universidade do minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de luís inácio lula da...

147
Shimenia Monte Claro de Araújo Sobreira UMinho|2013 outubro de 2013 A Política Externa Brasileira em Relação à África: O Soft Power em ação no caso angolano Universidade do Minho Escola de Economia e Gestão A Política Externa Brasileira em Relação à África: O Soft Power em ação no caso angolano Shimenia Monte Claro de Araújo Sobreira

Upload: others

Post on 18-Aug-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

Shimenia Monte Claro de Araújo Sobreira

UM

inho

|201

3

outubro de 2013

A P

olít

ica

Ext

ern

a B

rasi

leir

a e

m R

ela

ção

à Á

fric

a:

O S

oft

Pow

er e

m a

ção

no

ca

so a

ng

ola

no

Universidade do Minho

Escola de Economia e Gestão

A Política Externa Brasileira em Relação à África: O Soft Power em ação no caso angolano

Shim

enia

Mon

te C

laro

de

Araú

jo S

obre

ira

Page 2: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

Dissertação de MestradoMestrado em Relações Internacionais

Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Alena Vysotskaya Guedes Vieira

e da

Professora Doutora Laura C. Ferreira-Pereira

Shimenia Monte Claro de Araújo Sobreira

outubro de 2013

Universidade do Minho

Escola de Economia e Gestão

A Política Externa Brasileira em Relação à África: O Soft Power em ação no caso angolano

Page 3: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização
Page 4: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

i

Agradecimentos

Primeiramente quero agradecer a Deus pela oportunidade de realizar este trabalho e

conseguir concluir a dissertação. Agradeço também a minha família pela compreensão em

relação a minha ausência e o suporte emocional especialmente da minha querida mãe

Gênova Monte Claro. Quero agradecer em especial ao meu marido e amigo David Vilela

pelo seu apoio durante todo o mestrado, principalmente nos momentos mais difícieis com

os seus sábios conselhos.

Agradeço a minha querida e amiga orientadora professora Alena Vysotskaya Guedes

Vieira pela sua paciência, orientações, dando-me a confiança necessária para

continuidade dos trabalhos. A professora Laura C. Pereira por aceitar ser a minha co-

orientadora.

Dedico também este trabalho a nobre amiga Marina Félix de Melo pela sua amizade e

sugestões de melhorias em minha dissertação. A Íris de Mel pelo seu exemplo de

dedicação e perseverança no alcance dos seus objetivos. Sou grata por todo o suporte que

vocês deram-me durante a minha estadia em Portugal. Agradeço também a José Gabriel

da Costa por fortalecer-me a cada dia em minha caminhada.

Meu agradecimento especial aos meus tios Verônica Labad e Oscar Janssen por

acreditarem em meu potencial, por ensinar-me valores que contribuíram para minha vida

profissional e pessoal.

Page 5: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

ii

Page 6: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

iii

Resumo

Esta dissertação tem por objetivo analisar e explicar as ações da política externa brasileira

da perspectiva do soft power , que tem sido levadas a cabo no continente africano, durante

o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento

Africano e subsequente valorização do investimento em África, o Brasil procurou

aproveitar a afinidade histórica que aproximava os dois países para aprofundar as relações

bilaterais. A pesquisa tem por enfoque a política de Lula da Silva em Angola, o país

considerado em Brasília a porta de entrada do Brasil para África, demonstrando o

crescimento dessa relação durante dois períodos do governo do presidente Lula da Silva,

de 2003-2006 e 2007-2010. A dissertação retrata a exportação dos conhecimentos do

Brasil para Angola que resultou em cooperação em várias áreas entre os dois Estados e

principalmente a mudança do discurso do presidente Lula da Silva em relação África que

se repercutiu em Angola. Finalmente, tomando como elemento de comparação a postura

da China em Angola, esta pesquisa analisa as opções políticas do Brasil no território

angolano para aferir a materialização do uso das ferramentas do soft power, em contraste

com as ações chinesas que estão voltadas para o power currencies.

Palavras chave: soft power, Àfrica, Angola, China, multilateralismo, política externa

brasileira, Lula da Silva.

Page 7: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

iv

Page 8: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

v

Abstract

This dissertation aims to analyze and explain in Brazilian foreign policy in Africa during

the government of Luiz Inácio Lula da Silva from the soft power perspective (2003-

2010). In the context of the African Renaissance, a period of renewed Brazilian interest in

Africa, and subsequent appreciation of investiments in Africa, Brazil sought to capitalize

on the historical connections between the two countries in order to deepen bilateral

relations. The research focus is the Brazil’s foreign policy of Lula da Silva in Angola,

considered the gateway of Brazil into Africa. The dissertation demonstrates the growth of

the relationship during his governments, namely 2003-2006 and 2007- 2010. The

dissertation focuses on the export of Brazilian expertise to Angola which resulted in the

increase of cooperation between the parties in various areas while demonstrating the

change in the discourse of the president Lula da Silva towards Africa that resonated in

Angola. Finally, by comparing Brazil with China’s position in Angola, this research

concludes that the policy choices of Brazil in this country reflect the application of a set

of soft power tools in Brazilian foreign policy, in contrast to the Chinese approach which

is oriented towards power currencies.

Keywords: soft power, Africa, Angola, China, multilateralism, Brazilian foreign policy,

Lula da Silva

Page 9: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

vi

Page 10: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

vii

Lista de Siglas

ABC - Agência Brasileira de Cooperação

AEBRAN - Associação de Empresários e Executivos Brasileiros em Angola

ALCA - Área de livre comércio das Américas

APEX - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

ASPA - América do Sul – Países Árabes

BBC -British Broadcasting Corporation

BIOCOM - Companhia de Bioenergia de Angola

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

CEEAC - Comunidade Econômica dos Estados da África Central

CEIC - Centro de Estudos e Investigação Científica

CNE - Conselho Nacional Eleitoral

CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EUA – Estados Unidos da América

FEM- Fundo Econômico Mundial

FILDA - Feira Internacional de Luanda

FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz

FMI - Fundo Monetário Internacional

FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola

FSDEA - Fundo Soberano de Angola

G-20 - Grupo dos 20

IBAS - Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul

IED - Investimentos Estrangeiros Diretos

IMF - International Monetary Fund

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola

MRE – Ministério das Relações Exteriores

NEPAD - Nova Parceria para o Desenvolvimento da África

Page 11: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

viii

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OEA - Organização dos Estados Americanos

OMC - Organização Mundial do Comércio

OMS - Organização Mundial de Saúde

ONG - Organizações não governamentais

ONU - Organização das Nações Unidas

PIB - Produto Interno Bruto

PME - Pequenas e Médias Empresas

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SADC - Southern Africa Development Community

SBA - Stand-By Agreement

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas

SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SIDA - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

UE - União Europeia

UICC - Unidade de Inteligência Comercial e Competitiva

UNASUL - União de Nações Sul-Americanas

UNCCAS -National Union of Social Action Community Centres

UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development

UNIDO - United Nations Industrial Development Organization

UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola

ZOPACAS - Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

Page 12: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

ix

Lista de Tabela

Tabela 1- Os três tipos de poderes .................................................................................... 12

Tabela 2 - Recursos em diferentes épocas ........................................................................ 13

Tabela 3 - Resumo dos recursos do soft power................................................................. 20

Tabela 4-Países africanos visitados pelos presidentes brasileiros de 2000-2010.............. 66

Tabela 5 - Participações em fóruns....................................................................................67

Tabela 6 - Política de Desenvolvimento Político (PDP) ...................................................70

Tabela 7 - Resultados das eleições legislativas de setembro de 2008...............................76

Tabela 8: O soft power em Angola.................................................................................. 103

Lista de Gráficos

Gráfico 1 - Dívida externa total (percentagem do PIB) e serviço da dívida (percentagem

das exportações de bens e serviços) 2012..........................................................................80

Gráfico 2- Investimento estrangeiro direto em Angola em US$ milhões

(1993-2010)........................................................................................................................84

Gráfico 3 - Índice de intensidade de comércio – Brasil-Angola e Brasil-Países

selecionados...................................................................................................................... 87

Page 13: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

x

Page 14: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

xi

Sumário

Agradecimentos ........................................................................................................................... i

Resumo ........................................................................................................................................ iii

Abstract ........................................................................................................................................ v

Lista de Siglas .......................................................................................................................... viii

Lista de Tabela ........................................................................................................................... ix

Lista de Gráficos ........................................................................................................................ ix

Introdução .................................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I Soft power: o contributo das teorias das Relações Internacionais em análise.

..................................................................................................................................................... 11

1.1 - O poder e o soft power .................................................................................................... 11

1.2- Recursos do soft power no pensamento dos teóricos em perspectiva diacrônica..... 13

1.3- Elementos do soft power ................................................................................................. 17

1.3.1 - O papel da cultura na corrente teórica do soft power .............................................. 17

1.3.2- O papel da legitimidade da política externa na corrente teórica do soft power ..... 19

1.3.3 - O papel dos valores políticos na corrente teórica do soft power ............................ 20

1.4- A perspectiva construtivista das Teorias das Relações Internacionais ...................... 21

1.5- O Construtivismo e a análise de discurso ...................................................................... 24

CAPÍTULO II -Ação da política externa do Brasil para inserção no cenário mundial ... 27

2.1- O Brasil democrático e a política externa ...................................................................... 27

2.2 - O Presidente Lula da Silva e o autonomismo .............................................................. 33

2.3 - A política externa do Brasil no âmbito do multilateralismo ...................................... 38

2.4 - Eixos estratégicos nas relações políticas do Brasil no governo Lula da Silva. ....... 42

CAPÍTULO III- Continente africano no século XXI ........................................................... 47

3.1 - A luta pela independência africana ............................................................................... 47

3.2 - Renascimento da África no século XXI ...................................................................... 51

3.3 - Os desafios da nova África e os interesses internacionais ......................................... 56

Page 15: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

xii

3.3.1 As relações políticas do Brasil e África na era Lula da Silva ................................... 62

CAPÍTULO IV - A importância da Angola na política externa do Brasil ....................... 71

4.1 - Contexto histórico angolano .......................................................................................... 73

4.2 - Cenário político pós-conflito em Angola ..................................................................... 75

4.3 - Posição de Angola em África Subsaariana .................................................................. 77

4.4 -Aliança histórica entre Brasil e Angola ......................................................................... 84

4.4.1 - Contra peso chinês em Angola ................................................................................... 90

4.5 - A ação do soft power brasileiro em Luanda .............................................................. ..95

4.6 - A ação do soft power brasileiro em Luanda..................................................................98

4.6.1-Discurso de Luis Inácio Lula da Silva no primeiro mandato.....................................98

4.6.2- Discurso de Luis Inácio Lula da Silva no segundo mandato...................................100

Considerações finais.................................................................................................................103

Referências Bibliográficas.......................................................................................................111

Anexos .......................................................................................................................................123

Page 16: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

1

Introdução

O presente trabalho de investigação tem por objetivo analisar e explicar as ações

da política externa brasileira da perspectiva do soft power1, que tem sido levadas a cabo

no continente africano durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010). O

pano de fundo para esta dissertação é a crescente relevância da política externa brasileira

no sistema internacional. Para analistas da política externa brasileira, incluindo Richard

Descoings e Maria Reis, foi a partir do governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva,

com o fortalecimento de suas instituições democráticas e a estabilidade política e

econômica, que o Brasil passou a assumir um crescente protagonismo em temas de

interesse global (Berlinck, 2011). Durante o seu mandato Lula da Silva procurou trabalhar

para o desenvolvimento do país em conjunto com a justiça social no plano doméstico.

Além disto, foi atribuída prioridade especial ao respeito aos direitos humanos e esforços

em favor de cooperações entre os Estados, articulando-se de eixos estratégicos, tanto

verticalmente (hemisfério bilateral) quanto horizontal (global-multilateral)

(Pecequilo,2008).

É indiscutível que esses fatores foram relevantes para a imagem do Brasil no

âmbito internacional. A política interna permitiu transmitir uma mensagem positiva

subjacente na política externa brasileira, que foi essencial para a sua integração nos

diferentes tabuleiros da ordem internacional, tanto no cenário econômico, como político e

social. O Brasil também convergiu para novas parcerias estratégicas com outros países,

principalmente com Estados considerados emergentes (i.e China, Índia e Àfrica do Sul).

Como resultado, o Brasil encontrou ferramentas apropriadas e conseguiu criar

circunstâncias favoráveis para a sua inserção no sistema internacional. O governo de Lula

da Silva adotou uma corrente autonomista que tinha como objetivo introduzir ações

importantes na política externa brasileira de uma forma mais proativa dentro da

comunidade internacional (Gomes, 2011). Almejando fazer uma política externa

adequada e necessária a um país em desenvolvimento como o Brasil.

1No decorrer da dissertação o termo soft power será utilizado com o mesmo sentido que poder brando.

Page 17: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

2

Para atingir os seus objetivos a política externa de Lula da Silva teve como

principais características uma política multilateralista. Nesta última, foram priorizadas

várias dimensões, incluindo a integração da América do Sul a partir do Mercado Comum

do Sul (Mercosul) e da União de Nações Sul-Americanas (Unasul); a aproximação aos

países subdesenvolvidos em todos os continentes do mundo; para além da manutenção

das relações com os países desenvolvidos através de parcerias estratégicas como aquelas

desenvolvidas no quadro da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), do G-

20 (Grupo dos 20), do IBAS (Índia-Brasil-África do Sul), ASPA (América do Sul –

Países Árabes) e BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul); bem como a

reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual o Brasil almeja participar

como membro permanente.

O governo Lula da Silva também se posicionou em assuntos globais, para ganhar

uma maior visibilidade na esfera do poder internacional. As estratégias adotadas pelo

presidente Lula da Silva refletiram-se positivamente na imagem do Brasil e resultaram no

engajamento de negociações e coalizões significativas para o país. Durante o governo de

Lula da Silva, foi claro que as referidas estratégias enquadram-se na abordagem da

obtenção de algo que se deseja sem precisar coagir ou subornar outros atores. Este fato

constituiu o ponto de partida desta dissertação, subsequentemente desenvolver a

argumentação através do enfoque no conceito desenvolvido por Joseph Nye,

nomeadamente, soft power2. Mais concretamente, pretende-se com este trabalho a

identificação das características do conceito de soft power nas ações adotadas pelo

governo de Lula da Silva, no continente africano. O caso de Angola foi o objetivo da

atenção especial desta dissertação, uma vez que este país foi considerado a porta de

entrada do Brasil para África, enquanto se procurou demonstrar o crescimento da relação

entre Brasil e Angola durante os dois governos de Lula da Silva entre 2003-2006 e 2007-

2010.

2O conceito do soft power adotado nesta dissertação refere-se ao contributo de Joseph Nye, desenvolvido especialmente no seu livro

Soft power: The Means to Success in World Politicis, publicado em 2004. No tempo da publicação deste livro a política externa dos

países como China, India e Brasil não eram estudados com a mesma intensidade que é o caso hoje, ao contrário da atenção aos

aspectos da política, a economia e a cultura dos Estados Unidos da América (EUA). Após a crise de 2008, os países emergentes estão a

conquistar mais espaço no cenário internacional, desafiando ao mesmo tempo a distribuição do poder. No seu livro The future of power

, lançado em 2008, Joseph Nye avaliou as consequências da referida transição e difusão do poder, utilizando como quadro teórico o

conceito de smart power, como a integração “inteligente” de redes de diplomacia, defesa, desenvolvimento e ferramentas do soft e

hard power. Do ponto de vista das Teorias das Relações Internacionais o smart power é uma estratégia que exige uma síntese do

realismo e do liberalismo. Esta estrtégia paritcular, é denominada por Joseph Nye como realismo liberal, que combine elementos de

análise do cenário doméstico e do sistema internacional, além de enfatizar a natureza contextual do poder.

Page 18: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

3

Nye (2004) define a base da política soft power como habilidade de um Estado em

obter o que se deseja no mundo político devido ao fato dos outros países admirarem os

seus valores, e assim desejarem imitar o exemplo, bem como aspirarem o nível de

prosperidade e quererem segui-lo (2004). Trata-se de um poder de atração que recorre aos

recursos não militares para o alcance dos seus objetivos, diferentemente do poder

coercivo como é caracterizado o hard power. O soft power é pautado em três recursos

importantes: a cultura, os valores políticos e a política externa. Esta dissertação pretende

identificar as referidas dimensões operacionais do soft power na política externa

brasileira, focando-se nos discursos e ações do presidente Lula da Silva que tinha como

objetivo de elevar a imagem do Brasil, bem como atrair parcerias estratégicas com outros

países no plano político, comercial e econômico.

Nye (2004) ainda defende que muitos países que utilizam o soft power têm

coberturas políticas maiores do que suas capacidades econômicas e militares. Para

complementar a perspectiva de Nye, esta dissertação integra na sua abordagem teórico-

conceitual a teoria construtivista. O objetivo deste passo analítico é de oferecer uma

maior amplitude analítica para permitir ilustrar as razões de uma mudança na política

externa em causa, levando a examinar todo o contexto social em que ocorre aquela

aceitação de comportamento (ou então a sua rejeição), relacionando a razões no plano

político, social, cultural e econômico (Nye, 2009). Neste sentido, a análise de discurso

apreciada por construtivistas como Onuf, Fierke, e Kratochwil (Nogueira, 2005) foi

também discutida e adotada nesta dissertação. Para estes autores, a análise das regras que

regem os discursos permite compreender as ações dos atores no âmbito internacional.

Diante deste enquadramento, tal como antecipado anteriormente, o contexto do

presente trabalho é marcado pelo renascimento africano e subsequente valorização do

investimento em Àfrica. O renascimento do interesse por esta região durante a política

externa do governo Lula da Silva levou a analistas como Saraiva (2008) a afirmar que

África tem sido uma das maiores frentes internacionais do Brasil no século XXI. O

continente tornou-se de relevância especial para o objetivo da crescente projeção do

Brasil no cenário internacional. Durante alguns anos, no Brasil democrático (entendido

desde a implementação da constituição vigente em 1988 até o governo de Fernando

Henrique Cardoso até 2002) a política externa brasileira em relação à África tinha perdido

a sua importância na agenda política do país. Mediante a este cenário é inegável a ação de

Page 19: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

4

Lula da Silva em retomar o interesse pelo continente africano, enfrentando os desafios

que o continente oferecia no campo político, social e econômico, além de concorrer com

países com forte presença em África, como por exemplo, a China.

Ciente do escopo da tarefa proposta, teremos como forma de abordagem deste

assunto um estudo de caso, para entendermos a política soft power adotado pelo Brasil no

continente africano. Considerando um conjunto de fatores relevantes para a análise da

política externa soft power na região, Angola é o país escolhido para o estudo de caso. A

escolha fundamenta-se na relação histórica que se estabeleceu entre os dois países,

afinidade cultural e linguística. Além disso, Angola foi formalmente considerada pelo

governo brasileiro um parceiro estratégico para expansão da influência brasileira no

continente africano (Uchoa, 2010).

O trabalho analisa os benefícios que esta relação Sul-Sul trouxe para ambos os

países tanto no âmbito nacional como internacional. Angola tem emitido uma grande

atração econômica devido ao fato de ser um dos mais ricos países em recursos naturais e

também é considerado um dos países mais fortes da África Subsariana, com elevado

potencial econômico e militar. Angola ambiciona ocupar um lugar de destaque no cenário

internacional, incluindo a resolução dos conflitos em África, principalmente dos países

vizinhos. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) entitulado

Desenvolvimento Econômico em África 2011 Angola está classificada como um país

catching up, ou seja, um país em recuperação que podemos considerar um fator positivo,

em comparação aos outros países africanos que ainda se encontram na categoria falling

behind, ou seja, atrasados.

O objetivo central do trabalho é analisar de que forma foram utilizados os recursos

associados ao soft power na atuação do Brasil relativamente ao estado angolano. Tendo

como recorte temporal o renascimento da importância atribuída pela política externa

brasileira ao continente africano no governo de Luis Inácio Lula da Silva no período entre

2003 a 2010, a dissertação visa responder a seguinte pergunta de investigação: De que

forma a política externa brasileira, adotada durante o governo de Lula da Silva, atesta a

operacionalização do conceito o soft power em Angola?

Page 20: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

5

A hipótese defendida é: As ações do Brasil em Angola enquadram-se no conceito

do soft power, considerando os recursos definidos por Nye: a cultura, a política externa e

os valores políticos.

O trabalho visa investigar de que forma estas relações de proximidade se traduzem

em ações e resultados que se enquadram no conceito de soft power, tendo como base

acordos bilaterais em áreas como saúde, educação, desenvolvimento social e

principalmente na área econômica com a presença das empresas brasileiras que atuam em

Angola. Diante deste contexto será analisado o comportamento político brasileiro e

também até que ponto o Brasil consegue elevar a sua imagem para os angolanos através

dos seus valores em temas como a democracia, direitos humanos, liberdade religiosa e

política.

Para atingir os objetivos desta investigação, serão analisados os discursos de Lula

da Silva em relação a Angola durante os seus mandatos. Destaca-se nesta análise um fator

importante, nomeadamente o afastamento do discurso de solidariedade, presente na

oratória dos discursos presidencialistas brasileiros que antecederam Lula da Silva. O

presidente brasileiro tem como retórica central a dívida histórica do Brasil com a África,

principalmente com os países de língua portuguesa. Além disto, Lula da Silva retrata em

seus discursos a ligação entre esses dois países, como “países irmãos”. A dissertação

analisa a projeção do Brasil enquanto a realização de um contributo para o

desenvolvimento sustentável de Angola, ao contrário de uma postura que possa ser

definida como uma nova colonização, seja pelo intuito de explorar suas riquezas ou de

fazer acordos onde os benefícios seriam assimétricos.

Em termos de abordagem metodológica, o trabalho irá avaliar de que forma os

recursos associados ao soft power foram utilizados na atuação do Brasil em Angola. A

dissertação adota uma abordagem qualitativa que fará uso do estudo de caso angolano,

tendo como elemento de comparação a ação chinesa em terras africanas, analisando a

repercussão da imagem deste país perante os africanos, principalmente os angolanos.

Diante deste contexto será averiguado se as ações chineses podem ser enquadradas no

conceito de soft power, e assim observar as circunstâncias específicas da política externa

chinesa que divergem do comportamento da política externa brasileira. Deste modo, esta

análise pretende fazer um comparativo da política externa do Brasil e da China em

Page 21: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

6

território angolano e dessa forma identificar características que estão associadas ao que

defende o soft power, já que ambos geralmente assumem esta postura perante a

comunidade internacional.

Para possibilitar o alcance do objetivo proposto neste trabalho, a pesquisa será

fundamentada na escolha metodológica da análise de discurso com o intuito de observar a

presença ou ausência das características específicas do soft power. Serão analisados os

discursos cruciais de Lula da Silva, incluindo o discurso em sua primeira reunião

ministerial em Angola em seu primeiro mandato (2003-2006) e também o discurso de

retorno ao território angolano no seu segundo mandato (2007-2010). Além disto, serão

analisados pronunciamentos dos decision makers da política externa brasileira, dos

representantes das Organizações Internacionais (OI) sobre o Brasil, bem como as

declarações do governo chinês. Como já mencionado, a postura chinesa será analisada

tanto no território angolano, como também em outras regiões africanas.

A presente dissertação está estruturada em quatro capítulos. O primeiro capítulo

pretende compreender as características inerentes ao conceito do soft power, para melhor

identificar seus atributos nas ações da política externa do Brasil em Angola. A estrutura

deste capítulo é a seguinte: em primeiro lugar, estabelece-se uma definição do conceito do

soft power, analisando o contributo de Joseph Nye, enquanto se considere os seus

antecedentes históricos, nomeadamente Max Weber que enfatiza a legitimidade de um

país como um fator essencial de aprovação social, bem como Antonio Gramsci, que

ressalta a importância da hegemonia de um Estado, elementos que estão relacionados ao

soft power. Em segundo lugar, o capítulo introduz uma visão sobre os recursos na política

externa dos Estados, que representam uma categoria analítica de grande relevo para o

pensamento da corrente soft power. Em terceiro momento, o capítulo dedica uma seção

aos instrumentos específicos do soft power. Em seguida é apresentado o contributo dos

analistas da corrente de soft power. A seção aborda três dimensões de soft power: (a)

cultura, (b) política externa, e (c) valores comuns. A seguir, estas três dimensões

separadas da corrente do soft power estão analisadas do ponto de vista construtivista

numa seção separada. Finalmente, a última parte do capítulo dedica-se à corrente da

análise do discurso e avalia o seu potencial para responder a pergunta de investigação.

Page 22: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

7

O segundo capítulo versará sobre a política externa do Brasil durante o governo

Lula da Silva. Sob o prisma do Brasil democrático, este capítulo propõe analisar a política

externa do Brasil em diferentes momentos da sua história, frisando os principais atos

políticos dos seguintes governos: Collor de Mello (1990-1992), Itamar Franco (1992-

1994) e Fernando Henrique Cardoso ( 1995-2002), no que se refere à imagem do Brasil

no cenário internacional. Em seguida o trabalho prioriza o governo de Luis Inácio Lula da

Silva, com sua política autonomista, na defesa dos seus interesses que são constatadas

através da análise de seu discurso durante o Fórum Econômico Mundial (FEM). Este

capítulo também irá destacar a valorização da importância dos decision makers tais como

o ministro das relações exteriores Celso Amorim, o secretário das relações exteriores

Samuel Pinheiro Guimarães e o assessor especial para assuntos internacionais para a

presidência, o professor Marco Aurélio Garcia. Trata-se de nomes importantes que

assessoraram o presidente Lula da Silva durante o seu governo, ajudando-o a construir a

imagem do Brasil. Em seguida será abordada a defesa do multilateralismo cultivada pelo

governo Lula da Silva que caracterizou três linhas prioritárias: a integração da América

do Sul a partir do Mercosul e subsequente apoio a Unasul; o estabelecimento de novas

parcerias estratégicas (i.e CPLP, G-20, IBAS, ASPA, BRICS); e a reforma e ampliação

do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Por último, o capítulo salienta a

importância dos eixos estratégicos na política externa brasileira que representam uma

visão sobre as relações estratégicas do Brasil no tabuleiro internacional.

O terceiro capítulo abordará o ressurgimento das relações Brasil e África.

Inicialmente será feita uma abordagem histórica da luta pela independência africana no

período colonial que se desdobrou em quatro etapas: o primeiro momento antecedeu a

Segunda Guerra Mundial; seguido por um período caracterizado pela participação das

massas na luta contra o fascismo e o nazismo; o momento da luta pela soberania se deu

após a Segunda Guerra Mundial; e por último a luta através da guerrilha contra o governo

de minoria branca na década de 1960. Logo em seguida abordaremos o renascimento da

África no século XXI, uma nova fase na inserção internacional. Trata-se de um momento

de otimismo, uma busca pela sua autonomia que resultou na criação da Nova Parceria

para o Desenvolvimento Africano (NEPAD) em 2001. Criou-se uma situação favorável

para um crescente interesse da comunidade internacional em investir economicamente na

região, tanto para parceiros tradicionais, quanto para países emergentes como a China.

Page 23: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

8

Um momento que também trouxe desafios a serem enfrentados por esta nova fase do

continente africano. E por fim, o capítulo analisa as relações desenvolvidas por Brasil-

África durante o governo Lula da Silva.

O quarto capítulo tem como foco Angola e a ação do soft power da política

externa do Brasil nesse país. O capítulo começa com uma breve revisão do contexto

histórico angolano que serve como enquadramento para o momento atual. Abordaremos

momentos importantes como a conquista da sua independência, o surgimento da guerra

civil que se alastrou no país pela falta de consenso entre os movimentos nacionais de

Angola como o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frente Nacional

de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de

Angola (UNITA). Este primeiro momento também pretende retratar como Angola sempre

foi alvo de interesses de países como os EUA, a China, a Àfrica do Sul, Cuba e a antiga

União Soviética.

Em seguida retrataremos a posição angolana na África Subsariana, focando-se na

pretensão do país em aumentar a sua capacidade de atuar de modo mais firme e positivo

no cenário internacional, e destacando a sua influência nas resoluções de conflitos em

África participando ativamente das organizações internacionais como: União Africana,

Southern Africa Development Community (SADC), Comissão do Golfo da Guiné,

Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC), CPLP e Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). O capítulo explora as ações angolanas para

atrair importantes investidores estrangeiros para ajudar no crescimento do país e dessa

forma criar uma imagem economicamente positiva na comunidade internacional.

A seguir será abordado a aliança histórica que une Brasil e Angola, tendo como

fato importante o Brasil ter sido o primeiro ator internacional a reconhecer a

independência angolana. Passamos em seguida para a análise da evolução nas relações

bilaterais entre os dois países: um momento de menor intensidade, na década de 1990 que

evolui para um momento áureo no período do governo de Lula da Silva, destacando

importantes dimensões da cooperação entre ambos os países. Neste capitulo terá ênfase a

presença da China como um contra peso nas relações de Brasil e Angola. Assim, será

estudado a atuação da China sob a ótica do soft power, um país considerado como um

forte parceiro comercial de Angola, bem como a utilização do seu power currencies na

Page 24: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

9

realização de voluptuosos investimentos a fim de ter maior acesso ao petróleo angolano.

Por fim, será explorada a ação do soft power brasileiro junto as autoridades angolanas em

Luanda, com o objetivo de retratar de que maneira o Brasil está atuando em Angola e

aplicando os recursos do soft power e de que forma as ações brasileiras estão contribuindo

para o desenvolvimento do povo angolano. Este capítulo demonstra como os discursos de

Lula da Silva enfatizaram os elementos do soft power a fim de refletir a imagem do Brasil

perante os angolanos.

Por fim, após a análise teórico conceitual do soft power e análise empírica do

estudo de caso da política externa do Brasil, em Angola, teceremos algumas

considerações finais acerca da presença do soft power na política externa do Brasil em

terras angolanas.

Page 25: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

10

Page 26: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

11

CAPÍTULO I – Soft power: o contributo das teorias das Relações Internacionais em

análise

1.1 O poder e o soft power

Ao longo da história muito se tem discutido o papel do poder nas relações

internacionais, porém não há muita discordância a respeito tanto do papel como também

da natureza do poder. Para escola realista o poder é um conceito chave nas relações

internacionais, porém admite que sua própria definição permanece uma questão de

controvérsia (Baldwin,2002). Robert Gilpin (1981) descreve que uma das mais

problemáticas questões no campo das relações internacionais é conceituar o poder. As

teorias das Relações Internacionais são divididas por Wendt entre aquelas que enfatizam a

força material bruta como a base do poder e aquela que ver o poder como constituído

principalmente pelas ideias e contextos culturais (Baldwin, 2002). Entretanto, ambas tem

por objetivo influenciar pessoas (nações) a tomarem atitudes que normalmente não

tomariam (Dahal, 2001).

As diferentes formas de interpretar o poder nas relações internacionais levam ao

surgimento de novos conceitos acerca do assunto. A partir das teorias desenvolvidas por

estudiosos tais como Kenneth Waltz, Hans Morgenthau e Robert Keohane, ensaiam-se, à

luz do contexto histórico, as explicações para as ações e as intenções dos países que

fazem parte do sistema internacional, visto cada época ter fatores relevantes que

influenciam o comportamento dos atores internacionais baseados no poder. Momentos

que envolvem grandes mudanças no âmbito internacional requerem não apenas a

mudança na agenda da política internacional, mas também nas abordagens acadêmicas

sobre as questões mundiais.

Através das análises do que é o poder procura-se explicar determinados

comportamentos e resultados que fogem das regras das correntes tradicionais. No entanto,

considerando a importância dos aportes teóricos, fornecidos pelo surgimento de outros

novos, Joseph Nye em 1990 descreveu um sentido de poder do Estado que até aquele

momento não recebia muita atenção, porém já estava presente no conceito de Wendt no

que retrata o poder das ideias e contexto cultural, o chamado soft power, que nas palavras

do criador significa:

Page 27: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

12

“A habilidade de estabelecer preferências tende a ser associada

com ativos intangíveis tais como um atrativo de personalidade,

cultura, valores e instituições políticas. A política é vista como

legítima ou uma autoridade moral. Se um líder representa valores

que os outros querem seguir custará menos para lidera-lo… O

país pode obter os resultados que ele quer na política mundial

porque outros países admiram seus valores e imitam o seu

exemplo, aspirando o seu nível de prosperidade e abertura,

querem segui-lo”3. (Nye, 2004:5)

Conseguir o que se deseja por meio de atração em vez de coerção ou pagamentos de

subornos faz parte das características do soft power. Esse poder de atração surge da

cultura, dos ideais e das políticas de um país e de sua propagação pelo mundo. Quando

tais políticas são vistas com legitimidade na perspectiva de outros atores o soft power é

exaltado e o país encontra menos resistência para a realização de seus desejos. Nye

(2004) nos dá o exemplo do soft power dos EUA como o Plano Marshall na Europa, a

política da boa vizinhança, os intercâmbios culturais com alunos do mundo todo e a

inspiração de sonhos e desejos de milhares de pessoas devidos às imagens de

propagandas, pelo cinema e televisão.

Na visão de Nye (2004) o poder de um país para obter o que se deseja está

relacionado à habilidade de influenciar o comportamento dos outros países. No entanto,

Nye faz uma alerta sobre um grande desafio a ser enfrentado que é a conversão do poder

para se obter o que se deseja. Esta conversão ocorre quando pensamos o poder em termos

de recursos. Ou seja, é a capacidade de converter o poder potencial, conforme medido

pelos recursos, em poder realizado, avaliado pela alteração do comportamento de outros

países.

Tabela 1 – Os três tipos de poderes

Tipos de Poderes Comportamentos Moedas

Primárias Políticas Governamentais

Poder Militar

Coerção, Dissuasão Desencorajamento

Proteção

Ameaça Força

Diplomacia Coercitiva Guerra Aliança

Poder Econômico

Indução Coerção

Pagamentos Sanções

Ajuda Subornos Sanções

3 Tradução livre

Page 28: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

13

Poder Brando

Atração Formação da

Agenda

Valores Cultura Políticas

Instituições

Diplomacia Pública Diplomacia Bilateral ou

Multilateral

Fonte: NYE, Joseph S. Soft Power – The Means to Success In World Politics. New York: Public Affairs.

2004:31.

1.2- Recursos do soft power no pensamento dos teóricos em perspectiva diacrônica

Saber utilizar bem os recursos para a manutenção do poder é algo que exige uma

análise do contexto que a sociedade está a viver. Neste sentido é importante frisar que o

recurso utilizado para realizar algo desejável foi sempre mutável em nossa história, uma

vez que cada época destacava-se pelas suas peculiaridades em termos econômicos,

filosóficos e sociais. Neste contexto, levanta-se a questão sobre até que ponto o contexto

social vivenciado em uma determinada época irá determinar quais as estratégias que serão

utilizadas para a expansão do poder de um Estado. Em comparação com a complexidade

social que temos hoje, antigamente era mais fácil reconhecer os recursos de poder

conforme a tabela abaixo:

Tabela 2 – Recursos em diferentes épocas

Período Estado líder Principais recursos

Século XVI Espanha Reservas de ouro,comércio colonial, exércitos mercenários,

laços dinásticos

Século XVII Holanda Comércio, mercados de capitais, marinha de guerra

Século XVIII França População, setor rural, administração pública, exército, cultura

(poder brando)

Século XIX Grã-Betanha

Indústria, coesão política, finanças e créditos, marinha de

guerra, normas liberais (poder brando), localização em ilha

(fácil de defender)

Século XX Estados Unidos Escala econômica, liderança cientifica e técnica, cultura

universalista e regimes liberais internacionais (poder brando)

Século XXI Estados Unidos Liderança tecnológica, escala militar e econômica, eixo de

comunicações transnacionais (Soft Power)

Fonte: Nye, Joseph. Cooperação e Conflitos nas Relações Internacionais. Edt.Gente. São Paulo. 2009:78

Temos acima momentos distintos: cinco períodos em que se destacam diferentes

recursos, onde desempenharam um papel determinante no comportamento dos estados na

época. Neste sentido, podemos afirmar que as fontes do poder nunca são estáticas e ainda

continuam em transformação. Por exemplo, o óleo nem sempre foi tão cobiçado como é

hoje com a revolução industrial, como também o urânio era insignificante antes da era

Page 29: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

14

nuclear. Como diz Nye: “Antes de julgar quem está segurando as cartas mais altas você

precisa entender qual jogo que você está jogando e como o valor das cartas pode estar

mudando4”(2004:4). Deve-se salientar que o poder baseado em recursos materiais não é

tão fungível quanto o dinheiro, e que não é uma garantia que um Estado irá obter o

resultado que se deseja. Dadas estas alterações relativas aos recursos críticos, faz-se

necessário observar as mudanças comportamentais dos estados e a forma como eles se

relacionam entre si.

No século XXI o soft power está a tornar-se mais relevante nas relações entre as

sociedades pós-industriais dentro de uma era de informações, em que o equilíbrio do

poder está intimamente atrelado à interdependência econômica entre os países. É

importante salientar que somente essas ações não são suficientes para elevar sua imagem,

como afirma Nye, “A imagem ou atratividade de um país é composta de atitudes externas

em variedade de tipos e níveis5” (2004:35).

As origens do conceito introduzido por Nye encontram-se nas principais obras das

teorias das Relações Internacionais, como por exemplo, o liberalismo. O liberalismo é

uma teoria que busca identificar o lugar do indivíduo na sociedade, o papel do Estado e a

legitimidade de suas instituições. Esta corrente reconhece a anarquia do sistema

internacional, mas defende que não é imutável, afirmando que a existência da cooperação

e a harmonia dos estados irão promover uma nova ordem política (Nogueira, 2005). Os

teóricos liberais se apoiam em três linhas: livre comércio, democracia, e instituições

internacionais. Sendo esses três pontos responsáveis por uma maior interligação entre os

estados, bem como uma convivência pacífica, cooperativa e harmoniosa.

A teoria realista, enquanto contrapeso à teoria liberal, também teve a sua influência

na contextualização do soft power. A escola realista é uma representante dos aspectos

militares como estratégia prioritária, caracterizando o hard power, contrapondo ao soft

power. A força militar é o instrumento de manutenção da paz e determinante nas relações

internacionais. Contudo, há certas características defendidas por alguns representantes da

escola realista pela qual encontramos elementos básicos do soft power. Edward Carr, um

realista clássico, descreveu o poder internacional em três categorias: O militar, o

4 Tradução livre

5 idem

Page 30: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

15

economico e o poder sobre a opinião. Esta ultima categoria é um dos recursos defendidos

pelo soft power. Outros autores discutiram a relevancia da opinião pública como

Kissinger(1998), que retratou os efeitos da moral e da opinião pública nas relações

internacionais. Revista a contribuição de alguns elementos das teorias clássicas que

auxiliaram em alguns aspectos a contextualização do soft power, destaca-se também dois

nomes que construíram a plataforma para o conceito do soft power, Antonio Gramsci e

Max Weber.

Quando Joseph Nye cunhou o conceito de soft power, um dos objetivos também

desse trabalho foi devolver a legitimidade dos Estados Unidos, que por causa da invasão

do Iraque6 sofreu uma crise de autoridade devido à falta de legitimidade, além de ressaltar

a hegemonia dos EUA. Antonio Gramsci defende que o poder estatal depende do controle

exercido pelo aparelho legal do país, ressalta a importância do termo hegemonia de um

Estado:

“A hegemonia é a capacidade de unificar através da ideologia e de

conservar unido um bloco social, não se restringindo ao aspecto

político, mas compreendendo um fato cultural, moral, de

concepção do mundo. Gramsci ainda ressalta que toda relação de

hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, que se

verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas

forças que a compõem, mas em todo campo internacional e

mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais”.

(Gramsci, 1978: 37)

Na perspectiva Gramsciana, o poder hegemônico combina e articula a coerção

(hard power) com o consenso ou consentimento (soft power). A definição da hegemonia

muda de autor para autor: ora enfoca o aspecto militar (Kennedy,1989), ora o econômico

(Kindleberger, 1986), ora o político, cultural e tecnologico (Nye, 2002). É importante

destacar que o poder hegemonico defendido por Gramsci apresenta-se como uma fonte

inspiradora relavante para a contextualização do soft power. A concepção de hegemonia

supõe diferenças, multiplicidades, conflitos e interdependencias entre as sociedades.

6 Os Estados Unidos, com sua incontestável força militar (hard power) resolveram atacar o Iraque a despeito das manifestações

contrária do Conselho de Segurança da ONU e de protestos ao redor do mundo. Uma ação unilateral que implicou na legitimidade do

país, sendo alvo de muitas críticas tanto internas quanto externas. O Estado como instituição continua sendo o centro de poder

administrativo e coercitivo, sendo objeto de legitimidade. É ele que controla o comercio, finanças, segurança, a área jurídica, tendo

plenas condições de cumprir os compromissos políticos (Halliday 2001).

Page 31: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

16

Portanto, o país que se propõe a ser hegemônico deve demonstrar a sua capacidade de

persuasão e de direção, muito mais que força e dominação (Semeraro, 1999).

Nye (2002) afirma que muitos países que utilizam o soft power têm coberturas

políticas maiores do que suas capacidades econômicas e militares porque inserem causas

de atração, como ajuda econômica a países menos favorecidos, incentivos à paz, a

educação, saúde, ao bem estar social. Fatores que levam ao fortalecimento da

legitimidade, um instrumento essencial na aplicação do soft power. Para Weber (1999), a

legitimidade é uma forma de aprovação social essencial para a estabilização das relações

de poder, aparecendo quando as pessoas reconhecem que alguém tem o direito de mandar

em alguma área da vida humana e quando aquele que é mandado considera o dever de

obedecer. Um poder legitimado é considerado uma autoridade formal, que na maior parte

das organizações e instituições é o burocrático. Weber (1999) esclarece que há três tipos

de autoridade:

Legal: Seu tipo mais puro é a dominação burocrática. Sua fundamental ideia é que

através de um estatuto sancionado corretamente quanto à forma, se podia criar qualquer

direito e modificá-lo.

Tradicional: Dominação tradicional em virtude da crença na santidade das ordenações e

dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação

patriarcal.

Carismática: Mediante a dedicação afetiva a pessoa do senhor e aos seus dons gratuitos

(carisma), em especial: capacidades mágicas, revelações ou heroísmo, poder do espírito e

do discurso. O tipo que manda é o líder. O tipo que obedece é o “apóstolo”. Obedece-se

exclusivamente à pessoa do líder por seus valores excepcionais e não em virtude de sua

posição estatuída ou de sua dignidade tradicional; e, portanto, também somente enquanto

essas qualidades lhe são atribuídas, ou seja, enquanto seu carisma subsiste.

Entre as três autoridades classificadas por Weber (1999) o poder carismático é que

mais se aproxima do soft power. Valores é uma das moedas primárias do soft power e

para o poder carismático os valores de um líder devem ser exemplares para os seus

seguidores elevando dessa forma a sua legitimidade perante aos seus discípulos,

contribuindo para a sua autoridade, como defendido por Weber e também por Nye e

Page 32: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

17

também Gramsci que afirma que ao deter a hegemonia um determinado grupo consegue

fazer os demais grupos aceitarem o seu modo de vida, de pensar e agir, e

consequentemente usaria o máximo de consenso e o mínimo de força (Kritsch, 2013).

Podemos atribuir este cenário nas relações entre os países, no qual a utilização destes

valores influencia no poder de persuasão de um país sobre outro e dessa forma conduzirá

a hegemonia do Estado perante uma região. O soft power defendido por Nye trouxe

novamente para debate internacional uma atualização da teoria de Gramsci, que dividia as

nações entre as que exerciam um poder de hegemonia dirigente no campo da cultura e das

ideias (Villaverde, 2011). Gramsci associava à política de dominação a cultura, e não o da

economia, já que no campo da cultura se encontrava a resposta para o consentimento e

não a resistência em matéria política de uma determinada região (Kritsch, 2013).

Portanto, as teorias de Gramsci no que diz respeito à cultura foi também adotada na

teorização do soft power, desenvolvido por Nye, como uma ferramenta para o alcance dos

seus objetivos de um determinado país sobre outro sem coerção ou suborno, e sim pela

admiração dos seus valores que está atrelado a sua cultura. Podemos observar que tanto

Gramsci, Web e Nye são teóricos distintos, em épocas diferentes, porém há aspectos que

se cruzam em suas teorias e verificamos na atualidade através da aplicação do soft power.

1.2 Elementos do soft power

No pensamento de Joseph Nye (2004), o soft power é sustentado por três recursos: a

cultura, os valores políticos e a política externa (quando vista com legitimidade e

autoridade moral), que analisaremos, em detalhe, nas linhas seguintes.

1.3.1 – O papel da cultura na corrente teórica do soft power

Como registra Nye, a cultura é o conjunto de valores e práticas que criam um

significado para a sociedade. Entre manifestações da cultura é comum distinguir entre a

alta cultura como a literatura, arte, educação, que apela para as elites, por um lado, e a

cultura popular que foca no entretenimento da sociedade, por outro lado. A relação entre

cultura e poder dos Estados/atores da política internacional é a seguinte: “Quando a

cultura de um país inclui valores universais e/ou as suas políticas promovem valores e

interesses que outros compartilham, aumenta-se a probabilidade de obter o que é

Page 33: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

18

desejado. O aumento desta probabilidade deve-se a relação de atração que foi criada”

(Nye, 2004:49).

Enquanto alguns analistas, como Niall Ferguson, confundem o recurso cultural com

o comportamento de atração (Ferguson, 2004). Nye (2004) alerta para a necessidade de

não tratar o soft power como um poder de cultura popular, bem como não equiparar o

comportamento do poder brando com o recurso cultural, mesmo que as vezes o soft

power ajude a produzi-lo. Relativamente a este ponto, Joseph Nye cita e critica Niall

Ferguson que descreve o soft power como uma força não tradicional, como por exemplo,

uma boa cultura e comércio (2004:11). Ao mesmo tempo, os contributos das correntes do

soft power salientam o fato que os recursos do poder dependem de contextos. George

Kennan, da escola do realismo clássico da balança do poder, mencionado por Nye,

defende que o contato cultural entre os países significa combater impressões negativas

sobre o país que tanto marca a opinião mundial (2004:45).

O soft power pode ser utilizado para legitimar meios e objetivos, a exemplo do

terrorismo. Nye descreve que os terroristas utilizam o soft power para conseguir apoio

geral as suas ações, bem como novos recrutas para as ações terroristas, e dessa forma

legitimar suas causas (2004:25). Outro fator levantado por Nye é o avanço da

globalização que mudou algumas naturezas do poder, como a tecnologia nuclear que

radicalizou a estratégia militar, a tecnologia de comunicações que fomentou e expandiu o

nacionalismo e a tecnologia como as de internet que também “democratizou” o terrorismo

(2004:30).

Dadas às variações do contexto e especificidades dos atores, de acordo com Nye,

existem países que se adaptam mais a promoção do soft power do que outros. Brasil,

China e Índia são países citados por Nye como emergentes com potencial de disseminar

seus poderes brandos nesta era de informação global. Nye enfatiza a importância da

inserção internacional de um país por meio do soft power para aumentar, assim, seus

recursos através de uma entendida correta condução de sua política externa. Nye

argumenta como políticos tender-se-ão a beneficiarem-se do soft power na medida que se

tornam a competir por atração, legitimidade e credibilidade. Neste aspecto, o Brasil

projetaria certa atração de ambas as formas, numa suposta cultura vibrante e com futuro.

Page 34: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

19

1.3.2- O papel da legitimidade da política externa na corrente teórica do soft power

A política externa, dentro dos recursos do soft power, ou seja com autoridade moral

é, no entanto, a mais visível no sistema internacional. Segundo Nye (2004), todos os

países perseguem seus interesses nacionais pela política externa. Esta engloba fatores

como formação de tópicos de agenda, diplomacia, coalizões, fóruns multilaterais e

acordos internacionais. Como atributo mais tangível de poder brando, todos os países

perseguem seus interesses nacionais pela política externa. Isso é imediatamente

identificável na análise de discurso da política externa oficial de um governo. Neste

recurso abordado por Nye, ele alerta para o erro de se tratar o poder brando como uma

questão apenas de imagem, relações públicas e popularidade efêmera. O soft power

corresponde aos meios de se obter um resultado esperado. Como o poder brando é a

habilidade de mobilizar a cooperação dos outros países sem ameaças ou pagamentos, seu

sucesso depende em parte de como o país que quer explorar seu soft power molda os seus

próprios objetivos. Nye ainda afirma que: “Quando a política externa perde credibilidade

e legitimidade na perspectiva dos outros países surgem atitudes de desconfiança que

reduzem sua influência” (2004:130). No entanto, o soft power não é apenas um poder de

influência, mas também de atração.

Para países que adotam o soft power em sua política externa é essencial a busca por

cooperação multilateral. Para John Ruggie (1992) o multilateralismo é a coordenação de

relações entre três ou mais Estados de acordo com certos princípios. Ao considerar a

definição genérica de instituição de Keohane: “conjunto de normas persistentes e

conectadas, formais ou informais, que prescrevem padrões comportamentais, guiam

atividades e moldam expectativas” (Keohane apud Ruggie 1992:570). Para Ruggie o

multilateralismo caracteriza como uma forma institucional nas Relações Internacionais.

No entanto, no âmbito comercial, seria um erro tornar-se um jogador unidimensional,

pois, ao longo do prazo, seria derrotado em um jogo tridimensional do mundo globalizado

contemporâneo (Nye, 2004). A atração é um fator fundamental para o desenvolvimento

de uma cooperação multilateral entre os países e pode ser mensurada realizando pesquisas

de opniões (polls) ou grupos de focos. Pesquisas deste tipo são componentes essenciais

para transmitir a imagem do poder nacional.

Page 35: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

20

1.3.3 – O papel dos valores políticos na corrente teórica do soft power

Os valores políticos representam mais um recurso do soft power. Valores como

democracia, direitos humanos, liberdade religiosa e política podem ser poderosos recursos

de atração. Este tipo de recurso nem sempre é suficiente para proclamar o soft power. Nye

afirma que admiração pelos valores do país não necessariamente implica que outros

findem por imitar os caminhos do país-modelo, que tanto pode causar admiração como

provocar rejeição por parte dos demais Estados. Ele cita como exemplo que apesar da

admiração pela liberdade de expressão dos Estados Unidos, países como Alemanha e

África do Sul condenam certos crimes que não seriam condenados pelo sistema judiciário

dos EUA. Os valores políticos domésticos correspondem a um dos pilares do soft power

(Nye, 2004).

Tabela 3 – Resumo dos recursos do soft power

Recursos do Soft Power Tipos Manifestações

Cultura Cultura/ Identidade

cultural Literatura, arte e música.

Política Externa

Política externa,

atuação comercial,

legitimidade e

credibilidade

Diplomacia, coalizões,

fóruns multilaterais, acordos

internacionais.

Valores Políticos

Ideais,

valores políticos/

domésticos.

Defesa da democracia,

direitos humanos, liberdade

religiosa e política e

igualdade social.

Fonte: Sumário da Autora

Os valores tanto políticos quanto domésticos influenciam na constituição da

identidade de um Estado, e que por sua vez os agentes definem os interesses em função

das identidades e que através de suas práticas e ações constroem o meio social. A

dimensão cultural e das identidades são ignoradas pelas teorias tradicionais das relações

internacionais.

Page 36: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

21

1.4- A perspectiva construtivista das Teorias das Relações Internacionais

Tendo esses fatos em mente o que se vê atualmente é a recorrência a enfoques de

dimensões culturais e de identidades, ignoradas pelas abordagens tradicionais para

analisar as relações internacionais. Estas novas abordagens levaram à formação da teoria

construtivista. Para Zehfuss: “A corrente construtivista veio trazer uma visão nas relações

internacionais que muito se difere das correntes pré-existentes, liberalismo e realismo, e

que enfrentam muitas críticas das referidas correntes7”(2004:3). Contudo, esta corrente

ganhou evidência no meio acadêmico, transpondo não apenas de uma questão

simplesmente teórica nas mentes escolares, mas também para fora dela, tais como revista,

jornais especializados na área, por exemplo, Foreign Policy. Todas admitem que o

construtivismo está inserido dentre as três formas de análise da política internacional

O construtivismo é considerado uma teoria social, no qual as teorias construtivistas

de política internacional, como por exemplo, sobre a guerra, a cooperação e a comunidade

internacional se baseiam. O construtivismo pode iluminar características importantes da

identidade de cada estado e sua política externa que leva à manifestação de coalizões,

fóruns multilaterais e acordos internacionais, estratégias que fazem parte do soft power. A

teoria construtivista complementa a ação do soft power, no sentido de indagar o porquê da

mudança, e examinar todo o contexto social que conduziu aquela aceitação de

comportamento até a sua rejeição, busca razões no âmbito político, social, cultural e

econômico (Nye, 2009). Por exemplo, tanto o escravismo no século XIX, quanto o

apartheid racial na África do Sul, chegaram a serem admitidos pela maioria dos estados,

mas depois foram rigorosamente condenáveis. Uma análise construtivista baseia-se em

uma visão de uma identidade nacional que por sua vez constitui em função da vida

internacional na interação entre os agentes. Uma ferramenta que ajuda outras nações que

tem interesse em demonstrar sua legitimidade e hegemonia de uma forma persuasiva e

não coercitiva naquele país ou região.

7 Tradução livre

Page 37: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

22

A política externa de um Estado, conforme tabela 3, é um dos recursos do soft

power. A teoria construtivista auxilia a compreender o comportamento de um estado

perante o sistema internacional. Ajuda a analisar os paradigmas da política externa e

entender as estratégias utilizadas para obter-se o que deseja. Cooperações, coalizões,

participação de fóruns e acordos internacionais são manifestações que em algumas

ocasiões são motivados não só pelos interesses materiais, mas também pelo seu sentido de

identidade, moralidade, e pelo o que a sociedade ou cultura considera adequado. Tem-se

como sua premissa básica um mundo em que nós construímos, no qual somos os

principais protagonistas e que é produto de nossas escolhas. É um mundo em permanente

construção, edificado pelos então conhecidos agentes na visão construtivista. Podemos

mudá-lo, transformá-lo ainda que dentro de certos limites, ou seja, o mundo é socialmente

construído. Essa construção expõe a imagem de quem o faz, o comportamento de um

Estado nesta construção exibe os valores adotados e dessa forma cria admiração de outros

países. Segundo Nye: “A imagem ou atratividade de um país é composta de atitudes

externas em uma variedade de níveis e tipos” (2004:35)

Diferentemente dos neorealistas, que fazem uso de capacidades materiais, e dos

neoliberais, que se baseiam das capacidades de estruturas institucionais, como base

material, os construtivistas findam as ideias como base material do sistema. Segundo

Wendt: “Embora as forças materiais não sejam descartadas, o fator fundamental na

política internacional para os construtivistas é a distribuição de ideias nesse sistema”

(1999:96). Para os neorealistas e os neoliberais, os estados agem de acordo com os seus

interesses nacionais, porém é em cima desse pensamento que os construtivistas os acusam

de pecar no sentido de que eles têm pouco a dizer sobre como esses interesses são

moldados ou mudam com o passar do tempo.

Outro ponto relevante defendido pelos construtivistas é em relação à anarquia no

sistema internacional. Os realistas com uma visão limitada ao materialismo e ao

pessimismo veiculam a anarquia nas relações internacionais entre os estados à ausência

de um órgão soberano a todos, e que leva a ausência de uma ordem. Já para os

construtivistas, como Wendt, a anarquia é “What’s states make of it” (Zehfuss, 2004).

Eles defendem que há um conjunto de normas e regras que organizam e norteiam as

relações internacionais. A anarquia internacional é socialmente construída, ou seja, ver as

relações entre os países como uma zona de conflito e de competição permanente é

Page 38: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

23

parcialmente correto. Já que a natureza da anarquia não é predeterminada devido ao fato

de ser socialmente construída, o sistema internacional pode variar entre o conflito e a

cooperação, depende do que os Estados querem fazer dela (Wendt,1999). O construtivista

Onuf ainda afirma que a sociedade na qual faz parte os estados é mais corretamente

descrita como uma sociedade heterônoma que uma sociedade anárquica (Nogueira, 2005).

O mundo social para os construtivistas, os estados podem agir mediante aos seus

próprios interesses, mas eles continuam a (re) definir o que aquilo significa. A sua

identidade pode mudar. Normas ajudam a definir situações, bem como entusiasma a

prática internacional em um determinado segmento. Entretanto, ao analisar esta influência

de identidades e/ ou normas, faz-se necessário explorar o que está implícito, ou seja, a

intersubjetividade do significado da ação. Esta análise sob a ótica construtivista ajuda aos

Estados adeptos do soft power a entenderem as questões identitárias e/ ou normativas de

uma determinada região, deste modo, elaborarem suas estratégias.

Os construtivistas percorrem caminhos e disciplinas diferentes das correntes

existentes nas Relações Internacionais para examinar os processos pelos quais os

representantes de Estados, a população e as culturas alteram as suas preferências, moldam

a sua identidade e adotam um novo comportamento (Nye, 2009). Por esta razão esta

corrente é objeto de muitas críticas. Como escreve Jorgensen:

“O construtivismo é mais uma metateoria do que propriamente

uma teoria. Os construtivistas não tem se envolvido em

desenvolver uma teoria das relações internacionais, mesmo que

no nível meta teórico, erram por não dizer nada sobre os

fenômenos internacionais” 8. (2001:36)

Por outro lado, Jorgensen (2001) também exalta uma contribuição positiva desta

corrente, que foi o fato de trazer para as Relações Internacionais conceitos importantes da

teoria social e na medida em que questionou o próprio conceito de teoria e teorização nas

Relações Internacionais. Entretanto, pensar o construtivismo como um modelo de

raciocínio e não como uma teoria, induz teórico a identificar múltiplas versões da teoria

construtivista, na qual está inserida uma gama de variedades de enfoques nas quais

devem-se estar atentos.

8 Tradução livre

Page 39: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

24

1.5- O construtivismo e a análise de discurso

Conforme descrito anteriormente, a teoria construtivista tem uma abordagem

diferente das correntes existentes nas Relações Internacionais e por esta razão é alvo de

críticas. Tenta-se compreender como as ideias e os valores influenciam na constituição ou

reprodução das identidades, das influências e quais recursos necessários para tal feito.

Mediante esta questão, o contributo construtivista que melhor enquadra-se à proposta

defendida neste estudo é o de Kratochwil.

O objetivo do trabalho de Kratochwil é explorar o papel das regras e normas na vida

política. Autor conhecido pela crítica à pobreza epistemológica da disciplina das Relações

Internacionais. Para ele, a questão que se impõe aos construtivistas é relativa à

correspondência entre o mundo que se observa e o conhecimento que se constrói em torno

dele. Contudo, essa questão não deveria impedir à elaboração de pesquisas empíricas.

Kratochwil admite que a intersubjetividade da linguagem, o partilhamento de discursos e

significados de valores são premissas comuns a todos os construtivistas.

No entanto, é neste item que os construtivistas começam a divergir de Kratochwil

quanto à importância e centralidade da virada lingüística, muito mais importante para um

construtivista como Onuf, Fierke, e o próprio Kratochwil que para Wendt (Nogueira,

2005). A virada linguística defendida por alguns construtivistas coloca em apreciação a

análise de discurso e mais especificamente regras e normas que organizam e regem os

discursos, o tornando central na análise de eventos sociais em geral, bem como, nas

relações internacionais, que nos permite aprender a realidade que vivemos.

Para Kratochwil, as normas informam os discursos e estes não são apenas

instrumentos para a ação política porque são antes a própria ação política. A ação humana

é moldada e regida por regras. Por isso, a análise das ações dos agentes deveria constituir

não na análise dessas ações, mas sim na análise das regras e normas que orientam suas

escolhas. Para Kratochwil, os processos de comunicação social e de intersubjetividade

são centrais para o entendimento do processo por meio do qual as decisões e ações são

analisadas. Decorre assim a necessidade de analisar e entender as normas que organizam

o discurso. O mesmo afirma que a função das normas na vida social é estabelecer a

relação entre a linguagem que usamos para nos referir ao mundo lá fora é a linguagem

Page 40: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

25

como forma de intervenção. Diferentemente de Wendt, onde os agentes permanecem

mudos e suas comunicações são unilaterais de agentes que são seguidos por ações

unilaterais de outros agentes, sem que isso represente uma comunicação intersubjetiva

(Nogueira, 2005).

Neste sentido, Kratochwil afirma que é possível compreender as ações dos atores

mediante análise das regras que regem seus discursos. Existem premissas gerais aos

agentes tomadores de decisões que reduzem a complexidade do contexto dos quais eles

fazem as suas escolhas. O entendimento dos fenômenos humanos está ligado às normas

que direcionam as condutas dos agentes. Analisar as ações desses agentes através do uso

apenas da ideia, da racionalidade, como fazem os neorealistas, conduz a uma

compreensão bastante limitada da realidade (Nogueira, 2005). Portanto, analisar as regras

que organizam os discursos e as ações dos agentes facilita uma compreensão mais

profunda sobre esses fenômenos. Assim, a desconstrução dos discursos das relações

internacionais consiste na identificação das práticas dominantes e excludentes contidas no

discurso.

A análise de um discurso dentro de um contexto intelectual tem como base uma

postura crítica, defende que o mundo é relativo do ponto de vista histórico-cultural, que o

conhecimento é socialmente construído e que está ligado a ações e práticas. Um discurso

bem estruturado tem a capacidade de produzir um mundo e reproduzir as coisas. Para Gill

(2002) a análise de discurso rejeita a noção realista de que a linguagem é um meio neutro

de reflexão ou de descrever o mundo, e o mesmo defende que uma importância central na

construção da vida social. O significado mais verdadeiro para a análise de discurso é o

fato de estar sempre embutido em lutas de poder pela nomeação e legitimidade dos seus

enunciadores (Silveira, 2005). Logo, pode-se dizer que o discurso clarifica o contexto,

isto é, que a produção da linguagem seria reveladora das opiniões das crenças de um

sujeito que está homogeneizado e fracionado em pensamentos, emoções e

comportamentos a respeito do mundo que o rodeia.

Neste sentido é possível analisar também as principais categorias do soft power

através da análise de discurso. Isto é a cultura, valores comuns e a política externa

refletem-se no discurso dos principais atores internacionais na tentativa de alcançar os

seus objetivos.

Page 41: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

26

A análise de discurso oferece algumas formas de organização de análise. Por

exemplo, a análise de discurso, defendido por Gill (2002), está relacionada com quatro

temas básicos:

1- A preocupação com o discurso em si;

2- A linguagem como construtiva, criadora e construída;

3- O discurso como forma de ação, ou seja, a orientação da função do discurso;

4- A organização da retórica do discurso

Na primeira abordagem os estudiosos estão focados no conteúdo e organização dos

textos e descartam o discurso como um meio de impetrar outras realidades. A abordagem

número dois rescinde com a tradição realista de que a linguagem reflete de forma

transparente os acontecimentos. A terceira abordagem está ligada ao discurso como

prática social, ou seja, não ocorre no vazio social. Este item defende a ideia de que o

discurso é circunstancial e que o contexto interpretativo também deve ser estudado. O

quarto incide na ênfase da natureza da retórica dos textos com enfoque nas maneiras

como ele é organizado a fim de tornar-se persuasivo.

Sendo assim, o discurso possibilita um curso de ação particular para alcançar os

objetivos de uma nação, firmando a sua legitimidade, a fim de realizar determinadas

práticas políticas e econômicas dentro dos recursos do soft power.

Page 42: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

27

CAPÍTULO II – Ação da política externa do Brasil para inserção no cenário

mundial

2.1- O Brasil democrático9 e a política externa

Vivemos atualmente no tempo de mudanças estruturais onde o centro da gravidade

econômica do mundo mudou para o hemisfério Sul do planeta, ou seja, para as economias

emergentes. Está é uma reflexão com que se depararam estudiosos, tais como Amado

Luiz Cervo (2009). Diante dessa nova configuração do poder político e econômico global

os países desenvolvidos, segundo sua influência política e econômica como os Estados

Unidos, não estão mais incondicionais nas resoluções das questões da agenda

internacional. Recentemente comprovamos essa posição com a crise mundial de 2008,

que demonstrou que cooperação era necessário para enfrentar a crise e os chamados

países emergentes, dentre eles o Brasil, ganhariam maior importância no cenário

internacional como define Jaguaribe:

“As respostas à crise evidenciam fatos que tem implicações

importantes sobre as leituras possíveis das relações internacionais

e como se poderia interpretar a multipolaridade política e

econômica. Isto é: não obstante a globalização das finanças as

economias nacionais responderam a crise e aos estímulos

financeiros de formas muito diferentes, torna-se evidente o papel

significativo dos mercados internos das economias emergentes

como fator de crescimento econômico e da mesma forma ficam

mais claras as diferenças regionais entre os países emergentes nas

suas inserções no mercado global.” (2011:35)

Percebe-se que os problemas estão cada vez mais transnacionais, e como

consequência também ocorre uma parcial transnacionalização nas decisões a serem

tomadas acerca de assuntos como segurança energética, terrorismo, crise financeira, meio

ambiente. Assim apresenta-se uma nova interação entre atores internacionais incluindo

cada vez mais os países emergentes.

Frente a essa nova mentalidade relacionada aos países emergentes, espera-se que

mude a maneira pela qual os países desenvolvidos olhem para os países em

9 Entendido desde a implementação da constituição vigente em 1988 aos dias atuais. No entanto, o Brasil durante o período de 1946 a

1964 também foi um período democrático, uma fase da história que tentou-se avançar para uma verdadeira democracia. Porém, em

1964 ocorreu o golpe militar no Brasil que durou de 1964 a 1985 e o período após esse regime é conhecido tanto como período

democrático ou redemocrático.

Page 43: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

28

desenvolvimento, bem como os países em desenvolvimento olhem para si e busquem

fazer jus a essa nova abertura política que está a apresentar-se. A política externa do

Brasil mostrou transformações substanciais nos recentes anos. Observamos uma

combinação de conteúdos substantivos e dimensões institucionais que foram vivenciados

no passado a envolver metas e articulações interburocráticas e políticas inovadoras. Na

década de 90, como antecipava a teoria de interdependência complexa (Keohane, 1989),

pareceram ganhar peso questões econômicas, ambientais, comerciais, competitividade,

fluxos tecnológicos, investimentos, fluxos financeiros, direitos humanos e sociais, além

de temas que compõem o soft power de um país, conforme abordado no capítulo anterior.

Diante dessas transformações vividas pela comunidade internacional, o Brasil trabalhou

para ampliar os seus interesses e ambições neste novo cenário sendo favorecido pelo

momento global e regional que sopraram a favor.

“A política exterior correspondeu, nos dois últimos séculos, a um

dos instrumentos com que os governos afetaram o destino de seus

povos mantendo a paz ou fazendo guerra, administrando os

conflitos ou a cooperação, estabelecendo resultados de

crescimento e de desenvolvimento ou atraso e dependência.”

(Cervo e Bueno, 2010:11)

Observamos que tanto a política externa, quanto a interna andam lado a lado, e

qualquer posicionamento político ou econômico na política externa de um país refletirá

em seu desenvolvimento interno. Nye (2004) já afirmava que a política externa é um dos

recursos do soft power, dentre os outros pilares que o compõe, que primeiro gera o

impacto no relacionamento com outros países, onde dirigentes dos Estados buscam um

cenário favorável as implementações de suas políticas para o alcance de suas metas. O

Brasil por sua vez pleiteou um ambiente favorável no âmbito internacional através deste

recurso. O período de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) como presidente do Brasil,

ele empenhou-se em conservar certas posturas em seu governo que mobilizou a

cooperação com outros países que fizeram elevar a sua credibilidade como presidente do

Brasil.

O Brasil na década de 90 estava inserido num quadro não muito diferente dos

outros países latino-americanos. O País vivia uma hiperinflação, estagnação,

instabilidade, pressões da comunidade internacional diante da abordagem dos “novos

temas” tais como meio ambiente, segurança e direitos humanos. O Brasil neste período

Page 44: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

29

era visto pela comunidade internacional como uma nação periférica numa perspectiva

política, econômica e social, com opções limitadas de ação. Quanto sua inserção na esfera

internacional, esta era atrelada a uma relação privilegiada com os EUA, sendo assim uma

década bilateral (Pecequilo, 2008).

O governo que iniciou esse processo foi o de Fernando Collor de Mello (1990-

1992). Primeiro presidente eleito democraticamente após o fim do regime militar, tendo

como prioridade política promover o realinhamento com os EUA e demais países

desenvolvidos. Em contrapartida, o País receberia reconhecimento político, concessões

comerciais e ajuda financeira (Vizentini, 2008). O governo de Collor de Mello, apesar das

promessas de superação da crise que garantiria o apoio da população ao seu governo,

promoveu medidas impopulares, que mostraram-se ineficientes, como por exemplo, o

congelamento da poupança dos cidadãos brasileiros. Ao mesmo tempo, o governo estava

a promover o processo de liberalização da economia brasileira que na visão do presidente

Collor de Mello seria o espaço para que o País se integrasse com vantagens com o mundo

globalizado, além da abertura às proposições do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Devido à política adotada de relações subordinadas aos EUA o Brasil foi obrigado a abrir

os seus mercados.

O Ministério das Relações Exteriores não teve participação decisiva na política

externa de Collor, segundo Vizentini (2008), o Ministério das Relações Exteriores (MRE)

só se limitou, ocasionalmente a tentar minimizar os efeitos de sua ação no âmbito externo.

As ações de Collor de Mello promoveram um retrocesso às iniciativas ligadas a ideia do

Brasil enquanto uma potência tanto regional quanto internacional, bem como aos novos

temas abordados pela comunidade internacional. Ainda segundo Vizentini (2008), a

noção de soberania também foi esquecida, o que levou a um encolhimento drástico da

diplomacia brasileira e a dilapidação do patrimônio acumulado nessa área ao longo de

décadas. Eventualmente, os maus resultados políticos e econômicos de Collor de Mello

levaram a um isolamento em termos de apoio por parte da própria população. O cenário

tornou-se pior quando ele e seus sucessores foram acusados de corrupção, o levando ao

impeachment em 1992.

Em 29 de dezembro de 1992, o vice-presidente Itamar Franco (1992-1994) assumiu

o poder e tentou estabilizar o Brasil e minimizar os efeitos negativos das escolhas

Page 45: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

30

políticas do governo Collor de Mello. Ele objetivou revalorizar a presença do Brasil no

Cenário Mundial a partir de fóruns multilaterais e da integração regional. Uma das

conquistas importantes teve a ver com a ONU: durante o mandato de Itamar Franco, o

Brasil foi eleito por dois anos, membro do Conselho de Segurança da ONU. Além disso,

Itamar Franco propôs uma Agenda de Desenvolvimento ligada a uma Agenda da Paz10

, e

resolveu pendências econômico-comerciais com diversos países herdadas do seu

antecessor, Fernando Collor de Melo. Itamar Franco buscou também desenvolver

parcerias com países vizinhos e os de língua portuguesa (Mercosul e CPLP). Além disso,

advogou o multilateralismo nos planos econômicos e políticos, bem como a consolidação

de sua atuação junto a órgãos internacionais, como ONU, OMC e blocos regionais. Para

Vizentini (2008), foram posições que visavam combater o protecionismo dos países ricos

e lutar para que o Brasil tivesse acesso à tecnologia de ponta.

A integração regional foi outra prioridade no governo de Itamar Franco. O

Mercosul ganhou dimensão estratégica que até o momento não possuía. Durante o seu

mandato ele realizou diversas visitas aos países fronteiriços como Uruguai, Colômbia,

Argentina. O Brasil foi também visitado pelos seus líderes, vindo a fortalecer as relações

comerciais com os países que integram o Mercosul, especialmente a Argentina. Itamar

Franco desenvolveu parcerias na área tecnológica com a Rússia e com países do Oriente

Médio, onde objetivou retomar antigos contatos. Com os países árabes, o Brasil procurou

manter relações bilaterais em áreas das forças armadas, transportes e econômica. Durante

o governo de Itamar Franco foram desenvolvidas novas abordagens que se distanciavam

do alinhamento com os EUA e procuravam ampliar de forma horizontal o relacionamento

do Brasil com outros países. Com estes exemplos verificamos que Itamar Franco trouxe

de volta ao Brasil a defesa da nacional e mostrou que o Brasil buscou adaptar-se de forma

sistemática as regras que o momento pós Guerra-Fria exigia. Nas palavras de Maluf:

“A soberania nacional é originária da nação, no sentido estrito de

população nacional (ou povo nacional), não do povo em sentido

amplo. Exercem os direitos de soberania apenas nacionais ou

nacionalizados, no gozo dos direitos de cidadania, na forma da lei.

Não há que confundir com a “teoria da soberania popular”, que

amplia o exercício do poder soberano aos alienígenas residentes

no país.” (2007:33)

10 O Brasil durante o governo de Itamar Franco participou de sete operações de paz e defendeu a não proliferação de armas de

destruição em massa. Por esta razão ele defendia que a Agenda de Desenvolvimento deveria está ligada a uma Agenda da Paz entre as nações.

Page 46: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

31

Nas eleições de 1994, apoiado pelo próprio Itamar Franco, foi eleito o seu Ministro

da Fazenda Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) o idealizador do plano real11

durante o governo de Itamar Franco. No governo de Fernando Henrique Cardoso

verificava-se a predominância de institucionalistas pragmáticos, que para Vizentini

(2008) preocupava-se mais em dar apoio aos regimes internacionais em vigor, como por

exemplo, o FMI, e a Organização Mundial de Comercio (OMC). Tullo (2007) defende

que a política de Fernando Henrique Cardoso procurou ter um perfil mais moderado da

política externa brasileira. Esta abordagem proporcionou um contexto de colaboração

com iniciativas resultantes das organizações internacionais, evitando ao mesmo tempo

assumir um papel internacional que resultasse em responsabilidades e riscos. O governo

de Fernando Henrique Cardoso retomou o projeto neoliberal, incluindo na sua dimensão

da política externa brasileira. Ainda na visão de Vizentini (2008), Fernando Henrique

Cardoso comandou a política externa pessoalmente e o MRE apenas ocupou aspectos

técnicos e burocráticos das iniciativas políticas e econômicas decididas fora do ministério.

Neste sentido, o papel do MRE durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foi

muito mais parecido com o papel exercido durante o governo de Collor de Mello do que

Itamar Franco.

Já para o historiador Amado Cervo (2009) a consciência do ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso em ter uma imagem de presidente eticamente correto e de

intelectualidade renomada contribuiu para a expansão do universalismo da política

exterior do Brasil por meio de uma diplomacia pessoal. As linhas de ações prioritárias

foram:

Avançar no caminho da integração regional aprofundado pelo Mercosul;

Estimular as estratégias de diversificação de parceiros nas relações bilaterais;

Insistir junto às organizações econômicas multilaterais, principalmente OMC no

ideal de multilateralismo, sempre sustentado pelo País;

11 Programa brasileiro de estabilização econômico considerado o mais bem sucedido de todos os planos lançados para combater casos de inflação crônica Combinaram-se condições políticas, históricas e econômicas para permitir que o Governo brasileiro lançasse, ainda

no final de 1993, as bases de um programa de longo prazo. Organizado em etapas, o plano resultaria no fim de quase três décadas de

inflação elevada e na substituição da antiga moeda pelo Real, a partir de primeiro de julho de 1994. (Ministério da Fazenda) Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/real/planreal.asp

Page 47: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

32

Concentrar esforços para elevar a condição de potencia internacional do Brasil,

tornando-se membro permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Durante o seu governo Fernando Henrique Cardoso criou a estratégia de não se

referir mais o Brasil como um país subdesenvolvido, além da substituição de América

Latina para América do Sul, delimitando uma nova esfera geográfica de política

regionalista12

. Essa diretriz teve uma dimensão prática muito importante na agenda

diplomática sul-americana (Vizentini, 2008). O Mercosul passou a ser o exemplo mais

importante dessa estratégia que fez valer o artigo 4, parágrafo único da Constituição

brasileira de 1988: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica,

política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma

comunidade latino-americana de nações”. Lei que é carregada de um intenso simbolismo

que enaltece uma longa tradição de conveniência pacífica entre o Brasil e os demais

países da América do Sul. O contexto interno brasileiro de estabilidade monetária levou

Fernando Henrique Cardoso a uma inserção no processo de globalização econômico-

financeira, porém sem repetir a desordenada política realizada no governo de Collor de

Mello. Fernando Henrique Cardoso durante o seu mandato intensificou o processo de

privatizações das grandes empresas públicas brasileiras.

Durante os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso a política externa

sinalizou para a instauração de novos projetos e parcerias para o Brasil. A direção da

política com princípios ajudou a melhorar o relacionamento com os Estados Unidos de

uma forma contínua. Ao mesmo tempo, a relação com a União Europeia (UE) foi bem

valorizada, os países da UE foram os principais mercados para produtos brasileiros e a

principal fonte de investimentos diretos do Brasil. Havia parcerias prioritárias com vários

de seus membros, como por exemplo, a Espanha nos quais os investimentos diretos

ultrapassou a Alemanha devido às privatizações (Vizentini, 2008). Durante esta fase, o

trabalho diplomático para promover o aprofundamento da parceria Brasil-Europa esteve

em grande medida concentrado em negociações entre o Mercosul e União Europeia.

Houve também crescentes intercâmbios com os países asiáticos, assim como houve uma

busca de parcerias mais profundas com países africanos.

12

Em 2000 foi realizada a I Reunião de Presidentes da América do Sul com a iniciativa para a integração física da América do Sul que

faz parte de um movimento que vem desde o inicio de 1990, quando se processa uma mudança na referência regional da identidade

regional do Brasil. Assume uma “sul-americanidade” que vinha a substituir o conceito de América Latina, que perdia o sentido no cenário Pós-Guerra Fria (Lafer,2001)

Page 48: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

33

2.2 – O presidente Lula e o autonomismo

Nas eleições presidenciais de 2002 saiu vitorioso Luis Inácio Lula da Silva(2003-

2010). Recebido com entusiasmo pela imprensa e pelo público devido a uma trajetória

peculiar do presidente13

, bem como uma postura incisiva e afirmativa em torno regional e

internacional nos debates eleitorais. Durante o seu mandato Lula da Silva buscou

preservar um espaço de flexibilidade para as decisões internacionais do Brasil, manteve

uma postura multilateralista. Entretanto, Lula da Silva defendeu a soberania nacional com

maior ênfase do que a administração anterior de Fernando Henrique Cardoso. Miriam

Gomes define bem a visão do governo de Lula da Silva:

“A corrente autonomista foi predominante na política externa do

governo de Lula da Silva. O seu governo buscou uma projeção

mais autônoma e proativa dentro da política internacional, ou seja,

uma reforma da dinâmica das instituições multilaterais com o

objetivo de criar um espaço de atuação do Brasil, assumindo

assim um perfil revisionista da ordem internacional.” (2011:2)

Conforme mencionado por Miriam Saraiva a corrente autonomista esteve presente

nas ações e nos discurso do Presidente Lula da Silva. Os autonomistas defende uma

projeção mais independente e ativa do Brasil na política internacional; teria preocupações

de caráter político-estratégico dos problemas Norte-Sul, a fim de buscar um papel de

maior liderança na arena internacional. Diferentemente dos institucionalistas pragmáticos

que valorizam mais o apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência (Saraiva,

2011). Lula da Silva em seus discursos deixava transparecer a predominância da corrente

autonomista como podemos constatar em seus discursos no FEM 14

: “Se querem ser

coerentes com a sua experiência vitoriosa, não podem obstruir o caminho dos países em

13 Lula é considerado um dos presidentes mais popular da história do Brasil e do mundo, segundo o jornal Folha de São Paulo, ao divulgar 83% de aprovação do seu governo, um recorde histórico no Brasil http://www1.folha.uol.com.br/poder/820667-com-83-aprovacao-ao-governo-lula-bate-recorde-historico-mostra-datafolha.shtml. De origem humilde Lula começou sua carreira profissional como metalúrgico, em 1975 chegou a presidência do sindicato dos metalurgicos. Em 1980 juntamente com outros intelectuais e líderes sindicais fundou o partido do PT (Partido dos Trabalhadores). Em 1986 foi o deputado federal mais votado do Brasil. Concorreu a presidência da Republica em 1989, quando foi derrotado no segundo turno por Fernando Collor de Mello, e em 1994 e 1998, quando perdeu para Fernando Henrique Cardoso. 14 Instituição Organizacional Independente que realizam reuniões anuais na cidade de Davos onde estão presentes principais líderes mundiais, políticos e empresários onde debatem questões consideradas urgentes pelos idealizadores políticos que o mundo contemporâneo está a enfrentar, ou seja, fazer avançar coordenações políticas entre os principais atores da economia mundial, estados e companhias globalizadas que através de um diálogo informal fazer surgir novas ideias que possam ser concretizadas no terreno das políticas práticas.

Page 49: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

34

via de desenvolvimento. Ao contrário podem e devem construir conosco uma nova

agenda de desenvolvimento global”. (Discurso - Lula da Silva 2003)

Este foi o primeiro discurso realizado por Lula da Silva como presidente do Brasil

no encontro do FEM em Janeiro de 2003. Já no inicio deste discurso o presidente deixa

claro para a comunidade internacional alterações na estratégia a ser adotada na política

externa durante o seu governo. Neste trecho do discurso o presidente refere-se à

importância da atuação na arena internacional dos países desenvolvidos deixando nas

entre linhas que o Brasil adotará políticas ativas, ou seja, autonomistas. Nos anos

decorrentes de seu governo e da sua partição neste Fórum em alguns momentos dos seus

discursos reafirmava a sua posição:

“No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil

iria trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais,

aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e

promover, ativamente, os direitos humanos. Iria, ao mesmo

tempo, lutar para acabar sua dependência das instituições

internacionais de crédito e buscar uma inserção mais ativa e

soberana na comunidade das nações.” (Discurso de Lula da Silva,

2010)

Em janeiro de 2010, sete anos depois do seu primeiro discurso e já no final do seu

segundo mandato, o presidente Lula da Silva foi o primeiro líder de estado a receber o

prêmio oferecido pelo FEM pela sua liderança política econômica de destaque na arena

mundial. Segundo o fundador do FEM, Klaus Schwab:

“O presidente do Brasil demonstrou um verdadeiro

comprometimento com todos os setores da sociedade (...) esses

comprometimentos tem sido de mão e mão a integrar crescimento

econômico e justiça social. O presidente Lula é um modelo a ser

seguido pela liderança global.” (Klaus apud Roncaglia, 2010)

Para Vigevani (2007) o posicionamento do Brasil diante de diferentes temas deve

ser visto à luz de fatores constitutivos da política externa que estão enraizados na

sociedade e no estado brasileiro: a autonomia e o universalismo. Pode-se dizer neste caso

que o universalismo está relacionado à ideia de estar aberto para manter relações com

todos os países, independente da localização geográfica, tipo de regime ou opção

econômica. Ainda segundo Vigevani este comportamento significa independência em

Page 50: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

35

relação à potencia hegemônica e pode ser atrelado ao comportamento de global player. A

autonomia é definida como margem de manobra que o país tem nas suas relações com os

demais estados e em sua atuação na política internacional.

O crescimento do pensamento autonomista, notavelmente expressado em discursos

do presidente Lula da Silva, tornou-se a base de políticas estrangeiras do Brasil durante o

seu governo. Esta linha de pensamento surgiu um grupo de decision-makers15

que montou

novas propostas para a política externa brasileira durante o mandato de Lula da Silva. Um

dos responsáveis por esta nova visão da política externa do Brasil foi o diplomata Celso

Amorim que em seu discurso de posse em 01 de Janeiro de 2003, na qualidade de

ministro das relações exteriores do governo Lula da Silva, transpareceu a crença que iria

orientar a política externa do Brasil na sua autonomia, ação universalista e a ideia de que

o País iria ocupar um lugar de mais destaque na política internacional. Transmitiu,

igualmente, a utilização de estratégias multipolares para o alcance dos seus objetivos no

cenário internacional:

“O Brasil pode e deve contribuir para a construção de uma ordem

mundial pacífica e solidária, fundada no direito e nos princípios

do multilateralismo, consciente do seu peso demográfico,

territorial, econômico e cultural, e de ser uma grande democracia

em processo de transformação social. O Brasil atuará, sem

inibições, nos vários fóruns internacionais, internacionais,

regionais e globais”. (Celso Amorim, Discurso proferido da

transmissão do cargo de Ministro de Estado das Relações

Exteriores, 09/01/2003).

Miriam Saraiva (2011) ressalta a importância deste grupo na política externa

brasileira. A visão política e a percepção dos interesses nacionais e internacionais por

parte deste grupo influenciaram a escolha das estratégias externas do País. A relevância

dos decision-makers torna-se clara ao comparar o governo de Fernando Henrique

Cardoso e o governo de Lula da Silva. Durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso

o papel do Brasil como líder era visto como consequência da gradual superioridade

econômica do País e que deveria limitar-se à assuntos regionais, como América do Sul,

por causa da escassez de recursos (financeiros, bélicos, políticos e profissionais)

15

Como será referido adiante, este grupo incluía oficiais como Celso Luis Nunes Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Marco

Aurélio Garcia.

Page 51: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

36

disponíveis para a ação mais externa do Estado. No entanto, os formuladores da política

externa do governo de Lula da Silva acreditavam que o papel de liderança pode ser

alcançado por meio de uma ação diplomática mais ativa e dinâmica, assim como da

continuidade da defesa de temas universais (Tullo, 2007).

Para Almeida (2005) os principais formuladores e executores da política externa

governamental durante o governo do presidente Lula da Silva, a seguir uma ordem

hierárquica após o presidente da república foram: o Chanceler embaixador Celso Luis

Nunes Amorim (já mencionado acima), o secretário geral das relações exteriores

embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial para assuntos

internacionais da presidência, professor Marco Aurélio Garcia. Em mandatos anteriores a

figura do Secretário Geral do Itamaraty ainda que envolvido na implementação prática da

política externa, estava enquadrada à administração rotineira (e interna) do Itamaraty.

Limitava-se às vezes a um papel coadjuvante nas negociações entre os países. No entanto,

não foi esse o quadro que o presidente Lula da Silva aplicou em seu governo. O

Secretário Geral das Relações Internacionais, Samuel Guimarães, era descrito como o

ideólogo das novas linhas da política externa, onde atuou intensamente em assuntos, que

em muitos casos, ultrapassaram inclusive os limites da diplomacia estrito senso. Samuel

Guimarães defendia a seguinte posição no cenário internacional:

“O mundo multipolar sem hegemonias em que todos os Estados

obedeçam ao Direito Internacional e procurem resolver suas

controvérsias de forma pacífica é o mundo que mais interessa à

nação brasileira. Cada dia, cada ato da Chancelaria, deve procurar

contribuir para esse objetivo. As organizações multilaterais, em

especial as Nações Unidas e a OEA, devem contribuir para esses

objetivos, e o Brasil nelas atuará de forma ativa.” (Guimarães,

2003)

Lula da Silva também teve um assessor presidencial ativo e participante, e não

apenas um espectador engajado: Marcos Aurélio Garcia. Por tradição a sua posição

limitava-se apenas a uma consultoria direta e geralmente discreta do presidente em temas

de política externa, uma espécie de introdutor diplomático. No entanto, o professor

Marcos Aurélio Garcia assumiu um papel relevante em vários processos que envolvia a

diplomacia oficial na definição e até mesmo na execução de certas linhas da política

externa do governo Lula, especialmente relativas ao cenário regional latino-americano.

Page 52: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

37

Este cenário traduz a repercussão da política externa de Luis Inácio Lula da Silva.

Na gestão da política externa ele não foi absoluto, dando o devido espaço para outros

atores (dentro do País) atuarem. Buscou fazer uma política externa adequada e necessária

a um país em desenvolvimento como o Brasil, com o intuito de afirmar-se de forma

soberana tanto no contexto regional como internacional. A presença do Brasil nos fóruns

internacionais, como também o posicionamento na condenação da invasão do Iraque e

também nas relações com Irão para discutir questões nucleares, mesmo divergindo das

grandes potencias são exemplos desta postura soberana. Luis Inácio Lula da Silva

defendeu políticas de combate a erradicação a pobreza e a fome, luta por igualdade social

e distribuição de renda, apoiado da população. Diante dessas políticas ele definiu suas

convicções na rede do Sistema Internacional. Comportamentos que transmitiu a

identidade brasileira durante o seu governo para comunidade internacional. Tais fatores

influenciaram na imagem que o mundo tem do Brasil.

No plano econômico Lula da Silva buscou tanto na América do Sul como no

continente africano projeção para as empresas brasileiras. De modo mais geral,

empreendeu uma política forte de busca de mercados para as exportações do País dando

prioridade aos parceiros emergentes. Este fato pode ser ilustrado pela afirmação de Celso

Amorim em seu discurso de posse de 2003: “Desenvolveremos, inclusive por meio de

parcerias com outros países e organizações maior cooperação com os países africanos.

Angola e Moçambique, que passaram por prolongados conflitos internos, receberão

atenção especial.” Essa atenção especial foi constatada na atuação das agências do

governo brasileiro, dentre elas o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) que

financiou obras de infraestrutura em países africanos, especialmente em Angola. Todo

este movimento de fortalecimento de sua política levou o Brasil ao papel de global

player. Como argumenta, entre vários autores, “... o Brasil deixou de ter interesses

defensivos, como era no passado, para interesses mais ofensivos”. (Hirst, 2010:10)

As estratégias internacionais de Lula da Silva além de serem coordenadas com

outros órgãos governamentais foram também acompanhadas por uma intensa atividade

empresarial focando países em desenvolvimento tanto na América Latina, Ásia e África.

Dessa forma o Brasil estava a buscar sua influência como jogador no tabuleiro

tridimensional ao traduzir os seus interesses e valores na agenda internacional, como

defende a abordagem do soft power.A boa fase econômica deu fôlego ao Brasil para

Page 53: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

38

participar e posicionar-se em assuntos internacionais levando-o ao engajamento de uma

série de negociações e cúpulas multilaterais que o conduziu a coalizões significativas com

países em desenvolvimento.

2.3 – A política externa do Brasil no âmbito do multilateralismo

A crescente projeção da política externa do Brasil dava-se nos fóruns multilaterais

internacionais, nas relações bilaterais, e nas diversificações de temas em discussões. O

governo de Lula da Silva sempre procurou posicionar-se, ou seja, o Brasil tornou-se

menos reservado em sua afirmação como potência emergente no cenário internacional.

Segundo o Ministro das Relações Internacionais do atual governo de Dilma Roussef,

Antonio de Aguiar Patriota: “O Brasil estabeleceu como prioridade “comunicar-se” com

o mundo” (Fellet, 2011).

Como já referido, Luis Inácio Lula da Silva tinha um estilo próprio, devido a sua

trajetória de vida. Além disso, um dos pontos fortes de seu governo foi o acervo de

políticas sociais que atuavam na pobreza e na desigualdade social no plano doméstico,

tornando-se, ao mesmo tempo, numa mensagem subjacente à política externa do Brasil.

Ações políticas que foram admiradas por países que enfrentam quadro semelhante de

desigualdade social, especialmente países africanos. Devido a esta semelhança do Brasil

com algumas regiões africanas o modelo político brasileiro foi importado por alguns

estados africanos. A política no combate às desigualdades sociais foi uma ferramenta na

aplicação da estratégia brasileira de expansão do poder de uma maneira soft, como

veremos nos próximos capítulos em relação ao continente africano.

Diante da política multilateralista defendida por Lula da Silva, Mapa (2010)

caracteriza três linhas prioritárias seguidas pela diplomacia do governo. A primeira, se

refere ao esforço de integração da América do Sul a partir do Mercosul e seu subsequente

apoio à Unasul16

, com o objetivo de fortalecer os países da região frente aos Estados

16 A União de Nações Sul-Americanas é formada pelos doze países da América do Sul. O tratado constitutivo da organização foi

aprovado durante Reunião Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Brasília, em 23 de maio de 2008. Dez

países já depositaram seus instrumentos de ratificação (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), completando o número mínimo de ratificações necessárias para a entrada em vigor do Tratado no dia 11 de março de

2011. A Unasul tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de articulação no âmbito cultural,

social, econômico e político entre seus povos. Prioriza o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a criar a paz e a segurança, eliminar a desigualdade socioeconômica,

alcançar a inclusão social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias no marco do fortalecimento da

soberania e independência dos Estados.

Page 54: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

39

Unidos e à União Europeia, principalmente nos espaços de negociação comercial

multilateral. Assim como o governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo de Lula

da Silva também tinha como prioridade a América do Sul, especialmente no

fortalecimento das relações com Argentina. Esta relação foi o pilar da construção do

bloco. Em seu governo ele defendeu a ideia de uma integração em diversos planos, desde

a um espaço econômico unificado com base no livre comércio até aos projetos de

infraestrutura em áreas de transporte, comunicações e energia (Amorim, 2003c). Tudo

isso objetivava repercussões positivas tanto internamente quanto no relacionamento da

região com o resto do mundo, além de ser um instrumento estratégico para sua posição de

liderança na América do Sul.

A segunda linha corresponde ao estabelecimento de novas parcerias estratégicas,

com o objetivo de demonstrar uma diplomacia brasileira universalista e ancorada em

iniciativas inovadoras, bem como fortalecer parcerias já existentes com países em

desenvolvimento, tais como:

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) 17

: A CPLP tem lugar de

destaque na política externa brasileira. É uma comunidade que tem um grande potencial

para promover a política, diplomática, o intercâmbio e a cooperação em diversas áreas

dos países que dela fazem parte. Segundo nota oficial do Itamaraty as políticas brasileiras

em relação à CPLP singularizam-se pelo princípio da solidariedade. A organização

constitui, ademais, foro internacional único para o Brasil, que se beneficia de laços

históricos, culturais e linguísticos comuns para cooperar. Todas as decisões são tomadas

por consenso. A cooperação técnica prestada aos países da CPLP pelo Brasil no período

2003-2010 insere-se no paradigma da cooperação Sul-Sul, o qual se distingue por padrões

próprios de gestão, diferentes daqueles aplicados à tradicional cooperação Norte-Sul.

Pretende-se, sobretudo, sem imposições ou quaisquer condicionalidades, o

desenvolvimento socioeconômico, em bases sustentáveis, dos países parceiros. A

17 A CPLP foi criada em 17 de julho de 1996 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guine-Bissau, Moçambique, Portugal, e São Tomé e Príncipe. Concentra suas ações em três objetivos gerais: concertação político-diplomática entre os seus membros para o reforço da sua

presença no cenário internacional; a cooperação em todos os domínios inclusive educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa,

agricultura, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social.; e a promoção e difusão da língua portuguesa. No âmbito da política, destacam-se a coordenação de posições nos fóruns multilaterais, bem como a

cooperação na área eleitoral, inclusive por meio de missões conjuntas de observadores nas eleições dos Estados membros. Na

cooperação técnica vale salientar que os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), juntamente com Timor Leste são atualmente, os principais recipiendários da cooperação prestada pelo Brasil, a qual tem priorizado a capacitação nas áreas de formação

profissional, segurança alimentar, agricultura, saúde e fortalecimento institucional, entre outras.

Page 55: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

40

prestação de cooperação do Brasil distingue-se, ademais, pelo envolvimento direto de

instituições brasileiras de renomada “expertise” técnica em áreas estratégicas para o

desenvolvimento dos países envolvidos, como é o caso da Fundação Oswaldo Cruz

(Fiocruz), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Ademais, o Brasil propaga, no âmbito

internacional, o fortalecimento da língua portuguesa no mundo como fator de projeção

internacional do espaço lusófono e de seus valores de solidariedade. A atuação do Brasil

como prestador de cooperação tem levado doadores tradicionais, bilaterais e multilaterais

a manifestar interesse em projetos juntamente com o Brasil nos países que fazem parte da

comunidade.

G-2018

: Para estudiosos como Ramazini (2006) nas ações diplomáticas brasileiras em

relação ao G-20 havia componentes de equilíbrio em relação às potências globais.

Através do G-20 o Brasil quis reafirmar um discurso de cooperação pela justiça, ou seja,

o conceito de autonomia, presente na política exterior do Brasil, que utiliza-se dessa

concepção para o alcance do poder. Com o G-20 o Brasil posicionou-se na defesa dos

direitos de potências menores, ao mesmo tempo em que aspiraria ao status das grandes

potências (Garcia, 2005). O Brasil como um dos líderes dessa coalizão procurou relançar,

através de outros meios, o perfil reivindicatório da política externa brasileira. Contudo,

impulsionados pela atuação do G-20, os países em desenvolvimento alcançaram maior

poder no processo negociador da OMC. O Brasil junto com a Índia passou a integrar os

cinco atores, ao lado dos Estados Unidos, União Europeia e Austrália.

Fórum IBAS (Índia-Brasil-África do Sul) 19

: Bem como o G-20 o IBAS também

representa uma estratégia da política externa do Brasil na sua atuação internacional. As

propostas de ação do fórum têm como objetivo a cooperação entre os membros, visando

intercâmbios técnicos e comerciais; cooperação entre países em desenvolvimento, além

de cooperação política que buscava um novo equilíbrio de poder. Para Nogueira (2008) é

18 É um agrupamento de países em desenvolvimento de três continentes, constituído no período que antecedeu a V Reunião Ministerial

da OMC em Cancun, com o objetivo de unir países com especial interesse na eliminação das distorções e na liberalização do comércio

agrícola. No período posterior à Reunião de Cancun, o Grupo consolidou-se como interlocutor essencial nas negociações agrícolas da OMC e teve atuação decisiva na fase final de negociação do acordo-quadro em agricultura, aprovado pelos Ministros em Genebra no

dia 31 de Julho de 2004.

19 Estabelecido em junho de 2003, quando foi emitido o primeiro documento do grupo, a “Declaração de Brasília”, o IBAS é um mecanismo de coordenação entre três países emergentes, três países emergentes, três democracias multiétnicas e multiculturais, que estão determinadas a contribuir para uma nova arquitetura internacional, a unir voz em temas globais e aprofundar o seu relacionamento mútuo em diferentes áreas. Ele se concentra em três pilares: concertação política, cooperação setorial e o fundo IBAS.

Page 56: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

41

importante ressaltar o caráter desenvolvimentista da política externa brasileira nas

propostas de ação do Fórum IBAS. Destacou-se a proposta brasileira para a diminuição

das desigualdades internacionais, ou seja, unir vozes em temas globais, além de

aprofundar o relacionamento mútuo em diferentes áreas na arquitetura internacional.

ASPA (Cúpula América do Sul -Países Árabes)20

: Em 2003 Luis Inácio Lula da Silva

propôs a criação desta cúpula, e em 2005 foi formalmente criada na I Cúpula de Chefes

de Estado e de Governo ocorrida em Brasília. Segundo Fagundes (2011) o incremento das

relações comerciais e diplomáticas entre duas regiões que concentram grandes reservas de

petróleo apenas ratifica a importância estratégica do multilateralismo adotado pelo

governo de Lula da Silva. Pontos estratégicos são comuns para os integrantes da ASPA

junto a organizações internacionais, sobretudo a ONU, sobre temas ligados ao

desenvolvimento sustentável e ao combate da pobreza nos países menos desenvolvidos.

Cúpula BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China África do Sul) 21

: O objetivo desta cúpula

é a formação de alianças flexíveis com o objetivo de promover ações conjuntas para o

maior equilíbrio nas relações internacionais, especialmente nas instâncias multilaterais.

Um importante ponto de convergência entre os BRICS é a demanda por maior

representação nas instituições financeiras. A iniciativa dos BRICS corresponde a uma

diplomacia abrangente que busca o reforço das relações econômicas. Esta coesão pode

gerar blocos econômicos ou pelo menos acordos nesta área que aumenta o crescimento

dos seus membros, o que pode consequentemente torná-los mais aptos a exercer

influência internacional (Flemes, 2010). Através das ações conjuntas realizadas pela

Cúpula BRICS, o Brasil tem condições de sugerir reformas, atualizações das instituições

financeiras, além de fazer avançar discussões em relação a temas globais, como por

exemplo, o acesso aos recursos naturais do mundo e a própria governança mundial.

A terceira linha consiste na defesa e fortalecimento do multilateralismo,

especialmente, pela reforma e ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas,

com a inclusão dos países em desenvolvimento entre os membros permanentes, de modo

20

Integram a ASPA 34 países, entre Estados sul-americano e árabes, sendo o Brasil o coordenador regional sul americano. As ações de seguimento da ASPA são conduzidas por meio de intensa agenda de reuniões de ministros, altos funcionários e especialistas, bem como por intermédio de cinco comitês Setoriais que conduzem ações de cooperação nas áreas econômica, cultural, cientifico tecnológica, ambiental e social. 21 A ideia dos BRICS foi formulada pelo economista-chefe Goldman Sachs, Jim O’Neil, em estudo de 2001, intitulado “Building Better Global Economics BRICs”. Fixou-se como categoria da análise nos meios econômicos financeiros, empresariais, acadêmicos e de comunicação. Em 2006, o conceito deu origem a um agrupamento, propriamente dito, incorporado à política externa do Brasil, Russia, China e por último em 2011, África do Sul.

Page 57: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

42

a reforçar a sua legitimidade e representatividade. O Brasil almeja participação como

membro permanente já desde os governos anteriores, notadamente desde o governo de

Itamar Franco. Mapa (2010) observa que tal objetivo durante o governo Lula da Silva

recebeu grande impulso pelas ideias do Ministro Celso Amorim: “O Brasil pode e deve

contribuir para a construção de uma ordem mundial pacífica e solidária, fundada no

direito e nos princípios do multilateralismo, consciente do seu peso demográfico,

territorial e econômico e cultural” (2003b: 43).

Como vimos no capítulo anterior a política externa entre os recursos do soft power é

a mais visível. Lula da Silva tornou-se, como uma habilidade do soft power, um jogador

tridimensional no âmbito internacional através de suas cooperações com países de

diferentes parte do mundo, uma estratégia que eleva o seu poder de atração perante a

comunidade internacional. Um fator essencial para o soft power que pode ser mensurado

realizando pesquisas de opiniões (polls) ou grupos de focos. No entanto, o Brasil

mediante a uma postura de “comunicar-se” com o mundo, principalmente a adoção de

políticas de valorização com os continentes africano e asiático resultou em uma imagem

positiva na comunidade internacional. Como relata uma pesquisa anual do serviço

mundial da BBC POLL 2011 conduzido por 27 países revela que as opiniões positivas

sobre o Brasil tiveram o maior aumento entre as nações pesquisadas passando de 40%

para 49%. Já a visão negativa sobre a atuação brasileira caiu três pontos percentuais para

20% (Fellet, 2011).

2.4 - Eixos estratégicos nas relações políticas do Brasil no governo Lula da Silva

Na visão de Pecequilo (2008) a política externa brasileira focava na importância de

articulação de eixos estratégicos, sendo estes o vertical (hemisférico-bilateral) e o

horizontal (global-multilateral). Os EUA foi um importante parceiro nesta relação

vertical. Reconhece-se a necessidade de incrementar o poder de barganha nacional à

medida que este país realiza negociações com outros Estados, considerados fortes. Ainda

conforme Pecequilo o conceito dos EUA em relação ao Brasil durante o governo de Lula

da Silva era de um poder estabilizador nas contenções de instabilidade na América do

Sul. O Brasil durante este período demonstrou capacidades diplomáticas e habilidades

políticas para resolver os conflitos existentes nos países vizinhos, a assumir o papel de

mediador de conflitos locais, como conflitos na Venezuela (2003), Bolívia (2003 e 2006),

Page 58: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

43

Equador (2004), Honduras (2009) e Haiti (2003). Esse posicionamento foi visto de uma

forma positiva pelos EUA, como ressalta a secretária de Estado na época Condoleezza

Rice em dois momentos distintos:

“(…) os EUA busca no Brasil um parceiro regional e um líder

global (…)” (Rice, 2005).

“O Brasil vem desempenhando um papel muito positivo nos

últimos eventos aqui na região. Portanto, o Brasil que é uma

grande democracia multiétnica deve desempenhar um papel

fundamental não só nos assuntos regionais, mas nos globais.”

(Rice, 2008)

Esta nova imagem que o Brasil estava a conquistar levou um amadurecimento nas

relações com os EUA e a UE onde diálogos estratégicos foram mais frequentes com

ambas as regiões. As ações brasileiras na América do Sul, na ONU, na OMC e em

questões específicas do Oriente Médio (nas negociações de Annapolis em 2007 o Brasil

foi convidado como interlocutor do processo de paz patrocinado pelos EUA)

contribuíram para o Brasil conquistar uma maior credibilidade no cenário internacional.

O eixo horizontal é representado pelas parcerias com as nações emergentes, por

suas semelhanças como grandes estados periféricos e países em desenvolvimento como

Índia, China, África do Sul e Rússia, como já mencionado acima os BRICS. A agenda

também é composta por países menos desenvolvidos da África, Ásia e Oriente Médio,

cuja influência no cenário internacional é menor do que o do Brasil. Este eixo representa

a dimensão terceiro mundista da política externa, também definida como relação Sul-Sul

(Pecequilo, 2008). Diante deste cenário e dos comportamentos reproduzidos pode-se dizer

que os benefícios potenciais deste eixo são econômicos, estratégicos e políticos. O então

ministro das relações exteriores em entrevista concedida a Paiva em 2008 resume o

crescimento da ação brasileira no eixo horizontal:

“Ao criarmos o G-20 acabamos por extrapolar o âmbito da

Organização Mundial de Comércio (OMC). Isso nos valeu uma

credibilidade enorme com os países em desenvolvimento que

acaba enfim se refletindo no clima dos negócios. Entre 2003 e

2007 num contexto em que as relações comerciais do Brasil

cresceram como nunca, a participação dos países em

desenvolvimento no montante de nossas exportações que era de

45%, trocou de posição com dois países desenvolvidos que

correspondia a 55%. Hoje é exatamente o contrário, o que nos deu

Page 59: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

44

um colchão para enfrentar a crise. A maioria dos economistas está

dizendo agora que a esperança de crescimento do mundo reside

nos países emergentes (...). Nós tivemos a intuição- ou percepção-

disso antes das coisas acontecerem.” (Amorim apud Paiva, 2008,

J5)

Os críticos eventuais tais como o Albert Fishlow (2008) mencionou que o

desenvolvimento dessas relações Sul-Sul é uma das razões pelas quais o Brasil encontra-

se menos vulnerável aos problemas na economia dos EUA. Fishlow, economista, da

Columbia University, sempre defendeu a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)

no lugar das iniciativas do Brasil com a China, a África, os países árabes e, sobretudo

com a própria América do Sul. Porém, quando se fala agora sobre o Brasil e a crise dos

EUA, não há questionamentos de que o Brasil optou pelo caminho certo (Fishlow, 2008).

A visão do Brasil hoje, até mesmo por alguns críticos, é de um país ao qual cabem as

responsabilidades crescentes e um papel cada vez mais central nas decisões que afetam os

destinos do mundo.

As coalizões estratégicas do Brasil com os países emergentes demonstra um

elemento que mexe com as estruturas nas relações internacionais que estavam até então

vigentes. Como referido no primeiro capítulo os países emergentes como Brasil, China e

Índia são citados por Nye com um potencial de disseminar seus poderes brandos nesta era

da informação global. A notabilidade dos países emergentes e seus envolvimentos com as

questões internacionais cria um novo equilíbrio no sistema internacional, ou seja, um

contrapoder no século XXI. A história da diplomacia brasileira há tempos direciona-se

para um mundo em desenvolvimento, especialmente logo após a Segunda Guerra

mundial. Chanceleres como San Tiago Dantas, Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira,

Saraiva Guerreiro, Chanceleres a serviço do paradigma desenvolvimentista procuravam

cooperação de capitais, ciência e tecnologia do norte, como também almejavam os

mercados do sul para exportação de manufaturados, sendo a primeira linha de indução e a

segunda de sustentação do processo desenvolvimentista. No entanto, segundo Cervo

(2009), a relação com os países emergentes, durante o Brasil democrático, especialmente

na era de Fernando Collor de Melo foi sacrificado e contrariado durante o ciclo neoliberal

de Fernando Henrique Cardoso.

As relações com os países emergentes envolvem algumas dimensões do modelo

de inserção internacional, que demonstra a importância da conveniência do universalismo

Page 60: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

45

da política exterior (Cervo, 2009). Os emergentes contribuem de modo concreto para o

estabelecimento da ordem internacional na era da globalização, com o objetivo de tornar

suas regras e regimes compatíveis com a comunidade internacional como todo, e não

mais promotores de interesses materiais e bem estar de uma parte da humanidade. Eles

também estabelecem mecanismo entre si, que promovem diversificação dos mercados e

exportações de melhor qualidade, facilitam à internacionalização das empresas, bem

como a cooperação científica, cultural e acadêmica o que resulta em progresso e

promoção do bem estar de suas populações. Dessa forma o Brasil ao ampliar sua presença

aos arredores do mundo demonstra a sua tendência de país universalista, cooperativo e

não confrontacionista, ou seja, um atuação branda como defende o soft power.

Esta coadunação de eixos, como afirma Pecequilo (2008), tem se provado essencial

para a recuperação do status de potência média emergente, permitindo revitalizar

tradições e encontrar um espaço diferenciado de atuação no reordenamento do pós Guerra

Fria. Portanto, não existe escolha entre o Primeiro e o Terceiro Mundos, os eixos Norte-

Sul, horizontal ou vertical, mas sim a sua combinação. Por vários séculos a nossa visão

estava atrelada as percepções colhidas por observadores europeus e norte-americanos

sobre sociedades geograficamente distantes da nossa como Ásia, Oriente Médio e até

mesmo da nossa vizinha África. No entanto, a intensificação do diálogo e do intercâmbio

direto com essas e outras regiões exige, sobretudo vontade política, como destaca Celso

Amorim:

“O grande diferencial é que deixamos de lado a velha dicotomia

(...) Melhoramos as nossas articulações com África, China, Índia

sem hostilizar os EUA e UE que tem tido conosco um dialogo

muito privilegiado(...) Por outro lado não preciso olhar para EUA

e Europa para enxergar o Oriente Médio e a África”.(Amorim

apud Paiva, 2008, J5)

A participação do Brasil na esfera da governança global refletiu uma participação

pró-ativa no tabuleiro do jogo internacional de coalizões, que envolveram algumas nações

emergentes, apresentando limites oriundos das carências do recurso de poder e que assim

permitiu ao Brasil um posicionamento privilegiado de liderança, como por exemplo,

nações do continente Africano. O Brasil durante o governo Luis Inácio Lula da Silva fez

surgir um novo capítulo nas relações com o continente Africano.

Page 61: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

46

O governo Lula da Silva aumentou o perfil das relações com os países africanos

principalmente os de língua portuguesa, tendo em vista não apenas as relações

econômicas, mas também como já fora mencionado o resgate da dívida humana, social e

cultural. Com o fim do regime do apartheid e a superação dos conflitos internos em

Angola e Moçambique as sociedades africanas movimentaram-se para sanar as

problemáticas deixadas pelos conflitos e um novo olhar para um futuro mais promissor

começou a ser traçado pelos africanos. Surge então um processo de renascimento africano

e o Brasil teve como compromisso fazer parte desse renascimento através de uma

renovada agenda política, econômica, social, comercial e cultural com alguns países

africanos. Segundo Celso Amorim (2003b) em visita ao continente Africano: “Os

caminhos para a África se reabrem e apontam um reencontro solidário de brasileiros e

africanos, em sintonia com a motivação e as aspirações de amplos setores de nossa

sociedade”.

Page 62: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

47

CAPÍTULO III – Continente africano no século XXI

3.1 – A luta pela independência africana

A África contribuiu para mudar o curso da história mundial de uma forma que ela

não é mais um continente passivo submetido às ações dos demais estados, sobretudo a

partir dos anos de 1960. As ações da África igualmente contribuíram para transformar os

destinos de outros países. No entanto, após a independência, a maioria dos países

africanos, como por exemplo, Angola, Congo, Moçambique, tiveram dificuldades para se

colocarem como um todo com vistas ao desenvolvimento político e econômico.

Kwame Nkrumah o presidente de Gana (1960-1966) foi um dos fundadores do Pan-

Africanismo22

. Um grande ativista para a descolonização da África. Para Nkrumah:

“Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será dado em suplemento”

(Nkrumah apud Mazrui, 2010:126). Esta posição defendia primeiramente à solidificação

política do estado, que estaria atrelado à independência dos países africanos e como

resultado traria melhorias para o continente.

No entanto, esta posição política vai de encontro a uma lógica no campo filosófico

que fala de condição suficiente e condição necessária. A soberania política, ou seja, o

reino político, era uma condição necessária para que a África realizasse suas aspirações

políticas essências que a independência vos traria, porém ela por si só não seria suficiente.

A última frase “todo o restante vos será dado em suplemento” 23

não seria algo que se

veria na prática (Mazrui, 2010). A “soberania política” chegou para alguns países através

da independência, porém, estes países não estavam preparados economicamente e muito

menos politicamente para andar com as suas próprias pernas. Os estados africanos que

conseguiram a liberdade logo em seguida mergulharam numa profunda guerra civil. Essas

guerras foram a causa mais imediata da pobreza do continente, onde os recursos que

poderiam ser usados para o desenvolvimento do País foram desperdiçados nos conflitos,

22 O Pan Africanismo é um movimento político, filosófico e social que promove a defesa dos direitos do povo africano e da unidade do

continente africano no âmbito de um único Estado soberano para todos os africanos, através do reagrupamento das diferentes etnias

divididas pelas imposições dos colonizadores. Em parte foi responsável pelo surgimento da Organização da Unidade Africana. O movimento foi bastante difundido fora da África. Valorizam a realização de cultos aos ancestrais e defendiam a ampliação do uso das

línguas e dialetos africanos, proibidos ou limitados pelos europeus.

23 Para os marxistas esta declaração se aplicaria da seguinte forma: “Procurai primeiramente o reino econômico e todo o restante vos

será dado em suplemento” (Mazuri, 2010:126)

Page 63: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

48

como foi o caso de Angola que estudaremos mais adiante24

. Essa situação corroborou que

mediante a lógica condição suficiente e condição necessária, a soberania política por si só

não foi o suficiente, pois os seus líderes não tinham a condição necessária para

estabilização econômica na região que desencadearam os conflitos em algumas regiões

africanas, como Angola.

A luta pela soberania política em alguns estados africanos no período colonial se

desdobrou em quatro etapas e por vezes se interligavam (Mazrui, 2010). O primeiro

momento antecedeu a Segunda Guerra Mundial marcada pela agitação das elites africanas

por uma maior autonomia. As organizações das elites foram figuradas em associações

culturais e os grupos de interesses. Surgem nas colônias vários tipos de associações, tais

como: sindicato dos leiloeiros de Lagos, em 1932; associação dos pescadores de Lagos,

em 1937; associação dos motoristas de taxi, em 1938. Estas associações surgiam ou pela

etnia, ou pelo parentesco, quer da solidariedade existente no seio da urbanizada mão de

obra migrante, ou quer sob um sentimento de alienação ressentido pelos africanos no

sistema de exploração colonial.

Na África mulçumana as organizações culturais estavam ligadas à religião muito

mais que etnia. No estrangeiro formara-se também outras organizações culturais de

interesse da elite instruída entre africanos e afrodescendentes. As técnicas empregadas

contra o imperialismo durante esta fase tinham, essencialmente, um caráter não violento e

fundavam-se na agitação. Porém, houve exceções como à luta dos etiopeses contra a

ocupação italiana (Mazrui, 2010).

Surgiu em seguida um período caracterizado pela participação das massas africanas

na luta contra o fascismo e o nazismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, a África teve

que escolher entre o imperialismo liberal e burguês e um imperialismo situado sob o

símbolo de uma nova ameaça – o nazismo e o fascismo. Este dilema esteve mais presente

nas colônias francesas, uma vez que a França estava submetida à ocupação e dividida em

duas. Ainda no período da Segunda Guerra Mundial o continente africano foi amplamente

24 Os conflitos na África levaram a um impacto econômico, segundo mostra o relatório da ONG Oxfam, Iansã e Safewood onde US$

284,00 foi o custo para o desenvolvimento do continente causado pelos conflitos armados entre 1990 e 2005. A investigação mostrou

que essa soma foi aproximadamente ao valor de toda a ajuda financeira internacional recebida pela África no mesmo período (Africa’s

missing billions, IANSA, Oxfam, and Saferworld, October 2007)

Page 64: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

49

envolvido na guerra, através de suas metrópoles que fizeram surgir dúvidas se esta

participação era devido à colaboração com as potências colônias, ou, ao contrario, uma

fase particular na luta anticolonial na região. Para Mazrui:

“O engajamento não foi um processo de colaboração com o

imperialismo, mas uma luta contra a forma de hegemonia ainda

mais perigosa. Paradoxalmente, o engajamento da África na

guerra representou uma parte integrante da luta contra a

exploração estrangeira e a busca da dignidade humana.”

(2010:113)

Diante deste questionamento, era claro o favorecimento do continente africano às

metrópoles (em particular a Grã-Bretanha e a França) que os africanos já estavam

familiarizados, ao invés do domínio do nazismo e o fascismo. Especialmente da

Alemanha, onde os africanos já experimentaram a severidade alemã, antes do nazismo

(como os povos da Tanganyika e do Tongo). Os germânicos já eram considerados pelos

africanos como uma das potências imperialistas mais brutais que a África já conhecera.

Outro momento da luta da soberania política se deu após a Segunda Guerra Mundial

com a luta não violenta das massas por uma total independência. Fundado por Mahatma

Mohandas, Gandhi conduziu a primeira campanha de desobediência civil lançada na

África do Sul. Nos anos 1950, o Congresso Africano e o Congresso Sul-Africano Indiano

esforçaram-se para coordenar a luta dos africanos, dos indianos e dos mestiços em uma

campanha de massas contra a legislação relativa ao passe livre, o Group Areas Act, ato

jurisprudente organizador da segregação promotora da retribalização dos africanos. A

campanha foi bem sucedida com uma expressão da solidariedade entre vítimas das

opressões, porém, foi um fracasso ao que se refere o objetivo que lhe impunha a luta

contra os opressores (Mazrui,2010).

Keneth Kaunda, líder político em Zâmbia, insistia na necessidade de recorrer a

resistência passiva ou a desobediência civil. Ele buscava a soberania política de forma

não violenta “Eu rejeito categoricamente a violência sob todas as formas como solução

para os nossos problemas”(Kaunda apud Marzuri 2010: 143). A oposição africana a luta

armada também se manifestou na primeira Conferência dos Povos Africanos, em 1958

em Gana, onde a independência se tornara uma realidade.

Page 65: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

50

As estratégias gandhistas de libertação tiveram sua aplicação suspensa na África

nos fim dos anos 1950. Quando a Argélia se tornou independente em 1962 ficou muito

evidente que as colônias portuguesas e os territórios onde o poder estava nas mãos de

minorias brancas dificilmente seriam libertados de forma pacífica. Para os africanos,

métodos de desobediência civil de Gandhi não teriam possibilidade alguma de sucesso, e

sim, teriam como consequências repressões violentas como massacres de civis

desarmados, como ocorrera o massacre de Sahperville25

, em março de 1960.

Logo em seguida veio a era de libertação armada pelo reino político: a guerrilha

contra os governos de minoria branca, principalmente a partir dos anos 1960. As lutas

armadas nesse período eram consideradas as lutas armadas mais modernas e fortemente

internacionalizadas. Nas colônias portuguesas na África Austral e na Argélia foram

confrontos que tiveram a participação de países fora do continente africano. Esta

participação dava-se desde a ajuda financeira ao fornecimento de armas, incluindo o

envio de tropas. O exemplo foi a intervenção das tropas cubanas na luta em defesa da

soberania de Angola. Um dos maiores apoios externos para uma guerra de libertação

africana. A luta armada na África Austral foi o meio mais utilizado na conquista da

independência dos estados africanos e que deixou algumas metrópoles em situação difícil.

Entre eles, Portugal, que durante esse período teve sua imagem desgastada e levou ao

golpe de Estado em abril de 1974, seguido pelo outono do Império português. A luta

armada desdobrou-se na independência do Zimbabue, em 1980 e Namíbia, em 1990

(Mazrui, 2010).

Como referido anteriormente, a luta africana pelo reino político e suas fases para a

conquista da independência política era uma condição necessária, mas certamente não o

suficiente para a realização de uma África completa em suas ambições. Pelo contrário, a

situação em que ficaram alguns países elevou o continente a uma imagem pessimista

perante outros países e perpetua até os dias atuais para alguns países que fazem parte do

sistema internacional. Países economicamente arruinados como Gana, e outros

25 Ocorreu na cidade de Sharpeville, na província de Gauteng, África do Sul, um protesto realizado pelo Congresso Pan-Africano

contra a Lei do Passe que os limitavam onde eles podiam ir. Marchavam pacificamente e foram metralhados pela polícia onde

morreram 69 pessoas. Depois deste ocorrido a ONU focou a sua atenção pela primeira vez a questão do apartheid e implementou o Dia

Internacional Contra a Discriminação Racial.

Page 66: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

51

politicamente devastados como Uganda, são exemplos que confirmam a lógica de

condição necessária e condição suficiente.

3.2 - Renascimento da África no século XXI

No século XXI uma nova África esta a formar-se e pode ser constada essa nova fase

com a inserção internacional dos estados africanos e o crescente interesse de grandes

potências internacionais no continente neste século. A África está a buscar nos últimos

anos a superação do drama histórico de conflitos civis, o avanço gradual de

democratização dos regimes políticos e o controle dos conflitos armados. Vale salientar

também o favorável crescimento econômico que os Estados africanos estão a viver

associado a reformas macroeconômicas satisfatória com responsabilidade fiscal e

preocupação social (Saraiva, 2008). Esse novo quadro eleva a confiança dos investidores

nesta região.

Antigos poderes estão sendo superados, ou seja, uma democratização dos regimes

políticos ocorre em várias partes da África. Neste âmbito de cooperação identifica-se a

utilização da teoria construtivista para explicar certas questões na África, como foi

mencionado no primeiro capítulo, a teoria construtivista complementa a ação do soft

power no sentido de fazer indagações sobre as mudanças e examinar o contexto social.

Uma Análise construtivista de uma determinada região destaca características importantes

de identidade que influencia na natureza da cooperação tanto com os doadores como

também com os investidores, principalmente em setores econômicos onde identidades e

interesses são socialmente construídos ou já existentes, como exemplo a relação Brasil e

Angola (Herman, 2013).

África negra, considerada a região mais pobre do mundo, cresce desde 2003 5% e

6%26

anualmente. A globalização movimenta a economia de todo continente. Reformas

econômicas, redução da vulnerabilidade externa gerada por saldos exportadores e a

crescente atração de investimentos externos são fatos que sinalizam a sustentabilidade da

economia africana que chama atenção das agências internacionais como o FMI e o Banco

26 Segundo dados do Fundo Monetário Internacional, o PIB da região cresceu de 4% em 2003, para 5,7% em 2004, 5,6% em 2005,

4,8% em 2006 e 6% para 2011 e 2012. O crescimento da África foi no período mencionado, acima da América Latina e do

crescimento brasileiro. http://www.imf.org/external/pubs/ft/reo/reorepts.aspx?ddlYear=-1&ddlRegions=11

Page 67: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

52

Mundial. “A África vem sendo escolhida como parte das prioridades para novas áreas e

carteiras de empréstimos do Banco Mundial” (Saraiva, 2012). Para Sophie apud Taylor:

“Uma análise madura do lugar da África no mundo necessita

entender como as relações estado-sociedade, a sociedade dos

estados e do mundo não-estatal interagem com a política

econômica global e influencia nos negócios das pessoas e

comunidades da África Subsariana.”27

(9: 2013)

O crescente interesse da comunidade econômica internacional pelo continente

africano está levando algumas regiões em África a um momento de otimismo,

principalmente a África Subsaariana. Desenhos de uma África mais democrática eleva a

confiança dos mercados internacionais. Iniciativas políticas e culturais fazem ressurgir

uma nova África, totalmente diferente das nascentes independências em fins dos anos de

1950 e início da década de 1960, quando predominavam sentimentos rancorosos do

anticolonialismo, e muito menos do renascimento político dos anos de 1960 e 1970 que

foram momento das guerras civis. O renascimento do século XXI mostra uma África que

quer caminhar para frente e evidencia outra forma de renascer, mais eficaz que anterior,

mais pragmática, a fazer referência a outras formas de africanidade pelos discursos

políticos e com outras alusões culturais, políticas e sociais.

Observa-se que a cultura, a política e a economia começam a caminhar juntas e de

forma mais estruturada para os africanos do século XXI. Uma visão mais positiva é

comprovada com a presença de autoridades chinesas, norte-americanas, brasileiras,

agentes de empresas multinacionais e organizações não governamentais (ONG) em terras

africanas (Saraiva, 2008). Vale salientar que esta última, no que concerne às questões

humanitárias, está cada vez menos presente e o que observamos é a presença cada vez

mais de atores econômicos e estratégicos globais na região. Isso já demonstra que os

africanos não querem ser vistos apenas como uma fonte de imaginação política dos

outros, ou mesmo de seus descendentes nas Américas, ou apenas como um lugar sagrado

do passado, de dívidas históricas espalhadas por todo o mundo que leva a viver apenas de

doações pela compaixão (Saraiva, 2008).

27 Tradução livre.

Page 68: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

53

A nova visão que este continente está a conquistar é de senhora de recursos

minerais globais. A África é fonte de cobiça por 66% do diamante do mundo, 58% do

ouro, 45% do cobalto, 17% do manganês, 15% da bauxita, 15% do zinco e de 10% a 15%

do petróleo. São aproximadamente 30 os recursos minerais do mundo que a África detém.

Porém, até o momento só participa de 2% do comercio mundial e possui apenas 1% da

produção industrial global (Saraiva, 2012). Deste modo a África representa um panorama

atrativo para investimentos externos, bem como a sua reinserção na política internacional.

Com o mundo atento a África o preconceito e o pessimismo que relacionados com a

marginalização da região está a ser gradualmente superado com ajuda de relatórios e

publicações mais otimista acerca deste continente. “Mais do que nunca, os discursos de

marginalização da África é um discurso sem sentido.” (Taylor &Williams apud Saraiva

2012:62)

O resultado é a crescente internacionalização do continente africano. Porém, surge

uma preocupação de políticos e intelectuais africanos que estes novos mecanismos entre

as elites locais e internacionais não tragam a autonomia decisória, nem o

desenvolvimento sustentável ao continente, com o receio de uma nova partilha da África.

Nas palavras de Saraiva:

“Se os investimentos externos diretos crescem de forma

consistente, oriundos tanto das grandes empresas financeiras

quanto das produtivas, é também verdade que estes investimentos

estão dirigidos por certa lógica de ocupação territorial e

estratégica da África por grandes potências, instituições

multilaterais e influentes grupos econômicos globais ancorados

em bases estatais.” (2012:65)

Ali Mazrui, um dos mais influentes polítologos africanos, chamou atenção durante

uma conferência internacional que a África está em busca da sua própria doutrina

Monroe: África para os africanos. A redução dos conflitos armados internos ou que

envolvem relações internacionais em África não pode ter apenas soluções “exógenas”,

pois o principal é a solução doméstica que vem a ser conduzida entre o povo e elites

locais. Mazrui alerta (2002: xi): “A busca da paz dos africanos pelos próprios africanos,

não é apenas uma extensão da paz internacional, mais é um processo de Pax Africana28

.”

28 Tradução livre.

Page 69: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

54

Diante desta preocupação, os africanos estão a construir uma autonomia mais

decisória, buscam soluções nacionais para os seus desafios na área social e da cidadania e

procuram canalizar suas energias em projetos mais produtivos para elevar o seu

desenvolvimento. Uma das ações dessa vontade política foi o fim dos conflitos existentes

internamente, além de engajar-se em programas voltadas para metas do milênio, como

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e assim modificar os

indicadores sociais. Não podemos deixar de mencionar o desenvolvimento de parcerias

internacionais, só que dessa vez horizontalmente e não mais verticalmente com os velhos

e novos parceiros como, por exemplo, a Cooperação Sul-Sul.

Uma ação também muito importante nessa busca de autonomia perante outras

potências foi a criação da NEPAD em 2001. O desejo de alcançar a capacidade de

construção do futuro, as lideranças africanas estão atrair para si a responsabilidade de

superação da marginalização que lhe foi imposta na década de 1990. Como lição

aprendida, a luta por um lugar mais altivo, menos subsidiário na altura de globalização

assimétrica atual representa o quadro estratégico da NEPAD (Saraiva, 2012).

A NEPAD é um programa da União Africana adotado em 2001com propostas de

melhorias locais vista com seriedade pelos africanos com o objetivo de reverter à situação

de pobreza, capacitar às mulheres e elevar os países africanos, tanto individualmente

quanto coletivamente, no caminho do crescimento e desenvolvimento sustentáveis e

acabar com a marginalização da África.

Erradicar a pobreza na África e colocar os países africanos,

individual e coletivamente, na via do crescimento e

desenvolvimento sustentáveis e estancar, desta forma, a

marginalização de que a África é o objeto no processo de

globalização. (NEPAD, documento oficial, 2001 parágrafo 67)

A iniciativa de criar um programa como este demonstra a retomada da confiança e

reconstrução da identidade do continente. Com metas similares aos Objetivos do Milênio

proposto pelas Nações Unidas e outras bem mais ambiciosas, como atingir o Produto

Interno Bruto (PIB) médio dos países em 7% a.a nos quinze anos seguintes a elaboração

dos documentos (Gilley,2010). Instituições financeiras avaliam como plano de

Page 70: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

55

desenvolvimento, um mecanismo que trabalha para melhorar os esforços para o

desenvolvimento da região africana.

A NEPAD retrata o desejo do continente africano em ter um lugar mais altivo,

menos subsidiário na globalização assimétrica atual, uma ação estratégia. Tendo a

democracia como seu eixo transversal ela teria o objetivo, no campo da cidadania e da

tranquilidade social, de ser o instrumento para consolidar a democracia e de engendrar a

adequada gestão econômica no continente. Lideranças africanas estariam engajadas no

envolvimento social, ou seja, na inclusão do povo no processo. Além disto, a ideia do

envolvimento da sociedade civil representa o ponto alto na formulação da NEPAD. A

vontade política dos líderes deve corresponder à exortação das sociedades africanas nas

suas adversidades, como retratado no parágrafo 55 do texto oficial de 2001, no sentido de

que se mobilizem para pôr fim à marginalização internacional (Saraiva, 2012).

A sua formação teve contribuições de projetos anteriores, como Renascimento

Africano em 1990, o Plano Omega, do Senegal, a Parceria do Milênio para o Programa de

Recuperação da África, da África do Sul, e da fusão de ambos na Nova Iniciativa

Africana, bem como nas incursões da Comissão Econômica para a África. Todas estas

reformatações partilharam uma característica comum: eram voltadas para a construção de

uma nova política de desenvolvimento para a África. Entretanto, desde a sua criação, a

NEPAD vem construindo o seu próprio caminho, mesmo sendo alvo de muitas críticas.

As últimas tiveram a ver com o fato de grande parte das metas estabelecidas pela NEPAD

ainda não terem sido alcançadas. Para Gilley (2010) esta iniciativa não conseguiu vencer

a corrupção, nem o surgimento de governos que buscam perpetuar-se no poder, tornando-

se quase numa ditadura. No campo econômico esperava-se uma sinergia, um

cometimento maior dos países desenvolvidos.

Saraiva (2012) defende esta ausência de sucesso a alguns aspectos, dentre eles o

surgimento da NEPAD no mundo pós-11 de setembro, momento em que o ambiente

internacional estava voltado ao combate do terrorismo internacional. Este foi o momento

em que houve menor permissibilidade aos projetos da NEPAD. Contudo, o Brasil não

passou despercebido nesta discussão e demonstrou o seu interesse durante Assembleia

Geral das Organizações das Nações Unidas, como algo positivo esta iniciativa Africana:

Page 71: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

56

“A NEPAD é uma das razões para o otimismo. Ela significa o

reconhecimento de que a África, ela mesma possui a chave para o

seu próprio desenvolvimento. É uma iniciativa que nasce na

África baseada no profundo conhecimento das realidades diárias

do continente. E inclui reforço mútuo na direção da criação de um

ciclo virtuoso de inclusão social, desenvolvimento e paz”.

(Amorim apud Saraiva 2012:90)

3.3 - Os desafios da nova África e os interesses internacionais

O surgimento e a extensão de desafios ainda persistentes em África muitas vezes

não acompanham a rapidez da sua integração na comunidade internacional no que se

refere às soluções para estes desafios. Segundo Saraiva (2012), quatro são os desafios que

a África ainda irá vagar nos próximos anos. O primeiro deles é o que concerne à baixa

alternância do poder no continente, ou seja, perpetuação de governantes. Esta situação

persiste no continente, porém ganha uma nova proporção na passagem da primeira para a

segunda década do século XXI. Isto acontece até mesmo em países politicamente

estáveis, como Angola que está em processo de crescimento notável. Outro caso é Gabão,

um dos países mais prósperos em recursos naturais da África Subsariana, é comandado

por um governante envelhecido, sem criatividade e visão política necessária para o

desenvolvimento do País. Esta situação deixa de lado reformas democratizantes, mesmo

com a presença de elites no País que estão ligadas ao mundo contemporâneo e almejam

permanecer no próprio País e contribuir para o seu desenvolvimento (Saraiva, 2012).

O segundo desafio está atrelado à formação de novas elites políticas que lutavam

pelo controle do Estado e de setores médios das populações urbanas das grandes

metrópoles do continente que se vinculam ao tema do narcotráfico internacional. É um

problema relativamente novo, com raízes nos recursos utilizados na guerra em África,

bem como nas guerras pelos diamantes, como vivenciada em Angola. Esta situação

evidencia o problema das conexões transnacionais características da era global e as novas

formas de organização e violência que corresponde a um composto de guerra praticado ou

pelos estados ou por grupos políticos, de crime organizado e de violações aos direitos

humanos. O surgimento de novas guerras com caráter essencialmente político, onde a

globalização é um contexto fundamental para se compreender a manifestação dos novos

tipos de organização da violência, tem como consequência o impacto da intensificação

Page 72: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

57

das interconexões globais. Nesse sentido ocorre a uma privatização da violência levando

a uma desintegração do Estado, a perda da sua legitimidade, a redução de recursos e

fragmentação militar (Kaldor,1998).

As políticas públicas são o terceiro desafio que o continente enfrenta para manter e

ampliar o ganho econômico dos últimos anos em um momento em que há o maior

crescimento econômico global de sua historia. “A África necessita de uma elite africana

mais comprometida com autonomia decisória e de boa integração do continente aos

processos econômicos globais.” (Saraiva 2012:82). Apesar da África, segundo a

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ter passado a

receber mais recursos advindos de investimentos do que de ajuda internacional, essa

equação poderá se inverter se não houver responsabilidade dos seus governantes em

administrar esses recursos. Controle da inflação e responsabilidade fiscal, como já foi

mencionado antes, foram movimentos importantes de normalização por governos

responsáveis no final da década de 1990. Pode-se dizer que: se houver uma regressão

nessa área, o crescimento da dívida externa seria arrasador para os avanços já

conquistados pelo continente africano.

Quarto e último desafio que pode ser enfrentado pelo continente nos próximos anos

está relacionado com as novas dificuldades que chegam mediante ao novo cenário

internacional que os estados africanos estão a viver, daí fraquejar mediante aos desafios e

recorrer ao velho discurso de vítimas que perdurou por muitos anos (Saraiva,2012).

Discurso que não mais condiz para os africanos que constroem no dia a dia o seu futuro.

Como já mencionado, cada vez mais a África recebe menos ajuda humanitária, como as

que foram recebidas pelo continente na década de 1990, mas que só trouxe resultados

práticos reduzidos para as populações e que no final das contas só reforçavam os

esquemas de poder das elites perversas. Uma falsa piedade que contribuía para aumentar

as diferenças sociais, econômicas e políticas.

“O desafio psicológico e social é portanto, o do principio clássico

do ensinamento do pescar, e não comer o peixe pescado por

outros. Se pela primeira vez na história o continente recebe mais

investimentos que ajuda, e avançou tão bem, o modelo que deve

dirigir a relação da África com o mundo é o modelo do

investimento, não o da esmola.” (Saraiva, 2012:83)

Page 73: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

58

O apelo para mais investimentos econômicos e menos ajuda humanitária,

corresponde ao crescente interesse da comunidade internacional em investir em negócios

no continente africano, especialmente na África Subsaariana. E o que chama mais ainda

atenção em relação a estes investimentos é a forte presença dos países emergentes29

na

região. Esse novo grupo de atores econômicos tem se mostrado fundamental para o

processo de transformação econômica do continente, que está a resultar em parcerias mais

diversificadas e com orientação frequentemente comercial (World Bank, 2011). Além

disso, os países africanos têm-se beneficiado no campo do comércio, da saúde, da

educação e de transferências financeiras adicionais. A relação de parceria com estes

países emergentes está a diversificar as condições e os termos do desenvolvimento

econômico que está a refletir na normalização das relações pós-coloniais do continente.

Em contrapeso com os parceiros tradicionais, as chamadas “potências emergentes”

estão mais habituadas aos desafios no que concerne ao desenvolvimento que o continente

africano enfrenta. Esses países emergentes, bem como alguns estados africanos, fazem

parte da cooperação sul-sul. Cooperação que está associada ao conceito de não

exclusividade e a relação win-win, adota uma abordagem holística, no qual o comercio e

os investimentos são concebidos como meios legítimos e eficientes de alcançar um maior

desenvolvimento para ambas as partes (Haibin, 2010). Diante deste conceito, os países

africanos procuram compartilhar estratégias de boas práticas e soluções baseadas nas

próprias experiências dos países emergentes. Essa relação proporcionou para África uma

nova gama de produtos, bens de capital, comércio e tecnologia. Tecnologias elaboradas

em países recentemente industrializados, especialmente naqueles que oferecem tecnologia

tropical, ou seja, adaptáveis às circunstancias africanas, principalmente os países da

África Atlântica.

Os parceiros tradicionais ainda têm um maior peso, eles representam 80% dos

fluxos dos investimentos estrangeiros diretos em África (Saraiva, 2012). Todavia, sua

importância tem diminuído em comparação aos investimentos dos países emergentes e

um dos fatores é que os emergentes não têm somente como meta os investimentos

estrangeiros, mas sim, eles procuram ampliar parcerias com o continente africano em

diversos setores como veremos mais adiante. Dessa forma os auxiliam a mudar a direção,

29 Países considerados de economias emergentes no contexto global. Suas relações econômicas com a África foram marginais até a última década, mas que atualmente estão em expansão com a África.

Page 74: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

59

ou seja, a não olhar mais para o passado a procura de culpados, mas sim caminhar

adiante. O renascimento do século XXI é mais altruísta, evidencia outra forma de

renascer, mais pragmática, bem como novos consensos, com outras referências culturais,

políticas e sociais, diferentes do que se pregava na primeira geração das independências

do século XX, onde muitos estados africanos mergulharam em longos anos de guerras

civis.

Entre os emergentes que têm uma forte presença em África, está a China, cujo

comercio exterior mais que triplicou durante o período de 2000 a 2009, passando de 5%

para 16% e ultrapassando no ano de 2009 os Estados Unidos. Em comparação com as

economias emergentes a China representa 38% do comercio exterior africano, seguido

pela Índia (14,1%), Coreia do Sul (7,2%) e pelo Brasil (7,1%).30

Com esses dados

podemos perceber a presença dos países emergentes, como China, Índia e Brasil que

fazem parte dos BRICS (além da Rússia e África do Sul), em África, já referido no

capítulo anterior. Eles estão a atuar estrategicamente neste continente elevando o

otimismo que a África está a viver, bem como, proporcionando a popularidade dos países

emergentes e seu crescimento econômico.

Cada país tem suas próprias diretrizes políticas no continente africano e por sua vez

os países africanos possuem especificidades e preferências em relação aos novos aliados.

Neste capítulo destacaremos um dos integrantes do BRICS, a China. Um país distintos

com forte presença em África imbuídos pelo mesmo sentimento de levar a sua influência

aos países africanos, através de uma atração ao invés de coerção ou pagamentos, como

defende a abordagem analítica do soft power. A China é considerada um país emergente

que também partilha o objetivo do desenvolvimento econômico, da projeção internacional

e expansão do acesso aos recursos naturais. O continente africano exerce um papel

relevante nestas questões.

Habilidade na elaboração estratégica em relação à África fica patente na política da

China, nos finais da década de 1980 e inicio da década 1990. Isolada pelos países

ocidentais devido ao regime político de Pequim, China começa a promover a conexão

África-China. Segundo Saraiva: “... tem todas as condições de ser a mais duradoura sobre

todos os demais intentos de qualquer unidade estatal, mesmo dos Estados Unidos, de

30 AFDB/OECD/UNDP/UNECA. 2011. Africa Economic Outlook 2011: Africa and its emerging partners. OECD Publishing.

Page 75: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

60

estabelecer bases de cooperação ativa com o renascimento africano” (2012:63). Desde

então, as relações sino-africanas estão constantemente intensificadas de maneira

significativa por ambas às partes. A China tem como estratégia a exportação para a África

do modelo político e econômico chinês com implicações para temas da agenda

internacional, apresentando-se como um representante natural dos países em

desenvolvimento. A exportação de bens industriais, armas e importação de produtos

primários, exploração das fontes de recursos minerais estratégicos e de energia garantem

a sustentabilidade do crescimento chinês.

A China por sua vez realiza investimentos, empréstimos e doações e contribui para

a cooperação técnica e tecnológica, além da influência política sobre as elites africanas.

No novo momento que a África está a viver a presença da China é um fator relevante. A

sua atuação está direcionada para negócios em diversas áreas econômicas estratégicas, e

não está voltada somente para comercialização de commodities, a exemplo dos setores de

comunicações, indústria farmacêutica, infraestrutura pública. Um exemplo específico é a

cooperação entre China e Angola na área da saúde que vai ser abordado no próximo

capítulo.

A presença da China em África é alvo de visões diferenciadas por estudiosos da

área das Relações Internacionais. A Deborah Brautigan vê este contexto de forma positiva

onde há uma compatibilidade de interesses. Segundo autora:

“Assim, o governo chinês vem usando seu extraordinário amplo

poder mais diretamente ao lidar com os líderes dos governos

africanos e oferecendo-lhes muitos incentivos tais como

empréstimos para o governo, muitas vezes, com taxas de juros

muito baixas, ou permitindo isenção de impostos de produtos

africanos na China com todas as outras atrações e concessões.”31

(2009:68)

No entanto, para Brautigan a China não veio assumir a África, mas sim criar

oportunidades para o sucesso das suas empresas estatais. Esta abordagem representa uma

estratégia política chinesa para salvar as empresas falidas, já que há um número elevado

de empresas estatais no continente que fazem parte do grupo de organizações que se

encontram obsoletas na China. Do lado africano a referida abordagem chinesa vai ao

encontro da aspiração em garantir novos investimentos necessários em setores

31 Tradução livre.

Page 76: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

61

econômicos importantes (Brautigan, 2009). Por base, a estratégia da China é estabelecer

parcerias com empresas africanas para recuperar as empresas chinesas numa região onde

tudo praticamente está para ser construído, onde os projetos desde a reconstrução das

cidades até os de infraestrutura possam ser financiados pelo Partido Comunista da

Republica Popular da China através das empresas estatais.

Outra corrente que circula nos debates acadêmicos sobre a presença da China na

África levanta questão de uma nova forma de exploração e colonialismo. Para esta

corrente os chineses desejam apenas extrair a maior quantidade possível de petróleo e

outros recursos naturais africanos. Para Saraiva (2012), a presença da China em África é

esquematicamente apresentada em torno dos seguintes pontos: exportação para África do

modelo Chinês de tratamento dos temas da agenda internacional, apresentando-se como

um representante natural dos países em desenvolvimento; exportação de bens industriais e

armas; e importação de produtos primários, mas também exploração de todas as fontes

possíveis e necessárias de recursos minerais, estratégia energética para garantir a

sustentabilidade do crescimento econômico chinês.

Pequim fornece suporte financeiro e político a países como o Sudão32

, uma

republica autoritária, dificultando os esforços da comunidade internacional em promover

a democracia na região. Em seis meses Pequim adquiriu petroleiras na Nigéria, Gabão e

Camarões, ações levadas pelo déficit energético da China. As empresas chinesas são

constantemente acusadas de serem negligentes com a proteção do meio ambiente e de

competirem injustamente no mercado (Huse e Muyakwa, 2010). Pequim é caracterizado

como desumano com os trabalhadores com o objetivo de obter baixos custos de produção,

com exploração da mão de obra tanto dentro da própria China, como também nos países

africanos.

As referidas ações políticas de Pequim são consideradas duvidosas, sendo assim

alvos de críticas. Ultimamente, a posição assumida pela China não se enquadra na ação

no sentido do soft power. Sindicatos em alguns países africanos, exemplo da Zâmbia

exportadora de cobre e outros metais, estão a relatar das dificuldades em conviver com os

imigrantes chineses, o que ocasiona tensões sociais e impulsiona a insatisfação de uma

parte da população do país com os chineses. Outro problema é a concorrência em postos

32 Pequim apresentou um projeto para construir um oleoduto no Quênia, que permitirá extrair o petróleo do Sudão.

Page 77: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

62

de trabalhos e especialmente a dificuldade de negociar com os empregadores chineses por

melhores condições de trabalho e salário (Alden, 2008). O comportamento da China no

caso de Zâmbia não difere de outros países africanos onde eles também estão presentes na

região e que não há um ganho mútuo, ou seja, é um crescimento assimétrico. Segundo

representante da união comercial de Zâmbia:

“Nós temos problemas trabalhando com os chineses. Eles pagam

baixos salários; eles desencorajam atividades sindicais e dizem

que as nossas demandas vão além do que foi acordado entre os

dois presidentes (China e Zâmbia). Quando nós reclamamos, eles

dizem: “vão e perguntem ao seu presidente o que nós

combinamos!” Como nós podemos lidar com esta situação? Nós

não sabemos o que foi combinado entre o nosso presidente e o

presidente chinês. Nós precisamos de ajuda”. (Huse e

Muyakwa,2010:46)

3.3.1 As relações políticas do Brasil e África na era Lula da Silva

Em termos históricos, a África, principalmente os países da região atlântica, teve

uma grande influência na formação da sociedade e da economia do Brasil. Os escravos

provenientes da África foram importantes na organização social da colônia portuguesa

nos trópicos americanos e das bases sociais desiguais na organização do império do

século XIX. Os laços entre Brasil e África desenvolveram-se no contexto da economia do

tráfico de pessoas, mas também incluíram outras dimensões com aspectos importantes

para a evolução da cultura afro-brasileira. Em termos de intensidade de interação destaca-

se pelo distanciamento entre as partes o período do fim do século XIX e a primeira

metade do século XX. Durante este período, a África lidava com a colonização das

metrópoles europeias, enquanto o Brasil voltava-se para seus projetos domésticos.

Já na segunda metade do século XX e início do XXI, a relação Brasil e África

migrou para geopolítica e, logo em seguida, para o atlantismo sul-sul da diplomacia e do

comércio entre as duas regiões. O atlantismo sul-sul é estratégico para política externa do

Brasil, tanto para uma atuação social quanto cooperativa (Saraiva, 2012). Percebe-se na

prática que essas relações e aspirações de autonomia animam os movimentos da

diplomacia, e também de empresários, além das sociedades civis que estão a organizar-se

no próprio continente africano, após períodos de conflitos civis.

Page 78: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

63

Para Saraiva: “O Brasil parece necessitar da África na mesma proporção que os

africanos admiram as relações atlânticas com o lado de cá” (2012:17). A África foi se

incluindo lentamente como um ponto de manobra para interesses de inserção

internacional do Brasil e sua afirmação no pós-guerra. A relação Brasil e África fez brotar

uma noção de responsabilidade no atlântico sul, o que conduziria a conceitos de paz e

cooperação, que foram consolidados como iniciativa política nos anos 1980, com

aprovação na ONU da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPACAS).

Na perspectiva histórica, a parceria do Brasil com o continente africano teve um

ponto de partida importante, nomeadamente o reencontro com África no início da década

de 1960. Nessa altura, o presidente Jânio Quadros (1961) restaurou ideias magistrais do

segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954) acerca da dimensão estratégica do

relacionamento com a África. Jânio Quadros inseriu a dimensão africana da política

externa brasileira, estabelecendo assim a aproximação atlântica. Os resultados foram

evidenciados quando a reciprocidade africana levou Gana e Senegal a abrir embaixadas

no Brasil em 1962. Brotava-se um núcleo de diplomatas africanos no país, o primeiro da

América Latina. Os diplomatas brasileiros referiam-se a estes acontecimentos com base

na afinidade que o Brasil tinha com o continente africano.

Os objetivos diplomáticos do Brasil foram, principalmente, os de projetar a imagem

de um poder tropical e industrial, de um país que um dia foi colônia, e de convencer os

estados africanos de que as relações históricas do Brasil com Portugal, última metrópole

colonial na África, não inibiriam o desenvolvimento de relações com os países dessa

região. No plano bilateral, esses objetivos organizaram-se em torno de quatro eixos: a

assinatura de tratados de cooperação comercial e técnica, o aumento de rotas de comercio

no atlântico e a abertura de investimento para projetos de desenvolvimento e retomada do

discurso culturalista do início dos anos 1960.

Durante as décadas de 1970 e 1980, as relações econômicas do Brasil com a África

haviam sido insignificantes, quando comparadas com o intercâmbio brasileiro em outras

dimensões. No inicio da década de 1970 a África representava apenas 2% dos

intercâmbios comerciais brasileiros. Já na década de 1980, esse percentual chegou a 10%

da balança comercial do país e era superior ao comercio total com os vizinhos da América

do Sul (Saraiva, 2012). Foi um momento em que a economia brasileira estava voltada

Page 79: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

64

para exportação, estava a buscar diversificar parceiros no comércio internacional a fim de

assegurar mercados consumidores devido ao fato de encontrar em alguns países barreiras

protecionistas impostas pelos países desenvolvidos.

Na década de 1980, a importância econômica do continente africano ficou mais

evidente para as companhias exportadoras brasileiras. Foi uma oportunidade que o Brasil

teve de se reinserir comercialmente no então chamado “Terceiro Mundo”. A diplomacia

brasileira, as agências do governo e as empresas estatais e privadas estiveram envolvidas

nesse projeto comercial nas duas décadas referidas. A articulação dos diversos setores da

economia brasileira, conforme mencionado, resultou no estabelecimento de acordos

bilaterais de comércio e instalação das primeiras companhias brasileiras em África. Os

países da África atlântica estavam a procurar uma parceria comercial com um país que

oferecesse tecnologia tropical adaptada às circunstâncias africanas. Por outro lado a

expansão do petróleo que alguns países africanos estavam a viver era conveniente ao

Brasil devido à relevância do petróleo e aos mercados de consumo.

Na última década do século XX esta parceria perdeu força e mergulhou em um

declínio. Deixou o contexto atlântico com uma visão desinteressada. Para o contínuo

investimento, agora faltavam interesses pontuais brasileiros em África devido à baixa

prioridade da política africana no Itamaraty. Os percentuais da participação dos africanos

na balança comercial do Brasil retornaram aos números anteriores à década de 1960. Foi

nítido o declínio nas relações do Brasil-África durante a década de 1990.

Para especialistas no continente africano, como Saraiva, foram algumas razões que

justificaram esse declínio. Uma delas foi a marginalização da África no sistema

internacional. O fato do continente africano ter sido reprimido por difíceis transições para

a vida democrática e ter sofrido um descrédito dos centros de decisões econômicas,

resultou na diminuição de diálogos da África com o mundo. O continente Africano estava

imerso num profunda crise mesmo depois de quatro décadas do início das

independências. Por outro lado, foi um período que o Brasil teve em sua agenda outras

prioridades, deixando adormecer a participação no desenvolvimento africano e deixando-

se dominar pelo negativismo que a África estava a ser vista pela comunidade

internacional (Saraiva, 2012). Esta visão impossibilitava um diálogo produtivo com um

Page 80: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

65

continente cada vez mais pobre e limitado em termos de participações nas decisões

internacionais.

Já o governo de Lula da Silva fez resurgir, com bases mais sólidas e permanentes, a

política africana do Brasil. Durante o seu governo o Brasil voltou a desempenhar um

papel político, econômico e cultural em África, e esta atuação foi reconhecida por órgãos

internacionais como o FMI e o Banco Mundial, além de relatórios chineses

encomendados pelo presidente da China. Estudos que provam o rompimento do silêncio

do Brasil com a África (World Bank, 2011).

Lula da Silva reiniciou um círculo virtuoso de cooperação e projetos direcionados

para este continente, a provar que o Brasil de Luis Inácio Lula da Silva quis investir e

fazer parte do renascimento africano no século XXI. Assim sendo, expôs uma nova

vontade política de reverter o quadro de inconstâncias dos anos 1990. Ele deixou claro

esse posicionamento em seu primeiro discurso como presidente: “Reafirmamos os laços

profundos que nos unem a todo o continente africano e a nossa disposição de contribuir

ativamente para que ele desenvolva as suas enormes potencialidades” (01/01/2003 –

Discurso de posse de Luis Inácio Lula da Silva).

Logo em seguida, em novembro do mesmo ano, Lula da Silva fez a sua primeira

viagem a África Subsaariana: Angola, Moçambique, África do Sul, Namíbia e São Tomé

e Príncipe, e no ano seguinte retornou a São Tomé e Príncipe, Gabão e Cabo Verde.

Durante os seus oito anos de governo, Lula da Silva realizou doze missões para África,

conforme tabela abaixo, e durante essas missões se fez acompanhar por ampla caravana

ministerial, empresariais e também acadêmicos. Atitude que evidencia a nova fase da

política externa brasileira em relação à África, para Saraiva (2012) um ciclo virtuoso nas

nossas relações com os países ribeirinhos do Atlântico Sul.

Page 81: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

66

Tabela 4 - Países africanos visitados pelos presidentes brasileiros de 2000-2010

Ano

2000 Moçambique

2001 Nenhum

2002 Nenhum

2003 São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Egito e Líbia

2004 São Tomé e Príncipe, Gabão e Cabo Verde

2005 Camarões, Gana, Nigéria, Guiné-Bissau e Senegal

2006 Argélia, Benin, Botswana, África do Sul e Nigéria

2007 Burkina Faso, Congo, África do Sul e Angola

2008 Gana e Moçambique

2009 Libia

2010 Cabo Verde, Guiné Equatorial, Quênia, Tanzânia, Zâmbia, África do Sul e Moçambique

Países

Fonte: Preparado pela IPEA baseada nas informações da MFA.

Além do presidente do Brasil, o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim

realizou 67 visitas oficiais para os 34 países africanos, e Samuel Pinheiro priorizou a

África ao preparar diplomatas brasileiros. Como já mencionado, esta postura justificou a

abertura de novas embaixadas no Continente. Líderes dos estados africanos, bem como os

ministros, foram recíprocos às visitas de Lula da Silva. Esta troca de visitas foi cultivada

durante o governo do Presidente. Em 2010, já no final do seu mandato foram realizadas

15 visitas ao Brasil de ministros africanos, um acréscimo de 30% em relação a 2009

(Saraiva, 2012).

O Brasil de volta a África foi evidenciado no século XXI com o aumento de

números de embaixada que passou de 17 no início do século XXI para 37 embaixadas em

missões permanentes na região até 2011. Isso demonstra os vínculos, de solidariedade e

interesses do Itamaraty, das empresas e das sociedades civis que corroboram para um

novo quadro histórico das relações atlânticas. Em resposta ao esforço do Brasil,

atualmente em Brasília há 34 embaixadas e missões diplomáticas africanas, que para

Saraiva representa uma “Comunidade de causar inveja aos grandes polos de poder

global.” (2012: 13)

O presidente do Brasil também negociou o débito de muitos países africanos. Essa

negociação financeira ultrapassou a $1 bilhão de dólares que representou 75% do total da

dívida renegociada pela administração de Lula da Silva (IPEA 2010ª). Ações estratégicas

que firmaram a ideia de parceria para o desenvolvimento e superação de assimetrias

Page 82: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

67

sociais e econômicas entre um país e um continente. Estas estratégias assentavam-se em

novas bases. Em primeiro plano uma estratégia concertadas em interesses nacionais e

seus protagonistas, especialmente empresários da expansão do capitalismo brasileiro e

dos agentes da diplomacia no continente africano. Outro ponto político marcante no

ressurgimento dessa política foi a realização, em Fortaleza, do Fórum Brasil-África:

Política, cooperação e comércio, em fins de maio de 2003 que proveu de acabamento

estratégico (Saraiva, 2012).

Lula da Silva priorizou em seu governo iniciativas de cooperação, fóruns e reuniões

ministeriais com países em desenvolvimentos especialmente com estados africanos,

dentre eles a CPLP, além de participar como convidado em reuniões da União Africana.

Estas ações estratégicas proporcionaram ao Brasil o compartilhar das preocupações

comuns com os parceiros africanos.

Tabela 5 – Participações em fóruns

Evento Data Local

I Fórumde Dialogo do IBAS (India-Brasil e Africa

do Sul 5–6/Jun/2003 Brasilia

IV Fórum de Diálogodo IBAS (India-Brasil e Africa

do Sul) 28/mar/06 Rio de Janeiro

VII Fórum de Diálogodo IBAS (India-Brasil e

Africa do Sul) 31/Aug/09 Brasília

III Nações Unidas para Aliança das Civilizações 27–29/May/2010 Rio de Janeiro

Reunião Ministerial do Sistema Geral de Comércio

Preferências (SGPC) 16/Dec/10 Foz do Iguaçu

FONTE:Ministerio das Relações Internacionais preparado pela IPEA

A política doméstica do presidente Lula da Silva despertou o interesse de alguns

líderes africanos. As estratégias desenvolvidas pelo governo brasileiro na área social, tais

como redução da miséria (Programa Fome Zero) e maior número de crianças na escola

(Bolsa Família) serviram de exemplo e admiração para países como Gana, o primeiro a

solicitar formalmente ao Brasil para dar suporte nos programas sociais similares que o

país estava a implantar. Em julho de 2009, o presidente do Brasil foi convidado XIII

Cimeira da União Africana, realizada em Sirte, Líbia, em reconhecimento ao empenho do

presidente brasileiro e o sério compromisso do Brasil em relação à África. O que

podemos observar que este interesse é um exemplo típico do soft power, o Brasil tem

valores que outros países querem seguir, o presidente Lula da Silva na sua atuação

Page 83: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

68

doméstica representava um atrativo de personalidade e de valores e como resultado atraia

seguidores.

O presidente Lula da Silva não apenas criou fortes laços com os estados africanos,

mas também com organizações regionais tais como as comissões econômicas regionais da

África e a União Africana e dessa forma aprofundar a coordenação de projetos. Esta

sinergia é o resultado das inovações conceituais e práticas de cooperações e negócios.

Para Saraiva (2012), uma dessas inovações está atrelada à revisão do discurso culturalista

de antes. Lula da Silva e a diplomacia brasileira inovaram esta relação, ou seja, encerrou-

se em parte o discurso culturalista que havia permeado historicamente as inflexões do

Brasil em África. E substitui esse discurso por outro: o da dívida histórica do Brasil em

relação à África. A segunda dimensão conceitual foi a renovada atuação política para a

África que se fez mais pública e legitimada por consenso social e político na sociedade

brasileira através de instituições como o parlamento, universidades, grupos afro-

brasileiros e empresas.

O governo do Presidente Lula da Silva dentro do plano da política internacional

trabalhou com a África em favor de mais arranjos Sul-Sul e a construção de uma

plataforma comum de interesses, objetivando ser o porta voz de demandas africanas no

sistema internacional. No plano bilateral, a investida de projetos cooperativos Sul-Sul,

que envolveram investimentos diretos de empresas brasileiras operando nos países

africanos. Durante o mandato do presidente Lula da Silva, como define o conceito soft

power, ele buscou expandir a sua influência com a utilização de recursos que o levou a ter

um papel de destaque junto a parceiros africanos, a presença de valores que criaram uma

coesão entre si, e assim alcançar suas próprias metas e conseguir que o outro faça sem

precisar coagi-lo ou suborná-lo. Para alguns países africanos, especialmente da África

Subsaariana, as lideranças do Brasil desenvolveram projetos de importância crítica para

os países africanos, como por exemplo:

Programas inovadores de proteção social que ajudaram 20 milhões de pessoas a

saírem da pobreza extrema em menos de uma década;

Projetos no âmbito de medicina tropical, onde o Brasil é reconhecido como líder

mundial;

Page 84: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

69

Projetos que envolvem tecnologia brasileira, facilmente adaptável em partes da

África que compartilha de condições climáticas e geológicas similares a do Brasil;

Projetos no âmbito da formação profissional, proteção social e energia.

Durante o governo de Lula da Silva foi também crescente o interesses dos países

africanos em criar parcerias em outras áreas que o Brasil era especialista, tais como

desenvolvimento da capacidade do funcionalismo público, liderança e planejamento

estratégico, desenvolvimento e gestão dos mercados de seguros, bem como o

desenvolvimento em áreas como ensino superior e desporte. Os esforços brasileiros foram

recebidos muito positivamente em África. Este fato está bem retratado na declaração do

Ministro da Agricultura de Ghana, Kwasi Ahowi:

“Brasil está oferecendo uma direção e esperança para África. O

país conseguiu através da implementação de políticas e programas

estratégicos atingir o desafio de melhorar a qualidade de vida dos

cidadãos. Estes programas podem ser adaptados para a África.”

(ABC 2010)

Nesse âmbito de atuação é mais evidente a nova política africana implantada por

Lula da Silva. Ele demonstrou coragem em romper com o assistencialismo internacional,

através de diferentes formas existentes de cooperação que foram desenvolvidas entre

Brasil e África. Observa-se também uma dimensão cidadã e de reconhecimento na nova

política externa brasileira, que engloba na sua dimensão africana como a Fiocruz33

,

fundação que tem como finalidade articular, acompanhar e avaliar os programas de

cooperação na área da saúde desenvolvida pelas unidades da Fiocruz com os países

africanos, a experiência tropical do Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas

Empresas (SEBRAE), através de orientações para empreendimentos das pequenas e

médias empresas em África, e também a expertise da EMBRAPA34

.

33 Os principais serviços da FIOCRUZ em Africa são: Cursos de pós-graduação em diferentes áreas; capacitações em serviço; ensino a

distância e formação politécnica; implantação e reformulação dos institutos nacionais de saúde dos países da CPLP; transferência de

tecnologia para a área de produção e apoio diferenciado para o fortalecimento dos sistemas de saúde dos países da CPLP. 34 Os projetos da EMBRAPA em África tem a finalidade de auxiliar, promover e fomentar o desenvolvimento social e o crescimento

econômico através da transferência de tecnologia e do compartilhamento de conhecimentos e de experiências no campo da pesquisa

agropecuária.

Page 85: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

70

Desde o primeiro ano do governo de Lula da Silva o Brasil procurou ter iniciativas

para o desenvolvimento econômico nacional que estava atrelado a uma ação internacional

que conduziria o Brasil a ter uma maior autonomia no cenário internacional. Uma das

ações a esse respeito foi a elaboração do programa Política de Desenvolvimento

Produtivo (PDP), do governo federal, a qual estabelece cinco grandes estratégias para

elencar o desenvolvimento nacional conforme tabela abaixo:

Tabela 6- Política de Desenvolvimento Político (PDP)

FONTE: Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Política de Desenvolvimento Produtivo

No entanto, o continente africano foi favorável à implementação dessas estratégias.

Principalmente no que concerne a manutenção e posicionamento dessas empresas na

atuação brasileira em África. Na prática verificamos empresas brasileiras especializadas

em energia e infraestrutura que reforça a estratégia da liderança mundial da PDP, como

por exemplos temos a Petrobras e Vale do Rio Doce e também empresas de construção

civil como Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Odebrecht e Queiroz Galvão. Estas

empresas destacam-se, tanto para a população local quanto governamental em relação às

demais provenientes de outros países, como por exemplo, as chinesas, devido à maneira

das empresas brasileiras conduzirem os negócios, incluindo a tendência de contratar

moradores locais para os seus projetos e também desenvolver a capacidade local,

contribuindo deste modo para a qualidade de vida do povo africano.

O exemplo mais importante é a companhia brasileira Odebrecht que em 2010

chegou a empregar 12 mil pessoas e em momentos de alto no comércio a empresa chegou

a empregar 30 mil pessoas. Dados que a torna a segunda maior empregadora em Angola,

só perdendo para a estatal petroleira angolana, a Sonangol (Uchoa, 2010). A atuação da

empresa Odebrecht em solo africano propicia uma vinculação de forma mais incisiva das

economias brasileira e africana conduzindo a resultados econômicos expressivos para

ambos, além de outros benefícios intrínsecos dessa relação estratégica com o continente

Page 86: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

71

africano. Entre eles está o aumento da presença brasileira em África sob a orientação de

uma política externa que auxilia a reatar e aprofundar laços econômicos e culturais com

os países africanos.

A recuperação, no governo de Lula da Silva, da política africana, permitiu ao Brasil

uma participação mais ativa nessa área do planeta, fronteira atlântica do Brasil, e

concedeu funcionalidade dos interesses brasileiros, além de certos valores a projeção

internacional do país. A África recebeu investimentos, empresas brasileiras estão

presentes em todo continente, jovens das mais diversas partes do Brasil, mesmo de

pequenas cidades, trabalham hoje em empresas brasileiras e internacionais em países e

canteiros de obra. (Saraiva, 2012).

Page 87: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

72

Page 88: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

73

CAPÍTULO IV - A importância da Angola na política externa do Brasil

4.1 – Contexto histórico angolano

Com uma população de 19 milhões de habitantes, Angola é um dos maiores países

da África, porém, escassamente povoado. É também um dos mais ricos países em

recursos naturais dotado de grande quantidade de diamantes, fosfato, minérios de ferro e,

o mais importante, petróleo. Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África

Subsariana depois da Nigéria. O país foi colônia portuguesa e em 1961 começou a luta

armada pela independência contra Portugal conquistando sua independência após 14 anos

em 1975. A referida luta transformou-se numa disputa entre os movimentos de libertação

(disputa entre irmãos angolanos) que levou o país a uma guerra civil.

A guerra civil vivenciada pelo país refletia à falta de consenso interno entre os

movimentos nacionais a MPLA e dois outros movimentos, nomeadamente, a FNLA e a

UNITA. A evolução desta disputa tinha como consequência o envolvimento de atores

internacionais no conflito, o que levou ao agravamento da situação35

. Nas palavras de

Vines, o problema se resumiu ao seguinte:

“Instabilidade pós-independência tem suas raízes profundas na

experiência colonial de Angola, sob o domínio português. Entre as

dinâmicas mais importantes foram, em primeiro lugar, a falha de

Portugal em preparar as suas colônias à independência, e, em

segundo lugar, as divisões etnoregionais entre os movimentos

nacionalistas que lutaram contra seus senhores coloniais e, em

seguida, viraram-se uns aos outros.”36

(2011:4)

O MPLA é o partido que está no poder desde a independência angolana, tendo

como o primeiro presidente Agostinho Neto que criou uma disciplina partidária dentro

dos moldes socialistas. No entanto, a sua gestão tornou-se fraca e comprometida pelos

internos conflitos e luta pelo poder. Como consequência, o partido deixou de prestar

serviços públicos, especialmente nas áreas rurais, onde a UNITA estava mais presente. É

importante salientar que não se pode entender a guerra civil que sucedeu em Angola sem

35 A UNITA foi uma dissidência da FNLA. Porém ambas declaravam-se militares no campo anticomunista, e receberam apoio da

África do Sul, China e especialmente EUA, e assim faziam oposição a MPLA que era apoiada por Cuba e a antiga União Soviética.

Foi um conflito gerado e sustentado por forças externas. 36 Tradução livre.

Page 89: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

74

analisar a internacionalização do conflito. O fornecimento de armas, recursos financeiros,

treinamento militar e até mesmo tropas do exterior, como foi o caso de Cuba e África do

Sul, foram determinantes para o resultado final do conflito. Pode-se dizer que esses

apoios externos alimentaram a guerra e representavam a materialização da Guerra Fria no

continente africano, especialmente em Angola. Neste sentido, Angola foi um caso típico

de conflito na África potencializado pela Guerra Fria.

Após o falecimento de Agostinho Neto em 1979, quando José Eduardo Santos

assumiu a MPLA, o partido estava mais centralizado e sob o firme controle político. José

Eduardo dos Santos continuou concentrando o poder na presidência, e assim cresceu a sua

autoridade para controlar e revogar todos os atos executivos, assumindo uma

responsabilidade sobre o controle do partido. Esta posição teve como consequência uma

burocracia estatal cada vez mais disfuncional que começou a ruir no final dos anos 1980.

Em 1990, a MPLA intitulou-se como arquiteta da paz, da democracia diante da opositora

UNITA. Neste mesmo ano foram assinados em Portugal os Acordos de Bicesse37

, entre a

UNITA e a MPLA, que propuseram o fim da guerra que abalou o país desde a sua

independência. Os acordos acenderiam formalmente o caminho para a institucionalização

do regime democrático, ou seja, as eleições para o ano seguinte.

Em 1992, a MPLA ganhou as eleições presidenciais. Porém, este resultado foi

rejeitado pela UNITA e o país prosseguiu com a guerra civil. O processo de

democratização só foi retomado em 2002 com o fim da guerra civil. Para Zau: “Este povo

sofrido, multicultural e plurilíngue, com elevados índices de iliteracia viu nascer um

nacionalismo fracionado, em poucos meses teve que aprender o que eram eleições,

democracia e vontade da maioria” (2007: 15). Durante o alastramento da guerra por

diversas cidades do estado angolano, mais de 350.000 angolanos e portugueses

abandonaram o País. Houve perda de mais ou menos 30.000 técnicos superiores e médios,

2.500 empresas do setor produtivo deixaram de funcionar; dezenas de pontes destruídas

dificultando a circulação de pessoas e de bens. Serviços de administração pública e

estabelecimentos comerciais deixaram de funcionar. Seguiram altos índices de

37 Os Acordos Bicesse visavam, entre outras coisas, a preparação das primeiras eleições gerais, multipartidárias como ponto de partida

do processo de realização de eleições regulares, livres e justas, como via de legitimação e escolha de dos titulares de cargos do poder

político.

Page 90: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

75

mortalidade infantil e também de crianças órfãs pelas ruas que perderam suas famílias nos

conflitos (Zau, 2007).

Como podemos observar, a guerra teve um forte impacto em todos os setores da

sociedade e nas vidas dos angolanos. Apesar da enorme riqueza natural do País, os

principais indicadores do desenvolvimento humano colocavam Angola entre os países

mais desfavorecidos do mundo. Em 2001, Angola ocupava 146ª lugar no Índice de

Desenvolvimento Humano38

. No mesmo ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS)

atribuía Angola o 181º lugar no índice do Sucesso dos Sistemas de Saúde39

. Segundo

dados oficiais, a alfabetização dos adultos era de 66,8% 40

e o acesso a abastecimento

adequado de água era de 61,6%,(44,4% da população urbana e 22% da zona rural)41

.

Quanto ao relatório de esperança de vida, era de 46 anos para os homens e 43 para

mulheres.42

Outro fator agravante era a presença de minas terrestres, que dificultava a

produção agrícola e a prestação dos serviços de saúde. Na época, Angola era considerada

o país com o maior número de minas terrestre no mundo: em 35% do território nacional

havia a presença das minas43

.

Este era o cenário em que Angola encontrava-se no fim do conflito em 2002. O fim

da guerra civil foi devido à morte de um dos líderes, Jonas Savimbi da UNITA, que levou

ao enfraquecimento do partido. O seu sucessor, Antonio Dembo, retomou às negociações

para o fim dos conflitos, que resultaram no Memorando de Entendimento do Luena

assinado em 4 abril de 2002. Alguns meses depois, a UNITA declarou-se desarmada e

registrada como partido político democrático. Hoje a UNITA não tem a capacidade e

muito menos vontade, de voltar a guerra. O tratado de paz concedeu novas oportunidades,

e ao mesmo tempo, trouxe novos desafios ao país, bem como à comunidade internacional.

4.2 - Cenário político pós-conflito em Angola

Em setembro de 2008 foram convocadas novas eleições legislativas pelo presidente

José Eduardo dos Santos e a MPLA ganhou de forma esmagadora: 81,64% contra 10,39%

38

Relatório do Desenvolvimento Humano, PNUD, 2001. 39 OMS, Desempenho Geral dos Sistemas de Saúde, Relatório da Saúde no Mundo, 2001. 40 INE, Inquérito ao Multi-indicator Cluster (MICS) 2001. 41 Ministério da Energia e Água, Direção-Geral da Água, ‘Estratégia e Plano de Desenvolvimento do Sector de Águas - abastecimento

de Água e Saneamento; Reunião Metodológica e de Balanço do Sector de Água e Saneamento’, Luanda, 13-16 Fevereiro de 2001. 42 PNUD, Relatório do Desenvolvimento Humano 2001: Pôr as novas tecnologias ao serviço do desenvolvimento humano, Nova Iorque, 2001. 43 Avaliação Comum e Estratégia da ONU para os Países (UNCCAS), Luanda, Abril de 2002, p 11.

Page 91: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

76

da UNITA de Isaias Samakuva44

. Em 2010 foi aprovada uma nova Constituição angolana,

que além de anular a pena de morte, anulou também a eleição direta do Presidente da

República. Na prática, esta alteração reforçou o poder do atual presidente José Eduardo

dos Santos, que lidera o país há mais de 30 anos. Com a nova Constituição, as eleições

presidenciais foram abolidas e causou revolta dos opositores. Estes últimos afirmavam

que esta nova Constituição representava a morte da democracia no País, bem como uma

monarquização do sistema político em Angola (Naves, 2010).

Partido

MPLA

UNITA

PRS

ND

FNLA

Outros Partidos

Total

Fonte: Conselho Nacional Eleitoral - Angola. Resultado divulgado pela CNE

220

191

16

8

2

3

0160.615

6.450.407

81,64%

10,39%

3,17%

1,20%

1,11%

2,49%

100%

670.197

204.478

77.405

71.600

Tabela 7 - Resultados das eleições legislativas de setembro de 2008

Total de Votos % de Votos Válidos Número de Assentos

5.266.112

O presidente Eduardo Santos é o segundo presidente africano que está há mais

tempo no poder (ultrapassado apenas por Theodoro Obiang Nguema, do Guiné

Equatorial). Isso demonstra a força política do MPLA baseada em três fatores principais:

governar até cumprir a sua promessa de dar a paz a um país cansado de guerra; usar as

receitas do petróleo para a reabilitação das principais infraestruturas econômicas e sociais

destruídas durante a guerra; e promover diálogo político com a oposição política.

Na opinião de estudiosos políticos como Vines (2011), a estabilidade política do

país e a longevidade de Eduardo Santos no poder estão atreladas à memória da guerra

civil que ainda é recente nas mentes de muitos cidadãos. Pode-se dizer que a memória

coletiva da geração antiga de anos de guerra é definida pela violência, miséria, medo e a

imagem de Eduardo Santos que estivera no poder quando a tão sonhada paz chegou, fato

que o eleva como um herói que ajudou a pôr fim nos conflitos. Na opinião de Vines45

:

44

Conselho Nacional Eleitoral –Angola – Disponível em http://www.cne.ao/noticias.cfm?id=281 45

Tradução livre.

Page 92: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

77

“O MPLA pretende dominar o debate público e incentiva a

disciplina do partido e controle de vozes dissidentes. Por exemplo,

cadeia de comando do MPLA chega até todos os níveis da

sociedade angolana até mesmo os complexos habitacionais do

bairro, e o partido está representado em todas as localidades do

país. Muitas vezes, os escritórios do MPLA estão melhores

equipados do que os escritórios do governo e os departamentos

locais e provinciais.”(2011: 14)

Desde o fim do conflito, Angola tem feito progressos. A paz e a segurança foram

restabelecidas e a sua reconstrução continua em ritmo acelerado. O país está a conquistar

o seu espaço no cenário internacional, surgindo como um estado de poder em África

devido ao fato de ser uma das nações mais rica do continente africano em termos de

recursos naturais, especialmente o petróleo. Angola é o segundo maior produtor de

petróleo da África Subsariana, o que ajuda o país a se estruturar, tanto internamente,

quanto externamente, após longos anos de conflitos. Os angolanos reconhecem que o

país progrediu significativamente desde o fim das guerras. Ocorreu uma reconstrução em

larga escala, principalmente devido ao investimento estrangeiro. O maior exemplo é a

cidade de Luanda, capital de Angola, que tornou-se um imenso canteiro de obras.

4.3- Posição de Angola em África Subsariana

Angola responde a uma pequena fração do comércio mundial, porém é uma

economia importante no contexto africano. A política externa de Angola procura

fortalecer e seguir regras multilaterais da ordem internacional, que deve ser mais

igualitária. Por trás desta aspiração política de Angola, existe a intenção do País se

integrar ao continente africano e à comunidade internacional. Neste contexto, o

relacionamento com os países africanos é especialmente valorizado. Angola aposta na sua

posição como um dos países mais fortes da África subsariana (SADC e CEEAC), com um

elevado potencial econômico e militar onde exerce grande influência política. Nos

últimos anos, Luanda destacou-se por pautar por uma intervenção ativa, sobretudo na

defesa de causas e princípios que norteiam a unidade africana, em particular, uma

cooperação aberta e franca entre países africanos em desenvolvimento. As atuais

estratégias políticas de Angola condizem com o pensamento de Morgenthau quando este

analisa que:

Page 93: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

78

“A política externa tem de ser conduzida de modo a possibilitar a

preservação da paz e não tornar inevitável o deflagrar da guerra.

Em uma sociedade de nações livres, a força militar constitui um

instrumento necessário da política externa, mas não se deve tornar

o mestre da política externa. Do mesmo modo que a guerra é

travada para se tornar possível a paz, a política externa deve ser

exercida no intuito de tornar permanente a paz.” (2003:1018).

Para Luanda, acordos regionais aumentam a capacidade de atuar de modo mais

firme e positivo na elaboração de regimes internacionais que são essenciais para a

imagem do País, tanto regionalmente quanto externamente. Segundo a agência de

informação oficial do estado angolano (ANGOP), os níveis de desenvolvimento

econômico que Angola tem alcançado, bem como a sua coerência e estratégia política,

contribuíram para que o país conquistasse, por mérito, uma posição de destaque no

cenário internacional, sobretudo na resolução de conflitos em África (ANGOP, 2011a).

A paz para Angola é uma de suas estratégias para sua política externa, até mesmo

para preservar as suas fronteiras. Esta estratégia surge como consequência do

amadurecimento de um país que vivenciou uma amarga experiência da guerra civil e se

tornou consciente dos prejuízos causado pela mesma. Esta pacificação consolidada a cada

ano tem despertado interesse de organizações internacionais e outros estados em relação a

um país rumo ao desenvolvimento.

Implementação da paz no continente africano, nas suas várias vertentes, tornou-se

central para a política externa de Angola, tais como a defesa do desarmamento, através da

participação em fóruns e a política da Comissão de Desarmamento; negociações sobre a

proibição de minas antipessoais; proibição do comércio ilícito de diamantes; atuação no

combate das fontes de financiamento de conflitos nos países africanos tanto na África

Central como também na região dos Grandes Lagos. Estas ações contribuíram para

Angola conquistar uma imagem de respeitabilidade e competência política perante a

comunidade internacional (Mosca, 2001). O país assumiu uma nova postura política

diante das problemáticas existentes tanto internamente quanto no continente africano.

Essa prova de maturidade e responsabilidade política e democrática nas resoluções dos

conflitos e consolidação da paz levou o país a se tornar membro não permanente do

Page 94: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

79

Conselho de Segurança da ONU em 2003/2004. A isto, juntou-se a presidência da CPLP

em 2010 e a liderança da SADC em 2011.

Luanda defende seus interesses nacionais através da participação ativa nas

organizações internacionais de que faz parte como ações no âmbito das Nações Unidas e

seus organismos especializados, por exemplo: União Africana, SADC, Comissão do

Golfo da Guiné, CEEAC, CPLP e ZOPACAS. Trata-se de organizações que fazem parte

da nova conjuntura africana na qual Luanda procura alianças e pontos de apoio

geopolítico para o alcance de seus objetivos nacionais, ou seja, pretende salvaguardar a

segurança necessária para o seu rápido desenvolvimento.

Como segundo produtor de petróleo em África, a economia angolana é proveniente

da distribuição de petróleo e diamantes. A exploração do petróleo é uma grande alavanca

para Angola, além de ser um grande trunfo econômico e tecnológico. Oportunidades de

investimentos neste setor atraíram grandes investimentos dos atores internacionais,

inclusive empresas brasileiras, como a Petrobrás, Queiroz Galvão e a Odebrecht. O setor

petrolífero é controlado diretamente pelo presidente da república, que tem como objetivo

manter a estabilidade política e econômica, além disto, satisfazer as elites46

.

O governo visa reduzir a dependência econômica do petróleo, mesmo que este

último seja o maior gerador de receita para o Estado. A estratégia de diversificação passa

pela aplicação dos excedentes provenientes destes recursos naturais na formação do

capital humano e no desenvolvimento de outros setores econômicos, principalmente os

que requerem mão de obra intensiva e que venham a garantir níveis mais altos de

emprego (Anuário econômico de Angola, 2010). O resultado foi o aumento da

contribuição para o PIB em Angola do setor não petrolífero de 43% para 57% no período

entre 2008 a 2010 (IMF, 2011).

Esse esforço do governo angolano em diversificar a economia para reduzir a

dependência do petróleo é considerado fundamental para a sustentabilidade orçamental do

país a longo prazo. O governo ponderou a criação de fundos de estabilização para obter

receitas extraordinárias do petróleo. Neste sentido, foi criado o Fundo Soberano de

46 Em Angola, a elite é composta desde dirigentes do governo central, passa pelos dirigentes dos escalões intermediários e chega a

chefia dos aldeões, como sobas - nome do chefe local- com uma população significativa. Uma minoria que recebem dos benefícios do

governo que a outra parte da população não é contemplada.

Page 95: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

80

Angola (FSDEA). Este fundo, oriundo das receitas provenientes do petróleo, tem por

objetivo promover o desenvolvimento socioeconômico de Angola e gerar riquezas para as

futuras gerações do País, com o intuito de favorecer uma estabilidade macroeconômica.

Segundo o governo Angolano: “Vai ser dada prioridade a projetos de infraestrutura,

incluindo energia, água e transportes, ativos financeiros, indústria, agricultura e turismo,

tendo em vista criar riqueza “para as gerações futuras.” (Republica de Angola, 2012)

A criação do FSDEA teve uma positiva repercussão na comunidade internacional

segundo o relatório da Agencia Fitch Ratings47

. A criação do fundo é considerada

positiva para aspirações de cimentar as recentes melhorias no perfil de crédito, ou seja,

contribuir para redução da vulnerabilidade externa que reflete o compromisso de Angola

com reformas macroeconômicas e políticas prudentes. Ainda segundo agência Fitch, além

de melhorias de crédito, Angola poderá incluir melhorias nas perspectivas de evolução da

notação da dívida angolana de “estável” para “positivo”, no nível “BB-”-corresponde ao

grau de não investimento, especulativo, porém com perspectiva positiva-(Reuters, 2013).

O governo de Angola também participa na negociação da dívida externa do país e apoia

as iniciativas para o perdão da mesma. O país procura novos financiamentos com

condições favoráveis para impulsionar a reconstrução nacional, além do desenvolvimento

econômico e social. Para isso, é importante continuar a estratégia das articulações com

países que também têm interesse em cooperar com Angola, como veremos mais adiante a

China e o Brasil.

Gráfico 1 - Dívida externa total (percentagem do PIB) e serviço da dívida

(percentagem das exportações de bens e serviços) 2012

47 Agência de notas de crédito, ou seja, de classificação de risco de crédito que classifica todos os países do mundo em dois grandes

grupos: os que possuem grau especulativo e os que possuem grau de investimento.

Page 96: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

81

FONTE: Banco Mundial

A aproximação com instituições internacionais como o FMI demonstrou o empenho

do governo em transformar o sistema econômico e lançar-se na economia de mercado.

Esta abordagem sinalizou uma mudança de comportamento, já que durante muitos anos,

Angola mantinha distância dos condicionamentos do FMI e evitava reformas

fundamentais na gestão das finanças públicas apesar de sérios desequilíbrios

macroeconômicos e da grande dívida externa (Vicente, 1995). Um exemplo dessa

aproximação foi a implementação do Stand-By Agreement (SBA) do FMI, em novembro

de 2009. O objetivo deste acordo foi implementar uma disciplina orçamentária e

monetária, avançar com a reforma do sistema de taxa de câmbio, melhorar a gestão

financeira de Angola, criar um sistema bancário sólido e aumentar a transparência

orçamental (Perspectiva econômica em África,2012).

De acordo com o relatório desenvolvido pela United Nation Industrial Development

Organization (UNIDO) em 2011, muitos países africanos estão em uma fase de

industrialização que eles denominam de catching up. Angola está classificada como um

país catching up, um fator positivo para os angolanos quando se tem como parâmetro

outros países da África que ainda se encontram na categoria de falling behind . Segundo

Abramovitz (1986), catching up compreende a implementação de órgãos institucionais,

de pesquisa, fomento e cooperação, desenvolvimento da infraestrutura educacional,

valorização da força do trabalho e a fixação de condições macroeconômicas e monetárias

que sejam capazes de garantir a mobilidade de recursos no país.

Page 97: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

82

Ainda segundo o relatório da UNIDO, Angola representa um dos mais dinâmicos

processos de crescimento nas ultimas décadas, mesmo tendo uma base industrial muito

baixa. Apesar desse crescimento e das melhorias acima expostas, Angola enfrenta muitos

desafios que atrapalham o seu desenvolvimento. O governo afronta obstáculos para a

melhoria do ambiente de negócios e para o desenvolvimento do sector privado. O

Relatório Doing Business 2012, do Banco Mundial, mostra que o ranking de Angola

desceu uma posição, para a 172ª entre 183 países, atingindo a mais baixa da região da

SADC. De acordo com o relatório, Angola apresenta um mau desempenho na “execução

de contratos” e no item “como começar um negócio” (Angola, 2012).

Como resultado da crescente inadequação das competências ao mercado de

trabalho, a maioria dos trabalhadores qualificados em Angola são "importados" de outros

países. Há quotas para o emprego de cidadãos angolanos (com algumas exceções de

aplicação em setores como construção, que tem uma grande parte de trabalho não

qualificado chinês). Os contratos de trabalho tendem a ser de curto prazo e a maioria das

Pequenas e Médias Empresas (PME) enfrentam dificuldades no cumprimento dos acordos

contratuais. No relatório Doing Business 2012, já citado, Angola ocupa o 178º lugar no

item “empregar trabalhadores”, o que representa o ranking mais baixo da África

Subsariana. O maior índice de desemprego registra-se em jovens sem qualificações.

Os Angolanos reivindicam os benefícios do crescimento do seu país, após anos de

guerras, o que gera um dever do governo em fornecer para a população melhores serviços

incluindo: água potável, energia elétrica, saúde, educação e habitação decente. Angola é

considerada um dos países com maior desigualdade social no mundo, o crescimento

econômico está concentrado em Luanda, que produz 75% do PIB e abriga 1/3 da

população. Um levantamento socioeconômico de 2008/2009 indica que 33.6% da

população vive abaixo da linha de pobreza de 2 USD/dia. Este número sobe para 56.2%

na população rural, em comparação com 14.9% em áreas urbanas (IBEP,2011).

Entretanto, esses valores são contestados pela UCAN (Centro de Estudo e Investigação da

Universidade católica de Angola) que aponta que mais de 50% dos angolanos vivem

abaixo da linha da pobreza contrariando os 33.6% da IBEP (UCAN, 2011).

O que se observa é uma realidade distante do aproveitamento dos benefícios, das

conquistas positivas de Angola nos mercados internacionais. A sociedade civil, que não

Page 98: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

83

faz parte da elite e que não se vê beneficiada dessas conquistas, está ainda debilitada das

consequências de uma longa guerra, o que deixou aprofundada ainda mais as

desigualdades sociais. A grande parte da população de Angola luta desde o fim da guerra,

continuadamente para suprir as suas necessidades básicas de sobrevivência. A impressa

local destaca a corrupção vigente no país, porém não na medida suficiente para a solução

deste problema. Uma parte do problema dos meios de comunicações é o número cada vez

mais crescente de membros da MPLA que assumem o controle sobre os jornais

independentes. Ainda que a imprensa às vezes critiquem funcionários do governo, são

muito raras críticas públicas direcionadas ao presidente Eduardo Santos e sua família.

Para superar estes problemas estruturais, faz-se necessário a presença de países com

um know how em áreas como educação, saúde, agricultura, tecnologia, indústria e

principalmente detentores de recursos financeiros para investir em Angola. O conjunto

destas características representa uma precondição para uma política que possa auxiliar o

país a superar os traumas da guerra. No entanto, as autoridades angolanas estão

conscientes da necessidade de estabelecer cooperação com países que possam investir em

Angola e ajuda-la a superar essas problemáticas e desenvolver áreas de sua economia que

ainda são incipientes. Neste contexto, é importante destacar um grande potencial agrícola

no país; no passado, Angola foi um grande produtor de café e também de outros produtos

agrícolas. As novas oportunidades abrem-se no contexto da importação dos

conhecimentos e tecnologia do Brasil para o seu desenvolvimento como veremos mais

adiante.

Investimentos estrangeiros diretos em Angola são essenciais, pois, representam um

potencial de reverter à situação econômica no país. O momento de paz que Angola está a

viver e os crescentes interesses do governo angolano em oferecer generosos incentivos

para atrair investidores refletem a importância desses recursos para o desenvolvimento do

País. Angola integra, ao lado de Moçambique, África do Sul, Namíbia e Zâmbia, um

conjunto de países que tem atraído investidores estrangeiros para a região. O gráfico I

apresentado abaixo mostra a evolução da entrada de investimentos estrangeiros diretos

(IED) no país, entre 1993 e 2010. Nota-se a forte entrada de IED no país, especialmente a

partir da última década, com destaque para o ano de 2008, quando essa entrada alcançou

o valor de US$ 16,58 bilhões (APEX Brasil, 2013).

Page 99: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

84

Gráfico 2- Investimento estrangeiro direto em Angola em US$ milhões (1993-2010)

Fonte: UNCTAD. Elaboração: UICC Apex-Brasil.

Em Angola encontram-se empresas e trabalhadores de diferentes nacionalidades:

portugueses, americanos, indianos, chineses, brasileiros, uns em maior número que

outros. Entre os países que pretendem estabelecer ou reforçar a sua cooperação em

Angola, destacam-se, por um lado, grandes e novos parceiros como a China, um dos

maiores investidores, e, por outro lado, países-investidores que partilham com Angola

características comuns, como é o caso do Brasil, que partilha não só uma parte da sua

história com Angola, mas também a mesma língua. Dito isto, China e Brasil representam

investidores diferentes, em termos de capacidade financeira. O que os governos da China

e do Brasil têm em comum é o mesmo objetivo de conquistar um espaço em Angola para

suprir suas necessidades tanto no campo econômico quanto político, valendo-se de

estratégias ligada ao soft power na conquista dos seus objetivos.

4.4 – Aliança histórica entre Brasil e Angola

Os países lusófonos africanos são aqueles com os quais o Brasil mantém os

relacionamentos mais duradouros, sólidos e diversificados. Dentre eles está a relação

Brasil e Angola. Ambas foram colônias de Portugal e tiveram formações nacionais

distintas e as suas independências ocorreram em momentos históricos diferentes. O início

das relações afro-brasileiras deu-se com a chegada ao Brasil dos primeiros angolanos, na

condição de escravos, para trabalhar nas lavouras por cerca de 470 anos, sendo o tráfico a

base do intercâmbio comercial.

Page 100: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

85

Este intercâmbio comercial entrou em declínio com a proibição dos ingleses do

tráfico negreiro, situação que perdurou até as vésperas da independência angolana. Outros

fatores contribuíram para o afastamento bilateral nesse período, um deles sendo a

inserção de Angola no circuito capitalista após a conferência de Berlim, em 1885, que

resultou na ocupação total da África pelas potências europeias. Angola passou de

exportadora de mão de obra escrava para exportadora de matérias primas agrícolas e

minerais. Esta situação provocou uma profunda mudança nas relações Brasil e Angola já

que elas se tornaram concorrentes na exportação de alguns produtos, principalmente café.

Em 1975, o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência angolana, em um

momento em que o partido governista em Luanda era visto negativamente pela maioria da

comunidade internacional. Ovídio Andrade de Melo recebera do Ministro das Relações

exteriores do Brasil, Azeredo da Silveira, no início de 1975 a função de Representante

Especial do Brasil em Angola. Esta função incluía o papel de coordenar a posição do

governo brasileiro diante de prevista independência de Angola e a formação do seu novo

governo. O objetivo do Itamaraty era buscar um novo momento nas relações com o

continente africano e mostrar à comunidade internacional que o Brasil rompera

definitivamente a solidariedade que mantinha com o colonialismo português (Melo,

2000). Este ousado gesto trouxe para o Brasil um relacionamento especial com também

uma ex-colônia portuguesa que perdura até os dias atuais. Conforme Ovídio Andrade:

“Uma atitude nítida e firme em Angola: reconhecer logo, ou

imediatamente tirar o time de campo. E se optássemos pela

segunda solução, eu bem esclareceria o MPLA não nos perdoaria

as falhadas promessas de isenção e durante muito tempo

poderíamos esquecer as relações com Angola, com Moçambique e

provavelmente com toda África negra. Seria um fiasco com

repercussões continentais, bastante serias e duráveis.” (2009:130)

Em hipótese nenhuma o Brasil queria perder o vínculo com o continente africano já

que tinha o objetivo de ampliar sua presença em África e, dessa forma, projetar-se como

um país influente. Analisando a abordagem do Brasil do ponto de vista construtivista,

destaca-se o fato do Brasil ter examinado o contexto social que Angola estava a viver,

bem como ter realçado o sentimento de identidade que unia os dois países e assim ter

determinado as estratégias a serem utilizadas para conquistar os seus objetivos em terras

angolanas.

Page 101: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

86

Outros momentos na história entre os dois países foram cruciais para o bom

relacionamento que os países possuem hoje. Como por exemplo, na década de 1980, uma

atitude importante tomada pelo Brasil a favor de Angola, foi a condenação das agressões

perpetuadas pela África do Sul contra aquele país. As relações com Angola evoluíram de

maneira positiva e de forma mais intensa até o início da década de 1990. Durante este

período, a cooperação entre os dois países se deu pela criação de uma linha de crédito do

Brasil para Angola, do estabelecimento de acordos de cooperação na área técnico

cientifica, da criação da Comissão Mista Brasil-Angola e da participação da Petrobras, na

prospecção e exploração do petróleo em Angola. Também foram estabelecidos acordos de

comércio compensado, em que o petróleo angolano seria trocado por serviços brasileiros.

Já na década de 1990, com uma agenda neoliberal brasileira e a guerra civil de

Angola foram fatores que determinaram uma baixa bilateral na área comercial. Vale

salientar que houve algumas iniciativas importantes ao longo do segundo mandato de

Fernando Henrique Cardoso que viriam a ser aprofundadas por Lula da Silva. Em 1995 o

Exército Brasileiro participou ativamente das missões de paz da ONU em Angola. No

plano econômico, empreiteiras brasileiras têm vindo a participar em obra de infraestrutura

urbana e energética em Luanda. Para a atuação dessas empresas, o governo brasileiro

facilitou a capacidade de créditos e criou linhas especiais de financiamentos a partir do

perdão de dívidas bilaterais.

Em 2003 foi um dos pontos áureos desta relação. Durante o governo de Luis Inácio

Lula da Silva houve uma expansão das relações entre os dois países e Angola foi um dos

maiores receptores de investimentos do Brasil tornando-o um sustentáculo dessa política

brasileira em África, conforme o gráfico abaixo. O resultado desta expansão para o Brasil

foi o crescimento das exportações brasileiras para Angola. Por exemplo, enquanto em

2000 as exportações brasileiras foram de US$ 200 milhões, em 2008 esse montante

atingiu quase US$ 2 bilhões (APEX Brasil, 2009). Em 2009, sob o efeito da crise

mundial, as exportações brasileiras para Angola alcançaram o valor de US$1,3 bilhões.

Com esses resultados, Angola passou a ocupar a 23ª posição entre os destinos das

exportações brasileiras, à frente de países como Canadá, África do Sul, Emirados Árabes,

Austrália e Índia (APEX Brasil, 2009).

Page 102: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

87

Gráfico 3 - Índice de intensidade de comércio – Brasil-Angola e Brasil-Países

selecionados

Fonte: Comtrade/ONU. Elaboração: UICC, Apex-Brasil

Devido ao comportamento brasileiro, os estados que fazem parte da Comunidade

dos Países de Língua Portuguesa olham para o Brasil como uma fonte de cooperação

dentro da área técnica e prestação de serviços no campo da educação e formação

profissionalizante, a atração defendido pelo soft power. Existe também um grande

interesse pelos avanços da agricultura brasileira e um desejo de intensificar os contatos

voltados ao desenvolvimento rural (Celso Amorim, 2003). A cooperação entre os dois

países dar-se em áreas como:

Agricultura Tropical: A empresa Brasileira (EMBRAPA) em coordenação com a

Agência Brasileira de Cooperação (ABC) atua com parceiros locais na implementação de

projetos e modelos em agricultura.

Medicina tropical: Acordos bilaterais sobre saúde no tratamento de HIV e outras

doenças frequentes como malária. A FIOCRUZ, voltada para pesquisa e desenvolvimento

de ciências bioquímicas executou projetos modelos de medicina tropical.

Ensino profissionalizante: O SENAI construiu centros de ensino profissionalizante em

Angola abordando a questão do ensino profissionalizante no contexto da promoção da

industrialização e apoio a políticas de promoção de emprego para os jovens.

Page 103: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

88

Energia: Energia sustentável é outra área em que o conhecimento especializado do

Brasil tem atraído atenção de diversos países africanos. O sucesso na área agrícola, no

entanto, não foi suficiente para reduzir a pobreza. Dessa forma, políticas públicas que

promovem o crescimento econômico e a inclusão social são centrais no processo de

produção de cana de açúcar no Brasil, por exemplo, as pequenas propriedades locais e de

agricultura familiar recebem ajuda para produzir energia (etanol). O setor privado

brasileiro também está envolvido com questões energéticas em África, como comprova a

Companhia de Bioenergia de Angola (BIOCOM), uma joint venture entre a empresa

brasileira Odebrecht, a empresa estatal Sonangol de Angola e a firma angolana Demer. O

investimento de US$ 400 milhões visa à utilização da cana de açúcar para produzir

açúcar, etanol e eletricidade.

Proteção social: Apesar dos enormes desafios enfrentados pelos formuladores de

política de um país conhecido por ter um dos maiores índices de desigualdade social da

América Latina, foram concebidos alguns programas para implementar proteções sociais.

Desde 2003, vêm sendo inseridas políticas voltadas para o combate à fome e à

marginalização, sendo o programa Fome Zero uma das mais bem sucedidas, que inclui

diversos programas (como o referido Bolsa Família), promovido por meio de forte

parceria entre 12 ministérios e agências governamentais. A experiência brasileira em

proteção social está sendo adaptada e reproduzida em outros países em desenvolvimento,

como Angola. Trata-se de atividades que visam a criar condições para a geração de um

crescimento mais inclusivo.

Durante o seu mandato, o presidente Lula da Silva visava estabelecer uma nova

orientação na relação entre Brasil e Angola. Uma parte central desta orientação foi o

rompimento, como já fora mencionado, com o discurso culturalista que conduzia a uma

imagem de Angola como uma zona sem conflitos, em estado permanente de equilíbrio.

Os discursos de presidentes anteriores a Lula da Silva referiam-se frequentemente, e com

ênfase, as noções de “familiaridade” ou “historia em comum”. Além disto, se transmitia a

mensagem paternalista em relação aos países africanos, conforme a declaração do ex-

presidente do Brasil Janio Quadros (1961): “(...) os novos grandes estados da África

deveriam encontrar na maturidade internacional do Brasil a coragem que lhes faltava para

acelerar a inevitável emancipação” (O Globo, 31 de maio de 1960 p. 07 apud Saraiva,

1993).

Page 104: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

89

O velho discurso de solidariedade brasileira era visto com desconfiança por

funcionários dos governos africanos que visitavam o Brasil e pela elite africana que

considerava lacunoso, romântico e pouco atento à evolução histórica da própria África.

De acordo com Saraiva, as suspeitas africanas não eram infundadas: “o discurso

culturalista, ademais, embutiu uma serie de disfarces para justificar uma aproximação

que, do ponto de vista político e econômico, era bastante pragmática e mercantil.”

(2012:110). O presidente Lula da Silva revisou esse discurso, elevando-o para uma dívida

histórica com a África, especialmente com a África de língua oficial portuguesa, como

Angola. Isso demonstra a construção de uma imagem completamente diferente daquela

que foi construída anteriormente pelo Brasil em relação à África.

“Nós queremos estreitar e aprimorar, ainda mais, a boa relação

existente entre Angola e Brasil. Nós entendemos que o Brasil,

como um país de língua portuguesa e economicamente mais forte,

maior em população e um país mais rico, precisa fazer gestos

concretos de generosidade e, ao mesmo tempo dar sinais para o

resto do mundo que o Brasil tem dívidas históricas com o

continente africano, que o Brasil tem dívidas históricas com

Angola, e que o Brasil quer, com gestos e com políticas

afirmativas, concretas, resgatar a nossa relação que, durante muito

tempo ficou esquecida.” (Lula, 2003 – Reunião Ministerial Brasil-

Angola em Luanda)

Para Angola, esse novo discurso apresenta uma reflexão mais sólida no campo do

desenvolvimento social e econômico para sua população. Uma relação onde os interesses

e os benefícios devem ser simétricos. Lula da Silva atuou para suprir o período de silêncio

da década de 1990 com o território angolano e substituir por um ciclo virtuoso de

cooperação e projetos humanitários para com a outra margem do Atlântico Sul. As visitas

do presidente Lula da Silva a Luanda através dos seus discursos mostraram o

compromisso do governo brasileiro em aprofundar cooperações, na área política,

comercial, educacional e científica (ANEXO I).

Atualmente há um número importante de empresários brasileiros em Angola. Suas

reivindicações por representação bancária do Brasil em Luanda e por conexão aérea

assegurada por companhia brasileira encontram voz junto aos seus parceiros africanos

que também são beneficiados. As empresas brasileiras têm prestígio, em todo o mercado

de produtos brasileiros. Muitos angolanos estão a fazer a ponte área das mercadorias entre

Page 105: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

90

Brasil e Angola, intensificando a relação entre ambos. Isso é devido à qualidade dos

produtos, tendo como comparativo os produtos chineses que lá são negociados. Um

exemplo do crescimento nas relações comerciais com o Brasil entre Brasil e Angola é a

participação da Feira Internacional de Luanda (FILDA), um evento importante para

empresários, tanto para possibilidades de negócios, como divulgações de produtos.

A FILDA representa um recurso importante para investimentos de empresas

brasileiras em Luanda, bem como nas regiões da África Central e Austral. Em grande

medida devido à importância desta feira, Angola é considerada a porta de entrada para o

Brasil em continente africano. Em 2000 o Brasil participou na FILDA com 7 expositores.

Em comparação com a participação de Portugal com 53expositores, em comparação com

África do Sul com 22, Alemanha com 16, além de países como China, Holanda, EUA,

Moçambique, Costa do Marfim, Polônia, UK e Zâmbia, o Brasil teve uma atuação

modesta nesse período. Contudo, o fortalecimento das relações entre os dois países

durante o governo Lula da Silva resultou num expressivo aumento do intercâmbio

comercial. O resultado desse fortalecimento foi o aumento da participação do Brasil na

FILDA em 2009. Luanda contou com a presença de 75 empresas em 45 estandes, sob a

coordenação da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-

Brasil, 2010).

Os resultados do aprofundamento político e econômico do relacionamento bilateral

tem que ser levados em consideração na análise da presença de outros parceiros de grande

peso, como a China, nas terras angolanas.

4.4.1 - Contra peso chinês em Angola

Atualmente, Angola é a maior parceira comercial da China em África, superando a

África do Sul. Em 2005, o volume dos negócios atingiram 7 bilhões de dólares; em 2006,

U$ 9,3 bilhões de dólares e, em 2008, chegou a U$ 10 bilhões de dólares. A China

importou 18,2% de petróleo de Angola do total de importações chinesas de petróleo

(Angonoticias, 2007).

Como já mencionado no terceiro capítulo, as relações sino-africanas representam

uma das principais dimensões na estratégia diplomática da China. Reorientar a sua

Page 106: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

91

política para o continente africano foi uma forma de se adaptar e sobreviver à mudança da

situação internacional. Em um discurso intitulado “Para uma Nova Ordem Monumental

nos Anais da Amizade Sino-Africana”, Jiang Zemin48

em sua primeira viagem a Etiópia

em 1996, ele desenvolveu cinco sugestões de ação para os dois lados, que veio a colocar

um novo patamar de entendimento referente à cooperação da China com os países da

África, considerada uma das medidas mais importantes tomadas por Pequim (Hong Ming,

2004):

1- China e África devem tratar-se como amigos fiéis em todos os tempos;

2- Devem, igualmente, agir de acordo com os princípios de igualdade, respeitar

mutuamente a soberania e abster-se de ingerência nos assuntos internos de cada um;

3- Devem ainda envidar esforços para assegurar o desenvolvimento comum,

procurando vantagem recíproca;

4- Devem multiplicar as consultas entre a China e a África e intensificar a cooperação em

matéria de assuntos internacionais;

5- Unir-se a fim de pensar o futuro e criar um mundo melhor.

Para Oliveira (2007) estas sugestões expressavam, entre outras coisas, a

preocupação do governo de Pequim com a recente transformação da China e indicava a

correspondente aspiração em ser um importador líquido de petróleo. Geralmente, uma das

estratégias rentáveis da China seria buscar países dotados de reservas petrolíferas, que

Pequim encontrava na África:

“A África precisa da China e vice-versa. A China está prestes a

consolidar e desenvolver suas relações regulares e em longo prazo

de cooperação conjunta com todos os países africanos. Relações

orientadas no século XXI, com base nos cincos princípios de

coexistência pacífica. (...) A China apoia firmemente os esforços

dos países africanos para desenvolver sua economia e continuará

fornecendo-lhes, dentro dos limites de suas possibilidades, uma

assistência oficial, sem impor condições políticas. O governo

chinês estimulará as empresas e firmas chinesas economicamente

fortes a praticarem na África uma cooperação reciprocamente

vantajosa, de variadas amplitudes, em muitos campos e de

diversas formas, no respeito dos contratos, garantindo a qualidade

e buscando a credibilidade.” (Jiang Zemin apud Oliveira 2007)

48 Ministro do Comércio Exterior e da Cooperação Econômica em 1996. Convocou a primeira conferência nacional sobre a cooperação

econômica e comercial com a África. Com a implantação crescente de empresas chinesas na África, para facilitar o estabelecimento de contatos diretos entre as empresas chinesas e africanas, a partir do segundo semestre de 1998

Page 107: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

92

Analisando as afirmações acima mencionadas e o discurso do Ministro do

Comércio da China, pode-se concluir que as enfatizadas declarações são típicas de um

país que utiliza-se do soft power em suas estratégias. Contudo, ao contrario deste

discurso, não é essa realidade que o acompanha e que a presença Chinesa demonstra em

Angola. O conceito mais apropriado para a relação entre Pequim e Luanda é o conceito de

cunho econômico, power currencies. Este último refere-se quanto aos recursos

específicos de um país que são valorizados por atores num contexto de relacionamento. A

denominação de power currencies explica-se pela analogia com o dinheiro. Controle dos

recursos, relações interpessoais, habilidades de comunicação e especialidade no assunto

são os diferentes recursos de power curencies que um ator pode ter sobre a outra

(Wilmont & Hocker,2011). O poder econômico, dependendo do contexto pode ser

considerado hard ou soft. Esta visão é defendida por Alexander Vuving:

“A relação entre Angola e China (como sua relação com a União

Europeia e os Estados Unidos) é dominada pelo petróleo. Várias

companhias chinesas estão a trabalhar na construção de casas

públicas e projetos de infraestrutura em Angola, financiados pelo

petróleo. Esta importante relação bilateral é provável de se manter

tão forte, enquanto o fluxo contínuo do petróleo permitir”.

(2009:06)

As relações sino-angolanas foram reatadas em 12 de janeiro de 1983 em

consequência da independência angolana (1975) e também pela abertura política lançada

por Deng Xiaoping no contexto da política externa chinesa. Como consequência, para

evitar o isolamento e a sua necessidade de importar o petróleo, China projeta-se de

maneira intensa em Angola. Pequim, para suprir as suas necessidades, custeia o

crescimento de Angola através do financiamento de inúmeras obras públicas,

especialmente em Luanda. Os técnicos chineses estão em quase todas as principais obras

do país africano, desde a construção de escolas até as redes de saneamento básico, energia

elétrica e comunicações, além de infraestrutura urbana (Pautasso, 2009). A China utiliza-

se do seu power curencies, expressos na demanda do mercado interno, no dinamismo

comercial e na capacidade financeira, como instrumento de política externa para obter o

petróleo e diversificar a inserção internacional do País.

Page 108: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

93

Os benefícios econômicos são evidentes nesta relação: enquanto houver petróleo,

ambos serão beneficiados. Os recursos chineses representam volumosos montantes em

investimentos estrangeiros em Luanda. A relação sino-angolano é um exemplo de que o

soft power chinês é apenas aplicado enquanto houver uma relação econômica. No caso de

Angola, é especialmente relevante o soft power enquanto durar o fornecimento de

petróleo. Ou seja, Luanda será beneficiada na sua reconstrução devido ao interesse pelo

petróleo.

As relações Pequim e Luanda apresentam contradições e assimetrias, resultado dos

respectivos interesses nacionais. A China é alvo de muitas críticas acerca da sua atuação

no território angolano. Por exemplo, o Centro de Estudos e Investigação Científica

(CEIC) da Universidade Católica de Angola critica o fato das empresas contratadas para

execução de projetos financiados pelo China Exim Bank serem apenas originárias da

própria China (CEIC/UCAN, 2012). Este acontecimento tornou-se obviamente uma

barreira à concorrência internacional. Considerou-se que esta ação foi devida as supostas

medidas tendenciosas e não transparente entre o governo angolano e chinês, o que

facilitou a China a controlar todos os fundos que disponibilizou até agora. Outro ponto

obscuro é a preferência dada a Pequim em projetos que não vão a concursos públicos.

Ultimamente, esta medida prejudica as próprias empresas angolanas, que não recebem

apoio do governo a fim de alcançar um maior nível de desempenho (Silva, 2011). O

porta-voz do governo angolano, Rui Falcão, rebate as críticas e diz que os investimentos

representam o caminho certo para Angola:

“Nos EUA e na Europa há muita gente a viver debaixo da ponte;

sejam humildes! Não exija da África aquilo que os países

desenvolvidos não conseguiram resolver. É fundamental primeiro

sabermos de onde viemos. Como se sabe, tivemos longos anos de

guerra, uma guerra que destruiu o país quase por completo. Para

reconstrução do país precisamos de recursos, não tivemos

condições de resolver os problemas sozinhos. Apareceu um amigo

que deu a mão, você vira as costas? Ou aperta-lhe a mão? A

comunidade internacional virou-nos as costas, o único país que

apareceu na altura disponível para nos ajudar no momento de

reconstrução do país foi a China e nós temos que estar

eternamente gratos à China.” 49

49 China bankrolling Angola with billions –Filme distribuído por Journeyman Pictures, 2011

http://www.youtube.com/watch?v=QkjH_0wKPfo

Page 109: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

94

Outro fator agravante é o fato de empresas chinesas trazerem para o trabalho a sua

própria mão de obra. As empresas chinesas não absorvem a população local, aumentando

ainda mais os problemas sociais do país e principalmente o comercio informal em

Angola.

“Os chineses vieram com o seu dinheiro, seus equipamentos e

tudo que é deles. Trouxeram os ajudantes, os mestres, eletricistas,

os pedreiros, e os angolanos que poderiam está fazendo este

trabalho, não há espaço, não há emprego para nós.”50

A falta de qualidade é outro problema que Luanda enfrenta com o término das

obras, depois de algum tempo aparecem problemas estruturais. Um dos exemplos

apontado é o Hospital Geral de Luanda. Poucos anos depois da sua construção, este

apresentou danos estruturais. Apesar dos baixos preços das construtoras chinesas, as

empreitadas na construção desse hospital ainda não permitiram um retorno do

investimento para a população, onde continua a ser atendida em tendas. Associa-se esta

situação também à incapacidade do Instituto Nacional de Regulação de Qualidade, que é

responsável pela certificação da qualidade dos projetos de construção em Angola, de não

acompanhar as construções em curso no País. Ao respeito do hospital, o diplomata chinês

em Angola Gao Kaxiang afirmou que:

“Acredito que o povo angolano quer resultados na reconstrução o

mais cedo possível. Eu não posso dizer que as construções são

perfeitas, nenhuma empresa de nenhum país pode dizer isso. Se

nós tivermos algum problema ou dificuldade, nós discutimos

sempre com a parte angolana”51

Este comportamento chinês não é visto com legitimidade e autoridade moral pelos

angolanos, exceto para o governo que compactua com a atuação chinesa através de

acordos obscuros. Ativistas contrários ao governo consideram que as empresas chinesas

são cúmplices da corrupção e desvios de verbas públicas (Silva, 2011). Esses são fatores

que representam o oposto da preconização da política soft power no que se refere a

admiração pelos respectivos valores, comportamentos e certamente ausência de subornos

para o alcance dos seus objetivos.

50 Idem 51 Idem

Page 110: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

95

Entretanto, são relações bilaterais que apresentam também grandes oportunidades e

desdobramentos para o sistema internacional. Para a China, estas representam a

manutenção do suprimento de recursos naturais e a projeção internacional do País. Para

Angola, com uma visão mais pragmática, as relações com a China são a possibilidade de

barganhar a inserção internacional, escapando às imposições das grandes potências (EUA

e antigas metrópoles) e dos organismos internacionais (como FMI) que frequentemente

violam a soberania dos países periféricos (Pautasso, 2009).

Conforme o presidente angolano José Eduardo dos Santos resumiu: “China precisa

de recursos naturais e Angola de Desenvolvimento” (citado em Vuving, 2009). Isso

mostra que Luanda tornou-se mais hábil nas negociações internacionais em termos

comerciais que são “favoráveis” ao país e dessa forma busca balancear as suas relações

internacionais, mesmo sendo alvo de críticas internas e externas mediante a sua relação

com os chineses.

4.5 – A ação do soft power brasileiro em Luanda

Muitos analistas veem uma disputa por “corações e almas” angolanos entre Brasil e

China. Porém, para Pimenta (2010) esta relação tem uma longa trajetória e isso faz com

que o Brasil adote como diferencial de sua política comercial a combinação entre

negócios e soluções de desenvolvimento institucional e social não oferecidos pela China.

Para evitar uma clara confrontação com a China, a diplomacia brasileira afirma que há

espaço para todos na economia angolana, discurso este ratificado por Alberto Esper,

presidente da Associação de Empresários Brasileiros em Angola (AEBRAN) quando este

diz:

“Não achamos que haja competição, porque ainda existe muito

espaço para cada um se desenvolver na sua capacidade. Tudo o

que o Brasil disponibilizou em termos de recursos foi utilizado. O

Brasil não deixa de colocar seus investimentos, seus recursos,

seus financiamentos em Angola por causa da presença chinesa ou

portuguesa, existe espaço para todos”. (Esper apud Uchoa 2010).

Percebe-se uma clara intenção dos investidores brasileiros em desenvolver uma

política de conciliação aos interesses em Angola, de modo que um importante aliado

brasileiro (já que ambos fazem parte dos BRICS) não se sinta explicitamente ameaçado

Page 111: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

96

pela concorrência econômica brasileira. Assim o Brasil pode manter Angola sob sua área

de influência. Trata-se de uma estratégia que podemos atrelar ao soft power brasileiro:

uma atuação que escolhe a forma pacífica de relações com outras nações, porém sempre

objetivando o seu crescimento em proporções globais.

Durante o governo de Lula da Silva o Brasil frisou uma relação simétrica com

Angola. Um exemplo dessa relação foi a participação de empresa privada angolana na

exploração de hidrocarboneto no Brasil que deu novo impulso às relações comerciais

entre os dois países. A empresa angolana Somoil venceu a concorrência para explorar

petróleo e gás na Bacia do Recôncavo Baiano, tornando-se a primeira empresa petrolífera

angolana a trilhar o caminho da internacionalização.

A empresa brasileira a Odebrecht, considerada a segunda empresa empregadora em

Angola, está no mercado angolano há mais de 26 anos, emprega 12 mil trabalhadores,

chegando até 20 mil em períodos de alta requisição de mão de obra. Além disto, as

empresas brasileiras e angolanas têm vários projetos que eles desenvolvem juntamente

em Angola. A Odebrecht e a Sonangol lançaram durante a visita de Lula da Silva uma

empresa mista que espera produzir açúcar e etanol. Este projeto foi orçamentado em 200

milhões de dólares em investimentos, com a geração de dois mil empregos diretos,

traduzindo-se em um exemplo de cooperação com repercussão social. A Odebrecht tem

um programa que busca mão de obra nacional proveniente das faculdades para estagiarem

e trabalharem no programa denominado “Jovem Aprender”, assim substituindo a mão de

obra brasileira pela angolana em quase 80% em 2011 (ANGOP, 2011b).

Essas ações influenciam o crescente comércio exterior entre as partes contratantes,

sendo uma das empresas chaves para a expansão e fortalecimento da presença brasileira

em solo africano. Uma tentativa de alcançar autonomia pela diversificação, onde o

governo brasileiro se proporia a expandir e diversificar suas parcerias e estratégias em

atuação no cenário internacional (Vigevani, 2007).

Os investimentos brasileiros em Angola não se comparam aos da China, em termos

de valores econômicos, porém, o Brasil acredita ter uma vantagem em relação a China,

nomeadamente, em termos da política para os trabalhadores africanos. Esta política

representa um recurso que está a ser utilizado nas investidas econômicas em Angola.

Page 112: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

97

Conforme o ministro do Desenvolvimento Industrial e Comércio Exterior do atual

governo brasileiro Fernando Pimentel:

“Esse é o nosso maior cartão de visitas de que estamos chegando

nesses países fazendo mais do que vender produtos e serviços. As

empresas brasileiras têm uma imagem boa na África. Isso

compensa a nossa fragilidade de financiamento em comparação

com a China”. (apud Gruddings, 2011)

A relação entre Brasil e Angola é cada vez mais crescente. Para Nedilson Ricardo

Jorge52

, “a Cooperação Sul-Sul53

está baseada na solidariedade e no interesse mútuo, o

Brasil quer ajudar o País a desenvolver-se”. O modelo brasileiro de desenvolvimento em

algumas áreas, conforme já visto, provoca admiração. Esta imagem construída pelo

Brasil, atração em decorrência de suas atitudes externas é resultado de país que aplicou

ferramentas do soft power. Outros resultados são o reconhecimento dos seus valores,

admiração pela sua cultura que inspiram os outros a segui-lo.

Contudo, além do âmbito comercial no continente africano, podemos citar também

o papel do Brasil no âmbito da segurança a ZOPACAS e no âmbito político, o exemplo

da CPLP. Estes dois mecanismos também marcam a presença brasileira em Angola.

Lula da Silva realizou um outro tipo de cooperação entre Brasil e Angola que foi o

curso para Diplomatas Africanos oferecido pela Fundação Alexandre de Gusmão, ligada

ao Itamaraty. Ministrado no Rio de Janeiro, o curso tem como participantes diplomatas de

países como Angola, África do Sul, Botsuana, Gana, Namíbia, Nigéria, Quênia, Sudão,

Sudão do Sul, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. O Brasil aposta numa estratégia na

formação intelectual de Angola e outros países africanos que no futuro possam a ser um

recurso utilizado a favor do Brasil.

Além da área econômica e intelectual, o Brasil tem com Angola projetos na área

cultural, gerido pelo Ministério da Cultural em coordenação com o Itamaraty. No dia 10

de novembro de 2008, a TV Globo Internacional, emissora brasileira de grande audiência

52 Diretor do Departamento para a África no Itamaraty durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva. Diplomatas estrangeiros

procuram formação no Brasil http://envolverde.com.br/noticias/diplomatas-estrangeiros-procuram-formacao-no-brasil/ 53 A partir de 1970 o termo sul passou a ser empregado aos países em desenvolvimento. Localizam-se geograficamente ao sul do

globo. Porém o termo Cooperação sul-sul ganhou destaque da pressão dos países em desenvolvimento por acordos internacionais que

reduzissem as disparidades econômicas entre as nações norte e sul. Está cooperação está a ganhar forças atualmente e tem exercido um papel diferenciado na atual conjuntura.

Page 113: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

98

em Angola através de suas telenovelas, realizou o “Dia da Amizade Angola-Brasil” por

meio de um espetáculo musical que reuniu mais de 20 mil pessoas em Luanda com

apresentações artísticas dos dois países.

O resultado dessas investidas levaram os angolanos a ter o Brasil como uma

referência. É visto como um país que libertou-se primeiro, um irmão mais velho. Por

exemplo, no campeonato de futebol, os angolanos torcem pelo Brasil. Pode-se dizer que

isso é uma reminiscência de tempos antigos. O povo angolano assiste telenovelas

brasileiras, emissoras brasileiras passam em Angola. Uma forte presença brasileira na

religião, principalmente em igrejas evangélicas, onde há centenas de templos em Angola.

Angolanos que creem tem uma boa visão do Brasil. Essas igrejas são vistas como um

refúgio espiritual que os brasileiros estão levando (Pepetela, 2011). Isso mostra como os

valores morais e culturais, além é claro, de investimentos econômicos em um país que

precisa de auxílio como Angola, são importantes para uma integração e cooperação entre

si.

4.6 - A ação do soft power em discursos de Lula da Silva em terras angolanas

Lula da Silva durante o seu mandato realizou duas visitas em terras angolanas

através de seus discursos possibilitou um curso de ação particular para alcançar os seus

objetivos, pelo qual firmou a sua legitimidade, a fim de realizar determinadas práticas

políticas e econômicas dentro dos recursos do soft power, bem como é levantado no

terceiro tema apresentado por Gill. Será analisado discursos do presidente Lula da Silva

na sua primeira viagem para Angola em ambos os mandatos, observando a

empregabilidade em seus discursos características do soft power, bem como a

funcionalidade e o significado da região angolana para a política externa do Brasil.

Discursos importantes que direcionaram qual a política e postura que seriam adotadas

durante o mandato de Luis Inácio Lula da Silva em Angola.

4.6.1 – Discurso de Luis Inácio Lula da Silva no primeiro mandato

O discurso do presidente Luis Inácio Lula da Silva ocorreu na reunião ministerial

Brasil e Angola, no dia 03 de novembro de 2003, em Luanda. Esta foi a sua primeira

Page 114: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

99

viagem como presidente em Angola. No início do discurso Lula da Silva enfatizou

conjuntos de temas de interesse em comum para ambos os países, onde o contexto que os

envolviam era do lado brasileiro, um interesse de um fortalecimento das relações Brasil e

África, sendo a Angola o início deste objetivo, e em contra partida Angola necessitava de

apoio de países para sua reconstrução. Diante desta conjuntura firmariam novos acordos

que impulsionariam ainda mais o relacionamento de ambos, ou seja, a afirmação dos

ideais do Brasil que se adaptam as necessidades das autoridades angolanas.

Lula da Silva no decorrer do discurso mencionou a aproximação dos dois países os

chamando de irmãos e, logo após, enfatizando a promoção das relações bilaterais. Ele fez

recordar durante o discurso o período de guerra e o momento de paz que o País estava a

viver, sendo assim, Luanda está propícia para uma maior consolidação e cooperação entre

ambos. O presidente Lula da Silva ressaltou que Angola é um dos maiores beneficiários

dos programas de cooperação técnica brasileiro. Enfatizou que Angola é ainda o destino

de grande parte considerável dos investimentos externos do Brasil, além de contar com

sistemas de crédito por parte do governo brasileiro que têm funcionado de maneira

eficiente. Esta posição fez elevar o Brasil perante Angola a uma liderança econômica, que

reforça a sua legitimidade.

Durante o discurso Luis Inácio Lula da Silva afirma que a relação entre os dois

países está embasado em afinidade espontânea e de solidariedade recíproca. Segundo

Lula da Silva: “Essas circunstancias explicam porque Angola é, desde sua independência,

uma prioridade em nossa diplomacia”. Ele também defendeu um futuro de paz,

democracia e desenvolvimento social e econômico, fatores que estão presentes nas

manifestações da tabela 3. Áreas como agricultura, educação, formação profissional

combate à fome e à miséria, combate epidemia a Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida (SIDA) foram questões mencionadas pelo presidente Lula da Silva, no qual o

Brasil atuou fortemente para contribuir para o processo de reconstrução de Angola.

Um dos acordos mencionado durante o discurso foi o Protocolo de Intenções na

Área de Meio Ambiente. Como o próprio Lula da Silva falou um tema novo na agenda

bilateral, no entanto para a comunidade internacional isso já era bastante difundido e bem

aceito. Podemos verificar neste tópico do discurso o que os construtivistas consideram

fundamental que é a distribuição de ideias. Um dos pontos áureos do discurso foi a

Page 115: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

100

menção do assento do Conselho de Segurança da ONU, segundo Lula da Silva: “ Brasil e

Angola estarão ocupando simultaneamente assentos no Conselho de Segurança,

coincidência que deve ser aproveitada para aumentarmos nossa sintonia em temas

relacionados com a paz e segurança internacional”. O presidente também mencionou da

importância da atuação da CPLP, que na época o Brasil presidia. Após esse discurso

segundo a reportagem de Becoccina (2003) o presidente Angolano, José Eduardo dos

Santos apoiou a candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho de Segurança

das Nações Unidas, além de eleger o presidente Lula da Silva como o representante dos

pobres no mundo (Sant’Anna, 2003). Objetivos alcançados depois da retórica do discurso.

Lula da Silva finalizou o seu pronunciamento ao falar da dívida histórica do Brasil

com Angola, por causa da escravidão, os laços históricos entre os dois países. O fato do

Brasil ter sido o primeiro país a reconhecer a independência de Angola e os quase 40 anos

de guerra que o país viveu foram várias vezes mencionados pelo presidente brasileiro.

4.6.2- Discurso de Luis Inácio Lula da Silva no segundo mandato.

Em seu segundo mandato (2007-2010), o presidente Lula da Silva fez-se novamente

presente em Angola a fim de reafirmar os compromissos políticos e econômicos

defendidos em seu primeiro mandato com Luanda. Em uma sessão solene de abertura do

encontro bilateral com o presidente Angolano, José Eduardo dos Santos em 18.10.2007.

O presidente brasileiro, no início do discurso, demonstrou em palavras o prazer de estar

de volta em terras angolanas: “Sinto-me em casa nesta terra, um dos berços da nossa

nacionalidade”. Palavras que objetivavam exaltar a importância do povo angolano na

formação cultural dos brasileiros, que através de palavras chaves cria uma relação de

confiança e respeito que implicará na boa recepção das autoridades angolanas aos

objetivos brasileiros, o poder suave em ação.

Lula da Silva menciona o progresso econômico e as dívidas externas decrescentes

que o Angola estava a conquistar, exaltando a paz que o País estava a viver e que

influenciou para esta positiva situação. O presidente brasileiro fez menção ao crescimento

do comércio entre os dois países desde a sua última visita a Angola, frisando que Angola

é o terceiro maior fornecedor africano para o Brasil. Um dos fatores relevantes durante o

discurso foi ao citar a Somoil, empresa petrolífera angolana, que está a explorar petróleo e

Page 116: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

101

gás na Bacia do Recôncavo, na Bahia, tornando-se a primeira empresa angolana a trilhar

o caminho da internacionalização. Resultados como este demonstra que a adoção da

política soft power pode levar a ganhos simétricos e não somente ganhos assimétricos. No

decorrer do discurso o presidente brasileiro ainda fez questões de mencionar os ganhos

obtidos por Angola através de parcerias com o Brasil, como por exemplo, a hidrelétrica

de Capanda afirmando que era o mais importante projeto de infraestrutura do país, além

dos investimentos brasileiros que ajudaram Angola a modernizar-se. Um discurso, que

segundo os temas básicos defendidos por Gill, tem uma linguagem construtiva que reflete

de forma transparente os acontecimentos.

No decorrer do discurso Lula da Silva mais uma vez menciona as relações

históricas, o reconhecimento da independência Angolana pelo Brasil. O presidente

assumiu o compromisso de ampliar a linha de crédito para obras de infraestrutura a serem

realizadas por empresas brasileiras em Angola, segundo suas palavras: “Tomei essa

decisão, pois, confio na capacidade das empresas brasileiras de ajudar a encontrar

soluções apropriadas a Angola”. Diante deste compromisso Lula da Silva reforça o

recurso da política externa, defendido pelo soft power, utiliza-se da atuação comercial,

como observado na tabela 3, para expansão do Brasil em terras angolanas.

O presidente brasileiro fez questão de mencionar os sucessos que o Brasil está

obtendo em área de biocombustível, através das políticas adotadas durante o seu mandato.

Ou seja, uma forma de persuadir Angola a fazer uma cooperação com o Brasil neste

campo, já que o Brasil demonstra certa legitimidade neste assunto. Os valores políticos do

Brasil foram exaltados por Lula da Silva: “O mecanismo de consultas políticas que

estamos estabelecendo espelha a maturidade alcançada em nossas relações bilaterais”.

Acordos na área da educação, iniciação científica, ampliação de programas de graduação

e pós-graduação para os Angolanos foram mencionados. Na questão cultural Lula da

Silva defendeu o aprofundamento das afinidades entre os dois países e a formação de

parcerias com a instalação da Casa da Cultura nos dois países.

Lula da Silva finalizou o seu discurso com a demonstração de agradecimento ao

apoio de Angola para que o Brasil assuma assento permanente no Conselho de Segurança

da ONU, ele enfatiza que é um gesto de confiança no qual o Brasil aprecia. O presidente

do Brasil falou do importante papel que Angola está a fazer em África, como a assinatura

Page 117: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

102

de acordo de paz na República Democrática do Congo. No âmbito da CPLP o Brasil e

Angola estão a trabalhar em conjunto para a recuperação econômica de Guiné Bissau. A

restauração e aprofundamento da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul foram

defendidas pelo presidente do Brasil, no qual o benefício será para todos os participantes.

Lula da Silva, com sua autoridade carismática, encerrou a sua fala com o “Renascimento

Angolano” um exemplo de inspiração para as demais nações do continente que buscam

uma estabilidade política e econômica. Palavras que possuem uma boa retórica a fim de

tornar-se persuasivo para as questões de interesse.

Os recursos do soft power encontram-se nos dois discursos acima referidos. Os

discursos foram realizados em anos diferentes, porém a situação era semelhante em

ambos os casos o presidente Lula da Silva estava no primeiro ano do seu mandato. A

postura do presidente brasileiro era a mesma em ambas as falas. Lula da Silva utilizou-se

da sua autoridade carismática para se posicionar perante as questões das políticas

internacionais e o anseio do Brasil em assumir um lugar no Conselho de Segurança da

ONU, além de deixar clara a importância do apoio de Angola para a conquista dessa

posição.

Pelos exemplos citados neste capítulo, o Brasil utiliza mecanismos do soft-power

que representam um modelo geoeconômico de inserção na África por meio de empresas

nacionais, acordos políticos, mecanismos de segurança, formação intelectual, afirmação

cultural e discursos. O Brasil demonstrou uma nova forma de fazer política externa que

não depende apenas de poderio militar, mas de diferentes frentes de atuação. A presença

do Brasil em Angola não deixa de ser estratégica, no entanto, o Brasil passa a agir com

responsabilidade, buscando seus objetivos, mas permitindo que os parceiros também

alcancem os seus. O Brasil durante o governo de Lula da Silva trabalhou para encontrar o

caminho do desenvolvimento sustentável e equitativo. A cooperação foi crucial para

transformar afinidades e interesses comuns em benefícios concretos para ambos os povos

(Campos, 2008).

Como observamos, a política externa brasileira tenta manter uma coerência entre as

suas atuações e a teoria soft power com objetivo de articular os interesses nacionais, bem

como está em sintonia com os interesses do estado angolano. O Brasil busca acercar-se de

Angola, acompanhar suas atividades e estabelecer mecanismo de cooperação.

Page 118: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

103

Considerações finais

A agenda da política mundial é algo mutável, e como tal, faz-se necessário entender

as alterações nas “regras do jogo” da política internacional, e especialmente observar as

táticas que são adequadas para vencer num tabuleiro internacional, onde o mundo

contemporâneo está inserido. Para os Estados não ficar a margem, do mundo

contemporâneo sempre em mudança, é necessário desenvolver e fortalecer capacidades

para manter-se em evidência, e assim atrair outros países a fim de realizar os seus

objetivos. No capítulo I foi explorado o que Nye (2004) chama da segunda face do poder,

o soft power, uma habilidade para estabelecer-se na agenda política mundial e atrair o

apoio de outros países para a realização dos seus objetivos.

A perspectiva do soft power demonstra que um país pode obter o seu prestígio e

manter a sua autoridade sem coagir ou subornar o outro, ou seja, o comportamento dos

outros dependerá da forma em que os recursos defendidos pelo soft power são

convertidos em resultados. Dessa forma, estratégias no âmbito da política externa, cultura

e nos valores políticos são importantes para o país que deseja promover a democracia,

direitos humanos, além de serem fatores relevantes que conduzem a uma abertura de

mercados para sustentar a sua economia, já que no mundo globalizado o equilíbrio do

poder está atrelado a interdependência econômica entre os países.

A fim de responder a pergunta de investigação estabelecida inicialmente referente à

forma como a política externa brasileira, adotada durante o governo de Lula da Silva,

atestou a operacionalização do conceito soft power em Angola, verificamos que os

recursos salientados por Nye foram importantes na dinâmica das relações entre Brasil-

Angola. Estas conclusões são resumidas e apresentadas na tabela abaixo:

Tabela 8: O soft power em Angola

Recursos

do Soft

Power

Tipos Manifestações Manifestações do soft power brasileiro em

Angola

Cultura

Cultura/

Identidade

cultural

Literatura, arte e

música.

A presença da cultura brasileira através de:

telenovelas,

-espetáculo musical: Dia da Amizade Angola-Brasil

-futebol Aspetos da cultura/identidade cultural:

- cursos para diplomatas africanos

Page 119: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

104

-refúgio espiritual: Igreja Univeral em Angola

Política

Externa

Política

externa,

atuação

comercial,

legitimidade e

credibilidade

Diplomacia,

coalizões, fóruns

multilaterais,

acordos

internacionais

- atuação em conjunto na CPLP

- país que mais recebeu investimentos do Brasil

(FILDA).

-cooperação no âmbito da agricultura (Embrapa),

medicina (Fiocruz) e energia.

Dimenções de legitimidade e credibilidade:

- relação simétrica (a presença da empresa angolana

Somoil no Brasil juntamente com a atuação das

empresas brasileiras em Angola) Atuação comercial

-perdão das dívidas

Valores

Políticos

Ideais,

valores

políticos/

domésticos.

Defesa da

democracia,

direitos humanos,

liberdade

religiosa e

política e

igualdade social.

Igualdade social

- empregabilidade de angolanos pelas empresas

brasileiras.

-cooperação de proteção social.

- formação profissionalizante Defesa da democracia e direitos humanos

- cursos para diplomatas africanos.

- refúgio espiritual: Igreja Universal em Angola

-perdão das dívidas

- a imagem do Brasil como um “irmão mais velho”.

-rompimento com o discurso culturalista.

Fonte:Sumário da autora

A tabela acima indica como o Brasil tornou-se atrativo através dos recursos do soft

power e o(s) meio(s) através dos quais estes foram operacionalizados no território

angolano. Trata-se de ações que integram o que Nye retrata: “A imagem ou atratividade

de um país é composta de atitudes externas em variedade de tipos e níveis” (2004:35).

Neste campo tridimensional, verificamos a importância da utilização de cada recurso

defendido pelo soft power , no que se refere as ações do Brasil no território angolano.

Retiramos da nossa análise que a cultura, utilizada como recurso do soft power,

traduz os valores e práticas que o Brasil possui como referência e deseja compartilha-las

para assim tornar-se atrativo. Em Angola foi utilizado o que se denomina “alta cultura”,

tendo como ação os cursos para diplomatas africanos, exatamente com o objetivo de

atingir as elites, como propõe esta parte da ação cultural. O governo brasileiro esteve

preparando o campo político/diplomático na relação entre Brasil e Angola, onde esses

diplomatas compartilharam dos valores e práticas que o governo brasileiro defende em

questões nacionais e internacionais. Além disso, as telenovelas, o futebol, espetáculos e

refúgio espiritual foram também uma forma do governo brasileiro compartilhar os seus

valores e práticas para sociedade angolana em geral, especialmente as classes mais

Page 120: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

105

baixas. O objetivo da referida ação que se enquadra na dimensão cultural é que todos,

tanto a elite quanto as baixas classes sociais, sejam atraídos cada vez mais e assim o

Brasil possa obter o que se deseja.

No que se refere à política externa, esta foi a ferramenta mais visível do Brasil

como retrata a tabela 8. As ações na CPLP, na FILDA, as cooperações realizadas tanto

com a Embrapa e a Fiocruz foram estratégias utilizadas pelo Brasil para alcançar seus

interesses tanto nacionais quanto internacionais. Dentro dos interesses do governo

brasileiro, conforme vimos nos capítulos anteriores, está à legitimidade diante da

comunidade internacional. Foi demonstrado como a intencional relação simétrica e

perdão das dívidas dentro do recurso da política externa do Brasil levou a realização

dessas ações a fim de alcançar o referido interesse diante do governo angolano.

A utilização do recurso dos valores políticos do Brasil foi materializada em ações

que se adequavam as necessidades de um país em reconstrução. A igualdade social

através da empregabilidade do povo angolano foi um diferencial em relação à China:

como já mencionamos as empresas chinesas utilizam a sua própria mão de obra, causando

insatisfação do povo angolano. Enquanto o Brasil procurava o seu espaço em território

angolano e como não tinha condições de competir com a China em termos de

investimentos econômicos, optou pela valorização da mão de obra angolana através da

empregabilidade e aperfeiçoamento profissional. Eventualmente, esta postura do Brasil

tornou-se num poderoso recurso de atração, criando, ao mesmo tempo, um diferencial no

que se refere à posição da China. A imagem do Brasil como irmão mais velho e o

rompimento com o discurso culturalista também contribuíram para a admiração dos

valores brasileiros.

Como resultado das ações acima mencionadas, o Brasil sob a égide do soft power,

conquistou em Angola coberturas políticas e econômicas. Estas manifestações do governo

brasileiro, bem como ajuda econômica aos países menos favorecidos, conduziram ao

fortalecimento da legitimidade do Brasil, um instrumento essencial na aplicabilidade do

soft power. Verificamos no decorrer do trabalho o reconhecimento da legitimidade do

governo de Lula da Silva, como por exemplo, no caso da indicação do presidente do

FEM, Klaus Schwab, como presidente modelo, a ser seguido globalmente devido aos seus

comprometimentos com o crescimento econômico e justiça. Este exemplo é indicativo da

Page 121: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

106

legitimidade conquistada pelos atores brasileiros, com a referência à autoridade

carismática e valores domésticos defendidos particularmente. Podemos concluir que se

trata, segundo Weber, de uma aprovação social que é essencial para a consolidação das

relações de poder.

A análise realizada nesta dissertação permite concluir que a referida relação de

poder associada à legitimidade esteve presente nas relações Brasil e Angola de forma

mais geral. Não podemos deixar de acrescentar que os valores domésticos e políticos

defendidos por Lula da Silva construíram um dos recursos do soft power na conquista do

seu espaço no território angolano. Esses valores foram reconhecidos pelo presidente

angolano José Eduardo dos Santos ao eleger Lula da Silva como o representante dos

pobres no mundo (Sant’anna, 2003). O referido posicionamento aponta para uma

hegemonia da política externa do Brasil no campo das ideias e da cultura, como defende

Gramsci.

A construção da legitimidade e hegemonia do Brasil perante Angola está também

atrelada à história que envolve os dois países, desde a escravidão ao reconhecimento da

independência de Angola. A teoria construtivista pode iluminar importantes

características na identidade de cada um que veio a fortalecer a política externa do Brasil

e levou a manifestações de coalizões, fóruns multilaterais e acordos internacionais como

retratado na tabela 8. Neste sentido, podemos confirmar que a teoria construtivista e o soft

power complementam-se. O presidente Lula da Silva amparou seus discursos no sentido

de sempre enfatizar uma identidade comum entre Brasil e Angola como ferramenta para

demonstrar e reforçar legitimidade e hegemonia brasileira de uma forma persuasiva e não

coercitiva em Angola. Os angolanos foram conduzidos a verem o Brasil como um país

irmão, ou seja, um irmão mais velho que tem valores que são admirados pelos angolanos,

tal como reconhecido por um dos escritores angolano, Pepetela.

Os discursos de Lula da Silva foram um exemplo da própria ação política no qual se

demonstrou o poder da linguagem enquanto uma forma de alcançar os seus objetivos.

Acima de tudo, a mudança na retórica do discurso constitui-se enquanto um fator central,

deixando de ser um discurso de solidariedade, para dar espaço a um discurso apontando

para a existência de uma dívida histórica. Esta mudança tornou-se mais atrativa aos olhos

dos angolanos devido à fase de crescimento que o país estava a viver e as necessidades de

Page 122: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

107

investimentos, ao contrário dos atos solidários. Ao afirmar um interesse no fortalecimento

das relações Brasil e África, sendo Angola o início deste objetivo, Lula da Silva confirma

um discurso em forma de ação, ou seja, a orientação da função do discurso, conforme

defendido por Gil (2002) que resultou em manifestações em Angola conforme tabela 8.

Da parte da liderança brasileira, foram expressas e transmitidas palavras que se

destacaram pelo poder de persuasão sobre os angolanos, reforçando a ideia de o Brasil

estar a ajudar a reconstruir Angola como um país irmão e parceiro. Com uma visão mais

pragmática, toda a exaltação no discurso e as ações defendidas por Lula da Silva em

Angola tiveram por objetivo ampliação da influência do Brasil no território africano,

movimentar a economia brasileira através de acordos bilaterais, especialmente obter uma

projeção internacional, através do fortalecimento de comunidades como a CPLP, Zona de

Paz e Cooperação Sul-Sul. O Brasil também quis mostrar ao mundo que tem condições de

ajudar a reconstruir um país africano, como é o caso de Angola, referindo-se a boa fase

que o país estava a viver.

Podemos verificar mediante a comparação entre a atuação do Brasil e da China, que

apesar da força econômica que a China possui, esta não tem o carisma que o governo

brasileiro conquistou durante o período de Lula da Silva, nem atitudes que se enquandram

com a política soft power. Constatamos isso através das declarações do povo africano no

que se refere ao descontentamento com as obras de infraestrutura e da política adotada

pelos chineses em terras africanas demonstrando uma atuação assimétrica da China na

região. Observamos que a China tem os recursos financeiros que Angola precisa para o

seu crescimento, mas também vimos que o interesse chinês em relação a Angola está

relacionado com algo que Angola possa oferecer a Pequim, nomeadamente, o petróleo.

Constatamos a presença do power currencies na relação China e Angola, sendo o poder

financeiro chinês um dos principais recursos nesta relação, que somente é atraente para o

governo angolano, já que a população pouco tem acesso aos benefícios que esta relação

traz ao país. Isso é perceptível nas queixas das classes mais pobres dos cidadãos africanos

devido à ausência de oportunidades de trabalhos para eles, bem como construções de má

qualidade, como o hospital em Angola.

Em contrapartida, a dissertação analisou as estratégias das empresas brasileiras que

procuram adotar mão de obra local, adotando uma postura de valorização do povo

Page 123: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

108

angolano, bem como de ajuda ao desenvolvimento do país, cooperando para o

desenvolvimento intelectual, profissional e educacional dos jovens angolanos, através de

programas como Jovem Aprender e cursos para diplomatas africanos no Brasil. Trata-se

de ações que resultam em atratividade dos angolanos em relação ao Brasil no campo da

cultura, política e valores domésticos do governo brasileiro. Eventualmente, estabelece-se

uma visão de simetria entre as duas regiões e não de uma assimetria ao que o continente

africano estava habituado. Tudo isso foram fatores relevantes para o papel e ação do

Brasil em Angola.

Durante o governo de Lula da Silva percebemos a importância e a abertura que foi

dada à participação dos decision-makers na condução da política externa brasileira, o que

diferenciou a política externa deste presidente em relação aos governos e políticas

antecedentes. Ao fazer uma análise da evolução da política externa do Brasil democrático

verificamos como a postura de um presidente tanto em questões domésticas, quanto em

questões internacionais refletem na imagem de um país. Podemos dizer que um

presidente não governa sozinho, é de grande importância a participação do MRE com os

seus decision-makers na construção da imagem de um país.

Vimos que o MRE não esteve atuante nas políticas de Collor de Mello e Fernando

Henrique Cardoso, porém, observamos que houve uma forte influência no governo de

Lula da Silva. O modelo adotado pelo presidente brasileiro juntamente com os seus

decision-makers foi meritório na construção do país. Lula da Silva com orientação para o

autonomismo, mostrou-se firme em seus propósitos, não se deixando intimidar por

grandes instituições financeiras como o FMI e potências internacionais como EUA na

imposição de regras que regem a comunidade internacional. A aspiração de tornar o

Brasil num país mais ativo e influente na política internacional ficou bem clara no

discurso proferido por Lula da Silva ao FEM afirmando qual seria o posicionamento

brasileiro, ou seja, um país mais ativo e influente na política internacional.

Tanto em discursos do presidente Lula da Silva como também pronunciamentos dos

decision-makers foram observados a presença da exaltação dos recursos do soft power .

Também foi claro que o Brasil, um país emergente, quer ter uma palavra a dizer nas

decisões tomadas ao mais alto nível, no plano da política internacional. Podemos dizer

que através dos seus discursos o presidente Lula da Silva demonstrou-se a credibilidade

Page 124: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

109

política, a boa fase econômica do país, atração cultural, e o interesse em cooperações.

Esse tipo de atuação levou a conclusão que a política externa do Brasil durante o governo

de Lula da Silva tinha a preocupação de enaltecer os atributos do soft power em Angola.

Considerando esses aspectos podemos concluir que o Brasil percebeu a importância

da cooperação entre os países, enquanto fonte da sua legitimidade, atração e

credibilidade. Neste sentido, o Brasil procurou comunicar-se com o mundo, expondo suas

habilidades políticas e o crescimento econômico que o país estava a viver, ação que foi

direcionada para aqueles países que necessitam de ajuda para o seu desenvolvimento

político e econômico, como foi o caso da Angola, um país devastado pela guerra civil,

porém disposto a reconstruir-se através de investimentos estrangeiros, e não de doações.

De acordo com Nye (2004), o soft power ganha importância relativa nesse quadro

de divisão de poder. Entretanto, os países que forem mais ágeis em desenvolver

atratividade vão ganhar mais espaço no cenário internacional através da adoção da

política soft power devido aos três fatores: comportamento, moedas primárias e políticas

governamentais. Dado exposto, concluímos que foi dentro dessa conjuntura que o Brasil

atuou em Angola, tendo como vantagem a mesma língua, o português, além do fato de

ambos os países pertencerem a uma mesma comunidade da CPLP.

Durante o período em que Lula da Silva esteve no poder procurou adotar políticas

relacionadas com a implementação dos recursos defendidos pelo soft power na ação

externa brasileira. Verificamos que o presidente Lula da Silva percebeu que para o Brasil

conseguir sua legitimidade e um lugar de destaque no cenário internacional, este tem que

competir com outras potências com uma força maior de influência, como a China. Neste

caso, fazia-se necessário adotar uma postura caracterizada pelo soft power levantando

questões de interesses globais, para demonstrar o interesses do Brasil em contribuir para o

cenário internacional.

Tendo em vista os aspectos observados, esta dissertação conclui com afirmação de

um atuante papel do Brasil na reconstrução de Angola. O governo brasileiro aproveitou a

oportunidade de estreitar os seus laços com o continente africano, afirmar a legitimidade,

capitalizando nas suas conquistas enquanto país que estava a viver um momento

econômico positivo e que estava disposto a aumentar o seu ativismo nas questões

internacionais, principalmente em relação ao seu interesse por assento permanente no

Page 125: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

110

Conselho de Segurança da ONU, que foi apoiado pelo governo angolano. A retomada do

continente africano como propriedade da agenda de política externa do Brasil nos levou a

acreditar que foi uma manobra para afirmação da política externa do País, adotando o soft

power como estratégia.

Durante os seus oito anos de governo Luis Inácio Lula da Silva escreveu um novo

capítulo nas relações entre Brasil e África, principalmente com Angola. Isto foi realizado

especialmente com apoio das ações no espírito do soft power, que foram

operacionalizadas por Lula da Silva em terras angolanas em diferentes áreas de atuação.

Concluindo a análise do discurso, bem como o comportamento político do presidente

Lula da Silva, constatamos o respectivo alinhamento tanto de interesses e oportunidades

materiais, e também a aspiração de fazer crescer economicamente, politicamente e

culturalmente um país considerado irmão, ajudando-o a conquistar seu lugar na nova

ordem internacional.

Page 126: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

111

Referências bibliográficas

Fontes Primárias

Amorim, Celso.2003a. Discurso do ministro de Estado das Relações Exteriores,

embaixador Celso Amorim, por ocasião da cerimônia de transmissão do cargo de

secretário-geral das Relações Exteriores, em Brasília. In: AMORIM, C.; Guimarães, S. P.;

LULA DA SILVA, L. I. A política externa do Brasil. Brasília: IPRI/Funag,

Amorim, Celso. 2003c. Entrevista do embaixador Celso Amorim à revista CNI –

Indústria Brasileira. Brasília:MRE,1º out. 2003b. Disponível em:

<http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.

asp?ID_DISCURSO=2175>. (Consultado em 10 maio de 2011).

Amorim, Celso (2008). Entrevista a PAIVA, Fred Melo. “Notícias do Itamaraty”.

Caderno Aliás, J4 e J5. O Estado de S Paulo, 16 de Março de 2008.

Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

(Consultado em 10 de maio de 2013)

Discurso de posse do Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro

mandato 01/01/2003. Disponível em http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-

presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/discursos-de-posse/discurso-de-posse-1o-

mandato/view (Consultado em 10 de maio de 2013)

Discurso do Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva , no XXXIII Fórum

Econômico Mundial Mundial – Davos, Suiça 26/01/2003. Disponível em

http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-

comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/525723777076-Discurso-do-

Senhor-Presidente-da-Republica-Luiz (Consultado em 30 de janeiro de 2013)

Discurso do Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva para o Fórum Econômico

Mundial Mundial – Davos, Suiça, em 29 de janeiro de 2010. Disponível em

http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-

comunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/904677838759-discurso-do-

presidente-luiz-inacio-lula-da-silva (Consultado em 30 de janeiro de 2013)

Discurso de Celso Amorim na transmiossão do cargo de Ministro de Estado das Relações

Exteriores. Ministério das Relações Exteriores Brasília 01/01/2003. Disponível em

http://www.itamaraty.gov.br/divulg/documentacao-diplomatica/publicacoes/discursos-

palestras-artigos/arquivos/2003 (Consultado em 12 de dezembro de 2012)

Page 127: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

112

IBEP - Inquerito Integrado sobre o bem estar da população. 2011 – Instituto Nacional de

Estatística do Ministério do Planejamento em Angola. Disponívell em:

http://www.childinfo.org/files/Angola_IBEP_2008-

09_Relatorio_de_Tabelas_Vol2_Por.pdf (Consultado em 28 de agosto de 2013)

International Monetary Fund, “IMF Data Mapper,” April 2011. Disponível

em:http://www.imf.org/external/datamapper/index.php (Consultado em 30 de janeiro de

2013)

Rice, Condoleeza. 2005. Remarks at the Memorial Museum of Juscelino Kubitschek.

Brasilia, Brazil,April 27, 2005. Disponível em

http://www.state.gov/secretary/rm/2005/45276.htm. (Consultado em 10 de janeiro de

2012)

______________ 2008. Remarks with Brazilian Foreign Minister Celso Amorim.

Itamaraty. Brasília Brazil, March13. Disponível em

www.state.gov/secretary/rm/2008/03/102228.htm. (Consultado em 10 de 2012 )

Sites Oficiais

ANGOP. 2011a - Relações Exteriores: Ano marcado pela redefinição da política externa

angolana-.Disponível em

http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/politica/2011/11/50/Relacoes-

Exteriores-Ano-marcado-pela-redefinicao-politica-externa-angolana,24c5121e-e18c-

43d6-8e47-aaae750eb57f.html ( Consultado em 12 de dezembro de 2012).

ANGOP. 2011b-Gestora apela cooperação entre universidades angolanas e brasileiras.

Disponível:http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/especiais/reconstrucao-

nacional/2011/10/47/Gestora-apela-cooperacao-entre-universidades-angolanas-

brasileiras,c28c9d52-4fcc-415b-8641-2ae5926ac99b.html (Consultado em 25 de outubro

de 2012)

CPLP- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Disponível em

http://www.itamaraty.gov.br/temas/mecanismos-inter-regionais/cplp (Consultado em 12

de dezembro de 2012).

EMBRAPA-Empresa Brasileira para Pesquisa Agropecuaria. Disponível em:

http://www.embrapa.br/a_embrapa/labex/africa/Escritorio_Africa#

Fundação Oswaldo Cruz: Uma Instituição a serviço da vida. Disponível em

http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-%C3%A1frica

Page 128: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

113

G-20 – Inauguração da página eletrônica do G-20. Nota n. 376. Disponível em

http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2004/08/20/inauguracao-

da-pagina-eletronica-do-g-20/?searchterm=G-

%20pa%C3%ADses%20em%20desenvolvimento (Consultado em 12 de dezembro de

2012).

República de Angola Portal Oficial do Governo Angolano-Fundo Soberano reforça

economia,2012. Disponível em http://www.governo.gov.ao/VerNoticia.aspx?id=15729

(Consultado em 12 de dezembro de 2012

Resenha de Política Exterior do Brasil. Numero 96, 1 semestre de 2005 . Disponível em

http://www.itamaraty.gov.br/divulg/documentacao-diplomatica/publicacoes/resenha-de-

politica-exterior-do-brasil/resenhas/resenha-n96-1sem-2005 (Consultado em 25 de julho

de 2013)

UNIDO- United Union Industrial Development Organization: Economic Development in

Africa. Report 2011. Disponível em http://unctad.org/en/Docs/aldcafrica2011_en.pdf

(Consultado em 30 de abril de 2012)

World Economic Forum . Disponível em http://www.weforum.org/ (Consultado em 10

de fevereiro em 2013)

World Bank, 2011- Bridging the Atlantic Brazil and Sub-Saharan Africa: South-South

partnering for growth. Disponível em

http://siteresources.worldbank.org/AFRICAEXT/Resources/africa-brazil-bridging-

final.pdf (Consultado em 10 de fevereiro em 2013)

Fontes Secundárias

Livros

Alden, Chris. 2008. China in Africa. New York: Zed Books

Brautigam, Deborah. 2009 The Dragon's Gift: the Real Story of China in Africa, Oxford:

University Press

Cervo, Amado Luiz. 2009. O Brasil e o s países emergentes. Brasilia: Edt Thesaurus.

Cervo, Amado Luiz; Bueno, Clodoaldo. 2010. História da política exterior do

Brasil.Brasília: UNB.

Dahl, Robert. 2011. Sobre a Democracia. Brasilia: UNB.

Page 129: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

114

Fonseca Jr, Gelson.2004. A Legitimidade e Outras Questões Internacionais.São Paulo:

Edt. Paz e Terra.

Garcia, Eugenio Vargas. 2005. O Brasil e a Liga das Nações (1919- 1926). Porto Alegre:

Edt UFRG

Gilpin, Robert. 1981. War and Change in World Politics. Cambridge: University

Cambridge

Gramsci, Antonio. 1978. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2ª edição.

Halliday, Fred. 2001. The World at 2000. London: Palgrave.

Huntington, Samnuel. 1997. O Choque das Civilizações e a Recomposição da Ordem

Mundial. Rio de Janeiro: Objetiva.

Taylor, Ian. 2010. The international relations of sub-Saharan Africa. New York: Edt.

Continuum.

Kaldor, Mary. 1998. New and old wars. Cambridge: Stanford University Press.

Keohane, Robert O; NYE, Joseph S. 1989 Power and interdependence. New York:

Longman.

Kingdon, John W. 2003. Agendas, Alternatives and Public Policies. New York:

Longman.

Kennedy, Paul. 1989. Ascensão e queda de grandes potências. Rio de Janeiro: Edt

Campos.

Kenneth, N. Waltz. 1959 Theory of International Politics. New York: Edt. Ramdon

House

Kindleberger, Charles P.1986 The world in depression 1929-1930. California: University

of California.

Kissinger, Henry. 1998 Diplomacia. Rio de Janeiro:Edt. Francisco Alves.

Kratochwil, Friedrich V.1989 Rules, Norms, and Decisions: On the Conditions of

Practical and Legal Reasoning in International Relations and Domestic Affairs.

Cambridge: University Press.

Lafer, Celso. 2001. A identidade Internacional do Brasil e a política externa brasileira:

passado, presente e futuro. São Paulo: Edt. Perspectiva

Page 130: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

115

Lyrio, Mauricio Carvalho. 2010. A ascensão da China como potência: fundamentos

políticos internos. Brasília: Edt. FUNAG.

Maluf, Sahid. 2007. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Edt. Saraiva.

Melo, Ovídio de Andrade. 2009. Recordações de um removedor de mofo no Itamaraty:

relatos de política externa de 1948 à atualidade. Brasilia: Edt.Fundação Alexandre de

Gusmão

Morgenthau, Hans. 2003. A Política entre as Nações: A luta pelo poder e pela paz.

Brasília: UNB.

Mosca, João. 2001. Encruzilhadas da Africa: Enfase para os PALOP. Lisboa: Instituto

Piaget.

Nogueira, João; Messari, Nizar. 2005. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo:

Edt. Campus.

Nye, Joseph. 2004. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York.

Public Affairs

__________ 2009. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Edt.

Gente.

Oliveira, Amaury Porto de. 2007. A Política Africana da China in África. Rio de Janeiro:

Edt.Fundação Alexandre Gusmão.

Saraiva, José Flavio Sombra. 2012. África parceira do Brasil atlântico: Relações

internacionais do Brasil e da África no início do século XXI. Belo Horizonte. Edt. Fino

Traço.

Semeraro, Giovanni. 1999. Gramsci e a Sociedade Civil: Cultura e educação para a

democracia. Petrópolis: Edt. Vozes.

Silveira, Rosa Maria Hessel. 2005. Cultura, Poder e Educação: Um debate sobre os

Estudos Culturais em Educação.São Paulo:Edt Ulbra

Vicente, São. 1995. A Gestão Política da Economia de Angola. Luanda: Edt. INLAD

Instituto Nacional do Livro e do Disco.

Vines, Alex; Weiner, Markus. 2011. Angola Assessing Risks to Stabilit. CSIS.

Washington 2011.

Vizentini, Paulo Fagundes. 2008. Relações Internacionais do Brasil: De Vargas a Lula.

São Paulo: Edt Fundação Perseu Abramo.

Weber, Max. 1999. Economia e Sociedade V.2. Brasilia. Edt UNB

Page 131: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

116

Wendt, Alexander. 2004. Social Theory of International Politics. Cambridge:University

Press. Cambridge.

Wilmot, W. & Hocker, J. 2011. Interpersonal Conflict. (8th ed.). (pp. 118-221). New

York: McGraw Hill.

Zani, Alexandre Patera. 2005. As Relações comerciais entre Brasil-Angola- Africa do

Sul: face ao processo da integração da SADC e na CEEAC. São Paulo: FFLCH/ USP

Zehfuss, Maja. 2004. Constructivism in International Relation- The Politics of Reality.

Cambridge: University Press.

Obras Coletivas

Ali Mazrui. 2002 "Foreword". in: Ricardo R. Lauremont (ed), The causes of war and the

consequences of peacekeeping in África. Portsmounth: Heinemann, p. xi.

Gill, Rosalind. 2002. “Análise do discurso”in: BAUER, Martin; GASKELL, George

(org). Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um Manual Prático. Petrópolis:

Vozes p. 244-270

Jaguaribe, Anna. 2011- “Brasil e China na Reorganização das Relações Econômicas

Internacionais: Desafios e Oportunidades” in Brasil e China no reordenamento das

relações internacionais: desafios e oportunidades. Brasilia. Edt Fundação Alexandre

Gusmão. (35-48)

Jorgensen, Knud Erik. 2001. “Four Levels and a Discipline” in Fierke, Karin M and

Jorgensen, Knud Erik Constructing International Relations-The Next Geration. Nova

York: M.E. Sharpe p.36-53.

Pinheiro, L. 2000. “Traídos pelo desejo: Um ensaio sobre a teoria e a prática da política

externa brasileira contemporânea”. Contexto Internacional. Rio de Janeiro. v. 22, n. 2, p.

305-336.

Ramazini Junior, Haroldo. 2006. “O G-20 e a política externa brasileira”. Belo Horizonte.

Edt. Fronteira, V.5 n.10p-33-58.

Zau, Felipe. 2007. “O Ano Zero que se Perdeu” in Angola Ano Zero. Luanda. Edt. Chá de

Caxinde

Artigos em publicação periódica

ABC - 2010. “Diálogo Brasil-África em Segurança Alimentar: Combate à Fome

e Desenvolvimento Rural”. ABC, Brasilia.

Almeida, Paulo Roberto. 2005. “Uma Nova Arquitetura diplomática ? Interpretações

divergentes sobre a política externa do governo Lula (2003-2006)”. Revista Brasileira de

Política Internacional 49 (1) 95-116 – 2005

Page 132: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

117

Amorim, Celso. 2003b. “O Brasil e o renascimento africano” - Folha de São Paulo , 25 de

maio de 2003

Anuário econômico de Angola. Luanda: Toskan, 9 edição, 2010.

Baldiwin, David A. 2002 “Power and International Relations in Handbook of

International Relations”. Longres. Sage Publications LTDA

CEIC/UCAN – “Relatório econômico e social 2011” - Centro de Estudos e Investigação

Científica da Universidade Católica de Angola

CEIC/UCAN – “Relatório econômico de Angola 2012” - Centro de Estudos e

Investigação Científica da Universidade Católica de Angola.

Ferguson, Niall. 1999. “Desperately Seeking a Perfect Mode” The Economist, April

10,1999, pp.67-68

Fishlow, Albert. 2008. “Brasil e EUA: Nova ligação bilateral na era Obama”. Revista da

Nova Bolsa Out/Dez P-15-19

Flemes, Daniel. 2010. “O Brasil na iniciativa BRIC: soft balancing numa ordem mundial

em mudança?.” Revista Brasileira de Política Internacional 53, nº 1 ( 2010): 141-156.

Gomes, Miriam Saraiva. 2011 A Política Externa do Governo de Roussef : Continuidade

nas estratégias e ajustes nas prioridades de estilos in Umbreles de America Del Sur n. 12.

Buenos Aires, Cepes

Haibin, Niu. 2010. “Emerging Global Partnership: Brazil and China”. Rev. Bras. Polít.

Int. 53 (Special Edition)

Hirst, Monica, Maria Regina Soares de Lima et Leticia Pinheiro. 2010. “A Politica

Externa Brasileira em Tempos de Novos Horizontes e Desafios” . Análise de Conjutura

n.12, dez 2010

Hong-Ming, Zhang. 2004. “A Política Chinesa na África”, in Abrindo os Olhos para a

China,org. Beluce Bellucci. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA),

pp. 233-295

Kritsch, Raquel. 2013. “De Gramsci à teoria das posses essenciais: Política, cultura e

hegemonia em os 45 cavaleiros húngaros”. Revista Estudos Políticos n.6

Mapa, Diego de Moura. 2010 “Inserção Internacional no Governo Lula: interpretações

divergentes.” Revista Política Hoje 19, nº 1: 34-79

Nkrumah, K. 1958 “African prospects”, Foreign Affairs, 37, 1, outubro, pp. 45-53.

Nogueira, Joana Laura Marinho. 2008. “A inflexão da política externa brasileira para o

Sul e o Fórum IBAS”. Conjutura Internacional – PUC Minas.

Page 133: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

118

Pecequilo, Cristina Soreanu. 2008 “A política externa do Brasil no século XXI: os eixos

combinados de cooperação horizontal e vertical”. Revista Brasileira de Política

Internacional 51, nº 02: 136-153

Saraiva, Jose Flavio Sombra. 1993. “Construção e descontrução do discurso culturalista

na política africana do Brasil”. Revista de Informação Legislativa, 113 pp.219-236.

Saraiva, Jose Flavio Sombra. 2008. “A África na ordem internacional no Seculo XXI :

mudanças epidérmicas ou ensaios de autonomia decisória?” Rev. Bras. Polit. Int. 51(1) :

87-104 Sophie Harman and William Brown. 2013. “In from the margins? The changing place of

Africa in International” Relations International Affairs 89: 1 69–87 .

Vigevani, Tullo and Gabriel Cepaluni. 2007 “A Política Externa de Lula da Silva: A

Estratégia da Autonomia pela Diversificação”. Contexto Internacional vol.29, n. 273-335.

Artigos científicos de internet

IANSA, Oxfam, and Saferworld. 2007. “Africa’s missing billions” Disponivel em

http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/africas%20missing%20bils.pdf

(Consultado em 10 de junho de 2012)

Amorim Celso. 2005. “Política externa do governo Lula: os dois primeiros anos”. Rio de

Janeiro: OPSA/Iuperj, . Disponível em:

<http://observatorio.iuperj.br/pdfs/5_analises_Artigo%20Celso%20Amorim.pdf>.

(Consultado em 03 novembro de 2011)

Angola 2012 – Disponivel em www.africaeconomicoutlook.org (Consultado em 25 de

janeiro de 2013)

Angonotícias 2007 “Negócios com a China atingem U$ 9.3 bilhões”. Disponível em

http://www.angonoticias.com/Artigos/item/12004 (Consultado em 25 de outubro de

2012)

Apex Brasil. 2009 “Bons Resultados para participantes da FILDA 2009”. Disponível em

http://www2.apexbrasil.com.br (Consultado em 10 de junho de 2013)

Apex Brasil. 2010 “Angola estudo de oportunidades”. Disponível em

http://www2.apexbrasil.com.br/media/estudo/angola_16102012173218.pdf (Consultado

em 10 de junho de 2013)

Page 134: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

119

Apex Brasil. 2013 Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.

Disponível em http://mercadofoco.apexbrasil.com.br/angola/informacoes-

estrategicas/macroindicadores-/panorama-economico (Consultado em 10 de junho de

2013)

Becoccina, Denize. 2003. “Governo de Angola promete apoiar o Brasil na ONU”.

Disponível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2003/11/031103_angolaebc.shtml

(Consultado em 20 de janeiro 2012)

Berlinck, Deborah. 2011. “Instituto de Estudos Políticos”- Entrevista com o Diretor do

Science-po Richard Descoings Disponível em

http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/22/instituto-de-estudos-politicos-de-paris-diz-

seu-diretor-quer-investir-em-emergentes-925424265.asp (Consultado em 30 de junho de

2011).

Campos, Diego Araújo. 2008. “A África na Política Externa Brasileira”. Disponível em

http://mundorama.net/2008/04/08/a-africa-na-politica-externa-brasileira-por-diego-

araujo-campos/. (Consultado em 15.de junho de 2011)

Carneiro, Julia Dias. 2011. “Entrevista com Pepetela: Angolanos olham para o Brasil,

mas brasileiros não olham para Angola, diz escritor”. Disponível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/09/110908_angola_entrevista_jc.shtml

(Consultado em 13 de agosto de 2011)

Fagundes, Pedro Ernesto. 2011. “A Crise no Mundo Arabe e seus efeitos na 3ª Cúpula

America do Sul- Paises Arabes (ASPA)” Disponivel em

http://mundorama.net/2011/03/03/a-crise-no-mundo-arabe-e-seus-efeitos-na-3%C2%AA-

cupula-america-do-sul-paises-arabes-aspa-por-pedro-ernesto-fagundes/ (Consultado em

13 julho de 2013)

Fellet, João. 2011a. “Popularidade do Brasil é a que mais cresce em Pesquisa Global”.

Disponível em: Disponível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/03/110304_pesquisa_brasil_jf.shtml?s

(Consultado em 13 de julho de 2011)

Fellet, Joao. 2011b. “Angola, com líder mais longevo da África, tem 25 mil profissionais

brasileiros”.Disponível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/09/110908_angola_presidente_jf.shtml

(Consultado em 12 de outubro de 2011)

Gilley,Bruce. 2010 “The End of the African Renaissance”. Disponível

em:[www.twq.com/10october/docs/10oct_Gilley.pdf]. (Consultado em 05 de janeiro de

2011)

Glaser, Bonnie S. & Melissa E. Murphy. 2009. “Soft Power with Chinese

Characteristics”. Disponível em

Page 135: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

120

http://csis.org/files/media/csis/pubs/090310_chinesesoftpower__chap2.pdf (Consultado

em 10 de janeiro de 2012)

Grudgings, Stuart. 2011. “Análise em meio a crise dos ricos. Brasil volta-se para a

África”. Disponível em http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/11/analise-em-meio-

a-crise-dos-ricos-brasil-volta-se-para-a-africa.html (Consultado em 12 de maio de 2013)

Huse, Martine Dahle & Muyakwa, Stephen. 2010 L. “China in Africa: lending, policy

space and governance” Disponível em: <http://www.eurodad.org/uploadedFiles/

Whats_New/Reports/China_in_Africa.pdf> (Consultado em 14 de abril de 2012)

Mendonça, Gustavo Resende. 2011. “Resenha do livro: The future of power”. Disponível

em http://mundorama.net/2011/04/25/resenha-do-livro-%E2%80%9Cthe-future-of-

power%E2%80%9D-de-joseph-nye-por-gustavo-resende-mendonca/ (Consultado 25 de

julho de 2013)

Melo, Ovídio de Andrade. 2000. “O Reconhecimento de Angola pelo Brasil em 1975”.

Disponível em http://www.cebela.org.br/imagens/Materia/2000-2%20075-

133%20ovidio%20de%20andrade%20melo.pdf ( Consultado em 12 de janeiro de 2013)

Muniz, Renata Cavalcante. 2011. “Inserção Geo-economica do Brasil na Africa”.

Disponível em http://mundorama.net/2011/05/05/insercao-geo-economica-do-brasil-na-

africa-por-renata-cavalcanti-muniz/ (Consultado em 13 de junho de 2011)

Naves, Luís. 2010 “Nova Constituição Angolana reforça poderes do Presidente”.

Disponível em

http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1475996&seccao=CPLP

(Consultado em 12 de setembro de 2011)

Pepetela. 2011. “Entrevista concedida a BBC Brasil”. Disponível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/09/110908_angola_entrevista_jc.shtml

(Consultado em 11 de novembro de 2011)

Perspectivas Econômica na África -2012 Disponível em

:http://www.africaneconomicoutlook.org/po/paises/southern-africa/angola/# (Consultado

em 02 de fevereiro de 2013)

Pimenta, João Ulisses Rabelo.2010 “Angola Estudos de Oportunidades 2010”. Apex –

Brasil-Brasilia.

Roncaglia, Daniel. 2010 "Lula conquista prêmio de Estadista Global do Fórum

Econômico Mundial" Folha OnLine . Disponivel em

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u682217.shtml (Consultado em 25 de

maio de 2013)

RPT-“Fitch affirms Angola at 'BB-'; positive Outlook”. Disponível em

http://www.reuters.com/article/2013/05/07/fitch-affirms-angola-at-bb-positive-outl-

idUSFit65692220130507 (Consultado em 14 de maio de 2013)

Page 136: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

121

Sant’Anna, Lourival. 2003 “Lider Angolano vê em Lula o advogado dos pobres”. Estado

de São Paulo. Disponível em http://www.lourivalsantanna.com/angola0001.html (Consultado em 01 de setembro de 2013)

Silva, Guilherme Correia. 2011 “Negocios da China com cunho Angolano”. Disponível

em: http://www.dw.de/neg%C3%B3cios-da-china-com-cunho-angolano/a-6648933

(Consultado em 10 de julho de 2012)

Uchoa, Pablo. 2010 “Brasil mostra o lado mais agressivo em Angola”. Disponível em

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/09/100908_eleicoes_angola_pu.shtml?s.

(Consultado em 25 de janeiro de 2010)

Villaverde, João. 2011. “O poder muda de mãos” Disponível em

http://www.outroladodanoticia.com.br/inicial/15058.html (Consultado em 20 de maiode

2013)

Page 137: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

122

Page 138: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

123

Anexo I - Acordos Bilaterais Brasil-Angola

Acordos Data da Celebração Acordo de Cooperação Cultural e Científica 11/06/1980

Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica 11/06/1980

Acordo de Cooperação no campo das Comunicações (Protocolo adicional ao

Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica) 20/10/1983

Acordo sobre a Supressão de Vistos em Passaportes Diplomáticos e de

Serviços 31/05/1999

Acordo sobre a Supressão de Vistos em Passaportes Diplomáticos, Especiais e

de Serviços (no âmbito da CPLP) 17/07/2000

Acordo para Apoiar o Desenvolvimento do Programa Nacional Escola para

Todos (Ajuste complementar ao Acordo de Cooperação Econômica,

Científica e Técnica)

01/08/2002

Acordo para a Implementação do Projeto Reorganização, Fortalecimento

Institucional e Inovação Metodológica da Extensão Rural como Estratégia de

Desenvolvimento Rural Sustentável em Angola (Ajuste complementar ao

Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

03/11/2003

Acordo para a Implementação do Projeto de Fortalecimento Institucional dos

Institutos de Investigação Agronômica e Veterinária de Angola (Ajuste

complementar ao Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

03/11/2003

Acordo para Implementação do Projeto de Fortalecimento da Educação

Ambiental em Angola (Ajuste complementar ao Acordo de Cooperação

Econômica, Científica e Técnica)

03/11/2033

Acordo para as Áreas do Trabalho, Emprego e Formação Profissional (Ajuste

complementar ao Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica) 03/11/2003

Acordo para Implementação do Projeto Inserção Social pela Prática Esportiva

(Ajuste complementar ao Acordo de Cooperação Econômica, Científica e

Técnica)

19/01/2005

Acordo para Implementação do Projeto Capacitação do Sistema de Saúde da

República de Angola (Ajuste complementar ao Acordo de Cooperação

Econômica, Científica e Técnica)

09/07/2007

Acordo para a Implementação do Projeto Formação de Docentes em Saúde

Pública em Angola (Ajuste complementar ao Acordo de Cooperação

Econômica, Científica e Técnica)

09/07/2007

Acordo para a Implementação do Projeto Escola para Todos (Ajuste

complementar ao Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

18/10/2007

Acordo para a Implementação do Projeto Capacitação para Elaboração de

Proposta de Reforma Curricular (Ajuste complementar ao Acordo de

Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

18/10/2007

Page 139: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

124

Acordo para a Implementação do Projeto Apoio ao Programa de Prevenção e

Controle da Malária (Ajuste complementar ao Acordo de Cooperação

Econômica, Científica e Técnica)

18/10/2007

Acordo para Implementação do Projeto Fortalecimento da Preservação da

Memória e da Produção Audiovisuais de Angola (Ajuste complementar ao

Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

17/07/2008

Acordo para Implementação do Projeto Fortalecimento da Preservação da

Memória e da Produção Audiovisuais de Angola (Ajuste complementar ao

Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

17/07/2008

Acordo de Cooperação entre o Governo da República de Angola e o Governo

da República Federativa do Brasil, no domínio do turismo 17/04/2009

Acordo para Implementação do Projeto Piloto em Doença Falciforme (Ajuste

complementar ao Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica) 23/06/2010

Acordo para Implementação do Projeto Capacitação na Assistência Técnica e

Extensão Agrária para Técnicos Angolanos (Ajuste complementar ao Acordo

de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

23/06/2010

Acordo para Implementação do Projeto Apoio à Formação Profissional Rural

e Promoção Social em Angola (Ajuste complementar ao Acordo de

Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

23/06/2010

Acordo para Implementação do Projeto Apoio à Implantação do Serviço de

Sanidade Vegetal e Capacitação Técnica para Inspeção Fitossanitária (Ajuste

complementar ao Acordo de Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

23/06/2010

Acordo para Implementação do Projeto Apoio ao Sistema Nacional de

Investigação Agrária de Angola (Ajuste complementar ao Acordo de

Cooperação Econômica, Científica e Técnica)

23/06/2010

Acordo de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a República

de Angola no Domínio da Defesa 23/06/2010

Acordo de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a

República de Angola no Domínio da Educação Não-Superior e Formação 23/06/2010

Acordo de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e a

República de Angola no Domínio do Ensino Superior e Formação de Quadros 23/06/2010

Protocolos Data de Celebração

Área de Desenvolvimento Educacional 10/09/1991

Coordenação Técnica no Domínio da Segurança e da Ordem Pública 14/11/2000

Cooperação Técnica na Área do Meio Ambiente 03/11/2003

Cooperação Técnica na Área de Agricultura e Pecuária 03/11/2003

Cooperação de Técnica para apoio ao Instituto de Formação de Administração

local 03/11/2003

Page 140: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

125

Fortalecimento da Educação Ambiental em Angola 03/11/2003

Cooperação Técnica no Domínio do Petróleo 04/11/2003

Cooperação Técnica na Área de Administração Pública 03/05/2005

Fonte: APEX Brasil Disponível em http://mercadofoco.apexbrasil.com.br/angola/informacoes-

estrategicas/acordos-bilaterais

Page 141: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

126

Page 142: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

127

Anexo 2 – Discurso do Presidentes da Republica, Luís Inácio Lula da Silva, por ocasião

da abertura da reunião minsterial Brasil – Angola, 03/11/2003

É imensa minha satisfação em inaugurar este encontro de trabalho. Queremos examinar

aqui, com as autoridades angolanas, extenso conjunto de temas de interesse comum para

nossos países. Como resultado desse esforço, estou certo de que iremos firmar novos

acordos que impulsionarão ainda mais o nosso relacionamento. Gostaria de agradecer a

todos os membros dos governos de Angola e do Brasil que participam desta

reunião. Obrigado por seu trabalho, por seu entusiasmo e por sua contribuição para levar

adiante esta já antiga e sólida amizade entre os dois países irmãos.

Quero dedicar um agradecimento especial ao Presidente José Eduardo dos Santos, pelo

carinho que tem pelo Brasil e pelos brasileiros e pela dedicação à promoção de nossas

relações bilaterais. Devo felicitá-lo muito especialmente pelo fato de nos encontrarmos

hoje em um país em paz. A nação angolana, após décadas de sofrimento, pôde retomar o

caminho da reconciliação nacional e da prosperidade. Com sabedoria e visão de futuro,

Angola pode hoje voltar-se também para os problemas de sua região.

Merece reconhecimento a ação diplomática angolana para o bom

encaminhamento da questão da República Democrática do Congo, bem como no que

concerne às crises em Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe; nossos parceiros na

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.

Senhor Presidente,

Associados de longa data, Angola e Brasil preparam-se para consolidar e aprofundar sua

cooperação. Este país é hoje o principal beneficiário dos programas de cooperação técnica

brasileiros. Angola é ainda o destino de parte considerável dos investimentos

externos do Brasil, além de contar com sistema de crédito por parte do governo brasileiro,

que tem funcionado de maneira eficiente..............................................

Por isso, nossas relações se inscrevem em um contexto de afinidades espontâneas e

solidariedade recíproca. Essas circunstâncias explicam por que Angola é, desde sua

independência, uma prioridade de nossa diplomacia. Antevemos um futuro de paz,

democracia e desenvolvimento social e econômico. Uma Angola forte e próspera poderá

ser o motor do avanço de toda uma região. O desenvolvimento de Angola se refletirá em

benefícios também para o Brasil, e vice-versa. .

Senhor Presidente,

Nossos companheiros de governo tratarão hoje da cooperação em áreas como agricultura,

educação e formação profissional, entre outros. O objetivo é contribuir para o processo de

Page 143: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

128

reconstrução nacional angolano.Na área agrícola, as possibilidades são extremamente

promissoras. A EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, instituição de

reconhecida excelência, apoiará o projeto de fortalecimento dos Institutos de Investigação

Agronômica e Veterinária de Angola.

Há projetos em matéria de extensão rural e agricultura familiar, áreas relevantes para o

desenvolvimento rural sustentável, e, claro, para o combate à fome e à miséria.

Na área de saúde, queremos trabalhar juntos em matéria de imunizações e malária. O

Brasil quer também continuar a apoiar Angola no combate à devastadora

epidemia da SIDA.

Tenho, igualmente, grande expectativa em torno da execução do acordo, assinado há

pouco mais de um ano, relativo ao apoio brasileiro à reestruturação do programa de

ensino básico e médio em Angola. O Brasil entende a fundamental

importância do programa angolano, Escola para Todos, e quer contribuir, conforme as

orientações e prioridades do governo angolano, para seu bom encaminhamento.

Senhor Presidente,

Os documentos que subscrevemos ao fim destes encontros marcarão os novos

caminhos da nossa cooperação. Um bom exemplo é o Protocolo de Intenções na Área de

Meio Ambiente. O tema, praticamente novo na agenda bilateral, poderá ter

desdobramentos positivos, inclusive na área de licenciamento ambiental.

Será assinado também um Programa de Trabalho sobre Cooperação Científica e

Tecnológica. Esse documento reflete a determinação de estendermos a nossos cidadãos os

benefícios dos avanços do conhecimento. No setor pretrolífero, contemplamos a

participação da Petrobrás e da Agência Nacional do Petróleo em projetos de cooperação

técnica, como o levantamento de dados em bacias terrestres de produção.

.

Há ainda um acordo a ser assinado entre o Ministério da Juventude e Desportos de

Angola e o Ministério do Esporte do Brasil, projetos de apoio ao Instituto de Formação de

Quadros de Administração Local (IFAL) de Angola, bem como a cooperação para a

modernização do Estado. A extensa e diversificada agenda bilateral inclui vários outros

temas igualmente relevantes. .

Temos, igualmente, ampla gama de temas regionais e multilaterais de interesso comum.

Devemos demonstrar capacidade de compartilhar pontos de vista e articular posições

sobre temas como comércio internacional, direitos humanos, cooperação internacional

para o desenvolvimento, reforma das Nações Unidas, entre tantos outros.

Dentro de poucos meses, Brasil e Angola estarão ocupando simultaneamente assentos no

Page 144: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

129

Conselho de Segurança, coincidência que deve ser aproveitada para aumentarmos nossa

sintonia em temas relacionados com a paz e segurança internacionais, com vistas a uma

participação coordenada e afirmativa em favor da solução pacífica de conflitos

e do multilateralismo. Isso tudo sem falar nos interesses que nos unem na

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa , CPLP, que atualmente tenho a honra de

presidir.

Senhor Presidente,

Estou seguro de que nossos trabalhos, no dia de hoje, contribuirão para a construção de

um relacionamento ainda mais consistente e produtivo, baseado nos tradicionais laços que

unem Angola e Brasil. Eu queria dizer ao presidente José Eduardo que a nossa visita à

Angola é o cumprimento de um compromisso histórico. Em primeiro lugar, do meu

partido; em segundo lugar, do meu programa de governo. E essa visita visa a fazer um

sinal para dentro do Brasil e para fora do Brasil. .

Nós queremos estreitar e aprimorar, ainda mais, a boa relação existente entre Angola e

Brasil. Nós entendemos que o Brasil, como um país de língua portuguesa, e

economicamente mais forte, maior em população e um país mais rico, precisa fazer gestos

concretos de solidariedade, fazer gestos concretos de generosidade e, ao mesmo

tempo, dar sinais para o resto do mundo que o Brasil tem dívidas históricas com o

continente africano, que o Brasil tem dívidas históricas com Angola, e que o Brasil quer,

com gestos e com políticas afirmativas, concretas, resgatar a nossa relação que, durante

tanto tempo, ficou um pouco esquecida. .

Eu quero terminar agradecendo ao Presidente José Eduardo pelo apoio que tem dado ao

Brasil em ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. E dizer

ao Presidente que nesses próximos três anos de mandato, que tenho

como Presidente da República do Brasil, dedicarei todo esforço possível, de todo o meu

governo, para que a relação entre Angola e Brasil seja a mais perfeita e a mais produtiva

possível. Se depender de nós, queremos fazer em três anos aquilo que, possivelmente, não

tenhamos feito durante tantos anos. E isso não é nenhum favor. É apenas fazer justiça

com um povo que tanto contribuiu para que o Brasil fosse o que é hoje.

Muito obrigado.

Page 145: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

130

Page 146: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

131

Anexo 3 - Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na Sessão

Solene de Abertura do Encontro Bilateral com o Presidente de Angola, José Eduardo dos

Santos - Luanda, Angola, 18/10/2007

É um prazer retornar a Luanda e reencontrar o presidente José Eduardo dos Santos. Sinto-

me em casa nesta terra, um dos berços da nossa nacionalidade. Vim a Angola na minha

primeira visita à África. Retorno no início de meu segundo mandato, para ver de perto os

progressos de nossa parceria. Angola começa a realizar o imenso potencial de sua

natureza e de seu povo. A economia cresce a taxas elevadas, com inflação e dívida

externa decrescentes.

É uma nação em paz, que fortalece suas instituições democráticas. Desde minha última

vinda, nosso comércio aumentou quase cinco vezes, com exportações angolanas anuais de

460 milhões de dólares. Angola é o terceiro maior fornecedor africano do Brasil e quarto

maior importador de produtos brasileiros na África. Este ano, os números são ainda mais

promissores. Até julho, o fluxo total já ultrapassou um bilhão de dólares. Nossas relações

são históricas. Em 1975, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de

Angola. Financiamentos brasileiros tornaram possível a construção da Hidrelétrica de

Capanda, o mais importante projeto de infra-estrutura do país. Nossos créditos ajudaram o

país a se modernizar. Hoje, mais do que nunca, o Brasil redobra essa aposta. Por isso,

anunciei nova ampliação de um bilhão de dólares desta linha de crédito.

Tomei essa decisão, pois confio na capacidade das empresas brasileiras de ajudar a

encontrar soluções apropriadas a Angola. São obras de infra-estrutura viária, habitacional,

de saneamento básico, de exploração e produção de energia. A Petrobrás triplicou o

número de blocos em que está explorando petróleo. Os investimentos angolanos também

estão presentes no Brasil: a Somoil venceu disputa para explorar petróleo e gás na Bacia

do Recôncavo, na Bahia, tornando-se a primeira empresa petrolífera angolana a trilhar o

caminho da internacionalização. A expressiva participação brasileira na Feira

Internacional de Luanda, em julho deste ano, ajudou a identificar novas parcerias, na

agricultura e construção naval, por exemplo.

Esse também é o objetivo da missão empresarial que me acompanha hoje. A abertura de

um Consulado-Geral angolano, em São Paulo, em abril deste ano, foi outro passo

importante para estreitar contatos. Angola é uma potência petrolífera. O Brasil é auto-

suficiente na produção de petróleo. Não obstante, podemos, juntos, participar da próxima

revolução energética: a dos biocombustíveis. Há mais de 30 anos, o Brasil produz

carburantes que combinam segurança energética com amplos benefícios econômicos,

sociais e ambientais. A mistura de 25% de etanol à gasolina e o uso do álcool combustível

em veículos flex fuel permitiram diversificar nossa matriz energética. A indústria de

biocombustíveis já criou 6 milhões de postos de trabalho no Brasil. Gera renda e colabora

para evitar o êxodo rural e o inchaço urbano.

Page 147: Universidade do Minho - repositorium.sdum.uminho.pt€¦ · o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010). Num contexto de Renascimento Africano e subsequente valorização

132

Entre os beneficiados estão pequenos agricultores em zonas semi-áridas deprimidas. A

cooperação em biocombustíveis é somente um exemplo do que podemos fazer juntos. O

Brasil ajudou a estabelecer um centro de formação profissional em Cazenga, hoje

plenamente administrado pelos angolanos. Assinaremos hoje acordos sobre iniciação

científica, prevenção e controle da malária, reforma curricular e execução do Projeto

"Escola de Todos". São iniciativas destinadas a habilitar o povo angolano a apropriar-se

das conquistas da tecnologia moderna. Vamos ampliar os programas de graduação e pós-

graduação para estudantes angolanos no Brasil, com a vinda mais 100 estudantes por ano

para cursos de verão em instituições científicas brasileiras.

O aprofundamento de nossas afinidades e parcerias passa também pela instalação de

Casas de Cultura nos dois países. O Mecanismo de Consultas Políticas que estamos

estabelecendo espelha a maturidade alcançada em nossas relações bilaterais.

Concordamos que essa coordenação deve incluir os grandes temas globais, desde as

negociações comerciais multilaterais até a mudança de clima. A expansão do Conselho de

Segurança é, nesse contexto, inadiável. O apoio de Angola a que o Brasil assuma assento

permanente no Conselho é gesto de confiança que muito apreciamos. Expressa a

excelente colaboração que nossos países mantiveram no recente período em que

estivemos juntos no Conselho. Reflete também a época em que o Brasil esteve à frente da

luta pela pacificação de Angola nas deliberações do Conselho de Segurança.

Angola é hoje reconhecida como um fator de estabilidade no continente africano. Exerceu

papel fundamental na assinatura dos acordos de paz na República Democrática do Congo,

em meados de 2003, e empenha-se pela estruturação das forças de paz regionais na

África. No âmbito da CPLP, nossos países estão trabalhando pela normalização política e

recuperação econômica em Guiné Bissau. Com este fim, consideramos fundamental que

Guiné Bissau passe a integrar a agenda da Comissão de Construção da Paz da ONU. Para

aprofundar a união entre Angola e Brasil, estamos revigorando a Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul.

A iniciativa angolana de organizar a reunião ministerial de junho deste ano foi passo

importante nessa direção. Caro amigo José Eduardo, Nunca o Brasil buscou tanto se

aproximar dos países africanos. Estive em dezenove países do continente - em alguns,

mais de uma vez - e recebi grande número de chefes de Estado africanos no Brasil.

Determinei a abertura de Embaixadas e o envio de múltiplas missões de cooperação. É

com o compromisso de aproximar mais nossos países que volto a este país tão querido

dos brasileiros. O "Renascimento Angolano" servirá de exemplo e inspiração para as

demais nações do continente que buscam estabilidade política e desenvolvimento

econômico e social. É com essa convicção que faço sinceros votos pelo continuado êxito

de Angola e sua história de lutas e vitórias. Contem com o Brasil.

Muito obrigado.