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Estados e fronteiras da informação Luis Tadeu Arraes Paulo Ricardo Torres

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Estados e fronteiras da informação Luis Tadeu Arraes Paulo Ricardo Torres

Estados e fronteiras da informação Luis Tadeu Arraes Paulo Ricardo Torres

TEND~NCIAS

As frases anteriores fazem parte doscomentários das respectivas personalida-des a respeito da recente obra de Walter B.Wriston, O Crespúsculo da Soberania, emque este ex-presidente do Citicorp expõesuas opiniões sobre os impactos destaverdadeira revolução que assola o mundoatual- a da informação instantânea.

A competitividade militar, responsávelpela maior ou menor força relativa das prin-cipais nações, explica a ascensão e a que-da de várias grandes potências no trans-correr da história. Na base destas forçassempre esteve presente a dinâmica dasinovações tecnológicas, o que tem garan-tido a competitividade militar. Foi assimcom o Império Habsburgo após 1500, comos espanhóis e holandeses entre 1660 e1815 e com outras nações como França,Grã-Bretanha, Rússia, Áustria e Prússia.

No século XX, o ritmo da transformaçãotecnológica e das taxas desiguais de cres-cimento intensificaram de maneira irrever-sível o sistema internacional e o seu frágilequilíbrio. Os EUA, o Japão, a Alemanhae a ex-URSS são o símbolo desta era doestado soberano e de opulência na políti-ca externa. Porém, algo no horizonte estámudando esse processo em suas caracte-rísticas básicas de forma irreversrvel.

Um novo paradigma

Recentemente o mundo observou, pas-mo, a queda de toda uma ideologia totali-tária no Leste Europeu. A velocidade dosacontecimentos foi tão estonteante queainda não se dimensiona direito suas cau-sas. Todavia, um dos fatores que delineouessa queda foi, sem dúvida, a impossibili-dade de se praticar um bloqueio da infor-mação, já que as fronteiras são permeá-veis a ela.

A mágica deste novo paradigma está em

promover uma rápida disseminação de infor-mação, que avassaladoramente muda go-vernos e sociedades e os faz perder o poderde manipular suas respectivas moedas, aomesmo tempo que impele as nações paraum sistema mais cooperativo em nível inter-nacional e mais coordenado tanto no âmbi-to de política fiscal quanto monetária.

A extensão do império da informação ins-tantânea aumenta à medida que empresascomo Time, The Economist e CNN se tor-nam globais e, juntamente com elas, as pró-prias populações por elas influenciadas.

A CNN, um destes impérios, estimula oshábitos globais quando, ao transmitir suasnotícias para um terço dos habitantes doplaneta, o faz através de um satélite cons-truído e controlado pelos soviéticos, que opróprio Pentágono utilizava durante aGuerra do Golfo para obter as últimas infor-mações do conflito.

Assim, os impactos da informação se tra-duzem numa mudança dos conceitos anti-gos de soberania: fronteiras são violadascomo se não existissem e de maneira talque se tornaram totalmente permeáveis aradares que perscrutam os espaços aéreosnacionais, assim como a satélites que ob-servam nitidamente qualquer movimenta-ção intrafronteiras.

Pode-se, assim, observar quão cômicoforam os esforços do exército da antigaURSS ao fechar as estações de rádio e oscanais deTV de Leningrado em 1991, sen-do que à sua volta milhares de faxes e fitasde aúdio e vídeo passavam ao mundo ouniverso de fatos que se desenrolavam.Não menos bizarro foi a ocupação ameri-cana do Haiti perante as câmeras da CNN.De forma semelhante o desenrolar realtime das operações no mercado de câmbioentre o megaespeculador George Soros eo Banco Central da Inglaterra, que ocasio-nou a queda da libra esterlina, esclarece demaneira pungente como a tecnologia dainformação desafia até mesmo os Bancos

Centrais dos países desenvolvidos.O aspecto mais importante dessa ten-

dência, e que geopoliticamente tem maio-res implicações, é que não somente ossofisticados mecanismos financeiros ado-tados pelo mercado têm acesso a essastecnologias, mas também o individuo co-mum, representado por milhões, transfor-ma-se numa força imensa e sem controlepor parte do estado e de outras forças po-lítico-econômicas.

Pager, Celular, PDAs e redes

Quando a Motorola desenvolveu opager,seu pequeno e revolucionário aparelha,não imaginava que contribuiria muito maisdo que qualquer poder geopolítico no con-ceito de estado soberano. Através dele, asílenciosa queda de fronteiras é uma rea-lidade tão grande quanto foi a invasão na-zista para o Estado polonês no início daSegunda Guerra Mundial.

O pagerapresenta todas as característi-cas necessárias para ser uma ameaça fa-tal à ordem vigente, já que se reveste deum avanço silencioso e indiscriminado.Acionando-se a central, é possivel saberem tempo real a cotação das ações dasBolsas ou simplesmente enviar recadospessoais. Para se ter a real dimensão dopager basta saber que, até 1993, 20 mi-lhões desses aparelhinhos estavam emuso no mundo. Já no Brasil as estimativassão de que 650 mil pagers estarão em usoaté 1995.

Imaginar um pager ameaçando as gran-des bases geopolíticas mundiais seria su-perestimar uma força inexistente? Prova-velmente não; quando sua operação emnível mundial via satélite já se torna reali-dade e quando as bases dessas forças ge-opolíticas estão sendo corroídas por umconjunto de elementos que juntos formam

40 RAE Light Setembro/Outubro de 1994

um mix poderoso de tecnologias da infor-mação fundamentais à competitividadedos negócios e à melhoria da qualidade devida dos indivíduos.

Até meados dos anos 80, a telefoniacelular era uma ilustre desconhecida dogrande público. Alguns países como Irlan-da, França, Estados Unidos e Japão ape-nas ensaiavam operações-piloto desta re-volucionária inovação tecnológica. Poucosforam os governos que se aperceberamdos impactos econômicos, sociais, cultu-rais, comporta mentais e políticos desta for-ma de comunicação interpessoal. Mesmoos Estados Unidos não foram capazes dese anteciparem à estratégia da Motorola decontornar, via satélite, todo o complexo sis-tema de cobrança de tarifa telefônica con-vencionai norte-americano - e mundial -oferecendo aos usuários da telefonia "mó-vel" um serviço opcional de grande flexibili-dade e custo reduzido.

Como justificar, diante de alternativas tãodescentralizadas de comunicação, a ado-ção de controles que cerceiem a liberdadede utilizar tecnologia da informação, com ointuito de assegurar o papel controlador danação? Da mesma forma, como proibir oudesestimular inovações como PDA? O PDA(Personal Digital Assistant) é um equipa-mento de dimensões de uma fita VHS ondeas funções oferecidas são as de telefone,agenda eletrônica, além de microcomputa-dor. É um aparelho tão sofisticado e práticoque o teclado foi substituído por uma tela decristal líquido, permitindo ao usuário escre-verou desenhar à medida que sua letra é re-conhecida pelo próprio aparelho.

A agressividade da CNN é um outroexemplo a demostrar como a velocidadeda difusão de inovações, com base na tec-nologia da informação, impede regulamen-tações institucionais a tempo de reduzir im-pactos na soberania das nações. A partirde agora, qualquer assinante da CNN quedisponha de algumas centenas de dólares

ESTADOS E FRONTEIRAS DA INFORMAÇÃO

pode receber, em casa, via microcomputa-dor, toda a sua programação jornalística deforma a transformar seu equipamento mul-timídia em TV interativa. Embora, no mo-mento, restrito ao mercado americano, nãohá barreiras tecnológicas para qualquercídadão no mundo interargir com as notí-cias veiculadas por esta rede.

Em nível organizacional, o "downsizing"das informações através de filiais de mul-tinacionais tem provado impactos seme-lhantes. Uma amostra disto é a recente ten-dência da substituição dos grandes main-trames, que vigoraram durante décadas,por plataformas de micros, em rede, maiságeis e independentes.

Ajustificativa para esta tendência é clarajá que sua adoção agiliza processos e reduzcustos. Um maintrame custa em geral 260vezes o valor de uma rede de micros além doque sua manutenção é onerosa, cerca de 20vezes superior à da rede. Os impactos emnível de informações são devastadores, umavez que a popularização destas passa a seracessível a todos os que estiverem tecnica-mente capacitados para obtê-Ias.

Neste exato momento, milhares de in-divíduos espalhados por todas as partes

Luis Tadeu Arraes Lopes é ex-aluno de graduação, Mestre eDoutorando na EAESP/FGV

do planeta, "conversam", via rede de da-dos, trocando informações que vão des-de como identificar selos falsos emitidospor um país até como direcionar a pesqui-sa genética de novas variedades culturaisda cana-de-açúcar. Estas chamadas "in-fovias", integrando empresas e cidadãospor todo o mundo, são uma nova ameaçaàs fronteiras das organizações e dos pode-res constituídos.

Face ao exposto, as corporações e asnações-estado, terão menos poder, deven-do redefinir seu papel diante das exigên-cias que delas serão cobradas.

Nada mudará esse futuro. A única alter-nativa, portanto, é enfrentar os fatos dessaopção mundial. Parafraseando Bismarck,Paul Kennedy, autor de Ascensão e quedadas grandes potências, coloca de formaprecisa o cenário desse horizonte: "Todasessas potências estão viajando no rio doTempo, que não podem criar nem dirigir,mas no qual podem manobrar com maiorou menor habilidade e experiência".

Quais serão estas manobras? É a re-flexão que deverá ser feita pelos dirigen-tes das nações, e a resposta, talvez, indi-que o fim e o início de uma nova era. •

Suplemento da RAE

Paulo Ricardo Torres é ex-a/unode graduação e Mestre pelaEAESP/FGV

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