre necessidade de libertação e criação, tal qual Canetti

(1989 apud SOUZA, 1996, p. 51).

Em casa, eu costumava brincar sozinho no quarto das crianças. Na verdade, brincava pouco, pois me dedicava a falar com o papel de parede. O padrão do papel de parede, com muitos círculos escuros, me parecia gente. Inventava histórias em que eles intervinham, ou lhes contava histórias, ou brincava com eles; nunca me cansava das pessoas do papel de parede, e podia me distrair durante horas. [...] Quando os pequenos estavam por perto, eu só sussurrava com as pessoas do papel de parede; se a governanta estava presente, contava as histórias para mim mesmo, sequer movendo os lábios. Mas quando saiam do quarto, eu esperava um pouco e então me abandonava. Logo começava a animação, que era grande, pois tentava persuadir os personagens do papel de parede a empreender feitos heróicos, manifestando-lhes meu desagrado quando recusavam.

Por isso, a brincadeira concentra uma dimensão política, de ousar,

imaginar e criar outras realidades; e é ela também o espaço em que o lúdico, o

estético, o artístico se manifestam. Como adverte a autora, a experiência estética é a

possibilidade utópica de questionamento da realidade existente, ou o desejo de

construir um mundo melhor por intermédio do trabalho artístico.

De acordo com Vygotsky, o brinquedo é fundamental para a criança, ele é

uma referência dos valores das gerações que a antecederam. O brinquedo serve de

mediação para que a criança construa sua história, seus conhecimentos e suas

relações sociais. “Uma criança não se comporta de forma puramente simbólica no

brinquedo; ao invés disso, ela quer e realiza seus desejos, permitindo que as

categorias básicas da realidade passem através de sua experiência”. (VYGOTSKY;

LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 114).

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Para compreender o mundo em que vive a criança precisa experienciar,

agir, e isso, ela faz através da brincadeira. Ao utilizar o brinquedo, ela recria o

mundo, não de forma instintiva, mas através da aprendizagem humana. Exemplo:

“não basta para a criança contemplar um carro em movimento ou mesmo sentar-se

nele; ela precisa agir, ela precisa guiá-lo, comandá-lo.” (VYGOTSKY; LURIA;

LEONTIEV, 1988, p. 121). Segundo esse autor:

Para a criança, neste nível de desenvolvimento físico, não há atividade abstrata, e a consciência das coisas, por conseguinte, emerge nela, primeiramente, sob forma de ação. Uma criança que domina o mundo que a cerca é a criança que se esforça para agir neste mundo. (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 120).

É na brincadeira que a criança poderá criar e viver situações que não são

possíveis de serem realizadas na vida real, mas perfeitamente possíveis de serem

realizadas no campo da imaginação. “A criança, ao querer realizar seus desejos, ao

pensar, age. As ações internas ou externas são inseparáveis: a imaginação, a

interpretação e a vontade são processos internos conduzidos pela ação externa”.

(VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 114).

Pela brincadeira, a criança se tornará capaz de construir significados para

as ações que realiza, utilizando-se de instrumentos e da própria fala para a

organização do seu brincar. Compreender as formas como a criança se relaciona e

constrói o conhecimento é um dos grandes desafios para os educadores, pois essa

compreensão faz toda a diferença na organização dos espaços e tempos escolares.

Os estudos de Vygotsky, Luria e Leontiev (1988) permitem aprofundar a

análise das concepções sobre brinquedo e brincadeira como uma forma de as

crianças interagirem no mundo, de uma maneira diferente e mais avançada do que

em seu cotidiano, sendo dialeticamente fonte de desenvolvimento e de

aprendizagem. Finalizando, trago um questionamento de Kramer (2006, p. 16): “Ao

valorizar a brincadeira, Benjamin critica a pedagogização da infância e faz cada um

nós pensarmos: é possível trabalhar com crianças sem saber brincar, sem nunca ter

brincado?”

Essa é a direção do nosso olhar, com o qual buscaremos “entrar” na

escola.

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3 ESCOLA, QUE ESPAÇO/LUGAR2 É ESTE? DA ARQUITETURA FÍSICA À

ORGANIZACIONAL

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. (Crônicas de Rubem Alves).

O poema é uma analogia de duas escolas, a que prende e a que liberta. A

que descobre nos sujeitos que lá estão, a beleza da imaginação, da inquietação e do

caminhar; e a que não vê, não enxerga, para além do que ela tem. É com esse

poema, a marcar os fios da meada, que gostaria de tecer este capítulo, trazendo

sempre a mesma indagação: qual das escolas permitirá o voo da infância? Para

isso, vamos fazer um caminho na busca de encontrar os trilhos da história da escola.

A história nos mostra que na sociedade primitiva o processo de inserção

do indivíduo na sociedade acontecia informalmente na convivência cotidiana com

adultos e mais velhos. A educação se dava de maneira informal, não

institucionalizada, em que os conhecimentos adquiridos e acumulados eram

socializados e transmitidos de geração em geração.

Foi somente a partir da Idade Moderna que, na Europa, a educação se

tornou compromisso da escola. Um conjunto de pessoas, em sua maioria religiosa,

especializou-se em transmitir o saber. A atividade de ensinar passou a se

desenvolver em espaços específicos, sem qualquer relação com a vida prática dos

alunos.

2 Embora não me detenha na diferença entre o significado da palavra “espaço” e “lugar”, utilizo a palavra “lugar” como sendo um espaço construído socialmente e culturalmente, que traz as marcas da história das pessoas que ali estiveram, de forma a estar imbuído de múltiplos significados conforme Vinão Frago e Escolano (1998). Quando me refiro ao espaço da escola falo da sua arquitetura ou do seu aspecto físico.

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Durante séculos, esse tipo de escola ficou reservado a elites. Serviu em

primeiro lugar, aos nobres, passando depois a atender a burguesia que, na medida

de sua ascensão, exigia os mesmos privilégios que detinham os aristocratas. Os

lavradores, operários, as pessoas mais pobres, aprendiam na prática do dia-a-dia.

O ensino organizado em instituição própria, todavia, começou pelas

universidades. Eram poucos os que tinham acesso às primeiras letras e a formas

elementares de aprendizagem, preparatórias para as universidades. Quando existia,

a escola destinava-se, apenas, aos filhos das camadas mais ricas da população.

Para os herdeiros da aristocracia, educar-se era sinônimo de aprender a pensar e a

comportar-se como grandes senhores.

Na primeira metade do século XVI, a ordem dos Jesuítas, fundada por

Inácio de Loyola, através da Ratio Studiorum incorporou, aos poucos, seus

propósitos missionários e a preocupação com a formação das crianças e dos jovens.

A abertura de vários colégios na Europa e em outros continentes consolida o seu

caráter docente e, lentamente, formalizam um saber escolar. Esses colégios

incorporaram a organização espacial dos modelos de escolas realizadas nos

seminários, pois estavam em consonância com a Ratio Studiorun e com os

propósitos educacionais idealizados para a época.

Nesse período e nos subsequentes, em consequência do processo de

industrialização, a escola e o relógio surgem como novos símbolos e desenham

outra concepção espaço-temporal, estabelecendo-se o tempo linear: do trabalho, da

disciplina, do início e do fim, da hierarquia e da ordem, conforme nos relata Hilário

Junior:

Colocada na influência dessas três concepções (circular, linear, escatalógica), a sociedade medieval oscilava quanto à importância da quantificação do tempo. Como na Antiguidade, o dia estava dividido em 12 horas e a noite também, independentemente da época do ano. As formas de medi-las eram precárias até o aparecimento do relógio mecânico no século XIV. Mas eram precárias por desinteresse em submeter as horas a um sistema rígido: como toda sociedade agrária, a medieval guiava-se pelo ritmo mais visível da natureza, o sol, a lua, e as estações. [...] Apenas com o calendário gregoriano de 1582 uniformizou-se o início do ano para 1° de janeiro. (FRANCO JÚNIOR, 1986, p. 22-23).

E, nessa lógica, é que as escolas se organizam. O relógio mecânico vai

substituir o horário irregular da igreja e trazer grandes transformações. O relógio introduz um tempo linear, abstrato, diferente dos ritmos cíclicos, cósmicos e biológicos, diferente também do tempo social, o qual é variável

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conforme os acontecimentos e os grupos. O tempo mecânico tornar-se-á o tempo da ciência; progressivamente, infiltrar-se-á nas atividades sociais, para medir a duração do trabalho, fixar a hora das refeições, os momentos de repouso e do despertar. Além disso, o relógio permite sincronizar mais exatamente o trabalho da cidade, garantindo uma correspondência precisa entre operações desconexas. (PETITAT, 1994, p. 91).

A estrutura organizacional apresentada pela Europa Medieval de espaço-

tempo é afirmada na proposta educacional jesuítica. Esse fato pode ser vislumbrado

pelos objetos presentes nos espaços físicos. Os espaços e as estruturas das salas

de aula e das escolas são extremamente significativos. Por meio deles, podemos

compreender os propósitos, os ideais e os valores de uma determinada época.

O modelo da Ratio Studiorun, introduzido pelos jesuítas e presente no

Brasil, oficialmente, até 1759, incorporou o modelo de Seminário, adotado na Europa

e serviu de base para as escolas, em relação à organização do tempo e do espaço,

conforme se percebe em diversas passagens do documento. Entre esses, o item

“Divisão do tempo” – que explicita o tempo das disciplinas e o turno no qual

deveriam acontecer, demonstrando a adesão à concepção do tempo linear, da

ordem, da hierarquia, caracteres importantes do modelo de educação expresso.

(LOPES, 2000).

Petitat (1994, p. 90-91) ao referir-se a este momento histórico, em que a

educação se fundamentava no modelo da Rattio Studiorum, afirma:

Os pedagogos protestantes e jesuítas do século XVI reconheceram a existência de uma diferenciação entre o adulto e o adolescente, condição necessária para a submissão deste último a um regime especial. A temporalidade específica dos colégios implica o aparecimento de uma nova categoria etária: a adolescência. A partir de então passa-se a considerar que a criança não é ainda um ser maduro para a vida, e que é preciso submetê-la a uma quarentena, antes de permitir que ela se integre ao mundo dos adultos. [...] A pedagogia rege uma parte da vida dos indivíduos confiados às instituições. Dentro das paredes da escola, o aluno se vê regulamentado por uma nova temporalidade, ignorada no ambiente familiar ou na rua. A (sic), para ele estranha disposição dos horários, das classes e dos graus [...]

Para esse autor, a preocupação dos professores na Ration Studiorum era

que seu aluno trabalhasse plenamente. Nessa época, dias, semanas e anos eram

inscritos em grades horárias. Diz o autor “a nova organização espaço-temporal dos

colégios, favorece o controle das atividades.” (PETITAT, 1994, p. 92).

Deixando-se para trás o modelo jesuítico, percebe-se na história da

educação brasileira, mais recentemente, na década de 30 do século passado, que

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um novo modelo pedagógico é trazido para as discussões. Esse modelo, centrado

no aluno, sob influência da Psicologia e matizado por uma abordagem sociológica,

“à maneira de um John Dewey ou de um Adolfo Lima” (NÓVOA, 1995, p. 18),

ressalta a individualidade do aluno, como ênfase do processo pedagógico,

priorizando os métodos de ensino como forma de garantir o atendimento às

diferenças individuais.

Entre as décadas de 50/60, com a influência dos movimentos pós-guerra,

as vivências escolares são consideradas fator preponderante nas intervenções

pedagógicas, provocando certa desvalorização dos saberes escolares

convencionais. A comunicação, o diálogo, o trabalho em comum e as técnicas de

ensino adquirem uma dimensão de importância no processo pedagógico.

Nos anos 60/70, a ênfase do discurso é colocada no tecnicismo

pedagógico como possibilidade de efetividade da escolarização, em termos de

resultados, e, sobretudo, como alternativa para atender às demandas sociais pela

escolarização, garantindo políticas de acesso e permanência das crianças,

adolescentes e jovens na escola. Nesse período, as investigações educacionais se

voltam para uma pedagogia objetiva e científica, calcada no binômio ‘processo-

produto’.

Somente a partir dos anos 80/90, surge a preocupação de uma pedagogia

centrada na escola. Inicialmente, os estudos se voltam mais à autonomia da escola,

em relação às questões de organização/flexibilização curricular, interação social e

intervenção comunitária, porém sempre a partir do olhar do adulto: professores e

pais.

Esta retomada histórica sobre a escola nos da a compreensão de que o

homem não nasce pronto, constitui-se homem em suas relações cotidianas. Os

animais se adaptam à sua realidade, bastando apenas a sua sobrevivência natural.

O homem necessita, porém, produzir, criar, inventar a sua existência. Ele não

apenas adapta-se à natureza, mas a transforma ao mesmo tempo em que, também,

é transformado. Essas transformações acontecem pelo trabalho que, segundo

Leontiev, 1988, não é qualquer tipo de atividade, mas uma ação adequada a

finalidades. É uma ação intencional.

Segundo Gimeno Sacristan e Pérez Gomes (1998), a função da escola

concebida como instituição especificamente configurada para desenvolver o

processo de socialização das novas gerações aparece puramente conservadora:

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garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência da

mesma sociedade.

No entanto, a escola não é a única instituição que contribui para a

reprodução social. A família, os grupos sociais, os meios de comunicação, também

contribuem. A escola com seu currículo, seus conteúdos, sua forma de organização,

gradativamente, vai incutindo os modos de conduta desejados para determinadas

sociedades. “Parece claro para todos os autores e correntes da sociologia da

educação que o objetivo básico e prioritário da socialização dos alunos/as na escola

é prepará-los para sua incorporação no mundo do trabalho”. (GIMENO SACRISTAN;

PÉREZ GOMES, 1998, p. 14). E, para este autor, ainda há uma segunda função

para a escola que é a de preparar os alunos para a vida adulta e pública.

Nesse sentido, a escola pode ser apontada como uma ação/trabalho que

faz emergir o processo de aprendizagem; sua finalidade é a construção do saber

sistematizado. O saber sistematizado de uma escola se estrutura por meio do

currículo que, em seu conceito mais simples, são os métodos e as formas de

organização do conjunto de atividades da escola. “A escola, por seus conteúdos,

suas formas e por seus sistemas de organização, introduz nos alunos, paulatina,

mas progressivamente, as ideias, os conhecimentos, as concepções, as disposições

e os modos de conduta que a sociedade adulta requer.” (GIMENO SACRISTAN;

PÉREZ GOMES, 1998, p. 14). Para Petitat (1994, p. 91): “a apropriação do tempo

pelos pedagogos, o controle físico dos alunos e dos espaços - com vistas a obter

certos resultados morais e culturais nas novas gerações – significam, ao mesmo

tempo expropriação do tempo e do movimento dos alunos.”

A charge a seguir, bem denota as ações escolares a que os autores

Gimeno Sacristan e Petitat se referem, no sentido de estabelecer o controle moral e

cultural dos alunos. (TONUCCI, 1997, p. 122).

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Figura 5 - Controle moral e cultural dos alunos Fonte: TONUCCI, 1997, p. 122

Corroborando com os autores acima, Enguita (1989, p. 152) afirma:

A escola é uma trama de relações sociais e materiais que organiza a experiência cotidiana e pessoal do aluno/a com a mesma força ou mais que as relações de produção podem organizar as do operário na oficina ou as do pequeno produtor no mercado. Por que então continuar olhando o espaço escolar como se nele não houvesse outra coisa em que se fixar além das ideias que se transmitem?

Por muito tempo, a escola ficou condicionada a transmitir conhecimentos,

organizando o trabalho pedagógico baseando-se somente na filosofia idealista e na

psicologia cognitivista. A influência crescente da sociologia da educação e da

psicologia social amplia o foco da análise, de modo que se compreenda que nas

escolas acontecem também os processos de socialização. A escola não pode ser

somente o lugar em que as crianças assimilam conhecimentos e currículos sociais

impostos para a aprendizagem; esses por si só, não dão conta de estimular os

interesses e as preocupações das crianças.

Para tanto, Gimeno Sacristan e Pérez Gomes (1998), apresentam alguns

dados que a escola precisa observar, para que possa sair do status engessado na

qual se encontra e estruturar aquilo que define como educação e/ou socialização

das novas gerações. Assim, segundo esses autores, a escola, ao selecionar e

organizar os conteúdos do currículo precisa estar atenta ao modo como os alunos

organizam e participam das tarefas e/ou atividades propostas e o sentido que dão a

estas. Ainda apontam que ao implantar os currículos, a escola deve estar atenta

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para:

- A ordenação do espaço e do tempo na sala de aula e na escola. A flexibilidade ou rigidez do cenário, do programa e da sequência de atividades. - As formas e estratégias de valorização das atividades dos alunos. Os critérios de valorização, assim como a utilização diagnóstica ou classificatória dos resultados e a própria participação dos interessados no processo de avaliação. - Os mecanismos de distribuição de recompensas como recursos de motivação extrínseca e a forma e grau de provocar a competitividade ou a colaboração. - Os modos de organizar a participação dos alunos na formulação, no estabelecimento e no controle das formas e normas de convivência e interação. - O clima de relações sociais presidido pela ideologia do individualismo e da competitividade ou da colaboração e da solidariedade.

Essas indicações nos permitem analisar os modos de participação dos

alunos no processo escolar, afinal, a sala de aula precisa ser descrita como um

cenário vivo de interações e troca de ideias.

3.1 TEMPO E ESPAÇO/LUGAR DA ESCOLA: LIMITES OU POSSIBLIDADES?

Se voltarmos nosso olhar para a atualidade, não nos parece estarmos tão

distantes, ao período de institucionalização da educação na escola, uma vez que

nossas escolas ainda continuam com uma organização bastante similar aos colégios

retratados no tempo dos Jesuítas.

Hoje, em todo o Brasil, temos critérios que são estabelecidos para toda a

Educação Básica, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei N° 9394,

de 20 de dezembro de 1996. Recentemente, em 2009, houve uma mudança

bastante significativa no capítulo que trata do Ensino Fundamental, “Art. 35: a

duração de oito anos desse nível de ensino, passa a ser de nove anos.” Com isso,

as crianças de seis anos, obrigatoriamente, deverão estar no primeiro ano e não aos

sete, como descrito no art. 36.

A LDBEN 9394/96, ao traçar as diretrizes, marca profundamente os

tempos e espaços escolares, que vão se consolidando na mesma lógica, não

havendo possibilidade de tempos diferentes, por exemplo, para o atendimento às

diferentes faixas etárias. Conforme podemos perceber ao determinar que os estados

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e municípios garantam uma jornada escolar de, no mínimo, quatro horas de trabalho

efetivo em sala de aula ou em ambientes equivalentes, devendo ser,

progressivamente, ampliado o período de permanência na escola, há ainda a

exigência de uma carga horária mínima anual de oitocentas horas que deverão ser

distribuídas em 200 dias letivos, ao longo do ano civil. Esse dispositivo determina o

mesmo tempo cronológico a todas as escolas, independente de suas diferenças, se

situam-se no norte ou sul, se são na zona rural ou urbana, se os alunos são

crianças, adolescentes ou adultos.

Para Viñao Frago e Escolano (1998, p. 44), os relógios, tanto os

escolares, quanto os domésticos, nas sociedades industriais, têm o objetivo de

regular a conduta diária dos sujeitos. Assim, o relógio colocado na escola, ou seja,

os horários das aulas, do recreio, dos dias letivos, “se constituem num símbolo

cultural e num mecanismo de controle social da duração”.

Há, também, determinações para a organização do currículo, o que vou

chamar aqui, “arquitetura organizacional”3, segundo a qual a escola deve se

organizar e atuar. Estes elementos estão delineados no texto da LDBEN, da

seguinte forma:

Art. 26: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. § 1°Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil. § 2° O ensino da arte se constituirá componente curricular obrigatório [...] § 3°, A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola [...] § 4° O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia.

Ainda, na LDBEN, 9394/96, no Art. 27, são traçadas algumas diretrizes

em relação aos conteúdos curriculares, ficando estabelecida, entre estas, a difusão

de valores fundamentais referentes aos direitos e deveres dos cidadãos. No Art. 28,

há uma referência para que conteúdos e metodologias sejam apropriadas às reais

necessidades e interesse dos alunos na zona rural, à qual nos cabe a seguinte

interrogação: Esta necessidade de metodologias adequadas e diferenciadas não

3 Termo convencionado por Dr. Clóvis Nicanor Kassick (2010).

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deveria estar referendada, também, para ser aplicada entre os alunos da zona

urbana, onde as diferenças culturais estão presentes?

Para o cumprimento da LDBEN 9394/96, o Estado de Santa Catarina,

elaborou e implantou a LEI COMPLEMENTAR N° 170, de 07 de Agosto de 1998,

que dispõe sobre o Sistema Estadual de Educação. Assim, entre outras

determinações, estabelece, no Art. 82, que o número de alunos, por sala, terá de

possibilitar adequada comunicação e aproveitamento, obedecendo a critérios

pedagógicos e níveis de ensino, da seguinte forma:

a) na educação infantil, até quatro anos, máximo de 15 crianças, com atenção especial a menor número, nos dois primeiros anos de vida e, até os seis anos, máximo de 25 crianças; b) no ensino fundamental, máximo de 30 crianças até a quarta série ou ciclos iniciais e de 35 alunos nas demais séries ou ciclos; c) no ensino médio, 40 alunos.

Em relação à normatização da carga horária, determina:

Art. 27 [...] III. na educação infantil e até a 4ª série ou ciclos iniciais do ensino fundamental, 4 (quatro) horas de permanência do aluno na escola, podendo ser progressivamente ampliadas. § 1° À escola, dentro de seu projeto político-pedagógico e regimento, fica assegurada autonomia para dispor sobre outra forma de organização da carga horária legal na grade curricular. § 2° O intervalo de tempo destinado ao recreio faz parte da atividade educativa e como tal se inclui no tempo de efetivo trabalho escolar e na carga horária de trabalho dos profissionais da educação.

As legislações, também determinam características básicas para as

instalações físicas das escolas. No sistema estadual de ensino de Santa Catarina,

elas estão na Lei Complementar 170:

Art 67 [...] VI - oferta de salas de aula que comportem o número de alunos a elas destinado, correspondendo a cada aluno e ao professor áreas não inferiores a 1,30 e 2,50 metros quadrados, respectivamente, excluídas as áreas de circulação interna e as ocupadas por equipamentos didáticos.

No Decreto N° 30.436, de 30 de setembro de 1986, o governo do Estado

de Santa Catarina prevê:

Art. 20- As edificações destinadas a estabelecimentos escolares de qualquer natureza deverão dispor de salas destinadas às aulas que comportarão no máximo 40 alunos, correspondendo a cada aluno área não inferior a 1,30 m2, excluídos os corredores, áreas de circulação interna e áreas destinadas a professores e equipamentos didáticos.

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Art. 24- A iluminação das salas de aula em geral será sempre natural, predominando a unilateral esquerda, não se dispensando a iluminação artificial para as condições climatológicas peculiares e para aulas noturnas. § 1° - Quando houver necessidade de iluminação zenital, esta deverá corresponder a 23% da área do piso, devendo ser previstos elementos que evitem o ofuscamento. § 2° - As aberturas nas paredes laterais para iluminação natural devem corresponder a uma área total mínima que atinja 30% da área do ambiente [...]. Art . 26– [...] as portas de comunicação dos ambientes com as circulações deverão ter largura mínima de 0,90 m; as portas de salas ambiente deverão ser duplas com largura total não inferior a 1,40 m; as aberturas de entrada e saída deverão ter largura mínima de 3,00 m. Parágrafo único — O acesso nos estabelecimentos de ensino deverá ser facilitado para deficientes físicos, mediante rampas ou planos inclinados de materiais especiais.

Durante minhas investigações, atuando como professora de estágio

supervisionado, no curso de Pedagogia, observei nas escolas campo de estágio o

cumprimento de todas estas exigências legais: carga horária, matriz curricular, e a

organização do espaço físico. Todas as salas possuem características bastante

comuns, como: janelas altas, para que as crianças não possam olhar para a rua,

carteiras enfileiradas, para que haja mais silêncio. Antes de iniciarem a aula, todos

os alunos ficam de pé e fazem uma oração em conjunto. Dessa forma, como

acreditam a maioria dos professores, há mais aprendizagem. Contrariando essas

concepções, Lima (1989, p. 58) destaca:

A relação que se espera estabelecer no interior dos espaços escolares não é uma relação entre os iguais, no sentido de que todos os envolvidos tenham lugar para opinar, para questionar, para descobrir, para aprender. [...] Janelas altas procuram impedir o olhar curioso das crianças para o mundo de fora. A disposição das carteiras, a posição do professor, tudo se volta para a tentativa de forçar a concentração que métodos e conteúdos desinteressantes não são capazes de manter.

Essa formatação também está presente na escola campo da pesquisa, o

que me permitiu uma breve comparação entre as escolas do início do século e as

escolas deste tempo, conforme fotografias abaixo, que retratam uma escola dos

anos 70 e uma sala de aula dos dias atuais.

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Figura 6 - Saída para o recreio (década de 1970). Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2010.

Fotografia 6 - Escola pesquisada novembro de 2009. Registro feito por um aluno do 4° ano. Fonte: Aluna Julinha, 2010.

Nessa lógica, a estrutura interna da escola foi sendo constituída. Classes

escolares segregadas por idade e série, ensino organizado por disciplinas

fragmentadas, horários pré-estabelecidos e outros limites estabelecidos ou pelo

sistema de educação oficial, ou decorrentes da própria cultura pedagógica daqueles

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que fazem a escola, que veem esses aspectos como fundamentais para a

organização do cotidiano escolar.

[...] escolas com ar de caserna ou de presídio, onde as crianças caminhavam em filas, sob as vistas dos professores ou de bedéis. Mas o esquema ainda não mudou inteiramente. O condicionamento à disciplina dá o tom geral dos espaços escolares. O sinal de início e de fim de cada aula nada tem de convidativo; é um alarme, uma sirene que uiva, esperando que cada criança, esteja onde estiver, se coloque em disposição de sentido, obedeça ao chamado, se ponha em fila. As escolas que agem diferentemente ainda continuam sendo exceções. (LIMA, 1989, p. 58).

Assim, a organização da escola, segundo o tempo e o espaço, é

semelhante aos de uma fábrica e passaram a disciplinar, organizar, regularizar,

homogeneizar, enfim, criar hábitos relacionados ao trabalho industrial. Esses

elementos foram sendo introjetados de geração após geração, nas crianças, nos

adolescentes e jovens, sobretudo das classes trabalhadoras, criando e

desenvolvendo os sentimentos de docilidade e obediência para que, mais tarde,

pudessem se adequar aos modelos de vida de trabalho nas indústrias. (ENGUITA,

1989; PETITAT, 1994 apud PINTO, 2003, p. 52).

ao analisarem as mudanças que foram ocorrendo na vida dos sujeitos, impostas pela passagem do tempo natural ao tempo racional do relógio e o uso do tempo como um instrumento de exploração do trabalho, desvendam aspectos importantes da organização espaço-temporal da escola moderna, que mesmo originada há mais de duzentos anos, ainda mantém a mesma estrutura.

Ao adentrar nas escolas e salas de aula do Ensino Fundamental,

percebe-se que corpo e mente são pensados de forma dissociada; a ‘alunância’

toma o espaço da ‘infância’; nesse espaço, não há mais lugar para a brincadeira,

para o movimento, para a ludicidade. O processo de institucionalização da escola

cristalizou uma representação social em que espaço e tempo precisam ser

dedicados, especificamente, aos conteúdos e aprendizagens, enquanto produto e

produção. Para Lima (1989, p. 38):

O espaço escolar não poderia ser outro: desinteressante, frio, padronizado e padronizador, na forma e na organização das salas, fechando as crianças para o mundo, policiando-as, disciplinando-as. Em nome da economia, as soluções são mais comprometidas: a largura das passagens, dos corredores, das escadas reforçam a vontade permanente dos adultos colocarem as crianças em filas; as aberturas, pequenas, para impedir o acesso externo de estranhos servem também para impedir que as crianças se distraiam com o mundo externo. (LIMA, 1989, p. 38).

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Desta forma, conforme ilustra a charge (TONUCCI, 1997, p. 100-101) a

escola vai consolidando a estrutura fabril e homogeneizando crianças e jovens. As

que não se adaptam ao padrão vão sendo expulsas ao longo do tempo, quer seja

pela escola, quer seja pela sociedade.

Figura 7 - homogeneizando crianças e jovens. Fonte: TONUCCI, 1997, p. 100-101.

A segurança do adulto parece depender do controle que ele tem sobre as

crianças. Essa imposição, muitas vezes, está sublimada de forma sutil, de um jeito

que educadores nem se dão conta. Justifica-se esta relação de poder em função dos

medos de que as crianças fiquem expostas a perigos. Isso faz com que as crianças

permaneçam quase que na totalidade das horas das aulas, na inércia, na

imobilidade e obediência. Quando um dos alunos muda essa lógica, é visto como

desobediente. Essa relação de poder do adulto sobre a criança vai sendo

incorporada durante o tempo, através de muitos caminhos, como o diz Lima (1989):

um deles são as histórias infantis, como as de Joãozinho e Maria que são presos e

ameaçados de virarem comida da bruxa por terem comido chocolate; ou a história

de Chapeuzinho Vermelho, devorada pelo lobo por causa da desobediência. Dessa

forma, a infância vai sendo tratada como algo a ser construído e as crianças e,

também, os adultos vão se submetendo e se acostumando a esses fatos. Vale

lembrar que as crianças que mais se adaptam às normas são elogiadas pelo

comportamento, ou pela aceitação dos padrões estabelecidos pelos adultos, como

tivemos a oportunidade de constatar em nossa pesquisa, na observação das aulas.

Alguns autores, já citados, como Enguita (1989) e Petitat (1994) discutem

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em seus estudos as relações de poder existentes na escola e se elas estão

atreladas ao surgimento da sociedade industrial. Para eles, as mudanças que foram

ocorrendo na vida dos sujeitos, com o uso racional do relógio e o uso do tempo,

como um instrumento de exploração do trabalho, desvendam aspectos importantes

da organização espaço-temporal da escola moderna, que mesmo originada há mais

de duzentos anos, ainda mantém a mesma estrutura.

As carteiras de hoje são novas, outros modelos, mas as crianças, ainda,

continuam dispostas em fila indiana, cabeça olhando cabeça, tendo, ainda, o

professor como centro de todo o processo. As crianças continuam sendo

estruturadas para serem um adulto que perpetue a estrutura social vigente.

“Qualquer um que permanece sentado durante quatro horas, mesmo com pequenas

interrupções, nas carteiras escolares espalhadas pelo Brasil, saberá à que tortura se

submete a criança [...] é de se espantar que alguma criança consiga gostar de

estudar. (LIMA, 1989, p. 40).

Figura 8 - amarras da escola. Fonte: Pesquisa realizada no Google, 2010.

A forma como a escola, ainda nos dias de hoje, organiza seu tempo e seu

espaço faz com que as crianças acabem tendo uma educação que disciplina,

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organiza, regulariza, homogeneíza, enfim, estratifica lógicas relacionadas ao

trabalho industrial, tornando-as dóceis e obedientes, cuja ideologia do trabalho

passou a ser a tônica.

Confinado a um espaço fechado, mantido em um local fixo, inserido em uma rede de vigilância mútua e de emulação, levado a seguir um horário predeterminado, o aluno é incitado ao trabalho permanentemente. O ambiente espaço-temporal do colégio há um tempo apoia e dá caráter de atualidade à ideologia do trabalho por si mesmo. Contudo, é preciso destacar que esta ética do trabalho não se traduz em termos de formação profissional concreta, antes como uma cultura geral laboriosamente adquirida. O método, a organização, o controle físico, o tempo de trabalho são tão importantes quanto os conteúdos incutidos. (PETITAT, 1994, p. 93).

Contudo, ao entendermos que a organização do tempo e do espaço

escolar é edificação humana que vai sendo construída no transcorrer da história,

podemos conjecturar sobre a possibilidade de mudanças na estrutura espaço-tempo

das escolas, de modo que favoreçam o processo de desenvolvimento e formação

das crianças, respeitando-as enquanto sujeitos de direitos. Essas mudanças, na

organização dos tempos e dos espaços escolares exigem uma postura crítica em

relação ao trabalho pedagógico e em relação à concepção de criança-infância,

possibilitando que os alunos sejam percebidos como sujeitos ativos no processo

escolar.

Defendendo a necessidade de espaços escolares de qualidade, Lima

(1989, p. 13-14) diz que “não há espaço vazio, nem de matéria, nem de significado,

nem há espaço imutável [...] É num espaço físico que a criança estabelece a relação

com o mundo e com as pessoas; e ao fazê-lo, esse espaço material se qualifica.”

Corroborando o posicionamento de Lima, pode-se afirmar que espaço e

tempo não são neutros, eles traduzem a imaginação, os conhecimentos objetivos e

as relações sociais estabelecidas.

É preciso transformar os espaços escolares em “lugares”. Para isso,

supõe-se uma visão de infância como categoria social, que participe ativamente da

construção desses espaços, revelando seus modos de ser e agir. Isso será possível,

quando ouvirmos mais as crianças, compreendendo desta forma, como se constitui

a relação entre infância e escola.

Assim como esses autores, a perspectiva adotada neste trabalho sobre o

tempo e o espaço escolar é de que estes não podem ser entendidos como neutros,

pois, sendo uma construção histórica e social, além da sua materialidade,

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expressam as relações sociais que neles se desenvolvem. Por serem construídos

social e historicamente é que podemos afirmar que tanto a organização do tempo

quanto a concepção e organização dos espaços escolares podem ser mudados,

exigindo-se para isso, uma postura crítica em relação ao trabalho escolar concebido

e desenvolvido em nossa sociedade. “Nada é mais dinâmico do que o espaço,

porque ele vai sendo construído e destruído, permanentemente, seja pelo homem,

seja pela natureza.” (LIMA, 1989, p. 13). Nada existe, nem se articula fora do

espaço, porque é inevitável viver sem se relacionar com as pessoas e com os

objetos, trazendo para estes um significado singular.

Segundo Lima (1989), a criança estabelece relações com as pessoas e o

mundo através do espaço físico e, ao relacionar-se, o espaço material vai se

qualificando, pois vai absorvendo as relações que são estabelecidas. “Por isso, o

espaço em que se vive, ou o espaço que a memória preserva, funde em si tanto ao

calor do ambiente e à cor das paredes quanto à alegria e à segurança que nele

sente”. (LIMA, 1989, p. 13). Para a autora:

O espaço material é, pois, um pano de fundo, a moldura, sobre o qual as sensações se revelam e produzem marcas profundas que permanecem, mesmo quando as pessoas deixam de serem crianças. É através dessa qualificação que o espaço físico adquire nova condição: a de ambiente. (LIMA, 1989, p. 13).

Daí a importância de se perceber que o espaço não é neutro e nem vazio

de significado. Embora não seja pensado na escola como parte do integrante do

currículo, ele precisa ser discutido, não apenas como peças materiais ou móveis

dispostos num ambiente, mas como forma de organizar e qualificar as relações

estabelecidas, quer seja entre o sujeito e o espaço ou deste com as outras pessoas.

3.2 A ESCOLA COMO LUGAR DA INFÂNCIA

O texto objetiva discutir as dimensões de ser criança e aluno e viver a

infância neste momento histórico, além de verificar o entrelaçamento destas

dimensões no espaço escolar.

Na Idade Média, somente poucos estudantes da universidade tinham a

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condição de aluno. Foi somente a partir do século XIX que essa condição social

começou a ser generalizada nos diferentes níveis do sistema educacional e,

praticamente, em toda a população de menores no século XX.

A partir da industrialização, a categoria aluno começa a aparecer com

mais ênfase, ao mesmo tempo em que as crianças começam e a ser acolhidas com

mais afeto nas relações familiares. Inicia-se, também, nessa época, a

institucionalização da infância liberada do trabalho e das penúrias. Talvez por isso,

ser criança e ser aluno passa a ter o mesmo significado social, pois ambas as

categorias foram construídas simultaneamente. Vale ressaltar que os menores4, das

classes sociais economicamente desfavorecidas, foram escolarizados mais por

razões morais e de controle social do que por qualquer outra. O sujeito criança é

considerado como ser necessitado de condições que favoreçam seu crescimento

pessoal, separado da vida dos adultos. Para Gimeno Sacristan (2005), a

consolidação da ideia de aluno como uma imagem social compartilhada por todos

deve ter ocorrido, simultaneamente, à expansão dos sistemas educacionais em

sociedades altamente urbanizadas.

Em nossos tempos, na sociedade ocidental, a escola torna-se universal e

obrigatória, sendo assim, a infância, nosso foco de reflexão, vive quase que em sua

totalidade, dentro dos espaços escolarizados. Ser aluno hoje é algo tão natural que

nos parece estranho encontrarmos crianças fora das escolas. Estar num sistema

escolarizado, para nós, é tão rotineiro que, raramente, nos causa estranhamento a

lógica da organização escolar. Há uma sensação de naturalidade diante das

situações e das vivências cotidianas, que acabamos nos acostumando com a forma

como ela está posta, o que pode nos impedir de pensar que poderiam ser de outra

maneira. Essa falta de reflexão sobre a lógica escolar em que estamos inseridos nos

impede de pensar novas possibilidades.

Com o aluno acontece o mesmo: é tão natural ser aluno e vê-lo em nossa experiência cotidiana que não questionamos o que significa ter essa condição social que é contingente e transitória. Damos como certo que, em uma etapa de suas vidas, o papel das pessoas que vemos é ir às instituições escolares todos os dias. (GIMENO SACRISTAN, 2005, p. 13).

Nem nos damos conta de que esses alunos são uma categoria social com

4 Gimeno Sacristan (2005), utiliza as categorias aluno, criança pequena, menor, muitas vezes como sinônimos. A denominação “menor”, especificamente, utiliza paraenglobar todo ser humano que não é adulto.

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características específicas. Consolidamos a função da escola como se o aluno fosse

algo distanciado do sujeito histórico, político e social. Não nos questionamos sobre

quem são estes alunos? Como vê-los? Escutá-los? Quais são suas reais

necessidades? Quem é a infância que ocupa este espaço? Não pensamos se esta

forma de ser da escola traz consequências positivas ou não para os alunos. Não

nos perguntamos como eles vivem esses momentos.

Discutimos pouco a ideia de ser aluno, porque consideramos natural a

forma como concebemos essa categoria. Não somos sensíveis ao que ocorre com

as crianças e com os alunos, quer enquanto categoria social quer enquanto

indivíduos portadores de singularidades. É tão natural para nós que toda criança

seja aluno que, ao olharmos uma criança, a identificamos como um aluno, como se

ambos tivessem um único conceito. “Em compensação, não identificamos qualquer

adulto como se fosse um professor, porque sabemos que nem todos os adultos o

são.” (GIMENO SACRISTAN, 2005, p. 14).

Para refletir sobre a escolarização das crianças contemporâneas, é

necessário compreender as dimensões do ser criança e viver a infância neste

momento histórico, conforme detalhamos no capítulo II. É preciso conhecer e

compreender as culturas5 vividas e praticadas pelas crianças, para poder repensar a

legitimidade dos conhecimentos escolares e os modos de socialização propostos na

escola. Em contrapartida, não é raro nos depararmos com uma escola em que a

rotina e a mesmice enraizaram-se ao longo dos tempos. Com isso, vemos carteiras

uma atrás da outra, provas, leituras, sinal para entrar e sair da sala, horário para

tudo, um professor a ensinar, etc. Na atualidade, nas salas de aula, encontramos

sujeitos em processos de mudança, imbricados em contextos reais, com

necessidade e sonhos próprios que não mais se adaptam as ideias que os adultos

fizeram deles. É preciso ver e compreender a história e os sentimentos da criança

que permanece grande parte de sua existência no espaço da escola.

Ao ignorarmos a fala dos alunos, estamos criando uma identidade,

permitindo a perpetuação de uma escola convencional em que os alunos não têm

voz, são como que ‘tabula rasa’ a esperar que sejam despejados conteúdos e

informações oriundas dos adultos. É preciso construir uma relação dialética para que

os educadores compreendam os processos pelos quais as crianças passam todos

5 O estudo das culturas da infância, não será aprofundado, por não ser o foco desta pesquisa.

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os dias nesse ambiente, como nos aponta Gimeno Sacristan (2005, p. 14):

[...] com quais dificuldades vão às aulas, o que encontrarão ali, que desejos deixam ao sair de suas casas e quais deixam nas portas da escola, que histórias têm ou que futuro lhes espera, porque carregam nas costas o peso de que devem assimilar e esquecer depois, o que realmente aprenderão e o que se verão obrigados a esquecer, porque na rua são de um jeito e nas salas de aula de outro, porque em sua casa podem beber água quando querem e na sala de aula não, porque têm de ir ali todos os dias e na mesma hora, porque vivem as segundas-feiras de maneira diferente das sextas-feiras, porque em alguns casos são vestidos de uniforme e em outros não.

Não refletir a condição de ser aluno, não relacioná-la à condição de uma

geração situada no tempo e no espaço, cria no espaço escolar, muitas vezes, um

estranhamento entre professores e alunos. Apesar de vivermos num tempo em que

as crianças e adolescentes são cada vez mais vistos enquanto sujeitos de direito,

vem se afirmando, cada vez mais, por parte dos professores, um descontentamento,

talvez um saudosismo, quando dizem que os alunos de antigamente não eram

assim. Parece que o aluno dócil, bondoso, obediente, disciplinado, maleável,

continua permeando nosso ideário pedagógico.

Segundo Gimeno Sacristan (2005), precisamos alterar nossas

representações do mundo dos alunos, pois a ordem que queremos impor obriga os

sujeitos nela envolvidos a serem de uma determinada maneira. Devemos entender

que os alunos são categorias sociais que pensam, sentem, se entusiasmam, se

inibem e se relacionam; têm uma vida pessoal e familiar, uma história, um contexto,

um futuro. Compreender o aluno é considerar as condições de vida deste, seu modo

de ser, suas origens, as formas como são tratados pelos adultos. Torná-lo sujeito de

direito é relacionar as práticas educacionais com o funcionamento da sociedade em

geral, com a evolução da família e com o papel da escola, em cada momento

histórico e nas condições atuais.

No mundo moderno, costumamos relacionar a escolarização com a

infância. Esse procedimento deveria coincidir mais com a participação efetiva das

crianças nos espaços escolares e com a relevância para atividades de significação

para as mesmas, como é o caso de atividades lúdicas e brincadeiras. No entanto,

nas últimas décadas, nos discursos educacionais estão mais presentes as

discussões sobre o ensino, ou sobre o currículo. Há mais preocupação em como

planejar e transmitir, do que em como os alunos recebem esses ensinamentos. São

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poucas as discussões em torno da categoria aluno. Temos de ver, no aluno, a

criança vivendo sua infância, como protagonista de sua história e de suas relações

sociais.

Nas orientações gerais do MEC (BRASIL, 2004) sobre o Ensino

Fundamental de nove anos, aparecem reflexões sobre o tempo escolar, o que

representa um grande avanço, pois as inquietações podem sinalizar momentos de

mudança. Resta saber se a escola terá autonomia para operacionalizar tais

indicações:

Sobre o tempo escolar – Os currículos e os programas têm sido trabalhados em unidades de tempo e com horários definidos, que são interrompidos pelo toque de uma campainha. Assim, a escola acaba reproduzindo a organização do tempo advinda da organização fabril da sociedade. Uma situação como essa remete-nos a Rubem Alves, quando afirma que “a criança tem de parar de pensar o que estava pensando e passar a pensar o que o programa diz que deve ser pensado naquele tempo”. Daí que emergem as questões sobre a necessidade de se repensar a organização do tempo escolar, acompanhando as mesmas inquietações de Rubem Alves6: “o pensamento obedece às ordens das campainhas? Por que é necessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora e no mesmo ritmo? As crianças são todas iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crianças sejam todas iguais?” Enfim, o que se tem aprendido com um currículo que fragmenta a realidade, seus espaços concretos e seus tempos vividos? Trata-se de um modelo disciplinar direcionado para a transmissão de conteúdos específicos, organizado em tempos rígidos e centrado no trabalho docente individual, muitas vezes solitário por falta de espaços que propiciem uma interlocução dialógica entre os professores. (BRASIL, 2004, p. 10).

Percebe-se que há uma disposição do MEC para que a escola repense a

organização do tempo e do espaço de forma a acolher a infância. Ao trazer os

questionamentos de Rubem Alves, permite-se questionar e romper com suas

tradições. O que se questiona é, por que ainda não rompemos com as amarras da

burocratização? Por que ainda não permitimos que o espaço escolar seja

transformado no lugar das crianças?

A indagação de Lima (1989, p. 59) é bastante pertinente para inquietar

ainda mais os conceitos estabelecidos: “Como seriam tratadas as paredes e os pisos

das escolas se a preocupação fosse a de estimular a manifestação das crianças?” E

ela mesma responde: “As paredes e os pisos seriam construídos de modo a

comportar desenhos e frases de crianças em diferentes idades, talvez laváveis ou

para receber muitas camadas sucessivas de tinta.” 6 ALVES, R. “Não esqueça as perguntas fundamentais.” In: Folha de S.Paulo, Caderno Sinapse, 25/2/2003.

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Cabe lembrar que o modo como a escola se organiza nos apresenta a

concepção de infância na qual ela acredita, ou seja, a criança que precisa ser

transformada, que precisa se moldada. Por isso, à medida que as escolas têm como

centralidade as categorias geracionais, suas propostas pedagógicas precisam ser

redefinidas, portanto, a pedagogia, ciência da educação, deve começar a ser

interrogada.

É o que sugere Arroyo (2008, p. 119), “estamos em tempos em que o

pensamento pedagógico é levado a rever suas verdades, metáforas e auto-imagens,

a partir das experiências da infância”. Fica então o desafio de rever verdades. Isso,

só será possível se adentrarmos a escola, estranharmos o rotineiro e dermos voz e

vez às crianças, para que possam, com os adultos construírem o lugar da infância.

Esse lugar segundo Viñao Frago e Escolano (1998, p. 61), constrói-se: “a partir do

fluir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre

disponível e disposto para converter-se em lugar.”

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4 A VOZ E O OLHAR DAS CRIANÇAS

O apanhador de desperdícios Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. [...] Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso palavras para compor meus silêncios (BARROS, 2003 apud SILVA, 2005, p. 46).

Neste capítulo, espero poder compor por meio de minhas escritas os

silêncios e as falas das crianças, os silêncios dos espaços e tempos escolares.

Esses silêncios atravessam os cotidianos, quase que imperceptivelmente, mas são

carregados de significados para quem desvela seus mistérios.

Sendo assim, procuro caracterizar a Escola-Campo da pesquisa por meio

dos registros fotográficos realizados pelas crianças, da leitura do Projeto Pedagógico

e das falas de profissionais da escola. Apresento as crianças que participaram da

pesquisa e, em seguida, descrevo sobre os registros feitos a partir das observações,

fotografias e das entrevistas. Ao dar visibilidade as suas “falas”, às crianças me

revelam o que pensam, sentem, como percebem e vivenciam os diversos tempos e

espaços nessa escola, o que profetizam e o que gostariam de mudar. Os nomes das

crianças e professores não serão revelados. Cada uma delas escolheu um nome

fictício para ser apresentado nesta pesquisa. (ANEXO A).

A partir da reflexão dos dados levantados com a pesquisa, espero suscitar

inquietações sobre o espaço que a criança ocupa na escola, hoje. Por isso, vou

ressaltar que a pesquisa não tem a intenção de criticar ou julgar o trabalho dos

professores e educadores, ou ainda, minimizar a função da escola, que é a

elaboração do conhecimento produzido pela humanidade.

Acredito que a escola, conforme apresento no capítulo 3, modificou-se ao

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longo dos tempos, que a relação professor- aluno/criança ganhou outros contornos

no sentido da hierarquização. “Isso siginifica dizer que os professores tecem suas

práticas cotidianas a partir de redes, muitas vezes, contraditórias, de convicções e

crenças, de possibilidades e limites, de regulação e emancipação (OLIVEIRA, 2003,

p. 1). Entre a regulação e a emancipação, citadas por Oliveira (2003, p. 2), há uma

caminhada pela qual percorrem os educadores. O que permite esse caminhar ou

essa passagem, entre uma e outra, é a discussão e a reflexão sobre as vivências

ocorridas no cotidiano escolar. Corroborando com os conceitos da autora, “a tensão

entre regulação e emancipação não representam uma dicotomia, nem uma gradação

linear”, penso que elas são processos dialéticos de uma determinada realidade. Por

isso, trago recortes de momentos vividos e observados que, além das falas das

crianças, possam nos dar condições de analisar a trajetória percorrida pelos

professores dessa escola, lembrando sempre que o foco da pesquisa, nesse texto é:

o lugar que a infância ocupa nas séries iniciais do ensino fundamental, mais

precisamente, da 4ª série.

4.1 PRIMEIRAS IMPRESSÕES: MINHA CHEGADA À ESCOLA

Ao chegar em frente à escola, minha primeira visão são as cores: verde

escuro, vermelho e branco; essas cores caracterizam todas as escolas da Rede

Estadual de Ensino. Com isso, reflito sobre o quanto o Estado mantém sua

hegemonia, não permitindo que as escolas criem sua própria identidade.

Para entrar na escola, há dois portões de ferro: um no centro e outro mais

ao lado. Paro um pouco para ver em qual dos dois portões eu poderia entrar. Fui ao

portão lateral, mas estava cadeado. Olhei e vi um corredor, vazio. Não avistei

ninguém, pois era horário de aula e todos estavam nas salas. Fui, então, ao portão

central que estava aberto. Ali havia um jardim e uma porta fechada com uma

campainha. Todo o espaço era muito bem fechado. Perguntei- me se era para as

crianças não saírem ou se era para não entrarem.

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Fotografia 7 - Portão lateral Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2010

Fotografia 8 - Portão da frente Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2010

Com o tempo, meus conceitos são reforçados. Percebo que o portão

central é o local de entrada dos professores, dos pais, dos visitantes. Pelo outro

portão, entram os alunos. Essa divisão parece nos dizer, de forma subjacente, qual

concepção de infância está permeando o espaço desta escola. Conforme Tuan

(1983, p. 46), “a relação entre os cômodos, mais do que a forma como está

arranjada a mobília dentro deles, pode estabelecer diferenças no espaço interior”.

Analiso, então, a concepção de infância que está implícita nesses detalhes

carregados de significados. Neles, percebo que a categoria infância e a categoria

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aluno estão sendo compreendidas, nesse contexto, como um período de vida em

que os indivíduos precisam de proteção, porque sabem menos, têm menos

maturidade e menos força, em comparação com os adultos, como nos aponta

Soares e Tomás (2004).

A arquitetura dos espaços físicos vai dimensionar as relações de poder

que se estabelecem, como aponta Tuan (1983, p. 46-47):

Em muitos edifícios, as partes da frente e de trás estão claramente diferenciadas. As pessoas podem trabalhar no mesmo prédio e experienciar mundos diversos, porque as diferenças de status as colocam em rotas de circulação e áreas de trabalho diferentes. Homens da manutenção e zeladores entram pela porta de serviço, na parte dos fundos, e transitam pelos “corredores escuros” do prédio, enquanto os executivos e suas secretárias entram pela porta da frente [...]. Um típica residência da classe média tem uma fachada atrativa para impressionar e receber as visitas, e um fundo despretencioso para o uso de pessoas de baixo status, como os entregadores e as crianças.

Ao adentrar a porta central, vejo um hall bastante acolhedor, com plantas,

frase de boas-vindas, poltrona, uma mesinha com flores; é um local bonito e

acolhedor, ao contrário do corredor lateral, por onde entram os alunos. Mesmo

assim, nos registros fotográficos das crianças não aparece registro desse local, elas

registraram o corredor lateral. Esse dado é importante para que compreendamos

qual é o lugar que tem um real significado para a criança. Por isso é preciso deixar

que a criança fale, registre, participe e também que o adulto ouça, veja, perceba as

necessidades que elas têm. Na fotografia a seguir, feita por uma das crianças

envolvidas na pesquisa, aparece o portão lateral. Essa criança, quando entrevistada,

diz: “Gosto também do portão, porque vejo quem entra e quem sai. Aqui é o lugar

em que eu mais gosto de ficar.” (YASMIN).

Aqui, vejo que a minha visão em relação ao portão não é a mesma da

criança, porque ela deu significado ao espaço, transformando-o em ‘lugar’. Destaco,

também, que a beleza da entrada do portão dos adultos não encanta a criança, por

isso é preciso escutá-la para compreender seus significados, e a vida que ela cria

por meio de sua imaginação. Se não a ouvimos, não podemos compartilhar suas

experiências e seus pontos de vista.

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Fotografia 9 - Portão lateral Fonte: Aluna Yasmin, 2009

Segundo Gimeno Sacristan (2005), precisamos mudar as representações

que fazemos sobre o mundo dos alunos, pois a lógica que queremos impor obriga os

sujeitos nela imbricados a serem de uma determinada maneira. Devemos entender

que os alunos são categorias sociais que pensam, sentem, se entusiasmam, se

inibem e se relacionam, têm uma vida pessoal e familiar, uma história, um contexto,

um futuro. Ao mudarmos essa forma de nos relacionarmos com os alunos,

mudamos, também, a organização dos espaços físicos da escola. Quando estamos

pré-dispostos a essa mudança, quando as concepções sobre criança começam a

mudar, a re-estruturação do ambiente pode ser condição para as mudanças nas

relações.

Percebo, assim, que há uma reciprocidade. Uma via de todas as mãos

para a mudança, uma influenciando sobre a outra. Importante ficar atento pois,

quando as mudanças estão ocorrendo nas concepções de mundo, sentimos

necessidade de mudar o nosso entorno, e isso significa, também, uma mudança em

nossas percepções.

Ao chegar à Secretaria da escola, fui muito bem recebida por todos os

profissionais da escola, e em todos os dias em que lá estive. Esses mostraram

bastante disposição em me escutar, em ouvir sobre a pesquisa e, sobretudo, em

participar dela. Combino, então, com o diretor e a equipe pedagógica, a data para

conversar com as crianças e com a professora da quarta série. O objeto da pesquisa

se constituiu da fala e do olhar de 16 crianças que estudam na 4ª série dos anos

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iniciais do Ensino Fundamental, desta escola. Dessas, sete são meninas e nove

meninos. Elas têm idade que variam entre nove e onze anos de idade.

A partir dessa conversa, vou olhar um pouco o espaço interno. Corro os

olhos por todo o espaço: vejo que o ambiente é bastante cuidado. As paredes, assim

como os pisos do pátio, são brancos, a pintura é impecável e tudo é muito limpo. As

portas das salas de aula são pintadas de cores diferentes, azul, amarelo, rosa e, em

cada uma delas desenhos em EVA (material para fazer desenhos) coloridos, feitos

pelos adultos.

Escola de adultos, para adultos!

A própria escola é um modelo a ser atingido. Percebo que há

preocupação em fazer desse espaço um lugar aconchegante. Contudo, poucos são

os indícios de que há participação das crianças. No pátio, nos corredores e nos

painéis não aparecem marcas de suas produções.

Nesse primeiro olhar, observo que não há parque, brinquedos ou

qualquer elemento que, sem a presença da criança, nos deem pistas de que elas

ocupam esse espaço.

4.1.2 A escola: um pouco de sua história

Toda escola traz consigo uma história. Esta história vai caracterizá-la em

sua singularidade, suas marcas, porque elas são construídas e reconstruídas nas

relações que estabelecem entre a comunidade local e a comunidade escolar. Por

isso, apresento uma retrospectiva histórica da escola campo de pesquisa, desde a

sua criação, até os dias atuais, para que compreendamos os movimentos que

constituem sua trajetória. Os dados apresentados foram disponibilizados pela

Orientadora Educacional da Escola. Segundo ela, são registros do Projeto

Pedagógico.

Como já dito, anteriormente, a pesquisa acontece numa escola de

Educação Básica da Rede Pública Estadual, situada na periferia da cidade de

Tubarão. A Escola de Educação Básica Professora Angélica Cabral está situada na

Rua Manoel Medeiros, nº 75, bairro São Bernardo, município de Tubarão - SC.

Localizada no meio de uma pequena comunidade, está rodeada de

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casas, de uma igreja católica e outra evangélica, uma quadra de esportes, um

mercado e um bar. As casas das crianças situam-se, na sua maioria, em uma

encosta de morro.

A escola é um espaço que foi construído, cresceu e se solidificou junto

com a comunidade, tem, portanto, raízes culturais que perpassam gerações.

Na fala das crianças, por meio da entrevista, essa afirmação fica evidente,

quando questionadas se gostam da escola. Das 15 crianças entrevistadas, 12 (80%)

dizem que sim, gostam da escola, manifestando a importância desta para quem

mora na comunidade, conforme se percebe nas respostas: Gosto. A gente aprende

mais. A gente vindo na escola vai ser alguém na vida; e a gente tem que saber para

ser alguém na vida. Ser alguém na vida é ter uma profissão, é ter um salário digno, é

aprender mais. Eu quero ser advogada. Esta é uma fala que demonstra que a

criança gosta da escola.

Para Gimeno Sacristan e Pérez Gomes (1998), a escola assume a função

de preparar os alunos para a vida adulta e pública, além de prepará-los para a

incorporação no mundo do trabalho. Assim, gradativamente, através, dos currículos

“oficiais” e “ocultos”, que se estruturam através dos conteúdos, de sua forma de

organização, vão se incutindo os modos de conduta desejados para determinadas

sociedades. Para essas crianças e famílias, a escola é referência para uma vida

melhor, conforme se percebe na fala das crianças durante a entrevista.

A economia do bairro é baseada no setor secundário (fábricas de móveis)

e terciário (mini-mercados, padarias, bares etc.). As classes sociais classificam-se

dentro do patamar de renda média-baixa. As redes sociais mais evidentes na

comunidade estão ligadas às instituições que prestam serviços educacionais, de

saúde, grupos religiosos. A religiosidade da comunidade escolar agrega-se às

instituições religiosas pertinentes a Católicos e Evangélicos.

A primeira escola da comunidade de São Bernardo foi instalada no Centro

Catequético pertencente à Mitra Diocesana de Tubarão, no próprio bairro, no ano de

1962, com 60 alunos e 02 professoras. Posteriormente, foi legalizada pelo Decreto

nº 1420/CEE aos 21/05/1962 como Escola Isolada de São Bernardo, transferindo

seu funcionamento para uma casa domiciliar de madeira, locada pelo governo

estadual para o desenvolvimento de aulas em regime multisseriado, com 80 alunos

de 1ª a 4ª série e 02 professoras.

Em 1978, foi construída pelo governo Estadual a Escola Reunida

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Professora Angélica Cabral com: 02 salas de aula, 01 cozinha, 02 sanitários e 01

quadra de esportes.

Em 1987, torna-se Escola Básica, com a criação do ensino das séries de

5ª a 8ª, complementando o Ensino Fundamental. Prosseguindo sua ampliação

institucional e física, em 1988 é criada a pré-escola com uma sala de aula com

mobiliários apropriados: mesas e cadeiras pequenas e armários.

Dando continuidade à evolução geográfica da Escola de Educação Básica

Professora Angélica Cabral, em 1997, são construídas outras dependências: no piso

térreo, um pátio coberto e 08 sanitários; no piso superior, 04 salas de aula.

Em 2003/2004, a rede física escolar agregou outros espaços: 01 (uma)

biblioteca, 01 (uma) sala de Educação Física e 01 (uma) sala para a Informática com

equipamentos pertinentes.

Em 27 de março de 2006, a Unidade Escolar agrega, no seu potencial

técnico-pedagógico, um Laboratório de Informática, com as tecnologias específicas

para seu pleno funcionamento.

No ano de 2008, inaugura-se a reforma geral, com a ampliação de mais

02 (duas) salas de aulas; totalizando 08 salas de aulas.

Nessa trajetória histórica da escola, apresentada em seu Projeto

Pedagógico, é notório que houve ampliação do espaço físico, ou seja, salas de

informática, de biblioteca, de Educação Física, mas não há indicação de que o

espaço para a brincadeira aumentou - é a escola adulto!

O terreno doado para a construção da escola é um pequeno espaço na

encosta do morro, como já citado, talvez esse seja um dos motivos que inviabilizou a

ampliação da escola de forma a permitir um espaço mais adequado para as

brincadeiras (planta baixa ANEXO B). Conforme Lima (1989, p. 65):

O que continua valendo é a doação de terrenos por parte dos prefeitos e particulares, que, em tempos não muito distantes, possibilitaram a construção de escolas onde não havia população. Ou ainda, terrenos cujas condições os inviabilizavam para o mercado: restos de loteamentos, áreas inundáveis, pirambeiras, esses são os terrenos destinados a escolas, não por incapacidades dos que os escolhem, mas por decisões políticas que se voltam para o não confronto com os loteadores e para a diminuição aparente dos custos da construção dos prédios.

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Fotografia 10 - Frente da escola Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2010

Fotografia 11 - Lateral e fundos Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2010

Embora sendo bastante recente, a reforma não contemplou questões

elementares, nem para a infância, nem para a inclusão de pessoas portadoras de

necessidades especiais. O acesso às salas do piso superior é feito por escada de

muitos degraus; para as demais salas, há sempre um degrau. Percebe-se que as

garantias previstas nas legislações atuais, como é o caso da acessibilidade, não são

respeitadas na sua totalidade. Isso pode parecer um descaso com as crianças e

adultos por parte do poder público.

Em relação ao processo de aprendizagem, a orientadora e a supervisora

dizem que: “as ações pedagógicas que permeiam a relação da aprendizagem estão

em constantes inovações intencionando a concretização de um Projeto Político

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Pedagógico pautado em uma concepção de educação histórico-cultural, por meio de

num trabalho interdisciplinar, e da interação social, buscando a totalidade do

conhecimento e o desenvolvimento da cidadania responsável, autônoma e

participativa na formação da sociedade, tanto nos aspectos que se referem a seus

problemas, como também, em seus avanços.” (Diário de bordo – 18/04/2010).7

Verifiquei que há preocupação em relação à qualidade do ensino e que,

de fato, são realizadas ações para que se concretize uma educação que leve em

consideração a história dos sujeitos. Nos momentos em que observei a atuação da

orientadora educacional, percebi que conhecia a história de cada criança que ali se

encontrava, que toda situação diferenciada em relação ao aprendizado ou em

relação à dificuldade de cada um é cuidadosamente registrada, para,

posteriormente, ser discutida e servir de subsídios nos conselhos de turma,

momentos em que os professores e gestores discutem a avaliação de cada aluno.

Também, verifiquei que são realizadas reuniões pedagógicas a cada bimestre para

discutirem temáticas de projetos a serem realizados. No entanto, em sala de aula,

observei que a articulação entre as disciplinas não acontece. Esse é um processo

que ainda precisa ser discutido e planejado. As disciplinas, ainda, são trabalhadas

de forma compartimentada, conforme quadro abaixo. Mesmo com todos os esforços

dos professores e gestores, há uma distância entre o que está escrito e o que

realmente acontece na prática.

Segundo a Orientadora Educacional e a Supervisora Escolar, para que

essas ações se efetivem, o calendário anual é organizado, prevendo atividades de

integração da comunidade interna e externa, com reuniões, palestras, gincanas,

esportes, passeios, festas comemorativas. As rotinas escolares são conduzidas

dentro dos valores éticos e do fortalecimento da Cultura de Paz. O processo

pedagógico é norteado pela Proposta Curricular de Santa Catarina e pelo Projeto

Político Pedagógico da escola. Além disso, a escola se organiza por meio de

projetos, previamente elaborados pelos professores sob a coordenação da

Orientadora Educacional e da Supervisora Escolar. Entre as temáticas trabalhadas

em 2009 e 2010, registram-se: Educação e Saúde; Educação e Prevenção na

Escola; Cidadania e Direitos Humanos; Educação para o Trânsito; Educação Fiscal; 7 Caderno, em que registro tudo que observo. O exercício de registrar o cotidiano vivido com um grupo de crianças é uma aprendizagem e um grande desafio, principalmente, porque o educador, para tanto, precisa necessariamente observar ações, reações, interações, proposições não só das crianças, mas suas também. (OSTETTO, 2008, p. 21).

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Relações étnicas, racial e cultural; Educação ambiental. Essas temáticas são

definidas pela Gerência de Ensino e planejadas, coletivamente, na escola, que

procura organizar-se por projetos interdisciplinares.

As aulas são organizadas por meio de grades horárias:

1ª a 4ª série: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História,

Arte, Educação Física, Ensino Religioso.

5ª a 8ª série: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História,

Arte, Ensino Religioso, Inglês, Educação Física.

Na 4ª série, essas disciplinas são organizadas da seguinte forma:

Horário 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira 7h30min às 8h15min

Educação Física

Matemática

Português Matemática

Geografia

8h15min às 9h Português Matemática

Ensino Religioso

Educação Física

Geografia

9h às 9h40min Artes Ciências Matemática

História Artes

9h40min às 10h Recreio Recreio Recreio Recreio Recreio 10h às 10h45min Matemátic

a Português Matemátic

a Português Português

10h45min às 1h30min

História História Educação Física

Português Ciências

Ciências* Quadro 1 - Cronograma de aulas. * Na quarta-feira as aulas são de 40min, pois há seis aulas.

Com a estruturação dos nove anos do Ensino Fundamental, a

alfabetização passa a ser pautada, em sua maioria, pelas disciplinas de Língua

Portuguesa e Matemática, ficando as demais áreas do conhecimento para serem

trabalhadas a partir do 4º ano, por isso, nas 1ª, 2ª e 3ª séries, as aulas estão

divididas semanalmente em:

Português: 11 aulas

Matemática: 10 aulas

Educação Física: 03 aulas

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Artes: 02 aulas

Atualmente, essa unidade escolar presta serviços educacionais de 1ª a 8ª

séries do Ensino Fundamental, no turno matutino e vespertino, atendendo, em sua

totalidade, 104 alunos, oriundos de 80 famílias, grande parte, moradoras desse

bairro. Para viabilizar o atendimento, a escola conta com:

Professores de 1ª a 4ª série: 07. Sendo 01 para cada série e mais 01 professor de

Arte, 01 professor de Educação Física e 01 professor de Ensino Religioso (esse

último somente para a 4ª série).

Professores de 5ª a 8ª série: 09 professores, 01 para cada disciplina.

Projeto de teatro: 01 professor

Projeto de dança: 01 professor

Diretor: 01 (40 horas semanais)

Secretária: 01 (40 horas semanais)

Supervisora Educacional: 01 (40 horas semanais)

Orientadora Escolar: 01 (40 horas semanais)

Assistente Técnico Pedagógico: 01 (40 horas semanais)

Serviços Gerais e merenda: 03 profissionais (40 horas semanais)

Penso ser importante haver na escola projetos que possibilitem outras

linguagens, como o teatro e a dança, atividades que são realizadas no contra-turno

das aulas. Esses projetos constituem possibilidades diferenciadas de aprendizagem.

Esse é um avanço que diferencia o trabalho da escola pesquisada, das demais

escolas públicas estaduais. Geralmente, as crianças gostam dessas atividades, mas

nas entrevistas e nas conversas com elas não houve nenhuma menção a essas

atividades.

O número de educadores que trabalha nessa escola em relação ao

número de alunos é bem significativo. A escola tem 104 alunos para 18 professores,

uma média inferior a seis alunos por professor. Esses dados apontam que a escola

dispõe de recursos humanos suficientes para realizar um trabalho de qualidade,

sobretudo, no que diz respeito à interação professor-aluno, principalmente nesta

questão da organização tempo e espaço, numa perspectiva da compreensão da

infância.

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4.2 PRIMEIROS ENCONTROS

No primeiro dia em que cheguei para ir à sala de aula, fui recebida pela

secretária que me acompanhou até a sala de aula. E como se dissesse algo muito

importante, me fala: “na primeira série, eles eram ‘quebras’, agora são ótimos.”

(Diário de bordo).

Para ela, esse era um dado relevante, afinal, isso foi uma conquista da

escola. Essa fala evidencia o conceito de uma pedagogia tradicional que entende o

aluno/criança como matéria moldável, ou seja, ao longo dos anos, a escola adaptou

as crianças aos seus padrões. Para Gimeno Sacristan (2005, p. 16) “Nosso olhar,

apesar de o século XX ter sido qualificado como o ‘século da criança’, continua

sendo mais magistrocêntrico (visto a partir dos professores), logocêntrico

(dependente dos conteúdos mínimos) ou sociocêntricos (olhando as necessidades

sociais) do que alunocêntrico (centrado no aluno).”

A professora me recebe muito bem e me apresenta às crianças. Converso

com elas sobre a pesquisa e falo que gostaria da participação delas. Elas acenam

um sim, timidamente, e a professora sugere que eu fique em uma das carteiras, no

fundo da sala. Havia um estranho silêncio, não sei se era a minha presença lá, ou

porque estavam na aula de Matemática, estudando frações. A professora explicava,

mas parecia que “um meio”, “dois terços”, não faziam o menor sentido, para elas.

Quando a professora perguntava se estavam entendendo, nada respondiam. A

professora, também, percebeu, porque parou as explicações que fazia no quadro e

disse: _ Vocês sabem o que é fração? Ninguém respondeu. Então, muito perspicaz

fala: “Peguem os dicionários no armário e vamos procurar o que significa fração”.

Nesse momento, as crianças se mobilizam, e aquela estagnação vai embora. Agora,

já ouço risos e conversas. Começa a vida na sala! Quando acham a palavra

solicitada, leem-na em voz alta para os colegas. Depois disso, a professora

recomeça a mostrar no quadro as operações com fração. Enquanto ela explica o

conceito de fração, as crianças continuam a procurar significados de outras palavras

no dicionário; aparece a curiosidade natural da criança; elas leem, silenciosamente,

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aquilo que encontram. Contudo, aos poucos, os dicionários são guardados e voltam-

se todos para o quadro, voltam-se para o sem sentido!

Inevitavelmente, o fato de estar sentada numa carteira, observando

atitudes das crianças e professora, me fez voltar ao passado e rememorar minha

infância na escola. Passaram-se mais de trinta anos, muitas mudanças ocorreram no

mundo, mas a escola permanece com a mesma lógica. Os conteúdos parecem ser

os mesmos, a professora na frente a explicar coisas que não fazem sentido para a

criança, porque não são vivenciados e experimentados. Para compreender o

conteúdo, que por vezes parece muito abstrato, as atividades devem ser

significativas e diversificadas. Sobre esse fato, Vigotski, Luria e Leontiev salientam

que:

Estudos demonstram que o intelecto não é precisamente a reunião de determinado número de capacidades gerais – observação, atenção memória, juízo etc. – mas sim a soma de muitas capacidades diferentes, cada uma das quais em certa medida, independentemente das outras. Portanto, cada uma tem de ser desenvolvida independentemente, mediante um exercício adequado. (VIGOTSKI; LURIA; LEONTIEV, 1988, p. 108).

Ao propor que as crianças procurem o conceito de fração no dicionário e

desafiar que elas busquem por si mesmas o sentido do que estavam estudando, a

professora demonstra que faz tentativas de desenvolver as aulas com criatividade e

participação, porém esses momentos são passageiros, voltando-se, rapidamente,

para outras propostas, ou seja, para dentro de limites estabelecidos, a fim de cumprir

com o papel conteudista da escola.

Além disso, a disposição em que os móveis se encontravam, não permitia

mobilidade e interação. As carteiras estavam enfileiradas umas atrás das outras; no

fundo da sala, dois armários, onde ficam guardados os materiais utilizados pelas

duas turmas que ocupam a sala de aula. Na frente, uma mesa, um quadro verde e

outro armário.

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Figura 9 – Organização espacial da sala de aula Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2010.

Nas paredes, não vi nenhum trabalho das crianças, somente decorações

e cartazes feitos pelas professoras. Talvez porque na escola adulta, a arte do

aprendiz não merece a exposição. Os cartazes traziam sílabas soltas, palavras

descontextualizadas, que ficavam abaixo do quadro; próprios da lógica adulta que

não integra porque não entrega. Esses cartazes foram produzidos pela professora

da primeira série, pois eles ocupavam a sala no período vespertino. Deduzi que as

produções das crianças ainda não são tão valorizadas pelos adultos como deveriam.

Fotografia 12 - Decoração da sala de aula. Fonte: Autora da pesquisa. Tubarão/SC, 2009.

Quando termina a aula de Matemática, eles vão para a aula de Educação

Física. Acompanho-as e ali começam minhas primeiras interações, porque tenho a

oportunidade de conversar, mas somente até chegar à quadra, porque ao chegar lá,

a professora divide os grupos, determina os jogos, e eles começam a aula. Por um

tempo elas se divertem, mas, aos poucos, algumas já não querem mais o jogo

proposto. Sentam, vêm conversar comigo. A professora chama, exige que

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participem. Ali também não percebo nenhuma participação na proposição dos jogos

que são todos com regras já estabelecidas. Ao conversar com um dos alunos,

pergunto por que não está mais participando das atividades, se não gosta das aulas

de Educação Física. Ele me responde:

PAULO - Acho legal pra jogar futebol. Brincamos e jogamos, quando a tia deixa. PESQUISADORA - E quando não deixa jogar futebol? Perguntei. PAULO - Faço as outras coisas também porque tem que ganhar nota né! (Diário de bordo).

A inteligência da sobrevivência escolar! Admitir para não submergir. Mas

quantos conseguem emergir dessa submissão organizacional e intelectual? Quantos

preservam a sua curiosidade, interesse e criatividade, pós-escolar?

“O que os sujeitos podem pensar, fazer, sentir e querer são aspectos

governados pelas práticas institucionais”. (GIMENO SACRISTAN, 2005, p. 152). Na

fala do aluno Paulo, há duas referências ao fato de se deixarem ‘governar’, quando

diz, “brincamos quando a tia deixa”, “faço porque tenho que ganhar nota”. A

avaliação torna-se, assim, um modo de dominação, de imposição, isto é, cumpre o

seu papel!

Fotografia 13 - O melhor lugar da escola. Fonte: Aluno Paulo, 4ª série, 2009.

Após a aula de Educação Física, vem o recreio. Nesse dia, as crianças,

juntamente com a Orientadora Educacional e a Supervisora Escolar, prepararam

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uma festa surpresa para a professora Maria, que retornou de uma licença, na

semana que comecei a pesquisa e para a professora que a estava substituindo. As

crianças me pegam pela mão e me convidam para subir a uma sala para

esperarmos as professoras. Senti-me feliz e, totalmente, aceita no grupo. Eles me

confidenciavam suas expectativas em relação à festa, falavam o que sentiram sem a

presença da professora que estava retornando, da dificuldade para aceitar a

professora substituta. Nesse momento, percebo o quanto as crianças são receptivas,

fazendo confidências e interagindo comigo, que acabara de chegar.

Na sala, arrumam as carteiras em círculo, colocam no meio os lanches e

esperam a chegada das professoras. Quando elas chegam, são aplaudidas; o

diretor dá as boas-vindas a Maria e agradece o trabalho da professora Joana

(nomes das professoras são fictícios). Em seguida, pergunta às crianças se elas

gostariam de falar alguma coisa. Luiz é o primeiro a falar de forma bastante

espontânea.

DIZ PARA A PROFESSORA JOANA - Você era muito brava, mas até que era legal. PROFESSORA RESPONDE - Tivemos alguns atritos. Quando fui brava é porque gostava de vocês. Tenho certeza de que vocês podem ir muito além.

Mais uma vez, num único dia, me deparo com uma fala que deixa clara a

concepção de criança como algo inacabado, que precisa ser transformada pelo

adulto. Pareceu-me que essas atitudes acontecem, porque alguns professores

acreditam ser essa a melhor forma de ajudar a criança. A professora Joana, da qual

não tive oportunidade de assistir às aulas, talvez por inexperiência tenha tido alguns

equívocos.

É preciso uma formação continuada nas escolas para que se discuta

quem são os sujeitos com os quais convivemos. Walter Benjamin (KOHAN, 2008),

na primeira metade do século XX, já criticava a concepção equivocada que os

educadores mantinham da criança, considerando-a ingênua, crédula, incompleta e

incompetente. Os conceitos que foram perpetuados no tempo estão como que

enraizados nas ações da maioria dos educadores, mesmo que, em suas falas,

digam o contrário.

Rompendo com atitudes adultocêntricas, percebi que algumas ações em

relação à participação das crianças vêm sendo realizadas. Por exemplo: no

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momento em que o diretor dá a palavra para os alunos falarem e estes dizem o que

pensam a respeito da professora, é uma tentativa de que as crianças sejam

partícipes no processo. Assim, outros alunos também agradecem. Depois, todos

desfrutam do lanche que trouxeram. Esse é um momento descontraído, as crianças

abraçam a professora que está saindo, falam que estão felizes pela volta da

professora titular. Ali, vejo a importância das relações e o quanto havia de

afetividade entre eles. Essa afetividade que é característica das crianças e que as

move, por vezes, é usada pelo adulto para impor, de forma disfarçada, o

autoritarismo do maior sobre o menor. É o autoritarismo expresso sobre a manha do

carinho, presente na pedagogia tradicional para como forma do disfarce e

chantagem, promover o comportamento submisso.

Nas aulas da professora Maria, a professora titular, percebi uma

disponibilidade afetiva muito grande, uma cumplicidade e um respeito mútuo, que,

segundo ela, aconteceu quando ela se dispôs a escutá-los e compreendê-los nas

suas histórias de vida.

Terminado o recreio, voltamos para a sala de aula. Outra professora já os

espera, era aula de Arte. Os alunos sentam-se e a professora, sem nenhuma

palavra, distribui um texto e pede para que o leiam. A arquitetura organizacional,

aliada à dos tempos-espaços vai moldando os destinos. Enquanto fazem a leitura,

ela fica em frente à mesa de braços cruzados, espera um pouco e pergunta se já

leram, eles respondem que não. Ela pega um texto e, silenciosamente, também, faz

a leitura. Ao terminar, pergunta novamente: então, já leram? Ninguém responde. Ela

se irrita e diz: eu já li duas vezes. Vocês ainda não leram? As crianças, que antes

estavam muito quietas, começam uma a uma a dizer que não estão entendendo

nada. O texto era sobre Renascimento, suas letras eram minúsculas, a cópia estava

reduzida. Ao fazer uma leitura rápida, achei-o sem sentido, principalmente, porque

não houve um contexto, uma conversa prévia. Quando as crianças dizem que não

estão entendendo nada, a professora se exalta e diz para responderem um

questionário.

Confesso que me assusto com tamanha insensibilidade por parte da

professora, das conversas rudes dela com os alunos ao questionar o que não

estavam entendendo. Saí desse primeiro dia de pesquisa angustiada. Sei que este

não é, apenas, o retrato de uma escola, mas uma amostra daquilo que acontece na

maioria delas. Ao final da aula, no momento da saída, ainda ouço uma criança dizer

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a outra: “hoje a professora de Arte estava mais boazinha.”

Tentei entender a postura da professora e buscar explicações para a

metodologia adotada; talvez ela considerasse um estímulo a que as crianças, diante

de uma dificuldade, se sentissem desafiadas e impulsionadas a buscarem respostas.

Vygostki, ao conceituar a zona de desenvolvimento proximal, ou seja, a

distância entre o que a criança é capaz de fazer sozinha e o que pode fazer com

ajuda do outro, dá ao professor a condição de ser mediador e desafiador das

aprendizagens das crianças. Contudo, isso não o autoriza a propor desafios que a

criança não consiga resolver, nem com a ajuda de pessoas mais experientes do que

ela, pois, se a criança não os consegue resolver, não consegue acompanhar, deixa

de existir a “atividade interessada.” (VIGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 1988). Quero

perceber que foi isso o que aconteceu na aula de Arte. O texto apresentado não

trouxe para as crianças nenhum desafio, porque não havia conhecimento prévio e,

também, não havia proposta de ação que os estimulasse a querer buscar o

significado de Renascimento. Sobre esse fato, Vigotski, Luria e Leontiev (1988, p.

108) salientam que:

A tarefa do docente consiste em desenvolver não uma única capacidade de pensar, mas muitas capacidades particulares de pensar em campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade geral de prestar atenção, mas em desenvolver diferentes faculdades de concentrar a atenção sobre diferentes matérias.

Mais um dos fatos que indicam que o adulto impõe autoridade sobre as

crianças, em nome de um conhecimento que, para a professora precisaria ser

repassado. A professora traz para a sala de aula um conteúdo sem sentido,

descontextualizado e ainda, sem uma metodologia capaz de significá-lo, isto é, re-

contextualizá-lo. Para que a infância tenha seus direitos salvaguardados, mudanças

terão de acontecer nas relações que perpassam o cotidiano escolar. Esta mudança

“terá que necessariamente desenvolver um reordenamento simbólico e prático do

que é uma criança, a infância, um adulto e um cidadão.” (ROCHA, 1999 apud

SOARES; TOMÁS, 2004).

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4.3 AS CONVERSAS...

A entrevista/conversa com as crianças foi direcionada por um roteiro de

perguntas estruturadas (APÊNDICE A) que, em alguns casos, sofreram

desdobramentos, tendo em vista a necessidade de explorar mais e melhor as

respostas das crianças envolvidas. Para a realização dessa entrevista, conversei

com as crianças todas juntas na sala de aula, explicando todos os procedimentos:

que a entrevista seria individual, quais as perguntas que eu faria, qual o objetivo das

mesmas, que seria gravada e, por fim, perguntei se elas gostariam de participar.

Todas as crianças concordaram e se mostraram bastante animadas. Podia-se ver

isso, nos sorrisos e na forma com que moviam suas mãos quando olhavam umas

para as outras.

Para a entrevista, solicitei uma sala. Como havia poucos espaços vagos,

num dia ficamos na biblioteca e nos outros na sala dos professores. As crianças

foram vindo, uma a uma, eu deixava que elas se ambientassem, conversávamos um

pouco sobre a vida delas, a família, os lugares onde brincavam fora da escola.

Assim, através de suas vozes, fui conhecendo um pouco mais sobre esse grupo de

crianças, conhecendo o contexto em que viviam. Percebi que elas se sentiam muito

à vontade para falarem de suas vidas. Pude compreender as condições reais de

suas vidas fora da escola. As falas revelaram que, pelo fato de os pais trabalharem o

dia todo, elas permanecem sozinhas, cuidando dos afazeres domésticos, dos

irmãos, o que lhes impossibilita de brincarem.

Ao lhes perguntar se elas gostariam de ficar mais tempo em casa, quatro

crianças responderam “sim”, uma não respondeu, duas ficaram em dúvidas, e nove

delas responderam que não gostariam. Entre as respostas, estava o fato de terem

de trabalhar em casa. Quando questiono o porquê, me respondem:

LARA - [...] em casa eu fico muito sozinha. À tarde eu limpo a casa para minha mãe, mas aí não tem mais nada para fazer. YASMIN - Eu gosto da escola [...] em casa faço o serviço pra minha mãe.

Percebe-se e entende-se porque a escola é adulta. A sociedade é adulta!

Quando pergunto por que gostam de vir à escola, muitos respondem:

“Fujo do trabalho”.

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Conforme já apontado no capítulo II deste texto por Natália Soares

(2007), essas falas me reportaram à situação de muitas crianças brasileiras, em que

nem mesmo os direitos mais elementares relativos à proteção são garantidos, pois,

ao ficarem sozinhas o dia todo, podem estar expostas a muitos perigos e

responsabilidades.

Em relação aos espaços do brincar, nas conversar e também nas

observações, vi que, na comunidade, não há espaços próprios para brincadeiras.

Elas brincam na quadra da escola, quando essa não está ocupada, mesmo nos

finais de semana. Na maior parte do tempo, conforme suas falas, veem televisão ou

jogam vídeo-game. Aqui, parece haver uma contradição, porque no início desse

capítulo falo que não há lugar para brincar na escola. Naquele momento, refiro-me a

lugar específico, como parquinho ou espaços livres. A quadra quase sempre está

ocupada com aulas de Educação Física e, nos finais de semana, com jogos. Os

outros espaços quando não são significados pelas crianças, não têm a intenção de

ser lugar de infância.

Quando as crianças já estavam mais à vontade, pedi para me ajudarem a

ligar o gravador, fazíamos alguns testes e começávamos. Ao final das entrevistas,

nós ouvíamos as respostas, para que elas confirmassem se, de fato, era aquilo que

queriam dizer. Embora todas as dezesseis crianças tivessem dito que queriam

participar da entrevista, no momento desta, uma delas não quis falar, me disse: “sou

tímida, não gosto de falar, só quero participar das fotos”. Perguntei se queria que eu

desligasse o gravador, mas mesmo assim, ela não quis. Então, respeitei sua

posição. Foram três manhãs, para que pudesse realizar todas as entrevistas.

4.4 RETRATOS DO COTIDIANO: IMAGENS ... LUGARES... MOVIMENTOS...

Ao iniciar a pesquisa, meu intuito era eu mesma fotografar para,

posteriormente, fazer análise do espaço pensado para a infância ou do espaço

ocupado pelas crianças nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Mas, no dia dezenove de novembro, cheguei à sala de aula e a

professora pediu que as crianças sentassem em duplas para ouvirem uma história

de Ana Maria Machado, Bisa Bia, Bisa Bel. As crianças ouviam com muita atenção.

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Percebi pelo olhar de cada uma que, de fato, elas estavam vivendo aquele momento

como se elas próprias fossem as personagens. O texto, no contexto, instiga e cativa.

Ao chegar à metade da história, a professora parou e disse:

PROFESSORA: - Amanhã tem mais. PESQUISADORA: - As crianças em coro, disseram. CRIANÇAS: Ah... Ah... Ah...

Ao indagar sobre a história, a professora questiona sobre como podemos

guardar as lembranças que as pessoas têm, pois na história contada, a Adriana,

personagem principal, guardava suas lembranças em uma caixa. Os registros que

ela guardava eram algumas fotos de sua bisa Bia. Este também foi um dos

momentos em que a professora Maria buscou interagir com as crianças numa

linguagem bastante adequada para a infância, pois aguçou a imaginação das

mesmas.

Após a conversa, a professora entrega um retrato da bisa Bia, para que

as crianças colem no caderno de produção textual. Ao realizar a atividade, uma a

uma, elas começam a me mostrar a fotografia que estavam colando e pintando e me

diziam que também tinham fotos, perguntavam se eu queria vê-las.

Ao perceber o interesse das crianças e as confidências que estavam me

fazendo, me senti parte integrante daquela turma e tomo uma decisão: falo com a

professora e peço autorização para fazer uma proposta às crianças. Com o

consentimento dela, converso com as crianças e pergunto-lhes se gostariam de

participar da pesquisa, fotografando o espaço de que elas mais gostam da escola.

Dessa forma, assim como a personagem da história, poderíamos ter nossas próprias

lembranças. Minha sugestão foi que cada uma delas, no dia seguinte,

individualmente, fizesse duas fotos e, em seguida, me dissesse porque escolheu

aquele lugar. Solicitei que cada um guardasse segredo do lugar fotografado, para

que, posteriormente, pudéssemos mostrar as fotos para todos. Eles me perguntaram

se poderia ser qualquer lugar. Pedi, então, para que citassem todos os espaços que

a escola tem. Eles foram falando: sala de aula, quadra, biblioteca, secretaria, sala de

orientação pedagógica, cozinha, banheiros, enfim, todos os lugares foram falados.

Fiz essa pergunta para que compreendessem que poderiam fotografar os espaços

internos e externos da escola.

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A euforia foi geral, podíamos ouvir as risadas e os gritinhos: Yes!

E, assim, no dia seguinte, no horário combinado, lá estava eu, também,

com câmera fotográfica e muita ansiedade. Segundo a professora, até a minha

chegada, elas não conseguiam concentrar-se em nada, esperando-me.

Para iniciar o trabalho, pedi sugestão de como poderíamos nos organizar.

A sugestão foi que eu esperaria na rua e elas iriam uma a uma ao meu encontro. E,

assim, aconteceu. Ao final de cada registro fotográfico, elas sentavam comigo e me

diziam o que fotografaram e o porquê da escolha do lugar, pois a interpretação das

fotos dependeria, também, de suas falas e não, apenas, do material fotográfico, que,

por si só, não dá conta de revelar as diferentes formas de as crianças sentirem e

perceberem o espaço da escola.

A partir da leitura das imagens fotográficas podemos resgatar a memória e a história, elaborando um diálogo que possibilita um outro olhar e o conhecimento da realidade. A observação de uma imagem fotográfica mobiliza associações e evocações de outras imagens mentais armazenadas na memória. A partir da interpretação da foto podemos reconstituir o passado, rememorando informações, emoções e situações vivenciadas anteriormente. (LENZI, 2006 apud LOPES, 2006, p. 224).

Como já indicado, as crianças fotografaram os espaços da escola de que

mais gostam e me dizem o porquê dos espaços escolhidos. Foram, em sua maioria,

espaços externos, embora houvesse uma foto registrando a biblioteca e, uma outra,

uma sala de aula. Esse dado não revelou surpresa, eles vieram corroborar com as

respostas dadas na entrevista. Esse olhar da criança, além de mostrar as

preferências delas sobre o espaço, também torna-se um dado revelador das

concepções de infância perpassadas, como nos aponta Viñao Frago e Escolano

(1998, p. 45):

A arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou seja como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta [...] o traçado arquitetônico do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende.

A organização arquitetônica que forma o espaço físico da escola é

material importante para a constituição dos sujeitos, podendo ser identificada como

elemento de formação.

A seguir, passo a apresentar o que as crianças revelaram e arquitetaram

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com seu olhar e sua fala, conforme apresento, nas imagens que categorizei como:

4.4.1 Espaço/lugar-prazer...

Fotografia 14 - Refeitório Fonte: Aluno Luiz, 2009.

LUIZ - porque pode brincar, fazer brincadeiras. Espaço grande para fazer alguma atividade. Boliche, pula-corda, reloginho. Porque quando chego na escola, fico ali conversando, brincando. Tem bastante colorido.

Fotografia 15 - Pátio interno Fonte: Aluna Lara, 2009.

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LARA - É legal porque o diretor fala os recados. A gente brinca bastante. Dão recados da capoeira, mas eu não tou na aula de capoeira, porque o pai e a mãe não deixam. Ali também tem apresentações. Converso com meus amigos. É porque no recreio gosto de ficar aqui sentada nos bancos. Vejo os outros. Fico lanchando com as minhas amigas.

Ao falar dos pátios, falam dos pátios cobertos, um deles é o refeitório.

Disseram que o registraram porque ali podem brincar; conversar o que quiserem;

ficar esquentando sol; lanchar e olhar os outros. Este é o espaço que para elas é

significativo para viverem a sua infância na sua inteireza e nas suas singularidades,

destituídas da hierarquização do adulto.

Os pátios, apesar de não mostrarem as produções infantis, já estão

significados por elas, suas afirmações nos permitem percebê-las como sujeitos

historicamente inseridos no contexto, ou seja, sujeitos de sua própria história,

tecendo suas relações.

As observar as fotografias acima, relaciono-as com as memórias de

Walter Benjamin, quando fala das memórias de sua infância berlinense em 1900:

Era-lhe, ainda, vedado, enquanto criança, olhar para além daquilo que lhe fora prescrito pelo mundo dominante dos adultos. Entretanto, mesmo assim, Benjamin percebia a presença humana dos empregados de sua casa – dos quais se aproximava, muitas vezes, mais do que seus próprios pais. (GALZERANI, 2005, p. 60).

Mesmo que o adulto não tenha percepção da necessidade de criar

espaços para a infância, a criança, por meio de sua imaginação e de suas próprias

elaborações cognitivas, amplia suas relações culturais e transforma o espaço,

aparentemente sem sentido, em um lugar, “capaz de resguardar as íntimas relações

existentes entre as palavras e as coisas ou, entre os conhecimentos narrados e suas

experiências vividas”. (GALZERANI, 2005, p. 60).

Ao olhar as imagens do pátio vemos limpeza, o aspecto físico é bem

conservado. Isso denota o cuidado que o grupo de profissionais da escola tem para

com o espaço. Contudo, faltam as produções infantis. Fica a pergunta: “como seriam

tratadas as paredes e os pisos das escolas se a preocupação fosse a de estimular a

manifestação das crianças?” (LIMA, 1989, p. 59).

Proponho que nos aproximemos do universo infantil para constituirmos

uma relação mais estreita com as crianças. Isso será possível se rompermos com os

conceitos de infância solidificados ao longo dos tempos dentro das escolas, que não

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nos permitem ver a criança com suas reais potencialidade e estabelecermos um

olhar atento e uma escuta mais sensível.

4.4.2 Espaço-posição-expo-sição

Fotografia 16 - Mural Fonte: Alunas Elisangela e Yasmin, 2009.

ELISANGELA - porque mostra as coisas boas. Amor, paz e união. Foi um trabalho que fizemos. Incentivou por causa da música. Os cantores vieram aqui. A música falava de perdão. YASMIN - Painel do trânsito – 3ª série fez. Trabalhos no pátio, gosto porque ali colocamos os nossos trabalhos. Também gosto de ver os da 5ª série. Eles é que fazem mais. Esta é a parte que mais colocamos nossos trabalhos. Explicamos o que fazemos na sala.

As crianças apresentam os painéis como algo importante. Falam, com

orgulho, de terem seus trabalhos expostos, valorizam o trabalho dos colegas de

outras turmas e o colorido dos mesmos. As crianças, em suas falas e nas imagens,

demonstram o quanto é importante para elas que suas produções sejam expostas,

assim como essas falas podem sugerir que a decoração das salas e dos pátios seja

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feita em parceria entre as crianças e os adultos.

Nesse recorte de imagens, podemos destacar que o trabalho do adulto se

sobressai ao da criança/aluno. Os textos infantis estão dentro do coração e

rodeados por obras de adultos. Em todos os painéis, há a exposição de trabalhos

que os adultos organizaram e não os alunos. Lima (1989, p. 59) ressalta: “[...]

persiste a ideia de que a escola, para ser considerada limpa, tem de ostentar

paredes, portas e janelas sem marcas de crianças ou, quando aparecem desenhos,

deve ser o desenho “organizado e limpo”.

Parece que há uma preocupação em expor os trabalhos das crianças,

porém a forma de organização está na lógica do adulto. “A apropriação de um

espaço pela criança supõe a possibilidade de que ela venha a colocar suas marcas,

alterá-la de alguma forma [...], estímulo primário para os seus exercícios de

transformação do seu mundo” (LIMA, 1989, p. 59).

Esses espaços precisam contemplar a produção das crianças, suas

imagens, seus desenhos, seus textos. Ou seja, precisa permitir que elas criem,

recriem, imaginem, inventem.

4.4.3 Espaço/lugar-comunicação...

Fotografia 17 - Biblioteca Fonte: Aluno Paulo, 2009.

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PAULO - Gosto de ler um pouco, porque aprende mais coisas. Gosto de histórias, de ação, de luta e de aventuras.

Espaço/lugares-voos Espac-ializa-Ação

Paulo nos traz a imagem da biblioteca como um lugar em que pode viver

suas aventuras, inventar histórias imaginárias, recriar situações vividas pelos

personagens. Quando me refiro à participação das crianças, é no sentido de que

elas nos dão subsídios para qualificar suas experiências dentro do espaço escolar,

porque saímos do lugar comum para criar outros voos pensados por elas. Nossa

adultez, muitas vezes, não nos permite perceber o que é importante para elas.

Paulo nos aponta a biblioteca como o lugar que a escola poderia utilizar para sair um

pouco mais da sala de aula e possibilitar aprendizagens sob outro enfoque, com

outras linguagens, através de narrativas, teatro, leituras coletivas, mas talvez pelo

fato de ela ser pouco utilizada, apenas ele tenha fotografado esse espaço.

Diante do exposto, cabe questionar: o espaço da biblioteca faz parte do

cotidiano escolar, ou é um espaço à parte, segregado das aulas? Não seria esse o

espaço capaz de transformar-se em um lugar de arte, sonho e imaginação para as

crianças? E ainda: quando a organização pedagógica possibilita às crianças uma

real ampliação cultural?

4.4.4 Espaço/lugar-solidão... Espaço/lugar-introspecção...

Fotografia 18 - Brincadeiras Fonte: Aluno Gerrard, 2009.

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GERRARD - Mastro da bandeira. Gosto de ficar neste lugar, aqui em cima, no recreio. Não sei porque, talvez porque posso ficar sozinho com um amigo.

“A criança gosta de ficar sozinha, gosta de ficar com os adultos, mas do

que ela mais gosta é de ficar brincando com seus pares, imitando, reproduzindo e

recriando, enfim, criando cultura infantil.” (FARIA, 2003, p. 79). Por isso, há

necessidade de recriar os espaços para a infância no ensino fundamental; assim ela

poderá ter lugares que lhe possibilitem múltiplas relações.

Percebi que as crianças sempre encontram um jeito para se divertir, para

brincar, para conversar com seus pares e construir seus relacionamentos. Elas

organizam seus tempos na escola, muitas vezes, contrariando as regras dos adultos.

Dessa forma, as crianças se apropriam do espaço escolar e o transformam em um

lugar de ludicidade e espontaneidade infantil.

Fotografia 19 - Espaços de brincadeira Fonte: Aluna Yasmin, 2009.

YASMIN - Aqui é o corredor da saída, quando não pode ir à quadra é aqui que brincamos. Mas a quadra é o lugar que mais gosto.

Yasmin, em sua foto e em sua fala, corrobora com a ideia de que as

crianças se apropriam do espaço escolar e o transformam num lugar de brincadeira.

Embora ela fale da quadra, chama minha atenção o fato de que a quadra é

registrada, mas não da forma como eu havia imaginado. Ela aparece muito menos

do que o pátio interno da escola. Talvez seja pelo fato de, na quadra, estarem,

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quase sempre, na presença de um adulto que indique as atividades que devam ser

realizadas. Ela deixa de ser um espaço-prazer para se constituir, com os demais,

em:

Espaço-produção...Espaço-obrigação...Espaço-submissão...

Os espaços expressam e retratam o vivido e, simultaneamente, a ânsia

por viver e sentir-se vivo. Nos registros fotográficos, podemos perceber que os

lugares onde as crianças mais gostam de ficar são os lugares em que elas ampliam

suas relações culturais. Retratam os momentos em que não há a intervenção do

adulto. Lugares nos quais elas podem brincar, ou reinventar modos para viver a

infância, como é o caso do mastro da bandeira. “A escola é a casa de toda infância”

(VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 52), no entanto, no espaço físico não

aparecem suas marcas.

Ao olharmos para a foto dos pátios, parecem lugares vazios, eles são

limpos, mas não mostram a presença das crianças ou dos alunos, é preciso que

neles apareça a vida.

Viñao Frago e Escolano (1998, p. 45) afirmam que, “não se deve

esquecer de que a escola, como qualquer outro tipo de habitação, incluída a própria

casa, é uma criação cultural sujeita a mudanças históricas”. Por isso, é necessário

repensar a escola para esse tempo histórico em que a infância vem sendo

constituída como categoria social.

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4.4.5 Espaço-inerte... espaço-produção...

Fotografia 20 - A sala de aula Fonte: Aluno Rodrigo, 2009.

RODRIGO - Eu e uma parte da sala. Meu pai me ensinou desde cedo que o estudo é a melhor coisa. Se eu estudo bastante, ganho presentes. Só por isso.

Espaço-recompensa:

me sujeito para garantir presentes ou a recompensa por suportar!

Na moldura da sala de aula, retratada por Rodrigo, fica evidente a ideia

da passividade, da imobilidade, do silêncio, da falta de interação. É a concepção de

uma escola de mão única, em que o professor transmite e o aluno aprende.

Vemos todas as carteiras voltadas para frente da sala, onde se localiza

uma mesa retangular destinada à professora; atrás dessa mesa, está o quadro de

giz. A disposição dos móveis evidencia a posição social que ocupam professores e

alunos e deixa implícita uma concepção pedagógica que disciplina gestos, falas e

movimentos. Conforme nos apontam Vinão Frago e Escolano (1998), a

“espacialização” disciplinar, geralmente, é parte integrante da arquitetura escolar. Na

disposição das carteiras em filas, facilita-se a rotina das tarefas e a economia do

tempo, isso, reflete o “adultocentrismo” permeado nas escolas.

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Gimeno Sacristan (2005, p. 17) faz um interessante comentário a respeito

das salas de aula, ao dizer que estas não são somente os móveis, mas um conjunto

entre esses e as pessoas que a habitam, “seres reais em processo de mudança, que

estão enraizados em contextos concretos, que têm suas próprias aspirações”.

Ainda, na sala de aula, pergunto às crianças: quando estais fazendo

atividade, gostas de conversar com os colegas? Como é que fazem para conversar

na sala de aula? Todas respondem que não podem conversar; só baixinho ou

quando acaba a atividade. Apresento algumas das falas:

LARA - Gosto. Mas quando a tia dá tempo para conversar. Se a gente conversar na hora que ela tiver passando atividade, daí ela briga. Eu converso. Baixinho. YASMIN - Pode, na hora que dá uma folguinha, a gente copia tudo, depois conversa, mas baixinho. Antes da folguinha acho que não pode, porque a professora está explicando, né? MURILO - Dá vontade... risos. Eu não converso, fico quietinho. Às vezes até converso, mas quando a professora chama atenção, eu paro.

Nas respostas, fica evidente que os ideários da criança, in-fans, que não

tem voz, ainda perduram em nossos tempos, nos espaços escolares, lugar em que

elas passam grande parte de sua existência. Kramer (2006, p. 15) questiona se é

possível que a criança tenha voz num contexto em que, “por um lado, infantiliza

jovens e adultos e empurra para frente o momento da maturidade e, por outro, os

adultiza, jogando para trás a curta etapa da primeira infância?”

Ainda para saber um pouco mais sobre a organização do tempo e sobre

as metodologias de aprendizagem utilizadas em sala de aula, pergunto: em que

momentos vocês saem da sala de aula?

A maioria das crianças, 53% diz que saem quando vão ao banheiro, ao

recreio, à Educação Física. Sobre outras possibilidades aparecem citados uma única

vez cada: às vezes, vão à sala de vídeo e de informática; uma falou da aula de arte

e outra diz que uma vez fizeram trabalho fora da sala.

Espaço-aula prisão...

Nas respostas das crianças, é notório que suas aulas não são previstas

de formas a dar a elas a oportunidade de relacionarem-se com o espaço externo.

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Suas aulas são, na maioria, dentro da sala, numa rotina que não é questionada, mas

que pode ser modificada, como nos aponta uma das alunas:

ANA - A gente sai quando tem algum trabalho fora. Mas é mais na sala. Teve um dia, um único dia pediram autorização pros pais deixar a gente sair aqui pelo bairro para ver os lixos. É tão legal ir à rua, não ficar só na sala de aula, aprende mais, aprende diferente. Foi bem legal, se eu fosse professora, ia mais à rua. Faria viagens.

Espaço-aula libertação...

Refletindo a fala da aluna, podemos pensar uma educação que nos leve

ao encontro da infância, uma educação em que o ensinar e o aprender estarão

fundamentados numa relação entre adultos e crianças que pressupõem escutas e

trocas. Dessa forma, a escola estará ancorada nas reais necessidades da infância e,

ao mesmo tempo, estará dando a ela a oportunidade de transformar-se e também de

transformar o espaço em seu entorno. Assim, a infância não será mais objeto que

precisa ser moldado, não será somente pensada, mas pensante.

As crianças gostam da escola, como Ana nos indica.

ANA - Sala de aula, lugar onde eu estudo e gosto. Gosto de Português e Ciências. Estamos estudando a camada de ozônio e efeito estufa.

Espaço-prazer... Espaço-conhecimento

A escola tem uma função social que é a de socializar os conhecimentos

produzidos pela humanidade, mas a questão fundamental é como fazê-lo? Nas

falas, as crianças trazem dicas de como devemos nos mover no espaço escolar para

que a infância seja feliz nesse tempo. O que se espera é que a organização

curricular possa permitir uma relação no sentido de que todos os envolvidos opinem,

questionem, duvidem, para então descobrirem o que é de fato aprender. Podemos

então opinar ou discutir qual caminho seguir: “Se se transforma em um espaço frio,

mecânico ou em um espaço quente e vivo”. (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 1998, p.

139).

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4.4.6 Arquitetura infantil: da utopia à realidade

Pergunto, também, às crianças, como seria a sala de aula se elas

pudessem organizá-la, arquitetá-la. Ao questionar sobre como arrumariam a sala de

aula, 53,33% dizem que ficaria do jeito que está e 46,66% dizem que mudariam a

organização dos móveis. Nessas respostas, aparece uma fala que envolve

aprendizagem e que apontam sobre a disposição dos móveis. As respostas

demonstram as reais necessidades das crianças, mas, também, que essas já

incorporaram a ideologia de escola, como disciplinadora. A resposta de LUIZ me

surpreende.

ELE ME PERGUNTA - como assim. EU RESPONDO - os móveis. ELE DIZ - Ficaria desse jeito. Gosto de trabalhar de outros jeitos, mas assim tem mais espírito de escola.

O espírito de escola seria o apontado por Lima (1989) com rotinas pré-

determinadas que condicionam a ação dos sujeitos? Quais seriam esses outros

jeitos apontados pelo aluno?

Para Lima (1989) este ‘espírito de escola’, são aquelas em que as

crianças caminham em filas, com sinal de início e fim de cada aula, carteiras

enfileiradas, tudo representando o condicionamento à disciplina.

Outra resposta que nos dá a dimensão do quanto o adulto impõe seus

ideais é: “Ia fazer coisas que eu queria fazer né? Ia ensinar bastante os alunos, fazer

o melhor que eu podia. Ia ser as carteiras em fila, não mudaria nada”. (YASMIN).

No início da fala dessa aluna, cheguei a pensar que me diria todas as

coisas de que criança gosta, mas, na sequência, percebo que ela está se colocando

no lugar do professor que, de alguma forma, exerce a docência, ainda que

inconscientemente, na lógica perpetuada por uma cultura pedagógica, que não leva

em conta o espaço, enquanto integrante do processo de aprendizagem.

Ao falar de aprendizagem, uma das crianças diz:

KELLY KEY - Primeiro de tudo falar um bom dia, essas coisas. Eu ia explicar as coisa e se eles não entendessem e eles me falassem, eu ia explicar de novo. E pra saber se ele estava entendendo mesmo, eu pedia

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pra ele ir no quadro, ele fazia, explicava de novo, se não entendesse, eu explicava de novo, de outro jeito. Os móveis seriam os mesmos, mas de vez em quando, as carteiras ficariam de quadrado.

Eu já havia percebido que a Kelly Key tinha dificuldades, pois sempre

demorava mais para terminar suas atividades e, quando questionada, dizia que não

entendia, às vezes, perguntava novamente o que a professora falava aos seus

amigos. Ao dizer “ensina novamente, mas de outro jeito”, ela fala que do jeito que

está ela não aprende e que se o aluno não entende de um jeito, é preciso arrumar

outros jeitos.

As que responderam que mudariam a sala, disseram que fariam em

círculo, ou juntariam as carteiras:

LARA - Eu arrumaria a mesa em quadrados, é uma coisa que eu gosto. PESQUISADORA - Como é o quadrado? LARA - As mesas todas encostadas uma na outra (como se fosse um círculo). É isto. E também eu botaria os armários um do lado do outro lá atrás.

Chama atenção, primeiro, que a maioria desses alunos não mudaria o

espaço de sala, ou seja, não conseguem pensar uma sala de aula de outro jeito, o

que é compreensível, se não vivenciaram outras formas. Segundo, um número

também considerável mostra que mudaria a organização da sala, de uma forma bem

simples.

O que não se questiona, é a sala de aula como “lócus” privilegiado de

aprender, o que não vem à tona é o aprendizado que ocorre fora dele.

A escola, muitas vezes, preocupa-se em adequar-se com equipamentos

sofisticados, em arquiteturas construídas por uma engenharia que o adulto

estabeleceu como a ideal, porém se esquece de fundamentar-se em uma maior

observação de como as crianças podem ser estimuladas para o desejo do aprender.

As falas das crianças confirmam o que educadores-pesquisadores têm

discutido, conforme já citado nos capítulos anteriores: nas salas de aula, encontram-

se sujeitos em processos de mudança, imbricados em contextos reais, com

necessidades e sonhos próprios que não mais se adaptam às ideias que os adultos

fizeram deles. Por isso não se podem ignorar mais as falas dos alunos, imaginando

que esses só aprendem pela imposição dos pais e professores, em espaços

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geometricamente estruturados, carteiras ordenadas e com atividades linearmente

distribuídas, em horários e tempos fixos.

Pergunto, também, se gostam mais de fazer os trabalhos em grupo ou

sozinhas e por quê? Dos alunos, 80% disseram que gostam mais de trabalhar em

grupo. Abaixo, algumas respostas:

LARA - Em grupo (bem enfática). Porque é legal, os outros têm outras ideias diferentes, daí a gente mistura as ideias. LUIZ - Acho que na escola pode trabalhar em grupo. Acho até que fica melhor. Gosto mais. Às vezes a gente não sabe fazer aquilo ali e um amigo ajuda o grupo ou aquele que não sabe. Às vezes dá uma ideia. ANA - Não. Gosto mais em grupo. Porque eu aprendo junto. Um ajuda o outro, eu ensino uma pessoa e essa pessoa me ensina. YASMIN - Gosto de trabalhar em grupo, a equipe dá mais ideia. Quando um não sabe uma coisa, o outro completa. JÚLIA - Gosto mais de fazer trabalhos em grupos. Em grupo é sempre mais legal, fazemos amizades, conhece mais, ajuda um ao outro. É hora de aprender, aprende a ser amigo. Melhor jeito de aprender é tentando, tentando mais vezes. Quando não consegue, vai tentando até conseguir.

Somente uma aluna respondeu que gosta de fazer trabalho sozinha e

outra disse: “Se eu fosse professor, leria livros para as crianças. Ah! Faria igual na

primeira série, meu primo veio tocar violão para eles. Ia treinar música, fazer teatro

para apresentar, estas coisas assim.” (CICLOPE).

Vygostsky, Luria e Leontiev (1988) redimencionam o conceito biológico de

desenvolvimento ao enfocar o desenvolvimento cultural e as relações que se

estabelecem entre os sujeitos, superando, assim, a dimensão etária como elemento

determinante para a compreensão da infância.

O desenvolvimento humano deve ser entendido, então, como produto das relações sociais que os diferentes sujeitos estabelecem para a produção de sua existência material, transformando-as e transformando-se, a um só tempo, mediante o estabelecimento dessas relações. (QUINTEIRO, 2002, p. 146).

Assim, desenvolvimento e aprendizagem são processos simultâneos,

mediados pela cultura em que se vive e pela presença das pessoas. Conforme as

crianças apresentam, suas aprendizagens consolidam-se e tornam-se mais

prazerosa nas relações que elas têm com seus pares.

Questionadas sobre se gostam de vir à escola e por quê, suas repostas

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remeteram a duas categorias: a) Sim 80% ; b) Às vezes 13,3%. O resultado de 80%

de sim foi surpreendente, sobretudo quando no registro de suas falas a incidência

maior está para as relações que estabelecem na escola:

LARA - Gosto. Para brincar. É porque aqui tem bastante amigos, tem bastante espaço para brincar, eu posso conversar com minhas amigas.

Poucos falam que gostam da escola por causa da aprendizagem e das

disciplinas, e quando o fazem, trazem, novamente, a ideia de escola preparando

para o futuro, ou seja, ir à escola “para ser alguém na vida, ter trabalho melhor”.

LUIZ - Gosto porque daí eu aprendo um monte de coisa e às vezes a gente tando em casa a gente não aprende o que tem na escola. Eu aprendo contas de dividir, subtrair e multiplicar.

Ainda um dado que considero bastante relevante, pois mais de um aluno

falou: vou para escola para fugir do trabalho.

JULINHA - Gosto de vir para escola porque eu fujo do serviço. Tenho que trabalhar, de manhã eu lavo a louça. Gosto da escola porque eu aprendo e minha professora é muito boa. Mais admiro na professora é o carinho dela.

Conforme apresentado por Soares e Tomás (2004), a infância é uma

categoria social que precisa dos direitos de proteção e provisão, os quais implicam,

por sua vez, relações de poder desiguais. Por isso, muitas vezes, observa-se a

imposição dos adultos sobre as crianças, como é o caso do trabalho infantil, da

solidão em casa, em função do trabalho dos pais, entre outros. Esses dados, em

relação ao trabalho, que surgiu na voz das crianças, constituem temáticas para

serem discutidas em reuniões entre as famílias e a escola. Muitas vezes, os adultos

não se dão conta de que suas atitudes implicam no desenvolvimento infantil.

Apenas dois alunos, 13,33%, apontam que gostam de ir à escola

somente, às vezes, porque, segundo eles, a escola representa trabalho. Ao fugir do

trabalho, o que encontram é mais trabalho. Alguns aspectos curriculares e

organização, como aulas de matemática e aulas aos sábados são pontuados pelo

fato de não gostarem da escola. Pois, se estamos no processo produtivo, aos

sábados, domingos e feriados, via de regra, a fábrica está fechada!

Corroborando com as respostas acima, quando pergunto a elas: se você

pudesse ficar mais tempo em casa, ficaria? 26,66% dizem que ficariam (4 crianças)

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e 60% (crianças) dizem que não ficariam, as que ficaram em dúvidas (entre casa e

escola) foram apenas 13,33%. Quando questiono o porquê, suas respostas são:

ANA - Claro que se não tivesse aula. O dia que não tem aula, fico bem feliz. Às vezes venho obrigada, porque estudar de manhã é ruim tem que acordar cedo. RODRIGO - Em casa é mais legal. Vejo televisão, brinco com os amigos. Aqui a gente brinca, mas aqui tem horário, tudo.

Nas duas respostas, é evidente que os “horários para tudo” não permitem

às crianças opinarem sobre a lógica da escola. Tudo é feito com obrigatoriedade e

disciplina.

Das crianças que não gostariam de ficar em casa, são reforçadas as

ideias de que em casa têm de trabalhar e, também, porque a escola pode garantir

um futuro melhor através do aprendizado, e pelos amigos que têm:

LARA - [...] em casa eu fico muito sozinha. À tarde eu limpo a casa para minha mãe, mas aí não tem mais nada para fazer. YASMIN - Eu gosto da escola. Venho final de semana pra ajudar; em casa, faço o serviço pra minha mãe. JULIA - Ficaria mais na escola, quero aprender mais, garantir meu futuro. PAULO - Ficaria mais na escola, porque eu gosto. Tenho meus amigos.

Uma das respostas que também considerei bastante relevante é da Kelly

Key:

[...] às vezes eu gosto de ficar na escola porque eu recupero aquela matéria que eu não sou muito boa. Quando eu fico em casa, posso ficar mais relaxada, posso dormir um pouquinho mais tarde. Em casa, posso dormir mais, e eu que já tenho de prestar mais atenção. Se eu não conseguir recuperar a nota ali, eu não passo, eu tenho que, ai é bem complicadinho. Tenho dificuldade é na matemática. Aprendo, mais é quando ‘ela’ explica, se não explica direito, e eu não entendo. ‘Ela’ explica várias vezes. Um dia ‘ela’ me ensinou um monte de vezes e eu não entendi, aí eu perguntei para um coleguinha meu e eu consegui numa facilidade que nossa!

Parece que o conceito de “não ser muito boa”, de ter dificuldade em

relação aos conteúdos, já está internalizado para essa criança, e que a escola, para

ela, significa sofrimento. No entanto, ela diz, em outras falas apresentadas, que do

jeito que se ensina, não consegue aprender.

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É possível aprender com as crianças qual é a melhor forma de ensiná-las.

Elas sabem suas dificuldades e sabem também quais são suas potencialidades.

Um dos objetivos desta pesquisa, ao discutir a participação das crianças

é, justamente, mostrar que é possível buscar com elas significado para suas

aprendizagens e uma lógica de escola que lhes dê a possibilidade de viverem de

forma integral sua infância.

Ao perguntar: o que tu mais gostas na escola? Apenas um aluno falou

que gosta de estudar, os demais falaram dos lugares, dos amigos, de brincar.

Conforme respostas abaixo:

LARA - De lugar? Das coisas? Gosto de ficar no outro pátio e daí eu converso com as minhas amigas. Eu fico ali, eu lancho ali. KELLY KEY - Aquele lugar que te mostrei ali. Naquele localzinho ali. Conversar com os amigos naquele banquinho.

Fotografia 21 - Banco do pátio – Ali é um momento de recreio que a gente relaxa. Pensa, brinca um pouquinho. Às vezes em casa não é muito bom, porque tenho que ajudar a mãe e daí não gosto. Fonte: Aluna Kely Key, 4ª série, 2009.

Esses banquinhos, segundo a supervisora escolar, foram

cuidadosamente colocados para que os alunos tivessem onde se acomodar, antes

de entrarem para a sala de aula e no recreio. Eles se tornaram importantes para as

crianças, elas o fotografaram e, ainda, dizem que é o lugar de que gostam, em que

relaxam, ou seja, elas se apropriaram desse espaço, significando-o.

Pergunto também sobre o que acham do tempo do recreio: 66% acham

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que tem pouco tempo.

LARA - Ai. É muito pouco. É muito rápido. É só uma meia horinha, trinta minutos. Acho que é muito tempo na sala e pouco no recreio. Eu nunca briguei, mas dá bastante briga e conflito também. YASMIN - Tempo do recreio é pouco. O recreio seria maior para brincar bastante. MURILO - É pouco. O recreio precisa ser maior pra gente se distrai mais. Na sala a gente se distrai pouco. No recreio brinco, como lanche. RODRIGO - O recreio seria bem maior.

Quando falam do tempo do recreio, mais uma vez expressam a

necessidade de brincar, de correr, de conversar, e é nesse momento, no pátio da

escola, sem a presença do adulto, que conseguem ampliar suas relações e de falar

de si mesmos.

As concepções que os adultos têm sobre infância e criança aparecem

cotidianamente no espaço escolar, e é na fala das crianças que essas concepções

vão ganhando visibilidade. Faço a elas algumas perguntas e acredito que essas me

revelam como os adultos organizam esse cotidiano. Para que as crianças tenham o

conceito de atores sociais, precisamos dar condições para que elas participem

ativamente do processo, e refletirmos sobre o que elas pensam, falam e fazem. Por

isso, questiono sobre quais os momentos em que podem brincar, conversar e sair da

sala de aula. Ao ouvi-las, pude ver como são organizados os tempos e os espaços

da escola e se são criadas possibilidades para a criança viver a sua infância.

Quando questiono sobre os momentos em que elas brincam na escola,

das 16 crianças entrevistadas, uma não respondeu e todas as outras dizem que é no

recreio e na Educação Física. Pergunto ainda: “Vocês podem brincar na sala de

aula?”. Elas respondem que não, conforme seguem algumas respostas: LARA - Não. A gente faz as atividades, depois brinca. MURILO - Na sala de aula não pode brincar. VITOR - Só no recreio. GERRARD - gosto de brincar, mas acho que não dá de fazer atividades brincando, porque se não a gente não presta atenção na aula.

Conforme Vygotisky, Luria e Leontiev (1988), o ato de brincar não é

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apenas uma atividade que proporciona prazer, mas é uma necessidade, pois ele dá

condição para a criança manifestar sua autonomia. A brincadeira concentra uma

dimensão política de ousar, imaginar e criar outras realidades, e é ela também, o

momento em que o lúdico, o estético, o artístico se manifestam e, como adverte a

autora, a linguagem da criança, no brinquedo, significa sempre necessidade de

libertação e criação. (SOUZA, 1996).

A experiência estética é a possibilidade utópica de questionamento da

realidade existente, ou o desejo de construir um mundo melhor por intermédio do

trabalho artístico.

Sendo a brincadeira uma necessidade real para a constituição da criança,

a escola não pode deixar de incluir, no planejamento de suas aulas, metodologias

que envolvam a brincadeira e a ludicidade.

No entanto, conforme o discutido no capítulo 3, nas últimas décadas, nos

discursos educacionais, estão mais presentes as discussões sobre o ensino, ou

sobre o currículo oficial, os conteúdos, as disciplinas. Fala-se mais em planejar e

transmitir do que em como os alunos recebem esses ensinamentos, ou como se

constituem como criança e suas reais necessidades. Temos de ver no aluno a

criança vivendo sua infância.

Nas orientações gerais do MEC (BRASIL, 2004) sobre o Ensino

Fundamental de nove anos, aparecem reflexões sobre o tempo escolar, o que

representa um grande avanço, pois as inquietações podem sinalizar momentos de

mudança. Mas, as discussões precisam ganhar contornos escolares para, de fato,

romperem com a forma de organização, em forma de “grade”, como apresento no

início deste capítulo.

Para isso, é preciso que haja, não somente nas escolas, mas também nos

lugares de formação de professores em educação, momentos de reflexão sobre o

cotidiano escolar, sua função nos dias de hoje e sobre quem são os sujeitos que

ocupam esses lugares.

Nesse sentido, Kohan (2008), reporta-se à infância, apontando

preocupações tais: como acolhê-las, qual linguagem utilizar ao dialogar com elas,

como conhecer sua real necessidade, como respeitá-la e compreendê-la em seus

modos de ser e em sua singularidade. Quando se trata de repensar a infância, as

questões não são fáceis de serem respondidas e as inquietações permanecem.

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O desafio não é ensinar ao outro aquilo que se sabe, mas perceber o que

o outro sabe. Pensar formas de acolher a criança, sem a tentação de acabar com a

infância. Para isso, observar, ouvir, dialogar, escutar são essenciais para

compreender a criança em sua inteireza.

Finalizando, trago parte de um texto, que a Orientadora Educacional e a

Supervisora Escolar da escola pesquisada me entregaram, após conversarmos

sobre os registros fotográficos das crianças:

[...] a ideia de infância não existiu sempre da mesma maneira. Da sociedade feudal à sociedade capitalista, muda-se o modo de inserção e o papel social da criança na comunidade. No entanto, isto nos leva a acreditar que o significado sobre o olhar da infância também sofreu modificações. Podemos pontuar que a organização espacial no contexto escolar é, sem dúvida, um princípio essencial e norteador da prática pedagógica que pode facilitar e dificultar a vivência da Infância. Diante dessa afirmação, podemos citar que a lógica como se dão os desdobramentos dos espaços nas rotinas escolares ainda perpetua numa lógica adulta, numa cultura que desrespeita, em parte, a concepção de Infância que ora teoricamente visualizamos e que em determinadas práticas contradizemos. Assim sendo, temos um grande desafio de novo paradigma educacional que articula a educação infantil e o ensino fundamental, ampliando para nove anos o ensino fundamental. Esta inovação nos remete a uma outra organização; contextualização, multidisciplinaridade, heterogeneidade para que se possa respeitar o desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes, oportunizando a participação dos mesmos na construção de uma cultura infantil. (Cléria do Amaral Venâncio- Supervisora Escolar. Eliane Maria Aguiar de Souza - Orientadora Educacional). (Diário de bordo – 29/08/2010). (ANEXO C).

Diante das nossas conversas, elas me pediram para fazer um grupo de

estudos, para que pudéssemos iniciar outra etapa na escola, uma etapa em que

pudessem dar visibilidade às crianças, acolhendo-as na sua especificidade, tendo a

sensibilidade de compreendê-las enquanto categoria social e, dessa forma,

estabelecer relações pedagógicas compartilhadas entre os sujeitos imbricados

nesse espaço. Esse fato nos faz reforçar ideias perpassadas no texto de que tanto

crianças como adultos são produtos e produtores de conhecimento. Essa é uma

relação bastante complexa nos cotidianos escolares em que todos os dias convivem

adultos (pais e professores) e alunos (crianças e adolescente). O desafio é viver

uma relação em que todos tenham a oportunidade de participação.

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5 PARA FINALIZAR OU PARA INICIAR?

Cada pedra que eu achava, cada flor colhida, cada borboleta capturada, já era para mim começo de uma coleção, e tudo que, em geral, eu possuía, formava para mim uma única coleção. (Walter Benjamin – Diálogos sobre a infância).

Conforme apresentei no primeiro capítulo da dissertação, esta pesquisa

significa a busca de reflexões sobre o papel da escola diante dos sujeitos que nela

se encontram, ou seja, crianças e adultos. Por isso, este trabalho tem, para mim, o

valor de uma coleção, em que cada olhar, cada riso, cada palavra, cada silêncio, são

parte dessa preciosidade.

Nessa trajetória, não tive a pretensão de esgotar as inquietações ou

buscar respostas pré-concebidas, mas selecionar momentos do cotidiano escolar

que fizessem refletir sobre o lugar que a infância ocupa na escola. Esse foi um dos

focos, para o qual a pesquisa estava direcionada. Além desses limites, as falas e as

imagens permitem outras análises, segundo a visão de cada leitor, conforme nos

aponta Alves:

Tudo isso nos permite perceber, nos diferentes espaços-tempos cotidianos em que conhecimentos são trocados e criados, em um processo de tessitura cultural permanente, que as imagens exigem que incorporemos sua variedade e diferenças, sabendo, ainda, que vão permitir diversas leituras, que é como vem sendo chamada a entrada de quem olha, sente e, tantas vezes, toca e cheira uma imagem. (ALVES, 2003, p. 67)

Tendo essa clareza, entro no espaço escolar para verificar os conceitos

de infância e criança que estão implícitos, mas o faço, convidando as crianças para

serem atores, participantes ativos no processo da pesquisa. Para isso, me proponho

a ouvi-las e a ver nas imagens que fotografaram o que pensam a respeito do

cotidiano escolar. A fala e o olhar delas me possibilitaram ver a escola de um jeito

diferente, mais sensível e crítico.

Apesar de a pesquisa ter sido realizada com um grupo específico de

crianças, que não representa a totalidade delas nas escolas públicas, acredito que

os dados são relevantes para as discussões com os professores dos anos iniciais do

Ensino Fundamental e para a formação docente nos cursos de Pedagogia. Assim

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como poderão ser importantes para a proposição de políticas sócio-educacionais,

que respeitem as crianças como sujeitos de direitos.

Ao longo dos estudos, observei que, enquanto a Filosofia, a Sociologia, a

História e a Psicologia modificam seus conceitos de criança e infância, nos espaços

escolares, nos pátios e em salas de aula, pouco se questiona tal conceito. Mesmo

que estejamos num processo de mudança, recebendo as crianças de seis anos no

Ensino Fundamental, a discussão ainda é muito tímida. Por isso, no decorrer dos

estudos, dialogo com essas ciências para que a infância seja percebida em sua

totalidade e como uma construção histórica que perpassa o tempo e o espaço. É

relevante trazermos para os espaços educacionais, as discussões de todas essas

ciências. Seus conceitos, renovados, precisam adentrar os muros escolares e ser

subsídios para a Pedagogia repensar o lugar da infância em seu contexto.

Ao intensificar meu olhar sobre a escola e debruçar-me sobre sua

institucionalização, sua função e sua organização, no contexto histórico, teço

comparações com a atual arquitetura escolar e vejo que pouco mudou em relação

aos tempos e espaços. Se a escola foi convencionada para preparar os alunos para

a fábrica, continua nessa mesma lógica, sendo pensada por adultos com o intuito de

transformar a criança para a adultez.

É difícil compreender porque a escola, o lugar em que todas, ou quase

todas as crianças estão todos os dias, não tenha, ainda, concebido a infância como

categoria social e as crianças como atores sociais. Na escola, nos recortes que

fiz, a concepção de infância mais evidente foi a de criança como sujeito que precisa

ser moldado e preparado para ser o adulto de que a sociedade precisa.

Parece-me que a Pedagogia é a ciência que menos tem se ocupado com

essas questões, pois apesar de trabalhar para a infância, seu foco principal são os

conteúdos e as disciplinas curriculares.

A escola, por seus conteúdos, suas formas e por seus sistemas de organização, introduz nos alunos, paulatina, mas progressivamente, as ideias, os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta que a sociedade adulta requer. (GIMENO SACRISTAN; PEREZ GOMES, 1998, p. 14).

Cabe à Pedagogia, que tem adotado a função de discutir ensino e

aprendizagem dos sujeitos escolarizados, assumir o grande desafio de construir

novos conceitos de infância e criança para os espaços educacionais. Quando essas

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concepções forem ressignificadas, também o serão as políticas curriculares, as

didáticas, a organização escolar, e os tempos e os espaços serão pensados de

modo a acolher a infância.

Ao ouvir as crianças e ver seus registros fotográficos, confirma-se a minha

hipótese de que a infância ainda não tem espaço de participação na escola, porque

ela é pensada por adultos que pensam por ela e para ela, mas não com ela.

Nas respostas das crianças, de acordo com a pesquisa realizada,

evidencia-se a sua capacidade de dar pistas sobre como seria a escola pensada por

elas. Seus depoimentos e suas fotos demonstram que gostariam de aprender em

outros espaços para além da sala de aula. Também, apontam para uma metodologia

em que a participação se dá, por meio de trabalhos em grupo, porque aprendem

mais umas com as outras e porque suas singularidades são mais valorizadas nesses

momentos. Conforme, depoimentos das crianças sobre, se gostam mais de realizar

as atividades em grupos ou sozinhas: a- Em grupo (bem enfática). Porque é legal, os

outros têm outras ideias diferentes, daí a gente mistura as ideias. Tu achas que aprende bastante assim? Aham... b- Acho que na escola pode trabalhar em grupo.

Acho até que fica melhor. Gosto mais. Às vezes a gente não sabe fazer aquilo ali e

um amigo ajuda o grupo ou aquele que não sabe. Às vezes dá uma ideia. Essa,

ideia, é reforçada, quando pergunto como organizariam a sala de aula. Eles dizem

que a sala seria organizada em círculos e que as carteiras não ficariam umas atrás

das outras: a- Eu arrumaria a mesa em quadrados, é uma coisa que eu gosto. Como é o quadrado? Eu pergunto. As mesas todas encostadas uma na outra (como se

fosse um círculo). É isto. E também eu botaria os armários um do lado do outro lá

atrás.

Nas suas respostas, as crianças não se contradizem, mas elas vão

trazendo dados significativos para analisarmos o tempo e o espaço da organização

do cotidiano da escola e refletirmos sobre a lógica em que esta está ancorada.

Quando as crianças falam do tempo do recreio, estão a nos dizer que

precisam de mais tempo para brincar, para conversar, para ampliarem as suas

relações. Ao fazerem o registro fotográfico dos espaços, apontam a necessidade de

liberdade, de movimento.

As fotos também nos mostram que, apesar de o espaço ser limpo e

cuidado, não há dados para dizermos que ali é o lugar em que crianças passam

grande parte de seu tempo. Eles denotam uma frieza, um espaço sem vida, sem

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significados para a infância. Esses espaços precisam ser transformados em lugares,

porém, para isso, os adultos precisam se propor a ouvir a criança, seus desejos,

suas necessidades.

Percebi uma lógica que não coincide com a da criança e que, com raras

exceções, servem para conformá-la e discipliná-la, ao invés de dar a ela autonomia.

Se continuarmos a ignorar a fala dos alunos-criança, estaremos perpetuando um

ensino convencional em que estes não têm voz, são como que ‘tábula rasa’ a

esperar que lhes sejam despejados conteúdos e informações oriundas dos adultos.

Quando entram para o Ensino Fundamental, as crianças não deixam de

ser crianças; nesse momento, as categorias “infância” e “alunância” estão atreladas.

Essas questões precisam ser revistas não só pelos profissionais em exercício, mas

também pelas instituições de formação de professores.

A escuta das crianças precisa ser uma constante na escola, suas

manifestações precisam se registradas e analisadas. Desta forma, elas poderão ser

respeitadas e, talvez, possamos compreendê-las e entendê-las melhor. Envolvidos

numa relação dialética, crianças e professores poderão inventar outras formas de

lidar com o chão, paredes, teto, objetos, arranjos. Juntos podem criar soluções, para

viver um lugar de brincadeira, liberdade, movimento, encontro e de isolamento,

transformando, mudando o espaço e o tempo, fazendo coisas para além da

imposição do traço arquitetônico e do que o adulto propõe, através da arquitetura

organizacional.

Para que a infância ocupe um lugar definitivo na escola, para que tenha

participação nas ações propostas, será preciso que também haja mudança nas

concepções filosóficas, ideológicas e políticas dos profissionais que ali atuam.

Conforme apresentado, a pesquisa trouxe para a escola algumas

inquietações e, também, suscitou o desejo de realizarem estudos para que juntos

possamos dar novos significados aos conceitos de criança e infância. Esse fato,

acredito que possibilitará uma mudança de paradigma, que culmine na construção

de espaços de encontro e compartilhamento entre adultos e crianças e de propostas

pedagógicas mais coerentes com as especificidades das muitas infâncias.

A postura da escola em perceber que é necessário um estudo mais

apurado sobre a infância me faz reconhecer o empenho desses profissionais que se

propõem a compreender a infância sobre outro enfoque. A constituição das crianças

como sujeitos sociais só se constituirá quando as discussões sobre a temática

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fizerem parte do planejamento escolar, possibilitando atividades que as façam

compreender e se apropriar de conhecimentos criados pelos seres humanos ao

longo dos séculos, através de diversas linguagens que as tornem mais felizes em

sua infância, ou seja, debatendo, desenhando, brincando, lendo, escrevendo,

pesquisando, conversando, perguntando, dançando, dramatizando, vivenciando,

enfim, novas formas de ampliar o mundo e a cultura.

Apesar de a escola pesquisada não ter espaço e tempo na lógica da

infância, a forma como a organizam é a que conhecem e que consideram a mais

adequada para receber as crianças. Percebi que há bastante afetividade nas

relações estabelecidas entre as crianças/alunos e a maioria dos educadores. Há,

também, compromisso com a qualidade de ensino e fora da sala de aula há alegria,

risos e falas eufóricas, tanto das crianças, quanto dos adultos.

Encerro esse texto com a sensação de despedida, mas não de

finalização, pois as respostas não estão prontas e acabadas, mas são subsídios

para novas discussões e outras tessituras sobre o contexto do tempo e do espaço

para a infância feita em compartilhamento entre adultos e crianças, pois reconheço-

os como produto e produtores do ambiente escolar.

Este é o valor principal de uma experiência de escrita: não contribuir para constatar uma suposta verdade, mas sim transformar a relação que temos conosco mesmos, ao transformar a relação que mantemos com uma verdade na qual estávamos comodamente instalados antes de começar a escrever. (KOHAN, 2003, p. 17).

Assim, não pretendo configurar esta pesquisa como um fim, mas um

ponto de partida. E, como sugestão, para iniciarmos uma nova forma de pensar,

proponho nos debruçarmos na poesia de Loris Malaguzzi - Ao contrário, as cem

existem:

A criança É feita de cem. A criança tem cem mãos Cem pensamentos Cem modos de pensar De jogar e falar. Cem sempre cem Modos de escutar De maravilhar e de amar [...] Cem mundos para descobrir Cem mundos para inventar Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens

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(e depois cem cem cem) Mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura. [...] Dizem-lhe enfim: Que as cem não existem. A criança diz: Ao contrário as cem existem.

Há muitas descobertas a serem feitas em relação à infância e à criança. É

como se estivéssemos em busca de um tesouro que será descoberto aos poucos.

Uma parte do tesouro já descobri ao me encontrar com as crianças. O desafio,

agora, é encontrar as outras noventa e nove restantes. Para isso, é preciso partilhar

as conquistas, discutir as dificuldades e buscar outros caminhos, não mais sozinha,

mas com os passos da infância a me acompanhar.

.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Roteiro da entrevista

1- Você gosta de vir à escola?

2- Se você pudesse ficar mais tempo em casa, ficaria?

3- Como vocês fazem para conversar em sala de aula?

4- Quais os momentos nos quais vocês brincam na escola?

5- O que você mais gosta na escola?

6- Se você fosse organizar a sala de aula, como faria?

7- Gosta de fazer os trabalhos em grupo ou sozinha? Por quê?

8- Em que momentos vocês saem da sala de aula?

9- O que você acha do tempo do recreio?

10- O que é a escola?

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ANEXOS

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ANEXO A - Resposta das entrevistas - dezembro de 2009

1- Você gosta de vir à escola? a- Gosto. Para brincar. É porque aqui tem bastante amigos, tem bastante espaço

para brincar, eu posso conversa com minhas amigas. Lara

b- Gosto porque daí eu aprendo um monte de coisa e as vezes a gente tando em

casa a gente não aprende o que tem na escola. Eu aprendo contas de dividir,

subtrair e multiplicar. - Luiz

c- Gosto. A gente aprende mais. A gente vindo na escola vai ser alguém na vida.

Quem me falou foi a mãe, os professores, os amigos também e a gente tem que

saber para ser alguém na vida. Ser alguém na vida é ter uma profissão, é ter um

salário digno, é aprender mais. Eu quero ser advogada. Ana

d- Mais ou menos. Escola dá muito trabalho – Kelly Key

e- Gosto de vir para escola porque em casa eu fujo do serviço. Tenho que

trabalhar, de manhã eu lavo a louça. Gosto da escola porque eu aprendo e

minha professora é muito boa. Mais admiro na professora é o carinho dela.

Julinha

f- Gosto. Porque é assim. A gente ensina, a gente aprende mais, a gente lê. O que

a gente aprende fica para vida inteira. Yasmin

g- Sim. Gosto bastante. Gosto da escola por causa da professora. Gosto dela,

explica bem, faz a gente entender. Murilo

h- Gosto mais ou menos. Ai dá uma preguiça. Rodrigo

i- Gosto da escola sim. A gente aprende mais a ler e escrever. Paulo

j- Gosto porque os professores são legais e também tem bastante coisa pra gente.

Vitor

l- Gosto. Ela é legal, tem recreio e tem amigos. Ciclope

m- Gosto. Porque a escola é muito legal e se aprende muitas coisas. Coisas que

não sabe, contas. Júlia

n- Às vezes sim as vezes não. Gosto de vir quando tem mais Matemática. Gosto de

brincar com meus amigos no recreio. Às vezes tem aula no sábado, não gosto

de vir é dia de folga. Gerrard (nome de um jogador inglês)

o- Gosto de vir a escola porque quero ter um trabalho melhor. Minha mãe me diz

isto. Cristiano

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p- Não. Porque não gosto de estudar. Tiago

q- Não quis fazer a entrevista – Elizangela

2- Se você pudesse ficar mais tempo em casa, ficaria?

a- Eu ficaria na escola porque em casa eu fico muito sozinha. À tarde eu limpo a

casa para minha mãe, mas aí não tem mais nada para fazer. Daí tem vez que eu

venho para a informática. Converso com o Felipe (moço que cuida da sala de

informática) e ele deixa eu usar o computador.

b- Não. Em casa a gente não aprende o que aprende na escola.

c- Se pudesse sim. Claro que se não tivesse aula. O dia que não tem aula fico bem

feliz. As vezes venho obrigada porque estudar de manhã é ruim tem que acordar

cedo.

d- Olha assim, às vezes eu gosto de ficar na escola porque eu recupero aquela

matéria que eu não sou muito boa. Quando eu fico em casa posso ficar mais

relaxada, posso dormir um pouquinho mais tarde. Em casa posso dormir mais, e

eu que já tenho de prestar mais atenção. Se eu não conseguir recuperar a nota

ali, eu não posso, eu tenho que, ai é bem complicadinho. Tenho dificuldade é na

matemática. Aprendo mais é quando ‘ela’ explica, ou não explica direito, e eu

não entendo. ‘Ela’ explica várias vezes. Um dia ‘ela’ me ensinou um monte de

vezes e eu não entendi aí eu perguntei para um coleguinha meu e eu consegui

numa facilidade que nossa.

e- Não ficaria mais em casa, ficaria mais na escola, na sala de aula.

f- Não. Faço o serviço pra minha mãe. Mas não é por isso, porque até no final de

semana eu gosto de vir à escola. Eu gosto da escola. Venho final de semana pra

ajudar. Ler, escrever, fazer trabalho, brincar.

g- Ficaria em casa, mas é legal também vir à escola. Em casa vejo televisão e

brinco.

h- Ficaria. Em casa é mais legal. Vejo televisão, brinco com os amigos. Aqui a

gente brinca, mais aqui tem horário tudo.

i- Ficaria mais na escola porque eu gosto. Tenho meus amigos.

j- Ficaria mais em casa porque lá ninguém me bate.

l- Ficaria mais em casa. Em casa vejo televisão e brinco.

m- Não. Porque quero aprender mais, garantir meu futuro.

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n- Se pudesse escolher ficaria mais tempo em casa. Ficaria no computador, jogo,

vou no orkut, minhas comunidades.

o- Viria para escola.

p- Não fez Ismael. Ficaria vendo TV

q- Não quis fazer a entrevista.

3- Quais são os momentos que vocês brincam na escola?

a- A gente brinca na hora do recreio, na hora da Educação Física, que tem mais

tempo né.

b- Educação Física e recreio. Gosta mais de brincar ou fazer atividade? Dos dois.

c- No recreio. É só no recreio. E as vezes quando a professora de Educação Física

deixa.

d- Tem. Na hora do lanche. No recreio. Dá para brincar bastante.

e- Na quadra, na sala de computação as vezes, recreio, Educação Física e de vez

em quando cinco minutinhos na sala.

f- Eu brinco no recreio, no pátio. O lugar da escola que eu mais gosto é a quadra

para jogar futebol.

g- Na hora do recreio e na Educação Física. Na sala de aula não pode brincar.

h- Na hora do recreio e na Educação Física.

i- Na Educação Física, na hora do recreio. Na sala nunca. Uma vez em outro ano

brincamos de bingo.

j-Só no recreio.

l- No recreio e na Educação Física. (Gabriel)

m- No recreio e na Educação Física. Gosto de brincar e do recreio. (Júlia)

n- No recreio e antes da aula. Gosto mais dos momentos de brincadeira. (Gustavo)

o- Na Educação Física e no recreio. Estes são os momentos que mais gosto na

escola.

p- As professoras não fazem atividades. Nós inventamos de brincar de “marcador”.

q-Não quis fazer a entrevista.

4- O que mais gosta na escola?

a- De lugar? Das coisas? Gosto de ficar no outro pátio e daí eu converso com as

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minhas amigas. Eu fico ali, eu lancho ali.

b- De brincar

c- Recreio

d- Aquele lugar que te mostrei ali. Naquele localzinho ali. Conversar com os amigos

naquele banquinho. (Vitória).

e- Brincar no pátio

f- Recreio

g- Professora Adriana, ela é divertida e legal.

h- Recreio

i- Brincar

j- Dos professores e alunos meus amigos. Não gosto, gente da 8ª e da 6ª que bate

na gente. O que tu fazes? Não faço nada.

l-Gosto mais do recreio, eu brinco, eu converso.

m- Aprender as coisas.

n- Hora do recreio que ficamos conversando.

o- Gosto mais dos amigos.

p- De nada. Estudar desse jeito não gosto.

q- Não quis fazer a entrevista

5- Se tu fosse arrumar a sala de aula, como ela seria? a- Eu arrumaria a mesa em quadrados, é uma coisa que eu gosto.

Como é o quadrado? Eu pergunto.

a- As mesas todas encostadas uma na outra (como se fosse um círculo). É isto. E

também eu botaria os armários um do lado do outro lá atrás.

b- Ele me pergunta: como assim. Eu respondo:os móveis. Ficaria desse jeito.

Gosto de trabalhar de outros jeitos, mas assim tem mais espírito de escola.

c- Faria como ta, os armários, as carteiras todas em filinha.

d- Primeiro de tudo falar um bom dia, essas coisas. Eu ia explicar as coisa, e se eles

não entendessem e eles me falassem eu ia explicar de novo. E pra saber se ele

estava entendendo mesmo eu pedia pra ele ir no quadro, ele fazia, explicava de

novo, se não entendesse eu explicava de novo, de outro jeito. Os móveis seriam

os mesmos, mas de vez em quando as carteiras ficariam de quadrado.

e- Teria mais computadores, faria um quadrado, atividades, mas sozinha porque eu

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gosto de escrever, não gosto que os outros escrevam.

f- Ia fazer coisas que eu queria fazer né? Ia ensinar bastante os alunos, fazer o

melhor que eu podia. Ia ser as carteiras em fila, não mudaria nada.

g- Ah não sei. Gosto de fazer trabalhos em equipe, colocaria as carteiras juntas.

Todo mundo ajuda. Não colocaria as carteiras em fila.

h- Deixaria assim como é, com uma carteira atrás da outra.

i- Deixaria como está. Porque não dá pra juntar tem prova.

j- Eu botava em círculo. Os trabalhos seriam em grupo porque os alunos que estão

na minha sala são bastante criativos.

l- Faria em grupos para ficar ao lado dos amigos. Não precisa ficar virando.

m- Ia deixar tudo bem arrumado, tudo bem certo. Em filas, jeito melhor pras crianças

ver o quadro.

n- Não mudaria nada.

o- As carteiras seriam juntas.

p- Faria brincadeiras e não seria muito braba. Braba é ruim.

q- Não respondeu.

6- Gosta de fazer os trabalhos em grupo ou sozinha? Por quê?

a- Em grupo (bem enfática). Porque é legal, os outros tem outras idéias diferentes,

daí a gente mistura as idéias. Tu achas que aprende bastante assim? Aham...

b- Acho que na escola pode trabalhar em grupo. Acho até que fica melhor. Gosto

mais. As vezes a gente não sabe fazer aquilo ali e um amigo ajuda o grupo ou

aquele que não sabe. As vezes dá uma idéia.

c- Não. Gosto mais em grupo. Porque eu aprendo junto. Um ajuda o outro, eu ensino

uma pessoa e essa pessoa me ensina.

d- Em grupo

e- Sozinha.

f- Gosto de trabalhar em grupo, a equipe dá mais idéia. Quando um não sabe uma

coisa o outro completa.

g- Gosto de fazer trabalho em equipe.

h- Em grupo. A gente faz um quadrado com quatro carteiras. Os amigos dão

opiniões. Tudo dá mais certinho.

i- Gosto eu gosto. Trabalho em grupo é legal, pode conversar baixinho e a tia não

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briga.

j- Em grupo.

l- Se eu fosse professor leria livros para as crianças. Ah! Faria igual na primeira

série, meu primo véu tocar violão para eles. Ia treinar música, fazer teatro para

apresentar, estas coisas assim.

m- Gosto mais de fazer trabalhos em grupos. Em grupo é sempre mais legal,

fazemos amizades, conhece mais, ajuda um ao outro. É hora de aprender,

aprende a ser amigo. Melhor jeito de aprender é tentando, tentando mais vezes.

Quando não consegue vai tentando até conseguir.

n- Gosto de atividades em grupo. De atividades legais, acho que as de matemática.

Gosto de coisas diferentes, coisas novas. De que jeito? Eu não sei.

o- Atividades de grupo gosto mais. Temos mais idéias. As carteiras seriam juntas.

p-Fazer pesquisa com Ismael. Em grupo. Ficar sozinho é ruim.

q-Não quis fazer a entrevista. .

7- Que momentos vocês saem da sala de aula?

a- Só recreio e Educação Física. Ao banheiro pede para professora e vai.

b- Sala de vídeo, sala de informática algumas vezes e biblioteca.

c- A gente sai quando tem algum trabalho fora. Mas é mais na sala. Teve um dia, um

único dia pedimos autorização pros pais deixar a gente sair aqui pelo bairro para

ver os lixos. É tão legal ir na rua, não ficar só na sala de aula, aprende mais,

aprende diferente. Foi bem legal, se eu fosse professora ia mais à rua. Faria

viagens. (Ana)

d- No recreio.

e- Pra ir no banheiro. Quando tem Educação Física e Arte. Com a tia de Arte a gente

foi na computação.

f- Recreio e Educação Física.

g- Quando a natureza pede (risos). Pergunto Como assim? Quando tem

necessidade de ir ao banheiro. As atividades são sempre na sala de aula. Que

eu lembre nunca fizemos viagens de estudo.

h- Recreio.

i- Saímos só uma vez pra ver o lixo do bairro.

l- Quando vamos para o recreio. Tem algumas atividades que não é na sala de aula,

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a gente vai no vídeo. Um dia a professora levou pros bancos ali e começou a ler.

Gosto mais das atividades diferentes. Quando fica tudo igual ai é muito chato.

m- Recreio, banheiro.

n- Saio da sala só pra ir ao banheiro e tomar água, a professora deixa.

o- As vezes estudamos na rua.

p- Bem pouquinho. A maioria é na sala.

q-Não quis fazer a entrevista.

8- O que tu achas do tempo do recreio?

a- Ai. É muito pouco. É muito rápido. É só uma meia horinha, trinta minutos. Acho

que é muito tempo na sala e pouco no recreio. Eu nunca briguei, mas dá

bastante briga e conflito também.

b- No recreio eu brinco, corro, brinco de pegar de congelar. Acho o tempo de recreio

bom.

c- Um pouquinho maior. Daí teria, tempo para conversar e fazer o lanche. Eu acho

pequeno.

d- Seria maior. Para eles ficarem mais a vontade.

e- Pouco.

f- Tempo do recreio é pouco. O recreio seria maior para brincar bastante.

g- É pouco. O recreio precisa ser maior pra gente se distrai mais. Na sala a gente se

distrai pouco. No recreio brinco, como lanche.

h- O recreio seria bem maior.

i- Ta bom.

j- Tempo maior pra brincar e jogar futebol.

l- Seria bem maior.

m- Ia fazer bastante brincadeira no recreio. Acho que esse tempo ta bom.

n- Eu aumentaria o recreio.

o- Se pudesse seria maior.

p- É a parte mais divertida. É pouquinho.

q- Não quis fazer a entrevista.

9- O que é a escola?

a- É um lugar de educação. É um lugar de aprendizado e não briga.

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b- É uma escola legal, boa. Onde os professor tão tudo ali em cima. A escola fica

tudo decorada, pátio, refeitório e sala.

c- A escola para mim é... um lugar que a gente se aprende brincando, conversando,

estudando, aprende várias coisas.

d- Escola é... quando a gente vem, em pra aprende, não é pra conversar, é pra

gente estudar, pra aprender um pouquinho mais do que já aprende. Não é só

educação, porque educação a gente já vem de casa, mas sim estudar, ter um

futuro daqui pra frente.

e- É um lugar onde a gente estuda, serve para ensinar. Contas, ler bem um monte

de coisas.

f- É...a escola é....É o estudo. Um livro bem grande pra ler.

g- Ah pra aprender. É um futuro melhor. Se a gente vier pra escola garante futuro

melhor. Meu pai falou, minha mãe falou.

h- É o lugar que as crianças e os adolescentes aprendem a fazer a vida. E a gente

aprende pra ter um trabalho melhor no futuro e ser uma pessoa boa. Meu pai

disse que na escola tem um futuro melhor, porque meu irmão ficou só até uma

certa idade, parou de estudar e saiu de casa. Ele tem uma mulher e ele é tipo um

marginal, fuma bastante droga.... Eu quero ter uma vida diferente.

i- Aprendizagem, educação e é legal. Muito. Gosto dos professores e em casa tem

muito barulho. Em casa é mais ou menos bom.

j- É uma coisa que a gente estuda pra ser alguém na vida. Porque estudando,

aprendendo um monte de coisa, vai ser alguém na vida. Ninguém me disse dá pra

ver.

l- É um lugar que a gente aprende muitas coisas.

m- Escola é uma coisa bem importante, porque aprende muito, tem amigos. n-

Escola é o aprendizado né? A gente vem para escola para aprender e não para

brincar.

o- Escola é onde a gente pode ficar sabendo de tudo.

p- É uma coisa chata, não gosto.

q-Não quis fazer a entrevista.

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ANEXOB - Planta Baixa

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ANEXO C– Texto da escola

ESTADO DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO

ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA PROFESSORA ANGÉLICA CABRAL CÓDIGO 751000072500-20ª GERED

Cep = 88708650 Telefone: (48) 36280861 RUA MANOEL MEDEIROS, S/Nº - SÃO BERNARDO-TUBARÃO-SC

SERVIÇO DE ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO ESCOLAR

A Infância sempre foi postulada sob a égide de um tempo histórico e

permeado de ideologias e concepções.

Assim sendo, a idéia de infância não existiu sempre da mesma maneira. Da

sociedade feudal `a sociedade capitalista muda-se o modo de inserção e o papel

social da criança na comunidade. No entanto, isto nos leva a acreditar que o

significado sobre o olhar da infância também sofreu modificações.

Podemos pontuar que a organização espacial no contexto escolar; é sem

dúvida,um princípio essencial e norteador da prática pedagógica que, pode

facilitar e dificultar a vivência da Infância.

Diante desta afirmação podemos citar que a lógica como se dá os

desdobramentos dos espaços nas rotinas escolares ainda perpetua uma lógica

adulta, uma cultura que desrespeita em parte, a concepção de Infância que ora

teoricamente visualizamos e que em determinadas práticas contradizemos.

Assim sendo, temos um grande desafio de novo paradigma educacional

que articula a educação infantil e o ensino fundamental , ampliando para nove anos

o ensino fundamental.

Esta inovação nos remete à uma outra organização;

contextualização,multidisciplinaridade heterogeneidade para que se possa respeitar

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o desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes, oportunizando a participação

dos mesmo na construção de uma cultura infantil.

CLÉRIA DO AMARAL VENÂNCIO- SUPERVISORA ESCOLAR

ELIANE MARIA AGUIAR DE SOUZA- ORIENTADORA EDUCACIONAL