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UNIVERSIDADE DO MINHO Escola de Ciências - Braga
Relatório de estágio
Licenciatura em Biologia Aplicada
As Algas como bioindicadores no contexto da
Directiva Quadro Europeia para a água
Hugo Miguel Preto de Morais SARMENTO
2001
Orientador de estágio em Bi-Eau: Maria LEITÃO
Supervisor da Universidade do Minho: Margarida CASAL
15, rue Lainé-Laroche 49000 Angers
FRANCE
Tel. : +33 (0) 241 88 52 88 Fax. : +33 (0) 241 86 86 44
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1. INTRODUÇÃO
Há várias décadas que a qualidade da água faz parte da agenda política de
muitos governos de países desenvolvidos, nomeadamente na Europa central e do
norte. Com fronteiras políticas que nem sempre correspondem às fronteiras
hidrológicas impostas pela natureza, as acções no sentido dum melhoramento da
qualidade da água por parte destes países não passavam de actos isolados e
esporádicos, muitas vezes forçosamente anulados pelo percurso multinacional de
certos cursos de água ou pela incontrolável contaminação por águas subterrâneas.
Pela primeira vez, em 23 de Outubro de 2000, assiste-se a uma prova de
vontade e coragem política da parte da Comunidade Europeia em relação à política
da água, através da aprovação da Directiva Quadro 2000/60/CE “Estabelecimento
dum quadro para uma política comunitária no domínio da água”. Considerada, mesmo
nos países mais avançados na matéria, como “ambiciosa”, esta Directiva pretende ser
o motor de arranque dum conjunto de acções tendo em vista o alcançar e o manter
duma boa qualidade da água em território europeu.
Um dos países da Europa mais desenvolvidos em matéria de água é, sem
dúvida, a França. O seu esforço e investimento na qualidade da sua água é
mundialmente reconhecido. O volume de trabalhos neste ramo é tal, que a actividade
não se restringe apenas a entidades estatais, mas também a todo um mercado de
empresas de pequena e média dimensão. Esta abertura ao privado, e por questões de
uniformização de métodos e validação de resultados, envolve todo um trabalho de
normalização e de desenvolvimento de técnicas estandardizadas.
É precisamente nesse contexto que este trabalho se enquadra, descrevendo
uma experiência de estágio de fim da Licenciatura em Biologia Aplicada no âmbito do
Programa Europeu de mobilidade transaccional Leonardo da Vinci, no decorrer do ano
de 2001, em Angers-França, que teve lugar numa pequena empresa de estudos no
domínio da água, mais propriamente no que respeita a microalgas. A descrição da
entidade acolhedora onde se desenrolou o estágio, a empresa Bi-Eau, é feita no
Capítulo 2.
No Capítulo 3 faz-se uma descrição sumária do conteúdo da dita Directiva
Quadro Europeia, assim como da sua abordagem através de métodos biológicos.
Igualmente neste Capítulo, estabelece-se uma breve caracterização dos métodos
biológicos implementados em França e de outros em plena fase de desenvolvimento.
Entrando mais propriamente na actividade de Bi-Eau, procede-se, no
Capítulo 4, a uma breve introdução ao mundo das algas e aos processos que
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permitem a sua utilização enquanto ferramentas biológicas de controlo de qualidade
da água.
Nos Capítulos 5, 6 e 7 são descritas as várias abordagens possíveis através de
três subconjuntos diferentes de algas, tal como as respectivas metodologias e
possibilidades de aplicação.
Por fim, no Capítulo 8 são discutidas as perspectivas para o futuro e sugeridos
alguns melhoramentos.
Com este trabalho pretende-se ilustrar a prática corrente num país pioneiro no
controlo de qualidade das suas águas, a França, assim como discutir a necessidade
de desenvolvimento de outras ferramentas no que respeita à utilização das algas.
Outro objectivo importante é a promoção duma discussão em Portugal, a curto prazo,
em torno desta Directiva Quadro Europeia para a Água, nomeadamente no seio da
comunidade científica, aquela que melhor a poderá interpretar e regular a sua
aplicação. Neste documento são propostas várias metodologias, podendo ser
seriamente encarado como um contributo real para a implementação de instrumentos
válidos de avaliação da qualidade da água tendo em vista as exigências da referida
Directiva.
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2. ESTRUTURA DE ACOLHIMENTO: BI-EAU
2.1. FUNCIONAMENTO
Bi-Eau é uma sociedade de responsabilidade limitada (SARL), com um capital
social de 50 000 Frs. (7 622.45 €), fundada em 1988. Sediada na morada 15, rue
Lainé-Laroche, 49000 Angers, France, a sua direcção é assegurada por Maria Leitão.
A equipa de profissionais é composta por três assalariados: Maria Leitão (doutorada
em hidrobiologia), Nathalie Borel-Nouchet (licenciada em biologia dos organismos e
das populações) e Valérie Petiteau (bacharel em análises biológicas e biotecnologia).
2.2. COMPETÊNCIAS
A sociedade Bi-Eau é um gabinete de estudos prestatário de serviços na área
do ambiente, particularmente na biologia de águas. Bi-Eau dá respostas precisas aos
problemas no que diz respeito ao domínio da água.
Esta empresa realiza estudos de eutrofização dos meios aquáticos, propõe
estudos de impacto de escoamentos agrícolas e industriais, e também de auditoria da
qualidade da água. Os seus trabalhos compreendem diagnósticos de poluição e
identificação de fontes de contaminação. Bi-Eau segue atentamente a evolução dos
povoados, a acção dos tratamentos específicos e avalia as consequências de
intervenções de recuperação do meio ambiente. A análise dos efeitos de redes pública
de saneamento urbanas ou industriais, é também alvo da actividade desta sociedade.
Por outro lado, os conhecimentos em algologia permitem efectuar análises
altamente especializadas ao nível do fitoplâncton (sistemática, quantificação,
biomassa, distribuição espacial, evolução ao longo do tempo), ou ao nível de algas
fixas unicelulares, filamentosas ou macro-algas. A determinação algal é feita de forma
precisa, sendo por vezes possível propor uma cartografia e inventários taxonómicos.
Consoante o pretendido, os trabalhos podem incidir sobre efeitos de toxicidade, de
proliferação, etc. Todas as diligências culminam num relatório completo que pretende
responder à problemática.
Bi-Eau intervém tanto no meio industrial como no meio agrícola. Para esses
meios tão exigentes, a empresa oferece um leque de análises diversificado, como
avaliação da qualidade biológica de águas minerais ou de circuitos de água
(refrigeração, desmineralização...) no sector industrial, e análise de lençóis freáticos,
de águas de piscicultura e de efeitos de águas residuais no sector agro-pecuário.
Bi-Eau não é apenas um laboratório de análises, mas também um organismo
de formação de técnicos e de quadros superiores, através de estágios (quando
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solicitados) nos domínios relativos à algologia (taxonomia, ecologia, aplicações) e ao
conhecimento dos microrganismos de água doce (fitoplâncton, zooplâncton,
organismos bentónicos, matérias em suspensão, etc.). As acções de formação
dirigem-se apenas a profissionais de água, e são realizadas, na maioria das vezes,
nos laboratórios do cliente.
É importante realçar que Bi-Eau publica regularmente artigos científicos em
revistas especializadas nacionais e internacionais (Prygiel & Leitão 1994,
Couté & Leitão 1997, Leitão & Lepretre 1998, Kelly et al 1998, Leitão & Léglize 2000,
Leitão et al 2001, entre outros). Os profissionais de Bi-Eau participam regularmente
em colóquios e congressos relativos a estes mesmos domínios de acção.
2.3. CLIENTES
Bi-Eau oferece os seus serviços principalmente a três tipos de clientes:
organismos responsáveis pela potabilização das águas (Lyonnaise des eaux,
Générale des eaux, SAUR, etc.), organismos estatais responsáveis pelo controlo da
qualidade das águas (Agences de l’Eau de Loire-Bretagne, Seine-Normandie,
Rhône-Méditerrannée-Corse e Artois-Picardie), laboratórios universitários (Laboratoire
d’Ecologie de Metz, Cellule d’Application en Ecologie de l’Université de Bourgogne,
Laboratoire de Phytogéographie de l’Université de Catholique de l’Ouest, etc.) e
colectividades (Conseils généraux de Seine-Saint-Denis, Ardennes, Essonne e
Territoire de Belfort, municípios, DDE, DDAF, DDASS, SMN, etc.). No entanto, Bi-Eau
presta serviços a outros tipos de clientes, nomeadamente no ramo industrial, como:
empresas de água mineral, EDF-GDF, Papeterie Allard, York, etc.
2.4. PARCERIAS
No quadro de estudos e publicações, Bi-Eau estabelece relações de parceria
com conceituados organismos de investigação, quer estatais (Cemagref, CNRS,
CRECEP, etc.), quer privados (IRAP, IRH, Sciences Environnement, Hydrosphère,
Hydroconcept, etc.), que permitem uma complementaridade de conhecimentos
relativos às suas competências, no sentido de alcançar respostas mais precisas às
problemáticas colocadas.
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3. DIRECTIVA QUADRO EUROPEIA
3.1. RESUMO DA POLÍTICA EUROPEIA NO DOMÍNIO DA ÁGUA
“A água não é um bem comercial como tantos outros, mas um património a
proteger, defender e que deve ser tratado como tal” (Directiva 2000/60/CE).
As primeiras directivas europeias no que respeita à água datam de meados da
década de 70, e as respectivas transcrições para a legislação nacional de cada estado
membro deram origem às primeiras redes de pontos de amostragem, com a inovação
de tomarem em conta novos parâmetros: daí em diante, a qualidade microbiológica da
água e a contaminação com produtos tóxicos passaram a ser obrigatoriamente
quantificados e controlados (Ministère de l’Amenagement du Territoire et de
l’Environnement 1999). Seria o ponto de partida para sucessivas remodelações e
actualizações da política europeia para a água.
Mais recentemente, em 23 de Outubro de 2000, foi aprovada pelo Parlamento
europeu e do Conselho a Directiva 2000/60/CE, tendo em vista o “estabelecimento
dum quadro para uma política comunitária no domínio da água”.
Dos 53 pontos de considerações gerais que constam da Directiva 2000/60/CE,
destacam-se seis com maior relevância no âmbito do presente trabalho:
(2) É necessária a criação de uma legislação comunitária tendo em vista a
melhoria da qualidade ecológica das águas de superfície em território comunitário.
(3) É necessário agir a fim de evitar a degradação a longo prazo da qualidade
da água doce e duma diminuição das quantidades disponíveis.
(26) É necessário que os Estados membros estabeleçam como objectivo
mínimo, a obtenção de um “bom” estado das suas águas, e definam e ponham em
prática as medidas necessárias dentro do quadro do programa de medidas integradas
tendo em conta as exigências comunitárias existentes. Assim que este nível seja
atingido, este deve ser mantido.
(35) É necessária a criação de Distritos Hidrográficos e das respectivas
entidades competentes (no caso de haver uma bacia hidrográfica transfronteiriça, esse
organismo deve ser da responsabilidade dos países membros em causa – Distrito
Hidrográfico Internacional).
(36) É necessária a caracterização das incidências da actividade humana e
análise económica da utilização da água. Essa informação deve fornecer aos estados
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membros uma base satisfatória para assim poderem desenvolver programas de
acção, no sentido do respeito das obrigações desta directiva.
(49) É necessária a definição de especificações técnicas a fim de assegurar
uma abordagem coerente a nível comunitário, dentro do quadro da presente directiva.
Adaptação de certos elementos ao progresso técnico e normalização de métodos de
monitorização, de amostragem e de análise, favorecendo uma compreensão
aprofundada e uma aplicação coerente dos critérios de caracterização dos distritos
hidrográficos.
A Directiva 2000/60/CE estabelece e considera águas de superfície e
subterrânea (esta última não contemplada no presente trabalho). As águas de
superfície são definidas como águas interiores (à excepção das águas subterrâneas),
águas de transição e águas costeiras, salvo no que diz respeito ao estado químico, em
que também se consideram incluídas as águas territoriais. Assim, consideram-se as
seguintes categorias de águas de superfície: rios, lagos, águas de transição
(estuários), águas costeiras e massas de água fortemente modificadas ou artificiais.
O território europeu foi dividido em 25 eco-regiões consoante as suas
características ecológicas gerais e foi definida uma estratégia no sentido de melhor
adaptar as normas standard às especificações de cada habitat, passando pela criação
de ecótipos segundo caracteres climáticos, de dimensão, altitude, tipo de solo,
conductividade, etc. para cada uma das categorias de água definidas (Van de Bund in
SEFS2 2001).
A avaliação de qualidade de águas de superfície é dada por parâmetros
químicos, como um sistema de 2 níveis de qualidade (bom e mau), e por parâmetros
biológicos, através de um sistema de 5 níveis de qualidade (muito bom, bom, médio,
medíocre e mau) (Directiva 2000/60/CE).
Esta avaliação é feita por comparação relativamente a um estado de referência
a determinar pelas entidades responsáveis de cada distrito hidrográfico. Este estado
de referência será baseado em registos históricos e em estudos de investigação
fundamental, e deverá revelar o estado de uma água de superfície sem a intervenção
da acção humana. A avaliação preliminar do estado das águas de cada distrito
hidrográfico será igualmente da responsabilidade destas entidades (Directiva
2000/60/CE).
Como objectivos, a Directiva 2000/60/CE estabelece a necessidade imediata
duma avaliação preliminar da qualidade da água, no sentido de estabelecer os
respectivos estados de referência. Para tal, torna-se necessária a normalização de
metodologias a nível comunitário. Após a avaliação, os estados membros devem pôr
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em prática programas de acção e redes de monitorização, tendo em vista o atingir de
um nível “bom” de todas as águas de superfície em território comunitário no período de
15 anos após a entrada em vigor da presente directiva.
Os objectivos gerais a cumprir segundo a Directiva 2000/60/CE encontram-se
resumidos por ordem cronológica na tabela 3.1.
Tabela 3.1 - Calendarização dos objectivos estabelecidos pela Directiva Quadro 2000/60/CE
Data limite Objectivo
2004
avaliação preliminar; caracterização num quadro eco-regional
(de cada Distrito Hidrográfico) a 3 níveis:
- análise das características
- estudo das incidências da actividade humana no estado das águas
- análise económica da utilização das águas
(até 2013, essa avaliação inicial pode ser revista, data a partir da qual, será
repetida com uma periodicidade de 6 anos)
2006 harmonização metodológica e intercalibrações
2009 estabelecimento das condições de referência e dos planos de gestão
2004 – 2015 redes de monitorização e programas de acção
2015 qualidade das águas de nível “bom”
Considera-se um “Bom estado de uma água de superfície” o estado atingido
por uma massa de água de superfície em que o seu estado ecológico e químico são,
no mínimo, “bons” (Directiva 2000/60/CE).
No que diz respeito à utilização de métodos biológicos na avaliação da
qualidade da água e na determinação dos estados de referência, o Anexo V desta
Directiva (2000/60/CE) refere-se a macroinvertebrados, macrófitos, fitoplâncton,
fitobentos e peixes, sendo a aplicação de cada um destes métodos dependente da
categoria de água em causa (Tab. 3.2).
Há ainda a considerar um outro conceito inovador nesta legislação, que é o
potencial ecológico aplicável a massas de água fortemente modificadas ou artificiais.
Sob o ponto de vista dos elementos de qualidade biológica, considera-se um potencial
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ecológico máximo, quando os valores dos parâmetros biológicos pertinentes
reflectem, tanto quanto possível, as condições dum tipo de massa de água natural
comparável, dadas as condições físicas que resultam das características artificiais ou
fortemente modificadas da massa de água. Os níveis de potencial ecológico serão
“bom” e “médio”, se os parâmetros considerados forem, respectivamente, ligeiramente
e moderadamente diferentes dos valores estabelecidos para um potencial ecológico
máximo (Directiva 2000/60/CE). De referir que, ao contrário das outras categorias de
água, para massas de água fortemente modificadas ou artificiais, os parâmetros
biológicos obrigatórios não estão definidos claramente, falando-se apenas de
parâmetros pertinentes, dada a dificuldade em definir um padrão para a diversidade de
habitates que podem ser incluídos nesta categoria (Tab. 3.2).
Tabela 3.2 - Definições normativas das classificações de estado ecológico segundo a Directiva 2000/60/CE (+ = elemento obrigatório; ? = elemento a considerar, quando pertinente).
Elementos de qualidade biológica
rios lagos águas de transição
águas costeiras
massas de água fortemente
modificadas/artificiais fitoplâncton + + + + ? fitobentos + + ? macroinvertebrados + + + + ? macrófitos + + ? Ictiofauna (peixes) + + + ? Outros (algas macroscópicas, angiospérmicas, ...)
+ + ?
No que respeita ao tema do presente trabalho, o anexo V da dita directiva tem
especial importância, uma vez que lá se encontra a descrição de todos os aspectos
específicos relacionados este tema.
3.2. UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS BIOLÓGICOS
“Si l’analyse physico-chimique constitue en effet, un essai de représentation du
milieu selon des critères plus ou moins nombreux définis par l’homme, l’analyse
biologique permet de connaître la réponse des organismes intégrateurs à des effets
globaux” (Coste 1978).
A história dos métodos biológicos na avaliação da qualidade da água começou
há mais de um século com Kolenati (1848), Cohn (1853), ambos citados por Liebmann
(1962 in Prygiel & Coste 1994). Numerosos métodos baseados na presença ou
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ausência de espécies indicadoras foram propostos depois desse período (Hellawell
1986, Fjerdningstad 1964 in Prygiel & Coste 1994), e, já na década de 50, surgiu a
necessidade de quantificar essa informação biológica. Passava-se então de um
sistema puramente qualitativo para o sistema de índices sapróbicos baseados na
carga de poluição orgânica (Plantle & Buck 1955, Zelinka & Marvan 1961 in Sládecek
1973). Ao mesmo tempo surgem os índices bióticos que combinam a utilização de
espécies indicadoras e a diversidade taxonómica, e é a partir do primeiro índice biótico
de Woodwiss (1964 in Prygiel & Coste 1994), o Trent Biotic Index, que se
desenvolvem os diferentes índices bióticos utilizados hoje em análises de rotina na
maioria dos países da Europa (Newman 1988 in Prygiel & Coste 1994).
Existem várias vantagens na utilização de métodos biológicos, como a
capacidade de integração espacio-temporal das condições do meio (ao contrário das
análises químicas que são pontuais), a sua sensibilidade à poluição por vezes inferior
à de certos aparelhos, a amplificação dos sinais (bioacumulação e bioamplificação), a
capacidade de responder em tempo real in situ ou em derivação (consoante a duração
do ciclo de reprodução do organismo indicador) e uma boa relação qualidade/preço.
Surgem, no entanto, alguns inconvenientes, como a dificuldade de normalização
(nomeadamente à escala global) e o seu carácter geralmente integrativo que não
permitem a identificação precisa das causas da poluição (Meybeck 1994 in
Cemagref 1994).
Segundo Blandin (1986 in Cemagref 1994), entende-se como bioindicador,
todo o organismo ou conjunto de organismos que – por referência às variáveis
bioquímicas, citológicas, fisiológicas, etológicas e ecológicas – permitem, duma forma
prática e segura, a caracterização do estado de um ecossistema ou de um eco-
complexo e de pôr em evidência o mais precocemente possível as suas modificações
naturais ou provocadas.
A cada nível de complexidade da pirâmide biológica, existe uma possibilidade
diferente de aplicação. Assim, surgem os conceitos de biomarcadores (nível celular ou
tecidular), bioensaios (nível do organismo) e biocenóticos (nível de comunidades).
Este último nível, baseado no estudo da estrutura das populações, destaca-se em
relação aos dois primeiros que, por sua vez constituem a ecotoxicologia (Khalanski &
Souchon 1994 in Cemagref 1994).
Os indicadores biocenóticos, em complementaridade com outros métodos
clássicos de descrição e interpretação da composição das populações (diversidade
taxonómica, diagramas rang-frequência), permitem diagnosticar poluição e
modificações do habitat físico (Khalanski & Souchon 1994 in Cemagref 1994). Em
águas de superfície, a avaliação da qualidade através de indicadores biocenóticos é
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dada quer pela presença de espécies de perfil ecológico conhecido, quer pela
ausência de taxa representativos da estrutura biocenótica. Como supra referido, o
diagnóstico mostra-se geralmente pouco específico, tendo, no entanto, a virtude de
reflectir o estado geral da pirâmide biológica (Khalanski & Souchon 1994 in
Cemagref 1994).
A determinação de parâmetros físico-químicos, embora mais fácil e rápida, é,
todavia, mais aleatória e subjectiva, visto não se conhecer a natureza de todos os
poluentes a analisar e de não existirem tabelas actualizadas para a caracterização
físico-química das águas. Através de uma análise físico-química bem padronizada
pode-se verificar se os níveis de nutrientes, metais, pesticidas e outras substâncias
tóxicas estão nos níveis recomendados. No entanto, esta avaliação é sempre
incompleta porque pontual no espaço e no tempo, impedindo a detecção de situações
esporádicas de poluição (Almeida 1998).
A utilização de métodos biológicos (fitoplâncton, zooplâncton, fungos,
bactérias, etc. como bioindicadores) permite obter uma imagem mais integradora,
global e diferenciadora do grau de poluição orgânica e do grau de mineralização da
água. É, por isso, extremamente importante a avaliação biológica da qualidade da
água uma vez que os organismos vivos em geral e as algas em particular, são
capazes de revelar situações de poluição intermitente ou contínua e de integrar as
mais diversas variações ambientais (Almeida 1998).
Em conclusão, enquanto a análise físico-química caracteriza a origem das
perturbações (presença de elementos poluentes) e informa sobre a natureza dos
poluentes, a análise biológica ou biocenótica permite identificar essas mesmas
perturbações pelos seus efeitos sobre as comunidades animais e vegetais e avaliar o
grau de perturbação, dando uma ideia da qualidade global das massas de água
(RNDE 2000).
3.2.1. Métodos Implementados
IBGN – Índice Biológico Global Normalizado
O método de determinação do Índice Biológico Global Normalizado (IBGN)
baseia-se na análise da macrofauna bentónica (com diâmetro superior a 500m) num
ponto de água corrente considerado isoladamente (AFNOR NF T 90-350 1992). Este
método, normalizado (AFNOR NF T 90-350 1992) é aplicado em 890 pontos da rede
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hidrográfica francesa (RNDE 2000) desde Outubro de 1985. O IBGN permite,
simultaneamente, a detecção de poluição clássica a dominante orgânica pela análise
do grupo faunístico indicador (diferentes sensibilidades consoante o nível de poluição),
e a percepção de perturbações físicas pela análise das classes de variedade
taxonómica (meios com menos perturbações possuem maior variedade) (Prygiel 2001
in AFNOR 2001).
O método IBGN envolve a identificação faunística ao nível da família, num
repertório taxonómico de 138 taxa, permitindo um acompanhamento da evolução
espacio-temporal da qualidade biológica da água. Permite também avaliar os efeitos
de perturbações por comparação montante-jusante (Prygiel 1994). Uma vez que os
invertebrados em geral, apresentam ciclo de reprodução relativamente prolongado,
estes dão uma resposta menos rápida às alterações do meio, pelo que, se verifica um
desfasamento no tempo de resposta (Prygiel 1994). A natureza das populações de
invertebrados depende, não só da qualidade da água mas também da natureza do
substrato utilizado (Lafont 1984; Lafont & Juget 1985 in Prygiel 1994), pelo que, o
estado deste é também avaliado nesta análise.
O IBGN é um método amplamente utilizado na avaliação da qualidade
biológica de cursos de água corrente. Dos muitos domínios de aplicação desta
metodologia, excluem-se cursos de água de profundidade inferior a 1 metro, de
corrente muito forte ou de elevada turbidimetria, estuários, nascentes/riachos e canais
(Prygiel 2001 in AFNOR 2001).
IBD – Índice Biológico Diatomáceas
As diatomáceas são algas unicelulares ou coloniais que possuem um esqueleto
em silicio e que podem viver no estado planctónico ou bêntico. Devido à sua grande
diversidade (vários milhares de espécies de água doce), ao seu carácter cosmopolita e
à sua sensibilidade variável à poluição, as diatomáceas bênticas são os indicadores
biológicos vegetais mais utilizados na Europa para a avaliação da qualidade de cursos
de água doce (Agence de l’Eau Loire Bretagne 2000). O método IBD está normalizado (AFNOR NF T 90-354 2000) e é aplicado a
mais de 600 pontos da rede hidrográfica em França (RNDE 2000). Este método
permite a avaliação da qualidade biológica global de cursos de água (matéria
orgânica, nutrientes, mineralização, acidificação, etc.) excluindo estuários e cursos de
água naturalmente salobros ou salgados (Prygiel 2001 in AFNOR 2001).
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Com um repertório taxonómico de 209 taxa (631 com sinónimos e espécies
associadas), esta metodologia aplica-se a vários níveis: monitorização ao longo do
tempo, monitorização no espaço (perfil), estudo do impacto duma perturbação por
comparação montante/jusante... O cálculo é feito tendo em conta a abundância
relativa de cada taxon, o seu perfil ecológico em 7 classes de qualidade de água e o
seu valor indicador. O resultado é expresso numericamente entre 0 e 20, tendo uma
correspondência a 5 classes possíveis de qualidade (Prygiel 2001 in AFNOR 2001).
O ciclo reprodutor das diatomáceas é muito mais curto relativamente aos
macroinvertebrados, pelo que, a resposta às variações da qualidade da água e do
substrato é significativamente mais rápida (Prygiel 1994). Assim, o tipo de informação
dada pelo IBD é substancialmente diferente daquela dada pelo IBGN,
complementando-se mutuamente numa análise geral. Aliás, a normalização em
França do IBD deve-se, em parte, às limitações da aplicação do IBGN por dificuldades
de amostragem (Prygiel 1988) nas porções de cursos de água canalizadas e grandes
rios (obrigatoriamente em substratos artificiais).
3.2.2. Métodos em Fase de Desenvolvimento
Fitoplâncton
Tendo em vista a aplicação da referida Directiva Quadro Europeia para a água,
diversos países desenvolvem esforços no sentido de avaliar e quantificar o valor
ecológico das comunidades fitoplanctónicas. Para uma abordagem correcta do
fitoplâncton como indicador de qualidade ecológica dum meio aquático faz-se distinção
entre lagos e rios (Reynolds & al. 1994). São meios com características
completamente diferentes e cujas associações das comunidades algais podem ter
significados muitas vezes opostos. Mesmo águas correntes esta aplicação limita-se a
rios com dominância de plâncton, normalmente na parte jusante e geralmente em
planície. Outra dificuldade é a existência de perturbações por obstáculos e barragens
artificiais ou sistemas naturais rio/lago que dificultam a normalização e modelização de
sistemas deste tipo (Nixdorf 2001 in SEFS 2 2001). Reynolds (1988) esclarece que,
neste tipo de águas correntes o fitoplâncton pode ter origens muito distintas: algas
bentónicas ressuspensas pela corrente, limnoplâncton de lagos e reservatórios
associados (sistemas laterais), e “verdadeiro potamoplancton”.
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Perante todas estas dificuldades, teve lugar em Bona em Março de 2001 uma
reunião de especialistas em fitoplâncton em que se debateu a aplicação desta
Directiva Quadro, nomeadamente sobre a aplicação do fitoplâncton como ferramenta
de gestão de lagos e rios. Esta discussão teve continuidade em Julho de 2001 em
Toulouse, no 2º Symposium for European Freshwater Sciences onde foram
apresentados alguns resultados por um grupo de investigadores alemães (Knopf et al.
2001, Nixdorf et al. 2001).
No que respeita a lagos, uma pesquisa bibliográfica foi levada a cabo visando a
compilação, comparação e posterior adaptação de métodos de classificação baseados
no fitoplâncton, sobretudo direccionados para a descrição de níveis tróficos. Vários
autores foram citados descrevendo métodos diversos que utilizavam biomassa de
fitoplâncton ou substitutos de biomassa (disco de Secchi ou clorofila a),
exclusivamente ou em combinação com factores de determinação trófica como o
fósforo total (OCDE 1982). Outra abordagem citada e rejeitada foi a análise puramente
qualitativa de abundâncias e diversidade, assim como metodologias baseadas nos
grandes grupos taxonómicos.
Assim, segundo Knopf et al. (2001 in SEFS2) e Nixdorf (comunicação pessoal)
as únicas abordagens capazes de satisfazer as exigências da Directiva Quadro
envolvem a utilização de espécies indicadoras aliadas à composição, abundância e
biomassa do fitoplâncton. Para tal, sugere-se a validação e adaptação de
metodologias já existentes oriundas dos países escandinavos, como o “Trophic-Lake-
Index” (Índice Trófico de Lagos) de Hörnström (1981), o “Indikatorarten und
Trophieniveau-Index” (Índice de espécies indicadoras do nível trófico) de Brettum
(1989) e o “BRB-Index” de Schönfelder (1997) (Nixdorf 2000).
Relativamente à aplicação a rios de planície com dominância de fitoplâncton, a
pesquisa bibliográfica (Nixdorf 2000) não apresentou soluções viáveis e parece haver
necessidade ainda de pesquisa fundamental, dada a já referida dificuldade devido à
especificidade dos diferentes tipos de cursos de água corrente na Europa (Nixdorf,
comunicação pessoal).
Há ainda a acrescentar a existência de dois grupos de algas maioritariamente
potamoplanctónicas pertinentes na avaliação do impacto da acção humana na
qualidade das massas de água, pela frequência de produção de blooms: cianófitas e
dinoflagelados. Segundo Thompson & Rhee (1994 in Pereira 1999), a introdução
antropogénica de nutrientes em meios aquáticos resulta no aumento da biomassa
assim como na modificação da composição da comunidade, geralmente provocando
aumentos significativos em cianófitas e dinoflagelados.
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Outros métodos
Existem neste momento em França vários métodos em fase de
desenvolvimento e alguns já em fase de normalização utilizando peixes, macrófitos e
até aves aquáticas. Alguns desses projectos enquadram-se na política europeia para o
desenvolvimento, harmonização e intercalibração de métodos biológicos relativamente
à água. Por exemplo o “Indice Poissons” (Índice de Peixes) desenvolvido em França,
já com resultados disponíveis desde 1999 para 650 pontos distribuídos por todo o
território, e que se tornou num projecto europeu. Este método envolve alguns
problemas de amostragem, pelo que, os trabalhos franceses serão provavelmente
tidos em conta para a formulação da norma europeia (CEN) que será editada
brevemente (RNDE 2000).
15
4. UTILIZAÇÃO DAS ALGAS: Ecologia, terminologia e princípios de aplicação
“There are probably almost as many definitions of ecology as there are books
on the subject (...) I have adopted the phrase to which I was introduced as a would-be
ecology student: «What lives where – and why»” (Reynolds 1983).
As microalgas colonizam habitates muito variados, desde meios mais
convencionais (lagos, rios, oceanos, etc.) aos mais extremos (neve, desertos, fontes
termais, grutas, etc.), e até meios aéreos (rochas, troncos de árvores, muros, etc.)
(Bi-Eau 1999).
Para compreender as algas no seu meio aquático, torna-se imprescindível uma
abordagem a certos aspectos da limnologia. Enquanto ciência que estuda as águas
doces ou epicontinentais (SIL - Sociedade Internacional de Limnologia 1922 in
Margalef), a limnologia (do grego limno, divindade da água) permite, entre outras
coisas, compreender como se comporta a componente biológica de um dado sistema
de água doce em relação às componentes físico-químicas que o caracterizam.
Assim, segundo o seu comportamento, as algas podem integrar o neuston, se
estas demonstram uma atitude passiva e flutuam à deriva, ou o nectoplâncton, se
estas apresentam uma atitude activa, sendo capazes de nadar (do grego nektos, que
nada). Neuston e nectoplâncton constituem o fitoplâncton (do grego plagkton, que
vagueia) (Bi-Eau 1999) (Fig. 4.1).
Figura 4.1 - Terminologia e localização dos diferentes organismos pertencentes ao plâncton. (adap. Bi-Eau 1999)
16
As microalgas que vivem fixas a um suporte (pedras, vegetais submersos,
paredes, pilares, etc.) fazem parte do fitobentos (do grego betos, seres profundos). Em
função do tipo de substrato, podemos classificar as microalgas como epifíticas ou
epizóicas, para substratos vegetais ou animais, respectivamente (Bi-Eau 1999)
(Fig. 4.1). O termo “fitobentos” (ou o conjunto de algas bentónicas, designação mais
correntemente utilizada) é muitas vezes substituído pelo termo perifíton, e define-se
como comunidade microflorística que vive em superfícies de objectos imersos
(Wetzel 1983 in Almeida 1998).
As microalgas arrancadas dos respectivos substratos (mineral, vegetal ou
animal), e acidentalmente ou temporariamente planctónicas, constituem o ticoplâncton
(Balvay 1994), embora se utilize de forma corrente o termo “fitoplâncton” para referir
qualquer indivíduo presente numa amostra, independentemente do meio de origem
(Bi-Eau 1999).
Na verdade, verifica-se que o plâncton não é apenas constituído por formas
euplactónicas (verdadeiramente planctónicas), mas é fortemente contaminado por
formas perifíticas provenientes da mesma ou de outras formações aquáticas, pelo que
é mais correcto chamar a esta comunidade potamoplâncton em vez de plâncton
(Almeida 1998). Para designar a fracção do fitoplâncton constituída por organismos de
pequenas dimensões (2 a 20 m) utiliza-se o termo nanoplâncton (Yentsch &
Ryther 1959 in Reynolds 1984). As classes de microalgas com menos de 5m são
Figura 4.2 - Representação do ecossistema dum lago. O biotopo é representado pelo meio inerte: sedimentos, água e suas características físico-químicas; a comunidade (biocénose) pela rede trófica de produtores (I) (plantas aquáticas e fitoplâncton), consumidores herbívoros (II), e carnívoros (III) e decompositores (IV). (adap. Saunders 1971 in Bi-Eau 1999)
17
muitas vezes negligenciadas nos exames quantitativos, dada a dificuldade da sua
enumeração (Bi-Eau 1999).
O fitoplâncton constitui um dos grupos produtores primários num meio
aquático, pelo que se situam na base da pirâmide alimentar. Através da fotossíntese,
as algas são as principais responsáveis pela transformação de substâncias minerais
em matéria orgânica (Bi-Eau 1999) (Fig. 4.2).
O processo de desenvolvimento das algas é limitado por vários factores,
podendo, de modo muito grosseiro, ser separadas em vários grupos segundo as suas
preferências nutricionais e factores ambientais. Muitas ocorrem em locais onde o pH é
ácido outras a pH alcalino, algumas em locais onde a temperatura e/ou a intensidade
luminosa são elevadas. Algumas em meios onde a matéria orgânica é abundante,
outras apresentam necessidades especiais em relação a certos elementos como silício
ou ferro. A salinidade também condiciona a distribuição de muitas espécies
(Pereira 1999), assim como a turbulência, o potencial redox e a mineralização dum
modo geral.
Deste modo, Reynolds (1980 in Pourriot & Meybeck 1995) sugere uma
sucessão sazonal dos grupos taxonómicos dominantes como resposta à combinação
das variáveis sazonais inerentes ao meio. Dum modo muito geral, e excluindo os
meios mais particulares, pode dizer-se que as diatomáceas se apresentam como
grupo majoritário, normalmente no fim do outono, todo o inverno e início da primavera,
as clorófitas são o grupo taxonómico típico de primavera/verão, enquanto as cianófitas
aparecem frequentemente na segunda metade do verão (Gráf. 4.1).
Gráfico 4.1 - Sucessão sazonal dos grupos taxonómicos dominantes como resposta à combinação das variáveis sazonais inerentes ao meio (Adapt. Reynolds 1980 in Pourriot & Meybeck 1995)
18
O termo eutrofização designa a introdução, natural ou artificial, de nutrientes
num meio aquático e os efeitos daí resultantes. O aumento da produtividade biológica
(nomeadamente algal), a qual caracteriza a eutrofização, tem efeitos negativos na
restante biota originando a deterioração da qualidade da água. A origem desses
nutrientes é em grande parte resultante da actividade humana (doméstica, agrícola e
industrial) e desencadeia uma sucessão de alterações das características físicas,
químicas e biológicas do meio aquático (Pereira 1999).
Nestas condições, é frequente a ocorrência de blooms de algas, o que implica
uma perturbação e consequente degradação ecológica dos meios aquáticos, para
além de sérios problemas no processo de potabilização da água para consumo, e
outras consequências mais ou menos graves. Estes fenómenos de desenvolvimento
algal em massa, podem envolver a presença de cianófitas ou dinoflagelados, algumas
das quais são extremamente tóxicas para a fauna aquática e mesmo para o homem.
Na figura 4.3 estão indicadas outras possíveis consequências resultantes de blooms
de cianófitas (Boulton & Brock 1999).
Fontes diversas (internas ou
externas)
Nutrientes
Baixa turbidimetria
Luz
Salinidade
Regime de corrente
Temperatura
Baixa turbulência
Tempo de residência prolongado
Interacções biológicas
Propágulos
Bloom de cianófitas
Toxinas
Desoxigenação
Outros problemas na qualidade da água
Problemas de potabilização (gosto e sabor)
Consequências anti-estéticas
Figura 4.3 - Causas e suas interacções (setas a cheio) e efeitos (setas a tracejado) de blooms de cianófitas. (adap. Boulton & Brock 1999)
19
O estudo de fenómenos de eutrofização, a sua prevenção e resolução de
alguns problemas que daí advêm, são apenas alguns exemplos da importância do
conhecimento da taxonomia e da ecologia das algas. As já referidas propriedades
indicadoras de poluição de alguns grupos de algas são também abordadas neste
trabalho. Sob o ponto de vista de saúde pública e sanitário, as algas podem
igualmente ser motivo de preocupação da parte das autoridades. Estes são apenas
alguns exemplos de abordagens da aplicação do conhecimento das algas, sendo
excluídos do âmbito do presente trabalho outras potencialidades destes organismos
como por exemplo, extracção de produtos de elevado valor económico, de produção
de bio-energia, processos de bio-conversão de poluentes em meios aquáticos, etc.
20
5. ABORDAGEM ATRAVÉS DO FITOPLÂNCTON
“...Ce rôle intégrateur est séduisant car la simple observation d’un peuplement
algal déterminé peut, immédiatement, apporter des informations sur l’état trophique du
milieu, l’alcalinité, la vitesse de courrant, la richesse en certains types de substances
nutritives, etc.” (Andresen-Leitao 1984).
5.1. INTRODUÇÃO
Quando se refere a populações de fitoplâncton deve-se ter em conta que todos
os grandes grupos de algas estão representados no fitoplâncton de águas doces
(evidenciado pela lista de Reynolds 1984), havendo portanto uma grande diversidade
de combinações possíveis na composição das comunidades. A figura 5.1 ilustra
precisamente o leque variado de formas e dimensões do fitoplâncton.
Figura 5.1 - Esquema, à escala, mostrando a variedade de formas e dimensões relativas dos géneros de fitoplâncton mais representativos : (1) Chromatium, (2) Synechococcus, (3) Stichococcus, (4) Chlorella, (5) Chrysochromulina, (6) Rhodomonas, (7) Chlamidomonas, (8) Cyclotella, (9) Cryptomonas, (10) Ankyra, (11) Monoraphidium, (12) Eudorina, (13) Scenedesmus, (14) Sphaerocystis, (15) Stephanodiscus, (16) Dinobryon, (17) Aulacoseira, (18) Anabaena, (19) Microcystis, (20) Closterium, (21) Pediastrum, (22) Ceratium, (23) Uroglena, (24) Planktothrix, (25) Asterionella, (26) Staurastrum. Também incluídos, para comparação, alguns elementos do zooplâncton (27) Keratella e (28) cabeça de Daphnia. (in Reynolds 1997)
21
As associações de comunidades algais em suspensão na coluna de água
(geralmente chamado fitoplâncton mas que na realidade corresponde à definição de
potamoplâncton de Reynolds & Descy 1996) são ecologicamente muito importantes,
uma vez que são as principais fontes de produção primária (na base da cadeia
alimentar), influenciando de forma importante os fluxos de matéria orgânica e
nutrientes, assim como as variáveis chave da caracterização da qualidade da água.
Eis aqui vários exemplos dessa importância: o fitoplâncton é, na maior parte das
vezes, a principal fonte de oxigénio em rios de pouca corrente; o número de blooms de
algas é manifestamente crescente nos últimos anos como resultado do enriquecimento
em nutrientes nos principais rios da Europa (Reno, Danúbio, Sena, Meuse, etc.)
(Descy, comunicação pessoal); a densidade algal no rio Danúbio nos últimos 10 anos
foi multiplicado por 10 (Kiss 1995); estes factos podem ter consequências sérias nos
ecossistemas e na utilização da água, nomeadamente quando se trata de água para
consumo humano, daí a importância consagrada ao fitoplâncton na recente Directiva
Quadro para a água.
O fitoplâncton constitui a base da cadeia alimentar gerando carbono orgânico
que sustenta as redes alimentares pelágicas, um pouco à imagem das plantas
terrestres enquanto organismos fotoautotróficos produtores primários (Reynolds 1997).
Segundo o mesmo autor, a constituição e a morfologia do fitoplâncton é fortemente
afectada por factores particulares do meio como turbulência (input de energia
mecânica), disponibilidade de nutrientes, condições de luminosidade, disponibilidade
de dióxido de carbono, pH, potencial redox, e outros.
A integração de todos estes factores e a sua relação com a diversidade e
morfologia das comunidades fitoplanctónicas é, sem dúvida um grande desafio. Várias
teorias, mais ou menos empíricas poderiam ser citadas (Hutchinson 1948, Rodhe
1948, Tüxen 1955, Rawson 1956, Braun-Blanquet 1964, Sommer 1986, entre outros).
No presente capítulo far-se-á referência apenas a uma dessas abordagens, a mais
recente e a que gera, neste momento, mais consenso.
Premiado com o Ecology Institute Prize em 1994, Colin Reynolds publica, em
1997, “Vegetation processes in the pelagic: A model for ecosystem theory”. Nesta obra
são estabelecidas associações de grupos de espécies em função da sua ecologia.
Surgem assim 10 tipos de comunidades planctónicas (Tab. 5.2) com base nas 26
associações (Tab. 5.1) estabelecidas por análise fitossociológica ou intuitiva.
Cada associação comporta um significado de estado trófico ou de outras
características do meio (pH, turbulência, etc.). Deste modo, e a título de exemplo,
podemos ter uma comunidade fitoplanctónica com dominância de diatomáceas com
associação de espécies maioritariamente do tipo N conotada como lagos oligo- a
22
meso-tróficos de zonas temperadas, e, dentro do mesmo tipo de comunidade
(dominância de diatomáceas), uma associação de espécies do tipo P cujo significado
é completamente diferente apontando para um lago temperado eutrófico.
Tabela 5.1 - Sumário das associações de fitoplâncton de águas doces. (adap. Reynolds 1997)
Associação de Reynolds Taxa tipicamente representativos
A Urosolenia, Cyclotella comensis B Asterionella, Aulacoseira italica C Asterionella, Stephanodiscus rotula, Aulacoseira ambigua D Stephanodiscus hantzschii E Dinobryon, Chrysosphaerella F Sphaerococystis, Botyococcus G Eudorina, Pandorina H Anabaena, Cylindrospermopsis J Pediastrum, Scenedesmus, Oocystis borgei K Aphanocapsa, Aphanothece L0 Ceratium, Peridinium inconspicuum, Gomphosphaeria LM Ceratium, Microcystis M Microcystis N Cosmarium, Tabellaria P Staurastrum, Fragilaria R Planktothrix rubescens/mougeotii S Planktothrix agardhii/redekei T Geminella, Binuclearia, Tribonema U Uroglena V fotobacterias W Euglena, Synura, Gonium X1 Chlorella, Ankyra, Monoraphidium X2 Rhodomonas, Chrysochromulina X3 Koliella, Chrysococcus Y Cryptomonas Z Synechococcus, Chlorella minutissima
Tabela 5.2 - Principais tipos de comunidades de plâncton com base nas associações de fitoplâncton de água doce de Reynolds (1997)
Tipo de plâncton Associações de Reynolds
Dominância de diatomáceas A, B, C, D, N e P
Crisofícea E, U, X, e W
Oligotrófico cocal F
Eutrófico dominância de clorofíceas F, G e J
Dinoflagelados L0 e LM
Dominância de cianofíceas H, K, L0, LM, M, R e S
Criptomonas Y
Nanoplâncton X1, X2 e X3
Picoplâncton Z
Bacterioplâncton fotossintético V
Categorias misturadas N, P, R, T, D, J, K, Y, S e W
23
Através da análise de variáveis a 6 eixos ilustrada na figura 5.2, torna-se
possível a distribuição das diferentes associações num referencial de limitação de
recursos versus limitação de energia (Gráf. 5.1).
Este tipo de abordagem permite muitas outras interpretações que ultrapassam
o âmbito do presente trabalho, pelo que, se recomenda a consulta da bibliografia
citada.
Figura 5.2 - Análise gráfica (hexáculos hipotéticos) para algumas algas comuns representativas das respectivas associações. Taxa de crescimento versus luminosidade integrada (I*), turbulência (hm), temperatura (θ), volume de água filtrado por zooplâncton (f), disponibilidade em carbono livre ([CO2]) e disponibilidade em Fósforo ([P]). (in Reynolds 1997)
Gráfico 5.1 - Distribuição das associações de Reynolds (Tab. 5.1) em função dos gradientes de recursos nutritivos e de input de energia decrescentes. (in Reynolds 1997)
24
5.2. SEQUÊNCIA DE TRABALHO
Neste item tenta-se sintetizar e situar cronologicamente os procedimentos
relativos a um estudo de fitoplâncton. A elaboração desta síntese teve como base a
experiência obtida quer no terreno durante as saídas de campo, quer no laboratório
durante as análises e elaboração do relatório. Trata-se duma referência a uma
metodologia, neste caso a utilizada na empresa Bi-Eau, entre tantas outras disponíveis
na bibliografia.
Preparação duma saída de campo
O primeiro passo a efectuar é traçar um percurso, combinando o maior número
de pontos de amostragem possíveis. O software AutoRoute Express desempenha um
papel fundamental nesta tarefa.
Segue-se a preparação e verificação de todo o material necessário tendo em
conta a antecipação de todos os cenários possíveis. A verificação deve ser feita com
base numa lista de material (ANEXO I.a.).
Procedimento no terreno
Ao chegar ao local de recolha deve proceder-se a uma observação das
condições gerais como a ocorrência de situações anormais (colorações na água,
existência de massas algais, espumas, etc.), o aspecto geral da massa de água, as
condições físicas do meio, a utilização económica (sempre que possível), a vegetação
(aquática e das margens), etc.. Deve tentar-se recolher o número máximo de
informações relativas ao sistema em estudo.
De seguida, escolhe-se o local exacto de amostragem. Esta escolha varia com
o tipo de estudo em causa. Por exemplo, para um estudo qualitativo escolhe-se um
local com grande abundância algal; já para um estudo quantitativo o local escolhido
deve ser representativo da massa de água, por exemplo, um ponto central da massa
de água.
Prepara-se o material e procede-se à recolha, tendo o cuidado de passar por
água todos os frascos, baldes, etc. com a água do local em causa antes de os utilizar.
Deve-se ter o cuidado de homogeneizar a coluna de água (excepto quando se
pretende fazer perfis verticais). Procede-se igualmente ao levantamento dos dados
físico-químicos com as sondas WTW® (pH, temperatura da água, conductividade,
oxigénio dissolvido, % de oxigénio, etc.), e verifica-se a transparência (disco de
Secchi). A temperatura do ar e as condições meteorológicas são registadas na folha
de terreno (ANEXO II.a.), assim como todas as outras informações complementares.
25
Se houver necessidade de fazer um concentrado utiliza-se a rede, filtrando-se
um determinado volume de água (no caso dum estudo qualitativo, a quantidade de
água filtrada não é importante) até colmatar a rede.
Deve proceder-se à fixação do material com um volume conhecido de
formaldeído 35% neutralizado, o mais rapidamente possível. Se não for viável a
fixação ainda no terreno, transportar as amostras numa geleira entre 0 e 4ºC.
Antes de abandonar o local deve lavar-se todo o material com água potável,
evitando assim fenómenos de contaminação de outros meios visitados posteriormente.
Técnicas de laboratório
A figura 5.3 ilustra o procedimento laboratorial das amostras de fitoplâncton. O
método ajusta-se ao tipo de estudo e às propriedades do próprio material.
Análise das amostras
Antes da análise em si, procede-se a uma primeira observação em microscópio
óptico convencional, identificando as espécies presentes na amostra. As contagens
realizam-se em microscópio óptico invertido segundo o método de Utermöhl (1958). A
contagem deve atingir um mínimo de 400 indivíduos e deve abranger o maior número
de campos possível, num sentido preciso como indica a figura 5.4. Outra possibilidade
1 litro de água bruta
10% formol
1 gota de concentrado Ex. : 5 ml diluição 1:10 Concentração 1l
entre lamina e lamela Sedimentação (24h) numa câmara de contagem
análise qualitativa análise quantitativa
Microscópio convencional microscópio invertido identificação fina Contagem da totalidade do volume
Eventualmente tratamento químico (diatomáceas) (cerca de 400 indivíduos contados)
conversão em nº de algas/l de água bruta Géneros ou espécies Estimação das % Medida das dimensões
Lista de taxa
Tabela em % relativas
(análises semi-quantitativas)
Tab. dimensões celulares
Tab. de biovolumes
Tabela de
Concentrações algais (em algas/l)
conversão em
concentrações celulares biovolume
(n.º células/l) (em µg/l)
Figura 5.3 - Metodologia de contagem de fitoplâncton. (Bi-Eau 1999)
26
é a contagem de transectos ou de campos aleatórios até atingir a meta dos 400
indivíduos. O ANEXO III.a. é um exemplo duma folha de contagem de fitoplâncton.
Os resultados das contagens são introduzidos num programa informático
(macrocomando Excel) especialmente preparado para o efeito, que permite
eventualmente o cálculo automático das concentrações algais e das concentrações
celulares, da biomassa em peso fresco e da biomassa em unidades de carbono.
A análise da clorofila a e das cargas nutritivas (azoto, fósforo, carbono, etc.) é
geralmente feita em paralelo, mas em laboratórios especializados que não Bi-Eau.
Interpretação dos resultados e cruzamento com registos históricos
A interpretação dos resultados visa normalmente uma visão global do meio em
estudo, e baseia-se, sobretudo na ecologia das algas com referência aos aspectos
físico-químicos e morfológicos. Estabelece-se a relação entre todos esses factores e
as populações algais, sugerindo possíveis melhoramentos. Sempre que possível, não
se deve perder de vista uma análise temporal da evolução do meio, tendo em conta os
dados históricos relativos a esse meio.
Redacção do relatório
O trabalho culmina na redacção dum relatório de estrutura convencional
(normalmente com os seguintes items: Sumário, Introdução, Material e métodos,
Resultados, Discussão e Conclusão). Uma lista de taxa é elaborada com base nas
contagens, podendo ser apresentada com um aspecto similar ao ANEXO IV.a.1., e
sob a forma gráfica (exemplos em ANEXO IV.a.2. e ANEXO IV.a.3.).
Figura 5.4 - Método de contagem num campo visual de microscópio (in RUMEAU & COSTE 1988)
27
5.3. APLICAÇÕES
A análise de fitoplâncton tem inúmeras aplicações em estudos de diagnose
dependendo da utilização económica da água, como por exemplo na determinação do
nível trófico, na avaliação da biocenose, (nomeadamente visando acções de gestão de
recursos hidrológicos), em estudos de impacto ambiental, no acompanhamento da
evolução ecológica de massas de água naturais, artificiais ou fortemente modificadas,
etc..
Existem, no entanto, inúmeras situações pontuais onde a análise de
fitoplâncton se torna imprescindível, como por exemplo: colmatação de filtros e
estruturas de potabilização de água, minas de produção de águas minerais,
aquacultura, reservatórios para fins variados (regas, escoamentos, etc.), sistemas
industriais de refrigeração (reactores nucleares, por exemplo), etc..
Enquanto parte integrante dos ecossistemas aquáticos, o fitoplâncton é
encarado como um parâmetro entre muitos outros no mais trivial dos estudos de
hidrologia.
28
6. ABORDAGEM ATRAVÉS DAS DIATOMÁCEAS
“C’est probablement a cause du statut assez inadéquat réservé aux diatomées
benthiques que les recherches sur les indicateurs de pollutions les ont longtemps
négligées” (Descy & Coste 1990).
6.1. INTRODUÇÃO
As diatomáceas são, segundo Bourrelly (1968), algas unicelulares ou
coloniais pertencentes à classe das diatomoficeas ou bacilariofitas, com plastos
castanho-amarelados, contendo clorofilas a e c, β-caroteno e xantofilas (fucoxantina,
diadinoxantina e diatoxantina). Uma outra característica que as torna inconfundíveis é
a parede celular impregnada de sílica formando um compartimento bivalve chamado
frústulo. Como se pode ver na figura 6.1, o frústulo apresenta o aspecto de uma caixa
(hipoteca ou hipovalva) com uma tampa (epiteca ou epivalva) ligados por bandas
intercalares. Bourrelly (1968) considera duas sub-classes: Penatofíceas, diatomáceas
peniformes com dois eixos de simetria (Fig. 6.1), e Centrofíceas, formas cêntricas com
simetria radial (Fig.6.2). A ornamentação das duas valvas é caracterizada pela
presença de estrias, pontuações, protuberâncias e outras estruturas fruto da variação
da densidade de sílica, desempenhando um papel fundamental no sistema de
classificação. Estas estruturas de sílica, associadas às numerosas substâncias
mucosas que as células segregam, oferecem às diatomáceas uma resistência sem
igual no mundo das algas. Por outro lado, estas mucosas desempenham um papel
muito importante na locomoção e colonização de novos habitates, na flutuação e na
reprodução (Cemagref 2000).
Figura 6.1 - Representação esquemática dos eixos de simetria e da estrutura do frústulo duma diatomácea peniforme. (adap. Rumeau & Coste 1988)
epivalva
hipovalva
Bandas intercalares
29
A reprodução assexuada faz-se por bipartição, em que as células filhas
conservam uma das valvas da célula mãe, segregando uma segunda valva, mais
pequena que a primeira, originando uma redução progressiva do tamanho das células
ao longo das gerações (Fig. 6.3). A reprodução sexuada intervém na restituição do
tamanho original das células através da produção dum auxosporo.
Quanto à sua ecologia, as diatomáceas podem viver em suspensão na coluna
de água doce ou salgada (planctónicas). Podem igualmente colonizar todo o tipo de
substratos (bênticas). Existem espécies claramente fitoplanctónicas e outras sobretudo
perifíticas. Este critério nem sempre é válido, sobretudo pela dificuldade de quantificar
contaminações no bentos (benthos) por indivíduos do potamoplâncton sedimentados
ou mortos. Por outro lado, a composição das comunidades de diatomáceas está
intimamente ligada ao grau de salinidade, concentração de matéria orgânica,
temperatura, pH, velocidade de corrente, disponibilidade de nutrientes e teor de silício.
Figura 6.2 - Exemplo duma diatomácea cêntrica (Cyclotella radiosa) em microscópio electrónico de varrimento. Pormenor das duas válvas. (Foto: Gosselain 1998)
2m
Figura 6.3 - Esquema representativo da diminuição do tamanho das células na reprodução assexuada das diatomáceas. (adap. Cemagref 2000)
Dimensões mínimas
Dimensões máximas
30
6.2. SEQUÊNCIA DE TRABALHO
A sequência aqui descrita refere-se ao método IBD, o mais correntemente
utilizado em França (e o único normalizado), embora não existam grandes diferenças
metodológicas no terreno e no tratamento laboratorial das lâminas relativamente a
outros índices diatómicos.
Preparação duma saída de campo
Tal como numa campanha de fitoplâncton, na preparação duma saída de
campo para amostragem de diatomáceas deve-se traçar um percurso previamente,
combinando o maior número de pontos de amostragem possíveis (com o auxílio do
software AutoRoute Express).
Segue-se a preparação e verificação da lista de material (ANEXO I.b.) e do
próprio material em si, precavendo-se, dentro do possível, para todo e qualquer
cenário inesperado.
Procedimento no terreno
Ao chegar ao local de recolha deve proceder-se a uma observação das
condições gerais, recolhendo o número máximo de informações. Procede-se à escolha
do local exacto de amostragem. De referir que a selecção do local de amostragem tem
muita importância no resultado final da análise e requer alguma prática e
conhecimento do terreno. Assim, devem escolher-se os locais de maior corrente, com
maior disponibilidade de luz (evitar zonas sombrias), e com alguma profundidade. Por
outro lado, a escolha do substrato não é menos importante, devendo ser, sempre que
possível natural, sendo necessário certificar-se que este se manteve submerso nas
últimas semanas. Se possível escolhem-se as faces verticais para evitar
contaminações de espécies fitoplanctónicas sedimentadas. A presença de
diatomáceas num substrato é diagnosticada pelo aspecto escorregadio ao tacto da
superfície do substrato. Segundo a norma (AFNOR NF T 90-354 2000) a ordem de
preferência da natureza do substrato é a seguinte: suportes duros naturais (pedras,
godos, blocos, etc.), suportes não naturais (pilares de pontes, blocos de cimento ou
betão, etc.), suporte vegetal (parte imersa de macrófitos, algas filamentosas, briófitas,
etc.), substratos artificiais introduzidos (menos indicados devido a perdas
consideráveis de material). Todas as informações relativas ao tipo de substrato, ao
local de amostragem, à caracterização do curso de água e das margens, etc., são
registadas na folha de terreno (ANEXO II.b.).
31
A superfície de amostragem, na ordem dos 100cm2 dividida num mínimo de 5
suportes diferentes, é então raspada com uma escova de dentes ou um canivete. A fixação do material deve ser feita no terreno, imediatamente após a recolha,
com formaldeído 35% neutralizado, para uma concentração final de 10%.
Antes de abandonar o local deve lavar-se todo o material, evitando assim
fenómenos de contaminação de outros meios. As escovas de dentes não serão
reutilizadas antes de uma lavagem com lixívia no laboratório.
Técnicas de laboratório
A matéria orgânica (conteúdo citoplasmático) deve ser destruída por acção
química de peróxido de hidrogénio na proporção volumétrica de 1:4 (volume de
amostra:volume de H2O2). Deve repetir-se esta prática até se atingir a descoloração
completa da amostra. Este processo pode ser acelerado utilizando um forno de areia.
Para a eliminação do carbonato de cálcio, adicionam-se duas gotas de ácido
clorídrico. A purificação é feita por 4 ciclos de diluição/decantação. A decantação pode
ser acelerada em centrífuga de baixa potência (1500 rpm durante 3 minutos).
Recupera-se o pellet e dilui-se em água destilada.
Monta-se uma gota de solução turva sobre uma lamela redonda e deixa-se
secar a temperatura moderada (inferior 40ºC). Prepara-se uma gota de resina Naphrax
sobre uma lâmina e coloca-se a lamela sobre a resina com a face que contem o
material voltado para baixo (Fig. 6.4). Aquece-se moderadamente, permitindo uma
ligeira ebulição da resina. Provoca-se um choque térmico, pondo a lâmina em contacto
com uma superfície fria para solidificar a resina. (A saída das bolhas de ar entre a
lâmina e a lamela faz-se pressionando a lamela com uma pinça, o que permite
igualmente uma distribuição horizontal homogénea do material para uma melhor
observação).
Figura 6.4 - Método de montagem da lamela sobre uma gota de Naphrax numa lâmina de vidro (in Rumeau & Coste 1988)
32
Análise das amostras
As identificações realizam-se em microscópio óptico convencional de contraste
de fase ou interferencial a elevada ampliação (1000x). Começa-se por ajustar a
concentração (refazendo a lâmina após concentração ou diluição) a cerca de 10
indivíduos por campo na objectiva de imersão.
Tal como o método descrito para o fitoplâncton (item 5.2.), nas diatomáceas a
contagem deve atingir sempre um mínimo de 400 indivíduos e deve abranger o maior
número de campos possível, como indica a figura 5.4., ou por contagem de transectos
ou de campos aleatórios até atingir a meta dos 400 indivíduos. O ANEXO III.b. é um
exemplo duma folha de contagem de diatomáceas.
Interpretação dos resultados e cruzamento com registos históricos
Os resultados das contagens e alguns parâmetros são introduzidos num
programa informático especialmente desenvolvido para o efeito (Omnidia® V.3) que
estabelece a nota final de índices diatómicos atribuída entre 0 e 20. Esta nota deve ser
confrontada com as condições observadas no terreno, verificando se existe uma
correspondência à situação real observada e justificando algum possível sub- ou
sobrestimar do valor ecológico real.
Normalmente, os diversos parâmetros de qualidade são efectuados por
entidades diferentes para evitar resultados dedutivos ou influenciados, e cabe ao
organismo central (normalmente Agences de l’Eau) a conjugação e interpretação dos
resultados de todos os parâmetros disponíveis. A nota IBD é assim colocada ao lado
de muitos outros parâmetros físicos, químicos e biológicos, obtendo-se uma avaliação
global de 5 níveis de qualidade expressa por um código de cores (vermelho, laranja,
amarelo, verde e azul, por ordem crescente de qualidade).
O resultado dessa análise é publicado regularmente e encontra-se disponível
para o público em geral sob a forma de relatórios, desdobráveis, revista, etc..
Realizam-se igualmente sínteses de longo termo (de 10 anos, por exemplo),
permitindo ter uma imagem global sobre a evolução da qualidade a longo prazo.
Redacção do relatório
O trabalho culmina na redacção dum relatório de estrutura convencional
(normalmente com os seguintes items: Sumário, Introdução, Material e métodos,
Resultados, Discussão e Conclusão). Uma lista de taxa é elaborada com base nas
contagens (ANEXO IV.b.1.), e as notas IBD são apresentadas sob a forma gráfica
(ANEXO IV.b.2.). Neste relatório evocam-se com particular pertinência as condições
de amostragem e os problemas encontrados no terreno num sentido construtivo e para
33
um futuro melhoramento da localização dos pontos de amostragem e qualidade das
análises.
6.3. APLICAÇÕES
O facto de apresentarem diferentes graus sensibilidade à poluição e de serem
praticamente ubíquas, permite uma vasta utilização das diatomáceas. Esta
sensibilidade está ligada a poluição orgânica de nutrientes (azoto, fósforo), salina
(mineralização do meio), acidificação, alterações térmicas, níveis de água, etc.. Por
outro lado são organismos de ciclo de vida curto, ou seja, de reacção rápida às
alterações induzidas pelo meio. Outra grande vantagem na aplicação das diatomáceas
(nomeadamente o IBD) é o facto de não exigir grandes níveis de conhecimento
científico, sendo portanto acessível após uma formação relativamente simples e curta.
Por enquanto o IBD aplica-se apenas a cursos de água corrente, no entanto,
talvez seja possível no futuro visar uma aplicação em lagos, albufeiras, etc. (Ector,
comunicação pessoal), embora seja indispensável algum trabalho de investigação
fundamental.
Deste modo, as diatomáceas representam um complemento prático, útil, de
aplicação relativamente fácil e de baixo custo para outros parâmetros físico-químicos e
biológicos na avaliação da qualidade ecológica do meio (qualidade e diversidade de
habitates) e da água (matéria orgânica em particular).
34
7. ABORDAGEM ATRAVÉS DAS CIANÓFITAS
“In freshwaters, scum formation by cyanobacterial phytoplankton is of concern
to human health” (Chorus & Cavalieri 2000).
7.1. INTRODUÇÃO
Segundo Bourrelly (1970), as algas azuis chamadas Cianofíceas, Schizofíceas
ou Mixofíceas, formam uma classe do filo das Schizófitas que agrupam Cianofíceas e
Bactérias. Três critérios principais dão a este filo uma fisionomia particular: ausência
dum verdadeiro núcleo celular, ausência de plastos diferenciados e a ausência de
reprodução sexuada, ou seja, tratam-se de organismos procariontes. Por outro lado,
as Cianofíceas diferenciam-se das Bactérias pela presença de clorofila a e de
pigmentos acessórios hidrossolúveis.
Actualmente, o Código de Nomenclatura Botânica chama às algas azuis
Cianófitas, apesar das inúmeras designações que se podem encontrar na bibliografia,
como por exemplo, cianobactérias (Chorus & Bartram 1999).
Este grupo de organismos, segundo o Código Internacional de Nomenclatura
Botânica, compreende cerca de 150 géneros e 2000 espécies (Hoek et al. 1995), das
quais cerca de 40 são tóxicas, e evoluíram, provavelmente, antes dos primeiros
eucariontes há cerca de 2.000 milhões de anos (Chorus & Bartram 1999).
Figura 7.1 - Pormenor das vesículas gasosas numa célula de Nodularia spumigena ao microscópio electrónico de varrimento (freeze-fracturing; unidirectional metal-shadowing). Escala = 1m. (in Šmajs, Šmarda & Krzyžánek 1999)
35
As cianófitas podem colonizar praticamente todos os tipos de meios:
bentónicos ou planctónicos, de águas doces a salgadas, de águas estagnadas a
águas correntes, de meios sombrios a meios luminosos, de meios frios a meios
quentes, de meios oligotróficos a eutróficos, etc. (Bi-Eau 2001).
Sob o ponto de vista morfológico, as cianófitas podem apresentar-se em
formas unicelulares, coloniais (com arranjos regulares ou irregulares), ou filamentosas
(não ramificadas, com falsa ramificação, ou com verdadeira ramificação). Em certas
formas filamentosas (tricomas) existe uma diferenciação celular particular, com a
formação de heterócitos e acinetos. Os heterócitos são células de parede espessa,
com o protoplasto hialino, e com um ou dois nódulos polares no ponto de contacto
com a(s) célula(s) adjacente(s), consoante seja terminal ou intercalar,
respectivamente. Têm como principais funções a fixação de azoto atmosférico e a
promoção de quebras nos tricomas. Os acinetos são células de maiores dimensões
que as restantes células do tricoma, com parede espessa, cheias de material de
reserva, capaz de sobreviver a condições do meio que não permitam o crescimento
vegetativo.
Figura 7.2 - Diferentes tipos de regulação da flotabilidade nas cianófitas. Pontos negros = polissacarídeos. Losangos = vesículas gasosas. Synechococcus não possui vesículas gasosas, por isso sedimenta sempre, mas a velocidade de sedimentação diminui com o consumo das reservas de polissacarídeos. Oscillatoria forma novas vesículas em zonas proofundas, voltando a subir na coluna de água. Em Microcystis são sobretudo variações na densidade de a polissacarídeos que induzem a migração vertical, enquanto no género Anabaena o aumento da pressão osmótica devido à acumulação de açucares provoca o desmantelamento das vesículas gasosas. (adap. Reynolds et al. 1987 in Pourriot & Maybeck 1995)
36
Outro aspecto bastante importante para o sucesso destes organismos durante
tantos milhares de anos, é a sua capacidade de regulação da flotabilidade. A maioria
das cianófitas fitoplanctónicas possui organelos constituídos por partículas gasosas, o
que lhes permite uma regulação da profundidade (Fig.7.1). Estas vesículas gasosas
desaparecem e reaparecem muito rapidamente, dando à célula uma mais valia para a
obtenção de luz e nutrientes (Fig.7.2) (Walsby & Reynolds 1980 in Pourriot &
Maybeck 1995). Durante a noite, as colónias de cianobactérias ficam a boiar, podendo
acumular-se à superfície e formar espumas que por vezes se concentram numa das
margens com a presença de vento (Chorus & Bartram 1999). O gráfico 7.1 ilustra a
frequência diária de migração vertical que está também associada ao tamanho das
colónias.
Os blooms de cianófitas são relativamente frequentes, estando ainda por
esclarecer as condições exactas que despoletam estes processos de desenvolvimento
algal em massa. Um dado importante a reter é que depois de um bloom de cianófitas
(ou dinoflagelados) numa massa de água, a sua reaparição anual é frequente e
provável (Dauta & Feuillade in Pourriot & Maybeck 1995). Sabe-se, no entanto que
este grupo de algas está normalmente associado a águas ricas em fosfatos, e o seu
desenvolvimento é pouco limitado pela disponibilidade de nitratos, tendo em conta que
muitas destas espécies são fixadoras de azoto. Assim, espécies dos géneros
Microcystis e Anabaena são típicas de águas paradas altamente eutrofizadas
(Kristiansen, comunicação pessoal).
Gráfico 7.1 - Efeito do tamanho das colónias no movimento vertical de Microcystis aeruginosa por regulação da flotabilidade (simulação). Colónias com diâmetros < 20 m quase não migram, colónias com diâmetros < 160 m fazem menos de uma migração por dia, e colónias com mais de 1,600 m de diâmetro podem migrar até 10m de profundidade e voltar à superfície três vezes por dia. (adap. Chorus & Bartram 1999)
37
As consequências são evidentes, começando pela degradação do aspecto da
água, sobretudo em casos de águas para fins recreativos ou de consumo. Sob o ponto
de vista ecológico o impacto é ainda mais evidente, com uma diminuição na
diversidade das comunidades fitoplanctónica e, consequentemente, zooplanctónica,
uma diminuição da oxigenação da água com a possibilidade de anoxia com impacto
na fauna e na reciclagem dos sedimentos (meio enriquecido em moléculas no estado
reduzido), entre outros. Em explorações de águas para consumo, os blooms de
cianófitas podem representar custos elevados quer pelos danos causados pelas
próprias algas no material de filtragem, quer pela presença de toxinas e outros
compostos que dão odores e gostos desagradáveis, mesmo que já lá não existam
algas (Bi-Eau 2001).
Segundo os dados mais recentes publicados pela World Health Organization
numa compilação de dados realizada por Chorus & Bartram (1999) as cerca de 40
espécies potencialmente produtoras de cianotoxinas descritas distribuem-se por 13
géneros (Tab. 7.1). Tendo por base este trabalho, resume-se na tabela 7.2 os
principais tipos de cianotoxinas, complementada pela informação da tabela 7.3 que
descreve algumas das consequências conhecidas no homem.
Existem, no entanto espécies de cianófitas indicadoras de águas não poluidas,
como por exemplo, Woronichinia naegeliana. Outras populações boas indicadoras são
Chroococcus turgidus e Merismopedia, frequentes em águas ácidas
(kristiansen, comunicação pessoal).
Tabela 7.1 - Listagem dos 13 génros de cianófitas que contêm espécies potencialmente tóxicas. (adap. Chorus & Bartram 1999)
Géneros que contêm espécies potencialmente produtoras de toxinas
Anabaena Microcystis Planktotrix Oscillatoria Nostoc Anabaenopsis Haphalosiphon Nodularia Aphanizomenon Cylindrospermopsis Umezakia Cylindrospermum Lyngbya
38
Tabela 7.2 – Principais tipos de cianotoxinas e órgãos afectados nos mamíferos
Tipo Nome da toxina Órgãos alvo nos mamíferos
Microcystina Fígado
Péptidos cíclicos Nodularina Fígado
Anatoxina-a Sinapses
Anatoxina-a (s) Sinapses nervosas
Cilindrospermopsina Fígado
Aplisiatoxina Pele
Lungbyatoxina-a Pele, gastro-intestinal
Alcaloides
Saxitoxina Axónios nervosos
Lipopolissacarídeos
Irritante potencial de tecidos
Tabela 7.3 – Consequências das várias classes de cianotoxinas no Homem
Hepatotoxinas Neurotoxinas Dermotoxinas
Efeitos Longo prazo
(meses/anos)
rápido
(algumas horas) Curto/médio prazo
Acção - liga-se às fosfatases das proteínas das
células do fígado
- inibição da transmissão nervosa
(bloqueio dos canais de Na+)
- fixam-se sobre as
membranas celulares
Consequências
- alteração da estrutura das células do
fígado
- insuficiência hepática
- promotor de cancros no fígado
- perturbação do influxo nervoso
- dores de cabeça, vómitos, diarreia
- alergias cutâneas
(dermatites…)
Exemplos microcistina
nodularina
Saxitoxina
anatoxina ?
7.2. SEQUÊNCIA DE TRABALHO
A sequência de trabalho para a vigilância de cianófitas é semelhante à descrita
em 5.2. (item “Sequência de trabalho” no Capítulo “Abordagem através do
fitoplâncton”), uma vez que também se trata de uma análise de fitoplâncton. Por tal
razão, no presente item serão apenas enumerados os passos principais que são
comuns, acrescentando alguns aspectos particulares:
39
Preparação duma saída de campo
Mesmo procedimento descrito em 5.2. (lista de material no ANEXO I.c.)
Procedimento no terreno
Para além do referido em 5.2., deve ter-se especial atenção à presença de
espumas, sobretudo perto das margens posicionadas segundo a direcção do vento, e
com a protecção dos operadores de um contacto directo com a pele (folha de terreno
em ANEXO II.c.).
Técnicas de laboratório
Para além do referido em 5.2..
Análise das amostras
Mesmo procedimento descrito em 5.2., e no caso de presença efectiva de
espécies potencialmente tóxicas, procede-se à despistagem de cianotoxinas por HPLC
ou bioensaios em ratinhos.
Interpretação dos resultados e cruzamento com registos históricos
Mesmo procedimento descrito em 5.2..
Redacção do relatório
Mesmo procedimento descrito em 5.2., acrescentando que, num sistema de
vigilância, se requer uma resposta imediata no sentido de intervir se for caso disso
(por exemplo decidir o encerramento duma zona de banhos). Esta resposta é
efectuada via fax num período de 48 horas, segundo o modelo em ANEXO IV.c..
7.3. APLICAÇÕES
Cada vez mais, as questões relacionadas com a componente tóxica deste
grupo de algas, despertam a atenção das entidades responsáveis. Tem-se assistido
nos últimos anos a um aumento substancial de programas de vigilância evolvendo
cianófitas, quer em águas de recreio, quer em zonas de captação para consumo
humano. É exactamente nesta perspectiva que se enquadra a aplicação do estudo de
cianófitas, num quadro de vigilância e de prevenção, não só em águas de utilização
humana, mas igualmente em meios naturais de conservação, dado o risco de perdas
consideráveis de fauna aquática e terrestre dependente desses recursos.
40
8. PERSPECTIVAS E POSSÍVEIS MELHORAMENTOS
As águas de superfície foram estudadas durante muitos anos apenas através
de parâmetros físicos (velocidade, caudal, débito, etc.) e, mais recentemente,
químicos (parâmetros básicos da qualidade). A legislação europeia para a água
aprovada no final de 2000 introduz pela primeira vez a dimensão biológica para
avaliação da qualidade ecológica das águas. Assim, os estados membros vêem-se
obrigados a desenvolver métodos de avaliação de qualidade ecológica comparáveis e
a fazerem um diagnóstico da qualidade das suas águas antes do final de 2006. Em
França, país pioneiro no que respeita à política da água, vários métodos de
bioindicação são aplicados de forma sistemática com resultados apreciáveis. Com o
intuito de contribuir para a reflexão sobre as medidas a tomar na aplicação da
Directiva Quadro, são aqui expostas e discutidas algumas metodologias baseadas na
utilização das algas e nas suas propriedades indicadoras.
O desenvolvimento de novas metodologias baseadas em factores biológicos
representa, neste momento para a Comunidade Europeia uma prioridade, sendo
exemplo disso a quantidade de projectos em fase de desenvolvimento neste domínio
(PAEQUANN - Predicting Aquatic Ecossystem Quality using Artificial Neural Networks;
DIAMON - Diatoms as Monitors of the ecological quality status of European rivers;
ADIAC - Automatic Diatom Identification and Classification; AQEM - Assessment
System for Ecological Quality; STAR - Standarisation of River Classification;
CATCHMOD - Catchment Water Modelling; ECOFRAME - Ecological Quality and
Functioning of Shallow Lake Ecosystems; e outros...).
No que respeita à utilização das algas a nível comunitário no contexto desta
Directiva, há quatro pontos a salientar, alguns deles já em processo de
desenvolvimento:
- selecção, adaptação regional e normalização à escala europeia de índices biológicos já existentes em alguns dos estados membros (IBD, por
exemplo);
- desenvolvimento duma metodologia que permita a utilização de diatomáceas como bioindicador da qualidade da água em lagos;
- estudo aprofundado e o desenvolvimento de ferramentas concretas, válidas e
acessíveis no âmbito da utilização do fitoplâncton para a avaliação da
qualidade da água, níveis tróficos, etc., tanto em rios como em lagos;
41
- desenvolvimento de modelos biológicos tendo em vista o controlo de
blooms e a previsão de cenários de intervenção pelos organismos gestores
de recursos hidrológicos.
Enquanto os 3 primeiros pontos se relacionam com a avaliação ecológica das
massas de água, o quarto ponto situa-se na fronteira entre os problemas de disfunção
ambiental e os riscos para a saúde pública.
As cianófitas, dada a complexidade do seu funcionamento que representa em
grande parte um mistério para a comunidade científica, não são ainda alvo dum
programa substancialmente fácil de pôr em prática e financeiramente viável, como
seria de desejar para a segurança e saúde pública dos consumidores. No entanto,
assiste-se já a iniciativas pioneiras nos países em que as cianófitas representam um
problema real, como Portugal e Austrália. Seria desejável intensificar a investigação na
fisiologia e ecologia destes organismos e tentar uma aplicação à escala europeia dos
exemplos dos países citados.
A aplicação desta Directiva nos países menos desenvolvidos da Comunidade
Europeia representa um grande desafio, uma vez que, na ausência de metodologias
próprias, serão obrigados a adoptar métodos aplicados noutros países (França, por
exemplo) ou em fase de desenvolvimento por projectos de investigação europeus. O
processo de selecção de metodologias deve ser baseado no conhecimento científico
da realidade do país e na diversidade dos seus habitates. Isto implica um bom
conhecimento dos recursos hidrológicos do território e um sólido histórico de dados.
Seleccionadas as metodologias mais adequadas, segue-se o processo de adaptação
desses mesmos métodos às especificidades regionais dos habitates em causa,
através do trabalho de investigação. Para tal, será necessária uma coordenação entre
a comunidade científica e os organismos gestores das águas. Assim, esse diálogo
poderá servir de plataforma à tomada de decisão do poder político obrigado a aplicar a
legislação. Ou seja, a comunidade científica não pode virar as costas à sua
responsabilidade civil, e deve desempenhar um papel activo em todas as fases do
processo, apesar de se tratar dum assunto à partida político e de legislação.
42
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