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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTEUERN CAMPUS AVANÇADO PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIACAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS PPGL MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS UM ESTUDO FUNCIONALISTA DO ITEM QUANDO NA FALA E NA ESCRITA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO Celina Maria de Freitas Carvalho Pau dos Ferros 2013

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE–UERN CAMPUS AVANÇADO PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA–CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS PPGL MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

UM ESTUDO FUNCIONALISTA DO ITEM QUANDO NA FALA E NA ESCRITA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Celina Maria de Freitas Carvalho

Pau dos Ferros 2013

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CELINA MARIA DE FREITAS CARVALHO

UM ESTUDO FUNCIONALISTA DO ITEM QUANDO NA FALA E NA ESCRITA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras.

Orientadora: Profª. Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal

Pau dos Ferros 2013

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Carvalho, Celina Maria de Freitas

Um estudo funcionalista do item quando na fala e na escrita do português brasileiro / Celina Maria de Freitas Carvalho. – Pau dos Ferros, RN, 2013.

92 f.

Orientador (a): Prof.ª Dra. Rosângela Maria Bessa Vidal.

Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Área de Concentração: Estudos do Discurso e do Texto.

1. Funcionalismo – Dissertação. 2. Gramaticalização – Dissertação. 3. Item Quando – Dissertação. I. Vidal, Rosângela Maria Bessa. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título. UERN/BC CDD 401.41

Catalogação da Publicação na Fonte.

Bibliotecário: Tiago Emanuel Maia Freire / CRB - 15/449

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Dedicatória

Aos meus pais, Francisca das Chagas de Freitas Carvalho e

Claudionor Medeiros de Carvalho (in memoriam), que mesmo

não tendo tido a oportunidade de vivenciar os mais elevados

graus de estudos, fizeram de tudo para que esse direito fosse

garantido a mim e aos meus oito irmãos. A eles, o meu eterno

amor e gratidão!

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é sempre um ato de consideração àqueles que, de alguma forma,

contribuem para que um sonho ou um desejo se torne um acontecimento. Por esse motivo,

registro aqui os meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuíram para

a concretização dessa pesquisa. Deixo claro, no entanto, que a ordem de colocação

dos nomes não significa maior ou menor importância. É, sim, apenas uma forma de

organização.

Ao AMOR, maior e mais puro sentimento que move a minha vida.

À Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN/CAMEAM/PPGL.

A todos os colegas do PPGL, que muito contribuíram para o crescimento do meu

conhecimento, com as discussões durante as aulas presenciais. E, em especial,

agradeço a Rosângela Ferreira, companheira de pesquisa, pois foi com ela que mais

conversei e dividi as alegrias e angústias durante todo o Curso.

À forma de tratamento a mim dada pela minha orientadora, Dra. Rosângela Maria

Bessa Vidal.

A todos os professores que ministraram disciplinas, pelo constante incentivo de

busca para a realização desse meu projeto de vida acadêmica.

Às pessoas de Marília e Ricardo, pela execução do belo trabalho desenvolvido

enquanto membros do setor administrativo do PPGL.

Aos meus irmãos: Sales, Dimas, Elias, Zé Edmilson, Ana Alice, Antonio, Nila e Raimundo.

Que estão sempre juntos em todas as situações.

Às duas pessoas que mais cobraram a minha presença durante esses dois anos e que

sempre pularam de alegria quando me viam chegar: Beatriz e Gabriela.

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A todos os meus sobrinhos, pela convivência agradável.

A todos os meus amigos e amigas que construí durante esses dois anos de estudo,

e a todos que guardo no coração de outros tempos.

À Escola Estadual “Gilney de Souza”, em especial a todos os alunos que aceitaram

de bom grado que outra pessoa exercesse as minhas atividades docentes durante o

Mestrado.

A Jaílson José dos Santos, pela amizade e pela disponibilidade em aceitar traduzir o

resumo da dissertação.

À Escola Municipal Avelino Pinheiro e à Secretaria de Educação do Município de

São Miguel, pela liberação do meu trabalho durante os dois anos em que durou o

Mestrado.

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O Quando de Deus

Quando o sonho se desfaz, Deus reconstrói;

Quando se acabam as forças, Deus renova;

Quando é inevitável conter as lágrimas, Deus dá alegria;

Quando não há mais amor, Deus o faz nascer;

Quando a maldição é certa, Deus transforma em bênção;

Quando parecer ser o final, Deus dá novo começo;

Quando a aflição quer persistir, Deus nos envolve com a paz;

Quando a doença assola, Deus é quem cura;

Quando o impossível se levanta, Deus o torna possível;

Quando faltam as palavras, Deus sabe o que queremos dizer;

Quando tudo parece se fechar, Deus abre uma nova porta;

Quando você diz: não vou conseguir, Deus diz: não temas, pois estou contigo;

Quando o coração é machucado por alguém, Deus é quem derrama o bálsamo

curador;

Quando não há possibilidade, Deus faz o milagre;

Quando só há morte, Deus nos faz persistir;

Quando a noite parece não ter fim, Deus faz nascer o amanhecer;

Quando caímos num profundo abismo, Deus estende sua mão e nos tira de lá;

Quando tudo é dor, Deus dá o refrigério;

Quando o calor da provação é grande, Deus dá a sombra da sua presença;

Quando o inverno parece infinito, Deus traz o verão;

Quando não existe mais fé, Deus diz: acredita;

Quando estamos a um passo do inferno, Deus nos dá a direção do céu;

(Autor Desconhecido)

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LISTA DE TABELAS

TABELA 01- O QUANDO NO D & G DE NATAL --------------------------------------------65

TABELA 02- O QUANDO NO D & G DO RIO DE JANEIRO ----------------------------71

TABELA 03- O QUANDO NO D & G - JUIZ DE FORA------------------------------------75 TABELA 04- RESUMO GERAL DO QUANDO NOS CORPORA-----------------------79

TABELA 05- OS SENTIDOS DO QUANDO NOS TRÊS CORPORA----------------79

TABELA 06- O ITEM QUANDO NOS GÊNEROS TEXTUAIS ---------------------------82

TABELA 07- O ITEM QUANDO NA FALA E NA ESCRITA--------------------------------82

TABELA 08- O QUANDO COM SENTIDO DE TEMPO POR D & G ----------------83

TABELA 09- O QUANDO COM SENTIDO DE CONDIÇÃO POR D & G -----------83

TABELA 10- O QUANDO COM SENTIDO DE PROPORÇÃO POR D & G -------84

TABELA 11- O QUANDO COM SENTIDO DE CONCESSÃO POR D & G --------84

TABELA 12- O QUANDO COM SENTIDO DE LUGAR POR D & G ------------------85

TABELA 13- O QUANDO COM SENTIDO DE CONSEQUÊNCIA POR D & G---- 85

TABELA 14- O QUANDO NA LINGUAGEM DOS HOMENS E DAS MULHERES--86

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RESUMO O propósito desta pesquisa é analisar a funcionalidade do item linguístico quando nos corpora D & G de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de fora, com o intuito de verificar que outros sentidos o referido item pode assumir, além da forma prototípica, a temporal, como classificada pela gramática normativa. A análise foi realizada tendo como base teórica, o funcionalismo linguístico norte-americano, abordagem que defende o estudo da linguagem baseada no uso da língua. Dentre os quais os estudos funcionalistas mais conhecidos são os trabalhos de Hopper (1980; 1991); Givón (2001); Neves (1997; 2006); Furtado da Cunha (2007; 2008); Martelotta, Oliveira, Cezario et. al. (2008); Martelotta (2008; 2011), entre outros. Usamos, portanto, os padrões e processos de abordagem que podem detectar as possíveis tendências de variação, mudança e gramaticalização do item quando. É uma pesquisa explicativa que segue o método indutivo de investigação. Procuramos identificar as situações em que o item quando assume outros sentidos que não a circunstância de tempo. Para a concretização dessa pesquisa, analisamos as visões de gramáticos como Rocha Lima (1985), Bechara(2002)e Cunha e Cintra ( 2008 ). Partimos, primeiramente de uma revisão de literatura, observando o tratamento atribuído ao item quando pela gramática normativa, os estudos realizados sobre o referido item, para em seguida, com base na abordagem da linguística centrada no uso, apresentar os resultados obtidos, os quais revelam uma tendência de variação, mudança de sentido no uso do item quando. Pois sentidos como o de condição, de proporção, de concessão e de lugar aparecem nos corpora analisados, mostrando que o sentido de tempo mesmo aparecendo, em grande número, não é único. As variáveis, como por exemplo, o uso linguístico, e as diferenças de gênero, idade, o sexo e a diversidade de gêneros textuais contribuem para que o quando assuma outros sentidos e não funcionem apenas como temporal, pois o sentido é definido pelas as necessidades comunicativas do usuário da língua.

PALAVRAS-CHAVE: Funcionalismo. Gramaticalização. Item quando.

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ABSTRACT This research aims at analyzing the function of linguistic term when at Natal D & G corpora, at the Rio de Janeiro and Juiz de Fora, by the purpose of investigate other meanings that the term when can take to, beside of prototypic one, without time, as classified by traditional ruled grammar. Our analysis took place taking into account background theory from linguistic functionalism; this approach take the position that language studies has to be seen as based on use. So we point out the most representative works, whose propositions are done by Hopper (1980; 1991); Givón (2001); Neves (1997; 2006); Furtado da Cunha (2007; 2008); Martelotta, Oliveira, Cezario et. al. (2008); Martelotta (2008; 2011), among others. Therefore, we use standards and process approaches that show us possible tendencies of variation, change and grammaticalization of the term when. This is an explicative kind research that follow the inductive method of investigation. We search to identify output language situation in which the term when take other meanings but time sense circumstances. To the effective concrete of this research we analyzed grammar conceptions by Rocha Lima (1985), Bechara (2002) and Cunha e Cintra (2008). The woks begins with a background literature review, taking attention given to the term when by traditional ruled grammar. We also saw studies about when term, after that we follow an analysis based on linguistic use, so we show obtained results. These results reveal us a variation tendency and the change meaning of the term when. Meaning as those of condition, proportion, and place concession appear at the analyzed corpus and this show the meaning of when as time sense, even appearing in a larger proportion is not the unique sense. Variables items, such as linguistic use and genre differences, age, sex, and also text genre diversity prove that traditional time sense (of when), do not give the right needs to language use. KEY WORDS: Functionalism. Grammar. When term.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

CAPÍTULO I – AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CONECTIVO QUANDO: DA

GRAMÁTICA TRADICIONAL À LINGUÍSTICA MODERNA ...................................... 24

1.1 O CONECTIVO QUANDO NA ABORDAGEM DA GRAMATICA TRADICIONAL

........................................................................................ ..........................................24

1.2 ESTUDOS SOBRE O QUANDO E A SUBORDINAÇÃO DE

TEMPORALIDADE.................................................................................................... 29

1.3 AS CONSTRUÇÕES TEMPORAIS COM O QUANDO SOB O ENFOQUE DA

LINGUÍSTICA MODERNA......................................................................................... 35

CAPÍTULO II- A TEORIA NORTEADORA DA PESQUISA : O FUNCIONALISMO

LINGUÍSTICO........................................................................................................... 41

2.1 O FUNCIONALISMO NORTE- AMERICANO .................................................... 41

2.2 VARIAÇÃO, MUDANÇA E GRAMATICALIZAÇÃO...... ..................................... 48

CAPÍTULO III- O MATERIAL PARA A ANÁLISE: OS CORPORA DISCURSO &

GRAMÁTICA ............................................................................................................. 52

3.1 OS CORPORA DISCURSO & GRAMÁTICA DE NATAL, RIO DE JANEIRO E

JUIZ DE FORA .......................................................................................................... 52

3.2 VARIÁVEIS ......................................................................................................... 54

3.2.1 LINGUÍSTICAS ............................................................................................... 55

3.2.2 SOCIAIS ........................................................................................................... 55

3.3 TRATAMENTO METODOLÓGICO DOS DADOS .............................................. 56

CAPÍTULO IV- ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................... 59

4.1 O CONECTIVO QUANDO NA LÍNGUA FALADA E ESCRITA DO

PORTUGUÊS BRASILEIRO ..................................................................................... 59

4.2 USOS DO QUANDO EM NATAL/RN ................................................................. 64

4.3 USOS DO QUANDO NO RIO DE JANEIRO ....................................................... 71

4.4 USOS DO QUANDO EM JUIZ DE FORA ........................................................... 74

4.5 USOS DO QUANDO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO ....................................... 78

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4.5.1 O quando nos gêneros textuais ........................................................................ 81

4.5.2 O quando na modaliade oral e escrita ............................................................. 82

4.5.11 O quando na linguagem dos homens e das mulheres ................................... 86

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 88

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 92

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INTRODUÇÃO

Refletir sobre linguagem por ela mesma é um grande desafio para o usuário

e/ou estudioso de uma língua. Pois, para muitas pessoas, estudar a língua significa

apenas analisar os aspectos linguísticos de forma restrita, limitada. É o que temos

observado ao longo das muitas reflexões que se tem feito a respeito do uso destes

aspectos. A partir dessa constatação, percebemos a necessidade de realizar

estudos e pesquisas, para que analisemos como o item quando entre outras

conjunções estão sendo trabalhados (ensinados) e estudados, na maioria das

escolas brasileiras, para podermos entender os novos percursos que a educação

brasileira vem assumindo no que se refere ao trabalho com a linguagem, seja ela

oral ou escrita.

Se faz necessário e urgente, também, saber qual é a verdadeira função da

escola. E é importante lembrar que a função dela vai muito além de trabalhar ou

repassar conteúdos. O professor de precisa entender que as aulas de língua

portuguesa seriam mais interessantes se não se restringissem a maioria do seu

tempo, da utilização do ensino das regras gramaticais. Assim sendo, a escola não

pode esquecer o seu papel principal, que é o de capacitar os alunos a utilizarem a

linguagem como instrumento de aprendizagem. Ela não pode, acima de tudo, se

prender a uma única forma de trabalho. É importante saber que existem várias

linhas de pensamentos e conhecê-las, para que possamos usar a mais adequada à

realidade de quem está envolvido no processo educacional, poderia ser o caminho

mais próximo para se alcançar o sucesso dos que fazem a escola.

Esquecermo-nos de trabalhar a língua em sua funcionalidade, poderia não ser

a melhor opção, pois, de acordo com a perspectiva funcionalista, o trabalho com o

uso real da linguagem pode ser uma seta de indicação para um caminho mais

seguro, uma vez que o funcionalismo linguístico surge como mais uma linha de

pensamento através da qual os professores poderiam ajudar os alunos a

desenvolverem a sua capacidade de usar a língua e de se comunicarem de forma

mais competente. Dessa forma, poderão tornar-se capazes entender as condições

de produção de um discurso mais condizente com um usuário nativo da língua

portuguesa, pois se eles já o fazem, necessitam ser conscientes das habilidades que

possuem.

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Nesse sentido, e com o pensamento de buscar novos rumos para o trabalho

feito com a linguagem, é que nos propusemos analisar as manifestações discursivas

do item quando a partir do banco de dados que é composto pelos textos dos

informantes que constituem os corpora da cidade de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de

Fora. Dados estes, que foram coletados por um grupo de professores das

Universidades existentes nas cidades citadas, os quais constituem o Corpus

Discurso & Gramática doravante D & G.

Pelos estudos já existentes, o item quando vem apresentando em contextos

diferentes sentidos de tempo com uma sobreposição de outras relações. E ele,

mesmo exercendo a sua função de conjunção temporal nas maiorias dos casos, tem

uma sobreposição de relações o que para muitos usuários essas relações são

entendidas como novas significações. Partimos, pois, desses levantamentos, para

saber se esse é um dos itens que têm passado pelo processo de gramaticalização.

E para saber que outros sentidos ele assume nos corpora acima mencionados, além

do sentido prototipicamente temporal. Isto é, se ele sofreu mudanças ou variação

isso pode indicar a ocorrência do processo de gramaticalização. Esse processo

acontece no momento em que um item lexical/construção passa a assumir, em

determinadas circunstâncias, um novo status como item gramatical ou quando itens

gramaticais se tornam ainda mais gramaticais, podendo mudar de categoria sintática o que

chamamos de recategorização, receber propriedades funcionais na sentença, sofrer

alterações semânticas e fonológicas, deixar de ser uma forma livre e até mesmo

desaparecer como consequência de uma cristalização extrema.

Os PCN do Ensino Médio (1999), para explicar fatos como esses, colocam

que os estudos gramaticais, nas escolas, têm se centrado, em grande parte, no

entendimento da nomenclatura gramatical como eixo principal do ensino. Segundo

esse documento, a descrição e a norma se confundem na análise da frase, onde, na

maioria das vezes, essa aparece deslocada do uso, da função e do próprio texto. E

deixa exemplos para que fique claro o seu posicionamento.

Tomemos como exemplo um acontecimento escolar. A professora ensinou que “azul, verde, branco, as cores em geral” eram adjetivos e solicitou que os alunos construíssem frases com as palavras. Um dos alunos escreveu: “O azul do céu é bonito. O branco significa paz etc”. Logicamente um X foi colocado sobre as frases. O porquê, o aluno nunca soube. (BRASIL 1999, p.137)

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Se observarmos bem, veremos que o trabalho feito com as cores

mencionadas no exemplo exposto pelos PCN, que o aluno usou, em frases,

passaram a representar o sujeito de cada uma delas, deixando, assim, de serem

adjetivos, pois pela posição que elas ocupam, nesse contexto, é de substantivo.

Posição essa, que modifica totalmente o sentido da palavra e acaba por desmitificar

duas afirmações que a gramática normativa faz. A primeira, é que as cores não são

sempre adjetivos, e a segunda é que não é apenas o substantivo que pode ser

sujeito de uma oração. Outras classes gramaticais também podem exercer o papel

de sujeito, mas claro que a situação de uso é quem pode determinar esses

acontecimentos. É a forma de trabalhar as classes gramaticais que os PCN

questionam. Pois para os mesmos, a escola aplica uma análise mais formalista,

enquanto aquele prima por um ensino mais direcionado para a discursividade.

Diante do exposto, é oportuno levantar alguns questionamentos. Que

influência o contexto tem na mudança de sentido das palavras? O tempo e o espaço

provocam essa influência? Para responder esses questionamentos e para

esclarecer algumas classificações atribuídas às palavras pela gramática normativa,

resolvemos analisar o uso do item quando nos corpora D & G de Natal, Rio de

Janeiro e Juiz de Fora do Corpus Discurso e Gramática que reúne entrevistas com

usuários da língua, entrevistas estas que reunidas formam um banco de dados que

possibilitam o estudo sobre o Português Brasileiro.

É essa forma de ver e compreender a língua, de partir de algo real para se

trabalhar a realidade, que pode tornar mais instigante o uso da linguagem, porque se

alguma coisa nos inquieta precisamos saber o que e como fazer para sanar essa

inquietude e onde encontrar o material necessário para nos auxiliar na resolução do

que entendemos como problema e delimitar o que pensamos realizar é um dos

primeiros passos. Sendo assim, após a escolha feita do assunto e do material que

serviu para a construção do corpus da nossa dissertação, delimitamos o tema, que

ficou da seguinte forma: UM ESTUDO DO ITEM QUANDO NA LÍNGUA FALADA E

ESCRITA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO.

Após essa delimitação, partimos para a elaboração do nosso objetivo geral

que ficou da seguinte forma: analisar as manifestações discursivas do item quando

na fala e na escrita do português brasileiro. A partir do qual se desenrolaram os

chamados objetivos específicos, aqueles que delimitam os caminhos que vão aos

poucos sendo trilhados, 1- Averiguar como a Gramática Normativa classifica o item

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quando, a partir do trabalho de renomados gramáticos brasileiros, como Rocha Lima

(1985), Cunha e Cintra (2008), Bechara (2002), entre outros nomes como o de

Castilho e Othon Garcia, sendo que os dois últimos já têm seus trabalhos mais

direcionados para o funcionalismo. 2- Identificar as possíveis manifestações

discursivas do item quando, tendo como suporte a teoria funcionalista, mais

especificamente, o Funcionalismo linguístico norte-americano, sendo Givón o

representante de mais destaque dessa linha de pensamento. Para, em seguida, 3-

Comparar a classificação atribuída pelos gramáticos normativos, ao item quando,

com suas manifestações discursivas, nas produções orais e escritas que compõem o

D & G da cidade de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Para, posteriormente 4-

Fornecer, a partir dos dados coletados, possibilidades de reflexões sobre o trabalho

que se faz com a gramática nas aulas de língua portuguesa.

Elaborados os objetivos, escolhemos a bibliografia a ser utilizada, isto é, fizemos

um levantamento para saber qual o material que existe na área, mais especificamente,

tentamos recolher as obras referentes ao tema em estudo. Nesse caso, focalizamos o

Funcionalismo linguístico norte-americano, uma vez que pretendíamos descobrir as funções

exercidas por um conector interfrástico em situações reais e concretas de uso, pois,

compreendemos que esse é um dos suportes teóricos mais cabíveis para o tipo de análise

que pretendíamos realizar no momento.

E por entendermos também que essa linha de pensamento é uma das setas

que podem indicar outras formas de caminhar, outras possibilidades de trilhar um

caminho, sem querer, em nenhum momento, impor uma forma de trabalho, mas

tentar compreender que enquanto professores de língua, conhecendo outras linhas

de pensamento, podemos escolher a que melhor se adequar a nossa prática para

facilitar o trabalho enquanto usuário da língua portuguesa e, acima de tudo,

enquanto formador de opinião e pessoa responsável pelo ensino de gramática.

Partimos para a leitura dos textos de fundamentação teórica, fichando e

organizando o que entendemos das leituras concretizadas. Realizamos a leitura dos

documentos - D & G, das três cidades citadas, tentando compreender cada texto,

observando, especialmente, a ocorrência do item quando, tanto nas produções

orais, quanto nas escritas. A partir dessas ocorrências, tentamos entender como se

aplica a teoria em estudo ao nosso corpus, como teoria que busca analisar o uso

das palavras, é nossa intenção ter como base a verificação das manifestações

discursivas desse item na fala e na escrita do português brasileiro, percebendo se

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acontecem de maneira semelhante ou não à classificação que a gramática

normativa lhe atribui.

O item quando foi analisado e a partir dessa análise foi encontrada uma

maioria com sentido temporal e sobreposição também temporal e ao lado dessas

outras manifestações de sentido temporal com sobreposição condicional,

proporcional entre outras. Faz parte de nossa pesquisa mostrar quais as outras

circunstâncias que mais aparecem, depois da circunstância de tempo, uma vez que

esta ainda se sobressai em relação às demais, no entanto, muitos outros sentidos já

despontam contrariando assim, a versão da gramática normativa que trata o quando

apenas como temporal, pois pela nossa análise, essa posição da gramática

tradicional é questionada.

Assim, conhecendo o que a Gramática Tradicional diz a respeito dessa

palavra e sendo conhecedores também do seu papel, o item quando enquanto

construtor de sentido, num determinado contexto, é apresentado como trabalho que

está dentro dos parâmetros funcionalistas, uma vez que a língua não deve ser vista

como algo estático, parado. Mas é algo em movimento que o tempo e o espaço

podem fazer com que sofra algumas modificações, pois nenhuma teoria ou

nenhuma linha de pensamento deve ser imposta, apenas deve ser mostrada para

que cada usuário faça a escolha da que melhor se adequar à sua realidade. E seria

importante que os professores se preocupassem em assumir esse trabalho de

buscar o aperfeiçoamento e o conhecimento, no mínimo da existência das diversas

teorias existentes que tratam do trabalho com a língua.

Seria preciso descobrir o verdadeiro papel que a escola desempenha na vida

do usuário da língua e como devem atuar os profissionais da educação,

especialmente, o professor de português, aquele a quem foi atribuída a missão de

ensinar, a fazer o uso adequado da língua, mesmo sabendo que fazer o bom uso da

língua é uma necessidade de todos os usuários, porque as adequações são

exigências da própria língua e situações comunicativas em que esta é utilizada seja

por professores ou não. Não são as exigências da Gramática Normativa que

devemos obedecer, mas as exigências da gramática interna da língua.

No entanto, as escolas públicas e/ou particulares, durante muitos anos,

tinham como preocupação principal o trabalho com a Gramática Tradicional, com as

normas e regras gramaticais, mais especificamente trabalhavam apenas a função

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sintática das palavras, em frases soltas e isoladas, desconsiderando, assim, o papel

social da língua. Como esclarece Antunes:

as oportunidades de escrita limitam-se a uma escrita com finalidade escolar apenas; ou seja, uma escrita reduzida aos objetivos imediatos das disciplinas, sem perspectivas sociais inspiradas nos diferentes usos da língua fora do ambiente escolar. Por exemplo, a produção escrita, no ensino médio, é orientada especificamente para a dissertação, com vistas à redação do vestibular (ANTUNES, 2005, p. 26).

Acreditamos ser essa uma realidade ainda muito próxima. É fato que até

pouco tempo, raramente se trabalhava o texto em sala de aula, com outro objetivo

diferente do citado por Antunes (2005) e, com base na declaração da referida

autora, quando isso acontecia é porque se pensava o texto apenas como pretexto

para se trabalharem os aspectos linguísticos. Não se via o texto como ele deve ser

visto e é preciso que ele seja olhado e entendido como uma manifestação

linguística produzida por alguém, em uma situação concreta (contexto), com

determinada intenção. Pois quem escreve precisa saber para quem e por que se

está escrevendo. Portanto, fica muito difícil escrever bem sem se ter claro o seu

interlocutor e quais os seus objetivos propostos para determinado fim.

Dessa forma, todos nós, envolvidos no processo educacional, somos

conhecedores dessa realidade e, sendo também sabedores dessa prática, nas

escolas, é que resolvemos trabalhar as manifestações linguísticas do item quando

buscando explicações para algumas das muitas questões polêmicas, que envolvem

o uso da Língua Materna, seja nas escolas ou fora delas.

Escolhemos então, a conjunção quando, classificada como temporal pela

gramática normativa a fim de compreendermos as suas funções e/ou os seus efeitos

reais, enquanto conector interfrástico, funções estas nem apresentadas, nem

comentadas pela gramática tradicional, visto que as palavras podem promover uma

relação de dependência e independência entre as orações, mas não é interessante

observarmos apenas o aspecto estrutural da frase. O semântico e o pragmático são

de fundamental importância para a compreensão de um texto.

Essa compreensão vai muito além que o simples fato de depender ou

independer uma oração da outra, coisa que só percebemos quando os vocábulos

estão contextualizados, no uso real e não em frases criadas, isoladas. Para melhor

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compreendermos as relações que se estabelecem entre as palavras, que é parte

central do nosso trabalho, é importante partirmos do tratamento dado a elas por

alguns gramáticos normativos, para analisar e até mesmo comparar visões

diferentes. E só temos condições de definir um posicionamento, afirmando se essa

teoria é mais adequada para o que se pretende alcançar, se de fato tivermos

conhecimento de uma outra, que por sua vez não podemos comparar o que não

conhecemos.

Partimos, então, para a utilização do funcionalismo linguístico, como suporte

teórico e embasamento de reflexão na nossa pesquisa, uma vez que sendo

professora de língua portuguesa o nosso contato maior foi sempre com a gramática

tradicional, e ao conhecer a outra vertente chamada de funcionalismo linguístico,

houve um despertar em compreender como uma e outra tratam o trabalho com a

língua, uma vez que aquela defende o trabalho pautado nas regras e normas e

grande parte dessa difusão de ideias acontece nas aulas de Língua Portuguesa, e o

funcionalismo prima pelo trabalho da língua em uso, em situações concretas e reais

de comunicação. São apresentadas as duas versões para que o usuário possa

também comparar o que melhor lhe convém. Após essa comparação, o professor ou

qualquer outra pessoa que se interesse pelo assunto, terá condições de se utilizar

da teoria mais adequada para a situação por ele vivida. O importante é que ele saiba

das possibilidades de caminhos que se pode seguir, observando aquilo que é mais

adequado às situações vivenciadas pelo usuário da língua, tanto dentro da escola

quanto fora dela.

A escolha do material para construção do corpus se deu, primeiramente, pelo

desejo de compreender os processos de mudança de sentido pelos quais uma

palavra pode passar e como os corpora são organizados a partir de entrevistas

coletadas com diferentes informantes de regiões também diferentes a partir disso,

verificar que outros sentidos o item quando apresenta no corpus analisado que não

o sentido de tempo, como apresenta a gramática normativa, pois se o contexto não

é o mesmo, a situação comunicativa varia, é possível que as palavras se adaptem a

estas situações variando o seu sentido. Enquanto professores de língua portuguesa,

teríamos muitas opções para construir um corpus, entretanto, dentre as várias

possibilidades de escolha, preferimos trabalhar o item quando e suas manifestações

discursivas nos corpora D & G da cidade de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora.

Visto que a classificação, atribuída pela Gramática Normativa a esse conector, não

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leva em consideração o contexto. E como o Grupo Discurso e Gramática reúne

entrevistas de usuários da língua que poderão servir de instrumentos de pesquisa e

estudos sobre o português brasileiro e esses estudos são coletados em cidades

diferentes, escolhemos os corpora das cidades acima mencionadas, pelo fato de

duas delas, Rio de Janeiro e Juiz de Fora, estarem bem próximas geograficamente e

Natal mais distantes de ambas, a fim de perceber se a aproximação geográfica

apresenta aproximação também nos sentidos que o item quando estabelece, e que

relações de sentidos mais se estabelecem em cada corpora.

Fizemos um levantamento da etimologia do item quando, o que se fez

necessário para a compreensão dos resultados obtidos em nossa análise. Diante do

que já existe a respeito do uso do conectivo quando, é de nosso interesse

aprofundar o conhecimento até então organizado. Verificar o que existe de novo,

além do já encontrado por outros estudiosos. Se o quando não funciona apenas

como conjunção temporal, que outros sentidos ele assume nos corpora D & G de

Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora? Esse questionamento serviu de impulso para a

busca de outras descobertas, outros sentidos que o item analisado assumiu nesse

novo contexto por nós escolhido.

A partir dos questionamentos levantados, traçamos os caminhos que seriam

percorridos, através dos objetivos, os quais, quando alcançados, foram de suma

importância para respondermos aos nossos questionamentos. Nesse sentido, e com

o intuito de aprofundar o nosso conhecimento em relação ao tema em estudo, é que

estabelecemos os nossos objetivos e as questões de pesquisa, sendo uma mais

geral e outras mais específicas. A nossa questão mais abrangente foi: Que

manifestações discursivas o item quando apresenta nos corpora D & G de Natal, Rio

de Janeiro e Juiz de Fora? E para que o nosso objetivo geral fosse alcançado, e a

questão maior fosse respondida, precisamos organizar uma sequência de passos

através de objetivos específicos e respectivas questões os quais apresentaram uma

lógica procedimental.

1-Como a Gramática Normativa classifica o item quando, levando em consideração

o trabalho de renomados gramáticos brasileiros?

2- Quais as possíveis manifestações discursivas do item quando nos corpora D & G

de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora?

3-O que aproxima e o que distancia a classificação atribuída pelos gramáticos

normativos, ao item quando, de suas manifestações discursivas, nas produções

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orais e escritas que compõem o D & G da cidade de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de

Fora.

4- Que possibilidades de reflexões podem surgir, a partir dos dados coletados, sobre

o trabalho que se faz com a gramática nas aulas de língua portuguesa?

Após a exposição das questões de pesquisa e dos objetivos geral e

específicos é importante destacar as escolhas feitas porque se queremos entender

suas manifestações, é importante que tenhamos um conhecimento básico de visões

divergentes a fim de compreender o processo e as relações que as palavras estabelecem

entre si. Para, a partir desse conhecimento, ter condições de identificar as diferentes

manifestações pragmáticas do item quando nos corpora das cidades acima mencionados.

Tomando como base todo o levantamento feito, a fim de comparar a

classificação atribuída pela gramática normativa ao item quando com suas

manifestações discursivas nesse novo contexto, fornecendo, assim, a partir dos

dados, possibilidades de reflexões sobre o trabalho que o usuário faz com a

gramática, seja apenas enquanto falante, seja enquanto estudioso da língua, e

também nas aulas de Língua Portuguesa ou fora da escola, pois os funcionalistas

concebem a linguagem como um instrumento de interação social, alinhando-se,

assim, à tendência que analisa a relação entre linguagem e os atos comunicativos

dentro da sociedade.

Essa nossa escolha se deu primeiramente, pelo fato de trabalhar com o

ensino de língua e me interessar pelo trabalho com os aspectos gramaticais. E num

segundo momento, por vontade de conhecer outras possibilidades de trabalho com

os itens linguísticos, uma vez que a forma como a gramática normativa trabalha

esses aspectos, como por exemplo, o enquadramento de todas as palavras em

classes, às vezes nos causa algumas inquietações. Essas inquietações nos

incentivaram a escolher o quando como objeto de estudo, a fim de entender melhor

como se dá cada manifestação linguística, desse item, no momento em que um

usuário interage com outro.

Dessa forma, surge um questionamento que poderá ser respondido a partir

de nossa pesquisa: Nos corpora em análise, que outros sentidos o item quando

apresenta, além da classificação prototípica de advérbio temporal? A partir dessa

pergunta, traçamos o itinerário investigativo das possíveis manifestações que o

quando possa desempenhar num determinado contexto, escolhemos assim, os três

corpora anteriormente citados pela afinidade com os gêneros que os compõem e por

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consideramos importantes para o avanço do trabalho com a língua da qual somos

usuários, pois trata da linguagem em uso, e todos nós enquanto falantes tentamos

nos adequar às necessidades e daí podem nascer manifestações sugestivas,

diferentes do que costumamos ver nas frases soltas e isoladas.

A nossa dissertação está organizada da seguinte forma: O primeiro capítulo

assim nomeado AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CONECTIVO QUANDO: DA

GRAMÁTICA TRADICIONAL À LINGUÍSTICA MODERNA faz uma apresentação do

item quando desde sua etimologia, passando pela classificação dada pela

Gramática Normativa, mais especificamente abordamos o tratamento dado ao item

quando por Rocha Lima (1985), Cunha e Cintra (2008), entre outros que auxiliam

nas nossas reflexões em relação à divisão de palavras em classes e ao

enquadramento destas em uma das dez classes gramaticais. Apresentamos alguns

estudos sobre o quando e a subordinação de temporalidade até chegar às

construções temporais com o quando à luz da linguística moderna.

O segundo capítulo, que se apresenta como A TEORIA NORTEADORA DA

PESQUISA: O FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO NORTE-AMERICANO, trata da

fundamentação teórica, que tem como base o Funcionalismo linguístico. Nesse

espaço, é que definimos essa corrente teórica, falamos de seu surgimento, como se

desenvolveu e quais os seus representantes. É nesse espaço também que falamos

sobre variação, mudança e gramaticalização, fatores que nos ajudam a

compreender a mudança de sentidos que o item quando apresenta nos corpora

analisados.

O terceiro capítulo, O MATERIAL PARA A ANÁLISE: OS CORPORA

DISCURSO & GRAMÁTICA, mostra como se constituiu o corpus. Faz uma

exposição dos três corpora, o da cidade do Natal, o do Rio de Janeiro e o Juiz de

Fora, bem como as variáveis linguísticas e sociais. E mostra também qual os

procedimentos que foram adotados para a coleta e análise dos dados, descrevendo

todos os procedimentos adotados para que o nosso trabalho se concretizasse.

No quarto e último capítulo, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS,

apresentamos como o item quando se manifesta no corpus analisado e quais os

sentidos que se destacam além do temporal, considerado prototípico. Sendo feita,

em primeiro momento, uma análise individualmente dos anais para, num segundo

momento, fazer uma amostra geral, incluindo o resultado dos três corpora e levando

em consideração que os referidos corpora são produzidos em pontos distintos do

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Brasil. É a partir da coleta e análise dos dados que alcançamos as respostas

necessárias para responder aquelas perguntas levantadas no início desta pesquisa.

Que os dados encontrados possam se tornar o ponto de partida para novas

investigações e novas descobertas, oferecendo ao usuário da língua um novo olhar

no tocante às manifestações linguísticas.

Foram feitas as considerações finais, para a conclusão dessa pesquisa e não

para o tema em questão, pois muito existe ainda para ser estudado, lapidado

construído e reconstruído. Por último, referenciamos os nomes dos autores citados

no texto e não todos os que nos serviram de suporte, para preparação da

dissertação, pois muitas outras leituras foram feitas. E todas foram de grande valia

para o aprofundamento de nosso conhecimento em relação ao tema discorrido. No

entanto, é regra usarmos apenas aqueles que foram citados no decorrer do texto.

Diante do exposto, entendemos que a nossa pesquisa é de grande

importância nas instâncias acadêmica, pedagógica e social. Pois, na academia,

percebemos as inquietações dos que trabalham e estudam a língua. Primeiro, pelo

fato de a maioria dos alunos chegarem à universidade apenas com a visão

apresentada pela gramática normativa e depois por sentirem que os estudos

apresentados pela academia, na maioria das vezes, não respondem às dúvidas e às

expectativas existentes.

Em relação ao aspecto pedagógico, esse trabalho pode também oferecer

algumas contribuições necessárias à prática pedagógica que seria proporcionar o

despertar do professor em relação ao ensino de línguas nas escolas, pois entender

que existem várias possibilidades de se trabalhar a língua é o caminho mais curto

para a escola atingir os seus objetivos. Dessa maneira, novos olhares e novas

perspectivas ensino pode repercutir de forma de ensinar , tornando-a significativa

na vida social do usuário, porque o que é aprendido na escola fica mais fácil de ser

entendido dentro da própria instituição ou fora dela, onde cada pessoa se relaciona

com outras através da linguagem, seja na escrita ou na oralidade, em situações

reais de comunicação.

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I AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CONECTIVO QUANDO: DA GRAMÁTICA

TRADICIONAL À LINGUÍSTICA MODERNA

Neste capítulo, fazemos uma resenha do item quando desde sua origem

passando pela classificação dada ao item analisado pela Gramática Normativa

brasileira até as suas manifestações à luz da linguística moderna.

1.1 O CONECTIVO QUANDO NA ABORDAGEM DA GRAMATICA TRADICIONAL

Observando o conceito que é dado ao item quando, a maioria dos

gramáticos brasileiros concorda que um dos papéis que ele assume de mais

característico é o papel de conjunção, pois este pensamento se encontra em várias

gramáticas, como exemplo, a Gramática Metódica da Língua Portuguesa (1979), de

Napoleão Mendes de Almeida; A Estrutura Morfo-Sintática do Português (1982), de

José Rebouças Macambira, a Nova Gramática do Português Contemporâneo

(1985), de Celso Cunha & Lindley Cintra e a Gramática Normativa da Língua

Portuguesa(1985), de Carlos Henrique da Rocha Lima. Em todas elas, percebemos

que as definições apresentadas concorrem para uma definição unânime que poderia

se propagar da seguinte maneira: “Conjunção é a palavra que serve para ligar

orações e termos de mesma função sintática”.

No entanto, mesmo tendo esse pensamento em comum, algumas

divergências são notadas. Nem todos os gramáticos concordam com todas as

afirmações que os outros fazem. Almeida (1979), quando faz a sua definição sobre

conjunção, não anota nenhuma possibilidade de a conjunção ligar não apenas

orações, mas também termos de uma mesma função sintática. Isto é, ele define

conjunção fazendo o confronto com a preposição, atribuindo a esta a função de ligar

palavras, e àquela, a função única e exclusiva de conectivo oracional: “Conjunção: é

toda palavra que serve para ligar, não palavras, como a preposição, mas orações.

Ex.: Fomos cedo e voltamos tarde. Desejo que venhas” (ALMEIDA, 1979, p. 81).

Ele sugere essa definição e ele mesmo não parece satisfeito com o que

afirma, por isso, propõe outra definição mais completa, acrescida de exemplos.

Conjunção é o conectivo oracional, isto é, a palavra que liga orações: “O

rústico, porque é ignorante, vê que o céu é azul; mas o filósofo, porque é

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sábio e distingue o verdadeiro do aparente, vê que aquilo que parece céu

azul, nem é azul, nem é céu”. Nesse período, os vocábulos porque, mas, e,

que, nem, são conjunções, porque são os conectivos das orações (ALMEIDA,

1979 p.345)

Pelo exposto, Almeida (1979) acha que o estudo da conjunção está ligado

exclusivamente ao estudo da análise de classes, apenas à Morfologia,

desconsiderando o papel semântico e o contexto. Entretanto, ele é apenas um dos

que privilegiam o trabalho com a estrutura, compartilhando com muitos outros, ideias

semelhantes.

Observemos como Rocha Lima (1985), um dos mais renomados gramáticos

da Língua Portuguesa expõe o item quando Uma de suas primeiras afirmações é

que o quando é conjunção adverbial temporal. Para ele, conjunções são palavras

que relacionam entre si: a) Dois elementos da mesma natureza

(substantivo+substantivo, adjetivo+adjetivo, advérbio+advérbio, oração+oração,

etc.); b) Duas orações de natureza diversa, das quais a que começa pela conjunção

completa o sentido da outra ou lhe junta uma determinação. As conjunções do

primeiro tipo chamam-se coordenativas; as do segundo tipo são chamadas de

subordinativas.

E as suas explicações podem não ser tão objetivas, claras, apenas

apresentam essas denominações, fazendo a distribuição de apalavras por classes:

as coordenativas se distribuem em cinco classes (aditivas, adversativas, alternativas,

conclusivas e explicativas) E atribui uma definição a cada uma delas. Diz por

exemplo, que “as aditivas relacionam pensamentos similares. E diz serem apenas

duas: e e nem. A primeira une duas afirmações; a segunda (equivalente a e não),

duas negações. Veja como Rocha Lima faz a exposição das conjunções em sua

Gramática normativa da língua portuguesa através das amostras 1 e 2.

Amostra 1: O médico veio e telefonou mais tarde.

Amostra 2: O médico não veio, nem telefonou.

Para ele, nesse momento, só existem duas conjunções coordenativas

sindéticas aditivas. Ele não faz referência a nenhuma outra. E nem esclarece o

motivo de entender dessa forma. Exemplifica cada conjunção com uma frase. No

entanto, não apresenta outras possibilidades em que os sentidos desses conectores

pudessem assumir sentidos diferentes. Não cita, pois, outros exemplos.

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Logo depois, ele vai definindo cada uma das outras conjunções chamadas

coordenativas. Aquelas que ligam orações coordenadas, independentes. E como

entender ou saber quando é que a oração é independente? Busquemos o que nos

diz o Dicionário de Linguística (1999-2004, p. 337). Ele conceitua o verbete

“independente” da seguinte forma: “Chama-se oração independente uma oração que

não depende de nenhuma outra (que não é encaixada em nenhuma frase) e da qual

não depende nenhuma oração (que não serve de matriz a uma oração encaixada)”.

Partindo dessa definição e da definição da gramática tradicional, em relação

às coordenadas, podemos dizer que elas realmente podem ser consideradas

independentes? Baseados em que aspectos os gramáticos tradicionais podem

afirmar isso?

De acordo com a maioria das gramáticas tradicionais, as conjunções são

classificadas de acordo a relação de dependência sintática que elas estabelecem

entre os termos ligados por elas. Se conectarem orações ou termos pertencentes a

um mesmo nível sintático, são chamadas de conjunções coordenativas. Quando

conectam duas orações que apresentem diferentes níveis sintáticos, isto é, quando

uma oração é um parte sintática da outra ou completa o sentido da primeira, são

chamadas de conjunções subordinativas.

Mas apenas essa exposição não é suficiente, não atende todas as

possibilidades de ligação que essa classe gramatical pode realizar. Para que se

entenda a classe das conjunções, seria necessário um esforço maior dos

gramáticos, uma exposição mais clara e objetiva, pois todas as palavras, se

colocadas em frases ou períodos, estão se relacionando umas com as outras,

independente de ser ou não conjunção. Seria necessário perceber que tipos de

relações são estabelecidas entre as palavras, em cada situação, e os vários

sentidos que a palavra pode assumir para que a mensagem se faça compreender

pelo seu interlocutor.

E essa compreensão se torna um tanto difícil pelo fato de muitos gramáticos

tratarem mais de classificações que das manifestações linguísticas das palavras.

Assim, elas são enquadradas em classes gramaticais. Para Cunha (1986), a oração

é coordenada, quando, à semelhança da principal, não é um termo da oração nem a

ele se refere; justapõe-se ou liga-se com conjunção coordenativa a outra

coordenada, com a qual pode relacionar-se, mas em sua integridade. Sendo

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consideradas independentes, apenas diferenciando-se pela presença ou ausência

dos conectivos.

Segundo Rocha Lima (1985), no período composto por subordinação, há

uma oração principal, que prende a si outra ou outras orações dependentes, as

quais são chamadas de orações subordinadas, porque exercem o papel de um

termo da oração principal. E se elas representam os desdobramentos dos vários

termos da oração principal, é claro que, quanto à função, elas configurarão as

funções próprias de cada classe gramatical à qual o termo pertença, seja ele

substantivo, adjetivo ou advérbio. Já quanto à forma e ao modo como se articulam

com a oração principal, podem ser chamadas de desenvolvidas, reduzidas e

justapostas.

As orações desenvolvidas, no momento, são as que mais nos interessam,

pois trazem o verbo em forma finita, isto é, um verbo conjugado e por sua vez, a

segunda oração é introduzida por uma conjunção, pronome relativo ou no caso da

interrogação indireta, por um pronome ou pó um advérbio interrogativo.

O item quando é apresentado pela gramática normativa como conjunção

subordinada adverbial temporal, pois exerce a função própria de advérbio de tempo.

No entanto, essa classificação não satisfaz por completo todas as necessidades do

usuário da língua, por sabermos da possibilidade da existência de outros sentidos

assumidos pelo item analisado, e como sempre ficam algumas inquietações, por

isso, acreditamos serem supridas mais algumas dessas questões com essa

pesquisa que ora realizamos.

O nosso trabalho apresenta alguns desses outros sentidos assumidos pelo

quando. E isso confirma que o tempo e o espaço influenciam a questão semântica

de algumas palavras. Dessa forma, esse processo de mudança está dentro do que

chamamos de gramaticalização, onde a palavra pode se tornar mais ou menos

gramatical de acordo com o uso que uma determinada comunidade faz de um termo.

Para compreendermos esse processo, é importante também que saibamos o que é

gramática.

De acordo com Franchi, para muitos professores a concepção de gramática

está ligada ao que corresponde à Gramática Normativa, para alguns professores

que foram observados através da correção das produções de seus alunos, em um

de seus trabalhos, ela diz que eles demonstraram em suas análises que a gramática

é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos

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especialistas, com base no uso da língua consagrada pelos bons escritores. E essa

é uma concepção bem antiga, podendo trazer raízes dos gramáticos lá de Port-

Royal, onde os estudiosos da época atribuíam o bom uso da linguagem à arte de

pensar. (Cf. FRANCHI, 2006). Ao que parece todo aquele pensamento foi sendo

difundido pelas escolas. E foi também sendo bem aceito por todos que faziam uso

da língua, principalmente, em situações mais padronizadas.

Até os dias atuais, esse pensamento ainda é entendido de forma semelhante

por algumas pessoas. Basta olharmos para algumas situações em que se pergunte

sobre o bom professor de português que a resposta será, em sua maioria, aquele

que melhor dominar as regras e normas gramaticais. Assim, foram ganhando

respaldo os gramáticos mais tradicionais. A maioria dos gramáticos brasileiros,

considerados tradicionais, tem como uma de suas principais características

utilizarem o método classificatório para enquadrar as palavras do nosso idioma. De

acordo com o que essa maioria nos mostra, todas as palavras devem fazer parte de

uma das dez classes gramaticais. (substantivo, artigo, adjetivo, pronome, numeral,

verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição). Assim, mediante o

pensamento dos gramáticos, essas dez classes devem absorver todas as palavras

da língua, tendo que assumir o caráter de uma ou de outra classe, visto de forma

isolada e em outras vezes, em curtas frases.

Mas a língua não deve ser trabalhada tendo como apoio apenas as frases

curtas. Existem também frases mais longas, existem os textos, os quais são

formados de períodos simples e compostos. Isto é, por frases com mais de uma

oração. E quando acontecer de existir mais de uma oração no período, elas

precisam de algo que possa fazer a conexão entre uma oração e outra. A essas

palavras que ligam termos semelhantes, chamamos de conectores. E entre esses

conectores se destacam as palavras classificadas como conjunção, pela gramática

normativa, para realizar a nossa análise.

O item quando, classificado como uma conjunção temporal, serve para

introduzir uma segunda oração, a qual deverá receber o nome de oração

subordinada adverbial temporal, uma vez que, no período simples, a circunstância

de tempo é representada por esse tipo de advérbio. Dessa forma, é necessário

entender como se dão as manifestações linguísticas do referido item em um

determinado contexto para podermos entender o pensamento dos gramáticos ou

ainda, conhecer apenas a exposição dos gramáticos não seria suficiente para se

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entender a variação de sentido de uma palavra, mas é interessante partir do que já

temos conhecimento.

1.2 ESTUDOS SOBRE O QUANDO E A SUBORDINAÇÃO DE TEMPORALIDADE

A conjunção subordinada adverbial temporal é aquela que introduz uma frase,

indicando sentido de tempo, momento em que a ação se realiza na oração principal.

Assim, fica dependendo dela o modo verbal, bem como o caráter finito ou não finito

da oração dita subordinada. As orações que têm a forma verbal no tempo finito, isto

é, quando o verbo estiver conjugado, vai aparecer a conjunção ou a locução

conjuntiva de subordinação temporal para indicar a circunstância de tempo. Isto é,

uma sequência de duas ou mais palavras que têm a distribuição e o comportamento

de conjunções subordinativas. Quando a forma verbal estiver no infinitivo, a

conjunção não aparece, e a oração será chamada de reduzida. Dessa forma, vai

depender do aparecimento ou não das conjunções, o modo verbal e o caráter finito

ou não finito da subordinada.

As conjunções subordinativas temporais introduzem subordinadas finitas e

escolhem os modos e as formas verbais a serem usados, podendo aparecer no

indicativo com tempo passado e presente ou subjuntivo, no caso de se tratar de

tempo futuro. As conjunções temporais mais utilizadas são: quando, mal, enquanto e

apenas. Para alguns gramáticos, existem as locuções conjuntivas de subordinação

para cada situação comunicativa. As conjunções que introduzem as subordinadas

finitas que exigem indicativo, citadas agora que e desde que. Para introduzir as

subordinadas finitas que exigem complemento, a locução conjuntiva indicada é:

antes que. Um número maior de locução conjuntiva de subordinação temporal são

as que introduzem subordinadas finitas e selecionam indicativo com tempo passado

e presente ou conjuntivo, no caso de se tratar de tempo futuro, assim que, logo que,

depois que, até que, sempre que, todas as vezes que e cada vez que. E para

introduzirem as subordinadas infinitivas, são citadas apenas duas: antes de, e

depois de, mesmo que haja indicadores que estes termos devem ser tratados como

locuções prepositivas.

A linguística moderna defende que os sintagmas devem ser classificados no

tripé: semântica, morfossintaxe e pragmática e que as análises linguísticas

aconteçam de forma contextualizada, pois a característica ortodoxa de

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independência, atribuída aos períodos compostos por coordenação se apresenta

como insuficiente, uma vez que é preciso explicitar em quais aspectos, se dá essa

independência, já que, como é apresentado nos estudos funcionalistas, podem ser

orações autônomas estruturalmente, mas que se apresentam semanticamente

dependentes. Isto é, subordinadas às outras que receberiam então não mais o título

de coordenadas assindéticas e sim de orações principais, se nos basearmos pelos

parâmetros do período composto por subordinação.

Ducrot, em sua semântica da enunciação, dando continuidade as ideias de

Bally (1944) quando procura mostrar que dentro do que a Gramática Tradicional

considera como coordenação e subordinação podem identificar relações diferentes

quanto à natureza e à organização dos enunciados. Assim, é possível distinguir dois

tipos básicos de elementos de conexão interfrástica. São os conectores de tipo

lógico e os encadeadores do tipo discursivo, os quais colaboram para determinar

que palavras se adéquam às necessidades comunicativas do usuário da língua.

A função dos conectores lógicos é apontar o tipo de relação lógica que o

locutor estabelece entre o conteúdo de duas proposições. Neste caso, trata-se de

um único enunciado, resultante de um ato de fala único, já que nenhuma das

proposições constitui objeto de um ato de enunciação compreensível

independentemente da outra, ou seja, as duas orações estão ligadas num único ato

de enunciação, correspondente a uma única intenção. Quando isso acontece,

estamos vivenciando um caso de subordinação semântica.

As relações do tipo lógico são classificadas, em nossas gramáticas, umas

como relação de coordenação (por exemplo, as disjuntivas), outras como relação de

subordinação (por exemplo, a condicionalidade, a causalidade). E sabermos apenas

do conceito de conjunção, pode tronar-se uma inadequação dessas noções, uma

vez que outras noções existam. Primeiro, por se tratar de conceitos estritamente

sintáticos (pouco sensíveis a uma abordagem discursiva); segundo por serem

discutíveis do ponto de vista semântico e por se mostrarem inutilizáveis do ponto de

vista pragmático.

Já os encadeadores discursivos caracterizam o que Ducrot chama de

coordenação semântica. Eles são os responsáveis pela estruturação de enunciados,

em textos, por meio de encadeamentos sucessivos, cada um dos enunciados

resultantes de um ato de fala diferente. Por isso, as relações do tipo discursivo

também são chamadas de pragmáticas, argumentativas, retóricas ou ideológicas e

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são marcadas, portanto, por encadeamentos sucessivos de enunciados, cada um

dos quais resultantes de um ato de linguagem particular.

É por isso que a língua tem mais vida quando está em uso. É no uso, na fala,

no discurso que ela se transforma, que ela também gera transformações. Muitas

palavras podem adquirir sentidos diferentes em diferentes contextos. Seria nesse

sentido um ponto negativo da classificação gramatical atribuída às palavras,

enquadrando-as em determinada classe, pois, seria mais importante mostrar que

existem as exceções, pois as classificações deveriam partir do momento do uso. Por

isso, é necessário compreender que as palavras devem ser classificadas apenas no

contexto em que elas se encontram no momento da enunciação. Para outros

contextos, certamente deverão ser atribuídas outras classificações.

De acordo com a maioria dos gramáticos brasileiros, o item quando pode

exercer a função de advérbio de tempo, pronome interrogativo e de conjunção. É

sobre o quando enquadrado nessa última classe gramatical, fazendo a conexão

entre as orações que abordamos nesse espaço. E como conjunção, o referido item,

é usado para introduzir as chamadas orações subordinadas que são dependentes

de outras por serem introduzidas por uma conjunção subordinativa. De acordo com

esta conjunção e com a relação que ela estabelece entre as orações, podemos

classificá-las em substantivas, adjetivas e adverbiais. As adverbiais são aquelas

introduzidas por um advérbio ou por um adjunto adverbial. Assim, todas as

adverbiais são classificadas conforme a circunstância expressa pela conjunção. Elas

podem ser causais, concessivas, condicionais, finais, consecutivas, comparativas,

conformativas, proporcionais e temporais.

Dentre as conjunções adverbiais as que são mais citadas nessa nossa

pesquisa são as temporais, cuja conjunção ou locução conjuntiva é temporal e faz

com que a oração subordinada represente também a circunstância de tempo. Neves

(2000, p. 787) afirma que a análise das orações temporais pode ser representada

pela análise das orações iniciadas pela conjunção quando, pois esta seria a principal

conjunção temporal. O fato do item quando está enquadrado nessa classificação e

por ser ele o nosso objeto de análise e por ele assumir o seu papel de temporal,

justifica-se a exposição da circunstância de temporalidade nesta seção. No entanto,

esse item pode representar outro sentido que não seja o de tempo, dependendo do

contexto em que está sendo usada.

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Neves (2000) afirma também que as orações temporais podem apresentar

relações lógico-semânticas associadas à relação temporal estabelecida entre

orações. Para ela, essas relações são licenciadas por conectores neutros, como o

quando e que se deve levar em conta o tempo e o modo verbal empregado em cada

uma dessas orações. Isso pode levar o item em estudo a estabelecer uma relação

de tempo, bem como relações com outros sentidos. Como, por exemplo, o

condicional, o proporcional, o concessivo e o causal entre outros.

A dificuldade de se entender a língua é na maioria das vezes a forma como

ela é trabalhada. Observando ainda o que Rocha Lima diz a respeito das

conjunções, algo nos surpreende. Quando chega às subordinativas, o autor

simplesmente cita as conjunções que se enquadram nessa classificação e

exemplifica, sem dizer pelo menos, o que é ser subordinado e o que significa ser

principal. Coisa que nesse capítulo (13) ele ainda deixa a desejar, pois se é para

mostrar como as normas e regras regem a língua, é necessário, pois, apresentá-las

todas, discuti-las e tentar visualizá-las dentro de algo concreto. Algo desprezado

pelos gramáticos, principalmente, pelo referido autor. Veja como ele apresenta as

conjunções temporais:

Temporais

Apenas, mal, quando, até que, assim que, antes que, depois que, logo

que, tanto que, etc.

Para exposição e explicação das conjunções, eis os exemplos citados por ele:

[Apenas a vi], marejaram-me as lágrimas.

Restituir-lhe-ei os livros, [tanto que você deles precise].

Essa é a única exposição que Rocha Lima faz sobre as conjunções temporais

sem nada mais acrescentar. Após citar as dez subordinadas, ele apenas faz uma

observação em relação às coordenadas.

Mas é no capítulo 17 (dezessete), mais especificamente na página 232

(duzentos e trinta e dois) que ele esclarece que, no período composto por

subordinação, existe uma oração principal que traz presa a si, outra, ou outras,

sendo assim, chamadas de dependentes, pelo fato de exercer o seu papel como

termo ou termos da oração principal.

Quando chega à subordinada adverbial temporal, ele diz que esta oração

assim se chama, porque é seu papel trazer à cena um acontecimento ocorrido antes

de outro, depois de outro, ou ao mesmo tempo em que outro. E diz que para cada

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um desses aspectos possui a oração temporal, quando desenvolvida, conjunções

apropriadas. A conjunção quando, é dita por ele a mais geral das partículas. É com

ela e através dela que se exprime, de maneira mais ou menos vaga, a ocasião em

que passa um fato: Quando a morte chegou, /encontrou-o em paz com Deus.

De acordo com o pensamento do referido autor, existe uma conjunção

apropriada para cada oração. Mas será que existe mesmo essa apropriação definida

de uma conjunção para cada oração ou é a situação comunicativa que vai

determiná-la? Segundo ele e outros autores que defendem o mesmo ponto de vista,

o contexto e o usuário não têm nenhuma influência sobre os resultados do uso de

determinadas palavras, o que para a teoria funcionalista esse é fato refutável. No

que se refere ao que o autor em estudo apresenta em relação às palavras que

indicam tempo, ele disse que , para assinalar um fato imediatamente anterior a

outro, a língua dispõe de determinadas conjunções como assim que, logo que, tanto

que, mal que, mal, apenas.

Mas para assinalar um fato posterior a outro são usadas conjunções como:

antes que, primeiro que. Já para mostrar a duração ou simultaneidade de

acontecimentos é usado apenas o conector temporal enquanto. E para interação, ou

repetição periódica usam-se as locuções conjuntivas sempre que, cada vez que,

todas as vezes que.

Essas são as regras apresentadas por Rocha Lima para explicar o uso das

conjunções. Uma situação que nos inquieta, enquanto usuários da língua e que

queremos saber, é se essas mesmas palavras que são usadas como conjunções

temporais podem assumir outros papéis em situações diferentes. E o professor de

língua precisa ter esse conhecimento, porque os profissionais que tomam por base

para a análise linguística apenas a regra pela regra, ensinando nas escolas e

exercitando por meio de frases soltas e descontextualizadas, e se considerarem

apenas um critério de análise em suas categorizações, se tornam inconsistentes em

diversas situações. Por isso, tais análises se tornam, na maioria das vezes,

insuficientes e artificiais.

Guimarães (2007), em sua gramática sobre o estudo das conjunções, diz que

o item quando mesmo sendo considerado uma conjunção subordinativa, pode sofrer

alterações de sentido. Se forem feitas alterações no modo de estruturar a oração,

isto é, se trocarmos a posição de uma conjunção na frase, ela pode ter modificações

de sentido, por exemplo, se houver uma inversão das orações, se forem feitas

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outras articulações por sobre os limites de frase, ou se transformar a oração em

pergunta, o modo de encadeamento do texto e ainda a forma de dividir as orações

para dois locutores numa conversa, o quando pode ser entendido de maneira

diferenciada. (Cf. GUIMARÃES, 2007).

Para Cunha e Cintra (2008), as conjunções são os vocábulos gramaticais que

servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma

oração. Denominam-se subordinativas as conjunções que ligam duas orações, uma

das quais determina ou completa o sentido da outra. Comparemos as duas amostras

apresentadas pelo autor citado.

1. Eram três horas da tarde quando cheguei às arenas romanas.

(U. Tavares Rodrigues, JE 183)

2. Pediram-me que definisse o Arpoador.

(C. Drummond de Andrade, CB, 106)

Percebemos, assim, a dependência do primeiro elemento em relação ao

segundo. Essa dependência é que apresenta a diferença de sentido entre as

coordenadas e as subordinadas, pois as coordenadas são as consideradas

sintaticamente independentes, enquanto que as subordinadas apresentam

dependência sintática em relação à oração principal. Nesse ponto, a maioria dos

gramáticos está de acordo. No entanto, Cunha e Cintra (2008) após exemplificarem

as conjunções ainda fazem uma ressalva topicalizada de polissemia conjuncional,

onde dizem que:

Algumas conjunções subordinativas (que, como, porque, se, etc.) podem

pertencer a mais de uma classe gramatical. Sendo assim, o seu valor está

condicionado ao contexto em que se inserem, nem sempre isento de

ambiguidades, pois que há circunstâncias fronteiriças: a condição da

concessão, o fim da consequência, etc. (CUNHA E CINTRA, 2008, p.95)

Ao dizer que o valor da classe gramatical está condicionado ao contexto, os

autores começam por aproximar suas ideias em relação ao uso das mesmas, vão

com isso também se aproximando do Funcionalismo que defende a análise da

palavra em uso, diferenciando-se, dessa forma da maioria dos gramáticos

considerados tradicionais, o que mostra que está havendo uma evolução em busca

de teorias, que pode aos poucos, ir apresentando diferenças significativas nas

questões de ensino.

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1.3 AS CONSTRUÇÕES TEMPORAIS COM O QUANDO À LUZ DA LINGUÍSTICA

MODERNA

Partimos do conhecimento que temos sobre o ponto de vista da Gramática

Tradicional, para conhecer também o ponto de vista de alguns estudiosos da Língua,

aqueles que construíram concepções diferenciadas, especialmente quando se trata

do estudo de gramática que, num primeiro momento, para nós parece adequado ao

nosso trabalho, especialmente quando o nosso objetivo é compreender as relações

das palavras num contexto além dos limites da sentença. A linguística funcional vem

ajudar a refletir mais sobre a linguagem, pois com a ajuda dela encontramos as

funções que as unidades estruturais podem exercer observando, dessa forma, as

bases explanatórias e os processos diacrônicos recorrentes que apresentam, em

sua maioria, motivação funcional (Cf. Pezatti, 2004).

A partir do que foi discutido, percebemos que não podemos tratar a língua

como um acontecimento isolado. Tanto na fala quanto na escrita, há necessidade de

interlocutores, pois quem fala ou escreve o faz para alguém e num determinado

tempo, em situações reais para um determinado fim, com uma intenção específica. A

língua é muito mais rica quando é vista como algo em movimento. Quando há

alguém fazendo uso dela para se comunicar, para conquistar, persuadir, informar e

muitos outros laços que ela é capaz de construir. O uso linguagem possibilita aos

usuários da língua os meios de falar e ser entendido, compreendido e por vezes

também até mesmo de ser rejeitado, isto é, ter o seu discurso interpretado de

maneira diferente. A todo esse processo de comunicação e interação que se pode

fazer com a língua, Bakhtin chama de “Interação verbal”. Interação essa que

acontece sempre que usamos a palavra para expressar os nossos pensamentos,

quando a língua se concretiza através da linguagem e faz com que cada vocábulo

produz um efeito de sentido. E diz também que

a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações (BAKHTIN, 1981, p. 123).

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É com esse pensamento que queremos mostrar o resultado de nossa

pesquisa, principalmente como se manifesta uma palavra em um contexto

determinado e usuários também reais. Pois de acordo com o que foi dito, os nossos

resultados encontrados a partir dessa investigação científica foi analisar o

emprego/uso do conector interfrástico quando nos corpora (a língua falada e escrita

na cidade do Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora), sendo todos eles produzidos em

duas modalidades: oral e escrita.

Os três corpora foram analisados a partir da visão funcionalista, porque o

Funcionalismo linguístico é uma das correntes linguísticas que se opõem ao

Estruturalismo, ao Gerativismo e a qualquer outra corrente que privilegia o trabalho

apenas com a estrutura da palavra, e ao contrário dessas correntes, o

Funcionalismo prima pelo estudo da relação entre a estrutura gramatical da língua e

os diferentes contextos comunicativos em que a língua é usada. Dessa forma, a

abordagem funcionalista mostra além de algumas propostas teóricas também ela

apresenta concepções diferenciadas no que se refere aos objetivos de análise

linguística, ao uso da linguagem, aos métodos de trabalho que utiliza e ao

tratamento dado ao trabalho com a linguagem.

Por tudo isso, é justificável o interesse de utilização dessa teoria suporte

embasador de nossa pesquisa, pois com essas características ela pôde auxiliar no

alcance do nosso objetivo maior, que é o de entender como se dão as

manifestações linguísticas do item quando, no contexto, dos D & Gs das cidades de

Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora, pois dessa maneira se confirma que, em outras

situações concretas, o item quando pode apresentar outras manifestações, assumir

outros papéis e/ou funções com outros sentidos, dependendo das necessidades

linguísticas do usuário diferentemente da classificação atribuída pela GT.

Assim sendo, pretendemos também que os resultados de nossa pesquisa

cheguem ao conhecimento de outras pessoas, especialmente, que os referidos

resultados estejam ao alcance de um público maior que consideramos muito

importante: os professores de língua portuguesa, sejam de escolas públicas ou

privadas, pois são eles que estão mais próximos das crianças e jovens ensinando o

que estes poderão usar durante todas suas vidas, por isso que têm uma

necessidade maior de entender como se processa a linguagem e as diversas formas

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e possibilidades de uso que a língua apresenta. Entendemos, pois, que ensinar é,

para todos os profissionais da educação, uma grande responsabilidade. E para o

professor de língua essa responsabilidade é ainda muito maior, pois fazer um

trabalho igual ao que veio sendo feito até poucos anos pode se tornar difícil, pelas

exigências comunicativas que a própria língua nos impõe.

E todo usuário de uma língua precisa saber uso das palavras e adequar o

vocabulário às situações de comunicação. Assim, como todo aluno é também falante de

uma língua, ele precisa de bons professores para que o orientem, pois aprender sozinho é

muito mais complicado, mais difícil. Conforme o pensamento de Cunha (2008, p. 158) “a

língua não constitui um conhecimento autônomo, independente do comportamento social.

Ao contrário, reflete uma adaptação, pelo falante, às diferentes situações comunicativas”. E

se forem mostradas aos falantes as novas concepções e teorias que vão surgindo, para

explicar como acontecem esses processos, certamente até poderiam achar mais

interessante estudar português.

Dessa forma, compreendemos que podemos contribuir para que se abram

novos caminhos para aqueles que se interessam pelo trabalho com a língua, mais

especificamente com o trabalho com a gramática, pois este é um campo no qual se

encontram vários estudos realizados, dentre eles, alguns, tratam a respeito do item

quando. E sentimos que seria necessário que houvesse uma ampliação desse tipo

de trabalho, para que pudéssemos ter oportunidades maiores de reflexão sobre a

língua em uso. Mas existem autores que apresentam uma preocupação maior em

relação ao trabalho com a gramática interna da língua e sua aplicabilidade.

Confirmam isso quando fazem uso de textos e buscam outras formas de leitura,

atentando para o que está além da estrutura da frase, possibilitando também por ao

interlocutor, reflexão sobre o uso de sua fala.

E essa reflexão pode passar pela forma de que cada professor se utiliza

para trabalhar a gramática. Pensando nas conjunções e em suas funções de

coordenadas e subordinadas, observamos que há uma diferença de vários

gramáticos de explicarem esses dois processos. Enquanto muitos gramáticos

tratam da dependência total das coordenadas, Bechara (2002) acha por bem

nomear essa noção de dependência parcial, pois acredita numa certa liberdade das

coordenadas, mas não é uma liberdade completa. E, a partir dessa hipótese, se

apresentam, dentro da linguística moderna, vários questionamentos que colocam à

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prova, hoje, até mesmo os conceitos de “coordenação” e de “subordinação” dentro

da análise do período composto.

Depois de observar o tratamento atribuído ao item quando pela gramática

normativa, destacamos outros estudos sobre o mesmo item à luz da linguística

moderna. Cunha (2010) desenvolveu uma pesquisa cujo objetivo foi descrever as

propriedades gerais de 28 ocorrências do conector quando presentes em um corpus

de análise formado por sequências narrativas de reportagens das revistas “Época” e

“Veja” ambas publicadas em janeiro de 2010. Pudemos observar que, naquela

pesquisa, o maior número das ocorrências do conector encontradas no corpus

marca realmente relações temporais, seja de sucessão ou de regressão, porque

concatena acontecimentos de sentido temporalmente claro na relação de uns com

os outros.

A Gramática Normativa trata o quando como conjunção subordinada adverbial

temporal e como pronome interrogativo, mas existem outros trabalhos que

apresentam o quando funcionando com outros sentidos distintos, dependendo dos

contextos em que o referido item está sendo utilizado. Por exemplo, Vanessa Pernas

Ferreira tem como título de sua dissertação de Mestrado “A CONJUNÇÃO

SUBORDINATIVA QUANDO NA PERSPECTIVA FUNCIONAL DISCURSIVA” pela

Universidade do Rio de Janeiro, defendida no primeiro semestre de 2008, onde são

analisadas amostras retiradas de três corpora, VARPORT, D & G - RJ e O GLOBO.

A partir deste trabalho, Ferreira mostrou que o uso do item quando e outros

termos que o acompanham, como o verbo no passado e a posição(posposta ou

anteposta)do item analisado, determina diretamente a classificação linguística. E

pelas análises realizadas, a autora constatou que, embora os gramáticos tradicionais

brasileiros classifiquem o item quando apenas como conjunção subordinativa

temporal, esta pode apresentar outros valores semânticos além do valor temporal,

considerado prototípico. Os casos registrados por ela no corpus de seu trabalho,

conforme as informações colhidas foram os sentidos de tempo, condição, causa,

concessão e proporção.

E assim vão aparecendo outros estudiosos que vão aos poucos mostrando

que a língua é dinâmica e que há fatores externos que modificam aquela

classificação dada aos vocábulos. As situações comunicativas influenciam a

mudança de sentidos até então conhecidos e repassados. Valéria Adriana Maceis

(PG-UEM) e Maria Regina Pante (UEM) em seu trabalho cujo título é “NOTAS

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SOBRE O CONECTIVO QUANDO EM ORAÇÕES HIPOTÁTICAS ADVERBIAIS NA

FASE ARCAICA DA LÍNGUA PORTUGUESA” mostram que, assim como outros

conectivos da língua portuguesa, o conectivo quando, analisado em textos dos

séculos XV e XVI além da relação lógico-semântica de tempo, também pode

expressar causa e condição.

Segundo Barreto (1999), a conjunção quando existe há muito tempo e já era

usada no Latim e continua na língua portuguesa desde o século XII. De acordo com

a autora (1999, p. 219), o quando é o acusativo feminino singular do relativo, quam,

adverbializado que se somou à preposição indo-europeia – do – que significava

„para‟ e se constituiu enquanto palavra. Palavra essa, que era empregada no Latim

como advérbio interrogativo - indefinido ou conjunção subordinativa que variava de

sentido, aparecendo com sentido temporal, em Plauto, e com sentido causal, em

textos de Terêncio e Cícero.

Para ela, o quando tinha como sentido inicial „para o qual‟, referindo-se a

tempo, e determinou, através de um processo metafórico, o sentido temporal da

conjunção e do advérbio interrogativo, fazendo decair o sentido causal. Com o valor

temporal de „em que época‟, „em que ocasião‟, o “quando” passou ao português

também, como advérbio ou conjunção.

Barreto (1999) afirma ainda que a conjunção quando gramaticalizou-se ainda

no latim, uma vez que passou ao português com a mesma forma e o conteúdo

semântico temporal que já possuía na língua de origem. Outros estudos e a análise

dos dados, no entanto, mostram que observando o aspecto semântico, o quando

deixou de ser visto apenas como temporal, porque analisava-se com mais afinco o

aspecto sintático e hoje atentando para os outros sentidos percebemos que ele vem

apresentando traços condicionais, causais e concessivos, entre outros,

contradizendo o que sempre foi ensinado nas escolas, mas que vem sendo

mostrado graças à divulgação de novas teorias como por exemplo, a linguística

funcional.

Com isso não queremos dizer que não se deve trabalhar gramática na escola,

Neves (2000, p.52) também é favorável ao ensino de gramática. Ela argumenta que

devemos ensinar a língua e também a gramática mas é preciso fazê-lo de maneira

eficientemente propiciando e conduzindo a reflexão sobre o funcionamento da

linguagem, de uma modo claro e objetivo, partindo do uso linguístico, para chegar aos

resultados e efeitos de sentido. Porque as pessoas falam exercem a linguagem

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usando a língua com o objetivo de produzir sentidos. E desse modo, estudar

gramática é, exatamente, pôr sob exame o exercício da linguagem, o uso da língua,

através da fala. Isso significa que a escola não pode criar no aluno uma ideia

deturpada e uma falsa noção de que falar ou escrever não têm nada que ver com

gramática.

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II A TEORIA NORTEADORA DA PESQUISA: O FUNCIONALISMO LINGUÍSTICO

Neste capítulo, apresentamos a Linguística Funcional norte-americana

defendida pelo linguista Talmy Givón e seus seguidores. Teoricamente é ela que

embase à nossa pesquisa. E dentro desse contexto falamos especialmente do

processo mudança, variação e gramaticalização, o que constitui um dos casos mais

especiais de mudança linguística.

2.1 O FUNCIONALISMO

O Funcionalismo é uma das correntes linguísticas que concebe a linguagem

como recurso de interação social. O funcionalismo linguístico norte-americano, por

sua vez, é quem recupera os primeiros trabalhos desenvolvidos nos EUA que tinham

como preocupação fornecer evidência das motivações discursivas geradoras das

estruturas sintáticas. Assim, Sankoff, Brown, Givón, Hopper, Traugott, Thompson e

vários outros autores são citados, alem de outros como Heine e Kuteva, que, mesmo

estando na Alemanha, identificam-se com os princípios da escola norte-americana.

A perspectiva funcionalista se fortaleceu nos Estados Unidos a partir da

década de 1970, cuja maior expressão está nos trabalhos de linguistas como Sandra

Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón. É essa teoria com seus respectivos

representantes que serve de suporte teórico para a análise de nossa pesquisa, a

qual busca mostrar as manifestações linguísticas do item quando em uso, uma vez

que a palavra pode ter o sentido alterado conforme a sua contextualização e a

situação comunicativa em que ela está envolvida. Ela não significa por si só. Neves

(2000) diz que nem a língua (e nem a gramática) podem ser descritas como

sistemas autônomos, já que a gramática não pode ser entendida sem parâmetros

como cognição e comunicação, processamento mental, interação social e cultura,

mudança e variação, aquisição e evolução. Esses são fatores que determinam uma

visão diferente sobre o uso da língua, isto é, uma nova proposta de trabalho com a

gramática.

É importante perceber que a abordagem funcionalista apresenta não apenas

propostas teóricas distintas acerca da natureza geral da linguagem, mas diferentes

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concepções no que diz respeito aos objetivos da análise linguística, aos métodos

nela utilizados e ao tipo dos dados utilizados como evidência empírica. Por isso, tal

corrente tem como objeto de estudo a relação entre a estrutura do sistema da língua

e seus fins comunicativos. Neves orienta para um real sentido do trabalho que

poderia ser feito com a gramática, uma vez que ela não está desvinculada da vida

do usuário. Afirma ainda que o Funcionalismo:

É uma teoria que se liga, acima de tudo, aos fins a que servem as unidades

linguísticas, o que é o mesmo que dizer que o Funcionalismo se ocupa,

exatamente, das funções dos meios linguísticos de expressão. (...) E liga-se

à Escola Linguística de Praga, ainda por assentar uma consideração

dinâmica da linguagem, pela qual as relações entre estrutura e função são

vistas como estáveis, dada a força dinâmica que está por detrás do

constante desenvolvimento da linguagem. Cabe então, investigar, o efeito

de sentido que esse tipo de análise pode proporcionar para todos nós,

enquanto estudiosos da língua e enquanto pessoas que se preocupam com

a questão da produção textual nas escolas. (NEVES, 2006, p.17)

Essa corrente se opõe a estruturalismo pelo fato de considerar aspectos que

vão além da imanência do sistema linguístico. Mas o estruturalismo não é a única

corrente a que o Funcionalismo se opõe. Ele também se opõe ao Gerativismo, ou

seja, ele difere das abordagens formalistas, num primeiro momento, por considerar a

linguagem como instrumento de interação social e depois porque o seu interesse

vai além da investigação linguística, além da estrutura gramatical, buscando no

contexto discursivo a motivação para os fatos da língua. Dessa forma, o

funcionalismo procura explicar as regularidades observadas no uso interativo da

língua, analisando as condições discursivas em que se verifica este uso, porque,

para essa corrente teórica, a linguagem transcende a estrutura gramatical da

língua.Esse é um fato bastante notório nas escritas de Furtado da Cunha e Souza,

2007 e 2008.

Diante dessa concepção, o Funcionalismo passa a ser entendido como ação

e esta, por sua vez, está atrelada às funções comunicativas. Não pode e nem deve,

em nenhum momento, ser considerada como algo distante do falante, pois é através

deste que a língua se concretiza. E, conforme Neves (1997, p. 110), “por constituir

uma estrutura cognitiva é que a gramática é sensível às pressões de uso”.

Compreendemos, dessa forma, que a língua é dinâmica e pode sofrer alterações

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todos os dias. E o contexto é um dos fatores que propõem essas mudanças. Então,

é neste momento de mudanças que as análises linguísticas de orientação

funcionalista vão ganhando sentido, pois asseguram que o postulado básico de que

a língua é uma estrutura maleável, sujeita às pressões do uso e que se constitui um

código parcialmente arbitrário. E foi a partir das orientações de Givón (1971), Hopper

(1993), Traugott (1993), Haiman e Thompson entre outros, que o modelo de análise

funcionalista procurou explicar a forma da língua a partir das funções que ela pode

desempenhar no momento da interação. Deste modo, a língua não se organiza de

forma autônoma. Ela é dependente do comportamento social, adaptando-se às

diferentes situações comunicativas e necessidades do falante. (Cf. FURTADO DA

CUNHA, 2008).

Mesmo havendo alguns pontos divergentes entre as teorias, os pressupostos

de Saussure tornaram-se a base de fundamentação teórica para os estudos

funcionalistas. Podemos dizer, então, que levando em consideração que a função é

vista a partir de uma forma, estruturalismo e funcionalismo estão estreitamente

ligados. Podendo dizer que uma depende da outra. Há, portanto, um dinamismo

entre a forma e a função da língua, ou seja, entre os componentes linguísticos e

pragmáticos em contextos de interação verbal. Givón (apud NEVES, 2004) defende

que a língua não pode ser descrita como um sistema autônomo, pois há uma

interdependência entre gramática e parâmetros como: cognição e comunicação,

processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e

evolução.

Todo bom funcionalista precisa entender, portanto, que não se pode analisar

a função se não existir uma forma. No entanto, a função não é definida apenas pela

forma, pela estrutura. O contexto tem um papel importantíssimo na concretização da

função, pois o funcionalismo vê e analisa a função da forma num determinado

contexto, mas a inversão dos fatos nem sempre acontece. Torna-se claro, assim,

que um dos principais papéis da situação comunicativa é motivar, expor e

determinar a estrutura gramatical, o que implica dizer que precisamos considerar

que as construções gramaticais se moldam por motivações de ordem semântico-

pragmática e não apenas sintática. Assim percebemos que vai se confirmando o que

Neves afirma:

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A gramática é sensível às pressões de uso exatamente por constituir uma

estrutura cognitiva, ou, em outras palavras, a partir de núcleos nocionais a

gramática é passível de acomodação sob pressões de ordem comunicativa

(NEVES, 2004, p.22).

Foi a partir do Circuito Linguístico de Praga, fundado em 1926, que surgiram

as primeiras análises de base funcionalista. Foi o estruturalismo linguístico que

propiciou a criação de um movimento que engloba outros específicos, tais como o

Formalismo e o Funcionalismo. Sendo que o funcionalismo representou uma grande

contribuição para o estudo da linguística na medida em que formulou novos

postulados teóricos, uma nova metodologia e uma nova divisão epistemológica ao

separar Fonética e Fonologia e ao atribuir, à última, autonomia em relação às outras

disciplinas da Linguística.

O funcionalismo constituiu-se como um modo de pensamento e um modo de

analisar a linguagem e suas relações com o mundo. Ele surge a partir dos trabalhos

do Círculo de Praga e do Círculo de Copenhague, a partir do qual nasce a Fonologia

com, Troubetskoï e a Glossemática, com Hjelmslev. A linguística oriunda do Círculo

de Praga constitui um tipo de revolução epistemológica nos enfoques europeus da

língua, nos anos 20 do século passado. Foram definidos os papéis do Estruturalismo

e do Funcionalismo a partir do postulado geral de que a estrutura das línguas é

determinada por suas funções características.

O postulado de que a língua tem uma função representou um grande avanço

no estudo da Linguística na medida em que se constatou que é necessário fatores

extralinguísticos na análise linguística. Dessa forma, a língua é aqui um sistema

orientado para uma finalidade que é a da comunicação, ou seja, a língua possui

funções. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que o termo função é entendido como

a junção do estrutural (sistêmico) com o funcional (Cf. NEVES, 2006).

O Funcionalismo nasce dentro do Estruturalismo com Ferdinand de Saussure

no momento em que alguns estudiosos investigavam e buscavam respostas para

muitas dúvidas em relação à língua e a linguagem. Por isso, enquanto corrente

teórica, o funcionalismo não é algo novo, pode até ser considerado novo para

algumas pessoas, mas que já tem décadas de existência, embora tenha se

destacado com trabalhos recentes, e seja mais compreendido nessa nova

contextualização.

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Mas para entendê-lo é necessário também conhecer aqueles que

contribuíram para o desenvolvimento dos postulados funcionalistas. Foram pessoas

como Jakobson, Charles Bally, Halliday, Trubetskoi, Hjelmslev, entre outros. Foi a

partir deles que surgiam novos horizontes e os primeiros passos para uma longa

caminhada, a qual levou anos para ganhar mais fôlego. E só muito depois é possível

uma avaliação de sua importância a partir de trabalhos de outras correntes teóricas.

Na década de 1980, alguns trabalhos da Linguística e da Psicolinguística passaram a noção de ensino-aprendizagem de língua escrita que se concebia a língua apenas como código e, dessa forma, entendia a leitura apenas como decodificação e a escrita somente como produção grafo motriz. A linguagem deixava de ser encarada, pelo menos teoricamente, como mero conteúdo escolar e passa a ser entendida como processo de interlocução (SANTOS, 2002, p.30).

Segundo Santos (2002), não é uma preocupação apenas em nossos dias, o

estudo da língua em funcionamento. No entanto, essa preocupação não era geral,

de todos os profissionais que trabalham com a língua, era uma preocupação apenas

de alguns estudiosos. E hoje essa inquietação ainda não é de todos, mas já vem

atingindo um público bem maior, à medida que o tempo vai passando, mais pessoas

vão se envolvendo nesse processo de compreensão das relações comunicativas.

Hoje, a língua passa a ser estudada com mais intensidade baseada em

textos, discursos e situações reais que ocorrem em situações comunicativas do dia a

dia, por meio dos mais diversos gêneros textuais e em diferentes contextos. E esses

estudos vêm se intensificando a cada dia, pois muitas inquietações surgem,

principalmente, se analisarmos a língua, por apenas um viés, como a GT fez até

hoje, se preocupando apenas com organização estrutural. Ela não se resume

apenas ao sistema. Para compreendermos a língua, precisamos analisá-la além da

estrutura, a partir de outras perspectivas. Nesse sentido,

a língua é entendida enquanto produto da atividade constitutiva da linguagem, ou seja, ela se constitui na própria interação entre os indivíduos. Passou-se, assim, a prescrever que a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ocorrer em condições concretas de produção textual. Desloca-se o eixo do ensino voltado para a memorização de regras da gramática de prestígio e nomenclaturas (SANTOS, 2002, p. 30).

Foi a partir de alguns estudos linguísticos, que houve uma grande

contribuição para a inserção de estudos e análises textuais nos currículos escolares.

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A partir desse novo cenário que se vem organizando nos últimos anos, a gramática

passa a ser abordada a partir da observação de outros fatores como, por exemplo, a

compreensão da gramática por meio do trabalho com o sentido do texto, a influência

da semântica e do discurso para que um evento comunicativo aconteça. E os

estudos realizados nas últimas décadas foram ocasionando mudanças na

concepção do que é língua. Mudanças estas, que possibilitam a concepção da

língua como fator social.

Por esse motivo, a língua passa a ser concebida numa perspectiva mais

cognitiva e social, deixando de lado o caráter imutável e imanentista a ela atribuído

pelas abordagens formalistas. Isto quer dizer que tanto a comunicação como a

organização interna da língua são funcionais, pois, segundo Neves (2006, p. 18),

“estruturas linguísticas são configurações de funções, e as diferentes funções são os

diferentes modos de significação no enunciado, que conduzem à eficiência da

comunicação dos usuários de uma língua”.

Diante das discussões apresentadas, compreendemos que é de suma

importância o trabalho que ora realizamos, E devemos considerar um aspecto

importante ao falarmos de texto, pois ele é sempre dirigido a alguém, ou seja, a

situação de produção de um texto supõe a existência de um interlocutor, se o autor o

produz ele tem um objetivo a alcançar. Antunes (2005) esclarece esse fato dizendo

que:

Escrever, a outros e de forma interativa, é, pois, uma atividade contextualizada. Situada em algum momento, em algum espaço, inserida em algum evento cultural. Os valores que, convencionalmente, se atribuem a esses momentos ou espaços determinam certas escolhas linguísticas. Dessa forma, não se escreve da mesma maneira, com os mesmos padrões, em contextos diferentes. A descrição de um apartamento será diferente, por exemplo, se ela é feita por um corretor, interessado em vendê-lo, se ela é feita por um comprador interessado em conseguir baixar o preço do imóvel ou se ela é feita por algum arquiteto que pretende fazer o projeto de sua decoração (ANTUNES, 2005, p. 29-30).

Logo, quem produz o discurso, em qualquer situação, está realizando um

modelo linguístico em uma situação concreta. Então, o que vai dar sentido a esse

texto não é apenas a forma como as palavras estão organizadas na frase é, sim, a

combinação dos três fatores básicos: o linguístico, o contextual e o intencional. E

esta forma de interagir desses três aspectos possibilita uma infinitude de

combinações que permite ao falante realizar suas escolhas e produzir seus

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enunciados de acordo com as suas necessidades de falante de uma língua. E para

expressar-se bem é preciso ter domínio de algumas habilidades, assim

Basta lembrar que saber expressar-se numa língua não é simplesmente dominar o modo de estruturação de suas frases, mas é saber combinar essas unidades sintáticas em peças comunicativas eficientes, o que envolve a capacidade de adequar os enunciados às situações, aos objetivos da comunicação e às condições de interlocução. E tudo isso integra gramática. (NEVES, 2002, p. 226).

Dessa forma, o ambiente social também influencia as escolhas feitas por um

usuário da língua, pois cada indivíduo faz parte de uma comunidade e possui

objetivos específicos a serem atingidos quando se usa alguns aspectos da

linguísticos, isto é, quando se faz uso da linguagem. E esta, por sua vez, é

influenciada por fatores sociais, o que é confirmado nos textos produzidos pelos

informantes dos corpora analisados. Quando o informante usa a oralidade para se

comunicar, o que ele mais quer é ser entendido, por isso se utiliza de uma

linguagem de acordo com o nível de conhecimento de seu interlocutor, sua

aproximação, intimidade entre outros. Da mesma forma, quando quer se comunicar

através da escrita.

Segundo Neves (2004), o funcionalismo se interessa em analisar como se dá

a comunicação a partir de uma língua natural, ou seja, como os usuários desta

língua se comunicam e de que se utilizam para que suas palavras tenham um efeito

de sentido desejado. Isso significa colocar sob exame a competência comunicativa

do falante, levando em conta as estruturas das expressões linguísticas consideradas

como configurações de funções. Não significa atribuir graus de importância à forma

de falar de nenhum grupo social e muito menos de um indivíduo sobre outros. É

papel da teoria funcionalista mostrar apenas como se dá o uso da linguagem em

cada situação e não fazer julgamentos.

Ao fazer a análise de uma situação comunicativa, são observados todos os

envolvidos no processo: o contexto, os propósitos da fala e os participantes. E são

esses fatores que podem influenciar nas mudanças de sentido das palavras até que

elas passem a ser menos ou mais gramaticais.

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2.2 VARIAÇÃO, MUDANÇA E GRAMATICALIZAÇÃO

A Gramaticalização é conhecida como o processo que leva itens lexicais e

construções sintáticas a assumir funções determinadas no que se refere à

organização interna do discurso ou a estratégias comunicativas. O processo de

gramaticalização tem recebido várias definições, dentro da perspectiva funcionalista.

Foi Meillet o primeiro autor a apresentar formalmente o conceito de

gramaticalização. Esse conceito se firmou no momento em que ele definiu o

processo como a atribuição de um estilo gramatical a uma palavra anteriormente

autônoma. (Cf MEILLET, 1912).

E só muito tempo depois aparece a clássica definição de gramaticalização

apresentada por Heine et alii (1991), que não diverge de Meillet, porém vem reforçar

o que foi definido antes, porque Heine também continua conceituando a

gramaticalização como um processo em que uma estrutura ou morfema passa de

uma forma lexical a uma gramatical ou de uma forma menos gramatical a uma mais

gramatical. Este processo se dá via repetição, pois quanto mais os falantes de uma

língua utilizam determinada estrutura, o uso constante vai fazendo com que o

vocábulo vá assumindo outras dimensões e, assim, vai fixando o sentido deste

através do uso. Dessa forma, quanto mais fixo for ficando aquele sentido, mais

possibilidades de tornar-se gramaticalizado. E quanto menos usada, mais tendência

tem uma palavra de diminuir ou até mesmo desaparecer de um vocabulário. Para

Furtado da Cunha, esse é um processo natural que pode acontecer com uma

palavra, por isso ela diz que

A gramaticalização, designa um processo unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais”. O comum é que o processo aconteça com itens e expressões muito frequentes, fazendo com que o termo normalmente se desgaste foneticamente e perca sua expressividade. Com isso, o elemento não faz mais referência ao mundo biossocial, pois assume funções de caráter gramatical, tais como: ligar elementos textuais, sugerir categorias gramaticais, como o tempo de um verbo ou o gênero de um nome, entre outros. (FURTADO DA CUNHA, 2008, p.170)

Para ela, a gramaticalização realizava essencialmente a trajetória léxico >

gramática, sendo que esta última apresentava uma sequência interna formada por

sintaxe > morfologia. Nesse sentido, o que é a visão dominante, nos estudos sobre o

assunto até hoje, é o trajeto percorrido pelas três dimensões léxico > sintaxe >

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morfologia. Usamos o processo de gramaticalização como suporte de análise nessa

nossa pesquisa por ser um termo amplo que abrange dois processos investigados

pela linguística funcional: variação e mudança linguística das palavras. Já existem

estudos que mostram algumas possibilidades de variação e mudanças, como o de

Ferreira (2009), por exemplo, ao mostrar a passagem do item quando por outros

sentidos diferentes do sentido de tempo e, segundo ela, não é tão simples classificar

um item linguístico.

Os casos de difícil classificação, ou fronteiriços, vêm confirmar a hipótese de que a gramaticalização é um processo linguístico abalizado no uso e que a conjunção subordinativa quando está num continuum dentro deste processo; tal continuum vai desde o valor temporal, considerado prototípico, até o valor proporcional – valor este que apresenta apenas uma nuance – passando por valores como o condicional, o causal e o concessivo, valores estes que vigoram na escala de gramaticalização TEMPO > CAUSA > CONCESSÃO, descrita por (FERREIRA 2009, p 1331)

Podemos dizer, então, que a gramaticalização ocorre quando um item lexical

passa a assumir, em determinadas circunstâncias, um novo status como item

gramatical, tornando-se menos gramatical ou quando itens gramaticais se tornam

ainda mais gramaticais e, até mesmo, em alguns casos, podem mudar de

categoria,isto é, um adjetivo pode assumir a posição de outra categoria como o

advérbio ou o substantivo, o que chamamos de recategorização. Mas para que haja

gramaticalização é necessário que o item lexical passe pelo processo de variação e

mudança, pois, dependendo do grau de alterações semânticas e fonológicas desses

processos, é que a palavra pode receber propriedades funcionais na sentença,

deixando assim, de ser uma forma livre e até desaparecer o seu sentido ou em

outros casos se fortalecer.

A maioria dos estudos funcionalistas sobre gramaticalização se destacaram,

nas décadas de 80 e 90, onde vários autores estabeleceram maior discussão sobre

o problema da transição, assegurando que o gradualismo é essencial aos

fenômenos de gramaticalização estudados. Destacamos, então, a necessidade de

que a gramaticalização tem de existir, pelo fato de ser ela um fenômeno contínuo na

língua. Ou melhor, ela é um contínuo "fazer-se" da gramática, porque existe uma

gramática sempre emergente, partir da qual ele propõe explicar o processo de

variação/mudança pelas quais um item lexical pode passar, chegando a assumir

novos sentidos e novas funções. É nesse momento e através desse processo que

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os itens sofrem alterações semânticas ao perderem um sentido já consagrado na

língua. Na maioria das vezes, os principais mecanismos responsáveis por tais

mudanças são a metáfora e a metonímia.

Dessa maneira, a gramaticalização não é um processo que possa se

extinguir. Isso vem tornar claro que os princípios da teoria Sociolinguística laboviana

estão certos quando defendem que os fatores que produzem mudanças, tanto no

âmbito linguístico, quanto no da vida humana, são imprevisíveis, todavia atuam lenta

e gradualmente e é por esse motivo que a mudança linguística requer a observação

de dois ou mais estágios de uma língua.

No que se refere à mudança linguística, existem estágios intermediários em

que formas em conflito se distribuem irregularmente entre falantes e ouvintes num

processo que pode aparentemente durar séculos. As mudanças não afetam um

sistema linguístico em sua totalidade e, nesse sentido, podemos falar em um

continuum evolutivo diacrônico, que pode ser paralelo ao continuum categorial

sincrônico. Como então compreender o processo de gramaticalização de um item

linguístico? Quais os fatores internos ou externos que determinariam uma mudança

que se opera do léxico à gramática?

Essa seria a resposta procurada desde o século XIX por alguns estudiosos da

língua por isso, desde essa época, desenvolvem-se estudos que tentam explicar

como se originam e se desenvolvem as categorias gramaticais, para que possamos

entender o processo de mudança que ocorre dentro de uma língua. E a trajetória do

processo chamado mudança se daria pela regularização do uso da língua que

ocorreria a partir da criação de expressões novas e de rearranjos vocabulares feitos

pelo falante para atender a seus propósitos comunicativos, sendo esse fato

observado, numa perspectiva de caráter mais funcionalista.

Hopper & Traugott (1993) destacam que existe uma diversidade de sentido do

termo gramaticalização, ressaltando que o fenômeno pode ser estudado dentro de

uma perspectiva histórica, na qual, em geral, se prefere o termo gramaticalização,

ou numa perspectiva sincrônica, na qual o termo gramaticização é o preferido. A

perspectiva histórica, que mais nos interessa aqui, vê a gramaticalização como um

subconjunto da mudança linguística. Segundo Traugott & Heine (1991, p.3), é “um

tipo de mudança sujeita a certos processos gerais e caracterizado por certas

consequências, tais como a mudança na gramática”.

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Segundo Coelho (2006), uma forma linguística ao se gramaticalizar, sofre

algumas modificações, que passam a constituir evidências empíricas de um

processo de gramaticalização. De acordo com o pensamento da autora, a primeira

dessas mudanças é a alteração semântica, ou seja, o item sofre uma perda gradual

de seu conteúdo nocional e incorpora um conteúdo gramatical, registrando-se,

assim, uma redução dos seus usos concretos e, consequentemente, uma ampliação

de seus usos abstratos, o que acaba por provocar a polissemia do termo.

Castilho (1997) afirma que a gramaticalização é um fenômeno que vem sendo

estudado por diferentes correntes teóricas, embora nem sempre se saiba claramente qual

delas se refere aos inúmeros estudos realizados. O principal ponto da discussão não é

chegar à conclusão de que é o discurso, como privilegiam os funcionalistas, ou a gramática,

como apregoam os formalistas, que desencadearia os processos de gramaticalização, mas

que haveria processos cognitivos anteriores que ativariam as potencialidades dos itens

lexicais. Concebemos, assim como Castilho (1997, p. 59), o Léxico “como o módulo central

da língua, em que estão depositados itens já marcados por propriedades gramaticais,

discursivas e semânticas”.

Outra característica do processo de gramaticalização é uma frequência maior

do item, pois o item quando passa a desempenhar funções tanto gramaticais quanto

lexicais. Essa característica é uma evidência empírica de um processo de

gramaticalização em curso, que buscamos constatá-lo em nossas análises, uma vez

que o item quando, enquanto conector, classificado como conjunção temporal pela

gramática normativa, é um dos aspectos gramaticais, entre tantos outros, que têm

deixado muitas interrogações e dado margem a outros tantos questionamentos. E

que, na maioria das vezes, os nossos alunos e, porque não dizer até mesmo

professores, não compreendem e nem conseguem fazer deles o uso adequado às

situações do discurso, por ter se prendido durante muito tempo ao que é dito pela

gramática tradicional nas escolas.

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III O MATERIAL PARA A ANÁLISE: OS CORPORA DISCURSO & GRAMÁTICA

Esse capítulo faz uma apresentação do material utilizado para a construção

do corpus de nossa pesquisa. O qual corresponde ao D & G de Natal, do Rio de

Janeiro e o de Juiz de Fora, bem como as variáveis sociais e linguísticas. Faz

também a exposição das variedades linguísticas e sociais que se destacam e o

tratamento que é dado aos corpora durante a nossa pesquisa.

3.1 OS CORPORA

O nosso objeto de estudo é o item quando nos corpora D & G da cidade de

Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora. Sendo estes, elaborado a partir de estudos

sobre o português do Brasil e publicados pelas Editoras Universitárias das

respectivas cidades. E como cada corpora é composto por entrevistas de vários

informantes, acreditamos ser esse um material proveitoso e suficiente para o

alcance de nosso objetivo porque quanto maior a variedade de pessoas, maior

também são as possibilidades de atos comunicativos, de relação de discursos dos

interlocutores,pois está contido neles uma variedade de textos que nos parece

suficiente e adequada aos nossos objetivos, que pela qualidade e especificidade

desses textos, poderão esclarecer como uma determinada palavra funciona em

situações reais, uma vez que todos os textos foram produzidos a partir da vivência e

interesse do informante, especialmente, no que se refere à escolha do assunto. Os

informantes de cada corpus são de escolaridade, sexo e idades diferentes, sendo

respeitados esses critérios nos três corpora analisados, o que favorece ainda mais a

diversidade de textos e temas.

Os informantes distribuem-se da seguinte forma: quatro informantes da

classe de alfabetização, com uma faixa etária entre 5 e 8 anos. Quatro informantes

da 4ª série do primeiro grau com uma faixa etária entre 9 a 11 anos; quatro

informantes da 8ª série do primeiro grau, com uma faixa etária entre 13 a 16 anos.

Quatro informantes da 3ª série do segundo grau, com uma faixa etária entre de 18 a

20 anos. E quatro informantes do último ano do terceiro grau, com uma faixa etária

acima de 23 anos de idade. Em todos os graus de escolarização dois informantes

são de sexo masculino e dois do feminino.

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O Grupo de Estudos Discurso & Gramática, conhecido também como D & G,

foi fundado no Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras em

1991. E o seu primeiro projeto integrado, apoiado pelo CNPq, foi chamado de

Iconicidade na fala e na escrita, com duração de dois anos. Durante esse período,

os membros do grupo D & G organizaram amostras da língua falada e escrita com

informantes em cinco cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Natal, Rio Grande, Juiz de

Fora e Niterói.

O Grupo Discurso & Gramática trabalha com pesquisa na área da Linguística

Funcional, focalizando os processos de mudança linguística e gramaticalização. E

desde o início da década de 1990, seus pesquisadores vêm publicando livros e

artigos nesta área. Eles procuram, não apenas divulgar os fundamentos teóricos

funcionalistas, mas acima de tudo desejam apresentar novas propostas de análise

acerca do Português Brasileiro e de outras línguas antigas como, por exemplo, o

grego e o latim.

Os integrantes desse grupo tentam também manter a unificação do mesmo ,

a partir de seminários que se realizam anualmente, com o objetivo de os

pesquisadores das três universidades fazerem exposição de suas pesquisas

analisarem e discutirem os seus resultados. É um evento de dimensão nacional e já

foi sediado em grandes polos acadêmicos, especialmente nas cidades onde existem

as células que integram o Corpus, Discurso & Gramática, UFF, UFRN e UFRJ.

No ano de 2007, o D & G inovou os trabalhos do grupo com a organização de

eventos internacionais recebendo os professores como Elizabeth Closs-Traugott,

Bernd Heine e Tânia Kouteva. Além do desenvolvimento de estudos científicos, o

Grupo D & G atua também na coleta, organização e armazenamento eletrônico do

banco de dados intitulado Corpus Discurso & Gramática - a língua falada e

escrita, referentes às cidades envolvidas nesse trabalho.

O D & G DE NATAL é um dos corpora que nos serviu de suporte para a

construção do corpus desta dissertação. É composto por depoimentos de 20

informantes, cujas informações: idade, sexo e escolaridade são distintas, e todos,

individualmente, produziram cinco tipos diferentes de textos orais (narrativa de

experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento

e relato de opinião) e, a partir de cada texto oral, produziram também cinco textos

escritos, com o objetivo de garantir a comparabilidade entre os canais falado e

escrito, o que totaliza 200 registros ao todo.

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O D & G DO RIO DE JANEIRO é um dos corpora que apesenta um maior

número de informantes, pois é composto por produções de 93 informantes. E esse

número de depoimentos do Rio de Janeiro foi motivado pelo tamanho da cidade,

com milhões de habitantes e está divido em duas partes. A primeira contempla os

informantes do Ensino Superior, Ensino Médio e os relatos de interação, e a

segunda, os informantes de oitava, quarta série, CA (curso de alfabetização de

adultos) supletivo e CA(curso de alfabetização) infantil.

Os informantes distribuem-se da seguinte forma: 15 informantes de classe

de alfabetização infantil, 8 informantes de alfabetização de adultos (supletivo), 34

informantes de 4ª série, 12 informantes de 8ª série do primeiro grau, 16 informantes

da 3ª série do segundo grau e 8 informantes do último ano do terceiro grau. Sendo

os informantes de todos os graus de ensino pertencentes aos dois sexos.

O D & G DE JUIZ DE FORA, assim como o D & G de Natal, tem o seu corpus

composto por depoimentos de 20 informantes. Cada um dos informantes também

produziu cinco tipos distintos de textos orais e, a partir desses, cinco textos escritos.

Além dos depoimentos dos informantes, ainda consta, no D & G de Juiz de Fora, os

relatos de interação, os quais explicam todos os procedimentos para concretização

das entrevistas.

Os três corpora citados são objetos de estudos analisados nesse corpus de

dissertação e, a partir da análise realizada, compreendemos o contexto em que o

item quando apresentou os vários sentidos exercidos por ele os quais apareceram o

prototípico temporal, o condicional, proporcional, concessivo entre outros.

3.2 VARIÁVEIS A nossa pesquisa é composta por produções de diversos informantes. E

como são diferentes, apresentam também as diversidades no que se refere ao modo

de falar, de se comunicar. Dentre essas diversidades, destacamos as diferenças que

mais nos interessam, nesse momento, para a nossa pesquisa, que são as

diferenças linguísticas e as sociais, sendo que a primeira pode ser influenciada pela

segunda.

3.2.1 LINGUÍSTICAS

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Coseriu (2001 apud Chagas 2003, p. 150) já dizia que “a língua nunca está

pronta. Ela é sempre algo por refazer. A cada geração, ou mesmo em cada situação

de fala, cada falante recria a língua”. Com essa recriação, vão surgindo as

diversidades linguísticas, as quais estão diretamente ligadas com os níveis de

formalidade e de informalidade dentro de uma língua, isto é, os níveis de fala dos

usuários de uma língua. Essas diferenças podem ser históricas, geográficas, sociais

e culturais. Todos esses fatores influenciam na forma de falar e de escrever dos

usuários de uma mesma língua, fazendo com que cada uma fale ou escreva de um

modo diferenciado, de acordo com o lugar, a idade, o sexo, a escolaridade e a

época em que as pessoas vivem. Assim, essas variedades podem constituir a

evolução da língua. O vocabulário de uma região pode não ser o de outra, e a forma

como o vacabulário é usado define os níveis de linguagem de uma população.

Baseados no entendimento do que são as variedades linguísticas, o como e

por que elas acontecem, percebemos que a maioria dos informantes dos D & G

analisados usam a variedade popular, isto é, uma linguagem mais informal porque

nem todos os informantes de ensino superior utilizam nos textos da modalidade oral,

a formaliade. Quanto mais elevado o nível de escolaridade mais formal será a fala,

no entanto, nem todas as pessoas que estudam fazem valer essa regra, até porque

as relações de convivência com quem não tem o mesmo nível de linguagem faz com

que nos adaptemos às situações de fala do dia a dia.

A linguística também é influenciada, pelas classes sociais, assim como o

grau de estudo, a idade e o sexo apresentam uma linguagem diferenciada. Esse um

fato comprovado nos corpora analisados e obedecem a uma distribuição dos textos

baseados nesses aspectos.

3.2.2 SOCIAIS As variedades sociais também não acontecem por si sós. Esse tipo de

variedade é, geralmente, influenciado por tantos outros fatores que afetam um

determinado grupo de pessoas, isto é, uma sociedade. Por exemplo, o nível

socioeconômico, o grau de instrução, a idade e o sexo fazem com que se agrupem

os indivíduos em determinadas esferas da sociedade. No entanto, a variação social

não compromete o entendimento entre os indivíduos. E o uso de certas variantes

pode até indicar o nível socioeconômico de uma pessoa, mas isso não impede que

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essa mesma pessoa venha a atingir um padrão de grande prestígio dentro da

sociedade, caso alguns daqueles fatores que influenciam o social sejam superados.

Se considerarmos, por exemplo, a língua culta e a coloquial, percebemos que

socialmente elas não têm o mesmo valor.

O valor social é diferente. Enquanto uma variante é prestigiada – avaliação. Embasada por noções específicas de elegância e cultura -, quem usa uma segunda forma é discriminado, considerado inculto e ignorante. Mais esse valor social não tem o menor fundamento linguístico, e nada mais é do que o reflexo da divisão da sociedade em classes, da distribuição desigual da renda, e sobretudo, da ideologia hegemônica. Tanto é assim que esse julgamento social que distingue o „certo‟ do „errado‟ é historicamente determinado, e, no mais das vezes, a forma errada de hoje será a forma certa de amanhã. (Luchesi, 2006, p. 45)

Os corpora analisados mostram que as variedades sociais que se apresentam

nesse trabalho contêm uma grande diversidade social e esse é um fator importante

e necessário, principalmente quando se busca uma análise linguística. E é por isso

que os D& G estão organizados com entrevistas de pessoas de idade, sexo e grau

de escolaridades diferentes, o que favorece a identificação dos motivos pelos quais

a variedade acontece. E pela nossa análise, a maioria dos informantes é

pertencente à classe menos favorecida, das chamadas classes populares e de

setores diferentes das cidades.

E cada um vai usando o quando de acordo com a necessidade, mesmo

porque esta forma tem que se adaptar às situações de uso, que é uma exigência da

própria língua e que lhe possibilite a conveniência no momento do ato comunicativo.

Assim, percebemos que as mulheres fazem uso do quando com maior frequência

que os homens, que os informantes das séries iniciais usam o item menos que os

das séries mais elevadas. E quanto menor a série, os informantes usaram o quando

com o sentido de tempo. A manifestação de outros sentidos se deu com maior

frequência nas entrevistas dos informantes do Ensino Médio e do Ensino Superior.

3.3 TRATAMENTO METODOLÓGICO DOS DADOS

Foi a partir do banco de dados formado pelos corpora D & G de Natal, D &

G do Rio de Janeiro, e D & G de Juiz de Fora, que extraímos o material para

construir o corpus de nossa dissertação. Realizamos a leitura dos três corpora,

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identificamos todos os itens quando presentes. Discutimos e descrevemos a função

e manifestações discursivas do item quando através da análise dos corpora citados.

E isso foi muito positivo, porque os textos estão centrados na experiência vivenciada

pelo próprio falante, pois é ele quem faz a escolha do assunto, do fato, processo ou

procedimento em cada evento enunciativo. E é ele mesmo quem passa o texto de

uma modalidade à outra.

Partimos para a leitura dos textos de fundamentação teórica, fichando e

organizando o que entendemos das leituras realizadas. Realizamos a leitura dos

documentos - D & G, das três cidades citadas, tentando compreender cada texto,

observando, especialmente, a ocorrência do item quando, tanto nas produções

orais, quanto nas escritas, para, a partir dessas ocorrências, entender como se

aplica a teoria em estudo ao nosso corpus, tendo como base a verificação das

manifestações discursivas desse item, percebendo se acontecem de maneira

semelhante ou não à classificação que a gramática normativa lhe atribui.

A escolha do material para construção do corpus se deu, primeiramente, pelo

desejo de compreender os processos de mudança de sentido pelos quais uma

palavra pode passar e, a partir disso, verificar que outros sentidos o item quando

apresenta no corpus analisado que não o sentido de tempo, como apresenta a

gramática normativa. Encerrado o levantamento dos dados, fizemos a comparação

do item quando usado nos corpora citados, com o tratamento que é dado a ele pela

gramática normativa. E percebemos que o quando apresentou o sentido de tempo,

considerado prototípico, mesmo assim apareceram outros sentidos como a

condição, a proporção, e o lugar, entre outros. Isso mostra que o sentido de tempo

não é o único manifestado pelo quando. Vários fatores como o contexto e a situação

comunicativa influenciam nessa manifestação.

A nossa pesquisa é qualitativa com base nos dados quantitativos, podendo

ser chamada de quanti-qualitativa, pois a frequência do item quando justifica o

enquadramento de um item no processo de gramaticalização, ou não, porque a

frequência é um dado que indica se existem tendências de variação e mudança de

um item dentro de um contexto ou determinada época. Assim a contagem da

frequência do item quando nessa nossa pesquisa e comparada a outras, foi também

para verificar se ele, no decorrer do tempo, passou ou se está passando pelo

processo de gramaticalização, pois a regularidade de uso serve não somente para a

compreensão de suas manifestações, mas também para esse outro fim.

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Essa pesquisa é também de natureza bibliográfica e explicativa, na qual

adotamos o método indutivo de investigação, por compreender que esse seja o

método de abordagem mais adequado às características exigidas pelo campo da

investigação feita, porque ele parte de um caso particular para que possamos tirar

outras conclusões mais gerais. O corpus escolhido é para nós esse particular, de

onde, analisando as situações reais apresentadas, podemos compreender que se,

nesse contexto, o item quando diverge do que é ensinado pela Gramática

Normativa, em outras situações reais, esse tipo de manifestação também é possível

de acontecer.

Adotamos o método indutivo de investigação, método esse de abordagem

adequado às características exigidas, nessa investigação, o qual considerarmos

mais adequado ao tipo de pesquisa escolhido, pois partimos de uma questão de

pesquisa que necessita de uma reposta, que se refere ao sentido do item quando

usado no D & G de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora. E partimos de algo mais

particular para se entender o geral, porque acreditamos que todo nativo de qualquer

língua tem algum conhecimento do uso de sua língua-mãe, mas se faz necessário

que utilize uma base para um maior aprofundamento. E nada melhor do que partir

de sua própria realidade, já que esse é um trabalho voltado para a linguagem em

uso. E cada informante escreveu sobre experiências vivenciadas por eles mesmos

ou contadas por alguém, mas que eles tiveram o conhecimento por vivenciar ou de

ouvir falar.

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IV ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

No quarto e último capítulo, apresentamos toda a nossa análise, desde a

busca e contagem do item quando até o resultado final, momento em que fazemos

uma exposição de todos os achados. Nesse espaço, o número de itens é

apresentado identificando o sentido de cada um, seja de sentido temporal ou não.

4.1 O CONECTIVO QUANDO NA LÍNGUA FALADA E ESCRITA DO PORTUGUÊS

BRASILEIRO

Essa análise consiste em identificar todos os sentidos representados pelo

item quando, tanto nas produções orais quanto nas produções escritas, no material

mencionado anteriormente, pois alguns de nós, enquanto falantes e usuários da

língua portuguesa, sabemos que esse conector é classificado pelas gramáticas

normativas do Brasil como uma conjunção subordinada adverbial temporal. Mas

nem todo usuário da língua sabe disso e nem é necessário que saiba, saber desse

fato é necessário para os estudiosos, e alguns, com visão mais funcionalista que

outros, também concorda que o quando esteja embutida do sentido temporal, mas

que pode surgir outras manifestações de sentidos.

E o nosso objetivo maior é saber como esse item aparece nos textos

produzidos pelos informantes do D & G da cidade do Natal, Rio e Juiz de Fora. Se

ele se apresenta como nos diz a GT e, se não, quais as outras manifestações

assumidas pelo quando no material analisado, uma vez que o uso pode determinar a

função de uma determinada palavra para um momento x, pois como afirma Pezatti,

(2004) “a linguagem é vista como uma ferramenta cuja forma se adapta as funções

que exerce e, desse modo, ela pode ser explicada somente com base nessas

funções, que são em última analise comunicativas.”

A partir do material coletado, a frequência do item em quando pode parecer

menor que o real. Mas como, em alguns casos, se trata de fala e, às vezes, o

informante sente a necessidade de reestruturar a fala, acontece um espaço como se

fosse uma lacuna, e a frequência é contada apenas com o quando que realmente

funciona, naquele contexto em que ele se manifesta e apresenta um sentido, seja de

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tempo ou um dos outros sentidos como os que se apresentam em estudos

anteriores. A esse acontecimento algumas pessoas chamam de truncamento,

outros apenas de interrupção de fala. O que não pode e nem deve ser considerado

defeito, é sim, apenas a possibilidade que a língua oferece ao falante de dizer algo

de outra maneira. Exemplos desse fato estão nas amostras 1 e 2

Amostra (1)

o ponto mais alto acho que dessa viagem... foi Esteios... ou ...a Reserva do

Taim ... a Reserva do Taim ... uma cidade também que eu tinha muita

vontade de conhecer fica logo próximo de Rio Grande assim... Rio Grande...

quando chega... quando chega em Rio Grande... aí você entra assim...

(D &G de Natal, narrativa de experiência pessoal, língua falada, p.103)

Percebemos, assim, que o primeiro quando a ser pronunciado “quando

chega...” foi e nesse caso não consideramos como truncamento pois sentido da

frase foi cortado. E ao ser a interrompida a fala, o informante tenta organizar o

raciocínio que foi descontínuo ou até mesmo para estruturar de outra forma o que

estava querendo expor através de sua fala e, assim, a circunstância só se

concretiza no segundo momento em que a frase é completada: “quando chega em

Rio Grande...”

Amostra (2)

num alojamento anti-bombas né ... explodia com pessoas... milhares de

pessoas.... e ainda hoje a gente vê né? quando...quando é alguma coisa

do interesse é... dominante... da classe dominante eles...eles

disfarçam...novamente o ... (D &G de Natal, narrativa de experiência

pessoal, língua falada, p.103).

Ao pronunciar o item no primeiro momento a frase foi cortada, isto é, o

informante precisou de tempo para refazer o seu pensamento. Ele reelabora a sua

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fala usando um recurso linguístico que está arquivado em sua memória, por isso o

quando foi pronunciado, e o informante interrompeu o raciocínio. Nesse caso e nos

outros semelhantes, o item quando não foi contado. A frequência, neste contexto, foi

contada apenas uma vez, porque somente o segundo quando , usado na frase

completa, dá ideia de tempo. Em todos os corpora analisados, são muitos os casos

em que há truncamento de fala, isto é, na oralidade o usuário pode contar com

recursos como esse, o que é menos provável na escrita. Nela há uma preocupação

maior do falante pelo fato de saber, que ao ler o texto escrito, o autor nem sempre

está próximo para fazer correções ou refazer o trabalho com a linguagem. Por isso,

há um cuidado maior por parte dos informantes.

Nas próximas amostras, do número 3 ao número 5, as quais foram retiradas

do D & G de Natal, Juiz de Fora e Rio de Janeiro, respectivamente, o item quando

indica a circunstância de tempo. Está fortemente marcada a temporalidade nos três

contextos distintos. Dessa forma, todas as vezes que acontecem casos como esses,

nós contamos o item que realmente manifestar a circunstância, seja ela de tempo ou

não. E percebemos que na maioria dos casos em que o item analisado apareceu,

condizem com a classificação atribuída pela gramática tradicional, ou melhor, essa é

a manifestação que prevalece em todos eles, exercendo o papel que a gramática

normativa apresenta.

Mesmo assim, surgem os outros sentidos já mostrados pelos estudos

citados anteriormente, porém em menos quantidade, mas que contradizem a

padronização do quando como indicador apenas de tempo. Ele surge manifestando

sentidos que variam desde sentido de tempo, perpassando pela condição até

aqueles que representam o sentido de lugar.

Amostra (3)

porque era um desafio... era um...mostrar pra mim que eu já era

homem...que eu já podia caminhar sozinho...longe de meus pais...da minha

terra e tudo mais...essa experiência que você viveu quando saiu de

Fortaleza.... (D & G de Natal, narrativa de experiência pessoal, língua

falada, p. 94)

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Amostra(4)

quando eu... eu me virei pra conversar com(amiga) quando eu voltei a

olhar ele estava caído no chão... (D & G de Juiz de Fora, narrativa

experiencial, língua falada, p. 02)

Amostra(5)

eu vou contar uma história triste... eu tinha um/quando eu estudava no

segundo grau...quando eu fiz meu segundo grau...ali na Escola Estadual

Antonio Prado Junior... na Praça da Bandeira...eu tinha dois amigos...um era

o Jucinei e o outro era o Paulo... (D & G do Rio (a), narrativa recontada,

língua falada, p. 54)

Nessas três amostras, o item quando assume o papel de indicar a

circunstância de tempo, como nos diz a Gramática Tradicional. Ele apresenta um

alto índice de temporalidade e corresponde ao seu sentido tradicional. Por isso, foi a

base de nossa pesquisa buscar saber se, em todos os contextos, o seu sentido é o

mesmo ou se acontece alguma variação. Porém, é importante perceber que mesmo

o quando sendo temporal, ele pode surgir com uma ideia de maior ou menor

temporalidade em outras situações, apresentando uma tendência a exercer outros

sentidos e até mesmo assumir uma função que não é mostrada pela GT, como a

que se encontra na amostra (6):

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Amostra (6)

Tenho um amigo chamado Enéas e ele contou-me que estava vindo da

faculdade em direção a sua casa e quando chegou perto de uma ponte,

começou a observar que estava sendo seguido, logo que percebeu isso, ele

começou a apertar suas passadas. Quando mais andava depressa, o

indivíduo se apressava e desesperando começou a correr, logo que chegou

do outro lado da rua ele percebeu q/ o sujeito também correu a acabou se

deparando com outro indivíduo e sendo cercado pelos dois... (D & G de Juiz de

Fora, narrativa recontada, língua falada, p. 18)

Percebemos que o segundo item quando na amostra (6), (Quando mais

andava depressa, o indivíduo se apressava) assume um caráter mais de proporção

que de tempo. À medida que ele andava mais rápido, o outro que o seguia também

acelerava os passos para que pudesse chegar mais próximo. Diferente do quando

que aparece no primeiro momento na mesma amostra (quando chegou perto de

uma ponte), no momento, na hora em que chegou próximo da ponte, pois uma ação

daquele se altera à medida que a outra também se modifica, aparecendo uma

circunstancia distinta daquela que o quando assume na visão da gramática

normativa. Por isso, não é justo classificarmos as palavras baseando-nos apenas

em frases soltas e isoladas. É no contexto que podemos perceber as várias

possibilidades de funcionalidade de uma palavra.

Podemos, então, compreender que o quando pode surgir de forma mais

temporal e/ou menos temporal, dependendo do contexto em que está sendo usado.

E, em outros casos, pode até assumir verdadeiramente outra classificação, se

apresentar de maneira que desapareça o valor conectivo, mesmo com a indicação

que parece ser de tempo, é apenas uma forma de reforçar da circunstância,

conforme amostra de número 7.

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Amostra (7)

Certo dia o homem ficou só em casa e a mulher dele e os filhos saíram para

acidade, o gato foi encontrado morto na beira da estrada, sujo, mais sem

ferimentos nenhum, o homem pegou o gato e enterrou no cemitério. Quando foi à

noite o homem estava em casa, quando o gato apareceu todo sujo e com miado

esquisito, muito agressivo, e querendo agredir o homem, pegou um cano e

assustou o gato. Quando foi no outro dia a família estava de volta e a filha dele

foi logo perguntando pelo gato, o pai dela inventou uma istória para enganá-la,

mas logo depois a menina ficou insistindo e ele dando desculpas. (D e G de Natal,

narrativa recontada, língua falada, p. 46)

Na amostra (7), aparecem três itens quando. Dois deles aparecem formando

uma expressão instigante: quando foi... Nas duas expressões quando foi à noite e

quando foi no outro dia, o sentido do quando é diferente desse outro: quando o

gato apareceu. Este último indica a circunstância de tempo, já nas duas expressões

anteriores o quando pode até indicar tempo por estar unido à expressão à noite e no

outro dia, no entanto a parte quando foi poderia ser omitida que não prejudicaria o

sentido da frase. “à noite o homem estava em casa e no outro dia a família

estava de volta” A partícula citada desaparece, mas a mensagem da oração é a

mesma, embora menos enfática. Nos três corpora, a frequência desse tipo de

expressão é uma constante, porém ela só aparece com mais ênfase na oralidade,

pode ser uma maneira de reforçar o momento do acontecimento.

4.2 USOS DO QUANDO EM NATAL/RN

No D & G de Natal, encontramos uma frequência de 641 (seiscentos e

quarenta e um) item quando, deixando de contar as formas truncadas, pois o

truncamento é um recurso linguístico muito usado na modalidade da língua falada,

pelo corte voluntário ou não do pensamento ou pelo tempo em que o falante leva

para organizar a fala. Quando há o truncamento, o item que aparece, no primeiro

momento, deixa de concluir a expressão do sentido que vai ser mais evidente na

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forma seguinte. Assim, da frequência encontrada no D & G de Natal, 514

(quinhentos e catorze) apresentam o sentido prototípico temporal, 112 (cento e

doze) com sentido condicional, 6 (seis) proporcional, 8 (oito) de lugar e 1(um)

concessivo. O que constatamos na tabela 1, onde está contido o sentido do item

linguístico, o total de ocorrências e o valor em porcentagem.

TABELA 1 – O QUANDO NO D & G DE NATAL

Relação semântica do item quando

Número de ocorrências

Valor em %

Quando - Sentido de Tempo 514 80,2

Quando - Sentido de Condição 112 17,5

Quando - Sentido de Lugar 8 1,2

Quando - Sentido de Proporção 6 0,9

Quando - Sentido de Concessão 1 0,2

Total 641 100

De acordo com a tabela 1, o sentido mais recorrente do item quando é o que

manifesta o sentido prototípico de tempo, com um total de 514 (quinhentos e

catorze) ocorrências, representando, assim, 80,2% (oitenta virgula dois) por cento.

Em segundo lugar, com 112 (cento e doze) ocorrências, chegando a 17,5%

(dezessete vírgula cinco) por cento, aparece o quando indicando uma circunstância

mais de condição que de tempo. Em terceiro lugar, surge 8 (oito) quando com

sentido de lugar, representando 1,2% (um virgula dois) por cento. Esses números

vão aos poucos desmistificando o pensamento de que o item analisado deve ser

tratado apenas como temporal. Ele, pelo contexto e necessidades comunicativas, vai

assumindo outros sentidos e criando outras possibilidades de uso, com funções

novas para a forma já existente. E, por último, surge 1 ( um ) quando com um valor

concessivo, correspondendo a 0,2% (zero virgula dois ) por cento, do D & G da

cidade do Natal. Quase todos esses sentidos já foram encontrados em estudos mais

recentes como no de Ferreira(2008), com exceção do quando que se faz mais

espacial que temporal, nesse contexto. Ela não faz nenhuma referência ao

surgimento do quando expressando sentido de tempo com sobreposição de lugar.

Depois de apresentar a frequência do quando no corpus da cidade do Natal

através de tabela, trazemos também algumas amostras dos tipos de relação

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estabelecidas pelo quando e seus sentidos. Procedimento esse, que adotamos para

com os outros dois corpora analisados.

Quando com sobreposição do sentido de tempo

Amostra (8)

é ... tem uma que eu vivi quando eu estudava o terceiro ano científico lá no

Ateneu... né... é:: eu gostava muito do laboratório de química... (D & G de

Natal, narrativa de experiência pessoal, língua falada, p. 50).

Nesse caso, de certa forma, fica clara a noção de tempo. Como diz a própria

gramática normativa, a circunstância de tempo é expressa pela conjunção quando

no momento em que ela se refere a tempo. E, nesse caso, o sentido é o mesmo que

“na época”, “no ano”, “no período”. São sinônimos que poderiam substituir o quando

sem nenhum prejuízo para a compreensão da frase, pois mostra que a ideia aqui é

realmente temporal. Uma das formas de confirmarmos esse fato é substituí-lo por

outro advérbio que expresse a noção também de tempo. Para descobrirmos as

outras relações podemos proceder da mesma maneira, substituindo o quando por

outra conjunção que tenha o sentido idêntico ou aproximado.

Quando com sobreposição do sentido de condição

Amostra (9)

eu corro dois dias e três dias eu faço exercícios parado... localizados mesmo...

porque nós temos muitas barras aí ... nós temos paralelas é ... o ... alguns

garotos levam é ... material de alteres ... e então a gente faz um trabalho

localizado e na... eu no meu caso... quando quero... eu corro... (D & G de

Natal, descrição de local, língua falada, p.117).

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Esse é um caso em que a conjunção apresenta um sentido também

condicional além do temporal, pois o quando pode ser substituído por uma

conjunção condicional “se” sem, no entanto, dificultar a compreensão da mensagem.

Fazendo a substituição, teríamos: Se eu quiser eu corro. Se não quiser, se não tiver

vontade, não há carreira nenhuma. O se pode ser o vocábulo da substituição. Há,

portanto, aqui uma intenção de condicionalidade e não apenas de temporalidade,

uma vez que condição e tempo são possíveis simultaneamente.

Mas a condicionalidade não é a única circunstância que foge do padrão

estabelecido pela GT. Existem outros casos em que o item quando se apresenta

com um sentido diferente, por exemplo, na amostra 10, em que ele expressa mais a

ideia de proporção que de tempo. Dessa maneira, é importante, pois, entender o que

significa proporção para a Gramática Normativa para se compreender o que

apresentamos. Para a GT, as conjunções subordinativas proporcionais são aquelas

que expressam a simultaneidade e a ideia de simultaneidade também está atrelada

a tempo, assim, a proporcionalidade da evolução dos fatos contidos na oração

subordinada acontece com relação aos fatos da oração principal. As conjunções

subordinativas proporcionais mais conhecidas são: à proporção que, à medida que,

quanto mais... (tanto) mais, quanto mais... (tanto) menos, quanto menos... (tanto)

menos, quanto menos... (tanto) mais etc. Analisando essas indicações,

compreendemos que o sentido do quando pode ser de tempo com sobreposição de

proporcionalidade de acordo com o que se apresenta da amostra 10

Quando com sobreposição do sentido de proporção

Amostra (10)

então a velocidade é bem pequena ... o floco vai ... vai andando também...

então o que é que vai acontecer? ...quando a velocidade é pequena o floco

é pesado...ele vai:: o floco vai decantar ... certo? por isso que chama

decantador... (D & G de Natal, relato de procedimento, língua falada,

p.198).

Aumentando a velocidade, ou melhor, à medida em que a velocidade é

aumentada, certamente o peso do floco vai diminuindo. Se ele pesa mais porque a

velocidade é pequena, é correto afirmar que o aumento da velocidade faz com que

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esse peso vá aos poucos desaparecendo, isto é, um se modifica à medida em que

o outro passa a se modificar. O que poderia ser dito é que à proporção que uma

coisa vai acontecendo a outra também acontece.

Quando com sobreposição do sentido de lugar

Amostra(11)

Ítalo... mas me diz uma coisa é ... aquela área ali num é muito barulhenta

não ... quando começa o movimento dos carros? não... Marcos... é...

quando nós entramos cinquenta metros da ... Via Costeira ali da ... no lado

direito...nós já não ouvimos nada de carros...(D & G de Natal, descrição de

local, língua falada, p. 122)

Se considerarmos o sentido das palavras que se relacionam com o item

quando, na amostra 11, encontramos uma noção mais de espaço, de lugar que de

tempo. Nesse texto, o informante descreve um local e comenta que

aproximadamente cinquenta metros da Via Costeira, à distância de cinquenta

metros, naquela área, do lado direito, já não se ouvia o barulho de carros. À

distância, naquele local, o barulho de transporte desaparece. Percebemos que o

quando nesse trecho está indicando mais o espaço que percorre para que o barulho

desapareça que do que tempo decorrido. Outro caso mais claro que justifica o uso

do quando com sentido de lugar é o que se apresenta na amostra 12.

Amostra (12)

voltando pro... pro prédio dois tem também a lanchonete...do lado esquerdo

também quando você entra...lá...tem é o auditório...ao lado também tem o

... a sala dos professores...e o prédio dois... voltando pro... pro prédio dois

tem também a lanchonete né ... do lado esquerdo também quando você

entra...lá...tem a lanchonete...tem a secretari/ é a secretaria...tem a

tesouraria... (D & G de Natal, descrição de local, língua falada, p.09)

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O uso do item quando não está indicando a hora em que a pessoa entra

naquela instituição, mas o local; é tanto que o informante vai aos poucos indicando

as referências de extremidade, de localização. Não é só na hora da entrada que

existem a lanchonete, a secretaria, a tesouraria, o auditório. Eles existem

independentemente de sua entrada, enfim esses espaços servem como ponto de

orientação para uma possível situação espacial e não temporal.

Quando com sobreposição do sentido de concessão Amostra (13)

E: você costuma fazer de quê?

I: de... morango... morango e...é...é o que eu costumo fazer mais... até

quando eu tinha a essência dele... geralmente de frutas... natural...

E: frutas?

I: é... porque é natural né...aí fica melhor...(D & G de Natal,relato de

procedimento, língua falada p.287)

O informante diz que costuma preparar a receita com fruta natural, mesmo

tendo a essência, ele prefere a fruta que é natural. O fato de ter a essência em sua

casa não significa que tenha que preparar a receita com ela.

Mesmo apresentando as manifestações do quando com seus diferentes

sentidos, ainda há outras observações importantes a fazer em relação ao uso desse

item linguístico. Nos textos em que os informantes usam outros termos como aí e né,

o uso do item quando diminuiu bastante. Como a conjunção assume o papel de

conector, de fazer a ligação entre as orações ou termos destas, a presença

constante de outros vocábulos utilizados na fala como aí , né e daí vai aos poucos

fazendo desaparecer o uso do quando ou de outras conjunções. Isto é, a fala

possibilita o uso de outros recursos ao informante porque na realidade, algumas

delas t6em de fato, valor conjuntivo.

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Amostra (15)

eu tinha i/ eu tinha” ido pro colégio...aí ti/ aí eu disse assim... “tia...minha irmã

vai bem cedinho pra casa”...aí tia ficou rindo...rindo...aí eu disse... “tia porque

tu tá rindo?” aí tia disse... “porque você me disse com bem muita graça” aí eu

comecei a rir também...tia/aí tia foi soltou todo mundo pra ir pro pátio. (D & G

de Natal, narrativa de experiência pessoal, língua falada, p.427)

Amostra (16)

eu vou contar um filme... que eu assisti faz pouco tempo...um...filme...eu

assisti no cinema...é Mudança de hábito...ele narrava a história de uma

mulher...né... que cantava à noite...cantava em boates...e ela tinha um caso

né...com um homem... que ele ...é... trabalhava...mexia assim com drogas...

não é?... com tráfico...um ladrão assim...né...(D & G de Natal, narrativa

recontada, língua falada, p.276)

Amostra (17)

o que que você tem pra me vender aí de três milhões de dólares?” daí ele

disse...”nada”...daí ele disse... “me arranja um carro” ele arranjou um carro todo

doido de picolé e fugiu com o carro...com a mulher...daí ele tava chupando

picolé...daí o homem chegou perto dele...do lado do carro...daí ele pegou o

picolé...jogou na cabeça do homem... (D & G de Natal, narrativa recontada,

língua falada, p.412-413)

A partir das amostras 15, 16 e 17, constatamos que o uso do quando diminui

nos contextos em que os itens aí né e daí foram usados, como já foi dito

anteriormente. Não é que essas expressões substituam o quando, mas como é

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possível que elas exerçam a mesma função de ligar, conectar acabam por inibir a

frequência do quando, uma vez que outro termo já realizou o trabalho que deveria

ser feito por um conector. Não cabe aqui o estudo dessas partículas, são apenas

constatações que podem ser estudadas e analisadas em momentos distintos, caso

haja interesse de pesquisadores no assunto.

4.3 USOS DO QUANDO NO RIO DE JANEIRO

No D & G do Rio de Janeiro, a frequência do item quando foi de um total de

623 (seiscentos e vinte e três) item quando. Dessa forma, observando a

manifestação do sentido, o total de ocorrências do quando que manifesta o sentido

temporal é de 563 (quinhentos e sessenta e três) o que corresponde a

90,4%(noventa vírgula quatro) por cento, 58 (cinquenta e oito) item quando tem uma

sobreposição de relação condicional o que chega a 9,3 (nove vírgula três) por cento,

1 (um) que se manifesta com valor concessivo e 1(um) estabelecendo a relação de

lugar, que cada um desses dois últimos resultados representa( zero vírgula dois)por

cento, conforme se apresenta na tabela 2

TABELA 2 O QUANDO NO D & G DO RIO DE JANEIRO

Relação semântica do item quando Número de ocorrências

Valor em %

Quando - Sentido de Tempo 563 90,4

Quando - Sentido de Condição 58 9,3

Quando - Sentido de lugar 1 0,2

Quando - Sentido de Concessão 1 0,2

Total 623 100

Se o quando está passando por alguma variação de sentido, acreditamos

que possa ser substituído por outras conjunções que não sejam temporais, o que

justifica a classificação diferente nos corpora do Rio de Janeiro e no de Natal,

daquela que aprendemos nas escolas, isto é, o referido item se apresenta

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assumindo outras funções. Assim, uma multifuncionalidade do quando vai surgindo

e com isso surge também a necessidade de verificarmos se este item está passando

pelo processo de mudança através do uso da língua.

Poderia, portanto, haver orientações nesse sentido tanto nas escolas quanto

nas universidades para que os nossos alunos fossem percebendo a necessidade de

entender que os sentidos das palavras podem estar ligados ao uso que o falante faz

delas. Especialmente, é importante entender função social da língua. Para melhor

entender essa manifestação de sentido do item quando, apresentamos as amostras

que vão de 16 a 19.

Quando com sobreposição do sentido de tempo

Amostra (16)

Eles então foram e interferiram no assalto houve perseguição e troca de tiros

entre meu marido, meu compadre, e os bandidos. Meu marido contou que

quando chegou em uma praça bastante movimentada os bandidos largaram

o carro e fugiram a pé, pois o combustível do carro deles tinha acabado... (D

& G do Rio(b), narrativa recontada, língua escrita, p.107)

Na amostra 16 poderíamos fazer a substituição do quando por expressões

de sentidos semelhantes, como: no momento ou na hora em que ele chegou na

praça. Se o item quando fosse substituído por uma dessas expressões,

perceberíamos que a circunstância de tempo é claramente apontada, nesse caso.

Ele manifesta aqui o sentido que realmente lhe é atribuído pela gramática normativa.

Mas isso não significa que em outros contextos ele se apresente exercendo a

mesma função, o mesmo sentido.

Quando com sobreposição do sentido de condição

Amostra (17)

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no meio de ano assim eu senti falta do outro colégio...Campo Grande...

aí...minha mãe falou que talvez...quando eu passasse/ se eu passasse pro

segundo grau... ela ia me voltar pra lá...mas... que eu passei pra oitava

série...(D & G do Rio (b), relato de opinião, língua falada, p.15 )

O informante já usa o quando como uma condição, pois além de usar a

palavra talvez que indica apenas uma possibilidade, uma dúvida se ele será

aprovado ou não. Para se confirmar a ideia de condição, em seguida, ele ainda faz

uma correção substituindo o quando pela conjunção condicional se e reelabora a

frase “se eu passasse pro segundo grau”

Quando com sobreposição do sentido de lugar

Amostra (18)

Nesse caso, o informante está descrevendo o Rio da Prata. Nessa

descrição, o quando poderia ser substituído pela expressão por onde tem que

passar. A referência a “os morros não são calçados”, pode está assim usada para

determinar o espaço e não o momento em que a pessoa passa por lá. Assim, os

morros e as ruas continuam a existir, no mesmo lugar independentemente de

horário, pois, ao dizer, “as ruas do que temos que passar quando subíamos os

morros não são calçadas, são todas de barros” Se fosse indicada a circunstância de

tempo, será que depois da passagem, as referidas estradas, ruas desapareceriam?

Isso não acontece. Dessa forma, as palavras “envolta”, “cercado de árvores” e “mais

Agora vou descrever como é este lugar: o Rio da Prata possui várias árvores, as

ruas do que temos que passar quando subíamos os morros não são calçadas,

são todas de barros e envolta é cercado de árvores e capins, mais adiante

vamos ver umas pedras granddes que vem escorrendo águas em finas, rios

bem largos com pedrinhas de várias cores (D& G do Rio de Janeiro(b),

descrição de local, língua escrita p. 08)

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adiante” ajudam a indicação de lugar, fazendo com que haja um esvaziamento de

sentido de tempo no referido item.

Quando com sobreposição do sentido de concessão

Amostra (19)

Deus mudou minha vida...eu era...muito...muito...sei lá...às vezes eu estava em

casa com minha irmã...e quando eu estava bêbado ninguém percebia que eu

estava bêbado... (D & G do Rio, relato de opinião, língua falada, p. 127)

O item quando nessa amostra pode ser substituído por uma conjunção

concessiva, que, iniciando uma oração subordinada, se refere a uma ocorrência

oposta à ocorrência da oração principal, não implicando essa oposição em

impedimento de uma das ocorrências (expressão das oposições coexistentes). De

acordo as informações da GT, as conjunções subordinativas concessivas mais

usadas são: embora, mesmo que, ainda que, posto que, por mais que, apesar de,

mesmo quando, etc.

Assim, é possível substituirmos a conjunção quando por qualquer uma das

conjunções concessivas acima e permanecer o sentido de concessão, como nos

exemplos: Embora eu estivesse bêbado, ninguém percebia. Mesmo que eu estivesse

bêbado, ninguém percebia... Dessa forma, vai sendo diminuído o sentido de tempo e

se destacado o de concessão.

4.4 USOS DO QUANDO EM JUIZ DE FORA

O D & G de Juiz de Fora apresenta 114 (cento e catorze) frequência do

quando. Desse número, 108 (cento e oito) estabelecem relação de tempo, o que

corresponde a 94,7% (noventa e quatro vírgula sete)por cento e 3 ( três) itens

quando com sentido de condição, o que equivale a 2,6% (dois vírgula seis)por cento,

2 (dois) quando expressando o sentido de consequência, que corresponde a 1,8

%(um vírgula oito) por cento e 1 (um) quando com sentido de proporção,

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equivalente a 0,9% (zero vírgula nove ) por cento , conforme apresentação da tabela

04.

TABELA 3 O QUANDO NO D & G DE JUIZ DE FORA

Relação semântica do item quando Número de ocorrências

Valor em %

Quando - Sentido de Tempo 108 94,7

Quando - Sentido de Condição 3 2,6

Quando - Sentido de Consequência 2 1,8

Quando - Sentido de Proporção 1 0,9

Total 114 100

Em percentual, dos três corpora analisados, o D & G de Juiz de Fora é o que

apresenta um maior número de itens quando com um total de 94,7% estabelecendo

a relação temporal. A relação de tempo nesse corpus se sobressai, em relação às

demais. No entanto, o surgimento dos novos sentidos atribuídos ao quando pode ser

um indício de tendências à gramaticalização. As amostras que vão do número 20 a

23 expõem manifestações do quando com os respectivos sentidos demonstrados na

tabela de número 3.

Quando com sobreposição do sentido de tempo

Amostra (20)

Depois quando o susto passou, meu pai pegou dois peixes, eu peguei um peixe

e seu amigo também pegou um...(D & G de Juiz de Fora,narrativa de experiência

pessoal, língua escrita, p.64) .

A palavra depois, segundo a GT, é um advérbio de tempo e o verbo passou

e pegou, que se encontram no pretérito perfeito do indicativo, podem ser

considerados um indício de que a relação estabelecida pelo item quando na amostra

é de tempo. A partir do uso do item quando no amostra 20, podemos interpretar

como “no momento em que o susto passou”, “na hora seguinte”,

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“consequentemente”, “após”. Assim, o contexto e as palavras nele utilizadas,

contribuem para uma mudança de sentido do item quando.

Quando com sobreposição do sentido de condição

Amostra (21)

principalmente porque:: não...não rola mais isso... acho que ... eh ... as

pessoas só ficam grávidas quando querem...entendeu? ( D & G de Juiz de

Fora, língua falada, p. 28).

Nessa amostra 21, percebemos que o item quando estabelece mais uma

relação de condição que de tempo, em que o referido item poderia ser substituído

por uma das conjunções condicionais se ou caso. “as pessoas só ficam grávidas se

quiserem”, “caso queiram, as pessoas podem engravidar”. Assim sendo, a frase

permaneceria com o mesmo sentido transmitido pelo informante. Até porque ele

destaca que existem métodos anticoncepcionais hoje e que a pessoa pode ter uma

vida sexualmente ativa sem necessariamente engravidar, ter filhos. A não ser que

queira realmente ter filhos ou que não queiram usar o preservativo, o que

provavelmente levará a uma gravidez.

Já a amostra de número 22 apresenta outro caso de relação estabelecida

pelo item quando: a relação de consequência. Relação essa estabelecida pelas

conjunções que ligam duas orações, sendo que a segunda oração expressa a

consequência de uma situação proclamada na primeira oração. Geralmente, as

orações consecutivas são representadas por palavras (tão)... que, (tal)... que,

(tamanho)... que, (tanto)... que, de forma que, etc. No entanto, esse tipo de oração

está representado por uma conjunção que foge a esse padrão estabelecido pela

gramática normativa. E o quando assume, nesse novo contexto comunicativo, o

sentido de consequência.

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Quando com sobreposição do sentido de consequência

Amostra(22)

Uma vez a minha colega me contou que o namorado dela vinha descendo um

morro super em pé de moto. Estava descendo uma garota também. O

namorado da minha colega foi olhar para esta bendita moça quando

desequilibrou e levou um tombo. (D & G de Juiz de Fora, narrativa recontada,

língua escrita, p. 53).

A queda indicada pela informante foi consequência da “olhada” em que o

moço direcionou a uma outra pessoa, a qual levou o rapaz ao desequilíbrio e, por

isso, ele sofreu um tombo. Segundo a GT, a conjunção consecutiva é aquela que

inicia uma oração na qual se indica a consequência da oração principal, geralmente

um “que” combinado com uma das palavras “tal”, “tanto”, “tão” ou tamanho,

presentes na oração anterior. Contudo, outra conjunção pode expressar a mesma

ideia de consequência sem apresentar essa sequência, como se deu na amostra

acima.

Quando com sobreposição do sentido de proporção

Amostra(23)

Começou a observar que estava sendo seguido, logo que percebeu isso,

ele começou a apertar suas passadas. Quando mais andava depressa o

indivíduo se apressava e desesperando começou a correr... (D & G de Juiz

de Fora, narrativa recontada, língua escrita, p. 18).

A ideia de proporção é mostrar que algo aumenta ou diminui à medida que

isso também vai acontecendo com outra coisa. Geralmente essa ideia é

representada pelas conjunções à medida que, à proporção que... Os passos de um

iam aumentando à medida que o outro também adiantava sua maneira de andar.

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Esse quando estabelece uma proporção. Sentido também diferente do exposto pela

gramática normativa.

4.5 USOS DO QUANDO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Realizamos a leitura de todos os textos que formam os três documentos. E

encontramos uma frequência de (641 quando no D& G de Natal, 623 no do Rio de

Janeiro e 114 no do Juiz de Fora). O número de itens encontrado pode ser, dessa

forma, distribuído pelo total de produções que formam cada corpora, pois quanto

maior o texto, mais possibilidades de uso de um determinado vocábulo.

Com base nos dados coletados, percebemos que o quando surge com

vários outros sentidos nos três corpora analisados. Em nenhum deles apareceu

apenas o quando com sentido prototípico de tempo. Mesmo havendo uma

predominância em todos eles, outros sentidos como o de condição, de concessão,

consequência, proporção e de lugar estão presentes. A constatação desse fato

fortalece a fala de Decat (2001, p. 123) quando diz que o conector quando exerce

outras funções porque todas estas relações lógico-semânticas podem estar

passando por um processo de “esvaziamento semântico”. Certamente é preciso se

esvaziar de alguma coisa que se está preenchido para que se possa se encher de

algo. O tempo e o espaço reconstroem os contextos, as situações comunicativas,

possibilitando essas novas manifestações do item estudado.

A partir dessas constatações, vai se admitindo que podem existir variações

de sentido e vão sendo mostrados os caminhos pelos quais o item quando vem

passando e tem passado ao longo dos anos, até se concretizar o processo de

gramaticalização e, por isso, também se justificam os outros sentidos assumidos por

ele em contextos distintos. Assim, de acordo com as afirmações feitas, a conjunção

pode realmente ter sofrido alterações de sentido através do tempo. O que será

exposto nas tabelas 4 e 5 que apresenta o resumo geral do uso do item quando e

seus respectivos sentidos manifestados nesse trabalho.

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TABELA 4 RESUMO GERAL DO QUANDO NOS CORPORA

O item quando nos corpora Número de ocorrências

Valor em %

Quando - D & G de Natal 641 46,5

Quando - D & G do Rio de Janeiro 623 45,2

Quando - D & G de Juiz de Fora 114 8,3

Total 1378 100

A tabela de número quatro representa o total de item quando que foram

encontrados nos três corpora, e que, após a análise feita, constatamos, na tabela

de número 5, os sentidos por ele assumidos.

TABELA 5 - OS SENTIDOS DO QUANDO NOS TRÊS CORPORA

Relação semântica do item quando Número de ocorrências

Valor em %

Quando - Sentido de Tempo 1185 86,0

Quando - Sentido de Condição 173 12,6

Quando - Sentido de Lugar 9 0,7

Quando - Sentido de Proporção 7 0,5

Quando - Sentido de Consequência 2 0,1

Quando - Sentido de Concessão 2 0,1

Total 1378 100

O total geral de ocorrências do item quando encontrado nos corpora

analisados somou 1.378 (mil trezentos e setenta e oito), sendo 641 no D & G de

Natal, 440 no D & G do Rio de Janeiro (b), 183 no D & G do Rio de Janeiro (a), e

114 no D & G de Juiz de Fora. Desses, 1185 (mil cento e oitenta e cinco)

estabelecem uma relação temporal. Os demais quando apresentam novos sentidos,

como, por exemplo, 173 (cento e setenta e três) itens quando com sentido

condicional, 9 (nove ) espacial, de lugar, 7 (sete) com valor proporciona, 2 (dois) que

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estabelecem relação de concessão e 2 (dois) consecutivo. Sentidos esses não

comentados e nem explorados pela gramática normativa.

Achamos importante citar ainda algumas constatações importantes, as quais

podem nos ajudar na compreensão do resultado geral. Na maioria dos textos da

modalidade oral, aparece um número maior do quando que nos textos escritos. É

também nessa modalidade que se apresenta uma diversidade maior de sentidos,

Todos os informantes desde a classe de alfabetização até o terceiro grau fazem o

uso do item quando. São exigências que a língua faz ao usuário, pela própria

necessidade, uma vez que este não faz uso desses termos somente por querer,

mas porque o uso real da língua possibilita o falante o que mais se adapta ao

momento da fala. Os informantes de alfabetização,por exemplo, usam muito bem as

conjunções no texto oral, como se apresenta na amostra de número 23.

Amostra (23)

aí...quando é ...criança...tem um bocado de brinquedo...quando é adulto

joga tudo fora...((riso)) como a minha mamadeira... eu só tomei mamadeira

até cinco ano...quando foi no meu aniversário... tia colocou no lixo...eu

chorei tanto... e eu fiquei segurando meu primo...( D & G de Natal, relato de

opinião, língua falada, p. 208)

Na amostra 23, a informante usa o item quando com a mesma habilidade

com que os informantes dos outros níveis de ensino também o fazem, mas na

escrita, algumas delas não fazem a ligação das orações com esse conector, pois

para as crianças, a escrita ainda parece ser algo muito complicado, principalmente,

na fase de alfabetização. Para se comunicar através da escrita, é necessário saber

fazer uso de algumas regras que a língua estabelece, o que na infância ainda está

em desenvolvimento. E, na maioria das vezes, o que as crianças conhecem ou

entendem de gramática é o que se ensina na escola e pelo pouco tempo que elas

têm de escolaridade, não apresentam tanta desenvoltura, ou mesmo a habilidade de

organizar as palavras em frases mais longas. E porque, nessa faixa etária, as

construções que elas conseguem através da modalidade escrita são frases curtas, e

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os textos que elas produzem, geralmente, são organizados com pequenas

sentenças como na amostra (24)

Amostra (24)

Eu gosto di se criamsa poqe Eu gamno caiXa de chocolate brico não

arumo casa i gamno briqedo. Aduto e rui poqe não gamna briqedo. (D & G

de Natal, relato de opinião, língua escrita, p.209)

Na amostra 24, o quando não aparece. O texto é a transcrição da

modadlidade falada para a escrita, feita pelo mesmo informante, que aquela

apresenta várias vezes o item em análise, mas desaparecem quando a modadlidade

da língua varia.

4.5.1. O quando nos gêneros textuais

O item quando aparece em todos os gêneros textuais, nos três D & G

analisados, tanto na modalidade oral quanto na escrita. Mas foi na narrativa de

experiência pessoal que apareceu uma maior frequência do item estudado: um total

de 428 (quatrocentos e vinte e oito) ocorrências. Esse fato pode estar diretamente

ligado ao fato desse gênero textual ter como características principais a sequência

temporal dos fatos narrados. Em segundo lugar, aparece muito próxima, a narrativa

recontada com um total de 410 (quatrocentos e dez) ocorrências do item quando. O

terceiro colocado é o relato de procedimento com 201 (duzentos e um), seguido do

relato de opinião com uma frequência de 173 itens e, por último e em menor

quantidade, aparece a descrição de local com 139 ocorrências, uma vez que o

objetivo maior da descrição, é indicar as características existentes e não estabelecer

sequência de fatos como faz a narrativa.

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TABELA 6 – O ITEM QUANDO NOS GÊNEROS TEXTUAIS

GÊNEROS TEXTUAIS Número de ocorrências

Valor em %

Narrativa de experiência pessoal 428 31,7

Narrativa recontada 410 30,3

Relato de procedimento 201 14,9

Relato de opinião 173 12,8

Descrição de local 139 10,3

Total 1351 100

4.5.2 O quando na modalidade oral e escrita

Na modalidade oral, o item quando apresenta uma frequência maior que a

escrita. Ela se sobressai com um total de 1036 (mil e trinta e seis) quando nas

produções orais dos corpora. Na oralidade, o informante tem mais liberdade de

expor o pensamento, sem se policiar tanto quanto o faz na escrita. O sentido que

mais aparece na referida modalidade é o temporal, mas ele não é o único. Surgem

outros como o condicional, proporcional, concessivo e consecutivo. E ele aparece

nos cinco gêneros trabalhados nos corpora.

TABELA 7 - O ITEM QUANDO NA FALA E NA ESCRITA

MODALIDADES Número de ocorrências

Valor em %

Oral 1036 75,2

Escrita 342 24,8

Total 1378 100

Nas tabelas de número 8 a 13 apresentamos os sentidos manifestados pelo

item quando, em todos os níveis de escolaridade.

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TABELA 8 – O QUANDO COM SENTIDO DE TEMPO POR D & G

O quando com Sentido de tempo por D & G

Ensino Infantil

4ª série do Ensino

Fundamental

8ª série do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

D & G de Natal 17 52 101 182 162

D & G do Rio de Janeiro

94 220 102 86 61

D & G de Juiz de Fora

13 21 26 27 21

Total 124 293 229 295 244

No que se refere ao quando com sobreposição de tempo, percebemos que

ele apareceu em todos os níveis de ensino. Até os informantes de Ensino Infantil

usaram uma boa frequência.

TABELA 9 – O QUANDO COM SENTIDO DE CONDIÇÃO POR D & G

O quando com Sentido de condição por D & G

Ensino Infantil

4ª série do Ensino

Fundamental

8ª série do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

D & G de Natal 2 4 28 47 31

D & G do Rio de Janeiro

6 15 20 9 8

D & G de Juiz de Fora

_ _ 1 1 1

Total 8 19 49 57 40

O quando com sobreposição do sentido de condição, aparece nos três

corpora e exceto no Ensino Infantil e na 4ª série do Ensino Fundamental do D & G

de Juiz de Fora.

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TABELA 10 – O QUANDO COM SENTIDO DE PROPORÇÃO POR D & G

O quando com Sentido de proporção por D & G

Ensino Infantil

4ª série do Ensino

Fundamental

8ª série do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

D & G de Natal - - 1 1 4

D & G do Rio de Janeiro

- - - - -

D & G de Juiz de Fora

- - - - 1

Total - - 1 1 5

Com sobreposição do sentido de proporção, o quando é usado pelos

informantes da 8ª série do Ensino Fundamental, no Ensino Médio e no Ensino

Superior. Os outros dois níveis de ensino não apresentam nenhuma frequência do

quando com esse sentido.

TABELA 11 – O QUANDO COM SENTIDO DE CONCESSÃO POR D & G

O quando com Sentido de concessão por D & G

Ensino Infantil

4ª série do Ensino

Fundamental

8ª série do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

D & G de Natal - - - 1 -

D & G do Rio de Janeiro

1 - - - -

D & G de Juiz de Fora

- - - - -

Total 1 - - 1 -

. O quando com sentido de concessão aparece uma vez no Ensino Médio do D

& G de Natal e uma no Ensino Infantil do D & G do Rio de Janeiro.

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TABELA 12 – O QUANDO COM SENTIDO DE LUGAR POR D & G

O quando com Sentido de lugar por D & G

Ensino Infantil

4ª série do Ensino

Fundamental

8ª série do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

D & G de Natal - - 2 3 3

D & G do Rio de Janeiro

- - - 1 -

D & G de Juiz de Fora

- - - - -

Total - - 2 4 3

Pela nossa leitura, o item quando expressa o sentido de lugar e ele aparece

nos três níveis de ensino mais elevados que aparecem na tabela 12. O D & G de

Juiz de Fora não apresenta essa sobreposição de sentido.

TABELA 13 – O QUANDO COM SENTIDO DE CONSEQUÊNCIA POR D & G

O quando com Sentido de consequência por D & G

Ensino Infantil

4ª série do Ensino

Fundamental

8ª série do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

D & G de Natal - - - - -

D & G do Rio de Janeiro

- - - - -

D & G de Juiz de Fora

- - 1 - 1

Total - - 1 - 1

Na 8ª série do Ensino Fundamental e no Ensino Médio apresentam um item

quando expressando o sentido de consequência. Nos outros dos corpora, esse

sentido não é expresso em nenhum dos níveis de ensino.

A análise do sentido do quando por nível de ensino ou escolaridade mostra

que todos os níveis fazem uso do quando seja com uma sobreposição do sentido de

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tempo seja com outros sentidos e quem define o sentido em que o item é usado é o

contexto e a necessidade linguística que o informante tem para se comunicar.

4.5.3 O quando na linguagem dos homens e das mulheres

Dos 1.378 (mil trezentos e setenta e oito) itens quando encontrados nos

corpora analisado 623 (seiscentos e vinte e três) foram usados por pessoas do sexo

masculino O item quando apareceu 755 (setecentos e cinquenta e cinco) vezes, nos

textos de informantes do sexo feminino, tendo as mulheres usado o item quando 132

(cento e trinta e duas) vezes a mais que os homens.

No entanto, essa diferença pode está relacionada ao número de informantes.

Os dois sexos fazem usam do item quando assumindo tanto o sentido de tempo

quanto o de condição, proporção, concessão e consequência. E quanto a variável

sexo, é importante lembrar que esse é um dos aspectos que podem mostrar a

mudança de sentido de determinadas palavras. E as mulheres têm um vocabulário

ou linguagem que difere da linguagem masculina, em alguns casos.

TABELA 13 – O QUANDO NA LINGUAGEM DOS HOMENS E DAS MULHERES

Informantes Masculino/Feminino

Número de ocorrências

Valor em %

Mulheres 755 54,8

Homens 623 45,2

Total 1378 100

Após a análise do item quando, constatamos que há uma forte presença de

duas conjunções juntas sem ser locução, iniciando uma segunda oração. Fato esse

também não comentado e nem estudado pela GT, pois de acordo com as normas

gramaticais, a oração recebe sua classificação de acordo com a conjunção que a

inicia. E foram muitos os casos em que apareceram duas ou mais conjunções

iniciando uma oração. Poderia ser esse um caminho para outra grande e boa

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pesquisa, por isso que não serão expostos e nem comentados nesse trabalho, uma

vez que o nosso foco foi outro.

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CONCLUSÃO

A partir da análise do material escolhido, percebemos que o item quando,

nos corpora D & G de Natal, Rio de Janeiro e Juiz de Fora assume outros sentidos

diferentes daquela classificação atribuída pela Gramática Tradicional, pois enquanto

esta apresenta o item em estudo como conjunção subordinada adverbial temporal,

ele surge assumindo funções distintas. O quando apareceu com valor condicional,

consecutivo, proporcional, concessivo e de lugar como é o caso dos D & G

analisados. Mas para perceber esse fato, precisamos do auxílio de uma teoria

adequada à situação. E foi embasando-nos na abordagem funcionalista que

encontramos esse resultado, pois para o funcionalismo linguístico e sua gramática

devem ser pontos centrais: o uso da língua em relação a todo o sistema, o

significado em relação às formas linguísticas e o social em relação às escolhas

individuais do falante (Cf. NEVES, 2004).

Na investigação feita, no corpus D & G de Natal, obtivemos um total de 641

ocorrências do item quando, sendo que desses 514, corresponde a 80,2% do total e

apresentavam o sentido preconizado pela gramática tradicional: o quando com

sentido temporal; 112, correspondendo a 17,5% por sua vez, apresentavam sentido

de condição; 8, correspondendo a 1,2% do total, apresentavam sentido de lugar; 6,

correspondendo a 0,9% do total, apresentavam sentido de proporção e 1,

correspondendo a 0,2% do total, apresentava sentido de concessão.

No D & G do Rio de Janeiro, a frequência do item quando foi de 440

(quatrocentos e quarenta) no D & G Rio (b) e 183 (cento e oitenta e três) no Rio (a),

ficando a soma das duas partes num total de 623 (seiscentos e vinte e três) itens

quando. Dessa forma, o Rio de Janeiro (b) apresenta 398 (trezentos e noventa e

oito) onde o quando manifesta o sentido temporal, 41(quarenta e um) condicional, e

1 (um) concessivo. Já o Rio de Janeiro (a) apresenta 183 (cento e oitenta e três)

estabelecendo a relação temporal, 17(dezessete) com valor condicional e 1(um) de

com sentido de lugar.

O D & G de Juiz de Fora apresenta uma frequência de 114 (cento e catorze)

itens quando. Desse número, 108 (cento e oito) estabelecem relação de tempo, o

que corresponde a 94,7 (noventa e quatro virgula sete)%, 3 (três) itens quando com

sentido de condição, o que equivale a 2,6 (dois virgula seis) %, 2 (dois) quando

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expressando o sentido de consequência, que se refere a 1,8 (um virgula oito)% e 1

(um) quando com sentido de proporção, equivalente a 0,9 (zero virgula nove )% .

O total geral de itens quando encontrado, nos corpora analisado, somou ao

todo 1.378 (mil trezentos e setenta e oito), sendo 641 no D & G de Natal, 440 no D &

G do Rio de Janeiro (b), 183 no D & G do Rio de Janeiro (a) e 114 no D & G de Juiz

de Fora. Desses, 1185 (mil cento e oitenta e cinco) estabelecem uma relação

temporal. Mesmo assim, surgem outros quando com novos sentidos, como por

exemplo, 173 (cento e setenta e três) itens quando com sentido condicional, 02(dois)

que estabelecem relação de concessão, 7 (sete) com valor proporcional, 2 (dois)

consecutivo e 9 (nove) espacial, de lugar. Sentidos esses, não comentados e nem

explorados pela gramática normativa.

Observamos, na análise que, mesmo exercendo a sua classificação

prototípica de circunstância de tempo, em muitos dos casos, ele aparece

expressando em outras circunstâncias: condição, concessão, proporção,

consequência e lugar. Isso vem confirmar que o Funcionalismo é a teoria linguística

adequada ao nosso trabalho, por tratar do estudo da relação entre a estrutura

gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são

usadas. Esses diferentes contextos em que o usuário da língua se apropria da

palavra para formular o seu discurso tem influência e ajuda a determinar a função

que cada item pode assumir.

A manifestação de novos sentidos para as formas já existentes revelam o

caráter dinâmico da língua, caracterizando-se uma possível variação ou mudança

linguística que acontece por meio do processo da gramaticalização a qual é

estudada através do Funcionalismo. De acordo com pensamento dos estudiosos

dessa corrente teórica, os sentidos das formas linguísticas podem se tornarem

novos dependendo do uso que fazemos, isto é, dependendo da necessidade do

falante já que o discurso comporta formas pré-estabelecidas que, em razão das

situações comunicativas e circunstâncias discursivas, podem ter os seus sentidos

alterados. E, assim, vão surgindo novas funções, num movimento contínuo, uma vez

que a língua não é estática.

E se ela não é estática, há sempre possibilidade de mudanças que, ocorridas

numa determinada língua, precisam ser compreendidas como movimentos iniciados

a partir do momento em que um sujeito produz seu discurso para um interlocutor

particular em situação comunicativa ímpar (Cf. MARTELOTTA, 2003). Desta feita, se

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a gramática da língua a qual também possui restrições, limita a produção discursiva

por um lado, por outro, ela pode constituir um processo criador no qual o falante

pode se utilizar de algumas formas com outros sentidos segundo as restrições de

sua cognição e de acordo com as necessidades impostas pelo contexto. Essas

restrições podem se estabelecerem como situações de mudanças, caso sejam

percebidas, apreciadas e adotadas, ou seja, elas podem se tornar permanentes ou

não. De outra forma, os novos sentidos manifestados pelas palavras estão

associados a forças extralinguísticas de caráter inovador, como o propósito

comunicativo de cada falante, o contexto e a modalidade do gênero textual.

Por tudo isso, é importante observar que, mesmo o sentido prototípico de

tempo, tendo se manifestado ainda com muita frequência, a presença dos demais

sentidos nos três corpora, em todos os níveis de ensino, em todos os gêneros

textuais e na modalidade oral e escrita, se constitui como uma manifestação da

linguagem em uso e pode ser uma tendência do item quando ao processo de

gramaticalização. Esse fato vem reforçar a ideia de que a gramática da língua

origina-se do discurso como é apontado por Givón (2001).

Tudo isso fortalece o que a teoria funcionalista defende, que é direcionar um

olhar para a linguagem em uso, em ação, pois essa forma de olhar as palavras vai

aos poucos mostrando que a gramática tradicional não cobre todas as exigências

que a língua impõe, uma vez que ela sofre alterações dependendo do contexto e

das situações.

Segundo Neves (2004), o Funcionalismo se interessa em analisar como se

dá a comunicação a partir de uma língua natural, ou seja, como os usuários desta

língua se comunicam com eficiência. Isso significa colocar sob exame a

competência comunicativa do falante, levando em conta as estruturas das

expressões linguísticas consideradas como configurações de funções.

Portanto, no Funcionalismo, ao se analisar uma situação comunicativa, são

observados todos os envolvidos no processo: o contexto, os propósitos da fala e os

participantes. Sob essa perspectiva, podemos dizer que o termo função é entendido

como a junção do estrutural (sistêmico) com o funcional (NEVES, 2006).

Com isso, podem ser abertos novos caminhos para que busquemos outros

estudos, outras análises de problemas ou de situações que envolvem o uso da

linguagem. Uma sugestão seria estudar a língua em uso partindo das aulas de

língua portuguesa, tanto nas escolas quanto nas universidades, trabalhando dessa

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maneira, o ensino deixaria de ser artificial, como comumente fazemos quando

apenas reproduzimos o que está nos livros didáticos.

Em outras palavras, se quisermos um ensino produtivo, precisamos

conhecer a função mais importante da língua que não é outra senão a de

proporcionar interação entre os usuários da língua, que atuam ora enquanto

falantes, ora como ouvintes. Consequentemente, deveríamos repassar isso para o

nosso aluno que, aos poucos pode perceber que a gramática de uma língua natural

é dinâmica e flexível, adaptando-se às pressões internas e externas de forma

contínua nas interações.

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